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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGEM IL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM MeEL GLEICE ANTONIA MORAES ALCÂNTARA A FÓRMULA DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA MÍDIA MATO-GROSSENSE Cuiabá Mato Grosso Agosto de 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGEM – IL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM – MeEL

GLEICE ANTONIA MORAES ALCÂNTARA

A FÓRMULA DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA MÍDIA MATO-GROSSENSE

Cuiabá – Mato Grosso Agosto de 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGEM – IL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM – MeEL

A FÓRMULA “DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL” NA MÍDIA MATO-GROSSENSE

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem (Mestrado) da Universidade Federal de Mato Grosso, como parte dos requisitos para a obtenção do Título de Mestre em Estudos de Linguagem.

Orientador: Prof. Dr. Roberto Leiser Baronas

Cuiabá – Mato Grosso Brasil – 2011

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GLEICE ANTONIA MORAES ALCÂNTARA

A FÓRMULA “DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL” NA MÍDIA MATO-GROSSENSE

Cuiabá-MT

Agosto de 2011

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Alcântara, Gleice Antônia Moraes.

A Fórmula “desenvolvimento sustentável” na mìdia mato-grossense. Cuiabá:

UFMT, 2011.

101f.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso. Programa de

Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, 2011.

Orientador: Roberto Leiser Baronas.

1. Análise do discurso. 2. Espaço discursivo jornalístico. 3. Acontecimento

discursivo – narrativa. I. Título.

CDU: 81'42(817.2)

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Regional de Cáceres

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DEDICATÓRIA

Avôhai

Um velho cruza a soleira

De botas longas, de barbas longas

De ouro o brilho do seu colar

Na laje fria onde quarava

Sua camisa e seu alforje

De caçador...

Oh! Meu velho e Invisível

Avôhai!

Oh! Meu velho e Indivisível

Avôhai!

Neblina turva e brilhante

Em meu cérebro coágulos de sol

Amanita matutina

E que transparente cortina

Ao meu redor...

E se eu disser

Que é meio sabido

Você diz que é bem pior

E pior do que planeta

Quando perde o girassol...

É o terço de brilhante

Nos dedos de minha avó

E nunca mais eu tive medo

Da porteira

Nem também da companheira

Que nunca dormia só...

Avôhai!

Avô e Pai

Avôhai!

O brejo cruza a poeira

De fato existe

Um tom mais leve

Na palidez desse pessoal

Pares de olhos tão profundos

Que amargam as pessoas

Que fitar...

Mas que devem sua vida

Sua alma na altura que mandar

São os olhos, são as asas

Cabelos de Avôhai...

Na pedra de turmalina

E no terreiro da usina

Eu me criei

Voava de madrugada

E na cratera condenada

Eu me calei

Se eu calei foi de tristeza

Você cala por calar

E calado vai ficando

Só fala quando eu mandar...

Rebuscando a consciência

Com medo de viajar

Até o meio da cabeça do cometa

Girando na carrapeta

No jogo de improvisar

Entrecortando

Eu sigo dentro a linha reta

Eu tenho a palavra certa

Prá doutor não reclamar...

Avôhai! Avôhai!

Avôhai! Avôhai!

Ao Dedé, com todo meu amor, saudades

eternas...

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AGRADECIMENTOS

Talvez, a parte mais difícil e mais injusta seja a dos agradecimentos. Difícil pelo fato de a palavra

obrigado não ser capaz de externar toda a minha gratidão com aqueles que direta ou

indiretamente me acompanharam na caminhada. Injusta por, de repente, no momento da redação,

não lembrar-me de pessoas muito importantes. Por isso, sintam-se todos abraçados e saibam que

a mão de cada um de vocês se encontra nas páginas que escrevi.

À Deus, pelas oportunidades e graças que todos os dias me oferece.

À minha mãe, pela vida que me proporcionou e pelo incentivo à vida acadêmica, além

de, incansavelmente, colocar-se ao meu lado.

Ao meu maior tesouro, Joaquim Mateus, que chegou durante o curso e que transformou

a minha vida, mostrando que o amor é aquilo que nos move.

Ao meu amado avô Joaquim, o pai que pude contar. Exemplo de homem que certamente

onde estiver continua me guiando e abençoando.

À minha família, que foi sacrificada e que soube entender a minha ausência.

À minha tia Marilete, que esteve ao meu lado em todos os momentos.

À Michelle, pelo apoio emocional que deu-me em um momento muito difícil.

Ao professor, orientador e amigo Dr. Roberto Leiser Baronas, que, na sua imensa

grandeza intelectual, gentilmente compreendeu minhas dificuldades.

À professora Dra. Maria Inês Pagliarini Cox e ao professor Dr. Marcos Lúcio de

Souza Góis, que tão gentilmente contribuíram com esta pesquisa, apontando possíveis falhas com

palavras sábias e com muita delicadeza.

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À professora Dra. Luciana Salazar Salgado, pela conversa rápida em São Carlos, mas

que foi, sem dúvida, muito proveitosa para pensar o conceito de fórmula.

À professora Édna André, pela amizade e força. Foi, indubitavelmente, a responsável

por meu caminhar rumo aos estudos linguísticos, nos inesquecíveis ensinamentos saussurianos.

Muito de seus apontamentos teóricos e humanos constam na minha vida pessoal e acadêmica.

À minha amiga e companheira querida Andréia, pelas palavras de incentivo, pela

gentileza com que abriu as portas de sua casa para me receber, enfim por tudo que fez, faz e

certamente continuará fazendo por mim.

Ao Mateus Melo, por aguentar “aquele” cachorro-quente caprichado e por me receber tão

bem em sua casa.

À querida Milena, que, na grandeza de seu coração, acalentou o meu, colocando sempre

a palavra certa, na hora certa.

Aos colegas da biblioteca da Unemat, em especial ao Josafá, pela colaboração na

digitalização e empréstimos de livros.

À Rose, pelas inúmeras caronas para Cuiabá.

Aos amigos queridos de São Carlos, Bia, Sheley e Lúcio, pela hospitalidade.

Aos companheiros de mestrado, em especial a Shirlei, Rute, Margaretinha, Itamar,

Carmem, amigos queridos.

Ao Programa de Mestrado, por me conceder a honra de participar da vida acadêmica em

companhia de mestres queridos, principalmente por me agraciar com os conhecimentos do

orientador Baronas.

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Ao pessoal da secretaria do PPGL(MeEL)que sempre me recebeu com gentileza e

respeito.

Aos colegas e alunos da escola Criança Cidadã, pela força e compreensão nas minhas

ausências.

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“Estamos no espaço da “acontecimentalização do

acontecimento”, onde a narrativa coletiva faz um

retorno às suas fontes permanentemente.”

(GUILHAUMOU, 2009, 151)

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RESUMO

Nossa pesquisa tem como objetivo analisar discursivamente os sentidos que são dados a circular

pela fórmula “desenvolvimento sustentável/sustentabilidade” no espaço discursivo jornalístico

mato-grossense. Tomamos como referência para constituição de nosso corpus matérias de um

jornal de grande circulação do estado, A Gazeta, sediado em Cuiabá. Como recorte temporal,

estabelecemos os anos que compreendem de 2006 a 2010. O interesse pela questão surgiu a partir

de reflexões como professor de ensino básico, que tem como um de seus o papéis a promoção

e inserção do conteúdo de educação ambiental no cotidiano escolar e, principalmente, por

observar como o ambiente, por meio do sintagma nominal “desenvolvimento

sustentável/sustentabilidade”, vem sendo engendrado em diferentes sentidos, nos mais diversos

espaços sociais. Pensando nisso, acredi tamos que a escola torna-se um dos espaços para

discussão e sensibilização à temática, tendo como foco desnaturalizar o discurso hegemônico,

capitalista, desenvolvimentista e impregnado em nossa sociedade. Trabalhamos com a hipótese de

que no espaço escolar o discurso hegemônico é predominante. Assim, propomo-nos a evidenciar

tais discursos, perscrutando-os para desnaturalizá-los em seus sentidos. Dessa forma,

perguntamos: quais sentidos que foram e estão sendo construídos sobre a fórmula

“desenvolvimento sustentável/sustentabilidade” no espaço midiático a que lançamos nosso olhar

teórico-

-analítico? Qual é o papel da mídia na circulação e cristalização da fórmula? Para responder a tais

questões, utilizaremos as orientações da Análise do Discurso da linha francesa, oriundas das

proposições de Michel Pêcheux, mobilizando conceitos tais como memória discursiva e

acontecimento. Entretanto, para tratar mais especificamente e para pensarmos a fórmula

“desenvolvimento sustentável/sustentabilidade”, na perspectiva do discurso, buscaremos as

contribuições em Alice Krieg-Planque (2003 e 2007) e também em Guilhaumou (2009),

explorando a categoria analítica de narrativa do acontecimento para refletir sobre como essa

fórmula constrói distintos eventos discursivos.

Palavras-chave: Análise do discurso; fórmulas; acontecimento; desenvolvimento sustentável.

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ABSTRACT

Our research aims to analyze the discursive meanings that are given to move around the formula

"sustainable development / sustainability" in the journalistic discursive space of Mato Grosso.

We took as reference, to the constitution of our corpus, matters of a major newspaper of the

State, A Gazeta, located in Cuiabá. As time frame, we established comprising of the years 2006

to 2010. The interest in the issue grew out of reflections as a professor of education which has as

one of their roles in the promotion and integration of the content of environmental education in

school life, and especially by observing how the environment has been engineered in different

ways in various social spaces, through the noun formula " sustainable development /

sustainability”. With this in mind, we believe that the school becomes one of the spaces for

discussion and awareness to the issue, focusing on denaturing the hegemonic discourse,

capitalist, developmental, and ingrained in our society. We hypothesized that in those spaces the

hegemonic discourse is predominant. Therefore, we propose highlight these speeches,

scrutinizing them to de-naturalise them. Thus we ask: which way they were and are being built on

the formula "sustainable development / sustainability" in the media space that we direct our

theoretical and analytical sight? What is the role of media in circulation and crystallization of the

formula? To answer these questions, we will use the guidelines of the Discourse Analysis of the

French line, derived from the propositions of Michel Pêcheux, mobilizing concepts such as

memory and discursive event. However, to address more specifically, to think the formula

"sustainable development / sustainability," the perspective of discourse, we will seek

contributions in Alice Krieg-Planque (2003 and 2007) and also in Guilhaumou (2009), exploring

the analytical category of narrative the event to reflect on how this formula builds distinct

discursive events.

Keywords: Discourse Analysis; formula; event; sustainable development.

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SUMÁRIO

Apresentação ........................................................................................................................... 13

Capítulo I ................................................................................................................................ 17

1. Perspectiva teórico-metodológica ....................................................................................... 17

1.1 Análise do discurso: algumas considerações ..................................................................... 17

1.2 A noção de fórmula em Jean Pierre Faye ........................................................................... 27

1.3 As análises de Fiala e Ebel sobre fórmula .......................................................................... 29

1.4. A noção de fórmula em Dominique Maingueneau ........................................................... 31

1.5 A noção de fórmula em Alice Krieg-Planque .................................................................... 34

1.6 A nar ra t iva do acontec imento em Jacques Gui lhaumou .............................. 42

Capítulo II ............................................................................................................................... 47

2. Desenvolvimento sustentável: palavra do dia .................................................................... 47

2.1. Primeiros passos ................................................................................................................ 50

2.2 A fórmula “desenvolvimento sustentável” na mìdia: um olhar discursivo ........................ 51

2.3 Cenário da problemática hoje ............................................................................................. 56

Capítulo III ............................................................................................................................. 59

3. O corpus .............................................................................................................................. 59

3.1 Delimitação de fronteiras ................................................................................................... 59

3.2 Apresentação dos textos e critérios de seleção ................................................................... 62

Capítulo IV .............................................................................................................................. 66

4. Mídia: espaço de domesticação dos corpos.. ........................................................................ 67

4.1 Seguindo os rastros da fórmula “desenvolvimento sustentável”: caráter cristalizador ...... 69

4.2 A fórmula em sua dimensão discursiva .............................................................................. 74

4.3 O “sucesso” da expressão: a fórmula enquanto referente social ........................................ 78

4.4 Desenvolvimento sustentável: polemicidade em torno da fórmula ................................... 81

4.5 O acontecimento discursivo “desenvolvimento sustentável” enquanto narrativa do

acontecimento ........................................................................................................................... 84

Considerações finais ............................................................................................................... 88

Referências Bibliográficas ..................................................................................................... 91 Obras Consultadas..............................................................................................................................94

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Apresentação

Nossa pesquisa tem como temática a fórmula “desenvolvimento sustentável” que,

atualmente, no cenário mundial, ocupa o centro das discussões em políticas públicas nacionais e

internacionais, bem como o interesse dos mais distintos segmentos sociais (empresários,

jornalistas, ONGs, escolas, universidades, entre outros).

Ao partir dessa preocupação, que é macro, observamos que a sustentabilidade é algo ainda

muito distante de acontecer, devido à luta constante entre ambientalistas e sociedade capitalista,

com seus interesses que, no mais das vezes, confrontam-se com os espaços ambientais – e que a

nosso ver está longe de cessar. Tomando tal problemática como reflexão teórica, a nossa

inquietação se dá a partir de reflexões como professora de ensino básico que tem, entre um de

seus papéis, a função de promoção e inserção da educação ambiental no cotidiano escolar.

Devido a isso também, surgiu-nos uma questão: como possibilitar uma discussão pensando em

sustentabilidade se estamos inseridos numa região do Brasil onde a produção agrícola é intensa, o

que corrobora para altos índices de impactos ambientais?

Diante desse desafio, a escola sem dúvida nenhuma, torna-se lugar de discussão e

sensibilização da problemática, sobretudo no sentido de construir mecanismos que

desnaturalizem o discurso hegemônico, capitalista, desenvolvimentista, impregnado na sociedade

mato-grossense. Acreditamos ainda que tal desnaturalização só ocorrerá por meio da efetivação

de um debate que envolva toda a sociedade, a começar pela sala de aula. Debate este que

instrumentalize o sujeito a interpretar a realidade que o cerca, ou seja, seria mister que nas

escolas, em todas as disciplinas do currículo, não apenas nas aulas de Língua Portuguesa, fosse

oportunizado ao sujeito refletir, discutir e, principalmente, interpretar a realidade social, para que

observe os sentidos que são dados às “coisas”. É desse entorno, portanto, que o olhar sobre a

imensa massa de discursos que circulam sobre a fórmula “desenvolvimento sustentável” se faz,

uma vez que a fórmula “desenvolvimento sustentável” evidencia e ganha sentidos múltiplos,

tendo um sentido de língua e contradiscurso permeado, dado a seu caráter polêmico.

Nossa dissertação pretende, entre outras coisas, perscrutar essa problemática acerca da

fórmula “desenvolvimento sustentável” na esfera jornalística, algo que, evidentemente, faz surgir

algumas perguntas: quais são os sentidos que foram e estão sendo construídos sobre a concepção

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de desenvolvimento sustentável nestes espaços midiáticos? Como está sendo narrativizado tal

acontecimento discursivo nestes espaços?

Postas essas questões iniciais, observamos que o jornal colabora para que se prolifere a

questão, ou seja, em razão da intensa publicização, por meio de edições constantes sobre o tema,

em que a fórmula se faz presente, acreditamos que ela passa a organizar o espaço público social,

levando, dessa forma, a sociedade a discutir e também a incorporar o sintagma referente à

fórmula nas mais diversas situações comunicativas.

Considerando o escopo teórico da Análise de Discurso de orientação francesa para

compor o corpus, selecionamos textos de um dos jornais de grande circulação no Estado de Mato

Grosso A Gazeta, com sede em Cuiabá, no espaço temporal midiático que compreende os anos

de 2006 a 2010. Desse recorte, escolhemos os dados mais relevantes em que aparece a fórmula

“desenvolvimento sustentável”.

Com este corpus, descrevemos as condições imediatas e sócio-históricas dos discursos

sobre desenvolvimento sustentável, procurando vislumbrar como, por meio de práticas

linguageiras e de circulação em que o discurso se materializa, se dá a mecânica do “fenômeno”

de construção e constituição da fórmula, adquirindo sentidos múltiplos que se cristalizam e

assumem funcionamento polêmico.

Como dissemos brevemente, em linhas anteriores, nosso trabalho se filia à proposta

teórica de Michel Pêcheux, a Análise de Discurso (doravante AD) de orientação francesa, que,

sucintamente, considera o discurso como efeito de sentidos entre locutores, portanto discurso é

movimento, prática de linguagem. Segundo Orlandi (1999, p.15), na AD, procura-se

compreender a linguagem fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social

geral, constitutivo do homem e da sua história. A AD concebe a linguagem como mediação

necessária entre o homem e a realidade natural e social. Essa mediação, que é o discurso, torna

possível tanto a permanência e a continuidade, quanto o deslocamento e a transformação do

homem e da realidade em que vive.

Além do mais, de nossa parte, propomos a AD como dispositivo teórico, porque esta

disciplina pensa a língua não como algo abstrato, homogêneo, mas, ao contrário, opaco e

heterogêneo, sendo que sujeito e sentido não são preexistentes, todavia constituídos no e pelo

discurso, um efeito, não a causa. Por meio das construções discursivas, homens passam a

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sujeitos, interpelados pelos fatores históricos e socioidelógicos, tanto de seus tempos quanto de

tempos alhures. Dito de outro modo, a produção enunciativa se estabelece conforme as condições

propiciadas a esses sujeitos para enunciarem, bem como ao lugar que ocupam no interior de uma

formação social, sendo então impelidos por uma determinada formação ideológica que os

preestabelece em dizeres possíveis. Portanto, estes sujeitos que se inscrevem num dado discurso

produzem os sentidos e dizeres conforme a posição social ocupada, que, por sua vez, deriva de

formações ideológicas, que, por seu turno, vêm de formações históricas.

Como uma das formas desses sujeitos se expressarem é por meio de práticas

sociolinguageiras escritas ou orais, temos que os elementos linguísticos são partes dessas práticas

discursivas, marcadas, imbricadamente, na história e na sociedade; indissociáveis, portanto, do

fato que significam. Em outras palavras, para a Análise do Discurso, a realidade social se difere

assim da maneira pela qual outras teorias que estudam os componentes linguísticos – para citar

breves exemplos, as teorias de comunicação/informação, enunciativas, estruturalistas entendem a

linguagem, ora como uma transmissão de mensagem entre um emissor para um receptor, ora

como formas isoladas a ser entendidas e perscrutadas em si mesmas, no sistema interno. Para a

AD a língua não é vista como um simples código. Os sujeitos têm de ser identificados pelas suas

práticas discursivas, por suas argumentações, pela construção da realidade, sendo essas relações

de linguagem, relações de sujeitos e de sentidos.

Para tratarmos especificamente da questão da fórmula, propomos aqui discutir dentro do

vasto campo de atuação da AD as formulações de Alice Krieg-Planque e a noção de fórmula, e

Jacques Guilhaumou e a noção de narrativa do acontecimento. Tais formulações são importantes

para analisar o funcionamento discursivo da fórmula “desenvolvimento sustentável”, pois temos

a hipótese de que nos espaços enunciativos onde se encontram nossos corpora há um sentido

dicionarizado, que está na ordem da língua, mas que, simultaneamente, opera sentidos da ordem

do discurso, de um tipo político, haja vista sua inscrição neste campo de debate, bem como a

circulação em certos gêneros que se predispõem a trabalhar esse conteúdo temático. Sendo assim,

nosso trabalho está organizado da seguinte maneira:

1) No primeiro capítulo, trazemos mais acuradamente do percurso histórico-metodológico

da AD de linha francesa. Na seqüência, apresentamos a noção de fórmula para os teóricos: Jean

Pierre Faye, Fiala e Ebel, Dominique Maingueneau e Alice Krieg-Planque, dando ênfase ao

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quadro teórico-metodológico de Krieg-Planque. Além desse primeiro aporte teórico, a noção de

narrativa do acontecimento, de Jacques Guilhaumou, também é trazida neste primeiro momento

do trabalho para mais especificações de suas aplicações heurísticas.

2) No segundo capítulo, um breve histórico sobre a problemática, colocando que a

sequência dada como fórmula passa a partir do acontecimento histórico Rio 92/ ECO-92, a ser o

centro dos debates nacionais e internacionais, ganhando, assim, notoriedade ao tornar-se, então,

um acontecimento discursivo. Discutimos ainda, como a expressão circula na mídia de um ponto

de vista discursivo e como a problemática se apresenta nos dias atuais.

3) No terceiro capítulo, apresentamos especificamente o corpus da pesquisa, apontando

como se deu a seleção e a delimitação de fronteiras para constituí-lo.

4) No quarto capítulo, procuramos mostrar por intermédio dos textos em análise como

está sendo discursivizada tal questão na mídia. Desta forma, a priori colocamos como a mídia,

através do discurso jornalístico, ou, dizendo diferentemente isso, na forma como os jornalistas

organizam os discursos, efetivam relações de poder e saber no espaço público, o que nos

possibilita, na sequência, trazer para discussão o quadro desenhado por Krieg-Planque, onde

através dos textos em análise, procuraremos mostrar as propriedades da fórmula, a saber:

cristalização, dimensão discursiva, referente social e polêmica, e como a sequência linguística em

análise “desenvolvimento sustentável” comporta a possibilidade de (re)criar distintos

acontecimentos históricos

Por último, colocamos as considerações finais, apontando que os textos em análise

continuam ecoando ruídos latentes, dissimulados e na opacidade da linguagem e que ainda

requerem explicitações, ou seja, dado o caráter polêmico da fórmula “desenvolvimento

sustentável”, ela reserva sentidos que precisam ser desvendados.

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CAPÍTULO I

1. Perspectiva teórico-metodológica

Nosso trabalho se inscreve na teoria da Análise de Discurso (AD) de orientação

francesa, dispositivo teórico que coloca em cena a interpretação para podermos

compreender o objeto simbólico produzindo sentidos por e para sujeitos. Neste capítulo,

vamos discutir sobre a categoria analítica de fórmula, conceito-chave para nossa

pesquisa, na perspectiva da pesquisadora francesa Alice Krieg-Planque, referência

internacional no assunto. Faremos assim um percurso histórico da noção formulista,

passando por Faye, Ebel e Fiala (Krieg-Planque 2010), Maingueneau (2008), até

chegarmos a Krieg-Planque (2010). Na sequência dessas argumentações, traremos a

categoria analítica de narrativa do acontecimento, como pensada por Jean Jacques

Guilhaumou (2009).

1.1 Análise do Discurso: algumas considerações

A Análise de Discurso não pretende se instituir como especialista da

interpretação, dominando “o” sentido dos textos; apenas pretende

construir procedimentos que exponham o leitor a níveis opacos à ação

estratégica de um sujeito (...). O desafio crucial é o de construir

interpretações, sem jamais neutralizá-las, seja através de uma minúcia

qualquer de um discurso sobre o discurso, seja no espaço lógico

estabilizado com pretensão universal. (PECHÊUX, 1997, p.11)

A AD, no cenário brasileiro, nos últimos anos, vem despertando muita atenção e

interesse no campo dos estudos linguísticos, principalmente por quem se interessa por

questões discursivas. Objeto este que sempre causou inquietação a Michel Pêcheux, um

dos fundadores e principais teóricos da epistemologia que ficou conhecida como

Análise do Discurso. Conforme Maldidier (2003): “O discurso me parece, em Michel

Pêcheux, um verdadeiro nó. Não é jamais um objeto primeiro ou empírico. É o lugar

teórico em que se intricam literalmente todas suas grandes questões sobre a língua, a

história, o sujeito.” (p.15).

A teórica Maldidier (2003) faz um percurso da AD, contando a história da

disciplina com o olhar de quem participou ativamente deste caminho. Para contá-la,

traz aquele que é considerado o fundador do campo, Michel Pêcheux, relatando a

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entrada do filósofo na vida intelectual, seus encontros com grandes nomes como

Althusser, Canguilhem, Paul Henry e Michel Plon e apresenta principalmente as fases

pelas quais passou o teórico na constituição desse novo campo. As fases descritas por

Maldidier são: O Tempo das Grandes Construções (1969-1975), Tentativas (1976-1979)

e A Desconstrução Domesticada (1980-1983). Falaremos destas fases mais adiante.

A AD teve sua origem em solo francês,em 1969, momento em que o

estruturalismo não mais vivia seu apogeu, e não apenas no campo da Linguística1.

Todavia, não se podia negar que um grande conceito de cientificidade era creditada a

esta teoria-metodologia. O modelo estruturalista primava pela objetividade, pela

exequibilidade de dados comparativos e valorados num sistema linguístico, a partir de

um recorte temporal. A Linguística, nos moldes estruturalistas, não se detinha ao que,

para o “verdadeiro daquela época”, estava alheio à lìngua enquanto um sistema de

signos e sua significância por meio dos valores entre signos linguísticos. Para o

estruturalismo a língua era convencionalidade, conforme nos aponta o Curso de

Linguística Geral, de Saussure:

A língua, ao contrário, é um todo por si e um princípio de

classificação. Desde que lhe demos o primeiro lugar entre os fatos da

linguagem, introduzimos uma ordem natural num conjunto que não se

presta a nenhuma outra classificação... a língua constitui algo

adquirido e convencional... (SAUSSURE, 1972, p.17).

Como podemos ver, a sistematização da língua excluía tudo que não fosse

possível ser formalizado/objetivado. Os sujeitos, nesse paradigma científico, tornavam-

se, no mais das vezes, escamoteado. Segundo Ferreira (2008, p. 02), o que importava

era normalizar o sujeito, já que este era suscetível a perturbar a análise do objeto

científico, subjetivando-o, a qual deveria corresponder a uma língua padronizada e em

que a objetividade era a questão.

Já Ferdinand de Saussure (1972) concebe a linguística como ciência da língua,

subsumindo que todos os fatos da linguagem subordinam-se a ela. Postula ainda que a

linguagem, massa amorfa, heteróclita e multifacetada, comporta duas partes que se

implicam mutuamente, a saber: a língua (social) e a fala (individual), cabendo àquela a

legitimidade para a construção da ciência da lìngua, pois: “Ela é a parte social da

1 Para mais detalhes desse período em que o estruturalismo passa a ser questionado, conferir François

Dossie em História do estruturalismo. 2 volumes. Bauru, SP: EDUSC, 2007.

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linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só, não pode nem criá-la nem modificá-la;

ela não existe senão em virtude duma espécie de contrato estabelecido entre os

membros da comunidade.” (SAUSSURE, 1972, p.22). Conforme Baronas e Komesu

A linguística saussuriana é mobilizada por Michel Pêcheux devido

tanto (à) questão da autonomia relativa da linguagem, unanimemente

reconhecida pelas demais Ciências Humanas na conjuntura

estruturalista, como pelo fato de, nas Humanidades, a linguística ter

operado de maneira decisiva, o corte epistemológico, isto é, o

distanciamento necessário da ideologia que qualifica a cientificidade.

(BARONAS; KOMESU, 2008, p. 12).

Percebe-se que, em nenhum momento, o propósito de Pechêux foi desmerecer a

teoria saussuriana, pois creditava a Saussure o ponto de origem da ciência linguística em

suas bases modernas, servindo de base para seus trabalhos ao fornecer o modelo de

análise da linguística para a teoria discursiva que ele iniciava.

O teórico francês Dominique Maingueneau (1997) nos mostra como a AD

navega em mares linguísticos e como este campo de saber é importante para a

consagração e legitimação de uma forte teoria de discurso, salientando, porém, que esse

diálogo não deve restringir-se ao campo linguístico, haja visto que o discurso é um

objeto que se constitui sócio-historicamente, em que o linguístico também corrobora

para essa constituição marcando seus efeitos nos componentes históricos e ideológicos

ao mesmo que é marcado por esses componentes também:

Optar pela linguística, de modo privilegiado, mas não exclusivo,

consiste em pensar que os processos discursivos poderão ser

apreendidos com maior eficácia, considerando os interesses próprios à

AD... Uma vez afirmada a inscrição da AD no espaço linguístico, é

conveniente questionar de que forma ela deve pensar sua relação com

a linguística. Sobre este aspecto, a posição da AD parece delicada, já

que, para retomar uma fórmula de J. J. Courtine, em AD “é preciso ser

linguista e deixar de sê-lo ao mesmo tempo”. De fato, por um lado, a

discursividade define “uma ordem própria, diversa da materialidade

da língua” e, por outro lado, esta ordem se realiza na lìngua”.

(MAINGUENEAU, 1997, p.17).

A AD, hoje, compreende duas grandes linhas: a Análise do Discurso de

origem Francesa, que tem em Pechêux seu expoente fundador, e a Análise Crítica do

Discurso anglo--saxã (doravante ACD), ligada a um de seus expoentes, Norman

Fairclough.

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De um lado, a francesa, da qual nos valemos em nosso estudo, valoriza o

contato com a história e afirma que os sujeitos são condicionados pela ideologia que,

por sua vez, direciona os sentidos a enunciar dos sujeitos, i.e. aquilo que podem ou não

discursivizar, conforme sua formação histórico-social. De outro lado, a ACD privilegia

o contato com a sociologia, desenvolvendo uma abordagem linguística, que, de acordo

com Fairclough (2001), possa contribuir para preencher a lacuna deixada por outras

disciplinas. Tal abordagem tem em comum com a escola francesa, segundo Magalhães

(2001), o olhar crítico sobre a linguagem como prática social, diferenciando-se ao

propor examinar em profundidade não apenas o papel da linguagem na reprodução das

práticas sociais e das ideologias, mas instigando a uma intervenção/transformação social

através da linguagem.

Como enunciamos anteriormente, descreveremos as fases pelas quais passou a

AD, em razão das formulações e reformulações de seus conceitos e métodos. A primeira

fase da AD que, a posteriori, ficaria conhecida e difundida academicamente como AD-

1, caracteriza-se pela visão estruturalista de língua, pela busca de recursos a teorias

matemáticas e a dispositivos de base computacional para tratamento analítico de

corpora. Apoiando-se nas ideias de Saussure, interessava-se por discursos mais

estabilizados, pois tais discursos permitiam menor carga polissêmica e também por dar

menor importância à variação do sentido, devido a um maior silenciamento do Outro

(outro discurso, outro sujeito). O modelo de análise desse período ficou conhecido

como Maquinaria Discursiva, pois eram explorados discursos mais estáveis e

homogêneos, construindo blocos fechados de sequências discursivas.

A segunda fase (conhecida como AD-2, aos mesmos moldes da AD-1) recusa

uma língua universal, recusa também a noção de sujeito intencional. A principal

contribuição foi à reestruturação por Pêcheux do conceito de Formação Discursiva

(doravante FD), emprestado de Foucault, a formulação de Interdiscursividade como

base de primazia composicional de todos os discursos, ainda que não necessariamente

(uma citação, uma relação intertextual mais clara e objetiva etc.) evidenciado na

materialidade linguística.

O conceito de FD recebe ainda hoje muita atenção, existindo um campo de

bibliografia muito vasto. Em “Dicionário de Análise do Discurso”, a noção é trazida

conforme a pensavam Foucault e Pêcheux, pois um é considerado o introdutor do

vocábulo, Foucault, em “Arqueologia do Saber”, apresentando-a simultaneamente como

enunciados submetidos a uma mesma regularidade e dispersão (sistema de dispersão).

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Segundo Maingueneau, a Pêcheux atribui-se a reformulação e aplicação do termo, no

quadro da AD, definindo-a como o que pode e o que deve ser dito, em uma posição e

conjuntura dadas, sob alguma forma genérica (arenga, sermão, carta et cetera). Nessa

fase a máquina estrutural declina teoricamente, ou seja, começou-se a perceber que uma

formação discursiva determinava o que podia e devia ser dito a partir de um

determinado lugar social. Dessa forma, o objeto de análise passou a ser as relações entre

maquinarias discursivas. Aqui também passa a predominar a ideia de que toda FD é

atravessada por outras FDs.

Ainda nesse período, outro conceito que desponta é o de interdiscurso, um dos

pilares da teoria de Pêcheux, que já estava presente na AAD69, como o “já-dito” ou

ainda como pré-construído, mas que não foi esmiuçado, pois:

o discurso não se dá na evidência desses deslocamentos; é preciso

desconstruir a discursividade para tentar apreendê-lo As últimas

páginas jogam ao mar, voltando para a questão da leitura “o princìpio

da dupla diferença”. Lê-se aí, em uma linguagem ainda frouxa, a ideia

do não dito constitutivo do discurso, a primeira figura, em suma de um

conceito ausente, que dominará toda essa elaboração; o conceito de

interdiscurso. (MALDIDIER, 2003 p. 24)

O interdiscurso amarra o discurso a outros discursos/dizeres. É o que

Mainguenau (2005) em sua hipótese do primado do interdiscurso, chama de o Mesmo

do discurso e seu Outro, isto é, a interdiscursividade está atrelada a dizeres que são

acionados, sem nos darmos conta que estamos utilizando-os, ao formularmos

(intradiscurso) nossos enunciados. Assim, o interdiscurso é tudo que foi dito antes e que

estava esquecido, fazendo parte de uma memória discursiva do sujeito:

A memória, por sua vez, tem suas características, quando pensada em

relação ao discurso. E, nessa perspectiva, ela é tratada como

interdiscurso. Este é definido como aquilo que fala antes, em outro

lugar, independentemente. Ou seja, é o que chamamos memória

discursiva; o saber discursivo que torna possível todo dizer e que

retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do

dizível, sustentando cada tomada da palavra. O interdiscurso

disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em

uma situação discursiva dada. (ORLANDI, 2009, p.31).

No entanto, a desconstrução da maquinaria discursiva só ocorreu efetivamente

na terceira fase da Análise do Discurso (AD-3), em que o discurso é tido como encontro

da estrutura e do acontecimento. A partir desse período iniciou-se a construção de uma

metodologia e uma sofisticação do tratamento do sujeito; dispersão do sujeito acaba

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com a ideia de um sujeito comportado em seu assujeitamento, a uma forma-sujeito

histórica determinada. A AD em sua terceira fase é norteada pelo primado teórico do

outro sobre o mesmo e tem-se, então, a noção de que os diversos discursos se formam

de maneira regulada no interior do interdiscurso, ou seja, a relação interdiscursiva

estrutura a identidade das formações discursivas.

Como podemos ver a noção de discurso está diretamente ligada à noção de

ideologia e de sujeito. A primeira materializa-se através da linguagem, que

consequentemente está ligada à linguística enquanto estudo de suas sistematizações e

funcionamentos. Assim, a linguagem é palco em que se encena, confronta-se e explica-

se a ideologia, logo a materialização ocorre pela maneira como se organizam os modos

de produção social reverberados no uso da linguagem, sendo que o sujeito não age com

autonomia sobre seu discurso, sobretudo num sentido de sujeito cartesiano, do Cogito,

do sentido fundador. Ele produz o discurso e seus efeitos de sentido conforme o lugar

social em que está inscrito e conforme a formação social da qual faz parte. O discurso

apresenta-se como uma instância controlada, onde o sujeito não é dono de todo seu

dizer nem livre para dizer a qualquer tempo e espaço de circulação. Há coerções

institucionais, de circulação, inter-relacionais, de dispersão dos dizeres discursivos que

restringem os sujeitos a suas inscrições construídas histórico-ideologicamente,

permitindo-lhe enunciar. Assim:

Ao dizer, o sujeito significa em condições determinadas, impelido, de

um lado, pela língua e, de outro, pelo mundo, pela sua experiência,

por fatos que reclamam sentidos, e também por sua memória

discursiva, por um saber/poder/dever dizer, em que os fatos fazem

sentido por se inscreverem em formações discursivas que representam

no discurso as injunções ideológicas. (ORLANDI, 2009, p.53).

A respeito da problemática do sujeito, Possenti (2007) nos coloca que a AD

rompe com a ideia de sujeito livre, uno, consciente e tomado como origem e ainda

recoloca a questão: o sujeito fala ou é falado, é sujeito na ou da língua, do ou no

discurso; é efeito, não causa. Então, como podemos compreender o sujeito do discurso

produz seus discursos de acordo com a posição social que ocupa em um dado espaço

(institucional ou não) e temo (das condições comunicacionais imediatas ou não). O (Os)

enunciado(s) é (são) produzido(s) conforme as condições propiciadas pelo lugar que o

sujeito ocupa, no interior de uma formação social, e os sentidos por ele produzidos se

inscrevem na formação discursiva (FD) que o interpela nas bases que sua ideologia

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direciona . Daì dizer que “as palavras não têm um sentido nelas mesmas, elas derivam

seus sentidos das formações discursivas em que se inscrevem. As formações

discursivas, por sua vez, representam no discurso as formações ideológicas”

(ORLANDI, 2009). Sujeito e sentido participam mutuamente de uma formação

ideológica, que se materializa na FD em que estão, ou seja, se falo como professora é

devido estar dentro de tal formação discursiva, em que os dizeres são próprios da função

professora, que, por seu turno, liga-se a uma formação imaginária (de base ideológica),

e os sentidos que por mim são produzidos refletem e refratam a formação discursiva de

onde falo. No entanto, cabe colocar, que o sujeito discursivo ocupa posições distintas, o

que o torna, de acordo com Orlandi (2009) “sujeitos intercambiáveis”, isto é, posso

exercer várias posições sujeitos, logo minha identidade se dará conforme a inscrição em

dada FD. É o que Pêcheux chama de “forma-sujeito”, posso ser múltipla conforme a FD

em que estiver, o que não me torna um sujeito livre na ordem do discurso, pois ao falar,

falo de um lugar demarcado.

Assim, podemos dizer que os sentidos para a AD não estão soltos, mas sim

eles estão sempre sendo administrados, amarrados, pelas regularidades de cada

formação discursiva e são sempre construídos historicamente, ao contrário das críticas

que a teoria sofre. Por exemplo, “qualquer sentido vale”, “tudo pode”:

A Análise do Discurso não procura o sentido “verdadeiro”, mas o real

do sentido em sua materialidade linguística e histórica... Temos

afirmado que não há sentidos “literais” guardados em algum lugar-

seja o cérebro ou a língua- e que “aprendemos” a usar. Os sentidos e

os sujeitos se constituem em processos que há transferências, jogos

simbólicos dos quais não temos o controle... As transferências

presentes nos processos de identificação dos sujeitos constituem uma

pluralidade contraditória de filiações históricas. Uma mesma significa

diferentemente, dependendo da posição do sujeito e da inscrição do

que diz em uma outra formação discursiva. (ORLANDI, 2010, p.59-

60).

Ainda da formação ideológica, pode-se dizer que ela tem capacidade para

comportar várias posições que podem confrontar-se entre si, porém elas não precisam

necessariamente prestar-se a tal, pois podem também unir-se. Por isso, a AD utiliza o

conceito de formação discursiva, para indicar o lugar onde ideologia e discursos se

unem, dessa forma fica-nos claro que a formação ideológica é quem conduz a formação

discursiva.

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Voltamos aqui a ressaltar que a AD constitui o discurso como seu objeto, logo

ela relaciona a linguagem à sua exterioridade, ou seja, ela não trabalha a língua

enquanto sistema abstrato, homogêneo, e sim com a língua no mundo, com pessoas se

expressando seja através da escrita ou da oralidade, falando, produzindo efeitos de

sentidos enquanto sujeitos e membros da sociedade. Tem a história e a sociedade como

indissociáveis do fato que significa, diferencia-se sobremaneira da forma pela qual

teorias da comunicação, por exemplo, compreendem a linguagem, ou seja, como

transmissão de mensagem entre indivíduos. Para a AD a língua não é vista como código

unicamente, e sim que os sujeitos têm que ser identificados por meio das suas práticas

discursivas, de suas argumentações, da construção da realidade, sendo essas relações de

linguagem, relações de sujeitos e de sentidos.

Diante disso, outro conceito fundamental à AD é o de interpretação. Orlandi

(2007, p.80) afirma que a interpretação é constitutiva da própria língua (natural), e que o

ato de interpretar está presente em qualquer manifestação da linguagem. Logo, não há

sentido sem interpretação, estabilizada ou não sempre existe interpretação. A AD expõe

a interpretação, trabalhando assim seus limites, tem-se então a compreensão de como os

sentidos são produzidos pelos objetos simbólicos e como esses sentidos significam para

os sujeitos. Porém, não existe um sentido verdadeiro que se explique através de uma

interpretação, o que existe são métodos para se fazer análises de determinados

discursos, materializados, como, por exemplo, em textos. Em outras palavras, o que

importa mesmo para a análise é compreender como um objeto simbólico produz

sentidos e qual é a significação dele para os sujeitos, lembrando-se de que “o “traço” do

outro sentido é a marca inexorável da incompletude, de sentidos postos em silêncio.”,

afirma Orlandi (2007):

Em suma, interpretar, para o analista de discurso, não é atribuir

sentidos, mas expor-se à opacidade do texto (ainda Pêcheux), ou,

como tenho proposto (Orlandi 1987), é compreender, ou seja,

explicitar o modo como um objeto simbólico produz sentidos, o que

resulta em saber que o sentido sempre pode ser outro. (ORLANDI,

2007, p.64)

Com relação às condições de produção, a AD se distancia dos pragmáticos

especialmente no que diz respeito às noções de circunstâncias de produção ou contexto.

Para a Pragmática tanto a noção de circunstância, ou contexto, dizem respeito às

coordenadas espaço temporais, à situação local do quadro comunicativo, aos papéis

assumidos pelos participantes da interação verbal. Por sua vez, no quadro teórico da

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AD, a noção de condições de produção está inserida nas instâncias enunciativas

institucionais. Ou seja,

o conceito de circunstância será substituído pelo de condições de

produção - substituição cuja finalidade é exatamente retirar o

funcionamento do discurso da cena pragmática para inseri-lo nas

instâncias enunciativas institucionais, marcadas por características

amplamente históricas. Trata-se exatamente de uma ruptura com o

modo de considerar as “circunstâncias do discurso”. (POSSENTI,

2004, p. 367)

Outro conceito caro à AD é o de acontecimento. Nos estudos discursivos estão

conjugados forma e conteúdo, compreendendo a língua não só como estrutura, mas,

sobretudo como acontecimento. Daí dizer-se que para a AD os sentidos que foram e

estão sendo construídos não estão transparentes na língua. A AD, do lado da história,

trabalha o acontecimento de dado discurso dentro de uma filiação, que supõe uma

estrutura. Possenti afirma que o acontecimento relaciona a enunciação e a história, qual

seja, o encontro de uma memória e com uma atualidade. Salienta que a AD não

concedeu ao conceito um lugar privilegiado, pois a maioria das pesquisas aponta que o

acontecimento foi identificado dentro de um arquivo, em que o repetível e o estrutural

eram focados. Todavia, o próprio Pêcheux (2002, p. 56) coloca que o acontecimento se

dá dentro de uma rede de memória e trajetos sociais, e não livremente.

Na sequência, Possenti traz as contribuições do filósofo francês Michel

Foucault para pensar o acontecimento, mostrando que o estruturalismo não se opõe à

história, mas tem com ela uma relação específica e produtiva. O filósofo diz que há

certos métodos que permitem dar novo sentido ao acontecimento, métodos que

possibilitam, ao contrário da história tradicional que creditava ao acontecimento apenas

aquilo que era visìvel e conhecido por todos, o monumento, onde se buscava “o”

sentido único e verdadeiro, avançar para uma história serial que permite fazer aparecer

acontecimentos que são visíveis, mas também aparecer outros que não são visíveis no

que está sendo ou foi discursivizado no arquivo, a história do documento:

Esta noção plural de acontecimento permite romper, em primeiro

lugar, com uma história que procurasse em tudo o sentido. Em

segundo, com a relação discurso-enunciação como evento singular.

Além disso, poderia permitir especificar mais finamente os elementos

que, em um discurso, de fato escapam aos sujeitos e aqueles que eles

têm conhecimento, conforme estejam em uma ou em outra camada,

assim como acontece com os diversos tipos de acontecimentos

históricos. (POSSENTI, 2007, p. 381).

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Na perspectiva proposta por Foucault (Guilhaumou, 2009), o acontecimento

deve ser vislumbrado enquanto enunciado de arquivo, onde a apreensão dos textos se dá

em uma historicidade. Em contrapartida, nosso trabalho assume a concepção de

acontecimento de Guilhaumou, acontecimento que se dá no interior do arquivo, embora

essa concepção seja em muitas partes caudatária das contribuições foucaultianas. Assim,

é sempre possível reabrirmos os arquivos do passado e encontrarmos “reservas de

sentidos” – arquivo aqui não somente como dado a práticas documentais, mas a

saberes construído ao longo dos tempos, nas mais distintas formações sociais.

O acontecimento em Guilhaumou é algo que permanece perpetuamente

reinterpretável juridicamente e, por conseguinte, atual ao(s) próprio(s) sentido(s). Nesse

viés, o acontecimento discursivo em AD, de acordo com Guilhaumou, deve contemplar

aspectos linguísticos, pragmáticos e discursivos. E avança propondo que se contemple

uma visão de acontecimentalidade, onde esta se concretiza no que ele chama de

narrativa do acontecimento. Assim compreendida:

A narrativa do acontecimento relança, então, a ação infinita da

interpretação, permite uma abertura máxima das narrações, assimila

ação e pensamento, associa o ato e a revelação, torna memorável a

vida da heroína e do herói. Introduz-nos no agir político verdadeiro,

no sentido em que a ação política é trazida ao julgamento

desinteressado da dimensão universal do acontecimento singular, a

exemplo de Kant ao julgar com entusiasmo a Revolução Francesa.

(GUILHAUMOU, 2009, p. 137)

Nossa pesquisa se inscreve no quadro teórico que desenhamos nessas breves

linhas anteriores, objetivando mostrar que a fórmula “desenvolvimento

sustentável/sustentabilidade” perpassa por diferentes narrativas, tendo, assim, um

caráter polêmico, pois as diferentes vozes produzem sentidos diversos, fazendo com que

essa e outras fórmulas produzam o que Guilhamou chama de reservas de sentido.

Objetivamos ainda mostrar também como a publicização dessas fórmulas, por meio das

mídias, colabora para organizar o espaço público, conforme os estudos de Krieg-

Planque.

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1.2 A noção de fórmula em Jean Pierre Faye

Neste tópico, interessa-nos discutir como Faye (apud Krieg-Planque, 2010)

concebe o termo-conceito fórmula. Para tal tarefa nos apoiaremos nas obras de Krieg-

Planque (2010), nas quais ela retoma o tratamento dado por Faye à fórmula “Estado

total”. O sintagma é analisado numa das mais importantes obras do filósofo Langages

totalitaires. A obra inteira é tecida pelas palavras de atores, utilizando-se de palavras

proferidas por “narradores”. Tais narrativas foram produzidas pelos atores, que eram

ideólogos do espaço político no período entre as duas grandes guerras, na Itália e na

Alemanha.

Faye tem como propósito construir o que ele denomina de super narrativa, isto é,

a narrativa das narrativas. Esta consiste em evidenciar as condições de produção e

circulação das narrativas, a partir de sua concepção, bem como entender o poder próprio

que lhes é atribuído. Segundo Faye (Krieg-Planque, 2010), a super narrativa é um

processo de conhecimento que leva em conta os fragmentos de narrativa,

desarticulando-os e rearticulando-os, porém em outro nível. A super narrativa implica a

ideia de que a história produz seus próprios conceitos e de que, em virtude disso, ela é a

sua própria metalinguagem, ou seja, a história produz seus próprios conceitos, por isso

ser ela a sua própria metalinguagem. Esse projeto, assim pensado, “renega” fatos que

sejam exterior ao real da história. Dito de outro modo, Faye postulava que a prática da

super narrativa era a geradora da linguagem, uma que vez que esta é gestada dentro de

uma dada conjuntura sociopolítica:

Em outras palavras, a super narrativa impede o recurso a uma

metalinguagem que, do exterior, dê às coisas um nome que até mesmo

os que as batizaram não empregam para designá-las. De onde a recusa

de Faye a qualificar o regime stanilista de “totalitário”, porque esse

regime nunca se qualificou com esse nome. (KRIEG-PLANQUE,

2010).

Na esteira de suas considerações acerca de Faye, Krieg-Planque (2010)

apresenta as principais propriedades da fórmula2 “Estado total”, analisadas pelo

2 Quanto ao termo fórmula, de acordo com a Krieg-Planque, Faye não coloca claramente porque a

emprega. Segundo Ebel (Planque, 2010), o filósofo a toma emprestado dos próprios materiais de análise e

encontra-o em Carl Schmitt e Ernest Forsthoff ( Krieg-Planque, 2010). A fórmula em Faye possui relativa

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filósofo, sendo elas: a gênese, a circulação, a cristalização e o processo de

aceitabilidade.

No que se refere à gênese de “totaleStaat”, Faye vê a origem no que ele

denomina por enunciado totalitário primitivo, que seria o discurso proferido por

Mussolini, no congresso fundador do Partido Nacional Fascista, em 1925.

Posteriormente, na Europa, a fórmula “totaleStaat” conhece uma origem paralela na

expressão “totaleMobilmachung” (mobilização total), que manifesta a mobilização sem

limite de todas as forças da sociedade a serviço do Estado e de sua defesa. Faye com

isso tenta apreender que a dupla origem da fórmula se dá devido à sua circulação e

avança ao mostrar a importância de analisar o fio condutor de cada significante:

Isso permitiria ao analista testemunhar as condições iniciais de

circulação da fórmula e de sua "história de vida", podendo observar aí,

inclusive, tanto o modo como ela se cristaliza socialmente quanto a

sua eficácia, isto é, seu processo de aceitabilidade no cenário

sociopolítico. É assim que ela esclarece que as fórmulas são

apreensíveis à medida que circulam socialmente em discurso,

tendendo à cristalização – caráter este que lhes é constitutivo.

(RODRIGUES; SANTOS, 2010)

A circulação da fórmula em Faye se dá a partir de um lugar a outro da “ferradura

dos partidos”, terminologia utilizada pelo filósofo, que compreenderia as palavras que

circulam no conjunto das formações políticas. O caráter da circulação, como pensado

pelo filósofo, não parte de uma mecânica linguística, mas de práticas linguageiras e de

relações de poder e de opinião que se observam na discursividade, produzindo a

metalinguagem a partir de termos que são produzidos numa conjuntura sociopolítica.

Ao analista, por meio dessa formulação teórico-metodológica, seria permitido reunir

condições iniciais de circulação da fórmula e de sua "história de vida", podendo

observar nisso, inclusive, tanto o modo como a fórmula se cristaliza socialmente quanto

sua eficácia, isto é, seu processo de aceitabilidade no cenário sociopolítico. É assim que

ela esclarece que as fórmulas são apreensíveis à medida que circulam socialmente em

discurso, tendendo à cristalização – caráter este que lhes é constitutivo.

Embora o termo “cristalização” não constar dos trabalhos de Faye, Krieg-

Planque (2010) coloca que importa observar o lugar que ele estabelece entre o que ela

flutuação terminológica, pois é um objeto lexical, retomável na cadeia, descritível no sistema de dada

língua.

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identifica como decorrência da “cristalização” e a noção de fórmula. Em seus estudos, o

filósofo coloca que estamos em presença de uma denominação relativamente estável,

devido à soldadura de dado sintagma, ou seja, esta soldadura dá testemunho da

existência da fórmula. Assim, a língua é atuante devido à sua cristalização, pois é na

cristalização que o discurso se torna ação e a fórmula se torna atuante, pois ela tem o

efeito, segundo Faye (Krieg-Planque, 2010), de tornar alguma coisa aceitável.

A aceitabilidade de dada fórmula se inscreve na concepção de história enquanto

narrativa, e esta é ação: “É o processo de aceitabilidade efetuado pela fórmula que

anuncia a consagração da palavra como questão política: é ele que dá às palavras um de

seus poderes mais espantosos: agir” (PLANQUE, 2010). Sobre a palavra enquanto

instrumento de ação, retornaremos mais adiante, quando abordarmos a narrativa do

acontecimento, com base em Guilhaumou (2009).

1.3 As análises de Fiala e Ebel sobre fórmula

Fiala e Ebel (Krieg-Planque, 2010) desenvolvem seus trabalhos na Suíça, entre

as décadas de 1960 e 1970, ampliando o trabalho de Faye. Em suas análises, utilizam

duas fórmulas: “Uberfremdung” (influência e superpopulação estrangeiras) e xenofobia.

Para realização de suas pesquisas, os corpora são bastante diversificados, centrado nas

três campanhas de votação (plebiscito), em que se pedia para que os cidadãos daquele

paìs se pronunciassem pelo “sim” ou pelo “não”, na proposta de limitação da imigração,

nos anos de 1970, 1974, 1977. O material era composto de textos legislativos, artigos

publicados em dois jornais do país, “La Suisse e La Feuille d‟ Avis de Lausanne”, além

de cartas de leitores dirigidas a esses mesmos jornais, textos sindicais, entrevistas com

atores e testemunhas da história política. Em suas análises, os estudiosos tinham como

propósito principal observar nessas fórmulas sua constituição polêmica, na medida em

que cristalizavam temas sociopolíticos. A propósito, antes de avançarmos para o caráter

de referente social da fórmula em Fiala e Ebel, faz-se necessário colocar que eles

procedem, segundo Krieg-Planque( 2009 ), à análise de reformulações parafrásicas e

seguem os rastros de neologismos, o que se pode depreender, de uma forma geral, que

levam a realidade linguística a sério.

Diferentes de Faye, que não procurou dar uma definição do que seria uma

fórmula, Fiala e Ebel (Krieg-Planque, 2010) fazem referência a ele e utilizam a noção

de fórmula, definindo-a: “Uma fórmula – escrevem Fiala e Ebel – assemelha-se a um

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referente social, isto é, um signo que significa alguma coisa para todos, em um dado

momento.” (PLANQUE, p. 2010). A fórmula, pensada como referente social, pode ser

identificada no corpus em enunciados parafrásicos, uma vez que isso possibilitou

também visualizar entre um enunciado e outro como se fazia circular, entre um discurso

e outro, significações diversas e, além disso, uma “produtividade lexicológica”,

fazendo surgir novas palavras:

A importância dada por Fiala e Ebel à noção de circulação, em

detrimento (o que não significa exclusão) da noção de produção, não é

o aspecto de menor interesse em seu trabalho. Ao mostrar que, além

da diversidade das práticas linguageiras, e a despeito da

heterogeneidade dos discursos em ato, fórmulas circulam e se impõem

a todos com um sentido que é determinado por outros, eles invalidam

a ideia segundo o qual os discursos seriam fechados sobre si mesmos.

Colocar a ênfase na circulação das fórmulas é sublinhar a abertura

necessária de qualquer fala, dizer que ninguém pode ser totalmente

surdo aos outros e não em virtude de um humanismo qualquer que

veria na abertura ao outro um valor a defender e, no acolhimento, um

comportamento a promover, mas simplesmente porque o dialogismo é

um fato constitutivo da fala humana. (KRIEG-PLANQUE, 2010,

p.54)

Robin (Krieg-Planque, 2010) destaca que as noções de circulação e referente

social, postuladas por Fiala e Ebel, contribuíram significativamente à AD para pensar

um de seus mais produtivos conceitos, o de FD. Pensar as FDs, sempre em contato

umas com as outras, portanto abertas, heterogêneas e ligadas entre si, e é por essas FDs

que as fórmulas circulam, gerando discursos diversos e causando polêmicas. Nesta via é

característica da fórmula produzir constantemente efeitos de sentidos, logo se tornando

objeto de polêmica.

Fiala e Ebel (Krieg-Planque,2010), ao procederem seus estudos, privilegiaram

duas categorias de enunciados: os enunciados com valor de re e os de valor de dicto. Os

primeiros são os enunciados que atestariam o caráter de referente social da fórmula, por

se relacionarem a um conteúdo e a um referencial – tais enunciados testemunham o

postulado da significância. Já pela segunda categoria de enunciados atestariam o caráter

polêmico da fórmula por se relacionarem com seu modo de dizer, isto é, o próprio

termo. Segundo os autores, a noção de fórmula é mais propensa para os enunciados com

valor de dicto, pois, no espaço público, começam a discutir sobre a própria palavra.

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1.4 A noção de fórmula em Dominique Maingueneau

Dominique Maingueneau deu vasta contribuição à AD, reafirmada em suas

elaborações teóricas pela inseparabilidade entre texto e quadro social, bem como

de sua produção e circulação. Esse linguista traz ao leitor novos conceitos como:

discursos constituintes, sobreasseveração, hiperenunciador, destacabilidade e

particitação. Conceitos estes destinados a propiciar análises que expressam a

convergência entre componentes históricos e linguísticos. Em nosso caso,

mobilizaremos o conceito de citação e destacabilidade para tratar de nosso material de

análise.

Maingueneau (2008) começa sua inquietação teórica acerca da citação e da

destacabilidade partindo do que ele chama de “constatação banal”, algo que o faz

postular que na sociedade circula constantemente um grande número de enunciados

curtos, que são facilmente memorizados e cujo significado e significante são

considerados no interior de uma organização pregnante. Segundo o autor, esses

elementos circulantes na sociedade derivam em dois tipos de fórmulas: i) as de

circulação restrita a algumas comunidades; ii) as de circulação em vários setores do

espaço social, algo da ordem de uma “citação célebre”. Para esses dois grupos de

citações, há também dois tipos de funcionamentos, dos quais elas podem fazer parte.

Assim, as fórmulas funcionam como enunciados autônomos (sendo interpretadas

segundo seu sentido imediato, numa interação entre locutores que não são

especialistas no tipo de discurso que originou a fórmula) e também como fórmulas

citadas para marcar um posicionamento específico que se opõe implicitamente a

outros.

Do grande número de enunciados que circula e que funciona como fórmulas,

Maingueneau debruça-se a perscrutar aqueles que foram retirados de textos mais

amplos, para melhor efetuar a análise da mecânica de destacabilidade e/ou citação.

Porém, a destacabilidade desses enunciados não se aplica a qualquer material verbal,

uma vez que temos numerosas fórmulas que correspondem a enunciados que, em seu

texto base, apresentavam-se como destacáveis e outros que, por sua vez, não possuem

propriedades de destacabilidade, todavia podendo vir a adquirir o estatuto de fórmula

ainda assim.

Para exemplificar os enunciados que aspiram à destacabilidade, Maingueneau

trata dos casos advindos das máximas do teatro clássico do século XVII por,

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justamente, apresentarem uma das características de ascensão a fórmulas, ou seja,

serem enunciados de curta extensão, bem estruturadas, de modo a impressionar por

serem facilmente memorizáveis e reutilizáveis a qualquer tempo e contexto. Embora o

conteúdo possa não ser original, o enunciador oferece uma máxima “inédita” como se

fosse o eco, a enésima retomada de uma sentença que já seria conhecida e evidente a

qualquer espaço-temporal. Assumem as máximas, então, duas propriedades: o

ineditismo e o caráter imemorial:

É precisamente nesse ponto que se encontra o núcleo do efeito

buscado: o personagem produz algo memorável, isto é, um enunciado

digno de ser consagrado, antigo de direito, novo de fato. É porque é

digno de ser antigo que pode aspirar a um estatuto “monumental”. Ele

inaugura, em refluxo, uma série ilimitada de retomadas, apresentando-

se como o eco de uma série ilimitada de retomadas prévias. Esse tipo

de enunciado visa, portanto, produzir na realidade aquilo que não

passa de uma pretensão enunciativa: apresentando-se como uma

sentença já pertencente a um saber partilhado, ele prescreve

justamente por isso mesmo sua retomada ilimitada.

(MAINGUENEAU, 2008, p. 77-78)

As máximas heroicas, embrenhadas nas mesmas instâncias das teatrais, ao se

configurarem como portadoras deste paradoxo, no qual se entrecruzam no ato de

enunciação a prescrição de si mesmo e também a todos, chama-nos a atenção, pois este

ato (eu/todos) nos remete à proposta de uma narrativa para o acontecimento, onde o

herói só constrói sua identidade na existência plural de si mesmo e de outros. Ou seja, o

que Maingueneau nos coloca é que herói seja aquele que, na atualidade de sua

enunciação, manifeste sua autonomia, aquele que por seu dizer prescreva a si mesmo e

que, no mesmo movimento, prescreva a todos. Dessa forma, o herói exprime a

universalidade do Sujeito Universal na singularidade do Eu enunciador:

Na condição de multiplicidade dos atos singulares que têm valor de

obras, a narrativa do acontecimento é onipresente no curso das ações.

Define, ao mesmo tempo, as formas singulares dessas ações e sua

dimensão universalizante; ela as torna visíveis, legíveis e

comunicáveis. A isso corresponde dizer que toda e qualquer pessoa

(ator, protagonista, espectador, etc.) participa da narrativa do

acontecimento, co-constrói esse acontecimento. De modo algum

redutível ao valor referencial de um saber ou à efetividade de um

dizer, ela tem à sua disposição sua própria eficiência em um mundo

onde se confortam o Eu e a linguagem exterior a qualquer reificação

das coisas, distante, portanto, da transformação comum dos valores

em produtos.” (GUILHAUMOU, 2009, p.138)

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Ainda na esteira de Maingueneau, há outros enunciados destacáveis a partir de

textos filosóficos. Este processo acontece de algumas maneiras: pelo paratexto –

(elementos que preenchem os entornos de um texto propriamente: textos de capa e

contracapa; dizer se é um livro de contos, romance, ficção científica; quem escreve o

prefácio, quem assina como autor etc.), pelo texto propriamente dito, pela embreagem

enunciativa, pela estruturação pregnante de seu significado, pelo metadiscurso et

cetera. No espaço filosófico, a fórmula participa de três dimensões, a saber: a) campo,

por marcar um posicionamento e pela singularidade de uma doutrina assinada; b)

arquivo, ao se inscrever em uma memória; c) redes de práticas.

Ademais, as fórmulas filosóficas atuam em dois planos, em enunciados

autônomos e em fragmentos extraídos de um determinado texto, e é também por esta

razão tomada no interior de uma tensão constitutiva. O teórico francês atesta que a

fórmula filosófica é fadada ao desdobramento, que a projeta sobre a doutrina da qual

participa.

Além desses conceitos sobre citação e destacabilidade, une-se teoricamente a

eles a noção de sobreasseveração e sobreasseverador, elementos que se caracterizam

pela construção de um enunciado de estrutura pregnante e que possuem o estatuto de um

condensado semântico, implicando uma “amplificação” da figura do enunciador. Tal

fenômeno, segundo Maingueneau (2008), está presente principalmente nas mídias

contemporâneas, sobretudo por meio dos slogans, enunciados breves que são retomados

constantemente nos programas de informação: “De fato, é impossìvel determinar se

esses slogans são assim porque os locutores dos textos de origem os quiseram assim,

isto é, destacáveis, fadados à retomada pelas mídias, ou se são os jornalistas que os

dizem dessa forma para legitimar o seu dizer.” (MAINGUENEAU, 2008, p. 83).

Este conceito de sobreasseveração nos possibilita problematizar as mídias como

espaço em que se legitima a e pela tomada do outro, isto é, seu modo de dizer busca

uma adesão do interlocutor, e o papel do sobreasseverador, para isso, é fundamental,

pois, por intermédio de seu ethos – uma das instâncias da cena enunciativa, em que se

tem um tom, uma vocalidade que constroem a imagem de si, seja o locutor, seja o

discurso ou a voz de um dado texto, para outros – ele mostra o que diz e induz ao outro

a posicionar-se conforme o que foi dito.

Pelo que podemos compreender, Maingueneau nos apresenta a fórmula como

um elemento do discurso que joga com a tomada de posicionamento no interior das

discursividades, principalmente quando pensado sob o conceito de sobreasseveração,

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pois, ao construir um discurso, o enunciador cria uma imagem de si através de seus

argumentos, que visa à “tomada” do Outro. Isso vai configurar no que o estudioso

denomina de polêmica, algo constitutivo do discurso:

Poderíamos dizer que a polêmica é necessária porque, sem essa

relação com o Outro, sem essa falta que torna possível sua própria

completude, a identidade do discurso correria o risco de se desfazer. É

inegável, mas a essa se junta outra razão, a saber, a necessidade de

mascarar a invulnerabilidade do discurso. (MAINGUENEAU, 2008,

p.113).

1.5 A noção de fórmula em Alice Krieg-Planque

Atualmente, falar sobre fórmula em estudos linguístico-discursivos é falar de

Alice Krieg–Planque, pesquisadora francesa, e é também é destacar a importância e,

especialmente, a pertinência de suas discussões e formulações em AD. A pesquisadora

faz parte de um dos mais importantes grupos de pesquisa em discurso, o Céditec

(Centro de estudos dos discursos, imagens, textos, comunicações), Université Paris-Est

Créteil Val de Marne, antiga universidade de Paris XII, onde é professora de ciências da

informação e de comunicação. Os trabalhos de Krieg--Planque voltam-se para os

discursos políticos, midiáticos e institucionais, numa perspectiva pluridisciplinar. Ela se

interessa pelos fenômenos de retomada e circulação dos enunciados jornalísticos. Nesta

perspectiva, desenvolveu um estudo sobre a irrupção da fórmula “Purificação étnica”,

no contexto das guerras na ex-Iugoslávia, tratada a partir da emergência, do emprego e

da significação da fórmula na imprensa francesa entre os anos 1980-1994. O trabalho

era um contar a história das palavras desse momento da história da guerra, a saber,

“purificação,”limpeza”, “depuração” e “étnica”, e objetivou:

(...) estudar os momentos, na história dos discursos, em que essas

palavras entram em conjunção para formar os sintagmas neológicos

“purificação étnica”, “limpeza étnica” e “depuração étnica”. Tratava-

se, igualmente, de ver como, no prisma dessas formulações, a guerra

da ex-Iuguslávia havia sido interpretada nas mídias francesas e

internacionais: em outras palavras, buscávamos apreender em que

medida a fórmula “purificação étnica” tinha podido funcionar como

interpretante para alguns dos comentadores das guerras iugoslavas.”

(KRIEG-PLANQUE, 2010, p.10)

Sua pesquisa ancora-se nas propostas desenvolvidas por outros autores em torno

da noção de fórmula, entre eles Faye, sobre a fórmula “Estado Total” e Fiala e Ebel,

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com a fórmula “influência e superpopulação estrangeira”, conforme já aventamos em

linhas anteriores. Todavia, em seus trabalhos, a pesquisadora avança em outras direções,

propondo outros elementos teóricos e metodológicos para o tratamento da noção.

Sobre Faye, Krieg-Planque diz em entrevista3 realizada por Philippe Schepens,

que recorreu ao filósofo principalmente pelo caráter heurístico de sua obra, na medida

em que ele coloca que as fórmulas têm uma gênese e que as modalidades de circulação

e cristalização são constitutivas delas. Nos estudos de Faye acerca da super narrativa, a

pesquisadora destaca um elemento importantíssimo para pensar o seu objeto: o processo

de aceitabilidade.

As análises de Fiala e Ebel, conforme autora, ajudaram-na a precisar mais seus

trabalhos, na medida em que estabelecem duas propriedades fundamentais ao

funcionamento da fórmula: seu caráter de referente social e seu caráter polêmico. Além

disso, Ebel e Fiala, desdobradores das ideias de Faye, introduziram categorias úteis para

a análise das fórmulas, partindo da análise de enunciados parafrásticos, até fatos de

neologismo:

Pierre Fiala e Marianne Ebel, desdobrando as ideias de Faye,...

introduziram na análise das fórmulas categorias úteis para a análise do

discurso. Sua abordagem ajudou muito a precisar meu objeto, mesmo

se, no fim das contas, eu tenha tido que me abastecer em outros

lugares, no que se refere às categorias as quais recorri. PiereFiala e

Marianne Ebel têm um corpus e têm métodos ( o que não fazia parte

absolutamente dos trabalhos de Faye). Eles procedem à análise de

reformulações parafrásticas, seguem os rastros de neologismos etc., e,

de uma forma geral levam as realidades linguísticas a sério. (KRIEG-

PLANQUE, 2009, p.40)

Krieg-Planque debruça-se também sobre os enunciados com valor de dicto,

categoria examinada por Fiala e Ebel ( Planque, 2010):

com o desenvolvimento da fórmula, os enunciados com valor “de

dicto” se multiplicam, e os atores do espaço público começam a

discutir sobre a própria palavra. Pode-se formular a hipótese- e foi a

este viés que me dediquei intensamente em meu estudo da fórmula

“purificação étnica”- de que a análise dessas “discussões” sobre a

própria palavra é um meio privilegiado de compreender por que e

como uma sequência verbal se torna uma fórmula. (KRIEG-

PLANQUE, DÊ ESPAÇO 2009, p.8)

3 Essa entrevista encontra-se on-line, na revista de divulgação científica na área da Linguística

Linguasagem. Disponível em:

http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao06/entrevista_akp.php. Acesso em 20/7/2011.

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Segundo a pesquisadora, essa categoria dicto tem o inconveniente de ser

rudimentar do ponto de vista da AD, por não dar conta de precisar a relação complexa

que envolve o enunciador com as palavras que usa. Busca, assim, beber em outras

fontes para pensar e refinar tal categoria segundo as suas necessidades. Recorre a

Authier-Revuz, para pensar a heterogeneidade enunciativa, a Josette Rey-Debove, para

pensar a metalinguagem e autonímia, a Catherine Fuchs, para pensar a paráfrase e a

reformulação, e a Geordes Kleiber, para pensar denominação e designação.

Krieg-Planque (2010) nos apresenta a noção de fórmula, do ponto de vista

teórico e também metodológico:

Por fórmula, designamos um conjunto de formulações que, pelo fato

de serem empregadas em um momento e em um espaço público

dados, cristalizam questões políticas e sociais que essas expressões

contribuem ao mesmo tempo, para construir. (KRIEG-PLANQUE,

2010, p.9)

A pesquisadora salienta, ainda, a importância de pensar como diversos atores

sociais organizam, por meio do discurso, relações de poder e de dominação, o que vem

legitimar o espaço público como lugar de relações de domínio, e o discurso como

principal meio para efetivar essa dominação. Essa discussão em torno das fórmulas

como estruturadoras do espaço público é apenas um dos vários olhares sobre a questão,

no entanto ela parte dessa reflexão, articulando muito bem as ciências da linguagem, as

ciências da informação e as ciências da comunicação, de um ponto de vista discursivo.

Antes de apresentar o quadro teórico e metodológico, a pesquisadora coloca que

seu trabalho, mesmo não se detendo estritamente a lexicologia, em alguma medida,

identifica-se com esse campo de saber, pois procura apreender o período temporal em

que uma palavra, um sintagma ou sequência uma verbal põe-se a funcionar no espaço

público como fórmula. Dessa maneira, a fórmula pode ser pensada como um domínio

conexo da lexicologia sociopolítica, já que se configura na noção de uso. Neste sentido,

a pesquisadora destaca alguns trabalhos nessa perspectiva, como os de Georges Matoré,

Méthode em lexicologie, Jean Dubois, Le vocabulaire politique et social en France

de 1868 à 1972, os trabalhos coletivos na França, como, por exemplo, de Dictionnaire

de sus ages socio-politiques du français sous la Révolution e Projeto dos usos

sociopolíticos, ambos desenvolvidos pelo laboratório Lexicométrie et textes politiques,

no projeto internacional de dicionário de história dos conceitos sociopolíticos e seus

usos, coordenado pelo norte-americano Melvin Richter e pelo finlandês Kari Palonen.

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Ainda nesse prisma, a pesquisadora destaca os trabalhos publicados de Alain

Rey, Marie--Franca Piguet, Maurice Tournier e aponta seu interesse por esses trabalhos

de lexicologia diacrônica, porque eles mostram como as palavras, no longo tempo de

seus usos, atravessam zonas de turbulência em que podem ser verificadas. Além disso,

cita também os trabalhos de Simone Bonnafous, Geneviève Petiot que se ocupam em

captar os instantes nos quais, de modos diversos, a “vida de uma palavra” se destaque

no debate público. Para ilustrar a tese de um poder social do discurso, de como a

palavra reflete uma questão política, menciona os estudos realizados por Pierre-André

Taguieff, Andréas Freund e Jean-Claude Milner. Das inúmeras abordagens nesse viés,

Krieg-Planque faz questão de falar sobre os estudos empreendidos por Denise Maldidier

e Jacques Guilhaumou. A pesquisa desenvolvida por ambos consiste em mostrar como o

processo de politização, por meio de uma estrutura como “dupain e X”, ou seja, a

junção de um termo do concreto social, com termos abstratos políticos, produz um

efeito de metaforização.

Do lugar que ela parte para refletir sobre as fórmulas, incorporando o

pensamento de Faye, Fiala e Ebel avança para desenvolver seu próprio quadro teórico e

metodológico: “Seguramente, tive que adaptar a categoria a meu corpus e a minha

perspectiva, que é a de uma análise do discurso ligada às outras ciências humanas e

sociais, mais do que uma linguìstica em sentido estrito” (KRIEG-PLANQUE, 2009,

p.9). Parte, assim, para pensar seu objeto por meio de suas principais propriedades, a

saber: o caráter cristalizado, o caráter discursivo da fórmula, o caráter de referente

social e o caráter polêmico. A pesquisadora assevera que tais propriedades são precisas,

mesmo que sejam fluídas, e estejam em um eterno continuum:

(...) uma fórmula é em si um objeto que se situa num continuum: uma

sequência é mais ou menos fórmula conforme preencha mais ou

menos cada uma das quatro propriedades que a caracterizam. A

categoria “fórmula” é desse ponto de vista, uma “categoria fluìda”, ou

seja, gradual, de tipo weberiano, e não uma “categoria de limites

definidos e nìtidos”, de tipo aristotélico... Digamos o óbvio: para que

uma sequência possa se caracterizar como fórmula, é preciso que ela

atenda às quatro propriedades da fórmula. (KRIEG-PLANQUE, 2010,

p.111).

Quanto à primeira propriedade, a cristalização, Krieg-Planque (2010) afirma que

a fórmula é sustentada por uma forma material significante relativamente estável, desse

modo torna-se possível identificar, por meio da história das palavras, seus usos e

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mudanças, uma espécie de recuperação da palavra em seus vários momentos, podendo

ser de grande utilidade uma aliança com o campo da Lexicologia, voltada para o estudo

de usos sociopolíticos, uma lexicologia sociopolítica. A pesquisadora nos faz um alerta

sobre as análises dos usos sociopolíticos, no sentido de mostrar que o que ela chama de

fórmula difere desta proposta, pois a fórmula está para o uso que se faz de uma

determinada palavra. O que faz com que se efetive a cristalização de uma fórmula é seu

uso, permitindo com que a fórmula passe a se tornar um lugar-

-comum, onde todos partilhem o mesmo significante.

No campo dos estudos da linguagem, a pesquisadora aponta dois modos de

cristalização, quais sejam, a cristalização da ordem estrutural e a da ordem memorial, as

duas ligadas a uma produção mútua da língua e do discurso. A primeira está para a

formalidade, pois remete a expressões cristalizadas nos termos da língua e da gramática,

sendo, portanto, recuperáveis. Por outro lado, a memorial diz respeito a enunciados ou

fragmentos que circulam em “bloco” num dado momento e que são percebidos como

formando um todo e sendo recuperável ou não. Destaca que a fórmula, por seu caráter

de cristalização, pode ser verificada em uma materialidade linguística particular e não

deve receber uma abordagem exclusivamente formalista, pois há de se considerar

também o ponto vista sociopragmático, quando existem concorrentes ao estatuto

formulaico:

Enfim, uma abordagem que não seja puramente formalista permite

localizar, quando há, as formulações concorrentes da fórmula, isto é,

sequências que podem ser estranhas à fórmula do ponto de vista

morfológico, mas que funcionam, em contexto, como alternativas

(eventualmente como alternativas conflituosas). (KRIEG-PLANQUE,

2010, p.70).

Recuperando o trabalho de Fiala e Ebel sobre as paráfrases, a pesquisadora

destaca que se as fórmulas existem também pelas paráfrases, elas não existem fora de

uma sequência cristalizada bem identificada. Portanto, por mais que circulem

estereótipos, os saberes populares e crenças, os topoi, os aforismos, enunciados

legislativos, estes não são fórmulas se não forem co-construídos por uma sequência

verbal estável e repetida.

Outro aspecto a ser considerado na análise das fórmulas é a que elas podem ter

variantes no interior de uma mesma série lexical, por isso a necessidade de não se adotar

uma atitude estritamente formal, para que possamos identificar quando há formulações

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concorrentes da fórmula. É importante colocarmos que a cristalização de determinada

fórmula só é possível devido aos usos que fazemos dela. Assim, a materialidade

linguística é o suporte que efetiva o uso que fazemos da fórmula, o que nos faz afirmar

que a primeira e a segunda propriedade determinam caráter discursivo da fórmula que,

por seu turno, determina a cristalização:

Dizer que a fórmula tem como suporte uma sequência verbal

particular, que ela se cristaliza em uma forma de língua bem

identificada, implica que o pesquisador leve em conta essa forma,

pois, se fórmula está ligada aos usos, se ela tem um caráter discursivo,

como insistimos acima, evidentemente esse discursivo se opera na

língua, com ela, por meio dela, graças a ela ou apesar dela conforme

ela soe dócil aqui, irascível ali. (KRIEGPLANQUE, 2010, p. 75).

Eis que o caráter discursivo da fórmula pode ser analisado, segundo a

professora, se estiver apoiado em corpus saturado de enunciados atestados, que seguem

uma análise metodológica muito criteriosa. Isso posto, a fórmula é, antes de tudo, uma

noção discursiva, pois existe em razão das particularidades de seu uso, no entanto com a

materialidade sígnica a lhe dar suporte.

A terceira propriedade, o caráter de referente social, a pesquisadora francesa

toma emprestado de Fiala e Ebel, pensando-o como signo conhecido por todos, mas

que, suas significações são múltiplas e, às vezes, contraditórias. Krieg-Planque adverte

sobre esse aspecto, enfatizando que a fórmula, como signo comum a todos, deve ser

atestada em diferentes gêneros do discurso e em diversos campos do saber; caso isso

não ocorra, não pode ser considerado como fórmula. Com isso, é importante que se diga

que a fórmula, como referente social, implica essa mobilidade por inúmeras

manifestações discursivas, sendo que tal travessia não é nada harmoniosa, dada às

diversas significações dela decorrente. Melhor dizendo, fórmula deve passar por

diversas formações discursivas, gerando debate no corpo social. Quanto a essa travessia,

a pesquisadora postula:

Dizer que a fórmula é um signo conhecido de todos implica também

que esse signo seja atestado em tipos variados de discurso, tanto orais

quanto escritos, especializados e leigos. Certas palavras e expressões

dos vocabulários especializados, mesmo partilhando algumas

características da fórmula (caráter polêmico e função de referente

comum, mas só no seio de uma comunidade de práticas de saber), só

são fórmulas se saem de seu domínio para invadir o corpo social.

(KRIEG-PLANQUE, 2010, p.95)

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O quarto elemento constitutivo da fórmula é a polêmica. Posto que ela seja um

referente social, esse lugar-comum torna-se aberto a polêmicas, por razões inerentes à

própria fórmula, que coloca em evidência/movência questões sociopolíticas e que, na

sua totalidade, reúne questões conflitantes de uma conjuntura da vida social e política:

As fórmulas participam do peso da história, esse peso que lastreia os

destinos individuais. É porque constitui um problema, porque põe em

jogo a existência das pessoas, porque é portadora de um valor de

descrição dos fatos políticos e sociais, que a fórmula é objeto de

polêmicas. Polemizando em torno dela, os atores-locutores não

polemizam “por nada”: eles polemizam por uma descrição do real.

(KRIEG-PLANQUE, 2010, p.100).

O caráter polêmico da fórmula acontece no nível linguístico, no plano lexical,

morfossintático, sintático etc., bem como no nível discursivo, nos usos feitos das

formulações linguísticas. Em decorrência disso, os estudos sobre esse aspecto, segundo

a estudiosa, deve voltar-se para as operações metadiscursivas, devido às questões que

afetam a fórmula aparecer na superfície dos enunciados, fazendo-se necessário um

“remendo” sobre o que foi dito.

Na última parte de sua obra, Krieg-Planque (2010) discute a escolha do termo

“fórmula”, mostrando que o termo chega ao discurso cientìfico, inevitavelmente, com

significados que assume em outros lugares, nos campos: jurídico, religioso, matemático,

jornalístico, entre outros. Transitando por diversas áreas e assumindo diversos

conceitos, a pesquisadora utiliza-se dessas multiplicidades de noções e desenha seu

quadro teórico-metodológico a partir das propriedades predominantes da fórmula

(cristalização, dimensão discursiva, referente social e polêmica). A partir das

formulações de Fiala e Ebel sobre a fórmula como referente social, ela utiliza tal

conceito, fazendo um deslocamento ao articulá-lo a noção de “espaço público”, e de seu

princípio constitutivo, a publicidade; ou seja, segundo a pesquisadora, a fórmula, ao se

constituir como referente social, precisa ser posta em circulação no espaço público por

meio de uma publicização, e isso se dá, em grande medida, pela imprensa, pelo rádio,

pela televisão generalistas. Mostra, assim, que a mídia desempenha papel importante na

criação e na circulação das fórmulas, pois, ao circularem e serem comuns a todos, num

dado momento, as fórmulas “criam” o espaço público:

Desde os anos de 1950-1960, nas sociedades democráticas europeias,

o princípio da publicização por muito tempo foi garantido

principalmente por meio das grandes mídias- imprensa, rádio e

televisão; estes são os principais meios pelos quais os atores acedem

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ao espaço público... Nós queremos simplesmente dizer que essas

foram e serão ainda, por algum tempo, o lugar central do

compartilhamento das opiniões e decisões: elas são o lugar ao qual se

deve chegar, de uma maneira ou de outra, para dar a maior

publicização possível a uma fala ou a um conteúdo de fala.

(PLANQUE, 2010, p.115).

Ainda sobre esse aspecto, ela assevera que as mídias exercem papel de

dominação e poder do espaço público, apoiando-se em Gérard Leblanc (KRIEG-

PLANQUE, 2010) que proclama o advento da midiocracia, dando à mídia o poder de

gerir as leis e o mundo. E, para que esse poder de dominação possa se concretizar, os

atores/escritores que estão encarregados de promover tal poderio precisam estar

inseridos em uma prática de “espiral de silêncio”, conforme Elisabeth Noëlle-Neuman

(KRIEG-PLANQUE, 2010). O quadro que a pesquisadora nos coloca é da mídia

enquanto instituição que didatiza o modo de agir e de pensar da sociedade, como

detentora de um saber que se mostra inquestionável e inviolável.

Sendo assim, o que precisa ser analisado conforme a pesquisadora é como o

discurso político foi e está sendo narrativizado, e como esta narrativa cria e modela o

espaço público, para que se presentifique e perpetue práticas de dominação efetuadas

através do discurso:

Para além desses pontos de vista, é ainda o caráter atuante dos

discursos políticos e da construção de uma narrativa deles que

gostaríamos de sublinhar, para encerrar. È assim que retomamos a tese

exposta na introdução, segundo a qual as fórmulas participam, nas

complexas relações de dominação que os discursos organizam, de um

processo de aceitabilidade. (KRIEG-PLANQUE, 2010, p.122).

A proposta de trabalho desenvolvida por Krieg-Planque, aliando as ciências da

linguagem com as ciências da informação e da comunicação, num viés discursivo, da

comunicação à análise das fórmulas, segundo ela, é um campo fértil para pesquisas,

principalmente quando se pensa a comunicação nessa inter-relação com outros campos

de saberes que podem fornecer diversos subsídios, como, por exemplo, os de apreensão

linguística. A própria autora nos diz (KRIEG-

-PLANQUE, 2009, p.1): “conjunto de saberes e habilidades relativos à antecipação de

práticas de retomada, de transformação e de reformulação de enunciados e seus

conteúdos”. Neste sentido, sua concepção de discurso é a de conjunto de práticas que

são ao mesmo tempo o instrumento e o lugar de divisões e junções que fundam o espaço

público. Em nosso caso em particular, nossa proposta objetiva mostrar como a

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colocação em narrativa, por diferentes vozes, põe a funcionar a fórmula, isto é, como a

mìdia, ao pôr em circulação a fórmula “desenvolvimento sustentável”, por distintos

atores, de formações discursivas múltiplas, organiza e por assim dizer modela o espaço

público.

1.6 A narrativa do acontec imento em Jacques Guilhaumou

Jacques Guilhaumou é um dos expoentes no campo da AD. Além de ter estado

presente nos primeiros círculos de discussão da AD, ainda nos tempos de Michel

Pêcheux, juntamente com Jean-Jacques Courtine, Jean-Marie Marandin, trouxeram

alguns conceitos foucaultianos que se tornaram bastante produtivo no escopo de estudos

da Análise do Discurso, como, por exemplo, os conceitos de arquivo e acontecimento.

Seus trabalhos, a partir da década de 1970, voltam-se para a Análise do Discurso

conjuntamente com as pesquisas históricas. Em companhia de outros grandes nomes,

como Régine Robin e Denise Maldidier, desenvolve trabalhos no interior da relação

entre língua e história, focalizando os efeitos de sentido da materialidade da língua na

discursividade de arquivo:

A análise de discurso em historia só é, pois, delimitada e produzida,

tempo do acontecimento configurado por enunciadosatestados, no

seio de uma operação intelectual fortemente abstrata, devido ao

reconhecimento da própria reflexividade do discurso dos membros de

uma dada sociedade, mas puramente local em sua ligação com as

redes interconectadas das crenças dos indivíduos e dos saberes dos

pesquisadores. Ela não é, então, jamais associável a regras racionais,

generalizáveis a partir da existência, fortemente contestável a bem da

verdade, de uma faculdade universal apropriada para operar o

reconhecimento dos dados coletados. (GUILHAUMOU, 2009, p.46)

Guilhaumou (2009), em contato com o questionamento semiótico em Santo

Agostinho, na reflexão sobre a necessidade de nomear as coisas, formula assim sua

problemática a partir de um questionamento hipotético: O que é que nos faz falar? O

que é essa alguma coisa que constitui um sujeito apropriado pelo pensamento e pelo

discurso, portanto um sujeito falante, e que nos permite produzir signos e efeitos de

discurso? Posto isso, ressalta também a importância de se manter lado a lado, História e

Linguística, para pensar em termos de teoria discursiva. Desenha assim, o seu trajeto a

partir de uma posição de historiador-linguista, para compreender a história linguageira

dos conceitos e a história dos acontecimentos linguísticos.

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O pesquisador propõe então uma abordagem do acontecimento em AD que

contemple o caráter linguístico, pragmático e narrativo. O acontecimento é examinado,

então, numa ordem racional, que parte do acontecimento linguístico ao acontecimento

discursivo e, deste, à narrativa do acontecimento. Para proceder seu trabalho, emprega a

via da síntese:

Ao adotar uma postura hermenêutica, o historiador linguista mudou de

terreno. Ele não busca mais um sentido oculto explicável por categoria

historiográficas em um jogo de formas linguageiras, ele se esforça,

sobretudo, para restituir a observabilidade prática dos atores por

argumentos que lhes são próprios. Ele deve, em um dado momento,

proceder a um trabalho de generalização. Assim, ele opera uma síntese

a partir de uma tematização das categorias atestadas no arquivo. Ele

valoriza os argumentos com forte valor explicativo, invocados pelos

atores do acontecimento. (GUILHAUMOU, 2009, p.34)

O acontecimento linguístico, para o pesquisador, está relacionado aos problemas

de gradação do concreto ao abstrato, da norma referencial da língua, da tipificação

histórica de sujeitos e de objetos cognitivos etc. Por sua vez, o acontecimento discursivo

é considerado na perspectiva posta por Focault, em Arqueologia do saber, i.e., a

simples inscrição do que é dito como elemento atestado do enunciado. Guilhaumou

avança a perspectiva aberta por Foucault para o plano do universo dos enunciados

atestados numa dispersão arquivista, pensando o arquivo não como amontoado de

documentos a serem descritos e fechados, mas o olhar arquivista como algo que

participa de um gesto de leitura:

Saímos do mundo dos nomes e de seus referentes para entrar no

universo da reflexividade do discurso, dos recursos próprios dos

sujeitos da enunciação implicados no acontecimento. Interessamo-nos,

prioritariamente, pelos sujeitos, objetos e conceitos assim como por

funções derivadas do enunciado... o arquivo não é um simples

material de onde se extraem fatos de maneira referencial; ele participa

sobretudo de um gesto de leitura no qual se atualizam as

configurações significantes, os dispositivos de significações de

enunciados atestados. Aliás, o arquivo de uma época não é nunca

descritível na sua totalidade, ele se dá a ler por fragmentos: sua

descrição é sempre aberta, ainda que a frase historiográfica se esforce

em fechá-lo. (GUILHAUMOU, 2009, p.125)

O acontecimento linguístico se inscreve numa perspectiva referencial, o mundo

dos nomes, onde o sujeito já está constituído, é um sujeito cognitivo. Por sua vez, o

acontecimento discursivo coloca em evidência um sujeito da enunciação

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ator/espectador, põe-se em destaque no acontecimento discursivo a reflexividade da

linguagem, produzindo, ela mesma, seus próprios recursos interpretativos:

Do acontecimento linguístico ao acontecimento discursivo passamos,

então, da localização referencial dessa alguma coisa/ alguém produtor

de sentido pelo qual o acontecimento se produz, para aquele que é

produzido no acontecimento em consequência da multiplicidade e

heterogeneidade de enunciados e de suas funções específicas

(sujeito/objeto/conceito). A dinâmica referencial instala as regras

“vazias”, no sentido que ela não fornece um conteúdo prévio, mas sim

explícito, pela mediação de sujeitos cognitivos, os princípios de

aplicação da regra, sua dimensão reguladora na ordem dos possíveis.

Por seu turno, o processo discursivo descrito no interior de uma

multiplicidade de enunciados instaura lugares “vazios” em pontos

singulares, portanto não previamente localizados, razão pela qual

chega a funcionar por um momento como sujeito, objeto ou conceito.

(GUILHAUMOU, 2009, p.130).

Sobre isso, Guilhaumou assevera ainda:

Com o acontecimento discursivo, deixamos por um tempo “as linhas

de segmentações duras” desse continuum para entrar num espaço de

linhas menos visíveis, que atravessam, de algum modo, blocos de

realidade por todo tipo de desvio. Cruzamos, assim, o limiar

discursivo: fala-se doravante, em criatividade do agir, em emergência

de transformações sem preexistência alguma. O que é determinante no

nível dos possíveis, o referente linguístico, não é senão regulador no

nível do concreto discursivo. A reflexividade da linguagem, isso é, sua

capacidade para produzir, ela mesma, seus recursos interpretativos,

constitui o próprio do acontecimento discursivo.”

(GUILHAUMOU,2009, p.131)

Guilhaumou aborda o acontecimento discursivo não como encadeamento causal

a uma ocorrência que o precede, destacando também que uma situação histórica não

gera necessariamente um acontecimento, pois o caráter do acontecimento é ser

singularizável e em movimento aberto à interpretação. Traz ainda a descrição de

uma intriga no interior de um trajeto temático, que consiste em evidenciar que estamos

inseridos em múltiplas redes de enunciados e que, estes, encontram-se articulados

cronologicamente. O acontecimento é visto assim como ato ao mesmo tempo

constituinte e de configuração em torno de atos que constroem e classificam. Estes

enunciados acabam produzindo argumentos e julgamentos, pois estão configurados em

torno de determinado trajeto temático polêmico que acaba por estruturar o espaço

público.

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Como colocado por Guilhaumou, é preciso avançar do sujeito cognitivo, por

quem o acontecimento se produz e também do sujeito irrompido na enunciação do

acontecimento, do protagonista ao porta-voz, para um sujeito histórico e portador de

emancipação, que busca autonomia. Conforme o teórico, para que se proceda tal

perspectiva, uma das maneiras é pensar a narrativa do acontecimento:

Na realidade, a efetividade da narrativa do acontecimento, mais

especificamente da ação que descreve, é ainda maior quando ela

revela a vontade de independência de um sujeito, em geral coletivo e

tornado aquele que age no inteior da narração .... Certamente estamos

já distantes desse alguém que permite ao sentido chegar ao

acontecimento linguístico, e até mesmo do universo autoconstituído

desse aquilo que ocorreu no interior do acontecimento discursivo, mas

estamos, ainda assim, prontos para conceber que a intriga vinda das

profundezas dos tempos termina pela presença de um sujeito

emancipado que dispõe plenamente de sua inteligência narrativa.

(GUILHAUMOU, 2009, p. 137)

Ao falar sobre a narrativa do acontecimento, Guilhaumou inicia com uma

questão: De que maneira o acontecimento emana do agir humano e de suas

possibilidades ocorridas ou a ocorrer? Discorre sobre a questão colocando um olhar

prospectivista de uma humanidade em transformação quanto à parte de emancipação do

passado. Centra-se, no entanto, na discussão da narrativa do acontecimento como

definidora do futuro próximo de cada geração passada, o futuro passado. A narrativa do

acontecimento tem, assim, um olhar que permite investigar “as experiências vividas e as

expectativas dos homens atuantes e sofredores, a tematização do tempo histórico em

adequação com ele mesmo introduz a transformação no curso das ações humanas.”

Guilhaumou, 2009, p.135). Diferentemente do acontecimento histórico, ou antes,

historiográfico, apreendido no interior de seu estado de coisas, o acontecimento narrado

é, de início, pura transformação, mais precisamente experimentação do pensamento na

atualidade, isso é, naquilo que estamos nos transformando, nosso tornar-nos outro

(Guilhaumou, 2009, p.135). A atenção desloca-se sobre quem está lá onde o sujeito

narrador torna-se sua própria ampliação, atinge sua perfeição estabelecendo elos,

recusando qualquer experiência separada.

O pesquisador também destaca o pensamento da filósofa Hannah Arendt (1974)

que apresenta figuras antes de tudo marginais no contexto de sua época e que

manifestam, entretanto, um sentido inédito de futuro, entre elas Rosa Luxemburgo,

Bertold Brecht, Walter Benjamin. Com o pensamento da filósofa, Guilhaumou nos

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mostra que o sentido chega à plenitude apenas na narração de vida e em seu interior a

narrativa do acontecimento. A narrativa biográfica consiste em tornar a história

verdadeira para além do tempo empiricamente definido, assim a questão não é mais o

que sou eu, o que é esse algo e/ou alguém que dá sentido à minha vida, mas quem sou

eu quando minha vida, considerada inclusive após a minha morte, constrói sua

identidade em contato com a existência plural de mim mesmo e dos outros.

A narrativa do acontecimento é, como já mencionado, prospectiva, apreendida

nas formas da ação, ou seja, em julgamentos universalizáveis dos atos da vida de cada

um para a associação aos outros, define, assim, as formas singulares dessas ações e sua

dimensão universalizante.

Quanto ao objetivo da narrativa do acontecimento, pode-se dizer que é duplo. O

primeiro ponto de vista, é no campo metodológico: a análise de uma narrativa se conclui

por uma pesquisa de novas perspectivas com o olhar cruzado dos outros, apoia-se sobre

uma interrogação plural em que cada ator ou espectador contribui para a elucidação da

relação entre acontecimento e identidades políticas, temáticas sociais, diversos regimes

de historicidade, e pluralidade dos espaços emergentes etc.

Já de um ponto de vista ontológico, a dimensão “verdadeira” não remete deveras

a uma essência da atividade humana, isto é, não induz à investigação de um

fundamento, mas evoca o eterno recomeço da experiência humana, sua aptidão para

estabelecer as últimas balizas de um caminho que leva a emancipação.

Por último, mas não menos importante e também para dar efeito de fim a este

tópico, pode--se considerar que a narrativa do acontecimento é, pela visada de

Guilhaumou, uma reflexão sobre “a produção do relato coletivo” (2009, p.1.400). Além

do mais, trata-se de considerar um percurso acontecimental, levando em consideração,

ao mesmo tempo, sua lógica sequencial e sua dimensão configuradora.

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Capítulo II

2. Desenvolvimento sustentável: palavra do dia

Secours! Socoro! Help! Socorro! Este é o grito que se ouve aos quatro cantos

do planeta. Um clamor por uma sociedade em que todos querem o sustentável e as

diversas formas de agir e produzir com sustentabilidade. Atualmente, mais do que em

qualquer tempo moderno, a palavra do dia é “desenvolvimento sustentável” ou

simplesmente “sustentabilidade”. É só ligar a televisão e lá estarão as expressões

“desenvolvimento sustentável” / “sustentabilidade”, em diversos programas. Abra um

jornal e lá estarão elas. Vá ao supermercado e, lá, novamente, elas se farão presentes

nos outdoors, embalagens, propagandas, enfim. As expressões são vistas e ouvidas

incessantemente em todos os domínios das atividades humanas. A invasão se faz

presente em discursos ímpares, de chefes de Estados a donas de casa. Apenas a título de

exemplo, no último dia 8 de julho de 2010, o planeta todo pode acompanhar o discurso

de solenidade de lançamento da logomarca oficial da copa de 2014, que será disputada

no Brasil. Nesta cerimônia, o então presidente da República Federativa do Brasil, Luiz

Inácio Lula da Silva, em Johannesburgo, África, destacou em sua fala que a

sustentabilidade ambiental é uma das principais prioridades do evento mundial que será

realizado em solo brasileiro: “Faremos também uma Copa verde, como nossas florestas.

A sustentabilidade ambiental será uma das marcas da copa.”4

Como podemos ver, a questão perpassa lugares e discursos heterogêneos, eis o

porquê de surgirem também algumas indagações: será que todos realmente sabem o

sentido de desenvolvimento sustentável? Este sentido é acessível a todas as práticas

sociais? Em que espaço surgiu essa questão? Tais questionamentos nos vêm devido ao

fato de acreditarmos que seu surgimento se deu em solos científicos e, por ser assim,

seu sentido ainda é restrito a poucos, ou seja, pensar sustentabilidade pode não ter o

mesmo reflexo para os cidadãos comuns que realmente vivem a sustentabilidade sem

4 Matéria completa disponível em:

<http://moglobo.globo.com/integra.asp?txtUrl=/esportes/copa2010/mat/2010/07/08/lula-no-lancamento-

da-logomarca-de-2014-preparacao-da-copa-tera-transparencia-917098122.asp>. Acesso em 8/7/2010.

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pensar seus reais fatos práticos e efeitos de sentido, bem como no sintagma formulaico

propriamente dito. Com isso, colocamos que o signo não é comum a todas as pessoas,

pois, etimologicamente, elas, no mais das vezes, nem mesmo nomearam o que praticam

há tempos, embora, muitas vezes, tenham práticas sociais que sejam sustentáveis.

Numa busca rápida em apenas um site, é possível encontrar mais de que 354.000

ocorrências do sintagma “sustentabilidade”. Dada à proliferação cada vez mais

frequente do uso da fórmula, far-se-á necessário trazer o significado da expressão

conforme o encontramos no dicionário primeiramente. No dicionário Aurélio, tem-se:

Desenvolvimento – s.m.(substantivo masculino), ampliação; progresso; crescimento.

Sustentável – adj. 2 gên. (adjetivo de dois gêneros), que se pode sustentar.

Assim, feita a apresentação do termo, como consta do dicionário, como já

evidenciamos e acreditamos que há o sentido dicionarizado, mas há outros que estão

sendo postos em circulação, uma vez que, conforme Petiot (Krieg- Planque, p.26)

ocorre a “evaporação da significação”. Devido ao seu emprego abundante, o sintagma

se dilui numa polissemia generalizada, sem, no entanto, explodir em homônimos.

A primeira utilização da palavra sustentabilidade se dá ainda no século XVIII,

mais precisamente em 1713, no livro Silvicultura econômica, de Hans Carl von

Carlowitz, engenheiro florestal alemão que trabalhava como inspetor geral de

mineração do estado da Saxônia, região esta que tinha sido alvo de devastação devido à

exploração de minas de prata. Carlowitz publica seu livro sugerindo o manejo florestal

sustentável para que pudesse garantir estoque de madeira para as gerações futuras. O

engenheiro florestal acreditava que os homens deveriam respeitar o limite de

recuperação da floresta e o crescimento das árvores, conforme o ritmo de cada uma e,

mais, propunha o replantio de espécies nativas e a substituição de madeiras por recursos

alternativos.

Na década de 1960, outra palavra começou a mudar de significado:

desenvolvimento. Desenvolvimento não poderia ser sinônimo apenas de crescimento

econômico. Cientistas, diplomatas e economistas, reuniram-se na Itália para discutir a

relação entre recursos naturais e desenvolvimento. O grupo ficou conhecido como

Clube de Roma, que já em 1972 alertaram que o uso irracional dos recursos naturais

estava falido.

Em “Cuidando do Planeta Terra” (Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),

1997, p.172) a palavra sustentável é empregada com distintas combinações:

desenvolvimento sustentável, economia sustentável, sociedade sustentável e uso

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sustentável. Já a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento definiu

desenvolvimento sustentável como o “desenvolvimento que satisfaz às necessidades

presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias

necessidades” (PCNs, 1997, p. 171). Pinheiro (2009) coloca que há uma contradição

generalizada na própria expressão:

desde seu surgimento a expressão “desenvolvimento sustentável”

como sinônimo de sustentabilidade, sofreu críticas por causa da

contradição que se verificava nos próprios termos da expressão. Isso

porque a categoria “desenvolvimento” é tirada da economia realmente

existente que é a capitalista, ordenada pelos mercados hoje

mundialmente articulados. Ela possui uma lógica interna findada na

exploração sistemática e ilimitada de todos os recursos da terra para

atingir três objetivos fundamentais; aumentar a produção, o consumo e

produzir riqueza (PINHEIRO, 2009, p.20).

Além de desenvolvimento sustentável, outras expressões foram sendo

construídas e empregadas como se fossem equivalentes semanticamente. São elas:

crescimento sustentável, uso sustentável, desenvolvimento sustentável, sociedade

sustentável, economia sustentável. O primeiro é uma contradição em si mesmo, pois

nenhum elemento físico cresce indefinidamente; uso sustentável aplica-se somente a

recursos renováveis; desenvolvimento sustentável visa melhorar a qualidade de vida

humana dentro dos limites da capacidade dos ecossistemas; uma economia sustentável é

produto de um desenvolvimento sustentável, que mantém sua base de recursos naturais

e por último uma sociedade sustentável vive em harmonia com nove princípios básicos,

conforme o documento Cuidando do Planeta Terra: uma estratégia para o futuro da

vida (1991, p.10):

1. Respeitar e cuidar da comunidade dos seres vivos.

2. Melhorar a qualidade da vida humana.

3. Conservar a vitalidade e a diversidade do planeta Terra.

4. Minimizar o esgotamento de recursos não renováveis.

5. Permanecer nos limites da capacidade de suporte do planeta Terra.

6. Modificar atitudes e práticas pessoais.

7. Permitir que as comunidades cuidem de seu próprio meio ambiente.

8. Gerar uma estrutura nacional para a integração de desenvolvimento e

conservação.

9. Constituir uma aliança global.

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2.1. Primeiros passos

Há muito tempo o meio ambiente vem mostrando sinais de alerta aos homens.

Desde que nos apoderamos e nos fixamos na Terra, passamos a utilizar e explorar de forma

desenfreada os recursos naturais de acordo com as nossas necessidades de subsistência.

Essa mecânica se dá de tal forma que, nos dias atuais, não nos restringimos apenas a isso.

Somos altamente direcionados a um consumismo sem controle, não observando quais os

reflexos disso ao ambiente.

O processo de industrialização, ocorrido na Inglaterra, no final do século XVIII, foi

um dos carros-chefes dessa problemática, pois novos processos produtivos foram sendo

criados, tendo sempre como real objetivo grande quantidade e melhor qualidade dos

produtos, visando à lucratividade. Na época, os efeitos não foram sentidos, dada a grandes

extensões territoriais ainda inexploradas. Quanto mais se produzia, mais se explorava. Para

dar conta do fenômeno viu-se surgir cada dia mais e mais indústrias para abastecer o

mercado, não tendo nem uma preocupação com as questões naturais:

Devido ao crescimento das populações e das necessidades de

consumo, as indústrias cresceram consideravelmente em número,

áreas de atuação e variedade de produto. Entretanto, a disciplina e a

preocupação com o meio ambiente natural não se fizeram presentes

durante muitos anos, tendo como resultado problemas ambientais de

grandes dimensões como, por exemplo, a abertura existente na

camada de ozônio. (PAIVA, 2003, p.9)

Paiva afirma ainda que os países de Primeiro Mundo, depois de terem degradado

praticamente todo o seu meio ambiente, começaram um processo de conscientização

para a necessidade de controlar os processos de industrialização, assim como recuperar

o ambiente degradado, passando a atuar no controle sobre os processos produtivos e

suas emissões de resíduos. Destaca ainda que o esforço de entidades mundiais como a

Organizações das Nações Unidas – ONU – e do Banco Mundial é de extrema relevância

para o acompanhamento legal e na elaboração de regras a serem adotadas.

Como podemos ver, a preocupação com o ambiente e a consciência ecológica é

algo que começa a se fazer presente há muito tempo. Desde o século XIX, conforme

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Silva (1978, p.232), os filósofos (principalmente os orientais), alguns cristãos e muitos

cientistas e pensadores em suas épocas alertavam sobre a importância do respeito à

natureza. Mas podemos dizer que é no final dos anos de 1960 que se inicia uma

preocupação generalizada sobre as questões ambientais, dado ao crescimento em grande

escala da produção industrial e o crescimento da população mundial.

Em 1962, é lançado o livro Primavera Silenciosa, da jornalista norte-americana

Rachel Carson, chamando a atenção para os problemas relativos à interferência do ser

humano no ambiente. A obra foi o primeiro manifesto contra a devastação química

causada pelos poluentes e agrotóxicos. Desde que o mundo começou a se dar conta de

que os recursos naturais podem ser finitos, percebeu-se quanto à conservação é

necessária, e a educação passou a desempenhar uma função fundamental para a

promoção do desenvolvimento sustentável e de uma efetiva participação na tomada de

decisões. Em 1965, surge pela primeira vez no espaço educacional, na Conferência de

Educação da Universidade de Keele, na Inglaterra, o termo “educação ambiental”.

2.2. A fórmula “desenvolvimento sustentável” na mídia: um olhar discursivo

Durante o século XX, com desenvolvimento do capitalismo liberal, o mundo

viveu uma época de esperança, de desenvolvimento técnico e crescimento econômico,

que desencadeou o sentimento de unificação global. Todavia, o que se verifica é cada

vez mais oposto: um mundo com nações inteiras que vivem abaixo da linha de pobreza,

a poluição, a insatisfação do sistema consumista que leva ao abuso de drogas e aumento

da violência etc. Enfim, um mundo em que se que se constroem diariamente mais

diferenças e indiferenças às pessoas e ao meio onde se vive do que elementos de bem-

estar e agregação humanitária.

Em 1945, depois do advento da bomba atômica, o mundo vivenciou o medo e a

preocupação, percebendo o quão destrutivo o próprio homem pode ser. Desde então, os

limites e os riscos são implicitamente traçados, e o homem vem se dando conta de

quanto (não) evoluiu. O sonho de um mundo economicamente desenvolvido e integrado

não se cumpriu, pois o que o desenvolvimento econômico mais promoveu foi à

desigualdade. A preocupação com o meio ambiente, mesmo que um tanto quanto tardia,

vem dessa forma tentar rebater o pessimismo e relembrar que somos (ainda) animais

racionais.

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A partir deste momento, em nossa dissertação, faremos um panorama histórico

sobre as formalizações em torno da preocupação ambiental internacionalmente e como

tais preocupações formaram uma linha de pensamento até a criação do termo

“desenvolvimento sustentável”, que aqui abordado.

Na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano (CNUMA,

1972) é iniciada formalmente uma discussão da relação meio ambiente e

desenvolvimento, procurando buscar uma conciliação entre o ecologismo intransigente,

que até então refletia de forma isolada os impactos no sistema ecológico, e a

economicidade, de visão restrita que pretendia somente o desenvolvimento econômico e

o engrandecimento das sociedades neste sentido.

Tanto o Relatório Founex (também desenvolvido em 1972, como base para a

CNUMA), como a Declaração de Estocolmo (1972) ou a Declaração de Cocoyoc

(1974), produtos formais da convergência da reflexão acerca do assunto demonstram a

preocupação com o meio ambiente em relação ao modelo de desenvolvimento

econômico, visualizando que se torna necessário um tipo de desenvolvimento

consciente, o que desencadeia o surgimento do termo ecodesenvolvimento, ou como

será chamado e cristalizado pelos anglo-saxões como desenvolvimento sustentável.

A discussão que surgiu, em torno da preocupação com formas alternativas e

diferenciadas maneiras de se desenvolver tomou forma no Relatório de Bruntland

(1987), que, em linhas gerais, defendia mais desenvolvimento econômico para assim ser

transmutado em financiamento das propostas de preservação. Estas preocupações

formalizadas em relatórios desembocaram posteriormente na Conferência das Nações

Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) ou ECO-92 como ficou

conhecida.

O termo “desenvolvimento sustentável” aparece formalmente pela primeira vez

no Relatório de Bruntland como reflexo direto da preocupação que se via crescer por

meio dos vários encontros internacionais sobre o assunto. Neste Relatório, a expressão é

assim definida:

O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração

actual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de

satisfazerem as suas próprias necessidades, significa possibilitar que

as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de

desenvolvimento social e económico e de realização humana e

cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da

terra e preservando as espécies e os habitats naturais.

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A partir de então, verificamos o aumento da circulação do assunto que será

denominado a partir de então como desenvolvimento sustentável, ou seja, o que até o

momento era designado como o desenvolvimento que pensa nas gerações futuras e nos

recursos naturais utilizados no pressente. Segundo Becker:

o marco deste conceito é o Relatório de Bruntland de 1987 que propõe

o desenvolvimento sustentável como um processo de mudança onde a

exploração de recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do

desenvolvimento ecológico e a mudança institucional se harmonizam

e estão de acordo com as necessidades das gerações atuais e futuras.”

(BURSZTYN, 1994, p. 130)

Outro reflexo direto do termo é o próprio nome da Conferência que, ao longo de

vinte anos, sofreu uma mudança com o acréscimo do termo desenvolvimento ao nome

(de Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente para Conferência das Nações

Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento), reflexo direto da compreensão de

que esses dois conceitos são faces da mesma moeda, entendendo-se, assim, que se o

meio ambiente está em perigo, em igual situação se encontra o desenvolvimento

econômico.

Essa compreensão mais ampla sobre o caráter complementar entre ecologia e

desenvolvimento só foi possível devido aos estudos desenvolvidos durante a década de

1970 e 1980, nos quais o entendimento do próprio funcionamento da biosfera tornou-se

mais claro, surgindo preocupações principalmente com o aquecimento global.

Tais pesquisas resultaram positivamente na elaboração de ministérios próprios

para o assunto em grande parte dos países, contribuindo, assim, para a

institucionalização dessa preocupação, um passo importante num mundo totalmente

burocratizado. Paradoxalmente, pois se trata do símbolo do desenvolvimento

tecnológico e econômico no mundo, o primeiro país a perceber a necessidade de

intervenção do setor público no assunto foi os Estados Unidos, ainda na década de

1960.

Não podemos nos esquecer de que no interior desse amadurecimento da reflexão

sobre o meio ambiente, estamos nós, sociedade civil, que tem/desempenha papel

fundamental na mudança de postura em relação ao ambiente no qual vivemos e na

forma político-social na qual estamos inseridos, preocupação que nas décadas de 1970

e 1980 tornaram-se mais latentes.

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A ECO-92 foi sem dúvida o ponto de convergência entre as diversas correntes

que se desenvolveram em torno do assunto ao longo desses vinte anos. Compreende-se,

assim, que os países desenvolvidos e os em desenvolvimento chegaram a Conferência

com visões diferentes e amadurecidas, pois se verifica um processo de desenvolvimento

diferenciado entre elas.

Apesar de esses dois grupos assumirem, na ocasião, que realmente existe uma

ligação direta entre meio ambiente e desenvolvimento, os países mais desenvolvidos

defenderam uma responsabilidade compartilhada, enquanto os em desenvolvimento

eram contra qualquer tipo de imposição, pois isso acarretaria diminuição em seu

desenvolvimento próprio, aumentando a distância atual existente entre ambos.

O mais curioso e triste é verificarmos que o mesmo tipo de preocupação já se

fazia presente na década de 1970, mais precisamente em 1992, quando se estava sem

solução ou reflexão mais adiantada, pois como descrito abaixo na epígrafe da

Conferência de Estocolmo de 1972, a afirmação feita pelo secretário-geral da

Organização das Nações Unidas, U Thant, verificamos que as preocupações

permanecem as mesmas e ainda hoje, depois da Rio+10 e outros encontros

internacionais sobre o assunto, a sociedade ainda não possui nada concreto em relação à

preservação ambiental, muito menos uma reflexão amadurecida relacionada ao

desenvolvimento.

Não quero parecer demasiado dramático, mas pelas informações

disponíveis [...] temos apenas dez anos para promover uma parceria

global que supere a corrida armamentista, que melhore o meio

ambiente humano, que freie a explosão populacional e que crie uma

oportunidade necessária aos esforços de desenvolvimento. Se tal

parceria não for forjada na próxima década, então eu temo muito que

os problemas que mencionei terão alcançado proporções tão

alarmantes que estarão além da nossa capacidade de controle.(U

Thaut, 1972)

Percebemos, portanto que a reflexão sobre o meio ambiente faz parte do

pensamento do mundo atual, pois anteriormente o modelo do sistema econômico e

social supria as necessidades e conseguia velar a real base que o sustentava, deixando,

aqueles que nele estão inseridos, indiferentes a qualquer pensamento que abranja a

questão social de uma forma crítica.

Desde o início da discussão sobre preservação ambiental, a ideia geral dos

princípios de um tipo de desenvolvimento sustentável havia sido colocada em pauta,

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porém, inicialmente, tomou outras formas linguísticas, como, por exemplo, o

ecodesenvolvimento, que segundo Ignacy Sachs, seu teorizador, em entrevista à revista

Veja, de 2 de agosto de 1978, é definido como uma forma de desenvolvimento que está

no intermédio do “economismo com soluções predatórias e do ecologismo que sacrifica

o homem para preservar a natureza”.

Em linhas gerais, essa ideia se assemelha ao que, posteriormente, seria

denominado desenvolvimento sustentável, pois, assim como o ecodesenvolvimento,

aquele visa também à preservação ambiental, em conjunto com o desenvolvimento

econômico consciente.

No entanto, se observarmos a construção linguística de um termo e de outro

(ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável) percebemos, sutilmente, a ênfase

ideológica e teórica que cada um deles carrega.

O primeiro termo, por trazer o elemento de composição eco que deriva do grego

oikos (casa), significando assim um designativo de ambiente, meio: ecologia, e depois o

sintagma nominal desenvolvimento significando assim progresso, ampliação,

crescimento; colocando esses elementos (eco + desenvolvimento) em conjunto, temos a

ideia de ênfase maior na ecologia, no meio ambiente, expressando, dessa forma, a ideia

de um desenvolvimento não só econômico, mas também da consciência ecológica do

cuidar de nossa “casa” (planeta Terra) como um todo.

O segundo termo traz o sintagma nominal desenvolvimento, anteriormente

definido como ampliação, crescimento e, em sequência, o adjetivo denominal

sustentável, que remete a ideia daquilo que se pode sustentar. Essa construção

linguística enfatiza a ideia do desenvolvimento ligado ao desenvolvimento econômico e

somente depois de se pensar o desenvolvimento pensar-

-se-á a questão da sustentabilidade ecológica e ambiental.

O termo ecodesenvolvimento surge na mídia brasileira em 1978, na época em

que somente os vanguardistas, como Ignacy Sachs, tinham ambições de refletir com

maior profundidade a questão ambiental em relação com o desenvolvimento econômico

baseado nos moldes capitalistas. Em 1991, a mídia brasileira em geral, através de

diferentes meios de publicização, trouxe o termo desenvolvimento sustentável e isso se

deveu diretamente ao fato de que em 1992 ocorria a ECO-92, conferência internacional,

em que a pauta principal foi a questão ambiental, com foco no desenvolvimento

sustentável, evento este que tomou forma na cidade do Rio de Janeiro.

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Desde então, o termo desenvolvimento sustentável ganhou popularidade na

mídia brasileira, tendo destaques em edições especiais, tomando a forma em diversos

gêneros e ganhando, assim, cada vez maior espaço de circulação e de discussão. No

jornal A Gazeta, nosso material de análise, por exemplo, podemos encontrar o termo

sendo utilizado em nossos corporas diversas vezes nas edições de 2003 até 2010. No

site de buscas Google o número de ocorrências não para de crescer, passando hoje da

marca das 2.000.000 ocorrências.

Tais dados são exemplos de como o termo “desenvolvimento sustentável” se

encaixa na teorização de Krieg-Planque sobre fórmulas, ou seja, uma palavra ou

conjunto de palavras que em dado momento histórico passa a circular irrestritamente

nos mais diversos meios de comunicação, sendo confrontada com a sociedade, que, em

algum momento, se verá em posição de argumentação e será assim requisitada, a tomar

uma posição em relação a ela.

Veremos como o termo em questão se encaixa na teorização feita por Krieg-

Planque, pois, desde seu surgimento, o sintagma se coloca como referente social,

gerando sempre muita polêmica, na qual diversos gêneros textuais trazem à tona a

questão econômica relacionada à questão ambiental que é corporificada na fórmula

desenvolvimento sustentável.

A circulação e a tomada de posições em relação a ela refletem-se nas inúmeras

ocorrências da fórmula na mídia, não só em nosso corpus, mas em outros diversos

veículos de comunicação que trazem a fórmula com certa polêmica, gerando, com isso,

as diversas interpretações e significações, o que, por sua vez, fornece grande suporte

analítico para esta e outras pesquisas inseridas na Análise do Discurso.

2.3. Cenário da problemática hoje

O desafio da contemporaneidade é viver e praticar a sustentabilidade. Isso se

deve em grande parte ao progresso tecnológico gigantesco, seja na ciência, seja na

cultura, seja no comércio, seja nas mídias ou em outros segmentos; progresso este que

vem nos ditar um ritmo de vida cada vez mais intenso. E para podermos “saciar” nossas

necessidades, acabamos por adentrar esse mundo veloz utilizando materiais produzidos

que venham a “facilitar” nosso dia a dia cada vez mais corrido. Muitas vezes, não nos

damos conta de que o que consumimos não é realmente aquilo que precisamos para

viver bem, ou seja, em nome de um padrão de vida, em que “ter” é o verbo do

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momento, não nos atentamos que em volta disso muitos outros fatores estão

entrelaçados, entre eles e principalmente ele, o meio ambiente, pois é dele que saem os

recursos para as indústrias produzirem.

Podemos observar tal fato por diversas e distintas atividades que julgamos

simples, porém com reflexos inalterados. Por exemplo, ao lavar uma louça com a

torneira ligada, por alguns minutos, quantos litros de água poderiam ter sido

reutilizados? Entretanto, ainda não vivemos em um planeta, em que conservar o que se

produz, de maneira ordenada e principalmente planejada, é o “verdadeiro da época”.

Dentre tantos exemplos de uma péssima administração, em nome de um

crescimento ao extremo sem planejamento social e que em consequência disso milhares

de pessoas foram e são vitimadas com frequência está o crescimento das áreas urbanas

de forma desordenada:

Ao contrário das cidades antigas, que eram muradas para evitar o

ataque inimigo, as metrópoles de hoje crescem sem limites. Desde

2007, mais da metade da população mundial está na zona urbana. A

rapidez com que a migração ocorreu impressiona. No começo do

século 20, nove em cada dez pessoas ainda moravam no campo. Mas a

partir da década de 1950, o cenário mudou. (Nova Escola, 2010)

Mais do que isso, as pessoas em busca de melhores oportunidades salariais e

acesso à saúde, educação e cultura se aglomeram em locais de risco, sem se

preocuparem e atentarem para o risco que estão correndo. Isso pode ser observado com

certa frequência aqui no país nos últimos quarenta anos, principalmente nos estados das

regiões sul e sudeste, onde o número de habitantes é maior devido a concentração de

riqueza. A título de exemplo, podemos mencionar a maior tragédia dentre tantas outras

já registradas aqui no país, com mais de 900 mortos, o desastre ambiental ocasionado

pelas fortes chuvas de verão no estado do Rio de Janeiro, no último mês de janeiro. Tal

episódio que chocou o mundo, segundo ambientalistas, poderia ter sido evitado se o

poder público tivesse ouvido os especialistas, que já haviam alertado para uma possível

catástrofe.

Ainda evidenciando como o fator econômico é o carro-chefe do país, em

especial aqui em Mato Grosso, foi desenvolvida uma pesquisa de mestrado em Saúde

Coletiva, pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, intitulada Agrotóxico

em leite materno de mães residentes em Lucas do Rio Verde MT, elaborada por

Danielly Cristina de Andrade Palma, que causa preocupação e indignação. Nas amostras

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de leite coletadas de 62 nutrizes que estavam amamentando seus bebês da segunda a

oitava semanas de nascidos, dez substâncias foram determinadas e todas as amostras de

leite apresentaram pelo menos um tipo de agrotóxico analisado. A cidade do norte de

MT é a segunda maior produtora de grãos do estado, a safra de 2009/2010 expôs a

população a 114,37 litros de agrotóxicos por habitante.

Como podemos ver o ambiente é pouco ou quase nunca levado em consideração

onde a lucratividade é o alvo. Em nome de um progresso tecnológico monstruoso, em

que consumir como bem nos coloca Tassara (NE, 2010), é viver, as pessoas se

esquecem de praticar a sustentabilidade assim como configurada na Agenda 21, que

foram os principais resultados dos debates ocorridos durante a ECO-92.

Como então associar desenvolvimento e meio ambiente? Acreditamos que a

incorporação de políticas públicas é fundamental para que se discuta e crie meios que

possibilite o envolvimento das pessoas em atividades ambientais. No entanto, o que

temos observado são atividades econômicas de forte teor economicista que visam

apenas ao lucro, e não dando a devida atenção ao problema da escassez de água, ao

aquecimento global, ao crescimento da população nos centros urbanos e principalmente

aqui em Mato Grosso, ao desmatamento desordenado. Embora políticas de preservação

estejam surgindo, seja na esfera nacional e local, entre elas o Terra Legal Amazônia,

iniciativa dos Ministérios do Meio Ambiente e Ministério de Desenvolvimento Agrário,

medida provisória no 458, que visa monitorar áreas desmatadas da Federação, entre elas

na cidade de Alta Floresta em Mato Grosso, e aqui no estado o MT Legal, Projeto de

Lei no 8.961 que visa à regularização ambiental e agrária. Observando tais documentos,

especificamente o segundo, acreditamos que a aplicabilidade destas vão afetar os

grandes produtores, sendo assim será que estas vão vigorar conforme prevê tais

documentos?

Partindo dessa preocupação que é macro, observamos que a sustentabilidade é

algo ainda muito longe de acontecer, pois há uma luta constante entre ambientalistas e

sociedade capitalista, que a nosso ver está longe de cessar. Tomando tal problemática

como reflexão teórica surge a nossa inquietação a partir de reflexões das práticas de

docência de ensino básico que tem, em um de seus papéis, promover e inserir a

educação ambiental no cotidiano escolar. Diante desse desafio, a escola torna-se um

espaço de discussão e sensibilização, tendo como foco desnaturalizar o discurso

hegemônico, capitalista, desenvolvementista impregnado na nossa sociedade. E

observamos que tal desnaturalização só ocorrerá por meio de debate que se concretize

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realmente em sala de aula, mostrando que a fórmula desenvolvimento sustentável ganha

sentidos múltiplos, tendo um sentido da língua e contradiscursos permeando-a.

Capítulo III

3. O corpus

Antes de apresentarmos os textos que compõem o corpus de referência desta

pesquisa, acreditamos ser pertinente colocar que, em Análise de Discurso, os corpora –

o conjunto das sequências tomadas de um material de análise, ou seja, o corpus da

pesquisa – não são dados a priori, mas eles vêm da questão de pesquisa, a qual irá

determinar a montagem dos corpora.

Em nosso caso, trata-se da teoria, no sentido de que não há análise

sem a mediação teórica permanente, em todos os passos da análise,

trabalhando a intermitência entre descrição e interpretação que

constituem, ambas, o processo de compreensão do analista. É assim

que o analista de discurso “encara” a linguagem. Tendo isso em conta,

ele constrói finalmente seu dispositivo analítico, que ele particulariza,

a partir da questão que ele coloca face aos materiais de análise que

constituem seu corpus e que ele visa compreender, em função do

domínio científico a que ele vincula seu trabalho. Com esse

dispositivo, ele está em medida de praticar sua análise, e é a partir

desse dispositivo que ele interpretará os resultados a que ele quer

chegar pela análise do discurso que ele empreendeu. (ORLANDI,

2009, p. 62)

Segundo Courtine (2007, p. 125), “há basicamente duas possibilidades de

tratamento de corpora”, a saber, corpus de base experimental, com questionários

dirigidos a um interlocutor em uma situação dada, e o corpus de base arquivista,

conjunto de textos institucionais.

Nosso corpus é de base arquivista e, sendo assim, é importante colocarmos

como se deu o processo de delimitação que compõe nosso material analítico e como a

noção de fórmula foi determinante para pensarmos como vem sendo discursivizado os

sentidos postos em circulação.

3.1. Delimitação de fronteiras

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A princípio, a ideia de nosso trabalho estava sendo gestada duplamente. De um

lado, tínhamos a pretensão de discutir simultaneamente os discursos que estão sendo

postos em circulação pela mídia mato-grossense sobre “desenvolvimento sustentável” e,

portanto, os sentidos que ela didatiza/agencia à população. De outro lado, acreditávamos

que seria possível trabalhar a educação ambiental. Sobre esse prisma, nosso trabalho,

tinha dois focos, o que nos levou a delimitar fronteiras. Decidimos, então, pela primeira

ideia, por acreditarmos que é imprescindível discutir como o Estado opera, por meio da

mídia, o poder sobre a vida das pessoas, quando esta põe em circulação sentidos que

asseguram a boa imagem do Estado, como, por exemplo, quando coloca “Mato Grosso

líder nacional de produção de soja”. Quando a mídia age desta forma, impondo sentidos

aos sujeitos, numa proposta “universal”, parece ser exemplo do que Foucault denomina

de biopoder:

Trata-se, basicamente, de mecanismos de poder através dos

quais se busca controlar e gerir o corpo social desde meados do

século XVII... essa nova técnica de poder não disciplinar, que

atua sobre a vida (e não mais sobre a morte), que se dirige a

espécie humana (não ao corpo) e que é massificante (não

individualizante); que se dirige, enfim, a “uma massa global

afetada por processos de conjunto que são próprios da vida, que

são processos como o nascimento, a morte, a produção, as

doenças.” (Foucault, p. 289 apud Fossey, p.30, 32)

Feita a escolha, que diga se de passagem, não se deu de forma aleatória, e sim

por pensarmos que para o momento, voltamos a afirmar, seja imprescindível trazer à luz

os sentidos que nos são trazidos pela mídia de Mato Grosso e, principalmente, como

esses sentidos organizam, modelam, montam, arquitetam este espaço público de

discussão. E, dentro deste espaço, encontra-se a escola. Sendo assim, vemos que ao

analisarmos a mídia, por meio dos discursos que ela põe em narrativa – discurso aqui

pensado na ótica de Krieg-Planque (2009) “os discursos são práticas que formam ao

mesmo tempo o instrumento e o lugar de divisões e junções do espaço público”, ou seja,

através das práticas dos atores políticos e sociais –, nota-se que tal instituição organiza

as opiniões e relações de poder, por meio das diferentes formas de cristalização que seus

discursos modelam e põem em circulação.

Como já enunciamos, nosso corpus é de base arquivista, constituído por textos

cuja temática é “desenvolvimento sustentável” ou “sustentabilidade”. Todavia,

acrescenta-se que falar sobre “desenvolvimento sustentável” e “sustentabilidade” é

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possível de inúmeras perspectivas, econômica, religiosa, educacional, das leis, da

política..., dado ao caráter da temática ser heterogêneo e transversal, pois mobiliza

saberes e práticas diversas. Diante da pluralidade de discursos sobre a questão, em

díspares campos de saber, fizemos a escolha pelo discurso da mídia, em particular o

discurso jornalístico.

É de suma importância ressaltar, como já o fizemos na introdução, que trabalhar

a temática se deu em razão de observarmos incessantemente que nos mais diversos

espaços discursivos o sintagma circulava e ainda circula, sendo que em Mato Grosso

não seria diferente. Logo, o que nos moveu foi o fato de estarmos em uma região

campeã nacional de produção de grãos e que acumula o mesmo título em agressão

ambiental. Como, então, há tanta produção de discursos que visam à sustentabilidade?

Atentamo-nos que, juntamente com o conjunto de formulações sobre a questão,

praticamente existia funcionando um contradiscurso concomitantemente ao discurso de

garantir uma sustentabilidade, desenhado pelo Estado.

Diante da discursivização em Mato Grosso da fórmula “desenvolvimento

sustentável”, começamos, então, a proceder à escolha do espaço discursivo para

trabalharmos a questão. Optamos, por um dos jornais de grande circulação no Estado, A

Gazeta, com sede em Cuiabá, e que possui uma versão também na Internet5. Como

recorte temporal, estabelecemos os últimos cinco anos, a partir de 2011, isto é, de 2006

a 2010. O recorte temporal se justifica, porque mostraremos como o período histórico

delimitado implica compreender em que medida a sequência verbal pode ser

compreendida como fórmula, ou seja, como algo formalmente estável e partilhada e,

quando colocada a funcionar pelo trabalho da mídia, torna-se objeto de polêmica.

Nesse cenário que começávamos a trilhar, o trabalho da analista francesa Krieg-

Planque sobre a noção de fórmula mostrou-se útil para observarmos o sintagma

“desenvolvimento sustentável”; não apenas como uma palavra que está presente nos

mais distintos discursos, mas sim como uma fórmula, ou seja, formulações que

empregadas em um momento e em espaços públicos cristalizam temas políticas e

sociais que essas expressões contribuem, ao mesmo tempo, para construir.

A pesquisadora francesa estabelece como critério para analisar uma sequência

linguística, que se efetiva como uma fórmula, quatro características que são próprios da

5 Disponível em <www.gazetadigital.com.br>. Acesso em 15/7/2011.

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fórmula, a saber, cristalização, dimensão discursiva, referente social e polêmica.

Tomaremos esse critério para verificar a emergência da fórmula “desenvolvimento

sustentável” em nosso corpus, retirado do material de análise, o jornal A Gazeta.

3.2. Apresentação dos textos e critérios de seleção

Ao delimitarmos, dentro da enorme variedade de discursos que circulam em

nossa sociedade sobre a temática “desenvolvimento sustentável”, o corpus de referência

para a dissertação de mestrado foi organizado da seguinte forma: (i) que fossem textos

produzidos pela mídia (Gazeta); (ii) no espaço temporal compreendido entre os anos de

2005 e 2010; (iii) que traziam atores sociais de diferentes campos do saber empregando

a fórmula, logo produzindo sentidos conflituosos.

É mister asseverarmos que a escolha do jornal A Gazeta se deu também porque

o jornal possui uma página diária na Internet, o que nos ajudou muito na seleção dos

textos para análise. Definimos os textos das tabelas 1, 2 e 3 para compor o corpus da

pesquisa. Assim, todos os textos que serão apresentados podem ser visualizados no site

do jornal.

Dada a variedade de textos sobre a problemática, encontrávamo-nos, novamente,

diante de uma dúvida: escolher três cadernos para realização da análise. Optamos desta

forma pelos cadernos: Opinião, Cidades e Economia.

O período selecionado para o procedimento da análise deu-se por termos

verificado que, foi justamente neste intervalo, a palavra ganhou vida, isto é, sua

utilização foi massificante. Colocamos isso, porque o sintagma “desenvolvimento

sustentável” começou a circular nos referidos cadernos já em 2003, mais precisamente

na edição no 4.304, em 19/6/2003, com o tìtulo “Ainda a carga tributária”.

Nome do texto Edição Autor

Indústria garante RS 3mi

para projetos

Ed.5238

07/02/2006

Anelize Moreno

Conferência começa hoje

com assinatura de RS9 mi

Ed.5240

23/02/2006

Da Assessoria

Cuiabá terá maior fábrica

da AL

Ed.5762

02/08/2007

Valéria Cristina

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BR é uma grande

economia emergente

Ed.5862

07/10/2007

Jacquelina Farid

Sustentabilidade é objetivo

de projeto

Ed.6139

25/08/2008

Da Editoria

OIT recomenda “empregos

verdes”

Ed.6201

28/10/2008

Mariana Jungmann

Sustentabilidade que traz

lucro

Ed.6347,

29/03/2009

Maria Angélica de Moraes

Mato Grosso destaca

sustentabilidade

Ed.6397,

21/05/2009

Enviada especial a Goiânia

Setores buscam

sustentabilidade

Ed.6819,

31/07/2010

Vivian Lessa

Energia renovável é

discutida

Ed.6899,

21/10/2010

Marcos Lemos

Tabela 1: Lista dos textos do caderno Economia

Nome do texto Ano de publicação Autor

A soja nossa de cada dia Ed.5280, 22/03/2206 Amado de Oliveira Filho

Lula lá, Maggi aqui Ed.5498. 30/10/2006 Romilson Dourado

O futuro sustentável

depende de nós

Ed. 5890,13/12/2007 Pedro Nadaf

Tendências da economia

do Estado

Ed.5902,25/12/2007 Vivaldo Lopes

Amazônia, para sempre? Ed.6150, 05/09/2008 Jair Donato

Controle só a médio prazo Ed. 6230, 29/11/2008 Romildo Gonçalves

“What” diferença Ed.6284, 24/01/2009 Raphael Curvo

Emprego verde, uma

esperança

Ed.6431, 25/06/2009 Pedro Nadaf

O aborto de Serra Ed.6894, 16/10/2010 Leo Pereira

O desenvolvimento na era

Lula

Ed.6924, 17,11/2010 João da Costa Vital

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Tabela 2: Lista dos textos do caderno Opinião

Nome do texto Ano de publicação Autor

Evento debate

desenvolvimento

sustentável

Ed.5361, 23/05/2006 Andréia Fontes

Educadores discutem

implantação da Agenda 21

nas escolas públicas

Ed.5395, 19/07/2006 DA ASSESSORIA

Presídio feminino adequa o

berçário cumprindo acordo

Ed.5727, 28/06/2007 Rose Domingues

Ambiente &Ciência Ed, 5842, 23/10/2007 Josana Salles

Mulher é peça importante

para preservação da água

Ed.6239, 08/12/2008 Adriana Nascimento

Ambiente &Ciência Ed.6240, 09/12/2008 Josana Salles

Município também se volta

para questões ambientais

Ed.6478 23/07/2009 Da Redação

Ambiente &Ciência Ed.6565, 10/11/2009 Josana Salles

Ambiente &Ciência Ed.6773, 15/06/2010 Josana Salles

Sobra dinheiro e faltam

projetos

Ed6812, 24/07/2010 Da Redação

Tabela 3: Lista de textos do caderno Cidades

Abrimos um espaço para colocar que o tema “Ambiente &Ciência” ( Tabela 3)

teve sua última edição no caderno Cidades em 15/06/2010, ed.6773. Desta data em

diante, os textos da jornalista Josana Salles passaram a circular em suplementos

Natureza, cuja missão, segundo a editora responsável Rita Comini (A Gazeta, 2010) “é

fazer uma comunicação especializada em meio ambiente, oferecendo aos leitores e

anunciantes uma nova visão desse mundo verde”. Comini coloca ainda em seu texto que

um dos muitos papéis das empresas de comunicação é o de despertar a consciência

coletiva sobre importância do meio ambiente. E que a chamada “imprensa verde” vive

um crescimento e está cada vez mais atuante, ocupando posição relevante na sociedade.

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Trazidos os textos que compõem nosso material de análise, é importante

lembrarmos que muita coisa foi excluída. Sendo assim, uma série de fenômenos não foi

analisada e isso se deve ao recorte necessário para o procedimento da pesquisa e da

interpretação. Sobre isso Possenti (2007) assevera que um campo torna-se mais

interessante quanto mais é recortado, o que possibilita ao analista de cada campo do

saber apropriar-se das inúmeras “trivialidades” sobre dado fenômeno e mapear,

conforme o olhar da área ou disciplina de atuação, o objeto em estudo fornecendo,

assim, inúmeros olhares e interpretações sobre um mesmo fenômeno, cada qual

obedecendo a critérios teóricos e metodológicos pertinentes a cada área do saber.

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CAPÍTULO IV

(...) a mídia produz sentido por meio de um insistente retorno de

figuras, de sínteses narrativas, de representações que constituem o

imaginário social. Fazendo circular essas figuras, ela constrói uma

“história do presente”, simulando acontecimentos – em – curso que

vêm eivados de signos passados. Se analisarmos o funcionamento da

mídia, poderemos entrever esses movimentos de resgate da memória e

de estabelecimento do imaginário de uma identidade social.

(GREGOLIN, 2003, p.96)

Neste capítulo, depois de descrevermos como se deu a constituição e quais os

textos que compõem o corpus de referência, passaremos a analisar discursivamente

como foi posto em narrativa, por diferentes atores sociais, a fórmula “desenvolvimento

sustentával” na mídia jornalística mato-grossense. Para procedermos à análise

discursiva do sintagma, é em Krieg--Planque que nos apoiaremos para verificar como a

palavra se transformou numa fórmula e como tal descrever as propriedades que

caracterizam a sequência enquanto elemento formulaico.Veremos, assim, no conjunto

de excertos, as categorias desenvolvidas pela pesquisadora para a noção de fórmula,

sendo elas: caráter cristalizado, caráter discursivo, caráter de referente social e caráter

polêmico. Em consequência disso, mostrar como a fórmula em análise

“desenvolvimento sustentável” (re)cria o espaço coletivo.

Antes de abordarmos especificamente as características apontadas por Krieg-

Planque, para que uma sequência linguística seja considerada uma fórmula, faz se

necessário lançar um sobrevoo nas relações entre saberes e poderes na sociedade

midiática, pois, como a própria pesquisadora assevera, a forma como os jornalistas

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organizam os discursos se torna ao mesmo tempo lugar de junção e divisões que

fundam o espaço público. Além disso, ao serem postos em narrativa tais discursos

perpetuam relações de dominação.

4. Mídia: espaço de domesticação dos corpos

Não é novidade nenhuma dissertar sobre a mídia na contemporaneidade e como

a evolução tecnológica propicia a aceleração e inovação dos suportes midiáticos. Dada

essa imensa produção, a mídia exerce cada dia mais influência sobre a vida cotidiana

das pessoas, fato este que pode ser observado em diversas práticas do dia a dia.

Neste sentido, queremos evidenciar que a mídia, em particular, a mídia impressa,

por meio do discurso jornalístico (doravante DJ), passa a gerenciar um acontecimento

discursivo através da materialização dos textos que o DJ faz circular. Ao proceder desta

forma, a mídia impõe a dado acontecimento discursivo gestos de interpretação que

levam ao sentido único, ou seja, com a materialização linguística, a imprensa passa a

gerir e controlar os acontecimentos discursivos, construindo, assim, relações de poder e

verdade. Sobre isso,

Acreditamos que assim, como o discurso científico, o discurso

midiático não é imparcial e não consegue reproduzir precisamente o

real, mesmo que se declare, vez ou outra, meramente em transmitir –

transparentemente- a verdade. Os discursos da mídia mostram-se

também impregnados, como todo discurso, de equívoco e distorções.

Uma vez que os discursos são suscetíveis a falhas e a equívocos,

alguns saberes divulgados pela mídia irão ser legitimados como

verdadeiros, enquanto outros não.

Para que seja possível, então, compreendermos um pouco melhor os

mecanismos do discurso jornalístico que ajudam a legitimar o

verdadeiro de cada época, a mídia é tratada como uma máquina que

seleciona, copia, edita, regula os saberes para que se tornem

verdadeiros e se integrem à “ordem do discurso”. E as pessoas em

geral, e as instituições de poder, em especìfico, vêem nesses “saberes

verdadeiros” aquilo que precisa ser oficializado e legitimado,

passando assim a se tornar poder e desfrutar dos privilégios sociais.

(GÓIS, 2007, p.78-79)

Conforme Góis (2007), na construção dessas relações, o campo midiático,

lançando mão do DJ, tenta “vender” um ethos de imparcialidade. No entanto, sabemos

que o jornalista não pode falar como quiser, pois há regras coercivas dos dizeres da

instituição jornalística, da formação discursiva da qual faz parte, de gênero, de espaço

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de circulação dos discursos. São esses elementos que irão determinar o que pode ou não

enunciar num dado espaço e tempo. Em decorrência desse lugar social em que se

inscreve, para poder organizar o seu discurso, o jornalista deixa vestígios na

materialidade linguística das cargas ideológicas características da FD e/ou FDs que

pertence, o que desmascara a imparcialidade que tanto conclamam.

O ponto mais importante que queremos levantar é que a mídia, como outras

instituições sociais: escola, igreja, Estado etc., por meio da organização de seus

discursos, exercesse (des)mascaradamente mecanismos de controle dos sentidos, onde o

“real/ verdadeiro” se constrói por intermédio dela.

Funcionando como uma máquina autorizada a construir “o sentido”, a mìdia ao

discursivizar sobre o acontecimento “desenvolvimento sustentável” passa a exercer

aquilo que Foucault chama de biopoder, tecnologia de poder que visa a gerir o corpo

social. Assim, a mídia enquanto construtora de imagens simbólicas, segundo Gregolin

(2003) “participa ativamente, na sociedade atual, da construção do imaginário social, no

interior do qual os indivíduos percebem--se em relação a si mesmos e em relação aos

outros”. Neste prisma, o mecanismo de poder sobre a significação objetiva controlar e

gerir um sentido que seja coletivo, organizando os corpos em processos biológicos de

conjunto:

o biopoder funda mecanismos cujo alcance é global e que levam em

conta “a vida, os processos biológicos do homem-espécie” e

asseguram “sobre eles não uma disciplina, mas uma regulamentação”.

É um poder regulamentador, contínuo, que faz viver e deixa morrer,

um poder que controla os eventos fortuitos e, sempre que possível,

busca meios de modificá-los. (FOSSEY, 2011, p.33)

Diante do exposto, cremos que o campo midiático é sem dúvida nenhuma uma

instância, onde se instaura práticas de saber e poder, pois os sentidos dados por ela a

determinado fenômeno discursivo deve ser absorvido pelos sujeitos como verdade.

Logo, a interpretação é reorganizada conforme os critérios e aos padrões da FD

midiática. Queremos, com isso, concordar com Krieg-Planque (2010) quando afirma

que na organização de seus discursos os jornalistas constroem o espaço público e nessa

construção há uma perpetuação de relações de poder e opinião, quando sustentam o

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ponto de vista dominante, legitimando um espaço de verdade, mesmo carregado de

interpretações e significações diversas.

4.1. Seguindo os rastros da fórmula “desenvolvimento sustentável”: caráter

cristalizado

Nosso propósito, neste momento, é analisar, nas sequências de enunciados, o

primeiro critério proposto por Krieg-Planque (2010) à noção de fórmula, ou seja, o

caráter cristalizado. Como já enunciamos, a cristalização da fórmula está alinhavada

com a estabilização, isto é, a materialidade significante que a constitui, devendo, dessa

forma, manter-se de forma constante, para que possa ser “perseguida” em sua

circulação, o que também nos remonta a ideia de que ela permaneceu ao longo de sua

constituição relativamente igual à forma linguística do momento de seu surgimento. Em

nosso corpus, podemos observar que há uma variação terminológica entre

“desenvolvimento sustentável” e “sustentabilidade”, assim como também é possìvel

encontrar inúmeras variedades em outros contextos, tais como: economia sustentável,

cidade sustentável, crescimento sustentável, sociedade sustentável, gestão sustentável

etc. A esse respeito, Krieg--Planque coloca que a expressão "desenvolvimento

sustentável" é a frase "desenvolvimento sustentável" em si, mas também todas as suas

variantes, derivados, compostos. Para afirmar isso, destaca o trabalho que desenvolveu

sobre a expressão "limpeza étnica", que mostrou como a produtividade lexical é

associada a uma forma de funcionamento. Sendo assim, "desenvolvimento sustentável”

também prospera em uma variedade de formulações todas provando o sucesso da

fórmula enquanto referente social, a múltiplas categorias sociais.

A fórmula desenvolvimento sustentável se encaixa na propriedade cristalizada,

pois permaneceu estável desde seu surgimento em 1991, não havendo assim

modificações linguísticas desde então. E em particular na mídia mato-grossense, Gazeta

Digital, por exemplo, onde sua aparição mantém-se inalterada desde 2003 até os dias

atuais. Em 1991, ela surgiu devido ao debate mundial acerca das reflexões sobre

desenvolvimento econômico e preservação ambiental, dois preceitos que, à primeira

vista, parecem antagônicos. Porém, a reflexão acerca da fórmula torna-se um tanto

quanto fluida quando a sua significação se põe a circular em diversos lugares, tomando

as mais variadas formas, pois, a partir do momento em que se pretende estudar um

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termo, colocando-o nas caracterizações do conceito de fórmula, apreende-se que ele

tenha surgido num certo momento histórico.

Ao tratar de perto nosso objeto de análise, observamos que a fórmula

“desenvolvimento sustentável” surge dada à necessidade de unir desenvolvimento e

sustentabilidade (sustentabilidade ambiental), uma vez que ideia circulante até então,

mobilizando ecodesenvolvimento, com pouca circulação na mídia, e sustentabilidade,

“não conseguiu” fazer essa conexão. Entendemos, contudo, que estes elementos

circulantes outrora contêm preceitos próprios, que, em algum momento, distanciam-se

dos preceitos do desenvolvimento sustentável, entendido por nós como um conceito

mais abrangente que pode ser utilizado com maior coerência nas questões e reflexões

atuais acerca do assunto. A fórmula “desenvolvimento sustentável” será entendida então

como própria, e não como derivação direta de termos anteriores, mesmo que haja certa

conexão entre eles.

A fórmula “desenvolvimento sustentável” surge em nosso corpus com esta

materialidade significante em, 19/6/2003, no caderno Economia: “Ainda a carga

tributária”. Desde seu surgimento, o termo permanece com a mesma materialidade

linguística, como pode ser verificado em edições mais atuais de 2010, o que nos permite

inferir que possa ser compreendida nos limites da caracterização de Krieg-Planque

acerca do caráter cristalizado da fórmula.

Verifiquemos alguns trechos de nosso corpus como exemplificadores da

cristalização da fórmula “desenvolvimento sustentável” na mídia. Os fragmentos

apresentados constam dos cadernos descritos e mostram a circulação da sequência

linguística em gêneros discursivos distintos, desde sua irrupção. Aqui especificamente,

buscamos compreender como se deu o caminhar do sintagma nos últimos cinco anos:

CIDADES (reportagem)

EVENTO DEBATE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

(A Gazeta, edição 5361, 23/5/2006)

O desenvolvimento sustentável da Floresta Amazônica, do Cerrado e do

Pantanal, será debatido até quinta-feira, no 8º Congresso Internacional sobre

Florestas 2006. O Programa de Gestão do Pantanal, criado por decreto do

governador Blairo Maggi (PPS), tem como objetivo a utilização sustentável dos

recursos naturais, garantir quantidade e qualidade dos recursos hídricos,

restaurar as condições ambientais, promover a conservação da biodiversidade e

a manutenção do equilíbrio ecológico, entre outras ações que buscam beneficiar

o bioma.

OPINIÃO (artigo de opinião)

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Futuro sustentável depende de nós

(A Gazeta, edição 5890, 13/12/2007

Em todo o mundo, são inúmeros os projetos focados no desenvolvimento

sustentável. O governo, as organizações não governamentais e a iniciativa

privada muitas vezes se unem nem sentido, como forma de garantir melhor

qualidade de vida para a coletividade, gerando negócios socioambientais e

preservando a vida do planeta.

A humanidade terá que evoluir para um novo estágio de civilização. Afinal, a

cada dia que passa fica mais escassos seus recursos o que obriga novas formas

de produção e consumo. Todos que ousam planejar o futuro, passando por ações

de sustentabilidade no campo ambiental.

ECONOMIA

Sustentabilidade é objetivo de projetos (notícia)

(A Gazeta, edição 6139, 25/8/2008

Paralelamente á instalação da unidade, a Sadia tem trabalhado com projetos

voltados para o desenvolvimento sustentável em Lucas do Rio Verde, município

situado numa região de transição entre biomas da Amazônia e o Cerrado.

A sadia também realizou em 2006 um estudo das questões socioambientais da

será e agropecuária na Amazônia AM parceria com a ONG Ima flora para

entender a complexidade da região onde a unidade produtiva está sendo

instalada, como o objetivo de torná-lo um modelo em desenvolvimento

sustentável no mercado brasileiro.

CIDADES

Ambiente&Ciência

(A Gazeta, edição 6565, 10/11/2009)

A Petrobras apresenta amanhã, em Cuiabá, as ações estratégicas do Programa

Petrobras Ambiental, que inclui patrocínio a projetos, fortalecidos das

organizações ambientais ligadas ao desenvolvimento sustentável. A ideia é

esclarecer sobre o roteiro de elaboração de projetos ambientais adotados pela

Petrobras. Mas será interessante falar dos sistemas de segurança para não poluir

os oceanos.

OPINIÃO

O desenvolvimento na era Lula

(A Gazeta, edição 6894, 17/11/2010)

O novo ano bate-nos a porta. O governo Lula permite que o próximo governo

de continuidade ao programa de governo do PT, se reencontrado com o

desenvolvimento sustentável e se despeça, em definitivo, de um passado em

larga margem inibidor de soluções vitais na aplicação e desenvolvimento de

suas potencialidades. O Brasil projetado pelo PT vai avançar ainda mais rumo

ao crescimento econômico para se tornar realidade como a quarta potência. O

Brasil vai mudar não na sua forma geodésica ou na sua essência física e política

social, mas sim na sua maneira autônoma de como se vê e se analisa.

Verificamos no conjunto de fragmentos extraídos de nosso corpus que a ideia

geral de desenvolvimento econômico, aliado à preservação ambiental, está inserida

neles, pois demonstram a agregação entre esses dois preceitos que, à primeira vista,

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parecem contraditórios. Portanto, do ponto de vista cristalizador, podemos verificar que

há uma manutenção linguística da fórmula (sintagma nominal-desenvolvimento e

adjetivo denominal-sustentável), no percurso temporal estabelecido, ou seja, não houve

nos excertos colocados alteração na materialidade linguística no sintagma.

Sobre este aspecto, ao fazermos uma reflexão sobre significantes linguísticos e

sua relação com o real, estamos lidando com uma superfície ao mesmo tempo estável e

fluida. Estável do ponto de vista objetivo e visível, pois se levam anos para que um

significante estruturalmente se modifique. Fluido do ponto de vista subjetivo, pois seu

significado entra em mutação a todo o momento de sua utilização.

Há muito tempo, o CLG havia aberto caminhos em relação ao paradigma

significante/significado. A AD avança as discussões para pensar o sujeito inserido no

processo de significação, sujeito este inserido num determinado momento histórico, que

possui sua própria psique, advinda de um construto histórico-ideológico e coagida

também por isso, e a reflete em sua utilização linguística diária; está colocado neste

momento o famoso tripé da AD: Psicanálise, História e Linguística.

O pesquisador Jean-Jacques Courtine (Krieg-Planque, 2010) avança ainda mais

o conceito inserindo a metáfora da moeda, a qual argumenta que, de um lado da moeda,

inscreve-se o significante e, de outro, o significado. Todavia, cada falante pode inserir

no lado do significado aquilo que mais lhe convém, desde que atenda a demandas de

contingências históricas e ideológicas, mobilize-o de um interdiscurso, de um alhures,

elementos com os quais fará irromper a significância de sua enunciação et cetera; O

que o pesquisador francês deixa, assim, explícito é a ideia de que o paradigma

significante/significado nos leva a reflexões muito mais profundas que não somente as

inseridas no nível linguístico formal.

Essas reflexões sobre a inserção do sujeito no ambiente linguístico foram

desenvolvidas, não só, mas também pela Análise do Discurso, que pretende apreender

por meio dos significantes flutuantes no ambiente discursivo aquilo que se descobre por

intermédio da linguagem: a ideologia.

Nesse contexto, nossa reflexão apreende como um mesmo significante pode

sofrer diversas mutações do ponto de vista do significado (ressignificações) sem que

ocorram mudanças drásticas em sua composição linguística, considerando sempre o

fator contextual desse processo. Portanto, nesse momento, iremos formalizar como o

sintagma “desenvolvimento sustentável” pôde ser estruturado da forma como hoje é

conhecido e amplamente utilizado, verificando assim a sua descrição linguística.

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O sintagma em análise nos remonta a duas ideias anteriores à sua formulação, a

do ecodesenvolvimento e a de sustentabilidade. A reflexão sobre os sintagmas é menos

complexa quando se trata de uma unidade lexical simples, formada por somente um

significante que não possui interferências ou derivações diretas, do que, neste caso,

trata-se de uma unidade lexical complexa, formada por dois sintagmas. Além de se

constituir como unidade lexical complexa, existe outro fator que não pode deixar de ser

considerado nesse processo: o fato de que juntos esses dois sintagmas compõem uma

única ideia. De maneira geral, eles se comportam como um bloco que funciona

linguisticamente em conjunto – quando são recusados ou aceitos. Integram-se em um

único significado – no momento da utilização e não na continuidade de seu uso–,

mesmo possuindo dois significantes.

Esse é o caso da fórmula “desenvolvimento sustentável”, na qual dois termos

diferentes são colocados em posição de relação deixando assim aberta a porta de saída

de sua significação: o falante, ao penetrar neste “bloco significante”, sairá cada qual

carregando seu significado próprio; portanto deriva desse processo de formação o

caráter polêmico desta fórmula.

A unidade lexical pesquisada é composta por um sintagma nominal

(desenvolvimento) e por um adjetivo denominal (sustentável), e este segundo elemento

é o ponto-chave para toda a gama de significações que esta fórmula sofre, pois, segundo

Krieg-Planque, “os sintagmas feitos de adjetivos denominais (...), por sua ambiguidade

e subdeterminação, favorecem os conflitos de interpretação ou, mais exatamente, os

conflitos sem interpretação definida para palavras que permanecem abertas” (KRIEG-

PLANQUE, 2010, p.78).

Temos, em nosso caso, portanto, um adjetivo denominal que além de poder gerar

ambiguidade, é amplamente utilizado em diversos lugares do discurso. Sustentável

deriva de sustentar, o que não nos remete a nenhuma ideia objetiva, já que o verbo

sustentar necessita de um sujeito, ou melhor, de um complemento. Tal complemento

surge com o sintagma nominal que o procede, mas que também não nos remete a nada

concreto, uma vez que desenvolvimento também é uma unidade lexical que deriva de

um verbo, qual seja, o verbo desenvolver, que, por sua vez, também necessita de

complementação.

Afinal, sustentar o quê? E desenvolver o quê? Essa é a ambiguidade

linguisticamente concreta que essa constituição da fórmula nos remete. É o

desenvolvimento de algo, sustentado em algo, ou que sustenta alguma coisa. Pode ser

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que seja o desenvolvimento econômico que pensa em sustentar a ecologia, mas pode

também ser o desenvolvimento de um novo programa de computador que sustenta uma

nova empresa, portanto também se configura como um desenvolvimento sustentável.

Estamos assim lidando com um objeto de análise completamente fluido e esquivo, pois,

mesmo sendo cristalizado ao longo do tempo e não sofrendo, dessa forma, mutações

linguísticas, conforme verificamos em sua própria formação linguística, pensada do

ponto de vista do significado, ele já nos remonta a diversas opções de significações. Isso

ocorre nos exemplos arrolados, principalmente em “Desenvolvimento na era Lula”.

Acreditamos que isso se deve muito à materialização do discurso na fala do ex-

presidente, uma vez que ocorreu um deslizamento de sentido. Sobre isso Eni Orlandi

(2007, p.81) coloca:

O ponto de partida (a,b,c,d,e,f) e o ponto de chegada (g,h,i,j,k,l),

através de deslizamento de sentidos, de próximo em próximo, são

totalmente distintos. No entanto, algo do mesmo está nesse diferente;

pelo processo de produção de sentidos, necessariamente sujeito ao

deslizamento, há sempre um possìvel “outro” mas que constitui o

mesmo (o deslize de sentido de a para g faz parte do sentido de a

também). Ou seja, o mesmo já é produção da história, já é parte do

efeito metafórico. A historicidade está aí representada justamente

pelos deslizes (paráfrases) que instalam o dizer no jogo das diferentes

formações discursivas. Fala-se a mesma língua, mas se fala diferente.

Pelo efeito metafórico. Esse deslize próprio da ordem do simbólico, é

o lugar da interpretação, da ideologia, da historicidade. (ORLANDI,

2007, p.81)

Entendemos que, ao considerar a formação linguística da fórmula, ou seja, como

se deu essa junção dos dois sintagmas, estamos pensando em um “como” esta

materialidade linguística vai gerar uma profusão de significados. Profusão de

significados advindos do caráter significante de cada um e, ao ser posto em circulação,

provoca polissemia generalizada. Polissemia esta que carrega em si traços do simbólico,

de uma memória, isto é, ao dizer, o sujeito (Lula) coloca em ação traços do simbólico e

do político, daí a relação entre língua e discurso. Assim, quando emprega a fórmula

“desenvolvimento sustentável”, Lula diz o mesmo, mas com sentidos outros, daí afirmar

que há deslizamento de sentidos.

4.2. A fórmula em sua dimensão discursiva

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Krieg-Planque defende que a fórmula não está somente pela ordem do

linguístico, pois, mesmo possuindo estabilidade linguística, a fórmula sofre mutações

por conta mesmo de sua utilização. Ou seja, o conceito de fórmula, apesar de se basear

na materialidade linguística, é um conceito discursivo, pois um sintagma ou conjunto

deles só pode ser definido como fórmula por intermédio de sua utilização, nas quais

existam todas as características que a fazem ser designada como tal, bem como todos

elementos derivem desse processo.

Uma sequência linguística não nasce prontamente caracterizada como fórmula

inserida no contexto estruturalmente linguístico. A sua invasão no meio discursivo já é

polêmica, pois assume a movimentação das diversas posições discursivas em que é

utilizada, assumindo, assim, a polemização que a constrói como tal.

Como colocamos, os sintagmas desenvolvimento e sustentável, que compõem a

fórmula já eram utilizados anteriormente à junção no bloco “desenvolvimento

sustentável”, porém possuìam significações próprias, que se diferenciavam do que

posteriormente a combinação lhes oferece. Com o surgimento do termo na esfera

discursiva, outras inúmeras significações lhe são atribuídas, assumindo, assim, sua outra

característica, a polêmica. Dessa forma, cada qual se deslocou de sua posição tornando-

se, segundo Krieg-Planque (2010, p.84), objeto de comentário – e motivo para a ação.

Ao assumir essa nova caracterização, passando do universo formalmente

linguístico, para o universo discursivo, os sintagmas ganham caráter de discursividade,

pois passam a depender um do outro e, principalmente do(s) sujeito(s) que os utilizam.

A aparição da fórmula “desenvolvimento sustentável” é creditada ao debate mundial

acerca da preocupação com o desenvolvimento econômico e também com a preservação

ambiental que se tornava (e continua sendo) cada vez mais necessária.

A fórmula surge então, da necessidade de combinação entre os sintagmas, para

que pudesse expressar uma ideia nova, mas a partir de sua utilização acaba tornando-se

algo fluido em razão do debate público na qual é colocada.

A consequência do caráter discursivo das fórmulas é que só podem ser

analisadas se apoiadas num corpus saturado de enunciados atestados.

O que quer dizer que as sequências assinaladas aqui como fórmulas só

são assim consideradas sob o rigor de uma análise bastante metódica -

ainda que para cada uma delas tenhamos à disposição informações e

enunciados atestados relativamente numerosos. (KRIEG-PLANQUE,

2010, p.89)

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Anterior à “denominação desenvolvimento sustentável”, ecodesenvolvimento

era palavra dada para se pensar as necessidades acerca do debate sobre preservação

ambiental e desenvolvimento econômico. No entanto, ela não possuía a caracterização

necessária para ser classificada como fórmula, posto que não houve uma frequência em

sua utilização, desaparecendo do debate público. Por sua vez, em 1991, surge a

sequência que aqui mobilizamos, que, muito em razão do debate mundial quanto à

preocupação com a preservação ambiental e desenvolvimento econômico, foi e ainda é

amplamente utilizada.

Todavia, o que as diferencia? Exatamente o caráter discursivo; enquanto àquela

foi utilizada no nível linguístico, esta está sendo utilizada no nível discursivo, pois

possui polemicidade e circula na mídia, nas mais variadas formas e inserida nos

diversos gêneros textuais. Além do mais, outra diferença entre elas está na circulação, a

qual lhes oferece essa imensidão de possibilidades de significação.

O caráter discursivo, portanto, define a constituição de uma palavra ou conjunto

delas como uma fórmula, pois é esse caráter que as faz possuir infinitas utilizações.

Desenvolvimento sustentável supre essa especificação, uma vez que, além de possuir

numericamente diversas aparições, o que segundo Krieg-Planque não é suficiente no

geral, todas elas se configuram num mesmo funcionamento discursivo, algo que lhes

transforma numa sequência tão utilizada quanto polêmica, como podemos ver no

conjunto de trechos, de nosso corpus.

Educadores discutem implantação da agenda 21 nas escolas

A Gazeta (reportagem), ed.5.395, 19/7/06

A prefeitura de sorriso, através da secretaria municipal de agricultura

e meio ambiente, reuniu ontem educadores da rede publica e privada

de sorriso em terno da implantação da Agenda 21 local. O projeto, que

visa garantir uma melhor qualidade de vida á população, deve ser

aplicado nas escolas com objetivo de despertar a consciência

ambiental nos alunos.

Romanini destaca que está sendo aplicado um questionário nas

escolas, para os alunos da 5ª serie, onde eles apontam ideias para

mudar a cidade ande vivem. “o resultado não poderia ser melhor.

Recebemos algumas ideias para as mais diferentes pastas como

educação, saúde e obras. Foram levantadas questões muito

interessantes, muito simples, singelas e sinceridade. Elas sinalizam

para o líder, para o dirigente, para o poder publico o que pensar o que

se deve fazer e onde devemos aplicar os recursos. Através desse

simples ato, teremos mais base para realizar as obras cada vez mais

coerentes com a vontade do cidadão. Isso é desenvolvimento

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sustentável. E a agenda 21 adjetiva isso, realizar as coisas que a

sociedade quer, de uma maneira consciente, de uma maneira que

realmente atenda o anseio de todos”, afirma.

A “Agenda 21” é um programa de ação participativa que objetiva

promover um novo padrão de desenvolvimento, conciliando métodos

de proteção ambiental, justiça social e eficiente econômica.

Conferência começa hoje com assinatura de R$9 mil

A Gazeta (Notícia), ed.5.240, de 23/2/06

Começa hoje a 2ª Conferência Estadual de Agricultura e Pesca de

Mato Grosso.

Nos últimos anos a secretaria especial de Agricultura e Pesca (

SEAP) tem investido na implantação de vários projetos no Estado.

Um deles é a construção de um entreposto ( mercado de peixe) no

município de Barra do Garças, no valor de R$130 mil.

O projeto piloto na Baixada Cuiabana também esta em andamento.

Trata-se de um convenio que visa o desenvolvimento sustentável na

área e conta com a parceria do SEBRAE.

A SOJA NOSSA DE CADA DIA

A Gazeta (opinião), ed.5.280, 22/3/2006

Não dá pra entender a posição daquele que endemoninham o cultivo

da soja em nosso Estado, inclusive, um grande numero que dependem

de salário oriundo de orçamento publico, ou seja, da arrecadação de

impostos da produção empresarial mato-grossense. É certo, no

entanto, que registramos nos tempos modernos, ONGs que

compreendem que o plantio da soja pode ser sustentável.

Por tudo o que se vê na produção, consumo e exportação da soja, e

especial por tudo o que esta cultura alavanca em outros setores da

economia, e ainda, pelos empregos e impostos gerados, haveremos de

conviver com os conflitos de opinião sobre esta importante atividade.

Porem tem convicção que todos sabem da importância da soja para o

desenvolvimento do Estado de Mato Grosso. Assim, não podemos nos

esquecer de que o desenvolvimento é a única alternativa para a

melhoria da qualidade de vida das unidades familiares. Como vive a

população das cidades cuja economia se sustenta na sojicultora;

portanto, devemos reverenciar a soja nossa de cada dia.

Sustentabilidade que traz lucro

A Gazeta (reportagem), ed.6.347, 29/3/09

Preservar o meio ambiente, mais que garantir o futuro do planeta,

pode ser também um bom negócio para empresas, produtores,

organizações não- governamentais, industriais, governantes e ate

mesmo para a economia de países inteiros. Entre as muitas

alternativas para prosseguir com o desenvolvimento sustentável está o

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pagamento por serviços ambientais como os créditos de carbono, um

dos temas da Global Katoomba no Centro de Eventos do Pantanal,

em Cuiabá.

4.3. O “sucesso” da expressão: a fórmula enquanto referente social

A fórmula é caracterizada pelo fato de que ela se tornou um referente social:

significa algo para todos, em algum momento. No caso de "desenvolvimento

sustentável", muitos dos índices evidenciam a circulação e seu êxito, basta assistir à

televisão e observar a ocorrência da expressão em um único dia; abrir uma revista e

encontrar uma propaganda de um anunciante, fazendo uso do sintagma, enfim, podemos

vê-la em múltiplos territórios da vida social. Esse sucesso ocorre devido à passagem

obrigatória da expressão por tipos variados de discurso. Neste sentido, Krieg-Planque

(2010) destaca que, para se efetivar como fórmula, a expressão (desenvolvimento

sustentável) deve invadir o corpo social, não se limitando apenas a alguns discursos e

acrescenta:

Para que possamos dizer que a fórmula é um signo conhecido por

todos, é preciso que a encontremos nos mais variados tipos de

discurso. É preciso que os lugares de emergência da fórmula se

diversifiquem. Se a fórmula é originária de uma formação discursiva,

deve sair dela. Ela é posta no cadinho comum do universo discursivo

para entrar em conflito com o sentido que ela tem alhures ou com

outros termos. (KRIEG-PLANQUE, 2010, p. 96)

Ainda pensando sobre essa ascensão, ou melhor, esta notoriedade da expressão,

a pesquisadora aponta que o fato de a fórmula ser denominador comum dos discursos, o

sujeito é obrigado a assumir uma posição sobre ela, daí dizer que ela funciona como

referente social, que, por sua vez, gera a polêmica.

Município também se volta para questões ambientais

A Gazeta (notícia), ed.6.478, 23/7/2009

Neste caso, a prefeitura busca levantar a auto-estima da população de

Marcelândia, que em 2007 foi considerado o município da Amazônia

legal que mais desmatou ilegalmente. Diamante comenta que foi

desenvolvido o projeto “Marcelândia 100% legal” que servirá de

exemplo para todos os municípios de Mato-

-Grosso e estados vizinhos.

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O documento contempla questões ambientais, regularização fundiária

e cadeia produtiva. O projeto propõe a recuperação de 100% das

nascentes degradadas, além de desenvolvimento de plano de manejo

sustentável regular para toda floresta em pé do município. No passado,

Marcelândia desmatou 25% de área verde da região. “Seremos a única

cidade do país a ter todas as nascentes recuperadas. Seremos um

exemplo para o Estado e para a Amazônia”. (RF)

INDÚSTRIA GARANTE R$ 3 MIL PARA PROJETOS

A Gazeta (reportagem), ed.5.238, 7/2/2006

A federação das indústrias de mato grosso (FIEMT) e a agenda de

fomento do estado (MT FOMENTO) assinaram ontem um convenio

parta liberação de R$ 3 milhões para financiar pequenas e médias

industriais e Comerciais do estado (FUNDEIC), sob a gestão

financeira da agencia.

Para o presidente da MT Fomento, Éder de Moraes Dias,

aproximadamente 1,2 mil postos de trabalho serão criados a partir do

apoio financeiro ao setor produtivo.

Para pleitear o recurso a empresa precisa efetuar um cadastro junto ao

sindicato de classe. A MT Fomento auxiliara na elaboração do projeto

de captação de recursos e do plano de negócios. Para isso a agencia

deslocou um funcionário para prestar assessoria aos sindicatos e

empresa no prédio da Fiemt.

O servidor ficará responsável também por identificar a demanda e

aprovar os cadastros das empresas. Dias destaca que as medidas visam

criar condições para o desenvolvimento sustentável do estado.

Lula lá, Maggi cá

A Gazeta (opinião), ed.5.498, 30/06/2006

A reeleição do presidente Lula, consagrada nas urnas ontem com mais

de 60% dos votos válidos, salvou o futuro político do governador

reeleito e empresário Blairo Maggi. De um líder criticado e

hostilizado pela classe produtora. Maggi agora tem tudo para se

transformar no representante dos segmentos do agronegócio junto ao

governo federal.

O apoio á reeleição de Lula foi uma sacada inteligente do governador.

O presidente lula garante viabilizar o que seus antecessores dos

últimos 20 anos não fizeram: concluir a pavimentação da BR 163.

No pacotão estão incluídos até projetos polêmicos. Lula incluiu a

hidrovia Paraguai-Paraná, que teve grande importância no período

colonial e imperial. Mandou reativar um comitê intergovernamental

para acelerar sua viabilidade, dentro do programa de desenvolvimento

sustentável. O assunto da hidrovia hoje é palco de acaloradas

discussões entre ecologistas, o governo dos Estados e dos países

que compõe o Pantanal.

A humanidade terá que evoluir para um novo estágio de civilização.

Afinal, cada dia que passa fica mais escassos seus recursos o que

obriga novas formas de produção e consumo. Todos que ousam

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planejar o futuro, passando por ações de sustentabilidade no campo

ambiental.

MULHER É PEÇA IMPORTANTE PARA PRESERVAÇÃO DA

ÁGUA

A Gazeta (reportagem), ed. 6.239 8/12/2008

Como a água torna-se cada vez mais motivo de preocupaçãomundial

por ser um recurso finito, são cada vez mais necessárias ações de

governo e sociedade que incentivem o conhecimento de políticas

públicas para a preservação desse precioso bem. Com esta visão é que

a BPW Cuiabá realizou ontem o 2º Seminário de Desenvolvimento

Sustentável voltado a mulheres das zonas rural e urbana associação de

mulheres de negócios e profissionais – BPW CUIABÁ, e que teve a

água como tema central.

A ideia era mostrar o papel de mulher também como gestora de água.

Assim, ela contribui pra o desenvolvimento sustentável de sua região

e promove o bem estar de todos, além de diminuir a vulnerabilidade

de sua condição social.

A partir dos trechos ora destacados, observamos que a sequência linguística tem

uma passagem obrigatória, em distintos gêneros discursivos (notícia, reportagem, artigo

de opinião) e os sujeitos produtores dessas manifestações discursivas, devido à fórmula

ser um denominador comum no seio social, todo mundo, conforme Maingueneau

(Krieg-Planque, 2010), é obrigado a se situar em relação a essas fórmulas, fazendo-as

circular, lutando para impor sua própria interpretação.

No texto de Romilson Dourado, “Lula lá, Maggi cá”, tem seu tìtulo

acompanhado do nome “Lula”, o sintagma que sempre acompanhou os dingos de

campanha do presidenciável, lá (“Lula lá, brilha uma estrela, Lula lá...”), indicando o

lugar a ser ocupado por Lula, novamente a Presidência da República. E no mesmo

ponto emprega o cá, indicando o lugar político a ser ocupado por Maggi, o Governo de

Mato Grosso. Desses dois elementos lá e cá, podemos inferir que Dourado faz certa

crítica à continuidade dos governos e também como uma aliança que se deu de ambos

os lados.

Por parte do governador, dado a rejeição por parte de vários segmentos,

principalmente daquele do qual faz parte, o agronegócio. Para conter essa “rejeição”,

alia-se a Lula. Este, por sua vez, também para conter o crescimento de seu adversário,

Alckmin, une-se a Blairo. A partir dessa colisão há um crescimento da campanha de

ambos, pois se uniu, assim, o útil ao agradável, isto é, tanto um quanto outro se viram

em situação difícil, já na fase final de campanha, então nada melhor que efetivar

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parceria. Dessa colisão, na opinião de Dourado, “Maggi soube aproveitar do momento

em que o presidente se via desesperado pelo apoio polìtico e louco para se reeleger”.

Desta cena, podemos evidenciar que a fórmula é empregada pelo colunista, dando

relevo principalmente a questão econômica, pois ao longo do texto Dourado refere-se a

essa comunhão partidária, apontando sempre para as potencialidades econômicas do

estado de Mato Grosso, assim, podemos asseverar que o posicionamento assumido pelo

jornalista é de alguém que deu a interpretar o sintagma, apenas do ponto de vista de

crescimento econômico do estado.

Já em “Mulher é peça importante para a preservação da água”, a sequência

linguística é empregada com outro sentido. Agrega-se, principalmente à fórmula, o

sentido de investimentos constantes em infraestrutura, bem-estar social e igualdade

social de gênero.

Todas as posições descritas no conjunto de exemplos evocam algum sentido para

a fórmula desenvolvimento sustentável, de acordo com o referente social, e mais há uma

circulação que atesta a sequência linguística em distintos gêneros discursivos.

Conforme os exemplos colocados, fica claro o caráter de referente social da

fórmula. O que a caracteriza como uma sequência por todos conhecida e partilhada,

porém partilhada separadamente, já que a fórmula é caracterizada por sua constituição

aberta a possibilidades de significação. Cada sujeito/instância enunciativa de dizer irá

fazer uso da fórmula como referente social, mas um referente que aponta diferentes

ideias presentes numa mesma sequência linguística, isto é, o uso que se faz do sintagma

assume diferentes eventos discursivos. Sobre este aspecto, Krieg-Planque (2009) vai

dizer:

P. Fiala e M. Ebel sustentam uma concepção contextual do sentido, e

insistem nisso: se há de fato um significante comum em circulação (a

coroa da “moeda”, para retomar a metáfora de Courtine), o significado

está em perpétua redefinição, em razão mesma de sua circulação. Nem

todos inscrevem a mesma coisa do lado cara fórmula, e é por essa

razão que essa é a questão central nos debates. O que caracteriza a

fórmula como referente social não é que ela seja unanimidade (já que,

bem ao contrário, ela não produz consenso), mas é que ela representa,

num dado momento, uma passagem obrigatória. (KRIEG-

-PLANQUE, 2009, p. 7)

4.4. Desenvolvimento sustentável: polemicidade em torno da fórmula

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Ao utilizar determinada fórmula, o sujeito se inscreve em instâncias

sociopolíticas. Quando defende ou refuta a ideia contida nela, esse sujeito se vê em

posição de relação com a sequência linguística dada como fórmula. No entanto, essa

colocação em torno dela não ocorre de maneira neutra, pois ao fazer uso da expressão, o

sujeito carrega marcas de sua constituição:

(...) a fórmula põe em jogo modos de vida, recursos materiais, a

natureza e as decisões de um regime político do qual os indivíduos

dependem, seus direitos, seus deveres, as relações de igualdade ou de

desigualdade entre cidadãos, a solidariedade entre humanos, a ideia de

que as pessoas se fazem no seio da nação de que se sentem membros.

(KRIEG-PLANQUE, 2010, p.100).

Krieg-Planque traduz para o real as caracterìsticas que um „simples‟ sintagma

pode evocar, o que faz decorrer dessas descrições, entre outras, o fato de a fórmula se

constituir numa relação polêmica: se a própria fórmula carrega em si todas essas

„partes‟ do sujeito que a utiliza, fica claro que a cada utilização ela será envolta por

características diversas.

Portanto, mais explicitamente, se o sujeito X utiliza uma dada fórmula, por mais

que ela possua as significações similares ao do sujeito Y, em algum momento, elas irão

se diferenciar devido ao caráter polêmico que a sequência linguística evoca. O caráter

polêmico da fórmula só é possível em razão do caráter histórico que ela possui. A

fórmula só se faz possível por conta da sua inserção em certo momento histórico. Sua

utilização só se caracteriza como passagem „obrigatória‟ a partir do momento que ela

evoca algo que está no centro (ou pelo menos próximo a ele) em certo momento da

história.

Além disso, é isso o que ocorre com a fórmula “desenvolvimento sustentável”,

que se constituiu como elemento formulaico, devido ao debate internacional acerca da

preocupação com o meio ambiente, aliado à preocupação com a manutenção do

desenvolvimento econômico a ECO-92. A partir dessa emergência, o sintagma é

colocado socialmente como „ponto de passagem‟ para os sujeitos que estão inseridos no

momento desse acontecimento histórico. E desse instante histórico, a fórmula ganha

repercussão e notoriedade, o que a torna um acontecimento discursivo.

Produzido esse acontecimento discursivo, as pessoas começam a posicionar-se

sobre ele. Tal posicionamento não se dá de forma tranquila, pois há uma guerra

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ideológica, em que os sujeitos assumem posição diante dessa “batalha” discursiva,

opinando e manifestando-se sobre a fórmula.

O futuro sustentável depende de nós

A Gazeta, ed. 5.890, 13/12/2007

Em todo o mundo, são inúmeros os projetos focados no

desenvolvimento sustentável. O governo, as organizações não

governamentais e a iniciativa privada muitas vezes se unem nem

sentido, como forma de garantir melhor qualidade de vida para a

coletividade, gerando negócios socioambientais e preservando a vida

do planeta.

A humanidade terá que evoluir para um nove estagio de civilização.

Afinal, a cada dia que passa fica mais escassos seus recursos o que

obriga novas formas de produção e consumo. Todos que ousam

planejar o futuro, passando por ações de sustentabilidade no campo

ambiental.

Controle só em médio prazo

A Gazeta, ed. 6.230, 29/11/2008

Mato Grosso, por ser um estado com convocação agrícola, produtor de

importante matéria-prima, sofre as consequências do impacto da ação

humana sobre seus ecossistemas e em especial, sobre os recursos

naturais.

Como Mato Grosso faz parte da Amazônia Legal Brasileira por

extensão o ecossistema Amazônico também vem sofrendo acelerado

processo de ocupação humana e de transformação de seus ambientes

naturais.

Para diminuir, minorar e amenizar esse acelerado processo de

transformação ora em curso no Estado e na região faz-se necessário à

definição de políticas publicas objetiva e bem definida para o

desenvolvimento sustentável a médio e em longo prazo. É importante

que os dirigentes gestores públicos, pesquisadores, trabalhem em

conjunto visando a sustentabilidade da região, colocando em prática

conhecimentos e alternativas de uso racional desses ambientes

respeitando suas peculiaridades locais e regionais auto-sustentáveis.

O aborto de Serra

A Gazeta, ed.6894, 16/10/2010

Ainda bem que sua mascara caiu de novo rápido no debate da BAND:

pois quando perguntado se ele atenderia ou mandaria prender milhares

de mulheres, na sua condição precária? Claro; hipocrisia não

sustentável.

Penso que a sociedade brasileira não deve permitir que Serra pratique

um aborto no desenvolvimento do Brasil. Penso que a hipótese da vida

é Dilma presidente, junto com os movimentos sociais e os que

desejam a inclusão dos pobres e a geração de trabalho para os

excluídos do nosso país. E Dilma deixou claro no debate que o

dinheiro do pré-sal (nossa maior riqueza hoje) no governo dela será

aplicado em saúde, educação, segurança, cultura, arte, esporte,

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moradia e proteção ambiental para erradicar a pobreza e mudar

definitivamente o Brasil. Isso sim é um debate publicitário.

Verificamos a circulação da fórmula desenvolvimento sustentável nas falas do

jornalista e poeta, Leo Pereira, em Jair Donato, jornalista e especialista em Gestão de

Pessoas, e em Pedro Nadaf, presidente da Fecomércio e Secretário de Estado do

Desenvolvimento do Turismo.

Nadaf, ao longo de seu texto, discorre sobre como diferentes setores

governamentais e não governamentais cada dia mais estão se dando conta do quanto é

preciso a humanidade evoluir para o que ele chama de “novo estágio de civilização”.

Esse novo estágio confere às pessoas o planejamento de ações que possibilitem a

sustentabilidade. Cita, ainda, que existem empresas e instituições preocupadas com a

prática de gestão ambiental. Percebemos, em “O futuro sustentável depende de nós”,

que Nadaf apresenta uma postura em que desenvolvimento sustentável está

inevitavelmente ligado ao campo ambiental, pensando em que nada adianta pensar em

grandes “elefantes brancos” que não levarão a lugar nenhum.

Em “O aborto de Serra”, o jornalista Léo Pereira, ao longo de sua narrativa, tece

críticas à candidatura de José Serra a Presidência da República. Para isso, já no título

faz alusão a talvez o tema que esteve no centro dos debates no período eleitoral, o

aborto. Discorre sobre o perfil dos presidenciáveis Serra e Dilma, colocando claramente

a sua opção partidária. Aponta, para tanto, as diferenças entre ambos, destacando que

tanto um quanto outro foram os regentes nos governos que fizeram parte, FHC e Lula, e

que claro, deixando a sua preferência em evidência. O autor, assim, traz o tema que

gerou polêmica no período eleitoral, enfatizando, a todo momento, que Serra e os

tucanos representam o aborto na política, ou seja, o atraso. Atraso este no que se refere

principalmente ao desenvolvimento sustentável do Brasil. A sequência linguística é

empregada com uma dimensão maior, não restringindo desenvolvimento sustentável

apenas a crescimento econômico e preservação ambiental. Na visão do jornalista, a

eleição de Dilma vai atender aos critérios de desenvolvimento sustentável, que não se

limitam apenas a desenvolvimento econômico e preservação ambiental.

4.5. O acontecimento discursivo “desenvolvimento sustentável” enquanto

narrativa do acontecimento

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Faremos neste instante, a partir da proposta desenvolvida por Guilhaumou, que

descreve como se deu a descrição linguística do acontecimento acerca do evento da

morte de Jean-Paul Marat. Considerado representando do povo, Marat foi assassinado

por Charlotte Corday, em 13 de julho, no final da tarde. O fato provocou um sentimento

coletivo de aflição, revolta, desejo de terror, enfim, o acontecimento adquiriu um

movimento incontrolável no corpo social daquele já turbulento período histórico

francês, incitado pela Revolução francesa, aos 14 de julho de 1789. A partir dessa

“repercussão” que o acontecimento provocou, a grande maioria da imprensa de Paris

ocupou-se de desenrolar a pomba fúnebre. A abordagem desse acontecimento se dá

numa proposta da narrativa do acontecimento, mostrando que o desenrolar da pomba

fúnebre permite reconstituir o andamento discursivo na direção à dinâmica do

acontecimento6.

A narrativa do acontecimento, na perspectiva do teórico, visa apresentar o

percurso de um acontecimento, levando em consideração, simultaneamente, a lógica

sequencial do acontecimento e sua dimensão configurante, acrescentando que o

acontecimento é algo que participa de uma ação universalizante, isto é, em um

acontecimento em que possui algo do relato coletivo, que é descrito em sua

sequencialidade e que está em eterno retorno, não esgotando, portanto, o movimento de

interpretação sobre o acontecimento. Dessa forma, a narrativa do acontecimento

descreve o acontecimento discursivo como algo que se torna comum à coletividade, que

pode ser apreendido em sua manifestação arquivista e podendo também ser apreendido

na(s) materialidade(s) do(s) arquivo(s). Todavia, nesta apreensão, o acontecimento é

tomado sempre na sua inesgotabilidade semântica.

Pensando no acontecimento discursivo “desenvolvimento sustentável”, faremos

descrição linguística desse acontecimento no sentido de apresentar como o andamento

discursivo da fórmula expressa a dinâmica desse acontecimento – evidenciando,

contudo, o recorte temporal que estabelecemos à nossa análise. Ou seja, mostraremos

como a fórmula, enquanto um acontecimento discursivo que se deu no evento

promovido em razão de aliar preservação e desenvolvimento econômico, Rio 92 (ECO-

92), continua a produzir um movimento narrativo coletivo, dando à fórmula sentidos

que podem ser recuperados no interior do arquivo. Logo, com essa abordagem, há a

6 Para mais detalhes que cercam essa análise do acontecimento da morte de Marat, conferir a obra

Linguística e história. São Carlos, SP: Pedro e João Editores, 2009, tradução organizada por Roberto

Leiser Baronas, assinada por este mesmo autor francês, Jacques Guilhaumou.

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possibilidade de buscar nos arquivos do passado, pois o acontecimento sob a ótica da

narrativa do acontecimento “permanece perpetuamente reinterpretável juridicamente e,

consequentemente, atual seu próprio sentido.” (Guilhaumou, 2009, p.151)

Da fórmula “desenvolvimento sustentável”, podemos asseverar que, a partir do

evento sediado no Rio de Janeiro, passou-se a efetivar um acontecimento institucional,

pois a descrição e a discussão que se sucederam ao decorrer do evento geraram

discursos que partiram de “autoridades”, ecologistas, legisladores, professores e outros

do meio acadêmico-científico etc. Isto é, o acontecimento foi dado como verdade,

produzindo, inclusive, saberes sobre o que eram ou não a verdade absoluta e o sentido

real sobre desenvolvimento sustentável, devido à fala de pessoas “autorizadas” a

enunciar sobre esses discursos. Os discursos propagados foram postos a circular num

acontecimento narrado do ponto de vista dos locutores-jornalistas, que debulharam as

nuanças dos discursos ocorridos e deram ao acontecimento o que Guilhaumou chama de

“efeito de autoridade”. No entanto, Guilhaumou afirma que as narrativas que são postas

em circulação sobre o acontecimento discursivo “Morte de Marat” é cercado de

julgamentos e avaliações polêmicas, algo que se assemelha, podemos dizer, com a

fórmula “desenvolvimento sustentável”. Podemos vislumbrar a fórmula sendo posta em

narrativas, na sua grande totalidade nas falas desses mesmos sujeitos, isto é, quase

nunca há, por exemplo, um ribeirinho7, empregando o sintagma. Isso pôde ser

observado em nosso corpus. Há a utilização da sequência, por jornalistas, professores,

economistas, secretários de governo, Ongs, mas em momento algum um

pescador/ribeirinho ou uma dona de casa.

PETRÓLEO

A Gazeta, ed.6.565, 10/11/2009

A Petrobras apresenta amanham, em Cuiabá, as ações estratégicas do

Programa Petrobras Ambiental, que inclui patrocínio a projetos,

fortalecidos das organizações ambientais ligadas ao desenvolvimento

sustentável. A idéia é esclarecer sobre o roteiro de elaboração de

projetos ambientais adotados pela Petrobras. Mas será interessante

falar dos sistemas de segurança para não poluir os oceanos.

7 Assim é chamada a população que vive junto de ribeiras ou rios em diversas regiões do Brasil.

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Energia renovável é discutida

A Gazeta, ed.6.899, 21/10/2010

Gilberto Goellner (DEM) participou na terça-feira (19) em São Paulo

de evento promovido pela Câmara Americana de Comercio de São

Paulo, uma das entidades mais procuradas por investimento de todo o

Mundo em busca de alternativa para aplicações de recursos.

Oportunidades no Brasil e em Mato Grosso, sob o prisma e a ótica das

políticas sustentáveis, que aliam o desenvolvimento com a

preservação ambiental como meta numero 1.

Goellner avalia que o agronegócio em Mato Grosso e no Brasil esta

sustentável, ou seja, pouco o quase nada de novo áreas são abertas

para novos plantios e a tendência é de se utilizar áreas são abertas e

hoje estão abandonadas para o plantio. “Tanto é que 64% da área total

de MT estão preservadas”.

Outro aspecto que Guilhaumou (2009) apresenta sobre o acontecimento “Morte

de Marat” é o da descrição que se faz do acontecimento enquanto efeito de objetividade.

Este movimento é feito como um processo-espetáculo, em que são narrados os fatos do

cortejo inicial fúnebre, numa atmosfera espetacularizada, seguindo numa tonalidade de

comentário, realizado por sequências metadiscursivas.

Com isso, queremos afirmar que a fórmula “desenvolvimento sustentável” se

configura no que Guilhaumou chama de narrativa do acontecimento. O exemplo que ele

utiliza para explicar o conceito, o acontecimento “Morte Marat”, nos faz refletir acerca

da fórmula em análise, pois acreditamos que o acontecimento discursivo que ela

engendrou atende aos passos de descrição do acontecimento, na perspectiva

empreendida por Guilhaumou, enquanto algo institucional, objetivo, com tonalidade de

comentário e asserções metadiscursivas. Queremos dizer com isso é que a fórmula

“desenvolvimento sustentável”, enquanto acontecimento narrativo, assume o caráter de

acontecimentalização discursiva.

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Considerações finais

“Imensa onda verde invade MT neste final de semana”. Assim começou o jornal

da rede mato-grossense de televisão, MTTV, 1a edição, neste sábado 4/6/2011, vésperas

do dia Internacional do Meio Ambiente. A emissora realizou no decorrer da semana

uma série de reportagens do Projeto Eco em parceria com a tevê Morena de Mato

Grosso do Sul, que tem como objetivo mostrar como nos dois estados, Mato Grosso e

Mato Grosso do Sul são desenvolvidos trabalhos que primam pelo desenvolvimento

sustentável.

“Primeira Copa do Mundo Carbono Neutro”, fala do Presidente da Agecopa

2014, de Mato Grosso, Éder Moraes. Segundo ele, este estado será o primeiro do mundo

a desenvolver um projeto de não emissão de gases poluentes na construção de estádios

de futebol. Para garantir a efetivação do projeto serão responsáveis diretos os

ribeirinhos das três principais bacias fluviais do estado, os rios Cuiabá, Paraguai e São

Lourenço. A inclusão dos ribeirinhos é no plantio de mais de um milhão de mudas de

árvores às margens desses rios. Segundo Moraes, uma forma de promover a

sustentabilidade ambiental. “Vamos manter as florestas em pé”, título do texto que circulou na A Gazeta, no

último dia 05 de junho, Dia Internacional do Meio Ambiente. Foi enunciado na matéria

que as florestas só deixariam de ser destruídas em solos brasileiros se houvesse

investimento pesado em educação ambiental e projetos sustentáveis, envolvendo as

grandes empresas multinacionais, investidoras ou com interesse de investir na região

Amazônica, até o pequeno extrativista amazônico. Enfatizou que a população e o

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governo precisam trabalhar juntos. Sendo assim, se faz necessário segundo o texto uma

mudança de mentalidade das pessoas de ambos os lados.

Como vemos, a temática ambiental na contemporaneidade vem ganhando

destaque nas mídias em geral. Cada dia mais presenciamos as pessoas em diversos

campos do saber produzindo narrativas sobre a questão. Falas estas que são postas em

circulação em especial pelas mìdias, que passam a atuar como “operadores de

circulação, como varejistas” (Krieg--Planque, 2010). Entendemos, assim, que a

Análise do Discurso tem muito a contribuir também com a problemática, com um olhar

discursivo sobre a comunicação, com o intuito de observar como os discursos que são

produzidos pelos atores (jornalistas) organizam o espaço social.

Valemo-nos da Análise do Discurso no trabalho com e sobre a linguagem,

sendo que, para esta disciplina, a língua é considerada na ordem material, opaca,

construída também por equívocos, por marcas da historicidade. Dessa forma, a AD, na

proposta de Krieg-Planque (2010), figura como uma disciplina central para os estudos

da comunicação.

Enquanto disciplina central para se pensar a comunicação sobre a ótica

discursiva, a pesquisadora francesa coloca ainda que a concepção de discurso é pautada

como o lugar de “práticas que formam ao mesmo tempo o instrumento e o lugar de

divisões e junções que fundam o espaço público”. Sendo assim, por meio de um

“como” são organizados os discursos de diversos atores sociais, advindos de formações

muito diferentes, seus discursos acabam por perpetuar relações de poder. O sujeito, ao

produzir e ao organizar o seu discurso, não está simplesmente dizendo alguma

coisa, mas, sobretudo, apontando uma imagem de si. Com isso, queremos enunciar que

o sujeito, tomado aqui enquanto ator social, passa a circular palavras que estão na

ordem do dia, etiquetando por meio de sua produção discursiva uma narração coletiva,

que se concretiza por uma ação.

Assim, procuramos pensar numa perspectiva discursiva a comunicação e o

conceito de fórmula, como proposto por Alice Krieg-Planque. Ou seja, tivemos como

propósito analisar discursivamente como são dadas a circular, em narrativas, a fórmula

“desenvolvimento sustentável” na mìdia mato-grossense. Para refletir a fórmula

desenvolvimento sustentável, nosso corpus empírico foi constituído de matérias

retiradas de três cadernos do jornal A Gazeta, a saber: Opinião, Economia e Cidades,

cujo recorte temporal selecionado se trata de anos entre 2006 a 2010. Fazemos questão

de salientar que a nossa análise é de base arquivista, o que permite um retorno às

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materialidades linguísticas num movimento (gesto de leitura) nunca descritível em sua

totalidade. Logo, a fórmula “desenvolvimento sustentável” é aqui vislumbrada

enquanto acontecimentalização discursiva.

Para desenrolar as ideias sobre a fórmula em análise, apresentamos no primeiro

capítulo o campo teórico da Análise do Discurso, discorrendo brevemente sobre as três

fases pelas quais passou a disciplina, além de evidenciar o conceito de acontecimento –

conceito importantíssimo para o empreendimento de nossa análise. Ainda na primeira

parte, descrevemos as contribuições de Faye, Fiala e Ebel, Maingueneau, como base

para construir o quadro teórico e metodológico de Krieg-Planque sobre fórmula.

Trazidos assim, os conceitos de acontecimento e fórmula, eis que abordamos o que

Guilhaumou chama de narrativa do acontecimento.

Abordamos, além disso, na segunda parte de nosso trabalho a fórmula

propriamente dita, fazendo um breve sobrevoo sobre como se deu a consolidação da

sequência linguística nos principais documentos, resultados de fóruns diversos que

discutiram a questão. E ainda destacar os critérios que configuram uma dada sequência

linguística como uma fórmula.

Trouxemos a descrição de nosso corpus de pesquisa, no terceiro capítulo.

Enunciamos nesta parte o conceito de biopoder, com a finalidade de trazer para

discussão práticas de poder, operadas pelas mídias.

Buscamos, no momento das análises que se deram no quarto capítulo,

apresentar a proposta da pesquisadora Krieg-Planque, para que o sintagma

“desenvolvimento sustentável” se encaixe com as propriedades da fórmula: caráter

cristalizador, caráter discursivo, caráter de referente social e caráter polêmico. Feito

isso, esboçamos como a fórmula em análise se torna um acontecimento discursivo, e

como acontecimento discursivo pode ser pensado à luz de uma narrativa do

acontecimento. Ao procedermos com a construção de nosso trabalho, o tempo todo um

pensamento não nos saia de nossas reflexões: como empreender em Mato Grosso um

“desenvolvimento sustentável”, uma vez que esse estado vive em constante crise

ambiental, mas, por outro lado, é líder em produção agrícola?

À medida que íamos realizando as etapas do trabalho, tivemos contato com a

proposta de trabalho da francesa Krieg-Planque, sobre o conceito de fórmula, e

passamos a pensar no sintagma como “operador” capaz de organizar, fundar, o espaço

público que reflete essa discussão. Neste sentido, a fórmula produzida no meio

acadêmico passa a atingir milhares e milhares de pessoas, utilizam-na com toda

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veemência, embora, muitas vezes, não conhecem e nem buscam conhecer o significado

da palavra.

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