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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO KENIA ADRIANA DE AQUINO LER, CONTAR E OUVIR HISTÓRIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL E O NASCIMENTO DO LEITOR CUIABÁ / MT 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

KENIA ADRIANA DE AQUINO

LER, CONTAR E OUVIR HISTÓRIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL E O

NASCIMENTO DO LEITOR

CUIABÁ / MT

2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

KENIA ADRIANA DE AQUINO

LER, CONTAR E OUVIR HISTÓRIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL E O

NASCIMENTO DO LEITOR

CUIABÁ / MT

2009

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KENIA ADRIANA DE AQUINO

LER, CONTAR E OUVIR HISTÓRIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL E O

NASCIMENTO DO LEITOR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação no Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação, na Área de Concentração: Teorias e Práticas Pedagógicas da Educação Escolar; Linha de Pesquisa: Educação e Linguagem.

ORIENTADORA: Prof.ª Dr.ª Lazara Nanci de Barros Amâncio

CUIABÁ / MT

2009

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A656l AQUINO, Kenia Adriana de. Ler, contar e ouvir história na educação infantil e o nascimento do leitor. / Kenia Adriana de Aquino – Cuiabá (MT): A Autora, 2009. 238 p.: il.; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação.

Orientador: Profª. Drª. Lázara Nanci de Barros Amâncio. Inclui bibliografia.

1. Leitura. 2. Literatura infantil. 3. Infância. 4. Educação infantil. 5. Prática docente. I. Título. CDU: 372:82-93

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A meu avô, Jordino. A meus pais, Gervásio e Ana.

A meus afilhados, Thályssom e Mateus. A todas as crianças e pessoas que as amam.

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AGRADECIMENTOS A Deus. Pela unção concedida pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo. A meus pais. Pelo dom da vida. Pelas orações. Pelo apoio incondicional. A Prof.ª Nanci. Por ser minha orientadora. Pela paciência e sabedoria dedicadas a mim. Por ter sido humana. Por ser especial. Ao Prof. Dagoberto. Pela solicitude e contribuição acadêmica. À Prof.ª Ana Lúcia. Pela dedicação nas leituras e contribuições. À Prof.ª Cancionila (Kátia). Pela confiança. Pelos elogios, sugestões e ensinamentos. Aos meus compadres, Cristiane e Sérgio. Pelo abrigo durante minhas idas a Cuiabá. Ao meu afilhado Mateus. Pela alegria e quarto partilhados comigo. Ao meu irmão. Pelas vezes que foi meu “parceiro”. A Ádria Rodrigues e Margarete Pauletto. Companheiras de viagens e estudos. A Cirene Sousa e Silva, Cláudia Valadares e Maria A ngélica Karlinski. Companheiras de angústias e vitórias. A Andréia Oliveira. Colega que se tornou amiga. Aos professores do PPGE. Pela colaboração científica e intelectual. Aos colegas do Mestrado em Educação. Pela harmonia e torcida. A Luisa, Mariana e Jeison. Pela competência e boa vontade nos atendimentos da secretaria. A Mara Zaher e família. Pela credibilidade a mim concedida. A Genialda Nogueira e Estela Tosta. Pelo incentivo. A Jacirene Pires e Rozenilda Luz. Pelo olhar humano. A Anabela Ferrarini, Elaine Lúcio, Irene Aquino, Li lian Perboni e Maura Silva. Pelos livros e partilhas de leituras. Às professoras Elizabeth, Elizama, Helena, Leomir, Vilma e Maria Zilda. Pelo carinho com que me receberam no CAIC e na SEMEC. A Alessandra Cardoso e Liliam Marchito. Ao Pe. Eri e Pe. Juarez. Pelo amor e pela fé. A Elvita, Jesmary e Renata Gumiero. Pela amizade, torcida e orações (mesmo geograficamente distantes). À prima postiça Fernanda Berres. Pela companhia, pela sensibilidade, pelo abrigo nos momentos cruciais da defesa. Ao primo Marcelo Aquino dos Santos. Pela tradução e pelo apoio. A todos os professores de Pedagogia da Cesur/Anhang uera. Pela compreensão das ausências. A todos os que já foram e são meus alunos. Por me ajudarem a ser uma profissional e pessoa melhor. Aos familiares, amigos e conhecidos que torceram e oraram por mim.

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Os Livros

Apetece chamar-lhes irmãos, tê-los ao colo,

afagá-los com as mãos, abri-los de par em par,

ver o Pinóquio a rir e o D. Quixote a sonhar,

e a Alice do outro lado do espelho a inventar

um mundo de assombros que dá gosto visitar.

Apetece chamar-lhes irmãos e deixar brilhar os olhos

nas páginas das suas mãos.

José Jorge Letria

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RESUMO

O uso da literatura na Educação Infantil em Rondonópolis/MT é o tema central

desta pesquisa. A temática surgiu do interesse por aprimoramento das práticas

pedagógicas apresentado pela pesquisadora que é licenciada em Letras e

docente de um curso de graduação em Pedagogia. O estudo possui como

questão central: quais as possibilidades de utilização da literatura infantil com

crianças não alfabetizadas, considerando-se o planejamento, a ação, a

descrição e a reflexão/avaliação das práticas docentes? Para tanto, teve como

objetivos: planejar, agir, descrever e avaliar as concretizações da professora-

pesquisadora em uma turma com crianças de cinco anos, de uma escola do

município de Rondonópolis/MT. Os pressupostos sobre a infância, a educação

infantil, a leitura e a literatura infantil embasaram as análises que tiveram seus

dados registrados em um protocolo de pesquisa, por fotos e gravações de

áudio das ações que a professora-pesquisadora realizou em uma turma com

crianças com cinco anos de idade. A metodologia utilizada foi a pesquisa-ação

com cunho autobiográfico. Os resultados levaram: a uma aproximação das

crianças ao objeto livro, criando e ampliando o fascínio delas pelas histórias; ao

estabelecimento de vínculos afetivos entre professora-pesquisadora e as

crianças; a uma necessidade de distanciamento da professora-pesquisadora

ao analisar os dados coletados; à dificuldade da professora-pesquisadora em

não reproduzir práticas tradicionais em relação às práticas de leitura e à

necessidade de viver a literatura antes de apresentá-la às crianças. Esta

pesquisa que recebeu como título Ler, contar e ouvir história na Educação

Infantil e o nascimento do leitor mostrou, portanto, a importância de se planejar

as práticas de leitura e diversificar as ações propostas, pois não há uma receita

que permita ao professor contribuir para o nascimento de leitores desde a

infância, há possibilidades que devem ser vivenciadas para encantar as

crianças e o professor.

Palavras-chave: Leitura. Literatura Infantil. Infância. Educação Infantil. Prática Docente.

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ABSTRACT

The use of literature in Children’s Education in Rondonópolis/MT is the main

theme of this research. The theme emerged from the interest in improving the

pedagogical practices presented by the researcher, who is licensed in literature

and a Pedagogy professor. The study has as central issue: the possibilities of

children’s literature use for illiterate children, taking into account the planning,

the action, the description and the reflection/evaluation of the teacher’s

practices. The objectives are: scheming, acting, describing and assessing the

realizations of the teacher-researcher in a classroom with five-year-old children,

at a school in the municipality of Rondonópolis/MT. The presumptions on

childhood, children’s education, the reading and children's literature messed

with the analyses that had their data recorded in a research protocol, by

pictures and audio recordings of the professor-researcher’s actions in a group

with children of five years of age. The autobiographical methodology was used

in a research-action way. The results led to: an approximation of the children to

books, creating and increasing their fascination with the stories; the

establishment of affective bonds between teacher-researcher and the children;

the teacher-researcher’s need to break that bond when analyzing the collected

data; the teacher-researcher’s difficulties in avoiding using reading traditional

practices and the necessity to read through the literature before introducing

them to the children. This research was given the title Read, Tell, Hear Stories

in Children’s Education and the Birth of a Reader showed the importance of

scheming the reading practices and diversifying the actions proposed, because

there is no recipe that allows the teacher to contribute to the birth of readers

from childhood, there are possibilities to be experienced to catch the children

and the teacher in the activity.

Key-words: Reading. Children's literature. Childhood. Children's Education.

Teaching Practices.

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SUMÁRIO

ALGUMAS DE MINHAS HISTÓRIAS... De pesquisa, de vida , de leitura... ........................................ ................................................ 12

O começo de tudo ................................................................................................................... 12

Graduação: falta de opção? .................................................................................................... 14

Minha vida profissional ........................................................................................................... 16

A Pós-Graduação .................................................................................................................... 17

INTRODUÇÃO .............................................................................. 19

Capítulo 1 ........................................ ............................................. 22

MEU PERCURSO METODOLÓGICO ........................................... 22

1.1 O mapa dos caminhos ...................................................................................................... 22 1.1.1 Pesquisa qualitativa ................................................................................................... 23 1.1.2 Pesquisa-ação ........................................................................................................... 25 1.1.3 Pesquisa autobiográfica ............................................................................................ 30

1.2 A transfiguração da pesquisa ........................................................................................... 32

1.3 Caminhos percorridos ....................................................................................................... 36 1.3.1 Problema e objetivos da pesquisa ............................................................................. 36 1.3.2 A escola ..................................................................................................................... 36 1.3.3 O lócus e os sujeitos da pesquisa ............................................................................. 41 1.3.4 A coleta de dados ...................................................................................................... 42 1.3.5 O planejamento das atividades ................................................................................. 43 1.3.6 O andamento do planejamento e outras atividades .................................................. 46 1.3.7 A organização do material coletado .......................................................................... 48 1.3.8 Tabelas resumidas das ações realizadas ................................................................. 49

Capítulo 2 ........................................ ............................................. 53

INFÂNCIA E EDUCAÇÃO INFANTIL ...................... ..................... 53

2.1 A infância é muito nova para ter história? ........................................................................ 54 2.1.1 Concepção de criança ............................................................................................... 59

2.2 Educação Infantil............................................................................................................... 62 2.2.1 Educação Infantil brasileira e suas pegadas históricas ............................................. 62 2.2.2 Educação Infantil na atualidade ................................................................................ 66 2.2.3 Educação Infantil em Rondonópolis – MT ................................................................. 67

Capítulo 3 ........................................ ............................................. 73

LEITURA E LITERATURA INFANTIL ..................... ...................... 73

3.1 LEITURA ........................................................................................................................... 73 3.1.1 Possíveis definições .................................................................................................. 73 3.1.2 Finalidades e possibilidades da leitura ...................................................................... 75 3.1.3 Leitura: algumas de suas concepções (e ações necessárias) .................................. 77 3.1.4 Processo e níveis básicos da leitura: sensação, emoção e razão ............................ 82

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3.1.5 Como se aprende a ler? ............................................................................................ 87 3.1.6 Como se ensina a ler? ............................................................................................... 93

3.2 LITERATURA INFANTIL ................................................................................................. 100 3.2.1 O que vem a ser a literatura infantil? ....................................................................... 100 3.2.2 Como tudo começou... e continuou... ...................................................................... 104 3.2.3 A literatura infantil também chega a terras brasileiras ............................................ 107 3.2.4 Importante falar em funções ou contribuições? ...................................................... 112 3.2.5 Quais as características de uma boa obra de literatura infantil? ............................ 113 3.2.6 Então, o que fazer com a literatura infantil? ............................................................ 119 3.2.7 Não existe receita, existe prazer ............................................................................. 124 3.2.8 Contar um conto, aumentar um ponto e encantar a vida ........................................ 127 3.2.9 Ler ou contar histórias? ........................................................................................... 130

Capítulo 4 ........................................ ........................................... 136

DESCOBERTAS ....................................... .................................. 136

4.1 Quase tudo o que aconteceu... e algumas reflexões ..................................................... 136 4.1.1 Chapeuzinho Vermelho ........................................................................................... 138

4.1.1.1 Chapeuzinho Vermelho – Parte 1 .................................................................... 139 4.1.1.1.1 A primeira criança – Mário ........................................................................ 141 4.1.1.1.2 A segunda criança – Vitor Antonio ........................................................... 143 4.1.1.1.3 A terceira criança – Diulia ......................................................................... 145 4.1.1.1.4 A quarta criança – João Vitor ................................................................... 149 4.1.1.1.5 A quinta criança – Eu ................................................................................ 150 4.1.1.1.6 A professora-pesquisadora ....................................................................... 150

4.1.1.2 Chapeuzinho Vermelho – Parte 2 .................................................................... 153 4.1.1.2.1 A professora-pesquisadora ....................................................................... 157

4.1.1.3 Chapeuzinho Vermelho – Parte 3 .................................................................... 158 4.1.1.3.1 A professora-pesquisadora ....................................................................... 160

4.1.1.4 Chapeuzinho Vermelho – Parte 4 .................................................................... 162 4.1.1.4.1 A professora-pesquisadora ....................................................................... 163

4.1.1.5 Chapeuzinho Vermelho – Parte 5 .................................................................... 164 4.1.1.5.1 A professora-pesquisadora ....................................................................... 165

4.1.1.6 Chapeuzinho Vermelho – Parte 6 .................................................................... 165 4.1.1.6.1 A professora-pesquisadora ....................................................................... 166

4.1.2 Bicho Papão e outras histórias folclóricas e “horripilantes”..................................... 167 4.1.2.1 Histórias lidas pelo Guilherme em 02/04/2008: ............................................... 169 4.1.2.2 Histórias lidas pelo Guilherme em 16/04/2008: ............................................... 170 4.1.2.3 Histórias impressas no livro que ele levou para a sala e de onde “leu” para a turma: ........................................................................................................................... 172 4.1.2.4 A professora-pesquisadora .............................................................................. 173

4.1.3 Chapeuzinho Amarelo ............................................................................................. 175 4.3.1.1 A professora-pesquisadora .............................................................................. 181

4.1.4 Bolsa mágica ........................................................................................................... 183 4.4.1.1 A professora-pesquisadora .............................................................................. 189

4.1.5 Cantinho da leitura................................................................................................... 192 4.1.5.1 A professora-pesquisadora .............................................................................. 194

4.1.6 Dona Baratinha ........................................................................................................ 196

CONSIDERAÇÕES ..................................................................... 199

REFERÊNCIAS:....................................... ................................... 207

APÊNDICES ............................................................................... 215

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ALGUMAS DE MINHAS HISTÓRIAS... De pesquisa, de vida , de leitura...

Quando eu nasci,

ficou tudo como estava, nem homens cortaram veias,

nem o Sol escureceu, nem houve Estrelas a mais…

Somente, esquecida das dores,

a minha Mãe sorriu e agradeceu. Quando eu nasci,

não houve nada de novo senão eu. [...]

(Sebastião da Gama) Falar de mim não é uma tarefa simples e fácil, pois se trata de um ato de

reconstrução de minha própria existência. Todavia, nesta empreitada, vou

descrever e analisar como se deu meu amadurecimento cognitivo e intelectual

em diversos momentos de minha vida como pessoa, como aluna e como

profissional, sobretudo no quesito leitura.

O começo de tudo

Sou uma rondonopolitana, neta de um piauiense com uma baiana e de

um goiano com uma mineira. Filha de um mato-grossense e uma goiana, ou

seja, embora tenha herdado o mesmo sobrenome, Aquino, de meus avôs

paterno e materno, posso dizer que sou uma espécie de amálgama que une

pedacinhos distintos de nosso Brasil.

Sou a primogênita de um casal de filhos e, por muito tempo, o fato de

ser a primeira filha do casal trouxe-me uma insegurança e gerou cenas de

ciúmes em relação ao amor de minha mãe por mim, já que fui filha única por

seis anos e, de repente, tive meu império filial “comprometido” com a presença

de um irmão menor e indefeso, que precisava de todas as atenções que eu

também tive quando bebê e, mais, precisava de uma atenção especial, tendo

em vista que foi muito complicado seu parto e possuía necessidade de

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acompanhamento mais cuidadoso após a realização de uma delicada cirurgia

quando recém-nascido.

Não fiz educação infantil e o nascimento de meu irmão coincidiu com

meu ingresso na escola e muito me marcou, não naquela época, mas em

momentos posteriores, o fato de minha mãe não poder ter ido comigo até a

escola no primeiro dia de aula. Todavia, meu primeiro dia de aula não teve

nada de traumático, muito pelo contrário. Foi fascinante saber que a partir

daquele momento eu tinha novos colegas, uma professora e atividades para

desempenhar e aprender.

Desde essa época, quando aos seis anos de idade, fui matriculada na 1ª

série do Ensino Fundamental1, minha mãe comenta que nunca precisei que ela

ou outra pessoa alertasse-me para alguma tarefa, pesquisa ou outra lição de

casa. Ela diz que fui sempre muito responsável e isso a deixava mais tranqüila

e sossegada, pois por algum tempo precisou dedicar-se à saúde de meu irmão

caçula. Mas, embora ela tenha precisado dar atenção especial ao novo

integrante da família, nunca se descuidou de mim. Aliás, sempre foi muito

atenciosa e dedicada. Tanto que quando ingressei na escola, já conhecia os

números, as letras e foi muito fácil aprender a juntá-los e a “ler” o mundo com

os caracteres do nosso idioma. Aquilo me fascinava!

Ainda não sei bem se talvez levada pelo ciúme, numa forma de protesto

ou de chamar a atenção e o orgulho de minha mãe e de meu pai, que era meu

xodó e super-herói; ou se devido aos primeiros contatos com as letras e

números em casa com meus pais; ou se por mérito próprio eu sempre fui

dedicada e destaquei-me em várias ocasiões em meus estudos. Porém,

independente do motivo que tenha me levado a gostar de ler, pesquisar,

estudar, eu só sei que a escola para mim sempre foi um dos lugares que mais

me sentia bem. Por tudo. Pelas lições, por alguns professores, pelo que eu

aprendia e, claro, pelas amizades. E ao tratar de amizades está aí uma

1 Minha mãe conta que a secretaria da escola realizou minha matrícula e só depois averiguou que eu completaria 7 anos em fevereiro do próximo ano (1985). E quis, por toda lei, que eu não cursasse a 1ª série, pois não tinha idade suficiente. Porém, com insistência e comprometimento de minha mãe, permitiram que eu continuasse. E acredito que não tenham se arrependido, pois sempre fui aplicada e destaquei-me os quatro anos consecutivos que estudei na escola, onde fiz de 1ª à 4ª série.

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característica peculiar de minha formação: estudei em sete escolas2 durante

minha educação básica, leia-se ensino fundamental e médio, tendo em vista

que não fiz educação infantil, e em todas elas pude conhecer muitos

professores e fazer muitas amizades. Por um lado, isso é positivo, pois fiquei,

digamos, “conhecida” na cidade. Mas por outro, nem todos os laços afetivos se

perpetuaram. Aliás, algumas dessas amizades perduram ainda hoje. Outras,

porém, perderam-se no tempo e no espaço. E, muito embora, eu sempre tenha

tido inclinação para a área do jornalismo, hoje, quando reencontro pessoas de

minha infância, sinto orgulho em dizer o que sou: uma professora.

Ao pensar em leitura na minha infância, não me lembro de meus pais

lendo diariamente para mim, mas me lembro de alguns momentos e,

principalmente, da quantidade de livros disponíveis nas estantes de minha

casa. Alguns unicamente meus, como uma coletânea do Monteiro Lobato.

Outros “emprestados” de meu pai. Porém, sempre acessíveis. E esta

acessibilidade fez de mim uma curiosa, apaixonada por livros e também leitora.

Graduação: falta de opção?

Conclui meu ensino médio em 1995 e não passei no primeiro vestibular,

que prestei para o curso de Ciências Contábeis3. Foi frustrante não ver meu

nome na lista dos aprovados. Era a primeira vez que eu era “derrotada” por não

“saber” o suficiente. Um ano depois, já mais madura aos 17 anos, sem fazer

cursinho e apenas estudando com uma amiga, pela segunda vez prestei o

vestibular. Por gostar muito de falar, escrever e ler, escolhi o curso de Letras.

Então, em 1997, fui a sétima colocada dos aprovados para a turma do período

matutino, campus Rondonópolis da Universidade Federal de Mato Grosso.

2 Cada vez que precisei me transferir de escola tive motivos diferentes: escola longe de minha casa, greve escolar, dificuldades financeiras da família, escola que não oferecia além da série que eu cursava, bolsa de estudos. E entre estas mudanças passei por 4 escolas particulares e 3 estaduais. 3 Aos 16 anos, quando conclui meu ensino médio e estava prestes a fazer meu primeiro vestibular, dois fatores levaram-me a optar por Ciências Contábeis: a não possibilidade de sair de minha cidade, Rondonópolis, para cursar em outro município um curso que mais me agradasse e a influência familiar, pois meu pai é técnico contábil.

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Tendo enfrentado um período de greves, conclui meu curso no ano de

2000 e colei grau em fevereiro de 2001. Durante a graduação4, fui bolsista

PIBIC/UFMT/CNPq do projeto Variantes Ortográficas da Língua Portuguesa5,

em realização no Departamento de Letras do Instituto de Ciências Humanas e

Sociais do Campus da UFMT, em Rondonópolis.

O projeto “Variantes Ortográficas da Língua Portuguesa” tinha como

objeto de estudo a variação ortográfica oficial da língua portuguesa, com vistas

à elaboração de um dicionário específico dessa variação. Participei da primeira,

fase concluída, na qual se levantaram as variantes ortográficas registradas em

dicionários de língua portuguesa, com vistas à confecção de um parâmetro.

Durante sua realização, várias foram as produções científicas e publicações

dele decorrentes, em revistas regionais, nacionais e internacionais.

Lembro-me perfeitamente o que me levava à faculdade todas as manhãs

no último ano de graduação: meu envolvimento pela pesquisa. Inclusive, por

várias vezes, eu iniciava o período na sala de aula e terminava-o no Núcleo de

Pesquisas Lingüísticas. Era simplesmente maravilhoso fazer parte daquela

equipe.

No final de minha graduação6, embora eu fosse pesquisadora de um

projeto na área de estudos lingüísticos, devido à divisão dos professores, tive

que, necessariamente, desenvolver minha monografia de conclusão de curso

na área de literatura. O que também foi muito prazeroso, já que a leitura

sempre me encantou e, mais ainda, os poemas de Mario Quintana, meu objeto

de estudo. Deste modo, minha pesquisa que encontrou grandes empecilhos

para ser concluída, como a falta de bibliografia, foi intitulada Simplicidade: uma

imagem singular na poesia de Mario Quintana.

No último ano de minha graduação, adquiri LER (Lesões por esforços

repetidos), ou seja, tendinite, epicondilite e bursite nos braços direito e

esquerdo. Inicialmente, foram momentos traumatizantes e incômodos, pois

4 Acredito ser relevante dizer o quanto me apaixonei pelo meu curso. As leituras, as discussões em sala, e principalmente a participação em um projeto de pesquisa fizeram-me encontrar prazer em cada coisa que fazia. 5 Durante os 2 anos e 2 meses em que fui bolsista, fui orientanda da Profª Drª Alice Maria Teixeira de Saboia, com quem aprendi a pesquisar de fato e a aproveitar meu feeling de pesquisadora até então adormecido. Ela foi fundamental a minha vida enquanto pesquisadora. 6 Em minha graduação, um item deixou a desejar e dele senti muita falta no início da carreira docente e, acredito que ainda hoje que tenha resquícios dessa “falha”: as práticas deixaram muito a desejar. Tive a sensação, quando me vi formada, que eu não sabia dar aulas.

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sentia muitas dores e não conseguia escrever ou digitar. Por isso, precisei do

apoio das colegas que, carinhosamente, assim como os professores do

Departamento de Letras do ICHS de Rondonópolis, foram “anjos” em minha

vida.

Logo após o diagnóstico das inflamações, incontáveis foram as pessoas

que me aconselharam a entrar com pedido de aposentadoria no INSS, pois

tinha uma doença do trabalho. E aquilo me assustava absurdamente. Afinal, eu

era uma moça de 20 anos, praticamente recém-formada com uma vida

profissional toda pela frente, e queria era me destacar no que fizesse, não ficar

parada vendo o tempo passar e recebendo dinheiro do governo. Com este

empenho: destacar-me no que fizesse, iniciei minha vida profissional, aos 20 –

21 anos de idade.

Minha vida profissional

Muito antes de cursar Letras eu já trabalhava. Aliás, trabalho desde

meus 13 anos de idade quando passei a ajudar meu pai em seu novo escritório

de contabilidade e não parei mais.

Na docência, iniciei minha vida profissional, propriamente dita7, na

Escola Estadual La Salle, onde trabalhei, na época, da pré-escola à 4ª série

com Língua Inglesa, e da 8ª série ao 2º ano do ensino médio com Língua

Portuguesa e Literatura. Foi um privilégio e uma bênção, recém-formada

conseguir aulas em uma escola centralizada e tida como uma entre as

melhores da cidade, numa época em que a contagem de pontos e outras

burocracias deixava até os professores interinos mais experientes angustiados.

Após quase dois anos dando aulas na Escola La Salle, fui convidada

para ser a Assessora de Comunicação do Centro de Ensino Superior de

Rondonópolis – Cesur, função que me possibilitava a realização de atividades

das áreas de jornalismo e publicidade. Para tanto, precisei deixar as aulas do

estado. Fui, então, por 4 anos Assessora de Comunicação do Cesur e,

7 E aqui desconsidero as substituições a outros professores.

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posteriormente, do Centro Educacional Khalil Zaher. Neste intervalo de tempo,

iniciei minha especialização em Língua Portuguesa também pela UFMT e, logo,

fui convidada para ministrar aulas no curso Normal Superior da Instituição em

que trabalhava.

Na CESUR/ANHANGUERA Educacional, ministrei (e ainda ministro,

dependendo do semestre) as disciplinas: Língua Portuguesa; Oralidade, Escrita

e Letramento; Comunicação e Linguagens Múltiplas; Fundamentos e

Metodologias da Comunicação e Expressão; Informática e Educação; Redação

Técnica; Técnicas de Comunicação em Sistemas de Informação; Literatura

Infantil e Estágio Supervisionado III.8

Atualmente, além da docência na CESUR/ANHANGUERA, sou

Coordenadora e Tutora Local do curso de Pedagogia da Universidade

Interativa COC – UNICOC9, de Ribeirão Preto – SP. E tem sido extremamente

gratificante assistir às aulas do curso juntamente com nossos alunos, pois

tenho aprendido mais e mais, constantemente.

Além das atividades de docência, coordenadoria e tutoria a cursos de

graduação presencial e a distância, já ministrei quatro módulos em dois cursos

de especialização oferecidos pelo Institucional MT de Pós-Graduação (IMP) e

pelo Instituto Cuiabano de Educação (ICE)10.

A Pós-Graduação

Meu curso de especialização foi crucial para minha vida profissional

atual, pois só por eu estar cursando-a fui convidada para dar aulas na

faculdade. Durante as aulas pude reencontrar queridas professoras do

Departamento de Letras, bem como ter aulas com outros professores do

Departamento de Letras com quem muito aprendi. Na conclusão desta pós,

8 Por ministrar a maioria das disciplinas para o Normal Superior, fui apaixonando-me mais e mais pela Educação. 9 Instituição parceira do Centro de Ensino Superior de Rondonópolis – Cesur. 10 As disciplinas ministradas nos cursos de especialização em Arte-Educação e Educação Infantil foram: História e Evolução do Teatro, Laboratório de Teatro, Laboratório de Técnicas Corporais, e Técnicas de Alfabetização. Destas disciplinas, foram ministradas em conjunto com outros professores a Laboratório de Teatro e a Laboratório de Técnicas Corporais.

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retornei à primeira linha de pesquisa desenvolvida por mim durante a

graduação11.

O interesse pelo Mestrado em Educação surgiu porque, embora seja

formada em Letras, o fato de lecionar em um curso de Educação, no caso o

Pedagogia da CESUR/ANHANGUERA Educacional, e ser Coordenadora e

Tutora Local do curso de Pedagogia da Unicoc, percebi que me apaixonei cada

dia mais pela educação e, ao mesmo tempo, precisava aprimorar meus

conhecimentos para melhor desempenhar meu papel de professora e

formadora de professores.

Mas, acima de tudo, por ser uma apaixonada por literatura e gostar

muito do trabalho com crianças e ainda ministrar a disciplina de Literatura

Infantil para o curso de Pedagogia, sempre quis compreender e aprender como

utilizar a literatura infantil em sala com crianças que ainda não são

alfabetizadas. Assim nasceu minha pesquisa: de angústias pessoais.

Desejo, portanto, que este estudo contribua para meu bem-estar e

aprendizado, além de se tornar um bom motivo para que outras pessoas

(professores, crianças e suas famílias) vivam (e bem) melhor com a presença

diária de literatura...

11 Por isso, novamente a Profª Drª Maria Alice Teixeira de Saboia orientou-me na construção de meu trabalho intitulado O Tratamento de Palavras Estrangeiras em Duas Versões do Dicionário “Aurélio”.

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INTRODUÇÃO

O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.

(Mario Quintana)

Quintana, nos versos intitulados, Dupla delícia, foi muito sábio ao

escrever que o livro nos permite estar sozinho e acompanhado

simultaneamente. Porque, de fato, é assim que em grande parte ficamos

sempre que lemos um livro em um quarto, um parque, uma sala. Ninguém

precisa estar ao nosso lado, conversando. E mesmo que apenas nossa

respiração ou o barulho das páginas ao ir de uma página a outra seja capaz de

“quebrar” o silêncio, quando se tem um livro nas mãos, a pessoa pode estar,

indubitavelmente, muito bem acompanhada. Como se percebe, até para falar

das palavras escritas, a palavra encanta.

E com este encantamento pelas letras e pelas histórias que elas podem

carregar, licenciei-me em Letras e sou professora no Ensino Superior para um

curso de Pedagogia e entre as disciplinas que leciono está a Literatura Infantil.

Como é possível inferir, não é necessário dizer que, muito mais do que um

trabalho, sinto prazer em poder falar de literatura infantil com professores em

formação, pois as trocas são muito ricas e muito me interessam.

Interessam-me porque por meio delas vivencio muitas experiências que

nem mesmo em minha graduação eu pude ter, fazendo de mim uma professora

melhor, uma leitora com um repertório mais aguçado. Todavia, a angústia por

conhecer cada vez mais possibilidades de uso da literatura infantil sempre me

acompanhou tanto quanto o encantamento pelas palavras.

A graduação fez com que me apaixonasse pelas palavras e instruiu-me

a utilizá-las em diversos discursos orais e escritos. Não me ensinou, no

entanto, por conta de sua matriz curricular, a viver a literatura infantil, em

especial com as crianças que ainda não são leitoras e não podem sozinhas,

sem a medicação de uma adulto alfabetizado, estar acompanhadas dos

personagens das histórias.

Além destes motivos, o tema literatura na educação infantil me instigou

porque em Rondonópolis/MT, cidade onde resido e exerço minhas atividades

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profissionais, registra-se apenas um trabalho acadêmico que trata das práticas

de leitura, escrita e letramento na Educação Infantil, sendo, portanto, esta

pesquisa uma precursora do tema na cidade.

Desse modo, o encantamento pelas palavras, a licenciatura em Letras, a

docência em um curso superior de formação de professores e a vaga no

Mestrado em Educação abriram-me oportunidades: investigar a literatura

infantil e ainda aprimorar meus conhecimentos sobre a metodologia da

pesquisa qualitativa.

O problema norteador desta pesquisa é: quais as possibilidades de

utilização da literatura infantil com crianças não alfabetizadas, considerando-se

o planejamento, a ação, a descrição e a reflexão/avaliação das práticas

docentes? Para tentar não apenas responder a esta questão, mas na tentativa

de vencer esse desafio, coloquei-me como objetivos: planejar, agir, descrever e

avaliar minhas concretizações de professora-pesquisadora.

Tratando-se de uma pesquisa qualitativa e com cunho autobiográfico,

usei a metodologia da pesquisa-ação. Para sua efetivação, realizei pesquisa de

campo em uma sala de crianças com cinco anos de idade, ainda não

alfabetizadas, de uma escola municipal de Rondonópolis/MT. Tive como

sujeitos da pesquisa vinte e oito crianças e eu mesma, na condição de

professora-pesquisadora. Realizei a coleta de dados por meio de observação,

planejamento, ação pedagógica e reflexão, registrando os dados coletados em

um protocolo de observação, fotografando e gravando momentos de minhas

práticas pedagógicas. Após organização dos dados, debrucei-me nas análises

com fundamentação teórica sobre a infância, a Educação Infantil e,

principalmente, sobre a leitura e a literatura infantil. Realizadas as leituras e

coletados os dados, passei a buscar descobertas para a questão problema

desta pesquisa.

Por tudo isso, esta dissertação encontra-se organizada, em primeiro

lugar, com o relato de algumas experiências que tive em relação à pesquisa

educacional e sobre minha vida de leitura.

Especifico, em seguida, o percurso metodológico seguido para a

execução do projeto. Começo mapeando e situando a pesquisa qualitativa, a

pesquisa-ação e a pesquisa autobiográfica, sempre com o intuito de localizar

neste mapa, cada passo e aspecto de minha pesquisa.

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Passo, então, às discussões teóricas falando um pouco a respeito das

concepções de infância e apresentando um breve histórico da Educação

Infantil no Brasil e no município de Rondonópolis/MT, situando, inclusive

algumas propostas pedagógicas da Secretaria Municipal de Educação. Depois,

discuto acerca da leitura com destaque para suas possíveis definições,

finalidades, possibilidades, concepções e ações que exige. Escrevo também

sobre o processo e os níveis basilares da leitura: os sentidos, a emoção e a

razão. Além disso, procuro compreender como se efetiva o aprendizado e o

ensino da leitura. Na seqüência, abordo questões sobre o que é, na verdade, a

literatura infantil, buscando respostas em sua história até chegar ao Brasil.

Questiono sobre a necessidade de se pensar em funções ou contribuições da

literatura. Apresento características de uma boa obra de literatura infantil e

discorro, em seguida, sobre o que fazer com a literatura infantil, diferenciando,

especialmente, o ler e o contar histórias.

Munida de teoria a respeito do tema em questão, passo às descobertas

de minha pesquisa, analisando as ações realizadas por blocos de ações e

tendo, em cada um deles, uma auto-avaliação de minhas concretizações.

Para finalizar a dissertação, apresento minhas considerações finais de

pesquisa, aponto as referências bibliográficas utilizadas e exponho nos

apêndices fotos de algumas práticas por mim executadas, relação de livros

utilizados em duas seções de atividades, distribuição de personagens da

encenação realizada, transcrição de três entrevistas com as crianças, cópia de

um protocolo de observação e um modelo de tabela que organizei para facilitar

as análises do material coletado.

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Capítulo 1

MEU PERCURSO METODOLÓGICO

Existem caminhos para quem quer caminhar. Existem caminhos para qualquer lugar.

Caminhos escuros, perigosos, trilhas estranhas, e estradas largas cruzando planícies tamanhas

Que nunca se sonhou poder atravessar.

Existem caminhos verdejantes e belos que nos levam de castelo em castelo,

de covil em covil, através dos bosques cheios de fadas e feras, terras das hostes

das pessoas feitas de sonhos, imaginárias...

Existem caminhos sempre Basta persistir e seguir.

Os Deuses da estrada abençoam aquele que não se deixa cair.

(Daniel Duende)

1.1 O mapa dos caminhos

Diante da oportunidade de pesquisar e produzir aprendizagens em meu

curso de mestrado, vi-me com inúmeras possibilidades e, sendo formada em

Letras, estando trabalhando num curso de Pedagogia e matriculada em um

programa de pesquisa em educação, deparei-me com a investigação

qualitativa e dela não pude “escapar” (nem intentava isso). Afinal, a vontade de

aprender e compreender melhor como se efetiva a pesquisa qualitativa

deixava-me sedenta por pesquisar assim, “qualitativamente”, uma vez que, na

época de minha graduação, apenas trabalhei com pesquisa bibliográfica e

quantitativa.

Fica evidente, que minha presença “angustiada” de pesquisadora se

impõe desde antes de minha pesquisa tomar forma. Sendo assim, o aspecto

autobiográfico, isto é, a necessidade de falar de mim mesma e do meu

percurso histórico de aprendizado vai ganhando vida e tomando corpo próprio.

Como se não bastassem minhas angústias e a vontade de

conhecimento tomarem conta de minhas investigações, não me satisfazia ir a

campo e simplesmente “detectar problemas” sem poder contribuir com a

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história das crianças que comigo se encontrariam neste caminho. Desse modo,

vi minhas pernas caminharem também para a pesquisa-ação.

Assim, primeiramente, reflito sobre a investigação qualitativa, o método

da pesquisa-ação e a pesquisa autobiográfica. Em seguida, demonstrarei o

passo a passo para que eu produzisse esta dissertação.

1.1.1 Pesquisa qualitativa

Os autores Bogdan e Biklen (1994) registram que a investigação

qualitativa possui basicamente cinco características: o ambiente natural, a

descrição, o processo, a indução e o significado.

O investigador adentra no ambiente escolar, tido como ambiente natural,

com o objetivo de elucidar questões educativas que o incomodam ou precisa

solucionar. Os dados são coletados por meio do contato direto do pesquisador

e depois são revistos e o entendimento que o pesquisador fizer deles consiste

na “chave de análise”, apontam Bogdan e Biklen (1994, p. 47-48).

Assim, iniciei minhas trilhas, fui para a escola, com uma grande questão

a me desafiar e para a qual buscava respostas: quais as possibilidades de

utilização da literatura infantil com crianças não alfabetizadas, considerando-se

o planejamento, as concretizações e a reflexão das práticas docentes?

Os dados são recolhidos por meio da descrição feita por palavras e

imagens. São registros de acontecimentos do campo de pesquisa, gravações e

transcrições de entrevistas, fotografias, vídeos, entre outros documentos. “A

abordagem da investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado com

a idéia de que [...] tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita

estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do [...] objeto de estudo”

(BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 49).

Nas palavras que registrei no caderno de campo e nas palavras faladas

das crianças gravadas nas entrevistas feitas, nas fotos, nos vídeos, entre

tantas outras fontes que me auxiliaram, estava concentrado todo o potencial

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que me permitiu construir minhas análises e conhecimentos do objeto que me

propus estudar.

O investigador qualitativo, segundo os autores, também se interessa

pelo processo e não apenas pelo resultado. Além disso, tende a analisar os

dados de maneira indutiva, ou seja, à medida que os dados particulares são

recolhidos e se agrupam, constroem-se as abstrações e as inferências. Para o

investigador qualitativo, a direção da pesquisa só começa a se estabelecer

após o início da coleta de dados e o passar do tempo com os sujeitos. O

quadro de pesquisa vai ganhando forma conforme se examinam as partes.

Indiscutivelmente, com a minha pesquisa, esta característica da

investigação qualitativa foi presente e com peso, pois todo o processo de ir a

campo me influenciou. E minha pesquisa foi tomando forma apenas conforme

eu recolhia material e passava tempo com os demais sujeitos de meu estudo.

Por fim, o investigador se interessa pela forma como as pessoas dão

sentido às suas próprias vidas. O investigador preocupa-se com as

perspectivas dos participantes.

No decorrer destas páginas será possível perceber como me preocupei

comigo mesma e também com os demais sujeitos: as crianças envolvidas no

estudo. A minha perspectiva do que foi executado e as perspectivas das

crianças foram responsáveis pelo significado final, ou pelos sentidos que esta

pesquisa fez surgir.

Para a execução de minha pesquisa, precisei do trabalho de campo, da

descrição, da observação participante, da história de vida, de notas de campo,

de fotografias, de vídeos, dos discursos criados por mim e pelas crianças, de

documentos da escola, materiais que foram importantes e fundamentais. Além

disso, a confiança que recebi desde a diretora, passando pela professora

regente da turma até chegar às crianças também foi tão essencial, bem como a

empatia, a naturalidade do contato intenso que mantive na sala com meus

sujeitos. Tudo isto, como não poderia deixar de ser, foi demorado e não tão

simples de sintetizar e analisar os dados recolhidos, embora tenha sido

recompensador.

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1.1.2 Pesquisa-ação

A pesquisa qualitativa tem muitas vertentes, uma delas é a pesquisa-

ação, sendo, portanto, apenas um método de investigação em diferentes

grupos.

Tripp (2005) descreve o método da pesquisa-ação como “uma das

muitas diferentes formas de investigação-ação, a qual é [...] definida como toda

tentativa continuada, sistemática e empiricamente fundamentada de aprimorar

a prática” (p. 443).

Se fosse possível, apenas esta descrição de Tripp, acerca da pesquisa-

ação, resumiria o método utilizado por mim, pois investiguei e agi no contexto

escolar selecionado de maneira sistemática, contínua e empírica com o intuito

de aprimorar minha prática e, posteriormente, com a divulgação dos dados

coletados e das análises feitas, contribuir também para o aprimoramento de

outros profissionais da educação.

Tripp (2005) descreve ainda o ciclo da investigação-ação: planejamento,

implementação, descrição e avaliação, ciclo que permite a mudança para a

melhoria da própria prática, aprendendo mais durante o processo do que

simplesmente com os possíveis resultados. E a possibilidade de aprendizagem

se dá tanto em relação à prática quanto à própria investigação.

Meus estudos investigativos passearam por este ciclo inúmeras vezes.

Por diversos momentos me deparei planejando, implementando o planejado,

descrevendo o que executei e o que aconteceu, avaliando todo o processo e,

conseqüentemente, compreendendo mais sobre o que vem a ser a pesquisa-

ação e, principalmente, aprendendo muito com todo o processo prático a que

me propus.

A pesquisa-ação, além de observação e participação, pressupõe,

portanto, uma ação planejada, com intervenção orientada. “Com a pesquisa-

ação os pesquisadores pretendem desempenhar um papel ativo na própria

realidade dos fatos observados” (THIOLLENT, 1988, p. 16).

Thiollent (1988) enfatiza que o planejamento de uma pesquisa-ação é

muito flexível e aponta algumas fases que permitem um vaivém entre elas,

podendo ser adaptadas em função das circunstâncias e da situação

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investigada (eu mesma as adaptei inúmeras vezes): fase exploratória; tema da

pesquisa; colocação dos problemas; lugar da teoria; seminário; campo de

observação e coleta de dados.

Toda esta flexibilidade de planejamento e, do mesmo modo, de fases foi

marcante em meus estudos, sendo ela maleável em vários sentidos: na

ordenação das fases e dentro de cada fase em especial.

“A fase exploratória consiste em descobrir o campo de pesquisa, os

interessados e suas expectativas e estabelecer um primeiro levantamento (ou

“diagnóstico”) da situação, dos problemas prioritários e de eventuais ações”

(THIOLLENT, 1988, p. 48). Segundo o autor, é também uma fase que

apresenta muitos problemas práticos e relacionados ao local de investigação,

de pessoas envolvidas, de ordem financeira, entre outros problemas que

possam surgir.

Na fase exploratória de minha investigação, com o intuito de delimitar o

campo, percorri três instituições de ensino infantil e, munida de meu caderno

de campo, enfrentei problemas e (inúmeras) dúvidas até conseguir realizar um

diagnóstico.

O ponto de partida nesta fase é a disponibilidade do pesquisador e sua

capacidade de pesquisar no que for decidido, além de ser capaz de detectar os

apoios e as resistências da e para a pesquisa. A análise se uma pesquisa é

exeqüível ou não possibilita ao pesquisador tomar decisões e, ao aceitar

desafios não se iludir com expectativas enganosas. Tal análise deve ser feita

desde os primeiros contatos do pesquisador com as pessoas envolvidas no

campo. É importante fazer um diagnóstico do campo a ser pesquisado com a

identificação das expectativas, dos problemas, das características dos sujeitos

envolvidos, entre outros aspectos. Então, após este levantamento inicial de

informações, o pesquisador pode estabelecer, em conjunto com os

participantes, os principais objetivos da pesquisa.

Sem dúvida, meu ponto de partida da pesquisa foi minha disponibilidade

(e também minha vontade) para pesquisar, além de minha capacidade que foi

instigada com a fase exploratória. Aos poucos, fui percebendo os apoios (das

direções, das professoras que me receberam e das crianças), as resistências

(minhas próprias angústias por somente ver ações que até então não podia

modificar e apenas registrar), as dificuldades que me permitiram analisar a

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exeqüibilidade das ações a que me propunha e, em conseqüência, tudo isto

auxiliou a preparação do meu planejamento.

“O tema da pesquisa é a designação do problema prático e da área de

conhecimento a serem abordados” (THIOLLENT, 1988, p. 50). O tema pode (e

deve) após ser definido, ser direcionado a um campo mais delimitado. Na

verdade, o tema deve sugerir os problemas e o enfoque dado à pesquisa.

Thiollent (1988) aponta para a necessidade de o tema ter uma definição bem

precisa para que se tenha facilitada a delimitação empírica e a conceitual. O

tema pode ser definido a partir da descrição ou da norma; embora a ação seja

orientada, obrigatoriamente, pela norma.

O tema da minha pesquisa, literatura infantil, após definido, conduziu os

problemas e o enfoque a ser dado por mim a partir da descrição: quais as

possibilidades de utilização da literatura infantil com crianças não alfabetizadas,

considerando-se o planejamento, as concretizações e a reflexão/avaliação das

práticas docentes?

Um dado que o pesquisador deve ter consciência é que se o tema não

interessar à população e ao próprio pesquisador não será bem desenvolvido.

Sempre deve haver um acordo entre pesquisador e participantes da pesquisa

e, especialmente, em casos com conflitos de interesses.

O tema escolhido por mim recebeu completa adesão da professora

regente da sala escolhida e pelas crianças, o que muito contribuiu para o

desenvolvimento das ações e dos estudos, tendo em vista o envolvimento e o

interesse pelas histórias e ações delas decorrentes.

Escolhido o tema, Thiollent (1988) menciona que o pesquisador pode

explorar um marco teórico mais amplo e, entre os diversos autores e

referências, escolher um marco para nortear a pesquisa. A pesquisa

bibliográfica é necessária e fundamental porque para o pesquisador definir sua

problemática e manter contato com as populações, precisa de uma formação

mais aprofundada. Isto também demonstra que a pesquisa-ação não se

delimita aos aspectos pragmáticos. Ela é, na verdade, a mediação entre teoria

e conceitos e toda a prática e a ação do desenvolvimento da pesquisa.

Esta necessidade por conhecimentos teóricos ficou evidente no decorrer

da pesquisa, quando senti necessidade, além de buscar obras literárias

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infantis, de entender melhor aspectos sobre a infância, a educação infantil, a

leitura e a literatura infantil, bem como a respeito de metodologias de trabalho.

A partir do tema escolhido, “uma problemática pode ser considerada

como a colocação dos problemas que se pretende resolver dentro de um certo

campo teórico e prático” (THIOLLENT, 1988, p. 53). Na pesquisa-ação, os

problemas colocados são, inicialmente, de ordem prática e buscam-se

soluções para atingir objetivos propostos ou provocar alterações na situação

observada.

Quando o pesquisador e os participantes acordam sobre os objetivos e

problemas a serem pesquisados, institui-se o que é conhecido como seminário.

“O papel do seminário consiste em examinar, discutir e tomar decisões acerca

do processo de investigação” (THIOLLENT, 1988, p. 58). É no seminário que

as informações coletadas são todas centralizadas e discutidas, buscando-se

sua interpretação. Com as informações e os dados reunidos, e de acordo com

a perspectiva teórica adotada, é no seminário que se elaboram as diretrizes de

ação. É fundamental, neste momento, que o pesquisador se atente para

possíveis envolvimentos emocionais o que faria com que a pesquisa perdesse

a objetividade.

Sendo eu a única pesquisadora desta investigação, os seminários de

pesquisa realizados no programa de mestrado e ainda as discussões com

minha orientadora muito contribuíram para que eu, a partir dos dados coletados

e das leituras realizadas, elaborasse as diretrizes de ação em busca de

interpretação.

O pesquisador coleta os dados a partir de diversas técnicas. As

principais utilizadas são: a entrevista coletiva e a entrevista individual. Ao lado

destas, também podem ser usados os questionários, a observação

participante, diários de campo, histórias de vida, entre outros. Independente da

técnica utilizada, o pesquisador procura, na coleta de dados, informações que

julgar necessárias para o andamento da pesquisa, muito embora, possam

aparecer informações não previstas que oportunizam a riqueza das descrições

e das descobertas.

As técnicas que utilizei para coletar informações sobre minhas ações

foram: observação participante, diário de campo, entrevistas, fotografias,

vídeos e aspectos das histórias de vida.

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Mas como concretizar todos estes passos da pesquisa-ação? A resposta

é simples: a partir de ação planejada, que é objeto de análise, deliberação e

avaliação. Como, segundo Thiollent (1988) a “ação corresponde ao que precisa

ser feito (ou transformado) para realizar a solução de um determinado

problema” (p. 70), esta ação precisa de um plano, de uma direção para ser

executada. Todavia, este plano de ação, tanto em nível individual quanto

coletivo, deve ser explicitado e avaliado de maneira realista, evitando-se as

falsas expectativas.

A partir de tudo o que planejei e executei, avaliava constantemente estas

ações e, algumas vezes, mudei a direção do plano para obter novos e

melhores resultados.

Recorrendo aos escritos de Pimenta (2005), pude inferir, portanto, que

“a pesquisa-ação visa contribuir para o equacionamento do problema central na

pesquisa, a partir de possíveis soluções e de propostas de ações que auxiliem

os agentes [...] na sua atividade transformadora da situação” (p. 532). Além

deste objetivo da pesquisa-ação, Pimenta (2005) também aponta mais dois:

obter informações por meio de procedimentos diversos, possibilitando a

ampliação de conhecimentos de situações específicas. A pesquisa-ação

objetiva ainda produzir e socializar conhecimentos que sejam úteis não apenas

à comunidade envolvida, mas que permita uma divulgação mais ampla do

aprendizado obtido com os estudos.

Certamente, pude adquirir muitas informações e ampliar meus

conhecimentos com o material teórico buscado e as ações executadas. Desse

modo, posso resumir minha compreensão de pesquisa-ação, ao buscar as

palavras de Miller (1996). Ela expõe que a pesquisa-ação possui duas

características básicas: “A primeira é a participação do pesquisador como

sujeito e objeto da pesquisa ao mesmo tempo; a segunda é que há uma

intenção explícita de provocar mudanças no decurso do processo de pesquisa”

(MILLER, 1996, p. 70).

Fui, portanto, sujeito12 e objeto de minha análise e investigação e, por

conseqüência, objetivei também promover alterações para melhor, caso

necessário, no andamento de minhas ações.

12 Foram meus sujeitos desta pesquisa: eu mesma e os alunos de uma turma de cinco anos de uma escola pública.

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Ficam elucidados, enfim, todos os passos que caracterizam a pesquisa-

ação e, portanto, minha pesquisa-ação. A partir de agora, analisarei um pouco

sobre a pesquisa de cunho autobiográfico, que também caracteriza meus

estudos.

1.1.3 Pesquisa autobiográfica

Até agora eu não me conhecia [...]

(Florbela Espanca)

Impossível, ao escrever, esquecer de quem sou, pois tenho minha

história, aliás, minhas histórias. E se ao escrever um texto, eu conseguir me

distanciar de mim mesma, sou capaz de reviver e relembrar muitas situações.

Mas este reviver e este relembrar não são suficientes para que eu seja a

mesma pessoa que fui naquele momento, pois, de fato, não a sou mais. E este

ser diferente, faz com que, ao escrever, eu redija palavras que me descrevem

no momento que escrevo e não no momento que vivi, devido a tantas

experiências vivenciadas após o ocorrido, minhas leituras e minhas leituras dos

fatos, inclusive as experiências do momento em questão.

Conceição (2006) escreve que uma das características da pesquisa

autobiográfica é o “fazer surgir” nas narrativas histórias de vida, memoriais,

diários, falas do eu. E este “fazer surgir” implica a participação explícita do

investigador que também pode deixar aflorar aspectos subjetivos. Diz ainda

que ao reescrever os fatos, ressignificamos, de maneira consciente, a partir de

uma memória seletiva ou mesmo intencional. E como reflete Nóvoa apud

Conceição (2006), o que é dito é tão importante quanto aquilo que não é dito.

Porque o dizer expressa uma escolha do autor, intencional, do que era para ser

dito ou não.

Entre o que é ou não dito, está aquilo que mais me intriga, que sinto

necessidade em expor e refletir a respeito. Tem aquilo que talvez ainda não

conheça bem, mas anseie por compreender melhor. Assim, minha pesquisa é

caracterizada como autobiográfica, por partir de inquietações que me

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acompanham há muito tempo e necessitam de reflexões pessoais acerca de

mim mesma, principalmente, sobre minhas práticas e concepções teóricas.

Eu, professora, durante minha formação e mesmo minha prática

docente, preciso me conhecer e, como diria Passeggi (2003), abrir-me para a

alteridade. Quanto a isto, a narrativa autobiográfica muito pode ajudar, pois ela

beneficia o narrador, “no sentido em que o exercício de análise e interpretação

dos fatos modificaria suas representações e a forma como elas incidem sobre

sua vida” (PASSEGGI, 2003).

Referindo-me à minha própria vida, a partir do registro autobiográfico

que esta pesquisa apresenta, pude olhar-me, buscar-me, encontrar-me,

conhecer-me e gostar ou não do que descobri. Com esta abordagem, pude,

além de me (re)conhecer, olhar também para o outro, sempre analisando e

interpretando minhas ações e representações, inclusive em minha prática

docente.

Como descreve Conceição (2006), “Não se trata de uma mera descrição

ou arrumação de fatos, mas de um esforço de construção (e de reconstrução)

dos itinerários passados, é uma história que nos contamos a nós mesmos e

aos outros”.

Isto porque toda esta narrativa com os resultados finais que apresento,

constitui uma síntese de minhas experiências profissionais, acadêmicas e até

afetivas, vivências que me fizeram dedicar com grande cientificidade e vontade.

Como diria Morin (2000) apud Conceição (2006), esta possibilidade de

estudos, para mim, significou aprender a aprender e reaprender.

Corroborando com estas definições, cito Rosa, Silveira e Toledo (2006)

que dizem que o educador não nasce educador, ele se forma no contexto

histórico de suas experiências, por meio de conflitos e, sobretudo, consciência

crítica, o que não consiste numa tarefa fácil.

Neste processo de análise e reflexão de minha prática com a literatura

infantil, esta (re)construção do passado é feita de forma seletiva a partir do

presente que aponta o que devo ou não descrever e interpretar. Afinal,

É através da narrativa (auto)biográfica da vivência escolar, que torna-se possível desvendar modelos e princípios que estruturam discursos pedagógicos que compõem o agir e o pensar do(a) professor/professora em formação. Isto porque o ato de lembrar/narrar possibilita ao ator reconstruir experiências, refletir

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sobre dispositivos formativos e criar espaço para uma concentração da sua própria prática. (CONCEIÇÃO, 2006, s/p.)

E independente do caráter autobiográfico, todo relato de pesquisa pode

ser visto como uma espécie de autobiografia do pesquisador porque sempre há

influência de suas experiências e leituras.

Nesta minha pesquisa, há ainda um forte traço de autobiografia devido

ao fato de ela ser pesquisa-ação, pois quando me coloco como sujeito e objeto

de estudos, preciso ver a mim mesma como importante para a pesquisa e,

inevitavelmente, necessito de uma reflexão autobiográfica.

1.2 A transfiguração da pesquisa

Mudança, a única certeza imutável.

(Autor desconhecido)

Inicialmente, esta pesquisa não possuía o cunho autobiográfico ou de

pesquisa-ação, pois, meu objetivo inicial era registrar as atividades de leitura e

escrita que se efetivam em três unidades de ensino infantil em Rondonópolis –

MT. Porém, com as primeiras observações nas três unidades selecionadas,

optei por ficar com apenas uma das instituições e não mais apenas registrar o

que acontece, mas tentar deixar momentos de prazer que possam fazer a

diferença na vida das crianças envolvidas com a pesquisa e, primeira e

principalmente, em minha vida.

As três primeiras unidades escolhidas foram: a Escola Municipal de

Educação Básica do Jardim Gramado, conhecida como Centro de Atendimento

Integral da Criança Apotânio de Carvalho (CAIC), onde fiquei de 25/02 a 29/02

em fase de diagnose; a Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) Machado

de Assis, onde fiquei de 03/03 a 07/03/2008, em observação inicial; e a EMEI

Mateus Vinicius Braz, que me recebeu de 11/03 a 14/03/2008, também em

observação inicial e diagnose.

Após aproximadas 40 (quarenta) horas totais de observação inicial

(destas, 15 horas no CAIC), cheguei à conclusão que não seria possível, tendo

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em vista, em primeiro lugar que apenas o registro de como as práticas de

leitura e escrita se efetivavam (e se se efetivavam) não me satisfaria como

pesquisadora e, ao mesmo tempo, sua contribuição para a sociedade e minhas

próprias práticas não seriam tão alargadas quanto se eu mesma “arregaçasse

as mangas de minha camisa e colocasse as mãos na massa do bolo”13.

Em vez de apenas saborear (e quem sabe não aprovar o sabor do bolo),

preferi eu mesma escolher ingredientes, porções e degustar o resultado final

(fosse ele saboroso, insosso ou mesmo desagradável). Acreditei (e acredito)

que só assim seria possível falar do que vi com justiça e propriedade, e apenas

assim poderia me satisfazer como pesquisadora e crescer como profissional,

tornando-me não apenas diferente do que era antes da pesquisa, mas,

sobretudo, um pouco melhor.

Deste modo, entre as três instituições, a unidade selecionada como

único lócus da pesquisa foi o CAIC por ser a maior unidade com crianças na

faixa etária dos cinco anos e se destacar por seus projetos e compromisso da

equipe de profissionais da educação com as crianças e suas famílias.

Minha presença no CAIC, no período de 25/02/2008 a 28/03/2008,

totalizou 30 horas de observação (participante), tendo em vista que ainda neste

período não havia se configurado como pesquisa-ação. Muito embora eu já

agisse e analisasse minhas próprias práticas de leitura. Talvez não houvesse

apenas clareza da pesquisa-ação ainda.

Neste período de observação, quando eu ainda não era uma professora-

pesquisadora, a professora regente, ao me apresentar às crianças, disse que

eu contava histórias e as crianças se empolgaram e a pedido delas (crianças),

a professora leu o livro com a história O patinho feio. Naquele momento me

perguntei: “será que um dia eu ainda conto histórias para estas crianças?”. Mal

sabia eu o que me esperava: inúmeras palavras, gracejos, medos,

encantamento que saiam de minha boca e entravam pelos ouvidos das

crianças, instalando-se em sua imaginação.

Apoiando-me nas palavras de Tura (in: ZAGO, CARVALHO e VILELA,

2003, p.184) acredito que

13 Uso as aspas porque se trata de uma expressão pertencente aos ditados populares.

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A observação é a primeira forma de aproximação do indivíduo com o mundo em que vive. Dessa atividade primitiva decorrem aprendizados que são fundamentais para a sobrevivência humana. Pelo olhar entramos no mundo, começamos a nos comunicar com ele e iniciamos o conhecimento a respeito dos seres que nele habitam.

Desse modo, minha pesquisa começou de fato a se concretizar com

minha presença em sala de aula e a possibilidade de observar aqueles sujeitos

tão importantes quanto eu para os resultados finais, as crianças. A partir da

observação, iniciei meu conhecimento das crianças (e de mim mesma).

Durante estes primeiros olhares presenciei muitas ações da professora,

mas, ao mesmo tempo, uma angústia ia tomando conta de mim como

pesquisadora. Assim, quando retornei ao CAIC, em 17/03/2008, minha

pesquisa já não era mais de observação e mero registro do que eu via, eu ia

agora também intervir durante o processo, portanto, intervenção/participação.

Neste ínterim, as atividades desenvolvidas com minha

intervenção/participação foram: li o livro É meu! É meu!; contei a história

Adivinha o quanto eu te amo?; contei a história Kimi e a história do sorvete;

coloquei um cd com a história Bom dia, todas as cores (Ruth Rocha).

Após estas (tentativas de) intervenções, e com as leituras e reflexões

realizadas, cheguei à conclusão de que não me satisfaria também o simples

fato de ver ou mesmo de apenas intervir como coadjuvante nas atividades de

leitura e escrita da sala. Eu precisava fazer mais do que isso para aprender o

máximo possível. Precisava eu mesma coordenar as atividades propostas,

executá-las, avaliá-las e (re)elaborá-las, se fosse o caso. Eu senti a

necessidade de não apenas registrar o que acontecia na vida escolar daquelas

crianças, mas fazer a diferença, se possível.

Assim sendo, inicialmente, elaborei, em conjunto com a professora

regente, um plano de atividades, contendo contação de histórias pelas

crianças, por mim, bem como confecção de material artístico após as leituras.

A partir de agora, eu não era mais uma observadora ou participante das

atividades. Eu passei a ser a professora-pesquisadora. Assim, ganhou vida

minha pesquisa-ação.

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Resumindo a transfiguração de minha pesquisa: a pesquisa com caráter

de pesquisa-ação teve 99 horas de atividades realizadas, após as 15 horas de

observação diagnóstica e as 30 horas de observação participante no CAIC.

As 99 horas em que fui professora-pesquisadora aconteceram de 31/03

a 18/04/2008 e de 29/07 a 17/10/200814, quando desenvolvi as seguintes

ações: as crianças contaram e leram o clássico Chapeuzinho Vermelho; li três

versões deste mesmo clássico; li a história Abaixo o Bicho Papão (Walcyr

Carrasco); li a história Chapeuzinho Vermelho e o arco-íris: uma história sem

lobo; li o livro Chapeuzinho Amarelo (Chico Buarque); li o Joelho Juvenal

(Ziraldo); li também as obras: Pinote, o fracote, Janjão, o fortão; A formiguinha

e a neve; O casamento da D. Baratinha; Ai, que medo!; Era uma vez um lobo

mau; Que barulho é este?; Gato de papel; Não confunda; João e Maria; A festa

no céu; além de inúmeras outras atividades como: idas à biblioteca; momentos

de leitura livre; organização do cantinho da leitura na sala; ensaios para a

apresentação das crianças com o texto da D. Baratinha; e apresentação da

peça D. Baratinha para crianças de outras salas e seus pais.

Realizei também entrevistas com as crianças para conhecer seu grau de

envolvimento com a leitura em seus lares, bem como atendi a outros pedidos

que surgiram de livros que as próprias crianças trouxeram como da fábula A

raposa e as uvas.

Como é possível perceber, minha pesquisa, assim como eu, ou a partir

de mim, demonstrou vida própria e as escolhas foram sendo realizadas

conforme as ações, as leituras e minha intuição como pesquisadora era

aguçada. De maneira que a idéia inicial de registro do que é feito em

Rondonópolis, a partir da observação em três unidades de ensino infantil no

município, transfigurou-se para a execução de um plano de ação feito por mim

professora-pesquisadora, a partir de minhas angústias pessoais, meu desejo

de fazer a diferença e, principalmente, minha necessidade de aprender a como

fazer a diferença.

14 Houve um espaçamento de tempo no período de pesquisa-ação porque entre 28/03/2008 e 29/07/2008, os professores pararam as atividades escolares por terem entrado em greve e porque, logo após a greve, vieram as férias escolares.

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1.3 Caminhos percorridos

No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra

Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas.

(Carlos Drummond de Andrande)

1.3.1 Problema e objetivos da pesquisa

Problemas não são obstáculos, mas oportunidades ímpares de superação e evolução.

(Maurício Rodrigues de Morais)

Minha questão problema, desta pesquisa-ação com cunho

autobiográfico é: quais são as possibilidades de utilização da literatura infantil

com crianças não alfabetizadas, considerando-se o planejamento, a ação, a

descrição e a reflexão /avaliação das práticas docentes?

Objetivo, portanto, planejar, agir, descrever e avaliar minhas

concretizações de pesquisadora em ação para descobrir quais as

possibilidades de uso da literatura infantil em uma sala com crianças de 5 anos

(ainda não alfabetizadas), na cidade de Rondonópolis – MT.

Para que eu atinja este objetivo central de planejar, agir, descrever e

avaliar minhas próprias práticas, precisei atingir aos seguintes objetivos

específicos: investigar como planejo e concretizo minhas práticas de leitura em

sala, especialmente de textos da literatura infantil; e descrever e avaliar tais

concretizações, propondo mudanças de atitude e, quando possível, reaplicando

as ações.

1.3.2 A escola

Escola é... O lugar onde se faz amigos

Não se trata só de prédios, salas, quadros, Programas, horários, conceitos...

Escola é, sobretudo, gente,

Gente que trabalha, que estuda,

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Que se alegra, se conhece, se estima.

(Paulo Freire)

A Escola Municipal de Educação Básica do Jardim Gramado, Centro de

Atendimento Integral da Criança (CAIC) Apotânio de Carvalho15, localizada à

Rua Belém, 1401, no bairro Jardim Gramado, em Rondonópolis – MT é um

estabelecimento de ensino regido de acordo com o que estabelece a Lei

9.394/96 e pertence à Secretaria Municipal de Educação deste município.

Atualmente, o CAIC mantém atendimento aos moradores do bairro

Jardim Gramado e adjacências, num total de 38 bairros. Com a perspectiva de

inclusão, o CAIC vem desenvolvendo um trabalho diferenciado, investindo em

programas e projetos especiais para o atendimento ao cidadão. Em 10 anos de

atividades, o CAIC tem primado pelo compromisso e bom atendimento à

comunidade na oferta de serviços de saúde, educação, lazer, apoio

pedagógico e psicológico, entre outras atribuições. No Ensino Fundamental,

diferencia-se das demais escolas pela oferta de um espaço físico que

oportuniza às crianças vivenciar projetos especiais, como escolinha de futebol,

horta, artes, danças, karatê, trabalhos manuais, entre outros, além de ampla

quadra para esportes e parquinho infantil em construção.

O Centro conta com aproximadamente 280 alunos matriculados no II

Ciclo da Educação Infantil16, em especial no 2º Agrupamento17. Na Educação

Infantil, modalidade creche, o centro oferece atendimento em tempo integral.

Preocupa-se, também, com a saúde da comunidade possuindo em

suas dependências, um PSF18 para atendimento médico e odontológico com

aplicação periódica de flúor e escovação semanal a todas as crianças

matriculadas na Escola Municipal de Educação Básica do Jardim Gramado e a

Unidade Municipal de Educação Infantil Monteiro Lobato. O PSF atende, ainda,

aproximadamente mil famílias com serviço de prevenção e promoção da saúde

e tratamentos curativos.

15 A partir de agora denominada CAIC Apotânio de Carvalho ou, simplesmente, CAIC. 16 O II Ciclo da Educação Infantil corresponde ao que o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e a LDB denominam pré-escola, para crianças de quatro e cinco anos (isto após a implantação do Ensino Fundamental de nove anos, quando a criança ingressa nesta fase do ensino aos seis anos). 17 O 2º Agrupamento do II Ciclo da Educação Infantil compreende crianças de cinco anos, enquanto o 1º Agrupamento corresponde às crianças de quatro anos. 18 Posto de Saúde da Família.

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O CAIC conta também com parcerias como o SENAR19, Secretaria de

Ação Social e SINE20 para o desenvolvimento de ações e de cursos que são

oferecidos à comunidade.

O objetivo primordial deste centro é o atendimento às necessidades

básicas das crianças e dos adolescentes em todas as etapas do seu

desenvolvimento. Sua proposta de educação rompe as barreiras da escola

tradicional na medida em que proporciona às crianças uma maior permanência

na escola, oferecendo para isso práticas intelectuais, culturais e esportivas e de

lazer, bem como atendimento médico, odontológico e fonoaudiológico.

No tocante ao desenvolvimento de cursos profissionalizantes, o CAIC de

Rondonópolis / Secretaria Municipal de Educação viabilizou em parceria com o

Sindicato Rural / SENAR, Secretaria de Ação Social e SINE inúmeros cursos

como de: corte de cabelo, manicure, aproveitamento de alimentos, derivados

de leite, artesanato em jornal, pintura em tecido, arranjos florais,

aproveitamento de soja, conservas e frutas cristalizadas e materiais de

limpeza, etc. O CAIC Apotânio de Carvalho possui registrado em seu Projeto

Político Pedagógico os valores: parceria, compromisso, respeito pelo indivíduo

e participação.

Como visão de futuro o Centro pretende tornar a unidade uma instituição

de referência no município pela qualidade dos serviços que presta.

A missão do CAIC é proporcionar desenvolvimento integral do educando

nos aspectos biopsicossocial, extensivo a sua família e comunidade local.

São objetivos estratégicos do Centro: melhorar o desempenho

acadêmico dos alunos da escola; promover a integração entre conselho escolar

e comunidade; e promover o fortalecimento da relação entre o corpo técnico-

administrativo, professores, alunos e comunidade.

A proposta curricular do CAIC é construída a partir dos Referenciais

Curriculares Nacionais e dos Referenciais Curriculares da Rede Municipal de

Educação para Educação Infantil e o Ensino Fundamental.

O coletivo de cada fase, sob orientação da equipe diretiva da

Unidade/Escola, com base na Metodologia de Tema Gerador, adotada

também, pelo coletivo, elabora o Plano de Ensino, onde são elencados todos

19 Serviço Nacional de Aprendizagem Rural. 20 Sistema Nacional de Empregos.

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os saberes e habilidades que serão trabalhados em cada subtema.

Ressaltamos que a metodologia de Tema Gerador foi definida a partir de uma

pesquisa realizada com a comunidade escolar.

Para o desenvolvimento/encaminhamento dos trabalhos são definidos

datas previamente, data de abertura e culminância de cada subtema, o que é

delegado a cada fase conforme seqüência dos mesmos, ou seja, 1os

Agrupamentos da Educação Infantil, 2os Agrupamentos da Educação Infantil

Educação Infantil, 1as, 2as e 3as Fases do Ensino Fundamental, visto que a

instituição trabalha somente com a Educação Infantil e com o 1º Ciclo do

Ensino Fundamental.

Os recursos didáticos e pedagógicos são disponibilizados a todos os

professores, conforme sua necessidade. A escola possui retro-projetor, “data

show” e “notebook”, mimeógrafo, vídeo, DVD e aparelhos de televisão, mini-

sistems e máquina de xérox, além de oferecer recursos como livros para

didáticos, jogos pedagógicos diversos e materiais pedagógicos como papel

sulfite, estêncil, cadernos, lápis, borrachas apontadores, cartolinas, papel

pardo, crepom, dobradura, cartão, camurça e outros.

A avaliação acontece processualmente, a partir de avaliações, orais e

escritas, tarefas de rotina, anotações nos cadernos de campo de cada

professor e relatórios individuais de desempenho dos alunos.

Os alunos que apresentam desempenho insatisfatório são

encaminhados às aulas de apoio pedagógico que acontecem todas as terças

feiras, com duração de quatro horas em horário oposto ao do ensino regular.

Os grupos de apoio são organizados a partir das avaliações realizadas pelos

professores e equipe pedagógica (coordenadoras), conforme o nível de

desenvolvimento dos alunos.

Quanto aos alunos portadores de necessidades educacionais

especiais, a escola oferece atendimento na sala multifuncional de recursos,

onde é realizado um trabalho de triagem com as famílias e agendado

atendimento semanalmente a cada criança. Os casos em que apresentam

necessidade de atendimento de especialistas são encaminhados para o Centro

de Atendimento no Nilmo Júnior.

O CAIC Apotânio de Carvalho se embasa em uma concepção de

ensino e educação na escola organizada em ciclos de formação. Para toda

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equipe pedagógica, a aprendizagem não é mero armazenamento de

informações. E na perspectiva da escola ciclada, o conhecimento possui um

caráter dinâmico no qual o aprender não está relacionado somente aos

aspectos cognitivos está também relacionado às características pessoais,

sociais e afetivas do aluno, sendo necessário, inclusive, considerar as

diferenças individuais e as diversas maneiras que as pessoas aprendem.

E para auxiliar as crianças com dificuldades de aprendizagem o CAIC

conta com um projeto de apoio pedagógico por níveis de aprendizagem. Para

tanto, o projeto apresenta como objetivos assegurar alternativas que garantam

o avanço dos educandos no que se refere à progressão com aprendizagem,

zelando pela permanência do mesmo com seus pares e pelo desenvolvimento

da autoconfiança e de suas capacidades de pensar, tomar decisões e, acima

de tudo, aprender. Objetiva também envolver o coletivo dos professores, desde

a Educação Infantil, no trabalho com os grupos de apoio, conforme preconiza

um dos princípios da escola organizada por ciclos de formação humana.

Como se percebe o CAIC é uma unidade escolar de grande relevância

na cidade para a população infantil e suas famílias e possui inúmeros projetos

e ações que visam o atendimento não apenas assistencial, mas sobretudo

educativo de seus alunos matriculados.

1.3.2.1 Perfil de saída21 do II Agrupamento22 da Educação Infantil do CAIC

Com relação à linguagem e suas tecnologias23, os alunos do II

Agrupamento da Educação Infantil do CAIC possui o seguinte perfil de saída:

• Ampliar suas possibilidades de manuseio das diferentes materiais e objetos, ajustando suas habilidades motoras para utilização em jogos, brincadeiras e danças. • Acompanhar ritmo e se expressar através da dramatização e canto. • Familiarização com as diversidades textuais, estimulando a produção ainda que de forma não convencional. • Identificar as cores.

21 Perfil de saída representa as habilidades que as crianças devem ter ao sair do nível escolar indicado. 22 Será considerado apenas o perfil do II Agrupamento porque é o nível escolar em que a pesquisa se realizou, isto é, o II Agrupamento do II Ciclo da Educação Infantil corresponde à criança de cinco anos. 23 Devido ao tema central desta pesquisa estar relacionado a área de linguagens, não serão expostos neste item os perfis de saída das outras áreas: ciências e suas tecnologias e ciências sociais e suas tecnologias.

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• Identificar as formas geométricas. • Reconhecer e escrever próprio nome. • Desenvolver atitudes de desportividade, cooperando com o grupo, respeitando as diferenças individuais e as regras dos jogos e da competição. • Participar das atividades de resgate de brincadeiras, revivendo e aprendendo com o grupo. • Ampliar o conhecimento de mundo e de cultura, interessando-se pela própria produção, e a de outros. • Conhecer e identificar as letras. • Formar palavras com o uso do alfabeto móvel. • Produzir e interpretar textos através de desenhos. • Expressar-se através da comunicação artística (pinturas, música, teatro, mímica). • Contar histórias e contos de maneira artística. (PERFIL DE SAÍDA – CAIC APOTÂNIO DE CARVALHO).

Como pode se perceber, inúmeras são as características do perfil de

saída dos alunos do II Agrupamento da Educação Infantil, nível em que a

presente pesquisa foi realizada. E é importante salientar que a pesquisa e a

ação da pesquisadora, certamente, têm muito a contribuir para que se atinja

estes objetivos, o que contribui para que os alunos possam sair com o perfil

traçado pela coordenação pedagógica.

Diante do exposto, é importante discorrer também sobre os caminhos

práticos já traçados durante a pesquisa: o lócus, os sujeitos, a coleta de dados,

o planejamento, as práticas vivenciadas, bem como sobre a coleta dos dados.

1.3.3 O lócus e os sujeitos da pesquisa

Tura (in: ZAGO, CARVALHO e VILELA, 2003, p. 192) aponta que um

primeiro dado favorável à pesquisa de campo é a boa receptividade da diretora,

o que me deixou muito otimista, tendo em vista que quando fui até a escola

CAIC fazer os primeiros contatos antes de iniciar as observações e a pesquisa

propriamente dita, fui atendida, aliás, muito bem atendida, pela diretora que se

mostrou muito aberta e feliz pelo meu interesse em estar naquela unidade

escolar. Ela indicou-me um novo horário em outro dia para que fosse conversar

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diretamente com a professora da sala, enquanto ela mesma adiantaria do que

se tratava e também conversaria com as coordenadoras.

No dia marcado, então, apresentei-me à professora que também se

mostrou muito receptiva e sorridente. Em nenhum momento pareceu

incomodada com minha presença, como se mostraram algumas de suas

colegas. Inicialmente, a professora apresentou-me às crianças que também

não se opuseram a minha presença, embora me olhassem curiosamente, o

que é extremamente normal, aceitável e bom, pois a partir do momento que as

crianças não se importarem com a presença de alguém, inicialmente,

“estranho” em sala, há algo errado com o envolvimento e o convívio delas com

a turma.

A sala de aula em estudo, o lócus, é localizada na maior escola

municipal da cidade, reconhecida pela sua infra-estrutura e pelos inúmeros

projetos criados e liderados por sua equipe de trabalho, onde há 11 turmas

com crianças em idade pré-escolar (4 – 5 anos). Destas, foi selecionada, por

indicação da direção e da coordenação uma turma, inicialmente, com 26

crianças, sendo 13 meninos e 13 meninas, mas encerrei a pesquisa com 28,

pois entraram mais 2 meninos.

A faixa etária escolhida foi de 5 anos (no início do ano, todos os alunos

tinham 5, a partir do meio do ano, algumas começaram a fazer 6), tendo em

vista que é o período que antecede a entrada dos alunos no novo ensino

fundamental de 9 anos, que se inicia aos 6 anos de idade. Foram, portanto

sujeitos desta pesquisa, as 28 crianças da sala em questão (meu lócus)e eu

mesma, por se tratar de uma pesquisa-ação com cunho autobriográfico.

1.3.4 A coleta de dados

A pesquisa teve, basicamente, três etapas distintas: uma bibliográfica;

outra de coleta de dados no CAIC; e uma terceira, de análise dos dados

coletados. E, em todas as atividades desenvolvidas, houve minha participação,

minha ação, além de minha observação atenta, minhas intervenções, meu

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registro escrito no caderno de campo, em algumas, meu registro fotográfico e

de áudio das entrevistas, além das ações propriamente ditas esboçadas em

tabela a seguir.

1.3.5 O planejamento das atividades

Formulei, então, um novo plano de atividades a ser executado a partir da

leitura de sites, revistas e livros que sugeriam idéias com o uso da literatura,

bem como embasada em conversas informais com colegas professoras e em

minhas experiências pessoais. A síntese de tudo isso consistiu no meu

planejamento, contendo as seguintes propostas: • Explicar o que é uma biblioteca às crianças;

• Falar sobre histórias, imaginação...

• Dar exemplo, lendo na frente das crianças;

• Levar os alunos para a biblioteca da escola e deixá-los livres para

“ler”;

• Organizar Cantinho da Leitura na sala e na biblioteca da escola;

• Colocar (solicitar ajuda dos pais):

o Prateleira, Livros, Aparelho de som, Cds com música e

histórias, Tapetes, Almofadas .

• Na biblioteca promover:

o Roda de Histórias;

o Manuseio e “leitura” individual de livros;

• Na sala:

o Contar, ler e ouvir histórias DIARIAMENTE;

o Varal de poemas (crianças penduram os que mais gostam de

ouvir e ler);

o Hora do conto;

o Propor momentos simultâneos com leitura (apenas para quem

quiser), porém com respeito ao que está sendo lido e a quem

está lendo e ouvindo;

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• Se por acaso a história não estiver interessando, decidir com as

crianças o que está acontecendo e decidir juntos o que fazer;

• Usar histórias diversas e poemas;

• Proporcionar às crianças conhecimento dos clássicos da literatura

infantil;

• Para proporcionar a leitura de gêneros diferentes, organizar eventos

como:

o Tarde do terror

o Tarde do humor

o Sarau de poesia

o Jograis

o Dramatizações (com caracterização das crianças em

personagens e cenário)

o Uso de fantoches

o Círculo do livro (sacola em que as crianças levam o livro que

desejaram para casa e contam depois o que “leram”)

o Recontação das histórias ouvidas para um público específico

• Favorecer histórias com:

o Vivências radicadas no cotidiano familiar

o Imagens

o Textos brevíssimos

o Graça e humor

o Clima de expectativa e mistério (pré-leitor)

• Propor a transformação do contador com:

o Roupas

o Objetos característicos

o E outros adereços variados

• Estimular:

o Troca de experiências entre as crianças (com interferência e

contribuição do professor, promovendo discussões);

o Que as crianças criem um final diferente para a história;

o Os alunos a contarem a história ouvida para os colegas;

o Que as crianças façam ilustrações das histórias lidas;

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o Atividades com massa de modelar, colagem, pintura e as mais

variadas artes;

• O material produzido pelas crianças tem importante função:

o Registro do que se fez, aprendeu, conheceu

o Suporte de interlocução para as outras crianças (produção de

livros próprios)

• Abrir espaço para que as crianças exponham suas produções e as

expliquem;

• Após inúmeras contações, criar uma história coletiva com as

crianças;

• Selecionar textos preferidos das crianças para coletânea (montagem

de livro) para presentear alguém da escola ou a biblioteca da sala;

• Ler em forma de “novela” as obras:

o As aventuras do avião vermelho (Erico Veríssimo)

o Os três porquinhos pobres (Erico Veríssimo)

• Ler apenas para se deliciarem com o lido, sem necessariamente

desenvolver uma outra tarefa posteriormente como: interpretação

oral, teatro, desenho...

É interessante mencionar que a impressão que tenho é que toda minha

pesquisa tem vida própria, se é que posso dizer isso, pois em vários momentos

ela foi tomando rumos por si e as escolhas eram feitas de acordo com a

necessidade. O que me tranqüiliza a este respeito é que

As decisões a tomar são inúmeras, e o pesquisador terá que estar muito atento ao que pretende alcançar e à especificidade de seu objeto. [...] estudos indicam que a observação pressupõe o envolvimento do pesquisador em múltiplas ações, entre elas o registrar, narrar e situar acontecimentos do cotidiano com uma intenção precípua. Envolve também a formulação de hipóteses ou questões, o planejamento, a análise, a descoberta de diferentes formas de interlocução com os sujeitos ativos da realidade investigada e, certamente, a análise do próprio modo segundo o qual o pesquisador olha seu objeto de estudo. (TURA, in: ZAGO, CARVALHO e VILELA, 2003, p.187-188).

Assim, sempre atenta, modifiquei os planos quando necessário. E meus

registros, minhas narrações e hipóteses, meu planejamento, minhas análises e

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descobertas, os caminhos vão se delineando, se transformando. Por isso, não

me incomodaram as alterações de rumo, as mudanças de caminho, pois a

flexibilidade da pesquisa garante a chegada aos objetivos, neste caso,

descobrir como e qual o melhor caminho para se trabalhar com a literatura

infantil com crianças ainda não alfabetizadas de cinco anos. Afinal de contas,

como afirma Tura, “a observação possibilita não só o acúmulo de dados como

o descortinar de novos direcionamentos, novas focalizações e acertos de rota”

(in: ZAGO, CARVALHO e VILELA, 2003, p. 191).

Por isso, o planejamento feito para execução logo após o retorno da

greve foi tomando outras direções, novas rotas e encontrando novos caminhos.

1.3.6 O andamento do planejamento e outras atividad es

Entre os novos caminhos que se figuraram, no dia 31/07/2008, eu li o

livro Chapeuzinho Amarelo (que não estava no planejamento), de Chico

Buarque.

Na tarde seguinte (01/08/2008), as crianças também participaram de

uma atividade proposta pela estagiária da biblioteca a qual acompanhei e

também acabei realizando uma leitura para elas, Chapeuzinho Amarelo de

novo (a pedido delas desta vez).

Quase uma semana depois (04/08/2008), li para a turma O joelho

Juvenal, do Ziraldo. E oportunizei às crianças momentos de “leitura” individual

por puro prazer. Neste dia, apresentei / dei a eles um objeto mágico, uma

surpresa: uma bolsa mágica que carrega vários livros, várias histórias incríveis.

Li novamente no dia seguinte (05/08/2008), Chapeuzinho Amarelo.

Depois Pinote, o fracote e Janjão, o fortão, de Fernanda Lopes de Almeida. E

na mesma tarde, João Feijão, de Sylvia Orthof. Após estas leituras que

aconteceram todas numa mesma tarde, não solicitei desenhos ou algo

semelhante, o restante do tempo foi para eles se deliciarem com as obras

levadas.

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Na outra tarde (06/08/2008), li os livros: Ai, que medo!, de Shirley Souza

e, mais uma vez, Pinote, o fracote e Janjão, o fortão. Neste dia, contei histórias

só para quem quis. E os que demonstraram interesse também desenharam.

Após três dias seguidos de atividades, faltei um e, em 08/08/2008,

quando retornei, disse às crianças que tinha ido ler para elas, e informei os

nomes das histórias que levei. As solicitadas para leitura foram: João Feijão e

Chapeuzinho Amarelo.

Outra tarde, três dias após (11/08/2008), outras experiências foram

vivenciadas. Li a história A formiguinha e a neve, sem o suporte livro, mas com

o apoio de uma folha impressa, na qual havia digitada a história com algumas

ilustrações. Em seguida, li o livro Dona Baratinha, numa adaptação de Ana

Maria Machado.

No outro dia (12/08/2008), a programação foi ensaiar a encenação de

Dona Baratinha. Além disso, foi uma data muito especial, pois foi a

inauguração do Cantinho da leitura que organizei com a ajuda da professora.

Depois, no dia seguinte (13/08/2008), realizamos o segundo ensaio para

a apresentação. É importante lembrar que os ensaios foram realizados sempre

com o auxílio da professora regente.

Uma semana depois (18/08/2008), li os livros: Ai, que medo! e Era uma

vez um lobo mal, de Bia Villela. Também falei sobre o cantinho da leitura e a

necessidade de mantê-lo organizado e preservá-lo.

Dois dias depois (20/08/2008), li, a pedido de uma das crianças, mais

uma vez Chapeuzinho Amarelo. Em outro momento do dia seguinte

(21/08/2008), li o livro Que barulho é este?, de Mary e Eliardo França. E com a

ajuda das crianças, também li Gato de Papel. Esta ainda foi a tarde em que

fizemos testes para os papéis do Ratinho e da Baratinha do teatro.

Depois disso, na tarde subseqüente (22/08/2008), li para elas, no

cantinho da leitura, Não confunda, de Eva Furnari. Em seguida, um dos

meninos “leu” um livro de imagens, Gato de Papel. Uma semana depois

(27/08/2008), contei João e Maria e li, a pedido da turma, Chapeuzinho

Vermelho e Chapeuzinho Amarelo.

Logo iniciaram-se as atividades com a história de Dona Baratinha, e

assim, dois dias depois (29/08/2008), ensaiamos a encenação e fizemos o

teste das pinturas faciais de acordo com os personagens. Passados mais dois

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dias (01/09/2008), ensaiamos mais uma vez sem pintura no rosto. Após outros

dois dias (03/09/2008), realizei atividades improvisadas, tendo em vista que o

ensaio não deu certo e a professora regente saiu da sala, deixando-me sozinha

com a turma. Em compensação, após outros dois dias (05/09/2008),

ensaiamos duas vezes. No dia, 08/09/2008, não ensaiamos porque os

protagonistas não foram, então, li para eles o livro Uma história atrapalhada, de

Gianni Rodari. Passada uma semana (15/09/2008), ensaiamos duas vezes

com as marcações no chão. Três dias depois (18/09/2008), não ensaiamos

porque o Ratinho faltou. O que não impediu que no dia seguinte (19/09/2008),

a apresentação O casamento da Dona Baratinha acontecesse.

Cinco dias depois (24/09/2008), li a história A festa no céu. No dia

26/09/2008, apenas realizei entrevistas com as crianças. E em 17/10/2008,

além de realizar entrevistas li a fábula A raposa e as uvas, a pedido de um dos

alunos que levou o livro para que eu o lesse.

1.3.7 A organização do material coletado

Diante de tantos dados, senti necessidade de organizá-los para lhes dar

um tratamento mais adequado, considerando-se tanto os blocos de atividades

realizadas como as significativas atitudes das crianças.

Para tanto, juntei todas as anotações em cinco tabelas24, intituladas

Tabela A, Tabela B, Tabela C, Tabela D e Tabela E25. Esta catalogação do

dados durou aproximadamente um mês.

Nelas, lancei as informações e anotações das observações nas direções

horizontal e vertical. Na horizontal, encabeçando as (dez) colunas por tabela,

encontram-se os dados a respeito das atividades realizadas. Na vertical, inicio

as linhas com as anotações gerais e na seqüência com os nomes das crianças.

De maneira que, se seguir em uma coluna, terei uma visão geral de uma dada

24 Devido ao recorte feito, nas tabelas não considero as observações iniciais realizadas nas outras duas instituições de ensino infantil não consideradas nesta pesquisa, considero apenas as três fases da pesquisa de campo ocorridas no CAIC: de observação, participação/intervenção e pesquisa-ação. 25 Nos Apêndices, forneço o modelo de uma das tabelas criadas por mim.

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atividade realizada. Se quero saber, porém, a postura e o desenvolvimento de

um único aluno, posso consultar as tabelas na linha do aluno desejado e ter um

panorama de seu perfil diante das atividades executadas. Se, no entanto,

cruzar linha e coluna, posso ter o perfil de determinada atividade de algum

aluno ou vice-versa, consultando as tabelas.

Considerei árdua a tarefa de assim organizar estes dados, porém não

encontrei outra maneira de não perder informações importantes. E durante toda

análise, orientei-me por esta organização dos dados. Para conhecimento das

tabelas completas de dados, disponibilizo uma delas no apêndice desta

pesquisa. Posteriormente, resumi as tabelas para inseri-las nesta metodologia,

resgatando apenas as ações desenvolvidas por datas, excluindo-se as

anotações das observações e os nomes dos alunos.

1.3.8 Tabelas resumidas das ações realizadas

Para que se possa visualizar, então, de forma mais clara tudo o que foi

executado, organizei três tabelas resumidas das ações realizadas divididas em:

Fase de observação; Fase de participação/intervenção; Fase de pesquisa-

ação. Para cada dia considerei aproximadamente três horas de ação. Sendo,

portanto, o número de dias das tabelas multiplicáveis por três para se ter o total

médio de horas da pesquisa de campo realizada.

Fase de Observação

25/02/2008

Observação/diagnose

26/02/2008 27/02/2008 28/02/2008 29/02/2008

Total de horas de observação no CAIC ���� 15 03/03/2008

04/03/2008

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05/03/2008 Observação/diagnose

06/03/2008 07/03/2008

Total de horas de observação na Machado de Assis � 15 11/03/2008

Observação/diagnose

12/03/2008 13/03/2008 14/03/2008

Total de horas na Mateus Vinícius � 12 Total de observação/diagnose nas três unidades iniciais ���� 42

Fase de Participação/Intervenção no CAIC

25/02/2008 Professora regente leu O Patinho Feio. Brincadeiras livres. 26/02/2008 Li É meu! É meu! 27/02/2008 Contei Adivinha o quanto eu te amo? 28/02/2008 Professora regente passou o filme Procurando Nemo. 29/02/2008 Professora regente levou para um momento cultural na

biblioteca. Professora regente, com o auxílio das crianças leu Gato de Papel. Li um poema de José Paulo Paes, Água e o livro Abaixo o Bicho Papão.

17/03/2008 Retorno à escola: conversas, planejamentos com a professora.

18/03/2008 Contei Kimi e a história do sorvete. Primeira vez que fiquei sozinha com as crianças na sala.

19/03/2008 Celebração da páscoa. Brincadeiras livres. Também fiquei sozinha com as crianças.

26/03/2008 Atividade sobre as cores. 28/03/2008 Escuta do cd com a história Bom dia, todas as cores.

Total de horas de participação/intervenção no CAIC ���� 30

Fase de pesquisa-ação

31/03/2008 Contação de Chapeuzinho Vermelho pelas crianças. LI a

história na versão de Perrault. Pintura com tinta guache. História do Bicho Papão contada pelo Guilherme.

02/04/2008 Contei Chapeuzinho Vermelho por meio do livro de imagens, com o auxílio das crianças. Produção de cenas do livro em duplas. Guilherme contou as histórias do Bicho Papão, do Lobisomem, do Curupira e do Saci Pererê.

04/04/2008 Li três versões diferentes do clássico Chapeuzinho Vermelho. Criação da versão da turma.

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08/04/2008 Li a versão criada pela turma de Chapeuzinho Vermelho. Pintura de um desenho mimiografado levado pela professora regente.

11/04/2008 Roda de conversa sobre o filme Deu a louca na Chapeuzinho. Desenho opcional sobre o filme.

16/04/2008 Li o livro Abaixo o Bicho Papão. Um aluno também contou histórias de bicho papão.

18/04/2008 Li o livro Chapeuzinho Vermelho e o arco-íris: uma história sem lobo. Abertura para contação de histórias ou músicas.

29/07/2008 Retorno à escola. Leitura de Pinóquio. Conversas e novos planejamentos com diretora e professora.

31/07/2008 Li o livro Chapeuzinho Amarelo. 01/08/2008 Atividade promovida pela estagiária da biblioteca – com

contação da história Vovó Dragão. Li, na biblioteca, Chapeuzinho Amarelo, a pedido de um aluno.

04/08/2008 Levei a “bolsa mágica”. Li o Joelho Juvenal. Oportunizei “leitura” por prazer entre as crianças.

05/08/2008 Li três títulos: Chapeuzinho Amarelo; Pinote, o fracote e Janjão, o fortão; João Feijão. Sem desenhos, só leituras.

06/08/2008 Li dois títulos: Ai, que medo! e Pinote, o fracote e Janjão, o fortão. Li só para quem quis. Quem quis desenhou.

08/08/2008 Informei todos os títulos levados para serem lidos. E li os dois escolhidos: João Feijão e Chapeuzinho Amarelo.

11/08/2008 Li a história A formiguinha e a neve e o livro Dona Baratinha. 12/08/2008 Primeiro ensaio da peça Dona Baratinha. Inauguração do

Cantinho da Leitura. 13/08/2008 Segundo ensaio e primeiro no auditório. 18/08/2008 Li os dois títulos: Ai, que medo! e Era uma vez um lobo mau.

Falei sobre o Cantinho da Leitura (importância e cuidados). 20/08/2008 Li Chapeuzinho Amarelo a pedido de uma aluna. 21/08/2008 Li o livro Que barulho é este?. Li, com a ajuda das crianças,

Gato de Papel. Fizemos testes para os protagonistas do teatro.

22/08/2008 No Cantinho, li o livro Não Confunda! e um aluno “leu” o livro de imagens Gato de Papel.

27/08/2008 Contei João e Maria. A pedido da turma li Chapeuzinho Vermelho. Li também Chapeuzinho Amarelo.

29/08/2008 Terceiro ensaio. Testes das pinturas no rosto. 01/09/2008 Quarto ensaio. 03/09/2008 Não ocorreu o ensaio. Realizei atividades improvisadas. 05/09/2008 Quinto e sexto ensaios. 08/09/2008 Não ensaiamos por ausência dos protagonistas. Li o livro

Uma História Atrapalhada. 15/09/2008 Sétimo e oitavo ensaios. 18/09/2008 Não ensaiamos porque o ratinho faltou. Fiz entrevistas. 19/09/2008 Apresentação do teatro: O Casamento de Dona Baratinha. 24/09/2008 Fizemos feedback da apresentação. Li a história Festa no

Céu. 26/09/2008 Realizei entrevistas.

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17/10/2008 Realizei entrevistas. Li, a pedido de um aluno, a fábula A raposa e as uvas.

Total de horas de pesquisa -ação no CA IC ���� 99

TOTAL DE HORAS NO CAIC ���� 144 Total de horas de pesquisa geral � 171

Um dado a ser considerado é que, inicialmente, minhas freqüências na

sala de aula eram diárias, mas refletindo melhor, resolvi não estabelecer um

rigor nas atividades para observar o grau de influência de minha presença na

vida das crianças.

Após traçados os caminhos percorridos para a realização desta

pesquisa, faz-se necessário conhecer um pouco a teoria que proporcionou a

reflexão e análise de dados.

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Capítulo 2

INFÂNCIA E EDUCAÇÃO INFANTIL

Criança é carinhosa Criança é dengosa

Criança tem o coração puro que Deus lhe deu Aproveite a sua infância

Pois ela acaba um dia Se você quiser,

seu espírito será de criança para sempre. Mas seu físico e mente não,

eles mudarão, mesmo que você não queira.

Então, não se esqueça, ser criança é a melhor parte da vida. Bom, esse poema também acaba, pois tudo tem um fim até a vida,

então eu digo tchau! Fui!

(João Paulo, aluno de uma 4ª série em 2005)

As crianças como parece óbvio dizer, sempre existiram, entretanto, sua

percepção como um grupo etário bem diferente dos adultos é extremamente

nova e decorrente de transformações sociais e culturais.

É perceptível, por exemplo, por meio de leituras sobre a infância, na

sociedade medieval, que as crianças não mereciam destaque, não possuíam

espaço para suas brincadeiras, muito menos socialização com outras crianças

de sua idade; e que praticamente até o século XVII, elas possuíam convívio

com os adultos, mas sem existir, entretanto, um mundo infantil à parte. E,

justamente devido ao fato de serem consideradas como iguais aos adultos

(apenas menores), antes dos estudos de Ariès (1981), as crianças (seres até

então sem identidade específica) não chamavam tanto a atenção.

Assim sendo, ao tratar de questões sobre a Educação Infantil, preciso,

necessariamente, conhecer que criança “vive” esta Educação Infantil. Então,

bastaria abrir o dicionário e ver qual o conceito de criança? Não, porque este é

um conceito que, de acordo com Philippe Ariès, foi construído historicamente

(como, aliás, somos constituídos todos nós). Principalmente porque não é a

criança que narra ou se observa nas pesquisas em que ela é o sujeito. Sendo

assim, como eu poderia estudar sobre a prática de leitura na infância se não

me atentasse aos inúmeros discursos que tentam definir e definem o que é ser

criança ao longo da história?

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2.1 A infância é muito nova para ter história?

Em todas as análises, a criança e a infância emergem como categorias históricas, constituídas no cotidiano das relações sociais. Aparecem como sujeitos do ontem que nos provocam a pensar sobre o hoje e a sonhar com o amanhã [...]. (Diana Gonçalves Vidal)

Com toda certeza, nenhum ser é tão novo que não tenha sua própria

história. E no caso da infância não é diferente. Se considerarmos que as

crianças existem desde que existe a humanidade, a infância possui um longo

percurso histórico. Entretanto, a percepção ou a consciência da presença da

infância na história pelos adultos é muito recente, historicamente falando.

Antes, porém, de adentrar pelas questões históricas que permeiam a

infância e a criança, apóio-me nas palavras de Freitas e Kuhlmann Jr. (2002)

que expõem a compreensão destes dois termos: infância e criança.

A infância é a “concepção ou a representação que os adultos fazem

sobre o período inicial da vida, ou como o próprio período vivido pela criança”

(FREITAS E KUHLMANN JR., 2002, p. 7). Já criança é o “sujeito real que vive

essa fase da vida” (FREITAS E KUHLMANN JR., 2002, p. 7). Segundo estes

autores, a história da infância corresponde com a história das relações sociais,

culturais e dos adultos com as crianças, isto é, seria a forma como a sociedade

de determinada época lida com as crianças diante de suas concepções,

cultura, entre outros fatores; enquanto a história da criança seria a história da

relação das crianças entre elas e com os adultos que a cercam, bem como sua

relação com a cultura e a sociedade.

Isso quer dizer que infância representa um período da vida do ser

humano, um período que pode ser considerado como responsável pela

construção e pela apropriação de um sistema de comunicação a “fazer-se

ouvir”. Enquanto criança, por sua vez, representa a realidade psicológica e

biológica do indivíduo, e tem sua realidade vivida e capturada “como sujeito” a

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partir das instituições: família, escola, outras entidades assistenciais, etc.

resumindo, uma coisa é ser criança, outra bem distinta é ter infância.

O historiador francês Philippe Ariès (1981) é um pesquisador que muito

influencia os estudiosos sociais americanos e europeus no que diz respeito às

mudanças atitudinais da família com o passar dos anos. Ariès retrata a

descoberta da infância e a transformação de seus sentidos a partir da arte, por

meio de uma análise de como os artistas das diferentes épocas retratavam o

ser infantil, observando, desse modo, a sensibilidade adulta em relação à

infância nas sociedades européias nas pinturas, obras sacras, entre outros

como diários de famílias e túmulos. E, embora a infância tenha sido descoberta

no século XIII e sua evolução tenha sido acompanhada pela história da arte,

seu desenvolvimento é significativo mesmo durante o século XVII.

Observei com as leituras de Ariès (1981), que a forma como a criança é

reconhecida pela sociedade está ligada à organização dos grupos sociais e em

especial a família. Na sociedade medieval, assim que a criança dependesse

menos dos cuidados de alguém mais velho, já podia se misturar (e se

misturava) aos adultos, participando, assim, dos afazeres domésticos, das

diversões e perdiam, em contrapartida, sua infância. Na verdade, nesta época,

a criança era tida como incompleta, como um adulto em miniatura. Todavia,

pouco a pouco, possui suas especificidades reconhecidas, até chegar a ser

amada.

Na Modernidade, por exemplo, Ariès registra que as crianças passam a

ser percebidas de outra forma, emergindo como “categoria social”, pois elas

passam a despertar manifestações de sentimento de paparicação e

moralização. Surge o olhar com afeto sobre a ingenuidade e até mesmo sobre

a graça das crianças que distraíam os adultos. Simultaneamente, surge a

necessidade de moralizá-las e educá-las seguindo novas ordens sociais que

mudam, inclusive, a organização e o convívio familiar.

A partir da Idade Moderna, a criança passa a ser vista como alguém que

precisa de atenção particular e de acordo com sua idade. É o período no qual o

adulto passa a idealizar a infância: a criança é considerada como inocente e

dependente por possuir pouca experiência com a realidade. Na verdade, esta é

uma concepção que até hoje muitos consideram: a concepção de que a

infância é o espaço da alegria, da inocência e da falta de domínio da realidade.

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Entretanto, um fator que chamou minha atenção e não pode ser

esquecido ao se tratar da história da infância é que Ariès (1981) trata sobre as

questões morais que permeiam o contato dos adultos com as crianças.

Contemporaneamente, por exemplo, os adultos não devem falar sobre

assuntos sexuais na frente das crianças. Entretanto, isso não existia na

sociedade moderna. Ariès (1981) mostra que por meio da leitura do diário de

Heroard, o médico de Henrique IV que anotava os fatos corriqueiros da vida de

Luís XIII, as crianças eram tratadas praticamente com brincadeiras “sexuais” ou

que ao falar com elas, quase sempre tratavam dos órgãos sexuais das

crianças, especialmente dos meninos. Era uma prática de quase todas as

famílias associar as crianças às brincadeiras sexuais dos adultos. Era permitido

dizer e fazer tudo na frente delas.

Além disso, a educação “verdadeira” praticamente só tinha início a partir

dos sete anos quando já estariam aptas para o trabalho. E, com o tempo, a

criança, antes criada quase sempre por outras famílias, passa a ser educada

pela sua própria família, o que fez com que se despertasse um novo

sentimento por ela. Este é o momento em que Ariès fala em “surgimento da

infância”, constituído por dois momentos: paparicação e apego.

A paparicação seria um sentimento despertado pela beleza, ingenuidade e graciosidade da criança. E isto fez com que os adultos se aproximassem cada vez mais dos filhos. Assim, os gracejos das crianças eram mostrados a outros adultos, fazendo da criança uma espécie de distração, tornando-se bichinhos de estimação. [...]O sentimento de apego surge a partir do século XVII, como uma manifestação da sociedade contra a paparicação da criança, e propõe separá-la do adulto para educá-la nos costumes e na disciplina, dentro de uma visão mais racional. (ROCHA, 2002, p. 56)

Desse modo, a criança passa a ter um papel central nas preocupações

da família e da sociedade. E os laços entre adultos e crianças, pais e filhos,

são modificados e fortalecidos, pois a criança começa a ser vista como

indivíduo social, dentro da coletividade, e a família passa a ter grande

preocupação com sua saúde e sua educação.

Esta nova idéia sobre a infância que emergiu na Modernidade estende-

se à contemporaneidade e sua concepção sobre infância e criança. Como é

possível analisar com as leituras de Ariès e Kuhlmann Jr., há grandes

transformações na forma de se pensar e de agir em relação à vida e ao corpo,

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especialmente em relação ao sentimento moderno da infância. E, muito

embora, a transposição das questões levantadas sobre a infância francesa por

Ariès possam implicar desvios de interpretação devido às diferenças históricas,

geográficas, sociais e culturais, fatores que acarretam particularidades à

concepção de infância, aos sentimentos e à prática da atenção e educação das

crianças, posso constatar que:

Em culturas não-européias, como entre os povos nativos nas que constituíram o Brasil, embora ainda pouco exploradas pela pesquisa histórica, também se podem encontrar evidências tanto de infanticídio quanto de cuidados e significados especiais para o período inicial da vida, como nas lendas indígenas que têm crianças como protagonistas. (KUHLMANN JR. e FERNANDES, in: FARIA FILHO, 2004, p. 18)

Percebo, então, que do mesmo modo que os mais diversos aspectos da

vida e da atividade humana transformam-se com o tempo, a relação da

sociedade com a infância também. Tanto que com o tempo, propagaram-se as

propostas planejadas para as crianças na legislação, nas políticas públicas, na

saúde, na educação.

Segundo Redin e Redin (2008), nas sociedades pré-modernas, não

existia tanta diferença entre o que os adultos sabiam e o que as crianças

também sabiam via experiência ou cultura oral. Entretanto, com a descoberta

da imprensa, a expansão das instituições educativas e o acesso à leitura e à

escrita, abre-se uma divisão entre aqueles que sabem e os que precisam ir à

escola para saber.

A institucionalização da escola pública e sua massificação estão

intimamente relacionadas à construção social da infância, pois ajudaram às

crianças a saírem do trabalho produtivo (imposto pelos adultos). Em

compensação, a freqüência das crianças na escola, cria o que se pode chamar

de “ofício de aluno”, aponta Sarmento (2000, apud REDIN e REDIN, 2008, p.

14). “No final do século XIX e no início do século XX, a infância e a sua

educação irão integrar os discursos sobre a edificação da sociedade moderna”

(KUHLMANN JR. e FERNANDES, 2004, p. 26).

Concomitantemente ao progresso e ao desenvolvimento da sociedade,

como a industrialização e a tecnologia, Kuhlmann Jr. e Fernandes (2004)

constatam que se inclui a educação das crianças. E a maior divulgação e ação

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no que diz respeito ao desenvolvimento infantil são os cuidados com a saúde a

higiene, proporcionando um ideário mais científico e obtendo lugar na

pedagogia da época moderna.

A respeito das mudanças que a história da sociedade provoca na

infância e sua conceitualização, Kuhlmann Jr. e Fernandes (2004) apontam

que: “O fato social se explicaria em relação aos outros fatos sociais,

envolvendo a demografia infantil, o trabalho feminino, as transformações

familiares, novas representações sociais da infância, etc.” (KUHLMANN JR.,

2007, p. 15-16).

Independente do estudo que envolva as crianças, ou seja, ao tratar

sobre a infância em qualquer que seja a situação, precisamos buscar suas

concepções e ficar atentos para aquelas conceitualizações que desconsideram

o contexto em que surgem e se desenvolvem as crianças, além de suas

relações sociais em todos os aspectos: econômico, histórico, cultural e político,

entre tantos outros. Aspectos que possibilitam a visualização de diferentes

infâncias coexistindo em um mesmo tempo e em um mesmo lugar.

Assim sendo, ao se procurar respostas a questões relacionadas a

infância e a criança, é preciso contextualizar-se a época em que a resposta se

embasará, bem como quais as referências serão usadas para organizar o

conceito, afinal, ser criança na sociedade contemporânea é extremamente

diferente de ser criança em períodos históricos anteriores.

E apropriando-me de outras palavras de Kuhlmann Jr. encerro esta

breve consideração sobre a história da infância crendo que: “À luz do exposto,

é preciso reconstituir o objeto da infância, em alguma medida, não apenas pela

constituição de novas respostas, mas pela ousadia de novas indagações”

(KUHLMANN JR., 2002, p. 58).

Diante de tudo o que foi exposto, posso concluir que a forma como

acredito que a criança seja hoje tem suas raízes quando à criança foi dado um

papel ativo no seio familiar e até social, pois passou a ser vista como um ser

que possui uma função, que varia entre as sociedades, as culturas, entre as

famílias, dentro de uma mesma família e, ainda, de acordo com a condição

social e econômica da família.

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2.1.1 Concepção de criança

Criança tem que amar E também tem que respeitar Criança tem que ir à escola

Ter brincadeira e estudar!

Criança tem carinho, Amor e amizade.

Criança é uma Flor a cultivar.

(Ananda, aluna de uma 4ª série em 2005)

Diante das situações expostas até aqui e das leituras feitas da obra de

Sonia Kramer (1992, p. 16) entendo, portanto, que não se pode adotar uma

concepção abstrata da infância, pois, assim, analisaria a criança apenas a

partir de sua natureza infantil, desvinculando-a de suas relações sociais reais.

É, preciso, então, compreender a criança a partir de seu contexto social.

Atualmente, no início do século XXI, este sentimento de infância origina-

se de uma dupla atitude com relação à criança, conforme aponta Kramer: a

preservação da criança da corrupção do meio, possibilitando que sua inocência

se mantenha e o fortalecimento de sua razão, valores e caráter. E conforme

apontam diversos estudos, a idéia de infância surgiu na sociedade capitalista,

urbano-industrial, já que modificam a inserção e o papel da criança na

sociedade. Na sociedade medieval, a criança era produtiva como o adulto logo

após ultrapassar o período etário em que havia muita mortalidade infantil. Na

sociedade burguesa, por sua vez, a criança já é vista como alguém que precisa

de cuidados, precisa ser escolarizada e preparada para sua ação no futuro.

Como bem escreve Sonia Kramer (1992):

[...] Deve-se partir do princípio de que as crianças (nativas ou imigradas, ricas ou pobres, brancas ou negras) tinham (e têm) modos de vida e de inserção social completamente diferentes umas das outras, o que correspondia (e corresponde) a diferentes graus de valorização da infância pelo adulto, a partir de suas condições econômicas, sociais e culturais, e do papel efetivo que exerciam (e exercem) na sua comunidade [...]. (KRAMER, 1992, p. 20)

Aqueles dois aspectos relacionados ao sentimento da infância,

paparicação e moralização são tidos, por esta autora, como complementares

para a concepção de infância.

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Hoje, no início do século XXI, a concepção de infância é concebida em

um contexto histórico e social de modernidade, com tecnologias avançadas no

cotidiano da população, com redução da mortalidade infantil, todavia, tais

mudanças no contexto histórico não foram suficientes para se eliminar o

trabalho infantil, muitas vezes escravo; a violência física e moral; a exploração

sexual e de trabalho, entre outras barbáries que ainda acontecem.

Com o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RECNEI),

em seu volume introdutório, é possível conhecer a concepção de criança que

permeia os subsídios para a prática escolar da faixa etária da educação infantil.

Este material também discorre sobre a historicidade da construção da

concepção de criança que não é homogênea nem mesmo no interior de uma

mesma época. O que quer dizer que é possível, por exemplo, em uma mesma

cidade maneiras diferentes de se considerar as crianças pequenas,

dependendo, por exemplo, da classe social a que pertencem ou mesmo do

grupo étnico que são integrantes. Resumindo, a criança, ao mesmo tempo em

que é produto da história, é produtora de história (FARIA apud Parâmetros

Nacionais para Qualidade da Educação Infantil, 2006, p. 13).

Algumas das concepções de criança que foram, por muito tempo,

aceitas na Educação Infantil até o surgimento das bases epistemológicas que

fundamentam contemporaneamente a pedagogia para a infância são: o

perceber a criança como um ser que nasce pronto ou que nasce vazio e

carente de elementos “necessários” à vida adulta; além de a criança ser

reconhecida como sujeito conhecedor e, por assim o ser, tem seu próprio

desenvolvimento ampliado por sua iniciativa pessoal e capacidade de agir por

si mesmo.

No Brasil, grande parte das crianças pequenas possui uma vida diária

bastante pobre e com condições precárias e até trabalho infantil, abuso e

exploração pelos adultos que o cercam. Por outra via, uma pequena parcela

destas crianças é protegida e cercada de cuidados por suas famílias e

sociedade em geral, recebendo, desse modo, os cuidados necessários para

seu desenvolvimento. Estas são duas situações distintas que geram uma

dualidade e revelam as desigualdades sociais do país.

E nestes termos, a família é um ponto de referência de extrema

importância para criança, uma vez que a família, biológica ou não, consiste em

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um ponto de referência fundamental, talvez até mesmo mais importante do que

a multiplicidade de interações sociais que estabelece com as pessoas de

outras instituições sociais.

As crianças são muito diferentes dos adultos e possuem uma natureza

singular, que as caracteriza como seres que sentem e pensam o mundo de um

jeito extremamente distinto e particular. E, sendo assim, no seu processo,

também muito próprio, de construção do conhecimento, as crianças utilizam as

mais variadas linguagens e exercem todo o potencial que possuem de terem

idéias e criarem hipóteses originalíssimas para tentarem resolver o que buscam

desvendar.

Nesse sentido, elas constroem e ampliam conhecimentos a partir das

interações que estabelecem com os adultos e outras crianças. O conhecimento

é produzido, portanto, a partir de um intenso trabalho de “criação, significação e

ressignificação” (RECNEI, 1998). E esta concepção de construção do

conhecimento infantil a partir da interação social foi estudada com abordagens

e enfoques diversos por vários autores como Piaget, Vygotsky e Wallon. Nos

últimos anos, estas pesquisas vêm influenciando, notadamente, a educação.

Compreender, conhecer e reconhecer o jeito particular das crianças serem e estarem no mundo é o grande desafio da educação infantil e de seus profissionais. Embora os conhecimentos derivados da psicologia, antropologia, sociologia, medicina etc. possam ser de grande valia para desvelar o universo infantil apontando algumas características comuns de ser das crianças, elas permanecem únicas em suas individualidades e diferenças. (RECNEI, 1998)

Este talvez seja o maior desafio do professor de educação infantil:

reconhecer a unicidade, a singularidade, a individualidade de cada criança em

meio a toda pluralidade social, econômica e de culturas em que as crianças

convivem.

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2.2 Educação Infantil

É interessante perceber que a expressão educação infantil não possui

apenas um sentido.

Se ela for analisada sob uma ótica mais ampla, por exemplo, engloba

todas as experiências vivenciadas pela criança, que, na verdade, funcionam

como modalidades educativas, isto é, todas os momentos vivenciados na

família e na sociedade, mesmo antes de a criança atingir a chamada idade

escolar obrigatória, constituem atos educativos pertencentes a educação

infantil. Isto significa que a educação infantil refere-se tanto à educação familiar

e à convivência social e comunitária, como à educação experimentada em

instituições com caráter escolar.

Numa visão mais restrita, a educação infantil tem sido, cada vez mais,

difundida como a freqüência regular pela criança a um estabelecimento de

ensino que não seja sua residência familiar, que contenha outras crianças e

que não esteja submetida à obrigatoriedade escolar.

Até a institucionalização do Ensino Fundamental de Nove Anos, por

meio da Lei N.º 11.274, no Brasil, a Educação Infantil abrangia do zero aos seis

anos de idade. Atualmente, com a entrada, obrigatoriamente, das crianças no

ensino fundamental aos seis anos, o ensino infantil é considerado até os cinco

anos e onze meses.

Nesta pesquisa, meus sujeitos são considerados dentro do sentido

estrito da Educação Infantil, ou seja, meus estudos centralizaram-se em uma

unidade que oferece o ensino infantil, conforme garantido na LDB.

2.2.1 Educação Infantil brasileira e suas pegadas h istóricas

Os Meninos Carvoeiros Os meninos carvoeiros Passam a caminho da cidade. _ Eh, carvoero! E vão tocando os animais com um relho enorme. Os burros são magrinhos e velhos.

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Cada um leva seis sacos de carvão de lenha. A aniagem é toda remendada. Os carvões caem. (Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe, dobrando-se com um gemido.) _ Eh, carvoero! Só mesmo estas crianças raquíticas Vão bem com estes burrinhos descadeirados. A madrugada ingênua parece feita para eles... Pequenina, ingênua miséria! Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis! _ Eh, carvoero! Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado, Encarapitados nas alimárias, Apostando corrida, Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos desamparados.

(Manuel Bandeira)

A história da educação infantil no Brasil é bem recente, e embora haja

iniciativas no país há mais de cem anos, foi nos últimos decênios que cresceu

o número de atendimentos às crianças de zero a cinco26 anos. Alguns fatores

contribuíram para esta expansão do ensino infantil como a urbanização, a

industrialização, a participação da mulher no mercado de trabalho e, ainda, as

alterações na organização da família contemporânea. Por outro lado, também

contribuíram para esta expansão o reconhecimento, pela sociedade, de

experiências extra-família para o melhor desenvolvimento da criança, além de

algumas conquistas sociais dos movimentos que lutam pelos direitos da

criança, entre eles, o acesso à educação nos primeiros anos de vida.

A sociedade agrária e rural do século XIX não possuía atendimento

especializado às crianças pequenas, como acontece hoje. Naquela época, a

atenção e cuidados com a criança eram obrigações da mãe. E o atendimento

“institucional” que havia era feito pela igreja aos órfãos, normalmente, filhos de

relações nas quais os senhores brancos exploravam sexualmente as negras e

índias. E já no final do século XIX, início do XX, as transformações sociais e a

urbanização ascendente, bem como a industrialização do Brasil, amplia-se o

mercado de trabalho e como a contratação de mão-de-obra feminina.

Entretanto, se a sociedade industrializada precisava de mão-de-obra feminina, 26 Alteração de seis anos para cinco anos no último ano da Educação Infantil, após a implantação do Ensino Fundamental de Nove Anos.

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ao mesmo tempo não reconhecia como responsabilidade e até dever social a

ajuda na criação dos filhos. E assim, as crianças eram cuidadas por vizinhos,

familiares, entidades filantrópicas e mães crecheiras.

De uma forma geral, o início da instituição de escolas pré-escolares e de

creches foi mais entendido como favor e caridade, do que direito das crianças e

das mães, que objetivava suprir e compensar as falhas de nutrição e até

higiene destes pequenos que freqüentavam tais instituições. Passou a ser, na

verdade, uma proposta a ser dedicada às famílias pobres e com incapacidade

para educar os próprios filhos. E tal concepção de atendimento às crianças è

então chamada primeira infância é concebida como assistencialismo.

Kuhlmann Jr. (1998, p. 167) aponta que desde o início a educação

infantil carrega uma diferenciação no atendimento às crianças pobres e às

ricas. As creches, em sua maioria, eram o local das crianças pobres e estavam

ligadas ao serviço social e assistencial, desenvolvendo principalmente

atividades relacionadas à alimentação, cuidados, higiene e de segurança física

das crianças. Os jardins-de-infância, por sua vez, particulares ou públicos,

eram organizados para o atendimento das crianças de famílias mais

privilegiadas financeiramente e sua estrutura educativa colaborava e colaborou

para a organização pedagógica das crianças.

O assistencialismo era, portanto, uma proposta “educacional”

configurada às classes populares e a pedagogia das instituições para os

pobres era uma pedagogia que humilhava para depois oferecer atendimento

como oferta, como favor aos “necessitados”. Tratava-se (e algumas instituições

ainda tratam!) de uma educação vista e praticada de forma preconceituosa e,

justamente por isso, quase sempre (ou sempre!) de baixa qualidade. O que

ocasionaria a permanência das crianças que pertenciam às classes pobres,

nestas para sempre.

Como mostra a história, então, com o passar dos anos, as instituições

de educação infantil disseminam-se pelo mundo e, em 1875, é inaugurado o

primeiro jardim-de-infância brasileiro (particular e que aceitava apenas

meninos), no Rio de Janeiro. Desde então, as instituições de ensino lentamente

expandiram-se, ora ligadas aos sistemas de educação (para crianças de 4 a 6

anos); ora, aos órgãos de saúde e assistência.

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A educação infantil brasileira, durante todo seu processo, sofre muitas

transformações e ganha força com a Declaração Universal dos Direitos da

Criança de 1959 e com a Convenção Mundial dos Direitos da Criança de 1989,

e tem sua “consolidação” a partir da Constituição de 1988 e na Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB). “Consolidação” que “passa a

reconhecer que as creches e pré-escolas, para crianças de 0 a 6 anos, são

parte do sistema educacional, primeira etapa da educação básica”

(KUHLMANN Jr., 2000, p. 6). Já a criação, em 1990, do Estatuto da Criança e

do Adolescente (ECA), torna os municípios responsáveis pela infância e pela

adolescência.

Representa um grande marco a LDB, pois nela é a primeira vez que

surge a expressão “educação infantil” em uma lei nacional, recebendo

destaque inexistente em outras legislações e sendo tratada em seção

específica. A educação infantil é definida como a primeira etapa da educação

básica e objetiva a formação integral da criança até os seis anos27 de idade.

No que tange às competências e responsabilidades pela oferta da

educação infantil, tanto a LDB quanto a Constituição apontam que a educação

infantil é a prioridade do município, embora também fique evidente que tanto o

Governo Federal quanto o Estadual também possuem responsabilidades neste

nível educacional.

Também é necessário considerar, ao se tratar de educação infantil, os

desafios impostos para o efetivo atendimento dos direitos da criança expostos

pela Constituição e pela LDB, ou seja, é necessário, por exemplo, pensar nas

questões de acesso a essa educação infantil e na qualidade deste

atendimento.

Eis, portanto, alguns atos importantes para o “bom” desenvolvimento da

educação infantil brasileira, contudo, esta etapa da vida escolar das crianças, a

educação infantil, ainda engatinha e a simples “inclusão” das creches aos

sistemas educacionais não supera a concepção educacional e, sobretudo,

assistencialista dos cuidados às crianças da educação infantil. E em relação a

isso, a prática docente muito tem a contribuir.

27 Isto antes da implantação do Ensino Fundamental de 9 anos. Mais adiante será considerado do 4 aos 5 anos.

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Perpassando rapidamente pela história da educação infantil, percebe-se

que muito ainda há a de ser feito para que as idéias de assistencialismo e de

pedagogia por pedagogia se esfacelem e abram portas a uma educação que

considere todas as peculiaridades da fase da infância e aproveite a própria vida

das crianças para incluírem-nas, de forma ativa e gradativa, em práticas sociais

letradas

2.2.2 Educação Infantil na atualidade

Mesmo no século XXI, após tantas discussões e avanços, algumas

famílias ainda encontram dificuldade de encontrar, próximo a suas casas,

creches com atendimento de qualidade para crianças de 0 a 3 anos. Além de

coexistirem concepções e propostas de atendimento preconceituosas e

práticas que buscam seguir as novas diretrizes legais que se fundamentam na

visão da criança como sujeito de direitos e ativo em seu processo de

aprendizagem.

E, acompanhando as desigualdades sociais do país, está a diversidade

de atendimento ofertado nos setores público e privado, no que diz respeito ao

funcionamento das instituições de ensino infantil, sua infra-estrutura e aspectos

pedagógicos, muito embora as desigualdades também sejam rica fonte da

diversidade cultural brasileira.

Diante desta caminhada histórica, aqui muito reduzida, é possível

compreender que para o bom exercício de sua profissão, o professor precisa

conhecer a história das creches e pré-escolar, bem como as concepções de

criança que permeiam sua prática.

Resumidamente, a creche e a pré-escola são lugares de brincadeiras e

aprendizados, antes eram espaços apenas para cuidados. Sendo assim, tem

sido organizada uma proposta para a Educação Infantil, pelo governo federal,

que integre cuidado e educação (processos indissociáveis e complementares

da educação da criança), muito embora alguns modelos meramente

assistencialistas insistam em persistir. E, sobretudo, aonde esta caminhada

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histórica da Educação Infantil brasileira chegará depende, exclusivamente, da

presença, da relação e das interferências das famílias envolvidas, das políticas

públicas, e da formação e função do professor.

2.2.3 Educação Infantil em Rondonópolis – MT

2.2.3.1 Contextualização histórica

Novas teorias abrem possibilidades de mudança, mas só isso não é

suficiente, precisa-se de mudança nas práticas do educadores, no interior das

instituições de ensino, além da necessidade de mudança de instâncias

superiores. Todas estas mudanças são as responsáveis pela transformação

educacional, que trata-se, na verdade de um desafio indispensável à educação

no geral e à infantil, em especial. Afinal, é necessário respeitar as

necessidades básicas das crianças, em especial as de 0 a 5 anos e 11 meses,

suas particularidades, especificidades, considerando-se sua cultura.

Na Educação Infantil, cada momento deve ser uma vivência; cada

objetivo, um desafio; cada situação, uma oportunidade de buscar,

experimentar, descobrir, interagir com seus pares, garantindo às crianças

gradativa construção de sua identidade e autonomia, oferecendo-lhe espaço

livre para agir, acertando ou errando, sem ensinamentos prontos e

estereotipados.

Desse modo, em Rondonópolis – MT, após aproximadamente 18 anos

de funcionamento de creches, os profissionais da rede municipal da Educação

Infantil, responsáveis pela intervenção pedagógica mediadora do

desenvolvimento da criança, uniram-se para elaborar um Referencial Curricular

para os Professores desta Modalidade de Ensino.

Por entenderem como inconcebível os professores, sobretudo das

unidades públicas, conviver com uma instituição em que sua concepção seja

desprovida de caráter que norteia o resgate da cidadania, surgiu a intenção de

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criar o Referencial Curricular da Educação Infantil de Rondonópolis, tendo

como base teórica o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil. Este

Referencial, criado a partir da união dos profissionais da Educação Infantil de

Rondonópolis e da Secretaria Municipal de Educação (SEMEC), passa a ser

uma diretriz pedagógica para que o professor exerça seu papel mediador na

construção do conhecimento das crianças, respeitando e atendendo às

peculiaridades e necessidades de cada um, com socialização de valores,

vivências, representações, elaborando sua identidade étnica de gênero e

classe, enquanto cidadãs brasileiras. O fato é que a Educação Infantil constitui-

se um elemento chave na formação das crianças.

Todavia, apesar da criação do Referencial Curricular da Educação

Infantil de Rondonópolis pela Secretaria Municipal de Educação através da

seção de Educação Infantil, a preocupação do município com o atendimento de

qualidade às crianças não é tão recente.

Por exemplo: em 1995, elaborou-se o “Manual Informativo – Creche”; em

1998, o Programa Pré-escolar, uma alternativa para a Educação Infantil”; em

1999, a SEMEC busca subsídios para a realização de uma proposta unificada

e atualizada, o Referencial Curricular da Educação Infantil de Rondonópolis;

em 2001, acontece, então, a organização de educadores diretamente

envolvidos na Educação Infantil alavancam o Novo Referencial Curricular da

Educação Infantil de Rondonópolis, para tanto, a SEMEC participou, orientou e

convidou professores, supervisores de escolas com pré-escola, apoios

pedagógicos e gerentes das unidades de Educação Infantil que se reuniram

periodicamente e buscaram como base o Referencial Curricular Nacional da

Educação Infantil, além de consultarem propostas pedagógicas de outros

municípios e material bibliográfico da área.

Neste trabalho, a comissão inicialmente formada por 55 educadores e

finalizado com 40 profissionais, para conseguir dados acerca da história da

Educação Infantil em Rondonópolis, realizaram uma pesquisa de campo.,

quando foi possível registrar que:

Na década de 80, foram inauguradas quatro creches em bairros

periféricos da cidade, atendendo aproximadamente 173 crianças. As creches

possuíam características próprias como as relacionadas ao número de salas,

dependências físicas, número de crianças e funcionários, mas também

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possuíam características comuns como o funcionamento em período integral,

inicialmente com a função assistencialista, objetivando o “cuidar” das crianças

de mães trabalhadoras com baixo poder aquisitivo e por ter este caráter

assistencialista, não possuíam preocupação com a formação dos profissionais

que trabalhavam com estas crianças. Porém, para tanto, era necessário saber

ler, escrever e “gostar de crianças”. Pelos relatos, observou-se que a maioria

do profissionais tinha como formação o 9º ano do Ensino Fundamental28 e

apenas alguns possuíam o magistério. Não havia, portanto, critérios pré-

estabelecidos para a contratação destes profissionais, pois esta era efetivada

por favorecimento político.

Em 1988, a SEMEC passou a realizar teste seletivo para contratação de

funcionários para atuarem nas creches. Estas unidades eram mantidas pela

Prefeitura Municipal em contrapartida do Programa Nacional do Voluntariado /

Legião Brasileira de Assistência (PRONAV / LBA). A jornada de trabalho era de

8 horas e para garantir o atendimento em período integral, havia um turno

intermediário. A parte administrativa das creches era mantida pela

Coordenadoria Geral da SEMEC, mas em cada creche, havia uma orientadora.

Na década de 90 foram inauguradas mais três creches, incluindo o

CAIC, onde há atendimento do Ensino Fundamental, incluindo a Educação

Infantil. Neste decênio também, em 1998, a pré-escola passou a funcionar no

prédio da escola CAIC. O CAIC, diferente das demais creches do município até

então, foi construído pelo Governo Federal e possui uma estrutura diferenciada

das demais creches municipais. Todavia, é mantido e administrado como as

demais, pela Prefeitura.

Neste período também houve considerável mudança em termos de

melhorias com relação ao espaço físico das creches inauguradas nos anos 80,

pois foram ampliadas e reformadas. Já as que foram construídas nos anos 90

possuíam estrutura considerada própria.

Em 1994, passa ter o concurso público para efetivação de professores

da Educação Infantil, quando se passa a exigir, no mínimo, o magistério em

nível médio. Já em 1999, há extinção do PRONAV/LBA e as creches passam a

receber apoio do Ministério de Previdência e Assistência Social (MPAS). Nesse

28 Na década de 80, denominado 8ª série do Ensino Fundamental.

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ano também, as creches são denominadas Unidade Municipal de Educação

Infantil (UMEI) e também ganham nome próprio. Em 2001, sete unidades são

criadas. Há a implantação do Plano de Carreira, Cargos e Salários dos

Funcionários Públicos.

Neste ínterim, em relação à Educação Infantil, é importante mencionar

que, além das UMEIs, destaca-se o trabalho da Cáritas Diocesanas de

Rondonópolis, desde 1979 quando possuía 22 creches. E já no ano de 2000, a

Cáritas contava com 32 creches. A Cáritas conta com recursos católicos da

Alemanha e tem convênio com o Governo Federal e a Prefeitura Municipal.

Além disso, toda creche possuía uma madrinha que promovia festividades e

carinho às crianças.

Além das UMEIs e da Cáritas, a Educação Infantil de Rondonópolis

conta também com o Centro Social Urbano (CSU), com o Serviço Social do

Comércio (SESC) e escolas particulares para atender a demanda local.

Em 2001, o município contava com 21 escolas de pré-escolar, que

passou a ser oferecido desde 1998, seguindo orientações da LDB. Em 2008,

por sua vez, o município contava com 9 UMEIs (creches, com ensino para as

crianças de 0 a 3 anos) e 4 Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs)

(com ensino pré-escolar). E a proposta educativa que a SEMEC orienta que

embasa as aprendizagens das crianças segue a linha Vygostkyana, na qual as

bases epistemológicas da aprendizagem e do desenvolvimento humanos estão

nos princípios de interação e a linguagem é um instrumento necessário. Para

2009, o município planeja construir mais 4 UMEIs e 1 EMEI.

O aumento de matrículas na pré-escola, nos anos de 2007 e 2008 é um dos indícios da formulação de políticas públicas para a infância; aliado à ampliação da oferta, constata-se o investimento em estruturas físicas, material pedagógico e formação dos profissionais da infância. Estes são pontos relevantes à implementação da qualidade na Educação Infantil, mas à medida que as estatísticas denotam aumento em relação à ampliação do atendimento, um investimento maior se faz necessário, visando que a permanência da criança na escola seja vivida com qualidade. Esta ampliação de matrículas na Educação Infantil relaciona-se ao espaço de democratização da educação brasileira, da construção e vivência da e na cidadania e dos conflitos que permeiam a dialética das construções histórico-sociais. [...] (LOPES, 2008, p. 52-53).

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Lopes (2008) registra, assim, que a política de Educação Infantil em

Rondonópolis – MT tem provocado reflexões no que diz respeito ao

crescimento da oferta e à qualidade do ensino oferecido. E conclui que ainda

muito há de ser feito para que se alcance, no município, uma educação com

eqüidade para todos, pois, embora as políticas municipais têm avançado no

tocante à ampliação de vagas, este crescimento da oferta demanda mais

investimento em estruturas físicas e na formação continuada dos profissionais,

já que eles são indispensáveis à educação de qualidade.

2.2.3.2 Proposta Diretriz Curricular Municipal para o Ensino Infantil29

De acordo com esta Proposta, organizada pela Seção Infantil da

SEMEC, as atividades propostas às crianças de 5 anos devem:

• Valorizar a relação adulto-criança e criança-criança para desenvolver

a autonomia;

• Valorizar a relação adulto-criança, criança-criança e criança-

ambiente para aumentar o conhecimento sobre si e o ambiente que a

rodeia;

• Desenvolver paulatinamente diferentes formas de linguagem e

estimular o processo de leitura e escrita;

• Estimular e desenvolver o pensamento lógico;

• Desenvolver a consciência da relação existente entre a diversidade

de vida no mundo.

Sendo assim, a Proposta em relação à linguagem e expressividade,

prevê práticas lingüísticas que envolvam: interação com a linguagem

(conversas, relatos, descrições, expressão de idéias, entre outras

possibilidades); brincadeiras com a linguagem (trava-línguas, rimas,

adivinhações, etc.); participação em situações de leitura de diferentes gêneros

feita pelo professor; narração e dramatização, individual ou coletiva de 29 Darei ênfase apenas ao 2º Agrupamento do II Ciclo da Educação Infantil que corresponde à faixa etária dos 5 anos de idade.

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históricas, com ou sem o livro; participação em situações cotidianas com uso

social da leitura e da escrita; contato com a linguagem iconográfica;

observação e manuseio de materiais impressos; rabiscos livres; participação na

elaboração de textos coletivos; audição de narrativas da literatura brasileira

feita pelo professor ou através de material fonográfico, entre outras.

A Proposta prevê, ainda, que os professores avaliem o erro como

tentativa de acerto. E que realizem registros das atividades em diários de

campo, dossiês ou mesmo relatórios.

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Capítulo 3

LEITURA E LITERATURA INFANTIL

3.1 LEITURA

3.1.1 Possíveis definições

Ler é ser um pouco clandestino, é abolir o mundo exterior, deportar-se para uma ficção, abrir o parêntese do imaginário.

(Lionel Bellenger)

Nos estudos científicos a respeito da linguagem, muitas são as

acepções utilizadas para leitura e para ler. Esta plurivalência deriva tanto da

complexidade que envolve o processo de leitura quanto da perspectiva

dinâmica deste mesmo processo e dos conhecimentos que proporciona ao

indivíduo leitor.

A palavra leitura, de acordo com o Dicionário Houaiss, pode ser definida

como o material que se lê; como o hábito de ler; ou como o ato de decifrar

signos gráficos que traduzem a linguagem oral. Definições que, praticamente,

tornam impossível se falar em leitura, sem se mencionar a escrita, já que, a

partir do texto, o ato de ler (a leitura) trata-se de conhecer, interpretar, decifrar;

trata-se do processo de significar, de dar significado, de construir o(s)

significado(s).

O leitor é ativo neste processo de interpretação e construção de

significados, pois aprendemos a ler a partir de nossas experiências, afirma

Martins (1997, p. 15), que também comenta que é preciso valorizar tais

experiências e nosso contexto pessoal para irmos além delas e dele. Para

irmos, portanto, além do “nosso mundo”. A este respeito, aponta-nos Oliveira:

A busca de significados é, sem dúvida, a característica primordial do processo de leitura, o que significa dizer que, enquanto o leitor vai tomando contato com o texto vai construindo e reconstruindo novos significados, numa tentativa contínua de compreensão do que foi lido. (OLIVEIRA, 2005, p. 106)

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Corroborando com esta afirmação, citamos Manguel, também

referenciado por Oliveira:

[...] é o leitor que lê o sentido; é o leitor que confere a um objeto, um lugar ou acontecimento uma certa legibilidade possível, ou que a reconhece neles; é o leitor que deve atribuir significados a um sistema de signos e depois decifrá-lo. Todos lemos a nós e ao mundo à nossa volta para vislumbrar o que somos e onde estamos. Lemos para compreender, ou para começar a compreender. (MANGUEL, 2004, p. 19-20, MANGUEL apud Oliveira, 2005, p. 106)

Pode-se, então, perguntar ao mencionar Martins: “Bastará porém

decifrar palavras para acontecer a leitura?” (MARTINS, 1997, p. 7),

aproveitando a afirmação de Manguel, inferimos que não, já que é possível (e

necessário!) lermos gestos, olhares, sons, isto é, o mundo a nossa volta. Busco

consonância a este pensamento em Paulo Freire quando ele afirma que: “a

leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a

continuidade da leitura daquele” (FREIRE apud MARTINS, 1997, p. 10).

O certo é que desde muito pequenos começamos a compreender e dar

sentido a tudo o que está a nossa volta e esta compreensão do mundo é o

primeiro passo para aprender a ler também o escrito, porque quando

aprendemos a organizar as relações entre nosso contexto pessoal e

experiências, tentando resolver nossos problemas, estamos em processo de

leitura, que nos permite ler a praticamente qualquer coisa, em qualquer

situação. Afinal, “a interação das condições internas e subjetivas e das

externas e objetivas [...] são fundamentais para desencadear e desenvolver a

leitura”, aponta Martins (1997, p. 21).

E, embora a realidade social possua inúmeras formas de expressão e

manifestação de sua cultura, grande parte das pessoas, restringe-se à leitura

com finalidade pragmática e ligada à escrita, mesmo que o ato de ler refira-se

tanto à palavra escrita quanto a outros tipos de expressão humana; mesmo que

saibam que ler é uma maneira de se ser autônomo e não precisar dos olhos

dos outros para se ler o mundo, porque não dizer, para se viver e sobreviver no

mundo!

Como discorre Oliveira (2005), em todas as situações e contextos, nas

sociedades letradas, as produções escritas são apresentadas aos leitores para

que estes lhes dêem significados. E, num país que deseja se desenvolver,

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saber ler e saber escrever passa a ser a garantia de existência política e

cultural também, pois a leitura e a escrita transformam-se em instrumentos que

permitem a inserção do indivíduo na realidade não apenas para compreendê-

la, mas também para alterá-la. Nestes termos, é importante salientar que o

potencial que a leitura proporciona ao homem vai além do texto escrito, embora

partam dele as reflexões, as compreensões e a criticidade, perpassando por

cada forma de expressão social.

Como bem escreve Scholze e Rösing:

Ler e escrever não são apenas habilidades estabelecidas em torno da decodificação; muito mais do que isso, saber ler e escrever significa apropriar-se das diversas competências relacionadas à cultura orientada pela palavra escrita, para, dessa forma, atuar nessa cultura e, por decorrência, na sociedade como um todo. (SCHOLZE e RÖSING, 2007, p. 9).

Ao se refletir, rapidamente, sobre os conceitos de leitura apresentados,

faz-se necessário ir mais a fundo e compreender as concepções que fazem

entender o ato da leitura.

3.1.2 Finalidades e possibilidades da leitura

Antes de qualquer coisa, ler é uma forma de comunicação, mas se faz

necessário diferenciar a comunicação oral da escrita. Além da leitura em voz

alta, por exemplo, é possível elencar cinco situações de leitura, propostas por

Charmeux (1975 apud BENTO, 2006) que nos faz pensar o conceito de leitura

a partir daquilo que o leitor pode fazer com ela: 1ª) situações de informação ,

nas quais o conteúdo da mensagem é o que interessa ao leitor (e não a

mensagem, muitas vezes destruída após a leitura). Trata-se de uma leitura

rigorosa, objetiva e rápida. Como exemplo, podemos apontar a leitura de

jornais. 2ª) situações de consulta , nas quais se buscam informações entre um

conjunto diversificado, como no caso das enciclopédias ou dicionários. 3ª)

situações de ação , nas quais a compreensão da mensagem lida se concretiza

em atitudes, em atos. Por exemplo, a leitura de receitas, instruções de jogos,

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manuais. 4ª) situações de reflexão , aquelas que após a leitura, seguem-se

reflexões. O que pode acontecer com as leituras literárias, filosóficas,

científicas. 5ª) situações de distração , nestas situações, a leitura configura-se

como uma espécie de válvula de escape. Como exemplo, podemos citar a

leitura de revistas em sala de espera ou leituras sem objetivo aparente, a não

ser o de distrair e deixar a vida mais leve.

Como discorre, então, Charmeux (1995 apud Oliveira, 2005, p. 116), o

conceito de ler está centrado naquilo que o leitor pode fazer com o ato de ler.

Eu diria, a partir disso, que o conceito de ler está centrado naquilo que fazemos

ao ler: seja buscar informações, consultar dados, produzir um bolo ou instalar

um equipamento, refletir sobre teorias ou, quem sabe, simplesmente ler para

passar o tempo ou sorrir sem motivo “real”. Ler pode ser, então, útil,

necessário, importante ou puro deleite.

Charmeux (2000) aponta-nos, desse modo, pelo menos duas razões

essenciais que nos levam a ler:

para achar resposta a questões que colocamos, ou para nos distrairmos e passarmos um momento agradável. Nos dois casos, ler aparece como um meio para uma outra coisa, e não co mo uma atividade em si, com uma finalidade própria. Ler é uma atividade-meio, que está a serviço de um projeto que a ultrapassa. Podemos dizer, portanto, que saber ler é ser capaz de se servir do escrito para levar a cabo um projeto, quer se trate de ações a realizar ou de lazeres a enriquecer. O que permite afirmar que a leitura foi eficaz é a realização do projeto que a provocou. Essa realização do projeto é também o que chamamos de “compreender”. E podemos imaginar sem dificuldade que não pode haver leitura se essa compreensão não ocorrer. Saber ler é compreender, e uma criança que não compreende o que lê, na realidade não leu. Seria absurdo dizer que ela lê sem compreender; ela absolutamente não lê. (CHARMEUX, 2000, pp. 41-42)

A este respeito, posso concluir que ler, independente para que função ou

qual motivo tenha levado à leitura, é importante e eu diria fundamental, porque

gera, em todas as suas faces, compreensão. E este nível de compreensão

deve ser considerado em três níveis: o do conteúdo visível (informações não-

verbais que são necessárias para construir sentido), o da situação social (em

que se inscreve a mensagem, como as circunstâncias de sua produção), e o do

projeto de escrita do autor (os motivos que o levaram a escolher e a formular, a

apresentação da obra).

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Todavia, conforme aponta Martins (1997):

Uma vez alfabetizada, a maioria das pessoas se limita à leitura com fins eminentemente pragmáticos, mesmo suspeitando que ler significa inteirar-se do mundo, sendo também uma forma de conquistar autonomia, de deixar de “ler pelos olhos de outrem”. (MARTINS, 1997, p. 23).

Isto quer dizer que, embora haja possibilidades múltiplas para o “uso” da

leitura em nossas vidas diárias, grande parte das pessoas alfabetizadas,

capazes, portanto, de decifrar e, posterior ou concomitantemente, compreender

o que se lê, limitam-se às finalidades práticas e “visíveis” da leitura,

esquecendo-se ou “abrindo mão” das possibilidades “invisíveis” da leitura

como: o poder de emancipação, criticidade e autonomia, características que

refletirão em toda a vida da pessoa leitora. Aliás, que refletirão em sua maneira

de ler, de ver o mundo, de estar no mundo.

A partir destas situações, percebe-se que a leitura é muito flexível e

pode ter seu hábito variado de acordo com os objetivos e necessidades (e

perspicácia) do leitor.

Se há flexibilidade e funcionalidade diferentes na leitura, não se pode

falar em um único processo e, conseqüente, modelo de leitura. Todavia,

existem itens invariáveis a todos os tipos de leitura, como: a ação necessária

do leitor neste processo e a perspectiva que se tem a respeito da leitura, a

partir das concepções que se tem sobre leitura.

3.1.3 Leitura: algumas de suas concepções (e ações necessárias)

Rodrigues (2005) registra que, no início do século XIX, estudos de

Chartier (1995) e Hébrard (1995) apontam discursos escolares que concebem

a compreensão como base da leitura, mesmo que, naquela época, lhes

faltasse fundamentação teórica que pudesse sustentar tal afirmação.

No entanto, até 1965, é possível encontrar na prática da escola o

discurso que de fato representa o que os professores crêem. Afinal, é

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observável, por exemplo, a leitura sendo considerada como oralização do

escrito em voz alta. De acordo com o que expõe Rodrigues (2005), tal

concepção tem origem desde o surgimento do alfabeto e tem permeado as

práticas escolares até os anos 80 e, de certa forma, até hoje é provável que se

encontre professores que tenham esta concepção de leitura (refletida em suas

práticas): “falar em voz alta” o que está escrito.

Desse modo, é admissível falar que as discussões acerca da leitura

algumas vezes concorrem a um mesmo ponto, outras distanciam-se, pois se há

a valorização da leitura como compreensão, ainda existem conceitos, idéias e

práticas isoladas que a concebem como decifração.

E este ir e vir das discussões sobre leitura é importantíssimo, pois, de

acordo com a atitude adotada, não se poderia falar em leitura na Educação

Infantil. Se se considerar apenas a decifração como leitura, como observar ou

estimular a leitura nesta fase da vida infantil, tendo em vista que as crianças

até os cinco anos, na maioria das vezes, ainda não são alfabetizadas,

incapazes, portanto, de decifrar a escrita?

Ainda em se tratando das concepções vigentes sobre leitura, no livro, O

que é leitura, Martins (1997) resume suas inúmeras concepções em duas:

decodificação e compreensão. Na concepção que defende a leitura como

decodificação, entende-se a decodificação mecânica dos signos lingüísticos

escritos por meio do aprendizado condicionado, “estímulo-resposta”, numa

perspectiva behavorista-skinneriana. Enquanto a que defende a compreensão

possui uma perspectiva cognitivo-sociológica e diz que a dinâmica que envolve

a abrangência da compreensão envolve “componentes sensoriais, emocionais,

intelectuais, fisiológicos, neurológicos, tanto quanto culturais, econômicos e

políticos” (MARTINS, 1997, p. 30).

Entretanto, há rejeição da parte de muitos pesquisadores em relação à

concepção tradicional que reconhece a leitura como simples decifração, pois a

leitura não é apenas decodificação de grafemas em fonemas que os

corresponda.

Oliveira (2005), por sua vez, traz três concepções que sustentam o

processo de aquisição da leitura: O Modelo Empirista ou Tradicional, o Modelo

Racionalista ou Inatista, e o Modelo Sociointeracionista.

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O primeiro, Empirista ou Tradicional, vigorou até o século XVII e entende

que o conhecimento só é possível a partir das experiências e sensações que

estas vivências possibilitam ao sujeito. De acordo com esta concepção, o

“homem é produto do meio” (OLIVEIRA, 2005, 107).

A linguagem, portanto, é adquirida pela experiência e o condicionamento

permite a aprendizagem.

A aquisição da linguagem é vista como habilidade a ser adquirida, através da associação estímulo/resposta, em que o indivíduo assume uma postura passiva, imitativa, repetitiva. O Modelo Tradicional de aprendizagem da leitura está centralizado na atividade motora. (OLIVEIRA, 2005, p. 107).

E o material que dá suporte ao aprendizado da leitura é o manual

didático. Ele possui “certo” significado (isso porque os textos apresentados

quase sempre são descontextualizados e fragmentados) e é quase o único

material ao qual a criança tem acesso no início de sua alfabetização.

Neste Modelo Tradicional, é o professor quem controla e decide o que a

criança pode ou não ler. E o destaque é dado à gramática normativa com

redução da semântica. O que indica que leitura com busca de significados é

desprezada e o que, na verdade, importa são as regras.

Numa instituição escolar em que esta visão tradicional fundamenta a

prática, o aluno só pode ler após receber autorização. E quando há a

permissão, a leitura tende a homogeneidade. Porque, na verdade, neste

modelo, a criança não possui conhecimento em si, ela é como um recipiente

vazio, nada possui. O que se aprende vem do externo: do professor ou do livro.

Neste sentido, não há muita (ou quase nenhuma) relação entre sala de

aula e biblioteca. O aluno só pode entrar na biblioteca com autorização. E o

texto, assim, passa a pretexto para leitura oral, aquela em que cada criança lê

um trecho e o outro dá continuidade ao que está sendo lido; para estudo do

vocabulário; para questionário de compreensão e interpretação do texto; para

exercícios de gramática.

Nesta visão tradicional, a escola e o professor não consideram as

“leituras” que a criança faz antes de chegar à escola, muito menos que ela é

capaz de realizar diversas leituras. Seguramente, é uma concepção

hierarquizada da transmissão do conhecimento: o professor é a autoridade (e

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autoritário!), dono de todo o conhecimento verdadeiro e doador de saber; o

aluno é submisso e incapaz de criar ou produzir conhecimento, propõe Becker

(1993).

Na prática educativa, o que acontece, paulatinamente, então, é que por

meio das leituras que prescreve, aos alunos, o professor “domestica” esses

leitores em formação. São tão bem “amansados e controlados” que, às vezes,

não conseguem, mesmo depois de não serem mais “alunos domesticáveis”,

realizar suas escolhas de leitura.

O Modelo Racionalista ou Inatista foi desenvolvido por Descartes no

século XVII. E ao incorporar as idéias do racionalismo, a psicologia e a

pedagogia desenvolvem o apriorismo, ou seja, o pensamento de que a

possibilidade do conhecimento trata-se de “bagagem hereditária”, portanto,

suscetível à maturidade, todavia, sempre predeterminada a priori (por questões

genéticas).

Nesta visão apriorista do Modelo Racionalista, o sujeito, no caso a

criança, é ativo na aquisição do conhecimento. O centro do processo de

ensino-aprendizagem é o aluno e não mais o professor. De acordo com

Oliveira (2005, p. 110), “Esse modelo dá um salto qualitativo na interpretação

do processo de aquisição da leitura, que já é concebido como busca de

significado. O papel do professor na sala de aula seria o de estimulador e

orientador do processo educativo”.

Os racionalistas, segundo Braggio (1992), embora não neguem a

necessidade da experiência na aquisição da linguagem, admitem que o ser

humano possua uma capacidade biológica inata para adquirir a linguagem.

No Modelo Sociointeracionista, por sua vez, a aquisição da linguagem se

efetiva em contextos de produção concreta e real, a partir da interação verbal

entre os sujeitos. Falando-se em linguagem e relações sociais, Bakhtin (1992)

expõe que a palavra torna-se material singular e de relevância na comunicação

cotidiana e, ao mesmo tempo, registra as menores variações das relações

entre os homens, fazendo com que a palavra seja o elo de interação entre os

seres sociais.

Por meio da linguagem, segundo Oliveira (2005), o homem pode “tomar

consciência de si e da realidade social; tornando-se sujeito e agente de

transformação da coletividade” (OLIVEIRA, 2005, p. 111). E a palavra, sendo

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produto de interação, seja escrita ou oralizada, é muito (ou quase sempre)

utilizada para convencer o outro.

Assim, a leitura, que se insere nesse contexto, sendo uma prática social, precisa estar comprometida com a formação de leitores conscientes, que reagem à doutrinação e ao controle das mentes pela linguagem, em que os sentidos da problemática da existência são ocultados. No momento da leitura, toda a experiência vivencial do leitor está presente e vai corroborar para a busca de significados do texto. Num Modelo Sociointeracionista de Leitura, ler é mais do que decodificar, é compreender e interpretar a cultura de forma crítica. Um leitor maduro interage com o texto interrogando, criticando e construindo significados, enxergando a pluralidade da interpretação, desvelando significados entre as linhas do texto; ao passo que o leitor acrítico retira do texto apenas informações fragmentadas e superficiais. (OLIVEIRA, 2005, p. 112)

Neste sentido, é possível perceber que a criança, neste modelo de

leitura, ao mesmo tempo que se socializa, se individualiza durante o ato de ler.

Afinal, ela é considerada como alguém com potencial cognitivo.

E se ela tem potencial cognitivo e usa as próprias experiências durante a

leitura, o professor (e também todas as pessoas que vivem com a criança)

desempenha um papel fundamental, pois é necessário, às vezes (ou sempre),

mediar o contato da criança com os variados textos com os quais ela já convive

na sociedade. Em especial naquelas situações em que a criança sozinha ainda

não consegue se organizar como leitor. Se essa mediação é necessária

mesmo quando a criança já está inserida em um ambiente com diversos

gêneros, deve ser mais intensa ainda quando não possui tanto acesso a certos

gêneros, como a literatura. Neste sentido, mais uma vez, a importância da ação

docente fica evidente. Por outra via, o diálogo (base do pensamento

sociointeracionista) só se desenvolve se o professor, responsável por orientar a

criança, possuir experiência como leitor. E leitor de muitos textos!

O papel do professor nessa concepção é do ser mediador da aprendizagem, e seu papel é fundamental porque, sendo o conhecimento cultural e histórico, é ele que vai viabilizar através da prática pedagógica o acesso dos alunos a esses saberes. Nesse processo a aquisição do conhecimento vai sendo construída pela criança em sua interação com o objeto, através da mediação do professor. Qualquer situação de aprendizagem exige a presença de mediadores, sejam instrumentos ou um sistema de códigos. Se o mediador é uma pessoa, esta pode auxiliar a criança a fazer mais do que faria sozinho. (OLIVEIRA, 2005, p. 113)

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E a consciência desta característica do Modelo Sociointeracionista é

fundamental para a prática do professor. Já que isso fará toda diferença na

maneira como o docente irá programar, organizar e, principalmente, mediar as

aulas e os momentos em que a leitura será o centro das experiências de

aprendizagem e por que não dizer, de prazer.

3.1.4 Processo e níveis básicos da leitura: sensaçã o, emoção e razão

Martins (1997), ao refletir sobre questões da leitura, pretende

compreendê-la, avaliando aspectos básicos de seu processo e possibilitando,

dessa maneira, um maior conhecimento sobre o ato de ler.

Tais processos básicos da leitura, segundo a autora, estão interligados à

“própria existência do homem” e, a partir desta existência humana, a leitura

configura-se nos níveis: sensorial, emocional e racional.

Cada um desses três níveis corresponde a um modo de aproximação ao objeto lido. Como a leitura é dinâmica e circunstanciada, esses três níveis são inter-relacionados, senão simultâneos, mesmo sendo um ou outro privilegiado, segundo a experiência, expectativas, necessidades e interesses do leitor e das condições do contexto geral em que se insere. (MARTINS, 1997, p. 37)

3.1.4.1 Os sentidos e suas sensações

A leitura sensorial inicia-se bem cedo em nossas vidas e nos

acompanha por toda ela. Caracteriza-se pela leitura que fazemos por nossos

sentidos. Como discorre Martins: “A visão, o tato, a audição, o olfato e o gosto

podem ser apontados como os referenciais mais elementares do ato de ler”

(MARTINS, 1997, p. 40). É esta leitura, a sensorial (feita pelo leitor por meio de

seus sentidos básicos e íntimos), que permite ao leitor conhecer o que lhe

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agrada e o que lhe desagrada, mesmo que de forma inconsciente, sem estar,

necessariamente, racionalizando essas preferências.

Afinal, a leitura pode se iniciar por uma boa impressão deixada à vista,

ao ouvido, ao tato, ao olfato ou ao paladar. Isto porque, o livro, além de ser um

texto escrito e talvez, antes de o ser, é um objeto com forma, cor, textura,

volume, cheiro ou barulho ao se folhear suas páginas. “Para muitos adultos e

especialmente crianças não alfabetizados essa é a leitura que conta.”

(MARTINS, 1997, p. 42).

É o manuseio deste objeto inerte, o livro, juntamente com a possibilidade

de decifrar seus mistérios, suas histórias que encantam e possuem

imprevistos, alegrias e medos que estimulam especialmente as crianças a

quererem descobrir e aprimorar sua linguagem, “desenvolvendo sua

capacidade de comunicação com o mundo” (MARTINS, 1997, p. 43).

Estas primeiras experiências são essenciais, inclusive para se chegar a

autonomia, entre outras, de ser capaz de escolher os próprios textos e obras

que se quer ler.

[...] Surgem as primeiras escolhas: o livro com ilustrações coloridas agrada mais; se não contém imagens, atrai menos. E só o fato de folheá-lo, abrindo-o e fechando-o, provoca uma sensação de possibilidades de conhecê-lo; seja para dominá-lo, rasgando-o num gesto onipotente, seja para admirá-lo, conservando-o a fim de voltar repetidamente a ele. Esses primeiros contatos propiciam à criança a descoberta do livro como um objeto especial, diferente dos outros brinquedos, mas também fonte de prazer. Motivam-na para a concretização maior do ato de ler o texto escrito, a partir do processo de alfabetização, gerando a promessa de autonomia para saciar a curiosidade pelo desconhecido e para renovar emoções vividas. (MARTINS, 1997, p. 43).

Por outra via, essa leitura sensorial pode fazer com que o “objeto” livro

não convença por si só, ou seja, sua aparência também pode deixar uma má

impressão e não despertar o interesse pela leitura, aponta Martins (1997). Já

que, na verdade, a primeira “leitura” considerada, mesmo que de forma

inconsciente, é a que responde aos nossos sentidos. Muito embora, os

sentidos, quando aliados às emoções e à razão, possam-nos “enganar”,

surpreender, chegando a mudar o percurso da leitura que está sendo realizada.

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É o que pode acontecer quando, “lutando” com o desgosto de uma capa

pouco atraente ou com as letras muito miúdas de uma obra, decidimos lê-la e

nos surpreendemos com suas palavras, sendo capazes de nos emocionar ou

até aprender algo. Do mesmo modo que o inverso pode ocorrer: iniciarmos

uma leitura porque a textura da capa e das folhas, suas cores e letras nos

atraem e, quando prosseguimos, nos decepcionamos, pois o texto escrito não

é capaz de nos arrancar um sorriso, uma lágrima ou, muito menos, nos dar

algo em troca como algum conhecimento.

3.1.4.2 As emoções da leitura

Como nos afirma Martins (1997),

[...] quando uma leitura – seja do que for – nos faz ficar alegres ou deprimidos, desperta a curiosidade, estimula a fantasia, provoca descobertas, lembranças – aí então deixamos de ler apenas com os sentidos para entrar em outro nível de leitura – o emocional. (MARTINS, 1997, p. 48).

Se considerarmos a cultura letrada, do mesmo modo que a leitura

sensorial é considerada menor ou superficial, a leitura emocional também é tida

como inferior por lidar com os sentimentos, com o subjetivismo.

Esta talvez seja a leitura mais comum aos que dizem gostar de ler,

expõe Martins (1997). Porque dão maior prazer (permitindo o desligamento das

circunstâncias reais) e porque possibilitam a evasão e não se tem controle

racional sobre os sentimentos emanados pela leitura, pelo menos não durante

ela.

A leitura transforma-se, então, numa espécie de válvula de escape. Mas não apenas isso: direta ou indiretamente, ajuda a elaborar – através do relaxamento de nossas tensões – sentimentos difíceis de compreender e conviver. (MARTINS, 1997, p. 59)

Quando nossa fantasia é despertada e nossas emoções libertadas, elas

vêm ao encontro de nossos desejos e nos permitem amenizar frustrações e

compreender algumas situações aparentemente incompreensíveis da

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realidade. Todavia, “quando nos percebemos dominados pelos sentimentos,

nossa reação tende a ser a de refreá-los, ou negá-los” (MARTINS, 1997, p. 49).

Em determinadas vezes, nós mesmos, com o passar do tempo, nos

menosprezamos por termos sido capazes de ler emocionalmente naquela

ocasião.

Martins (1997) continua dizendo que se não mascarássemos nossas

leituras emocionais da memória, teriam muito a nos revelar de nossa

personalidade. Além disso, ou por isso, a leitura emocional é aquela que nos

faz relacionar as experiências a momentos e fases de nossas vidas. E ao

mesmo tempo que propicia a vivência de sentimentos agradáveis pode instigar

os desagradáveis. Tudo porque, de fato, a leitura emocional é caracterizada

[...] por um processo de participação afetiva numa realidade alheia, fora de nós [...]. A criança tende a ter maior disponibilidade que o adulto pelo simples fato de, em princípio, tudo lhe ser novo e desconhecido e ela precisar conhecer o mais possível a fim de aprender a conviver com esse mundo. Assim sendo, não só é mais receptiva como mais espontânea quanto a manifestar emoções. Acaba então revelando a empatia de modo até exacerbado. Daí sermos condescendentes, não levarmos muito “a sério” suas manifestações, consideradas “infantis”, isto é, não condicionadas pelas normas de conduta adulta. (MARTINS, 1997, p. 52)

Enquanto com a leitura sensorial pensamos no “objeto”, com a

emocional devemos pensar no acontecimento, ou seja, no que ele faz, no que

provoca ao leitor.

É importante frisar que embora seja fonte de prazer, descontração,

relaxamento, geralmente, reprimimos e até desconsideramos a leitura

emocional, em detrimento do intelecto. Conquanto, se perguntamos às pessoas

o que as fazem ler, muitas delas revelarão que é para se distraírem. O que não

revela, por sua vez, que sejam leitores “desatentos ou incapazes de pensar um

texto” (MARTINS, 1997, p. 61). Isto se dá, simplesmente, pelo fato de ser

tendência o envolvimento emocional pelo que lêem.

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3.1.4.3 A razão que “intelectualiza”

Talvez, para algumas pessoas, só este nível pertença ao âmbito dos

eruditos e literatos, porque permite a produção e apreciação da linguagem, em

especial da artística, pelos letrados. Como diriam alguns teóricos intelectuais,

“leitura é coisa séria [...]. Relacioná-la com nossas experiências sensoriais e

emocionais diminui sua significação, revela ignorância” (MARTINS, 1997, p.

62). Tal postura intelectualizada e dominante é idealizada e conservada por

uma minoria elitizada.

A leitura nesse nível intelectual enfatiza os fenômenos intelectuais e

racionais sobre os sentimentos, as vontades e os sentidos. O leitor ao ler o

texto tem por pretensão isolar-se do contexto e não se envolver pessoalmente.

Outro aspecto desse nível pressupõe a educação formal e um elevado grau de

cultura do leitor. Este tipo de leitura é assim denominado porque é elaborada

pelo nosso intelecto e leva à reflexão, é dialética.

A leitura racional é aquela que transforma o conhecimento prévio em um

conhecimento novo ou questionamentos antes inexistentes.

Em síntese, a leitura racional acrescenta à sensorial e à emocional o fato de estabelecer uma ponte entre o leitor e o conhecimento, a reflexão, a reordenação do mundo objetivo, possibilitando-lhe, no ato de ler, atribuir significado ao texto e questionar tanto a própria individualidade como o universo das relações sociais. E ela não é importante por ser racional, mas por aquilo que o seu processo permite, alargando os horizontes de expectativa do leitor e ampliando as possibilidades de leitura do texto e da própria realidade social. (MARTINS, 1997, p. 66)

O que quer dizer que na leitura racional, diferente da emocional na qual

o leitor se deixa envolver pelos seus sentimentos, o leitor visa o texto, busca

compreendê-lo e dialogar com ele. E, justamente por permitir este diálogo, que

usa experiências anteriores de leitura e desafia para experiências futuras, ela

amplia as oportunidades de leitura e compreensão da realidade em que está

inserido o leitor.

Após a exposição dos níveis da leitura e reflexão a respeito, reforço que

a definição de leitura é abrangente e permite ao leitor participar com todas as

suas capacidades de interpretação, tanto de textos escritos quanto dos de

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expressão oral ou de música, artes plásticas, artes dramáticas ou mesmo

situações reais e objetivas do cotidiano. Para Martins (1997), não importa se o

leitor é inculto; se é erudito; se o objeto da leitura é plástica e sensorialmente

bonito e agradável; se a leitura tem caráter utilitário, científico, artístico, literário;

pois tudo pertence à cultura, seja a das massas ou das elites.

Assim como há tantas leituras quantos são os leitores, há também uma nova leitura a cada aproximação do leitor com um mesmo texto, ainda quando mínimas as suas variações. Nessas ocasiões talvez ocorram mudanças de nível. Um poema ou uma canção que hoje não nos dizem nada, não fazem sentido, amanha podem emocionar; agradar ao ouvido pela musicalidade e pelo ritmo, tempos depois; suscitar reflexões apenas após várias leituras. (MARTINS, 1997, p. 79).

Estas alterações e mudanças de níveis ocorrem porque a leitura é um

processo dinâmico. E à medida que desenvolvemos as capacidades sensoriais,

emocionais e racionais, desenvolvem-se, simultaneamente, os níveis de nossa

leitura.

A partir destas reflexões, infiro que lemos como vivemos: num processo

permanente de interação entre sensações, emoções e pensamentos. E para

que a leitura se efetive em nossa vida, aquela precisa vir ao encontro de nossa

expansão sensorial, emocional e racional, ao encontro de nossa vontade de

conhecer mais e de ser mais.

3.1.5 Como se aprende a ler?

Ensinar a leitura, portanto, é colocar em funcionamento um comportamento ativo, vigilante, de construção inteligente de significação, motivado por um projeto consciente e deliberado, e isto desde o próprio início da escolaridade das crianças, e mesmo antes que elas cheguem à escola. É por este tipo de questionamento e de raciocínio que é preciso começar, e é em cima disto que é preciso trabalhar até o fim da escolaridade. Jamais o repetiremos suficientemente: aprender a ler é aprender a construir sentido , e tudo que não conduzir diretamente a este resultado não pode pretender ser uma aprendizagem da leitura. Fica evidente, portanto, que só podemos aprender a ler tendo necessidade do que lemos, seja para agir, seja para nos distrair ou sonhar. [...] (CHARMEUX, 2000, pp. 88-89)

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Além da necessidade de se planejar o ensino da leitura e repeti-la

“eternamente”, já que nunca deixamos de aprendê-la, ler exige a utilização de

suportes que sejam verdadeiros, pois o manejo de livros, dicionários, histórias

em quadrinhos, entre outros acrescenta uma dimensão afetiva, por meio dos

primeiros contatos com o escrito e sua forma de apresentação (objeto),

gerando segurança ao leitor.

Charmeux (2000) registra um ciclo de seis anos para aprendizagem da

leitura, dividido em três etapas: a primeira corresponde à primeira infância,

entre os dois e os cinco anos, fase em que “o objetivo é a familiarização com o

mundo da leitura escrita, os locais e os objetos passíveis de leitura” (p. 100); a

segunda é uma etapa intermediária, conhecida também como pré-escola, este

período objetiva “a descoberta da especificidade do escrito, e a apropriação

dos primeiros indícios lingüísticos” (p. 100); já na terceira fase, as

aprendizagens sistemáticas necessitam de uns dois anos para se

assegurarem.

Esse ciclo de aprendizagem, que dura seis anos, não foi estabelecido ou

reconhecido para diminuir o ritmo da aprendizagem da leitura. Pelo contrário,

este “levar mais tempo” é para que a aprendizagem vá mais longe (ou por toda

a vida) e tenha mais resultados em qualidade, complexidade e possibilidade de

uso.

Para tanto, porém, é necessário partir do que a criança sabe.

Ora, é certo que ela sabe, muito cedo, muitas coisas sobre o escrito: a rua, os brinquedos, as refeições, os remédios, a tela da televisão e o carro são portadores de informação e de signos que ela explorou, de modo confuso e incompleto, mas sobre os quais ela construiu pontos de orientação, nos quais ela sabe se encontrar. Além disso, sobre esses pontos de orientação ela construiu representações sobre seu funcionamento, uma espécie de gramática de todos esses signos e sinais, que, mesmo contestável ou errônea a nossos olhos, constitui, entretanto, uma aquisição indiscutível que é necessário levar em conta, para fazê-la evoluir. A tarefa do professor não é “corrigir” os erros das crianças, mas provocar sua transformação em conhecimentos mais científicos. [...] (CHARMEUX, 2000, p. 101)

Trata-se, na verdade, de buscar no interior da criança, a partir de

experiências novas, aqueles saberes que elas possuem sobre o escrito e sua

representação para confrontar esses dados com novos textos e, com ajuda de

um professor atento, vão lhes fazer caminhar por novos caminhos e direções.

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Entretanto, os suportes de aprendizagem possuem problemas, porque já

vêm preparados e fabricados, como alguns manuais ou métodos. Em relação a

esta dificuldade, Charmeux (2000) aponta que só “podemos aprender a partir

de objetos sociais, concebidos para serem lidos e não para ensinar a leitura”

(p. 102). Isso quer dizer que quando o professor não utiliza um “manual” para

ensinar a ler, ele deve usar um portador de texto “verdadeiro” como: jornais,

outdoors, revistas, livros e, neste ponto, inserem-se e enfatizam-se os livros de

literatura infantil.

Neste ciclo de aprendizagem da leitura, além da oferta de portadores

que fazem parte do mundo real, é essencial o professor realizar sua prática a

partir de objetivos precisos e explícitos, ou seja, precisa planejar; e alternar

momentos de “leitura real” e outros de trabalho mais sistemático que vise à

construção de conhecimentos propriamente dita, a partir do uso do intelecto e

compreensão do que se faz.

Todavia, os professores poderiam perguntar: “como tirar proveito desses

momentos a serem oferecidos para a aprendizagem dos alunos?”. Charmeux

(2000), diria que:

[...] Simplesmente pelas análises e confrontações que seguirão: quais as diferenças entre os momentos nos quais lemos “por prazer” e aqueles nos quais lemos “por necessidade”? [...] Auxiliar as crianças a se apropriarem pela reflexão da especificidade de cada uma das situações de leitura, a perceberem as variáveis que entram em jogo: diferenças nos objetos materiais, diferenças nas formulações, diferenças nas posturas, nas condutas etc.; aprender a ler é isto! [...] não é situação que faz aprender a ler, e ainda menos a vigilância do professor, é todo o trabalho em torno das situações , e, antes de mais nada, o fato de falar delas, de compará-las, de analisá-las, de buscar caracterizá-las, classificá-las... Um trabalho como esse pode e deve aparecer desde os primeiros anos da escolaridade, desde o começo do maternal. É claro que ele não irá muito longe nessa idade, mas isso importa pouco: o essencial é que a criança se habitue a ele, e que tente fazer coisas que não sabe fazer bem: trata-se, para ela, do único meio de tornar-se capaz de fazê-lo!

E para que todo trabalho flua, é necessário também que a criança sinta

curiosidade, porque esta é imperativa para a formação cultural, já citou

Charmeux (2000). E para isso, é desejável que o professor ofereça aos alunos

“coisas para ler” sem utilidade imediata, mas que a exploração irá proporcionar

descobertas, novos interesses e aprendizados, além de fonte de prazer.

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Diante de tudo o que foi exposto em relação a como se aprende (e, de

certa forma, ensina) a ler, fica um questionamento: como efetivar o trabalho

docente de maneira que planejemos e tenhamos objetivos adequados a cada

nível do ciclo de aprendizagem (pequena infância, período intermediário e

período de aprendizagem sistemática)? E é Charmeux que me ajuda a

“encontrar” alguns caminhos sem perder de vista onde pretendo chegar.

3.1.5.1 Ler: o que é necessário na pequena infância?

A pequena infância (de 2 a 5 anos) é um período das primeiras

aprendizagens e possui muitos objetivos. Quando estimuladas e oferecidas

oportunidades de leitura nessa fase isso favorece e desenvolve um sentimento

de segurança diante dos locais e objetos de leitura.

Por isso, é uma ótima fase para se freqüentar bibliotecas, livrarias ou

outros ambientes que contenham e vendam livros. Além disso, precisam

aumentar sua segurança com a exploração corporal e sensorial dos portadores

de texto, dos livros e, tudo isto, sem que as crianças fiquem apenas com as

obras necessariamente infantis.

Esta fase também privilegia o desenvolvimento do sentimento ligado ao

prazer de ler, ao prazer da leitura. É o período ideal para que a criança escute

histórias lidas em voz alta pelo adulto, exercite o contato e a exploração lúdica

dos contos; e explorem, livremente, os livros. É, ainda, na pequena infância

que as crianças aumentam a possibilidade de ter um sentimento de segurança

diante da multiplicidade dos discursos orais e escritos em situações reais,

produzidas.

Dos 2 aos 5 anos de idade, a criança descobre por que ler e escrever,

descobre a função lingüística da escrita e seus papéis na vida cotidiana. E para

que isto aconteça, ela precisa vivenciar dois tipos de situações que podem e

devem ser oferecidos pelo professor: situações-problema (a ser resolvida com

o uso do escrito) e a exploração de mensagens do ambiente (os cartazes e

lojas da rua, as indicações da escola, as revistas, os livros).

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O professor precisa instalar na sala um comportamento de leitor, o que

significa dar sentido às leituras realizadas neste espaço de convivência escolar,

indicando seus objetivos, desenvolvendo jogos que permitam o treino

perceptivo e a discriminação visual, além de todas as situações em que haja

sentido na ação realizada e que esta satisfaça a curiosidade infantil.

3.1.5.2 Ler: como fica essa prática na fase intermediária?

Entre os 5 e os 6 anos, a criança continua buscando e atingindo os

objetivos da fase anterior, da pequena infância. Além deles, é favorável à

construção de marcos perceptivos sobre o que está escrito no que ela

“manuseia” e “lê”.

É justamente nesse ano intermediário que ela descobre os indícios

paralingüísticos (paginação do texto, cor, tamanho e forma das letras,

pontuação entre outros). Reconhece também as unidades da chamada

primeira articulação (palavras, expressões) que são ligadas às crianças e as

quais já entregaram sua experiência letrada (por meio do manuseio e

atividades com embalagens de produtos, fôlderes publicitários, etc.). E

começam, ainda, a reconhecer as unidades da segunda articulação30, seu

caráter não-significante, a necessidade de se considerar seu número e a ordem

em que aparecem (isso com o contato com publicidade, nomes, por exemplo).

O aluno com 5 ou 6 anos torna a sua formulação de hipóteses para dar

sentido mais segura. Principalmente, por meio de jogos que permitem o

treinamento de raciocínio dedutivo e inferências. O que é importante aqui é a

experiência que admita a desconfiança, que aguce a curiosidade e o olhar da

criança.

Eis a atenção que o professor desta faixa deve ter: ao planejar, deve

pensar e organizar as atividades propostas, tendo em vista este processo de 30 A dupla articulação da linguagem, proposta por André Martinet (1978) consiste em um princípio básico da gramática para os funcionalistas. De acordo com tal conceito, todo enunciado lingüístico pode ser dividido em duas partes significativas, os chamados monemas (morfemas / fonemas). Na primeira articulação, dividida pelos monemas há intervenção nos planos do conteúdo e da expressão (morfemas – significados). Já, na segunda, apenas no plano da expressão (fonemas – distinção).

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aprendizagem de seus alunos, no entanto, sem desprezar nada e

possibilitando o maior número de experiências a eles.

3.1.5.3 Os anos de sistematização da aprendizagem

Neste período, o objetivo inicial é possibilitar à criança instrumentos que

a tornem capaz de construir sentido, por meio também dos indícios lingüísticos,

em especial da segunda articulação (letras, ortografia, maiúsculas, pontuação)

para verificação das hipóteses que cria.

Para tanto, é necessário que o professor se embase em práticas com

mensagens escritas pluricodificadas, ou seja, aquelas em que os indícios não-

lingüísticos sejam muitos e diversificados. Todavia, é importante que os

portadores de texto possuam indícios ortográficos coerentes. E que a

ambigüidade seja presente apenas se considerarmos o teor conteudístico das

mensagens como as publicitárias ou literárias.

É nestes anos de sistematização da aprendizagem da leitura que a

criança pode começar a utilizar as letras, a ortografia. E isto é possível devido

às atividades de desmontagem dos enunciados escritos, orais e das situações

de observação comparada tanto da oralidade quanto da escrita.

A criança também enriquece o conhecimento das palavras

(especialmente as conjunções, as preposições, as formas diversas para uma

mesma palavra como para os verbos, as expressões). Entretanto, é importante

lembrar-se que a língua não se forma apenas por palavras e que o vocabulário

não é a única questão a ser levada em consideração.

O segundo ano de aprendizagem sistemática é indispensável a todas as

crianças porque é o ano em que elas concretizem o saber (muitas vezes

iniciados no primeiro ano de sistematização da aprendizagem) em saber-fazer.

Um ano extremamente importante, pois, nele, as crianças possuem condições

de construir sentido aos textos, única e exclusivamente, a partir dos indícios

lingüísticos.

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É nesta fase que a criança começa a buscar contextos externos ao

contexto do texto e, para tanto, aproveita suas vivências anteriores. Além disso,

é possível a criança,

“ver que o sistema de correspondência fonias/grafias, longe de estar ausente da aprendizagem, tem nela um lugar importante, mas como ponto de chegada, não como ponto de partida. Ele será mesmo um dos pontos de avaliação do saber ler no final da 2ª série, mas enquanto conquista da criança, não como condição prévia” (CHARMEUX, 2000, pp. 112-113).

É neste ano de sistematização que se inicia a construção do sistema

ortográfico que é arbitrário. É quando se descobre que nem todas as letras têm

uma só correspondência fonia/grafia.

Este ano também como último objetivo “tornar as crianças capazes de

ler cada vez mais e cada vez mais depressa escritos cada vez mais diversos”

(CHARMEUX, 2000. p. 113).

Como foi possível perceber, muito antes de a criança atingir a chamada

“idade escolar” inicia-se ou deve se iniciar o processo de ensino-aprendizagem

da leitura por meio de experiências reais do dia-a-dia. E nestes termos, tão

importante quanto à da escola, está a função da família, que não deve copiar

os “ensinamentos” dos professores, mas oportunizar elementos e vivências que

aguçarão e motivarão as crianças a caminharem pelas trilhas em branco e

preto das letras no papel.

3.1.6 Como se ensina a ler? 31

Como ensinar com sucesso uma criança a ler e a escrever? [...] A partir dos anos 80, concepções psicológicas, lingüísticas e psicolingüísticas vêm modificando a prática pedagógica de muitos educadores e sinalizando que a alfabetização não deve se reduzir ao aprendizado das letras, mas deve considerar o uso efetivo que se faz da leitura e da escrita nas práticas sociais. Nessa perspectiva toma o texto enquanto objeto de ensino e de aprendizagem da língua portuguesa. [...] Nesse sentido, é fundamental o papel do professor porque ele é o mediador entre o aluno e a escrita. (WANDRESEN, 2007, p. 40).

31 Muito importante deixar claro que meu objetivo não é tratar da leitura decifração, da leitura silenciosa ou da leitura oralizada, já que não trato nesta pesquisa de leitores já alfabetizados.

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É muito importante que se distinga entre ler e aprender a ler. Porque ler

é manter comunicação por meio de textos impressos, buscando-se a

compreensão. Já a aprendizagem da leitura é uma tarefa permanente, na qual

se precisa de habilidades diferenciadas conforme se tem acesso a textos

diferentes e mais complexos. Assim, ler pode se resumir em um momento

específico, enquanto que aprender a ler é um processo contínuo que se

desenvolve ao longo da vida do leitor.

Em termos de pedagogia da leitura, parte-se do princípio de que ler equivale exatamente a decifrar um código. Em nível de alfabetização, o esforço da escola é o de ensinar as correspondências letra-som, ficando o processo pedagógico marcado pelo seu mecanicismo. As cartilhas se constituem no material didático por excelência e trazem tarefas mecânicas e repetitivas, centradas na palavra. Do ponto de vista do conteúdo, os textos são semanticamente vazios, caracterizados pela predominância de certos sons e letras. [...] Paralelamente às transformações ocorridas na pedagogia da leitura/escrita e nas ciências lingüísticas, as teorias críticas do ensino-aprendizagem e da escola também apontavam na direção das múltiplas variáveis implicadas no processo educativo. [...] De outra parte, os próprios estudiosos da aprendizagem – com destaque para Lev S. Vygostky – começam a se preocupar com a dimensão cultural do ato de aprender, bem como com o papel da escola, enquanto instituição, nesse processo. Para esse grupo de cognitivistas, a aprendizagem resulta das intenções que sujeitos históricos estabelecem entre si e com o real à sua volta. Os signos e símbolos – produção cultural por excelência – seriam condição e possibilidade das interações. (SUASSUNA, 1998, p. 42-44)

Considerando-se, entretanto, as concepções de leitura, uma das

possibilidades de se ensinar a ler é por meio da alfabetização, outra é oferecer

oportunidades reais de uso da leitura para diversas finalidades, como por

exemplo, para simples e puro prazer.

Isto quer dizer que, se tradicionalmente a pedagogia da leitura nas

escolas era tida como reprodução, há uma reinvenção da prática da leitura,

porque a escola reconhece a dimensão cultural e não-escolar da leitura. A

linguagem, por sua via, passa a ser vista como interação, ação, prática

simbólica e sócio-histórica. Geraldi (2006) define linguagem como um conjunto

aberto e sempre em constituição de recursos que servem para expressão. E,

por extensão, além dos fatores lingüísticos necessários à leitura, o professor

precisa ter consciência das estratégias não-lingüísticas que envolvem a leitura.

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Smolka (1993), em relação à sala de aula, estabelece uma diferença

entre o ensinar rotineiro, repetitivo e não-criativo, e o que ela denomina:

relações de ensino. Para Smolka, as relações de ensino são criativas,

produtivas e resultantes de múltiplas interações e relações sociais.

Assim sendo, é pertinente inserir alguns princípios teórico-metodológicos

que “reinventam” a leitura na sala de aula: o prazer de ler, a importância do ato

leitor do professor, as possibilidades de práticas leitoras oferecidas pela escola

e a leiturização.

No primeiro deles, a escola precisa se livrar de preconceitos inerentes à

visão de que há textos melhores que outros, leitores modelares e,

conseqüentemente, leituras legítimas. Na verdade, conforme aponta Suassuna

(1998), o papel da escola é exatamente o de ensinar a ler tudo, inclusive os

clássicos. E diante disso, o ato de ler precisa se configurar, preferencialmente,

como atendimento aos interesses do leitor. E assim sendo, motivará o prazer

da leitura por representar elementos da realidade do leitor. Bordini e Aguiar

(1993) relatam que o ato de ler é duplamente gratificante: se o texto a ser lido é

conhecido gera a acomodação, a possibilidade de o sujeito se ver no texto; se

por outro lado, o texto a ser lido é desconhecido, o leitor descobre modos

alternativos de ser, de se ver e de viver.

No segundo pressuposto teórico-metodológico, é necessário considerar

que tanto alunos quanto professores possuem (e levam consigo) uma história

de leitores. E, assim, o professor precisa ser um bom leitor. Lajolo (1985 apud

SUASSUNA, 1998) até aponta que o professor precisa ser íntimo de muitos,

muitos e muitos textos, que deve amar os livros e a leitura porque se assim não

for, empobrecerá sua prática de ensino de leitura.

De acordo com o terceiro princípio, a escola precisa oferecer aos alunos

diferentes tipos de texto e, simultaneamente, tipos de relação com o texto, já

que são imensas e divergentes nossas necessidades e nossos reflexos

culturais.

E por último, mas sem encerrar as possibilidades de um bom trabalho do

professor, é importante, ao se encaminhar o trabalho pedagógico da leitura, se

considerar o conceito de leiturização. Foucambert (1993) criou o termo

leiturização para qualificar não somente a capacidade de ler letras e palavras

ou textos, porém, ao mesmo tempo, designar as condições culturais de

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produção da leitura. Assim sendo, a escola, e por conseqüência o professor,

tem como tarefa primordial auxiliar na inserção do aluno no mundo letrado.

Quando o professor oferece aos seus alunos possibilidades de “leitura”

mesmo que estes alunos ainda não sejam alfabetizados, ele possibilita também

uma oportunidade de “construir significados” a partir deste texto lido. E esta

construção, segundo Kriegl (2002), é possível porque o leitor – com

intermediação do professor, usa os elementos textuais como os conhecimentos

já adquiridos por este leitor mirim. Na verdade, por ser um processo social de

construção de significados, que utiliza suas interações com informações e

conhecimentos, pessoas e acontecimentos, por meio da leitura, a criança, para

aprender a ler, necessita de entendimento e reflexão sobre os processos de

aquisição, pois ao mesmo tempo em que a criança inicia seu aprendizado de

leitura, também deve aprender a aprender a ler.

Neste meio, o professor também precisa conhecer este processo. Afinal,

como expõe Mary Kato (2002), um dos objetivos mínimos da escola é ensinar a

ler e a escrever, e conhecer o processo de aprendizagem é, portanto, de

fundamental importância para se conduzir o processo de ensino.

Entretanto, um aspecto que é observável na escola, de acordo com Kato

(2002), é que se preocupa excessivamente com a escrita e pouca atenção é

dispensada ao desenvolvimento da leitura.

Justamente, por isso, neste capítulo, não se dará ênfase aos métodos

de alfabetização que dão condições aos alunos de decodificarem e codificarem

a escrita para posterior compreensão e interpretação. Minha preocupação está

em que momento e como o professor pode (e deve) inserir momentos de leitura

(não necessariamente a leitura do escrito) em sala de aula, já que o professor é

o elo que liga e media texto e criança.

Mas, mesmo assim, faz-se pertinente compreender os princípios básicos

do processo de aprendizagem da alfabetização pela criança:

Ferreiro e Teberosky mostram que nos primeiros contatos da criança com textos ilustrados, a criança ainda não diferencia da função do texto a da figura, achando que esta última também é lida. [...] Lavine mostra que as crianças, aos três anos, já rejeitam figuras e desenhos como escrita. Porém, mesmo depois de passada essa fase pictográfica, a criança atribui ainda, segundo Ferreiro, um certo valor icônico à escrita.

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Quanto aos traços da escrita, Lavine mostra a importância da estimulação no desenvolvimento da percepção da criança. Utilizando crianças de 3, 4 e 5 anos, e jogando com estímulos de quatro tipos – a) figuras, b) ideogramas e desenhos estilizados, c) palavras em escrita hebraica, e d) palavras em inglês, em tipo tanto de imprensa como o cursivo – , Lavine verificou que todas as faixas aceitaram os estímulos c e d como escrita e rejeitaram os de tipo a. As crianças menores aceitaram ainda os do tipo b. Podemos dizer então que as crianças menores estariam na fase intermediária entre a ideográfica e a fonográfica, e as maiores já estariam estritamente dentro da fase fonográfica. Após a fase pré-silábica, Ferreiro e Teberosky distinguem três fases: a silábica, a silábico-alfabética e a alfabética, conforme a criança atribua a cada símbolo o valor de uma sílaba, de uma sílaba ou de um segmento fonético e, finalmente, apenas de um segmento fonético. [...] Em outras palavras, a alfabetização se tornará possível quando a criança tiver consciência da relação símbolo gráfico e som oral de sua língua. (KATO, 2002, p. 12).

Independentemente, se tratamos da leitura decodificada do escrito ou

daquela por imagens, o leitor necessita, ao ler, criar algumas estratégias de

leitura. Estratégias que, em grande parte dos momentos de leitura, passam

sem serem notadas pela consciência do leitor ou do seu mediador de leitura.

Ao ler um texto verbal ou não-verbal, a mente do leitor seleciona o que

lhe interessa: escolhem-se pontos importantes, menosprezam-se os

desinteressantes. São, na verdade, as hipóteses que o leitor levanta para

antecipar pistas do que será lido, aponta Kriegl (2002).

As estratégias de leitura, então, possuem: inferências, auto-regulação e

autocorreção. Com as inferências, o leitor lança mão de seu conhecimento

prévio para “antecipar” informações do que está sendo lido. Por meio da auto-

regulação, o leitor confirma ou refuta o que suas inferências possibilitaram. O

texto confirma ou não. Já a autocorreção acontece quando o leitor não

confirma as antecipações levantadas, havendo um momento de dúvida. E, de

acordo com o que Kriegl escreve, há uma relação recíproca e íntima entre usar

estratégia de leitura e interpretar o texto, ou seja, emprega-se uma estratégia

porque se está entendendo o texto e entende-se o texto porque se usa uma

estratégia.

Diante do exposto, pode-se dizer que um leitor eficiente é aquele que:

• formula perguntas enquanto lê e se mantém atento; • seleciona índices relevantes para a compreensão; • supre os elementos ausentes, complementando informações; • antecipa fatos;

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• critica o conteúdo; • reformula hipóteses; • estabelece relações com outros aspectos do conhecimento; • transforma ou reconstrói o texto lido; • atribui intenções ao escritor. (KRIEGL, 2002, p. 4)

Se o leitor precisa usar todas estas estratégias para que haja o

entendimento do que foi lido e a leitura passe a ter sentido, o professor precisa

ficar atento e mediar a utilização destas estratégias para que a leitura se

concretize.

Mas, além das experiências, da mediação do professor (ou outras

pessoas) o leitor mirim precisa estar motivado tanto para ler quanto para

aprender a ler. Então, o que motiva uma criança a querer ler e contribui para

ela leia?

Um fator que, sem dúvida, contribui para o interesse da leitura de determinado material consiste em que este possa oferecer ao aluno certos desafios. Assim, parece mais adequado utilizar textos não-conhecidos, embora sua temática ou conteúdo deveriam ser mais ou menos familiares ao leitor; em uma palavra, trata-se de conhecer e levar em conta o conhecimento prévio das crianças com relação ao texto em questão e oferecer ajuda necessária para que possam construir um significado adequado sobre ele – o que não deveria ser interpretado como explicar o texto, ou seus termos mais complexos, de forma sistemática. [...] As situações de leitura mais motivadoras também são as mais reais: isto é, aquelas em que a criança lê para se libertar, para sentir o prazer de ler, quando se aproxima do cantinho de biblioteca ou recorre a ela. Ou aquelas outras em que, com um objetivo claro de resolver uma dúvida, um problema ou adquirir a informação necessária para determinado projeto, aborda um texto e pode manejá-lo à vontade, sem a pressão de uma audiência. [...] A motivação está intimamente vinculada às relações afetivas que os alunos possam ir estabelecendo com a língua escrita. Esta deveria ser mimada na escola, e mimados os alunos para os quais a leitura se transformou em um espelho que lhe devolve uma imagem pouco favorável de si mesmo acarretando, conseqüentemente, pouca vontade de ler. Só com ajuda e confiança, a leitura deixará de ser uma prática enfadonha para alguns e poderá se converter naquilo que sempre deveria ser: um desafio estimulante. Portanto, motivar as crianças para a leitura não consiste em que o professor diga: “Fantástico! Vamos ler!”, mas em que elas mesmas o digam – ou pensem. Isso se consegue planejando bem a tarefa de leitura e selecionando com critério os materiais que nela serão trabalhados, tomando decisões sobre as ajudas prévias de que alguns alunos possam necessitar, evitando situações de concorrência entre as crianças e promovendo, sempre que possível, aquelas situações que abordem contextos de uso real, incentivem o gosto pela leitura e façam o leitor avançar em seu próprio ritmo para ir elaborando sua própria interpretação – situações de leitura silenciosa, por exemplo (note-se que essas são as mais habituais na leitura cotidiana, porém as mais

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distantes das que costumam acontecer na escola). (KRIEGL, 2002, p. 4-5)

Sem se esquecer de nenhum destes itens, o professor precisa planejar

suas práticas docentes de maneira que possa fomentar o interesse pela leitura

em seus pequenos alunos.

A leitura de textos escritos nas salas de aula, algumas vezes, é vista

como uma tarefa de rigor intelectual mais apurado, exigindo maior esforço e se

configura como privilégio apenas a algumas crianças. E as crianças que

possuem tal “vantagem” são encaradas, às vezes, até como superiores,

quando, na verdade, todas as crianças deveriam ter o direito à leitura e de

encarar o livro como origem de informação, entretenimento, prazer. Ao

professor cabe oportunizar a todas as crianças este contato com as obras e

com a leitura.

De tudo que foi exposto sobre leitura até aqui, posso inferir que ler é

estar no mundo, ou seja, ler (alfabeticamente ou não) tem relação com o ser

cidadão. Além disso, é preciso ler muito e ler tudo, garantindo, na sala de aula

e na escola como um todo, o lugar do texto literário, mas do texto literário como

sugestão do novo e não como doutrinação, o que quer dizer que é preciso ler o

verbal e o não-verbal e, assim sendo, permitir as interpretações possíveis.

Também é importante não se dogmatizar a leitura em rotinas que sejam

cansativas e sem sentido; é necessário que as leituras surpreendam e que seja

realizada em momentos nos quais se transforme em necessidade e desejo, e

não em obrigação. O ato de ler precisa, ainda, ser produtivo em dois níveis: o

individual, já que reorganiza as vivências do leitor, e coletivo, pois possibilita o

confronto entre as visões de mundo diferentes de cada leitor. E, por fim, se ler

e escrever é dar sentido ao texto e ao mundo, o ensino da linguagem por meio

da leitura, precisa também ter sentido!

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3.2 LITERATURA INFANTIL

Abram os olhos para literatura infantil Pais e professores, fiquem atentos se quiserem formar gerações de pessoas felizes e aptas a vencerem na vida. O livro infantil, que é oferecido para a criança ler, ou é lido para ela, caso não esteja alfabetizada ainda, é um brinquedo capaz de despertar o interesse pelas coisas sensíveis, criativas, inteligentes e belas. Através das histórias fictícias e da poesia, fazemos uma viagem de sonho e puro encantamento. Aprendemos sem traumas, a lidar com os problemas diários. Conhecemos melhor a realidade que nos cerca. Crianças e jovens que não tiveram o seu imaginário desenvolvido, aquecido pela leitura literária, pela dramatização, pelo poder de encantamento da música e das artes plásticas, serão adultos pessimistas, endurecidos, incapazes de sorrir e de ser feliz.

(Elias José)

A literatura infantil é produto histórico de relações objetivas e também

subjetivas que o ser humano mantém com seu meio social, lingüístico, cultural,

intelectual, político e econômico, além de ser resultado de algumas concepções

(do artista que a produz e dos adultos que contribuem para disseminação das

obras literárias) filosóficas, educacionais e até mesmo políticas no que diz

respeito à educação ofertada em determinado período histórico.

Por isso, é prioritário, antes de falar sobre as funções e contribuições da

literatura infantil para o pequeno público leitor, as crianças, contextualizar e

pensar em alguns aspectos não, única e necessariamente, literários. Sendo

assim, acredito que seja pertinente refletir sobre o que é a literatura infantil.

3.2.1 O que vem a ser a literatura infantil?

Para responder a este questionamento, “o que vem a ser a literatura

infantil?” proponho uma análise dos termos: literatura, infantil e literatura

infantil. Acredito que assim, a reflexão toma corpo e pode ir além do que vê o

senso comum.

Segundo Mini Houaiss - Dicionário da Língua Portuguesa, “literatura”

pode ser assim entendida:

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1. arte da utilização estética da linguagem, esp. a escrita 2. conjunto de obras literárias 3. conjunto de livros, documentos etc. sobre uma disciplina, um tema 4. série das palavras us. para encobrir uma realidade, ou impressionar favoravelmente, ou devanear (HOUAISS, 2001, p. 277)

O Site BrasilEscola.com32, por sua vez, define literatura como uma

manifestação artística que se difere das demais pela maneira como se

expressa, já que sua matéria-prima é a palavra, a linguagem; e o texto literário

se caracteriza pelo predomínio da função poética.

Ao buscar o sentido de “infantil” no Mini Houaiss - Dicionário da Língua

Portuguesa, tem-se duas acepções: “1. próprio de criança ou da infância 2.

tolo” (HOUAISS, 2001, p. 249).

Sobre literatura infantil, o Site de Literatura33 tem publicado algumas

declarações de autores da literatura infantil sobre seu conceito:

Para Bahia, “Literatura Infantil é todo o acervo literário eleito pela

criança”. Cunha entende que “Literatura Infantil são os livros que têm a

capacidade de provocar a emoção, o prazer, o entretenimento, a fantasia, a

identificação e o interesse da criançada”. Machado desabafa:

Escrevo porque gosto. Com meus textos, quero botar para fora algo que não consigo deixar dentro. E escrevo para criança porque tenho uma certa afinidade de linguagem. Mas não tenho intenção didática, não quero transmitir nenhuma mensagem, não sou telegrafista. Acredito que a função da obra literária é criar um momento de beleza através da palavra. ... Em momento algum eu acho que a linguagem deva ser simplificada. Em meus livros não há condescendência, tatibitate nem barateamento da linguagem. A colocação dos pronomes é consciente, a regência e a concordância são rigorosas. As rupturas são intencionais, têm uma função estilística. Acho essencial dominar uma gramática para domá-la a partir de uma linguagem nova.

Carlos Drummond de Andrade poetiza e filosofa:

O gênero “literatura infantil” tem, a meu ver, a existência duvidosa. Haverá música infantil? Pintura infantil? A partir de que ponto uma obra literária deixa de se constituir alimento para o espírito da criança ou jovem e se dirige ao espírito adulto? [...] Qual o livro de viagens ou aventuras, destinado a adultos, que não possa ser dado a crianças, desde que vazado em linguagem simples e isento de matéria de escândalo? [...] Será a criança um ser à parte, estranho

32 O Site BrasilEscola.com está disponível no endereço: http://www.brasilescola.com 33 O Site de Literatura está disponível no endereço: http://www.sitedeliteratura.com/Infantil/conceito.htm

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ao homem e reclamando uma literatura também à parte? (ANDRADE, 1964, p. 591).

Diante destas considerações sobre o que vem a ser a literatura e o

infantil integrantes da literatura infantil, bem como o que vem a ser a própria

literatura infantil, pude chegar algumas inferências que não necessariamente

encantam, mas que inculcam uma vontade de saber mais a respeito, embora a

sensação que me fique é que jamais será possível compreendê-la por

completo, e uma necessidade de estudo e, principalmente, de leituras literárias

(e não-literárias).

Percebi que a literatura como um todo, mas especificamente a infantil,

registra o meio social em que nasce e, ao mesmo tempo, transforma este meio

e as pessoas que nele vivem. A literatura infantil transforma porque forma

leitores adultos ou não, devido ao seu potencial de diálogos, que podem nascer

e ser produtivos entre seus leitores; seus leitores e o escritor; seus leitores e

outros interlocutores, como os profissionais da escola, em especial os

professores; e seus leitores e seus próprios pensamentos e sentimentos.

Infiro também que a literatura infantil, antes de qualquer possibilidade de

diálogo, é expressão artística, como diria Coelho (2000, p. 27) “fenômeno de

criatividade que representa o mundo, o homem, a vida, através da palavra”,

sendo, portanto, capaz de representar e transformar o homem e seu mundo.

Afinal, a literatura, arte por si só, pode agir sobre as ações e os sentimentos do

ser humano, porque a literatura é capaz de mesclar sonhos, divagações à vida

cotidiana, o imaginário à realidade. A literatura e a literatura infantil podem

ampliar (e ampliam!), modificar (e modificam!) as experiências de vida e a

própria vida dos homens, mulheres e crianças que com elas se relacionam.

Teatro, música, pintura, escultura, dança, literatura e cinema são as sete

linguagens artísticas básicas e podem coexistir. E, especificamente, a arte

literária para crianças pode e deve andar juntas. Afinal, uma boa história

contada para crianças é a soma destas ou algumas destas linguagens. Isto

porque ao se ler ou contar uma história, que sai de um livro (literatura),

necessita-se da voz e do corpo para representar e ilustrar tanto os

personagens quanto as situações, usando o teatro; pode-se aperfeiçoar a

leitura ou contação adicionando movimentos e ritmos diversos que vêm da

música e dança; pode-se também criar um cenário ou mesmo figurino com

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pinturas e esculturas. Cabendo, única e exclusivamente, ao professor ou leitor /

contador utilizar com criatividade para transformar a arte literária em uma

situação de prazer.

Todavia, para além disso, a literatura utiliza-se de uma linguagem muito

específica e por ser linguagem, expressa experiências humanas e não pode

ser exata. Afinal, além de sua especificidade, cada época ou período histórico

compreende esta literatura (infantil ou não) de uma forma diferenciada e a

produz também a sua maneira.

Deste modo, conhecer a forma como a literatura é produzida,

indubitavelmente, é o mesmo que conhecer a singularidade de cada momento

histórico da própria humanidade. E mais do que isso, se eu conheço a literatura

destinada às crianças de um determinado período, sou capaz de apreender os

valores e normas que a sociedade da época em questão fundamenta suas

obras.

Entretanto, a literatura infantil possui uma peculiaridade, nem tão poética

quanto verdadeira: os autores de literatura infantil, em sua maioria adultos,

escrevem para as crianças, uma minoria sem voz, e acaba por ditar valores e

normas além da própria experiência de prazer literário. Como diriam Maria José

Palo e Maria Rosa Oliveira (2007) a literatura infantil possui e representa a

velha dicotomia dominador x dominado da sociedade capitalista.

O que seria, se é que ele verdadeiramente existe, a chamada literatura

infantil? Acredito que o que se chama de literatura infantil corresponde a um

contingente literário apropriado ao nível de desenvolvimento da criança, ou

seja, que respeita suas características cognitivas, afetivas, sociais, motoras de

cada fase de suas vidas. E, por isso, é necessário autores e professores que

lidam com esta arte, conhecer a visão de criança considerada tanto para quem

escreveu quanto para quem utilizará da obra.

Assim sendo, apesar de todas as possibilidades que a literatura infantil

origina, é importante que pesquisadores e, principalmente, professores não

deixem que ela encerre ricas oportunidades de vivências e conhecimento.

A grande verdade é que, essencialmente, a natureza da literatura infantil

é a mesma destinada aos adultos, sua diferença está, conforme analisa Coelho

(2000), na natureza do leitor, no caso, na natureza da criança.

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Vulgarmente, a expressão “literatura infantil” sugere de imediato a idéia de belos livros coloridos destinados à distração e ao prazer das crianças em lê-los, folheá-los ou ouvir suas histórias contadas por alguém. Devido a essa função básica, até bem pouco tempo, a literatura infantil foi minimizada como criação literária e tratada pela cultura oficial como um gênero menor. [...] Compreende-se, pois, que até bem pouco, em nosso século, a literatura infantil fosse encarada pela crítica como um gênero secundário, e fosse vista pelo adulto como algo pueril (nivelada ao brinquedo) ou útil (nivelada à aprendizagem ou meio para manter a criança entretida e quieta). (COELHO, 2000, p. 29).

Então, ao contrário do que se possa pensar, o trabalho com a literatura

infantil exige e muito do educador. Ele precisa, antes de qualquer coisa, viver

literatura! Gostar de literatura e, sobretudo, ler literatura (infantil). É necessário

também compreender que a literatura é parte da vida do homem desde que

este sentiu necessidade de se expor, seja por meio de seus sentimentos ou

seus feitos. É importante ainda conhecer algumas características e

possibilidades de trabalho com a literatura em cada fase de idade, e para isso,

entender também as fases da criança.

Afinal de contas, a literatura tem sua gênese em três bases distintas:

primeiramente, a literatura infantil possui sua evolução histórica influenciada

pelas concepções acerca da infância e o tratamento dado a ela; depois as

alterações que acontecem com a própria literatura infantil repercutem nas

obras infantis, por exemplo, em relação às técnicas e temas da arte literária; e,

por fim, a evolução do próprio gênero no sentido de acompanhar as mudanças

de idade do seu público infantil e em fase de crescimento.

Diante de tudo isto, concluo que se tem uma denominação que não

convém à literatura infantil é a de ser inferior às demais expressões literárias.

3.2.2 Como tudo começou... e continuou...

Desde que existe o primeiro homem na face da Terra, o ser humano

precisa contar suas emoções, seus sentimentos, seus feitos. E a partir do

momento que o homem necessita de se expressar, contando sobre si, nasce o

ato de narração oral de histórias.

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Na Idade Média, por exemplo, o contar histórias era considerado como

algo soberano, capaz de “abrir as portas” em qualquer lugar que se esteja, pois

o ato de narrar histórias representava respeito social. E as tradições daquela

época (e de certa forma até os dias de hoje) eram transmitidas oralmente e

quem contava era visto como responsável pela tarefa de ensinar a ética e a

moral de sua época por meio da oralidade. Pelo que se percebe, assim,

oralidade e literatura possuem estreita relação. E embora, associemos a

literatura à palavra escrita, é a tradição oral de contar histórias que mantém

viva as culturas dos mais diferentes povos.

A história da literatura infantil mescla-se à história da literatura geral,

especificamente à modalidade oral, uma vez que inicialmente as narrativas

contadas eram destinadas a todos os ouvintes, fossem adultos ou crianças.

Não se escrevia para as crianças.

Sua história “independente”, se é que se pode denominá-la assim

quando começa a caminhar por suas “próprias pernas”, pois continua a estar

inserida em um meio repleto de aspectos que extrapolam seus textos, começa

a delinear-se aproximadamente no início do século XVIII.

A partir da Idade Moderna (século XVIII), período de ascensão da

burguesia, surge novo modelo de família “unicelular”, que valorizava o aspecto

doméstico. A criança passa a ser considerada um ser diferente do adulto com

necessidades e características próprias, passa a ser vista como um indivíduo

que precisa de atenção especial demarcada pela idade. E sendo vista com

diferente do adulto, reconhece-se que a criança é possuidora de necessidades

e características peculiares. Resumindo, a literatura infantil origina-se a partir

de mudanças na estrutura da sociedade dos séculos XVII e XVIII, em especial

no que se refere à forma de se visualizar a infância.

O adulto passa a idealizar a infância. A criança é o indivíduo inocente e

dependente do adulto devido à sua falta de experiência da realidade. Deveria

receber uma educação que preparasse para a vida adulta. Até hoje muitos

ainda têm essa concepção da infância como o espaço da alegria, da inocência

e da falta de domínio da realidade. Os livros que trazem essa concepção são

escritos, então, com o objetivo de educar e de ajudar as crianças a enfrentar a

realidade. E a escola ganha papel de auxiliar o processo.

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A literatura infantil surge, então, dos livros publicados especialmente

para as crianças com intuito pedagógico e que transparecem os ideais e

valores do mundo burguês, de maneira que promovessem padrões

comportamentais nas crianças.

No século XVII, por exemplo, não havia nada que pudesse ser tido como

literatura infantil, a não ser um livro de Comenius criado para ensinar latim

através de gravuras. Este caráter pragmático do gênero acabou

comprometendo o seu reconhecimento como forma de expressão artística,

bem como o desenvolvimento do gosto pela leitura. Existiam adivinhas, rimas

infantis, certos jogos de palavras que fariam parte da gênese da literatura

infantil, mas que só ganhariam esse contorno quando reaproveitadas pelos

primeiros livros destinados aos públicos infantis.

Em seus primórdios a literatura foi essencialmente fantástica, já que era

inacessível à humanidade o conhecimento científico. Essa mágica acabou

transformando-se em literatura infantil, pois atrai espontaneamente as crianças.

Afinal, por meio do maravilhoso, tudo o que acontece não obedece às leis

naturais como de espaço e tempo. Cunha (2006, p. 23) expõe que nos

caminhos que se percorreu para encontrar uma literatura adequada para a

infância, é possível observar duas tendências: uma dos clássicos (que foram

adaptados) e outra do folclore (com apropriação dos contos de fadas, que não

eram, especificamente, para as crianças). Indiscutivelmente, Charles Perrault e

os Irmãos Grimm reuniam das narrações folclóricas e estão ligados à gênese

da literatura infantil. Perrault e os Grimm tiveram seus contos adaptados e

publicados novamente infinitas vezes.

E, ao longo dos séculos, o posicionamento didático se solidificou,

entretanto, além da literatura que se tornou universal, muitas obras produzidas

naquela época permaneceram por suas qualidades estéticas, como e outras

foram surgindo como propostas diferenciadas: (os já citados) contos de fadas

recolhidos por Perrault; as adaptações de romances de aventura, com

Robinson Crusoé; os (também já citados) contos de fada dos Irmãos Grimm

(considerada por alguns críticos como verdadeira literatura); a obra de Julio

Verne (que explora o fantástico, a aventura); outros autores importantes

também são Andersen, Collodi, Carroll, Barrie, entre outros.

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Resumindo, aproprio-me das palavras de Zilberman (2005) quando diz

que, inicialmente, a literatura infantil era alimentada por obras que possuíam

outras finalidades sociais, sendo pois, destinadas aos leitores adultos e com

adaptações; transmitidas oralmente e, com o passar do tempo, destinadas às

crianças; além, é claro, de algumas obras destinadas às escolas.

No começo, a literatura infantil se alimenta de obras destinadas a outros fins: aos leitores adultos, gerando as adaptações; aos ouvintes das narrativas transmitidas oralmente, que se convertem nos contos para crianças; ou público de outros países, determinando, nesse caso, traduções para a língua portuguesa. Há um último segmento que vale a pena citar: as obras destinadas à escola. (ZILBERMAN 2005, p. 18).

3.2.3 A literatura infantil também chega a terras b rasileiras

No final do século XIX, a literatura infantil chega às terras brasileiras. No

início, importaram-se textos tradicionais e, com eles, o caráter didático e

redutor. Usou-se o texto infantil como difusor de preceitos e normas

comportamentais, doutrinando-se as crianças.

Mas no Brasil, o surgimento da literatura infantil teve 4 fases, cada uma

com concepções ideológicas que se evidenciaram nas produções.

A 1ª fase pode-se datar no final do século XIX e início do XX, com

tentativas de formação de um público leitor infantil, que tinha caráter norteador,

a observar-se pelo título: Leitura para meninos, contendo uma coleção de

histórias morais relativas aos defeitos ordinários às idades tenras e um diálogo

sobre geografia, cronologia, história de Portugal e história natural. Só o nome

parecia o próprio livro! Muito atraente para crianças, não?

Intelectuais da época queriam modernizar o país (com ajuda da escola),

por isso, literatura infantil com compromisso pedagogizante. Como não poderia

deixar de ser, no Brasil, a literatura infantil inicia-se com obras “pedagógicas”

adaptadas das publicações portuguesas, resquícios de ser uma colônia.

As obras nacionais com esta finalidade: Contos pátrios / Através do

Brasil (Olavo Bilac e Coelho Neto); Era uma vez (Julia Lopes de Almeida);

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Saudade (Tales de Andrade). Traduções e adaptações que circulavam feitas

por Carlos Jansen (Contos seletos das mil e uma noites, Robson Crusoé, As

viagens de Gulliver a terras desconhecidas), Figueiredo Pimentel (Contos da

carochinha).

Mas como eram destinadas ao público infantil europeu, estas traduções

e adaptações apresentavam problemas: o distanciamento lingüístico, as

representações do mundo e problemas de identidade cultural.

A 2ª fase da literatura infantil brasileira acontece aproximadamente entre

1920 a 1945. Período de efervescência política, intelectual e artística, pois a

política na década de 20 sofreu grande pressão da burguesia industrial que

reivindicava apoio governamental e não aceitava os privilégios dos cafeeiros;

além disso, a classe média urbana, composta por empregados do comércio e

das classes liberais, lutava por maior representatividade, pelo voto secreto e

pelas reformas eleitorais; e operariado também exigia melhores salários e

condições de vida mais adequadas.

Como pode se imaginar, esta efervescência político-social também

atingiu a educação que tinha altos índices de analfabetismo. Motivando uma

série de reformas, ocorre a criação da Escola Nova (com desenvolvimento de

trabalhos práticos e atividades desportivas). Culturalmente, surgem as

inovações artísticas com exposições, fundação de jornais e revistas. E o marco

da revolução das letras no país, a Semana da Arte Moderna, de 1922.

Nesse momento, por volta de 1921, nasce oficialmente a literatura

infantil brasileira pelas mãos de Monteiro Lobato. Com ele, é que se inicia,

verdadeiramente, a literatura infantil brasileira que recebeu roupagem nova:

inovação temática das histórias, diversificação dos gêneros, aproximação entre

linguagem e tom coloquial. Lobato também criou uma obra centralizada em

algumas personagens, que percorrem toda a obra, como Dona Benta e Tia

Nastácia (as adultas que orientam os pequenos), Pedrinho e Narizinho (as

crianças orientadas), outras criaturas (Emília e Visconde de Sabugosa), e

animais como Quindim e Rabicó, do Sítio do Picapau Amarelo.

Nesta segunda fase, aumentou-se o número de obras disponíveis,

adaptaram-se os clássicos, o folclore constituiu fonte preciosa. Porém, é nítido

em algumas o cunho pedagógico e os temas históricos. Como escreveu Cunha

(2006): “Ao lado de obras marcadamente didáticas, escreve Lobato outras de

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exploração do folclore ou de pura imaginação, com ou sem o reaproveitamento

de elementos e personagens da literatura infantil tradicional” (p. 24).

Pode ser citado como exemplo de obras que permanecem o caráter

pedagógico e que aproveitam temas históricos em Lobato, Aventuras de Hans

Staden, que “materializa a proposta educativa do autor” (BECKER in SARAIVA,

2001, p. 37). Lobato, com toda sua obra, procura deixar mais leve a

metodologia da escola tradicional, buscando também dentro da narrativa, um

espaço para discussão de temas polêmicos relacionados à história do Brasil, à

ética e ao comportamento do seres humanos.

A segunda fase da literatura infantil no Brasil é marcada pela Segunda

Guerra Mundial (1930 – 1945), por um novo tipo de estado brasileiro (de

arcaico passa a moderno), porém fica mais complexo e heterogêneo. Nesta

época, o populismo ameaça aos privilégios dos capitais estrangeiros no país.

também representa um período de violação dos direitos civis e da liberdade

democrática, por pura arbitrariedade.

Esta nova ordem econômica e social deixa resquícios na educação. A

primária torna-se obrigatória; privilegia-se o ensino técnico; e instituem-se os

cursos superiores partidários do escolanovismo que defendiam a pedagogia

laica e valorizando as disciplinas científicas.

Muito por “culpa” de Monteiro Lobato, esta fase é caracterizada ainda

pela presença do espaço rural em seus enredos e por personagens que

transitavam de um livro a outro.

A 3ª fase vai de 1950 a 1960, período conhecido como Décadas da

Democracia. Foi a época de ascensão política de Getúlio Vargas, com retorno

as antigas vertentes nacionalista e intervencionista. Há o registro de um

crescimento de 80% da produção industrial oriundo do nacionalismo

desenvolvimentista.

Em 1961, Jânio Quadros assume o país em crise econômica e

inflacionária e algumas de suas medidas estabilizadoras como a restrição de

crédito e congelamentos dos salários desgastaram imagem do presidente que

renunciou em pouco tempo: sete meses.

João Goulart assume em seguida o governo. A classe média articulou-se

e Goulart foi deposto com a instalação dos Atos Institucionais (AIs). Neste

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período também há repressão e censura aos meios de comunicação e

concentração de renda na classe alta.

Na educação, estava em pleno funcionamento a Reforma Capanema

implantada em 1942 e mantida até 1961. Neste momento, há aprovação da Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e percebe-se também na

educação, a influência da política e da economia nacional.

Registra-se, ainda grupos atuantes na alfabetização e na educação de

base. A cultura sofre inovações, havendo fortalecimento do cinema, do teatro,

das artes plásticas, dos meios de comunicação de massa e da literatura.

Sempre, tanto na área infantil quanto na adulta, visava-se o público na “nata”

da sociedade. Entretanto, o Golpe de 64 causa prejuízo à cultura nacional. Foi

um período histórico em que grande parte dos intelectuais viveu algum tempo

em cárcere, sofrendo torturas.

A literatura infantil, nesta época em que o país se encaminhava para um

projeto industrial, assumiu caráter conservador: os temas privilegiavam

agricultura; havia supremacia do urbano sobre o rural; o campo era sinônimo

de lazer e férias; e o caipira era desprezado a começar por sua fala.

A 4ª fase desenrola-se de 1970 a 1980. Nos Anos 70 ocorrem

transformações aceleradas, enquanto nos Anos 80 existe a pior crise

econômica com dívida externa, inflação, desempregos; politicamente

acontecem lutas pela democracia em 89, com as Diretas Já!

No ensino, acabava-se compartimentação entre primário e ginásio e

excluíram-se as disciplinas humanísticas, acrescentando-se as tecnológicas.

Nos Anos 70 também há aumento da produção literária para crianças de

poesia e narrativa com tratamento diferenciado aos temas e linguagem.

Nas obras literárias, abrandou-se o caráter didático-pedagógico e

distanciou-se do padrão formal culto com privilégio de marcas da oralidade,

gírias, dialetos e falares regionais.

Nestas décadas, a literatura infantil produziu obras diversificadas:

modernos contos de fadas, ficção científica, narrativa de cunho social e policial.

Os protagonistas passam a ser crianças desajustadas ou frustradas e existe

uma revisão do papel social da mulher.

A poesia recebe destaque pela qualidade da produção que privilegia o

registro do cotidiano infantil, da independência, da criação e da rebeldia da

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criança que mesmo sendo “frágeis” perante a grandeza e fortaleza de tantos

adultos pelo mundo afora, tornam-se capazes de possuir e expressar seu olhar

ingênuo e desarmado sobre a realidade.

Há o que se denomina de antropomorfização dos animais; na linguagem,

há a exploração da sonoridade das palavras; aproveitou-se e explorou-se

também a relação criança-natureza, dando ênfase nas sensações e o mundo

das cores; além disto, houve uma recuperação do folclore oral por meio de

modinhas infantis, canções de ninar, brincadeiras de roda.

Estas transformações em todos os campos acarretam produção de textos com

natureza verbal, cultural e ideológica próprias como exemplo, as produções: O

reizinho mandão; e Marcelo, marmelo, martelo de Ruth Rocha; História meio ao

contrário de Ana Maria Machado; Corda bamba; A casa da madrinha; e Os

colegas de Lygia Bojunga; Chapeuzinho amarelo de Chico Buarque de

Holanda; e Uma idéia toda azul de Maria Colasanti.

De fato, apesar dos momentos que na história da literatura infantil

prestigiaram ora quantidade, ora qualidade, a literatura infantil caminhou e

caminha para a maturidade do gênero dentro de propostas estéticas feitas por

Lobato.

É possível dizer isto porque a qualidade estética vem revestindo as

produções para o público infantil na contemporaneidade possibilitam ao

professor apresentar o mundo mágico da literatura como suporte para

atividades de alfabetização, além de, em primeiro lugar, despertarem o prazer,

o deleite, a fruição.

Como disse Khéde (1986, p. 9), “A singularidade do gênero literário

infanto-juvenil estaria justamente na sua indiscutível complexidade histórica,

responsável, também, pelas inúmeras nuanças ideológicas que entrecortam

seus textos”.

Percebo, enfim, que a literatura infantil, nasceu como sendo uma

alternativa de “pedagogizar” os ensinamentos necessários a boa convivência

social e até mesmo conteúdos escolares, porém após transformações em sua

visão, indiscutivelmente, quando de qualidade, a literatura infantil é capaz de

servir como motivação para o processo de aprendizagem e, com grande

relevância, para a construção do sujeito infantil, o que, posteriormente, se

refletirá no ser adulto.

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3.2.4 Importante falar em funções ou contribuições?

O adulto, muitas vezes, tem a tendência para impor à criança a sua visão de mundo, esquecendo que ela é bem diferente. Quantos de nós não ficaram desiludidos ao confrontarem a imagem, de infância, do seu pé de acácia com a realidade de agora? Tudo o que vemos e como vemos tem sempre impregnado um forte componente afetivo. Vemos com os olhos, mas também com o coração. Essa é a dimensão de poesia que temos dentro de cada um. Só que, por vários motivos, alguns foram mais despertos para a possibilidade de a poderem traduzir por palavras. Talvez porque leram muito ou ouviram muito ler.

(Joana Cavalcanti)

Pelo que expus até aqui, é sabido que em seus primórdios, a literatura

infantil herdou uma denominação de forma literária inferior, menor.

Denominação que veio conjugada a uma função utilitarista e pedagógica. E,

para ser sincera, não consigo definir se a literatura vestiu-se de pedagogia ou

se a pedagogia disfarçou-se de literatura em sua gênese.

O fato é que além de apresentar às crianças uma linguagem simbólica, a

escrita, ao se ler ou contar uma história, a literatura infantil pode permitir, sem

dúvida alguma, a mostra de alguns “caminhos-modelo” que a criança deve

seguir. Mas é fato também que pela qualidade do texto e a forma como o

adulto o utiliza em sala de aula, pode-se fazer de uma possibilidade

adestradora um oportunidade de reflexão e ampliação do próprio indivíduo que

ouve ou lê a história. Isto porque o texto literário é muito mais do que suas

estruturas narrativas, na verdade ele é mais aquilo que extrapola o concreto

impresso no papel. Ele é aquilo entra no imaginário de cada leitor / ouvinte por

meio do poético e faz caminhos por pedaços mentais e sensoriais talvez nunca

antes visitados. E o que o texto literário pode estabelecer é uma ligação entre

este mundo imaginário interno de cada ser leitor ou ouvinte com o mundo real,

são as diversas possibilidades de sentido que o próprio texto proporciona, são

as reflexões que partirão do texto, é aquilo do escrito evapora e incita a

criação, a destruição de conceitos, de desejos, de opiniões, de sentimentos. Na

verdade, acredito que o texto literário infantil é aquilo que faz da criança após

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sua leitura não melhor do que era antes dela, mas diferente do que era antes

porque algo dentro de si saiu do lugar porque a leitura “empurrou”, “cutucou”,

“preencheu”, “esvaziou”.

Como bem expuseram Palo e Oliveira (2001):

À função utilitário-pedagógica só resta um caminho, que a leve ao verdadeiro diálogo com o ser literário infantil: propor-se enquanto proto-pedagogia ou quase-pedagogia, primeira e nascente, capaz de rever-se em sua estratificação de código dominador do ser literário infantil, para ao recebe-lo em seu corpo, banhar-se também na qualidade sensível desse ser com o qual deve estar em harmônica convivência. (PALO e OLIVEIRA, 2001, p. 14).

Esta fala das autoras e minhas leituras e experiências, ressalvo algumas

discussões com uma colega de profissão, fizeram-me pensar na importância

maior que se deve consentir às contribuições da literatura infantil do que

propriamente às suas funções. Principalmente, porque acredito que as

contribuições, ilimitadas, diga-se de passagem, fazem a cada dia crescer as

funções do texto literário infantil. Sendo portanto, mais úteis e empíricas as

contribuições da literatura infantil. Todavia, não desmereço a necessidade de o

professor conhecer as possíveis funções da arte literária destinada às crianças,

entre elas a de criar o hábito pela leitura, pois este conhecimento, certamente,

propiciará um trabalho que traga muito mais contribuições, afinal de contas, a

literatura infantil pode a partir das relações estabelecidas entre texto,

imaginário e realidade enriquecer a percepção que a criança possui de mundo

e ainda ampliar o seu universo afetivo.

3.2.5 Quais as características de uma boa obra de l iteratura infantil?

Algumas obras, independentemente se são produzidas ou não para

crianças, agradam o público infantil e, por conseqüência, apresentam

características próprias para o encantamento dos pequenos.

Antes de qualquer caracterização, é fundamental que se tenha em

mente que a literatura infantil não deve ser reduzida, artisticamente falando,

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para que se tenha uma facilitação do entendimento das crianças. A obra

destinada à criança será apenas mais simples em seus recursos, porém não

menos valiosa, afirma Cunha (2006, p. 70). Isto significa que do mesmo modo

que para os adultos são produzidas obras bem simples com uma estrutura

narrativa linear, seguindo um tempo cronológico e personagens planas, e ainda

assim são consideradas clássicos e obras-primas, a literatura infantil pode ser

simples assim e ser irrepreensível em sua qualidade. Todavia, o que deve ficar

claro é que esta simplicidade de concepção da obra não deve se transformar

em simplicidade de linguagem.

Isto se assemelha ao adulto que deturpa a linguagem oral produzindo

“erros infantis” para se aproximar da criança. Essa deturpação gera um

artificialismo que não passa despercebido pelas crianças. Além deste

artificialismo, a puerilidade das obras deve ser repensada por autores e

renegada por professores porque a criança precisa ter contato com textos que

se equiparam ao nível em que ela se encontra e textos mais avançados para

que ela tenha desafios e oportunidades de vencê-los. Isto faz com que ela

cresça e amadureça, além de motivar. Entretanto, é importante também não

escrever ou selecionar textos muito mais avançados do que o nível psicológico

que a criança se encontra, pois isto traria o não entendimento e a

descontextualização do que foi dito no texto.

É importante ainda não exagerar no tom moralizador da obra, porque

isso indica que o professor ou adulto que selecionar determinado texto não

acredita na capacidade de inferências da criança. E pior do que o adulto

acreditar nisso, é a própria criança acreditar e só buscar e entender textos que

pensem por elas... para o resto da vida.

Imaginação. Isto não pode faltar numa boa obra de literatura infantil. E

também é importante que os textos vejam o mundo com os olhos da criança,

especificamente no que diz respeito à alegria, ao humor, ao gosto pela vida.

Mas, além destas características, a apresentação física do livro também

é muito importante. E a este respeito, tanto quanto no que se refere ao texto, o

estágio de desenvolvimento da criança é muito importante se considerar.

Para as crianças muito pequenas, o desenho das palavras é um sinal incompreensível, não significa nada. A imagem (desenho, fotografia, recorte, bonecos) é um sinal de elas “traduzem”

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facilmente, é um ícone. Este sinal (ou “signo”) mantém relações tão próximas, na aparência, com o objeto representado, que é imediatamente “entendido” pelo recebedor. [...] Para essas crianças pequenas, em quem queremos desenvolver o interesse pelas histórias, em geral lidas para elas, é importante a gravura: deve, nesse caso, prevalecer a ilustração. O texto deve ser pequeno (e bom, já se sabe) para conduzir quase à observação das figuras. [...] Os livros tornam-se até um apelo ao tato, e são bastante motivadores. Para os alunos que começam a ler, ainda deve predominar a ilustração, e o texto, também pequeno, deve apresentar-se em letras grandes e redondas. À medida que a criança evolui na leitura, vão-se reduzindo as ilustrações em favor do texto, cujas letras também diminuem até o formato e o tamanho normais, o mesmo acontecendo com o próprio livro (CUNHA, 2006, p. 74-75).

Entretanto, tudo o que se refere à ilustração precisa, necessariamente,

partir de seu pressuposto de valor artístico. Pois, do mesmo modo que o texto

artístico possibilita várias leituras, o desenho artístico também (ou assim deve

ser, possibilitando inúmeras leituras e dando sugestões e aberturas para que a

imaginação da criança entre em ação e aja muito!). Além de revelar a visão de

mundo de seu ilustrador.

E quanto às ilustrações, há que se cuidar e ter critérios bem definidos

em especial com aquelas obras em que a ilustração diz pouco ou nada do

texto. E existem dois tipos básicos de falhas da ilustração. Aquele em que o

desenho não tem muita relação lógica com a história e aquela em que o

ilustrador não deixa possibilidades para a criança devanear e sonhar.

O professor também se ater à diagramação e à paginação da obra, pois

são elas que estabelecem as ligações entre texto, ilustração, espaço em

branco na página, tipo de letra, entre os outros recursos gráficos da página.

Se se considerar a durabilidade dos livros e mesmo a segurança para as

crianças menores, é preciso analisar ainda o tipo de papel, o tipo da capa e o

acabamento da obra.

Além destas características de ordem física da obra, o professor precisa

cuidar do conteúdo dos livros: A história explora a ludicidade e traz prazer às

crianças? Induz ao consumismo? Os discursos proferidos pelos autores

pretendem a dominação da mente infantil?

Puxa, ao ler estas características de uma obra infantil, o bom professor

pode pensar: “então é só isso que me basta para analisar um livro ou texto

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literário antes de apresentá-lo aos meus alunos?”. E eu lamento (ou melhor,

prefiro) informar que não! Além de todos os itens citados a serem considerados

com o intuito de garantir a boa escolha ou a escolha de boa obras infantis, é

necessário considerar-se outros aspectos.

O novo (e mais intenso) valor dado a criança a partir da união familiar e

do novo modelo de família também se reflete em outras instituições incumbidas

de auxiliar nos cuidados e trato dos menores. Deste modo, literatura infantil foi

inventada e a escola reformada e também chamadas “à responsabilidade” de

ajudar na boa educação dos infantes, como enfatizou Zilberman (1994, p. 13).

A questão é que esta proximidade entre a instituição escolar e as obras

literárias não é por acaso e nem infundada (muito menos tão benéfica). Tanto

que os textos, em especial os primeiros escritos para crianças, foram feitos por

professores e pedagogos, com nítida intenção educativa. E por conta disso, até

os dias de hoje a literatura infantil é tida como pedagogizante, título que traz

algumas limitações, pois nem sempre é aceita como arte e vista apenas com

finalidade pragmática e como uma atividade que domina a criança (ou com

intenção de dominá-la!).

Infelizmente, estas condições da literatura infantil versus a escola

correspondem a problemas no que se refere a utilização e a ação das obras

literárias em sala, pois as crianças e os adolescentes acabam por não

quererem ser “ensinados” por meio da literatura, além de a própria crítica, sem

avaliar de forma adequada as obras, desprestigiar as produções para as

crianças pequenas, pois falam da forte presença de intenção pedagógica.

Isto tudo aumenta o trabalho dos professores que precisam, além de

proporcionar o contato com diversos gêneros literários, aproveitar-se do

indiscutível momento de intercâmbio cultural e literário que se torna a sala de

aula.

O fato é que a forma como o professor atuará em sala contará muito. E

certamente, mudanças serão necessárias na postura literária “imposta” aos

alunos ou vivenciada por eles.

Tais mudanças fazem pressupor, entre outras coisas, boas preferências

que o professor precisa ter, isto é, ele precisa saber escolher o texto e adequá-

lo ao nível psicológico do leitor. E para bem escolher, o professor precisa saber

discernir quais os melhores critérios. Ele não pode, por exemplo, querer usar o

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livro para ensinar regras gramaticais ou mesmo, única e exclusivamente, para

introduzir as crianças em determinada família de letras. Nem mesmo, escolher

o livro para apenas ensinar boas maneiras e determinados momentos, com

caráter claramente “edificante”. É necessária, indiscutivelmente, a apreciação

estética, pois a literatura infantil precisa estar mais relacionada à arte do que à

pedagogia, bem alertou Zilberman (1994, p. 23). Afinal de contas, não é porque

se tratam de crianças que precisam estar em contato com obras de menor

valor artístico.

Assim sendo, os critérios que permitem o discernimento entre o bom e o mau texto para crianças não destoa daqueles que distinguem a qualidade de qualquer outra modalidade de criação literária. Seu aspecto inovador merece destaque, na medida em que é o ponto de partida para a revelação de uma visão original da realidade, atraindo seu beneficiário para o mundo com o qual convivia diariamente, mas que desconhecia. Neste sentido, o índice de renovação de uma obra ficcional está na razão direta de sua oferta de conhecimento de uma circunstância da qual, de algum modo, o leitor faz parte. É desta coincidência do mundo representado no texto e o contexto do qual participa seu destinatário que emerge a relação entre a obra e o leitor. Pois, quanto mais este demanda uma consciência do real e um posicionamento perante o mesmo, tanto maior é o subsídio que o livro de ficção tem lhe oferecer, sem decorrência de suas virtualidades sintetizadoras do todo social, anteriormente descritas. E a criança é um indivíduo que se ressente desta abertura de horizontes, conseqüência lógica da situação claustral a que foi lançada (ZILBERMAN, 1994, p. 23).

O que significa que o professor deve, ao avaliar determinada obra

infantil, lançar mão dos mesmos critérios que lançaria para analisar uma obra

literária qualquer, independente do gênero ou para quem se destina, o que

inclui as crianças.

Aliás, para elas, o que inova, a partir da literatura infantil, é a

possibilidade de ver sua realidade com os olhos do autor e de uma forma antes

nunca vista pelas crianças, o que possibilita novas formas de ver o mundo e a

si mesmas. E a criança se sente estimulada com estas possibilidades, tendo

em vista a educação nem sempre tão livre que recebe.

Outra reflexão deve ser considerada ao se discutir o que fazer com a

literatura e como utilizá-la em sala de aula: é a forma como os as criações

literárias para crianças são produzidas, ou seja, as produções literárias infantis

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são produzidas de maneira “adultocêntrica34”. O que quer dizer que, embora

sejam feitas para crianças e consumidas por elas, as obras literárias carregam

os interesses dos adultos. E sendo assim, muitas vezes, a menor idade e a

menoridade do público alvo são transferidas para a obra literária. O que a

transforma no gênero menor e criticado por estudiosos da área e rejeitado por

algumas crianças.

Ao se falar nas crianças, pensa-se, automaticamente, no público leitor

da literatura infantil. E este público pode ser, ainda, outro motivo que dificulta a

afirmação da literatura infantil ou, quem sabe, a isenção de dúvidas de como

utilizá-la em sala de aula. Isto porque o próprio público leitor está em transição

(e formação). A este respeito Zilberman (1994, p. 37) traz que a literatura

infantil deve se modificar, à medida que a criança evolui fato que não impedirá

o afastamento da criança e mais tarde do pré-adolescente ou adolescente das

obras de literatura infantil.

Entretanto, creio que tudo o que as crianças vivenciarem e

experimentarem por meio das obras de literatura infantil levarão consigo para

sua vida adulta e, certamente, tais experiências farão diferença na maneira de

ver o mundo, a si mesmos e de como agirão e até mesmo resolverão seus

dilemas. Daí a importância essencial das experiências a se proporcionar com

textos literários quando ainda crianças, são elas que auxiliarão, ou não, a

formação de leitores.

Além de tudo isso, a que se considerar que a narrativa infantil precisa ter

movimento. A criança, “elétrica” em sua natureza, se interessará por histórias

que a todo momento apresentem situações novas, movimentos inesperados,

peripécias, ações que movimentem também o seu espírito infantil.

Contudo, só o movimento não basta para um narrador ou autor chamar a

atenção das crianças. O autor, para agradá-las, deve evitar descrições muito

extensas, grandes divagações. Além disso, as falas e os pensamentos dos

personagens, preferencialmente, devem ser apresentados em discurso direto.

Os diálogos também são importantes para a criança, pois atualizam a cena

para os pequenos, dá vida aos fatos e envolve-os muito mais do que com o

discurso indireto. Afinal, se o diálogo foi bem real, ou seja, possuir

34 Regina Zilberman utiliza esta denominação proposta por Maria Lypp (1977).

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características verdadeiramente orais dá realismo a cena que a criança ouve /

lê.

Alguns autores, sabiamente, por conhecerem os benefícios e mesmo o

valor do diálogo chegam a interpelar o leitor, fazendo-lhe perguntas, supondo

respostas, entre outros diálogos também estabelecidos entre narrador e leitor

que muito agradam as crianças. Neste caso, o discurso indireto livre devido às

suas semelhanças com o direto e sua economia, pode ser interessante.

Outro aspecto muito importante que deve ser considerado pelos autores,

durante a escrita, e pelos professores, na seleção da obra, é sobre os

personagens. De acordo com Cunha (2006, p. 98), é muito importante o

número de personagens, seu aparecimento e suas características. Outro

detalhe importante é serem, de preferência, personagens planos, isto é, sem

muita complexidade. É fundamental também que a narrativa seja linear, com o

tempo cronológico no lugar do psicológico. Sem os feedbacks, cortes que

voltam ao passado para se lembrar de situações ou cenas.

Além de tudo isso que torna a história interessante para a criança, é

preciso que ela tenha um final feliz. Quanto menor a criança, mais essencial é

este requisito, já que a criança, normalmente, vive a história, identificando-se

com a personagem simpática, divertida, alegre e se o final for desagradável ou

triste, machucaria a criança sem “dó, nem piedade” e, pior, sem necessidade.

Isto também não significa que todos os finais devam ser extremamente felizes

e para todo o sempre. O desfecho pode ser alegre e com um final que dure

pelo menos um dia! A meu ver, o que interessa é, a partir dos meus objetivos

como educadora e do público ao que me refiro, não apenas dominar ou

pedagogizar as crianças como também não cultivar a amargura no espírito

infantil.

3.2.6 Então, o que fazer com a literatura infantil?

Por isto, cabe ao professor e demais adultos que cuidam das crianças e

educam-nas proporcionar-lhes um contato diversificado com inúmeras

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possibilidades de texto. Todavia, antes de oferecer textos variados e de formas

mais variadas ainda, é necessário que o professor reflita sobre alguns pontos

indispensáveis à sua prática.

Como as experiências e pesquisas apontam, o contato das crianças com

a literatura infantil é feito inicialmente por meio do som. A criança ouve as

histórias que são, em geral, narradas por adultos e, eventualmente, podem ser

acompanhadas com o apoio de ilustrações. E pode-se dizer que é a ilustração

que introduz o livro na vida da criança. Esta cresce imersa num universo

repleto de palavra escrita e, normalmente, seu desenvolvimento intelectual

pode (e é) medido por meio de sua habilidade de verbalizar conteúdos.

Todavia, a apresentação “oficial” do texto escrito à criança é feita apenas

por intermediação da escola e, via de regra, após os seis anos de idade, após

a Lei N.º 11.274, após os 5 anos. “A partir de então, ela tem acesso às

mesmas modalidades de cultura, podendo fazê-lo de modo autônomo, por

liberar-se paulatinamente do adulto, senhor da voz que até então lhe transmitia

o conhecimento” (ZILBERMAN, 1994, p. 67).

E, justamente por ficar no lugar do adulto, muitas vezes, a história infantil

seja a representante do mundo dos mais velhos e, transformando-se, portanto,

em um veículo de autoridade e instrumento para transmitir normas e valores

(tanto as que se referem ao comportamento, quanto as lingüísticas). Por outra

via, o livro a ser apresentado às crianças na fase na escolar também pode ser

propulsor dos questionamentos. A postura adotada pela criança diante do livro

vai depender da forma como os adultos permitem seu acesso a ele.

A professora que utilizará a literatura infantil com crianças de várias

idades (o que coloca em questão inúmeros fatores) precisa ter bem definidos

alguns pressupostos para um projeto de vivências com a literatura infantil.

De acordo com os escritos de Coelho (2000, p. 17), preciso: Ter bem

definida a concepção de criança como um ser que aprende culturalmente,

portanto, educável. Compreender que literatura tem sua concepção ligada à

linguagem e que resulta de experiências sociais, culturais e existenciais.

Valorizar as relações que existem entre cultura, história e literatura.

Compreender que a leitura é, fundamentalmente, um diálogo entre o leitor e o

texto; diálogo que estimula a criança em sua totalidade como nas emoções,

intelecto e imaginário; e que pode levar a criança a obter informações

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imediatas, como fatos; e formação interior, por meio da fruição de emoções e

da conscientização dos valores necessários no convívio social. Compreender

que a escrita como fruto da criatividade estimulada por vivências e

oportunidades de determinada cultura. Saber que os meios didáticos são

neutros e que seu sucesso ou não se darão devido ao conhecimento, à

adequação e à intencionalidade de quem os escolhe e manipula, no caso, a

professora. Ter em mente que a escola é um espaço (muitas vezes, o espaço)

privilegiado onde são fortalecidos os alicerces da auto-realização das crianças,

auto-realização que influencia a auto-estima, esta que se constrói da infância

até a senilidade. Como escreveu Zilberman (2005, p. 9), “livros lidos na infância

permanecem na memória do adolescente e do adulto, responsáveis que foram

por bons momentos aos quais as pessoas não cansam de regressar”.

Diante destes pressupostos e de tudo o que foi discutido até aqui,

ressalto a responsabilidade da escola e, sobretudo, do professor no que se

refere ao trabalho, ou melhor, às vivências com a literatura infantil na idade da

infância. O que importa, então? Decididamente, saber o que fazer. Mas, o que

fazer?

Com base nos estudos de Coelho (2000, p. 18), acredito que o

professor, antes de qualquer prática, em sala, precisa “sintonizar-se”. Isto

mesmo, sintonizar-se com as transformações da contemporaneidade e

reorganizar seu conhecimento de mundo em três direções básicas: da

literatura, sendo um leitor atento; da realidade social ao seu redor, sendo um

cidadão consciente dos que dominam e das causas do domínio; e da docência,

sendo um profissional competente e sempre em busca de formação.

Ainda respondendo à questão: o que fazer com a literatura infantil,

arrisco mais um item, o professor deve primar pela sua não escolarização.

Apoiando-me nas palavras de Soares (in EVANGELISTA, BRANDÃO,

MACHADO (orgs.) 2006, p. 17):

[...] que relações existem entre o processo de escolarização e a literatura infantil? [...] Numa primeira perspectiva, podem-se interpretar as relações entre escolarização, de um lado, e literatura infantil, de outro, como sendo a apropriação, pela escola, da literatura infantil: [...] analisa-se o processo pela qual a escola toma para si a literatura infantil, escolariza-a, didatiza-a, pedagogiza-a, para atender a seus próprios fins – faz dela uma literatura escolarizada.

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Uma segunda perspectiva sob a qual podem ser consideradas as relações entre escolarização [...] e literatura infantil [...] é interpretá-las como sendo a produção, para a escola, de uma literatura destinada a crianças: [...] analisa-se o processo pelo qual uma literatura é produzida para a escola, para os objetivos da escola, para ser consumida na escola, pela clientela escolar – busca-se literatizar a escolarização infantil. (SOARES in EVANGELISTA, BRANDÃO, MACHADO (orgs.) 2006, p. 17).

Considerando estas palavras de Magda Soares, cabe pensar a que tipo

de literatura eu mentalizo e enfoco quando penso em meus alunos pequenos: a

literatura que se escolariza ou a escola que literatiza a infância? Estes

aspectos são relevantes, pois, se se acreditar na concepção “formadora” da

literatura no sentido de unicamente ensinar modelos de vida, adotarei

determinados livros e histórias específicas a determinado objetivo ou valor a

ser ensinado às crianças. Por outro lado, pode-se buscar apenas aquelas

obras feitas exclusivamente para o trabalho na escola. Em apenas uma ou

outra concepção, certamente, minha prática docente não se efetivará como

poderia, sendo, portanto, falha e até mesmo ingênua.

Portanto, não há como evitar que a literatura, qualquer literatura, não só a literatura infantil e juvenil, ao se tornar “saber escolar”, se escolarize, e não se pode atribuir, em tese, [...] conotação pejorativa a essa escolarização, inevitável e necessária; não se pode criticá-la, ou negá-la, porque isso significaria negar a própria escola. Disse em tese porque, na prática, na realidade escolar essa escolarização acaba por adquirir, sim, sentido pejorativo, pela maneira como ela se tem realizado, no quotidiano da escola. [...] o que se deve negar [...] é a [...] inadequada, a errônea, a imprópria escolarização da literatura (SOARES in EVANGELISTA, BRANDÃO, MACHADO (orgs.) 2006, p. 21-22)

Ou seja, segundo Soares (2006), mais importante do que se ter um “guia

prático” a seguir sobre a utilização da literatura infantil com as crianças, em

especial as ainda não alfabetizadas, é saber o que não fazer: a escolarização

da literatura de forma pouco funcional e pouco (ou nada) prazerosa. Ao

continuar falando sobre esta escolarização, indica três instâncias que

escolarizam a literatura (infantil): a biblioteca escolar, a leitura e estudo de livro

de literatura determinados pelo professor, e a leitura e o estudo de texto nas

aulas que ensinam o idioma materno.

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Como meu público alvo de estudo possui cinco anos e ainda não é

escolarizado, deter-me-ei apenas na escolarização que a biblioteca escolar faz

com a literatura infantil.

São variadas as estratégias que, na biblioteca, escolarizam a literatura

infantil. A primeira é o próprio estabelecimento de um local fixo na infra-

estrutura escolar para guardar e fornecer acesso à literatura. A segunda é a

organização do espaço e do tempo de acesso aos livros e de “leitura” destes.

Outra estratégia que escolariza a literatura é a seleção dos livros: quais livros a

criança pode ter acesso? Que livros são oferecidos às crianças menores? Por

que nem todas as crianças podem realizar empréstimo direto da biblioteca?

Para finalizar, ainda há a estratégia em que há a socialização das “leituras”:

quem indica os livros? Por que os indica? Como?

No que se refere à leitura de livros, atenho-me a uma colocação de

Soares (in EVANGELISTA, BRANDÃO, MACHADO (orgs.) 2006, p. 24):

“Lembre-se de que, fora da escola, nunca temos de demonstrar, comprovar

que lemos, e que lemos bem, um livro”. Esta colocação faz-se essencial, a meu

ver, no trabalho com a literatura infantil, sejam as crianças alfabetizadas, ou

não.

Para dar continuidade a minhas idéias, apóio-me, mais uma vez, nas

palavras de Soares (2006):

Defendemos que essa escolarização é inevitável, porque é da essência da escola a instituição de saberes escolares, que se constituem pela didatização ou pedagogização de conhecimentos e práticas culturais. Distinguimos entre uma escolarização adequada e uma escolarização inadequada da literatura: adequada seria aquela escolarização que conduzisse eficazmente às práticas de leitura literária que ocorrem no contexto social e às atitudes e valores próprios do ideal de leitor que se quer formar; inadequada é aquela escolarização que deturpa, falsifica, distorce a literatura, afastando, e não aproximando, o aluno das práticas de leitura literária, desenvolvendo nele resistência ou aversão ao livro e ao ler. De tudo isso conclui-se que a questão fundamental das relações entre literatura infantil e escola é que é necessário saber (ou descobrir?) como realizar, de maneira adequada, a inevitável escolarização da literatura. (SOARES in EVANGELISTA, BRANDÃO, MACHADO (orgs.) 2006, p.47)

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Como diria Walty (2006), “Não é a escola que mata a literatura, mas o

excesso de didatismo” (WALTY in EVANGELISTA, BRANDÃO, MACHADO

(orgs.) 2006, p. 52).

Diante da pergunta do que fazer com a literatura infantil, o professor

precisa ter muito claro que leitura livre não é estudo. O leitor, desde muito

pequeno, não precisa querer logo parar de ler para executar seja que atividade

for: pintar, escrever, desenhar, falar. O que o leitor precisa é simplesmente ler.

E ler o texto literário infantil é descobrir, é sentir. E de todas as leituras que fiz e

de minhas experiências, fica que mais importante do que descobrir e sentir

enquanto se lê, é amar os textos lidos, como bem menciona Walty (in

EVANGELISTA, BRANDÃO, MACHADO (orgs.) 2006, p. 68).

Talvez ao ler o subtítulo “Então, o que fazer com a literatura infantil?” o

leitor tenha imaginado que eu discorreria com modelos de atividades, com

caminhos bem traçados a seguir. Ledo engano. Afinal, o que precisa ser feito

com a leitura infantil em sala de aula com as crianças não possui receitas e

existem inúmeras possibilidades a serem executadas. Tudo, porém, depende

das concepções que se tem, das crianças, do professor, do que se pretende,

do nível etário, do nível intelectual entre tantos itens que envolvem a literatura

infantil.

3.2.7 Não existe receita, existe prazer

Apesar de não existir receita pronta para a utilização da literatura infantil

em sala de aula e nem para formar leitores, tratarei agora de algumas

possibilidades que podem servir como trilhas que cada professor precisará

criar, quem sabe, passar novamente por elas até que consiga levar a literatura

infantil para o maior número de crianças possível.

Indiscutivelmente, a educação estética literária inicia-se no berço, afirma

Cavalcanti (2004, p. 75). Da mesma maneira que, sem dúvidas, o contato com

a arte em geral amplia a visão de mundo.

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[...] Portanto, não se discute a importância para o desenvolvimento e formação de pessoas sensíveis e informadas, capazes de um olhar consciente e transformador da realidade. A questão reside em como vamos formar leitores simbólicos numa realidade em que as pessoas não dispõem de tempo para a reflexão, e as mensagens devem seguir um padrão de imagem que remeta e desloque o leitor para múltiplos referenciais, embora toda informação deva ser elaborada do ponto de vista conceitual. E acreditamos que a literatura enquanto objeto artístico deva gerar mais do que conceitos, pois deve provocar, remexer e desconstruir o já estabelecido para criar novas ordens. Então, a tarefa de formar leitores fica mais difícil ainda, pois temos que, quase unicamente, desempenhar tal coisa no espaço escolar. (CAVALCANTI, 2004, p. 76)

E como a professora pode fazer isso dentro da escola que tem sido

conhecida, muitas vezes, por sua repetição e mesmice? Como posso instigar

meus alunos, especialmente os ainda não alfabetizados, a sentirem prazer em

ler?

Já discutimos neste texto, que a literatura (em especial a infantil) não

deve ter função de educar simplesmente. A literatura é, antes de qualquer

coisa, literatura.

Para qualquer leitor, mas para a criança, indubitavelmente, a experiência

simbólica proporcionada pelo texto literário já justifica sua utilização. As

narrativas, por si só, dão alegria e alimentam o espírito. Contudo, é evidente

que a literatura não deve apenas fornecer alegria e ser, desse modo, alienante.

Afinal, a arte tem como matéria-prima o homem e o homem possui uma

dimensões de amor e dor.

Acredito que, talvez, um dos maiores problemas e que dificulta o

trabalho do professor com a literatura infantil em sala, é o próprio professor,

porque é formado para cobrar após as leituras. E para piorar, muitos

professores não gostam de ler literatura. E lêem somente o necessário para

sua prática docente. Desse modo, como é possível despertar nos alunos o

gosto pela leitura de literatura, principalmente nos menores, se o próprio

professor não sente prazer em ler e com textos literários? Ou pior ainda, como

posso despertar nas crianças a magia que a literatura proporciona se leio

sempre com finalidade de avaliar, sendo que, na verdade, a arte liberta?

Então, para despertar o prazer pela leitura em seus alunos e,

automaticamente, “ensiná-los” a ler, é preciso apenas gostar de ler?

Evidentemente que não. Preciso, em primeiro lugar, gostar de ler sim.

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Entretanto, devo estar preparada para lidar com as crianças. Preciso ter

conhecimento sobre literatura infantil, teoricamente falando. Preciso apreciar as

obras destinadas às crianças. Em síntese, a escola e o professor não podem

apenas trabalhar com a ludicidade, com a brincadeira e com a leitura num

clima de leveza, alegria e prazer. É essencial que este “gostar de ler”, este

“despertar pela leitura” faça sentido na vida da criança. O leitor mirim precisa

se identificar com o que for lido/ouvido, de maneira que as “leituras” permitam

um auto-exercício de conhecimento de si, do mundo, das pessoas e dos

sentimentos como amor e dor. A tarefa, de fato, não é tão fácil, por outro lado,

não é impossível.

E se professores, pedagogos, psicólogos e, principalmente, as famílias

se unissem nessa tarefa, seria muito mais fácil e teria muito mais sentido para

as crianças as experiências de leitura que viveriam.

Mas e se pode todo ter este apoio profissional e familiar? Como posso,

talvez aparentemente sozinha, contribuir para que meus alunos sejam leitores?

Aguiar et al (2001, p. 21) sugerem algumas possibilidades, entre elas,

adapto e destaco algumas. Posso (e devo) oferecer e oportunizar espaços de

leitura na sala de aula, de preferência, adaptando-os de acordo com a idade

dos alunos. Posso levá-los a uma biblioteca (da escola ou da comunidade) e

estimulá-las a procurar livros que lhes chamem a atenção (seja pela cor, pelo

tamanho, pelas imagens). Estimular e pedir que peguem seu livro preferido e

propor que leiam e, posteriormente, caso queiram, apresentem os livros que

escolheram e digam o motivo por que o escolheu. Entre tantos benefícios, esta

atividade proporcionará um perfil dos interesses literários deste grupo de

crianças.

Outra proposta que Aguiar et al (2001, p. 75) fornecem é o professor

pesquisar contos do folclore local como histórias de assombração, literatura de

cordel, lendas, histórias de amor e todo tipo de história que a cultura local

oferecer, e escrevê-los para (e com) as crianças. Se necessário, o professor

deve adaptar o assunto, o estilo, o meio, a forma do texto, sempre de acordo

com o público “leitor”. Textos escritos, o professor pode compilar alguns ou

pedir o auxílio das crianças para isso, como: reconhecer os personagens e

suas características físicas, sociais e psicológicas; os lugares onde os

personagens vivem; o que os personagens viveram, seus problemas; a solução

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encontrada. Depois disso, o professor pode reunir as histórias e montar um

livro que, posteriormente, pode ser oferecido às crianças.

O professor precisa também conhecer várias obras destinadas ao

público infantil, livros com texto verbal e apenas por imagens (que dão mais

flexibilidade para a criação de histórias).

Pode, ainda, organizar com as crianças, um “baú mágico” (ou qualquer

outro objeto) que permita guardar outros objetos como brinquedos velhos,

tampinhas, apitos, latas, tecidos, meias e outros adereços que possam

contribuir para a criação de histórias. O professor pode dar asas a sua

imaginação e inventar várias peripécias.

Como já tratei nesta pesquisa, e Aguiar et al (2001, p. 86) registram, a

origem das histórias infantis remonta às narrativas orais, que surgiram da

necessidade do ser humano explicar aquilo que não compreendia e de relatar

seus feitos. Por isto, proporcionar momentos de contação de história é também

uma ótima idéia para despertar o prazer pela leitura, por isso, é importante que

se disponha em sala de aula de um tempo específico para isso. Desse modo, é

importante que o professor, caso não saiba, aprenda a contar e a ler histórias.

Afinal, o homem é, em sua essência, um narrador de histórias, afirma

Cavalcanti (2004, p. 63). Ela traz ainda que “tudo nos é escorregadio e

permanentemente transformado em palavra” (CAVALCANTI, 2004, p. 63). É

por meio da palavra, da contação e da leitura de histórias que se pode viajar e

levar um monte de “passageiros” a viagens que despertam alegria, felicidade e

tantos outros sentimentos, tendo em vista que nem sempre o que a leitura

desperta é o prazer, às vezes, pode ser a raiva ou mesmo o medo.

3.2.8 Contar um conto, aumentar um ponto e encantar a vida

Inicialmente, devemos partir do pressuposto de que todos podem ser contadores de histórias, embora uns sejam possuidores da palavra sagrada, que aprisiona, impressiona, descobre e encanta, enquanto outros vão contar suas histórias, mas sem o manto da magia que recobre os verdadeiros contadores de história. [...] o contador de histórias é alguém que possui dentro de si o poder de encantar pessoas pela voz que surge da alma.

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O bom contador de histórias é aquele que nasceu guiado por uma infinita capacidade de doação e, por isso, esteja onde estiver, em qualquer espaço e tempo, ele estará envolto pela magia de contar histórias.

(CAVALCANTI, 2004, p. 64)

Cavalcanti (2004, p. 65) enfatiza que há todo um ritual na contação de

histórias que, mesmo na atualidade, deve ser considerado. Isto porque contar

um conto ou uma história qualquer exige que se prepare adequadamente o

espaço, criando um ambiente propício à audição e à imaginação. Os ouvintes

também precisam ser preparados para que se entreguem, com toda confiança

àquele que narra, ou seja, o contador de histórias precisa estabelecer vínculos

afetivos com sua “platéia”. Esta afetividade gera segurança. E desde os

primórdios as pessoas que ouvem histórias da tradição oral necessitam se

sentir seguros e confiantes. Um exemplo disso, é a presença do fogo (quando

as histórias eram contadas em torno de fogueiras por simples sentido de

proteção, pois o contar junto às fogueiras e perto de riachos faz com que a

contação afaste os maus espíritos e purifique a alma.

Abramovich (2004) menciona que para se contar uma história é bom

saber como se faz, pois contar histórias é uma arte. Ela equilibra o que é

ouvido com o que é sentido.

Busatto (2003) destaca que ao contar histórias, atingimos não apenas o

plano prático, mas também o nível do pensamento, e, sobretudo, as dimensões

do mítico-simbólico e do mistério, o que para a criança é fundamental para a

consciência de si, do outro e do mundo. Deste modo, conta-se histórias para

formar leitores, fazer da diversidade cultural um fato, valorizar etnias, manter a

história viva, se sentir vivo, encantar e sensibilizar o ouvinte para estimular o

imaginário, articular o sensível, tocar o coração, alimentar o espírito e resgatar

significados para nossa existência e reativar o sagrado.

Diante de tantos bons motivos para se contar histórias, posso

acrescentar, para despertar o gosto pela leitura de literatura, de histórias, e

ainda posso me perguntar, mas contar histórias para quem? Busatto (2003) me

ajuda a responder: para quem deseja ouvir! Porém, é muito diferente contar

história para uma pessoa ou para um grupo. Se contar para uma criança

apenas a narrativa pode ser mais personalizada, o volume de voz menor e a

performance mais contida.

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Ouvir um conto antes de dormir, embalado por uma voz que traga

referências confortantes, é um presente raro, como dormir embalado por vozes

angelicais. De acordo com Cavalcanti (2004) no entendimento de muitos

pesquisadores de áreas distintas como da Antropologia, Sociologia, Literatura

ou Psicanálise, há um consenso no que diz respeito à importância da contação

de história família, devendo esta vivência desenvolver o gosto pela leitura de

forma espontânea e afetiva, em que a princípio o único compromisso

estabelecido deva ser com o prazer, com o deleite, no qual existe um

desdobramento entre fantasia e realidade concretizado pela busca e pelo

encontro dos mais diversos sentimentos. Ainda para a autora:

A importância da família na formação do leitor é imensa, visto que os primeiros anos da infância são marcados pelas relações desenvolvidas entre os pequenos e os grandes, pertencentes ao mesmo grupo de parentesco. É na família que se vai adquirir os primeiros hábitos, os valores e os gostos. Além da relação de dependência social que a criança tem com os familiares, existe também algo de essencial que somente é experimentado pelas vivências afetivas proporcionadas no ambiente familiar. Assim, desde muito cedo, mesmo antes de chegar ao mundo, já existe um conjunto de expectativas em torno desse ser que em breve fará parte da história dos grupos familiar e social. Portanto, existe, mesmo anteriormente ao nascimento da criança, algo que é da ordem do desejo daqueles que a esperam e que funcionará como as marcas iniciais das histórias de vida da mesma. Dessa forma, a narrativa das histórias do mundo têm sentido apenas no momento em que se entrelaçam na história de vida do próprio sujeito. Pois, para a criança Branca de neve, Chapeuzinho vermelho, Cinderela, A bela e a fera, O gato de botas e tantas outras narrativas têm sentido porque dizem respeito aos diversos aspectos e conteúdos experimentados simbolicamente por ela. De fato, qualquer narrativa tem como ponto de partida a própria história de vida do leitor. (CAVALCANTI, 2004, p. 67-68).

Minhas leituras, experiências com a literatura infantil e, sobretudo, esta

exposição de Cavalcanti me fazem crer que uma criança é iniciada no mundo

da leitura desde seu primeiro suspiro, seu primeiro olhar para o mundo, ou

mesmo sua primeira audição de qualquer ordem, experiências estas que,

normalmente, são realizadas ainda no seio materno. Desse modo, uma criança

que é acalentada pela mãe, embalada por uma voz que canta canções de ninar

ou reproduz versinhos de lengalengas, tem enorme possibilidade de ser

alguém com grande potencial estimulado para a leitura.

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Além disso, o ouvir histórias, como escreve Abramovich (2004) pode

estimular o desenhar, o musicar, o sair, o ficar, o pensar, o teatrar, o imaginar,

o brincar, o ver o livro, o escrever, o querer ouvir de novo... Tudo pode nascer

de um texto.

Mas, quantas crianças possuem este prazer (e por que não dizer

necessidade) saciado dentro de sua própria casa? Quantos pais se dispõem

desta tarefa? Quantos alunos tiveram a oportunidade de aumentar seu vínculo

afetivo com sua família e ainda despertar o amor pelas palavras? E se

pouquíssimos tiveram esta chance?

Eis uma grande missão do professor: contar um conto, aumentar um

ponto e encantar a vida. Primeiramente, a sua e, em seguida, a de seus

alunos. Afinal, como diz Busatto (2003), educar é também desfrutar o prazer de

estar junto em uma atividade gostosa, prazerosa como a contação de histórias.

E para isso, há que se ter disponibilidade e lançar-se com o coração (aberto!).

E, independentemente se vou contar para uma criança ou para um grupo de

vinte e três crianças, é necessário contar com o coração.

3.2.9 Ler ou contar histórias?

Como já mencionei e é de conhecimento geral, a literatura infantil tem

suas raízes na tradição oral, desse modo, a oralidade é fundamental para o

ingresso da criança no mundo da leitura. E é necessário que a criança perceba

que a narrativa oral tem sua representação na escrita.

A oralidade pode ser transformada em gestos, em atitudes, mas também

pode ser transformada em escrita (e vice-versa), ou seja, a palavra oralizada

pode ser representada de múltiplas formas. Entretanto, é importante o

reconhecimento que cada forma plural de representação possui aspectos que

lhe são singulares. Desse modo, contar histórias é diferente de ler histórias.

Elias (2007) em seus escritos registra que:

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Há uma arte extremamente envolvente e que pede participação: a arte de ler oralmente e de contar histórias. As histórias refletem a expressão artística e o imaginário de uma pessoa, uma comunidade ou um povo. Assim, ler e contar oral e expressivamente são artes próximas do teatro. Atraem crianças, sobretudo, mas também nós adultos. Têm o poder de sair do fato local para o universal. Criam intercâmbios entre pessoas de realidades e nacionalidades diferentes. Penso que a educação seria mais interessante, envolvente, eficiente e divertida, se as escolas abrissem seus programas para deixar entrar neles muitas e muitas histórias, lidas ou contadas. (JOSÉ, 2007, p. 57)

Elias, em suas palavras quer simplesmente dizer que as narrativas, por

meio da palavra falada (seja lida ou contada), estimula uma educação

dialógica, poética e lúdica. Afinal, a narração é arte e diverte, educa, ensina,

desperta o senso ético e, acima de tudo, estimula a leitura literária. Todavia,

isso acontece (ou deve acontecer) de forma indireta, simbólica, jamais em tom

didático.

E existem formas múltiplas, talvez infinitas, de se contar histórias. Todas

são muito importantes porque despertam o prazer de ouvir e podem incentivar

o prazer da leitura, inclusive a silenciosa. Os sentidos nos são fundamentais, e,

muitas vezes, é por meio da audição que surge o interesse da criança pelas

histórias escritas. José (2007, p. 58) aponta que surge também o prazer de

“criar histórias, seja a nível familiar ou escolar, com pretensão literária ou não”.

Mais adiante, ele diz que: “Uma criança que tem adultos que lhe contam ou

lêem histórias enriquece suas vivência, pela motivação da coisa ouvida. Vai

aprendendo a ler e a criar só e silenciosamente as suas histórias” (JOSÉ, 2007,

p. 61, sic.).

Ele ainda pergunta por que todos, pais, avós, babás, médicos pediatras

e professores não contam histórias? Se não se tem boa memória, por que não

abrir um livro e lê-las? Por que não conhecem os benefícios das histórias ou

por que não têm o dom? E pasme, você, leitor (professor ou não), o dom pode

ser alcançado. Com treino e muita sensibilidade (seja para contar ou

simplesmente – simplesmente? – para ler).

A este respeito, Elias José (2007, p. 64) continua dizendo que quem

acha melhor contar sem ler, precisa ter atenção. Cabe ao leitor/narrador oral

descobrir seu ritmo, as entonações adequadas. É impossível, por exemplo, ler

um texto literário como se lesse uma notícia de jornal. A subjetividade do

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leitor/narrador está presente e deve ser revelada tanto na leitura como na

interpretação/contação.

O leitor/ouvinte infantil pode ser muito e facilmente envolvido pela

contação ou pela leitura desde que este momento seja bem conduzido. Cada

modalidade de representação da palavra oral, leitura ou contação, tem seus

benefícios e suas características. E diversos autores como Cavalcanti (2004) e

Busatto (2003) concordam que a melhor técnica para narrar histórias de forma

sedutora, envolvente e prazerosa paras as crianças é, sem dúvida alguma e

em primeiríssimo lugar, ser um narrador absolutamente apaixonado pelo

mundo do “faz-de-conta” e pela história narrada.

Indiscutivelmente, também existem variadas maneiras de se criar prazer,

entrega, descoberta, partilha e envolvimento no momento de contação/leitura

de histórias. E, por conta das múltiplas possibilidades, é importante o narrador

(contador ou leitor) conhecer algumas condutas e saber escolher quais assumir

neste momento mágico e essencial na vida de qualquer criança (e adulto

também).

Muitos professores têm se tornado (ou são por natureza) “contadores de

história”. Entretanto, nem sempre o contador tem por si só as características

necessárias ao bom narrador e, dependendo da situação, pode fazer a

princesa virar abóbora. Pode desencantar, em vez de encantar.

Para José (2007), qualquer pessoa, desde que treine e queira aguçar

sua sensibilidade, pode se tornar um bom contador. Cavalcanti (2004) acredita

que o bom contador já possui o potencial inato para fazer da palavra especial e

encantada. E acrescenta que nem todas as pessoas nascem para contar

histórias e comover e envolver seus ouvintes. Mas ela também assegura, que

se a pessoa não possuir a palavra mágica, aquela que precisa ser dita, daquele

modo especial, no momento e com a entonação exata, pode (e eu digo, deve! –

se quiser, é claro) exercitar e apreender algumas técnicas e, assim, melhorar

sua performance de narrador e alcançar um bom desempenho e ainda fazer

sucesso com as crianças.

Para que se conquiste a entrega e mesmo a confiança da audiência, é

importante o narrador conhecer as condutas adequadas para se narrar uma

história com ou sem o uso do livro.

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Seja na leitura ou na contação, Cavalcanti (2004, p. 73) aponta que o

narrador precisa: conhecer, com profundidade, o texto a ser narrado;

sensibilizar o grupo para a escuta (como sugerem Barcellos e Neves, 1995, p.

34: com a estimulação da audição, da visão, do olfato, do paladar e do tato);

criar um ambiente que convide para se entrar no mundo do “faz-de-conta”, (o

ambiente pode ser aconchegado com um tapete que caiba todas as crianças,

música, almofadas, caixas ou estantes para acomodar os livros); só depois de

estabelecidas a confiança e a intimidade, iniciar a contação; e a história nunca

deve ser pretexto, ela sempre é o texto!

3.2.9.1 Ler histórias

Quanto à leitura de histórias, Cavalcanti (2004, p. 74) enfoca que, ao ler,

o narrador precisa: apresentar o livro ao grupo, mostrando a capa e dizendo o

título, o autor, o ilustrador, se possível, comentar sobre os itens da capa,

antecipando ou adivinhando o que virá; segurar o livro aberto sobre as mãos,

com cuidado e carinho, para mostrar respeito nesta relação com o universo da

palavra escrita; ler, pausadamente, porém com intimidade com o texto e com

entusiasmo pela leitura; prestar atenção no tom, no ritmo, no volume e pontuar,

adequadamente, a leitura; se possível, evitar gestos e expressões faciais

exagerados, porque quando se lê o peso do que é dito tem que estar na

relação das palavras e frases em sim; embora a voz deva sempre ser bem

impostada, não se deve exagerar na dramatização; se as imagens forem em

tamanhos suficientemente grandes para serem vistos da distância das

crianças, a cada página virada, deve-se mostrar aos ouvintes as imagens;

tentar mostrar a relação do dito oralmente com o que está escrito; de

preferência, durante a leitura, evitar interromper a narrativa; ler com entusiasmo

sim, mas não esquecer que a leitura está sendo realizada aos outros, e

especialmente no caso das crianças, é necessário, entre um parágrafo e outro,

o contador olhar para o grupo, percebendo sua movimentação, seu nível de

atenção; por fim, é essencial o narrador leitor ficar atento às reações dos

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ouvintes e, no final, fechar o livro com respeito e permitir que os ouvintes

expressem seus sentimentos com relação aos diversos aspectos do texto.

3.2.9.2 Contar histórias

A respeito do contar histórias, Cavalcanti (2004, p. 74) enfatiza a

necessidade de: a voz ser sempre, sempre bem impostada; de o narrador

procurar teatralizar com a voz, mudando seu ritmo, o timbre, as pausas;

teatralizar também por meio dos movimentos e gestos com a face, com as

mãos, com o corpo; em relação aos movimentos, embora devam ter

intensidade, nunca devem ser exageradamente agressivos; o narrador não só

pode como deve usar a criatividade para dar “vida verdadeira” aos

personagens, sendo, a todo momento, absolutamente, espontâneo; prestar

atenção nas expressões dos ouvintes para criar sinergia com o grupo; e, de

acordo com o que se percebe no grupo, adaptar a interpretação: se as crianças

demonstrarem muita tensão nas partes mais tensas da história, o narrador

deve amenizar a tensão, sem perder a intensidade; evitar se perder na história

e inventar situações inexistentes na narrativa; a contação para ter sucesso

precisa que o narrador aja com naturalidade e repasse emoção; e, sem perder

o contato ocular, a ternura, o encanto, o narrador deve interpretar de maneira

que provoque o imaginário do ouvinte, sendo praticamente um ator; ao final da

narração, pode utilizar da tradição popular e conclui as narrativas com frases

do tipo: “entrou por uma porta, saiu por outra, quem quiser que conte outra”.

Acredito que seja de fundamental importância que a criança, mesmo as

ainda não alfabetizadas, ouçam histórias lidas e contadas, pois lhes são

apresentadas duas possibilidades de representação da palavra oralizada, a

“originariamente” oral e aquela diretamente ligada à escrita.

Porém, importante salientar que, independente, de ser uma leitura ou

uma contação, não há dúvidas que o encanto das histórias entrará pelos poros

das crianças, quando “os professores acreditarem que a leitura é a janela que

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se abre para (re)conhecer os infinitos mundos: dentro e fora de nós mesmos”

(CAVALCANTI, 2004, p. 82).

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Capítulo 4

DESCOBERTAS

Por quantas vezes eu me vi na estrada a confundir cristais com diamante...

[...] Por quantas vezes vi, sem dizer nada,

o brilho de uma pétala distante... [...]

E cumpro esse meu canto garimpeiro!

Talvez uma pepita entre os gravetos do tempo, inda me traga à flor do ninho

o encanto de um brilhante verdadeiro!

(Nathan de Castro)

Como já foi dito, durante toda observação, participação e ação, bem

como com as leituras do referencial teórico, coletei uma enorme quantidade de

dados por meio de anotações no meu diário de campo, fotos, gravações de voz

com entrevistas semi-estruturadas, textos escritos produzidos a partir da

oralidade das crianças, atividades propostas pela professora, desenhos,

pinturas e outros documentos.

E a partir de agora, tento reconstruir, analiticamente, todas as atividades

realizadas e o material produzido que acaba, devido à enorme quantidade, se

dispersando e amontoando. Esta tentativa de reconstrução analítica objetiva

organizar os materiais em face às leituras, às pérolas encontradas, aos carvões

que precisam de lapidação para realizar minhas descobertas.

E como um garimpeiro que busca uma pepita entre os gravetos, por

algumas vezes, me vi, de fato, confundindo cristais com diamantes, mas

também me encantei com brilhantes verdadeiros.

4.1 Quase tudo o que aconteceu... e algumas reflexõ es

As ações serão aqui divididas em blocos temáticos para facilitar as

análises: (1) Chapeuzinho Vermelho , (2) Bicho Papão e outras histórias

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folclóricas e “horripilantes” 35, (3) Chapeuzinho Amarelo , (4) Bolsa Mágica

(englobando Joelho Juvenal; Pinote, o fracote, Janjão, o fortão; João Feijão; A

forminguinha e a neve; Ai, que medo!; Era uma vez um lobo mau), (5)

Cantinho da Leitura (com as histórias Que barulho é este?; Gato de Papel;

Não confunda!; João e Maria; Chapeuzinho Vermelho; Uma história

atrapalhada; Festa no céu) e (6) Dona Baratinha .

Coelho (2004) aponta que, indiscutivelmente, a história é fonte de prazer

para a criança e, do mesmo modo, contribui para o seu desenvolvimento, por

isso, o professor (ou quem contará a história) não pode apenas improvisar.

Afinal de contas, o sucesso da narrativa depende de inúmeros fatores que se

relacionam e, por conta disso, um roteiro, isto é, um planejamento é

fundamental para a segurança e naturalidade do narrador. O plano é o que, na

verdade, transforma “o improviso em técnica” (COELHO, 2004, p. 13), ou seja,

é o que alia a teoria à prática.

A primeira coisa a se pensar, então, é: “que história contar?”. A questão

que indica que é, sem sombra de dúvidas, necessário e fundamental selecionar

previamente a(s) história(s) e vários são os fatores que interferem nesta

seleção: as concepções de leitura e literatura do professor; seu gosto literário e

repertório; o interesse dos ouvintes, sua faixa etária, as condições sócio-

econômicas, entre tantos outros.

Conforme já mencionei no corpo teórico deste trabalho, desde que bem

conduzido, o momento de leitura ou contação de histórias, facilmente envolve

as crianças ouvintes. E vários autores como Cavalcanti (2004) e Busatto (2005)

concordam que a melhor técnica para narrar histórias de forma “sedutora” e

prazerosa para as crianças é, sem dúvida e, em primeiríssimo lugar, ser um

narrador absolutamente apaixonado pelo mundo do “faz-de-conta” e pela

história narrada.

Além de me preocupar com a seleção dos textos, em minhas ações e

em todo planejamento, optei por dar maior ênfase às leituras do que às

contações. Opto pela leitura, porque já que é importante para a criança saber

que a história fantástica e maravilhosa, que escuta parte do livro, é importante

35 Uso a palavra horripilantes entre aspas porque embora os alunos se refiram às histórias como de terror, são, na verdade, histórias do folclore brasileiro.

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também que elas percebam, de maneira sutil e aos poucos, as diferenças do

discurso oral e do escrito.

Desse modo, aproximo-me de Cavalcanti (2004) que enfoca que o

narrador precisa apresentar o livro, mostrar sua capa, informar o autor e o

ilustrador, antecipar ou adivinhar o que estará dentro da obra, entre tantas

outras “exigências” que contribuem para o bom andamento e sucesso da

leitura. Foram passos que procurei em minha prática de professora-

pesquisadora seguir.

4.1.1 Chapeuzinho Vermelho

Zilberman (2005) descreve que:

Procedeu [...] da tradição popular a principal contribuição, a saber, as histórias conhecidas até hoje como contos de fadas. Aventuras como as de João e Maria, da Bela Adormecida, da Cinderela, de Chapeuzinho Vermelho eram contadas por e para adultos, até que homens como Charles Perrault [...], e Jacob [...] e Wilheim [...] Grimm, [...] as transcreveram e publicaram visando ao público infantil. Daí para frente, [...] transformaram-se em sinônimos de literatura infantil [...]. (ZILBERMAN, 2005, p. 16-17)

Passaram, portanto à condição de literatura infantil, praticamente sem

retornar à condição original de literatura para adultos e transformando-se em

clássicos e universais.

Desse modo, viajar pelas antigas histórias é fascinante (em qualquer

idade). E a este respeito, Machado (2002) comenta que é um crime negar às

crianças da contemporaneidade o acesso às maravilhosas histórias escritas há

muito tempo. “Entendidas e aceitas em sua linguagem simbólica, essas

histórias de fadas tradicionais se revelam um precioso acervo de experiências

emocionais, de contatos com vidas diferentes e de reiteração da confiança em

si mesmo” (MACHADO, 2002, p. 80). Além disso, muitas obras que são

produzidas atualmente são intertextos do que já foi contado ou escrito há

muitos séculos e o não conhecimento das versões originais impossibilita ao

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leitor/ouvinte de compreender alguns textos contemporâneos, se não conhecer

as fontes clássicas. Afinal,

[...] para que esse jogo literário possa funcionar plenamente, para que o humor seja entendido e a sátira seja eficiente, é indispensável que o leitor localize as alusões feitas, identifique o contexto a que elas se referem e seja, então, capaz de perceber o que está fora de lugar na nova versão. (MACHADO, 2002, p. 81).

Além disso, os textos clássicos lidos na infância “passam a ser parte

indissociável da bagagem cultural” (MACHADO, 2002, p. 11) que o leitor ou

ouvinte incorpora durante sua vida e o auxilia a ser quem é e o que se tornará.

4.1.1.1 Chapeuzinho Vermelho – Parte 136

Concordando com Machado (2002), no sentido de proporcionar a

oportunidade de um primeiro contato com os clássicos, isto é, aqueles textos

eternos que não saem de moda, na primeira etapa de atividades da pesquisa-

ação, optei pelo trabalho com um clássico dos clássicos, se é que posso assim

denominar, a história de Chapeuzinho Vermelho.

Os trabalhos com este clássico foram divididos em várias etapas, sendo

que a primeira delas ocorreu no dia 31/03/2008 e a professora regente atuou

em conjunto comigo.

Além disso, esta etapa também intencionou atingir alguns objetivos

propostos pelo Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RECNEI)

(1998) como: desenvolver uma imagem positiva de si, proporcionando

independência e confiança em suas capacidades e também conhecendo suas

limitações; estabelecer vínculos afetivos e partilhas com outras crianças e

adultos, o que também fortalece a auto-estima, além de aumentar as

possibilidades de interação e comunicação; brincar com oportunidade de

expressão de seus sentimentos, necessidades, pensamentos, desejos; e

utilizar linguagens múltiplas como a corporal, a musical, a plástica, a oral e a

36 Nesta análise trato apenas das crianças que se prontificaram a “ler” e contar a história.

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escrita, o que enriquece sua capacidade expressiva e favorece a construção de

significados.

Para tanto, inicialmente, a professora regente perguntou à turma quem

conhecia a história de Chapeuzinho Vermelho. E perguntou se alguém gostaria

de contar a história sem o livrinho em mãos. Uma criança se prontificou.

Quando o suporte livro foi introduzido na atividade, outras três “leram”37 e após

suas “leituras”, eu mesma li a história na versão de Charles Perrault que, como

sugere Machado (2002), trata-se de uma adaptação bem-feita e atraente, da

Editora Companhia das Letrinhas.

Depois de todas estas leituras, que duraram em torno de 20 ou 25

minutos ao todo, as crianças da sala, uma a uma, pegaram e olharam o livro da

história que levei para esta atividade. Todos esperavam ansiosos até chegar

sua vez de manuseá-lo. Provavelmente porque a leitura sensorial (que surge

bem cedo e nos acompanha por toda a vida) caracteriza-se pela leitura que

fazemos com nossos sentidos, conforme descreve Martins (1997). Também

porque, o livro, além de ser um texto escrito e talvez, antes de o ser, é um

objeto com forma, cor, textura, volume, cheiro ou barulho ao se folhear suas

páginas. “Para muitos adultos e especialmente crianças não alfabetizados essa

é a leitura que conta.” (MARTINS, 1997, p. 42).

Coelho (2004) registra que a história nunca acaba quando chega ao fim.

Afinal, ela permanece na mente da criança, servindo de alimento a sua

imaginação e criatividade. E acrescenta que, sempre que possível, é

conveniente sugerir atividades subseqüentes à narração. A história seria,

assim, um alimento para a criação, inspirando cada criança a se manifestar e

expressar-se de acordo com suas experiências e preferências.

Para finalizar a atividade, então, sugeri, já que a professora regente

lamentou que eles ainda não tinham trabalhado com tinta guache, que

fizessem pinturas com a tinta. Para motivá-los, avisamos que os trabalhos

seriam expostos, embora tenhamos falhado no sentido de não ter promovido a

exposição logo em seguida aos trabalhos.

Em relação aos momentos em que as crianças se prontificaram a contar

as histórias, estes foram, no mínimo, curiosos. Cada um dos “leitores” se

37 Ler e leitura estão entre aspas porque não configuram a leitura no sentido estrito de decodificação.

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portou de uma maneira, até mesmo devido ao fato de o primeiro “sofrer” mais

do que os demais porque esse tipo de experiência (leitura na frente para os

colegas) ainda não havia sido vivenciada pela turma, ou foi pouco explorada.

O que me remete a questionamentos feitos também por Darnton (1990):

Como eles entendem os sinais gráficos impressos na página? Quais os efeitos

sociais do ato de leitura? Como a experiência de leitura varia?

Além disso, é sabido pelos estudos históricos que os contos de Charles

Perrault, foram inspirados por textos eruditos e, principalmente, pela tradição

oral, aponta Lyons (in CAVALLO e CHARTIER, 1999). Contudo, foram também

reformulados para acentuar a moral contemporânea. Isto quer dizer que as

histórias foram “higienizadas”, excluindo-se os casos de condutas

inconvenientes, sexualidade, violências. E esse processo de “transformar” os

textos continuou e existe ainda hoje. Como por exemplo:

Chapeuzinho Vermelho [...] Era, em todo caso, o único dos contos de Perrault sem final feliz. No século XVII, as editoras populares já tinham alterado o fim da história de modo a punir o lobo. Surgiram muitas variações para o final de contos de fadas como esse, inclusive o aparecimento do lenhador amigável e paternal preferido pelos irmãos Grimm. Desse modo, as histórias de Perrault sobreviveram, mas nem sempre na forma original que lhes dera o autor. [...] (LYONS in CAVALLO e CHARTIER, 1999, p. 182).

Percebi com a leitura de Wittmann (in CAVALLO e CHARTIER, 1999),

que a literatura infantil, que ora se configurava por meio dos contos de fadas,

não era estática (e não é!). Era (e é) plenamente dinâmica e flexível, aberta às

alterações, assimilações e contaminações dos editores, da moda ou até das

necessidades dos novos públicos.

Foi o que pude constatar também com as contações e leituras destas

crianças e ainda com a versão quase “original” de Perrault que eu mesma

apresentei a turma.

4.1.1.1.1 A primeira criança – Mário

O primeiro a se encorajar e contar a história sem o livro em mãos foi o

Mário, embora estivesse muito envergonhado, apresentando uma espécie de

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tique nervoso, apoiando-se no quadro com os braços abertos e esfregando o

corpo e balançando-se de um lado para o outro.

Outro detalhe curioso, mas que faz despertar uma reflexão é que

enquanto o Mário contava, por estar nervoso, falando baixo, os colegas,

aparentemente, não prestavam atenção (não conversavam tanto, mas se

dedicavam a inúmeras outras atividades simultâneas como desenhar, brincar,

manusear o próprio caderno, olhar pela janela). Porém, quando ele chegou na

parte da história em que Chapeuzinho pergunta: “E essa boca tão grande?” a

sala se uniu a ele para responder, gritando “É para te comer!”.

De forma também curiosa, a intervenção das demais crianças não parou

por aí, pois antes que o Mário tivesse tempo para respirar, alguém já gritou: “E

tinha o caçador”. Outro complementou: “Aí o caçador matou o lobo”. Não sei se

o caçador apareceria ou não na história do Mário, mas o fato é que ele concluiu

a história com: “Aí, o caçador passou lá em frente e depois matou o lobo”.

Como se não bastasse as já referidas interações, Juliana também fez sua

conclusão, acrescentando ao final da história contada pelo Mário: “E a

vovozinha foi livre para sempre!”.

Para ilustrar as análises feitas, eis a história contada pelo Mário,

transcrita da gravação de áudio:

Era uma vez a Chapeuzinho Vermelho. A mãe dela falou pra ela levar ir na vovó levar doce e na floresta o lobo mau encontrou com ela e disse: - “O que tem dentro da cesta?” - “Doce para vovó”. Depois ela foi caminhando de novo, e chegou lá, e depois, e depois ela chegou e disse: - “Pra que essas orelhas tão grande?” - “É pra te ouvir melhor!” - “E esse, e esse olho tão grande?” - “É para te ver melhor” - “E esse nariz tão grande?” - “É pra te cheirar melhor” - “E essa boca tão grande?” A sala se uniu ao Mario e inúmeras vozes gritaram: - “É para te comer!!!” Alguém gritou: E tinha o caçador! Outro gritou: Aí, o caçador foi matar o lobo. Mário continua: Aí, o caçador passou lá em frente e depois, matou o lobo. Juliana conclui: E a vovozinha foi livre pra sempre!

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Percebe-se que o Mario usa de seu repertório cultural ao “ler” pela

primeira vez no dia, sem ninguém ter lido ou contado, e sem ele ter o livro nas

mãos e, conseqüentemente, o apoio imagético. E sabendo que o repertório de

um leitor seja criança ou adulto está em formação contínua, notei que conforme

as outras crianças iam lendo com o apoio do suporte livro, as imagens lhes

proporcionavam novos dados ao seu repertório, incluindo o do próprio Mario

que buscou em suas gavetas e caixas mentais a história contada.

4.1.1.1.2 A segunda criança – Vitor Antonio

O segundo a contar a história, aliás, posso dizer “ler”, tendo em vista que

agora o suporte livro estava à disposição, foi o Vitor Antonio. Um tanto nervoso

ou envergonhado, ficou muito atrapalhado com o livro, pegando-o de trás pra

frente, de cabeça para baixo, e para conseguir “iniciar a leitura” ele solicitou

minha ajuda na organização espacial do livro em suas mãos.

Tímido, inicialmente leu muito baixo, de forma quase inaudível.

Percebendo seu embaraço, a Juliana já deu seu “diagnóstico”: “Ele não dá

conta, tia”. E entre inúmeros embaraços, análises das imagens e das letras (e

também posso dizer depois de sentir minha confiança nele), Vitor Antonio

concluiu a história e ainda quis mostrar para os colegas as imagens do livro,

assim como eu fiz algumas vezes. Foi, na verdade, um grande desafio para

ele. Superado. Vencido.

As crianças, do mesmo modo que com o Mário, aparentemente não

ouviam tanto, mas respeitaram o Vitor Antonio durante seu esforço e sua

dedicação para ler para elas.

Eis, agora, a transcrição da “leitura” do Vitor Antonio:

Era uma vez , Chapeuzinho Vermelho. O lobo e a Chapeuzinho... (ele muito, muito nervoso e tímido, leu tão baixinho, mas tão baixinho que não foi possível decifrar o que foi dito, nem estando perto dele. Precisei solicitar: “Lê mais alto para os amiguinhos escutarem”. Juliana diz:” Ele não dá conta, tia!”. Respondi: “Dá... ele só vai ler mais alto agora, né, Vitor Antonio?”. E ele recomeça:) Era uma vez, não, a Chapeuzinha e a o vovózinha, não a mamãe, a mãe da Chapeuzinha Vermelho falou pra ela vestir o casaco dela. Aí, (gaguejou) Achei uns doces para levar para a vovozinha...

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(virou a página, demorou um pouquinho e continuou)... Ela tava andando e o lobo mau falou assim: - O que tem dentro desta cestinha? (demorou mais um pouquinho enquanto tentava se ajeitar com o livro nas mãos e tentava “entender” as imagens)... -“Hum... doces pra vovozinha” (sem muito jeito, vira a página e timidamente continua...) E o lobo foi lá na vovozinha e chamou ela, aí a Chapeuzinha foi lá, não... o lobo mau colocou ela dentro do armário, pegou a roupa dela e vestiu. Aí, a Chapeuzinha Vermelho: (suaviza a voz e diz de forma quase inaudível) - Abre essa porta. Aí ela entrou e a Chapeuzinha falou: - Que nariz grande é esse? - Que olhão grande é esse? - É pra te ver melhor. - Que nariz grande é esse? - É pra te cheirar melhor. - Que boca grande é essa? - É pra te comer. Aí, ele comeu a Chapeuzinho, ficou cheio (gaguejou um pouco) e foi numa árvore e deitou. Aí veio um caçador e comeu, não. E segurou o lobo porque ele tava muito cheio. Aí, ele aí, comeu... hum... (se embaralhou um pouco) o caçador pulou no meio da barriga dele e tirou... Aí... o lobo tava lá... (ficou olhando e tentando “ler” as imagens.... por alguns segundos). Aí... a casa... a cama da vovó... Aí ela foi pra cama deitar como ela ficou cansada, e tirou o seu casaco e foi pra cama... Aí, o lobo tava lá... (analisando as pinturas, diz:) Ela encontrou o lobo... junto com a vovozinha. Aí o lobo saiu... (falou baixinho, embolado... como se não soubesse o que estava acontecendo...) Aí ele comeu ela toda... o lobo... (falou mais alguma coisa embolado e já tentando virar o livro, olhando para mim disse:) Aí, eu vou mostrar essas fotos para eles. (Perguntei: “Você vai mostrar?” e ele respondeu: “Unrum...” Avisei a sala: “Olha, ele quer mostrar esse desenho para vocês” – Ele vira o livro e mostra satisfeito, olhando ora para os colegas, ora para mim, ainda muito tímido, porém já mais à vontade).

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O Vitor Antonio teve uma vantagem em relação ao Mario, pois teve a

oportunidade de ter o livro em suas mãos. E Martins (1997) expõe que

só o fato de folheá-lo, abrindo-o e fechando-o, provoca uma sensação de possibilidades de conhecê-lo; seja para dominá-lo, rasgando-o num gesto onipotente, seja para admirá-lo, conservando-o a fim de voltar repetidamente a ele. (MARTINS, 1997, p. 43)

Um dado relevante é que o Vitor Antonio, durante os instantes que não

conseguia prosseguir fluentemente na “leitura”, fixava por minutos os olhos na

página onde havia escritos. Como se esperasse ou procurasse entender o que

as letras diziam. Talvez reproduzindo o comportamento adulto de ler, quando

este faz pausas, fala algumas coisas, às vezes, faz nova pausa e assim por

diante.

Após ele “ler” a história, mais dois outros alunos também “leram”: a

Diulia e o João Vitor.

4.1.1.1.3 A terceira criança – Diulia

A aluna Diulia foi sugerida por mim, pois durante minhas observações,

desde quando minha pesquisa ainda nem tinha assumido o tipo pesquisa-ação,

sempre notei a maneira como ela pegava um livrinho e contava as histórias

como que se, de fato, decodificasse as letras. O que, de fato, aconteceu.

Tirando-se apenas seu embaraço inicial com a abertura do livro na página

certa, a Diulia leu “fluentemente” a história, acrescentando, inclusive, algumas

reflexões no decorrer da contação, como por exemplo: “Ele tava encostado lá

na, na árvore. Por que será?”, ou “E daí Chapeuzinho Vermelho estava lá e

tirou o casaco para entrar na casa da vovó. Para que será que ela tirou?”,

conversando com o ouvinte.

E embora a Diulia esteja, segundo Piaget, no período pré-operatório, em

especial, na fase dos “porquês”, neste momento reportei-me às palavras de

Büttner (1999) quando ele fala que é preciso aprender a pensar bem para não

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“desafinar” o pensamento, do mesmo modo que é necessário aprender a jogar

bola ou cantar.

Porém este pensar precisa ser desenvolvido não de qualquer forma, não

é um pensar qualquer. É um pensar de qualidade. Este pensar é rico

conceitualmente, organizado e investigativo. Na verdade, como descreve

Büttner (1999), é um pensar que “tem características do filosofar, visando à

busca sem fim da verdade à aproximação a esta atitude de investigar,

questionar, construí-la e reconstruí-la sistematicamente, em vez da posse

definitiva” (BÜTTNER, 1999, p. 58-59).

O autor cita Matthew Lipman quando este assegura que é necessário

iniciar o processo educativo que ensina a pensar desde a infância e que o

caminho para se chegar a isso é o filosofar. E o filosofar nada mais é do que

pensar a respeito do sentido do mundo e da vida, considerando-se suas

problemáticas e coisas fantásticas; viver com sabedoria. Büttner (1999)

descreve, então, algumas atitudes básicas do filosofar como o questionamento

crítico de princípios considerados universais, de causas e efeitos; o

discernimento do falso, do verdadeiro, do que é válido ou não; o concluir depois

de investigar de estabelecer relações.

Foi exatamente o que presenciei: uma menina com habilidades de

filosofar, com características de quem não se contenta apenas com o visível e

o explícito.

Observei naquele momento a importância de se oportunizar momentos

de leitura, que instigam por si só o pensamento das crianças, conforme se vive

as palavras das histórias, ouvidas, lidas e inventadas. Digo isto porque a Diulia

é menina que demonstra certa familiaridade com os livros, pois sua tia, uma

das coordenadoras da escola, enquanto morava na mesma residência, lia para

ela, instigava-a à leitura, aos escritos, às histórias, às magias. E é bem

provável que justamente por este “histórico” familiar ela apresente mais

facilidade com as leituras e mesmo com este seu filosofar. Pois, corrobora para

o que assegura Charmeux (2000):

Ensinar a leitura, portanto, é colocar em funcionamento um comportamento ativo, vigilante, de construção inteligente de significação, motivado por um projeto consciente e deliberado, e isto desde o próprio início da escolaridade das crianças, e mesmo antes que elas cheguem à escola (CHARMEUX, 2000, p. 88).

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Sem contar que, além das reflexões, a Diulia ainda acrescentou, em sua

contação, superlativos como “cansadíssima”, referindo-se à Chapeuzinho ao

chegar à casa da vovó, expressões típicas do discurso escrito.

E, apesar de ter pulado algumas páginas e passado outras juntas,

percebe-se a “maior bagagem” desta leitora mirim em relação ao Vitor Antonio,

e ao Mário. Aliás, há repertório até neste selecionar de folhas, pois o que é a

leitura se não uma junção dos sentidos? Afinal, como descreve Martins (1997),

a primeira leitura é a sensorial, aquela que passa pelos nossos sentidos como

a visão e o tato.

Um outro dado curioso e interessante relacionado às experiências de

leitura que se tem seja em casa ou na escola, é que Diulia preocupou-se,

durante sua “leitura” em intercalar às suas falas, a apresentação das imagens

do livro, mostrando-o constantemente para as outras crianças. Ou por que ela

já experimentou isso várias vezes, ou por que por ser criança reconhece em si

(e automaticamente nos outros) a necessidade de visualizar o lido/contado.

Aliás, esta necessidade o Vitor Antonio também apresentou, mas a atitude da

Diulia chamou minha atenção porque ela demonstrou este cuidado durante

toda sua “leitura” e não apenas no final. Percebe-se, assim, uma atitude mais

didatizada do Vitor Antonio do que da Diulia, pois ele, certamente, “reproduziu”

a ação de algumas professoras (talvez até eu mesma) em que para

manutenção da ordem, as imagens são mostradas apenas após a leitura,

sendo, às vezes, até mesmo combinado isso antes da leitura, como eu mesma

já fiz na sala.

A Diulia também demonstrou uma atitude típica de quem é leitor por

prazer: o exame cuidadoso de cada detalhe das páginas que folheava do livro.

A este respeito, Craidy e Kaercher (2001) escrevem que apenas é

possível formar crianças leitoras, que apreciem ler e mantenham uma relação

prazerosa com a literatura se os adultos lhe proporcionarem, desde muito cedo,

um contato freqüente e agradável com o objeto livro e também com o ato de

ouvir e contar histórias.

É possível perceber tudo o que foi dito revendo o momento de leitura da

Diulia:

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Era uma vez a Chapeuzinho Vermelho. A Chapeuzinho Vermelho disse: - Vovó... (e se perdeu sem conseguir dar continuidade à história, pois começou a contar na página de apresentação, percebendo seu embaraço com o olhar, ajudei a ir para o início da história, dizendo: “A história começa bem aqui, oh, começa nessa página”). A Chapeuzinho Vermelho, é, foi para casa da Chapeuzinho, para casa da vovó. E daí, Chapeuzinho Vermelho quase pronta para ir para a casa da vovó. E daí ela falou: - Eu vou arrumar alguma coisa pra ir para a casa da vovó. Porque senão, se eu não arrumar, a vovó vai ficar com fome. E daí, ela estava indo... quase chegando lá, a casa da vovó ela estava, ela estava indo para a casa da vovó e... tinha muitos matos lá. (virando a página, sempre analisa cuidadosamente os detalhes de ponta a ponta da página). Ela falou, e tinha um lobo lá, ela falou... estava indo e não achava a casa da vovó.. e tinha muita coisas lá... ela estava com um cestinha e o lobo falou: - O que tem nessa cestinha? - Tem doces para mim levar para a vovó, porque senão, fica com fome! E daí, estava quase chegando na casa da vovó. E o lobo estava com uma florzinha na mão. Ele tava encostado lá na, na árvore. Por que será??? É porque ele quer te comer da Chapeuzinho Vermelho para fingir que é a vovó. E daí, ele abriu a porta da casa da vovó. E a Chapeuzinho estava quase lá. E daí, Chapeuzinho Vermelho falou: - Está cansado! Eu estou quase cansada até a chegar na casa da vovó. E daí, ela estava cansaaaada. Cansadíssima para ir para a casa da vovó. E daí tinha muitas coisas lá na cestinha. E daí, Chapeuzinho chegou lá. O lobo estava lá. E daí, falou assim: - Pra quê, daí a Chapeuzinho falou: - Vovó, eu “truxe” muitas coisas pra senhora. “Truxe” docinhos. Daí ela falou: - Obrigada, minha netinha. E daí Chapeuzinho Vermelho estava lá e tirou o casaco para entrar na casa da vovó. Para que será que ela tirou? Porque ela ia colocar outra roupa porque aquela estava suada. Daí chegou lá na vovó, ela falou: - Pra que esses nariz tão grande? - Para poder te cheirar melhor. - Pra que esse olho tão grande? - Para te ver melhor. - Para que esta boca tão grande? - Para te comeeer!

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Outro detalhe a ser observado é que a Diulia em sua “leitura” apresentou

noção de temporalidade, em especial quando o grau de cansaço de

Chapeuzinho (após caminhar até a casa da vovó) se intensifica: primeiramente,

Chapeuzinho estava “cansada”, depois “cansaaaaada” e, por fim,

cansadíssima. O que indica que conforme a personagem andou ela sabia que

seu cansaço aumentou e expressou isso por meio das palavras (usando o grau

superlativo). Analisando com mais atenção, pode ser que, justamente o fato de

andar, andar e andar, cansando a menina, tenha feito-a suar a ponto de tirar o

casaco.

4.1.1.1.4 A quarta criança – João Vitor

Após a Diulia, o João Vitor também quis ler, mas no livro dele (que

trouxe de casa) e não no meu livro. E diferente das outras três crianças (Mário,

Vitor Antonio e Diulia) que contaram/leram histórias ricas em detalhes, ele

suprimiu uma série de partes da história e finalizou-a com um final feliz.

Sucinto. Sucintíssimo:

A Chapeuzinho Vermelho. A mãe dela falou para ela levar o docinho para a vovó. Aí, ela indo, ela encontrou o lobo mau. Que perguntou: - Onde você vai? - Levar doce para minha vovó, ela falou. Aí, num lindo dia, ela, a vovó, o assustou: aaah. Aí o caçador veio e matou-o e viveram felizes para sempre.

É interessante notar que também neste curto trecho, há marcas de

apropriação da escrita na “leitura” oralizada de João Vitor quando ele usa

ênclise em “matou-o”. O que mostra que mesmo sem ainda estar alfabetizado,

ele já difere discurso oral do escrito.

Percebe-se que o João Vitor, além de ter sido extremamente sucinto,

não mostrou as gravuras às crianças. Estas, por sua vez, apenas ouviram e

bateram palmas como nas “leituras” anteriores.

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4.1.1.1.5 A quinta criança – Eu

Para encerrar a tarde, ou melhor, a parte de contação e leitura da obra,

eu li a versão escrita por Charles Perrault, da Companhia das Letrinhas.

Como se soubessem que eu acrescentaria informações ou contaria

“como deve ser” porque eu sei ler, as crianças, embora tenham me “ajudado” a

narrar, prestaram muita atenção a minha leitura. Surpreendendo-se com

trechos ou demonstrando satisfação a cada passagem da história que já era de

seu conhecimento.

Foi uma experiência gratificante.

Diante desta primeira etapa de atividades com Chapeuzinho Vermelho,

compreendo melhor a fala de Charmeux quando ela diz que:

Auxiliar as crianças a se apropriarem pela reflexão da especificidade de cada uma das situações de leitura, a perceberem as variáveis que entram em jogo: diferenças nos objetos materiais, diferenças nas formulações, diferenças nas posturas, nas condutas etc.; aprender a ler é isto! [...] não é situação que faz aprender a ler, e ainda menos a vigilância do professor, é todo o trabalho em torno das situações , e, antes de mais nada, o fato de falar delas, de compará-las, de analisá-las, de buscar caracterizá-las, classificá-las... Um trabalho como esse pode e deve aparecer desde os primeiros anos da escolaridade, desde o começo do maternal. É claro que ele não irá muito longe nessa idade, mas isso importa pouco: o essencial é que a criança se habitue a ele, e que tente fazer coisas que não sabe fazer bem: trata-se, para ela, do único meio de tornar-se capaz de fazê-lo! (CHARMEUX, 2000, p. ).

Sendo, necessário, portanto, partir do que a criança sabe e tirando

proveito de suas experiências anteriores e de sua predisposição em ser ativa

como foi feito com esta atividade.

4.1.1.1.6 A professora-pesquisadora

Ao planejar, desenvolver, descrever e analisar esta primeira atividade,

observo que, inicialmente, eu me encontrava nervosa (embora não

transparecesse isso às crianças e talvez nem à professora regente). Confesso

também que é bem provável que este nervosismo era maior devido ao fato de

precisar me auto-avaliar após a execução da proposta. Porque é muito difícil

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me distanciar do que eu mesma planejei e executei, principalmente porque

quando o fiz, fiz com a intenção de acertar. Muito embora, tenha consciência

que alguns pontos tenham sido falhos e, provavelmente, eu os condenasse

caso os observasse na prática de outra professora.

Para começar, tive como base o conceito de criança proposto por

Kramer (1992). Ela ressalva os conceitos de criança para as pedagogias

“tradicional” e “nova”. Segundo a autora, para a pedagogia “tradicional” a

criança é, em sua origem, corrompida ou pervertida. E, por isso, a educação

precisa discipliná-la, apresentando-lhe as regras por meio da intervenção do

adulto e da oferta dos modelos adequados. A pedagogia “nova” ou “moderna”,

contrariamente, entende a criança como originariamente inocente. E, sendo

assim, a educação precisa proteger a criança e preservá-la de toda corrupção

social, respeitando e resguardando sua pureza infantil. Desse modo, a

educação da pedagogia “moderna” fundamenta-se não mais na autoridade do

adulto e sim na liberdade da criança e na expressão de sua espontaneidade.

Foi o que procurei permitir: liberdade às crianças para se expressarem e

serem espontâneas, contrariando as antigas concepções e corroborando com

as concepções contemporâneas de crianças expostas nos documentos oficiais.

Por exemplo, o material produzido pelo Ministério da Educação para um curso

a distância organizado para os professores atuantes na Educação Infantil, o

Programa de Formação de Professores de Educação Infantil (PROINFANTIL)

traz que:

Um ponto de partida é a etimologia das palavras. A palavra infância é composta pelo prefixo de negação in e pelo radical fante , particípio passado do verbo latino fari , significado de falar , dizer . Então, infância em sua origem significa aquele que não fala, que não tem palavra, não tem voz. Será que tal significado (original) mantém-se ainda entre nós? Será que permanece presente nas nossas ações como professores(as), coordenadores(as), dirigentes de instituições etc.? Será que ainda acreditamos que somente o adulto é que pode ser o que fala, o tradutor do desejo, das necessidades e expectativas educativas das crianças? Já avançamos bastante nestes termos, porém não ainda o suficiente para garantir às crianças pequenas o direito a todos os espaços da vida social, educativa e cultural. Mas, mesmo que em passos lentos, acompanhamos a história reconhecer e centralizar os direitos sociais das crianças e de sua educação em instituições de Educação Infantil de qualidade (PROINFANTIL, 2005, p. 16).

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Esta etimologia da palavra talvez explique a tendência dos adultos em

falar e ver a infância a partir de sua própria perspectiva, muitas vezes, até

menosprezando o próprio ser em questão, a criança, em suas concepções e,

principalmente, práticas pedagógicas com esta faixa etária, os infantes.

Justamente com a tentativa de não menosprezar as crianças, pelo

contrário, acreditar no seu potencial propus que elas contassem/lessem suas

histórias antes que eu fosse “modelo”. Procurei, então, respeitar suas vozes.

Com esta atividade, observando as diferentes posturas e ações das

crianças, com base no RECNEI (1998) pude concluir e confirmar com a prática

que a criança, assim como todo ser humano é um sujeito social e histórico,

pertence a este panorama de contradições e está inserida na sociedade com

sua cultura específica e em um determinado momento da história. Sendo

assim, é muito marcada pelo meio social em que se desenvolve, todavia

também o marca (RECNEI, 1998).

Outra base teórica para esta atividade busquei em Fröebel (1782-1852)

apud Almeida (2002). Fröebel cria o Jardim-de-infância (Kindergartens), no

qual, segundo ele, as crianças precisam estar em atividade (auto-atividade)

para cultivação de suas almas e, para tanto, usariam os sentidos, a linguagem

e o brinquedo para se expressar; desse modo, a linguagem oral estaria

associada à vida da criança. Além disso, Fröebel também criou recursos para

que as crianças pudessem se expressar melhor como: blocos de construção;

atividades que aguçavam a criação infantil com papel, papelão, argila etc.;

desenhos e atividades com ritmos; utilização de histórias, mitos, lendas, contos

de fadas, fábulas; e passeios em meio à natureza. Neste ponto, é importante

perceber os “olhos atentos” à literatura, ainda no século XIX, mesmo que de

forma ainda “pedagogizante”, desde os primórdios da educação infantil.

Assim, em Fröebel me referenciei para permitir às crianças a auto-

atividade de contarem/lerem livremente aos colegas, usando a linguagem (por

meio de literatura) e o brinquedo (livro) para se expressarem.

Considero, portanto, acertada esta possibilidade concedida às crianças,

já que tiveram a oportunidade de se expressar, de ouvir, de falar.

Mas além de me ver executando uma atividade importante à formação

integral das crianças como esta também eu fui alvo de aprendizagem. Pude

aprender na prática, por exemplo, que as crianças mesmo que aparentemente

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desordenadas, são capazes de se concentrar e prestar atenção ao que lhes é

partilhado. E que a atenção e a concentração não estão, necessariamente,

vinculadas ao silêncio.

Outro dado que pude confirmar com esta prática é a importância do

afeto e do aspecto humano no trato com as crianças como com o Vitor Antonio,

muito tímido, se sentiu encorajado pela “força” que dei a ele ao acreditar nele.

Deste modo, então, propiciei ao Vitor Antonio a criação deste vínculo,

alcançando um dos objetivos gerais da Educação Infantil proposto no RECNEI:

“estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças, fortalecendo

sua auto-estima e ampliando gradativamente suas possibilidades de

comunicação e colaboração” (1998, p. 63, vol. 1).

Para ser sincera, não sei se como professora-pesquisadora posso dizer

que me senti emocionada ao ver que uma de minhas ações instigou uma

criança ao pensar, ao filosofar como aconteceu com a Diulia, mas, fatalmente,

foi o que senti. E percebi que, apesar da importância do seio familiar nesta

conquista, minha ação proporcionou uma bela oportunidade para que ela

“filosofasse”.

Nesta primeira atividade que foi coordenada por mim, avalio como

positivas minhas posturas, tendo em vista que muitos foram os ganhos tanto

para as crianças quanto para mim como professora-pesquisadora.

4.1.1.2 Chapeuzinho Vermelho – Parte 2

A outra atividade realizada neste bloco sobre a obra Chapeuzinho

Vermelho foi a minha contação da história por meio de um livro de imagens

grafitadas, de Rui de Oliveira.

Esta contação foi feita a partir dos desenhos do livro e de minhas

intervenções, bem como das crianças, juntando, desse modo, duas

possibilidades de narração apontadas por Coelho (2004).

Optei também por um livro de imagens, mesmo a narrativa sendo

conhecida das crianças porque, de acordo como Faria (2007), o trabalho com

livros de imagem é minucioso e faz as crianças descobrirem elementos que

permitem a progressão da ação, que explicam o espaço, o tempo, além de

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características de personagens, entre outras possibilidades. Ao mesmo tempo,

as crianças desenvolvem “a capacidade de observação, análise, comparação,

classificação, levantamento de hipóteses, síntese e raciocínio” (FARIA, 2007, p.

59). E, além disso, após algumas oportunidades de “ler” livros de imagem, as

crianças são capazes de compreender e entender como a história foi criada.

Desse modo, como não poderia deixar de ser, foram muito ativas:

participaram, falaram ao mesmo tempo, se dedicaram, imaginaram, fizeram

vozes, conforme comprova a transcrição da gravação da leitura/contação

abaixo:

Eu: _Que historinha que a genteee contou na aula passada? Que vocês contaram? Crianças em coro: _Chapeuzinho Vermeeeelho! Eu: _Da Chapeuzinho Vermelho, não foi? Crianças: _Fooooiii. _É, hoje, a Prof.ª Kenia e a Prof.ª Elizama, nós trouxemos este outro livro pra vocês. Só que dessa vez, esse livro tem, o que que tem aqui na capa do livro? Juliana: _ Uma casinha! Eu: _ Uma casinha, mas é um desenho, não é um desenho? Crianças: _ Ééééé... Eu: _ O desenho de uma casinha. Né? Então, nesse livro, só tem desenhos, quem gosta de desenhos aqui? Crianças: _ Eeeeeuuu... Emily: _ Eu não. Eu: _ Olha, aqui tem a história da Chapeuzinho Vermelho e enquanto a professora Kenia vai mostrando, vocês vão contando a história, pode ser? Crianças: _ Pooode! Eu: _ Olha, só, vamos chegar aqui, na história da Chapeuzinho Vermelho (procurando a página no livro). Prestem atenção nos desenhos, olhem só! Eu e algumas crianças): _ Era uma vez... (alguém diz: Chapeuzinho Vermelho) Eu: _ Uma menina chamada... Paro para as crianças responderem e elas respondem em uníssono: _Chapeuzinho Vermelho.

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Eu: _Ela morava (algumas crianças repetem o morava) perto de uma mata, numa casa bem bonita com a sua mãããe! Um dia, a mãe dela falou o que para ela? Crianças: _ Vai levar os doces para a vovó. Eu: _Vai levar esses doces para a vovozinha! E a Chapeuzinho Vermelho que era obediente, (crianças respondem em conjunto com a pesquisadora) fooii! Quando virei a página, a Juliana disse: _ Mas o lobo mau. Brenda e outras crianças completaram: _O lobo mau. Eu: _E ela foi, e chegando no meio da floresta, quem estava espiando? Crianças em coro: _O lobo mau! _ O lobo mau! Juliana comenta: _Olha o jeito dele! Eu: _Jeito de quem ta espiando, não é? Crianças: _ Éééé... Eu: _Ele bem atento, assim, não é? E ela láá na floresta no meio, indo para a casa da vovozinha. Guilherme diz: _E ele bem forte, né? Eu: _E ele bem forte e escondido atrás da árvore. E ele chega perto da Chapeuzinho Vermelho para perguntar para onde ela tava indo, olha só. E aí, a Chapeuzinho Vermelho que não sabia que não podia conversar com o lobo mau, conversou com ele e o que que ela falou para ele? Crianças: _Vou na casa da vovozinha. Eu: _Quando ele perguntou se era perto, se era longe, o que que ela falou? Crianças: _Ela mora longe. Eu: _E ainda ensinou o caminho, não foi? Guilherme: _Eu vou lá e você vai por lá. Eu: _Isso, eu vou por um caminho e você vai pelo outro, vamos ver quem chega primeiro? Crianças: _O lobo mau. Eu: _ Assim foi, a Chapeuzinho foi por um lado e o lobo mau foi para (crianças respondem) o outro! Eu: _E quem chegou primeiro? Crianças: _O lobo! Eu:

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_O lobo! Avistou e chegou primeiro na casa da vovó. Juliana: _ É que as pernas dele são tão grande e ele corre mais rápido que a Chapeuzinho né, acha que ele corre mais fraco. Eu: _Isso, e além disso, ele foi pelo caminho mais curto porque ele tava querendo chegar primeiro. E quando ele chegou na casa da vovozinha, o que que tava acontecendo. A crianças falaram muitas coisas juntas, algumas não entendi bem. Disseram que ele abriu a porta e outras coisinhas mais. Bati na porta e outras crianças bateram também, mas sobre a mesa. Imitaram a voz da Chapeuzinho Vermelho! Da vovó! Eles criaram muito! Guilherme disse: _Engoliu sem mastigar ela (referindo-se à vovó). Brenda fala: _Daí o lobo mau morreu e a Chapeuzinho foi feliz para sempre. Eles falam muitos ao mesmo tempo querendo falar e falando.

Importante acrescentar que escolhi uma metodologia que permitia

interferências minhas e das crianças porque embora elas precisem se habituar

a ouvir sem falar e sem interferir, Coelho (2004) também assegura que o

momento da interferência, neste caso, o auxílio das crianças ouvintes, é

resultado da criatividade do narrador que a incorpora ao texto para tornar a

narrativa mais atraente. E é ainda um recurso excelente para ser usado com

um público numeroso, porque propicia a concentração dos ouvintes.

Após a nossa contação coletiva, como uma atividade que “continua” a

história, dividi a história de Chapeuzinho Vermelho em partes e solicitei que,

em duplas, desenhassem uma cena. A idéia era unir as cenas e montar um

livro. Afinal, na escola, com cinco anos, a criança é capaz de participar de

atividades dirigidas e também começa a cooperação entre as crianças, que é

importante ser estimulada e vivenciada.

Deu gosto ver o quanto se empenharam nas pinturas e terminando-as,

falaram sobre as pinturas com tinta guache feitas na atividade do dia

31/03/2008, importante frisar também que, além de suas “explicações”

interessarem para minha pesquisa, na fase dos cinco anos, as crianças gostam

de explicar o seu próprio trabalho para receber a aprovação dos adultos que

estimam.

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4.1.1.2.1 A professora-pesquisadora

Penso que, nesta atividade, seja fundamental observar minha conduta

docente e falas (nem tão adequadas), por várias vezes, “pedagogizantes”,

escolarizadas demais como, por exemplo, quando sugeri que eles contassem e

eu não considerei a primeira participação de um aluno, pois após o meu “era

uma vez...” continuei com “uma menina chamada...” atropelando a fala de uma

criança que usou apenas “Chapeuzinho Vermelho”. Acredito que devia ter

aceito esta participação sem acrescentar o “uma menina chamada...”. Além

disso, continuei sozinha mais um trecho da história, dizendo “ela morava perto

de uma mata, numa casa bem bonita com a sua mãe!”. E “pedagogizei” quando

acrescentei reflexões dentro da narração ao dizer que Chapeuzinho era

“obediente” e que não sabia que não devia falar com o lobo mau.

Além disso, acredito que também deveria ter esperado a Juliana ou

mesmo outra criança expor qual o jeito do lobo ao estar espiando atrás da

árvore, em vez de antecipar eu mesma. Falhei, mais uma vez, ao não produzir

uma capa e apresentar o livro às crianças, conforme prometi, mesmo que

nenhuma criança tenha perguntado a respeito. Além de ter prometido expor as

pinturas deles e não as ter exposto. Se prometi, devia ter cumprido.

No entanto, pelo menos uma das coisas que prometi eu cumpri: eles

puderam ver o livro com imagens que levei. Foi difícil, mas eu tive que

aprender a não sentir ciúmes do objeto livro. Na prática, aprendi que ler é tão

importante quanto deixar as crianças manusearem os livros. Aprendi que,

muitas vezes, ler é fácil, difícil é observar que ao manusear os livros, estes

quase se esfacelam nas mãos das crianças, em contrapartida, este aspecto

físico da possível “decadência dos livros” é superado pela “leitura” das crianças

que se deliciam a cada virar de página, que se enriquecem a cada contato com

obras de estilos e estéticas diferentes.

Percebi, então, quão difícil é o lugar do pesquisador. Ambíguo por

natureza. Tendo em vista as limitações humanas e o inevitável (e mesmo

necessário) estabelecimento de vínculos afetivos com as crianças.

Por outro lado, vejo esta atividade como muito positiva e com mais prós

do que contras. Com mais pontos positivos do que falhas. Afinal, como bem

esboçam Nunes e Ramos (2007), no artigo Como lê a criança não

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alfabetizada?, que é possível que a criança interaja com o texto desde que com

a mediação de um adulto. E que essa mediação é, na verdade, uma forma de

emprestar o olhar de adulto para a criança ver, ou seja, se a criança tem a

oportunidade de ler um livro, acompanhada de um leitor proficiente, vivencia o

processo de aprendizagem da leitura, aprendendo, assim, a cultura do ler.

Além disso, Nunes e Ramos (2007) apontam que a narração de histórias

permite às crianças, principalmente aquelas que não são capazes de

decodificar os símbolos alfabéticos, de se exercitarem o hábito de ouvir e de

participar da narração de uma história. Já que podem se preparar para

produções textuais futuras ao interagirem com uma linguagem diferente

daquela ouvida em seu dia a dia. Considerei, portanto, minha atuação nesta

atividade muito produtiva, apesar das pequenas “falhas” que cometi na

condição de professora-pesquisadora.

4.1.1.3 Chapeuzinho Vermelho – Parte 3

Abramovich (2004) escreve que é muito importante para a formação da

criança ouvir muitas histórias, que escutá-las é o primeiro passo para se tornar

leitor. E comenta ainda que o primeiro contato da criança com um texto é por

meio da oralidade. Que é ouvindo histórias que a criança: sorri, chora, gargalha

com situações que os personagens vivenciam, suscita o imaginário, fica

curiosa, tem respondida questões pessoais, descobre conflitos e soluções,

sente emoções como tristeza, raiva, bem-estar, medo, alegria, insegurança,

tranqüilidade, descobre outros lugares e tempos, jeitos de ser, de ver.

E por tudo isso, quando se vai ler uma história para a criança não se

pode pegar o primeiro livro que se encontra. Precisa-se planejar e conhecer a

história. Pensando nisso, selecionei três versões distintas de Chapeuzinho

Vermelho para ler às crianças.

Na tarde do dia 04/04/2008, então, eu li as três versões diferentes da

história de Chapeuzinho Vermelho e, para finalizar a tarde, as crianças criaram

a sua própria versão.

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Na primeira que li neste dia, além de Chapeuzinho encontrar

animaizinhos diversos pelo caminho como coelhinhos e brincar com eles, o

lobo não come a vovó e prende-a no armário.

Esta leitura durou em torno de vinte minutos e, quando terminei, a

professora regente fez um paralelo entre ela e a contada no dia anterior, na

versão de Perrault, na qual o lobo come a vovó e a Chapeuzinho. E eles se

olharam como que surpresos por haver duas histórias de Chapeuzinho

diferentes. Entretanto, demonstraram nítida preferência pela versão em que o

lobo consegue comer a vovó.

A este respeito, lendo a obra de Bettelhein (2002), A Psicanálise dos

Contos de Fadas38, compreendo que quando a criança apenas aprende a ler

sem nenhum acréscimo desta leitura às suas vidas, o aprendizado fica sem

sentido. Desse modo, para que determinada história prenda a atenção da

criança, precisa entretê-la e despertar sua curiosidade. Todavia, para o

enriquecimento de sua vida, a história precisa estimular a imaginação,

desenvolvendo o intelecto e clareando as emoções; harmonizando ansiedades

e aspirações; reconhecendo suas dificuldades e sugerindo soluções para

questões perturbadoras.

Exatamente porque a vida é freqüentemente desconcertante para a criança, ela precisa ainda mais ter a possibilidade de se entender neste mundo complexo com o qual deve aprender a lidar. Para ser bem sucedida neste aspecto, a criança deve receber ajuda para que possa dar algum sentido coerente ao seu turbilhão de sentimentos. Necessita de idéias sobre a forma de colocar ordem na sua casa interior, e com base nisso ser capaz de criar ordem na sua vida. [...] A criança encontra este tipo de significado nos contos de fadas. (BETTELHEIN, 2002. p. 5)

É provável que justamente por isso, as crianças tenham preferido a

versão “má” da história, aquela em que o lobo é devorador.

Na segunda, que durou em torno de dez minutos, a concentração das

crianças já não estava tão “boa” quanto na primeira. Porém, ainda assim

colaboraram. Nesta versão, há diferentes falas do lobo para a Chapeuzinho

Vermelho. Além disso, o caçador corta a barriga do lobo que come a vovó e

38 Versão digital.

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sua netinha. E, ao perceberem as diferenças nas histórias, o interesse das

crianças aumentou.

Após esta segunda leitura, a professora regente também realizou um

feedback desta história, comparando-a a primeira contada nesta tarde, bem

como à do dia anterior, na versão de Perrault.

Nesta versão, diferente das demais, a história foi contada a partir da

visão da vovó. Também durou, em média, dez minutos e para dar mais

veracidade à narração, eu saí da sala e avisei que, quando eu entrasse não

seria mais a “tia Kenia” e sim a vó de Chapeuzinho. E, lógico, ficaram muito

quietos e atentos para receberem a boa velhinha.

Coelho (2004) sugere que uma das atividades para depois da narração é

a criação de textos orais ou escritos, neste caso como as crianças ainda não

são alfabetizadas, texto oral. Portanto, para finalizar este bloco de atividades

propus à turma criar sua própria versão da história, a professora escreveria no

quadro o que eles ditavam.

Enquanto a professora era a escriba, eles também se deliciavam com a

possibilidade de pegar as três obras de Chapeuzinho Vermelho (duas que

utilizei nesta tarde e a de imagens utilizada na outra tarde).

Fiquei, inclusive, sensibilizada, pois só “pararam de querer”, pegar e

folhear os títulos quando tive que ir embora e levá-los comigo.

Além disso tudo, algumas crianças interessaram-se por recontar a

história na frente para os colegas.

4.1.1.3.1 A professora-pesquisadora

As crianças acharam que eu vestiria a roupa da vovó quando saí da sala

e retornei. Fiquei um pouco chateada por tê-los frustrado, mas ainda assim

valeu a pena a interpretação com mudança de voz e tudo.

Não é preciso dizer que, ao contar a terceira versão da tarde, o nível de

concentração das crianças já não era mais o mesmo, nem o da segunda, muito

menos o da primeira versão. Maior do que a vontade de ficarem sentados

ouvindo versões da menina de capuz vermelho era a sede ou a vontade de ir

ao banheiro. Compreendo, então que, talvez por estarem um pouco cansados

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pela “overdose”39 de Chapeuzinho Vermelho, nem todos participaram da

atividade de reescrita / recriação da história. Por outro lado, nem todos somos

escritores. E nem sempre nos interessamos por criar, às vezes, preferimos

ouvir, ler, reproduzir o que foi criado.

Além disso, se a “overdose” fosse a causa do não envolvimento de

todos, por que alguns desejaram contar suas próprias versões deste clássico

na frente para a sala? Como o desejo de (re)contar a história partiu deles,

sentiam-se, portanto, muito motivados, por isso, permitimos, a professora

regente e eu. E enquanto contavam/liam, a sala não parava de conversar, mas

como estão, enfim, na fase pré-operatória, segundo Piaget, e sendo assim

sentem-se o centro do universo, talvez isso não tenha lhes feito muita

diferença.

E parece-me que mais do que as próprias leituras em diversas versões

muito encantou as crianças a possibilidade de pegarem e folhearem os

portadores que levei da história. Principalmente a edição da Companhia das

Letrinhas que é editada em folhas de papel couchê, com desenhos bem

coloridos. A proximidade das obras gerou alvoroço porque queriam ver mais e

mais de perto. Tive, inclusive, além de dar continuidade ao meu auto-

aprendizado de “desprendimento” do material livro, falar sobre a necessidade

de se respeitar e cuidar dos livros com carinho.

Se eu tentar me distanciar da professora-pesquisadora naquele

momento, eu mesma, percebo que por um lado, é perceptível que não deu tudo

errado nesta atividade, mas por outro, também não deu tudo certo. O que isto

significa? Penso que significa que se exagerei no número de atividades

correlatas para uma mesma tarde, também criei inúmeras possibilidades de

deleite e mesmo aprendizado às crianças.

De fato, tentei explorar a zona de desenvolvimento proximal, como

propôs Vigotski (2005) que faz crer na idéia de que as leituras a serem feitas às

crianças podem ir além do conhecido, possibilitando a leitura de livros que a

despertem para o novo, para o não-conhecido, tanto no que diz respeito à

temática quanto à linguagem.

39 Digo overdose porque acredito ter pecado trabalhando numa mesma tarde três versões diferentes de uma mesma história para crianças com cinco anos. Certamente, deve ter sido um pouco enfadonho e até repetitivo. Principalmente para aquelas crianças que já não gostam muito da Chapeuzinho.

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Por exemplo, a criança que ainda não sabe ler convencionalmente pode

fazê-lo por meio da escuta da leitura do professor, ainda que não possa

decifrar todas as palavras. Afinal, ouvir um texto já é uma forma de leitura. É de

grande importância o acesso, por meio da leitura ou da contação do professor,

a diversos tipos de materiais escritos, uma vez que possibilita às crianças o

contato com práticas culturais mediadas pela leitura, pela leitura literária, como,

exemplo, a possibilidade de criar sua própria versão de uma história conhecida.

Resumindo estas atividades, compreendo, enfim, que foram, sem

dúvida, momentos de trocas culturais significativas, apesar de, aparentemente,

não terem sido adequadamente desenvolvidas de acordo com a faixa etária e

de concentração das crianças envolvidas, gerando cansaço físico inclusive a

mim mesma no processo de tripla leitura seqüenciada.

4.1.1.4 Chapeuzinho Vermelho – Parte 4

Em 08/04/2008, encontro posterior à “superdosagem” de Chapeuzinhos,

houve a leitura da história criada por eles. Foi gratificante e a confirmação que

a atividade de reescrita deu certo, afinal, pude perceber que várias partes da

história eles sabiam “de cor”.

Esta é a versão que a sala criou:

Chapeuzinho Vermelho Era uma vez Chapeuzinho Vermelho, o lobo, a vovó, a mamãe, o caçador, os passarinhos, as borboletas e o coelhinho que viviam na floresta. Chapeuzinho saiu de casa, a pedido da mamãe, para levar torta, Todynho e mel para a vovó. Ela foi pela floresta e não pelo caminho do rio. Na floresta, encontrou os coelhinhos e brincaram de roda. Enquanto isso, o lobo foi pelo caminho do rio, tropeçou em uma pedra e caiu na água. Quase engoliu um peixinho e depois acabou engolindo outro com espinha e tudo, sem mastigar. O lobo chegou na casa da vovó e encontrou a vovó e sua netinha. Comeu primeiro a vovó e depois a Chapeuzinho, sem mastigá-las. O caçador procurava pelo lobo e encontrou-o na casa da vovó. Pegou uma tesoura, cortou a barriga do lobo, que vivia comendo as ovelhinhas do caçador. E para sua surpresa, a vovó e a Chapeuzinho estavam lá dentro da barriga do lobo. Então, o caçador colocou pedras dentro da barriga dele. Quando acordou, o lobo foi beber água, pois estava com muita sede e acabou caindo de novo dentro do rio e morreu afogado. Depois disso, a vovó e sua netinha, fizeram uma surpresa para o caçador com tortas e doces.

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Um fato curioso é que apesar de terem se mostrado cansadas ao ouvir

três histórias numa mesma tarde, ao criarem sua versão, os alunos

aproveitaram fragmentos de todas as histórias ouvidas, além de acrescentarem

dados extras.

Após terem ouvido a versão que eles criaram duas vezes, lidas por mim,

a professora regente entregou cópias de um desenho de uma cena de

Chapeuzinho Vermelho: o momento em que, da floresta, a netinha avista a

casa da vovó.

Ao entregar-lhes, ela pediu muito capricho. E durante o momento de

pinturas, realizei entrevistas com algumas crianças, ocasião que ficou um

pouco prejudicada com as saídas da professora, pois estando apenas eu de

adulto na sala, elas se aproximavam de mim em busca das soluções mais

variadas possíveis: a dúvida se o desenho estava ficando bonito, o pedido de

socorro quando um colega batia ou tomava o lápis de cor, a permissão para

beber água ou ir ao banheiro, entre tantas outras.

4.1.1.4.1 A professora-pesquisadora

Nesta ocasião de leitura e releitura da versão da turma para as crianças,

acredito que tenha sido uma decisão acertada. Tendo em vista que foi possível

resgatar o que produziram e ver que ainda sabiam trechos, mesmo sem saber

ler. O que demonstra envolvimento das crianças com a atividade. Todavia,

também percebi que somente se interessaram mais pelas leituras, aquelas

crianças que ajudaram na produção da versão.

Não sei se errei na forma de condução desta atividade ou se a falha pelo

não envolvimento geral está na aula de criação (e que corresponde à mesma

tarde das leituras de versões variadas). Independentemente da falha ou não de

minha parte, creio também que foi um momento acertado, pois seria um

descrédito com a criação se eu não retornasse e mostrasse como ficou

interessante a versão da sala.

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4.1.1.5 Chapeuzinho Vermelho – Parte 5

Conforme já mencionei no início desta análise, a professora regente

atuou em conjunto comigo no planejamento das atividades com este clássico.

Uma das atividades que ela executou, em uma tarde em que eu não estava

presente, foi a oportunidade de, na sala de vídeo, as crianças assistirem ao

filme: Deu a louca na Chapeuzinho. Um exemplo claro da importância de se

conhecer o clássico original para se compreender a película, conforme já

discutido por MACHADO (2002).

Sendo assim, na tarde do dia 11/04/2008, sentamos em círculo e

estabelecemos uma roda da conversa a respeito do filme assistido. Entretanto,

como nesta tarde houve assembléia municipal para tratar de assuntos sobre

greve, a aula foi até às 15h e apenas uma minoria de alunos foi à aula. Mas, os

poucos que foram queriam todos falar. E, inicialmente, falaram todos ao

mesmo tempo, até eu conseguir organizar a roda de conversa, sistematizando

as contribuições.

De maneira geral, todos gostaram muito do filme. Gostaram em especial

de verem o coelho que lutava caratê com as orelhas e pulava de pára-quedas.

Durante a roda de conversa, fiz um feedback de todas as versões

lidas/contadas de Chapeuzinho, embora não tenha contado nenhuma por

inteiro nesta tarde. Alguns até me ajudaram a relembrar as principais partes de

cada uma, apesar de terem confundido alguns pontos das versões.

Propus, então, que somente aquelas crianças que desejassem poderiam

desenhar algo a respeito do filme. E, para minha surpresa, praticamente todos

quiseram desenhar, mesmo a outra opção sendo brincar.

Este envolvimento com a atividade muito me encantou e trouxe

gratificação, pois quanto mais auto-confiante for a criança, mais ela se arrisca a

criar e também a se envolver com o que faz. Ela acredita no que faz,

asseguram Novaes e Neves (2004), embasadas em Lowenfeld. As autoras

ainda registram que:

Uma criança segura tem maior capacidade de envolvimento, de concentração e de prazer em criar. É importante a ela sentir-se livre para poder expressar-se em seus desenhos. Assim, a criança se desenvolve em harmonia e se organiza no contexto espaço/temporal, se posicionando frente à vida, descobrindo o

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significado que a vida tem para si e percebendo-se como criadora de sua própria história. (NOVAES e NEVES, 2004, vol. 2, n. 5, p. 106)

E ficou evidente que elas estavam seguras de si e, principalmente,

envolvidas com o que faziam.

Enquanto desenhavam ou brincavam, eu entrevistei mais um número de

crianças.

4.1.1.5.1 A professora-pesquisadora

Estou certa que esta roda de conversa foi bem conduzida e

extremamente útil a mim na condição de professora e pesquisadora, pois foi

por meio dela que pude “ver” crianças que antes eram apenas coadjuvantes na

pesquisa. E o não ver estas crianças que exerciam papel secundário me fez

perceber que acabava sendo injusta com a turma toda: tanto com aquelas que

sempre eram visadas por mim quanto com aquelas que não eram bem

observadas por mim. Portanto, encaro esta atividade como crucial para minha

boa reflexão, análises e mudanças de posturas.

Também acredito que tenha sido positiva minha atuação devido ao

envolvimento das crianças com a criação dos desenhos. E entendo que este

envolvimento se deu não apenas pelo prazer de criar ou pela liberdade de

expressão, mas também pela possibilidade de aliar a imaginação às emoções

proporcionadas pelas leituras, porque como aponta Charmeux (2000), na

pequena infância (de 2 a 5 anos) acontecem as primeiras aprendizagens e,

para tanto, as crianças precisam de oportunidades e estímulos e é nesta fase

que elas dão preferência ao sentimento de prazer pela “leitura”.

4.1.1.6 Chapeuzinho Vermelho – Parte 6

Na última atividade desta série, realizada na tarde do dia 18/04/2008,

quando li a história Chapeuzinho Vermelho e o Arco-íris – uma história sem

lobo, um fato é importante contar: o Guilherme, que inicialmente não queria

ouvir, por vários motivos como: não gostar da Chapeuzinho e porque queria ter

saído para beber água, foi um dos alunos que mais prestou atenção e se

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interessou, participou a ponto de, após o término, da história, exclamar

voluntariamente: “tia, eu amei essa história!”.

Provavelmente ele tenha amado, porque sem conhecer a história,

acabou “adivinhando” muitas partes da narração e a presença do arco-íris nela

e ficou muito feliz por isso. Eis mais uma prova da importância ativa do “leitor” e

o fascínio que a literatura pode causar. O Guilherme, provavelmente, sentiu-se

um leitor “eficiente”, que conforme expõe Kriegl (2002), um leitor eficiente é

aquele que:

• formula perguntas enquanto lê e se mantém atento; • seleciona índices relevantes para a compreensão; • supre os elementos ausentes, complementando informações; • antecipa fatos; • critica o conteúdo; • reformula hipóteses; • estabelece relações com outros aspectos do conhecimento; • transforma ou reconstrói o texto lido; • atribui intenções ao escritor. (KRIEGL, 2002, p. 4)

Esta tarde oportunizou vários momentos agradáveis nos quais as

crianças tiveram a oportunidade de fazer o que lhe agradasse: contar histórias

ou cantar músicas para os colegas na frente, além de diante disso, sentirem-se

desafiadas a “adivinharem” as próximas cenas da história.

4.1.1.6.1 A professora-pesquisadora

Ao me distanciar da aplicação desta atividade, entendo que foi uma

situação um pouco diferenciada, tendo em vista que oportunizou às crianças a

antecipação / adivinhação de partes da história, envolvendo a todos. Bem

como aprimorou a minha condução da leitura com as interações das crianças.

Considero, enfim, como extremamente produtiva, principalmente porque

minha leitura permitiu que um menino “arredio” se envolvesse e se

emocionasse com a história.

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4.1.2 Bicho Papão e outras histórias folclóricas e “horripilantes”

No início da execução do primeiro planejamento da pesquisa-ação, em

especial no dia 31/03/2008, o Guilherme levou para a sala de aula um livro

didático com algumas histórias, mas ele queria contar apenas a história do

Bicho Papão, como não a encontrou no livro, resolvemos deixar para outra

oportunidade. Este é um dado curioso, pois se ele não é alfabetizado ainda e

contaria em vez de ler (mesmo se tivesse encontrado a página) poderia muito

bem ter contado, não? Pois bem, ele ficou frustrado em não encontrar porque

não havia como contar/ler a história. É provável que sua frustração se deva ao

fato de que nesta faixa de idade, a criança se interessa espontaneamente

pelas letras, uma vez que, no livro, não havia figuras na seqüência da história,

apenas uma ilustração representando cada personagem, fato que evidencia a

necessidade de se estimular a leitura na vida das crianças, inclusive com a

presença física do livro, pois isto proporcionará à criança a autonomia para ler

mesmo antes de alfabetizada. Além disso, o livro “e sua utilidade e seu uso”

nas mãos de uma criança garante uma relação entre a criança e o livro. A

terapeuta Stela Battaglia, no jornal “Diário na escola – Santo André” (2003), diz

que a leitura precisa ser vista (e eu acrescentaria experienciada) não apenas

como a leitura do texto escrito. E diz que não vale a pena o professor ou

alguém da família simplesmente colocar inúmeros livros na frente das crianças

e dizer que são maravilhosos. Porque o livro só tem valor se for “desenvolvido”,

ao que eu diria, vivido antes de lido. Neste sentido, a relação com o livro

precisa ser estreitada, assim, o significado do objeto livro se fortalece cada vez

mais.

Como é sabido, é necessário atender aos interesses e necessidades dos

alunos leitores, convergindo a esta idéia, Ezequiel Theodoro da Silva discorre

que:

“Quando o ato de ler se configura, preferencialmente, como atendimento aos interesses do leitor, desencadeia o processo de identificação do sujeito com os elementos da realidade representada, motivando o prazer da leitura. [...] O ato de ler é, portanto, duplamente gratificante. No contato com o conhecido, fornece a facilidade da acomodação, a possibilidade de o sujeito encontrar-se no texto. Na experiência com o desconhecido, surge a descoberta de modos alternativos de ser e de viver”.

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E esta posição ativa do leitor pode ser exemplificada pelo próprio

Guilherme novamente, pois no dia 02/04/2008, logo que entrei na sala, ele

mostrou-me seu livro com a história do Bicho Papão que ele tanto queria

contar/ler, já que, na aula do outro dia, por ele demorar a encontrar não foi

possível a “leitura”.

E nesta aula ele, satisfeitíssimo por encontrar a página, contou/leu e não

apenas a do Bicho Papão, interessante que contou/leu quatro histórias e só

iniciava a contar/ler quando encontrava a página certa de cada uma delas: do

Bicho Papão, do Lobisomem, do Curupira e do Saci-Pererê. O que me deixou

intrigada é que não havia tantas ilustrações para que se apoiasse nelas ao

“ler”, existia apenas um desenho indicativo de cada personagem. E ele agia,

portanto, como se de fato, precisasse das letras para contar suas histórias

preferidas. De acordo com Stela Battaglia, um dos primeiros passos para se

formar leitores é atribuir significados a textos escritos ou visuais, mesmo que

aparentemente não digam muito (em especial ao leitor alfabetizado).

Como ele leu quatro histórias apenas depois de tê-las na página

adequada, pedi seu livro para ler como, de fato, estavam narradas as histórias.

Percebendo meu interesse, ficou ao meu lado até o final das leituras e teceu

comentários: na do Lobisomem, por exemplo, me disse que por conta do Bicho

Papão, ele avisa, todos os dias, a mãe dele que está indo dormir cedo; na do

Curupira, ele sabia inclusive quais as palavras se juntam para formar o nome

desta lenda folclórica.

Acredito que seja pertinente, então, retomar os escritos de Charmeux

(2000), quando ela discute que ler exige a utilização de suportes que sejam

verdadeiros, pois o manejo de livros, dicionários, História em Quadrinhos, entre

outros acrescenta uma dimensão afetiva, por meio dos primeiros contatos com

o escrito e sua forma de apresentação (objeto), gerando segurança ao leitor.

Foi justamente esta segurança do portador livro que o Guilherme sentiu

necessidade e buscou (até encontrá-la).

De uma forma menos intensa do que quando eu contei com elas a

história do livro de imagens, as crianças também participaram da contação do

Guilherme. Todavia, tendo em vista que ele não solicitou a participação de

todos, elas mais ouviram atentas do que deram interagiram.

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No dia 16/08/2008, li novamente, a pedido das próprias crianças, um

livro que li quando elas visitaram a biblioteca da escola em um momento

cultural40: Abaixo o Bicho Papão, de Walcyr Carrasco.

Mesmo antes de entrarmos na sala, quando ainda estávamos na quadra,

três crianças confirmaram comigo se neste dia eu contaria a história do Bicho

Papão mais uma vez. Será que gostariam de ouvir? Certamente, interessam-se

por ouvir. Afinal, as histórias folclóricas como as do Bicho Papão, Curupira,

Saci, entre outras carregam as tradições, os costumes e as superstições de um

povo, de uma família, além de possuírem mistério, suspense, que chamam a

atenção das crianças.

Ao chegarmos na sala, eles estavam um pouco agitados quando

comecei a ler a história. Logo, uma criança solicitou silêncio. E, no decorrer da

narração, como já conheciam a história, alguns até contribuíram.

Após minha leitura, o Guilherme, mais uma vez quis contar suas

histórias sobre Bicho Papão e “companhia limitada”.

Como desde a primeira vez que contou história ele cobrava que eu

passasse “uma atividade” sobre sua narração, após as “leituras”, propus às

crianças que desenhassem a história que mais gostaram da tarde: ou a minha,

ou alguma das que o Guilherme contou. Eles amaram esta oportunidade e se

empenharam nos desenhos. O Guilherme, então, didatizado e pedagogizado,

como mostra sua postura ao exigir a atividade, ficou extremamente satisfeito.

A seguir, exponho a transcrição das “leituras” do Guilherme (do dia

02/04/2008 e do dia 16/04/2008) em paralelo ao que, de fato, está impresso no

livro que ele levou para a escola.

4.1.2.1 Histórias lidas pelo Guilherme em 02/04/2008: (se organiza com o livro) Bicho Papão É, Bicho Papão. É o bicho papão pega criancinha e, é, que fala palavããããão. Quem fala palavão, não quer dormir cedo, ele é o pior pesadelo! Pode deixar rastos, ou cada coisa. É como Tutumanjá, é, é, é Tutumaranjá, de todo lado. É o pior pesadelo. É feio como

40 Importante mencionar que este momento cultural não era uma constante da turma. Tanto que as crianças só foram levadas pela professora à biblioteca para um momento assim este dia.

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Tutumaranjá, toda aaa.. tutu ééé, Tutu-barão, mas é o pior pesadelo. É o mais feio. Ele pode deixar rastos ou inferno. Ele é o pior pesadelo, nunca vi! É muito feio, tia! (Antes de contar a outra história, sugere que as crianças vão mexer no curupira, saci pererê, etc.) Contei do bicho papão agora eu vou contar dooo, dooo Lobiii (espera as crianças completarem) somem! Lobisomem É, tinha um cara, é, tinha o lobisomem. É sexta que ele numa rua incuzilhada, é com “inseto” em cima, rabo de cavalo, começa a solta a espuma e vira o homem cachorro! E, agora, o Coropira. Curupira O Curupira, ele mora em qualquer lugar. Ele protege os filhos da mãe natureza, ele protege cada coisa. Ele, ele espanta os caçadores pa não matar a natureza. Ele pega e potege a natureza. Ele pega e espanta os caçadores da natureza. E, agora, deixa eu ver o outro. Qual que é o oto mesmo? Ooh, é o Saci Pererê. (se perde nas páginas do livro, procurando, mas não começa enquanto não encontra). - Tia, tenta achar o saci pererê aqui pra mim?! Ooh,achei, ta aqui. Saci Pererê O Saci Pererê consegue, é, quando dá assim um assunto misterioso, ele fica invisível. Ele consegue manter o mosquito da dengue. É o mosquito da, é o joelho machucado. É que ele vê o menino. É, é, é com pé no chão, não tem onde fazer xixi, cocô, nem nada. (Juliana comenta: Ele vive na rua o Saci Pererê) É, é, é, é (alguém dá uma dica e ele responde) – Não, mas ele tenta achar o menino, um menino com joelho machucado, é com uma perna só, fumando cachimbo, só isso. Mais nada. (batemos palmas)

4.1.2.2 Histórias lidas pelo Guilherme em 16/04/2008: Lobisomem Tem um homem que aparece numa rua cuzilhada. Calado, abatido. Ele hum, ele hum, com as botas, vai numa rua cuzilhada, pega é, in, in, in em cima de estrume de cavalo ou de vaca, e, e, e, e começa virar o homem cachoooro! Aí, numa certamente, que fica irritado, e fica muito assustado e começa a virar o hooomem cachooooro!!! Ele é muito perigoso. É melhor ficar esperto. Esse tal cara é o tal lobisomem. É bom ficar espero. Acabou. Agora eu vou do Curu... pira! Curupira O curupira é um ser encantado. Potege os filhos, potege os filhos, potege o ser encanta..., potege o ser encantado da mãe natureza e

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potege todas as famílias. Esse curupira mora em qualquer lugar. Oh, curupira é um ser menino. Ele é menino, mas ele cuida das planta. Ele, esse é o tal curupira. Ele não gosta que mija das planta, não gosta que mata as planta. Ele potege a natureza (Juliana interfere, ele espera e completa: “isso mesmo”). O curupira, ele gosta de poteger os seres encantados da natureza. Por que o curupira gosta de poteger a natureza? (Juliana e outra criança respondem e ele complementa: “isso”). Ele não gosta que polui o rio, não gosta que corta as árvores, não gosta que ninguém faz xixi na panta, não gosta que ninguém mata a panta, não gosta que ninguém corta a panta, oh só pode, o curupira só gosta que corta a panta quando ela ta velha, pode cortar. Ele, ele joga água na raiz dela. Ela quer, e fica mais bonita. Oh, ele é um ser encantado e potege todos os felizes. Agora do Biiichoo Paapão! Bicho Papão O bicho papão é um cara muito mal. É como tutu-maranjá, tutu do mato, é tutu, ah não, esqueci disso. Ele é um ser humano. As quiancinhas que falam palavão ele pega, quem, quem, quem não, o bicho papão, as quiancinhas que falam palavão, não querem dormir cedo, ele vai e ele pega as quiancinhas. (crianças comentam!!! ele pára para ouvir). Não, ele só existe na fazenda gente, ele vai no escuro vai, vai assim e vai andando vê que a quiança não ta dormindo, ta bincando, a noite, não ta dormindo cedo, ele vai lá, vai lá, pega a quiancinha leva dento desse saco e leva embora. Ai, depois, ele come. Oh, ele corta assim, oh e fica doidinho para comer uma quiança. (crianças comentam mais ele responde “Não”). Ele vai no escuro, gente, ele vai no escuro pega a quiancinha, leva dento desse saco. E tira a quiancinha, aí a quiancinha acorda dento do saco, “aaai, meu Deus, onde é que eu fui parar?” [...] Aí ele tira a quiancinha, aí ela fala “não, bicho papão, não!”. Aí o bicho papão vai lá e corta com o dente ele todinho, aí vai lá e corta o pulmão, o pé, o olho, e come, e não deixa nem o osso. (crianças comentam de novo). Ele é o pior pesadelo. Mas ele (crianças comentam todas juntas e ele se exalta e diz: “fala de um cada vez que é falta de inducação”). Gustavo pára que quando um ta falando, você não pode falar. Gustavo. (Juliana fala – crianças se agitam – tive que interferir e pedir para deixarem o Guilherme terminar de contar a história). Oh gente, ele é o pior pesadelo, mas pode deixar rastros. (Quase se esqueceu do Saci Pererê) Saci Pererê O saci pererê é um ser dos animado, ele, ele, ele quando ele consegue assoviar um assovio, ele fica invisível. Quando ele quer assoviar um assovio misterioso ele fica invisível ele consegue manter mosquito da dengue, quer dizer, o mosquito, e de joelho machucado, ele vai a noite, e ele, ele, ele é um menino nego, que tava com uma perna só, quando ele vê um menino, com dedo furado, aqui no meio e fumando, e com um, só um menino só com uma perna assim (se coloca numa perna só e completa: mas eu tenho duas pernas, ele é assim igual aqui do livro), um guri só de uma perninha como esse aqui, o joelho machucado ele tem, mantém o mosquito, oh gente, oh, esse daqui oh, pega e ele pegava, ele pegava, gente, e, enquanto ele, gentee, veio uma quiança com dedo furado, de uma perna só, fumando cachimbo e com capuz vermelho, ele pega, pega as quiancinhas e agarra elas, e depois ela começa a virar ele, ingualzinho ele assim. Ponto.

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Saiu falando que ele é do bem. Ele e o Curupira são do bem. Só o lobisomem e o bicho papão são do mal.

Importante observar que se comparadas as primeiras e as segundas

leituras do Guilherme, a do dia 16/04 está muito mais rica em detalhes e mais

próxima do que está escrito no livro. O que indica que, provavelmente, entre os

dois dias, pelo menos uma leitura alguém realizou para que ele ouvisse,

provavelmente, alguém de sua família, tendo em vista que não fui eu, nem a

professora regente. Fato que evidencia a importante função da família, quando

atua de maneira conjunta à escola.

4.1.2.3 Histórias impressas no livro que ele levou para a sala e de onde “leu” para a turma:

Bicho Papão Existem muitos tipos de Bicho Papão que assustam as criancinhas. O Tutumarambá, por exemplo, também conhecido como Tutu Zambê, Tutu do Mato, Tutu Garanga, ou Bicho do Mato ninguém viu até hoje, mas parece que deixa rastros e é medonho feito o pior pesadelo. A Cuca é um ser encantado, velho e feioso que prometeu colocar num saco e levar embora, crianças que não querem dormir cedo, as muito bagunceiras e as que têm mania de dizer palavrão. Lobisomem Quando num lugar aparece um homem magro e abatido, paradinho, sempre olhando torto, com sobrancelhas grossas e orelhas compridas, é melhor ficar esperto. O tal sujeito pode ser o lobisomem. Toda meia noite de quinta para sexta-feira, o homem que vira lobisomem desaparece. Vai procurar uma encruzilhada deserta, tira a roupa que normalmente deixa virada do avesso. E fica se esfregando no chão em cima de estrume de vaca ou cavalo para se transformar no homem-cachorro. Curupira Quem vive longe no/do mato acredita que existe um ser encantado protegendo os filhos, os tesouros e os segredos da mãe da natureza. Este ser é o Curupira. Dizem que o Curupira vive em todo lugar onde existe mato e floresta. O nome Curupira, ao que parece, é uma mistura de palavras: Curumim, que quer dizer menino; e Pira que significa corpo. Curupira, corpo de menino. Saci O Saci é um ser misterioso, habitante do mato. Sua aparência é de um menino negro, pequeno e risonho, de uma perna só, com um capuz vermelho enterrado na cabeça, sem pêlo no corpo, nem órgãos para fazer xixi e cocô. Costuma ter três dedos nas mãos que são furadas. E quando quer, solta um assobio misterioso e fica invisível. Além disso, vive com o joelho machucado. E sabe comandar as pulgas, pernilongos, mosquitos e pulgas que vivem atazanando a vida da gente. E tem outra coisa, o malandrinho aprecia fumar cachimbo e consegue soltar fumaça pelos olhos.

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4.1.2.4 A professora-pesquisadora

Recordando o que Battaglia (2003) disse, percebo que talvez eu não

tenha tido a sensibilidade ou mesmo consciência da importante e real relação

da criança com o livro ao sugerir ao Guilherme que contasse, mesmo não

havendo encontrado o “texto” no livro.

Em relação à “necessidade” que o Guilherme sentiu em “fazer uma

atividade” sobre o tema das histórias que ele contou, até agora não sei se esse

desejo é resquício de pedagogização da literatura ou se por puro prazer de

produzir arte. E a este respeito, aproprio-me de questionamentos feitos por

Soares (2006, in: EVANGELISTA et al.): como estabelecer uma relação entre a

literatura infantil e a escola? Como realizar de forma adequada a inevitável

escolarização da literatura?

Afinal, como a própria Soares (2006, in: EVANGELISTA et al.) aponta:

Não há como ter escola sem ter escolarização de conhecimentos, saberes, artes: o surgimento da escola está indissociavelmente ligado à constituição de ‘saberes escolares’, que se corporificam e se formalizam em currículos, matérias e disciplinas, programas, metodologias, tudo isso exigido pela invenção, responsável pela criação da escola, de um espaço de ensino e de um tempo de aprendizagem. (SOARES, 2006, in: EVANGELISTA et al. p. 20).

Por conta disso, ela afirma, ainda, que não há como evitar que a

literatura (e inclui-se a infantil) se escolarize ao se transformar em “saber

escolar”. E não se deve também julgar ruim esta escolarização, porque, na

verdade, ela é inevitável e necessária para a escola e, conseqüentemente,

para os alunos.

A questão é: quem disse que o que é escolarizado precisa ser algo

ruim? Isto vale também à literatura infantil, pois o fato de ela estar na escola e

ser utilizada neste espaço não faz da prática ruim. Inadequado é limitar os

objetivos das práticas literárias, excluindo-se as possibilidades de distração,

prazer, entretenimento e deleite que a literatura proporciona, como se nada

disso pudesse acontecer no ambiente escolar. E são diversas as possibilidades

de se escolarizar a literatura: aquela solicitada pelo professor (que não é feita

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simplesmente porque o aluno deseja) ou mesmo aquela avaliada, seja por

meio de preenchimento de fichas, exposições orais ou o que for, pois há a

necessidade de se comprovar que se leu (o que se leu e como se leu).

Mas, o que, verdadeiramente, importa é apresentar a literatura como

objeto cultural mais acessível às crianças, fazendo dela parte do cotidiano

escolar e mostrando-a como fonte de prazer, pois por meio dela se compartilha

seus encantos e sua magia. Não se trata, portanto, de escolarizar ou não a

literatura. Porque, afinal, a leitura da literatura infantil ocorre na escola.

Desse modo, por que não aproveitar as aberturas que a literatura

permite e estimular a presença da fantasia no imaginário infantil? O que se

deve pensar, então, é em como escolarizar a literatura.

Desse modo, me vi com esta questão nas mãos: o que fazer com a

solicitação do Guilherme? Passar uma atividade após suas “leituras”? Ou não,

para não “escolarizar” a literatura? Na dúvida, passei.

E recorrendo à Soares (2006, in: EVANGELISTA et al.), acredito que

tenha feito a coisa certa. Primeiro porque partiu do interesse de uma das

crianças envolvidas. Segundo porque conforme aponta Soares (2006, in:

EVANGELISTA et al.), é necessário que o professor considere alguns aspectos

em relação aos textos literários na escola como: a seleção dos textos (gênero,

autor, obra); a questão de ser ou não apenas fragmento da obra; ou o objetivo

da leitura do texto.

Acredito que fiz a coisa certa porque os textos selecionados partiram do

interesse da turma e não foram escolhidos por mim. Portanto, não corri o risco

de selecionar obras muito repetitivas e recorrentes, oferecendo um número

restrito de títulos. E, embora o Guilherme tenha “lido” de um livro didático,

percebo que não houve prejuízo para a estrutura narrativa das crianças. Além

disso, as leituras não se deram para que avaliasse ou estudássemos os textos,

apesar de tentar apresentar-lhes o gênero da narrativa folclórica.

Por tudo isso, acredito que, apesar de minha insegurança em relação à

escolarização ou não da atividade (proposta por um aluno, como resultado de

experiências anteriores dele), não errei. Muito pelo contrário, acredito que

proporcionei às crianças uma oportunidade de se expressar da maneira que

quisessem, não gerando, em nenhum momento, aversão à literatura.

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Outro aspecto que me permiti concluir minha decisão acertada de

trabalhar a partir do interesse de uma criança, ao oportunizar a leitura e

vivência de histórias folclóricas com cunho “horripilante” é que, conforme

aponta Bettelheim (2002), os pensamentos mágicos das crianças são

representados em uma boa história, porque a criança tem a possibilidade de

organizar suas tendências contraditórias, ficando menos concentrada no caos

supostamente não dominável. Provavelmente, por isso mesmo, a preferência

do Guilherme por histórias, segundo ele, “de terror”. E também é provável que

na tentativa de ordenar seu próprio caos, ele tenha me dito que gosta mesmo é

de história de terror, “de filme de terror e não de filme assim feliz. Eu gosto é

dos aterrorizantes”.

Enfim, apesar das incertezas e impasses, e mais do que acertar na

prática, creio que aprendi quão sutil é a adequada (e inevitável e necessária)

escolarização da literatura infantil.

4.1.3 Chapeuzinho Amarelo

O trabalho com a história de Chapeuzinho Amarelo surgiu

repentinamente. Confesso que não intentava criar um bloco de atividades com

esta obra, inicialmente, imaginei apenas lê-la uma vez. Mas acontece que, no

meu retorno41 ao campo de pesquisa (a sala de aula) a história tomou vida (ou

talvez seja mais apropriado dizer que as crianças tenham lhe dado vida) e

encheu, não só de amarelo, mas de várias cores a vida das crianças e admito

que a minha também.

Devido ao fato de ter um certo tempo que não ficava com eles na sala e

como também no dia 29/0742, eu só deixei um beijo e li a história de Pinóquio (a

pedido da turma), quando nem tínhamos entrado na sala, as crianças me

perguntaram se, naquela tarde, eu ficaria com eles até o final da aula e se eu

41 Tive que me afastar da pesquisa de campo por, pelo menos dois motivos: o período de greve dos professores municipais de Rondonópolis e, em seguida, devido às férias escolares municipais. 42 Este foi o dia do meu primeiro contato de retorno à escola após a greve e as férias.

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contaria histórias, pois estavam com saudades (até agora não sei bem se de

mim ou se das histórias).

Antes de iniciar a leitura, fiz com eles uma incentivação, relembrando

que antes das férias foram lidas e contadas várias versões de Chapeuzinho

Vermelho e resgatei alguns pontos, personagens, cenas, entre outros detalhes,

e perguntei se eles já ouviram falar de Chapeuzinho Amarelo.

Como me disseram que não conheciam, iniciei uma exploração do livro,

mostrando a capa, dizendo o nome do autor (Chico Buarque) e do ilustrador

(Ziraldo). Em seguida, perguntei se imaginavam sobre o que o livro falaria.

Seria a mesma história que de Chapeuzinho Vermelho? Alguns acharam que

sim. Se olhavam rindo, como se se perguntassem: “será que é igual?”. E

comentavam: “engraçado, né, Chapeuzinho, mas Amarelo!”.

Porém, a maioria acreditou ser diferente. Olhavam-se, tentando

adivinhar as diferenças, mas arriscavam sem certeza: “aah, é diferente”, “tem

lobo bom”, “não, o lobo é mau”, “tem vovó”, “tem cidade e não tem floresta” e

“tem monstro”.

Então, comentei que ela era uma menina muito medrosa. Que tinha

medo de tudo. E continuei perguntando do que eles tinham medo e, por incrível

que pareça, a maioria disse que não tem medo de nada! Um ou outro tem um

pouco de medo de levar uma surra, e só isso! Mas, de escuro, barata, sapo,

Bicho Papão, de cair, ficar sozinho, isso ninguém tem não! Pelo que averigüei,

apenas eu e a professora somos medrosas e temos medo de rato, situação

que corroborou ao que Coelho (2004) descreve: durante a conversa inicial, se a

história explorar o tema medo, é normal, a princípio, as crianças responderem

que não têm medo “de nada”, sendo, quase sempre, ouvintes muito, muito

“corajosos”. E conforme a narradora ajuda ao falar de seus próprios medos,

logo surgem os deles e o desabafo. Neste caso, os medos só foram surgir após

a leitura de toda história.

Quando iniciei, então, a leitura, um ou outro conversou. Todavia, até

senti vontade de parar de ler e ficar olhando para todos atentos, me olhando e

me ouvindo. Foi emocionante e muito recompensador. Até aqueles alunos que

se dispersam com facilidade ou gostam de papear quando não devem ficaram

com olhos e ouvidos ligados à história.

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Eles ouviam, me olhavam, riam, se espantavam com algum medo da

Chapeuzinho e se olhavam com uma expressão de “nossa, como pode ter

medo disso!”.

Como Coelho (2004) defende que para cada situação há um recurso ou

uma forma de narrar a história, esta primeira leitura foi feita lentamente e

pausada, e sempre que julguei necessário, como por exemplo, para perguntar

se sabiam o que significavam as palavras: “ensopar”, “pesadelo”, “medonho”,

“Alemanha”, “branco-azedo” e “arremedo”, parei e incitei-os a buscar os

significados comigo. Sempre após meus questionamentos acerca destas

palavras e posterior explicação, eu retomava um pouco antes de onde havia

parado na história para continuar.

E neste ponto é interessante salientar que algumas palavras foram

“adivinhadas” pelas crianças, o que muito lhes agradou. Outras palavras, no

entanto, deixaram as crianças divertidamente espantadas quando souberam

seu significado como a “branco-azedo”, que posso até nomear como a palavra

da tarde, a descoberta!

Os alunos acharam muito curioso a personagem ter medo de tudo. E

deliciaram-se com cada medo e superação desse medo. Riram quando o lobo

se sentiu “pelado” ao ver que Chapeuzinho não tinha mais medo dele.

E, por incrível que pareça, eles conseguiram descobrir todas as palavras

trocadas por Chico Buarque ao dizer que Chapeuzinho foi perdendo seus

medos, brincando com as palavras. Para ser honesta, nem eu quando li pela

primeira vez tive a facilidade que eles tiveram ao decifrar os “medos

solucionados”.

Após a primeira leitura, perguntei se eles queriam ouvir novamente. E

praticamente toda a sala quis, menos o João Vitor. Como a maioria quis, reli.

Desta vez não tão pausadamente e nem parando para explicar nada.

O interesse não foi o mesmo que da primeira vez, embora ainda tenha

contagiado praticamente toda a sala. Mas algo também influenciou, creio eu:

uma professora de outra sala bateu na porta quando comecei e a professora

regente saiu para falar com ela. Eles se alvoroçaram querendo entender quem

era, alguns até levantaram para olhar a porta. E isso, penso que tenha

interferido um pouco.

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Quando a segunda leitura se encerrou, eles estavam muito ansiosos

para pegar os livros e “conhecerem” os desenhos, as situações. Difícil foi

decidir por onde começar a “degustação” do livro. Então, comecei por onde

havia mais ordem. Ordem não, respeito aos colegas, sem puxar o livro ou falar

alto demais ou tumultuar.

Foi prazeroso observá-los vendo a obra. Todos com exceção de um dos

alunos novos já sabem como iniciar o livro. Se o pegam de cabeça para baixo

ou ao contrário, eles já automaticamente encontram a frente.

Ao observarem as imagens, eles comentaram ou comigo ou com os

colegas sobre: a Chapeuzinho “amarelada” de medo; a minhoca que era cobra

para ela; as aranhas; o lobo escondido entre as teias de aranha e as

montanhas; as teias de aranha; a sombra da Chapeuzinho com formato de

lobo; os olhos grandes, o pêlo espetado parecendo espinhos, os dentes

enormes e amarelados; a parte em que Chapeuzinho e lobo se encontram

frente a frente; o lobo branco-azedo; ele desconsolado; ele gritando “eu sou um

lobo” e aqui gostaram muito de seguir com o dedo a fala do lobo; a parte em

que o lobo vai se transformando em bolo (esta eles gostaram muito); o bolo de

lobo também agradou; e, por fim, os medos ao contrário: o tubarão com a boca

fora do lugar, a coruja de cabeça para baixo, o dragão que solta fogo pelo rabo.

Alguns alunos folhearam uma vez e começaram novamente. Outros se

detinham mais em alguns pontos, voltavam a partes que mais gostaram.

Comentavam com os colegas, recontavam a si mesmos alguns trechos.

Definitivamente, foi recompensador.

Quando a turma estava terminando, falei à professora que várias

atividades poderiam ser realizadas. Uma delas seria colocar na lousa as

palavras que mais deram medo ou chamaram a atenção das crianças, depois

selecionar uma palavra e conversar com as crianças sobre sua letra inicial, o

número de letras, relacioná-la com os nomes das crianças e com os itens

presentes na sala, o que pode ensinar a escrever.

Assim foi feito. A professora foi a escriba de uma lista de palavras. E ela

coordenou este momento com algumas interações minhas. Entre as palavras

ditas por elas estavam: Chapeuzinho Amarelo, lobo, sombra, branco-azedo,

trovão, pesadelo, aranha, minhoca, bolo, brincar, dormir, falar. Interessante

comentar que eu disse “bolo” e eles gostaram tanto de minha participação que

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o Mario, em seguida, perguntou à professora regente qual palavra ela tinha

gostado mais. Eis a importância de se envolver como eles nas atividades e

histórias.

Depois, a professora regente escolheu a palavra “bicho-papão” e passou

letra por letra, perguntando que letra era, o que na sala tinha aquela letra, que

nome de coleguinha também tinha. E a turma se empenhou nesta atividade.

Buscando palavras que se iniciavam ou continham as letras mencionadas.

No dia seguinte, 01/08/2008, as crianças foram à biblioteca para ouvirem

uma história contada pela estagiária daquele setor. Eu os acompanhei e o que

seria apenas “observado” por mim durou pouco, porque o Gustavo P (que

possui DA43), se levantou, pegou o livro de Chapeuzinho Amarelo e disse:

“agora conta esse”. Então, quando a estagiária terminou sua contação e sua

conversa com as crianças, pediu para que eu também contasse. Percebi que

as crianças estavam meio cansadas por ficarem sentadas, mas aceitei o

“desafio”, porque algumas delas vibraram quando ela me chamou.

Antes de eu iniciar a leitura, um aluno quis pegar um livro na estante que

estava próxima. A estagiária não quis deixar, mas eu permiti. Depois outro quis,

outro também. De maneira, que não ficou nenhum livro dos 8 ou 9 que estavam

expostos na estante.

Contudo, os alunos que queriam ouvir a história de Chapeuzinho

Amarelo aproximaram-se de mim: Juliana, Alan, Mário, Gabriela e o próprio

Leonardo que até então estava no colo da estagiária, porque estava muito

agitado.

Quando as histórias foram contadas, a estagiária levou-os à parte de

entrada da biblioteca para que eles fizessem um desenho, porém não explicou

ao certo o que era para fazerem. Em compensação, eles já sabiam. E embora

a história contada pela estagiária tenha sido Vovó Dragão e como ela não

definiu ou falou qualquer coisa sobre o que e como desenhar, algumas

crianças fizeram desenhos da obra Chapeuzinho Amarelo (o que me deixou

muito satisfeita). E, mais uma vez, observei a importância de se permitir a livre

expressão a partir da literatura.

43 Deficiência auditiva.

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No dia 05/08/2008, dei seqüência ao tema Chapeuzinho Amarelo. Na

tarde anterior, eu combinei com eles que nesta data, leria a história de Pinote,

o Fracote e Janjão, o fortão. Porém, antes de começar a ler, resolvi perguntar

qual das histórias preferiam. Precisei organizar uma votação. Para tanto,

expliquei rapidamente do que se tratava uma votação e, na lousa, escrevi em

letras bastão os nomes dos dois livros e iniciei a contagem dos votos em

conjunto com a professora. O livro Chapeuzinho Amarelo, foi o “concorrente”

que venceu. Os que queriam ouvir Pinote (alguns meninos), não gostaram

muito desta escolha.

Mais uma vez, conversei alguns segundos sobre a história, para

privilegiar o entendimento das alunas que não estavam nos outros dias e

relembrar para os que já tinham ouvido. Iniciei. “Chapeuzinho Amarelo. Era a

Chapeuzinho Amarelo...” - “Amarelada de medo” completaram alguns. Esta

leitura, embora houvesse crianças que ainda não tinham ouvido a narração

como a Diulia e a Barbara, não foi como das outras vezes que li. Porque nela,

as crianças participaram, esperaram cada momento, antecipavam outros,

antecipavam até demais... Olhavam-se com muita expectativa, pois sabiam o

que lhes esperava!

A Juliana, o Mário, o Gustavo P., o Alan e outros... esperavam (e

exteriorizavam) seus momentos e palavras preferidos: “era cobra”, “ensopar”,

“descolar”, “LOBO”, “carão de LOBO, olhão de LOBO, jeitão de LOBO...”, “lobo

pelado”, “E ele gritou: sou um LOBO!”, “E ele berrou: EU SOU UM LOBO!!!”,

“LO BO LO BO LO BO LO BO...”, “Pára assim! Agora! Já! Do jeito que você

tá!”. Toda a sala ficou atenta! E, como já mencionado, foram ativos,

adiantando, revivendo sustos, sorrisos, fantasias... imaginação! Terminada a

história, fiz novamente uma brincadeira de adivinhação com as palavras

trocadas por Chapeuzinho. Eles, novamente, adoraram.

Lida a história, não sei bem o porquê exibiam umas carinhas de vitória.

Seria porque algum medo foi deixado para trás, nas páginas de Chapeuzinho

Amarelo ou entregue a alguns “trosmons”?

No dia 08/08/2008, falei às crianças que fui ler histórias para elas e disse

os nomes daquelas que eu havia levado. Entre as duas histórias lidas no dia, li,

novamente, Chapeuzinho Amarelo. E como no dia 05/08, durante minha leitura,

várias crianças sabiam muitas partes e me “ajudavam”.

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Em 20/08/2008, só reli Chapeuzinho Amarelo porque a Brenda solicitou.

Acredito que seja impossível negar ao desejo e ao anseio de uma criança.

Para finalizar as atividades acerca de Chapeuzinho Amarelo, em

27/08/2008, li novamente a história no cantinho da leitura. Depois, fiz com eles

a brincadeira do troca-troca com os medos delas mesmas. E não conseguiram

compreender o funcionamento da brincadeira de desconstrução e construção

das palavras, o que me deixou extremamente frustrada. Acertaram apenas as

palavras trocadas que apareceram na história, mas não conseguiram trocar

seus próprios medos. Não conseguiram trocar nenhuma palavra, com exceção

de sapo, que por meio de leitura labial, a Emily conseguiu.

4.3.1.1 A professora-pesquisadora

Ao refletir sobre este bloco de atividades acerca da obra Chapeuzinho

Amarelo, percebo um grande ponto positivo a favor de minha prática docente: a

flexibilidade. Digo isto porque, muito embora o título não fizesse parte do roteiro

inicial a ser desenvolvido com a turma, consegui perceber o interesse

despertado nas crianças pela história, sendo capaz de conduzir um processo

de experiência cultural enriquecedor.

Outro ponto positivo nesta atividade é que, segundo Jarmendia (2007),

existem algumas situações didáticas para o trabalho com a obra de literatura

infantil. Situações que foram utilizadas por mim com sucesso: a pré-leitura, a

leitura-compreensão, a produção de texto, a decifração / análise da escrita e a

ampliação dos conhecimentos.

Seguindo estas situações, realizei a pré-leitura, incentivando os alunos

ao conversar sobre o tema do livro e explorar possíveis adivinhações da

história, antes de lê-la. O que, de acordo com Walty (2006, in: EVANGELISTA

et al.), o leitor “instigado pelo texto, produz sentidos, dialoga com o texto que lê,

seus intertextos e seu contexto, ativando sua biblioteca interna, jamais em

repouso” (p. 52), ou seja, com esta pré-leitura, as crianças também tiveram a

oportunidade de buscar suas experiências anteriores, produzindo sentidos e

ficando mais motivados.

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Depois, ainda de acordo com Jarmendia (2007), segui pela leitura-

compreensão. Li dando modelos, utilizando o dedo sob as linhas em algumas

passagens. Li pausadamente. Em seguida, li novamente sem interrupções. E,

sem minha interferência, o livro circulou pelas mãos das crianças. Este contato

direto com a obra lida é extremamente importante porque conforme a criança

ouve mais de uma vez a narrativa, vai compreendendo e percebendo a escrita

presente na leitura.

Além disso, continuando o raciocínio de Jarmendia (2007), permiti

situações de produção de texto, quando foram trabalhadas palavras novas,

permitindo uma outra situação de leitura, a decifração e análise da escrita,

quando a professora regente, por minha sugestão, escolheu uma palavra da

história, trabalhando letra inicial, número de letras, relação destas letras com os

nomes das crianças e objetos da sala.

E para finalizar este bloco, ainda proporcionei momentos de ampliação

dos conhecimentos, quando as crianças discutiram a temática da história, o

medo, a partir de brincadeiras com trocas dos maiores medos da personagem

central da história.

Entretanto, compreendo que minha frustração em relação a não

compreensão dos alunos com a possibilidade de trocarem eles mesmos as

sílabas de seus maiores medos, infundada e até mesmo infantil, pois no

momento em que propus a brincadeira, não me dei conta que se tratava de

outro processo, diferente do que o autor propõe no final do livro. Afinal, na

obra, Chico Buarque traz palavras que representam medos da personagem

com as sílabas trocadas e com ilustrações de Ziraldo. Para compreender de

que palavras se tratam, as crianças precisam verbalizar, analisar e construir a

troca. A brincadeira proposta por mim, de forma diferente, exigia que as

construíssem a troca antes da verbalização, análise e construção do medo, ou

seja, tratam-se de níveis de dificuldades diferenciados. E eu, inocentemente,

fiquei frustrada porque as crianças não conseguiram realizar a brincadeira.

Enquanto eu contava a história, entrou uma professora na sala. No dia

anterior, ela percebeu que eu contava história quando ela bateu na porta e isso

atrapalhou, mesmo assim nesse dia, ela repetiu a atitude. Apesar de ter

entrado sem falar nada, só fez gestos com a mão como se pedisse licença. Eu

não parei a história. Continuei. Mas não sei se fiz certo. Talvez, tenha sido

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prudente ter colocado um cartaz na porta (com a cumplicidade das crianças)

onde houvesse o aviso: “por favor, não incomode, crianças em leitura”. É bem

provável que este aviso não permitiria a entrada da professora na sala.

É interessante ressaltar que esta história Chapeuzinho Amarelo e

minhas ações em sala despertaram em uma das alunas, a Emily, o prazer pela

leitura. Sempre muito quieta, do seu lugar ao fundo da sala, ela sempre se

mostrou incomodada com os momentos das contações e em algumas ocasiões

chegou a expressar descontentamento ao ouvir. Mas acredito que pelo

estabelecimento de vínculos afetivos que mantive com ela, tenha mudado de

postura no final da pesquisa a ponto de sorrir quando eu lia as histórias e me

pedir que contasse mais, muito embora ela demonstrasse predileção por esta

história.

Digo que posso ter sido a responsável por esta mudança dela, porque o

professor precisa ser mediador e auxiliador no processo em que a criança

adquire sua identidade de forma que ela alie-se à auto-estima elevada; que se

conhece e se diferencia dos demais, inclusive fisicamente; que busca e precisa

de vínculos afetivos e de interação social; que tem sua curiosidade aguçada e

precisa utilizá-la de maneira a otimizar suas posturas, atitudes e vivências;

precisa expressar suas emoções, seus sentimentos, seus desejos e

necessidades; precisa, para tudo isso, utilizar diferentes linguagens do corpo,

da música, das artes plásticas, da oralidade e da escrita; e que forneça

oportunidades de conhecer e apreciar as mais diversas manifestações

culturais, respeitando as diferenças sociais e de gosto.

4.1.4 Bolsa mágica

Dos meus alunos de Pedagogia, da disciplina Fundamentos Teóricos e

Metodológicos da Literatura Infantil, ganhei uma bolsa amarela decorada com o

escrito Literatura Infantil. Foi a pedida para que eu idealizasse uma poção

mágica para aquele objeto portador de inúmeras maravilhas em tão pequeno

espaço.

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Assim, em 04/08/2008, iniciei atividades em torno da Bolsa Mágica. Com

a Bolsa Mágica, a idéia foi levar para a sala vários títulos que pudessem ser

tocados, folheados, lidos, degustados pelas crianças, de maneira livre e à

escolha deles. Permitindo momentos de descontração, entretenimento e

prazer.

Perguntei como foi o final de semana deles, disseram-me que foi

“beleza” e eu contei que havia ganhado um presente mágico. Fiz todo um

suspense, fui até a porta conferir se havia algum “espião” ali, pedi que a

professora olhasse pela janela para que tivéssemos certeza de que ninguém

poderia nos escutar. Nesse intervalo, alguém chamou a professora na porta e

aproveitei a deixa para agir como se fosse um espião: mudei de assunto

repentinamente, eles riram e o Mário disse a pessoa: “você não pode ouvir, é

segredo”. Enquanto a professora atendia, eu lhes apresentei meu presente

mágico: uma bolsa! Apresentei minha “bolsa mágica” a eles. Disse que muitas

coisas existiam e a partir dali, muita coisa poderia surgir.

Nesse meio tempo, a professora regente precisou sair da sala e eu fui

até a mesa onde a bolsa estava e a abri. Ela se “mexeu”, eu me espantei com

o que havia lá, algumas coisas que nem sei bem o quê queriam me puxar para

dentro dela, mas fui mais forte! Eles riam muito estavam ansiosos para ver o

que fazia todo aquele barulho e movimento na bolsa.

Perguntei se eles conheciam algum Juvenal, pois a história a ser lida era

O joelho Juvenal, de Ziraldo. De imediato, as crianças lembraram-se de um

personagem de uma novela global, Duas Caras, chamado Juvenal Antena.

Deram-me até informações acerca dele. Eis aí a intertextualidade. Tive que

desapontá-los, dizendo que a história a ser contada não seria do mesmo

Juvenal, mas um outro. Que, provavelmente, eles também conheciam: O joelho

Juvenal. Olharam-se espantados e rindo. Diziam: “Ooooh!” ou riam.

Iniciei a leitura da obra e eles ficaram bem atentos. E tenho a impressão

que a cada dia que passou, eles ficavam mais atentos e silenciosos no

momento da leitura. Nesse dia, por exemplo, eles ficaram muito, muito atentos

e curiosos.

Após a leitura, conversamos sobre a história, e me disseram que

também já machucaram o Juvenal deles. Expliquei que o meu agora vive

escuro e está precisando de duas janelinhas em minhas calças. Várias

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crianças vieram me dizer situações que aconteceram em suas vidas, e que

machucaram o seu Juvenal.

Após essa conversa, perguntei se eles queriam mais história e 90% da

sala se manifestou favorável. Então, depois de “passar alguns apuros” ao abrir

a bolsa mágica, peguei o título Pelegrino e Petrônio, também do Ziraldo. Nesse

meio tempo, outra pessoa chamou a professora na porta. E logo após essa

interrupção, eles ficaram muito inquietos. Tive que parar logo nas primeiras

páginas. Expliquei que não terminaria de contar porque o Pelegrino e o

Petrônio ficavam tristes se eles não fossem ouvidos. Alguns lamentaram. Mas

permaneci firme na decisão.

Então, aproveitei para mais uma vez até a bolsa mágica pegar o título

Pinote, o fracote e Janjão, o fortão. Adiantei perguntando se eles conheciam

alguém com estes nomes. Se eles imaginavam quem eram. E olhando a capa

do livro, eles disseram que o “gordinho” seria o Janjão e o “magrinho” e o

pequeno o Pinote. Todavia, expliquei que só contaria essa história no outro dia.

Eles reclamaram, porém, mais uma vez, permaneci firme na decisão e tive uma

idéia: dirigi-me novamente à bolsa mágica que “se agitou” e dali saíram obras

que eu já havia lido para eles: Chapeuzinho Vermelho (Charles Perrault),

Chapeuzinho Vermelho e o arco-íris: uma história sem lobo (Márcia Muraco

Schobesberger), Chapeuzinho Vermelho e outros contos por imagem (Rui de

Oliveira), Chapeuzinho Amarelo (Chico Buarque), É meu! É meu! (Carmen

Lucia Campos), O joelho Juvenal .

Apresentei também outros títulos que ainda não foram lidos: Pelegrino e

Petrônio (Ziraldo), Os dez amigos (Ziraldo), Rolim (Ziraldo), Os três porquinhos

(Walt Disney), Era uma vez um lobo (Bia Villela), As aventuras do avião

vermelho (Erico Veríssimo).

E eles se empolgaram com a idéia de poder pegar e folhear os livros.

Mas como distribuí-los, tendo em vista que não havia títulos a todos?

Comentei, então, que entregaria aos que estivessem quietos. Usei a tática do

“sorteio” para distribuir os títulos e não parecer injusta ou instigar a insatisfação

nas crianças.

Os primeiros puderam escolher a obra que queriam “ler”. Por conta

disso, eles ficavam ansiosos para saber se o “adoleta” cairia neles e

permaneceram quietos até que todos os livros fossem distribuídos. Quando o

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último foi entregue, o primeiro já havia passado para outras mãos, sem que

fosse necessário um comando de partilha das obras, eles mesmos se

encarregaram disso. Só depois de entregar todos os livros disponíveis, solicitei

que conforme fossem lendo e vendo, que eles dessem aos colegas que ainda

não tinham visto.

Após cerca de trinta minutos de apreciação das obras, eu disse que

quem quisesse, poderia fazer um desenho da história de sua preferência e que

sentisse vontade. De todos os alunos presentes, 23, somente 5 não quiseram.

Aliás, 3, pois dois resolveram desenhar após verem o envolvimento dos outros

colegas. Na execução desta atividade, observei muito mais empenho e

dedicação da sala, como nunca antes.

Importante dizer que esta foi uma tarde em que fiquei praticamente

sozinha com as crianças o tempo todo. A professora saiu várias vezes e

demorou muito a voltar, nesse meio tempo, só um aluno procurou por ela, o

Vitor Antonio.

Registro também um dado curioso em relação à Bolsa Mágica: vários

alunos se interessaram em se aproximar dela. A Juliana, por exemplo, quis

contar uma história perto dela só para olhar, mas se envolveu tanto com a

história do seu Juvenal que nem lembrou mais da bolsa. O Vitor Antonio ao

olhar mais de perto, me disse que ela não tinha nada. E eu afirmei que tinha

sim! Ele chegou a ficar confuso e dizer: “nossa, eu achei que não tivesse!!!”.

Comentei com a professora que eles se envolveram como nunca antes

na atividade proposta e ela disse que chegou a ficar curiosa sobre o que eu

fazia com eles, pois em um dos momentos que ficou do lado de fora da sala,

com a porta fechada, não os ouvia conversar e chegou a pensar: “o que será

que a Kenia está fazendo com eles?”.

Ela não ouvia barulho, mas eles estavam em pleno movimento.

Levantavam-se para trocar os livros, para mostrar detalhes para os colegas,

conversavam mostrando desenhos, porém parece que tão envolvidos que

ordenadamente, embora não menos com dedicação.

Esta foi uma tarde, portanto, em que eu li o Joelho Juvenal e as crianças

leram por puro prazer.

Outra tarde de ação sobre a Bolsa Mágica foi a do dia 05/08/2008. Neste

dia foram lidas três obras: Chapeuzinho Amarelo; Pinote, o fracote e Janjão, o

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fortão; e João Feijão. Perguntei após a leitura de Chapeuzinho Amarelo se

queriam o Pinote ou se preferiam ouvir uma história sobre um pé de feijão.

Sinceramente, pensei que eles tivessem combinado, porque saiu praticamente

de forma uníssona: “do pé de feijão”. Dessa vez não precisou nem de votação.

Depois as crianças tiveram um momento para desenharem e de leitura livre.

E para iniciar as leituras, lá fui eu “enfrentei” mais uma vez a Bolsa

Mágica. As crianças riam comigo me assustando, gritando, perdendo dedo,

ficando sem ar ao abrir a bolsa! Por fim, sem ser “sugada” pela bolsa, consegui

retirar o livro: João Feijão (Sylvia Orthof).

João Feijão é um livro bom para se contar as histórias, já que as

ilustrações de Walter Ono são imensas, a começar pela capa. De onde iniciei o

papo que antecedeu a leitura.

Após a leitura, resolvi distribuir os livros que eu havia levado para eles.

Falei que para os mais obedientes eu entregaria primeiro. A sala ficou em

completo silêncio. Teve aluno que até abaixou a cabeça. Chegou a ser

engraçado ver a cena. Todos queriam pegar os livros, principalmente porque

os primeiros escolhiam os que queriam ver. Este foi outro momento em que

reproduzi com as crianças exemplos de experiências vivenciadas por mim: com

premiação aos “melhores”, leia-se obedientes.

Desse modo, para não prejudicar ou escolher, solicitei a ajuda da

professora na “seleção” dos primeiros a escolher e ler, escolhi alguns também,

porque ela pediu e resolvi colocar os livros sobre a mesa das crianças e pedi

que fossem escolher. Assim fizeram. E deu um bom resultado. Decididamente,

naquele momento percebi que o cantinho seria um sucesso.

Na tarde do dia 06/08/2008, a Bolsa Mágica oportunizou a leitura de dois

títulos diferentes: Ai, que medo! e Pinote, o fracote e Janjão, o fortão. Além

disso, esta tarde se diferenciou porque li apenas para quem quis e também

oportunizei a possibilidade de desenhos também apenas para quem desejou.

Nesta tarde, então, diferente das demais aulas, em vez de ler história a

toda turma, decidi ler apenas para quem quisesse ouvir. Pedi a professora que

ficasse com quem não quisesse ouvir. Mas ela deu uma atividade e saiu

algumas vezes da sala.

Para ficarmos distantes de quem não queria ouvir, que ficaram em suas

mesas, pintando e fazendo uma tarefa que a professora entregou, sentamos no

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chão em círculo. Todavia, apesar das “inquietações” devido ao espaço

diferente e, de certa forma, inadequado, eu li duas histórias para as crianças:

Ai! Que medo! e Pinote, o fracote e Janjão, o fortão. Como já dito, por conta

das inquietações do “novo” (e, de certa forma, do improvisado) lugar de ouvir

histórias, as crianças conversaram um pouco, embora tenham também

prestado atenção nas histórias e se divertido (ou passado medo) com elas.

Da mesma forma que na aula anterior, distribui os meus livros às

crianças. Novamente, elas puderam escolher o que queriam ler/ver. Desta vez,

deixei os livros sobre a mesa da professora, tracei uma linha no chão próximo a

ela e disse que precisariam se organizar em fila e esperar atrás da linha

enquanto o colega escolhia seu livro. Porque pelo contrário, eles se

tumultuariam, um empurraria o outro e ainda correriam o risco de rasgarem os

livros.

Curiosamente, até os alunos que não “ouviram” as leituras sentados

comigo no chão vieram pegar livros para “ler”. Na verdade, praticamente todos

os alunos, não paravam de escolher e trocar.

Então, após realizarem suas leituras, eu solicitei que fizessem desenhos

da história que mais gostaram das que ouviram ou leram. E alguns me

perguntaram se podiam desenhar qualquer coisa que quisessem. E eu permiti.

Desse modo, vários fizeram outros desenhos que não ligados aos livros,

necessariamente.

No dia 08/08/2008, não levei a Bolsa Mágica, mas as atividades foram

referentes a ela, porque levei os livros para serem escolhidos como se

estivessem na bolsa e, antes de iniciar qualquer leitura, informei todos os

títulos que eu levei e os escolhidos pela turma foram: João Feijão e

Chapeuzinho Amarelo.

Enquanto eu lia João Feijão, todas as crianças ficaram atentas, dava

gosto ver. E quando li Chapeuzinho, inúmeras crianças sabiam várias partes.

Para esta tarde, eu não havia planejado “empréstimo” na sala, mas tive que

emprestar mesmo estando com apenas 7 obras. A idéia era ler apenas, não

solicitei que desenhassem, mas como queriam desenhar, deixei que

concluíssem seus desenhos, pegando-os na outra aula.

Um dado importante desta aula é que já é bem nítido que as crianças

estavam descobrindo que podem fazer as coisas por prazer. Elas já não se

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preocupavam tanto com a tarefinha, embora isso ainda os influenciasse. Mas

elas já sabiam que no momento dos livros, podiam, se quisessem, ficar um

bom tempo vendo as obras, desenhando, partilhando com os colegas.

Como seqüência das atividades com a Bolsa Mágica, também li as

histórias A Formiguinha Neve (sem o livro, apenas com uma folha impressa) e

também Dona Baratinha.

4.4.1.1 A professora-pesquisadora

Ao refletir sobre minha prática neste bloco de atividades com a Bolsa

Mágica, visualizo pontos negativos e positivos. Como negativos encaro o fato

de ter parado a leitura do livro Pelegrino e Petrônio, por não ver interesse nas

crianças, havendo interrupções e, sobretudo, por não estar preparada para a

leitura daquele texto, do qual eu não conhecia algumas palavras em francês e

muito menos suas pronúncias. Talvez eu devesse ter conversado mais com a

turma antes de dizer que pararia a leitura e explicado sobre o momento e

perguntar o que acontecia de errado. Todavia, eu deveria também assumir que

não conhecia a história. Na verdade, eu não devia ter iniciado a leitura, porque,

além disso, acredito que a história não seja adequada para a idade e eu não

tenha tido afinidade com ela.

Em outro momento, quando eu não sabia que critério usar para não

parecer injusta na distribuição dos títulos, disse que entregaria aos mais

quietos. Será que esta foi uma postura adequada? Até que ponto posso ajudá-

los a achar que o momento da leitura não precisa ser, necessariamente,

passivo? Por outro lado, o que garante a passividade? O silêncio? Não há ação

mental no silêncio? Não seria um silêncio que fala o momento da leitura? E

assim, fiquei um pouco entristecida ao me ver “vigiando” e “punindo” os mais

alunos mais agitados. Muito embora, o professor, de fato, precise ter

mecanismos de ordem para os momentos que exigem ordenação.

Que tristeza reconhecer que eu posso ter agido com desamor e até

“falsa generosidade” em minha prática docente! Mas, ao mesmo tempo, que

satisfação poder ter os olhos abertos e entrar na luta do lado dos oprimidos.

Assim me reconhecendo e buscando um convívio docente com troca de

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experiências, partilha de aprendizados, humanização e amor. Todavia, como o

próprio autor diz, esta libertação assemelha-se a um parto doloroso. E por mais

dor que todo este processo de auto-reconhecimento como opressora e

oprimida gere, em especial no que se refere à educação, é necessário o parto

e sem anestesia! Pois,

O grande problema está em como poderão os oprimidos, que “hospedam” ao opressor em si, participar da elaboração, como seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação. Somente na medida em que se descubram “hospedeiros” do opressor poderão contribuir para o partejamento de sua pedagogia libertadora. [...] A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá, dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação. (FREIRE, 2002, p. 32, 41).

De fato, eu, sendo opressora e oprimida por não ter consciência de

minha atitude opressora, reproduzia tudo o que em minha formação foi

executado como aulas verbalistas, a começar pela distância entre mim e os

educandos para manter o controle da situação. Apesar de ter sido muitas vezes

(e ainda hoje ser), aprendiz enquanto ensino.

Além disso, observei que a leitura em semi-círculo com os alunos

sentados no chão também não deu muito certo porque o espaço estava

apertado. Tive que empurrar as mesas e ainda assim não ficou tão confortável,

nem foi tão fácil ler como quando eles ficavam em suas cadeiras, pois ficaram

mais agitados. Era um que encostava no outro, que cutucava, que sentava na

frente, outro queria ficar mais perto do livro. Assim, sentados em pseudo-roda

no chão, sem tapete, sem planejamento, sem aconchego, sem o espaço

adequado, definitivamente, não dá muito certo, não. Eu deveria ter previsto isto

antes de propor que as crianças que quisessem ouvir a história se sentassem

comigo no chão.

Um outro ponto que considero negativo nesta atividade está no fato de

as crianças não terem sentido falta da bolsa amarela no dia que não a levei.

Muito embora, tenham sentido falta dos livros, porque não levei em quantidade

que desse para todo mundo.

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Mas nem tudo foi negativo. Pelo contrário, vários aspectos devem ser

destacados em minha prática, tendo em vista os avanços que proporcionaram

tanto às crianças quanto a mim.

A escolha do objeto de leitura, por exemplo, foi priorizada em minha

prática. Afinal, como discorrem Nunes e Ramos (2007), da mesma forma como

se ensina a ler é preciso ensina a escolher. Afinal, a escolha passa por

preferências, mas apenas o gosto, porque o gosto envolve justificativas.

Escolher um livro é tocá-lo, folheá-lo, sentir as suas páginas, ler a capa e a contracapa e, algumas vezes, até alguns trechos. No entanto, isso é algo que precisa ser exercitado pela criança para que se torne um hábito, uma atitude quase corriqueira, mas feita com muito prazer. (NUNES e RAMOS, 2007, p. 5).

Inicialmente, observei que as crianças pegavam o livro que estava sobre

os demais ou mesmo aquele que sabiam ter sido naquela aula. No entanto,

conforme fui possibilitando a eles a oportunidade de escolherem os títulos que

gostariam de “ler”, às vezes, perguntando o porquê escolheram tal obra; outras,

instigando a curiosidade pelos títulos que não despertaram muito sua atenção.

E as autoras acrescentam que o professor, que nesta hora da escolha é um

mediador, não deve aceitar passivamente os comportamentos das crianças

porque agindo assim pode reforçar maneiras de agir que não auxiliam a criança

a desenvolver sua capacidade leitora. Portanto, para elas, é que as escolhas

precisam ser questionadas pelo mediador (professor), “de maneira que a

criança comece a refletir sobre os seus critérios de seleção. É pelo diálogo que

se auxilia o leitor mirim a começar o seu processo reflexivo que influenciará as

suas ações” (NUNES e RAMOS, 2007, p. 5). Percebo, então, minha postura

acertada em relação à escolha dos livros pelas crianças, já que priorizei, muito

mais do que a ordem na hora de escolher, a forma de escolher. O que muito

me gratificou, principalmente ao observar o quanto apreciaram a oportunidade

de pegar, sem compromisso e com mais tempo as obras.

Percebi que acertei também ao oportunizar leitura por simples prazer e

que durante contato deles com os livros, manuseio das obras e “leitura”,

observei quais livros escolheram e como se comportaram. O manuseio e a

“leitura” individual de livros e a “leitura” apenas para se deliciarem com o lido,

com o visto, sem, necessariamente desenvolver uma outra tarefa deu muito

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certo e teve um resultado bem positivo, pois com a liberdade de escolha, até as

crianças não quiseram em determinado dia ouvir uma história, interessaram-se

por livros e partilharam com os colegas suas leituras.

É importante registrar que a Bolsa Mágica, que bem podia ser a Bolsa

Amarela, de Lygia Bojunga, envolveu as crianças com seu mistério e sua força

tanto que, no início da aula, uma das crianças disse: “olha, ela trouxe livros de

novo!”, ao se referir à bolsa. E quem disse que eles já não sabem que o que

quase me suga para dentro da bolsa não são as histórias? Será que já

descobriram a “mágica”? Se descobriram, não sei. Mas sei que a literatura

começou a encantá-los.

Sei que acertei também quando dei a possibilidade de desenharem o

que quisessem (incluindo-se o que não possuía relação com as histórias

“lidas”), pois isto gerou motivação. Seria um indício que os livros não

estimularam ao quererem desenhar “outra coisa”? Ou estimularam outras

vivências – a intertextualidade – a ponto de quererem expressar isso?

Sinceramente, não sei ao certo. Porém, o mais interesante e recompensador,

foi que mesmo depois de desenharem, sem que eu dissesse nada, muitos

voltaram até a mesa onde estavam os livros para pegarem outros títulos.

4.1.5 Cantinho da leitura

Consegui com uma ex-aluna da faculdade um tapete grande (uma

espécie de carpete) e, na escola, consegui umas almofadas. A professora

ganhou uma estante de aço, que solicitou que fosse cortada ao meio.

Escolhemos na biblioteca da escola alguns títulos para a faixa etária das

crianças e, assim, montamos uma surpresa para as crianças: o Cantinho da

Leitura.

Em 12/08/2008, houve a inauguração do Cantinho da Leitura. E como

não poderia deixar de ser, fizeram a maior folia. Já no dia 18/08/2008, li os

títulos Ai, que medo! e Era uma vez um lobo mau. Também falei sobre o

Cantinho da Leitura, da necessidade de se organizar as almofadas, li os nomes

dos livros, fato que chamou a atenção deles.

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Antes de se sentarem no Cantinho comigo, chamei um por um (porque

se os deixasse irem juntos, todos de uma vez, viraria uma confusão e eles

ficariam agitados.

Em 21/08/2008, li o título Que barulho é este? e com o auxílio das

crianças, li o livro de imagens Gato de Papel. Nesta tarde, estimulei muito a

imaginação dos alunos, pedindo a ajuda dos Pingos (personagens de Mary e

Eliardo França) para me ajudarem a escolher quem veria o livro primeiro, bem

como o auxílio do Cebolinha (personagem pregado na parede da sala).

Em 22/08/2008, no Cantinho da Leitura, li o título: Não confunda, de Eva

Furnari. Depois o Enthony “leu” Gato de Papel para mim e a turma. Após a

minha leitura e a leitura do Enthony, resolveram brincar de “livraria” e eu entrei

na “dança”, ou seja, o Cantinho da Leitura transformou-se em livraria. Alguns

quiseram desenhar. Organizaram-se na “livraria”. Uns compravam, outros

vendiam. E quando fomos colocar o nome da loja de livros, o Gustavo P

sugeriu: “biblioteca44” e o nome dado foi “Livro Feliz” pelo Alan.

No dia 27/08/2008, contei a história de João e Maria e li Chapeuzinho

Vermelho a pedido da turma e também Chapeuzinho Amarelo. Fomos para o

Cantinho da Leitura. Deixei que eles se sentassem em todo o tapete e, para

otimizar a leitura solicitada (Chapeuzinho Vermelho) me levantei com o livro de

imagens grafitadas na mão. Eles, por sua vez, enquanto tinham tempo livre

para “ler” não se preocuparam com brinquedos. Neste dia, também organizei o

roteiro das atividades “finais” em conjunto com a professora. E, por último,

realizaremos uma conversa avaliativa de todo o trabalho.

Em 08/09/2008, li o livro Uma História Atrapalhada, de Gianni Rodari.

Toda a sala ficou muito atenta. Li duas vezes a história. Em seguida,

conversamos sobre ela e se prontificaram a conversar a respeito: Gustavo L,

Guilherme e Manoel.

Entre tantas possibilidades, o Cantinho da Leitura oportunizou a criação

de uma rotina de leitura na sala, mesmo que seja livre. Por falar em livre, Anne-

Marie Chartier assegura que “Um tempo de leitura livre não é um tempo de

estudo” (CHARTIER, in: EVANGELISTA, BRANDÃO e MACHADO, 2006, p.

44 Esta sugestão do Gustavo F. indica que ele ainda confunde a diferença entre uma biblioteca e uma livraria, provavelmente devido ao fato de não ter tanto contato com os dois lugares e os objetos a que se destinam, os livros.

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63). Diz também que o “essencial é despertar o gosto pela leitura” (CHARTIER,

in: EVANGELISTA, BRANDÃO e MACHADO, 2006, p. 68).

4.1.5.1 A professora-pesquisadora

Abramowicz e Wajskop (1999) discorrem que todos os espaços físicos

são territórios culturais a serem ocupados, construídos, bagunçados,

organizados e marcados por experiências, sentimentos e ações das pessoas

que neles convivem.

Os espaços das creches e pré-escolas devem ser, portanto, variados e

diferentes. E devem refletir os princípios educativos que fundamentam as

práticas dos profissionais das unidades escolares infantis.

As unidades escolares devem, então, planejar sua ação profissional e

organizar os espaços de maneira que proporcionem às crianças percepções

sobre seu ambiente cultural e auxiliem-nas a adaptar-se a estes espaços e

modificá-los.

Assim sendo, Abramowicz e Wajskop (1999) registram que a

organização dos espaços infantis pelos adultos proporciona às crianças

segurança, autonomia e cooperação por que: afeta tudo que elas fazem;

interfere na percepção que a criança tem da realidade; modifica as atividades e

como usa os materiais do ambiente; influencia a capacidade de escola das

crianças; e transforma as interações com as outras crianças e adultos

(profissionais da unidade escolar e pais).

Na verdade, a forma de organização dos espaços precisa criar espaço

para todos e, justamente por isso é fundamental. O tamanho e a quantidade de

equipamentos é importante, mas é o seu uso por adultos e principalmente

pelas crianças que produz um trabalho educativo de qualidade.

Embora seja uma atividade muito comum e fácil de se encontrar nas

salas de Educação Infantil, a sala não possuía um espaço reservado para a

leitura e o prazer das crianças a partir dos livros. Por isso, sei que a

implantação do Cantinho da Leitura por mim foi uma atitude acertada, ao reler

as orientações de Abramowicz e Wajskop (1999).

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Praticamente todos os autores e estudiosos que tratam sobre o

desenvolvimento infantil, afirmam que o desenvolvimento de habilidades

sensoriais e cognitivas pelas crianças está intimamente relacionado ao meio

físico e social em que esta inserida, isto é, está ligado ao espaço em que a

criança convive. Os autores, em sua maioria, também concordam que há

necessidade de compartilhamento do espaço físico e social para o

desenvolvimento infantil, uma vez que contribui para a estruturação das

funções motoras, sensoriais, simbólicas, lúdicas e relacionais das crianças. E o

Cantinho da Leitura transformou-se em um espaço com funções diversificadas

e relacionadas à interação entre às crianças, com uma alta dosagem de

ludicidade e simbolismo.

Refletindo sobre minha prática no Cantinho da Leitura, percebi que em

um certo dia, as crianças estavam mais dispersas e menos atentas, como se

devido ao fato de ficarem alguns dias sem as leituras tivessem desaprendido a

ouvir. Todavia, participavam completando e antecipando as histórias.

Também deitaram-se, confortavelmente no tapete e “leram”! Propus que

alguém lesse para mim. Depois disso, como era Dia da Fotografia, a professora

levou um desenho mimeografado do pato retratista, um intertexto do poema de

Mario Quintana. Fui até a biblioteca e peguei Pé de Pilão para ler um trecho do

poema à turma. Mas não fez muito sucesso, não. Por que será? Analisando,

cheguei à conclusão que o desinteresse deu-se porque minha leitura do poema

não foi programada. Foi improvisada e durante o momento em que já estavam

entretidos pintando.

Aprendi que se se objetiva criar o prazer pelas leituras e não ensinar a

ler e a escrever, há necessidade de se criar rotinas que incluam a leitura

literária para que as crianças aprendam ouvir e sintam prazer com isso. Pois

assim, quererão também ser elas transmissoras de prazer (de leitura).

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4.1.6 Dona Baratinha

Outra atividade que fiz com eles, foi a leitura da obra Dona Baratinha

(que eles amaram) e depois ensaiamos para que eles apresentassem uma

dramatização, que segundo Coelho (2004), também é uma das possibilidades

de atividades que fazem as histórias permanecer por mais tempo na mente das

crianças.

Desse modo, em 11/08/2008, li a história de Dona Baratinha. E eles

gostaram muito. Talvez porque seja cumulativa. No dia seguinte, 12/08/2008,

realizamos o primeiro ensaio na sala. No dia 13/08/2008, realizamos o segundo

ensaio no auditório. E ficou bem claro que estavam eufóricos com a

apresentação. No dia 21/08/2008, fizemos testes para os protagonistas do

teatro, pois os protagonistas não estavam colaborando como deveriam nos

ensaios. A Juliana não fazia com alegria ou entusiasmo sua interpretação. O

Guilherme, por sua vez, chantageava cada vez que a professora ou um colega

não fizessem o que ele queria. Desse modo, os novos escolhidos para os

papéis principais foram o Mario e a Najla.

No dia 29/08/2008, realizamos o terceiro ensaio e também fizemos as

provas das pinturas no rosto. O quarto ensaio foi realizado no dia 01/09/2008.

As crianças estavam um tanto agitadas, porém muito felizes e motivadas a

ensaiar e participar. O quinto e o sexto ensaios foram realizados no dia

05/09/2008. O sétimo e o oitavo ensaios foram realizados no dia 15/09/2008.

Durante os ensaios, as crianças se dedicaram, mas também

conversaram muito. Todavia, sua concentração e vontade que desse certo e

ficasse bonito, superou ao calor do auditório durante os ensaios. E sempre que

eram “ameaçados” pela professora regente (e algumas vezes até por mim) que

se não obedecessem não apresentariam, logo mudavam sua postura e

transformavam-se, como num passe de mágica, em alunos calmos.

A apresentação da peça teatral Dona Baratinha aconteceu na tarde do

dia 19/09/2008 para outras três turmas e os pais dos alunos da sala

pesquisada. Tivemos um contratempo, no entanto, com o ar condicionado, que

quase pegou fogo. E embora tenhamos tido alguns “improvisos”, ficou tudo

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lindo e foi muito aplaudida a apresentação. Para fechar este bloco de

atividades, no dia 24/09/2008, fizemos uma recapitulação da encenação.

Este foi um momento no qual pôde ser comprovada a importância do

faz-de-conta na vida das crianças. A este respeito, o Referencial Curricular

Nacional da Educação Infantil reflete que “Quando utilizam a linguagem do faz-

de-conta, as crianças enriquecem sua identidade, porque podem experimentar

outras formas de ser e pensar, ampliando suas concepções sobre as coisas e

pessoas ao desempenhar vários papéis sociais ou personagens”. Cabe,

portanto, ao educador organizar e orientar situações de interação com objetos

diversos, como máscaras, tecidos, pinturas no rosto. Também é interessante

momentos que facilitam a elaboração mental de objetos. Por exemplo: ausente

do cenário, uma enorme panela pode ter seu cozido mexido por uma colher

imaginária ou as crianças podem tropeçar em objetos imaginários; podem

também imitar os gestos e movimentos de diferentes pessoas ou animais. Tudo

isso auxilia a compreensão de mundo, além de proporcionar interação entre o

grupo.

4.6.1.1 A professora-pesquisadora

Eu estava acostumada a trabalhar com encenações com meus alunos

da faculdade. Esta peça do livro de Dona Baratinha foi a minha primeira com

crianças de 5 anos. E percebi quão diferente é o trabalho. Observei a

necessidade de se ter um bom planejamento e a voz de comando na hora

certa.

Devia ter, por exemplo, selecionado os protagonistas por teste desde o

início e não porque “achava” que as crianças tinham perfil. De repente, com

elas não deu certo justamente porque naquele momento não possuíam o perfil

ou não estavam preparadas.

Além disso, o ideal seria ter um espaço fresco e arejado para os ensaios

e apresentação. Percebi que o calor muitas vezes prejudicou a dedicação das

crianças. Por outra via, sei que acertei em ter ensaiado no espaço onde

ocorreria a encenação (devido ao fato de ser destinada a três turmas de 5 anos

mais os pais das crianças da sala que apresentaria, a sala de aula seria

pequena), pois, assim, eles conheciam todo o espaço que utilizariam e não se

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perderam com as entradas e saídas de cena, encantando a todos os que os

assistiram.

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CONSIDERAÇÕES

A pesquisa que possibilitou a escrita desta dissertação intitulada Ler,

contar e ouvir histórias na Educação Infantil e o nascimento do leitor trouxe à

tona um tema recente em sua contextualização histórica e, principalmente,

inovador na cidade de Rondonópolis/MT. Norteou os estudos e ações da

pesquisa a questão problema: quais as possibilidades de utilização da literatura

infantil com crianças não alfabetizadas, considerando-se o planejamento, a

ação, a descrição e a reflexão/avaliação das práticas docentes?

Para tanto, planejei, agi, descrevi e avaliei minhas próprias práticas

pedagógicas, permeadas por contradições e dificuldades em uma sala de

crianças com cinco anos de idade, ainda não alfabetizadas, de uma escola

municipal de Rondonópolis/MT. Investiguei, principalmente, como concretizei

minhas práticas, descrevendo-as e avaliando-as, especialmente, as práticas

com textos de literatura infantil. E após as análises, quando percebi

possibilidades de melhoria, propus reflexões e mudanças de posturas.

Durante todo o processo, passei por três fases: a de observação, de

participação/intervenção e pesquisa-ação, totalizando 149 horas de pesquisa,

destas 99 horas de pesquisa-ação.

Dessa maneira, busquei compreender os caminhos metodológicos da

pesquisa qualitativa, da pesquisa-ação e da autobiográfica e aprofundei bases

teóricas sobre a infância, o ensino de crianças até cinco anos, a leitura e a

literatura infantil.

Primeiramente, constatei que, de acordo com a concepção de criança

que se tem, as práticas podem ser diferenciadas. E que na condição de

crianças sujeitos históricos e sociais, estão inseridas numa sociedade que

possui cultura geral e especificidades do momento em que se vive, sendo,

assim, efetivamente marcadas pelas práticas que vivencia, incluindo, as que

vive na escola.

Ao passar por uma sucinta contextualização histórica da Educação

Infantil no Brasil, destaco as transformações ocorridas neste segmento de

ensino. Inicialmente, possuía o intuito claro e definido de cuidar, limitando-se às

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questões assistenciais de higiene e cuidados com alimentação, mas com as

mudanças em relação à importância das mulheres no mercado de trabalho e

com os recentes estudos que observam a necessidade de se aprimorar o

atendimento às crianças de até 5 anos de idade, hoje acrescentando-se aos

cuidados, a educação. E, embora muito ainda tenha para ser feito, a Educação

Infantil evoluiu consideravelmente. Todavia, exige de seus educadores maior

atenção com suas práticas e, de maneira muito especial, com as práticas que

envolvem a linguagem, como a literatura infantil, que pode, entre outros

objetivos, facilitar a expressão de idéias, sentimentos, necessidades e desejos;

ampliar as relações sociais e estabelecer vínculos afetivos.

Uma grande aliada para desenvolver a linguagem infantil é a leitura que,

apesar de possuir finalidades específicas como de informar, refletir e distrair,

está inserida num contexto de práticas sociais, que demandam mediação do

professor em todos os níveis básicos da leitura: os sentidos que se iniciam com

a visão, o tato, a audição, o olfato e paladar, quando a leitura deixa ou não uma

boa impressão, o manuseio do livro e a possibilidade de se decifrar mistérios

encantam e estimulam as crianças e fornece-lhes o desenvolvimento da

comunicação com o mundo ao seu redor; a mediação do educador é

necessária também nas sensações que a leitura promove, transformando,

assim, o leitor, seja porque o leva a reviver e ver de forma diferente situações

de sua bagagem, seja porque envolve emocionalmente a partir da situação que

vive o leitor.

Porém, para que esta mediação docente seja produtiva, é preciso

reconhecer que a leitura é aprendida, logo pode/deve ser ensinada. E para se

ensiná-la é necessário que o professor parta do que a criança sabe e provoque

a transformação de conhecimentos por meio das práticas de leitura.

Neste ínterim, a fase dos cinco anos de idade é um período de muitas

aprendizagens. E se oferecidas e estimuladas oportunidades de leitura até esta

idade, as crianças desenvolvem um sentimento de segurança diante dos locais

e dos objetos de leitura. E justamente entre os cinco e seis anos, as crianças

são curiosas e constroem marcos perceptivos e cognitivos sobre o que está

escrito nos objetos (incluindo-se os livros) que ela manuseia e “lê”, mesmo se

ainda não alfabetizadas.

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Mas como se ensina a ler? Uma das possibilidades é a alfabetização,

mediante o uso de métodos considerados tradicionais, via cartilhas para esse

fim. Outra é oportunizar reais usos da leitura para diversas finalidades,

incluindo-se a leitura por puro e simples prazer, momento em que a literatura

infantil se encaixa.

Neste ponto há que se considerar um dado real: a escola possui como

objetivos mínimos ensinar a ler e a escrever. Entretanto, o que é muito

observável é a preocupação excessiva com as práticas de escrita e uma menor

atenção às práticas de leitura, com destaque o desenvolvimento da leitura

literária.

Eis, então, a necessidade de o professor incluir momentos de leitura de

textos ilustrados. Inicialmente, a criança não diferencia a função do que é

escrito das ilustrações, pensando que os desenhos também são lidos. E

independente se a leitura decodifica a escrita ou se é feita a partir de imagens,

o leitor (seja criança ou não) precisar criar algumas estratégias de leitura.

Estratégias que após desenvolvidas, passam despercebidas pelo leitor e pelo

mediador da leitura.

Pensando-se no aprender e ensinar a ler, um leitor eficiente é o que

formula perguntas ao ler, que é atento, seleciona dados relevantes à sua

compreensão, encontra os elementos ausentes, antecipa fatos, critica o

conteúdo apresentado, estabelece relações com outros conhecimentos,

transforma o texto lido e atribui intenções ao que foi lido.

Todavia, para que este processo de mediação da leitura funcione, a

criança precisa de motivação, isto é, tanto de estímulos para aguçar sua

vontade de ler como para otimizar seus processos mentais, que vem por meio

de materiais atraentes e está vinculada às relações afetivas que estabelecem

com a escrita e com quem faz a mediação desta modalidade da língua.

Para que todo este trabalho de mediação seja frutífero, o professor

precisa ter consciência das contribuições da literatura infantil na vida das

crianças. Contribuições que vão muito além de meras funções. Afinal, a

literatura infantil pode, a partir das relações estabelecidas entre texto,

imaginário e realidade enriquecer a percepção que a criança tem de mundo e

ampliar seu universo afetivo. E para que o professor mediador consiga atingir

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estes e outros objetivos, precisa definir critérios ao selecionar as obras de

literatura. O que envolve conhecimento e planejamento.

E para se planejar o que fazer com a literatura, não há receita. Há

prazer. O professor precisa usar inúmeras práticas como contação e leitura de

histórias, encenações, enfim, o que a imaginação do professor e das crianças

envolvidas criar e permitir.

Mas é importante o professor reconhecer quais são as diferenças

básicas entre ler e contar histórias. Nesta pesquisa, dei ênfase à leitura porque,

além de objetivar mostrar que as histórias que encantam vêm de um objeto

chamado livro, quis inserir, aos poucos, o reconhecimento das diferenças entre

os discurso oral e escrito.

Diante das ações por mim realizadas, nas quais me dispus a planejar,

executar, avaliar e propor mudanças quando necessário, percebi a importância

desta pesquisa para meu crescimento e aprendizado profissional. Isto porque

por meio dela consegui apreender as aprendizagens das crianças e as minhas

pessoais.

As crianças puderam se aproximar do objeto livro e dos fascínios e

fantasias que ele porta. E mesmo aquelas que já mantinham contato com os

livros ou na escola, ou na família, se viram felizes com a possibilidade de ouvir

quase que diariamente as mesmas ou novas histórias. Se viram felizes também

por elas mesmas terem a oportunidade de escolher e “lerem” sozinhas alguns

livros.

Foi recompensador observar o valor dado por elas quando, em

determinado dia, tive que perguntar se gostariam de perder o Cantinho da

Leitura tendo em vista que algumas crianças, naquela tarde, não haviam

cuidado de alguns livros, apresentando uma atitude de desordem. A classe em

peso se sentiu injustiçada com esta possibilidade. E pelos mais variados

motivos, argumentavam a importância de continuarem com seu cantinho da

leitura, sugerindo, inclusive, que apenas as crianças que não se comportassem

adequadamente no trato com os livros não tivessem mais a oportunidade de

usar o espaço e os livros. Cogitaram ainda a possibilidade de os livros seres

estragados pelas crianças que estudavam no período contrário ao deles,

sendo, portanto, injusto eles ficarem sem “seus amiguinhos das historinhas”.

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Além disso, o Cantinho da Leitura possibilitou outras provas de que as crianças

podem se beneficiar com a presença dos livros e se encantar pelos livros. A

professora comentou que levou o livro Trucks, da Eva Furnari, do Cantinho da

Leitura para a sobrinha que mora com ela, estuda na outra sala e tem 4 anos.

Na saída da escola, a menina quis ler para os colegas em círculo. Pediram à tia

da garota, a professora regente, para que o lesse. Ela leu e saiu uma história

que, segundo ela mesma ficou bem divertida. Outra professora, vendo as

crianças em círculo, e empolgadas, se aproximou e quis saber do que se

tratava. E resolveu “ler” a mesma história às crianças ali (e segundo a

professora regente, foi bem diferente da dela). Como se não bastasse, o

guarda viu o “tumulto” e também quis saber do que se tratava. Quando

descobriu, perguntou se eles estavam inventando a história, já que não tinha

letras. A professora disse que sim e ele também quis “inventar”. E de acordo

com o depoimento da professora regente, foi a história mais envolvente que

saiu, além de muito divertida, espontânea e criativa! Para completar, a

professora disse que quando os pais chegavam para buscar as crianças, elas

diziam para esperar porque estavam ouvindo histórias. Até que a própria

professora teve que dizer para elas que precisavam ir porque ela também já ia

embora. Eis o que um item de um cantinho de leitura pode fazer: encantar,

envolver, ensinar a ler, despretensiosamente.

O vínculo estabelecido entre mim e as crianças também foi marcante e

decisivo para o sucesso da pesquisa, fato que muito me gratifica, pois o

professor precisa ser mediador e auxiliador no processo em que a criança

adquire sua identidade de forma que esta alie-se à auto-estima elevada; que se

conheça e se diferencie dos demais, inclusive fisicamente; que busque vínculos

afetivos e de interação social (porque precisa deles); que tenha sua curiosidade

aguçada e utilize-a de maneira a otimizar suas posturas, atitudes e vivências;

expresse suas emoções, seus sentimentos, seus desejos e necessidades; e,

para tudo isso, a criança precisa utilizar diferentes linguagens do corpo, da

música, das artes plásticas, da oralidade e da escrita; com oportunidades de

conhecer e apreciar as mais diversas manifestações culturais, respeitando as

diferenças sociais e de gosto. São situações que durante minhas práticas

foram vivenciadas pelas crianças em diversos momentos.

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Da mesma forma, pude muito aprender em relação à professora regente,

pois ela se mostrou aberta à minha ação, principalmente por nunca ter lido para

as crianças e nem pensado nesta possibilidade. Todavia, as próprias crianças

passaram a exigir dela um novo posicionamento, exigindo que lesse nos dias

em que eu não estava na sala, para elas, fazendo tanto a professora regente

como eu mesma reconhecer a importância que as próprias crianças dão à

literatura infantil ainda que não a reconheçam com este nome e todos os seus

benefícios.

De fato, a possibilidade (que nunca tive anteriormente) de trabalhar com

a literatura infantil com crianças de cinco anos e ainda não alfabetizadas

respondeu a algumas angústias e ansiedades que sempre trouxe dentro de

mim e, para minha surpresa, ao refletir sobre o que implementei, me vi fazendo

coisas que criticaria se simplesmente eu observasse outro profissional. Colocar

as “mãos na massa”, sendo protagonista e não apenas expectadora teve um

preço alto de confronto com minhas próprias concepções e posturas, não foi

simples perceber as contradições e muito menos compreendê-las.

E como se correspondesse a um marco em minha formação continuada

e, automaticamente, em minha prática docente, refletir sobre como minha

prática se efetiva e que tipo de relação mantenho com meus alunos (incluindo

as crianças da pesquisa) faz todo sentido. Em especial porque, se com as

reflexões eu perceber que não vou bem, terei ainda a chance de não só

repensar, mas principalmente, mudar minha atitude, seja ela de um metodismo

exacerbado, uma rigidez à beira da opressão ou uma prática que, por pouco

espaço cedido à aproximação dos alunos ou mesmo inadequação na

abordagem da literatura, possa beirar à barbárie, seja no direcionamento de

atividades com as crianças ou em minha sala de aula da graduação, quando

auxilio a formação de, em média 30 profissionais por turma, e que ao se

formarem, provavelmente, reproduzirão as minhas práticas.

Neste caminho, lembro-me que hoje, após esta pesquisa, sou capaz de

dizer que, apesar de, com toda certeza, precisar melhorar minha prática

docente em relação à literatura infantil, posso dizer que já sou mais humana,

porque reconheço meus alunos como humanos. E compreendo que preciso

viver literatura/leitura antes de “ensinar” literatura/leitura. Diante desta séria

afirmação, não é simples me expor dessa forma.

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E o mais interessante: no meio disso tudo, me ponho a pensar por que

me transformei, em algumas práticas, em opressora, mesmo que “sem saber”?

E concluo que esta prática é resquício de minhas experiências passadas e das

vezes que também eu fui oprimida por alguns professores, determinadas vezes

até pela família, mas, acima de tudo, oprimida pelo próprio sistema escolar e

pela sociedade (que também oprimiam e oprimem a todos os que me

oprimiram).

Ensinar, aprender e viver! São três possibilidades que também me são

concedidas com minha esta pesquisa de mestrado. Com um trabalho de cunho

autobiográfico e feito por meio da pesquisa-ação, tive a possibilidade de

aprender e ensinar o encanto e o prazer da leitura a algumas crianças, mas,

sobretudo, aprender a viver a literatura infantil.

Por isto, cabe ao professor e demais adultos que cuidam das crianças e

educam-nas proporcionar-lhes um contato diversificado com inúmeras

possibilidades de texto. Todavia, antes de oferecer textos variados e de formas

mais variadas ainda, é necessário que o professor reflita sobre alguns pontos

indispensáveis à sua prática.

Para finalizar, por pura necessidade acadêmica, o registro dessa

investigação, pois penso que em nenhum momento serei capaz de finalizar a

presença da literatura infantil na minha vida, considero, por muitas razões,

minhas práticas bastante significativas. Uma delas refere-se à ansiedade que

as crianças apresentavam inicialmente em sempre ter uma “tarefinha” para

fazer, isso foi se perdendo. E passaram a valorizar mais os momentos de

leitura, esquecendo-se das “tarefas” e vivenciando suas “leituras”.

E eu aprendi entre tantas coisas, que é imprescindível ter um bom

planejamento que respeite vários aspectos como faixa etária e objetivos, e que

há necessidade da flexibilidade e da diversificação de atividades propostas. E

pude perceber ainda que, uma vez estabelecidos os objetivos, eu não posso

me fechar aos novos que podem ser atingidos no decorrer das práticas, mesmo

se não almejados. Sobretudo, compreendi que se planejo, tenho objetivos

claros e sou flexível, mas não sou leitora, não sinto prazer (e por que não dizer

incômodos) pela e com a leitura, meu trabalho não fará diferença. Compreendi

que eu, professora, preciso gostar de ler e ler! E que quanto mais leio, melhor

ficam minhas leituras, mais formas de apresentar as palavras escritas às

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crianças eu crio, adapto, uso, encantando quem me ouve e a mim mesma,

sujeito que sou dessa e de tantas outras histórias.

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Documentos da escola: Projeto Apoio Pedagógico por Níveis de Aprendizagem. Escola Municipal de Educação Básica do Jardim Gramado – CAIC Apotânio de Carvalho (2008). Regimento escolar. Escola Municipal de Educação Básica do Jardim Gramado – CAIC Apotânio de Carvalho. Proposta da Escola Ciclada. Escola Municipal de Educação Básica do Jardim Gramado – CAIC Apotânio de Carvalho. Perfil de saída: Educação Infantil – 1º e 2º agrupamentos do II Ciclo e Ensino Fundamental – 1ª, 2ª e 3ª fases do I Ciclo. Escola Municipal de Educação Básica do Jardim Gramado – CAIC Apotânio de Carvalho. Documentos da Secretaria Municipal de Educação: Referencial Curricular da Educação Infantil de Rondonópolis. Prefeitura Municipal de Rondonópolis. Secretaria Municipal de Educação. Departamento de Educação Infantil. (2001). Proposta Diretriz Curricular Municipal para o Ensino Infantil. Prefeitura Municipal de Rondonópolis. Secretaria Municipal de Educação. Departamento de Ensino. (2004).

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APÊNDICES

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Como apêndices apresento:

• Fotos de algumas atividades;

• Livros que foram levados na Bolsa Mágica;

• Livros escolhidos na biblioteca da escola para o Cantinho da Leitura;

• Distribuição dos personagens da peça Dona Baratinha;

• Entrevistas das crianças;

• Protocolo de observação/participação.

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Leitura do livro Chapeuzinho Vermelho

Leitura do livro Chapeuzinho Vermelho

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Leitura do livro Chapeuzinho Vermelho

Leitura do livro Chapeuzinho Vermelho

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Leitura do livro Chapeuzinho Vermelho

Leitura do livro Chapeuzinho Vermelho

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Pintura tinta gauche – Chapeuzinho Vermelho

Leitura do livro Chapeuzinho Vermelho

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Leitura dos livros Chapeuzinho Vermelho

Produção coletiva de cenas de Chapeuzinho Vermelho

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Produção coletiva de cenas de Chapeuzinho Vermelho

Leitura do livro Chapeuzinho Vermelho

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Momentos de leitura em sala

Momentos de leitura em sala

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Momentos de leitura em sala

Momentos de leitura em sala

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Livros que levei e fizeram parte das atividades da Bolsa Mágica foram:

Título Autor

A bruxinha atrapalhada Eva Furnari Ai! Que medo! Shirley Souza Amor doce amor Regina Rennó As aventuras de avião vermelho Erico Veríssimo Chapeuzinho Amarelo Chico Buarque Chapeuzinho Vermelho Charles Perrault Chapeuzinho Vermelho e o arco-íris: uma história sem lobo

Márcia Muraco Schobesberger

Chapeuzinho Vermelho e outros contos por imagem

Rui de Oliveira

Dona Baratinha Ana Maria Machado É meu! É meu! Carmen Lucia Campos Era uma vez um lobo mau... Bia Villela João Feijão Sylvia Orthof No mundo da lua Roseana Murray O amigo da bruxinha Eva Furnari O gato Viriato Roger Mello O joelho Juvenal Ziraldo O menino maluquinho Ziraldo O peru de peruca Sonia Junqueira Os dez amigos Ziraldo Os três porquinhos Walt Disney Ou isto ou aquilo Cecília Meireles Outra vez Ângela Lago Pelegrino e Petrônio Ziraldo Pinote, o fracote e Janjão,o fortão Fernanda Lopes de Almeida Que barulho é este? Mary e Eliardo França Quem canta seus males espanta Theodora Maria Mendes de Almeida Rolim Ziraldo Tatiana – A tartaruga atrapalhada Animais Divertidos Tesoura não é cenoura Mary e Eliardo França

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Os livros selecionados por mim e pela professora regente na biblioteca da

escola que compuseram o Cantinho da Leitura foram:

Título Autor

A arca de Noé Ruth Rocha A bela adormecida Irmãos Grimm A bela adormecida Paraíso da Criança V A conversa das palavras Jandira Mansur A história de Jesus e seus discípulos Alice Joyce Davidson A história do bom samaritano Alice Joyce Davidson A história do menino Jesus Alice Joyce Davidson A onça e o gato Paraíso das Fábulas A raposa e as uvas Paraíso das Fábulas A tampa do céu Adriana Falcão A zebra, a girafa e outros bichos Adoráveis animais (2 volumes) Série Baby Animais ariscos (2 volumes) Série Animais Animais bravios (2 volumes) Série Animais Animais exóticos (2 volumes) Série Animais Animais selvagens (2 volumes) Série Animais Bichos da noite Cachinhos de ouro Regina Duarte Cinderela Paraíso da Criança V Como gente grande De avestruz a zebra Dr. Urubu e outras fábulas Ferreira Gullar E o palhaço o que é? Encantadores animais (2 volumes) Série Baby Festa no céu (2 volumes) Regina Duarte Gato de papel Ida e volta João e Maria Regina Duarte Lindos animais (2 volumes) Série Baby Meus amigos animais Série Baby Na roça Mary e Eliardo França Não confunda Eva Furnari O amigo da bruxinha Eva Furnari O batalhão das letras Mario Quintana O casamento de Dona Baratinha Paraíso das Fábulas O leão e a raposa (2 volumes) Paraíso das Fábulas O lobo e o cordeiro Paraíso das Fábulas O macaco e o urso Paraíso das Fábulas O presente que veio do céu O retrato Mary e Eliardo França O tucano Mary e Eliardo França Os presentes da fada Charles Perrault Quando isto vira aquilo

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Receitas de olhar Roseana Murray Sol ou chuva? Travadinhas Eva Furnari Troque-troque Trucks Eva Furnari Uma história atrapalhada Gianni Rodari Vamos criar com madeira? Sabine Lohf Victor e o Jacaré Mariana Massarani

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Os personagens ficaram assim distribuídos:

Personagem Aluno

Narradora Ana Vitoria Baratinha Najla Boi Alan Burrinho Bruno Cabritinho Leonardo Ratinho Mario Mestre Macaco João Vitor Macaquinhos

Enthony Gustavo P Vitor Antonio Guilherme Manoel

Damas de honra

Ágda Isabella Juliana Ingrid Barbara Renata Diulia Emily

Papagaio Thiago Araponga Gabriella Urubus Gustavo F

Gustavo L Eduardo S

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Nome:

Manoel.

Você sabe onde nasceu?

Não.

Você sabe em que bairro mora?

Antes eu morava na Vila Ipê, agora eu moro na Vila Planalto.

Quantas pessoas moram em sua casa, além de você? Quem são?

Minha mãe e o Junior. E quando meu pai vai lá, ele dorme lá também (o pai

trabalha na fazenda)

Alguém na sua casa lhe conta histórias?

Não conta.

Na sua casa tem livros?

Não tem livros. De historinha não tem não. Tem uns livros velhos de minha

avó, uns lá de Deus.

O que você mais gosta de fazer na sua casa?

De brincar de pega-pega.

Que história você mais gosta? Por quê?

Gosto mais das histórias de circo, de bruxa e da Chapeuzinho Vermelho.

E que história você menos gosta?

Que eu menos gosto? Hum... da Chapeuzinho Amarelo.

Por quê?

Porque o bico do lobo é menor.

E que história você acha mais divertida?

Mais divertida? Da Dona Baratinha.

(sinceramente eu pensei que ele fosse gostar mais de Chapeuzinho Amarelo,

porque ele sempre participou mais, sabia trechos da história, entretanto, por

conta do desenho do lobo, ele prefere a da Vermelho, porque o focinho dele no

da Amarelo não está do jeito que ele gosta!!! Que coisa incrível!!! Embora ele

ame a uma história, ele prefere a outra porque tem desenhos que lhe agradam

mais!!!)

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Nome:

DIULIA

Onde nasceu?

EM PORTO ALEGRE, DEPOIS EU FUI PRO RIO GRANDE DO SUL.

Onde mora aqui em Rondonópolis (local/bairro)?

ANTES EU MORAVA COM A MINHA MÃE, AGORA EU MORO COM MEU VÔ

ALOÍSIO.

Você sabe o nome do bairro?

SANTA CLARA.

Quantas pessoas moram em sua casa, além de você? Quem são?

A MADRINHA HELENA QUE ME TRAZ E ME LEVA. MEU PADRINHO. E

MINHA VÓ E MEU VÔ.

E sua mãe e seu pai não moram lá não?

NÃO. MORAM LÁ NA CASA DELES.

Você gosta de histórias?

SIM.

Alguém na sua casa lhe conta histórias?

NÃO.

Não! Ninguém conta história pra você?

Que história você mais gosta? Por quê?

DO GATINHO, DO RATINHO, DA CHAPEUZINHO VERMELHO, DO

CACHORRINHO.

Onde você ouviu essas histórias?

É... EM NENHUM LUGAR, SÓ MINHA MADRINHA QUE ME FALOU.

Ah então sua madrinha conta historinha para você lá na sua casa?

CONTA SÓ QUE AGORA ELA NÃO CONTA MAIS, PORQUE AGORA ELA

NÃO CONTA MAIS PORQUE ELA TEM QUE SE APRONTAR E VIR PARA

CÁ.

Aah então ela contava antes, né?

E que história você menos gostou até hoje?

É... DO COELHINHO.

Você gosta de livros?

GOSTA.

La na sua casa tem livros?

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MINHA MADRINHA TEM SÓ QUE EU NÃO PEGO NÃO.

É? E por que você não pega?

PORQUE ELA NÃO DEIXA.

Você gosta de “ler” os livros e suas histórias?

GOSTA.

Você os lê aqui na escola?

SIM.

Que livro você mais gostou até hoje?

DA CHAPEUZINHO VERMELHO.

O que você mais gosta de fazer na sua casa?

DE BRINCAR COM MEU IRMÃO.

E o que você mais gosta aqui na escola?

DE BRINCAR, DE PINTAR, ME DIVERTIR COM MEUS AMIGOS.

E você gosta das histórias?

GOSTO.

Muito ou pouco?

MUITO.

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ALAN

Onde nasceu?

AQUI MEMO. (Rondonópolis)

Onde mora (local/bairro)?

EU MORO AQUI MEMO. (TEVE DIFICULDADE DE DIZER, EXPLICOU ONDE

É)

Quantas pessoas moram em sua casa, além de você? Quem são?

TIO GILSON, TIO...

E sua mãe e seu pai não moram lá não?

NÃO, MINHA MÃE É SEPARADA COM OUTRO HOMEM.

Aanh e seu pai também?

MEU PAI TEM OUTRA MULHER.

E você não mora nem com seu pai nem com sua mãe?

EU MORO COM A MINHA AVÓ.

Você gosta de histórias?

GOSTO.

Alguém na sua casa lhe conta histórias?

SÓ MINHA MANINHA.

Que história conta?

EU TENHO DUAS MANINHAS, UMA QUE ELA É PEQUENINHA E UMA DE 7

ANOS.

Humm é a de 7 anos que conta pra você?

É.

E quando que ela conta história para você e qual ela conta?

HUMM. DEIXA EU VER... DA CHAPEUZINHO. E (SE ATROPELOU COMO

SE INVENTASSE) DO GAFANHOTO.

Que história você mais gosta? Por quê?

DA CHAPEUZINHO.

Por quê?

PORQUE TEM A VOVÓ, O LOBO, A CHAPEUZINHO E O CAÇADOR.

E qual a história que você menos gosta?

DA CHAPEUZINHO.

Mas como ela é a que você mais gosta e menos gosta ao mesmo tempo?

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É... A DO GAFANHOTO EU GOSTO MAIS OU MENOS.

(SE CONFUNDIU COM GOSTAR MAIS E MENOS)

E você gosta de livros?

GOSTO.

E na sua casa tem livros?

TEM.

E você lê os livros lá da sua casa?

NÃO.

Por que você não lê?

AH, PORQUE EU AINDA NÃO SEI.

Mas você pega os livros?

SIM.

É? Mas eu acho que você sabe sim! Não sabe?

NÃO SEI NÃO.

DIULIA se intrometeu dizendo: “EU NÃO SEI LER E MINHA MADRINHA

AGORA TODA NOITE PEDE PARA EU LER OS LIVRINHOS DELA”.

E você ta lendo?

UNRUM (sim)

E como é que você lê então?

EU VOU INVENTAN... (PAROU NO MEIO DA PALAVRA E MUDOU O RUMO

DO QUE IA DIZER...) EU VOU VENDO ASSIM, VOU LENDO.

Você vai inventando assim é?

EU INVENTO ASSIM, EU VOU OLHANDO ASSIM... E INVENTANDO... DAÍ A

MINHA MADRINHA OLHA LÁ E DIZ QUE TÁ CERTO.

Volto para o Alan e pergunto: aí, você já tentou ler assim? Assim eu acho que

você dá conta. Já tentou ler assim? Não?

Enquanto isso, o GUILHERME se intromete e diz:

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EU NÃO TENHO, EU VOU LÁ VEJO OS NEGÓCIOS DE MÚSICA LÁ. EU

VEJO LÁ E JÁ VOU APRENDENDO. (E CONTA UM MONTE DE COISAS). EU

JÁ VOU APRENDENDO.

Quando volto a entrevistá-lo e pergunto qual livro mais gostou e qual menos

gostou ele já divide: mais gostou da Chapeuzinho e menos gostou do

Gafanhoto.

E o que você gosta de fazer lá na sua casa?

BRINCAR DE PICA-PAU. VER FILME DO TOM JERRY E DO PICA-PAU.

E na escola?

VER O FILME DA ERA DO GELO. O GAFANHOTO FILME.

E da história?

ANRAM.

(AS CRIANÇAS COMEÇAM A SE ORGANIZAR PARA IR PARA O RECREIO

E ELE FICA MEIO DIVIDIDO).

Quando retornamos e refaço a pergunta:

O que você mais gosta de fazer aqui na escola ele responde:

BRINCAR. E OUVIR HISTÓRIAS E CANTAR MÚSICA.

Enquanto isso, a cada resposta do ALAN, o GUILHERME responde um “eu

também” e diz assim: “tia, o que eu mais gosto é de cantar música, eu acho

que eu vou ser cantor, tia! Eu canto tão bonito, tia”.

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Rondonópolis, 28/07/2008.

Retornei à escola, após o período de greve e recesso escolar.

Mantive contato com a diretora, coordenadoras e professora, entregando

o projeto com resultados prévios e uma nova proposta de trabalho para esta

nova etapa.

Fui à sala e as crianças não me deixaram sair da sala sem antes ler uma

história. Por que será?

Não tendo outra opção, mesmo eu estando “sem inspiração”, li a história

do Pinóquio.

Rondonópolis, 31/07/2008.

Meu retorno foi muito bacana e divertido. As crianças ao me verem,

mesmo na fila queriam saber se eu ficaria na sala com eles até o final da aula,

se eu contaria história, que estavam com saudades...

Após nossa entrada, oração e apresentação dos dois alunos novos que

eu ainda não conhecia: Eduardo e Eduardo Junior, foi o momento deles

ouvirem uma história nova. Diferente!

Fiz com eles uma incentivação, relembrando que antes das férias forma

lidas e contadas várias versões da Chapeuzinho Vermelho, resgatando alguns

pontos, personagens, cenas, entre outros detalhes, e perguntando se eles já

ouviram falar da Chapeuzinho Amarelo.

Como disseram que não conheciam, iniciei uma exploração do livro,

mostrando a capa, dizendo o nome do autor (Chico Buarque) e do ilustrador

(Ziraldo), um dos alunos o JV disse que conhecia o Ziraldo, quando mencionei

sobre o Menino Maluquinho ele se mostrou meio sem saber quem era,

provavelmente, tenha feito uma de suas ligações com outras vivências.

Em seguida, perguntei se imaginavam sobre o que o livro falaria. Seria a

mesma história que da Chapeuzinho Vermelho? Alguns acharam que sim. Se

olhavam rindo, como se se perguntassem: “será que é igual?”, “engraçado, né,

Chapeuzinho, mas Amarelo!”. Porém, a maioria acreditou ser diferente. Se

olhavam, tentando adivinhar as diferenças, mas arriscavam sem certeza: “aah,

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é diferente”, “tem lobo bom”, “não, o lobo é mau”, “tem vovó”, “tem cidade e não

tem floresta” e “tem monstro”, completou o Aluno JV.

Então, comecei dizendo que ela era uma menina muito medrosa. Que

tinha medo de tudo. E continuei perguntando do que eles tinham medo e, por

incrível que pareça, a maioria praticamente não tem medo de nada! Um ou

outra, tem um pouco de medo de levar uma surra, só! Mas, escuro, barata,

sapo, Bicho Papão, de cair, ficar sozinho, isso ninguém tem não! Só eu e a

professora que somos medrosas e temos medo de rato!

Iniciei, então, a leitura. Um ou outro conversou nessa fase inicial. Mas,

até senti vontade de parar de ler e ficar olhando para todos atentos, me

olhando! Foi emocionante! Até aqueles alunos que se dispersam com facilidade

ou gostam de papear quando não devem ficaram com olhos e ouvidos ligados

à história.

Eles ouviam, me olhavam, riam, se espantavam com algum medo da

Chapeuzinho e se olhavam com uma expressão de “nossa, como pode ter

medo disso!”.

A primeira leitura foi feita lentamente e pausada sempre que julguei

necessário, como por exemplo, para perguntar se sabiam o que significavam

as palavras: “ensopar”, “pesadelo”, “medonho”, “Alemanha”, “branco-azedo” e

“arremedo”. Sempre após meus questionamentos acerca destas palavras e

posterior explicação, eu retomava um pouco antes de onde havia parado na

história para continuar.

E neste ponto é interessante salientar que algumas palavras foram

“adivinhadas” pelas crianças, o que muito lhes agradou, e deixou as crianças

divertidamente espantadas quando souberam o significado de algumas, como

a “branco-azedo”, que posso até nomear como a palavra da tarde, a

descoberta! O Aluno M1, um dos mais agitados e arteiros da sala, amou e por

várias vezes usou-a e se auto-nomeou branco-azedo. Ao folhear depois o livro,

se deliciou também nas partes em que o lobo aparecia “branco-azedo”.

Os alunos acharam muito curioso a personagem tem medo de tudo.

Deliciaram-se com cada medo e superação desse medo. Riram quando o lobo

se sentiu “pelado” ao ver que Chapeuzinho não tinha mais medo dele.

E por incrível que pareça, eles conseguiram descobrir todas as palavras

trocadas por Chico Buarque ao dizer que Chapeuzinho foi perdendo seus

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medos, brincando com as palavras. Conseguiram os mais arteiros e agitados,

como Manoel, Mário e João Vitor. Os três ficaram antenados com a história. Foi

gratificante!!! Nem eu quando li pela primeira vez tive a facilidade que eles

tiveram ao decifrar os “medos solucionados”.

Após a primeira leitura, perguntei se eles queriam ouvir novamente. E

praticamente toda a sala quis, menos o João Vitor. Ele me disse: “ah, não

quero ouvir de novo, não”.

Mas, como a maioria quis, recontei. Desta vez não tão pausadamente e

nem parando para explicar nada.

O interesse não foi o mesmo que da primeira vez. Embora ainda tenha

contagiado praticamente toda a sala. Mas algo também influenciou, creio eu:

uma professora de outra sala bateu na porta quando comecei e a professora

regente saiu para falar com ela. Eles se alvoroçaram querendo entender quem

era, alguns até levantaram para olhar a porta. E isso, penso que tenha

influenciado um pouco.

Quando a segunda leitura se encerrou, eles estavam muito ansiosos

para pegarem os livros e “conhecerem” os desenhos, as situações.

Difícil foi decidir por onde começar deixar eles “degustarem” o livro.

Então, comecei por onde havia mais ordem. Ordem não, respeito aos colegas,

sem puxar o livro ou falar alto demais ou tumultuar.

Foi gratificante observá-los vendo o livro. Todos com exceção de um dos

alunos novos já sabem como iniciar o livro. Se o pegam de cabeça para baixo

ou ao contrário, eles já automaticamente encontram a frente.

Ao observarem as imagens, eles comentaram ou comigo ou com os

colegas sobre: a Chapeuzinho “amarelada” de medo; a minhoca que era cobra

para ela; as aranhas; o lobo escondido entre as teias de aranha e as

montanhas; as teias de aranha; a sombra da Chapeuzinho com formato de

lobo; os olhos grandes, o pêlo espetado parecendo espinhos, os dentes

enormes e amarelados; a parte em que Chapeuzinho e lobo se encontram

frente a frente; o lobo branco-azedo; ele desconsolado; ele gritando “eu sou um

lobo” e aqui gostaram muito de seguir com o dedo a fala do lobo; a parte em

que o lobo vai se transformando em bolo (esta eles gostaram muito); o bolo de

lobo também agradou; e, por fim, os medos ao contrário: o tubarão com a boca

fora do lugar, a coruja de cabeça para baixo, o dragão que solta fogo pelo rabo.

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Alguns alunos folhearam uma vez e começaram novamente. Outros se

detinham mais em alguns pontos, voltavam a partes que mais gostaram.

Comentavam com os colegas, recontavam a si mesmos alguns trechos. Foi

recompensador.

Quando a turma estava terminando, falei a professora que várias

atividades poderiam ser realizadas. Uma delas seria colocar na lousa as

palavras que mais deram medo ou chamaram a atenção das crianças, depois

selecionar uma palavra e conversar com as crianças sobre sua letra inicial, o

número de letras, relacioná-la com os nomes das crianças e com os itens

presentes na sala.

Assim foi feito. A professora foi a escriba de uma lista de palavras. Ela

coordenou este momento com algumas interferências minhas.

Entre as palavras ditas por elas estavam: Chapeuzinho Amarelo, lobo,

sombra, lobo, branco-azedo, trovão, pesadelo, aranha, minhoca, bolo, brincar,

dormir, falar. Interessante comentar que eu disse “bolo”, eles gostaram tanto

que Mario, em seguida, perguntou à professora regente qual palavra ela tinha

gostado mais. Eis a importância de se envolver como eles nas atividades e

histórias.

Depois, a professora regente escolheu a palavra “bicho-papão” e passou

letra por letra, perguntando que letra era, o que na sala tinha aquela letra, que

nome de coleguinha também tinha. E a turma se empenhou nesta atividade.

Um dado curioso é que o aluno João Vitor foi o último a pegar o livro,

quando pegou, bateu o sinal para o recreio. Depois do intervalo, porém, ele

veio até onde eu estava e me disse assim: “tia, deixa eu terminar de ler, eu não

tinha terminado de ler”. Sinceramente, desejo que ele nunca termine de ler em

sua vida!

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