UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS UNIVERSIDADE …£o Final... · agradeço por fortalecer em...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS
YASMIN RODRIGUES ANTONIETTI
“EU JÁ FUI ARRANCADO DE VÁRIOS LUGARES. ARRANCADO.
E AINDA TENHO UM PEDACINHO E PARA EU SAIR DE LÁ EU
VOU TER QUE SAIR ARRANCADO TAMBÉM” Extrahección e Resistência em Conceição do Mato Dentro (MG)
Montes Claros
2019
YASMIN RODRIGUES ANTONIETTI
“EU JÁ FUI ARRANCADO DE VÁRIOS LUGARES. ARRANCADO.
E AINDA TENHO UM PEDACINHO E PARA EU SAIR DE LÁ EU
VOU TER QUE SAIR ARRANCADO TAMBÉM” Extrahección e Resistência em Conceição do Mato Dentro (MG)
Dissertação apresentada às Universidades
Federal de Minas Gerais e Universidade
Estadual de Montes Claros, como parte
das exigências para a obtenção do título
de mestre em Sociedade, Ambiente e
Território.
Área de Concentração: Sociedade e
Ambiente
Orientador: Prof. Dr. Rômulo Soares
Barbosa
Montes Claros
2019
YASMIN RODRIGUES ANTONIETTI
“EU JÁ FUI ARRANCADO DE VÁRIOS LUGARES. ARRANCADO.
E AINDA TENHO UM PEDACINHO E PARA EU SAIR DE LÁ EU
VOU TER QUE SAIR ARRANCADO TAMBÉM” Extrahección e Resistência em Conceição do Mato Dentro (MG)
Dissertação apresentada às Universidades
Federal de Minas Gerais e Universidade
Estadual de Montes Claros, como parte
das exigências para a obtenção do título
de mestre em Sociedade, Ambiente e
Território.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. Dr. Rômulo Soares Barbosa
UNIMONTES
________________________________________
Profª. Drª Ana Flávia Moreira Santos
Departamento de Antropologia - UFMG
________________________________________
Profª. Drª Andréa Maria Narciso Rocha de Paula
PPGDS/PPGSAT - UNIMONTES
Montes Claros, 29 de julho de 2019
À Luzia, Joel e todos os atingidos pelo empreendimento Minas-Rio
AGRADECIMENTOS
O trabalho, apesar de monográfico, esconde a impossibilidade de sua concretude
através de um esforço exclusivamente individual. A construção desta dissertação
envolveu processos que perpassaram desde a minha mudança para Montes Claros às
inúmeras dificuldades encontradas pelo caminho. Sendo assim, não poderia agradecer
somente as pessoas diretamente envolvidas no projeto, mas todos que estiveram ao meu
lado em sua construção.
O primeiro agradecimento é destinado a todos os atingidos pelo empreendimento
Minas-Rio que, desde o dia que passei a acompanhar o caso, mudaram o modo como eu
vejo e encaro a vida. Vocês me ajudaram a definir força, coragem e luta. Nunca serei
capaz de retribuir a todos altura os cafés, o teto, a comida e a sabedoria compartilhadas
durante todo o tempo que passei com vocês. À Patrícia, Júnior e Teca, fontes inesgotáveis
de energia, agradeço pela disponibilidade, pelo ouvido atento, pelas conversas e por
dividirem comigo um pouco da imensa força que vocês carregam dentro de vocês.
Agradeço à minha mãe, a quem tudo devo e para quem dedico não só essa
conquista, mas todas as coisas boas que eu possa vir a fazer. À toda minha família, na
pessoa da minha amada avó Jorgina que, mesmo sem entender o porquê de estudar mais
dois anos, sempre me apoiaram em tudo.
Agradeço imensamente o meu orientador Prof. Dr. Rômulo Barbosa, que além do
acompanhamento atento do desenvolvimento da pesquisa e do exemplo de
profissionalismo e dedicação, me deu todo o suporte emocional necessário para vencer
todas as etapas impostas por esse processo.
Nesse mesmo sentido, não poderia deixar de agradecer à Profª Drª Andréa
Narciso, por aceitar fazer parte desta banca e por, juntamente com as Profªas Drªs Felisa
Anaya e Ana Thé, serem exemplos de mulheres guerreiras com quem tenho uma dívida
eterna por todo o carinho, por me fazerem me sentir em casa e, sobretudo, por serem
verdadeiras inspirações não só acadêmicas, mas também pessoais.
À querida Profª Drª Ana Flávia Santos que, para além do pronto aceite para
composição da banca, foi quem esteve ao meu lado em todos os anos da pesquisa,
agradeço por fortalecer em mim o amor pela antropologia e por ter dividido comigo, com
tanta generosidade, seu conhecimento, os caminhos da profissão, o dia a dia, angústias e
momentos de muita alegria. Obrigada, de coração, por todas as oportunidades
compartilhadas em todos esses anos. Concluir essa etapa com você faz ser ainda mais
especial.
Às Profªs Drªs Andrea Zhouri e Raquel Oliveira por terem me permitido viver o
GESTA, por terem acompanhado toda minha trajetória desde a graduação e por terem
despertado em mim o amor pela pesquisa e pela extensão.
Um obrigada gigante aos amigos do GESTA: Carlos, Ilklyn, Lívia, Luciana, Mary,
Matheus e Tales. À Luciana e Clarissa, agradeço não apenas por dividirem comigo as
angústias, as reflexões, os campos e as alegrias, mas por permitir que caminhássemos
lado a lado na vida.
Ao William, pela paciência, pelo coração gigante e por sempre nos conduzir com
segurança.
Ao meu companheiro, Yan, pela compreensão, pelo apoio, pelo amor e por sempre
acreditar em mim.
Aos amigos do PPGSAT e de Montes Claros: Adinei, Bruna, Emanuella, Géssica,
Bia, Emília, Greiciele, Patrícia, Lunna, Túlio e aos meus amores Michel, Guilherme e
Erika, por fazerem a mudança ser mais leve e por se tornarem minha família no tempo
em que aí estive.
Aos amigos da vida, Amanda, Arnaldo, Cássio, Cissa, Dário, Giulia, Ivan, Luisa,
Magno, Pedro, Roberto, Rosa e Wallisson, meu muito obrigada pelo amparo e por sempre
ouvirem atentos todos os relatos que eu sempre trazia dos campos e por compreenderem
minhas ausências. Ao Otávio, pela atenção, pelas conversas na madrugada, por me
acalmar nos desesperos, por me socorrer e por ser o primeiro leitor de tudo que eu escrevo.
Ao meu mestre Gil, por me fortalecer física e mentalmente dentro e fora do tatame.
À Tia Elaine e Léo, meus alicerces, obrigada por abrirem os caminhos da pesquisa
e despertarem em mim o amor pela vida acadêmica.
À FAPEMIG, pela bolsa de mestrado que possibilitou o desenvolvimento deste
trabalho.
RESUMO
ANTONIETTI, Yasmin. “Eu já fui arrancado de vários lugares. ARRANCADO. E
ainda tenho um pedacinho e para eu sair de lá eu vou ter que sair arrancado
também”: Extrahección e Resistência em Conceição do Mato Dentro (MG). 2019. 140
f. Dissertação (Mestrado em Sociedade, Ambiente e Território). Instituto de Ciências
Agrárias, Universidade Federal de Minas Gerais, Montes Claros, MG, 2019
A chegada e instalação de um grande projeto minerário, o empreendimento Minas-Rio,
em Conceição do Mato Dentro (MG), resultou em transformações permanentes e
profundas na vida, morada e trabalho das diversas comunidades rurais presentes no
município. Nesse sentido, o objetivo principal do presente trabalho é compreender quais
foram as estratégias do empreendedor no que tange a aquisição de terras, assim como
seus efeitos sobre os atingidos, partindo do cenário macro da adoção de um modelo de
desenvolvimento neoextrativista pela maioria dos países da América do Sul à reprodução
de processos expropriatórios em níveis locais e seus efeitos multidimensionais. A
reflexão, realizada através de metodologias qualitativas e quantitativas, no primeiro
momento, se dá a partir das disputas em torno das diferentes formas de apropriação do
espaço para que, na sequência, seja analisado o caso específico do empreendimento
Minas-Rio em Conceição do Mato Dentro, caracterizando, historicamente, as estratégias
de aquisição de terras adotadas pela mineradora, as disputas entre diferentes atores
durante o processo de licenciamento ambiental e seus efeitos sobre os modos de vida e
ocupação da região. Dessa forma, se destacaram estratégias como a utilização de empresa
laranja para a redução de preços, o não reconhecimento do universo de atingidos, pressões
sobre grupos e famílias, fragilização de laços familiares e entre vizinhos, desconsideração
e, por vezes, negação das formas tradicionais de apropriação do território gerando um
conflito de amplas proporções.
Palavras-chave: mineração; Anglo American; neoextrativismo; territorialidade;
atingidos; MG
ABSTRACT
ANTONIETTI, Yasmin. “Eu já fui arrancado de vários lugares. ARRANCADO. E
ainda tenho um pedacinho e para eu sair de lá eu vou ter que sair arrancado
também”: Extrahección e Resistência em Conceição do Mato Dentro (MG). 2019. 140
f. Dissertação (Mestrado em Sociedade, Ambiente e Território). Instituto de Ciências
Agrárias, Universidade Federal de Minas Gerais, Montes Claros, MG, 2019
The arrival and installation of a large mining project, the Minas-Rio, in Conceição do
Mato Dentro (MG), resulted in permanent and deep changes in the life, dwelling and work
of many rural communities present in the municipality. In this sense, the main objective
of the present work is to understand the entrepreneur's strategies regarding the acquisition
of land, as well as its effects on those affected, starting from the macro scenario of the
adoption of a neo-extractive development model by most South American countries to
the reproduction of expropriatory processes at local levels and their multidimensional
effects. The reflection, made through qualitative and quantitative methodologies, in the
first moment, starts from the disputes around the different forms of appropriation of space
so that, afterwards, the specific case of the Minas-Rio in Conceição do Mato Dentro,
analyzing and characterizing, historically, the strategies of land acquisition adopted by
the mining company, the dispute between different actors during the environmental
licensing process and their effects on the livelihoods and occupation of the region.
Therefore, strategies such as the use of an orange company to reduce prices, non-
recognition of the universe of the affected people, pressures on groups and families,
weakening of family and neighboring ties, disregard and sometimes negation of
traditional forms were highlighted resulting in a conflict of large proportions.
Keywords: mining; Anglo American; neoextrativism; territoriality; MG
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1- Principais destinos do minério de ferro brasileiro ......................................... 58
Figura 2- Mapa do Complexo Industrial Minas-Rio, traçado do mineroduto ............... 66
Figura 3- Linha do tempo Licenciamento do empreendimento Minas-Rio .................. 67
Figura 4- Instrumento Particular de Promessa de Compra e venda da Fazenda Passa
Sete ................................................................................................................................. 73
Figura 5- Contrato Particular de Comodato de Imóvel Rural firmado entre a empresa
Borba Gato Agropastoril e a Anglo Ferrous Minas-Rio................................................. 74
Figura 6- Mapa das comunidades atingidas pelo projeto Minas-Rio de acordo com o
Relatório da Diversus (2011) .......................................................................................... 86
Figura 7- Mudas de D. Luzia, preparadas para a mudança da família ........................ 117
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1- Exportação Brasileira por fator agregado (%) ............................................. 48
Gráfico 2- Produto Interno Bruto brasileiro (2015) ....................................................... 55
Gráfico 3 - Produção Mineral Brasileira ....................................................................... 56
Gráfico 4 - Extração de Minério de Ferro vs Preço do Minério no mercado
internacional ................................................................................................................... 56
Gráfico 5- Distribuição percentual das substâncias minerais nas exportações brasileiras
em 2018 em dólares ........................................................................................................ 57
Gráfico 6- Quantidade de Vínculos CLT Indústria Extrativa Mineral .......................... 60
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e Porcentagem de pessoas vivendo
abaixo da linha da pobreza nas principais economias extrativistas na América Latina . 59
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADA - Área Diretamente Afetada
AI-5 - Ato Institucional nº 5
AID - Área de Influência Direta
ALMG - Assembleia Legislativa de Minas Gerais
CFEM - Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais
CIMOS - Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social
CLT - Consolidação das Leis do Trabalho
CMI - Câmara de Atividades Minerárias
CONAMA - Conselho Nacional de Meio Ambiente
COPAM - Conselho Estadual de Política Ambiental
DNPM - Departamento Nacional de Produção Mineral
EIA - Estudos de Impacto Ambiental
FETAEMG - Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais
Fórum CMD - Fórum de Desenvolvimento Sustentável de Conceição do Mato Dentro
GESTA - Grupo de Estudos e Temáticas Ambientais
IBAMA - Instituto de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBRAM - Instituto Brasileiro de Mineração
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
LI - Licença de Instalação
LO - Licença De Operação
LP - Licença Prévia
MPE – Ministério Público Estadual
MPF - Ministério Público FEDERAL
ONG’s - Organizações Não Governamentais
ONU - Organização das Nações Unidas
PIB - Produto Interno Bruto
PNF - Plano de Negociação Fundiária
PNO – Plano de Negociação Opcional
PU - Parecer Único
RAIS - Relação Anual de Informações Sociais
REAJA – Rede de Articulação e Justiça Ambiental dos Atingidos pelo Projeto Minas-
Rio
REASA - Rede de Acompanhamento Socioambiental
RIMA - Relatórios de Impacto Ambiental
SEMAD - Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
SISEMA - Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos
SUPRAM - Superintendência Regional de Regularização Ambiental
TAC - Termo de Ajustamento de Conduta
UNCTAD - Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento
URC - Unidade Regional Colegiada
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 14
A pesquisa e seus dados .............................................................................................. 17
Os capítulos ................................................................................................................. 21
CAPÍTULO 1 - “A terra é minha mãe, porque criou a minha tataravó, minha bisavó, meus
avós, meu pai, cria eu e vai criar resto da família”: Disputas entre as noções de
propriedade privada e de território ......................................................................................... 23
1.1 A construção da lógica da propriedade privada .................................................... 26
1.2 A construção jurídico-formal das leis de terra no Brasil ...................................... 30
1.3 A lei de terras ........................................................................................................ 33
1.4 A questão da propriedade nas constituições da república brasileira ..................... 35
1.5 Da terra ao território e à territorialidade ............................................................... 38
1.6 Territorialidades: formas coletivas de apropriação e uso da terra”....................... 40
CAPÍTULO 2 - “Depois que a Anglo chegou, só atrapalhou, só piorou, nós não tivemos
sucesso de nada. Você vê que nem emprego meus meninos não têm, né?”:
Neoextrativismo e efeitos multidimensionais ....................................................................... 46
2.1 O cenário da mineração no Brasil ......................................................................... 54
2.2 Neoextrativismo e efeitos derrame: a flexibilização do licenciamento ambiental 61
CAPÍTULO 3 - “Aí as licenças vão saindo, vai andando, vai um passo e quando você vai
vendo vai tomando aquela dimensão. Ali você já não pode entrar mais, ali a Anglo
comprou, ali ela fechou.”: A questão fundiária no processo de licenciamento do
empreendimento Minas-Rio .................................................................................................... 65
3.1 O empreendimento ................................................................................................ 65
3.2 O ser ou não atingido: questões fundiárias e denúncias recorrentes ..................... 68
3.3 Práticas Cotidianas da empresa em relação ao território ...................................... 72
CAPÍTULO 4 -“Eu já fui arrancado de vários lugares. ARRANCADO. E ainda tenho um
pedacinho e para eu sair de lá eu vou ter que sair arrancado também.”: Planos de
Negociação Fundiária, narrativas de Extrahección e resistência ....................................... 97
4.1 Atuais contornos do licenciamento ambiental: o plano de negociação opcional .. 98
4.2 Caracterização das famílias e do lugar: a vida antes da chegada da empresa..... 102
4.3 Algumas estratégias de aquisição de terras que não respeitavam o PNF ........... 106
4.4 A fragilização dos laços familiares e das relações comunitárias ........................ 110
4.5 Violações de propriedades e do direito de ir e vir .............................................. 118
4.6 Estratégias de intimidação .................................................................................. 119
4.7 A desmobilização produtiva ............................................................................... 119
4.8 Dois diferentes casos de violência: a expropriação via servidão minerária e o
reconhecimento sem o reassentamento ..................................................................... 121
4.9 A continuação da luta.......................................................................................... 123
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 125
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 129
ANEXOS ................................................................................................................................. 137
14
INTRODUÇÃO
Eram quase dez horas da noite quando Sr. Joel veio me encontrar para
conversarmos sobre o meu trabalho. Não era a primeira vez que nos encontrávamos neste
horário, afinal, a vida na roça ocupa a maior parte do seu dia. Ele não me deu explicações
sobre o porquê de vir tão tarde, mas eu já sabia: no dia anterior passamos parte da tarde e
toda a noite em uma reunião na comunidade vizinha, o Jassém, discutindo, mais uma vez,
sobre o ser ou não atingido com a empresa. Eu sabia a dificuldade de encontrar Sr. Joel
na sua nova casa, já acompanho as diversas tentativas de intimidação que ele vem
sofrendo desde as primeiras denúncias à MMX, ainda em 2008 e, por isso, decidi passar
a semana com D. Luzia até o momento em que ele se sentisse à vontade para falar comigo.
O medo e a mudança compulsória de território se somam a incontáveis outros efeitos do
empreendimento sobre pequenos agricultores como Sr. Joel e D. Luzia que tiveram suas
vidas e suas dinâmicas sociais expropriadas desde a chegada da mineração.
___
Entre os anos de 2006 e 2008, aproximadamente vinte e duas comunidades
localizadas nos municípios de Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim e Alvorada de
Minas viram seus modos de ser, fazer e viver serem profunda e permanentemente
modificados a partir da chegada de uma grande companhia de mineração, à época, MXX.
A partir de uma pesquisa qualitativa concentrada nas comunidades rurais desses
municípios, descrevo alguns dos efeitos do empreendimento sobre os atingidos, através
da análise dos conflitos ambientais territoriais desencadeados na região.
O empreendimento Minas-Rio, da mineradora Anglo American, é um grande
complexo minerário que envolve uma lavra a céu aberto, uma usina de beneficiamento
de minério de ferro e um complexo industrial-portuário. A produção de minério de ferro
do Minas-Rio, hoje em processo de ramp-up, pretende atingir a meta de produção de 29,1
milhões de toneladas por ano de minério de ferro, para abastecimento do mercado
exterior. Esse minério é transportado de sua cava, em Conceição do Mato Dentro (MG)
até São João da Barra (RJ), passando por trinta e três municípios. Além disso, o
empreendimento conta com estruturas associadas tais como uma linha independente de
transmissão de energia, na cidade de Itabira, e uma adutora de água, cuja captação se dá
no Rio do Peixe (Bacia do Rio Doce), no município de Dom Joaquim, além de
15
compreender o maior mineroduto do mundo, com 529 km de extensão. A licença de
operação da cava da mina, concomitante à barragem de rejeitos e a planta de
beneficiamento, foi concedida em 2014, seguida pelo processo de licença de otimização
do projeto (“Step 2”) em 2015 e licença de expansão da cava da mina (“Step 3”) em
dezembro de 2018. O processo de licenciamento e o tratamento da área afetada pelo
empreendimento são responsáveis por efeitos e transformações profundas na vida local,
tais como a devastação de ecossistemas protegidos e o desmantelamento de comunidades
e territórios de ocupação tradicional, deflagrando um conflito de amplas proporções.
A zona rural onde estão localizadas a cava da mina, as usinas de beneficiamento
e a barragem de rejeitos, na porção oriental da Serra do Espinhaço, se caracteriza pela
grandeza de seu patrimônio histórico e natural. O arraial, que originou o município do
Serro e que estimulou a ocupação da região se deu, sobretudo, depois da descoberta das
minas de Serro Frio por bandeirantes que passavam pela região. Com o passar dos anos e
novas descobertas de jazidas, o Serro passou a ser, até o século XVIII, um dos principais
polos de exportação de ouro no Norte de Minas (BARBOSA, 1995). Em 1702, uma nova
bandeira encontra ouro em Itapanhoacanga, o que contribuiu para o surgimento dos
arraiais de Córregos, Morro do Pilar, Tapera e Conceição (COSTA, 1975).
Conceição do Mato Dentro nasce, portanto, da exploração aurífera, em um
processo de conformação econômica e social que se deu pela mescla da presença de
portugueses, brasileiros e africanos de diversas origens (GESTA et al, 2018). Com a
decadência da exploração de ouro, no fim do século XVIII e início do século XIX, a
região passou por intensas transformações econômicas e sociais. O ouro cedeu, então,
lugar às atividades agrícolas, pecuárias e de comércio. A partir da desintegração do
sistema escravista, a ocupação da região se conformou, portanto, a partir de um
campesinato negro, composto por negros libertos ou fugitivos que se apropriaram do
território como trabalhadores livres, posseiros ou “meeiros” de terras (GESTA et al,
2018).
Dois séculos depois, a mineração retorna à região, inserida em novo processo
macro e complexo de reprimarização da economia, marcado pelo alto preço dos
commodities e pela intensificação da exportação de produtos primários com pouco ou
quase nenhum beneficiamento, através de um modelo de desenvolvimento denominado
neoextrativista.
A primazia da exportação de bens primários, mais que uma reforma econômica,
é acompanhada por mudanças profundas no que tangem aspectos territoriais, sociais,
16
culturais e políticos, principalmente ligados à intensificação dos conflitos sobre lógicas
de uso e apropriação do espaço divergentes. A indústria minerária é ilustrativa deste
cenário. Assistimos, nas últimas décadas, a uma reformulação do setor que, por meio da
adoção de novas tecnologias, tem permitido a exploração em larga escala de itabiritos
com baixo teor de ferro, expandindo as atividades para zonas antes não exploradas, como
o caso da zona rural de Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas. Essa expansão
é responsável pela deflagração de inúmeros conflitos ambientais que envolvem disputas
territoriais, processos expropriatórios, alteração do ambiente e comprometimento de
modos de vida e reprodução de diversas comunidades.
A zona rural supracitada é caracterizada pela presença de grandes fazendas e terras
tradicionalmente ocupadas por famílias de antiga presença local que compõem um
campesinato afrodescendente que se mantêm a partir da agricultura de subsistência e por
plantios complementares, na meia ou na terça, nas fazendas da região (CARVALHOSA,
2016). As famílias vivem em comunidades diversas com regimes possessórios próprios,
através do uso tradicional e comum da terra (ALMEIDA, 2004). Os moradores que se
encontram na área contínua à cava da mina vivenciam inúmeros efeitos, de modo
cumulativo, que alteram, permanente e profundamente, o modo de vida local desde a fase
de prospecção, em 2006, quando foram feitas as primeiras denúncias e relatos de
violações de direitos humanos e ambientais, antes mesmo da primeira licença ambiental
ter sido concedida (LEITE, 2016).
A chegada do empreendimento Minas-Rio e o confronto entre diferentes lógicas
de apropriação do território resultou, portanto, em diversas perdas materiais e simbólicas
através da imposição de um entendimento único e excludente da noção de território que,
segundo a lógica da empresa, é um recurso a ser explorado, homogeneizando o espaço e
as diversas formas de viver e fazer historicamente construídas na região.
Dessa forma, o trabalho em tela teve como objetivo compreender quais foram as
estratégias da MMX/Anglo American no que tange à aquisição de terras pela empresa,
assim como seus efeitos sobre os atingidos, partindo do cenário macro da adoção de um
modelo de desenvolvimento neoextrativista pela maioria dos países da América do Sul e
sua materialização em processos expropriatórios à níveis locais, assim como seus efeitos
multidimensionais.
17
A pesquisa e seus dados
Antes de adentrar propriamente na metodologia do presente trabalho, faz-se
necessário destacar que a pesquisa desenvolvida esteve intimamente ligada à minha
inserção no Grupo de Estudos e Temáticas Ambientais (GESTA/UFMG), espaço onde as
atividades de pesquisa e extensão foram as bases das experiências e reflexões que busco
trazer nos capítulos subsequentes, através da articulação entre as práticas acadêmicas e,
também, políticas. Nesse sentido, a partir de 2013, passei a acompanhar o processo de
licenciamento do empreendimento Minas-Rio, momento em que pude ter contato com a
realidade do município e com os moradores. Aproximação aprofundada com a aprovação
do projeto “Poder, território e conflito: processos de territorialização e mineração em
Conceição do Mato Dentro (MG)”. A partir da inserção no projeto, do qual um dos
resultados se concretizou em minha monografia de graduação1, foi possível acompanhar
mais de perto a trajetória de luta e resistência dos moradores, abrindo inúmeras
possibilidades de pesquisa, dado o maior contato com o caso e com os seus
desdobramentos ao longo do tempo. Nesse sentido, um dos grandes interesses
despertados em mim esteve relacionado à questão fundiária da região.
Desde os primeiros campos, das primeiras entrevistas ou mesmo do
acompanhamento de reuniões, notei que uma das questões cruciais colocadas pelos
atingidos, enquanto efeitos da chegada do empreendimento, está no modo como são
conduzidas as aquisições de terra e a lógica por trás desta operação. A racionalidade da
empresa, pautada pela propriedade privada, nega a existência de territórios nos quais os
moradores se reproduzem socialmente através de lógicas próprias. Essa inquietação
tornou-se mais evidente a partir de reunião realizada com a Subdefensora Pública Geral
Drª Ana Cláudia Silva, em 2016, na qual foram discutidos os contratos de compra e venda
de terras propostos pela Anglo American, as noções do Direito em relação à posse e o
caráter patrimonialista e privado das leis de garantia à terra, que não incorporam
diferentes lógicas de uso e apropriação do território.
Assim, considerando o percurso por mim desenvolvido e as relações estabelecidas
nas comunidades atingidas pelo empreendimento ao longo dos últimos seis anos; a
1 ANTONIETTI, Yasmin Rodrigues. Da resistência cotidiana à mobilização: uma análise da trajetória de
São José do Jassém frente à mineração. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências
Socioambientais) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.
18
gravidade e a representatividade do caso Minas-Rio no contexto de expansão das
atividades minerárias e as diversas iniciativas de flexibilização das leis e normas
ambientais; busquei, por meio do presente trabalho, dar continuidade ao trabalho iniciado
na graduação com o objetivo de, a partir de casos concretos, evidenciar modos de vida e
apropriação do território marginalizados ao longo do licenciamento do projeto Minas-
Rio; descrever as práticas comuns da empresa que, via de regra, são marcadas pela
violência; compreender como se desenvolveram os regimes possessórios na região;
descrever a luta e a resistência dos moradores frente às investidas da empresa e, por fim,
a construção de mais um elemento que possa ser utilizado pelos moradores de Conceição
do Mato Dentro enquanto ferramenta para a garantia de direitos.
Assim, considerando a proximidade com o caso e o percurso descrito, a construção
da metodologia utilizada foi um ponto de grande dedicação, uma vez que encontrei no
seu rigor o fator fundamental para a legitimação de todo o trabalho. Cardoso (1986) atenta
para o fato de que, no Brasil, a valorização do método qualitativo, após os anos 1970, não
foi acompanhado por discussões sobre a forma de se conhecer os dados. A superação do
paradigma positivista de neutralidade e objetividade do pesquisador, apesar de superada,
passou a ser justificada por razões políticas e não como um instrumento do conhecimento,
permanecendo, assim, o ideal de que um bom trabalho do pesquisador na coleta de dados
geraria resultados que falam por si mesmos. Portanto, é fundamental esclarecer, como
defendido pela autora, que um bom pesquisador em contextos de convivência com
minorias esteja de acordo com os discursos políticos e conceituais do grupo estudado,
contribuindo para que esse discurso possa acessar novos lugares, sendo o rigor
metodológico, a sistematização dos dados coletados em campo e o compromisso teórico,
os elementos que permitem o avanço de reproduções de relatos, de um texto romântico
e/ou ativista à um trabalho acadêmico de qualidade.
Nesse sentido, é importante esclarecer que ao longo dos últimos seis anos estive
muito presente no ambiente de realização da pesquisa, tornando impossível o não me
deixar tocar pelas inúmeras histórias de resistência presentes na região, ao mesmo tempo
que também despertou em mim grande revolta frente ao descaso do Estado e as violações
de direitos humanos e ambientais realizadas pela empresa. Nesse tempo, foram
construídas relações de amizade e confiança que me permitiram colocar em prática o
projeto de dissertação, considerando a sensibilidade das questões abordadas, mas que ao
mesmo tempo me permitiram compreender o cenário da região, moldaram minha
percepção. Cardoso (1986) defende que:
19
(...) o resgate da subjetividade como instrumento de trabalho não
deve ser justificativa para indefinição dos limites entre ciência e
ideologia e, portanto, não devem servir de desculpa para repor a
velha oposição entre verdade e mistificação. A relação
intersubjetiva não é o encontro de indivíduos autônomos e auto-
suficientes. É uma comunicação simbólica que repõe e supõe
processos básicos responsáveis pela criação de significados de
grupos. É neste encontro entre pessoas que se estranham e que
fazem um movimento de aproximação que se pode desvendar
sentidos ocultos e explicitar relações desconhecidas. (p.103)
Sendo assim, o método aparece, enquanto o elemento de controle da subjetividade
inerente à todas as relações sociais. Desta forma, pesquisa teve como recorte espacial as
comunidades rurais de Conceição do Mato Dentro (MG) afetadas pelo Minas-Rio,
considerando todo o período desde a chegada da empresa, tendo como interlocutor(es)
o(s) morador(es) que passaram por processos de “aquisição” fundiária. A execução do
projeto perpassou a compreensão das diferentes relações construídas entre os próprios
moradores, entre os moradores e o lugar, órgãos governamentais e empresa, exigindo,
assim, metodologias e técnicas que permitissem a captura dessas múltiplas dimensões.
Nesse sentido, considerando que o método deve se adequar ao objeto de estudo, optei pela
metodologia qualitativa, já que essa permite a compreensão de cenários complexos
enquanto fundamentais para construção do conhecimento (GÜNTER, 2006). Contudo,
para a análise de diversos dados e para aprofundamento teórico, principalmente do
contexto macro na qual essa dissertação se insere, se fez uso, também, de abordagens
qualitativas.
A pesquisa, descritiva, se pautou em um estudo de caso detalhado, com base em
análises desenvolvidas por Gluckman e Van Velsen (1987) denominadas extended case
method ou análises situacionais. Este tipo de abordagem tem como objetivo compreender,
através da análise de situações sociais, um contexto mais amplo das relações sociais.
Neste caso, através da análise do processo de aquisição de terras busquei tocar em valores
morais, formas de organização e partilha, herança, trabalho.
No campo da realidade, os efeitos e as causas não são apenas
interdependentes, como também cada evento causal, torna-se, por
sua vez, um efeito e cada evento é produzido por muitas causas e
produzem muitos efeitos. Por razões técnicas o antropólogo não
pode isolar os eventos para determinar suas relações necessárias e
os processos da causalidade (GLUCKMAN, 1987, p. 301)
A noção de situação também permitiu compreender os diferentes cenários vividos
pelos interlocutores, desde a vida antes da chegada do empreendimento até sua
20
implementação e operação e, também, as mudanças em torno da própria noção de
identidade, construída antes, durante e após esse processo.
A proposta da compreensão do contexto macro da mineração em Conceição do
Mato Dentro a partir de trajetórias individuais partiu da perspectiva teórica de Pierre
Bourdieu na qual as trajetórias aparecem como um dos elementos “do sistema explicativo
das práticas” (CATANI et al 2017, p.355). Segundo o autor, as diferentes variáveis na
trajetória dos indivíduos se constroem a partir de diferenças singulares, não apenas em
seu ponto de partida, mas também da influência do contexto social no qual esse indivíduo
está inserido, sendo, portanto, a singularidade dos indivíduos construída nas e pelas
relações sociais, simultaneamente. A trajetória se dá a partir da estrutura social na qual
habita esse indivíduo e também nos capitais por ele acumulados.
Assim, a partir do recorte espacial dado pelo universo das comunidades rurais
atingidas pelo empreendimento Minas-Rio em Conceição do Mato Dentro (MG) e,
considerando a complexidade do caso, estabeleci como unidade de análise dois “agentes-
chave” nesse processo, escolhidos a partir do conhecimento prévio do histórico de
resistência por eles apresentado. Os dois “agentes-chave” entrevistados foram um homem
e uma mulher, nascidos na zona rural do município e que, a partir de sua trajetória, podem
ser enquadrados na categoria que Brandão (2007, p.21) define como informantes
especialistas. Os informantes especialistas são aqueles que não só “produzem dados
populares com muita precisão como também são aqueles que entendem profundamente
da coisa”. Ambos passaram por processos de “aquisição” fundiária com a MMX/Anglo
American e estiveram engajados no movimento de resistência dos atingidos, possuindo,
assim, grande bagagem quanto ao modus operandi da empresa e os efeitos sobre os seus
modos de vida.
Dessa forma, a partir de entrevistas em profundidade, com uso de instrumentos
como o gravador, a ficha do informante e o caderno de campo, busquei fazer uma análise
dos aspectos concretos a nível do indivíduo que me permitissem captar os modos de vida
e reprodução no território antes da chegada da empresa, as mudanças a partir desse novo
ator, como e quais foram as estratégias de aquisição de terras pelo empreendedor e quais
seus desdobramentos nos modos de ser, fazer e viver dos interlocutores a fim de
compreender o contexto macro experenciado pelos demais atingidos.
Na transcrição dos relatos, optei pela correção de erros de português, tais como
concordância, regência e acentuação, para que se evite a desvalorização do discurso, mas,
ao mesmo tempo, mantive expressões próprias do entrevistado, com o cuidado de não se
21
perder os aspectos orais da narrativa e, em seguida, apresentei os textos aos interlocutores
para que fossem feitas as adequações necessárias. Acompanhando a prática da tradição
etnográfica de resguardar a privacidade do informante, foram utilizados, em todos os
casos, nomes fictícios (WEBER, 1996). É importante esclarecer, nesse momento que,
justamente a fim de resguardar a identidade dos informantes, já na versão final do
trabalho, optei por retirar grande parte dos relatos que substanciavam suas trajetórias.
Essa opção foi resultado de muita reflexão, já que busquei justamente compreender a
trajetória desses agentes, contudo, quanto mais informações e especificidades eu trazia
para o trabalho, mais eu tornava a identidade dos meus informantes acessíveis.
Considerando o contexto de violência e repressão intensificados não só em Conceição do
Mato Dentro, mas de uma forma geral em todo o Brasil, acredito que a confidencialidade
garantida aos meus interlocutores era fundamental, mesmo que comprometesse certa
parte da análise.
Ainda nesse sentido, os títulos dos capítulos, colocados no intuito de demonstrar
como as análises feitas por mim no decorrer do trabalho também são objeto de reflexão
dos meus entrevistados, foram retirados de momentos das entrevistas que foram poupados
da exposição, mas que eu senti a necessidade que, mesmo enxutos, aparecessem de
alguma forma em outros momentos, colocados, então, nos títulos dos quatro capítulos que
compõem a dissertação.
Por fim, mas não menos importante, com o objetivo de complementar os relatos
orais, fiz profundo levantamento e análise documental referentes ao processo de
aquisição de terras e licenciamento ambiental da MMX/Anglo American, tais como
diagnósticos técnicos, Estudos de Impacto Ambiental/Relatórios de Impacto Ambiental
(EIA/RIMA), Relatórios da empresa Diversus, e demais documentos produzidos pela
Superintendência Regional de Regularização Ambiental (SUPRAM Jequitinhonha);
Ministério Público (Estadual e Federal); Defensoria Pública, Anglo American e
documentos produzidos pelos próprios atingidos, além das atas das reuniões do processo
de licenciamento realizadas na Unidade Regional Colegiada (URC) Jequitinhonha.
Os capítulos
O trabalho foi dividido em quatro capítulos. No primeiro, através de autores como
Abreu (1997), Bourdieu (1989), Congost (2007), Martins (1986), Polanyi (2013), Santos
22
(1988), e Smith (1990), discuto a construção da ideia de propriedade privada e como o
conceito se constituiu e se tornou hegemônico no contexto brasileiro para, na sequência,
me pautando por autores como Diegues (2001), Almeida (2004), Cândido (1975),
Haesbaert (2004), Little (2002), Mendras (1978) e Soares (1981), discutir outras e
diferentes formas de apropriação do território, onde a terra expande o seu sentido e passa
a integrar elemento essencial da ordem moral na qual se constitui as bases camponesas,
transformando-se na condição da existência desses grupos e lugar concreto de sua
reprodução material, social e simbólica.
O segundo capítulo, resultado da articulação entre as teorias desenvolvidas por
autores como Acosta (2016), Bebbington (2011; 2015), Gudynas (2015;2016), Milanez
& Santos (2013), Svampa (2013) e Zhouri (2016), analiso o motor de um novo cenário
de expropriações e de embates entre diferentes formas de apropriação do território,
desenvolvidas no Capítulo 1, através de um processo macro e complexo de
reprimarização da economia fomentado pela adoção de um modelo de desenvolvimento
denominado neoextrativista e os seus efeitos multidimensionais, sobretudo, no Brasil.
O capítulo três é composto pela caracterização do empreendimento Minas-Rio e
pelo levantamento do licenciamento ambiental do complexo minerário, levando em
consideração o recorte fundiário metodologicamente estabelecido. Nesse sentido, busco
demonstrar qual foi o entendimento tanto da empresa quanto do Estado das categorias
atingido e território e as disputas sócio-políticas travadas com os atingidos por essas
definições.
Por fim, no capítulo quatro, através da análise das entrevistas com os dois
interlocutores, tive como objetivo trazer, com os relatos, como era a vida antes da chegada
da empresa, as relações familiares, o território, morada e trabalho e os efeitos do
empreendimento sobre essas dinâmicas conjugada à analise do campesinato brasileiro
realizada por autores como Woortmann (1990) e Woortmann, (1985). Através dos relatos
de expropriação almejei discutir as diversas violências praticadas contra os atingidos que
tiveram seu território em área de interesse da empresa e/ou que foram reconhecidos dentro
do processo de licenciamento, tentando demonstrar como, na prática, a noção de
propriedade privada, discutida no primeiro capítulo, se concretiza e se torna mais um
mecanismo de legitimação de violações.
23
CAPÍTULO 1
“A terra é minha mãe, porque criou a minha tataravó, minha bisavó,
meus avós, meu pai, cria eu e vai criar o resto da família”
Disputas entre as noções de propriedade privada e de território
A questão da terra e seu tratamento, assim como a construção do Direito
enquanto um campo de estudo e/ou como um sistema de normas e condutas, são temáticas
amplamente discutidas na literatura especializada. Desta forma, nos limites deste
capítulo, certamente, a abordagem de ambos os temas em toda sua complexidade, correm
o risco de reducionismos e generalizações. Portanto, o objetivo é construir um caminho
que nos permita perceber que existem diferentes formas de apropriação do território e que
algumas formas, tratando aqui, especificamente, da propriedade privada, tendem a
prevalecer sobre as demais.
Ao contrário de promover uma discussão sobre a questão agrária em seus
múltiplos aspectos, ou apresentar um marco teórico que consiga dar conta de questões
históricas, sociais e seus desdobramentos contemporâneos, optei por trazer a discussão
para um recorte em que pese o paradigma da propriedade privada, sua construção
histórica e sua apropriação dentro de um contexto de expansão de atividades extrativas e
seu tratamento dentro dos processos de licenciamento ambiental em curso no Brasil2.
Para tanto, a primeira questão que se coloca é a localização da propriedade
privada, enquanto um conceito, dentro de um campo3 científico, a saber, o Direito. E,
dessa forma, compreender que, enquanto tal, sua definição e “operacionalização” é
resultado de diversos embates dentro desse “espaço”, expressando assim, uma visão, entre
diversas outras, que se configurou hegemônica no debate em relação à terra.4 Essa
abordagem busca romper com o ideal do direito enquanto uma ciência impessoal e neutra,
enquanto expressão única da realidade. Nesse sentido, Santos (1988) sinaliza para o fato
2 Esse desdobramento será tratado com maior propriedade nos capítulos 2 e 3 do presente trabalho 3Utilizaremos o conceito de campo proposto por Bourdieu (1989) no qual este seria um microcosmo, um
“espaço”, de lutas entre diferentes agentes, que ocupam diferentes lugares dentro desse sistema, objetivando
a apropriação de um capital legítimo dentro desse campo e/ou sua modificação.
24
de que o direito burguês moderno é resultado, sobretudo, das relações econômicas
privadas constituídas no mercado.
Não se pretende, contudo, uma desqualificação do campo, pelo contrário, é sua
compreensão enquanto uma construção social e que, assim como as demais formas de
conhecimento, foi fabricada no seio de diversas relações de poder e, por isso, não está
isento de influências políticas, econômicas, sociais e da força representada pelos
diferentes agentes dentro da luta pela legitimação de suas próprias formas de
compreensão do mundo.
Bourdieu (1989) analisa o direito e a jurisprudência enquanto um reflexo,
justamente, dessas forças existentes que exprimem determinações econômicas e,
substancialmente, o interesse dos dominantes, sendo assim, um importante mecanismo de
dominação.
Com efeito, o conteúdo prático da lei que se revela no veredicto é o
resultado de uma luta simbólica entre profissionais dotados de
competências técnicas e sociais desiguais, portanto, capazes de
mobilizar, embora de modo desigual, os meios ou recursos jurídicos
disponíveis, pela exploração das “regras possíveis”, e de os utilizar
eficazmente, quer dizer, como armas simbólicas, para fazerem
triunfar a sua causa; o efeito jurídico da regra, quer dizer, a sua
significação real, determina-se na relação de força específica entre
os profissionais, podendo-se pensar que essa relação tende a
corresponder (tudo o mais sendo igual do ponto de vista do valor na
equidade pura das causas em questão) à relação de força entre os
que estão sujeitos à jurisdição respectiva. (Bourdieu, 1989, p. 224)
É importante notar a relevância do campo jurídico pelo seu potencial de produzir
efeitos, principalmente pela possibilidade de construção de referenciais de
“normalidade”, fazendo com que outras práticas, divergentes do padrão constatado pelas
leis e códigos formalmente institucionalizados, se enquadrem enquanto “desviantes,
anômicas e até mesmo anormais, patológicas”, tornando-se, consequentemente, um
importante mecanismo de dominação (BOURDIEU, 1989, p. 247).
Nesse contexto, a questão da terra assume lugar de destaque no fazer jurídico,
desde os princípios de sua normatização. A transição da Idade Média para a Idade
Moderna é marcada, sobretudo, pelas discussões quanto ao regime agrário, sendo a terra
uma das questões fundamentais para a construção das Repúblicas e fundamental para a
consolidação do modelo econômico capitalista. Entre os direitos fundamentais, institui-
se a propriedade privada.
25
Essa, fortemente assegurada pelos regimes jurídicos dos Estados Modernos é,
hoje, o principal modelo de planejamento urbano e de gestão do território, apesar da
existência de diversas outras expressões de territorialidades ao redor do mundo. Essa
prevalência se dá, sobretudo, pela influência da doutrina econômica que lhe dá suporte e
pelas forças de mercado. Esse processo ofuscou e, por vezes, desconsiderou outras formas
historicamente estabelecidas de posse e de relacionamento com a terra. Como resultado
direto percebemos uma redução e/ou não existência de mecanismos de suporte para outras
formas de uso e apropriação do espaço, bem como inúmeras tentativas de imposição da
lógica da propriedade privada, aumentando consideravelmente o que Rolnik (2009)
define como a “insegurança da posse”.
Nesse sentido, considerando a diversidade das apropriações do espaço, das
formas de arranjo de diversas comunidades, considerar apenas uma lógica, como o
modelo ideal para o desenvolvimento econômico e social, é uma grande simplificação,
que reduz diversas territorialidades, ricos em especificidades e lógicas próprias a
documentos formais e registrados, aumentando a vulnerabilidade de agentes que
historicamente foram marginalizados pelas estruturas dominantes.
A hegemonia da propriedade individual escriturada e registrada em
cartório sobre todas as demais formas de relacionamento com o
território habitado constitui um dos mecanismos poderosos da
máquina de exclusão territorial e de despossessão em marcha no
contexto de grandes projetos, sejam eles de expansão de
infraestrutura e desenvolvimento urbano, sejam de reconstrução
pós-desastres. Na linguagem contratual das finanças, os vínculos
com o território são reduzidos à unidimensionalidade de seu valor
econômico e à perspectiva de rendimentos futuros, para os quais a
garantia da perpetuidade da propriedade individual é uma condição.
(ROLNIK, 2015, p. 13)
Dessa forma, a hegemonia da propriedade privada, “congelada nos nossos
códigos e sobretudo, sacralizada em nossas mentes” (CONGOST, 2007, p. 11) tem
condicionado nossa visão sobre o ideal de “desenvolvimento” e progresso desde os fins
da Idade Média, constituindo um importante mecanismo de violência física e simbólica
sobre diferentes formas de apropriação do território, principalmente pelo fato de ser
garantida pelo regime jurídico e não raro se combinando com o exercício da força física.
A multiplicação de desastres socioambientais, o avanço de inúmeros processos
de expropriação, violações de direitos humanos e expansão de fronteiras sobre áreas
historicamente habitadas por regimes próprios de apropriação do território revelam,
26
assim, a necessidade de se repensar o entendimento dessas categorias e avançar na
complexidade por trás das suas interpretações, uma vez que influem diretamente na
consolidação de direitos arduamente conquistados. Afinal, existem povos e comunidades
para quem a terra constitui questão vital. Para essas comunidades a terra é mais que um
espaço físico, é o lugar onde se vive, onde se planta, onde nasceram e cresceram seus
familiares. É lugar da partilha, da colheita, do sustento. É o espaço do lazer, do encontro
e da celebração. É muito mais que o lugar da posse ou da propriedade privada.
Esse movimento de problematização teórica torna-se ainda mais urgente quando
aprofundamos em realidades concretas cujas bases práticas das ações do Estado se
sustentam unicamente no regime da propriedade privada, que não só reduzem diversas
territorialidades à números, metragens e valores, como promovem a depreciação e, por
vezes, a desconsideração de vozes, desejos e projetos de vida e de mundo contraditórias
aos projetos de modernidade e desenvolvimento econômico intrínsecos às sociedades
capitalistas .
Assim, as sessões seguintes buscam, de forma breve, levantar historicamente a
construção e consolidação da propriedade privada, principalmente, no Brasil, buscando
responder algumas questões fundamentais: quais foram os interesses por trás da
assimilação do paradigma no país? Quem foram os beneficiados por esse regime de gestão
da terra? Quais os reflexos desse processo no atual contexto de conflitos ambientais no
país?
1.1 A CONSTRUÇÃO DA LÓGICA DA PROPRIEDADE PRIVADA
A compreensão da construção da lógica da propriedade privada no Brasil e seus
desdobramentos recentes exige que retornemos às bases da profunda modificação da
relação do homem com a terra. Torna-se necessário, portanto, um breve levantamento
sobre a transição do regime feudal para a Idade Moderna, uma vez que o feudalismo
representa uma das primeiras grandes formas de se apropriar e organizar o território. E,
na sequência, a Idade Moderna altera profundamente as condições de reprodução
medievais e inaugura o conceito da propriedade privada tal utilizado atualmente.
A propriedade, sobretudo, da terra, é uma questão que está intimamente
conectada com o desenvolvimento das sociedades, desde os primeiros movimentos de
mudança das civilizações nômades para as sedentárias. Contudo, diversas eram as formas
27
de organização sobre o território. Com a ascensão do Império Romano e a constituição
de regras jurídicas que operaram a administração de Roma, a propriedade tornou-se um
direito fundamental e intransponível, regulando, de certa forma, a questão da terra. A
decadência do regime deu origem a um modelo de organização social baseado em
relações servo-contratuais, o feudalismo.
No sistema feudal, a questão da terra tornou-se um fator de ordenação,
autoridade e de condução das relações de produção, uma vez que, para os servos
adquirirem os direitos de usufruto da terra, era necessária a dedicação de parte do seu
trabalho em benefício do senhor feudal. Dessa forma, a propriedade privada da terra,
assim como a sua regulamentação, operou enquanto fator-chave para a divisão de classes
sociais do período e determinante na manutenção do poder nas mãos de poucos, no caso,
os senhores feudais (ARAVENA, 2014).
Sob o feudalismo e o sistema de guildas, a terra e o trabalho
formavam parte da própria organização social (o dinheiro ainda não
se tinha desenvolvido no elemento principal da indústria). A terra,
o elemento crucial da ordem feudal, era a base do sistema militar,
jurídico, administrativo e político; seu status e função
eram determinados por regras legais e costumeiras. Se a sua posse
era transferível ou não e, em caso afirmativo, a quem e sob quais
restrições; em que implicavam os direitos de propriedade; de que
forma podiam ser utilizados alguns tipos de terra todas
essas questões ficavam à parte da organização de compra e venda,
e sujeitas a um conjunto inteiramente diferente de regulamentações
institucionais. (POLANYI, 2013, p. 91)
Nesse mesmo período, a ascensão de uma nova classe social (a burguesia), o
aumento da circulação de moedas, o crescimento de grandes centros urbanos e o
dinamismo comercial propiciado pelas Cruzadas enfraqueceram o regime feudal e
modificaram o modo de poder dele característico, encaminhando para centralização
política nas mãos de monarcas. A concentração da propriedade, assume, nesse momento,
mais um ponto de fortalecimento da gestão absolutista que se consolidava e que marcou
a passagem da Idade Média para a Idade Moderna, sendo a terra, e o controle sobre o
território, elementos fundamentais para o poder real. O início das grandes navegações e
o “descobrimento da América” representam momentos representativos da expansão do
poder das grandes monarquias, sobretudo, as portuguesas, espanholas, francesas e
inglesas, assim como da cristalização do mercantilismo como prática econômica
característica da Idade Moderna.
28
O mercantilismo, por mais que tivesse insistido enfaticamente na
comercialização como política nacional, pensava a respeito dos
mercados de maneira exatamente contrária à economia de mercado,
o que fica bem demonstrado pela amplitude da intervenção estatal
na indústria. Neste ponto não havia diferença entre mercantilistas
e feudalistas, entre planejadores coroados e interesses investidos,
entre burocratas centralizadores e particularistas conservadores.
Eles discordavam apenas quanto aos métodos de regulamentação:
as guildas, as cidades e as províncias apelavam para a força dos
costumes e da tradição, enquanto a nova autoridade estatal favorecia
o estatuto e as leis. Todos eles, porém, eram igualmente avessos à
ideia da comercialização do trabalho e da terra - a precondição da
economia de mercado (POLANYI, 2013, p. 92)
O mercantilismo, dessa forma, não descontruía dois grandes pilares: o trabalho
e a terra, impedindo que estes se tornassem objetos de comercialização. Contudo, as
transformações políticas, econômicas e sociais da Idade Moderna tornaram o espaço
propicio para o florescimento de um movimento cultural, intelectual e filosófico que,
dentre diversos questionamentos, trouxe consigo a pauta dos direitos e liberdades
individuais, contribuindo enormemente para a positivação do direito de propriedade: o
iluminismo.
De acordo com Leopoldi (2002), esse momento histórico marca, também a
transição entre um “estado de natureza”, considerado por iluministas como Rousseau,
Locke e Hobbes, como um estado “ultrapassado”, para um momento de novas formas de
convivência, assegurados por contrato, que garantissem a preservação da vida, da
liberdade, da igualdade e da propriedade, que trariam enormes ganhos para o novo modelo
de sociedade que estava se constituindo nesse momento. Essa transição é marcada pela
separação da terra e do trabalho e pela consolidação da propriedade privada, através
disponibilização das terras para venda no mercado.
Até então, terra e trabalho eram inseparáveis, formando um todo articulado e
aliado às organizações não-contratuais, tais como as de parentesco, vizinhança, profissão
e religião, dando início à economia de mercado e enfraquecendo o uso tradicional da terra
(POLANYI, 2013). Esse novo tipo de organização sacralizou o fim das relações com a
terra constituídas no regime feudal e foi substituída por um modelo caracterizado pelos
direitos individuais, sendo a liberdade no tratamento da propriedade, principalmente, da
terra, fundamental para a fortificação das liberdades individuais.
Porém, as ideias iluministas também trouxeram diversas críticas ao regime
absolutista e quanto aos dogmas da Igreja Católica, colocando ambos enquanto
cerceadores das liberdades individuais e, associado à insatisfação com a crise fiscal
29
presente no continente Europeu, sobretudo na França, deram início a Revolução que
marca o fim da Idade Moderna: a Revolução Francesa. Um dos resultados das
insurgências políticas e sociais, que colocaram fim aos antigos privilégios feudais, ao
poder dos monarcas e da Igreja frente aos ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade”,
foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). A partir da construção
desse paradigma, refletido da Declaração de 1789, o direito à propriedade passa a ser
absoluto, imprescritível e inalienável. No caso da terra, o acesso passa a ser, unicamente,
através de contratos de compra e venda. Ao mesmo tempo, na Inglaterra, observava-se a
intensificação do fenômeno dos cercamentos que, por sua vez, também alteravam
profundamente a relação com o território, que, de bem comum no feudalismo passou a
ser um bem de produção.
Los discursos sobre la propiedad em Francia y en Inglaterra, a pesar
de inspirarse en sistemas jurídicos distintos – processo de
codificación en Francia; jurisprudência, a partir de la aplicación de
la common law, em Inglaterra – consideran que el tipo de propiedad
triunfante em sus respectivo países – la propiedad absoluta pero com
“servidumbres comunitarias” en Francia, la propiedad individual y
cerrada pero com pervivencia del copyhold en Inglaterra – es
notablemente superior – léase, economicamente más eficaz – al tipo
de propiedad antecedente. Por eso calificamos estos discursos como
lineales (CONGOST, 2007, p. 22)
A mudança da Idade Moderna para a Idade Contemporânea é, igualmente,
resultado das mudanças promovidas pela Revolução Industrial na Inglaterra e
solidificação dos ideais liberais. A propriedade privada ocupando lugar de destaque nesse
processo. De acordo com Polanyi (2013) a confiança fundamental da economia liberal é
dada pelos direitos de propriedade e que a segurança do sistema de mercado é
fundamental para a sua vivência plena, sendo a empresa livre e a propriedade privada os
elementos essenciais da liberdade dos indivíduos. A constituição do Estado Liberal nasce,
assim, com a função de assegurar, garantir e proteger os direitos da propriedade
(CONGOST, 2007)
Para llevar a cabo la revolución burguesa era necessária uma nueva
propiedad agraria. Más adelante definía la nueva propiedad liberal:
la propiedad liberal obedece a las características de plena, livre e
individual; y este régimen jurídico, antitético del hasta entonces
dominante, implico uma auténtica revolución, com incidencia
30
decisiva em el mercado de la tierra y em el tipo de renta de os
propietarios (Congost, 2007, p. 131)
A autora ressalta, além disso, o fato de que os governos liberais, em distintos
países, apesar da tentativa de se mostrarem neutros, serviam – e ainda servem - a
interesses particulares de grupos sociais determinados. Harvey (2004) corrobora a
afirmação quando ressalta que a acumulação de capital é fomentada por certas estruturas
da lei, da propriedade privada, do contrato e da segurança da forma-dinheiro.
Dois séculos depois a propriedade privada, como já ressaltado, permanece como
sendo o principal paradigma a ser considerado na gestão do território assumindo formas
particulares no contexto brasileiro.
1.2 A CONSTRUÇÃO JURÍDICO-FORMAL DAS LEIS DE TERRA
NO BRASIL
As formas jurídicas que, atualmente, são as bases de políticas públicas de
planejamento territorial e sobre as quais se assentam os Estudos de Impacto Ambiental,
bem como as “negociações fundiárias”, 5são resultados de processos que vem desde a
colonização e fazem sentir seus efeitos até os dias recentes. Não será possível, mais uma
vez, compreender essas questões em suas múltiplas dimensões, sem, contudo, deixar de
mencionar a estreita relação entre a estrutura agrária brasileira as desigualdades presentes
no país e os conflitos fundiários que fizeram com que o Brasil, em 2017, segundo o
relatório da ONG Global Witness, liderasse, pelo segundo ano consecutivo, o ranking
mundial de assassinatos de defensores da terra e do meio ambiente. 6Contudo,
limitaremos, nesse momento, a análise sobre as formas de apropriação e regulamentação
da propriedade privada da terra no país para compreendermos os caminhos que fizeram
com que hoje essa fosse a forma hegemônica de gestão do território, começando com as
formas de apropriação e regulação da propriedade desde a chegada dos portugueses em
território nacional.
Como colocado no tópico anterior, a ascensão do mercantilismo fez com que as
monarquias europeias buscassem o aumento de seu controle sobre outros territórios a fim
de aumentar seu poder e possibilitar trocas comerciais que resultariam, por sua vez, em
5 Aprofundaremos nessa correlação nos próximos capítulos 6 https://www.globalwitness.org/en/campaigns/environmental-activists/a-que-pre%C3%A7o/
31
maior acumulação de moedas. Com as grandes navegações e a chegada nas Américas esse
horizonte se abriu de maneira exponencial. A posse do território brasileiro se deu, nesse
momento, através de uma aquisição originária, ou seja, por um direito de conquista. Dessa
forma, todas as terras “encontradas” pelos portugueses que aqui chegaram foram
consideradas pertencentes à coroa, o que permitiu seu repasse para terceiros para a
garantia do domínio luso sobre o território.
O regime sesmarial, caracterizado pela concessão de grandes glebas à
particulares com o objetivo de ocupação da nova colônia por parte da coroa portuguesa,
teve origem no modelo de concessão de terras característico do processo de reconquista
cristã dos territórios durante a Idade Média, no qual, após as vitórias, era preciso
aproveitar economicamente as novas terras e assegurar a sua defesa militar.
O modelo foi aproveitado para a divisão de terras entre conselhos, em Portugal,
no século XIII e se transformou em uma verdadeira política do povoamento (ABREU,
1997). As sesmarias, concedidas em caráter perpétuo pela coroa portuguesa, cediam parte
do território a um particular assegurado o compromisso de que o solo fosse cultivado
durante determinado prazo, sob pena de cancelamento da concessão e, ao mesmo tempo,
garantindo o uso produtivo da terra e a proteção do território. Foi a partir deste modelo
que foi dado o acesso legal à terra no Brasil Colônia.
Segundo Abreu (1997), as sesmarias eram, na verdade, mais uma forma de
apropriação de que, de fato, de propriedade e, considerando a grandeza das glebas
concedidas e a imprecisão dos seus limites, esse regime eclodiu, com o tempo, em
diversos conflitos.
No final do século XVII, a Coroa reconheceu os traços singulares
de sua principal colônia, incomparavelmente mais extensa que a
metrópole, fracamente povoada, sujeita a um processo de
exploração de terras grandemente predatório, difícil de ser
fiscalizada e, portanto, pouco enquadrável aos controles
administrativos que vigoravam no Reino. Tentando retomar as
rédeas do processo de colonização, que lhe fugia das mãos, o
governo português passou então a intervir cada vez mais nos
assuntos territoriais brasileiros. Sucederam-se então as cartas régias,
as disposições, as provisões, os alvarás, os avisos e os decretos, que
tentaram disciplinar, às vezes de forma contraditória, a concessão
de sesmarias no Brasil (ABREU, 1997, p.225)
A legislação colonial teve seu início em 1695 com a Carta Régia de 27 de
dezembro, que exigia o pagamento de um foro pela extensão das terras e fixou os limites
das sesmarias. O foro, por sua vez, foi objeto de modificação nas Cartas Régias de 1967,
32
1699, 1701 e 1729. A inconstância da legislação e a dificuldade de fiscalização fizeram
com que muitas das determinações nunca fossem cumpridas. As sesmarias perduraram,
enquanto forma de apropriação do território até julho de 1822, às vésperas da
independência, quando José Bonifácio de Andrada e Silva redigiu uma resolução que
finalizou com esse modelo de concessão de terras, buscando uma ordenação espacial e a
mudança da outorga gratuita da terra em venda efetiva de áreas demarcadas com preço
delimitado. Esse pode ser considerado o primeiro capítulo de uma série de dispositivos
que visavam regulamentar a questão da propriedade da terra e das relações de trabalho,
visando o desenvolvimento da agricultura no Brasil (SMITH, 1990). Após a Proclamação
da Independência em relação à metrópole portuguesa, a primeira Constituição Brasileira,
de 1824, influenciada pelas ideias liberais que se desenvolviam na França e Inglaterra, já
tratava da propriedade privada; contudo, não tratava diretamente da propriedade privada
da terra, questão normalizada apenas trinta e dois anos depois.
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos
Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança
individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do
Imperio, pela maneira seguinte.
XXII. E'garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude.
Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da
Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do
valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica
excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação.
(Constituição 1824)
O período Imperial experimentou uma efervescência quanto ao debate das
questões da propriedade da terra, do seu uso produtivo e do trabalho, três aspectos que se
complementavam e constituíam o centro da estruturação social e normativa da nação
emergente. Por um lado, era latente a necessidade de novas terras para a expansão da
produção de cana, algodão e café para a exportação, ao mesmo tempo, o intervencionismo
inglês pressionava quanto ao fim do tráfico de escravos e a necessidade de mercado no
Brasil. A mudança nesses pilares e a solidificação de um projeto burguês para a nação,
era defendida por algumas elites proprietárias e resistente por parte dos grandes
proprietários de terras e escravos (SMITH, 1990)
Após a cessação da concessão de sesmarias – e o vazio legado nesse
sentido pela Constituição outorgada em 1824 -, a resolução da
questão fundiária, que impunha a iniciativa do Estado na tarefa de
legitimar a propriedade privada e a discriminação das terras pública
ou estatais, permanece na mesma situação que a questão do tráfico.
33
Era algo a ser resolvido, mas continuamente postergado, por tratar-
se de áreas que poderiam desestabilizar o poder estatal, uma vez que
intervinham em interesses centrais da recente vida econômica e
política do país.” (SMITH, 1990, p.304)
Desde a resolução de José Bonifácio de Andrada e Silva, até 1850, o
apossamento de terras foi intenso no território. Até então as Câmaras eram responsáveis
pelas terras de uso comum, tais como pastagens e florestas, contudo, a partir do fim do
regime sesmarial e das discussões quanto a Lei de Terras, a posse tornou-se a forma de
se adquirir a propriedade, provocando um movimento intenso de invasão por grandes
proprietários de terras livres que, não raro, eram habitadas por indígenas, posseiros e até
propriedades parcelares habitadas por sitiantes, moldando o regime de grandes latifúndios
que até hoje são responsáveis pela concentração de terras no país, assim como
inaugurando práticas violadoras que são comuns no território até os dias atuais (MOURA,
1988). Nesse período tramitava na Câmara dos Deputados o Projeto nº 94, denominado
Divisão de Terras e Colonização, que, após diversas modificações foi aprovado e
reconhecido como a Lei de Terras, de 1850.
1.3 A LEI DE TERRAS
A Lei de Terras é um marco histórico no sentido de instituição legal da
propriedade privada no Brasil e, também, no processo de transição para o capitalismo no
país, uma vez que é através deste novo marco legal que a terra, até então acessada via
concessão ou posse, entra na lógica do capital, como renda territorial capitalizada. Sua
regulamentação, resultado de trinta e dois anos de embates na Câmara de Deputados, era
de interesse das grandes elites políticas dentro do Conselho de Estado e um aditamento
frente às intensas pressões inglesas que, dentre outros fatores, culminariam na abolição
da escravatura nas décadas seguintes.
Parte do setor conservador esse projeto de nação, visava abrir caminhos para a
consolidação do capitalismo no país, desta forma, era fundamental o fim do capital
traficante, a solidificação da legislação comercial e a regularização da propriedade
fundiária a fim de que houvesse uma submissão do trabalho aos imigrantes livres que
chegavam ao país após os processos de fim do tráfico negreiro e esgotamento da
escravidão. A terra passa a ser, então, o cerne da desigualdade entre os grandes
proprietários e os colonos. (SMITH, 1990).
34
Art. 1º Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por
outro titulo que não seja o de compra.
Art. 4º Serão revalidadas as sesmarias, ou outras concessões do
Governo Geral ou Provincial, que se acharem cultivadas, ou com
principios de cultura, e morada habitual do respectivo sesmeiro ou
concessionario, ou do quem os represente, embora não tenha sido
cumprida qualquer das outras condições, com que foram
concedidas.
Art. 5º Serão legitimadas as posses mansas e pacificas, adquiridas
por occupação primaria, ou havidas do primeiro occupante, que se
acharem cultivadas, ou com principio de cultura, e morada, habitual
do respectivo posseiro, ou de quem o represente (Lei nº 601, de 18
de setembro de 1850)
Dessa forma, a Lei de Terras trazia em sua redação o reconhecimento das áreas
concedidas via regime sesmarial, garantindo a satisfação da elite agrária; ratificou o
regime de posses, fundamental para a expansão do poderio sobre as terras para a elite
econômica e política nacional; e determinou que a compra fosse a única forma de
obtenção de terras no Brasil, legalizando e universalizando o regime da propriedade
privada da terra e garantindo sua concentração nas mãos das elites supramencionadas.
Segundo Martins (1986, p.3), “O país inventou a fórmula simples da coerção laboral do
homem livre: se a terra fosse livre, o trabalho tinha que ser escravo; se o trabalho fosse
livre, a terra tinha que ser escrava. O cativeiro da terra é a matriz estrutural e histórica da
sociedade que somos hoje”.
De acordo com Smith (1990) a lei era resultado dos interesses do capital
comercial que estruturava a produção conforme os seus moldes, assim como aconteceu,
mais tarde, com o fim da escravidão. Já Martins (1986), em seu livro “O cativeiro da
terra”, aponta que, diferente das mudanças que ocorriam na Europa, as quais foram
presididas pelo capital, aqui, o ponto chave era, na verdade, a economia de exportação e
a manutenção do latifúndio no qual essa economia se baseava. Nos outros países, após o
fim do mercantilismo, o capital se virou contra as grandes propriedades de terra, seguindo
a lógica que se desenvolveu no último regime europeu; contudo, no Brasil, a propriedade
da terra se consolida através da propriedade territorial capitalista, associando ambos e
contribuindo para a concentração da repartição da mais-valia e para o aumento do volume
da reprodução ampliada do capital. Segundo o autor, a Lei de Terras garantiu a
mobilização das instituições jurídicas e policiais da propriedade privada e, ao mesmo
tempo, do caráter compulsório do trabalho.
35
Em vez de a propriedade se tornar condição para colocar o trabalho
à disposição do fazendeiro, o trabalho do colono é que se tornou
condição para o acesso à propriedade. Em vez de a terra se tornar
livre, tornou-se renda capitalizada nas mãos do fazendeiro
e capitalista. Em vez de separar-se do capital, como condição da
exploração do trabalho alheio, do trabalhador, no processo de
reprodução do capital, a terra se tornou condição da exploração que
se realizava na acumulação de capital. (MARTINS, 1986, p. 174-
175)
Portanto, a iniciativa de organização da propriedade privada no Brasil, traduzida
na Lei 601/1850, convergia no interesse da elite econômica que aqui habitavam já que,
por um lado, reconhecia as grandes extensões territoriais que foram historicamente
concedidas pela coroa, regularizada a posse de terras griladas e, ao mesmo tempo, com o
fim da escravidão e da exploração compulsória do trabalho, via nos novos moldes de
regulação da terra a maneira de perpetuar as relações de poder (tanto entre os antigos
escravos e os imigrantes) e garantia da manutenção do sistema.
Se as apropriações historicamente mais antigas que a expansão de
um modo de produzir e pensar capitalista, são incorporadas e
aplicadas sem conflito flagrante ao presente contexto, é porque
estão nesse arsenal de práticas políticas e jurídicas as melhores
armas de que o sistema dispõe para a convivência e o entrechoque
das relações sociais (MOURA, 1988, p.19)
Outro importante ponto é que, a partir desse momento, outras formas de
aquisição da terra tornaram-se ilegais e sujeitas a embates judiciais, formando um cenário
de intensos conflitos fundiários que até hoje se perpetuam no país, assim como a geração
de um campesinato expropriado que, subjugado aos grandes fazendeiros, não restava
outra forma de manutenção senão a oferta do seu trabalho. (MARTINS, 1986).
1.4 A QUESTÃO DA PROPRIEDADE NAS CONSTITUIÇÕES DA
REPÚBLICA BRASILEIRA
As Constituições brasileiras, subsequentes à primeira Constituição de 1824, se
moldaram a partir da Lei de Terras e todas trataram da questão da propriedade,
especificamente, da propriedade privada da terra. A Constituição de 1891, promulgada
dois anos após a proclamação da República, garantia o direito à propriedade em toda sua
plenitude, assegurando a perpetuação do grande latifúndio, fortemente ligado às
oligarquias fundiárias que à época controlavam o país. Um adendo importante era a
36
garantia de que as minas encontradas permaneceram sob o domínio dos proprietários do
solo.
Art. 72. A Constituição assegura a brazileiros e a estrangeiros
residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á
liberdade, á segurança individual e á propriedade nos termos
seguintes
§ 17. O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude,
salva a desapropriação por necessidade, ou utilidade publica,
mediante indemnização prévia.
As minas pertencem aos proprietarios do solo, salvas as limitações
que forem estabelecidas por lei a bem da exploração deste ramo de
indústria. (Constituição da República, 1891)
A Constituição de 1934, redigida durante a Era Vargas, apresentava algumas
importantes mudanças em relação à redigida na República Velha. Dessa forma, traz em
seu texto, pela primeira vez, a condição da propriedade em função do seu interesse social
ou coletivo. A partir deste documento, a propriedade das minas e demais riquezas
encontradas no subsolo passaram a se submeter aos interesses do Estado, sendo definida
como distinta da propriedade do solo para efeito de exploração.
Art 113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros
residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á
liberdade, á subsistencia, á segurança individual e á propriedade,
nos termos seguintes:
17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser
exercido contra o interesse social ou collectivo, na fórma que a lei
determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade publica
far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indemnização.
Em caso de perigo imminente, como guerra ou commoção intestina,
poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular
até onde o bem publico o exija, ressalvado o direito á indemnização
ulterior.
Art 118. As minas e demais riquezas do sub-sólo, bem como as
quedas dagua, constituem propriedade distincta da do sólo para o
effeito de exploração ou aproveitamento industrial.
A Constituição de 1938, promulgada no chamado Estado Novo, não traz nova
redação aos artigos supramencionados, contudo, foi nesse momento que foi instituída a
Lei da Desapropriação, que regulava condições de desapropriação para fins de utilidade
pública. Após o primeiro período de “governo” de GetúlioVargas e o processo de
redemocratização passado pelo país, uma nova constituição foi elaborada, em 1946,
conhecida como Constituição Social. A inovação, em relação à propriedade privada da
terra, relacionava-se à sua função social e à garantia de bem-estar social, além da
possibilidade de desapropriação por interesse social.
37
Art. 147. O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar
social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16,
promover a justa distribuição da propriedade, com igual
oportunidade para todos.
A Constituição de 1967, elaborada entre os governos de Castelo Branco e Costa
e Silva, durante o período da Ditadura Militar no Brasil, sofreu fortes reformulações nos
anos seguintes, graças ao autoritarismo promovido pela Ditadura, acrescentando atos
como o Ato Institucional Nº 5 (AI-5) de 1968. Contudo, permanece a ideia da função
social da terra. Em contrapartida, no mesmo período, foi escrito o Estatuto da Terra que
restringia o direito da propriedade em função do interesse público e do
“desenvolvimento” do país.
Art. 157. A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social,
com base nos seguintes princípios: (...)
III - função social da propriedade;
Após a reabertura política dada pelo contexto de redemocratização pós-ditadura,
o Congresso Nacional redigiu a Constituição de 1988, a atual constituição brasileira,
também conhecida como Constituição Cidadã. Em seu texto, consta:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados
os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
(...)
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços
e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a
exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será
permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional
ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
Portanto, a ordem econômica, além de ser pautada pela questão da propriedade
privada da terra, deveria, em tese, se pautar pelo respeito ao meio ambiente, pela função
social da propriedade e visando a redução das desigualdades regionais e sociais.
Como demonstrei, a propriedade, substancialmente, a propriedade privada da
terra foi tratada de diversas formas ao longo do processo histórico de construção do país,
38
desde a colonização até a última constituição, de 1988. Mas, mais importante que esse
resgate histórico, também colocado nos primeiros tópicos nos quais trato da constituição
do direito de propriedade na Europa, foi demonstrar como o conceito e sua regulação,
serviram, historicamente para legitimação de direitos e interesses de classes que estavam
no poder, seja para sua ascensão ou manutenção. Portanto, perceber o território apenas a
partir desse viés é desconsiderar diversas outras formas de entendimento e apropriação
do espaço que, não raro são subjugadas e/ou sobre as quais são impostas essa lógica
hegemônica.
1.5 DA TERRA AO TERRITÓRIO E À TERRITORIALIDADE
A questão fundiária no Brasil é mais que o debate sobre a distribuição de terras, é
necessário um aprofundamento nas diversas formas de ocupação que aqui se
desenvolveram e no seu reconhecimento através do marco legal do Estado. O recorte
histórico, narrado até aqui, nesse sentido, demonstra não apenas o processo de
consolidação do Estado-nação brasileiro como, também, a hegemonia de duas formas de
apropriação do território por ele reconhecida: a propriedade privada, única forma jurídica
de propriedade legítima, e as terras livres que a ele pertencem. Contudo, é fundamental
evidenciar que esse processo se deu através da invisibilização de outras formas e visões
de mundo que revelam outras relações com o espaço e que historicamente vem sofrendo
com a expansão e imposição das duas lógicas supracitadas. Não é exagero dizer que, nesse
sentido, a história agrária brasileira também é uma história conflituosa entre, de um lado,
a forma mercantil evidenciada pela propriedade privada e, do outro, a territorialidade de
diversos grupos sociais que aqui vivem, em uma pluralidade de formas, expressões e
sistemas de posse, no caso dos indígenas, até mesmo antes da época colonial.
Considerando esse antagonismo, dois conceitos aparecem como fundamentais
para a compreensão desse conflito, o território e a territorialidade. Ambos os conceitos,
caros para a Geografia, estão também no cerne de discussões em outras áreas do
conhecimento, como nas Ciências Sociais, na Antropologia, na Sociologia, na Economia
e mesmo na Psicologia, sendo a sua conceituação múltipla. Castro (1998, p.5) define o
território como “o espaço sobre o qual certo grupo garante aos seus membros direitos
estáveis de acesso, de uso e de controle sobre os recursos e sua disponibilidade no tempo”.
39
Haesbaert (2004), em “O mito da desterritorialização” sumariza três das mais
debatidas definições encontradas na Geografia, a primeira, uma leitura política, na qual o
território é tido a partir de relações de espaço-poder que não, necessariamente, são
exercidas pelo Estado; a segunda, parte de uma leitura cultural e simbólica, consoante
com a praticada pela antropologia, na qual o território é resultado de uma apropriação
simbólica de um espaço e, por fim; a terceira, econômica, na qual o território é visto a
partir de sua visão mercantilizada, ou seja, enquanto um recurso. Raffestin (1993) faz a
distinção entre espaço e território, estabelecendo que, segundo a sua análise, o primeiro
antecede o segundo. Segundo o autor, o território se constrói através do espaço. Uma vez
que atores se apropriam concreta ou abstratamente de um espaço, esse se “territorializa”.
Ou seja, o território seria a cristalização de diversos fatores, sejam eles humanos,
econômicos, políticos, sociais e/ou culturais delimitados material ou simbolicamente.
Para Hasbaert (2005) o conceito de território já nasce como uma dupla conotação,
material e simbólica, já que deixa de ser espaço a partir do momento em que gera uma
identificação e sua efetiva “apropriação”. Esse processo, segundo o autor, é caracterizado,
por um lado pela sua conotação simbólica, através das “marcas do vivido” e do seu valor
de uso e, por outro, materialmente, pelo seu valor funcional, ligado ao seu valor de troca.
O território é, assim, obrigatoriamente, funcional e simbólico, uma vez que dominamos
o espaço tanto para realização de funções quanto para a produção de significados. Aqui,
percebemos o grande gargalo da compreensão do espaço unicamente a partir da
propriedade privada, já que considerar o valor simbólico do espaço é reconhecer sua
multiplicidade em contraposição a sua “unifuncionalidade” colocada pela lógica
capitalista hegemônica (HAESBAERT, 2005).
Paul Little interpreta a territorialidade de forma próxima do discurso geográfico e
seu entendimento é o que norteia o presente trabalho. Para o antropólogo, a
territorialidade é “um esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e
se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim
em seu ‘território’ ou homeland” (LITTLE, 2002, p.253). Ou seja, a territorialidade está
ligada ao modo como os agentes se apropriam do espaço, como elas se organizam e como
elas carregam esse espaço com as “marcas do vivido”, tal como proposto por Hasbaert.
O território é, portanto, um produto histórico de processos sociais e políticos (LITTLE,
2002).
Little (2002), assim como Hasbaert (2004) e Raffestin (1993), destaca a
multiplicidade de expressões da territorialidade e, portanto, diversos tipos de territórios,
40
cada qual marcado por especificidades socioculturais7 e, também, por relações de poder.
Compreender o território a partir de suas multiplicidades e das relações de poder
intrínsecas a essas dinâmicas é percebê-lo através da lente dos conflitos, dados pelas
identidades produzidas pelas diferentes relações estabelecidas com o espaço e, também,
por relações entre dominantes e dominados. De um lado temos povos e comunidades que
vêem no território a condição da garantia de sua sobrevivência cotidiana, empregando
lógicas econômicas diferentes do sistema hegemônico e, de outro, os dominantes, que
privilegiam seu caráter funcional e mercantil (HASBAERT, 2005)
Nesse contexto de disputas, tal como retratado no início deste capítulo, a
hegemonia do Estado-nação e suas formas de territorialidade se impuseram sobre as
demais, sendo essas, obrigadas a se (re)organizar e a confrontá-las. Essas diferentes
territorialidades, por sua vez, estão intimamente ligadas à noção de terras
tradicionalmente ocupadas. Portanto, para a compreensão dos desdobramentos do
imperativo da propriedade privada sobre os territórios, é preciso um aprofundamento em
algumas das diferentes formas de apropriação do espaço.
1.6 TERRITORIALIDADES: FORMAS COLETIVAS DE
APROPRIAÇÃO E USO DA TERRA
Como discutido no tópico anterior, a grande extensão territorial do Brasil e suas
particularidades históricas são responsáveis por uma diversidade de territorialidades
distribuídas em todo o território nacional. Diferentemente do que os debates até os anos
1960 demonstraram, as formas tradicionais de apropriação dos espaços não são formas
presentes no passado, congeladas no tempo e/ou sem reação frente aos avanços da
propriedade privada. Pelo contrário, é possível encontrar no Brasil uma pluralidade de
formas tradicionais expressas em diferentes territorialidades que historicamente foram
desconsideradas e mesmo ignoradas pelas formas de apropriação dominantes,
substancialmente pelas duas formas juridicamente reconhecidas pelo Estado, a
7Little (2002) se utiliza do conceito de cosmografia para a compreensão das especificidades da relação de
cada grupo social com seu território. Segundo o autor a cosmografia é definida como “os saberes
ambientais, ideologias e identidades - coletivamente criados e historicamente situados - que um grupo
social utiliza para estabelecer e manter seu território. A cosmografia de um grupo inclui seu regime de
propriedade, os vinculos afetivos que mantêm com seu território específico, a história da sua ocupação
guardada na memória coletiva, o uso social que dá ao território e as formas de defesa dele. (LITTLE, 2002,
p. 254)”
41
propriedade privada e a pública. Esses sistemas (re)existem sob uma extensa rede de
relações de parentesco, compadrio, ajuda mútua e normas e valores sociais que tem como
base a solidariedade dos grupos (DIEGUES, 2001).
Essa diversidade fundiária é expressa pelas comunidades indígenas, quilombolas,
pelas “terras de preto”, “terras de santo”, “terras de índio”, pelos
seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco-de-babaçu, caboclos, comunidades de
fundo de pasto, faxinalenses, pescadores artesanais, caiçaras, marisqueiras, ribeirinhos,
varjeiros, caiçaras, praieiros, sertanejos, jangadeiros, ciganos, caipiras, pescadores
artesanais, e uma diversidade de outros grupos que aqui não caberiam ser citadas
individualmente (LITTLE, 2002).
Esses diversos grupos sociais costumam ser agrupados de diversas formas, sejam
sob categorias como “comunidades”, “povos”, acrescidos de adjetivos como
“tradicionais”, “rurais”, sejam como “autóctones” ou “rurais” (LITTLE, 2002). Não
pretendemos aqui abranger a diversidade desses grupos e tão pouco um aprofundamento
das especificidades de cada grupo. Compreendemos as complicações da simplificação da
diversidade de cada grupo a uma única categoria de aglutinação, reconhecendo o sentido
generalista por elas imposto e as limitações de seu uso. Contudo, reconhecemos também
a importância da construção da categoria de “Povos e Comunidades Tradicionais” no seu
sentido político de reconhecimento e de reafirmação de direitos e, portanto, faremos uso
dela a fim de aprofundamento da argumentação que aqui pretendemos, enfatizando que
não existe “um povo e/ou uma comunidade tradicional”, mas uma pluralidade de formas
e expressões próprias. Dessa forma, “Povos e comunidades tradicionais” é aqui utilizada
para conceituar grupos sociais que “reproduzem historicamente seu modo de vida, de
forma mais ou menos isolada, com base na cooperação social e relações próprias com a
natureza”. Brandão elenca ainda, enquanto características comuns das comunidades
tradicionais:
a) dinâmicas temporais de vinculação a um espaço físico que se
toma território coletivo pela transformação da natureza por meio do
trabalho de seus fundadores que nele se instalaram; b) um saber
peculiar, resultante das múltiplas formas de relações integradas
à natureza, constituído por conhecimentos, inovações e práticas
gerados e transmitidos pela tradição ou pela interface com as
dinâmicas da sociedade envolvente; c) uma relativa autonomia para
a reprodução de seus membros e da coletividade como uma
totalidade social articulada com o "mundo de fora", ainda que
quase invisíveis; d) o reconhecimento de sí como uma comunidade
presente herdeira de nomes, tradições, lugares socializados, direitos
de posse e proveito de um território ancestral; e) a atualização pela
42
memória da historicidade de lutas e de resistências no passado e no
presente para permanecerem no território ancestral; f) a experiência
da vida em um território cercado e/ou ameaçado; g) estratégias
atuais de acesso a direitos, a mercados de bens menos periféricos
e à conservação ambiental. (BRANDÃO, 2010, p.360-361).
As “terras tradicionalmente ocupadas” revelam lugares concretos e/ou simbólicos
de existência, fundamentais para a reprodução material, social e simbólica desses grupos.
Os Povos e Comunidades Tradicionais possuem conhecimento vasto sobre o território no
qual estão localizados, produzindo formas próprias de manejo dos ciclos e dos recursos
naturais. Suas atividades econômicas são caracterizadas por possuir ritmos e lógicas
próprios, muitas vezes associando o calendário religioso ao agrícola. Quanto à tecnologia
empregada, “simples”, é caracterizada pelo seu baixo impacto ambiental. A produção é
tida como um meio para a coesão social e, por isso, as atividades são alicerçadas na
unidade familiar doméstica e nas relações de parentesco e compadrio, sendo a ligação
com o mercado mais ou menos forte, dependendo da organização desses grupos.
Especificamente em relação ao território, os Povos e Comunidades Tradicionais
o veem o território como o local que permite a sua reprodução social em moldes
tradicionais. As dimensões territoriais são simbólicas, não físicas. Existe um sentimento
de pertencimento embutido na noção de território, pois foi ali que viveram e foram
enterrados seus ancestrais, é o espaço onde ocorrem os rituais, onde se planta e se colhe.
O território está intimamente ligado ao sentimento de pertencimento, é o que garante o
modo de vida tradicional e, consequentemente, molda a vida desses povos. (COSTA
FILHO, 2011).
O espaço, para essas comunidades, vira lugar, e esse é, por sua vez, o locus da
vivência e da história, é o concreto, o habitado, o vivido (ZHOURI & OLIVEIRA, 2010).
A memória e o lugar são, portanto, aspectos centrais na compreensão dos modos de vida
e reprodução dos Povos e Comunidades Tradicionais. Sua máxima expressão pode ser
considerada na identificação de lugares sagrados, nos quais o espaço se converte em
lugares dotados de sentimento e significado (LITTLE, 2002). Revela-se, ainda, nas
diferentes noções colocadas sobre aspectos do ambiente, considerando suas tecnologias
e o conhecimento tradicional do lugar em que habitam, dando não apenas significado,
mas uso.
Um recurso é o produto de uma relação. A partir daí, não há recursos
naturais, só matérias naturais. Estaríamos enganados em pensar que
se trata de um problema qualquer de semântica. Trata-se de algo
43
bem diferente e, sobretudo, bem mais do que isso: é uma concepção
histórica da relação com a matéria que cria a natureza sócio-política
e socioeconômica dos recursos. (RAFFESTIN, 1993, p. 225)
Como ressaltado por Raffestin (1993), tanto os recursos naturais, quanto o espaço,
são construídos a partir da relação com esses povos e comunidades, através de influências
mútuas. Little (1993) destaca que essa correlação também fundamenta a noção de
identidade, na qual pertencer a um lugar não é, necessariamente, uma questão étnica ou
racial, mas uma relação com um espaço físico determinado, atuando, também, enquanto
fator de defesa e força frente às investidas de outros modelos de apropriação. A identidade
é aqui compreendida como a fonte de significados e de experiência de um povo. É “o
processo de construção de significados com base em um atributo cultural, ou ainda um
conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual (ais) prevalece(m) sobre
outras fontes de significado” (CASTELLS, 1999). As relações solidárias entre esses
grupos, bem como suas regras sobre o uso dos recursos naturais, passam a se estruturar
nessa base concreta, comum, fundamental e garantidora de seus modos de vida.
Considerando esses aspectos, não existe, para esses grupos, a noção de propriedade
privada da terra8.
Temos, em contrapartida, diversos mecanismos de controle, exercidos pelas
comunidades, que visam regular o acesso aos recursos – e ao espaço – por seus membros,
conjugando formas privadas e comuns dos bens e garantindo sua manutenção. Ribeiro et
al (2005), através do estudo de comunidades rurais localizadas no Vale do Jequitinhonha,
atenta para o fato de que não somente os recursos finitos são fonte de regulação, mas toda
uma cadeia complexa que envolve a ponderação entre seu uso e conservação e também
relações que diferenciam o acesso entre as pessoas “de dentro e de fora”. Dessa forma,
também são consideradas “terras tradicionalmente ocupadas” as áreas de uso comum que,
combinadas a propriedade e a posse, são destinadas ao extrativismo, à pequena
agricultura, a pesca e à solta de animais, revelando, mais uma vez, distintas formas de
propriedade social que destoam do regime de propriedade alicerçado na dicotomia entre
o privado e o público.
8 Soares (1981) alerta para o fato de que a propriedade privada da terra não pode ser confundida com a
propriedade individual, regime presente nessas comunidades.
44
No caso dos povos tradicionais do Brasil, uma grande
semelhança pode ser detectada nas distintas formas de propriedade
social, que as afastam da razão instrumental hegemônica com seu
regime de propriedade baseado na dicotomia entre o privado e o
público. Todavia, a razão histórica a elas subjacente incorpora
alguns elementos que muitas vezes são considerados como públicos
- isto é, bens coletivos -, mas que não são tutelados pelo Estado; ou
seja, essa razão histórica introduz coletividades que funcionam em
um nível inferior no plano do Estado-nação. No entanto,
incorpora elementos comumente considerados como privados, no
caso de bens pertencentes a um grupo especifico de pessoas, mas
que existem fora do âmbito do mercado. Como os territórios desses
grupos fundamentam-se no arcabouço da lei consuetudinária, raras
vezes reconhecida e respeitada pelo Estado, as articulações entre
esses grupos são marginais aos principais centros de poder político.
Mas é igualmente claro no registro etnográfico sobre os povos
tradicionais que eles estabeleçam territórios no sentido
aqui definido. (LITTLE, 2002, p. 260)
Como demonstrado por Almeida (2004), Diegues (2001), Lima (2007), Little
(2002), Ribeiro et al (2005), e diversos outros autores que estudam o regime agrário
brasileiro, uma questão central colocada é o não reconhecimento do Estado sobre uma
diversidade de formas de apropriação do espaço. A partir de 1980, com as pressões nos
territórios impostas pelos projetos de desenvolvimento introduzidos a partir da
consolidação das ideologias neoliberais no país; o surgimento e articulação de
movimentos sociais e seu apoio de Organizações Não Governamentais Internacionais
(ONG’s); e o ambiente propício gerado pela abertura política pós-ditadura militar, os
povos e comunidades tradicionais tiveram a possibilidade de acessar espaços políticos de
extrema importância para a consolidação de seus direitos (LITTLE, 2002). A
Constituição de 1988 foi um marco nesse sentido, reconhecendo direitos e incorporando
demandas sociais e ambientais em sua redação através da normatização de modalidades
étnicas e territoriais plurais, como as terras indígenas e as terras remanescentes de
quilombos.
Ademais, dentre as disposições constitucionais, foi anexado o direito à
propriedade definitiva da terra aos remanescentes quilombolas, em contraposição à tutela,
como ocorre com os povos indígenas. Essas duras conquistas, entretanto, foram
consideradas suficientes para alguns juristas classificarem o Estado brasileiro como
“pluriétnico” sem que, de fato, esse assumisse uma postura política que respondesse ao
adjetivo e tampouco garantir fatores situacionais que influenciassem uma consciência
étnica efetiva.
Tanto no plano jurídico quanto no plano operacional a efetivação desses direitos
foi sufocada por diversos gargalos, seja os modelos de cadastro e censo de terras,
45
marcados por vertentes tributaristas, que só veem a terra como mercadoria, seja por
interesse das grandes elites latifundiárias que buscam nesses territórios novas frentes para
a expansão de seus projetos. Além disso, a incorporação de termos como “populações
tradicionais” e “terras tradicionalmente ocupadas” em seu aparato jurídico-formal não
significa a consonância às diversas demandas colocadas por esses povos, não sendo,
portanto, a solução para os conflitos e tensões gerados pelas disputas sobre o controle dos
espaços (ALMEIDA, 2004).
Ao mesmo tempo, novas formas de ocupações emergiram, cada qual com suas
territorialidades específicas e que, até hoje, não obtiveram seu reconhecimento legal,
como é o caso, apontado por Almeida (2004), das “terras de preto”, “terras de santo”,
“terras de caboclos” e mesmo os regimes de uso das comunidades campesinas. Essas
comunidades, apesar de possuir regimes de propriedade que apresentam diferenças
substanciais dos regimes estabelecidos pelos povos indígenas, mantém formas próprias
de relação com o território, como a manutenção de áreas comuns e das relações simbólicas
com o espaço.
Esses grupos sofrem com sua invisibilização jurídica e tem nos processos
expropriatórios a inviabilidade da reprodução de sua existência e manutenção dos seus
modos de vida. A noção de propriedade privada, no âmbito de disputas jurídicas pelo
território, ou mesmo através de práticas de aquisição de terras legitimadas pelo Estado,
aparece como um mecanismo homogeneizador das práticas sociais estabelecidas
espacialmente, configurando um cenário de inúmeras violações materiais e simbólicas
resultantes, justamente, da imposição de uma lógica sobre outra. Esse cenário tem se
intensificado, nas últimas décadas, pela adoção de um novo modelo de desenvolvimento
pautado pela exportação de bens primários e, consequentemente, pela expansão das
atividades extrativistas sobre territórios tradicionalmente ocupados, deflagrando diversos
conflitos ambientais territoriais. Esse cenário macro, caracterizado pelo modelo
neoextrativista, é o tema abordado no seguinte capítulo.
46
CAPÍTULO 2
“Depois que a Anglo chegou, só atrapalhou, só piorou, nós não tivemos
sucesso de nada. Você vê que nem emprego meus meninos não têm, né?
Neoextrativismo e efeitos multidimensionais
Na América Latina, assim como na Ásia e África, após as transformações
internacionais impostas pelas novas dinâmicas estabelecidas no período pós Segunda
Guerra, assistimos a uma reformulação da relação dos governos nacionais com os setores
primários da economia. Os setores primários, grandes responsáveis pelas balanças
comerciais favoráveis desses países, passaram a representar o status de
subdesenvolvimento, sendo correlacionados à dependência, à pobreza e ao passado
colonial ainda não superado. No Brasil, o questionamento da dependência dos setores
primários foi levantado, com maior ênfase, a partir de 1950, quando foi proposto o modelo
de industrialização via substituição de importações. Naquele momento, as críticas
recaíam sobre os padrões de troca desiguais dados pelo comércio internacional e, como
alternativa, se defendia a substituição das importações de produtos industriais básicos
através do desenvolvimento do setor manufatureiro (MILANEZ & SANTOS, 2013)
Gudynas (2015) atenta para o fato de que apesar desses questionamentos terem
sido fortemente difundidos, não se negava a importância da extração de produtos
primários enquanto fundamentais para a economia desses países, sendo, inclusive, a fonte
de capital que propiciaria o financiamento da industrialização dessas nações. A partir da
década de 1990 o ideal da modernização reformulou a imagem da indústria extrativa com
um discurso de que a partir de novas tecnologias, trabalhadores capacitados, gestão
ambiental e responsabilidade social e empresarial seria possível um “desenvolvimento
sustentável”.
O avanço do setor propiciaria, então, benefícios para toda a sociedade, ocupando
lugar substancial nas estratégias de desenvolvimento adotadas por esses países. Ainda
segundo o autor, a situação se tornou mais complexa com o início do século XXI com a
ascensão de governos progressistas em diversos países da América Latina. O termo
47
desenvolvimento, que já apresentava diversas críticas e desgastes9, foi retomado e
colocado no centro de diversos debates, sendo fortemente relacionado ao progresso
econômico e, dessa forma, promovendo a perseguição de inversões estrangeiras, intensa
apropriação da natureza e a promoção de todo tipo de exportação. A intensificação das
atividades do setor primário passou a ser, assim, colocada como positiva e necessária para
superação da condição de subdesenvolvimento.
Tanto desde las posturas convencionales, de corte conservador a
neoliberal, como desde el progresismo, se refuerzan los aspectos
centrales del desarrollo, donde los extractivismo constituyen una de
sus manifestaciones privilegiadas. Son extractivismos distintos pero
expresan las mismas raices conceptuales del desarrollo. Esto hace
que cualquier critica al desarrollo sea, a la vez, un cuetionamiento
que puede poner en riesgo las promesas de progreso. (GUDYNAS,
2015)
Dessa forma observamos uma intensificação das atividades do setor primário
nos países latino-americanos, sobretudo na primeira década dos anos 2000, configurando
o que economistas (ACOSTA, 2016; CARVALHO&CARVALHO, 2011;
GONÇALVES, 2001) definiram como um processo de reprimarização da economia, ou
seja, a primazia pela exportação de produtos com baixo insumo agregado. Esse
movimento foi acompanhado por mudanças profundas em diversas outras dimensões,
sejam elas econômicas, sociais e culturais, compondo o denominado “modelo
neoextrativista”. (ACOSTA, 2016; ZHOURI, BOLADOS & CASTRO, 2016;
BEBBINGTON 2011; GUDYNAS, 2015).
Desta forma, virada do século XX para o século XXI foi acompanhada por um
aumento exponencial dos extrativismos minerais, petroleiros e agrícolas em toda América
Latina, setores que se tornaram apostas mais atrativas para a inversão de capitais
estrangeiros nacionais. De acordo com Bebbington (2011), entre 1990 e 1997, a inversão
em exploração mineral cresceu 90% no mundo, e 400% na América Latina. Entre 1990 e
2001, 12 das 25 maiores inversões em projetos de mineração foram realizadas em países
latino-americanos, com destaque para o Chile, Peru e Argentina. O setor minerário
9 As críticas estavam relacionadas, sobretudo, ao fato de que após anos de intensificação da urbanização,
da modernização da agricultura e de industrialização, os indicadores sociais dos países “subdesenvolvidos”
permaneciam insatisfatórios e, por vezes, piores. Ficou claro que o crescimento econômico, da forma pela
qual foi implantado, vinha acompanhado e se cumpria através da acentuação das desigualdades sociais e da
apropriação massiva dos recursos naturais.
48
brasileiro, entre os anos 2000 e 2010 apresentou crescimento de 550% no valor de sua
produção (IBRAM, 2017).
Em relação a todos os bens primários, como podemos observar no Gráfico 1, de
2000 a 2018 observamos que os bens primários saltam de 19% para 44% do total de
exportações nacionais, ultrapassando os produtos manufaturados que, em 2000
representavam 62% do total de exportações e que passaram a representar 38% no final do
período (MDCI SISTEMA COMEX STAT, 2019). Segundo estimativas apresentadas
pelo Sistema Comex Stat10, as previsões para 2019 são de que as exportações de produtos
básicos passem a representar 50% do total de exportações brasileiras.
Gráfico 1- Exportação Brasileira por fator agregado (%)
Fonte: MDCI Sistema Comex Stat, 2019 - Elaboração Própria
Um conjunto de fatores contribuiu para a configuração desse cenário, entre eles,
a adoção de novas tecnologias de extração, reformas institucionais do setor, o incremento
do dinamismo econômico dos países do Atlântico Sul, a recente crise econômica
enfrentada pelos países em escala mundial e, por último, mas não menos importante, a
entrada da China no mercado mundial e, consequentemente, sua crescente demanda por
commodities (BEBBINGTON, 2011).
10 Base de dados de comércio exterior disponibilizada pelo Ministério da Economia, Indústria, Comércio
Exterior e Serviços, disponível em: < http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior/estatisticas-de-
comercio-exterior/base-de-dados-do-comercio-exterior-brasileiro-arquivos-para-download>
0
10
20
30
40
50
60
70
Básicos Semifaturados Manufaturados Especiais
49
O grande crescimento econômico apresentado pela China, hoje principal destino
das exportações brasileiras, assinalava um cenário promissor para as indústrias extrativas
latino-americanas, inaugurando um ciclo de valorização de commodities, sobretudo
minerais, e elevando o preço das exportações de maneira considerável, principalmente
entre os anos de 2009 e 2012 (MILANEZ & SANTOS, 2014). O chamado “boom” dos
preços dos minérios também foi responsável por grandes implicações econômicas no
Brasil que, em menos de uma década, assistiu ao incremento de 65 bilhões de reais nas
operações minerais entre os anos de 2014 e 2011 (MILANEZ & SANTOS, 2013).
A expansão do setor primário nos países latino-americanos, em especial na
primeira década dos anos 2000, resultou em um cenário que pode ser identificado, como
já apontado, de reprimarização da economia, ou seja, a retomada de políticas econômicas
que privilegiam a exportação de produtos com baixo insumo agregado. Svampa (2013)
analisou a inserção da América Latina nesse novo contexto no que ela denomina
passagem do “Consenso de Washington”, associado ao paradigma neoliberal, para o
“Consenso de los Commodities”.
Lo que de modo general aquí denominados el ingreso en un nuevo
orden, a la vez económico y político-ideológico, sostenido por el
boom de los precios internacionales de las materias primas y los
bienes de consumo cada vez más demandados por los países
centrales y las potencias emergentes, lo cual genera indudables
ventajas comparativas visibles en el crecimiento económico y el
aumento de las reservas monetarias, al tiempo que produce nuevas
asimetrías y profundas desigualdades en las sociedades
latinoamericanas. (SVAMPA, 2013, p. 31)
De acordo com a autora, a alta dos preços dos commodities em nível internacional
colocou os bens primários enquanto prioritários para o desenvolvimento dos países latino-
americanos, assumindo uma posição hegemônica nas políticas de exportação dessas
nações. Dessa forma, a primazia dos debates sobre ajustes financeiros e privatizações
deram lugar as discussões quanto a expansão da produção extrativa. Uma grande mudança
de foco da economia que modificou sua base no setor financeiro para o extrativo.
Apesar de existirem grandes semelhanças entre o modelo neoliberal, representado
pelo Consenso de Washington e o modelo definido por Svampa (2013), do Consenso de
Commodities, existem algumas diferenças, sendo a principal discrepância relacionada ao
papel do Estado. De um lado, o neoliberalismo traz consigo a noção de Estado mínimo,
calcado nas políticas de privatizações e liberdade dos mercados; de outro, o Consenso de
Commodities só existe a partir de uma relação íntima entre entidades públicas e privadas.
50
Milanez & Santos (2013) assinalam que, considerando o Consenso de
commodities, o Estado e mercado podem ser classificados como instituições
complementares, sendo o Estado a representação da manifestação coletiva e expressão do
interesse nacional. Nesta nova configuração fica a cargo dos governos novas atribuições,
das quais os autores destacam o apoio à internacionalização de empresas nacionais, a
flexibilização da legislação para a facilitação da implementação de grandes
empreendimentos e, sobretudo, a compensação dos “danos” via políticas de transferência
de renda. Nesse sentido, pode ser destacado, ainda, o suporte financeiro, através da
concessão de empréstimos financeiros e a construção de infraestrutura que possibilite,
principalmente, o escoamento da produção, tais como rodovias, hidrovias e portos.
Segundo Svampa (2013) trata-se, ainda, não apenas de uma nova ordem
econômica, mas de uma nova lógica político-ideológica, onde através da aparência de
acordos mútuos, a associação entre a grande demanda internacional de bens primários e
as riquezas existentes nos países latinos projetaria nesses estados-nações a visão
“eldoradista” de que são lugares, por excelência, abundantes em recursos naturais e seu
destino inexorável seria, portanto, a exaustiva exploração desses recursos com fins de
manutenção de suas balanças comerciais favoráveis. Contudo, a realidade indica a
intensificação de concessões para empreendimentos de grande escala, a baixa
diversificação da economia, uma lógica de apropriação de territórios altamente destrutiva
e a manutenção da posição subordinada dos países do cone sul.
Já Gudynas (2015), além de reconhecer as reformas neoliberais em relação aos
setores extrativos, aponta para a continuidade desses processos por governos
“progressistas” que, a partir do final dos anos 1990, assumiram o poder em diversos países
da América do Sul, a saber, Evo Morales (Bolívia, 2005), Fernando Lugo (Paraguai,
2008), Hugo Chávez (Venezuela, 1998), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil, 2003), Rafael
Correa (Equador, 2006) Ricardo Lagos (Chile, 2000) e Tabaré Vázquez (Uruguai, 2005),
compondo o que ele define como modelo neoextrativista. Segundo o autor, o modelo
apresenta um caso particular de extrativismo, que possui algumas características básicas
relacionadas ao volume/intensidade das extrações e ao seu destino.
El extractivismo es aqui definido como un tipo de extracción de
recursos naturales, en gran volumen o alta intensidade, y que están
orientados essencialmente a ser exportados como materias primas
sin processar, o con um procesamiento mínimo (GUDYNAS, 2015,
p.11)
51
O neoextrativismo é definido, portanto, como um modelo de desenvolvimento,
pautado pelo crescimento econômico via apropriação de recursos naturais, caracterizado
por redes produtivas pouco diversificadas e uma inserção subordinada na nova divisão
internacional do trabalho (SANTOS & MILANEZ, 2013). Nesse modelo, a combinação
entre o grande estoque de recursos, a alta demanda internacional para sua importação e a
existência de governos que possuíam como diretrizes a diminuição das desigualdades
sociais presentes nesses países resultou em políticas redistributivas que tinham como
principal fonte de capital as exportações do setor extrativo.
O “Estado Compensador”, definido por Gudynas (2013), demandou um papel
mais ativo das decisões governamentais que, ao mesmo tempo que promoviam a
expansão do setor, buscavam “minimizar” não só os efeitos dessa política, mas como
problemas sociais historicamente produzidos. Para tanto, o discurso de legitimação do
modelo se construíram a partir do caráter de interesse nacional, colocando os recursos
naturais enquanto imprescindíveis para o combate à pobreza e as desigualdades sociais,
fonte de capital necessária para a redistribuição de renda.
Para além disso, o neoextrativismo se compõe pela associação de outras
características fundamentalmente importantes. Acosta (2016) aponta que o novo modelo
de extrativismo, na prática, é uma nova roupagem para o discurso de desenvolvimento e
crescimento econômico já largamente utilizados para legitimar o saque e apropriação dos
recursos desde o período colonial, sem que se levasse em conta a sustentabilidade desses
projetos, o esgotamento dos recursos dos quais ele se sustenta e os efeitos negativos para
as comunidades vítimas desses processos.
A argumentação do autor, nesse sentido, se dá a partir do “paradoxo da
abundância” ou da “maldição dos recursos naturais”, lógica pela qual os países ricos em
recursos naturais criam grande dependência da exportação desses bens e deixam de
“investir” em outros setores, limitando o seu real desenvolvimento e ficando presos em
situações de pobreza. Dentre as diversas razões para o problema econômico da primazia
pela exportação de bens primários, pode-se destacar o fato de:
(...)as matérias-primas se caracterizam comercialmente por sua
baixa elasticidade de renda, pois podem ser substituídas por
elementos sintéticos; porque não possuem poder monopólico,
eliminando qualquer possibilidade de monopólio; porque sua
contribuição tecnológica e de inovação é baixa; e porque a
52
quantidade de matérias-primas utilizada para a fabricação de
produtos manufaturados é cada vez menor. (ACOSTA, 2016, p. 53)
Essa abundância torna-se, portanto, uma maldição: os países ditos
“desenvolvidos” continuam mantendo o controle das exportações nacionais, processando
e comercializando os recursos extraídos na forma de produtos acabados e reproduzindo a
relação metrópole-colônia de tempos pretéritos, além do fato de que ficam nos países
exportadores de bens primários os passivos ambientais e sociais dessa lógica de
apropriação.
Nesse sentido, Acosta (2016) define esse tipo de economia extrativista como
portadora de uma lógica de enclave, ou seja, as atividades primário-exportadores não se
integram ao resto da economia e da sociedade, deixando-as sujeitas às flutuações do
mercado mundial. Como consequência direta, aponta a promoção de relações sociais
clientelistas que apenas levam em conta os lucros das empresas e pouco investem em
planos de desenvolvimento locais, deixando esses países em posições economicamente
atrasadas e com problemas ambientais que são diretamente proporcionais aos ritmos de
expansão das atividades extrativas.
Outra característica marcante é a ênfase nos benefícios da implementação dessas
atividades, tais como geração de postos de trabalho, aumento na arrecadação de impostos
e a propagação, no imaginário das populações que viverão no entorno dos grandes
empreendimentos, da ideia de que todos se beneficiarão, igualmente, dos seus proveitos.
Todo esse contexto criou o cenário propício para a expansão em larga escala dos
extrativismos gerando efeitos diversos que influem sobre a sociedade, o ambiente, a
economia e a política.
Gudynas (2015) descreve os impactos dos empreendimentos extrativistas como
sendo diversos e de grande amplitude, sendo sempre, nesse entendimento,
multidimensionais. No âmbito social, destaca os efeitos sobre a saúde, sobre a qualidade
de vida, sobre as relações comunitárias, migrações, desmantelamento de comunidades e
laços familiares, êxodo rural, entre tantos outros. No âmbito ambiental, os efeitos vão
desde a contaminação do solo e/ou do lençol freático a completa remoção física de um
ecossistema, em processos definidos pelo autor como de amputações ecológicas.
A complexidade e especificidade dos efeitos do neoextrativismo impedem que
sejam aqui listados todos seus possíveis efeitos, contudo, um fator é sistematicamente
encontrado em todos os países que podem se enquadrar dentro desse paradigma é a
violência. Gudynas (2015) esclarece que para além de uma característica, a violência é
53
uma condição da aplicação do modelo. A violência parte tanto das próprias empresas
extrativistas como do próprio governo, em diferentes formas e escalas. A violência e a
violação de direitos, sejam eles através de vias ilegais ou alegais tornaram-se tão graves
e tão intimamente ligados aos processos extrativistas que o autor cunhou uma nova
palavra para caracterizá-los: extraher e o seu derivado extrahección.
Este vocablo tiene su origen en el término latino “extrahere”, donde
“ex” significa fuera y “trahere” alude a quitar y arrastrar hacia si.
Por lo tanto, extraher es aquí presentado para referirse al acto de
tomar o quitar con violencia; es “arrancar” los recursos naturales,
sea de las comunidades como de la naturaleza. De esta manera, la
extraheccion seria el caso más agudo en el gradiente de aprorpiación
de recursos naturales, en tanto se la impone con violencia y se
quiebra el marco de derechos. (GUDYNAS, 2015, p. 127-128)
De acordo com o autor, extrahección ambiental se dá quando se violam os direitos
a qualidade de vida em um ambiente saudável e de acordo com os direitos da natureza,
como por exemplo a perda da qualidade do ar e da água, secagem de nascentes,
desmatamento e a perda da biodiversidade. Já a extrahección social ocorre quando se
rompe com o marco legal dos direitos humanos, que vão desde a garantia de informações
públicas, participação e consulta nos processos de licenciamento ambiental (ou mesmo
antes deles), até processos expropriatórios que se cumprem em detrimento das demandas
de povos e comunidades que historicamente habitaram regiões de implementação desses
projetos.
Zhouri (2016, p. 15) complementa que a materialização do neoextrativismo se
cumpre através de um complexo processo de violência das afetações:
Trata-se de um processo que, definido alhures, pelos mercados
mundiais, materializa-se nos lugares promovendo a expropriação, a
destruição de ecossistemas, a desestruturação de economias
regionais e locais, assim como a morte de formas de ser, fazer e
viver territorializadas. As “afetações” ao meio ambiente, aos modos
de vida comunitários, sejam indígenas ou tradicionais, são também
violentadoras dos processos participativos e dos marcos
regulatórios. A esse conjunto de violências intrínsecas à expansão
da fronteira minerária nos países da América do Sul se somam
também outras modalidades de violência, tais como as violências
epistêmicas, simbólicas e raciais, caracterizando o que autores
lationoamericanos denominam de colonialidade do poder, do saber
e do ser.
54
O setor minerário e sua expansão nas últimas décadas ilustram bem os processos
previamente descritos, principalmente no Brasil, aspectos trabalhados mais
profundamente no tópico subsequente.
2.1 O CENÁRIO DA MINERAÇÃO NO BRASIL
O Brasil, desde os primórdios da colonização portuguesa, tem na mineração um
dos seus principais eixos econômicos. A mineração, sobretudo do ouro, através das
excursões dos bandeirantes em busca de metais preciosos, foi o que propiciou a ocupação
do interior do Brasil e o início das explorações, a princípio, em Minas Gerais. A imagem
de “El Dourado”, trazida pelos colonizadores europeus, foi transformada, conforme se
intensificava a ocupação do território e se aumentava o conhecimento sobre outros
depósitos minerais, no discurso de “vocação minerária”. Esse discurso se estrutura a partir
da acentuação da condição privilegiada do solo brasileiro e da possibilidade de extrair
dele o saldo positivo da nossa balança comercial, proporcionando competitividade a nível
global (CASTRO, ALONSO & NASCIMENTO, 2016).
Além disso, considerando a localização geográfica do país, sua grande extensão
costeira e a fronteira com a maior parte dos países da América do Sul, soma-se a exaltação
do setor, as diversas possiblidades de comércio e rotas de escoamento da produção
(CASTRO, ALONSO & NASCIMENTO, 2016). Dessa forma, desde os primórdios da
colonização, a aposta no setor extrativo coloca sobre ele o peso da economia do país,
condição que, na verdade, apresenta grande potencial de risco e grande vulnerabilidade.
Ainda que o setor de serviços ocupe a maior porcentagem do Produto Interno
Bruto (PIB) Brasileiro, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) para o ano de 2015, a Indústria representa cerca de 18% do total. A indústria
extrativa representa 3,7% de todo o PIB brasileiro, desses, somente a indústria extrativa
mineral representa 1,4% do total.
55
Gráfico 2- Produto Interno Bruto brasileiro (2015)
Fonte: IBGE, 2017 – Elaboração Própria
Atualmente, de acordo com os resultados dos Relatórios Anuais de Lavra,
disponibilizados pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) os recursos
minerais nacionais abrangem uma produção de 72 substâncias minerais, dessas, 23 são
metálicas, 45 não metálicas e 4 energéticas. O cenário de exploração é composto por
9.415 minas em regime de concessão de lavra11 , 1820 lavras garimpeiras, 13.250
licenciamentos e 830 complexos de águas minerais (IBRAM, 2018). Por tamanho,
existem 154 grandes minas de grandes empresas, que produzem mais de um milhão de
toneladas ao ano; 1037 médias, com produções entre 100 mil toneladas e 1 milhão de
toneladas ao ano; 2809 pequenas, no intervalo entre 10 mil toneladas e 100 mil toneladas
ao ano; e, por fim, 5415 micro, com produção menor que 10 mil toneladas/ano.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), em 2017 foram
US$ 32 bilhões exportados, resultados da movimentação de mais de 400 milhões de
toneladas nos portos brasileiros, representando 16,8% do PIB Industrial e 30% do saldo
da balança comercial brasileira. Ainda segundo dados do Instituto, a área ocupada pelo
setor mineral corresponde a 0,5% de todo território nacional, ou seja, algo próximo a
43.000m², área aproximadamente todo o território do estado do Rio de Janeiro.
11 Ato administrativo que outorga o direito de aproveitamento de uma jazida
13%
18%
43%
13%
13%AGROPECUÁRIA
INDÚSTRIA
SERVIÇOS
ADM. PÚBLICA
IMPOSTOS
56
Gráfico 3 - Produção Mineral Brasileira
Fonte: IBRAM, 2017
Como podemos observar no Gráfico 3 o período de intensificação da produção
mineral brasileira, a partir dos anos 2000, corresponde ao que foi denominado, no tópico
anterior, de reprimarização da economia, resultado da adoção do neoextrativismo
enquanto modelo econômico de desenvolvimento. Observamos, também, os picos de
arrecadação do setor no ano de 2011, período de alta nos preços de commodities,
incentivados, principalmente, pelas demandas de minério da China. Na sequência, com a
diminuição da demanda por minérios pelos principais importadores, os preços das
exportações caíram, de US$ 44,2 bilhões em 2011 para US$ 28,4 bilhões, segundo dados
do International Trade Center, diminuindo os valores das arrecadações.
Gráfico 4 - Extração de Minério de Ferro vs Preço do Minério no mercado
internacional
Fonte: MDCI Sistema Comex Vix, 2019 - Elaboração Própria
35
85
135
185
235
285
335
385
435
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Toneladas em milhões Preço (US$/Tonelada)
57
Contudo, como podemos observar no Gráfico 4, para o caso do minério de ferro,
a queda no preço das exportações teve como efeito a intensificação das atividades a fim
de aumentar a escala de produção e redução dos custos fixos, promovendo a expansão da
mineração para áreas antes não exploradas, nas denominadas por Zhouri, Bolados &
Castro (2016), “zonas de sacrifício”. Ou seja, a compensação pela queda dos preços teve
como resultado a intensificação das atividades e exportações. Nesse contexto, há também
a flexibilização das medidas de controle ambiental, fiscalização e monitoramento desses
empreendimentos, a fim de que se reduzam os custos, aumentando, consequentemente o
risco de acidentes de trabalho e desastres ambientais, tais como os desastres tecnológicos
de Mariana, em 2015 e de Brumadinho, em 2019 (ZHOURI, BOLADOS & CASTRO,
2016).
Gráfico 5- Distribuição percentual das substâncias minerais nas exportações brasileiras
em 2018 em dólares
Fonte: IBRAM, 2019
Em 2016 os metálicos corresponderam a 77% do valor total da produção mineral
comercializada pelo Brasil, com destaque para a produção de ferro, ouro, cobre, alumínio,
níquel, manganês, estanho e nióbio. O minério de ferro, nesse contexto, possui expressiva
participação, representando 68% das exportações minerais brasileiras e 8,5% das
exportações totais do Brasil, em dólares, em 2018. Sua extração se concentra,
majoritariamente, nos estados do Pará e de Minas Gerais.
Conforme a U.S. Geological Survey e a Conferência das Nações Unidas para o
Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD), o Brasil é o segundo maior produtor de
58
Minério de Ferro do Mundo, perdendo apenas para a Austrália. As maiores empresas
produtoras no Brasil, são a Vale com 84,52%, CSN com 5,45%, Samarco com 6,29%,
MMX com 2,03% e Usiminas com 1,71% (IBRAM, 2012). De acordo com o Ministério
da Economia, Indústria, Comércio Exterior e Serviços, em 2018, o minério de ferro
ocupou o 3º lugar nas Exportações de Produtos Básicos, sendo seu principal destino a
China, seguido do Japão e Malásia.
Figura 1- Principais destinos do minério de ferro brasileiro
Fonte: MDCI Sistema Comex Vix, 2019
Contudo, apesar da representatividade do setor e dos altos índices, consoantes com
os discursos desenvolvimentistas, na prática, as alíquotas da Compensação Financeira
pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) 12 são insuficientes para a promoção da
qualidade de vida das áreas de instalação desses empreendimentos que, nesse cenário,
perpetuam condições de desigualdades sociais, intensa apropriação de recursos naturais e
inserção subordinada do Brasil no cenário internacional. No ranking de 2018 do Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH), promovido pela Organização das Nações Unidas
(ONU), o Brasil ocupa a 79ª posição, com um IDH de 0,759. Se ajustada a desigualdade
presente no país, a situação torna-se ainda mais grave, fazendo com que o valor caia para
12 Atualmente a CFEM, estabelecida pela Casa Civil da Presidência da República é de 3,5 para o minério
de ferro, 3,0% para a bauxita, manganês, nióbio e sal-gema, 2,0% para diamantes e demais substâncias
minerais e 1,5% para o ouro.
59
0,515 e o país caia 17 posições no ranking. O relatório destaca, ainda, que considerando
o Índice de Gini (51,3), o Brasil é o quarto país mais desigual da América Latina que,
também com economias baseadas no extrativismo, apresentam resultados igualmente
insatisfatórios.
Tabela 1 - Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e Porcentagem de pessoas
vivendo abaixo da linha da pobreza nas principais economias extrativistas na América
Latina
País
IDH
Pobreza Valor Posição
Global
Chile 0.961 44 -
Argentina 0.825 47 -
Uruguai 0.692 55 -
México 0.774 74 43,6 %
Venezuela 0.634 78 -
Brasil 0.759 79 8,7 %
Equador 0.752 86 21,5 %
Peru 0.750 89 20,7 %
Colômbia 0.747 90 28,0 %
Bolívia 0,693 118 39,5 % Fonte: Human Development Indices and Indicators 2018 Statistical Update PNUD – Elaboração Própria
Outro dado importante é a geração de empregos, uma das principais estratégias
utilizadas pelas empresas para convencimento da população de seus benefícios. Segundo
dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), apresentados no Gráfico 6, a
quantidade de vínculos de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) da
Indústria Extrativa Mineral vem apresentando quedas desde 2012, mais um fator que
rompe com o discurso das indústrias extrativas como promotoras de desenvolvimento
local.
60
Gráfico 6- Quantidade de Vínculos CLT Indústria Extrativa Mineral
Fonte: Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), 2019 – Elaboração Própria
A situação torna-se ainda mais grave quando consideramos que as localizações
desses megaempreendimentos não raro coincidem com terras tradicionalmente ocupadas
cujas populações apresentam lógicas próprias de apropriação, uso e ocupação dos
territórios onde vivem. Esse quadro é responsável por transformar profunda e
irreversivelmente os modos de ver, fazer e viver desses grupos sociais através da
modificação dos seus espaços de trabalho e de vida. A expansão desses projetos é,
portanto, responsável por profundos processos de extrahección.
Contudo, de acordo com Zhouri, Laschefski & Pereira (2005), essas populações
não podem ser encaradas como vítimas passivas desses processos: conforme se expandem
os efeitos das atividades extrativistas, crescem também os movimentos, organizações,
associações e redes que buscam manifestar seus desacordos, embaraços, revoltas e
reivindicações frente aos danos que vem sofrendo e propondo alternativas as formas de
desenvolvimento que os sufoca, configurando um cenário de conflito ambiental.
Os conflitos ambientais são (...) aqueles envolvendo grupos sociais com modos
diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem
quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de
apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis
(...) decorrentes do exercício das práticas de outros grupos (ACSELRAD,
2004, p.26)
Nesse sentido, cabe ainda ressaltar que esses grupos, historicamente
marginalizados, possuem condições assimétricas frente as grandes empresas e que a eles
são imputados riscos e danos previamente discutidos nas instâncias deliberativas,
configurando casos de injustiças ambientais.
100.000
120.000
140.000
160.000
180.000
200.000
220.000
240.000
260.000
280.000
61
Entendemos por injustiça ambiental o mecanismo pelo qual
sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social,
destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento
às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos
povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações
marginalizadas e vulneráveis. (LEROY, 2011, p. 1)
De acordo com Zhouri, Laschefski & Pereira (2005), as vítimas das injustiças
ambientais não só são excluídas do dito desenvolvimento defendido pelas grandes
corporações, mas também são as camadas que recebem todo o ônus desse processo. O
Estado, a quem caberia a garantia da proteção dos direitos difusos e coletivos, atua como
mais um perpetuador da violência sobre essas comunidades já que, além de ser o principal
fomentador da implementação dos projetos de desenvolvimento, se utiliza de mecanismos
que garantam a legalização e efetivação dos empreendimentos através, sobretudo, dos
processos de licenciamento ambiental e flexibilização de instrumentos legais,
instrumentos que, na prática legitimam as violências exercidas nos territórios.
2.2 NEOEXTRATIVISMO E EFEITOS DERRAME: A
FLEXIBILIZAÇÃO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL
O licenciamento ambiental é um procedimento administrativo, exigido
legalmente, sob o qual qualquer empreendimento que altere de alguma forma o ambiente,
seja através de poluição ou degradação, devem ser submetidos. Através dele são
autorizadas a localização, instalação, ampliação e operação de empreendimentos e/ou
atividades potencialmente ou poluidoras/degradadoras. Suas políticas são construídas,
principalmente, a partir da Lei 6.938/81, que trata da Política Nacional de Meio Ambiente,
das Resoluções 001/86 e 237/97 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA),
da Lei Complementar 140/11, que trata da cooperação entre os níveis federal, estadual e
municipal na defesa do meio ambiente e, no caso de Minas Gerais, da Lei 21.972/2016
que dispõe sobre o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SISEMA).
Através das licenças ambientais são estabelecidas regras, medidas e restrições que
deverão ser cumpridas pelos licenciados, concernindo aos órgãos municipais, estaduais e
federais a análise, deliberação e fiscalização do seu cumprimento. Atualmente, o
Licenciamento ambiental possui o formato trifásico, ou seja, são concedidos três tipos de
licença: i) a licença prévia (LP), primeira etapa do processo, onde são discutidas as
62
alternativas de locação, a viabilidade do empreendimento e é, também, o momento onde
são realizadas as Audiências Públicas e entregues para avaliação os Estudos e Relatórios
de Impactos Ambientais (EIA/RIMA’s); ii) a licença de instalação (LI), que assim como
o nome revela, concede a autorização para a instalação do empreendimento, cumpridas
as condicionantes da LP e estabelecidas as medidas de controle ambiental dos projetos e;
(iii) a terceira e última licença, a licença de operação (LO) que autoriza o início das
atividades, se regulares as medidas de controle ambiental.
A concessão da licença pode ser de responsabilidade federal, estadual ou mesmo
municipal, a depender do grau de interferência e da extensão dos empreendimentos e/ou
atividades. Se os impactos forem locais, o empreendimento não estiver localizado em
áreas de preservação ambiental e as prefeituras dispuserem de órgão capacitado e
Conselho de Meio Ambiente, o licenciamento se enquadrará na esfera municipal. Se os
impactos atingirem mais de um município e/ou apresentem grande potencial poluidor,
cabe ao estado o seu licenciamento. E, por fim, se o empreendimento se estender por mais
de dois estados e/ou apresentar grande potencial poluidor, fica a cargo do governo federal,
através do Instituto de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a
concessão da licença.
No caso de Minas Gerais, até o ano 2016, as licenças eram julgadas pelo Conselho
Estadual de Política Ambiental (COPAM), órgão subordinado à Secretaria de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), através das suas Unidades
Colegiadas Regionais (URC's.). Contudo, neste ano, o então governador do estado,
Fernando Pimentel, sancionou a Lei 21.972/2016 que dispõe sobre o SISEMA que, entre
diversas alterações, reestrutura as unidades administrativas do órgão. De acordo com a
nova legislação, as análises de licenças ambientais podem ser feitas pela própria SEMAD
ou pelo COPAM, considerando a escala do empreendimento e seu potencial poluidor,
sendo os empreendimentos classificados entre as classes 1 e 4 sob responsabilidade da
SEMAD e os empreendimentos 5 e 6 sob responsabilidade do COPAM, através de suas
Câmaras Técnicas Especializadas - não mais as antigas Câmaras Temáticas. Autoriza,
ainda, a possibilidade de licenças concomitantes e licenciamentos simplificados13.
Segundo Bronz (2011), todo processo de licenciamento ambiental representa
sequência lógica de encadeamento de atos administrativos, sendo uma adaptação de
13 Para mais informações, acessar < http://www.meioambiente.mg.gov.br/regularizacao-
ambiental/modalidades-de-licenciamento-ambiental>
63
modelos desenvolvidos internacionalmente, que passaram a serem requisitos para
investimentos de capitais estrangeiros e nacionais. A exemplo disso temos o fato de que
o Banco Mundial foi a primeira agência unilateral a estabelecer parâmetros para avaliação
de grandes empreendimentos. Dessa forma, podemos observar que o licenciamento
ambiental possui uma lógica própria para ser realizado, tendo sido objeto de estudo de
diversos autores e sob diferentes perspectivas. Neste trabalho optei por adotar a
perspectiva defendida por Martínez-Alier (2009), denominada “evangelho da
ecoeficiência”.
O evangelho da ecoeficiência, corrente hegemônica no campo ambiental, defende
que o mundo vive uma “crise” passível de resolução através de três grandes pilares: o
mercado, as novas tecnologias e o consenso político. Essa corrente se apoia,
substancialmente, no paradigma do desenvolvimento sustentável, ou seja, na conciliação
entre o desenvolvimento, meio ambiente e condições sociais, através de uma gestão
política à luz do cientificismo. O que reflete, na prática, uma proposta conservadora, em
que se adota uma estratégia de administração dos bens naturais de modo que se possa
permitir o crescimento econômico dos países. Dessa forma, se utilizando desse paradigma
e calcados na noção de gestão e sustentabilidade, projetos com diversos fins e efeitos são
implementados sem que as relações de poder intrínsecas as dinâmicas dos processos
sociais sejam analisadas. (ZHOURI, 2008).
Os conselhos gestores do meio ambiente, como é o caso do COPAM, são
instâncias institucionalizadas que representam essa lógica de governança denominada
como “efeito na prática” Zhouri (2008). De acordo com a autora, os diversos órgãos
deliberativos atuam como agências de arbitragem ou de mediação de conflitos, buscando,
assim, soluções tidas como benéficas para ambos os lados. Contudo, considerada a
natureza do conflito – as diferentes formas de apropriação do ambiente em choque – e as
assimetrias entre os atores, esses órgãos acabam por perpetuar a lógica dos
empreendimentos e aprofundar as condições de vulnerabilidade dos povos, grupos e
comunidades atingidos através de “jogos de mitigação” e efeitos compensatórios
(ZHOURI, LASCHEFSKI & PAIVA, 2005).
Entre as limitações estruturais presentes nos processos de licenciamento Zhouri,
Laschefski & Paiva (2005) destacam: a) a ausência de sinergia entre os diversos âmbitos
de planejamento; b) as limitações nas participações da população na elaboração dos
documentos apresentados no processo, tais como Termos de Referência, EIA’s/RIMA’s,
que, por sua vez, se mostram tendenciosos devido as relações entre consultores
64
ambientais e empreendedor; c) as dificuldades de acesso à informação, seja a distância, o
linguajar técnico e mesmo os custos de acesso, que limitam e cerceiam a participação das
comunidades; d) a restrição das Audiências Públicas como único momento onde se é
possível as comunidades se posicionarem frente ao empreendimento, considerada suas
limitações; e) as contradições entre as funções dos órgãos deliberativos, de proteção ao
ambiente e as comunidades e as decisões favoráveis aos empreendimentos, na maioria
das vezes, contrariando pareceres técnicos que apresentam posicionamento contrário.
Além disso, é caso comum a interpretação casuística da legislação a fim de que
esta se adeque as necessidades do empreendedor, ato classificado por Gudynas (2015)
como “alegalidades”. As ‘alegalidades’ são, segundo o autor, práticas que são
formalmente legais, mas, “(...) aprovechan de los vacíos o limitaciones de las normas para
lograr benefícios que claramente están contra el espíritu del marco jurídico” (GUDYNAS,
2015, p. 17).
Quando permanecem os entraves a implantação dos empreendimentos, ainda
segundo o autor, o Estado usa de práticas que flexibilizam tanto os direitos sociais quanto
ambientais. Nos casos das flexibilizações sociais, as demandas locais são
desconsideradas, invisibilizando os atores envolvidos ou, ainda que sejam reconhecidos,
são minimizadas ou desconsideradas as suas denúncias, chegando a casos de deliberações
arbitrárias e que são simplesmente impostas. Já a flexibilização ambiental vem através da
flexibilização de leis e do sucateamento e/ou redução de medidas de controle e
fiscalização das exigências ambientais, medida que afeta a gestão ambiental em todo o
território, provocando “derrames” em todos o país, tais como modificações nas políticas
públicas, economia, no entendimento de justiça e democracia e mesmo sobre os
entendimentos de natureza (GUDYNAS, 2016).
Assim, o licenciamento ambiental, instrumento que foi criado para a avalição da
viabilidade socioambiental dos empreendimentos atua, na prática, como um legitimador
de processos expropriatórios e aprofundador de desigualdades, prevalecendo a lógica dos
grandes empreendimentos frente distintas formas de se apropriar do ambiente bem como
dos seus danos ambientais e, sobretudo, sociais.
O licenciamento ambiental do empreendimento Minas-Rio é exemplo
emblemático das situações previamente descritas, na qual podemos observar a
flexibilização do processo, a negação e minimização das denúncias feitas pelos atingidos
ao longo de mais de dez anos de licenciamento, a falta de informação e decisões
arbitrárias em favor da empresa e incontáveis outros efeitos multidimensionais.
65
CAPÍTULO 3
“Aí as licenças vão saindo, vai andando, vai um passo e quando você
vai vendo vai tomando aquela dimensão. Ali você já não pode entrar
mais, ali a Anglo comprou, ali ela fechou.”
A questão fundiária no processo de licenciamento do empreendimento
Minas-Rio
3.1 O EMPREENDIMENTO
O empreendimento Minas-Rio, originalmente desenvolvido pela empresa MMX
e, desde 2008, pertencente à mineradora Anglo American14, foi um dos maiores projetos
minério-portuários do mundo durante seu período de implementação. Trata-se de uma
operação de exportação de minério de ferro. O empreendimento engloba três grandes
partes que se interligam e compõem o complexo: o empreendimento minerário, que
envolve a mina e a planta de beneficiamento; suas estruturas adjacentes, como a linha
independente de transmissão de energia, a adutora de água, a barragem de rejeitos e as
estruturas administrativas; e as estruturas de escoamento, compostas pelo mineroduto e
pelo porto.
As atividades da lavra a céu aberto, das usinas de beneficiamento e tratamento do
minério, as pilhas de estéril, diques de contenção e barragem de rejeitos estão localizadas
na região da Serra do Espinhaço, na área rural das cidades de Conceição do Mato Dentro
e Alvorada de Minas, em Minas Gerais. A captação de água se dá através da adutora
localizada no município de Dom Joaquim (MG), no Rio do Peixe. Em Itabira (MG) está
localizada a estrutura inicial da linha independente de transmissão de energia, derivada
da subestação da Companhia Energética do Estado de Minas Gerais (CEMIG), que
atravessa nove munícipios ao longo dos seus 89 quilômetros. O mineroduto, que possui
ao todo 529 quilômetros de extensão, parte da cava, em Conceição do Mato Dentro e
desemboca no Porto do Açu, em São João da Barra, norte do estado do Rio de Janeiro.
Em sua trajetória, o mineroduto perpassa 33 municípios, sendo 26 em Minas Gerais e 7
14 A mineradora Anglo American é uma das maiores companhias de mineração do mundo. Possui sede
em Londres e ações negociadas nas bolsas de Londres e Joanesburgo
66
no Rio de Janeiro. As operações do porto são de responsabilidade da empresa Ferroport,
joint venture entre a Anglo American e a empresa Prumo Logística.
Figura 2- Mapa do Complexo Industrial Minas-Rio, traçado do mineroduto
Fonte: Relatório dos Impactos Socioambientais do Complexo Industrial Porto do Açu AGB Rio e Niterói.
Setembro/2011
O primeiro embarque de minério de ferro do empreendimento foi realizado em
outubro de 2014 e sua produção, atualmente em processo de ramp-up15, pretende atingir
a meta de produção de 29,1 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, para
abastecimento do mercado exterior. Segundo o Parecer único da Secretaria de Estado de
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustável (SISEMA) “Apesar de viável
economicamente, o percentual médio do teor de ferro do jazimento é considerado baixo,
implicando extrações de grandes volumes, com grande geração de estéril e rejeitos”
(PARECER SISEMA, 2008).
Apesar de se tratar de um empreendimento único, as diversas estruturas do
complexo foram tratadas por processos administrativos independentes, em órgãos
ambientais também distintos, flexibilizando o licenciamento e, consequentemente,
impedindo uma visão holística do projeto de forma a minimizar seus efeitos. A mina, a
15 É a fase inicial de um processo de produção, marcada pelo crescimento gradual da produção até alcançar
a sua estabilização.
67
usina de beneficiamento e a barragem de rejeitos foram licenciadas em âmbito estadual,
sendo sua LP expedida pelo COPAM em dezembro de 2008. As LI fase I e II16 foram
concedidas em dezembro de 2009 e dezembro de 2010, respectivamente, e sua LO, em
outubro de 2014. Já o mineroduto foi licenciado pelo IBAMA e teve sua LO concedida
em setembro de 2014, antes mesmo da LO da cava da mina, fator fundamental para a
construção do ideal de inexorabilidade do empreendimento. Além disso, o processo de
licenciamento do Porto do Açu foi deliberado pelo órgão ambiental do Rio de Janeiro, o
Instituto Estadual do Ambiente (INEA). Santos & Zucarelli analisam que essa
fragmentação teve como objetivo “diminuir as exigências jurídico administrativas
relativas à avaliação dos impactos e à formação do juízo de viabilidade ambiental do
empreendimento; subsumir ou ocultar efeitos conjuntos, conexos ou transfronteiriços”
(ZUCARELLI & SANTOS, 2016, p. 101).
16 O fracionamento da LI em duas fases (I e II) foi uma das grandes irregularidades do processo. O
procedimento, não previsto pelas normativas que legislam sobre o licenciamento ambiental, foi uma
manobra que permitiu com que as condicionantes cumpridas fossem atreladas a Fase I, enquanto as
descumpridas a Fase II, dessa forma, possibilitou-se o prosseguimento das atividades de implantação das
estruturas sem que fossem resolvidas as medidas relacionadas ao universo dos atingidos (BECKER &
PEREIRA, 2011)
2006
•Início das prospecções
2008
•LP "Step 1"
2009
•LI Fase 1 "Step 1"
2010
•LI Fase 2 "Step 1"
2014
•LO "Step 1"
2015
•LP + LI "Step 2"
2016
•LO "Step 2"
2018
•Janeiro: LI + LP "Step 3"
•Dezembro: LO "Step 3"
Figura 3- Linha do tempo Licenciamento do empreendimento Minas-Rio
68
Ainda, considerando apenas a cava da mina, o projeto já passou por mais duas
fases, a Fase II – Otimização da Cava da Mina e Fase III Expansão da cava da mina, com
LO’s expedidas em outubro de 2016 e dezembro de 2018, respectivamente.17
3.2 O SER OU NÃO ATINGIDO: QUESTÕES FUNDIÁRIAS E
DENÚNCIAS RECORRENTES
Os conflitos resultantes dos processos de aquisição fundiária por grandes
empreendimentos podem ser analisados a partir de diferentes prismas. Nesse trabalho, o
recorte se dará a partir da exposição e análise de como o tema foi tratado no licenciamento
ambiental do empreendimento Minas-Rio e os seus efeitos sobre as comunidades
localizadas nas áreas contíguas às estruturas localizadas em Conceição do Mato Dentro,
Alvorada de Minas e Dom Joaquim. Apesar de o tema ter sido alvo de diversos debates,
sejam em esferas públicas e privadas, dentro desse próprio contexto, permanecem as
práticas violadoras de direitos e se acentuam as condições de vulnerabilidadade das
comunidades que permanecem sem respostas às suas demandas. Para tanto, é necessário
que se tome como ponto de partida a própria definição de atingido, uma vez que ela
permeia todas as discussões relativas à questão fundiária do processo.
De acordo com Vainer (2003), a concepção do termo atingido, apesar de ser
comumente apresentada em documentos e relatórios técnicos a partir de um viés
econômico-financeiro, não é uma noção nem meramente técnica, nem estritamente
econômica. Sua definição, resultado de disputas, está relacionada, sobretudo, ao
reconhecimento e legitimação de direitos e a quem eles resguardam.
(...) estabelecer que determinado grupo social, família ou indivíduo
é, ou foi atingido por determinado empreendimento significa
reconhecer como legítimo – e, em alguns casos, como legal – seu
direito a algum tipo de ressarcimento ou indenização, reabilitação
ou reparação não pecuniária. Isto explica que a abrangência do
conceito seja, ela mesma, objeto de disputa. (VAINER, 2003, p.2)
Nesse sentido, é prática comum nos processos de licenciamento ambiental
brasileiros, que o entendimento da categoria atingido se delimite a partir de uma análise
do custo-benefício dos empreendimento, tendendo a reduzir ao máximo as populações a
17 A barragem de rejeitos, até a data da defesa desta dissertação, ainda não possuía Licença de Operação,
compondo mais uma estratégia de fragmentação do processo, considerando o contexto complexo de
licenciamento de barragens após os crimes de Mariana (2015) e Brumadinho (2019).
69
se enquadrarem no termo, para que, como exposto por Vainer (s.d.), se reduzam os casos
de ressarcimento e indenização e, consequentemente, os gastos do empreendedor.
Segundo Leroy & Acselrad (2011), a definição de atingido:
(...) nasce de um cálculo do custo-benefício da obra, em que os
custos com compensações não devem ultrapassar os ganhos
econômicos gerados com a implementação do projeto.
Considerando-se, portanto, que os atingidos são definidos em
função do menor custo possível, observa-se uma tendência a
minimizar a dimensão dos impactos e consequentemente o número
de pessoas atingidas (LEROY & ACSELRAD, 2011, p. 27).
Um exemplo concreto desse entendimento pode ser observado nos Estudos de
Impacto Ambiental (EIA/RIMA’s), nos quais, não raro são considerados atingidos apenas
os moradores que se encontram em áreas convergentes às estruturas físicas dos
empreendimentos, ou seja, as propriedades cuja aquisição são necessárias para a sua
implantação do que Vainer (2003) descreve como uma abordagem territorial-
patrimonialista. No caso do Minas-Rio, a estratégia se revela, especialmente, na definição
de Área Diretamente Afetada (ADA), apresentada pelo EIA/RIMA:
Considerou-se como área diretamente afetada, a porção de terra que
será utilizada pelo empreendimento, para a consolidação dos
diversos atributos que o caracterizam, tais como as minas de
explotação de minério-de-ferro, a planta de beneficiamento, a
barragem de rejeitos, a pilha de estéril e o sistema viário a ser
utilizado pelo mesmo. A área diretamente afetada representa,
atualmente, uma dimensão físico-espacial e um conjunto de
elementos, atributos e processos antrópicos que nelas se
inscrevem ou ocorrem. (BRANDT MEIO AMBIENTE, 2007,
p.110, grifo meu)
Ou seja, a abordagem territorial-patrimonialista, revelada pelo entendimento de
atingido a partir da dimensão físico-espacial e a restrição aos processos que apenas nele
se apresentam, se transforma em uma estratégia política clara de desconstrução e de
desconsideração de direitos. A definição da ADA e todas as lacunas presentes no EIA
caminham para criação de mecanismos de desapropriação e de desresponsabilização do
empreendedor, principalmente a partir do não reconhecimento das comunidades que
cotidianamente tem que conviver com os efeitos das atividades da mineradora.
No caso do empreendimento Minas-Rio, as disputas em torno do termo remontam
às primeiras reuniões para discussão da LP do projeto e perpassam todo o processo de
licenciamento. Nas instâncias deliberativas, as denúncias em relação ao caráter
70
reducionista dos estudos de impacto ambiental foram pauta de diversas reuniões, onde
foram explicitados as práticas violadoras da empresa em relação às questões fundiárias,
tais como os processos expropriatórios, a falta de parâmetros para o reassentamento, a
impossibilidade de manutenção dos modos de vida e reprodução das comunidades que
não são consideradas atingidas, assim como o impedimento do direito de ir e vir. Milanez
(2012), ressalta, ainda, que a apropriação do conceito de atingidos pela mineração é um
processo em construção, cuja noção inclui diferentes dimensões tais como:
• Atingidos territorialmente: grupos que são deslocados de um
território específico devido à implantação de uma mina; sejam eles
proprietários com título, populações tradicionais ou mesmo
agricultores posseiros;
• Atingidos economicamente: indivíduos que, apesar de não serem
deslocados, sofrem pela interrupção do acesso a áreas produtivas ou
a recursos de subsistência. Entre eles, podem estar comunidades
extrativas que deixam de ter acesso à floresta, pescadores cuja pesca
diminui devido à mudança na qualidade da água, ou ainda
trabalhadores que perderam o emprego devido à mudança da
dinâmica econômica após abertura (ou fechamento) da mina.
• Atingidos por subprojetos: pessoas que foram prejudicadas na
implantação de infraestrutura ou projetos de apoio à operação das
minas, tais como minerodutos, rodovias, ferrovias, portos (...), etc.
• Atingidos socialmente: aqueles que sofreram devido ao aumento
de preço (de terras, moradia, alimentos etc) após o início da
instalação da mina. Inclui ainda as pessoas expostas a situações de
risco – tais como prostituição, uso de drogas, e violência – criadas
depois da chegada dos novos trabalhadores.
• Atingidos ambientalmente: pessoas que passam por processos de
perda de qualidade de vida, devido a mudanças ambientais
decorrentes da atividade mineral. Tais mudanças podem incluir
poluição atmosférica, contaminação hídrica, poluição sonora, ou
mesmo modificação da paisagem.
(MILANEZ, 2012, p. 40-41)
Dessa forma, perceber os efeitos de um entendimento econômico da categoria
atingido requer a compreensão das especificidades presentes nas zonas rurais da região
de Conceição do Mato Dentro e, sobretudo, como o não reconhecimento dos efeitos do
projeto sobre o modo de vida dessas comunidades acabam por anular suas condições de
existência.
A região é caracterizada por uma antiga ocupação que remonta à crise da
mineração colonial e o estabelecimento de um campesinato livre, afrodescendente, nas
regiões de antiga atividade mineradora. Os lavradores e lavradoras, descendentes desse
processo, se organizam hoje através da cultura de subsistência de diversos alimentos, tais
como mandioca, milho, feijão e hortaliças em regimes de meia ou de terça ou em terras
de herança familiar no que Carvalhosa (2016) define como “movimentos de roça”. Esse
71
processo de ocupação também influenciou na constituição de diversos regimes de acesso,
uso e posse da terra, tais como as terras de herança, terras próprias, terras cedidas e as
posses que se caracterizam por regimes fluídos no tempo e no espaço, conjugando formas
privas e comuns de acesso ao território (CARVALHOSA, 2016).
Nesses espaços se conjugam formas de apropriação privada, onde estão
localizadas as terras de plantio, criação e a casa, à espaços de uso comum, regulados
familiar ou coletivamente, tais como os rios e as áreas de extração de lenha. Algumas
dessas comunidades, tais como Mumbuca e Água Santa eram compostas por núcleos
familiares negros que remontam a um passado distante, de tempos próximos à escravidão
(SANTOS, 2009). As terras no bolo não possuem documentos, o que, considerando a
lógica da propriedade privada, abriu espaço para adoção de estratégias de aquisição que
envolveram práticas de violência e expropriação, desconhecendo as formas tradicionais
de apropriação do território, típicos casos de extrahección.
as estratégias para sua aquisição envolveram um forte assédio aos
herdeiros, que eram abordados separadamente e pressionados a
vender seus direitos, sob o argumento da inexorabilidade da obra.
Processos extremamente conflituosos, violentos e desagregadores
foram desencadeados pelo método de negociação da empresa, que
favorecia ou aprofundava desacordos entre herdeiros (SANTOS,
2009, p. 48-49)
Ainda segundo os relatórios, destaca-se a valorização dos quintais que, localizados
ao redor das moradas, é onde se cultivava grande variedade de frutíferas, hortas e
pequenas lavouras. A produção nesses espaços era dividida, ainda, com a criação de
pequenos animais e rebanhos, que produziam os recursos para a produção de leite e
queijo, voltados tanto para a manutenção interna das famílias quanto para a venda do
excedente, comercializados, sobretudo, no Mercado Municipal de Conceição do Mato
Dentro. Todos esses aspectos foram sistematicamente silenciados ao longo do processo
de licenciamento ambiental do Minas-Rio, em que perpetuou o não reconhecimento dos
atingidos bem como dos efeitos cotidianos do empreendimento sobre suas vidas.
Considerando a complexidade das diversas violações vivenciadas pelos últimos
onze anos, a opção metodológica de análise do processo de licenciamento será a
concentração nos aspectos fundiários e nas práticas da empresa para aquisição de terras.
72
3.3 A QUESTÃO FUNDIÁRIA NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL
DO EMPREENDIMENTO
De início, faz-se necessário passarmos mais profundamente pelo histórico de
licenciamento do empreendimento Minas-Rio para que possamos compreender como foi
tratada a questão fundiária no processo. Contudo, parte fundamental desse entendimento
é o fato de que muitas das áreas destinadas à implementação do projeto foram adquiridas
antes do início do licenciamento ambiental através de um empresa denominada Borba
Gato Agropastoril S.A. Segundo relatos dos moradores, entre os anos de 2006 e 2007,
antes mesmo que fosse divulgada a chegada da mineradora na região, um representante
da então subsidiária da MXX, Borba Gato Agropastoril, sondou os moradores da região
e adquiriu propriedades sob o pretexto da criação de cavalos e, mais tarde, para uma
possível plantação de eucaliptos. Assim como no contexto do bandeirante homenageado
pelo nome da empresa, a violência das frentes de expansão que dizimou índios nas
bandeiras de Borba Gato18 se fez refletir nos processos de aquisição fundiária conduzidos
pela MXX e perpetuados pela Anglo American após aquisição do projeto, em 2008.
18 Borba Gato foi um bandeirante paulista à frente de uma das maiores expedições em busca de ouro e
pedras preciosas junto ao sogro, Fernão Dias. Sua função era comandar as tropas de frente, que abriam os
caminhos e preparavam os espaços para a chegada do grupo principal. Disponível em:
<https://www.ebiografia.com/borba_gato/>.
73
Figura 4- Instrumento Particular de Promessa de Compra e venda da Fazenda Passa
Sete
Fonte: Ofício AFB-EXT 243-2009
É importante ressaltar que, nesse momento, a relação entre a MXX e a empresa
era desconhecida pelos moradores. Como consta no documento acima, a empresa sequer
detinha CNPJ registrado no momento da aquisição das primeiras propriedades. De acordo
com Santos & Milanez (2015) a estratégia colocava em prática a gestão de risco potencial
de resistência à venda das propriedades e, também, um possível aumento dos custos de
aquisição ao empreendedor. Após a aquisição, a Borba Gato S.A. repassava as
propriedades, através de contratos de comodato, à Anglo American.
74
Figura 5- Contrato Particular de Comodato de Imóvel Rural firmado entre a empresa
Borba Gato Agropastoril e a Anglo Ferrous Minas-Rio
Fonte: Ofício AFB-EXT 243-2009
Uma vez reconhecida, pelos moradores, a relação entre as duas empresas, criou-
se uma sensação de insegurança e falta de transparência em relação às práticas do
empreendedor que se aprofundaram conforme era maior a presença da empresa na região.
O processo, ainda anterior às discussões da viabilidade do projeto, foram responsáveis
pela fragilização de famílias e laços comunitários, má remuneração dos territórios, bem
como não reconhecimento de direitos de posse e/ou herança. Essas estratégias
comprometeram profunda e irreparavelmente o modo de vida dos moradores e, sobretudo,
cerceamento dos direitos que viriam a ser adquiridos através do Plano de Negociação
Fundiária exigido no licenciamento, já que os contratos de compra e venda, à época, não
atrelavam nenhuma obrigação ao empreendedor. A comunidade Buriti, por exemplo, foi
completamente adquirida à margem do processo de licenciamento, sendo sua existência,
sequer citada nos estudos de impacto ambiental (DIVERSUS, 2011).
No trabalho de campo foi possível colher vários depoimentos,
alguns dramáticos que mostram a situação difícil em que se
encontram vários dos primeiros proprietários induzidos a alienarem
suas terras. Ressalte-se que a negociação se deu em termos bastante
aquém do Programa de Negociação Fundiária, mesmo as ocorridas
no decorrer de 2010. Acrescente-se que vários destes antigos
proprietários denunciam terem sido alvo de negociações sob forte
75
pressão psicológica e alguns relatam terem sido enganados uma vez
que venderam suas propriedades em um contexto em que o
comprador (notadamente a Borba Gato Empreendimentos),
afirmava estar adquirindo terras para a formação de uma fazenda
criatório de cavalos e não para um empreendimento minerário. Foi
possível, por exemplo, localizar o caso de uma família que no
período de um ano as terras valorizaram mais de 500% resultando
em claro prejuízo ao ex-proprietário que não só desconhecia a real
finalidade da negociação como também a condição pecuniária da
mesma obedecia outra realidade. (DIVERSUS, 2011, p.209)
Outra prática comum, nesse momento, foram as desapropriações vias declaração
de utilidade pública em favor da Anglo American, como denunciado pela Comissão de
Atingidos em representação ao Ministério Público Federal, em 2012.
Para garantir os investimentos e a implantação desse projeto, os
governos estaduais e federal tomaram várias medidas e criaram uma
série de incentivos fiscais. No caso de Minas Gerais, declarou-se de
utilidade pública para desapropriação, em favor da empresa Anglo
Ferrous Minas-Rio Mineração S.A., as faixas de terras necessárias
à construção das instalações complementares ao empreendimento
mineroduto Minas-Rio e à implantação das minas de minério de
ferro e da usina de beneficiamento, localizadas nos municípios de
Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas respectivamente.
Desapropriou também 752 propriedades nos 25 municípios por
onde passará o mineroduto. Para instalação das obras e demais
atividades de infraestrutura, decretou serem de utilidade pública as
áreas para intervenção e supressão de vegetação primária ou
secundária, em qualquer estágio de regeneração, localizadas no
Bioma Mata Atlântica, áreas de preservação permanente ou em
outros espaços especialmente protegidos (REPRESENTAÇÃO
MPF, 2012 p. 03)
Segundo o Artigo 59 do Código de Mineração: “Ficam sujeitas a servidões de solo
e subsolo, para os fins de pesquisa ou lavra, não só a propriedade onde se localiza a jazida,
como as limítrofes.” A instituição de servidão minerária é tida como de interesse público
uma vez que atua como um mecanismo de viabilização de uma atividade classificada
como de utilidade pública. Dessa forma, considerando o princípio da utilidade pública,
marco fundamental do Direito Administrativo, o interesse público se sobrepõe ao
interesse individual, não restando aos “superficiários” alternativa que não a expropriação.
Após a desapropriação, as terras eram cercadas e os moradores impedidos de
transitar pelos locais que costumeiramente circulavam, comprometendo o acesso aos
vizinhos e, principalmente, às fontes de água. Dentre as denúncias feitas pelos moradores,
ainda se destacam as medições de terras sem o conhecimento dos proprietários, a
circulação nas propriedades sem licença e/ou autorização de acesso, abertura de caminhos
76
e cercas para passagem de veículo e maquinaria e a remoção e/ou implantação de mata-
burros, porteiras e de outras estruturas, reverberando em duas situações igualmente
graves: os moradores que foram desapropriados de seus territórios sem seguridade
mínima e os que permaneceram nos locais sem as condições de reprodução social
(SANTOS, 2009).
Nesse período, foi formalizado o pedido de Licença Prévia do empreendimento,
em setembro de 2007. Ao mesmo tempo, frente aos diversos desrespeitos sociais e
ambientais que já se figuravam na região, foi criado pelos moradores um fórum de
discussão denominado Fórum de Desenvolvimento Sustentável de Conceição do Mato
Dentro (Fórum CMD) que, através de documentos e manifestações, expunham o cenário
violento presente na região, antes mesmo das discussões em relação ao juízo de
viabilidade do complexo.
Com o início das reuniões na URC Jequitinhonha, em outubro de 2010, graves
questionamentos foram feitos em relação ao EIA/RIMA do empreendimento,
principalmente a não apresentação de um universo de atingidos. O Parecer Único
apresentado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustável
(SISEMA) reiterou questões como a falta de informações em relação à reestruturação
fundiária via reassentamento, a perda e comprometimento de patrimônio e capacidade
produtiva, rompimento de vínculos, tradições e laços familiares, resultantes da atuação
da empresa e a ausência de informações em relação às especificidades da região bem
como divergências quanto ao universo de atingidos .
A área é ocupada por estabelecimentos rurais situados
principalmente em propriedades pequenas e médias, algumas delas
organizadas em comunidades, como a da Água Santa, com 26
famílias, e a da Ferrugem, com 12 famílias. Contudo, a equipe do
SISEMA ainda não conhece o quantitativo preciso do total de
propriedades integrantes da ADA, uma vez que as informações
complementares ao EIA/RIMA referentes a esse dado divergem
entre si (PU SISEMA, 2008, p. 38, grifo meu)
O EIA não trazia um diagnóstico e um cadastro do universo de moradores e
comunidades a serem atingidas pelo empreendimento tampouco um estudo aprofundado
sobre a ocorrência de comunidades tradicionais presentes na região. De acordo com
Santos & Zucarelli (2014) essa se demonstra uma "caracterização restritiva e
homogeneizadora da realidade socioambiental impactada", tornando o universo
sociocultural vazio e camuflando os reais efeitos do empreendimento sobre a região. Tal
como já mencionado, o caráter territorial-patrimonialista (VAINER, 2003) do estudo, só
77
reconheceu duas comunidades: Mumbuca/Água Santa e Ferrugem, as duas que se
encontravam em áreas coincidentes às estruturas físicas do empreendimento.
Segundo o Parecer Único (PU) Nº001/2008 do SISEMA, as duas comunidades se
enquadram na definição de comunidades negras rurais com características tradicionais, o
que exigiria do empreendedor, parâmetros específicos para negociação e reassentamento,
informação não abarcada pelo EIA. Outra questão de grande importância relacionada ao
documento se deve ao caráter das descrições da região presentes no documento:
A instalação de um empreendimento de grande porte em uma região
com baixa atividade econômica, caracterizada por um PIB pequeno
no qual se destaca a participação do setor agropecuário e do setor
de comércio e serviços, ambos caracterizados por baixo nível
tecnológico, incita um processo de comunicação difuso no qual o
nível elevado de desinformação provoca temores e expectativas
muitas vezes infundadas. A desinformação sobre como se dará a
negociação para aquisição, parcial ou integral, das terras pode gerar
um estado de animosidade dos superficiários para com o
empreendedor, já que esses podem ter expectativas muito elevadas
quanto aos valores a serem pagos por suas terras, assim como,
podem crer que receberão valores abaixo do que consideram justo.
Em ambos casos cria-se um elemento complicador para o processo
de negociação. Ademais, a insegurança gerada pode ser classificada
como um distúrbio social. (BRANDT MEIO AMBIENTE, 2007,
p.589)
Assim como revelado por Moura (1988) sobre o perfil que se quer construir sobre
o Vale do Jequitinhonha, a descrição do lugar é feita de forma negativa, ressaltando a
baixa dinamicidade dos setores econômicos presentes na região, a baixa renda, a
tradicionalidade como fator preponderante, o desemprego e outros atributos que, sem a
crítica às especificidades dos modos de vida da região, a descrevem como uma região “de
pobreza absoluta e de estagnação secular” e abrem caminho para o discurso de
desenvolvimento trazido por uma grande empresa como a mineradora, descaracterizando
completamente a região. O PU do SISEMA (2008) destaca a ausência da contabilização
das perdas de produção dos moradores, como as áreas de lavoura, produção de queijo,
farinha e mandioca e o fato de que, embora não tenham sido consideradas significativas
para as economias municipais, são fonte de subsistência e excedente para as famílias
locais.
A despeito das inúmeras irregularidades apontadas, a LP foi concedida em
dezembro de 2008, sem que fossem realizados estudos de áreas disponíveis para um
possível reassentamento das comunidades atingidas, sem um cadastro de atingidos, sejam
78
eles proprietários, meeiros, posseiros ou agregados. Apesar das considerações
relacionadas ao subdimensionamento dos efeitos do empreendimento, realizados no
EIA/RIMA e reconhecidos pela própria SUPRAM, as questões foram postergadas para a
fase subsequente do licenciamento e foram consideradas não impeditivas à viabilidade
socioambiental do projeto.
Esses procedimentos se enquadram no que Zhouri, Laschefski & Paiva (2005)
classificam como o paradigma da adequação ambiental, ou seja, os interesses das grandes
empresas prevalecem sob os danos socioambientais vivenciados pelos atingidos sob a
chancela de uma estrutura institucional democrática. Dessa forma, as comunidades locais,
são usurpadas de seus territórios e/ou das suas condições de existência, ao mesmo tempo
em que são marginalizadas dos processos decisórios, enquanto as etapas procedimentais
continuam em andamento.
As tentativas de minimização das lacunas se desdobraram em condicionantes,
estratégia largamente utilizada durante o licenciamento para que não s paralisasse o
processo, pelo menos quatro delas diretamente relacionadas às questões fundiárias
(condicionantes nº 45, 46, 55 e 7719), com foco para a condicionante de número 45:
Apresentar versão revisada e definitiva do total de propriedades
rurais a serem impactadas – total e parcialmente – em associação
com a localização das estruturas do empreendimento para a
exploração das serras Sapo/ Ferrugem (cava, pilha estéril, barragem
de rejeitos, usina industrial, canteiro de obras, alojamentos, sistema
de captação e adução de água nova, subestação de energia, medida
compensatória). A listagem final deverá conter, no mínimo, para
cada propriedade: nome do proprietário, condição do produtor
(proprietário, posseiro, parceiro, arrendatário); benfeitorias
reprodutivas e não-reprodutivas; área total e área atingida; número
de famílias e população residente; atividades econômicas; mão-de-
obra empregada (PU SISEMA, 2008, p.138)
As inconsistências presentes na autorização da LP mobilizaram os atingidos,
ambientalistas e demais membros do Fórum CMD a realizarem diversas denúncias que
se converteram em um pedido de liminar de suspensão da licença, elaborado pelo MPE.
A liminar foi suspensa, um dia após sua concessão, através de um pedido da Secretaria
Estadual de Meio Ambiente (MAPA DOS CONFLITOS, 2018). Em março de 2010 a
empresa apresenta seu Plano de Controle Ambiental, obrigatório para o pleito da LI,
documento que abarca o Plano de Negociação Fundiária da empresa. Entre as
19 As referidas condicionantes encontram-se nos anexos do presente trabalho.
79
informações, destacam-se os dados de 32 propriedades adquiridas pelo empreendedor
antes do início do processo de licenciamento ambiental, e pesquisados no intuito de
elaboração do plano, com o comprometimento do cadastramento das famílias atingidas,
bem como a consideração de informações básicas como a necessidade de assessoria para
o reassentamento, as condições específicas de categorias como meeiros, posseiros e
agregados, além de condições específicas para as comunidades de Mumbuca/Água Santa
e Ferrugem, onde foram contabilizados um total de 26 famílias na primeira comunidade
e 12 na segunda, respectivamente.
Na sequência, um ano após a LP, a mineradora entrou com o pleito da LI. Essa
nova fase foi marcada pela fragmentação da licença em duas fases: LI Fase 1 e LI Fase 2,
medida não prevista pela legislação ambiental, um caso claro de alegalidade do processo
(GUDYNAS, 2015). As discussões da 37ª reunião da URC Jequitinhonha se
concentraram na discussão da legalidade do desmembramento da licença em duas fases,
mais uma vez, concretizando o paradigma da adequação ambiental (ZHOURI,
LASCHEFSKI & PAIVA, 2005) e nas discussões sobre os parâmetros de reassentamento
dadas as inadequações do Plano de Negociação Fundiária apresentado pela empresa.
O Parecer Único nº 002/2009, levantou questionamentos quanto às contradições
estabelecidas pelo PNF apresentado pela empresa e o fato da conveniência da Anglo
American no reconhecimento dos atingidos conforme seu próprio cronograma. Segundo
a empresa, a maior parte das propriedades da cava da fase 1 já teriam sido adquiridas e
para a fase 1 da LI seriam afetadas 16 propriedades, das quais, apenas 5 a serem
adquiridas. O pedido de vistas de conselheiros adiou a decisão para a reunião subsequente.
Foi apresentado novo Programa de Negociação Fundiária, em
08/10/2009, onde consta a relação de 32 propriedades já adquiridas
pelo empreendedor, sendo todas compradas totalmente, não
havendo área remanescente. Duas delas pertencentes à comunidade
de Ferrugem, que deverá ser reassentada. Como alternativa o
empreendedor propõe a aquisição dessas duas propriedades na
primeira fase de instalação, quando haverá apenas o resgate de flora,
não sendo necessário que os moradores mudem de suas residências,
propõe ainda o remanejamento desses proprietários juntamente com
os demais moradores da Comunidade. No entanto, há contradição
nas informações nos documentos apresentados. Na página 8 do
documento de resposta às informações complementares (AFB-
EXT: 244/2009), o empreendedor afirma que a Comunidade de
Ferrugem não será mais atingida pela pilha de estéril, não sendo
mais considerada ADA e seu reassentamento poderá ocorrer
“oportunamente (...) diante de eventuais incômodos causados
pela proximidade com as atividades do empreendimento” (PU
SISEMA, 2009, p.25)
80
Nesse contexto, a partir da demanda dos atingidos e de ações da própria Secretaria
Estadual de Meio Ambiente, na 38ª reunião da URC Jequitinhonha importantes mudanças
foram feitas em relação à questão fundiária e os conflitos decorrentes da atuação da
empresa nas comunidades atingidas. A maior delas foi a exigência, materializada em
forma de condicionante, da reformulação do PNF apresentado da empresa dadas as
particularidades das famílias atingidas.
O novo PNF deveria considerar, no mínimo, as medidas estipuladas pelo Termo
de Ajustamento de Conduta (TAC) da Usina Hidrelétrica de Irapé 20para o reassentamento
das famílias atingidas. A medida, contudo, na prática, se apresenta como mais um
mecanismo para o prosseguimento das licenças e desresponsabilização da empresa.
Para tanto, também se tornou imperativo a apresentação de um cadastro de
atingidos que possibilitasse ao órgão identificar, de fato, quem seriam os atingidos pelo
empreendimento. A LI Fase I foi, então, concedida em 17 de dezembro de 2009, com
destaque para as condicionantes 54, 65,68, 69 21e, principalmente a condicionante 91, que
tratam da questão fundiária. A condicionante 91 previa uma revisão do PNF a partir dos
parâmetros estabelecidos pelo TAC da UHE Irapé:
Condicionante 91: Aprovada como condicionante as diretrizes
gerais de reassentamento, determinadas pelo Secretário de Estado
de Meio Ambiente, Dr. José Carlos de Carvalho: A prioridade para
a reconstituição dos direitos é o reassentamento; A indenização
monetária, portanto, é instrumento secundário em relação
ao reassentamento, e só poderia ser ativado após a conclusão das
negociações do reassentamento; O prazo para conclusão das
negociações do reassentamento é março de 2010 e para a
implantação do reassentamento o prazo é até julho 2010; O
processo de reassentamento, em termos de área, infraestrutura,
viabilidade agrícola e demais direitos sociais e produtivos atenderá
no mínimo, às diretrizes aprovadas pelo Copam para o
Reassentamento na UHE Irapé; O empreendedor deverá
fornecer o cadastro das famílias atingidas até 10/01/2010; As
negociações com as famílias atingidas obrigatoriamente contarão
com a participação ativa das famílias; A Supram Jequitinhonha
deverá acompanhar as negociações; Todas as questões pertinentes
aos direitos socioambientais, produtores e de Reassentamento das
famílias atingidas, obrigatoriamente, deverão ser objeto de
avaliação e aprovação pela URC JEQ, sob parecer da SUPRAM.
20 O TAC de Irapé foi um acordo firmado entre a Empresa Companhia Energética de Minas Gerais
(CEMIG), a Fundação Estadual de Meio Ambiente (FEAM) e as comunidades atingidas pelo
empreendimento, através da coordenação do MPE. O termo, considerado referência em conquistas de
direitos, aborda de modo enfático a necessidade de consideração dos aspectos sociais e ambientais das
comunidades atingidas pela hidrelétrica, incorporando em suas análises, por exemplo, os modos de vida e
reprodução das comunidades, as dinâmicas territoriais, os saberes tradicionais e a importância do
reassentamento coletivo para minimizar a perda das relações sociais entre as famílias. 21 As referidas condicionantes encontram-se nos anexos do presente trabalho.
81
(ATA DA 38ª REUNIÃO DA URC JEQUITINHONHA, 2009,
grifo meu).
Dessa forma, conforme o cronograma estabelecido pela Condicionante 91 da
concessão da LI Fase 1, estava exigido a realização de um cadastro de famílias atingidas.
No dia 08 de janeiro de 2010, o empreendedor, por meio do ofício AFB-EXT 004/2010,
apresentou um primeiro cadastro, que apresentava 12 núcleos familiares de prosseiros de
4 propriedades já adquiridas pelo empreendedor, 3 delas já reasseantadas; 22 núcleos
familiares de 14 propriedades não adquiridas na área da barragem e 13 núcleos familiares
de 13 propriedades também não adquiridas na comunidade Ferrugem. Cadastro
considerado incompleto pela Comissão de Atingidos. No dia 19 de março de 2010 foi
realizada uma reunião na Comunidade Mumbuca, com a presença de moradores das
comunidades Água Santa, Água Quente e Ferrugem, assim como representantes do
SISEMA, do MPF e da FETAEMG. Na ocasião, foram apresentados os parâmetros de
reassentamento estabelecidos pelo TAC de Irapé e discutida a urgência da apresentação
de um cadastro de atingidos, instrumento fundamental para o início das negociações. Um
dos elementos fundamentais da reunião foi o contato com a realidade vivenciada pelos
moradores que, dada a discrepância entre os licenciamentos da estrutura, já conviviam
com as atividades de implementação do mineroduto, que já havia obtido a licença de
instalação pelo IBAMA.
Dessa forma, devido ao descompasso entre os processos e a dificuldade em se
encaminhar o reassentamento das comunidades, os moradores eram obrigados a conviver
com o assoreamento de rios e secamento de nascentes, poeira, barulho, trânsito de
máquinas, equipamentos e trabalhadores, entre diversos outros efeitos da instalação da
estrutura. À época, os moradores solicitaram a paralisação das atividades até que o
processo de negociação se concretizasse, visto que o panorama da região e as condições
degradantes aos quais estavam submetidos funcionavam como fatores de pressão para a
saída dos moradores da localidade e, dessa forma, comprometedores das negociações
(ATA DA 42º REUNIÃO DA URC JEQUITINHONHA, 2010).
É a implementação dessa mínima garantia às comunidades afetadas
que se encontra sob sério risco, caso a situação verificada ao longo
da vistoria perdure durante as negociações: as famílias vem sendo
paulatinamente inviabilizadas em seus locais de moradia, há meses,
sem que nenhuma medida, por parte de qualquer órgão fiscalizador,
seja do Estado, seja da União, tenha sido efetivada, para impedir
que tal situação se perpetuasse; no atual momento, já desesperadas
com sua situação, essas famílias começam a manifestar urgência em
82
abandonarem seus lugares, negociando seus patrimônios sem a
tranquilidade necessária para assegurarem que suas condições de
vida sejam recriadas em outro lugar. (INFORMAÇÃO TÉCNICA
Nº 05/2010 apud Diversus, 2011, p. 203)
Na 42ª reunião da URC Jequitinhonha, realizada em maio de 2010, foi apresentado
pelo empreendedor um documento com novas diretrizes para a elaboração do cadastro de
atingidos, contudo, a Comissão de Atingidos denunciou que o cadastro enviado pela
empresa não estava completo e que houve muita dificuldade na interpretação e análise
dos parâmetros colocados pelo empreendedor. Os atingidos questionavam,
principalmente, o fato de o critério espacial, utilizado pela empresa para a definição do
ser ou não atingido, negligenciava os efeitos do empreendimento sobre as demais
comunidades que não se enquadravam no conceito de ADA por eles estabelecido. Um
dos resultados dos enfrentamentos estabelecidos nas reuniões foi a manobra de mais um
recorte restritivo do universo de atingidos: o atingido emergencial, que englobaria as
comunidades de Mumbuca/Água Santa e Ferrugem frente à outras comunidades, aos
quais seria assegurado um processo de “negociação” mais rápida considerada as
condições do mineroduto, aprofundando o processo de fragmentação das famílias. A
distinção entre atingidos e atingidos emergenciais é uma manobra não contida no TAC
de Irapé, o que pode ser considerado como mais uma alegalidade do processo.
Nesse caso, a “emergência” parece ter sempre estado a favor do
empreendimento. As situações emergenciais como ficaram expostas
nos depoimentos de vários entrevistados são vistas como um
empecilho ao desenvolvimento do projeto e, portanto, são sempre
representadas nos discursos de transferências das famílias como
ônus e não como conseqüência de um empreendimento que
modifica a paisagem social, cultural, ambiental e econômica da
região. Até mesmo entre as famílias consideradas “emergenciais”
foi criada uma nova subdivisão quando da reunião da SUPRAM de
Diamantina de dezembro de 2010 que aprovou a Licença de
Instalação – Fase 2 (a licença de instalação também fora
fragmentada em duas) e determinou o reassentamento de quatro
famílias em um prazo inferior aos demais. Dentre estas quatro
famílias, uma era de Passa Sete e nem fazia parte das famílias de
Ferrugem e Mumbuca/Água Santa, anteriormente indicadas como
emergenciais. (DIVERSUS, 2011, p. 171-172).
Entre a 42ª e a 43ª Reunião da URC Jequitinhonha foi apresentado, pelo
empreendedor um ofício (AFB-EXT: 091/2010, posteriormente substituído pelo AFB
EXT: 102/2010) com uma lista de moradores considerado em situação emergencial,
documento encaminhado para a Comissão de Atingidos. A Comissão de Atingidos
83
realizou acréscimos ao documento que foi protocolado através do ofício AFB-EXT
118/2010, contudo, os questionamentos quanto à restrição do universo de atingidos
apenas às comunidades de Mumbuca/Água Santa e Ferrugem, permaneceram. Na 43ª
Reunião da URC Jequitinhonha, considerando o impasse em torno do conceito de
atingido entre os moradores e o empreendedor, para além da validação dos cadastros de
Mumbuca e Ferrugem22, ficou decidido que:
Que seja custeado pela empreendedora Anglo Ferrous, um
laudo confeccionado por empresa independente, de notório saber
técnico, a ser indicada pela Comissão de Atingidos, relativamente à
caracterização da ADA-área diretamente afetada e AID-Área de
influência direta. Prazos: 20 dias para a indicação de 03 empresas,
pela Comissão de Atingidos, devendo a indicação ser protocolada
no escritório da Anglo Ferrous em Conceição do Mato Dentro. 20
dias para a contratação da empresa indicada. Na reunião da URC
subsequente à contratação, apresentação da metodologia (ATA DA
43ª REUNIÃO DA URC JEQUITINHONHA, 2010)
A empresa escolhida pela Comissão de Atingidos foi a Diversus Consultores
Associados LTDA, cuja metodologia foi apresentada e aprovada na 45ª Reunião da URC,
em 12 de agosto de 2010. Paralelamente, foi estabelecido um processo de negociação,
realizado pela empresa, pelo MPE, Defensoria Pública Estadual, Pastoral da Terra e
SUPRAM, que envolvia a assinatura de um “Termo de Acordo para Validação do
Cadastro Patrimonial e Definição, pelo Atingido, da Modalidade de Negociação” entre
os moradores e o empreendedor onde a validação do cadastro de atingidos era um pré-
requisito e onde, também, era escolhido uma modalidade de remanejamento entre as
opções apresentadas pelo empreendedor.
É importante notar que, um dos importantes questionamentos feitos pela
Comissão de Atingidos, estava ligada ao fato de que os moradores eram livres para
escolher os modelos de negociação, porém, desconheciam as vantagens e desvantagens
de cada opção, bem como a ausência de participação do MPF, um dos principais
questionadores do PNF ao longo do processo de negociação (DIVERSUS, 2011). A
alegação se dava, sobretudo, pelo PNF privilegiar o reassentamento individual através de
maiores vantagens monetárias. Por fim, é de se questionar o propósito da contratação de
22 Nesse processo, houve ainda mais uma fragmentação, a criação de mais uma categoria de atingido: o
atingido emergencial pela água, o caso da comunidade Água Quente. Segundo o empreendedor, os efeitos
do empreendimento pela comunidade eram passíveis de serem resolvidos por medidas mitigatórias, não
sendo necessário, portanto, a sua inclusão à categoria emergencial e tão pouco seu enquadramento no PNF.
84
um estudo, ainda não finalizado, que tinha como objetivo um diagnóstico sobre as
comunidades, incluindo as emergenciais, ao mesmo tempo em que ocorreram
negociações paralelas com as famílias da ADA.
No mesmo período, em agosto de 2010, foi entregue a versão final do novo PNF
elaborado pela Anglo American. O programa propunha três linhas de ação: a negociação
com proprietários, a negociação com não-proprietários e a negociação com comunidades
rurais que, consideradas suas especificidades, obtiveram linhas de negociação específicas.
Os dois modelos propostos pelo novo PNF da empresa, para as comunidades em situação
de vulnerabilidade23 foram:
Reassentamento coletivo: Neste modelo, cada chefe de família
recebe 20 hectares de terra, sendo que cada filho casado ou maior
de idade, residente na propriedade, recebe adicionalmente 10
hectares. Serão fornecidos ainda 20 hectares para o total dos filhos
herdeiros não residentes na propriedade. Será construída ainda uma
casa em consenso com a Comissão. Por fim serão fornecidos água,
luz, cesta básica, sementes e assistência técnica, por pelo menos
dois anos, até que a família se restabeleça. (...) Valores monetários
+ remanejamento individual: Neste modelo será pago o valor
pecuniário correspondente à propriedade e suas benfeitorias,
sendo fornecido 20 ha de terra para o chefe de família e 10 ha para
cada filho residente, maior de 18 anos ou casado. Para os herdeiros
não residentes será fornecido um total de 20 ha. O proprietário
receberá o valor integral em dinheiro do patrimônio avaliado no
cadastro patrimonial, tendo o direito de retirar o
material construtivo da antiga propriedade. Será construída uma
casa de 62,8 m², podendo aumentar em até 40 m², sendo fornecidos,
água, energia elétrica, sementes e assistência técnica por 3 anos e
cesta básica por um ano. O acompanhamento de assistente social se
dará por pelo menos um ano. Está previsto o desenvolvimento de
projetos arquitetônicos específicos para as famílias com portadores
de necessidades especiais e idosos. (GEONATURA, PNF, 2010, p.
13-14)
O Programa de Negociação Fundiária concentra a maior parte das suas linhas de
ação e seus parâmetros estabelecidos em torno dos dois modelos acima referenciados,
desconsiderando, dessa forma, as demais comunidades atingidas e reiterando o
entendimento das propostas de “negociação” se restringirem apenas à ADA do
empreendimento, indo de encontro com as premissas do TAC de Irapé, onde uma das
dimensões prevista era o reconhecimento de outras dimensões territoriais que não a posse.
23 A questão da compreensão do que a empresa definia e reconhecia como vulnerabilidade foi assunto
amplamente discutido durante as reuniões da URC Jequitinhonha, através de questionamentos dos próprios
atingidos e do representante do Ministério Público Estadual. Contudo, não existem respostas para os
critérios utilizados pela empresa para a definição dos quadros de vulneráveis ou não vulneráveis. O conceito
foi utilizado, dentro do PNF, sobretudo, para restringir o número de atingidos e cercear direitos.
85
Será reconhecido o direito ao reassentamento a pessoas físicas ou
entidades familiares que, embora não atingidas diretamente pela
implantação do empreendimento, ficarão isoladas, seja devido à
remoção das famílias vizinhas – implicando desestruturação de
relações sociais, afetivas e produtivas – seja em razão da
desativação de serviços básicos hoje existentes (escolas, posto de
saúde, acessos, telefonia, dentre outros) (TAC DE IRAPÉ, 2002,
p.15).
Ou seja, o principal objetivo do novo PNF, a partir do TAC de Irapé, era que se
fossem pesados os efeitos do empreendimento para além do reconhecimento simples dado
pela relação estrutura do empreendimento vs comunidades localizadas nas áreas de
interesse do empreendedor, contudo, permaneceram as mesmas insuficiências do plano
anterior. Para, além disso, as “negociações” e os reassentamentos ocorreram de forma
individualizada e segmentada, agravando a fragmentação dos grupos e famílias.
Em 14 de outubro de 2010 foi aprovado o Cadastro Socioeconômico dos
Atingidos e o novo Programa de Negociação Fundiária. A decisão pela aprovação do
PNF, sem que existisse a definição do universo de atingidos, bem como a decisão pela
contratação de um diagnóstico aprofundado da ADA e AID, contraria os próprios
objetivos lógicos estabelecidos pelos conselheiros, já que, o Estudo da Diversus é quem
deveria analisar o cumprimento do PNF e quais famílias deveriam ser contempladas.
Em 9 de dezembro de 2010 foi concedida a LI Fase II do empreendimento, sem
que fossem consideradas as condicionantes estabelecidas pela LP e tão pouco foram
cumpridos os prazos por elas estabelecidos, assim como das condicionantes da LI Fase I.
Mais uma vez, foram estabelecidas dezenas de condicionantes, das quais, destacamos as
de número 58, 60, 61, 62, 64, 66, 67,70 e 7224, relacionadas ao PNF. Ao mesmo tempo,
os moradores conviviam com o aprofundamento dos efeitos do empreendimento e
agravamento das condições de permanência das famílias, considerando as obras das
estruturas da mina e do mineroduto, situação que, uma vez mais, pressionava os
moradores a saírem do local.
No dia 10 de agosto de 2011 a empresa foi autuada por descumprir e cumprir fora
do prazo condicionantes aprovadas na LI Fase II, dentre elas, as condicionantes
60,61,64,66 e 67, relativas ao PNF. Quase um ano depois, em outubro de 2012, foi pedido
um recurso à SUPRAM relativo a autuação, sendo o pedido negado pelos conselheiros e
pelo setor jurídico da SUPRAM, na 68º Reunião da URC Jequitinhonha. Também, em
24 As referidas condicionantes encontram-se nos anexos do presente trabalho.
86
agosto de 2011, foi protocolado junto à SUPRAM o estudo da empresa Diversus
intitulado “Diagnóstico Socioeconômico da Área Diretamente Afetada e da Área de
Influência Direta do empreendimento Anglo Ferrous Minas-Rio Mineração S.A. Lavra a
Céu Aberto com Tratamento a Úmido Minério de Ferro - Conceição do Mato Dentro,
Alvorada de Minas e Dom Joaquim/MG”.
O diagnóstico apresentou, para além do levantamento de diversos efeitos do
empreendimento sobre os modos de vida e reprodução das comunidades no entorno do
empreendimento, um universo de mais de quatrocentas famílias, distribuídas em vinte e
duas comunidades, conjunto muito mais abrangente que as duas comunidades levantadas
consideradas no EIA/RIMA. Todavia, o estudo demorou cerca de dois anos para ser
pautado pelos conselheiros da URC Jequitinhonha, a despeito das inúmeras intervenções
questionando a protelação de sua análise ao longo das reuniões realizadas neste período.
Figura 6- Mapa das comunidades atingidas pelo projeto Minas-Rio de acordo com o
Relatório da Diversus (2011)
Fonte: Diagnóstico Socioeconômico da Área Diretamente Afetada e da Área de Influência Direta
do empreendimento Anglo Ferrous Minas-Rio Mineração S.A. Lavra a Céu Aberto com Tratamento a
Úmido Minério de Ferro - Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim/MG
87
No ano de 2012 foi coordenada pelo MPE uma Audiência Pública onde os
principais questionamentos levantados pelos moradores eram relativos ao
reconhecimento de atingidos, os contratos de compra e venda de terras, o não
cumprimento das cláusulas do PNF, a invasão de terras e a retirada, sem autorização, de
porteiras, cercas e outros equipamentos utilizados para a delimitação de propriedades
(JORNAL ESTADO DE MINAS, 2012). Este momento foi marcado pela sensação da
retomada da atenção do poder público em relação à situação vivenciada na região, sendo
visto pelos moradores como uma “saída da situação de abandono”, colocando o
Ministério Público em uma situação de grande estima.25 Um dos principais
desdobramentos da audiência, para além de três recomendações legais emitidas de forma
conjunta pelo MPF, MPE e Defensoria Pública que exigiam o fim do ciclo de violações
sociais e ambientais, foi a instituição da Rede de Acompanhamento Socioambiental
(REASA). A rede, dirigida pela Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social
(CIMOS)26, possuía representantes dos atingidos, empreendedor, representantes do poder
público e movimentos sociais e tinha como objetivo promover soluções para instaurados
desde a chegada do empreendimento, sobretudo, no âmbito do licenciamento ambiental.
A proposta da rede era a criação de espaços de reuniões mensais, nas comunidades
afetadas pelo empreendimento, para que se fossem discutidos os efeitos não
contemplados no licenciamento. No total, foram realizadas treze reuniões, entre maio de
2012 e agosto de 2013, incluindo duas audiências públicas. As duas Audiências Públicas
foram realizadas na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), espaço onde os
moradores noticiaram as aquisições de terras ao largo do processo de licenciamento, os
efeitos das práticas da empresa sob os laços familiares e as relações entre as comunidades
(PRATES, 2014).
Após quase dois anos de cobranças dos atingidos e de alguns dos conselheiros,
quanto à indefinição do universo de atingidos, as 73ª, 75ª e 76ª Reuniões da URC
Jequitinhonha 27retomaram a pauta do estudo levantado pela empresa de consultoria
Diversus. Na ocasião, foram apresentados aos conselheiros o Diagnóstico da ADA e AID
25 Contudo, as falsas esperanças propiciadas pelas repetidas reuniões, falsas expectativas e promessas, ao
longo dos anos, se converteram em descrédito dos moradores quanto à eficácia das reuniões, medidas e
ações que não se consolidavam em garantias de direitos e/ou mudança das condições na região
26 A CIMOS é um órgão auxiliar do Ministério Público Estadual que tem como objetivo mobilizar
movimentos sociais, organizações não governamentais (ONGs) e grupos em situação de vulnerabilidade 27 As reuniões foram realizadas nos dias 09/05/2013, 12/07/2013 e 24/07/2013, respectivamente.
88
bem como um adendo, denominado “Síntese do Diagnóstico Socioeconômico da Área
Diretamente Afetada (ADA) e Área de Influência Direta (AID) da Mina da Anglo Ferrous
Minas-Rio Mineração S/A” realizado pela mesma empresa e protocolado em 2012, em
resposta à uma solicitação da SEMAD e da Anglo American. No conteúdo do adendo, é
possível perceber as pressões tanto da empresa, quanto da SEMAD, em relação ao
universo de atingidos estabelecidos pelo estudo, que incorporou todos os moradores da
ADA e AID do empreendimento, bem como tentativas de intervenção nos resultados.
No início de fevereiro de 2012 a Diversus foi convidada para uma
reunião com membros da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) e da empresa Anglo
American. Esta reunião ocorreu dia 10 de fevereiro, na Sala 04 do
3º andar do Prédio Minas da Cidade Administrativa de Minas Gerais
(...) Naquela oportunidade tanto os representantes da SEMAD
quanto da Anglo American informaram que tinham dúvidas quanto
ao resultado final do trabalho desenvolvido pela Diversus em
atendimento à determinação do Conselho Estadual de Política
Ambiental da Unidade Regional Colegiada do Jequitinhonha,
publicada no Diário Oficial de 15 de junho de 2010. O principal
questionamento a este respeito seria a falta de definição de quem
está na ADA e quem está na AID. A Diversus se manifestou
contrária a este entendimento não só por considerar que o trabalho
não tinha este objetivo como, de resto, por entender que as
informações a este respeito efetivamente já se encontram
disponíveis através dos resultados do trabalho realizado. Não
havendo concordância a este respeito, a Diversus se comprometeu
a elaborar uma “Síntese do Diagnóstico Socioeconômico da Área
Diretamente Afetada (ADA) e Área de Influência Direta (AID) da
Mina da Anglo Ferrous Minas-Rio Mineração S/A”, a ser
protocolada em todas as instâncias em que o trabalho original foi
protocolado. (DIVERSUS, 2012)
Com o descontentamento da expansão do conceito de atingidos para toda a ADA
e AID através do relatório da Diversus, a Anglo American contratou um novo estudo em
contraposição ao diagnóstico, realizado por outra consultoria, a Ferreira Rocha Gestão de
Projetos Sustentáveis. Segundo o Parecer Único nº. 1317868/2013 o Relatório Ferreira
Rocha tinha como objetivo classificar os impactos levantados pela própria Diversos em
“impactos reais” ou “impactos supostos”, definindo a ADA, AID e AII do
empreendimento, assim como identificar os impactos que seriam ou não mitigáveis e, a
partir disso, chegar a uma lista de atingidos diretos. A categoria “impacto suposto”,
desconhecida na literatura especializada, é uma distorção conceitual utilizada com fins de
deslegitimação das narrativas e reivindicações dos atingidos (GESTA, 2014).
As reuniões 73ª, 75ª e 76ª foram caracterizadas pela falta de entendimento da
contratação de um novo estudo paralelo ao da Diversus, o questionamento na morosidade
para se pautar o primeiro estudo e se caberia ou não a apresentação do estudo da Ferreira
89
Rocha. Em razão da falta de entendimento quanto às questões, os processos foram
retirados de pauta. As 77ª e 78ª Reuniões da URC Jequitinhonha retomaram as discussões
sobre o estudo e ficou decidido que o estudo Ferreira Rocha só seria apresentado à
SUPRAM após uma apresentação para as comunidades.
Todavia, os dados contidos no documento foram utilizados para contrapor a
apresentação dos técnicos da Diversus bem como deslegitimar todo o processo de
discussão do universo de atingidos, uma vez que retomam as definições dadas pelo
empreendedor no EIA/RIMA. Segundo Parecer Único do Diagnóstico da Diversus:
A consultoria contratada pela Anglo American foi a Ferreira Rocha
Gestão de Projetos Sustentáveis, que realizou um trabalho
utilizando como base o Diagnóstico da Diversus, o EIA, bem como
as informações complementares e condicionantes impostas pela
URC. Neste sentido, considerando as estruturas já definidas e
alocadas e aprovadas para o empreendimento, entende-se que não
ocorreu alteração nos limites da ADA, considerando os impactos
apontados quanto a qualidade do ar, transporte, ruídos e vibrações,
recursos hídricos e serviços públicos. No que tange aos problemas
apontados no âmbito do Programa de Negociação Fundiária,
entende a equipe analista que referido programa visa atender
as famílias reassentadas inseridas na Área Diretamente Afetada, não
sendo objeto deste parecer, vez que a questão em discussão é a
caracterização da ADA e AID do empreendimento. (PU SEMAD,
2013, p. 31)
Ainda, a SUPRAM questionou o fato de que a caracterização socioeconômica
desenvolvida pela Diversus deveria entregar, clara e objetivamente, uma lista de famílias
que deveriam ser incluídas no PNF do empreendedor, o que, segundo os pareceres dos
conselheiros da URC, não foi realizado. Apesar das tentativas de explicação dos técnicos
da consultora ambiental, de que eles teriam sido contratados para realizar um diagnóstico
da ADA e AID do empreendimento, e que no estudo constariam todas as informações
solicitadas, assim como o entendimento dos consultores de que, todas as famílias
apresentadas no estudo sofrem os efeitos do empreendimento e, por isso, deveriam ser
considerados atingidos, ressalvando que isso não diz sobre o fato de reassentamento de
todas as comunidades. Dessa forma, a SUPRAM encomendou um novo trabalho,
complementar, no qual estivesse em seu conteúdo quais famílias deveriam ser assistidas
pelo PNF. As considerações sobre esse novo estudo e as discussões quanto aos atingidos
foram proteladas até setembro de 2014, quando foi pautada a LO do empreendimento.
Em 18 de setembro de 2014, na ocasião da 85ª Reunião da URC Jequitinhonha,
após anos de silenciamento sistemático e a partir da agudização dos quadros
90
socioambientais desde as operações de instalação do empreendimento, os atingidos
buscaram, de diversas formas, se fazerem ouvidos. As manifestações foram tantas, que o
presidente da mesa de conselheiros optou por encerrar a reunião sem que se fosse
discutida a pauta da Anglo American. Na tentativa de evitar a mesma situação, na reunião
seguinte, com claro propósito de desmobilização da população, a reunião foi transferida
para o ginásio poliesportivo da cidade de Diamantina. 28
A 86ª Reunião da URC Jequitinhonha, em 29 de setembro de 2014, 29apenas onze
dias após a reunião anterior foi qualificada, em suas mais de dez horas de extensão, pela
forte repressão policial, por graves questionamentos em relação à falta de definição do
universo de atingidos – Condicionante da LP -, e denúncias sobre as condições as quais
os moradores estavam submetidos, como a falta de água, poeira, barulho, temor da
barragem de rejeitos, quebra de vínculos familiares, perda de lavouras e animais, entre
diversos outros. Pauta recorrente foi tanto a condição insalubre dos que ficaram quanto
as péssimas condições dos reassentados, como pode ser demonstrado nas seguintes falas:
Quando foi falado essa questão de Condicionantes, o pessoal que
começou a ser tratado de primeira, esse processo já começou
viciado, já começou com mentira, porque antes da Anglo American,
a MMX, as primeiras propriedades que ela comprou não falaram
que era para Mineradora, falaram que era para fazer grandes
fazendas. Só que acontece, acabou e pessoal que vendeu, até hoje
não tem a documentação, então acaba que a regularização fundiária
não se deu de fato. Não tem documentação, boa parte não foi
engambelado, as famílias não foram consideradas, não foram
agrupadas; os herdeiros ou dependentes não foram considerados de
boa parte dessa galera e a classificação ficou subjetiva à Anglo, esse
processo está viciado. (ATA DA 86ª REUNIÃO URC
JEQUITINHONHA, 2014)
Eu morava na Comunidade de Água Santa, hoje eu moro na
Comunidade do Gondó. Na realidade é que a Maria Andressa está
falando, eu sinto triste de meus filhos chegarem e eles não puderam
dormir dentro de casa, porque a minha casa era de 12 cômodos lá
na Água Santa. Hoje eu moro numa casa de 04 cômodos, porque
são 02 quartos dormitórios, sala e uma copazinha, minha cozinha é
aberta. Então, eu sinto muito triste com isso, de eu fechar a porta e
meus filhos estarem do lado de fora dormindo e eu dentro de casa.
28 Uma minuciosa descrição da reunião pode ser encontrada no trabalho de conclusão de curso do
pesquisador Gabriel Ribeiro Filho, intitulado “Mineração e pessoas que fazem a diferença: uma pesquisa
exploratória sobre estratégias de negociação no contexto do licenciamento ambiental de complexo
minerário na Bacia do Rio Santo Antônio/MG”, defendido em 2015 na Universidade Federal de Minas
Gerais. 29 A 86ª Reunião da URC Jequitinhonha foi objeto de profunda análise do pesquisador Vinícius Villela
Penna, intitulado “A construção da legalidade no licenciamento ambiental do empreendimento Minas-Rio:
Estudo de caso da 86ª Reunião Ordinária da URC-Jequitinhonha”, defendido em 2016 na Universidade
Federal de Minas Gerais
91
E outra, eles não tiveram direito a nada, isso para mim traz muita
tristeza mesmo. Como o Dr. Felipe sabe o meu caso, o Dr. Marcelo,
o pessoal da Diversus, eles foram lá na minha casa na Água Santa,
viram o tamanho da minha casa, eles estão acompanhando nós
desde o início, que foi em 2008 que a gente negociou. Lá eu fazia
doce e na Comunidade eu não posso fazer, porque nem lugar eu
tenho para mexer com isso, porque meus negócios foram todos
feitos depressa, mandaram eu sair depressa porque eles precisam da
área lá para trabalhar. E nem um caminhão para favorecer a minha
mudança eles não forneceram, eu e meu esposo que tivemos que
pagar. (ATA DA 86ª REUNIÃO URC JEQUITINHONHA, 2014)
Tanto os atingidos, quando o Ministério Público, questionaram sobre o não
cumprimento de condicionantes e a complexidade que seria votar a licença, naquele
momento, sem que se conhecesse ou se reconhecesse, quem de fato eram os atingidos.
Para além disso, considerando a questão fundiária, cobraram respostas quanto à
flexibilização do PNF que, segundo próprio parecer do MP não cumpria com os
parâmetros estabelecidos no TAC de Irapé, bem como o fato da incoerência de se pautar
a LO do empreendimento sem que se considerasse o novo estudo da Diversus
encomendado pelo próprio órgão. Quando questionados sobre as trinta e duas famílias
que negociaram antes do início do processo de licenciamento, os técnicos da SUPRAM
responderam que, segundo estudos realizados pela própria Anglo, apenas sete famílias se
enquadrariam no definição de “vulneráveis” e, portanto, apenas essas seriam incluídas no
PNF e receberiam correções dos valores iniciais dos contratos de compra e venda. Dessa
forma, após seis anos desde a primeira licença do empreendimento e de seis anos de
violações contra os moradores, a LO foi concedida, sem uma lista de atingidos, exigência
presente nas condicionantes de todas as fases anteriores.
Dois meses depois, em novembro de 2014, a pauta da 89ª Reunião da URC
Jequitinhonha retomou as discussões do estudo da Diversus. Na ocasião, os técnicos da
consultoria independente apresentaram um novo relatório que constava uma atualização
dos efeitos do empreendimento sobre as comunidades, porém, apresentava uma lista de
atingidos infinitamente menor que o universo apresentado no primeiro diagnóstico.
O desalinho entre os dois estudos causou imensa confusão nos moradores que não
entendiam se seriam ou não considerados atingidos e solicitavam explicações para o fato
dos seus nomes e suas condições terem sido retirados pelo segundo estudo. Contestaram
os parâmetros de vulnerabilidade estabelecidos pela empresa e denunciaram as condições
dos reassentados e de famílias que, mesmo incluídas no PNF, não tiveram seus direitos
respeitados. Segundo relatório da Diversus de 2013, os parâmetros de vulnerabilidade
estabelecidos pelos estudos foram bastante discutíveis, segundo os técnicos da consultora:
92
(...) algumas pessoas que vivenciaram esse problema tiveram essa
situação revista e outras não, são famílias que em alguns casos
foram classificadas pelo empreendedor como não se encontrando
em vulnerabilidade social, mas, essa classificação ela é bastante
discutível, porque os critérios adotados fizeram que por exemplo a
Sra. Natalina, por exemplo, que é uma Sra. com mais de 80 anos
que vivia sozinha com uma filha com problemas mentais e um filho
com o mal de Parkinson ainda assim não fosse classificada como
vulnerável, vivendo numa área rural nessas condições e a
metodologia de classificação de vulnerabilidade do empreendedor
chegou à conclusão de que um núcleo familiar nesse tipo de situação
não era vulnerável. (ATA DA 89ª REUNIÃO URC
JEQUITINHONHA, 2014)
Através de uma nova estratégia estabelecida entre a empresa e o órgão
deliberativo, foram incluídas, através do estudo da Diversus, apenas oito famílias como
“elegíveis” para o reassentamento segundo o PNF. Conforme denúncia de uma atingida
transcrita em Ata da própria reunião, o “conselho de novo fará uma deliberação a respeito
de uma lista que é emergencial” (ATA DA 89ª REUNIÃO DA URC
JEQUITINHONHA).
Uma condição significativa dessa lista é que nela constavam importantes
lideranças locais que eram muito presentes nas reuniões e atuavam como mobilizadoras
das comunidades, movimento entendido, por parte dos atingidos, como uma tentativa de
silenciamento e de afastamento dos demais atingidos já que os colocavam em uma outra
posição frente aos que permaneciam sem reconhecimento. A inserção no PNF, nesse
sentido, colocou esses núcleos familiares em situação de constrangimento em relação aos
demais e atuou como mais mecanismo de fragmentação e ruptura entre os atingidos.
Ademais, foi levantado pelos moradores o fato de a Anglo American continuar com
práticas semelhantes à Borba Gato, através da aquisição de terras à margem do processo
de licenciamento ambiental, sobretudo nas comunidades de São Sebastião do Bom
Sucesso, Cabeceira do Turco e áreas limítrofes à cava, sem que sejam considerados
parâmetros mínimos de negociação. A prática de contratos fraudulentos, associados a
subsidiária, fizeram com que os atingidos dessem à Anglo a alcunha de “Anglo Gato”.
Vocês liberaram para colocar na L.P. doze quilômetros de cava e
estão aqui discutindo só cinco anos da cava, vocês vejam o tamanho
do problema pela frente que vai ser discutido aqui. E falando que a
Borba Gato acabou. Ela não acabou não, hoje é a própria Anglo que
está se passando pela Borba Gato, porque essas pessoas que estão
ao longo da cava, ela já está negociando livremente com elas e de
certa forma, de maneira fraudulenta, inclusive, com clausula que de
enganar pessoa, falando que ela não está, se pegarem vão DNPM e
olha o mesmo nome dessa pessoa que eles estão falando que não
93
tem interesse de minerar na terra dela, o nome dela está lá no
DNPM, se isso não for uma fraude não é mais nada, então, a Borba
Gato infelizmente continua. (ATA DA 89ª REUNIÃO DA URC
JEQUITINHONHA, 2014)
As 94ª e 96ª Reuniões da URC Jequitinhonha, realizadas um ano após a concessão
da LO do empreendimento, em setembro e outubro de 2015, respectivamente,
inauguraram uma nova etapa do empreendimento, o “Step 2 – Otimização da Mina do
Sapo”. Como se tratava de uma nova fase, a empresa teria que passar, novamente, pelo
licenciamento ambiental. Contudo, considerando a nova legislação ambiental do estado,
foi permitida a junção de duas etapas do processo, a LP e LI, em um novo modelo,
classificado por ambientalistas, como licenciamento express. Dessa forma, as duas
primeiras etapas foram pleiteadas concomitantemente.
Segundo Parecer Único da SUPRAM (2015), “apenas” dezesseis propriedades
seriam objeto de intervenção, sendo que onze delas já estariam incluídas na ADA e,
portanto, já eram de posse da empresa. As duas propriedades que não estariam em
processo de “negociação” com a empresa aguardavam decisão judicial de restituição de
posse dada a instituição de servidão minerária. Nas duas reuniões, os conselheiros foram
energicamente cobrados pelo cumprimento das condicionantes da LO antes que fossem
votadas novas licenças, inclusive das condições das oito famílias incluídas no PNF, já que
parte delas sequer tiveram suas situações resolvidas. Contudo, o entendimento da maioria
conselheiros, presentes na fala do próprio presidente da mesa, era de que esse seria um
“novo” processo e, portanto, não caberia discutir as condicionantes do processo anterior.
A LO do “Step 2” foi discutida nas 99ª e 100ª Reuniões da URC Jequitinhonha.
Mais uma vez, em reuniões extensas que beiraram dez horas, no mesmo ginásio
poliesportivo onde foi concedida a primeira LO do empreendimento. As condições, muito
semelhantes: forte aparato policial, presença maciça de trabalhadores da empresa,
distanciamento entre conselheiros e presentes e as reiteradas denúncias de violações e não
cumprimento de condicionantes. O coordenador técnico da SUPRAM esclareceu que, das
oito famílias reconhecidas pelo relatório da Diversus, nenhuma foi considerada em
situação de vulnerabilidade. Seis famílias já teriam feito acordos com a empresa e
optaram pela indenização em dinheiro, duas permaneciam sem aceitar as propostas da
mineradora. A posição da SUPRAM foi de não analisar esses casos.
O Parecer Único da SUPRAM chega a assumir o descumprimento de
condicionantes da LI + LP, dentre elas, a condicionante 29, que estabelecia a proibição
94
da intervenção nas áreas de demanda judicial. Segundo o próprio parecer, o
descumprimento das condicionantes não “inviabiliza ambientalmente o prosseguimento
da análise do licenciamento em discussão”. Quando indagados em relação ao
reconhecimento de atingidos da etapa anterior e dos atingidos dessa nova fase, a resposta
dada pelos técnicos da SUPRAM foi a seguinte:
Na nossa análise, não houve a necessidade, não há que se falarem
em reassentamento ou em se buscar novos atingidos por esse
processo de otimização. Deixar bem claro isso. Nós não estamos
falando aqui nem do impacto do Step 1, que nós temos que discutir,
nem do impacto do Step 3, que nós ainda vamos fazer análise. Nós
estamos falando, exclusivamente, do Step 2. Então, não há no Step
2 que se falar da percepção de novos impactados que necessitam ser
reassentados no âmbito do PNF, para esse processo. (ATA DA 100ª
REUNIÃO URC JEQUITINHONHA, 2016)
Em 2016, como já mencionado, o então governador do estado, Fernando Pimentel,
sancionou a Lei 21.972/2016 que dispõe sobre o SISEMA e que, entre diversas alterações,
reestruturou as unidades administrativas do órgão. Nesse novo contexto, a análise da
etapa de expansão da cava da mina - “Step 3”, diferentemente dos anteriores, foi julgada
pela Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do órgão ambiental mineiro. O conflito
entre atingidos e empresa, após anos de negligência, silenciamento, acúmulo de vivencia
dos efeitos do empreendimento, bem como a ineficácia de ações e fiscalização do estado,
teve como resposta uma maior articulação e ação por parte dos atingidos. Uma das
estratégias, adotadas durante o processo, foi o cancelamento da Audiência Pública
marcada para o dia 11 de abril de 2017, através de uma Ação Popular que reivindicava o
direito à informação, dada a não disponibilização dos relatórios ambientais por parte da
empresa. A medida, não esperada pelo empreendedor, provocou a reação em forma da
criação de um ambiente hostil aos cinco proponentes da Ação, através da divulgação de
seus nomes em um jornal local e sua associação com a paralização da empresa e,
consequentemente, uma possível demissão de funcionários, fazendo com que cinco
atingidos se tornassem vítimas de diversas ameaças30.
Ainda em 2017, após uma audiência realizada na comunidade de São José do
Jassém, devido à intensa articulação dos moradores localizados abaixo da barragem de
rejeitos do empreendimento principalmente após o rompimento da barragem de rejeitos
30 O clima de ameaças e hostilidade se intensificou de tal forma que os cinco proponentes da Ação Popular
tiveram que ser incluídos no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, da Secretaria
Nacional de Cidadania do Ministério dos Direitos Humanos, para que fosse garantida a sua segurança.
95
de Fundão, em Mariana, foi expedida uma Recomendação Ministerial Conjunta, assinada
pelos MPF e MPE na qual se sugere o reassentamento, através do PNF, das comunidades
localizadas na zona de auto salvamento do empreendimento, a saber, as comunidades do
Jassém, Passa Sete e Água Quente.31
O “atraso” no cronograma do empreendedor teve como um de seus
desdobramentos a votação, no mesmo ano, concomitantemente, as licenças prévia e de
instalação, em janeiro; e a licença de operação em dezembro de 2018, nas 20ª e 28ª
Reuniões da CMI. Segundo Parecer Único relativo à LP + LI, a totalidade das
propriedades localizadas na ADA do empreendimento já estariam em análise ou
pertenceriam à Anglo American, sendo que vinte e seis propriedades já teriam sido
adquiridas, segundo o PNF, dez estariam em processo de “negociação” e sete ainda não
teriam sido alvo de “negociações”. Novamente, o critério de “vulnerabilidade” foi
utilizado para estabelecer famílias que seriam priorizadas no atendimento das ações por
parte da empresa. Segundo o documento da SEMAD:
Em todas as situações, a classificação como não vulnerável teve
como fatores determinantes, sobretudo, o acesso a níveis de renda
satisfatórios para o sustento do núcleo familiar – mesmo naqueles
casos em que os níveis de escolaridade dos membros responsáveis
eram mais baixos – o acesso facilitado a serviços e equipamentos
públicos – sobretudo de saúde – a ausência de indivíduos com
doenças crônicas ou deficiências graves e a facilidade de locomoção
– quase sempre por se possuir veículos ou motos. (PU SEMAD,
2018, p. 143)
Com o pretexto de resolução dos conflitos em relação a implantação e operação
do empreendimento, em todas as suas fases, a empresa apresentou um Programa de
Negociação Opcional (PNO)32para as comunidades de São Sebastião do Bom Sucesso,
Turco, Cabeceira do Turco, Beco e, posteriormente, Água Quente e Passa Sete. A lógica
de mitigação de impactos e a aceitação das condicionantes, bem como no PNO, implicam
em um cenário de aprofundamento e de novas violências sobre as comunidades, alterando
profunda e permanentemente as condições de existência dos atingidos e configurando um
quadro de deslocamento in situ (ZHOURI et al, 2013). A concessão da LO do Step 3 do
31 O contexto específico das comunidades localizadas na zona de auto salvamento do empreendimento
Minas-Rio foi discutido na dissertação de mestrado “Efeitos Derrame da mineração, violências cotidianas
e resistências em Conceição do Mato Dentro-MG.”, defendida pela mestra Clarissa Godinho Prates no
âmbito do Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Ambiente e Território, UFMG. 32 O Programa de Negociação Opcional será melhor analisado no seguinte tópico
96
empreendimento, até a data de defesa do presente trabalho, foi a última reunião em que
foi pautado o caso da Anglo American nas reuniões da CMI.
O presente tópico teve como objetivo tentar refletir sobre alguns problemas
técnicos, políticos e metodológicos do licenciamento do empreendimento Minas-Rio,
com o recorte de como foi compreendida a questão fundiária no processo e os embates
entorno do conceito de atingido. Contudo, sabemos da limitação de tentar colocar, em um
curto espaço as práticas cotidianas da empresa e alguns dos seus efeitos nos modos de
ser, fazer e viver das comunidades que foram sistematicamente “massacradas” ao longo
desse processo. É importante ressaltar que, considerando os relatos e as reflexões, é
possível perceber que todas as falhas e lacunas metodológicas apontadas fazem parte de
uma trama de arranjos que perpassam a desconsideração e o subdimensionamento de
efeitos do empreendimento, a fim de desresponsabilizar o empreendedor e permitir a
continuidade das licenças vis-à-vis os direitos e danos sobre as comunidades.
97
CAPÍTULO 4
“Eu já fui arrancado de vários lugares. ARRANCADO. E ainda resta
um pedacinho e para eu sair de lá eu vou ter que sair arrancado
também.”
Planos de Negociação Fundiária, narrativas de extrahección e resistência
O capítulo anterior buscou identificar e criticar como foi tratada a questão
fundiária ao longo dos dez anos de licenciamento do empreendimento Minas-Rio. A partir
dos levantamentos documentais foi possível observar uma série de violações que
reverberam sobre as próprias condições de existência dos atingidos. Dessa forma, uma
escolha metodológica do presente trabalho é demonstrar, também, como o silenciamento
sistêmico, ao longo de todo o processo, foi materializado no lugar. Buscaremos, portanto,
através de duas narrativas, demonstrar como as estratégias de aquisição de territórios
operadas pela empresa se utilizaram de estratégias que demonstram que a “negociação”
foi e é, na verdade, um ato compulsório e violento.
Os dois “agentes-chave” entrevistados são nascidos e criados na zona rural do
município de Conceição do Mato Dentro e, a partir de sua trajetória, podem ser
enquadrados na categoria que Brandão (2007, p.21) define como informantes
especialistas. Os informantes especialistas são aqueles que não só “produzem dados
populares com muita precisão como também são aqueles que entendem profundamente
da coisa”. Dessa forma, ambos enfrentaram diferentes práticas cotidianas da empresa com
fins de aquisição de territórios e estiveram engajados no movimento de resistência dos
atingidos, possuindo assim, grande bagagem quanto ao modus operandi da empresa e os
efeitos sobre os seus modos de vida e reprodução.
Ainda que consciente que os casos não abarcam a totalidade dos efeitos da
empresa na região e que os relatos, não necessariamente, se repitam em outras famílias,
são dois casos representativos que conseguem englobar diferentes denúncias recorrentes
entre os atingidos, entre elas: as estratégias violadoras de aquisição de territórios e o
desrespeito pelos modos de vida territorializados; a fragilização dos laços familiares e da
relação entre as comunidades e, consequentemente, a perda de vizinhos e costumes; as
98
violações de propriedades e do direito de ir e vir; as estratégias de intimidação do
empreendedor e, por fim; a desmobilização produtiva e os transtornos ocasionados pela
instalação e operação do empreendimento.
4.1 ATUAIS CONTORNOS DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL: O
PLANO DE NEGOCIAÇÃO OPCIONAL
A recomendação ministerial conjunta, expedida em 2017 e que tratava do
reassentamento das três comunidades localizadas à jusante da barragem de rejeitos do
empreendimento Minas-Rio, estabelecia, também, que o processo de aquisição dos
territórios deveria ter como parâmetros o PNF, discutido no licenciamento ambiental.
Além disso, as “negociações” deveriam ser intermediadas por uma assessoria técnica
independente, multidisciplinar, da escolha das comunidades atingidas e custeada pelo
empreendedor e que pudesse ser capaz de fiscalizar o cumprimento do PNF ao mesmo
tempo em que fizesse um diagnóstico das famílias contempladas.
A medida de cumprimento da recomendação, após a concessão da licença
conjunta da LP e LI do “Step 3”, em um primeiro momento, foi articulação de medidas
através de Comitê de Convivência, que atuava desde 2017, firmado entre a mineradora e
alguns moradores das comunidades de São Sebastião do Bom Sucesso (Sapo), Turco,
Cabeceira do Turco e Beco. O objetivo do programa seria a melhoria do relacionamento
entre a mineradora e as comunidades através de um espaço de “diálogo” onde seriam
debatidas medidas mitigadoras para os danos sofridos ao longo do processo bem como
esclarecer questões relativas aos impactos da instalação e operação do “Step 3”. Contudo,
assim como o PNF segundo o TAC de Irapé, as fragmentações e a criação de categorias
como “atingidos emergenciais”, atuou como uma ferramenta para que o processo de
licenciamento ambiental seguisse sem embargos. Segundo a Anglo American, o objetivo
geral do programa é:
Dar continuidade à gestão participativa para discussão sobre a
convivência das comunidades de São Sebastião do Bom Sucesso,
Beco, Cabeceira do Turco e Turco e estendê-la às comunidades de
Água Quente e Passa Sete. O principal tema de debate e constante
construção participativa é a qualidade de vida e seus
desdobramentos na rotina dessas comunidades. O cerne da
realização do Programa é a criação e constante atuação de Comitês
de Convivência, em que os integrantes apresentam demandas e ,
junto de representantes da Anglo American, buscam
99
encaminhamentos consensados que podem ser em relação ao
Sistema Minas-Rio, seus impactos e ações de controle e mitigação,
ou destinados a outras instituições que atuam nos territórios, como,
por exemplo, o poder público local. (PROGRAMA DE
CONVIVÊNCIA, 2017, p. 10)
Contudo, os Comitês de Convivência se restringiram às comunidades que estão
mais próximas, geograficamente, das áreas de expansão das estruturas do
empreendimento, recortando mais uma vez o universo de atingidos conforme os
interesses da própria empresa, já que as quatro comunidades foram reconhecidas no EIA
do “Step 3” como as que seria “mais afetadas” pela nova etapa do empreendimento. Além
disso, muitas são as denúncias do modelo estabelecido para a configuração das relações
dentro dos comitês. De acordo com alguns moradores, foram escolhidas “lideranças” que
coadunam com as práticas da empresa e que, muitas vezes, não representam as
necessidades de todos os atingidos da comunidade, permanecendo esses, isolados do
processo.
Segundo a empresa, um dos resultados das trocas entre a mineradora e dos
representantes das quatro comunidades foi o levantamento da insatisfação dos moradores
em permanecer vivenciando, cotidianamente, os efeitos da mineração sobre suas vidas e,
portanto, a demanda por alternativas de realocação. Para isso, com auxílio da consultoria
Ferreira Rocha – Gestão de Projetos Sustentáveis (a mesma consultoria que realizou o
contra estudo do Relatório da Diversus), a Anglo American, junto com os representantes
do Comitê de Convivência, formulou um Plano de Negociação Opcional. O objetivo
geral do programa, segundo relatório apresentado à SUPRAM, é “sistematizar a aplicação
do conjunto de premissas, metodologia e critérios para o processo de negociação
opcional, respeitando as decisões construídas em processo participativo” (PLANO DE
NEGOCIAÇÃO OPCIONAL, 2017, p. 6). Na prática, a medida atua como uma
desconstrução do PNF e retrocede quanto aos direitos adquiridos pelos atingidos ao longo
do processo.
Ao enfatizar o caráter “participativo” do programa, o empreendedor busca
legitimar um processo que reafirma incorreções denunciadas desde a primeira LP.
Primeiro, porque permanece o recorte territorial da ADA; segundo porque é mais uma
manobra para flexibilizar direitos garantidos pelo próprio licenciamento que estabeleceu
que o processo de aquisição de territórios deveria assumir os parâmetros estabelecidos
pelo TAC de Irapé, através do PNF. Transformar o realocamento em algo “voluntário”,
além de desresponsabilizar o empreendedor, permite que todo e qualquer parâmetro possa
100
ser validado para a aquisição dos territórios, em condições de extrema assimetria e onde,
a falta de um estudo aprofundado sobre as condições socioeconômicas, aprofunda o
contexto de vulnerabilidade experenciado por essas famílias desde a chegada da empresa.
O PNO é, ainda, apresentado como uma medida de “favorecimento” aos atingidos
já que, segundo a lógica do empreendedor, este só seria obrigado a reassentar ou indenizar
os moradores localizados na ADA do empreendimento. A falsa aparência do programa
foi confrontada nas falas dos atingidos na 38ª Reunião da CMI:
(...) hoje nós estamos vendo aqui a tentativa da empresa de imputar
a essas pessoas um voluntarismo, a questão de opcional, como se
elas fossem merecedoras de benesses da empresa. De todas essas
pessoas. Eu não estou negando direito de ninguém aqui. O que nós
temos aqui são direitos e não são benesses, o que a empresa está
fazendo é cumprindo a obrigação dela, e não é obrigação social, é
obrigação decorrente do Código de Mineração, é obrigação
econômica decorrente do licenciamento e da legislação como um
todo. Então, não vamos confundir isso, não vamos confundir as
amputações, as destruições que a empresa está fazendo com
qualquer tipo de ação que ela é obrigada a fazer com benesses. E
nem isso pode ser considerado como voluntariado, como opcional,
é obrigação. Então, nós precisamos também de rever essas
terminologias para não colocar na cabeça das pessoas e tirar da
cabeça das pessoas também o juízo de valor que elas precisam ter.
Senão nós teremos mentes e terras ocas em Conceição do Mato
Dentro. (ATA DA 38ª REUNIÃO DA CMI, 2018)
Como podemos observar no relato, os atingidos possuem profunda reflexão sobre
o processo e compreendem, assim como analisam, as manobras utilizadas pela empresa
para seguir com o licenciamento conforme seu próprio cronograma. O entendimento de
que nenhum ato da empresa corresponde a medidas de “caridade” demonstra o descrédito
no empreendedor e a consciência de que nenhuma de suas ações ocorre sem que haja
danos para os moradores. Através do PNO, o Estado delega à Anglo American e as
comunidades, representadas no Comitê de Convivência, os parâmetros da compra e venda
dos territórios, o que vai de encontro com todas as discussões, que perduraram mais de
dez anos, sobre a efetivação e implementação do PNF, que deveria representar o
parâmetro mínimo a ser considerado. Uma vez deliberado o PNO abre-se brechas para
aquisições que não passam pelo crivo da SUPRAM ou por qualquer
fiscalização/regulamentação, retomando falhas que remontam à chegada da Borba Gato
Agropastoril na região. Ademais, a nova categoria “negociação voluntária”, escamoteia
o fato de que a adesão ao programa se deve, sobretudo, à falta de alternativa de ficar, já
que a intensificação dos efeitos do empreendimento foi responsável pela alteração
101
profunda as próprias condições de existência dessas comunidades, não um livre exercício
da vontade individual dos atingidos.
Nesse sentido, se destaca a situação das comunidades à jusante da barragem de
rejeitos do empreendimento que, após os desastres tecnológicos (ZHOURI et al, 2016)
de Fundão, em Mariana, no ano de 2015, e o de Brumadinho, em janeiro de 2018, tiveram
como única medida adotada pela empresa a sua inclusão no PNO. Se utilizando do temor
do rompimento da barragem e ao risco concreto a que são submetidos, as três
comunidades veem suas condições de “negociação” inviabilizadas pelo conhecimento da
empresa do risco de permanecer. Durante o trabalho de campo realizado para a construção
dessa dissertação, me foram denunciadas atividades nas comunidades em que “pessoas
de fora” estariam percorrendo o lugar pressionando os moradores a buscar a empresa e
aceitar o que fosse oferecido “antes que todos morressem com a boca cheia de lama”.
Eu estive na comunidade há uns dias, lá em Água Quente, Passa
Sete, Jassém, e vi vários depoimentos dizendo de como técnicas da
empresa, pessoas da empresa, vão de casa em casa pressionando as
pessoas, ameaçando, dizendo argumentos falsos, argumentos, por
exemplo, que fazem as pessoas terem medo dos impactos dos quais
vão ser vítimas se não aderirem àquela lógica de negociação
opcional daquele comitê de convivência. Enquanto a própria ordem,
a própria lei institucional, era no sentido de que houvesse assessoria
técnica para que os atingidos negociassem as suas condições de
reassentamento. A individualização das soluções é mais um fator de
fragilização das condições sociais e das condições ambientais, que,
por direito, deveriam ser reconhecidas também. (ATA DA 38ª
REUNIÃO DA CMI, 2018)
As atividades envolvendo ameaças e pressões sobre os moradores, sobretudo os
localizados à jusante da barragem de rejeitos, não foram noticiados apenas a mim, como
pode ser observado no relato acima. Durante uma reunião realizada na comunidade de
São José do Jássem, aproximadamente um mês após a concessão da L.O. do Step 3, a
presença de “pessoal” anunciando a necessidade de negociações rápidas devido ao risco
e o avanço de casos de moradores “negociando” seus terrenos se desdobrou em uma
exigência de moradores, representantes da Câmara Municipal de Conceição do Mato
Dentro e Alvorada de Minas, Ministério Público e SEMAD para que se fossem
investigadas as relações estabelecidas entre a Anglo American e o Defesa Civil dos dois
municípios. Também após essa reunião, até a apresentação deste trabalho, o MPE, através
da CIMOS, acompanhava a contratação de Assessoria Técnica Independente, escolhida
pelos atingidos, para atuar nas comunidades de São Sebastião do Bom Sucesso (Sapo),
Turco, Cabeceira do Turco e Beco e implementar o PNO. Contudo, como podermos
102
avaliar, o PNO atua como mais um mecanismo de exclusão e violência sobre os atingidos
que permearam todo o licenciamento e os processos de aquisição dos territórios.
Assim, considerando, como exposto, a complexidade do caso e, na tentativa de
aprofundar, sem que se almeje tratar o universo das violações vivenciadas pelos atingidos,
busquei algumas situações familiares capazes de exemplificar o contexto de extrahección
configurado em Conceição do Mato Dentro a fim de que se enriquecer, através de
narrativas, como todo o processo descrito nos tópicos anteriores se fizeram concretos na
vida e trajetória de dois agentes locais.
4.2 CARACTERIZAÇÃO DAS FAMÍLIAS E DO LUGAR: A VIDA
ANTES DA CHEGADA DA EMPRESA
Os documentos produzidos, notadamente os EIA/Rima’s e relatórios enviados à
SUPRAM Jequitinhonha, bem como as práticas cotidianas da empresa, ao longo do
processo de licenciamento ambiental e dos seus efeitos sobre o lugar demonstram lacunas
e, por vezes, total desconsideração sobre os espaços de trabalho e de vida dos moradores
da região promovendo processos de extrahección nesses territórios assim como “a morte
de formas de ser, fazer e viver territorializadas” (ZHOURI & VALÊNCIO, 2014.
Conforme discutido ao longo do trabalho, uma característica comum na zona rural
de Conceição do Mato Dentro e adjacências é o que a literatura antropológica define como
terras de herdeiros, uma modalidade de uso da terra que define condições específicas
quanto ao modo de apropriação do território. De acordo com Almeida (1987), as terras
de herdeiros são aquelas em que os espólios permanecem indivisos, ou seja, casos em que
não se procede a formal de partilha por gerações e, por tanto, são desenvolvidas formas
próprias de utilização da terra e de sua manutenção no bojo da família. A principal forma
de aquisição de terra é, portanto, através do parentesco. Nesse sentido, a noção de terra
se expande para a noção de território. Ali é onde se estabelecem as casas, os quintais, os
vínculos de trabalho, lazer e os costumes, princípios que vão de encontro com o
entendimento da terra enquanto mercadoria, passível de negociação, sustentados tanto
pela empresa quanto pelo próprio Estado.
Woortmann (1990), a partir da etnografia do campesinato brasileiro, ao tratar da
ética camponesa enquanto constitutiva de uma “ordem moral”, e, portanto, a forma
diferenciada de perceber as relações entre os homens e as coisas, revela que, no caso
103
específico da terra, essa é muito mais que um objeto de trabalho é, também, o espaço
social da família, é um valor moral. Essa condição pode ser observada em diversas
passagens das entrevistas, como a seguinte:
Então, meu pai mesmo comprou, adquiriu e tinha o terreno dele lá.
Nós fomos todos criados lá, plantando, fazendo farinha, plantando
roça, mandiocal, horta, tudo, enfim. Criava muito porco, tinha muita
criação, só boi que a gente não tinha. Mas tinha cavalada, égua,
burro, tudo. E nesse meio de tempo, tinha também os porcos, que
tinha muito porco, criava muita galinha. Plantava muita mandioca
dentro desse terreno, que a gente fazia farinha pra vender e levava
até no cargueiro pro ponto, né? Pôr no ônibus pra trazer pra cidade
pra vender. E dessa farinha a gente comprava mantimento e o que
sobrava comprava uma roupa, um remédio. Era muito bonito, né? E
a gente, pra plantar, trocava o dia com as pessoas, um com o outro,
aí trabalhava um pro outro, outro pro outro, até plantar tudo. (D.
Luzia, sobre o território onde passou a infância)
Neste sentido, é importante ressaltar que o patrimônio extrapola a noção de
propriedade privada. A terra, não é avaliada pelo seu valor de troca, estabelecido pelos
valores do mercado englobante, e sim pelo valor de uso, sendo seu acesso e transmissão
regulados pelos valores morais constitutivos dessas comunidades, valores esses que
asseguram sua reprodução material, social e simbólica.
Notamos, ainda, que na fala de Luzia, não existe uma dissociação entre terra,
trabalho e família. Woortmann (1990) estabelece nestes três traços nucleantes específicos
a categoria “camponês”33. O autor marca o fato de que cada uma delas não existe sem a
outra, sendo impossível, portanto, nessas comunidades, se pensar a terra sem se pensar a
família e o trabalho, ou o trabalho sem se pensar a terra e a família. O grupo doméstico é,
assim, unidade de produção, consumo e fonte da mão de obra na terra, sendo o uso de
assalariados restrito a situações específicas e de caráter temporário. Falar da vida antes
da chegada da empresa é, portanto, falar sobre as plantações, sobre a vida na roça, o
quintal e o trabalho.
33 Queiroz (1976) define o camponês como “Um trabalhador rural cujo produto se destina
primordialmente ao sustento da própria família, podendo vender ou não o excedente da colheita, deduzida
a parte de aluguel da terra quando não é proprietário; devido ao destino da produção, ele é policultor. O
caráter essencial da definição de camponês é, pois, o destino dado ao produto, pois este governa todos os
outros elementos com ele correlatos. Assim, dificilmente cultivará grandes extensões de terra; por outro
lado, não sendo a colheita destinada a obtenção de lucro, não deve ela ultrapassar certo nível de gastos a
fim de não onerar a disponibilidade econômica familiar - de onde se empregar preferencialmente sistema
de cultivo e instrumentos rudimentares, e se utilizar a mão-de-obra familiar. De forma geral, o destino da
produção define a organização do trabalho no interior da família.” (Queiroz, 1976, p. 29-30).
104
Com essa herança que o meu avô deixou, nós tínhamos, todos os
irmãos...quando vendia lá, vendia de um irmão para o outro. Um
irmão vendia a parte para o outro. O meu pai vendeu a herança da
mãe dele pro meu tio, aí o outro comprava do outro irmão, o outro
comprava do outro, mas ficava tudo entre família. Mas a viúva do
meu avô vendeu para uma pessoa de fora, aí já começou a ter
divisão, fazer cerca. Divisão de cerca, não divisão demarcada. Mas
um fechava um pedaço, "ah, eu comprei aqui de fulano, vou fechar
um pedaço aqui, vou ficar de posse aqui". Aí nós continuamos, toda
a família. Usávamos o mato para tirar madeiras, usava as terras para
plantar, para colocar animais e lá era bem apropriado para criar égua
e burro. Toda vida eles criavam mais animal cavalar, égua, burro,
tinha as éguas com jumento para tropa de burro, porque naquela
época o burro era hoje os caminhões, os vagões de trem que vai hoje
daqui para o Rio de Janeiro (Sr. Joel, sobre as estratégias de
manutenção do território)
Já na fala de Joel podemos observar uma das estratégias de manutenção do
território pelos moradores da região: a migração de familiares e a venda apenas para
“família”. Essas estratégias contribuíam para que os terrenos de herança permanecessem
indivisos e no seio da própria família. Woortmann (1985), através da análise do
campesinato brasileiro, analisa a dimensão do parentesco enquanto princípio organizativo
fundamental para a reprodução social das condições de campesinidade. Segundo a autora,
a restrição da venda é um dos princípios fundamentais para a manutenção do território e
preservação do patrimônio coletivo, associando-se a restrição no número de filhos, a
migração, a exclusão de mulheres na herança enquanto estratégias que tem como objetivo
minimizar o parcelamento dos sítios, momento onde se privilegia a perpetuação do
patrimônio da família e não a reprodução social do indivíduo.
Ainda, de acordo com Woortmann (1985), a terra, enquanto patrimônio, é
transmitida a partir de regras definidas, seja pelas regras de matrimônio, descendência e
filiação, que visam minimizar a partilha do território e garantir as condições de
reprodução das famílias. O matrimônio entre diferentes grupos domésticos, ao longo do
tempo, constitui comunidades de parentesco com bases territoriais. “Sendo a terra “aquilo
que passa do pai para o filho” (sentido original do termo patrimônio), e não pertencendo
nem ao pai nem ao filho, mas ao todo expresso pela família, é o patrimônio que
materializa a honra da família” (K. WOORTMANN, 1990, p.62) traços que podem ser
observados na seguinte passagem da entrevista com Sr. Joel:
Eu vim de uma família que eu me considero uma família apegada,
de um vínculo de parentesco e inclusive de até parente casar com
105
primo, né, dessa mesma região, os familiares paternos e maternos.
(...) Nós somos uma família de oito irmãos e vivemos da plantação,
da cultura. Meu pai era peão, né? Ele amansava, domava burro
bravo e minha mãe era do lar e da plantação. Então nós fomos
criados na plantação. Nós fomos criados no vínculo da plantação e
para plantação a gente plantava, mas na hora de trabalhar a gente
unia as famílias, os primos, as pessoas de outra comunidade. Às
vezes a gente plantava em outras terras de outras pessoas e tinha
esse vínculo que não envolvia dinheiro. Era troca. Trocava o dia de
serviço, quando a pessoa precisava ele trabalhava, ele levava a
mercadoria que ele precisava - o feijão, a farinha, o arroz- em troca.
Então, era muito difícil o dinheiro. As pessoas não preocupavam
com o dinheiro. Nós trabalhávamos, plantávamos e trazíamos o
mantimento pra dentro de casa - o feijão, o milho, a mandioca.
Plantava o mandiocal, fazia farinha. E isso que a gente produzia era
para comer e quando sobrava, às vezes, a gente levava para o
mercado para vender também. Quando sobrava. (Sr. Joel, sobre a
vida na roça)
E. Woortmann (1985) aponta que, para o campesinato regional, é o trabalho sobre
a terra que garante a sua “propriedade”. K. Woortmann (1990) reafirma essa condição
quando diz que o significado da terra é o significado do trabalho e esse, da família. Você
se torna dono da terra não por tê-la comprado, mas por se ter trabalhado nela. O trabalho
é o que transforma a terra de Deus em patrimônio da família e é ele quem fecunda a terra
e a faz se transformar em “morada da vida” (HEREDIA, 1979). Ser “dono” de um espaço
constitui-se como uma categorial moral, onde o acesso à terra é dado por vias de
parentesco, de geração em geração e seguindo padrões de herança acordados socialmente
(CÂNDIDO, 1975; COMERFORD, 2003; GALIZONI, 2002; SEYFERTH, 1985;
TEIXEIRA, 2008; WOORTMANN, 1985). A terra se configura, então, como o espaço
da família.
Outra importante observação presente nos relatos é da importância dos quintais e
das plantações para a reprodução social desses grupos. Na roça se cultivava, sobretudo, a
mandioca, para produção de farinha e polvilho; o milho, utilizado tanto para a produção
de biscoitos, bolos e outras quitandas quanto para a alimentação das criações e o feijão,
utilizado, principalmente, para a alimentação do grupo. Os excedentes do consumo
familiar eram vendidos no Mercado Municipal de Conceição do Mato Dentro e permitiam
que as famílias adquirissem elementos que não se eram possíveis produzir. Elementos
como sal e óleo eram trocados entre as próprias famílias. As hortas e árvores frutíferas,
presentes nos quintais das famílias, complementavam e diversificavam a alimentação.
Os relatos demonstram como não existe, para os entrevistados, a desvinculação
entre família, terra e trabalho, além de precisar estratégias para não repartição do território
e a existência de áreas comuns, utilizadas para a solta do gado, para a plantação e para a
106
retirada de lenha. Outra estratégia comumente relatada durante as conversas no campo
foram a presença de “terras no bolo”, regimes onde não existe uma formalização das
terras, onde as posses são definidas pelo trabalho da família e, não necessariamente, são
limítrofes à casa e ao quintal dos núcleos familiares (GALIZONI, 2002).
Eu plantava lá, saía daqui pra plantar feijão lá, minha filha,
mandioca. Saia daqui e plantava lá, ia lá fazer goma, porque era
mais difícil fazer farinha, as vezes fazia a farinha lá, mas a goma
ainda era mais fácil, e trazia para vender, pra poder ter o dinheiro,
pra fazer biscoito pros meninos. A gente não parava de plantar lá
por causa que saiu de lá não, continuou plantando. Só não fizemos
a casa lá, fizemos aqui, mas continuo plantando. (D. Luzia, sobre o
casamento, a mudança de moradia e a permanência das plantações
nas terras do pai)
Assim como observado por Galizoni (2002) no Alto Jequitinhonha, a legitimidade
da posse aparece como algo fluído, respeitado e mantido por todos os membros da família
onde “camadas de direitos que convivem uns com os outros e se sobrepõem. Idealmente,
todos os irmãos têm direitos iguais, assim como todos os netos e bisnetos” (p.2). As terras
de herdeiros e os seus regimes não são considerados pelo direito positivo, o que implica
em um gama de conflitos quando essas lógicas são confrontadas com o entendimento da
propriedade privada, representado, nesse caso, pelo empreendedor e todo os efeitos do
processo de aquisição de territórios que nega e viola essa forma de apropriação do
território. Algumas dessas práticas serão trabalhadas individualmente nos seguintes
tópicos a partir de relatos de dois agentes chave no processo.
4.3 PRÁTICAS COTIDIANAS DA EMPRESA EM RELAÇÃO AO
TERRITÓRIO
A primeira grande estratégia de aquisição de terras pela mineradora, como
discutido no capítulo 3, em um primeiro momento ainda MMX, foi a atuação da
subsidiária da empresa, Borba Gato Agropastoril S.A. que, com o pretexto da compra de
terrenos para criação de cavalos, adquiriu diversos territórios que, conforme demonstrado
no tópico que trata do licenciamento ambiental, nunca foram reparadas e/ou incluídas nos
Planos de Negociação Fundiária da empresa. Segundo Santos & Milanez (2015) com isso
buscava-se reduzir os custos de aquisição e evitar a resistência dos moradores à venda.
107
Foi nesse momento que alguns dos irmãos de um dos entrevistados venderam parte do
território, herança do avô, assim como um primo.
Hoje essa história, ela nunca vai ser apagada, mas depois que
chegou aqui para nós, a Borba Gato né? Chegou comprando terra
para criar cavalo, daí a pouco era a MMX, já negociando com as
pessoas, com a comunidade, que era para minerar, aí já foi aberto
mesmo que era uma mineradora e tal, que era para tirar minério, e o
povo ficou muito alegre, na época, porque falava em dinheiro. Todo
mundo achou que ia ficar rico, milionário e tal. Mas eu sempre
preocupado, sem entender o que estava acontecendo (...) A MMX
alegava que ela comprou de alguns herdeiros lá dentro, que estava
lá dentro, porque meu primo morava lá dentro cuidando do
condomínio todo, que é um condomínio que ele nunca teve divisão.
(Sr. Joel, sobre as primeiras atuações da empresa)
Como podemos observar o relato de Sr. Joel, a princípio, a relação entre a
mineradora e a subsidiária Borba Gato era desconhecida, contudo, já despertava certa
desconfiança entre os moradores e a falta de informação contribuiu para criação de um
contexto que misturava a expectativa da chegada de um grande empreendimento e
consequente melhoria das condições da região com o receio da retirada, da divisão de
famílias e perda das condições de vida.
Da Borba Gato, ela chegou falando que as pessoas, que precisava
da terra pra criar cavalo, né? É onde que os bobos caíram e
venderam baratinho. Ela chegava e falava: “é tanto” e muitos foram
pegando e recebendo aquele valor ali porque não sabia que foi esse
critério... (D. Luzia, sobre a atuação da Borba Gato)
Observamos, também, que já à época muitos moradores venderam seus territórios
sem que houvesse qualquer critério que assegurasse seus direitos. Como relatado no
capítulo anterior, esses casos nunca chegaram a ser incluídos no PNF e, portanto, nunca
receberam qualquer reparação.
Na sequência, prática comum relatada nos dois casos, foi a negociação com apenas
um dos herdeiros. A empresa se aproveitava do fato das terras de herança não possuírem
formal de partilha e estabelecia contratos de compra e venda sem que se pesasse a
totalidade dos herdeiros e direitos costumeiros historicamente estabelecidos. Dessa
forma, os não contemplados pelo contrato, que permaneciam nos territórios adquiridos,
eram expropriados via reintegração de posse ou mesmo através da atuação de
funcionários da própria empresa. Os herdeiros “ausentes” sequer eram considerados. Essa
108
estratégia foi responsável pela fragilização de vínculos familiares e entre as comunidades,
gerando danos profundos e irreparáveis nos costumes e tradições.
Quando o meu primo estava negociando eu disse: "você está
vendendo a sua parte, tá, mas nós não estamos vendendo a nossa
não, ninguém procurou nós nem nada", entendeu? (...)Nós somos
donos, não vendemos, fui expulso lá de dentro, com segurança da
MMX. Com segurança armada. Tiraram meu caminhão lá de
dentro, levaram o meu caminhão de dentro do meu terreno para a
Fazenda Jardim aí que entraram com uma liminar e o juiz mandou
recolher meu caminhão para o pátio e está no pátio de Alvorada. Até
hoje. E quem dirigiu meu caminhão foi o segurança da MMX, eu
tenho um B.O. Eles fizeram... Tem um B.O. na polícia militar... Eles
foram lá e relataram que um fulano chegou lá e achou um caminhão,
tentou dirigir meu caminhão até uma certa parte. Um segurança da
Anglo... Da Anglo não, da MMX, antes da Anglo. Aí dessa época
eles já começaram a abrir processo e me chamar de invasor. Das
terras não só do meu pai, do meu pai e dos meus tios, que era
herança do meu avô que, depois que o meu avô faleceu não teve
inventário. Não foi feito inventário do meu avô. Foi feito da minha
bisavó e da minha avó. Mas, do meu avô, quando meu avô faleceu,
não fizeram o inventário. Hoje, a MMX, que transferiu para a
Anglo, me chama de invasor, dentro de terra que nós temos registro
dela no cartório de registro de imóveis do Serro. (Sr. Joel, sobre a
atuação da empresa sob o território de seu avô)
O relato de Sr. Joel sobre a expulsão das terras de seu avô demonstra como as
práticas costumeiras não foram respeitadas seja pelo empreendedor seja pelos agentes do
estado que apenas aturam no sentido de assegurar a posse da empresa. Porções não
inventariadas, negociações com apenas um dos herdeiros e práticas violentas de expulsão
dos territórios se repetem em inúmeras famílias da região. Os moradores, ao verem seus
direitos expropriados buscavam alternativas para manutenção das suas práticas, contudo,
inúmeros são os relatos de respostas violentas, como a condução para delegacia de um
dos membros da família, no caso descrito por Sr. Joel.
A Anglo fez, como diz o Jr., eu lembrei agora, uma grilagem de
terra com nós, pegou essa terra, sendo que nós não assinamos nada,
não negociamos nada até hoje, desde 2010 que ela tirou os meus
irmãos, hoje nós já estamos em 2019 e até hoje não pagou, não fez
nada. Meus dois irmãos ela pagou, usou essa safadeza de pagar pra
usar a barragem, né? E nós estamos com esse trem na defensoria
pública pra ver como que vai resolver, mas até então não resolveu
nada até hoje, porque ela recusa de pagar, ela só quer pagar mesmo
vinte e cinco mil para cada um de nós. E esses vinte e cinco mil é
muito pouco, ela não tá pagando nada, que nós não temos terreno
pra soltar na mão dela. (...) A Diversus (...) fez o trabalho, tudo, mas
também não considerou, né? Porque considerou que a gente só tinha
os dois irmãos lá e nós não éramos mais nada pra eles, porque
109
quando cadastrou lá tinha que ter cadastrado nós também, se
cadastrou ou não cadastrou eu não sei. Eu só sei que a empresa não
considerou nós cinco. E outra coisa, minha mãe estava viva quando
a empresa comprou lá, na mão dos meus dois irmãos, e fizeram um
atestado de óbito, como se ela tivesse morrido (...) eles fizeram um
atestado de óbito como se ela tivesse morrido, em 2010, e ela
morreu em 2013. Fez, e a empresa nega tudo. fez um trem feio, né?
Fez um trem muito feio. Aí com essa feiura toda ela passou nós pra
trás e ficou. E a minha mãe morreu contrariada porque falava assim
que ela lutou tanto no terreno pra criar nós, plantou tudo, viveu a
vida inteira lá, depois comprou e não chupou uma bala do terreno
dela, que a Anglo fez a barragem antes dela morrer e não pagou pra
ela um centavo até hoje. (D. Luzia, sobre as estratégias da empresa
para aquisição do território do seu pai)
Na fala de D. Luzia percebemos a repetição da estratégia utilizada para aquisição
do território da família de Sr. Joel: a negociação com um número reduzido de herdeiros.
Conscientes dos seus direitos e com o avançar do processo de licenciamento, foram
comuns os casos de recusa as ofertas da empresa como, no caso de D. Luzia, a negação
da oferta de apenas vinte e cinco mil reais pela herança de seu pai. A medida contraria os
parâmetros do TAC de Irapé que deveriam ter sido considerados em ambos os casos, já
que o documento previa a condição de herdeiros ausentes e mesmo dos regimes de “terra
no bolo”.
Também me foi relatado, nas duas entrevistas, as tentativas de minorar as áreas a
serem utilizadas pelas estruturas do empreendimento bem como de escamotear os efeitos
das atividades de implantação das mesmas estruturas, a fim de, mais uma vez, reduzir os
custos de aquisição dos terrenos e evitar possíveis resistências por parte dos moradores.
Essa negociação do mineroduto é o seguinte: primeiro ela vem e
fala com a pessoa "ah, vai passar um caninho aí e nós pagamos tanto
por isso". Aí comprou o meu cunhado na conversa e ele pegou...diz
que pegou três mil e deu pra ele, mas deu só pra ele lá, que é o que
mora ali, o Henrique e o Fausto, que é dono daqui, desse terreno.
Deu pra eles os dois e quando vai ver que diz que era um caninho,
era um monte de cano, abriu uma cratera tão grande que a água deles
ali até sumiu e passaram os canos. (D. Luzia, sobre as áreas
adquiridas para passagem do mineroduto)
D. Luzia descreve como foram feitas as aquisições das áreas destinadas à
implantação do mineroduto. Tanto no relato quanto nas nossas inúmeras conversas que
tivemos durante os dias que passei em sua casa notei a falta de informação e de noção
sobre o real uso das áreas vendidas, a dimensão das estruturas a serem instaladas e o
subdimensionamento dos efeitos na localidade. Esses fatores facilitaram a ações da
empresa e permitiram, em muitos casos a perpetuação de práticas violadoras. O não
110
entendimento da dimensão do empreendimento também foi observada nas falas de Sr.
Joel, que ressalta a falta de discernimento quanto ao que seria uma barragem.
Esse licenciamento, essa barragem e esse mineroduto... quando
falava em uma barragem e em um mineroduto...porque na verdade,
aqui na nossa região não tem nem uma hidrelétrica. As vezes a gente
vai ver uma hidrelétrica longe, lá em outros lugares para a gente
saber o que é o tamanho de uma barragem, o que que é uma
barragem. Quando nós vimos o que que era um mineroduto e o quê
que era uma barragem, deu em nós susto, um choque. O
TAMANHO. O tamanho da coisa. É muito assustador, que a gente
não pensava que era tão gigantesco as coisas, aí veio essas coisas
tudo em cima. (Sr. Joel, sobre a real dimensão das estruturas do
empreendimento)
A percepção dos dois entrevistados demonstra outra falha recorrente no
licenciamento: a falta de informação e de esclarecimentos. O objetivo dos estudos,
relatórios e reuniões com a empresa deveriam ser, justamente, informar a população sobre
o que seria o empreendimento e os seus efeitos. Contudo, na prática, a população se
mantinha desinformada e silenciada nos espaços de reinvindicação.
Outro conflito relatado pelos entrevistados foi a contratação de membros das
próprias comunidades para a realização das “negociações”. A estratégia, por mais que
malvista por muitos do grupo, facilitava a aceitação de valores e termos muito aquém dos
preços praticados na região e/ou rompia com o receio de se estabelecer relações com a
empresa.
Ainda, fica claro pelas entrevistas, a utilização dos discursos de inexorabilidade
da obra e, portanto, a única possibilidade ser a saída das famílias para enfraquecer as
“negociações”; a criação deu uma atmosfera “hostil” entre os moradores que eram
instruídos pelo empreendedor a não revelar os valores recebidos pelos seus territórios;
pressão sobre os herdeiros; estratégias de isolamento e de “encurralamento” (SANTOS,
2014). Essas estratégias foram responsáveis por diversos efeitos sobre a localidade,
sobretudo, nas relações entre os familiares.
4.4 A FRAGILIZAÇÃO DOS LAÇOS FAMILIARES E DAS
RELAÇÕES COMUNITÁRIAS
A tradição e os costumes foram lembrados, pelos dois entrevistados, com muita
nostalgia. Durante toda nossa conversa, as denúncias de violações da empresa eram
111
interrompidas por lembranças dos tempos de roça, da infância, das horas de lazer e das
relações com os vizinhos e outras comunidades, marcadas por relações de reciprocidade
entre os parentes, compadres e amigos. A partir da chegada da empresa, os
reassentamentos e as estratégias de aquisição de terras, esses costumes foram sendo
fragilizados e, por vezes, perdidos, interferindo diretamente no modo de vida tradicional
dessas comunidades. Contudo, é importante ressaltar que, segundo Carvalhosa (2016)
esses sistemas eram muito mais fluídos no tempo e no espaço e que, por mais que possa
se realizar algumas conexões entre a chegada da empresa e a fragilização dos
denominados “movimentos de roça”, não se pode atribuir unicamente ao empreendedor
o cenário hoje percebido na região. Segundo a etnografia realizada pela pesquisadora, as
relações de compadrio, as plantações na meia e na terça e outros regimes já vinham
sofrendo diversos desgastes ao longo do tempo, mesmo antes da chegada da mineração.
Do mais, lá na Serra, a gente ia em festa, junto com os vizinhos (...)
porque eu morava aqui, mas tinha igreja lá, a gente ouvia missa, no
grupo lá, eu levava meus meninos todos para participar, porque eu
era de lá e porque era muito bonito. Até a minha cunhada levava, a
festa de Nossa Senhora de Aparecida era muito bonita. E nós lá,
menina, era bonito por conta disso, porque quando saia, saía em
grupo(...) se ia em um casamento, ia todo mundo junto. Se ia em
uma missa, ia todo mundo junto. Se ia em uma festa, todo mundo
junto, não separava. Se a pessoa adoecia, a gente ia correndo. Um
ia na casa do outro visitar o outro, todo dia sabia notícia, se fazia
um doce, a gente dividia. Se fazia um biscoito, dividia com os
vizinhos. Os vizinhos mais próximos da gente, aqueles quatro, cinco
ou seis ali, tudo que um vazia dividia com o outro. Matava um
porco, dividia pra doze pessoas, um pedacinho pra um, um
pedacinho pro outro. E hoje nós não temos isso e a amizade é a coisa
melhor que tem. A gente viveu a vida, assim, tranquilo, pra acabar
num sufoco, na amargura. Tudo que nós fazíamos lá, isolou. (D.
Luzia sobre a relação com os vizinhos)
Neste sentido, D. Luzia ressalta a proximidade das comunidades e a importância
das práticas costumeiras para manutenção das relações entre os moradores. No relato
anterior podemos perceber a diferença da terra de direito, dada pelo direito ao uso através
do trabalho, à terra mercadoria.
As festas religiosas, as atividades na roça, a divisão do alimento e tantos outros
costumes eram elementos constitutivos das relações com o território. O mesmo pode ser
observado na fala de Sr. Joel:
Muitas das vezes, quem tem pouco gado, gado de boi, vaca, às
vezes, tem que ter muita vaca para você manter as vacas com cria,
para dar o leite o tempo todo. Às vezes a gente tinha pouca, aí
112
quando lá em casa não tinha, a gente buscava leite na casa do
vizinho. Quando não tinha na casa dele, ele buscava lá em casa.
Então, tinha esse vínculo com os parentes e com as outras pessoas
das outras comunidades também.(...) Nos finais de semana nos
íamos para a casa dos nossos tios, nos outros finais eles vinham para
nossa casa. Os outros que mudavam para outro lugar, para longe,
vinham nas férias. Então sempre a gente estava junto. E isso não só
a família, eu tô falando de família, mas as comunidades também.
Nossa comunidade era Água Limpa, aí tinha Água Limpa (...) tinha
Mumbuca, Beco, Córregos, que era um arraial que tinha próximo,
São Sebastião do Bom Sucesso, que é o Sapo... (Sr. Joel, sobre a
relação com os parentes, vizinhos e comunidades próximas)
Conforme os diversos estudos de parentesco empreendidos por Woortmann
(1990), o parentesco desempenha o papel de articulador dos grupos domésticos,
permitindo relação de reciprocidades e um “capital social” mais importante para a
reprodução desse sistema que o “capital econômico”. Para Woortmann (1990) essa noção
de reciprocidade, mais que a noção de troca, são fundamentais para a compreensão da
campesinidade em sua condição mais geral, uma vez que não envolve, necessariamente,
a transição de objetos concretos34. Portanto, as relações descritas, de troca de trabalho na
roça, da divisão do alimento, da relação com vizinhos e parentes ocupam lugar
fundamental para a compreensão das especificidades das práticas presentes no território
e para o entendimento dos efeitos permanentes e profundos da chegada da mineradora.
Dessa forma, a ruptura desses costumes me foram relatadas com muito pesar,
ressaltando o fato de a empresa priorizar a negociação com os herdeiros que viviam nos
terrenos de herança aos herdeiros “presentes” e o enfraquecimento das relações familiares
devido às tensões decorrentes do modelo de “negociação”.
Os “herdeiros ausentes”, que segundo Almeida (1987) são os que não se
apropriam efetivamente das extensões herdadas, quando recebiam algum valor, recebiam
quantias muito inferiores que os irmãos que permaneciam na localidade, gerando conflito
entre os familiares, principalmente pela construção de um ambiente de desconfiança e de
dúvidas quanto às tentativas de benefícios individuais. É importante ressaltar, que o
sentido dos “herdeiros ausentes” é, nesses grupos, uma estratégia de diminuição da
fragmentação do território e, consequentemente, da sobrevivência desses grupos, uma vez
que a migração permite a disponibilização das terras para plantio dos que ficaram e,
34Essa teoria possui forte ligação com o conceito de “dádiva”, estabelecido por Mauss, na qual, a partir dos
estudos sobre as trocas realizadas em comunidades da Polinésia, Melanésia e no noroeste americano, a
economia é alicerçada por um sistema de trocas baseadas no princípio da reciprocidade. Nesses sistemas,
as relações econômicas se perpetuam graças a uma obrigação moral de retribuição aos “presentes” trocados.
Ou seja, as relações não se dão pelo valor “em si”, mas pelo valor simbólico desses bens (MAUSS, 1974)
113
portanto, para a manutenção do território e das condições de trabalho, essenciais para sua
perpetuação nos moldes tradicionais.
Nas negociações, muitas das vezes, o irmão que cuidava da mãe
pegou a indenização, levou a mãe... os irmãos já não vão visitar a
mãe mais, porque o outro irmão pegou a indenização da mãe, que
era direito dos irmãos. Isso causou um transtorno que eu tenho
certeza que até hoje tem inimizade na família e, antes, onde família
era unida. Ia lá visitar a mãe, tinha um torrãozinho, um pedacinho
de terra lá. Às vezes, levaram até para uma terra maior, mas pra quê?
A terra maior? (Sr. Joel, sobre os conflitos entre irmãos)
A fala de Sr. Joel reafirma os estudos realizados por Woortmann (1990) quando
reconhece que o capital social, resultado das práticas de reciprocidade são mais valiosos
que quaisquer tamanhos de novos territórios. Para Sr. Joel uma porção de terreno maior
não significa nada se perdida as relações com os familiares.
Os outros que não fizeram a casa, foram pra fora, mas continuavam
sendo herdeiros, que era filho do mesmo pai e da mesma mãe, nós
éramos sete Eu esqueci como que ele fala, mas tirou todo mundo a
força, assim, não negociando direito, né? Porque, igual, eu tenho
dois irmãos lá que dois receberam e nós não recebemos, essa
negociação foi feita assim. Dois irmãos que estavam lá dentro ela
pagou e não considerou nós. (D. Luzia, sobre a aquisição do
território do seu avô)
Já D. Luzia demonstra que para essas comunidades, diferentes da noção de
propriedade sustentada pelo Estado, os herdeiros, mesmo que ausentes, permanecem com
seus direitos sobre o território e, por isso, deveriam ser igualmente considerados, contudo,
respeitadas questões fundamentais para a ordem moral desses grupos, tais como o direito
garantido pelo uso e trabalho na terra.
Eu estou sofrendo, eu estou sofrendo porque hoje os meus próprios
irmãos, né? Eu me dou bem com todos eles porque eu não me
envolvi no que eles fizeram, mas nós éramos unidos, perto,
próximo, ligados. Principalmente quando um morava no lugar e
outro no outro, mas nós tínhamos uma propriedade unificada, junta.
Sempre a gente estava junto. Hoje, a gente passa muito tempo sem
se comunicar, sem ver, cada um está cuidando das suas coisas lá
pras distâncias lá. Isso eu vejo... desintegrou, no caso da minha
família desintegrou nós todos, nós todos. Você vê as pessoas, eles
não têm alegria mais. (Sr. Joel sobre a atual relação com a família)
A fala de Sr. Joel é representativa de inúmeras condições atuais de famílias que
passaram por processos de “aquisição fundiária” por parte da empresa. Além das rupturas
entre familiares, muitos são os casos de novas moradias fisicamente distantes ou de difícil
114
acesso, onde as antigas relações não se perpetuam. Essa nova condição finda os costumes
historicamente praticados e impõem um novo contexto onde “não tem alegria mais”. A
nova condição foi reiterada no seguinte trecho que fala sobre a perda dos locais de lazer:
As comunidades foram todas...Próximas, principalmente a Água
Santa e a Mumbuca foram realocadas, né? Tiraram as pessoas...
Hoje onde era a Mumbuca e um pedaço de Água Santa é água, é a
barragem de rejeitos. Pelo que eu vejo, as famílias estão
desintegradas, não tem mais aquele vínculo, aquela história de ir lá
naquele rio nadar, na cachoeira do Passa Sete... Onde era a
cachoeira que foi dinamitada para fazer a barragem. Que era um
ponto de lazer não só da comunidade, mas dos visitantes. Inclusive,
nós temos fotos de muitas pessoas que vinham de Nova Lima, de
Contagem, de vários outros lugares. (Sr. Joel sobre a atual relação
com as comunidades vizinhas)
Acrescenta-se o fato de que após a aquisição do território através de alguns
herdeiros, a empresa tomava posse dos lugares através da implementação de cercas e
placas e impedia qualquer acesso, garantindo através dos contratos, a “posse precária do
imóvel”, muitas vezes antes que os “herdeiros ausentes” pudessem ter sido informados
dos trâmites. A estratégia enfraquecia poder de “negociação” dos demais herdeiros e
gerava graves conflitos entre os familiares, já que conforme os costumes, o seu direito
sobre o território, mesmo que não estivesse ali, seria assegurado, e a venda do território,
pelos irmãos, romperia, dessa forma, com a tradição.
Outra questão colocada foi o fato de que ficaria à cargo dos herdeiros que
assinaram os contratos de compra e venda a distribuição dos valores entre os demais,
gerando processos complexos dentro das famílias que, historicamente, não compreendem
a terra como um “produto” e, portanto, não trabalhavam com partilhas financeiras do
território. A transformação do “direito de uso” em “bem de mercado” e os diversos
murmurinhos das “negociações” fizeram com que herdeiros, muitas vezes, rompessem
suas ligações, dividindo famílias. Essa estratégia beneficiava a empresa no sentido de
sigilo dos valores e consequente asseguração dos preços baixos, fragmentação da
resistência e facilitação das negociações.
Por fim, o reassentamento em áreas não contíguas e por vezes distantes da
localização anterior dificulta a perpetuação das relações de reciprocidade antes
estabelecidas assim como o fato de que, muitas vezes, quem acaba decidindo por sair se
afasta de atingidos ativos nos movimentos de resistência com medo de que o fato
atrapalhe “as negociações”, caso relatado por D. Luzia na seguinte passagem:
115
Os vizinhos de lá, nós não temos contato, porque eles tiraram todos
eles e colocaram todos longe, pro lado de Córregos, Ouro Fino...A
gente só vê eles quando vai na cidade. Nós perdemos a grande coisa
que nós tínhamos também: a amizade. Nós temos amizade, mas não
temos vínculos, porque nós não vemos as pessoas, só quando
encontra na cidade. Igual a Geruza falou: " é tão triste, né, um lugar
que você vivia, pra baixo e pra cima e não ter nem o lugar e nem os
vizinhos perto da gente". Eles separaram nós mesmo, de um jeito
que nem meus irmãos não vem aqui. Acabou. E todo mundo que
negocia com a Anglo fica inimigo da gente. Eles não falam por
quanto negociou, nem nada. Faz uma inimizade, a empresa faz uma
inimizade com a gente. E, tipo assim, então, nós até então, e o
Rodolfo e o Emerson, eram muitos vizinhos, eram amigos demais,
vizinhos, amigos, família. Só que depois que eles venderam, eles
afastaram, eles nunca mais vieram aqui, não. O Rodolfo, pra você
ver, já tem menino que já tem um ano, já fez até aniversário, tem
uns três anos que ele mudou, nunca vieram aqui. Ninguém deles
nunca pôs o pé aqui, porque vendeu. O Emerson, também, depois
que vendeu, sumiu. Eles fazem inimizade com a família. Eles não
conseguem deixar a família amigo. A gente não está com raiva
deles, mas eles estão da gente, porque eles acham que a gente não
vendeu e não saiu correndo igual a eles. Aí é isso aí... (D.Luzia,
sobre a atual relação com os vizinhos)
Esse cenário de fragilização tornou ainda mais fácil o processo de aquisição de
terras do empreendedor que, se aproveitando da situação, conseguia adquirir terrenos com
preços inferiores ao preço justo bem como o não fomento de discussões mais profundas
sobre direitos adquiridos pelo PNF, como o reassentamento coletivo, imediatamente
cercando os terrenos, impedindo passagem e encerrando caminhos historicamente
utilizados. O estreitamento das relações entre familiares e vizinhos também foi
responsável pela diminuição das relações de trabalho, como as “trocas” realizadas nos
momentos de plantio e os “mutirões” de capina, contribuindo para a desmobilização
produtiva dos atingidos.
4.5 A DESMOBILIZAÇÃO PRODUTIVA
A desmobilização produtiva também foi uma das consequências das atividades de
aquisição de terras da empresa, ressaltando o fato de que essa não é uma relação de causa
e efeito. A desmobilização produtiva, como defendido por Bittencourt (2017) é,
necessariamente multicausal, contudo, conforme avançavam os reassentamentos e/ou
indenizações, é inegável que a expectativa criada entre os moradores que permaneciam
de que seriam os próximos a serem reassentados acabou por romper com os ciclos
116
produtivos antes estabelecidos, já que não faria sentido o investimento financeiro e de
força produtiva por uma colheita que poderia nem chegar.
Segundo pesquisa desenvolvida por Bittencourt (2017, p.86) é evidente a grande
retração no setor. De acordo com o autor, com base nos dados do IBGE, em 2004 eram
produzidas 2.550 toneladas de milho, 1.200 toneladas de mandioca, 430 toneladas de
arroz e 172 toneladas de feijão, em 2015 esses números caíram para 1.200, 300, 20 e 36
toneladas, nas lavouras temporárias. Em relação às lavouras permanentes, “entre 2004 e
2015, a produção de café variou de 180 para 60 toneladas, a de laranja de 630 para 70
toneladas e a de banana de 2340 para 600 toneladas” (p.87).
O que plantava lá não pagou, porque desde que eles chegaram lá
eles falaram que iam tirar dezoito famílias, aí a gente parou com
tudo. Nós paramos com nossa atividade, porque se plantasse, as
vezes eles não iam pagar, igual não pagou até hoje, e a gente ia ficar
mais no prejuízo. Então, nós colhemos o que tinha e deixamos a
terra lá, uai, confiante que eles iam pagar. Nada, nada, nem uma
janela, nem uma porta de lá, da casa da minha mãe, nós não temos.
(D. Luzia, sobre o abandono de culturas)
Contudo, como pudemos ver ao longo do processo de licenciamento, a
morosidade no reconhecimento dos atingidos e a definição de quem, de fato, seria
reassentado foi responsável pelo abandono de culturas e pela desestruturação alimentar
de famílias que dependiam da agricultura familiar de subsistência. D. Luzia me relatou
inúmeras vezes o seu descontentamento e tristeza pela compra de produtos antes
produzidos nas suas plantações no mercado. Segundo ela, é enorme o desgosto de
comprar farinha de mandioca, uma de suas maiores produções, além do fato de o gosto
dos produtos, de acordo com sua percepção, nunca serem os mesmos dos produzidos na
roça.
117
Figura 7- Mudas de D. Luzia, preparadas para a mudança da família
Fonte: Arquivo Pessoal
Outra questão foi a aquisição, por parte da empresa, de fazendas em que as
famílias historicamente trabalhavam nos regimes de “meia ou de terça”, inviabilizando a
produção por falta de áreas de plantio, como mencionado por D. Luzia:
Não tem lugar de plantar mais, até então, antes deles chegarem pra
cá, nós plantávamos com Ronaldo mais a mãe dele, que era a Maria
do Porto, e plantava aqui dentro mesmo. Aí o Silvio vendeu e nós
ficamos presos e não plantamos mais nada, só aquela tirinha ali. A
Maria do Porto, também, que era a mãe do Ronaldo, eles venderam
o terreiro e nós ficamos sem lugar de plantar nada, então, nós
estamos aqui como diz a Patrícia "desatados de pé e mão",
quebrados, sem ter jeito pra nada. (D. Luzia sobre a perda de terras
para plantio)
E, por fim, o abandono de culturas também se deu pela falta de água que, agora
escassa, não permite sua utilização nas plantações, sendo o uso, muitas vezes, insuficiente
até mesmo para as hortas.
Então, minha horta eu ainda planto, porque minha horta, com
aguinha que vem de lá eu jogo nela. Tem que plantar cedo pra
aproveitar toda as aguinhas, mas eu ainda planto meu alho, minhas
verduras todas. Agora, planta, acabou tudo. Nós não plantamos mais
118
mandiocal, só um trequinho ali pra comer cozido e aquele
pouquinho de milho. Naquele pouquinho de milho ali, plantamos
um tiquinho de feijão, mas do resto, nós estamos, assim, com pé e
mão quebrados, atados, presos. Sem serviço e sem lugar de plantar
nada. Aquelas mudinhas nós fizemos pra mudar elas estão lá faz uns
três anos, esperando, esperando. (D. Luzia sobre as atuais
condições de plantação)
A produção de culturas, um dos pilares da manutenção da subsistência e das
relações sociais das comunidades foram abandonas devido as novas condições impostas
pela chegada do empreendimento, rompendo com as relações terra, trabalho e família e
gerando mudanças profundas na localidade que vão desde à mudança da própria
alimentação e os encargos financeiros decorrentes à interrupção da transmissão de
conhecimentos tradicionais entre os mais velhos e mais novos.
4.6 VIOLAÇÕES DE PROPRIEDADES E DO DIREITO DE IR E VIR
Além das denúncias do fato de funcionários da empresa transitar, seja a pé ou seja
através de veículos, em terrenos de propriedade particular sem permissão dos moradores,
uma objeção muito presente nos dois relatos foi o fechamento dos caminhos, a que foi
atribuído, inclusive, a perda de relações com comunidades vizinhas. Segundo os relatos,
para além de cercas e a implementação das estruturas, a empresa faz uso de segurança
armada que impede o trânsito dos moradores.
Quando eles foram passar os canos, tirou a minha estrada e aí eu
fiquei sem estrada e até fiz um boletim de ocorrência deles e ainda
cortou o mandiocal meu ali. Aí eles tiraram a estrada... Quando os
meninos iam pra escola, é um cano gigante, você sabe, né? - nem
tinha jeito de passar de baixo, aí tinha que passar era por cima. Aí
quando eu tinha que levar os meninos no ponto eu tinha que pegar
menino e jogar pro outro lado. Ainda chovia e escorregava muito e
era puro barro, porque o menino não conseguia atravessar o cano.
A menina, que ia pra escola, não conseguia. Teve que mudar a rota
da menina, tirar ela do caminho dela e passar pra baixo porque de
noite ela chegava e não tinha jeito de saltar o cano, de dia a gente
ainda saltava. Ainda tirou o meu caminho por vários dias, eu fiz até
boletim de ocorrência, mas não valeu nada. (D. Luzia, sobre a perda
de sua estrada)
O relato de D. Luzia alguns dos efeitos das obras do empreendimento que, devido
a dimensão das estruturas, alteraram não só a vida da família, como a dos vizinhos.
119
E, nesse local do meu avô, era a estrada que ligava São Sebastião
do Bom Sucesso à Córregos. Passava na porta da casa do meu avô.
Quando compraram de alguns parentes que moravam lá e que
venderam, aí eles fecharam tudo, me arrancaram o caminhão,
colocaram segurança armada e tiram o direito de ir e vir de todos.
Ninguém passava lá dentro mais. Então, acabou o nosso acesso de
São Sebastião do Bom Sucesso à Córregos, que era a estrada de
tropeiro, a estrada que o pessoal ia para os casamentos, ia fazer
compra em Córregos. (Sr. Joel, sobre o fechamento de importante
caminho na região)
Sr. Joel narra que inúmeras eram as tentativas de barrar os impedimentos da
empresa, como a violação de cercas, o enfrentamento de seguranças e as denúncias
através de boletins de ocorrência, contudo, as medidas eram respondidas com ações mais
violentas por parte da empresa, como o corte de culturas, o cercamento de residências e
atitudes ofensivas por parte dos seguranças privados da empresa.
O fechamento dos caminhos de uso histórico pelos moradores aumentou a
distância entre as comunidades, dificultou os acessos e isolou famílias, rompendo com
relações fundamentais para a manutenção dos grupos, como o acesso à regiões onde eram
realizadas práticas religiosas, áreas de lazer e espaços para coleta de lenha e frutas. Além
disso, foi relatado que as atuais alternativas, como a MG010, por exemplo, são inviáveis
devido à perigos antes não vivenciados pelos moradores, como o medo de assalto,
atropelamentos e a circulação de mulheres desacompanhadas. Soma-se o temor de ações
de retaliação impostas por estratégias de intimidação realizadas sobre os moradores que
se opõem ao empreendimento.
4.7 ESTRATÉGIAS DE INTIMIDAÇÃO
A intimidação também foi denúncia frequente dos dois entrevistados. A ativa
participação dos agentes em reuniões na URC Jequitinhonha, as denúncias feitas nas
reuniões da REAJA, Audiências Públicas, Ministério Público, seja Estadual ou Federal,
e Polícia Militar foram acompanhadas de respostas do empreendedor, como por exemplo,
a não resolução de solicitações dos atingidos, instauração de processos, demissões de
parentes e amigos bem como a sua não contratação.
Esses dois homens, da empresa, pegou pra me ameaçar, gastaram
vir aqui uns policiais par saber, ainda se eles estão me ameaçando
(...) Aí esses dois homens, da empresa, que é o chefão, veio e me
120
ameaçaram por causa dessa terra lá e eu ia em reunião, falava, falava
e eles não estavam nem aí e nem aí até hoje ficou. Eu fiquei sem
resultado de nada(...) os homens, minha filha, tudo que eu falava
eles achavam ruim. Eles me puseram insegura, porque eu não sabia
o que eles podiam mandar fazer comigo. Um dia uma menina falou
comigo, uma mulher, que eles não estão chamando os seus filhos
porque quando você chegava em reunião você ficava lá gritando, aí
eles estão com raiva de você, por causa disso. Eu fui e disse que é
capaz de ser mesmo, porque, uai, porque os meus meninos não
podem fichar nessa firma? (Dr. Luzia sobre as estratégias de
intimidação da empresa)
O desemprego dos filhos, a falta de resolução da atual condição da família e o
cercamento das áreas de plantio da família são entendidos por Dr. Luzia como medidas
de retaliação da empresa pelas denúncias por ela realizadas durante as reuniões referentes
ao licenciamento ambiental. A noção de que a ligação com D. Luzia poderia estender para
outras famílias as represálias do empreendedor atua como mais um elemento de
isolamento da atingida, já que inúmeras relações sociais foram cessadas pelo medo de
interrupção das “negociações” de outras famílias.
Eles tentaram me ameaçar o tempo todo e usando tudo quanto é
máquina do governo, né, estadual e municipal, pra intimidar as
pessoas. Mas eu nunca, nunca eles me intimidaram. Claro que eu
não vou agredir ninguém. Às vezes, verbalmente a gente fala algo
que as vezes, que as pessoas as vezes até nem gostam, né? Mas tem
coisa que eu sou obrigado a falar (...) tudo que eles achavam uma
garra eles entravam com uma ação. Da ocupação da terra sempre
como um invasor, que eu era invasor. Lá nas terras do meu avô, que
eu era invasor, nas terras do meu outro avô, eu era invasor. Todas
as ações que eles entravam era de invasor. Todas as ações que eles
entraram e chamaram de invasor, eu tenho registro no cartório de
imóvel. (...) Comigo é PERSEGUIÇÃO, perseguição pra tentar me
intimidar. O judiciário pode não fazer nada, os advogados que eu
contrato, não sei o que eles o que eles vão fazer...mas minha
consciência e a minha mão estão tranquilas, que eles vão fazer não
importa. Eu não estou preocupado com o que eles vão fazer. Se eu
tivesse preocupado em legalizar, em sentar com eles, que é o que
eles tentaram o tempo todo, parece, é sentar com eles e negociar.
(Sr. Joel sobre as retaliações da empresa)
A abertura de processos contra lideranças locais, como descrito por Sr. Joel,
também faz parte das práticas da empresa que buscam silenciar os moradores através de
decisões judiciais ou mesmo do esgotamento físico e mental do acompanhamento das
diversas audiências. Alguns casos chegaram ao limite de inclusão de atingidos no
121
Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos e instauração de um
Procedimento Investigatório Criminal na Promotoria de Justiça para apurar “autoria e
materialidade das ameaças” realizadas à quatro atingidos que assinaram uma Ação
Popular que resultou no cancelamento da Audiência Pública do “Step 3” do
empreendimento.
Além disso, a divulgação de notícias como a demissão de funcionários e a
necessidade das licenças para a manutenção das atividades da empresa na localidade
criaram clima hostil entre os próprios moradores das diversas comunidades que
acabavam, muitas vezes, por culpabilizar as lideranças locais pela possibilidade de
paralização da mineradora e desemprego de familiares e amigos.
4.8 DOIS DIFERENTES CASOS DE VIOLÊNCIA: A
EXPROPRIAÇÃO VIA SERVIDÃO MINERÁRIA E O
RECONHECIMENTO SEM O REASSENTAMENTO
A trajetória dos dois agentes entrevistados, por mais que possuam pontos em
comum, resultou em desdobramentos distintos. D. Luzia, através do estudo da Diversus
de 2014, foi reconhecida pela empresa e pela URC Jequitinhonha como atingida pelo
empreendimento e constou na lista de atingidos a serem contemplados pelo PNF.
Contudo, até a data da defesa do presente trabalho, quatro anos após a legitimação da lista
em reunião da URC, a família permanece sem respostas. Foram feitas algumas propostas
pela empresa, porém, nenhuma delas atendia as necessidades da família, como, por
exemplo, o reconhecimento dos filhos menores de idade e a disponibilização de veículos
para a mudança.
Nós ficamos numa ilha. No segundo trabalho da Diversus, que com
muita pirraça eles fizeram, deu que nós precisávamos de sair, só que
nós não saímos até hoje, porque eles não concordaram com a gente
sair e além de não concordar de pagar os meus meninos, nem a nós
mais pelas coisas, então, por eles de não concordar de pagar nós os
meninos, e nem pagar mais pelos nossos direitos, nós estamos
aguardando o que eles vão fazer. Além disso tem o mineroduto em
cima e a adutora de água do outro lado e a rede de
transmissão(...)Agora está parecendo que está tudo calmo, né?
Porque tem alojamento lá, mas acabou aquele focão, só tem pouca
gente. Mas, assim, por eles terem respeitado e terem feito o trabalho
e falado que nós tínhamos que ter saído, então eles tinham que ter
tirado. E nós estamos aí, esperando, esperando... Só aguentando as
ignorância deles.(...) E nós estamos aí. Aí nós deixamos, fizemos o
122
banheiro, mas diz que 2009, até então não estava assim, nós não
tínhamos esse trabalho ainda que tinha que sair - aí nós resolvemos
não acabar de colocar o chuveiro, ficou o banheiro lá só com a água
fria. Nós... Igual, por exemplo, tudo que nós plantávamos no
quintal... Nosso quintal já não tem mais, só tem pau. Porque diz que
vai sair, que vai sair, que vai sair, que vai sair, então nós resolvemos
não plantar nada. Por esses cinco anos nosso quintal já está
acabando, só tem pé de árvore. (D. Luzia sobre os efeitos do
reconhecimento enquanto atingida sem que medidas fossem
tomadas)
Os principais efeitos do reconhecimento sem a conclusão do reassentamento
foram, sobretudo, a paralização das atividades da família e o aprofundamento das
condições de vulnerabilidade. Com a possibilidade da mudança, D. Luzia e o marido
pararam com as atividades produtivas fundamentais para a manutenção da família, já que
corriam o risco de perder todo o investimento feito nas plantações caso as “negociações”
fossem rapidamente resolvidas. Além disto, os vizinhos foram reassentados e, atualmente,
a casa da família encontrasse “encurralada” por estruturas da empresa: de um lado o
mineroduto, de outro, a linha de transmissão de energia e nos limites da propriedade, áreas
já adquiridas pelo empreendedor. Atualmente não existe sequer estrada que dê acesso à
casa da família, colocando-os em situações limite.
Já Sr. Joel, não incluído nas listas de atingidos e resistente a qualquer tipo de
“diálogo” com a empresa foi vítima de instrumentos legais para sua desapropriação.
Eles entraram com um processo como se eu fosse invasor, dessa
terra. E apresentaram algum contrato, que tinham comprado de
alguns irmãos e nessa ação, que eles entraram contra mim de invasor
o juiz... eu consegui provar que eu tinha posse e propriedade. Aí o
juiz perguntou para eles: "Porque vocês estão chamando ele de
invasor se ele conseguiu provar que ele tem posse e propriedade,
como que ele é invasor? Aí eles persistiram, ainda, que não era. Aí
depois que eles viram que não tinha jeito, que eu era invasor...o juiz
falou: "Não, aquele menino não é invasor não". Aí eles entraram
com uma ação de servidão. A servidão deu uma liminar e o juiz me
deu quinze dias pra eu sair. Sem eu ter para onde ir. Nos quinze dias
eles não chegaram para me tirar. Nos quinze dias eu não saí. Aí eles
vieram com a polícia para me tirar. Me tirou. Vai fazer um ano agora
em março... (Sr. Joel sobre sua expropriação)
Sr. Joel, além de não ter sido reconhecido como herdeiro nas terras do avô foi
expropriado do território onde morava através de uma ação de servidão minerária. A
retirada, realizada com auxílio de força policial, demonstra o tratamento dado aos
atingidos durante todo o processo de licenciamento ambiental. Nos dias atuais, Sr. Joel
123
vive em um terreno também de herança da família, sem água, luz ou condições mínimas
de existência, já que a execução do terreno sem o pagamento por parte da empresa não
deixou a ele diferente alternativa.
Dessa forma, é possível inferir que ambos foram expostos à diferentes processos
de extrahección: um, retirado à força das terras da família através da servidão minerária;
outro, sofre com o deslocamento in situ. Além disso, os dois agentes, assim como demais
atingidos, são forçados a conviver com os demais efeitos do empreendimento, como a
poeira, o barulho, a falta de água, a insegurança, o isolamento, entre diversos outros
efeitos negligenciados ao longo do processo. Todas essas condições, somadas, colocam
os dois atingidos, assim como diversos outros casos semelhantes, em situações de extrema
vulnerabilidade e de mudanças perenes no seu modo de viver e conceber o mundo,
alterando drasticamente o cenário local. Contudo, concomitantemente, os atingidos
respondem e se articulam em movimentos de resistência frente aos danos sofridos.
4.9 A CONTINUAÇÃO DA LUTA
As práticas da Anglo American para aquisição de terras, como pudemos observar,
foram caracterizadas por processos de extrahección, configurando um cenário rotineiro
não só em Conceição do Mato Dentro, mas em todo o país, onde a expansão do capital
está associada, ou melhor, se dá, através da negação e do não reconhecimento de direitos
de como camponeses, pequenos agricultores, pescadores, indígenas, quilombolas e
demais comunidades tradicionais. A chegada de grandes empreendimentos impõe uma
lógica sobre o território através de processos extremamente violentos que, muitas vezes,
acabam por inviabilizar as próprias condições de existência dos atingidos.
Os conflitos ambientais, então, surgem e remetem as disputas entre diferentes
formas de apropriação do espaço em que esses grupos atingidos buscam, sobretudo
assegurar sua reprodução e seus modos de vida frente à logica mercantil estabelecida
pelas grandes empresas. Esses conflitos, como assinalado por Zhouri, Laschefski &
Pereira (2005), denunciam o fato de que as vítimas desses processos não somente são
excluídas dos “bônus” associados a esses grandes empreendimentos, como são a quem é
destinado todo o “ônus” das atividades. Contudo, concomitantemente, são articulados
movimentos contrários, de articulação e reposta frente à esses processos. Dessa forma,
através da mobilização e utilização de diversas estratégias, plataformas de denúncias e
124
exigência de cumprimento de direitos, essas populações seguem resistindo ao mesmo
tempo em que apresentam alternativas próprias ao modelo econômico hegemônico.
Rothman (2008), através do resgate histórico da construção de barragens no
Brasil, analisa que a associação entre desinformação, as promessas não cumpridas da
empresa e o contato com entidades de resistência que relatam a repetição do modo de agir
das empresas com outros atores e outras comunidades faz com que nasça um sentimento
de indignação que serve de motor para a articulação e do fomento de uma resistência
organizada, apoiando-se em redes internas e externas de relações de fortalecimento e
denúncia mútuos. No caso de Conceição do Mato Dentro, destacamos a REAJA e a
articulação com movimentos como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e
do Movimento dos Atingidos pela Mineração (MAM). Ao mesmo tempo, as “resistências
cotidianas35” também assumem papel fundamental nesses espaços, atuando através da
valorização dos laços de solidariedade e de família e das relações estabelecidas com o
próprio espaço.
Através desses novos espaços e das novas redes estabelecidas, continuamente os
atingidos denunciam os danos sofridos e respondem aos processos violentos sob os quais
vem sendo vítimas. Conquistas fundamentais foram conquistadas através da luta e
resistência, sendo as mudanças no PNF e a produção de novos documentos que tratassem
o universo dos atingidos, alguns exemplos. Atualmente o caso de Conceição do Mato
Dentro é referência no que tange à movimentos de resistência à mineração justamente
pelas articulações consolidadas ao longo dos dez anos de licenciamento do
empreendimento. Na escala local, os atingidos permanecem questionando, contestando e
cobrando da empresa, do Ministério Público e do Estado melhorias das suas condições e
cumprimento de seus direitos.
Assim, encerro este capítulo com uma citação longa, mas que nos permite
compreender a narrativa de um atingido que permanece firme, mesmo após inúmeras
violências sofridas ao longo de mais de dez anos de luta e que representa, também, a força
dos que continuam na busca por fazer valer seus direitos e na defesa dos seus costumes e
tradições estabelecidos sobre o território:
35 “A resistência cotidiana se distingue mais evidentemente de outras formas de resistência é em sua
implícita negação de objetivos públicos e simbólicos. Enquanto a política institucionalizada é formal,
ostensiva, preocupada com a mudança sistemática e de jure, a resistência cotidiana é informal, muitas vezes
dissimulada, e em grande medida preocupada com ganhos de fato imediatos” (SCOTT 2011:233).
125
Eu sinto triste de ver a situação da forma que está acontecendo, que
está sendo conduzida e que as pessoas estão aceitando. E sinto
alegria de não ter assinado documento NENHUM. Nem para Borba
Gato, nem para a MMX e nem para a Anglo. Não assinei e nem vou
assinar. Agora, se a servidão, que é uma lei que tem de servidão, do
governo, quiser dar as minhas terras para a Anglo, ou para a MMX,
ou para quem ele quiser, eles vão me tirar, mas eu não vou assinar
nada, eles vão doar. Porque seria covardia da minha parte... É como
se eu tivesse vendendo a minha mãe para ser estuprada. Eu sinto
dessa forma, da forma que a mineração faz com as terras. Acaba
com as nascentes, acaba com a fauna, com a flora, não respeita as
pessoas, tira o direito de ir e vir. Como que eu vou negociar com
uma empresa dessas? Hoje eu quero...eu não quero morrer... eu
quero viver para sempre, eu quero viver para sempre. Mas, se for
para eu assinar um documento... que se for para qualquer
mineradora, eu vendendo qualquer propriedade que eu tenho para
uma mineradora, para elas tratarem a terra da forma que elas tratam,
eu prefiro que acompanhe o meu enterro. Eu não quero morrer, mas
se for... se me obrigarem a fazer isso, eu prefiro que as pessoas
acompanhem o meu enterro. Mas eu não assino e não concordo com
a forma que eles tratam as coisas. Eu já defini isso a muito tempo.
(...) Eu nunca sentei pra negociar e nem vou sentar. Eu estou
querendo é que eles abram mais processos contra mim ainda, mais
ações. Pode abrir mais, eu vou falar, eu vou continuar falando.
Agora parece que eles esmoreceram, eles pararam. Os processos
podem não andar, pra mim não importa. Hoje, pra mim, se eu não...
se não tivesse nenhum processo contra mim e eu tivesse longe, as
vezes bem com a minha família, o quê que eu teria feito pra
comunidade, pra onde que eu nasci, pra onde que eu vivi, pra onde
que eu tenho uma história? Então é como se eu fosse... eu me
sentiria um covarde, covarde. Hoje o que eu estou fazendo, se
precisar eu vou continuar quantas vezes precisar. Não tenho
arrependimento nenhum das decisões que eu tomei até agora. (Sr.
Joel, fevereiro de 2019)
*
126
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O empreendimento Minas-Rio é um caso elucidativo de uma estratégia de
desenvolvimento que se enquadra no que teóricos definiram como modelo
neoextrativista. Essa lógica é responsável por um processo de reprimarização da
economia que, além de tornar os países altamente dependentes das flutuações nos preços
internacionais das commodities, tais como as recentes baixas no preço do minério de ferro
nos últimos anos, determina uma inserção subordinada dos países adotantes do modelo
no mercado internacional. Ainda, esse processo se cumpre através de extrahecciones
sociais e ambientais, rompendo, portando, com marcos de direitos historicamente
conquistados.
O paradigma do desenvolvimento e seus diversos desdobramentos, como a adoção
do modelo neoextrativista, são responsáveis pelo sofrimento e, por vezes, extermínio de
modos de ser, fazer e viver geograficamente localizados, deixando um rastro de violência,
degradação social e ambiental. Os acirramentos dessas condições e dos conflitos
ambientais decorrentes do confronto de duas diferentes lógicas de apropriação do
território são, também, resultado das ações do próprio Estado brasileiro que, através de
um licenciamento ambiental que abre possibilidades para diversas alegalidades,
sucateamento das agências fiscalizadoras e duvidosas relações com o empreendedor,
admitem a instalação de grandes empreendimentos, tais como o Minas-Rio, sem que se
pesem os diversos efeitos a eles associados.
Nesse sentido, o presente trabalho teve como objetivo retomar as discussões
fundiárias desenvolvidas durante os onze anos de licenciamento ambiental do
empreendimento Minas-Rio e levantar, através de entrevistas em profundidade e análise
documental, as práticas cotidianas da empresa bem como suas estratégias para aquisição
de territórios nas regiões de Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas.
A análise da questão fundiária, recorte, portanto, estabelecido para a análise, nos
permitiu concluir que existem algumas estratégias adotadas pelo empreendedor que
parecem figurar um modus operandi das empresas no que tange estratégias para sua
implementação, a saber:
a) a utilização de empresas laranja com o objetivo de redução do preço das
aquisições e minimização de resistência à venda por parte dos moradores;
127
b) o não reconhecimento do universo de atingidos para além de definições
arbitrárias como ADA e AID que homogeneízam os territórios e só consideram enquanto
atingidos os moradores cuja retirada é essencial para instalação do empreendimento;
c) a desapropriação por suposta utilidade pública daqueles que se recusam a
“negociar”;
d) pressões sobre grupos e famílias realizadas, não só verbalmente por próprios
funcionários da empresa, mas também pela destruição das condições de vida e reprodução
nos moldes específicos historicamente desenvolvidos no lugar;
e) a fragilização de laços familiares e das relações entre os comunitários para
facilitar não só a compra a preços irrisórios, mas, também, a diminuição da resistência e
construção de alternativas de contrapressão sobre o empreendedor;
f) violações de propriedades e do direito de ir e vir que, mais uma vez, impedem
que os atingidos perpetuem práticas sempre praticadas e que mantivessem a relação com
vizinhos, parentes e conhecidos na própria comunidade e nas comunidades adjacentes e,
por fim,;
g) estratégias de intimidação de lideranças locais, ou mesmo de cooptação, com
objetivos de evitar desdobramentos onerosos e fragilizar a imagem da empresa,
provocando a divisão de famílias e comunidades e criação de um ambiente hostil para os
moradores e para a própria resistência como um todo;
h) problemas graves de comunicação e transparência das ações e desdobramento
do empreendimento por parte do empreendedor;
i) processos de negociações diversos e individuais que não cumprem com o
estabelecido no PNF, que deveriam respeitar os parâmetros do TAC de Irapé e, por fim;
j) desconsideração e, por vezes, negação das formas tradicionais de apropriação
do território desenvolvida pelo campesinato livre que na região se desenvolveu e a quem
os efeitos do empreendimento foram minimizados e desconsiderados durante todo o
processo de licenciamento ambiental.
Através da análise das entrevistas realizadas com dois agentes-chave nesse
processo, pude perceber como as práticas cotidianas da empresa se desdobram na
localidade e como são experenciadas pelos moradores. Os dois casos, exemplares do
contexto vivido em toda a região, se reproduzem sistematicamente sobre diversas famílias
que, desde a chegada da empresa, tiveram seus modos de vida drasticamente modificados.
Os relatos, complementados pela análise do campesinato brasileiro, demonstram o modo
específico da relação com o território, com a morada e com o trabalho, expondo a
128
negligência da adoção de uma abordagem territorial patrimonialista para análise dos
danos sofridos pelo empreendimento.
D. Luzia e Sr. Joel revelam, em suas narrativas, a profunda relação com o lugar, a
vida antes e após a chegada da empresa e discutem, sobre a ótica dos atingidos, o que é a
empresa e quais seus efeitos sobre os moradores, muitas vezes, contestanto o discurso de
desenvolvimento por ela apresentado. Para além disso, permitem que consigamos ter
noção dos efeitos multidimensionais de um empreendimento como o Minas-Rio.
A definição territorial-patrimonialista da área considerada afetada pelo
empreendimento, associada à desconsideração das dinâmicas próprias e específicas
estabelecidas sob o território, pelos atingidos, são resultado de diversas estratégias
cuidadosamente orquestradas com objetivo de reduzir responsabilizações do
empreendedor e, consequentemente, numa lógica econômica, minimizar os gastos
“sociais do projeto”. Tais ações reproduzem, na localidade, extrahecciones responsáveis
por violências permanentes e profundas, comprometendo todas as dinâmicas
historicamente reproduzias na região.
As práticas do empreendedor para aquisição de territórios são, portanto,
representativas de “novas velhas” práticas expropriadoras e de concentração de terras
necessárias para implementação do modelo de desenvolvimento neoextrativista e que
aprofundam o cenário histórico dos conflitos fundiários presentes no campo brasileiro.
129
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DOCUMENTOS
Ata 38º Reunião da URC Jequitinhonha, 2009
Ata 42º Reunião da URC Jequitinhonha, 2010
Ata 43º Reunião da URC Jequitinhonha, 2010
Ata 77º Reunião da URC Jequitinhonha, 2010
Ata 89º Reunião da URC Jequitinhonha, 2014
Ata 100º Reunião da URC Jequitinhonha, 2016
Ata 28º Reunião da CMI, 2018
Ata 290096/2010
AFB-EXT:004/2010
AFB-EXT: 091/2010
AFB EXT: 102/2010
AFB-EXT 118/2010
Parecer Único SISEMA Nº 001/2008, 2008.
Parecer Único SISEMA, 2013.
Parecer Único SISEMA, 2015.
Parecer Único SISEMA, 2016.
137
ANEXOS
CONDICIONANTES LI “STEP 1”
Condicionante 45 : Apresentar versão revisada e definitiva do total de propriedades rurais
a serem impactadas – total e parcialmente – em associação com a localização das
estruturas do empreendimento para a exploração das serras Sapo/ Ferrugem (cava, pilha
estéril, barragem de rejeitos, usina industrial, canteiro de obras, alojamentos, sistema de
captação e adução de água nova, subestação de energia, medida compensatória). A
listagem final deverá conter, no mínimo, para cada propriedade: nome do proprietário,
condição do produtor (proprietário, posseiro, parceiro, arrendatário); benfeitorias
reprodutivas e não-reprodutivas; área total e área atingida; número de famílias e
população residente; atividades econômicas; mão-de-obra empregada
Condicionante 46: Apresentar o levantamento de: - propriedades rurais localizadas nas
áreas necessárias à implantação dos sistemas de captação e adução de água nova para o
empreendimento; - propriedades rurais localizadas na área destinada à implantação
da sub estação que irá fornecer energia para o empreendimento; - pontos e
estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços situados nos trechos que serão
sujeitos a intervenções na MG 010 e demais estradas da área de inserção do
empreendimento. Identificar cada um deles segundo o nome do proprietário e apresentar
proposta de medida mitigadora e compensatória para os proprietários rurais de áreas
afetadas pela implantação dos sistemas de fornecimento de água e de energia elétrica e
para os donos de pontos e estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços a serem
possivelmente desativados devido a intervenções provocadas pelo empreendimento na
rede viária.
Condicionante 55: No âmbito do desenvolvimento Programa de Negociação Fundiária:
55.1 Considerar integralmente todos os pressupostos e diretrizes expressos no documento
“Informações Complementares ao EIA /RIMA” do empreendimento, editado pelo
SISEMA;
55.2 Comprovar a aquisição das áreas necessárias à instalação das estruturas do
empreendimento e a efetivação dos demais ressarcimentos junto aos respectivos
proprietários rurais e demais produtores e moradores - vinculados e envolvidos no
processo negocial das mesmas.
138
55.3 Comprovar a aquisição de áreas para reassentamento na região de inserção do
empreendimento e a efetivação dos demais ressarcimentos junto aos demais produtores
atingidos optantes por outras modalidades indenizatórias.
55.4 Apresentar projeto negocial específico e detalhado a ser desenvolvido ou em
desenvolvimento com os seguintes grupos de interesse: - comerciantes e prestadores de
serviços a terem seus estabelecimentos desativados devido à readequação da malha
viária exigida à implantação do empreendimento, - proprietários rurais das áreas onde
serão implantados os sistemas de abastecimento de água nova e de fornecimento de
energia elétrica para o empreendimento.
55.5 Apresentar proposta negocial específica para populações a serem atingidas pela
implementação da medida ambiental compensatória do empreendimento (UC).
55.6 Incluir no público-alvo do programa de reassentamento (direito a terra, moradia e
apoio a produção) os produtores herdeiros que são chefes de família e compartilham
mesma terra e residência com os pais. Comprovar resultados no PCA.
55.7 Apresentar os resultados do Cadastro Patrimonial e Social, as minutas de acordo
com cada categoria de atingidos e os anteprojetos de reassentamento rural, incluindo
alternativas de áreas viáveis à sua implantação na região de inserção do empreendimento.
55.8 Comprovar condução autônoma e livre no processo negocial exercido com os
grupos de produtores rurais não proprietários e de empregados rurais atingidos,
independentemente de realização de consulta obrigatória aos donos da terra. Garantir-
lhes as condições originais (em termos de trabalho, moradia, produção, renda) nos casos
em que não houver possibilidade ou interesse do proprietário de mantê-los na sua nova
propriedade ou na área remanescente. Apresentar os resultados.
55.9 Estruturar os projetos de reassentamento em conformidade, também, com as
diretrizes expressas nos termos dos Anexos II e III da Deliberação Normativa COPAM
nº 88 de 13/9/2005; 55.10 Apresentar os projetos executivos dos reassentamentos;
das relocações internas dos bens afetados para as áreas remanescentes das propriedades
atingidas; e das relocações do sistema viário e de eventuais equipamentos de serviços
sociais básicos e comunitários.
139
Condicionante 77: Submeter à aprovação do INCRA o projeto especial de
negociação fundiária com as comunidades afro-descendentes de água Santa e Serra
Ferrugem, incluindo o processo de reassentamento rural.
CONDICIONANTES LI FASE 1 “Step 1”
Condicionante 54: Apresentar ações já desenvolvidas com as comunidades de Água
Santa e Ferrugem pelas equipes de Relações com a Comunidade (RCC) e de Gestão
Fundiária durante as duas primeiras etapas do Programa de Comunicação social
(“De estudos iniciais até a Licença Prévia” e “Da Licença Prévia à Licença de
Instalação”) “evidenciando a linha de conduta do empreendedor em criar condições de
evolução do processo numa base de diálogo e entendimento com as comunidades
afetadas”.
Condicionante 65: Comprovar processo de interação com as comunidades afetadas
durante as negociações fundiárias coletivas a serem realizadas. Essa interação deverá ser
comprovada antes da aquisição de duas propriedades de Ferrugem e uma de Água Santa
necessárias à instalação do empreendimento nessa primeira fase.
Condicionante 68: Garantir a participação de instituição externa representativa das
categorias atingidas, citadas no Programa de Negociação Fundiária, em todas as reuniões
de negociação, especialmente as que envolvam as comunidades de Ferrugem e Água
Santa e na Comissão de Assistência Social.
Condicionante 69: Para as 32 propriedades já adquiridas deverão ser apresentadas
informações acerca da possível situação de vulnerabilidade dos proprietários e não
proprietários, para verificação da necessidade de inclusão ou não no programa de
Negociação Fundiária.
CONDICIONANTES LI FASE II “Step 1”
Condicionante 58: Apresentar análise técnica individualizada da avaliação da viabilidade
da continuidade das atividades econômicas e produtivas e das condições de permanência
das famílias residentes na área remanescente de cada uma das propriedades rurais a serem
parcialmente afetadas pelo empreendimento e, a correspondente análise dos
respectivos proprietários/posseiros/ocupantes.
140
Condicionante 60: Apresentar os projetos executivos dos
reassentamentos/remanejamentos individuais/coletivos, bem como das alternativas de
áreas viáveis à sua implantação na região de inserção do empreendimento.
Condicionante 61: Incluir nos Programas de Negociação Fundiária e de
Reestruturação Produtiva, conforme disposto no item 5.1.7 do Termo de Acordo de
Irapé, “parceiros e agregados, juntamente com suas respectivas entidades familiares,
que residam e/ou trabalhem regularmente no espaço diretamente impactado" e item
5.1.8.1 onde determina que “a área de cada lote deverá ser igual a 1 (um ) módulo fiscal
definido pelo INCRA vigente no município onde se dará o reassentamento”.
Condicionante 62: Incluir no Programa de Reestruturação Produtiva os herdeiros
não residentes, contemplados pelo Programa de Negociação Fundiária, que optarem pelo
remanejamento individual/coletivo.
Condicionante 64: Comprovar a contratação dos profissionais (um agrônomo e um
assistente social) para atuação no âmbito do Programa de Negociação Fundiária e
no Programa de Reestruturação Produtiva.
Condicionante 66: Comprovar a aquisição de áreas necessárias ao
remanejamento individual/coletivo.
Condicionante 67: Apresentar relatórios com documentos hábeis a comprovar os
acordos com cada categoria de atingidos contempladas no Programa de Negociação
Fundiária, pertinentes às propriedades/posses a serem adquiridas pelo empreendimento.
Condicionante 70: Incluir, no novo Programa de Negociação Fundiária realizado a partir
da condicionante 91, os moradores considerados diretamente impactados/atingidos pelo
levantamento que está sendo realizado pela empresa Diversus e que não tenham sido
contemplados, até o momento, no Programa de Negociação, garantindo aos mesmos o
direito de optar pelas formas de negociação dispostas no programa, condicionada
a inclusão à aprovação da URC Jequitinhonha.
Condicionante 72: Apresentar, para as 32 propriedades adquiridas antes da apresentação
do Programa de Negociação Fundiária, informações acerca da possível situação de
vulnerabilidade de todos os proprietários e não proprietários, para verificação da
necessidade de inclusão ou não no Programa de Negociação Fundiária.
PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
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