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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO CÂMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO POLIANA RODRIGUES FLORENTINO ALFABETIZAÇÃO E GÊNEROS TEXTUAIS: UM ESTUDO DA CANÇÃO COMO PROPOSTA DIDÁTICA Rondonópolis MT 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

CÂMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

POLIANA RODRIGUES FLORENTINO

ALFABETIZAÇÃO E GÊNEROS TEXTUAIS: UM ESTUDO DA CANÇÃO COMO

PROPOSTA DIDÁTICA

Rondonópolis – MT

2018

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POLIANA RODRIGUES FLORENTINO

ALFABETIZAÇÃO E GÊNEROS TEXTUAIS: UM ESTUDO DA CANÇÃO COMO

PROPOSTA DIDÁTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Educação da Universidade

Federal de Mato Grosso, Câmpus Universitário

de Rondonópolis, na Linha de Pesquisa

Linguagens, Cultura e Construção do

Conhecimento, como parte dos requisitos para

obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Marlon Dantas Trevisan

Rondonópolis - MT

2018

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Rod. Rondonópolis-Guiratinga, km 06 MT-270 - Campus Universitário de Rondonópolis - Cep:

78735-901 - RONDONÓPOLIS/MT

Tel: (66) 3410-4035 - Email: [email protected]

FOLHA DE APROVAÇÃO

TÍTULO: "ALFABETIZAÇÃO E GÊNEROS TEXTUAIS: UM ESTUDO DA CANÇÃO COMO

PROPOSTA DIDÁTICA"

AUTORA: Mestranda Poliana Rodrigues Florentino

Dissertação defendida e aprovada em 24/08/2018.

Composição da Banca Examinadora:

__________________________________________________________________________

Presidente Banca / Orientador Doutor(a) Marlon Dantas Trevisan

Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO

Examinador Interno Doutor(a) Sandra Regina Franciscatto Bertoldo

Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Examinador Interno Doutor(a) Rosana Maria Martins

Instituição : Universidade Federal de Mato Grosso

Examinador Externo Doutor(a) ISAAC NEWTON DE ALMEIDA RAMOS

Instituição : UNEMAT

RONDONÓPOLIS,29/08/2018.

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Dedico esse trabalho a todas as pessoas que se

perderam nos anos da escola e, por algum

motivo, nunca mais voltaram; àquelas crianças

desrespeitadas, que sofreram humilhações por

não conseguirem aprender os conteúdos. Uma

homenagem ao Gabriel, menino que eu não fui

capaz de alfabetizar, cujo rosto me incentiva a

continuar com os estudos...

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, ao universo, às forças positivas e negativas que me trouxeram até

aqui. Certamente não teria chegado sem o auxílio bondoso do Pai Celeste. Foram meses duros

e importantes para o aprendizado; se até aqui cheguei, foram as pulsões de vida que me

trouxeram.

A minha terra, agradeço o acolhimento: Fátima de São Lourenço – do ar mais puro, da

água mais limpa, do peixe mais saboroso – é o lugar mais lindo, incrível e acolhedor do

universo.

Sou grata a minha mãe, luz da minha vida, que me gerou em seu ventre e em seu coração,

pessoa que me ensinou a dignidade e o respeito pelas pessoas, nunca me esqueço de seus

ensinamentos. Ela sempre está em oração por mim, e sua vida é um dos motivos para seguir e

não desistir dos meus sonhos, mesmo em meio a esta vida tão cruel. Nela encontro o refúgio e

o amor de que preciso para viver. Minha mãe, agradeço por tudo que fez e faz por mim, fazendo

das “tripas o coração” para dar a mim tudo o que tinha de melhor: afeto, educação moral e

condições para que eu estudasse.

Agradeço ao meu pai, homem tão cheio de fé, de coragem e de dignidade. A ele toda a

gratidão pela vida. Nos momentos mais recentes que passamos juntos, firmamos laços de amor,

de afeto, de cumplicidade e, sobretudo, reforçamos aquela tal relação de pai e filha que por

muito tempo não tivemos. Hoje, mais madura, consigo compreender que ele me deu tudo o que

podia, o que tinha a oferecer. De meu pai vem a força da minha vida.

Aos meus irmãos, que amo sem medida, agradeço a singularidade de cada um, o amor

desmedido, o carinho em abundância e, principalmente, as discussões ferrenhas que tanto me

fazem crescer e fortalecem minha paciência. Em especial ao Rejão, que percorreu comigo quase

todo o processo de estudo, um irmão amável, preocupado e parceiro para tudo, inclusive para

nossos “sorvetes noturnos”. Agradeço, ainda, a Bia, que também acompanhou de perto alguns

momentos difíceis e cuidou de mim com tanto amor e dedicação.

Gratidão aos meus amigos, os de longe e os de perto, que me incluíram em suas orações,

torceram por mim e, sempre que possível, mandaram mensagens, telefonaram ou comentaram

alguma publicação no Facebook.

A minha querida amiga Maria Inês de Farias Oliveira, tão parceira. Fizemos a seleção

do mestrado juntas, choramos juntas na escola, sorrimos juntas... E em sala de aula, quando eu

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pensei em desistir de uma determinada turma, ela me trouxe de volta... minha querida

professora, amiga e hoje colega de profissão, meu muito obrigada!

Aos professores do PPGEdu, agradeço o carinho, a amizade, a preocupação e os saberes

partilhados ao longo desse período. Meu agradecimento especial à Raquel G. Salgado e à Érika

Virgílio, ex e atual coordenadora do Programa, que sempre foram tão atenciosas e preocupadas

com meu rendimento acadêmico.

Ao professor Ademar, sempre tão preocupado comigo, com minha saúde, com minha

produção. Agradeço os abraços e as palavras de força, o seu “avante” fez e faz toda a diferença

na minha vida. Fico muito feliz em saber que o senhor aprecia meu canto. Muito obrigada,

também, por aquele convite, feito na primeira aula no Mestrado.

Meu carinho e agradecimento ao meu grupo de pesquisa, ALFALE, que foi e é lugar de

construir conhecimento. Lá fortaleci meus saberes e aprendi muito.

Aos súditos da linha de Linguagem de 2016, todo meu afeto. Vocês são amigos para o

resto da vida: Áureo, Cristiana, Clotildes e Keila.

Não posso me esquecer de agradecer a todos os mestrandos de 2016, que caminharam

comigo. Mesmo em diferentes linhas de pesquisa, sempre foram especiais e atenciosos,

ajudando-me a chegar até aqui.

Também meu agradecimento a todos aqueles que me transportaram para a Universidade

ou me levaram para casa depois dos “assaltos” em 2016. Foram tantas pessoas que me ajudaram

que não me arrisco a citar nomes. A vida sempre me presenteia com anjos, é o Divino que cuida

de mim nas palmas de suas mãos.

Para além de todos, preciso citar duas pessoas especiais, que junto comigo completam

o trio parada dura, Cristiana de Jesus Xavier e Clotildes de Souza Farias, meninas extremamente

especiais e verdadeiros presentes de Deus em minha vida. Cris, por toda a trajetória de

disciplinas e reuniões sempre foi quem me buscou e levou da Universidade para casa, e Clo

sempre esteve no suporte – nunca deixei de estar nas aulas por falta de alguém que me levasse.

Tornamo-nos amigas, trocamos muitos cafés, pães de queijo, bolachinhas, carinho, amizade e

lealdade. E também um grupo no WhatsApp, “Mestrandas superpoderosas”, que nos permitiu

programar atividades, viagens, trabalhos e mesmo uma prosa para acalmar. Amo-as com toda

a força do coração e tenho fé de que essa amizade ainda vai longe!

Meu carinho a todos e todas que, por um momento, desejaram-me boas energias,

fizeram uma prece e de alguma forma torceram para que eu não desistisse. Deus seja louvado

em todos os momentos, em cada cuidado, pois sei que fui muito amada e cuidada.

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Agradecer é muito pouco, pois não existem palavras capazes de descrever o carinho que

sinto por você, meu querido orientador, professor Marlon Dantas Trevisan. Quero dizer que

tudo que me ensinou levo, a partir de hoje, em minha vida, e carrego em meu coração tudo de

bom que fizemos enquanto orientador e orientanda. Agradeço a paciência com minha teimosia,

no fundo, eu sou uma boa pessoa... Gratidão!

Grata ao universo por colocar Pedro Barreto em minha vida... encontramo-nos em um

momento em que nossas dificuldades eram as mesmas, tanto no campo de produção como na

vontade de prosseguir com a vida e com a academia. Você me inspirou a continuar, afinal, eu

vivia na sua cola para não sumir e não poderia falhar quando fosse minha hora. Gratidão, amigo.

Sou muito feliz por estar comigo nesta reta final.

Agradeço ao meu “namorido”, que tem enfrentado com paciência esta fase tão intensa

de escrita e de tensão, ajudando em tudo que lhe foi possível. Obrigada amor Jardel Júnyor da

Silva, você é o sopro de saúde e de alegria que me faltava. Amo você com todas as forças que

tenho neste momento – a tendência é só aumentar.

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"... A minha contribuição foi encontrar uma

explicação segundo a qual, por trás da mão que

pega o lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que

escutam, há uma criança que pensa.”

(Emilia Ferreiro, 1985).

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RESUMO

A presente investigação possui caráter bibliográfico e qualitativo, refletindo sobre a teoria

enunciativa de Bakhtin, especialmente no que diz respeito aos gêneros textuais e os nexos

possíveis com os processos de aquisição de leitura e escrita, destacando-se, em tal contexto, o

papel do gênero canção. Vincula-se à linha de pesquisa “Linguagens, cultura e construção de

conhecimento: perspectiva histórica e contemporânea” e ao grupo de pesquisa Alfabetização e

Letramento Escolar (ALFALE) do Programa de Pós-Graduação em Educação do Câmpus

Universitário de Rondonópolis, Universidade Federal de Mato Grosso (PPGEdu/CUR/UFMT).

Aborda-se a alfabetização sob a perspectiva dos gêneros textuais como objetos de ensino,

proposta que vem se consolidando na contemporaneidade. Dessa forma, escolheu-se a canção

como gênero a ser analisado, pelo que revela de possibilidades estéticas, sociais, afetivas,

lógicas, à medida que apresenta enunciados, e não mais sílabas ou palavras soltas, nas rotinas

alfabetizadoras. Pretende-se, também, discorrer sobre o percurso histórico da alfabetização,

seus conflitos, tensões, abordagens do som, avanços teóricos e metodológicos, com o aporte de

Mendonça (2011), Marcuschi (2008), dentre outros; para a reflexão sobre gêneros, recorre-se

às contribuições de autores como Dolz, Schneuwly, Noverraz (2004), Mortatti (2017), Soares

(2004), Bakhtin (2011); com relação à linguagem musical, destaca-se Gordon (2000) e Jeandot

(1997). Como objetivo geral, buscou-se refletir sobre o ensino de leitura e escrita, investigando-

se os nexos entre conceitos de alfabetização, gêneros textuais, natureza da canção e a sequência

didática proposta por Dolz, Schneuwly e Noverraz (2004), nesta ocasião orientada pela canção

e a perspectiva do alfabetizar letrando. Com o intuito de relacionar, ilustrar e consolidar tais

proposições, elaborou-se uma unidade didática (sequência) para turmas de alfabetização do

primeiro ano do primeiro ciclo do Ensino Fundamental, em que se verificam os ganhos para as

práticas pedagógicas pretendidos com o esforço da pesquisa. O percurso do trabalho revelou o

quanto a temática é desafiadora, pela riqueza, complexidade e efetividade do gênero canção

como objeto de ensino nas rotinas de alfabetização.

Palavras-chave: Alfabetização. Gêneros textuais. Gênero canção. Sequência didática.

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ABSTRACT

The present research of bibliographical character reflects on the enunciative theory of Bakhtin,

especially with regard to the textual genres and the possible links with the processes of

acquisition of reading and writing, highlighting in such context the role of the song genre. The

work is linked to the research line "Languages, Culture and Knowledge Construction: Historical

and Contemporary Perspective" and to the Literacy and Literacy study group (ALFALE) of the

Post-Graduate Program in Education of the University Campus of Rondonópolis, Federal

University of Mato Grosso (PPGEdu / CUR / UFMT). Literacy is approached from the

perspective of textual genres as teaching objects, a proposal that has been consolidating in the

contemporary world. In this way, the song was chosen as a genre to be analyzed, so it reveals

aesthetic, social, affective, and logical possibilities, as it presents statements and no more

syllables or loose words, in the literacy routines. It is also intended to discuss the historical path

of literacy, its conflicts, tensions, sound approaches, theoretical and methodological advances,

contributing in Mendonça (2011), Marcuschi (2008), among others; for reflection on genres,

the contributions of authors such as Dolz, Schneuwly, Noverraz (2004), Mortatti (2017), Soares

(2004), Bakhtin (2011); with regard to the musical language, stands out Gordon (2000) and

Jeandot (1997). As a general objective, we sought to reflect on the teaching of reading and

writing, investigating the links between literacy concepts, textual genres, nature of the song and

the didactic sequence proposed by Dolz, Schneuwly, Noverraz (2004), on this occasion oriented

by the song and the prospect of literate literacy. In order to relate, illustrate and consolidate

these propositions, a didactic unit (sequence) was developed for literacy classes of the first year

– first cycle – Elementary School, in which gains are verified for the pedagogical practices

intended with the effort of the search. The course of work revealed how challenging the theme

is, because of the richness, complexity and effectiveness of the song genre as an object of

instruction in literacy routines.

Keywords: Literacy. Textual genres. Genre song. Following teaching.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 16

2 O SAPO NÃO LAVA O PÉ, NÃO LAVA PORQUE NÃO QUER... REFLEXÕES

SOBRE A ALFABETIZAÇÃO ......................................................................................... 21

2.1 Métodos de alfabetização ................................................................................................. 23

2.1.1 Método alfabético .......................................................................................................... 23

2.1.2 Método fônico ................................................................................................................. 24

2.1.3 Método silábico .............................................................................................................. 25

2.1.4 Método da palavração ................................................................................................... 26

2.1.5 Método de sentenciação ................................................................................................ 28

2.1.6 Método global ................................................................................................................. 28

2.2 Alfabetização no Brasil .................................................................................................... 31

2.2.1 O alfabetizar de Paulo Freire........................................................................................33

2.3 As contribuições da psicogênese para a alfabetização .................................................. 34

2.4 Alfabetização e letramento .............................................................................................. 36

3 SE ESTA RUA FOSSE MINHA, EU MANDAVA LADRILHAR... GÊNEROS

TEXTUAIS COMO OBJETOS DE ENSINO ................................................................... 41

3.1 A natureza do enunciado ............................................................................................. ...41

3.2 Textualização, coesão e coerência .................................................................................. 47

3.3 Gênero textual, tipo textual e domínio discursivo ........................................................ 48

3.4 Tipos textuais ................................................................................................................... 49

3.5 Os gêneros orais presentes no texto escrito ................................................................... 52

3.6 Os gêneros e a didática da alfabetização ....................................................................... 54

3.7 A importância de uma didática orientada pelos gêneros textuais, considerando o

protagonismo da infância ................................................................................................. 56

4 ALECRIM, ALECRIM DOURADO, QUE NASCEU NO CAMPO SEM SER

SEMEADO... O GÊNERO CANÇÃO ................................................................................ 60

4.1 A materialidade da canção............................................................................................... 61

4.2 Os gêneros primários e secundários na canção ............................................................. 62

4.3 A música e a formação do indivíduo ............................................................................... 63

4.4 Formação musical para a pequena infância .................................................................. 65

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4.5 O suporte – lócus para o enunciado ................................................................................ 67

4.6 Elementos de linguagem musical na canção .................................................................. 68

4.6.1 Altura, intensidade e timbre ......................................................................................... 69

4.6.2 Cérebro e corpo – conceito de audiação ...................................................................... 71

4.6.3 O canto e suas possibilidades de expressão .................................................................. 73

4.6.4 Tipos de audiação ........................................................................................................... 74

4.6.5 A dimensão do ritmo ..................................................................................................... 76

4.6.6 A notação musical .......................................................................................................... 78

5 RELAÇÕES ENTRE ALFABETIZAÇÃO, GÊNERO CANÇÃO E SEQUÊNCIA

DIDÁTICA: SURPRESAS PARA A APRENDIZAGEM................................................82

5.1 Relações entre letramento e a sequência didática.........................................................83

5.2 Relações entre métodos de alfabetização e a aprendizagem musical... revendo o

percurso da pesquisa ........................................................................................................ 86

5.3 Contribuições didático-pedagógicas do gênero canção como objeto de ensino: uma

proposta de sequência didática ......................................................................................... 88

5.4 Algumas reflexões sobre as atividades da sequência didática.....................................109

VOU-ME EMBORA, PRENDA MINHA, TENHO MUITO QUE FAZER... PEQUENAS

CONSIDERAÇÕES DE UMA PROFESSORA ALFABETIZADORA......................... 114

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 116

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Gêneros orais e escritos 50

Quadro 2 – Figuras musicais e respectivos valores 78

Quadro 3 – Principais sinalizações de andamento 79

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Posicionamento das notas 70

Figura 2 – Esquema da sequência didática 85

Figura 3 – Sequência didática “Uma canção para a bailarina” 95

Figura 4 – Partitura da canção “Ciranda da Bailarina” 111

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho vincula-se ao Grupo de Pesquisa Alfabetização e Letramento Escolar

(ALFALE), do Programa de Pós-Graduação em Educação, Instituto de Ciências Humanas e

Sociais (PPGEdu/ICHS), da Universidade Federal de Mato Grosso, Câmpus Universitário de

Rondonópolis (UFMT/CUR), na linha de pesquisa: “Linguagens, cultura e construção de

conhecimento: perspectivas histórica e contemporânea”.

O estudo em tela trata da aquisição da língua materna – leitura e escrita – propondo uma

didática voltada aos gêneros textuais, destacando-se, dentre estes, a canção, pela potencialidade

que apresenta como promotora de experiências significativas para a formação das crianças.

A utilização dos gêneros nas metodologias didáticas tem se reafirmado como paradigma

contemporâneo, sobretudo no ensino da língua materna, uma vez que os mesmos remetem a

situações reais de comunicação, convívio social e vivências cotidianas. Dessa forma, defendo

que a escola deve promover ambientes de aprendizagem que valorizem o mundo vivido, o

cotidiano das crianças. Nesse sentido, na contramão do ensino tradicional de linguagem, que

prioriza a memorização e exercícios repetitivos, afirmo aqui a importância de um aporte teórico

como a teoria do enunciado (BAKHTIN, 2011), pelo que expressa da experiência comunicativa,

resgatando a vida, trazendo-a para dentro da sala de aula.

Algumas indagações nortearam meus passos nesta pesquisa: O que significa, para a

alfabetização, adotar os gêneros textuais como objetos de ensino? Que elementos teóricos e

práticos estão envolvidos nas vivências pedagógicas com a canção? Que relações (e ganhos)

podem se estabelecer entre alfabetização, canção e os conceitos de sequência didática?

Em termos metodológicos, o trabalho apresenta uma natureza qualitativa, com relação

à análise de dados, particularmente porque busca formular pontualmente uma proposta de

sequência (unidade) didática que, dentro dos limites do texto, contemple as abordagens teóricas

apresentadas no percurso do trabalho. Dessa forma, Gatti e André (2011) destacam também que

a pesquisa qualitativa é a incorporação do pesquisador bem como suas investigações mais

flexíveis. Tendo consciência da subjetividade como parte do processo de pesquisa, bem como

de que a compreensão se dá a partir da interpretação das questões e problemas da educação.

Dessa forma, o legado de Bakhtin (2011), em especial quanto aos conceitos sobre

enunciado e gêneros textuais, tem caráter relevante, assim como as contribuições de Gordon

(2000) para o ensino musical, ressaltando-se, dentre as mesmas, a concepção de audiação

(escuta atenta).

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A pesquisa tem como objetivo geral refletir sobre o ensino de leitura e escrita,

investigando-se os nexos entre conceitos de alfabetização, gêneros textuais, natureza da canção

e a sequência didática proposta por Dolz, Schneuwly e Noverraz (2004), nesta ocasião orientada

pela canção e a perspectiva do alfabetizar letrando. Como objetivos específicos, pretendo:

a) Discorrer sobre o percurso histórico da alfabetização, seus conflitos, tensões, avanços

teóricos e metodológicos;

b) Descrever a teoria enunciativo-comunicativa bakhtiniana e os conceitos sobre

gêneros textuais;

c) Descrever e analisar a natureza do gênero canção, em especial, elementos da

linguagem musical, seus elos com outros gêneros e como tal aspecto impacta na aprendizagem

da língua;

d) Apresentar uma proposta de sequência didática (unidade didática), nos termos de

Schneuwly e Dolz (2004);

e) Buscar inferências, a partir do esforço teórico empreendido, que contribuam de algum

modo para a didática da alfabetização.

Com relação às motivações para a pesquisa, retorno aos anos de 1990, quando eu, uma

bebê cantora, causava admiração a muita gente, sendo diversas vezes convidada a cantar,

declamar poesias na escola e em outros lugares... não era comum uma criança tão pequena com

tantos talentos artísticos. Naquela época, minha mãe me ajudava a decorar as músicas, ensinava

os ritmos para as apresentações...

Seriam necessárias muitas páginas para contar minha trajetória de amor e fuga da

música, mas este não é o assunto desta dissertação. No entanto, posso afirmar, com muita

emoção, que meu orientador foi a pessoa que me fez voltar a cantar, mesmo eu sentindo medo

e insegurança. Em uma tarde de março de 2013, em frente à biblioteca da UFMT/CUR, Marlon

me ensinou a canção “Ponta de areia”, de Milton Nascimento e Fernando Brant (1975),

pedindo, em seguida, que eu cantasse, dizendo que meu timbre fazia lembrar a voz das “cantoras

do rádio”, tempo que não vivi; foi um dos primeiros comentários que fez ao me ouvir. Daquele

momento em diante, convidou-me para cantar em alguns espaços da universidade, e, até hoje,

suas aulas têm sido palco de minhas cantorias: ele no violão e eu com a voz. Tornou-se, assim,

a pessoa que trouxe de volta meu sonho de cantar, a alegria de me ouvir e o prazer de estar entre

amigos para fazer música.

A partir desses encontros, cursando a graduação em Pedagogia, imaginava

possibilidades de construção de conhecimento que envolvessem a música e aspectos do ensino.

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Eis os motivos de minha grande identificação com a canção: a infância com os estímulos

maternos, sua importância para os ambientes sociais e a cultura, a alegria de meu reencontro

com a música, ao som do violão e das orientações de Marlon, o que me faz crer que não há

razões para ela não estar presente no contexto escolar.

Muito mais do que alegrar a vida das pessoas, a música alegra a minha. Considero-a,

por isso, um importante instrumento de resistência à alfabetização mecanicista, descolada do

mundo e da vida. Acredito na educação que liberta, constrói, levando à autonomia, valorizando

o coletivo, o prazer de estar junto, a partilha de conhecimentos. A música não é a salvação do

texto, da língua, do mundo, mas pode se constituir importante ferramenta para trabalharmos

aspectos estéticos, filosóficos, sociológicos, religiosos, éticos e morais, nas rotinas

pedagógicas. Música é fluidez, pulsação, movimento, e se torna aprendizagem, sobretudo para

um ensino planejado.

Considerando esta introdução como o primeiro capítulo da dissertação, apresento o

segundo, intitulado “O sapo não lava o pé, não lava porque não quer... reflexões sobre a

alfabetização”, caracterizando o percurso histórico das metodologias de ensino das primeiras

letras, dentre as quais destacamos os sistemas alfabético, fônico, silábico, palavração,

sentenciação e global. Também reflito sobre as contribuições da psicogênese e o conceito

posterior de letramento. Recorro, para tal, a autores como Mendonça (2011), Mortatti (2004) e

Soares (2004), dentre outros. Considero relevante a revisão do caminho percorrido pelas

metodologias, porque pretendo apontar a importância do aspecto sonoro para as mesmas,

revelando incontáveis relações com a canção, que procurarei expor no capítulo conclusivo.

Defendo, aqui, não haver um método mais eficiente do que outro, uma vez que cada criança se

constitui como um ser único, exigindo, por parte do alfabetizador, flexibilidade no tocante à

melhor estratégia didática.

O terceiro capítulo, “Se esta rua fosse minha, eu mandava ladrilhar... gêneros textuais

como objetos de ensino”, discorre sobre os gêneros de forma ampla, sua aplicabilidade didática,

tipologia, além de outros aspectos específicos inerentes à produção discursiva. Destaco, das

contribuições bakhtinianas, o conceito de enunciado. Tal compreensão vem a possibilitar a

virada pedagógica que muitos almejam, no ensino com gêneros: o resgate das práticas sociais

nas rotinas escolares. Para as análises, conto com as contribuições de Bakhtin (2011), Dolz,

Schneuwly, Noverraz (2004), Mortatti (2017), Soares (2004), além de outros nomes relevantes.

No quarto capítulo, “Alecrim, alecrim dourado, que nasceu no campo sem ser

semeado...” o gênero canção, destaco, além de especificidades do gênero em questão, aspectos

da linguagem musical, como letra, melodia, ritmo etc., bem como a potencialidade que as

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vivências musicais pedagógicas apresentam. Realço a importância do conceito de audiação

(escuta atenta) de Gordon (2000), suas relações com o movimento do corpo, enfim, a plenitude

da apreciação estética musical. Além de Gordon (2000), contamos com os escritos de Jeandot

(1997) e Caretta (2011), dentre outros.

O quinto capítulo, “Relações entre alfabetização, gênero canção e sequência didática:

surpresas para a aprendizagem”, busca consolidar a reflexão e o percurso da pesquisa, de modo

a discorrer sobre a proposta de Dolz, Schneuwly e Noverraz (2004), sobre sequência didática.

Recorro a Marcuschi (2005) e Dionísio (2005), no sentido de ratificar a importância do

alfabetizar letrando. Com o esforço de articular todo o arranjo teórico apresentado na pesquisa

– conceitos de alfabetização, gêneros textuais como objetos de ensino, natureza da canção

(destaque à audiação) – elaborei uma sequência didática que, ao materializar-se, torna-se uma

unidade didática, como se fosse um capítulo de livro voltado para alfabetização e o primeiro

ano do Ensino Fundamental, faixa etária de seis, sete anos, público escolhido para endereçar os

exercícios propostos. Pelos limites do trabalho, não contemplo, na sequência apresentada, todos

os aspectos envolvidos nas articulações conceituais possíveis, basicamente relativas aos

mecanismos de aquisição da língua e às experiências com a linguagem musical. Pretendo seguir

adiante, elaborando novas unidades didáticas, posto que verifiquei, no transcorrer do trabalho,

tratar-se de um veio de pesquisa de grandes possibilidades de produção didática voltada para a

alfabetização.

Por fim, “Vou-me embora, prenda minha, tenho muito que fazer... pequenas

considerações de uma professora alfabetizadora” traz as reflexões construídas a partir da

proposição da Sequência Didática (SD) e do diálogo estabelecido com os autores aqui

elencados, articulados às experiências desta pesquisadora com a alfabetização e a música.

Espero, com o esforço empreendido, contribuir, de algum modo, para as práticas

pedagógicas, analisando a complexidade e efetividade do gênero canção para as mesmas. Que

nas escolas se possa ouvir, a cada plim, plim, plim de um pianinho, ou o dão, dão, dão de um

violão, as vozes infantis a entoarem belas e alegres canções. Isto afirmo em tempos que

requerem o resgate da experiência estética, sejam em quais forem os contextos sociais,

especificamente os escolares, que pretendem propiciar a formação integral de nossas crianças.

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2 O SAPO NÃO LAVA O PÉ, NÃO LAVA PORQUE NÃO QUER... REFLEXÕES

SOBRE A ALFABETIZAÇÃO

O presente capítulo se constitui uma análise do percurso histórico da alfabetização, até

os dias atuais, apoiando-me em estudos de Mendonça (2011), Soares (2008), Ferreiro e

Teberosky (2008), dentre outros. Espero, desse modo, contribuir com a discussão sobre uma

didática da alfabetização, sem a defesa de um método em especial, dentre os que serão aqui

expostos; mais importante, creio, vem a ser a contribuição de cada um deles para a aquisição

de leitura/escrita, analisada sob um aspecto de relevância central para nossa pesquisa: o papel

do som em tais metodologias, característica esta que estabelece um elo com a canção que, a

meu ver, merece ser investigado. Mais que isso, merece – e deve – fazer parte do cotidiano do

ciclo de alfabetização, em escolas acolhedoras, que não se comportem como o sapo da cantiga,

que, teimosamente, não muda porque não quer. As percepções observadas ao revisar os

caminhos históricos da alfabetização ajudam a pensar o ensino da língua de forma mais

prazerosa para as crianças, no sentido de superar aquilo que pode torná-lo enfadonho e difícil,

de modo que seja possível, com a música, atenuar tal aspecto.

O advento da escrita se deu a partir da necessidade dos homens de se comunicarem uns

com os outros, o que fez nascer, junto com ela, a alfabetização. Era necessário aprender a

decifrar os símbolos usados para registrar ou comunicar algo e não apenas criá-los.

No âmbito dos estudos da alfabetização, da leitura e da escrita, Soares (2003) afirma

que:

No Brasil, porém, o movimento se deu, de certa forma, em direção contrária:

o despertar para a importância e necessidade de habilidades para o uso

competente da leitura e da escrita tem sua origem vinculada à aprendizagem

inicial da escrita, desenvolvendo-se basicamente a partir de um

questionamento do conceito de alfabetização. Assim, ao contrário do que

ocorre em países do Primeiro Mundo, como exemplificado com França e

Estados Unidos, em que a aprendizagem inicial da leitura e da escrita – a

alfabetização, para usar a palavra brasileira – mantém sua especificidade no

contexto das discussões sobre problemas de domínio de habilidades de uso da

leitura e da escrita – problemas de letramento –, no Brasil os conceitos de

alfabetização e letramento se mesclam, se superpõem, frequentemente se

confundem. Esse enraizamento do conceito de letramento no conceito de

alfabetização pode ser detectado tomando-se para análise fontes como os

censos demográficos, a mídia, a produção acadêmica. (SOARES, 2003, p. 7).

Assim, no Brasil, a confusão relativa a esse conceito está entre o objetivo de ler – que é

a compreensão do texto – e o processo de aprender a ler, que envolve a decodificação do que

está escrito. Esses equívocos têm implicações importantes, pois, quando não se diferenciam

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objetivo e processo, confundem-se também os métodos de alfabetização, o que pode gerar

desastrosas consequências para a aprendizagem do aluno.

Conceituando alfabetização, Moura (1999) afirma que:

A alfabetização consiste num processo pedagógico e epistemológico que deve

possibilitar, ao sujeito, a apropriação do sistema de representação da

linguagem escrita e a sua consequente reconstrução e utilização para si como

objeto possibilitador da apropriação de novos conhecimentos e de intervenção

em diferentes situações sociais. (MOURA, 1999, p. 105)

Portanto, a alfabetização é um processo que possibilita ao indivíduo abrir novos

horizontes, reconhecer o mundo em que se insere, transitar por contextos sociais que se

interditam para os não alfabetizados. A própria relação da consciência com o mundo se altera,

a partir da apropriação da linguagem escrita, de modo que o existir se transforma.

Conforme Mortatti (2004), a alfabetização:

[...] passou a designar explicitamente um processo escolarizado e

cientificamente fundamentado, entendido como meio e instrumento de

aquisição individual de cultura e envolvendo ensino e aprendizagem escolares

simultâneos da leitura e da escrita, estas entendidas como habilidades

específicas que integravam o conjunto de técnicas de adaptação do indivíduo

às necessidades regionais e sociais. (MORTATTI, 2004, p. 67)

Os aspectos destacados permitem caracterizar a alfabetização como um processo

cognitivo, cujo percurso, alicerçado em rigor científico, visa promover a aquisição de duas

essenciais habilidades: ler e escrever. Sem elas, um indivíduo passa, consequentemente, a viver

à margem dos campos sociais em que aquelas são senhas de entrada. Não por acaso existem

firmes relações entre o analfabetismo e a exclusão social, bem como entre ascensão social e

nível de escolaridade.

Os lentos avanços de nossa vida em sociedade, sobretudo no que se refere às leis, à

tecnologia e aos bens de consumo, encontram reflexo na linguagem, o que fica evidente diante

da necessidade humana de registrar sua vida e história, transformá-la pelo que pode o símbolo

linguístico nas interações sociais. Cagliari (2011) mostra aspectos dessa marcha:

A escrita, pelo que se sabe hoje, começou de maneira autônoma e

independente, na Suméria, por volta de 3300 a.C. É muito provável que no

Egito, por volta de 3000 a.C., e na China, por volta de 1500 a.C., esse processo

autônomo tenha se repetido. Os Maias na América Central também

inventaram um sistema de escrita independentemente de um conhecimento

prévio de outro sistema de escrita, num tempo indeterminado ainda pela

ciência, que talvez se situe por volta do início da era cristã. (CAGLIARI, 2011,

p. 15).

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A igreja foi uma grande difusora de conhecimento e incentivo ao aprendizado da língua

escrita, tendo em vista os textos sagrados e as orações. Isto levando em consideração a Reforma

Protestante, momento histórico em que as possibilidades de leitura e interpretação da Bíblia,

antes exclusivas dos padres, passaram a ser acessíveis aos indivíduos comuns. Logo, aprender

a ler tornou-se essencial para se relacionar com o divino.

Após as revoluções Francesa (1789) e Industrial (1840), e com o surgimento de várias

indústrias, o conhecimento da leitura e da escrita se transformou em um instrumento de

distinção social, pois as novas demandas exigiam cidadãos alfabetizados e mão de obra

qualificada. Com isso, a população começou a sentir, gradativamente, a necessidade de buscar

conhecimento e a reconhecer a importância da comunicação por meio da palavra escrita

(MORTATTI, 2004).

No processo de alfabetização, destacam-se três entes – aluno, professor e a natureza do

objeto do conhecimento envolvendo essa aprendizagem. A linguagem é compreendida como

um conjunto de conceitos alfabéticos, com características específicas, que permeia as interações

entre os dois primeiros e destes com o mundo. Nesse sentido, é indispensável argumentar sobre

o ponto de vista de algumas metodologias, para os caminhos da alfabetização e o trabalho com

a linguagem nas rotinas escolares.

2.1 Métodos de alfabetização

Surgem, desde a Antiguidade e Idade Média até o século XVIII, métodos diferenciados

de alfabetização, dividindo-se em dois grandes grupos: sintéticos e analíticos. Os métodos

sintéticos se subdividem em alfabético, fônico e silábico; os analíticos, em palavração,

sentenciação e global. A seguir, procuro delinear seus principais aspectos, buscando verificar

de que modo a sonoridade era abordada, pois tal aspecto interessa de modo especial a esta

pesquisa, tendo em vista as relações que o mesmo apresenta com a natureza da canção, gênero

aqui investigado.

2.1.1 Método alfabético

O método alfabético se dava pela fixação oral das letras, ou melhor, os alfabetizandos

memorizavam o nome de todas as letras do alfabeto em ordem; depois, ao contrário. Em

seguida, precisavam desenhá-las. Isso feito, deveriam reconhecer o som que cada grafema

representava, primeiramente as maiúsculas; depois, as minúsculas.

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Memorizadas essas relações, passavam a juntar as letras para formar sílabas, em

seguida, começavam a formar as sílabas compostas. O passo seguinte consistia em escrever

monossílabos, dissílabos e trissílabos. As frases, então, começavam a ser elaboradas, sempre a

partir de uma palavra; as sílabas esparsas eram unidas nesse exercício.

Essa metodologia se denominou método alfabético, característica do primeiro grande

período da história da alfabetização, que se estendeu até fins da Idade Média, ocasião em que

aparece o costume de fazer bolos e doces em formas de letras.

Na fase alfabética, a criança começa a adquirir conhecimento sobre o princípio

alfabético, exigindo dela a consciência dos sons que compõem a fala; inicia-

se o processo de associação fonema-grafema, podendo decodificar palavras

novas e escrever algumas palavras simples. Em um primeiro momento, se

aprende as regras mais simples (decodificação sequencial) e, depois, as regras

contextuais (decodificação hierárquica). Com isto, a criança consegue, por

exemplo, ler ‘sapato’ sem alterar a sonorização dos fonemas (fazendo sua real

correspondência com os grafemas), porém pode alterar a sonorização do

fonema /z/ na palavra ‘casa’ devido à letra [s], e corrigir em seguida,

dependendo de sua contextualização (estar isolada ou dentro de um texto,

associada por imagem... (MARANHE, 2011, p. 139, grifos da autora)

Esse método de alfabetização, portanto, era centrado na codificação e decodificação das

letras, um ato mecânico, composto por momentos de seguida repetição. Nesse momento da

escolarização, o ensino era pautado na leitura apenas sonora e visual, sem a exigência de o aluno

compreender o texto. O ensino baseava-se na combinação entre letras e sons, com destaque para

a memorização desta relação.

2.1.2 Método fônico

No século XVI, surge um novo método, contrapondo-se ao alfabético, trata-se do

método fônico. A diferença deste consiste basicamente na pronúncia dos sons que as letras

produzem, ou melhor, o ensino do som dos grafemas, em vez do nome de todos eles.

Primeiro, ensinavam-se a forma e os sons das vogais, em seguida, ensinavam-se as

consoantes e depois a junção delas, o que gerava conexões gradativamente mais complicadas.

Para a compreensão dos sons, o principal objetivo é aprender, primeiramente, a relação entre

fonemas e grafemas, para depois ir para as relações mais complexas.

Nesse sentido, o método fônico traz várias vantagens e desvantagens. Uma das vantagens

é que há algumas letras que representam apenas um fonema e sempre representarão esse fonema,

como, por exemplo: p e b, v e f, entre outras, que facilitam a codificação e a decodificação.

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A desvantagem é que algumas letras podem possuir outros fonemas em conformidade

com o seu lugar na escrita, como é o caso da letra s: se ela estiver no começo da palavra,

corresponde a um fonema (sapo, sapato etc.), e a outro, se estiver entre vogais (casa, música

etc.).

No Brasil, o método fônico tem sido levado adiante por diversos autores, dentre os quais

sobressai o casal Capovilla (2004), responsável pela autoria de materiais e instrumentos para se

trabalhar a consciência fonológica, tais como o “método das boquinhas”, técnica criada por

Fernando Capovilla e Renata Jardini, em 1985, para o ensino das primeiras letras. O papel do

som, nesta metodologia, é absolutamente essencial, porque a aquisição da leitura e da escrita

ocorre mediada por longos exercícios de fala, fortalecendo-se a articulação correta das palavras

e o processamento auditivo central. O aluno se alfabetiza por meio da representação dos

grafemas efetuada pelo trato bucal, principalmente.

Entre os muitos problemas presentes nesta perspectiva, Mendonça (2011), destaca o fato

de que o português é silábico: a menor unidade para o aprendiz é a sílaba, tal como aprendemos

a falar; a letra é parte da sílaba e não produz sentido quando ensinada separadamente.

Outro ensinamento de Mendonça (2011) expõe que:

Isolados, os fonemas consonantais são impronunciáveis, pois sempre que se

tentar pronunciar /b/, por exemplo, o som /e/ estará presente e se dirá /be/. O

método fônico, para tentar dissimular essa dificuldade, ignora a vogal nasal

/ã/ e, na tentativa de desenvolver o que denomina ‘consciência fonológica’,

faz o aluno pronunciar a sílaba /bã/ para o fonema /b/. Como demonstrado, no

método fônico parece que se trabalha o fonema, mas na verdade parte da sílaba

nasalizada e não do fonema para desenvolver a correspondência

grafema/fonema consonantais. (MENDONÇA, 2011, p. 29, grifo da autora).

O método fônico propõe ensinar, de forma clara, a relação entre grafemas e fonemas. O

aluno inicia sua aprendizagem a partir do som das letras, de modo a unir o som da consoante

com o som da vogal, para, enfim, pronunciar a sílaba formada.

2.1.3 Método silábico

O terceiro período também surge no Século XVI e se caracteriza justamente pela

percepção de que falamos por impulsos, o que gerou o método silábico. Primeiramente, eram

ensinadas as sílabas simples, só depois passava-se às mais complicadas, e da união delas

surgiam as famílias silábicas. Dessa forma, novas palavras eram criadas a partir das sílabas

simples já aprendidas, possibilitando a formação de pequenas frases e textos.

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Voltando à história, visando à superação das dificuldades do método fônico,

na França, foi criado o método silábico: estratégia de unir consoante e vogal

formando a sílaba, e unir as sílabas para compor as palavras. No método

silábico, ensina-se o nome das vogais, depois o nome de uma consoante e, em

seguida, são apresentadas as famílias silábicas por ela compostas. Ao contrário

do fônico, no método da silabação, a sílaba é apresentada pronta, sem se

explicitar articulação das consoantes com as vogais. Na sequência, ensinam-

se as palavras compostas por essas sílabas e outras já estudadas.

(MENDONÇA, 2011, p. 26).

Esse método tem dois objetivos fundamentais: explicar as relações grafofonêmicas e

criar aptidões metafonológicas, ou seja, instruir sobre as ligações entre letras e sons e incentivar

o andamento da consciência fonológica, que se referem à capacidade de utilizar e raciocinar a

respeito da pronúncia da fala.

Quando relacionadas ao conhecimento das ligações entre letras e sons, a prática de

memorização e compreensão do modo de se falar tem maior finalidade sobre o aprendizado da

leitura e da escrita, sendo, portanto, um mecanismo muito eficiente para a alfabetização de crianças

disléxicas, dentre outras que apresentam maiores dificuldades na aquisição de leitura e escrita.

Vale aqui explicitar o entendimento de Frade (2005):

O método silábico tem uma vantagem: ao se trabalhar com a unidade sílaba,

atende-se a um princípio importante e facilitador da aprendizagem: quando

falamos, pronunciamos sílabas e não sons separados. Assim, suprime-se a

etapa tortuosa pela qual o aluno passa ao tentar transformar letras ou fonemas

em sílabas, como no método de soletração (alfabético) ou no fônico. Além

disso, o método silábico se presta bem a um trabalho com determinadas sílabas

às quais não se aplica o princípio de relação direta entre fonema e grafema.

Existem várias sílabas que comportam mais letras do que os sons que

pronunciamos: na representação da nasalidade, em algumas palavras,

escrevemos as letras n ou m sem que elas correspondam a algum som (canto,

campo); nos dígrafos, usamos duas letras para representar um único som

(chuva, carro, excelente, gueto, brinquedo). (FRADE, 2005, p. 29).

Em resumo, as metodologias que acompanham o processo sintético (da parte para o

todo) buscam privilegiar apenas a decodificação, ou melhor, o estudo fonológico, com mínimo

destaque ao texto e ao uso da escrita.

2.1.4 Método da palavração

Na reflexão sobre os métodos de alfabetização, seguem os métodos analíticos, que

iniciam do todo (palavras-chave, frases, texto) e caminham para as partes menores (sílaba). A

expressão “analítica” supõe que a palavra (frase ou texto) seja “quebrada” e analisada em partes

menores, após a sua visualização.

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Mendonça (2011) assim explica e exemplifica os métodos analíticos:

Os métodos da palavração, sentenciação ou os textuais são de origem

analítica, pois partem de uma unidade que possui significado, para então fazer

sua análise (segmentação) em unidades menores. Por exemplo: toma-se a

palavra (BOLA), que é analisada em sílabas (BO-LA), desenvolve-se a família

silábica da primeira sílaba que a compõe (BA-BE-BI-BO-BU) e, omitindo a

segunda família (LA-LE-LI-LO-LU), chega-se às letras (B-O-L-A).

(MENDONÇA, 2011, p. 28).

Nicolas Adams (1787 apud MENDONÇA, 2011), formulou um raciocínio convincente:

quando ensinamos a uma criança o que é um vestido, o apresentamos a ela; não fazemos isso

aos poucos, vindo com a renda, depois os botões etc. Da mesma maneira, argumentava,

deveríamos agir com a alfabetização, o ideal é apresentar palavras e não retalhos delas. Iniciada

a abordagem analítica com a palavração, o que se seguiu foi a sentenciação – análise de frases

significativas, impactantes; posteriormente, o texto em sua totalidade – contos e outros gêneros.

Conforme o entendimento de Mortatti (2006):

Diferentemente dos métodos de marcha sintética até então utilizados, o

método analítico, sob forte influência da pedagogia norte-americana, baseava-

se em princípios didáticos derivados de uma nova concepção — de caráter

biopsicofisiológico — da criança, cuja forma de apreensão do mundo era

entendida como sincrética. A despeito das disputas sobre as diferentes formas

de processuação do método analítico, o ponto em comum entre seus

defensores consistia na necessidade de se adaptar o ensino da leitura a essa

nova concepção de criança. (MORTATTI, 2006, p. 7).

Os métodos analíticos se dividem em três grupos: palavração, sentenciação e método

global. Com ênfase na palavra, eis o método da palavração, cuja proposta, de modo geral,

determinava que a alfabetização se desse a partir de uma palavra significativa para a criança.

Ensinar letras ou sílabas, por conseguinte, não seria o melhor caminho, porque tais formações

se apresentavam como algo abstrato aos pequenos.

Comênius, em 1655, propõe o método iconográfico – correspondência entre imagem e

palavra, dentro da abordagem analítica. Este autor considerava a soletração a maior tortura feita

ao espírito (MENDONÇA, 2011). Esse período reúne características que permitem afirmar

tratar-se de uma contraposição às estratégias sintéticas.

O debate sobre os métodos de alfabetização sintéticos e analíticos, portanto, atravessa

séculos, acompanhando a história da própria educação. A palavração também foi criticada por

seu caráter de coleção vocabular, uma vez que desprezava a importância da compreensão do

conjunto alfabético escrito em situações reais de comunicação.

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Segundo Mortatti (2006), na palavração, como o próprio nome diz, parte-se da palavra.

Primeiro, existe o contato com os vocábulos e, depois da aquisição de certo repertório, inicia-

se a formação das frases. Caracteriza-se pela decomposição da palavra em sílabas. Esta não é

dividida no começo do processo, em geral, será estudada integral e minuciosamente. Não se

segue uma regra ou parâmetro ortográfico para sua quebra (análise) em partes, por ser relevante

que o aluno as entenda e que tenham significado para sua vida, preferencialmente.

Uma vantagem deste método está no significado da palavra e em práticas pedagógicas

que podem resultar em uma leitura prazerosa, formadora. Já as desvantagens surgem nos

obstáculos encontrados diante de novas palavras, quando os educadores se restringem a uma

singela visualização, sem motivar a compreensão das palavras em partes. Mesmo memorizadas,

as palavras podem não coincidir com a aquisição de leitura, provocando enganos.

2.1.5 Método de sentenciação

Seguindo a ordem dos métodos, temos o método de sentenciação, a respeito do qual

existem poucas informações sobre a época de sua criação. Nele, o marco inicial do aprendizado

é a frase, que é dividida posteriormente em palavras, das quais são tiradas as unidades mais

simples, que são as sílabas.

Pouco se fala sobre este método e sua utilidade, mas, em geral, são demonstradas duas

vantagens, a saber: a de estudar a frase e sua sonoridade, priorizando uma forma de leitura, a

partir do texto. As parlendas, nesse sentido, são bastante pertinentes, especialmente pela

ludicidade e lirismo que apresentam. Entre as suas desvantagens, é válido ressaltar a demora

para memorização das palavras e a pouca relação que as sentenças poderão ter com a vida dos

alunos, além do perigo do mecanicismo dos métodos silábicos.

2.1.6 Método global

Já no método global, a alfabetização se inicia na análise total do texto, que deve ser

memorizado por um tempo para, assim, passar à identificação das sentenças. Destarte, esse

método é formado por diversos elementos de leitura que têm começo, meio e fim, unidos por

frases com significado para constituir uma história que interesse às crianças. Há quem diga que

nesse método a criança não aprende a ler, somente a memorizar o texto.

Do ponto de vista de Soares (2004):

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Uma análise das mudanças conceituais e metodológicas ocorridas ao longo da

história do ensino da língua escrita no início da escolarização revela que, até

os anos 80, o objetivo maior era a alfabetização (tal como acima definida), isto

é, enfatizava-se fundamentalmente a aprendizagem do sistema convencional

da escrita. Em torno desse objetivo principal, métodos de alfabetização

alternaram-se em um movimento pendular: ora a opção pelo princípio da

síntese, segundo o qual a alfabetização deve partir das unidades menores da

língua – os fonemas, as sílabas – em direção às unidades maiores – a palavra,

a frase, o texto (método fônico, método silábico); ora a opção pelo princípio

da análise, segundo o qual a alfabetização deve, ao contrário, partir das

unidades maiores e portadoras de sentido – a palavra, a frase, o texto – em

direção às unidades menores (método da palavração, método da sentenciação,

método global). Em ambas as opções, porém, a meta sempre foi a

aprendizagem do sistema alfabético e ortográfico da escrita; embora se possa

identificar, na segunda opção, uma preocupação também com o sentido

veiculado pelo código, seja no nível do texto (método global), seja no nível da

palavra ou da sentença (método da palavração, método da sentenciação), estes

– textos, palavras, sentenças – são postos a serviço da aprendizagem do

sistema de escrita: palavras são intencionalmente selecionadas para servir à

sua decomposição em sílabas e fonemas, sentenças e textos são artificialmente

construídos, com rígido controle léxico e morfossintático, para servir à sua

decomposição em palavras, sílabas, fonemas. (SOARES, 2004, p. 98).

A maior vantagem do método global é que a palavra é exposta de uma forma que se

aproxima mais do uso efetivo do que nos outros métodos. As palavras que a criança lê ativam

esquemas de memorização, o que auxilia na compreensão do seu significado. É possível ler as

palavras, sentenças ou textos mantendo o interesse pela leitura e pela escrita.

Essa forma de leitura faz com que as crianças não se percam na tentativa de decifração

e que leiam mais rápido as palavras já conhecidas pelo método da memorização global.

Entretanto, também existem as desvantagens. Como saber se realmente os alunos estão

entendendo a leitura ou somente pronunciando palavras e textos memorizados? Nesses casos,

cabe ao professor uma intervenção.

Métodos de alfabetização se alternam: ora ocorre a partir da unidade menor da língua,

dos fonemas, das sílabas, em direção às unidades maiores – a palavra, a frase, o texto (método

fônico ou método silábico); ora pelo fundamento da análise, partindo das unidades maiores e

portadoras de sentido – a palavra, a frase, o texto – em direção às unidades menores (método

da palavração, método da sentenciação ou método global).

Nas duas estratégias, a meta consistia sempre no aprendizado do conjunto alfabético e

ortográfico da escrita. Ao invés de conviver com práticas efetivas de leitura e escrita, a criança

convivia com práticas exclusivamente escolares e com material escrito, que, por seu turno, eram

inexistentes fora das paredes da escola.

Soares (2004) ainda afirma que:

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Assim, pode-se dizer que até os anos 80 a alfabetização escolar no Brasil

caracterizou-se por uma alternância entre métodos sintéticos e métodos

analíticos, mas sempre com o mesmo pressuposto – o de que a criança, para

aprender o sistema de escrita, dependeria de estímulos externos

cuidadosamente selecionados ou artificialmente construídos – e sempre com

o mesmo objetivo – o domínio desse sistema, considerado condição e pré-

requisito para que a criança desenvolvesse habilidades de uso da leitura e da

escrita, isto é, primeiro, aprender a ler e a escrever, verbos nesta etapa

considerados intransitivos, para só depois de vencida essa etapa atribuir

complementos a esses verbos: ler textos, livros, escrever histórias, cartas, etc.

(SOARES, 2004, p. 98).

Em outras palavras, para que a criança se interesse pelo conhecimento, é necessário que

exista a motivação dentro de casa, dos pais, e dentro da escola, pelos professores, de modo a

fazê-la entender a alfabetização como um requisito importante para a vida e o convívio entre as

pessoas. Sendo assim, as práticas sociais com a linguagem oral e escrita transcendem, inclusive,

o papel dos métodos alfabetizadores.

Mortatti (2006) explicita:

Para o ensino da leitura, utilizavam-se, nessa época, métodos de marcha

sintética (da ‘parte’ para o ‘todo’: da soletração (alfabético), partindo do nome

das letras; fônico (partindo dos sons correspondentes às letras); e da silabação

(emissão de sons), partindo das sílabas. Dever-se-ia, assim, iniciar o ensino da

leitura com a apresentação das letras e seus nomes (método da

soletração/alfabético), ou de seus sons (método fônico), ou das famílias

silábicas (método da silabação), sempre de acordo com certa ordem crescente

de dificuldade. Posteriormente, reunidas as letras ou os sons em sílabas, ou

conhecidas as famílias silábicas, ensinava-se a ler palavras formadas com

essas letras e/ou sons e/ou sílabas e, por fim, ensinavam-se frases isoladas ou

agrupadas. Quanto à escrita, esta se restringia à caligrafia e ortografia, e seu

ensino, à cópia, ditados e formação de frases, enfatizando-se o desenho correto

das letras. (MORTATTI, 2006, p. 5, grifos da autora).

No método silábico eram apresentados, primeiramente, os nomes das letras; depois, os

sons correspondentes a cada letra, de modo a formar sílabas, evidenciando a emissão dos sons

que a sílaba solicita; em seguida, ensinava-se a ler as palavras formadas e depois a formar frases.

Quanto a escrever, ensinava-se o desenho correto da letra, de modo a se estimular a cópia desse

desenho até formar frases completas.

Não nos cabe defender aqui a adoção de um ou outro método. O que interessa, neste

estudo, é a descrição de alguns deles, bem como sua perspectiva lógica, tendo em vista que cada

um, em sua medida, alcançou avanços e amargou fracassos frente ao aprendizado das crianças.

Ora um método funcionava em determinado grupo, ora funcionava em outro. Em alguns

métodos, a oralidade esteve mais presente, assim como as interações. Mesmo que em sua base

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o método possa ser rígido e mecanicista, os educadores, de modo criativo, podem encontrar

caminhos para torná-lo significativo.

2.2 Alfabetização no Brasil

É importante lembrar que o formato de escola que hoje existe nasceu com a

Modernidade e o capitalismo, em meados do século XVI. No Brasil, foram os jesuítas que

iniciaram a história da docência, percurso que duraria 210 anos. Nessa época, os métodos fônico

e silábico superavam a soletração. A cartilha em língua portuguesa, de João de Barros, em 1539,

passou a ser adotada. A reforma pombalina expulsaria os jesuítas, mas seu estilo pedagógico

seria perpetuado pelos padres que aqui ficaram, ensinando nos colégios católicos, para aqueles

que pudessem pagar.

Com a República, em 1889, e a universalização da escola, temos a concorrência dos

métodos fônico e silábico com a palavração e a cartilha analítica de João de Deus, de 1880.

O método analítico, também uma influência norte-americana, destacou-se entre os anos

de 1890 e 1920, a partir de uma nova concepção pedagógica, que buscava centrar-se na criança,

o que popularmente ficou conhecido como escolanovismo. O pragmatismo norte-americano

tenderia, então, a propor a alfabetização pelo método analítico, por ser a palavra um símbolo de

experiência. O professor Anísio Teixeira trouxe para o Brasil as ideias de Dewey e as

concepções da Escola Nova.

Nos anos de 1960, tivemos a marcante presença das cartilhas “Caminho Suave”,

“Cartilha Sodré”, além da emblemática participação de Paulo Freire, propositor de um método

que parte da palavra geradora, assim como do estímulo à criticidade que esta pode gerar, quando

inserida na realidade do estudante. Mais adiante voltaremos a analisar as contribuições

freirianas para a alfabetização.

Na década de 1980 foi publicada a abordagem psicogenética de Ferreiro e Teberosky

(2009), descrevendo as hipóteses que as crianças formulam sobre sua escrita, e as observações

das pesquisadoras sobre como caminhava esse processo. As pesquisadoras traçam um

mapeamento lógico que auxilia inegavelmente o alfabetizador, desde que o professor não

entenda esse estudo como uma metodologia. Essa perspectiva construtivista trouxe uma nova

orientação para o aprendizado preliminar da língua escrita, propondo que a alfabetização

decorresse do letramento. Aqui, priorizava-se a comunicação com práticas de leitura e escrita,

na suposição de que o alcance do sistema de escrita ocorreria por meio desta interação e do

exercício social da língua.

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Somando forças com as pesquisadoras acima citadas, Smith (1999) defendia a

alfabetização a partir de textos da experiência real. Outra influência marcante, desta feita,

propondo os gêneros textuais e o poder do enunciado que os engendra, é Bakhtin (2003), autor

no qual se ampara mais fortemente a presente pesquisa.

A perspectiva construtivista influenciou, de modo marcante, nos anos de 1990, a escrita

de documentos oficiais sobre os rumos da educação no Brasil – pareceres, resoluções, diretrizes,

entre outros – que tinham como objetivo orientar as práticas pedagógicas naquele período, de

modo a priorizar o ensino construtivista na educação pública (DEMO, 1997), assim como o

ensino de Língua Portuguesa a partir do texto, que foi abandonando, gradualmente, as

tradicionais abordagens mnemônicas e descritivas, como a obrigação de decorar flexões verbais

e outros expedientes ditos arbitrários.

Os críticos da psicogênese, tais como o casal Capovilla (2005), afirmam, dentre outros

apontamentos contrários a tal perspectiva, que esta não dá conta da consciência fonológica,

inclusive, desestimula-a. Discordâncias já haviam surgido na década de 1980, quando se

instaurou o debate entre os adeptos da abordagem psicogenética e os da consciência fonológica

(método fônico). Mais adiante retomaremos as abordagens psicogenéticas, pela importância das

mesmas para a história da alfabetização.

Na entrada do Século XXI, a proposta construtivista foi contestada: as práticas sociais

de leitura e escrita, nesta perspectiva, foram duramente questionadas. A Teoria do

Processamento de Informações, derivação da psicologia cognitiva, propõe que o foco do ensino

seja a correspondência entre fonema e grafema, postura fônica (CAPOVILLA; CAPOVILLA,

2005).

A trajetória da alfabetização, aqui brevemente descrita, revela, também, que o

analfabetismo de jovens e adultos vem sendo reduzido no Brasil, no ano de 2004, era de 11,5%,

e, em 2012, de 8,7%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD

(BRASIL, IBGE, 2016). Atualmente, ainda de acordo com a referida pesquisa, apresenta um

percentual de 7,2%, com 11,8 milhões de analfabetos. Nas regiões Norte e Nordeste, que detêm

os maiores índices de analfabetismo no país, essa redução é ainda mais evidente. Dos 15 aos 19

anos, a PNAD de 2012 registra taxa de analfabetismo de 1,2%, inferior à média geral,

comprovando a efetividade das políticas em curso para a educação básica.

A taxa de retenção do 3º ano do Ensino Fundamental é de 11% no Brasil, lembrando

que esse é o último ano do ciclo de alfabetização. O índice se repete no 9º ano, quando os alunos

deveriam estar preparados para o ensino médio que é uma fase seriada. Para o Ministério da

Educação (MEC), há uma séria dificuldade em incitar a curiosidade dos alunos e mantê-los

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estimulados a prosseguir na escola para aprender – a conta pesou quando houve queda de 1,8

milhão de matrículas no Ensino Fundamental nos últimos quatro anos.

Os dados de 2017 do Censo Escolar (BRASIL, INEP, 2017) mostraram que fracassos

na alfabetização impactam diretamente no aprendizado das fases seguintes. Não há uma base

sólida para as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, o que contribui para a não

aprendizagem dos demais conteúdos da Educação Básica (BRASIL, 2017).

A queda de 1,8 milhão nas matrículas no Ensino Fundamental de 2013 para os dias

atuais tem motivações complexas, sobretudo a distância entre as demandas da vida do aluno em

relação às rotinas da escola. A elevação da evasão é considerável no 5º ano, chegando a 19,6%,

e no último ano do Fundamental I ela atinge 24,2%.

Tal aspecto, para além do interesse pelas linguagens do som, despertaram o interesse

em analisar as metodologias que, desde a antiguidade, conforme exposto anteriormente, vêm

ordenando a ação educativa no sentido da aquisição de leitura e escrita. Nesse momento de uma

educação tão fragilizada, faz-se necessário que os profissionais da educação pensem estratégias

de ensino para amenizar a crise educacional.

Para somar forças, os partidários do método fônico no Brasil se alinham a autores que

afirmam ser a linguagem um módulo cognitivo independente de outras habilidades lógicas,

subdividindo-o em várias outras, na contramão das concepções que atrelavam a linguagem

verbal a outros terrenos, como o musical etc.

De qualquer modo, o fracasso escolar, em relação à alfabetização, levou à redação da

Lei nº 11.274/2006 (BRASIL, 2006), que alterou a LDB nº 9.394 de 1996, subtraindo um ano

da Educação Infantil, de modo a confirmar o que Mello (2012) afirmou sobre a tendência em

se pensar a Educação Infantil como preparação para o Ensino Fundamental. Os dados da

derrocada em alfabetização também dizem respeito à didática da alfabetização promovida no

Brasil, embora tenham causas complexas, ligadas ao fracasso escolar, entre elas, o preconceito

social e cultural, o colonialismo, o imperialismo e outros (BORDIEU, 1992; PATTO, 1999;

CUNHA, 1991).

2.2.1 O alfabetizar de Paulo Freire

A notória metodologia de Freire mesclava o método da palavração (analítico) com o

silábico (sintético). Conforme aquela concepção, cada palavra geradora passaria a ser analisada

(quebrada) em famílias silábicas. Ele propunha que houvesse um levantamento do vocabulário

dos alunos, a partir do qual o educador escolheria os termos mais utilizados, que orientariam as

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lições. A silabação era formada a partir de segmentos das palavras geradoras, de forma

semelhante ao método tradicional silábico. Por exemplo, ao selecionar a palavra “rato”, as

sílabas seriam: RA-RE-RI-RO-RU, TA-TE-TI-TO-TU. As novas palavras seriam formadas

com base nas famílias estudadas anteriormente.

Para Freire, “Não basta saber ler mecanicamente que ‘Eva viu a uva’. É necessário

compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir

uvas e quem lucra com esse trabalho.” (FREIRE apud GADOTTI, 2003, p. 255). O patrono da

educação brasileira compreendia a educação como libertação, um passo essencial na luta por

direitos e conquista da autonomia através do saber. Pensar uma educação para trabalhadores

rurais, em tempos de ditadura militar, fez com que Freire se tornasse inspiração para muitos

alfabetizadores, até os dias de hoje.

Para este autor, a alfabetização não poderia se limitar à codificação e à decodificação

das letras, como ocorre no método alfabético. Com base na palavra geradora, oriunda da

experiência de viver do indivíduo, expressão prenhe de sentidos voltados à conscientização

política, eram estudadas e organizadas as famílias silábicas. Além disso, os diálogos com os

colonos, durante as aulas, também contavam como textos para o ensino e se tornavam

momentos de discussão, politização e aprendizado. Os alunos não viam mais a “Eva” como

mera observante da uva, Eva poderia ser uma mulher que sonhava em comer uva, mas seu poder

econômico não permitia que a comesse, apenas a visse de longe. Um aprendizado da língua

materna baseado nas relações econômicas e de poder, e, principalmente, conectado ao mundo

em que os alfabetizandos viviam.

O método freiriano se realizava com a análise de palavras fragmentadas em sílabas, a

elaboração de novos termos a partir destas, e proposição de atividades que partiam de textos orais da

vida dos alunos. Nesses casos, havia a alternância entre métodos sintéticos e analíticos, além da

“palavramundo”, parte da existência de cada um, fruto de suas vivências e perspectivas sociais.

2.3 As contribuições da psicogênese para a alfabetização

No final dos anos de 1980, Ana Teberosky e Emília Ferreiro publicaram a obra que, no

Brasil, intitulou-se Psicogênese da Língua Escrita, fruto de um estudo que se iniciou em 1974,

na Argentina, país de origem das pesquisadoras.

A Psicogênese da Língua Escrita surge baseando-se na concepção psicológica e

psicolinguística, segundo a qual a escrita é elaborada como um conjunto de conceitos e ensiná-

la diz respeito à criação de opiniões da criança sobre a importância da língua escrita. As

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observações de Ferreiro e Teberosky (2008) auxiliaram bastante na reflexão sobre novas

perspectivas metodológicas acerca da aprendizagem da língua escrita. Com o sucesso de tais

contribuições surgiu, no contexto pedagógico, uma incerteza sobre as metodologias usuais de

alfabetização, e certa confusão com respeito aos procedimentos de alfabetização.

Conforme essa teoria, os métodos por si só não geram aprendizado. O procedimento de

alfabetização, nesse ponto de vista, contempla a experiência das crianças sobre a língua, o que

se intensifica no transcorrer do processo de alfabetização, com as produções escritas dos alunos.

Convém salientar que o percurso de aquisição da língua se constitui em níveis de

desenvolvimento, como explicam Ferreiro e Teberosky (2009):

▪ Nível 1: pré-silábico – neste, a criança não é capaz de estabelecer nenhum vínculo

entre a fala e a escrita, a leitura é global, sem estabilidade e muito pessoal, a criança faz círculos

e rabiscos que só ela sabe decifrar e começa a desenvolver sua atividade motora para a escrita.

Esta é uma fase que acontece não necessariamente na escola.

▪ Nível 2: intermediário silábico/ou sem valor sonoro – A criança procura escrever as

palavras, mas não compreende como se dá a relação som-fala/escrita; tenta escrever uma letra

para cada sílaba, mas nem sempre é capaz de escrever a letra correta. A palavra CAVALO, por

exemplo, dividida em sílabas CA - VA - LO, a criança poderá escrever algo como P A A.

▪ Nível 3: hipótese silábica/com valor sonoro – a criança procura fonetizar as letras e

começa a ter consciência da relação entre a pronúncia e a escrita. Assim, ela pode escrever

muitas vezes uma letra para cada sílaba, demostrando o início da sua capacidade de

compreensão de sons e letras.

▪ Nível 4: hipótese silábico-alfabética ou intermediário II – a criança já consegue

combinar consoantes e vogais em uma mesma palavra, na tentativa de combinar os sons, mas

ainda não produz uma escrita aceitável socialmente.

▪ Nível 5: hipótese alfabética – a criança compreende o modo de construção do código

da escrita, fazendo as relações entre grafemas e fonemas, mostrando-se capaz de escrever

palavras, nem sempre contemplando a ortografia. Chegará somente a partir de leituras e do

trabalho com diferentes gêneros textuais, momento em que a escrita e a oralidade devem

caminhar juntas, ocasião em que a canção é importante ferramenta no processo, pois alia a

escrita e a fala/canto.

A ideia da psicogenética, portanto, é respeitar o tempo de aprendizagem da criança, suas

experiências e os conhecimentos já adquiridos. Assim, o erro não mais é concebido como na

educação tradicional, pois, dali em diante, passaria a ser indicador de hipóteses e do percurso

discente, rumo à aquisição de leitura e escrita.

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O centro dos debates sobre o aprendizado da leitura e da escrita estava, antes das análises

da psicogênese, na observação dos métodos de alfabetização. A partir da psicogênese, as

discussões situam-se em torno da aprendizagem do indivíduo, com foco em como a criança

aprende a ler e a escrever, passando-se a considerar a alfabetização como um procedimento e a

escrita como um instrumento educacional. Resumindo, a psicogênese da escrita revela que a

alfabetização não necessita unicamente de um método utilizado pelo educador. É,

consequentemente, um entendimento da cognição discente, em que se reconhece o aluno como

sujeito, desenvolvendo a ciência da escrita, relacionando-se com esse sistema comunicativo.

Compreendo, então, que os métodos tradicionais não criam aprendizagens, mas podem

ajudar na construção do conhecimento e que a teoria da psicogenética não defende a extinção

dos mesmos. Há o equívoco de se pensar a psicogênese como metodologia, o que negaria a

própria natureza de tal abordagem. Ante o exposto, fica claro o quão necessário é que o

alfabetizador seja criativo e estudioso, no sentido de avaliar quais as melhores estratégias para

cada criança, tendo nas contribuições psicogenéticas um diagrama mental, de ordem bastante

geral, capaz de auxiliá-lo a identificar em que ponto se encontra a aprendizagem de cada aluno.

2.4 Alfabetização e letramento

A palavra letramento começou a circular no Brasil em meados de 1980. Há pouco mais

de 30 anos, portanto, o termo foi inserido no vocabulário e nas ciências linguísticas da educação,

contribuindo para a compreensão de fatores culturais, sociais e econômicos que atravessam o

processo de aquisição da leitura e escrita em contexto escolar e não escolar. Tais aspectos foram

ganhando evidência e relevância conforme a vida social e o trabalho profissional das pessoas

submetidas à linguagem escrita.

Frequentemente, os termos alfabetização e letramento têm sido embaraçados ou mesmo

conciliados, o que torna necessário fazer a distinção de cada um. Sobre isso, argumenta Soares

(2004):

Assim, por um lado, é necessário reconhecer que alfabetização – entendida

como a aquisição do sistema convencional de escrita – distingue-se de

letramento – entendido como o desenvolvimento de comportamentos e

habilidades de uso competente da leitura e da escrita em práticas sociais:

distinguem-se tanto em relação aos objetos de conhecimento quanto em

relação aos processos cognitivos e linguísticos de aprendizagem e, portanto,

também de ensino desses diferentes objetos. Tal fato explica por que é

conveniente a distinção entre os dois processos. Por outro lado, também é

necessário reconhecer que, embora distintos, alfabetização e letramento são

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interdependentes e indissociáveis: a alfabetização só tem sentido quando

desenvolvida no contexto de práticas sociais de leitura e de escrita e por meio

dessas práticas, ou seja, em um contexto de letramento e por meio de

atividades de letramento; este, por sua vez, só pode desenvolver-se na

dependência da e por meio da aprendizagem do sistema de escrita. (SOARES,

2004, p. 97).

Vale ressaltar o quanto a percepção das distinções entre letramento e alfabetização são

importantes, sobretudo para o educador. Não somente se faz necessário articular as

metodologias de aquisição técnica da língua, como propiciar situações reais de comunicação,

em que diversos registros de letramento se interpenetram, como no caso da aprendizagem

alicerçada em uma didática conduzida pelo gênero canção. As realizações de linguagens se

revelam em diferentes aspectos: na letra (normalmente um poema de valor literário), nos

símbolos musicais sonoros e escritos, na expressão corporal, conduzida pelo ritmo musical.

Essas são, portanto, algumas das interfaces com rotinas escolares e aspectos metodológicos

alfabetizadores.

Refletindo sobre o letramento, Mendonça e Mendonça (2011) frisam que

Letrar é uma tarefa extremamente ampla que, por definição, envolve

habilidades múltiplas de ler, interpretar e produzir textos adequados às

exigências sociais. [...], portanto é atitude ingênua pensar que, lendo apenas

histórias infantis, poemas ou parlendas, iremos letrar alguém. (MENDONÇA;

MENDONÇA, 2011, p. 47).

Reafirmo o enunciado acima e dele destaco um grave problema do país, no tocante ao

letramento, uma vez que este supõe interpretação de textos, uma dificuldade que 70% dos

brasileiros têm (LIBÂNEO, 1994), sendo possível afirmar que a maioria dos cidadãos

brasileiros não adquire plenas habilidades de letramento.

O explicitado acima dá uma noção da importância que recai sobre o direito das crianças

de desenvolverem a leitura e a escrita e, nesse sentido, chegar à efetivação de práticas de

letramento que possibilitem que os alunos compreendam o mundo ao seu redor, conhecendo e

produzindo os diferentes textos encontrados na sociedade. Dessa forma, o professor, dentro da

sala de aula, é aquele que possui, em geral, o maior nível de letramento, graças ao longo contato

com textos e outras produções discursivas, destacando-se as aquisições feitas na graduação.

Dessa forma, é fundamental que a escola assuma veementemente a função de promover

atividades significativas de letramento. A vida social fornece materiais e instrumentos para que

os estudantes reconheçam suas atividades educativas no cotidiano, enquanto o letramento supõe

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todas as vivências com leitura, interpretação, produção e veiculação textual. Assim, a base das

experiências discursivas se constitui do conhecimento prévio e do que foi apreendido na escola.

Uma base de letramento é constituída por

um conjunto de atividades que se origina de um interesse real na vida dos

alunos e cuja realização envolve o uso da escrita, isto é, a leitura de textos que,

de fato, circulam na sociedade e a produção de textos que serão realmente

lidos, em um trabalho coletivo de alunos e professor, cada um segundo sua

capacidade (KLEIMAN 2000, p. 238).

O contato com a cultura movimenta informações, conhecimentos, habilidades,

estratégias, soluções, recursos materiais e tecnológicos, engendrados em situações concretas de

uso da língua escrita, tanto nos contextos formais quanto informais de aprendizagem. A

alfabetização se insere também neste cenário, ocasião em que se aprende a identificar as

relações entre fonemas e grafemas, as composições silábicas, a separação das sílabas, a

ortografia etc.

Soares (2004) ressalta, dentre as habilidades construídas no letramento, a interpretação,

alcançada por uma pessoa ou grupo social, como resultado da ampla aquisição da leitura e

escrita. Noutras palavras, o letramento diz respeito à promoção de práticas contextualizadas, de

maneira que a criança vivencie circunstâncias diferenciadas, significativas. É oportuno

enfatizar que o educador competente promove alfabetização e letramento, tendo em mente que,

embora diferentes, estas são ações inseparáveis.

Do mesmo modo, é preciso dizer que a presente reflexão é atravessada pelos avanços

dos estudos psicolinguísticos que priorizam os processos da aprendizagem e estudos sobre o

letramento, que têm ajudado a compreender fatores culturais, sociais e econômicos que

perpassam o processo de aquisição da alfabetização em contexto escolar e não escolar. Recentes

discussões, lideradas por autores como Frade (2005), descrevem de que maneira as práticas

sociais de leitura e escrita, dentro e fora da escola, determinam a criação de novas pedagogias

e metas para pensarmos novos patamares de alfabetização da população brasileira.

Kleiman (1995) esclarece que o conceito de letramento surgiu no meio acadêmico como

forma de dividir aquilo que relacionava alfabetização e os impactos sociais presentes na escrita

dos alunos. A autora considera a alfabetização como uma das práticas de letramento, que

conduz as rotinas pedagógicas do ensino de linguagem, e “desenvolve alguns tipos de

habilidades, mas não outros” (KLEIMAN, 1995, p. 19).

As práticas sociais alternativas de letramento entram em contato (e geram conflitos)

com os modelos alfabetizadores globalizantes, que algumas vezes tendem a perder seu status,

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e podem também mediar metodologias oficialmente legitimadas. Logo, tais intervenções se

tornam essenciais para a “aquisição das práticas de letramento oficialmente legitimadas,

especialmente em vista dos enormes fracassos dos programas oficiais de alfabetização”

(KLEIMAN, 1995, p. 270).

Diante do apresentado, é possível afirmar que os estudos de letramento se pautam em

uma abordagem sócio-histórica e cultural, assumindo que as realizações de leitura e escrita são

produtos ideológicos das instituições, dentre as quais se destaca a escolar. E essa percepção

surge como aporte na compreensão de como as relações de poder se (re)constituem nas diversas

práticas de letramento presentes em nossa sociedade, o que possibilita uma reflexão capaz de

democratizar o acesso a essas práticas no ensino da língua escrita.

A concepção de letramento não se restringe apenas a evidenciar rotinas educativas, que

vão desde a iniciação da criança na escola até a efetivação da alfabetização. Trata-se de um

percurso de cada indivíduo, que se inicia em seu nascimento, encerrando-se ao fim da vida. O

ser humano está em constante aprendizado, haverá sempre algo a ser conhecido, dominado,

representado e construído, em termos culturais e existenciais. A escola é local de promoção de

práticas sociais de leitura e escrita, mas não o único. A família e a sociedade como um todo, em

incontáveis situações comunicativas, constituem contextos de construção do conhecimento.

Assim, a escola deve constantemente proporcionar nexos entre o que se vive em seu

interior com o mundo externo, para que as habilidades dos alunos se efetivem, dando condições

para que compreendam a vida, sobretudo esta, mediada pelo enunciado – célula da cadeia

comunicativa –, núcleo de linguagem que analisarei no próximo capítulo desta pesquisa.

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3 SE ESTA RUA FOSSE MINHA, EU MANDAVA LADRILHAR... GÊNEROS

TEXTUAIS COMO OBJETOS DE ENSINO

O homem comunica-se de diversas formas, desde textos orais ainda rudimentares, como

as primeiras palavras de um bebê, até produções escritas da complexidade de um tratado

filosófico. Cada um possui, assim como os coloridos ladrilhos que compõem a rua desta cantiga

de minha infância, características próprias, singularidades que podem fazê-los mais ou menos

elaborados, de acordo com o vocabulário, a argumentação e o discurso. Mikhail Bakhtin foi

quem definiu o gênero discursivo, pela primeira vez, como tipos relativamente estáveis de

enunciados. (BRAIT, 2006).

Assim, cabe lembrar que os gêneros são construções históricas e culturais realizadas

pelo ser humano. Não há estudos capazes de enumerá-los, os gêneros são infindos. Alguns

gêneros não perdem sua essência, mesmo diante de alguma situação, como afirma Marcuschi

(2005). Os gêneros presentes em situações comunicativas tornam-se importantes ferramentas

para o ensino, porque apresentam um contexto constituído de uma relação efetiva, presente

apenas na comunicação humana. Portanto:

[...] é devido a essas mediações comunicativas, que se cristalizam na forma de

gêneros, que as significações sociais são progressivamente reconstruídas.

Disso decorre um princípio que funda o conjunto de nosso enfoque: o trabalho

escolar, no domínio da produção de linguagem, faz-se sobre os gêneros, quer

se queiram ou não. Eles constituem o instrumento de mediação de toda a

estratégia de ensino e o material de trabalho, necessário e inesgotável, para o

ensino da textualidade. A análise de suas características fornece uma primeira

base de modelização instrumental para organizar as atividades de ensino que

esse objeto de aprendizagem requer. (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 51).

Pensar em gêneros textuais, segundo os autores acima, é compreender que os gêneros

trazem à comunicação um aspecto social, que se reconstrói a cada descobrimento de um novo

gênero. Consequentemente, eles colaboram na construção do trabalho escolar e na construção

da linguagem, são instrumentos que requerem estratégias de ensino para o professor. Os gêneros

auxiliam também na oralidade, ou seja, desenvolvem as interações e situações comunicativas,

como enunciados da fala.

3.1 A natureza do enunciado

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos,

únicos, relativamente estáveis, e, quando isto ocorre, temos o gênero (BAKTHIN, 2011). Logo,

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falar de enunciado é falar de comunicação, realização de discurso capaz de produzir sentido, de

modo a se considerar a vida que permeia a atividade do homem.

Assim, conforme Bakhtin (2011):

Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada

referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo o estilo de

linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e

gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional.

(BAKHTIN, 2011, p. 261).

Destarte, não existe enunciado que seja apenas oração. O enunciado é um trabalho

humano, vivo e carregado de sentido, que não termina quando se compreende o sentido. Numa

conversa, o indivíduo, mesmo não sendo a sua vez de se pronunciar, está sempre produzindo

um discurso.

Em conformidade com esse raciocínio, quando se fala em livros didáticos e nas

situações em que os alunos produzem seus textos na escola, estes não são atos unilaterais, eles

não terminam após a sua produção textual propriamente dita. Eles são voltados a outra pessoa,

que os interpreta e produz a sua própria opinião sobre o enunciado, o que estabelece uma

corrente de comunicação social.

Bakhtin (2011) relata que, se não houvesse o gênero e se não o dominássemos, não

haveria comunicação. E continua: “se tivéssemos que criá-lo pela primeira vez no processo do

discurso, de construir livremente e pela primeira vez a cada enunciação, a comunicação

discursiva seria quase impossível” (BAKHTIN, 2011, p. 283). Com isso, esclarece sua proposta

de não existir criação enunciativa no processo discursivo, a fala humana pressupõe algo já dito

por alguém em dado momento. O que existe é a capacidade humana de pensar e construir

comunicação a partir de memórias, vozes e interlocuções já existentes.

Cabe reportar aqui o significado da palavra enunciado como “uma corrente que atrela

toda cadeia discursiva”, em cuja construção não há neutralidade, sendo produzido por uma

pessoa em determinada situação e sempre é “composta por barulhos produzidos por outros

enunciados” (BAKHTIN, 2011, p. 289-290).

Há uma diversidade surpreendente de gêneros que permeiam as relações sociais, por

exemplo, no discurso jornalístico temos as notícias, os artigos de opinião, as notas do leitor,

classificados, reportagens etc.; no religioso, temos as orações, livros da Bíblia, dentre outros.

Portanto, de acordo com o desenvolvimento e a necessidade de comunicação das pessoas,

cresce também a quantidade de gêneros para acolher as demandas sociais.

Nessa perspectiva, Meurer (2012) conceitua o gênero de discurso como sendo:

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[...] linguagem em uso, ou simplesmente o próprio evento discursivo. Assim,

o termo discurso carrega em si uma ambiguidade: por um lado tem um

significado muito próximo de ideologia e por outro é apenas uma ocorrência

de uso de linguagem, muito próximo ao significado de texto. [...] essa

ambiguidade é ‘saudável’ porque permite considerar cada ocorrência

discursiva como sendo ao mesmo tempo um texto, a manifestação de um ou

mais discursos e uma forma de prática social. (MEURER, 2012, p. 87, grifo

do autor).

Bakhtin (2011) divide os gêneros de discurso em dois grupos: gêneros discursivos

primários e secundários. Os primários representam os gêneros mais simples e informais, usados

no dia a dia, numa conversa pessoal ou mesmo num bilhete ou lembrete. Já os secundários são

os gêneros mais profundos, mais elaborados, como os romances, teses, conferências científicas

etc. Estes incorporam e modificam os gêneros primários, o que os faz se integrarem.

Aprimorando o conceito dessa transformação do gênero primário, Bakhtin (apud DIAS,

2012) relata que:

Durante o processo de sua formação, esses gêneros secundários absorvem,

transmutam os gêneros primários (simples) de todas as espécies, que se

constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea. Os

gêneros primários, ao se tornarem componentes dos gêneros secundários,

transformam-se dentro destes e adquirem uma característica particular:

perdem sua relação com a realidade existente e com a realidade dos

enunciados alheios [...]. (BAKHTIN apud DIAS, 2012, p. 4).

Vale a pena assinalar esta mudança: ao se transformar em gênero secundário, o

enunciado primário inscreve-se em novo ambiente, ligando-se a novas vozes e discursos. Para

Bakhtin (2011), o que determina se o gênero é primário ou secundário não é a língua oral ou

escrita, mas sim as condições ligadas aos meios de comunicação em que os gêneros estão sendo

utilizados. O romance, por exemplo, pertence à esfera literária, pode absorver vários gêneros

primários, como um diálogo, um bilhete, uma carta, entre outros. A essa transformação de

gênero primário para secundário, Bakhtin denominou de transmutação, salientando que não é

uma simples junção, uma vez que o gênero primário acaba se tornando um ingrediente

específico do gênero secundário.

O autor tem no sociointeracionismo uma grande característica, comum aos autores

marxistas, que favorece o contexto, defende que nossa constituição subjetiva se faz nas

experiências vivenciadas com os outros, ao interagirmos nos diversos ambientes, sejam físicos,

sociais, culturais etc. Nessa perspectiva sociointeracional, de acordo com Bakhtin (2011), o

significado não é relacionado à linguagem, mas sim construído pelos integrantes do discurso,

que exercem suas atividades por meio da fala e escrita.

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Concordando com Bakhtin, posso dizer que, quando as palavras e as orações são ditas

fora de um contexto, elas se tornam comuns, impessoais; não são ditas e nem escritas para

ninguém; tratando-se dos enunciados concretos presentes em um diálogo social, sempre existe

um falante e um ouvinte. Logo, não há produção de textos sem um diálogo, sem prováveis

ouvintes e interlocutores.

O estudo dos gêneros textuais começou há séculos atrás, por Aristóteles e Platão. No

entanto na perspectiva da linguística social, e como enunciado capaz de produzir sentido, esse

estudo só aconteceu nas últimas décadas do século XX. Luiz Antônio Marcuschi (2008) define

os gêneros textuais como “formas de ação social”, ou seja, o trato dos gêneros refere-se ao trato

da língua em seu dia a dia, nas mais distintas formas. A análise de gêneros aborda o texto, o

discurso, a língua, segundo a natureza ideológica de suas práticas, e ainda tenta responder a

questões de natureza sociocultural, nos usos comunicativos.

No entanto, como o autor acima citado pontua, a definição expressa dos gêneros é algo

muito complexo. Dependendo do sentido que se constrói para o falante, os gêneros textuais

podem ser uma categoria cultural, um esquema cognitivo, uma forma de ação social, uma

estrutura textual, uma forma de organização social e/ou uma ação retórica.

Marcuschi (2008) também foca na diferenciação entre gêneros textuais e tipos textuais,

geralmente confundidos na escola. Em virtude de o termo gênero estar, normalmente, ligado

aos estudos literários, é comum, na escola, o uso do termo ‘tipo de texto’ para gênero de texto,

relacionando-o, assim, à carta, ao memorando, ao artigo de opinião etc.

Isso se constitui equívoco, pois muitas sugestões de produção de texto, oral ou escrito,

referem-se aos tipos textuais e não aos gêneros. Este autor elucida que tipo de texto são

sequências textuais definidas pela natureza linguística de sua composição. Já que chamá-los de

gêneros textuais está muito além dessas sequências, pois estes envolvem características

específicas, como propósito comunicativo, interlocutores, suporte etc.

Marcuschi (2008) apresenta esse ponto de vista baseado no fato de que os gêneros

textuais são entidades sociodiscursivas imprescindíveis a qualquer situação comunicativa,

sejam elas escritas ou verbais. Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se dizer que toda

comunicação ocorre por meio de gêneros textuais. De acordo com o autor, os gêneros textuais

se concretizam por meio da comunicação diária. Por essa razão, afirma que:

Os gêneros textuais são textos que encontramos em nossa vida diária e que

apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por

composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente

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realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas.

(MARCUSCHI, 2008, p. 155).

Não há materialidade no gênero, senão em seu próprio campo. Logo, pensando como

Bakhtin (2011), é possível afirmar que o domínio discursivo é uma esfera da atividade humana.

Assim o gênero é um instrumento essencial para agir em situações de linguagem.

Tipos textuais caracterizam-se por sequências linguísticas, são um conjunto restrito, que

contêm categorias como narração, descrição, exposição, injunção e argumentação. Relacionam-

se como um texto pela preponderância de elementos que as definem, podendo não expor um

único tipo textual em seu conteúdo.

O domínio discursivo envolve um campo de comunicação que não se resume a um único

gênero, o que origina vários deles em dada rotina comunicativa. Sendo assim, Marcuschi (2008)

assevera que:

[...] entendemos como domínio discursivo uma esfera da vida social ou

institucional (religiosa, jurídica, pedagógica, política, industrial, militar,

familiar, lúdica, etc.) na qual se dão práticas que organizam formas de

comunicação e respectivas estratégias de compreensão. (MARCUSCHI 2008,

p. 194).

Sobre os domínios discursivos, cada campo social ou institucional possui modelos de

comunicação de acordo com suas necessidades. Os modelos são descritos como gêneros

textuais e os campos sociais são os domínios. Desse modo, dizemos que os gêneros estão

presentes no domínio discursivo.

Marcuschi (2008) cita, ainda, que em alguns gêneros, podem constar mais de um

domínio discursivo, enquanto outros não têm a mesma flexibilidade. Partindo daí, observamos

que, em certos momentos, são utilizados determinados gêneros e, em outras ocasiões, usamos

modalidades discursivas completamente diferentes. Na maioria das vezes, isso acontece porque

os domínios discursivos confirmam-se por meio de um argumento histórico-social e formam as

práticas sociais comunicativas.

De acordo com o entendimento de Swales (1990), os textos são compostos de blocos,

chamados de movimentos, que se dividem em passos. Seus trabalhos se referem ao estudo do

gênero e ensino das línguas, principalmente o inglês. Seu ponto de vista proporcionou bases

para compreender o ensino da escrita conforme as especificidades do gênero, em sua finalidade

comunicativa.

Apresentando o conceito de comunidade discursiva, o autor anteriormente citado

esclarece seu ponto de vista sobre gênero textual. Para ele, trata-se de um conjunto de fatos

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comunicativos que englobam também o ambiente de produção e recepção e os integrantes, de

maneira a compreender, nesse conjunto, fatores históricos e culturais.

Embora o propósito comunicativo seja o componente fundamental de definição do

gênero, Swales (1990) adota diversas propriedades, como a forma, a estrutura e as expectativas

da audiência, também a importância de identificarmos um exemplar, como prototípico de um

gênero em particular. Porém, ao avaliar, é preciso atentar aos exemplares de gêneros que

também variam de acordo com sua prototipicidade. Por conseguinte, é muito importante que

não nos fixemos somente em uma única característica do gênero. Uma vez enumeradas algumas

características ressaltadas por este autor, apresento o conceito de gênero, no qual todas elas são

agrupadas:

Um gênero compreende uma classe de eventos comunicativos em que os

membros da comunidade compartilham os mesmos propósitos comunicativos.

Esses propósitos são reconhecidos pelos membros mais experientes da

comunidade discursiva original e constituem a razão do gênero. Esta

racionalidade modela a estrutura esquemática do discurso e influencia e

restringe as escolhas de conteúdo e estilo. O propósito comunicativo, além de

ser um critério privilegiado, também opera para sustentar o escopo de um

gênero, mantendo-se enfocado estreitamente em determinada ação retórica

compatível com o gênero. Além do propósito, os exemplares de um gênero

exibem vários padrões de semelhança em termos de estrutura, estilo, conteúdo

e audiência. Se num exemplar forem realizadas todas as expectativas sobre a

caracterização de um determinado gênero, esse exemplar será visto como

prototípico pela comunidade discursiva em que ele circula. Os nomes dos

gêneros, herdados e produzidos pelas comunidades discursivas e importados

por outras, constituem uma comunicação etnográfica valiosa, mas necessitam

posteriormente de validação adicional. (SWALES, 1990 apud LIMA, 2007, p.

28-29).

Notemos a importância do gênero prototípico para a etnografia. À medida em que se

cristaliza, com relação aos usos sociais da comunidade falante, passa a espelhar aquela

experiência social, embora precise de posteriores validações. Em seus últimos trabalhos, Swales

(2001) acrescenta seu entendimento sobre gênero, especialmente as impressões quanto à

finalidade comunicativa. Resultante da dificuldade de uma identificação correta do propósito

comunicativo, Swales (2001), em um artigo em coautoria com Askehave, corrigiu sua visão,

discutindo as limitações do seu conceito. O propósito comunicativo começa a ser aceito por

esses autores, como um critério a ser considerado na identificação de um gênero, todavia, não

como o critério definitivo. Apesar disso, a identificação correta do gênero, como o autor alertou,

não está livre de contratempos. Opostamente, muitas vezes é adequado analisar outras

características constitutivas do gênero, evitando classificações engessadas.

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3.2 Textualização, coesão e coerência

Textualidade é a qualidade essencial dos textos, sua aptidão a serem textos, sejam orais

ou escritos, o que os faz serem entendidos como tal, e não palavras amontoadas, são frutos de

relações estabelecidas pelos integrantes da interação verbal. O produtor tem interesses

comunicativos; o ouvinte/leitor tem perspectivas e disposições. Uma das principais

preocupações de quem elabora um texto é que seja compreendido e admirado pelo outro. Nesse

sentido, podemos afirmar que uma didática apoiada no gênero deverá ter como um de seus

objetivos centrais a textualização. Isto é, noutras palavras, conferir aos enunciados dos alunos

qualidades de um texto com acabamento estético, estruturado, eficiente quanto a suas

finalidades comunicativas.

Para Halliday e Hasan (1976), o conceito de coesão é semântico, é um julgamento que

se refere, dentre outros aspectos, às semelhanças de sentido que permanecem dentro do texto e

que o determinam como tal. A coesão relaciona informações que alimentam entre si relações

de dependência, ou seja, elementos semanticamente ligados. Para que haja compreensão de um

item, é necessário que, de algum modo, haja referência a outro no texto.

A diferenciação que Widdowson (1981) faz entre coesão e coerência leva às relações

proposicionais e aos atos prometidos, ao mesmo tempo. A primeira é distinguida no texto, e a

segunda aparece na relação locutor/interlocutor.

Conforme Halliday (2004), a coesão é uma relação entre proposições expressas em

frases. E quando estas são usadas em uma fala, mesmo que nem sempre estejam ligadas, pode-

se perceber a coerência do discurso, bem como estabelecer uma relação entre as sentenças, sem

referir aos atos completos da fala, com referência aos sinais da escrita formal. Assim coesão é

a relação explícita entre a lógica de descrever expressa nas frases. Assim se reconhece uma

relação entre os sinais da escrita, de forma que a lógica para ser realizada nem sempre explícita

esteja explícita, assim se percebe a coesão.

Por fim, a coerência corresponde a todo o conteúdo do texto, em especial no que diz

respeito às operações lógicas nele implicadas. A coesão consiste em todos os mecanismos que

promovem a ligação entre as partes do texto, com vistas à unidade semântica e a textualização

supõe coesão, coerência, harmonia, unidade, conteúdo, correção gramatical, criatividade,

dentre as principais virtudes discursivas.

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3.3 Gênero textual, tipo textual e domínio discursivo

Os gêneros textuais, como objetos de ensino, inspiram-se nas ideias de Mikhail Bakhtin,

de modo a tornarem-se sólida referência para estudos sobre gêneros atualmente. Noutros

tempos, tais estudos se agrupavam na área da oratória, gramática e literatura, sem que fosse

dada a devida importância à “natureza linguística do enunciado” (BAKHTIN, 2011, p. 280).

Diversos autores colaboraram com os estudos dos gêneros: Joaquim Dolz, Bernard Schneuwly,

Roxane Rojo, Luiz Antônio Marcuschi (2004), entre vários outros.

Marcuschi (2005) completa a ideia dos gêneros textuais e explica-os de forma mais

didática quando faz a seguinte afirmação:

Fruto de trabalho coletivo, os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar

as atividades comunicativas do dia-a-dia. São entidades sócio-discursivas e

formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa. No

entanto, mesmo apresentando alto poder preditivo e interpretativo das ações

humanas em qualquer contexto discursivo, os gêneros não são instrumentos

estanques e enrijecedores da ação criativa. Caracterizam-se como eventos

textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem aparelhados a

necessidades e atividades socioculturais, bem como na relação com inovações

tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade de

gêneros textuais hoje existentes em relação a sociedade anteriores à

comunicação escrita. (MARCUSCHI, 2005, p. 19).

Existe enorme diversidade de gêneros textuais, abarcando do diálogo simples a teses.

Conforme Marcuschi (2008), não existe comunicação que não seja realizada por algum tipo de

gênero, corroborando as proposições de Bakhtin (2011), que considera os sujeitos falantes e as

variações linguísticas do dia a dia, fator determinante no surgimento de muitos gêneros que utilizamos

espontaneamente. O discurso é adaptado ao gênero, até nos mais informais diálogos.

Hoje em dia, o ensino da língua portuguesa, pelos gêneros textuais, ganhou notória

importância, de forma que:

Nessa perspectiva, necessário contemplar, nas atividades de ensino, a

diversidade de textos e gêneros, e não apenas em função de sua relevância

social, mas também pelo fato de que textos pertencentes a diferentes gêneros

são organizados de diferentes formas. A compreensão oral e escrita, bem

como a produção oral e escrita de textos pertencentes a diversos gêneros,

supõe o desenvolvimento de diversas capacidades que devem ser enfocadas

nas situações de ensino. É preciso abandonar a crença na existência de um

gênero prototípico que permitiria ensinar todos os gêneros em circulação

social. (BRASIL, 1998, p. 23-24)

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Uma didática ancorada nos gêneros representa um desafio, uma vez que deve procurar

contemplá-los em toda sua diversidade, sobretudo pelas capacidades comunicativas que cada

um requer. Definimos gêneros textuais por arranjos funcionais, objetivos comunicativos e

estilo. Eles se inscrevem em um tipo textual. Entretanto, enquanto os gêneros textuais possuem

número ilimitado, os tipos são cinco, na concepção de Dolz e Schneuwly (2004), embora haja

autores que os enumerem em maior quantidade.

É valido ponderar que um tipo textual poderá aparecer em qualquer gênero, da mesma

maneira que um único gênero poderá conter vários tipos textuais. Um ótimo exemplo é uma

carta, que pode possuir aberturas narrativas, descritivas e injuntivas e daí por diante.

O domínio discursivo envolve um campo de entendimento que não se reduz a um único gênero,

podendo surgir vários deles em certa rotina comunicativa. De acordo com Marcuschi (2008): O

domínio discursivo diz respeito a uma esfera de produção discursiva ou de atividade humana.

Esses domínios se referem especificamente a textos ou discursos, mas a práticas comunicativas,

que tendem a reunir gêneros.

As ideias apresentadas revelam que tipo, gênero e domínio discursivo conciliam-se no

texto de modo que este é escrito sob determinadas formas linguísticas. Sendo assim, tipo textual

vincula-se a um objetivo comunicativo e por isso diz respeito a certos gêneros e está envolvido em

uma esfera social na qual se constitui o gênero, oriundo de tal domínio discursivo.

3.4 Tipos textuais

Os tipos textuais apresentam características linguísticas essenciais, que os diferem entre

si. Torna-se impossível uma classificação tipológica definitiva, sobretudo pela diversidade de

autores e contribuições. Conforme a filiação teórica, podem variar de cinco a nove tipos, dentre

os quais os mais estudados são a narração, a descrição, a argumentação, a exposição e

a injunção. O que Travaglia (2012) considera viável vem a ser uma teoria que contemple um

quadro geral com as diversas pesquisas e estudos de aspectos mais pontuais. Para ser coerente

com as escolhas teóricas desta pesquisa, optei pela classificação de Dolz, Noverraz e Schneuwly

(2004) exposta no quadro 1 (p. 50).

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Quadro 1 – Gêneros orais e escritos

Domínios sociais de comunicação

Aspectos tipológicos

Capacidades de linguagem

dominantes

Exemplos de gêneros orais e escritos

Discussão de problemas sociais

controversos

Argumentar

Sustentação, refutação e

negociação de tomadas de posição

▪ Textos de opinião

▪ Diálogo argumentativo

▪ Carta de leitor

▪ Carta de reclamação

▪ Carta de solicitação

▪ Deliberação informal

▪ Debate regrado

▪ Assembleia

▪ Discurso de defesa (advocacia)

▪ Discurso de acusação (advocacia)

Domínios sociais de comunicação

Aspectos tipológicos

Capacidades de linguagem

dominantes

Exemplos de gêneros orais e escritos

Discussão de problemas sociais

controversos

Argumentar

Sustentação, refutação e

negociação de tomadas de posição

▪ Resenha crítica

▪ Artigos de opinião ou assinados

▪ Editorial

▪ Ensaio

...

Transmissão e construção de

saberes

Expor

Apresentação textual de diferentes

formas dos saberes

▪ Texto expositivo (em livro didático)

▪ Exposição oral

▪ Seminário

▪ Conferência

▪ Comunicação oral

▪ Palestra

▪ Entrevista de especialista

▪ Verbete

▪ Artigo enciclopédico

▪ Texto explicativo

▪ Tomada de notas

▪ Resumo de textos expositivos e

explicativos

▪ Resenha

▪ Relatório científico

▪ Relatório oral de experiência

Instruções e prescrições

Descrever ações

Regulação mútua de

comportamentos

▪ Instruções de montagem

▪ Receita

▪ Regulamento

▪ Regras de jogo

▪ Instruções de uso

▪ Comandos diversos

▪ Textos prescritivos...

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Cultura literária ficcional

Narrar

Mimeses da ação através da

criação da intriga no domínio do

verossímil

▪ Conto maravilhoso

▪ Conto de fadas

▪ Fábula

▪ Lenda

▪ Narrativa de aventura

▪ Narrativa de ficção científica

▪ Narrativa de enigma

▪ Narrativa mítica

▪ Sketch ou história engraçada

▪ Biografia romanceada

▪ Romance

▪ Romance histórico

▪ Novela fantástica

▪ Conto

▪ Crônica literária

▪ Adivinha

▪ Piada

Domínios sociais de comunicação

Aspectos tipológicos

Capacidades de linguagem

dominantes

Exemplos de gêneros orais e escritos

Documentação e memorização das

ações humanas

Relatar

Representação pelo discurso de

experiências vividas, situadas no

tempo

▪ Relato de experiência vivida

▪ Relato de viagem

▪ Diário íntimo

▪ Testemunho

▪ Anedota ou caso

▪ Autobiografia

▪ Curriculum vitae

...

▪ Notícia

▪ Reportagem

▪ Crônica social

▪ Crônica esportiva

▪ Curriculum vitae

...

▪ Histórico

▪ Relato histórico

▪ Ensaio ou perfil biográfico

▪ Biografia

▪ Curriculum vitae... Fonte: Adaptado de Schneuwly, Dolz e colaboradores (2004, p. 51-52).

A seguir, trago algumas reflexões sobre as características gerais dos tipos de texto.

Todavia, pelos limites da pesquisa, não haverá um aprofundamento neste aspecto, dada a alta

complexidade que requerem. Vale ressaltar que a canção, como gênero, inscreve-se em

qualquer um deles, dependendo de sua letra.

O principal atributo de uma narração é representar verbalmente uma história, ficcional

ou não, comumente apresentando um contexto em um tempo e espaço, onde atuam personagens.

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Os gêneros que apresentam estrutura narrativa são diversos, entre eles: contos, crônicas,

fábulas, romances, biografias etc.

Os textos descritivos têm por principal marca caracterizar um objeto, seja este objetiva

ou subjetivamente uma pessoa, paisagem, situações etc. Os gêneros que se adaptam à estrutura

descritiva são, por exemplo: relatórios, laudos, atas, entre outros.

O texto dissertativo-argumentativo é um texto opinativo, no qual os posicionamentos

são desenvolvidos por meio de recursos argumentativos, que têm por finalidade satisfazer o

interlocutor. Os gêneros que se adaptam à estrutura dissertativa são os artigos de opinião, a

carta argumentativa, dissertação-argumentativa, editorial e outros. Dissertar é falar, expor e/ou

debater sobre determinado assunto. Na maioria das vezes, esses textos exibem a defesa de um

ponto de vista, e prevalece o aspecto detalhado de variados temas.

O texto expositivo tem como objetivo expor dados sobre um tema específico, informar,

decidir, explanar, ilustrar, debater, evidenciar e indicar alguma coisa, predominando, em geral,

o discurso técnico. Na organização do texto expositivo, é imprescindível escolher o tema a se

desenvolver, definir os objetivos, distinguir o destinatário da exposição. Os gêneros que se

adequam a essa estrutura expositiva são: resumo, artigo científico, seminário, dentre outros.

Os textos injuntivos tendem a interferir nas ações do interlocutor e empregam verbos no

imperativo para alcançar sua finalidade. Por essa razão, sua função é comunicar ao leitor mais

do que apenas informações, buscando alterar seu comportamento, ao fornecer instruções e

sugestões para a concretização de um trabalho ou a utilização correta de máquinas, aparelhos

e/ou ferramentas, por exemplo. Os gêneros que reproduzem a estrutura injuntiva são as receitas

culinárias, bulas, manuais de instruções, editais e assim por diante.

3.5 Os gêneros orais presentes no texto escrito

A dimensão da produção e compreensão de gêneros orais primários é a que implica mais

fortemente nas capacidades de uso da linguagem, oral em situações diversas. Os gêneros orais

secundários, todavia, frequentemente mantêm relações com a escrita.

As relações entre fala e escrita, em si mesmas, exigem reflexões sobre as semelhanças

e as diferenças entre textos orais e escritos, em diferentes níveis: discursivo, textual, linguístico.

A dimensão da oralização da escrita revela essa relação, pois se trata da socialização de textos

escritos por meio oral. Como discutido por Schneuwly e Dolz (2004), em situações de

oralização do texto escrito, recursos próprios da oralidade são mobilizados no processo de

interação, evidenciando, mais uma vez, a inter-relação entre as duas modalidades. Embora

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Marcuschi e Dionísio (2007) afirmem que essa não se constitui propriamente em uma situação

de produção de textos orais, pois o texto já existe na modalidade escrita, a oralização do escrito

mobiliza diversas marcas de oralidade.

Por fim, na dimensão da valorização dos textos da tradição oral, que propõe a reflexão

sobre gêneros que se originaram e se difundiram pela cultura oral, é preciso levar em conta que,

na organização do trabalho pedagógico no Ciclo de Alfabetização, esses gêneros constituem

um rico repertório para as primeiras experiências de leitura e são privilegiados para a reflexão

sobre a escrita alfabética, como será discutido adiante. Assim, claro está que as dimensões do

eixo oralidade no trabalho relativo à Língua Portuguesa encontram articulações diversas com a

escrita.

Como argumentam Schneuwly e Dolz (2004), no contexto do ensino, especialmente nos

anos iniciais, é insustentável a abordagem do oral “puro”, sem alguma relação com a escrita.

Afinal, diversas práticas da Educação Infantil articulam as duas modalidades – como a escuta

de histórias lidas pelo professor, o reconto, a recitação de poemas, o ditado ao adulto –,

colocando os alunos em contato com a escrita via oralidade. Diferentes eventos de letramento,

antes da alfabetização, se dão, assim, por meio da oralidade, pois as práticas letradas relativas

a gêneros com os quais as crianças convivem em situações familiares e pré-escolares se acham

fortemente imbricadas com as práticas orais.

Rojo (1995) argumenta que, na infância, a oralidade é essencial na constituição do

letramento: é a partir do contato com a linguagem escrita, via oralidade, que a criança constrói

sua relação com a escrita, nas interações com os outros, que despertam sua atenção para essas

práticas. A constituição da escrita como foco de interesse das crianças se dá de diferentes modos

nas práticas orais, em diversos eventos de letramento: em conversas sobre gêneros, usos e

formas da escrita; na presença de material escrito; observando e interagindo com aqueles que

usam a leitura e a escrita; no fazer de conta que lê e escreve; ouvindo histórias – práticas que

são fundamentais para o letramento.

Como a participação das crianças em eventos de letramento tem relação com o grau de

letramento da família e dos grupos sociais com os quais interage – inclusive na Educação

Infantil – torna-se fundamental refletir sobre a responsabilidade da escola em, por um lado,

criar condições para que os alunos com menos oportunidades de vivenciar práticas letradas nos

contextos familiares e pré-escolares se envolvam em eventos de letramento diversos no Ciclo

de Alfabetização e, por outro, valorizar as práticas das quais as crianças puderam participar

nesses contextos.

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Dessa maneira, é possível afirmar que as atividades de letramento devem acontecer de

forma sistematizada e se tornar uma rotina nas classes de alfabetização, pois é nelas que as

crianças aprendem a sistematizar a escrita, e esse é o momento para o contato com diversos

gêneros textuais, formado por enunciados, quais sejam: música, poema, bilhete, receita

culinária etc. Esses textos ordenam-se pela necessidade de compor o mundo ao nosso redor,

com práticas de ensino significativas que tenham atos sociodiscursivos nas mais distintas

esferas comunicativas

Para melhor compreender a questão dos gêneros e o ensino, é preciso considerar o que

explica Marcuschi (2005):

[...] os gêneros textuais surgem, situam-se e integram-se funcionalmente nas

culturas em que se desenvolvem. Caracterizam-se muito mais por suas

funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas

peculiaridades linguísticas e estruturais. São de difícil definição formal,

devendo ser contemplados em seus usos e condicionamentos sócio-

pragmáticos caracterizados como práticas sociodiscursivas. Quase inúmeros

em diversidade de formas, obtêm denominações nem sempre unívocas e,

assim como surgem, podem desaparecer. (MARCUSCHI, 2005, p. 20).

Em todo lugar, deparamo-nos com gêneros textuais, desde o panfleto do supermercado,

as placas na rua, letreiros, até as contas que recebemos. Portanto, os gêneros textuais são os

textos materializados em situações comunicativas recorrentes, encontrados em nosso cotidiano

(orais ou escritos) produzidos pela sociedade em interação.

Com o desenvolvimento dos estudos sobre a linguística, vários estudiosos passaram a

se aprofundar nas análises sobre o texto e os gêneros e o discurso, como sendo novos objetos

da linguística. Mikhail Bakhtin se tornou parâmetro para os estudos dos gêneros textuais até os

dias de hoje. Posteriormente, vieram os colaboradores, entre os quais sobressaem: Bernard

Schneuwly, Joaquim Dolz, Luiz Antônio Marcuschi (2004), entre outros.

3.6 Os gêneros e a didática da alfabetização

Segundo Bakhtin (2006), o indivíduo sempre vai utilizar-se do enunciado para tratar de

seus interesses, intenções e atividades profissionais, praticando a fala de várias formas. No

entanto, os tipos de comunicação entre os homens são diversificados e para cada tipo existe

uma determinada categoria para atender às dificuldades de comunicação. Essas categorias são

chamadas de gêneros do discurso ou discursivos, classificadas por efetivar a fala entre os

homens e por estarem ligadas à língua e à vida.

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Em todas as formas de comunicação estão expostos os gêneros discursivos, presentes

no cotidiano de todo ser humano. O gênero discursivo é adaptado para todo tipo de conversa,

inclusive as mais simples. Destarte,

A verdadeira substância da língua não é um sistema abstrato de formas

linguísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato

psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação

verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal

constitui assim a realidade fundamental da língua. O diálogo, [...] é uma das

formas [...] mais importantes, da interação verbal. Mas [...], não apenas como

a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda

comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. (BAKHTIN, 2006, p. 125).

A interação verbal acontece por meio das enunciações que produzimos, sendo assim, é a partir

do diálogo que toda comunicação acontece e todo sentido é produzido dentro dessas interações. Logo,

não existe palavra sem significado, fala que não produza em nós algum sentido ou discurso sem

intencionalidade.

Após as explanações feitas no presente capítulo, considero importante refletir sobre as

relações entre alfabetização e a teoria enunciativa de Bakhtin, especialmente no que este implica sobre

o gênero como objeto de ensino. Tais relações somente se viabilizam, a meu ver, se houver a perspectiva

do letramento, de modo que a proposta didática contemple o desenvolvimento da oralidade, da escrita

e da leitura. Nesses termos, a alfabetização se insere em práticas sociais de linguagem que abrangem os

gêneros orais e escritos, como cartas, telefonemas, poemas, crônicas etc. Isto supõe um esforço docente

maior no preparo das atividades, para que sejam feitas escolhas de textos e respectivos gêneros que

expressem as reais situações de comunicação e finalidades sociais inerentes ao mundo das crianças.

Para cada gênero, e por que não afirmar, cada tipo textual, específicas operações lógicas

e comunicativas são trabalhadas, tal como expusemos no presente trabalho, em especial nos

itens 3.6 (p. 54) e 3.7 (p. 56). A alfabetização, neste sentido, assume um caráter de prática social,

voltada à ampla experimentação dos gêneros orais e escritos. Notemos o quanto tal perspectiva se

alinha ao paradigma analítico, nas históricas metodologias alfabetizadoras. Seja qual for o tipo de

enunciado trabalhado com a criança, como, por exemplo, um bilhete para o pai, pedindo um

brinquedo, ou um pequeno vídeo, convidando a avó para o Natal, vale destacar que se quisermos nos

alinhar com o pensamento bakhtiniano, o carro chefe de nossa ação pedagógica vem a ser o

enunciado. Ganha destaque, com isto, a importância de variarmos os grupos textuais (que não devem

ser confundidos com tipos textuais, que também devem, por seu turno, variar) a que pertencem os

gêneros, de modo que todas as habilidades discursivas sejam trabalhadas e, assim, as crianças se

mantenham estimuladas e desafiadas a produzirem sua escrita.

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Silva (2013, p. 8-9), em contribuição ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade

Certa (PNAIC), ressalta onze agrupamentos de textos a serem trabalhados nas rotinas do ensino

da língua, sendo que os primeiros cinco seriam mais apropriados ao contexto da alfabetização:

1 – Textos literários ficcionais (contos, fábulas, romances etc.);

2 – Textos do patrimônio oral (canções, parlendas, trava-línguas etc.);

3 – Textos com a finalidade de registro e análise das ações humanas (biografias, histórias

de vida etc.)

4 – Textos científicos (experiências, reportagens sobre assuntos científicos etc.)

5 – Textos com a finalidade de debater temas (cartas, artigos de opinião etc.)

6 – Textos de divulgação de produtos e campanhas educativas e publicitárias (campanha

sobre a dengue);

7 – Textos instrucionais (receitas culinárias, regras para jogos, bulas etc.);

8 – Textos organizadores do tempo e espaço nas atividades sociais (agendas,

calendários, mapas etc.);

9 – Textos mediadores de ações institucionais (requerimentos, ofícios etc.);

10 – Textos epistolares (cartas, bilhetes, e-mails etc.); e

11 – Textos não verbais (quadrinhos, pinturas, fotografias, esculturas etc.).

Reafirmamos com o exposto acima que as propostas didáticas para a alfabetização na

contemporaneidade precisam se alicerçar em perspectivas de linguística pragmática, de modo

que a aquisição de leitura e escrita não seja promovida mecanicamente, alheia aos usos sociais

da língua. Vemos a necessidade da busca por formação contínua por parte dos docentes,

sobretudo pela segmentação dos meios midiáticos e tecnologias de informação, de modo a

multiplicarem os suportes para aos gêneros, interferindo inclusive na estrutura dos mesmos, que

também se multiplicam.

3.7 A importância de uma didática orientada pelos gêneros textuais, considerando o

protagonismo da infância

Antes de concluir o presente capítulo, que tratou dos gêneros textuais como sistemas

que podem operar como objetos de ensino da língua, é essencial refletir também sobre a criança

e a infância e, deste modo, justificar e defender a importância de uma mudança nos métodos

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tradicionais. Ensinar com os gêneros significa uma perspectiva didática recente, se comparada

à história da alfabetização, e ganha força ante a necessidade de acompanhar as transformações

nas representações de infância e de criança, compreendida como sujeito que possui

protagonismo social, não desempenhando papéis tão submissos como no passado.

Assim é possível considerar três perspectivas: a criança, enquanto um ser genérico; a

infância, como uma geração ou fase da vida (perspectiva superada pela Sociologia da Infância);

e as crianças, a partir do modo como vivem suas infâncias. Nesse cenário, o importante é que

não se pode conceber como sinônimos a infância e o ser criança, e também buscar não idealizar

uma única infância, ou única criança, pois as crianças vivem diferentes infâncias (AVANZINI;

GOMES, 2015). Portanto, atuam e participam nos diferentes espaços socioculturais em que se

inserem.

Durante a Idade Média, as crianças quase não tinham representatividade, não apareciam

sequer em retratos de família e não eram amamentadas por suas mães. Na modernidade,

ganharam “notória” aparição em fotografias familiares, como adultos em miniatura, lembrando

que, até então, não havia distinção entre as funções de adultos e crianças, todos realizavam a

mesma atividade laboral, inclusive. Como forma de educá-las, era comum que recebessem

muitos castigos físicos. (ARIÈS, 1973).

Avanzini e Gomes (2015) discorrem sobre “infância”, “criança” e “educação”, de modo

que o leitor perceba a continuidade no tempo de determinadas ideias e práticas. A infância é

considerada uma construção sócio-histórica, tal como fora apresentada por Ariès, produzida a

partir do conjunto social de ideias, práticas e valores que se referem às crianças, elementos que

se estabelecem, difundem e reproduzem social e culturalmente. (AVANZINI; GOMES, 2015).

Ariès (1973) confirma que a infância não é um processo natural, mas uma construção

social e coletiva, que assume forma, sentido e conteúdo, estabelecidos a partir do modo de agir,

pensar e/ou sentir de uma coletividade, independentemente das manifestações individuais.

Atualmente, os autores da infância defendem que esta não termina quando as crianças

crescem, pelo contrário, vai se perpetuando através dos filhos, ou seja, uma geração que

continua a existir à medida que recebe novas crianças. Infância é, portanto, uma categoria social

e não apenas uma fase da vida (CORSARO, 2011).

Hoje, são reconhecidas as necessidades das crianças e seus processos físicos,

cognitivos, emocionais e características individuais – gênero, idade, etnia e classe social – bem

como seus direitos e deveres (AVANZINI; GOMES, 2015).

Levando em consideração a história da alfabetização, é somente no escolanovismo do

século XX que ocorre a guinada pedagógica para o sujeito da aprendizagem (ROMANELLI,

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2010). Na contemporaneidade, uma proposta alicerçada nos gêneros textuais – portanto, no

manuseio de enunciados, como os versos de uma canção infantil, parlenda e demais gêneros do

universo da criança –, poderão se configurar como metodologia que respeite o mundo infantil,

e assim ganhar voz e vez e romper com a lógica adultocêntrica que rege as relações de

aprendizagem quando não as conhece de fato (CORSARO, 2011).

Isto posto, a canção, como objeto artístico e lúdico, apresenta enorme potencial didático,

sobretudo porque o canto faz parte das culturas infantis, assim como as brincadeiras de roda, o

desenho livre e tantas outras manifestações culturais. Insisto nesta afirmação: precisamos

pensar em metodologias de alfabetização/letramento que considerem as crianças como atores

sociais e não seres submissos, frágeis, tábulas rasas, representação cristalizada na modernidade.

A infância contemporânea solicita do educador uma postura que supere as relações de mando

que eram facilmente verificadas até mesmo em simples lições do ensino cartilhado.

Não se constitui objetivo do presente trabalho analisar de que modo a sujeição das

crianças ao mundo adulto aparecia nas lições de alfabetização, embora seja uma temática

instigante. Assim mesmo, compreendo que, em geral, as propostas refletiam tal relação,

principalmente porque se concebia a infância como fase da vida, período em que o indivíduo

era um vir-a-ser (entendimento que ainda hoje persiste).

No próximo capítulo, será analisado o gênero canção, com o intuito destacado de

reafirmar o quanto este pode ser facilitador de novas relações no ambiente da aprendizagem de

leitura e escrita.

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iv

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4 ALECRIM, ALECRIM DOURADO, QUE NASCEU NO CAMPO SEM SER

SEMEADO... O GÊNERO CANÇÃO

A seguir, analiso o gênero canção, naquilo que possa contribuir para as rotinas

pedagógicas, em especial, o ensino da língua portuguesa. Se o alecrim nasce no campo sem que

ao solo sejam jogadas sementes, no chão da escola é preciso haver semeadura farta, para que

canções floresçam nas salas de aula, nas bibliotecas, nos corredores, e a colheita resulte em

aprendizado lúdico da língua materna, tendo em vista que, como assegura Costa (2005), a

didática que dispõe da canção permite que haja efeitos/produções de sentidos, ao passo que, de

maneira híbrida, relaciona texto e sonoridade, essenciais à interpretação do texto.

O gênero canção reúne as qualidades de grafia e sonoridade, de modo expressivo, lúdico,

o que estimula o entendimento da língua e da produção escrita. Diante disso, a opção pela

canção nos livros didáticos e outros aparatos pedagógicos constitui-se importante passo

metodológico, no que tange a rotinas e práticas sociais de texto.

Sendo assim, a principal finalidade deste capítulo é explanar sobre como o gênero

canção pode ser aproveitado como um motivador e facilitador da língua, para exercício de

composição textual, de interpretação de texto e de aspectos linguísticos, gramaticais e

estilísticos, atendendo aos propósitos da alfabetização.

A canção é um gênero bastante recomendado pelas diretrizes oficiais apresentadas pelo

sistema educacional brasileiro, por proporcionar ao estudante conhecimentos de diversas

naturezas, em que predominam a escuta e as leituras.

A música está relacionada a vários gêneros, assim como pode, também, articular

diferentes tipologias. Uma do universo infantil, exemplificando, pode descrever o amor, mas

também narrar uma brincadeira, acalentar um bebê; há também as que evocam sentimentos e

descrevem cenários naturais.

A música é uma vivência indispensável para a formação humana, na qual é possível

notar as extensões discursivas que foram postuladas por Bakhtin (2011), isto é, tema, construção

composicional e estilo, em definição estrita. Além do mais, a música/canção segue e expressa

as experiências que vivemos, como as festas e comemorações ou encontros com os amigos,

entre outros tantos eventos da vida.

A função da música está, em boa medida, ligada ao cotidiano de todos nós. Externa aos

muros da escola, é captada desde o nascimento, acompanhando-nos pela vida. Apesar de grande

parte dos sujeitos não ter o costume de refletir sobre essa experiência, o potencial de

aprendizagem musical é incontestável e sempre se revela produtivo nas práticas pedagógicas.

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4.1 A materialidade da canção

A canção é um gênero literomusical e, por esse motivo, não podemos separar um aspecto

do outro: o textual do musical. A materialidade da canção não se limita aos aspectos

linguísticos, discursivos, sociocomunicativos, mas também se refere ao teor rítmico,

harmônico, melódico, gráfico, dentre outros elementos caracterizadores.

A materialidade se separa em três níveis: materialidade formal, materialidade linguística

e materialidade enunciativa ou pragmática. A materialidade formal é subdividida em cinco

momentos, de acordo com Costa (2003 apud MANZONI; ROSA, 2010):

▪ Momento da produção: quando a canção é formada apenas oralmente (texto e

melodia), a escrita é anterior ou paralela à produção oral, realização gráfica juntamente com a

letra e melodia, a escrita da letra pode ser posterior à produção da melodia.

▪ Momento de veiculação: a canção é executada ou reproduzida oralmente e por meio

de aparelhos tecnológicos, instrumentos musicais etc.

▪ Momento de recepção: dá-se por meio da audição (podendo ser seguida pela leitura)

e por uma variedade de sinais captados (as dinâmicas da canção, os movimentos de

anterioridade e posteridade, ainda os sentidos verbais ligados à letra).

▪ Momento do registro: é quando a canção pode ser gravada por meio de discos e

encartes do disco, partituras, catálogos, revistas, entre outros. Apesar disso, o registro escrito

não reproduz suficientemente seu verdadeiro objeto.

▪ Momento de reprodução: ocorre mediante a execução da canção, como em um recital

de canto.

No que se refere à materialidade linguística, Costa (2003 apud MANZONI; ROSA,

2010) afirma que, na canção, prevalecem as palavras mais utilizadas e recorrentes, há uma

maior liberdade quanto a regras normativas da sintaxe, concedem-se repetições e quebras de

frases, sílabas, palavras e sons sem intencionalidade, permite-se dar pouca atenção à coerência

do texto: quando não apresentar sentido, a melodia pode auxiliá-lo na composição.

No gênero canção, deparamo-nos ainda com a materialidade enunciativa ou pragmática

que estabelece principalmente uma cena enunciativa dialógica, situada na influência mútua

entre um ‘eu’ e um ‘tu’ formados no interior da letra. Trata-se de uma comunidade discursiva

pouco expressa, que apresenta identidade dividida entre a poesia e as músicas, determinando

uma habilidade de canto (artística ou não, todos podem cantar), a ciência da melodia (leitura

opcional) e é excepcionalmente permitida a relação com outras linguagens: dramática, cênica,

cinematográfica e plástica (fotografia, pintura e desenho), entre várias outras.

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É possível notar, na materialidade da canção, a realidade que existe fora do mundo da

inspiração, da técnica, da alma do compositor. Na sala de aula, nas práticas religiosas, culturais

etc., a canção é lembrada, considerada e ouvida, geralmente, pelo ângulo de sua materialidade

mais sólida, isto é, a letra.

A música – sendo ela harmonia, melodia e ritmo – passa a ser compreendida como uma

linguagem fronteiriça que atinge a cognição, a emoção e a afetividade.

4.2 Os gêneros primários e secundários na canção

Toda canção contém uma letra e toda letra expõe uma circunstância de locução, em que

uma pessoa fala com outra, logo, não podemos desconsiderar, na canção, o seu ato de fala

original. São muito frequentes letras de canções que exibem gêneros da fala. Tatit (2004, p. 77,

grifo do autor), explicando a respeito da composição de canções na década de 1930, explica

que, “Com inflexões similares às da linguagem oral cotidiana, essas melodias geralmente

conduziam ‘letras de situação’, aquelas que simulam que alguém está falando com alguém em

tom de recado, desafio, saudação, ironia, lamentação, revelação etc.”

Tendo como fundamento a hipótese de que a letra da canção é um gênero secundário do

discurso musical, que refaz gêneros primários da esfera do cotidiano, entendo que o modo de

oralidade essencial da canção é decorrência do controle dos gêneros da fala, no seu método

constitutivo. Vale, então, afirmar: gêneros primários são espontâneos, menos estruturados, tais

como os diálogos familiares; gêneros secundários são mais elaborados, podem replicar

enunciados primários, mas tendem a apresentar estruturas artisticamente mais complexas.

A linguagem se revela sob o formato de enunciados que transmitem as condições

específicas e os fins para cada campo da atividade humana. Um domínio de comunicação,

idealizado como um grupo de relações entre enunciados, parte da hipótese de que estes se

compõem na dinâmica dialógica dos códigos culturais. Além disso, conservam relações

interdialógicas com enunciados e gêneros de outros campos da comunicação social; e, por outro

lado, relações intradialógicas, com enunciados de seu próprio domínio.

O fato é que essas duas formas de dialogismo se exibem na relação com a esfera do

cotidiano e com a esfera musical concomitantemente. Como gênero secundário, a canção tem

no vocabulário, nas demonstrações e nos gêneros primários da língua comum a fonte que a

abastece. Dentro de sua esfera, a canção forma relações dialógicas com outras canções; esse

intradialogismo é tão considerável na composição do discurso da canção quanto o

interdialogismo, em que a canção coloca relações dialógicas com outras esferas discursivas.

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É necessário mencionar que o interdialogismo não acontece apenas pelo empréstimo de

formas da língua comum, porque a canção ainda pode colaborar para essa esfera, como, por

exemplo, nas letras de canções que replicam conversas do cotidiano.

Os gêneros secundários, também na canção, são obra de um entendimento cultural

complexo, próspero e sistematizado. Esses gêneros são inerentes às esferas artística, política,

religiosa, publicitária etc. Uma qualidade importante dos gêneros discursivos é que eles estão

em frequente dialogismo. Na canção, os gêneros primários dos domínios do cotidiano têm seu

formato, definição e tom adequados ao contexto singular a que foram requisitados, de modo

que possam se incorporar ao imaginário coletivo, replicados nos versos de um compositor.

Usando os gêneros primários da comunicação, como a música cantada, a música ainda

é capaz de trazer presente o gênero secundário, com a letra e a melodia. Dessa forma, as marcas

do discurso se evidenciam, ancoradas nos elementos da linguagem musical. O gênero canção é

adequado ao ensino, tal como os demais textos; os componentes discursivos são reproduzidos

nas expressões populares, modelos de ser e estar no mundo, na produção de cultura.

4.3 A música e a formação do indivíduo

O ser humano, desde o princípio da história, usa a linguagem sonora para compartilhar

informações, viver experiências. De acordo com Ferreira (2002), notas indicam que, para o

homem primitivo, a música era vivenciada como um meio indispensável à vida cotidiana; ela

simulava sons dos animais e buscava emitir outros, configurando-se como expressão cultural

utilizada na caça, nos cumprimentos, nos rituais e nos trabalhos habituais.

Em nossos dias, isto não é diferente, uma vez que a sociedade está totalmente envolvida

com o som, seja na cidade ou no campo. Ferreira (2002) ressalta a presença do som em nosso

cotidiano, como a campainha de uma casa, o apito do juiz de futebol, o assobio para chamar o

cão, os aplausos e até mesmo a melodia de Beethoven.

Sobre a presença da música, em vários setores da vida, afirma Jourdain (1998):

Particularmente nas sociedades industriais modernas, a música está em toda

parte e embutida em tudo. Acordamos com a música do rádio dos nossos

relógios, depois a usamos durante o café da manhã, para juntar energia,

durante a hora do rush, para nos acalmar, durante o trabalho, para nos

anestesiar, e para relaxar, no fim do dia. E somos bombardeados com música

não solicitada. Uma hora vendo televisão é acompanhada por dúzias de

melodias projetadas para atrair adrenalina, lágrimas ou dinheiro de consumo.

A música é usada para fazer operários de fábrica produzirem mais engenhocas

e as galinhas porem mais ovos. Já foi usada para curar, hipnotizar, reduzir a

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dor e como auxiliar de memorização. Dançamos ao som de música,

compramos com música, limpamos a casa com música, fazemos ginástica com

música e amor com música. E, vez por outra, nos sentamos e ouvimos

atentamente música. (JOURDAIN, 1998, p. 305).

A música é imprescindível ao dia a dia e, por outro lado, é também arte. É necessário

conhecer o seu desenvolvimento, analisar suas funções e particularidades. Com o decorrer da

história, o homem aperfeiçoou seus conhecimentos na área da música, elaborando novas teorias

e enxergando outras estratégias que pudessem aprimorá-la.

Avaliando que a música cumpre uma importante função na formação do ser humano e

contribui para o ensino e a aprendizagem, traço, a seguir, um percurso geral do ensino de

música.

A música, ao longo do período medieval, abordava vários aspectos, como um fator

educacional e moral, uma ciência e um meio de o indivíduo viver uma relação de devoção a

Deus por meio do louvor. Pelo poder da Igreja, a música, que era de responsabilidade do Estado,

tornou-se parte da instituição religiosa. Zimmermann (2007) afirma que “as músicas religiosas

e eruditas marcaram a Idade Média, destacando-se em relação à música profana e popular”.

A aceitação da música é um acontecimento natural do corpo. Ao nascer, toda criança

conhece o universo sonoro que a cerca: sons elaborados pelo homem e por objetos. Seu vínculo

com a música é instantâneo, seja por meio do acalanto da mãe, de outras pessoas ou por efeitos

sonoros em sua casa.

Em todas as culturas, temos costume de acalentar as crianças com cantos e movimentos.

Já vimos muitas vezes uma mãe embalar seu filho, ao som de alguma melodia para acalmar ou

adormecer. Antes mesmo de nascer, ainda no útero materno, a criança já entra em contato com

um dos elementos fundamentais da música, o ritmo.

A Igreja inscrevia as crianças que tinham bom desenvolvimento no canto para

participarem de seus coros. Como era uma atividade recompensada, muitas delas proviam o

sustento da família, ainda que a música fosse vista como um mero meio que atendia às

necessidades litúrgicas. Esse método persistiu por muitos séculos.

O conceito de criança se diferenciava muito do atual, como foi salientado no item 3.7

(p. 56). Nesse período, havia certo descaso social com a família e a infância, tanto que a morte

de uma criança não era lastimada, pois, logo em seguida, seria substituída com o nascimento de

uma outra. Assim sendo, não havia inquietação com investimentos na Educação Infantil e nem

cuidados especiais, já que o índice de mortalidade infantil era muito alto.

Caso a criança sobrevivesse à primeira infância, estudaria os ofícios e capacidades para

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trabalhar e colaborar para o sustento da família. Aquelas que apresentavam o dom do canto

eram designadas à profissão de músico nas igrejas e, ao se tornarem adultos, teriam uma

profissão para desempenhar. (ZIMMERMANN, 2007).

Os séculos seguintes adotaram esse mesmo padrão e as mudanças começaram a aparecer

no período renascentista. As crianças passaram a ser vistas como seres que demandam uma

atenção especial. São abertas escolas que enfocam o treinamento profissional, que, embora

apontadas como conservatórios, eram, verdadeiramente, orfanatos. Esse foi o princípio de

algumas mudanças, pois, diferentemente do que ocorria nos séculos anteriores, que não se

preocupavam com o caráter educativo, houve um despertar quanto às particularidades da

infância. A família, a Igreja e o Estado começam a ter mais responsabilidade com a educação

das crianças.

4.4 Formação musical para a pequena infância

O potencial de aprendizagem de uma criança é demasiadamente elevado no momento

em que ela nasce. Conforme Gordon (1997), quanto mais tenra a idade da criança, maiores são

as possibilidades de aptidão (performatividade) musical evolutiva.

Sobre as bases de formação na infância, em se tratando de educação, o professor

somente poderá contribuir para o desempenho das crianças quando estas tiverem possibilidades

de viverem situações musicais significativas. O referido autor toma como exemplo duas

crianças, nascidas com capacidades iguais, porém uma teve orientação mais cedo do que a

outra. A criança que possui uma base de aprendizagem mais tardia não aprenderá tanto quanto

a criança que recebeu formação semelhante em uma idade mais tenra. É possível perceber que

uma criança de oito meses, ao ouvir uma canção absorverá aleatoriamente o máximo possível

de informações e estímulos neurossensoriais. Após os dezoito meses, segundo Gordon (1997),

já não se pode afirmar o mesmo, já que a criança perde grandes funções sensoriais.

Gordon (1997, p. 307) traz um ponto importante, salientando que “Não se deve roubar

a infância às crianças para tentar fazer delas pequenos adultos”. Não há coerência em esperar

que uma criança reproduza musicalmente capacidades e interesses dos adultos. O ato de escutar

música, para a criança, funciona como uma preparação para aprender a cantar e também escutar

com atenção. Até os dezoito meses, quanto maior o contato com a música e a variedade dos

estilos musicais, mais apta a cantar, vivenciar e se mover a criança se tornará. É algo que muitas

mães proporcionam, mesmo antes de a criança nascer, ainda no útero, ao entoar cantigas aos

filhos, permitindo que, dessa forma, já mantenham contato com o som, seja intrauterino ou

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externo, com ritmos e melodias, através, inclusive, da ligação do cordão umbilical e com os

batimentos cardíacos da mãe.

Antes de começar a falar, já é possível ver o bebê cantar, gorjear de forma a

experimentar os sons produzidos pela boca. A criança se acostuma a ouvir sua mãe e consegue,

de alguma forma, como afirma Jeandot (1997, p. 18), reproduzir esse momento: “[...] podemos

vê-la cantarolando um versinho, uma melodia, ou emitindo algum som repetitivo e monótono,

balançando-se de uma perna a outra, ou então para frente e para trás, como que reproduzindo o

movimento do acalanto”.

Ao acompanhar as músicas com movimentos do corpo, com palmas, danças, pulos,

voltas, balanço de cabeça, a criança realiza as primeiras construções com relação à música, mas,

ao longo da vida, dependendo do quanto será estimulada, descobrirá o universo grandioso da

arte musical, ou poderá se tornar um indivíduo que pouco sentido vê na música, além de

entretenimento, o que acontece com a maioria das pessoas.

As crianças também devem manipular objetos que emitem sons, para interagir com eles

e o mundo sonoro em que vivemos. Em nossas próprias casas há muitos objetos que produzem

sons, entre eles estão a televisão, o celular, a máquina de lavar, a geladeira, o chuveiro, os pés

se arrastando no chão e tantos outros, ou seja, vibrações irregulares (ruídos) que existem no

cotidiano. Dessa forma, reflete Jeandot (1997, p. 19), “Ao entrar em contato com os objetos,

ela rapidamente começa a interagir com o mundo sonoro, que é o embrião da música, e, nessa

medida, qualquer objeto que produz ruído torna-se para ela um instrumento musical capaz de

prender sua atenção por muito tempo”.

Não há dúvidas sobre o fato da música ser linguagem, como frisa Jeandot (1997):

Assim, devemos seguir, em relação à música, o mesmo processo de

desenvolvimento que adotamos quanto à linguagem falada, ou seja, devemos

expor a criança à linguagem musical e dialogar com ela sobre e por meio da

música. [...] O educador, antes de transmitir sua própria cultura musical, deve

pesquisar o universo musical a que a criança pertence, e encorajar atividades

relacionadas com a descoberta e com criação de novas formas de expressão

através da música. (JEANDOT, 1997, p. 20),

Como explicita a autora, a relação com a música deve fazer parte da cultura infantil,

assim, cabe à escola, principal lugar de formação, possibilitar uma reflexão mesmo que básicas das

vibrações regulares (notas musicais), promovendo de forma sistêmica experiências com instrumentos,

sejam eles construídos ou já existentes, como a flauta doce que é de natureza melódica e harmônica.

Se o docente buscar formação musical, poderá trabalhar noções relacionadas a tal

expressão, utilizando-se de atividades que visem contribuir para o desenvolvimento da criança,

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inclusive no que diz respeito ao ensino da língua materna, pelo que coincide com a experiência

sonora.

Ainda para Jeandot (1997) há aspectos importantes sobre a diferenciação entre o ouvir

e o escutar no processo de aprendizagem musical: para ouvir é necessário apenas que tenhamos

o aparelho auditivo em funcionamento, já para escutar é fundamental atenção, interesse e

motivação, pois aí selecionamos o som que de fato nos interessa. A escuta envolve a tomada de

consciência do que foi captado através dos ouvidos.

4.5 O suporte – lócus para o enunciado

Os gêneros seguem a segmentação e complexificação das interações na sociedade e,

dessa maneira, se transformam, reinventam, nascem, no mesmo ritmo. Desde a invenção da

escrita alfabética, os gêneros vêm se transformando e outros sendo criados, a tradição impressa

também colaborou para esse progresso, basta lembrar que, com o passar do tempo, apareceu a

mídia eletrônica, que originou outros gêneros. Exemplo disso é a internet, matriz de incontáveis

gêneros: e-mail, chats, blogs, bate-papos, utilizados em diversas redes.

Os diferentes gêneros que nascem oferecem dois aspectos que os distinguem de seus

antecessores: primeiro, a maneira como a linguagem é abordada – destronando a visão

tradicional do estudo da língua, que afastava pontualmente a oralidade da escrita, agora

propondo “certo hibridismo”, como assegura Marcuschi (2005), conciliando a ambos; segundo,

a conexão com formas verbais e não verbais é outro sinal que converte os novos gêneros em

um formato próprio de comunicação.

O suporte textual (superfície em que se fixam os enunciados) pode ser qualificado em

dois grupos: os convencionais e os incidentais. Os primeiros são aqueles designados

especificamente para certo gênero, tais como a televisão, telefone, outdoor, livro, dentre outros.

Já os segundos apresentam uma materialidade incomum, muitas vezes surpreendente, como o

para-choque dos caminhões, que é uma peça do veículo, mas que é utilizada como suporte

textual, ou o muro, que serve para veiculação de mensagens de diversos gêneros, como frases

de protesto, propagandas comerciais ou políticas, mensagens não verbais, declarações de amor,

entre outras. (MARCUSCHI, 2008)

No caso da canção, torna-se um espinhoso desafio pensar qual seria seu suporte. Se ela

estiver em uma antologia poética de um autor como Vinicius de Moraes, teremos o livro como

suporte, mas quando executada em uma rádio, trata-se de um mídium (meio comunicativo); o

suporte dirá respeito aos ambientes acústicos por onde percorrerão os sons. Nesta reflexão, vale

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a pena pontuar as diferenças entre mídium e suporte. O primeiro poderá alterar o segundo; este

poderá circular em muitos mídiuns.

Muitas mutações sociais se manifestam através de um simples deslocamento

‘midiológico’ (= relativo ao médium): quando casais em dificuldade discutem

em um ‘talk show’ na televisão, ao invés de se expressarem no consultório de

um psicólogo, não se trata apenas de uma simples troca de lugares e de canal;

toda uma transformação da sociedade aí se encontra (MAINGUENEAU,

2013, p. 82, grifos do autor)

Diante do que foi apresentado, é importante estudar a questão dos gêneros como

norteadores de objetivos de ensino nas rotinas escolares, a fim de que o aluno possa vivenciar

as formas estruturais e funcionais dos textos, mediante a leitura e a análise, e produzir outros

textos expressivos, desta feita, canções. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)

(BRASIL, 1996), o professor precisa dos gêneros para trabalhar com os textos dos meios de

comunicação, orais e escritos, pois os gêneros proporcionam escolhas que instigam a

criatividade no momento da escrita e da fala, além de expressarem situações reais de

comunicação.

4.6 Elementos de linguagem musical na canção

Os vários gêneros textuais se formam, desde suas origens, em frequente relação com

outros tipos de gêneros textuais. No caso do gênero canção, existe a divisão do texto literário,

especialmente o texto poético. No gênero canção, há uma particularidade entre o texto e a

música (ritmo e melodia), não se afasta o poema da música, a não ser didaticamente, pois um

completa o outro, o que estabelece os sentidos em conjunto.

Marcuschi (2005) afirma que a canção, como gênero, é um texto consolidado, localizado

na cultura, tem propriedades sociocomunicativas, por cumprir funções variadas, de acordo com

a característica de cada canção, entre elas, a de promover reflexão, emocionar ou entreter. O

estilo é caracterizado, na maior parte das vezes, por escritos narrativos e descritivos e seu

formato composicional se dá em letra e melodia.

A canção “O caderno”, composição de Antônio Pecci Filho, o Toquinho, e Lupicínio

Moraes Rodrigues, o Mutinho, gravada pelo primeiro compositor juntamente com Vinícius de

Moraes, é um exemplo dos dados apresentados por Marcuschi (2005), isto é, nela estão

presentes a interação sociocomunicativa, o conteúdo, a função, o estilo e a forma

composicional:

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Sou eu que vou seguir você

Do primeiro rabisco até o be-a-bá.

Em todos os desenhos coloridos vou estar:

A casa, a montanha, duas nuvens no céu

E um sol a sorrir no papel.

Sou eu que vou ser seu colega,

Seus problemas ajudar a resolver.

Te acompanhar nas provas bimestrais, você vai ver.

Serei de você confidente fiel,

Se seu pranto molhar meu papel.

Sou eu que vou ser seu amigo,

Vou lhe dar abrigo, se você quiser.

Quando surgirem seus primeiros raios de mulher

A vida se abrirá num feroz carrossel

E você vai rasgar meu papel.

O que está escrito em mim

Comigo ficará guardado, se lhe dá prazer.

A vida segue sempre em frente, o que se há de fazer.

Só peço a você um favor, se puder:

Não me esqueça num canto qualquer

(PECCI FILHO; RODRIGUES, 1996, f. 8).

“O caderno” é, portanto, um exemplar do gênero canção, com propriedades

sociocomunicativas, amplamente veiculado pelos meios de comunicação, cujo conteúdo indica

ações habituais de pessoas normalmente anônimas, que foram observadas as experiências

particulares dos autores em uma vivência com seu caderno. Uma intenção em destaque é

mostrar a importância desse objeto tão utilizado na escola, como importante ferramenta social.

Por isso, os poetas usam a letra dessa canção para lançar uma reflexão sobre como um caderno

ganha importância na vida de tantas pessoas. O suporte dessa canção é um mídium, que encontra

espaço em folhas de caderno, música, som, vídeo e hoje em todos os formatos digitais possíveis.

A canção tem como temática a amizade e o companheirismo. Quanto ao estilo, há predomínio

de frases completas, os tipos textuais mais utilizados são a narração e descrição (narra a vivência

de uma pessoa e seu caderno) e (descreve os momentos vividos), ambos relacionados à função

do caderno na vida diária e no contexto estudantil. A forma composicional revela-se na conexão

do texto verbal (poema da canção) e o texto não verbal (melodia e ritmo).

4.6.1 Altura, intensidade e timbre

Com relação à natureza da produção do som, são três as qualidades a serem assinaladas:

altura, intensidade e timbre. A altura se diferencia de instrumento para instrumento, ela é a

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frequência emitida pelo mesmo, ou seja, pelo número de vibrações que cada onda sonora emite

em um determinado intervalo de tempo: quanto menor o número de vibrações, mais grave será

o som, e quanto maior, mais agudo (JEANDOT, 2008, p. 23). O número de vibrações emitidas

pelo objeto sonoro vibrador caracteriza a altura: grave, médio ou agudo. Com relação à

vibração, podemos afirmar que o ar é posto em movimento a partir de um objeto que vibra, seja

este uma corda, membrana, metal etc., gerando ondas sonoras, que se espalham em todas as

direções simultaneamente, atingindo as membranas do tímpano, fazendo-as vibrar, ao que o

cérebro interpreta como tipos de sons diferentes. A altura de uma nota musical recebe

representação por meio de uma clave inscrita no pentagrama, a partir do que todas as notas

serão identificadas, tal como exposto na figura 1:

Figura 1 – Posicionamento das notas, a partir da referência das claves

Fonte: Wikipédia1.

Para as notas graves, em geral temos a função da clave de fá; para as médias, a clave de

dó em algumas posições; para as agudas, a clave de sol.

O segundo fator é a intensidade, que está relativamente ligada à força que se usa ao

tocar um instrumento (JEANDOT, 2008, p. 23). Por meio dela podemos distinguir os sons fortes

dos sons fracos, ou seja, o volume sonoro. A intensidade das notas pode variar ao longo de uma

música. Isso é chamado de dinâmica, ou seja, os momentos que apresentam variações de

intensidade, quando a música deve ser executada com mais ou menos força, no manuseio dos

instrumentos (e/ou voz). Para isto, devem ser utilizados sinais de intensidade, os mais comuns

são:

1 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Clave#/media/File:Claves.png Acesso em: 12 ago. 2018.

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PP = pianíssimo, tocar muito leve, com pouquíssima intensidade

p = piano, tocar bem leve, com pouca intensidade

mp = mezzo piano ou meio piano, tocar leve, com moderada

intensidade

mf = mezzo forte ou meio forte, tocar com força moderada

f = forte, tocar com força

ff = fortíssimo, tocar com muita força

sfz = sforzando, intensificar subitamente a força com que se toca

determinadas notas.

(PORTAL DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 2013, p. 17)2.

A última qualidade se refere ao timbre: “qualidade do som que nos permite distinguir

a voz das pessoas dos instrumentos, mesmo que eles estejam produzindo a mesma nota com a

mesma altura e intensidade” (JEANDOT, 2008, p. 23). O timbre seria a identidade do som, por

meio dele reconhece-se a origem do som, os modos como este é produzido. Mesmo de voz para

voz há diferenças de timbre, pois cada aparelho fonador é único, dono de uma voz que não se

repete. O timbre é a impressão digital da voz, é com ele que podemos ser reconhecidos em meio

a uma multidão, cada voz é singular, mesmo quando possui semelhanças. Assim diz a autora:

[...] a voz das pessoas e o som dos instrumentos, mesmo que eles estejam

produzindo a mesma nota com a mesma altura e a mesma intensidade. O

timbre depende da forma como a energia se distribui entre as várias

frequências que determinam a vibração do som. (JEANDOT, 1997, p. 23).

Outro aspecto relevante é a duração de uma nota musical, que pode ser longa,

intermediária ou curta (breve). Na música, o som vai ter sua duração definida de acordo com o

tempo de emissão das vibrações. Este determinará as figuras que correspondem às notas que

soarão; na seção 4.6.6 (p. 78), sobre notação musical, trataremos de tais valores.

4.6.2 Cérebro e corpo – conceito de audiação

Para Mello (2012), a música ajuda no desenvolvimento cognitivo, psicomotor,

emocional e afetivo, assim como auxilia o indivíduo a gerenciar informações que, sem auxílio,

podem confundi-lo internamente. A autora ressalta que ao atingir as emoções do aluno, a música

torna a aprendizagem mais prazerosa, divertida e satisfatória, proporcionando-lhe prazer

enquanto aprende. Ballone (2010) frisa que a atividade musical é potencializadora de quase

2 Disponível em: Apostila-de-Educação-Musical-7º-ano-2018.pdf Acesso em: 01 ago. 2018.

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todas as regiões do cérebro. Atualmente, é possível observar, através de exames imagéticos,

que a emoção causada pela música produz e libera dopamina e noradrenalina, importantes

neurotransmissores que contribuem para as atividades especialmente cognitivas.

As sinapses dizem respeito integralmente à compreensão da música que ouvimos e

executamos ou que, em algum momento do passado, ouvimos tocar, de onde procede uma

vivência potencializadora de nossas percepções estéticas, emocionais. Quando assimilamos e

temos a compreensão de uma música, podendo ou não a ter ouvido, mas que acabamos por

improvisar, compor ou ler em notação, temos uma experiência diferenciada, diríamos estética,

em um sentido mais amplo. Só passamos realmente a processar auditivamente um som após tê-

lo percebido, escutando-o verdadeiramente, uma vez que na percepção auditiva lidamos com

acontecimentos sonoros imediatos.

Neste momento, entra em cena o conceito de audiação. Trata-se de um processo

profundo, que diz respeito a uma escuta atenta. Nem o professor nem ninguém poderá ensinar

as crianças a audiar. Isso surge naturalmente. A audiação é uma questão de aptidão (treino, e

não dom) musical, contudo, facultando às crianças o conhecimento e as experiências

apropriadas, podemos ensinar-lhes como devem audiar, isto é, como devem usar o seu potencial

de audiação, determinado pela sua aptidão musical, maximizando o seu desempenho musical.

(GORDON, 1997, p. 17).

A base da aptidão (capacidade atualizada) musical e o desempenho na música dizem

respeito à audiação, ela é o alicerce para que se tenha uma aprendizagem musical, em suas

diversas manifestações. A tradução simultânea assemelha-se ao ato de audiar a música, assim

como traduzir idiomas diferentes. Em nosso idioma, fazemos ininterruptamente a tradução,

quando damos um significado específico para cada coisa, ou seja, ocorre uma tradução contínua

em nossa língua. A obra de Gordon apresenta a música como um processo que ocorre por meio

de construção de significados semelhantemente ao exercício de pensar e atribuir sentidos à fala.

Afirma ele que “Quando se audia, ouve-se simultaneamente, pensa-se musicalmente, não se

ouve nem se pensa separadamente.” (GORDON, 1997, p. 52).

Audiar consiste em mergulhar no universo estético da linguagem musical, audiar é

refletir sobre a música no mesmo instante em que ela está sendo executada. O desenvolvimento

das aptidões tonais e rítmicas é promovido pela audiação preparatória, logo, a educação musical

é a única capaz de fazer com que o indivíduo, ao audiar, possa compreender e se comunicar por

meio da música. Por meio da audiação, ao perceberem que cometeram um erro durante a

execução de uma música, as crianças logo farão uma correção, o que produzirá novos sentidos

à experiência musical, que será levada por toda a vida. Reconhecer um instrumento tocado em

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uma canção pode ser um bom exemplo de audiação. Aspectos essenciais da linguagem musical,

tais como timbre, intensidade, altura, andamento, quando reconhecidos pela criança pequena,

também são exemplos de audiação. (GORDON, 1997).

4.6.3 O canto e suas possibilidades de expressão

O simples ato de cantar favorece a linguagem motora, a memorização, a atenção, a

emoção e o raciocínio. O prazer que a música proporciona transcende a diversão e o

entretenimento. É necessária uma atenção aos movimentos corporais, aos conteúdos afetivos e

reflexivos que as canções evocam. Para além destes aspectos, também a respiração passa a se

ordenar melhor, com benefícios físicos e emocionais.

Como uma especificidade do ensino de música para crianças pequenas (destaque ao

canto e ritmo), a audiação se divide em tipos e estágios. Gordon (2000) a classifica em três

tipos. O primeiro tipo é a aculturação, que acontece desde o nascimento até os dois anos e meio,

aproximadamente, com o balbucio – articulação de sons vocais – ocasião em que a criança

canta, reconhece e se insere no mundo. O segundo tipo (segunda etapa da audiação) é a imitação

– com crianças de dois anos e meio até cerca de três anos e meio, participando com o

pensamento consciente, procurando emitir sons semelhantes à fonte sonora. O terceiro tipo é a

assimilação (terceira etapa da audiação) – as crianças com mais de três anos e meio participam

conscientemente, concentrando-se em si próprias, conseguindo entoar vocalizes (sons vocais,

sem palavras), aprimorando a afinação. Vale lembrar que essas delimitações etárias servem

apenas como um parâmetro geral do percurso dos pequenos com as vivências musicais, pois

cada um deles é único e tudo o que experimenta vai muito além dessas representações etárias.

A audiação representa uma experiência musical que as crianças levarão para toda a vida:

Com o tempo, essas crianças passarão a ser capazes de desfrutar

verdadeiramente a música, porque, à medida que forem capazes de atribuir

significado a música, através da audiação, estarão preparadas para

compreender e apreciar a música como músicos, ao longo da vida, embora não

necessariamente como profissionais. Quando crescerem farão parte de um

público que exigirá que a música de qualidade seja executada nas melhores

condições (GORDON, 2000, p. 48-49).

Na audiação preparatória, que compete à aculturação, as crianças devem se movimentar

livremente, tendo em vista que o canto não se separa do ritmo, nem do movimento. Sendo

assim, toda a possibilidade de expressão corporal é bem-vinda.

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4.6.4 Tipos de audiação

Gordon (1997), ao aprofundar sua teoria sobre expressão musical, elencou, para o indivíduo

que tenha tido orientação estruturada e vivências musicais formativas, oito tipos de audiação:

▪ Tipo 1 – Escutar música familiar (conhecida) ou não-familiar (desconhecida):

Este é o tipo mais comum de audiação, ocasião em que se escuta música familiar ou não-

familiar. Conforme vamos escutando e conhecendo a música, passamos a perceber padrões

tonais e padrões rítmicos, sendo estes familiares ou não. É através da sequência, da lembrança,

da antecipação e predição dos padrões juntamente à audiação que podemos dar significado

sintático ao que escutamos. O processo é similar no exercício de escuta da fala, concentração

nas palavras individualizadas em combinação com frases e períodos em nossa mente, para que

haja significado gramatical e sintático à medida que vamos escutando. Gordon (1997) afirma:

Enquanto agrupamos em sequências, lembramos antecipamos e predizemos

palavras, à medida que as ouvimos proferir, só prestamos atenção consciente

às palavras que são essenciais para o significado; as outras são absorvidas pelo

nosso inconsciente, porque reconhecer o essencial torna óbvio o que não é

essencial. (GORDON,1997, p. 28).

Neste trecho, observamos as semelhanças e as diferenças entre elementos presentes na

música e na aquisição da própria língua. Na linguagem verbal, lidamos com palavras completas

que são fundamentais para a articulação do discurso e das ideias; na música, porém, tratamos

com alturas, timbres, durações reais, dentre outros aspectos que constituem e definem os

padrões da sintaxe musical ou a sua estrutura. As relações entre os dois domínios são

inesgotáveis, merecedoras de estudos e aprofundamentos.

▪ Tipo 2 – Ler música familiar ou não familiar: É a audiação notacional, funciona

quando fazemos o exercício de ler (ou imaginar) a notação de padrões em música familiar e

não-familiar. É possível ler uma partitura silenciosamente, como também executar o que é lido,

reger a partir de uma obra por escrito e ler enquanto escutamos música. A capacidade de audiar

também se dá por meio da leitura, pela notação (escrita musical), pelo que será executado antes

mesmo de o som ser fisicamente ouvido. Conforme lemos e audiamos a notação de uma música

familiar ou não-familiar, audiamos as alturas e organizamos as durações essenciais, bem como

os padrões tonais e rítmicos essenciais, vindos diretamente da série de símbolos que vemos,

sem ter necessariamente a percepção auditiva.

▪ Tipo 3 – Escrever música familiar ou não-familiar ditada: Este é o terceiro tipo

de audiação com presença na ação de ditados de padrões familiares ou não-familiares de uma

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música familiar ou não-familiar. Ainda que a escrita de uma música por ditado seja o oposto da

leitura de uma música transcrita em partitura, pode ser também considerada audiação

notacional. Ao escrever por ditado, podemos audiar o que já percebemos representado por

símbolos, na notação. Colocamos, automaticamente, todos os elementos da linguagem musical

– notas, compassos, intensidade etc. – na pauta musical.

▪ Tipo 4 – Recordar e executar música familiar memorizada: Ocorre quando

passamos a executar vocalmente padrões familiares em música familiar, por meio de recordações em

nossa mente. Esta ação também pode ser feita num instrumento musical, além da voz, o ato de reger o

que ouvimos internamente, ou a escuta em silêncio. Com relação a tal processo, Gordon (1997) enfatiza:

Cada um dos padrões da música, cuja audiação guardamos na lembrança,

conduz-nos à organização e à recordação sequencial dos restantes padrões.

Enquanto vamos audiando, vamos colocando as alturas e as durações não-

essenciais no padrão completo, mantendo-se este processo ao longo de toda a

peça musical. (GORDON, 1997, p. 31).

O fato de recordar, por audiação, uma peça de música familiar não significa que tal

música seja lembrada pelo simples fato de tê-la memorizado. A memorização não se constitui

fator determinante para a audiação, funciona apenas para reproduzir movimentos físicos, assim

como ocorre quando as pessoas, cujas capacidades audiativas não estão ainda completamente

desenvolvidas, estão a cantar ou tocar um instrumento e estão dependentes de uma ação

muscular – como dedilhados e movimentos das cordas vocais – o que acontece no processo de

memorização mecânica que as direciona ao longo da execução.

▪ Tipo 5 – Recordar e escrever música familiar memorizada: Este tipo também

envolve audiação notacional, funciona enquanto escrevemos padrões familiares em música

familiar, organizados por meio da audiação. O processo mental de organizar e recordar é

semelhante ao do tipo 4, com uma diferença fundamental: este culmina em alguma forma de

execução, enquanto o tipo 5 carece da conversão dos sons musicais em notação escrita.

▪ Tipo 6 – Criar e improvisar leitura música não familiar, durante a execução, ou

em silêncio: Acontece quando passamos a criar e improvisar, em silêncio ou durante a própria

execução, música não-familiar, utilizando padrões familiares e não-familiares. Cada padrão

musical que nos permite a criação e a improvisação nos orienta para uma organização interna,

de forma sequencial, de padrões musicais adicionais. À medida que criamos ou compomos,

usando padrões inventados por nós mesmos, ou improvisamos utilizando padrões ou fórmulas

em combinação como na improvisação do jazz, colocamos, de maneira automática, as alturas e

as durações não-essenciais em padrões completos.

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▪ Tipo 7 – Criar e improvisar leitura de música não-familiar: Esta modalidade

também inclui audiação notacional, se dá quando lemos padrões tonais não-familiares e

familiares e, ao mesmo tempo, passamos a criar ou improvisar uma nova música não-familiar,

tanto no silêncio quanto na própria execução. A improvisação pode englobar a execução de

uma melodia central, ou mesmo linhas periféricas, que sustentem a harmonia, com acordes

(grupos de notas) que registramos em partituras.

▪ Tipo 8 – Criar e improvisar escrita de música não-familiar: funciona quando

escrevemos padrões familiares e não-familiares, criando ou improvisando ao mesmo tempo música

não familiar, este tipo também inclui audiação notacional. Se, no entanto, lembrarmos, durante um

certo tempo, daquilo que criamos antes de escrever, o tipo 8 pode tornar-se o tipo 5 de audiação. Os

processos para os tipos 7 e 8 são os mesmos, com a única diferença de que o tipo 7 culmina com a

leitura, enquanto o tipo 8 culmina com a escrita da música que improvisamos ou criamos.

Apresentar os tipos de audiação elencados por Gordon (1997) uma vez que é importante

conhecer tais conceitos ao pensarmos uma proposta de alfabetização que adote o gênero canção

como instrumental para a alfabetização. No capítulo 5 (p. 82) da presente pesquisa, será

proposta uma unidade didática, de modo a reproduzir a proposta de sequência didática nos

termos de Schneuwly e Dolz (2004), em que as noções de Gordon, bem como da teoria

enunciativa, serão articuladas, em busca de atividades com o gênero canção e que contribuam

para os estudos em alfabetização. É pertinente ressaltar que uma criança em tempos de

alfabetização não teria certamente condições de executar a maioria dos tipos de audiação que

um indivíduo musicalmente maduro o faria, mas podemos estimular o pequeno estudante a

improvisar uma melodia, após ouvir uma outra, ainda que de modo intuitivo e rudimentar, ou

ainda entoar canções conhecidas, reproduzir ritmos etc., exercícios que de algum modo são

audiativos. Estas pequenas ações musicais são essenciais ao trabalho com o gênero canção em

um contexto mais profundo e produtivo, de modo que a criança tenha a opotunidade de criar

melodias e letras, ou seja, canções.

4.6.5 A dimensão do ritmo

Ballone (2010) reflete sobre como a área rítmica é afetada pela experiência musical, e

assim completa que o ritmo se encontra relacionado às emoções conectivas cerebrais, comum

a todos os animais ligados ao instinto. O batuque e ritmo eletrônico, estimulam ainda mais essa

parte juntiva relacionada aos ritmos básicos. O ritmo é capaz de embevecer as mais grandiosas

emoções. E as músicas mais Bastante primitivo e capaz de entorpecer emoções mais sublimes.

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As músicas mais elaboradas formais e cheias de melodias provocam o lado emocional, músicas

clássicas e românticas atingem o cérebro na região dos sentimentos. Essa elaboração ativa um

sistema relacionado à intuição e à defesa – o límbico.

A música afeta o ser humano de várias maneiras, desde as cantigas de ninar com que as mães

embalam seus filhos até a conjuntura social. O som e todas as suas qualidades de ritmo, melodia e timbre

significam, de fato, uma experiência sensorial ímpar, e uma das mais antigas do ser humano.

Os autores a seguir também tratam do desenvolvimento da psicomotricidade, de como

o ritmo auxilia o sistema nervoso da criança, aprimorando as habilidades motoras, o controle dos

músculos, e ressaltam que o ritmo tem fundamental importância no equilíbrio e formação do sistema

nervoso. Pois cada expressão musical age sobre a mente, o que favorece uma descarga emocional que

ativa reações motoras e alivia tensões. Cantar realizado dança, batidas de palmas e pés, gestos

imprescindíveis para a experiência sensorial, motora e senso rítmico Atividades como cantar fazendo

gestos, dançar, bater palmas, pés, são experiências importantes para a criança, pois elas permitem que

se desenvolva o senso rítmico, a coordenação motora, fatores que contribuem para o processo de

aquisição da língua. (CHIARELLI; BARRETO apud GARCIA, SANTOS, 2012).

É fundamental o ato de cantar a melodia para que a audiação ocorra. Isto também é uma

vivência rítmica. A interiorização de padrões melódicos se constitui um profundo experimento,

de grande impacto para a subjetividade. Do mesmo modo, temos a importância de se audiar

ritmicamente uma canção, buscar com palmas, por exemplo, o ritmo de sua melodia. Também

se faz relevante diferenciar, sempre, o pulso (batida constante) do ritmo (células sonoras

criativas), que caracteriza, inclusive, o estilo musical.

A criança tem essa noção espontânea de ritmo, mas, no início, não tem controle sobre ele, devido

à falta de maturidade de seu sistema nervoso, que não lhe permite as coordenações neuromusculares

indispensáveis. Ela brinca com sons e movimentos, do mesmo modo como brinca com formas e cores.

Pesquisas de Gordon (1997) e Jeandot (1997) confirmam que, desde a idade de um ano,

aproximadamente, a música estimula o bebê a se balançar, ainda que não exista sincronização

entre o ritmo da música e o balanço. Por volta dos três ou quatro anos de idade, essa sincronia se forma.

A psicologia contemporânea tem salientado a importância da relação que há entre o

desenvolvimento das noções gerais de espaço e tempo e o desenvolvimento harmonioso da

criança e seu crescente domínio do movimento ritmado.

Toda criança nasce com pelo menos alguma habilidade para a música. Como várias outras

qualidades, a habilidade musical se expressa entre as crianças, é natural, mas é afetada pelas

características do meio em que vive. Isso porque, para a maioria dos recém-nascidos, o espaço musical

não é tão rico como necessitaria ser. Por conseguinte, é esperado que o nível de capacidade musical

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com que as crianças nascem decresça com o passar do tempo, ou mesmo seguidamente após o

nascimento, diminuindo continuamente até que o ambiente musical da criança se consolide. O cérebro,

segundo Gordon (1997), está absolutamente receptivo aos estímulos sonoros e musicais, mas se estes não

forem vivenciados, as sinapses se ordenarão em outras direções. Após a infância, as estruturas cerebrais

se tornam bem mais limitadas, com relação a transformações positivas relativas à linguagem musical.

4.6.6 A notação musical

A audiação da escrita musical denomina-se audiação notacional e ocorre quando há a

transcendência da pauta e o ato de audiar a música transcrita pelos símbolos representados nessa pauta.

A representação do som na linguagem escrita traz uma série de símbolos, que serão vistos ao longo desse

texto; as diferenças entre audiação e imitação, as contraposições entre ambas; o processo de audiação, o

qual se difere de imitação compreendida como “audiação interior”, o que não é, de fato, audiação.

A notação musical é um conjunto de símbolos visuais destinados a representar o som da

música. A teoria musical tenta definir e explicar os fundamentos por trás do uso destes símbolos

visuais, mas, na melhor das hipóteses, a notação funciona apenas como fotografia estática enquanto a

música flui como um filme. A audiação é a “compreensão do fluir da música” (GORDON, 1997, p. 21).

Os símbolos visuais presentes em uma partitura funcionam como suporte para se fazer música, assim

como ter nas mãos uma receita para fazer bolo: o bolo seria a música, e a receita, a partitura. O intérprete

solista não executa uma obra olhando apenas para a partitura, ele explora as informações que já estão

impressas no consciente trabalhando expressão e interpretação da obra. A audiação acontece quando

conseguimos reter e refletir sobre algo que ouvimos há segundos, minutos, horas, dias, semanas,

meses ou até mesmo anos. Por essa razão, trata-se de um tipo de aprendizagem muito diversa e profunda.

O quadro 2 ilustra a definição de notação musical por meio de símbolos visuais, isto é,

a representação e o valor (duração) das notas musicais, valores que podem ser trabalhados

ludicamente, de modo espontâneo, dentro das vivências do letramento musical.

Quadro 2 – Figuras musicais e respectivos valores

Fonte: Magia da música

3.

3 Disponível em: https://magiadamusica.webnode.pt/figuras-musicais/ Acesso em:

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79

A música possui, ainda, o andamento, que se caracteriza basicamente pela velocidade da

execução de uma obra. Geralmente é indicado por palavras italianas, uma vez que sua grafia teve

origem na Itália. Os andamentos devem ser escritos antes do trecho onde deva acontecer o andamento.

Exemplos de marcas de andamento: largo, adágio, moderato, andante, alegro, presto etc. Com os

pequenos, diversas atividades poderão ludicamente enfatizar o andamento. O deslocamento das

crianças na classe, ora lento, ora rápido, durante a dramatização de uma música, é um exemplo de

como se trabalhar de modo corporal e prazeroso o conceito de andamento.

Quadro 3 – Principais sinalizações de andamento

Fonte: Bennett (1990).

Grave

Lento

Largo

Larghetto

Adagio

Andante

Andantino

Moderato

Allegretto

Allegro

Vivace

Presto

Prestíssimo

Allegro moderato

Presto con fuoco

Andante Cantabile

Adagio Melancolico

Accelerando

Rallentando

Stringendo

Alargando

Retardando

Ritenuto

Meno mosso

Piu mosso

A tempo ou Tempo primo

Tempo rubato

Andamento mais lento de todos

Muito lento

Muito lento, mas não tanto quanto o grave

Um pouco menos lento que o Largo

Moderadamente lento

Moderado, nem rápido nem lento

Semelhante ao andante, mas um pouco mais acelerado

moderadamente

Moderadamente rápido

Andamento veloz e ligeiro

Um pouco mais acelerado que o Allegro

Andamento muito rápido

É o andamento mais rápido de todos

Algumas variações:

Moderadamente rápido.

Extremamente rápido e com expressão intensa.

Velocidade moderada e entoando as notas como em

uma canção.

Lento e melancólico

Sinalizações de mudança no andamento

Indica que a execução deve se tornar mais rápida.

Indica que a execução deve se tornar gradativamente

mais lenta

apressando

alargando

atrasando

retardando subitamente M

mais devagar

mais depressa

Retorna ao andamento original.

Pequenas variações de andamento ao critério do

músico

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Com relação aos elementos da linguagem musical na canção, há muito a enumerado e analisado,

tais como conceitos de acordes, encadeamento harmônico, intervalos, harmonia, contraponto, compassos

simples e compostos, orquestração, estrutura geral dos instrumentos, história da música popular,

folclórica e erudita, os diversos estilos e ritmos, dentre tantos tópicos específicos da arte musical.

Entretanto, pelos limites da pesquisa, infelizmente, não posso contemplá-los. Aqueles elementos que

foram aqui apontados afetam diretamente nossa concepção de SD, pelo menos naquilo que foi proposto

como estratégia para a alfabetização e que exigiu grande esforço para ser apresentado na unidade

didática, abordagem central do próximo capítulo

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81

v

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82

5 RELAÇÕES ENTRE ALFABETIZAÇÃO, GÊNERO CANÇÃO E SEQUÊNCIA

DIDÁTICA: SURPRESAS PARA A APRENDIZAGEM

Neste capítulo procuro, em suave ciranda, entrelaçar a alfabetização, a canção e a

sequência didática, embalando ideias e propostas que permitam a compreensão do processo de

alfabetização, refletindo sobre a importância da fala e da escrita, duas atividades humanas que

têm diferenças de uso na língua. Diariamente ocorrem situações que envolvem a oralidade (o

falar) e a língua escrita (escrever). Textualizar é dar formato de texto, encadeamento de

enunciados, resultado da comunicação, interação, e caráter da conversa, dependendo da

intencionalidade do falante, do que sabe do(s) outro(s) que o ouve(m), atingidos todos por

outras vozes.

Textos são compostos discursivos, cujo elo vem a ser o enunciado, fazem parte de um

contexto histórico, que revela valores, concepções, medos de um povo. A palavra texto (do

latim texere – tecer) supõe oralidade, leitura, escrita, gênero, formação discursiva, dentre tantos

aspectos.

Desse modo, cada enunciado possui determinado sentido e pertence a um gênero

relacionado à prática social de linguagem que o constitui. É possível concluir, então, que as

práticas sociais em que há utilização da linguagem são diretamente ligadas pela instância do

discurso de origem. A construção composicional faz parte da forma do texto, aquilo que revela

sua marca e faz com que seja reconhecido.

O autor é capaz de fazer-se compreender quando ressalta a dinâmica, a plástica e a

maleabilidade dos gêneros, sem nenhum problema em alterar seus contornos conforme as

necessidades sociais de cada momento histórico da vida do homem/mulher. Além disso, “esses

novos gêneros não são inovações absolutas, sem uma ancoragem em outros gêneros já

existentes. O fato já fora notado por Bakhtin (1997) que falava na transmutação dos gêneros e

na assimilação de um gênero por outro gerando novos.” (MARCUSCHI, 2005, p. 20).

Ao pensar dessa maneira, o autor explicita que é possível compreender que os gêneros

se misturam entre si. No tocante à plasticidade do gênero, verificamos como a alfabetização por

meio dos textos é mais expressiva. Não há motivos para desrespeitar outros métodos, mas para

abrir um novo (que nem é tão novo assim), uma proposta pedagógica pautada na compreensão

de que o ensino deve contribuir para a autonomia e capacidade de escrever e escrever bem.

Consequentemente, o processo da alfabetização se torna mais significativo, parte de uma prática

social, pois é através dos gêneros orais e escritos que a comunicação entre os indivíduos se

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concretiza, do mesmo modo que as crianças desenvolvem suas habilidades cognitivas de fala e

de escrita.

A esta mescla de gêneros, o autor denomina hibridização ou intergenericidade, quando

um gênero assume a função do outro. De acordo com Marcushi (2005, p. 31), “não deve trazer

dificuldade interpretativa, já que o domínio da função supera a forma na determinação do

gênero, o que evidencia a plasticidade e a dinamicidade dos gêneros”. Um exemplo de

intergenericidade vem a ser a epígrafe, em uma tese, citando um trecho de uma crônica.

5.1 Relações entre letramento e sequência didática

As várias formas de letramento hoje estão expostas nas mais diversas atividades de

ensino. O termo letramento diz respeito aos contextos da cultura educacional, sendo assim,

explicita Dionísio (2005, p. 159), hoje em dia, “[...] uma pessoa letrada deve ser capaz de

atribuir sentidos a mensagens oriundas de múltiplas fontes de linguagem, bem como ser capaz

de produzir mensagens, incorporando múltiplas fontes de linguagem”.

Uma pessoa letrada é aquela que é capaz de ler e atribuir sentidos a todos os tipos de

textos, compreender e produzir mensagens de vários tipos de linguagem. No entanto, existem

pessoas não alfabetizadas (não sabem ler e escrever e participam da vida social com bastante

restrição, além dos conhecidos como “analfabetos funcionais”), cabe ressaltar que no mundo

globalizado quem não aprendeu ler e escrever, está às margens da sociedade; pessoas

alfabetizadas e não letradas; pessoas não alfabetizadas e letradas (pessoas mais velhas que são

capazes de saber do tempo, das horas, da época de colher, de pegar um ônibus ou pagar suas

contas); e uma pequena parcela da população – letrada – que consegue alcançar objetivos

acadêmicos.

Ante o exposto, convém frisar o papel da escola, dos professores e da gestão nesta

questão, considerando que muitas crianças só têm o espaço escolar para aprender, construir

conhecimento e se inserirem nas relações socioculturais e discursivas, de modo a se tornarem

sujeitos críticos e reflexivos. A música é fonte de movimento, de aprender a escutar, falar e

cantar, dentre tantas vivências estéticas que podem ser proporcionadas. Trabalhar com os

gêneros textuais na alfabetização-letramento enriquece o aprendizado, porque além do

desenvolvimento da escrita, há também o da oralidade. Deste modo, o aluno será beneficiado,

garantindo-se possibilidades expressivas em muitos contextos comunicativos.

Por refletirem situações reais do cotidiano, os gêneros se revelam potentes ferramentas

pedagógicas e, neste sentido, o acesso dos alunos aos mesmos precisa ser garantido, o que

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expande os processos de letramento e, com isto, as experiências estéticas, transformadoras, as

quais dizem respeito à formação do leitor crítico.

Um bom exemplo de como pode ser produtivo trabalhar com os gêneros, dentre os quais

a canção, é a música “Vatapá”, de Dorival Caymmi:

Quem quiser vatapá, ô

Que procure fazer

Primeiro o fubá

Depois o dendê

Procure uma nega baiana, ô

Que saiba mexer

Que saiba mexer

Que saiba mexer

Procure uma nega baiana, ô

Que saiba mexer

Que saiba mexer

Que saiba mexer

Bota castanha de caju

Um bocadinho mais

Pimenta malagueta

Um bocadinho mais

Bota castanha de caju

Um bocadinho mais

Pimenta malagueta

Um bocadinho mais

Amendoim, camarão, rala um coco

Na hora de machucar

Sal com gengibre e cebola, iaiá

Na hora de temperar

Não para de mexer, ô

Que é pra não embolar

Panela no fogo

Não deixa queimar

Com qualquer dez mil réis e uma nega ô

Se faz um vatapá

Se faz um vatapá

Que bom vatapá (CAYMMY, s.d., p. 124-125).

Nesta música, é perceptível o potencial didático de atividades pensadas a partir dos

compassos do artista, além do que representa a canção como objeto cultural e, por conseguinte,

de letramento. Assim, é possível partilhar com as crianças as diferenças entre o que é letra de

música em geral e o que é receita, convidando-as a elaborar uma receita e depois realizá-la na

cozinha da escola; trabalhar a composição de um verso simples com letra e melodia, explicando

que o ritmo deverá ser o samba; encontrar palavras que rimam no texto, transcrevê-lo para o

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caderno, conversar sobre as palavras desconhecidas, a fim de compreendê-las e registrá-las; a

partir da produção inicial, verificar como estão os pequenos em relação à escrita e à oralidade,

bem como ao canto; ao final, propor às crianças que exponham a produção conclusiva aos

colegas de outras turmas. Na canção, é nítida a intergenericidade – um gênero no lugar de outro:

um samba de Caymmi seria normalmente um poema descritivo, reflexivo, mas o que temos

vem a ser, principalmente, uma receita de vatapá baiano.

A perspectiva contemporânea de alfabetização considera, indubitavelmente, os

momentos de interação e construção social, nas práticas de linguagem oral e escrita, priorizando

o contato com os textos. Dessa maneira, a sequência didática proposta por Dolz, Noverraz e

Schneuwly (2004) tem se destacado como referência para o planejamento dos encontros com

os alunos, sob a ótica de uma didática com os gêneros textuais.

Figura 2 - Esquema da sequência didática

Fonte: Dolz, Noverraz, Schneuwly, 2004, p. 83.

Esta concepção de SD considera os gêneros textuais como objetos de ensino; sua força

reside principalmente no fato de os mesmos refletirem práticas sociais, o que faz com que a

aprendizagem considere o mundo vivido, as experiências comunicativas, diferentemente das

metodologias tradicionais.

O primeiro passo nessa abordagem pedagógica consiste em se apresentar a situação, ou

seja, propor aos alunos o gênero e um desafio a partir do mesmo, como escreverem uma carta

ao prefeito da cidade. Com o aceite, os alunos produzem um texto a partir dos conhecimentos

que possuem sobre o gênero abordado. Feito isso, o professor recolhe as produções e as analisa.

Estas servirão de norte para a elaboração dos módulos que se seguirão, podendo ser tantos

quantos forem necessários. A partir das necessidades observadas, o educador traçará o roteiro

modular, buscando saná-las, melhorando, assim, a leitura e a escrita dos alunos. A produção

final reproduz um acontecimento maior, em que os educandos poderão demonstrar sua

aprendizagem, criando um novo texto, agregando aquisições feitas durante os módulos

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trabalhados, ou corrigindo e aprimorando o primeiro texto. As crianças devem participar nas

escolhas dos gêneros e da temática.

Cabe aqui destacar que em turmas do primeiro ano do primeiro ciclo do Ensino

Fundamental haverá, certamente, heterogeneidade com relação ao que cada criança faz em

termos de leitura e escrita, surgindo a necessidade de contar com outros gêneros no percurso da

unidade didática, sempre capitaneada pelo gênero guia, aquele ao qual correspondia a produção

inicial e que também será contemplado com a produção final. Na seção 5.3 (p. 88), será proposta

uma sequência didática alicerçada no esquema exposto na Figura 2 (p. 85), de modo a

demonstrar a viabilidade de tal concepção para o ensino da língua materna, destacando-se o

gênero canção.

5.2 Relações entre métodos de alfabetização e a aprendizagem musical... revendo o

percurso da pesquisa

Esta seção traz uma reflexão sobre aspectos pedagógicos comuns à aquisição da língua

e da linguagem musical, destacando o conceito de audiação (GORDON, 1997), exercício

sensorial e cognitivo de máxima importância para o aprofundamento das experiências musicais

e que, guardadas as devidas proporções, encontra procedimentos semelhantes na alfabetização.

Para ilustrar tal afirmação, retomo os princípios gerais de alguns métodos, a começar

pelo fônico, que centra sua didática no som das letras (grafemas) apresentadas ao aluno. Para

cada uma delas, há a intenção de se reproduzirem as vibrações correspondentes, articulando-se

regiões do trato vocal. Se forem consoantes, o ar será interrompido de algum modo, seja pelos

lábios, dentes, palato, língua, e assim por diante; se forem vogais, o ar não será interrompido

(SACCONI, 1986). O esforço discente em mirar um grafema e reproduzir com os órgãos do

aparelho fonador o fonema correspondente coincide com o que Gordon (1997) denominou de

audiação do “Tipo 2 – Ler música familiar ou não-familiar”, muito embora a leitura a que ele

se refira seja da partitura musical. Isto afirmo porque, em termos de decodificação simbólica,

tanto os sinais da linguagem musical (como uma semínima para a nota sol), quanto da língua

portuguesa escrita (a letra F, por exemplo) são símbolos visuais, portanto, pactuados

coletivamente, cujas relações com seus objetos (sonoros) são arbitrárias. Estes consistem em

formas sonoras que devem ser reconhecidas e reproduzidas por quem lê.

Sem parecer forçoso, é possível afirmar que a fonética, capítulo de muitas gramáticas

tradicionais, vem a ser um estudo audiativo, uma análise de aspectos, em grande medida,

musicais. Nesse sentido, consolida-se a interface entre expressão musical e alfabetização,

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sobretudo por lidarem com vibrações sonoras (ondas mecânicas). Reparemos a importância de

uma parlenda, ou verso de uma canção folclórica como “Terezinha de Jesus”, em que a

professora (ou professor) apresentem o grafema T. O que poderia ser ensinado de modo

mecânico e descontextualizado adquire novos sentidos, potencializados pela emoção de um

canto profundamente popular, artefato de nossa identidade cultural. O método fônico, desse

modo, ganharia novas possibilidades didáticas, tornando-se menos árido para os alunos.

Com relação ao sistema silábico de alfabetização, evidenciam-se potentes conexões com

a linguagem musical. O fato deste método enfatizar o ensino das sílabas, sem explicitar,

inicialmente, as relações entre as consoantes e as vogais, assemelha-se aos exercícios de ritmo

da aprendizagem musical, particularmente o conceito de pulso. Noutras palavras, ao enfatizar

o fato de que falamos por impulsos vocais (sílabas), a silabação se alinha à própria sonoridade

da língua: “Quando falamos, pronunciamos sílabas e não sons separados” (FRADE, 2005, p.

29). Então, acrescento: quando cantamos, fazemos o mesmo. O método silábico, ao atribuir

maior importância ao modo de pronunciar as sílabas do que às ligações entre grafemas e

fonemas, aproxima-se bastante do modo como, em geral, aprendemos a cantar ou declamar

poemas, como as parlendas. Há uma apreciação estética em tal experiência, bem como a

ludicidade dos ritmos obtidos, uma vivência que pode se tornar percussiva. É válido afirmar, a

partir do exposto que, de todos os métodos sintéticos, o que mais se aproxima dos saberes

pedagógicos musicais vem a ser a silabação. A associação entre tais contextos poderá trazer

benefícios para as rotinas de alfabetização.

No que se refere aos métodos analíticos, também é possível encontrar firmes nexos com

o aprendizado de canções. Na palavração, os alfabetizandos têm contato com palavras inteiras,

tal como pronunciadas no cotidiano, destacando-se delas o significado. Na canção, a esta

característica acrescenta-se a melodia. Tal associação aprofunda os significados e emoções que

versos cantados podem evocar. As palavras enunciadas melodicamente, portanto tratadas pela

linguagem musical, assumem novos coloridos, potencializando-se como elementos estéticos,

reflexivos.

Se, com a palavração, temos generosas possibilidades didáticas, pensadas no contexto

da canção, diríamos que, na sentenciação e método global, aquelas se ampliam. Neste sentido

recorremos a Gordon (1997), ao afirmar que quando procedemos à audiação do “Tipo 2 –

Audiação de música familiar”, resgatamos ou conhecemos novos padrões rítmicos. Somente

pela sequência obtida da lembrança ou antecipação destes é que se torna possível a organização

sintática dos mesmos. A audiação, muito embora se volte para aspectos da estruturação musical,

possui similaridade com a aquisição da leitura e escrita, reafirmamos. A escuta atenta opera no

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sentido de organizar palavras, frases, parágrafos – elementos que, em última análise,

constituem-se enunciados. Vale ressaltar a importância destes para a pesquisa em tela,

sobretudo por serem elos na cadeia de comunicação verbal (BAKHTIN, 2011). Somente se

torna possível a existência dos gêneros textuais porque temos o enunciado que, na regularidade

de seus aspectos tema, estilo e composição, dá origem aos gêneros. O enunciado reúne, salvo

melhor entendimento, aspectos de linguagem tanto oriundos da canção, quanto da aquisição da

língua. Isto compreendo por diversas razões, dentre as quais destaco o contexto comunicativo,

que espelha práticas sociais, reproduz vozes e projeta enunciações em outras, caracterizando a

polifonia, um conceito central no pensamento bakhtiniano que nos autoriza a seguir com as

análises da relação entre os elementos da canção e os processos cognitivos de aquisição da

língua. A expressão “polifonia”, oriunda do universo musical erudito foi um empréstimo do

autor para explanar sobre a arena de vozes que se espelham na materialidade do enunciado

(BAKHTIN, 2011). Tal recurso teve origem no canto gregoriano, durante a Idade Média, cuja

principal caraterística era a projeção de várias vozes, com uma base rítmica e harmônica

comum, tal como ocorria nos cânones e destacadamente no contraponto (GROUT; CLAUDE,

2007).

O enunciado, por conter em si a expressão do vivido, reúne aspectos discursivos que

transcendem a natureza linguística e formal de sua estruturação, podendo resumir-se a uma

palavra apenas, ou a um texto completo. Com relação ao método global, e consequentemente à

aprendizagem da língua materna, tendo os gêneros textuais como objetos de ensino, reafirmo

que a canção se constitui um vigoroso recurso pedagógico. A alfabetização desenvolve

esquemas de memorização, textos longos podem ser apreendidos sem a perda do interesse,

porque há uma experiência estética em sua leitura oral ou escrita; a emoção e a afetividade do

canto produzem sentidos que impactam positivamente a subjetividade das crianças. O método

global, ao contar com os aparatos da linguagem musical, potencializa suas virtudes, dentre as

quais destacam-se o sentido dos enunciados para a existência e o uso cotidiano dos mesmos, na

contramão do ensino cartilhado e descontextualizado.

5.3 Contribuições didático-pedagógicas do gênero canção como objeto de ensino: uma

proposta de sequência didática

Este subcapítulo tem como finalidade maior trazer sugestões didático-pedagógicas para

a alfabetização por meio do gênero canção. Para tanto, foi elaborada uma sequência didática

escrita nos moldes de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), para servir como apoio para

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professores que queiram tornar suas aulas mais significativas e menos monótonas. Nas seções

anteriores, procurei ressaltar a importância dos gêneros para o aprendizado, como produzem

efeitos na leitura, escrita e oralidade. Baseadas nessa convicção, a SD aqui proposta traz

atividades que podem contribuir para desenvolver as habilidades no uso da língua, mas também

o despertar para o corpo, o movimento e as diversas formas de criar.

Para propor esta sequência didática (que, em sua materialidade, tornou-se uma unidade

didática para livro de língua portuguesa), conduzida pelo gênero canção, foi preciso refletir,

ainda que brevemente, sobre planejamento para a Educação Básica, a fim de que a SD esteja

em consonância com um planejamento docente, em geral anual, que, por sua vez, se conecta a

um Projeto Político Pedagógico (PPP) concebido democraticamente por todos os atores sociais

envolvidos, no qual está expresso o perfil ideológico, filosófico, enfim, a visão de mundo e de

educação que caracterizam curricularmente a instituição escolar (VASCONCELLOS, 2002).

Atualmente, a perspectiva consolidada e mais aceita é a dos projetos de trabalho.

O primeiro passo para a criação de uma sequência didática com o gênero canção foi

imaginar que o projeto anual da escola teria, como tema, as “Profissões”. Isto significa afirmar

que os docentes, nos encontros para o planejamento do ano letivo, irão trabalhar

interdisciplinarmente questões relativas ao grande tema.

No caso do primeiro ano do primeiro ciclo, foco desta SD, simularei que as crianças

escolheram a profissão de bailarina; assim, toda a sequência didática estará diretamente

relacionada ao projeto de trabalho “Profissões”, buscando alfabetizar com o gênero canção. De

forma progressiva, surgirão diferentes atividades para que haja produção de textos escritos e

orais, mesmo que em um primeiro momento o escriba seja o professor. Enumero, aqui, alguns

objetivos que inspiram a sequência didática criada:

▪ Discutir com as crianças aquilo que elas querem aprender, dando-lhes voz nas

escolhas, desde os grandes temas que orientam os projetos de trabalho, até mesmo aqueles que

norteiam o planejamento mais pontual, ocasião dos planos de aula e as sequências didáticas;

▪ Apresentar uma didática em que se aproximem exercícios de alfabetização daqueles

inerentes à aquisição de linguagem musical;

▪ Exercitar a criatividade das crianças, ao lidarem com elementos da linguagem e o

letramento musical;

▪ Promover o acesso a produtos culturais de valor (canções), que representem a

identidade do país;

▪ Propiciar o acesso a diferentes estilos musicais, o que muitas vezes não ocorre no

ambiente familiar;

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▪ Refletir, com as crianças, sobre questões estéticas, éticas, políticas, que se relacionam

às canções apresentadas, de modo a se estimularem narrativas verbais, visuais, dramáticas e

outras linguagens, capazes de ressignificar o vivido.

Cumpre ressaltar, aqui, a necessidade de as crianças estarem sempre em movimento,

seja dançando com a canção, seja fazendo ritmos corporais, dentre outras dinâmicas inerentes

à estimulação musical.

A seguir, em um esforço de articular conceitos expostos ao longo desta pesquisa, com

destaque à metodologia de alfabetização com textos (método global), importância da concepção

de enunciado, letramento e a natureza do gênero canção, apresento uma proposta de sequência

didática, com o título “Uma canção para a bailarina...”, que irá adquirir características de uma

unidade didática (capítulo), tal como verificamos nos livros adotados pelos docentes nas rotinas

pedagógicas.

A seguir, em um esforço de articular conceitos expostos ao longo desta pesquisa, com

destaque à metodologia de alfabetização com textos (método global), importância da concepção

de enunciado, letramento e a natureza do gênero canção, toma forma uma proposta de sequência

didática, com o título “Uma canção para a bailarina...”, que irá adquirir características de uma

unidade didática (capítulo), tal como verificamos nos livros adotados pelos docentes nas rotinas

pedagógicas.

De todos os conceitos analisados nos capítulos deste estudo, merece destaque a audiação

(GORDON, 1997), uma vez que esta aparecerá em todos os módulos da sequência. Tal atitude

musical, como demonstrarei nas atividades propostas, coincide com o que fazemos ao ouvir,

falar, ler ou escrever um enunciado linguístico. Vale afirmar que não se trata de um plano de

aula, muito embora haja uma intrínseca relação entre ambos (sequência didática e plano de

aula). Importante frisar que cada módulo poderá requerer vários encontros, dependendo do

andamento da turma.

Também é relevante, nas rotinas concernentes à sequência didática, que, pelo menos ao

término de cada módulo, seja efetuada uma avaliação do processo, preferencialmente

registrada. Tal expediente sinaliza para aquilo que deu certo e deve ser mantido, leva à revisão

ou ao descarte de procedimentos que não funcionaram, enfim possibilita diagnosticar as

respostas – individual e coletiva – dadas às propostas, de maneira a seguir em frente, sempre

mirando o objetivo geral, que vem a ser o aprofundamento do gênero escolhido como carro

chefe da SD, neste caso, a canção. É importante ter em mente o diagrama ilustrado na Figura 2

(p. 85), que orientou a estruturação das atividades criadas.

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Em homenagem às mulheres da Educação Básica, maioria nas classes de alfabetização,

utilizo o termo “professora” nos enunciados da unidade didática criada.

Conforme as proposições de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), a sequência tem início

com a apresentação da situação (p. 95): a proposição (para os alunos) de fazerem uma canção

para uma bailarina (tema escolhido por eles). Alguns estímulos são apresentados: a provável

visita da profissional e a possibilidade de esta dançar a canção criada pelos alunos.

Supondo que tenham aceito, na sequência é proposta a produção inicial (p. 95), um

desafio para as crianças, pois deverão criar uma canção (letra e melodia), de modo espontâneo,

intuitivo, com poucos recursos, além da foto da unidade didática e possíveis intervenções da

professora, que deverá gravar, com o auxílio do celular ou de outro aparelho eletrônico, as

primeiras canções, especialmente as letras. Diversas linhas na unidade didática foram

designadas para os alunos redigirem, cada um a seu modo, as composições – a produção escrita.

De posse deste material, além do áudio, a professora terá como diagnosticar o

desempenho verbal de cada um, formando um panorama da turma. Um aspecto relevante será

a possibilidade de comparar as gravações com as produções escritas, o que tornará o olhar

pedagógico mais atento às hipóteses infantis relativas à redação dos enunciados criados para a

bailarina. Por ser um material didático destinado ao primeiro ano do Ensino Fundamental, é

provável que as crianças não estejam alfabetizadas. Deste modo, a maioria dos exercícios foram

estruturados com o objetivo de, por um lado promoverem experiências significativas com a

canção e, por outro, serem apresentados textos orais e escritos, cujas palavras (e análise das

mesmas) possam se incorporar ao repertório linguístico das crianças. Os gêneros apresentados

a elas nos módulos servirão como ferramentas pedagógicas que atuarão no sentido de promover

situações comunicativas reais, sempre buscando a interface entre alfabetização e aspectos da

linguagem musical. Deste modo, a professora atuará na direção de estimular significativamente

as produções escritas dos discentes.

O módulo 1 (p. 97) centra-se no gênero entrevista em vídeo, sugerindo (e simulando) a

visita de uma bailarina à classe, para apresentar-se em um recital. Mais uma vez, a professora

agirá como escriba, anotando, previamente, as perguntas formuladas pelas crianças para

conduzir a entrevista, cujo texto final terá dois suportes básicos: o digital (telas de vídeo) e o

físico (caderno da professora e registros das crianças). Como proposta de produção escrita, há

ainda uma composição que conta com o desenho e a colagem. A escrita a partir das letras do

próprio nome é um expediente bastante usado em alfabetização, relacionando-se à identidade

de cada educando. Tal expediente foi contemplado em alguns exercícios com o nome da

bailarina (imaginada), Alessandra, associado ao nome da criança. Em seguida, é solicitado que

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a criança cante, do seu jeito, soluções que obteve com o alfabeto móvel. No momento seguinte,

relacionam-se as sílabas e as semínimas (figura sonora de um tempo), com a proposição de

vários exercícios lúdicos, explorando a sonoridade e o ritmo do nome da bailarina. Estes

aspectos dizem respeito ao conceito de audiação (GORDON, 1997), experiência que permeará

toda a sequência proposta. A pausa de semínima também foi apresentada nestes breves jogos

entre sílabas e figuras de um tempo. Estas foram exploradas até mesmo representando sons de

bichos, realçando-se a ligação entre o pulso de um tempo e a sílaba. O nome da mãe da criança

foi mais uma sugestão para as brincadeiras musicais. O nexo mais forte entre o gênero entrevista

e os exercícios propostos com a semínima e sua pausa vem a ser o nome da bailarina, primeira

pergunta feita pelas crianças. A entrevista, portanto, realça a personalidade da bailarina,

contribuindo também para refletirem sobre tal profissão.

O módulo 2 (p. 100) apresenta a canção “Ciranda da bailarina”, do disco “O grande

circo místico”, de Chico Buarque e Edu Lobo (1983, f. 8). Após ouvirem (e audiarem), os

alunos são convidados a desenhar, descrevendo o que sentiram, imaginaram, lembraram, bem

como reconhecendo os instrumentos da produção musical. Nesse sentido, a professora poderá,

de forma paralela, apresentá-los às crianças, especialmente a flauta e o órgão eletrônico,

destaques na gravação. Na sequência, inserem-se conceitos musicais como pulso, melodia,

ritmo da melodia (com palmas), que serão explorados ludicamente, com o propósito de que as

crianças se apropriem da canção de Chico Buarque e Edu Lobo, até mesmo dançando. Tendo

em vista que as letras da música popular brasileira se estruturam em especial pela rima, a

professora aplicará, também, um exercício de associação entre a sonoridade da sílaba final de

“bailarina” e vários objetos da realidade, alguns cujos nomes rimam com a mesma; outros não.

Em seguida, exploram-se as letras iniciais destes nomes, de modo a buscarem novas palavras e

desenhos correspondentes. Após tal etapa, os cinco primeiros versos da canção “Ciranda da

bailarina” devem ser transcritos. Depois, os alunos, dentro de um círculo, as letras do texto que

se repetem e, dentro de um triângulo, as letras do alfabeto que não aparecem no trecho

transcrito. O exercício seguinte solicita que as crianças montem sílabas e depois as cantem.

Vale a pena lembrar a diferença entre voz falada e voz cantada, um importante aspecto para as

crianças poderem compor suas canções. A última etapa do módulo consiste em um poema

coletivo, que a professora deverá anotar em seu caderno, após a recolha de versos individuais

(criados a partir de sílabas montadas).

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O módulo 3 (p. 104) tem início com a apreciação de uma impactante foto da bailarina

Amanda Gomes4 e dados sobre a sua carreira. As crianças formam grupos de quatro integrantes,

de modo que possam refletir sobre aspectos tanto da fotografia, quanto da própria profissão de

bailarina, somando-se todas as vivências que tiveram até o presente momento, especialmente a

visita da bailarina, o recital de dança e a apreciação da música de Chico Buarque e Edu Lobo.

Logo depois, os grupos explanarão para a turma as principais ideias da reflexão, formando um

painel integrado – gênero oral e argumentativo. Também se verifica a presença de outro gênero,

a resenha crítica, na exposição a ser feita pelas crianças, em sua espontaneidade, com os

recursos discursivos de que dispõem nesta etapa de sua formação. O exercício seguinte orienta

que elas identifiquem objetos na imagem e anotem as letras iniciais de seus nomes. Certamente,

em turmas ainda não alfabetizadas, esses exercícios exigem o auxílio da professora, dependendo

da necessidade de cada educando. Logo após serem anotadas as letras correspondentes a objetos

da fotografia, as crianças deverão, a partir delas, formar sílabas novas, e, em seguida, formarão

palavras a serem ditadas para a educadora. Tomando por base o conjunto de palavras anotadas,

frases serão formadas, a fim de estruturarem um poema (para a bailarina), a ser registrado pela

professora.

Ainda nesse módulo, uma brincadeira rítmica é apresentada, explorando sons corporais

(pés e mãos), a partir de uma representação gráfica e visual. Trata-se de um exercício de leitura,

concentração, ritmo, andamento, dentre outros aspectos audiativos, que mantém relação direta

com a noção de sílaba. Posteriormente, é apresentada uma linha horizontal, na qual cada aluno

deverá criar uma sequência rítmica, de maneira que todos possam experimentar aquela criação,

quando a professora a anotar na lousa. O exercício se torna mais complexo, no momento em

que é sugerida uma sequência em que certos pulsos são executados com pés e mãos juntos.

Brincando com os nomes próprios, pede-se que façam um diagrama rítmico para cada um deles,

associando as sílabas do nome aos sons das palmas e batidas de pés. Mais adiante, as barras

sobre e sob a linha serão substituídas pelas figuras de semínima e sua pausa correspondente. O

módulo se encerra com um exercício em que as crianças deverão escrever letras embaixo das

figuras musicais, de modo a poder cantar os fonemas, dentro daquele encadeamento rítmico.

4 Amanda Gomes é natural de Goiânia e estudou no Teatro Bolshoi, em Joinville. Aos 22 anos, é a primeira

bailarina do Balé e Ópera de Kazan/RU, elevando o nome do Brasil no cenário mundial da dança. Tendo já

conquistado as principais premiações em competições de dança, foi indicada, em 2018, ao Benois de La Danse

2018, o “Oscar” do balé, como melhor bailarina em 2017, pela sua performance no papel principal do Balé

“Esmeralda”. Disponível em: http://www.escolabolshoi.com.br/noticia/amanda-gomes-e-indicada-ao-oscar-da-

danca-na-russia Acesso em: 15 ago. 2018.

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Seguindo as proposições de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), a sequência didática é

encerrada com a produção final (p. 107), a saber, uma nova canção para a bailarina, um tanto

diferente da primeira, gravada pela professora, ao coletar a produção inicial. Partindo dos

versos de “Ciranda da bailarina”, retira-se a palavra “vacina”, disposta verticalmente, em forma

de cruzadinha, de modo que os alunos tenham que criar outras palavras, ou pelo menos sílabas,

dando sequência a novos quadradinhos, com letras dentro. Vale lembrar o quanto a ideia de

vacina impacta o cotidiano das crianças, gerando medo e curiosidade. Uma foto de um bebê

sendo vacinado contribui para o debate, enquanto questões relevantes são apresentadas. Em

seguida, explora-se a palavra “vacina”. Em evidente relação com a matemática, pedimos que

contem sílabas, vogais e consoantes. Retomando a semínima, as crianças são instruídas a criar

um ritmo para a mesma palavra, somada a outras três: “pereba”, “piriri” e “lombriga”. Explora-

se a sonoridade dos pés, mãos e da carteira (mãos sobre a mesa). Vale ressaltar, aqui, que não

há necessidade de se ter formação musical para auxiliar as crianças nesses exercícios que

aproximam a linguagem musical da alfabetização, muito embora seja importante que a

professora estude a sequência, no intuito de conduzir as atividades com tranquilidade e

segurança.

Neste momento, aproxima-se o término da unidade didática, durante o qual será

apreciada a valsa “Danúbio Azul”, de Johan Strauss (1867), bastante conhecida e tradicional no

contexto do balé clássico. As crianças são convidadas a dançar e cantar em vocalize e tema

sinfônico... “nã, nã, nã, nã, nã...” Após a expressão corporal, a professora anotará na lousa tudo

o que gravou no celular, bem como os registros de seu caderno, durante o percurso da sequência

didática. As crianças copiam o texto que fora estruturado a partir das contribuições individuais.

Em seguida, cada uma deverá cantar um verso e a professora, mais uma vez, gravará as vozes

entoando criações da turma. Como recomendação, um músico da cidade pode fazer um arranjo

para a canção e, por fim, os alunos devem convidar novamente a bailarina, para, desta feita,

apresentarem os versos musicais que compuseram em homenagem a ela.

A figura 3 (p. 95) contempla toda a sequência didática “Uma canção para a bailarina”,

sendo composta pelas folhas de atividades a serem utilizadas quando da realização da SD.

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Figura 3 – Sequência didática “Uma canção para a bailarina”

Unidade didática 01: UMA CANÇÃO PARA A BAILARINA... Data:

Primeiro ano – Primeiro ciclo – Ensino Fundamental – Turma:

APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO

OI, TURMINHA DO BARULHO!!

VOCÊS SABEM QUAL É O PROJETO DE NOSSA ESCOLA ESSE ANO?

ISSO MESMO! AS PROFISSÕES...

Fonte: http://nextecommerce.com.br/profissoes-futuro-tecnologia-movimenta-mercado-de-trabalho/

E QUAL FOI A PROFISSAO QUE VOCÊS ESCOLHERAM PARA ESTUDAR?

SIM!!... A BAILARINA...

O QUE ACHAM DE FAZERMOS UMA MÚSICA PARA ELA?

PODEMOS CONVIDAR UMA BAILARINA PRA NOS VISITAR!!

QUANDO ELA VOLTAR, PODE ATÉ DANÇAR A MÚSICA QUE FIZEMOS...

VOCÊS TOPAM??

Unidade didática 01: UMA CANÇÃO PARA A BAILARINA... Data:

PRODUÇÃO INICIAL

OLÁ, AMIGUINHOS DO PRIMEIRO ANO!

VOCÊS SE LEMBRAM DO PROFISSIONAL QUE ESCOLHEMOS PARA ESTUDAR?

ISSO MESMO... A BAILARINA!

Fonte: https://www.pinterest.com.mx/pin/368239707024274037/

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NESSE ENCONTRO, QUEREMOS PEDIR A VOCÊS QUE CRIEM UMA CANÇÃO

PARA ELA...

ALGUNS AMIGUINHOS PODEM DIZER: “EU NÃO SEI FAZER MÚSICA”... TUDO

BEM, NÓS ENTENDEMOS... O QUE ESTAMOS PEDINDO É QUE TENTEM, DO

JEITINHO DE CADA UM.

DEPOIS A PROFESSORA (OU PROFESSOR) VAI GRAVAR NO CELULAR A

CANÇÃO QUE VOCÊ FEZ. NÃO SE PREOCUPE COM O RESULTADO... VAI SER

BEM LEGAL E ENGRAÇADO... A TURMA VAI OUVIR O QUE SAIU... QUEM NÃO

QUISER QUE TODOS ESCUTEM, TUDO BEM...

NO ESPAÇO ABAIXO, ESCREVA DO SEU JEITO A LETRA DA CANÇÃO QUE FEZ

PARA A BAILARINA...PODE DESENHAR TAMBÉM... TENTE CANTAR...

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Unidade didática 01: UMA CANÇÃO PARA A BAILARINA... Data:

Módulo 1 (entrevista)

OLÁ, TURMINHA DO PRIMEIRO ANO...

HOJE TEMOS UMA VISITA! ADIVINHEM QUEM É!!

ACERTARAM... É A BAILARINA!!!

ELA VAI DANÇAR PRA GENTE!

...........................................................................................................................................

RECITAL DE DANÇA

Fonte: https://www.allposters.com.br/-sp/Bailarinas-de-Azul-c-1895-posters_i1347260_.htm

..........................................................................................................................................

VAMOS FAZER UMA ENTREVISTA COM A BAILARINA?

ENTÃO NÓS PRECISAMOS PREPARAR AS PERGUNTAS...

O QUE PODEMOS PERGUNTAR? UM DE CADA VEZ...

A PROFESSORA ANOTARÁ TODAS AS PERGUNTAS NO CADERNO.

AGORA VAMOS FILMAR A ENTREVISTA...

GRAVANDO!...

COMO VOCÊ SE CHAMA?

QUE TIPOS DE MÚSICAS VOCÊ GOSTA DE DANÇAR?

DE QUEM É A MÚSICA QUE VOCÊ DANÇOU?

DÓI MUITO QUANDO VOCÊ ENSAIA E FICA NA PONTA DO PÉ?

QUAL A SUA CANÇÃO FAVORITA?

QUANTOS ANOS VOCÊ TINHA QUANDO COMEÇOU A DANÇAR?

CONTA PRA GENTE COMO É A PROFISSÃO DE BAILARINA.

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NO ESPAÇO ABAIXO, FAÇA UMA COMPOSIÇÃO PARA A BAILARINA, COM

DESENHOS, LETRAS E OUTRAS COISAS QUE QUISER COLAR!

A BAILARINA ESCREVEU O NOME DELA NA LOUSA... ALESSANDRA

ESCREVA COM LETRAS BEM GRANDES O NOME DELA E EMBAIXO O SEU

NOME.

LIGUE COM UM TRAÇO AS LETRAS QUE APARECEM NO NOME DA BAILARINA

E NO SEU TAMBÉM... SE NÃO TIVER NENHUMA LETRA NO SEU NOME IGUAL

AO DA BAILARINA, DESENHE UMA CARINHA DE CHATEADO!

AGORA, ESCREVA AS LETRAS DO SEU NOME QUE NÃO APARECEM NO NOME

ALESSANDRA

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COM O ALFABETO MÓVEL, BRINQUE COM AS LETRAS DA PALAVRA

ALESSANDRA... MUDE A ORDEM, TIRE LETRAS, FAÇA FIGURAS... ESCOLHA A

MAIS LEGAL... E COPIE NO ESPAÇO ABAIXO... TENTE CANTAR O QUE

ESCREVEU!

Fonte: http://www.pianissim.com/

CONTE AS SÍLABAS DO NOME ALESSANDRA... QUANTAS SÃO?

AGORA, TROQUE AS SÍLABAS PELA FIGURA (SEMÍNIMA) E ESCREVA O

NOME DELA SOMENTE COM SEMÍNIMAS...

FAÇA O MESMO COM SEU NOME...

QUE LEGAL!... AGORA JUNTE OS NOMES... QUANTAS SÍLABAS FICARAM?

A SEMÍNIMA REPRESENTA UMA NOTA MUSICAL DE UM TEMPO... A PAUSA

DELA É ASSIM: (UM SILÊNCIO DE UM TEMPO...PARECE UM Z COM UM C

DEBAIXO) DESENHE A PAUSA...

VAMOS MISTURAR AS SEMÍNIMAS DO NOME DA BAILARINA COM PAUSAS?

FICOU ASSIM:

VAMOS CANTAR: nã, nã, nã, nã... nã, nã, nã, nã... nã, nã, nã, nã...

OU ENTÃO: tu, tu, tu, tu... tu, tu, tu, tu... tu, tu, tu, tu...

AGORA INVENTE UM SOM PARA A SEMÍNIMA... O QUE VOCÊ QUISER...

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ATÉ VOZ DE BICHO!! ...

COM O SOM DA VOGAL A, DO NOME ALESSANDRA E PAUSAS, VAMOS BRINCAR...

a, a ... ... a, a ... ... a, a ... ... a, a ... ...

AGORA COM O SOM DA CONSOANTE S...

s, s ... ... s, s ... ... s, s ... ... s, s ... ...

NO ESPAÇO ABAIXO, INVENTE UMA SEQUÊNCIA COM SEMÍNIMAS E PAUSAS

PARA O BRUNO TOCAR

Violinista Bruno Santos

Fonte: http://bahianalupa.com.br/notas-que-transformam/

QUE LEGAL, AMIGO!...

AGORA, PEDIMOS UMA FRASE COM SEMÍNIMAS E PAUSAS PARA O NOME DE

SUA MÃE, POR EXEMPLO... SE ELA SE CHAMAR ALICE... TEM 3 SÍLABAS:

AGORA VOCÊ... COM O NOME DE SUA MÃE... TROQUE POR SEMÍNIMAS... E

PAUSAS...

Unidade didática 01: UMA CANÇÃO PARA A BAILARINA... Data:

Módulo 2 (canção)

OLÁ, AMIGUINHOS!

VAMOS OUVIR UMA BELA CANÇÃO?

QUEM COMPÔS FOI CHICO BUARQUE E EDU LOBO, GRANDES MÚSICOS

BRASILEIROS... VAMOS FECHAR OS OLHOS...

TÍTULO DA MÚSICA: CIRANDA DA BAILARINA, DISCO: O GRANDE CIRCO

MÍSTICO

Https://www.youtube.com/watch?v=dkJjRcPeFsg

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Fonte: (Buarque; Lobo, 1983)

NA RODA DE CONVERSA, CONTE O QUE VOCÊ SENTIU, LEMBROU, PENSOU,

IMAGINOU... E OS INSTRUMENTOS QUE RECONHECEU, OUVINDO A CANÇÃO...

AGORA PEDIMOS PARA VOCÊ DESENHAR TUDO ISSO NO ESPAÇO ABAIXO

VAMOS CANTAR A MELODIA SEM A LETRA... NÃ, NÃ, NÃ, NÃ, NÃ....

COM OS PÉS, VAMOS ACHAR O PULSO DA MÚSICA... TUM... TUM...

AGORA CANTAREMOS A MELODIA SEM LETRA, BATENDO OS PÉS...

VAMOS IMITAR A MELODIA COM PALMAS... E VAMOS DANÇAR...

..........................................................................................................................................

VAMOS BRINCAR DE RIMAS?

COPIE DO TEXTO A PALAVRA BAILARINA...

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CIRCULE AS FIGURAS ABAIXO QUE TÊM OS NOMES RIMANDO COM

BAILARINA...

ESCREVA A LETRA INICIAL DE CADA IMAGEM EMBAIXO DELA...

VAMOS BRINCAR COM OS SONS DESSAS LETRAS?...

DESENHE ABAIXO OUTRAS FIGURAS QUE COMEÇAM COM ESSAS LETRAS...

ABAIXO, TEMOS OS PRIMEIROS VERSOS DA CANÇÃO CIRANDA DA

BAILARINA... ESCREVA DENTRO DO CÍRCULO AS LETRAS REPETIDAS....

E DENTRO DO TRIÂNGULO AS LETRAS QUE NÃO APARECERAM NA CANÇÃO...

USE O ALFABETO MÓVEL...

PROCURANDO BEM

TODO MUNDO TEM PEREBA

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MARCA DE BEXIGA OU VACINA

E TEM PIRIRI, TEM LOMBRIGA, TEM AMEBA

SÓ A BAILARINA QUE NÃO TEM

JUNTE LETRAS DO CÍRCULO COM LETRAS DO TRIÂNGULO E FORME

SÍLABAS NOVAS... DEPOIS CANTE...

TENTE FAZER UM VERSO USANDO A PALAVRA BAILARINA E OUTRAS QUE

RIMAM OU NÃO... A PROFESSORA VAI ANOTAR NO CADERNO DELA... DEPOIS

VAI JUNTAR TODOS OS VERSOS DA TURMA... FAREMOS UM POEMA LINDÃO...

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Unidade didática 01: UMA CANÇÃO PARA A BAILARINA... Data:

Módulo 3 (painel – gênero oral e argumentativo, resenha oral)

AMIGUINHOS, VEJAM ABAIXO NOSSA BAILARINA AMANDA GOMES,

APRESENTANDO-SE NO TEATRO BOLSHOI, EM MOSCOU, NO ANO DE 2017. ELA

TEM 22 ANOS, COMEÇOU A DANÇAR COM SETE. GANHOU MUITOS PRÊMIOS E

VENCEU OS FESTIVAIS MAIS DIFÍCEIS DO MUNDO DA DANÇA.

Fonte: http://www.patrialatina.com.br/diante-de-putin-brasileira-vence-competicao-de-bale-em-mosco/

FORMEM GRUPOS DE QUATRO AMIGOS... COMENTEM O QUE VOCÊS

ACHARAM DA FOTOGRAFIA...

CORES, MOVIMENTOS, SENSAÇÕES... ESCUTE O QUE CADA UM PENSA

DE SER BAILARINO... LEMBREM-SE DE TUDO O QUE VIRAM ATÉ AQUI...

DEPOIS OS GRUPOS SERÃO CONVIDADOS A APRESENTAREM SUAS IDEIAS

PARA A TURMA...

...................................................................................................................................

ESCREVA ABAIXO LETRAS DE FIGURAS QUE VOCÊ VÊ NA FOTOGRAFIA...

FORME NOVAS SÍLABAS COM ESSAS LETRAS... VAI FICAR LEGAL!

COM AS SÍLABAS ANOTADAS... FALE PALAVRAS NOVAS QUE VÃO SURGIR

DELAS... PARA A PROFESSORA ANOTAR NO CADERNO DELA...

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VAMOS JUNTAR TODAS AS PALAVRAS QUE OS COLEGAS FALARAM...

NA LOUSA, A PROFESSORA VAI ANOTAR AS PALAVRAS... E AÍ VOCÊS CRIAM

FRASES NOVAS COM ESSAS PALAVRAS... MAIS UM POEMA PARA A

BAILARINA!

..........................................................................................................................................

UMA BRINCADEIRA NOVA!!... OLHE A FIGURA ABAIXO:

NOS TRAÇOS DE CIMA, BATEMOS AS MÃOS... NOS DEBAIXO, OS PÉS...

AÍ VAI FICAR UM SOM MAIS OU MENOS ASSIM:

PÁ, PÁ, TUM, PÁ, PÁ,TUM, TUM, TUM, TUM, PÁ, PÁ, PÁ,TUM,TUM, PÁ, TUM, PÁ,

PÁ, TUM, TUM, PÁ, TUM, PÁ, PÁ, PÁ!!

QUE LEGAL! VAMOS DE NOVO, A TURMA TODA JUNTA... UHUUU!...

AGORA, NA LINHA DEBAIXO, COLOQUE TRAÇOS EM CIMA E EMBAIXO, COMO

QUISER E DEPOIS FAÇA O EXERCÍCIO... COM PALMAS E PÉS...

AGORA A PROFESSORA VAI ESCOLHER UM AMIGO PARA FAZER NA LOUSA

UMA SEQUÊNCIA RÍTMICA PARA TODO MUNDO BRINCAR JUNTO... COPIE

VAMOS DEIXAR MAIS ENGRAÇADO!... MÃOS COM PÉS JUNTOS...EM ALGUMAS

BATIDAS...

VICHE!.... VAMOS DE NOVO....

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COM AS SÍLABAS DE SEU NOME COMPLETO, CRIE UMA SEQUÊNCIA COM

PALMAS E PÉS...

POR EXEMPLO: PATRÍCIA SANTOS PEREIRA

FICOU ASSIM: pá, pá, tum, pá, tum, tum, pá, tum

AGORA, ESCREVA SEU NOME COMPLETO, DEPOIS DEBAIXO DELE, COLOQUE

OS RISCOS PARA PALMAS E PÉS... NAQUELA RETA ALI EMBAIXO

COMO FICOU O RITMO?

QUE LEGAL!!

LEMBRAM DA SEMÍNIMA? ( ) E DA PAUSA DELA? ( )

VAMOS TREINAR...

PALMAS

____________________________________

PÉS

ESCREVA LETRAS DEBAIXO DAS FIGURAS MUSICAIS

AGORA CANTE AS LETRAS...

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Unidade didática 01: UMA CANÇÃO PARA A BAILARINA... Data:

Produção final (canção para a bailarina)

VAMOS BRINCAR COM A PALAVRA VACINA DA CANÇÃO CIRANDA DA

BAILARINA... A PARTIR DAS LETRAS DENTRO DOS QUADRADINHOS, CRIE

OUTRAS PALAVRAS... OU SÍLABAS... DESENHE OUTROS QUADRADINHOS

Fonte: AFRICASTUDIO/SHUTTERSTOCK

V

A

C

I

N

A

QUEM TEM MARCA DE VACINA AÍ?

CONTE QUANTOS AMIGOS TÊM MARCA...

QUEM TEM MEDO DE VACINA? A PROFESSORA VAI EXPLICAR MUITAS COISAS

SOBRE ISSO.... COMO É IMPORTANTE A GENTE SE VACINAR... ATÉ A

BAILARINA... TEMOS VACINA COM INJEÇÃO E TAMBÉM DE GOTINHA...

QUANTAS LETRAS TEM A PALAVRA VACINA?

QUANTAS SÍLABAS?

QUANTAS VOGAIS?

QUANTAS CONSOANTES?

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AGORA VAMOS CRIAR UM RITMO PARA VACINA... E MAIS TRÊS PALAVRAS

DA CANÇÃO CIRANDA DA BAILARINA...

(CANTANDO) VACINA ... PEREBA ... PIRIRI ... LOMBRIGA ...

(SÓ COM OS PÉS)

(SÓ COM AS MÃOS)

(NA CARTEIRA)

QUE LEGAL!!!

............................................................................................................................................

AMIGUINHOS, CHEGOU A HORA DE TERMINAR A CANÇÃO QUE FAREMOS

PARA A BAILARINA...

VAMOS OUVIR O DANUBIO AZUL, DE JOHANN STRAUSS, DE 1867. UMA VALSA

MUITO APRESENTADA NOS BALÉS DO MUNDO INTEIRO...

Link: https://www.youtube.com/watch?v=Jcqg7_94wQc

(ORQUESTRA FILARMÔNICA DE VIENA)

VAMOS DANÇAR? NÃ, NÃ, NÃ, NÃ!...

A PROFESSORA ANOTOU NO CADERNO E NO CELULAR

NOSSOS VERSOS...

AGORA VAI ESCREVER NA LOUSA...

TODOS COPIAM O POEMA DA TURMA...

AGORA QUE OUVIMOS A ORQUESTRA, CHEGOU NOSSA VEZ...

CADA COLEGA NA SALA VAI CANTAR UM VERSO... TREINA AÍ, TURMINHA!

QUANDO VOCÊS FALAREM: “PODE GRAVAR!”, A PROFESSORA VAI PASSAR DE

CARTEIRA EM CARTEIRA... GRAVANDO SUA VOZ CANTANDO O VERSO...

PUXA!... O QUE SERÁ QUE VAI SAIR?...

ESTAMOS CURIOSOS!!... PROFESSORA... QUEREMOS OUVIR!!

QUANDO A BAILARINA VOLTAR, VAMOS CANTAR PARA ELA...

TURMINHA, CONVIDEM UM MÚSICO DA CIDADE PARA FAZER UM ARRANJO

MUSICAL, COM VIOLÃO, PIANO E OUTROS INSTRUMENTOS... FICARÁ LINDO!!

Fonte: Acervo de sequências didáticas da pesquisadora

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5.4 Algumas reflexões sobre as atividades da sequência didática

Dentre os mais diversos nexos entre a alfabetização e a linguagem musical, uma

importante relação que se evidencia vem a ser a da sílaba e a figura sonora da semínima –

–. Quando a criança está aprendendo a ler, reproduz vocalmente seu esforço através de

impulsos que coincidem com pulsos musicais de um tempo. Esta relação inicial entre sílaba e

semínima foi bastante explorada na sequência (unidade) didática proposta, nos jogos que

sugerimos. Depois que se torna um leitor fluente, vale ressaltar, a criança se libertará da leitura

semelhante aos pulsos e buscará o ritmo da língua tal como se realiza na fala, o que significa

que articulará outras figuras de som, além da semínima, como a colcheia, o que foi verificado

nos primeiros versos da partitura de “Ciranda da Bailarina”, de Chico Buarque e Edu Lobo

(1983, f. 8): “Pro/cu/ran/do/ bem, to/do/ mun/do/ tem/ pe/re/ba”. [Ritmicamente temos: Quatro

colcheias, uma semínima, seis colcheias, duas semínimas].

Uma canção como esta, além de ter grande riqueza vocabular, de modo a facilitar o

ensino das primeiras letras, tem uma temática ampla, discutindo, dentre outros assuntos, as

diferenças e privilégios sociais implícitos na figura da bailarina virtuosa e performática e assim

por diante, o que torna aquela obra muito recomendável, assim como tantas outras canções de

nossos artistas. Merece destaque, sobretudo, a qualidade da produção musical do disco “O

Grande Circo Místico”, dos referidos músicos, o que propicia emoções estéticas para as

crianças, de modo a se tornarem narrativas e releituras orais, escritas, desenhadas, dançadas.

Abaixo, a letra completa da canção em estudo “Ciranda da Bailarina”:

Procurando bem

Todo mundo tem pereba

Marca de bexiga ou vacina

E tem piriri, tem lombriga, tem ameba

Só a bailarina que não tem

E não tem coceira

Verruga nem frieira

Nem falta de maneira

Ela não tem

Futucando bem

Todo mundo tem piolho

Ou tem cheiro de creolina

Todo mundo tem um irmão meio zarolho

Só a bailarina que não tem

Nem unha encardida

Nem dente com comida

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Nem casca de ferida

Ela não tem

Não livra ninguém

Todo mundo tem remela

Quando acorda às seis da matina

Teve escarlatina

Ou tem febre amarela

Só a bailarina que não tem

Medo de subir, gente

Medo de cair, gente

Medo de vertigem

Quem não tem

Confessando bem

Todo mundo faz pecado

Logo assim que a missa termina

Todo mundo tem um primeiro namorado

Só a bailarina que não tem

Sujo atrás da orelha

Bigode de groselha

Calcinha um pouco velha

Ela não tem

O padre também pode até ficar vermelho

Se o vento levanta a batina

Reparando bem, todo mundo tem pentelho

Só a bailarina que não tem

Sala sem mobília

Goteira na vasilha

Problema na família

Quem não tem

Procurando bem

Todo mundo tem (BUARQUE; LOBO, 1983, f. 8).

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Figura 4 – Partitura da canção “Ciranda da Bailarina”

Fonte: Superpartituras5.

Outras leituras podem dialogar com o gênero canção, nas rotinas pedagógicas: livros

como os que fazem parte do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) – obras

complementares, bem como outras canções, dos mais diversos estilos, no cantinho de leitura,

5 Disponível em: http://www.superpartituras.com.br/chico-buarque/ciranda-da-bailarina. Acesso em: 01 ago.

2018.

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na biblioteca e grandes espaços escolares. Assim, as crianças podem escolher atividades de

leitura, aquilo que já conseguem ler, ou pelo menos que as agrade. Sugiro apresentar a letra da

música pelo chão da sala, deixando que as crianças se organizem para que a leitura seja

individual, em dupla ou grupo. Dessa forma, é válido afirmar que trabalhar com sequência

didática é dar voz às crianças, sujeitos da aprendizagem, aquelas com quem o professor deve

ter compromisso de educação de qualidade. A leitura tranquila e clara do educador, mesmo

dramatizada, se revela essencial, inclusive para a memorização da letra das canções pelas

crianças que, deste modo, operam com um texto oral, produto cultural de valor.

Para além do que foi apresentado na unidade didática proposta, muitas atividades

poderão ser propostas, não o fizemos pelo limite desta pesquisa. Os versos servem de motivação

para produção escrita livre, listagens, jogos com vogais e consoantes (como dominós e outros),

analogias entre as letras presentes na canção e as relações que mantêm com o alfabeto, dentre

tantas possibilidades didáticas.

As crianças se sentem valorizadas quando conseguem realizar atividades sozinhas, com

autonomia. Dessa forma é preciso que tentem interpretar as canções, movimentar-se

corporalmente, buscar narrativas de diversas linguagens, construir instrumentos e releituras,

como as paródias, etc, para, assim, participar audiativamente da canção.

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vi

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VOU-ME EMBORA, PRENDA MINHA, TENHO MUITO QUE FAZER... PEQUENAS

CONSIDERAÇÕES DE UMA PROFESSORA ALFABETIZADORA

Para fazer alguns apontamentos conclusivos sobre este trabalho, preciso pontuar,

primeiramente, que houve grande aprendizado. Compreender as relações entre alfabetização, gêneros

textuais e linguagem musical é perceber (e acreditar) que o ensino também pode acontecer em momentos

alegres, lúdicos e significativos. À medida que os capítulos foram se desenvolvendo, analisei essas

relações, culminando com uma sequência didática planejada segundo as proposições de Dolz, Noverraz

e Schneuwly (2004), de modo que o trabalho se tornou muito relevante para minha formação. A partir

daquele fechamento, inferi novas hipóteses e possibilidades de ensino que não caberiam na pesquisa,

devido à limitação de linhas, expandindo as atividades com a linguagem musical e a alfabetização –

destaque para os jogos rítmicos. Compreendo que uma proposta de ensino expressiva e formadora pode

promover a alfabetização; o letramento, em suas diversas realizações, possibilita os encontros de

metodologias alfabetizadoras com aspectos pedagógicos da expressão musical, e a aproximação teórica

de conceitos-chave, de imenso valor para esta investigação, tais como a audiação – escuta atenta que

reflete as emoções estéticas musicais – e o enunciado – portador do vivido, espelho materializado das

experiências sociais.

Ao apresentar os métodos históricos de alfabetização, incluindo alguns procedimentos com os

quais não concordo, por experiência pessoal, reconheço a contribuição que cada um deles trouxe para

sua época, e como podem ser ressignificados, principalmente em relação ao papel dos sons nas

abordagens dos mesmos.

Minha proposta de alfabetizar com a canção não inaugura nenhuma forma de ensino, apenas

reforça a importância de investirmos nessa direção, o que tenho feito, como pesquisadora e docente. Em

2015, lecionava em uma escola da rede estadual de ensino, turma de 5º ano, composta por 14 alunos.

Destes, oito não eram alfabetizados e todos, pouco letrados. No apoio pedagógico, levava as crianças e

adolescentes para debaixo das árvores, pois não havia salas desocupadas e sempre que íamos para o

laboratório de informática ou biblioteca, éramos interrompidos e convidados a nos retirar. Então pensei

que era melhor usar a grama como cadeira, a árvore como sombra e versos de músicas como objetos de

ensino da língua: encontrar as vogais, ordenar as consoantes presentes, registrar as letras repetidas,

reconhecê-las com círculos nas estrofes, dentre tantas práticas voltadas para a produção escrita. Foi um

tempo de duras e ricas experiências, que me fizeram crescer muito.

Com o passar do tempo, foram se tornando perceptíveis as aquisições dos alunos, embora

entendesse que a música não era a salvação do mundo e do analfabetismo. Nessa mesma escola e ano,

trabalhei com sequências didáticas semelhantes à que elaborei para a presente pesquisa, repletas de

brincadeiras rítmicas e melódicas. Sinto saudades desses meninos e meninas, de comportamentos tão

difíceis, que pouco me respeitavam ou obedeciam e, ainda assim – ou talvez por isso – tanto ensinaram.

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Preciso aqui dizer que um trabalho como aquele somente poderá ocorrer em uma escola cuja gestão

confie na proposta e deixe o docente lecionar com autonomia.

A sequência didática, conforme a apresentei, considera os saberes prévios dos alunos e os utiliza

como ferramenta de ensino. A partir disto, o professor planeja suas ações, respeitando a individualidade

de cada um, que aprende com o que sabe aquilo que não viu, revisando o que já compreende. Assim,

trabalhar com a alfabetização é sempre desafiador, especialmente quando utilizamos um texto que

instiga a curiosidade e vontade de aprender. A aprendizagem é parte do universo da criança, quando

acontece de maneira significativa e repleta de construções, seja no sentido textual ou musical.

O percurso da pesquisa, reafirmo, foi essencial para que eu compreendesse a importância da

canção como objeto de ensino da língua. Um exemplo disso vem a ser a relação do pulso de uma

semínima com a pronúncia de uma sílaba, na fase de aquisição de leitura. Muito outros eu poderia

enunciar, além daqueles que ainda não foram sequer pensados, uma vez que investigar aspectos teóricos,

estéticos, metodológicos, envolvidos na interface alfabetização e ensino musical se constitui, a meu ver,

um grande veio de pesquisa.

Espero que o esforço feito por mim possa, de alguma maneira, contribuir para as reflexões sobre

as práticas e metodologias levadas adiante pelos professores e professoras em sala de aula, tornando as

rotinas menos arbitrárias e áridas. As crianças são únicas e aprendem cada uma a sua maneira. A

aprendizagem significativa pode estar presente em diversas formas de ensinar, para isto, é essencial que

as atividades façam sentido para o universo infantil. Neste cenário, a música, que além de som, é letra,

movimento, alegria, motivação, constitui-se cultura da infância. Uma vez que seja considerada, teremos

o mundo das crianças também considerado.

Por fim, é possível concluir que a alfabetização é processo contínuo, mesmo que depois da

apropriação plena dos primeiros textos, os estudiosos chamem este processo de letramento. Arrisco-me

a dizer que não há um sem o outro, alfabetização é processo de uma vida inteira. As práticas efetivas,

com significado formador para os alunos, podem lançá-los rumo a uma condição de escritores-leitores,

portanto autônomos, autores de si.

Vou-me embora, leitores, tenho (temos) muito o que fazer! Há um mundo luminoso de canções

a serem garimpadas para a formação das crianças; sabemos o quanto este gênero pode contribuir... o que

me anima a seguir adiante, como educadora, pesquisadora e amante da música.

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