UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - ufmt.br · As minhas filhas e amigas Brendha e Andreza, meus...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NILVACI LEITE DE MAGALHÃES MOREIRA TRAJETÓRIAS DE VIDA DE PROFESSORAS NEGRAS DA BAIXADA CUIABANA/MT CUIABÁ-MT 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

NILVACI LEITE DE MAGALHÃES MOREIRA

TRAJETÓRIAS DE VIDA DE PROFESSORAS NEGRAS DA

BAIXADA CUIABANA/MT

CUIABÁ-MT

2013

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NILVACI LEITE DE MAGALHÃES MOREIRA

TRAJETÓRIAS DE VIDA DE PROFESSORAS NEGRAS DA

BAIXADA CUIABANA/MT

Dissertação de Mestrado, apresentada ao programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato

Grosso, para obtenção do Título de Mestra em Educação, na

Área de Concentração: Educação, Cultura e Sociedade, Linha de

Pesquisa: Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, sob

a orientação da Professora Dra. Maria Lúcia Rodrigues Müller.

CUIABÁ-MT

2013

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iv

DEDICATÓRIA

Dedico esta vitória à minha família, em especial a

minha mãe Ermelinda que, mesmo passando por

momentos difíceis, esteve sempre ao meu lado,

apoiando-me e entendendo minhas ausências.

Obrigada guerreira, por me ensinar a essência da

vida.

A minha irmã Nelci (in memoriam) que, diante do

momento mais difícil da sua vida, da sua fragilidade,

da dor e da luta pela vida, orgulhava-se do meu

interesse pelos estudos e me ensinava que mesmo

diante das dificuldades devia se buscar o exemplo

dos rios que, quando encontram barreiras, contorna-

os e seguem em frente. Dizia que nunca devemos

desistir de lutar. Querida irmã, nossa vida foi

marcada por bons e alegres momentos, sei que está

em um lugar especial.

As minhas filhas e amigas Brendha e Andreza,

meus tesouros, que, em tantas noites de angústias,

acalentaram-me e me incentivaram a seguir em

frente. Estão sempre presentes na minha caminhada.

Ao meu esposo Juely, pelo apoio nos momentos em

que precisei.

v

AGRADECIMENTOS

A Deus, que é a força máxima que me protege e me concede momentos

maravilhosos em todas as etapas da minha vida. É aquele que sempre está

presente na minha caminhada, mostrando que há sempre uma luz no fundo do

túnel.

A minha família, que, pela admiração que sentem por mim, possibilita-me a me

sentir mais forte, a ter coragem e a não desistir dos meus sonhos. Obrigada

querida família pela frase de ânimo “guerreiro não foge da luta, não pode correr,

ninguém vai poder atrasar quem nasceu para vencer”.

Aos meus colegas e amigos do NEPRE que sempre me demonstraram um

carinho especial, Cleonice, Zilma, Malsete, Vanda, Rosana. Vocês sempre

foram solidárias para comigo, dando-me força, incentivo e coragem para chegar

ao fim deste trabalho.

As amizades que construí durante o mestrado, Gleice, Edenar e Neusa.

Obrigada pelos momentos de alegria e entusiasmo.

Quero expressar a minha especial gratidão a Lori Hack de Jesus, pelas

contribuições dadas na elaboração desta dissertação, pelas palavras de conforto e

incentivo para que eu pudesse continuar essa caminhada.

Ao meu colega de curso, Carlos Paulino, pelos diálogos e companheirismo,

quem dedicou várias horas do seu tempo para me ouvir num momento tão difícil

da minha vida.

A professora Dra. Moema De Poli Teixeira, pela valiosa contribuição dada a

minha dissertação durante o processo de qualificação e por fazer parte da banca

de defesa.

Aos meus amigos e amigas que sempre me admiraram pela minha história e

torcem pelo meu sucesso.

vi

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

A professora Dra. Maria Lúcia Rodrigues Müller, por ter me proporcionado a valiosa

oportunidade de ingressar no mestrado e pela orientação dedicada. Obrigada professora

por ter acreditado em mim, pela paciência e generosidade. Tenho a honra de ter sido sua

aluna, suas palavras sempre foram ensinamentos para o meu crescimento pessoal e

profissional.

A professora Dra. Candida Soares da Costa, a quem conheci e aprendi a admirar seu

espírito guerreiro de mulher negra. Obrigada professora por fazer parte da minha banca

de qualificação e pela valiosa contribuição. Suas palavras sempre me possibilitaram

confiar mais na minha capacidade e acreditar que posso ir longe.

As professoras negras da Baixada Cuiabana que, de forma generosa e comprometida,

dispuseram-se a participar desta pesquisa.

vii

RESUMO

Esta pesquisa investiga as trajetórias de vida de professoras negras atuantes na rede

pública de ensino de quatro municípios da Baixada Cuiabana/MT, a saber: Cuiabá,

Poconé, Nossa Senhora do Livramento e Várzea Grande. O procedimento

metodológico utilizado para conhecer o percurso de vida das professoras foi a história

oral, e a técnica empregada foi a de história de vida. Todas as professoras entrevistadas

originam-se de famílias humildes, de baixa renda, a maioria é provedora dos seus lares,

e tanto o ensino básico como o superior foram conquistados com muitas dificuldades.

Os relatos das professoras revelaram que o preconceito e a discriminação racial ainda

são constantes na vida de mulheres negras as quais têm diariamente suas capacidades

intelectuais colocadas à prova, principalmente quando ocupam posição de destaque na

sociedade. Apesar disso, elas mostram sua capacidade por meio da aquisição de

conhecimentos outros capazes de solidificar seus papéis sociais. Constatou-se que as

professoras encontraram a todo o momento obstáculos para desencorajá-las a lutar pelo

seu ideal, cujos empecilhos foram constantemente provocados numa tentativa de fazer

com que elas permanecessem na base inferior da hierarquia social. Contudo, elas

contaram com uma rede de apoio e solidariedade que contribuiu significavelmente para

superar os obstáculos e, assim, poderem galgar novos espaços como a família e os

amigos. A maioria das entrevistadas está à frente do desenvolvimento de projetos

escolares ou envolvidas em trabalhos voltados para a questão racial. A pesquisa

concluiu que a formação continuada contribuiu de forma significativa para a percepção

das docentes na busca de uma nova postura pedagógica frente às questões raciais.

Palavras-chave: Professoras negras. Trajetórias escolar e profissional. Ascensão social.

viii

ABSTRACT

In this search investigates the life trajectories of black teacher's who work in public

schools in four municipal districts of the Baixada Cuiabá / MT, to know: Cuiabá,

Poconé, Nossa Senhora do Livramento and Várzea Grande. The methodological

procedure to meet the life way of the teachers was oral history and technique employed

was the story of life. All the interviewed teachers originate from humble families, poor

income, most is a provider of their homes, and both basic education as the top were won

over many difficulties. The teachers' reports showed that racial prejudice and

discrimination are still listed in the lives of black women, and daily their intellectual

abilities are put to the test, especially when they occupy an important position in the

society. Spite of this, they show their capacity through the acquisition of other

knowledge able to solidify their social roles. It was found that teachers finding at all

times obstacles to discourage them to fight for their ideal, of which impediments were

constantly provoked an attempt to get them to remain on the lower bottom of the social

hierarchy, however, they relied on a network of support and solidarity that contributed

significantly and to overcome obstacles and conquer new spaces such as family and

friends. The most of interviewed are ahead of the development of school

projects or involved in work aimed at the racial question. The search concluded that

with continued education has contributed significantly to the perception of teachers

in search of a new pedagogical posture in the racial question.

Keywords: Black Teachers. Educational trajectory. Social ascension.

ix

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1

Mapa do Estado de Mato Grosso Pág.19

FIGURA 2 Mapa de localização dos municípios da Baixada Cuiabana Pág.19

FIGURA 3 Média de anos de estudos da população ocupada com 16 anos

ou mais

Pág.56

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 Autoclassificação das professoras Pág.38

GRÁFICO 2 Classificação da pesquisadora - categorias do IBGE Pág.38Qua

x

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 O perfil das professoras negras entrevistadas na cidade de Cuiabá Pág.34

QUADRO 2 O perfil das professoras negras entrevistadas na cidade de Poconé Pág.34

QUADRO 3 O perfil das professoras negras entrevistadas na cidade de Nossa

Senhora do Livramento

Pág.34

QUADRO 4 O perfil das professoras negras entrevistas na cidade de Várzea Grande

Pág.34

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 Composição racial da população de Mato Grosso e Baixada

Cuiabana/Censo Demográfico do IBGE/Cidades-2010

Pág.20

TABELA 2 Tabela Atuação das professoras negras e brancas em diferentes

níveis de ensino/Censo Demográfico de 2000

Pág.53

xi

LISTA DE ABREVIATURAS (SIGLAS)

CPDOC

Centro de Investigação e Documentação Histórica Contemporânea

FGV Fundação Getúlio Vargas

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IFMT Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MEC Ministério da Educação

MT Mato Grosso

NEPRE Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação

PPGE Programa de Pós Graduação em Educação

PNAD Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio

PROUNI Programa Universidade Para Todos

SEDUC Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Mato Grosso

SINTEP Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso

UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

UNIC Universidade de Cuiabá

UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

xii

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................... 13 CAPÍTULO I ............................................................................................... 18 O PONTO DE PARTIDA PARA CONHECER OS PERCURSOS

VIVIDOS..................................................................................................... 18 1.1 Caracterização do local da pesquisa: a região da Baixada Cuiabana18 1.2 Procedimentos metodológicos e instrumentos de coletas de dados .. 25 1.3 A seleção das informantes ................................................................. 31 1.4 O perfil das professoras ..................................................................... 34 1.5 Classificação da cor e a identidade racial no jogo das relações sociais

.................................................................................................................. 36 CAPÍTULO II ............................................................................................. 44 ASCENSÃO SOCIAL DO NEGRO NO BRASIL .................................... 44

2.1 Ascensão social e mobilidade social: construindo conceitos ............ 44 2.2 As faces do racismo e o retrato das desigualdades em relação à

mulher negra ............................................................................................ 46 2.3 A educação como via de acesso para ascensão social do negro ........ 55 2.4 A regra da aparência na vida de mulheres negras ............................. 57

CAPÍTULO III ............................................................................................ 62 PROFESSORAS NEGRAS PROTAGONIZANDO A PRÓPRIA

HISTÓRIA: AS TRAJETÓRIAS ............................................................... 62 3.1 As experiências de discriminação racial na trajetória escolar e

profissional ............................................................................................... 62 3.2 Ser professora: desejo ou necessidade? ............................................. 73 3.3 Vencendo barreiras: a conquista da ascensão social ......................... 77 3.4 Rede de apoio e solidariedade: A ajuda dos familiares e amigos .... 84 3.5 Estar no “lugar” do branco: a capacidade em contínua prova ........... 87

CAPÍTULO IV ............................................................................................ 93 O NOVO OLHAR DAS PROFESSORAS PARA AS RELAÇÕES

RACIAIS NA ESCOLA ............................................................................. 93 CONSIDERAÇÕES .................................................................................. 104 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 107 ANEXO ..................................................................................................... 113

13

INTRODUÇÃO

Este estudo trata das trajetórias de vida de professoras negras1 e integra o Projeto

“Construindo novas identidades culturais: educação e mulheres em Mato Grosso”, do

Núcleo de Pesquisa sobre Relações Raciais e Educação – NEPRE, da Universidade

Federal de Mato Grosso, coordenado pela Professora Drª Maria Lúcia Rodrigues

Müller. Pretendeu-se neste trabalho investigar as trajetórias de vida de professoras

negras da Baixada Cuiabana, buscando conhecer as experiências raciais por que elas

passaram, a forma de superação, a ascensão social e os motivos que as levaram a

discutir relações raciais.

Nesse contexto, objetiva-se especificamente: a) compreender como se deu o

contexto escolar e profissional vivenciado pelas professoras negras; b) identificar as

situações e as formas de enfrentamento acerca das discriminações raciais por que as

professoras passaram ao longo da vida; c) levantar os motivos que levaram as

professoras a se engajarem nas discussões sobre relações raciais.

O interesse em realizar esta pesquisa se consolidou a partir de várias

experiências vivenciadas. Destaco aqui três momentos que considero importantes.

Primeiro, a minha experiência pessoal, como mulher, professora, e negra, tenho

vivenciado situações variadas de preconceito e discriminação. Nasci no interior de Mato

Grosso, em uma comunidade chamada Bonsucesso, localizada no município de Várzea

Grande. De família humilde, meus pais tinham como formação escolar o antigo

primário incompleto, ambos interromperam os estudos devido às labutas pela

sobrevivência.

A minha primeira experiência escolar se deu aos sete anos de idade, quando,

além de estudar, fazia dos momentos do recreio o palco para brincadeiras que, muitas

vezes, culminavam em conflitos, cujo ápice se dava quando os colegas faziam

referências às imagens negativas em relação ao meu cabelo e a cor de minha pele, essas

atitudes eram também manifestadas as minhas outras colegas negras. Uma imagem que

trago na memória foi a do desejo de hastear a Bandeira Nacional nos raríssimos

momentos cívicos oportunizados pela escola, quando, sutilmente, eram somente os

1 Neste estudo, o termo negra ou negro é empregado para definir a população brasileira composta pelos

grupos raciais pretos e pardos.

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alunos considerados “os mais bonitos” escolhidos para fazer parte daquele prestigiado

evento, e de outros programados no calendário escolar.

Apesar de a minha mãe cuidar e fazer diversos penteados como tranças e pitucas

em meus cabelos, estes eram sempre alvo de chacotas pelos meus colegas, o que me

levou a acreditar que tivesse cabelo feio e isso me fazia sentir inferior aos outros alunos.

Para completar essa situação, via nos livros didáticos somente imagens de pessoas

negras com referências negativas, sobre as quais as professoras faziam questão de emitir

opiniões desagradáveis arrancando risos dos alunos em sala de aula e, diante dessas

situações, sempre me mantive em silêncio, tornando-me uma criança extremamente

tímida. Tais situações, entretanto, não afetaram minha determinação e enorme vontade

de vencer na vida.

A adolescência foi uma fase difícil, passei por vários processos agressivos de

alisamentos no cabelo para que eu pudesse me aproximar das meninas brancas da minha

idade e ser aceita pelo grupo, em especial, pelos meninos. Esse processo angustiante me

acompanhou por longos anos, principalmente na fase adulta.

O segundo momento que me levou ao interesse por esta pesquisa foi o meu

percurso profissional. Fiz magistério e me tornei professora aos dezoito anos. No

decorrer do exercício da minha profissão fiz com meus alunos aquilo que me foi

inculcado historicamente em relação ao aspecto negativo referente ao meu

pertencimento racial, estabelecendo tratamento diferenciado em relação a alunos negros

e brancos em minha sala de aula. Conquistei meu curso superior com muito esforço,

vencendo muitas barreiras, pois senti na pele, como mulher negra, as dificuldades que a

sociedade me impunha para que eu pudesse seguir o destino que ideologicamente havia

traçado, isto é, o “lugar” do negro.

Confesso que essas manifestações, em que tanto eu quanto os meus alunos

fomos vítima, em nenhum momento foi por mim percebido como preconceito e

discriminação racial.

Lembro-me que foi a partir dos momentos da participação de cursos sobre

questões raciais, posteriormente em militância nos movimentos sociais e, em seguida,

no curso de especialização sobre Relações Raciais na Sociedade Brasileira ofertada pelo

NEPRE/UFMT·, que passei a ter uma nova visão sobre o acometimento desses

fenômenos para a população negra e, em especial, às mulheres negras. Tais mudanças

me instigaram a reflexões que foram imprescindíveis para a minha tomada de

consciência e para afirmação da minha identidade racial que, mais tarde,

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impulsionaram-me para o enfrentamento e discussões sobre relações raciais no espaço

escolar.

E, por fim, outro aspecto marcante foram os depoimentos de professoras negras

nas conversas informais do dia a dia sobre episódios de discriminação racial que

sofreram durante seu percurso escolar e trajetória profissional, sempre enfatizando a

superação e a satisfação pelos avanços profissionalmente conquistados. No vai e vem

desses diálogos, pude observar que muitas dessas professoras sinalizavam estar à frente

de trabalhos sobre questões raciais ou que participavam de projetos sobre o tema

desenvolvidos na escola.

O racismo, a discriminação e o preconceito racial são atitudes que marcam

negativamente a vida de uma pessoa. Esses sentimentos transitaram e ainda transitam

nos percursos de vida das professoras negras que, embora se apresentem como marcas

de um passado um pouco distante, parecem refletir no presente, fazendo com que essas

mulheres tentem buscar seu reconhecimento como sujeito político-histórico-social numa

sociedade extremamente seletiva, racista, desigual e injusta.

Estudar sobre relatos de vida de mulheres negras professoras tornou-se fonte

importante de informação para tentar entender e quiçá responder as seguintes

indagações: como o processo de experiências de cunho racista e discriminatório nas

trajetórias de vida das professoras negras foi enfrentado e superado? Teriam as

experiências vivenciadas por essas professoras motivadas a realização de um trabalho

sobre relações raciais na escola? Será que a reflexão sobre essas questões contribuem

para uma mudança de postura pedagógica por parte das professoras?

Para a realização deste estudo, foi utilizada a pesquisa numa perspectiva

qualitativa. Para conhecer o percurso de vida das professoras, optou-se como fonte de

informações a metodologia da história oral. Dentre as diversas técnicas de coletas de

dados que compõem a história oral, preferiu-se pela história de vida, por concebê-la

como uma técnica que envolve parcialmente a subjetividade da pessoa, isto é, permite

reportar a um passado repleto de sentimento, emoções, valores, perspectivas e

superação. Foram registradas, por meio do uso de gravador, 20 histórias de vida de

professoras negras de quatro municípios da Baixada Cuiabana: Cuiabá, Poconé, Nossa

Senhora do Livramento e Várzea Grande, cujos depoimentos foram transcritos

respeitando-se as falas das pesquisadas.

Como forma de fundamentar as análises feitas nesta investigação, buscou-se a

sustentação teórica nos estudos de diversos pesquisadores, entre outros: Azevedo

16

(1955); Hasenbalg (1979); Bourdieu (1989); Queiroz (1991); Thompson (1992); Gomes

(1995); Henriques (2001); Figueiredo (2002); Teixeira (2003); Oliveira (2006); Minayo

(2007) e Müller (2006, 2009).

Para tanto, no primeiro capítulo deste estudo, apresento um breve panorama dos

quatro municípios da Baixada Cuiabana, locais em que foram realizadas as pesquisas,

os procedimentos metodológicos e os instrumentos para coletas de dados utilizados para

alcançar os objetivos, traçando o perfil das participantes da pesquisa.

No segundo capítulo, contextualizo sobre a ascensão do negro no Brasil, feito

por meio de um diagnóstico do retrato das desigualdades em relação à mulher negra.

Busco evidenciar dados estatísticos, pesquisas e estudos que comprovem a educação

como via de acesso à mobilidade e ascensão social de homens e mulheres negras em

nossa sociedade, e como a aparência ainda continua sendo um entrave na vida de

mulheres negras que intentam galgar novos espaços sociais, driblando os acidentes

raciais.

No decorrer do terceiro capítulo são analisadas as trajetórias de vida das

professoras negras em relação as suas experiências raciais, estratégias de

enfrentamentos, suas conquistas, pois, em suas trajetórias de vida, tornar-se professora,

alcançar um curso superior, ser aprovada em um concurso público foram avanços

significativos que fizeram a diferença no alcance da posição social das pesquisadas.

Ainda neste capítulo, destaco o apoio dos familiares e amigos, figuras importantes na

superação dos problemas enfrentados e nos projetos de vida das professoras,

considerados grandes aliados na busca pela sua ascensão social.

No quarto capítulo, discuto sobre os motivos que levaram as professoras a um

novo olhar sobre as questões raciais no espaço escolar, tendo como referência positiva a

construção de uma educação antirracista. E nas Considerações, busco efetivar reflexões

em relação aos resultados obtidos.

Percebo neste estudo a possibilidade de contribuir para a condução de novos

estudos sobre a educação do negro e, em especial, a trajetórias de vida de mulheres

negras que protagonizam histórias de lutas, superação e de conquistas. O espaço de

diálogo com as professoras não possibilitou apenas o partilhamento de lembranças,

como também a riqueza em suas vozes abriu passagem para inúmeras reflexões de que,

embora o racismo venha impedindo a população negra de avançar socialmente, muitas

mulheres negras vêm mostrando suas potencialidades, conquistando espaço, vencendo

barreiras e se revelam verdadeiras mulheres vencedoras.

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Elas ainda veem na escola e na prática pedagógica a possibilidade na mudança

do cenário das desigualdades, com propostas de luta pela consolidação de uma educação

que desconstrua as diversas formas de discriminação cristalizadas em nossa sociedade.

Desse modo, este estudo propõe-se a trazer novas contribuições para que

brasileiros e brasileiras conheçam melhor sua nação mediante a história e o

protagonismo de seu povo; neste caso particular, da história de sucesso de mulheres

negras da Baixada Cuiabana que se tornaram professoras.

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CAPÍTULO I

O PONTO DE PARTIDA PARA CONHECER OS PERCURSOS VIVIDOS

Neste capítulo, apresentarei de forma sucinta, um pouco do contexto histórico-

geográfico-social da Baixada Cuiabana e, especificamente dos municípios Cuiabá,

Poconé, Nossa Senhora do Livramento e Várzea Grande, locais de realização deste

estudo, como forma de enriquecer as informações trazidas pelas vozes das professoras

negras e por ser o espaço onde elas estão inseridas. Busco apresentar também os

procedimentos metodológicos e os instrumentos de coletas de dados utilizados nesta

pesquisa.

Vale destacar que, embora haja diversos estudos já realizados sobre a presença

do negro como protagonista da ocupação e construção da História do Estado de Mato

Grosso abordada por Müller (1999); Santos (2007); Marques (2012); Nascimento

(2012) e outros, ainda são poucos os estudos sobre os municípios da Baixada Cuiabana.

É oportuno salientar que a escolha pelos quatro municípios da Baixada Cuiabana

como campo de pesquisa deu-se em razão da semelhança entre o processo histórico de

ocupação populacional e a diversidade cultural dessa região com as demais, todas

constituídas basicamente pela influência negra.

1.1 Caracterização do local da pesquisa: a região da Baixada Cuiabana

Localizada na região Centro Oeste do Brasil e no Estado do Mato Grosso, a

Baixada Cuiabana abrange uma área territorial de 85.369.70 km². É formada por 14

municípios2, cujo processo de ocupação corresponde à fundação da capital Cuiabá. São

eles: Cuiabá (1719); Poconé (1831); Rosário Oeste (1833); Nossa Senhora do

Livramento (1883); Santo Antonio do Leverger (1899); Várzea Grande (1948); Acorizal

(1953); Barão de Melgaço (1953); Chapada dos Guimarães (1953); Nobres (1963);

Nova Brasilândia (1979); Jangada (1989); Planalto da Serra (1993) e Campo Verde

(1988). Todos originaram-se ao longo do rio Cuiabá.

2 As informações sobre os municípios que compreendem a Baixada Cuiabana foram subtraídos do Portal

da Cidadania de Mato Grosso. Site: http://www.territoriosdacidadania.gov.br. Acesso no dia 10 nov.

2012, às 13h15. As datas de fundação dos municípios foram retirados do Portal do IBGE cidades, site:

www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php. Acesso no dia 12 jan. 2012, às 17h05.

19

A seguir, na figura 1, encontra-se o mapa do Estado do Mato Grosso com seus

respectivos municípios.

FIGURA 1: Mapa do Estado de Mato Grosso

Fonte: http://mapas.geographicguide.net/matogrosso.htm.

A figura 2 traz o mapa de localização dos municípios que compõem a Baixada

Cuiabana.

FIGURA 2: Mapa de localização dos municípios da Baixada Cuiabana

Fonte: http://www.territoriosdacidadania.gov.br

20

Conforme os dados do IBGE (2010) houve evolução na composição da

sociedade brasileira, passando de 191 milhões de residentes em 2009, para 195,2 em

2011. Outro aspecto relevante é o avanço proporcional da população negra (preta e

parda) nos últimos anos, passando de 44,9% para 51,3%.

O Censo ainda informa que Mato Grosso possui uma população de 3.035.122

habitantes. Dentre essa proporção, 968.056 habitantes estão concentrados no território

da Baixada Cuiabana. A tabela 1 a seguir mostra a composição racial de Mato Grosso e

dos municípios da Baixada Cuiabana, com destaque para os municípios pesquisados.

População

Total

Preta

%

Parda

%

Branca

%

Indígena

%

Amarelo

%

Centro Oeste 14.058.094 6,7 49,1 41,1 0,1 1,5

Mato Grosso 3.035.122 7,6 52,4 37,5 1,4 1,1

Baixada Cuiabana 968.056 10,2 57,5 31,0 0,3 1,2

Cuiabá 551.098 12,6 54,3 33,8 0,3 1,4

Poconé 31.779 15,8 65,0 18,4 0,3 0,6

Rosário Oeste 17.679 6,8 69,5 22,7 0,2 0,9

Nossa Senhora do

Livramento

11.609 12,5 71,7 14,8 0,1 1,0

S. Antônio do

Leverger

18.463 9,5 69,5 18,1 2,4 0,5

Várzea Grande 252.596 9,7 60,1 28,9 0,1 1,3

Acorizal 5.516 5,7 68,3 23,3 0,2 2,5

B. Melgaço 7.591 6,7 74,0 17,7 1,2 0,4

C. Guimarães 17.821 7,0 71,1 21,1 0,4 0,4

Nobres 15.002 4,6 61,7 31,7 1,2 0,8

N. Brasilândia 4.587 13,3 59,1 26,1 0,1 1,4

P. da Serra 2.726 5,8 65,7 26,1 1,4 1,1

Campo Verde 31.589 6,6 49,8 42,6 0,2 0,9

TABELA 1: Composição racial de Mato Grosso e dos municípios da Baixada Cuiabana.

Fonte: elaborada pela pesquisadora com base nos dados do Censo Demográfico do

IBGE/Cidades 2010.

Como podemos observar na tabela acima, a maioria da população mato-

grossense é composta por pretos e pardos, atingindo uma proporção de 60%, sendo

7,6% de pretos e 52,4% de pardos.

Para uma melhor compreensão dos municípios que compõem o lócus da

pesquisa, faço uma breve contextualização dos seus aspectos geográficos e processo

histórico de conquista e colonização.

21

Para Rosa e Jesus (2003) conquista e colonização eram práticas de “tomar”

espaço, de “produzir” espaço, de se espacializar. Para os autores, trata-se de processo de

ocupação de uma área por indivíduos vindos de fora do Estado, os colonos, para quem

as invasões territoriais ameríndias eram chamadas de conquistas, e seus movimentos

eram denominados de “largas distâncias”. Diziam ainda que estavam a serviço de

“aumentar a Real fazenda de Vossa Majestade e suas conquistas”. (ROSA e JESUS,

2003 p. 12).

No início do século XVIII, Mato Grosso começa a ser ocupado pelos

bandeirantes paulistas que, a princípio, tinham o interesse de aprisionar indígenas para

mão de obra escrava, mas, com a descoberta de lavras de ouro, passaram a se interessar

pelas pedras preciosas, mudando assim seu foco de interesse. Atraídos pelas descobertas

auríferas e pelo desejo de conquista e colonização, os bandeirantes começaram a ocupar

vários territórios do Estado (FERREIRA e SILVA, 2008).

A Vila de Cuiabá foi fundada em 8 de abril de 1719, às margens do córrego da

Prainha, pelos bandeirantes paulistas Pascoal Moreira Cabral e Miguel Sutil. Tornou-se

cidade em 17 de setembro de 1818, por meio de carta régia assinada por D. João VI e,

em 1835, passou ser capital da província de Mato Grosso. Em 1909 foi reconhecida

como Centro Geodésico da América do Sul. (IBGE, 2011).

Sua evolução educacional deu-se a partir da segunda metade do século XIX com

a fundação de estabelecimentos escolares, dentre eles: O Seminário da Conceição, em

1858; Colégio Imaculada Conceição, em 1870 e o Liceu Cuiabano em 1879.

(SIQUEIRA, 2002).

Também no início do século XIX, diversas mudanças ocorreram no Brasil. Em

Cuiabá, além da paisagem urbana, o ensino também sofreu uma remodelação

consubstanciada na reforma da instrução pública, criando a Escola Normal de Cuiabá,

estabelecimento que tinha como meta a formação de professores primários e a

instalação de Escolas de Aprendizes e Artífices. (SIQUEIRA, 2002).

Atualmente, o município de Cuiabá é capital do Estado de Mato Grosso e está

localizado na região sul do Estado, ocupando uma área territorial de 3.362,755 Km2. De

acordo com os dados do Censo do IBGE-2010, sua população é de 551.098, havendo

mais mulheres do que homens: 269.204 homens e 281.894 mulheres. 98% da população

cuiabana estão concentradas na zona urbana, e apenas 1.9% na zona rural.

Os dados do IBGE (2010) revelam que a composição racial do município está

constituída da seguinte forma: 12,6% de pretos; 54,3% de pardos; 33,8% de brancos;

22

1,4% de amarelo e 0,3% de indígenas. Observa-se que a maioria da população é negra,

totalizando 66,9%, somando-se, então, pretos e pardos.

A proporção de população residente alfabetizada é de 479.720. Já a taxa de

analfabetismo da população de 15 anos ou mais corresponde a 1%. Analisando por

cor/raça, a população negra que representa a maioria das pessoas que não sabe ler e

escrever: pardo, 1,1%; preto, 1,4%; contra apenas 0,7% dos brancos.

O segundo município é Poconé. Surgido por volta de 1777, também devido a

descobertas de ricas jazidas auríferas aluvionais. Apesar das dificuldades próprias à

época, não houve empecilhos para o seu crescimento populacional, o que contribuiu

para a modificação do espaço demográfico do povoado e à sua elevação à categoria de

Arraial, em 1871, com a denominação de São Pedro d’El Rey, em homenagem a Dom

Pedro III, rei de Portugal. (FERREIRA e SILVA, 2008).

O município de Poconé foi criado em 1831, sendo o quarto município instituído

pela província de Mato Grosso.

De acordo com Ferreira (2001), durante o período da Guerra do Paraguai,

Poconé foi grande fornecedor de gados e cavalos para o abastecimento das tropas do

exército brasileiro, tal ato permitiu que o seu nome fosse sinônimo de gente patriótica e

de espírito nacionalista. As principais atividades econômicas do município são a

pecuária intensiva, o turismo ecológico e o extrativismo mineral.

O município de Poconé ocupa uma área territorial de 17.271,014 Km2.

Conforme dados do IBGE 2010, o município possui 31.779 habitantes, sendo a

população masculina em maior proporção: 52,0% homens e 48,0% mulheres. A sua

população urbana é de 72,60%, enquanto que 27,40% estão na zona rural. A

composição racial do município está constituída em 18,4 % de brancos, 15,8 % de

pretos, 65,0% de pardos, 0,3 de indígenas e 1,4 de amarelos. Nota-se que a maioria da

sua população é composta por negros, totalizando 80,8%, somando-se pretos e pardos.

A taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais (15 a 24 anos) em

Poconé, segundo cor/raça é respectivamente: pardo (2.6%), preto (5,7%) e (2.3%) dos

brancos (IBGE, 2010).

A formação do povoado que hoje é Nossa Senhora do Livramento, terceiro

município deste estudo, segundo relatos de Siqueira (2002), deu-se pelo

descontentamento de grande parte dos garimpeiros das lavras de Cuiabá, devido ao

envio de prepostos para a execução de arrecadamento de impostos. Assim, muitos

garimpeiros abandonaram Cuiabá a procura de novas minas. O que levou, então, em

23

1730, os sorocabanos Antônio Aires e Damião Rodrigues, descobrindo ouro à margem

do ribeirão chamado Cocais, a formarem o povoado de Nossa Senhora do Livramento.

(FERREIRA e SILVA, 2008).

Com o esgotamento das lavras e com o cessar da entrada de negros escravizados

na Capitania - os quais eram trazidos para trabalhar na então capital Vila Bela da

Santíssima Trindade e que, de lá, eram transportados para Livramento a fim de realizar

trabalhos nos engenhos de açúcar – a economia de Nossa Senhora do Livramento

passou a se restringir à cultura de subsistência. (SIQUEIRA, 2002).

O município de Nossa Senhora do Livramento foi criado legalmente em 1883,

localizada a 32 km da capital Cuiabá, ocupando uma área territorial de 5.540,73 Km2.

De acordo com os dados do censo do IBGE 2010, atualmente a sua população é de

11.609 habitantes, sendo a proporção de homens maior do que a de mulheres. A maioria

da população vive na zona rural, 63,5% e 36,5% na zona urbana.

A composição racial do município está constituída em 14,8% de brancos, 12,5%

de pretos, 71,7% de pardos, 1,0% de amarelos e 0,1% de indígenas. Nota-se que a

maioria da sua população é negra, totalizando 84,2 %. Considerando a proporção de

pretos e pardos, possui a maior população negra em relação aos outros municípios da

Baixada Cuiabana.

Suas principais atividades econômicas são a pecuária, agricultura de

subsistência, com destaque para a produção de bananas.

O Município de Várzea Grande é vizinho da capital Cuiabá, separada apenas

pelo Rio Cuiabá, possuindo um território de 949,53 Km2. A história de Várzea Grande

se inicia com sua fundação em 15 de maio de 1867, pelo Presidente da Província, Dr.

José Vieira de Couto Magalhães, homem de confiança do Imperador D. Pedro II. Seu

processo de ocupação foi diferente de Cuiabá, Poconé e Livramento, isto é, não ocorreu

devido à exploração de minas de ouro, mas em função da guerra do Paraguai. O então

Presidente da Província, temendo massacre dos paraguaios que eram cidadãos civis e

moravam em Cuiabá, criou um acampamento militar, servindo de campo de

prisioneiros, evitando o confronto com os soldados no período da guerra. A partir

daquele momento foi formado o povoado denominado de Várzea Grande por estar

localizado em uma enorme várzea (TAVARES, 2011).

Segundo Tavares (2011), os primeiros habitantes do povoado foram os índios

Guaná, que tinham desenvoltura no manejo com canoas e dominavam a arte da

navegação. Eram vinculados ao cultivo da terra, ao comércio de troca e hábeis na

24

fabricação de redes e cerâmicas. O mesmo autor elucida que, com o processo de

ocupação e de ouro pela região de Cuiabá, os Guaná foram arrastados para a região

pantaneira, não havendo mais nenhum vestígio de descendente nato desse povo na

Região.

Em relação à presença de sistema escravista no processo de ocupação de Várzea

Grande, Tavares diz que “a quantidade notável de negros constitui indícios indiscutíveis

de que o povoado possuiu escravos e senhores” (TAVARES, 2011, p. 55).

O município várzea-grandense desmembrou-se de Cuiabá em 1948, pela Lei

Estadual nº 126, de 23 de setembro e se tornou uma cidade industrial devido sua

economia destacar-se por indústria e comércio. (IBGE, 2011).

De acordo com os dados do IBGE (2010), a população do município é de

252.709 mil habitantes. Em Várzea Grande, a proporção de mulheres é superior aos dos

homens, sendo, respectivamente, 50,40% e 49,60%. A maior parte da sua população

mora na zona urbana 98,50%, enquanto apenas 1,50% concentram-se na zona rural.

Sua composição racial é de maioria negra, com a proporção de 69,8% (9,7% de

pretos e 60,1% de pardos), 28,9% equivalente aos brancos, 1,3% amarelos e 0,1% de

indígenas. Comparando a proporção de negros existente no município, a quantidade é

menor que as dos municípios de Cuiabá, Poconé e Nossa Senhora do Livramento, mas é

maior que a proporção em Mato Grosso.

Segundo dados do IBGE-2010, a população várzea-grandense composta por

pretos e pardos representa a maioria das pessoas que não sabem ler e escrever: 2,28% de

negros contra, apenas, 0,80% dos brancos.

No tocante à educação pública de ensino básico, Várzea Grande conta

atualmente com 60 escolas municipais e 44 estaduais. Em relação ao ensino público

superior, no momento estão sendo construídos dois campi, um da Universidade Federal

de Mato Grosso (UFMT) e outro do Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia (IFMT).

É importante ressaltar que ao caracterizar os quatro municípios de origem das

professoras, cujas trajetórias de vida são pesquisadas, percebe-se que, em cada um

deles, o índice de analfabetismo concentra-se majoritariamente entre os negros. Essa

realidade é resultado de um processo histórico de exclusão da população negra ao

acesso à educação formal, por conta da forte presença de discriminação racial nos

diferentes setores educacionais.

25

Essa taxa de analfabetismo acentuada na população negra desses municípios

evidencia o retrato das desigualdades raciais em nosso país. Tal fato é comprovado pelo

IBGE via dados do PNAD de 2009, dos 14,1 milhões de brasileiros analfabetos entre a

população acima de 15 anos de idade, a categoria de pretos e pardos ainda possui

respectivamente 13,3% e 13,4%, contra 5,9% dos brancos. Esses números revelam que

o analfabetismo ainda é um dos graves problemas enfrentado pela população negra que

detém o dobro do percentual de analfabetos em relação à população branca. Dessa

forma, considerando que a maior proporção da população desses municípios é composta

de negros, cabe nos dizer que, certamente, a maioria desta população vai apresentar

defasagem no seu processo de escolarização e mobilidade social.

1.2 Procedimentos metodológicos e instrumentos de coletas de dados

Ao pensar em realizar esta pesquisa, preocupei-me na escolha dos instrumentos

metodológicos que pudessem corresponder aos objetivos propostos a investigar.

Certamente, levanto essa questão porque acredito que estudar trajetórias de vida

impulsiona a adentrar num universo subjetivo do ser humano, em que cada um expõe

suas particularidades condicionadas a sentimentos, significados, vivências, interações,

conflitos, lutas, resistência e superação.

Para Bourdieu (1986), trajetória significa uma série de posições

consecutivamente tomadas por um agente em um espaço, ele próprio em devir e

submetido a mudanças incessantes.

Compreender uma trajetória de vida, segundo Bourdieu (1986), significa:

[...] ter previamente construído os estados sucessivos do campo no

qual ela se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que

uniram o agente considerado – pelo menos em certo número de

estados pertinentes – ao conjunto dos outros agentes envolvidos no

mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis. (p.

190).

O autor considera que trajetória implica num conjunto das posições

consecutivamente tomadas por um agente e um espaço, ele próprio em devir, e

submetido a mudanças incessantes. Para ele, essa construção prévia conduz a uma série

de caracteres ocupada de forma simultânea num dado momento por uma

individualidade biológica socialmente construída e que também “age como suporte de

26

um conjunto de atributos e atribuições que lhe permitem intervir como agente eficiente

em diferentes campos” (BOURDIEU, 1986, p. 181).

Nessa perspectiva, os acontecimentos da vida cotidiana resultam em

experiências acumuladas ao longo da vida e entrelaçam nas interações interpessoais, o

que, segundo Marre (1991, p. 128), “quando o indivíduo vivencia e relata sua trajetória,

se identifica a um grupo social do qual ele é elemento constitutivo”.

Dessa forma, as trajetórias de vida aqui estudadas devem ser concebidas como

algo em movimento, que transita socialmente de um espaço a outro, pois os sujeitos

estão em constantes processos de transformações.

Para a realização deste estudo foi escolhida a pesquisa qualitativa por considerar

que essa forma de abordagem tem sido valorizada por responder a questões muito

particulares das relações sociais, além de permitir também a compreensão da ação

humana a partir de uma realidade vivida e partilhada com o outro, como bem destaca

Minayo (2007, p.21): “[…] ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos,

das aspirações, crenças, valores e atitudes […] e que o universo da produção humana no

mundo das relações, das representações e intencionalidade dificilmente pode ser

traduzido em números e indicadores quantitativos”.

Ao optar pela abordagem qualitativa como estratégia de pesquisa, busco

evidenciar fatos relevantes ocorridos nas trajetórias de professoras negras, procurando

desvendar nas experiências vividas, riquezas inexploradas nas vozes das pesquisadas,

documentá-las para que possa servir de referência para outros estudos.

Dentro da pesquisa qualitativa, uma das metodologias é a da história oral. Optei

por essa metodologia porque ela consiste em resgatar, por meio da oralidade, a

historicidade do cotidiano das pessoas. Por isso, considerando a importância dos relatos

para a história oral, busquei conhecer as trajetórias de vida das professoras negras da

Baixada Cuiabana, por essa metodologia se mostrar uma valiosa fonte de coleta de

dados, possibilitando trabalhar com pessoas com faixa etária e posições sociais variadas.

Desde a Antiguidade, a oralidade já era utilizada para transmitir conhecimentos,

tradições, costumes. Assim, ela é considerada tão antiga quanto a própria história. Na

perspectiva de problematizar e colocar as questões atinentes ao uso da História Oral,

busquei dialogar com Queiroz (1991); Thompson (1992) e Meihy (2005) entre outros,

cujos estudos trazem a história oral como método de pesquisa.

Queiroz (1991) salienta, entre outros aspectos, que o relato oral busca realmente

a conexão entre o vivido e o presente, por isso se “constitui a maior fonte humana da

27

difusão do saber e a maior fonte de dados para as ciências em geral” (p. 2). A autora

ressalta que aquilo que foi transmitido por alguém e transcrito se transforma numa fonte

documental, com o mesmo valor de qualquer outro texto escrito.

Segundo Thompson (1992), a história oral trata de vidas individuais, permitindo

uma vasta pluralidade de opiniões, uma vez que a realidade é composta de múltiplas

situações e destaca:

[…] baseia-se na fala, e não na habilidade da escrita, muito mais

exigente e restritiva […] a história é registrada em palavras faladas,

por isso, o uso da voz humana, viva, pessoal, peculiar, faz o passado

surgir no presente de maneira extraordinariamente imediata. As

palavras podem ser emitidas de maneira idiossincrática, mas por isso

mesmo, são mais expressivas. Elas insuflam vida na história. (p.41).

Nesse contexto, devemos levar em consideração que:

A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela

lança a vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de

ação. Admite heróis não só dentre os líderes, mas dentre a maioria

desconhecida do povo. Estimula professores e alunos a serem

companheiros de trabalho. Traz a história para dentro da comunidade

e extrai a história de dentro da comunidade. (THOMPSON, 1992, p.

44).

A experiência com o método nos moldes sociológicos levou Thompson (1992) a

compreender a riqueza e a relevância do conhecimento dos sujeitos anônimos para a

construção da história social. Porquanto, ouvir pessoas, revelou-as como importantes

testemunhas do passado, sempre com algo interessante a dizer.

Para Meihy (2005), o que marca a história oral como “história viva” é o fato de

ela ser um registro de experiências de pessoas vivas e expressão autêntica do “tempo

presente”, que deve responder a um sentido de utilidade prática, pública e imediata,

tendo como razão de ser a presença do passado, mas não como um processo acabado.

Dessa forma, para o autor, esse elo entre presente e passado garante significado social à

vida de depoentes e leitores, que passam a entender a sequência histórica e a se sentir

parte do contexto em que vivem (MEIHY, 2005, p. 19).

De acordo com Thompson (apud SANTOS 2007, p. 15), o principal mérito da

metodologia da história oral é que possibilita amplitude e permite recriar uma

multiplicidade original de ponto de vista, uma vez que a realidade é complexa e

multifacetada. Outro ponto importante é que essa metodologia tende a ser imparcial,

uma vez que é dada a voz aos envolvidos.

28

Em pesquisas desenvolvidas com aposentados e aposentadas (GONÇALVES,

2006), professoras negras (SANTANA, 2011) e outras como as realizadas por

pesquisadores do NEPRE, como sobre professores negros universitários (SANTOS,

2007); alunos negros do ensino médio (JESUS, 2010); professoras migrantes (BONI,

2011); trajetória de sucesso de mulheres negras (NASCIMENTO, 2012), a história oral

tem trazido à tona, a partir da investigação da realidade desses sujeitos, questões

relevantes que antes simplesmente não haviam sido pesquisadas.

Assim, esta metodologia, ao dar a voz aos sujeitos, procura estabelecer uma

interlocução entre o passado e o presente, envolvendo a realidade cotidiana que a pessoa

viveu de forma participativa. Por conseguinte, a possibilidade de dar voz às

pesquisadas, conhecer suas histórias de vida, trazer à tona as suas vivências, carências,

labutas e sucessos na perspectiva dessa metodologia é ter a oportunidade de mostrar à

sociedade um pouco da luta de mulheres negras professoras que, embora encontrassem

no dia a dia uma série de complicações ocasionadas por uma história distorcida do povo

negro, vítimas do silenciamento e de omissões, conseguiram romper barreiras

contornando obstáculos e partilhando vitórias.

Após definir a história oral como método, fez-se a opção pela técnica de coleta

da história de vida, por concebê-la como um instrumento capaz de captar a

subjetividade da pessoa, isto é, permitir reportar a um passado repleto de sentimento,

emoções, valores, perspectivas e superação, envolvendo a si e aos outros. Diante desse

contexto, tornou-se necessário o diálogo com autores como Jacques Léon Marré (1991);

Maria Isaura Queiroz (1991); Becker (1993); Bourdieu (2005) e Gonzaga (2011) que

legitimam o uso da história de vida como forma de apreender a essência da

subjetividade do ser humano por meio da liberdade da fala sobre sua existência e

experiências vivenciadas.

Segundo Marré (1991, p. 128), é na história de vida que “o indivíduo vivencia e

relata sua trajetória, se identifica a um grupo social do qual ele é elemento constitutivo”.

Portanto, essa interação estabelecida com o grupo e com a sociedade está vinculada à

singularidade de seus relatos.

Queiroz (1991) explica que a história de vida é o relato de um narrador sobre

sua existência por meio do tempo, tentando reconstituir as passagens que vivenciou e

transmitir a experiência acumulada ao longo da vida. De acordo com o autora, é

responsabilidade do pesquisador estar atento para captar também aquilo que transpõe o

29

caráter individual do que é transmitido e inserido nas coletividades a que o sujeito

pertence.

A história de vida apreende o que advém do cruzamento da vida individual com

o social e que, uma vez transcrita, transforma-se num documento semelhante a qualquer

outro texto escrito. Enfatiza Queiroz que na história de vida as informações não são

esgotáveis, isto é, sempre há um novo detalhe a acrescentar.

Ao colher um depoimento, o colóquio é dirigido diretamente ao

pesquisador; pode fazê-lo com maior ou menor sutileza, mas na

verdade tem nas mãos o fio da meada e conduz a entrevista. Da ‘vida’

de seu informante só lhe interessam os acontecimentos […]

conhecendo o problema, busca obter do narrador o essencial, fugindo

do que lhe parece supérfluo e desnecessário. Na história de vida,

embora o pesquisador sub-repticiamente dirija o colóquio, quem

decide o que vai relatar é o narrador, diante do qual o pesquisador

deve se conservar tanto quanto possível silencioso […] as

interferências devem ser reduzidas, pois o importante é que sejam

captadas as experiências do entrevistado. (QUEIROZ, 1991, p. 7).

Nesse sentido, na relação pesquisador e pesquisado, o primeiro deve se manter

atento a escutar mais do que a intervir, para que possa apreender informações de forma

mais cuidadosa.

Para Bourdieu (2005) falar de história de vida pressupõe que a vida é permeada

por história, e que esta é ligada a um conjunto de passagens de uma existência

individual concebida como uma história e o relato dessa história. Segundo o autor, a

história de vida “É o que diz o senso comum, isto é, a linguagem simples, que descreve

a vida como um caminho, uma estrada, uma carreira, com suas encruzilhadas, seus ardis

e até mesmo suas emboscadas […]”. (p.183).

Contudo, Bourdieu (2005) recomenda que o pesquisador deve estar atento para

não confundir o que é científico do que é senso comum. Prossegue o autor considerando

que lidar com história de vida, é estar diante de relatos coerentes, compostos de

acontecimentos desencadeados a partir de uma sequência lógica estabelecida pelo autor,

em que significados estão presentes. Há até mesmo uma imagem a ser preservada e a

coerência com a reafirmação dessa imagem. No decorrer desta pesquisa, isto ficou

evidente, quando me deparei com o depoimento de uma das entrevistadas. Ela, por ser

uma figura de destaque na escola, apresentou um discurso virtuoso, encaixando a sua

identidade pessoal e profissional, buscando reforçar a preservação de sua imagem.

Bourdieu parte do princípio de que ao compreender uma vida, não se deve

concebê-la como uma “série única”, pois os indivíduos se desenvolvem em espaços

30

distintos e estão em constante construção, portanto, os acontecimentos biográficos são

deslocamentos em arcabouços sociais. (BOURDIEU, 2005).

Nesse sentido, o autor chama a atenção para a relação estabelecida entre o

pesquisador e o pesquisado, alertando que a proximidade social e a familiaridade entre

ambos contribuem para uma comunicação “não violenta”, garantindo, por um lado, a

ausência de ameaças de ver suas razões subjetivas reduzidas a causas objetivas e, por

outro, um acordo consensual referente ao conteúdo e à forma de comunicação produzida

por sinais não verbais coordenados pelos verbais, o que favorece a interpretação.

Consequentemente, ao utilizar a técnica de história de vida, foi possível captar a

compreender parte das situações vivenciadas pelas professoras, revelando suas

experiências positivas e negativas tanto em relação à vida pessoal como profissional.

A história de vida pode ser contada através de entrevista. Nessa perspectiva,

como forma de apreender a história de vida das professoras, utilizou-se a técnica da

entrevista considerada por Queiroz (1991) como a forma mais antiga e mais difundida

de coleta de dados orais nas ciências sociais e representa, sobretudo, um importante

instrumento pela forma de interação que se estabelece entre o pesquisador e o

pesquisado.

Embora Jean Poupart (2008, p. 225) reforce que “nenhuma entrevista pode

apreender a totalidade de uma experiência, nem mesmo a entrevista que se prolonga por

várias seções, como no caso, às vezes, das histórias de vida”. Neste estudo, ela foi

utilizada por considerá-la oportuna para o estabelecimento de uma conversa em que se

busca informações trazidas nas histórias de vida das professoras.

Retomando Queiroz (1991, p. 6), a autora enfatiza que “a entrevista supõe uma

conversação continuada entre o informante e o pesquisador” que, como é ele quem

conduz a entrevista, esta pode seguir um roteiro previamente elaborado ou atuar

aparentemente sem roteiro e ir se desenvolvendo conforme assuntos já organizados e

memorizados pelo pesquisador.

Ao utilizar a entrevista em sua pesquisa sobre trajetória de professoras negras,

Nascimento (2012) percebeu que o processo da comunicação verbal e não verbal de

concordância com o entrevistado garante boa continuação da relação, o que, segundo a

autora, “as expressões faciais, gestos, olhares, sorrisos, os “sim, ok, não”, demonstrados

pelo pesquisador são sinais de feedback que usados em concordância com as falas das

depoentes , estimulam sua participação na entrevista”. (p. 28).

31

Desse modo, foi organizado um roteiro contendo os principais assuntos a serem

investigados: as experiências escolares e vivenciadas pelas professoras como: aspectos

da infância, relações familiares, relacionamento na adolescência; trajetória escolar e

profissional; inserção no mercado de trabalho; experiências raciais, sentimentos

provocados, reação e enfrentamento; a busca pela ascensão social; trabalhos

desenvolvidos na escola acerca das questões raciais; aspectos que motivaram a fazer

esse trabalho; a participação da comunidade escolar e resultados do trabalho efetivado; a

visão em relação à participação de pessoas negras frente às discussões raciais na escola

e a visão sobre a responsabilidade profissional.

É importante ressaltar que as perguntas não ficaram restritas ao roteiro. No

decorrer dos depoimentos foi surgindo a necessidade de se fazer outras perguntas, uma

vez que, em alguns momentos, elas relatavam fatos importantes como as que remetiam

a situações de discriminação racial, mas logo silenciavam e mudavam de assunto. Desta

forma, eu anotava e, posteriormente, retomava o assunto. Para proteger a privacidade

das depoentes, seus nomes foram mantidos no anonimato, utilizados, portanto, nomes

fictícios. O roteiro elaborado se encontra no Anexo desta dissertação

.

1.3 A seleção das informantes

A escolha dos municípios de Cuiabá, Poconé, Nossa Senhora do Livramento e

Várzea Grande como locais para a realização deste trabalho se deu devido à

pesquisadora ter informações sobre a presença maciça de pardos e pretos na composição

racial dessas cidades.

Para a seleção das participantes, a pesquisadora levou em consideração os

seguintes critérios: mulheres, negras e professoras, que lecionam na rede pública de

ensino e que, de preferência, desenvolvem ou desenvolveram projetos e/ou atividades

voltadas para as questões raciais, com a intenção de entender quais os motivos as

levaram realizarem ou se envolverem nesses trabalhos.

A partir da escolha dos municípios, busquei fazer contatos com professoras

negras atuantes em sala de aula ou em cargos como direção e/ou coordenação

pedagógica de escolas municipais ou estaduais.

Em Cuiabá, estabeleci contato direto com as professoras, pois, por conhecê-las,

não houve necessidade de indicação. Das cinco professoras, quatro trabalham na rede

municipal e uma na rede estadual.

32

Em Poconé, os primeiros contatos se deram com a ajuda de colegas que

moravam ou trabalhavam no município, as quais me forneceram o número de telefone

das professoras e indicaram o nome de uma escola estadual que havia concorrido e

ganhado um prêmio do SINTEP3/MT por trabalhar com projeto contemplando as

questões raciais. Após o contato via telefone, depois de explicar sobre o objetivo do

contato, as professoras acordaram o dia e horário para um contato pessoal. Das quatro

professoras entrevistadas, todas trabalhavam na escola estadual premiada. Ao chegar à

escola, apresentei-me à direção e expliquei a intenção do meu trabalho, foi, então,

permitida a conversa com as professoras.

Em Nossa Senhora do Livramento, as informações foram repassadas por meio

da Secretaria de Educação. Ao perguntar em quais escolas havia professoras negras que

desenvolvessem trabalho sobre questões raciais, a atendente respondeu que havia muitas

professoras negras numa escola estadual situada na área de reminiscência quilombolas.

Dirigi-me à escola indicada pela atendente, conversei com as professoras, apresentei a

intenção do meu trabalho e seis professoras aceitaram participar da pesquisa.

Sobre essa questão, Petruccelli (2007) enfatiza que o ato de classificar não

exerce num contexto de neutralidade, ela está impregnada de uma relação de dominação

simbólica entre um “sujeito” que categoriza e um “objeto” que é categorizado. Segundo

o autor, “esta operação tem sido naturalizada, de forma que o produto de uma

construção social aparece como fundamento natural de uma divisão arbitrária” (p. 118).

No município de Várzea Grande, a princípio eram cinco entrevistadas, três da

rede municipal e duas da estadual. Com as três, o contato foi diretamente estabelecido

entre a pesquisadora e as professoras, por também já tê-las conhecido. Outras duas

foram indicadas por colegas, que forneceram o telefone para contato.

A princípio foi definido pela pesquisadora que o número de depoentes seria

igual para cada município, ou seja, cinco. Porém, uma professora de Várzea Grande,

após várias tentativas de contato via ligação telefônica, e encontros desmarcados,

informou-me que não participaria da pesquisa alegando falta de tempo. Os contatos não

foram retomados e a pesquisadora acabou por optar por uma professora negra do

município de Nossa Senhora do Livramento, a qual manifestou interesse em ser

3 Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso, filiado a Confederação Nacional dos

Trabalhadores – CNTE e a Central Única dos Trabalhadores- CUT. Representa todos os profissionais da

educação básica em âmbito estadual e municipal.

33

entrevistada, por isso em Várzea Grande foram quatro entrevistadas e em Nossa

Senhora Livramento, seis.

Nesse caminhar, consegui a adesão das 20 professoras, a qual culminou na

organização de um cronograma de agendamento contendo os nomes, o horário e local

de realização das entrevistas.

Mesmo acordados data, horário e local entre pesquisadora e pesquisadas, em

alguns momentos não foi possível realizar as entrevistas, tendo em vista alguns

contratempos, como o ocorrido em Poconé, onde uma professora não compareceu ao

trabalho alegando à direção da escola problemas de saúde, e em Cuiabá uma professora

teve de se ausentar por motivo de reunião com equipe da Secretaria de Educação. Logo,

essas entrevistas tiveram de ser transferidas para outras datas.

Algumas professoras de Cuiabá e Várzea Grande já tinham uma aproximação de

amizade com a pesquisadora. Para Bourdieu (2005), é preciso ficar atento para a

proximidade social e familiaridade entre o pesquisador e o pesquisado, pois, de um

lado, pode contribuir para uma comunicação “não violenta” e, de outro, deve ter limites,

posto que uma proximidade muito intensa pode contribuir na passagem de alguma

informação subjetiva significante. Segundo Bourdieu, a relação de pesquisa é uma

relação social, que exerce efeitos sobre os resultados obtidos.

Dessa maneira, seguindo um roteiro de entrevista, das vinte depoentes

selecionadas, quinze entrevistas foram feitas no local de trabalho e cinco na residência

das professoras. Isto é, no local de trabalho. Foram realizadas duas entrevistas em

Cuiabá, cinco em Poconé, cinco em Nossa Senhora do Livramento e duas em Várzea

Grande; já na residência, foram três entrevistas em Cuiabá, uma em Nossa Senhora do

Livramento e duas em Várzea Grande.

As professoras que optaram em fazer a entrevista em casa alegaram que no

trabalho havia muito ruídos que poderiam atrapalhar a concentração. As que escolheram

fazer no próprio local de trabalho, disseram que, por trabalharem em dois turnos, não

haveria tempo disponível para a pesquisa. Para a realização da coleta de dados no local

de trabalho, em todos os municípios desta pesquisa, houve a colaboração da direção das

escolas, que cedeu um espaço e liberou as professoras de suas funções durante as

entrevistas.

34

1.4 O perfil das professoras

Para a efetivação deste estudo, considerei necessário levantar alguns aspectos

pessoais e profissionais das entrevistadas: idade, local de nascimento, formação

acadêmica e instituição formadora, rede de ensino em que lecionava, situação funcional

e tempo de exercício no magistério. Como já dito, foram coletadas histórias de vida de

vinte professoras.

Os quadros a seguir, todos elaborados pela pesquisadora em 2013, apresentam o

perfil das entrevistadas e seus respectivos municípios.

Cuiabá

Professora Idade Natural Formação Instituição

Formadora

Rede

ensino

Situação

Funcional

Tempo

Exercício

Amália 48 Rosário Oeste Pedagogia Privada Mun. Efetiva 22

Ana Lúcia 53 Rondonópolis Pedagogia Privada Est. Efetiva 27

Júlia 47 São Paulo Ed. Física Pública Mun. Efetiva 19

Marina 46 Cuiabá Geografia Pública Mun. Efetiva 21

Raquel 48 Cuiabá Pedagogia Pública Mun. Efetiva 24

Quadro 1: perfil das mulheres negras entrevistadas na cidade de Cuiabá.

Poconé

Professora Idade Natural Formação Instituição

Formadora

Rede

ensino

Situação

Funcional

Tempo

exercício

Carla 36 Poconé Pedagogia Privada Est. Contrato 10

Nilda 35 Poconé Geografia Pública Est. Contrato 11

Joelma 30 N.S. Livram. Pedagogia Privada Est. Efetiva 02

Lídia 35 Poconé Letras Privada Est. Efetiva 15

Vânia 38 Poconé Geografia Pública Est. Efetiva 15

Quadro 2: perfil das mulheres negras entrevistadas na cidade de Poconé

Nossa Senhora do Livramento

Professora Idade Natural Formação Instituição

Formadora

Rede

ensino

Situação

Funcional

Tempo

Exercício

Eva 43 N.S.Livram. Pedagogia Privada Est. Efetiva 22

Fátima 38 N.S.Livram. Pedagogia Privada Est. Contrato 19

Ivete 33 Cuiabá Ed. Física Privada Est. Contrato 05

Joana 42 Cuiabá Pedagogia Pública Est. Contrato 05

Leda 34 N.S.Livram. Pedagogia Privada Est. Efetiva 14

Rita 59 N.S. Livram. Pedagogia Privada Est. Contrato 37

Quadro 3: perfil das mulheres negras entrevistadas na cidade de Nossa Senhora do Livramento

Várzea Grande

Professora Idade Natural Formação Instituição

Formadora

Rede

ensino

Situação

Funcional

Tempo

Exercício

Denise 36 V.G. Pedagogia Pública Mun. Efetiva 20

Olga 57 N.S Livram. Letras Privada Mun. Efetiva 30

Ruth 30 Cuiabá Biologia Privada Mun. Contrato 12

Vera 35 V.G. Pedagogia Privada Est. Efetiva 29

Quadro 4: perfil das mulheres negras entrevistadas na cidade de Várzea Grande

35

Observando os quadros, nota-se que as idades das docentes variam entre 30 a 59

anos, sendo que 10 professoras estão na faixa etária de 30 a 40 anos, e 10 na idade entre

41 a 59 anos.

Em relação ao local de nascimento, a grande maioria das professoras é natural

do Estado de Mato Grosso, dos seguintes municípios: cinco de Cuiabá; seis de Nossa

Senhora do Livramento; quatro de Poconé; duas de Várzea Grande; uma de

Rondonópolis e uma de Rosário Oeste. Apenas uma professora é natural do Estado de

São Paulo.

Quanto à formação acadêmica, todas possuem curso superior. Dentre as

graduações, treze são formadas em Pedagogia, duas em Letras, duas em Educação

Física, duas em Geografia e uma em Ciências Biológicas.

A maioria das entrevistadas possui curso de especialização, apenas uma declarou

não possuir, justificando que preferiu, no momento, priorizar a família, principalmente

dar mais atenção ao filho de dois anos de idade, ainda muito dependente. É importante

ressaltar que cinco das pesquisadas manifestaram que fizeram curso de especialização

sobre relações raciais ofertado pelo NEPRE/UFMT, e uma delas conseguiu ingressar no

curso de mestrado nessa mesma linha de discussão.

Estudar em uma universidade pública foi o desejo de todas as professoras, porém

somente sete conseguiram ter acesso ao ensino superior público. Uma na UNEMAT e

seis na UFMT. Treze delas fizeram suas graduações em faculdades particulares e

declararam terem enfrentado muitas dificuldades para pagar o curso.

Todas as professoras lecionam na rede pública de ensino, sete declararam

trabalhar na rede municipal e treze na rede estadual, sendo que o tempo no exercício do

magistério varia entre 09 a 30 anos. No que se refere à situação funcional, 16 são

efetivas (concursadas) e apenas 04 são interinas (contratadas).

No momento da entrevista, a maioria das entrevistadas afirmou serem casadas e

ter filhos, algumas declararam serem as principais provedoras de seus lares. Essa

situação de as professoras estarem na condição de chefe de família é explicada pelas

análises recentes realizadas pelo PNAD (2011), baseado nas estatísticas do IBGE de

2009, que informa o aumento de mais de 10 pontos percentuais na proporção de

famílias chefiadas por mulheres.

Em relação à origem familiar, a maioria das professoras disse que nasceram na

zona rural e depois seus pais mudaram para a cidade em busca de melhores condições

36

de vida. As professoras relataram que vieram de famílias de baixa renda e dentre as

vinte entrevistadas, somente os pais de uma professora concluíram o Ensino Médio, os

das demais têm ensino primário completo/incompleto.

Algumas relataram que devido às dificuldades financeiras, ou por questão de dar

continuidade aos estudos, tiveram de viver longe dos pais, morando sozinhas, ou com

parentes ou com pessoas próximas à família, como é o caso da professora Denise, do

município de Várzea Grande, cujo relato aponta que devido à necessidade de dar

prosseguimento aos estudos, ela e seus irmãos ainda adolescentes tiveram de sair da

zona rural e passaram a morar sozinhos na cidade.

Outro fator importante registrado nas trajetórias das professoras refere-se às

relações sociais estabelecidas, isto é, algumas depoentes afirmaram que se sentiam mais

a vontade aproximando-se de pessoas negras. Essa identificação pode ser percebida na

fala da professora Amália.

[...] depois vim pra Cuiabá, e trabalhei na Escola 15 de Maio […]. Lá

eu senti mais a vontade, porque tinha mais gente de cor, tinha mais

negros, tinha minha tia, meu tio Antonio, Candinha, a irmã dela e

outra professora. Falei gente, como que a gente pode ser desse jeito,

a gente sente assim arredio junto das pessoas mais claras […].

(Amália, Cuiabá).

É possível que sensação de bem-estar manifestada pela depoente nas relações

estabelecidas com pessoas do mesmo pertencimento racial, deve-se ao fato de, num

primeiro momento, sentir-se livre de olhares enviesados lançado cotidianamente sobre o

negro, e a pensar que o outro, por ser negro, passou por experiências de discriminação

semelhantes as suas, reconhecendo-se e se identificando com cada um deles.

Cabe salientar que valorizar a história e a cultura referentes ao seu

pertencimento racial contribui para o reconhecimento e a afirmação da identidade racial.

1.5 Classificação da cor e a identidade racial no jogo das relações sociais

A questão da cor e da classificação racial no Brasil sempre foi complexa,

causando divergências e convergências. Para Petruccelli (2007) a problemática da

identificação étnico-racial e da identidade remete ao contexto mais amplo do conjunto

de relações sociais e de suas representações, portanto, “o ato de classificar está na base

da operação do pensar, do processo de elaboração de conhecimento e de

reconhecimento” (p.9). Ainda, segundo o autor, “as pessoas são objetos de

37

discriminação ao serem percebidas por uma construção compartilhada culturalmente

como portadoras de traços que remetem a uma determinada categoria racial”

(PETRUCCELLI, 2007, p.147).

Para classificar a cor das depoentes foram estabelecidos dois critérios: primeiro

pela autoclassificação das entrevistadas utilizando-se de pergunta aberta e, depois, a

classificação feita pela pesquisadora, ou seja, a heteroclassificação, ambos os métodos

em consonância com os do IBGE. Busquei identificar as professoras tendo como

referência a cor da pele, por ser o Brasil um país onde a cor da pele tem sido

historicamente a marca de classificação racial.

Segundo Petruccelli (2007), de acordo com a sua aparência ou cor, as pessoas

são alvos de práticas de discriminação, principalmente as de origem indígenas e as mais

escuras, percebidas como as mais próximas de origens africanas.

Para Nogueira (2006), diferente dos Estados Unidos, onde a discriminação se dá

pela origem, isto é, - a sociedade é dividida em dois grupos, como duas castas ou

sistema social paralelo, com consciência própria, porém impermeáveis um ao outro,

embora participem da mesma cultura - no Brasil, o preconceito é de marca, ou seja,

“[…] se exerce em relação à aparência […] quando torna por pretexto para as suas

manifestações os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os gestos, o sotaque […]” (p.

292). O autor revela que o preconceito advindo da cor opera sobre suas vítimas não

apenas de fora, mas também de dentro, por meio da autoconcepção e da autoavaliação.

Como destaca Guimarães (2012, p.11), o preconceito de cor ou de raça tem

geralmente como alvo o negro, o preto, o amarelo, o pardo ou o vermelho (pele

vermelha), mas dificilmente o branco. Para o mesmo autor, no Brasil, a palavra cor está

relacionada às ideias de raça e aparência.

Portanto, classifiquei a cor das professoras tendo como base as categorias de

classificação racial segundo os pesquisadores do IBGE, ou seja, preto e pardo, que

corresponde ao termo negro. A autodenominação racial ocorreu no momento das

entrevistas. A autoclassificação feita pelas entrevistadas não seguiu uma proposição de

opções de identificação racial, mas abordada por meio de uma pergunta aberta: como

você se autoclassifica em relação a sua cor? Dessa forma, a autoclassificação das

professoras segundo cor/raça ficaram assim ilustradas, conforme gráfico 1 a seguir.

38

Gráfico 1: autoclassificação racial das professoras.

Já na classificação da pesquisadora, o resultado foi diferente em relação ao

critério cor pautada na classificação do IBGE, conforme demonstrado no gráfico 2.

Gráfico 2: classificação da pesquisadora – classificação IBGE.

Fazendo a comparação dos resultados entre a autoclassificação das professoras e

a feita pela pesquisadora, pode-se perceber que não houve muita divergência em relação

ao aspecto quantitativo tendo em vista que das 20 entrevistadas, 4 se autoclassificaram

abertamente como preta, 1 como parda e 14 como negra. Isto é, as professoras ao se

autodeclararem como “negra”, contemplaram a categoria estabelecida pelo IBGE, que

correspondem a cor preta e parda.

39

Durante a entrevista, uma professora demonstrou certo receio de se autodefinir

em relação a sua cor, abordando a questão da variedade de origens étnicas concentrada

nos seus antecedentes, considerando ser fruto dessa mistura, optando, a princípio, pelo

termo multiétnica.

[...] eu poderia dizer que sou multiétnica, gosto muito de saber

minhas origens. Eu conheci meu avô que era descendente de uma

escrava com um filho de um dono dela. Ele morreu bem idoso […]

nessa combinação toda, minha mãe é bem negra e já meu pai é bem

claro. Dentro da minha família, eu sou a que tenho a pele mais clara.

Para meus parentes sou branca, mas fora de lá outros me veem como

negra, porque tenho bastante orgulho, gosto de saber da minha

história, queria até ser mais escura, mas morena, mas também não

excluo a outra parte, na verdade eu sou a junção de tudo isso (Nilda,

Poconé).

Essa professora, ao que parece, busca fazer associação da própria cor a partir do

reconhecimento da cor dos pais ou dos avós, fazendo alusão a misturas raciais. Ao se

referir ao pai claro, possivelmente percebe-o como branco, dessa forma, pressupõe que

é uma mistura de negro e branco.

Essa ideia é presente em nossa sociedade, tendo em vista o processo histórico de

miscigenação. Para Teixeira (2003), a dificuldade reside no fato de que essa categoria

precisaria identificar os que estão no meio-termo da regra de classificação racial, não

parece reunir um grupo singular e uniforme de pessoas. “Pelo menos duas

possibilidades são marcadamente possíveis: estar ‘mais pra lá’, e mais perto dos

brancos; ou ‘mais pra cá’ e, portanto, mais perto dos negros” (p.100).

Já Petrucceli (2007) observa que uma sociedade como a nossa onde as ações

discriminatórias são operadas abertamente, as pessoas tendem a criar estratégias para

melhor serem aceitas socialmente, resultando na multiplicidade de nuanças e que, para o

autor, esse universo de significantes construídos socialmente constitui-se na intenção de

se distanciar da categoria negro.

À vista disso, o autor explica que “esta construção paradigmática proporciona

uma forma de adequação à ideologia dominante durante todo o século XX, sustentadora

do mito da democracia racial, mas ocultando no seu bojo a tese de branqueamento da

população” (PETRUCCELLI, 2007, p.22).

Essa questão também é abordada por Nogueira (1998) quando enfatiza que a

multiplicidade de ajustes de traços, uma vez posto de lado o critério de origem e

considerado apenas o fenótipo, faz com que as diversas categorias sejam indefinidas,

possibilitando o aparecimento de casos de identificação controversa.

40

O autor, ao afirmar que o pudor da cor e a aversão a se identificar como “de

cor”, por parte dos mestiços mais claros, destaca que isso tem beneficiado “o

aparecimento de expressões eufêmicas, ambíguas, como o termo “moreno”, que tanto

pode ser empregado para designar um mestiço de branco com negro em diferentes graus

de mestiçamento […]” (p. 147).

De modo geral, percebi que a maioria das professoras com quem dialoguei nas

entrevistas reforça com satisfação o seu pertencimento racial e valorização da sua cor,

reafirmando sua identidade.

[...] Preta, eu nunca tive dúvida da minha cor. (Denise, Várzea

Grande)

[...] Sou negra, bonita, maravilhosa, uma raça de força. (Vera,

Várzea Grande)

[...] Minha cor é parda, mas a minha raça é negra. (Leda N. S.

Livramento)

[...] Negra, com muito orgulho, valorizando cada vez mais a essência

da minha família. Valorizo muito minha família e meu pai. Ele

conseguiu sobreviver aqui diante de tanto preconceito que existe.

Aqui é uma cidade muito preconceituosa. Às vezes o próprio negro

tem preconceito do negro. (Vânia, Poconé).

A professora Vânia, em seu discurso, demonstra reconhecer a existência de

preconceito racial na sociedade e percebe as mazelas dessa ação no comportamento das

pessoas.

Durante as entrevistas, evidenciou-se que a identidade racial das professoras foi

se constituindo em diferentes momentos e de formas distintas, e as famílias foram a

âncora no fortalecimento da identidade racial da maioria das entrevistadas. Segundo

Gomes (1995), a instituição familiar assume uma função fundamental na vida e na

história do negro. Ela enfatiza que a família “é a matriz na construção da identidade, o

espaço da ancestralidade, da afetividade, da emoção e da aprendizagem de diversos

padrões sociais” (p. 120).

A professora ao expressar “às vezes o próprio negro tem preconceito do negro”

demonstra o quanto a ideologia forjada pelas teorias racistas foi assimilada e absorvida

pelas pessoas. Essa percepção leva muitos brasileiros a construir um imaginário

negativo contra a população negra, o que, de uma forma ou de outra, acaba por trazer

sérias consequências à construção da identidade negra.

41

O termo negro era utilizado no Brasil Colônia para se referir não somente às

pessoas de pele escura, mas também aos que estavam na condição de escravos e, mais

tarde, foi tomado também pelos movimentos negros como uma construção política.

Portanto, é bom ressaltar que a terminologia “negro ou negra” aqui utilizada refere-se a

uma construção social, o mesmo empregado pelos movimentos negros. Observa-se que

algumas professoras, sujeitos desta pesquisa, não apresentaram nenhuma dificuldade

com sua identificação racial. Outras, entretanto, mostraram dificuldades como a que se

referiu ser “multiétnica”. O que nos leva a crer que tratar sobre a questão da identidade

provoca ainda no Brasil sérios debates e discussões, pois em muitas situações o negro

para ser aceito pela sociedade tem que, às vezes, afastar-se da sua identidade racial e

incorporar a uma identidade que não é sua.

É relevante dizer que, no âmbito dos estudos sobre relações raciais, a construção

da identidade permeia por esses espaços e se faz presente nessas relações. Dessa forma,

para entender sobre esse assunto, buscou-se, neste trabalho, as acepções construídas a

partir das teorias de alguns estudiosos a respeito da construção de identidade ancorados

numa dimensão cultural, como Hall (2012) e Woodward (2012).

Hall (2012) considera que as identidades não são integradas e nem singulares,

mas construídas ao longo de discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou

serem opostos, estando assim em constante processo de mudança e transformação.

Dessa forma, estão sujeitos a uma historicização radical. Para ele, a identidade invoca

uma origem em correlação a um passado histórico, utilizando-se dos recursos da

história, da linguagem e da cultura para a produção não daquilo que somos, mas “quem

nós podemos nos tornar”. Nesse sentido, Hall defende a posição de que as identidades

estão sempre inacabadas, concebendo-as como um processo ou um discurso.

No que diz respeito à complexidade da formação de identidade, Woodward

(2012) apresenta como cenário de conflitos sociais e políticos dois povos: os sérvios e

os croatas. Segundo a autora, eles partilham de local e de vários aspectos da cultura em

suas vidas cotidianas, mas se exibem totalmente diferentes. Se é sérvio, não pode ser

croata, e vice-versa. Essa identidade é adquirida por meio de uma marcação simbólica

relativamente a outras identidades, isto é, mostra que a identidade é relacional, pois uma

identidade está sujeita à outra identidade para existir e, portanto, marcada pela

diferença.

Teixeira (2003), ao analisar a questão da identidade racial a partir da

compreensão dos alunos negros de uma universidade do Rio de Janeiro, faz uso da

42

discussão sobre o conceito de identidade trazida por Stuart Hall (1993) e Gilberto Velho

(1994), enfatizando que em sociedades complexas moderno-contemporâneas, nem

sempre a cor ou raça institui uma “identidade básica”, o que decorre da fragmentação

que distingue a modernidade agregada ao desenvolvimento de ideologias

individualistas. Para a autora, na sociedade brasileira a identidade transita em duas

vertentes, isto é, pode ser ao mesmo tempo “dada” ou “adquirida” a partir do momento

que se toma consciência dela.

Na fala de uma entrevistada, confirma-se essa questão:

[...] a minha tranquilidade é que nunca tive problema em ser negra,

fui criada só pelo meu pai, e ele nunca usou desses discursos conosco,

sempre disse: você pode![…] Sou negra e gosto de ser. (Olga, Várzea

Grande)

Nesse discurso, é possível perceber a importância da família na transmissão de

valores positivos em relação ao negro, contribuindo para a afirmação da identidade

racial. A colocação dessa entrevistada parte de um referencial construído no seio

familiar que, de forma válida, concentra-se no fortalecimento do indivíduo para ocupar

espaço dentro da sociedade.

Ao tratar sobre a identidade racial, Munanga (2008) afirma que a autodefinição

pode ser o ponto de partida para o desencadeamento de um processo de construção de

identidade ou personalidade coletiva. Para o autor, “a identidade é sempre um processo

e nunca um produto acabado, não será construído no vazio, pois seus constitutivos são

escolhidos entre os elementos comuns aos membros do grupo: língua, história,

território, cultura, religião, situação social etc.” (p. 14).

Munanga (2012) observa ainda que a maior dificuldade dos movimentos negros

em mobilizar todos os negros e mestiços em torno de uma única identidade “negra”

seria o fato de o ideal do branqueamento estar presente até os dias atuais na nossa

sociedade. Para ele, as bases da ideologia racial elaborada do fim do século XIX a

meados do século XX pela elite brasileira, retirou dos movimentos negros o ditado “a

união faz a força” ao separar negros e mestiços e ao alienar o processo de identidade de

ambos. Assim, mesmo esse ideário não ter conseguido avançar no branqueamento físico

da população, ficou cristalizado no imaginário do coletivo brasileiro e, principalmente,

permeado na mente dos negros e mestiços.

Para Gomes (1995), a construção de identidade para o negro é sempre mais

difícil, pois o termo negro é carregado de conceitos, preconceitos, lembranças e de lutas.

43

Essa questão analisada por Gomes encontra respaldo no relato das entrevistadas quando

traz como referência a luta constante para o seu reconhecimento.

[...] eu me considero negra da classe burguesa. Eu falo que para os

negros é uma dificuldade por causa da cor da pele, e quando ele

chega a um grau de formação, a uma condição de vida mais razoável

ele já pode se considerar um negro da classe burguesa […] Então

hoje, eu me considero realizada tanto como pessoa como profissional,

inclusive a minha cor, eu amo muito. (Ivete, N. S. Livramento)

[...] Negra, linda e maravilhosa, raça e luta constante. Como nós

somos da zona rural, quando vamos para a cidade de Livramento,

eles acham que a gente não tem aquela cultura que eles acham que

tem. Mas nós estamos mostrando isso com os estudos, na escola.

(Joana, N.S. Livramento)

Para algumas das entrevistadas, a afirmação da sua identidade racial é refletida e

valorizada por meio da posição que ocupa na sociedade, isto é, decorre da uma ascensão

social de classe. Para Silva (2005), o fortalecimento da identidade negra, antes de tudo,

implica “a superação de todas as formas de discriminação, estigma, estereótipo e

preconceito que impedem o desenvolvimento pleno da população negra” (p. 43).

Diante das contribuições trazidas sobre a construção da identidade, podemos

dizer que a identidade não é estática, imutável, está em constante movimento de

mudança e transformação, estabelecida no jogo das relações sociais. E quando se trata

de identidade racial, ela está intimamente ligada a um processo histórico, remetendo a

raízes culturais de um povo.

44

CAPÍTULO II

ASCENSÃO SOCIAL DO NEGRO NO BRASIL

Este capítulo tem como propósito apresentar contextualização da ascensão social

do negro na sociedade brasileira, enfocando as consequências do racismo na ascensão e

mobilidade social da população negra em nosso país que culminam em desigualdades.

“Estudar a ascensão social é estabelecer relações entre a posição presente e passada, na

busca de identificar como as pessoas vão distribuindo nos vários níveis da estrutura

social ao longo do tempo”. (SANTOS, 2007, p. 13).

Desta forma, é relevante a discussão aqui empreendida para que se possa

entender que a “raça” é determinante da condição social do indivíduo. […] tem

existência social, está no imaginário da sociedade, e isso contribui para a construção das

desigualdades raciais no Brasil (MÜLLER, 2006, p.104).

2.1 Ascensão social e mobilidade social: construindo conceitos

É bom ressaltar que no Brasil a questão racial é objeto de estudo por

pesquisadores brasileiros desde antes de 1950, por autores como Nina Rodrigues,

Gilberto Freyre 4 e outros. Esses intelectuais importaram o racismo e contribuíram para

disseminar a democracia racial.

Diante da crença de um cenário em que pairava uma imagem positiva de

harmonia racial entre brancos e negros, após a Segunda Guerra Mundial, recomendado

pelo Departamento de Ciências Sociais da UNESCO, passa a ser realizada uma série de

pesquisas a respeito das relações raciais no Brasil.

A fim de desvendar, portanto, a especificidade da nossa convivência racial, a

partir de 1951, ciclos de estudos sobre relações raciais são realizados na Bahia, Rio de

Janeiro, São Paulo e Recife por pesquisadores como Thales de Azevedo, Costa e Pinto,

Oracy Nogueira, Roger Bastide, Florestan Fernandes e outros sob a orientação de Alfred

Métraux. Esses estudos desmascararam a ideia de democracia racial e revelaram a

existência de racismo, discriminação e preconceito racial no Brasil, além de afirmar que

esses elementos dificultavam a população negra ascender socialmente.

Também ficou evidenciado, pelas pesquisas produzidas por Azevedo (1955),

Fernandes (1978) e Costa Pinto (1952), que a educação se configura como um

4 Gilberto Freyre (1933), com a publicação da obra Casa Grande & Senzala.

45

importante mecanismo para a promoção de ascensão social e econômica do negro no

sentido de equipará-lo ao branco.

Por conseguinte, ao estudar sobre as trajetórias de vida das professoras negras, é

possível notar que no Brasil o povo negro e seus descendentes, mesmo após a abolição

da escravatura, ainda encontram resquícios de uma herança cruel do período da

escravidão.

Segundo Da Matta (1987), Após a Independência, o Brasil passou a buscar sua

própria identidade. Como a Abolição, transformou todos em cidadãos, buscou-se dar ao

negro uma cidadania de segunda categoria e para mantê-lo na base da hierarquia social

das três raças construiu-se uma ideologia pautada no racismo, cuja intenção era

legitimar o lugar do negro na base da hierarquia social. O autor esclarece que esse

pensamento veio na forma da “fábula das três raças”, e que hoje essa fábula tem força e

o estatuto de uma ideologia dominante, isto é, “um sistema totalizado de ideias que

interpenetra a maioria dos domínios explicativos da cultura” (p. 69).

É possível perceber que na sociedade brasileira as relações sociais são marcadas

por essa ideologia, o racismo, o preconceito e a discriminação racial presentes nessas

relações representam os maiores entraves para a ascensão social e mobilidade de

homens e mulheres negras, legitimando a desigualdade.

Para Müller (1999) essas atitudes negativas estão presentes na sociedade,

embora muitas vezes disfarçadas por mecanismos sutis de evitação, constituindo-se no

chamado “racismo à brasileira que compõe estratégias de branqueamento àqueles que

desejam ou podem ascender socialmente” (p. 23, grifos meus).

Embora venham ocorrendo nas últimas décadas avanços significativos na

mobilidade e ascensão social da população negra, o Brasil continua a ser um país de

contrastes em sua estrutura social, onde inúmeras dificuldades são encontradas por

pretos e pardos quando buscam melhores oportunidades sociais.

É oportuno salientar que a mobilidade social tratada neste estudo refere-se à

mudança de padrão de vida, refletida na trajetória profissional das professoras, que

viram a docência como uma possibilidade de alcançar posição de status na sociedade.

Nesse sentido, a mobilidade social na acepção de Pastore (1979, p. 4) refere-se à

“mudança de status social”, que pode ser ascendente ou descendente. No caso das

professoras entrevistadas, a mobilidade é ascendente e, segundo o autor, funciona como

uma estrutura de promoção social.

46

Em estudo sobre a evolução da estrutura social brasileira ao longo do século XX,

Pastore e Silva (2000) destacam que no Brasil houve importantes transformações nas

relações entre os grupos sociais e entre classes, mas aponta que, se comparar à

proporção da mobilidade ascendente para os não brancos, esta ainda é menor que para

os brancos. Estes últimos ainda são maioria ocupando a camada social mais alta, há,

portanto, uma evidente convergência entre mobilidade e desigualdade.

Nessa perspectiva, retomemos a visão de Pastore (1979, p. 3) quando afirma que

“as sociedades humanas se desenvolvem socialmente na medida em que elevam o

padrão de vida e equalizam sua estrutura social.” O autor prossegue enfatizando que a

mobilidade pode ser um instrumento de desenvolvimento social e de promoção da

igualdade, em que propicia a passagem de uma pessoa de um nível ou grupo social para

outro, oportunizando sua ascensão social.

De acordo com algumas professoras, o caminho para uma mulher negra ascender

socialmente não é tarefa fácil, requer muito esforço e persistência, pois a sociedade

brasileira utiliza-se de muitos artifícios para impedir ou evitar que um negro assuma

posição social de destaque. Isso é comprovado pelas estatísticas e extremamente visível

quando transitamos em diferentes espaços sociais públicos e privados como escolas,

igrejas, clubes, universidades, empresas e outros.

Na concepção de Teixeira (2003), isso ocorre devido aos mecanismos de

reprodução de desigualdades que operam no país. Na visão da autora, apesar das

barreiras e dificuldades, a ascensão do negro acontece. O pensamento da autora é

evidente na trajetória das professoras aqui estudadas, os obstáculos sempre estiveram

presentes, foram, no entanto, contornados e vencidos.

2.2 As faces do racismo e o retrato das desigualdades em relação à mulher negra

No Brasil, durante o Regime de Escravidão, desenvolveu-se uma poderosa

cultura racista que perdura até os dias atuais. Obviamente, em uma sociedade como a

nossa, o preconceito e a discriminação racial se ampliam de forma sutil, operando como

mecanismos de exclusão e de desigualdades de oportunidades, acentuando como

principais obstáculos no projeto de ascensão e mobilidade social do povo negro, que,

“muitas vezes são tidos como diferentes e inferiores. Inferiores na inteligência e

47

inferiores nos valores morais” (MÜLLER, 2006, p. 105). Nesse viés, para o segmento

branco as possibilidades de usufruir de vantagens e de conseguir elevação social é mais

evidente do que para o negro.

A relação entre cor/raça e ascensão social no Brasil é concebida como uma

implicação no contexto de vida da população negra e, principalmente, para a mulher

negra que, diferente do homem negro, luta contra, entre outros, a discriminação por ser

mulher e por ser negra e que, para muitas, ainda acrescenta uma terceira: ser pobre.

Essas implicações culminam em desigualdades entre grupos sociais, neste caso, negros

e brancos.

Convém salientar que a lacuna que separa negros e brancos no Brasil tem raízes

históricas. As condições de desigualdades hoje entre os dois grupos de cor ainda são

notórias, embora tenha havido avanços em nossa sociedade com a implementação de

políticas públicas que objetivam diminuir essa distância, a partir de ações afirmativas de

reconhecimento e reparação.

Pode-se dizer, sobretudo, que as desigualdades raciais, provavelmente, são

resultantes do processo histórico vivido pelo segmento negro com mais intensidade após

a introdução e assimilação das teorias racistas no Brasil. A população negra ainda hoje é

alvo de práticas racistas e discriminatórias, as quais se processam de muitas formas,

sendo ora explícitas, ora disfarçadas.

Para compreender melhor essa situação, pesquisas realizadas por Hasenbalg

(1979), Henriques (2001), Jaccoud e Beghin (2002) trouxeram à tona que os negros não

usufruíam de modo igual os benefícios legalmente instituídos em nosso país como

acesso e permanência na educação, saúde de qualidade, acesso à justiça, rendimentos e

outros, e que a maioria da população negra se mantinha na linha da pobreza. Esses

estudos apontaram evidência significativa da existência de desigualdades raciais no

Brasil.

Hasenbalg (1979) em sua tese de doutoramento estudou a formação histórica

das desigualdades raciais no Brasil e constatou ser esta sociedade corroída pelas

diferenças raciais, produto de um forte mecanismo de dominação a que brasileiros de

cor estão subordinados. Para o autor, a democracia racial é um poderoso instrumento

ideológico de controle social e afirma que “as pessoas de cor sofrem uma

desqualificação peculiar e desvantagens competitivas que provêm de sua condição

racial” (p. 20). Assim, dentro dessa lógica, o autor se dá por convencido de que a raça

48

constitui um dos critérios que estabelece o estatus ou posição do indivíduo na

sociedade.

Corroborando com essa questão, Henriques (2001, p. 5) considera que “a intensa

desigualdade racial brasileira, associada a formas usualmente sutis de discriminação

racial, impede o desenvolvimento das potencialidades e o progresso social da população

negra”. Para ele, a naturalização da desigualdade concebida pela sociedade brasileira é

decorrente de raízes históricas e institucionais, resultado do processo de escravidão,

inerte e paternalista.

Ao se valer-se das informações analisadas pela PNAD de 1999, Henriques

(2001) declara que, cerca de 34% da população brasileira vivia em famílias com renda

inferior à linha de pobreza e 14% em famílias com renda inferior à linha de indigência.

Confirmam essas informações, as análises feitas por Jaccoud e Beghin (2002). As

autoras apontam que a possibilidade de um branco ser pobre está em torno de 22%; em

relação ao negro, a probabilidade é o dobro, isto é, 48%. “Isso revela que a população

negra é a maioria pobre, dispõe de piores condições de renda em relação aos brancos.”

(JACCOUD e BEGHIN, 2002, p. 28).

Trabalhos mais recentes como as análises do Relatório Anual das Desigualdades

Raciais no Brasil 2009-2010, organizado por Marcelo Paixão e Carvano (2011),

reforçam essas denúncias. Indicadores revelam que pretos e pardos possuem expectativa

de vida mais baixa que a população branca. O Relatório ainda aponta que a população

negra vem tendo problemas em termos de acesso aos serviços básicos, tais como

qualidade no atendimento público de saúde, possui maior defasagem na educação; está

mais vulnerável em relação à segurança alimentar; recebe menor número de

aposentadorias e pensões da Previdência Social e tem menor renda per capita.

De fato, a nossa sociedade é bastante perversa quanto ao trato dispensado ao

segmento negro, principalmente quando se trata da educação. Como já foi dito

anteriormente, dentre os setores que vêm reproduzindo desigualdades, o sistema

educacional merece destaque. Estudos e pesquisas vêm insistentemente denunciando

que os negros frequentam as piores escolas, há tratamento diferenciado entre negros e

brancos nos ambientes escolares e, sobretudo, exclusão e abandono escolar de crianças e

jovens negros. Essa situação pode ser evidenciada desde a educação infantil até o curso

superior. Dados do IBGE (2010) revelam que 14,1 milhões de brasileiros ainda são

analfabetos e, desse montante, 26,7% são negros. Em Mato Grosso, 9,4% dos pardos e

13,7% dos negros não sabem ler e nem escrever.

49

Dessa forma, esses números mostram que as desvantagens ainda são mais

acentuadas para os negros no contexto educacional, porém pode-se compreender que o

baixo nível de escolarização do negro está além do acesso à escola.

Destarte, tomei como referência as pesquisas realizadas no Brasil sobre a

situação do negro na educação e as relações raciais ocorridas no espaço da escola

(ROSEMBERG, 1987; HASENBALG e SILVA, 1990; HENRIQUES, 2001) e em

especial, as realizadas em Mato Grosso (COSTA, 2004; PINHO, 2004; JESUS, 2006;

GONÇALVES, 2007 e ALEXANDRE, 2011) 5. Esses estudos denunciam a presença

de mecanismos de exclusão por ações discriminatórias, revelando que as situações de

desigualdades estão associadas a questões como: tratamento privilegiado a determinado

grupo racial, humilhações, estereótipos e rejeições em relação à cor da pele do negro no

cotidiano escolar e nos materiais didáticos e que essas situações vivenciadas pelos

negros impactam de forma negativa no desempenho escolar que, consequentemente,

contribui para o seu fracasso na escola.

Rosemberg (1987), ao analisar os dados de 1980 e de 1982 sobre o rendimento

educacional entre os grupos raciais brancos e negros no Estado de São Paulo, revelou

que os alunos negros apresentavam índices de exclusão e de repetência superiores aos

alunos brancos, como também as escolas em que esses alunos frequentavam

apresentavam baixa qualidade de ensino. Para a autora, as crianças negras vivenciam

uma trajetória escolar mais curta e acidentada que as das crianças brancas.

A mesma correlação é apontada por Hasenbalg e Silva (1990) com base nos

dados do PNAD de 1982 e em seu suplemento especial sobre educação. Segundo os

autores, o acesso tardio acumulado ao efeito da repetência, resulta numa experiência de

trajetória escolar mais lenta e sinuosa para as crianças negras.

Sobre essa trajetória, os autores afirmam que:

[…] as crianças não-brancas por terem um nível de repetência mais

elevado, chegam ao ponto de saída do sistema escolar com um número

médio séries completadas muito inferior ao das crianças brancas.

Estas diferenças na dinâmica da trajetória escolar resultam nas

profundas desigualdades educacionais que separam brancos e não-

brancos na sociedade ( p. 12).

Situações de discriminação racial também foram constatadas nos estudos de

Pinto (1987); Negrão (1987); Silva (1995) e Costa (2004) em relação às imagens e aos

5 Pesquisadoras do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação/NEPRE/UFMT,

sob a orientação da Professora Dra. Maria Lúcia Rodrigues Muller (PPGE/UFMT).

50

conteúdos veiculados nos livros didáticos. Esses estudos evidenciam que da forma

como a literatura representa o negro, contribui para a sustentação da discriminação

racial contra a população negra, trazendo sérias consequências para a sua autoimagem e

para o seu desenvolvimento escolar.

Segundo Costa (2004) em pleno século XXI, a produção dos livros didáticos

ainda vem negando aos negros o direito de desfrutar de uma imagem positiva de si.

Esses livros continuam ainda perpetuando um imaginário social fértil contra o negro e

colaboram para consolidar a discriminação racial nas relações sociais construídas.

Jesus (2007), ao analisar a trajetória de vida de jovens do ensino médio em

Tapurah/MT, constatou que o racismo por meio de atitudes disfarçadas são

manifestadas no dia a dia desses jovens, criando diversas formas de exclusão,

transformando-os em pessoas que continuam sendo discriminadas ao longo do tempo.

Segundo a pesquisadora, apesar de todos esses percalços, esses jovens lançam mão de

sua criatividade para se defender das ações racistas, dando continuidade aos estudos,

indo em busca de seus ideais.

Outro estudo interessante foi realizado por Gonçalves (2007) em uma escola em

Cuiabá/MT. Ao investigar a percepção dos professores sobre desempenho escolar de

alunos negros, a autora constatou evidências de tratamento diferenciado, que vai desde a

entrada da criança na escola ao não reconhecimento ou desconfiança de suas

potencialidades e à submissão de castigos e punições. A autora afirma que “o fraco

desempenho do aluno negro se deve fundamentalmente, não a um problema do aluno,

mas a um conjunto de condições escolares que dificultam ou até impossibilitam seu

sucesso acadêmico”. (GONÇALVES, 2007, p. 75)

Em uma pesquisa feita com professores de Educação Física, Pinho (2007)

ressalta que os professores apresentam julgamentos negativos em relação ao

comportamento dos alunos negros, hostilizando sua capacidade intelectual. A autora

salienta que “em muitos casos, a escola é a única esperança de esses alunos terem uma

profissão e ascensão social. Se mal tratados no ensino fundamental e evadidos no ensino

formal, o que será deles?” (p. 80).

Já Alexandre (2011), ao estudar sobre as interações raciais no ensino

fundamental, identificou que as relações entre alunos negros e brancos no cotidiano

escolar são marcadas por conflitos. O aluno de pele escura é visto como diferente,

consequentemente recebe tratamento desigual e são até mesmo rejeitados por parte dos

colegas. A autora enfatiza que há preferência perceptível dos alunos pela companhia do

51

outro de pele mais clara “permitiu supor o quanto é doloroso para o aluno negro ser

constantemente exposto a humilhação e pequenos gestos de evitação racial”

(ALEXANDRE, 2011, p. 82).

O racismo tem os seus múltiplos usos e sentidos. Munanga (2006) explica que é

nas tensões existentes nas relações humanas e nas práticas sociais cotidianas que o

racismo se configura de forma complexa, exigindo uma atenção maior do pesquisador

quando se tratar das questões raciais.

Dessa forma, o autor define racismo como:

[...] um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes, do

ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial

observável por meio de sinais, tais como cor de pele, tipo de cabelo,

formato de olho etc. Ele é resultado da crença de que existam raças ou

tipos humanos superiores e inferiores, a qual se atenta impor como

única e verdadeira (MUNANGA, 2006, p. 179).

O racismo, de acordo ainda com Munanga, pode ser compreendido por duas

versões, isto é, por um lado, aversão à outra pessoa baseada em suas características

físicas; e de outro, alicerçada nas teorias raciais que se baseavam em uma visão

universalista, buscando justificar a escravidão no século XIX, a exclusão dos negros e a

discriminação racial.

É bom ressaltar que o racismo está intimamente ligado à noção de raça

construída a partir da visão biológica que culminou nas teorias raciais. De acordo com o

autor, “etimologicamente, o conceito de raça veio do italiano razza, que por sua vez

veio do latim ratio, que significa categoria, espécie” (MUNANGA, 2003, p. 17).

Munanga (2003) explica que o termo raça foi inicialmente utilizado pelas

ciências naturais, pela Zoologia e pela Botânica para classificar as espécies animais e

vegetais, posteriormente utilizado para classificar a diversidade humana em raças

diferentes e, mais tarde, no século XIX, para categorizar seres humanos em inferior e

superior, como forma de estabelecer hierarquia entre os grupos, abrindo caminho para a

racialismo.

Dessa forma, é imprescindível dizer que, para este estudo, não será utilizado o

conceito de raça sob o ponto de vista biológico, mas reportando a um contexto social,

como bem esclarece Munanga (2003):

[…] o conceito de raça tal como o empregamos hoje, nada tem de

biológico. É um conceito carregado de ideologia, pois como todas as

ideologias, ele esconde uma coisa não proclamada: a relação de poder

52

e dominação. […] o campo semântico do conceito de raça é

determinado pela estrutura global da sociedade e pelas relações de

poder que a governam (p.18).

Colaborando com essa visão, Müller (2009, p. 18) afirma que “raça não existe

do ponto de vista da biologia e da genética. Mas existe no imaginário social, portanto é

uma construção social”. Entende-se, então, que, no Brasil, o negro, desde a sua origem,

já se depara com consequências negativas provenientes de estigmas e estereótipos

cristalizados na mentalidade da sociedade. Geralmente, há uma parcela na sociedade

que cria mecanismos negativos a todos aqueles que são vistos como “diferentes”, que

não pertencem a seu grupo. Portanto, as desigualdades raciais se fazem presentes nas

relações sociais.

Em uma sociedade desigual como a nossa, geralmente, a figura da mulher negra

é difundida de forma negativa, o quesito cor, seguido de aparência física, pode ser

determinante e delimitar o acesso aos espaços de poder e, principalmente, desaguar em

exclusão do mercado de trabalho.

Nas entrevistas realizadas, o preconceito e a discriminação foram constantes nas

relações sociais estabelecidas pelas professoras, manifestadas em relação as suas

características físicas e também capacidade intelectual, o que me levou a perceber que a

presença dessas mulheres e professoras negras no magistério não foi nada fácil.

Alguns estudos realizados no Brasil como o de Teixeira (2006) e Müller (2006)

comprovam essa percepção. Teixeira (2006) ressalta que no Brasil a docência é

predominantemente feminina (81,2%), e no quesito cor, a branca sobressai

majoritariamente (64,2%). No que se refere às diferenças regionais, Mato Grosso

apresenta na distribuição da categoria de professores, 77,7% feminino e 22,3%

correspondem à presença masculina.

Em relação à presença negra no magistério, Teixeira (2006) pontua que a

participação de professores pretos e pardos totalizam 34,3%, sendo menor que a de

brancos 64,2%. Ao fazer a comparação em Mato Grosso, a diferença prossegue entre os

dois grupos de cor, isto é, a presença de professores brancos é de 54,4%, ao passo que

os negros representam 43,5%.

No tocante à ocupação, Teixeira (2006) informa que em todo o país, a

proporção de pessoas brancas é maior que a das pessoas negras, respectivamente 55,7%

contra 42,9%. Em Mato Grosso, esse quadro se reverte, sendo que o percentual da

população negra atinge 53%, enquanto a branca gira em torno de 45%. Verifica-se que

53

essa maior proporção apresentada de professores negros, possivelmente deve-se ao fato

de maior concentração de pessoas pretas e pardas no contingente populacional do

Estado.

A situação de professoras negras é levantada de forma interessante pela autora,

quando ela desmembra as variáveis por cor no Brasil que, entre outras comparações,

traz uma diferenciação entre mulheres brancas e negras na categoria de professor.

Teixeira (2006) destaca que há uma proporção mais elevada de mulheres brancas

professoras com ensino superior atuando na educação infantil, enquanto que atuando na

mesma modalidade, mas apenas com ensino médio, encontramos uma proporção

semelhante entre professoras brancas e negras.

Quando se trata das professoras de nível médio atuando no ensino fundamental,

a proporção é maior para mulheres negras, 70,2% contra 53,5% para as brancas. No

entanto, ao analisar as professoras de disciplina educação geral atuando no ensino

médio, a proporção é mais elevada para as mulheres brancas, 23,7% e 13% para as

negras. Ao analisar a proporção de mulheres negras e brancas atuando no ensino

superior, essas últimas também apresentam vantagens, na ordem de três vezes mais que

as mulheres negras, 5,1% e 1,6%.

Pode-se, assim, constatar que na categoria de professor a proporção das

mulheres brancas é, na maioria das vezes, superior a das mulheres negras, sendo que

estas se encontram mais concentradas no ensino fundamental. A tabela 2 abaixo mostra

a atuação das professoras negras e brancas em diferentes níveis de ensino, conforme

Censo Demográfico de 2000. As Informações contidas nesta tabela 2 foram extraídas do

livro Cor e magistério, Teixeira (2006, p. 29-30).

Tipo de professor Mulheres Brancas Mulheres Pretas e

Pardas

Professoras da educação infantil (nível

superior)

0,6 0,2

Professoras de nível médio na educação

infantil

9,5 9,6

Professoras de nível médio no ensino

fundamental

53,5 70,2

Professoras de educação geral ensino médio 23,13 13,0

Professoras do ensino superior 5,1 1,6

Tabela 2: Atuação das professoras negras e brancas em diferentes níveis de ensino/Censo

Demográfico de 2000.

54

Embora a atuação no magistério seja eminentemente feminina, verifica-se que,

quanto maior o nível de ensino, mais aumenta a participação da mulher branca e reduz a

da mulher negra. Portanto, no ensino superior a mulher negra aparece sub-representada,

provavelmente reflexo da discriminação e preconceito entrelaçados no seu cotidiano

que, de certa forma, impede a sua elevação profissional. O fundamento para essa

questão pode estar na explicação de Müller (1999), em sua pesquisa de doutorado em

1999, concentrada nos Estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Rio de Janeiro sobre a

presença de professoras negras na Primeira República.

Müller evidencia a presença de professoras negras desde o final do século XIX e

relata que, embora houvesse a presença da mulher negra no magistério, as instituições

se encarregavam de invisibilizá-las, tendo em vista a construção negativa sobre negro

que ocorreu devida à disseminação das teorias racistas ocorridas a partir daquele século.

Para a autora, essas bases racistas se instalaram fortemente no imaginário social,

abarcando as elites brasileiras e contribuíram para o processo do branqueamento do

magistério, afastando as professoras negras do ensino. Desse modo, essas teorias

determinavam a posição do negro na sociedade, ou seja, subalterno, submisso e,

consequentemente, com menor valor social.

No entendimento a esta questão, Müller (2006) salienta:

Os debates sobre as teorias racistas que atravessaram as elites

brasileiras desde meados do século XIX tinham por objetivo, em

última análise, desalojar de suas posições aqueles que a ‘ditadura

ciência d´hipóteses negou em absoluto para as funções do

Entendimento artístico da palavra escrita’, isto é, os letrados e as

letradas negros e negras (p. 134).

Segundo apontamentos da autora, a presença da mulher negra no magistério foi

diminuindo a partir do final da década de 20 do século XX, somente ampliando sua

participação após a década de 60 do mesmo século, com a disseminação de vagas para

os cursos de magistério.

Sendo assim, diante dos inúmeros problemas que o negro enfrenta no seu dia a

dia, o cotidiano das mulheres negras é ainda mais difícil, pois, além de ter de conviver

com as desigualdades no espaço da docência, têm de suportar as desconfianças em

relação a sua capacidade profissional.

55

2.3 A educação como via de acesso para ascensão social do negro

Como já foi dito anteriormente, a população negra teve seus conhecimentos

negados ao longo da sua trajetória, provocado pelas desigualdades. Embora as mulheres

negras tenham vivenciado momentos difíceis em seu percurso de vida, elas vêm

incansavelmente buscando o seu reconhecimento e valor perante a sociedade,

conquistando espaços por meio da educação, tornando-se verdadeiras vencedoras.

Para melhor compreender a educação como porta de entrada ao processo de

ascensão social do negro no Brasil, busquei como referência estudos realizados por

Thales de Azevedo (1996); Figueiredo (2002); Teixeira (2003) e, em especial, em Mato

Grosso pelos pesquisadores Santos (2002) e Nascimento (2012).

Azevedo (1996), ao propor um estudo sobre a dinâmica da ascensão social das

pessoas de cor na Bahia e o seu processo de mobilidade social em 1955, constatou que,

embora naquele Estado houvesse uma grande proporção de mestiçagem e as

discriminações fossem mais brandas, as pessoas de cor ainda eram vistas dentro de uma

categoria biológica e social com qualidades inferiores as dos brancos.

Particularmente, os mais escuros interessados em melhorar a sua posição social,

educacional e econômica por seus próprios esforços encontravam inúmeras barreiras, o

que levou o autor a concluir com veemência que “o principal canal de ascensão social,

através o qual grande número de pretos e mestiços tem adquirido status elevado é a

educação” (AZEVEDO, 1996, p. 166).

Nessa perspectiva, a educação representa um importante canal de mudança

social na vida da maioria população negra, pois é concebida como um bem social, que

ocupa posição privilegiada pela forte influência que exerce na formação da pessoa e por

possibilitar mobilidade e ascensão social.

Teixeira (2003), em sua pesquisa realizada no Rio de Janeiro com estudantes e

professores negros, apontou a insistência do preconceito e discriminação racial em suas

trajetórias de estudos e profissional, estruturado na forma do “jeitinho brasileiro”, a

ponto de interferir em seus projetos e escolha de carreira. Porém, enfatiza que os negros

e mestiços de famílias humildes constituem seu processo de mudança por meio da

educação superior. “[…] negros e mestiços de classe social mais baixa operam seu

processo de mudança social, concebendo e tendo sucesso na execução de projetos de

ascensão através de uma educação de nível universitário, a partir de mecanismo de rede

de relações”. (TEIXEIRA, 2003, p. 244).

56

Em estudos sobre a trajetória de ascensão social de professores universitários

negros, Santos (2007) observou que a educação foi o pilar de sustentação para que esses

professores pudessem atingir a posição social de prestígio. Todavia, constatou na fala

dos seus informantes que, mesmo galgando a posição de professores universitários, não

ficaram imunes a atitudes discriminatórias, e que precisaram a todo instante criar

estratégias para lidar com tais fatos.

Como podemos notar, na sociedade brasileira, a cor da pele é um dos fatores que

atuaram e ainda vêm operando como marca registrada de determinação na hierarquia de

posição social que a pessoa deve ocupar. Entretanto, quem possui a pele mais clara tem

a oportunidade de ocupar de forma mais simplificada posição de estatus social mais

valorizado, enquanto quem tem a pele escura está propenso a ocupar cargos menos

valorizados e a encontrar mais “pedras no meio do caminho” para ascender socialmente.

Resultados de pesquisas recentes disponibilizados pelo PNAD (2011),

compreendendo o período de 1999 a 2009, possibilitam-nos a uma visão panorâmica

sobre a média de anos de estudos entre a população negra e branca, em especial,

mulheres negras e brancas. Ao visualizarmos a figura 3 a seguir, é possível verificar a

nítida diferença em favor da população branca, mas podemos perceber que as mulheres

negras vêm conseguindo passar pelo gargalo estreito do sistema educacional e ampliar

sua média de estudos.

mulher negra mulher branca

Figura 3: Média de anos de estudos da população ocupada com 16 anos ou mais de

idade, segundo sexo e cor/raça. Brasil, 1999-2009.

Fonte: IPEA (2011), Retrato das desigualdades de gênero e raça.

Percebe-se que, no decorrer dos anos, tem, gradativamente, havido avanços nos

anos de estudos de mulheres negras em nosso país. Isso demonstra que mesmo com a

vida cheia de percalços e lutas, elas estão trilhando novos caminhos em busca da

57

ampliação de seus anos de estudos e, com isso, poderão conquistar graus mais elevados

de ensino, o que poderá significar sua elevação profissional e levá-las a ocupar espaços

que antes eram considerados como uma possibilidade remota.

2.4 A regra da aparência na vida de mulheres negras

As trajetórias de mulheres negras no Brasil, entre outros fatores, historicamente

foi marcada pela desvalorização da sua estética. A aparência baseada no seu fenótipo

(cabelo, nariz, boca) sempre esteve presente marcando as diferenças em relação à

mulher negra e branca, estabelecendo a dicotomia entre o símbolo da beleza e da feiura.

Em nosso país, a aparência segue os moldes europeus, aqueles que possuem

olhos azuis, cabelos loiros, pele clara são considerados de “boa” aparência, isto é,

bonitos, e aqueles que não se enquadram nesse padrão sofrem discriminação e

preconceito.

Para muitas entrevistadas, a comparação de beleza se inicia desde a infância,

mas é na adolescência que essa exigência se torna mais cruel. O cabelo e a cor da pele

se tornam o alvo dessas referências e que, aos olhos da sociedade, a mulher negra não se

enquadra nesse modelo. Todavia, essa visão começou no processo de escravidão e

possivelmente esteja calcada na ideologia do branqueamento.

Vale ressaltar que o ideal de branqueamento contribuiu para legitimar os

conceitos de beleza eurocêntricas incorporados na nossa sociedade. Tais conceitos

imperam nas relações de trabalho, nos eventos sociais, nas relações escolares, no lazer e

até mesmo nos espaços religiosos.

Segundo Gomes (1995), o branqueamento “é exemplo visível do racismo

brasileiro”. Ele age de forma intencional no desestímulo à solidariedade do negro em

relação ao próprio negro. Para a autora, o ideal de branqueamento leva o negro a

“perceber o seu grupo de origem como referência negativa, lugar de onde ele deverá se

distanciar e, quem sabe, até mesmo fugir, para tentar, individualmente, galgar os

degraus da tão falada “mobilidade social”, que só os mais capazes conseguirão atingir”

(p. 83).

Diante de uma sociedade regulada pelos padrões rigorosos de beleza estética,

que favorecem a população branca, e em específico as mulheres brancas, a condição

social da mulher negra é restrita. Essas “normas” impostas em relação à aparência

parecem ditar a posição social que a mulher negra supostamente deve ocupar no

58

mercado de trabalho, como também sua permanência na condição econômica

subalterna , ou seja, na pobreza.

O efeito da “boa aparência” na trajetória de mulheres negras vem sendo campo

de interesse de diversos pesquisadores no intuito de compreender como as complicações

geradas pelo racismo e seus derivados acompanham o processo de ascensão desse

segmento social.

Hasenbalg (1979), ao analisar as “Notícias sobre discriminação racial na

imprensa” no Rio de Janeiro (1968-1977), revela que a discriminação ocupacional

aparece como segundo tipo mais frequente de ocorrência. Em relação aos anúncios de

emprego discriminatórios, empregava-se o eufemismo “exige-se boa aparência” que,

segundo o autor, “as exigências de pessoas brancas ou de cor clara não são fatos de um

passado longínquo, quando a democracia racial possível ainda mostrava imperfeições”

(HASENBALG, 1979, p. 264).

Bastide (2008), ao discutir sobre as “manifestações do preconceito de cor” em

São Paulo, enfatiza a existência de um preconceito estético. Considera que a população

branca em sua maioria desenvolve intencionalmente uma série de normas de beleza

favoráveis a sua própria cor, isto é, conforme uma pessoa se afasta desses preceitos, é

concebido como feio. Para o autor, a mulher preta é particularmente vítima dessas

circunstâncias.

Caetana Damasceno (2011), em pesquisa intitulada “Os segredos da boa

aparência”, realizou um intenso estudo sobre a construção social das desigualdades

raciais relacionando-as com a noção de “branqueamento” e com a “boa aparência” nos

anos de 1992 e 1995 no Rio de Janeiro. A autora explorou um conjunto de entrevistas

feitas com trabalhadores e trabalhadoras ocupando diferentes postos no mercado de

trabalho. Em seguida, realizou comparação dos percursos ocupacionais ascendentes de

mulheres negras alocadas em postos de trabalhos mais valorizados, e de mulheres

brancas ocupando posição desvalorizada ou subalternizadas na hierarquia ocupacional.

De acordo com a autora, a força do conceito de “boa aparência” surgiu não

somente como valor estético, mas de forma intensa na situação de disputa e

permanência nos diversos postos de trabalho. Em seguida, ao pesquisar anúncios de

emprego em jornais do Rio de Janeiro na década de 1930 e 40, a autora verificou que os

“serviços domésticos” ocupavam lugar revelador atrelando a combinação entre “boa

aparência” e “cor”.

59

A ‘boa aparência’ assume então o papel de corolário do ‘branqueamento’

graças a associação de certos padrões estéticos a certas qualidades morais

representadas como positivas, refletindo-se no aprendizado de princípios

‘civilizados’ – do mundo dos brancos – que se traduziriam nas ‘boas

maneiras’, no ‘asseio’, no modo de vestir-se, de ‘amoldar’ os cabelos etc.

(DAMASCENO, 2010, p. 228, grifos da autora).

Não é de hoje que o percurso da mulher negra é marcado pela desvalorização

estética. Suas características físicas como cabelo, cor de pele, lábios, nariz são tidos

como qualidades longe dos padrões de beleza construídos historicamente pela

sociedade.

Essa ideia é compartilhada por Nogueira (1985) quando enfatiza que, em nossa

sociedade, impera o preconceito racial, cujo ponto de referência é a aparência (traços

físicos, fisionomia, gestos, sotaques), designado por preconceito de “marca”. Para o

autor, não tem como não levar em conta as dificuldades que as pessoas de pele escura

têm de enfrentar cotidianamente, seus sofrimentos, prejuízos materiais e morais, pois

em nosso país “o negro ou a pessoa escura sempre luta com desvantagem” (p.79).

De um modo geral, em qualquer território brasileiro, o negro sempre foi

associado a uma imagem negativa, ruim, o que é confirmado por Milton Santos (2000,

p. 16), quando enfatiza que “Ser negro no Brasil é, pois, com frequência, ser objeto de

um olhar enviesado. A chamada boa sociedade parece considerar que há um lugar

predeterminado, lá embaixo, para os negros e assim tranqüilamente se comporta”.

Considerando a aparência como um “problema” para as professoras negras,

surgem diversos depoimentos de experiências em relação aos comportamentos

preconceituosos tendo como base a aparência física ligada à cor e ao cabelo, mesmo

quando essas mulheres ocupam postos de prestígios.

[...] quando eu estava na coordenação da escola, chegavam pessoas

querendo falar com a coordenadora. Na maioria das vezes ia até a

sala, chegava lá e ficava aguardando. Logo eu chegava e perguntava

“você quer falar com a coordenadora?” - Sim, quero falar com a

coordenadora. Eu respondia: “O que o senhor deseja?” “– É só com

a coordenadora”. Respondi: “– eu sou a coordenadora”. A pessoa

me olhava com certo espanto e estranhamento. Penso que é por eu ter

a cor preta (Ana Lúcia, Cuiabá)

Nesse caso, segundo a professora, foram várias as situações em que foi vítima de

preconceito e discriminação em razão de sua aparência. Mesmo quando foi diretora, era

uma constante as pessoas passarem por ela sem cumprimentar, alegando querer falar

com a diretora. Esse episódio nos mostra com nitidez como é difícil para uma mulher

negra, de cor preta, ser vista como merecedora de cargos mais elevados, uma vez que

60

está embrenhado no imaginário das pessoas que esta posição só pode ser ocupada por

mulheres mais claras.

Queiroz (1977), ao estudar a ascensão socioeconômica dos negros no Brasil,

enfatiza a diferença na ascensão dos mulatos em relação a nuances da cor. Embora os

indivíduos possuam os mesmos traços negroides, as que possuem a pele mais escura

encontram mais barreiras de se ascender do que as de pele mais claras.

Durante as entrevistas, duas situações interessantes foram relatadas por uma das

entrevistadas. A primeira se deu por a professora ser negra, casada com branco. Ela diz:

[…] muitas vezes eu e meu marido vamos juntos fazer compras nas

lojas. Observo que todas as atenções são dadas a ele. Ele ganha

muito menos do que eu, mas sei que é questão de cor de pele, a

aparência conta muito. (Nilda, Poconé)

Nesse depoimento, a professora demonstra como o efeito da boa aparência

influenciou, embora em momentos distintos, em suas diversas situações vividas. Essa

situação vivenciada pela professora revela que ainda permanece na sociedade o

imaginário de que o negro tem menos valor e, por isso, está sempre numa situação de

subalternidade.

Vale dizer que no confronto de poder pertinente à cor da pele, a mulher negra

sempre se apresenta em desvantagem em relação à mulher branca ou homem branco.

A outra se deu quando a mesma professora quando ela procurava emprego.

[...] outra situação que me ocorreu foi a negação de oportunidade de

trabalho. A minha cunhada que é branca, tinha recebido uma boa

proposta de trabalho, mas não podia assumir. Ela sabia o quanto eu

era competente para aquele cargo, então me indicou para a empresa.

Ao chegar e verem quem eu era, nem sequer fui atendida. Ficou muito

óbvio que foi por causa da minha aparência. Isso mostra qual é a

preferência. (Nilda, Poconé)

Como ocorreu com a professora Nilda, também outras muitas mulheres negras

em nosso país são rejeitadas no mercado de trabalho pela questão da aparência, numa

atitude extremamente discriminatória e perversa de exclusão. As mulheres pretas, em

especial, são as mais atingidas, os caminhos são mais árduos do que os das pardas,

posto que, conforme vai diminuindo a melanina da pele, vai agregando valor ao ser

humano, principalmente o estético. Esse tipo de atitude restringe a mulher negra de

galgar novos degraus no mercado de trabalho.

Essa questão é percebida com propriedade por Pereira (2010), ao analisar a

ascensão de mulher negra via escolarização. A autora salienta que “na incorporação ao

61

mercado de trabalho, as negras sofrem maiores sanções em relação a sua aparência

física, seus traços fenótipos, demonstrando que gênero e raça fazem bastante diferença

na construção da autoimagem da população não branca” (p.9). Nesse sentido, é de se

supor que esse jogo de “aparência” é uma estratégia criada pelo segmento branco como

forma de se sustentar na posição hierárquica da pirâmide das ocupações e, assim,

manter seu estatus como grupo social de poder. Como forma de contrapor essa

reprodução cruel de valores estéticos moldados pela cultura dominante, é importante

que nós professores, possamos reverter esse ideal de beleza instituída pela sociedade por

meio da valorização da estética negra no cotidiano das escolas, evitando que as

trajetórias de pessoas negras sejam marcadas por situações perversas de exclusão em

razão dos seus atributos físicos.

62

CAPÍTULO III

PROFESSORAS NEGRAS PROTAGONIZANDO A PRÓPRIA HISTÓRIA: AS

TRAJETÓRIAS

Neste capítulo, analiso a trajetória e os discursos das professoras negras

denunciando a presença de discriminação racial em suas vivências escolares e

profissionais e possíveis enfrentamentos.

Considero de extrema importância demonstrar a persistência e protagonismo, os

quais culminaram na ascensão social dessas mulheres e professoras negras por meio da

educação, fazendo uma reflexão sobre os desafios que foram postos constantemente nos

seus caminhos e hoje trilham novos horizontes.

3.1 As experiências de discriminação racial na trajetória escolar e profissional

As discussões sobre as construções negativas em torno do ser negro no cenário

brasileiro vêm descortinando as diversas faces do preconceito e da discriminação no

cotidiano das relações raciais nos diversos espaços sociais. Racismo, preconceito e

discriminação racial estão presentes a todo o momento em nossas ações e estão

impregnados no nosso imaginário que, muitas vezes, insultamos e nem percebemos .

Nas histórias de vida das entrevistadas, todas as professoras negras, de uma

forma ou de outra, passaram por experiências de discriminação racial, seja na infância,

adolescência ou na fase adulta. Vemos nesses depoimentos obtidos nas coletas de

histórias de vida, como os insultos e as ofensas raciais são desferidos e estiveram

presentes desde a infância nas vidas de mulheres negras. A maioria das professoras

entrevistadas relatou que a primeira experiência com a discriminação e com o

preconceito racial ocorreu no contexto familiar e no espaço escolar.

Um exemplo dessa situação está no relato na história de vida da professora Rita.

[...] sou filha de negra (quilombola) com branco. O meu pai é da raça

branca, por ser a classe majoritária, eu fui rejeitada desde que a

minha mãe me concebeu, […] Eu tive uma infância muito dolorida,

até escrevi um livro sobre minha vida […] fui saber sobre isso já

estava com oito anos. […] E sempre pensava assim, vou estudar e ser

alguém na vida pra eu mostrar para família do meu pai que mesmo eu

sendo negra eu ia ser alguém na vida, como de fato, graças a Deus

63

consegui chegar onde cheguei, e mostrei pra ele que eu cheguei sem

precisar do nome dele e sem precisar do seu dinheiro. (Rita, N. S.

Livramento)

A situação de rejeição descrita por Rita apresenta muitas semelhanças com a

realidade de diversas crianças negras na nossa sociedade. A rejeição de um indivíduo

por nascer negro, concebido como fruto inverso de um ideal desejado, traz sérios danos

e frustrações à criança negra, podendo comprometer o emocional e a construção de uma

identidade racial positiva. O ato da recusa do pai e de seus familiares por ter um

integrante negro no grupo familiar mostra como o branco se apropriou da superioridade

da “raça” em face dos ideais das teorias racistas.

Outra questão enfatizada pelas professoras foram as constantes atitudes

preconceituosas e discriminatórias que remetiam ao tipo de cabelo e à cor da pele das

entrevistadas.

[…] então todo dia pra isso não acontecer (perseguição dos colegas),

eu tinha que ser a primeira a sair da sala de aula e correr, porque

eles vinham atrás de mim me xingando e falando palavrões até eu

passar esse trecho […] ali onde eles moravam, eu passava correndo.

Os xingamentos eram referentes ao meu cabelo, porque na realidade

eles procuravam diminuir minha autoestima fazendo essa relação do

feio com meu cabelo […] todo o meu sofrimento, minha angústia com

eles era por causa do cabelo. (Olga, Várzea Grande)

[…] eu passava muita raiva, agora o meu cabelo é assim, curtinho,

mas antes ele era um cabelo gigantesco. Então eu não tinha aquele

jeito de arrumar ele. Eu o prendia e amarrava, ficava aquele tupetão

[parte inaudível]. Então eles pegavam carrapichos, espetava no meu

cabelo que ficava cheio de carrapichos. Para tirar eu chorava,

porque doía, isso acontecia na hora do recreio e na hora de ir

embora. (Ana Lúcia, Cuiabá)

[...] na escola meus colegas me tratavam e tratavam meus irmãos

como “negrinhos da senzala”, “cabeça podre de azeite”, eles

cercavam a gente para bater […] essas marcas a gente nunca apaga,

a gente tenta apagar, mas não consegue. (Joana, N. S. Livramento)

O cabelo desde a infância tem muitos significados para as mulheres. Geralmente

a discriminação racial na escola se dá pela aparência, principalmente pelo tipo de cabelo

e cor de pele, como forma de depreciar o negro. Considera Leite (2011, p.) que “[...]

este pesa muito mais para a mulher negra, pois o cabelo exprime uma marca tão

significativa que lhe foi atribuído conceitos como cabelo bom ou cabelo ruim”.

Muitas vezes, deparamos com uma carga discursiva sobre o ser negro, a qual de

forma perniciosa infere que a culpa pela sua inferioridade se situa nele mesmo e que,

portanto, a morte simbólica e material do seu corpo se constitui o melhor caminho para

64

o fim dos sofrimentos individuais e coletivos. Isto é, o racismo deixa de ser um

problema social para ser um problema do indivíduo e dos grupos negros.

Segundo Santos (1983, p. 3), “A violência racista do branco exerce-se, antes de

mais nada, pela impiedosa tendência a destruir a identidade do sujeito negro”, e que

este através da internalização brutal de um ideal de ego branco, é compelido a formular

para si um projeto identificatório incompatível com as propriedades biológicas do seu

corpo. Ainda a referida autora aponta que esse ideal de um ego branco leva a criança

negra a aprender a depreciar, rejeitar e deformar o próprio corpo para configurá-lo à

imagem e semelhança do branco. Há de convir que o problema não está em ser negro,

não está na cor da pele, nem no tipo de cabelo do negro ou da negra, mas no uso social

que se faz dessas características físicas para inferiorizar o indivíduo e o grupo negro.

Para Gomes (2003), em muitos casos, a criança incorpora essa depreciação

evitando o seu pertencimento racial e a tudo que a ela lhe remete e as professoras nem

sempre buscam intervir pedagogicamente a essas ocorrências de discriminação.

O emprego das expressões “negrinhos da senzala” e “cabeça podre de azeite”

apresentadas nessas falas conota negatividade em relação ao grupo negro e denuncia

ofensas carregadas de estigmas.

Estigma para Goffman (1988) significa expressivo descrédito conferido a uma

pessoa com uma diferença indesejável. Chama a atenção para o fato de que o estigma é

um poderoso signo de controle social empregado para marginalizar e desumanizar

determinadas pessoas que apresentam certas descrições desvalorizadas. Para o autor, um

indivíduo estigmatizado pode ser “desacreditado” instantaneamente, quando na vida

cotidiana essas marcas desvalorizadas estão visíveis; ou “desacreditáveis”, quando não

estão imediatamente visíveis, mas podem ser delatadas, reveladas ou desvendadas.

É possível que esses termos pejorativos possam ter causado um sentimento de

inferioridade na vida dessas professoras quando crianças.

Uma entrevistada relata que a adolescência foi uma etapa muito difícil para ela,

tendo em vista a fase dos namoros, pois a preferência dos meninos sempre era para as

meninas brancas. A pele e o cabelo estavam sempre em jogo quando se tratava de

relações de afetividade.

[...] Já na adolescência, cursando o ensino médio, os grupinhos já

eram daqueles que pensavam em namorar. E eu sofria porque era

muito complicado, os meninos tinham preferência por outras meninas,

brancas ou loiras e a gente ficava para o segundo plano. Eu ficava

calada, não me manifestava que estava triste. Eu percebia assim, que

65

os meninos que eu tinha algum interesse não iam gostar de mim,

porque era negra. (Raquel, Cuiabá)

Nessa fala, é possível perceber que para a mulher negra a fase da adolescência é

extremamente complicada. Como destaca Alexandre (2011), na adolescência as

meninas se preocupam muito com o visual, e que a discriminação, tendo como alvo o

cabelo, faz com que elas se sintam inferiorizadas.

Por conta de uma construção cultural, a cor e o cabelo são constantemente alvos

de discriminação entre os adolescentes nos espaços sociais, principalmente no âmbito

escolar, em que “ruim” e “bom”, “bonita” “feia” são termos constantemente utilizados

para distinguir tipo de cabelo, cor de pele e, assim, inferiorizar ou supervalorizar

pessoas. Nessa relação, as adolescentes negras são nitidamente depreciadas ou

rejeitadas. Nesse processo histórico e cultural brasileiro, as mulheres constroem sua

corporeidade em uma dinâmica sobrecarregada de rejeição/aceitação,

negação/afirmação do corpo (GOMES, 2002).

Essa mesma entrevistada relatou outro fato constrangedor que ocorreu com ela,

manifestando-se, durante seu relato, indignada.

[...] Cito um fato claro que aconteceu comigo recentemente, quando

fui trocar de carro numa concessionária aqui em Cuiabá. Disse que

estava interessada em trocar de carro. Mas os modelos que ele

(vendedor) estava me mostrando era os mais simples, e dizia que a

prestação de um carro usado novo ficava em torno de R$300,00 e que

podia se pagar em muitas prestações. Eu falei que não estava

interessada em um carro usado, mas em um carro novo. Ele me falou:

_ Mas dona um carro zero é muito caro, a prestação vai ficar quase

R$ 900,00 reais, a senhora não vai ter condições de pagar. Então

porque ele falou isso? Ele não perguntou a minha renda, não tinha

perguntado minha profissão, ele deduziu isso por quê? Então é uma

discriminação fortíssima. Eu penso que ele não teve essa intenção de

me discriminar porque sou negra. É pela cultura da sociedade que já

colocou na cabeça das pessoas que todo negro tem que ficar naquela

situação de escravo. Então a gente percebe que essa situação que a

gente vive constantemente é sempre por causa da cor da pele.

(Raquel, Cuiabá).

Em nossa sociedade, geralmente as pessoas são avaliadas pela sua aparência, isto

é, já está cristalizado nas pessoas um juízo de valor, de que uma pessoa por ser negra é

desprovida de poder aquisitivo. Como destaca a professora Raquel, já é uma cultura da

nossa sociedade enxergar o negro como um ser subalterno e desestruturado

financeiramente. O preconceito e a discriminação baseados no critério racial

constituem-se num mecanismo que vem, frequentemente, invisibilizando e

desqualificando o negro em nossa sociedade.

66

Para Gomes (1995, p. 59), essas atitudes racistas são construídas desde a

infância, pois tanto crianças negras quanto brancas crescem convivendo com as

injustiças sociais. Segundo a autora, “a referência que têm do negro está diretamente

relacionadas a indivíduos em situação de pobreza, ocupando cargos de baixo status

social, alocados no ramo de prestação de serviços, pertencendo aos bolsões de miséria,

ocupando os presídios e dormindo na rua”.

Na escola, também acontecem muitos comportamentos associados a uma visão

estereotipada contra a pessoa negra. Atitudes negativas que marcam a relações entre

aluno/aluno e aluno/ professor. Nas várias situações de conflitos gerados no momento

da recreação e ou nas atividades escolares coletivas, alunos que se veem superiores,

geralmente, manifestam ato de ofensa contra o colega que julga ser inferior e, da mesma

forma, agem alguns professores ao tratar o aluno negro com menosprezo e inferioridade.

Como sintetiza Muller (2009, p. 25) “a cor da pele é motivo frequente de insulto e

também de piadas”.

No que se refere à discriminação que as depoentes sofreram por parte de seus

professores no ambiente escolar, notamos por meio dos relatos das professoras Ana

Lúcia e Amália, o tratamento diferenciado dispensado para crianças brancas e negras:

[…] lembro que quando eu estudava na roça, eu tinha meus 7 para 8

anos, então a gente pegava água muito longe, num poço, pra fazer um

leite, que vinha num pacotão, leite em pó. Então na escola pra buscar

a água, era só Ana que buscava. Só que eu não entendia. Era só eu,

meus irmãos e mais duas pessoas negras que buscava. Os

branquinhos mesmo queriam só tomar o leite. E era longe pra buscar

a água, era muito longe mesmo. Trazíamos água na cabeça, ajudava

a professora a fazer o leite, e aí na hora de tomar o leite, eu nunca

esqueci isso... a gente buscava água e era o último a tomar o leite,

isso se sobrar. Eu nunca me esqueço disso. Eu chorei várias vezes,

porque, poxa, eu busquei água, ajudei a fazer o leite e agora vou

tomar só um pouquinho. Cansei de chorar reclamar. Isso me marcou

bastante (Ana Lúcia, Cuiabá).

[…] quando eu estudava no ginásio sofri uma discriminação pela

minha professora. Assim, em todas as salas de lá só tinha eu de negra,

sabe. Eu morria de vergonha, quase não falava na sala. Aí, todo

mundo ia pra fila pra corrigir o caderno, e eu ficava lá sentada. A

professora falava bem assim: “Ô negra! Você não vai pra fila pra

corrigir seu caderno?” Eu ficava assim… (expressou que ficava

ressentida com o jeito de falar da professora). Eu levantava e ficava

no último da fila. A professora corrigia o caderno e falava: “esse

caderno está sujo igual porco, você estava no chiqueiro?”. Eu fazia a

tarefa na roça, depois que socava arroz (Amália, Cuiabá).

67

Diante desses episódios, as depoentes manifestaram um sentimento de mágoa

pelo tratamento recebido de suas professoras. Percebe-se que, nessas relações, elas

agiam de forma inconsciente, cristalizado pelo imaginário social construído ao longo da

história sobre o indivíduo negro.

A discriminação racial sofrida pelas entrevistadas evidencia a existência de um

tratamento desigual no ambiente escolar, e que as práticas discriminatórias manifestadas

por meio dos insultos advindos das professoras, muitas vezes, são concebidas como

naturais. Essa questão é afirmada por Müller (2009, p. 25) quando esclarece que “o

preconceito é naturalizado, e quem assiste ou comete um ato preconceituoso nem

percebe que está sendo cometida uma injúria grave, que fere os sentimentos e a

autoestima do ofendido”.

Outra situação foi vivenciada pela professora Leda, por ser negra, pobre e morar

na zona rural, era alvo de discriminação tanto racial como social. Destaca que, por

diversas vezes, as famílias mais humildes ficam à mercê da discriminação racial e

social, sem atentar para os prejuízos que isso lhes causam.

[...] na verdade quando eu era criança sofri discriminação racial,

como a nossa família era humilde, nunca se atentou para tomar essas

atitudes como discriminação, aceitava pelo aspecto de nunca ter

atentado para isso. Era discriminação racial, era discriminação por

morar na zona rural, eu era uma das poucas alunas que frequentava a

cidade, eu nunca tive esse contato pra fazer trabalho em casa junto

com as colegas, por que tinha que voltar logo pra casa de ônibus, as

pessoas apelidavam a gente por morar na zona rural, quando estudei

comecei com 5 anos , era a menor da turma, então tinha essa questão,

então tudo junto dava para a questão de discriminação racial e

social. (Leda N. S. Livramento).

Os relatos acima mostram uma forte situação de discriminação racial vivenciada

pelas depoentes durante as suas trajetórias de estudos. Percebe-se que muitas situações

conflitantes nas relações raciais entre os alunos advêm de brincadeiras pejorativas,

apelidos depreciativos e xingamentos alusivos à cor e textura de cabelo. Esses

comportamentos muitas vezes são concebidos pela escola como natural ou como “coisas

de crianças”, mas que, de forma contundente, acabam reforçando aos alunos brancos

que tais atitudes são corretas e que não tem problema algum continuar fazendo.

Santos (2007), em sua pesquisa sobre as relações entre alunos negros e não

negros no contexto escolar, destacou que a concepção de inferioridade nas relações

entre alunos caracteriza-se para além da cor, isto é, esta deixa de ser num primeiro plano

a marca da diferença, dando lugar ao atributo cabelo. Essa autora constatou ainda que o

68

recreio para os negros representa um momento difícil, pois são obrigados a viver sob o

signo da ideia de inferioridade a respeito de seu pertencimento racial.

Essas atitudes são manifestadas por meio da linguagem verbal, nos gestos, nas

brincadeiras, xingamentos, apelidos. Enfim, na forma de tratar o outro. No caso do

indivíduo negro, este universo negativo está direcionado à cor da pele e aos traços

fenotípicos (cabelo, nariz, lábios), cuja imagem está atrelada a um ideário construído

historicamente.

Para Guimarães (2002), o insulto racial tem como função instalar um inferior

racial e consiste na aposição de uma marca sintética, como a cor, remetendo o insultado

ao terreno da pobreza, da anomia social, da sujeira e da animalidade, criando uma

barreira social.

Desse modo, Müller (2006) afirma que embora a nossa sociedade seja

multirracial, as variedades de tons de pele declarados pela população brasileira vêm

gerando distinções, seguindo uma “linha de cor” que vai da mais clara a mais escura,

tanto mais próxima ou mais distante do branco. Assim, uma pessoa que se concebe mais

próxima possível do extremo branco se sente legitimada a praticar insultos raciais contra

outros de pele mais escura.

A discriminação e o preconceito estão presentes em todos os espaços sociais. A

docente Vera, do município de Várzea Grande, relata uma situação vivenciada no

interior de um transporte coletivo, em que foi perceptível o olhar negativo sobre o

negro.

[...] tive muitas situações de preconceito. Porque é assim, o branco

em qualquer lugar que ele chega ele é bem visto, já uma pessoa negra

as pessoas olham de um jeito diferente. Uma vez eu entrei no ônibus e

na minha frente entrou uma pessoa branca. Essa pessoa branca

estava com o suor muito forte. Todas as pessoas que começaram a

sentir o odor olhavam para mim. Eu já estava ficando encabulada

com aquilo. Pensei, essas pessoas devem estar achando que sou eu

que estou com esse odor forte, por causa da minha cor escura,

enquanto a pessoa branca passou normalmente, ninguém olhou pra

ela da forma que estavam olhando pra mim. (Vera, Várzea Grande).

A mesma professora prossegue demonstrando a sua percepção em relação àquela

situação.

Continuei pensando, será que só porque sou dessa cor? E a gente

percebe essa diferença. Vi que as pessoas ainda vê o negro como uma

pessoa diferente, mas um diferente para pior, ruim. Mas hoje ainda

bem que as coisas estão mudando [...] (Vera, Várzea Grande).

69

No Brasil, essa visão negativa e distorcida contra o negro foi construída para

condicioná-lo a um lugar determinado pela sociedade, ou seja, na posição de inferior.

Trazendo essas discriminações para o cotidiano das relações de trabalho, é

possível perceber no relato da professora Ivete, a seguir, as realidades que muitas

mulheres negras enfrentam, e como os insultos estão presentes na relação

patrão/empregado, situações essas consideradas uma prática quase que automática.

[…] o meu primeiro emprego foi numa loja como vendedora. Eu tinha

13 anos, por causa da cor e da minha pele negra eu sofri muita

discriminação. Era muito abuso do patrão, insultos, falava muitas

coisas, então consegui ficar só um ano e depois saí. Já na segunda

loja, além de vendedora eu também fazia a limpeza da loja antes de

começarmos a trabalhar. O meu chefe chegou e me chamou a atenção

por causa de um espaço que precisava limpar. Então ele usou a

expressão “Olha só, só podia ser serviço de preto mesmo”. Senti-me

discriminada por causa da cor, entrei com pedido na justiça, mas não

deu em nada. Eu preferi largar de mão e deixar quieto. (Ivete, N. S.

Livramento)

Percebe-se que mesmo a entrevistada mudando de local de trabalho, os insultos a

acompanharam, visto que está inculcada na mentalidade das pessoas a noção de

inferioridade quando se trata de pessoas negras. Termos como “serviço de preto”, “preto

quando não suja na entrada suja na saída” e outros são estigmas usados para evocar

inferioridade e hierarquia social, principalmente quando se menciona a condição social,

faz-se questão de lembrar a qualidade de ex-escravos.

Em uma sociedade marcada por intensa relação conflituosa de poder, o

segmento negro está sempre à mercê de hostilidade e representações vinculadas a um

passado escravagista. Guimarães (2002) ensina que a posição social e racial dos

insultados já está historicamente instituída por meio de um extenso processo anterior de

humilhação e subordinação e o próprio termo que os designa como grupo racial (preto

ou negro) já é em si mesmo um marco pejorativo, podendo ser usado sinteticamente,

sem estar acompanhado de adjetivos ou qualificativos.

E, dessa forma, o preconceito, o racismo e a discriminação racial vêm

prosseguindo em nossa sociedade, hostilizando a população negra por meio de insultos,

ofensas, xingamentos e apelidos pejorativos, na tentativa de lembrar sempre à pessoa

negra onde é “seu lugar”, alimentado pelo ideário da superioridade de determinado

grupo social historicamente construído.

A escola vem sendo apontada como um dos ambientes mais importantes na

construção de quem somos e do que pensamos a respeito do outro. A forma negativa de

70

ver o outro surge no cotidiano escolar de maneira severa e cruel, em que o “outro”

torna-se uma pessoa com atributos diferentes e, por isso, pode ser discriminado.

Na escola, o outro, o diferente, muitas vezes, é depreciado, ridicularizado,

estigmatizado, discriminado e, finalmente, excluído, em geral na frente de todos e com a

anuência dos profissionais da educação, quando silenciam ou participam da situação

(ABRAMOWICZ e OLIVEIRA, 2006).

Nas relações raciais estabelecidas no espaço da escola, devido ao seu

pertencimento racial, o grupo negro está constantemente sujeito a depreciações, visto

que historicamente foi construída uma imagem negativa a seu respeito, o que Bento

(2005) chama de “estereótipo”. Ela situa o estereótipo como “algo que funciona quase

como um carimbo, a partir do que a pessoa é vista sempre através de uma marca, pouco

importando como realmente ela seja” (p. 38). Essas representações negativas são

veiculadas naturalmente nos meios de comunicação, seja na televisão, em revistas ou

redes sociais. Essas mídias, de forma perversa, estimulam as pessoas a terem posição

negativa acerca de fatos, acontecimentos e grupos de pessoas negras, indígenas ou

quaisquer outros considerados diferentes.

Bento (2005), citando o estudo realizado por Raquel de Oliveira nas escolas

públicas estaduais de São Paulo, em 1994, revela que o estereótipo influencia no

comportamento das crianças. O estudo mostra que a criança branca é o principal agente

discriminador da criança negra, que palavras como “preto” e “negro” estão sempre

presentes nas situações de brigas e conflitos entre os alunos.

Em relação às atitudes estereotipadas remetidas contra o segmento negro, Costa

Pinto (1998) ressalta que o preconceito racial constitui-se em um sistema de reações

estereotipadas, não no contato com o negro, mas por força dos julgamentos existentes

sobre ele. Age, pois, como força estabilizadora de negação e tende a resistir à mudança.

Os estereótipos, que são criações do grupo e não do indivíduo, tendem

a se estabelecer e consolidar, como dissemos, na medida em que,

dentro de uma estrutura maior, os grupos se afastam e entram em

competição; por outro lado, dentro de cada grupo, na medida em que

os estereótipos existem e se propagam, e maior número de pessoas

passa a adotá-los, eles se tornam mais consolidados, mais integrados

e, por via de consequência, mais difíceis de modificar, pois em torno

deles tendem a se formar correntes de opinião, ideologias e

movimentos sociais (COSTA PINTO, 1998, p. 187).

De fato, quando se trata do segmento negro, as opiniões negativas construídas

sobre esse segmento ao longo da história vão ganhando adeptos de geração a geração.

71

Isso é possível perceber em obras literárias brasileiras, nos comentários emitidos pelos

internautas nas redes sociais, nas telenovelas, programas de entretenimentos, letras de

músicas, e que são facilmente socializados no ambiente escolar.

Pesquisas no cotidiano das escolas mato-grossenses trazem recentes discussões

sobre a presença de estereótipos de cunho racistas e discriminatórios nas relações de

conflitos entre os dois grupos de cor negro e branco. Nos estudos realizados por Santos

(2005); Alexandre (2006); Gonçalves (2006) e Aiza (2007) é possível perceber termos

pejorativos expressos por professores e por alunos brancos relacionados ora à aparência

do aluno negro (cabelo de bombril, cabelo de arame, macaco, filhote de São Benedito),

ora à capacidade intelectual (negro burro) e ora ao comportamento (malandrinho, saci,

revoltado).

Vale ressaltar que essas e outras expressões negativas transitam livremente nas

relações conflituosas ocorridas no cotidiano da escola e são concebidas como

brincadeiras, interpretadas como natural, mas com o nítido propósito de depreciar as

crianças negras e estabelecer contra elas e nelas o sentimento de inferioridade.

A professora Ruth, uma das entrevistadas, acentua que as pessoas dão muito

valor para o tom da pele, para o estilo de roupa que se usa e não valorizam a

honestidade, o caráter. “O brasileiro é muito enganado, se aparece um bonitinho, um

arrumadinho, cheirosinho, só roupa da moda e se aparece lá um negro de chinelinho,

ah já vai roubar já tem alguma coisa, fica de olho nele” (Ruth, Várzea Grande).

Para Santos (2007), as manifestações depreciativas em relação ao negro por

meio dos apelidos ou da satirização passam a prevalecer na difusão do racismo. No

entanto, “por trás da tida “brincadeira” e apelido enfatizando as características raciais

dos alunos, nada há de brincadeira. São formas de estigmatização do negro, de veicular

preconceito, onde o interlocutor se exime do ato, sob a justificativa da brincadeira” (p.

55).

Gostaria de iniciar este parágrafo com o relato de uma experiência pessoal. Em

1987, quando da minha primeira experiência como professora, tive de programar as

atividades artísticas e culturais para serem apresentadas nos eventos alusivos às datas

comemorativas. Assim, quando as atividades direcionavam para apresentação individual

e de posição de destaque (declamação de poemas e poesias, entrega de premiação ou de

homenagem, representar a turma ou a escola, hastear a bandeira e outros), sempre

escolhia uma aluna ou um aluno branco, de cabelo liso, tido como o mais bonito e

inteligente para aquela atividade. Ou quando das apresentações coletivas (danças, teatro,

72

coral, jogral), instantaneamente, ao organizar as crianças no palco, alocava as crianças

brancas na frente e as crianças negras atrás. Esse tipo de atitude foi manifestado até o

momento em que percebi as crueldades que estava fazendo para com aquelas crianças

negras.

Assim como meus alunos, muitas outras crianças negras brasileiras vêm

sofrendo com ações dessa natureza, as quais as remetem ao caminho da evasão e/ou

exclusão social. Compreendo que, assim como já narrei, eu somente reproduzia aquilo

por que já passara, sem nenhuma reflexão, estava condicionada a essa reprodução. Para

essa situação, Müller (2009, p. 25) elucida que “são tão frequentes em nosso país

atitudes depreciativas contra pessoas negras que passam completamente despercebidas”.

Outro instrumento que vem há décadas sendo alvo de denúncias relativas à

veiculação de estereótipos e estigmas em relação ao negro são os livros didáticos.

Embora venha mostrando avanços nos últimos anos, muitas obras ainda apresentam

enfoques pejorativos em relação ao negro.

Em estudo realizado por Costa (2004), o negro no livro didático é apresentado

como objeto de riso, de gracejos, em uma amostra de desrespeito à sua dignidade. A

autora revela que “atribuir estigmas negativos aos negros significa impingir-lhes marcas

des seres inferiores e, portanto, justificar as injustiças sociais às quais, ao longo dos

séculos, vêm sendo relegados, interferindo em suas perspectivas de futuro” (p. 60).

Costa (2004) corrobora com a ideia de Cavalleiro (2003) quando esta destaca

que esses atos cometidos pelos professores, mesmo se considerados atitudes

inconscientes, magoam e marcam vida afora as crianças negras. Para a autora, a escola

ao se achar igualitária, livre de preconceito e discriminação, acaba perpetuando

desigualdades de tratamento e oportunidades.

Observo em minha vivência diária como docente que alguns professores agem

com preconceito contra as crianças negras e as discriminam abertamente, o que

contribui negativamente para a sua construção cultural e identitária.

Diante dos percalços vividos (estereótipos, estigmas, insultos) pelas professoras

negras entrevistadas desde suas infâncias, seja na vida escolar ou social, é inegável a

luta que as mulheres negras travam diariamente para continuar rompendo barreiras,

buscando superar-se e atingir melhores condições de vida.

73

3.2 Ser professora: desejo ou necessidade?

Neste estudo, a busca pelo magistério como profissão ocorreu de várias formas

na trajetória de vida das depoentes. Ser professora para as pesquisadas significou o

rompimento de uma história marcada pela exclusão do negro na educação, e

especificamente da mulher negra. Entre as professoras entrevistadas, doze delas

disseram que ingressaram no magistério ainda no ensino médio.

De acordo com Gomes (1995, p. 153),

Quando estamos atentos a este processo sócio-cultural, podemos

inferir que as mulheres negras, que até então se mantinham

analfabetas ou sem condições de continuar os estudos devido as

condições raciais, econômicas e sociais, viram-se diante da

oportunidade de acesso à escola pública. Todo o processo de expansão

desta escola trouxe-nos, também, o aumento de vagas nos cursos

noturnos e profissionalizante, entre os quais está o magistério.

Na pesquisa, percebeu-se que cursos como o de contabilidade ou técnico

propedêutico, inicialmente, estiveram presentes na vida de algumas depoentes, mas elas

depois desistiram optando pelo magistério.

A professora Ana Lúcia relatou que iniciou seu ensino médio, à época

denominado segundo grau, no curso técnico de contabilidade, porque trabalhava como

empregada doméstica na casa de uma senhora e esta dizia que moça prendada é aquela

que sabia contabilidade. Logo, porém, desistiu, preferindo o magistério.

Para ela, a preferência pelo magistério se deu devido a outros cursos não terem

caráter humanizante, encantador e de aproximar as pessoas, como relata Ana Lúcia.

[...] eu fiz o primeiro ano de contabilidade, mas não quis mais. Ai sai

da casa dela. Fiz o magistério no Ferreira Mendes (escola) em 1981.

[…] não sei se foi influência mais da minha professora, você sabe que

a professora exerce alguma influência sobre os alunos, devo ter

encantada pelo jeito que ela me tratava, pelo carinho que recebia do

jeito que ela ia visitar. […] então devo ter apaixonado por isso, coisa

de criança. (Ana Lúcia, Cuiabá)

Já, para Lídia, de Poconé, ser professora partiu da imposição dos pais.

Geralmente, os cursos técnicos eram oferecidos à noite, por isso os pais, temendo pela

segurança das filhas, ordenavam que estudassem em cursos diurnos, e o de magistério

representava uma dessas possibilidades.

[...] No ensino médio fiz o magistério. Não fiz por opção, fiz obrigada.

Na época meu pai me obrigou a fazer magistério, na verdade queria

fazer contabilidade, mas havia horário somente a noite e meu pai não

74

aceitava a gente estudar a noite. Ele achava que iríamos namorar.

(Lídia, Poconé)

O fato de se tornar professora não foi bem recebido, a princípio, pela

entrevistada, que se utilizou de artifícios para se livrar do curso. Relatou que para entrar

no magistério tinha de fazer um teste, então planejou fazê-lo todo errado para não ser

aprovada, tendo em vista que não queria fazer magistério. Disse que mesmo

apresentando muitos erros, conseguiu entrar na lista dos aprovados. Então, fez o

magistério e logo que entrou acabou gostando.

De acordo com a professora Vânia, o seu grande sonho desde criança era ser

oceanógrafa. Porém, viu seu sonho se distanciar, uma vez que esse curso não é ofertado

em Mato Grosso, e sim nos Estados, à época, do Rio de Janeiro e Bahia. E como não

tinha outra opção, resolveu cursar magistério. A partir dos estágios, despertou o gosto

pela profissão, percebendo que, assim, poderia mudar e transformar o ser humano, seus

alunos.

[...] eu quero transformar os meus alunos em cidadãos. Eu quero que

eles percebam que Poconé pode melhorar se eles também

melhorarem, podem perceber as desigualdades que está em torno

deles. Eles têm que perceber isso. E é isso que eu faço em sala de

aula. (Vânia, Poconé)

Em outra trajetória, a procura pelo magistério foi por necessidade. A professora

destacou que fez o curso técnico em administração, mas que depois fez o magistério,

seguindo os conselhos de uma diretora da escola onde estudou. Nesse caso, ser

professora representou a possibilidade de se estabelecer profissionalmente, ter um

rendimento e adquirir certo estatus social.

[...] fiz o magistério, e inicialmente por questão de sobrevivência,

comecei a trabalhar, amei! Tanto é que não saí mais. Fiz o magistério

e isso me segurou no campo da educação. […] era como o meu pai

dizia, eu estava estudando pra ter um emprego bom. (Olga, Várzea

Grande)

Algumas entrevistadas fizeram o magistério por considerarem um curso que

possibilitaria retorno imediato para entrada no mercado de trabalho. Para Müller (2003),

“entende-se hoje que uma profissão como a do magistério que exige estudo

especializado, promova certa mobilidade social. Ainda mais em se tratando de cargo

público que garante, por si só, uma renda, modesta, porém constante” (p. 77).

Isso ocorreu com a professora Amália, por ser de família carente, sempre

passavam necessidades financeiras. Resolveu fazer magistério a pedido da mãe e da

75

prefeita da cidade, por considerar que oferecia possibilidade de conseguir emprego com

mais facilidade: “Fala para suas filhas fazer o normal, porque logo arruma um serviço

pra dar aula”. Então, seguindo os conselhos da mãe e da prefeita, passou a fazer o

curso normal, e logo que terminou conseguiu vaga para trabalhar como professora.

A professora Eva afirmou que escolheu a carreira de magistério por ter como

referência sua mãe que já era professora. Destacou que hoje trabalha com o 5º ano do

ensino fundamental e se considera satisfeita com a profissão.

[...] antigamente tinha três cursos, administração, magistério e

contabilidade […] estava em dúvidas entre contabilidade e

magistério. Como a minha mãe já era professora, meu irmão

trabalhava na SEDUC, fiz magistério, [...] mas adoro dar aula para

as séries iniciais. (Eva, N. S. Livramento)

Já as professoras Vera e Rita vivenciaram situações semelhantes no processo de

escolha da profissão. Relataram que o desejo de ser professora iniciou na infância,

manifestado nas brincadeiras. Ambas consideram que essa relação próxima com a

docência é questão vocacional, o chamado “dom da natureza” pela arte de ensinar. Esse

desejo foi alimentado também pela admiração que nutria pelas mulheres professoras da

família.

[...] era um dom que eu já tinha. Desde criança eu já ficava

brincando de professora com outras crianças, e isso me acompanhou

na adolescência que também brincava de dar aulas para a criançada.

Eu tinha duas tias que eram professoras e eu as via dando aula na

frente do quadro, escrevendo com o giz, achava tão bonito, então eu

queria muito ser como as minhas tias, ser professora. Foi aí que corri

atrás e consegui ser professora, uma profissão que eu gosto muito.

(Vera, Várzea Grande).

[...] é porque eu sempre gostei de trabalhar com criança. Desde

criança lá no meu padrinho eu tinha umas turminhas que eu

trabalhava com elas. Elas tinham que fazer as tarefas e os pais levava

e perguntava se eu podia ajudá-las a fazer a tarefa. Eu tinha meus 13

ou 14 anos, então eu tinha as turminhas que eu já trabalhava com

eles. Eu estudava num período e no outro período eu ia pra lá pra

estudar com eles. Então foi assim desde criança eu ia com a minha tia

no colégio a noite e eu a ajudava a fazer as atividades e ai eu fui

pegando amor por essa profissão. (Rita, N. S. Livramento).

Da mesma forma, aconteceu com a professora Joana, que além de vivenciar a

profissão nas brincadeiras, recebeu apoio dos pais em sua escolha.

[...] quando eu era criança eu já brincava com as minhas primas de

ser professora, então eu cresci com isso, e pensava que na hora que

eu crescesse e tornasse mulher eu queria ser professora e por isso fiz

pedagogia. Hoje estou dando aula, gosto da profissão, trabalho muito

76

bem como alfabetizadora, foi uma experiência muito boa na minha

vida […] Meus pais me apoiaram na minha escolha. (Joana, N. S.

Livramento)

Essa mesma professora disse que, após a sua graduação foi convidada para

trabalhar na secretaria de educação como coordenadora de merenda escolar, e só depois

passou a lecionar, trabalhando um período como professora, outro na coordenação de

merenda.

Para esta outra professora também houve influência da família, isto é, a

profissão já estava presente na vida das mulheres da família, avó e mãe. De acordo com

Leda, a educação é percebida como o motor de desenvolvimento de uma nação, daí a

importância do magistério para o contexto social e educacional brasileiro.

[...] Primeiramente aqui em Livramento tinha duas opções: ou você

fazia técnico em contabilidade ou magistério. Eu optei pelo

magistério porque a minha avó era professora, a minha mãe era

professora, então quando comecei a estudar, fui gostando da

profissão e aperfeiçoando, porque é através da educação a gente

pode transformar o meio em que vive, pode estar colocando a nossa

história de outra maneira para os nossos alunos e para a própria

sociedade, logo engajei no movimento e aí eu continuei. (Leda N. S.

Livramento).

Algumas das entrevistadas relataram que já ocuparam cargos de direção e de

coordenação na escola em que atuam ou em outras onde já atuaram, enfatizando que

não foi fácil a permanência nos cargos devido à resistência da maioria dos colegas.

Como destaca Gomes (1995), a chegada ao magistério para a mulher negra constitui a

culminância de múltiplas rupturas e afirmações, a saber, a luta pelo prosseguimento dos

estudos, uma profissão que dá garantia de ter espaço no mercado de trabalho e/ou

conciliar às atividades do lar.

Nesse sentido, percebe-se que todas as professoras passaram por um processo de

educação formal e dele se apropriaram para desenvolver a formação humana pela

profissão escolhida ou que foram induzidas a escolher. A trajetória das mulheres negras

revela que ser professora para muitas significa, além da inserção no mercado de

trabalho, adquirir estatus social e ser reconhecida intelectualmente.

77

3.3 Vencendo barreiras: a conquista da ascensão social

Ao retornar ao passado pelas histórias de vida das professoras, foi possível

perceber que algumas profissões transitaram na vida das entrevistadas, porém a maioria

delas relataram que, ao entrar no mercado de trabalho, seu primeiro emprego foi como

empregada doméstica. Embora oriundas de famílias carentes e humildes, as professoras

viam o trabalho doméstico como alternativa temporária para suprir suas necessidades,

demonstrando sempre vontade de mudar de vida, de estudar e de se qualificar.

[...] desde a minha adolescência já trabalhava de doméstica e

estudava. Falo para os meus filhos que pra chegar aonde eu cheguei

eu já dei duro, trabalhei muito de doméstica. Mas eu sabia que não

era isso que eu queria, queria algo a mais, queria estudar, crescer na

vida. (Carla, Poconé)

Nesse aspecto, é possível perceber pela fala da entrevistada que a ocupação de

emprego doméstico foi uma forma de suprir suas necessidades, mas ela ansiava por

transitar em caminhos diferentes, e que essa mudança veio a partir da aprovação no

vestibular e, posterior, graduação.

Outra professora relata que, por morar em uma cidade pequena, com pouca

estrutura, os trabalhos domésticos eram os serviços mais disponíveis para as mulheres, e

principalmente, para as negras e de famílias carentes.

Há algumas décadas, em Mato Grosso, era comum em famílias carentes de

comunidades rurais, e até mesmo urbanas, meninas a partir de 10 anos serem inseridas

no trabalho doméstico, fosse em casas de parentes, amigos ou em famílias

desconhecidas, como forma de ajudar na renda familiar. Muitas vezes, essas meninas

moravam no emprego para poder estudar.

[...] quando fiz 13 anos fui encaminhada para ser empregada

doméstica. O salário não existia, era uma ajuda que hoje podemos

dizer R$50,00 por mês. Mas precisávamos daquele dinheiro. Eu

deveria limpar a casa da patroa, do filho dela, ser babá e lavar a

roupa. (Denise, Várzea Grande)

[...] pra mim foi muito difícil a oportunidade de trabalho. Aquela

época o trabalho que você tinha disponível em Poconé era em casa de

família. Então a partir dos 10 anos fui ser babá e doméstica, aprendi

a trabalhar desde cedo. Muitas vezes não recebia o pagamento que

era apropriado. (Lídia, Poconé)

Como relata a professora Denise, a remuneração que recebia como doméstica

era irrisória, no entanto era única fonte de renda que tinha. Ao discutir sobre o emprego

doméstico remunerado, Melo (1998) destaca que “o serviço doméstico é um dos setores

78

de ocupação profissional de pior remuneração dos trabalhadores, mesmo quando se tem

em conta o salário em espécie” (p. 19).

Vale ressaltar que o baixo valor atribuído aos trabalhos domésticos no Brasil é

devido ao fato de este ter sido historicamente desempenhado por escravos e, nesse

sentido, é visto por muitas pessoas, ainda hoje, como atividade similar ao trabalho

escravo.

[...] assim que terminei o ensino médio, fui pra Cuiabá trabalhar.

Trabalhei de babá por nove anos. Falei: Vou trabalhar e adquirir

meu dinheiro, mas não quero essa vida pra mim, quero crescer, ser

alguém, ter um futuro melhor, ter um cargo, estudar. (Nilda, Poconé)

[...] meu primeiro emprego foi de doméstica. Comecei a trabalhar

cedo com 16 anos, ainda no ensino médio. O trabalho doméstico era a

única fonte de renda que eu tinha. Como a gente era pobre e a

expectativa era pouca, era a única oportunidade que me apareceu.

Mas eu sempre falava assim: eu estou como doméstica, mas não

quero ser doméstica pra vida inteira, eu vou estudar pra não ser mais

doméstica. (Olga, Cuiabá)

A situação descrita pelas professoras desta pesquisa apresenta semelhança com a

história de muitas mulheres negras do nosso país, para as quais, ao se lançarem no

mercado de trabalho, os serviços domésticos foram-lhes apresentados como primeira

oportunidade. Dados do IBGE/2009 revelam que, no Brasil, uma, em cada cinco

trabalhadoras pretas e pardas, ainda é empregada doméstica. Isso indica que a mulher

negra, em sua maioria absoluta, ainda se encontra ocupando esse setor, sinalizando que

a questão racial se encontra estruturada nos postos de trabalhos de menor prestígio,

considerado um marcador de desigualdades.

Porém, durante as entrevistas, as professoras apontaram que idealizavam trilhar

novos rumos, anunciando, durante a descrição de suas trajetórias escolar e profissional,

seus projetos de vida, conquistar uma graduação e poder, então, garantir melhores

condições de vida.

Neste estudo, compreendo projeto dentro de um contexto subjetivo, na

perspectiva de realização pessoal, com propósitos pré-definidos, que podem, no entanto,

mudar de acordo com as circunstâncias para atender a um coletivo.

Segundo Velho (2003), os projetos individuais existem no mundo da

intersubjetividade, aparece como instrumento básico de negociação da realidade com

outros indivíduos ou coletivos. Para o autor, “o projeto não é abstratamente racional,

79

mas resultado de uma deliberação consciente a partir das circunstâncias, do campo de

possibilidades em que está inserido o sujeito” (p. 103).

Contudo, Velho (2003) assevera que os projetos individuais não agem em um

vazio, estão sempre em interação com os outros a partir de um pressuposto cultural

compartilhado por universos peculiares. Segundo ele, os projetos são complexos e, por

isso, o indivíduo pode possuir diferentes projetos e estes serem até mesmo conflitantes.

Nesse contexto, para entender os projetos contidos nas trajetórias de vida das

professoras aqui analisadas, é relevante entendermos que as trajetórias não são

estanques, mas dinâmicas. Como acentua Bourdieu (1997),

Tentar compreender uma vida como uma série única e, por si só,

suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outra ligação que a

vinculação a um sujeito cuja única constância é a do nome próprio, é

quase tão absurdo quanto tentar explicar um trajeto no metrô sem

levar em conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações

objetivas entre as diversas estações (p. 81).

Em relação à dinâmica dos projetos, Velho (2003) define como “a conduta

organizada para atingir finalidades específicas” (p. 40). De fato, a trajetórias de vida

dessas professoras negras, mesmo tendo seus processos sociais e escolares permeados

por mecanismos negativos, tinham sonhos, projetos, “vontade de subir na vida”.

O estudo é, indiscutivelmente para as mulheres negras, a via de acesso para

outras fontes de trabalho mais prestigiados. As entrevistadas relataram sobre os diversos

momentos de superação e conquistas em suas vidas, as quais viram a possibilidade de

concluir um curso superior para avançar profissionalmente.

Uma entrevistada demonstrou sua satisfação ao conseguir passar no vestibular

para ingressar no curso superior.

[…] queria muito entrar na universidade, mas aqui em Cuiabá eu

fazia o vestibular, mas não passava. Então em 1986 fui fazer

vestibular em Marília/SP. Passei e foi uma alegria, vi a minha

possibilidade de crescer na vida. Falei: vou enfrentar o que vier, é o

jeito. (Amália, Cuiabá).

Ao dizer “vi a minha possibilidade de crescer na vida”, a professora

atribuiu a aprovação do vestibular como a porta de entrada para sua ascensão social,

conforme pensamento de mobilidade ascendente já citado neste estudo por Azevedo

(1996).

Teixeira (2000) considera que, ao estudar sobre ascensão social do negro, o

pesquisador deverá ter o cuidado para não reproduzir o senso comum, evitando enxergar

80

o negro que consegue sua ascensão pela educação “como exceção que acaba por

confirmar uma regra (universidade não é mesmo lugar para negros e pobres), ou como

alguém que deu certo ou chegou lá porque é alguém mais inteligente ou porque se

esforçou mais do que a maioria efetivamente o faz” (p. 48, grifos da autora).

No Brasil, o indivíduo negro, para conseguir socialmente alçar patamares mais

elevados, trilha caminhos mais tortuosos e acidentados, como o fato relatado pela

professora Amália que, ao mencionar “[…] vou enfrentar o que vier”, já previa que ali

começariam novos obstáculos para conseguir concluir o curso, porém demonstrou

determinação e motivação.

Nesse contexto, a professora segue relatando as dificuldades que encontrou para

concluir sua graduação, devido a sua situação socioeconômica:

[…] eu pegava o ônibus e ficava um mês em Marília, e tinha que

pagar a mensalidade da faculdade, eu recebia e dava todo o meu

dinheiro que ainda não dava […] Toda vez que eu viajava, eu levava

um pacote de bolacha. Na época de eleição, os candidatos davam

camisetas de campanha política, então eu usava umas camisetas de

política e duas únicas calças jeans que eu tinha. Era assim, enquanto

eu vestia uma, outra eu lavava e ficava secando. Assim eu ia pra

Marília, lá eu ficava quase um mês, e os outros ficavam aqui dando

aula […] eu tinha que ter dinheiro pra passagem, pra pagar a

estadia, pra pagar apostila e tinha que ter dinheiro pra pagar os

cheques que eu emprestava. Eu ficava dois dias na estrada, eu e um

colega. Nós dormíamos no ônibus. O pessoal descia pra almoçar e

nós ficávamos dentro do ônibus porque não tínhamos dinheiro […]

nós viajávamos com uma garrafa de água de litros, enchia com a

água do banheiro, porque não podia nem comprar água. Teve uma

vez, que nós não tínhamos dinheiro pra ir embora, então dormimos na

rodoviária. E essa situação durou os três anos, até terminar o curso

[…] foi difícil, mas consegui. (Amália, Cuiabá)

Nesse relato, notamos as dificuldades que a professora teve de enfrentar para

conseguir romper as barreiras e atingir o objetivo determinado. Em seu relato é nítida a

importância do curso superior para uma mulher negra. A sua ascensão foi conquistada a

duras penas. As dificuldades para conseguir terminar o curso indicam o quanto o

cotidiano é desafiador para uma pessoa negra, a qual tem de enfrentar inúmeros entraves

para conquistar novos horizontes em prol do seu crescimento pessoal e profissional.

Estudo realizado por Castro e Barreto (1992) aponta que no campo profissional,

negros e brancos ocupam espaços diferentes. Aos negros geralmente são destinadas

posições inferiores, enquanto os brancos ocupam cargos hierarquicamente superiores.

Os autores enfatizam que para o primeiro segmento ocupar posições melhores deve

possuir nível educacional melhor que o dos brancos.

81

No entanto, as estatísticas apontam que ainda há uma grande discrepância

educacional entre esses dois segmentos. Embora tenha havido uma pequena redução na

diferença de anos de estudos entre os dois grupos de cor, a queda vem a passos lentos.

Se mantido esse ritmo, conforme Retrato das desigualdades de gênero e raça (2008),

essas desigualdades não cessarão em menos de 17 anos. (PAIXÃO e CARVANO,

2008).

A busca pela melhoria do nível educacional foi enfrentada pelas professoras

Lídia e Ivete, pois, segundo elas, sonhavam ingressar numa universidade pública.

[…] já é em 1991, eu fiz o vestibular na UNIC e fiz o meu curso de

graduação lá, depois de algumas tentativas para entrar na UFMT,

que era meu sonho. Fazer um curso de graduação representava muito

pra mim. Depois que terminei, fui fazer pós-graduação, pensando em

melhorar a minha situação financeira, pra ter um salário melhor.

(Lídia, Poconé).

[...] Eu lembro que… (pausa) isso marca muito, porque eu não tinha

pensado ainda o que eu ia fazer na faculdade, e lembro que fui à

formatura de uma prima, nossa eu fiquei muito emocionada, achei

lindo, meu sonho era entrar em uma faculdade de alguma forma, só

que eu não sabia como eu ia fazer isso. Eu tinha tentado várias vezes

na UFMT e não tinha conseguido, ficava na classificação, mas nunca

era chamada para ingressar. Na formatura da minha prima, eu falei

pra ela: “Prima, eu prometo que um dia você ainda vai me ver ai

nesse lugar.” (Ivete, N. S. Livramento).

Teixeira (2003) aponta que o ingresso na universidade para muitas pessoas

marca a descoberta de um novo indivíduo, que passa a se considerar mais valorizado do

que antes. Segundo a autora, “a educação formal é, de fato, o veículo de ascensão

social” (p. 36).

No Brasil, o acesso a uma universidade pública parece ser ainda um gargalo para

a população negra. Embora na última década tenha havido avanços no acesso ao ensino

superior, decorrentes da implementação de políticas de ação afirmativa como as cotas e

do PROUNI, a diferença entre negros e brancos nesse nível de ensino ainda é marcante.

As questões relacionadas às formas de enfrentamento para se ter ascensão social,

esteve sempre presente na fala das professoras entrevistadas. Como, por exemplo, no

relato abaixo.

[…] quando terminei o Ensino Médio, fiz a faculdade, pra eles (os

professores da escola) parece que não era concebida essa ideia de

que uma mulher negra galgasse os passos que consegui. Eu consegui

fazer primeiro o magistério, depois a geografia e em seguida a

especialização. Então, esse percurso foi complicado para mim, no

sentido dessas questões. É muito complicado para uma professora,

82

principalmente a mulher negra conquistar outro espaço. Eu não acho

que sou bonita, esteticamente falando, mas não concordo com isso.

Eu muitas vezes já fui muito discriminada por isso aqui na escola,

mas sempre enfrentei essa situação, pois sempre tive um propósito

para a minha vida. (Marina, Cuiabá).

Em uma sociedade como a nossa, a mulher negra encontra a todo o momento

obstáculos para desencorajá-la a lutar pelo seu ideal. Essas barreiras constantemente

são provocadas pela tentativa de fazer com que o segmento negro permaneça na base da

hierarquia social. Uma das professoras relata sua determinação em querer vencer na

vida, enfatizando os empecilhos encontrados pelo caminho,

[…] o meu nível superior foi com muitos obstáculos. Várias vezes eu

pensei em desistir. Eu trabalhava e o dinheiro que eu recebia não

dava para comprar roupas. A roupa que eu usava para ir a faculdade

era o meu uniforme de trabalho. Eu tinha que cuidar da minha casa,

cuidar dos meus filhos, mas não desisti. Eu falava que precisava de

algo mais, de crescer de alguma forma. Considero que hoje, sem

estudo você não é nada, principalmente quando há discriminação por

vários fatos que nos acontece. Mas mesmo assim, isso (a

discriminação) não tirou meu ânimo, minha vontade de crescer,

batalhar por aquilo que eu queria. (Ivete, N. S. Livramento).

Ao reconhecer que a discriminação racial pode ser um entrave para a ascensão

social de uma pessoa negra, a professora percebe a relevância dos estudos e prossegue

com a firme determinação de se ascender socialmente, buscando atingir seus projetos de

vida como um novo campo de novas possibilidades.

Para Santos (2007), o maior significado dessas conquistas é revelar com muita

força a envergadura e a dimensão das barreiras que, algumas vezes, posicionam-se de

forma mais perceptível, e outras extremamente particulares, a ponto de o indivíduo ser

barrado em suas aspirações e não as identificar como barreiras, porque, na maioria das

vezes, elas se dissolvem entre outras situações e se disfarçam.

Sobre a ação de enfrentamento manifestada pelas professoras em suas trajetórias,

a autora afirma que o segmento negro para ascender tem de enfrentar caminhos

espinhosos, tendo em vista que há mecanismos sociais culturalmente definidos e

utilizados para inibir o negro que ameaça sair do seu “lugar” e, por isso, é preciso que o

negro encontre mecanismos sociais de enfrentamento.

Na busca ainda pela formação superior e ascensão social, a professora Joelma

relata que:

[…] meu pai era analfabeto, minha mãe tinha até o ensino médio.

Assim que terminei o magistério em Poconé tive que ir embora,

83

porque aqui não oferecia o curso superior, e eu precisava melhorar

de vida. Fui para a cidade de Cáceres, lá prestei o vestibular e passei

juntamente com as minhas três irmãs. E aí foi também uma abertura

para meus outros três irmãos. Na minha trajetória de vida me orgulho

muito que eu e todos os meus irmãos fomos formados pela faculdade

pública. Meu pai tinha um sonho de todos os filhos terem ensino

superior. (Joelma, Poconé).

Muitas famílias gostariam de ver seus filhos formados, ter uma garantia de um

futuro melhor, um bom emprego. Viam que estudar era a melhor forma de prosperar e

sair daquela situação, conforme notamos no depoimento da professora Vera.

[...] a nossa vida era bastante sacrificada, a gente fazia de tudo para

manter nos estudos. Meu pai queria muito que a gente estudasse, ele

era uma pessoa muito determinada. Ele trabalhava na roça e mesmo

tendo ou não condições, ele queria muito que a gente fosse pra frente,

porque queria ver todos os filhos formados, pra ele isso era um

orgulho. Foi uma vitória que infelizmente ele não chegou de alcançar,

faleceu antes de me ver formada professora. Também eu fui a única

que formei de todos os meus irmãos, os outros só fizeram até o 2º

grau e pararam, casaram e hoje cuidam da família e trabalham.

Depois que me formei, as coisas começaram a melhorar. Logo fiz o

concurso público do Estado, em 1984, passei, fui efetivada e comecei

a trabalhar como professora. (Vera, Várzea Grande).

Percebe-se nesses relatos que os pais das entrevistadas possuíam pouca

escolaridade, no entanto, entendiam que a única possibilidade de os filhos vencerem na

vida era por meio da educação. Essa participação dos pais como incentivadores na

carreira dos filhos é considerada por Teixeira (2003) como “redes de apoio”. Para a

autora, as dificuldades e obstáculos enfrentados pelos negros para a realização de um

projeto de ascensão social são tão imensos que, às vezes, essa rede de apoio não é

suficiente e é preciso extrapolar as relações de parentesco.

Por meio das histórias de vida das professoras, percebeu-se que suas vidas,

embora marcadas pelo preconceito e discriminação, confrontadas com outras

dificuldades como situação financeira precária, não as impediram de lutar e de se

tornarem professoras, conquistando a sua ascensão social.

Para Santos (2007, p. 31), tornar visível o sucesso e ascensão do negro em uma

sociedade que o discrimina, possivelmente é uma estratégia de encorajamento e

estímulo para negros que estão ou vão entrar no processo de busca por ascensão social.

No entanto, as mulheres negras, para conseguir subir na vida, além de

enfrentarem situações de preconceito e discriminação, são, geralmente, submetidas à

tripla jornada como: cuidar da família, estudar e trabalhar.

84

3.4 Rede de apoio e solidariedade: A ajuda dos familiares e amigos

Para a mulher negra ter acesso à escolarização requer esforço particular,

persistência e, principalmente, ajuda de pessoas próximas para conseguir superar e

galgar novos passos. Ao analisarmos os relatos das professoras, constatamos que, em

diversos momentos de suas vidas, contaram com rede de apoio dos pais, de parentes e

amigos.

[…] meu pai sempre nos falava para nunca desistirmos dos nossos

sonhos, você deve sonhar e lutar pelos seus sonhos. E quando ele

morreu a nossa frase de homenagem a ele foi: Nunca desista dos seus

sonhos e busque realizar. Foi essa atitude dele que ajudou a gente.

Hoje sou muito resolvida, de cor, pelo fato de ser mulher devido à

educação que recebi dos meus pais. Minha mãe me dizia, “minha

filha, você estuda, eu não pude estudar, não casa não, só

namora,termine sua faculdade, compra seu carro”. Ela sempre falava

isso, para ela sempre era o estudo, porque ela não teve. (Marina,

Cuiabá)

[…] meus pais sempre tiveram uma cabeça muito boa em relação ao

estudo. Eles sempre tiveram assim, que os filhos não passassem pelo

que eles passaram. […] Meu pai sempre fez questão de dedicar os

estudos aos filhos. Ele não tinha estudo, mas era uma pessoa muito

sábia. Ele sempre cobrava da gente: “Eu quero que vocês sete

estudem bastante”. (Raquel, Cuiabá)

Constata-se pelas falas das professoras Marina e Raquel que o apoio dos pais foi

fundamental para o enfrentamento das possíveis dificuldades em suas trajetórias de

vida, os quais incentivaram os filhos a estudar para que pudessem ter um futuro melhor

e não passassem pelas mesmas dificuldades por que eles passaram.

Conforme expressa a professora Carla, os pais tinham pouco estudo, mas

estiveram presentes marcando sua trajetória de sua vida, ajudando-a na rotina pesada

entre o trabalho e o estudo.

[...] Meu pai tem um pouco de estudo, já a minha mãe rabisca o nome

dela. Eles sempre me deram apoio. Quando engravidei, eu trabalhava

e estudava. Tive o meu menino e ele ficava com a minha mãe, ela

cuidava dele, ela sempre me apoiou. Eles nunca tiraram a minha

autoestima, nunca me desestimularam, sempre estiveram do meu lado,

desde a minha infância. (Carla, Poconé).

Para Teixeira (2003), na trajetória de muitas pessoas, os amigos, e, em especial,

a família, formam uma rede de solidariedade e ajuda no projeto de mudança social do

indivíduo, incentivando-o, conduzindo-o, facilitando e revelando o caminho da

educação para a sua ascensão social. Para a autora, a conquista pelo objetivo traçado por

meio da educação é também uma expectativa familiar, que investe, além do apoio

85

emocional, também no material, colaborando na condução dos indivíduos para que estes

possam superar os obstáculos.

Durante este estudo, as depoentes enfatizaram a gratidão pela presença marcante

dos pais na sua formação humana. É na família que grande parte dessas professoras

encontraram forças para realizarem seus objetivos. Na maioria dos casos, muitos pais

serviram como fonte de inspiração para que os filhos pudessem valorizar a vida, correr

atrás dos sonhos e torná-los realidade, como se pode ler no depoimento de Marina.

[…] a diferença é a vontade que tive, de nunca deixar pra amanhã, o

que posso fazer hoje. Eu sempre vou atrás. Se eu tenho esse conceito,

esse valor eu agradeço os meus pais, se não fosse eles, talvez eu não

fosse essa pessoa que sou hoje, sempre me ensinou o valor da vida, o

respeito. (Marina, Cuiabá)

A fala da professora mostra que a formação recebida dos pais, de um lado,

possibilitou-lhe tornar-se uma pessoa forte e determinada; por outro, fez com que ela se

transformasse num ser humano com valores, por isso expressa gratidão também pelos

conselhos e orientações recebidos deles.

Outra entrevistada relatou que o incentivo da família foi primordial para o seu

sucesso nos estudos. Disse que, dos onze filhos, apenas ela se destacou nos estudos.

Seus irmãos, ou possuem ensino fundamental, ou médio; por não terem dado

continuidade aos estudos, ocupam profissões como cabeleireira, mestre de obras,

caminhoneiro, ceramista e pedreiro entre outras. O pai tinha muita vontade de que ela

fosse professora, porque via nela potencial. Como o pai não tinha condições de sustentá-

la nos estudos permitiu que ela morasse na casa de uma senhora que também era sua

professora durante os estudos do ensino fundamental.

[...] meu pai falava: ‘essa é a única que vai ser doutora’. Tinha muita

vontade que eu fosse professora, doutora. Ele quando faleceu eu já

era professora, mas a doutora infelizmente não. Ele passava a mão na

minha cabeça e dizia: ‘essa vai ser a minha doutora, gosta de

estudar’. Isso enchia a minha bola toda, aí que eu tinha vontade de

estudar. Nunca deixei de estudar. (Ana Lúcia, Cuiabá)

As pessoas que estão envolvidas em uma rede de apoio recebem não só

incentivos para estudar e mudar de vida, como também, indiretamente, apoio na

construção de sua própria identidade, como mulher e negra. Teixeira (2003) afirma que

tanto as redes familiares como as pessoais conduzem determinados indivíduos a vencer

obstáculos, tanto de ordem socioeconômica quanto racial e a concretizar trajetórias de

ascensão.

86

Na trajetória de vida das professoras foi possível perceber que o apoio dos pais

não envolvia somente questões relacionadas aos aspectos educacionais, mas também ao

incentivo para superar os obstáculos no que diz respeito à discriminação racial.

[…] eu falava para a minha mãe sobre a discriminação que eu sofria

e dizia que não queria mais estudar. “Mas ela falava: – ‘não filha’, a

vida é assim mesmo, como que nós vamos mudar nossa cor! Não tem

como mudar nossa cor, nós temos é que enfrentar esse povo! ‘Eu não

posso deixar você sem estudar, porque eu já fui tirada da escola’.

‘Não posso fazer isso’, Falei para ela que chorava na sala. Ela me

falava: – Pra que chorar? Você ‘não precisa chorar, chorar não vai

mudar de cor, brigar não vai mudar de cor, então nós temos que

enfrentar o povo’. (Amália, Cuiabá)

Muitas vezes, os pais, mesmo não estando preparados para lidar com as

situações discriminatórias que envolvem os filhos, não deixam de conduzi-los a

enfrentar o problema para que não desistam dos estudos. Assim, os pais vão adquirindo

uma postura de convencimento das vantagens que a educação escolar pode trazer nos

projetos de vida de seus filhos. A família, logo, constitui-se figura importante no

encorajamento dos filhos para os embates raciais na escola.

Segundo Teixeira (2003), as “redes” aparecem de diferentes roupagens,

constituindo-se em relações de amizade, parentesco, atravessando todos os campos

sociais, no sentido de apoiar na manutenção de projetos e de ascensão social.

Na caminhar da pesquisa, algumas entrevistadas revelaram que receberam ajuda

de pessoas que não faziam parte do seu contexto familiar, as quais foram solidárias e as

apoiaram até chegarem à profissão docente.

[...] como nasci na zona rural, e antigamente não tinha ônibus,

minha mãe tinha muitos filhos, não tinha muitas condições, não tinha

escola perto, não tinha transporte para ir todo dia a Livramento,

porque o mais perto era a cidade de Livramento. Portanto eu fiquei

na casa de uma amiga da minha mãe, e lá eu fiz da 1ª série a 4ª série.

Depois passei a morar com a minha irmã que havia casado. Morei lá

até formar o magistério. (Eva, N. S. Livramento)

Outra professora relatou que quando foi fazer o curso superior numa

universidade privada situada em uma cidade do interior de São Paulo uma irmã e um

amigo a ajudaram no pagamento dos débitos das parcelas. Contou que, como precisava

pagar a viagem e ficar na cidade por um mês, o salário que recebia não supria todos os

seus compromissos, principalmente as mensalidades do curso.

[...] a minha irmã me ajudava, ela falou: você estuda, faz a sua

faculdade e quando for outro ano, quando terminar você me ajuda.

Tinha um diretor do antigo banco BEMAT ele me ajudava. Ele

87

arrumava os cheques pra mim, e eu deixava a metade do meu salário

com ele, eu recebia e deixava o cheque em Marília porque ele me

ajudava, quando eu chegava a Rosário ele cobria pra mim e minha

irmã também me ajudava. (Amália, Cuiabá).

Como podemos observar, a solidariedade e a ajuda da família e de amigos na

luta pela concretização de um curso superior foram constantes na vida dessas mulheres.

Durante este estudo, as professoras sempre reafirmaram gratidão pelo incentivo e apoio

financeiro recebido da família para alcançar a formação escolar desejada.

Em todas as trajetórias de vida que compõem este estudo ficou evidente que

durante o percurso escolar e profissional das depoentes, ao buscarem visibilidade na

sociedade, passaram por constantes provações de suas capacidades.

3.5 Estar no “lugar” do branco: a capacidade em contínua prova

Em nossa sociedade, ainda está presente no imaginário das pessoas que o negro

não tem capacidade de assumir cargos de nível mais elevado e que estes são destinados

às pessoas de pele mais clara, ou seja, é “lugar” do branco. Muitas vezes, o segmento

negro é visto como incapaz e inferior, e, se mesmo enfrentando barreiras, conquistar um

espaço privilegiado continua sendo alvo de atitudes racistas.

Essa situação para a mulher negra se torna ainda mais complicada, pois, além de

conviver com a discriminação em relação a ser mulher, tem também de suportar as

provocações no que tange a sua aparência. Isto é, “a descrença na capacidade da pessoa

negra em realizar bem uma tarefa que exija competência cognitiva está englobada no

seu processo de invisibilidade, na não aceitação de suas capacidades intelectuais e na

negação de sua humanidade” (MÜLLER, 2006, p. 115).

A vida da mulher negra, seja nos estudos ou no campo profissional, é dificultada

por tratamentos hostis. Os processos aqui vividos pelas professoras são semelhantes aos

de muitas outras mulheres negras do nosso país, que convivem diariamente com olhares

enviesados, consequência do seu pertencimento racial. Essas mulheres, desde os seus

primeiros contatos sociais, estão sujeitas a provar sua capacidade, principalmente a

intelectual.

É interessante a observação das entrevistadas a respeito de suas percepções em

relação à visão que a sociedade tem da mulher negra professora. As falas revelam que

88

ainda se tem uma visão de que elas não estão preparadas para educar e ensinar. Ao

duvidar da competência, a sociedade dá mostra de ser retrógada, associando, pois, a

mulher negra à escravidão.

Essa concepção aparece nitidamente no relato da professora Amália, quando

rechaçada, em sala de aula, por um aluno considerado branco:

[...] não vou fazer, nunca estudei com professora negra, não é agora

que você vai mandar. Falei: – ‘meu Deus do céu será que eu vou ter

que enfrentar você menino? […]’. E ele falou bem assim: ‘você não

manda em mim não, eu nunca fui mandado por uma negra, não é você

que vai mandar’ (Amália, Cuiabá)

No caso da professora Amália, percebe-se que no imaginário desse aluno já está

inculcada a relação de superioridade referente ao pertencimento racial e de que uma

professora negra é inferior à branca. Diante de situação como essa, o professor negro ou

professora negra deve também estar preparado para o enfrentamento. Possivelmente,

essa criança já traz consigo a legitimação do racismo repassado pela família, cujo

ensinamento vem sendo transferido de geração para geração.

Outra professora explica que para conseguir uma vaga de docente em uma

escola pública teria, primeiramente, de passar por uma entrevista feita pela Secretaria de

Educação-SEDUC. Após passar por essa avaliação, foi questionada quanto a sua

capacidade, ao que ela respondeu:

[…] eu comecei a trabalhar em uma escola perto de casa. Na época a

gente ia à escola e quem decidia era a Secretaria de Educação –

SEDUC, a gente ia lá e passava por um teste, eu passei por esse teste

e lembro até hoje que o secretário da época perguntou pra mim se eu

queria dar aula, se eu estava preparada para isso. (Joelma, Poconé)

É notória a questão de professoras negras serem colocadas intelectualmente à

prova quando estão em posição de destaque na sociedade. No que concerne a essa

questão, pesquisa realizada por Müller (1999) sobre as professoras primárias negras na

Primeira República revela que ao ingressarem na carreira de docente tinham de provar

permanentemente que eram inteligentes, excelentes alunas, disciplinadas e possuidoras

de todos os demais atributos esperados das professoras brancas.

A professora Olga relata que para permanecer na escola dependia da vontade do

diretor. Ressalta que, após passar um ano trabalhando na unidade escolar, teve de ceder

sua vaga a outra professora, devido a uma preferência da direção.

[...] Lembro-me que trabalhei um ano na José Leite (escola) e no

final do ano eu perdi a minha vaga por conta de outra professora,

89

filha de um sulista. A gente dependia do diretor da escola para

permanecer […] ele falou pra mim ‘Ah, professora, você está ali na

15 de Maio (escola)? Fica lá, porque fulana de tal está sem vaga, vai

ficar no seu lugar’. Falei tudo bem. Aí fiquei só na outra escola.

(Olga, Várzea Grande)

Durante as entrevistas, foi possível verificar que as experiências de

discriminação e preconceito racial sofridas pelas professoras nem sempre foram, de

imediato, percebidas por elas.

[...] mas hoje depois de um tempo… eu comecei a militar em

movimento e a participar de cursos sobre relações raciais e comecei a

ligar essas coisas que aconteciam comigo. […]. Na época eu não

percebia isso, eu sabia que estava errado, que alguma coisa estava

acontecendo, só porque eu estava trabalhando em outra escola eu

tinha que dar a minha vaga pra outra professora? Eu comecei a

perceber que entre uma professora negra e uma professora branca,

ele preferiu ficar com ela. (Olga, Várzea Grande).

Para Santana (2011), essa visão de naturalidade do tratamento desigual

dispensado a uma pessoa negra permanecerá nela até que ela tenha oportunidade de

constituir outros tipos de relações, de conviver com pessoas com entendimento das

questões raciais ou possa presenciar situações que promovam reflexão a respeito do

assunto. Segundo a autora, “as pessoas e espaços sociais, como a família, amigos,

sindicato e movimentos sociais também são fundamentais para fomentar as diversas

formas de compreender o racismo no Brasil e a reagir a ele” (SANTANA, 2011, p. 72).

Nesse sentido, na afirmação da professora Olga é possível perceber essa

situação:

[...] Nós fizemos um trabalho, eu ensinei, dei o trabalho pronto pra

minha colega, ela tirou 10 e quando fui ver tinha tirado zero ela, a

professora não considerou o meu trabalho. Eu perguntei pra ela e ela

não conseguiu explicar o porquê que eu tirei zero. Eu questionei

exatamente por conta disso (mostra a cor de pele)… eu sabia. Ela me

perseguia tanto, perseguia meu grupo. […] a professora falou que

éramos um grupo que não queria nada, fez um perfil maravilhoso do

nosso grupo (expressão negativa). (Olga, Várzea Grande)

E a professora Olga continua relatando sua dificuldade:

[...] eu era a única negra da sala de aula, a única negra da sala que

se reconhecia negra e também era pobre. […] ela (professora)

achava que eu não tinha competência e que eu tinha que ficar

reprovada. Meu trabalho ela não considerou. A prova ela foi corrigir

na sala, na frente de todo mundo para ir dizendo: você passou, você

não passou. (Olga, Várzea Grande).

90

A mesma professora menciona que quase interrompeu os estudos, devido outra

situação vivenciada ainda na graduação. Disse que, na época que estudava, uma

professora chamou sua atenção alertando que não ia conseguir obter as notas que

precisava, duvidando da sua competência.

[...] mas quando ela me falou que eu não tinha competência, me

deixou arrasada, ela me colocou lá embaixo, sem vontade de

continuar, se eu não fosse dessa pessoa que para, faz uma avaliação,

uma autoavaliação para recomeçar, eu teria desistido. (Olga, Várzea

Grande).

A partir daquele momento, a depoente relatou que não queria mais retornar à

faculdade, desistiria. Porém, refletiu bastante e decidiu voltar a estudar, demonstrando

persistência.

[...] eu tenho uma coisa comigo, o meu travesseiro é o meu

conselheiro. Fui dormir, refleti bastante. Então decidi: eu não vou

deixar ser vencida pela minha professora. Voltei e continuei. (Olga,

Várzea Grande)

Em nosso país, é notória a ideia de que branco e negro possuem lugares

demarcados na sociedade. Percebe-se tal situação na fala de Ana Lúcia. A depoente

relatou que quando assumiu a gestão de uma escola estadual as pessoas não a

enxergavam como diretora, concebendo que aquele alto posto de uma instituição escolar

não pudesse ser ocupada por uma pessoa negra.

[…] quando eu estava na direção da escola, às vezes estava sentada

organizando algo na minha sala, chegavam pessoas dizendo que

queriam falar com a diretora. Eu dizia: – pois não, pode entrar. Mas

as pessoas resistiam, dizendo que só falariam com a diretora. Quando

eu me apresentava como a diretora, percebia um ar de espanto. Essa

situação vivenciei por várias vezes, já fazia parte do meu cotidiano na

escola. (Ana Lúcia, Cuiabá).

Essa mesma situação ocorreu com outra entrevistada que relata que em todos os

lugares por onde trabalhou o problema era de as pessoas não a enxergarem. Isso

acontecia dentro da sala de aula e também quando ocupava o cargo de diretora.

[...] entram na sala de aula e perguntam cadê a professora, a

professora não vai chegar. Quer dizer, a gente está ali, mas as

pessoas não enxergavam, pensa que a professora não é uma pessoa

negra, que não é o meu lugar. Isso eu sempre ouvi e vejo até hoje.

Eles chegam hoje e perguntam: Quero falar com a diretora. 99% das

pessoas de fora da escola que chegam lá tem esse tipo de atitude. Até

as pessoas da Secretaria da Educação que não me conhece fazem

isso, chegam e me perguntam que querem falar com a diretora.

Quando estou na secretaria da escola, eu e uma professora branca, as

pessoas chegam e dirigem a ela para falar como se fosse a diretora.

91

Se eu não tivesse esse estudo, essa formação que tenho hoje poderia

achar natural, normal, porque é constantemente. Como digo,

culturalmente as pessoas já tem essa ideia de descriminação, que vem

da história, da mídia. (Olga, Cuiabá)

Corroborando com essa questão, Santos (2007) afirma que a pessoa negra,

mesmo alcançando posição superior, não fica isenta de sofrer preconceito e

discriminação racial. Outra constatação trazida pela autora perpassa pela reafirmação da

identidade negra, quando um indivíduo negro se assume como negro e passa a perceber

quando uma atitude é racista ou não, busca desenvolver estratégias de enfrentamento.

O depoimento da professora Rita ilustra essa questão,

[…] assim que me identifiquei como negra, que passei a me aceitar, a

aceitar meu cabelo, meus traços, fiquei mais atenta, observo mais.

Hoje quando alguém fala alguma coisa sobre uma pessoa negra, que

eu sinto que é atitude preconceituosa, eu já falo meu ponto de vista,

minha opinião, já interfiro. (Rita, N.S Livramento)

Diante da fala da depoente, podemos perceber que se utilizar de mecanismos de

enfrentamento não é uma situação automática, requer tomada de consciência e

percepção. A professora, ao se reconhecer como “negra”, passou a identificar diversas

manifestações de discriminação e preconceito no seu cotidiano, e a não aceitá-las.

Santana (2011) traz em seu estudo o caso do professor Luiz Gama. Em seu

relato, o professor destaca que quando estudava medicina percebeu que, além dele,

havia somente mais um aluno negro na sala e que, após um episódio marcante com um

professor de anatomia, desistiram de continuar o curso. Luiz afirma que só entendeu que

passara por situação de discriminação e preconceito, e que essa situação continuaria a

compor sua realidade, a partir da postura de autoafirmação, de tomada de consciência e

da compreensão sobre questão racial em uma perspectiva mais crítica.

Ao discutir sobre a trajetória de profissionais que ascenderam socialmente por

meio da educação, Figueiredo (2002) buscou realizar uma pesquisa conforme estudos

clássicos sobre ascensão social do negro, “indivíduos de cor”, escolarizados, que

passaram a ocupar melhores posições na estratificação social, em detrimento de análises

sobre outras trajetórias profissionais.

A autora constatou que, no decorrer da ascensão de um indivíduo, ocorre uma

modificação no seu grupo de referência, o que o permite vivenciar diversas outras

referências, construir nova identidade social e isso, portanto, implicará na sua mudança

de valores e comportamentos.

92

Segundo a pesquisadora, essa decorrência não é uma peculiaridade do indivíduo

negro e que sua ascensão tem sido norteada via estratégias individuais. A autora

destaca, ainda, que “os negros que conseguiram transpor as barreiras da cor e

ascenderam socialmente, na maioria das vezes, são vistos como exceções”

(FIGUEIREDO, 2002, p.23).

Dessa forma, dar voz às professoras implica em compreender os processos que

permearam sua construção de valores, tomadas de decisão, crescimento pessoal e

profissional, criação de estratégias para vencer as mazelas do racismo. Salienta-se que

as depoentes sequer assumiram posturas de vítimas, mas sim de mulheres persistentes,

vencedoras.

As reflexões trazidas ao longo deste estudo possibilitam-nos perceber que essas

mulheres desejam construir uma nova realidade social a partir de suas ações

pedagógicas e no estímulo de promover discussões raciais no espaço escolar.

93

CAPÍTULO IV

O NOVO OLHAR DAS PROFESSORAS PARA AS RELAÇÕES RACIAIS NA

ESCOLA

As professoras, em sua maioria, relataram que estão à frente do

desenvolvimento de projetos escolares ou envolvidas em trabalhos voltados para a

questão racial na escola. Esses fatos me chamaram a atenção e busquei saber o que

despertou nelas esse interesse.

Portanto, nesta etapa do trabalho, busco apresentar os motivos que levaram as

professoras negras para o campo das discussões sobre questões raciais nos espaços

sociais, e, em especial, na escola.

A partir das evidências de presença do racismo, preconceito e discriminação

constatados nesta pesquisa, pode-se dizer que, para que se reverta essa situação, é

importante que a escola, e em particular os professores, estejam mais atentos à produção

de materiais didáticos, elaboração do currículo e à efetivação de práticas pedagógicas

antirracistas, para que possam coibir a propagação de estereótipos contra o negro. Na

trajetória de vida das depoentes, vale dizer que esses fenômenos estão em todos os

lugares e se visualizam nas relações sociais conflituosas. Como destaca Paixão e

Carvana (2010),

O racismo, tal como operante na sociedade brasileira, baseado no

critério das aparências físicas, tanto nasce no cotidiano das relações

assimétricas de poder, na formação de mecanismos de prestígio social,

no acesso às oportunidades de mobilidade social ascendente e de

direitos sociais, como também verte das estruturas sociais localizadas

no plano do aparelho do Estado (racismo institucional), das empresas

do setor privado, das escolas, dos meios de comunicação, que

legitimam as desvantagens estruturais que terão de ser vividas pelos

que portam fenótipos diferentes do grupo hegemônico. (p. 22)

Nesse sentido, é importante que as escolas comecem a discutir sobre as relações

raciais ocorridas em seu espaço, aprofundando-se na questão da discriminação contra o

segmento negro e, sobretudo, evidenciando a valorização, o reconhecimento e a

contribuição do negro na construção do país e na formação do povo brasileiro.

94

Para Gonçalves (2007), é necessário romper com o silêncio que abarca a

discussão da questão racial na escola, pois o silenciamento garantirá o descompromisso

com essa questão.

Abramowicz (2006), citando Oliveira (1992), ressalta a necessidade de que a

escola contemple a diversidade racial e cultural de seus alunos ao mostrar as tensões

existentes nas relações raciais na escola, da mesma forma que ocorre em outros âmbitos

da sociedade. Por meio dos relatos das professoras, constatou-se que elas vêm se

mobilizando na tentativa de desconstruir ou amenizar essas tensões, desenvolvendo

projetos ou trabalhos, porém sintetizam que o interesse pela temática não partiu do

vácuo.

Em seu relato, a professora Olga destacou que o interesse em realizar esse

trabalho se deu a partir de sua participação no movimento negro de Mato Grosso. Essa

docente relatou que, por meio das discussões sobre a situação do negro na sociedade

brasileira fomentadas nos encontros dos militantes negros, percebeu que as situações

ocorridas durante sua trajetória escolar tratavam de discriminação racial e, a partir dessa

percepção, sentiu necessidade de trabalhar com essa temática na escola.

[...] foi a partir do conhecimento que tive no movimento negro […] a

partir daí me apaixonei, uma coisa é você vê, conhecer e achar que

não é pra você. Eu vi, conheci que existe um grupo de pessoas que

precisam de mim: os negros, os afrodescendentes, que estão ao meu

redor. Quando a gente ouvia falar da historia do negro era

simplesmente que o negro veio pra cá para ser escravo, era

preguiçoso, não aprendia nada. E no movimento negro descobri que

não era assim, tinha outra história completamente diferente. Que o

negro tem uma historia, tem uma cultura linda, que o negro é

inteligente. Então pensei é verdade a minha teoria, se eu sempre

batalhei, sempre consegui, sempre lutei por ela, que é a igualdade. A

partir daí que eu comecei a fazer um trabalho diferenciado, onde

estou, na escola na sala de aula, onde estiver (Olga, Várzea Grande).

O movimento negro, ao transitar na vida de homens e mulheres negras, age

muitas vezes como ponto de reflexão para tomada de consciência, mostrando outro lado

da história do negro, diferente da história reproduzida pelo sistema escolar.

Para Müller (2009), a população negra já foi bastante penalizada por um

imaginário que privilegia e valoriza as raízes europeias, ignorando ou pouco

valorizando as origens africanas. Enfatiza que no Brasil não é fácil ser descendente de

escravos e que diante da complexidade que envolve as relações raciais em nosso país, a

nós educadores cabe decidir que educação e sociedade queremos construir daqui pra

frente.

95

Os diferentes grupos, em sua diversidade, que constituem o

Movimento Negro Brasileiro, têm comprovado o quanto é dura a

experiência dos negros de ter julgados negativamente seu

comportamento, ideias e intenções antes mesmo de abrirem a boca ou

tomarem qualquer iniciativa. Têm eles insistido no quanto é alienante

a experiência de fingir ser o que não é para ser reconhecido, de quão

dolorosa pode ser a experiência de deixar-se assimilar por uma visão

de mundo, que pretende impor-se como superior e por universal e que

obriga a negarem a da tradição de um povo. (MÜLLER, 2009, p. 121).

Contribuindo com essa questão, Gomes (1995) sintetiza que a ação do

movimento negro na luta pela superação do racismo e da discriminação racial não pode

ser desconsiderada, principalmente no seio escolar em que a ação do racismo vem se

dando por meio do discurso relacionado ao saber e ao poder.

Pode-se observar que a discussão provinda dos movimentos negros contribui,

por conseguinte, para a construção e afirmação da identidade negra. É importante,

contudo, ressaltar que essas instituições devem priorizar sempre as discussões sobre a

questão racial numa perspectiva política e educacional.

Para quatro entrevistadas o interesse em trabalhar as questões raciais na escola

ocorreu a partir da participação em cursos de formação continuada, e depois

aprofundaram seus conhecimentos no curso de especialização sobre Relações Raciais e

Educação na Sociedade Brasileira ofertado pelo NEPRE/UFMT.

[...] Eu aprendi a trabalhar essas questões lá dentro da UFMT, com a

professora Maria Lúcia Müller. (Ana Lúcia, Cuiabá)

A entrevistada segue relatando que o curso “abriu a sua cabeça” e passou a ficar

mais atenta sobre os conflitos raciais que ocorriam na escola, bem como o tratamento

dos professores em relação aos alunos negros.

[...] da parte dos profissionais para com os alunos ouvi muitas

piadinhas, como na situação: ‘quem fez tal coisa foi aquele negrinho,

aquela negrinha’, era incapaz de falar o nome da criança. Outra

coisa: ‘aquele ali não aprende, ô negro rude, não aprende mesmo’.

Eu comecei a sentir angustiada, nervosa, falei: é impossível que

alguém dos profissionais, colegas de trabalho não vai se tocar que

isso aí é uma discriminação. Então quando surgiu essa lei, pra mim

parece que caiu do céu, estava precisando para abrir os olhos das

pessoas, principalmente porque é obrigatório, tem gente que trabalha

de cara ‘torcida’, mas trabalha. (Ana Lúcia, Cuiabá)

Essa mesma professora continua relatando que após o curso passou a

conscientizar os colegas da importância desse trabalho na escola, para que eles tivessem

uma visão do negro na sala de aula, da existência de discriminação nas relações

96

estabelecidas entre professor e aluno e entre os próprios alunos, buscando disseminar o

que aprendeu.

[...] porque tem que mudar o tipo de postura, de visão, tem que tratar

o outro com respeito, com seriedade, com dignidade, que o negro e o

branco têm seus defeitos e têm suas qualidades. (Ana Lúcia, Cuiabá).

Da mesma forma, outra professora, Joana, ilustra que hoje já há muitos

professores participando de trabalhos sobre o tema, mas há alguns que insistem em não

ver a presença do racismo, não enxergam o negro com aquela importância que deveria

dentro de uma sala de aula, mas ela acredita que isso aos poucos está mudando.

Outra situação da importância dos cursos de formação sobre a temática racial

foi vivenciada pela professora Raquel, de Cuiabá. A pesquisada declara que as

discussões incentivadas nas formações podem contribuir para o processo de mudança de

práticas pedagógicas em sala de aula. Entretanto, ela crê que essa nova visão só será

possível com estudo, com conhecimento, quando essas pessoas se informarem da

realidade da situação do negro no Brasil.

Antes de participar de um curso de especialização oferecido pelo NEPRE,

Marina tinha uma visão equivocada sobre as cotas. Segundo ela, se perguntassem sobre

as cotas raciais há dez anos, ela manifestava posição contrária às políticas afirmativas de

reparação ao povo negro, por considerar que tal política era uma forma de fortalecer

ainda mais o racismo. Mas quando teve a oportunidade de analisar os dados da UFMT

sobre a presença dos negros nos cursos considerados de elite, como medicina, direito,

agronomia, percebeu que havia uma desigualdade que precisava ser repensada, e que

isso só seria possível com ações afirmativas. A professora segue reforçando que “só foi

possível essa visão porque tive que estudar sobre isso. Acho que é isso que temos que

fazer com os professores, dar formação” (Marina, Cuiabá).

Verifica-se que é sumamente importante investir na formação dos professores,

constituindo em excelente oportunidade para desvendar o racismo, esclarecer e

questionar sobre comportamentos e atitudes negativas, levando a compreender a

necessidade de colocar em prática os discursos ora apreendidos.

Para Oliveira (2006), é fundamental que além de mesclar teoria e prática na

formação dos professores para a diversidade racial, é necessário também incluir nos

currículos as questões raciais. Segundo a autora, “a projeção das desigualdades entre

negros e não negros na educação estão a exigir uma formação dos profissionais da

97

educação que dê conta da eliminação deste problema, que atinge a toda a humanidade”

(p. 128).

Outra situação interessante foi relatada pela professora Denise. Ela considera

que a reflexão sobre a sua prática pedagógica lhe possibilitou refletir sobre os

comportamentos geradores de discriminação, tanto os dela como dos colegas de

trabalho. Essas inquietações a levaram a buscar um curso de especialização sobre o

assunto.

A coordenação me fez compreender no sentido de que as crianças que

mais reprovavam na escola eram crianças, primeiro de periferia,

segundo eram negras, de baixa renda. […] enquanto coordenadora

busquei algumas leituras para compreender tanto essa questão como

o meu comportamento. […] eu percebi que com as crianças negras o

meu comportamento ia se pontuando de uma forma. Esse meu

comportamento também percebi que se dava na forma de

comportamento de outros professores. E quando esse comportamento

se procedia para comigo, me sentia inferiorizada, me sentia mal. Foi

aí que buscando no site, encontrei o curso de especialização sobre

relações raciais pelo NEPRE. (Denise, Várzea Grande).

Para alguns professores estar na função de coordenador pedagógico lhes

possibilitam condições de perceber melhor o que acontece na escola, uma vez que este

profissional tem uma visão geral do contexto escolar. Isto é, com uma maior

aproximação com a comunidade escolar supõe-se que possa ter uma melhor visibilidade

das diversas formas de relações estabelecidas na escola, principalmente a racial.

Para a professora Denise estar como coordenadora pedagógica lhe possibilitou

refletir melhor sobre sua ação em relação às crianças negras e ao se sentir incomodada

buscou aprofundar os conhecimentos em um curso de formação. Para Oliveira (2003, p.

135), “a formação profissional é um fator decisivo na alteração do quadro de

desigualdades raciais constatado no sistema de ensino brasileiro”.

Foi também por meio de cursos que as professoras Eva e Leda tiveram a

oportunidade de perceber e refletir mais profundamente sobre a questão do racismo.

[...] eu fiz em Poconé um curso falando sobre essa questão, com

palestras, ficamos duas semanas nesse encontro de educadores. Esse

encontro tratava sobre o racismo. Tinha várias questões. Cada hora

tinha uma pauta. Eram várias salas com vários palestrantes. Foi no

hotel fazenda, sobre a cor da cultura. (Eva, N.S. Livramento)

[...] já participei de vários cursos, palestras. Mas gostaria de

participar da especialização do NEPRE. […] Quando a gente não

conhecia sobre essa questão direito, a gente não trabalhava, mas a

partir do momento que a gente começou a engajar no movimento, a

98

gente soube da importância de se trabalhar essa questão dentro da

escola. (Leda, N. S. Livramento)

É importante que sejam proporcionados encontros com os profissionais da

educação, tendo em pauta a problemática que envolve as relações raciais em nosso país.

Esses momentos podem contribuir para a mudança de mentalidade de muitos

professores que ainda não acreditam nas implicações causadas pelo racismo.

Para que o preconceito seja superado na escola é de suma importância que os

professores trabalhem na perspectiva da desconstrução do racismo provindos de vários

mecanismos de reprodução. Nesse contexto, a professora Eva partiu do uso da literatura

infantil como ponto de desconstrução de estereótipos.

Aqui trabalhamos muito sobre isso, sobre as questões raciais, sobre

preconceito, ‘Cabelo Ruim?’ é o livro que estou trabalhando sobre

preconceito. Trabalhamos com o livro ‘Menina Bonita do laço de

fita6’, eu trabalhei o texto, depois o filme e depois interpretamos o

texto. Isso, a gente trabalha o ano inteiro, a coordenação cobra muito

da gente isso. Demais colegas também trabalham sobre isso, a gente

trabalha através de filme, textos, histórias, interpretação, desenhos.

(Eva, N. S. Livramento)

Ao observar a fala da professora Eva, percebe-se que esta já possui a noção de

que o trabalho a ser realizado envolvendo a temática sobre relações raciais deve ser feito

o ano todo, uma vez que as relações humanas são um processo e estão em constantes

conflitos.

Dessa forma, diante dos relatos das professoras pode se constatar que a

formação continuada contribuiu de forma significativa para a percepção das docentes,

redesenhando uma nova postura profissional frente às questões raciais no cotidiano da

escola.

Sobre a relevância da formação continuada dos professores atinente à temática

racial, Müller (2009) enfatiza que o professor é o elemento essencial na mediação entre

o aluno, os conhecimentos e conteúdos culturais difundidos na e pela escola, sendo que

é por meio de sua atitude e prática que a escola age e consolida a sua existência.

No caminho percorrido neste estudo, deparei-me com algumas professoras que

pertenciam à comunidade quilombola de Mata Cavalo, situada no município de Nossa

Senhora de Livramento. Elas relataram que, por serem remanescentes quilombolas e

vivenciarem uma realidade marcada por sofrimento, dores, discriminação e exclusão

6 Livros de literatura infantil: Cabelo Ruim? A história de três meninas aprendendo a se aceitar, da

autora Neusa Baptista Pinto; e Menina bonita do laço de fita, da autora Ana Maria Machado.

99

social, sempre estiveram em constantes debates e discussões sobre a temática como

forma de manter acesos os aspectos históricos e culturais do seu povo. Isto é, essas

discussões acompanham o seu dia a dia e são estabelecidas especialmente nas escolas

onde lecionam.

[...] é a luta do nosso povo, o sofrimento, isso faz a gente levar essas

atividades pra frente. E aqui a gente não fica parado, aonde nos

convida nós vamos mostrar o nosso trabalho, contar a nossa história.

Os alunos participam mesmo, falam, não tem medo. (Joana, N. S.

Livramento)

[...] a necessidade de a gente conscientizar do nosso valor e mostrar

para a sociedade da nossa verdadeira história, e não só de negro

fujão, preguiçoso, escravo, mas de pessoa inteligente, capazes e

pessoas muito socializadas. (Leda N. S. Livramento)

[...] é porque a gente vê toda a discriminação que está acontecendo

na sala e a gente tem que fazer com que essas crianças aprendam a

amar a sua cor, a sua raça sem discriminar, acha que porque eu sou

negra eu tenho que ter cabelo liso porque se eu não tiver cabelo liso

eu não vou entrar onde cabelo liso entra. […] eu sempre falei pra eles

que a gente é negro, mas aonde os brancos entram a gente também

entra, desde que você tenha personalidade e isso é em primeiro lugar

que você deve ter. Então a gente está procurando trabalhar esse lado

com eles, porque ainda tem o ranço. (Fátima, N. S. Livramento).

Considerados como os maiores símbolos de resistência negra frente à

escravidão, os quilombos brasileiros guardam uma memória de inconformismo, lutas e

estratégias de liberdade desafiando a opressão e as ordens senhoriais do século XIX.

Provavelmente, ao estarem em profunda relação com o percurso histórico do seu povo,

essas professoras internalizaram culturamente suas raízes e assumiram politicamente

suas identidades.

Outro aspecto importante analisado neste estudo foi o fato de que alguns

professores, mesmo não participando de cursos de formação e nem de movimentos

sociais, passaram a incorporar as discussões sobre questões raciais a partir de um

trabalho já consolidado na escola ou pela mobilização de outros professores que já

vinham realizando a discussão, conforme comprovam relatos que se seguem:

[...] esse projeto da escola tem como objetivo que todos participem,

então eu acabei participando porque era o projeto da escola e eu

tinha que me envolver, não porque é um projeto meu, porque achei

interessante, porque todos participam, faz teatro, dança a gente

resgata a cultura afro, é bom você estudar, aprender, então optei por

ajudar, porque eu gosto. (Lídia, Poconé)

100

A apropriação de conhecimentos sobre as relações raciais em nossa sociedade

tem levado alguns profissionais a elaborar projetos em que evidenciam a valorização do

negro e da cultura afro-brasileira nas escolas. Tal ação exige a participação e o

envolvimento de todos para que possam desenvolver atividades que envolvam toda a

comunidade escolar. Por conseguinte, os profissionais que passam a fazer parte da

equipe, necessariamente são desafiados a se inteirar do projeto e, assim, há aqueles que

incorporam as ações e desenvolvem as atividades, como também há os que não se

envolvem ou fingem se envolver.

Outra entrevistada comenta:

[...] o bom é que aqui na escola tem alguns professores brancos que

também se engajam na luta e fazem um trabalho maravilhoso em sala

de aula. Acredito que todos os professores a partir do momento que

tem conhecimento, tem conteúdo, percebem o que é a discriminação e

o quanto isso faz mal para as pessoas negras, independente da cor da

pele, eles se envolvem no trabalho. Vejo que temos que chamar esses

professores para o envolvimento (Raquel, Cuiabá)

Oportunizar todos os professores de conhecer a história do povo negro e

reconhecer que o racismo é um problema social que vem impedindo homens e mulheres

negras de conquistarem sua ascensão é de fundamental importância. Isto é, “falta nesta

profissão, embora tenhamos alguns importantes aliados brancos, a convicção de que as

questões raciais, bem como problemas que atingem a outros grupos, devem mobilizar os

esforços de todos para promover a igualdade” (OLIVEIRA, 2003, p, 125).

Ainda sobre a discriminação racial no cotidiano da escola, a professora Olga

afirma que aqueles que já têm consciência sobre a existência da discriminação a percebe

e a analisa e verifica que continua muito forte, somente mudou a forma de ser

manifestada, mas que a sociedade ainda continua apontando o lugar que o negro deve

ocupar. A professora ressalta a importância das leis, concebendo que já começam a dar

indícios de mudança, mas que só uma pessoa negra sabe a dor causada pela

discriminação.

[...] antes as pessoas chegavam diretamente e falavam que ali não era

o seu lugar, por conta de você ser negra. Hoje em dia você não ouve

mais isso, até por conta de uma lei que esta aí, é duas leis, lei Afonso

Arinos [...] e a lei 10.639, que eu considero que não é punitiva, é uma

lei educativa, então ela educa as pessoas pra não cometer esse tipo de

crime, então a partir daí as pessoas com medo de serem punidas

mudaram o jeito, da forma de discriminar, mas a discriminação existe

todo dia […]. Então hoje tem outros meios de tentar dizer pra nós

negros que o nosso lugar na sociedade é restrito, mas a discriminação

continua, todo dia, toda hora, no serviço, junto com colegas, amigos,

101

que são dito como amigos, mas que de repente você percebe por uma

atitude que eles não te tratam de forma tão igual como eles dizem que

tratam. (Olga, Várzea Grande)

Sobre essa questão, Müller (2006, p.122) contribui enfatizando que é importante

colocar em discussão as possibilidades de uma educação antirracista. Possivelmente

essa formação auxilie o futuro professor a perceber seu próprio preconceito e a evitar

situações de discriminação racial de que ele seja partícipe, ou que ocorram nas

interações entre alunos.

Para Gomes (2006), numa sociedade em que são geradas e reproduzidas ideias

preconceituosas e racistas compactuadas pela escola, o professor tem papel importante

no que se refere à manutenção ou extinção dessas mesmas ideias. Segundo a autora,

para gerar uma educação que construa a igualdade de fato é necessário que o professor

se sensibilize e esteja atento à importância crucial de suas ações cotidianas no

tratamento com os alunos.

Algumas professoras entrevistadas mencionaram que o trabalho desenvolvido já

vem apresentando bons resultados em relação à mudança de comportamentos dos

alunos.

[…] fizemos o desfile da beleza negra, fizemos teatro sobre a questão

do negro, porque nossos alunos não se atentavam pra isso, então

fomos estimulando eles a fazer esse trabalho, e vimos que foi positivo,

porque antigamente muita gente não queria trançar cabelo, se aceitar

como negro, e isso já surtiu efeito dentro da própria escola, da

comunidade melhorou a autoestima deles. Esses trabalhos são

realizados o ano todo, tanto é que estamos trabalhando vários temas

que podem ser trabalhados dentro da biologia, da história e outras

disciplinas. (Leda, N. S. Livramento)

Nesse sentido, vejo que alguns professores das escolas públicas estão se

qualificando para melhorar a sua compreensão sobre a problemática das relações raciais

na dimensão escolar. Percebe-se que os educadores já sinalizam para uma melhoria da

sua prática pedagógica, pois ao recorrer a materiais pedagógicos que contemplem o

negro como protagonista nos leva a crer que já estão incorporando esse processo numa

perspectiva de desconstrução. Nesse contexto, é relevante destacar que “o desafio da

escola está em conduzir uma reeducação das relações étnico-raciais, que possibilite a

desconstrução de estigmas e estereótipos” (SANTOS, 2007, p. 76).

Quanto à percepção em relação à atribuição de quem é a responsabilidade maior

para fomentar essas discussões na escola, as professoras afirmam que a responsabilidade

e o comprometimento devem ser de todos. Todavia, acreditam que a mulher negra deve

102

ter um olhar mais profundo sobre a questão da discriminação, porque é a sua identidade,

sua cultura, o reconhecimento de si própria e do seu povo.

[...] essa é uma responsabilidade de todos. Não deve ter isso de você

ser negra ou de você não ser negra, não é uma causa, uma bandeira,

é questão de respeito. Eu digo que não deveria ter leis pra você ser

respeitado, eu acho que a responsabilidade é de todos independente

de etnia, de cor, de qualquer coisa. (Nilda, Poconé)

[...] acho que a responsabilidade é de todos independentes da cor,

porque as misturas se acontecem. Não é porque uma pessoa é

‘branca’ que no seu passado não haja um descendente negro. Muitas

vezes a pessoa não sabe, porque ela se considera branca, pode ter

vindo de uma origem de negros, ou de índios […] Agora um professor

deve fazer essas discussões se tiver espaço na escola pra isso, se não,

deve buscar ajuda, pois pode ser barrado. (Ivete, N. S. Livramento)

[...] acredito que para os negros, seja mais do que responsabilidade, é

uma obrigação. Porque a gente que é negra sente na pele o que

realmente é uma discriminação. Quem não é negro nunca vai saber o

que realmente é o sofrimento de uma discriminação. Sente quem é

negro e pobre. Então essas pessoas negras são muito massacradas

pela sociedade, o negro tenta sobreviver a tudo isso, eu sou

sobrevivente disso tudo, sobrevivi de toda essa guerra. (Raquel,

Cuiabá)

[...] todos tem a mesma responsabilidade, porém o professor negro

não deve fugir dessas discussões, pois vive isso na pele, ele vê isso

com os alunos, se não pela questão racial ou pelo social, que de toda

forma precisa de uma intervenção pedagógica. (Denise, Várzea

Grande)

É oportuno lembrar que por séculos a educação se encarregou de proporcionar a

invisibilidade do povo negro, negando seus direitos de cidadãos e reproduzindo uma

ideologia de superioridade branca. A busca pela superação do racismo e da

discriminação não pode ser atribuição exclusiva dos profissionais negros, é, pois, tarefa

que deve ser compartilhada por todo e qualquer educador, independente do seu

pertencimento étnico-racial, religião ou posição política (OLIVEIRA, 2003; MÜLLER,

2009).

Sobre o envolvimento de outros profissionais da educação para o estímulo da

temática racial na escola, algumas depoentes apontam que a questão do

desconhecimento, da resistência e da falta de interesse pela temática dificulta a

realização de qualquer trabalho acerca das relações raciais.

[…] aqui, os professores têm resistência em trabalhar sobre isso, não

tem interesse pelos materiais, principalmente os enviados pelo MEC e

os do projeto da cor da cultura. Quando eles vão falar sobre a

103

questão racial, fala somente superficial. As datas passam batidas,

como se não fosse importante. (Marina, Cuiabá)

O desconhecimento e a resistência por parte dos professores em reconhecer a

existência de preconceito e discriminação no ambiente escolar é considerado um entrave

no estabelecimento de uma educação antirracista.

[...] na verdade, muita escola não esta preparada para discutir as

questões raciais, muito menos os professores se veem ou se percebem

enquanto agentes políticos de transformação. (Denise, Várzea

Grande)

Conforme os depoimentos são possíveis perceber que o ingresso das professoras

negras nas discussões sobre questões raciais na escola se deram de várias formas, desde

participação em movimento negro; incorporação em estudos sobre relações raciais nos

cursos de formação e mobilização de profissionais envolvidos com a temática por meio

dos projetos escolares. Estar em sintonia com essas frentes, tomando como parâmetro as

situações vividas em suas trajetórias de vida foi fundamental para que elas pudessem

colocar em pauta as discussões sobre as questões raciais na escola.

As professoras relataram ainda que a escola atribui ao professor negro a

responsabilidade de trabalhar a lei 10.639/037, retirando dos demais essa obrigação. As

entrevistadas afirmaram que a responsabilidade é de todos os atores da escola,

independente da cor da pele.

Cavalleiro (2003) considera relevante que os educadores pensem e lutem por

práticas que objetivem a inclusão positiva de crianças e jovens negros, considerando ser

de extrema importância a elaboração de um trabalho que promova o repeito mútuo e o

reconhecimento das diferenças. “[…] não há como retirar de nossas mãos a obrigação

de direcionamos um olhar mais amplo para o mundo e, assim, perceber o quanto nós

também interiorizamos e servimos a esta ideologia racista” (CAVALLEIRO, 2003, p.

101).

Dessa forma, é possível notar que temas como “preconceito, discriminação e

racismo” são conceitos que, embora de forma tímida, vêm sendo discutidos em algumas

escolas tendo à frente a ousadia de alguns professores que manifestam interesse pelo

assunto.

7 Lei 10.639 promulgada em janeiro de 2003. Altera o artigo 26 da Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino sobre a História e Cultura Afro-Brasileira

e Africana na Educação Básica.

104

CONSIDERAÇÕES

No campo que se propõe a pesquisa, no sentido de investigar as trajetórias de

vida de professoras negras da Baixada Cuiabana, busco compreender como se deu o

contexto escolar e profissional vivenciado pelas professoras negras; as situações e as

formas de enfrentamento acerca das discriminações raciais que sofreram ao longo da

vida; a conquista pela ascensão social, e ainda analisar os motivos que levaram as

professoras a discutirem sobre relações raciais na escola.

Discutir sobre o percurso escolar e profissional das professoras negras

possibilita-nos dar visibilidade a histórias de vida marcadas pelo silêncio,

ressentimento, aborrecimento, desrespeito, mas também de lutas, enfrentamentos,

resistência e superação.

Este estudo permitiu-nos perceber que o preconceito e a discriminação racial

ainda estão presentes na vida de mulheres negras, no entanto, elas contaram com

mecanismos para superar os obstáculos e conquistar seu espaço profissional.

Percebeu-se também nesta pesquisa que o cenário que envolveu perseguições,

produção de estereótipos, o ideal de beleza e a visão de incapacidade da professora

negra ainda decorrem de teorias racistas assimiladas no século XIX e que foi

cristalizado no imaginário da sociedade brasileira.

Muitas mulheres negras em nosso país são rejeitadas no mercado de trabalho

pela questão da aparência, numa atitude extremamente discriminatória, sendo que as

mulheres pretas são as mais atingidas, têm os caminhos mais árduos do que as pardas,

posto que no Brasil conforme vai diminuindo a melanina da pele, vai agregando valor

ao ser humano, principalmente o estético. Esse tipo de atitude limita a mulher negra

escalar novos degraus profissionalmente.

Vale ressaltar que a visão estereotipada de alguns professores em relação à

criança negra, cuja situação foi vivenciada pelas depoentes na infância, ainda hoje é um

forte elemento de disseminação do preconceito racial e da discriminação no espaço da

escola, como também contribui de forma negativa na construção da identidade desse

estudante, que pode carregar problemas ao longo de sua vida.

No entanto, foi possível constatar que essas professoras travaram inegáveis lutas

para contornar as pedras no meio do caminho, para poder atingir melhores condições de

vida ou de se manter em postos de prestígio social. É notória a questão de mulheres

105

negras serem colocadas intelectualmente à prova quando estão em posição de destaque

na sociedade.

Outra constatação é de que as professoras negras encontraram a todo o momento

obstáculos para desencorajá-las a lutar pelo seu ideal, cujos empecilhos foram

constantemente provocados numa tentativa de fazer com que elas permanecessem na

base inferior da hierarquia social, contudo elas contaram com uma rede de apoio e

solidariedade que contribuiu significavelmente para superar os obstáculos e galgar

novos passos. A família constitui-se figura importante no encorajamento dos filhos aos

embates raciais e a prosseguir nos estudos. Os amigos foram solidários no apoio ao

enfrentamento dos problemas, a encorajá-las a chegarem até a profissão docente.

Outro ponto da pesquisa mostrou, por meio dos relatos que, embora os pais

possuíssem pouca escolaridade, entendiam que a única possibilidade de os filhos

vencerem na vida era por meio da educação. Por isso, os incentivaram para que

tivessem um futuro melhor e não passassem pelas mesmas dificuldades por que os pais

passaram, essa visão foi compartilhada pelas próprias pesquisadas.

Diante das falas das professoras, foi possível perceber que utilizar mecanismos

de enfrentamento e superação não é uma situação automática, requer tomada de

consciência e percepção. Em sua maioria, as professoras evidenciaram que estão à

frente do desenvolvimento de projetos escolares ou envolvidas em trabalhos voltados

para a questão racial.

Foi possível perceber que o ingresso das professoras negras nas discussões sobre

questões raciais na escola se deram de várias formas, isto é, pela participação em

movimento negro; incorporação em estudos sobre relações raciais nos cursos de

formação e pela mobilização de outros profissionais envolvidos com a temática em

projetos escolares. Estar em sintonia com essas frentes, tomando como parâmetro as

situações vividas em suas trajetórias de vida, foi fundamental para que elas pudessem

colocar em pauta as discussões sobre as questões raciais no ambiente escolar.

Embora todas essas frentes fornecessem subsídios para que as professoras

pudessem resgatar uma imagem positiva do negro em sua trajetória profissional,

constatou-se que a formação continuada contribuiu de forma significativa na percepção

das docentes, redesenhando uma nova postura pedagógica frente às questões raciais no

cotidiano da escola, buscando fazer com que os alunos negros não passem pelos

mesmos problemas por elas vivenciados.

106

Uma das questões mencionadas nos relatos das professoras diz respeito a pouca

participação dos docentes nas discussões sobre relações raciais na escola. Esse ponto

traz à tona a visão que algumas escolas ainda têm sobre a responsabilidade de quem

deve estar à frente desse trabalho. Segundo as professoras, a escola continua atribuindo

ao professor negro a responsabilidade em desenvolver a temática, afastando a

responsabilidade de outros professores. Elas têm bastante clareza de que todos os

profissionais da escola devem estar envolvidos nesse processo.

É interessante ressaltar que para desconstruir essa imagem negativa do negro,

construída secularmente, é importante que se invista numa educação pautada na

construção e consolidação da cidadania e, sobretudo focalizada no respeito às diferenças

e na promoção da igualdade de oportunidades.

Ao dar voz, nesta investigação às professoras negras, possibilitou revelar as

marcas deixadas pelas relações raciais travadas ao longo de suas caminhadas, em que o

racismo, o preconceito e a discriminação racial ainda são sustentados por uma ideologia

que impera de forma avassaladora em nossa sociedade.

Essas mulheres se destacam na história do povo negro, mostrando sua força e

seu protagonismo na conquista de sua ascensão social, podendo ser consideradas

verdadeiras vencedoras.

107

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SANTOS, Milton. Ser negro no Brasil hoje. Folha de São Paulo. Caderno Mais. 7 de

Maio de 2000. p.15-16.

SANTOS, Teresa Santos. Trajetórias de professores universitários negros: a voz e a

vida dos que trilharam. Cuiabá: EdUFMT, 2007. (Coleção Educação e Relações

Raciais, 2).

SILVA, Eva Aparecida da. Professora negra e prática docente com a questão

étnico-racial: a visão de ex-alunos. Campinas [s.n], 2008.

SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. História de Mato Grosso: da ancestralidade aos dias

atuais. Cuiabá: Entrelinhas, 2002.

TAVARES, José Wilson. Várzea Grande: história e tradição. Cuiabá: KCM, 2011.

TEIXEIRA, Moema de Poli. Negros na universidade: identidade e trajetórias de

ascensão social no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Pallas, 2003.

__________. A presença negra no magistério: aspectos quantitativos. In: OLIVEIRA,

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112

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VELHO, Gilberto. Projeto metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio

de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2003.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual.

In: SILVA, Tomaz Tadeu; HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn (Orgs.). Identidade

e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. 12. ed. , Petrópolis: Vozes, 2012. p.7-

72.

113

ANEXO

Anexo 1- Roteiro para a coleta de dados

As entrevistas foram feitas a partir de um roteiro elaborado, como forma de captar

informações ricas das experiências vividas pelas professoras como:

Aspectos da infância, família, relacionamento na adolescência.

Trajetória escolar e profissional

Inserção no mercado de trabalho

Experiência racial, sentimentos provocados, reação e enfrentamento.

Trabalhos desenvolvidos na escola a cerca das questões raciais.

Aspectos que motivou a fazer esse trabalho.

A participação da comunidade escolar e resultados do trabalho efetivado.

A visão em relação a participação de pessoas negras frente as discussões raciais

na escola. Há uma responsabilidade maior por ser negro.

A visão sobre a responsabilidade dos demais profissionais da escola no

cumprimento da Lei 10.639/03.