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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA Riqueza e Representação social nas Minas Gerais: um perfil dos homens mais ricos (1713-1750) Karina Paranhos da Mata Belo Horizonte Outubro de 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Riqueza e Representação social nas Minas Gerais: um perfil dos homens mais ricos (1713-1750)

Karina Paranhos da Mata

Belo Horizonte Outubro de 2007

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Karina Paranhos da Mata

Riqueza e Representação social nas Minas Gerais: um perfil dos homens mais ricos (1713-1750)

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Adriana Romeiro

Belo Horizonte Outubro de 2007

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Karina Paranhos da Mata Riqueza e representação social nas Minas Gerais: um perfil dos homens mais ricos (1713-1750) Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Mestre em História. Aprovada por: ___________________________________ Prof. ª Dr. ª Adriana Romeiro – orientadora Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) __________________________________ Prof. Dr. Douglas Cole Libby Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG) __________________________________ Prof. ª Dr. ª Carla Maria Carvalho de Almeida Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

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Ficha catalográfica MATA, Karina Paranhos da. Riqueza e representação social nas Minas Gerais: um perfil dos homens mais ricos (1713-1750) / Karina Paranhos da Mata, Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2007. Orientadora: Professora Doutora Adriana Romeiro Dissertação de Mestrado, UFMG, FAFICH, Pós-graduação em História, linha de pesquisa de História Social da Cultura, 2007. Referências Bibliográficas: 163 f. 1. História do Brasil 2. História de Minas Gerais 3. Riqueza 4. Representação social. I. Romeiro, Adriana. II. Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-graduação em História. III. Título.

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AGRADECIMENTOS

A minha orientadora Adriana Romeiro que desde o início acreditou em mim. Seus cuidados de orientadora, incentivo, seriedade acadêmica e gentileza, forneceram-me o auxílio necessário para dar forma a esta pesquisa. Ao Instituto Amilcar Martins, ICAM, pelo financiamento parcial da pesquisa. A bolsa de seis meses que me foi concedida significou um importante auxílio para o término das pesquisas. Aos professores Douglas Cole Libby e Tarcísio Rodrigues Botelho, que fizeram comentários precisos e decisivos para a pesquisa quando do exame de qualificação. A este último devo o meu muito obrigado, por contribuir na minha formação acadêmica, orientar e incentivar meus primeiros passos rumo ao tema da minha pesquisa. Aos funcionários da Casa Setecentista de Mariana, especialmente Cássio e Antero, pela simpatia e presteza. As meninas da Républica Toka de Ouro Preto e a Lourdes em Mariana, por me receberem tão bem enquanto estive pesquisando. A Carla Starling, Cleonice e Sônia, funcionárias do Arquivo Histórico do Museu do Ouro de Sabará/Casa Borba Gato, pela solicitude e atenção. A primeira que se tornou minha amiga, devo meus agradecimentos sinceros por me auxiliar na leitura dos documentos e sempre se mostrar disposta a me ajudar nas pesquisas. A Janaína, grande amiga do mestrado, a qual desde o início dividiu comigo momentos de alegria e angústia se mostrando sempre disposta a ajudar no que fosse preciso. A Flávia minha colega no mestrado, que se tornou minha amiga. Além de suas caronas para Mariana, dividiu comigo os momentos árduos das pesquisas e muitas informações valiosas, mostrando-se sempre atenciosa e prestativa. A Regina e Rodrigo, meus amigos da graduação que sempre estiveram comigo, me incentivando. Aos meus irmãos e a minha família pela paciência em esperar os resultados do meu trabalho. E por fim, especialmente a minha mãe, Celma, por ser de fundamental importância para a realização desta pesquisa. Por sua dedicação, compreensão e incentivo.

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SUMÁRIO LISTA DE TABELAS...........................................................................................................7 LISTA DE ABREVIATURAS..............................................................................................8 INTRODUÇÃO......................................................................................................................9 CAPÍTULO 1. A idéia de Antigo Regime na América portuguesa...................................19

1.1 Práticas do Reino Português.........................................................................19 1.2 A América Portuguesa..................................................................................24

CAPÍTULO 2. Formas de enriquecimento nas Minas Gerais setecentistas.....................48

2.1 Riqueza e decadência....................................................................................48 2.2 Os caminhos do enriquecimento: mineração, comércio e arrematação de contratos........................................................................................................53

CAPÍTULO 3. Padrões de Riqueza nas Minas do Ouro.....................................................75

3.1 Os homens de extraordinário cabedal............................................................75 3.2 A Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo.....................................................78 3.3 A Comarca do Rio das Velhas.......................................................................89 3.4 Considerações..............................................................................................103

CAPÍTULO 4. Os homens mais ricos e as estratégias em busca da nobilitação.............113

4.1 Perspectivas sobre a busca da ascensão social.............................................113 4.2 As estratégias sociais dos mais afortunados................................................122

CONCLUSÃO......................................................................................................................148 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................153

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Inventariados segundo sexo, condição e título honorífico por faixas de riqueza (em réis). Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo 1713-1750. (em números absolutos)................79 Tabela 1A Inventariados segundo sexo, condição e título honorífico por faixas de riqueza (em réis). Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo 1713-1750. (em %)..........................................79 Tabela 2 Inventariados segundo a posse em escravos, por faixas de riqueza (em réis). Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo 1713-1750. (em números absolutos).................................80 Tabela 2A Inventariados segundo a posse em escravos, por faixas de riqueza (em réis). Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo 1713-1750. (em %)...........................................................80 Tabela 3 Inventariados segundo sexo, condição e título honorífico por faixas de riqueza( em réis). Comarca do Rio das Velhas 1713-1750. (em número absolutos)....................................90 Tabela 3A Inventariados segundo sexo, condição e título honorífico por faixas de riqueza( em réis). Comarca do Rio das Velhas 1713-1750. (em %).............................................................90 Tabela 4 Inventariados segundo a posse em escravos, por faixas de riqueza (em réis). Comarca do Rio das Velhas 1713- 1750. (em números absolutos)..........................................91 Tabela 4A Inventariados segundo a posse em escravos, por faixas de riqueza (em réis). Comarca do Rio das Velhas 1713-1750. (em %)......................................................................92

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LISTA DE ABREVIATURAS

AHU- Arquivo Histórico Ultramarino

APM- Arquivo Público Mineiro

AHCSM- Casa Setecentista de Mariana

AHMOS- Museu do Ouro de Sabará

RAPM- Revista do Arquivo Público Mineiro

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Introdução Nas Minas Gerais, desde o início do povoamento, a riqueza alimentou o sonho de

muitos que vieram ao território em busca das famosas minas de ouro. Os primeiros

aventureiros enfrentaram a fome que assolou a região em fins do século XVII e início do

XVIII, e se depararam com mecanismos que frustraram o sonho de enriquecimento fácil para

a grande maioria. O Regimento de 1702, por exemplo, que regulava a distribuição das datas

minerais, impôs regras que restringiram o acesso às lavras a alguns poucos privilegiados que

possuíam escravos.1

Segundo Laura de Mello e Souza, as “festas eufóricas do século XVIII” alimentaram

a visão de riqueza e opulência das Minas. A festa do Triunfo Eucarístico, realizada em Vila

Rica em 1733, e a do Áureo Trono Episcopal, em Mariana no ano de 1748, traduziram de

forma ritualizada uma sociedade rica e opulenta, e criaram a falsa ilusão de um espaço

comum de riqueza. A realidade que era de poucos, foi apresentada como sendo de muitos, ou

seja, como afirma Laura de Mello e Souza o fausto era falso. Tratava-se da representação de

uma riqueza imaginária. A sociedade urbanizada que se configurou com base em práticas de

Antigo Regime, era bem diferente do ideal de sociedade apresentado nas festas religiosas.

Poucos foram os que conseguiram êxito na empreitada aurífera, predominando a pobreza da

população.2

Para Júnia Ferreira Furtado, a flexibilidade social fazia parte da realidade de um

grupo restrito de homens nas Minas Gerais setecentistas. Era uma sociedade urbanizada que,

apesar de possuir suas especificidades, estava assentada em rígidas práticas de origem

1 “Regimento dos superintendentes, guardas mores e mais oficiais deputados para as Minas do ouro assinado por Sua Majestade”. APM, Seção colonial 01. 2 SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira do século XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 1982. p. 19-20

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portuguesa. As redes de clientela, por exemplo, eram determinantes para o reconhecimento de

um indivíduo na sociedade e a ostentação de uma posição importante na hierarquia social. As

mercês, recompensas dadas pelo rei aos vassalos que prestavam bons serviços à Coroa, eram

o principal caminho para os que buscavam a nobilitação.3

Ao investigar as Minas Gerais setecentistas, autores como Laura de Mello e Souza,

Júnia Ferreira Furtado, Marco Antônio Silveira e Carla Carvalho de Almeida levantaram

questões importantes relativas à riqueza e à representação social - essas questões despertaram

o nosso fascínio pelo tema. O trabalho desenvolvido na graduação com uma Bolsa de

Iniciação Científica, no qual foram utilizadas, entre outras fontes, as listas de cobrança do

Quinto Real, foi crucial para o início da presente pesquisa. Visando lançar luz sobre questões

levantadas ainda no trabalho de Iniciação Científica, o atual estudo propõe o aprofundamento

da investigação sobre as relações políticas, econômicas e sociais que envolviam os homens

mais ricos das Minas Gerais na primeira metade do Setecentos.

Afinal, quem eram os indivíduos mais ricos das Minas na primeira metade do XVIII?

Em que bens investiam? Que itens do patrimônio eram essenciais para sua inserção entre os

componentes da elite econômica? A riqueza tinha influência na obtenção de lugares de

prestígio na hierarquia social? De que forma o cabedal podia ser utilizado nas estratégias em

busca da ascensão social? Os homens mais afortunados ocupavam os cargos mais honrados e

prestigiosos da região?

O aprofundamento dos estudos sobre o perfil de parte da sociedade mineradora na

primeira metade do Setecentos, oferece contribuição importante para a compreensão da

complexa dinâmica colonial. A investigação sobre a trajetória das pessoas mais ricas permite

3 FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio: a interiorização da metrópole e do comércio nas minas setecentistas. São Paulo: Hucitec, 1999.

11

que se conheçam melhor os padrões de riqueza vigentes e os mecanismos utilizados na busca

da ascensão social.

Os indivíduos mais ricos eram os que ocupavam posição de destaque social, em meio

ao edifício hierárquico da sociedade aurífera. Eram pessoas distintas, que conseguiram ter

êxito na empreitada aurífera em meio à massa de desafortunados. Além disso, possuíam

numerosa escravaria, um dos principais e mais importantes fatores de produção nas Minas. A

posse de cativos demarcava a condição livre do indivíduo e seu grande número, segundo o

Regimento dos Superintendentes, guardas-mores e oficiais deputados de 1702, era fator

determinante na extensão das datas minerais distribuídas pela Coroa. Os mais ricos também

eram aqueles que dispunham de cabedal a ser investido em benefício do serviço régio, ou seja,

para agir em prol da Coroa sem onerar a Fazenda Real. Serviços que mais tarde abriam

caminho para a aquisição de mercês, signo da nobilitação no Império português.

A pesquisa tem como objetivo identificar, na região da Vila do Ribeirão do Carmo e

seu termo e na Comarca do Rio das Velhas, no período de 1713 a 1750, as pessoas mais ricas,

os mecanismos que utilizavam para conquistar e manter a riqueza, os caminhos que

percorriam para alcançar os símbolos de prestígio e status social. Busca-se também observar a

influência da riqueza na conquista da posição social.

A Vila do Ribeirão do Carmo figurava entre as primeiras criadas em 1711 pelo

governador das Minas do Ouro e São Paulo - Antônio de Albuquerque Coelho e Carvalho.

Tratava-se de um núcleo urbano importante, com comércio fixo, considerável número de

habitantes e uma diversidade de atividades econômicas. Segundo Diogo de Vasconcelos, a

descoberta do ouro na região deu-se por volta de 1696 pelos bandeirantes paulistas Miguel

12

Garcia e o coronel Salvador Fernandes Furtado.4 Em pouco tempo, a vila do Ribeirão do

Carmo tornou-se sede do primeiro bispado e logo depois foi elevada à categoria de cidade. 5

A Comarca do Rio das Velhas ou de Sabará foi uma das primeiras a ser criada em

1714, no governo de Dom Brás Baltazar da Silveira. A comarca tinha uma extensão enorme:

fazia limite com a Bahia, Pernambuco, Goiás, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Sua sede ficava

na vila de Nossa Senhora da Conceição de Sabará, criada em 1711 por Antônio de

Albuquerque Coelho e Carvalho. Segundo Waldemar de Almeida Barbosa a fundação do

antigo arraial de Sabará por muito tempo foi atribuída a Manuel de Borba Gato, residente na

região de Roça Grande e um dos primeiros descobridores de ouro na região do Rio das

Velhas. Para o autor, o fato de Borba Gato morar próximo ao arraial de Sabará e ser autor de

descobertas auríferas na região foi responsável pela confusão de informações. Após o arraial

de Sabará ter sido elevado à condição de vila, o lugar que já era populoso prosperou como

grande centro comercial entre as minas do ouro e a Bahia, ocupando um lugar estratégico por

estabelecer estreito contato com todo o centro e norte mineiro. O seu termo “abrangia

extensão imensa e compreendia um sem número de arraias: Pompéu, Lapa, Raposos, Roça

Grande, Congonhas, Curral Del Rei, etc.”6

O ano de 1713 marca o início do recorte temporal da pesquisa. Tratava-se de uma

etapa inicial do processo de introdução de uma estrutura administrativa na Capitania. As vilas

recém criadas representavam um importante instrumento político implantado nos núcleos de

mineração mais populosos. A Coroa precisava criar mecanismos eficientes para impor a

ordem e tributar a população. Segundo Russel-Wood as medidas implantadas tinham como

4 VASCONCELOS, Diogo. História antiga das Minas Gerais: 1703-1720. Belo Horizonte: editora Itatiaia, 4 ed., 1999. p. 127-129 5 BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico-geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1995. p. 195-197. BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil: dores do crescimento de uma sociedade colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. p. 102-104 6 Ibid., p. 291-292.

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propósito “promover um governo eficiente no âmbito local e regional; administrar a justiça e

aplicar a lei; e cumprir as obrigações reais de defensor da fé.”7 No ano de 1713 tem início a

administração do segundo governador das Minas Dom Brás Baltazar da Silveira, e também

uma nova forma de arrecadação do imposto do quinto. Mediante acordo com os

representantes das câmaras das Minas, o governador estabeleceu o pagamento por estas à

Coroa de uma taxa anual de 30 arrobas de ouro. Porém, a Coroa se recusou a sancionar a nova

forma de tributação e determinou o retorno da cobrança do imposto por bateias. A medida não

foi bem recebida pelos moradores das Minas, que se amotinaram exigindo que fossem isentos

do tributo. Temendo que a situação se generalizasse na região mineira, o governador logo

suspendeu a medida, ordenando a volta ao sistema de fintas e avenças, fixando o valor do

pagamento em 30 arrobas anuais de ouro. 8

O ano de 1750 foi escolhido como ponto final do presente estudo, pois marca o

término do reinado de Dom João V. Nesse momento, Dom José I iniciava seu reinado com

significativas mudanças na sociedade portuguesa e no Império. O primeiro ministro do rei o

Marquês de Pombal promoveu transformações administrativas e novas diretrizes políticas que

tinham como uma de suas finalidades a desativação das redes clientelares, limitadoras do

poder régio. Tratava-se de uma medida importante na transição do Estado corporativo para

um Estado centralizado, racionalizado e militarizado.9 Nas Minas Gerais então sob o governo

de Gomes Freire de Andrade, uma das mudanças significativas foi a suspensão da taxa de

capitação, recebida com um indisfarçável alívio pelos mineiros.10

7 RUSSELL-WOOD, A.J. R. . O Brasil Colonial: O ciclo do Ouro, C. 1690-1750. In. BETHELL Leslie(org.) História da América Latina: a América Latina colonial, volume II. São Paulo: editora da Universidade de São Paulo, 1999. p. 484. 8 BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil ... Op. cit. , p. 212-213. 9VAINFAS, Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil colônia. 1500-1808. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. p.501-504. 10 BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil: dores do crescimento... Op. cit. , p. 309 e 324.

14

Para traçar o perfil econômico, político e social dos homens mais ricos da Vila do

Ribeirão do Carmo e seu termo e da Comarca do Rio das Velhas no período de 1713 a 1750,

utilizamos os testamentos e inventários post mortem, as cartas patentes, provisões e as listas

para cobrança do Quinto Real. Para obter informações complementares, foram utilizadas

legislações, regimentos, decretos, leis, alvarás e bandos.

Os inventários e testamentos post mortem dos cartórios de 1º e 2º ofícios de Vila do

Ribeirão do Carmo e seu termo, encontram-se sob a guarda do Arquivo Histórico da Casa

Setecentista de Mariana. A mesma tipologia documental foi usada para a Comarca de Sabará,

e encontra-se sob a guarda do Arquivo Histórico do Museu do Ouro de Sabará/ Casa Borba

Gato.

Os testamentos contêm informações sobre a qualificação do testador, naturalidade,

filiação, estado civil, local de nascimento, lugar de moradia, número de filhos maiores ou

menores, legítimos, naturais ou adotados. Trazem também determinações sobre o

sepultamento, funeral, invocações, rogações e encomendas à alma. Fazem declarações sobre

os bens móveis e imóveis, das dívidas ativas e passivas. Nomeiam testamenteiros, dispõe

acerca dos bens, numera os herdeiros, indica como devem ser repartidos os bens, bem como

sobre os legados.11 Relacionam de forma menos detalhada o patrimônio acumulado por um

indivíduo, sem atribuir valores na maioria dos casos. Apresentam ainda, informações sobre a

vida de uma pessoa no momento de sua elaboração, permitindo mesmo a apreensão de algo

sobre os sentimentos e as relações familiares. Deve-se atentar para o fato de que era feito por

vezes antes da morte da pessoa, podendo haver mudanças significativas nesse intervalo.

Os inventários são processos judiciais que legalizam a transferência de bens, através

da partilha. Iniciados até trinta dias depois do falecimento, podiam ser abertos pela família,

11ROMEIRO, Adriana. Testamento. In. BOTELHO, Ângela, ROMEIRO, Adriana. Dicionário Histórico da Minas Gerais: período colonial. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 303-305.

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em caso de ausência ou inexistência desta pelo juiz de órfãos se houvesse filhos menores, ou

ainda por amigos e vizinhos. Fazia-se então uma apuração do patrimônio material acumulado

como terras, gado, escravos, ferramentas, roupas e armas entre outros.12

O trabalho com os inventários post mortem, permite a percepção da dinâmica de

grupos específicos, das trajetórias de vida, dos padrões de conduta e de produção. A

investigação dos objetos que compunham o patrimônio das pessoas possibilitou a

decodificação do significado da posse de determinados itens, além do conhecimento dos

padrões de riqueza, de acumulação, de investimento e algumas das possíveis relações pessoais

vigentes na sociedade mineira. As informações contidas nos testamentos foram utilizadas para

complementar os dados relativos à trajetória dos homens mais ricos das duas localidades.

No Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana e no Arquivo Histórico do

Museu do Ouro de Sabará/ Casa Borba Gato procedeu-se ao levantamento de todos os

inventários existentes para o período citado. Foram elaboradas fichas para a identificação

mais geral dos documentos, com itens como localização, nome do inventariado e

inventariante, estado civil, número de filhos legítimos ou naturais, número de escravos, local

de moradia, existência ou não de testamento anexo e partilha dos bens. Os inventários dos

homens de maior cabedal foram transcritos em fichas mais detalhadas contendo, além de

todas as informações acima, a discriminação dos bens, a relação dos herdeiros e o testamento

em anexo, quando havia. O resultado é um rico panorama tanto dos homens inventariados na

primeira metade do XVIII, quanto do perfil dos que acumularam grandes fortunas.

Dentre os documentos consultados no Arquivo Público Mineiro e nos avulsos do

Arquivo Histórico Ultramarino referentes à Capitania de Minas Gerais, pode-se destacar a

12 FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p. 225.

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importância das cartas patentes e dos pedidos de cargos administrativos, por revelarem não só

parte dos serviços prestados à Coroa, mas também a participação na sociedade desta região ou

em outros lugares. A carta patente apresenta em sua estrutura o nome do governador que

concedeu a mesma, o nome do agraciado, um pequeno resumo da trajetória de serviços

prestados na América portuguesa ou em Portugal, e a referência ao posto militar recebido ou

que continuaria a ser exercido nas Minas. Na documentação do Arquivo Ultramarino, a carta

patente normalmente vem acompanhada de um pedido de confirmação do posto solicitado. Os

pedidos de cargos administrativos apresentam conteúdo semelhante ao das cartas patentes,

mas por se tratar de uma petição enviada pelo suplicante com suas pretensões dirigidas ao rei,

trazem também um pequeno resumo dos serviços prestados à Coroa até aquele momento.

A documentação manuscrita referente às listas dos Quintos Reais que se encontra sob

a guarda do Arquivo Público Mineiro também revelou ser importante fonte de informação

sobre determinado momento da trajetória de alguns homens nas Minas. Na documentação,

que se apresenta na forma de códices, foi possível obter informações sobre a denominação

honorífica ou título honorífico do proprietário de cativos, tamanho da posse em escravos e

condição social (livres ou forros). Os documentos são de origem fiscal e permitem uma

investigação tanto qualitativa quanto quantitativa. Segundo Maria Luiza Marcílio, essas fontes

se inserem no período pré-estatístico, sendo consideradas os primeiros objetos censitários da

mineração. 13

Para identificar os homens mais ricos das Minas Gerais no período de 1713 a 1750,

nas regiões da Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo e na Comarca do Rio das Velhas,

procedeu-se ao levantamento de todos os inventários post mortem existentes para esse

intervalo. As informações sobre os homens mais ricos contidas nos inventários foram usadas,

13MARCÍLIO, Maria Luiza. Demografia histórica: orientações técnicas e metodológicas. São Paulo: Pioneira, 1977. p. 14.

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sobretudo, para analisar aspectos relacionados ao patrimônio material e às atividades

econômicas exercidas nas Minas. Para investigar as estratégias de ascensão social

empreendidas por esses homens, fez-se o cruzamento nominal com provisões, cartas patentes,

testamentos, listas dos Quintos Reais, assim como com outros documentos que pudessem

elucidar mais aspectos sobre os privilégios obtidos e os serviços prestados à Coroa

portuguesa.

O presente trabalho divide-se em quatro capítulos. No primeiro, discute-se a

existência ou não das práticas de Antigo Regime nas Minas Gerais setecentistas, para isso,

procurou-se primeiramente entender as práticas que regiam a sociedade Portuguesa, para

depois investigar de que forma a historiografia avalia a ocorrência delas na América

portuguesa e nas Minas do Ouro. Por fim, buscou-se evidências sobre a existência destas

práticas na região das Minas Gerais.

O segundo capítulo detém-se sobre as atividades que proporcionavam enriquecimento

nas Minas Gerais ao longo da primeira metade do Setecentos. A extração aurífera, atividade

em torno da qual se formaram os primeiros povoados, rendia desde o início vultosos lucros

aos que conseguiram retirar com êxito grande quantidade de ouro das lavras. Mas logo o

comércio revelou ser também um negócio rentável, em virtude das necessidades de

abastecimento das Minas e dos preços exorbitantes a que eram vendidos os produtos. Outra

atividade lucrativa era a dos contratadores, responsáveis pela arrematação dos contratos

arrendados pela Fazenda Real. A disputa era acirrada em razão dos vultosos lucros que os

contratadores obtinham, por exemplo, com as taxas pagas sobre todos os produtos que

entravam na região mineira. Nesse capítulo examina-se ainda a mudança no poder aquisitivo

e o aumento da riqueza dos mineiros ao longo da primeira metade do XVIII.

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No terceiro capítulo aponta-se os homens mais ricos da Vila do Ribeirão do Carmo e

seu termo e da Comarca do Rio das Velhas no período de 1713 a 1750. Investigamos o perfil

de seus investimentos, os tipos de bens que compunham seu patrimônio e o grau de

importância de cada um deles. O objetivo é identificar e comparar o padrão de riqueza nas

duas regiões.

No quarto capítulo investiga-se a trajetória social de alguns dos indivíduos mais ricos

da Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo e da Comarca do Rio das Velhas na primeira

metade do Setecentos. Resgata-se parte do caminho que percorreram em busca de ascensão

social, avaliando de que forma utilizaram o cabedal para atingi-la. Para isso, o diálogo com a

historiografia que estuda a busca da nobilitação na América portuguesa e nas Minas Gerais

revelou ser extremamente importante.

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Capítulo 1

A idéia de Antigo Regime na América Portuguesa

O presente capítulo tem como objetivo verificar a existência de práticas de Antigo

Regime nas Minas Gerais setecentistas. Primeiramente, buscar-se-á entender as práticas da

sociedade portuguesa, para depois investigar de que forma a historiografia analisa a

ocorrência destas na América portuguesa, em especial nas Minas Gerais. Por fim, procurar-

se-á evidências que indiquem a influência das práticas oriundas do Reino na região.

1.1 Práticas do Reino Português

Em 1728, falecia nos arredores da freguesia de Nossa Senhora da Conceição, a

principal da Vila do Ribeirão do Carmo, o português Antônio Borges Mesquita. Nascido na

freguesia de Santa Maria do Conedo, no Concelho de Bastos, passou grande parte de sua vida

nas Minas, lugar onde acumulou considerável cabedal. Solteiro e sem filhos, declarou sua

alma como herdeira universal dos bens que somavam, de acordo com inventário post mortem,

11:506$800 (onze contos, quinhentos e seis mil e oitocentos réis).14 Com uma situação

econômica favorável, na hora da morte legou a uma sobrinha além de uma fazenda, um dos

valores mais cobiçados nas Minas Gerais do século XVIII: o rol dos serviços prestados à

Coroa na Nova Colônia. Natária Leite vivia em Portugal, na freguesia de naturalidade de seu

tio, e era filha da irmã do falecido, Ana, com Jacinto Ribo Leite. Antônio Borges Mesquita

deixou expressa no testamento a forma com que os serviços prestados à Sua Majestade

deveriam ser usados em benefício da sobrinha.

14 AHCSM, inventário post mortem de Antônio Borges Mesquita, caixa 136, auto 2837, 1º ofício, ano 1728.

20

(...) estes serviços os deixo a minha sobrinha Natária Leite, filha legítima de Jacinto Ribo Leite e de minha irmã Ana que por sobrenome não me lembro, moradores na Freguesia de Santa Maria de Conedo, Conselho de Bastos, a ela deixo para dote ou para se dar o prêmio deles ao marido com quem casar ou por melhor modo que pode ser em ordem que está doação ou legado seja valioso que tudo aqui hei por expresso. 15

O tio de Natária acrescentou que os serviços prestados à Sua Majestade e deixados

como herança a ela tinham sido lançados nas notas pelo tabelião Manuel Rodrigues de Morais

na cidade do Rio de Janeiro, observando que outros documentos se encontravam na Secretária

do governo com Antônio da Rocha Guimarães, morador na cidade de Lisboa. Os detalhes

sobre os tipos de serviços prestados a Coroa portuguesa na Nova Colônia, não foram

mencionados no testamento. Em nome de Antônio Borges Mesquita, não foi encontrada

nenhuma carta patente, provisão ou carta de sesmaria, documentos que poderiam revelar mais

sobre sua trajetória social nas Minas. Na lista de cobrança do Quinto Real do ano de 1718,

referente à freguesia de Nossa Senhora da Conceição, Antônio Borges Mesquita foi listado

como proprietário de vinte e três escravos, não sendo identificado com uma denominação

honorífica.16 O seu nome foi mencionado também em dois inventários post mortem do termo

da Vila do Ribeirão do Carmo: como testamenteiro do carioca Pascoal da Gama, residente no

Morro de São Domingos e falecido em 1719 e como credor do português Francisco Ribeiro

de Andrade, morador em Mata Cavalos e falecido em 1722.17

Apesar das parcas informações sobre a inserção social e os serviços prestados à Coroa,

o fato de ter deixado como herança a uma sobrinha os serviços prestados na Nova Colônia,

põe em cena o problema da existência das práticas de Antigo Regime na América Portuguesa.

Tratava-se afinal de uma sociedade constituída a partir dos valores sociais portugueses, ou

como querem alguns, de uma sociedade original e específica, marcada pela força do 15 Testamento anexo a inventário post mortem. Cf. AHCSM, inventário post mortem de Antônio Borges Mesquita, caixa 136, auto 2837, 1º ofício, ano 1728. 16 APM, Lista do Quinto real, Coleção Casa dos Contos , códice 1036. 17 AHCSM, inventário post mortem de Pascoal da Gama, caixa 139, auto 2809, 2º ofício, ano 1719. Inventário post mortem de Francisco Ribeiro de Andrade, caixa 88, auto 1854, 1º ofício, ano 1722.

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escravismo e pelo caráter colonial? Para buscar respostas a esta questão, vamos

primeiramente procurar entender que práticas regiam a sociedade de Antigo Regime em

Portugal.

Segundo Antônio Manuel Hespanha e Ângela Xavier a chamada economia moral do

dom constituía uma importante prática da sociedade portuguesa dos séculos XVII e XVIII.

Para os autores o dom, na sociedade de Antigo Regime, fazia parte de um universo preciso de

normas e preceitos “que lhe retirava toda a espontaneidade e o transformava em unidade de

uma cadeia infinita de atos beneficiais, que constituíam as principais fontes de estruturação

das relações políticas.”18

A economia do dom tinha como importante categoria as redes de clientela,

consideradas umas das bases das práticas informais de poder. Essas redes funcionavam como

instrumento de reprodução do poder, estabelecendo hierarquias e definindo lugares sociais.

Para os autores, a lógica clientelar era vista como uma norma, misturando-se e coexistindo

com as relações de natureza institucional ou jurídica. O rei era o principal sustentáculo destas

redes, pois dele emanava todo o poder que se estendia ao território português. Ao monarca

cabia a obrigatoriedade de conceder mercês aos mais amigos, de acordo com “critérios de

amizade, parentesco, fidelidade, honra e serviço.”

O caráter devido de certas retribuições régias aos serviços prestados à Coroa parece introduzir uma obrigatoriedade nos atos de benefícios reais, assim não apenas dependentes da sua vontade ou da sua ratio, mas muito claramente de uma tradição e de uma ligação muito forte ao costume de retribuição.19

Antônio Manuel Hespanha afirma que o ato de dar era uma prerrogativa

extraordinária do rei. Como senhor da graça o soberano introduzia uma flexibilidade divina à

ordem humana: criava novas normas e tornava ineficazes as existentes, redefinia o seu a cada

18 HESPANHA, Antônio Manuel, XAVIER, Ângela. As redes clientelares. In. MATTOSO, José (org.). História de Portugal: Antigo Regime (1620-1807), v.4. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. p. 382 19 Ibid., p. 391.

22

um e “modificava a natureza das coisas humanas”. Constituía por um lado um ato livre e

absoluto do monarca e, por outro, uma decisão que não era arbitrária, em virtude de se basear

em uma causa justa e elevada. Configurava um nível superior da ordem, era uma “forma

última e eminentemente real de realizar a Justiça.”20

Segundo Ângela Xavier e Antônio Manuel Hespanha, o ato de dar envolvia uma

tríade de obrigações: dar, receber e restituir. Tais obrigações, “cimentavam a natureza das

relações sociais e, a partir destas, das próprias relações políticas.” Instituíam uma relação

desigual entre benfeitor e beneficiado criando o chamado “dever vazio”, uma vez que a mercê

recebida não precisava ser retribuída imediatamente, e nem de uma única forma.

Usualmente, o benefício não possuía uma dimensão meramente econômica. Daí que fosse difícil definir os limites exatos do seu montante. Este caráter incerto do montante da dádiva instituía um campo indefinido de possibilidades de retribuição. Esta, para equilibrar o elemento liberal da dádiva, tendia a acrescentar também algo ao presumível valor do recebido. E assim sucessivamente. O que provocava um contínuo reforço econômico e afetivo dos laços que uniam, no início, os atos, numa crescente espiral de poder, subordinada a uma estratégia de ganhos simbólicos, que se estruturavam sobre atos de gratidão e serviço. 21

Para os autores, o ato de dar “podia corresponder a um importante investimento de

poder, de consolidação de certas posições sociais, ou a uma estratégia de diferenciação

social.” Expressava bem os traços do que era apresentado como reputação ou honra. Envolvia

escolher os bens a dar, cultivar uma relação recíproca de modo a manter uma ligação de

retribuição interminável e investir na composição de uma dada reputação. A honra de uma

pessoa era decisiva na representação do Antigo Regime, pois estava ligada, por exemplo, à

20 HESPANHA, Antônio Manuel. Porque é que existe e em que é que consiste um direito colonial brasileiro. In. PAIVA, Eduardo França. Brasil – Portugal: sociedades, culturas e formas de governar no mundo português (século XVI-XVIII). São Paulo: Annablume, 2006. p. 32-34. 21 HESPANHA, Antônio Manuel, XAVIER, Ângela. As redes clientelares. In. MATTOSO, José (org) História de Portugal: Antigo Regime (1620-1807)... Op. cit. , p. 382.

23

capacidade de dispensar um benefício, “bem como à sua fiabilidade no modo de retribuição

dos benefícios recebidos.”22

Segundo Raphael Bluteau, autor do Vocabulário Português e Latino escrito em 1712,

honra podia ter muitos significados. “Umas vezes é o respeito e reverência com que tratamos

as pessoas em razão da sua nobreza, dignidade, virtude ou outra excelência. Outras vezes é o

crédito e boa fama adquirida com boas ações. Outras vezes é a dignidade e preeminência de

algum cargo na República.”23 Para Julian Pitt-Rivers a honra funcionava como um guia de

consciência, de regra de conduta ou medida de status social.

(...) de um lado, um estado moral que provém da imagem que cada um tem de si e que inspira ações as mais temerárias ou a recusa de agir de uma maneira vergonhosa, seja qual for a tentação material – e ao mesmo tempo um meio de representar o valor moral do outro; sua virtude, seu prestígio, seu status e, assim, seu direito à precedência.24

Antônio Manuel Hespanha e Ângela Xavier notaram que valores como a honra e a

recompensa faziam parte da mentalidade de Antigo Regime vigente em Portugal. A economia

do dom era uma prática fundamental, decisiva na estruturação das relações políticas e sociais.

Valores que conviviam de maneira harmoniosa com as rígidas normas da concepção

corporativa, estando naturalmente imbricados nos modos de ver, pensar e agir da época.

Depois de investigarmos algumas das práticas que regiam a sociedade portuguesa de

Antigo Regime, nesse momento, retomemos a questão da existência ou não dessas práticas na

América portuguesa. Para tanto, é importante notar de que forma a historiografia avalia a

extensão destas práticas na América, em especial nas Minas Gerais setecentistas.

22 Ibid., p. 382-388. 23 BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulário português e latino. Coimbra: Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1712. p. 51 24 CZECHOWSKY, Nicole (org.). A Honra: imagem de si ou o dom de si – um ideal equívoco. Porto Alegre: L e PM, 1992. p. 18.

24

1.2 A América Portuguesa

A historiografia sobre as práticas de Antigo Regime na América portuguesa recusa a

visão dicotômica de metrópole/colônia. Autores como João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho,

Júnia Ferreira Furtado e Marco Antônio Silveira buscam o entendimento da América

portuguesa enquanto parte do Império português, um território marcado por práticas

econômicas, políticas e simbólicas oriundas do Reino. Segundo Russell-Wood, o que a

historiografia recente sobre o assunto propõe é uma “reavaliação do Antigo Regime e do grau

no qual o Brasil e outras partes do império encontravam-se perpassados pelas mentalidades de

Antigo Regime.” Para o autor essa vertente historiográfica tem tentado demonstrar para a

América portuguesa:

(...) que a visão de pacto colonial, baseada em noções dualistas, polarizadas, ou mesmo bipolarizadas, necessita ser recolocada a partir de uma perspectiva mais aberta, mais holística e flexível, que seja mais sensível à fluidez, permeabilidade e porosidade dos relacionamentos pessoais, do comércio, da sociedade e do governo dos impérios, assim como da variedade e nuança de práticas e crenças religiosas.25

João Fragoso discutiu a idéia de Antigo Regime na sociedade do Rio de Janeiro

seiscentista, na região do Recôncavo da Guanabara. Ao investigar o processo de constituição

das melhores famílias da terra ou elite senhorial, concluiu que elas eram “produto das práticas

e instituições – e de suas possibilidades econômicas – do Antigo Regime português”. O

núcleo fundador da futura elite senhorial da região era composto pelas famílias dos primeiros

conquistadores, povoadores e oficiais do rei. A maioria destas pessoas veio, sobretudo, do

norte de Portugal e das ilhas do Atlântico, algumas passaram pela Vila de São Paulo antes de

25 FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda, GOUVÊA, Maria de Fátima (org.). O Antigo Regime nos trópicos: A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 14.

25

chegarem à região do Recôncavo da Guanabara. Para o autor “seriam esses homens que

fogem da pobreza, procedentes da pequena fidalguia ou egressos da elite de uma Capitania

pobre, que dariam origem às melhores famílias do Rio de Janeiro."26

Segundo João Fragoso, a fortuna dessas famílias privilegiadas, estava baseada na

combinação de três práticas/ instituições provenientes da sociedade portuguesa:

(...) a conquista/ guerras – prática que nos trópicos se traduzia em terras e homens, a baixos custos, porque foram apossados das populações indígenas; a administração real – fenômeno que lhes dava, além do poder em nome Del Rey, outras benesses via sistema de mercês; o domínio da câmara – instituição que lhes deu a possibilidade de intervir no dia-a-dia da nova colônia.27

Ao observar mecanismos de acumulação semelhantes aos vigentes no Reino, na

sociedade da Guanabara, João Fragoso concluiu que existia na região um conjunto de práticas

que chamou de economia do bem comum. Nessa economia política de privilégios o mercado

era regulado pela política. A Coroa e o Senado da Câmara concediam privilégios a poucos

homens de prestígio no mercado, na forma de monopólios ou semimonopólios. Era a chance

dessas pessoas acumularem fortuna à margem da produção e do comércio. Para o autor

tratava-se de uma economia que “surgia como pano de fundo da produção colonial. O dono de

moendas, o lavrador e o negociante – mesmo o ultramarino – atuavam num mercado

dominado pela política e, ao fazerem isto, fração de seus ganhos ficava com os homens do

governo.”28 Não era de se espantar que os parentes dos melhores da terra fossem os principais

arrematadores, por exemplo, dos contratos de dízimos.

26 Ibid., p. 37. 27 FRAGOSO, João. A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e sua primeira elite senhorial (séculos XVI-XVII). In: FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda, GOUVÊA, Maria de Fátima (org.). O Antigo Regime nos trópicos: A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 42-43. 28 FRAGOSO, João. A nobreza vive em bandos: a economia política das melhores famílias da terra do Rio de Janeiro, século XVII: algumas notas de pesquisa. Revista Tempo, número 15, Julho de 2003, Rio de Janeiro. p. 16

26

Além de ter influência política e controlar o mercado, os que faziam parte da

economia do bem comum também dominavam a Câmara e o recebimento de mercês régias.

Para João Fragoso “o pano de fundo de tal economia era uma estratificação social do Antigo

Regime, na qual a mobilidade passava por serviços prestados ao rei e à República. Apesar de

não se restringirem à alta aristocracia, as benesses reais dependiam também da qualidade

social do pretendente.”29 Formaram-se “bandos”, resultado do embate entre facções da

nobreza, que estabeleciam alianças entre si e com outros grupos sociais, chegando a

ultrapassar o Rio de Janeiro e se estender ao Reino. O objetivo era manter e ampliar uma

hegemonia política e social, que acabava revelando-se também econômica.

Para o Recôncavo da Guanabara seiscentista, João Fragoso concluiu que nessa

sociedade existiam práticas típicas do Antigo Regime e que essas práticas foram

determinantes na sua configuração política, econômica e social. Segundo o autor, semelhante

à economia do dom no Reino, existia o que denominou de economia do bem comum. Poucos

privilegiados, oriundos das melhores famílias da terra, dominavam o mercado, acumulando

fortunas, ou seja, a qualidade política e social imperava sobre o cabedal. Formava-se uma

sociedade com uma “hierarquia social excludente de Antigo Regime – e sua economia do bem

comum – surge com o pecado original da sociedade colonial.”30

Ao investigar práticas de Antigo Regime no Império Português, Maria Fernanda

Bicalho, identificou como típica do Reino a atuação das câmaras e das redes de clientela. A

autora notou que nas diferentes partes do Império, apesar da diversidade sociocultural, das

inovações e readaptações, a instituição da Câmara tinha um significado social e político

semelhante ao vigente em Portugal.

29 FRAGOSO, João. A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e sua primeira elite senhorial (séculos XVI-XVII). In: FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda, GOUVÊA, Maria de Fátima (org.). O Antigo Regime nos trópicos... Op. cit. , p. 49. 30 Ibid., p. 49

27

As diferentes câmaras espalhadas pelo Império português tinham muitos pontos em comum com suas congêneres metropolitanas. No entanto, a diversidade sociocultural que os portugueses encontraram em sua faina colonizadora criou matizes e adaptações no aparato institucional e legal trasladado do Reino, colorindo de tons específicos as mesmas instituições quando adaptadas à realidade das diferentes colônias, quer a ocidente, quer a oriente. 31 A autora verificou que no Reino e na América portuguesa, obter uma função na

Câmara possibilitava aos indivíduos elevar seu status, “era uma função que permitia o acesso

a títulos, tratamentos, honra e prestígio”. Estava ligada ao princípio da visibilidade, uma

característica de Antigo Regime, diretamente relacionada à aparência e aos aspectos

exteriores da conduta. Por este motivo, e outros relacionados às relações políticas e

econômicas, a disputa para se inserir na instituição era grande:

(...) surgia como um objeto de disputas entre os grupos economicamente influentes nas localidades. Essas disputas podem ser entendidas como um dos fatores que indicam a centralidade daqueles cargos não apenas enquanto espaço de distinção e de hierarquização dos colonos, mas, e principalmente, de negociação com a Coroa. 32

De acordo com a legislação régia, a escolha dos indivíduos aptos a se inserir em uma

instituição deveria recair sobre os “principais da terra”. Essa porém, parecia não ser a regra

em muitas partes da América portuguesa. No Rio de Janeiro, por exemplo, no final do

Seiscentos o ouvidor Manuel de Souza Lobo foi acusado pelos vereadores da Câmara de ter

provocado a eleição de pessoas de “ infecta nação” ou “baixa limpeza”. A câmara enviou

requerimentos ao rei relatando o acontecimento e cobrando do monarca a expulsão das

pessoas eleitas em discordância com a legislação vigente. O pedido foi prontamente atendido

31 BICALHO, Maria Fernanda. As câmaras ultramarinas e o governo do Império. In: BICALHO, Maria Fernanda. As Câmaras ultramarinas e o governo do Império. In. FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda, GOUVÊA, Maria de Fátima (org.). O Antigo Regime nos trópicos: A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 193. 32 Ibid., 207

28

pelo rei que anulou a dita eleição.33 Nas Minas Gerais setecentistas, a eleição dos

componentes das câmaras também esteve longe de corresponder às determinações de

elegibilidade previstas pela Coroa. Segundo Russell-Wood na recém criada Vila Rica em

1711, por exemplo, a qualidade dos homens que integravam a Câmara era baixa, em virtude

do teor das migrações e da escassez de candidatos.34

Para Maria Fernanda Bicalho, as Câmaras serviam de um lado como via de acesso a

um tipo de privilégio social típico de Antigo Regime e por outro como estratégia de controle

da representação dos indivíduos e das ordens na sociedade.

(...) os conflitos em torno desse tipo de cidadania numa sociedade de Antigo regime – ou seja, as disputas pela inclusão no círculo dos credenciados a exercer as funções e os cargos no governo camarário – evidenciavam e legitimavam o monopólio da Coroa enquanto instância de estruturação social e institucional, não apenas no centro, em Portugal, mas igualmente nos espaços periféricos e ultramarinos do que se configurava enquanto uma monarquia intercontinental.35

O ato régio de conceder mercês às pessoas escolhidas para exercer uma função nas

Câmaras, permitiu a constituição na América portuguesa de uma economia do dom

semelhante à vigente no Reino, na qual os beneficiados “passariam a estar ligados ao monarca

por uma rede baseada em relações assimétricas de troca de favores e serviços.”36 O fato de o

monarca conferir títulos e mercês garantia-lhe o monopólio para qualificar e graduar os

indivíduos por seu próprio arbítrio, definindo linhagens, grupos, regulando ordens, decidindo

sobre conflitos, motivando antagonismos ou a competitividade entre os vassalos.

33 BICALHO, Maria Fernanda. As câmaras ultramarinas e o governo do Império. In: BICALHO, Maria Fernanda. As Câmaras ultramarinas e o governo do Império. In FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda, GOUVÊA, Maria de Fátima(org.). O Antigo Regime nos trópicos... Op. cit. , p. 213-214 34RUSSELL -WOOD, A.J. R. . O Brasil Colonial: O ciclo do Ouro, C. 1690-1750. In. BETHELL Leslie (org.) História da América Latina: A América Latina... Op. cit. 35 Ibid., p. 206 36 BICALHO, Maria Fernanda. As câmaras ultramarinas e o governo do Império. In: BICALHO, Maria Fernanda. As Câmaras ultramarinas e o governo do Império. In FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda, GOUVÊA, Maria de Fátima (org.). O Antigo Regime nos trópicos... Op. cit. , p. 206

29

Por fim, como João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho concluiu que as práticas de

Antigo Regime foram transladas para a América Portuguesa, assumindo funções semelhantes

às vigentes no Reino. A Câmara tinha traços característicos de suas congêneres em Portugal,

interferindo diretamente na estruturação social e nas relações políticas. Alcançar uma mercê

régia para exercer uma função na Câmara dava ao indivíduo acesso a honra e prestígio, além

de reforçar o princípio da visibilidade social.

Maria Beatriz Nizza, como João Fragoso e Maria Fernanda Bicalho, também discutiu

a idéia de Antigo Regime na América Portuguesa. A autora identificou nas mercês uma

evidência das práticas oriundas do Reino no território. A concessão régia funcionava como

uma importante moeda de troca de que o monarca dispunha para obter os resultados

pretendidos sem dispêndio para a Fazenda Real. A Coroa as utilizava “para incentivar a busca

e a extração de ouro, para solidificar o corpo mercantil e aumentar as transações comerciais, e

para recompensar aqueles que ajudavam financeiramente os reis em ocasião de crise.”37

Nas Minas Gerais setecentistas, por exemplo, as mercês faziam parte do cotidiano da

região. Em abril de 1717 o rei Dom João V recomendava ao então governador, Dom Pedro de

Almeida, “a favor dos moradores das Minas” que:

(...) trateis com muita afabilidade os moradores dessa capitania administrando lhes justiça com igualdade, fazendo estimação daqueles que mais se sinalarem no meu serviço e com mais zelo se empregarem no aumento e cobrança dos quintos, e das mais rendas pertencentes à minha fazenda de que me informareis particularmente individuando o serviço que se me fizer para que constando me dos seus merecimentos possa usar com eles da minha real grandeza fazendo lhes as mercês que forem dignos.38

A concessão da mercê de postos militares aos vassalos, por exemplo, era de suma

importância para conservar o sossego dos que habitavam as Minas, de acordo com a carta

37 SILVA, Maria Beatriz Nizza. Ser nobre na colônia. São Paulo: Editora UNESP, 2005. p. 7e 8. 38 Carta régia enviada ao governador Dom Pedro de Almeida, Lisboa, 13 de Abril de 1717. APM, Seção colonial 04, p. 127-128.

30

“sobre a necessidade que houve para a criação de vários postos” nas tropas de ordenança,

enviada pelo governador Dom Lourenço de Almeida ao Rei em 1724.

(...) estes moradores que andam minerando por todos estes matos, costumam fazer povoações naquelas partes onde acham as suas conveniências, e atrás delas concorrem tantas gentes, que dentro em quinze dias está uma povoação formada e muito numerosa, e como esta gente é toda cheia de ambição, é preciso acudir-lhe logo com oficial que os governe e a quem eles respeitem, e a não terem o tal oficial não haveria dia em que não houvessem mortes e outras muitas desordens(...). 39

Por outro lado, na América portuguesa as mercês nobilitavam seus beneficiados,

assumindo um importante papel na estruturação social. Para Maria Beatriz Nizza, nobreza e

fortuna nem sempre se conjugavam, embora a “riqueza de alguns indivíduos lhes tenha

permitido o tratamento nobre, ou seja, viverem à lei da nobreza.” Se essas pessoas tornaram-

se nobres, “de acordo com o código honorífico da época é porque conseguiram formalizar as

honras” necessárias. Tais honras podiam ser adquiridas através das mercês de foros de

Fidalgo da Casa Real, hábitos de uma das três ordens militares, a ocupação de postos militares

e “à pertença ao grupo dos cidadãos, ou seja, dos eleitores e dos elegíveis para os cargos

municipais, à instituição de morgados, e à ocupação de ofícios que só por si nobilitavam.”40

Segundo Maria Beatriz Nizza, as regras impostas pela Coroa para o registro e a

seleção dos vassalos aptos a requisitar as mercês eram rígidas, de forma a evitar fraudes e

excessos. Para solicitar uma mercê, o suplicante deveria comprovar que prestara serviços à

Coroa por pelo menos doze anos contínuos, não cometera crime no Reino nem na colônia,

além da certidão de registro de mercês para provar que não receberá nenhuma antes pelos

serviços alegados. Porém, com autorização especial da Coroa, alguns conseguiam dispensa de

parte destes requisitos. 39Carta do governador Dom Lourenço de Almeida ao rei Dom João V, Vila Rica, 06 de agosto de 1724. RAPM, volume 31, 1980, p. 190. 40 SILVA, Maria Beatriz Nizza. Ser nobre na colônia... Op. cit. , p. 8.

31

Para obter, por exemplo, um hábito em uma das três ordens militares o processo a ser

percorrido era longo. Inicialmente, o pedido do súdito passava pelo crivo do Conselho

Ultramarino e, conforme o parecer deste, o rei podia ou não conceder a dádiva real. Em caso

de concessão, iniciava-se na Mesa de Consciência e Ordens o processo de habilitação do

candidato, sendo ouvidas testemunhas oriundas dos lugares de naturalidade do suplicante e

seus ascendentes. Se as provanças não revelassem defeitos de qualidade, o hábito era

concedido. Caso as provanças mostrassem algum impedimento do candidato, o mesmo

continuava titular da mercê, porém sem poder efetivá-la. 41

Em 1729, o capitão-mor Sebastião Barbosa do Prado, português natural da freguesia

de Santa Marinha de Oleiros, termo da Vila do Prado, Arcebispado de Braga, enviou um

requerimento ao Conselho Ultramarino, solicitando ao rei de Portugal um hábito da Ordem de

Cristo, em recompensa aos inúmeros serviços prestados nas Minas Gerais. O caso do capitão-

mor mostra que o processo a ser percorrido para receber a tão almejada mercê era trabalhoso

desde o início: na petição enviada ao Rei, ele teve de, além de revelar suas pretensões e

justificá-las, listar todos os serviços que prestara à Coroa e anexar certidões de comprovação

dos mesmos. Sebastião Barbosa do Prado anexou à petição as certidões de comprovação dos

serviços prestados nas Minas, expedidas pelo governador Dom Lourenço de Almeida e por

vários homens prestigiosos da região. Por ter conseguido tal feito, pode-se inferir, que era

homem que participava das redes de influência e poder.

De acordo com certidão de comprovação dos serviços prestados pelo capitão-mor,

emitida em 1721 pelo governador Dom Lourenço de Almeida, Sebastião Barbosa do Prado

era:

41 SILVA, Maria Beatriz Nizza. Ser nobre na colônia... Op. cit. , p. 76-160.

32

(...) das principais pessoas que mandei chamar, e lhe dei os agradecimentos da parte de El Rei Nosso Senhor por me constar que este se houve nas sublevações passadas com grande valor, honra, e fervor e zelo do Real serviço; como foi na ocasião em que apaziguou o povo inquieto, que vinha tumultuoso contra o governador o Conde de Assumar induzido por Felipe dos Santos Freire, um dos principais amotinadores e perturbadores dos povos (...) e sem dúvida que tenho alcançado ao dito capitão-mor Sebastião Barbosa do Prado se deve em muita parte o sossego destes levantamentos e mostrou mui grande fidelidade de leal e honrado vassalo de Sua Majestade (...). 42

O rol dos serviços prestados nas Minas pelo capitão-mor Sebastião Barbosa do Prado é

impressionante. O primeiro cargo exercido na região foi o de almotacé da Câmara recém

instituída em Vila Rica, no ano de 1711. Em 1713, prestou serviços como provedor dos

defuntos e ausentes de Vila Rica. Auxiliou na repressão ao motim de Vila Rica em 1720,

prestando “bom serviço que houve na ocasião que o povo se rebelou de que era cabeça Felipe

dos Santos Freire”. Arrematou o contrato do caminho do Sertão da Bahia em 1722 por “vinte

e cinco arrobas de ouro no que fez um grande serviço a Vossa Majestade, devendo-se a ele o

grande acréscimo que teve aquele contrato tudo levado do seu zelo, procedendo como

honrado vassalo (...).” Em 1723 arrematou o contrato de dízimos da Comarca de Vila Rica e

da Comarca de Sabará por vinte arrobas de ouro. No ano seguinte, arrematou o contrato do

caminho do Rio de Janeiro e São Paulo por vinte e quatro arrobas de ouro. O suplicante

revelou na petição enviada ao Rei em 1729, que serviu na Bahia com patente concedida pelo

vice-rei o Marquês de Angeja “por espaço de treze anos e vinte dias o posto de capitão de

uma companhia de infantaria da ordenança nos distritos que há nas Cabeceiras da Vila de

João Amaro que a cinco lagoas do Rio São Francisco da para a Bahia”. No referido posto

ficou de 1721 até 1727. Em 1724, foi nomeado pelo governador das Minas Dom Lourenço de

Almeida Provedor do Registro da Passagem da Boa Vista do caminho dos Currais da Bahia.

42Certidão emitida pelo governador Dom Lourenço de Almeida comprovando os serviços prestados por Sebastião Barbosa do Prado nas Minas, Vila Rica, 26 de outubro de 1721. AHU, MG, caixa 14, documento 67.

33

Em 1728, recebeu nova carta patente do então governador Dom Lourenço de Almeida, sendo

nomeado no posto de capitão-mor dos Currais, Comarca do Rio das Velhas. 43

O capitão-mor Sebastião Barbosa do Prado esperava mesmo ser recompensado por

estes grandes serviços prestados à Coroa com o hábito da Ordem de Cristo e cem mil réis de

tença.

Em cuja certeza espera o suplicante; que Vossa Majestade haja de lhe fazer as mercês condignas a sua real grandeza para que possa continuar o serviço com gosto animado na esperança de lhe fazer outros, sendo certo, que procurara merecê-las, e a lembrança de Vossa Majestade em não faltará sua obrigação, e na mesma forma a ele apresente e a seu exemplo o imitarão outros muitos, como pondera o dito governador. Dom Lourenço de Almeida fazendo-se por este motivo credor das mercês de Vossa Majestade; para as quais se acha sem impedimento, como se prova das suas folhas corridas e da certidão dos livros das mercês e seu registro se manifesta, que não teve alguma por estes serviços, em satisfação dos quais.44

O hábito da Ordem de Cristo também foi solicitado nas Minas pelo ajudante de tenente

da tropa de Dragões José Martins Figueira, como recompensa aos serviços prestados à Coroa

em Portugal e nas Minas. Além de se tratar de um processo demorado e tortuoso como revela

o caso de Sebastião Barbosa do Prado, fica evidente que era preciso antes de tudo estar

inserido em redes de interdependência, de forma a garantir que indivíduos de prestígio

intercedessem em favor do pretendente. José Martins Figueira conseguiu testemunhas

importantes dos serviços prestados no Reino e nas Minas: o capitão-mor da tropa de Dragões

José Rodrigues de Oliveira, o ex-governador Dom Pedro de Almeida, o governador Dom

Lourenço de Almeida, o provedor da Fazenda Real das Minas Antônio Berquó Del Rio e os

tenentes de mestre-de-campo general das Minas João Ferreira Tavares e Félix de Azevedo

Carneiro e Cunha. Em petição enviada ao Rei, o tenente general “ad honrem” dos Dragões

justificava ter servido na “Corte e na Capitania das Minas por espaço de mais de 14 anos

43Certidão emitida pelo governador Dom Lourenço de Almeida comprovando os serviços prestados por Sebastião Barbosa do Prado nas Minas, Vila Rica, 26 de outubro de 1721. AHU, MG, caixa 14, documento 67. 44 Petição enviada por Sebastião Barbosa do Prado ao rei Dom João V discriminando todos os serviços prestados a Coroa, Vila Rica, 23 de julho de 1729. AHU, MG, caixa 14, documento 67.

34

continuados de 25 de setembro de 1715 até o presente em os postos de tenente de cavalos

reformado e ajudante de tenente no governo das ditas Minas (...) até o presente não tem tido

remuneração alguma por conta dos ditos serviços (...).”45

Filho de Simão Martins, nascido no Reino, no lugar chamado Casal das Figueiras, ele

contava, em 1730, com quarenta e cinco anos de idade. Em 29 de fevereiro de 1736, obteve

despacho favorável para a concessão do hábito da Ordem de Cristo, com trinta mil réis de

tença. A lista de serviços militares prestados na Corte e nas Minas era extensa. No Reino

havia exercido o posto de tenente de cavalos e nas Minas era ajudante de tenente dos Dragões

com a patente de tenente general “ad honorem”. De acordo com o despacho do Rei, os citados

postos foram exercidos “por espaço de 14 anos 6 meses e 16 dias continuados de 25 de

setembro de 1715 a 23 de julho de 1728 e no discorrer do referido tempo sendo provido em

1719 no posto de ajudante de tenente dos Dragões das ditas Minas.” Em 1720, José Martins

Figueira se ofereceu para ir junto com o governador Dom Pedro de Almeida e o capitão-mor

de dragões João Rodrigues de Oliveira cuidar das desordens em Pitangui, porém não foi, pois

era preciso que ficasse em Vila Rica “tratando da outra parte da companhia e sucedendo haver

os motins naquela capitania foi mandado fazer rondas de monte, e a por sentinelas em várias

partes(...).” Acompanhou no mesmo ano o capitão-mor de dragões João Rodrigues de Oliveira

ao Morro de Vila Rica com uma partida de soldados para queimar as casas de Pascoal da

Silva Guimarães “principal motor dos ditos motins defendendo que o fogo não passasse as

casas dos moradores e não roubassem estando o suplicante quase em termos de ser abrasado

pelo incêndio que havia(...).” Quando veio a notícia de que os envolvidos no motim queriam

libertar os sublevados presos na cadeia de Vila do Ribeirão do Carmo, o ajudante de tenente

se colocou com trinta soldados e alguns escravos armados a vigiar o lugar e fazer rondas por

45 Petição enviada por José Martins Figueira ao rei de Portugal Dom João V, Vila Rica, 29 de fevereiro de 1736. AHU, MG, caixa 31, documento 85.

35

vários dias “acudindo as inquietações que havia entre os moradores, governando a sua

companhia por ausência do capitão desde 16 de julho até 27 de novembro(...).” No ano de

1722 “foi passar mostra aos cavalos da sua companhia em que gastou oito dias procurando

com todo o desvelo que os roceiros o tratassem como convinha(...).” Em 1723 se achava na

junta dos responsáveis por executar a lei sobre o estabelecimento das Casas de Fundição e

Moeda. Em 1724 foi designado para ir a Montevidéu “por ser um oficial de muita honra.” Por

fim, em 1725, foi mandado com oito soldados para cobrar o ouro que deviam à Fazenda Real

as câmaras de Vila da Nova Rainha e da Vila de Sabará, “o que pôs em execução conduzindo

à Vila Rica tudo quanto deveria sem a menor moléstia dos moradores devendo-se à sua boa

inteligência e havido o bom ofício desta diligência e sempre procedeu com tal quietação que é

muito notória a boa opinião que se tem da sua pessoa.”46

Segundo certidão passada pelo capitão-mor de dragões João Rodrigues de Oliveira em

20 de Janeiro de 1719, José Martins Figueira sempre servira à Coroa “com muito valor e zelo

como do seu bom procedimento se esperava pelo que se faz digno e merecedor de toda mercê

e honra (...).” Em Abril de 1720 o governador das Minas, Dom Pedro de Almeida, também

certificava os bons serviços prestados pelo ajudante de tenente de Dragões dizendo: “o julgo

digno e merecedor de toda honra e mercê que Sua Majestade que Deus guarde for servido

fazer-lhe.” No ano de 1722 o então governador das Minas Dom Lourenço de Almeida

também tinha a mesma opinião sobre José Martins Figueira, reputando-o merecedor das 46 Petição enviada por José Martins Figueira ao rei Dom João V, Vila Rica, 29 de fevereiro de 1736. Petição enviada por José Martins Figueira ao rei Dom João V, Vila Rica, 19 de outubro de 1732. Certidão emitida pelo Doutor Antônio Berquó Del Rio comprovando os serviços de José Martins Figueira nas Minas, sem local e data. Certidão emitida pelo capitão da companhia de Dragões das Minas José Rodrigues de Oliveira comprovando os serviços prestados por José Martins Figueira nas Minas, Rio de Janeiro, 20 de agosto de 1719. Certidão emitida pelo governador Dom Pedro de Almeida atestando os serviços prestados por José Martins Figueira nas Minas,Vila do Ribeirão Carmo, 16 de abril de 1720.Certidão emitida pelo governador Dom Lourenço de Almeida comprovando os serviços prestados por José Martins Figueira nas Minas, Vila do Ribeirão Carmo, 02 de abril de 1722.Certidão emitida pelo tenente de mestre-de-campo general das Minas Félix de Azevedo Carneiro e Cunha comprovando os serviços prestados por José Martins Figueira nas Minas, sem local e data. Certidão emitida pelo tenente de mestre-de-campo general das Minas João Ferreira Tavares atestando os bons serviços prestados por José Martins Figueira nas Minas, Vila do Ribeirão Carmo, 10 de abril de 1724. AHU, MG, caixa 31, documento 85.

36

mercês pretendidas. Em Abril de 1724 o tenente de mestre-de-campo general dos dragões

João Ferreira Tavares afirmava ter uma boa impressão do ajudante de tenente:

(...) o dito tenente tem cumprido inteiramente com a sua obrigação tratando muito bem da sua companhia morigerando os soldados dela impedindo-lhes muitas desordens e governando por muitas vezes a companhia nas ausências de seu capitão, e nunca vi que o dito tenente faltasse em coisa alguma com sua obrigação antes sim teve sempre boa opinião e fama pública da sua quietação e bom procedimento sem que houvesse a menor queixa de sua pessoa e sempre o vi pronto e certo para executar todas as ordens que lhes dessem do real serviço(...).47

Os casos do capitão-mor Sebastião Barbosa do Prado e do ajudante de tenente de

dragões José Martins Figueira mostram o quanto as mercês eram cobiçadas nas Minas Gerais:

um homem riquíssimo como o capitão-mor, capaz de desembolsar uma fortuna de mais de

uma tonelada de ouro para arrematar contratos de dízimos e passagens, tudo fez para alcançar

a recompensa da qual julgava merecedor. Os merecimentos, porém, não eram suficientes para

garantir a concessão da mercê: o caminho a ser percorrido para alcançá-la exigia que o

suplicante tivesse uma vasta rede de clientela, disposta a referendar e validar os seus serviços.

E estes homens deviam necessariamente ter algum prestígio, figurando entre as autoridades

mais destacadas do lugar, pois só assim os feitos do pretendente ganhavam foros de

legitimidade.

No caso de Sebastião Barbosa do Prado não foram encontrados documentos que

revelassem se o suplicante teve ou não despacho favorável da mercê, mas no caso de José

Martins Figueira sabe-se que ele obteve parecer favorável do Conselho Ultramarino.

Restavam ainda as provanças, que deveriam se realizar sob o olhar vigilante da Mesa de

Consciência e Ordens, num processo demorado e difícil, sobretudo para homens que não

47 Certidão emitida pelo tenente de mestre-de-campo general das Minas João Ferreira Tavares atestando os bons serviços prestados por José Martins Figueira nas Minas, Vila do Ribeirão Carmo, 10 de abril de 1724. AHU, MG, caixa 31, documento 85.

37

viviam mais no Reino. Longo era, portanto, o caminho a ser percorrido em busca da ascensão

social, honra e prestígio inerentes ao título que tanto almejava.

Ao investigar as formas de reprodução do poder nas Minas Gerais setecentistas, Júnia

Ferreira Furtado observou que as práticas de Antigo Regime estavam enraizadas na sociedade,

a exemplo da economia do dom ou do favor, da concessão de mercês e das redes de clientela.

Para a autora, a sociedade das Minas não era uma expressão direta do Reino, ou seja, “como

num jogo de espelhos ondulados, a sociedade colonial não era reflexo direto da ação

metropolitana.” Segundo ela, os portugueses trouxeram as marcas de sua civilização em “seus

signos, seus símbolos e sua cultura que, uma vez incorporados à mente do colonizado,

forjaram parte de sua identidade. Porém, apesar de toda a tentativa de controle, sobrava

sempre espaço para afirmação de sua singularidade.”48

Segundo Júnia Ferreira Furtado no universo social das Minas Gerais, as redes de

clientela, uma das formas de reprodução informal do poder metropolitano na colônia,

funcionavam como importante instrumento de reconhecimento social, determinantes na

aquisição, manutenção e alargamento da posição hierárquica dos indivíduos. O grande

comerciante português Francisco Pinheiro e seus inúmeros agentes espalhados pelas Minas,

por exemplo, pertenciam a uma destas redes de clientela tecidas desde o Reino, misturando

negócios, relações familiares e de amizade. Francisco Pinheiro era o sustentáculo desta rede,

cujo poder emanava diretamente do rei, e seus agentes comerciais eram os reprodutores do

poder real. Valendo-se do prestígio que gozava na Corte, este rico comerciante distribuiu toda

sorte de mercês a parentes e apadrinhados, enredando-os em redes clientelares extensas.

48FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio: a interiorização da metrópole... Op. cit. , p. 24.

38

Tal doação permitia aos poderosos alargar suas redes de clientela, ao arrendarem estes postos na administração real e concedê-los como dádiva. Ao tecerem uma complexa rede de dependência e proteção em torno de si, permitiam a ascensão social de parentes e protegidos na vizinhança do rei, o que reforçava a própria promoção. Como última instância todo o poder derivava do Rei, de quem dependia a concessão dos benefícios, os indivíduos ficavam dispostos em cadeias triádicas, nas quais havia sempre dois pólos a quem se devia dispensar ou retribuir uma dádiva.49

O ato de dispensar uma graça recebida em prol de outra pessoa colocava o ofertante

numa posição superior a quem recebia o benefício. Para Júnia Ferreira Furtado, numa

sociedade em que a honra distingüia as pessoas, “ofertar era forma de torná-la pública,

extraindo daí seu status social e ganhos políticos.” Este ato era um dos primeiros ganhos na

economia do dom. Apesar da aparente possibilidade de mobilidade social nas Minas, as

relações tecidas pelos indivíduos desde o Reino, eram essenciais para o reconhecimento do

lugar social que cada um ocupava. O comerciante português Francisco Pinheiro, por exemplo,

visando facilitar a entrada de um dos seus agentes na Vila de Sabará, deu-lhe em serventia o

cargo de escrivão da ouvidoria que arrematara no Reino. O próprio agente reconheceu em

correspondência enviada posteriormente ao comerciante português, que o cargo e as cartas

que o mesmo havia enviado aos homens prestigiosos de Sabará para aboná-lo, foram cruciais

para sua inserção e reconhecimento naquela sociedade.

Obter a mercê de um cargo administrativo, por exemplo, permitia ao indivíduo mostrar

à sociedade a sua importância. Aqueles que tinham a proteção de algum poderoso no Reino

possuíam certa vantagem sobre os que não a tinham; no entanto nas Minas não faltaram

exemplos de homens que, mesmo sem contar com a proteção de um indivíduo influente no

Reino, não mediram esforços para galgar posições cada vez mais altas na hierarquia social.

O tenente general das Minas, João Ferreira Tavares, morador no termo da Vila do

Ribeirão do Carmo, era um dos homens bastante engajado em busca de mercês. Antes de se

49 FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio: a interiorização da metrópole... Op. cit., p. 50.

39

estabelecer nas Minas do Ouro, ele tinha servido à Coroa no “Principado da Catalunha em

praça de soldado e nos postos de alferes, tenente de infantaria e tenente de cavalos.” No dito

Principado lutou enquanto durou a guerra, participando ainda nas “batalhas de Almenara e

Saragoça”.50

Ao chegar às Minas empreendeu uma estratégia incansável para se inserir na

sociedade e obter reconhecimento social. Em 1719, quando era tenente general das Minas,

enviou petição ao rei requerendo como recompensa aos bons serviços prestados, um posto

mais graduado na hierarquia militar. Se tal posto não fosse possível nas Minas, o suplicante

afirmava que aceitaria o posto de tenente coronel da cavalaria no Reino. O rei atendeu

provisoriamente as pretensões de João Ferreira Tavares, nomeando-o substituto do tenente de

mestre-de-campo general das Minas Félix de Azevedo Carneiro e Cunha, por tempo de um

ano. No entanto, para João Ferreira Tavares a substituição provisória não era o bastante. De

maneira estratégica tratou logo de tentar manter a posição privilegiada que conseguira: enviou

então novas petições ao rei, sugerindo que a Capitania necessitava, em razão da extensão do

território, de mais um tenente de mestre-de-campo general.51 O seu argumento – aliado talvez

à pressão de algum poderoso local - parece ter surtido efeito, pois o rei concedeu-lhe

efetivamente a mercê, criando mais uma vaga para o mesmo posto.

Nas Minas, o tenente de mestre-de-campo general João Ferreira Tavares e seu

companheiro de função Félix de Azevedo Carneiro e Cunha também ficaram conhecidos

pelos desentendimentos com os Dragões, tropa à qual pertenciam. Segundo um parecer do

Conselho Ultramarino sobre a querela, enviado ao governador Dom Lourenço de Almeida em

1723, ambos os tenentes de mestre-de-campo general tinham muitos conflitos com os

50Carta patente emitida pelo rei Dom João V ao tenente general João Ferreira Tavares, Lisboa Ocidental, 28 de dezembro de 1719. APM, Seção Colonial 02, p. 56 v. 51 Carta emitida pelo Conselho Ultramarino com parecer sobre as solicitações de João Ferreira Tavares, Lisboa, 23 de outubro de 1719. AHU, MG, caixa 2, documentos 25. Petição enviada por João Ferreira Tavares ao rei Dom João V, Vila do Carmo, 08 de dezembro de 1720. AHU, MG, caixa 2, documento 34.

40

Dragões e também com os “paisanos armados”. De acordo com as queixas que chegaram ao

Conselho Ultramarino, os dois militares queriam governar despoticamente as tropas de

Dragões, desconhecendo os limites de suas funções. Grande parte destes conflitos era

atribuído ao “mau gênio do tenente general João Ferreira Tavares que suposto seja bom

executor das ordens, é tão perverso por natureza que com todo os oficiais que servem nesta

conquista, se tem feito mal quisto e ainda pelos paisanos com as insolências que lhes fazia

(...).”52

As queixas contra João Ferreira Tavares não afetaram suas pretensões sociais. Em

1730, enviou novamente petição ao rei solicitando graduação mais elevada na hierarquia

militar, como prêmio que lhe fora prometido pelo governador Dom Lourenço de Almeida. A

pedido deste governador, havia construído um reduto em parte do Rio das Velhas, vedando

assim o contrabando de ouro. O Conselho Ultramarino condenou as promessas do governador

feitas em nome do Rei, solicitando o parecer do ex-governador Dom Pedro de Almeida sobre

o assunto. Em documento de 17 de dezembro de 1730 o ex-governador revelou que o reduto

que o suplicante alegava ter construído não tinha utilidade, uma vez que a vigilância de uma

só parte do Rio das Velhas não era suficiente para impedir o contrabando. Mas, uma vez que

a promessa havia sido feita, era preciso então cumpri-la. 53

João Ferreira Tavares e seu irmão Luis José Ferreira Gouveia, nesse momento,

estavam sendo acusados pelos moradores das Minas de tomar procuração dos homens de

negócio de outras capitanias, cobrando dívidas particulares com o auxílio dos Dragões. Os

moradores ainda acusavam João Ferreira Tavares de não ter construído o reduto no Rio das

52Parecer do Conselho Ultramarino sobre João Ferreira Tavares, Lisboa Ocidental, 10 de dezembro de 1723. RAPM, Volume 30, 1979, p. 178. 53Parecer do governador Dom Pedro de Almeida sobre o reduto construído por João Ferreira Tavares para vedar o contrabando de ouro no Rio das Velhas, Lisboa, 17 de dezembro de 1730. AHU, MG, caixa 17, documento 57. Parecer do Conselho Ultramarino sobre João Ferreira Tavares, Lisboa Ocidental, 23 de fevereiro de 1731. AHU, MG, caixa 18, documento 16.

41

Velhas apenas às suas custas. João Ferreira dos Santos, homem rico da Comarca do Rio das

Velhas, seria o responsável pela maior parte da obra.54

Apesar de todas as denúncias que pesavam contra João Ferreira Tavares, suas chances

de ascender socialmente não foram abaladas. Em 1732 o tenente de mestre-de-campo general

e seu companheiro de função Félix Azevedo Carneiro e Cunha enviaram petições ao rei,

solicitando para ambos a patente de mestre-de-campo “ad honorem”. No documento enviado

por João Ferreira Tavares, o suplicante afirmava que servia a Sua Majestade nas Minas havia

24 anos: no posto de tenente general ficou por 14 anos, e no de tenente de mestre-de-campo

general, estava fazia seis anos. Os dois homens receberam a mercê do rei, que lhes concedeu a

patente solicitada como honraria, uma vez que não existia posto mais alto na hierarquia

militar do que aquele que ocupavam nas Minas. Assim eles receberam a patente, devendo

continuar efetivamente no exercício da função de tenente de mestre-de-campo general das

Minas. 55

O caso de João Ferreira Tavares mostra que os indivíduos não mediam esforços para

alcançar cada vez mais mercês reais nas Minas, elemento que estava diretamente atrelado à

estrutura social, às relações políticas, à inserção em redes de clientela e ao acesso aos canais

de negociação com a Coroa. Mesmo sem a proteção aparente de um homem poderoso na

Corte, João Ferreira Tavares, valendo-se de diversas artimanhas e certa influência conquistada

através dos serviços prestados à Coroa, obteve as mercês que almejava na carreira militar. Era

54 Parecer do Juiz de Fora de Vila do Ribeirão do Carmo sobre as acusações contra João Ferreira Tavares e José Ferreira Gouveia, Vila do Ribeirão do Carmo, 26 de dezembro de 1722. Consulta do Conselho Ultramarino ao Juiz de Fora de Vila do Ribeirão do Carmo sobre as queixas dos moradores das Minas contra o tenente general João Ferreira Tavares e seu irmão José Ferreira Gouveia, Lisboa, 20 de Maio de 1731. AHU, MG, caixa 23, documento 6. 55 Petição enviada por João Ferreira Tavares ao rei de Portugal Dom João V, ano de 1730. AHU, MG, caixa 2, documento 35. Parecer do Conselho Ultramarino sobre os serviços prestados por João Ferreira Tavares e Félix de Azevedo Carneiro e Cunha nas Minas. Concessão do posto de mestre-de-campo “ad honorem” aos dois suplicantes citados, Lisboa, 22 de fevereiro de 1731. AHU, MG, caixa 18, documento 16.

42

uma prática de Antigo Regime, que nas Minas era utilizada de forma estratégica para manter a

posição de mando e a influência na região.

Segundo Marco Silveira, a sociedade das Minas era de fato complexa. A região não

era um simples desdobramento da nação portuguesa, mas um espaço que se estruturou com

base em peculiaridades próprias, apesar de sofrer influências do modelo português. Algumas

das práticas oriundas do Reino tornaram-se cruciais na definição da ordem social e política. O

ser civilizado, por exemplo, era uma condição para participar do grupo dirigente da sociedade

mineira e adquirir prestígio. Conquistar tal forma de fidalguia significava estar vinculado de

alguma forma ao poder real, obter mercês, inserir-se na administração, pertencer a uma rede

de clientela e investir no aparato estético, valorativo e comportamental. Era preciso ser

honrado, ou seja, ostentar qualidades indispensáveis na definição de uma posição social

importante na hierarquia. Para o autor, “o homem honrado era, cada vez mais civilizado e

polido, distante dos gestos bruscos e violentos e da excessiva licenciosidade de outrora.”56

Os valores de Antigo Regime, combinados à crescente importância do dinheiro,

criaram nas Minas do Ouro algumas divergências. Constantemente transparecia o embate

entre o que era ideal e real. Na ordenação social, por exemplo, havia um conflito intenso para

se medir o que seria mais importante na sua configuração: honra ou dinheiro?

Sempre houve estratificação nas Minas; mas, qual a importância do dinheiro nela? A riqueza era capaz de igualar doutores e comerciantes? Até que ponto a necessidade deveria respeitar obrigações e lealdades? Era possível a ascensão de negros e pardos mediante a riqueza e patentes? Era exatamente essa flexibilidade das referências que fazia das Gerais um universo do indistinto.57

56 SILVEIRA, Marco Antônio. O universo do indistinto: Estado e sociedade nas Minas setecentistas (1735-1808). São Paulo: Hucitec, 1997. 30-35. 57 Ibid., p. 139

43

O que Marco Antônio Silveira procura investigar, Sérgio Buarque de Holanda já

afirmara para a hierarquia social das Minas:

É naturalmente compreensível que, sobre o tumulto inicial, se vá impor cada vez mais alguma aparência de estratificação (...). Existe, é claro, a norma externa, ao menos como um modelo formal, pois qualquer sociedade de homens se há de pretender civil e bem comportada. Mas como impedir que venham constantemente à tona os contrastes entre a idealidade e uma realidade tangível e bruta?58

Segundo Sérgio Buarque de Holanda, a sociedade das Minas, apesar de móvel em sua

dinâmica social, se espelhava em “velhos padrões ibéricos e portugueses”. À medida que os

núcleos de povoamento fixos se estabilizaram, a escala social foi se refazendo naturalmente

“como se tudo estivesse para voltar às velhas normas universalmente aceitas, e no entanto

existe uma diferença. A escala é a mesma, contudo não são os mesmos os indivíduos que se

distribuem pelos degraus.” 59

Para Marco Antônio Silveira, existia uma dificuldade de situar cada indivíduo dentro

da estrutura hierárquica, pois “sua indistinção não estava na ausência de classificação, mas

sim na dificuldade de se compreender o lugar de cada um em um universo cujos critérios de

ordenação eram díspares e flexíveis.”60 A todo momento a dinâmica social “colocava em

xeque o lugar de cada um”, o desejo pela honra e a distinção viraram uma obsessão. A busca

pelo reconhecimento, status social e prestígio estava na pauta dos interesses dos que queriam

um lugar ao sol, fossem eles ricos ou pobres.

O citado caso do tenente general João Ferreira Tavares é um bom exemplo dessa

obsessão pela distinção social. Como o referido tenente general, João Jorge Rangel, morador

da Freguesia de Santo Antônio, Comarca do Rio das Velhas, também colecionava um grande

número de mercês régias dignas de status social. Natural da freguesia de Nossa Senhora da

58 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Metais e pedras preciosas. In. (dir.) História geral da civilização brasileira. t.1,v.2,6ed. São Paulo: Difel, 1985. p. 297. 59 Ibid., 296. 60 Ibid., 40-49.

44

Piedade da Vila do Lagarto, Comarca do Sergipe de El Rei, arcebispado da Bahia, era homem

solteiro e sem filhos. Na Comarca do Rio das Velhas acumulou expressivo número de bens,

assim como em outras partes do Brasil. De acordo com seu testamento aberto em novembro

de 1742, possuía 12 fazendas espalhadas pela comarca do Rio das Velhas: Maravilha,

Mandacaru, Santa Ana, Rio do Sono, Graça, Riacho da Areia, Cana Brava, Família, Alvarela,

São José, São Jerônimo e Baependi. No Maranhão três fazendas: Santo Amaro, Passagem e

Ilha das Cobras. Era proprietário de 125 escravos.61

O número de mercês, em sua maioria cartas de sesmaria, impressiona. Em 1718 foi

nomeado pelo então governador das Minas, Dom Pedro de Almeida, capitão de uma

companhia de cavalos do distrito do Curral Del Rei, integrando o regimento do coronel José

Correia de Miranda. Posteriormente conseguiu patente mais graduada, capitão-mor. A referida

carta patente não foi encontrada, mas na documentação ele aparece denominado com esta

patente. Durante sua trajetória nas Minas, obteve seis cartas de sesmaria. Em 1720, obteve do

governador Dom Pedro de Almeida, carta do sítio chamado Conceição, localizado próximo ao

Rio Paraopeba. 62 Em Julho de 1727, obteve do então governador Dom Lourenço de Almeida,

sesmaria da fazenda chamada Santa Ana, próxima a Paracatu.63 Em 1728 recebeu desse a

sesmaria da fazenda chamada São José.

(...) tendo respeito ao capitão João Jorge Rangel me apresentou em sua petição que ele é senhor e possuidor de uma fazenda chamada São José cita na Ribeira do Paracatu, a qual fazenda descobriu, povoou e cultivou com escravos, e gado vacum, e cavalar, tudo com grande despesa de sua fazenda e de presente a conserva, livrando-a da invasão do gentio, que continuamente a esta invadindo (...).64

61 AHMOS, testamento de João Jorge Rangel, códice (8)16, p. 152v. – 160v. , 1º ofício, ano 1748. 62 Carta de sesmaria emitida pelo governador Dom Pedro de Almeida ao capitão João Jorge Rangel, Vila do Ribeirão do Carmo, 11 de junho de 1720. APM, Seção colonial 12. 63 Carta de sesmaria emitida pelo governador Dom Lourenço de Almeida ao capitão João Jorge Rangel, Vila do Ribeirão do Carmo, 17 de julho de 1727. RAPM, volume 4, 1899. p. 203-204. 64 Carta de sesmaria emitida pelo governador Dom Lourenço de Almeida ao capitão João Jorge Rangel, Vila do Ribeirão do Carmo, 14 de julho de 1728. RAPM, volume 4, 1899. p. 185.

45

No ano de 1737, João Jorge Rangel obteve nova sesmaria do então governador

Martinho Mendonça, “no caminho novo dos Goiazes, tinha lançado suas posses em um sítio,

o qual tinha descoberto, povoado e cultivado com grande despesa de sua fazenda cujo sítio

principiava da parte do Rio das Mortes no Ribeirão dos Enforcados (...).”65 No ano seguinte

obteve sesmaria do governador Gomes Freire de Andrada, da fazenda chamada Graça,

localizada à beira do Rio da Velhas. Tal fazenda obteve “por título de arrematação em praça e

a conservava com gados vacum e cavalos e escravos servindo-lhe (...)”66 Por fim, em 1741

obteve do mesmo governador, em conjunto com Paulo de Araújo Costa, a sesmaria da

fazenda chamada Riacho da Areia, freguesia do Curral Del Rei, onde possuía e conservava “

fábrica de escravos, gado vacum e cavalos havia quatorze ou quinze anos(...).”67

Além das sesmarias e dos postos militares, João Jorge Rangel também era “senhor de

um contrato de dízimos de gado vacum cavalar em que era interessado seu compadre Paulo

Araújo, Manuel Antunes e seu compadre Mathias de Crasto Porto.” Declarou ainda que na

“companhia de Macau levantada em Lisboa” tinha aplicados 2000 cruzados.68 O grande

número de propriedades e a extensão dos negócios do capitão-mor João Jorge Rangel indicam

que provavelmente estava inserido em redes de influência e poder. Tinha o prestígio e o status

social que a função militar proporcionava, assim como um espaço de negociação com a

Coroa, uma vez que conseguiu obter seis sesmarias. Apesar do seu inventário post mortem

não ter sido encontrado, pode-se dizer que se tratava de um grande negociante de gado, que

aliava a distinção proporcionada pelas mercês com as possibilidades de expansão de seus

negócios nas Minas. 65 Carta de sesmaria emitida pelo governador Martinho de Mendonça ao capitão João Jorge Rangel, Vila Rica, 7 de abril de 1737. RAPM, volume 3, 1898, p. 821-822. 66 Carta de sesmaria emitida pelo governador Gomes Freire de Andrada ao capitão João Jorge Rangel, Vila Rica, 10 de maio de 1738. RAPM, volume 3, 1898, p. 856-857. 67 Carta de sesmaria emitida pelo governador Gomes Freire de Andrada ao capitão João Jorge Rangel, Vila Rica, 17 de março de 1741. RAPM, volume 7, fascículo 1 e 2, 1902, p. 476-477. 68 AHMOS, testamento de João Jorge Rangel, códice (8)16, p. 152v. – 160v. , 1º ofício, ano 1748.

46

Segundo Ramon Fernandes Grossi, as práticas de Antigo Regime tinham vigência nas

Minas Gerais. A dinâmica da troca de favores, por exemplo, estava difundida na sociedade

mineira da primeira metade do Setecentos. Os súditos que demonstrassem fidelidade ao rei

podiam ser agraciados com honrarias, favores e mercês. Estabelecia-se a lógica do “dar e do

retribuir”. No entanto, para receber uma recompensa do rei era preciso mais do que ter

prestado serviços à Coroa: era preciso também ostentar determinada qualidade e não pertencer

aos patamares inferiores da hierarquia social.

Para o autor, na sociedade mineira não havia uma distinção clara do que era direito e

privilégio. Quando uma pessoa era julgada por cometer um crime, por exemplo, não existia

uma noção de direito que igualasse os súditos; pelo contrário, o que regulava as punições era a

“cor”, a situação econômica e a posição social. Tratava-se de uma concepção típica de Antigo

Regime, na qual “os indivíduos eram considerados naturalmente desiguais e o edifício social

era estruturado tendo como base a construção de diferenciações entre as pessoas.”69 A posse

de determinados privilégios podia proporcionar a um indivíduo um tratamento especial. No

entanto, para obter o reconhecimento social “não bastava possuir honras, mercês e privilégios

era necessário torná-los públicos”. Segundo Ramon Grossi “o reconhecimento social do

prestígio pretendido ou adquirido participava da construção da noção de honra, que era a

aceitação do valor individual de alguém pela comunidade.”70

Para o autor, a sociedade mineira carregava traços característicos das práticas de

Antigo Regime vigentes no Reino, como a honra e a desigualdade hierárquica, que eram

inseridas num mundo escravista e colonial. A multifacetada população da região mineira e

suas especificidades sociais e humanas “forçaram uma adaptação da organização social

69 GROSSI, Ramon Fernandes. O “Dar o seu a cada um”: demandas por honras, mercês e privilégios na Capitania das Minas (1750-1808). Belo Horizonte: Departamento de Pós-graduação de História da UFMG, 2005. (Tese de doutorado). p. 181 70 Ibid., p. 240

47

herdada do Portugal da Época Moderna à realidade configurada naquela conquista de Sua

Majestade.”71

Há um consenso entre os historiadores sobre a penetração de práticas de Antigo

Regime nas Minas. Atualmente tentam avaliar seu grau de influência sobre cada região,

recusando uma visão dicotômica de metrópole/colônia. Maria Fernanda Bicalho e João

Fragoso concluíram que muitas das práticas de Antigo Regime assumiram na colônia traços

semelhantes aos do Reino. A economia do dom, por exemplo, era muito parecida com o que

João Fragoso chamou de economia do bem comum. As mercês e a lógica clientelar também

assumiram papel crucial na estruturação das relações políticas e sociais.

Nas Minas Gerais setecentistas, Júnia Ferreira Furtado e Marco Antônio Silveira

também observaram a ocorrência de práticas oriundas do Reino. As redes de clientela tecidas

desde o Reino, por exemplo, eram cruciais para o reconhecimento social de um indivíduo.

Para alcançar a distinção social, o caminho podia ser longo e trabalhoso, sobretudo para

aqueles que não podiam contar com a proteção direta de algum poderoso no Reino. Mas a

obsessão pelas mercês régias era mais forte e muitos não mediam esforços para terem seus

serviços recompensados pelo rei. Recorriam não apenas a um poderoso, mas a uma verdadeira

rede de influências tecida na sociedade local, que se estendia ao Reino. Observou-se, a partir

de exemplos dos que pediam mercês ao rei, que além desta ser uma importante prática de

Antigo Regime vigente na região, valiam todos os recursos e artimanhas para se alcançar a tão

almejada honraria, elemento crucial para os que desejavam galgar posições cada vez

prestigiosas na hierarquia social. Desta maneira, evidências como a obsessão pelas mercês, a

importância da inserção em redes de influência e os serviços prestados ao rei como um valor

relevante a ser deixado como herança, reforçam o quanto as práticas de Antigo Regime

influenciavam a sociedade mineira. 71 Ibid., p. 240

48

Capítulo 2

Formas de enriquecimento nas Minas Gerais Setecentistas

O estudo das formas de enriquecimento e ascensão social nas Minas deve iniciar-se

por um exame das atividades que proporcionavam, na primeira metade do século XVIII,

algum tipo de enriquecimento. Para além do negócio da mineração, existiam inúmeras

possibilidades de ganho econômico, a exemplo da prática do comércio e da arrematação de

contratos. O objetivo deste capítulo é portanto investigar essas formas de aquisição de capital

que se abriam aos habitantes da zona mineradora. Depois compararemos os inventários post

mortem da primeira década do século XVIII com os da década de 40, com o intuito de

verificar a ocorrência – ou não - de um aumento significativo do padrão de riqueza entre a

população mineira.

2.1 Riqueza e decadência nas Minas do Ouro

Em fins do século XVIII e início do XIX, o francês August Saint-Hilaire em viagem

pelas Minas Gerais descreveu a decadência e a miséria em que viviam seus habitantes. Na

cidade de Mariana, ao passar pela região de Camargos, o viajante caracterizou a localidade

como “bastante triste, rodeada de morros desolados, esburacados pelos mineradores de ouro.”

Em relação à população dizia: “seus atuais habitantes são muito pobres; possuem muito

poucos escravos para manter lavagens de certa importância, e suas casas estão mal

conservadas.”72 Em Vila Rica, na localidade de Antônio Pereira, o viajante francês concluiu

que a situação de miséria em que vivia a população não era diferente da que observara em

Camargos. Em ambas, a maior parte dos habitantes sobrevivia da lavagem de ouro. 72 SAINT-HILAIRE, August P. de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975. p. 87

49

(...) quase todos muito pobres para poderem dispor de escravos, são obrigados a trabalhar com as próprias mãos; descansam, porém, desde que conseguem por uma busca de algumas horas, o ouro suficiente para satisfazer as necessidades do dia, e não voltam ao trabalho senão quando a fome a isso os força novamente.73

Na povoação de Itambé, August Saint-Hilaire notou que a “insignificância dos

resultados” tinha feito com que muitos abandonassem a mineração, atividade em torno da

qual se formara a localidade. Para o viajante, “a agricultura não podia tomar-lhe o lugar, pelo

menos, nos arredores; pois são de extrema esterilidade, e, excetuando pequeno número de

bananeiras e laranjeiras, plantadas próximo as casas, não se vê, em torno de Itambé, nenhum

vestígio de cultura.” Desta forma, considerava que a situação do povoado não era diferente da

de outros lugares das Minas pelos quais tinha passado. Sobre a localidade de Itambé dizia: “a

povoação está numa situação de decadência de que nenhuma outra apresenta igual imagem, e

não se compõe senão de uma igreja e cerca de cem casas que, todas, caem em ruínas (...)”74

Saindo de Itambé, se dirigiu então para o povoado de Nossa Senhora da Conceição de

Mato Dentro, lugar onde encontrou o mesmo cenário de pobreza. Em seu relato de viagem

escreveu: “à exceção de Itambé, de todas as povoações até então vistas, nenhuma apresenta

como essa tantos símbolos de decadência e miséria.” Para o viajante tal povoação jamais

esteve à altura, por exemplo, das freguesias do Inficionado e Catas Altas, apesar de ter

conhecido grande prosperidade no século anterior: “(...) o tipo de casas prova que seus

primeiros ocupantes gozavam de abastança. Nessa época, o ouro retirava-se sem dificuldade

dos terrenos próximos às povoações; as minas, porém, empobreceram, e os atuais

proprietários não possuem recursos para fazê-las explorar.”75

73 SAINT-HILAIRE, August P. de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais... Op. cit., p. 75-76. 74 Ibid., p. 129 e 130 75Ibid., p. 135.

50

As impressões do viajante francês August Saint-Hilaire sobre a pobreza nas Minas

Gerais, não foram diferentes das de seus contemporâneos alemães Spix e Martius. Estes

últimos, por exemplo, ao passarem pelo arraial de Bento Rodrigues em Vila Rica, notaram um

cenário marcado pela pobreza da população. Nos relatos de viagem observaram:

(...) muito singular nos pareceu o fato de não se encontrar nesta aldeia, assim como em outras, vestígio algum de riqueza. As casas estão em ruínas, muito pobres na disposição interior, e seus moradores na miséria; tudo demonstra que o florescimento deste distrito já feneceu, e mal aparecem alguns restos da antiga opulência.76

Ao visitarem a Vila do Príncipe, ambos tiveram a mesma impressão sobre o lugar.

Anotaram no diário de viagem o seguinte comentário: “o número de habitantes tem se

reduzido nestes últimos decênios, visto o pouco resultado das minas de ouro, cada vez mais

minguado, de sorte que, atualmente, não conta mais de 2000 almas, e nesta zona de antiga

opulência só se encontram vestígios de miséria.”77

Se, a julgar pelos relatos dos viajantes, o que dominava a paisagem das Minas Gerais

no século XIX era a extrema pobreza e a decadência da população, no século XVIII - ao

menos no princípio - sobre o lugar pairava uma atmosfera de riqueza. Segundo Russell-Wood,

a febre do ouro contaminou a todos: portugueses; aventureiros provenientes da Holanda,

Inglaterra, França e Irlanda; frades que deixavam os mosteiros de Salvador, Rio de Janeiro e

Maranhão; soldados que desertavam das cidades portuárias da América Portuguesa e da

Colônia de Sacramento; negros livres que esperavam encontrar nas Minas a oportunidade que

lhes faltava nos enclaves costeiros – enfim, toda sorte de gente vinha dar no Eldorado recém-

descoberto.78

76 SPIX, Johann Baptist Von, MARTIUS, Carl Friedrich Phillipp Von. Viagem pelo Brasil (1817- 1820). Volume I. São Paulo: Melhoramentos, 1968. p. 267. 77 Ibid., p. 23. 78RUSSELL-WOOD, A.J. R. . O Brasil Colonial: O ciclo do Ouro, C. 1690-1750. In BETHELL Leslie (org.). História da América Latina: A América Latina Colonial... Op. cit. p. 482.

51

Para o jesuíta André João Antonil, “a sede insaciável do ouro estimulou a tantos a

deixarem suas terras e a meter-se por caminhos tão ásperos como são os das Minas, que

dificultosamente se poderá dar conta do número de pessoas (...).”79 Grande era a diversidade

dos que vieram para a região movidos pela “fama das minas tão abundantes” :

Cada ano,vêm nas frotas quantidades de portugueses e de estrangeiros, para passarem às Minas. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil, vão brancos, pardos e pretos, e muitos índios, de que os paulistas se servem. A mistura é de toda a condição de pessoas: homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares e clérigos, e religiosos de diversos institutos, muitos dos quais não têm no Brasil convento nem casa.80

Os estudos de Donald Ramos mostram que a maior parte dos portugueses que

emigraram para as Minas provinha do Norte de Portugal, sendo raros os originários de Lisboa

e do Sul. Ao analisar os registros de casamentos, testamentos e devassas eclesiásticas de Vila

Rica relativos ao período de 1709-1804, o autor conclui que a maioria dos portugueses que

viviam na vila haviam emigrado do norte do Reino, especialmente do Minho, Douro, Trás-os-

Montes e Beiras.81

Segundo Russell-Wood, a Coroa se alarmou ante os efeitos desastrosos que a corrida

desenfreada pelo ouro poderia causar na sociedade e na economia de Portugal. O

despovoamento, especialmente nas províncias do Norte, obrigou o rei, por volta de 1709, a

reiterar as exigências de passaporte aos que viajavam para a América. Esse documento era

obtido junto à Secretaria do Estado em Lisboa, ou junto aos governadores do Porto ou de

Viana do Castelo. Concedia-se a autorização apenas aos que apresentassem provas de que o

negócio que estabeleceriam no Brasil era legítimo, depois de terem pago uma fiança para sair

do Reino. No entanto, as severas penalidades não foram suficientes para deter a vertiginosa

79 ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1976. p. 167. 80 Ibid., p. 167 81 RAMOS, Donald. From Minho to Minas: The portuguese roots of the mineiro family. In. Hispanic American Historical Review, North Carolina, vol 73, nov. 1993. p. 640-651

52

migração para a zona mineradora. No ano de 1733, por exemplo, três navios oriundos de

Portugal chegaram à cidade da Bahia, trazendo mais de 700 passageiros em situação irregular,

isto é, sem a devida autorização.82

Para Charles Boxer, apesar de os conselheiros ultramarinos observarem, por volta de

1715, que os efeitos da emigração para o Brasil não afetavam o Reino, a saída anual de três a

quatro mil portugueses certamente tinha um grande impacto num país de dimensões

reduzidas. Na província do Minho, por exemplo, o número de homens que emigraram para a

América Portuguesa era considerada alarmante. 83 Preocupado com a situação, o rei ordenou,

em 1720, que todo português que estivesse em porto brasileiro sem o devido passaporte, fosse

remetido de volta para o Reino. É o que se infere da carta enviada pelo secretário da Marinha

e Ultramar, Diogo de Mendonça Corte Real, para Aires de Saldanha de Albuquerque:

(...) sobre o particular da muita gente deste Reino que passa às Minas, tomou Sua Majestade a resolução de mandar promulgar uma lei para que não fossem mais pessoas que as necessárias para o comércio, e que só a estas se desse passaporte, e as que lá forem sem, que lhes sejam remetidas presas para o Reino como melhor se declara pela lei (...). 84

Para Donald Ramos, as restrições não foram suficientes para impedir que cada vez

mais portugueses chegassem às Minas, embalados pelo sonho da riqueza fácil. Não se sabe

ainda por que vias e de que forma a notícia da descoberta do ouro em fins do século XVII

espalhou-se por todo o Império português, desencadeando verdadeiras vagas migratórias em

direção àquela região. O certo é que obras como a de Antonil ofereciam um cenário bastante

atraente e promissor para o camponês pobre do Norte de Portugal. Segundo esse jesuíta,

imensas eram as possibilidades de enriquecimento fácil e muitos foram os que haviam juntado

82 RUSSELL-WOOD, A.J. R.. O Brasil Colonial: O ciclo do Ouro, C. 1690-1750. In BETHELL Leslie (org.) História da América Latina: A América Latina colonial... Op. cit. p. 478. 83 BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil: dores do crescimento... Op. cit. p. 72. 84 Carta enviada pelo secretário da Marinha e Ultramar, Diogo de Mendonça Corte Real, para Aires de Saldanha de Albuquerque, Lisboa, 17 de março de 1720. AHU, MG, caixa 2, documento 57.

53

uma quantidade expressiva de ouro: em 1709, um dos homens mais ricos da região era

Francisco do Amaral, que havia extraído das Minas cinqüenta arrobas de ouro. Nessa mesma

situação estava Baltazar Godói, que retirara das lavras mais de vinte arrobas de ouro. Entre os

que haviam enriquecido num curto espaço de tempo, estavam Manuel Nunes Viana, Manuel

de Borba Gato, José Góis de Almeida e Garcia Rodrigues Pais. De acordo com Antonil, esses

homens de cabedal se portavam:

(...) com altivez e arrogância, de andarem sempre acompanhados de tropas de espingardeiros, de ânimo pronto para executarem qualquer violência, e de tomar sem temor algum da justiça grandes e estrondosas vinganças. Convidou-os o ouro a jogar largamente e a gastar em superfluidades quantias extraordinárias, sem reparo, comprando, por exemplo, um negro trombeteiro por mil cruzados, e uma mulata de mau trato por dobrado preço, para multiplicar com ela contínuos e escandalosos pecados. 85

Por outro lado, o jesuíta observava que, nas Minas, também proliferavam os vadios,

homens que se dirigiam à região não para tirar ouro dos ribeiros, “mas dos canudos em que o

ajuntaram e guardam os que trabalham nas catas, usando de traições lamentáveis e de mortes

mais que cruéis, ficando estes crimes sem castigo, porque nas Minas a justiça humana não

teve ainda tribunal (...).”86

2.2 Os caminhos do enriquecimento: mineração, comércio e arrematação de

contratos.

Segundo Laura de Mello e Souza, nos primeiros anos a exploração mineral, limitada à

extração do ouro depositado no fundo dos rios, isto é, de aluvião, possibilitava lucros mais

imediatos. Esgotado esse tipo de exploração, os mineiros partiam para o ouro depositado nas

85 ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil... Op. cit. , p. 194. 86 Ibid., p. 194

54

encostas (grupiaras) e por fim a dos veios subterrâneos (galerias), que exigia alto investimento

em técnicas minerais, além de um número expressivo de escravos para a realização dos

trabalhos.87 Segundo Tomé Gomes Moreira, a empresa da mineração era árdua, exigindo por

vezes que o minerador arcasse com custos extremamente onerosos - o que explicava o fato

de eles “serem pobres e viverem sempre com empenhos”.

Os que todo o ano mineram junto aos rios lhes é necessário, no mesmo lugar da lavra, assentar um engenho de uma roda e uma bomba para continuamente ir exaurindo toda a água da terra, que por ficar próximo ao rio está continuamente brotando e é preciso esgota-la para da mesma terra e do mesmo lugar, se extrair o cascalho em que está o ouro. Está fábrica de roda e bomba não custa menos de seiscentas oitavas de ouro para cima. Ao mesmo tempo, é necessário grande número de negros para desmontar a terra e tirar o cascalho, depois lava-lo e, ultimamente, apura-lo. É necessário grande número de enxadas, alavancas, almocafres, cavadores e bateias.88

A extração do ouro nas catas de talho aberto, por exemplo, era muito cara.89 Além de

arcar com a construção de canais e com a canalização da água, era preciso grande dispêndio

de trabalho escravo e tempo, o que fazia com que esse tipo de exploração fosse acessível

apenas aos mineradores mais abastados:

(...) é necessário que tenham um rego d’água, sem a qual se não pode minerar; se a não tem perto, que venha o seu nascimento superior, é preciso buscá-la de maior distância e conduzi-la, abrindo-lhe regos por montes e penhascos, e em muitas partes onde se topam vales lhes formam andaimes de grandes madeiros e, sobre estes, canos de tabuados para a corrente das águas vencer e chegar à altura de outros montes sobre que a querem levar, e isto na distância de uma, duas e três léguas de rego, em que se faz uma grande despesa, a respeito dos grandes jornais que naqueles países costuma ganhar todo o gênero de oficiais. E na mesma forma é exorbitante o preço de todos os materiais, e nestes serviços de conduzir as águas se gastam muitas vezes dois e três anos (...). 90

87 SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira... Op. cit. , p. 67 88 MOREIRA, Tomé Gomes. [Papel feito acerca de como se estabeleceu a capitação nas Minas Gerais e em que se mostra ser mais útil o quintar-se o ouro, porque assim só paga o que o deve]. In. Códice Costa Matoso. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, CEHC, 1999. Doc. 53, vol. 1, p. 484. 89 Cf. REIS, Flávia Maria da Mata. Mineração colonial: métodos e técnicas de exploração do ouro. Minas Gerais século XVIII. Monografia. FAFICH/UFMG, Belo Horizonte, 2002. 90 MOREIRA, Tomé Gomes. [Papel feito acerca de como se estabeleceu a capitação nas Minas Gerais e em que se mostra ser mais útil o quintar-se o ouro, porque assim só paga o que o deve]. In: Códice Costa Matoso... Op. cit. , p. 465-504.

55

Em 1729, a Câmara da vila de São João Del Rei enviou ao rei uma representação na

qual, além de relatar a situação difícil em que viviam os mineradores, solicitava que na

cobrança das dívidas deles não fossem confiscados seus escravos e ferramentas, instrumentos

essenciais ao serviço que executavam. Segundo os representantes da Câmara eram grandes as

dificuldades para se extrair ouro nas minas “em formações profundas e alagadas”, obrigando-

os a investir grande volume de cabedal nas técnicas de extração mineral e em plantéis de

escravos em número suficiente para realizar os serviços:

(...) são por esta razão preciosamente obrigados os mineiros a se empenharem no provimento de muitos escravos, ferramentas e vários instrumentos de custo, para poderem entrar nesta penosa diligência e vencerem as dificuldades dela: e como além destas, é a dita extração sujeita a contingência de grandes demoras de serviços, seguindo mais ou menos as dificuldades com que se topa(...).91

O alferes João do Monte Medeiros, homem casado, morador em São Caetano, termo

da Vila do Ribeirão do Carmo e dono de um vasto patrimônio avaliado em vinte contos de

réis em 1742, era um exemplo de minerador abastado que tinha os recursos necessários para

arcar com a atividade que praticava. Em inventário post mortem, seu inventariante e genro, o

alferes Antônio Coelho Barbosa, declarou que o sogro tinha “umas terras minerais com

grupiaras e tabuleiros que se achavam na beira do córrego chamado do Lazaro (...).” Destas

terras minerais, seu outro genro, André Correa Lima, tinha dezesseis braças “no serviço de

roda da dita grupiara as quais braças lhe foram dadas em dote (...).”92 O tabuleiro

correspondia à exploração do cascalho aurífero que se encontrava nas terras secas localizadas

à margem dos rios. As grupiaras, por sua vez, eram depósitos de cascalho aurífero existentes

na meia encosta dos morros. A água constituía elemento fundamental: o seu transporte

91 Representação dos oficiais da Câmara da Vila de São João Del Rei enviada ao rei Dom João V, Vila de São João Del Rei, 09 de setembro de 1729. AHU, MG, caixa 14, documento 44. 92 AHCSM, inventário post mortem do alferes João do Monte Medeiros, caixa 150, auto 3153, 1º ofício, ano 1742.

56

envolvia a construção de grandes aquedutos, conhecidos como bicamês, para a condução até

as áreas de extração.93

Em suma, passada a primeira fase do ouro de aluvião, as técnicas se sofisticaram e

exigiram maiores investimentos, tanto de instrumentos e ferramentas quanto de um número

maior de escravos. Muito freqüentemente, o alto custo da exploração aurífera impunha a

necessidade de se realizar a extração por meio de uma sociedade entre vários mineradores.

Esse é o caso, por exemplo, do minerador João do Monte Medeiros, em cujas terras minerais

havia:

(...) um serviço de roda moente e corrente em terras minerais desde a barra do córrego chamado Lazaro rio acima em que lhe confirmam com terras de Bartolomeu Alves Ribeiro no qual serviço se anda atualmente trabalhando em que o defunto tinha trinta braças e seus sócios Antônio Ponte vinte e três braças, Antônio Coelho Barbosa seu genro vinte e três braças e André Correia Lima seu genro outras dezesseis braças (...).94

A leitura atenta desse inventário revela que, apesar de cada um dos sócios possuir uma

determinada parcela de braças, eles exploravam em conjunto toda a extensão de terras,

dividindo os gastos com ferramentas e técnicas utilizadas pelos escravos de todos. Afinal,

tratava-se de um investimento muito alto para um único minerador. Na sociedade de João do

Monte Medeiros, as ferramentas declaradas foram: “sete alavancas, trinta almocafres, cinco

enxadas, um marrão, oitenta carumbes, duas bateias grandes, um eixo, uma serra de mão (...)”.

Todas foram avaliadas em trinta e quatro mil réis, sendo de direito do falecido a quantia de

dezesseis mil e quinhentos réis.

O sargento-mor Manuel Ferreira Couto e Dona Mariana Correia de Oliveira – ambos

abastados moradores no Morro da Passagem, termo da Vila do Ribeirão do Carmo - também

93 LUNA, Francisco Vidal. Minas Gerais: Senhores e escravos (1718-1804). São Paulo, 1981, IPE- USP. Tese de doutorado. p. 96-100. BOTELHO, Ângela Vianna. Técnicas de mineração. In. BOTELHO, Ângela Vianna, ROMEIRO, Adriana. Dicionário Histórico da Minas Gerais: Período Colonial. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. 94 AHCSM, inventário post mortem do alferes João do Monte Medeiros, caixa 150, auto 3153, 1º ofício, ano 1742.

57

possuíam os recursos necessários para arcar com os elevados custos das catas de talho aberto.

Manuel Ferreira Couto era português e solteiro, dono de um patrimônio avaliado em

aproximadamente vinte um conto de réis. Segundo seu inventariante Manuel Pinto da

Fonseca, ele e o defunto tinham “meio a meio”:

(...) uma lavra aberta com seis datas de terras em serviço citas junto à ponte da Passagem no lugar chamado Tamanduá com uma água metida e parte de outra na mesma lavra em que trabalha a talho aberto, e em cima da mesma lavra tem suas casas de vivenda (...) e assim mais cinco datas de terras concedidas (...). 95

A dita sociedade do sargento-mor era uma eficiente estratégia para dividir os altos

custos gastos com o tipo de exploração mineral praticada ali. Os sócios contavam com vinte e

dois escravos que trabalhavam na lavra como 24 alavancas, 15 enxadas, 12 almocafres, 3

marrões, um machado, uma serra de mão e 2 cunhas de ferro. Mariana Correia de Oliveira,

senhora abastada do Morro da Passagem e casada com o capitão-mor João Pinto Alves,

deixou, em 1739, um vasto patrimônio avaliado em 32:164$500 (trinta de dois contos, cento e

sessenta e quatro mil e quinhentos réis). De acordo com seu marido e inventariante, o casal

possuía uma lavra no “Morro da Passagem com sua água metida na qual lavra trabalhavam a

talho aberto (...).”96

Segundo Laura de Mello e Souza, se a atividade mineral já era difícil para o grande e

pequeno minerador, para os homens pobres e sem recursos tornava-se praticamente uma

empresa impossível. Dessa maneira, não era de se admirar “que muitos caíssem na miséria,

sobretudo, quando a mineração começou a declinar não se minerava sem escravos, e estes

95 AHCSM, inventário post mortem do sargento-mor Manuel Ferreira Couto, caixa 78, auto 1675, 1º ofício, ano 1738. 96 AHCSM, inventário post mortem de Mariana Correa de Oliveira, caixa 46, auto 1050, 1º ofício, ano 1748.

58

eram custosos, além de morrerem em grande número no serviço insalubre das lavras carentes

de mão-de-obra.”97

Para a autora, o homem livre e sem recursos dificilmente poderia manter-se como

proprietário de escravos, uma vez que a região mineradora “apesar de tida tradicionalmente

como rica e democrática, apresentava possibilidades favoráveis apenas a um pequeno número

de pessoas.” O caráter da atividade mineral era restrito e eminentemente escravista, sendo as

datas “concedidas conforme o número de escravos que cada um possuísse, donde parece ficar

descartada a possibilidade, para o homem livre pobre, de possuir lavra sua.” Diante de

tamanhas restrições, o principal recurso do homem livre pobre era a faiscagem, atividade que,

por sua vez, mal dava para a sua subsistência. A faiscagem consistia em andar pelos ribeiros e

áreas comuns ao povo, ou ainda em uma data mineral própria, em busca do ouro. O faiscador

freqüentemente trabalhava sozinho, levando um único instrumento de trabalho – a bateia. Se

alguns contavam com poucos escravos, muitos, porém, não conseguiam ter êxito e

abandonavam a atividade por não poderem manter-se a si mesmos e a seus negros.

Segundo Francisco Eduardo Andrade, no ano de 1700 o “Regimento que se há de

guardar nas minas dos Cataguases, e em outras quaisquer do distrito destas capitanias de ouro

de lavagem”, foi o primeiro a legitimar sobre as demarcações das datas minerais, garantindo,

em um de seus artigos, espaço para os homens pobres na divisão delas. O artigo 25º

observava que os mineiros pobres, quando fossem “brancos”, teriam direito a cinco braças de

terra sorteadas na repartição. Em 1702, o novo código que a Coroa promulgou para as Minas

– o Regimento do Superintendente, Guarda- mor e mais oficiais das Minas do ouro de São

Paulo - não reservou esse lugar aos homens pobres na repartição das datas, apesar de ter

seguir o modelo do Regimento de 1700.

97 SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira... Op. cit. , p. 66-71.

59

O Regimento Mineral de 1702, excluiu os não proprietários de escravos da partilha, do descoberto (o artigo 25 do Regimento anterior desaparece); ordenou a expulsão de todas as pessoas que nelas não forem necessárias (nesta categoria deviam estar incluídos os vadios, os padres regulares, os desertores e os estrangeiros) e de mercadores vindos da Bahia que não comerciassem gado (artigo 17); e manteve a proibição do Regimento anterior de permanência de ouvires nas Minas (artigo 21).98

Além de ter que arcar com o alto custo exigido pela exploração aurífera, a mão-de-

obra escrava, considerada o principal fator de produção na mineração, também custava caro

ao minerador. Segundo Charles Boxer, a carência e o alto custo dos escravos foram

intensificados nas Minas, quando a Coroa portuguesa em decreto de Janeiro de 1701,

estabeleceu que a cota de escravos a ser importada para a região, vindos da África Ocidental,

via Rio de Janeiro ou de outros mercados brasileiros, não ultrapassasse duzentos cativos. Em

1703, o rei manteve a cota de duzentos escravos paras as Minas, instituindo para o Rio de

Janeiro o limite de mil e duzentos cativos, para Pernambuco mil e trezentos escravos e os

restantes para a Bahia. Para o autor, apesar de a medida ter sido relaxada em 1709, pouco

tempo depois, em 1711, ela foi novamente reiterada. Devido à reclamação dos senhores de

escravos do nordeste, a Coroa ordenou então que não fossem vendidos para as Minas escravos

ocupados em serviços agrícolas, com exceção dos que apresentassem a “perversidade dos seus

naturais”, não sendo convenientes para o trabalho nas lavouras e trato nos engenhos. Segundo

Boxer, a brecha que a concessão oferecia foi “integralmente explorada pelos proprietários de

escravos, apesar dos castigos severos com que eram ameaçados os transgressores da letra e do

espírito de tal lei.” Em 1715 a cota que limitava em duzentos o número de escravos a serem

importados para as Minas foi abolida.99

98 ANDRADE, Francisco Eduardo. A Invenção das Minas Gerais: empresas, descobrimentos e entradas nos sertões do ouro (1680-1822). São Paulo: USP, 2002. (Tese de Doutorado). p. 257 99 BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil: dores do crescimento... Op. cit. , p. 68-69.

60

Segundo Francisco Eduardo Andrade, a lei de restrição à mão-de-obra escrava nas

Minas pode ser interpretada como uma “medida adicional de estreitamento da participação

dos pobres ou dos vadios nos tesouros minerais”, uma vez que a posse de escravos era fator

determinante na dimensão das datas minerais distribuídas pela Coroa no Regimento de 1700,

e, a “partir do Regimento de 1702, significava a diferença entre ser mineiro ou mero

faiscador.” Para o autor, a medida ainda provocou como resultado o aumento do contrabando

e a disparada do preço do escravo.100

Segundo o jesuíta André João Antonil, em 1703 um “negro bem feito, valente e

ladino” era vendido por trezentas oitavas de ouro, que correspondia a quatrocentos e

cinqüenta mil réis. O preço de escravos especializados era ainda mais alto: por exemplo, “um

crioulo bom oficial, quinhentas oitavas”, que equivalia a setecentos e cinqüenta mil réis.101 De

acordo com Francisco Eduardo Andrade, o alto preço dos escravos africanos também se fez

sentir na Vila de São Paulo. Entre 1695 e 1700 um escravo adulto que valia anteriormente

quarenta e cinco mil réis passou a ser vendido por cento e oitenta mil réis, chegando a valer

em 1710, duzentos e cinqüenta mil réis.102

Nas Minas Gerais, em 1713, de acordo com o inventário post mortem de Ana Maria

de Borba, moradora no Sumidouro, termo da vila do Ribeirão do Carmo, “o negro Benguela

por nome André Barbeiro” obteve a maior avaliação do rol de escravos listados –

quatrocentos e cinqüenta mil réis.103 Correspondia ao valor pago por um escravo

especializado, provavelmente jovem e que não apresentava problemas de saúde ou defeito

físico. Em 1717, de acordo com o inventário post mortem do sargento-mor Gaspar de Brito

100 ANDRADE, Francisco Eduardo. A Invenção da Minas Gerais: empresas, descobrimentos e entradas... Op. cit. , p.264-266. 101 ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil... Op. cit. , p.171. 102 ANDRADE, Francisco Eduardo. A Invenção das Minas Gerais: empresas, descobrimentos e entradas... Op. cit. , p. 265. 103 AHCSM, inventário post mortem de Ana Maria de Borba, caixa 87, auto 1838, 1º ofício, ano 1713.

61

Soares, “um negro chamado Gaspar, oficial de alfaiate, de nação Angola que tinha de idade

quarenta anos (...)” foi avaliado em trezentos mil réis. No mesmo inventário, “um negro

chamado Ambrósio de nação Angola de idade de trinta e cinco anos”, foi avaliado em

duzentos e quarenta mil réis. Apesar de cinco anos mais novo que o escravo Gaspar,

Ambrósio não era especializado, e por essa razão foi avaliado por um preço menor.104 Por

outro lado, no inventário post mortem de Silvestre Álvares de Araújo, morador em Antônio

Pereira, termo da Vila do Ribeirão do Carmo, o escravo Miguel Mossangano, de vinte e cinco

anos de idade, alcançou um dos maiores valores encontrados para um cativo sem

especialização - quatrocentos e cinqüenta mil réis.105 Em 1730, no inventário post mortem de

Manuel Pinheiro Cerqueira, morador na freguesia de Nossa Senhora da Conceição, a principal

da Vila de Sabará, a escrava Inácia também foi avaliada por um alto valor pelo fato de estar

grávida – duzentos e setenta mil réis.106

Segundo Rodrigo Castro Rezende, os senhores de escravos das Minas Gerais

compravam seus cativos seguindo principalmente três critérios: a idade, que era geralmente

entre 15 e 20 anos; o sexo, com preferência pelos homens, em virtude da atividade econômica

desempenhada na região; e a origem, predominando na primeira metade do XVIII os

africanos da Costa Ocidental, sobretudo, os de nação Mina. Contudo, a população cativa da

região era bastante heterogênea em suas origens, eram aproximadamente 160 nações, sendo

os indivíduos provenientes da África os que compunham a maior parcela da população

104 AHCSM, inventário post mortem do sargento-mor Gaspar de Brito Soares, caixa 118, auto 2446, 1º ofício, ano 1717. 105 AHCSM, inventário post mortem de Silvestre Álvares de Araújo, caixa 125, auto 2511, 2º ofício, ano 1725. 106 AHMOS, inventário post mortem do capitão Manuel Pinheiro de Cerqueira, caixa 02, auto 22, 2º ofício, ano 1730.

62

escrava da região na primeira metade do Setecentos – eles correspondiam a percentual que

variava “entre 82,2% a 94,9%, dependendo do período e do lugar.”107

Sobre o valor dos cativos observado em alguns dos inventários post mortem da Vila do

Ribeirão do Carmo e seu termo e da Comarca do Rio das Velhas, no período de 1713-1750,

pode-se afirmar que, além da idade, sexo e origem do escravo, também influenciavam no seu

valor a especialização em algum ofício, e suas perfeitas condições físicas e de saúde. De

forma geral, notou-se que os escravos com idade entre vinte cinco e quarenta anos, com boa

saúde e sem defeitos físicos, possuíam valor que variava entre cento e cinqüenta e duzentos

mil réis. Se o cativo fosse especializado em algum ofício seu valor era relativamente maior,

em alguns casos ultrapassava a quantia de duzentos mil réis. Deve-se considerar que a maior

ou menor oferta da mão-de-obra escrava no mercado também contava no preço a ser atribuído

ao cativo.

O comércio de escravos - o principal fator de produção nas Minas -, de gêneros

alimentícios e tudo aquilo que o mercado mineiro necessitava, mostrou ser, desde o início do

povoamento, um negócio altamente rentável. Segundo Antonil, a terra aurífera era

“esterilíssima de tudo o que se há mister para a vida humana” e muitos foram os que

padeceram vitimados pela fome, “achando-se não poucos mortos com uma espiga de milho na

mão, sem terem outro sustento.” Para o jesuíta, como “se viu a abundância do ouro que se

tirava e a largueza com que se pagava tudo que lá ia”, os mercadores rapidamente começaram

a enviar para a região o que de melhor chegava nos navios do Reino, desde mantimentos até

vestimentas, “além de mil bugiarias da França, que lá também foram dar. E, a este respeito, de

107REZENDE, Rodrigo Castro. As Nossas Áfricas: população escrava e identidades africanas nas Minas Gerais setecentistas. Belo Horizonte: Departamento de Pós Graduação da UFMG/FAFICH, 2006. (Dissertação de mestrado). p. 73-75

63

todas as partes do Brasil se começou a enviar tudo o que dá a terra, com lucro não somente

grande, mas excessivo.”108

Para Diogo de Vasconcelos, nos primeiros anos de povoamento das Minas Gerais,

muitos foram os novatos que subiram a mascatear e a região logo se encheu de tais

mercadores que “aproveitavam o bom tempo dos ribeiros, quando o ouro emergia a permeio

das areias e cascalhos.” Para o autor, o comércio permitiu que muitos desses homens

juntassem grande cabedal, aproveitando-se do negócio oportuno que explorava “os vícios e a

luxúria mais que a necessidade dos mineiros.”109 Segundo Sérgio Buarque de Holanda, o

comércio não se fazia sem dificuldades: os gastos com passagens, registros, alfândegas e

impostos eram altos, cobrados sobre os artigos desde Lisboa até o Rio de Janeiro. Não

obstante Minas ser uma região “tão entranhada no continente”, acrescentando-se as despesas

com transporte e os riscos dos caminhos, os lucros com tal negócio eram grandes.110

Segundo Júnia Ferreira Furtado, o comércio nas Minas floresceu rapidamente,

mostrando ser, desde o início, um negócio muito rendoso. Os mineiros tinham em suas mãos

o ouro que era um equivalente universal de troca, o que facilitava as transações mercantis.

Além disso, o mercado era atrativo ao comércio, pois os produtos podiam atingir preços

exorbitantes em virtude de se acrescer ao seu valor, entre outros, as despesas com os meios de

transporte, com os inúmeros intermediários e os impostos. Segundo a autora dos “currais de

Paranaguá, da Bahia e do Rio das Velhas, vinham às boiadas e as cavalgaduras; do porto do

Rio de Janeiro vinham comestíveis, roupas, armas, bugigangas que chegavam do Reino e da

Europa e, da África, os escravos.”111Porém, alguns dos produtos comercializados nas Minas

108 ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil... Op. cit. , p.169-170. 109 VASCONCELOS, Diogo. História Antiga das Minas Gerais: 1703-1720. Belo Horizonte: editora Itatiaia, 4 ed., 1999. p. 235. 110 HOLANDA, Sérgio Buarque. Metais e pedras preciosas. In. (dir.). História geral da civilização brasileira... Op. cit. , p. 294. 111FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio: a interiorização da Metrópole... Op. cit. , p. 198-201.

64

não vinham somente do mercado externo. Carla Carvalho de Almeida, Ângelo Alves Carrara,

Claúdia Maria Chaves e Flávio Marcus Silva são alguns dos autores que defendem a tese de

que, desde o início do povoamento das Minas, desenvolveu-se na região uma rede de

abastecimento interna baseada principalmente na agricultura e pecuária. Tal questão será

abordada no capítulo seguinte.

Para Júnia Ferreira Furtado e Renato Pinto Venâncio, nas Minas havia espaço tanto

para os grandes comerciantes, conhecidos como negociantes de grosso trato, quanto para os

pequenos, chamados comerciantes volantes. Estes últimos, na maioria dos casos, a serviço dos

comerciantes maiores ganhavam por comissão, eram também denominados viandantes,

tratantes, comboieiros e condutores. Os comerciantes de grosso trato eram aqueles que

aplicavam grande cabedal no negócio e operavam em vários lugares, sendo responsáveis

diretos pela importação de mercadorias do Reino. Financiavam ainda a atividade de

comerciantes menores, fornecendo-lhes mercadorias.112 Nas Minas, um exemplo de grande

comerciante que voltou seu negócio para o abastecimento do mercado interno foi o capitão

Mathias de Crasto Porto. Considerado um dos homens mais ricos da Comarca do Rio das

Velhas na primeira metade do século XVIII, abastecia a região com produtos variados, os

quais mandava buscar no Rio de Janeiro. Na vila de Sabará e seu termo, possuía seis lojas de

secos e molhados, além de açougues e fazendas de criação de gado. A trajetória de Mathias de

Crasto Porto será investigada de forma mais aprofundada nos capítulos seguintes.113

A arrematação de contratos também podia ser uma opção de investimento rentável. A

Coroa usava essa forma de arrendamento como uma importante fonte de rendimento: por

meio dele, garantia-se antecipadamente o lucro advindo dos dízimos e entradas. Os contratos

112FURTADO, Júnia Ferreira, VENÂNCIO, Renato Pinto. Comerciantes, tratantes e mascates. In. PRIORE, Mary Del (org.). Revisão do paraíso: 500 anos e continuamos os mesmos. Rio de Janeiro: campus, 2000. p. 98-109. 113 AHMOS, inventário post mortem do capitão Mathias de Crasto Porto, caixa I(02), auto 19, 1º ofício, ano 1742.

65

eram arrematados em hasta pública e tornavam o arrematante responsável pelo recolhimento

de impostos ou direitos em nome da Fazenda Real. O lucro do contratador estava na diferença

entre o valor arrecadado com os direitos e o pagamento efetuado à Real Fazenda.114 Em 1717,

por exemplo, o famoso potentado Manuel Nunes Viana pretendia arrematar o contrato de

gados, carregações e negros que entravam pelo sertão do São Francisco para o abastecimento

das Minas Gerais. A arrematação do contrato significava para o potentado lucros vultosos,

uma vez que seria responsável pela coleta dos impostos que deveriam ser pagos quando essas

mercadorias entrassem nas Minas. Em janeiro de 1719, o governador das Minas Dom Pedro

de Almeida enviou ao rei de Portugal uma carta relatando o quanto Manuel Nunes Viana

tentou intimidar seus possíveis oponentes na disputa pela arrematação do dito contrato.

(...) chegando-me alguma notícia de que ele veio espalhando que vinha arrematar o contrato influindo temor e receio, mandei que a arrematação se fizesse nesta vila [Ribeirão do Carmo] para que cada um livremente pudesse dar o seu lance, e com efeito ficou o dito Manuel Nunes sem o contrato por haver outros lançadores de maior quantia que lho picaram tão alto que a ele não teve conta (...). 115

Em virtude dos altos rendimentos, os conflitos em torno da arrematação desses

contratos eram constantes. Em 1722, o governador Dom Lourenço de Almeida enviou carta

ao rei, relatando as represálias dos potentados locais em relação ao novo contratador da

Passagem de Papagaio na Comarca do Rio das Velhas. Segundo o governador, muitos

moradores do sertão não queriam consentir que houvesse tal passagem, sendo um dos

principais opositores o mestre-de-campo Faustino Rebelo.

114 ROMEIRO, Adriana. Sistema de Contrato. In. BOTELHO, Ângela Vianna, ROMEIRO, Adriana. Dicionário histórico da Minas Gerais: período colonial. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.p. 277- 279. 115 Carta do Conde de Assumar ao rei de Portugal sobre o celebre Manuel Nunes Viana, Vila do Ribeirão do Carmo, 08 de janeiro de 1719. RAPM, volume 3, 1898, p.253-254.

66

Agora novamente depois do contratador da Passagem chegar a ela com a nova arrematação que fez, saíram ao encontro dele vários mascarados da fazenda do dito Faustino Rebelo, e o quiseram matar, de que escapou milagrosamente, porém passado por uma bala com uma espada, arrombaram as canoas que tinha e as deitaram pelo rio abaixo, tirando uma bandeira real com as armas de Vossa Majestade, e também feriram outro seu companheiro de rendeiro e lhe destruíram a sua casa(...).116

De acordo com o governador Dom Lourenço de Almeida, em carta enviada ao rei em

agosto de 1724, eram comuns os conluios entre lançadores para arrematação dos contratos.117

Os direitos a serem pagos sobre a entrada de gados e cavalos nas Minas, por exemplo, eram os

responsáveis pelos maiores lucros, em virtude da grande quantidade de animais trazidos todos

os anos para a região.118 Normalmente antes de findar o triênio de um contrato, a Coroa

realizava nova arrematação em hasta pública. Segundo o governador, muitos lançadores ou

mesmo os próprios contratadores tentavam fazer com que os contratos “se conservassem ou

no mesmo estado em que andavam, que era por muito baixos preços, ou que subissem pouco

mais do triênio antecedente (...).” No documento enviado ao rei por Dom Lourenço de

Almeida, fica claro seu interesse em fazer com que determinadas pessoas adquirissem os

contratos. O governador sugeria como forte candidato a arrematar os contratos dos dízimos

dos Currais da Bahia e do Rio de Janeiro o capitão-mor Sebastião Barbosa do Prado. Com a

ajuda do governador, o capitão-mor arrematou o contrato junto com outros sócios, pela

quantia de vinte e cinco arrobas de ouro.119 Para Dom Lourenço de Almeida, em carta enviada

ao rei no ano de 1726, Sebastião Barbosa do Prado era bom vassalo:

116Carta do governador Dom Lourenço de Almeida ao rei de Portugal sobre a arrematação da Passagem do Papagaio e mau procedimento de Faustino Rebelo, Vila Rica, 20 de outubro de 1722. RAPM, volume 31, 1980, p. 144-145. 117 Carta do governador Dom Lourenço de Almeida ao rei de Portugal sobre a arrematação de contratos, Vila Rica 30 de agosto de 1724. RAPM, volume 30, 1979, p. 193-194. 118 Carta do governador Dom Lourenço de Almeida ao rei de Portugal relatando a condição dos Contratos dos Caminhos Novo e Velho das Minas Gerais, Vila do Ribeirão do Carmo, 23 de abril de 1727. AHU, MG, caixa 10, documento 55. 119 Carta do governador Dom Lourenço de Almeida ao rei de Portugal sobre a arrematação de contratos nas Minas, Vila Rica, 30 de agosto de 1724. RAPM, volume 31, 1980, p. 193-194.

67

(...) pessoa de muito merecimento e que nos ditos currais [da Bahia] tem muitas fazendas que o fazem um dos opulentos moradores daquelas partes, sendo este o que com mais especial zelo aumentou tão excessivamente alguns contratos da Fazenda de Vossa Majestade e nestas Minas de que tem sido contratador (...).”120

Mineração, comércio e arrematação de contratos eram, em suma, as principais

atividades capazes de proporcionar enriquecimento na primeira metade do século XVIII. O

capítulo de Antonil sobre as Minas, assim como os inventários, revelam que muitos

alcançaram efetivamente o sonho da riqueza tão prometida pelo ouro. Homens pobres, saídos

de regiões miseráveis do Norte de Portugal, amealharam, logo nos primeiros anos, uma

fortuna considerável: alguns chegaram a extrair a quantia vultosa de 50 arrobas de ouro. Sem

a pretensão de fazer um levantamento de natureza econômica, o propósito aqui é refletir sobre

o padrão de riqueza vigente nas Minas entre os primeiros anos do século XVIII e a década de

40. Afinal, a simplicidade e extrema pobreza dos inventários dos primeiros anos, marcados

pela posse de parcos objetos, ferramentas, roupas e móveis, muito próximas dos inventários

paulistas estudados por Alcântara Machado, repetir-se-ia também depois do auge da

mineração? O significado de riqueza – traduzido na posse de bens móveis e de raiz - teria se

alterado de forma substancial, a tal ponto que ser rico assumia conotações diferentes em

ambos os contextos históricos? Para responder a essas questões, utilizaremos os inventários

de Ana Maria de Borba, moradora no termo da Vila do Ribeirão do Carmo e de João Vieira

Campos, residente na Comarca do Rio das Velhas, ambos de 1713. Tais documentos serão

comparados com dois inventários post mortem da década de quarenta: o do capitão mor

Manuel Lopes Machado, morador no termo da Vila de Sabará e o do capitão Manuel Pinto da

Mota, residente no termo da Vila do Ribeirão do Carmo.

120 Carta do governador Dom Lourenço de Almeida ao rei de Portugal relatando os motivos da nomeação de Sebastião Barbosa do Prado para o posto de capitão-mor das ordenanças dos Currais das Minas, Vila Rica, 10 de junho de 1726. RAPM, volume 31, 1980, p. 206-207.

68

Ana Maria de Borba, moradora do Sumidouro, era casada com Bartolomeu dos Santos

com quem teve três filhos. Em 1713, ano de sua morte, seus bens foram avaliados em

aproximadamente doze contos de réis. Os itens que compunham o seu patrimônio eram

bastante simples: não foram arrolados móveis em madeira nem objetos em cobre, estanho ou

louça da Índia. Para o uso doméstico, existiam poucos objetos em prata: uma salva, um

púcaro, duas caldeirinhas e treze colheres. As roupas pessoais e de uso doméstico se

restringiam a duas colchas de cama, um “casaquinho de mulher de seda verde com vinte e seis

botões de prata grandes”, um gibão de mulher e uma saia de tecido de baeta na cor preta. As

jóias em ouro e prata também eram poucas: quatorze botões de prata, vinte botões de ouro e

dois anéis de ouro. Faziam parte ainda dos bens dois cavalos e três espingardas. A maior fatia

do patrimônio estava concentrada nos quarenta e quatro escravos, na morada de casas com

terras minerais e nas sete dívidas a receber. Ana Maria de Borba vivia sem luxo, levava uma

vida simples sem grande quantidade de objetos domésticos e roupas, signos da ostentação da

riqueza. Seu patrimônio estava concentrado, sobretudo, em itens essenciais ao negócio da

família nas Minas, como os escravos e as terras minerais.121

João Vieira Campos, residente na freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Sabará,

homem solteiro, sem filhos, teve, em 1713, ano de sua morte, o patrimônio avaliado em quase

dez contos de réis. Ele, como Ana Maria de Borba, levava uma vida sem luxo, a julgar pelos

bens que deixou. Entre os itens do patrimônio não foram mencionados objetos de uso

doméstico em cobre, louça da Índia e móveis em madeira. Existiam apenas cinco pratos de

estanho e duas colheres velhas de prata. A indumentária mencionada se restringia a três

camisas e uma véstia de baeta. Tinha ainda estocado quase cinco quilos de toucinho e cento e

vinte mãos de milho. A maior fatia do seu patrimônio estava concentrada nos vinte escravos

que havia vendido pouco antes de morrer, junto com todas as suas ferramentas; nas três 121 AHCSM, inventário post mortem de Ana Maria de Borba, caixa 87, auto 1838, 1º ofício, ano 1713.

69

propriedades que possuía nos arredores da Vila de Sabará e nas dívidas a receber. Pode-se

dizer que, como Ana Maria de Borba, era um homem que aplicava o poder aquisitivo de que

dispunha na obtenção de itens essenciais a seus negócios nas Minas. Objetos de ostentação

como louças da Índia, móveis em madeira nobre e roupas em tecidos luxuosos de cama e

mesa, como de uso pessoal não faziam parte de seu patrimônio.122

Em janeiro de 1743 falecia no “arraial de João de Souza Neto”, termo da Vila de

Sabará, o capitão-mor Manuel Lopes Machado, homem casado e dono de um patrimônio

avaliado em 16:942$051(dezesseis contos, novecentos e quarenta e dois mil e cinqüenta e um

réis). Os bens que compunham seu inventário post mortem ostentavam o que a riqueza

acumulada nas Minas podia proporcionar. Entre os móveis e objetos da morada de casas que

possuía no arraial, constavam uma mesa, cadeiras e tamboretes de pau branco, um leito de

jacarandá, um espelho inglês e um sinete de marfim. Ornavam o interior da residência panos

de mesa da Índia, tapetes bordados, lençóis de linho, redes de algodão branco e tapetinhos de

matizado turquesa. A indumentária mencionada no inventário era variada: camisas em

bretanha e cambraia fina com renda da França, meias de seda, casacas de seda, plumas, saias

grandes com ramos azuis, saia de seda com barra em baeta e anáguas brancas de bretanha.

Ainda estavam relacionados junto às roupas oitenta pedaços de linho, quatro côvados de seda,

dois maços de linha de seda branca e um par de botas de bezerro. As jóias arroladas eram

variadas: existiam cordões e botões em ouro, um par de brincos cravados de diamantes azuis e

verdes, dois pares de fivelas de ouro, um fio de corais machos com 77 contas e detalhes em

ouro, uma cruz de diamantes com 77 lascas de diamantes rosa e um colar com aljôfares e

pérolas grandes e pequenas.

Manuel Lopes Machado era proprietário de um engenho que fabricava açúcar e

aguardente. Alguns dos instrumentos de trabalho revelam a dimensão dos negócios: 15 tachos 122 AHMOS, inventário post mortem de João Vieira Campos, caixa 01, auto 01, 2º ofício, ano 1713.

70

de estanho, 104 formas de pau para fazer açúcar, 48 formas de barro para fazer açúcar, 4 pipas

de aguardente, 12 foices, 13 enxadas, um alambique e uma caldeira de cobre , quatro tachos

grandes de fazer açúcar de cobre, 3 tonéis grandes de pau e 4 tinas com arcos de ferro.

Estocados existiam 156 arrobas de açúcar, cinco barris de mel de cana e quatro quartéis de

barris de aguardente. Para o trabalho no engenho contava com quarenta e cinco escravos seus

e oito escravos alugados de diversas pessoas.123

O inventário post mortem do capitão-mor Manuel Lopes Machado, iniciado em 1743,

revela uma diversidade grande de roupas, jóias e objetos de uso doméstico. O cabedal

acumulado estava aplicado não apenas nos escravos e no engenho de cana, essenciais para os

seus negócios nas Minas, mas também em móveis, objetos e roupas, signos da riqueza que

ostentava. Comparado aos inventários de Ana Maria de Borba e João Vieira Campos, ambos

de 1713, a diversidade de itens chama a atenção. Se nos documentos de 1713, não havia

móveis em madeira, objetos de uso doméstico em cobre e estanho e roupas de cama e mesa,

no inventário de Manuel Lopes Machado eles existiam em abundância. As parcas peças de

roupa de Ana Maria de Borba contrastam com as diversas camisas em tecidos variados, as

casacas de seda e até plumas do inventário de Manuel Lopes Machado. Os objetos de uso

doméstico que inexistiam no inventário de João Vieira Campos, estavam presentes no do

capitão-mor e iam desde móveis em madeira até objetos específicos como um espelho inglês e

um sinete de marfim.

O capitão Manuel Pinto da Mota, como o capitão-mor Manuel Lopes Machado,

também tinha um patrimônio diversificado e abundante se comparado aos de Ana Maria de

Borba e João Vieira Campos. Senhor de engenho, minerador, casado e morador na Freguesia

de São Sebastião, termo da Vila do Ribeirão do Carmo, o capitão era dono de um vasto

123 AHMOS, inventário post mortem do capitão-mor Manuel Lopes Machado, caixa 02, auto 22, 1º ofício, ano 1743.

71

patrimônio avaliado em 19:516$406 (dezenove contos, quinhentos e dezesseis mil e

quatrocentos e seis réis). Entre os bens deixados por Manuel Pinto da Mota, existiam muitos

adereços e arranjos domésticos, além dos itens importantes para o trabalho, como escravos,

bens de raiz e ferramentas. Compunham os bens domésticos cinco mesas em pau branco e três

de jacarandá, três armário de pau branco, duas camas, dez cadeiras, quatro catres e um

espelho, todos de pau branco. Ornavam a residência do capitão uma imagem de Cristo em

marfim, uma imagem do menino Jesus de pau com resplendor de prata, cinco tapetes, fronhas

em renda, toalhas de mesa de Guimarães, lençóis de bretanha e uma rede de algodão azul e

branco. Havia ainda talheres de prata, pratos de estanho, um pote de cobre, xícaras com pires

em louça da Índia e dois copos de vidro. A indumentária de uso pessoal de Manuel Pinto da

Mota também revelava certo requinte: cinco camisas de gorgorão lisas e três de holanda fina,

um casaco e véstia de lemiste forrada com tafetá preto, “um sobretudo de pano azul grosso

com seu calção de mesmo pano”, um capote de pano berne com galão de prata. Compunham a

ornamentação pessoal um chapéu com plumas, dois cordões de ouro, duas cruzes de ouro e

botões de camisa em ouro. A maior fatia do patrimônio, como no caso de Ana Maria de

Borba, João Vieira Campos e Manuel Lopes Machado, estava concentrada nos bens de raiz e

nos escravos. Manuel Pinto da Mota possuía 115 escravos, três lavras de mineração, duas

moradas de casa e dois sítios, com terras minerais e o outro engenho de cana.124

A partir da comparação dos inventários post mortem de 1713 com os da década de

quarenta do setecentos, pode-se afirmar que existia uma diferença na composição do

patrimônio dos mineiros nestes dois momentos. Se no início do século as roupas de uso

doméstico e pessoal, assim como os objetos eram escassos, na década de quarenta estavam

presentes em quantidade. Os investimentos de Ana Maria de Borba e João Vieira Campos

estavam voltados, sobretudo, para bens essenciais aos seus negócios nas Minas, como 124 AHCSM, inventário post mortem do capitão Manuel Pinto da Mota, caixa 93, auto 1999, 1º ofício, ano 1749.

72

escravos e bens de raiz. Nos inventários posteriores de Manuel Pinto da Mota e Manuel Lopes

Machado, tais itens continuam a ser importantes, mas existia uma quantidade e variedade

maior de bens de ornamentação. Pode-se concluir que, depois de quase trinta anos, o maior

investimento em adereços e arranjos domésticos refletia um aumento da riqueza privada.

Os inventários post mortem da Comarca do Rio das Velhas e da Vila do Ribeirão do

Carmo e seu termo da primeira metade do Setecentos revelam assim uma quantidade e

variedade de itens muito maiores que, por exemplo, os da Vila de São Paulo no Seiscentos.

Mesmo os documentos de início do século XVIII nas Minas, apresentam maior diversificação

que os dos paulistas.

Em análise dos inventários post mortem dos paulistas entre 1578 e 1700, Alcântara

Machado considerou que era algo “delirante” dizer, como afirmava Oliveira Viana, que a

região era habitada por “homens muito grossos de haveres e muito finos de maneiras,

opulentos e cultos, vivendo à lei da nobreza numa atmosfera de elegância e fausto”. O autor

notou que, em fins do XVI e início do XVII, a maioria dos paulistas deixava às vezes acervo

“tão mesquinho que causa espanto ter-se feito inventário judicial.” A avaliação dos bens

denunciava a carência de cabedais, e o baixo poder aquisitivo destes homens. Alcântara

Machado observou nos inventários da primeira metade do seiscentos, que a maioria dos

espólios não ultrapassava um conto de réis. Bens como “terras e chãos”, assim como as

“almas administradas” ou índios reduzidos ao cativeiro não eram avaliados - apenas as

construções, plantações e demais benfeitorias eram objeto de avaliação. As terras não eram

partilhadas, “ficam em conformidade para os herdeiros, ou correndo por conta da viúva e dos

mais herdeiros, ou conteúdos na herança, que lavraram nelas igualmente e a todo tempo se

comporão.”125

125 MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. São Paulo: Martins Fontes, 1966. p. 33-41

73

Segundo o autor, a partir da segunda metade do Seiscentos a situação econômica

melhora: de quatrocentos inventários analisados, vinte revelaram alguma abastança com

espólios superiores a um conto de réis. O poder aquisitivo das pessoas aumentou

significativamente, se comparado à primeira metade do XVII, pois começaram a aparecer nos

inventários catres, redes de algodão, bofetes de cedro ou jacarandá, chocolateiras de prata,

cadeiras e tamboretes. Contudo, para Alcântara Machado o mobiliário das casas mais nobres

ainda era de uma escassez impressionante. O valor baixo de alguns itens era compreensível

naquela sociedade onde a “fortuna que vinha da agricultura e da pecuária era lenta e difícil.”

Alcântara Machado dizia: “o que falta aos paulistas não é o chão, que aí esta, baldio e imenso,

à espera de quem o fecunde. Falta-lhe, sim, a ferramenta, o vestuário, tudo quanto à colônia

não produz ainda e tem de vir, através de obstáculos sem conta, da metrópole distante.” No

inventário post mortem de Gracia Rodrigues, esposa de Pero Leme, por exemplo, o

patrimônio foi avaliado em apenas setenta mil e quinhentos e sessenta réis. Os produtos

agrários e as criações somavam três mil e seiscentos réis; as casas da vila sete mil e seiscentos

réis; os dois escravos vinte e dois mil réis e as roupas, mobílias e ferramentas vinte e sete mil

e seiscentos réis. Neste caso, é interessante observar que os dois escravos e as roupas, móveis

e ferramentas tinham valor muito maior que o das casas da vila. No inventário de Isabel

Ribeiro, tal discrepância no valor de alguns itens fica ainda mais evidente. O sítio da falecida,

com casas de telha, plantas, canaviais e mais terras foi avaliado em trinta e dois mil réis; um

vestido de seda, com veludo preto lavrado e manto de seda quarenta mil réis e as casas de

sobrado na rua de Santo Antônio, oito mil réis.

Segundo Alcântara Machado, foi somente no século XVIII, com as descobertas

auríferas, que a propriedade imobiliária começou a ser valorizada e houve um maior

investimento em ornamentos domésticos. O maior espólio que encontrou pertencia ao paulista

74

Mateus Rodrigues da Silva, falecido em 1710, que deixou bens avaliados em

12:721$157(doze contos, setecentos e vinte e um mil e cento e cinqüenta e sete réis).126

A fama das minas de ouro alimentou os sonhos de grande número de homens que

vieram para as Minas Gerais em busca do sonho de riqueza fácil. A mineração era o caminho

que muitos homens percorriam a fim de poder enriquecer do dia para a noite, porém os custos

para se manter na atividade eram altos e variavam de acordo com o tipo de extração mineral a

ser praticada. Era necessário investir em técnicas minerais que exigiam ferramentas e

instrumentos específicos, além de grande número de escravos. Mas não só na mineração

estavam depositadas todas as chances de enriquecimento, o comércio e a arrematação de

contratos mostravam ser atividades tão ou mais rendosas. Apesar de ter que arcar com grandes

despesas com transporte, impostos e intermediários, o comerciante obtinha grande lucro nas

Minas, uma vez que as mercadorias podiam atingir preços exorbitantes de acordo com a

necessidade da população. A arrematação de contratos também era um investimento rentável,

em virtude dos vultosos lucros que o contratador podia adquirir, por exemplo, com o imposto

cobrado sobre as mercadorias que entravam nas Minas. A ostentação da riqueza alcançada na

região, através dos objetos, móveis e roupas não estavam presentes nos inventários post

mortem do início do século XVIII como nos da década de quarenta. No início do Setecentos,

o investimentos se concentravam, sobretudo, em elementos essenciais à mineração nas Minas

como escravos e bens de raiz. Na década de quarenta, o que se observou foi uma maior

aplicação do cabedal em arranjos e adereços domésticos o que refletia um aumento da riqueza

privada ou poder aquisitivo do mineiro.

126MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante... Op. cit., p. 33-41.

75

Capítulo 3

Padrões de riqueza nas Minas do Ouro O objetivo deste capítulo é apontar quem eram os homens mais ricos da Vila do

Ribeirão do Carmo e seu termo e da Comarca do Rio das Velhas, entre 1713 e 1750; examinar

a natureza dos bens possuídos e as atividades econômicas em que investiam. A finalidade é

investigar através da análise das características do patrimônio desses homens, o padrão de

riqueza nessas localidades.

3.1 Os homens de extraordinário cabedal

Desde fins do século XVII, a notícia das descobertas auríferas nas Minas Gerais atraiu

grande número de pessoas ao território. A corrida do ouro provocou um intenso fluxo de

migrantes de todos os lugares, dos mais variados modos de vida e de diversas condições

sociais. Homens e mulheres vinham em busca de riqueza fácil, abandonando famílias, terras e

ofícios. Rapidamente, delineou-se uma sociedade urbanizada e dinâmica, que parecia oferecer

condições promissoras para os que depositavam na região a esperança de, em pouco tempo,

acumular grande riqueza. Mas afinal, o que significava riqueza nessa sociedade?

Raphael Bluteau, autor do Vocabulário português e Latino escrito por volta de 1712,

definiu riqueza como a “abundância de bens e de tudo o que for necessário.” Conforme o

mesmo autor, o termo rico significava “homem com muitas fazendas e grandes cabedais.” 127

Portanto, pode-se dizer que, de acordo com as definições de Bluteau, a riqueza estava

associada à posse de grande quantidade de bens materiais.

127 BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulário português e latino... Op. cit. , p. 331, 342.

76

Alice Piffer Canabrava, em estudo sobre a Vila de São Paulo no século XVIII, entende

de forma semelhante o termo riqueza, mas o restringe à acumulação dos bens que considera

serem investimentos. Nessa categoria incluíam-se móveis, jóias, metais, utensílios,

implementos agrícolas, animais com valor de troca, propriedades rurais e urbanas, escravos e

títulos de crédito. Estavam excluídos os alimentos, bebidas, aluguéis, foros e salários, que, de

modo geral, seriam rendimentos.128

Carla Carvalho de Almeida em análise das Minas Gerais na segunda metade do

setecentos, também considera que a riqueza estava associada à acumulação de um vasto

patrimônio, signo de grande cabedal, mas observa que a posse de determinados bens em

quantidade era essencial para configurar a riqueza. Ângelo Alves Carrara, em análise das

Minas de fins do século XVII até início do XIX, completa o raciocínio da autora ressaltando

que a importância de determinados itens estava diretamente relacionada à configuração

política, econômica e social de uma dada sociedade. 129 Conclui-se que, para esses autores, era

preciso ter como base a qualidade, quantidade e a necessidade de bens específicos. A posse de

uma numerosa escravaria nas Minas Gerais setecentistas, por exemplo, era mais valorizada do

que o acúmulo de ferramentas e roupas. Na Vila de São Paulo, no mesmo período, uma única

vestimenta podia valer mais que um pedaço de terra. Desta forma, a riqueza não estava

associada apenas à acumulação de bens, mas à acumulação de bens específicos. De acordo

com a conformação da sociedade, era preciso investir não apenas na quantidade dos bens, mas

também em seu caráter de necessidade.

128 CANABRAVA, Alice Piffer. Decadência e Riqueza. In. Revista de História. São Paulo, vol 50. Tomo I, número 10, 1974. 129 Cf. ALMEIDA, Carla Carvalho. Homens ricos, homens bons: produção e hierarquização social em Minas colonial: 1750-1822. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2001. (Doutorado em História). CARRARA, Ângelo Alves. As Minas e os currais: produção rural e mercado interno de Minas Gerais, 1674-1808. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, 1997. (Tese de doutoramento).

77

O tema da riqueza levanta algumas questões. Nas Minas Gerais da primeira metade do

Setecentos, quem eram os mais ricos? Em que atividades econômicas investiam? Que itens do

patrimônio tinham maior valor? Qual era o padrão de riqueza dos grandes? Havia diferenças

nesse padrão de um lugar para o outro?

São respostas para essas perguntas que buscamos ao estudar a Vila do Ribeirão do

Carmo e seu termo e a Comarca do Rio das Velhas. Para identificar os homens mais ricos e

obter um perfil ampliado da população na qual estavam inseridos, confeccionamos tabelas a

partir de algumas informações contidas nos inventários post mortem. Antes de analisarmos os

dados, algumas considerações sobre as tabelas são importantes.

Avaliou-se o conjunto de bens, procurando demonstrar como variava a riqueza,

primeiro segundo o sexo e depois em relação à posse em escravos. Os inventariados foram

divididos em seis faixas de riqueza, dimensionadas a partir do monte mor dos bens

acumulados em réis.130 A divisão foi baseada na separação proposta por Raphael Freitas dos

Santos, em dissertação sobre as práticas creditícias na Comarca do Rio das Velhas, e no

tamanho da posse em escravos.131 Foram consideradas, aqui, pessoas ricas, as que possuíam

fortuna que somava mais de cinco contos de réis. Por detentores de título honorífico ou

denominação honorífica, designou-se os identificados com postos militares, cargos

administrativos e os licenciados. As análises foram feitas primeiramente para a vila do

Ribeirão do Carmo e seu termo e, depois, para a Comarca do Rio das Velhas a partir de uma

análise comparada.

130 Para converter os valores que estavam em réis para oitavas, conferir: CARRARA, Ângelo. Agricultura e pecuária na Capitania das Minas Gerais... Op. cit., p. 59-61. CARRARA, Ângelo Alves. Economia Mineradora. In. BOTELHO, Ângela Vianna, ROMEIRO, Adriana. Dicionário Histórico das Minas Gerais... Op.cit., p. 119-121. COELHO, José João Teixeira. Do Quinto do Ouro e das diversas formas de sua cobrança. In: CARXIDE, Visconde. O Brasil na administração Pombalina: economia e política externa. São Paulo, Rio de Janeiro, 1940. 131SANTOS, Raphael Freitas. “Devo que pagarei”: sociedade, mercado e práticas creditícias na Comarca do Rio das Velhas, 1713-1773. Belo Horizonte: Departamento de Pós-graduação de História da UFMG, 2006. (Dissertação de mestrado).

78

3.2 A vila do Ribeirão do Carmo e seu termo

Para identificar os mais ricos da Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo e traçar o

perfil da população na qual estavam inseridos, foram levantados 279 inventários post mortem

entre o período de 1713 a 1750.132 Os inventariados homens são 188 e as mulheres 91.

Entre os homens, notamos que a maioria é identificada como livre e não possue uma

denominação honorífica junto ao nome, correspondendo ao percentual de 50,2% dos

inventariados. Grande parte desses homens livres se concentrava de forma um tanto

equilibrada entre as faixas de riqueza que variam de quinhentos mil réis a aproximadamente

dois contos de réis, e de dois contos de réis a quase cinco contos de réis. Entre os

identificados com uma denominação honorífica, a maior parte se concentrava na faixa de

riqueza acima de dezoito contos de réis, com percentual de 4,7%. As mulheres são

identificadas em sua maioria como livres. Estas se concentram na faixa de riqueza que varia

de dois contos de réis a aproximadamente cinco contos de réis, correspondendo a 6,8%.

De forma geral, sem fazer a distinção por sexo, os que concentram notável patrimônio,

avaliado em mais de dezoito contos de réis, são a minoria dos inventariados, correspondendo

a 7,9%. Destes, 1,8% são mulheres livres. Ver Tabela 1 e 1 A.

132 Os locais encontrados em nosso levantamento de inventários foram os seguintes: Antônio Pereira, Águas Claras, Bento Rodrigues, Bom Jesus da Morte, Camargo, Catas Altas, Sumidouro, Furquim, Gama, Guarapiranga, Gualacho, Itacolomi, Inficionado, Mata Cavalos, Miguel Garcia, Morro de Santa Ana, Monsus, Passagem, Passa Dez, Pinheiro, São Sebastião, São Caetano, São José da Barra e Taquara Queimada. Durante o período de 1713 a 1750 notou-se que ocorreram mudanças na designação como paragem, freguesia, arraial e distrito.( Na citação acima optamos por colocar apenas o nome do local.)

79

Tabela 1

Inventariados segundo sexo, condição e título honorífico por faixas de riqueza (em réis), Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo 1713-1750. (em números absolutos)

Fonte: Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana, inventários post mortem

Tabela 1A Inventariados segundo sexo, condição e título honorífico por faixas de riqueza (em réis),

Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo 1713-1750. (%) Faixas de Homem Mulher Total Riqueza Livre

Sem Título honorífico

Com Título honorífico Forro Livre Forra

Sem bens relacionados 5,0 0,4 0,0 0,4 0,4 6,1 0-499$999 2,5 1,1 0,0 2,2 1,8 7,5 500$000-1:999$999 14,3 1,8 0,7 6,1 3,2 26,2 2:000$000- 4:999$999 14,7 3,2 0,0 6,8 1,1 25,8 5:000$000- 9:999$999 7,9 3,2 0,0 5,0 0,4 16,5 10:000$000-17:999$999 4,3 2,2 0,0 3,6 0,0 10,0 18:000$000 + 1,4 4,7 0,0 1,8 0,0 7,9 Total 50,2 16,5 0,7 25,8 6,8 100,0

Fonte: Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana, inventários post mortem

Em relação ao número de cativos, distribuindo-se as pessoas de acordo com a extensão

da posse em escravos, observou-se que quanto maior o patrimônio acumulado, maior era o

número de cativos. Podemos destacar como detentores das maiores posses em escravos, os

que acumularam riqueza avaliada em mais de dezoito contos de réis. Grande parte deles tinha

mais de cinqüenta cativos. Pode-se inferir, a partir da análise destes dados, que o tamanho da

Faixas de Homem Mulher Total Riqueza Livre

Sem Título honorífico

Com Título honorífico Forro Livre Forra

Sem bens relacionados 14 1 0 1 1 17 0-499$999 7 3 0 6 5 21 500$000-1:999$999 40 5 2 17 9 73 2:000$000- 4:999$999 41 9 0 19 3 72 5:000$000- 9:999$999 22 9 0 14 1 46 10:000$000-17:999$999 12 6 0 10 0 28 18:000$000 + 4 13 0 5 0 22 Total 140 46 2 72 19 279

80

posse em escravos é um importante indicativo de riqueza e item essencial do patrimônio da

maioria dos inventariados. Ver Tabela 2 e 2 A.

Tabela 2 Inventariados segundo a posse em escravos, por faixas de riqueza (em réis) Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo, 1713-1750 (em números absolutos)

Faixa de riqueza Nº de Escravos

Sem Bens relacionados 0-499$999

500$000- 1:999$999

2:000$000 - 4:999$999

5:000$000 - 9:999$999

10:000$000- 17:999$999 +18:000000 Total

Sem escravos 17 3 7 2 2 0 2 33 1 a 4 0 13 20 5 3 1 0 42 5 a 9 0 3 38 15 2 0 0 58 10 a 19 0 0 6 41 14 7 1 69 20 a 49 0 1 2 9 25 17 5 59 50 + 0 0 0 1 0 3 14 18 Total 17 20 73 73 46 28 22 279

Fonte: Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana, inventários post mortem

Tabela 2 A

Inventariados segundo posse em escravos, por faixas de riqueza (em réis) Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo, 1713-1750 (em %)

Faixa de riqueza

Nº de Escravos

Sem bens relacionados 0-499$999

500$000- 1:999$999

2:000$000- 4:999$999

5:000$000- 9:999$999

10:000$000- 17:999$999

+18:000000 Total

Sem escravos 6,1 1,1 2,5 0,7 0,7 0,0 0,7 11,8 1 a 4 0,0 4,7 7,2 1,8 1,1 0,4 0,0 15,1 5 a 9 0,0 1,1 13,6 5,4 0,7 0,0 0,0 20,8 10 a 19 0,0 0,0 2,2 14,7 5,0 2,5 0,4 24,7 20 a 49 0,0 0,4 0,7 3,2 9,0 6,1 1,8 21,1 50 + 0,0 0,0 0,0 0,4 0,0 1,1 5,0 6,5 Total 6,1 7,2 26,2 26,2 16,5 10,0 7,9 100,0

Fonte: Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana, inventários post mortem

Após analisar o perfil da população inventariada da Vila do Ribeirão do Carmo e seu

termo, identificaremos os mais ricos e observaremos as características de seus investimentos

81

econômicos. Para essa análise, vamos nos deter nas vinte e duas pessoas mais abastadas da

região.

O mestre-de-campo Francisco Ferreira de Sá é o homem com o maior cabedal

encontrado na Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo. Em inventário post mortem aberto em

11 de setembro de 1732, seus bens foram avaliados em 58:882$767(cinqüenta e oito contos,

oitocentos e oitenta e dois mil e setecentos e sessenta e sete réis). Natural da cidade do Porto,

da Freguesia da Sé, era filho legítimo de Manuel Ferreira de Sampaio e Natália de Sá, ambos

falecidos. Morador na Freguesia de São Sebastião, era viúvo de Páscoa Barbosa com quem

tivera dois filhos: João Ferreira, falecido, e Maria Ferreira. 133

Na freguesia onde residia, o mestre-de-campo tinha um sítio com plantação de

mandioca e árvores de espinho, em sociedade com Manuel Teixeira de Sampaio, no valor de

840$000(oitocentos e quarenta mil réis). Na mesma região, terras minerais com casas de

morada e plantação de milho, avaliadas em 1:056$000( um conto e cinqüenta e seis mil réis).

A terça parte desta propriedade, pertencia a seu genro Agostinho Dias dos Santos. Na

Freguesia de São Sebastião possuía ainda uma morada de casas com lavra velha, no valor de

1:272$000(um conto, duzentos e setenta e dois mil réis). Todos os bens de raiz citados

correspondiam a 6% do patrimônio.

No grupo dos mais abastados da Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo, era comum

estarem associadas numa mesma propriedade a atividade mineral, a produção agrícola ou a

pecuária. Francisco Eduardo Andrade afirma que na região em muitas propriedades às terras

minerais e as voltadas para a agropecuária estavam próximas, o que permitia a formação de

unidades de produção que conjugavam as atividades. Mesmo nas propriedades fortemente

133 AHCSM, Inventário post mortem do mestre-de-campo Francisco Ferreira de Sá, caixa 87, auto 1842, 1º ofício, ano 1732.

82

voltadas para a mineração, como era o caso das de Francisco Ferreira de Sá, havia sempre um

setor de subsistência com roças de alimentos e criação suína.134

O capitão João Lopes Camargo, por exemplo, natural da cidade de São Paulo e

morador na Freguesia de São Sebastião, possuía na região um sítio com casas de vivenda,

senzalas, plantação de mandioca e milho e lavra de minerar.135 A propriedade foi avaliada em

1743, em quase seis contos de réis. O alferes João do Monte Medeiros, homem casado e

morador na Freguesia de São Caetano, também conjugava as atividades no sítio do Ribeirão

das Cargas com terras minerais, casas de vivenda, senzala, plantação de feijão, arroz e milho.

As terras foram avaliadas em um conto e seiscentos mil réis. 136

Para o trabalho nas propriedades da freguesia de São Sebastião, o grande afortunado

Francisco Ferreira de Sá dispunha de cento e vinte escravos, que representavam a segunda

maior fatia do seu patrimônio, correspondendo ao percentual de 33%. Dependendo da idade

ou ofício que o cativo exercia, seu preço era alto. Dentre os escravos do mestre-de-campo,

Pedro Mina de vinte e cinco anos foi o que obteve a maior avaliação no inventário, seu valor

era 280$000(duzentos e oitenta mil réis). Em 1718, na lista para cobrança do Quinto Real

referente à Freguesia de São Sebastião, Francisco Ferreira de Sá declarou possuir 78

escravos.137 Apesar de não termos informações sobre o patrimônio que acumulara até então, o

número de escravos indica que ele era um homem dos mais abastados.

No que se refere à posse em escravos, das vinte e duas pessoas que compunham o

grupo dos mais abastados analisado, quase todas possuíam mais de cinqüenta cativos. Os

donos de numerosa escravaria, além do mestre-de-campo Francisco Ferreira de Sá, eram o

134 ANDRADE, Francisco Eduardo. Espaço econômico agrário e exteriorização colonial: Mariana das Gerais nos séculos XVIII e XIX. In. Termo de Mariana: história e documentação. Mariana: Imprensa Oficial da Universidade de Ouro Preto, 1998. p. 121. 135 AHCSM, inventário post mortem do capitão João Lopes Camargos, caixa 98, auto 2089, 2º ofício, ano 1741. 136AHCSM, inventário post mortem do alferes João do Monte Medeiros, caixa 150, auto 3153, 1ºofício, ano 1743. 137 APM, Lista dos Quintos Reais, Coleção Casa dos Contos, códice 1024.

83

sargento-mor Paulo Rodrigues Durão e o capitão Manuel Pinto da Mota, ambos com posse de

115 cativos. As exceções eram João Antônio Rodrigues com apenas dez escravos e José de

Souza Moura e José Marques, que não possuíam nenhum. É interessante notar que Paulo

Rodrigues Durão de acordo com a lista dos Quintos Reais da região do Inficionado, ano de

1718, tinha 78 cativos. Como Francisco Ferreira de Sá, pode-se dizer que era naquele

momento um dos homens mais abastados da Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo. 138

O sargento-mor João Antônio Rodrigues, natural do Reino de Castela, casado e

morador na freguesia de São Caetano, termo da Vila do Ribeirão do Carmo, deixou bens

avaliados em 20:390$860(vinte contos, trezentos e noventa mil e oitocentos e sessenta réis).

Como homem abastado da região, era de se esperar que acumulasse grande escravaria. No

entanto, em inventário aberto em 21 de junho de 1732 foi mencionada a posse de apenas dez

escravos. No testamento feito em maio de 1732, um mês antes de sua morte, declarou que

havia vendido havia poucos dias uma fazenda, cinqüenta escravos e dois cavalos a seu

compadre e posteriormente inventariante Lourenço de Amorim Costa por 10:924$410(dez

contos, novecentos e vinte e quatro mil e quatrocentos e dez réis). O comprador deveria pagar

o valor em sete parcelas iguais.139

A venda dos bens era provavelmente uma estratégia para garantir o sustento dos

herdeiros. Pode-se pensar que receberiam um valor determinado por algum tempo, evitando

que dependessem inteiramente dos lucros provenientes do andamento dos negócios. Tal fato

revela ainda que, pouco antes de falecer João Antônio Rodrigues, era proprietário de grande

número de escravos. Somando os cinqüenta vendidos com os onze declarados em inventário

post mortem, era proprietário de sessenta e um escravos. Neste caso, fica claro que o

inventário não revelou todos os bens que efetivamente possuía no ano de sua morte.

138 APM, Lista dos Quintos Reais, Coleção Casa dos Contos, códice 1035. 139 AHCSM, inventário post mortem de João Antônio Rodrigues, caixa 133, auto 2774, 1º ofício, ano 1732.

84

Segundo Sheila de Castro Faria, em razão das determinações legais vigentes sobre o

processo de herança, a feitura de um inventário post mortem constituía-se um ato impotente.

Além de serem demorados os trâmites para que os herdeiros recebessem o quinhão de direito,

o desmembramento do patrimônio poderia significar um risco para o cônjuge sobrevivente ou

para os herdeiros. Para a autora “ficar com uma foice, um escravo ou uma casa, por exemplo,

sem a terra, ou outras combinações possíveis, não teria sentido.”140

Nazzari Muriel considera que na Vila de São Paulo setecentista, por exemplo, família

e negócio eram uma coisa só. Quando o patriarca ou a esposa morriam, a legislação referente

à herança de família exigia que fosse feito inventário de todos os bens, incluindo os

pertencentes aos negócios. Segundo a autora, as queixas dos herdeiros eram freqüentes, uma

vez que tinham que suspender os negócios enquanto se completava o inventário. A lei da

herança familiar significava um obstáculo à eficiência do negócio, pois “passar por todo esse

complicado processo, no qual cada peça de roupa era medida e avaliada, pode ter protegido os

direitos dos herdeiros de uma esposa falecida, por exemplo, mas prejudicava o negócio do

viúvo.”141

Nos inventários post mortem do tenente coronel José de Souza Moura, morador na

Freguesia de Taquara Queimada, e de José Marques, morador na Freguesia de São Sebastião,

não foram mencionados escravos. Isso não quer dizer que não possuíssem cativos nos anos

finais de suas trajetórias. Ambos também venderam, pouco antes de falecer, todos os bens,

incluindo os escravos. O tenente coronel, ao seu irmão Luiz de Souza Moura e José Marques

ao sócio nos negócios, o sargento-mor Pedro da Rosa Abreu. Na documentação não

140 FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p. 257-259. 141 MURIEL, Nazzari. O desaparecimento do dote. Mulheres, famílias e mudança social em São Paulo, 1600-1900. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 171-173.

85

encontramos as escrituras anexadas, importante fonte que revelaria quais e quantos bens

foram vendidos.142

Voltando aos investimentos do mestre-de-campo Francisco Ferreira de Sá, notamos

que a maior fatia do patrimônio estava investida em dívidas a receber. Perfaziam o percentual

de 34% da fortuna acumulada.143 É interessante notar que deixou claro em testamento aberto

em janeiro de 1732, que não possuía dívidas a pagar. Tal informação comprovou-se em

inventário post mortem iniciado em setembro de 1732. A lista dos devedores era composta

por quarenta e oito nomes. Grande parte das pessoas morava no termo da Vila do Ribeirão do

Carmo; existia um em Vila Rica e outro no Rio de Janeiro. Entre os devedores, o mestre-de-

campo Manuel de Oliveira, morador no termo da Vila do Ribeirão do Carmo, possuía a maior

quantia a pagar no valor de 2:300$000(dois contos e trezentos mil réis).

No que se refere à prática do crédito entre os mais abastados, podemos destacar

também como possuidores de dívidas ativas representando expressiva fatia dos bens; o

capitão-mor Pedro Frazão de Brito, o coronel Salvador Fernandes Furtado e Mariana Barbosa

da Silva.

O capitão-mor Pedro Frazão de Brito, natural da vila de São Paulo, homem casado e

morador no distrito de Antônio Pereira, termo da Vila do Ribeirão do Carmo, possuía como

maior fatia do patrimônio as dívidas ativas. O percentual correspondia a 45% do montante

acumulado. Contudo, do total de bens avaliados em aproximadamente vinte contos de réis, as

dívidas a pagar correspondiam a 17% deste valor. Como no caso de Francisco Ferreira de Sá,

sua lista de devedores não se restringia as pessoas da Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo,

142 AHCSM, inventário post mortem de José Marques, caixa 14, auto 463, 1º ofício, ano 1726. Inventário post mortem do tenente coronel José de Souza Moura, caixa 156, auto 3260, 1º ofício, ano 1750. 143 AHCSM, inventário post mortem do mestre-de-campo Francisco Ferreira de Sá, caixa 87, auto 1842, 1º ofício, ano 1732.

86

existia um devedor na Vila de São Paulo e outro na cidade do Rio de Janeiro. Entre as pessoas

a quem devia estava seu próprio inventariante o capitão Diogo de Almeida Lara.144

O coronel Salvador Fernandes Furtado, homem casado e morador na Freguesia de São

Sebastião, seguindo o exemplo de seu conterrâneo, o sargento-mor Pedro Frazão de Brito,

também tinha como maior parcela dos bens as dívidas ativas, que correspondiam a 34% do

patrimônio acumulado. Em compensação, suas dívidas a pagar correspondiam ao montante de

24% do seu monte mor, que foi avaliado em aproximadamente trinta e três contos de réis. A

lista dos seus devedores se equilibrava com moradores da Vila do Ribeirão do Carmo e seu

termo e da Capitania de São Paulo.145

Mariana Barbosa da Silva, moradora na freguesia de Bom Jesus do Furquim e casada

com o sargento-mor Manuel Fernandes Serra, dentre os abastados citados, era a que possuía o

maior montante dos bens investido em dívidas ativas. O percentual era de 50% do total

inventariado, que foi avaliado em aproximadamente trinta e um contos de réis. A lista dos

indivíduos que deviam ao casal é uma das mais curiosas e diversificadas. Entre os cinqüenta

devedores arrolados, sete eram de Vila Rica, seis do Rio das Mortes, três de Sabará, um de

Goiás, onze “viandantes do Caminho das Minas” e um do Reino, da Vila de Rates. Na Vila de

Sabará, Pantalião de Crasto Porto, filho de um dos homens mais abastados da região, o

capitão Mathias de Crasto Porto, devia a quantia de dois contos de réis. O devedor do Reino

era Manoel Gonçalves Serra, com dívida de um conto e duzentos mil réis. Faustino da Costa,

morador no termo da Vila do Ribeirão do Carmo, era o único que devia valor relativo à

penhora de bens no valor de quase duzentos mil réis.

144 AHCSM, inventário post mortem do sargento-mor Pedro Frazão de Brito, caixa 132, auto 2658, 2º ofício, ano 1722. 145 AHCSM, inventário post mortem do coronel Salvador Fernandes Furtado, caixa 138, auto 2800, 2º ofício, ano 1725.

87

Mariana Barbosa da Silva, como Pedro Frazão de Brito e Salvador Fernandes Furtado,

tinha dívidas a pagar que correspondiam a 44% do patrimônio acumulado. A quantia mais alta

deveria ser paga a Caetano Alves Rodrigues, no valor de onze contos e setecentos e sessenta

mil réis. A dívida era proveniente da penhora de quarenta e dois escravos. A lista de nomes a

quem devia era pequena se comparada à de seus devedores, que tinha apenas sete nomes, mas

todos com valores altos.146

O grande abastado Francisco Ferreira de Sá tinha como negócio principal a

mineração, apesar de paralelamente manter uma pequena lavoura e algumas criações junto às

lavras. O restante do seu patrimônio estava aplicado em 39 foices, 27 enxadas, 13 machados,

50 almocafres, 8 alavancas, 2 marrões, 4 mourões, um rosário e uma roda de minerar. Esses

instrumentos, junto com as armas de fogo, que eram 6 espingardas, 1 pistola e 6 espadas

representavam 2% do total inventariado. Os colares e o crucifixo em ouro e objetos em prata

equivaliam a 1% dos bens. Os utensílios em louça da Índia, móveis em jacarandá e roupas

representavam 2% do patrimônio. As vinte cabeças de porcos, 13 cavalos de carga e mil mãos

de milho correspondiam à fatia de 1% de tudo. O mestre-de-campo deixou ainda em dinheiro

a quantia de 12:660$543(doze contos, seiscentos e sessenta mil e quinhentos e quarenta e três

réis). Entre os inventários que consultamos, os valores em dinheiro eram pouco comuns. O

maior montante mencionado na documentação consultada foi esse, e correspondia a 23% do

patrimônio de Francisco Ferreira de Sá. A quantia é intrigante e até surpreendente. No

inventário e testamento não encontramos referência à origem do mesmo, isto é, se era

proveniente de pagamento de dívidas ou da venda de imóvel e outros bens.

Diferente deste abastado, das demais vinte e uma pessoas restantes do grupo que

analisamos, oito diversificaram seus negócios investindo tanto na atividade mineral, quanto

no engenho de cana. O sargento-mor Paulo Rodrigues Durão, natural da Vila de Évora, 146 AHCSM, inventário post mortem de Mariana Barbosa da Silva, caixa 83, auto 1789, 2º ofício, ano 1741.

88

homem casado e morador no Inficionado é um dos que apostou nessa outra atividade.

Investiu, além da mineração, na produção de açúcar e aguardente. Nas terras do engenho

Santa Ana, localizado na Freguesia do Inficionado, tinha um engenho de cana, com dez pipas

de aguardente, alambique de cobre, caldeira de cobre, plantação de milho e terras minerais.

Para este afortunado não tivemos como observar o valor do investimento nesse propriedade,

uma vez que a mesma foi vendida e constava em escritura sem atribuição de valor. 147

O capitão Manuel Pinto da Mota homem casado, morador na freguesia de São

Sebastião, também diversificou as atividades. Com monte mor avaliado em

19:516$406(dezenove contos, quinhentos e dezesseis mil e quatrocentos e seis réis) em 1749,

ano de sua morte, tinha um sítio em Santo Antônio.148 Na propriedade lidava com a produção

de aguardente mantendo um engenho de moer cana e alambiques, tinha plantação de cana,

mandioca e banana e um pomar com árvores de espinho, e ainda uma lavra em que minerava

a talho aberto. Em inventário, esse bem de raiz foi avaliado em aproximadamente um conto e

oitocentos mil réis. Os bens de raiz na sua totalidade representavam 28% do que acumulou ao

longo da vida.

O perfil de investimentos do grande afortunado Francisco Ferreira de Sá, reflete traços

comuns aos demais homens muito ricos da Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo: a

atividade mineral parecia ser um dos investimentos da maioria, associada à atividade agrícola

ou à pecuária. Os itens mais importantes do patrimônio dos mais ricos eram os escravos, as

dívidas ativas e os bens de raiz. Diferente de alguns dos homens mais afortunados da região,

Francisco Ferreira de Sá não investiu em engenho de cana. Os que o fizeram, produziam

açúcar e aguardente.

147 AHCSM, inventário post mortem do sargento-mor Paulo Rodrigues Durão, caixa 115, auto 2377, 1º ofício, ano 1743. 148 AHCSM, inventário post mortem do capitão Manuel Pinto da Mota, caixa 93, auto 1999, 2º ofício, ano 1742.

89

3.3 A Comarca do Rio das Velhas

Para identificar os homens mais ricos da Comarca do Rio das Velhas e traçar o perfil

da população na qual estavam inseridos, foram levantados 160 inventários post mortem para o

período de 1713 a 1750.149 Selecionamos 157, uma vez que três eram apenas fragmentos de

documento. Os homens inventariados correspondem a 119 e as mulheres 38.

Evidentemente, os homens declarados livres na Comarca do Rio das Velhas, como na

Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo, são maioria. Grande parte deles não possuía uma

denominação honorífica, correspondendo a 60,9% dos inventariados. Esses homens sem

denominação honorífica se concentram na faixa de riqueza que varia de quinhentos contos de

réis a aproximadamente dois contos de réis, sendo o percentual de 26,3%. Os homens com

denominação honorífica correspondem a 13,5% dos livres, e se concentram na faixa de

riqueza que varia de dois contos de réis a quase cinco contos de réis. Tal característica difere

da observada na Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo, na qual a maioria dos homens que

possuía uma denominação honorífica se concentra na faixa de riqueza acima de dezoito

contos de réis. Entre as mulheres, as declaradas livres são maioria, correspondendo a 17,9%.

Estas se concentram na faixa de riqueza que varia de dois contos de réis a quase cinco contos

de réis, o percentual é de 6,4%.

De forma geral, a minoria da população acumulou patrimônio que soma mais de

dezoito contos de réis. Os grandes afortunados, com monte mor que supera tal valor

correspondem a 5,1% dos inventariados. Diferente da Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo,

149 Os lugares listados foram os seguintes: Barra do Rio das Velhas, Brejo do Salgado, Boa Vista, Buritis, Congonhas, Curral Del Rei, Lapa, Macaúbas, Papagaio, Paracatu, Paraopeba, Pissarão, Piolho, Pompéu, Raposos, Ribeiro Manso, Rio das Pedras, Roça Grande, São Romão, Santa Luzia, São Caetano, Santa Rita, Santo Antônio e Taquaraçu. (Optamos por colocar apenas os nomes dos locais)

90

neste grupo de grandes afortunados não existem mulheres. Todos são homens livres, e em sua

maior parte com uma denominação honorífica. Ver Tabela 3 e 3 A

Tabela 3

Inventariados segundo sexo, condição e título honorífico por faixas de riqueza (em réis), Comarca do Rio das Velhas 1713-1750 (em números absolutos)

Faixas de Homem Mulher Total Riqueza Livre

Sem Título honorífico

Com Título honorífico Forro Livre Forra

0-499$999 18 0 0 2 4 24 500$000-1:999$999 41 2 2 9 5 59 2:000$000- 4:999$999 19 7 0 10 1 37 5:000$000- 9:999$999 14 4 0 3 0 21 10:000$000-17:999$999 2 2 0 4 0 8 18:000$000 + 1 6 0 0 0 7 Total 95 21 2 28 10 156

Fonte: Arquivo Histórico do Museu do Ouro de Sabará/ Casa Borba Gato, inventários post mortem

* Havia um homem livre sem título cujos bens não foram discriminados

Tabela 3A Inventariados segundo sexo, condição e título honorífico por faixas de riqueza (em réis),

Comarca do Rio das Velhas 1713-1750 (em %)

Faixas de Homem Mulher Total Riqueza Sem Título Com Título honorífico honorífico Forro Livre Forra 0-499$999 11,5 0,0 0,0 1,3 2,6 15,4 500$000-1:999$999 26,3 1,3 1,3 5,8 3,2 37,8 2:000$000- 4:999$999 12,2 4,5 0,0 6,4 0,6 23,7 5:000$000- 9:999$999 9,0 2,6 0,0 1,9 0,0 13,5 10:000$000-17:999$999 1,3 1,3 0,0 2,6 0,0 5,1 18:000$000 + 0,6 3,8 0,0 0,0 0,0 4,5 Total 60,9 13,5 1,3 17,9 6,4 100,0

Fonte: Arquivo Histórico do Museu do Ouro de Sabará/ Casa Borba Gato, inventários post mortem

Em relação à posse em escravos, o que observamos na Comarca do Rio das Velhas é

semelhante ao que notamos na Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo. Quanto maior a

riqueza acumulada, maior era o número de cativos possuídos. A concentração de

inventariados se manteve equilibrada apenas na faixa de riqueza que variava de dez contos de

91

réis a quase dezoito contos de réis, nos tamanhos das posses em escravos que variavam de 10

a 19 e 20 a 49 cativos. Os que tinham fortuna avaliada em mais de dezoito contos de réis,

como na outra região analisada, eram os detentores das maiores posses em escravos, com

número superior a cinqüenta cativos. Pode-se inferir, como na Vila do Ribeirão do Carmo e

seu termo, que o tamanho da posse em escravos é um indicativo de riqueza e item essencial

do patrimônio da maioria dos inventariados. Ver Tabela 4 e 4 A.

Deve-se considerar que para as duas localidades analisadas, o número de pessoas

inventariadas é diferente: na Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo existe quase o dobro de

inventários para o período de 1713 a 1750. Tal discrepância se deve, entre outros, ao fato de

parte da documentação consultada no Arquivo Histórico do Museu do Ouro em Sabará/Casa

Borba Gato, não estar em sua totalidade organizada. Pode-se inferir que existam mais

documentos da natureza utilizada ainda sem organização, e conseqüentemente não

disponibilizados para consulta.

Tabela 4 Inventariados segundo a posse em escravos, por faixas de riqueza (em réis),

Comarca do Rio das Velhas, 1713-1750 (em números absolutos) Faixa de riqueza Total

Nº de Escravos 0-499$999

500$000 - 1:999$999

2:000$000 - 4:999$999

5:000$000 - 9:999$999

10:000$000 - 17:999$999 18:000000 +

Sem escravos 5 5 0 3 1 1 15 1 a 4 17 20 3 0 0 0 40 5 a 9 1 27 8 2 1 0 39 10 a 19 1 7 20 4 3 0 35 20 a 49 0 0 6 11 3 0 20 50 + 0 0 0 1 0 6 7 Total 24 59 37 21 8 7 156

Fonte: Arquivo Histórico do Museu do Ouro de Sabará/ Casa Borba Gato, inventários post mortem

92

Tabela 4A Inventariados segundo a posse em escravos, por faixas de riqueza (em réis),

Comarca do Rio das Velhas, 1713-1750 (em %) Faixa de riqueza Total

Nº de Escravos 0-499$999

500$000 - 1:999$999

2:000$000 - 4:999$999

5:000$000 - 9:999$999

10:000$000 - 17:999$999 + 18:000000

Sem escravos 3,2 3,2 0,0 1,9 0,6 0,6 9,6 1 a 4 10,9 12,8 1,9 0,0 0,0 0,0 25,6 5 a 9 0,6 17,3 5,1 1,3 0,6 0,0 25,0 10 a 19 0,6 4,5 12,8 2,6 1,9 0,0 22,4 20 a 49 0,0 0,0 3,8 7,1 1,9 0,0 12,8 50 + 0,0 0,0 0,0 0,6 0,0 3,8 4,5 Total 15,4 37,8 23,7 13,5 5,1 4,5 100,0

Fonte: Arquivo Histórico do Museu do Ouro de Sabará/ Casa Borba Gato, inventários post mortem

Depois de analisar o perfil da população inventariada na Comarca do Rio das Velhas,

identificaremos os mais ricos cujos investimentos econômicos serão analisados. Para a análise

desses homens citaremos apenas as dez pessoas mais ricas da região. O número de homens

mais ricos a ser observado é menor se comparado ao grupo analisado na Vila do Ribeirão do

Carmo e seu termo. Isso se deve ao fato de o número de inventários para o período de 1713-

1750 ser menor se comparado aos documentos analisados para a Vila do Ribeirão do Carmo e

seu termo no mesmo período, como já explicitado anteriormente.

O capitão Mathias de Crasto Porto foi um homem de extraordinário cabedal na

Comarca do Rio das Velhas: seus bens foram avaliados em 81:287$962(oitenta e um contos,

duzentos e oitenta e sete mil e novecentos e sessenta e dois réis). Em testamento aberto em 9

de outubro de 1742, declarou ser natural da cidade do Porto, filho legítimo de Pantaleão de

Crasto e Maria de Crasto, ambos falecidos. Era homem solteiro, morador em Roça Grande e o

dono do maior patrimônio acumulado na Comarca. O capitão administrava uma variedade de

atividades. Dedicava-se ao comércio interno, ligando o porto do Rio de Janeiro à Comarca do

Rio das Velhas. Possuía lojas próprias e alugadas, espalhadas pela dita Comarca. Dominava

93

as diversas etapas de um mesmo negócio: criação de gado, engorda, corte e venda nos

açougues. É interessante detalhar o que possuía em cada lugar, para se ter uma dimensão

melhor do grande patrimônio edificado. 150

Em Roça Grande, tinha duas moradas de casa com sobrado em frente à Igreja Matriz e

mais três casas; uma com loja, uma em que morava o cônego José Coelho Raposos e outra em

que trabalhava um escravo ferreiro que foi avaliado em 300$000(trezentos mil réis). No

inventário post mortem não consta se a casa em que morava o cônego e a que morava o

escravo ferreiro eram alugadas. Na rua do Cascalho, possuía uma morada de casas e outra

que servia de açougue. No arraial foi declarada a posse de 26 escravos, entre estes um oficial

de barbeiro e um ferreiro. No Curral Del Rei, tinha uma fazenda com engenho de moer

farinha, pilões, engenho de cana, formas de fazer açúcar, tina de aguardente, casa de

carpintaria e outros “trastes”. No Capão, objetos domésticos, ferramentas de roça e de

mineração, criações, 35 arrobas de açúcar branco, 17 arrobas de açúcar mascavo e 55

escravos. Na localidade de Bento Pires, termo de Sabará, um sítio de engorda de gado com

casas de morada e currais, 105 bois e 8 escravos. No Confisco, um sítio que fazia divisa com

o de Bento Pires. Em Congonhas, uma lavra de minerar em sociedade com o licenciado

Dionísio de Almeida, o alferes Pedro Domingues e Inácio Gonçalves. No mesmo local,

abaixo da Igreja do Rosário, uma casa para corte de carne com currais e trastes, e uma casa

com loja de açougue.

Na Vila Real de Nossa Senhora da Conceição, freguesia principal de Sabará, possuía

casas próximas à Ponte grande que serviam de açougue, com currais de matar gado e celeiro.

Na rua do Fogo casas que serviam de açougue. Na rua Direita, uma casa que foi alugada a

Brás Gonçalves Mota com sua loja de fazenda seca. Além de uma loja grande de molhados

150 AHMOS, inventário post mortem do capitão Mathias de Crasto Porto, caixa I(02), auto 19, 1º ofício, ano1742.

94

com pátio, e morada de casas em frente à loja citada. Na mesma rua, uma morada de casas

com loja grande de duas portas, e morada de casas com estrebaria e quintal. Os escravos que

serviam no açougue eram sete.

Na loja de fazenda seca de Roça Grande e da Vila Real, havia vários metros de tecidos

de todos os tipos e origens, pregos, cadeados, ferramentas, dedais e roupas prontas; meias de

seda, calções e camisas. A outra loja em Vila Real, de secos e molhados, localizada na rua

Direita possuía tecidos, armas, objetos de uso doméstico e pessoal, roupas prontas,

ferramentas, barris de pólvora, cordas de viola e cravo, lenços bordados, tornos de ourives,

boticões de barbeiro, ferros de engomar, navalhas, fechaduras inglesas, peles de cordeiro e

bezerro, fios de sapateiro, erva doce, café e pedra ume.

Em 1742, ano da morte de Mathias de Crasto Porto, foi mencionada uma carregação

de fazendas que viera do Rio de Janeiro. Para a loja de Mathias vieram algumas camisas,

ceroulas de linho, chapéus, esporas e pregos. Parte da carregação foi vendida a Manuel

Francisco Prata, José Francisco Bolema e Francisco Araújo Ribeiro. Eram tecidos, armas de

fogo, caixas de tabaco e objetos de uso doméstico. No inventário foram mencionadas mais

três carregações vindas do Rio de Janeiro nesse ano. A primeira com pimenta da Índia, folhas

de chá, cordas de linho, erva doce, cominho, linha branca e cadarços. A segunda trazia

tecidos, chapéus, barris de pólvora, resmas de papel, brocas de sapateiro e cobertores. Na

última pimenta da Índia, canela, cominho, erva doce, açafrão, goma arábica, “lombrigueira” e

pedra ume.

A diversidade dos bens de raiz do capitão Mathias Crasto Porto correspondia a 16% do

patrimônio acumulado. A segunda maior parte do cabedal foi investida em 89 escravos, que

correspondiam a 23% dos bens. As fazendas da loja e carregações representavam 20% do

total acumulado, e os objetos em ouro, prata, cobre, estanho e roupas 2% .

95

Em relação aos bens de raiz, é interessante notar, além da diversidade e quantidade, os

tipos de imóvel que possuía. Algumas casas eram do tipo sobrado, um imóvel sofisticado pelo

fato de ser uma habitação que possuía um andar que se afastava do pavimento térreo. A parte

de baixo podia ser usada como loja comercial ou dependência de serviço abrigando escravos,

ferramentas, carroças e animais. O andar superior normalmente era usado como moradia. O

inventário post mortem de Mathias Crasto Porto foi um dos únicos que indicava para quem o

imóvel relacionado provavelmente estava alugado. Segundo Taciana Botega, o aluguel de

imóveis era uma fonte de renda bastante lucrativa. As casas, principalmente na parte central

da vila, eram muito procuradas, pois morar ali estava ligado ao prestígio social de uma

pessoa. Em Vila Rica, no período de 1750-1810, a autora constatou que de 109 moradores,

mais de quarenta possuíam outra moradia da qual podiam dispor para aluguel.151

Comparando o perfil de investimentos de Mathias Porto com o dos demais abastados

da Comarca do Rio das Velhas, notamos que o capitão-mor João Ferreira dos Santos também

investiu na grande diversificação de negócios, aplicando o cabedal na mineração, criação de

gado, aluguel de pastos e produção de açúcar e aguardente.

João Ferreira dos Santos, homem casado, morador no arraial de Santa Luzia teve o

patrimônio avaliado em 50:204$952(cinqüenta contos, duzentos e quatro mil e novecentos e

cinqüenta e dois réis), a maior fatia desses bens estava aplicada em terras. As diversas

propriedades espalhadas pela Comarca do Rio das Velhas e do Serro Frio correspondiam a

62% de tudo que acumulou ao longo da vida. A seguir arrolamos as propriedades e os

investimentos que o abastado inventariado mantinha em cada lugar.

Na Comarca do Rio das Velhas, no lugar chamado Ribeirão das Minhocas, ele tinha

um engenho de moer mandioca. No Arraial de Santa Luzia, casas de vivenda, casa de

151 TAVARES, Taciana Botega. A moradia em Vila Rica, 1750-1810. Belo Horizonte: Departamento de Pós-Graduação da FAFICH/UFMG, 2006. (Dissertação de mestrado). p. 90-129.

96

hóspedes e terras minerais. No lugar chamado Ribeiro do Jaraguá, tinha uma fazenda152 com

engenho de cana, de moer mandioca e casas de vivenda. Encontrava-se, ainda, entre os bens

citados, 47 formas de pau para açúcar, 16 pipas de aguardente, 4 alambiques de cobre, 40

cabeças de porcos, 50 de gado, 5 juntas de bois e ferramentas de roça. No Rancho Fundo, sítio

próximo ao rio do Cipó, tinha pastos, casas de vivenda e criações. No sítio da Lapa, casas de

vivenda e criações. Possuía ainda sítios no Riacho do Pau de Cheiro, Lapa Grande, Riacho do

Fidalgo e Sumidouro, todos com pastos.

Na Vila Nova da Rainha, o capitão-mor tinha uma fazenda no córrego Paracatu com

lavra aberta de minerar, alguma prata e estanho, ferramentas e criações; tudo em sociedade

com Manuel Martins Ferreira. Ainda uma fazenda com casas de vivenda e lavra de minerar, e

um sítio onde morava o Padre Florêncio Alves Pereira. Na região de Caeté foi mencionada

uma morada de casas. Na Comarca do Serro Frio, tinha lavras de minerar em sociedade com o

capitão-mor Francisco Moreira Carneiro, ferramentas, armas, uma tenda de ferreiro e 30

cabeças de gado. No sítio chamado da Vacaria ao pé do rio Vermelho tinha 22 cabeças de

gado. No lugar chamado Lapa um sítio com ferramentas e criações. Em Rancho Fundo, uma

fazenda. As criações representavam 3% dos bens, eram ao todo 9 cavalos, 10 juntas de boi, 25

vacas, 127 porcos e 119 cabeças de gado de toda sorte.153

Voltando ao grande abastado Mathias Porto, observamos que a maior fatia do

patrimônio estava aplicada em dívidas a receber. A lista de devedores era extensa, totalizando

152A fazenda do Jaraguá permaneceu com os herdeiros do capitão-mor João Ferreira dos Santos até 1751, quando foi arrematada por Francisco da Cunha de Macedo. O comprador da fazenda casou-se com a viúva do capitão-mor Dona Maria Isabel Bittencourt e Sá, dois anos depois. Em 1766 a fazenda foi arrematada pelo Tenente-coronel Antônio Abreu Guimarães, o instituidor do Vínculo do Jaraguá. O Vínculo do Jaraguá era constituído por oito fazendas que formavam um vasto latifúndio, às margens do Rio das Velhas. No local se desenvolviam intensas atividades agropastoris e comerciais, contando com numerosa escravaria e terras minerais. Cf. SANTOS, Raphael Freitas. “Devo que pagarei”: sociedade, mercado e práticas creditícias... Op.cit.,p. 93-95. MAGALHÃES, Beatriz Ricardina. Anotações em torno da propriedade territorial na Comarca do Rio das Velhas. Anais da XIV Reunião da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica. Salvador, 1994.p.109-114. 153 AHMOS, Inventário post mortem do capitão-mor João Ferreira Santos, caixa I(05), auto 60, 2º ofício, ano 1739.

97

262 pessoas residentes nas várias partes da Comarca do Rio das Velhas. O percentual

correspondia a 40% dos bens. Chama atenção o fato e que, entre os devedores, foram

arrolados os filhos naturais Vicente de Crasto Porto e Pantalião de Crasto Porto, e os genros

Domingos da Costa Ribeiro e Cipriano Gomes Ferreira. Algumas dívidas que o capitão

Mathias Porto tinha a receber foram pagas através da penhora de jóias. Alguns objetos desta

origem foram mencionados no inventário. O coronel Faustino Pereira da Silva, por exemplo,

penhorou algumas jóias em ouro, para pagar dívidas ao próprio Mathias Porto.

Segundo Raphael Freitas do Santos Mathias de Crasto Porto era o inventariado com o

maior número de dívidas ativas registradas na Comarca do Rio das Velhas, durante o período

por ele pesquisado, 1713-1773. Para o autor, a percentagem que os créditos do capitão

assumiram era de apenas 18% do patrimônio acumulado, parcela muito menor se comparada

às dívidas a receber de outros comerciantes abastados da região. Nesse ponto discordamos do

autor, porque, a julgar pelo inventário, o montante das dívidas a receber representava a maior

fatia do patrimônio de Mathias Porto.154

Dentre o grupo dos mais ricos da Comarca do Rio das Velhas, podemos citar como

detentor de dívidas ativas o capitão Manuel das Neves Ribeiro, morador em Congonhas. Sua

lista de devedores era composta por vinte e quatro nomes, cujos valores a serem pagos

correspondiam à terceira maior fatia do seu patrimônio avaliado em 67:330$127(sessenta e

sete contos, trezentos e trinta mil e cento e vinte e sete réis).155As dívidas a receber também

correspondiam a uma fatia importante dos bens do capitão Manuel Lopes Machado, morador

em Santa Luzia e patrimônio avaliado em 16:942$051(dezesseis contos, novecentos e

quarenta e dois mil e cinqüenta e um réis). As cinqüenta e quatro pessoas que deviam ao

154 SANTOS, Raphael Freitas. “Devo que pagarei”: sociedade, mercado e práticas creditícias... Op. cit. . Belo Horizonte: Departamento de Pós-graduação de História da UFMG, 2006. (Dissertação de mestrado) p. 168-169. 155 AHMOS, Inventário post-mortem de Manuel das Neves Ribeiro, caixa I(04), auto 40, 2º ofício, ano 1735.

98

capitão eram oriundas, em sua maior parte, da Comarca do Rio das Velhas. Destas, cinco

deviam valores relativos à compra de açúcar fabricado por Manuel Lopes Machado e três, o

aluguel de escravos.156

É curioso notar que Mathias Crasto Porto, dono de 89 escravos em 1742, ano de sua

morte, foi citado na listagem dos Quintos Reais da Vila de Sabará para o período de 15 julho

de 1720 a 15 de outubro de 1721, como morador em Roça Grande e proprietário de apenas

sete escravos. A pequena quantidade de cativos mencionada na documentação fiscal poderia

ser referente apenas aos que estavam em Roça Grande, uma vez que o capitão possuía

propriedades em várias localidades diferentes. Por outro lado, poderia não ser ainda um

homem dos mais afortunados. Pode-se apostar também na hipótese de ter ocorrido uma

estratégia para a sonegação do tributo, já que se tratava de uma documentação fiscal.157

Mathias Porto era o dono do maior monte mor declarado no período de 1713-1750, porém

João Ferreira dos Santos, com o terceiro maior cabedal acumulado da Comarca do Rio das

Velhas dispunha de avultada escravaria. Concentrou duzentos e quarenta e dois escravos para

o trabalho em suas propriedades, que correspondiam ao percentual de 32% dos bens

acumulados.

Na Comarca do Rio das Velhas, do grupo dos mais abastados analisado, quase todos

possuíam mais de cinqüenta cativos. O coronel Antônio de Sá Barbosa, por exemplo, natural

do Rio de Janeiro, casado e morador em Roça Grande dentre os bens que acumulou estava

uma lavra mineral no Rio das Velhas Acima, casas de vivenda cobertas de telha em Roça

Grande e 99 cativos.158 O licenciado Manuel Maciel, natural da Vila de Viana da Foz de

Lima, homem solteiro, morador no Rio das Velhas Abaixo e patrimônio avaliado em

156 AHMOS, Inventário post mortem do capitão Manuel Lopes Machado, caixa I(02), auto 22, 2º ofício, ano 1743. 157 APM, Listas dos Quintos Reais, Câmara Municipal de Mariana, códice 02. 158AHMOS, inventário post mortem de Antônio de Sá Barbosa, caixa I(03) auto 36, 2º ofício, ano 1734.

99

18:363$165(dezoito contos, trezentos e sessenta e três mil e cento e sessenta e cinco réis),

tinha 56 escravos.159 De acordo com a Lista dos Quintos Reais do termo da Vila de Sabará de

15 de junho de 1720 a 15 de agosto de 1721, Antônio de Sá Barbosa era detentor de 51

escravos e Manuel Maciel de 12 cativos. O primeiro deveria naquele momento ser dos mais

abastados, quanto ao segundo somente pelo número de escravos é difícil inferir isso.160

Manuel da Costa Barroso, do grupo dos mais abastados era a exceção, não possuía

escravos. Natural do Reino, solteiro e morador no Morro das Congonhas, tivera seu

patrimônio avaliado em 21:854$600(vinte e um contos, oitocentos e cinqüenta e quatro mil e

seiscentos réis). Entre os bens declarados estavam algumas poucas roupas e dívidas a pagar e

a receber. A explicação para não ter sido mencionada posse em escravos está na única dívida

que tinha a receber no valor de 21:828$000(vinte e um contos e oitocentos e vinte e oito mil

réis), proveniente da venda de todos os bens, incluindo os escravos, ao seu filho natural

Silvestre da Costa Barroso. A escritura de venda não foi anexada, nem os bens vendidos

mencionados em testamento. Manuel da Costa Barroso possuía escravos antes de sua morte, a

venda dos bens ao filho natural foi uma estratégia para que o mesmo desse andamento aos

negócios do pai e garantisse o sustento dos herdeiros menores.161Dentre os demais abastados,

todos tinham posse em mais de cinqüenta escravos.

Pelo inventário post mortem de Mathias de Crasto Porto, podemos inferir que, em

algumas das diversas propriedades espalhadas pela Comarca do Rio das Velhas, ele

desenvolvia atividades conjugadas como criação de gado, mineração e produção agrícola.

Pela descrição de objetos e ferramentas de algumas das propriedades, é possível fazer tal

afirmação. Na propriedade do Capão, por exemplo, foram mencionadas tanto ferramentas de

roça e de mineração como criações.

159AHMOS, inventário post mortem do licenciado Manuel Maciel, caixa I(03), auto 32, 2º ofício, ano 1750. 160 APM, Lista dos Quintos Reais, Câmara Municipal de Sabará, códice 02. 161AHMOS, Inventário post mortem de Manuel da Costa Barroso, caixa I(07), auto 80, 2º ofício, ano 1743.

100

Dentre os demais abastados que associavam a mineração à agricultura ou à

agropecuária, podemos citar o capitão Manuel das Neves Ribeiro, natural do Reino, homem

casado e morador em Congonhas, termo da Vila de Sabará, possuía três lavras de minerar no

lugar chamado Samambaia. Uma delas revelou não poder mais cultivar por ter as terras

invadidas pelo vegetal que dava nome ao lugar. Pode-se inferir que se tratava de uma pequena

produção de alimentos, voltada exclusivamente para a subsistência. Essas lavras e os demais

bens de raiz correspondiam a 29% do patrimônio acumulado.162

Em nenhum dos inventários dos mais ricos analisados, tanto na Comarca do Rio das

Velhas, quanto na Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo, as roupas de uso pessoal ou

doméstico representavam a maior fatia dos investimentos. Isso não quer dizer que não se

preocupassem com a exibição de indumentária de luxo. Para Francisco Ferreira de Sá,

morador na Freguesia de São Sebastião, termo da Vila do Ribeirão do Carmo, a posse de

ornamentos e roupas para ostentação parecia ser algo um tanto relevante, ao ser relatado que

pertencia ao falecido um traçado turquês e quatro peças de holanda Fina chegados de

Portugal.

Em relação a Mathias Crasto Porto, morador na Comarca do Rio das Velhas, podemos

dizer que vivia com alguma ostentação: casacas com veste de veludo, sapatos com fivela de

prata, camisas de vários tipos e tecidos, toalhas de renda, colchas com ramos de ouro e

cobertores bordados. Segundo Katheleen Higgins, as várias jardas de tecidos “nobres” das

lojas de Mathias Porto evidenciam a riqueza e luxo desfrutados pela população não escrava de

alta hierarquia social na Comarca do Rio das Velhas.163

Entre os tecidos das lojas de Mathias Porto mencionados no inventário post mortem

estavam: 50 côvados de seda italiana com ramos de ouro, 109 côvados de seda italiana com 162 AHMOS, Inventário post-mortem de Manuel das Neves Ribeiro, caixa I(04), auto 40, 2º ofício, ano 1735. 163HIGGINS, Kathleen J.. Licentious Liberty in a Brazilian Gold-mining region:Slavery, gender, and social control in eighteenth-century Sabará, Minas Gerais. The Pennsylvania State University, 1999. p. 56

101

ramos de prata, 72 côvados de seda romana, 259 côvados de crepe preto, 34 côvados de

veludo lavrado e 315 varas de renda fina da França. Mathias Porto, além de ser um dos

maiores distribuidores dos luxuosos tecidos aos que queriam viver “à lei da nobreza” na

Comarca do Rio das Velhas, também usufruía desses ornamentos restritos a um grupo de

poucos privilegiados. Cláudia Mol afirma que o acesso aos tecidos mais nobres dependia de

bom cabedal, uma vez que a maioria era importada, chegando aos mercados com preços

elevados. As roupas podiam revelar a condição de uma pessoa, sendo uma forma de se

distinguir em meio à gente da terra e à massa escrava.164Porém nem sempre os que exibiam

indumentária impecável, ostentando talvez uma ilusória colocação social, tinham grande

cabedal.

O desejo de exibir os signos de uma riqueza que não mais existia, mas ainda garantia o

reconhecimento social no Setecentos, foi registrado na correspondência pessoal de Antônio

Gomes Freire Castelo Branco, um decadente senhor de engenhos da Bahia. Nas cartas, cujos

destinatários mais freqüentes eram os parentes, ele foi construindo um mosaico no qual reunia

os seus sonhos de riqueza, a crise econômica por que passava a Capitania, a preocupação

consigo mesmo, a intimidade familiar e as formas de sociabilidade com que lidava com o

mundo. Era reconhecidamente distinto pelas qualidades que ostentava na sociedade, como

cavaleiro professo da Ordem de Cristo, familiar do Santo Ofício da Inquisição, fidalgo da

Casa Real, secretário da Academia Brasílica dos Renascidos e pessoa fluente em língua

francesa. Empobrecido e atolado em dívidas contraídas para manter a sobrevivência no

quadro mercantilista da Metrópole, o senhor de engenho lutava para garantir o necessário a

família, e ao mesmo tempo conservar certo nível de vida, ou seja, o importante era garantir

portas afora a presunção da fidalguia.

164 MOL, Cláudia Cristina. Mulheres forras: cotidiano e cultura material em Vila Rica- 1758/1800. Belo Horizonte: Departamento de Pós- Graduação de História FAFICH/ UFMG, 2002. (Dissertação de mestrado). p. 89-92

102

Apesar da falta de recursos, ele queria ser reconhecido como pessoa de fino trato, pois

para se relacionar com os melhores da terra era preciso se trajar com asseio, sendo impróprio

que andasse sujo e roto. A falta de indumentária adequada era mais uma preocupação

expressa nas cartas enviadas aos interlocutores. Mary Del Priore afirma que vestir-se bem,

com requinte e tecidos importados, pavonear opulência e falar bonito faziam parte das

preocupações forjadas na privacidade e exibidas na rua. Os signos de prestígio que ligavam o

mundo privado ao mundo exterior, estavam relacionados ainda a ter amigos influentes, ser

recebido na casa de personagem notório, ser reconhecido e conversar com alguém influente

em público. Para a autora, o decadente senhor de engenho era um homem que não media

esforços para manter as aparências, utilizando todas as fórmulas para manter uma ilusória

ostentação que incluía constranger os parentes ricos e se atolar cada vez mais em dívidas.165

Mathias de Crasto Porto, como homem de extraordinário cabedal e notável

diversificação de investimentos na Comarca do Rio das Velhas, expressa os traços

característicos dos mais abastados da região. Como os últimos, unia na mesma propriedade a

extração mineral e criação de gado ou agricultura. A fatia mais importante dos bens estava

aplicada em numerosa escravaria, dívidas ativas e bens de raiz. A criação de gado parecia uma

opção de negócio rentável para os que procuravam outra fonte de lucro além da mineração.

Porém, nenhum dos mais ricos da Comarca do Rio das Velhas conseguiu alcançar nível tão

alto de diversificação das atividades como Mathias Porto.

165 PRIORE, Mary Del. Ritos da vida privada. In. SOUZA, Laura de Mello. História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.p.276-297.

103

3.4 Considerações

De acordo com a análise dos investimentos dos homens mais ricos da Vila do Ribeirão

do Carmo e seu termo e da Comarca do Rio das Velhas, observamos que a agricultura ou

pecuária se desenvolviam paralelamente à mineração. O proprietário podia manter terras

distintas ou reunir as atividades num mesmo local. A maioria abastada tinha como atividade a

mineração, com espaço também para o desenvolvimento da agropecuária. A diversificação

verificada nos negócios de alguns desses homens, levanta novas hipóteses relativas à

possibilidade de lucro com a exploração de outra atividade que não apenas a mineração. Os

mais abastados da vila do Ribeirão do Carmo e seu termo, por exemplo, optaram por investir

no engenho de cana produzindo açúcar e aguardente. Na Comarca do Rio das Velhas eles

apostaram, sobretudo, na criação de gado.

Historiadores brasileiros como Caio Prado Jr. e Sérgio Buarque de Holanda admitiam

que, nas Minas Gerais da primeira metade do XVIII, existia uma agricultura de subsistência,

ainda que insignificante. Para Holanda, a princípio a lavoura não ia “muito além das

primitivas roças de milho (...).”166 Para os autores, a mineração continuava a ser a atividade

principal e todos os cativos estavam direcionados para ela. Eles afirmam também que a região

caracterizava-se pelo seu isolamento geográfico, grande população urbana e terras impróprias

para o plantio. O comércio era ativo e trazia lucros. Os gêneros que abasteciam a zona

aurífera eram provenientes de São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro. Mafalda Zemella também

entendia que a região era quase inteiramente abastecida por gêneros alimentícios provenientes

de outras regiões. Segundo ela, o consumo destes produtos começou a decrescer somente com

o declínio da mineração. Como conseqüência, a população diminuiu, em razão de muitos

mineiros emigrarem para outras regiões em busca de melhores oportunidades. A redução de 166 HOLANDA, Sérgio Buarque. Metais e pedras preciosas. In. (dir.). História Geral da civilização Brasileira... Op. cit. , p. 289.

104

gêneros importados e o empobrecimento da população forçaram a Capitania a incrementar a

produção agrícola, tornando-se em pouco tempo auto-suficiente a ponto de exportar a

produção.167

Historiadores como Ângelo Alves Carrara, Carla Carvalho de Almeida, Cláudia

Maria Chaves e Flávio Marcus Silva, demoliram a idéia de que a economia das Minas Gerais

nas primeiras décadas do XVIII era exclusivamente mineral. Romperam com o paradigma de

que a agricultura e a pecuária começaram a se desenvolver efetivamente na região apenas na

segunda metade do século, com a crise da mineração. Defendem a tese de que paralelamente a

extração aurífera existia uma produção de gêneros alimentícios voltados tanto para a

subsistência, como para o abastecimento do mercado interno.

Para Ângelo Alves Carrara, o território mineiro na primeira metade do setecentos era

formado por um conjunto de regiões distintas economicamente, com determinados padrões de

agricultura e pecuária. A estrutura das propriedades era rústica e seguia os movimentos

regionais das lavras ou da demanda dos mercados de fora da Capitania. No entorno da Vila do

Ribeirão do Carmo, por exemplo, podiam “ser encontrados os mais completos exemplos dos

sítios de roças, de engenhos e de lavras da primeira metade do XVIII.” Nos termos de São

João Del Rei e São José Del Rei, as fazendas eram muito numerosas, com destaque para uma

grande variedade e quantidade de criações. A paisagem mineira era dominada por porcos,

roças de mandioca, milho e feijão, alimentos básicos na dieta da população e bastante

consumidos na capitania mineira.168

167 Cf. ZEMELLA, Mafalda P. . O abastecimento da capitania de Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1990. PRADO Jr. , Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1977. HOLANDA, Sérgio Buarque. A mineração: antecedentes luso-brasileiros. In. (dir.). História Geral da civilização Brasileira... Op. cit. 168 CARRARA, Ângelo Alves. Minas e os currais: produção rural e mercado interno de Minas Gerais...Op.cit., p. 96-236.

105

Para Flávio Marcus, a própria Coroa incentivava a regularização do mercado de

abastecimento, estimulando a produção interna de gêneros alimentícios. A política de

distribuição de sesmarias nas primeiras décadas do XVIII, além da ocupação territorial,

marcou principalmente o estímulo à produção agropecuária no território mineiro. Fazia parte

desta política também o incentivo à venda desses gêneros pelos próprios produtores,

garantindo uma crescente oferta no mercado local e relativa estabilidade dos preços. Na

Comarca do Rio das Velhas, o autor pondera que tal atividade era tão ou mais lucrativa que a

mineração. Essa última Comarca e a do Rio das Mortes chegaram até a contribuir com a

provisão de mantimentos para os habitantes de Vila Rica.169

Segundo José Newton Meneses, os estudos recentes atestam a diversidade da

economia mineira desde a primeira metade do XVIII, e muitos tem apontado para a

articulação entre mineração, agropecuária e comércio. Para o autor, a historiografia recente

entende a segunda metade do Setecentos e a crise da mineração nas Minas como um contexto

de rearticulação da atividade agropecuária efetivada desde os primeiros anos de

povoamento.170 Cláudia Maria Chaves acredita que a agricultura existente passou apenas por

transformações quantitativas com o declínio da mineração.

(...) seria impossível pensar que a Capitania mineira tivesse sido abastecida pelas capitanias vizinhas até o momento em que a mineração entrou em declínio, e que a partir daí houvesse surgido uma agricultura capaz de reverter esse processo. Ou seja, que tivesse existido uma agricultura que abastecesse não só a própria capitania, mas também os seus antigos centros abastecedores como Rio de Janeiro e São Paulo. 171

169 SILVA, Flávio Marcus. Da Terra, o poder: a produção agropastoril e o mercado interno como estratégias de controle sócio-político em Minas Gerais no século XVIII. Belo Horizonte: Departamento de Pós-graduação de História da FAFICH/UFMG, 2000. (Dissertação de mestrado). 170MENESES, José Newton Coelho. O continente rústico: abastecimento alimentar nas Minas Gerais setecentistas. Diamantina: Maria Fumaça, 2000. p. 85-89. 171CHAVES, Cláudia Maria das Graças. Perfeitos negociantes: mercadores das minas setecentistas. São Paulo: Annablume, 1999. p.20-45.

106

Carla Carvalho Almeida afirma que o declínio da mineração provocou apenas um

redirecionamento econômico. As atividades mercantis de subsistência passaram a ocupar o

lugar de atividade nuclear. A estrutura produtiva que já existia desde o início do povoamento

sofreu um processo de fortalecimento, havendo uma rearticulação interna voltada ao mercado

inter e intra capitanias. Na Comarca de Vila Rica, a autora, notou que na segunda metade do

XVIII, cerca de dois terços dos mais abastados eram mineradores, 17,8% negociantes e 81%

dedicavam-se à agricultura. No termo de Mariana, as análises para o período de 1750-1770,

revelaram que a atividade mineral caiu em relação à agropecuária. Se nesse momento a

primeira correspondia a 61,9% das unidades produtivas, no período de 1780-1810 ela cai para

34,2%.172

De acordo com uma instrução do governador Dom Brás Baltazar da Silveira enviada

à Comarca de Vila Rica, em fevereiro de 1714, o investimento em engenhos de cana não era

um negócio desejável nas Minas. As autoridades acreditavam que a atividade era a principal

responsável pela diminuição na arrecadação do quinto real, em virtude de utilizarem mão-de-

obra oriunda da mineração. Para o governador, a falta desses trabalhadores “se fazia sensível

nas lavras”, interferindo diretamente na quantidade de ouro extraído. Para os transgressores

estavam previstas punições, baseadas no arbítrio do governador ou ouvidor geral.173

Francisco Eduardo Andrade considera que, apesar da falta de incentivos, os engenhos

de produção de aguardente, rapadura e açúcar estiveram na pauta dos agricultores do termo de

Mariana durante todo o setecentos. Para o autor, os que optavam por esta diversificação

172ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Ricos e pobres em Minas setecentista: a sociedade colonial polarizada. Oficina da Inconfidência Revista de Trabalho, Ouro Preto, v. 3, 2004. p. 119-159. ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Minas Gerais de 1750-1850: bases da economia e tentativa de periodização. LPH: Revista de História, UFOP, v.5, 1995. 173 Instrução do governador Dom Brás Baltazar da Silveira sobre a construção de engenhos de cana nas Minas, Vila do Ribeirão do Carmo, 03 de fevereiro de 1714. APM, Seção Colonial 11, p. 6v.

107

produtiva eram os de maior cabedal, uma vez que dispunham de numerosa escravaria a ser

remanejada para garantir o trabalho em mais uma frente de investimento.174

Segundo Miguel Costa Filho, no governo de Dom Brás Baltazar da Silveira não se tem

notícia de que algum engenho de cana tenha sido destruído, mas seu sucessor Dom Pedro de

Almeida, seguindo ordens de Sua Majestade, destruiu alguns engenhos que funcionavam sem

licença. Em 24 de setembro de 1719, o mestre-de-campo José Rabelo Perdigão, seguindo

ordens do Conde de Assumar, demoliu o engenho de cana do sargento-mor Manuel da Costa

Negreiros, montado sem ordens do governador. A construção de novos engenhos de cana

estava proibida desde o governo de Dom Brás Baltazar da Silveira. A preocupação da Coroa

era também com o consumo excessivo de aguardente, que, entre outros males, destruía a

saúde dos negros e incentivava o desvio de ouro, causando graves prejuízos aos mineradores.

Para Costa Filho apesar de mandar destruir alguns engenhos, Dom Pedro de Almeida sabia

que havia centenas de engenhos em situação irregular e que suas ações deveriam ser decisivas

para não trazer prejuízos aos moradores das Minas.175 Segundo Ângelo Alves Carrara, as

providências tomadas pela Coroa contra a edificação de engenhos de cana foram inúteis, uma

vez que a maioria das ordens proferidas não foram executadas.176

Para Miguel Costa Filho, as regiões de Rio Acima, Sabará e Mariana marcam os

tempos iniciais do fabrico do açúcar nas Minas. Entre 1703 e 1709, os primeiros engenhos de

cana foram construídos nessas regiões, expandindo-se rapidamente pelo território,

praticamente acompanhando a sua ocupação e povoamento.177 O açúcar, a rapadura e a

aguardente eram produtos que faziam parte da dieta da população das zonas auríferas. Por esta

174ANDRADE, Francisco Eduardo. Espaço econômico agrário e exteriorização colonial: Mariana das Gerais nos séculos XVIII e XIX. In. Termo de Mariana: História e documentação... Op. cit., p.119- 122. 175 FILHO, Miguel Costa. A Cana de açúcar em Minas Gerais. Rio de Janeiro: Instituto do Açúcar e do Álcool, 1963. p. 82-109. 176 CARRARA, Ângelo Alves. Minas e os currais: produção rural e mercado interno de Minas Gerais... Op.cit., p.178 177FILHO, Miguel Costa. A Cana de açúcar em Minas Gerais... Op. cit., p. 65-77

108

razão, Marcelo Godoy afirma que investir na produção destes gêneros era um negócio

rentável e longevo.178

Luís Gomes Ferreira, autor do Erário Mineral, escrito no século XVIII, em relação ao

consumo de aguardente, recomendava: “as pessoas que comerem alguma coisa nestas Minas

pela manhã e lhe beberem em cima um copinho de aguardente do Reino, conservaram melhor

saúde (...).”179 Flávio Marcus afirma que a cachaça fazia parte do cotidiano da população das

Minas, com papel de destaque nas reuniões e festas. Para os escravos, era uma bebida que

atenuava o sofrimento e as tensões da vida.180

Na Comarca do Rio das Velhas, a primeira explicação para a forte presença da

pecuária é a própria localização da região. Esta fazia limite com a Bahia, Pernambuco, Goiás,

Espírito Santo e Rio de Janeiro, e por essa razão constituía-se como ponto geograficamente

estratégico, com destaque nos negócios com a Bahia e estreito contato com todo o centro e

norte mineiro. Segundo Mafalda Zemella, um dos caminhos de chegada do gado às Minas

passava pela região do Rio das Velhas.181

Para Flávio Marcus na Comarca, fora a mineração, a criação de gado e a plantação de

mandioca se destacavam. As duas últimas chegavam na primeira metade do XVIII a serem

mais atrativas que a primeira. Dos 133 inventários analisados pelo autor no período de 1713-

1750, 79(59,4%) pertenciam a pessoas que possuíam terras em áreas rurais e 65(48,9%)

tinham algum vínculo com a produção agropecuária.182

178 GODOY, Marcelo Magalhães. No país das Minas de Ouro a paisagem vertia engenhos de cana e casas de negócio: um estudo das atividades agroaçucareiras tradicionais mineiras, entre o setecentos e o novecentos, e do complexo mercantil da província de Minas Gerais. São Paulo: Departamento de Pós-Graduação em História/USP, 2004. (Tese de doutorado). p. 60-63 179 FERREIRA, Luís Gomes. Erário Mineral. Belo Horizonte: Centro de Memória da Medicina, 1997. p. 22 180SILVA, Flávio Marcus. Subsistência e poder: a política de abastecimento nas Minas Gerais setecentistas. Belo Horizonte: Departamento de Pós Graduação da FAFICH/UFMG, 2002. (Tese de doutorado). p. 188-189. 181BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico-geográfico de Minas Gerais... Op. cit. , p. 291-292. ZEMELLA, Mafalda P.. O abastecimento da capitania de Minas Gerais... Op. cit., p. 67-81. 182 SILVA, Flávio Marcus. Da Terra, o poder: a produção agropastoril e o mercado interno... Op. cit., p. 123-133.

109

Raphael Freitas dos Santos observou que os 10% mais ricos da Comarca do Rio das

Velhas, entre os anos de 1713-1733, assentavam sua atividade na mineração. No período de

1734-1753, a mineração foi deixando de ser a principal atividade produtiva destes homens, as

grandes fortunas passaram a estar baseadas também na pecuária, agricultura e comércio.183

Carla Carvalho de Almeida, em análise da lista dos homens mais ricos da Comarca do Rio das

Velhas, ordenada pelo Conselho Ultramarino em 1756, observou que a mineração era a

atividade mais freqüente. Em seguida, vinha a de negociante. A criação de gado se destacou,

permitindo que 50 homens alcançassem a categoria de grandes afortunados, correspondendo a

9,6% dos listados.184

Aplicar o cabedal em numerosa escravaria fazia parte do investimento maciço dos

mais abastados, analisados tanto na Comarca do Rio das Velhas, quanto na Vila do Ribeirão

do Carmo e seu termo, no período de 1713-1750. A mão-de-obra escrava, além de ser o

principal instrumento de produção nas Minas, era um importante indicativo de riqueza. Estava

diretamente relacionada ao tamanho da data mineral a ser concedida a um minerador. De

acordo com o Regimento do Superintendente, Guarda-mores e Oficiais Deputados para as

Minas do Ouro de 1702, ao descobridor aurífero era garantido o direito de explorar data

escolhida por ele que correspondia a 900 braças (4.356 m2). Tinha o direito ainda, a outra data

com a mesma dimensão. A outros mineradores que requeressem datas e tivessem mais de

doze escravos eram concedidas 30 braças (66 m2). Acrescentava-se 2,5 braças (5,5 m2) por

cada cativo que excedesse esse número. A mesma dimensão era concedida por cada cativo,

dos que tinham posse em menos de doze escravos. 185

183 SANTOS, Raphael Freitas. “Devo que pagarei”: sociedade, mercado e práticas creditícias...Op.cit. , 98-120. 184 ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Homens ricos, homens bons: produção e hierarquização... Op. cit., p. 225-240. 185 BOTELHO, Ângela Vianna. Regimento do superintendente, Guarda Mores e Oficiais Deputados das Minas do Ouro. In. BOTELHO, Ângela Vianna, ROMEIRO, Adriana. Dicionário Histórico das Minas Gerais... Op.cit., p. 252-253.

110

Segundo Ângelo Carrara, era de se esperar, dada a própria natureza da atividade

econômica, que a posse de cativos fosse altamente valorizada em território mineiro. Para o

autor, o escravo e a terra eram os itens mais valorizados, que demandavam as maiores

quantias para serem adquiridos. Na segunda metade do XVIII, os dois representavam cerca de

60% a 80% da riqueza.186

Carla Carvalho Almeida, em análise dos homens mais ricos na segunda metade do

setecentos nas Minas, observou que os bens mais importantes do patrimônio dessas pessoas

eram em ordem: escravos, imóveis e dívidas ativas. Os escravos compunham o investimento

mais importante não apenas para os mais ricos, mas também para os pequenos e médios

proprietários. Entre os afortunados, predominavam as grandes posses de cativos: 22,2%

possuíam de 21 a 30 escravos e 48,8% tinham mais de trinta escravos.187 Entre os mais

abastados da Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo e da Comarca do Rio das Velhas, na

primeira metade do XVIII, também notamos que, além dos escravos, os bens mais valorizados

eram as terras e as dívidas ativas.

O pagamento a prazo era a forma mais comum de adquirir mercadorias e pagar por

serviços. O fiado, o crédito, os empréstimos a juros e a penhora tornaram-se práticas

generalizadas. Raphael Freitas do Santos afirma que os grupos que mais investiam nessas

atividades eram os dos comerciantes, militares e eclesiásticos. Os estabelecimentos

comerciais acabavam funcionando como uma espécie de sistema de crédito privado. Alguns

comerciantes se dedicavam ao empréstimo a juros porque volumosos montantes passavam por

suas mãos. Além disso, a dependência financeira momentânea podia significar uma estratégia

186 CARRARA, Ângelo Alves. Minas e os currais: produção rural e mercado interno de Minas Gerais... Op. cit., p.235-236. 187ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Ricos e pobres em Minas setecentista: a sociedade colonial polarizada. In. Oficina da Inconfidência Revista de Trabalho... Op. cit., p. 119-159

111

de subordinação para a ampliação dos laços de clientelismo ou uma forma de enriquecimento

e manutenção de hierarquias sociais. 188

Segundo o autor, na Comarca do Rio das Velhas as dívidas ativas tornaram-se ao

longo do XVIII, o investimento mais comum da população de um modo geral. Contudo, a

maior parte das dívidas a receber se concentrava na mão dos mais abastados. No período de

1713-1733 elas correspondiam a 17% do patrimônio acumulado pelos 10% mais afortunados

da região. No entanto, a maior fatia dos bens desses homens, no período citado, estava

assentada no número de escravos. No período seguinte de 1734-1753, os investimentos

continuaram localizados na posse de cativos, seguido pelas dívidas ativas.189

É interessante notar que, no período de 1713-1750 tanto Francisco Ferreira de Sá, o

homem mais rico da Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo, como Mathias de Crasto Porto,

o mais abastado da Comarca do Rio das Velhas, tinham em comum, além do fato de serem

naturais da Cidade do Porto, a maior fatia dos bens aplicada em dívidas ativas. O perfil de

investimento de ambos era um tanto diferente no que se refere à diversificação das atividades,

mas a maior parcela dos investimentos continuava a se concentrar em bens específicos.

Por fim o que o percebemos através do perfil de investimentos dos homens mais ricos

da Comarca do Rio das Velhas e da Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo, é que edificaram

um vasto patrimônio composto por bens que se faziam essenciais naquelas sociedades. Os

escravos, as dívidas ativas e os bens de raiz eram os itens que podiam alcançar o maior valor

se avaliados individualmente, e em grande quantidade fazer a diferença como fatia

significativa dos bens acumulados durante toda uma vida. A mineração era um negócio

praticado pela maioria dos homens mais ricos, mas a atividade agropecuária também tinha seu

lugar. Era uma boa opção para os que queriam diversificar e apostar em outras fontes de

188 SANTOS, Raphael Freitas. Dívida e endividamento. In. BOTELHO, Ângela Vianna, ROMEIRO, Adriana. Dicionário Histórico das Minas Gerais... Op.cit., p.114-115. 189SANTOS, Raphael Freitas. “Devo que pagarei”: sociedade, mercado e práticas creditícias...Op.cit. 98-120.

112

lucro, que poderiam se tornar tão ou mais rentáveis quanto à mineração. Se comparada às

análises de Carla Carvalho de Almeida, feitas para os homens mais abastados da Comarca de

Vila Rica e Comarca do Rio das Mortes na segunda metade do setecentos, podemos afirmar

que os bens de investimento mais importantes não se modificaram. Apesar de um

redirecionamento econômico, no qual a atividade agrícola e a pecuária passam a ser o centro

das atenções, esses itens do patrimônio continuavam a ser essenciais. Eles foram apenas

reorientados para a não tão nova atividade. O padrão de riqueza da primeira para a segunda

metade do XVIII continuava assentado na acumulação de determinados itens extremamente

necessários, que não perderam seu sentido econômico na segunda metade do século.

113

Capítulo 4

Os homens mais ricos e as estratégias sociais em busca da nobilitação

Este capítulo abordará a relação entre riqueza e ascensão social na Vila do Ribeirão do

Carmo e seu termo e na Comarca do Rio das Velhas, nas primeiras cinco décadas do século

XVIII. Para isso, procuramos observar que caminhos os homens mais ricos percorriam para

alcançar uma posição mais elevada na hierarquia social e de que forma se utilizavam da

riqueza acumulada para tal propósito. Iniciamos o texto observando como a historiografia

avalia a busca da nobilitação na América portuguesa, depois passamos à investigação das

estratégias sociais dos mais ricos. Por fim, fizemos algumas considerações sobre as hipóteses

levantadas.

4.1 Algumas perspectivas sobre a busca da ascensão social

Autores como Maria Beatriz Nizza, João Fragoso, Marco Antônio Silveira e Júnia

Ferreira Furtado, que estudam as formas de organização social na América Portuguesa, são

unânimes em destacar a importância da nobilitação na configuração das sociedades do Antigo

Regime. Para os autores, adquirir o status de nobre em lugares onde não havia uma nobreza

de sangue tradicional significava gozar de prestígio, honra, privilégios e uma melhor

colocação na hierarquia social. Alcançar essa distinção, no entanto, não era algo simples, pois

envolvia trilhar caminhos específicos e usar estratégias diversas que variavam de um lugar

para o outro. Para os autores, a principal via de acesso à nobilitação, parecia ser a aquisição

das mercês de cargos na administração ou postos militares.

114

Segundo Arno Welling e Maria José Welling, na América Portuguesa o exercício de

funções na câmara, nas tropas de linha, auxiliares ou ordenanças e nos ofícios de justiça ou

fazenda conferiam aos contemplados enobrecimento e proeminência frente à comunidade há

qual estavam inseridos. A nobilitação funcionava como um instrumento eficaz de ascensão

social, sendo um importante “veículo de promoção social, dando já ao primeiro ocupante

foros de nobreza de fato e beneficiando de modo significativo seus descendentes”. Para os

autores, os postos militares, por exemplo, acabaram funcionando na América portuguesa

muito mais como uma “agência social de nobilitação” do que propriamente um instrumento

de defesa.190

Para Francis Albert Cotta “a vontade da distinção, a obsessão pela fidalguia e a

vaidade criaram postos militares nunca antes vistos na América portuguesa ou em Portugal.”

Somente nas Minas Gerais setecentistas, o autor encontrou os postos de brigadeiros-de-

ordenanças e os quartéis-mestres-governadores-de-comarcas. Posições que de acordo com a

hierarquia das tropas de ordenanças, tradicionalmente não existiam.191 O autor afirma que as

funções militares, além de constituírem importante forma de reconhecimento social, ainda

traziam aos contemplados certo poder de mando, e prerrogativas e isenções atinentes aos

postos.192 Para entender melhor a função de cada tropa nas Minas Gerais do século XVIII, as

suas subdivisões e os postos mais altos na hierarquia militar, faremos a seguir um pequeno

histórico.

Na primeira metade do XVIII havia nas Minas três companhias de Dragões, que

recebiam soldo. As duas primeiras vieram em 1719, a terceira companhia chegou em 1729 e

190WEHLING, Arno, WEHLING, Maria José. O funcionário Colonial entre a Sociedade e o Rei. In DEL PRIORE, Mary (Org). Revisão do Paraíso: 500 anos e continuamos os mesmos. Rio de Janeiro: campus, 2000. p. 143-159. 191COTTA, Francis Albert. No Rastro dos dragões: Políticas da ordem e o universo militar nas Minas Setecentistas. Belo Horizonte: UFMG, 2004. (Tese de doutorado). p. 151. 192 Ibid., p. 231.

115

ficou estacionada no distrito de Minas Novas. Cada companhia era formada em ordem de

hierarquia por um capitão, um tenente, um alferes, um furriel, um tambor e cinco cabos de

esquadra com seus respectivos soldados. O efetivo era composto por portugueses, com

exceção dos soldados tambores que eram africanos. Inicialmente a primeira companhia era

composta por 72 soldados, a segunda por 64 soldados e a terceira por 113 dragões.193

As tropas auxiliares ou milícias eram formadas por vassalos que não pertenciam aos

dragões ou as ordenanças. Esses regimentos eram organizados pelos poderosos locais, sendo

responsáveis por auxiliar as tropas regulares na defesa das fronteiras. Na prática faziam

diversas diligências no âmbito interno da capitania. Segundo Russel-Wood, mesmo

convocadas apenas em época de emergência e depois dispensadas, “provaram ser um braço

valioso da lei.”194 A atividade não era remunerada, com exceção do sargento mor e do

ajudante, que em dados momentos, eram pagos pela Câmara ou Comarcas. A estrutura das

milícias se assemelhava à dos corpos regulares e era em ordem de hierarquia: coronel,

tenente-coronel, sargento-mor, ajudante, capitães, tenentes, alferes, porta-estandartes,

sargentos, furriéis, cabos de esquadra, anspessadas e soldados. Tais tropas eram compostas

pelos regimentos de cavalaria de nobreza, cavalaria comum e regimento de infantaria. 195

As ordenanças ou tropas irregulares eram formadas pelos moradores locais,

designadas de acordo com a localidade e qualidade de gente que as compunham. Os homens

que formavam essas tropas abrangiam a população masculina entre 18 e 60 anos. A atuação

desses homens acontecia apenas em caso de grave perturbação da ordem pública, ficando até

então ocupados com suas atividades particulares. As ordenanças se dividiam em terços que se

subdividiam em companhias. Em cada vila deveria haver um capitão-mor responsável por um

193 Ibid., p. 146-150. 194 RUSSELL-WOOD, A.J. R.. O Brasil Colonial: O ciclo do Ouro, C. 1690-1750. In. BETHELL Leslie (org.) História da América Latina: A América Latina Colonial... Op. cit. , p. 490. 195 Ibid., p.193.

116

conjunto de ordenanças de homens pardos, pretos libertos e brancos, e nos arraiais à frente de

cada ordenança um capitão comandante de distrito. Cada ordenança se dividida em terços, à

frente do terço estava o mestre-de-campo e subordinado a ele um sargento-mor. O terço era

composto por quatro companhias, cada uma deveria ter 250 homens. Cada companhia era

comandada por um capitão seguido pelo tenente, alferes, furriel e 10 cabos de esquadra. A

atividade não era remunerada.196

No Rio de Janeiro seiscentista, João Fragoso destaca que, além das funções junto à

governança local, era essencial para o enobrecimento naquela sociedade, ser descendente dos

primeiros conquistadores, povoadores e oficiais do rei ou casar-se com as netas e bisnetas

desses homens.197 A qualidade de uma pessoa e família era definida pela hegemonia social e

política, além do fato de usufruir as benesses da economia do bem comum. A riqueza era

necessária para que determinada qualidade fosse mantida e não o contrário. Já nas Minas

Gerais setecentistas a nobilitação, segundo Júnia Ferreira Furtado, estava associada, além do

exercício de funções junto ao governo local, à inserção nas redes de clientela local. Para a

autora adquirir nobilitação nas Minas envolvia participar das “cadeias de clientela e prestígio:

maneira de gozar dos cargos, patentes e honrarias e infiltrar-se na administração.” Numa

sociedade com mobilidade social restrita, um indivíduo não se impunha apenas pelos valores

pessoais e o dinheiro, o reconhecimento social muitas vezes estava atrelado aos laços de

fidelidade e a honra que mantinham com algum poderoso local ou do Reino.198

Laura de Mello e Souza discorda em certo ponto de Júnia Furtado, pois entende que

nas Minas os princípios estratificadores aliavam status e honra a valores novos ditados pelo

cabedal e o mérito. Citando os dizeres atribuídos ao governador Dom Pedro de Almeida, a

196 Ibid., p. 186. 197FRAGOSO, João. A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e sua primeira elite senhorial (séculos XVI-XVII). In: FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda, GOUVÊA, Maria de Fátima (org.). O Antigo Regime nos trópicos... Op. cit. , p. 31-71. 198 FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio: a interiorização da Metrópole... Op. cit. , p. 51.

117

autora afirma que os homens das Minas seriam seres soltos, desenraizados e sem memória, “a

quem a riqueza permitia inventarem um passado e um nome”. Por lograrem a “honra de

ricos”, julgavam-se diferentes dos seus contemporâneos, ostentando a perífrase de grandes e

poderosos: brigadeiros, mestres-de-campo e coronéis. Inseriam-se no aparelho burocrático

colonial consagrando um padrão societário específico. Reclamavam uma posição bem elevada

na hierarquia social pautada em princípios inconsistentes e não definidos, transformados

posteriormente em uma “qualidade” de costume. 199 Para a autora, os proprietários de

numerosa escravaria eram elementos privilegiados na sociedade.

Para estes, o luxo e a ostentação existiam de fato – não como sintomas de irracionalidade, conforme disseram muitos, mas como sinal distintivo do status social, como instrumento de dominação necessário à consolidação e manutenção do poder de mando. Acumulação de escravos e luxo aparecem, aqui, como características de uma sociedade escravista específica, própria ao sistema colonial, e indicam o seu caráter extremamente restritivo. Poucos foram, pois, nas Minas os grandes senhores de escravos e lavras.200

Segundo Carla Carvalho Almeida, riqueza, privilégios e destaque social pareciam

andar juntos nas Minas Gerais da segunda metade do Setecentos. Ter apenas riqueza, por

exemplo, não bastava, era preciso investir também nas estratégias individuais de inserção

social para a construção de uma história particular bem sucedida na região. O sucesso

dependia, entre outros, dos casamentos, acúmulo de cargos e privilégios e diversificação de

negócios. De acordo com suas análises, a principal via utilizada pelos homens mais ricos para

ter acesso a honras e privilégios sociais que nobilitavam, era a obtenção de cargos

administrativos e postos militares. Cerca de 58,8% dos 275 nomes de homens mais ricos que

199 SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 150-168. 200 SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira... Op. cit. , p. 27.

118

analisou para a Comarca de Vila Rica e do Rio das Mortes possuíam patentes militares, e

16% cargos administrativos. 201

Para Marco Antônio Silveira, nas Minas Gerais setecentistas, a flexibilidade social

aliada ao fator monetário “acessível” pareciam oferecer condições promissoras de ascensão

social. Na região, posto que não havia oficialmente uma nobreza de sangue, a virtude da

nobreza passou a ser disputada por um novo grupo de homens que podiam entender grande

cabedal como possibilidade de afidalgamento.202

Segundo Maria Beatriz Nizza, em algumas partes da América portuguesa, além dos

serviços militares e das entradas no sertão em busca de ouro, os serviços pecuniários eram

alegados para alcançar a nobilitação. Alguns homens propunham de forma direta à Coroa

aplicar parte da riqueza acumulada em prol dos serviços régios, com o objetivo de obter em

troca mercês régias. No entanto, a autora ressalta que, para o enquadramento nas graças

honoríficas, não bastava ser dos mais afortunados, era necessário seguir os “códigos

honoríficos da época” e formalizar as honras por meios vários: hábitos da Ordem de Cristo,

foros de fidalgo da Casa Real, instituição de morgados, cargos na Câmara e postos nas tropas

de ordenança.203

Carlos Kelmer Martins considera que, nas Minas Gerais do século XVIII, as

estratégias empregadas pelos indivíduos, para adquirir mercês e assegurar a posição de

“homens de melhor qualidade” implicava, além do mérito, aplicar parte do cabedal nos

serviços reais. O simples auxílio na defesa do território ou na contenção de motins usando

recursos particulares podia render muitas dádivas reais. Em 1711, por exemplo, os homens

das Minas que participaram da defesa do Rio de Janeiro contra a invasão dos franceses, e/ou

201 ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Homens ricos, homens bons: produção e hierarquização social... Op. cit., p. 247-248. 202 SILVEIRA, Marco Antônio. Sociedade. In: ROMEIRO, Adriana, BOTELHO, Ângela Vianna. Dicionário Histórico Minas Gerais: período colonial. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 283-294. 203 SILVA, Maria Beatriz Nizza. Ser nobre na Colônia... Op. cit. , p. 95-132.

119

posteriormente na repressão ao motim de Vila Rica em 1720, receberam como prêmio, além

do reconhecimento real, sesmarias, postos militares, cargos administrativos e hábitos da

Ordem de Cristo.204

Para Ramon Fernandes Grossi, a Coroa portuguesa sabia “dar a cada um” o que era

seu. Os prêmios pelos merecimentos eram distribuídos com “igualdade”. Para o autor não se

tratava evidentemente de uma igualdade de natureza democrática, mas que acompanhava as

clivagens sociais promovidas pela hierarquia social. Ser merecedor de uma recompensa régia

não bastava, era necessário ter determinada qualidade, não pertencer aos patamares inferiores

da hierarquia ou ser de origem africana e não ter sangue infecto. Grossi afirma que “certas

graças só eram alcançadas por aqueles que eram considerados hierarquicamente superiores,

como era o caso dos homens que faziam parte da nobreza local e por isso, tinham a qualidade

necessária para terem acesso a certas honras, mercês e privilégios”. 205 Segundo Francisco

Eduardo Andrade, nas Minas Gerais em fins do XVII e durante o XVIII, a participação de

pessoas da “arraia-miúda” nas entradas em busca de ouro e nas explorações era necessária,

porém o acesso ao “capital simbólico”, benefícios e riqueza abria-se apenas a poucos.

Dependia da posição social e política do descobridor, da validade moral das ações e do

reconhecimento da Coroa portuguesa. O autor considera que, para uma expedição ter crédito

junto à Coroa, os descobridores deveriam ter determinada qualidade, ou seja, “os

protagonistas deviam possuir algumas virtudes morais que podem ser resumidas em duas:

prudência e valor”.206

204 MARTHINS, Carlos Leonardo Kelmer. Jogos de interesses e estratégias de ação no contexto da revolta mineira de Vila Rica, c. 1709 – c. 1736. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fevereiro de 2005. (Dissertação de mestrado). 205 GROSSI, Ramon Fernandes. O “Dar o seu a cada um”: demandas por honras, mercês e privilégios... Op. cit., p. 17- 47. 206 ANDRADE, Francisco Eduardo. A invenção das Minas Gerais: empresas, descobrimentos e entradas nos sertões do ouro (1680-1822). São Paulo: USP, 2002. (Doutorado em História). p. 39-42.

120

Segundo Maria Fernanda Bicalho, a inserção nas câmaras era uma das “principais

vias de acesso a um conjunto de privilégios que permitiam nobilitar os colonos”. Exercer uma

função ligada à administração constituía-se uma via importante para obtenção de “capital

social” e acesso a determinados privilégios e signos de distinção. Em Salvador, Olinda, Rio

de Janeiro, Minas Gerais, Goa, Luanda e Macau, a eleição de pessoas para os cargos

respeitava, dentro do possível, os postulados vigentes no Reino, sendo preenchidos pelos

“principais da terra”. 207 Para Júnia Furtado, nas Minas Gerais setecentistas, exercer funções

junto à administração real era essencial para o reconhecimento social de uma pessoa.

Acima de tudo, participar da administração real exteriorizava o papel de cada um e aproximava-o da origem do poder. Na sociedade da época, que desprezava o trabalho manual, todos aqueles que exerciam artes mecânicas estavam excluídos do estatuto dos homens bons e, por conseguinte, da representação política, que lhes conferia dignidade e definia seu lugar social perante todos os habitantes locais.208

Ana Paula Pereira Costa ressalta que ocupar funções na administração local era fulcral

para a aquisição de prestígio e o exercício de autoridade, pois era uma forma de participar do

poder, ganhar status social, incrementar redes de dependentes e interferir em pontos cruciais

da sociedade como a justiça e a economia. Significava gozar da possibilidade de se inserir nos

quadros da elite econômica e social e ter acesso a informações privilegiadas que os

auxiliavam na condução das atividades econômicas a qual se atrelavam.209

Como um dos principais órgãos da administração local, a Câmara era responsável por

aspectos do governo local, sendo porta voz da opinião pública e representante perante a Coroa

207BICALHO, Maria Fernanda. As câmaras ultramarinas e o governo do Império. In: BICALHO, Maria Fernanda. As Câmaras ultramarinas e o governo do Império. In FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda, GOUVÊA, Maria de Fátima (org.). O Antigo Regime nos trópicos: A dinâmica imperial portuguesa... Op. cit. , p. 212-218. 208 FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio: a interiorização da Metrópole... Op. cit. , p. 57 209 COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império lusitano: uma análise do perfil das chefias militares dos corpos de ordenança e de suas estratégias na construção de sua autoridade. Vila Rica (1735-1777). Rio de Janeiro: Departamento de Pós-graduação em História da UFRJ, 2006. (dissertação de mestrado). p. 106-107.

121

dos interesses da população. Nas Minas Gerais, por exemplo, desde 1711 quando foram

instaladas as primeiras câmaras na região, integravam a instituição dois juízes ordinários, três

vereadores e um procurador. A presidência da Câmara era exercida pelos juízes ordinários,

que acumulavam também a função de juiz de fora e juiz de órfãos. Era o cargo mais

prestigioso na instituição, os presidentes se revezavam na função, sendo responsáveis pelas

funções administrativas e judiciárias a nível local. Em vilas sede de Comarca sem um juiz de

fora, o juiz ordinário podia substituir o ouvidor geral em caso de ausência. Foi apenas em

1730 que o rei Dom João V modificou a jurisdição do senado, nomeando um juiz de fora para

a Vila do Ribeirão do Carmo. A função deveria ser exercida separadamente da de juiz

ordinário.210

Arno Welling e Maria José Wellig afirmam que o exercício de uma função eclesiástica

também proporcionava determinada distinção na América portuguesa, justamente por estar

em parte ligada à administração civil. O clérigo não exercia apenas um papel religioso como

sacerdote em uma determinada sociedade, mas tinha também uma ligação com o Estado. Nas

paróquias era realizado o registro civil do indivíduo: batismo, casamento e funeral. Além

disso, as questões ligadas ao direito de família, eram resolvidas pelos tribunais ou relações

eclesiásticas. Como seus congêneres leigos, existiam clérigos especializados em direito

canônico, além de funcionários211 administrativos essenciais à realização dos trabalhos.212

Para Caio Boschi nas Minas setecentistas “a rigor, o meio e a inexistência de uma

política religiosa nitidamente configurada transformavam os eclesiásticos mineiros em

210 Cf. RUSSELL-WOOD, A.J.R. O governo local na América portuguesa: um estudo de divergência cultural. Revista de História. São Paulo, 1977, ano XXVIII, Volume LV. LEMOS, Carmem Silvia. A justiça local, os juizes ordinários e as devassas da Comarca de Vila Rica (1750-1808). Belo Horizonte: Departamento de Pós-Graduação em História da UFMG, 2003. (dissertação de mestrado). VENÂNCIO, Renato Pinto. Estrutura do Senado da Câmara. In. TERMO DE MARIANA: História e documentação. Mariana: Imprensa Oficial da Universidade de Ouro Preto, 1998. p.139-141. 211 O termo “funcionário” colonial associado ao serviço público, não existia, foi criado em fins do século XVIII. WEHLING, Arno, WEHLING, Maria José. O funcionário Colonial entre a Sociedade e o Rei. In DEL PRIORE, Mary (Org). Revisão do Paraíso: 500 anos e continuamos os mesmos... Op. cit. p. 141. 212Ibid, p. 147.

122

homens do século e faziam do sacerdócio uma atividade profissional dentre as outras.”213

Segundo Marco Antônio Silveira, nas Minas Gerais, a vontade da distinção era tanta

que a função eclesiástica era uma das vias importantes para adquirir nobilitação. Era a chance

que muitos homens menos afortunados tinham de adquirir bom comportamento e algum grau

de letramento. No caso dos mulatos, por exemplo, era uma das formas para que se

“purificassem das manchas da descendência.”214

Por fim, pode-se dizer que a historiografia que investiga as formas de organização

social na América Portuguesa enfatiza a diversidade que envolvia o alcance da nobilitação,

levando em consideração, sobretudo, o contexto e a configuração de uma dada sociedade.

Para adquirir enobrecimento, a principal via de acesso era a obtenção de mercês régias que

poderiam ser concedidas na forma de sesmarias, postos militares, cargos administrativos e

honrarias diversas na sociedade. As estratégias utilizadas pelos vassalos para acumular mérito

e obter o reconhecimento real em algumas partes da América portuguesa, envolviam

caminhos diferentes que incluíam desde prestar auxílio à Coroa na defesa do território e na

contenção de motins, quanto aplicar parte do cabedal em serviços reais.

4.2 Os homens mais ricos e os investimentos em estratégias sociais

Homem dos mais afortunados da Comarca do Rio das Velhas, português e o maior

proprietário de escravos da região na primeira metade do XVIII, o capitão-mor João Ferreira

213 BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder: irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986.p. 73. 214 SILVEIRA, Marco Antônio. O Universo do indistinto. Estado e sociedade na Minas setecentistas... Op. cit. , p. 172-174.

123

Santos atuava nas Minas desde pelo menos 1711. Morador no Arraial de Santa Luzia, era

casado com Maria Isabel Bittencourt e Sá, com quem teve oito filhos.215

Em Abril de 1714, foi nomeado pelo então governador Dom Brás Baltazar da Silveira,

para o posto de sargento-mor das ordenanças do brigadeiro de infantaria João Lobo de

Macedo.216 No ano de 1718 foi graduado capitão-mor das ordenanças do “distrito de São

Miguel e Piracicaba até Santa Bárbara Acima” pelo governador Dom Pedro de Almeida.217

Em maio de 1724, obteve nova carta patente do governador Dom Lourenço de Almeida. Foi

conservado no posto de capitão-mor das ordenanças com atuação em Vila Nova da Rainha.

Esta carta patente acabou por revelar ainda parte da trajetória desse homem nas Minas.218 Nos

anos de 1713 e 1714, teria se embrenhado pelos sertões como descobridor aurífero,

participando nos achados do Ribeirão do Morro Grande e na região de Cocais. Prestou

serviços de ordem pública, auxiliando no conserto do Caminho de Mato Dentro, onde

empregou seu cabedal e quarenta escravos. Foi voluntário quando os franceses, sob o

comando de Duguay-Trouin, invadiram o Rio de Janeiro em 1711, servindo na dita praça por

um mês junto com quinze escravos armados. No ano de 1713, foi cobrador dos quintos reais;

ocasião em que o povo de Vila Nova da Rainha se revoltou contra o retorno da cobrança dos

quintos por bateia. Sofreu críticas da população, mas manteve-se ao lado do governador Dom

Brás Baltazar da Silveira. Em 1716, destruiu um quilombo localizado na “Cabeceira do

Brumado, termo da Vila Nova da Rainha”. Em 1720, participou da repressão ao motim de

Vila Rica. Foi contratador dos dízimos na Comarca do Rio das Velhas. Para esta última

informação, na citada carta patente, não foi mencionada a data de exercício da função. 215 AHMOS, Inventário post mortem do capitão-mor João Ferreira Santos, caixa I(05), auto 60, 2º ofício, ano 1739. 216 Carta patente emitida pelo governador Dom Brás Baltazar da Silveira a João Ferreira dos Santos, Vila Rica, 12 de abril de 1714. APM, Seção Colonial 15, p. 125. 217 Carta patente emitida pelo governador Dom Pedro de Almeida a João Ferreira dos Santos, Vila Rica, 15 de julho de 1718. APM, Seção Colonial 12, p. 59v. 218 Carta patente emitida pelo governador Dom Lourenço de Almeida a João Ferreira dos Santos, Vila do Ribeirão do Carmo, 05 de maio de 1724. AHU, MG, caixa 9, documento 45.

124

No dia 16 de agosto de 1717, o então governador Dom Brás Baltazar da Silveira

passou carta de sesmaria do sítio do Sumidouro, das terras do “Jequitibá até o ribeirão da

Mata Grande”, a João Ferreira dos Santos. Em 1721, 1724 e 1727 o capitão- mor enviou

pedidos de confirmação da dita terra ao Conselho Ultramarino, alegando ter comprado a

sesmaria por mil oitavas de Domingos Dias da Silva. Este último havia recebido a carta de

sesmaria em 17 de fevereiro de 1711 do ex-governador Antônio de Albuquerque Carvalho, e

,quando vendeu as terras, relatou ser morador no local há cerca de doze anos.219 O processo de

confirmação de sesmaria se estendeu até 1739, pouco antes da morte do suplicante, quando

foram enviados mais documentos que atestavam a compra e posse da dita terra. Nos novos

pedidos enviados ao Conselho Ultramarino, o suplicante dizia ser morador em Caeté. 220

Provavelmente o fato de se tratar de uma sesmaria comprada de outra pessoa gerou problemas

nas confirmações solicitadas desde 1721. A alegação de ser morador em Caeté poderia ser

verdadeira, ou talvez mais uma forma de mostrar que a requerida sesmaria era habitada, uma

das exigências para a confirmação. No inventário post mortem de João Ferreira dos Santos,

constava que o lugar onde oficialmente residia com a família era o arraial de Santa Luzia. A

carta de sesmaria legitimava a posse da terra. O suplicante passava a ser proprietário do sítio

ou fazenda com limites definidos, podendo até mesmo vendê-la posteriormente no

mercado.221 Pode-se supor que a alegação de que possuía escravos trabalhando nessa

propriedade, mesmo que não fosse o lugar de moradia oficial, visava demonstrar que era

habitado e produtivo.

219 Carta de sesmaria emitida pelo governador Dom Brás Baltazar da Silveira a Domingos Dias da Silva, Vila Rica, 16 de agosto de 1711. AHU, MG, caixa 10, documento 11. 220 Petição enviada por João Ferreira dos Santos solicitando confirmação da sesmaria do sítio do Sumidouro, Vila de Sabará, 20 de maio de 1739. AHU, MG, caixa 37, documento 46. 221 SILVA, Flávio Marcus. Subsistência e poder: a política de abastecimento alimentar nas Minas... Op. cit. , p. 132-134.

125

A extensa lista de atividades do capitão-mor e a posse de uma sesmaria na Comarca do

Rio das Velhas demonstram o quanto estava envolvido naquela sociedade. Fez parte das

tropas de ordenança, foi um descobridor aurífero, obteve terras oficialmente, atuou em

atividades de defesa, na cobrança de tributos e na repressão de motins. A intensa ação nas

Minas certamente promoveu a conquista de status social e posição destacada junto às redes de

clientela.

Com efeito, sua integração em determinada rede de influência local pode ser

verificada através de um certificado enviado em 1724 pelos juízes, vereadores e procurador da

Câmara de Vila Nova da Rainha, ao Conselho Ultramarino. A Câmara solicitava a

confirmação da patente de capitão-mor das ordenanças da dita vila passada a João Ferreira

dos Santos em 1724, pelo então governador Dom Lourenço de Almeida. As duas certidões

enviadas em favor de João Ferreira dos Santos, o descrevem como um homem que vinha

atuando nas Minas com bastante zelo, prestando grandes serviços à Sua Majestade.222 João

Ferreira do Santos também havia enviado petições ao Conselho Ultramarino, que foram

reforçadas pelas solicitações enviadas pela Câmara.

A confirmação de uma patente era obrigação de quem recebia a mercê real. As

determinações para obter a concessão régia estavam prescritas nas Ordenações Filipinas.

Existiam regras tanto para os que poderiam requerer as mercês, quanto para o seu registro e

confirmação. As câmaras locais e o governador da Capitania poderiam ser consultados pelo

Conselho Ultramarino, que verificava, em caso de dúvidas, a veracidade das informações

passadas pelo suplicante ao benefício.223 É interessante notar como determinada rede de

influência que o capitão-mor mantinha interferiu de forma decisiva na questão. O suplicante

tinha ligação com os homens da Câmara, de maneira que os mesmos intercederam por ele

222 Carta enviado ao rei Dom João V pela Câmara de Vila da Nova Rainha a favor de João Ferreira dos Santos, Vila Nova da Rainha, 16 de setembro de 1724. AHU, MG, caixa 9, documento 45. 223 SILVA, Maria Beatriz Nizza. Ser nobre na colônia... Op.cit., p. 76-160.

126

confirmando perante o Conselho Ultramarino as informações. Pode-se inferir ainda que se

tratava um posto estratégico não apenas para João Ferreira dos Santos, mas para a manutenção

e o fortalecimento do grupo local formado pelos componentes da Câmara. Nas tropas de

ordenanças, o capitão-mor tinha jurisdição sobre todas as companhias de um distrito.224

Carlos Kelmer Martins afirma que o capitão-mor João Ferreira dos Santos também

integrava a rede de clientela do afamado potentado Pascoal da Silva Guimarães e teria sido

um “revoltoso indireto” no motim de Vila Rica em 1720. Contudo, o nome do capitão-mor foi

mencionado na lista confeccionada a mando do rei pelo então governador Dom Lourenço de

Almeida, com o nome dos que mais se destacaram na contenção do motim. Para o autor, a

relação de nomes pode ter sido motivada por segundas intenções, bastante influenciada pelas

boas ou más relações que cada indivíduo mantinha com o governador. 225 Segundo carta

patente passada em 1724 por Dom Lourenço de Almeida a João Ferreira dos Santos, na lista

de serviços prestados constava a atuação na repressão ao motim de 1720.

As estratégias para alargar posições distintas na sociedade não se desfizeram de uma

hora para a outra com a morte de João Ferreira dos Santos em 1739, mas se estenderam aos

herdeiros. Algum tempo depois do seu falecimento, dois dos seus filhos foram mandados

para a Universidade de Coimbra: em 1746, João Ferreira Bittencourt iniciou o curso de

Cânones, e em 1750 Manuel Ferreira Bittencourt iniciou também o mesmo curso de Cânones.

Passaram a integrar o grupo dos poucos privilegiados, posto que o critério de escolha dos

estudantes baseava-se, além da riqueza, em uma lógica clientelar e de integração em

224 FIGUEIREDO, Luciano; CAMPOS, Maria Verônica. Coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na América que fez o doutor Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, de que tomou posse em fevereiro de 1749, & vários papéis. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro. Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999. v. 2, p. 83 225 MARTHINS, Carlos Leonardo Kelmer. Jogos de interesses e estratégias de ação no contexto da revolta mineira de Vila Rica, c. 1709 – c. 1736. Rio de Janeiro, Fevereiro de 2005. Universidade Federal do Rio de Janeiro. ( Dissertação de mestrado). p.30,136-161.

127

segmentos sociais distintos.226 De alguma forma os descendentes souberam utilizar do cabedal

e status social herdados, de modo a permitir que eles ingressassem e se mantivessem

estudando na Universidade de Coimbra.

A investigação de parte da trajetória social do capitão-mor João Ferreira dos Santos

nas Minas mostra que, além do poder econômico, ele estava inserido em redes de influência

local. As alianças podem ser entendidas como um importante instrumento tanto de aceitação

local quanto de abertura para negociações mais eficazes com a Coroa. As relações mantidas

na sociedade constituíam estratégias que visavam garantir posições favoráveis à manutenção e

expansão do poder de mando, tanto de um indivíduo quanto do grupo clientelar que integrava.

As atividades junto ao governo local eram intensas, garantindo-lhe status social e contato

permanente em espaços estratégicos de negociação.

As estratégias sociais empreendidas pelo capitão-mor na Comarca do Rio das Velhas

permitem analisar questões importantes referentes às formas de inserção social e às estratégias

para uma melhor colocação na hierarquia. O estudo da trajetória dos homens mais ricos da

Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo e da Comarca do Rio das Velhas revela a importância

da riqueza na obtenção de status e de posições bem colocadas na hierarquia social. Afinal,

teriam os homens mais ricos acesso aos cargos mais honrosos e prestigiosos? Que estratégias

seriam mais comuns na busca de posições distintas?

O sargento-mor Paulo Rodrigues Durão, português e morador no Inficionado, termo

da Vila do Ribeirão do Carmo, teve uma trajetória social marcante na região. Era casado com

Ana Garcês de Morais, com quem tivera quatro filhos: Maria Teresa, Paulo (falecido no

Reino), Joaquim e José, que era religioso no Convento da Graça em Lisboa. Pouco antes de

sua morte em 1743, todos os bens foram vendidos ao genro Francisco Veloso de Miranda,

226VALADARES, Virgínia Trindade. Elites mineiras setecentistas: conjugação de dois mundos. Lisboa: Colibri, 2004.p. 495-502

128

casado com Maria Teresa. Alguns anos depois de seu falecimento, dois dos seus filhos

ingressaram na Universidade de Coimbra: José de Santa Rita Durão iniciou o curso de

teologia em 1754 e Joaquim Alberto Durão Garcês o curso de Instituta em 1752.227

A venda dos bens ao genro provavelmente era uma estratégia para que o patrimônio

não fosse desmembrado após sua morte, garantindo o uso do quinhão de direito dos filhos no

custeio dos estudos na universidade do Reino. Certamente quem arcava com as despesas de

ambos em Coimbra era o cunhado, através de parcelas devidamente pagas aos herdeiros. A

trajetória de Paulo Rodrigues Durão e seus herdeiros, comprova em parte o que afirma

Virgínia Trindade. Os que enviavam os filhos para estudar no Reino faziam parte dos poucos

privilegiados e bem-sucedidos economicamente nas Minas. Pode-se dizer ainda que o

sargento-mor gozava de certo status social na região, inserindo-se em redes de clientela locais

que se estenderiam até o Reino. Paulo Rodrigues Durão mantinha alianças importantes na

capitania de Minas, no Rio de Janeiro, na Bahia e no Reino, de acordo com uma procuração

com data de 06 de novembro de 1743, feita em conjunto com a esposa, pouco antes do

falecimento. Mesmo após sua morte, parte da sua honra pública ainda perdurava na figura do

genro, peça fundamental na manutenção da distinção de sua família.

Paulo Rodrigues Durão foi um dos primeiros povoadores da região de Vila do

Ribeirão do Carmo.228 Em janeiro de 1718 foi nomeado pelo então governador Dom Pedro de

Almeida, capitão de uma companhia de auxiliares dos “distritos de Piracicaba, Passa Dez e

Inficionado”, fazendo parte do terço de que era mestre-de-campo José Rebelo Perdigão.229

Algum tempo depois, em carta patente passada por Dom Lourenço de Almeida, em outubro

227 VALADARES, Virgínia Trindade. Elites mineiras setecentistas...Op.cit., p. 495-502. 228 VASCONCELOS, Diogo. História Antiga das Minas Gerais... Op. cit. , p. 211. 229 Carta patente emitida pelo governador Dom Pedro de Almeida a Paulo Rodrigues Durão, Vila do Ribeirão Carmo, 15 de janeiro de 1718. APM, Seção colonial 12, p. 28.

129

de 1722, foi nomeando sargento-mor de Mato Dentro.230 No documento, as ações em prol dos

serviços régios foram detalhadas. Atuara na repressão ao levante de Vila Rica em 1720 e fora

cobrador dos quintos nos anos de 1717,1721 e 1722. No último ano auxiliara os cobradores de

outros distritos: Camargos, Antônio Pereira, Bento Rodrigues e Catas Altas. Prestar tais

serviços régios exigia também dispor de algum cabedal:

(...) no que fez a Sua Majestade um serviço muito particular, achando se sempre pronto para se empregar nele com a sua pessoa e aos seus escravos sem atende a despesa alguma pois nas ocasiões em que passam por Mato Dentro o fez e soldados os sustenta, e lhes assiste com o necessário e da mesma sorte com mantimentos para seus cavalos(...).231

Adquirir uma posição elevada e certo prestígio social implicava aplicar parte da

riqueza acumulada não apenas em atividades econômicas, mas em “serviços” em prol do

poder régio. Era preciso criar mecanismos de negociação e credibilidade frente à Coroa, que

podiam ser empregados tanto como estratégias para conseguir posições mais bem colocadas

na hierarquia social, quanto aumentar o poder econômico.

Garantir o estudo dos filhos e a manutenção dos negócios da família nas mãos de um

de seus membros foi, a exemplo de Paulo Rodrigues Durão, a preocupação do alferes João do

Monte Medeiros. Homem rico, morador na freguesia de São Caetano, era casado com Maria

da Costa de Camargos com quem tivera sete filhos. Na região onde residia, entre outros bens,

tinha seis lavras de mineração em sociedade com outros indivíduos e 64 escravos. O alferes

Antônio Coelho Barbosa, casado com a filha primogênita do casal, Catarina do Monte, foi

quem ficou responsável, após a morte do sogro, pela administração dos bens e guarda dos

herdeiros menores. Segundo o alferes Antônio Barbosa “no dito casal ficaram quatro órfãos 230 Carta de confirmação de patente emitida por Dom João V a Paulo Rodrigues Durão, Lisboa Ocidental, 07 de maio de 1723. APM, Seção colonial 17, p. 55. 231Carta patente emitida pelo governador Dom Lourenço de Almeida a Paulo Rodrigues Durão, nomeação de sargento-mor de Mato Dentro, Vila Rica, 27 de outubro de 1722. RAPM, volume 4, 1899, p.101-102.

130

que se deve alimentar, e educar conforme a qualidade de seu pai que já em vida trazia dois em

estudo de gramática.” 232

O capitão João Lopes de Camargo, português, casado, minerador, produtor agrícola e

morador na freguesia de São Sebastião, também investiu na educação de um dos filhos fora da

Capitania. Em Outubro de 1737, Inácio Lopes Camargo iniciou o curso de cânones na

Universidade de Coimbra. De acordo com o inventário do capitão, iniciado pouco depois de

sua morte em 1743, o filho Inácio teria vinte e seis anos e encontrava-se ainda em Lisboa

como religioso no convento de Santa Cruz. Dentre os dez filhos legítimos, Inácio foi o único

que estudou fora, enquanto o mais velho, declarado como “Doutor João Lopes Camargo”,

parecia ser o indicado para dar andamento aos negócios da família. Em petição enviada ao

juiz de órfãos, o primogênito declarava que todos os bens estavam provisoriamente em seu

poder, sendo tutor dos irmãos menores e inventariante do pai. 233

Caso interessante em relação à educação dos filhos, foi o da afortunada Mariana

Correia de Oliveira que manteve oito dos onze filhos tidos com o capitão-mor João Pinto

Alves, estudando fora da Capitania. Em 15 de novembro de 1748, no Morro da Passagem,

termo da cidade de Mariana, era aberto seu inventário post mortem. Na ocasião de sua morte,

os filhos Manuel de Oliveira Pinto, de quinze anos, Fernando de Oliveira Pinto, de quatorze

anos e Jerônima de Oliveira Pinta estavam estudando no Seminário do Rio de Janeiro.

Sebastiana e Ana de Oliveira Pinta, de onze e nove anos respectivamente, foram mandadas a

Portugal para se tornarem freiras. Antônio Pinto Alves de Oliveira havia ingressado no curso

de cânones da Universidade de Coimbra em outubro de 1748 e o irmão João Pinto Alves de

232 AHCSM, inventário post mortem do alferes João do Monte Medeiros, caixa 150, auto 3153, 1ºofício, ano 1743. 233 AHCSM, inventário post mortem do capitão João Lopes Camargo, caixa 98, auto 2089, 2º ofício, ano 1741.

131

Oliveira, algum tempo depois, no curso de medicina em outubro de 1753. 234 Nas Minas,

estavam apenas Francisca Pinta de Oliveira, casada com Antônio Duarte, José de Oliveira

Pinto de sete anos e Angélica de Oliveira de dez meses. 235

A educação das filhas dentro ou fora das Minas constituía fator de distinção na

sociedade. O licenciado Manuel Maciel, homem rico, natural da Vila de Viana da Foz de

Lima e morador no Rio das Velhas Abaixo, era solteiro e tivera nove filhos naturais com três

mulheres negras, todos declarados forros em testamento. No convento de Macaúbas estavam

recolhidas cinco das suas sete filhas.236 O Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição de

Macaúbas recebia as filhas de famílias abastadas, moças brancas e filhas mestiças que muitos

homens tinham fora do casamento ou na condição de solteiro. As moças tinham uma

educação de caráter eminentemente doméstico. Segundo Thaís Nivia Fonseca, o

Recolhimento de Macaúbas era a mais célebre instituição de educação feminina nas Minas

setecentistas. Recebia moças cujas famílias “desejavam educá-las e preservá-las dos assaltos

do mundo.” No caso de Manuel Maciel, a autora acredita que a ida de suas filhas para o

recolhimento estava associada a arranjos feitos com a instituição em troca de dotes e negócios

com o pai das meninas. O sustento de uma das filhas estava garantido com um dote de três

mil cruzados, e o das outras pelos negócios que Manuel Maciel mantinha com a instituição,

pois ele tinha lavras que ficavam nas terras do Recolhimento. Para a autora, as filhas dos

homens abastados não recebiam a mesma educação que os filhos, pois a educação feminina

tinha um caráter doméstico. 237

234 Cf. VALADARES, Virgínia Trindade. Elites mineiras setecentistas: conjugação de dois mundos. Lisboa: Colibri, 2004. 235 AHCSM, inventário post mortem de Mariana Correa de Oliveira, caixa 46, auto 1050, 1º ofício, ano 1748. 236 AHMOS, inventário post mortem do licenciado Manuel Maciel, caixa I(03), auto 32, 2º ofício, ano 1750. 237 FONSECA, Thais Nivia de Lima e. Segundo a qualidade de suas pessoas e fazenda – estratégias educativas na sociedade mineira colonial. Revista Varia História. Departamento de Pós-Graduação em História da UFMG, vol 22, número 35, 2006. p. 186-187

132

Nas Minas Gerais da primeira metade do Setecentos, pode-se inferir que, para os

homens mais ricos, educar os filhos era uma forma de mostrar distinção e melhorar o status de

seus descendentes, numa sociedade na qual a maioria da população era iletrada. Instruir os

descendentes dentro ou fora da Capitania significava inseri-los nos modelos “civilizados de

vida”. O acesso ao ensino na Universidade de Coimbra, por exemplo, constituía uma forma de

dotar os privilegiados com o grau de doutor, um título honorífico que era sinônimo de

prestígio social.

O coronel Salvador Fernandes Furtado de Mendonça, paulista, homem casado,

morador na freguesia de São Caetano, teve participação intensa na sociedade mineira, sendo

considerado um dos fundadores da Vila do Ribeirão do Carmo. Segundo Diogo de

Vasconcelos, foi um grande conquistador do sertão, membro de um grupo poderoso de

homens destemidos e desbravadores dos confins inabitados. Compunha um grupo mais nobre

de aventureiros dedicados à pesquisa de metais e pedras preciosas, homens que acabavam por

exercer o papel de milícias, formando um séquito privilegiado apoiado, pelo governo.

Usufruíam de mercês238 e imunidades, tendo a preferência no governo do lugar.239 A carta

patente do posto de coronel das companhias de ordenanças da Vila de Taubaté com exercício

nas Minas, concedida em 1711 pelo então governador da Capitania das Minas do Ouro e São

Paulo, Antônio de Albuquerque Coelho e Carvalho, ao coronel Salvador Fernandes Furtado,

revelava que esse bom vassalo merecia toda estimação:

238 ROMEIRO, Adriana. Honra e mercê. In. BOTELHO, Ângela Vianna, ROMEIRO, Adriana. Dicionário Histórico das Minas Gerais...Op.cit., p. 160-161. 239VASCONCELOS, Diogo. História Antiga das Minas Gerais...Op.cit., p. 113-138.

133

(...) havendo respeito a achar nestas minas a Salvador Fernandes Furtado, pessoa das principais famílias da Vila de São Paulo e morador na de Taubaté (...) com todo o bom procedimento e zelo do serviço de Sua Majestade nas ocasiões que se ofereceram ter descobrimentos de ouro (...) pelas boas informações que achei de sua pessoa, sendo bem quisto e amado de todos os povos, como o tempo tem mostrado até o presente em tudo o de que o encarreguei e se fazia conveniente ao serviço de Sua Majestade(...) motivos que o fazem merecedor de toda estimação (...) . 240

Diogo de Vasconcelos afirma que Salvador Fernandes Furtado foi um bandeirante que

conseguiu usufruir das grandiosas façanhas como descobridor, adaptando-se a uma sociedade

e ostentando sua qualidade como um dos primeiros conquistadores, descobridores e

povoadores.241 Segundo Francisco Eduardo Andrade o capital simbólico que conseguiu juntar

“não foi tributário de um feito herdado(a expedição das esmeraldas e da prata), mas fruto das

ações de ocasião nos descobrimentos de ouro, a partir da década de 1690.” O coronel

Salvador Fernandes Furtado foi um descobridor qualificado que conseguiu sustentar os

ganhos com os descobrimentos, e teve acesso à fortuna e aos lucros da entrada.242 Para o

autor, a posição de descobridor exigia determinada qualidade e conduta. Significava ter

origem e posição social de acordo com as prescrições da tradição. A concessão de privilégios

era dada em reconhecimento aos súditos leais, e atribuídos aqueles de famílias com maior

cabedal.243

Em carta de sesmaria concedida em março de 1711, pelo então governador Antônio

de Albuquerque Coelho, Salvador Fernandes Furtado obteve o reconhecimento da posse de

um sítio em Morro Grande. O documento referido revelava que esse homem atuava na região

das Minas havia mais de sete anos. Estava envolvido desde o princípio nos descobertos

auríferos da região, incluindo na empreitada seus filhos e escravos. Na região das Minas

Salvador Fernandes Furtado depois de explorar datas que tivera no Bom Sucesso, situou-se na 240 Carta patente emitida pelo governador Antônio de Albuquerque Coelho e Carvalho a Salvador Fernandes Furtado. RAPM, volume 2, fascículo 4, 1897.p. 785-786. 241VASCONCELOS, Diogo. História Antiga das Minas Gerais...Op.cit., p. 197. 242 ANDRADE, Francisco Eduardo. A invenção das Minas Gerais... Op. cit. , p. 203. 243 Ibid., p. 35-36.

134

freguesia de São Caetano, lugar conhecido também como Morro Grande. Feitas as roças neste

último lugar aquartelou-se no arraial chamado O de Cima. Neste lugar, fez a primeira capela

com licença do reverendo D. Francisco de São Jerônimo, bispo do Rio de Janeiro, São Paulo e

Minas.244

A largueza de terras solicitadas na carta de sesmaria do sítio do Morro Grande seria

usada para acomodar a família, que ainda vivia na Vila de Taubaté. Na região conhecida

como São Caetano estabeleceu-se com a família e inúmeros parentes na vizinhança.245

Edificou um grande patrimônio com casas no arraial de São Caetano, sítio no Rio do Peixe,

parte de um engenho de cana e lavras de mineração, todas no termo da vila do Ribeirão do

Carmo, e ainda terras em Pindamonhangaba, termo da vila de São Paulo. No inventário aberto

em 1725, os herdeiros citados foram a mulher Maria Cardoso de Siqueira, seis filhos

legítimos e três naturais. 246

O coronel Salvador Fernandes Furtado participou ativamente da vida pública na região

da vila do Ribeirão do Carmo.247 Em 1700 foi guarda-mor, no ano de 1706 foi escolhido para

o cargo de tesoureiro dos ausentes com poderes de provedor, após 1711 exerceu algumas

vezes o cargo de Juiz ordinário e de vereador na Câmara.248 Em 20 de Abril de 1711, obteve a

patente do governador Antônio de Albuquerque Coelho e Carvalho, mantendo-se no posto de

Coronel das ordenanças da Vila de Taubaté com atuação nas Minas.249 No documento citado

244FIGUEIREDO, Luciano; CAMPOS, Maria Verônica (org.). Coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na América que fez o doutor Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, de que tomou posse em fevereiro de 1749, & vários papéis. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro. Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999. v. 1. p. 179,181. 245 Carta de sesmaria do sítio de Morro Grande emitida pelo governador Antônio de Albuquerque Coelho e Carvalho ao coronel Salvador Fernandes Furtado, Vila do Ribeirão do Carmo, 26 de março de 1711. RAPM, volume 2, fascículo 2, 1897, p.265-266. 246 AHCSM, Inventário post mortem do coronel Salvador Fernandes Furtado, caixa 138, auto 2800, 2º ofício, ano 1725. 247 Registro do testamento de Bento Fernandes Furtado, Vila do Príncipe, 19 de outubro de 1765. RAPM, volume 8, fascículo 1 e 2, 1903, p. 310. 248AHCSM, Registro de Provisões e Patentes, 1726-1754 f. 195 v.-198. 249 Carta patente emitida pelo governador Antônio de Albuquerque Coelho e Carvalho ao coronel Salvador Fernandes Furtado, Vila do Ribeirão do Carmo, 20 de abril de 1711. APM, SC 07, p. 94v.

135

acima, Salvador Fernandes foi descrito pelo governador como “pessoa das melhores famílias

da vila de São Paulo” que cumprira com zelo os serviços de Sua Majestade, auxiliando nos

descobrimentos auríferos e na repartição dos ribeiros como guarda-mor.250 No ano de 1718, o

posto de coronel das ordenanças da vila de Taubaté, com atuação nas Minas foi conservado

pelo então governador Dom Pedro de Almeida. Segundo esse último, tratava-se de um

homem estimado por dar “conta de tudo o que lhe encarregou do serviço de Sua Majestade e

da utilidade da Real Fazenda e por confiar nele.”251 Foi ainda cobrador dos quintos na

freguesia de São Caetano em 1720.

O cargo de guarda-mor confiado a Salvador Fernandes Furtado por volta de 1700,

indica a credibilidade que possuía ante aos olhos da Coroa. O agente que exercia essa função

tinha importantes atribuições político-administrativas. Deveria ser um prático da mineração

aurífera, com arbítrio para governar a zona mineradora, resolver conflitos referentes à

extração do ouro e estabelecer um consenso ou acordo entre os mineradores. Entre suas

funções ainda estava examinar os ribeiros descobertos, legitimar o descobridor, repartir as

datas e garantir o direito dos pobres contra as usurpações dos poderosos.252

Salvador Fernandes Furtado seria um exemplo de homem bom.253 A longa jornada de

serviços prestados à Coroa portuguesa, mesmo antes das descobertas auríferas na região das

Minas, o tornaram um beneficiário de inúmeros privilégios. Antes de se estabelecer nas Minas

Gerais, ele residira na vila de Taubaté. Por volta de 1687, partiu em expedição com o cunhado 250 Carta patente emitida pelo governador Antônio de Albuquerque Coelho e Carvalho ao coronel Salvador Fernandes Furtado, Vila do Ribeirão do Carmo, 20 de abril de 1711. APM, SC 07, p. 94v. 251 Carta patente emitida pelo governador Dom Pedro de Almeida ao coronel Salvador Fernandes Furtado, Vila do Ribeirão do Carmo, 21 de janeiro de 1718. APM, SC 12, p. 31. 252 ANDRADE, Francisco Eduardo. A administração das Minas do Ouro e a periferia do poder. In. PAIVA, Eduardo França (org.). Brasil-Portugal: sociedades, culturas e formas de governar no mundo português (séculos XVI-XVIII). São Paulo: Annablume, 2006. p. 78-80. 253 “Homem bom” foi uma denominação usada na América portuguesa que refletia uma atitude mental típica do Antigo Regime. Eram homens que reunião características distintas e integravam um grupo social privilegiado. Participavam do governo municipal, compunham e elegiam o senado da câmara; principal instância da representação local da monarquia. Cf. VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1800). Rio de Janeiro:Editora objetiva 2000. p. 284. BOTELHO, Ângela Viana, REIS, Liana Maria. Dicionário Histórico Brasil: Colônia e Império. Belo Horizonte: o autor, 2001. p. 89

136

Francisco Pedroso em direção ao sertão do Caeté. Entre 1694 e 1696, fez entradas na Casa da

Casca região do rio Doce, e logo depois, partiu para a região das Minas Gerais onde

descobriu o ouro no lugar de Bom Sucesso.254

A fama de descobridor e de primeiro povoador garantiu, na recém criada vila do

Ribeirão do Carmo a honra pública, 255 a distinção e o acesso a cargos nas instituições do

governo local. Em São Caetano, o coronel Salvador Fernandes Furtado parecia manter boas

relações com seu compadre e sócio nas terras minerais e também homem rico - o sargento-

mor João Antônio Rodrigues. A grande confiança e possíveis laços de amizade com o

sargento-mor fizeram com que esse homem fosse o testamenteiro e, posteriormente,

inventariante do coronel. Natural do reino de Castela, João Antônio Rodrigues era casado com

Maria Gonçalves Moreira com quem teve nove filhos. Como não fugia à regra dos homens de

grande cabedal, o filho Gaspar Gonçalves Rodrigues era estudante na Universidade de

Coimbra por ocasião da morte do pai. Tal informação constava no testamento e no inventário

post mortem, contudo o nome de Gaspar não foi relacionado na lista de nomes dos alunos

mineiros que estudaram na Universidade de Coimbra de 1700 a 1800, de acordo com relação

fornecida por Virgínia Trindade.256

Sem ter o mesmo capital simbólico de seu contemporâneo Salvador Fernandes

Furtado, o capitão-mor Pedro Frazão de Brito foi também homem com algum status social.

Ele declarou em testamento ser natural de Parnaíba, comarca de São Paulo, filho legítimo de

Manuel de Brito e Ana Proença. Morador em Antônio Pereira, termo da Vila do Ribeirão do

Carmo, foi casado com Isabel Buena da Silva com quem tivera sete filhos. Declarou ter mais

254FIGUEIREDO, Luciano; CAMPOS, Maria Verônica(org.). Coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na América que fez o doutor Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, de que tomou posse em fevereiro de 1749, & vários papéis. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro. Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999. v. 2. p. 49. 255ROMEIRO, Adriana. Honra e mercê. In. BOTELHO, Ângela Vianna, ROMEIRO, Adriana. Dicionário Histórico da Minas Gerais...Op.cit., p. 160-161. 256VALADARES, Virgínia Trindade. Elites mineiras setecentistas... Op. cit. , pág. 335-343.

137

três filhos naturais. Em julho de 1711, na recém criada Vila do Ribeirão do Carmo, foi eleito

juiz mais velho da recém instituída Câmara. Numa sociedade em processo de formação e

consolidação, passou a exercer uma posição de destaque ao integrar uma instituição

fundamental para a manutenção e construção do Império Ultramarino.257 Segundo Diogo de

Vasconcelos, o capitão-mor e sua família estariam entre os primeiros povoadores, tendo

arbítrio na demarcação da três primeiras comarcas.258 Fazia parte de um grupo que usufruía

dos privilégios e direitos advindos da honra da ocupação de um ofício ou cargo civil. Ao que

tudo indica, era também capitão-mor na vila do Ribeirão do Carmo, um posto de chefia

militar nas tropas de ordenança, porém sua carta patente não foi localizada. O capitão-mor

tinha jurisdição sobre todas as tropas de ordenança de um distrito, o preenchimento do posto

era feito mediante indicação da Câmara e do governador e confirmação régia.259

O coronel Antônio de Sá Barbosa, natural do Rio de Janeiro, casado e morador em

Roça Grande, termo da Vila de Sabará, também esteve ligado à administração real quando

serviu como Juiz ordinário na Câmara local. 260 Era considerado “pessoa benemérita, capaz,

de merecimentos”. Em 1715, de acordo com carta patente passada por Dom Brás Baltazar da

Silveira, foi nomeado para o posto de coronel de infantaria da ordenança do distrito de Vila

Real até a Barra do Rio das Velhas. Na região, havia atuado com cuidado e respeito

acomodando os reinóis nas alterações que tiveram com os paulistas em 1709. Quando os

franceses invadiram o Rio de Janeiro em 1711, prestou socorro integrando o grupo

comandado pelo governador Antônio de Albuquerque, levando vinte escravos seus armados e

257BICALHO, Maria Fernanda. As Câmaras ultramarinas e o governo do Império. In. FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda, GOUVÊA, Maria de Fátima. O Antigo Regime nos trópicos... Op.cit., p. 191. 258VASCONCELOS, Diogo. História Antiga das Minas Gerais...Op.cit., p. 212. 259FIGUEIREDO, Luciano; CAMPOS, Maria Verônica(org.). Coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na América que fez o doutor Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, de que tomou posse em fevereiro de 1749, & vários papéis. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro. Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999. 2 v. p. 83 260AHMOS, inventário post mortem de Antônio de Sá Barbosa, caixa I(03) auto 36, 2º ofício, ano 1735.

138

os sustentando à sua custa. Posteriormente, prestou auxílio na cobrança dos quintos reais, no

que mostrou ser fiel vassalo e “pessoa das principais destas Minas”. 261

É interessante notar que as mulheres mais afortunadas da Vila do Ribeirão do Carmo e

seu termo eram todas casadas quando da feitura de seus inventários post mortem. Eram

esposas de homens ricos, que conseguiram ter êxito na empreitada aurífera. Mariana Godoy

Moreira, Mariana Correia de Oliveira, Micaela Arcângela e Mariana Barbosa da Silva eram

casadas com oficiais militares. Uma exceção era Joana da Costa Camargos. A posição que

ostentavam como “donas” ricas e o status social alcançado, estavam atrelados à posição

político-social e econômica dos maridos.

De acordo com uma ordem enviada por D. João V, em junho de 1725, ao governador

Dom Lourenço de Almeida, os postos nos regimentos de ordenança traziam aos beneficiados

um reconhecimento honorífico que se estendia também às suas mulheres, pelo “tratamento

que por este respeito lhe dão”. O rei ordenara ainda que o governador tivesse grande atenção

nesta matéria, nomeando para os postos pessoas que fossem de dita nobreza e capacidade.262

Micaela Arcângela, das mulheres mais afortunas, era a que possuía o maior cabedal

acumulado, o patrimônio em 1736, ano de sua morte, foi avaliado em 34:062$262(trinta e

quatro contos, sessenta e dois mil e duzentos e sessenta e dois réis). Casada com o sargento-

mor José Ferreira Soares, com quem tivera quatro filhos, era moradora na freguesia de São

Caetano, termo da vila do Ribeirão do Carmo. Como senhora distinta, apresentava-se vestida

com camisa de linho com botões de ouro, casaco de lemiste e saia branca de seda.

Completavam o visual uma corrente de ouro no braço com uma verônica de São Bento e

brincos em ouro e aljôfar. No sítio da Paragem do Gama, os objetos de uso doméstico

261 Carta patente emitida pelo governador Dom Brás Baltazar da Silveira ao coronel Antônio de Sá Barbosa, Vila Rica, 03 de setembro de 1715. APM, SC 09, p.170. 262 Ordem enviada pelo rei Dom João V ao governador Dom Lourenço de Almeida, Lisboa Ocidental, 09 de setembro de 1725. APM, SC 05, p. 13v.

139

permitiam-lhe levar uma vida suntuosa: havia talheres de prata, tigelas e pratos de louça da

Índia e móveis em madeira nobre. Na propriedade havia ainda uma casa de vivenda cobertas

de telha, engenho de cana e de pilões, senzalas, moinho de fazer fubá, capela dedicada à

Nossa Senhora do Rosário e plantação de banana e cana.263

Mariana Barbosa da Silva, moradora na freguesia de Bom Jesus do Furquim e casada

com o sargento-mor Manuel Fernandes Serra, também era uma dona muito rica que se exibia

com luxo. Vestia-se com saia de seda colorida de Macau, camisa de Holanda rendada com

botões em ouro e colete da Índia de cetim branco bordado e botões em ouro. Como

ornamento, usava brincos de ouro com lascas de diamantes, rosário de ouro, fios de corais

machos com detalhes em ouro, corrente em ouro com a imagem de Nossa Senhora da

Conceição ou cruz de ouro e diamantes. Os objetos de uso doméstico proporcionavam-lhe

uma vida requintada com móveis em jacarandá, talheres e pratos em prata, bules e tigelas de

estanho, copos e xícaras em louça da Índia, toalhas de mesa em linho, tapetes, colchas de

damasco e fronhas de bretanha rendada. O negócio da família centrava-se na mineração e no

engenho de cana. Contavam com 68 escravos para o trabalho no sítio chamado do Apaga

Fogo e nas terras minerais. É interessante notar que qualidade de senhora de prestígio

ostentada por Mariana Barbosa da Silva na região do Furquim, se estendia à sua filha única,

de apenas oito anos de idade em 1741, ano de sua morte, tratada no inventário post mortem

como “Dona Francisca Antônia de Jesus.”264

Mariana Correia de Oliveira, moradora no Morro da Passagem e casada com o

capitão-mor João Pinto Alves, também era uma senhora muito rica que se portava com

requinte, trajando vestido com saia de veludo forrado e abotoado com fios em ouro, e colete

de seda com botões em ouro. Enfeitava-se com anéis em ouro, cordões de ouro com a imagem

263 AHCSM, inventário post-mortem de Micaela Arcângela, caixa 18, auto 495, 2º ofício, ano 1736. 264 AHCSM, inventário post mortem de Mariana Barbosa da Silva, caixa 83, auto 1789, 1º ofício, ano 1741.

140

de Nossa Senhora da Conceição ou cruz de ouro com lascas de diamantes, brincos de aljôfar,

fivelas de ouro no sapato, fios de corais machos com detalhes em ouro, cordão de ouro com

figa de ouro, uma verônica de São Bento e uma memória. A vida doméstica era luxuosa com

colchas de damasco, toalhas de Guimarães, talheres em prata, pratos em estanho e xícaras e

“tigelas de caldo de galinha com tampas e pratos” em louça da Índia. Na lavra mineral do

casal, trabalhavam os oitenta e quatro escravos que possuíam.265

Para as mulheres, ter um marido e filhos e formar uma família significava respeito e

estabilidade. Micaela Arcângela, Mariana Barbosa e Mariana Correia são exemplos de

senhoras distintas e afortunadas, que ostentavam o que a riqueza aurífera podia proporcionar.

Na maneira de viver, tinham acesso a objetos e roupas que eram desejo de muitos, mas

realidade de poucos. Certos aspectos indicam o status privilegiado dessas mulheres: eram

casadas com homens ricos que carregavam junto ao nome uma denominação honorífica, os

filhos recebiam educação fora da Capitania mineira e apresentavam-se com indumentária

luxuosa e ornadas com colares e brincos em ouro e diamantes. Ao que tudo indica eram

devotas, usando ornamentos que além de serem signo de ostentação da riqueza acumulada,

indicavam profunda devoção religiosa: crucifixos em ouro e diamantes, imagens de Nossa

Senhora da Conceição em ouro e marfim, medalhas de São Bento e rosários de contas de

ouro.

Para manter uma determinada posição na hierarquia social, alguns dos homens mais

ricos tinham por estratégia ostentar por muitos anos o mesmo posto militar numa mesma

região. O capitão Manuel das Neves Ribeiro, por exemplo, homem dos mais afortunados da

Vila de Sabará, sustentou o exercício do posto de capitão das ordenanças da Freguesia de

Congonhas, pelo menos por nove anos. A patente passada em 22 de Julho de 1729 pelo

265 AHCSM, inventário post mortem de Mariana Correa de Oliveira, caixa 46, auto 1050, 1º ofício, ano 1748.

141

governador Dom Lourenço de Almeida o nomeava para o posto de capitão, que havia vagado

por ausência de Manuel Pereira Botelho. O documento não revelou possíveis serviços

prestados na região, somente o declarou indicado para ocupar o lugar. Em 17 de novembro de

1735, o governador Gomes Freire de Andrada passou-lhe patente, conservando-o no posto e

expandindo sua jurisdição ao Curral Del Rei.266 Em 02 de junho de 1738 o capitão Manuel

das Neves Ribeiro enviou o pedido de confirmação ao rei para a conservação do posto. 267

Como Manuel das Neves Ribeiro, o mestre-de-campo Francisco Ferreira de Sá, natural

da Cidade de Porto, homem casado e morador na freguesia de São Sebastião, termo da Vila

do Ribeirão do Carmo, também conservou o mesmo posto militar por muitos anos. No distrito

de Guarapiranga, Francisco Ferreira de Sá ocupou, desde 1714, o posto de mestre-de-campo

das ordenanças, de acordo com cartas patentes passada pelo governador Dom Brás Baltazar

da Silveira,268 e depois patente concedida pelo governador Dom Pedro de Almeida em

1718.269 Atuante junto à governança local, em 18 de março de 1718 foi nomeado também

provedor responsável pela cobrança dos Quintos reais da freguesia de São Sebastião.270

Parece ter exercido o posto de mestre-de-campo até o ano de sua morte em 1732. Em 1733 o

genro Agostinho Dias dos Santos assumiu, de acordo com carta patente passada por Dom

Lourenço de Almeida, o posto de mestre-de-campo dos auxiliares do distrito de Guarapiranga,

posto ocupado até então por Francisco Ferreira de Sá.271

266 Carta patente emitida pelo governador Dom Lourenço de Almeida a Manuel das Neves Ribeiro, Vila do Ribeirão do Carmo, 22 de julho de 1729. AHU, MG, Caixa 16, documento 47. Carta patente emitida pelo governador Gomes Freire de Andrada a Manuel das Neves Ribeiro, Vila Rica, 17 de novembro de 1735. AHU, MG, Caixa 17, documento 31. 267 Requerimento enviado por Manuel das Neves Ribeiro ao rei de Portugal solicitando a confirmação da patente de capitão, Vila de Sabará, 02 de junho de 1738. AHU, MG, Caixa 35, documento 83. 268 Carta patente emitida pelo governador Dom Brás Baltazar da Silveira a Francisco Ferreira de Sá, Vila Rica, 12 de abril de 1714. APM, Seção Colonial 15, 115v. 269 Carta patente emitida pelo governador Dom Pedro de Almeida a Francisco Ferreira de Sá, Vila do Carmo, fevereiro de 1718. AHU, MG, caixa 21, documento 9. 270 Registro como provedor dos Quintos Reais emitido pelo governador Dom Pedro de Almeida a Francisco Ferreira de Sá, Vila do Ribeirão do Carmo, 18 de março de 1718. APM, Seção Colonial 12, p. 40. 271 Carta patente emitida pelo governador Dom Lourenço de Almeida a Agostinho Dias dos Santos, Vila Rica 13 de setembro de 1732. APM, Seção Colonial 15, 113v.

142

Em 18 de março de 1732, o ex-governador da Capitania das Minas do Ouro e São

Paulo, Dom Pedro de Almeida, morador em Lisboa, enviou ao rei um requerimento afirmando

que quando governou a Capitania, havia mesmo passado patente de mestre-de-campo do

distrito de Guarapiranga a Francisco Ferreira de Sá.272 Atestava que os procuradores do

mesmo haviam mandado pedidos de confirmação do posto ao rei, e caso houvesse algum

problema com o envio, a culpa certamente era desses homens. Francisco Ferreira de Sá foi

descrito como um “homem velho capaz de muita autoridade”, que, pelos bons serviços

prestados à Sua Majestade na região das Minas, deveria ter o posto confirmado. Pode-se

inferir que Francisco Ferreira de Sá teve problemas com o exercício deste posto nas Minas, ou

com alguma confirmação enviada ao Conselho Ultramarino. Dessa forma, pediu a intercessão

do ex-governador com quem certamente mantinha relações. A confirmação de uma mercê era

o segundo passo a ser dado para que efetivamente os serviços prestados à Sua Majestade

fossem reconhecidos e registrados. Era uma exigência da Coroa que tomava tal atitude para

evitar fraudes ou excessos por partes de determinados súditos.273 Para os homens das Minas,

era importante não apenas cultivar boas relações locais, mas manter contato com pessoas

influentes no Reino, de forma a garantir um leque mais amplo de estratégias de negociação

com a Coroa.

Pode-se dizer que, no caso de Manuel das Neves Ribeiro e Francisco Ferreira de Sá, a

manutenção do mesmo posto militar por longo tempo e na mesma região, indica que

mantinham uma função que era favorável tanto para eles quanto para as redes de influência

que provavelmente integravam. O interesse em manter a mesma posição hierárquica na

sociedade estava atrelado tanto à manutenção do poder de mando, distinção e reconhecimento

272 Certidão enviada pelo ex-governador Dom Pedro de Almeida ao rei de Portugal confirmando os serviços prestados por Francisco Ferreira de Sá, Lisboa 18 de março de 1732. AHU, caixa 21, documento 9. 273 SILVA, Maria Beatriz Nizza. Ser nobre na Colônia... Op. cit. , p. 77.

143

que já haviam conquistado naquele espaço, quanto ao tempo que poderiam dedicar também

aos negócios particulares, já que se tratava de um posto nas tropas de ordenanças.

Segundo Ana Paula Pereira Costa, para obter mercês nas Minas e maximizar sua

autoridade, era comum as pessoas utilizarem como recurso o fato de terem experiência militar

em outros postos e cargos públicos, além de ser abonado de bens. Alguns oficiais ocupavam

vários postos militares e por longo tempo, adquirindo além de experiência em tais assuntos

espaço para a construção da memória de um passado de lutas e conflitos em que tais súditos

demonstraram lealdade.274

Christiane Pagano afirma que os postos militares conferiam grande poder em escala

local, sendo por vezes o canal de resistência ou de colaboração entre a Coroa e os súditos

coloniais.275Segundo Ana Paula Costa, os quadros de oficiais das ordenanças eram

preenchidos pela “elite proprietária local”. Homens sem experiência militar em busca de

prestígio social, que deveriam obter autoridade e reconhecimento público para conseguirem

se tornar face visível do poder. Para a autora, os que ocupavam postos de chefia nas

ordenanças da Comarca de Vila Rica não foram escolhidos por sua habilidade técnica, mas

por deterem qualidades baseadas em autoridade difusa, concentrada e sem especialização.

Embora não desconsidere que a riqueza tinha influência nos contornos da hierarquia social,

em se tratando de uma sociedade marcada pelos princípios do Antigo Regime, o poder

político, de mando e o prestígio social vinham em primeiro lugar em termos de definição de

papéis sociais.276

O capitão Mathias de Crasto Porto, um dos maiores comerciantes da Comarca do Rio

das Velhas e dono do maior e mais diversificado patrimônio acumulado na região, no período

274 COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império lusitano... Op. cit. , p. 106-107. 275Cf. MELLO, Christiane Figueiredo Pagano. A disputa pelos “principais e mais distintos moradores”: as câmaras municipais e os corpos militares. Revista Varia História. Belo Horizonte: Departamento de Pós-Graduação em História da UFMG, 2005, vol 33, Janeiro. 276COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império Lusitano... p. 55- 85.

144

de 1713-1750, certamente teve uma trajetória relevante nas Minas. Infelizmente, encontramos

poucas informações sobre sua atuação. Havia em seu nome dois pedidos de confirmação de

sesmarias, anexos a duas cartas emitidas pelo Governador Gomes Freire de Andrada em 1740.

A primeira era referente às terras do Sítio do Confisco e a segunda do sítio de Bento Pires,

ambas no sertão da Comarca do Rio das Velhas. A primeira propriedade foi comprada do

mestre-de-campo André Gomes Ferreira e a segunda arrematada no Juízo dos ausentes. Os

pedidos de confirmação das sesmarias foram aceitos em 1743, um ano após a morte do

suplicante.277 Os documentos não revelaram nada sobre a trajetória de Mathias Porto na

região. Pode-se inferir que era um homem de prestígio na Comarca do Rio das Velhas, dada a

importância e dimensão dos negócios empreendidos. A divisão dos avultados bens que o

capitão acumulou foram motivo de apreensão por parte de seus herdeiros, que tomaram

precauções desde o início do inventário post mortem, no sentido de poder decidir quem daria

andamento à partilha dos bens. Provisões foram dirigidas por eles ao rei de Portugal,

sugerindo e justificando as escolhas feitas, entre elas o fato de se tratar de um “inventário de

grande suposição tanto de bens como de dívidas”.

Mathias de Crasto Porto, ao final de sua trajetória nas Minas aparece identificado no

inventário post mortem com o título honorífico de capitão. A carta patente do referido posto,

documento que poderia revelar muito de sua atuação nas Minas, não foi localizada. Na lista de

cobrança do Quinto Real para o período de 1720-1721, referente à Roça Grande, termo da vila

de Sabará, Mathias Porto não foi identificado com um título honorífico.278 Nas duas cartas de

sesmarias citadas, emitidas em 1740 pelo governador Gomes Freire de Andrade, também não

277 Carta de sesmaria emitida pelo governador Gomes Freire de Andrada referente ao sítio do Confisco, Vila Rica, 15 de fevereiro 1740. AHU, MG, caixa 43, documento 20. Carta de sesmaria emitida pelo governador Gomes Freire de Andrada referente ao sítio de Bento Pires, Vila Rica, 13 de março de 1740. Confirmação das sesmarias do sítio do Confisco e de Bento Pires, Lisboa 11 de março de 1743. AHU, MG, caixa 43, documento 43. 278 APM, Câmara Municipal de Sabará, listas dos Quintos Reais, códice 02.

145

recebeu junto ao nome nenhuma denominação honorífica. A patente militar de capitão, pode

ter sido concedida ao grande comerciante em algum momento da sua trajetória nas Minas,

mas também pode não ter sido. Existe a hipótese, dado seu avultado patrimônio, de

comerciante ser reconhecido pela população da Comarca do Rio das Velhas por tal

denominação honorífica, no sentido de indicar certo status naquela sociedade, contudo

efetivamente ele poderia não ter tal carta patente oficialmente.

Depois de observar as estratégias sociais de alguns dos homens mais ricos da Comarca

do Rio das Velhas e da Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo, é possível proceder a algumas

conclusões.

Em relação à inserção social dos homens mais afortunados na Vila do Ribeirão do

Carmo e seu termo e na Comarca do Rio das Velhas, uma primeira observação se refere ao

fato de o desejo por reconhecimento social e distinção estar na pauta dos interesses desses

indivíduos. A extensa lista de serviços prestados à Coroa era característica dos que

construíram trajetórias sociais marcantes nas Minas, utilizadas como instrumento na obtenção

de prestígio, mercês e honra. O investimento social importava de alguma forma para esses

homens que se saíram bem na empreitada aurífera. O reconhecimento social, a honra pública

e a conquista de uma posição bem colocada na hierarquia político-social não vinham junto

com a mera riqueza, mas eram características a serem adquiridas. Esses objetivos eram

necessários não apenas para a busca de ascensão social, mas para o estabelecimento de

importantes contatos, poder de mando, alianças locais e a abertura de espaços de negociação

eficazes com a Coroa.

Na Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo, ficou claro que a aquisição de status social

estava associada, entre outras, à condição de primeiro descobridor e povoador. Na Comarca

do Rio das Velhas essa qualidade também era importante, no entanto ao analisar a trajetória

146

social dos mais abastados, percebeu-se que nenhum dos observados fazia parte desse grupo de

homens. As funções mais comuns que ligavam os homens mais ricos ao governo local, eram

sem dúvida as militares ou administrativas. Ao final de sua trajetória nas Minas, a maioria

dos homens mais ricos possuía postos militares nas ordenanças, quase todos com funções de

chefia. Alguns obtiveram graduação maior ao longo da vida, outros se mantiveram no mesmo

posto por longo tempo. Os que se inseriram na administração ocuparam cargos nas Câmaras

locais, outros foram os indicados para substituir provisoriamente integrantes com ofícios

privilegiados nessa instituição. Para uma melhor colocação desses homens na hierarquia

social, parecia contar não apenas o exercício de postos militares ou cargos administrativos,

mas a prestação de serviços diversificados à Coroa. As contribuições na contenção de motins

ou defesa do território, o auxílio na cobrança dos quintos reais e a aplicação do próprio

cabedal e escravos em benefício de serviços para a Coroa, contavam decisivamente na

aquisição de mercês régias. A educação dos filhos, fosse na Capitania mineira ou no Reino,

fazia parte dos objetivos desses homens mais ricos. A educação era para poucos, e fora da

Capitania, mais restrita aos que podiam arcar com os altos custos de se manter um ou mais

filhos estudando em outro lugar. Era uma elite econômica que legava aos sucessores aptos da

família todos os instrumentos para a continuidade e manutenção do poder econômico e

político social conquistados com a empreitada aurífera. Neste sentido, a educação revelava o

desejo de garantir a distinção conquistada que, naturalmente, se estenderia aos herdeiros, que,

por sua vez, deveriam ser reconhecidos como tal.

A riqueza acumulada pelos homens mais ricos parecia não estar automaticamente

atrelada ao status social, reconhecimento, prestígio e honra, mas era elemento importante na

aquisição de tais qualidades. Os afortunados que analisamos aqui reservavam parte da riqueza

para investir em elementos de ascensão social, fossem eles serviços prestados à Coroa, objetos

147

materiais ou educação dos filhos. Outra parte estava aplicada em itens essenciais à

manutenção da riqueza, principalmente escravos, bens de raiz e créditos. Pode-se dizer que o

reconhecimento social estava ligado em parte à grande riqueza acumulada pelo indivíduo,

proporcionando acesso a determinados objetos de ostentação e distinção em meio à massa de

muitos desafortunados. Mas só isso parecia não ser suficiente, era preciso aliar o cabedal às

estratégias de inserção político social, às redes de influência e aos serviços em prol da Coroa.

Tal junção promoveria certamente honra pública, prestígio e um lugar bem colocado na

hierarquia social.

A conservação de um título honorífico constituía também um importante símbolo de

distinção e status social. Tal forma de ser reconhecido socialmente estava desvinculada da

ocupação que efetivamente esses homens muito ricos exerciam, mas pode ser pensada como

um meio de inserir-se em uma hierarquia político-social que não deixava de estar diretamente

vinculada aos interesses econômicos. Para manter a posição de integrantes de um grupo

econômico privilegiado, era preciso ter mais do que vastas propriedades minerais, um negócio

comercial bem sucedido ou um grande número de cativos para o trabalho. Era preciso contar

com alianças locais que se estenderiam as outras capitanias e até ao Reino. Em suma,

significava ser aceito na sociedade como homem com certa distinção hierárquica e

econômica.

148

Conclusão

Ao menos no início do povoamento a riqueza das Minas Gerais, alimentou o sonho de

muitos que migraram para a região em busca das famosas minas de ouro. Grande número de

pessoas deslocou-se para o território, enfrentando toda sorte de adversidades em busca do

enriquecimento fácil. Alguns juntaram grande fortuna com a extração aurífera em curto

espaço de tempo. Tratava-se de um negócio que implicava arcar com custos onerosos, restrito

aos que possuíam numerosa escravaria e recursos necessários para investir em ferramentas e

técnicas minerais cada vez mais sofisticadas, de acordo com o tipo de exploração a ser

praticada. Para os homens pobres desprovidos de recursos e escravos, praticamente não havia

espaço na atividade. Se no Regimento de 1700 foi aberta uma pequena brecha a esses

indivíduos, no Regimento de 1702 ela foi vetada, restando como opção a prática da

faiscagem, atividade que proporcionava modestos ganhos. O escravo, um importante fator de

produção nas Minas e elemento determinante na dimensão das datas minerais distribuídas

pela Coroa, custava caro ao minerador. No início do setecentos, um único cativo

especializado chegava a custar quatrocentos e cinqüenta mil réis. Nos inventários da região de

Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo e da Comarca do Rio das Velhas, referentes ao

período de 1713-1750, notou-se que influenciavam no seu valor além da idade, sexo,

especialização e a maior ou menor oferta no mercado, a saúde e perfeitas condições físicas.

As possibilidades de enriquecimento nas Minas do Ouro na primeira metade do

setecentos não se restringiam apenas à extração aurífera: atividades como o comércio e a

arrematação de contratos podiam ser tão ou mais lucrativas. Investir no abastecimento interno,

importando gêneros ou os produzindo na região, proporcionava lucros elevados. No caso dos

importados, as inúmeras taxações que as mercadorias sofriam e os gastos com o transporte,

149

faziam com que muitos atingissem cifras elevadas no mercado mineiro. Os gêneros

produzidos internamente também estavam sujeitos a um valor alto. Arrematar os contratos

que a Coroa arrendava a particulares, significava investir num negócio competitivo, mas de

lucros vultosos. O montante arrecadado com o direito pago sobre todos os produtos que

entravam na região, por exemplo, permitia grande rendimento ao contratador responsável,

mesmo tendo que pagar a parte que era de direito da Fazenda Real.

Nos inventários post mortem do início do Setecentos da Vila do Ribeirão do Carmo e

seu termo e da Comarca do Rio das Velhas, a ostentação de bens que evidenciavam a riqueza

estava concentrada em itens essenciais aos negócios, como escravos, dívidas ativas e bens de

raiz. Nos inventários da década de quarenta, estes bens não perderam sua importância, mas

notou-se um maior investimento em adereços e arranjos domésticos. Havia móveis em

madeira nobre, objetos de uso doméstico em estanho, cobre, prata e louça da Índia, assim

como colchas e tapetes. A indumentária de uso pessoal também era vasta e luxuosa com

chapéus enfeitados com plumas e camisas e véstias em tecidos nobres. Pode-se dizer que do

início do setecentos para a década de quarenta, houve um aumento da riqueza privada entre os

mineiros.

Ostentar o que a riqueza podia proporcionar, ou seja, viver à lei da nobreza não era o

suficiente para ocupar uma posição social relevante nas Minas. Mesmo se tratando de uma

sociedade urbanizada, dinâmica, extremamente diversificada e de características próprias, as

influências oriundas do Reino estavam presentes. O valor dos serviços prestados à Coroa, a

obsessão pela fidalguia, a obtenção de mercês, a importância da proteção de algum poderoso

no Reino ou na sociedade local e a inserção nas redes clientelares são evidências dessas

práticas, requisitos decisivos, na definição dos lugares mais prestigiosos daquela sociedade.

150

Adquirir uma mercê régia tornou-se uma obsessão para os que queriam galgar

posições de destaque na hierarquia social. As estratégias para acumular requisitos válidos para

solicitar tal honraria envolviam desde prestar serviços variados à Coroa até cultivar boas

relações locais e no Reino, se inserindo em redes de interdependência. Se, por um lado, as

mercês funcionavam como instrumento da Coroa para controlar as populações inquietas e dar

alguma ordem à sociedade, por outro nobilitavam num lugar onde não existia uma nobreza de

sangue tradicional.

Para os indivíduos mais ricos da Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo e da Comarca

do Rio das Velhas, no período de 1713 a 1750, importavam os símbolos de prestígio e status

social. Notou-se que a maioria dos mais abastados das duas localidades possuíam ao final de

sua trajetória postos militares, quase todos de chefia. Muitos, em algum momento, ocuparam

cargos na Câmara ou substituíram provisoriamente oficiais desta instituição. Ostentar um

título honorífico, mesmo que por curto espaço de tempo, significava ser aceito e reconhecido

socialmente. Tornava-se um meio de inserir-se na hierarquia político-social. Alguns dos mais

ricos ostentavam a posição de primeiros descobridores e povoadores da região, qualidade que

tinha seu valor. Eles também prestaram serviços diversos à Coroa como: contenção de motins,

defesa do território e auxílio na cobrança dos quintos reais.

Nas duas regiões examinadas, os indivíduos mais ricos constituíam a minoria dos

inventariados analisados. Todos possuíam a condição de livre, a maior parte era do sexo

masculino, possuía um título honorífico e posse em mais de cinqüenta cativos. As mulheres

mais abastadas caracterizavam-se pela condição de casadas, a maior parte com militares.

Usavam indumentária de luxo, viviam com requinte cercadas por arranjos domésticos nobres

e cuidavam da educação dos filhos. O status social e prestígio que possuíam na sociedade

estava atrelado à situação econômica e à posição político-social dos maridos.

151

Os homens mais ricos reservavam parte de seu cabedal para aplicá-lo em benefício dos

serviços que prestavam ao rei, realizando diligências pelo território às suas custas,

consertando estradas ou disponibilizando escravos para a contenção de motins ou defesa da

região. O grande cabedal permitia a ostentação do que a riqueza podia proporcionar como

roupas em tecidos nobres, móveis e objetos de uso doméstico requintados, vasta escravaria,

bens de raiz e investimento na educação dos filhos dentro ou fora da Capitania. Para esses

indivíduos, educar os filhos significava mais que exibir seu poder econômico: era uma forma

de garantir uma distinção conquistada que se estenderia aos herdeiros. Era preciso fornecer

aos sucessores aptos da família todos os instrumentos para a continuação dos negócios e da

posição social. Contudo, apenas ostentar a riqueza acumulada não era o suficiente, pois

representava apenas o primeiro passo em busca da ascensão social. Era necessário aliar o

cabedal à inserção político-social, prestando serviços a Coroa, se inserindo em redes de

interdependência, criando alianças e abrindo espaços de negociação com a Coroa. A riqueza

era um mecanismo importante para se adquirir requisitos essenciais para a solicitação de uma

honraria, não estava automaticamente atrelada ao status social, honra e prestígio de um

indivíduo.

O perfil de investimento dos mais abastados revelou que a maioria praticava a

mineração, mesmo que não se tratasse da atividade principal em alguns casos. Normalmente,

as atividades minerais e agropecuárias estavam conjugadas na mesma propriedade. A opção

de negócio para os que buscavam diversificar na Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo era o

investimento no engenho de cana, enquanto na Comarca do Rio das Velhas era a criação de

gado. Os bens de raiz, as dívidas ativas e os escravos constituíam a fatia mais importante dos

patrimônios. A posse em escravos era um importante indicativo de riqueza, quase todos os

152

mais abastados possuíam mais de cinqüenta cativos. O capitão-mor João Ferreira dos Santos é

o dono da maior posse em escravos dentre os mais abastados analisados, 242 cativos.

O mestre-de-campo Francisco Ferreira de Sá é o homem mais rico da Vila do Ribeirão

do Carmo e seu termo, português natural do Porto e morador na freguesia de São Sebastião,

desenvolvia como atividade principal a mineração. Diferente de outros grandes abastados não

investiu no engenho de cana, apesar de desenvolver a agropecuária em menor escala em suas

terras. O capitão Mathias de Crasto Porto, português também natural do Porto, morador em

Roça Grande é o homem mais abastado da Comarca do Rio das Velhas. Diferente de seu

conterrâneo Francisco Ferreira de Sá investiu na grande diversificação do seu negócio:

mineração, engenho de cana, criação de gado e comércio. Nenhum dos homens mais ricos

analisados atingiu tal nível de diversificação nas atividades como Mathias Porto. Ele foi o

homem no período de 1713 a 1750 com o maior patrimônio encontrado, que somava oitenta e

um contos de réis. Comparando os dois mais abastados é interessante notar que além de serem

conterrâneos, tinham como maior fatia do patrimônio acumulado nas Minas as dívidas a

receber.

Pode-se concluir que na Vila do Ribeirão do Carmo e seu termo e na Comarca do Rio

das Velhas, no período de 1713 a 1750, a riqueza não pode ser pensada de forma dissociada

da representação social. Para os homens mais ricos ascender socialmente não significava

apenas obter prestígio e honra, mas ter acesso aos canais de negociação com a Coroa, adquirir

poder de mando e alianças importantes, elementos essenciais para que pudessem manter uma

posição econômica privilegiada.

153

Referências Bibliográficas 1. Fontes manuscritas 1.1 Arquivo Público Mineiro

• Códices da Seção colonial SC01 -Registro de alvarás, regimentos, cartas e ordens régias,cartas patentes, sesmarias e doações. SC04 - Registro de alvarás, ordens, cartas e ofícios do governador ao Rei (1709-1722). SC 05- Registro de alvarás, ordens, decretos e cartas régias (1709-1735). SC07 - Registro de resolução, bandos, cartas patentes, provisões, patentes e sesmarias (1710-1713). SC09-Registro de cartas, ordens, despachos, instruções, bandos, cartas patentes, provisões e sesmarias (1713-1717) SC11 - Registro de cartas do governador a diversas autoridades, ordens, instruções e bandos (1713-1721). SC12 - Provisões, patentes e sesmarias, no período governamental de D. Pedro de Almeida e Portugal, Conde Assumar (1717- 1721). SC15 - Registro de patentes passadas por Dom Pedro de Almeida e Conde de Gâlveas (1719-1734). SC17- Registro de cartas, provisões e patentes régias.

* Códices da Coleção Casa dos Contos CC 1036 - Listas referentes à cobrança dos Quintos Reais, Freguesia de Nossa Senhora da Conceição, de Vila do Ribeirão do Carmo CC 1024 - Listas referentes à cobrança dos Quintos Reais, São Sebastião, Vila do Carmo CC 1035 – Listas referentes à cobrança dos Quintos Reais, Inficionado, Vila do Carmo * Câmara Municipal de Sabará

CMS 02 - Listas referentes à cobrança dos Quintos Reais 1.2 Arquivo Histórico do Museu do Ouro de Sabará /Casa Borba Gato 1.2.1 Inventários post-mortem 1º ofício Manuel Lopes Machado, caixa I(02), auto 22, 1743 Manuel Maciel, caixa I(03), auto 32, 1750 Mathias de Crasto Porto, caixa I(02), auto 19, 1742

154

2º ofício Antônio de Sá Barbosa, caixa I(03), auto 36, 1734 João Ferreira dos Santos, caixa I(05), auto 60, 1739 João Vieira Campos, caixa I(01), auto 01, 1713 Manuel da Costa Barroso, caixa I(07), auto 80,1743 Manuel das Neves Ribeiro, caixa I(08), auto 89, 1735 Manuel Pinheiro de Cerqueira, caixa I(02), auto 22, 1730 * Testamentos 1º ofício, João Jorge Rangel, códice 8(16) – folha 152v-160v 1º ofício, Manoel Maciel, códice 8(16) – folha 361-369 Manuel da Costa Barroso. Anexo ao seu inventário, (1743) Manuel Maciel. Anexo ao seu inventário, (1750) Mathias de Crasto Porto. Anexo ao seu inventário, (1742) 1.3 Casa Setecentista de Mariana 1.3.1 Inventários post-mortem 1º ofício Ana Maria de Borba, caixa 87, auto 1838, 1713 Antônio Borges Mesquita, caixa 136, auto 2837, 1728. Francisco Ferreira de Sá, caixa 87, auto 1842, 1732 Francisco Ribeiro de Andrade, caixa 88, auto 1854, 1722 Gaspar de Brito Soares, caixa 118, auto 2446, 1717 João Antônio Rodrigues, caixa 133, auto 2774,1732 João do Monte Medeiros, caixa 150, auto 3153, 1742. José de Souza Moura, caixa 156, auto 3260, 1750 José Marques, caixa 14, auto 463, 1726 Manuel Ferreira Couto, caixa 78, auto 1675, 1738 Manuel Pinto da Mota, caixa 93, auto 1999,1749 Mariana Correa de Oliveira, caixa 46, auto 1050, 1748 2º ofício João Lopes Camargo, caixa 98, auto 2089, 1741 Mariana Barbosa da Silva, caixa 83, auto 1789, 1741 Micaela Arcângela, caixa 18, auto 495, 1736 Manuel Pinto da Mota, caixa 93, auto 1999 Pascoal da Gama, caixa 139, auto 2809, 1719 Paulo Rodrigues Durão, caixa 115, auto 2377, 1743 Pedro Frazão de Brito, caixa 132, auto 2658, 1722 Salvador Fernandes Furtado, caixa 138, auto 2800, 1725 Silvestre Álvares de Araújo, caixa 125, auto 2511, 1725

155

* Testamentos Antônio Borges Mesquita. Anexo ao seu inventário, (1728) Francisco Ferreira de Sá. Anexo ao seu inventário, (1732) Francisco Ribeiro de Andrade. Anexo ao seu inventário, (1722) João Antônio Rodrigues. Anexo ao seu inventário, (1732) João Lopes Camargo. Anexo ao seu inventário, (1741) José de Souza Moura. Anexo ao seu inventário, (1750) Gaspar de Brito Soares. Anexo ao seu inventário, (1717) Manuel Ferreira Couto. Anexo ao seu inventário, (1738) Pascoal da Gama. Anexo ao seu inventário, (1719) Paulo Rodrigues Durão. Anexo ao seu inventário, (1743) Pedro Frazão de Brito. Anexo ao seu inventário, (1722) Salvador Fernandes Furtado. Anexo ao seu inventário, (1725) Silvestre Álvares de Araújo. Anexo ao seu inventário, (1725)

2. Fontes impressas

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CARTAS patentes passadas por Dom Brás Baltazar da Silveira. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, volume 21, fasc. 3 e 4, julho/dezembro, 1927.p.583-629 CARTAS de sesmarias. Revista do Arquivo Público Mineiro. Ouro Preto: Imprensa Oficial de Minas Gerais, volume 2, fascículo 2, 1897. p. 257-269 INVENTÁRIO das cartas de sesmarias existentes nos códices do Arquivo Público Mineiro - Letras M – Z. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, volume 37, 1988. TESTAMENTO de Bento Fernandes Furtado. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, volume 8, 1903, Fascículo 1 e 2, p. 305-313. REGISTRO de diversas cartas, patentes, ordens e bandos do governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho (1711). VEIGA, José Pedro Xavier da. Revista do Arquivo Público Mineiro. Ouro Preto: Imprensa Oficial de Minas Gerais, Ano II, Fasc. 4, out./dez 1897.p. 777-796 REGISTRO de diversas Cartas patentes concedidas por Dom Brás Baltazar da Silveira. Revista do Arquivo Público Mineiro. Ouro Preto: Imprensa Oficial de Minas Gerais, Volume 3, 1898. p. 101-109. TRANSCRIÇÃO da 1ª parte do códice 23 seção colonial. Registro de alvarás, cartas, ordens régias e cartas do governador ao rei - 1721 – 1731. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, volume 30, 1979. TRANSCRIÇÃO da 2ª parte do códice 23 seção colonial. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, volume 31, 1980. P. 261-267 3. Fontes digitais BOSCHI, Caio C. (org.).Inventário dos Manuscritos Avulsos Relativos a Minas Gerais existentes no Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1998. Volumes 1, 2 e 3 e 54 Cds relativos a Capitania das Minas Gerais. * Documentos AHU, MG, caixa 2, documentos 25. Carta emitida pelo Conselho Ultramarino com parecer sobre as solicitações de João Ferreira Tavares, Lisboa, 23 de outubro de 1719. AHU, MG, caixa 2, documento 35. Petição enviada por João Ferreira Tavares ao rei de Portugal Dom João V, ano de 1730.

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AHU, MG, caixa 2, documento 34. Petição enviada por João Ferreira Tavares ao rei Dom João V, Vila do Ribeirão do Carmo, 08 de dezembro de 1720. AHU, MG, caixa 9, documento 45. Carta patente emitida pelo governador Dom Lourenço de Almeida a João Ferreira dos Santos, Vila do Ribeirão do Carmo, 05 de maio de 1724. Carta enviada ao rei Dom João V pela Câmara de Vila da Nova Rainha a favor de João Ferreira dos Santos, Vila Nova da Rainha, 16 de setembro de 1724. AHU, MG, caixa 10, documento 11. Carta de sesmaria emitida pelo governador Dom Brás Baltazar da Silveira a Domingos Dias da Silva, Vila Rica, 16 de agosto de 1718. AHU, MG, caixa 10, documento 55. Carta do governador Dom Lourenço de Almeida ao rei de Portugal relatando a condição dos Contratos dos Caminhos Novo e Velho das Minas Gerais, Vila do Ribeirão do Carmo, 23 de abril de 1727. AHU, MG, caixa 14, documento 44. Representação dos oficiais da Câmara da Vila de São João Del Rei enviada ao rei Dom João V, Vila de São João Del Rei, 09 de setembro de 1729. AHU, MG, caixa 14, documento 67. Certidão emitida pelo governador Dom Lourenço de Almeida comprovando os serviços prestados por Sebastião Barbosa do Prado nas Minas, Vila Rica, 26 de outubro de 1721. Petição enviada por Sebastião Barbosa do Prado ao rei Dom João V discriminando todos os serviços prestados a Coroa, Vila Rica, 23 de julho de 1729. AHU, MG, Caixa 16, documento 47. Carta patente emitida pelo governador Dom Lourenço de Almeida a Manuel das Neves Ribeiro, Vila do Ribeirão do Carmo, 22 de julho de 1729. AHU, MG, Caixa 17, documento 31. Carta patente emitida pelo governador Gomes Freire de Andrada a Manuel das Neves Ribeiro, Vila Rica, 17 de novembro de 1735. AHU, MG, caixa 17, documento 57. Parecer do governador Dom Pedro de Almeida sobre o reduto construído por João Ferreira Tavares para vedar o contrabando de ouro no Rio das Velhas, Lisboa, 17 de dezembro de 1730. AHU, MG, caixa 18, documento 16. Parecer do Conselho Ultramarino sobre João Ferreira Tavares, Lisboa Ocidental, 23 de fevereiro de 1731. Parecer do Conselho Ultramarino sobre os serviços prestados por João Ferreira Tavares e Felix de Azevedo Carneiro e Cunha nas Minas. Concessão do posto de mestre-de-campo “ad honorem” aos dois suplicantes citados, Lisboa, 22 de fevereiro de 1731. AHU, MG, caixa 21, documento 9. Carta patente emitida pelo governador Dom Pedro de Almeida a Francisco Ferreira de Sá, Vila do Carmo, fevereiro de 1718. Certidão enviada pelo ex-governador Dom Pedro de Almeida ao rei de Portugal confirmando os serviços prestados nas Minas por Francisco Ferreira de Sá, Lisboa 18 de março de 1732. AHU, MG, caixa 23, documento 6. Parecer do Juiz de Fora de Vila do Ribeirão do Carmo sobre as acusações contra João Ferreira Tavares e José Ferreira Gouveia, Vila do Ribeirão do Carmo, 26 de dezembro de 1722. Consulta do Conselho Ultramarino ao Juiz de Fora de Vila

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do Ribeirão do Carmo sobre as queixas dos moradores das Minas contra o tenente-general João Ferreira Tavares e seu irmão José Ferreira Gouveia, Lisboa, 20 de Maio de 1731. AHU, MG, caixa 31, documento 85. Petição enviada por José Martins Figueira ao rei Dom João V, Vila Rica, 29 de fevereiro de 1736. Petição enviada por José Martins Figueira ao rei Dom João V, Vila Rica, 19 de outubro de 1732. Certidão emitida pelo Doutor Antônio Berquó Del Rio comprovando os serviços prestados a Coroa por José Martins Figueira nas Minas, sem local e data. Certidão emitida pelo capitão da companhia de Dragões das Minas José Rodrigues de Oliveira comprovando os serviços prestados por José Martins Figueira nas Minas, Rio de Janeiro, 20 de agosto de 1719. Certidão emitida pelo governador Dom Pedro de Almeida comprovando os serviços prestados por José Martins Figueira nas Minas,Vila do Ribeirão Carmo, 16 de abril de 1720.Certidão emitida pelo governador Dom Lourenço de Almeida comprovando os serviços prestados por José Martins Figueira nas Minas, Vila do Ribeirão Carmo, 02 de abril de 1722.Certidão emitida pelo tenente de mestre-de-campo general das Minas Félix de Azevedo Carneiro e Cunha comprovando os serviços prestados por José Martins Figueira nas Minas, sem local e data. Certidão emitida pelo tenente de mestre-de-campo general das Minas João Ferreira Tavares atestando os bons serviços prestados por José Martins Figueira nas Minas, Vila do Ribeirão Carmo, 10 de abril de 1724. AHU, MG, Caixa 35, documento 83. Requerimento enviado por Manuel das Neves Ribeiro ao rei de Portugal solicitando a confirmação da patente de capitão, Vila de Sabará, 02 de junho de 1738. AHU, MG, caixa 37, documento 46. Petição enviada por João Ferreira do Santos solicitando confirmação da sesmaria do sítio do sumidouro, Vila de Sabará, 20 de maio de 1739. AHU, MG, caixa 43, documento 20. Carta de sesmaria emitida pelo governador Gomes Freire de Andrada referente ao sítio do Confisco, Vila Rica, 15 de fevereiro 1740. AHU, MG, caixa 43, documento 43. Carta de sesmaria emitida pelo governador Gomes Freire de Andrada referente ao sítio de Bento Pires, Vila Rica, 13 de março de 1740. Confirmação das sesmarias do sítio do Confisco e de Bento Pires, Lisboa 11 de março de 1743.

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4. Livros, artigos, teses e dissertações

ANDRADE, Francisco Eduardo. A Invenção das Minas Gerais: empresas, descobrimentos e entradas nos sertões do ouro (1680-1822). São Paulo: USP, 2002. (Tese de doutorado) ANDRADE, Francisco Eduardo. Espaço econômico agrário e exteriorização colonial: Mariana das Gerais nos séculos XVIII e XIX. In. Termo de Mariana: História e documentação. Mariana: Imprensa Oficial da Universidade de Ouro Preto, 1998. ANDRADE, Francisco Eduardo. A administração das Minas do Ouro e a periferia do poder. In. PAIVA, Eduardo França (org.). Brasil-Portugal: sociedades, culturas e formas de governar no mundo português (séculos XVI-XVIII). São Paulo: Annablume, 2006. ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Homens ricos, homens bons: produção e hierarquização social em Minas colonial: 1750-1822. Niterói: Departamento de Pós- Graduação em História da UFF, 2001. (Tese de Doutorado) ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Ricos e pobres em Minas setecentista: a sociedade colonial polarizada. Oficina da Inconfidência Revista de Trabalho, Ouro Preto, v. 3, p. 119-159, 2004. BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico-geográfico de Minas Gerais. 2 ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1995. BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder: irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986. BOTELHO, Ângela Vianna, ROMEIRO, Adriana. Dicionário Histórico da Minas Gerais: período colonial. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil: dores do crescimento de uma sociedade colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. COELHO, José João Teixeira. Do Quinto do Ouro e das diversas formas de sua cobrança. In: CARXIDE, Visconde. O Brasil na administração pombalina: economia e política externa. São Paulo, Rio de Janeiro, 1940. CANABRAVA, Alice Piffer. Decadência e Riqueza. In. Revista de História. São Paulo, vol 50. Tomo I, número 10, 1974. CHAVES, Cláudia Maria das Graças. Perfeitos negociantes: mercadores das minas setecentistas. São Paulo: Annablume, 1999. CARRARA, Ângelo Alves. Minas e currais; produção rural e mercado interno de Minas Gerais, 1674-1808. Rio de Janeiro: IFCS/ UFRJ, 1997. (Tese de doutorado)

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COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império lusitano: uma análise do perfil das chefias militares dos corpos de ordenança e de suas estratégias na construção de sua autoridade. Vila Rica (1735-1777). Rio de Janeiro: departamento de pós-graduação em História da UFRJ, 2006. (dissertação de mestrado). COTTA, Francis Albert. No Rastro dos Dragões: políticas da ordem e o universo militar nas Minas Setecentistas. Belo Horizonte: Departamento de Pós-graduação em História FAFICH/ UFMG, 2004. (Tese de doutorado) CZECHOWSKY, Nicole (org.). A Honra: imagem de si ou o dom de si – um ideal equívoco. Porto Alegre: L e PM, 1992. FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. FERREIRA, Luís Gomes. Erário Mineral. Belo Horizonte: Centro de Memória da Medicina, 1997. FILHO, Miguel Costa. A Cana de açúcar em Minas Gerais. Rio de Janeiro: Instituto do Açúcar e do Álcool, 1963. FONSECA, Thais Nivia de Lima e. Segundo a qualidade de suas pessoas e fazenda – estratégias educativas na sociedade mineira colonial. Revista Varia História. Departamento de Pós-Graduação em História da UFMG, vol 22, número 35, 2006. FRAGOSO, João. A nobreza vive em bandos: a economia política das melhores famílias da terra do Rio de Janeiro, século XVIII: Algumas notas de pesquisa. Revista Tempo, número 15, Rio de Janeiro, Julho de 2003. p. 11- 35. FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda, GOUVEA, Maria de Fátima (org.). O Antigo Regime nos trópicos: A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio: a interiorização da Metrópole e do comércio nas Minas setecentistas. São Paulo: Hucitec, 1999. FURTADO, Júnia Ferreira, VENÂNCIO, Renato Pinto. Comerciantes, tratantes e mascates. In. PRIORE, Mary Del (org.). Revisão do Paraíso: 500 anos e continuamos os mesmos. Rio de Janeiro: campus, 2000. GODOY, Marcelo Magalhães. No país das Minas de Ouro a paisagem vertia engenhos de cana e casas de negócio: um estudo das atividades agroaçucareiras tradicionais mineiras, entre o setecentos e o novecentos, e do complexo mercantil da província de Minas Gerais. São Paulo: Departamento de Pós-Graduação em História/USP, 2004. (Tese de doutorado). GROSSI, Ramon Fernandes. O “Dar o seu a cada um”: demandas por honras, mercês e privilégios na Capitania das Minas (1750-1808). Belo Horizonte: Departamento de Pós-graduação de História da UFMG, 2005. (Tese de doutorado)

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