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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS CENTRO DE ENSINO E PESQUISA APLICADA À EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO NA EDUCAÇÃO BÁSICA LUDMILA SIQUEIRA MOTA VIANA EDUCAÇÃO FÍSICA E LETRAMENTO NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE GOIÂNIA: APROXIMAÇÕES DIALÓGICAS GOIÂNIA 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

CENTRO DE ENSINO E PESQUISA APLICADA À EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO NA EDUCAÇÃO

BÁSICA

LUDMILA SIQUEIRA MOTA VIANA

EDUCAÇÃO FÍSICA E LETRAMENTO NA REDE MUNICIPAL DE

ENSINO DE GOIÂNIA: APROXIMAÇÕES DIALÓGICAS

GOIÂNIA

2017

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LUDMILA SIQUEIRA MOTA VIANA

EDUCAÇÃO FÍSICA E LETRAMENTO NA REDE MUNICIPAL DE

ENSINO DE GOIÂNIA: APROXIMAÇÕES DIALÓGICAS

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Ensino na

Educação Básica do Centro de Ensino e

Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade

Federal de Goiás, para obtenção do título de

Mestre em Ensino na Educação Básica.

Área de Concentração: Ensino na Educação

Básica.

Linha de Pesquisa: Concepções teórico-

metodológicas e práticas docentes.

Orientadora: Profª. Drª. Sônia Santana da

Costa.

GOIÂNIA

2017

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através doPrograma de Geração Automática do Sistema de Bibliotecas da UFG.

CDU 37

Viana, Ludmila Siqueira Mota Educação Física e letramento na Rede Municipal de Ensino deGoiânia: aproximações dialógicas [manuscrito] / Ludmila Siqueira MotaViana. - 2017. cclxxii, 272 f.

Orientador: Profa. Dra. Sonia Santana da Costa. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Goiás, Centrode Pesquisa Aplicada à Educação (CEPAE), Programa de Pós-Graduaçãoem Ensino na Educação Básica (Profissional), Goiânia, 2017. Bibliografia. Anexos. Apêndice. Inclui siglas, fotografias, abreviaturas, tabelas, lista de figuras, listade tabelas.

1. Ensino. 2. Educação Física. 3. Letramento. 4. Alfabetização. I.Costa, Sonia Santana da, orient. II. Título.

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DEDICATÓRIA

Àquela que me mostrou os caminhos da leitura e que podia

viajar nos livros, minha tia Darli Maria Mota (*1945 - †1992).

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AGRADECIMENTOS

Ao Grande Arquiteto do Universo, causa primeira e única de todas as coisas.

À querida professora Sônia, que soube indicar-me os caminhos nessa trajetória.

Obrigada por ser sempre interlocutora e mediadora, sem se impor ou pressionar. Obrigada

pela firmeza doce, pela troca de conhecimentos, pelas palavras de incentivo e por ter tornado

possível este trabalho.

Aos meus pais, alicerces da minha vida, pelo apoio e amor incondicional e por

compreenderem minha ausência e meu cansaço.

Aos meus sobrinhos e afilhados, minha alegria quando tudo parecia desabar. Brincar e

sorrir com vocês foram combustível para seguir em frente.

Aos meus irmãos, sogros, cunhados e cunhadas por torcerem pelo meu êxito. Mesmo

sem perceber, vocês contribuíram para esse momento.

À Sandra e à Sebastiana que, como professoras, compartilharam conhecimentos e

experiências. Nesses anos como colegas de trabalho, aprendi a respeitá-las e admirá-las como

profissionais que contribuíram para constituir-me como professora. Como amigas, vocês

dividiram comigo meus planos, angústias e alegrias.

A todos os meus amigos que me deram apoio e torceram por mim. De uma forma

especial, à Keila, Isaura e Betânia, por me escutarem, incentivarem, lutarem e compartilharem

comigo grandes realizações.

A todos os meus alunos, os atuais e os que já tive, que me auxiliaram e apontaram

questões que me fizeram buscar conhecimentos e refletir sobre meu trabalho. Com vocês, eu

aprendo todos os dias.

Aos colegas e professores do mestrado, pelos conhecimentos que direta ou

indiretamente contribuíram em minha trajetória.

Às professoras Anegleyce Teodoro e Vanessa Gabassa, pela participação na banca

examinadora e por suas contribuições generosas, críticas e enriquecedoras a este trabalho.

E ao meu marido, Galbas Jr., meu companheiro de todas as horas. Desculpe-me pela

falta de atenção, pelas palavras indesejáveis, pelos momentos de desespero, convivendo com

minhas ansiedades e angústias, compartilhando todas as minhas alegrias e frustrações. Você,

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mais do que ninguém, soube dar a palavra de incentivo e me ajudou a perseverar quando eu

parecia não ter mais forças para continuar. Obrigada por ser o porto seguro, o colo de todas as

horas e o abraço que acalma.

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RESUMO

A motivação e o interesse que levaram à proposta desta pesquisa são resultantes de experiências

profissionais e acadêmicas desta pesquisadora tecidas como professora de Educação Física do

agrupamento A, Ciclo I da 1ª fase do Ensino Fundamental na Rede Municipal de Ensino de Goiânia.

Em nossa hipótese, é possível que a Educação Física Escolar não esteja contribuindo com o letramento

das crianças, especificamente nas salas de alfabetização. O presente trabalho busca investigar as

relações entre a Educação Física e o processo de letramento no Ciclo I, tendo com categoria fundante a

interdisciplinaridade entre o professor de Educação Física e o professor pedagogo nos processos de

leitura e escrita. A pesquisa traz, como questionamento principal, a seguinte pergunta: quais as

possibilidades e os limites das práticas pedagógicas em Educação Física na Rede Municipal de Ensino

de Goiânia na sua relação com a leitura e a escrita? Tem-se como objetivo principal investigar como o

professor de Educação Física e o pedagogo trabalham o processo de letramento. Para compreender

essas discussões, optamos por desenvolver a pesquisa tendo como subsídio o método materialista

dialético, que se baseia em uma interpretação dialética do mundo, utilizando como referencial teórico

os estudos de Marx (1998; 2004; 2011), Severino (2007) e Triviños (2015). Para as análises do

pensamento e da linguagem, baseamo-nos em Vygotsky, Luria, Leontiev (2004; 2009; 2014) e

Bakhtin (2006); para as análises sobre o letramento e alfabetização, pesquisamos Soares (2004; 2008;

2012), Kleiman (2012) e Tfouni (2010) e, usamos a contribuição do Coletivo de Autores (2009) para

embasamento na área da Educação Física. Utilizamos Tardif (2014) para compreender as relações

entre os saberes docentes. E, para a construção do produto educacional, a partir da pedagogia

histórico-crítica, respaldamo-nos em Saviani (2008) e Gasparin (2007). A pesquisa foi dividida em

dois campos de atuação: um campo ampliado, no qual investigamos os discursos dos professores-

sujeitos de Educação Física e dos pedagogos, quanto à alfabetização e ao letramento da Rede

Municipal de Ensino de Goiânia (RME), que forneceram elementos que nos auxiliaram na escolha do

campo específico; nesse campo específico, adentramos na realidade de uma escola da RME e

construímos uma proposta de intervenção de prática pedagógica da Educação Física com vistas ao

letramento. Utilizamos como instrumento para a obtenção de informações, questionários

semiestruturados, no intuito de conhecer a interação que esses sujeitos estabelecem com os professores

pedagogos. No campo específico, o lócus da pesquisa foi uma escola da RME-Goiânia, na qual

construímos uma sequência didática da Educação Física com vistas ao letramento. Como resultado

desta pesquisa, verificou-se a ausência de um trato interdisciplinar entre a Educação Física e a

alfabetização nos documentos oficiais, a compreensão da alfabetização e do letramento associado a

práticas mecânicas da leitura e da escrita e percebeu-se que a organização do trabalho pedagógico

impede o trabalho interdisciplinar entre a Educação Física e a Pedagogia. Espera-se, com este

trabalho, promover subsídios acerca do processo de alfabetização e de letramento e a respeito de suas

relações com a Educação Física, na tentativa de redimensionar o significado dessas áreas.

Palavras-chave: Ensino. Educação Física. Letramento. Alfabetização.

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ABSTRACT

The motivation and interest that led to the proposal of this research are the result of the professional

and academic experiences of this researcher woven as a teacher of Physical Education of the grouping

A, Cycle I of the 1st phase of Elementary Education in the Municipal Education Network of Goiânia.

In our hypothesis, it is possible that School Physical Education is not contributing to children's

lettering, specifically in literacy rooms. The present work seeks to investigate the relationships

between Physical Education and the literacy (lettering) process in Cycle I, having as fundamental

category the interdisciplinarity between the Physical Education teacher and the teacher pedagogue in

the processes of reading and writing. The research brings, as main issue, the question: what are the

possibilities and the limits of pedagogical practices in Physical Education in the Municipal Education

Network of Goiânia in its relationship with reading and writing? The main objective is to investigate

how the Physical Education teacher and the pedagogue work the literacy (lettering) process. In order

to understand these discussions, we chose to develop the research based on the dialectical materialist

method based on a dialectical interpretation of the world, using as theoretical reference the studies of

Marx (1998, 2004, 2011), Severino (2007) and Triviños 2015). For the analysis of thought and

language, we will base on Vygotsky, Luria, Leontiev (2004; 2009; 2014) and Bakhtin (2006; 2009),

Kleiman (2012) and Tfouni (2010). We use the contribution of the Collective of Authors (2009) to the

foundation in the area of Physical Education. Tardif (2014) was used to understand the relations

between the teaching knowledge; and for the construction of the educational product, from the

historical-critical Pedagogy, Saviani (2008) and Gasparin (2007) were used. The research was divided

in two fields of action: an extended field, which we investigated the discourses of Physical Education

teachers and pedagogues regarding the literacy and lettering of the Municipal Education of Goiânia

(RME) that provided elements that helped us to choose of the specific field; and a specific field, where

we enter into the reality of an RME school and construct a proposal of intervention of pedagogical

practice of Physical Education with a view to literacy (lettering). We use as instrument to get

information semi-structured questionnaires, in order to know the interaction that these subjects

establish with teachers pedagogue. In the specific field, the research locus was in a RME-Goiânia

school, where we constructed a didactic sequence of Physical Education with a view to literacy

(lettering). As results, we verified the absence of an interdisciplinary treatment between Physical

Education and literacy in the official documents, and a understanding about literacy and lettering

associated with mechanical practices of reading and writing and that the organization of the

pedagogical work impend the interdisciplinary work between the Physical Education and Pedagogy. It

is hoped by this work to promote subsidies about the process of literacy and literacy (lettering) and its

relations with Physical Education, in an attempt to re-dimension the meaning about them.

Keywords: Teaching. Physical Education. Literacy. Lettering.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AEE – Atendimento Educacional Especializado

ANA – Avaliação Nacional da Alfabetização

BUA – Bloco Único de Alfabetização

CEFPE – Centro de Formação dos Profissionais da Educação

CMAI – Centro Municipal de Apoio à Inclusão

CAPES – Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEPAE – Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação

CRE – Coordenadorias Regionais de Educação

DEPE – Departamento Pedagógico

DEFIA – Divisão da Educação Fundamental da Infância e Adolescência

DC – Diretrizes Curriculares

EF – Educação Física

GTE – Grupos de Trabalho e Estudo

IES – Instituições de Ensino Superior

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

MEC – Ministério da Educação

NEE – Necessidades Educacionais Especiais

PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais

PEF-Professor de Educação Física

PNAIC – Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa

PNE – Plano Nacional de Educação

PNLD – Programa Nacional do Livro Didático

PPP-Projeto Político Pedagógico

PP-Professor Pedagogo

PROFA – Programa de Professores Alfabetizadores

RME – Rede Municipal de Ensino

SEA – Sistema de Escrita Alfabética

SME – Secretaria Municipal de Educação de Goiânia

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UFG – Universidade Federal de Goiás

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URE – Unidades Regionais de Educação

ZDP – Zona de Desenvolvimento Proximal

ESEFFEGO – Escola Superior de Educação Física e Fisioterapia de Goiás

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Perfil dos professores pedagogos

QUADRO 2 – Perfil dos professores de Educação Física

QUADRO 3 – Formação dos professores pedagogos

QUADRO 4 – Formação dos professores de Educação Física

QUADRO 5 – Perfil dos professores da escola-campo

QUADRO 6 – Perfil dos professores da escola-campo

QUADRO 7 – Idade das professoras da escola-campo

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LISTA DE IMAGENS / FOTOGRAFIAS

FOTO 1 – Quadra poliesportiva de piso concretado

FOTO 2 – Quadra poliesportiva de piso queimado

FOTO 3 – Pátio da Escola-campo

FOTO 4 – Alfabeto ilustrado

FOTO 5 – Sequência numérica

IMAGEM 1 – Desenho sobre o livro Deu queimada no Cerrado I

IMAGEM 2 – Desenho sobre o livro Deu queimada no Cerrado II

IMAGEM 3 – Desenho sobre o livro Deu queimada no Cerrado III

IMAGEM 4 – Produção de texto: letra cursiva I

IMAGEM 5 – Produção de texto: letra cursiva II

IMAGEM 6 – Produção de texto: letra bastão I

IMAGEM 7 – Produção de texto: letra bastão II

IMAGEM 8 – Produção de texto: desenho I

IMAGEM 9 – Produção de texto: desenho II

IMAGEM 10 – Mural de exposição dos trabalhos dos alunos

IMAGEM 11 – Capa do livro literário trabalhado

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 15

1. APROXIMAÇÕES COM O CAMPO DE PESQUISA........................................... 23

1.1 – O método e a metodologia científica ....................................................................... 23

1.2 – Sujeitos da pesquisa ................................................................................................. 25

1.3 – Entrada no campo ampliado..................................................................................... 27

1.4 – Busca de informações .............................................................................................. 30

1.5 – Perfil dos sujeitos ..................................................................................................... 31

1.6 – O campo específico .................................................................................................. 35

1.6.1 – Caracterização do campo específico .................................................................... 36

3. LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO .................................................................. 96

3.1 – Alfabetização no Brasil ............................................................................................ 96

3.2 – Da alfabetização ao letramento ................................................................................ 102

3.3 – As práticas sociais de letramento ............................................................................. 108

3.4 – Aproximações dialógicas no discurso das professoras ............................................ 116

3.4.1 – Conceitos e concepções de alfabetização e letramento das professoras Pedagogas ........ 117

3.4.2 – Conceitos e concepções de alfabetização e letramento das professoras de Educação

Física .............................................................................................................................................

125

3.4.3 – Articulações entre as professoras de Educação Física e Pedagogas: a questão da

interdisciplinaridade......................................................................................................................

131

2. EDUCAÇÃO FÍSICA E LETRAMENTO ............................................................... 42

2.1 – Educação Física e o ser social: um pouco de história .............................................. 43

2.2 – Educação Física e letramento na atualidade .......................................................... 55

2.3 – Educação Física e sua relação com a linguagem ................................................... 61

2.4 – Educação Física e letramento ................................................................................. 68

2.5 – Aproximações dialógicas no discurso das professoras ............................................ 76

2.5.1 – Conceitos e concepções de Educação Física das professoras ............................. 77

2.5.2 – Interações entre as professoras de Educação Física e Pedagogas ...................... 88

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4 – ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NOS DOCUMENTOS OFICIAIS .... 140

4.1 – Alfabetização e letramento nos PCNs ..................................................................... 140

4.2 – Os ciclos de formação e desenvolvimento humano em Goiânia ............................. 145

4.3 – Alfabetização e letramento nas Diretrizes Curriculares da SME Goiânia ............... 149

4.4 – A Educação Física nas Diretrizes Curriculares da SME Goiânia ............................ 157

4.5 – O Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa .......................................... 159

4.6 – O PPP da escola campo e a alfabetização ................................................................ 166

4.7 – Aproximações dialógicas das professoras-sujeitos e os documentos oficiais ......... 173

4.7.1 – A percepção das professoras do campo ampliado sobre a proposta pedagógica da SME

Goiânia: o ecletismo teórico .........................................................................................................

175

4.7.2 – A percepção da proposta pedagógica da SME Goiânia pelas professoras do campo

específico .......................................................................................................................................

182

5. A EDUCAÇÃO FÍSICA E O LETRAMENTO: UMA PROPOSTA DE

INTERVENÇÃO ............................................................................................................

194

5.1 – O método e a metodologia científica........................................................................ 194

5.2 – Observação do campo específico ............................................................................. 196

5.3 – Proposta de intervenção: letramento em Educação Física ....................................... 205

5.3.1 – Finalizando a proposta, iniciando novas possibilidades .................................................. 230

5.4 – Continuidade da proposta de intervenção ................................................................ 233

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 241

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 250

APÊNDICES ................................................................................................................... 261

ANEXOS .......................................................................................................................... 270

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação é resultado de um trabalho que vem sendo tecido durante

minha1 trajetória profissional e acadêmica desde 2010, ano em que comecei a trabalhar como

professora de Educação Física de crianças do agrupamento A, Ciclo I da 1ª fase do Ensino

Fundamental na Rede Municipal de Goiânia. Nesse percurso, envolvi-me em estudos e

pesquisas e procurei desenvolver práticas que permitissem a compreensão da disciplina

Educação Física como um importante componente nos processos de alfabetização e

letramento das crianças na escola, algo que garantisse, em seus espaços e conteúdos, a forma

como o conhecimento é tratado na Educação Física. Nessa perspectiva, esse tipo de estudo e

pesquisa permite aprendizagens importantes, pois, como afirma Taffarel (2009, p. 1), “o

letramento em Educação Física significa dominar conhecimentos, estrutura de disciplina,

hábitos e competências globais para agir no mundo”. Desse modo, entende-se que esse

“letramento” em Educação Física está ligado ao seu aspecto geral, não a uma espécie de

letramento corporal, de domínio e destreza corporal, ou seja, não se restringe a atuação apenas

ao desenvolvimento psicomotor e socioafetivo, mas refere-se à compreensão das práticas

culturais, das produções de conhecimento e da participação ativa dos sujeitos no âmbito da

cultura corporal. Portanto, acreditamos que o letramento em Educação Física deve considerar

o ser humano como uma totalidade indissociável entre corpo e mente que opera sobre as

capacidades cognitivas e linguísticas.

Atuar nos anos iniciais do Ensino Fundamental na Rede Municipal de Educação

(RME) de Goiânia me motivou a conhecer melhor o que seria a alfabetização, seus objetivos e

sua função. Na tentativa de aprofundar conhecimentos relacionados com os processos de

desenvolvimento da leitura e escrita, no sentido proposto pelas Diretrizes da RME, participei

espontaneamente do curso “Programa de Integração Curricular – Alfabetização: leitura e

escrita”, oferecido em 2010 pelo Centro de Formação dos Profissionais da Educação da RME.

1 Usaremos, em alguns momentos da dissertação a primeira pessoa do discurso para falar sobre minha a

experiência profissional.

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A partir do curso, realizei um estudo sobre a Educação Física na alfabetização, sem

que a área perdesse sua especificidade, no curso de Especialização em Educação Física

Escolar, oferecido pela Universidade Estadual de Goiás – Unidade Universitária da Escola

Superior de Educação Física e Fisioterapia do Estado de Goiás (ESEFFEGO). Tal estudo

possibilitou maior clareza de que a Educação Física escolar deve preocupar-se com a

formação integral dos(as) estudantes, atuando nos aspectos motor, cognitivo, afetivo e social,

o que requer planejamento de atividades para ampliar e aperfeiçoar a leitura do próprio corpo

e do mundo que cada pessoa é capaz de fazer.

Ao término do curso de especialização, atuei de forma mais sistemática e em parceria

com outras professoras na escola em que trabalhava sob o aspecto do letramento, o que

possibilitou a inserção da Educação Física nas atividades de letramento na escola e também

permitiu contrapor a afirmação de colegas professores de que a nossa disciplina não tem

vinculação com a leitura e a escrita.

Porém, a afirmação de que a Educação Física não possui vinculação com o letramento

levou-nos a outras indagações, tais como: que concepções de alfabetização/leitura e escrita

norteiam as práticas pedagógicas dos(as) professores(as) de Educação Física? Como (os)as

professores(as) têm organizado o trabalho pedagógico, particularmente no que se refere aos

processos de ensino e aprendizagem e, mais especificamente, em relação à leitura e escrita?

Como a leitura e a escrita são trabalhadas nas aulas de Educação Física? Os(as)

professores(as) realizam seus planejamentos envolvendo o processo de leitura e escrita ou

planejam apenas conteúdos que podem ser considerados específicos da Educação Física? Que

articulações têm com a literatura educacional relacionada com a leitura e a escrita? Que

aspectos da leitura e da escrita conseguem trabalhar com mais facilidade? Que dificuldades

enfrentam para a realização de atividades que envolvem a leitura e a escrita? Que articulações

têm com a proposta do Ciclo I da RME? Como estão colaborando com os processos de leitura

e escrita, na perspectiva das Diretrizes Curriculares da RME de Goiânia? Essas são questões

que orientaram a nossa investigação e constituem o pano de fundo no qual tem origem o

nosso objeto de estudo.

Em nossa hipótese, é possível que a Educação Física Escolar não esteja contribuindo

com o letramento das crianças, especificamente nas salas de alfabetização. Ou seja, nosso

questionamento baseia-se na afirmação de Taffarel (2009) de que a “escola não está

proporcionando possibilidades de atividade humana inteligente, racional e desalienadora”, no

Ciclo I do Ensino Fundamental, período inicial de escolarização.

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A Educação Física nas séries iniciais, na perspectiva do letramento, permite ao

educando conhecer, participar, explicitar e entender de modo prático, útil, o seu contexto

social, ampliando as suas possibilidades de atuação e intervenção na sociedade. Nesse sentido,

iniciar o curso de Mestrado em Ensino na Educação Básica do Centro de Ensino e Pesquisa

Aplicada à Educação (CEPAE) da Universidade Federal de Goiás (UFG), percebendo o

letramento como uma contribuição para a ampliação e o aperfeiçoamento da leitura do mundo

feita pelo aluno, foi fundamental para tentar elucidar questões sobre a temática “Letramento e

Educação Física”. Além disso, a pesquisa que se desenvolveu a partir dessas questões

permitiu-nos discutir as concepções do professor de Educação Física e sua função social

docente e contribuir para o processo de produção do conhecimento.

Observamos, a partir da prática na escola com as séries iniciais, uma vinculação da

Educação Física com a alfabetização restrita ao seu aspecto psicomotor, de aquisição da

lateralidade e coordenação motora fina ou resumida a atividades recreativas, que tiram o

aluno da sala de aula para vivenciar a infância através das brincadeiras no pátio ou na quadra.

Além disso, a experiência com a linguagem escrita na escola está resumida ao uso do sistema

grafofônico de codificação e decodificação, desprivilegiando outras linguagens apreendidas e

vivenciadas pela criança ao longo de sua inserção no universo letrado.

Desse modo, compreendendo a importância das práticas alfabetizadoras para a

formação do educando, não apenas aquelas que se restringem à apropriação da leitura e

escrita, mas também aquelas relacionadas ao desenvolvimento da capacidade de compreensão

dos signos alfabéticos e de seus sentidos nas interações sociais, defendemos que uma proposta

de Educação Física não pode ser limitada a somente desenvolver habilidades motoras. Tal

perspectiva pode se tornar problemática, pois desconsidera fatores como a inserção cultural e

a forma como o corpo/sujeito se relaciona com essa cultura. Por isso nos dedicamos na

realização deste estudo, sustentando que a congregação de conhecimentos das diversas áreas

aponta para a contribuição da Educação Física no processo de alfabetização dos alunos dos

primeiros anos do Ensino Fundamental, pois consideramos o ser humano como uma

totalidade indissociável entre corpo e mente que também opera sobre as capacidades

cognitivas e linguísticas.

A partir dessas questões e reflexões que nos acompanharam durante esse processo de

estudo, temos como tema central da pesquisa a seguinte questão: quais as possibilidades e os

limites das práticas pedagógicas em Educação Física na RME de Goiânia na sua relação com

a leitura e a escrita?

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Para discutir as possibilidades e limites da Educação Física no âmbito do Ciclo I na

SME Goiânia, analisaremos as representações sociais das concepções sobre a alfabetização,

letramento e a educação física dos professores. Nesse sentido, atribuímos como objetivo

principal da pesquisa aqui apresentada a investigação sobre como o professor de Educação

Física e o pedagogo trabalham o processo de letramento. Propomo-nos como objetivos

específicos: desvelar o discurso sobre a alfabetização que perpassa a fala dos(as) sujeitos

professores(as) de Educação Física; analisar as relações entre alfabetização e Educação Física

expressas nos discursos dos(as) professores(as) e nos documentos Diretrizes Curriculares da

RME, Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa, Diretrizes Curriculares para

Educação Física do Ministério da Educação (MEC); investigar como o(a) professor(a) de

Educação Física e o professor(a) pedagogo(a) podem trabalhar de forma interdisciplinar nos

processos de leitura e escrita; construir uma proposta de intervenção de prática pedagógica da

Educação Física com vistas ao letramento na escola.

Para compreender um pouco mais sobre essas discussões, optamos por desenvolver a

pesquisa tendo como subsídio o método materialista dialético, que se baseia em uma

interpretação dialética do mundo, utilizando como referencial teórico os estudos de Marx

(1998; 2004; 2011), Severino (2007), Frigotto (1997) e Triviños (2015). Além disso,

buscamos a contribuição de autores da abordagem histórico-cultural que trabalham a questão

da linguagem, dos jogos e das brincadeiras, como Bakhtin (2006), pela compreensão que este

tem de linguagem e de signo, da mesma forma que Vygotsky (1991; 2009), que faz uma

discussão sobre a criança e seu processo de aprendizagem e desenvolvimento. Foram usados

também Vygotsky, Luria e Leontiev (2005; 2014), que fazem uma discussão sobre a

aprendizagem da leitura e da escrita. Amparamo-nos também em Freire (1967; 1989; 2015) e

nas autoras Kleiman (2012) e Soares (2004; 2008; 2012), como aporte teórico para uma

melhor compreensão dos processos de alfabetização e do letramento. Ademais, fizemos uso

da contribuição do Coletivo de Autores (2009), para embasamento na área da Educação

Física, e de Tardif (2014), para compreender as relações entre os saberes docentes. Por fim,

para a construção do produto educacional, a partir da pedagogia histórico-crítica, amparamos

nossa pesquisa em Saviani (2006; 2007; 2008), Gasparin (2007) e no modelo de sequenciador

de aulas de Palafox (2000; 2004).

A temática da leitura e da escrita, a discussão sobre sua importância e sua

compreensão crítica permeiam os estudos sobre a alfabetização, o que reflete também sobre o

analfabetismo, pois tais conceitos produzem efeitos sobre a sociedade tanto no aspecto

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cultural, político, quanto economicamente. Fato é que as políticas públicas endereçadas às

campanhas e aos programas de alfabetização tiveram sua gênese no início do século XX, se

intensificaram a partir da Constituição de 1988, com a promessa de que haveria esforços para

que o analfabetismo fosse extinto, o que não aconteceu. De lá para cá, o debate a respeito da

crise da alfabetização perpassa pressupostos e valores relativos à sua significação e utilidade:

a ideia de que alfabetização é simplesmente um processo mecânico que enfatiza

excessivamente a aquisição de habilidades de leitura e escrita, contrapondo-se à visão da

alfabetização como um conjunto de práticas culturais que promove a mudança democrática e

emancipadora.

O surgimento da palavra letramento na atualidade ocorre como uma ressignificação à

concepção de alfabetização como política cultural. Trata-se, na verdade, de uma expressão já

utilizada por Paulo Freire (2015) que se refere ao ato de ler e escrever como forma de

transformar o mundo. Nessa perspectiva, compreendemos que a alfabetização não pode ser

reduzida ao mero lidar com as letras e as palavras, em uma esfera puramente mecânica, mas

deve ser encarada como a relação entre os educandos e o mundo, mediada pela prática

transformadora que tem seu lugar na escola (FREIRE; MACEDO, 2015).

Para Freire (2015), a leitura do mundo precede a leitura da palavra, da mesma maneira

que o ato de ler palavras implica necessariamente uma contínua releitura do mundo, ou seja,

implica aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não um ato mecânico de

palavras, mas, uma relação dinâmica entre linguagem e realidade. Além disso, a

aprendizagem da leitura e da escrita é ato de educação, e a educação, nesse sentido, é um ato

político.

E o que isso tem a ver com a Educação Física? Partindo da concepção sobre a cultura

corporal que envolve o homem como uma totalidade, a Educação Física, como área do

conhecimento teorizado na escola, tem a possibilidade de levar o aluno a ampliar seu campo

de experiências, a incentivá-lo na conquista da autonomia, levando-o a desenvolver a

consciência crítica e a vivenciar o sentido da responsabilidade social. E sobre isso tentaremos

discutir também neste trabalho.

Na organização desta pesquisa, no capítulo 1, “Aproximações com o campo da

pesquisa”, apresentamos a metodologia, o tipo de pesquisa e os dados dos sujeitos

entrevistados. A pesquisa foi dividida em dois campos de atuação: um campo ampliado e um

específico. No primeiro investigamos os discursos dos professores-sujeitos de Educação

Física e dos pedagogos, quanto à alfabetização e ao letramento da Rede Municipal de Ensino

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de Goiânia (RME), os quais forneceram elementos que nos auxiliaram na escolha do campo

específico. Nesse campo, adentramos na realidade de uma escola da RME e construímos uma

proposta de intervenção de prática pedagógica da Educação Física com vistas ao letramento.

Finalizando o capítulo, para ambientar o leitor, é descrito como ocorreu a entrada nos campos

de pesquisa e os instrumentos de que lançamos mão para levantar informações sobre o perfil

profissional dos sujeitos participantes, sua formação, tempo de trabalho e sua vinculação com

a alfabetização.

No segundo capítulo, “Educação Física e letramento”, exibimos as concepções

teóricas da Educação Física relatando, de forma sucinta, sua historicidade enquanto

componente curricular na escola, sua relação com a linguagem e os processos de letramento

na tentativa de estabelecer conexões entre ambos pelo viés da linguagem e da visão do

homem como ser social. No terceiro capítulo, “Letramento e alfabetização”, procuramos

discorrer sobre letramento e alfabetização, uma vez que não se pode falar de um em

detrimento do outro, situando-os e discutindo alguns de seus métodos e conceitos. Finalizando

o primeiro momento da pesquisa, no quarto capítulo, “Alfabetização e letramento nos

documentos oficiais”, apresenta-se sucintamente o que os Parâmetros Curriculares Nacionais

disponibilizam a respeito da alfabetização. Também é feita uma breve análise do Pacto

Nacional para Alfabetização na Idade Certa, trazendo seus objetivos e blocos de conteúdos

propostos. Além disso, mostramos o percurso da discussão curricular da Secretaria Municipal

de Educação de Goiânia, os Ciclos de Formação e Desenvolvimento Humano, de forma a

elucidar as concepções de alfabetização e letramento e como a Educação Física é concebida

pela Rede Municipal de Ensino de Goiânia. Ademais, é estabelecida a análise da proposta

político pedagógica da escola-campo2.

Na pretensão de desenvolver um trabalho no qual teoria e prática se relacionam

constituindo-se como práxis, foram analisados os dizeres dos sujeitos pesquisados, agrupando

as informações obtidas conforme a temática no interior de cada capítulo. As informações

foram analisadas conforme o contexto em que nossos sujeitos estão inseridos, situados no

campo da pesquisa ao qual eles se referem, se campo ampliado ou campo específico,

buscando estabelecer diálogos entre os discursos dos sujeitos com o aporte teórico levantado.

Além disso, também foi mostrado como os conceitos acerca da Educação Física, alfabetização

e letramento são abordados na escola-campo na visão de seus professores-sujeitos.

2 Utilizaremos a expressão escola-campo para designar o campo específico da pesquisa, a escola na qual

realizamos as atividades de observação, construção e aplicação do produto educacional.

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No capítulo 5, “A Educação Física e o letramento: proposta de intervenção”, cumpre-

se a quarta etapa do método materialista dialético elencado por Frigotto (1997), no qual se

descreve o esforço do investigador em estabelecer as conexões, mediações e contradições dos

fatos que constituem a problemática pesquisada, buscando superar as impressões primeiras,

passando-se, assim, para o plano concreto que expressa o conhecimento apreendido da

realidade. Nesse sentido, no capítulo 5, são abordados os procedimentos teórico-

metodológicos adotados nesta investigação através da exposição das informações colhidas no

campo específico, obtidas por meio da observação, registros no diário de campo das aulas de

Educação Física na escola-campo, relatos e desenvolvimento das atividades e suas

peculiaridades, objetivando propiciar uma aproximação do leitor ao cotidiano do lócus

específico. Por fim, é apresentado o produto educacional construído e aplicado através de uma

sequência didática da Educação Física desenvolvida sob a perspectiva do letramento.

Como último momento do método materialista dialético que Frigotto (1997) descreve

como “síntese da investigação”, que “é a exposição orgânica, coerente, concisa das múltiplas

determinações que explicam a problemática investigada” (Frigotto, 1997, p. 88), trazemos,

então, as “Considerações finais” a respeito das análises, reflexões e informações obtidas no

decorrer desta pesquisa, apresentando uma síntese dos principais resultados interpretados com

base nos pressupostos teórico-metodológicos, indicando possíveis conclusões da pesquisa,

assim como os possíveis caminhos que ela nos aponta.

Os estudos sobre a relação interdisciplinar da Educação Física com a Pedagogia têm

sua relevância no contexto atual, em que a unidocência e a desvalorização das demais

licenciaturas e áreas do conhecimento nas séries iniciais imperam. Esse é um fato não muito

distante da nossa realidade, pois, em Goiás, nas escolas estaduais que oferecem a 1ª fase do

Ensino Fundamental, a aula de Educação Física passa a ser ministrada apenas pelo professor

pedagogo, um retrocesso gigantesco, não somente para a área da Educação Física, mas

também para a educação de nosso Estado e de suas crianças.

Além disso, com a realização de uma análise sobre o estado da arte das pesquisas que

envolvem a Educação Física e o letramento, percebe-se que essas pesquisas não apontam na

direção da interdisciplinaridade entre a Educação Física e o campo da Pedagogia no processo

de letramento na 1ª fase do Ensino Fundamental. Assim, ao dedicarmo-nos a este trabalho,

acreditamos que investigar como o(a) professor(a) de Educação Física e o(a) pedagogo(a)

trabalham o processo de letramento contribui para o processo de produção do conhecimento

no campo da educação.

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Assim, espera-se, com este trabalho, promover subsídios acerca do processo de

alfabetização e letramento e suas relações com a Educação Física, trazendo reflexões, análises

e críticas, especialmente sobre o modo como o professor vem sendo compreendido em

diversos contextos históricos e, mais especificamente, nas produções acadêmicas dedicadas a

investigar o significado dessa prática social. Além disso, pretende-se oferecer uma

possibilidade de trabalho articulado entre essas áreas do conhecimento, na tentativa de

redimensionar o significado e as interpretações sobre essas áreas.

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1. APROXIMAÇÕES COM O CAMPO DA PESQUISA

Em sua obra Introdução à pesquisa em ciências sociais, Trivinos (2015) explica-nos

sobre a importância de se obter informações gerais sobre o local no qual se desenvolverá a

parte empírica de uma pesquisa. Por isso, para estruturar nossa pesquisa, foi necessário colher

informações sobre as suas principais características e compreender a respeito de qual lugar

estamos falando e quem são os atores sociais presentes nessa investigação. Assim, definimos

como campo investigativo da pesquisa a escola e seus(suas) professores(as) de Educação

Física e pedagogos(as). Tal escolha tem sua importância porque, por meio desse campo,

poderemos vislumbrar como os processos de leitura e escrita têm sido tratados e

compreendidos pelos(as) professores(as) do Ciclo I da Rede Municipal de Educação (RME)

de Goiânia.

Assim, neste capítulo, procuramos caracterizar os procedimentos e a seleção de coleta

de informações que orientaram nossa pesquisa, de modo a oferecer subsídios para

compreender a trajetória investigativa. Será descrito como ocorreu a entrada nos campos da

pesquisa (ampliado e específico) e serão abordados os instrumentos de investigação e a

caracterização e perfil dos sujeitos. Dessa maneira, aproximamo-nos da realidade a fim de

conhecer os atores sociais envolvidos e situar o leitor no contexto em que o fenômeno

investigativo ocorre.

1.1 – O MÉTODO E A METODOLOGIA CIENTÍFICA

Conforme Sousa (2014), o método serve de referencial específico para sustentar novas

ideias, questões e hipóteses de trabalho e os meios de investigá-lo. Assim,

o método configura-se como a condição epistemológica que permite ao pesquisador

produzir conhecimentos que dizem respeito à essência do fenômeno estudado, de

forma sistemática e rigorosa como um ato vivo, concreto, que se revela nas nossas

ações, na nossa organização do trabalho investigativo. (SOUSA, 2014, p. 313)

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A pesquisa científica é uma atividade que torna possível elaborar conhecimentos

acerca da realidade. Porém, como nos explica Severino (2007), não basta seguir um método e

aplicar técnicas para se completar o entendimento do procedimento geral da ciência, “esse

procedimento precisa referir-se a um fundamento epistemológico que sustenta e justifica a

própria metodologia praticada” (SEVERINO, 2007, p. 100). Faz-se necessário, portanto, que

os métodos e os procedimentos auxiliem o pesquisador a elaborar uma compreensão

apropriada do tema em estudo e que coadunem com a forma como ele concebe a realidade.

Para o desenvolvimento desta pesquisa, tomamos como subsídio o método materialista

dialético. Esse método “apresenta-se como um referencial propício para aproximação ao

conhecimento e explicação da realidade, da vida e da natureza, porque permite analisar e

compreender as estrondosas e rápidas mudanças da economia, da política e da sociedade”

(RODRIGUES, 2014, p. 133). Além disso, ele revela uma aproximação da cientificidade com

a realidade, à medida que ele propicia o estabelecimento de uma relação dinâmica entre o

sujeito e o objeto, bem como o reconhecimento da luta de contrários como fonte de

conhecimento. Como nos explicam Cunha, Sousa e Silva (2014), a interpretação da realidade

pelo método em questão caracteriza-se pelo movimento do pensamento por meio da

materialidade histórica da vida dos homens em suas relações sociais. “Pesquisar significa,

assim, refletir acerca da realidade social tomando como referência o empírico e, por meio de

sucessivos movimentos de abstração (elaborações teóricas), chegar ao concreto” (CUNHA;

SOUSA; SILVA, 2014, p. 2).

O paradigma dialético, segundo Severino (2007, p. 116), vê a reciprocidade entre

sujeito/objeto como uma interação social que vai se formando ao longo do tempo histórico.

Ou seja, o conhecimento não é entendido isoladamente, mas como uma práxis, uma ação

histórica e social. Frigotto (1997, p. 79) aponta como ponto de partida, no método materialista

dialético, os fatos empíricos que são dados pela realidade. Isso proporciona o conhecimento

da realidade histórica, que é, ao mesmo tempo, também de apropriação teórica, crítica,

interpretação e avaliação dos fatos.

Na tentativa de responder à pergunta problematizadora e atingir os objetivos traçados,

delineamos a pesquisa inserida na pesquisa prática. Segundo Demo (1985), a pesquisa prática

é ligada à práxis, ou seja, à prática histórica, no que diz respeito a usar conhecimento

científico para fins explícitos de intervenção.

Kosik (2002) nos explica que o método dialético “trata da coisa em si” e, para

aprender as leis dos fenômenos na sua totalidade concreta, é necessário tomar como ponto de

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partida os fatos empíricos que nos são dados pela realidade. O seguinte passo implica superar

as impressões primeiras do empírico e ascender às suas leis fundamentais. Assim, o ponto de

chegada passa ser o concreto pensado. Por isso, a dialética da totalidade concreta não é um

método que oferece um panorama total da realidade: “é uma teoria da realidade e do

conhecimento que dela se tem como realidade” (KOSIK, 2002, p. 44).

A atitude do pesquisador, segundo Thiollent (2011), deve ser sempre uma atitude de

“escuta e de elucidação dos vários aspectos da situação, sem imposição unilateral de suas

concepções próprias” (THIOLLENT, 2011, p. 24). Optar por uma investigação que se

desenvolva no interior da escola implica, nessa perspectiva, penetrar na cultura docente, a fim

de buscar o significado das informações para os próprios atores sociais envolvidos. Nesse

caso, busca-se, especificamente, pensar a respeito de como se estabelecem as relações e os

saberes dos professores de Educação Física e pedagogos acerca do letramento.

Uma vez que o pensamento humano sobre uma verdade objetiva é um problema

prático, nascido da realidade concreta, é na prática que tentamos responder à indagação inicial

desta pesquisa: quais as possibilidades e os limites das práticas pedagógicas em Educação

Física na RME de Goiânia na sua relação com a leitura e a escrita? Estabeleceremos como

eixo de análise para responder a questão central, as relações pedagógicas entre os professores

de Educação Física e Pedagogos acerca do letramento, tendo como foco a

interdisciplinaridade.

Apresentaremos a seguir nosso campo de pesquisa e seus sujeitos para uma melhor

compreensão dos condicionantes da práxis.

1.2 – SUJEITOS DA PESQUISA

Tendo como um dos objetivos específicos o desvelamento do discurso sobre a

alfabetização que perpassa a fala dos sujeitos professores de Educação Física e a compreensão

de como esse professor e o docente pedagogo podem trabalhar de forma interdisciplinar nos

processos de leitura e escrita, apresentaremos o lócus e os sujeitos da pesquisa de forma mais

sistemática neste tópico.

Para nossa aproximação com a realidade, ambientamos este estudo em dois campos:

um ampliado, que investigou os discursos dos professores-sujeitos de Educação Física e

pedagogos quanto à alfabetização e ao letramento da Rede Municipal de Ensino de Goiânia

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(RME), e um campo específico, que buscou conhecer a realidade de uma escola da RME, na

qual construímos uma proposta de intervenção de prática pedagógica da Educação Física com

vistas ao letramento. Portanto, ao mesmo tempo em que são realizados o diagnóstico e a

análise de uma determinada situação, serão propostas aos sujeitos envolvidos mudanças que

permitirão um aprimoramento das práticas educativas.

No campo específico, tivemos como objetivo apreender e analisar as concepções de

letramento, na forma como elas se materializam no cotidiano escolar por meio de práticas

educativas dirigidas aos alunos das turmas “As”, investigando em um lócus delimitado como

o professor de Educação Física e o professor pedagogo trabalham interdisciplinarmente os

processos de leitura e escrita. A partir da imersão em uma escola-campo, o objetivo foi o de

construir uma proposta de intervenção de prática pedagógica da Educação Física com vistas

ao letramento na escola.

No campo ampliado, nosso objetivo era entrevistar um(a) professor(a) de Educação

Física que trabalhasse com os primeiros anos do Ensino Fundamental (Ciclo I, turma A) e

um(a) professor(a) pedagogo(a)/alfabetizador(a) que também lecionasse para os primeiros

anos, das escolas municipais de Goiânia, exceto as de tempo integral, pois estas possuem uma

organização do trabalho pedagógico diferentes das outras escolas. Nossa intenção era

estabelecer a relação entre os saberes docentes dos profissionais da Educação Física com

outros professores pedagogos dentro da Rede Municipal de Ensino de Goiânia de forma

representativa em cada região da cidade. Essa fase da pesquisa foi realizada entre os meses de

setembro a novembro de 2015.

Os critérios para a seleção dos sujeitos foram dois: trabalhar com os primeiros anos de

escolarização e ser efetivo no quadro funcional. Outro critério elencado foi o tempo de

magistério no Ciclo I; a princípio, professores(as) que estivessem por dois anos ou mais

lecionando em turmas As (1º ano do Ensino Fundamental). Mas, em algumas situações, não

foi bem o que encontramos. Em determinadas escolas, havia professores que estavam

lecionando pela primeira vez nas séries iniciais do Ensino Fundamental, tanto pedagogos(as)

quanto professores(as) de Educação Física. Por isso, em alguns casos, entrevistamos

professores com pelo menos cinco anos de experiência no Ciclo I e outros que tinham apenas

um ano de turma A.

A respeito do “lócus da pesquisa”, Trivinos (2015) nos orienta que, para um bom

andamento da investigação, é necessário que o pesquisador converse com as autoridades

diretamente ligadas aos locais onde pretende realizar seu estudo, sobre as suas intenções, bem

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como a respeito dos objetivos da pesquisa. Seguindo esse conselho, no primeiro momento, foi

necessário organizar as instituições e os sujeitos e fazer um levantamento para descobrir quais

escolas de cada região de Goiânia tinham, em seu quadro de servidores, professores efetivos

atuando no Ciclo I para fazer as entrevistas e que não tivessem pesquisas em andamento, pois

não era nosso interesse ser mais um “estranho” dentro da instituição. Entramos em contato,

então, com o Departamento Pedagógico (DEPE) da Secretaria Municipal de Educação (SME)

de Goiânia, que encaminhou uma lista com o nome de dez escolas (duas de cada CRE). Foi

escolhida apenas uma escola por região, utilizando, como critério de inclusão, as que se

dispuseram a nos receber no campo.

1.3 – ENTRADA NO CAMPO AMPLIADO

A intenção de se ter um campo ampliado teve como objetivo a obtenção de uma visão

geral sobre a RME-Goiânia. Entendemos que isso não nos possibilita realizar

aprofundamentos, por não oferecer um corpus tão extenso que nos permita fazer

generalizações com segurança. Em contrapartida, o campo ampliado oportuniza uma

apreensão geral sobre a RME-Goiânia e viabiliza uma aproximação com o campo específico.

Além disso, o estudo no campo ampliado possibilita a escolha, conforme os critérios

levantados, do campo específico, uma vez que temos condições de retirar, dentre as escolas

selecionadas, a que se apresenta com condições para desenvolvermos o trabalho conforme o

método, pois foi percebida uma homogeneidade nas escolas do campo ampliado, tal qual na

escola do campo específico devido às perguntas do questionário de pesquisa.

A entrada no campo foi realizada com cuidado e atenção, pois, segundo Neto (2001, p.

55), os grupos envolvidos não são obrigados a uma colaboração sob pressão. Se o

procedimento se dá dessa forma, trata-se de um processo de coerção que não permite a

realização de uma efetiva interação. É importante ressaltar que a entrada nas escolas se deu

por indicação da Secretaria Municipal de Educação, fato que gerou em algumas delas certo

desconforto. Na verdade, ficava subentendido nos gestos e nas falas das diretoras uma

negativa à pesquisa. Mas, ao mesmo tempo, elas não poderiam negá-la, porque já havia a

anuência e indicação da própria SME, à qual elas estão subordinadas. Para minimizar esse

mal-estar, explicamos que só faríamos a pesquisa se houvesse a permissão da escola,

independentemente de a Secretaria ter autorizado nossa entrada.

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Em todas as escolas-campo e com todos os professores-sujeitos, foram esclarecidos os

objetivos da pesquisadora, a atuação no campo e a delimitação dos sujeitos pesquisados, como

colaboradores voluntários para a realização do nosso estudo. Em todas as conversas, foi

informado que o projeto referente a essa investigação havia sido aprovado pelo Comitê de

Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Goiás (UFG) e, em obediência a esse Comitê,

esclarecemos às professoras que os dados obtidos seriam avaliados e não seria permitida a

identificação pessoal, garantindo o anonimato e a privacidade. No final da exposição, foi

solicitado que elas assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE),

conforme exigido pelo Comitê de Ética da UFG (Anexo C). Importante lembrar que, mesmo

tendo assinado o TCLE, a identidade das regionais, das escolas e dos(as) professores(as) será

preservada. As Coordenadorias Regionais de Educação (CRE), antes chamadas de Unidades

Regionais, que compõem o quadro da SME Goiânia serão identificadas como CRE associada

a uma letra e serão descritas como: CRE-A, CRE-B, CRE-C, CRE-D e CRE-E.

O primeiro contato com as escolas deu-se via telefone para agendamento de reunião

com a direção para apresentação da pesquisa e para esclarecimento a respeito dos

procedimentos de aplicação dos questionários aos professores. Dentre todas que foram

contatadas, apenas uma escola da CRE-C não aceitou a pesquisa. Em nossa conversa, foi

esclarecido sobre o projeto e como seria a entrada no campo, porém, de forma bastante direta,

a coordenadora não autorizou nossa entrevista com os professores-sujeitos, justificando que a

escola já estava recebendo um grupo de 10 estagiários/acadêmicos, além de uma pesquisadora

que estava presente na escola desde o início do ano de 2015, e que, portanto, nossa presença

alteraria a rotina da escola. Além disso, haveria o desgaste dos professores em atender tantos

pesquisadores. Não satisfeitos, retornamos a ligação, aguardando falar pessoalmente com a

diretora, na tentativa de contra-argumentar no sentido de mostrar que a entrada na escola não

alteraria a rotina pedagógica, mas obtivemos novamente uma recusa, e essa escola, então,

entrou nos critérios de exclusão da pesquisa.

Com as demais escolas, após o primeiro contato, foi agendada a ida às instituições. A

princípio, os(as) diretores(as) solicitaram o termo de anuência da SME e, antes de marcar uma

visita à escola, conversaram previamente com a coordenadora pedagógica e com os

professores-sujeitos da pesquisa sobre a aceitação da nossa entrada no campo. Em todas as

escolas-campo regionais, a direção e a coordenação foram bastante receptivas. Destacamos

aqui a importância da apresentação da proposta de estudo aos grupos envolvidos. Trata-se,

conforme Neto (2001, p. 55), de estabelecer uma situação de troca: os grupos são esclarecidos

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sobre aquilo que pretendemos investigar e a respeito das possíveis repercussões favoráveis

advindas do processo investigativo.

Como citado anteriormente, uma escola da CRE-C negou-se a participar da pesquisa,

por isso entramos em contato com outra escola indicada pela SME para realização do estudo.

Assim como as demais, o primeiro contato com a escola foi via telefone e com agendamento

para visita. No dia marcado, o(a) diretor(a) não estava presente na escola e fomos recebidos

pela coordenadora pedagógica, e esta foi bastante solícita. Após a explicação da pesquisa e

dos procedimentos, os questionários e o TCLE foram entregues aos professores-sujeitos com

agendamento da busca na próxima semana.

Na escola da CRE-D, foi marcada a primeira visita e fomos recebidos pela

coordenadora pedagógica que também se mostrou solícita. Antes de entrar em contato com os

professores-sujeitos da pesquisa, foi explicado a ela como seriam os procedimentos, que era

apenas a aplicação do questionário/entrevista, sem observação do campo, e apresentamos o

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) juntamente com os objetivos da

pesquisa. A coordenadora mostrou-se favorável, porém solicitou que deixássemos o

questionário para que os professores-sujeitos respondessem previamente, sem a nossa

presença na escola, pois tiraria o tempo de estudo e planejamento dos professores-sujeitos

para atender aos pesquisadores. Esse fato repetiu-se em todas as escolas em cada um dos

Centros Regionais. Deixamos, então, o questionário e aguardamos o retorno da escola, com o

horário agendado de acordo com a disponibilidade dos professores-sujeitos, para a devolução

do documento respondido.

Na visita à escola da CRE-A, fomos recebidos pela diretora que demonstrou certo

receio com a participação da escola na pesquisa, mas ela permitiu a nossa entrada no campo,

pois a escola havia sido indicada pela Secretaria Municipal e ela poderia contribuir com a

SME. Fomos apresentados à coordenadora pedagógica com quem trataríamos a partir de

então. Após a explicação sobre a pesquisa e os procedimentos, os questionários e o TCLE

foram entregues aos professores-sujeitos com agendamento da busca na próxima semana.

Em relação à escola da CRE-E, o agendamento para ir ao local foi feito duas vezes,

porém a diretora cancelou, já que não estaria na escola para nos receber. Na terceira tentativa,

a diretora nos recebeu e nos apresentou à coordenadora pedagógica, com quem tratamos a

partir de então. Esclarecemos informações a respeito da pesquisa, dos procedimentos e do

TCLE. Os questionários foram deixados para serem respondidos pelos sujeitos e, após um

prazo, eles retornaram. Devido a alguns contratempos, como licença-médica de alguns

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professores-sujeitos, não conseguimos a devolutiva dos questionários e, três meses após a

minha primeira visita à escola, a coordenadora pedagógica avisou-nos da desistência da

pesquisa.

No que diz respeito à escola da CRE-B, num primeiro momento, a diretora não queria

nossa presença no local, pois já estava recebendo um grupo de dez estagiários/acadêmicos de

Educação Física da Universidade Federal de Goiás. Esclarecemos que a entrada no campo não

iria interferir na rotina da escola, não haveria observações e intervenções. A diretora, então,

autorizou a entrada no campo e fomos recebidos pela coordenadora pedagógica, que foi

atenciosa e providenciou o primeiro contato com os professores-sujeitos. Explicamos à

professora de Educação Física todos os procedimentos das pesquisas. Ela pediu que

deixássemos o questionário e, assim que estivesse respondido, entraria em contato. A

professora pedagoga, um pouco mais tímida e reservada, também se dispôs a colaborar e foi

esclarecida sobre os objetivos e os procedimentos. Ambas assinaram o TCLE e, após três

semanas, buscamos os questionários.

1.4 – BUSCA DE INFORMAÇÕES

Para ter acesso ao fenômeno a ser estudado e cumprir o objetivo proposto da pesquisa,

lançamos mão de instrumentos de informações, como questionários, entrevistas e observação

das aulas do professor de Educação Física, para conhecer a realidade a ser investigada.

Conforme Severino (2007), as técnicas de busca de informações, que poderão

constituir um dado, são procedimentos operacionais que servem de mediação prática para a

realização da pesquisa. No caso deste estudo, foi aplicado um questionário com cada um dos

professores, composto de questões abertas e fechadas, com o objetivo de levantar o perfil

profissional dos sujeitos participantes e as concepções relacionadas ao trabalho docente,

verificando se há um trabalho em conjunto desses sujeitos no processo de letramento.

Foi aplicado um questionário (anexos A e B) com cada um dos professores, composto

de questões abertas com o objetivo de levantar o perfil profissional dos sujeitos participantes e

as concepções relacionadas ao trabalho docente, verificando se há um trabalho em conjunto

desses sujeitos no processo de letramento, conforme os objetivos traçados neste estudo.

De acordo com Severino (2007, p. 125), questionário “é um conjunto de questões,

sistematicamente articuladas, que se destinam a levantar informações escritas por parte dos

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sujeitos pesquisados, com vistas a conhecer a opinião dos mesmos sobre os assuntos em

estudo”. As ideias expressas pelos sujeitos nos questionários aplicados foram analisadas e

articuladas mediante o aporte teórico no qual se baseia esta pesquisa. Além disso, foram

estabelecidas relações com as apreciações dos documentos oficiais, tais como as Diretrizes

Curriculares da RME, o Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa e as Diretrizes

Curriculares para Educação Física do Ministério da Educação (MEC).

1.5 – PERFIL DOS SUJEITOS

Após a aplicação dos questionários, organizamos o Quadro 1 e Quadro 2, nos quais

apresentamos o perfil dos professores entrevistados. Por uma questão ética da pesquisa, os

sujeitos estão no anonimato, caracterizados apenas por PP (professor pedagogo), PEF

(professor de Educação Física) e por um número de identificação, para que as informações

aqui citadas não causem qualquer tipo de constrangimento aos participantes, conforme a

Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS) 466/12, que trata da pesquisa

envolvendo seres humanos.

Tardif (2014) nos explica que a questão da identidade do trabalhador interfere tanto na

organização do trabalho quanto na organização social, na medida em que essa identidade

funciona de acordo com a imposição das normas e de regras que definem os papéis e posições

dos atores. Dessa forma, constatamos em nosso primeiro contato com os campos de pesquisa

a identidade feminina em todos os nossos sujeitos professores encontrados na pesquisa. Tal

incidência coincide com o relatório da UNESCO3 (2004), que traz o conceito de feminização

do magistério no que se refere à participação maciça de mulheres nos quadros docentes. Não

adentraremos na questão sócio-histórica da identidade feminina do magistério, porém é uma

característica relevante dos nossos campos de pesquisa por contribuir com a identidade social

de nossos sujeitos. Assim, utilizaremos, a partir de então, os pronomes e artigos definidos no

feminino.

Os estudos de Huberman (1995) fazem referências aos “anos da carreira” docente e

visam a compreender melhor o destino profissional dos professores, bem como as

determinantes desse destino. O autor encontrou sequências tipo no desenvolvimento da

carreira do professor e as classificou em etapas básicas, de acordo com os anos de carreira,

3 UNESCO. O perfil dos professores brasileiros: o que fazem, o que pensam, o que almejam. Pesquisa Nacional.

São Paulo: Moderna, 2004.

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lembrando que estas não devem ser tomadas como fases lineares, mas concebidas por meio de

uma relação dialética. Dessa forma, temos: entrada na carreira (um a três anos de docência) –

fase de sobrevivência, descoberta e exploração; estabilização (quatro a seis anos) – sentimento

de competência e pertença a um corpo profissional; diversificação ou questionamentos (sete a

25 anos) – estágio de experimentação, motivação, busca de novos desafios e/ou momento de

questionamentos e reflexão sobre a carreira; serenidade e distanciamento afetivo e/ou

conservadorismo e lamentações (25 a 35 anos) – pode levar ao conformismo ou ao ativismo;

e, por fim, fase de desinvestimento, recuo e interiorização (35 a 40 anos) – pode ser sereno ou

amargo. Obviamente que a pesquisa implica uma generalização, mas não uma absolutização

dos dados.

Pode-se observar no Quadro 1 – Perfil das Professoras Pedagogas, que são professoras

efetivas da RME-Goiânia, que estas têm, no máximo, cinco anos de docência na Rede, porém

com pouco tempo de Ciclo I. Podemos considerar que essas professoras estão ainda na fase de

construção da identidade do professor alfabetizador, apesar de já terem passado pela fase de

estabilização da carreira como efetivas, que é de três anos segundo o Plano de Carreira do

Magistério da Prefeitura de Goiânia. Esse fato não desvaloriza sua prática pedagógica e nem a

diminui, mas é um fator que caracteriza os sujeitos encontrados na pesquisa. Sobre essa

temporalidade da prática pedagógica do professor, Tardif (2014) nos diz que o saber do

professor é adquirido em contextos de sua história de vida e no decorrer de sua carreira,

“carreira essa compreendida como um processo temporal marcado pela construção do saber

profissional” (TARDIF, 2014, p. 20). Portanto, categorizar esse dado incide sobre a questão

da identidade e subjetividade dos professores, que se tornam o que são de tanto fazer o que

fazem.

QUADRO 1 – Perfil das Professoras Pedagogas

Identificação dos

Sujeitos

Tempo de

SME

Tempo de Ciclo I CRE

PP-1 5 anos 3 anos CRE-A

PP-2 1 ano e meio 1 ano e meio CRE-B PP-3 4 anos 4 anos CRE-C PP-4 5 anos 1 ano CRE-D PP-5 Desistiu da

pesquisa

Desistiu da

pesquisa

CRE-E

FONTE: Dados da pesquisa.

Em contrapartida, no Quadro 2 – Perfil das Professoras de Educação Física, as

participantes são efetivas há, no mínimo, quatro anos e, desde seu ingresso na RME-Goiânia,

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sempre atuaram no Ciclo I. Esse dado se contrapõe à ideia inicial da pesquisa, em que se

questionava a escassez de professores(as) de Educação Física para atuar na referida etapa do

Ensino Fundamental. Consideramos essas professoras, num primeiro momento, como

conhecedoras da proposta pedagógica da Rede, devido ao seu tempo de atuação na educação

municipal, especificamente no Ciclo I, uma vez que, habitualmente, sentíamos a ausência de

um trabalho duradouro da Educação Física nessa fase de ensino.

QUADRO 2 – Perfil das Professoras de Educação Física

Identificação dos

Sujeitos

Tempo de

SME

Tempo de Ciclo I CRE

PEF-1 15 anos 15 anos CRE-A

PEF-2 8 anos 8 anos CRE-B PEF-3 4 anos 4 anos CRE-C PEF-4 6 anos 6 anos CRE-D

FONTE: Dados da pesquisa.

Observamos, ainda, sobre a categoria temporalidade de nossos sujeitos, que a média

de idade das professoras Pedagogas é de 35 anos. Já em relação às professoras de Educação

Física, temos duas professoras com média de idade de 32,5 anos e outras duas professoras

com média de idade de 47 anos, conforme podemos observar no Quadro 3 – Idade das

Professoras de Educação Física e Pedagogas, logo abaixo.

QUADRO 3 – Idade das Professoras de Educação Física e Pedagogas

Coordenadoria

Regional

Idade

PP PEF

CRE-A 34 anos 51 anos

CRE-B 42 anos 30 anos

CRE-C 34 anos 35 anos

CRE-D Não respondeu 43 anos

FONTE: Dados da pesquisa.

A idade encontrada no campo ampliado varia entre 35 a 50 anos para as professoras de

Educação Física, e há uma variação de 30 a 40 anos para as professoras Pedagogas. Se

comparadas com o tempo de ensino dessas professoras, percebemos que as PEF encontram-

se, em sua maioria, variando entre a fase de estabilização da carreira, a fase de serenidade,

enquanto que as PP encontram-se variando entre a fase de sobrevivência e a fase de

estabilização.

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Ressaltamos que essas relações entre idade cronológica e fase da carreira dos

professores não podem ser determinantes, pois afirmar que todos os professores passam pela

mesma sequência de fases, dentro da mesma ordem, determinada pela idade cronológica é

desconsiderar as condições de vida e de trabalho, as interações sociais e a vontade individual

de cada professor ao longo de seu ciclo de vida. Huberman (1995), nesse sentido, demonstra

em seus estudos que há uma variável entre a idade cronológica do professor com a fase da

carreira em que este se encontra, afirmando que essa relação não é homogênea.

Há uma infinidade de fatores de natureza não maturacionista (não fisiológica, não

biológica, não psicológica) que necessariamente influem sobre o indivíduo ao longo

da vida, de tal modo que uma “sequência” ou uma “fase” pode resultar

simplesmente das expectativas sociais ou da organização do trabalho.

(HUBERMAN, 1995, p. 52)

Levantamos também o ano de conclusão dos cursos de graduação e pós-graduação

latu-senso das professoras-sujeitos, exposto no Quadro 4, na tentativa de identificar se haveria

alguma discrepância entre ano de formação e tempo de magistério e se as mesmas buscaram a

formação continuada. Observamos que as professoras Pedagogas possuem mais de dez anos

de formação e com menor tempo de atuação na Rede Municipal de Goiânia, conforme visto

nos Quadros 1 e 2 e que todas elas buscaram especializar-se, porém em áreas diversas. Sem

entrar no mérito da pós-graduação, consideramos que apenas a PP-3 possui uma formação

continuada específica de sua área de atuação, que é a alfabetização.

QUADRO 4 – Formação das Professoras Pedagogas

Identificação

dos Sujeitos

Graduação Ano de

Conclusão

Pós-graduação

Latu senso

Ano de

Conclusão

PP-1 Pedagogia 2003 Psicopedagogia 2005

PP-2 Pedagogia 2003 Artes Visuais Não citou

PP-3 Pedagogia 2006 Educação Infantil e

Alfabetização

2012

PP-4 Pedagogia 2004 Métodos e Técnicas de Ensino Não citou

FONTE: Dados da pesquisa.

Também para as professoras de Educação Física, foi levantado o mesmo perfil, ano de

conclusão dos cursos de graduação e pós-graduação, como demonstrado no Quadro 5.

QUADRO 5 – Formação das Professoras de Educação Física

Identificação

dos Sujeitos

Graduação Ano de

Conclusão

Pós-graduação Ano de

Conclusão

PEF-1 Educação 1987 Educação Escolar 1992

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A metade das professoras de Educação Física pesquisada possui vinte anos como

egresso e com formação continuada específica para sua atuação na escola. Duas pós-

graduações que nos chamaram a atenção foi a de Engenharia Corporal, que visa à hipertrofia,

ao emagrecimento e à definição muscular, e a de Multiprofissional em Saúde da Família,

voltada para a temática da promoção da saúde e tratamento de doenças por meio das ações de

atendimentos às famílias no ambiente domiciliar. Ambos os cursos têm como foco as ciências

da saúde que, de alguma forma, pouco contribuem pedagogicamente na prática da escola.

1.6 – O CAMPO ESPECÍFICO

Neto (2001, p. 53), com base em Minayo (1992), concebe o campo de pesquisa como

o recorte que o pesquisador faz em termos de espaço, representando uma realidade empírica a

ser estudada a partir das concepções teóricas que fundamentam o objeto da investigação.

Assim, para ter acesso ao fenômeno a ser estudado, no campo específico da pesquisa, o lócus

definido foi a escola da CRE-D que concordou com o termo de anuência e que possuía os

critérios de inclusão (professores efetivos de Educação Física e pedagogos do Ciclo I). Além

disso, a escola apresentou disponibilidade e consentimento para a realização da pesquisa que

se constituiu de observações, entrevistas, aplicação de questionários às professoras de

Educação Física da primeira fase do Ensino Fundamental e aplicação da proposta de

intervenção de prática pedagógica da Educação Física com vistas ao letramento.

Ao buscar compreender as relações entre os saberes dos professores de Educação

Física e pedagogos acerca do letramento, objeto da presente pesquisa, percebemos ser

necessário apreender e analisar as concepções de letramento, na forma como elas se

materializam no cotidiano escolar por meio de práticas educativas dirigidas aos alunos das

turmas “As”. Isso indicou a necessidade de ouvir as professoras que trabalham com esse

agrupamento, ou seja, as professoras das turmas de alfabetização do Ciclo I: professora

Física Engenharia Corporal 2013

PEF-2 Educação

Física 2007 Métodos e Técnicas de Ensino Não citou

PEF-3 Educação

Física 2007 Multiprofissional em Saúde da

Família

Não citou

PEF-4 Educação

Física 1996 Educação Física Escolar 2000

FONTE: Dados da pesquisa.

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pedagoga referência e a professora de Educação Física, que foram ouvidas na aplicação do

questionário. Porém, delimitamos a observação do campo à professora de Educação Física,

recorte que teve como justificativa o enfoque que nos propomos a fazer, isto é, o de construir

uma proposta de intervenção de prática pedagógica da Educação Física com vistas ao

letramento, algo que permitisse o vislumbre de nuances importantes do desenvolvimento de

como os processos de leitura e escrita têm sido tratados e compreendidos pela professora de

Educação Física no Ciclo I da RME de Goiânia.

Durante os meses de outubro a dezembro de 2015, realizamos as atividades de

observação, aplicação do questionário e entrevista com a professora de Educação Física.

Ainda no campo específico, além da aplicação do questionário, realizamos a

observação das aulas do sujeito professor de Educação Física, pois, para Frigotto (1997), isso

proporciona o conhecimento da realidade histórica, que é, ao mesmo tempo, também de

apropriação teórica, crítica, interpretação e avaliação dos fatos. Na verdade, a observação “é

todo procedimento que permite acesso aos fenômenos estudados” (SEVERINO, 2007, p.

125), e isso exige uma atenção especial do pesquisador e do registro diário do campo

estudado.

O diário de campo forneceu elementos para a análise e para a compreensão das

possibilidades de leitura da realidade. Esse diário

é um instrumento ao qual recorremos em qualquer momento da rotina do trabalho

que estamos realizando, onde podemos colocar nossas percepções, angústias,

questionamentos e informações que não são obtidas através da utilização de outras

técnicas. (NETO, 2001, p. 63).

Foi utilizado também o gravador somente após uma relação de confiança já

estabelecida com a professora de Educação Física. Iniciamos nossa participação na escola em

19 de outubro de 2015. Após pedir permissão à professora e às crianças, começamos as

observações das aulas.

1.6.1 CARACTERIZAÇÃO DO CAMPO ESPECÍFICO

A escola definida para observação da realidade e aplicação da proposta de intervenção

de prática pedagógica da Educação Física com vistas ao letramento localiza-se região oeste de

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Goiânia, sob a coordenação da CRE-D. Atualmente possui 540 alunos matriculados4

distribuídos nos agrupamentos da educação infantil: turma de 5 anos, Ciclo I (crianças de 6 a

8 anos) e Ciclo II (crianças de 9 a 11 anos), no turno vespertino; e o Ciclo II e III (crianças de

12 a 14 anos), no turno matutino. No foco desta pesquisa, priorizamos no Ciclo I as turmas do

agrupamento A, que correspondem ao 1º ano do Ensino Fundamental, pois essa é a sala em

que se inicia o processo de alfabetização das crianças.

A escola possui em sua infraestrutura sala de recursos multifuncionais para

Atendimento Educacional Especializado (AEE), quadra de esportes descoberta, biblioteca,

pátio coberto, pátio descoberto, área verde e 10 salas de aulas. Estas são divididas em dois

pavilhões e, entre eles, há o pátio descoberto bastante arborizado, onde acontece o recreio das

crianças. Este é também o local onde a professora de Educação Física ministra suas aulas. A

região possui poucos espaços sociais como praças, parques, clubes, quadras, entre outros. Isso

faz com que a escola seja um espaço de encontro e de socialização entre os moradores.

A caracterização da comunidade escolar, definida pelo PPP da instituição, é bastante

heterogênea. A maioria está cursando a etapa correspondente à sua idade, com exceção de

alguns alunos que nunca estudaram e/ou apresentam déficit de aprendizagem e foram

reagrupados por aproximação de idade e nível de aprendizagem. Essa organização dos alunos

por idade e nível de aprendizagem é definida, de acordo com a proposta da Rede Municipal de

Ensino de Goiânia, por Ciclo de Formação e Desenvolvimento Humano5. A escola afirma,

ainda, que possui alguns alunos com dificuldade de aprendizagem, principalmente,

relacionados à leitura e à escrita. Nesse sentido, ela propõe, como estratégia de superação

dessa realidade, os acompanhamentos em pequenos grupos compostos pelo coletivo de

professores e reagrupamentos semanais6. Outros casos são encaminhados ao Centro

Municipal de Apoio à Inclusão (CMAI7), por necessitarem de um acompanhamento

especializado.

4 Projeto Político Pedagógico da escola-campo, ano 2015.

5 Denominação feita pela própria Secretaria Municipal de Educação de Goiânia em seus documentos.

6 Essa forma de organização é descrita na Diretriz Organizacional da SME que estabelece as diretrizes e

políticas, além de promover ações organizacionais e pedagógicas no âmbito da administração do ensino público

municipal (Diretrizes de Organização do Ano Letivo/SME 2010). O conceito de reagrupamento é constituído a

partir do princípio da mobilidade, compreendido como a possibilidade de o educando participar de atividades,

projetos, oficinas, aulas em agrupamentos variados dentro do mesmo ciclo a que pertence e como possibilidade

de movimentar, de transitar nas várias etapas, com o objetivo de superar possíveis dificuldades de aprendizagem

dos educandos. 7 Os CMAIs são centros especializados para atendimento dos estudantes da Rede Municipal de Educação que

apresentem necessidades educacionais especiais (NEE). Esses centros têm o objetivo de garantir a essas pessoas

a acessibilidade arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental, programática e pedagógica na busca

da inclusão social (Diretrizes Curriculares da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia, 2009).

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A escola possui duas turmas “As”, denominadas A1 e A2. A princípio, realizamos as

entrevistas com as professoras Pedagogas de cada turma, para somente depois definir em qual

realizaríamos a observação das aulas.

Antes das observações do campo, iniciamos as atividades da pesquisa com a aplicação

do questionário aos professores-sujeitos. Ambas as professoras Pedagogas, aqui definidas

como PP-A e PP-B, foram esclarecidas sobre os procedimentos da pesquisa, assinaram o

TCLE, porém preferiram responder ao questionário individualmente para entregá-lo

respondido posteriormente. Tal fato não atribui ausência de receptividade pelas PP-A e PP-B,

pois a relação de confiança não se dá de uma hora para outra, visto que era ainda o primeiro

contato com as professoras. A tentativa inicial era a de realizar a aplicação desse questionário

em forma de entrevista e pessoalmente, na esperança de obter informações contidas na fala

dos sujeitos, pois conforme Neto (2001):

é através dela, que o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores

sociais. Ela não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se

insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objeto

da pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que está sendo focalizada.

(NETO, 2001, p. 64)

A professora de Educação Física, aqui definida como PEF-C, foi muito receptiva com

os pesquisadores e com a pesquisa, uma pessoa totalmente aberta e sem restrições à nossa

presença. Nosso primeiro contato, na sala dos professores da escola, iniciou-se com os

esclarecimentos sobre os procedimentos da pesquisa, a realização da entrevista, observação

das aulas e a elaboração e aplicação da proposta de intervenção de prática pedagógica da

Educação Física com vistas ao letramento e com assinatura do TCLE.

Era necessário definir apenas uma turma A para acompanhamento e observação das

aulas, e, como critério de escolha, optamos pela professora que tinha maior tempo de

magistério no Ciclo I, PP-A, conforme descrito no Quadro 6 abaixo, e que demonstrava

disponibilidade em aceitar participar da proposta de intervenção. A PP-B participou somente

respondendo ao questionário.

QUADRO 6 – Perfil dos professores da Escola-campo

Identificação dos

Sujeitos

Graduação Pós-graduação Tempo de

SME

Tempo de

Ciclo I

CRE

PP-A Pedagogia Supervisão Escolar 3 anos 10 anos CRE-D

PP-B Pedagogia Não possui 3 anos 3 anos CRE-D

PEF-C Educação Física

e Pedagogia

Métodos e Técnicas

de Ensino

14 anos 14 anos CRE-D

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FONTE: Dados da pesquisa.

Pode-se observar no Quadro 6 – Perfil dos Professores da Escola-campo que as PP-A e

B são professoras efetivas da RME-Goiânia há menos de cinco anos, porém uma delas

possuía experiência no Ciclo I há dez anos. Foi essa PP-A a professora pedagoga que

elegemos para acompanhar e observar as aulas. Em relação à PEF-C, esta possui graduação

tanto em Educação Física como em Pedagogia, aspecto relevante ao analisarmos sobre a

questão da alfabetização e do letramento. Além disso, observamos que, desde sua entrada na

RME-Goiânia, sua prática sempre foi voltada para o Ciclo I, o que consideramos um fator

importante, pela sua atuação nessa fase de ensino, pois supúnhamos que a experiência direta

com o trabalho caracterizava sua atuação profissional.

Huberman (1995) salienta que as características de cada etapa profissional relacionam-

se intimamente com as histórias de vida profissional e pessoal com que o professor depara-se

no decorrer da sua carreira docente. Após alguns anos de experiência, ele considera que é

possível definir uma linha de atuação e a forma como deseja trabalhar e que é possível

compreender a maneira mais adequada para atingir os objetivos educacionais, elementos

descritos pelo autor como comuns a essa etapa profissional. Sob esse ponto de vista, as

professoras que apresentaram 10 e 14 anos de trabalho, respectivamente a PP-A e a PEF-C,

adquiriram experiências e vivências.

Porém, Huberman (1995) nos alerta e nos explica que essa fase da carreira – entre 7 a

25 anos de docência – pode se caracterizar, também, como uma fase de questionamentos,

gerando uma crise, seja pela monotonia do cotidiano da sala de aula, seja por um desencanto

causado por fracassos em suas experiências, etapa que o autor descreve como o desencanto

pela docência. Nesse caso, o tempo de carreira das professoras-sujeitos pode não valorizar a

experiência, pois quanto mais tempo de carreira menos investimentos nos estudos e na

formação continuada, podendo gerar até o abandono da profissão.

Entretanto, há também professores que, ao continuarem na carreira, procuram se

qualificar cada vez mais. Em nossa experiência profissional, encontramos docentes que por

estarem mais tempo na profissão se dedicaram ainda mais aos estudos, e as professoras que

fizeram parte desta pesquisa se encontram em permanente formação continuada.

Ainda sobre a categoria temporalidade, pode-se observar no Quadro 7 – Idade das

Professoras da Escola-Campo que a PEF-C possui 49 anos, enquanto que as PP possuem uma

média de idade de 37 anos.

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QUADRO 7: Idade das Professoras da Escola-Campo

Identificação dos

Sujeitos

Coordenadoria

Regional

Idade

PP-A CRE – D 43 anos

PP-B CRE – D 31 anos

PEF-C CRE – D 49 anos

FONTE: Dados da pesquisa.

Podemos afirmar que as professoras PP-A e PEF-C da escola-campo encontram-se na

fase da “diversificação” (HUBERMAN, 1995), entre os 7 a 25 anos de carreira e, em uma

faixa etária similar, dos 40 a 50 anos. Essa fase não corresponde igualmente à PP-B, que se

encontra na transição da fase de “sobrevivência” para “estabilização” e com faixa etária dos

30 anos. Porém, conforme já discutimos anteriormente, ressaltamos que essas relações entre

idade cronológica e fase da carreira dos professores não são determinantes.

As outras categorias apresentadas pelos questionários, denominada de concepções

pedagógicas, levantaram informações sobre as concepções de alfabetização, letramento e

Educação Física que norteiam as práticas pedagógicas e como estas têm organizado o trabalho

pedagógico, particularmente no que se refere aos processos de ensino e aprendizagem, e mais

especificamente em relação à leitura e à escrita. O objetivo era obter informações sobre como

essas professoras entendem a alfabetização/letramento e como essa compreensão interfere em

suas práticas pedagógicas.

Ressaltamos que as informações obtidas no campo não nos permitem garantir que os

sujeitos entrevistados sejam representantes de todos os professores e professoras da Rede

Municipal de Ensino de Goiânia. Nesse sentido, seria arriscado de nossa parte integrar em um

mesmo grupo professoras que parecem partilhar traços em comum, mas cujos antecedentes ou

contextos sociais são diferentes, tornando difícil, assim, extrair das informações obtidas

perfis-tipo ou fases que determinam nossas professoras-sujeitos da pesquisa, uma vez que

nossa pesquisa teve, como recorte, entrevistas com uma professora de cada CRE e um campo

específico da SME. Porém, essas informações nos possibilitam refletir, apreender e situar o

contexto onde a pesquisa é realizada, para, posteriormente, nos fornecer subsídios que

possibilitem apontar avanços e limitações sobre a Educação Física e os processos de

alfabetização e letramento da RME-Goiânia.

De posse das informações adquiridas no decorrer da investigação, analisamos o que

emergiu das diferentes situações, procurando as similaridades, as diferenças e as

particularidades de cada professora-sujeito da pesquisa. Organizamos as respostas em

subcategorias correspondentes com as temáticas envolvidas nessa investigação: conceito de

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alfabetização e letramento, conhecimento a respeito das Diretrizes Curriculares da RME-

Goiânia, organização do trabalho pedagógico e prática pedagógica. Essas informações serão

descritas e desenvolvidas nos capítulos ao longo deste estudo.

Após a apresentação do lócus da pesquisa, dos sujeitos e dos instrumentos, passamos

para o próximo capítulo. A seguir traçaremos sucintamente as concepções teóricas da

Educação Física, sua historicidade enquanto componente curricular na escola, sua relação

com a linguagem e os processos de letramento e aproximações com os discursos das

professoras-sujeitos.

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2. A EDUCAÇÃO FÍSICA E O LETRAMENTO

Neste capítulo, descreveremos as concepções teóricas da Educação Física, relatando

de forma sucinta sua historicidade enquanto componente curricular obrigatório nas escolas,

sua relação com a linguagem e os processos de letramento. Trataremos dos aspectos históricos

que envolvem a possibilidade de se compreender a Educação Física tal como ela se manifesta

no presente, mas entendendo o presente como resultado de um longo processo de

transformação histórica.

A relação entre Educação Física e letramento, à primeira vista, apresenta uma linha

tênue, uma vez que não se trata de conceitos a priori atrelados e correspondentes. Desse

modo, percebe-se que na área do letramento poderemos correr o risco da Educação Física

perder sua especificidade no trato com a cultura corporal8. Para não fazermos essa confusão

entre a especificidade de cada área, inicialmente, tentaremos estabelecer a reciprocidade

desses conceitos pelo viés da linguagem e do ser humano como ser social que produz

conhecimento e a função da escola que transmite esses conhecimentos de forma

sistematizada. Após essa etapa, tentaremos explicar a necessidade dos processos educativos,

não somente para a emancipação social, mas também para a emancipação humana, de modo

que elimine a situação dominante sobre o indivíduo.

Posteriormente, a partir de uma investigação de caráter bibliográfico sobre os estudos

desenvolvidos acerca da temática na área educacional, apresentaremos o cenário atual da

Educação Física e do letramento, a fim de procurar os distanciamentos e as aproximações com

nosso objeto.

Por fim, dialogaremos com as professoras participantes desta pesquisa, tanto nas

Coordenadorias Regionais de Educação da SME Goiânia, como na escola-campo, sobre a

8 Cultura Corporal é um conjunto de conhecimentos socialmente construídos pelo ser humano ao longo de sua

existência. Fazem parte desse conjunto de conhecimentos as Lutas, Ginástica, Esportes, Jogos, Dança e a

Capoeira e é dever da Educação Física escolar trazer à tona esse conjunto de conhecimentos de forma crítica e

contextualizada, objetivando a formação de sujeitos pensantes e positivamente atuantes na construção e

manutenção da cultura.

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abordagem dos conhecimentos da Educação Física e suas possíveis relações com o

letramento.

2.1 – EDUCAÇÃO FÍSICA E O SER SOCIAL: UM POUCO DE HISTÓRIA

O homem, como ser social, tem na atividade do trabalho a caracterização do gênero

humano que consiste na transformação da natureza com vistas à produção dos meios

necessários à vida. O pressuposto da existência humana – e, portanto, de sua história – diz

respeito, de acordo com Marx (1998, p. 21), “[à] produção dos meios que permitem satisfazer

essas necessidades, [à] produção da vida material”. Assim, este seria o primeiro pressuposto

humano: todos os homens devem ter condições de fazer história.

Decorrente disso, o primeiro ato histórico é a produção de novas necessidades. Desse

modo, o trabalho é visto como uma atividade intencional que visa à transformação na natureza

para criar os meios para satisfazer as necessidades humanas e, como atividade intencional,

transforma a natureza e cria um mundo humano, o mundo da cultura. O ser humano aprende,

assim, a ser homem quando conhece a cultura já existente, e, a partir dela, ele tanto reproduz

como também rompe com alguns comportamentos, entendendo sua condição de ser histórico.

Assim, ao trabalhar, ele produz e cria condições de convivência com os outros indivíduos.

Aprendendo com eles, o homem vai manifestando suas potencialidades, os seus saberes,

enquanto apresenta suas criações.

Para Marx (1998), o ser social tem como característica a capacidade de transformar a

si próprio enquanto transforma a natureza, criando condições materiais de sobrevivência,

fazendo sua história. Húngaro (2014), ao tecer suas análises sobre Marx e Engels, explica-nos

que as objetivações culturais que caracterizam o homem constituem o “acervo histórico-

cultural da humanidade e que, portanto, fica disponível para ser apropriado pelos homens,

para ser subjetivado pelos homens e se tornar natureza humana” (HÚNGARO, 2014, p. 43).

Essa socialização ante a própria cultura deve ser o ponto de partida para a

compreensão da história humana, e é pela educação que o homem deve se reconhecer

enquanto sujeito histórico, ou seja, aquele que modifica e transforma a natureza, a partir do

trabalho, possibilidade esta que é negada pelo processo de coisificação das relações sociais do

modo de produção capitalista.

Como nos diz Charlot (2013),

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a educação é um processo pelo qual se realiza essa apropriação, ou considerando a

situação pelo outro termo, é o processo pelo qual uma geração transmite à seguinte o

que ela mesma recebeu da precedente. A educação é um triplo processo de

humanização, de socialização e ingresso em uma cultura (não há ser humano sem

sociedade e sem cultura). (CHARLOT, 2013, p. 188)

Quando Marx, na VI tese sobre Feuerbach, afirma que a essência humana é o conjunto

das relações sociais, podemos dizer que a essência do ser humano é o conjunto de tudo que foi

criado pela espécie humana ao longo da história. Porém, conforme Marx e Engels (2004, p.

25), “quando a ação do homem transforma-se para ele num poder estranho que lhe opõe e o

subjuga desde que o trabalho começa a ser repartido”, e sua atividade vital é senão um meio

de poder existir, o homem está diante do processo de alienação. O modo de produção,

capitalista no caso, trata os homens de forma desigual para atender às suas necessidades, pois,

quando “há cisão entre o interesse particular e o interesse comum, a própria ação do homem

se transforma para ele em força estranha, que a ele se opõe e o subjuga, em vez de ser por ele

dominada” (MARX, 1998, p. 28).

Mas em que consiste a alienação do trabalho?

Em primeiro lugar, o trabalho é exterior ao trabalhador, ou seja, não pertence à sua

característica; portanto, ele não se afirma no trabalho, mas nega a si mesmo, não se

sente bem, mas infeliz, não desenvolve livremente as energias físicas e mentais, mas

esgota-se fisicamente e arruína o espírito. Por conseguinte, o trabalhador só se sente

em si fora do trabalho, enquanto no trabalho se sente fora de si. Assim, o seu

trabalho não é voluntário, mas imposto, é trabalho forçado. Não constitui a

satisfação de uma necessidade, mas apenas o meio de satisfazer outras necessidades.

(MARX, 2011, p. 114)

Nas sociedades pré-capitalistas, o trabalho do homem estava ligado às necessidades

concretas e vitais. Com o modo de produção capitalista, o trabalho transformou-se em

trabalho abstrato, alienado, pois os homens não mais produziam para satisfação de

necessidades básicas, mas passaram a produzir para o lucro; eles venderam sua força de

produção para os donos dos meios de produção, adquirindo o trabalho o valor de mercadoria.

Segundo Gonçalves (2012), as raízes históricas da alienação em Marx podem ser

encontradas na divisão do trabalho, na propriedade privada e no aparecimento do dinheiro

como meio de troca universal. E a superação dessa condição de alienação, a emancipação do

homem, se dará pela superação da propriedade privada, da abolição da divisão do trabalho e

na possibilidade histórica de resgatar a condição da atividade humana de ser indivisível, na

possibilidade de resgatar a ideia de totalidade. Para Freitas (2012, p. 97), “no presente

momento histórico, o trabalho define-se pelo seu caráter assalariado (alienado). Isso significa

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que o homem vende sua força de trabalho a outro que possui os meios de produção, que

possui capital, por determinada quantia”.

O pensamento de Marx é o ponto de partida para entendermos a Educação Física, pois

suas reflexões abrem caminhos para compreender o próprio homem, sua realidade sócio-

histórica, desvelando suas contradições. Além disso, é papel da Educação fazer com que,

enquanto se desenvolve, o homem busque identificar os elementos de seu próprio contexto,

dando significado à sua existência e objetivando sua ação no mundo, num processo de

socialização:

Daí a necessidade da educação, vale dizer, de um processo de aquisição de

conhecimentos, habilidades, comportamentos, valores, etc. que permitam ao

indivíduo tornar-se apto a participar conscientemente (mesmo que essa consciência

seja limitada) da vida social. (TONET, 2009, p. 9)

Tonet (2009) diferencia o trabalho de educação. O autor afirma que “trabalho é a única

categoria que faz a mediação entre o homem e a natureza” (TONET, 2009, p. 9) e só ele tem a

função social de produzir os bens materiais necessários à existência humana. A educação, por

sua vez, “é uma mediação entre os próprios homens, ainda que ela possa estar relacionada, de

modo mais próximo ou mais longínquo, com o próprio trabalho” (TONET, 2009, p. 9).

Dessa forma, compreendemos a Educação Física como constituinte do fenômeno

educativo e parte da totalidade do homem, pois a forma como o homem vê e experiencia o

mundo reflete a sociedade em que vive. Isso significa pensar que as práticas da Educação

Física surgem das necessidades sociais, das exigências concretas vigentes de cada sociedade.

Como um ser sócio-histórico, o homem desenvolve sua interação com o mundo e cria cultura.

Essa cultura

é a atividade prática do homem, motivada pelos desafios da natureza, desde o

erguer-se da posição quadrúpede até o refinamento do uso da sua mão, foi o motor

da construção da sua materialidade corpórea e das habilidades que lhe permitiram

transformar a natureza. Este agir sobre a natureza, para extrair dela sua subsistência,

deu início à construção do mundo humano, do mundo da cultura. Por isso, “cultura”

implica apreender o processo de transformação do mundo natural a partir dos modos

históricos da existência real dos homens nas suas relações na sociedade e com a

natureza. (ESCOBAR, 1995, p. 93)

De igual modo, o Coletivo de Autores9 (2012, p. 40) também compreende o homem e

a Educação Física como um movimento histórico de construção da sua corporeidade que foi

9 A obra Coletivo de Autores (1992) surge após o período da ditadura militar, no processo de redemocratização

brasileira, num “movimento autointitulado renovador” (CAPARROZ, 1997, p. 12), a partir do qual surgiram

diferentes concepções e práticas pedagógicas “libertadoras, transformadoras na perspectiva de desenvolver uma

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criando outras atividades, outros instrumentos e, através do trabalho, foi transformando a

natureza, construindo a cultura e se construindo.

Se a educação tem um papel fundamental na constituição do ser social, que contribui

para conservar o patrimônio humano já acumulado, ela é definida pelas necessidades mais

gerais da reprodução do ser social. Assim como “o trabalho é o fundamento ontológico do ser

social, é óbvio que, em cada momento e lugar histórico, uma determinada forma de trabalho

será a base de uma determinada forma de sociabilidade e, portanto, de uma certa forma

concreta de educação” (TONET, 2009, p. 10).

Entender, portanto, a educação e a Educação Física implica considerar que sua forma

de representar o social foi construída historicamente a partir das bases sociais concretas, como

a produção e a divisão social do trabalho. Ao longo de sua história, a Educação Física e as

várias formas de atividade física passaram por transformações para chegar às escolas na forma

que vivenciamos nos dias atuais. Na tentativa de trazer elementos para nossa reflexão nesse

caminho de volta à história, passamos agora a discutir mais especificamente sobre as

tendências da Educação Física.

Castellani Filho (1994) admite que a competência da Educação Física ao longo da

história representou diversos papéis que, embora com significados próprios ao período em que

foram vividos, corroboraram para definir uma considerável coerência na sequência de sua

atuação na história.

Segundo Gonçalves (2012), com a expansão e a solidificação do sistema capitalista e

com o crescente domínio da natureza, por intermédio da ciência, transformaram-se

progressivamente as relações do homem com a sua corporalidade. Em suas investigações

históricas sobre o tema, Gonçalves (2012) concluiu que o homem, ao dominar a natureza,

também dominava seu próprio corpo, como uma parte da natureza que precisava ser

dominada e, assim, caminhou para a exploração do trabalhador corporal no sistema

capitalista. A divisão do trabalho entre manual e intelectual, advinda da propriedade privada e

da industrialização, permitiu a separação entre o trabalho que exige maior participação

corporal, o manual, e o trabalho intelectual. Somando-se a isso, houve ainda a redução do

trabalho humano no que diz respeito à força de trabalho, que trouxe consigo “uma dissociação

entre força criativa espiritual do homem e a força fisiológica corporal, gerando um corpo

autônomo, desprovido de subjetividade [...]; seu corpo passou a ser um corpo oprimido,

manipulável, um instrumento para a expansão do capital” (GONÇALVES, 2012, p. 22).

Educação Física voltada para o ser humano e não mais para as necessidades do capital” (CAPARROZ, 1997, p.

9).

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Com a perda de subjetividade do corpo, no século XIX se consolidam o Estado

burguês e a burguesia enquanto classe. Para manter sua hegemonia, a burguesia necessita

investir na construção de um novo homem, que possa suportar uma nova ordem política,

econômica e social, que passa pelos aspectos mentais, intelectuais, culturais e físicos. É nesse

processo que são elaborados conceitos básicos sobre o corpo e sobre sua utilização enquanto

força de trabalho.

A Educação Física será a própria expressão física da sociedade do capital. Ela

encarna e expressa os gestos automatizados, disciplinados e, se faz protagonista de

um corpo “saudável”; torna-se receita e remédio ditada para curar os homens de sua

letargia, indolência, preguiça, imoralidade, e, desse modo, passa a integrar o

discurso médico, pedagógico, familiar. (SOARES, 1994, p. 10)

Nesse processo, continua Soares (1994), o homem, um ser que se humaniza na e pelas

relações sociais que estabelece, passa a ser explicado e definido dentro dos limites biológicos.

Assim, as desigualdades eram justificadas em nome do progresso da ciência e da necessidade

de diferentes indivíduos ocuparem, de acordo com as “aptidões naturais” (SOARES, 1994, p.

15), as diferentes posições e cargos na divisão social do trabalho. A Educação Física

incorpora esse discurso biológico, constituindo um instrumento de disciplinarização da

vontade, da ordem, da assepsia higienista e das atitudes necessárias à manutenção da ordem.

Assim, a biologização na Educação Física pode ser identificada por meio da presença do

pensamento médico e na relação que estabelece entre Educação Física e saúde, sendo

fortemente veiculada pela “cultura de massa com slogans do tipo, ‘esporte é vida’, ‘esporte é

saúde’, ‘pratique esporte’” (SOARES, 1988, p. 22).

No Brasil, a Educação Física aparece colada aos ideais eugênicos de regeneração e

embranquecimento da raça com propostas pedagógicas lideradas por médicos. Desse modo,

os homens surgem como que determinados por uma natureza biológica que os aprisiona num

fatalismo hereditário, e “o corpo individual, enquanto unidade produtiva, máquina menor da

engrenagem capitalista, passa a ser então uma mercadoria” (SOARES, 1994, p. 27).

O objetivo dessa forma de poder é tornar os homens eficientes como força de

trabalho, utilizando, ao máximo, suas forças, em termos de utilidade econômica, o

que servia à manutenção e à expansão do sistema capitalista, e, ao mesmo tempo,

diminuindo a sua capacidade de revolta e resistência, tornando-os dóceis em termos

políticos. (GONÇALVES, 2012, p. 24)

Corroborando a história, Bracht (1999) e Castellani Filho (1994) também nos contam

que a constituição da Educação Física, ou seja, a instalação dessa prática pedagógica na

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instituição escolar emergente dos séculos XVIII e XIX foi fortemente influenciada pela

instituição militar e pela medicina.

Para Bracht (1999), a instituição militar tinha na prática de exercícios sistematizados

ressignificados pelo conhecimento médico a fórmula para educar o corpo para a produção, e

isso significava promover saúde e educação para a saúde (hábitos saudáveis, higiênicos). A

concepção militarista desejava a aptidão física, com vistas à saúde dos jovens para que eles

pudessem estar prontos para a defesa da Pátria. Desse modo, aqueles que tivessem baixa

aptidão física, fossem eles doentes ou deficientes, não teriam permissão para participar da

Educação Física Escolar.

Essa concepção da Educação Física como aptidão física contribuiu historicamente para

a defesa dos interesses da classe no poder, mantendo a estrutura da sociedade capitalista. Para

o Coletivo de Autores (2012), os fundamentos da concepção de aptidão da Educação Física

apoiam-se nos fatores biológicos para educar o homem forte, ágil, apto, empreendedor, que

disputa uma situação social privilegiada na sociedade competitiva capitalista. Assim, procura

através da educação adaptar o homem à sociedade, alienando-o da sua condição de

sujeito histórico, capaz de interferir na transformação da mesma [...] para a formação

do caráter do indivíduo, valorizando a obediência, o respeito às normas e à

hierarquia. Apoia-se na pedagogia tradicional influenciada pela tendência

biologicista para adestrá-lo. (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 37)

A perspectiva da aptidão física não mantinha relação direta com a alfabetização, pois

era vista como uma atividade prática, trabalho manual, portanto, sem influências sobre a

formação do indivíduo e alheia ao processo de aprendizagem da criança. A alfabetização era

vista como projeto de universalização escolar para modernizar o país, “o que pressupunha a

instrução dos indivíduos para a produção e consumo como uma das condições requeridas à

sua implementação” (MARTINS, 2010, p. 16). O conhecimento que se pretende com a

aptidão física é que o aluno aprenda os exercícios corporais para atingir o máximo de

rendimento de sua capacidade física.

A partir da década de 30, as ideias da Pedagogia Nova influenciaram o campo da

Pedagogia. Aparece a perspectiva da biopsicologização na Educação Física que encontra suas

bases de sustentação nas teses centrais que orientam o surgimento da Pedagogia Nova10

e na

Pedagogia Tecnicista, a partir de 1970. Conforme Soares (1988), a Pedagogia Nova foi

10

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932 continha as bases para uma verdadeira “reconstrução

educacional” na ótica dos escolanovistas, nome que recebeu o movimento educacional subjacente à Pedagogia

Nova (SOARES, 1988, p. 23). Além disso, a Escola Nova tinha o aluno como centro do processo pedagógico; o

aluno, como protagonista do conhecimento.

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fortemente influenciada por uma psicologia de base biológica e se colocava contrária aos

métodos tradicionais de ensino.

Em relação à alfabetização, o movimento da Escola Nova e do Construtivismo desloca

o foco para o processo de aprendizagem do sujeito em detrimento dos métodos de

alfabetização (cartilhas) e da relevância do papel da escola e do professor nesse processo. A

teoria da psicogênese da escrita de Emilia Ferrero e Ana Teberosky, baseadas em Piaget,

surge no campo da alfabetização (MORTATTI, 2000). No campo da Educação Física, a

proposta da Escola Nova incluía uma importante participação daquela área:

A Escola Nova teria por fim proporcionar uma educação integral, dirigindo

adequadamente o desenvolvimento do ser humano nas suas várias fases do

crescimento, e a função educadora deveria ser considerada um processo unitário, não

passível de secção em partes. Daí a “Educação Física e higiênica” constituir-se um

dos elementos essenciais da Escola Nova. (BETTI, 1991, p. 83)

Na década de 70 houve a predominância da esportivização, que visava ao desempenho

atlético-esportivo e, para isso, selecionava os mais habilidosos, com alto rendimento, e exigia

a repetição e a perfeição dos movimentos, sem possibilidade de participação de todos os

alunos, mas somente daqueles com potencial atlético. Era a época da abordagem tecnicista.

Explicitava-se tal tendência tecnicista, na incorporação, por parte dos responsáveis

pela definição da política educacional, de um entendimento do sistema educacional,

quase que mecanicamente, à qualificação profissional, pautado por parâmetros

fixados por uma formação técnico-profissionalizante respaldada na concepção

analítica de Educação. (CASTELLANI FILHO, 1994, p. 104)

Esse movimento tecnicista na Educação Física foi caracterizado pela forte influência

do esporte, no aumento do rendimento atlético-esportivo, alcançado com uma intervenção

científico-racional sobre o corpo que envolve tanto aspectos biológicos (aumento da

resistência, da força) quanto comportamentais, como hábitos regrados de vida, respeito às

regras e normas das competições (BRACHT, 1999).

Nesse sentido, a história seguiu no deslocamento de um controle do corpo via

racionalização com enfoque biológico para um controle via estimulação com enfoque

psicológico. Baseado nos estudos de Piaget, o Construtivismo tinha sua gênese no

desenvolvimento do conhecimento humano promovido pelo esforço de adaptação do

organismo ao meio ambiente. Duarte (2010) explica que, para Piaget, do ponto de vista

pedagógico, as atividades de maior valor educativo são aquelas que promovem o processo

espontâneo de desenvolvimento humano; assim, “aprender o conteúdo não é um fim, mas

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apenas um meio para a aquisição ativa e espontânea de um método de construção de

conhecimentos” (DUARTE, 2010, p. 40).

A teoria do conhecimento de Jean Piaget sustenta-se na tese de que o conhecimento

é um produto da atividade subjetiva e, como tal, só pode ser concebido como

conhecimento de uma pessoa, ou seja: cada pessoa constrói o seu próprio

conhecimento, isso constitui a principal base para a pedagogia denominada

Construtivismo. (DUARTE, 2012, p. 56)

No campo da Educação Física, com base construtivista, temos a obra Educação de

corpo inteiro – teoria e prática da Educação Física, de João Batista Freire (1997), cujo

objeto de estudo é baseado na motricidade humana, entendida como o conjunto de habilidades

que permitem ao homem produzir conhecimento e se expressar. O objetivo da Educação

Física é ensinar as pessoas a se saberem corpo, ou seja, a terem consciência de que são corpo.

J. B. Freire (1997) enfatiza em seu trabalho que, na primeira infância, a criança

necessita vivenciar experiências corporais que a auxiliarão a compreender o mundo, e essas

experiências precisam estar presentes na escola e ser significativas para ela, isto é, devem

fazer parte da sua realidade. Fundamentando em Piaget, o autor afirma que “a atividade

corporal é o elemento de ligação entre as representações mentais e o mundo concreto, real,

com o qual se relaciona o sujeito” (J. B. FREIRE, 1997, p. 81).

Segundo Soares (1988), com o surgimento da psicomotricidade, a corrente da

biopsicologização ganha impulso através dos estudos de Jean LeBouch (1983), que discute as

fases do desenvolvimento psicomotor, seus princípios metodológicos e suas técnicas de

aplicação. Segundo o Coletivo de Autores (2012), a “psicomotricidade privilegia o estímulo

ao desenvolvimento psicomotor, especialmente a estruturação do esquema corporal e as

aptidões motoras que melhoram a prática do movimento” (COLETIVO DE AUTORES, 2012,

p. 54). Nessa concepção, a instrumentalização do movimento humano é meio de formação,

relegando e secundarizando a transmissão de conhecimentos.

O objetivo da Educação Física dentro da psicomotricidade é programar as atividades

motoras da criança adequadas à sua fase de desenvolvimento motor, desenvolver o ritmo, a

lateralidade, o esquema corporal, como atividades meio para o desenvolvimento cognitivo. A

educação psicomotora tem sua relevância na alfabetização, na medida em que privilegia a

“experiência vivida pela criança, levando em conta a cronologia das etapas do

desenvolvimento e representando uma ajuda insubstituível para atingir as funções mentais

mais elevadas no decorrer da escolaridade primária” (TISI, 2007, p. 75). Além disso, se a

educação psicomotora é bem conduzida, “quando a criança atingir entre os 9 e 12 anos, elas

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conseguirão chegar a uma boa representação mental da imagem do movimento que será então

interiorizada e a aprendizagem inteligente torna-se possível” (TISI, 2007, p. 77).

A proposta psicomotora é criticada por Bracht (1999), pois não confere à Educação

Física uma especificidade, “ficando seu papel subordinado a outras disciplinas escolares.

Nessa perspectiva, o movimento é mero instrumento, não sendo as formas culturais do

movimentar-se humano consideradas um saber a ser transmitido pela escola” (BRACHT,

1999, p. 79).

Há também pesquisas sobre o desenvolvimento humano/motor e a aprendizagem

motora. A chamada abordagem desenvolvimentista, por exemplo, tem como seu principal

defensor Go Tani (1988) e visa à legitimação da Educação Física na escola, dando a ela

cientificidade, portanto, importância no currículo escolar.

O principal objetivo da concepção desenvolvimentista é buscar nos processos de

crescimento, de desenvolvimento e de aprendizagem motora do ser humano sua

fundamentação. Ela investiga a “sequência normal nos processos de crescimento e

desenvolvimento” (TANI, 1988, p. 136) de acordo com as características de crescimento e

maturação fisiológica e motora dos alunos, permitindo atender as “reais necessidades e

expectativas da criança” (TANI, 1988, p. 1). Assim, segundo Tani (1988), o objetivo central

da abordagem desenvolvimentista é o desenvolvimento de habilidades motoras básicas, tendo

como objeto de estudo da Educação Física o movimento humano em sua relação dinâmica

com o meio ambiente para contribuir com o desenvolvimento global do ser humano.

A abordagem desenvolvimentista reconhece o movimento humano como uma

interação do homem com o ambiente, porém não rompe com o próprio paradigma da aptidão

física, uma vez que fundamenta sua concepção no discurso cientificista e no desenvolvimento

biológico do corpo. Em relação à Educação Física e à alfabetização, perpetua-se a importância

dos movimentos para aquisição de habilidades motoras básicas para o desenvolvimento

cognitivo.

A partir da década de 80, a Educação Física, segundo Bracht (1999), influenciada

pelas ciências humanas, passa a incorporar as discussões pedagógicas relacionadas à

Sociologia e à Filosofia da Educação de orientação marxista. Para o autor, as propostas

abordadas até aqui têm em comum o fato de não se vincularem a uma teoria crítica11

da

11

Saviani (2006) concebe dois grupos das teorias educacionais: as teorias críticas e as teorias não críticas. As

teorias não críticas concebem a sociedade como harmoniosa, e a educação tem por função reforçar os laços

sociais, promover a coesão e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social. Já as teorias críticas

concebem a sociedade marcada pela divisão entre grupos ou classes antagônicas que se relacionam à base da

força, a qual se manifesta nas condições de produção da vida material (SAVIANI, 2006, p. 4).

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educação, no sentido de fazer da crítica ao papel da educação na sociedade capitalista uma

categoria central.

Segundo Caparroz (2007), houve uma aproximação da Educação Física com as teorias

educacionais pautadas nas propostas de “Paulo Freire, da pedagogia libertadora; de Dermeval

Saviani ,da pedagogia histórico-crítica e José Carlos Libâneo, da crítico-social dos conteúdos,

nos anos 1980” (CAPARROZ, 2007, p. 8). Ainda conforme o autor, o movimento de

redemocratização e a abertura política nos anos 80 influíram diretamente na produção teórica

da Educação Física que procurava questionar a neutralidade da educação no processo

histórico, social, político e econômico e concebia a escola como veiculadora da ideologia

burguesa.

No quadro das teorias da Educação Física, elaborado por Castellani Filho (1999, p.

161), o autor aborda as teorias pedagógicas da Educação Física e no que concerne à questão

da metodologia do ensino. Assim, elas podem ser agrupadas em não propositivas e

propositivas. Em sua tese de doutorado, Castellani Filho (1999) conceitua metodologia de

ensino como

a explicitação de uma dinâmica curricular que contemple a relação do tratamento a

ser dispensado ao conhecimento (desde sua seleção até sua organização e

sistematização no sistema escolar, associados à questão de tempo e espaço

pedagógicos) com o projeto de escolarização inerente ao projeto pedagógico da

escola, tudo isso sintonizado com uma determinada configuração da normatização

desse projeto de escolarização na expressão de uma determinada forma de gestão

educacional. (CASTELLANI FILHO, 1999, p. 162)

As teorias não propositivas abordam a Educação Física escolar sem, contudo,

estabelecer parâmetros ou princípios metodológicos ou metodologias para o seu ensino, daí

serem estas caracterizadas como abordagens, representadas pela abordagem fenomenológica,

cultural e sociológica.

As teorias propositivas podem ainda ser subdivididas em não sistematizadas e

sistematizadas. As não sistematizadas12

concebem uma configuração de Educação Física

escolar definindo princípios identificadores de uma nova prática sem, todavia, sistematizar

quanto à perspectiva metodológica. Encontram-se nessa categoria as abordagens

desenvolvimentista e construtivista, já relatadas nesta seção, e a crítico­emancipatória,

desenvolvida por Elenor Kunz (2006). As teorias propositivas sistematizadas apresentam e

viabilizam o trato com o conhecimento, a sistematização e a organização dos processos de

12

Castellani Filho (1999) inclui ainda nas teorias propositivas não sistematizadas as abordagens Plural, Cultural

e Concepção de Aulas Abertas. Tais teorias, apesar da sua importância no desenvolvimento da Educação Física,

não serão tratadas neste estudo.

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trabalho pedagógicos concretos de ensino-aprendizagem na escola. Encontram-se, nessa

categoria, as abordagens da aptidão física e a crítico-superadora. Conforme Castellani Filho

(1999), a abordagem crítico-emancipatória pode ser incluída dentro das teorias propositivas

sistematizadas, pois vem dando sinais de movimento para a sistematização e a organização

dos processos de trabalho pedagógico.

As propostas crítico-emancipatória e crítico-superadora, conforme Bracht (1999), têm

em comum o fato de se vincularem a uma teoria crítica da educação, no sentido de fazer da

crítica ao papel da educação na sociedade capitalista uma categoria central. E serão essas duas

abordagens que explicitaremos aqui.

A abordagem crítico-emancipatória é explicitada nas obras Educação física crítico-

emancipatória (KUNZ, 2010) e Transformação didático-pedagógica do esporte (KUNZ,

2009). Em suas obras, Kunz (2009; 2010) afirma que o objeto central da Pedagogia crítico-

emancipatória é o “se-movimentar humano” (KUNZ, 2010, p. 20). Para desenvolver o estudo

sobre o tema, Kunz (2010) toma como referencial teórico autores como Trabels (1979),

Habermas (1981) e Merleau-Ponty (1966). O autor argumenta que as relações de

sentido/significado entre o ser humano e o mundo se estabelecem pelo movimentar-se, como

uma experiência estética e que precisa ser caracterizada como um “se-movimentar” (KUNZ,

2010, p. 20). O movimento humano, assim, é considerado um fenômeno de “Ser Humano-

Mundo” e se concretiza como uma espécie de diálogo.

A proposta de Kunz parte de uma concepção de movimento que ele denomina de

dialógica. O movimentar-se humano é entendido aí como uma forma de

comunicação com o mundo. Outro princípio importante em sua pedagogia é a noção

de sujeito tomado numa perspectiva iluminista de sujeito capaz de crítica e de

atuação autônomas, perspectiva esta influenciada pelos estudiosos da Escola de

Frankfurt. A proposta aponta para a tematização dos elementos da cultura do

movimento, de forma a desenvolver nos alunos a capacidade de analisar e agir

criticamente nessa esfera. (BRACHT, 1999, p. 80)

A concepção crítico-superadora está consubstanciada na obra Metodologia do ensino

da Educação Física, de um Coletivo de Autores (199213

), proposta essa que se autointitulou

como crítico-superadora. Escobar (1995) explica que o termo “superadora” é a crítica ao

sistema educacional que emerge das bases do social, que, por ser social, é histórica e aponta

para a construção de uma nova qualidade no desenvolvimento da prática do professor. Baseia-

se na Pedagogia histórico-crítica desenvolvida por Saviani (2007), pois entende ser o

13

Utilizamos, nesta pesquisa, a segunda edição revisada da mesma obra, publicada em 2012.

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conhecimento elemento de mediação entre o aluno e seu apreender uma das formas de

emancipação humana.

Essa concepção tem seu referencial teórico no Materialismo Histórico-Dialético, pois

critica as relações sociais próprias do modo de produção capitalista, a partir de uma posição

de educação transformadora e revolucionária. A concepção dialética, segundo Betti (1991),

admite que a Educação Física

tem sido meio de reprodução das desigualdades culturais e sociais e da dominação,

mas as consideram como possíveis forças de mudanças sociais a partir de mudanças

do poder político e pelas contradições intrínsecas e extrínsecas, em busca de uma

nova ordem social, preconizando também o desenvolvimento do espírito crítico e

autocrítico não somente para interpretar o mundo, mas para transformá-lo. (BETTI,

1991, p. 128-129)

A concepção crítico-superadora trata a Educação Física como prática social e seu

conhecimento historicamente produzido pelo homem deve ser pedagogizado na escola. Esse

conhecimento, na verdade, configura uma área de conhecimento denominada cultura corporal,

que se concretiza nos seus diferentes temas, quais sejam: o esporte, a ginástica, o jogo, as

lutas, a dança e a mímica. Por isso afirma que “a materialidade corpórea foi historicamente

construída e, portanto, existe uma cultura corporal, resultado de conhecimentos socialmente

produzidos e historicamente acumulados pela humanidade que necessitam ser retraçados e

transmitidos aos alunos” (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 40). O objeto de reflexão da

cultura corporal, dessa forma, para o Coletivo de Autores (2012), contribui para

a formação dos interesses de classe das camadas populares, na medida em que

desenvolve uma reflexão pedagógica sobre os valores como solidariedade

substituindo individualismo, cooperação confrontando a disputa, distribuição em

confronto com apropriação, sobretudo enfatizando a liberdade de expressão de

movimentos – emancipação – negando a dominação e submissão do homem pelo

homem. (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 41)

Ressaltamos que as propostas das pedagogias crítico-superadora e crítico-

emancipatória questionam as formas culturais dominantes do movimento humano que

reproduzem os valores e os princípios da sociedade capitalista industrial moderna. Conforme

Bracht (1999), ambas as propostas sugerem procedimentos didático-pedagógicos que

propiciam um esclarecimento crítico a seu respeito, desvelando elementos da ordem vigente,

desenvolvendo, concomitantemente, as competências para tal: a lógica dialética para a crítico-

superadora, e o agir comunicativo para a crítico-emancipatória. “Assim, conscientes ou

dotados de consciência crítica, os sujeitos poderão agir autônoma e criticamente na esfera da

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cultura corporal ou de movimento e também agir de forma transformadora como cidadãos

políticos” (BRACHT, 1999, p. 81).

Compreendemos, nesta pesquisa, que o objeto da Educação Física, o movimento

humano, não deve ser visto como algo biológico, mecânico ou mesmo apenas na sua

dimensão psicológica, mas sim como fenômeno histórico-cultural. Assim, direcionamos nossa

visão para o campo das pedagogias progressistas, elegendo a perspectiva crítico-superadora

como base teórica para a prática da Educação Física voltada para o letramento, uma vez que

esta se nutre de um projeto alternativo de sociedade que precisa se afirmar diante do

hegemônico. “Daí a importância de uma leitura adequada da realidade que possa se articular

com um projeto alternativo realizável” (BRACHT, 1999, p. 85). Admitimos a dimensão da

cultura corporal como significativa e que a escola não deve reproduzi-la simplesmente, mas

sim permitir que o indivíduo se aproprie dela criticamente, para poder efetivamente exercer

sua cidadania.

2.2 – EDUCAÇÃO FÍSICA E LETRAMENTO NA ATUALIDADE

Buscamos aqui analisar dados e propostas que discutem a temática da Educação Física

e letramento e, para isso, remetemo-nos a uma busca por outras pesquisas realizadas na

Plataforma Capes, porque a ela são destinadas as dissertações e teses de diversos programas

de pós-graduação para compor o seu banco de dados e porque também ela se constitui em

uma referência no campo acadêmico. Para obtermos subsídios que nos auxiliassem quando da

entrada em nosso campo de investigação, utilizamos os descritores “Educação Física”,

“letramento” e “alfabetização”, a fim de procurarmos nos situar no cenário da Educação

Física e do letramento.

O recorte da pesquisa teve como limite os últimos dez anos. Com os descritores

“alfabetização”, “letramento” e “Educação Física” foram encontrados nove registros entre

dissertações e teses, porém apenas dois desses registros se aproximam do nosso estudo. Com

os descritores “alfabetização” e “Educação Física”, encontramos vinte e seis registros; desses,

apenas uma dissertação coadunou com nossa pesquisa. As outras duas pesquisas repetiram-se

com os descritores anteriores.

Poucas teses e dissertações foram encontradas, o que demonstrou a escassez de

pesquisas sobre o tema. Por essa razão, buscamos artigos referentes à questão na base de

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dados Scielo, por ser uma plataforma Qualis A2 da Capes em várias áreas do conhecimento,

como o da Educação e do Ensino, utilizando os mesmos descritores, com um total de três

artigos. Também buscamos no banco de teses da Universidade de São Paulo (USP). Ainda

assim, a quantidade de estudos sobre Educação Física e letramento foi reduzida, o que nos

permite levantar como hipótese que há poucas pesquisas envolvendo as áreas da Educação

Física, alfabetização e letramento. Assim, preferimos não fazer um corte temporal, devido às

poucas pesquisas encontradas. Apenas um dos artigos encontrados na revista Scielo também

foi encontrado no banco de teses e dissertações da Capes. As demais investigações estavam

apenas no banco da Scielo.

Na ordem de apresentação das obras, neste trabalho, encontramos três dissertações

relacionando Educação Física e letramento: Melo (2006); Rodrigues (2008); Barros (2011) e

Vinotti (2011); uma dissertação caracterizando a Educação Física no campo das linguagens,

de autoria de Ladeira (2007); uma dissertação sobre o papel do corpo nas práticas de

letramento, escrita por Costa (2012); e três artigos, tendo como autores: Souza e Peixoto

(2006), Kishimoto et al. (2011) e Guedes e Souza (2011). Esses artigos versam sobre as

contribuições da Educação Física para o processo de alfabetização e letramento na primeira

fase do Ensino Fundamental.

Na dissertação intitulada Aprender brincando: contribuições de um projeto de

colaboração entre professores de Educação Física e alfabetizadores, Barros (2011) realizou

um estudo com crianças do 1º ano do Ensino Fundamental, analisando o desenvolvimento do

aprendizado motor e da leitura e da escrita a partir de atividades colaborativas entre o

professor alfabetizador e o professor de Educação Física. O pesquisador procurou sistematizar

práticas colaborativas e possibilidades de interação das diferentes disciplinas. Tal estudo,

conforme o autor, permitiu mudanças concretas nos alunos, sejam elas motoras ou de escrita,

como, por exemplo, na escrita, a saída do aluno do estágio pré-silábico para a estágio fluente

e, no aspecto motor, a superação das dificuldades motoras como lateralidade e agilidade. Esse

trabalho se aproximou do nosso por tratar da aquisição da leitura e da escrita do letramento, o

que também abordaremos, mas distancia-se por enfocar a relação da alfabetização com a

educação física apenas pelo viés do desenvolvimento motor.

Melo (2006), com a dissertação Do letramento ao corpo em movimento: um estudo

sobre a Educação Física inserida numa proposta de educação popular, buscou analisar em que

medida o Núcleo de Educação de Jovens e Adultos (NEJA), de Palmeira das Missões (Rio

Grande do Sul), tem contribuído para que os educandos que o frequentam projetem suas vidas

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para o letramento, através de sua relação com a Educação Física numa perspectiva de

educação popular. O objetivo do estudo foi entender o significado atribuído pelos

participantes do NEJA à disciplina de Educação Física no seu processo de letramento. Nele

foi pesquisado o letramento através do corpo e sua apropriação social por jovens e adultos em

um determinado processo de alfabetização e continuidade de seus estudos. Apesar dos sujeitos

da pesquisa não se inserirem na mesma categoria de nosso estudo, tal investigação revelou

que a Educação Física contribuiu significativamente para seu processo de letramento, em

transformações de natureza pessoal e mudanças no âmbito profissional dos sujeitos

participantes do NEJA, uma vez que o letramento, através do corpo e de sua apropriação

social, contribuiu para o domínio da leitura e da escrita por meio dos movimentos que são

úteis para a escrita e para uma compreensão cognitiva sobre seu corpo e os benefícios do

movimento para a qualidade de vida. Esse trabalho se aproximou do nosso por tratar do

letramento, o que também abordaremos, mas distancia-se por realizar a pesquisa com a

educação de jovens e adultos.

Rodrigues (2008), com a dissertação intitulada Jogos de construção nas aulas de

Educação Física: alternativa pedagógica para aquisição de competências leitora e escritora,

desenvolveu a investigação numa classe de alfabetização em uma escola pública de Cubatão

(São Paulo). O objetivo era a construção de competências leitura e escrita na perspectiva das

aulas de Educação Física. O autor utilizou os jogos de construção sob a perspectiva piagetiana

para reverter o quadro de fracasso escolar14

nas classes de alfabetização. Para isso, a

metodologia aplicada contou com a utilização de roda cantada, dominó de rimas, temas

geradores, livro em quadrinhos, história-roteiro sob a forma de jogos de construção. Como

resultado, houve a reversão do quadro de fracasso escolar juntamente com as ações de

autonomia dos alunos.

O estudo de Costa (2012) mostra as opiniões das crianças sobre o corpo, revelando

suas percepções acerca da relação entre o corpo, sujeito e cultura. A autora faz uma discussão

estética e cognoscitiva sobre o papel do corpo nas práticas de letramento, a partir do foco nas

atividades criadoras na infância: a) não gráficas (faz de conta e narrativa) e b) gráficas

(desenho e primeiras elaborações de escrita). O estudo foi realizado em uma escola pública de

educação infantil do Distrito Federal (Plano Piloto), em uma sala de aula com crianças na

faixa etária de 4-5 anos. Nessa pesquisa foram utilizados os instrumentos de observações,

14

O fracasso escolar nas classes de alfabetização estaria relacionado, conforme explica Rodrigues (2008), à falta

de um vínculo afetivo entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Para o autor, a ausência do lúdico nas

atividades escolares interfere diretamente na construção da competência leitora e escrita dos alunos. Assim, a

superação desse fracasso escolar tem no componente lúdico o restabelecimento desse vínculo afetivo.

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diário de campo e videogravação de situações que envolveram experiências de letramento

articuladas aos processos criativos das crianças. Para Costa (2012), a simbolização envolvida

na escrita está presente nas atividades criadoras, nos anos iniciais da educação infantil, muito

antes de se iniciar a alfabetização e, nessas ações, o corpo assume centralidade, pois é por

meio dele que as escritas e leituras sobre o real, configuradas pelas crianças tornam-se

possíveis. Esse trabalho se aproxima do nosso por tratar das questões referentes ao papel do

corpo nas práticas de letramento, avançando as reflexões sobre a temática em uma perspectiva

histórico-cultural e por compreender a brincadeira de faz de conta, a narrativa, o desenho e

outras formas de linguagens como dimensões que caracterizam e qualificam a produção

cultural da criança pequena. Porém distancia-se na metodologia e por enfocar a Educação

Infantil como espaço pesquisado.

A dissertação desenvolvida por Vinotti (2011) intitulada Professores de Educação

Física e professores alfabetizadores: diálogos e saberes foi a que mais se aproximou de nosso

objeto de estudo, pois tem como objeto de investigação os sujeitos professores e seus

discursos e a análise das relações entre alfabetização e Educação Física expressas nos

discursos dos professores e nos documentos oficiais. O trabalho de Vinotti (2011) trata das

relações entre saberes docentes dos profissionais da Educação Física e dos alfabetizadores

acerca do processo de alfabetização e letramento que perpassam os anos iniciais. Baseada nas

análises de entrevistas com os sujeitos professores e nas narrativas dos documentos oficiais de

escolas públicas de Santa Catarina, a pesquisa aponta como resultados a tentativa de

aproximação entre as áreas da Pedagogia e da Educação Física, porém nos documentos

oficiais do Estado a vinculação entre o processo de letramento e Educação Física ainda é

limitada. Avançamos em relação a essa pesquisa por apresentarmos um produto educacional,

uma proposta que tem como objetivo a elaboração de uma proposta de intervenção de prática

pedagógica da Educação Física com vistas ao letramento na escola.

As autoras Souza e Peixoto (2006), ao discutirem a importância da Educação Física no

artigo intitulado “A contribuição da Educação Física para alfabetização”, concluíram que a

importância e os benefícios desta nas classes de alfabetização referem-se ao aspecto motor

como facilitador da aprendizagem, o que contribui para o processo de aquisição da leitura e

escrita. Nessa concepção de Educação Física, as autoras tiveram como objetivo desenvolver

habilidades motoras, o que não deixa de ser importante, mas, se for colocado como objetivo

único da Educação Física, este pode se tornar problemático, pois deixa de tratar da cultura na

qual os alunos estão inseridos, não podendo ser estudados apenas em sua existência biológica.

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Souza e Peixoto (2006, p. 1) afirmam que, através do movimento e da Educação Física

especificamente voltada para a alfabetização, é possível desenvolver uma proposta de ensino

que propicie o aprendizado da leitura e escrita de forma lúdica. Isso não se restringe tão

somente a aprender a ler, escrever ou falar; refere-se à valorização e ao uso da linguagem,

através de atividades lúdicas e direcionadas, como uma forma de comunicação e construção

de significado do que é aprendido. Para as autoras, identificar, reconhecer e organizar as

possibilidades e movimentos do corpo; encontrar relação entre as coisas, identificando as

semelhanças e diferenças; associar e classificar o conhecimento sobre o seu corpo em

movimento são os objetivos da Educação Física para esse ciclo de escolarização. Esse artigo

se aproxima de nossa pesquisa por trazer entrevistas de um professor pedagogo e um

professor de Educação Física de oito escolas do município de Niterói, no Estado do Rio de

Janeiro, professores que atuam na classe de alfabetização. Mas o estudo se distancia do nosso

por não analisar documentos oficiais e por se tratar de outro contexto.

O artigo “Jogo e letramento: crianças de 6 anos no Ensino Fundamental”, de

Kishimoto et al. (2011), discutiu sobre uma prática curricular que alia o jogo ao processo de

letramento no primeiro ano do Ensino Fundamental de nove anos da Escola de Aplicação da

Universidade de São Paulo (USP). Para os autores, a análise do currículo assentado no lúdico

como atividade importante para o letramento pode representar a possibilidade de integração

de crianças de seis anos e a superação dos desalinhos curriculares no âmbito da política

pública de ampliação do Ensino Fundamental. A investigação, de caráter qualitativo, pautou-

se em dados do acompanhamento das cinco turmas de primeiro ano do Ensino Fundamental

de nove anos do período de 2006 a 2010, com análise do plano de ensino, registros de

desempenho das crianças, entrevistas com pais, depoimentos orais de crianças, registros da

professora e relatórios da brinquedoteca. Como conclusão, os autores constataram que as

mediações são mais adequadas quando há dois docentes para desenvolver atividades

relacionadas à pedagogia de jogos destinados ao letramento e que a implementação dessa

prática exigirá a atenção para os aspectos estruturais e pedagógicos. Esse trabalho se

aproxima do nosso por tratar da relação entre Educação Física e letramento, contudo

distancia-se pelo enfoque metodológico utilizado que se pautou por análises dos planos de

ensino, registros de desempenho das crianças, entrevistas com pais, depoimentos orais de

crianças, registros da professora e relatórios da brinquedoteca de cinco turmas de primeiro

ano do Ensino Fundamental de nove anos.

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Guedes e Souza (2011), no artigo intitulado “Leitura e escrita são tarefas da escola e

não só do professor de Português”, afirmam que ler e escrever são tarefas da escola, questões

para todas as áreas, uma vez que são habilidades indispensáveis para a formação de um

estudante, que é responsabilidade da escola. Até porque ensinar é dar condições ao aluno para

que ele se aproprie do conhecimento historicamente construído e inserido como produtor de

conhecimento; é dar condições para que o aluno se torne capaz dessa apropriação, pois o

conhecimento acumulado está escrito em livros, revistas, jornais, relatórios, arquivos; é

ensinar a escrever, porque a reflexão sobre a produção de conhecimento se expressa por

escrito. Esse trabalho se aproxima de nossa pesquisa por tratar das questões referentes à

alfabetização e ao letramento.

Com a intenção de relacionar a Educação Física à questão das linguagens, a

dissertação de Ladeira (2007), intitulada Linguagens e suas possibilidades na Educação

Física Escolar, desenvolveu um estudo junto a cinco professores de Educação Física, atuantes

no Ensino Fundamental e/ou médio, para desvelar os seus conhecimentos a respeito das

interfaces entre Educação Física Escolar e linguagem, a partir de um grupo focal. Foram

abordadas as relações que os professores estabelecem entre linguagem, autonomia e inserção

social. Para a autora, ao investigar o conhecimento dos professores a respeito das relações

entre Educação Física Escolar e linguagem, foi possível verificar que os professores

apresentam noções, ainda que superficiais, dos conceitos de linguagem corporal, gramática,

texto, símbolo e cultura. Nesse sentido, foram analisadas as concepções que os professores

têm sobre linguagem relacionadas ao seu papel dentro do programa escolar e identificou-se

que os professores percebem a linguagem enquanto orientações didáticas. Esse estudo possui

com o nosso algumas aproximações, como a metodologia utilizada, com entrevistas aos

professores, mas se distancia por não analisar documentos oficiais.

Ao descrevermos as informações e contextualizações encontradas nas produções sobre

os estudos desenvolvidos na área educacional descrita neste tópico, nosso objetivo foi o de

mapear as pesquisas desenvolvidas sobre a temática “Educação Física e Letramento” e expor

os resultados dessas investigações, buscando destacar a possível relevância que esses estudos

podem oferecer. Além disso, a revisão da literatura permitiu familiarizarmos em profundidade

com o tema em questão e nos forneceu subsídios teórico-metodológicos para a nossa

pesquisa.

De uma forma geral, como distanciamentos e aproximações entre essas duas áreas do

conhecimento, percebemos que há estudos relevantes sobre a temática no que diz respeito à

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importância e à contribuição da Educação Física para os processos de alfabetização

relacionados ao aspecto psicomotor, como demonstrado nos estudo de Barros (2011) e Souza

e Peixoto (2006). Outras pesquisas demonstram avanços na tentativa de relacionar as

contribuições da Educação Física para o processo de letramento, como os estudos de Melo

(2006) e Rodrigues (2008), porém essas pesquisas ainda utilizam a Educação Física como

instrumento, como uma atividade lúdica que favorece a aquisição da leitura e da escrita. As

pesquisas de Guedes e Souza (2011), Kishimoto (2011) e Vinotti (2011) avançam no trato

com a temática, ao justificar a contribuição da Educação Física nos processos de alfabetização

e letramento em seu aspecto interdisciplinar, como áreas do conhecimento que convergem

para a formação do ser humano em sua totalidade.

As análises da literatura levantada apontam, em relação à nossa hipótese inicial, que a

Educação Física Escolar tem avançado pouco na construção do letramento das crianças nas

salas de alfabetização, pois a maioria dos estudos refere-se ao letramento da Educação Física

relacionado ao domínio e à destreza corporal, esquecendo que ele deve considerar o ser

humano como uma totalidade e não como uma atividade meio para aquisição da leitura e da

escrita. Nosso trabalho avança em relação às pesquisas acima citadas por direcionar-se

também aos saberes dos professores com relação à Educação Física e à alfabetização, a partir

de seus discursos, perpassando a análise dos documentos oficiais e propondo um produto

educacional como exemplificação das possibilidades da Educação Física no processo de

alfabetização e letramento, o qual tem na interdisciplinaridade seu eixo principal.

As pesquisas sobre o tema “Educação Física e Letramento” ainda são poucas e

apresentam lacunas no trato do letramento com a especificidade do conhecimento da

Educação Física, como áreas do conhecimento que devem convergir no cumprimento de sua

função social na escola e de formação integral do aluno. Portanto, faz-se necessário que

submetamos o conhecimento à investigação permanentemente, para avançarmos na produção

científica educacional e para que essas produções venham a atender às necessidades dos

professores, da escola e da sociedade às quais estão atreladas.

Após esse recorte do cenário atual das pesquisas sobre o tema da pesquisa,

anunciamos nossa compreensão de Educação Física no campo histórico-cultural e, a seguir,

iremos refletir sobre suas relações com a linguagem a alfabetização e o letramento na escola.

2.3 – EDUCAÇÃO FÍSICA E SUA RELAÇÃO COM A LINGUAGEM

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Para pensar o homem como ser social, é preciso compreender que este é constituído

pela subjetividade e pela objetividade numa unidade indivisível. Essa compreensão, sob a

perspectiva do materialismo histórico – dialético, passa pelo trabalho que o homem realiza,

por sua prática, seu pensamento, seu aprendizado e posse do saber. Pensando nessas questões,

retornamos, então, a essas reflexões.

Duarte (2010) observa, do ponto de vista histórico, que o trabalho deve ser

considerado uma atividade própria humana, que produz e desenvolve as relações entre os

seres humanos e a comunicação entre eles. Tem-se aí a gênese da existência social humana

objetivada na “produção de instrumentos, na produção de formas de relacionamento e na

produção da linguagem” (DUARTE, 2010, p. 46).

Tonet (2009), ao examinar o ato do trabalho em Marx, afirma que sua realização

implica imediatamente algumas categorias. Em primeiro lugar, a socialidade: “o trabalho é

sempre um ato social” (2009, p. 8). Em segundo lugar, a linguagem: “toda atividade social

implica comunicação, coordenação de atividades. Por isso a linguagem, não importa sob que

forma, se faz presente já neste primeiro momento do trabalho” (2009, p. 8). Em terceiro lugar,

a educação: “à diferença dos animais, nós humanos não nascemos geneticamente

determinados, nada é biologicamente pré-determinado e precisamos aprender o que temos que

fazer” (2009, p. 9).

Entendemos, com base no exposto, que tanto a linguagem como a consciência são

expressões da relação do homem com o mundo, ou seja, expressões da necessidade de

estabelecer relações com os indivíduos que com ele convivem, e ambas surgem da

consciência de que o homem vive em sociedade.

Vygotsky (2009) trata a atividade social na qual o homem se forma e interage com

seus semelhantes e seu mundo numa relação de troca. Para ele, a relação entre o homem e o

mundo passa pela mediação do discurso, pela formação de ideias e pensamentos através dos

quais o homem apreende o mundo, atua sobre ele e recebe a palavra do mundo sobre si

mesmo e sobre ele.

Um dos instrumentos básicos inventados pela humanidade é a linguagem. Vygotsky

(2014), em seus estudos, deu ênfase especial ao papel da linguagem na organização e no

desenvolvimento do processo de pensamento. Para o autor, o histórico funde-se com o

cultural. Os instrumentos que o homem utiliza para dominar o ambiente foram inventados e

aperfeiçoados ao longo da história social do homem. A linguagem carrega consigo os

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conceitos generalizados, que são a fonte de conhecimento humano. Assim, o grande objetivo

da linguagem é a interação, a comunicação com o outro, dentro de um espaço social. As

condições e as formas de comunicação refletem a realização social em símbolos que

ultrapassam as particularidades do sujeito, que passa a ser visto em interação com o outro.

Ainda segundo Vygotsky (2014), a linguagem é um meio de comunicação social, de

enunciação e de compreensão. No início, o pensamento está dissociado da fala, a linguagem

está dissociada da sua função intelectual. Dessa forma, a criança executa uma ação de pegar

um objeto, por exemplo, sem organizar seu pensamento para esse fim, ou seja, atribui funções

à linguagem e ao pensamento como independente uma da outra. Ao desenvolver a fala, a

criança coaduna as funções da comunicação e do pensamento, desenvolvendo a linguagem. E

a palavra, nesse sentido, é uma unidade dessas duas funções da linguagem tanto quanto é do

pensamento. A comunicação, estabelecida na compreensão e na intenção de transmitir ideias e

vivências, exige necessariamente um sistema de meios cuja origem é a linguagem humana,

que surgiu da necessidade de comunicação no processo de trabalho. Assim, à medida que a

criança se apropria da linguagem como fator de comunicação e desenvolvimento do

pensamento, ela se apropria dos conceitos e se situa no mundo, compreendendo e interagindo

com esse mundo. A linguagem é assim, antes de tudo, constitutiva do ser.

A criança é um ser social. Ao relacionar-se com o mundo como objeto de pensamento,

é necessário que ocorra um distanciamento do homem do seu mundo subjetivo, das emoções;

é preciso que ela se coloque no mundo como objeto a ser pensado. Ou seja, a criança, ao

interagir com o mundo subjetivo, se relaciona com o mundo objetivo a ser pensado,

compreende a necessidade de se expressar e de falar, necessidade esta decorrente do próprio

contexto social. Esse processo de interação entre o subjetivo e o objetivo se dá por meio da

linguagem. Vygotsky (2009) trata esse processo de distanciação-objetivação e diz que

somente pela linguagem podem existir objetos de pensamentos e um sujeito real para pensá-

los.

Vygotsky (2005), além de valorizar a linguagem através da palavra, na formação dos

processos psicológicos superiores, também valoriza a interação dos diferentes aspectos da

educação (intelectual, moral, estética, prática e física), pois estas asseguram a participação da

criança nas diversas atividades necessárias para um desenvolvimento das potencialidades em

todas as áreas. Nesse sentido, Luria (2005) explica que, ao assimilar a palavra e ao usá-las, a

criança sintetiza os fenômenos do mundo exterior e usa toda a experiência do gênero humano.

Dessa forma, a criança apropria-se do patrimônio cultural humano.

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A criança, ao interagir com o ambiente natural e social, promove, transforma a

natureza e se transforma, emergindo historicamente a atividade social humana e seus

processos psicológicos especificamente culturais. Conforme Pasqualini (2010), o termo

“cultura” para Vygotsky refere-se à totalidade das produções humanas, isto é, “tudo aquilo

que se contrapõe ao que é dado pela natureza, que resulta da ação criadora e transformadora

do homem” (PASQUALIN, 2010, p. 168).

Na interação dialética do homem com o meio para as satisfações de suas necessidades,

a linguagem pode ser apreendida “na interação Eu-mundo” (GONÇALVES, 2012, p. 76), que

possui uma realidade objetiva que se concretiza quando é incorporada por alguém que a

vivencia concretamente e, com ela, estrutura seus pensamentos e se comunica.

Para Marx (2001), a compreensão do homem perpassa a objetividade da realidade e a

apropriação da subjetividade, do sensível, no sentido do ter. Assim,

todas as relações humanas com o mundo – visão, audição, olfato, gosto, percepção,

pensamento, observação, sensação, vontade, atividade, amor – em síntese, todos os

órgãos da individualidade [...] são no seu comportamento objetivo ou no seu

comportamento perante o objeto a apropriação do referido objeto, a apropriação da

realidade humana. (MARX, 2001, p. 141, grifo nosso)

Consideramos nessa passagem de Marx a importância dada à totalidade do ser

humano, sua objetividade e subjetividade, sendo esta última expressa através dos órgãos dos

sentidos. Grifamos no trecho a palavra “atividade” por compreendê-la como movimento, o

corpo em movimento, portanto manifestação e assimilação da vida humana, na qual as ações

motoras têm um sentido subjetivo da história individual, ao mesmo tempo em que possui um

sentido intersubjetivo configurado ao longo do processo histórico-cultural.

Dessa forma, a Educação Física na escola, por lidar diretamente com as questões

corporais, deve orientar as ações motoras dos alunos, levando-os a “vivenciar autênticas

experiências corporais, em que ele forme seus próprios significados de movimento, quer

dizer, que ele envolva seus movimentos com sua subjetividade, que eles se tornem seus e

brotem de sua interioridade” (GONÇALVES, 2012, p. 77).

Conforme Soares (1988), o ato de mover-se para o homem não foi, historicamente

falando, sempre o mesmo. Para a autora, a motricidade humana é também uma forma concreta

de o homem intervir e relacionar-se com o mundo, bem como de representar esse mundo.

Nesse sentido, ao considerar o ato de correr e saltar como formas naturais de movimento, em

que o natural antecede a ação cultural, destituímos sua historicidade, como se essas ações

nascessem com o homem e fizessem parte de sua natureza biológica, “negando o fato de que o

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equipamento biológico da espécie humana, que permite práticas físicas determinadas como

andar, correr, saltar, foi sendo elaborado até suas caracterizações atuais, na estreita relação e

atuação do homem com o mundo material” (SOARES, 1988, p. 22).

É importante observar que a transformação do homem em suas formas corporais de se

relacionar com a natureza e com os outros homens é resultante do processo histórico. Nesse

sentido, segundo o Coletivo de Autores (2002, p. 39), “a espécie humana não tinha, na época

do homem primitivo, a postura corporal do homem contemporâneo [...] essa conquista ou

produção humana transformou-se em patrimônio cultural da humanidade”. Os autores

informam ainda que, “assim o homem, simultaneamente ao movimento histórico da

construção da sua corporeidade, foi criando outras atividades, outros instrumentos e por meio

do trabalho foi transformando a natureza, construindo cultura e se construindo” (COLETIVO

DE AUTORES, 2012, p. 40).

Portanto, compreender a dimensão corpórea do homem requer materializá-la também

na linguagem enquanto atividade produtiva da história da humanidade, além do trabalho;

linguagem enquanto comunicação gestual, expressão de ideias e trabalho, ao desenvolver

diferentes movimentos sistematizados, articulados, “numa produção simbólica” (COLETIVO

DE AUTORES, 2012, p. 40); linguagem enquanto poder de alienação do homem quando

padroniza gestos e movimentos corporais.

Nessa perspectiva, de acordo com essa abordagem, compreendemos a Educação Física

como uma prática social que assimila cultura corporal da humanidade e que

busca desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo de formas de

representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da história,

exteriorizadas pela expressão corporal: jogos, danças, lutas, exercícios ginásticos,

esporte, malabarismo, contorcionismo, mímica e outros, que podem ser identificados

como formas de representação simbólica de realidades vividas pelo homem,

historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas. (COLETIVO DE AUTORES,

2012, p. 39)

Além disso, a abordagem crítico-superadora da Educação Física reconhece a

expressão corporal como linguagem e propõe uma organização dos conhecimentos que tem

como eixo a sua dimensão sócio-histórica. Dessa forma, as crianças são consideradas como

seres históricos que se constituem nas relações sociais e que levam em conta a dimensão

sócio-histórica dos conhecimentos.

Reconhecendo a expressão corporal como linguagem, Ayoub (2005) defende a ideia

de que

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a expressão corporal caracteriza-se como uma das linguagens fundamentais a serem

trabalhadas na infância [...], configura-se como um espaço em que a criança brinque

com a linguagem corporal, com o corpo, com o movimento, alfabetizando-se nessa

linguagem. Brincar com a linguagem corporal significa criar situações nas quais a

criança entre em contato com diferentes manifestações da cultura corporal e que não

pode prescindir da orientação do(a) professor(a). (AYOUB, 2005, p. 151)

Compreendemos, assim, que os elementos da cultura corporal ocupam a função social

e educativa da Educação Física como área do conhecimento que pode tornar-se consistente,

na medida em que orienta uma ação pedagógica objetivada e contribui para a organização do

pensamento da criança de forma cada vez mais complexa e desenvolvida.

Se considerarmos a escola como uma instituição cujo papel consiste na socialização do

saber sistematizado e deve propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso

ao saber sistematizado, as atividades da escola devem organizar-se a partir dessa questão. O

saber sistematizado para Saviani (2007) é a cultura letrada: “daí que a primeira exigência para

o acesso a esse tipo de saber seja aprender a ler e escrever. Além disso, é preciso conhecer

também a linguagem dos números, a linguagem da natureza, a linguagem da sociedade”

(SAVIANI, 2007, p. 15). Nesse sentido, acrescentamos aqui a linguagem corporal.

A linguagem é dinâmica e rica, constituída historicamente nas relações sociais e

altera-se de acordo com o movimento histórico; e na escola, impera um código linguístico que

lhe é próprio. A especificidade da escola é de conduzir o desenvolvimento através da

educação, o que “significa organizar esta interação, dirigir a atividade da criança para o

conhecimento da realidade e para o domínio do saber e da cultura da humanidade,

desenvolver concepções sociais, convicções e normas de comportamento moral”

(VYGOTSKY, 2005, p. 20). A linguagem reconhecida na teoria histórico-cultural é

ferramenta de constituição e transformação do indivíduo, sendo necessário que a escola

evidencie a importância de todas as linguagens como elementos constituintes do

conhecimento e das identidades dos alunos, de modo a contemplar as possibilidades artísticas,

lúdicas e motoras de conhecer, interpretar, expressar e transformar o mundo.

Sayão (2002) considera que manifestar-se através de diferentes linguagens significa

permitir e reconhecer que a oralidade, a escrita, o desenho, a dramatização, a música, o toque,

a dança, a brincadeira, o jogo, os ritmos, as inúmeras formas de movimentos corporais são

expressões humanas que não podem ficar limitadas a um segundo plano. “Em nossa cultura, a

escrita tem ocupado um espaço considerável nas intervenções educativas em detrimento de

outras linguagens que também são manifestações humanas” (AYOUB, 2005, p. 151), de

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modo que se deve ter um movimento de totalidade dos conhecimentos a serem trabalhados

pela escola.

Para Sacristán (2007), o valor e a qualidade da educação têm muito a ver com os usos

de sua linguagem. Segundo o autor, há uma degradação sofrida pela linguagem, pois suas

práticas pedagógicas inadequadas deterioram sua imagem e o valor dos conteúdos

humanísticos. Na perspectiva de Sacristán, a linguagem proporciona três grandes

possibilidades:

1. Ser o instrumento do pensamento ou o próprio pensamento. O fenômeno da

compreensão é um fato linguístico, pois pensamos com palavras, adotando a ideia de

Platão de que o pensamento é, essencialmente, o diálogo da alma consigo mesma.

2. A linguagem oral, que temos interiorizada, sua fixação escrita e a leitura são as

ferramentas básicas de elaboração, transmissão e aprendizagem da cultura (a

comunicação com os outros e conosco).

3. A linguagem, especialmente a escrita, constitui o depósito da memória e a chave

para chegar a ela, o pensado, o sentido e o desejado por outros ausentes no espaço

ou no tempo em que vivemos. (SACRISTÁN, 2007, p. 85)

Sacristán (2007) conclui que a linguagem é básica em qualquer área do saber, mas

com maior importância para as ciências humanas. Elas podem e devem trazer informação,

mas não devem ficar reduzidas à experiência de obras escritas que formam nossa memória

coletiva, e sim ter na linguagem uma capacidade instrumental para pensar, deliberar,

argumentar, avaliar e se expressar não somente a partir de textos. Se a base das ciências

sociais é a linguagem, o ensino-aprendizagem terá a ver com o falar, escrever, pensar e

expressar a partir do escrito, do escutado e do vivenciado, como forma de contribuir para a

elaboração de um pensamento abstrato e de propiciar o sentido das pessoas com os conteúdos

humanistas.

A Educação Física, partindo do movimento corporal produzido na sua totalidade

objetiva e subjetiva, possibilita ampliar o campo de experiências corporais. Esse campo, por

sua vez, permite desenvolver a consciência crítica. Nessa perspectiva, a linguagem, que

estrutura os pensamentos, funciona como “uma dimensão criada pelo homem para comunicar-

se com os outros e aprendida numa situação intersubjetiva. Possui em si mesma, um fim

social e sua aquisição somente pode ser feita em uma situação social” (GONÇALVES, 2012,

p. 91).

Compreendemos, assim, a linguagem como uma dimensão humana e, como tal, ela

constitui a práxis humana por meio da qual o homem assume-se social. Entendida como

forma de comunicação humana, tanto pela palavra como pela corporeidade, desenvolvida na

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relação dialética do homem com a natureza, e também compreendida como produção humana,

a linguagem corporal é a construção histórica da nossa corporeidade,

um acervo de atividades expressivo-comunicativas com significados e sentidos

lúdicos, estéticos, artísticos, místicos, agonistas – ou de outra ordem subjetiva – que

apresentam, como traço comum, serem fins em si mesmas, serem consumidas no ato

da sua produção. (ESCOBAR, 1995, p. 93)

É por meio da Educação Física que o aluno produz, reproduz e transforma a cultura

corporal de movimento. Dessa forma, a disciplina em questão deve possibilitar aos alunos a

compreensão da linguagem corporal como interação social, a qual amplia o reconhecimento

do outro e de si próprio. Isso significa conscientizar os alunos quanto à sua corporeidade (as

sensações e limites do próprio corpo, a expressão de gestos, pensamentos e sentimentos

através dele) e quanto à sua percepção, como forma de se comunicar, interagir com o mundo e

apreender que esse corpo e suas manifestações foram produzidos dialeticamente através da

história da humanidade para adequar o conhecimento da realidade e dispor de meios para agir

sobre ela. Dessa forma, através da linguagem corporal, pode ser possível promover a

educação do homem, no sentido proposto por Saviani (2007): “promover o homem significa

torná-lo cada vez mais capaz de conhecer os elementos de sua situação a fim de poder intervir

nela transformando-a no sentido da ampliação da liberdade, comunicação e elaboração entre

os homens” (SAVIANI, 2007, p. 61).

Nessa perspectiva,

a expressão corporal é linguagem, um conhecimento universal, patrimônio da

humanidade que igualmente precisa ser transmitido e assimilado pelos alunos na

escola. Sua ausência impede que o homem e a realidade sejam entendidos dentro de

uma visão de totalidade” (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 43).

Embasados na concepção da linguagem corporal como produção humana e na sua

relação com outras formas de linguagens, vemos que a Educação Física, para ser relevante e

justificada, pode contribuir “na leitura do mundo, por parte das crianças com as quais

trabalha, partindo do pressuposto da construção de si mesmo, no decorrer do processo de

alfabetização” (AYOUB, 2002, p. 57).

2.4 – EDUCAÇÃO FÍSICA E LETRAMENTO

Vygotsky (2009) trata a atividade social na qual o homem se forma e interage com

seus semelhantes e seu mundo numa relação intercomplementar de troca. A relação entre o

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homem e o mundo passa pela mediação do discurso, pela formação de ideias e pensamentos,

através dos quais o homem apreende o mundo, atua sobre ele, recebe a palavra do mundo

sobre si mesmo e sobre ele.

Para o autor (2005), as conquistas do desenvolvimento humano são consolidadas e

transmitidas de uma geração para outra de maneira particular. Essa transmissão histórico-

social surgiu porque a forma da atividade do homem é a atividade produtiva, ou seja, seu

trabalho. Baseado em Marx, Leontiev (2005) explica que a atividade humana (tanto material

como mental) se manifesta no processo de produção, “está cristalizada no produto, o que num

extremo, o do produto, transforma-se numa propriedade estavelmente definida”

(VYGOTSKY, 2005, p. 63).

De acordo com a concepção marxista, o homem, no processo social de produção e

reprodução material, forma a realidade social como totalidade refletida nas relações sociais,

conceitos, ideias e linguagem. Nesse processo, cria a si próprio como ser histórico e social,

tornando-se humanizado. Quando o homem intervém ativamente em suas relações com o

meio e através do meio modifica o próprio comportamento, estabelecem-se, segundo

Vygotsky (2005), as funções psíquicas especificamente humanas, produto do

desenvolvimento histórico do homem. O desenvolvimento das funções superiores, defendida

por Vygotsky e Luria (2005), origina-se das relações sociais entre os indivíduos num processo

constante de interação interpsíquica (de nível social e de atividades coletivas) e intrapsíquica

(de nível individual, no interior da criança), baseada na mediação, tendo a fala, a palavra

como atividade comunicativa humana não separada da linguagem. Ao desenvolver as funções

psicológicas superiores, por meio da dinamicidade inter e intrapsíquica, o homem apropria-se

da cultura. Cabe à escola, assim, organizar a interação das relações sociais, dirigir a atividade

da criança para o conhecimento, ou seja, proporcionar condições educativas adequadas para

esse desenvolvimento.

Saviani (2008) corrobora a concepção de Vygotsky. Para o autor, o desenvolvimento

histórico não é outra coisa senão o processo através do qual o homem produziu a sua

existência, agindo sobre a natureza, trabalhando e construindo o mundo histórico, da cultura,

o mundo humano. A educação tem suas origens nesse processo, pois o ato de educar é o ato

de se formar homem. Saviani (2008) estabelece, assim, a relação entre a educação e o

processo de trabalho. Entendido trabalho como “produção do saber, seja do saber da natureza,

seja do saber sobre a cultura, isto é, o conjunto da produção humana” (SAVIANI, 2008, p.

12).

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O trabalho educativo é o ato de produzir, direta ou intencionalmente, em cada

indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo

conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à

identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos

da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado

concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse

objetivo. (SAVIANI, 2008, p. 13)

Sala (2010) define a escola como uma instituição cujo papel central é a socialização do

conhecimento historicamente elaborado e acumulado pela humanidade, ou seja, seu objetivo

principal seria a transmissão-assimilação do saber sistematizado, “o que significa definir

como a atividade nuclear da escola o ensino e a aprendizagem dos conteúdos escolares,

historicamente construídos e definidos” (SALA, 2010, p. 84).

Para Saviani (2008), a escola tem uma função especificamente educativa, pedagógica,

ligada à questão do conhecimento: “a escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos

instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio

acesso aos rudimentos desse saber” (SAVIANI, 2008, p.15). Pensando nesses

posicionamentos, vemos que não se pode correr o risco de reduzir os objetivos da escola à

transmissão-assimilação do saber sistematizado. É necessário que a escola promova também a

transformação desse conhecimento, pois, na medida em que apresenta o saber sistematizado

para o aluno, este estabelece inter-relações do conhecimento com seu contexto histórico-

cultural e cria condições de modificá-lo.

Sendo a escola uma instituição decorrente do processo de produção capitalista, nela

também se encontram elementos contraditórios. Na contemporaneidade, a escola vem sendo

esvaziada da sua função específica, ligada ao saber elaborado, “convertendo-se numa agência

de assistência social, destinada a atenuar as contradições da sociedade capitalista” (SAVIANI,

2008, p. 99). Na sociedade capitalista, a escola tem servido a propósitos de fornecer

conhecimentos e pessoal necessário ao processo produtivo do capital e, também, “de gerar e

transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes” (SALA, 2010, p. 85).

Na medida em que estamos ainda numa sociedade de classes com interesses opostos

e que a instrução generalizada da população contraria os interesses de estratificação

de classes, ocorre essa tentativa de desvalorização da escola, cujo objetivo é reduzir

o seu impacto em relação às exigências de transformação da própria sociedade [...]

considerando-se o saber, que é objeto específico do trabalho escolar, é um meio de

produção, ele também é atravessado por essa contradição. (SAVIANI, 2008, p. 98-

99)

Segundo Freitas (2012), as formas de organização que a escola assume mantêm

ligação com o tipo de organização social determinada. Assim, ela assume em seu interior as

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contradições da divisão do trabalho da sociedade capitalista. A divisão do trabalho material e

intelectual opera-se na distribuição do conhecimento na escola, regida pela fragmentação da

organização curricular. Essa divisão das atividades sociais, segundo Saviani (2008), se reveste

de sentido social diferenciado. Assim, certas atividades são mais privilegiadas; outras, menos.

Nesse processo de separação do trabalho, o trabalho manual, que exige maior participação

corporal, “sempre ocupou um lugar inferior na hierarquia social da civilização ocidental, pois

toda sua realização se dava sob o jugo das classes dominantes” (GONÇALVES, 2012, p. 21).

As teorias da construção do conhecimento dentro dessa lógica, ao pensar a Educação

Física e a alfabetização, reforçam a visão da divisão do trabalho na escola no quadro da

hierarquia dos conteúdos: a alfabetização dentro do conhecimento intelectual, submetida às

exigências do capital, é o intelecto que aprende, e a Educação Física, assim, é vista como um

meio para dominar o corpo ou auxiliar no desenvolvimento do intelecto e favorecer a

aprendizagem.

Vimos no decorrer deste estudo que tanto a Educação Física como a alfabetização ao

longo de sua história legitimaram as forças hegemônicas do capital dentro da escola. Dessa

forma, à Educação Física é atribuída uma tarefa que envolve as atividades de movimento que

só pode ser corporal; e à alfabetização se atribui a ideia de aprendizagem da língua padrão

manifestada na ênfase dada à leitura técnica e às habilidades para a escrita.

Como a alfabetização é entendida como apreensão do código e símbolos, seu processo

está centrado nos mecanismos de codificação (escrita) e decodificação (leitura). Desse modo,

a prioridade do ensino recai no domínio do sistema alfabético. A conexão que se realiza entre

a Educação Física e essa concepção de alfabetização é relacionada aos benefícios da

Educação Física quanto ao aspecto motor e como facilitador da aprendizagem e que contribui

para o processo de aquisição da escrita e da leitura. Nessa concepção, o objetivo é

desenvolver habilidades motoras; o que não deixa de ser importante, mas, se for colocado

como objetivo único ou primeiro da Educação Física, esta pode se tornar problemática, pois

acaba por esquecer que essas habilidades estão inseridas em uma cultura que lhes orienta e dá

sentido/significado, não podendo ser estudadas apenas em sua existência biológica.

A concepção marxista e a teoria histórico-crítica, na qual nos embasamos, refuta essa

forma de analisar a alfabetização e a Educação Física. Na concepção materialista, é preciso

romper com a lógica do capital que impõe às classes trabalhadoras uma educação alienante

com o objetivo de manter o homem dominado. Para Mészáros (2008), a educação que deveria

ser a alavanca da emancipação do homem, contra a reprodução de valores baseada na

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sociedade mercantil, tornou-se instrumento de dominação da sociedade capitalista com o

objetivo de legitimar os valores e interesses dominantes. Para o autor, a educação não se

resume na transferência de conhecimentos, mas na conscientização, construção e libertação do

homem frente ao determinismo neoliberal, visando promover sua emancipação e, a partir

disso, transformar e revolucionar a sociedade, o homem.

Para Saviani (2007), promover e emancipar o homem significa tornar o homem cada

vez mais capaz de conhecer os elementos de sua situação, para que ele possa intervir nela

transformando-a “no sentido de uma ampliação da liberdade, da comunicação e colaboração

entre os homens. Trata-se, pois, de uma tarefa que deve ser realizada” (SAVIANI, 2007, p.

46).

Retomando o conceito de alfabetização, Soares (2008) apresenta a alfabetização como

um fenômeno multifacetado devido à diversidade de suas relações com a sociedade e com a

cultura. Em suas análises, Soares (2008) apresenta a perspectiva sociológica que tem a leitura

e a escrita como práticas sociais, denominada pela autora como letramento, de modo que as

relações entre essas práticas e as características sociais buscam determinar o quê e como as

pessoas leem, o valor simbólico da escrita em diferentes contextos sociais e na hierarquia dos

bens culturais.

Da mesma forma, Kleiman (1995) concebe a alfabetização para além da aquisição do

código alfabético e aponta a concepção de letramento “como um conjunto de práticas

sociais”, culturais e discursivas sobre a língua escrita “que tem implicações importantes para

as formas pelas quais os sujeitos envolvidos nessas práticas constroem relações de identidade

e poder” (KLEIMAN, 1995, p. 11). Na mesma direção, Colello (2014), ao discutir os sentidos

da alfabetização, contribui para o debate por entender o processo de alfabetização em uma

perspectiva dialógica da linguagem e como dimensão essencial do processo educativo,

evidenciando as práticas educativas no sentido social do ensino, isto é, o seu significado para

além da escola.

Ambos os autores possuem em comum o sentido amplo dado ao conceito de

letramento e tratam as práticas de leitura e escrita como um conjunto de práticas sociais e

culturais, para que, além da apropriação do sistema alfabético, elas permitam também servir

como meio para chegar a uma apropriação crítica e propositiva da própria cultura e da própria

história.

A prática social considerada na perspectiva do pensamento dialético, segundo

Caparroz (2007), é muito mais ampla do que a prática social de um conteúdo específico, pois

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se refere a uma totalidade que abarca o modo como os homens se organizam para produzir

suas vidas, expresso nas instituições sociais. Dessa forma, tanto a alfabetização e o letramento

quanto a Educação Física são compreendidos como práticas sociais que promovem a leitura

da realidade, as quais contribuem para a visão da totalidade.

A concepção crítico-superadora entende a Educação Física como uma prática

pedagógica que tematiza as atividades expressivas corporais, configuradas na forma de jogo,

dança, luta, esporte, ginástica, conhecimentos esses denominados de cultura corporal, uma

atividade produzida historicamente pelos homens, sendo patrimônio cultural da humanidade

e, portanto, um conhecimento a ser transmitido e assimilado pelos alunos na escola. Assim, a

prática da Educação Física é uma prática pedagógica porque surge de necessidades sociais

concretas.

Segundo o Coletivo de Autores (2012), o estudo desse conhecimento visa a apreender

a expressão corporal como linguagem, pois o homem, ao apropriar-se da cultura corporal,

desenvolve um “sentido pessoal que exprime sua subjetividade e relaciona as significações

objetivas com a realidade da sua própria vida, do seu mundo e das suas motivações”

(COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 62). Dessa forma, os temas da cultura corporal

expressam um sentido/significado, a intencionalidade/objetividade do homem e as

intenções/objetivos da sociedade que se interpenetram dialeticamente, possibilitando ao aluno

“entender a realidade social interpretando-a e explicando-a a partir dos seus interesses de

classe social. Isto quer dizer que cabe à escola promover a sua apreensão da prática social”

(COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 62).

Quando Saviani (2008) destaca que a natureza do trabalho educativo é produzir em

cada indivíduo a humanidade que é produzida histórica e coletivamente entre os homens,

significa que devem ser identificados os elementos culturais que precisam ser assimilados

pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos, cabendo à educação

escolar propiciar a transmissão e a assimilação do saber sistematizado, organizados de tal

forma que permitam ao aluno dominar os conhecimentos.

Considerar os diferentes mundos, as desigualdades sociais e a diversidade na escola

significa levar em conta as muitas linguagens e a multiplicidade de práticas letradas dos

grupos sociais (COLELLO, 2014, p. 183). Portanto, para que a ideia de letramento e da

Educação Física ganhe significado, ambas devem ser situadas em uma teoria de produção

cultural encarada como parte integrante do modo pelo qual as pessoas produzem, transformam

e reproduzem significados. Devem ser vistas como um meio que contribui tanto para produzir

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e reproduzir as experiências culturais de determinados grupos sociais como para promover a

transformação do homem e da sociedade.

Compreender o letramento como prática social, que extrapola o universo da

decodificação das letras e apropriação do sistema alfabético, é algo que caminha para um

processo de conscientização do aluno, para ajudá-lo a despertar para a realidade em que vive e

a participar da transformação sócio-histórica de sua sociedade. Nesse contexto, a

alfabetização e o letramento são muito mais do que aprender a ler e a escrever sinais gráficos:

é aprender, também, a ler o mundo.

Partindo desse princípio, percebemos que o letramento é um processo que amplia a

compreensão do mundo em que se vive. Podemos objetivar, nesse sentido, que a Educação

Física nas classes de alfabetização, na perspectiva do letramento, permite ao educando

conhecer, participar, explicitar e entender o seu contexto social, ampliando as suas

possibilidades de atuação e intervenção na sociedade. É mais do que o movimento pelo

movimento, “é a apreensão do desenvolvimento sócio-histórico das próprias atividades

corporais e a explicitação das suas significações objetivas” (COLETIVO DE AUTORES,

2012, p. 64).

Taffarel (2009) analisa a hipótese de que a Educação Física Escolar não está

construindo o “letramento” das crianças e jovens. Ou seja, a escola não está proporcionando

possibilidades de atividade humana inteligente, racional, desalienadora, “o que acentua, a

passos largos, o aprofundamento da barbárie, própria de um modo de organizar a vida onde o

trabalho humano, logo, o ser humano, é subsumido aos interesses do capital” (TAFFAREL,

2009, p.1). A autora em questão problematiza que, no espaço das aulas de Educação Física,

estão sendo negados conteúdos relevantes para as crianças nos currículos escolares, não

ocorrendo dessa forma o “letramento” em Educação Física.

O termo letramento para Taffarel (2009) diz respeito à amplitude dos conhecimentos,

habilidades e competências globais dos estudantes que podem ser avaliadas. Isso implica a

verificação da operacionalização de esquemas cognitivos que se expressam em todas as

possibilidades de ação humanas, de atividade humana, de trabalho humano, em termos de:

- conteúdos ou estruturas do conhecimento que os alunos precisam adquirir em cada

domínio, por exemplo, as estruturas de conhecimento – dados do real,

aprofundamento, ampliação de conhecimentos sobre cultura corporal;

- processos a serem executados – para domínio de técnicas, controles e plasticidade

corporal e de ideias;

- contextos em que esses conhecimentos e habilidades são aplicados – nas condições

das classes sociais, a educação, saúde, lazer, turismo, treino de alto rendimento,

entre outros. (TAFFAREL, 2009, p. 1)

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A ideia de letramento na disciplina Educação Física deve ter como foco as práticas

corporais e a compreensão de seus gestos, sua historização e produção. O corpo deve ser

entendido como um suporte textual, que carrega a história e a cultura de um grupo social.

Segundo o Coletivo de Autores (2012), quando nos movimentamos, expressamos uma série

de significados da cultura em que estamos inseridos. Algumas dessas práticas corporais, com

o passar do tempo, se tornam práticas organizadas e sistematizadas, obedecem a regras e são

transmitidas de geração em geração. Elas transformam-se no que conhecemos como esportes,

danças, lutas e brincadeiras. A decodificação, interpretação, organização e a realização dos

movimentos corporais é o eixo da Educação Física que permitirá a leitura, a interpretação, a

transformação e a emancipação do educando para além da alienação, como tem sido a

educação ao modo do capital.

Cada área do conhecimento tem sua especificidade, apresentando linguagens e saberes

próprios, porém essas áreas são interdependentes e complementares na compreensão da

realidade. Para Taffarel (2009), assim como a Matemática, as Ciências, a Língua Portuguesa

ou outras linguagens, a cultura corporal está presente na vida das pessoas em diferentes

contextos, variando no que diz respeito às situações pessoais ou particulares, à situação de

classe, até mesmo quanto às questões públicas mais amplas, incluindo, algumas vezes,

questões globais. Conforme Veiga-Neto (1994 apud GOIÂNIA, 2009, p. 43),

ao se discutir a produção e a construção do conhecimento rumo à

interdisciplinaridade, não se deve desconsiderar os elementos sociológicos,

epistemológicos que contribuíram para uma outra configuração curricular. Esses

elementos nos revelam muito sobre a transposição didática e a relação entre o saber

acadêmico escolar de cada disciplina. O que se busca é a formação integral, o

desenvolvimento da percepção, da sensibilidade, do raciocínio, da afetividade, da

ética, da sociabilidade, possibilitando aos educandos compreender o mundo e nele

intervir.

Sintetizando, os processos de leitura e escrita não estão ausentes do campo da cultura

corporal, o qual também exige domínio de conceitos, categorias, leis, esquemas de

pensamento e habilidades, sem as quais não se constrói a cultura corporal. Compreendemos,

assim, que o letramento em Educação Física significa dominar conhecimentos, hábitos

necessários para ler, interpretar e agir no mundo.

Para Saviani (2008), as áreas do conhecimento e disciplinas escolares se diferenciam,

mas nunca se dissociam. Cada área do conhecimento deve ser, portanto, considerada na escola

como um componente pedagógico que só tem sentido pedagógico à medida que seu objeto se

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articula com diferentes áreas do currículo escolar. Cada área do conhecimento deve “buscar

situar sua contribuição particular para a explicação da realidade social ao nível de

pensamento/reflexão do aluno expressa particularmente numa determinada dimensão da

realidade e não a sua totalidade” (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 30). A visão de

totalidade será construída pelo aluno à medida que ele sintetiza no seu pensamento a

contribuição dos diversos conhecimentos para explicar a realidade. É nesse arcabouço que

elencamos a reciprocidade entre alfabetização e letramento à Educação Física. A partir dessas

reflexões, estabeleceremos diálogos entre os discursos das professoras de Educação Física das

CREs e da escola-campo com as teorias e concepções de Educação Física e letramento

apresentadas.

2.5 – APROXIMAÇÕES DIALÓGICAS NO DISCURSO DAS PROFESSORAS

Para analisarmos e refletirmos sobre os discursos dos sujeitos participantes desta

pesquisa, relembramos um dos nossos objetivos, que é desvelar o discurso sobre a

alfabetização que perpassa a fala das professoras de Educação Física e pensar em como se

efetiva a relação dessas duas áreas do conhecimento. Nessa perspectiva, nossa análise está

dividida em dois eixos. Trataremos das concepções da Educação Física nos dizeres dos

sujeitos, sobre como é visto o papel dela para a alfabetização e, no segundo eixo,

analisaremos como o trabalho coletivo das professoras Pedagogas e de Educação Física está

inserido nos contextos escolares. Esses eixos serão analisados simultaneamente conforme o

contexto no qual nossos sujeitos estão inseridos; nesse caso, situado o campo da pesquisa a

que se refere, isto é, se é campo ampliado ou campo específico. Lembramos ao leitor que o

campo ampliado refere-se a uma escola de cada Coordenadoria Regional de Goiânia,

totalizando quatro escolas, pois uma declinou de participar da investigação. O campo

específico refere-se à escola-campo na qual realizamos a observação das aulas, registradas no

diário de campo, e a aplicação dos questionários e da proposta de intervenção.

Os questionários15

foram aplicados às professores dos dois campos da pesquisa.

Perguntamos a respeito das concepções de Educação Física e se essa concepção tem relação e

contribuição com a alfabetização e o letramento. Além disso, foi questionado como ocorre a

15

Transcrevemos de forma fidedigna as respostas das professoras-sujeitos que foram encontradas nos

questionários recebidos.

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organização dos professores e do coletivo escolar sob a perspectiva do letramento em seu

sentido amplo, de leitura do mundo.

A fim de preservar a identidade dos sujeitos pesquisados e por uma questão ética da

pesquisa, conforme a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS) 466/12 que trata

da pesquisa envolvendo seres humanos, os sujeitos estão no anonimato, discriminados apenas

pela sigla PP (professora pedagoga) com um número de identificação e o nome abreviado da

Coordenadoria Regional à qual pertence. E para a professora pedagoga da escola-campo,

utilizaremos o nome fictício “Rosa” – PP-A (professora pedagoga A). O mesmo para as

professoras de Educação Física, distinguidas pela sigla PEF e por um número de identificação

e o nome abreviado da Coordenadoria Regional à qual pertencem. E para a professora de

Educação Física da escola-campo, utilizaremos o nome fictício “Maria” – PEF.

2.5.1 – CONCEITOS E CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO FÍSICA DAS PROFESSORAS

Vimos no início deste capítulo que a Educação Física foi instrumentalizada no meio

escolar de acordo com interesses sociais de classe hegemônicos: cumpriu (ou ainda cumpre)

funções sociopedagógicas tipificadas na instituição militar, na psicomotricidade, no

construtivismo e no treinamento esportivo, o que determinava seus objetivos, conteúdos,

modo de transmissão e avaliação entre outros pontos.

Para Tardif (2014), todo professor ao escolher ou privilegiar determinados

procedimentos para atingir seus objetivos em relação aos alunos assume uma teoria de ensino-

aprendizagem, ou seja, “uma pedagogia, pois não existe processo de ensino-aprendizagem

sem pedagogia, embora se manifeste com frequência uma pedagogia sem reflexão

pedagógica” (TARDIF, 2014, p. 119).

Nesse primeiro eixo de análise, ao investigar junto aos professores-sujeitos, qual

concepção de Educação Física é utilizada para nortear sua prática pedagógica, se podemos

estabelecer uma concepção ou abordagem pedagógica representativa das Coordenadorias

Regionais de Ensino (CRE) de Goiânia, nossa intenção não é classificar ou rotular os

professores de Educação Física e as escolas pesquisadas, mas demarcar as possibilidades e

limites que essas concepções apresentam na prática pedagógica dos professores de Educação

Física, além de construir uma base para outras possíveis análises sobre a Educação Física

desenvolvida na SME Goiânia.

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Sobre as concepções teóricas da Educação Física as professoras responderam:

PEF-1/CRE-A: Construtivista, que parte do universo da criança para a escola.

PEF-2/CRE-B: Crítico-superadora.

PEF-3/CRE-C: Concepção crítico-superadora.

PEF-4/CRE-D: Utilizo os elementos da cultura corporal – crítico-superadora.

PEF-Maria (escola-campo): Eu não utilizo uma única concepção de Educação Física

na minha prática diária. Eu faço adaptações de abordagens dentro da faixa etária que estou

trabalhando. Me identifico mais com a abordagem construtivista, porque acho que devemos

considerar sempre as experiências motoras que os alunos trazem e construir o conhecimento

a partir delas, mas não deixa de ser um pouco psicomotora também, porque acho que temos

que considerar o desenvolvimento da criança nos aspectos cognitivos, afetivo e motor.

Percebe-se que três professoras de Educação Física pesquisadas das quatro CREs que

responderam ao questionário descrevem utilizar a abordagem crítico-superadora defendida

pelo Coletivo de Autores (2012). O Coletivo de Autores (2012) confere como objeto da

Educação Física o movimento humano compreendido em seu caráter sócio-histórico-cultural.

Tal concepção considera a cultura corporal como conhecimento de que trata a Educação

Física na escola, expressa através dos jogos, ginásticas, danças, esportes e outros, um

conhecimento que promove a reflexão sobre a cultura corporal. A concepção crítico-

superadora defende a concepção de currículo ampliado (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p.

28) no trato do conhecimento e busca uma articulação entre as formas como o homem

historicamente construiu e sistematizou o conhecimento e como o indivíduo se expressa na

realidade. Para os autores, o currículo deve explicitar seu compromisso com os interesses das

camadas populares. Assim, o aluno, ao se apropriar do conhecimento científico e confrontá-

lo com o saber que ele já traz do seu cotidiano, poderá fazer uma reflexão pedagógica capaz

de fazê-lo pensar acerca de sua realidade social. Para isso, a seleção de conteúdos deverá ter

como ponto de partida os elementos da cultura corporal e levar em conta a realidade social

concreta e seus determinantes históricos.

É também a concepção de cultura corporal, da expressão corporal como linguagem

social e historicamente construída que fundamenta a Educação Física a partir das diretrizes

curriculares da SME. Ela que justifica a proposta de articulação do conhecimento entre os

professores das diversas áreas. Os autores da Pedagogia crítico-superadora buscaram as bases

da Educação Física como disciplina escolar, nas formas históricas da cultura corporal,

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defendendo, segundo Escobar (1995, p. 97), “a possibilidade de resgatar práticas que possam,

de um lado, contribuir efetivamente para o desenvolvimento da consciência crítica e, do outro,

constituir formas efetivas de resistência”.

Chamamos atenção para as falas da PEF-CRE-A e da PEF-Maria (escola-campo)

sobre suas concepções de Educação Física embasadas no Construtivismo. O Construtivismo

tem como referência a “epistemologia genética de Jean Piaget”, na qual “a gênese e o

desenvolvimento do conhecimento humano são promovidos pelo esforço de adaptação do

organismo ao meio ambiente” (DUARTE, 2010, p. 39). Nessa perspectiva, a teoria do

conhecimento e da formação da inteligência se pauta na determinação do elemento

psicológico sobre o social. A abordagem construtivista designa um papel essencial à

Educação Física, pois é ela a responsável pelo oferecimento de situações de aprendizagem

que promovam o desenvolvimento motor competente.

Na abordagem construtivista da Educação Física, J. B. Freire (1997) faz uma opção

pela infância, enfatizando uma aprendizagem significativa, uma educação integral que

depende da ação corporal. O autor recomenda que o professor utilize o contexto de jogos ou

brincadeiras para ensinar conteúdos que tenham significados concretos para a criança.

Fundamentando-se em Piaget, ele afirma que “a atividade corporal é o elemento de ligação

entre as representações mentais e o mundo concreto, real, com o qual se relaciona o

sujeito” (FREIRE, 1997, p. 81). O autor entende, na verdade, que as experiências corporais

que a criança necessita vivenciar para compreender o mundo precisam estar presentes na

escola e ser significativas para ela; ou seja, as crianças devem ter experiências que façam

parte da sua realidade. Para o autor, a criança ao vivenciar concretamente a ação motora, de

forma significativa, possibilita uma compreensão da realidade e a transforma para atender

suas necessidades. Desse modo, as ações motoras significativas só são possíveis por meio do

resgate da “cultura infantil”, expresso nas brincadeiras e nos jogos das crianças (FREIRE,

1997, p. 81).

A visão construtivista da Educação Física apresenta muitas contribuições no que diz

respeito ao desenvolvimento infantil, porém não discute os fatores históricos, sociais e

culturais na relação escola/sociedade. Além disso, ao tratar do desenvolvimento infantil,

limita-se a considerar a importância dos aspectos motores que condicionam esse processo

sem, contudo, abordá-los de forma consistente. Ou seja, ao tratar apenas dos saberes da

criança, não se propõe a transmissão do conhecimento historicamente acumulado pela

sociedade como função da Educação Física. Consideramos que o conhecimento da Educação

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79

Física não se resume ao desenvolvimento corporal ou a dominar os aspectos técnicos da

motricidade humana. Na verdade,

Embora o domínio desta técnica constitua um aspecto importante de seu

ensinamento, ele é apenas uma parte, um pedaço. É preciso ter a clareza de que a

técnica é apenas aquilo que permite ao homem conhecer mais, que o instrumentaliza

para avançar no conhecimento do mundo. (SOARES, 1988, p. 25)

A PEF-Maria relata não seguir uma única concepção de Educação Física, utilizando

várias abordagens para construir sua prática pedagógica. Além do construtivismo, ela

fundamenta-se também na psicomotricidade, o que caracteriza o ecletismo de concepções

sobre a Educação Física dita pela PEF-Maria.

Consideramos ser importante que os professores tenham concepções definidas de

ensino-aprendizagem, seja da Educação Física ou de qualquer outra área do conhecimento,

pois isso confere ao professor clareza quanto aos objetivos, à escolha das atividades

adequadas e aos conhecimentos que estão sendo aprendidos pelos educandos em função de

sua ação pedagógica intencional e sistematizada.

Ao analisar as falas das professoras da pesquisa, tentamos evitar os reducionismos

sobre as concepções da Educação Física sejam eles de qual natureza forem. Porém, ao mesmo

tempo, precisamos evidenciar a Educação Física como conhecimento sobre o movimento

humano, e este não se trata de qualquer movimento, mas sim um específico; conforme

Escobar (1995), um movimento humano que é social e culturalmente construído e, como tal,

precisa ser analisado em toda sua totalidade, ou seja, como resultante da interação de seus

componentes biológicos, psicológicos e socioculturais, e não como um meio para se atingir

outros objetivos que não os provenientes da cultura corporal.

Conforme Tardif (2014), se o ensino é uma atividade humana, um trabalho baseado

nas relações entre as pessoas, e ensinar é desencadear um conjunto de conhecimentos

construídos pelos homens, a fim de atingir determinados objetivos, as concepções ou

abordagens teóricas da Educação Física enquanto teorias do ensino e da aprendizagem não

podem ser inerentes à atividade humana e suas relações sociais, simbólicas e de poder, pois

carregam consigo a marca das relações humanas que as constituem. E ainda, considerando os

conhecimentos de que trata a Educação Física como produtos histórico-culturais construídos a

partir de interesses e disputas que não estão isentos das forças sociais, é de fundamental

importância que os professores compreendam o processo de ensino-aprendizagem da

Educação Física como possibilidade de leitura da realidade. Como diz Paulo Freire:

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a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos, envolve o uso de

métodos, de técnicas, de materiais; implica, em função de seu caráter diretivo,

objetivo, sonhos, utopias, ideais. Daí sua politicidade, qualidade que tem a prática

educativa de ser política, de não poder ser neutra. (FREIRE, 1996, p. 77-78)

Tardif (2014) nos alerta que é impossível identificar a origem dos saberes dos

professores mobilizados em sala de aula, uma vez que esses saberes são provenientes da

história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos lugares de formação e das

teorias e concepções pedagógicas que, misturados, convergem na intenção educativa do

professor no momento da aula. Assim, para o autor, seria algo em vão procurar uma unidade

teórica, ainda que superficial, no conjunto de conhecimentos do saber-fazer do professor, no

que diz respeito a suas atitudes e intenções. Para o autor, um professor “não possui

habitualmente uma única ‘concepção’ de sua prática, mas várias concepções que utiliza em

sua prática, em função de sua realidade cotidiana, de vida, de suas necessidades, recursos e

limitações” (TARDIF, 2014, p. 65). Ou seja, se os saberes dos professores possuem certa

coerência, não se trata de uma coerência teórica ou conceitual, mas pragmática, ligada às

funções dos professores, e biográfica, construída no sincretismo daquilo que acumulou em

termos de experiência de vida. Por isso que a prática pedagógica não é tal qual a teoria de

ensino-aprendizagem seguida pelo professor.

Esquematicamente, a partir dos questionários respondidos pelas professoras de

Educação Física, podemos categorizar suas concepções teóricas em:

Em nossa pesquisa, questionamos às PEF se a Educação Física contribuía para o

processo de alfabetização, buscando estabelecer relações entre as concepções teóricas da

disciplina com o processo de alfabetização e letramento. Vejamos as respostas.

PEF-1/CRE-A: Sim. É visível a criança com dificuldade nos símbolos/letras também

tem dificuldade de entender o jogo. É tudo muito ligado. Como a criança consegue jogar se

não entende o jogo?

PEF-2/CRE-B: Acredito que a Educação Física pode contribuir com a alfabetização

desde que as práticas pedagógicas sejam norteadas e relacionadas com o contexto, com

CONCEPÇÃO TEÓRICA DA ED. FÍSICA

Visão das PEFs

Construtivismo Crítico

Superadora Ecletismo

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81

diálogo, com a leitura, com o contato com materiais diversos e consequentemente com a

construção do conhecimento.

PEF-3/CRE-C: Sim, dentro das articulações e planejamentos interdisciplinaridade

com as pedagogas.

PEF-4/CRE-D: Sem dúvida.

PEF-Maria (escola-campo): Acredito sim que a Educação Física é um suporte

considerável e relevante para o trabalho realizado na sala de aula. O movimento é um

grande aliado no que diz respeito ao desenvolvimento tanto físico, quanto intelectual das

crianças.

Todas as professoras de Educação Física entrevistadas compreendem e enfatizam a

importância da disciplina nos processos de alfabetização e letramento. As respostas das PEF-

2/CRE-B e PEF-3/CRE-C coadunam na preocupação em aproximar a Educação Física dos

outros componentes do currículo. A PEF-2/CRE-B aponta a contribuição da Educação Física

com a alfabetização alinhada a outras práticas pedagógicas, diferentes das corporais,

relacionadas com a leitura e o diálogo. Já a PEF-1/CRE-A exemplifica a decodificação dos

símbolos, signos e letras como uma forma de a Educação Física e a alfabetização se

relacionarem. De certa forma, as respostas das professoras PEF-2/CRE-B e PEF-3/CRE-C

assemelham-se ao entendimento da interdisciplinaridade defendida pela Pedagogia crítico-

superadora (COLETIVO DE AUTORES, 2012), a qual sustenta que nenhum conhecimento se

legitima de forma isolada, pois é o tratamento articulado do conhecimento sistematizado nas

diferentes áreas que permite ao aluno constatar, interpretar, compreender e explicar a

realidade social complexa.

A PEF-Maria (escola-campo) atribui à Educação Física a característica de suporte para

outras atividades pedagógicas: “a Educação Física é um suporte considerável e relevante

para o trabalho realizado na sala de aula”. Além disso, a PEF-Maria considera a importância

do desenvolvimento físico como aliado aos processos de alfabetização e letramento: “o

movimento é um grande aliado no que diz respeito ao desenvolvimento tanto físico quanto

intelectual das crianças”. É possível que a PEF-Maria atribua à Educação Física essa

característica de “suporte” para o trabalho pedagógico realizado em sala de aula e para o

desenvolvimento físico, com base na sua concepção teórico-metodológica construtivista e

psicomotora, explicitada na questão anterior. Tem-se a impressão de que a Educação Física

relaciona-se com o processo de alfabetização e letramento como atividade prática de

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desenvolvimento motor que contribui para o desenvolvimento cognitivo, como se esse caráter

fosse mais significativo na sua relação com outras áreas do conhecimento na escola.

As concepções construtivistas e desenvolvimentistas da Educação Física, conforme

Caparroz (2007, p. 143), reforçam a ideia de valorizar a ação corporal como o trabalho

desenvolvido em Educação Física, valendo-se da atribuição do mesmo status de que gozam as

disciplinas tidas como “teóricas”, “cognitivas”, voltadas para o desenvolvimento intelectual.

Para o autor, essas visões sobre a importância da Educação Física na escola foram saídas

encontradas na tentativa de conquistar um status de que gozam as demais disciplinas, como a

Língua Portuguesa e a Matemática, por meio de atividades físicas que dão ênfase ao

cognitivo. “Nessa tentativa de encontrar seu status junto às demais disciplinas, a Educação

Física Escolar entra pelo caminho da negação de si própria, para a afirmação no campo das

demais” (CAPARROZ, 2007, p. 142).

Esquematicamente, podemos categorizar as contribuições da Educação Física para a

alfabetização na visão das professoras de Educação Física como:

Nesse sentido, considerando nossas análises anteriores sobre divisão do trabalho

manual e intelectual e hierarquização das disciplinas e conteúdos escolares, questionamos

como o professor pedagogo enxerga a contribuição da Educação Física dentro do processo de

alfabetização e letramento com o intuito de perceber como a disciplina é vista por esses

professores dentro da escola, uma vez que são os únicos profissionais que atuam junto a eles

no Ciclo I. Vejamos:

PP-1/CRE-A: Sim. Se pensarmos no desenvolvimento global dos alunos a Educação

Física contribui muito, pois o lúdico juntamente com a atividade física já é reconhecido como

ação necessária à fruição infantil na aquisição da leitura e da escrita, conceitos

matemáticos, dentre outros.

PP-2/CRE-B: Sim

CONTRIBUIÇÃO DA ED. FÍSICA PARA A

ALFABETIZAÇÃO

Visão das PEFs

Ed. Física como meio para a

alfabetização

Ed. Física promove o letramento dentro da

sua especificidade Interdisciplinaridade

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PP-3/CRE-C: Sim, pois ela auxilia no desenvolvimento da coordenação motora fina e

grossa e também auxilia no raciocínio.

PP-4/CRE-D: Sim

PP-A – Rosa (escola-campo): Muito. É de suma importância para a alfabetização

Ao perguntarmos se os professores pedagogos acreditam que a Educação Física pode

contribuir para o processo de alfabetização, todos concordaram que sim, em especial a PP-

3/CRE-C ao enfatizar que a disciplina contribui dentro de uma visão de caráter motor, pois

auxilia no desenvolvimento da coordenação motora fina e grossa. É possível supor que essa

concepção de Educação Física associada ao aspecto motor, de desenvolvimento das

habilidades e aprendizagens motoras seja resquício da história da Educação Física na busca de

sua importância e justificativa dentro da escola. Vimos que essa visão de desenvolvimento

motor associada à aquisição de habilidades motoras específicas, como apreensão e força das

mãos, movimento de pinça (oposição dos dedos polegar e indicador) e lateralidade auxiliavam

a criança a pegar de forma correta no lápis e orientavam o sentido da escrita, da esquerda para

a direita, como necessidades motoras que as crianças precisam desenvolver na alfabetização.

Já a PP-1/CRE-A acredita que a Educação Física pode contribuir na alfabetização e no

letramento em seu sentido amplo, no desenvolvimento global dos alunos, através do lúdico:

ação necessária à fruição infantil na aquisição da leitura e da escrita, conceitos

matemáticos. Ela demonstra uma visão mais abrangente sobre a Educação Física, uma vez

que considera todas as áreas do conhecimento válidas para a aprendizagem da criança e

enfatiza a ludicidade, a brincadeira como elemento característico da infância, para aquisição

da leitura e escrita. Entretanto, chamamos a atenção para que a Educação Física não seja vista

apenas como meio de utilização ou complemento para desenvolver a aprendizagem da leitura,

da escrita ou da matemática, mas que seja ela mesma, também, promotora de conhecimento

que lhe é próprio.

Para complementar a pergunta da contribuição da Educação Física na escola,

questionamos os professores pedagogos como eles compreendem a atividade pedagógica da

disciplina no processo de letramento dos alunos. Vejamos as respostas:

PP-1/CRE-A: Vejo como base para aprendizagem. Defendendo a atividade lúdica

como um processo pelo qual a criança enriquece o senso de responsabilidade, desenvolve a

autoexpressão e desenvolve-se física, cognitiva e socialmente. Em relação ao

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desenvolvimento cognitivo, a atividade física e o brincar estimulam as ações intelectuais,

desenvolvem habilidades perceptuais, como a atenção e, consequentemente, a memória.

PP-2/CRE-B: É o momento em que a criança pode ser ela mesma, longe das

lembranças, das cópias e das tarefas. O corpo em contato com o outro, com o meio e com ele

mesmo possibilita o movimento, que nessa faixa etária ganha padrões medíocres reduzidos.

PP-3/CRE-C: Acredito que a Educação Física pode ser mais que um suporte

considerável e relevante para o trabalho que realizo em sala de aula, conferindo significado

à leitura e à escrita, motivando a todos pela utilização da ludicidade e do movimento, tão

importantes nessa faixa etária.

PP-4/CRE-D: Com jogos de regras e brincadeiras que estimulem a cognição, além de

tudo o que engloba os recursos motores para que a criança possa se ambientar, a Educação

Física acaba ajudando a minimizar os distanciamentos entre crianças dotadas de diferentes

habilidades. Em forma de atividade lúdica é mais fácil para a criança aprender.

PP-A – Rosa (escola-campo): A professora trabalha interagindo com a realidade do

aluno.

Ao refletir sobre a fala da PP-2/CRE-B, quando ela diz que compreende a atividade

pedagógica da disciplina no processo de letramento dos alunos como o momento em que a

criança pode ser ela mesma, longe das lembranças, das cópias e das tarefas, vemos que a

Educação Física não é vista aqui como uma disciplina que produz conhecimento

materializado em forma de tarefas. Nesse sentido, retornamos à nossa discussão inicial sobre a

questão da Educação Física vista como uma atividade especificamente corporal e, por isso,

destituída de teoria, reforçando a divisão entre trabalho manual/corporal e intelectual. Ou

ainda vista como meio para o desenvolvimento de outras atividades, como para a PP-3/CRE-

C mais que um suporte considerável e relevante para o trabalho que realizo em sala de aula

ou ainda como motivação, no sentido de entusiasmo, descontração, “motivando pela

utilização da ludicidade e do movimento”. Podemos inferir que o lúdico citado pela PP-

3/CRE-C tem característica de prazer e alegria.

Para as professoras PP-1/CRE-A e PP-4/CRE-D, a Educação Física é relacionada com

a brincadeira, o jogo e a ludicidade. Vemos isso quando elas afirmam, respectivamente, que a

atividade física e o brincar estimulam as ações intelectuais ou que a Educação Física

contribui com o letramento na escola com jogos de regras e brincadeiras que estimulem a

cognição. [...] Em forma de atividade lúdica é mais fácil para a criança aprender. Ou seja, o

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jogo e a brincadeira desenvolvidos pela Educação Física são atividades lúdicas vistas como

atividade meio para se alcançar o desenvolvimento cognitivo, pois desenvolve habilidades

perceptuais, como a atenção e, consequentemente, a memória, como descrito pelas

professoras PP-1/CRE-A, PP-4/CRE-D e PP-3/CRE-C.

Esquematicamente, podemos categorizar as contribuições da Educação Física para a

alfabetização na visão das professoras Pedagogas:

Historicamente, o jogo está presente nas aulas de Educação Física e, quando se fala em

jogo, ele logo é associado a atividades recreativas e brincadeiras ou a jogos esportivos, como

práticas de descontração, alegria e prazer e separadas dos fenômenos sociais. Tal percepção é

decorrente, segundo Kishimoto (1996), das ideias de Aristóteles, Tomás de Aquino, Sêneca e

Sócrates que, por longo tempo, limitaram a brincadeira e o jogo à recreação, a algo sem

seriedade, à ideia de que o lúdico se contrapõe ao trabalho, considerado este último como uma

atividade séria. A associação do jogo como atividade que favorece o desenvolvimento da

inteligência e facilita a aprendizagem deu-se a partir do Renascimento (KISHIMOTO, 1996).

“Ao atender necessidades infantis, o jogo infantil torna-se forma adequada para a

aprendizagem dos conteúdos escolares” (KISHIMOTO, 1996, p. 119).

Para Huizinga (1951) o elemento lúdico está na base do surgimento e desenvolvimento

da civilização. Isso significa dizer que, desde o surgimento da sociedade, o homem brinca e

que os jogos também fazem parte de todas as culturas da humanidade. Ele entende que o

lúdico é toda atividade que dá prazer. Entretanto, é importante compreender que o jogo é

muito mais que isso. Ele é uma atividade manifestada na criança que se concretiza na relação

com os demais seres humanos e com a natureza e se constitui numa atividade cultural com

função social.

Embasados na teoria histórico-cultural, autores como Leontiev (2005; 2014),

Vygotsky (2005; 2014) e Elkonin (2009) estabeleceram a relação da brincadeira e do jogo no

CONTRIBUIÇÃO DA ED. FÍSICA PARA A

ALFABETIZAÇÃO

Visão das PPs

Ed. Física como meio para a alfabetização

Viés da Psicomotricidade e da coordenação motora

Viés do jogo, do lúdico e da recreação

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estudo do desenvolvimento da criança, mostrando que o jogo é uma construção humana que

surgiu a partir das relações do homem com o trabalho.

Vygotsky (2005) concebe o mundo como resultado de processos histórico-sociais que

influenciam o modo de vida da sociedade e as formas de pensamento do ser humano. Dessa

forma, os processos psicológicos são construídos como resultado de processos sociais e o que

também inclui as brincadeiras. Para Leontiev (2014), a brincadeira é uma atividade objetiva

humana e constitui a base da percepção que a criança tem do mundo dos objetos humanos.

Para Vygotsky (2005) e Leontiev (2014), o jogo e a brincadeira surgem a partir da

necessidade da criança de agir em relação não apenas ao mundo dos objetos diretamente

acessíveis a ela, mas também em relação ao mundo mais amplo dos adultos.

Para Elkonin (2009), o jogo não surge de maneira espontânea, mas devido à educação

no âmbito das atividades humanas e nas relações entre as pessoas, portanto o jogo de papéis

(jogo protagonizado) é de origem social.

O jogo é uma forma de orientar a atividade humana, uma vez que é a partir dele que a

criança reconstrói as relações sociais: “chamamos de jogo a uma variedade de prática social

que consiste em reconstruir uma atividade que destaque o seu conteúdo social humano: as

suas tarefas e normas das relações sociais” (ELKONIN, 2009, p. 20).

As ações aprendidas na atividade com os adultos tornam-se lúdicas quando a criança

transfere o uso de um objeto aprendido em uma ação para outras ações. A criança, ao assumir

um papel, imprime o caráter lúdico da ação, e aí se encontra o jogo protagonizado como

descrito por Elkonin (2009).

Corroborando o posicionamento de Elkonin (2009), Leontiev (2014) enfoca o papel do

lúdico nos jogos protagonizados, denominado por ele como “jogos de enredo ou teatrinhos”

(2014, p. 132). O lúdico é a reprodução dessa ação em que a criança assume certa função

social generalizada do adulto. Essa situação Leontiev (2014, p. 132) caracteriza como situação

imaginária. À medida que a criança fica mais velha, a situação imaginária diminui, mas não se

perde o sentido lúdico do jogo. “Jogos de enredo com uma situação imaginária são

transformados em jogos com regras nos quais a situação imaginária e o papel estão contidos

em forma latente” (LEONTIEV, 2015, p. 133). E isso enfatiza os aspectos mais importantes

do desenvolvimento psíquico da personalidade da criança e o desenvolvimento de sua

consciência.

Assim, para os autores supracitados, o jogo é um processo dinâmico de incorporação

de estímulos sociais, o qual expressa o processo de integração da criança na realidade social.

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É uma via para compreensão do mundo. Enquanto construído socialmente e fundamentado na

sua historicização, o conteúdo do jogo nas aulas de Educação Física, segundo o Coletivo de

Autores (2012), não deve ser abordado somente enquanto atividade recreativa, mas deve ser

capaz de promover a interpretação crítica da realidade.

O jogo na concepção construtivista assume importância evidente, uma vez que, por

meio dele, é possível observar como a criança se socializa, ou seja, como se insere no mundo

social e como se relaciona com os outros. Freire (1997) defende a utilização do jogo como

conteúdo da Educação Física para crianças da primeira fase do Ensino Fundamental, pois “é

pelo jogo que construímos nossas condições fundamentais de vida. É através do jogo que

construímos nossas habilidades e capacidades mais tipicamente humanas” (FREIRE, 2002).

Na concepção crítico-superadora, o jogo é um dos elementos constituintes da cultura

corporal tendo sua relevância em todas as etapas dos ciclos de escolarização16

, adequando-se

às características de cada etapa, pois,

quando a criança joga, ela opera com o significado das suas ações, o que a faz

desenvolver sua vontade e ao mesmo tempo tornar-se consciente das suas escolhas e

decisões. Por isso o jogo apresenta-se como elemento básico para a mudança das

necessidades e da consciência. (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 65-66)

Assim, posicionamo-nos dentro da perspectiva crítico-superadora, em que o jogo,

enquanto conteúdo da Educação Física, precisa refletir a respeito da cultura corporal,

possibilitando uma leitura crítica da realidade, além de atender sua função lúdica, colaborando

com o desenvolvimento social psíquico de cada aluno.

2.5.2 – INTERAÇÕES ENTRE AS PROFESSORAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E

PEDAGOGAS

Vimos com Saviani (2008) que ensinar é dar condições ao aluno para que ele se

aproprie do conhecimento historicamente construído e que também se insira nessa construção

como produtor de conhecimento. A escola necessita, assim, “organizar processos, descobrir

formas adequadas a essa finalidade” (SAVIANI, 2008, p.75). Compreender a escola como um

16

Conforme o Coletivo de Autores (2012), os ciclos de escolarização compreendem: a Educação Infantil (Pré-

Escolar); o Ciclo de Organização da Identificação da Realidade (1ª a 3ª série do Ensino Fundamental); o Ciclo de

Iniciação à Sistematização do Conhecimento (4ª a 6ª série do Ensino Fundamental); o Ciclo de Ampliação da

Sistematização do Conhecimento (7ª a 8ª série do Ensino Fundamental) e o Ciclo de Sistematização do

Conhecimento (1ª a 3ª série do Ensino Médio).

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espaço de intervenção social pressupõe também enxergar a prática pedagógica do professor

como mediador visando a potencialização do conhecimento do aluno.

“O conhecimento sistemático, a expressão letrada, a expressão escrita, generalizou-se

dada as condições da vida da sociedade burguesa” (SAVIANI, 2008, p. 96). Devido a isso, há

um conjunto de conhecimentos básicos que envolvem o domínio dos códigos escritos, em que

a escola, lugar de acesso ao código alfabético, materializa os produtos da habilidade para ler e

escrever, ou seja, da alfabetização. Assim, também, a Educação Física como fenômeno social,

que tem sua origem nas relações sociais que envolvem a cultura corporal, é um conhecimento

que faz parte da totalidade da sociedade, e seus conhecimentos, portanto, devem ser

sistematizados e transmitidos pela escola.

Quando nos propomos a escrever sobre alfabetização e letramento e sua relação com a

Educação Física, nossa intenção era estabelecer elos com outras áreas do conhecimento,

aparentemente divergentes, mas que, na prática, se convergem, pois tratam do mesmo

objetivo, transmitir o conhecimento sistematizado. Alfabetização e letramento e a Educação

Física se convergem enquanto linguagem e quando compreendidas como processos sócio-

históricos tipicamente humanos.

Pensando nessa questão, questionamos as professoras de Educação Física das CREs e

da escola-campo como elas organizavam sua prática pedagógica e atividades que envolviam o

processo de leitura e escrita. Vejamos:

PEF-1/CRE-A: Meu objetivo é que a criança coordene seu aspecto motor. Os temas

da minha área. O fundamental é a motricidade, isso não pode ser secundário. Porém, não

consigo pensar a ed. física separada da alfabetização.

PEF-2/CRE-B: Em alguns momentos, realizo atividades envolvendo a leitura e

escrita.

PEF-3/CRE-C: Realizo os planejamentos voltados para a especificidade da Educação

Física.

PEF-4/CRE-D: Acredito que não tem como planejar sem envolver inúmeras questões,

inclusive no processo de leitura e escrita.

PEF-C – Maria (escola-campo): O planejamento de todos os componentes

curriculares envolve a leitura e a escrita, uma vez que temos responsabilidade em auxiliar as

pedagogas neste processo. Portanto, sempre que estamos trabalhando determinado conteúdo

envolvemos textos e atividades voltadas ao conhecimento do corpo e também sobre regras e

esclarecimentos sobre determinados jogos ou brincadeiras. Acredito também que quando

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trabalhamos coordenação motora, lateralidade, esquema corporal, dentre outros, estamos

auxiliando o processo de alfabetização desses alunos.

A PEF-4/CRE-D realiza prática pedagógica dirigida especificamente para os

conteúdos e saberes da Educação Física, sem estabelecer relações com a alfabetização. De

modo semelhante, a PEF-1/CRE-A mostra que o objetivo da Educação Física é restringido ao

aspecto motor, como especificidade da área “o fundamental é a motricidade”. Contudo,

apesar de atrelar a disciplina aos aspectos da alfabetização, a PEF-1/CRE-A não nos relata

como se dá essa relação. Em contrapartida, as professoras PEF-2/CRE-B e PEF-4/CRE-D

relataram que as atividades de leitura e escrita estão presentes em suas aulas, uma vez que

“não tem como planejar sem envolver inúmeras questões, inclusive no processo de leitura e

escrita”.

Consideramos importante a resposta da professora PEF-Maria (escola-campo), pois ela

entende a leitura e a escrita como conhecimentos a serem desenvolvidos por todos os

componentes curriculares, chamando a responsabilidade para a disciplina de Educação Física

como auxiliar nesse processo. Porém, ao contrário do que afirma a PEF-Maria, não somente a

Educação Física, mas qualquer outra disciplina dentro da escola deve ser considerada uma

possibilidade a mais do processo de letramento, e não vista como auxiliar das professoras

Pedagogas, como relata a professora, pois é preciso pensar para além da especificidade da

disciplina, direcionando o ato pedagógico para o objetivo da educação básica, que é a

formação do educando em sua totalidade.

Concordamos com a fala da PEF-Maria, uma vez que a Educação Física, ao utilizar

textos escritos ou registros escritos dos conhecimentos da cultura corporal, corrobora o

processo de alfabetização das crianças. Nessa perspectiva, a Educação Física não se torna uma

atividade meio para a aquisição do código alfabético, mas, ao fazer uso dele, auxilia no

processo de alfabetização dos alunos, uma vez que a criança, ao escrever, reflete sobre o

conhecimento expressado por escrito. Além disso, a leitura sobre temas relacionados à cultura

corporal permite ao aluno ser capaz de apropriar-se do código alfabético, pois o conhecimento

acumulado está condensado, em grande parte, na sua forma escrita.

Acrescentamos, ainda, que a Educação Física proporciona à criança, para essa etapa

do Ensino Fundamental, a organização dos dados da realidade, de modo a relacioná-los e

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estabelecer relações entre eles, ao vivenciar práticas corporais significativas17

e historicizar os

temas da cultura corporal. Para Escobar (1995), historicizar não é definir ou conceituar essas

práticas, apenas com base num retorno temporal. Historicizar, para a autora, quer dizer que,

através de uma narrativa dos aspectos exteriores do conteúdo, é possível a apreensão do

caráter dado pelo modo de produção às etapas de desenvolvimento dessas atividades como

fenômeno social. Dessa forma, a cultura corporal, conhecimento de que trata a Educação

Física, é entendida como produção humana histórica que permite ao aluno compreender-se

enquanto sujeito histórico e produtor de outras atividades corporais.

A PEF-Maria enfatiza também que as atividades corporais que envolvem os aspectos

motores auxiliam no processo de alfabetização. Acreditamos que a Educação Física não pode

desconsiderar a necessidade dos elementos técnicos e táticos que envolvem as atividades

corporais, porém chamamos atenção para o fato de não colocá-los como exclusivos e únicos

da aprendizagem. Isso quer dizer que, para o bom desempenho do desenvolvimento corporal,

as habilidades e o domínio da técnica são fundamentais, mas que devem ser relacionadas com

outros aspectos que influenciam nessa prática, como a análise histórica da origem do

conteúdo, sua relação com a realidade, situações que envolvam valores éticos, morais e

políticos etc.

Podemos sistematizar graficamente as respostas das professoras em:

Em relação a essa questão do modo como a leitura e a escrita são trabalhadas pelas

PEFs, não se trata de ministrar os conteúdos escolares da alfabetização através das atividades

corporais, mas admitir, ao interpretar a utilização do lúdico na aprendizagem, a aquisição das

competências leitoras e escritoras nas aulas de Educação Física, entendendo esse componente

curricular como linguagem, com a qual, por meio da gestualidade e da relação do movimento

com a realidade, a criança estabeleça significações objetivas com sua vida e com o mundo,

expresse opiniões, viabilize a leitura da realidade com possibilidades de mudanças sociais.

17

Atividades significativas, segundo a definição de Vygotsky (2005), são aquelas que a criança já conhece e

domina e que fazem parte da sua realidade concreta. É a partir daquilo que a criança já sabe que o professor deve

promover outros conhecimentos para novos níveis de desenvolvimento e funções psicológicas superiores. Ver

conceitos de Zona de Desenvolvimento Proximal em Vygotsky (1991).

FORMA COMO A LEITURA E ESCRITA É TRABALHADA PELAS PEFS

Brincadeiras, jogos e ludicidade Textos sobre a cultura corporal, jogos e

regras.

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De forma semelhante, também foi questionado às professoras Pedagogas como seu

trabalho se articulava com a Educação Física:

PP-1/CRE-A: No desenvolvimento de projetos elencados no início do ano letivo por

todos os envolvidos no processo ensino-aprendizagem, cada professor desenvolve os projetos

trabalhando da melhor forma e observando a sua área de atuação. E nos planejamentos

mensais discutimos ações coletivas para que o grupo possa trabalhar efetivamente os

conteúdos de cada projeto e trocamos ideias sobre o que está dando certo e o que precisa ser

mudado no trabalho.

PP-2/CRE-B: Por seu caráter socializador e como seu meio de desenvolvimento

global.

PP-3/CRE-C: Às vezes, utilizo atividades realizadas na Educação Física como uma

metodologia em sala de aula.

PP-4/CRE-D: Através da motivação que ela (ed. física) traz pela utilização da

ludicidade e do movimento. No momento da Educação Física, o educando pode ser ele

mesmo e, através do movimento, ele conhece outra forma de comunicação.

PP-A – Rosa (escola-campo): Trabalhamos juntas as regras, normas, etc.

De uma forma geral, as professoras Pedagogas enxergam a prática pedagógica da

Educação Física como uma atividade prazerosa, de brincadeiras e de ludicidade como um fim

em si mesmo, desprovido de outros elementos: seu caráter socializador; utilização da

ludicidade e o movimento como outra forma de comunicação. Tais percepções das

professoras Pedagogas remetem à dicotomia corpo/mente, como se o lúdico e a brincadeira

fossem exclusividade da Educação Física, separando o momento de brincar do momento de

aprender, como se o educando pudesse ser ele mesmo apenas nesses momentos.

Para Leontiev (2014), a criança apropria-se do mundo objetivo ao representar papéis

na ação imaginária, do lúdico e da brincadeira. O papel do lúdico é a ação sendo reproduzida

pela criança. “No papel que a criança desempenha no brinquedo, a criança assume certa

função social generalizada do adulto” (LEONTIEV, 2014, p. 132). Isso significa que o mundo

da criança é lúdico, criativo e cheio de fantasias, características que não precisam ser anuladas

em sala de aula. Dessa forma, se o lúdico é o meio pelo qual as crianças se expressam,

aprendem sobre o mundo social, imitando-o, recriando-o, modificando-o, refletimos sobre a

fala da professora PP-4/CRE-D indagando: será que somente nas aulas de Educação Física a

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criança é livre? Na sala de aula, o educando não tem liberdade de ser ele mesmo? O caráter

lúdico é presente somente nas aulas de Educação Física?

Questionamos às professoras Pedagogas, ainda, se elas enfrentam dificuldades na

realização de atividades que envolvem a leitura e a escrita num trabalho articulado com a

Educação Física e quais seriam as possíveis dificuldades.

PP-1/CRE-A: Não. O grupo de professores do ciclo I dessa instituição está sempre em

contato debatendo e articulando estratégias para o desenvolvimento das crianças. E sempre

que necessário são realizados atendimentos individualizados (reforço) nos horários de

Educação Física previstos nas Diretrizes do Ciclo sem prejuízos para os nossos alunos.

PP-2/CRE-B: Não

PP-3/CRE-C: Não

PP-4/CRE-D: Não

PP-A – Rosa (Escola-campo): Não. Muito pelo contrário, só contribuição.

As respostas professoras de Educação Física das CRE-B e CRE-C, como foi descrita

no capítulo 2, se contrapõem às respostas das professoras Pedagogas relatadas aqui. Se

voltarmos às respostas da professora de Educação Física, veremos que elas citam não

trabalhar em conjunto ou que essa coletividade não ocorre com frequência, apenas em alguns

momentos de planejamento coletivo realizado no início de cada semestre letivo.

Diferentemente das outras professoras, a PP-1/CRE-A reafirma em suas respostas que

a articulação de sua prática pedagógica com a Educação Física, em atividades que envolvem a

leitura e a escrita, se desenvolve através de projetos elencados no início do ano letivo, porém

essa articulação não é restrita apenas à disciplina de Educação Física, mas com todos os

envolvidos no processo ensino-aprendizagem. Além desse planejamento anual, a PP-1/CRE-

A afirma que a interdisciplinaridade entre as áreas do conhecimento também é discutida nos

planejamentos mensais. Mesmo com a PP-1/CRE-A expressando, através dos seus discursos,

VISÃO DAS PPs SOBRE A PRÁTICA DA ED. FÍSICA

Caráter socializador, meio de desenvolvimento

global.

Movimento e ludicidade

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um desejo acerca da interdisciplinaridade, percebemos ainda um trato da relação da Educação

Física com a alfabetização um tanto quanto distante.

Um fato relevante citado pela PP-1/CRE-A mostra que sempre que necessário é

realizado atendimentos individualizados (reforço) nos horários de Educação Física previstos

nas Diretrizes do Ciclo sem prejuízos para os nossos alunos. Ou seja, quando há necessidade

de reforço para aqueles alunos que ainda não atingiram determinado nível de leitura e escrita,

este ocorre concomitantemente no horário das aulas de Educação Física, ficando o educando

que necessita do referido reforço sem participar da aula da disciplina.

Cabe-nos uma reflexão a partir da fala da PP-1/CRE-A: será que não há prejuízo aos

alunos quando os mesmos são retirados das aulas de Educação Física para os atendimentos

individualizados? Qual a concepção de prejuízo, em termos de conhecimento, podemos

supor? A certeza de que nós temos é que os únicos prejudicados com essa prática comum

dentro das escolas são os alunos, uma vez que lhe são retirados conhecimentos e espaços

escolares em detrimento de uma ou outra área do conhecimento. Assim, reforça-se o caráter

de análise das disciplinas mais valorizadas socialmente das menos valorizadas.

Inferimos na fala da PP-1/CRE-A que há a noção de multidisciplinaridade e não de

interdisciplinaridade, como entende Freitas (2012). Na multidisciplinaridade os profissionais

são justapostos, cada um fazendo o que sabe, sem interação em nível de método e nem de

conteúdo, contrapondo-se com a noção de interdisciplinaridade. Para Freitas (2012), “a

interdisciplinaridade é entendida como interpenetração de método e de conteúdo entre

disciplinas que se dispõem a trabalhar conjuntamente um determinado objeto de estudo”

(FREITAS, 2012, p. 91). Nesse sentido, nossa intenção ao questionar os sujeitos da pesquisa

sobre sua prática pedagógica integrada com outros professores/áreas de ensino no trato com o

processo de letramento dos alunos era averiguar se há disposição dos sujeitos em trabalhar

conjuntamente a alfabetização e o letramento.

Segundo Fazenda (2011), a integração entre diferentes disciplinas exige apenas uma

“acomodação” dos sujeitos envolvidos, sendo defendida pela autora a interdisciplinaridade,

uma vez que esta exige uma “transformação”. Para Fazenda (2011), para que haja

interdisciplinaridade, deve haver uma “sintonia” e uma adesão recíproca, uma mudança de

atitude diante de um fato a ser conhecido; a interdisciplinaridade estaria, assim, “a um passo

além da integração” (FAZENDA, 2011, p. 87) entre as áreas do conhecimento.

Dessa forma, percebemos que alguns dos sujeitos pesquisados trataram a relação entre

a Educação Física e a alfabetização e o letramento como parceria, conduzindo a uma

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tendência de que a Educação Física, numa proposta de auxílio e de parceria, pode resultar

numa ajuda no que diz respeito ao processo de alfabetização da criança, mas sem descreverem

como essa parceria se efetiva na prática. Acreditamos que essa tentativa de inclusão da

Educação Física nos processos de alfabetização dentro da escola é positiva, mesmo com as

contradições existentes.

A seguir, apresentaremos os conceitos e concepções de alfabetização e letramento e

seu contexto histórico no Brasil, promovendo o diálogo entre esse aporte teórico com as

informações obtidas a partir dos discursos das professoras sujeitos da pesquisa.

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3. LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO

Desde que nascemos, aprendemos a interpretar gestos, olhares, palavras e imagens.

Vivemos mergulhados num mundo cheio de palavras, letras, sons que trazem um significado

e uma interpretação sobre o contexto histórico-cultural. Dentre as atividades que aprendemos,

a escrita é onipresente; é tão presente em nosso cotidiano que passa despercebida para pessoas

letradas. O domínio dos usos e funções da escrita significa o acesso a outros mundos e, por

meio deles, a possibilidade de acesso ao poder. De tudo isso resulta a importância dos estudos

de Paulo Freire ao enfatizar o efeito potencializador do letramento. Isso porque “a palavra de

ordem nos estudos sobre o letramento que se voltam para a transformação da ordem social é

empowerment through literacy, ou seja, potencializar pelo letramento”. (KLEIMAN, 2012, p.

8).

Para realizarmos o debate acerca das possibilidades e limites das práticas pedagógicas

dos profissionais da Educação Física a respeito do letramento e suas relações com outros

professores, iniciaremos apontando as definições sobre o que é alfabetização e letramento e

sua função na escola. Tais definições servirão aqui como um ponto de partida para nossas

análises.

Neste capítulo, procuramos discorrer sobre letramento e a alfabetização, uma vez que

não se pode falar de um em detrimento do outro. Além disso, iremos apresentar conceitos e

um breve histórico de sua introdução no Brasil. Também apresentaremos como esses

conceitos são abordados na escola-campo e na visão das professoras sujeitos desta pesquisa.

3.1 – ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL

Em nosso país, a história da alfabetização é acompanhada pela história dos métodos de

alfabetização desde o final do século XIX. Com o início da República, a educação ganhou

destaque na modernidade. Esse destaque ocorreu pela necessidade de instauração da nova

ordem política social do estado republicano, pautado na promoção e progresso do Estado-

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Nação, sendo a escola o lugar institucionalizado para o preparo das novas gerações e a

principal propulsora do “esclarecimento das massas iletradas” (MORTATTI, 2004, p.2).

Nos ideais republicanos, saber ler e escrever tornou-se um privilégio de poucos, pois a

leitura e a escrita ocorriam por meio de transmissão assistemática e de práticas culturais e

familiares. A aquisição do saber, como esclarecimento, era um imperativo da modernização e

do desenvolvimento social. O que antes era um saber informal, a aquisição da leitura e da

escrita, tornou-se uma prática tecnicamente ensinável e submetida ao ensino organizado,

sistemático e intencional, demandando, para isso, a preparação de profissionais

especializados.

Mortatti (2004) afirma que, nas últimas décadas, a associação entre escola e

alfabetização vem sendo questionada, em decorrência das dificuldades de se concretizar as

promessas e os efeitos da cultura letrada com a ação da escola sobre o indivíduo. Desde o

modelo republicano de escola, até os dias atuais, o “fracasso escolar na alfabetização”,

conforme Mortatti (2004, p. 3), vem sendo um problema a ser demandado pelo Estado e

professores.

Os esforços para superação desse fracasso da alfabetização concentraram-se na

questão dos métodos de ensino da leitura e escrita. Assim como Mortatti (2004), dividiremos

a contextualização histórica da alfabetização em quatro situações acerca da hegemonia de

determinados métodos de alfabetização na história da leitura e escrita na escola brasileira.

O primeiro momento é caracterizado pela “metodização do ensino da leitura”, presente

nas escolas até o final do Império (início da década de 1890). O ensino carecia de organização

e havia poucas escolas; na verdade, estas se restringiam a sala adaptadas e multisseriadas.

Nesse tipo de escola não havia nenhum tipo de material impresso em forma de livros, e o

ensino dependia muito mais do empenho do professor e dos alunos para subsistir. O ensino de

leitura era realizado com as Cartas de ABC (MORTATTI, 2004, p.5) e depois se liam e se

copiavam documentos manuscritos.

Em 1876, foi publicada em Portugal a Cartilha Maternal ou Arte da Leitura, escrita

pelo poeta português João de Deus. O “método João de Deus” ficou conhecido e divulgado

sistematicamente nos estados de São Paulo e Espírito Santo, também denominado como

“método da palavração”, que consistia em iniciar o ensino da leitura pela palavra, para depois

analisá-la a partir dos valores fonéticos das letras.

Funda-se uma nova tradição: o ensino da leitura envolve necessariamente uma

questão de método, ou seja, enfatiza-se o como ensinar metodicamente, relacionado

com o que ensinar, o ensino da leitura e escrita é tratado, então como uma questão

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de ordem didática subordinada às questões de ordem linguística (da época).

(MORTATTI, 2004, p. 6, grifos da autora)

O segundo momento, caracterizado como “a institucionalização do método analítico”,

foi implementado a partir de 1890, época em que ocorreu a reforma da instrução pública no

estado de São Paulo. Mortatti (2004) utiliza a reorganização da Escola Normal de São Paulo

como modelo para os demais estados, pois os professores formados por essa escola

disseminaram o método analítico para outras localidades no Brasil. Do ponto de vista

didático, a base da reforma paulista estava no método analítico para o ensino da leitura. Esse

método, sob a influência norte-americana, era baseado em princípios de uma concepção

biopsicofisiológica da criança, cuja forma de apreensão do mundo era entendida de forma

sincrética. O processo de ensino da leitura deveria ser iniciado pelo “todo”, para depois se

proceder a análise de suas partes constitutivas. Assim, as cartilhas produzidas no início do

século XX passaram a se basear programaticamente pelos processos de palavração e

sentenciação (método analítico).

Em meados de 1920, na segunda fase desse momento, a discussão sobre os métodos

continuava incidindo sobre o ensino inicial da leitura (método tradicional de silabação versus

método analítico), uma vez que para o ensino inicial da escrita havia o consenso de que ela se

dava pela caligrafia. Nessa época, o termo alfabetização começou a ser usado para se referir

ao ensino inicial da leitura e da escrita. Se funda nessa fase uma

nova tradição: o ensino da leitura envolve enfaticamente questões didáticas, ou seja,

o como ensinar, a partir da definição das habilidades visuais, auditivas e motoras da

criança a quem ensinar; o ensino da leitura e escrita é tratado, então, como uma

questão de ordem didática subordinada às questões de ordem psicológica da criança.

(MORTATTI, 2004, p.8, grifos da autora)

O terceiro momento, a “alfabetização sob medida”, surge a partir da década de 1920

em decorrência do aumento das resistências dos professores quanto à utilização do método

analítico, quando estes começaram a buscar novas propostas de solução para os problemas do

ensino e aprendizagem iniciais da leitura e da escrita. O período se estende até o final da

década de 1970. Havia, nessa época, os defensores do método analítico que continuavam a

utilizá-lo e propagar sua eficácia. Porém, havia uma busca em conciliar os dois tipos básicos

de métodos de ensino da leitura e escrita (sintéticos e analíticos18

) e os professores passaram a

18

Soares (2008) explica esses métodos da seguinte forma: o método sintético é o caminho da parte pelo todo, da

letra à palavra, à sentença, ao texto; o método analítico é o caminho do todo para a parte, do texto à sentença, à

palavra, à sílaba.

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utilizar os métodos mistos ou ecléticos (analítico-sintético19

), considerados mais rápidos e

eficientes.

A disputa entre o moderno e o antigo constituiu uma tendência para a relativização do

método. Nesse período, começou uma discreta manifestação pela implantação do método

global (de contos), que se deu através da “disseminação, repercussão e institucionalização das

então novas e revolucionárias bases psicológicas da alfabetização contidas no livro Testes

ABC para verificação da maturidade necessária ao aprendizado da leitura e escrita”

(MORTATTI, 2004, p. 9).

Esse ecletismo processual e conceitual em alfabetização exprimia a compreensão de

que a alfabetização (aprendizado da leitura e escrita) envolve a forma de medir o nível de

maturidade necessária ao aprendizado da leitura e escrita em classes homogêneas. “A

alfabetização sob medida, que resulta o como ensinar subordinado à maturidade da criança a

quem se ensina; as questões de ordem didática, portanto, encontram-se subordinadas às de

ordem psicológica” (MORTATTI, 2004, p. 10). Em outros estudos da autora, os testes ABC,

se apresentam como uma fórmula simples e de fácil aplicação, com fins de

diagnóstico ou de prognóstico, e como critério seletivo seguro, para definição do

perfil das classes e sua organização homogênea, assim como dos perfis individuais

dos alunos, permitindo atendimento e encaminhamentos adequados. (MORTATTI,

2000, p. 151)

Destaca-se entre o período da década de 1950 até 1970, as concepções de Paulo Freire,

com a visão da alfabetização como uma forma de política cultural que não pode ser reduzida

ao mero lidar com as letras e palavras, como uma esfera puramente mecânica. Para Paulo

Freire (1967), a alfabetização deveria ser concebida como um ato de criação capaz de gerar

outros atos criadores, uma alfabetização em que o homem não é passivo e nem objeto, na qual

ele desenvolvesse a atividade e a vivacidade da invenção e da reinvenção, características dos

estados de procura. Dessa maneira, o indivíduo alfabetizado já não mais seria visto como

objeto, mas como um sujeito capaz de criar e modificar a realidade: um sujeito histórico, com

habilidades para pensar e discutir a respeito de sua condição no mundo.

O quarto momento, intitulado “alfabetização: construtivismo e desmetodização”, surge

a partir do início da década de 1980, período em que se passou a questionar a tradição dos

métodos ecléticos e no qual houve novos enfrentamentos de velhos problemas relacionados ao

fracasso da escola na alfabetização de crianças. Como busca de solução para esse problema,

“introduziu-se no Brasil o pensamento construtivista sobre alfabetização, resultante das

19

O método eclético ou analítico-sintético é o que alterna entre a parte e o todo (SOARES, 2008).

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99

pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita desenvolvidas pela pesquisadora Emília

Ferrero” (MORTATTI, 2004, p. 10). Tal pensamento desloca o eixo das discussões dos

métodos de ensino para o processo de aprendizagem da criança, como sujeito cognoscente, e

questiona a necessidade das cartilhas.

Ocorrem, nesse momento, uma produção e um investimento massivo do

Construtivismo, visando garantir sua institucionalização na rede pública de ensino. O

Construtivismo tornou-se um discurso hegemônico, exemplificado na produção de cartilhas

construtivistas e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).

Funda-se uma nova tradição: a desmetodização da alfabetização, decorrente da

ênfase em quem aprende e o como aprende a língua escrita, tendo-se gerado, no

nível de muitas das apropriações, um certo silenciamento a respeito das questões de

ordem didática, tendo-se criado um certo ilusório consenso de que a aprendizagem

independe do ensino. (MORTATTI, 2004, p.11, grifos da autora)

Também na década de 1980, surge o pensamento interacionista em alfabetização que,

gradativamente, vai gerando disputa entre seus defensores e os do construtivismo. Aos

poucos, essas disputas foram se aglutinando, à medida que certa apropriação do

interacionismo foi sendo conciliada com certa apropriação do construtivismo.

Segundo Mortatti (2000), no final dos anos 70, a sociedade brasileira buscava

reorganizar-se questionando o tecnicismo herdado do autoritarismo ditatorial do regime

político imposto no país com o golpe militar de 1964. As discussões e as análises sobre os

problemas educacionais brasileiros passaram a abranger um conjunto de aspectos políticos,

econômicos, sociais e pedagógicos e a se orientar por uma teoria sociológica dialético-

marxista, divulgada por intelectuais acadêmicos brasileiros, como, por exemplo, Paulo Freire.

O problema do fracasso escolar das camadas populares passa a ser explicado como

determinado por uma organização social fundada na desigualdade e na ideologia da classe

dominante, segundo a qual se busca constantemente a conservação do status quo,

marginalizando os diferentes e neutralizando as diferenças, convertendo as deficiências a

serem corrigidas pela escola. Mortatti (2000) afirma que esse processo é diretamente

relacionado com a relevância social dos conteúdos de ensino e com a formação da cidadania,

enfatizando a contribuição da escola para a emancipação das classes populares e superação da

ordem social injusta.

Acompanhando esse fenômeno, Mortatti (2000) esboça a nova perspectiva sobre

alfabetização disseminada nos meios educacionais, como a perspectiva interacionista,

destoante em certos aspectos da perspectiva construtivista de Emília Ferreiro. A perspectiva

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100

interacionista fundamenta-se, conforme Mortatti (2000), na relação entre o pensamento e

linguagem de acordo com as teorias de L. S. Vygotsky, M. Bakhtin e M. Pêcheux e aborda a

alfabetização como processo discursivo e desloca a discussão do “como” para o “por que” e

“para que” ensinar e aprender a língua escrita na fase inicial de escolarização de crianças.

Ao final da década de 1980, ocorre um deslocamento para o discurso interacionista,

decorrente de certo esgotamento e questionamento do discurso construtivista, processo que

acaba por resultar em “outro tipo de ecletismo, sintetizado nas expressões socioconstrutivismo

ou construtivismo-interacionista” (MORTATTI, 2000, p. 276).

Mortatti (2000) faz um recorte no ano de 1994, que se configura numa relação

marcada pela hegemonia do Construtivismo como base teórica adequada à perspectiva

política que determina a implementação do ciclo básico no estado de São Paulo, algo que é

também observado em outros estados brasileiros. Segundo a autora, o processo de ensino-

aprendizagem da leitura e escrita sedimenta-se como um projeto de estudo e pesquisa

acadêmico integrado a um campo de conhecimento específico do ensino da língua. Esse

processo propicia “a busca do todo, onde se encontra o sentido do que se lê e se escreve, onde

se encontra o sentido do ensino-aprendizagem da leitura e escrita na fase inicial da

escolarização de crianças” (MORTATTI, 2000, p. 288, grifos da autora).

A partir do que foi exposto por Mortatti (2004; 2000), podemos perceber que a história

da alfabetização no Brasil foi marcada pela disputa pela hegemonia de determinados métodos

de leitura e escrita. Em cada um dos quatro momentos, o novo modelo/método era a negação

do anterior, porém, em todos eles, destacou-se o fracasso da escola na alfabetização das

crianças. Essas formas de conceber a alfabetização sedimentam uma cultura escolar, certas

concepções de linguagem, alfabetização, métodos, conteúdos do ensino de leitura e escrita.

Observamos, a partir dos estudos de Mortatti (2004), que a questão dos métodos é

importante (mas não a única) em relação às muitas outras envolvidas no processo de

alfabetização, e seu maior desafio é a busca de soluções para as dificuldades das crianças em

aprender a ler e escrever e dos professores em ensiná-las. Atualmente, ainda há a discussão

sobre os métodos de alfabetização, seja quando se discutem livros, cartilhas ou as proposições

de novos e a retomada de antigos métodos. Concordamos com a autora que, isoladamente, um

método não pode resolver o problema da alfabetização, mas é preciso conhecer aquilo que

constitui e já constituiu os modos de pensar, para não permanecer em métodos antigos

travestidos de novos e gerar reais possibilidades de mudanças necessárias em defesa do direito

das crianças ingressarem no mundo da cultura letrada.

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101

Kleiman (2005, p. 10) reitera essa mesma ideia nos seguintes termos: “é importante

lembrar que, qualquer que seja o método de ensino da língua escrita, ele é eficiente na medida

em que se constitui na ferramenta adequada que permite ao aprendiz adquirir o conhecimento

necessário para agir numa situação específica”.

Sobre os métodos de alfabetização, Soares (2008) explica que, quando se fala em

método para alfabetizar, pensa-se no caminho pelo qual se levará a criança a aprender a ler e a

escrever. E mesmo quando se fala em alfabetização sem método, a autora percebe os

professores atualmente defendendo uma concepção ingênua, alicerçada em teorias

recentemente incorporadas à prática da alfabetização, que defende que é possível ensinar

alguma coisa sem método, pensando que a alfabetização não se faz por silabação ou

palavração, ou por sentenciação. A partir dos anos 80, as concepções de alfabetização

surgiram como uma prática construída socialmente, que “tanto podem adaptar e submeter

valores, tradições, tradições de poder e dominação quanto podem questionar esses valores,

tradições de poder e dominação e levar à consciência crítica e ser um meio de libertação”

(SOARES, 2008, p. 122).

Corroborando o assunto, Cagliari (2007) lembra que os estudos sobre o processo de

alfabetização no Brasil têm-se baseado em trabalhos de psicólogos e de pedagogos, e não de

linguistas. Segundo o autor, as facilidades ou dificuldades dos alunos estão no modo como

lidam com a linguagem, e os métodos baseados em ideias psicológicas ou em cartilhas

desconhecem como a linguagem é e como funciona.

O importante não é a questão da escolha de um método ou de outro, ou a atitude de

quem acha que não precisa de nenhum dos métodos tradicionais ou oficiais. Na

prática, nenhuma ação de ensinar e de aprender se realiza sem a presença

concomitante de algum método. Existe sempre um modo de fazer as coisas. [...] a

educação começou a ter sérios problemas quando tirou a competência do professor e

começou a apostar nos métodos. (CAGLIARI, 2007, p. 70)

Após esse breve histórico da alfabetização no Brasil, podemos inferir que os estudos

sobre a alfabetização sofreram influências da Psicologia e da Didática, porém pouca

influência da Linguística como subsídio teórico. A seguir, passamos à conceituação e ao

aparecimento da palavra letramento para relacionar com os processos de leitura e escrita.

3.2 – DA ALFABETIZAÇÃO AO LETRAMENTO

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102

Ao longo das duas últimas décadas, houve um movimento progressivo da invenção da

palavra e do conceito de letramento e, concomitantemente, a desinvenção20

da alfabetização,

resultando o que Soares (2004) denomina de reinvenção da alfabetização. Na verdade, a

autora defende uma proposta da especificidade e indissociabilidade dos processos de

alfabetização e letramento, tanto na perspectiva teórica quanto na perspectiva da prática

pedagógica. Vamos aqui delimitar esses dois conceitos.

Para Kleiman (2005), o conceito de alfabetização denota um conjunto de saberes sobre

o código escrito da língua e também se refere ao processo de aquisição das primeiras letras e,

como tal, envolve operações cognitivas, modos de fazer e estratégias. Para Cagliari (2007),

alfabetizar não é apenas treinar os alunos a ler e escrever, a decifrar e produzir palavras, frases

e textos escritos: “é preciso habilitar os alunos para coisas úteis para a vida, para serem

competentes em todos os usos da linguagem oral e escrita na nossa sociedade” (CAGLIARI,

2007, p. 68). À aquisição dessas habilidades, o autor deu o nome de letramento. Outro sentido

para o termo letramento é conceituá-lo como prática social que usa a escrita como sistema

simbólico em contextos específicos, ou seja, o “letramento significa uma prática discursiva de

determinado grupo social, que está relacionada ao papel da escrita, mas que não envolve

atividade específica de ler ou de escrever” (KLEIMAN, 1995, p. 18).

De acordo com Soares (2004), alfabetizar é ensinar o código alfabético e letrar é

familiarizar o sujeito com os diversos usos sociais da leitura e da escrita. Soares (2004)

utilizou a história da palavra letramento, que é originada do termo inglês literacy, e foi

introduzida em nossa língua em meados da década de 80. Assim, a autora definiu letramento

como “[...] o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou

condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se

apropriado da escrita” (SOARES, 2004, p.6). Fica implícito nesse conceito que a apreensão da

leitura e da escrita traz consequências sociais, culturais, políticas e cognitivas para o grupo

social e para o indivíduo. Envolve, portanto, conforme a autora, práticas sociais que alteram o

estado ou condição do indivíduo no grupo social.

Kleiman (2005) relata que Paulo Freire utilizou o termo alfabetização com o sentido

próximo ao que hoje tem o termo letramento, para designar uma prática sociocultural de uso

da língua escrita que vai se transformando ao longo do tempo. Nesse sentido, a autora utiliza,

então, o termo letramento para “se referir a um conjunto de práticas de uso da escrita que

20

Neologismo criado por Soares (2004) para nomear a progressiva perda de especificidade do processo de

alfabetização.

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103

vinham modificando profundamente a sociedade, mais amplo do que as práticas escolares de

uso da escrita, incluindo-as” (KLEIMAN, 2005, p. 21).

A utilização do termo letramento alterou até mesmo a forma de conceituar a

alfabetização. Soares (2012) relata que a verificação do número de alfabetizados e analfabetos

pelo Censo até 1940 era feita apenas através da habilidade de codificar o próprio nome ou,

como diz a autora, através da “capacidade de desenhar o nome, apenas para votar ou assinar

um contrato de trabalho” (p. 55). A partir de 1940, o Censo passou a verificar a capacidade de

usar a leitura e a escrita para uma prática social, como escrever um bilhete simples. Aqui já se

revela outra expectativa em relação ao alfabetizado: de que ele seja também letrado e uma

tentativa de avaliação da presença ou ausência da “tecnologia do ler e escrever” (SOARES,

2012, p. 21).

Este exemplo da variação do conceito de alfabetização ao longo do tempo e da

dependência entre o fenômeno letramento e as condições culturais e sociais é a

comparação entre os critérios que foram no passado utilizados e os que hoje são

utilizados para definir quem é analfabeto ou quem é alfabetizado nos

recenseamentos da população brasileira. (SOARES, 2012, p. 55, grifos da autora)

Essas alterações no critério para avaliação dos índices de alfabetismo no Brasil

revelam mudanças históricas, sociais e culturais. Em meados dos anos de 1980, ocorreu a

invenção do letramento no Brasil para nomear um fenômeno distinto, denominado

alfabetização. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, na mesma época, operacionalizaram-se

vários programas de avaliação do nível de competência de leitura e escrita da população, e

eles tornaram-se foco de atenção e de discussão nas áreas da educação e da linguagem para

medir além do que seria apenas a capacidade de ler e escrever.

Se há coincidências quanto ao momento histórico em que as práticas de leitura e de

escrita surgiram no Brasil e nesses outros países, não se pode dizer o mesmo sobre os

contextos de sua imersão, os quais foram divergentes em diferentes países.

Soares (2004) relata as práticas sociais de leitura e de escrita nos países desenvolvidos

e diz que, embora alfabetizada, a população não dominava as habilidades de leitura e de

escrita necessárias para uma participação efetiva e competente nas práticas sociais e

profissionais que envolvem a língua escrita. Ou seja, os problemas de letramento surgem de

forma independente da questão da aprendizagem básica (habilidades de ler e escrever). Por

exemplo, na França e nos Estados Unidos, o problema não estava centrado no não saber ler e

escrever (alfabetização), mas na ausência de domínio de competências de uso da leitura e

escrita (letramento). “O que interessa a esses países é a avaliação do nível de letramento da

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população, não o índice de alfabetização, pois avaliam o uso que as pessoas fazem da leitura e

de escrita de que se apropriam” (SOARES, 2012, p. 22).

Ao contrário do que ocorre em países do primeiro mundo, no Brasil os conceitos de

alfabetização e letramento se mesclam, se superpõem e se confundem. A importância e a

necessidade de habilidades para o uso da leitura e escrita têm sua origem vinculada à

aprendizagem inicial da escrita, desenvolvendo-se a partir de um questionamento do conceito

de alfabetização. A diferença está, portanto, no “grau de ênfase das relações entre as práticas

sociais de leitura e de escrita e a aprendizagem do sistema de escrita, ou seja, entre o conceito

de letramento e o conceito de alfabetização” (SOARES, 2004, p. 6).

Em síntese, em países como França, Estados Unidos e Inglaterra, as discussões do

letramento se fizeram de forma independente em relação à discussão da alfabetização,

enquanto que no Brasil a discussão do letramento surgiu enraizada no conceito de

alfabetização. É essa mistura de conceitos que Soares (2004) denomina de desinvenção da

alfabetização ou a perda da sua especificidade: a alfabetização entendida como aquisição do

sistema convencional de escrita alfabética foi sendo miscigenada pelo letramento, porque este

acabou por prevalecer sobre aquela, de modo que as crianças não dominam o código

alfabético e ortográfico e nem realizam inferências sobre ele.

Soares (2004) afirma que dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque a

entrada da criança no mundo da escrita ocorre simultaneamente pelo processo da

alfabetização – aquisição do sistema convencional de escrita – e pelo letramento –

desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas

práticas sociais que envolvem a língua escrita.

Não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a

alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura

e escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este por sua vez, só se pode

desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema-

grafema, isto é, em dependência da alfabetização. (SOARES, 2004, p. 14)

Em outras palavras, poder-se-ia dizer alfabetizar-letrando. Nessa concepção, Kleiman

(2005, p. 14) afirma que “a alfabetização (em qualquer de seus sentidos) é inseparável do

letramento”. Ainda nesse sentido, Soares (2012) explica que o ideal seria ensinar a ler e a

escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se

tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado.

Conforme Soares (2012), o uso do termo letramento foi feito pela primeira vez por

Kato (1986), ao dizer acreditar que a língua falada culta é consequência do letramento. Todo

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fato novo, toda nova ideia, nova maneira de compreender o mundo, e, nesse caso, a escrita,

geram uma nova necessidade dessa nova palavra letramento. O termo letramento, assim,

surgiu porque apareceu um fato novo que antes não existia ou porque antes não dávamos

conta dele com um nome, conceito. Esse novo fenômeno era o fato de que “não basta apenas

aprender a ler e escrever, mas incorporar as práticas da leitura e escrita, não apenas para usar a

leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita” (SOARES, 2012, p.

46).

Podemos perceber que há diferentes tipos e níveis de letramento, dependendo das

necessidades, das demandas do indivíduo e de seu meio, do contexto social e cultural. Nessa

perspectiva, os confrontos entre as expressões alfabetização e letramento não devem ser

considerados como uma disputa semântica, mas como posições diferentes na abordagem

teórico-metodológica do ensino da língua. No campo desse embate semântico, Klein (2010)

afirma que emergiu uma crítica necessária e acertada à alfabetização tradicional centrada

exclusivamente no ensino fragmentado e mecanicista do código alfabético. Esse processo

resultou, conforme a autora, num primeiro momento, na abordagem do texto pelos professores

alfabetizadores em suas classes, “uma verdadeira febre do texto” (KLEIN, 2010, p. 1),

entretanto em abordagens muito precárias.

Essa abordagem por uso de textos pode ser exemplificada nas tematizações de João

Wanderlei Geraldi em sua coletânea O texto em sala de aula: leitura e produção

(MORTATTI, 2000, p. 277). Uma das maiores contribuições de Geraldi para a alfabetização

consiste, conforme Mortatti (2000), em discutir esse processo como integrante do ensino da

língua e subordinado aos pressupostos advindos do interacionismo linguístico e do uso do

texto como objeto de ensino e aprendizagem no processo de alfabetização.

Além dessa “febre pelo texto” observada por Klein (2010), outra situação ressaltada

foi o abandono do desenvolvimento de atividades relacionadas ao ensino do código, pois o

trabalho exclusivo com o texto provocou um rebaixamento dos resultados da aprendizagem

nas séries iniciais. Esse fato também foi relatado por Soares (2004, p. 8) quando a autora

afirma que a alfabetização está perdendo sua especificidade, denominada como “a

desinvenção da alfabetização”, de apropriação do código alfabético, o que não significa

dissociá-lo do processo de letramento. Nesse ponto, encontra-se um redimensionamento sobre

a discussão acerca do letramento enquanto concepção de ensino da língua que não pode

abandonar o trabalho com o código, mas transcende os limites da alfabetização tradicional.

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106

Kleiman (1995) apresenta a relevância de duas concepções de letramento: o modelo

autônomo e o modelo ideológico, que discutem as práticas de letramento na escola e a relação

que se estabelece entre esses modelos e as práticas e o sucesso ou fracasso na transformação

dos alunos em sujeitos letrados. A relação entre letramento e escolarização se dá uma vez que

a escola é, em quase todas as sociedades, a principal agência de letramento.

A concepção de letramento denominada como “modelo autônomo” foi desenvolvida

por Street (1984) e pressupõe que há apenas uma maneira de o letramento ser desenvolvido, o

qual possui uma relação causal com a mobilidade social e é hoje em dia o modelo prevalente

na nossa sociedade. A característica de autonomia refere-se ao fato de que a escrita seria um

produto completo em si mesmo, sem relação com o contexto de sua produção para ser

interpretada. Ou seja, a concepção autônoma privilegia as práticas de letramento como apenas

de reprodução e apropriação do código alfabético, independente das práticas discursivas, e

gera o mito do letramento, isto é, a valorização do pensamento transformado pela escrita. Os

que advogam sobre os efeitos da alfabetização para o progresso da sociedade entram em

contradição com os estudos realizados por Graff (1979) apresentado por Kleiman (1995), que

afirmam que a alfabetização em massa não garante a mobilização social ou a modernização da

sociedade. Pelo contrário, alguns indivíduos conseguiram ascensão social, mas os grandes

grupos de pobres e discriminados ficaram mais pobres. Assim, “não existe correlação entre

letramento universal e desenvolvimento econômico, igualdade social e modernização”

(KLEIMAN, 1995, p. 37).

Kleiman (1995) defende o modelo ideológico de letramento que afirma que as práticas

de letramento não são aspectos apenas da cultura, mas também das estruturas de poder numa

sociedade. Ou seja, as práticas de letramento são social e culturalmente determinadas e geram

significados específicos para um grupo social em diferentes contextos em que ela foi

construída. O modelo ideológico foi desenvolvido por Street21

(1984) em oposição ao modelo

autônomo. Diferentemente do modelo autônomo, o modelo ideológico não pressupõe uma

relação causal entre letramento e progresso da sociedade, pois investiga a interface entre as

práticas orais e práticas letradas. Kleiman (1995) nos relata que o processo de aquisição da

escrita na escola deve ser entendido com relação às estruturas culturais e de poder que o

contexto da escola representa. Nesse sentido, “o modelo ideológico do letramento, que leva

em conta a pluralidade e a diferença, faz mais sentido como elemento importante para a

elaboração de programas dentro dessas concepções pedagógicas” (KLEIMAN, 1995, p. 57).

21

Sobre os estudos de Street (1984), ver Kleiman (1995) e Soares (2012).

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107

Soares (2012) interpreta o modelo ideológico proposto por Street como

“revolucionário” (2012, p. 75), pois para a autora o letramento não pode ser considerado um

instrumento neutro para ser usado as práticas sociais quando exigido, mas é essencialmente

um conjunto de práticas socialmente construídas que envolvem leitura e escrita, gerados por

processo sociais mais amplos e responsáveis por reforçar ou questionar valores, tradições e

formas de distribuição de poder presentes nos contextos sociais.

Para Soares (2012), o letramento tem um significado político e ideológico do qual não

pode ser separado e não pode ser tratado como um fenômeno autônomo; é um “termo-síntese

para resumir as práticas sociais e concepção de leitura e escrita” (SOARES, 2012, p.75).

Street afirma, nesse sentido, que a verdadeira natureza do letramento consiste nas formas que

as práticas de leitura e escrita concretamente assumem em determinados contextos sociais, e

isso depende fundamentalmente das instituições sociais que propõem e exigem essas práticas.

Há que se clarear, então, a própria concepção de linguagem que se toma como

fundamento para o conceito de letramento nos documentos oficiais (Diretrizes Curriculares da

SME Goiânia) e a concepção de linguagem que pretendemos desenvolver neste estudo.

3.3 – AS PRÁTICAS SOCIAIS DE LETRAMENTO

Vimos os conceitos de alfabetização e letramento com os autores Soares (2004 e

2012), Kleiman (1995) e Cagliari (2007). Além deles, temos também Tfouni (2010) que se

refere à alfabetização como a aquisição da escrita enquanto aprendizagem de habilidades para

leitura e escrita, as chamadas práticas de linguagem que ocorrem por meio da escolarização.

Dessa forma, o letramento, segundo a autora, focaliza os aspectos sócio-históricos da

aquisição da escrita que procura descrever o que ocorre em práticas letradas e, nesse sentido,

centraliza-se no social.

Em todas essas concepções há a discussão sobre o letramento enquanto concepção do

ensino da língua e do código que transcende os limites da alfabetização tradicional, como já

vimos anteriormente. O que queremos discutir aqui é própria concepção de linguagem que se

toma como fundamento desses conceitos.

A linguagem é uma invenção humana e nasceu da necessidade que os homens

sentiram de, no processo de trabalho, comunicarem-se, pois, para estabelecerem relações de

intercâmbio, houve a necessidade de comunicar-se. Em decorrência dessa necessidade, foi

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108

produzida a linguagem. Podemos afirmar assim, com base em Marx (1998), que a linguagem

é de natureza histórica e social.

Se a linguagem é um pressuposto humano, Marx e Engels (1998) constatam que o

pressuposto da existência humana – e, portanto, da história – é a produção dos meios que

permitem satisfazer suas necessidades e a produção da própria vida material. “A linguagem é

tão antiga quanto a consciência – a linguagem é a consciência real, prática...” ensinam os

autores. E ainda, “exatamente como a consciência, a linguagem só aparece com a carência,

com a necessidade dos intercâmbios com os outros homens” (MARX; ENGELS, 1998, p. 24-

25). O homem se distingue dos animais, pois é capaz de produzir seu meio de existência e é a

própria consequência de sua organização corporal. “Ao produzirem seus meios de existência,

os homens produzem indiretamente sua própria vida material” (MARX, 1998, p. 11).

Portanto, a linguagem nasce a partir das relações sociais dos homens entre si e com a

natureza.

Para Marx (1998), o homem torna-se humano nas relações sociais e na apropriação do

patrimônio cultural criado pela espécie humana no decorrer da história. Essa atividade

humana é uma atividade objetiva, uma ação que deve ser refletida e que possibilita a

percepção das contradições inseridas no objeto e no pensamento que Marx denomina de

práxis. É na práxis que há a produção da consciência que nasce da interdependência e

relações entre os homens no decorrer da sua história.

Vygotsky (2005; 2009; 2014) explora as ideias de Marx ao utilizá-las como subsídio

para suas elaborações teóricas que procuraram compreender o homem a partir da sua

realidade concreta como produto das ações humanas no mundo e suas influências no próprio

homem. Nesse processo, os homens criaram materiais e conceitos, pois, para o trabalho

coletivo, é necessária a comunicação, surgindo, assim, a linguagem como meio de

comunicação que permite ao homem apoderar-se da experiência histórico e social da

humanidade. Para o autor, a linguagem é uma atividade de fundo social a partir da qual o

homem se forma e interage com seus semelhantes e seu mundo numa relação de troca.

A comunicação, entendida como uma expressão exterior do pensamento e das ideias, é

uma das funções mais importantes da linguagem, mas, conforme Klein (2010), não a única. A

autora explica que outra função igualmente importante da linguagem, ao lado da

comunicação, é a de permitir a representação mental da realidade exterior, ao nível da

abstração, pois ao formularmos um pensamento recorremos ao uso da linguagem (KLEIN,

2010, p. 3). A autora ainda nos mostra que a linguagem, juntamente com o trabalho, é fato

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histórico, resultado da ação coletiva que os homens desenvolveram no processo do trabalho

ao longo da sua história.

Dessa forma, o pensamento só se torna real nas palavras, pois é graças à linguagem

que o pensamento se forma e é transmitido a outros homens. Para Marx (1998), o ser humano

não é definido por uma natureza, mas ele constrói-se. É na espécie humana que o homem, no

decorrer da sua história, torna-se humano, apropriando-se do patrimônio cultural acumulado

pela sociedade e transmitindo-os às gerações seguintes.

Para Vygotsky (2005), a linguagem origina-se como meio de comunicação, entre a

criança e as pessoas que a rodeiam; só depois ela é convertida em linguagem interna e se

transforma em atividade mental interna que fornece os meios fundamentais ao pensamento da

criança. Para o autor (2009), a relação entre o homem e o mundo passa pela dialética: através

da mediação do discurso, da formação das ideias e dos pensamentos, o homem apreende o

mundo e atua sobre ele, recebe a palavra do mundo sobre si mesmo e sobre o próprio homem

e estabelece sua palavra também sobre o mundo. “Quando a criança aprende a falar e começa

a assimilar a experiência histórico-social do gênero humano, o seu potencial de

desenvolvimento psíquico amplia-se” (VYGOTSKY, 2009, p. 149).

Dessa forma, Vygotsky (2009) estabelece dois processos de funcionamento dessa

linguagem, chamada discurso ou linguagem-discurso: uma linguagem exterior, que é um

processo de transformação do pensamento em palavras, ou seja, a materialização e

objetivação do pensamento; e uma linguagem (discurso) interior, que é um processo que se

realiza de fora para dentro, um processo de evaporação da linguagem (discurso) no

pensamento, ou seja, uma linguagem (discurso) é um pensamento vinculado à palavra. Assim,

se o pensamento se materializa na palavra, na linguagem (discurso) exterior, a palavra morre

na linguagem (discurso) interior, gerando o pensamento (VYGOTSKY, 2009).

Parceiro de Vygotsky, Luria (2005) afirma que a aquisição da linguagem é decorrente

da assimilação do gênero humano construído através da história, portanto, também para Luria,

o homem só adquire suas características humanas através da experiência mediante sua

interação direta com o ambiente. “Através da generalização verbal, a criança fica possuidora

de um novo fator de desenvolvimento – a aquisição da experiência humano-social – que se

converte rapidamente no fator fundamental da sua formação mental” (LURIA, 2005, p. 80).

É através da linguagem que se dá a transmissão das experiências das gerações

anteriores e os tipos de comportamentos humanos como produtos da história social. A

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linguagem para Luria (2005) é a base do pensamento, pois com a palavra a criança organiza

seu pensamento e faz relações complexas com seu meio.

Quando a criança assimila a linguagem, fica apta a organizar de nova maneira a

percepção e a memória; assimila forma mais complexas de reflexão sobre os objetos

do mundo exterior; adquire a capacidade de tirar conclusões das suas próprias

observações, de fazer deduções, conquista todas as potencialidades do pensamento.

(LURIA, 2005, p. 80)

O pensamento e a linguagem mantêm entre si uma unidade indissociável. A linguagem

e a consciência são resultantes de um processo de construção social, pois não é a atividade

mental que organiza a expressão, mas sim a linguagem enquanto signo que organiza a

atividade mental. Conforme Vygotsky (2009),

a relação entre pensamento e linguagem como dois círculos que se cruzam,

mostrando que em uma parte desse processo os dois fenômenos coincidem,

formando o chamado campo do “pensamento verbalizado”. Mas este pensamento

não esgota todas as formas de pensamento e nem de linguagem. (VYGOTSKY,

2009, p. 139)

A linguagem tem um papel fundamental na formação dos processos mentais do

homem ao formar sua consciência com base em palavras, pois é através da linguagem que

exprimimos nossos pensamentos. Trata-se, nesse caso, do pensamento verbal ou lógico-

verbal, sobre o qual Luria (2005) discutiu. Para ele, o homem, ao basear-se nos códigos,

consegue ultrapassar os limites da percepção sensorial imediata do mundo exterior, refletir

sobre conexões e relações complexas, elaborar conceitos e tecer conclusões.

Voltando a Marx (1998), o homem adquire sua consciência na atividade prática que é

construída pela interação do sujeito com a natureza, e a partir dessa posição, ele tem uma

atividade sobre o mundo. Luria e Vygotsky (2014) compreendem que as funções psicológicas

humanas são culturalmente mediadas, desenvolvem-se historicamente e surgem da atividade

prática. Logo a generalização do mundo exterior, através da linguagem, possibilita essa

passagem que Marx nos fala da consciência sensível à consciência racional. Luria (2014),

com base na teoria materialista, nos explica que não são os processos internos do sistema

nervoso que se refletem na consciência, mas é o mundo exterior que sempre se reflete na

consciência; nesse sentido, “a consciência é um reflexo da realidade objetiva” (LURIA, 2014,

p. 196).

Luria (2014), em seus estudos sobre o desenvolvimento da atividade cognitiva do

homem, complementa que o desenvolvimento mental da criança não ocorre apenas sob a

influência da realidade objetiva, mas também sob a influência constante da comunicação.

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Essa comunicação exige uma participação da linguagem, que leva à formação da fala da

criança, e isso provoca uma reorganização da estrutura de seu processo psicológico, através da

palavra. Luria reafirma as ideias de Vygotsky ao dizer que “as palavras, como elementos da

fala, da comunicação, são correlativas da consciência, são as unidades básicas da consciência

humana” (LURIA, 2014, p. 198).

Podemos afirmar, então, que o conteúdo da consciência se estrutura como linguagem

através da palavra, através de signos. Bakhtin (2006) reitera essa ideia ao afirmar que “a

consciência só pode surgir como realidade mediante a encarnação material em signos”

(BAKHTIN, 2006, p. 32). Para Bakhtin, a formação da consciência está impregnada de

conteúdo ideológico que também é formado por signos e somente ocorre no processo de

interação social. A consciência individual só pode ser formada a partir das relações sociais, na

interação social, a partir do meio ideológico e social. “A consciência individual é um fato

sócio-ideológico” (BAKHTIN, 2006, p. 33).

A consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo

organizado no curso de suas relações sociais. Os signos são o alimento da

consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e

suas leis. A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação

semiótica de um grupo social. (BAKHTIN, 2006, p. 34)

Em seu livro Marxismo e filosofia da linguagem, Bakhtin (2006) busca indicar os

problemas da linguagem dentro da visão marxista. O autor trata as relações entre linguagem e

sociedade, colocadas sob a dialética do signo, enquanto efeito das estruturas sociais. Para o

autor, sendo o signo e a enunciação de natureza social, ele questiona em que medida a

linguagem determina a consciência (a atividade mental) e em que medida a ideologia

determina a linguagem.

Para o autor, a língua é um fato social, cuja existência se funda nas necessidades da

comunicação. Bakhtin (2006) valoriza a fala, a enunciação e afirma sua natureza social, pois a

fala está indissoluvelmente ligada às condições da comunicação, que, por sua vez, estão

sempre ligadas às estruturas sociais. Por isso Bakhtin (2006) coloca a língua, sob uma análise

marxista, como uma superestrutura. “A verdadeira substância da língua é constituída pelo

fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A

interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua” (Bakhtin, 2006, p. 125).

Em sintonia com Vygotsky, o linguista Bakhtin (2006) analisou a relação entre o

significado e o sentido da palavra. Bakhtin (2006) preferia o sentido ao significado da palavra,

vendo-o como um campo bem mais vasto de vida e de manifestação da palavra. Para ele, “a

palavra é o fenômeno ideológico por excelência” (BAKHTIN, 2006, p.34). Sendo a palavra

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uma arena onde se confrontam valores sociais contraditórios, os conflitos da língua refletem

os conflitos de classe no interior do sistema. “A comunicação verbal, inseparável das outras

formas de comunicação, implica conflitos, relações de dominação e de resistência à

hierarquia, utilização da língua pela classe dominante” (BAKHTIN, 2006, p. 15). Para o

autor, a realidade de toda a palavra é em função do signo e a existência do signo é devido a

sua materialização por meio da comunicação social, portanto “a palavra é o modo mais puro e

sensível de relação social” (BAKHTIN, 2006, p. 134).

Os trabalhos desenvolvidos pelo Instituto de Estudo da Linguagem da Universidade de

Campinas – IEL/Unicamp, citados por Mayrink-Sabinson (1998), têm considerado a

linguagem como atividade constitutiva do conhecimento do mundo pela criança, ao

considerar que linguagem e conhecimento do mundo estão intimamente relacionados e

passam pela mediação do outro. Nesse sentido, Klein (2010) afirma que o papel do professor

não é somente zelar pelas condições de aprendizagem, mas de atuar na sua produção, de

promovê-las através de signos.

Vygotsky (2005, p. 32) afirma que a “educação alcança seu objetivo imediato

(particular) e definitivo (geral) quando põem em ação as capacidades potenciais do aluno, e,

em conformidade, dirige a sua utilização”. Portanto, ao colocar os alunos perante tarefas de

caráter cognoscitivo, o professor não se limita a organizar as ações encaminhadas para a

execução dessas tarefas, mas proporciona aos alunos métodos necessários, cujo domínio leva

ao aparecimento de novas atividades e ao desenvolvimento das possibilidades mentais.

Vygotsky (2009) ressalta que a criança nasce em um mundo onde preexistem

significações (palavras, conceitos, signos) que devem ser transmitidas à criança e apropriadas

por ela. Disso, podemos deduzir que a função do professor não é apenas acompanhar os

alunos em processos construtivistas, mas, também, pôr em circulação significações

desconhecidas pelo aluno. No decorrer do processo de interação da criança com o ambiente e

nas suas relações sociais, a criança é levada à organização da sua própria atividade mental e

ao aparecimento de novas características psicointelectuais. Vygotsky tentando demonstrar a

unidade e a diversidade entre aprendizagem e desenvolvimento, salienta o papel fundamental

da ação educativa nesse processo.

Conduzir o desenvolvimento através da educação significa organizar esta interação,

dirigir a atividade da criança para o conhecimento da realidade e para o domínio –

por meio da palavra – do saber e da cultura da humanidade, desenvolver concepções

sociais, convicções e normas de comportamento moral. (VYGOTSKY, 2005, p. 20)

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Ao discorrer sobre a aprendizagem, Vygotsky (2005, 2009) toma como ponto de

partida o fato de que a aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar.

“A aprendizagem escolar nunca parte do zero. Toda aprendizagem da criança na escola tem

um pré-história” (VYGOSTKY, 2005, p. 8). Para o autor, a aprendizagem escolar nunca

começa num vazio, do nada, e é sempre precedida por uma etapa definida de desenvolvimento

alcançado pela criança antes de entrar para a escola. Porém a aprendizagem que a criança

adquire antes da escola é diferente da aprendizagem escolar.

Os psicólogos soviéticos Vygotsky, Luria e Leontiev não admitiam o papel passivo

atribuído à criança no seu processo de desenvolvimento. Para os autores, a criança não é

apenas o objeto, mas também o sujeito do desenvolvimento. Como sujeitos do seu

desenvolvimento, utilizam a comunicação como um fator fundamental no desenvolvimento

mental, pois a linguagem é um instrumento específico que permite à criança apoderar-se da

experiência histórico-social da humanidade.

Vygotsky (2005) dedicou-se a identificar que as características da comunicação verbal

são especialmente importantes no processo de aprendizagem e desenvolvimento

psicointelectual da criança. Segundo a concepção do teórico, a aprendizagem está não só em

função da comunicação, mas também em função do nível de desenvolvimento alcançado, de

como o sujeito constrói os conceitos.

A consequência dessa concepção para a educação, segundo Klein (2010), é a

compreensão de que a linguagem verbal tem um papel na produção dos conteúdos da

consciência e precisa ser apreendida pelos indivíduos em sua forma mais elaborada. E isso,

continua a autora, implica atribuir ao ensino da língua uma importância que transcende o

mero domínio de um instrumento de comunicação. Essa relação entre linguagem e produção

da consciência como atividade mental possui importância fundamental no processo de ensino-

aprendizagem.

A maior capacidade para verbalizar o conhecimento é, segundo Kleiman (1995),

consequência de uma prática discursiva privilegiada na escola que valoriza não apenas o

saber, mas o saber dizer (oralização). Uma vez que a sociedade valoriza o pensamento

transformado pela escrita, a aquisição da escrita na escola deve ser entendida em relação às

estruturas culturais e de poder que esse processo representa na escola. Disso podemos dizer

que os “eventos de letramento” (KLEIMAN, 1995, p. 40) são situações em que a escrita

constitui parte essencial das práticas desenvolvidas na escola.

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Estudos desenvolvidos por Heath explicados por Kleiman (1995) demonstram que o

modelo autônomo de letramento que considera a aquisição da escrita como um processo

neutro e independente das relações contextuais e sociais é o que predomina nas práticas

escolares. As práticas de letramento, dessa forma, estariam ideologicamente determinadas em

função da classe social, e não em função da potencialidade dos alunos. Kleiman (1995)

analisa essa mesma concepção de letramento não como prática social, mas com apenas um

tipo de letramento, a alfabetização, o processo de aquisição de códigos. As práticas de

letramento para as quais advogamos neste estudo passam necessariamente pela transformação

de práticas sociais da escrita, como apropriação do código, para um conjunto de práticas

sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos

específicos, para objetivos específicos, para uma possibilidade de leitura crítica da realidade.

Freire e Macedo (2015) discorrem sobre a ideia de uma alfabetização emancipadora,

de modo que esta sugere duas dimensões necessárias e contraditórias: por um lado, a

valorização da própria história; e, por outro, a apropriação dos códigos e culturas das esferas

dominantes sem que uma perspectiva sufoque a outra na formação da consciência e

subjetividade dos alunos. Os autores concebem a consciência como uma práxis social e, nessa

concepção, a subjetividade não é um apenas um ato individual, mas político e, por isso,

crítico. Nesse contexto, a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Isso porque a

consciência do mundo se constitui na relação com o mundo; não é um ato apenas individual,

mas econômico, cultural, político e também pedagógico.

Assim, Freire e Macedo (2015) rompem com a concepção utilitária e mecânica de

alfabetizar, pois a inscrevem como um ato de consciência política, porque tornam visíveis as

relações e lutas simbólicas que acontecem entre as classes sociais. Assim, alfabetizar é “ser

capaz de nomear a própria experiência, é parte do que significa ler o mundo e começar a

compreender a natureza política dos limites bem como das possibilidades que caracterizam a

sociedade mais ampla” (FREIRE, 2015, p. 45). Ou seja, o ser humano dentro de determinadas

formações sociais constrói suas experiências, inclusive as experiências corporais, que

proporcionam e dão sentido e significado. Ser capaz de nomear a própria experiência

significativa é uma forma de ler o mundo.

Diante dessas reflexões, compreendemos que a alfabetização não pode estar

dissociada do letramento. Por isso, para essa pesquisa, alfabetização é o processo de aquisição

do código escrito, que inicia com o reconhecimento das letras e termina no momento em que a

criança compreende e se faz compreender por meio da escrita. E o letramento é um processo

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que caminha ao lado da alfabetização, mas que nunca termina, pois acontece sempre que as

práticas de leitura e escrita são desenvolvidas de acordo com a cultura e o contexto local da

escola, considerando-se a função social da escrita.

Estabelecidos esses conceitos, seguiremos com a apresentação das informações

colhidas durante a pesquisa de campo que nos forneceram subsídios para reconhecer as

relações que os professores-sujeitos estabelecem com o letramento. As falas dos sujeitos

foram classificadas conforme os temas levantados na pesquisa de campo e agrupados

conforme a semelhança de significado entre si.

3.4 – APROXIMAÇÕES DIALÓGICAS NO DISCURSO DAS PROFESSORAS

Trataremos aqui das falas dos sujeitos da pesquisa, buscando estabelecer diálogos

entre os seus discursos com as teorias e concepções de alfabetização e letramento levantadas.

Bakhtin (2006) define a língua como expressão das relações e lutas sociais, veiculando e

sofrendo o efeito dessa luta, servindo, ao mesmo tempo, de instrumento e de material da

comunicação. Assim, as palavras não têm expressão apenas típica, mas expressão individual

externada com maior ou menor nitidez, sendo determinada pelo contexto singularmente

individual do enunciado.

Nessa perspectiva, as falas das professoras-sujeitos da pesquisa diferenciam-se em seu

sentido e significado, pois, na medida em que o objeto é o texto de alguém, há uma relação

sujeito/sujeito e, por trás desse texto, há sempre uma visão de mundo diferente do outro, há

um universo completamente diferente de valores com que se interage (VINOTTI, 2011).

Para analisarmos e discutirmos os discursos dos sujeitos participantes desta pesquisa,

relembramos um dos objetivos, que é o de desvelar o discurso sobre a alfabetização que

perpassa a fala das professoras-sujeitos de Educação Física e das alfabetizadoras. Nossa

análise está dividida em dois eixos. Trataremos das concepções de alfabetização e letramento

nos dizeres dos sujeitos e como o trabalho coletivo está inserido nos contextos escolares,

através de seus enunciados e apresentaremos o papel da alfabetização para os professores

alfabetizadores e para os professores de Educação Física. Esses eixos serão analisados

conforme o contexto em que nossos sujeitos estão inseridos; nesse caso, situados o campo da

pesquisa a que se refere, se campo ampliado ou campo específico.

Freitas (2012), ao realizar sua pesquisa no cotidiano escolar, afirma que o estudo da

prática escolar não pode se restringir a um mero retrato do que se passa no seu cotidiano, mas

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deve envolver um processo de reconstrução dessa prática, refazendo seu movimento e

apontando suas contradições. Não é nossa intenção, portanto, a crítica pela crítica, mas sim

perceber as contradições e compreendê-las na intenção de promover um direcionamento com

vistas à transformação da realidade.

Assim, para situar nosso leitor, conforme acordado anteriormente nos contornos

metodológicos, o campo ampliado refere-se a uma escola de cada Coordenadoria Regional de

Goiânia, totalizando quatro escolas, pois uma declinou de participar da investigação. O campo

específico refere-se à escola-campo onde realizamos a observação das aulas, registradas no

diário de campo.

Na aplicação dos questionários, perguntamos às professoras a respeito dos processos

de letramento e alfabetização no intuito de averiguar se elas diferenciavam um processo do

outro. Como já vimos no decorrer deste estudo, consideramos os processos de alfabetização e

letramento como indissociáveis, interdependentes, porém diferentes conceitualmente.

Conforme a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS) 466/12 que trata da

pesquisa envolvendo seres humanos, a fim de preservar a identidade dos sujeitos pesquisados

e por uma questão ética da pesquisa, para que as informações aqui citadas não causem

qualquer tipo de constrangimento aos participantes os sujeitos estão no anonimato. Para

distingui-los, há apenas uma sigla PP, que significa professor pedagogo, com um número de

identificação e o nome abreviado da Coordenadoria Regional à qual pertence. Para a

professora pedagoga da escola-campo, utilizaremos o nome fictício “Rosa” – PP-A

(professora pedagoga A). O mesmo vale para os professores de Educação Física, distinguidos

pela sigla PEF e dotados de um número de identificação e do nome abreviado da

Coordenadoria Regional à qual pertence. As informações obtidas com a professora de

Educação Física da escola-campo serão tratadas em um tópico específico.

3.4.1 – CONCEITOS E CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO DAS

PROFESSORAS PEDAGOGAS

Apresentaremos, primeiramente, as respostas22

que nos permitem analisar como as

professoras compreendem a alfabetização e o letramento.

22

Transcrevemos de forma fidedigna as respostas das professoras-sujeitos que foram encontradas nos

questionários recebidos.

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PP-1/CRE-A: Letrar é direcionar, conduzir a criança ao exercício das práticas

sociais de leitura e escrita, é inseri-la ao campo das letras em seu sentido e contexto social, é

fazer com que a criança tome gosto pelo hábito de ler. Já alfabetização compreende a

decodificação e assimilação dos signos linguísticos.

PP-2/CRE-B: Alfabetização se restringe à tecnologia do ler e escrever. Já letramento

é a capacidade de responder as demandas sociais.

PP-3/CRE-C: A alfabetização é aquele processo inicial onde as crianças são

submetidas nos primeiros passos ao contato com as letras. Elas aprendem a utilizar o

alfabeto e compreender seu significado e interpretação. O letramento é o processo em que o

indivíduo é visto em atividade, desenvolvendo suas habilidades de escrita e leitura com

perfeição ou ao menos com bastante facilidade. Um indivíduo letrado é capaz de associar

diversos assuntos distintos.

PP-4/CRE-D: Alfabetizar letrando é um desafio.

PP-A-Rosa (escola-campo): O aluno alfabetizado, letrado é capaz de fazer a leitura

de seu contexto, de mundo.

Percebemos que a professora PP-1/CRE-A compreende o letramento como prática

social, que envolve as habilidades de leitura veiculadas ao contexto social em que se inserem

e que a alfabetização envolve a decodificação dos signos linguísticos que vai além do código

alfabético, associando o alfabeto ao seu uso social e como significação.

Nota-se que, para as professoras PP-2/CRE-B e PP- 3/CRE-C, os conceitos sobre

alfabetização ficam restritos à tecnologia do ler e escrever (PP-2/ CRE-B) ou reduzidos ao

contato com as primeiras letras (PP-3/CRE-C). Essa última conceitua letramento como a

capacidade de compreender o significado das palavras e sua interpretação. Para a professora

PP-3/CRE-C, alfabetizar é decodificar as letras, e letramento a interpretação das palavras.

Já quando descreve o letramento, a entrevistada PP-2/CRE-B conceitua-o como a

capacidade de responder as demandas sociais, porém não explica que demandas sociais

seriam essas, pois ler e interpretar palavras, textos, revistas é uma exigência na sociedade que

enfatiza a cultura da escrita. Essas demandas sociais seriam apenas para o indivíduo adequar-

se ao mundo da escrita ou para compreender e interpretar sistema da escrita?

A entrevistada PP-4/CRE-D aproximou os conceitos, de forma sintética, porém sem

explicar e conceituar os processos conforme foi solicitado. De forma semelhante, a professora

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PP-A-Rosa da escola-campo não conceituou o termo e deu ao conceito de alfabetização uma

funcionalidade.

Algumas professoras caminham na direção de significação do letramento reduzida

apenas a ensinar a ler e escrever, enquanto que outras se aproximam daquilo que acreditamos

que deva ser o letramento: a possibilidade de levar os indivíduos a fazer o uso da leitura e da

escrita e envolver-se em práticas sociais de leitura e de escrita que se relacionam com as

condições sociais, culturais e econômicas de um grupo social específico. Inferimos, assim,

que o letramento envolve uma soma de conhecimentos, habilidades, capacidades, valores,

usos e funções sociais difíceis de contemplar uma única definição e, portanto, seria audacioso

de nossa parte desejar que os sujeitos professores de nossa pesquisa contemplassem a

complexa definição de letramento.

Nesse sentido, Soares (2012) relata-nos que a dificuldade de se contemplar um

conceito ou uma única definição para o letramento torna-se difícil. A autora propõe, então,

antes estabelecer uma definição conceitual sobre o termo; é preciso identificar em que

dimensão de letramento se está inserido para analisá-lo. Soares (2012) afirma que subjacentes

às definições estão duas dimensões do letramento: a dimensão individual e a dimensão social.

Na dimensão individual, letramento é visto como um atributo pessoal, parecendo

referir-se como “a simples posse individual das tecnologias mentais complementares de ler e

escrever” (SOARES, 2012, p. 66). Na dimensão social, o letramento é visto como “um

fenômeno cultural, um conjunto de atividades sociais que envolvem a língua escrita, e de

exigências sociais de uso da língua escrita” (SOARES, 2012, p. 66).

Diante desses conceitos, é interessante observar que as professoras PP-2/CRE-B e PP-

3/CRE-C oscilaram seus conceitos, ora nas habilidades individuais de ler e escrever, ora nos

usos, funções e propósitos da língua escrita no contexto social. Já a professora PP-1/CRE-A

enfocou a dimensão social, ao dizer que o letramento envolve as habilidades de leitura

veiculadas ao contexto social. Porém, não conseguimos estabelecer que tipo de enfoque a PP-

4/CRE-D salientou, pois sua resposta foi bastante sucinta e quase um clichê dos discursos

sobre alfabetização, que é o “alfabetizar letrando”.

Mesmo tendo as perspectivas das dimensões do letramento, ainda assim é difícil

defini-lo, “devido à extensão e diversidades das habilidades individuais que podem ser

consideradas como constituintes do letramento” (SOARES, 2012, p. 67). Essa dificuldade,

continua Soares, “envolve dois processos fundamentalmente diferentes: ler e escrever”

(SOARES, 2012, p. 67). Ler e escrever são processos diferentes sobre o mesmo fenômeno

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que é a comunicação através da língua escrita, e Soares (2012) afirma que, apesar dessas

diferenças, a definição de letramento frequentemente toma a leitura e a escrita como uma

mesma e única habilidade, desconsiderando as peculiaridades de cada uma. Em contrapartida,

Soares (2012) também lembra que as definições de letramento que consideram as diferenças

entre leitura e escrita tendem a enfatizar ou a leitura ou a escrita, ignorando que os dois

processos são complementares, como podemos identificar nas falas da professora PP-1/CRE-

A, ao dizer que letramento “é fazer com que a criança tome gosto pelo hábito de ler”, ou seja,

é a capacidade para desempenhar as demandas de leitura. Sobre essa questão, Soares (2012)

afirma que

ler é um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde

simplesmente decodificar sílabas ou palavras até ler Grande Sertão: Veredas de

Guimarães Rosa... uma pessoa ser capaz de ler um bilhete, ou uma história em

quadrinhos, e não ser capaz de ler um romance, um editorial de jornal... (SOARES,

2012, p. 48)

Outro ponto observado, presente tanto na fala da professora PP-2/CRE-B quanto na

fala da PP-A-Rosa da escola-campo, refere-se ao enfoque dado à funcionalidade do

letramento: “letramento é a capacidade de responder as demandas sociais”. Esse atributo que

caracteriza o conceito de letramento enfatiza seu valor pragmático, sobre o que as pessoas

fazem com as habilidades de leitura e escrita e como essas habilidades se relacionam com as

necessidades, valores e práticas sociais, ou seja, letramento “em termos de habilidades

necessárias para que o indivíduo funcione adequadamente em um contexto social – vem aí o

termo letramento funcional” (SOARES, 2012, p. 72).

Soares (2012) nos relata que esse atributo funcional ao letramento influenciou

significativamente a definição de letramento da Unesco23

, quando introduziu o conceito de

pessoa funcionalmente letrada fundamentada nos usos sociais da leitura e escrita. Podemos

dizer que esse é um conceito liberal que considera o letramento como “responsável por

produzir resultados importantes: desenvolvimento cognitivo e econômico, mobilidade social,

progresso profissional, cidadania” (SOARES, 2012, p. 72). Defendemos junto à autora uma

interpretação “revolucionária” de letramento,

que não pode ser considerado um instrumento neutro a ser usado nas práticas sociais

quando exigido, mas é essencialmente um conjunto de práticas socialmente

construídas que envolvem a leitura e a escrita, geradas por processos sociais mais

amplos, e responsáveis por reforçar ou questionar valores, tradições e formas de

distribuição de poder presentes nos contextos sociais. (SOARES, 2012, p. 75)

23

Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura.

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120

Tal perspectiva do letramento também foi discutida por Kleiman (1995) ao analisar a

interpretação da dimensão social do letramento de Street (1984), caracterizado como “modelo

ideológico” de letramento. Como já foi discutido neste estudo anteriormente, o modelo

ideológico afirma que o letramento consiste nas formas que as práticas de leitura e escrita

assumem em determinados contextos sociais, e isso depende das instituições sociais que

propõem e exigem essas práticas, no caso, a escola. Ou seja, “a aquisição da escrita na escola

deve ser entendida em relação às estruturas culturais e de poder que o contexto de aquisição

da escrita na escola representa” (KLEIMAN, 1995, p. 39).

O modo como concebemos a linguagem oral e escrita depende da forma como

conduzimos a alfabetização, uma vez que esta trabalha com a aprendizagem da leitura e da

escrita. Assim, investigamos junto às professoras-sujeitos qual concepção de

alfabetização/letramento ou leitura e escrita as professoras Pedagogas utilizam para nortear

sua prática pedagógica.

Vejamos as falas das professoras Pedagogas:

PP-1/CRE-A: A alfabetização é um processo significativo, centrado na compreensão,

comunicação, onde as funções da linguagem estão sempre sendo exercidas, tanto na

oralidade quanto na escrita. A aprendizagem da leitura e da escrita é concebida como ação

também de emancipação humana. Partindo dessas concepções é que a sistematizo as

atividades e conteúdos que pretendo desenvolver com o grupo.

PP-2/CRE-B: Através do conhecimento de mundo que a criança constrói.

PP-3/CRE-C: Uma alfabetização voltada para o lúdico, levando o aluno a refletir e a

descobrir o conhecimento, sendo o professor mediador.

PP-4/CRE-D: A linguagem oral da criança deve servir de suporte para o aprendizado

da linguagem escrita.

PP-A – Rosa (escola-campo): Alfabetização com letramento (ciclo de alfabetização).

Nossa intenção era averiguar se o que as professores responderam sobre os conceitos

de alfabetização e letramento coincidia com as concepções desenvolvidas em suas práticas

pedagógicas envolvendo a leitura e a escrita com intuito de perceber como essas concepções

estão incorporadas à formação profissional dos professores. Tardif (2005) explica que

os saberes pedagógicos apresentam-se como doutrinas ou concepções provenientes

de reflexões sobre a prática educativa no sentido amplo do termo, reflexões racionais

e normativas que conduzem a sistemas mais ou menos coerentes de representação e

de orientação da atividade educativa. (TARDIF, 2005, p. 37)

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121

Conforme as respostas apresentadas, percebemos nas falas das professoras PP-2/CRE-

B e PP-3/CRE-C, no que se refere à concepção de alfabetização, que ambas descrevem como

realizam em suas práticas a alfabetização/letramento, mas não especificam a concepção

utilizada. Situação semelhante é encontrada na fala da PP-A–Rosa da (escola-campo),

alfabetização com letramento (ciclo de alfabetização), que não apresenta a sua explicação

sobre os termos utilizados e ainda faz uma referência aos ciclos de formação e

desenvolvimento humano que a Secretaria Municipal de Educação Goiânia adota.

A professora PP-2/CRE-B tenta descrever uma concepção histórica, ao mencionar que

parte do conhecimento de mundo que a criança constrói, porém sem explicar como realmente

efetiva-se esse processo de conhecimento de mundo. Já a professora PP-3/CRE-C valoriza o

professor como mediador do processo e salienta que a alfabetização pode promover a reflexão

e construção do conhecimento através da ludicidade. Analisamos as informações de ambos os

sujeitos permeados de uma distorção de ideias e conceitos. Quando comparamos as

concepções utilizadas em sua prática em sala de aula com os conceitos levantados na questão

anterior, percebemos que há distorção do que esses sujeitos entendem como alfabetização

com relação ao que eles realizam em suas práticas.

Vimos no início deste capítulo as concepções e os métodos de alfabetização ao longo

da história. Para relembrá-los, na concepção tradicionalista de alfabetização, a ênfase na

aprendizagem da leitura e da escrita é concebida como o ensino das convenções, formas

gráficas, correspondência som-letra, montagem de sílabas, palavras, frases etc., sem

significação, sentido e significado para os alunos. Nesse sentido, a leitura e a escrita são

vistas como uma questão técnica e neutra, ou seja, desvinculada da realidade, em que não

estariam presentes interesses conflitantes em disputa pela interpretação da realidade e,

portanto, a linguagem é percebida de forma desvinculada das relações de poder.

Na contramão dessa concepção, temos a teoria construtivista. De acordo com as

pesquisas de Mortatti (2000) ancoradas nas contribuições de Piaget, essa concepção busca

explicar a aquisição da língua escrita pela criança como um processo psicogenético, que se

inicia antes da escolarização, através de meios culturais e situações educativas diversas.

Assim, a alfabetização é vista como um processo significativo, centrado na comunicação e sua

aprendizagem como um processo interno e individual de compreensão do modo de construção

desse sistema, “sem separação entre leitura e escrita e mediante a interação do sujeito com o

objeto de conhecimento que constrói seu conhecimento na interação com o objeto de

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conhecimento e de acordo com uma sequência psicogeneticamente ordenada” (MORTATTI,

2000, p. 267).

Destoante da teoria construtivista, a perspectiva histórico-cultural, fundamentada na

relação entre pensamento e linguagem de acordo com as teorias de Vygotsky e Bakhtin,

aborda a alfabetização como processo discursivo enfocando as relações de ensino como

fundamentais nesse processo. Conforme Mortatti (2000), as contribuições de João Giraldi

(1984)24

merecem destaque, por entender a “linguagem como uma forma de interação humana

e focaliza a interlocução – lugar de produção da linguagem e de constituição dos sujeitos –

como espaço privilegiado para se pensar o ensino” (MORTATTI, 2000, p. 278).

Percebemos que, dentre as entrevistadas, a PP-1/CRE-A aproximou-se da concepção

interacionista ao relatar que a alfabetização é um processo centrado na comunicação, onde as

funções da linguagem estão sempre sendo exercidas, tanto na oralidade quanto na escrita.

Dentro dessa visão, Tfouni (2010) considera o letramento enquanto processo sócio-histórico.

Ou seja, o conceito de letramento que a autora propõe deve aceitar que tanto pode haver

características orais no discurso escrito, quanto traços de escrita no discurso oral. Essa

interpenetração não considera apenas o discurso escrito, mas também o discurso oral

penetrado pela escrita. Essa relação entre oralidade e escrita também foi expressa pela

professora PP-4/CRE-D que se utiliza da oralidade como suporte para o aprendizado da

língua escrita.

Conforme Goulart (2006), o termo letramento vem se mostrando pertinente para os

estudos sobre o processo de ensino-aprendizagem da linguagem escrita. E o

termo alfabetização, por sua vez, ainda está muito relacionado a uma visão dessa

aprendizagem como um processo de codificação/decodificação de sons em letras e vice-versa.

Essa visão está, de um modo geral, ligada à suposição de que a linguagem escrita é a fala por

escrito. “Nesse sentido, os sistemas escritos teriam sido inventados para representar a fala”

(GOULART, 2006, p. 452). Isso se reflete na fala da professora PP-4/CRE-D, quando afirma

conceber a linguagem oral da criança como suporte para o aprendizado da linguagem escrita.

Kleiman (1995) demonstra, a partir da análise de vários autores, que crianças cujas

famílias são letradas e que participam de atos de leitura e escrita desde muito cedo, ouvindo e

discutindo histórias com adultos letrados, chegam à escola conhecendo muitos dos usos e

funções sociais da língua escrita. Elas participam do que Heath (1982 apud KLEIMAN, 1995,

p. 95) chama de eventos de letramento: “eventos em que a linguagem escrita é essencial à

24

Ver GIRALDI, João. O texto na sala de aula: leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1984.

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123

natureza das interações e aos processos e estratégias interpretativas de seus participantes”. Em

contrapartida, as crianças oriundas de famílias pouco alfabetizadas, ou não alfabetizadas, isto

é, com pouca oportunidade de participação em eventos de letramento, ao chegarem à escola,

em sua grande maioria, entendem que texto escrito é aquele que a escola lhes apresenta.

As conclusões de Kleiman (1995) apontam para a influência do letramento inicial no

sucesso de leitura das crianças, tomando como base os padrões escolares. Desse modo, a

partir de uma análise sobre a fala da professora PP-4/CRE-D, percebe-se que esta não poderia

ignorar o grupo social com o qual trabalha e nem as características de letramento de seus

alunos, para lhes oferecer o ensino que de fato necessitam. Nesse sentido, a influência da

oralidade está presente em todo o processo de construção da escrita, mas deve ser vista como

um movimento dialético e com significação e sentido para a criança, pois para

alunos de meios iletrados, que no período pré-escolar têm exposição muito limitada

à escrita e não-participação em eventos de letramento, a apresentação da escrita

como uma forma de expressão de sentidos, desde os primeiros momentos das

crianças na escola, é imprescindível a fim de que elas possam utilizar a experiência

que trazem com a língua oral no desenvolvimento do processo. (KLEIMAN, 1995,

p. 114)

Dentre os sujeitos pesquisados, consideramos que a professora PP-1/CRE-A

aproxima-se da concepção sobre alfabetização e letramento abordada por nós. Se

compararmos com sua resposta anterior, sobre como os conceituava, percebemos certa

linearidade do pensamento, quando a professora em questão afirma que norteia sua prática

pedagógica com base na linguagem. Ao conceber a alfabetização como uma ação de

emancipação humana e como um processo significativo centrado na comunicação e nas

funções da linguagem, essa professora compreende a alfabetização e o letramento como

prática social, carregada de sentido e significado e que depende do contexto social em que a

criança se insere.

Portanto, podemos definir duas categorias apresentadas da realidade pesquisada sobre

os conceitos e concepções de alfabetização e letramento das professoras Pedagogas:

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124

3.4.2 – CONCEITOS E CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO DAS

PROFESSORAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Neste eixo da análise, trataremos como a Educação Física enxerga a alfabetização e o

letramento, na voz dos sujeitos professores da disciplina. Não levantaremos aqui a

conceituação e a especificidade da Educação Física, mas sim como poderemos compreender,

através dos dizeres dos sujeitos citados a seguir, se há um conhecimento por parte dos

mesmos sobre o processo de letramento, uma vez que esses professores atuam diretamente no

Ciclo I, lócus primordial da alfabetização e foco principal de nossa pesquisa.

Relembramos que a identificação dos sujeitos dar-se-á pela sigla PEF, referente ao

termo professor de Educação Física, com um número de identificação e o nome abreviado da

Coordenadoria Regional a que pertence. E para a professora de Educação Física da escola-

campo, utilizaremos o nome fictício de Maria – PEF-C (professora de Educação Física da

escola-campo).

No que tange aos conceitos de alfabetização e letramento, as professoras de Educação

Física responderam:

PEF-1/CRE-A: Alfabetização é a decodificação do símbolo, das letras e do

significado das palavras. Letramento é entender como este símbolo é entendido, o texto.

Utilizo jogos pedagógicos (memória), desenhos como reconhecimento das letras e relaciono

com a prática, principalmente nas atividades de reagrupamento.

PEF-2/CRE-B: O processo de alfabetização é o primeiro contato do aluno com as

letras, com o alfabeto, e o letramento é o contato do educando com a leitura/escrita, com

textos diversos e contextualização.

PEF-3/CRE-C: Alfabetização é o processo de conhecimento das letras, escrita e

leitura, e letramento é o processo de conhecimento através do contexto social.

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO DAS PPS

Compreensão dos signos da leitura e escrita como

práticas sociais.

Ação para emancipação

humana

Formas mecânicas da tecnologia do ler e escrever e

como funcionalidade para responder as demandas

sociais.

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125

PEF-4/CRE-D: Processo inicial de apropriação da língua portuguesa

(escrita/leitura).

PEF-C – Maria (escola-campo): Alfabetização é a apropriação das letras do alfabeto

e as diversas formas de utilizá-las, como ler, interpretar, se comunicar de forma clara.

Letramento é a habilidade de pôr em prática a leitura e a escrita com maior facilidade e

clareza. A pessoa letrada consegue se envolver em um maior número de assuntos, expor sua

opinião, compreender melhor os assuntos em sua vida diária. Portanto, alfabetização e

letramento são processos que se diferem muito devido às necessidades e exigências contidas

em cada um deles, ser alfabetizado não significa que o indivíduo também é letrado e vice-

versa, pois um indivíduo alfabetizado e letrado é aquele que, além de conhecer, compreender

as letras e as práticas da leitura e escrita, é capaz ainda de desenvolver novas formas de

compreender e se expressar com maior clareza.

Destacamos aqui a fala da professora PEF-1/CRE-A, quando argumenta que trabalha

nas atividades de reagrupamento os jogos pedagógicos para ajudar na decodificação de letras:

utilizo jogos pedagógicos (memória), desenhos como reconhecimento das letras e relaciono

com a prática, principalmente nas atividades de reagrupamento. Levantamos aqui uma

prática realizada nas escolas do município de Goiânia denominada “Reagrupamento”.

Conforme as Diretrizes de Organização da Secretaria Municipal de Educação, a carga

horária semanal do professor deve ser distribuída da seguinte forma:

Mínimo de 17 horas de efetivo trabalho com o educando;

9 horas de hora-atividade, pode ser utilizada para atender as convocações da

Secretaria Municipal de Educação ou da escola (cf art.13 do Estatuto dos Servidores

do Magistério Público do Município de Goiânia);

4 horas de estudo ou outras atividades pedagógicas para serem cumpridas

seguindo orientações abaixo:

- Planejamento em pequenos grupos;

- Formação continuada, devendo a escola se organizar para a saída do professor

quando solicitada pelo Departamento Pedagógico/Centro de Formação de

Profissionais da Educação;

- Atendimento aos alunos em sala de aula diante da necessidade da instituição

educacional;

- Atendimento individual e/ou em pequenos grupos aos educandos;

- Atendimento aos pais e à comunidade;

- Estudo de temas específicos;

- Organização, seleção e construção de material pedagógico;

- Participação em fóruns de discussão nas Coordenadorias Regionais de Educação;

- Discussão e registro do processo avaliativo. (GOIÂNIA, 2011, p. 70-71)

Baseado nesse artigo, dentro do item hora-atividade do professor para fins de

atendimento aos alunos em sala de aula, diante da necessidade da instituição educacional e

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atendimento individual e/ou em pequenos grupos aos educandos e sob a égide do princípio da

mobilidade dos educandos dentro dos Ciclos de Formação e Desenvolvimento Humano, é que

a escola e seu coletivo docente podem organizar ações que possibilitem a reinvenção das

formas de organização do trabalho e de criação de novos espaços e tempos pedagógicos que

contribuem para o desenvolvimento e a aprendizagem dos educandos. Assim, justifica-se o

termo reagrupamento utilizado pela professora PEF-1/CRE-A.

Nossa experiência dentro do Ciclo I nos permite afirmar que todas as professoras,

dentro do seu horário de estudo, conforme descrito nas Diretrizes de Organização da SME,

cumprem com esse item, porém, no caso específico da professora PEF-1/CRE-A, esta desvia-

se da especificidade da Educação Física, que é o trato do conhecimento com a cultura

corporal para atender aspectos específicos da leitura e escrita.

Compreendemos e valorizamos as propostas das diretrizes quanto ao atendimento

individualizado a todos os alunos que estejam necessitando de acompanhamento, no entanto,

da forma como se apresenta, essas propostas reforçam uma forma de atendimento que segrega

e discrimina não somente os alunos, mas também as disciplinas e áreas do conhecimento que

são trabalhadas nas escolas. Discriminatório, pois, quando há movimentação apenas das

crianças que não estão acompanhando as turmas, estas passam pelo desconforto de serem

destacadas como as que não estão aprendendo e não aproveitam bem a oportunidade por

estarem sendo discriminadas. Segregador quanto à forma de organização, pois retira os

estudantes do momento em que estão com o grupo para fazer o atendimento individualizado

no horário da aula de Educação Física, aumentando a distância que o aluno tem do grupo dele

e, ao mesmo tempo, privando-o dos conhecimentos e aprendizagens que esta disciplina pode

proporcionar, desvalorizando a área da Educação Física como sendo de “não importância”.

Além disso, essa forma de organização é diferente do que sustentamos nesta pesquisa,

que é baseada na valorização de todas as áreas do conhecimento e na possibilidade

pedagógica interdisciplinar entre as disciplinas e naquilo que é proposto por Vygotsky, que

valoriza a interação entre os alunos com níveis diferentes de aprendizagem e em diferentes

aspectos da educação (intelectual, moral, estética, prática e física), assegurando a participação

da criança nas diversas atividades necessárias para um desenvolvimento das suas

potencialidades em todas as direções.

Observamos que esses professores falam a partir de experiência própria e por estudos

e aprendizagens adquiridos ao longo de sua carreira em contato com outros profissionais, pois

para um professor de Educação Física enunciar sobre a alfabetização, se for apenas baseado

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no que adquiriu no período de graduação, é complicado devido à falta de uma disciplina que

discuta esse processo em sua formação. O que o professor de Educação Física sabe a respeito

disso, pode, então, ser oriundo de leituras, de conversas de sala de aula, conselhos de classe e

cursos ou seminários de que participaram. Destacamos aqui os conceitos levantados pela

professora PEF-C – Maria (escola-campo), pois ela apresentou uma fundamentação teórica

mais abrangente sobre o tema. Acreditamos que tal profundidade e apropriação da professora

PEF-C – Maria deve-se também à sua segunda formação acadêmica em Pedagogia.

O saber dessas professoras insere-se na multiplicidade própria do trabalho atuando em

diferentes situações. Portanto, elas precisam agir de forma diferenciada, mobilizando

diferentes teorias, metodologias, habilidades. Dessa forma, o “saber profissional” das

professoras é constituído não por um “saber específico”, mas por vários “saberes” de

diferentes matizes, de diferentes origens, aí incluídos, também, o “saber-fazer” e o saber da

experiência (TARDIF, 2014).

Durante anos, a alfabetização foi vista como um processo em que as crianças deviam

ler e escrever corretamente. Percebemos essa visão tradicional nas falas dos professores de

Educação Física, ao dizerem que alfabetizar é tratar da linguagem escrita e representar

graficamente a fala através da combinação das letras do alfabeto. Sabemos que é muito mais

do que isso. Simultaneamente, as professoras-sujeitos da pesquisa também articularam a

alfabetização e o letramento aos contextos sociais, como uma forma de interpretar o texto

escrito e as práticas de uso da escrita na escola, que subjazem à concepção de letramento

dominante na sociedade, que sustenta um modelo de letramento equivocado, como foi

percebido nas falas das professoras de Educação Física.

Conforme Kleiman (1995), o letramento extrapola o mundo da escrita tal qual

concebem as instituições que se encarregam de introduzir os sujeitos no mundo da escrita,

como a escola, por exemplo. Sendo a escola a mais importante agência de letramento, ela não

se preocupa com o letramento como prática social, mas com apenas um tipo de prática de

letramento: a alfabetização como processo de aquisição de códigos (alfabético e numérico).

Nesse sentido, podemos objetivar que as professoras que responderam ao questionário não

pressupõem outras formas de letramento e não percebem que as práticas de letramento na

escola podem ir além do processo de aquisição da escrita.

A perspectiva psicomotora e motora apresentada pelas professoras-sujeitos mostra a

Educação Física como um agente da alfabetização e do letramento, entendida como um meio

e instrumento para as outras áreas. Porém, conforme a perspectiva teórica que abraçamos

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nesta pesquisa, essa concepção de Educação Física como meio faz com que ela perca sua

identidade própria, sua legitimidade e especificidade dentro da escola. Entendemos a

Educação Física como uma prática social que pode possibilitar o letramento nas séries

iniciais, uma vez que, como componente curricular, cumpre a função da escola de formação e

aprendizagem da criança.

Assim, quando perguntamos aos sujeitos que concepções de alfabetização norteiam

sua prática pedagógica em Educação Física, nosso objetivo era obter informações se estes

professores orientam suas atividades docentes numa visão de letramento que propomos com

esse estudo: uma prática social que extrapola o mundo da escrita, mas que é consequência da

reflexão que o homem faz sobre sua própria posição no mundo e com o mundo.

O trabalho com a alfabetização, seja ela realizada pelos professores pedagogos ou por

qualquer outro professor, só é válida e tem sentido, nos dizeres de Freire (2001), quando a

palavra é compreendida pelo homem como força de transformação do mundo.

Vejamos as falas das professoras:

PEF-1/CRE-A: Utilizo o construtivismo, Montessori. Trabalho com contação de

histórias.

PEF-2/CRE-B: A concepção e metodologia utilizada nas minhas práticas são o

letramento proporcionando ao aluno contato com alguns textos e contextualizado-os com

alguns conteúdos da Educação Física.

PEF-3/CRE-C: Não respondeu.

PEF-4/CRE-D: Em qualquer área, a leitura e a escrita devem cooperar com a

formação de um ser crítico.

PEF-C – Maria (escola-campo): Essa pergunta é um pouco complexa para um

educador físico, pois não me aprofundei nos estudos dessas concepções, mas acredito que a

leitura e a escrita não podem ser ignoradas pelos professores de Educação Física, pois temos

muitos alunos com dificuldade de aprendizagem na leitura e na escrita e essa disciplina

contribui muito para a formação integral do aluno, onde corpo e mente não se dissociam.

De uma forma geral, todos os professores de Educação Física relataram uma

concepção de alfabetização voltada para a produção de textos escritos. Especificamente a

professora PEF-2/CRE-B relata um trabalho com textos que podem ser contextualizados com

sua área de conhecimento. Os enunciados revelam diferentes sentidos para o processo inicial

que envolve a leitura e a escrita: as práticas sociais e a aprendizagem do código escrito.

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Um indivíduo pode não saber ler e escrever, mas, de certa forma, ele pode ser letrado.

Para alguns de nossos sujeitos, a alfabetização é a aprendizagem da leitura e da escrita. Em

estudos realizados por Tfouni (2010) com adultos não alfabetizados, a autora concluiu que

esses indivíduos têm capacidade para descentrar seu raciocínio e resolver conflitos e

contradições que se estabelecem no plano da dialogia. Uma conclusão diferente dos conceitos

sobre adultos não alfabetizados (que não dominam as habilidades da escrita e da leitura), uma

vez que tais conceitos sustentam que essas pessoas, por não dominarem a escrita, também

seriam incapazes do raciocínio lógico e capacidade para compreender e produzir silogismos.

Tfouni (2010) explica, então, que o fato não reside em ser ou não alfabetizado, mas em ser ou

não letrada a sociedade na qual esses indivíduos vivem. Assim, as comunicações, linguagens

e demandas cognitivas de uma sociedade irão inevitavelmente influenciar os indivíduos que

nela vivem, sendo o letramento um processo histórico-cultural.

Soares (2008) afirma que o processo de alfabetização, na escola, sofre mais que

qualquer outra aprendizagem escolar a marca da discriminação em favor das classes

socioeconomicamente privilegiadas, quando a escola privilegia e valoriza a língua escrita e

censura a língua oral e a linguagem corporal. Para a autora, as crianças das classes

privilegiadas, por suas condições de existência, adaptam-se mais facilmente às expectativas da

escola, tanto em relação às funções e aos usos da língua escrita, quanto em relação ao padrão

culto da língua oral. Assim,

aprender a ler e a escrever, para a escola, parece apenas significar a aquisição de

“instrumento” para a futura obtenção de conhecimentos; a escola desconhece a

alfabetização como forma de pensamento, processo de construção do saber e meio

de conquista de poder político. (SOARES, 2008, p. 22)

Ainda, a professora PEF-1/CRE-A faz alusão ao Construtivismo e cita a autora

Montessori. A proposta montessoriana, que leva o nome de sua idealizadora Maria

Montessori, emergiu no início do século XX no contexto dos educadores reformistas.

Correspondendo ao ideário da Escola Nova, essa proposta apresentava formas alternativas de

organização didática que melhor correspondessem aos valores da sociedade em

transformação. De acordo com Lancillotti (2010), a proposta pedagógica de Montessori se

assentou fundamentalmente em princípios científicos advindos da Psicologia Piagetiana, a

partir dos quais desenvolveu uma nova organização didática e novos instrumentos de trabalho,

buscando formas de contemplar demandas singulares dos alunos. Ainda segundo a autora

(2010), a proposta educacional desenvolvida por Montessori para o pré-escolar fundava-se

sobre a educação dos sentidos.

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130

Nosso objeto educativo deve ser o de ajudar o desenvolvimento da infância, não o

de dar-lhes cultura. Por isto, depois de haver oferecido à criança o material didático

adequado para provocar o desenvolvimento dos sentidos, devemos esperar que se

desenvolva a atividade de observação. (MONTESSORI, 1937: p. 199 apud

LANCILLOTTI, 2010, p. 168)

Assim, a Pedagogia Montessoriana objetiva a ajuda ao desenvolvimento do indivíduo,

e não a transmissão de conhecimento. Para alcançar tal intento, o método propõe a adaptação

do ambiente às necessidades e à personalidade dos alunos. Um ambiente onde a vigilância e

os ensinamentos do adulto sejam reduzidos ao mínimo necessário. Como se vê, o método

montessoriano não se coaduna com o Construtivismo, como relatado pela professora PEF-

1/CRE-A. Já discutimos anteriormente neste capítulo que no construtivismo o conhecimento

está em processo, sendo construído nas relações sociais estabelecidas com a criança, de modo

que a interação do indivíduo com esse meio e as suas ações contribuam para esse processo de

conhecimento.

Conforme Cagliari (2010, p. 68), com as novas ideias do construtivismo, alguns

professores têm levado o trabalho com a alfabetização para o extremo oposto ao das cartilhas.

O autor exemplifica com o caso do professor que pretende tirar todos os conhecimentos a

partir do aluno e, para tanto, acha que sua tarefa não é a de ensinar, mas apenas a de promover

situações para o aluno fazer algo.

Ainda conforme Cagliari (1998), um método de alfabetização eficaz é aquele que leva

em conta o processo de aprendizagem e faz com que o aluno exponha suas ideias a respeito do

aprender, através da realização de trabalhos onde se pode ver o que o aluno fez e descobrir o

que o levou a fazer o que fez, do jeito que fez. Dessa forma, quando o aluno toma a iniciativa

e diz algo, ou escreve, ou lê e, acrescentamos aqui, se movimenta e reflete sobre esse

movimento corporal, ele coloca nessas atividades seu conhecimento. O aluno tem

possibilidade para revelar suas hipóteses, organizando seus conhecimentos e adequando-os à

realidade, de tal modo que esse aluno acaba aprendendo não só o que se deve em termos de

conteúdos, mas também “aprende como ele é, do jeito que é, deve fazer para construir seus

conhecimentos” (CAGLIARI, 1998, p. 67).

3.4.3 – ARTICULAÇÕES ENTRE AS PROFESSORAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E

PEDAGOGAS: A QUESTÃO DA INTERDISCIPLINARIDADE

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131

Para articular as concepções e conceitos das professoras-sujeitos que responderam ao

questionário, perguntamos como ocorre a organização do trabalho pedagógico na escola, no

que se refere ao processo de letramento, e se esses professores trabalham em conjunto com

outros professores/áreas de ensino, numa proposta interdisciplinar, pois as orientações das

Diretrizes Curriculares da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia (2009) ressaltam a

importância das diversas áreas do conhecimento na análise e compreensão da realidade dos

educandos e considera que “as disciplinas são inerentes a uma proposta interdisciplinar e que

a definição do papel de cada uma no processo educacional não pressupõe uma proposta de

trabalho fragmentada, ao contrário, possibilita uma visão mais clara das articulações

possíveis” (GOIÂNIA, 2009, p. 18). Nossa intenção é levantar uma reflexão sobre os

enunciados acerca da interdisciplinaridade, pois, para Fazenda (2011, p. 22), o pensar

interdisciplinar “favorece novas formas de aproximação da realidade social e novas leituras

das dimensões socioculturais das comunidades humanas”.

Antes de seguirmos as análises dos enunciados dos sujeitos, precisamos definir o que é

disciplina. Para Fazenda (2011, p. 88), as “disciplinas escolares são não só um meio cômodo

de dividir os conhecimentos em partes; elas também constituem a base sobre a qual são

organizadas experiências de ensino e pesquisa”. Para a autora, essas “constituem a espinha

dorsal do sistema escolar e qualquer mudança hierárquica ou qualitativa das disciplinas

implica a mudança das diretrizes centrais do sistema” (FAZENDA, 2011, p. 88).

A interdisciplinaridade, segundo Fazenda (2011), é um termo utilizado para

caracterizar a colaboração existente entre disciplinas diversas ou entre setores heterogêneos de

uma mesma ciência. “Caracteriza-se por uma intensa reciprocidade nas trocas, visando a um

enriquecimento mútuo” (FAZENDA, 2011, p. 73). Ou seja, um projeto interdisciplinar

consegue captar a profundidade das relações entre as áreas de ensino, caracterizando-se pela

troca de conhecimento dos diversos saberes entre os sujeitos participantes.

Freitas (2012) observa que a questão da interdisciplinaridade é fundamental para a

conceituação e para compreender como se dá a produção do conhecimento.

“Interdisciplinaridade é entendida como interpenetração de método e conteúdo entre

disciplinas que se dispõem a trabalhar conjuntamente um determinado objeto de estudo”

(FREITAS, 2012, p. 91). Para melhor exemplificar o termo, o autor chama atenção para o fato

de que a interdisciplinaridade se contrapõe ao conceito de multidisciplinaridade. Neste último,

os professores estão justapostos e cada um fazendo o que sabe. Na interdisciplinaridade há

integração destes durante a construção do conhecimento, de forma conjunta, sendo que “o

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conhecimento é gerado em um nível qualitativo diferente do existente em cada disciplina

auxiliar” (FREITAS, 2012, p. 91).

Freitas (2012) chama atenção para que a interdisciplinaridade não seja usada como

forma de aumentar artificialmente a relação entre as áreas de conhecimento, pois, apesar de se

comunicarem, cada área foi desenvolvida fragmentariamente dentro de uma ciência

positivista. Da mesma forma, Fazenda (2011) ainda observa, nos resultados de sua pesquisa,

que na legislação relativa à educação há diversos empecilhos que inviabilizam a concretização

de um trabalho interdisciplinar. A autora assinala que esse processo se dá como uma

integração entre as disciplinas do processo formativo, sem uma proposta pedagógica que

permita tal integração, ou seja, a legislação educacional de uma forma geral faz alusão à

proposta interdisciplinar, porém ela mesma não permite que a mesma se efetive na prática,

devido à organização escolar, às imposições curriculares e até mesmo à formação deficitária

do magistério.

Na SME Goiânia, a organização do currículo das escolas possui a característica da não

hierarquia das disciplinas, ou seja, todos os componentes curriculares desenvolvem a mesma

carga horária anual e diferentemente da escola seriada, em que as disciplinas ditas “mais

importantes” possuem uma carga horária maior em detrimento das “menos importantes”, a

organização por Ciclos da SME Goiânia propõe que cada escola organize o currículo a partir

de sua realidade, tendo como referência os objetivos relacionados por disciplina, de acordo

com as diretrizes curriculares, mas sem a prevalência de uma disciplina escolar sobre outra.

Para que essa flexibilização curricular seja efetivada, é garantido o tempo de estudo dos

professores, que são as quatro horas de atividades pedagógicas ou estudos, além dos

planejamentos coletivos mensais, conforme as Diretrizes de Organização por Ciclo

(GOIÂNIA, 2011), para que esses profissionais se articulem e desenvolvam as atividades

pedagógicas na escola.

Como nosso foco se refere ao processo de letramento, questionamos aos sujeitos da

pesquisa se há uma proposta de trabalho em conjunto com outros professores no trato com o

processo de letramento. As professoras PP-3/CRE-C e PP-4/CRE-D não responderam nossas

dúvidas iniciais. Elas apenas afirmaram que trabalham interdisciplinarmente o letramento,

mas sem entrar em detalhes em suas respostas. Em contrapartida, houve um interesse maior

nas respostas dos professores de Educação Física dessas CREs. Vejamos as respostas:

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PP-1/CRE-A: Trabalha em conjunto com outros professores, em especial a professora

de arte que também realiza atividades de letramento com as turmas, mediante um diagnóstico

inicial das dificuldades observadas em cada grupo.

PP-2/CRE-B: Trabalho juntamente com a professora apoio.

PP-3/CRE-C: Sim.

PP-4/CRE-D: Sim.

PP-A – Rosa (escola-campo): Todos os professores trabalham com seus pares.

Referente à mesma questão, vejamos o que os professores de Educação Física

disseram:

PEF-1/ CRE-A: Sim. Tem um projeto com o filme Stuart Little. Criamos um cineminha

o qual através do filme, ensinam boas maneiras, postura, boas condutas, família.

PEF-2/ CRE-B: Não.

PEF-3/ CRE-C: Às vezes, através dos planejamentos que são realizados

coletivamente.

PEF-4/ CRE-D: Dentro das minhas limitações, sim.

PEF-C – Maria (escola-campo): Estamos em parceria em quase todos os projetos

desenvolvidos no decorrer do ano.

Percebe-se que, tanto na escola da CRE-A como na escola da CRE-B, os professores

realizam um trabalho em conjunto com outros professores, mas não integram a área da

Educação Física, fato observado na resposta da PEF-2/CRE-B que foi clara e sucinta ao

responder apenas “não”, quando questionada se trabalha em conjunto com outros professores.

Chamamos atenção para o enunciado da PEF-1/ CRE-A, ao exemplificar uma

atividade voltada para o letramento com um projeto de cinema “com o filme Stuart Little.

Criamos um cineminha o qual através do filme, ensinam boas maneiras, postura, boas

condutas, família”. O recurso das artes, seja ela na música, no teatro ou no cinema, é

amplamente difundido e utilizado no ambiente escolar como ferramentas metodológicas, mas

a arte é uma área do conhecimento que merece um tratamento pedagógico específico, e não

pode ser utilizada de forma banalizada ou como meio pedagógico. O fato é que, nesse

exemplo relatado pela professora de Educação Física, não há aproximação com o processo de

letramento.

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Observamos similaridade das respostas somente nos sujeitos da escola-campo, pois

ambos afirmaram que o trabalho em conjunto é realizado durante todo o ano letivo. A

professora PP-1/ CRE-A enfatiza sua integração com a professora de arte, enquanto a

professora PP-2/ CRE-B trabalha em conjunto com a professora apoio.

Vale ressaltar quem seria essa “professora apoio” relatada pelo sujeito PP-2/ CRE-B.

A quantidade de professores nas escolas do município de Goiânia é definida pela quantidade

de agrupamentos (salas de aula) ofertados por cada instituição, tendo sempre um professor

pedagogo a mais, ou seja, se a escola possui três turmas de As (salas de alfabetização), haverá

quatro pedagogos para atender essas turmas, além do professor de Educação Física. Até o ano

de 2006, o termo “professor apoio” era utilizado para designar o professor pedagogo a mais

que atendia os educandos, mas não tinha a característica de regente de turma que, na época,

era denominado de professor dinamizador.

O professor dinamizador, juntamente como os demais professores, era responsável

pelo desenvolvimento do trabalho pedagógico no primeiro ciclo de formação. Tendo

por base o Projeto Político Pedagógico da escola o professor dinamizador

juntamente com os demais professores preparavam atividades diferenciadas e

necessárias para intervir no processo da aprendizagem ajudando a superar as

dificuldades de todos os alunos. (AGUIAR, 2009, p. 24)

Hoje se utiliza o termo “professor regente” para todo professor que atende os

educandos, independentemente se são os regentes-referência da turma ou não. Apesar da

mudança do termo nos documentos oficiais, a cultura da utilização do termo “professor

apoio” ainda permanece.

Mesmo com os professores expressando através dos seus discursos uma prática acerca

da interdisciplinaridade, alguns ainda tratam a relação da Educação Física com a alfabetização

de forma um tanto quanto distante. Temos a impressão de que os sujeitos-professores

pedagogos não veem na aula de Educação Física a necessidade do trabalho com o letramento.

Em contrapartida, os sujeitos-professores de Educação Física tentam um caminho inverso na

tentativa de uma prática interdisciplinar com a alfabetização e o letramento.

Compreendemos nos dizeres dos sujeitos que eles realizam atividades de planejamento

com todo o coletivo no início do ano letivo, “onde o grupo organiza os projetos e conteúdos

que serão trabalhados no decorrer do ano letivo” (PP-1/CRE-A), e da mesma forma a

professora PEF-1/CRE-A reafirma este planejamento anual com foco nos temas transversais:

“planejamento reúne o coletivo, em cima do projeto no início do ano (temas transversais)”.

Contrapondo essa possível integração entre o professor pedagogo e o professor de Educação

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Física, com os sujeitos das CRE-C e CRE-D obtivemos respostas divergentes. Vejamos o que

os professores pedagogos responderam:

PP-1/ CRE-A: Temos no início do ano dois ou três dias para o planejamento coletivo,

onde o grupo organiza os projetos e conteúdos que serão trabalhados no decorrer do ano

letivo. Em seguida, quando se iniciam as aulas é realizado um diagnóstico com os alunos de

cada sala. Logo após, é feito um mapeamento das crianças que apresentam maior dificuldade

e só depois os professores montam um plano de ação para cada aluno com atividades

específicas para as dificuldades observadas.

PP-2/ CRE-B: De maneira específica conceber a leitura e a escrita de acordo como se

interpreta a realidade.

PP-3/ CRE-C: não respondeu.

PP-4/ CRE-D: não respondeu.

PP-A – Rosa (escola-campo): Todo trabalho é voltado para a realidade do aluno,

dentro da proposta do Ciclo.

Pensando no contraponto às respostas das professoras Pedagogas, fizemos o mesmo

questionamento as professoras de Educação Física. Vejamos as respostas:

PEF-1/ CRE-A: Planejamento reúne o coletivo, em cima do projeto no início do ano

(temas transversais). O momento de estudo é individual, então faço meu planejamento

sozinha. Nos últimos quatro anos, a organização para os planejamentos não aconteceu

devido a falta de professores e greve, pois isto altera a rotina da escola.

PEF-2/ CRE-B: Os alunos são reagrupados e é trabalhado de acordo com seu

desenvolvimento e tempo.

PEF-3/ CRE-C: Através de planejamentos com o corpo docente e todos os que

compõem a escola.

PEF-4/ CRE-D: Há rotinas definidas contemplando atividades sistematizadas para o

processo de letramento, de acordo com a proposta de alfabetização da RME.

PEF-C – Maria (escola-campo): A organização do trabalho pedagógico acontece nas

turmas de alfabetização com três professoras que atendem esse agrupamento. A professora

pedagoga regente, a professora apoio e a professora de Educação Física. Em alguns dias

específicos da semana, ficamos com os alunos para que a professora regente possa ter

momentos para planejar suas aulas e ou atender alguns alunos com necessidades específicas.

Em outros momentos, eu também atendo alguns desses alunos fora da sala de aula, bem

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como a professora apoio, que também realiza esse trabalho. Nos momentos de planejamento

coletivo, também trocamos informações acerca da turma e decidimos algumas ações a serem

trabalhadas. Todo o desenvolvimento do trabalho pedagógico é mediado pela coordenadora

pedagógica.

Apesar de os sujeitos PP-3/ CRE-C e PP-4/ CRE-D não terem respondido à questão,

os sujeitos-professores de Educação Física dessas CREs relataram que a organização do

trabalho pedagógico em suas escolas, no que tange ao processo de letramento, ocorre nos

planejamentos coletivos que, segundo as Diretrizes de Organização da SME Goiânia, podem

ser mensais conforme o calendário escolar vigente. A professora PEF-4/ CRE-D, em especial,

relata que “há rotinas definidas contemplando atividades sistematizadas para o processo de

letramento, de acordo com a proposta de alfabetização da RME”, mas não especifica ou

detalha como esse trabalho é realizado.

Especificamente na escola-campo, visualizamos como ocorre o trabalho

interdisciplinar entre os professores, quando o sujeito PEF-C – Maria afirma que o trabalho

pedagógico acontece nas turmas de alfabetização com as três professoras que atendem esse

agrupamento, isto é, com “a professora pedagoga regente, a professora apoio e a professora

de Educação Física” e que “todo o trabalho pedagógico é mediado pela coordenadora

pedagógica”.

A professora PP-1/ CRE-A, além de citar os planejamentos coletivos, relata-nos um

processo de diagnóstico dos educandos, a partir dos quais esses alunos são “mapeados” no

que diz respeito a suas dificuldades, visando o processo de alfabetização. Na realização desse

“plano de ação” para superação das dificuldades de cada aluno, os professores realizam as

atividades específicas. Em seguida, a professora PEF-1/ CRE-A nos revela que, apesar de

planejarem coletivamente no início do ano letivo os temas e projetos a serem desenvolvidos,

ela faz seu “planejamento sozinha” e que os planejamentos mensais coletivos nos últimos

anos não ocorreram devido às greves e à falta de professores na rede, o que acaba por

prejudicar e alterar a rotina da escola.

Vale ressaltar aqui dois adendos. O primeiro refere-se às greves ocorridas na Rede

Municipal de Goiânia em 2013, 2014 e 2015, que alteraram o calendário escolar, pois, para

ocorrer a reposição das aulas, utiliza-se o tempo de planejamento coletivo dos professores, ou

seja, o mais importante é dar aula, “pagar a greve” e as atividades coletivas ficam em segundo

plano. O segundo refere-se às reposições de greve que geram um estresse diário, e muitos

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professores, por vários motivos, ausentam-se da escola. Na ausência de um professor, a

organização do trabalho da instituição é alterada, e o primeiro a ser subtraído é o momento

para estudo e planejamento dos professores.

Nesse sentido, a fala da professora PEF-1/ CRE-A, ao ressaltar que, nos últimos

quatro anos, a organização para os planejamentos não aconteceu, torna-se peça-chave para

nossa reflexão. A interdisciplinaridade é um desafio a ser rompido pela escola e é questão

fundante para o diálogo e para a possibilidade de as duas áreas tecerem juntas o trabalho em

benefício do processo de alfabetização e letramento. Para isso, a organização do trabalho

pedagógico torna-se o viés para sua concretização. A desarticulação dos planejamentos

levantada pela PEF-1/ CRE-A nos ajuda a vislumbrar a dificuldade encontrada pelas

professoras com o trabalho interdisciplinar. Nesse sentido, para trabalhar na perspectiva

disciplinar, é preciso romper as barreiras entre o coletivo de professores e propor o diálogo

entre as áreas do conhecimento, para que elas sejam capazes de conversar entre si, não

somente nos planejamentos, mas no recreio, nos intervalos, nos momentos de estudo.

Sabemos que a escola é a instância responsável por promover o letramento e que este é

tanto o objetivo quanto o produto da escolarização. Por isso o letramento é visto nas escolas

investigadas mais como um processo do que um produto. Consequentemente, as escolas

fazem uso das avaliações e medições da alfabetização, avaliando de maneira progressiva a

aquisição de habilidades, de conhecimentos e usos sociais da leitura e escrita, conforme

descrito pelas professoras PP-1/ CRE-A e PEF-C – Maria (escola-campo). Soares (2012) nos

alerta para o fato de que essas avaliações e reavaliações não gerem um conceito limitado de

letramento e insuficiente para responder às exigências das práticas sociais da linguagem fora

da escola, pois geralmente “definem um único ponto contínuo para distinguir um aluno

letrado de um iletrado, uma criança alfabetizada de uma não alfabetizada” (SOARES, 2012, p.

84).

De acordo com Cagliari (2007), tudo na escola depende do professor, de sua

habilidade profissional, de sua competência e das condições de seu trabalho. Assim,

se ele é mais construtivista ou menos construtivista, se é mais ou menos cognitivista

é uma questão que, até certo ponto, depende da habilidade e da preferência do

professor. Alguns funcionam melhor dentro de uma determinada abordagem,

trabalhando especificamente com determinado método ou com outro. Mas somente a

competência técnica linguística do professor pode ajudar o aluno, que não aprende,

apesar de tudo, a superar suas dificuldades. (CAGLIARI, 2007, p. 71)

A partir das informações levantadas, podemos esquematizar e categorizar as falas das

professoras-sujeito da pesquisa conforme o esquema a seguir:

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Pode-se concluir, então, conforme Soares (2012), que há diferentes conceitos de

letramento, conceitos estes que variam segundo as necessidades e condições sociais

específicas de determinado momento histórico e de determinado estágio de desenvolvimento.

A partir disso, nas escolas de cada regional de Goiânia e na escola-campo visitada, o conceito

de letramento se alterna, mas, de uma forma generalizada, o letramento é visto dentro de uma

concepção neoliberal25

. Nesse sentido, podemos ver que nossos sujeitos-professores acreditam

que o conceito envolve muito mais do que simplesmente somente ler e escrever o uso dessas

habilidades para atender às exigências sociais num sentido de funcionalidade do letramento.

Nesse contexto, é necessário refletir sobre a noção de alfabetização em seu sentido

político e ideológico e, ao mesmo tempo, relacioná-la com a tarefa de ler e escrever. Em seu

sentido político, ela não deve ser reduzida apenas à perspectiva funcional e utilitária de

apropriação do código, mas deve ser encarada como construção social que permite às pessoas

a participação da compreensão e da transformação da sociedade, como uma precondição da

emancipação social e cultural.

A alfabetização e o letramento compõem uma relação dialética. Para entendê-la, o

professor deve dispor de conhecimentos sobre o sistema de escrita que usamos e, ao mesmo

tempo, deve possibilitar e desenvolver as condições necessárias para o engajamento dos

indivíduos em lutas em torno das relações de poder. Essa relação dialética da alfabetização

com o letramento foi apresentada nos discursos das professoras-sujeito, demonstrando uma

25 A concepção neoliberal de letramento é alicerçada no paradigma do aprender a aprender, defendida pelos

PCNs, na qual a participação efetiva no mercado capitalista se sobrepõe à formação humana. Assim, participar

da sociedade letrada é se adaptar a ela e adquirir o letramento por ela validado; e a sociedade não concebe um

letramento que valorize e respeite a diversidade, de modo geral, com visão crítica. Pelo contrário, o que se

percebe é a visão hegemônica capitalista, em detrimento dos demais conhecimentos marginalizados.

O QUE É LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO?

Professoras PEDAGOGAS

Decodificação de signos e práticas sociais de leitura

e escrita

Forma mecânica da tecnologia do ler e escrever e como

funcionalidade para responder as

demandas sociais

Professoras de

EDUCAÇÃO FÍSICA

Decodificar símbolos, letras

(ler) e compreender o

símbolo (escrever)

Decodificação de signos e práticas

sociais de leitura e escrita

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potencialidade na concepção da leitura e da escrita como ações mais abrangentes, como parte

de um projeto político e de uma prática pedagógica que visa promover as habilidades de

leitura e escrita de modo a transformar e emancipar o homem.

Da mesma maneira, conforme esquema abaixo, podemos concluir que as concepções

teóricas que orientam a prática pedagógica das professoras participantes da pesquisa têm sua

fundamentação no Construtivismo, decorrente do predomínio e influência que essa teoria

exerceu na educação, sobretudo nos métodos de alfabetização, como foi discutido no início

deste capítulo.

Cagliari (1998) analisa, em seus estudos, a figura do professor que confunde o

Construtivismo como extremo oposto das cartilhas de alfabetização tradicionais, quando esse

professor pretende tirar todos os conhecimentos a partir do aluno e, para isso, acha que sua

tarefa não é a de ensinar, mas apenas a de promover situações para algo. Nesse sentido, tudo o

que o aluno faz é valorizado, mesmo que se constate que ele não está progredindo, pois não

tem intencionalidade no processo de aprendizagem da criança.

Assim, o processo de alfabetização precisa levar em conta o processo de ensino e de

aprendizagem de maneira equilibrada e adequada. Não se trata de o professor alfabetizador

entender apenas dos métodos clássicos de alfabetização, mas de tomar decisões relativas a

diversas ordens de fatores relacionados ao como fazer. Isso implica decisões relativas a

métodos, à organização da sala de aula e de um ambiente de letramento, à pesquisa sobre as

práticas culturais de escrita na família e na comunidade, à definição de capacidades a serem

atingidas, à escolha de materiais, de procedimentos de ensino, de formas de avaliar, sempre

num contexto da política mais amplo da organização do ensino.

CONCEPÇÃO TEÓRICA SOBRE LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO

Professoras PEDAGOGAS

Construtivismo

Em função da linguagem

comunicativa e crítica

Professoras de

EDUCAÇÃO FÍSICA

Construtivismo Formação crítica

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Reconhecendo os múltiplos significados e variedades do letramento, acreditamos que

devemos concebê-lo como uma prática revolucionária, como diria Soares (2012), que é

essencialmente construída nas práticas sociais e responsável por questionar os valores,

tradições e formas de poder presentes nos contextos sociais. Corroborando esse conceito

revolucionário do letramento, Paulo Freire, um dos primeiros educadores a realçar esse poder

do letramento, concebia o papel da alfabetização como sendo o de libertação do homem,

dependendo do contexto ideológico que ele ocorre e que seu principal objetivo deveria ser o

de promover a mudança social e “desenvolver um discurso programático para a alfabetização

como parte de um projeto político e de uma prática pedagógica que ofereça uma linguagem de

esperança e de transformação dos que lutam no presente por um futuro melhor” (FREIRE,

2015, p. 41).

A seguir, apresentamos o que os Parâmetros Curriculares Nacionais disponibilizam a

respeito da alfabetização, assim como uma breve análise do Pacto Nacional para

Alfabetização na Idade Certa, trazendo seus objetivos e blocos de conteúdos propostos,

juntamente com os discursos das professoras-sujeito acerca da temática.

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4. ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NOS DOCUMENTOS

OFICIAIS

Neste capítulo, apresentaremos sucintamente o percurso da discussão curricular da

Secretaria Municipal de Educação de Goiânia (SME), destacando a história dos Ciclos de

Formação e Desenvolvimento Humano, de forma a elucidar as concepções de alfabetização e

letramento de sua proposta pedagógica e estabelecer um paralelo com a proposta político-

pedagógica da escola-campo. Trataremos também, de forma sintética, o que os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs) disponibilizam a respeito da alfabetização, assim como

faremos uma breve análise do Pacto Nacional para Alfabetização na Idade Certa, trazendo

seus objetivos, os blocos de conteúdos propostos. Nesse caso, pensaremos acerca do Ensino

Fundamental, que é o foco da nossa pesquisa. Por fim, trataremos aqui das falas dos sujeitos

da pesquisa, buscando dialogar com seus discursos e com as concepções de alfabetização e

letramento levantadas nos documentos oficiais.

4.1 – ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NOS PCNs

Para tratar das concepções de alfabetização e letramento, buscamos nos Parâmetros

Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa as definições desses conceitos. O documento

faz uma breve apresentação do objetivo dos PCNs, que é de auxilio ao professor no decorrer

do seu trabalho, para garantir que as crianças tenham domínio dos conhecimentos linguísticos

que são necessários, pois é através do domínio da língua que o homem se “comunica, tem

acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de

mundo, produz conhecimento” (BRASIL, 1997b, p. 15).

Na parte inicial do documento, há uma discussão sobre o fracasso escolar da leitura e

escrita e o elevado índice de repetência. Nele, é afirmado que a dificuldade da escola está em

ensinar a ler e a escrever e que esta dificuldade se concentra mais no “fim da 1ª série, por

dificuldade de alfabetizar e na 5ª série, por não garantir o uso eficaz da linguagem e progredir

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142

os estudos” (BRASIL, 1997b, p. 19). No início dos anos, com o deslocamento do eixo das

questões do ensino para as questões de aprendizagem, foi permitido desvelar, por exemplo,

por que as crianças que vinham das famílias mais favorecidas e que tinham práticas sociais de

leitura e escrita em seu núcleo familiar desempenhavam experiências mais significativas com

a leitura e a escrita na escola.

Corroborando os dados do documento, Kleiman (1995) afirma que o desenvolvimento

de linguagem escrita ou de processo de letramento da criança é dependente do grau de

letramento da instituição social (família) em que ela está inserida. Ou seja, o processo de

letramento da criança será dependente do modo de participação nas práticas discursivas orais

em que essas atividades ganham sentido. Assim, quanto maior for a presença de práticas de

leitura e de escrita no cotidiano da criança, maior será o processo de letramento da criança.

Os PCNs se propõem a contribuir no cenário educacional nacional nas mudanças das

finalidades da educação, pois “a escola precisa responder às novas exigências da sociedade e

transformar o perfil social e cultural do alunado” (BRASIL, 1997b, p. 23), que tem acesso à

escola, mas não o seu sucesso nela, através de um ensino mais eficaz, uma vez que “ser um

usuário competente da escrita é, cada vez mais, condição para efetiva participação social”

(BRASIL, 1997b, p. 22).

O letramento, nessa perspectiva, é visto por Tfouni (2010) como alienante dos

indivíduos e de sua cultura e historicidade.

A alienação, portanto, também é um produto do letramento. A ciência, produto da

escrita, e a tecnologia, produto da ciência, são elementos reificadores,

principalmente para aquelas pessoas que, mesmo não sendo alfabetizadas, são, no

entanto, letradas, mas não têm acesso ao conhecimento sistematizado nos livros,

compêndios e manuais. Como consequência do letramento, vemos grupos sociais

não alfabetizados abrirem mão do próprio conhecimento, da própria cultura, o que

caracteriza mais uma vez essa relação como de tensão constante entre poder,

dominação, participação e resistência, fatores que não podem ser ignorados quando

se procura entender o produto humano por excelência que é a escrita, e seus

decorrentes necessários: a alfabetização e o letramento. (TFOUNI, 2010, p. 29)

Esse projeto educativo proposto pelos PCNs atribui à escola a função e a

responsabilidade de garantia dos saberes linguísticos necessários para o exercício da

cidadania. Assim, o objetivo da alfabetização é fazer com que “cada aluno se torne capaz de

interpretar diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a palavra e, como cidadão,

de produzir textos eficazes nas mais variadas situações” (BRASIL, 1997b, p. 23). E essa

responsabilização da escola se torna maior quanto menor for o grau de letramento das

comunidades onde vivem os alunos. Assim, o letramento é entendido pelo documento como

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143

produto da participação em práticas sociais que usam a escrita como sistema

simbólico e tecnologia. São práticas discursivas que precisam da escrita para torná-

las significativas, ainda que às vezes não envolvam as atividades específicas de ler

ou escrever. (BRASIL, 1997b, p. 23)

O documento estabelece três eixos organizadores dos conteúdos: língua oral (usos e

formas); língua escrita (usos e formas); análise e reflexão sobre a língua (BRASIL, 1997b, p.

43).

No primeiro eixo, língua oral, a linguagem é vista como uma forma de ação

interindividual orientada por uma finalidade específica que é a comunicação oral. A partir

dessa perspectiva, a língua é vista como “um sistema de signos histórico e social que

possibilita ao homem significar o mundo e a realidade” (BRASIL, 1997b, p. 24). Os PCNs

configuram a linguagem verbal como uma forma de significar a realidade, com vínculo ao

processo do pensamento, ou seja, a linguagem é vista como uma forma de comunicação entre

os homens através da interação verbal. Interação verbal no documento é entendida como

“toda e qualquer comunicação que se realiza pela linguagem, tanto as que acontecem na

presença (física) como na ausência do interlocutor, tanto na conversação quanto numa

conferência ou produção escrita” (BRASIL, 1997b, p. 25).

Os PCNs elegem a língua oral como conteúdo escolar. Assim, cabe à escola “ensinar

os usos da língua adequados a diferentes situações comunicativas” (BRASIL, 1997b, p. 49).

Eles reconhecem que a escola não pode definir quaisquer usos e formas da língua oral, e isso

significa que se deve considerar a variedade linguística, porém “de nada adianta aceitar o

aluno como ele é, mas não lhe oferecer instrumentos para enfrentar situações em que não será

aceito se reproduzir as formas próprias de sua comunidade” (BRASIL, 1997b, p. 49). Por

outro lado, para Bakhtin (2006, p. 15), “a palavra é arena onde se confrontam valores sociais”.

Dessa forma, nela se refletem e se confrontam os conflitos de classe dentro do mesmo sistema

e isso implica conflitos, relações de dominação e de resistência à hierarquização e à

homogeneização da língua. O autor nos alerta, então, que “os imperativos pedagógicos não

deixam de ter influência sobre a prática do linguista, na medida em que se procura transmitir

um objeto-língua tão homogêneo quanto possível” (BAKHTIN, 2006, p. 17).

Percebe-se que a linguagem é concebida como uma forma de comunicação entre os

seres humanos, porém apenas em seu aspecto verbal, oral, do discurso que for produzido na

interlocução e manifesta-se por meio de textos e na sua forma escrita. Diferentemente da

visão dos PCNs, Bakhtin (2006) define a língua como expressão das relações e lutas sociais,

que veicula e sofre o efeito dessas lutas, e serve, ao mesmo tempo, de instrumento e de

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material de transformação social. A palavra é o signo ideológico que registra as variações das

relações sociais e tudo o que é ideológico remete a algo situado fora de si mesmo, e não

apenas a seu caráter comunicativo. Aliás, para Bakhtin (2006), a função central da linguagem

não é a expressão, mas a comunicação, porém a “comunicação verbal é sempre acompanhada

por atos sociais de caráter não verbal (gestos do trabalho, atos simbólicos de um ritual,

cerimônias) dos quais ela é muitas vezes apenas o complemento, desempenhando um papel

meramente auxiliar” (BAKHTIN, 2006, p. 126).

Sobre o eixo da língua escrita, os PCNs referem-se à construção de textos como

resultante da atividade discursiva, pois “o discurso possui um significado que se refere à

atividade comunicativa realizada numa determinada situação, abrangendo o conjunto de

enunciados que lhe deu origem e as condições nas quais foi produzido” (BRASIL, 1997b, p.

26). O documento compreende ainda que “leitura e escrita são práticas complementares que

se modificam mutuamente no processo de letramento” (BRASIL, 1997b, p. 52).

Porém, Soares (2008) nos lembra de que a língua escrita não é uma mera

representação da língua oral, como faz supor o documento: “a língua escrita não é, de forma

alguma, um registro fiel dos fonemas da língua oral [...], não se escreve como se fala”

(SOARES, 2008, p. 17). Na língua escrita é preciso explicitar muitos significados que na

língua oral são expressões verbais, e o processo de aquisição da escrita, definida pela autora

como alfabetização, não deve ser uma mera tradução do oral para o escrito, mas é essencial o

enfoque da língua escrita como “um meio de expressão/compreensão, com especificidade e

autonomia em relação à língua oral, e, ainda, aos determinantes sociais das funções fins da

aprendizagem da língua escrita” (SOARES, 2008, p. 18).

Para os PCNs, a produção de textos é resultante da atividade discursiva em constante

relação uns com os outros. E cabe à escola oportunizar práticas de ensino que possibilitem ao

aluno aprender a linguagem a partir da diversidade de textos, ou a partir de diferentes

“gêneros”, que é o termo usado para explicar a diversidade de tipologia de textos.

Na verdade, os gêneros discursivos, como nos diz Bakhtin, surgem em situações mais

complexas, tais como os romances, dramas, etc.: eles “surgem em condições de comunicação

cultural mais complexa, relativamente mais desenvolvida e organizada, sobretudo escritas”

(BAKHTIN, 1990, p. 250).

Ao se trabalhar com a interface entre a oralidade e a escrita, Bakhtin versa sobre a

análise do discurso, isto é, sobre análises que consideram que a prática social é constitutiva da

linguagem, e aqui a redução da dimensão interpessoal na escrita não pode ser sustentada. A

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linguagem, seja qual for sua modalidade de comunicação, é polifônica, pois incorpora o

diálogo, estabelecendo o enunciado; o enunciado, chamado por Kleiman (1995) de texto,

como unidade real da comunicação discursiva.

O dialogismo da linguagem e da polifonia do texto, a oralidade e a escrita podem ser

investigados não apenas da perspectiva da diferença, mas também da perspectiva da

semelhança, do compartilhado (KLEIMAN, 1995, p.29). Nesse sentido, a concepção

dialógica da linguagem nos permite pensar em outra dimensão para o ensino da escrita.

Assim, entender a linguagem oral e escrita de forma dialogada, substituindo as dicotomias

pela práxis escolar, significa a concepção dialógica da linguagem, que é uma visão diferente

da apresentada pelos PCNs.

O terceiro eixo, análise e reflexão sobre a língua, visa a uma melhor capacidade de

compreensão e expressão, em situações de comunicação tanto escrita como oral por parte do

aluno. Nisso se inclui a capacidade humana de refletir, analisar, pensar sobre fatos e os

fenômenos da linguagem e a propriedade que a linguagem tem de poder referir-se a si mesma,

de falar sobre a própria linguagem. Afirma o documento que o “objetivo principal do trabalho

da análise e reflexão sobre a língua é imprimir maior qualidade ao uso da linguagem”

(BRASIL, 1997b, p. 39). Para que isso se realize, as situações didáticas devem “centrar-se na

atividade de reflexão sobre a língua em situações de produção e interpretação como caminho

para tomar consciência e aprimorar o controle sobre a própria produção linguística”

(BRASIL, 1997b, p. 39), principalmente nos primeiros ciclos.

O tópico que trata sobre a alfabetização nos PCNs está contido no subitem “análise e

reflexão sobre a língua”, que versa sobre a análise linguística que toma determinadas

características da linguagem como objeto de reflexão. Refere-se à alfabetização como o

aprender a ler e escrever, e isso significa pensar sobre o que a escrita representa e como ela

representa graficamente a linguagem. Para o documento, a alfabetização divide-se em ler e

escrever: deve refletir sobre o sistema alfabético de escrita e descobrir o significado do

escrito.

Para o primeiro ciclo, de acordo com o documento, deve-se propor aos alunos que

leiam e escrevam, ainda que não ortograficamente, pois o foco está na escrita alfabética. Esses

conteúdos se baseiam em valores, normas e atitudes, de forma que se espera que os alunos os

adquiram ou os desenvolvam. Também se baseiam nos gêneros discursivos, em concordância

com a aprendizagem através da diversidade textual, especificando gêneros adequados para o

desenvolvimento da linguagem oral e da linguagem escrita (BRASIL, 1997b, p. 105).

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Os conhecimentos linguísticos serão adquiridos pelas práticas sociais mediadas pela

linguagem, pois “é pela mediação da linguagem que a criança aprende os sentidos atribuídos

pela cultura às coisas, ao mundo e às pessoas; é usando a linguagem que constrói sentidos

sobre a vida, sobre si mesmos, sobre a própria linguagem” (BRASIL, 1997b, p. 101). Para os

PCNs a aprendizagem, tanto sobre a linguagem verbal quanto sobre as práticas sociais em que

ela se realiza, ocorre por meio da troca interpessoal e aborda ainda que a “aprendizagem dos

alunos depende muito da intervenção pedagógica do professor” (BRASIL, 1997b, p. 102),

especialmente no primeiro ciclo, para que esse início seja a base da aprendizagem.

Cagliari (1998) afirma que o professor deve ser um mediador entre uma atividade e

um aluno que aprende, não somente nessa relação, pois os próprios alunos podem ser

mediadores uns dos outros quando trabalham juntos e compartilham conhecimentos. Para tal,

o professor deve dispor de conhecimentos sobre como o aluno conhece o sistema de escrita

que usamos.

De acordo com Vygotsky (2009), a atividade colaborativa de mediação entre aluno-

aluno e aluno-professor não anula, mas destaca a participação criadora da criança e serve para

medir o seu nível de desenvolvimento intelectual, no que diz respeito a começar a fazer

sozinha o que antes só fazia acompanhada, sendo ainda importante na verificação do processo

de ensino-aprendizagem. O suporte do adulto nos eventos de letramento é essencial, tanto no

processo de aquisição da oralidade como também na escrita, como elemento significativo.

Para Rojo (1998), adotar uma visão socioconstrutivista da construção do letramento e da

linguagem escrita significa repensar as relações entre a modalidade oral e escrita do discurso

nesse processo e afirmar o papel constitutivo da interação social para a construção da

linguagem.

Procuramos aqui apresentar de que forma os Parâmetros abordam a temática da

alfabetização e a inserção do aluno no mundo da leitura e da escrita. Convém salientar,

também, que são apenas orientações, tendo cada professor seu modo particular de conduzir

suas aulas. A seguir, traremos de que forma é tratada a alfabetização pelo documento da

esfera municipal, a proposta curricular de Goiânia.

4.2 – OS CICLOS DE FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO HUMANO EM

GOIÂNIA

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Conforme Arroyo (1999), a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) incorporou a

modalidade de ciclos de organização da educação básica no artigo 23 e mostrou que a

educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância

regular de períodos de estudo, grupos não seriados, entre outras modalidades. Aguiar (2009)

nos conta que o uso da terminologia “ciclos” é citado em alguns momentos na história da

educação brasileira. Em suas palavras, “Saviani (1999), ao tratar dos antecedentes históricos

da LDB nº. 9394, menciona a palavra ciclos indicando diferentes etapas de escolarização”

(AGUIAR, 2009, p. 29).

Para Aguiar (2009), a proposta de ciclos de formação pretende, além de possibilitar a

regularização do fluxo de alunos do Ensino Fundamental na sua trajetória escolar, “assegurar

o acesso aos conhecimentos básicos e necessários para a sua aprendizagem, sem interrupções

e retenções, implicando profundas mudanças na organização das propostas pedagógicas e nas

práticas dos professores” (AGUIAR, 2009, p. 36).

O ciclo não é um amontoado ou conglomerado de séries, nem uma simples receita

para facilitar o fluxo escolar, acabar com a reprovação e a retenção, não é uma

sequência de ritmos de aprendizagem. É mais do que isso. É uma procura, nada

fácil, de organizar o trabalho, os tempos e espaços, os saberes, as experiências de

socialização da maneira mais respeitosa para com as temporalidades do

desenvolvimento humano. (ARROYO, 1999, p. 158)

Recorremos a estudos como o de Aguiar (2009) para entender um pouco da história da

Rede Municipal de Educação desde a sua criação até o momento da implantação dos ciclos. A

Secretaria Municipal de Educação de Goiânia optou pela organização em ciclos de

escolarização por entender que essa forma é a que melhor atende à concepção de educação na

qual ela acredita.

Clímaco (2004) aponta que o Departamento Municipal de Educação, criado em 1969,

passou a ser denominada SME de Goiânia em 1961, uma instituição mantenedora das escolas

municipais, pois até então, desde a fundação de Goiânia, as escolas do município eram

mantidas pelo poder estadual. Na década de 90, houve no Brasil a expansão das propostas de

ciclos nas redes públicas de educação, processo que se iniciou nos anos 60 e chegou a Goiás

em 1988 com a implementação do Ciclo Básico de Alfabetização (CBA).

Em Goiânia, no ano de 1985, com base nas propostas dos outros estados (CLÍMACO

2004; AGUIAR, 2009), foi implantado o Bloco Único de Alfabetização (BUA), como medida

de contenção da reprovação dos alunos das séries iniciais. A etapa de alfabetização foi

estendida para dois anos, eliminando-se, nesse período a reprovação, entre a 1ª e 2ª série.

Conforme Aguiar (2009), o BUA visava incidir de forma direta sobre os índices de

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reprovação na 1ª série, compreendendo que a criança precisa de mais tempo para esses

estudos iniciais. Assim, ele “teve por objetivo possibilitar um período maior, ou seja, dois

anos, para o processo de alfabetização, permitindo o ingresso na escola da criança a partir dos

6 anos.” (AGUIAR, 2009, p. 46). Essa proposta vigorou por 12 anos e, no ano de 1997, foi

interrompida. Segundo dados da Proposta Política Pedagógica de Goiânia, de 1961 a 1998 a

organização do Ensino Fundamental no município de Goiânia baseava-se na seriação e, a

partir de 1998, implantou-se a organização em ciclos por meio do Projeto Escola para o

Século XXI (GOIÂNIA, 2012).

O Projeto Escola para o Século XXI continha as seguintes diretrizes: “melhoria da

qualidade do ensino, democratização do acesso do aluno ao sistema escolar e de sua

permanência nele; gestão democrática, além da valorização e capacitação profissional da

educação” (SILVA, 2009, p. 5). Tal proposta consistiu, assim, na reformulação completa da

organização e funcionamento das escolas municipais e trazendo outra concepção de

desenvolvimento e formação humana, sendo aplicada inicialmente apenas ao Ciclo I e em 40

escolas do universo de 134 escolas municipais na época.

A mudança da lógica de organização do sistema municipal, da seriação para o ciclo,

provocou repensar uma prática educacional que respeitasse “o tempo, o espaço, a vivência e a

cultura dos educandos, buscando a viabilização da sua inclusão social e a educação como

direito de todas as pessoas” (SILVA, 2009, p.5-6). Freitas (2004) nos aponta que os ciclos

estão inseridos no ambiente contraditório e tenso, que são os tempos e espaços da escola. “Os

ciclos propõem alterar os tempos e os espaços da escola de maneira mais global, procurando

ter uma visão crítica das finalidades educacionais da escola” (FREITAS, 2004, p. 11). Há,

portanto, uma permanente disputa em tais espaços que refletem as diferentes concepções de

educação, as diferentes finalidades educativas atribuídas.

Em 1999 e 2000 foi elaborado o documento “Diretrizes Curriculares para o Ensino

fundamental da Rede Municipal de Ensino”. Tal documento revela as concepções de

educação e as finalidades educativas atribuídas à SME Goiânia. Essas diretrizes propõem que

a escola organize o currículo a partir de sua realidade, tendo como referência os objetivos

relacionados por disciplinas (GOIÂNIA, 2004). Em 2001, a SME, na perspectiva de

reorganizar o sistema de ensino, iniciou a última fase de implementação dos ciclos, com a

expansão do Ciclo II, em 2002, e do Ciclo III, em 2003. A organização foi proposta da

seguinte forma: o Ciclo I correspondendo à alfabetização de crianças a partir de seis anos de

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idade e 1ª e 2ª séries; o Ciclo II correspondendo à 3ª e 4ª séries; o Ciclo III à 5ª e 6ª séries e o

ciclo IV da 7ª à 8ª série.

Ainda no ano de 1999, o Ensino Fundamental da RME de Goiânia passou a ser de

nove anos, conforme a Lei 9394/96 (LDB) recomendava. E em 2001, a concepção de tempos

e ritmos de vida ganha maior ênfase, deixando de haver correspondência entre os ciclos e as

séries, passando a vincular-se com os tempos de vida do indivíduo. A organização que se

mantém até a atualidade é a seguinte: Ciclo I – corresponde ao período da infância – 6 a 8

anos – agrupamentos A, B e C (1º a 3º ano); Ciclo II – abrange a pré-adolescência – dos 9 aos

11 anos – agrupamentos D, E e F (4º a 6º ano); e Ciclo III – corresponde ao período da

Adolescência – 12 aos 14 anos – agrupamentos G, H e I (7º a 9º ano).

Nessa organização, “o sujeito educando deve ser o núcleo orientador de toda ação

pedagógica” (GOIÂNIA, 2004, p. 49), e a orientação é que o currículo tenha como cerne “os

valores que perpassam a lógica da ação humana e que constituem toda a prática cultural

educativa, sem desconsiderar os conhecimentos sistematizados historicamente e o papel da

instrução ao lado da formação” (GOIÂNIA, 2004, p. 50).

Em 2005, instituiu-se dentro do Departamento Pedagógico da SME uma comissão

com a finalidade de discutir as diretrizes curriculares em virtude da necessidade de uma

reavaliação periódica, tanto educacional quanto político-pedagógica. Essa comissão era

formada por professores e representantes da SME que reescreveram coletivamente as

diretrizes curriculares vigentes até então. Nesse mesmo ano, foi estabelecida a Avaliação de

Sistema, que “possibilitou a realização de ações pontuais quanto à garantia da aprendizagem

dos educandos, quais sejam o replanejamento e execução de um programa de formação

continuada aos profissionais, por meio dos GTs (Grupos de Trabalho e Estudo)” (GOIÂNIA,

2012, p. 182). Essa avaliação estabeleceu também a formulação da Ficha de Registro das

Aprendizagens dos Educandos, onde se incluiu o registro descrito e o registro quantitativo das

aprendizagens (GOIÂNIA, 2012).

Arroyo (1999) nos esclarece que, na proposta de Ciclos de Formação e

Desenvolvimento Humano, as idades da vida, da formação humana passam a ser o eixo

estruturante do pensar, planejar, intervir e fazer educativos, da organização das atividades, dos

conhecimentos, dos valores, dos tempos e espaços. “Trabalhar em um determinado tempo-

ciclo da formação humana passa a ser o eixo identitário dos profissionais da educação básica e

de seu trabalho coletivo e individual” (ARROYO, 1999, p. 158).

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Assim como Aguiar (2009), entendemos que a implantação dos Ciclos de Formação e

Desenvolvimento Humano nas escolas da Rede Municipal de Goiânia representou uma

proposta inovadora, promovendo significativas mudanças no cotidiano escolar. Sua

implantação e seu desenvolvimento revelam um novo paradigma da educação baseado nas

concepções de ser humano, mundo e educação, o que significa um longo e sistemático

processo de mudanças na RME de Goiânia.

4.3 – ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NAS DIRETRIZES CURRICULARES

DA SECRETARIA MUNICIPAL DE GOIÂNIA

As Diretrizes Curriculares da RME-Goiânia são resultado de um trabalho da reflexão

coletiva dos professores da rede participantes dos Grupos de Trabalho e Estudo (GTE) e da

Comissão de Currículo, formada por representantes das, na época denominada, Unidades

Regionais de Educação (URE), Divisão da Educação Fundamental da Infância e Adolescência

(DEFIA) e Centro de Formação dos Profissionais da Educação (CEFPE), no período de

agosto de 2005 a setembro de 2006. Esse processo de construção coletiva foi considerado

pertinente para orientar a construção curricular de cada unidade educacional em seus

diferentes contextos socioeducacionais.

Já em sua apresentação, as Diretrizes Curriculares para Educação Fundamental da

Infância e da Adolescência de Goiânia trazem uma concepção de currículo aberto, flexível,

em uma perspectiva crítica e assumem como eixo estruturante a concepção de linguagem da

teoria histórico-cultural. A teoria histórico-cultural defendida na proposta da Secretaria

Municipal de Educação (SME) de Goiânia baseia-se na teoria de Vygotsky (2009) sobre o

pensamento e a linguagem. Trata-se de uma atividade de fundo social na qual o homem se

forma e interage com seus semelhantes e seu mundo numa relação de troca. A relação entre o

homem e o mundo passa pela mediação do discurso, pela formação de ideias e pensamentos

através dos quais o homem apreende o mundo e atua sobre ele, “recebe a palavra do mundo

sobre si mesmo e sobre ele-homem, e funda a sua própria palavra sobre esse mundo”

(VYGOTSKY, 2009, p. 12).

No capítulo 1, denominado “Educação e Escolarização”, as Diretrizes explicitam as

concepções de educação, de escola e função da escola e afirmam como objetivo da escola a

formação integral dos alunos e mostram que esta contribui para o exercício da cidadania.

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Além disso, o documento trata a educação a partir de um viés histórico-cultural, ao defini-la

como “compreensão das relações que os homens estabelecem entre si e com a natureza”

(GOIÂNIA, 2009, p. 23) que deve proporcionar a compreensão dos fenômenos sociais,

históricos e culturais com objetivo de romper os mecanismos que dificultam ou impedem a

permanência e o sucesso do aluno na escola.

A escola é concebida como lócus, e os educandos são entendidos como sujeitos de

direitos, que “aprendem a conviver, debater, questionar, analisar o mundo vivido, estabelecer

relações, sintetizar, articular o pensamento próprio” (GOIÂNIA, 2009, p. 24). A SME

Goiânia, nessa perspectiva, entende a escola como um local que vai além de repassar e

transmitir informações ou conteúdos. O termo informação é visto como instrumento no

processo de aquisição e construção do conhecimento. Para transmitir essas informações, é

necessária a intervenção/ação pedagógica que “possibilite a seleção, a crítica e o

estabelecimento de relações entre os conteúdos da informação” (GOIÂNIA, 2009, p. 24).

Essa mediação é, no caso, realizada pela ação pedagógica do professor.

É importante ressaltar que essas diretrizes reconhecem que a escola não é o único

lugar de aprendizagem dos conhecimentos historicamente sistematizados, porém há a

percepção de que para a grande maioria de seus educandos, que pertencem às classes

populares da sociedade goianiense, ela representa o único lugar dessa aprendizagem e devido

a esse fato, ela não pode se furtar em proporcionar uma “formação geral básica – capacidade

de ler, escrever, formação estética e ética” (GOIÂNIA, 2009, p. 24).

As Diretrizes Curriculares definem como categoria para o ensino-aprendizagem nos

Ciclos, a linguagem, entendida como processo histórico de construção coletiva que possibilita

a interação entre sujeitos que compartilham um mesmo espaço e tempo entre sujeitos que

favorece a compreensão, a atuação e intervenção da sociedade. O documento estabelece que

linguagem e educação são indissociáveis e define claramente que a função precípua da escola

da SME Goiânia é “desenvolver a leitura e escrita, nas diversas áreas do conhecimento”

(GOIÂNIA, 2009, p. 24).

Utilizando o conceito de linguagem de Bakhtin (1995), a partir do qual esta é vista

como um processo de construção coletiva, social e histórica da sociedade sobre a língua

enquanto expressão, a RME-Goiânia afirma que é necessário dominar essa linguagem e

internalizá-la para que possa funcionar como instrumento de organização do conhecimento.

Segundo o próprio documento, “torna-se necessário dominar essa linguagem para facilitar as

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relações sociais, proporcionar ao aluno diferentes formas de ver, pensar o mundo em que vive

e nele interagir, conquistando seu próprio espaço” (GOIÂNIA, 2009, p. 24).

Mais adiante, no capítulo que trata sobre o conceito de infância, retomamos a

categoria linguagem, valorizada em suas diversas formas de manifestações, explicitada nos

gestos, brincadeira, desenho, fala e escrita. Nessa perspectiva, a linguagem é o mais

importante instrumento cultural independentemente se a criança irá conseguir ou não dominar

a palavra, entendida como instrumento psicológico. Vygotsky em seus estudos dedica uma

atenção especial à linguagem, considerando-a o sistema fundamental que organiza os signos

em estruturas complexas, pois ela forma, organiza e comunica o pensamento.

A compreensão de linguagem pelas Diretrizes Curriculares da RME-Goiânia extrapola

a simples aquisição da leitura e da escrita, para além dos processos metacognitivos. Um

processo metacognitivo ocorre, na verdade, quando há “separação do produto escrito de seu

autor, do tempo e do local de sua criação” (KLEIMAN, 1995, p. 154), quando há separação

do signo de significado e torna-se um pensamento descontextualizado da experiência do

sujeito. Ao contrário, a compreensão de linguagem expressa no documento percebe esta como

atividade sociointerativa. Assim, ela não se apresenta por meio de palavras ou bases isoladas,

mas por meio de situações sociocomunicativas, ou seja, a linguagem como base

possibilitadora de comunicação adquirida pela mediação entre a variedade linguística do

educando e o conhecimento sistematizado.

A linguagem defendida na proposta da RME-Goiânia baseia-se nos estudos de

Vygotsky (2002) como elemento importante na formação humana, pois permite a construção

de conceitos e o desenvolvimento das estruturas complexas, as quais Vygotsky caracteriza

como processos psicológicos superiores. Para o autor, a linguagem é o sistema fundamental

que organiza os signos em estruturas complexas, com papel importante na formação das

características humanas, pois a linguagem forma, organiza e comunica o pensamento, ou seja,

constitui-se em recurso para construção de conceitos, instrumentalizando o pensamento

mediante generalizações e abstrações conceituais.

Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares caracterizam a infância como um período de

mudanças significativas na interação social, de modo que

a criança é reconhecida como um ser ao mesmo tempo individual e social. Ela tem a

capacidade de questionar, raciocinar, opinar, imaginar, fazer escolhas, a partir das

múltiplas relações com o outro e a cultura; de reagir, aceitando, expressando-se,

diferenciando-se ou igualando-se, num movimento que é permeado por tensões,

rupturas e mudanças, ao qual lhe possibilita definir sua identidade, sua forma de

pensar, sentir e agir no mundo. (GOIÂNIA, 2009, p. 65)

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Para Vygotsky (2014), é na infância que a criança realiza um trabalho de construção e

criação de conceitos. Desde o nascimento, as crianças estão em constante interação com os

adultos, que ativamente procuraram incorporá-las à sua cultura e à reserva de significados e

de modos de fazer as coisas que se acumulam historicamente. É através dessa interiorização

dos meios de operação das informações, meios estes historicamente determinados e

culturalmente organizados, que a natureza social das pessoas tornou-se igualmente sua

natureza psicológica.

Influenciado por Marx, Vygotsky (2014) concluiu que as origens das formas

superiores de comportamento consciente deveriam ser achadas nas relações sociais que o

indivíduo mantém com o mundo exterior. Mas o ser humano não é apenas um produto de seu

ambiente, é também um agente ativo no processo de criação desse meio. Assim, Vygotsky

(2004) considera que a imitação não é apenas uma cópia de um modelo, uma criança não é a

cópia dos adultos, mas nessa relação social com os adultos reconstrói aquilo que observa.

Portanto, as Diretrizes Curriculares valorizam e norteiam sua proposta nos conceitos

sobre a linguagem reconhecida na teoria histórico-cultural como ferramenta de constituição e

transformação do indivíduo.

É com base nessa forma de entender a linguagem que as Diretrizes Curriculares da

RME-Goiânia defendem o princípio da interdisciplinaridade como constitutivo do trabalho

pedagógico nos Ciclos de Formação. “O trabalho pedagógico nas diversas áreas de

conhecimentos é fundamental no processo de escolarização, na medida em que essas

proporcionam aos alunos diferentes ângulos de análise da realidade” (GOIÂNIA, 2009, p.

43). Portanto, o documento valoriza e reconhece que cada área do conhecimento tem sua

especificidade, com linguagens e saberes próprios, de tal forma que essas disciplinas escolares

sejam interdependentes e complementares que integram o conhecimento para explicação dos

fenômenos e compreensão da realidade pelos educandos. “A proposta curricular

interdisciplinar não existe por si só, ela é construída no fazer, é instituída por uma prática que

mobiliza e estimula comportamentos e atitudes nas ações cotidianas” (GOIÂNIA, 2009, p.

44).

O capítulo 4 das Diretrizes Curriculares ressalta a importância das diversas áreas do

conhecimento para análise e compreensão da realidade no desenvolvimento dos alunos.

Considera que as diferentes disciplinas são importantes no processo educacional com papéis

definidos, mas não fragmentados. Nele, são estabelecidos os objetivos de cada componente

curricular e há uma conexão com o capítulo 6, “Conteúdos Escolares”, no qual são

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apresentados os aspectos a serem considerados na seleção dos conteúdos. Os conteúdos

escolares no documento são entendidos como saberes que devem ser constantemente

repensados, ressignificados e reconstruídos e incluem comportamentos, valores, atitudes e

habilidades de pensamento.

Aprender requer uma atividade intelectual. O estudante se engaja em atividades que

lhe conferem um sentido. Quando o motivo e o objetivo da atividade coincidem, esta faz mais

sentido e ele sente prazer ao desenvolvê-la e mais ainda ao atingir o objetivo. A

sistematização é um processo complementar da distanciação-objetivação. A sistematização

dos conteúdos é a ligação do objeto pensado, distanciado, objetivado com sistemas, definido

pelo conjunto de relações que ele mantém com outros conceitos, e não por ligação direta com

um referente. A sistematização é que permite construir disciplinas.

A proposta da SME Goiânia busca a formação integral do educando e vai além da

aquisição e construção de conhecimentos sistematizados. Ela reforça o papel da escola como

instituição social que viabiliza a socialização das informações e dos instrumentos culturais por

meio do desenvolvimento de conceitos e da linguagem para a estruturação do pensamento,

características importantes nas diversas fases do desenvolvimento humano.

Para o desenvolvimento dessa formação integral, “cabe ao coletivo de professores

efetivar esta articulação entre as áreas, por meio de projetos, temas geradores, eixos temáticos

ou áreas afins, de acordo com a proposta político-pedagógica de cada unidade educacional”

(GOIÂNIA, 2009, p. 44). Dessa forma, as Diretrizes Curriculares não impõem conteúdos, não

definem projetos ou intervêm nos conhecimentos a serem transmitidos, mas viabilizam

elementos epistemológicos para a configuração curricular a ser definida por cada escola,

elementos baseados na sua realidade e em condições objetivas. Ela dá ao professor um papel

de extrema importância, pois cabe a ele ser o mediador e o articulador da proposta de ensino.

Para Vygotsky, o que importa é que o ensino tenha sentido. Para relacionar-se ao

mundo como objetos de pensamento são fundamentais os processos de distanciação-

objetivação e de sistematização. A distanciação possibilita ao aluno sair do mundo subjetivo

das emoções e dos sentimentos e pôr o mundo como objeto a ser pensado. Esse processo de

distanciação-objetivação só é possível graças à linguagem, pois somente pela linguagem

podem existir objetos de pensamento e um sujeito racional para pensá-los (VYGOTSKY,

2009). Em outras palavras, a distanciação possibilita ao aluno sair do mundo subjetivo e ir

para o mundo objetivo a ser pensado (objetivação), e esse processo se dá por meio da

linguagem. A sistematização se refere à função comunicativa, à preservação, à transmissão e à

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assimilação de informações e experiências acumuladas pela humanidade ao longo da história.

É justamente pela sua função comunicativa que o indivíduo se apropria do mundo externo,

pois é pela comunicação estabelecida na interação que ocorrem “negociações”,

reinterpretações das informações, dos conceitos e significados. E é na escola, pela mediação

do professor, que a linguagem deve ser utilizada para construir objetos de pensamento

diferentes dos objetos de vivência.

No que tange à alfabetização, as Diretrizes Curriculares da RME-Goiânia

fundamentam-se na ideia de que todos os componentes curriculares devem colaborar na

construção da compreensão de sentidos e significados relacionados com a leitura e a escrita,

seus usos e suas funções sociais. Ou seja, não só os(as) professores(as) alfabetizadores(as) ou

de Língua Portuguesa são “responsáveis” por desenvolver práticas pedagógicas com vistas ao

letramento. A efetivação disso requer trabalho pedagógico coletivo, interdisciplinar e

articulado. Nessa perspectiva, “[...] professores de todas as disciplinas, e não apenas os de

Língua Portuguesa, devem participar deste processo. Entende-se, assim, que ensinar a ‘ler e

escrever’ é dever e função social da escola e aprender a ‘ler e escrever’ é direito de todos”

(GOIÂNIA, 2009, p. 25).

Para as Diretrizes Curriculares de Goiânia,

a alfabetização é concebida como possibilidade de interação com o mundo por meio

da língua escrita. Esta permite ao educando ampliar e rever sua maneira de entender

o mundo e de representá-lo. Conhecer bem o sistema gráfico não é o mesmo que

fazer uso da escrita, pois apropriar-se da língua escrita é entender a leitura e a escrita

como atividades socialmente significativas. Alfabetizar, portanto, é um desafio, pois

há muito mais complexidade na aquisição da escrita do que um simples processo

mecânico de decodificação. (GOIÂNIA, 2009, p. 67)

Tal definição implica a posse do conhecimento pelo domínio dos signos, que passa

também pelo domínio da linguagem como uma forma de poder, pois envolve a capacidade de

participar da construção cultural e social, uma vez que “a alfabetização eficaz supõe colocar

os indivíduos às portas do poder, o que implica a posse do conhecimento pelo domínio da

linguagem” (GOIÂNIA, 2009, p. 24).

Segundo Soares (2012), o sujeito que se alfabetiza precisa compreender por que e para

que utiliza a escrita; ele precisa conhecer as funções sociais e reconhecer que ela é produto e

produtora de significados. Portanto, a visão sobre o conceito de alfabetização pela RME-

Goiânia não restringe à simples decodificação de letras e palavras ou ao aspecto gráfico da

língua escrita, mas percebe a alfabetização como uma expressão gráfica da linguagem, de

modo que o uso das letras para formar sílabas, palavras, frases são uma forma de

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representação da fala e do pensamento, que podem ser utilizadas em diversas práticas sociais

de uso da escrita.

É importante observar que as Diretrizes mostram que “não basta alfabetizar, é preciso

promover o letramento” (GOIÂNIA, 2009, p. 25). Elas apontam para o processo de

letramento, reconhecem que alfabetização e letramento são processos distintos, mas

interligados, de modo que a proposta da RME-Goiânia deve ser a de alfabetizar letrando. O

documento, nesse sentido, alinha-se à definição de letramento priorizada nos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs)/Língua Portuguesa:

O letramento é entendido como produto da participação em práticas sociais que

usam a escrita como sistema simbólico e [como] tecnologia. São práticas discursivas

que precisam da escrita para torná-las significativas, ainda que às vezes não

envolvam as atividades específicas de ler ou escrever. (BRASIL, PCN/Língua

Portuguesa, 1998, p. 30)

Nessa concepção, o letramento permite ao sujeito envolver-se de modo prático e

objetivo com seu contexto social, e não apenas de forma funcional, pois como prática social

permite utilização do discurso e do texto escrito, com sentido, amplia suas possibilidades de

atuação e intervenção na sociedade. Assim, “nessa concepção de interação do sujeito com a

sociedade, o ato de produzir textos compreende tanto a elaboração como a organização de

sentidos para aquele que escreve e para aquele que lê” (GOIÂNIA, 2009, p. 25).

O documento entende que o compromisso social da escola implica “valorizar a

cultura, os saberes individuais e coletivos, incentivar as práticas democráticas” (GOIÂNIA,

2009, p. 25) e, para isso, ensinar a ler e a escrever deve ir além de decifrar e decodificar o

código alfabético. Ensinar a ler e a escrever, sob a ótica do letramento, é dever e função social

da escola que “propicia ao sujeito a capacidade de selecionar entre muitas informações,

aquela que realmente é relevante em determinado contexto” (GOIÂNIA, 2009, p. 25).

Nas Diretrizes Curriculares de Goiânia, o termo letramento é mais presente. Há um

enfoque maior quando relacionado à linguagem enquanto prática discursiva e há um discurso

sobre a responsabilidade de todas as áreas do conhecimento que se envolvem nesse processo.

Porém, não há relações diretamente estabelecidas com a Educação Física. Na verdade, há

orientações epistemológicas voltadas apenas para a aprendizagem da habilidade de leitura e

produção de textos nos variados gêneros linguísticos e como responsabilidade de todas as

disciplinas, uma vez que

no processo de alfabetização é importante que o educando se expresse

constantemente na língua escrita, ainda que não conheça totalmente o código

convencional, pois ao escrever irá adquirindo maiores conhecimentos sobre a língua

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com mediação do educador. É relevante que todas as atividades, principalmente as

coletivas, sejam transformadas em momentos de produção escrita, para que ele

perceba esta forma de representação. (GOIÂNIA, 2009, p. 68, grifo nosso)

Tendo a linguagem como base articuladora entre as diversas áreas do conhecimento,

percebe-se novamente a grande responsabilidade que é atribuída ao professor da SME

Goiânia no trabalho com a alfabetização e o letramento dos educandos e a relevância que no

sentido de que todas as disciplinas escolares estejam voltadas para esse processo, pois “desta

forma o trabalho coletivo dos professores numa perspectiva interdisciplinar enriquece os

processos de aprendizagem e ensino” (GOIÂNIA, 2009, p. 68). Assim,

o ensino deve ser pautado na ação do educando em atividades reflexivas, mediadas

pelo educador, para que possibilite a criação de novas conexões e estruturas mentais,

transformando ou ampliando conceitos que poderão ser aplicados na aquisição de

outros conhecimentos, propiciando, assim, o desenvolvimento de capacidades

cognitivas. (GOIÂNIA, 2009, p. 68)

Nesse sentido, a proposta da RME quanto ao desenvolvimento da aprendizagem é

baseada na intervenção do professor que norteia o desenvolvimento potencial do aluno. Tal

teoria é desenvolvida por Vygotsky, denominada zona de desenvolvimento potencial. Para

Vygotsky (2009) é um estágio em que a criança traduz no seu desenvolvimento imediato os

novos conteúdos e as novas habilidades adquiridas no processo de ensino-aprendizagem, em

que ela revela que pode fazer hoje o que ontem não conseguiu fazer. Trata-se de um estágio

do processo de aprendizagem em que o aluno consegue fazer sozinho o que antes fazia com

auxílio do professor.

A proposta de aquisição da leitura e escrita da RME-Goiânia enfatiza a função social

da escrita com foco na produção de textos e leitura de diversos gêneros textuais. “O texto

passa a ser o centro do trabalho com a alfabetização e com a língua, pois é nele que a palavra

tem significado e, dependendo do contexto, diferentes sentidos” (GOIÂNIA, 2009, p. 25).

No que se refere à produção de textos, cabe ao educador desenvolver um trabalho

sistemático de acompanhamento do processo de produção de seus educandos, de

modo a fazê-los compreender que, para se inserirem-se na sociedade e na tradição

cultural escrita, eles precisam aprender a ser sujeitos dessa linguagem, ou seja,

devem ser capazes de produzir textos escritos que expressam intencionalidade, que

sejam adequados à situação sociocomunicativa e às convenções de textualidade

vigentes. (GOIÂNIA, 2009, p. 53)

Destaca-se, assim, nessa passagem a valorização do trabalho do professor como

mediador e orientador do processo de produção da leitura e escrita, bem como a variedade

linguística defendida no documento, que considera a dupla natureza da linguagem: sua sintaxe

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e semântica e também suas propriedades como sistema de comunicação e expressão. Ou seja,

não se adotam técnicas de ensino, mas maneiras de abordar os textos e de desenvolver

atividades de linguagem, segundo as necessidades do educando. As Diretrizes Curriculares

entendem que o conhecimento das variedades linguísticas e o reconhecimento dos efeitos de

sentidos decorrentes da língua para a intenção comunicativa são mais importantes que o

estudo do signo/código alfabético por si só.

Dentro da proposta das Diretrizes Curriculares, percebemos que o conceito de

linguagem extrapola a simples aquisição de vocabulário, mas possibilita o desenvolvimento

da imaginação, da memória, do planejamento da ação. “A linguagem sistematiza a

experiência direta da criança, por isso tem uma função central no desenvolvimento cognitivo”

(GOIÂNIA, 2009, p. 68). Nesse sentido, a Educação Física nos Ciclos de Formação e

Desenvolvimento Humano da SME Goiânia não é vista como uma simples atividade prática,

mas compreendida como conhecimento necessário à formação do educando, “essencial para

este perceber-se como indivíduo com liberdade de expressão, que estabelece relações com os

outros e com seu próprio corpo” (GOIÂNIA, 2009, p. 48). Ou seja, o corpo como

possibilidade de comunicação e linguagem.

4.4 – A EDUCAÇÃO FÍSICA NAS DIRETRIZES CURRICULARES DA

SECRETARIA MUNICIPAL DE GOIÂNIA

A Educação Física inserida nas Diretrizes Curriculares tem por objetivo “ampliar a

compreensão dos educandos acerca do corpo e de seus significados biológicos, culturais e

sociais” (GOIÂNIA, 2009, p. 47). Assim, ela deve desenvolver “conhecimentos da cultura

corporal, objetivando formar sujeitos autônomos e capazes de conduzir a sua autoeducação

corporal no contexto social em que vivem” (GOIÂNIA, 2009, p. 48).

O documento utiliza o termo “cultura corporal”, retratado na obra Metodologia do

ensino de Educação Física, publicada em 1992, por um grupo de pesquisadores,

tradicionalmente, denominados por Coletivo de Autores, que compreende a Educação Física

escolar como uma disciplina que trata, pedagogicamente, de um tipo de conhecimento

denominado cultura corporal, visando à aprendizagem da expressão corporal como

linguagem.

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Dessa forma, o ponto de partida para a Educação Física no Ciclo I da SME Goiânia

deve versar sobre os saberes da cultura corporal constituídos historicamente, “referenciados

nas ginásticas, nos jogos e brincadeiras, nos esportes, nas danças e linguagens corporais

expressivas, nas lutas e na exploração de movimentos que conferem identidade à Educação

Física” (GOIÂNIA, 2009, p. 48). Não há no documento nenhuma alusão que cabe à Educação

Física o comprometimento com o registro da escrita, porém afirma que cabe a todos os

professores, de todos os componentes curriculares, colaborarem na construção da

compreensão de sentidos e significados relacionados com a leitura e a escrita, seus usos e suas

funções sociais. Assim, são valorizados os saberes da cultura corporal constituídos

historicamente pela Educação Física como mediação pedagógica que devem ser ensinados em

contextos interdisciplinares na escola. Desse modo, “a prática pedagógica da Educação Física

exige ações que fortaleçam o Ciclo de Formação e Desenvolvimento Humano, sobretudo na

utilização do tempo pedagógico, no desenvolvimento de metodologias de ensino e na

avaliação” (GOIÂNIA, 2009, p. 49).

As ações pedagógicas da Educação Física deverão pautar-se em atitudes reflexivas,

coletivamente construídas, numa metodologia estruturada por meio da “ação-reflexão-ação

em todo o processo pedagógico, na construção e reconstrução dos saberes” (GOIÂNIA, 2009,

p. 48). Para tanto, as Diretrizes entendem que a aula de Educação Física deve ser concebida

como um espaço no qual ocorrem ensino e aprendizagem, no qual se estabelecem inter-

relações entre os saberes da cultura escolar e questões que envolvem a realidade sociocultural

dos educandos. Nessa perspectiva,

as aulas devem ser estruturadas por meio de processos tematizadores, levando o

educando a tomar contanto com as diferentes interações estabelecidas entre a escola

e a realidade social, vivenciando, problematizando, construindo, criando e recriando

experiências concretas e significativas para sua vida pessoal e coletiva. (GOIÂNIA,

2009, p. 48)

O processo de tematização das aulas está consubstanciado na tendência pedagógica

crítico-superadora desenvolvida na obra do Coletivo de Autores (1992). A tendência crítico-

superadora subsidia-se na abordagem histórico-crítica de Saviani (2008) que passou a

questionar o caráter alienante da Educação Física na escola, propondo um modelo de

superação das contradições e injustiças sociais elaborados em pressupostos teóricos de

referencial crítico e tendência marxista. Assim, uma Educação Física crítica estaria atrelada às

transformações sociais, econômicas e políticas, tendo em vista a superação das desigualdades

sociais. A tematização das aulas implica um processo que aproxima o aluno da percepção da

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totalidade das suas atividades, uma vez que lhe permite “articular uma ação (o que faz), com o

pensamento sobre ela (o que pensa) e com o sentido que dela tem (o que sente)” (COLETIVO

DE AUTORES, 2002, p. 86). Assim, conforme os autores, para organizar e selecionar os

conteúdos sobre o conhecimento da Educação Física deve-se analisar a origem do conteúdo e

conhecer o que determinou a necessidade do seu ensino e, por isso, exige coerência com o

objetivo de promover a leitura da realidade.

De acordo com esta proposta, educar exige dos educadores novos compromissos

com a ação pedagógica, materializados no planejamento coletivo, na organização

integrada de saberes, na reflexão sistematizada das práticas e na avaliação, numa

perspectiva de totalidade, pautada em teorias, procedimentos e vivências, integrados

ao projeto político-pedagógico da escola, que possibilitem a formação social e

crítica dos educandos. (GOIÂNIA, 2009, p. 49)

Percebe-se que a proposta das Diretrizes Curriculares da SME Goiânia é pautada

sempre em processos coletivos plenamente articulados e interdisciplinares, no qual a função

do professor é promover estratégias mediadoras e estabelecer relações entre a atualidade do

saber e a sua gênese histórica adequada aos níveis diferenciados de complexidade dos Ciclos

de Formação. Nessa mediação, o professor deve valorizar a linguagem do aluno e, ao mesmo

tempo, possibilitar-lhe os saberes constitutivos da cultura corporal, entendida como

linguagem, com atividades significativas e contextualizadas, permitindo que o aluno

confronte os conhecimentos do senso comum com o conhecimento científico, para ampliar o

seu acervo de conhecimento e propiciar a leitura da realidade.

4.5 – O PROGRAMA NACIONAL DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA

Preocupações com a alfabetização, com a prática de leitura e escrita e com a formação

de leitores e escritores vêm sendo constantes na contemporaneidade. Em nosso país, o

Governo Federal, as universidades e as escolas públicas unem-se para construir processos de

formação docente e ensino inicial da leitura e da escrita, como vivenciamos nos últimos dez

anos, com programas e de políticas de formação para o professor alfabetizador, como o

Programa de Professores Alfabetizadores (PROFA), Parâmetros Curriculares em Ação-

Alfabetização (PCN em Ação Alfabetização), Rede Nacional de Formação de Professores da

Educação Básica (RNFC/2003) e do Programa de Formação Continuada Pró-letramento

(LUCIO, 2013).

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Encontramos, nesse momento da Educação para o Ciclo I, essa preocupação intensa

com a prática da leitura e da escrita e ressaltamos que, no ano de 2012, a Rede Municipal de

Educação de Goiânia (RME) aderiu à mais nova política de alfabetização do Ministério da

Educação (MEC), o Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), instituído

em julho de 2012. Segundo a Portaria n.º 867, de 4 de julho de 2012 do MEC, o PNAIC tem

como principal finalidade, alfabetizar as crianças até, no máximo, os oito anos de idade, ou

seja, ao final do 3º ano do Ensino Fundamental (BRASIL, 2012), etapa que corresponde ao

Ciclo I. O PNAIC é uma das ações para se cumprir a Meta 5 (BRASIL, 2014, p.58) do projeto

de lei que trata sobre o Plano Nacional de Educação26

(PNE), que reforça esse aspecto ao

determinar a necessidade de alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os oito anos de

idade.

Conforme documento de orientações para a formação docente, para o alcance dos

objetivos do PNAIC, as ações do programa compreendem um conjunto integrado de

programas, materiais e referências curriculares e pedagógicas, disponibilizados pelo

Ministério da Educação, que contribuem para a alfabetização e o letramento. Essas ações são

complementadas por quatro eixos de atuação: I – Formação de Professores, através de curso

presencial de dois anos para os professores alfabetizadores, com carga horária de 120 horas

por ano, com base no programa Pró-Letramento, cuja metodologia propõe estudos e

atividades práticas; II – Materiais Didáticos e Pedagógicos, que correspondem aos jogos

pedagógicos, obras de referência, de literatura e de pesquisa (entregues pelo PNBE) e o

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD); III – Avaliações, que é a efetivação do

processo de formação averiguada através da frequência, das atividades realizadas e do

monitoramento, bem como autorização para recebimento de bolsas27

de estudo e pesquisa aos

participantes da formação continuada no âmbito do pacto e registros de índices nos sistemas e

avaliações externas (Provinha Brasil e Avaliação Nacional da Alfabetização – ANA); e IV -

Controle Social e Mobilização, referem-se à articulação das esferas governamentais e

institucionais que aderirem ao pacto e ao sistema de monitoramento disponibilizado pelo

MEC, destinado a apoiar as redes e a assegurar a implementação de diferentes etapas do

pacto.

26 O Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, instituído através da Lei nº 13.005/2014, traz dez diretrizes

políticas educacionais para o país, entre elas a erradicação do analfabetismo, a melhoria da qualidade da

educação, além da valorização dos profissionais de educação (BRASIL, 2014).

27 O recebimento de bolsas de estudo corresponde ao pagamento em valor monetário de uma gratificação aos

participantes do Programa. Esses valores variam entre duzentos reais – professor alfabetizador a dois mil reais –

coordenador-geral da Instituição de Ensino Superior responsável pela formação, conforme previsto na Portaria nº

90, de 6 de fevereiro de 2013 (BRASIL, 2015).

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O eixo principal do PNAIC é a formação continuada dos professores alfabetizadores.

A execução da ação de formação de professores respalda-se na Política Nacional de Formação

de Profissionais do Magistério da Educação Básica, instituída pelo Decreto nº 6.755, de 29 de

janeiro de 2009.

A formação continuada como política nacional é entendida como componente

essencial da profissionalização docente, devendo integrar-se ao cotidiano da escola,

e pautar-se no respeito e na valorização dos diferentes saberes e na experiência

docente. Logo, a formação continuada se constitui no conjunto das atividades de

formação desenvolvidas ao longo de toda a carreira docente, com vistas à melhoria

da qualidade do ensino e ao aperfeiçoamento da prática docente. (BRASIL, 2015, p.

3)

Segundo Lucio (2013), o PNAIC desvela, por meio de seus eixos estruturantes, a

apresentação de uma “ampla reflexão teórica sobre a alfabetização e os caminhos para

utilização em sala de aula dos jogos pedagógicos, acervos do Programa Biblioteca em sua

Casa (PNBE) e do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)” (LUCIO, 2013, p.115),

assim como uma reflexão sobre o trabalho com o sistema de escrita, que é o alicerce do

programa. Também traz fundamentações e reflexões sobre os conceitos de alfabetização e

letramento, currículo, rotina, planejamento, ludicidade, literatura, biblioteca escolar e o ensino

da língua portuguesa na alfabetização.

O PNAIC é um acordo formal entre o Governo Federal, estados e municípios que

assegura às Instituições de Ensino Superior (IES) a responsabilidade pela formação e o

pagamento de bolsas de estudo e pesquisa à equipe de formação, observando-se critérios

estabelecidos na legislação vigente para a seleção dos perfis que compõem as funções de

coordenadores, supervisores e formadores, além da composição das turmas de professores

alfabetizadores. Assim, esse programa é estruturado em forma de rede, “uma formação em

rede que impacte todas as redes estaduais e municipais de educação, pois entrelaça fios de

uma política responsável e as vozes e os saberes docentes de professores alfabetizadores e

formadores” (LUCIO, 2013, p. 115), ou, como explicitado pela autora, trata-se de uma

formação que segue as características de um modelo em cascata, no qual um primeiro grupo

de profissionais é capacitado e transforma-se em capacitador de um novo grupo que, por sua

vez, capacita um grupo seguinte.

O programa tem como objetivo desenvolver ações que estimulam a ação reflexiva do

professor sobre o tempo e o espaço escolar baseados em cinco princípios centrais que orienta

a proposta:

1) Currículo inclusivo, que defende os direitos de aprendizagem de todas as

crianças, fortalecendo as identidades sociais e individuais; 2) Integração entre os

componentes curriculares; 3) Foco na organização do trabalho pedagógico; 4)

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Seleção e discussão de temáticas fundantes em cada área de conhecimento; 5)

Ênfase na alfabetização e letramento das crianças. (BRASIL, 2015, p. 15, grifo

nosso)

Observa-se nos grifos da citação acima que um dos princípios do programa é a

“integração entre os componentes curriculares” e a “seleção e discussão de temáticas

fundantes de cada área do conhecimento”. Ao mesmo tempo, a proposta destaca o trabalho

do/a professor/a alfabetizador/a (possivelmente do/a pedagogo/a), ao dar mais ênfase ao

trabalho pedagógico a ser realizado pelo/a professor/a alfabetizador/a no trato da leitura e

escrita, já que é esse(a) o(a) profissional convocado(a) a participar da formação continuada

com vistas a dinamizar a prática pedagógica para o cumprimento do “pacto”. No entanto, a

proposta reconhece que o “ensino da leitura, da escrita e da oralidade precisa ser realizado de

modo integrado aos diferentes componentes curriculares: Língua Portuguesa, Arte, Educação

Física, História, Geografia, Matemática, Ciências” (BRASIL, 2012, p. 26). Ou seja, tem como

princípio a integração entre os componentes curriculares, porém exclui do processo de

formação do PNAIC os professores de outras áreas do conhecimento, como, no caso, o

professor de Educação Física que atua nas salas de alfabetização na escola.

Considera-se professor alfabetizador, para fins de participação da Formação e

recebimento de bolsa de estudo, o profissional que atenda aos seguintes requisitos

cumulativos:

I – estar cadastrado no Censo Escolar do ano anterior no momento da constituição

da turma de professores alfabetizadores; Secretaria de Educação Básica;

II – estar no exercício da função docente em turmas do 1º, 2º, 3º ano do Ensino

Fundamental e/ou nas classes multisseriadas ou multietapa que possuem alunos

desses anos.

Parágrafo único. O professor regente em efetivo exercício no 1º, 2º ou 3º ano ou em

turmas multisseriadas ou multietapa que não estiver computado no Censo Escolar do

ano anterior, poderá participar do programa, porém sem direito a receber bolsa de

estudo ou pesquisa. (BRASIL, 2015, p. 7-8)

Ainda de acordo com o documento em questão, “os professores alfabetizadores são os

professores que atuam nas turmas de 1 º, 2º e 3º ano do Ensino Fundamental de 9 anos e

também professores de classes multisseriadas” (BRASIL, 2012b, p.20).

Encontramos aqui uma contradição com a proposta da RME. Nela se destaca que todas

as disciplinas curriculares devem estar envolvidas no processo de letramento, e as diretrizes

do PNAIC enfatizam apenas os professores, dito alfabetizadores, excluindo os de outras

disciplinas que, para nós e para a SME, também são importantes no processo de ensino

aprendizagem das crianças. À primeira vista, essa contradição pode apresentar-se de forma

pertinente, porém seria ingenuidade pensar a viabilização e acesso ao programa a todos os

professores, mesmo que fosse através de uma política pública, uma vez que o PNAIC é uma

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política pública nacional. Além disso, seu foco de atuação e operacionalização é com a

professora que atua diretamente com a alfabetização na escola; no caso de Goiânia, com a

professora pedagoga.

Assim, mesmo que seja imbuído aos outros professores dentro da escola o trabalho

com o letramento, como descrito nos objetivo das diretrizes da Rede Municipal de Educação,

é uma função secundária da Educação Física. Nesse sentido, são necessários estudos sobre a

presença ou não da Educação Física e de outras disciplinas nas políticas públicas do PNAIC,

uma vez que literatura pedagógica e discussões constituintes de teses e dissertações, devido ao

pouco espaço de tempo que o PNAIC foi proposto, são escassas no que diz respeito à temática

“Educação Física e Alfabetização e Leitura e Escrita e Educação Física”.

O material de formação para o professor é composto por dez cadernos, cada um com

um tema diferente. Cada volume é dividido em duas partes: a primeira traz o aporte teórico,

textos e reflexões sobre cada temática e possui atividades para os professores cursistas, e a

segunda traz relatos de experiências e sequências didáticas como exemplificação do que foi

estudado antes. O acervo teórico do material pedagógico do PNAIC merece destaque e

importância, sendo necessário um estudo aprofundado e específico sobre ele, porém

levantaremos nesta pesquisa apenas os aspectos relacionados à alfabetização, ao letramento e

à integração de disciplinas e saberes, que é o foco de nosso estudo.

O caderno 2 traz uma discussão acerca da temática “a criança no Ciclo de

Alfabetização” (BRASIL, 2015c) e tem como foco provocar, a partir de reflexões teóricas e

de relatos de experiência, um debate sobre a necessidade de desenvolver, no ambiente escolar,

uma ação pedagógica que possibilite às crianças a garantia de seus direitos, que é o de estar

alfabetizado(a) até os oito anos de idade, e o de preservar suas identidades sociais e suas

necessidades de aprender de forma lúdica e contextualizada.

O documento em questão faz também o levantamento e um apanhado histórico e traz

discussões sobre a concepção de criança, de infância e de educação, no campo da Sociologia,

da Psicologia e da Pedagogia até estabelecer suas concepções sobre a criança e a apropriação

da escrita. Nele, defende-se que a criança aprenda a ler e a escrever, mas também que brinque.

O aspecto do lúdico e do brincar tem um lugar de destaque no processo de aprendizagem da

leitura e da escrita, de modo que é preciso compreender sua importância no desenvolvimento

da criança e no seu processo educativo. Nesse sentido, “a ludicidade passa a ser reconhecida

como ação necessária à fruição infantil, e não somente como recurso pedagógico para

atividades pedagógicas” (BRASIL, 2015c, p. 23).

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O caderno 2 trata ainda o conceito de ludicidade, do lúdico e do brincar tomando como

referência os autores de diferentes matrizes teóricas que defendem a ludicidade como base

para a aprendizagem, como Friedmann (1992), Huizinga (2007) e Kishimoto (1998) e

Vygotsky (1998). Esses estudiosos têm em comum a defesa das atividades lúdicas como

recursos para o desenvolvimento de ações pedagógicas significativas, como a aquisição da

leitura e da escrita, os conceitos matemáticos, dentre outros. De acordo com o caderno em

questão,

o lúdico traz benefício físico para o crescimento da criança e para o

desenvolvimento das habilidades motoras e de expressão corporal. Em relação ao

desenvolvimento cognitivo, o brincar estimula as ações intelectuais, desenvolve

habilidades perceptuais, como a atenção e, consequentemente, a memória (BRASIL,

2015c, p. 24).

É de acordo com essa concepção de lúdico que o PNAIC justifica a utilização dos

jogos que compõem o acervo do material pedagógico. As escolas da Rede Municipal de

Ensino de Goiânia receberam do Ministério da Educação caixas com diversos jogos

pedagógicos que auxiliam no processo de apropriação da leitura e da escrita, isso porque “o

lúdico expresso em materiais é, assim, percebido como um recurso facilitador e motivador da

aprendizagem escolar” (BRASIL, 2015c, p. 24). O PNAIC explicita ainda que o uso de jogos

e brincadeiras dos materiais do acervo escolar não significa privilegiar a apropriação

exclusiva do Sistema de Escrita Alfabético (SEA), mas que as atividades lúdicas auxiliam na

aprendizagem de conteúdos de outros componentes curriculares, como a Matemática, a

Língua Portuguesa, as Ciências, a História, a Geografia, a Arte, dentre outros.

O Programa considera que é no Ciclo da Alfabetização que se consolida e se

aprofunda o trabalho com a apropriação do Sistema de Escrita Alfabética, isto é, a leitura e a

produção de textos, de modo integrado às aprendizagens relativas aos diferentes componentes

curriculares (BRASIL, 2015c, p. 29). Além disso, refere-se aos três primeiros anos da criança

do Ensino Fundamental, correspondente à idade de 6 a 8/9 anos. Para a RME Goiânia, essa

etapa é denominada de Ciclo I – Infância.

No que tange à alfabetização, o PNAIC entende que

estar alfabetizado significa ser capaz de interagir por meio de textos escritos em

diferentes situações. Significa ler e produzir textos para atender a diferentes

propósitos. A criança alfabetizada compreende o sistema alfabético de escrita, sendo

capaz de ler e escrever, com autonomia, textos de circulação social que tratem de

temáticas familiares ao aprendiz. (BRASIL, 2012b, p. 17)

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166

O documento traz a concepção de alfabetização como apropriação do SEA e inserção

da criança em práticas sociais de leitura e escrita, mas não a descreve como letramento. Na

verdade, a concepção de letramento nos cadernos do PNAIC é incorporada ao termo

alfabetização, entendida como a inserção das crianças nas práticas sociais, que podem ser

desenvolvidas através de metodologias que favoreçam a apropriação do sistema alfabético de

escrita por meio de atividades lúdicas e reflexivas e a participação em situações de leitura e

produção de textos, ampliando as referências culturais das crianças. E é no Ciclo de

Alfabetização que devem ser garantidas a inserção da criança na cultura escolar, bem como a

aprendizagem da leitura e da escrita e a ampliação de seu universo de referências culturais,

nas diferentes áreas do conhecimento.

No que se refere às práticas de leitura e escrita, o Programa PNAIC compreende que

no Ciclo de Alfabetização precisam estar presentes tanto atividades mais voltadas ao

letramento (como a roda de histórias e a produção de textos coletivos), quanto a alfabetização

em sentido estrito (comparação de palavras, montagem e desmontagem de palavras etc.),

considerados os princípios da continuidade e da ampliação dentro do Ciclo (BRASIL, 2015c,

p. 45). E a brincadeira precisa ser, também, um eixo importante do trabalho pedagógico

desenvolvido junto às crianças, de modo a respeitar as suas necessidades e interesses, sem

negligenciar os objetivos e as características próprios do Ciclo.

Os cadernos do PNAIC destacam a articulação entre infância, escrita e brinquedo,

baseada na perspectiva de Vygotsky (2000), o qual descreve a forma como o desenvolvimento

do signo na criança é fundamental para o desenvolvimento da escrita. O documento não se

aprofunda nas teorias de Vygotsky, mas dá ênfase à importância dada por ele ao brinquedo,

no processo de aquisição da escrita como parte da construção do simbolismo na criança.

Segundo o documento, “o brinquedo irá desempenhar um papel fulcral para a aprendizagem

da escrita, pelo fato de a criança perceber, por meio dele, que determinados objetos podem

denotar outros, tornando-se, assim, seus signos” (BRASIL, 2015c, p. 50).

Além da importância do brincar na aquisição da escrita da criança, os cadernos do

PNAIC levantam outros conceitos defendidos por Vygotsky, como a formação de conceitos, a

zona de desenvolvimento proximal e o papel da escola na formulação dos conceitos

científicos que desenvolvem as funções psicológicas superiores. “O espaço da escola é

favorecido e tem uma importante contribuição na construção dos conceitos científicos,

desencadeando o processo de conscientização das crianças sobre suas funções psicológicas

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superiores, mediatizadas pelo outro mais experiente, professor(a) ou um(a) colega” (BRASIL,

2015c, p. 54).

Percebe-se que o documento do PNAIC conclama os professores alfabetizadores a

participarem dessa forma de pensar a alfabetização, de uma alfabetização que concebe a

criança e as características da infância através do brincar e do lúdico e que favoreça a

apropriação da cultura escrita da/pela criança no Ciclo de Alfabetização, realizando o que o

PNAIC chama de “introduzir, aprofundar e consolidar a aprendizagem da linguagem oral e

escrita das crianças até oito anos de idade” (BRASIL, 2015c, p. 55). Nesse sentido, o

professor é o foco nesse processo, pois a ele cabe “fazer a opção de trabalhar com a

linguagem escrita, e não com a escrita de letras e palavras de forma enfadonha, repetitiva;

deve criar nas crianças a atitude leitora e produtora de texto” (BRASIL, 2015c, p. 55).

De um modo geral, a proposta do PNAIC traz discussões e referenciais teóricos

importantes, mas sem um aprofundamento de tais teorias, até mesmo porque acreditamos que

não é a intenção do programa de formação de professores realizar essas reflexões profundas,

devido ao tempo, espaço e organização da formação continuada. Destacamos também que os

cadernos do PNAIC não apresentam uma discussão sobre a conceitualização de alfabetização

e de letramento. De fato, ambos os conceitos são desenvolvidos num mesmo processo que

valoriza as concepções de infância e de ciclos de formação da criança.

A proposta do PNAIC coloca, na verdade, como fator primordial para o sucesso da

alfabetização o papel do professor, que precisa buscar conhecimento sobre a alfabetização, e

defende a compreensão do quão importante é educar, levando-se em conta o contexto dos

alunos e as situações sociais em que os conteúdos escolares podem ser utilizados, a fim de que

a escola deixe de ser cercada por muros que a separam da vida fora dela. “Acreditamos que a

escola possa fazer sentido e seja vivida como uma experiência que leve, efetivamente, o

educando à sua emancipação, tornando-se um cidadão, um sujeito pleno de deveres e direitos,

que são socialmente constituídos e democraticamente desenvolvidos” (BRASIL, 2015c, p.

55).

4.6 – O PPP DA ESCOLA CAMPO E A ALFABETIZAÇÃO

Analisamos o Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola Campo, referente ao ano

de 2015 e 2016, pois foi o período que realizamos nossa observação e entrevistas com os

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professores. O documento teve como referenciais teóricos as Diretrizes Curriculares (2009), a

Proposta Político Pedagógica da Educação Fundamental da Infância e da Adolescência (2008)

e a Proposta Político Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação “Infâncias e Crianças

em Cena: por uma Política de Educação Infantil para o Município de Goiânia” (2014).

Ressaltamos que a Escola Campo, oferece o Ciclo II (4º ao 6º ano do Ensino Fundamental) no

período matutino, o Ciclo I (1º ao 3º do Ensino Fundamental) no período vespertino e desde

2014 a instituição passou a receber crianças com 5 anos, referente a Educação Infantil.

Não houve nenhum tipo de resistência à nossa pesquisa por parte da Instituição

quando solicitamos o PPP para nossa leitura e análise. Conforme o documento, a construção

do PPP da Escola Campo aconteceu com a participação de todo o coletivo da escola. A partir

do PPP elaborado em 2014 a Instituição fez as alterações necessárias a fim de atender os

objetivos propostos para 2015 apontados através dos indicadores de qualidade, para o que

foram consultados os alunos, os pais, os professores e administrativos da unidade escolar. Da

mesma forma, a Instituição analisou os elementos constitutivos da organização escolar,

fazendo um diagnóstico da escola: suas finalidades, sua estrutura organizacional, o processo

de decisão, as relações de trabalho, seu currículo, o calendário escolar e seu processo de

avaliação, porém, não descreveram como este processo de reanálise ocorreu.

A concepção de formação e desenvolvimento humano defendida pela Escola Campo é

sob a interpretação vygotskyana, em conformidade com as Diretrizes Curriculares e Proposta

Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação (SME) Goiânia. “As bases conceituais do

trabalho educativo realizado na escola, a estruturação pedagógica da escola, a relação de

aprendizagem dos educandos e o trabalho dos profissionais da educação são pautados por essa

concepção” (PPP Escola Campo, 2015, p. 13). Nesta concepção, a escola é compreendida

como um espaço para aprendizagem por meio da socialização dos educandos e com a função

específica de formar os indivíduos para vida social. Para atingir esta função, a escola “provê

uma educação sistematizada para construir uma sociedade democrática, propiciando aos

educandos o acesso a bens culturais e materiais que os tornem agentes ativos na

transformação de sua história” (PPP Escola Campo, 2015, p. 13).

A concepção que caracteriza o desenvolvimento infantil, segundo o PPP da Escola

Campo, é a sócio histórica. Nesta concepção, o ser humano é entendido como um sujeito que

se estabelece historicamente num espaço sociocultural e seu desenvolvimento concretiza-se a

partir de um conjunto de elementos, que envolve aspectos biológicos, sociais e psicológicos,

influenciando-o de forma interligada e indissociável. Assim,

considerar a criança como sujeito é levar em conta, nas relações que com ela

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estabelecemos, que ela tem desejos, ideias, opiniões, capacidade de decidir, de criar,

de inventar, que se manifestam, desde cedo, nos seus movimentos, nas suas

expressões, no seu olhar, nas suas vocalizações, na sua fala. É considerar, portanto,

que essas relações não devem ser unilaterais – do adulto para a criança -, mas

relações dialógicas – entre adulto e criança -, possibilitando a constituição da

subjetividade da criança como também contribuindo na contínua constituição do

adulto como sujeito (PPP Escola Campo, 2015, p.14).

Podemos perceber que a Escola Campo baseia-se nos estudos de Vygotsky para

direcionar o seu trabalho pedagógico e sua concepção de aprendizagem. Uma das categorias

desenvolvidas por Vygotsky sobre o processo de aprendizagem é a formação de conceitos

pela criança. Tem como fundamento a comparação de dois esquemas conceituais: o que a

criança já sabe, o que existe no sistema de aprendizagem da criança antes do ingresso na

escola, que ele denomina conceitos espontâneos; e o outro que a este se junta, com ele

interage e acaba por enriquecê-lo e modificá-lo como resultado da aprendizagem escolar que

denomina de conceitos científicos. Assim, “quando uma criança entra na escola, ela não é

uma tábula rasa que possa ser moldada pelo professor segundo a forma que ele preferir.

Quando uma criança entra na escola, já está equipada, possui suas próprias habilidades

culturais” (VYGOSTKY, 2014, pg. 101).

É intenção da Escola Campo, expressada em seu PPP, “direcionar a prática pedagógica

e administrativa dentro de uma gestão democrática buscando sempre a competência

profissional e o compromisso político” (PPP Escola Campo, 2015, p.14). Para atingir este

objetivo, a Instituição preconiza o trabalho do conjunto dos profissionais da educação da

unidade escolar, tendo como uma de suas metas para o ano de 2015, a necessidade de fomento

da participação de todos os servidores nas ações e planejamentos coletivos, através do dialogo

coletivo sobre os problemas com funcionários que possam não estar desempenhando bem

suas funções na escola e o incentivo a formação continuada e participação em cursos.

Durante o período de nossa observação, nos meses de janeiro a março de 2016, a

Escola Campo passou um por período conturbado devido à falta de professores que

preenchesse o quadro de profissionais. As ausências foram devidas a duas licenças médicas de

dois professores (um pedagogo e um de educação física) em que não houve professores

substitutos para os mesmos. É garantido ao profissional da educação que se ausenta por

motivos de saúde, um profissional substituto, conforme previsto pelo Estatuto do Servidor do

Município de Goiânia, para estar em seu lugar na escola sem prejuízo a aprendizagem dos

educandos. Porém, durante estes três meses de observação, a Escola Campo permaneceu com

déficit no seu quadro de profissionais, pois a SME Goiânia não cumpriu com seu dever de

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prover os profissionais para substituição. Para garantir o direito de aprendizagem dos

educandos, os professores presentes na Instituição revezavam-se e desdobravam-se nas salas

de aulas onde havia os déficits, além de cumprirem com suas aulas em suas turmas. Ou seja,

os professores presentes na escola durante este período, tiveram uma sobrecarga de trabalho e

perderam o seu direito ao momento de estudo e planejamento pedagógico, tanto individual

como coletivo, que lhes são garantidos pelas Diretrizes de Organização da SME Goiânia

(2011).

Além das ausências dos profissionais por licença médica, conforme narramos, ainda

havia as faltas eventuais de outros professores na Instituição. Tal fato provocou certa vez, a

ausência de quatro profissionais da educação (os dois da licença médica e dois por falta

eventual), em uma escola que deveria possuir em seu quadro regular nove professores

presentes. Sabemos que a ausência de um professor já altera o funcionamento da escola e que

provoca desajustes na organização do trabalho pedagógico. Os professores presentes na

Escola deixavam de estar em suas salas de aulas e cumprirem com seu planejamento

pedagógico, para estarem em outras salas, outras turmas, para o qual não haviam planejado e,

em alguns casos, não conheciam as realidades daquelas turmas. Estavam nestas salas de aula

simplesmente para evitar que aqueles alunos não permanecessem sozinhos, pois não havia

diretividade e intencionalidade pedagógica nenhuma daquele profissional que ali estava.

Toda essa organização de substituição do professor ausente é prevista no PPP da

Escola Campo:

Na eventual falta de professor, os professores que estão de estudo o substituem,

sendo acompanhados pelo coordenador de turno que anota em uma planilha para

posteriormente direcionar o professor para reposição dessas aulas. Essa substituição

é organizada de maneira a não prejudicar o funcionamento da aulas e da escola (PPP

Escola Campo, 2016, p. 24).

A Escola Campo compreende a importância do planejamento, pois ele “é instrumento

fundamental na organização do trabalho pedagógico” (PPP Escola Campo, 2016, p. 23). Os

planejamentos coletivos são realizados em datas previamente designadas pela Secretaria

Municipal de Educação no calendário de cada ano Letivo. Estes momentos de planejamento

coletivo são espaços privilegiados para a discussão e “análise das práticas pedagógicas, datas

comemorativas, dos desenvolvimentos dos alunos, da PPP” (PPP Escola Campo, 2016, p. 23),

ou seja, tem como objetivo refletir sobre o andamento da rotina escolar bem como, traçar

metas e objetivos para a melhoria da unidade de ensino e para formação.

Nesse sentido, a Escola Campo enfatiza o trabalho interdisciplinar com coletivo de

professores ao desenvolver suas propostas pedagógicas de modo a contemplar a participação

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de todos. “E os projetos da escola, os eventos e atividades selecionados para compor o

Calendário também servem como eixo articulador do referido movimento” (PPP Escola

Campo, 2016, p. 23).

Além do planejamento coletivo, há também os momentos de planejamentos

individuais ou em pequenos grupos, realizados nos horários de estudo de cada professor.

Nestes momentos “os professores pesquisam e organizam seus planejamentos com base em

observações de suas turmas, buscam ter clareza sobre os conteúdos, objetivos e

procedimentos metodológicos a serem utilizados” (PPP Escola Campo, 2016, p. 23).

Ressaltamos aqui, que a Escola Campo realiza os planejamentos semanais com os professores

referências de cada agrupamento e outro com os professores de Educação Física e professor

apoio. Nota-se que os professores envolvidos de cada agrupamento reúnem-se, mas

separadamente, contrapondo de certa forma, a intenção do trabalho interdisciplinar citada

anteriormente.

A Escola Campo prevê também em seu PPP as atividades de reagrupamento e

atendimento individualizado. O reagrupamento é constituído a partir do princípio da

mobilidade, compreendida como a possibilidade do educando participar de atividades,

projetos, oficinas, aulas em agrupamentos variados dentro do mesmo Ciclo a que pertence e

possibilidade de transitar nas várias etapas, conforme previsto nas Diretrizes Organizacionais

da SME Goiânia.

O reagrupamento da Escola Campo é organizado de três maneiras distintas: a primeira

por meio de oficinas mensais, observando rotatividade, de forma que ocorram em todos os

dias da semana, e o coletivo docente será o responsável pela divisão das turmas, escolha de

temas, elaboração e aplicação das oficinas. A segunda é articulada com a organização externa,

isto é, fora da sala, onde os alunos que já estão sendo atendidos individualmente e/ou em

pequenos grupos serão reagrupados uma vez por semana sob a supervisão dos professores que

serão os responsáveis pelo atendimento naquele dia e horário pré-determinado. E a terceira

forma de organização do reagrupamento é organizada conforme a necessidade dos educandos

que são “semanalmente reagrupados em níveis distintos”. Estes níveis referem-se a uma

classificação de aprendizagem baseado na leitura e escrita:

o reagrupamento está organizado em dois grupos: nível I (alunos com muita

dificuldade), nível II (alunos com pouca ou nenhuma dificuldade). As professoras

regentes de cada turma ficam com um grupo, e para o que possui mais dificuldade

há o apoio de outro profissional docente do coletivo (PPP Escola Campo, 2016, p.

143).

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Para as atividades do reagrupamento, todos os professores da unidade escolar

participam, inclusive o professor de Educação Física, e devem propor atividades

diversificadas tanto para os que estão em processo inicial de alfabetização como para os que

já se encontram em níveis mais avançados.

Além das atividades de reagrupamento, a Escola Campo propõe, como previsto nas

Diretrizes Organizacionais da SME Goiânia, os atendimentos individualizados, como uma

ação coletiva dos professores. Os atendimentos individualizados que ocorrem durante o

horário regular da aula, retirando os alunos que apresentam dificuldades de seu grupo.

O PPP da Escola Campo relata que

O atendimento individualizado nesta Unidade Escolar é uma ação do coletivo de

professores, pois todos os professores se organizam para atender aos educandos com

as dificuldades de escrita, leitura, coordenação motora fina e grossa, lateralidade,

noção espaço-tempo, raciocínio-lógico, entre outras situações específicas que

possam aparecer (PPP Escola Campo, 2016, p. 144).

Nota-se que na descrição das dificuldades há a indicação de deficiências relacionadas

ao aspecto psicomotor, como lateralidade, coordenação motora, etc., e que os atendimentos

individualizados são de responsabilidade de todos os professores, inclusive o professor de

Educação Física sendo mais uma forma de se trabalhar com as dificuldades na aprendizagem.

E mais adiante, o documento afirma que os atendimentos individualizados devem atender

prioritariamente aos educandos com dificuldades de leitura e escrita, realizadas pela

professora durante seu horário estudo, ou seja, no momento que está fora da sala de aula, o

aluno é retirado do seu grupo para ter aula de reforço de leitura e escrita com a professora de

Educação Física ou vice-versa. Cabe uma reflexão: é essa a função da Educação Física na

escola? A relação estabelecida da educação física com o letramento tem sua fundamentação

prática nos atendimentos individualizados e no reagrupamento? Acreditamos que não é esse o

caminho para um trabalho interdisciplinar da Educação Física que tem como embasamento os

processos de letramento.

Além disso, como já argumentamos anteriormente, a organização do reagrupamento e

dos atendimentos individualizados, em que se retiram os alunos do seu grupo para serem

atendidos em outro espaço, não traz benefícios acadêmicos para os alunos, pois promove a

segregação e distanciamento cada vez maior do aluno com seu grupo, e para a escola, ocorre

uma hierarquização de disciplinas e/ou conteúdos que devem ser privilegiados em detrimentos

de outros.

Um dos projetos desenvolvidos pela Escola Campo que nos chamou a atenção foi o da

“Sala de Leitura”. Este preconiza a utilização do espaço da biblioteca escolar, que se encontra

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representada como local para fazer uso das práticas de leitura e de escrita que circulam

socialmente, uma vez que possui um acervo material impresso diversificado de livros, gibis,

coleções, periódicos, etc. A Escola Campo compreende este espaço como possibilidade de

acesso “à cultura, aos bens simbólicos e materiais criados pelos mais distintos grupos sociais

ao longo da história da humanidade” (PPP Escola Campo, 2016, p.193), sendo, portanto, um

lugar em que se possa respirar cultura e também produzi-la.

O projeto Sala de Leitura é uma atividade compartilhada de forma interdisciplinar,

pelo coletivo de professores da Escola Campo cujo objetivo é ir além da formação de alunos

leitores, mas desenvolver a capacidade de ler, o gosto e o compromisso com a leitura e

mobilizar os alunos fazendo-os entender que a leitura é algo interessante e desafiador, algo

que, conquistado plenamente, dará autonomia e independência.

As atividades propostas terão como principal objetivo promover no aluno o gosto

pela leitura bem como propiciar variados momentos de leitura e produção de texto a

partir dos diferentes portadores de texto: jornais, gibis, livros literários, poemas,

receitas, instruções de uso, convites, bilhetes, etc (PPP Escola Campo, 2016, p.194).

A Escola Campo propõe com este projeto, desenvolver “situações linguisticamente

significativas para as crianças, em que faça sentido ler para escrever, escrever para ler, ler

para decorar, escrever para não esquecer, ler em voz alta em tom adequado” (PPP Escola

Campo, 2016, p.195) e em que as linguagens orais e escritas, leitura e produção de texto se

inter-relacionem. É dentro deste projeto de leitura que desenvolvemos nossa proposta de

intervenção, descrita no último capítulo.

No que se refere à Educação Física, a PPP da Escola Campo levanta os objetivos e

conteúdos temáticos esperados para cada Ciclo, desenvolvido em trimestres, sendo para o

Ciclo I, foco desta pesquisa: Brinquedos cantados e as brincadeiras de roda; Jogos e

Conhecimentos sobre o corpo humano em movimento; Ginástica e suas manifestações

culturais e Danças e cultura popular. Dentro destas temáticas, destacamos alguns objetivos

que reforçam a concepção de que todo o professor em todas as áreas do conhecimento deve

estar voltado para os processos de alfabetização e letramento, como: “desenvolver a

curiosidade pela linguagem escrita através do brincar; registrar as diferentes formas de

brincar; registrar os conhecimentos aprendidos (através da oralidade, desenhos, textos

escritos, painéis, etc.)” (PPP Escola Campo, 2016, p. 42 e 43). Porém, os objetivos elencados

pela professora de Educação Física Maria, e destacados anteriormente, não coadunam com os

objetivos traçados para a disciplina pelas Diretrizes Curriculares da SME Goiânia.

Acreditamos ser positivo os objetivos levantados pela professora Maria e uma possibilidade

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de pensar a Educação Física como coparticipe do processo de alfabetização e letramento das

crianças dentro do princípio da interdisciplinaridade.

Nesse sentido, a Diretriz Curricular da SME Goiânia concebe a organização dos

conteúdos e objetivos escolares baseada na flexibilização curricular, “cabendo ao coletivo de

professores à tarefa de selecionar conteúdos adequados às peculiaridades locais e às

características e necessidades dos educandos, fazendo a mediação entre o currículo oficial e o

contexto socioeducacional” (GOIÂNIA, 2009, p. 96).

Finalizando, o PPP da Escola Campo se fundamentou nas orientações da Secretaria

Municipal de Educação e Esporte sendo ele um norteador dos processos educativos daquela

instituição e que demonstra sua visão de escola, educação e sociedade. Demonstra ainda sua

preocupação com as práticas de leitura e escrita e o processo de alfabetização de seus

educandos. Encontramos nos documentos da Escola Campo um local privilegiado para

desenvolvimento de nossa proposta de intervenção e pesquisa sobre os saberes dos

professores pedagogos e de educação física acerca do letramento, uma vez que esta visão

interdisciplinar sobre o processo de alfabetização é o ponto principal e unificador do PPP da

Escola.

Estabelecidas as visões sobre alfabetização, letramento e práticas de leitura e escrita

dispostas nos documentos analisados, seguiremos com a apresentação das informações

colhidas durante a pesquisa de campo que nos fornecerão subsídios para reconhecer as

relações que os professores-sujeitos estabelecem com as Diretrizes Curriculares da SME

Goiânia, os PCNs e o PPP da Escola Campo. As falas dos sujeitos foram classificadas

conforme os temas levantados na pesquisa de campo e agrupados conforme a semelhança de

significado entre si.

4.7 – APROXIMAÇÕES DIALÓGICAS DAS PROFESSORAS-SUJEITOS E OS

DOCUMENTOS OFICIAIS

Assim como no capítulo anterior, apresentaremos aqui as falas dos sujeitos da

pesquisa, tentando dialogar com seus discursos e com os documentos que regem o trabalho do

professor na escola. Nossa intenção é analisar as relações entre alfabetização e Educação

Física expressas nos discursos das professoras e nos documentos das Diretrizes Curriculares

da SME. Compreender essa relação de saberes significa entender se os “saberes curriculares”,

como definido por Tardif (2014), se incorporam efetivamente à sua prática docente e se

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“correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição

escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados como

modelos de cultura erudita” (TARDIF, 2014, p. 38). Significa compreender, portanto, se estes

professores-sujeitos situam-se ou não em posição de exterioridade em relação à sua prática

docente, uma vez que a definição e seleção dos saberes sociais que são transmitidos através da

escola não são controlados por eles.

Compreender o currículo expresso neste estudo através das análises dos PCNs, das

Diretrizes Curriculares da SME Goiânia, no PPP da escola-campo e nas falas dos sujeitos da

pesquisa proporcionou a visão de como esses documentos interferem ou não na prática

pedagógica dos professores-sujeitos, uma vez que a escola é uma instituição cujo papel

consiste na socialização do saber sistematizado. E este não se trata de qualquer saber, por isso

é necessário compreender a viabilização das condições de sua transmissão. Nesse sentido, “é

aí que cabe encontrar a fonte natural para elaborar os métodos e as formas e organização do

conjunto das atividades da escola, isto é, currículo” (SAVIANI, 2008, p. 18). O currículo para

Saviani (2008) é definido como “a organização do conjunto de atividades nucleares

distribuídas no espaço e tempo escolares. Um currículo é, pois, uma escola funcionando, quer

dizer, uma escola desempenhando a função que lhe é própria” (SAVIANI, 2008, p. 20). Ele

implica ainda a visão de mundo, de sociedade e de ser humano que a escola e sistemas de

ensino possuem e como os professores orientam sua prática pedagógica na sala de aula: “a

relação que estabelece com os alunos, o conteúdo que seleciona para ensinar, como o trata

científica e metodologicamente, bem como os valores e a lógica que desenvolve nos seus

alunos” (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 27).

Na aplicação dos questionários, perguntamos aos professores a respeito dos

conhecimentos sobre a proposta das Diretrizes Curriculares da SME, no que se refere à

alfabetização, letramento e Educação Física e que articulações sua prática pedagógica faz com

a proposta do Ciclo I da SME. De uma forma geral, todos os sujeitos pesquisados relataram

conhecer o que a SME entende por alfabetização, porém encontramos em suas falas um

conhecimento superficial sobre tal documento e sua concepção de alfabetização.

O documento mais recente é do ano de 2009, sendo utilizado até hoje sem atualizações

ou revisões. A legislação ora analisada revelou a presença de alguns aspectos considerados

então relevantes e que poderiam de certa forma justificar a necessidade de um trabalho

interdisciplinar, caso se constituíssem em proposições realmente efetivas entre os professores.

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176

As análises das informações foram divididas pelo lócus da pesquisa, campo ampliado

e campo específico. Por uma questão ética da pesquisa, os sujeitos estão no anonimato, sendo

distinguidos apenas por PP (professor Pedagoga) com um número de identificação e o nome

abreviado da Coordenadoria Regional a que pertence. Para a professora pedagoga da escola-

campo, utilizaremos o nome fictício de Rosa – PP-A (professora Pedagoga A). O mesmo

modus operandi foi utilizado para os professores de Educação Física, que podem ser

distinguidos pela sigla PEF e um número de identificação, além do nome abreviado da

Coordenadoria Regional à qual pertence. E para a professora de Educação Física da escola-

campo, utilizaremos o nome fictício de Maria – PEF.

4.7.1 – A PERCEPÇÃO DAS PROFESSORAS DO CAMPO AMPLIADO SOBRE A

PROPOSTA PEDAGÓGICA DA SME GOIÂNIA: O ECLETISMO TEÓRICO

Neste eixo da análise, trataremos como as professoras Pedagogas e as de Educação

Física das cinco Coordenadorias Regionais de Educação da Rede Municipal de Ensino de

Goiânia percebem e compreendem a alfabetização e o letramento dentro da proposta das

Diretrizes Curriculares do município. Através da voz das professoras Pedagogas,

apreendemos que há um conhecimento por parte das mesmas sobre as concepções e

organização curricular do processo de alfabetização e letramento. Percebe-se também que há

um conhecimento por parte das professoras de Educação Física quanto às concepções teóricas

propostas pelas DC. Apesar de dominarem a proposta, as professoras-sujeitos apresentam em

seus discursos certo ecletismo teórico ao justificarem suas práticas pedagógicas.

As professoras foram questionadas se conhecem, se dominam e se têm acesso às

propostas das Diretrizes Curriculares (DC) da SME Goiânia, com o intuito de averiguar seus

conhecimentos acerca da concepção de ciclo, aprendizagem e alfabetização ligada às práticas

sociais de leitura e escrita e a diversidade de gêneros textuais. Todas as professoras, tanto

pedagogas como as de Educação Física, afirmaram conhecer as DC, porém não discorreram

sobre o assunto.

O saber do professor é plural e heterogêneo, pois envolve conhecimentos diversos no

exercício do professor. É proveniente de fontes variadas e também de natureza variada.

Tardif (2014) classifica o saber correspondente aos discursos apresentados sob a forma de

programas escolares que os professores devem aprender a aplicar “saberes curriculares”

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177

(TARDIF, 2014, p. 38). Estes são saberes sociais definidos pela instituição; nesse caso,

definidos e selecionados pela Secretaria Municipal de Educação de Goiânia. E neste processo,

os professores mantêm uma relação de transmissores de saber, mas não de produtores de um

saber ou de saberes. “Noutras palavras, a função docente se define em relação aos saberes,

mas parece incapaz de definir um saber produzido ou controlado pelos que a exercem”

(TARDIF, 2014, p. 40). Pensando nessas questões, objetivamos, assim, compreender como os

professores articulam ou submetem os saberes curriculares à sua prática pedagógica.

Quando foram questionadas sobre as articulações que suas práticas pedagógicas têm

com a proposta do Ciclo I da RME-Goiânia, as professoras Pedagogas responderam:

PP-1/CRE-A: Articulo diretamente minha prática com a proposta, por explorar mais

a literatura e a escrita com utilização de materiais que ofereçam oportunidades de

raciocinar, manuseando-os e explorando suas características e propriedades.

PP-2/CRE-B: Minha prática é pautada nas relevâncias dos conhecimentos

sistematizados, levando em consideração o conhecimento prévio do aluno.

PP-3/CRE-C: Procuro oferecer aos educandos aprendizagem voltada para a

construção de competências.

PP-4/CRE-D: Não respondeu.

Apesar de terem afirmado conhecer as DC, percebemos que as professoras Pedagogas,

ao articularem as propostas curriculares à sua prática, demonstram visões diferentes entre si e

até mesmo divergentes em relação à proposta do Ciclo da RME-Goiânia, quando comparamos

as respostas da PP-1/ CRE-A que articula as DC com sua prática por explorar mais a

literatura e a escrita em contraposição à PP-3/ CRE-C, que propõe uma aprendizagem

voltada para a construção de competências.

A DC da SME Goiânia, ao afirmar que os conteúdos escolares devem ser

ressignificados e reconstruídos, incluindo nesse processo o desenvolvimento das habilidades

de pensamento, não tem como embasamento teórico a Pedagogia do Aprender a Aprender, a

partir da qual o conhecimento é visto como uma ferramenta na resolução de problemas, sendo

que a prática cotidiana determinaria a validade dos conteúdos escolares, associando o termo

habilidade ao termo competência. O sentido dado ao termo habilidade de pensamento refere-

se à aprendizagem como atividade intelectual carregada de sentido e significado, para além da

aquisição dos conhecimentos sistematizados, reafirmando o papel da cultura, da linguagem e

da estruturação do pensamento nas diversas fases do desenvolvimento humano.

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Newton Duarte (2010), autor que pesquisa a teoria histórico-cultural, realizou um

estudo sobre as teorias pedagógicas contemporâneas e, dentre elas, analisou a Pedagogia das

Competências, que é mencionada pela professora PP-3/ CRE-C. Essas teorias pedagógicas

contemporâneas, como por exemplo, o Construtivismo, a Pedagogia do Professor Reflexivo, a

Pedagogia dos Projetos, a Pedagogia Multiculturalista e a Pedagogia por Competências

possuem a mesma tônica: “a negação daquilo que chamam educação tradicional. Elas podem

ser consideradas pedagogias negativas, na medida em que aquilo que melhor as define é a sua

negação das formas clássicas de educação escolar” (DUARTE, 2010, p. 33).

Conforme Duarte (2010), a Pedagogia das Competências, defendida por Philippe

Perrenoud, é a “tentativa de decomposição do aprender a aprender em uma listagem de

habilidades e competências cuja formação deve ser objeto da avaliação, em lugar da avaliação

da aprendizagem de conteúdos” (DUARTE, 2010, p. 42), que remonta aos métodos

escolanovistas. A Pedagogia por Competências aponta para a direção do aprender fazendo, da

resolução de problemas e do espírito pragmático, de modo que ensinar consiste em regular

situações de aprendizagens, incitar os alunos a mobilizar seus conhecimentos, em detrimento

da função precípua do professor e da escola, que é a de transmitir os conhecimentos mais

desenvolvidos e ricos que a humanidade construiu ao longo de sua história.

Duarte (2010) critica essas teorias pedagógicas, por meio das quais o professor deixa

de ser o mediador entre o aluno e o patrimônio intelectual mais elevado da humanidade para

ser um organizador de atividades que promovem o que ele chama de negociação de

significados construídos no cotidiano dos alunos. Tal fato acaba por levar a uma

descaracterização do trabalho do professor, algo que Duarte denomina de “naturalização da

alienação” (2010, p. 38).

Para superação das teorias negativas, Duarte (2010) enfatiza que é preciso superar a

educação escolar em suas formas burguesas sem negar a importância da transmissão, pela

escola, dos conhecimentos mais desenvolvidos que já tenham sido produzidos pela

humanidade. Isso significa dizer que a Pedagogia por Competências relativiza a importância

do conhecimento científico. Assim, a perspectiva de democratização do acesso ao

conhecimento socialmente produzido torna-se cada vez mais distante de sua realização, pois

nega a possibilidade de transformação consciente da realidade.

É possível que as características de cada instituição influam na prática pedagógica dos

docentes, ou seja, apesar das Diretrizes Curriculares serem as mesmas para todo o município

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179

de Goiânia, cada professor apresentou uma compreensão diferente sobre a mesma, uma vez

que cada instituição exerce um poder educativo diferente sobre os membros que nela atuam.

Gasparin (2007) afirma que o ideal em uma escola seria que os conteúdos fossem

definidos pelo corpo de professores, pela coletividade de cada área do conhecimento, tendo

como fundamento a prática social e as necessidades sociais do momento histórico atual que

satisfaçam adequadamente às exigências do grupo. Nesse sentido, a proposta da SME Goiânia

avança, pois não há definição de conteúdos a serem seguidos, mas conceitualizações, sentidos

e objetivos comuns a toda rede fundamentados na teoria histórico-crítica. Em contrapartida,

percebe-se que cada professor em cada CRE encontrada possui uma visão e uma compreensão

diferenciada sobre a mesma DC municipal.

Os saberes curriculares expressos pelas professoras Pedagogas se manifestam como

uma relação de exterioridade: eles aparecem como produtos, ao passo que aos professores

compete apropriar-se desses saberes no decorrer de sua formação, como nos explica Tardif

(2014, p. 41). Apesar de a SME Goiânia conceber a organização dos conteúdos escolares

baseada na flexibilização curricular, a definição da concepção de alfabetização e letramento

expressa pelas DC é pautada nos conceitos do dialogismo e dos gêneros discursivos

defendidos por Bakhtin, que têm como concepção de língua o discurso realizado nas

diferentes práticas sociais – e essa compreensão não nos foi apresentada através dos

questionários.

Em relação aos professores de Educação Física, estes responderam ao mesmo

questionamento acerca das Diretrizes Curriculares da SME Goiânia. Vejamos:

PEF-1/CRE-A: A Diretriz Curricular é muito simplória, apenas com as

especificidades (esporte, jogos, brincadeiras). Tento pegar estes para formatar outros

objetivos, além da base da RME. Tudo tem que passar pela brincadeira, música, ritmo

(calistenia). O mais importante é ter o desenvolvimento motor diversificado.

PEF-2/CRE-B: O meu planejamento e prática são também realizados observando as

propostas e objetivos propostos pelas Diretrizes da RME.

PEF-3/CRE-C: Sim. Desenvolver conhecimentos da cultura corporal formando

sujeitos conscientes, autônomos no contexto em que vivem.

PEF-4/CRE-D: Caminham juntas.

Chamamos a atenção para a resposta da professora PEF-3/ CRE-C, quando esta afirma

que desenvolve os conhecimentos da cultura corporal formando sujeitos conscientes,

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autônomos no contexto em que vive. Essa resposta coaduna com a visão da Educação Física

como cultura corporal expressa nas Diretrizes Curriculares. Tal concepção é baseada no livro

Metodologia de ensino da Educação Física, mais conhecido como Coletivo de Autores, e é a

única referência bibliográfica específica para a área da Educação Física descrita no

documento das Diretrizes. Parte da compreensão de que na Educação Física, tomando como

objeto de estudo a Cultura Corporal, que é a expressão corporal como linguagem social e

historicamente construída, abordada através dos jogos, esportes, ginástica, dança e lutas,

formando um cidadão crítico e consciente da realidade social em que vive, para poder nela

intervir na direção dos seus interesses de classe (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 37).

Nessa visão, as aulas de Educação Física podem levar os alunos a entender, além da

competição, das questões relacionadas à estética corporal e das discussões sobre saúde, as

regras sociais produzidas a partir do aprendizado da cultura corporal.

Em contrapartida, a professora PEF-1/CRE-A nos diz que a Diretriz Curricular é

muito simplória, pois apresenta apenas as especificidades da Educação Física, como (esporte,

jogos, brincadeiras). A docente busca, além dessa visão, outros objetivos: tento pegar estes

para formatar outros objetivos, além da base da RME. Nesse momento, percebemos uma

contradição na fala da professora, ao confundir as categorias da organização do trabalho

pedagógico objetivo/conteúdo. A professora PEF-1/CRE-A descreve como “outros objetivos”

a brincadeira, música, ritmo (calistenia), o que, a nosso ver, é um equívoco, pois a

brincadeira e a música já são constituintes dos conteúdos jogos e dança. Além disso, traz o

termo “calistenia” para sua prática pedagógica.

O termo “calistenia” surge dentro dos conceitos e métodos ginásticos que surgiram no

início do século XIX. Soares (1994), ao fazer uma reconstrução política e social da Educação

Física no Brasil, nos explica que sua gênese se confunde em muitos momentos de sua história

com as instituições médicas e militares. Segundo a autora, na Europa a partir do ano de 1800

vão surgindo formas distintas de encarar os exercícios físicos. As primeiras sistematizações

sobre a ginástica nas sociedades burguesas, denominados de métodos ginásticos. Os métodos

ginásticos que mais influenciaram a Educação e a Educação Física brasileira foram os da

Escola Alemã, Escola Sueca e Escola Francesa. Essas escolas de ginástica tinham em comum

a influência médico-higienista, pautadas no conteúdo anátamo-fisiológico ditado pela ciência,

em que o exercício físico era o meio de

regenerar a raça; promover a saúde (sem alterar as condições de vida); desenvolver a

vontade, a coragem, a força, a energia de viver (para servir a pátria nas guerras e na

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indústria) e finalmente, desenvolver a moral (que nada mais é do que uma

intervenção nas tradições e nos costumes dos povos). (SOARES, 1994, p. 65)

A ginástica compreendia a prática das atividades propostas pelas escolas de ginástica,

incluindo exercícios com ou sem aparelhos. A calistenia era entendida como a prática de

exercícios, exclusivamente sem aparelhos, que foram denominados exercícios livres. Essa

designação, no entanto, não se referia apenas à ideia de exercícios sem aparelhos, nela estava

implícito também o sentido de exercícios ritmados, um dos pontos fortes do método sueco.

Assim, chama-nos a atenção o fato de a professora PEF-1/CRE-A referir-se ao

conceito de calistenia e justificar sua presença pedagógica como diversidade motora (o mais

importante é ter o desenvolvimento motor diversificado), uma vez que ele é associado,

segundo os autores Soares (1994) e Castellani Filho (1994), a uma visão da Educação Física

associada às “ciências biológicas, na moral burguesa e nos procedimentos disciplinadores dos

corpos e das mentes, necessários a formação do trabalhador mais produtivo, disciplinado,

moralizado e fisicamente ágil” (SOARES, 1994, p. 159). O docente, nessa visão da calistenia,

tinha a função de conduzir a ordem e a disciplina, necessárias para cuidar dos corpos, pois o

corpo era visto como um instrumento que poderia ser moldado conforme as necessidades do

capital ou como uma máquina que poderia ser ajustada de acordo com defeitos encontrados.

Além disso, tais conceitos não se aproximam da concepção de Educação Física como prática

social produzida historicamente nas relações entre os seres humanos que se materializa

através do esporte, do lazer, da ginástica, dos jogos, das lutas e da dança tratada

pedagogicamente na escola, como é defendido nas Diretrizes Curriculares da SME Goiânia.

Especificamente para os professores de Educação Física, foi questionado se eles

conheciam a proposta de alfabetização da RME Goiânia e a maioria afirmou conhecê-la:

PEF-1/CRE-A: Sim, tem um trabalho com o Ciclo I.

PEF-2/CRE-B: Conheço pouco.

PEF-3/CRE-C: É o processo de conhecimento das letras, da leitura e da escrita.

PEF-4/CRE-D: Não como gostaria e não me permitiram participar do Pró –

Letramento.

Questionamos também se a prática pedagógica em Educação Física desses professores

contribuía para o processo de letramento dos alunos, na perspectiva das Diretrizes

Curriculares da RME-Goiânia e como isso se desenvolvia. Vejamos as respostas.

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PEF-1/CRE-A: Contribui, mas não sigo as Diretrizes Curriculares da RME e acredito

que ela deveria passar por uma revisão.

PEF-2/CRE-B: Acredito que sim, quando proporciona o momento de registros,

explicações e contato com livros/gibis com conteúdos trabalhados.

PEF-3/CRE-C: Sim, através do contexto da cultura corporal, através de jogos,

brincadeiras e esporte.

PEF-4/CRE-D: Dentro das limitações dos educandos do Ciclo I, sempre incentivo a

leitura e o conhecimento teórico dos conteúdos ministrados.

A partir dessas respostas, é possível supor que os professores de Educação Física das

CREs de Goiânia compreendem as concepções e os conceitos de letramento de forma

superficial, uma vez que nos cursos de formação de professores de Educação Física esse

conhecimento não é trabalhado. Além disso, os professores demonstraram uma preocupação

com o processo de alfabetização e letramento dos educandos, percebida através da fala da

professora PEF-4/CRE-D ao desejar participar do curso Pró-Letramento. O Pró-Letramento é

um programa de formação continuada de professores para a melhoria da qualidade de

aprendizagem da Leitura/Escrita e Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. O

programa é realizado pelo MEC, em parceria com universidades que integram a Rede

Nacional de Formação Continuada e com adesão dos estados e municípios. Grande parte dos

cursos oferecidos em parceiras com o MEC é realizado pelo Centro de Formação dos

Profissionais da Educação da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia.

Outro ponto relevante foi percebido nas respostas das professoras PEF-2/CRE-B e

PEF-4/CRE-D, quando elas disseram que trabalham com a leitura e a escrita através de

registros sobre os conteúdos teóricos da disciplina ou na articulação desses conteúdos com a

leitura de livros, que acreditamos referir-se a livros literários. As professoras realizam práticas

de leitura escrita a partir dos conteúdos próprios da Educação Física, posição esta defendida

por nós nesta pesquisa.

Pesquisas sobre o letramento, relatadas neste estudo, já demonstraram que os sujeitos

podem ler e compreender o mundo em que vivem participando de práticas sociais em que

envolvem a leitura e a escrita. Nesse sentido, Kleiman (1998) conceitua o letramento como

práticas e eventos relacionados com uso, função e impacto social da escrita, algo que não se

limita aos eventos e práticas comunicativas mediadas pelo texto escrito, isto é, somente as

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183

práticas comunicativas que envolvem, de fato, o ler e o escrever. Assim, o letramento pode

estar presente, portanto, na oralidade e na linguagem corporal.

Dessa forma, defendemos as possibilidades de leituras de outros materiais que não

primam pela linguagem escrita (dança, jogos, brincadeiras), como citado pela PEF-3/CRE-C.

Além disso, a teoria da Psicogênese da Escrita desenvolvida por Vygotsky (2005, 2009) e

Luria (2005) mostrou que o desenvolvimento da escrita inicia-se quando o sujeito realiza os

primeiros gestos com a intenção de simbolizar algo, passando pelo jogo e pelo desenho em

direção à linguagem escrita, considerada um simbolismo de segunda ordem. Essa teoria

pressupõe ainda que a aprendizagem da leitura e da escrita inicia-se antes que a criança seja

submetida ao processo de escolarização, ou seja, começa antes de sua interação com sinais

gráficos, passando pela imitação, pelo jogo, em direção à formação da ideia de símbolo.

A Educação Física, no contexto educacional, pode cumprir um importante papel na

formação do aluno, pois, além de uma prática pedagógica, é uma prática social que tem como

objeto de estudo o movimento corporal. Se considerarmos a Educação Física como linguagem

corporal promotora de significados essenciais que permitem compreender o mundo e

participar dele, ela privilegiará, assim, a aquisição e o desenvolvimento da competência geral

de manejar sistemas simbólicos e decodificá-los.

As falas das professoras de Educação Física que participaram desta pesquisa revelam

que elas absorveram o conceito de alfabetização em seu sentido amplo, ou seja, revelam que

elas entendem o processo de letramento, fazem inter-relações com o conceito de

alfabetização, o que acreditamos ser positivo, uma vez que a alfabetização e o letramento não

são partes constituintes do conhecimento acerca da Educação Física.

4.7.2 – A PERCEPÇÃO DA PROPOSTA PEDAGÓGICA DA SME GOIÂNIA PELAS

PROFESSORAS DO CAMPO ESPECÍFICO

Neste eixo da análise, trataremos como a professora pedagoga e a de Educação Física

da escola-campo compreendem a alfabetização e o letramento dentro da proposta das

Diretrizes Curriculares do município e do Projeto Político Pedagógico da instituição. Assim

como na seção anterior, nossa intenção é compreender se há um conhecimento por parte das

professoras sobre as concepções e organização curricular do processo de alfabetização e

letramento.

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184

Foi perguntado às professoras da escola-campo, PP-Rosa e PEF-Maria, se elas

conhecem, dominam e se têm acesso às propostas das Diretrizes Curriculares (DC) da SME

Goiânia, especificamente em relação ao processo de alfabetização. As professoras afirmaram

conhecer as Diretrizes Curriculares. A PP-Rosa, mais sucinta, não discorreu sobre o assunto, e

complementou a questão seguinte, afirmando que articula sua prática com a proposta da RME

e que realiza seu planejamento de acordo com as DC.

A professora de Educação Física, PEF-Maria, além de afirmar ser conhecedora das DC

da SME, complementou:

PEF-Maria: procuro abordar os conteúdos respeitando essa diversidade de

conhecimentos sobre o corpo e o processo de desenvolvimento de acordo com a faixa etária

dos alunos. O conteúdo trabalhado aborda jogos, brincadeiras, atividades recreativas, jogos

cooperativos e competitivos, de forma lúdica e prazerosa, conhecendo as possibilidades e

limitações de cada aluno.

Porém, ao questionar a PEF-Maria sobre a proposta de alfabetização da RME, a

docente afirmou:

PEF-Maria: Conheço superficialmente, mas tento me inteirar através de discussões

dentro da escola e com colegas e pela minha segunda formação que é de pedagoga, mas

ainda não atuo nessa área. Quando estive na coordenação pedagógica do Ciclo I, participei

da formação do “PRA LER”, que me ajudou muito a entender um pouco a proposta de

Alfabetização da Rede.

Dois pontos nos chamaram a atenção na resposta da PEF-Maria sobre o conhecimento

da proposta de alfabetização da RME. O primeiro refere-se à sua iniciativa em tratar do

assunto junto às suas colegas de trabalho. Pesquisas realizadas por Tardif (2014) apontam que

os saberes adquiridos através da experiência profissional constituem fundamentos de sua

competência e o ensino se desenvolve num contexto de múltiplas interações que representam

condicionantes diversos para a atuação do professor. O autor denomina esses saberes de

saberes experienciais, os quais formam “um conjunto de representações a partir dos quais os

professores interpretam, compreendem e orientam sua profissão e sua prática cotidiana em

todas as suas dimensões. Eles constituem, por assim dizer, a cultura docente em ação”

(TARDIF, 2014, p. 49). Nesse sentido, podemos supor que a PEF-Maria procura em sua

relação pedagógica dentro da escola a troca de conhecimentos e experiências com outros

professores, uma vez que o docente raramente atua sozinho (TARDIF, 2014, p. 49), pois ela

se encontra em interação com outras pessoas em um meio social, que é a escola. “Os saberes

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185

experienciais fornecem aos professores certezas relativas a seu contexto de trabalho na escola,

de modo a facilitar sua integração” (TARDIF, 2014, p. 50).

O segundo ponto refere-se ao fato da PEF-Maria possuir, além da formação em

Educação Física, a formação em Pedagogia, o que dá a ela conhecimentos específicos dessa

área de atuação, como o conhecimento sistematizado dos processos de aquisição da escrita e

leitura, foco desta pesquisa, e denominados por Tardif (2014) de saberes disciplinares. Estes

são os saberes sociais definidos e selecionados pela instituição universitária que

correspondem aos diversos campos do conhecimento que emergem da tradição cultural e dos

grupos sociais produtores de saberes. Além disso, a PEF-Maria já assumiu o cargo de

Coordenadora Pedagógica no Ciclo I e, enquanto coordenadora, participou do curso PRA

LER28

, oferecido pelo Centro de Formação de Professores da SME. Essas informações

favorecem um leque ampliado de conhecimentos sobre o processo de ensino-aprendizagem da

leitura e escrita e que deveriam ser expressos na prática pedagógica da professora.

Ao afirmar que aborda os conteúdos da Educação Física, no que diz respeito ao

processo de desenvolvimento corporal de acordo com a faixa etária dos alunos, a PEF-Maria

está em consonância com a proposta da SME no que se refere aos Ciclos de Formação e

Desenvolvimento Humano, algo que visualizamos quando foi questionado se ela conhecia a

proposta da RME:

PEF-Maria: Tento trabalhar dentro da proposta do Ciclo, respeitando o ciclo de

desenvolvimento humano dos alunos, onde as turmas são agrupadas por idade e respeitando

o desenvolvimento biológico e a maturidade de cada educando. Procuro articular meus

conhecimentos com o coletivo de professores, trabalhando em parceria, onde a integração do

currículo de Educação Física com as demais áreas do conhecimento é essencial.

Os Ciclos de Formação referem-se a uma concepção de educação para o Ensino

Fundamental organizada por ciclos e não por séries, em que o direito à aprendizagem é

considerado um direito do exercício da cidadania, buscando possibilitar às crianças

oportunidade de participar do movimento de transformação social. Como forma de

organização dos grupos de crianças há, nos Ciclos de Formação, um agrupamento das

crianças: Infância (6 a 8 anos) – Ciclo I; Pré-adolescência (9 a 11 anos) – Ciclo II; e

Adolescência (12 a 14 anos) – Ciclo III. A visão de Ciclos de Formação e Desenvolvimento

Humano defendida pela SME Goiânia reconhece a necessidade de que cada fase do

28

O PRA LER foi um curso obrigatório para todos os coordenadores pedagógicos das unidades escolares da

SME Goiânia, realizado através do Centro de Formação dos Profissionais da Educação, que visava à formação e

à orientação dos coordenados sobre a alfabetização. Hoje esse curso não está mais presente, pois foi substituído

pelo PNAIC.

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186

desenvolvimento do educando (infância, pré-adolescência e adolescência) seja respeitada, que

o desenvolvimento humano dos sujeitos seja percebido em suas características e necessidades,

para que as práticas educativas possam contemplar as especificidades de cada tempo de vida.

A proposta de Ciclos considera as características dos educandos em suas diferentes

idades e situações socioculturais e, à medida que os educandos alcancem os

objetivos propostos para cada ciclo, suas vivências deverão ser enriquecidas,

propiciando a continuidade ao processo de aprendizagem. Em síntese, a organização

em Ciclos de Formação e Desenvolvimento Humano pressupõe o respeito ao

processo de construção de conhecimento de cada educando. (GOIÂNIA, 2009, p.

61)

No entanto, apesar de reconhecer que o educando tem sua base biológica, a proposta

enfatiza as atividades específicas para cada etapa do desenvolvimento. Nesse sentido, a SME

Goiânia entende que essa base biológica se efetiva na vida em sociedade, ou seja, ela

compreende que o processo de hominização é produto da interação de suas características

biológicas com o meio social. “É na interação que estabelece com seu meio que o ser humano

se apropria dos sistemas simbólicos, das práticas sociais e culturais” (GOIÂNIA, 2009, p. 61).

Para garantir ao educando o desenvolvimento de suas potencialidades e interpretar a

complexa realidade em que vive, como um sujeito interativo, a concretização desse

desenvolvimento exige a compreensão do que seja ensino-aprendizagem e de como ele se

articula com a totalidade da formação humana. Assim, pressupõe-se que a aprendizagem é um

processo de formação contínua que se inicia antes do processo de escolarização da criança e

que

as aprendizagens que o educando realiza em seu cotidiano antecipam-se ao

desenvolvimento, desafiando-o a novas aprendizagens e à construção de novos

conhecimentos. Por meio da intervenção e da colaboração de pessoas mais

experientes estabelece-se um processo de mediação que, no caso da escola, envolve

todo o coletivo. (GOIÂNIA, 2009, p. 62)

Esse conceito de aprendizagem histórico-cultural é defendido por Vygotsky (2005) ao

discorrer sobre a Zona de Desenvolvimento. Para o autor, o que uma criança é capaz de

realizar sozinha sem a ajuda de outrem é denominada de Zona de Desenvolvimento Real

(ZDR). O professor, ao propor e auxiliar atividades que superem os limites da capacidade

atual da criança (realiza a mediação do conhecimento), refere-se ao nível de desenvolvimento

potencial. Nas palavras de Vygotsky, “a diferença entre o nível das tarefas realizáveis com

auxílio dos adultos e o nível de tarefas que podem desenvolver-se como uma atividade

independente define a área de desenvolvimento potencial da criança” (2005, p. 12). O teórico

sustenta também que a área de desenvolvimento potencial permite determinar os futuros

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187

passos da criança e a dinâmica de seu desenvolvimento e também o que produzirá no processo

de maturação.

A aprendizagem engendra a área de desenvolvimento potencial, ou seja, estimula e

ativa na criança um grupo de processos internos de desenvolvimento dentro do

âmbito das inter-relações com os outros que são absorvidas pelo curso interior de

desenvolvimento e se convertem em aquisições internas. (VYGOTSKY, 2005, p.

15)

Dessa forma, a aprendizagem é que engendra a área de desenvolvimento potencial, ou

seja, é ela que estimula na criança o desenvolvimento de processos internos. Assim, o

processo de desenvolvimento segue o da aprendizagem, que cria a área de desenvolvimento

potencial. Por isso que afirmar que os Ciclos de Formação e de Desenvolvimento Humano

valorizam as fases do desenvolvimento humano significa refletir sobre o curso do

desenvolvimento da criança numa relação recíproca com o desenvolvimento da

aprendizagem, promovendo em cada fase as formas de inserção no mundo social, de

construção da identidade e de construção de conhecimentos do educando.

Vejamos agora a resposta da PEF-Maria sobre a prática pedagógica, se esta contribuía

para o processo de letramento dos alunos, na perspectiva das Diretrizes Curriculares da RME

Goiânia, e como isso se desenvolvia.

PEF-Maria: Acredito que contribui muito para o processo de letramento, porque

estamos diretamente envolvidos com as questões pedagógicas referentes ao aprendizado dos

alunos. A Educação Física faz parte dos eixos que compõem o currículo da Educação Básica,

sendo garantido o direito a esse conhecimento desde as séries iniciais, porém encontramos

na Rede alguns professores de Educação Física que não se julgam aptos e, às vezes, nem um

pouco dispostos a ajudar os alunos no processo de letramento. Eu, particularmente,

desenvolvo meu trabalho com maior facilidade porque tenho uma segunda formação superior

em Pedagogia. Outro fator que dificulta um maior envolvimento dos profissionais da

Educação Física com o processo de alfabetização e de letramento é a falta de oportunidade

para a formação continuada, como os cursos oferecidos aos pedagogos que não são

disponibilizados para a nossa área de atuação (PNAIC).

Uma das dificuldades apresentadas pela PEF-Maria sobre o não envolvimento da

Educação Física com o processo de alfabetização e de letramento é decorrente da falta de

oportunidade para a formação continuada, como os cursos oferecidos aos pedagogos que

não são disponibilizados para a nossa área de atuação (PNAIC). Poderíamos questionar se

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188

essa situação justifica a falta de interdisciplinaridade ente a Educação Física e a Pedagogia na

escola em relação à alfabetização e ao letramento.

Acreditamos que abrir espaço para que todos os professores de todas as áreas do

conhecimento participem das políticas públicas, no caso especifico do PNAIC, seria o melhor,

porém da forma como ele é organizado e direcionado tem se apresentado inviável. Por um

lado, em termos de políticas públicas nacionais, a afirmação da PEF-Maria não seria

justificável pela especificidade da alfabetização e do letramento serem de responsabilidade da

Pedagogia, mas, por outro lado, justifica-se, tendo em vista que nas DC há a defesa de que o

trabalho seja feito de forma interdisciplinar. Outro ponto também não seria justificável, a

saber: a afirmação da PEF-Maria ao considerar a organização própria da escola e de seus

professores no compromisso com o PPP da escola como projeto coletivo voltado para a

alfabetização e letramento de seus educandos. Além disso, a SME Goiânia tem uma política

de formação continuada de seus professores por meio do Centro de Formação e existe a

procura por cursos de formação continuada no campo da alfabetização pelos professores de

Educação Física, decorrente da ausência desse conhecimento na formação inicial, porém os

cursos oferecidos pela SME Goiânia também são restritos aos professores pedagogos.

Os saberes denominados por Tardif (2014) como saberes curriculares são aqueles

apropriados pelos professores correspondentes aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos

categorizados pela instituição escolar e sistema de ensino, como já descrito anteriormente

neste estudo. Compreendemos, assim como Tardif (2014), que os saberes disciplinares e

curriculares que os professores possuem e transmitem não são o saber dos professores nem o

saber docente, pois, nessa perspectiva, os professores poderiam ser comparados a técnicos e

executores destinados à tarefa de saberes. Nessa perspectiva,

a escola deixaria de ser um lugar de formação para tornar-se um mercado onde

seriam oferecidos aos consumidores (alunos) saberes – instrumentos, saberes –

meios, um capital de informações mais ou menos úteis para o seu futuro [...]. A

função dos professores não consistira mais em formar indivíduos, mas em equipá-los

tendo em vista a concorrência implacável que rege o mercado de trabalho.

(TARDIF, 2014, p. 47)

Entretanto, é necessário compreender as relações que os professores estabelecem com

esses saberes que geram, ao mesmo tempo, relações sociais com os grupos e atores que os

produzem. É preciso entender que os saberes dos professores são plurais, que contêm

conhecimentos e um saber-fazer de origem social. Por isso, ao falar dos saberes dos

professores, é necessário levar em consideração o que eles dizem a respeito de suas relações

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sociais, como articulam os saberes disciplinares e curriculares aos saberes experienciais, como

descritos até aqui.

Nesse sentido, a PEF-Maria reconhece seu saber disciplinar em Pedagogia e que este

favorece sua prática docente como professora de Educação Física, quando afirma “eu,

particularmente, desenvolvo meu trabalho com maior facilidade porque tenho uma segunda

formação superior em Pedagogia” e reconhece que a ausência dos professores de Educação

Física no trato com o letramento e a alfabetização na escola se deve à falta de formação desses

profissionais, como os cursos que são oferecidos aos pedagogos e os mesmo não são

disponibilizados a eles: “Outro fator que dificulta um maior envolvimento dos profissionais

da Educação Física com o processo de alfabetização e letramento é a falta de oportunidade

para a formação continuada, como os cursos oferecidos aos pedagogos que não são

disponibilizados para a nossa área de atuação (PNAIC)”.

Assim, considerar falta de oportunidades na formação continuada desses professores é

também um elemento relevante, pois na formação de graduandos da Educação Física não são

oferecidos estudos sobre o processo de alfabetização e letramento. E isso faz com que esse

profissional fique à mercê do que é discutido e trabalhado no campo da alfabetização dentro

da escola, por falta de conhecimentos específicos sobre a área.

Podemos compreender a fala da PEF-Maria no sentido de que o saber dos professores

deve ser compreendido em íntima relação com o trabalho deles na escola. Nesse sentido, é

importante ressaltar que, historicamente, a Educação Física é caracterizada como uma

disciplina prática, baseada na esportivização, na psicomotricidade, na recreação, na aptidão

física e na saúde, portanto destituída de assumir outras funções relacionadas aos saberes

teóricos dentro da escola. Assim, a Educação Física é desconsiderada enquanto conteúdo

curricular, pois é vista como não necessária à formação do homem, sendo considerada

supérflua, uma vez que não se liga diretamente à atividade produtiva.

Apresentamos a seguir as percepções das professoras sobre a proposta pedagógica da

SME Goiânia, conforme o esquema abaixo:

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Percebe-se que as professoras-sujeitos demonstram conhecimentos sobre os

documentos PCN e DC, uma vez que seus discursos fazem referências a eles e, no caso

específico da Educação Física, fazem também referência ao Coletivo de Autores (2012). Por

outro lado, o fato de as professoras demonstrarem desconhecimento do conteúdo e do que

tratam os documentos oficiais pode ter como razão a falta de formação continuada dessas

profissionais acerca da proposta da RME.

As professoras nas escolas, ao terem acesso às políticas educacionais, passam pelo

processo de assimilação e, mesmo em situações de resistência, suas práticas pedagógicas são

influenciadas por elas, o que Tardif (2014, p. 62) explica como “pluralismo epistemológico

dos saberes dos professores”. Percebe-se, assim, que os professores se apropriam de diferentes

teorias e concepções, como exemplificadas nos documentos oficias, e constroem um saber

também de base eclética, expressos na flexibilidade da atividade docente e utilizados em

função das diferentes situações de trabalho, mais pragmáticas, como apreendidas nos

discursos das professoras-sujeitos da pesquisa. Entretanto, compreendemos que demarcar uma

coerência com o referencial teórico é difícil, pois o ecletismo está presente nas políticas

educacionais. Infelizmente, a formação continuada é negligenciada, em todas as instâncias, o

que influencia nos saberes e práticas dos professores.

Freitas (2012), ao discutir a organização do trabalho pedagógico na escola, afirma que

na sociedade do capital a concepção do conhecimento separa o sujeito que conhece do objeto

a conhecer, separa-se a teoria da prática: “devemos dominar a teoria para, depois, aplicá-la em

uma dada realidade” (FREITAS, 2012, p. 98). E a escola adotou essa fragmentação do

conhecimento em seu interior, essa divisão do trabalho manual e intelectual, na sua

organização curricular.

Percepção sobre as DIRETRIZES CURRICULARES

Professoras PEDAGOGAS

- Construção de competências

- Conhecimento prévio do aluno

Professoras de

EDUCAÇÃO FÍSICA

Desenvolvimento motor

Conhecimentos da cultura corporal

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No interior da atual organização da escola, é “trabalho” desvinculado da prática

social mais ampla. Seja porque a concepção de conhecimento que orienta a

organização da escola admite a separação do sujeito/objeto, teoria/prática, seja

porque a escola nasceu como escola para as classes ociosas e, portanto, para quem

não trabalha, separando-se, progressivamente, da prática desde sua origem, seja

porque a tarefa da escola inclui a necessidade de legitimar hierarquias sociais,

através de hierarquias escolares. (FREITAS, 2012, p. 99)

É preciso, portanto, entender os limites existentes para a organização do trabalho

pedagógico, pois essa compreensão nos ajuda a lutar contra eles.

A discussão apresentada por Marx (2011) sobre a historicidade da sensibilidade

humana é ressaltada por Soares (1988), ao considerar a importância da Educação Física como

componente curricular na escola, pois desconsiderar o que Marx chama de educação dos

sentidos é julgá-la hierarquicamente inferior ao pensamento. Segundo a autora, “o homem é

um ser total e é totalmente que ele se apropria do mundo, é totalmente que ele é humano, só

através da riqueza objetivamente desenvolvida do ser humano é que em parte se cultiva e em

parte se cria a riqueza da sensibilidade subjetiva humana” (SOARES, 1988, p. 19).

Essa visão fragmentada entre conhecimentos ligados à prática e conhecimentos ligados

à teoria corrobora a fala de Tardif (2014, p. 17), quando este afirma que “o saber está a

serviço do trabalho” e explica que, embora os professores utilizem diferentes saberes, essa

utilização se dá em função do seu trabalho e das situações, condicionamentos e recursos

ligados a esse trabalho. Essa ideia, segundo Tardif (2014), possui duas funções: primeiro visa

relacionar o saber à pessoa do trabalhador e ao seu trabalho, àquilo que ele faz, mas também

visa relacionar o saber ao que foi e fez, a fim de evitar desvios em direção a concepções que

não levem em conta sua incorporação num processo de trabalho.

Conforme Sala (2010), a ideia baseada na divisão entre o trabalho manual e intelectual

forja a impressão de que a produção material e a intelectual se constituem como esferas

essencialmente distintas. É nessa pretensa separação que se encontra o grande risco de a

socialização dos conhecimentos escolares se transformar em socialização da dominação de

classe, se tornando instrumento de inculcação da ideologia dominante. Nesse sentido, o autor

observa que “é preciso reconhecer a própria materialidade como um desenvolvimento

contraditório, o que significa abordá-los criticamente” (2010, p. 88).

Concordamos com Soares (1988) quando ela afirma que “o lugar da Educação Física

está garantido, em grau de igualdade com os demais componentes curriculares, na medida em

que a escola recuperar o conhecimento enquanto uma totalidade de saber e não como saberes

complementares” (1988, p. 20). Ou seja, cabe a cada disciplina que constitui o currículo

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192

procurar apreender o que é possível transmitir enquanto parte constitutiva de uma totalidade

de conhecimentos.

Além disso, Soares acredita que a Educação Física na escola deve ser

o caminho para a superação da unilateralidade do trabalho intelectual, a

possibilidade de desenvolver a sensibilidade humana, uma vez que concordamos

com Marx quando diz que os sentidos humanos, não apenas o tato, a audição, a

visão, a gustação e o olfato, mas os sentidos ditos espirituais, como amar, ter

vontade, etc., são obra da história da cultura humana (SOARES, 1988, p. 20).

Nas leituras que subsidiaram esta pesquisa, ficou claro que o aprendizado da

linguagem escrita envolve a elaboração de todo um sistema de representação da realidade,

evidenciando uma continuidade entre diversas atividades simbólicas, como os gestos, o

desenho e o brinquedo. Essas atividades contribuem para o desenvolvimento da representação

simbólica (em que signos representam significados) e, consequentemente, para o processo de

aquisição da linguagem escrita e introdução nas práticas de letramento.

De igual modo, o jogo, a dança, os diferentes esportes e práticas corporais de

diferentes culturas, se entendidas em sua profundidade, ou seja, como fenômenos culturais,

estarão contribuindo, em conjunto com os demais componentes curriculares para a formação

de um ser humano capaz de se apropriar do mundo e sejam os propulsores das ações

estabelecidas com o objeto de conhecimento, a leitura e a escrita.

A seguir, traçaremos considerações sobre o método materialista assim como a

metodologia utilizada neste estudo. Será descrito também a nossa proposta de intervenção em

Educação Física com vistas ao letramento desenvolvida na escola-campo.

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193

5. A EDUCAÇÃO FÍSICA E O LETRAMENTO: UMA PROPOSTA DE

INTERVENÇÃO

Neste capítulo abordaremos os procedimentos teórico-metodológicos adotados para a

construção da proposta de intervenção. Salientamos que as reflexões desenvolvidas nos

capítulos anteriores forneceram subsídios teóricos e empíricos para nossa pesquisa, dando-nos

embasamento a respeito do objeto de estudo em questão. Assim, descreveremos as

informações obtidas no campo específico por meio da observação e registros no diário de

campo com detalhes das aulas de Educação Física na escola-campo, relatos e

desenvolvimentos das atividades e suas peculiaridades, objetivando propiciar uma

aproximação do leitor com o cotidiano do lócus específico. Por fim, apresentaremos o produto

educacional aplicado através de uma sequência didática desenvolvida sob a perspectiva do

letramento.

Ressaltamos que este capítulo apresenta-se como exigência do programa Mestrado

Profissional em Ensino na Educação Básica, conforme regulamento do PPGEEB Stricto

Sensu do CEPAE/UFG, como um diálogo entre a proposta didática e o referencial teórico

adotado. Em virtude disso, serão retomadas algumas considerações teórico-metodológicas

necessárias para sua apresentação.

5.1 – O MÉTODO E A METODOLOGIA CIENTÍFICA

Segundo as recomendações de Severino (2000), o trabalho desenvolvido pelo

pesquisador exige reflexão pessoal, autonomia, criatividade, rigor técnico e científico. Assim,

a perspectiva da autonomia significa que a pesquisa será fruto do esforço do pesquisador, ou

seja, de sua capacidade de se relacionar com outras pesquisas e dialogar com outros autores,

tendo a consciência que a ciência realiza a articulação entre o lógico e o real, entre a teoria e a

realidade. Desse modo, o trabalho científico deve buscar articular conhecimentos na

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194

construção de uma interpretação que apresente soluções para determinado problema,

buscando melhorias, compreensão e transformação da sociedade contemporânea.

Ao realizar uma pesquisa devemos dialogar nossas ideias com a teoria, inter-

relacionando tema, problema, conceitos e metodologia, pois esses são aspectos essenciais para

sua concretização. Nesse ponto da pesquisa, reafirmamos nosso posicionamento no método

materialista dialético, que deve estar vinculado a uma concepção de realidade, de mundo e de

vida.

Pretende-se com essa abordagem metodológica a apreensão do caráter histórico que

envolve o objeto desta pesquisa, que diz respeito ao modo como o professor de Educação

Física e o pedagogo trabalham o processo de letramento. Conforme explica Triviños (2015),

existe um procedimento que orienta o conhecimento do objeto no desenvolvimento da

pesquisa de cunho materialista, que pode ser esboçado em três etapas.

Primeiramente, para compreender os fenômenos na sua concretude é necessário tomar

como ponto de partida os fatos empíricos que nos são dados pela realidade, denominada de

“contemplação viva do fenômeno”. Nessa fase, identificam-se as principais características do

objeto, verificam-se as informações colhidas do mesmo modo que as observações realizadas.

Observamos nessa fase a organização e a seleção das instituições e dos sujeitos de cada região

de Goiânia (campo ampliado) e a definição da Escola-campo (campo específico).

O seguinte passo, a “análise do fenômeno”, é a penetração na dimensão abstrata do

fenômeno (Triviños, 2015, p. 74). Nessa fase, estabelecem-se as relações sócio-históricas do

fenômeno; determina-se a amostragem que possa ser representativa das circunstâncias nas

quais se apresenta a realidade do fenômeno; elaboram-se e aplicam-se diferentes tipos de

instrumentos para reunir informações (questionários, entrevistas, observações). Realizamos,

nessa etapa, a aplicação dos questionários da pesquisa relatados ao longo desta dissertação e

as observações das aulas de Educação Física com a professora-sujeito da Escola-campo, a fim

de apreender e analisar as concepções de letramento, na forma como elas se materializam no

cotidiano escolar por meio de práticas educativas dirigidas aos alunos das turmas “As”.

Por fim, a “realidade concreta do fenômeno” significa estabelecer os aspectos

essenciais do fenômeno, seu fundamento, sua realidade e possibilidades, seu conteúdo e sua

forma, o que nele é singular e geral. Após as observações e conhecimento da realidade da

escola-campo, construímos e desenvolvemos nossa proposta de prática pedagógica da

Educação Física com vistas ao letramento, que permitiu o vislumbre de nuances importantes

do desenvolvimento de processos de leitura e escrita tratados e compreendidos pela Educação

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Física no Ciclo I da RME de Goiânia. Essa fase implicou superar as impressões primeiras do

empírico e ascender às suas leis fundamentais. Assim, o ponto de chegada passa ser o

concreto pensado.

Nesse sentido, a nossa proposta de intervenção de prática pedagógica em Educação

Física com vistas ao letramento não deve ser tratada apenas como resolução de um problema

imediato, em que não há a efetividade de um trabalho interdisciplinar do professor de

Educação Física e o pedagogo no processo de letramento. Ela deve ser tratada como o

desenvolvimento de possibilidades de práticas pedagógicas em Educação Física na sua

relação com a leitura e a escrita, no que diz respeito à resolução de problemas e obstáculos

encontrados na relação entre esses saberes.

A partir dessa revisão sobre as considerações sobre método e metodologia

desenvolvida neste estudo, detalharemos nossas observações acerca da realidade encontrada

na escola-campo e o desenvolvimento da nossa proposta de intervenção.

5.2 – OBSERVAÇÃO DO CAMPO ESPECÍFICO

Conforme Franco (2005), existem momentos a serem priorizados na pesquisa para

garantir a articulação de seus pressupostos ontológicos, epistemológicos e metodológicos,

numa dinâmica pedagógica que deve produzir, nos sujeitos, envolvimento, participação e

produção de saberes a serem incorporados no campo científico. Um desses momentos,

denominados pela autora de “processos pedagógicos intermediários” (FRANCO, 2005, p.

497), pode ser sintetizado na construção da dinâmica do coletivo, que tem por perspectiva

sensibilizar o grupo para a cultura da cooperação. Para isso, há que se pensar que o desenho

da pesquisa requer a instalação de um clima de “cooperação profissional” (2005, p. 498). A

construção de uma cultura de cooperação deve ser uma tarefa de pesquisadores e sujeitos que

pretendem trabalhar no coletivo da escola.

Nessa direção, é importante o cuidado e o respeito no momento da inserção do

pesquisador no grupo. É fundamental o conhecimento do grupo em relação às suas

expectativas, possibilidades e aos seus bloqueios. Para tanto, utilizamos um diário de bordo

“como um instrumento necessário para consignar os dados recolhidos durante todo processo

de pesquisa” (FRANCO, 2005, p. 499), para um registro diário e cotidiano, de forma a

objetivar o vivido e o compreendido.

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Durante os meses de outubro e novembro de 2015, conforme já relatado, estivemos

presentes no campo observando as aulas da professora de Educação Física Maria.

Os horários das aulas na sala A1 eram uma vez na semana, organizados como aula

dupla (cada aula referente a uma hora de duração). Como na escola-campo funcionam dois

ciclos diferentes, Ciclo I e Ciclo II, no período vespertino a equipe diretiva optou por realizar

os recreios de cada ciclo separadamente. Assim, o que seriam duas horas seguidas de aula foi

reduzido para uma hora e vinte, no tempo de duração total da aula. Além disso, toda quarta-

feira a escola realiza a atividade de reagrupamento, como já problematizado nos capítulos

anteriores, o que também modifica o tempo de duração da aula.

A escola possui duas quadras descobertas, uma poliesportiva com piso de cimento

queimado. A outra quadra possui piso concretado como marcação das linhas de futebol e

voleibol, como podemos ver nas fotografias29

1 e 2 abaixo.

29

Só exibirei fotografias dos espaços da escola-campo sem a presença das crianças, porque poderia expor

crianças cujos pais não assinaram o “termo de consentimento”.

Foto 1: Quadra esportiva de piso concretado

Fonte: Dados da pesquisa.

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A professora Maria não utiliza nenhum desses espaços para suas aulas, uma vez que

são espaços abertos, sem cobertura. Além disso, o sol incide durante todo o período

vespertino. Assim, as aulas de Educação Física acontecem no pátio interno da escola, que

possui piso concretado e que fica localizado entre os dois blocos de salas de aulas, o que

geralmente causa desconforto aos outros professores, devido ao barulho das crianças.

Foto 2: Quadra poliesportiva de piso cimento queimado

Fonte: Dados da pesquisa.

Foto 3 – Pátio da escola-campo

Fonte: Dados da pesquisa.

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Ressalvamos que o mesmo local onde as crianças brincam no momento do recreio é

também utilizado para as aulas de Educação Física. Em um primeiro momento, acreditamos

que o uso do mesmo local para atividades diferentes poderia causar uma confusão nas

crianças, pois, apesar de a aula de Educação Física ser divertida e alegre, ela se difere do

momento de recreação livre que as crianças têm. Mas os alunos demonstram entender que o

momento da aula de Educação Física e do recreio são diferentes, pela forma como participam

e realizam as atividades propostas pela professora Maria.

Cheguei30

à escola-campo no momento do recreio e fiquei na sala dos professores

aguardando o horário da aula. Fui apresentada ao coletivo de professores da instituição que

me recebeu bem. Após o sinal, as crianças formam filas na porta da sala aguardando a

chegada da professora e, em filas separadas de meninos e meninas, seguem para a sala de

aula. Os alunos já percebendo minha presença junto à professora Maria, ainda na fila, sorriam

e me olhavam com curiosidade. As cadeiras da sala de aula são dispostas em fila, sem prévia

determinação de lugares dos alunos. Logo que se acomodaram em seus lugares, fui

apresentada à turma pela professora Maria como docente que estaria ali para observá-los

durante as aulas de Educação Física. As crianças, ao mesmo tempo em que se alegravam com

minha presença, e demonstravam por meio de sorrisos e abraços, perguntavam a todo o

momento por que eu escrevia tanto durante a observação da aula. Eu explicava que era um

momento de aprender mais com elas e com a professora Maria, pois “quando crescesse queria

ser uma boa professora, como a professora deles”. As crianças apenas assentiam com a

cabeça e voltavam para a atividade.

Chamamos atenção para o fato da formação de filas com separação de meninos e

meninas na escola e nas aulas da professora Maria, justificada pela professora com o objetivo

de manter a ordem e a disciplina. Essa situação nos oferece elementos para a compreensão do

corpo no espaço pedagógico, pois pode provocar diferença de gênero entre os/as alunos/as

envolvidos/as, uma vez que essa divisão pode gerar a produção de diferenças e desigualdades

entre esses indivíduos, e também informar a posição social que meninos e meninas devem

ocupar. Além disso, a organização dos alunos em filas ressalta o processo de hierarquização

das relações entre professoras e alunos/alunas e entre os próprios educandos, configurando um

campo das relações de poder.

A sala de aula da turma A1 é ornamentada com banners que me chamaram a atenção:

um com o alfabeto ilustrado, outro com as famílias silábicas de todas as letras do alfabeto e

30

Usaremos, neste capítulo, em alguns momentos a primeira pessoa do discurso para falar sobre a experiência na

escola-campo.

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um com a sequência numérica de 0 a 100, como demonstrado nas fotos 4 e 5 abaixo. Essa

apresentação disposta nas paredes das letras e famílias silábicas auxilia as crianças no seu

processo de aprendizado da escrita.

A turma A1 possui 27 alunos matriculados, com faixa etária de 6 a 7 anos, sendo 15

meninos e 12 meninas. São crianças participativas, comunicativas e com dificuldade de se

manterem quietos. Por esta razão, em alguns momentos durante a aula, era necessária uma

voz ativa da professora. A agitação da turma, aqui compreendida como a criança que se

levanta o tempo todo, que conversa sem estar na hora, que atrapalha o colega, requer da

professora Maria aulas mais dinâmicas e movimentadas para acompanhar o ritmo acelerado

das crianças. Sobre essa característica da turma, Luria (2005) lembra-nos dos processos de

autorregulação da criança.

Luria (2005) discute a importância da capacidade de seguir instruções, importância

essa relacionada à capacidade de autoinstrução, de elaborar e de seguir sequências de ação

dirigidas por planos, projetos e intenções. Segundo o autor, quando uma criança é orientada a

Foto 4: Alfabeto ilustrado Foto 5: Sequência numérica

Fonte: Dados da pesquisa. Fonte: Dados da pesquisa.

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200

seguir as instruções dadas pelos adultos, ela assimila depois esse meio de organização das

ações e ela mesma começa a regular suas ações futuras. Nesse sentido, como afirma Luria

(2005), “a palavra dirigida como ordem a alguém converte-se rapidamente, durante o

desenvolvimento, num dos meios mais importantes de autorregulação” (LURIA, 2005, p. 81).

Ou seja, é importante que o professor desenvolva estratégias, ordens e rotinas para as

crianças, de modo que as levem à internalização de um método de organização do

comportamento individual. É preciso também desenvolver a experiência de outras atividades,

diferentes das dinâmicas e aceleradas, como, por exemplo, atividades que exigem um nível de

concentração sobre determinada ação, para que as crianças possam regular seu

comportamento de outra maneira.

Pensando no comportamento das crianças, é importante salientar que, no período em

que passei na escola-campo, um aluno me chamou a atenção por não participar de nenhuma

das atividades propostas durante as aulas observadas. Tratava-se de uma criança que não

interagia com seus pares, não conversava, não realizava nenhuma atividade tanto de sala, na

quadra ou em casa. A escola e as professoras encaminharam um relatório sobre a criança para

ela ser atendida pelo Centro Municipal de Apoio à Inclusão (CMAI)31

, para averiguação de

possíveis déficits de aprendizagem. Ela foi a única criança que não participou ativamente das

aulas, ficando apenas sentada olhando seus colegas.

Tive acesso ao planejamento anual e das aulas da professora de Educação Física.

Conforme o documento, o conteúdo previsto para o terceiro trimestre – período de observação

da pesquisa – era a ginástica.

Observei duas aulas semanais da turma A1 com uma hora e vinte minutos de duração

cada aula durante um mês e meio. Como eram aulas duplas, cada período observado

correspondia a duas aulas semanais. A professora Maria em todas as aulas observadas

manteve uma rotina com os alunos: organização da fila, de meninos e de meninas, explicação

da importância do uso da hidratação (garrafa de água) e, no primeiro momento da aula, o

alongamento corporal. Outra rotina é mantida ao término das aulas; as crianças passam no

bebedouro e na pia para beber água e lavar as mãos antes de retornar para a sala de aula.

Como era o último horário, o portão da escola é aberto cinco minutos antes do término das

aulas para os pais buscarem seus filhos na porta da sala e, às 17h20, toca-se o sino para liberar

todos os alunos.

31 Como já explicado na introdução, os CMAI são centros especializados para atendimento dos estudantes da

Rede Municipal de Educação que apresentem necessidades educacionais especiais (NEE) (Diretrizes

Curriculares da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia, 2009).

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1º Semana: Circuito de três atividades envolvendo coordenação com bambolês (saltos /

amarelinha), cones (contornar / lateralização / saltos) e colchonetes (rolamento pra frente /

lateral / imitar o sapo). A professora Maria demonstrava a atividade e as crianças executavam

logo em seguida, alternando as filas. Após uma sequência de três exercícios, fizeram uma

atividade de pique na linha, envolvendo equilíbrio. No fim da aula, as crianças jogaram

queimada simples.

Jogo de queimada – dois alunos posicionam-se atrás de cada da linha que delimita o

campo de jogo e os demais, no centro do campo. Esses alunos que ficam atrás da linha de

fundo do campo são os queimadores que ficam com a posse da bola, trançando-a um ao outro,

enquanto que os demais jogadores que estão no centro do campo devem fugir da bola para

não serem atingidos. Caso a bola toque um jogador do centro do campo, este será considerado

“queimado” e sai do jogo, não participando mais.

Ao final, durante o jogo de queimada, alguns alunos se dispersaram; enquanto uns

continuavam jogando, outros brincavam de corda. A professora se ausentou da aula indo até a

coordenação e as crianças ficaram com outra profissional, até que a professora Maria

retornasse.

2º Semana – A professora Maria avisou previamente que não estaria na escola nos dias

específicos de observação, pois tinha consulta médica. Foi nessa semana que ela providenciou

uma cópia de seu plano de curso e planejamento das aulas.

3º Semana – Após o alongamento, a professora Maria riscou no chão vários círculos com o

giz. Cada criança ficou dentro de um círculo. A atividade foi cantinho: um aluno não possuía

um círculo e tinha que sair “pedindo cantinho” aos outros que tinham seus círculos. Nesse

processo, os alunos poderiam trocar de lugar (círculos). Caso sobrasse um círculo vazio,

aquele aluno que estava sem poderia tomá-lo e seguia a brincadeira. As crianças obedeceram

às regras, mas só trocavam de lugar ao comando da professora Maria. Após essa brincadeira,

fizeram “coelhinho sai da toca”, com exclusão das crianças que ficavam sem a “casinha”.

Estas ficavam sentadas até terminar a atividade.

Para finalizar, a atividade realizada foi “gato, rato e relógio”. A professora Maria

escolhia a criança que seria o relógio, o gato (pegador) e o rato (fugitivo). As crianças são

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dispostas em círculo e de mãos dadas, o aluno “gato” fica do lado de fora e o aluno “rato” fica

dentro do círculo. O aluno “gato” faz um diálogo com o aluno “relógio”:

Gato: Seu Rato está?

Relógio: Não

Gato: Que horas ele volta?

Relógio: às XX horas – em cada rodada, cada aluno definia a hora desejada.

O aluno “gato” corre ao redor do círculo e, a cada volta, pergunta: quantas horas são?

As crianças respondem: XX horas até chegar a hora definida pelo aluno “relógio”

previamente. Assim que chega a hora marcada, o aluno “gato” tenta “furar” o círculo das

crianças para tentar pegar o aluno “rato”. Nessa brincadeira, as crianças relacionavam as

horas, os números e a sequência numérica.

4ª Semana – Devido à Avaliação Diagnóstica de Ciclo da SME, a professora Maria e a

Coordenação Pedagógica solicitaram que eu não comparecesse à escola, pois iria haver

mudança na rotina e organização das aulas para aplicação e correção das avaliações. Além

disso, a professora Maria foi remanejada de suas aulas para atender outras turmas que não

estavam fazendo a Avaliação Diagnóstica e para colaborar nos relatórios das Avaliações

Institucionais.

5ª Semana – Após o alongamento, a professora Maria organizou duas filas: uma de meninos e

outra de meninas. Ela perguntou para as crianças se elas se lembravam de uma aula que elas

tinham tido sobre basquete e disse que iriam treinar novamente.

Nas filas, em forma de estafetas com cones e bolas de basquete, as crianças realizaram

diferentes atividades de manuseio e condução da bola de basquete:

Condução / drible da bola de basquete (unilateral, apenas um lado dominante)

Condução / drible da bola de basquete contornando os cones

Condução e passe da bola de basquete aos pares

Condução e passe da bola de basquete em zigue-zague (com mudanças de direção) aos

pares

Condução / drible e passe da bola de basquete (com mudanças de direção e marcação):

aos pares, trios, quartetos e pequenos times.

Brincadeira “Bobinho”: destreza, domínio de bola e condução enquanto o colega tenta

tomar a posse da bola. Nessa atividade, no início, houve adesão da maioria das

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crianças, porém, no decorrer, algumas crianças se dispersaram, principalmente as

meninas, que foram se sentar ou brincar com as outras bolas de basquete que estavam

disponíveis na aula. Como caminhava para o fim da aula, a professora Maria permitiu

que essas crianças “brincassem” de driblar a bola.

6ª Semana – Após o alongamento, a professora Maria organizou duas filas: uma de meninos e

outra de meninas. Conversou com as crianças sobre os cuidados que deveriam ter na

realização dos exercícios que fariam aquele dia. A docente também organizou duas filas com

colchonetes uns sobre os outros para que as crianças ficassem mais confortáveis no momento

da atividade.

Com colchonetes organizados, os alunos realizaram variados exercícios como:

Rolamento lateral do corpo sobre o colchonete – bilateralmente

Rolamento de costas – com e sem auxilio da professora

Rolamento de frente (cambalhota) – com e sem auxilio da professora

Após as observações, sentei com a professora Maria para conversamos sobre o que foi

observado das aulas e levantar dúvidas que surgiram durante esse período. A primeira

indagação foi sobre o planejamento das aulas não seguir o planejamento anual. Este previa

para o período observado o conteúdo “Ginástica”, porém as aulas descritas acima não

seguiam o que foi planejado, exceto as aulas da sexta semana. A professora Maria disse que

“não segue à risca” o planejamento anual, pois o dia a dia na escola e com as crianças não

segue padrões. Ainda sem entender o que isso significava, indaguei o que era “seguir

padrões” da escola. Ela respondeu que “nem tudo o que é planejado é realizado, pois cada dia

na escola é um dia diferente, surge uma coisa nova, um problema novo, e você precisa estar

flexível para essas situações”. Além disso, o conteúdo que deveria ter sido finalizado no II

trimestre – jogo, anterior a nossa presença na escola, não foi concluído e, portanto, ela ainda

estava dando aulas do conteúdo anterior.

Por fim, perguntei se havia intencionalidade da professora ao escolher determinadas

atividades, questionei o porquê dessas escolhas e se ela achava que eram significativas para as

crianças. A professora Maria disse que tentava organizar as atividades práticas visando ao

desenvolvimento motor dos alunos. Inferimos assim, que há um espontaneísmo sobre a forma

como a PEF-C/Maria organiza e planeja suas aulas.

A atividade significativa e a intencionalidade são categorias trabalhadas por Vygotsky

(2009, 2014). “Atividade significativa é a maneira pela qual a criança chega a engajar-se em

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atividades que dão significado aos estímulos que lhe são solicitados a dominar, criando com

isso, suas próprias atividades mediadoras, instrumentais” (VYGOTSKY, 2014, pg.31), ou

seja, a atividade é significativa quando a criança executa porque compreende o que está sendo

feito e tem interesse em realizá-la. Desse modo, essa atividade significativa deve estar

relacionada com a intencionalidade do professor em desenvolver determinados conteúdos que

possibilite o processo de aprendizagem do aluno.

A partir desse reconhecimento da realidade da escola-campo, da professora e das aulas

de Educação Física e, principalmente, da realidade dos alunos, expus à professora Maria a

proposta de prática pedagógica voltada para o letramento, que se tornou o produto desta

pesquisa. Estabeleci, ao longo das observações das aulas, uma relação de confiança e de

diálogo com a professora que foi importante durante o processo de aplicação da sequência

didática.

Antes de expor minha ideia sobre a proposta, relatei que executaríamos juntas a

aplicação da sequência didática como parte dos procedimentos da pesquisa. Deixei os

conteúdos e temas abertos para que a professora direcionasse sobre qual temática

trabalharíamos, evitando não interferir em seu planejamento. Essa preocupação em não

atrapalhar o andamento das atividades foi percebida pela professora e foi mais uma atitude

que possibilitou o estabelecimento de confiança entre mim e ela. Assim, quando lhe

apresentei o tema “jogo” e o conteúdo “queimada”, a partir de um livro literário, ela disse

com tranquilidade que aceitaria a proposta.

Compreendemos com essa descrição no trato com a professora que a forma como

entramos e agimos no campo de pesquisa pode facilitar ou causar constrangimentos que

dificultam a dinâmica dialógica entre os envolvidos na pesquisa. Assim, na semana seguinte,

já iniciaríamos a sequência pedagógica.

Essa fase preliminar foi fundamental para o estabelecimento de um acordo mútuo com

a professora Maria. Nela, pudemos esclarecer questões referentes à ética da pesquisa, aos

compromissos com a ação coletiva e com as finalidades do trabalho que desenvolveríamos a

seguir.

5.3 – PROPOSTA DE INTERVENÇÃO: LETRAMENTO EM EDUCAÇÃO FÍSICA

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Nesse processo reflexivo de coletar dados, registrá-los, discuti-los e contextualizá-los,

caminhamos para a construção de saberes num processo dialético, transformador dos

participantes e das condições existenciais, que culminou na proposta de intervenção

desenvolvida juntamente com a professora Maria e a professora Rosa, o que relataremos neste

tópico.

A elaboração do produto educacional e da sequência didática descrita no desenrolar

deste capítulo foi fundamentada na Pedagogia Histórico-Crítica de Saviani (2008) e Gasparin

(2007), nos conceitos de Zona de Desenvolvimento de Vygotsky (1991; 2005; 2009; 2014) e

na perspectiva crítico-superadora da Educação Física do Coletivo de Autores (2002) e no

modelo de sequenciador de aulas de Palafox (2000; 2004).

Para Gasparin (2007), a prática da Pedagogia Histórico-Crítica se desenvolve dentro

de uma concepção dialética do processo educativo, prática-teoria-prática, que parte da prática

social dos indivíduos e do nível de desenvolvimento atual dos alunos, passa pela teorização,

que supera o conhecimento imediato, para se chegar a um novo nível de desenvolvimento,

conforme a Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky (1991), e retorna à prática transformada,

modificando sua realidade imediata.

A sequência didática que apresentaremos foi desenvolvida em seis aulas (totalizando

três dias, sendo um dia por semana). O objetivo era que os alunos conhecessem e praticassem

o jogo de queimada sob a perspectiva do letramento. A atividade foi desenvolvida com

crianças do primeiro ciclo, que vai da pré-escola até o 3ª ano do Ensino Fundamental.

Segundo o Coletivo de Autores (2012, p. 36), este “é o ciclo de organização da identidade dos

dados da realidade”, e cabe à escola “organizar a identificação destes dados constatados e

descritos pelo aluno para que ele possa formar sistemas, encontrar relações entre as coisas,

identificando semelhanças e as diferenças” (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 36).

Assim, nosso ponto de partida, a prática social baseada no nível de desenvolvimento

atual dos educandos, foi o jogo. O jogo, além de ser um conteúdo tratado pela Educação

Física, também desperta o interesse dos alunos, pelo seu aspecto de diversão, alegria,

envolvimento, e é um conhecimento que as crianças já têm.

Em nossas análises do diário de campo, percebemos que as crianças da turma A1

vivenciaram diversas situações de jogo: na primeira semana de observação, praticaram a

queimada; na terceira semana, a brincadeira “coelhinho sai da toca” e, na quinta semana, a

brincadeira “bobinho”. Todas essas situações de jogo e brincadeira observadas tinham em

comum sua prática aleatória e espontaneísta, sem uma sistematização e reflexão sobre o jogo,

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sendo, portanto, um momento de recreação. Havia apenas a exclusão dos alunos durante as

brincadeiras, pois, segundo as regras, eles deveriam sair por ter sido “queimados”; por não

terem conseguido conquistar um círculo no “coelhinho sai da toca” ou por sentir-se excluídos

dentro do próprio jogo “bobinho”, pois a bola não chegava até ela.

Para contextualizar o conteúdo jogo e a contradição da exclusão encontrada nas

vivências dos alunos, proporcionamos a sensibilização e o diálogo sobre a temática através da

literatura e da contação de histórias, algo que Gasparin (2007) chama de prática social inicial

e que o Coletivo de Autores (2012, p. 36) denomina de “experiência sensível”. Isso foi feito

para relacionar o conhecimento do jogo, promovendo a associação deste com que o aluno já

conhece e, a partir disso, ampliar e produzir neles necessidades de nível superior. Partir do

que o aluno já conhece e domina para promover novos conhecimentos é algo que Vygotsky

(2009; 2014) utiliza para explicar sobre o conceito de zona de desenvolvimento real e

proximal.

A zona de desenvolvimento real trata-se de uma etapa do processo de aprendizagem

em que o aluno consegue fazer sozinho o que antes fazia com a colaboração de colegas mais

adiantados ou com auxílio do professor. Nesse nível, a criança dispensa a mediação do

professor ou colegas: “é o nível de desenvolvimento das funções mentais da criança que se

estabeleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento já completados”

(VYGOTSKY, 1991, p.57).

O professor, ao promover atividades com grau de dificuldade maior ou ao estabelecer

relações mediadoras do conhecimento com a realidade, realiza a mediação do conhecimento

e, desta forma, atua no âmbito do nível de desenvolvimento potencial da criança, auxiliando-a

a realizar um conjunto de atividades que ela não conseguia realizar antes sozinha. Assim, com

a ajuda de alguém que lhe dá as orientações adequadas (o professor ou outra criança mais

experiente), ela consegue realizar aquilo que anteriormente ela não conseguia. Para Vygotsky,

o nível de desenvolvimento potencial é mais indicativo do desenvolvimento da criança que o

nível de desenvolvimento real, pois este último refere-se “a ciclos de desenvolvimento já

completos, é fato passado, enquanto o nível de desenvolvimento potencial indica o

desenvolvimento, refere-se ao futuro da criança” (VYGOTSKY, 1991, p. 58).

A distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento

potencial caracteriza o que Vygotsky chamou de zona de desenvolvimento proximal (ZDP),

que é um estágio em que a criança traduz no seu desenvolvimento imediato os novos

conteúdos e as novas habilidades adquiridas no processo de ensino-aprendizagem e revela que

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pode fazer hoje o que ontem não conseguiu fazer. A formulação do conceito da ZDP da teoria

de Vygotsky significa a possibilidade de estudar e intervir na gênese das funções psicológicas

superiores e é na ZDP que o professor tem fundamental importância, pois é nela que o

docente deve dirigir sua atenção dando ênfase não nas funções psicológicas já existentes da

criança, mas nas funções em desenvolvimento, que são relevantes para o desenvolvimento

intelectual geral.

Para Vygotsky (1991), o jogar assume status relevante no processo ensino-

aprendizagem, uma vez que a criança vivencia papéis sociais que se encontram muito além de

suas possibilidades e é no jogo que a ZDP favorece a aprendizagem. Considerando a

possibilidade do jogo como meio de aprendizagem social, desenvolvemos uma proposta que

aborda o jogo com o objetivo do desenvolvimento integral da pessoa, indo além da simples

reprodução ou tendo-o como uma atividade vivenciada diariamente nas aulas de Educação

Física.

O critério de definição do conteúdo jogo, vivenciado através do jogo de queimada a

partir da leitura de um livro literário, foi baseado nos conceitos de ação e atividade definidos

por Leontiev (2014).

Cada estágio do desenvolvimento psíquico da criança caracteriza-se por uma relação

explícita entre a criança e a atividade principal naquele estágio e por um tipo preciso e

dominante de atividade. Esse tipo dominante de atividade Leontiev (2014) chama de atividade

principal. “Atividade principal é a atividade cujo desenvolvimento governa as mudanças mais

importantes nos processos psíquicos da personalidade da criança, em certo estágio de seu

desenvolvimento” (LEONTIEV, 2014, p. 65).

“Atividade são processos que, realizando as relações do homem com o mundo,

satisfazem uma necessidade especial correspondente a ele, coincidindo sempre com o objetivo

que estimula o sujeito a executar esta atividade, isto é, o motivo” (LEONTIEV, 2014, p. 68).

Ou seja, a atividade é algo diretamente ligado ao motivo, ao estímulo, à satisfação de uma

necessidade representada para o próprio sujeito.

Em seus estudos com crianças em idade pré-escolar, Leontiev (2014) percebeu que a

satisfação das necessidades vitais da criança não é definida como atividade, apesar de serem

motivadas (aquilo que estimula a atividade); trata-se, na verdade, de ações que se relacionam

com o próprio processo. A estrutura que caracteriza o motivo (estímulo) no próprio processo é

a brincadeira. Ou seja, é precisamente no brinquedo e na brincadeira, na atividade lúdica, que

a criança desenvolve determinada atividade. Para Leontiev (2014, p. 64), os processos de

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observação e generalização da criança são moldados no próprio brinquedo, em formas

associadas às atividades lúdicas e, dessa forma, é no brinquedo que a criança assimila as

funções sociais que cada pessoa exerce e os padrões apropriados de comportamento.

Distinguimos de atividade o processo que Leontiev chama de ação. Isso porque “um

ato ou ação é um processo cujo motivo não coincide com seu objetivo (isto é, com aquilo para

o qual ele se dirige), mas reside na atividade da qual ele faz parte”, (LEONTIEV, 2014, p.

69), ou seja, na ação o seu objetivo, por si mesmo, não estimula a agir. Para que a ação surja e

seja executada, é necessário que seu objetivo apareça para o sujeito, em sua relação com o

motivo da atividade da qual ele faz parte. Em outras palavras, na ação a criança executa o

objetivo, mas este não o estimula a executar por si só, não há motivação e nem estímulo para

realizá-lo. Como Leontiev (2014) exemplifica, quando um aluno faz a leitura de um livro,

somente quando aquela leitura é necessária para passar em uma prova, a leitura do livro torna-

se uma ação, pois aquilo para ela não é seu motivo, uma vez que ela foi induzida a ler. O

motivo, assim, não é produto do prazer e da vontade de ler, mas sim da necessidade de tirar

uma boa nota na prova.

O conhecimento da criança, isto é, sua interpretação dos fenômenos da realidade,

ocorre em conexão com sua atividade, isto é, “a questão do conhecimento depende de qual

sentido pessoal que um fenômeno tem para a criança, e não de seu conhecimento do

fenômeno” (LEONTIEV, 2014, p.73). Portanto, para que uma ação surja, é necessário que seu

objetivo (seu propósito direto) seja percebido em sua relação com o motivo da atividade da

qual ele faz parte.

Assim, consideramos o conteúdo do jogo não somente enquanto atividade recreativa,

mas demos a ele um tratamento metodológico fundamentado na sua historicização enquanto

construído socialmente, a partir de uma interpretação crítica da realidade (COLETIVO DE

AUTORES, 2002). Portanto, ao partir da leitura de uma história do gênero textual fábula, que

gera nas crianças o aspecto da imaginação e do protagonismo, e ao partir da vivência do jogo

de queimada como os personagens da história, essa proposta de intervenção torna-se

carregada de sentido para a criança; não se torna um jogar pelo jogar, mas torna-se atividade,

porque, ao ser executada, seu objetivo aparece para o sujeito e tem relação com o motivo da

atividade da qual ele faz parte.

Devido a uma mudança no horário de aula da escola-campo, para essa sequência

tivemos duas aulas seguidas, de uma hora cada, na turma A1. Por isso as aulas serão descritas

conjuntamente em cada tópico. A descrição de cada etapa da sequência didática será transcrita

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na terceira pessoa do plural e representa uma interlocução entre mim e a professora Maria,

uma vez que executamos juntas a proposta pedagógica presente nesta pesquisa. Pensando

nessa questão, Franco (2005) considera impossível o trabalho formal de diagnóstico e/ou

planejamento de ação quando ainda pesquisador e grupo não se colocam enquanto um “nós”,

que está junto para elaborar uma tarefa coletiva.

Aula 1 e 2 – Leitura do livro Deu queimada no cerrado – Diane Valdez

Preparamos os recursos audiovisuais juntamente com a chegada dos alunos à sala de

aula, o que demandou certo tempo. Enquanto organizava a aparelhagem, a professora Maria

acompanhava a entrada das crianças. A escola possui uma TV com entrada HDMI fixada na

sala de aula e, com o scanner das imagens ilustrativas do livro apresentados no programa

PowerPoint, os alunos puderam assistir às ilustrações do livro enquanto ouviam a história.

Iniciamos a aula com a reapresentação da pesquisadora e a proposta da aula daquele

dia. Anunciamos que teríamos uma história bem legal e divertida para ver e ouvir.

Perguntamos às crianças se elas gostavam de ouvir histórias e como deveria ser a postura ao

escutar uma história, priorizando o silêncio para que todos pudessem compartilhar do que

seria dito.

Soares (2012) define a leitura como a habilidade de decodificar símbolos escritos; a

habilidade de captar significados; a capacidade de interpretar sequencia de ideias ou eventos,

analogias, comparações, linguagem figurada, relações complexas, anáforas. Para além desse

conceito técnico de leitura, quando lemos para uma criança fazendo as intervenções sobre a

história. Ou quando a própria criança lê, a leitura permite fazer previsões iniciais sobre o

sentido do texto, de “construir significado combinando conhecimentos prévios e informação

textual, de monitorar a compreensão e modificar previsões iniciais quando necessário, de

refletir sobre o significado do que foi lido, tirando conclusões e fazendo julgamentos sobre o

conteúdo” (SOARES, 2012, p. 69).

Depois de anunciar que seria contada uma história, apresentamos o livro Deu

queimada no cerrado e seus personagens. Perguntamos aos alunos o que eles sabiam sobre o

cerrado, o que é, onde fica e o que tem no cerrado; propomos a eles questões como: o que eles

entenderam sobre o título? Será que o livro falará sobre o quê? O que poderia ser uma

queimada? E cerrado, o que era? Realizamos essa ambientação sobre o bioma cerrado para

explicar e situar a criança em que lugar se passava a história, antes mesmo de iniciarmos sua

contação.

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Nosso objetivo não era o trato com o bioma, mas antecipar sentidos e ativar os

conhecimentos prévios relativos aos textos a serem lidos pelo professor e levar os alunos a

refletirem sobre o título do livro Queimada no cerrado.

- Professora Maria: Será que vai pegar fogo no cerrado? Ultimamente vemos muitas queimadas

por aí, né, meninos? E isso faz mal pra nossa respiração.

- Aluno A: É mesmo, tia. Ontem tinha um mato lá perto pegando fogo...

Com o intuito de trabalhar o gênero textual fábula, questionamos as crianças se os

animais falavam como os personagens da história. Todos responderam uníssonos com um

“não”, pois “bicho não fala, né, professora? Bicho faz barulho”. A partir dessa resposta,

explicamos o gênero literário fábula, seus conceitos e características. Experimentamos a

fábula como meio pedagógico, pois compreendemos a mesma como sendo detentora de

características que facilitam a apreensão e a produção de discussões por trabalhar temas de

conhecimento de todos.

Vale ressaltar que o trabalho com gêneros textuais é uma proposta pedagógica prevista

na Proposta Político Pedagógica da escola-campo, proposta esta que apresenta como

objetivos: “fazer uso das linguagens oral e escrita, estabelecendo adequação a diferentes

situações sociocomunicativas; desenvolver noções das estruturas e finalidades de gêneros

textuais como listas, convites, bilhete, receita, cartão e outros” (PPP escola-campo, 2016, p.

33). O trabalho com gêneros textuais também é previsto nos Parâmetros Curriculares

Nacionais e nas Diretrizes Curriculares da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia. Os

PCNs apresentam como ponto de partida do ensino os gêneros textuais e considera que “todo

texto se organiza dentro de um determinado gênero em função das intenções comunicativas,

como parte das condições de produção dos discursos os quais geram usos sociais que os

determinam” (BRASIL, 1998, p. 21). As Diretrizes Curriculares da SME Goiânia têm como

concepção de língua o discurso realizado nas diferentes práticas sociais e apresenta como um

de seus objetivos “produzir textos orais e escritos de diferentes gêneros, respeitando as

relações de temporalidade e de causa e efeito, necessários a sua coerência e coesão”

(GOIÂNIA, 2009, p. 71).

Após essa ambientação dos alunos com a história a ser contada, iniciamos a leitura do

livro – enquanto a professora Maria contava a história, eu projetava as imagens na tela da TV.

Os alunos prestavam atenção em tudo: na entonação da voz que era dada pela professora

Maria e nas ilustrações do livro que apareciam na televisão. Observavam principalmente os

animais ilustrados e aqueles que eles ainda não conheciam. Após a contação da história,

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enquanto discutíamos sobre ela, o livro impresso foi passado de mãos em mãos por todos os

alunos para que pudessem pegar e manusear individualmente o que acabaram de ouvir.

Amparadas pelo método dialético de construção do conhecimento escolar e a proposta

da Pedagogia Histórico-Crítica, realizamos a problematização da atividade. A

problematização “é a criação de uma necessidade para que o educando, através de sua ação,

busque o conhecimento” (GASPARIN, 2007, p. 35).

Após a leitura, iniciaram-se as reflexões sobre o que acharam da história, se gostaram,

quais eram os personagens e o que eles faziam. Resgatamos os conhecimentos prévios dos

alunos sobre o significado da palavra queimada, como fogo ou como jogo. Questionamos

também se as crianças conheciam o jogo que foi relatado na história e se sabiam jogar. Na

oralidade, as crianças narravam como se joga queimada e, logo, perguntaram se eles iriam

jogar como os bichos. Nossa intenção era permitir que os alunos expressassem oralmente suas

ideias, além de ouvirem com atenção e respeito o ponto de vista dos colegas.

Nas discussões sobre os problemas que os animais enfrentaram para organizar as

equipes de queimada, que, pelo gênero textual fábula, é algo que se refere à moral da historia,

surgiram pontos importantes como o time dos “bons e dos ruins”. Nesse momento, as crianças

apontavam os dedos entre si e montavam o time daqueles que consideravam mais habilidosos.

Sobre esse fato, discutimos que todos são bons e ruins em várias situações e é importante

termos várias habilidades dentro da equipe. Questionamos sobre a divisão dos times entre

meninos e meninas, porém as crianças não fizeram nenhum comentário sobre a questão de

gênero, apesar de ser observável nas aulas que eles vivenciam a divisão por gêneros no

momento da fila e na organização nas aulas. Como não obtivemos uma resposta das crianças,

comentamos com elas sobre essa separação de gênero e que todas as pessoas devem ser

respeitadas e valorizadas, sendo meninos ou meninas. Esse momento foi de grande

importância para nós, PEF-Maria e pesquisadora, pois as discussões e diálogos

problematizados com os alunos nos permitiu apreender as questões a serem resolvidas

naquela turma.

Acreditávamos, no início da nossa observação do campo, que a separação entre

meninos e meninas pudesse ser uma questão a ser dialogada com os educandos, porém, em

nossas conversas, esse fato não gerava, a priori, conflitos e tensões entre eles, talvez porque já

estavam habituados àquela rotina na escola e, nas aulas, essa questão passava despercebida.

Assim, percebemos que relações de gênero nas aulas de Educação Física, demarcadas pela

separação das filas, se fazem presentes no interior da escola e são marcadas por uma

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212

aprendizagem do silenciamento, uma vez que não se discute sobre essa questão. Tal fato

poderia no futuro, na sequência das aulas, ser outra proposta para intervenção.

Dando continuidade à sequência, entregamos para os alunos uma folha com cabeçalho

padronizado pela escola. A professora Maria fez o cabeçalho no quadro para os alunos

preencherem suas atividades. Dos vinte e dois alunos presentes neste dia, cinco alunos

solicitaram a ficha com seus nomes para copiarem, pois ainda não sabiam escrever sozinhos.

Essa ficha com nomes de toda a turma fica exposta em um mural na sala de aula. Com a

intenção de avaliar a compreensão de leitura da história ouvida representada através de

desenho, solicitamos que cada aluno desenhasse a respeito do que se tratava a história que

eles acabaram de ouvir e o que entenderam sobre ela. Dentre os vinte desenhos, destacamos

que apenas seis crianças não fizeram a relação do jogo e a história, o que corresponde a 22%

da turma. Nossa intervenção na escola em três dias é um tempo curto para que todos os alunos

se apropriem da história, e é possível que as crianças que não realizaram as atividades

necessitassem de um tempo maior para a aprendizagem.

Escolhemos três desenhos representados pelas crianças que remetessem ao jogo e à

história, como podemos ver nas imagens abaixo:

Imagem 1: Desenho sobre o livro Deu queimada no cerrado

Neste desenho, a criança representou os personagens

da história do livro: a sucuri, a capivara, a ema, a

cutia e os periquitos no galho da árvore. A ema está

com a bola nas “mãos” representando os animais

durante o jogo.

Fonte: Dados da pesquisa.

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213

Imagem 2: Desenho sobre o livro Deu queimada no cerrado

Neste desenho, a criança fez a representação de

um campo, um local de jogo definido que se

assemelha a um campo de futebol. No meio do

campo, os animais-personagens da história e a

definição das equipes do jogo queimada.

Fonte: Dados da pesquisa.

Imagem 3: Desenho sobre o livro Deu queimada no cerrado

Neste desenho, a representação dos animais-

personagens da história com a separação das

equipes (dois animais para cada lado da árvore) e

bola da queimada. Diferentemente da Imagem 3,

o espaço do jogo aqui é definido pelo bioma

cerrado.

Fonte: Dados da pesquisa.

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214

Para praticar o jogo, é necessário também ter domínio e habilidades motoras que

visam permitir uma melhor compreensão dos limites e possibilidades corporais de

movimento. O caráter da técnica ou do desenvolvimento da aprendizagem motora permite que

a criança, uma vez que já domina certos tipos de movimentos corporais, possa ter condições

de criação e diversificação de movimentos corporais no futuro. Assim, caminhamos para o

terceiro momento da aula, quando questionamos que material precisaríamos para poder jogar

a queimada. Todos os alunos responderam bola. Com o objetivo de construir e reconhecer as

propriedades dos materiais/ objetos para jogar, explicamos que para jogar precisaríamos fazer

uma bola. Distribuímos folhas de jornal e meia-calça para cada criança e, passo a passo, cada

aluno produziu sua própria bola de meia. Dando sequência à aula, as crianças experimentaram

o objeto construído, com seu tamanho, peso e forma. Vivenciaram também várias

possibilidades corporais utilizando a bola, como: circundar a bola pelas partes do corpo,

lançar e pegar a bola com diferentes graus de dificuldade, arremessos e pegadas com e sem

auxílio de um colega.

Para finalizar esse momento, conversamos com a turma sobre as informações

apresentadas na aula e todos questionaram quando eles iriam jogar a queimada. Apenas uma

criança expressou que já conhecia a história trabalhada. Relembrei que voltaria na semana

seguinte para praticarmos o jogo. Como avaliação geral da aula, na oralidade, os alunos

disseram sobre o momento mais legal da aula e o que aprenderam sobre ela. Uma aluna

respondeu sobre a história dos bichos do cerrado, outra sobre o significado da palavra

queimada que pode ser fogo ou brincadeira, mas, em sua maioria, as crianças responderam

que a experimentação corporal com as bolas de meia foi o ponto mais importante. Observei

que os alunos se envolveram nessa atividade, e um deles justificou que “eu fiz coisas que não

dava conta tia”, referindo-se à experimentação das possibilidades de movimento com a bola

de meia.

Aula 3 e 4 – O jogo de queimada

Nosso objetivo com este estudo é relatar possibilidades de trabalho interdisciplinar

entre os professores pedagogos e de Educação Física, porém, mesmo com nossa presença na

escola-campo durante a aplicação deste produto, percebemos que estava havendo uma

separação da professora de sala e a de Educação Física. Nossa hipótese sobre a contradição

levantada era que não havíamos conseguido estabelecer um vínculo de confiança e

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215

demonstração de possibilidades de trabalho em conjunto entre a professora pedagoga Rosa e a

pesquisadora.

Retornei à escola-campo na semana seguinte para dar continuidade à sequência

didática e antes de encontrar com os alunos da turma A1, conversei com a professora

pedagoga Rosa sobre a nossa proposta pedagógica, o livro que trabalhamos com os alunos e

solicitei a ela que nos ajudasse no desenvolvimento das atividades de leitura e escrita visando

um trabalho interdisciplinar voltado para o letramento. A professora Rosa comentou que já

havia trabalhado o livro Deu queimada no cerrado com os alunos e que foi uma “feliz

coincidência termos levado a mesma história para as crianças”. Apesar de uma aluna na aula

anterior ter comentado que já conhecia o livro, perguntei se ela poderia me explicar como

realizou as atividades do livro com os alunos e marcamos para a semana seguinte, em seu

horário de estudo, nossa conversa, pois ela iria reunir as produções dos alunos.

Já com os alunos da turma A1, iniciamos a aula com a reapresentação da pesquisadora

e a proposta da aula daquele dia. Retomamos questões discutidas na aula anterior: sobre qual

livro lemos, sobre o que ele tratava, o que fizemos na aula. Após essa conversa inicial,

explicamos o que iríamos fazer naquele dia, que era o jogo da queimada semelhante ao dos

animais do cerrado que retratava o livro.

No pátio da escola, a professora Maria iniciou o alongamento corporal com as

crianças, que é uma rotina em suas aulas e não era nosso objetivo alterar sua forma de dar

aula. Após o alongamento, as crianças experimentaram novamente possibilidades de

movimentos com a bola de meia que eles construíram na aula anterior. Nossa intenção era

retomar as experiências anteriores e apresentar um maior grau de dificuldade nos movimentos

com a bola de meia. Os alunos vivenciaram outras possibilidades corporais utilizando a bola,

como: lançar e pegar a bola com diferentes graus de dificuldade, arremessos e pegadas com e

sem auxílio de um colega e arremessos no alvo.

Dando continuidade à sequência, questionei as crianças como os personagens do livro

se organizaram para escolher o time de queimada.

- Aluno: eles brigaram, mas depois resolveu

- Pesquisadora: brigaram por quê?

- Aluno: por que cada bicho queria o time de um jeito

- Pesquisadora: e como eles resolveram a escolha dos times?

- Aluno: misturando todo mundo

Após esse diálogo com as crianças, questionei também as crianças como é que se

jogava queimada. Na oralidade, elas explicaram:

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- Aluno 132

: precisamos de uma bola

- Aluno 2: uma pessoa joga a bola e não pode encostar na pessoa

- Pesquisadora: e se a bola encostar na pessoa, o que acontece?

- Aluno 3: ela sai da brincadeira

- Pesquisadora: mas sair da brincadeira é bom?

- Alunos: não!!!!

O jogo de queimada que as crianças descreveram é um jogo simples, sem formação de

equipes, em que temos em cada lado do campo um jogador, que chamamos de base ou

reserva, e todos os outros participantes ficam no meio do campo. Os jogadores das bases

lançam a bola um para o outro e também tentam acertar (queimar, carimbar) o colega que se

encontra no meio do campo. Quando a bola toca o jogador do meio do campo, este sai do jogo

e não participa mais da atividade. As crianças já conheciam essa forma de jogar a queimada e

foi a partir dela que desenvolvemos a aula.

Podemos perceber no diálogo descrito acima entre os alunos e a pesquisadora, a

característica excludente do jogo da queimada, pois aqueles que são “queimados” saem do

jogo, não participam mais e perdem o prazer que o jogo e a brincadeira proporcionam.

Segundo Leontiev (2014), existem jogos que só dão prazer à criança se ela considerar o

resultado interessante. Assim, os jogos que com muita frequência são acompanhados de

desprazer, como a exclusão na queimada, o resultado pode ser desfavorável à criança. “O

brinquedo é caracterizado pelo fato de seu alvo residir no próprio processo e não no resultado

da ação. [...] Por isso, nos jogos dos adultos, quando a vitória, mais do que a simples

participação, torna-se o motivo interior, o jogo deixa de ser brincadeira” (LEONTIEV, 2014,

pg. 123).

Problematizar a prática social das crianças consiste em ver a realidade e tomar

consciência de como ela se coloca no todo. Ao questionar e relacionar a história do livro com

as experiências dos alunos, percebemos que o problema levantado na história do livro na

escolha dos times não se apresentava com as crianças da turma A1. Para Gasparin (2007) esse

processo de problematização é também o questionamento do conteúdo escolar a ser

confrontado com a prática social, pois “ao relacionar o conteúdo com a prática social,

definem-se questões que podem ser encaminhadas e resolvidas por meio desse conteúdo

específico” (GASPARIN, 2007, p. 37).

Estabelecemos nesse momento de nossa pesquisa o que Gasparin (2007, p. 53)

denomina de “instrumentalização”. A instrumentalização “é o caminho pelo qual o conteúdo

32

Utilizaremos o termo “aluno” seguido de um numeral para descrever o diálogo estabelecido com as crianças,

apenas como caráter descritivo e para facilitar a compreensão do leitor. As crianças não serão identificadas, pois

não assinaram o TCLE.

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sistematizado é posto à disposição dos alunos para que o assimilem e o recriem e, ao

incorporá-lo, transformem-no em instrumento de construção pessoal”.

A professora Maria organizou os alunos nas equipes, misturando meninos e meninas

aleatoriamente. Para as crianças o importante era participar da brincadeira, portanto, a

exclusão do jogo era a contradição a ser resolvida. Decidimos coletivamente que todos iam

participar juntos do jogo da queimada e para resolver a questão do colega queimado, este

deveria trocar de lugar com o colega das bases. Desta forma, todas as crianças participaram do

jogo sem se sentirem excluídas. Não exigimos regras rígidas para o jogo, o simples toque da

bola no corpo da criança já foi considerado queimado e a troca de posição no jogo fluía

rapidamente, ou seja, praticamente todas as crianças vivenciaram a função de “queimador” e

de “queimado”. Nesta atividade, os alunos estabeleceram uma comparação intelectual entre

seus conhecimentos cotidianos e os conhecimentos científicos33

, apresentados e mediados

pela professora, possibilitando que eles incorporassem esses conhecimentos.

Dessa forma, os alunos poderão perceber, por exemplo, que um jogo como a

“queimada” é discriminatório, uma vez que os mais fracos são eliminados

(queimados) mais rapidamente, perdendo a chance de jogar. Isso não significa não

jogar “queimada”, senão mudar suas regras para impedir a sobrepujança da

competição sobre o lúdico. (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 66)

Dando continuidade à aula, questionamos às crianças como era o movimento para

queimar os colegas no jogo que eles acabaram de participar.

- Aluno1: a gente joga a bola tia, com o braço, assim oh (imitação do movimento de arremesso)

- Pesquisadora: e onde mais a gente pode fazer esse movimento de arremessar?

- Aluno 2: ahhh tia não sei

- aluno 3: a gente joga pedra nos outros (risos)

- Aluno 4: mas não pode jogar pedra nos outros

- Pesquisadora: não pode mesmo jogar pedra nos outros e nem qualquer outro objeto, por que pode

machucar e é deselegante.

- Aluno 5: tia a gente pode brincar daquele esporte de jogar bola

As crianças quiseram descrever o movimento do arremesso presente apenas nos

esportes, como o basquete e o handebol. Nossa intenção ao questionar em que outras

situações podem utilizar o movimento do arremesso era instigar as crianças no exercício do

pensamento, vinculando a brincadeira com situações reais e abranger as possibilidades de

captação da realidade que as cerca. A partir disso, incentivamos as crianças a criarem outro

33

Vygotsky (2009) define que conhecimentos científicos surgem e se constituem por meio de uma imensa tensão

de toda a atividade do próprio pensamento da criança: “eles se formam no processo de aprendizagem,

distinguem-se dos espontâneos por outro tipo de relação com a experiência da criança, outra relação sua com o

objeto desses ou daqueles conceitos” (VYGOTSKY, 2009, p. 263).

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jogo que pudessem utilizar o arremesso. Percebendo que os alunos não demonstravam outras

experiências corporais diferente dos esportes, apresentamos à elas o jogo arremesso de bolas.

Propiciamos aos educandos novas experiências corporais sobre o arremesso, partindo

do conhecimento que as crianças já possuíam. Esta instrumentalização de novas práticas

corporais possibilita a simultaneidade e a incorporação espiralada do conteúdo, previsto pelo

Coletivo de Autores (2012). A “simultaneidade” (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 34) é

a relação do conteúdo com a realidade, as diversas formas de arremesso e o conhecimento

prévio dos alunos, explicita a relação que eles mantém entre si para desenvolver a

compreensão da realidade e ampliação do conhecimento. A incorporação espiralada do

conteúdo significa “compreender as diferentes formas de organizar as referências do

pensamento sobre o conhecimento para ampliá-las” (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p.

34).

O jogo “arremesso de bolas” consiste em arremessar diversas bolas menores em

direção a uma bola maior que se encontra no centro do campo. A bola maior ao ser rebatida

por outras bolas menores se desloca da sua posição original. As crianças são divididas em

duas equipes posicionadas de lados opostos, tendo a bola maior no centro. Assim, cada equipe

recebe a mesma quantidade de bolas menores, neste caso, utilizamos as bolas de meia que as

crianças construíram, e arremessam em direção a bola maior. Ao arremessarem a bola de meia

contra a bola maior, esta se deslocará para o campo oposto. Não tínhamos a intenção de

provocar a competição, por isso, nosso incentivo era que a bola maior não pudesse ficar

parada no mesmo local, as crianças tinham que a todo momento, arremessar as bolas de meias

contra a bola maior.

Tomamos o cuidado no sentido de atentar para que o jogo de arremesso de bolas não

se tornasse mera repetição mecânica de movimentos já realizados na queimada. Assim,

oportunizamos para as crianças um momento de criação, no qual elas deveriam criar novos

gestos e movimentos e dar novos significados às ações do jogo, enriquecendo as

possibilidades de expressão do aluno, de seu repertório motor e da sua apreensão crítica e

criativa das manifestações da cultura corporal. Além disso, estimulamos a modificação da

regra do jogo queimada para que nenhuma criança fosse eliminada. Assim,

os educandos, com auxílio do professor, apropriam-se do conhecimento socialmente

produzido e sistematizado para enfrentar e responder aos problemas levantados.

Dentro desta perspectiva, não mais adquire o conteúdo por si mesmo; a apropriação

dos conhecimentos ocorre no intuito de equacionar e/ou resolver, ainda que

teoricamente, as questões sociais que desafiam o professor, as alunos e a sociedade.

(GASPARIN, 2007, p. 53)

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219

Retomando o conceito de atividade descrito por Leontiev (2014), vemos que, para

analisar uma atividade, incluída a do aluno, é preciso interessar-se pelo sentido da atividade e

pela sua eficácia. O sentido que o aluno atribui ao estudo depende da sua posição social e da

sua relação com o saber escolar. Portanto, não é o fato de ler um livro somente que promove o

sentido da atividade, mas é a concepção de jogo, atividade apontada por Vygotsky (2005,

2009) que indica uma amplitude do campo cognitivo, afetivo, social e corporal das crianças.

Desse modo, nossa intenção, com a atividade proposta, foi desenvolver possibilidades de

criação de novos movimentos, adaptação e mudança das regras, autorregulação e domínio

corporal, além de promover situações que discutissem a inclusão/discriminação dos

participantes. Nesse sentido, o conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky

(1991) permite-nos delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de

desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido através do

desenvolvimento, como também àquilo que está em processo de maturação.

Isso quer dizer que a aprendizagem foi significativa, pois os alunos apropriaram-se do

objeto do conhecimento em suas diversas relações sociais concretas, recriando-o e tornando-o

seu, construindo novos conhecimentos. “Desta forma, o conhecimento constrói-se através de

aproximações sucessivas: a cada nova abordagem são apreendidas novas dimensões do

conteúdo” (GASPARIN, 2007, p. 52).

Para finalizar a sequência, conversamos com a turma sobre o que aprenderam com a

aula. Na oralidade, os alunos disseram sobre o momento do jogo de queimada em si, e que

todos brincaram ao mesmo tempo, além de brincarem novamente com as bolas de meia no

jogo “arremesso de bolas”. Levamos os alunos para lavarem as mãos e beberem água e

retornamos para a sala de aula.

Aula 5 e 6 – Produção textual

“A escrita pode ser definida como uma função que se realiza, culturalmente, por

mediação” (LURIA, 2014, p.144). Para o autor, o escrever pressupõe a habilidade para usar

alguma insinuação, por exemplo, um ponto, um símbolo, uma letra, como signo funcional,

sem qualquer sentido ou significado em si mesmo, mas apenas como uma operação auxiliar,

cuja percepção leva a criança a recordar a ideia ou conceito a qual se refere. A mediação que

Luria se refere é o uso da insinuação, do signo auxiliar, ou seja, os símbolos, as letras.

Para uma criança ser capaz de escrever, Luria (2014) explica que duas condições

devem ser preenchidas. A primeira refere-se sobre as relações da criança com as coisas ao seu

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redor de forma que estas devem representar algum interesse para a criança, coisas que gostaria

de possuir ou com as quais brinca; e os objetos são instrumentos que desempenham um papel

utilitário e só tem sentido enquanto auxílio para a aquisição de algum objetivo, que possui um

significado funcional para a criança. A segunda condição é a de que a criança deve ser capaz

de controlar seu próprio comportamento por meio desses subsídios. Assim, só quando a

criança desenvolve sua relação funcional com as coisas, faz uso de instrumentos da complexa

relação com o mundo exterior, adaptação que se faz por mediação através do uso dos

símbolos e signos, é que as complexas formas intelectuais do comportamento humano

começam a se desenvolver.

Para Luria (2014), escrever é uma das funções culturais típicas do comportamento

humano, pois pressupõe o uso funcional de certos objetos e signos e símbolos, que são as

letras. “Em vez de armazenar diretamente alguma ideia em sua memória, uma pessoa escreve-

a, registra-a fazendo uma marca que, quando observada, trará de volta à mente a ideia

registrada” (LURIA, 2014, p.99).

A escrita é um componente importante do processo de alfabetização e

consequentemente, do letramento. Nas atividades de escrita, conforme Tfouni (2010), parte-se

do pressuposto que as crianças se apropriam dos conteúdos, transformando-os em

conhecimento próprio em situações de uso, quando têm problemas a resolver e precisam

colocar em jogo tudo o que sabem para fazer o melhor que podem. Assim, para finalizar nossa

sequência e estabelecer as relações da Educação Física com o letramento e adequarmos à

proposta da Escola-campo, os alunos da turma A1 escreveram um texto sobre as regras do

jogo de queimada.

Além disso, a produção textual é um elemento obrigatório na Escola-campo

pesquisada e que todos os professores devem desenvolver em suas aulas, independentemente

da disciplina em que lecionam. Os professores pedagogos devem produzir um texto semanal e

os professores de Educação Física uma produção textual mensal. As produções textuais das

crianças são entregues à coordenação pedagógica, por amostragem, para acompanhamento do

processo de escrita e leitura dos alunos.

Retomamos com as crianças o jogo de queimada que elas vivenciaram na aula

anterior. Na oralidade as crianças descreviam como praticaram o jogo. Neste momento,

optamos por realizar a produção textual com o professor sendo este o escriba dos alunos, ou

seja, as crianças relatam a história, o texto a ser escrito e o professor escreve no quadro o que

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os alunos citam fazendo as interferências necessárias, como escrita das palavras, pontuação,

parágrafos, etc, ou seja, elementos necessários para a construção de um texto.

A escrita coletiva é uma possibilidade metodológica que pode ser utilizada pelo

professor em sala de aula e que envolve todos os alunos. Nesse contexto, o professor atua

necessariamente como mediador no processo de elaboração textual. Em uma sala de

alfabetização, encontramos alunos com processo de consolidação das habilidades de ler e

escrever juntamente com alunos que ainda não estão alfabetizados. Diante dessa

heterogeneidade, cabe ao professor mostrar como o processo de construção da escrita ocorre e

que a escrita exige uma organização coerente das ideias para que os outros compreendam o

que se pretende comunicar. O papel do professor tem sua importância, pois ao escrever na

lousa estará explicitando aos alunos os comportamentos próprios de quem escreve e estará

problematizando a produção ajudando-os a observarem o que ainda não é observável.

Conforme Tfouni (2010), tal prática deve favorecer a construção de escritas de acordo

com as ideias construídas pelas crianças e promover a busca de informações específicas de

que necessitem, tanto nos textos disponíveis como recorrendo a informantes (outras crianças e

o professor). O conhecimento sobre a natureza e o funcionamento do sistema de escrita

precisa ser construído pelas crianças com a ajuda do professor. Para que isso aconteça é

preciso que ele considere as ideias das crianças com o objetivo de desencadear e apoiar as

suas ações, estabelecendo um diálogo com elas e fazendo-as avançar nos seus conhecimentos.

As crianças podem ter decorados os textos que serão escritos, como, por exemplo, as regras

do jogo queimada, mas ao escrever, as crianças precisam usar o conhecimento disponível

sobre o sistema de escrita, e o professor de Educação Física pode buscar o material escrito dos

alunos para que possa ajudar a decidir como grafar cada palavra, ajudá-los a pensar sobre a

identificação de letras e sílabas em palavras; formação de palavras a partir de letras ou sílabas;

ou mesmo ajudar na cópia de letras, sílabas, palavras e frases; na contagem de letras em

sílabas, de letras e sílabas em palavras e de palavras em frases; etc.

Mayrink-Sabinson (1998) realizou um estudo de registro a respeito da aquisição da

escrita por uma criança que a levou a questionar o papel do adulto nesse processo. Para a

autora, o papel do adulto letrado é mais importante do que ser um simples “informante sobre a

escrita, pois é o professor quem atribui intenções e interesses à criança, orienta sua atenção

para aspectos da escrita, recortando-a com seu gesto e sua fala, tornando-a mais significativa”

(MAYRINK-SABINSON, 1998, p. 111). Desta forma, quando nos propusemos a ser o

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escriba do texto que os alunos ditavam na oralidade, nos tornamos também co-autores das

hipóteses sobre a escritas das crianças da turma A1, um vez que

o modo de falar sobre a escrita, as práticas discursivas do adulto, recortadas e

incorporadas pela criança, são por sua vez, retomadas e incorporadas pelo adulto,

num jogo muito mais dinâmico do que o que supõe o elemento letrado com

“informante sobre a escirta” e o elemento não-letrado como aquele que, a partir da

informação recebida, vai construir um conhecimento sobre a escrita. (MAYRINK-

SABINSON, 1998, p. 111)

Antes de iniciarmos a produção textual com as crianças, a professora Rosa (pedagoga-

referência) nos orientou a escrever o texto no quadro com letra de forma, caixa alta, uma vez

que alguns alunos ainda não conseguiam realizar o traçado da letra cursiva. Foi dada às

crianças a escolha do tipo de letra que escreveriam em sua atividade: aquelas que já sabiam

fazer a letra cursiva poderiam utilizá-la, assim como os que ainda não conseguiam tal tipo de

traçado da letra poderiam escrever com a letra bastão.

Transcrevemos abaixo o texto coletivo produzido pelos alunos, para facilitar a

compreensão do leitor:

Nas imagens a seguir, podemos visualizar o texto escrito coletivamente pela turma A1.

Deu queimada na escola

Para jogar queimada precisamos de jornal amassado e uma meia para fazer a bola.

São escolhidos dois queimadores que ficam um em cada lado da quadra e o restante dos

jogadores ficam no meio da quadra.

Os queimadores jogam a bola nos colegas que tentam fugir da bola. É considerado

queimado quando a bola encosta na pessoa. Se a pessoa é queimada, ela sai do jogo.

Vence o jogo quem fica por último na quadra.

Autores: Turma A1

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Imagem 4: Produção de Texto: letra cursiva I Imagem 5: Produção de Texto: letra cursiva II

Fonte: Dados da pesquisa. Fonte: Dados da pesquisa.

Imagem 6: Produção de Texto: letra bastão I Imagem 7: Produção de Texto: letra bastão II

Fonte: Dados da pesquisa. Fonte: Dados da pesquisa.

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Não é nosso objetivo realizar uma análise linguística sobre os textos produzidos pelos

alunos. Nossa intenção ao apresentar algumas produções textuais é de caráter demonstrativo

das possibilidades pedagógicas com as crianças nas salas de alfabetização. Porém, nossa

proposta visa um trabalho interdisciplinar entre os professores de Educação Física e

pedagogos, com vistas ao letramento dos alunos, e, portanto, as produções textuais foram

compartilhadas com a professora Rosa, pedagoga-referência da turma A1, para que ela, no seu

trato pedagógico faça as intervenções necessárias junto às produções e aos alunos, como por

exemplo: a correção individual de cada texto, organizando parágrafo, pontuação, margem,

ortografia e reescrita do texto pelos alunos de forma individual.

Dos vinte alunos presentes neste dia, quatro não conseguiram realizar a atividade

proposta de forma escrita, com a produção de texto. Estes alunos durante todo o momento da

aula mantiveram-se dispersos, decorrente de variados motivos, e ao final da aula, realizaram

um desenho sobre o jogo de queimada que praticaram. Nota-se nos exemplos abaixo, que eles

desenharam as pessoas com a bola dentro de um quadrado, representando a quadra, e um

desenhou a árvore que fica no meio do pátio onde realizamos o jogo de queimada com a

turma, como podemos ver nas imagens 7 e 8 abaixo:

Imagem 7: Produção de Texto: desenho I Imagem 8: Produção de texto: desenho II

Fonte: Dados da pesquisa. Fonte: Dados da pesquisa.

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Ainda que tenha sido um texto coletivo, produto de uma cópia do quadro que foi

reproduzida pelos alunos, algumas crianças apresentaram dificuldades de escrita e na

organização textual. Analisamos este fato ao conceito da imitação definido por Vygotsky

(1991; 2005). Imitação utilizada por Vygotsky (2005) não é um copiar irrefletido de ações,

mas seu contrário. Com o auxílio da imitação na atividade coletiva guiada pelo adulto, a

criança pode fazer muito mais do que com a capacidade de compreensão de modo

independente. Para o autor, a criança só consegue imitar aquilo que está em seu nível de

desenvolvimento potencial, ou seja, a “diferença entre o nível das tarefas realizáveis com o

auxílio dos adultos e o nível das tarefas que podem desenvolver-se com uma atividade

independente define a área de desenvolvimento potencial da criança” (Vygotsky 2005, p.12).

Este conceito leva a hipótese de que os alunos que não conseguiram realizar a cópia do

texto, sob o ponto de vista da potencialidade do desenvolvimento, estão em níveis diferentes

dos demais alunos e com o auxílio da imitação, a criança passa do que é capaz de fazer para o

que ainda não é capaz de fazer. Vygotsky (2005) afirma que a tarefa concreta da escola

consiste em fazer todos os esforços para encaminhar a criança a desenvolver o que lhe falta.

Por isso que um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar a zona de

desenvolvimento proximal, ou seja, o aprendizado desperta vários processos internos de

desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas

em seu ambiente e quando em operação com seus companheiros. Uma vez internalizados,

esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança.

Propusemos aos alunos que registrassem como foi o jogo de queimada das aulas

anteriores. Semelhante ao título da história do livro que lemos para as crianças, como relatado

na aula 1 desta sequência, o título que as crianças deram ao texto foi “Deu queimada na

escola”, porém, diferentemente do livro, que é uma fábula, a produção textual das crianças foi

de descrição do como se pratica o jogo queimada, um tipo de texto instrucional. Percebemos

também que as crianças não relataram o problema sobre a exclusão do participante quando é

queimado no jogo, ficando esta contradição excluída da produção textual das crianças.

Consideramos este fato importante, pois as crianças foram motivadas a tratar das

contradições e da exclusão durante a atividade e vivência do novo jogo, mas consideramos

que o período da nossa presença com a turma e o tempo pedagógico da prática do jogo para

que pudessem internalizar outra apreensão do real foi curto, pois foi apenas uma aula,

somando-se ainda que e as crianças jogaram a queimada com as novas regras enquanto

estávamos presentes na escola. A partir dos estudos de Bakhtin (2006), sobre a compreensão

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226

do corpo e sua relação com o mundo, podemos afirmar que o corpo se constitui como um

signo que surge imerso em uma determinada realidade histórico-social, pois carrega em si

processos de interpretação e expressão, mas que este processo é construído ao longo das

relações sociais, portanto o tempo de aprendizagem e de internalização da atividade deveria

ter sido prolongado para que houvesse uma maior apreensão pelas crianças.

Fazemos um adendo ao uso dos gêneros textuais trabalhados nesta sequência didática.

Iniciamos nossa atividade com o uso do gênero textual fábula e finalizamos com a produção

escrita do gênero textual instrucional. Marcuschi (2002, p.19) define gêneros textuais como

entidades sócio-discursivas e formas de ação social profundamente ligado à vida cultural e

social que contribuem para estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia. Ou seja, os

gêneros textuais podem ser considerados a materialização das várias práticas sociais que

permeiam a sociedade, articulados de tal forma que são a efetiva realização da linguagem oral

ou escrita.

Marcuschi (2002) ao tratar dos gêneros textuais baseia-se nos conceitos de Bakhtin

(1997) sobre gêneros do discurso, ao partir da ideia de que a comunicação verbal só é possível

por algum gênero textual. Para Bakhtin (1997), o uso da língua está presente em todas as

esferas da atividade humana e sua utilização efetua-se em forma de enunciados, orais e

escritos, que integram as esferas da atividade humana e refletem as condições específicas de

cada comunicação, portanto a língua é uma atividade social, histórica e cognitiva. “Qualquer

enunciado considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da

língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos

de gêneros do discurso” (Bakhtin 1997, p. 277). “É neste contexto que os gêneros textuais se

constituem como ações sócio-discursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo,

constituindo-o de algum modo” (MARCUSCHI, 2002, p. 22). Assim, o trabalho com os

gêneros textuais, defendido por Bakhtin (1997) e Marcuschi (2002), abre perspectivas para o

trabalho com a linguagem, pois tem como objeto de ensino as ações de linguagem e as

especificidades que envolvem cada uma.

Marcuschi (2002) esclarece ainda que há uma diferença conceitual entre tipo textual e

gênero textual. Conforme o autor, tipos textuais são construções teóricas definidas pela

natureza linguística, são traços linguísticos (lexicais, sintáticos, tempos verbais) que formam

uma sequencia textual adotada na escritura do gênero, conhecidas como narração,

argumentação, exposição, descrição, injunção, etc, ou seja, o tipo textual forma a “tessitura

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227

das sequencias tipológicas como uma armação de base, uma malha infraestrutural do texto”

(MARCUSCHI, 2002, p. 27).

Em contraponto, o autor salienta que os gêneros textuais são textos materializados que

“apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades

funcionais, estilo e composição característica” (MARCUSCHI, 2002, p. 23), como por

exemplo, carta, bilhete, lista de compra, receita culinária, fábula, instrução de uso, etc. Assim,

os gêneros textuais constituem textos materializados que cumpre funções em situações

comunicativas. “Em suma pode-se dizer que os gêneros textuais fundam-se em critérios

externos (sócio-comunicativos e discursivos), enquanto os tipos textuais fundam-se em

critérios internos (linguísticos e formais)” (MARCUSCHI, 2002, p. 34).

Nesse sentido, é importante que as crianças percebam que um jogo também possui

regras (textuais e linguísticas) de funcionamento diferentes de um bilhete ou uma fábula e

estes, por sua vez, difere-se entre si. Ainda que não dominem todos os gêneros, por não

conviverem com alguns deles como interlocutores imediatos, é necessário que as crianças

saibam reconhecê-los em função da relação entre o uso da linguagem e as esferas sociais em

que se exercem essas atividades.

Retomando à sequência didática, a professora Maria atuou como escriba no quadro

enquanto que a pesquisadora realizava as intervenções junto às crianças para a composição do

texto. Durante o processo de construção textual, questionávamos os alunos sobre a escrita das

palavras e utilizávamos o banner de sílabas exposto na parede da sala de aula como apoio para

as crianças “ditarem” como se escrevia determinadas palavras. Demos ênfase na escrita das

palavras “queimada”, “queimador” e “queimar” por sugestão da professora pedagoga Rosa,

pois simultaneamente à nossa sequência ela estava trabalhando com a letra Q com as crianças.

Esta integração com a professora pedagoga Rosa foi intencional e permitiu a demonstração

que o trabalho com letramento é possível entre as várias áreas do conhecimento.

Após a escrita e construção do texto, realizamos a leitura do mesmo: a professora

Maria leu o texto para os alunos e depois as crianças leram o texto em conjunto. Nesse

momento, percebemos que alguns alunos realmente liam o que estava escrito, enquanto que

outros ressoavam palavras sobre o texto.

Terzi (1995) estabelece três momentos relevantes caracterizados por diferentes tipos

de influência da oralidade na construção da escrita. No primeiro há a retomada da linguagem

do dia-a-dia na interação com o adulto. No segundo, quando as crianças começam a fazer

sentido do texto na leitura individual, identificam no texto as palavras já conhecidas e

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228

questionam aspectos próprios da escrita. No terceiro, utilizam, na reconstrução do texto lido, o

processo de construção textual próprio da interação face a face. Na sequência didática

trabalhada, trabalhamos dentro do primeiro momento descrito por Terzi (1995),

problematizamos “a retomada da comunicação”, pois oferecemos condições para que as

crianças percebessem a escrita como significativa ao registrar o jogo de queimada que eles

realizaram anteriormente. Nessa ocasião, após escrever o texto, os alunos tentaram ler o que

eles mesmos acabaram de escrever.

No segundo momento da leitura, a professora Maria lia pausadamente e apontava com

as mãos cada palavra do texto. Concomitantemente, ela fazia perguntas sobre o que os alunos

liam.

- Pesquisadora: que palavra é essa mesmo turma A1? (apontando a mão para a palavra

jogo)

- Alunos: jogo!

- pesquisadora: sobre que jogo nós acabamos de escrever?

- Alunos: queimada

- Pesquisadora: onde é que está escrito queimada aqui no texto?

- Alunos: ali oh tia (apontava o dedo para o quadro), onde começa com Q

Lemos (1998) nos explica que este processo de ler para a criança, interrogando-a sobre

o sentido do que ‘’escreveu’’ e/ou escrevendo para a criança ler, o professor, insere a criança

no movimento linguístico-discursivo da escrita. Ao refletir sobre o que foi escrito e lido,

buscamos a discussão do conteúdo da história através de perguntas e as crianças estabelecem

as primeiras relações entre a oralidade e a escrita. Terzi (1995) nos explica que o texto ainda

não é visto como uma unidade significativa quando não há a interferência do adulto, porém,

quando as crianças dão as respostas sobre a história, fazem sentido para a mesma. O texto que

as crianças acabaram de ler e escrever não são mais um conjunto de símbolos gráficos. Ele é

agora significativo, portanto, um objeto diferente que deve ser observado e conhecido de

maneira diferente.

A construção da escrita pelas crianças se dá a partir do conhecimento que têm da

língua oral e o primeiro passo parece ser o de verificar até que ponto esse

conhecimento permite que entendam a escrita. Isto faz com que o adulto, ao mesmo

tempo que dá suporte à análise da escrita, busque relacionar esta análise à atribuição

de sentido ao texto (TERZI, 1995, p. 109).

Após todo este processo, as crianças receberam as folhas para cópia do texto no

quadro e finalizaram a produção com a ilustração do jogo de queimada que tinham acabado de

descrever. Houve o lanche e me despedi da turma A1. Assim, compreendemos que a

alfabetização não é somente um momento em que a escola leva o aluno a conhecer e dominar

as relações entre os fonemas e as letras que constituem o alfabeto, não apenas para conhecê-

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229

las e decodificá-las somente, mas para utilizar a escrita em práticas letradas concretas e de

circulação social, uma vez que, em práticas de alfabetização e letramento como estas, ao se

alfabetizarem, os alunos despertam o interesse e prazer, bem como compreendem a utilidade

da escrita e de sua circulação social, de suas finalidades e formas.

5.3.1 – FINALIZANDO A PROPOSTA, INICIANDO NOVAS POSSIBILIDADES

Como foi relatado na aula 3, solicitamos à professora pedagoga Rosa que nos ajudasse

no desenvolvimento das atividades de leitura e escrita visando um trabalho interdisciplinar

voltado para o letramento, pois o trabalho interdisciplinar é a base de toda a nossa proposta

pedagógica. Como a professora Rosa já havia desenvolvido atividades com o livro “Deu

queimada no cerrado” com os alunos ela nos apresentou os trabalhos da turma A1 e suas

produções. Percebemos que a partir deste dia, a professora Rosa passou a nos ajudar mais na

execução da nossa sequência didática. Em nossas conversas, na porta da sala de aula antes da

nossa entrada, ela nos orientava sobre as dificuldades de leitura e escrita de alguns alunos, no

uso dos banners alfabético e silábico que tinha na sala, no uso do tipo de letra a ser trabalhado

com os alunos e por fim, fez questão de corrigir as produções de textos dos alunos após a

finalização da nossa permanência na Escola-campo. Percebemos que a contradição levantada

da segregação da professora pedagoga com a professora de Educação Física no início da

aplicação da sequência didática foi superada. É possível que isto se deva à criação de vínculo

entre a pesquisadora e a professora pedagoga Rosa, mas não podemos restringir o trabalho

interdisciplinar decorrente da nossa presença enquanto pesquisadora na escola, mas pode ser

considerado pertinente, pois possibilitou que estas professoras refletissem sobre os conteúdos

escolares e trabalho interdisciplinar entre ambas.

A professora Rosa relatou que desenvolveu com as crianças a leitura do livro e

atividades de interpretação sobre o mesmo; releitura artística da capa do livro, com ilustração;

leitura e escrita dos animais/personagens da história e visita ao zoológico municipal. No trato

com o tema cerrado, realizaram atividade de pesquisa sobre os frutos do cerrado, com leitura e

escrita de frutos característicos do bioma através da música “Frutos da Terra”, de Marcelo

Barra. Concomitantemente à nossa intervenção na Escola, a professora Rosa retomou com os

alunos a leitura do livro, com atividade xerocopiada da história de forma resumida e

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230

atividades de leitura e escrita a partir da palavra “queimada”, como por exemplo, lista de

palavras com a letra Q.

Na semana seguinte a aula 6, a Escola-campo recebeu a visita da autora do livro “Deu

queimada no cerrado”, Diane Valdez. A convite da professora Rosa e da professora Maria,

compareci a Escola neste dia e acompanhei as apresentações das produções da turma A1. Foi

um dia de culminância do projeto de leitura desenvolvido pela Escola-campo, com mural de

exposição dos trabalhos, contação de histórias feita pela própria autora e apresentação de

dança dos alunos com a música “Frutos da Terra” do cantor e compositor, Marcelo Barra,

desenvolvida pela professora pedagoga Rosa, como observadas nas imagens abaixo:

Imagem 9: Mural de exposição dos trabalhos dos alunos

Fonte: Dados da pesquisa.

Finalizamos com a aula 6 nossa intervenção junto aos alunos e com a professora

Maria. Nesse sentido, é importante salientar que sabemos que o letramento não se encerra

com essa proposta de sequência didática. Ao longo desta pesquisa, consideramos como

letramento “o estado ou condição de indivíduos ou de grupos sociais de sociedades letradas

que exercem efetivamente as práticas sociais de leitura e de escrita” (SOARES, 2002, p. 145),

ou seja, o letramento é a participação efetiva em práticas sociais que envolvem a língua

escrita.

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231

Para Rojo (2006), a alfabetização deve trabalhar além do conhecimento do alfabeto,

precisa fazer com que o aluno conheça sobre “textos em gêneros de circulação social

concreta, aos quais são importantes para a prática social ativa e cidadã dos alunos” (ROJO,

2006, p.28), como por exemplo, desde guiar-se por receitas e rótulos culinários, ou instruções

sobre o uso de um aparelho eletrônico ou jogo, até deleitar-se com um romance ou escrever

uma carta de leitor a um jornal, por isso nossa finalização com a produção textual dos alunos.

Soares (1998) conceitua o letramento como um universo que vai além da

codificação/decodificação da linguagem escrita, constituindo-se numa condição de (re)

conhecer a utilização desse código no cotidiano pessoal e coletivo, o que significaria o pleno

uso das possibilidades linguísticas. Quando dizemos que para a criança aprender a ler e

escrever ela precisa compreender a função da escrita nas práticas sociais, estamos dizendo que

ela precisa conhecer em que circunstância e com que objetivo se usa a escrita nos diferentes

tipos de textos. Isso acontece porque cada tipo de texto exige de nós um tipo de leitura; em

outras palavras, podemos dizer que, para produzir um texto, precisamos nos apropriar das

características que ele precisa ter. Dito de outro modo, a escrita se apresenta de maneira

diferente, por exemplo, na história de um livro ou na escrita sobre as regras de um jogo. Para

aprender a ler e a escrever, é preciso saber como a escrita é utilizada nos diferentes textos,

inclusive para compreender como se pratica determinado jogo.

Destacamos o papel importante que o jogo e as brincadeiras exercem no desenho e na

aprendizagem dos alunos. Por meio do jogo, a linguagem corporal desenvolve-se,

possibilitando outras formas de expressão, e o corpo torna-se veículo para produção e

comunicação da linguagem. Eles são elementos importantes na produção de diferentes formas

de linguagem e possibilidades de apropriação da realidade e das contradições decorrentes

dele. Leontiev (2014) afirma que o brinquedo surge a partir da necessidade da criança de agir

em relação não apenas ao mundo dos objetos diretamente acessíveis a ela, mas também em

relação ao mundo dos adultos. Dessa forma, o brinquedo – e, consequentemente, o jogo – “é

o caminho pelo qual as crianças compreendem o mundo em que vivem, pois assimilam a

realidade humana” (LEONTIEV, 2014, p. 130).

A proposta de jogos nas aulas de Educação Física é uma forma de promover a leitura

de mundo, uma leitura refletida sobre seu significado e sua relação com a Cultura Corporal.

Ele pode suscitar a discussão do questionamento das regras, como por exemplo, o diálogo que

obtivemos com as crianças quando uma pessoa era queimada e era excluída do jogo. E este

deve ser um dos motivos pelo qual o aluno deve aprender o jogo orientado, na atividade do

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professor, por “um processo científico de preparação para determinadas atividades da cultura

corporal” (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 69). Isto porque os jogos irão implicar na

organização e julgamento do aluno a respeito de valores, de avaliação de decisão, tudo o que

ele necessitará a todo o momento em sua vida.

Dentro dos diversos caminhos para o trabalho com o letramento e a alfabetização,

demonstramos uma possibilidade para significá-la dentro do nosso contexto, bem como da

especificidade da área de Educação Física, e assim oferecer aos alunos um conteúdo ao

mesmo tempo representativo e superador. Tentamos demonstrar com esta sequência didática,

uma possibilidade de atuação interdisciplinar entre os professores de Educação Física e

pedagogos com alunos das salas de alfabetização do Ciclo I. A proposta pedagógica consistiu

em trabalhar o conhecimento da cultura corporal, em particular, o jogo, atrelado ao processo

de alfabetização e letramento, nas atividades de leitura e escrita realizadas de forma

interdisciplinar.

Saviani (2008) ao discorrer suas análises sobre o livro de Guiomar Namo Mello,

“Magistério de 1º grau: da competência técnica ao compromisso político”, o autor relata que

Mello (1982) simula uma situação de fracasso escolar em que determinados professores ao

estabelecerem estratégias de ação sobre este problema real em uma determinada escola

realizaram uma tentativa de leitura da prática docente e indicaram alternativas para suprir o

fracasso escolar. Saviani (2008) traduz esta hipótese de ler um movimento possível na prática

docente como uma aposta dos professores envolvidos para resolver o problema em questão.

Nesse sentido, caracterizamos nossa proposta de intervenção como uma “aposta”, no sentido

estabelecido por Saviani (2008) e Mello (1982), pois

uma aposta é mais que uma hipótese e muito menos que uma certeza. Gosto do

termo porque expressa com exatidão o momento de minha subjetividade no processo

de conhecimento da prática docente e justifica que este capítulo não seja a síntese

mas uma das muitas sínteses possíveis (MELLO apud SAVIANI, 2008, p. 39).

5.4 – CONTINUIDADE DA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

Ao propormos a construção de uma sequência didática entre a professora de

Educação Física e a Pedagoga voltada para o letramento fez-se necessário a compreensão da

categoria interdisciplinaridade e que o trabalho ocorresse de forma coletiva entre pesquisadora

e professoras-sujeito. Porém, ao adentrarmos no lócus da Escola-campo encontramos, em um

primeiro momento, encontramos dificuldades em acordar um encontro com a professora

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233

pedagoga Rosa para com ela partilhar dos momentos de planejamentos e construção das

atividades, conforme já relatado, e devido a isso, grande parte do que descrevemos nesta

pesquisa refere-se ao trabalho em conjunto entre eu e a professora de PEF-Maria.

Mesmo com o vínculo criado entre pesquisadora e professora, não poderia impor uma

prática pedagógica sem dialogar com a professora-sujeito da pesquisa, assim, em um dos

momentos que sentamos para dialogar, apresentamos a proposta de trabalho para a professora

Maria conhecer, analisar e, posteriormente, ouvir suas considerações, mantendo-me atenta aos

seus apontamentos. A PEF-Maria contribuiu com a definição do conteúdo jogo e no

envolvimento da professora Rosa com nosso trabalho. Lamentamos que a participação da PP-

Rosa não tenha ocorrido desde o início da proposta de intervenção, pois foram muito

oportunas suas considerações durante o processo.

Segundo Fazenda (2011), a interdisciplinaridade requer uma relação de

reciprocidade que possibilita o diálogo entre os interessados. Dessa forma, à primeira vista,

nossa proposta de intervenção pode apresentar-se destoante do que se considera

interdisciplinaridade, devido ao fato de a professora PP Rosa ter participado mais ao final,

porém, tal situação demonstra materialmente as dificuldades encontradas por muitos

professores em desenvolverem um trabalho em conjunto em suas escolas. A participação da

PP-Rosa foi efetivada após nossas primeiras aulas da intervenção com a turma A1, e pode-se

dizer que a disponibilidade da PEF-Maria em relação a PP-Rosa conduziu a uma interação

para efetivação do trabalho interdisciplinar, aliada a nossa postura como pesquisadora, o que

nos permite considerar que a pesquisa aproximou o trabalho interdisciplinar entre essas áreas

do conhecimento, que já era latente, mostrando que é possível esse diálogo.

Elaboramos um quadro sistematizado, denominado “sequenciador de aulas”34

(PALAFOX, 2004), como instrumento de socialização e delimitação dos objetivos de ensino,

do tempo pedagógico e um panorama geral daquilo que foi realizado durante a aplicação da

estratégia de ensino junto às crianças, decorrente das observações do campo e do

planejamento com a PEF-Maria.

34

O sequenciador de aulas é um instrumento de mediação comunicativa que faz parte do proposta Planejamento

Coletivo do Trabalho Pedagógico (PCTP), desenvolvido pelo Núcleo de Estudos em Planejamento e

Metodologias de Ensino da Cultura Corporal (NEPECC/UFU) com a Rede Municipal de Ensino de Uberlândia

(RME/UDI), sob a orientação do professor Dr. Gabriel H. Munhoz Palafox (2004).

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234

PLANEJAMENTO DE CONTEÚDOS CURRICULARES

Sequenciador de Aulas

Tema: Jogo

Conteúdo: Queimada

OBJETIVOS DO PROGRAMA AULAS PROCEDIMENTOS

METODOLÓGICOS

OBJETIVO GERAL: possibilitar a criança

reproduzir e modificar jogos por meio da

valorização do diálogo e o trabalho coletivo.

Incentivar a busca um novo entendimento sobre

as regras e normas constitutivas e reguladoras do

jogo, tomando consciência da importância da

participação reflexiva nos momentos de

modificação e criação de regras para a resolução

de problemas coletivos.

Total: 8 a

10 aulas

Planejamento entre a pesquisadora e a

PEF-Maria

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

- Antecipar sentidos e ativar os conhecimentos

prévios relativos aos textos a serem lidos pelo

professor.

- Participar de interações orais em sala de aula,

questionando, sugerindo, argumentando e

respeitando os turnos de fala.

- Representar através de desenho uma história

ouvida, evidenciando compreensão de leitura.

2 aulas

(aula

geminada

ou

dupla)..

- Leitura / contação de história do livro

Deu queimada no cerrado, de Diane

Valdez.

- Discussão oral sobre o tema da história,

seus personagens, o que fazem, moral da

história.

- Explicar o gênero textual fábula –

gênero textual do livro.

- Em uma folha padronizada, os alunos

desenharão sua compreensão da história.

- Interdisciplinar com professora

Pedagoga: leitura e releitura do livro;

gênero textual fábula; escrita espontânea

dos personagens da história; palavras

geradoras; lista de palavras.

- Construir e reconhecer as propriedades

externas dos materiais/ objetos para jogar.

- Vivenciar jogos cujo conteúdo implique o

reconhecimento de si mesmo e das próprias

possibilidades de ação.

2 aulas

(aula

geminada

ou dupla).

- Construção de bolas de meia e papel.

- Experimentação do objeto construído:

tamanho, peso, forma.

- Experimentação corporal com a bola:

circundar a bola pelas partes do corpo,

lançar e pegar a bola com diferentes graus

de dificuldade, arremessos e pegadas com

auxílio de um colega.

- Retomar discussões da aula anterior.

- Vivenciar o jogo queimada promovendo a

inter-relação do pensamento sobre uma ação

com a imagem e a conceituação verbal dela,

como forma de facilitar o sucesso da ação e da

comunicação.

. A implicação do sentido da convivência com o

coletivo, das suas regras e dos valores que estas

envolvem.

1 aula - Re-experimentação corporal com a bola:

circundar a bola pelas partes do corpo,

lançar e pegar a bola com diferentes graus

de dificuldade, arremessos e pegadas com

auxílio de um colega.

- Organização do jogo queimada: discutir

a formação das equipes retomando a

história do livro, suas regras e forma de

jogar.

- Retomar discussões da aula anterior.

- Vivenciar o jogo queimada e promover

relações deste com vida de trabalho do homem e

da comunidade.

1 aula - Discutir o movimento do jogo queimada,

com ênfase no arremesso, questionando

os alunos em quais outras brincadeiras ou

jogos podemos utilizar o mesmo

movimento e praticar os jogos e

brincadeiras sugeridos pelos alunos.

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235

- Relacionar o movimento arremesso com

sua utilização na vida prática, do dia-a-

dia.

- Discutir também a situação do jogo

queimada como situação de exclusão e

“situação de guerra” através do jogo

guerra das bolas.

- Sugestão: boliche com garrafas pet.

- Expressar as ideias na oralidade.

- Elaborar e registrar textos curtos com ideias

claras tendo o professor como escriba.

2 aulas

(aula

geminada

ou dupla).

- Realizar a prática de escrita com a

produção de um texto coletivo, tendo o

professor como escriba, descrevendo as

regras e como se joga a queimada, tema

trabalhado.

- Interdisciplinar com professora

Pedagoga: reescrita da história, palavras

geradoras. gênero textual texto

informativo; lista de palavras.

AVALIAÇÃO:

Será coletiva respondendo as seguintes questões:

- Participação;

- Criatividade;

- Importância do processo: agir

comunicativo/coletivo;

- Importância do diálogo para resolver

problemas da vida;

- Importância do jogo para aprender a criar

normas justas e divertidas p/todos;

- Gostariam vivenciar outra vez essa estratégia

de ensino? Sim, não por quê?

1 aula PROCEDIMENTOS AVALIAIVOS

Cada um desses itens será refletido com

as professoras ressaltando sua

importância.

Expressão individual dos alunos através

da oralidade, do desenho ou da escrita

espontânea sobre o que foi apreendido

durante o processo.

Nossa presença na escola-campo finalizou-se ao término da sequência didática descrita

anteriormente. Sabemos que seu período de aplicação foi curto e caberiam ainda outras

atividades e intervenções, porém a professora PEF-Maria desligou-se35

da Escola-campo na

semana seguinte. Desta forma, estabeleceremos nesta seção, possibilidades de continuidade da

sequencia didática apresentada, através de um planejamento de ensino. O planejamento de

ensino privilegia o que Saviani (2008) definiu como aquilo que a escola elementar precisa ter

como horizonte, a qualidade daquilo que se planeja e as ações que podem subsidiar seus

objetivos da maneira mais zelosa para seu atendimento. Nessa perspectiva, consideraremos a

prática social já estabelecida na Escola-campo como ponto de partida e ofereceremos outras

possibilidades e instrumentos necessários para sua efetivação na escola.

Na Pedagogia Histórico-Crítica, após o processo de problematização e

instrumentalização do conhecimento, vem a catarse, “a expressão elaborada da nova forma de

35

A PEF-Maria desligou-se da Escola-campo devido a sua convocação no concurso da educação na cidade

vizinha.

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236

entender a prática social” (GASPARIN, 2007, p. 129), ou seja, é o momento em que o aluno é

solicitado a mostrar o quanto se aproximou da solução dos problemas anteriormente

levantados sobre o tema em questão. Momento em que o aluno traduz a compreensão que teve

de todo o processo de trabalho.

Nesse sentindo, Gasparin (2007) considera que a avaliação pode ser realizada de

maneira formal e informal. Para o autor, na avaliação formal, “o professor seleciona e

apresenta as diversas maneiras que oferecem ao educando a oportunidade de se manifestar

sobre as questões da aprendizagem”. No que tange à avaliação informal, percebe-se que a

manifestação do aluno ocorre “por iniciativa própria e de maneira espontânea [a respeito do]

quanto incorporou dos conteúdos e dos métodos de trabalho utilizados” (GASPARIN, 2007,

p. 138).

Ao realizarmos a produção escrita dos alunos sobre o jogo de queimada vivenciado

por eles, as crianças não demonstraram em suas produções escritas a superação do problema

da exclusão (jogo de queimada em que os alunos não são mais excluídos), que era nossa

prática social inicial. Em contrapartida, o momento de catarse da pedagogia histórico-crítica

pode ser traduzido tanto oralmente quanto por escrito, e, além disso, a avaliação da

aprendizagem não se expressa somente nesta fase do processo, mas durante o transcorrer de

toda a atividade.

Durante a atividade realizada, na construção mediada de novas possibilidades do jogo

queimada, as crianças expressaram na oralidade e na própria prática do jogo suas

compreensões sobre o que vivenciaram, uma vez que, ao final de cada aula era realizada a

socialização das percepções e reflexões dos alunos. Consideramos aqui, que para o processo

de aquisição da escrita, utilizamos a avaliação formal com a produção textual e para o

processo de letramento, de percepção, contradição, interpretação e transformação da

realidade, utilizamos a avaliação informal, conforme as definições de Gasparin (2007).

Podemos supor ainda que, ao colocar os alunos perante outras formas de praticar e

transformar o jogo de queimada foi um fato novo e desafiador para eles, porém não houve um

tempo considerável, “um adequado nível de domínio dos métodos de análise e síntese e da sua

generalização” (VYGOTSKY, 2005, p. 25) para que os alunos desenvolvessem a capacidade

de melhorar a compreensão e a memorização da nova forma de se praticar o jogo.

Nesse sentido Saviani (2008) ao discorrer sobre o processo de assimilação do saber

sistematizado diz que este só se torna possível quando se adquire um habitus, isto é, quando o

processo de aprendizagem se converte numa disposição permanente. “Adquirir um habitus

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significa criar uma situação irreversível. Para isso, porém, faz-se mister repetir muitas vezes

determinados atos até que eles se fixem” (SAVIANI, 2008, p. 21).

Isso significa dizer que a prática da nova forma de se jogar queimada, sem exclusão

dos participantes, deve ser repetida, para que as novas aquisições mentais se convertam em

hábitos. Desse modo, “a capacidade de usar ações mentais surge como resultado de um

exercício mais ou menos prolongado” (VYGOTSKY, 2005, p. 25), e com isso, promove-se a

catarse.

As descrições que se seguem, correspondem à fase que Gasparin (2007) denomina de

prática social final do conteúdo, em que “há a transposição do teórico para o prático dos

objetivos da unidade de estudo, das dimensões do conteúdo e dos conceitos adquiridos”

(GASPARIN, 2007, p. 145). De acordo com o autor, a prática social final “é a confirmação de

que aquilo que o educando somente conseguia realizar com a ajuda dos outros agora o

consegue sozinho, ainda que trabalhando em grupo” (GASPARIN, 2007, p. 148) e possibilita

o novo uso social dos conteúdos científicos aprendidos. Desta forma, a partir do momento em

que o educando atingiu o nível concreto pensado, desenvolve ações reais e transformadoras

tanto na escola como em sua vida cotidiana.

Se tivessem dado continuidade a esta primeira forma de se jogar a queimada, os alunos

poderiam ser incentivados a criar diversas maneiras diferentes de se jogar a queimada e em

que outras situações o movimento do arremesso poderia ser utilizado, como nas atividades

esportivas de handebol, basquete e em outros jogos e brincadeiras populares, como o bete ou

boliche. Poder-se-ia utilizar diferentes tipos de bolas de tamanhos e pesos diferentes, para que

os alunos estabelecessem relações entre peso, tamanho e utilização da força para poder jogar.

No decorrer do jogo de queimada já conhecido pelos alunos, interrompe-se a

brincadeira e se inicia um processo de modificação das regras e das formas de se jogar,

definidas pelo coletivo dos alunos. Nesse percurso, o jogo vai tomando diferentes formas e

diferentes regras. A análise e a discussão das características do jogo a partir da queimada

devem-se ao fato de ser um jogo muito utilizado e conhecido por quase todos. Discutir com os

alunos sobre seus diferentes modos de jogar, suas regras não padronizadas, pois variam de

uma região para outra, seu surgimento como parte integrante dos jogos populares e/ou

brincadeiras populares, propicia a criação de novos conceitos, novas possibilidades de

movimento, sendo, portanto, definidor das características humanas.

Em trabalho semelhante, Duckur (2004) orienta que

a cada jogo são feitas discussões a respeito desse jogo, sempre mediadas pelo

professor. Nas discussões busca-se juntamente com os alunos refletir sobre a

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brincadeira, refletir sobre as ações corporais e, além disso, os alunos sempre

identificam e relacionam situações do contexto social que estão inseridas com

situações vividas no jogo (DUCKUR, 2004, p. 86).

Além disso, a autora realiza os registros e a sistematização do novo jogo e das

reflexões feitas com os alunos de forma escrita. Em seu trabalho, Duckur (2004) realizou a

atividade com crianças do Ciclo II, que já internalizaram o processo de escrita e do código

alfabético, portanto, promovia a produção textual dos alunos. Em nossa experiência com

alunos do Ciclo I, nem todas as crianças conseguem realizar a escrita espontânea e propomos

a escrita coletiva tendo o professor como escriba.

Acreditamos ser possível também trabalhar a origem do conhecimento sobre o jogo

queimada em seus aspectos históricos, a transformação do jogo que ocorreu ao longo da

história da humanidade, como resultado da relação do homem com a natureza e com outros

homens. A conquista do homem em atirar uma pedra para obter um alimento ou se defender e

caçar animais, poderiam ser uma explicação da produção humana da queimada que se

transformou nesse processo num patrimônio cultural da humanidade. A forma como se pratica

a queimada em outras regiões do Brasil e a maneira como seus familiares praticavam ou não o

jogo em sua juventude poderia constituir-se na materialidade corpórea historicamente

construída a ser desenvolvida com os alunos, como resultado de conhecimentos socialmente

produzidos que necessitam ser transmitidos na escola. Estabelecer uma relação entre o

conhecimento sobre o jogo queimada representa a ampliação das referências pela

sistematização do conhecimento.

Segundo o Coletivo de Autores (2012), decidir sobre um número determinado de aulas

significa admitir que nem todos os alunos têm o mesmo ritmo de aprendizagem, porém o

Coletivo estabelece uma média de três a quatro aulas para propiciar ao aluno a apreensão dos

novos conhecimentos, pois “três ou quatro aulas permitem, de uma parte, consolidar

conhecimentos e, de outra, utilizá-los em novas combinações criativas” (COLETIVO DE

AUTORES, 2012, p. 88), por exemplo, quando se criam outras formas de se jogar diferentes

do conhecimento original.

Nesse sentido, os autores dizem que “as diversas exercitações têm como objetivo

promover as condições do aluno para o salto qualitativo, ou seja, o momento da

sistematização mais elaborada do conhecimento” (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 89).

Dessa forma, supera-se o movimento de queimar, fugir e ser excluído do jogo, com

movimentos diferenciados e de organização tática qualitativamente desenvolvidos, durante,

por exemplo, um jogo de queimada de quatro lados queimadores.

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Para cada forma diferenciada de se praticar a queimada, seja ela na sua organização

tática, uso de diferentes bolas ou funções dos participantes, é necessário que se estabeleça

uma produção escrita e/ou em forma de desenho sobre o jogo desenvolvido. O diálogo com a

professora pedagoga deve ser, assim, uma atividade constante, pois é nas vivências e práticas

com os alunos que poderão surgir outros elementos a serem tratados coletivamente com o

grupo de professores que atendem os educandos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa pesquisa se encerra retomando a questão problema que levantamos no

princípio: quais as possibilidades e limites das práticas pedagógicas em Educação Física na

RME de Goiânia na sua relação com a leitura e a escrita? Para isso, entendemos que o real é

contraditório, partimos do concreto e do singular para a totalidade, por meio de uma

construção histórica. Traçamos, então, um caminho teórico e metodológico dialético,

aproximando-nos da realidade, compreendendo os sujeitos como seres sociais constituídos

por várias fontes de saber e em diferentes contextos. A tentativa de escrever um trabalho que

seja dialético exige do pesquisador um pensar e um fazer que também seja dialético, a partir

da percepção de que uma situação pode ter diferentes visões conforme nosso posicionamento,

visões essas que, ao serem relacionadas, formam uma totalidade.

Analisar e avaliar as representações que as professoras das escolas investigadas vêm

elaborando sobre a prática pedagógica exigiu um esforço cuidadoso de análise e interpretação

de suas falas, não apenas através dos questionários, mas a partir das múltiplas informações

advindas da nossa observação e atuação no campo específico. Não é possível obter respostas

prontas, definições precisas sobre o tema, mas nos foi permitido apreender como os processos

de leitura e de escrita têm sido tratados e compreendidos pelas professoras do Ciclo I da RME

de Goiânia. Conforme a concepção materialista, a maneira como os indivíduos manifestam

sua vida reflete exatamente o que eles são, e o que os indivíduos produzem e são dependentes

das suas condições materiais objetivas e subjetivas de produção. Pensando no nosso trabalho,

vemos que cada uma das professoras-sujeitos construiu sua formação acadêmica, profissional

e pessoal em diferentes condições materiais, mesmo apresentando alguma similaridade em

determinados pontos, e é essa heterogeneidade que forma um todo de conhecimentos que fez

com que cada campo de pesquisa fosse diferente do outro.

Como vimos, o currículo organizado pela RME Goiânia é organizado por ciclos de

formação e desenvolvimento humano. Embora não desconsidere os conteúdos formais, ele

parte de conhecimentos que emergem da realidade dos alunos, organizados de modo que as

práticas pedagógicas tenham um ponto de suporte comum a todo o coletivo da escola, com

um caráter interdisciplinar, como demonstrado nos documentos analisados.

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241

Compreendemos que toda política pública é um espaço de disputa onde se busca, por

meio de argumentos, o consenso negociado de diferentes perspectivas teóricas, filosóficas,

metodológicas e políticas, nos quais a realidade é mistificada e a objetividade do

conhecimento não transparece, o que evidencia seu ecletismo teórico por meio do qual as

pessoas podem ser induzidas a endossar consensualmente valores e políticas práticas que são

contrárias à superação dos interesses dominantes. Podemos perceber, nesse sentido, uma

mescla de conceitos das teorias de Piaget e Vygotsky tanto nos PCNs como em alguns

discursos dos professores, principalmente quando se referem aos termos “competência” e

“Construtivismo”. O lema “aprender a aprender” é evidenciado nos PCNs, nos quais o

universo ideológico em que estão inseridas as proposições pedagógicas é o universo

neoliberal. Nossa percepção, ao nos debruçar sobre os PCNs, é de que o documento se utiliza

dos termos, conceitos e pensamentos da obra vygotskyana para justificar o ideal neoliberal na

educação, transformado o documento em mais um instrumento ideológico útil à hegemonia

dominante. Em contrapartida, nas Diretrizes Curriculares de Goiânia, o ecletismo de teorias

não é tão evidente, mas o documento em questão apresenta um pouco mais de coerência no

seu referencial teórico. Na verdade, as Diretrizes se propõem a analisar, ancorar e direcionar

os conteúdos e concepções de todas as áreas do conhecimento na perspectiva histórico-

cultural, tomando como exemplo a Educação Física que é embasada na perspectiva da teoria

crítico-superadora.

Não se viu exposto claramente nos documentos analisados que a Educação Física pode

caminhar junto com a alfabetização, como atividade interdisciplinar. A Educação Física, na

verdade, é sempre relacionada com os conteúdos específicos da cultura corporal, mas sem

estar relacionada com outras áreas do conhecimento com vistas ao processo de alfabetização e

letramento. Entretanto, podemos salientar que o silenciamento é, de certa forma,

unidirecional. Enquanto os documentos que tratam da Educação Física não fazem menção

para a alfabetização, inversamente esses mesmos documentos, ao tratarem da alfabetização,

direcionam as práticas pedagógicas para práticas interdisciplinares, sem especificar que é

somente para a Educação Física, mas para todas as áreas do conhecimento e disciplinas

escolares.

Esse fato é diagnosticado também quando realizamos o levantamento bibliográfico na

área da Educação Física. De fato, foram encontrados poucos trabalhos sobre o tema

alfabetização e letramento. Soma-se a isso a ausência da alfabetização e do letramento na

nova Base Nacional Curricular Comum para a Educação Física discutida atualmente, de modo

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que não há aproximações dessa disciplina com os processos de leitura e escrita e seus

significados nas séries iniciais.

Tentamos também apreender ao longo desta pesquisa as interfaces dos diferentes

saberes docentes que circulam nos anos iniciais no que se refere à alfabetização e à Educação

Física, interfaces estas percebidas nos diferentes caminhos percorridos pelos professores. Há

uma forma social de apropriação da linguagem que reflete o modo como as palavras mudam

de sentido ao passarem de uma formação discursiva para outra e, nesse processo, são

interpeladas pela ideologia. Essa mudança de sentido dos discursos das professoras-sujeitos

foi percebida quando elas responderam aos questionários da pesquisa, uma vez que estes se

alteraram. Não se trata só das intenções dos seus dizeres, mas é visível que seus discursos são

resultados de uma articulação entre intenção e convenções sociais, inclusive na situação de

pesquisadas, o que justifica o fato de que algumas das professoras-sujeitos, ao responderem o

questionário, deram respostas evasivas ou deixaram de tecer esclarecimentos sobre

determinadas questões. Talvez por esquecimento, por medo ou ressalva, ou por timidez de

falar sobre algo que talvez desconheçam, há a presença do silêncio nas respostas das

professoras, tanto por parte das professoras de Educação Física quanto das pedagogas.

É possível que o silêncio das professoras de Educação Física e/ou suas respostas

descontextualizadas a respeito das compreensões sobre alfabetização e letramento podem ser

reflexos dos currículos da formação inicial, uma vez que passamos por quatro anos de curso e

o assunto alfabetização é praticamente inexistente. As questões da educação básica que são

geradas pelo currículo escolar, pela organização da escola, pelas relações do cotidiano escolar

estão distantes da formação inicial e dos currículos das licenciaturas em Educação Física, pois

prevalecem os conhecimentos técnico-científicos e específicos de área, chegando o professor

à escola sem fundamentação e sem elementos para compreender e enxergar a questão da

alfabetização, do letramento e suas possibilidades dentro da escola. Portanto, os saberes das

professoras da disciplina que responderam ao questionário a respeito da alfabetização são

provenientes de ecos ou de diálogos com outras professoras nos momentos de planejamento

coletivo, nas salas dos professores de suas escolas ou talvez em cursos de formação

continuada; são ecos advindos de outros diferentes saberes, como descritos por Tardif (2014).

Chamamos a atenção para as aproximações entre os discursos dos sujeitos

alfabetizadores com os dos sujeitos professoras de Educação Física. Há semelhanças nos

enunciados que se fazem pertinentes. Analisando a situação, são professoras da mesma rede

de ensino, que pertencem à mesma gerência de educação, então estão propensas a conhecer a

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proposta da RME e a participar de cursos oferecidos pela Secretaria, em que diversas vozes

circulam. Apreendemos que o discurso surge do contexto histórico-social, dos interlocutores,

da situação e das condições de sua produção, pois, quando se diz algo, alguém o diz de algum

lugar da sociedade para outro alguém, também de algum lugar da sociedade, e isso faz parte

da significação. Dessa forma, o discurso não é considerado como transmissão de informação,

mas composto de sentidos entre interlocutores enquanto parte do funcionamento social geral.

Nesse sentido, as informações obtidas pela realidade apresentada nos permitem dizer que a

convivência entre pedagogas e professoras de Educação Física, na sala dos professores, nos

corredores da escola, nas reuniões e planejamentos. Essas informações permitem a criação de

conversas, discussões e discursos, em que as ideias e conceitos acerca do letramento, da

alfabetização e da Educação Física são citados. Há também os momentos de conselhos de

classe, ao final de cada trimestre, em que há a discussão sobre avaliação e desempenho dos

alunos. Nesses momentos, as professoras-sujeitos são atingidas pelos ecos do discurso.

Na concepção de alfabetização e letramento das professoras Pedagogas, apesar de

ainda ser fundamentada no Construtivismo e na mecanicidade da tecnologia do ler e escrever,

percebe-se um avanço nos discursos das docentes, ao conceberem a leitura e a escrita como

práticas sociais que permitem às pessoas a leitura do mundo e a emancipação do indivíduo.

Como vimos no decorrer deste estudo, as representações contraditórias da história da

Educação Física Escolar e seu lugar no currículo escolar acompanham também os discursos

das professoras sobre essa disciplina. Impressiona-nos ainda a visão reducionista da Educação

Física, em grande parte pelas professoras Pedagogas. Acreditamos que essa visão seja

decorrente de três possibilidades: 1 – pela ausência ou dificuldade de um trabalho em

conjunto e articulado entre as professoras dessas duas áreas do conhecimento, algo que pode

ser decorrente da falta de tempo e espaço para planejamentos coletivos e, até mesmo, da

empatia entre as colegas de profissão dentro das escolas; 2 – por essas professoras ainda

transitarem seus conhecimentos sobre a Educação Física na perspectiva da dicotomia corpo e

mente, fato este percebido quando uma das professoras Pedagogas retira os alunos das aulas

de Educação Física (corpo) para realizar o reforço (mente); e 3 – por ser decorrente da

indefinição e ausência de posicionamento das próprias professoras de Educação Física acerca

de sua atuação nas salas de alfabetização, com práticas pedagógicas que não possibilitam a

compreensão dos fenômenos do campo da cultura corporal como processos de leitura do

mundo.

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Encontramos, em nosso estudo, aproximações entre os discursos das professoras de

Educação Física e das pedagogas, uma parceria que vem sendo possibilitada em alguns

momentos dentro da escola, como, por exemplo, nos planejamentos mensais. Porém, atinamos

sobre as dificuldades que impedem esse trabalho interdisciplinar de se desenvolver

plenamente, pois ainda há situações dentro das escolas que desvalorizam a prática pedagógica

da Educação Física, como, por exemplo, a retirada dos alunos das aulas de Educação Física

para realizar o atendimento e “reforço” de alfabetização, o que desprivilegia o trato

pedagógico da disciplina e promove a segregação dos alunos, podendo até gerar piora dos

resultados acadêmicos.

Acreditamos que a maneira como as professoras compreendem as diferentes áreas do

conhecimento, as relações intra e interpessoais do coletivo de professores e a organização do

trabalho pedagógico da escola são dificuldades postas que encontramos a partir das

informações obtidas dos campos de pesquisa e que devem ser superadas para que o trabalho

interdisciplinar entre os professores de Educação Física e pedagogos aconteça efetivamente.

Além dessas, elencamos outras dificuldades apresentadas nas escolas pesquisadas, tanto no

âmbito da escola-campo quanto no âmbito da RME: 1 – a cultura organizacional da escola

reflete ainda uma prática funcionalista do ponto de vista metodológico, uma vez que os

procedimentos de ensino relacionados a um agir crítico e comunicativo não foram, em alguns

casos, vislumbrados por parte das professoras; 2 – a presença do individualismo que reforça a

falta de vontade para o trabalho cooperativo de planejamento, administração e

desenvolvimento de conteúdos curriculares entre as professoras que trabalham na mesma

escola. Esse aspecto é reforçado pela cultura organizacional da escola, com os atendimentos

individualizados e ausências de planejamentos entre as professoras.

Com relação aos planejamentos nas escolas investigadas, quando ocorrem, as

professoras indicam que esse momento, supostamente para espaço de formação, tem sido

tomado por assuntos de caráter administrativo, fazendo com que as questões pedagógicas

fiquem em segundo plano. As informações obtidas no campo mostram que as professoras de

Educação Física investigadas não fazem do momento coletivo uma oportunidade de planejar e

realizar seu trabalho vinculado a um projeto coletivo que envolva toda a escola e se ressentem

disso, indicando que esse seria o caminho mais adequado, procurando preservar as

especificidades de cada área do conhecimento. Por fim, a disciplina de Educação Física é

vista de forma desacreditada frente às demais professoras da escola. Existe uma crença de que

essa disciplina não contribui com o processo de leitura e escrita ou que é um conhecimento

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desnecessário no sentido da erudição, tanto que os alunos são retirados das aulas de Educação

Física para o momento de reforço escolar. Ademais, o sentido/significado do componente

curricular da Educação Física na escola reflete uma visão psicomotora e de desenvolvimento

motor ou ainda como momento de recreação e lazer, desprovido de intencionalidade e

reflexão crítica.

Ainda que existam contradições quanto à organização do trabalho pedagógico nas

escolas, deparamo-nos na escola-campo com elementos que tornam a realidade do trabalho

interdisciplinar entre a Educação Física e a Pedagogia possível, uma vez que conseguimos

realizar nossa proposta de intervenção na escola. Assim, vemos que as condições existem e

nos foram dadas com um movimento de aproximação entre essas duas áreas. Percebe-se, ao

longo deste trabalho, que a interdisciplinaridade entre a Educação Física e a Pedagogia

encontra-se numa fase latente, ainda encoberta por outras questões – que também são

pertinentes – no interior das escolas, mas que apresenta grandes possibilidades de

potencialização e sedimentação, visto que ela já ocorre e vem, aos poucos, sendo gerada em

algumas práticas pedagógicas desenvolvidas pelas professoras dessas disciplinas.

Fazenda (2011) nos explica que a integração como fim em si mesmo é fator de

“estagnação”, de manutenção do status quo. Nesse sentido, podemos dizer que a aproximação

entre a PP-Rosa e a PEF-Maria na escola-campo pode ser considerada integração, pois a

preocupação era com o conhecimento e o relacionamento de conteúdos, métodos, teorias ou

outros aspectos do conhecimento, e a manutenção destes aspectos como eles se apresentam,

embora de uma forma mais organizada. A interdisciplinaridade é fator de transformação, de

mudança social e, assim, podemos considerar que nossa intervenção na escola-campo

potencializou a integração que já existia entre as professoras, promovendo a

interdisciplinaridade entre as áreas do conhecimento.

Salientamos que o processo de investigação pode se constituir também em um

processo formativo para as envolvidas, pesquisadoras e professoras-sujeitos, uma vez que, na

condição de pesquisadora, também fomos observadas e questionadas sobre os aspectos que

cercaram a realização desta pesquisa. Para além da aproximação com as escolas, a

convivência prolongada com as PEF-Maria e PP-Rosa da escola-campo foi perpassada por

diálogos, questionamentos e reflexões conjuntas que permitiram a construção de uma

proposta explícita e planejada de intervenção da Educação Física com o letramento.

Ao elaborarmos nossa proposta de intervenção, partimos do pressuposto de que a

Educação Física Escolar é responsável por contribuir com o processo de ensino aprendizagem

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dos elementos constituintes da cultura corporal, de modo a estimular os alunos a assumirem

uma postura crítica diante do conhecimento. O sequenciador de aulas adotado foi uma

ferramenta utilizada para nos auxiliar no planejamento pedagógico.

A proposta que apresentamos nesta dissertação não deve ser encarada como um modo

de fazer a Educação Física ou a Pedagogia, mas como possibilidade real de trabalho

interdisciplinar voltado para o letramento dos alunos. Antes de adotá-lo como uma

metodologia pronta, é necessário que o leitor considere alguns aspectos importantes do

planejamento e da didática: objetivos da rede de ensino, planejamento da escola, momento da

formação continuada, conhecimentos trabalhados na turma, nível de conhecimento dos alunos

e identificação da zona de desenvolvimento potencial e real dos alunos, disponibilidade de

tempo e espaço na escola, contexto local, entre outros.

A concepção de alfabetização e letramento que defendemos neste estudo

fundamentou-se em Soares (2008) e Kleiman (2012), a partir de uma visão da alfabetização

que, ao mesmo tempo, possibilita a apropriação do código alfabético, mas também oferece

uma precondição para a organização, para a compreensão da natureza socialmente elaborada

da subjetividade e da experiência e para a avaliação de como o conhecimento, o poder e a

prática social podem ser moldados coletivamente a serviço da tomada de decisão que seja

instrumento para uma sociedade democrática e não meramente concessão à classe dominante.

A partir dessa compreensão de alfabetização como emancipação humana é que estabelecemos

sua relação não somente com a Educação Física, mas com qualquer outra disciplina e área do

conhecimento presente na escola. Portanto, conhecer como e o modo que se produz o

significado das ações, dos movimentos corporais e dos elementos que compõem a cultura

corporal no interior das relações de poder também é letrar e alfabetizar.

A função do professor nesse processo é de ser mediador do conhecimento fundado no

diálogo professor-aluno, aluno-mundo, como uma construção coletiva do conhecimento.

Retomando as contribuições de Freire (2015), o professor deve propiciar aos alunos a

oportunidade de examinar diversas linguagens ou discursos ideológicos, criar condições na

sala de aula necessárias para a identificação e a problematização das maneiras contraditórias

de ver o mundo. Assim, compreendendo que a escola não é apenas um eixo de conhecimento,

mas um campo de linguagens, a Educação Física e o trato do conhecimento corporal não

podem ser coadjuvantes no processo de conhecimento. Isso significa entender a Educação

Física como possibilidade de leitura do mundo através dos elementos da cultura corporal e, ao

mesmo tempo, o corpo ser o mediador do processo de leitura e escrita, pois está presente em

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todo o desenvolvimento simbólico como esfera da comunicação, representação e expressão da

subjetividade e totalidade humana.

Nessa perspectiva, mais do que conhecer o alfabeto, que tem sua importância e

funcionalidade, é necessário fazer uso da linguagem escrita nas práticas sociais, participar,

interagir, saber utilizar a leitura e a escrita em diferentes gêneros textuais e situações

cotidianas. Defendemos, nesse sentido, uma apropriação da linguagem escrita pela Educação

Física como esfera intrínseca à cultura, em que o centro da questão não está apenas na

decodificação do código alfabético, mas em sua dialética nas relações sociais e de produção

do conhecimento.

Discutimos, no decorrer do trabalho, autores que apresentam a essencialidade do jogo

e do lúdico na infância. No entanto, nas práticas educacionais, embora a importância dada ao

lúdico tenha ganhado sustento, muitas vezes o que encontramos é justamente a atividade

lúdica utilizada como recurso pedagógico, ou seja, como instrumento de trabalho destinado a

desenvolver capacidades específicas e atingir objetivos estabelecidos a priori, ignorando sua

dimensão como fenômeno da cultura. Nossa proposta para a Educação Física do primeiro ano

do Ensino Fundamental propõe a integração do letramento com a apropriação dos elementos

da cultura corporal pela criança, a partir do jogo e das atividades lúdicas não como

instrumentalização, mas como potencialização para aquisição de conhecimentos que

permitirão compreender, intervir e transformar sua realidade.

O movimento humano é mais do que o simples deslocamento do corpo no espaço. Ele

se constitui em uma linguagem que permite às crianças agirem sobre a realidade. O corpo

vive na linguagem, mas uma linguagem se desvia de todas as decodificações, porque é

continuamente inventada à medida que vai sendo produzida. Assim, a Educação Física

configura-se como um espaço em que a criança brinca com a linguagem corporal, com o

corpo, com o movimento. Alfabetizar com a linguagem corporal significa criar situações nas

quais a criança consiga entrar em contato com diferentes manifestações da cultura corporal,

entendida como as diferentes práticas corporais elaboradas pelos seres humanos ao longo da

história, cujos significados foram sendo tecidos nos diversos contextos socioculturais.

A importância do papel da educação corporal na escola deve ser maior. É preciso

desenvolver ações e vivências que possibilitem aos educandos organizar sistematicamente as

ações investigativas científicas e culturais acerca do corpo, dos movimentos, dos jogos, das

brincadeiras, das danças, dos esportes, da saúde, da estética e dos valores presentes no corpo e

da linguagem comunicativa na escola, tanto na leitura quanto na escrita. É essencial contribuir

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com a formação intelectual de nossos estudantes, ao proporcionar momentos de debate e

reflexões acerca dos diversos saberes que compõem o universo da cultura corporal e das suas

inter-relações com a sociedade, além de sensibilizá-los e envolvê-los na construção de um

mundo permeado por relações sociais em todos os níveis e aspectos.

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REFERÊNCIAS

AGUIAR, Suelena de Moraes. Organização escolar em ciclos de formação e

desenvolvimento humano como fator de inclusão educacional em Goiânia. Dissertação

(mestrado) - Universidade Católica de Goiás, Departamento de Educação, 2009. 152 f.

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259

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bases psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento. São Paulo: Centauro, 2005.

VYGOTSKY, Lev. S.; LEONTIEV, Alexis; LURIA, Alexandr R. Linguagem,

desenvolvimento e aprendizagem. 13ª ed. São Paulo: Ícone, 2014.

VIGOTSKY, Lev Semenovich. A construção do pensamento e da linguagem. 2ª ed. São

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VIGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente. 4ª ed. São Paulo: Martins

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260

APÊNDICES

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261

Apêndice A – Questionário para professores pedagogos

Questões:

A – IDENTIFICAÇÃO

1. Nome completo (opcional): ______________________________________________

2. Idade: _____________ Sexo: Masculino ( ) Feminino ( )

3. Formação profissional:

3.1. Graduação: ________________________________ Ano de Conclusão: __________

3.2. Pós-graduação: _______________________________________________________

3.3. Data de início _____________________ Data de término ____________________

B - PRÁTICA DOCENTE

4. Nome da(s) escola(s) em que atua: __________________________________________

5. Unidade Regional: _______________________________________________________

6. Quanto tempo você trabalha na RME? _______________________________________

7. Quanto tempo você trabalha no Ciclo I? ______________________________________

C – CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS

1. Concepção de alfabetização e letramento:

1.1. O que você entende por alfabetização? E letramento?

1.2. Que concepções de alfabetização/leitura e escrita norteiam sua práticas pedagógica?

2. Concepção sobre a Educação Física:

2.1. Como você entende a importância da Educação Física no processo de letramento dos

alunos?

2.2. Você acredita que a Educação Física contribui para o processo de alfabetização?

2.3. Como o seu trabalho pedagógico se articula com a Educação Física?

3. Organização do trabalho pedagógico:

3.1. Como ocorre a organização do trabalho pedagógico na escola, no que se refere ao

processo de letramento?

3.2. Você trabalha em conjunto com outros professores/áreas de ensino no trato com o

processo de letramento dos alunos?

3.3. Você acredita que a Educação Física contribui para o processo de alfabetização?

3.4. Você enfrenta dificuldades para a realização de atividades que envolvem a leitura e a

escrita num trabalho articulado com a Educação Física? Quais?

4. Documentos Oficiais:

4.1. Você conhece a proposta das Diretrizes Curriculares para o Ciclo I da RME?

4.2. Que articulações a sua prática pedagógica têm com a proposta do Ciclo I da RME?

4.3. Você conhece a proposta da RME para o processo de alfabetização?

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262

Apêndice B – Questionário para professores de Educação Física

Questões:

A – IDENTIFICAÇÃO

1. Nome completo (opcional): ______________________________________________

2. Idade: _____________ Sexo: Masculino ( ) Feminino ( )

3. Formação profissional:

3.1. Graduação: ________________________________ Ano de Conclusão: __________

3.2. Pós-graduação: ________________________________________________________

3.3. Data de início _____________________ Data de término ____________________

B - PRÁTICA DOCENTE

1. Nome da(s) escola(s) em que atua: ___________________________________________

2. Unidade Regional: ________________________________________________________

3. Quanto tempo você trabalha na RME? ________________________________________

4. Quanto tempo você trabalha no Ciclo I? _______________________________________

C – CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS

5. Concepção de alfabetização e letramento:

5.1. O que você entende por alfabetização? E letramento?

5.2. Que concepções de alfabetização/leitura e escrita norteiam sua práticas pedagógica?

5.3. Como a leitura e a escrita são trabalhadas nas aulas de Educação Física?

6. Concepção sobre a Educação Física:

6.1. Que concepção de Educação Física você utiliza na sua prática educativa?

6.2. Como você entende a importância da Educação Física no processo de letramento dos

alunos?

6.3. Você acredita que a Educação Física contribui para o processo de alfabetização?

6.4. Como o seu trabalho pedagógico se articula com a alfabetização e o letramento?

7. Organização do trabalho pedagógico:

7.1. Como ocorre a organização do trabalho pedagógico na escola, no que se refere ao

processo de letramento?

7.2. Você realiza seus planejamentos envolvendo o processo de leitura e escrita ou planeja

apenas conteúdos específicos da Educação Física?

7.3. Você trabalha em conjunto com outros professores/áreas de ensino no trato com o

processo de letramento dos alunos?

7.4. Você enfrenta dificuldades para a realização de atividades que envolvem a leitura e a

escrita num trabalho articulado com a professor(a) pedagogo(a)? Quais?

8. Documentos Oficiais:

8.1. Você conhece a proposta das Diretrizes Curriculares para a Educação Física?

8.2. Você conhece a proposta das Diretrizes Curriculares para o Ciclo I da RME?

8.3. Que articulações a sua prática pedagógica têm com a proposta do Ciclo I da RME?

8.4. Seu trabalho contribui para o processo de letramento dos alunos, na perspectiva das

Diretrizes Curriculares da RME Goiânia? Como?

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263

Apêndice C – Roteiro de entrevista com a professora de Educação Física da Escola

Campo (campo específico).

Questões:

1 – Como se dá a organização geral do trabalho na escola (horário de aulas, estudos,

planejamentos)?

2 – A Escola realiza os atendimentos individualizados? Como ele ocorre?

3 – Você, enquanto professor de EF realiza os atendimentos individualizados? De que forma?

Como planeja os atendimentos?

4 – A Escola realiza os reagrupamentos? Qual o objetivo dos reagrupamentos? Como ele

ocorre?

5 – Você, enquanto professor de EF realiza participa dos reagrupamentos? De que forma?

Como planeja as atividades de reagrupamento?

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264

Apêndice D - Modelo do ofício enviado à Secretária Municipal de Educação de Goiânia

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E INOVAÇÃO

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA/CEP

CENTRO DE ENSINO E PESQUISA APLICADA À EDUCAÇÃO -

CEPAE

Ao Diretor do Departamento Pedagógico

Secretaria Municipal de Educação de Goiânia

Prezado Diretor,

Informamos que a Universidade Federal de Goiás possui convênio com a Secretaria

Municipal de Educação de Goiânia (Ofício Circular nº 028/2015), o qual viabiliza à seus

discentes um lócus de pesquisa educacional.

Meu nome é Ludmila Siqueira Mota Viana, sou professora de Educação Física da

Rede Municipal de Ensino de Goiânia e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino

na Educação Básica do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação – CEPAE da

Universidade Federal de Goiás. Sou a professora responsável pela pesquisa com o título

“Letramento e Educação Física na Rede Municipal de Goiânia”, sob orientação da Prof.ª

Dr.ª Sônia Santana Costa. A pesquisa tem como objetivos:

Desenvolver, pesquisa na área da Educação (teorias e práticas educativas) e da Educação

Física voltados, prioritariamente, para a faixa etária dos alunos do 1º ano do Ensino

Fundamental.

Compreender como o professor de Educação Física e o professor pedagogo podem

trabalhar de forma interdisciplinar nos processos de leitura e escrita.

Construir uma proposta de intervenção de prática pedagógica da Educação Física com

vistas ao letramento na escola.

Solicitamos autorização institucional para realização da referida pesquisa, a ser

realizada nas Escolas Municipais de Goiânia. Para tanto necessitamos ter acesso à lista de

Escolas de cada uma das Unidades Regionais, além do acesso às Unidades Escolares para

realizar entrevistas e aplicação de questionários aos professores de Educação Física da

Primeira Fase do Ensino Fundamental. Ao mesmo tempo, pedimos autorização para que o

nome desta instituição possa constar no relatório final bem como em futuras publicações na

forma de artigo científico. Seguem em anexo o Projeto de Pesquisa.

Esta pesquisa poderá contribuir para a melhoria no processo de ensino e aprendizagem

oferecido pela Rede Municipal de Ensino de Goiânia bem como para outras instituições

educacionais que nos vinculamos por meio de formação contínua aos professores, e não

haverá nenhum gasto ou ganho financeiro por autorizar a realização da pesquisa.

Ressaltamos que os dados coletados serão mantidos em absoluto sigilo de acordo com

a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS) 466/12 que trata da Pesquisa

envolvendo Seres Humanos. Salientamos ainda que tais dados serão utilizados tão somente

para realização deste estudo.

Para maiores esclarecimentos, favor entrar em contato com a pesquisadora

responsável, Ludmila Siqueira Mota Viana pelos telefones: (62) 3941-4154 e (62) 9282-

1504, pelo e-mail: [email protected] ou com a orientadora Prof.ª Dr.ª Sônia Santana Costa

pelo e-mail [email protected].

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265

Na certeza de contarmos com a colaboração e empenho desta Diretoria, agradecemos

antecipadamente a atenção, ficando à disposição para quaisquer esclarecimentos que se

fizerem necessários.

Atenciosamente,

________________________________________

Sônia Santana Costa - Orientadora

_________________________________________

Ludmila Siqueira Mota Viana - Pesquisadora

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266

Apêndice E - Modelo do ofício enviado às Escolas campo

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E INOVAÇÃO

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA/CEP

CENTRO DE ENSINO E PESQUISA APLICADA À EDUCAÇÃO -

CEPAE

TERMO DE ANUÊNCIA PARA AUTORIZAÇÃO DE PESQUISA

Ilmª Diretora, ___________________________

Solicitamos autorização institucional para realização da pesquisa intitulada

“LETRAMENTO E EDUCAÇÃO FÍSICA NA REDE MUNICIPAL DE GOIÂNIA”, a ser

realizada na Escola Municipal _________________________________________, tendo

como objetivo geral construir uma proposta de intervenção de prática pedagógica da

Educação Física com vistas ao letramento na escola. Para tanto necessitamos ter acesso às

informações disponíveis na Secretaria Pedagógica e Administrativa dessa Unidade e realizar

entrevistas e/ou aplicação de questionários aos professores dos agrupamentos As da Primeira

Fase do Ensino Fundamental. Ao mesmo tempo, pedimos autorização para que o nome desta

instituição possa constar no relatório final bem como em futuras publicações na forma de

artigo científico.

Ressaltamos que os dados coletados serão mantidos em absoluto sigilo de acordo com

a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS) 466/12 que trata da Pesquisa

envolvendo Seres Humanos. Salientamos ainda que tais dados serão utilizados tão somente

para realização deste estudo.

Na certeza de contarmos com a colaboração e empenho desta Diretoria, agradecemos

antecipadamente a atenção, ficando à disposição para quaisquer esclarecimentos que se

fizerem necessários.

Goiânia, XXXX de XXXXXX de 2015.

________________________________

Profª. Ludmila Siqueira Mota Viana

Pesquisadora Responsável do Projeto

( ) Concordamos com a solicitação ( ) Não concordamos com a solicitação

_________________________________________

Diretora da Unidade Educacional

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267

Apêndice F - Termo de Consentimento para as professoras

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E INOVAÇÃO

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA/CEP

CENTRO DE ENSINO E PESQUISA APLICADA À EDUCAÇÃO -

CEPAE

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

Senhor(a) professor(a),

Meu nome é Ludmila Siqueira Mota Viana, sou professora de Educação Física da

Rede Municipal de Ensino de Goiânia e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino

na Educação Básica do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação – Cepae da

Universidade Federal de Goiás. Sou a professora responsável pela pesquisa com o título

“Letramento e Educação Física na Rede Municipal de Goiânia”. A pesquisa tem como

objetivos:

Desenvolver, pesquisa na área da Educação (teorias e práticas educativas) e da Educação

Física voltados, prioritariamente, para a faixa etária dos alunos do 1º ano do Ensino

Fundamental (Ciclo I);

Desvelar o discurso sobre a alfabetização que perpassa a fala dos sujeitos professores de

Educação Física e pedagogos(as);

Compreender como o professor de Educação Física e o professor pedagogo podem

trabalhar de forma interdisciplinar nos processos de leitura e escrita.

Se o/a senhor/a estiver de acordo em participar dessa pesquisa, posso garantir que as

informações fornecidas serão confidenciais e privadas, sendo que os nomes dos/as

participantes não serão utilizados em nenhum momento. As informações obtidas poderão ser

utilizadas em publicações como livros, periódicos ou divulgação em eventos científicos.

Essa participação poderá contribuir para a melhoria no processo de ensino e

aprendizagem oferecido pela Rede Municipal de Ensino de Goiânia bem como para outras

instituições educacionais que nos vinculamos por meio de formação contínua aos professores.

O/a senhor/a não terá nenhum gasto ou ganho financeiro por participar da pesquisa.

Nesse sentido, gostaria de contar com a sua participação. Após ser esclarecido/a sobre

as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste

documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável.

Em caso de recusa você não será penalizado/a de forma alguma. Em caso de dúvida você

poderá entrar em contato com a pesquisadora responsável, Ludmila Siqueira Mota Viana

pelos telefones: (62) 3941-4154 e (62) 9282-1504, pelo e-mail: [email protected], ou

procurar o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás pelo telefone 521-

1075 ou 521-1076, e-mail: [email protected].

É importante esclarecer que os/as participantes no projeto terão acesso aos resultados

obtidos com a pesquisa. Os/as professores/as serão informados/as por meio de uma reunião

previamente agendada.

Sua colaboração é de fundamental importância, mas para isso necessitamos que assine

o termo de consentimento em seguida apresentado. Lembramos que os dados são

confidenciais, somente os pesquisadores terão acesso às gravações e questionários, cujo

conteúdo, após análise será apresentado de modo a não identificar o(a) participante, para tanto

serão utilizados nomes fictícios.

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268

Atenciosamente,

_______________________________________

Profª. Ludmila Siqueira Mota Viana

pesquisadora

CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO DA

PESQUISA

Eu, _______________________________________________________________________

RG_______________________ CPF______________________________, abaixo assinado,

CONCORDO em participar da pesquisa “Letramento e Educação Física na Rede Municipal

de Goiânia”, como sujeito. Fui devidamente informado(a) e esclarecido(a) pelo pesquisadora

Ludmila Siqueira Mota Viana sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim

como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me garantido

que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer

penalidade (ou interrupção de meu acompanhamento/ assistência/tratamento, se for o caso).

Local e data:________________________________________________________________

Nome e Assinatura do sujeito: _________________________________________________

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ANEXOS

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