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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS SERVIÇO SOCIAL TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO MOBILIZAÇÃO SOCIAL NA SAÚDE MENTAL TATIANE COSTA DINIZ MARIANA, MG 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

SERVIÇO SOCIAL

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

MOBILIZAÇÃO SOCIAL NA SAÚDE MENTAL

TATIANE COSTA DINIZ

MARIANA, MG

2018

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Tatiane Costa Diniz

MOBILIZAÇÃO SOCIAL NA SAÚDE MENTAL

Trabalho de Conclusão de Curso do curso de

Serviço Social da Universidade Federal de

Ouro Preto, como requisito para a conclusão

de curso.

Área de Concentração: Ciências Sociais

Aplicadas

Orientadora: Verônica Medeiros Alagoano

Mariana, MG

2018

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Catalogação: [email protected]

D585m Diniz, Tatiane Costa. Mobilização Social na Saúde Mental [manuscrito] / Tatiane Costa Diniz. -2018.

63ff.:

Orientadora: Profª. MScª. Verônica Medeiros Alagoano.

Monografia (Graduação). Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto deCiências Sociais Aplicadas. Departamento de Ciências Sociais, Jornalismo eServiço Social.

1. Procução capitalista - Teses. 2. Saúde mental - Ouro Preto (MG) - Teses.I. Alagoano, Verônica Medeiros. II. Universidade Federal de Ouro Preto. III.Titulo.

CDU: 616.89(815.1)

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Aos meus pais, que me passaram valores essenciais e raros, que

sempre me puseram diante da realidade e por toda a força que me tem

dado durante todos esses anos da graduação.

Aos meus irmãos em especial minha irmã Juliana pelos conselhos e

por não medir esforços em me ajudar para a realização dos meus

sonhos.

Aos usuários da saúde mental pela vivência, me ensinando ser uma

pessoa melhor.

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AGRADECIMENTOS

Àqueles que foram responsáveis por esta conquista, pois sem eles não seria possível chegar

ate aqui.

Aos meus pais, mais uma vez, por todo incentivo e amor. Por sempre me apoiarem nas

minhas decisões e por me ajudarem em todas as conquistas. Fazendo-me acreditar sempre,

mas nunca tirar os pés do chão. Amo vocês!

Aos meus irmãos em especial a Juliana por me ajudar a estudar, sempre me escutando e me

dando coragem para enfrentar os problemas. Escutando os meus medos e angústias, sempre

presente nos momentos mais difíceis da minha vida. Obrigada por todo apoio!

Ao meu namorado Rafael que com todo seu amor e compreensão sempre com toda sua

paciência durante todos esses anos, sonhando junto comigo e tornando os dias mais leves.

À turma de serviço social 13.1 minha turma de coração, onde fiz muitos amigos que vou levar

para a vida.

À minha orientadora Verônica que aceitou a dura tarefa de me orientar me estimulando nesse

caminho tão árduo. Obrigada pela enorme contribuição, pelo carinho e pelo respeito.

Ao curso de Serviço Social, o qual eu digo sempre que foi o curso que me escolheu e que hoje

eu amo e posso dizer com muito orgulho que sou assistente social.

Muito Obrigada!

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo principal analisar a mobilização social na saúde mental tendo

como foco a associação de usuários da saúde mental da cidade de Ouro Preto. Mostrar a falta

de informação das famílias no que diz respeito sobre a existência das associações de usuários

e a importância de mobilização como forma de união de forças para as conquistas dos

direitos. Para a execução deste projeto, as famílias foram consultadas no grupo de família

existente no Centro de Atenção Psicossocial de Ouro Preto, e para elas foram apresentadas

todo o projeto deste trabalho e questionários para cada participante com perguntas sobre a

associação. No questionário procurou-se investigar sobre o entendimento das pessoas sobre o

que é uma associação e a importância da união de pessoas para mobilizar para a ampliação na

efetivação e garantia dos direitos sociais, controlando o Estado e fiscalizando as políticas

sociais. A pesquisa foi feita com 3 familiares de usuários do serviço, sendo que todos não

conheciam o trabalho da associação mas concordam que a mobilização social é feita em

conjunto e que as associações são lugares de luta. Foi possível identificar ainda a falta de

envolvimento das famílias no processo terapêutico dos pacientes.

Palavra-chave: Modo de produção capitalista. Mobilização social. Saúde mental.

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ABSTRACT

This work has as main objective to analyze the social mobilization in mental health focusing

on the association of mental health users of the city of Ouro Preto. To show the lack of

information of families with regard to the existence of user associations and the importance of

mobilization as a form of union of forces for the achievement of rights. In order to carry out

this project, the families were consulted in the existing family group at the Psychosocial Care

Center of Ouro Preto, and for them the whole project of this work and questionnaires for each

participant with questions about the association were presented. The questionnaire sought to

investigate people's understanding of what an association is and the importance of union of

people to mobilize for the expansion of social rights enforcement, controlling the state, and

overseeing social policies. The research was done with three family members of the service,

all of whom were not aware of the association's work but agreed that social mobilization was

done together and that associations were places of struggle. It was also possible to identify the

lack of involvement of families in the therapeutic process of the patients.

Key-word: Capitalist mode of production. Social mobilization. Mental health.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CAPS- Centro de Atenção Psicossocial

CF 88- Constituição Federal de 88

CLT- Consolidação das Leis do Trabalho

CNRS- Comissão Nacional de Reforma Sanitária

IAPs- Instituição de Aposentadorias e Pensões

INPS- Instituto Nacional de Previdência Social

MLA- Movimento da Luta Antimanicomial

MTSM- Movimento dos Trabalhadores da Saúde Mental

NAPS- Núcleos de Apoio Psicossocial

SUS- Sistema Único de Saúde

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Sumário

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 10

2. O MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA E O CAMPO DA SAÚDE MENTAL ........... 12

2.1 O MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA COMO FORMA DE ADOECIMENTO

MENTAL .......................................................................................................................................... 13

2.2 A TRAJETÓRIA DA SAÚDE MENTAL E A PARTICULARIDADE BRASILEIRA ...... 19

2.3 A INSERÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL NA SAÚDE MENTAL .................................. 36

3. A PARTICIPAÇÃO POPULAR NA CONQUISTA DE DIREITOS ..................................... 40

3.1 A ASSOCIAÇÃO DE USUÁRIOS DE OURO PRETO ...................................................... 45

3.2 MOBILIZAÇÃO SOCIAL E O ENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS .............................. 48

4. CONCLUSÃO ............................................................................................................................. 56

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 58

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1. INTRODUÇÃO

Este Trabalho de Conclusão de Curso é fruto de inquietações vividas durante minha

experiência no estágio obrigatório de Serviço Social, no campo da saúde mental, localizada no

município de Ouro Preto, no estado de Minas Gerais.

Meu trabalho como estagiária do Centro de Atenção Psicossocial - CAPSI foi

marcado pela vivência com os familiares dos usuários nas reuniões do grupo de família

ofertado pelo serviço, e por frequentar ativamente as reuniões da Associação de Usuários

Familiares e Amigos da cidade de Ouro Preto – ACOLHER.

O debate sobre a mobilização social era frequente nas reuniões dos usuários, o qual

apresentava grande destaque para mim, sendo presente durante todo o trabalho desenvolvido

no CAPS. Todavia, não estava tão clara para mim a participação das famílias e da sociedade

na busca por efetivação dos direitos sociais como forma de união para a mobilização social.

Todo o trabalho era feito somente pelos usuários e por funcionários do serviço.

Portanto, este estudo pretende desenvolver uma investigação acerca da participação

social na saúde mental, passando por todo o processo histórico através do adoecimento que o

modo de produção capitalista traz.

O estudo apresentado parte da história da Reforma Sanitária e a Reforma

psiquiátrica, com destaque para o processo histórico da participação social em outros países.

Em seguida apresentamos a pesquisa realizada na Associação de Usuários da Saúde Mental de

Ouro Preto e o questionário feito com as famílias dos usuários.

A pesquisa bibliográfica foi realizada em torno do debate teórico ao objeto em foco.

A fim de atender os objetivos propostos, foi utilizada a abordagem com as famílias. Para tanto

foi elaborado um questionário estruturado, com base em perguntas claras e objetivas.

Entretanto, este estudo utilizou-se também do método qualitativo, através de pesquisas

bibliográficas que informa a luta antimanicomial no Brasil.

Dessa forma, a análise documental foi realizada, buscando identificar o adoecimento

mental e desvendar a história da luta pela defesa dos direitos sociais na saúde mental.

O que se pretende com essa pesquisa é apresentar uma perspectiva de análise da

participação popular no que tange a saúde mental nos dias atuais. Com isso, não se objetiva

desqualificar a Luta Antimanicomial, suas reivindicações e conquistas. O que se pretende é

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somar a esta luta, contribuindo com uma reflexão de que as lutas sociais estejam

desvinculadas da totalidade social na busca por direitos sociais, considerando que há uma

disputa na compreensão da cidadania, o que aponta uma fragmentação da luta

Antimanicomial nos dias atuais.

No primeiro capítulo, buscou-se identificar o modo de produção capitalista abusivo e

repressor, fazendo com que os trabalhadores se adoeçam mentalmente. Traz ainda a história

da Reforma Sanitária e a Reforma psiquiátrica tendo como precursor Franco Baságlia.

No segundo e último capítulo, registrou-se a participação popular na busca por

direitos, trazendo a história dos grupos de usuários no Brasil e também em outros países, para

a ampliação e garantia dos direitos em defesa da cidadania. Também foi apresentado a

Associação de Usuários, Familiares e Amigos da Saúde Mental de Ouro Preto, buscando

apresenta-la para se conhecer o objeto de estudo dessa pesquisa. Também nesta parte há o

questionário feito com as famílias dos usuários, buscando entender sobre a mobilização

social.

A partir desse balanço podemos identificar a participação das famílias nos grupos de

usuários para uma mobilização social na busca por efetivação dos direitos sociais.

Entendemos que é de grande importância a união para que a luta se torne vista por todos.

É emergencial essa luta, pois essa agrega movimentos sociais que buscam uma

transformação na política de saúde e na assistência psiquiátrica, além disso, a luta defende a

transformação da loucura, buscando a inserção do louco na sociedade, sem discriminação.

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2. O MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA E O CAMPO DA SAÚDE MENTAL

O modo de produção capitalista foi e ainda é o sistema vigente de produção de lucros

em nossa sociedade. As relações sociais que baseiam tal modo de produção impactam a saúde

dos trabalhadores levando-os ao adoecimento. É um sistema desigual, onde o lucro fica nas

mãos dos capitalistas causando o empobrecimento da população. O modo de produção

capitalista é um sistema alienador, que causa a exaustão e o adoecimento nos trabalhadores.

Essa organização, onde os lucros ficam concentrados nas mãos dos capitalistas,

atinge o conjunto dos trabalhadores, as famílias e todo o cotidiano das pessoas. Trata-se de

uma lógica de exploração do trabalho que aliena, oprime e fadiga. Ao extremo de se

condicionar a existência ao trabalho em detrimento da sanidade mental e física.

Produzir a qualquer preço, com jornadas de trabalho exaustivas leva a precariedade

da saúde mental dos trabalhadores. Sendo assim, podemos dizer que o adoecimento psíquico e

físico é uma expressão da questão social e, desta forma, ter como ponto de partida para o

estudo da saúde mental, o modo de produção capitalista como um sistema adoecedor e

fragilizador para o homem.

O modo de produção capitalista obriga o trabalhador a vender sua força de trabalho

para sobreviver enquanto que, pela mesma ação, viabiliza o enriquecimento daqueles que lhe

exploram o trabalho.

Um dos aspectos que destacamos da chamada “questão social” engendrada pelo

capitalismo e o processo de adoecimento mental oriundo desse modo de produção. Uma

problemática desafiadora e crescente em nossos dias.

A saúde mental é uma questão importante a ser tratada e questionada

frequentemente. Com total clareza e sobre forte influência que o modo de produção capitalista

traz sim o adoecimento dos trabalhadores.

Neste capítulo apresentaremos a maneira como o modo de produção capitalista torna

a saúde dos trabalhadores cada vez mais fragilizada levando ao esgotamento. Uma síntese

como forma de explicar a saúde mental das pessoas, que muitas das vezes surgem com esse

modo de produção opressor, trazendo também a trajetória da saúde mental tendo como

particularidade a história da saúde mental brasileira, à forma como surgiu e todos os desafios

enfrentados para que se possa entender o processo da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

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2.1 O MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA COMO FORMA DE ADOECIMENTO

MENTAL

Para compreendermos o caminho que a saúde mental percorre no Brasil, faz-se

necessário situar como ponto de partida o modo de produção capitalista, uma vez que o

adoecimento mental, em nossa perspectiva, está associado a este modo de produção que se

estabelece na produção e reprodução das relações sociais.

O modo de produção capitalista é um modo de produção em que os lucros ficam nas

mãos do capitalista, ou seja, centrado na propriedade privada dos meios de produção e na

apropriação da riqueza socialmente produzida. Esta forma de organização baseada no lucro do

capitalista envolve as relações sociais como um todo, ou seja, atinge toda a vida cotidiana, o

trabalho, a família, etc. Sendo assim, o capital é uma forma de relação social, em que este se

expressa como continuidade dessa sociedade.

Para compreendermos como se dá esta relação entre capital e trabalho, Iamamoto e

Carvalho (2011, p.37), a partir de Marx, elucidam que:

Sendo o capital uma relação social, supõe o outro termo da relação: o trabalho

assalariado, do mesmo modo que este supõe o capital. Capital e trabalho assalariado

são uma unidade de diversos; um se expressa no outro, um recria o outro, um nega o

outro. O capital pressupõe como parte de si mesmo o trabalho assalariado.

O trabalho assalariado tem a ver com a construção da mais valia, aquilo que leva os

indivíduos a vender sua força de trabalho criando um retorno aos proprietários do meio de

produção.

Nesse contexto, há um mascaramento dessa relação, onde a verdadeira face é a

exploração do trabalhador, em que as relações sociais são sustentadas pelo trabalho alienado.

De acordo com Marx e Engels (1987), quanto mais se produz, menos se consome, quanto

mais valor se cria, menos valioso se torna, quanto mais valioso o trabalho, mais frágil se torna

o trabalhador.

A alienação do trabalhador no seu produto significa não só que o trabalho se

transforma em objeto assume uma existência externa, mas que existe

independentemente, fora dele e a ele estranho, e se torna um poder autônomo em

oposição com ele; que a vida que deu ao objeto se torna uma força hostil e

antagônica. (Marx, 1964, p.160).

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Dessa forma, podemos afirmar que os homens produzem e reproduzem suas

condições de sobrevivência. O trabalhador ao trabalhar, torna-se escravo do seu trabalho.

Quanto mais objetos produzem, mais pobres se tornam e maior se torna a submissão1.

A alienação do trabalhador no objeto exprime-se assim nas leis da economia

política: quanto mais o trabalhador produz, tanto menos tem de consumir; quanto

mais valores criam, tanto mais sem valor e mais indigno se torna; quanto mais

refinado o seu produto, tanto mais deformado o trabalhador; quanto mais civilizado

o produto tanto mais bárbaro o trabalhador; quanto mais poderoso o trabalho, tanto

mais impotente se torna o trabalhador; quanto mais brilhante e pleno de inteligência

o trabalho, tanto mais o trabalhador diminui em inteligência e se torna servo da

natureza. (Marx, 1964, p. 161).

O homem se torna também alienado no ato da sua produção. Assim aliena-se a si

próprio, pois o produto que foi produzido se torna o resultado de toda sua atividade. Dessa

forma, o trabalho oprime e fadiga.

O trabalho desenvolvido pelos trabalhadores é um trabalho desgastante e de muitos

sacrifícios. Desenvolve-se para satisfazer as necessidades daqueles que os empregam, um

trabalho que esgota fisicamente os trabalhadores. De acordo com Marx (1964, p.162):

(...) em primeiro lugar, o trabalho é exterior ao trabalhador, quer dizer, não pertence

à sua natureza; portanto, ele não se afirma no trabalho, mas nega-se a si mesmo, não

se sente bem, mas infeliz, não desenvolve livremente as energias físicas e mentais,

mas esgota-se fisicamente e arruína o espírito. Por conseguinte, o trabalhador só se

sente em si fora do trabalho, enquanto no trabalho se sente fora de si. Assim, o seu

trabalho não é voluntário, mas imposto, é trabalho forçado. Não constitui a

satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio de satisfazer outras

necessidades. O seu caráter estranho ressalta claramente do fato de se fugir do

trabalho como da peste, logo que não exista nenhuma compulsão física ou de

qualquer outro tipo. O trabalho externo, o trabalho em que o homem se aliena, é um

trabalho de sacrifício de si mesmo, de mortificação.

Nessa perspectiva, o trabalhador só se sente livre quando exerce funções humanas

como comer, dormir, etc. Essa liberdade fica comprometida no processo do trabalho alienado,

o qual o homem não consegue exercer suas funções vitais.

(...) uma vez que o trabalho alienado 1) aliena a natureza do homem, 2) aliena o

homem de si mesmo, a sua função ativa, a sua atividade vital, aliena igualmente o

homem a respeito da espécie; transforma a vida genérica em meio de vida

individual. Em primeiro lugar, aliena a vida genérica e a vida individual; em

seguida, muda esta última na sua abstração em objetivo da primeira, portanto, na sua

forma abstrata e alienada. De fato, o trabalho, a atividade vital, a vida produtiva,

aparece agora ao homem como o único meio de satisfação de uma necessidade, a de

manter a existência física. A vida produtiva, porém, é a vida genérica. É a vida

criando vida. No tipo de atividade vital reside todo o caráter de uma espécie, o seu

caráter genérico; e a atividade livre, consciente, constitui o caráter genérico do

homem. A vida revela-se simplesmente como meio de vida (Marx, 1964, p. 164).

1 O modo de produção capitalista é um modo em que o sujeito é pelas suas próprias produções,

produções essas que mantém o poder sobre a existência de cada um. De acordo com Eagleton (1999, p.33) “O

sujeito humano cria um objeto, o qual se torna então um pseudo-sujeito capaz de reduzir seu próprio criador a

algo manipulado".

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Com o trabalho alienado, o homem trabalha apenas para garantir sua sobrevivência.

O homem já não se reconhece enquanto humano, impedindo o desenvolvimento de suas

potencialidades. Portanto, o trabalho representa somente a sua subsistência.

O sistema capitalista de produção sobrevive pelo aumento das riquezas. O homem é

um mero meio para esta finalidade. Assim, o trabalho alienado se torna a condição para a

existência do sistema capitalista, em que o homem se torna alienado de si mesmo e não se

reconhece no processo produtivo, nem tampouco no produto de seu trabalho.

Há alguns desdobramentos do trabalho alienado como a propriedade privada e a

divisão do trabalho. Conforme observam Marx e Engels (1987, p.46): “Divisão do trabalho e

propriedade privada são expressões idênticas: a primeira enuncia em relação á atividade

aquilo que se enuncia na segunda em relação ao produto da atividade”.

A partir do exposto cabe ressaltar que, a alienação no trabalho tem repercussões na

vida do trabalhador, na relação com o trabalho, com o produto de seu próprio trabalho e nas

relações com outras pessoas.

No trabalho alienado, o objeto produzido não lhe pertence e por isso o aumento da

riqueza não diminui a pobreza do trabalhador, muito pelo contrário.

Se o produto do trabalho não pertence ao trabalhador, se a ele se contrapõe como

poder estranho, isto só é possível porque o produto do trabalho pertence a outro

homem distinto do trabalhador. Se a sua atividade constitui para ele um tormento,

tem de ser fonte de gozo e de prazer para outro. Só o homem, e não os deuses ou a

natureza, é que pode ser este poder estranho sobre os homens (Marx, 1964, p. 167).

Dentro desta lógica, o trabalhador não faz gozo de seu próprio produto, este passa a

ser de outro homem. O produto final não fica com aquele que o produziu e sim passa a ser de

outro.

Dessa forma, Marx (1964, p.168) explica,

A relação do trabalhador ao trabalho gera a relação do capitalista (ou seja qual for o

nome que o senhor do trabalho se quiser dar) também ao trabalho. A propriedade

privada constitui, portanto, o produto, o resultado, a conseqüência necessária do

trabalho alienado, da relação externa do trabalhador à natureza e a si mesmo.

É certo que o capitalismo trouxe avanços para o progresso da civilização, mas é

inegável que para a acumulação de capital a produção é feita a qualquer custo. Para aumentar

seu lucro, as indústrias são capazes de empregar e desempregar um grande número de

trabalhadores a um custo muito baixo e com baixíssimo grau de especialização com salários

apenas para a sobrevivência. Sobre essa situação Marx (1964, p.101) afirma, "a mais baixa e a

única necessária tabela de salários é aquela que provê à subsistência do trabalhador, durante o

trabalho, e a um suplemento adequado para criar a família, a fim de que a raça dos

trabalhadores não se extinga".

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O capitalista não está preocupado com o bem estar de seus trabalhadores, sua

preocupação era somente em gerar mais capital para si. Enquanto isso, o trabalhador cada vez

mais empobrecido tendo que garantir sua sobrevivência. Assim,

O trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a

sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador torna-se uma mercadoria

tão mais barata, quanto maior número de bens produz. Com a valorização do mundo

das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O

trabalho não produz apenas mercadorias; produz-se também a si mesmo e ao

trabalhador como uma mercadoria, e justamente na mesma proporção com que

produz bens (Marx, 1964, p. 159).

Toda a riqueza produzida não serve para melhorar a condição de vida dos próprios

trabalhadores, muito pelo contrário, é fator de exploração na medida em que a meta de

trabalho não é atingida.

Não é difícil compreender o crescimento da pobreza dos trabalhadores somente pelas

coisas materiais, mas também por ser apenas uma peça a mercê do sistema capitalista de

produção. O trabalhador torna-se então como uma mercadoria, com o valor cada vez mais

diminuído. Assim passa a ser tratado como coisa2.

Ao que se refere ao trabalho, elemento central no modo de produção capitalista, por

se tratar da única mercadoria que produz valor, este se torna alienado fazendo com as relações

sociais se tornem coisificadas (BARROCO, 2010).

[...] o trabalho sendo ele próprio mercadoria, mede-se como tal pelo tempo de

trabalho que é preciso para produzir o trabalho-mercadoria. E o que é preciso para

produzir o trabalho-mercadoria? Justamente aquilo que é preciso em tempo de

trabalho para produzir os objetos indispensáveis à manutenção incessante do

trabalho, quer dizer aquilo que faz viver o trabalhador e o põe em condição de

propagar sua raça. O preço natural do trabalho nada mais é que o mínimo do salário

(Marx, 2004a, p. 46).

O próprio trabalho domina o trabalhador. O trabalho não promove o

desenvolvimento pessoal, ele oprime. Essa desumanização e opressão é uma condição para a

existência do sistema capitalista, para que a acumulação de capital promova maiores riquezas.

Porém o trabalhador não tem opção, a não ser submeter-se a esse sistema opressivo,

pois precisa do trabalho para sua sobrevivência. Nesta luta pela permanência do trabalho cria

um clima de disputa entre os próprios trabalhadores.

O trabalho está longe de ser considerado como uma realização, pois este impõe uma

competitividade e opressão do próprio sistema capitalista.

2 O homem passa a ser tratado como coisa na maneira em que não se reconhece em seu próprio

produto. Perde-se a essência como ser humano, logo se torna coisificado.

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Ao se submeter a um sistema que tem como finalidade o aumento das riquezas, o

trabalhador se vê num sistema opressor, que limita o seu crescimento e o seu

desenvolvimento. Ao invés de fazer trabalhos criativos, de usar a mente, este é obrigado a

exercer funções e tarefas repetitivas, totalmente cansativas, as quais impedem o crescimento.

O trabalho exaustivo e desumano leva o homem ao adoecimento.

É inegável que a exploração não interfere somente na vida do trabalhador dentro das

indústrias, mas se expressa negativamente também na saúde, habitação, modo de vida, etc.

Dessa forma, para o trabalhador conseguir se livrar do trabalho alienado, basta por

um fim na propriedade privada, onde o trabalhador não trabalha mais para um capitalista, mas

para si mesmo. Como observa Marx, esta alienação se manifesta tanto na forma de produção

como na de consumo.

A propriedade privada material, imediatamente perceptível, é a expressão material e

sensível da vida humana alienada. O seu movimento – a produção e o consumo – é a

manifestação sensível do movimento de toda a produção anterior, quer dizer, a

realização ou realidade do homem. A religião, a família, o Estado, o Direito, a

moral, a ciência, a arte, etc., constituem apenas modos particulares da produção e

submetem-se à sua lei geral. A abolição positiva da propriedade privada, tal como a

apropriação da vida humana, constitui portanto, a abolição positiva de toda a

alienação, o regresso do homem, a partir da religião, da família, do Estado, etc., à

sua existência humana, isto é, social. A alienação religiosa enquanto tal ocorre

apenas na esfera da consciência, da interioridade humana, mas a alienação

econômica é a da vida real – a sua abolição inclui, por conseguinte, os dois aspectos

(Marx, 1964, p. 193).

Ao tempo de Marx, o capitalismo já se encontrava consolidado, onde o trabalhador

era totalmente explorado. Havia uma clara distinção entre os proprietários dos meios de

produção e a classe trabalhadora. Uma explorava e a outra era explorada. Nela os

trabalhadores eram remunerados com o mínimo para garantir sua sobrevivência.

Hoje, vê-se que o capitalismo criou formas para iludir os trabalhadores, com

benefícios, participações de lucros, etc. Dessa forma passam a ser aliados dos proprietários

dos meios de produção, enriquecendo-os cada vez mais.

A história está em constante transformação decorrente dos avanços tecnológicos.

Hoje as relações de exploração nem sempre são identificadas, pois alguns trabalhadores, com

maior elevação dos salários e melhor condição de vida, não compreendem a lógica da

acumulação capitalista a qual são submetidos.

Mas com toda certeza a luta de classes defendida por Marx não foi superada. Diante

de inovações tecnológicas, que substituíram os trabalhadores por máquinas cada vez mais

inovadoras, o capitalismo criou formas para esconder suas intenções.

Contudo, as lutas sociais crescentes e fruto da contradição capital x trabalho colocou

em evidência tais contradições e teve como resultado conquistas de importantes direitos

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políticos e sociais. Por exemplo, na Europa os direitos trabalhistas começaram a seguir a

Organização Internacional do Trabalho em 1919. No caso dos direitos trabalhistas no Brasil

veio com a Constituição de 1934, com salário mínimo, jornada de trabalho de 8 horas,

repouso semanal, férias e outros. Em 1943 foi promulgada a Consolidação das Leis do

Trabalho (CLT).

Entretanto, os direitos políticos, civis e sociais no Brasil, expressam conquistas das

lutas diárias, demandando ainda serem exercidos em sua plenitude e assegurados por

completo, só foram alcançados com a Constituição de 1988. Portanto, a garantia desses

direitos, ainda que de forma muito limitada, foi um pouco tardia se compararmos com países

da Europa.

A partir do exposto, como proposta deste trabalho, podemos indicar que o

adoecimento psíquico ou físico dos trabalhadores se torna uma expressão da questão social.

Nos marcos do capital, as pressões do dia a dia, baixos salários, competitividade, são algumas

das causas para esse fim. O modo de produção capitalista é um sistema de produção

adoecedor e repressor. Adoece pelo fato do crescimento do capitalismo ser acompanhado da

oferta de trabalhadores que tem crescido em igual proporção e para manterem seus empregos,

sujeitam-se a trabalhos cada vez mais exaustivos e com salários cada vez mais baixos, e

reprime pela própria competição.

E é neste sentido que entendemos que a saúde mental pode se desenvolver no modo

de produção capitalista e na forma como os trabalhadores sofrem repressões, pressões dentro

das empresas capitalistas, a qual produzir a qualquer custo se torna cada vez mais frequente

em nosso dia a dia. No próximo item vamos explicitar sobre a história da saúde mental e

todas as suas indagações para os usuários, familiares e toda a sociedade.

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2.2 A TRAJETÓRIA DA SAÚDE MENTAL E A PARTICULARIDADE BRASILEIRA

A efetivação da saúde mental também ocorreu de forma lenta e tardia, porém não

deixou de ser necessária para os usuários da saúde mental, como historicamente já sabemos

que estes sofriam abusos constantes e afastados do convívio familiar, fazendo com que o

tratamento dentro dos hospitais psiquiátricos fosse questionado.

Partindo para a história, segundo Rodrigues (2010, p.1616), o pacto social3 nasceu

com o desenvolvimento do capitalismo no final do século XVII e início do século XVIII, num

contexto em que pobres e doentes eram afastados de seus trabalhos. Logo, com a Revolução

Francesa (século XVIII), que tinha como seu lema "Fraternidade, liberdade e igualdade", foi

selecionado parcelas da população consideradas “desajustadas”, estas levadas para

instituições beneficentes, hospitais psiquiátricos da época, onde eram confinados e excluídos.

Assim surgem no século XVII as “colônias”, para dar apoio e neutralizar a

superlotação dos hospitais psiquiátricos, que tinham como objetivos mudar o modelo

assistencial existente. Segundo Soares (1997) apud Amarante (1995, p.28), as colônias eram a

atualização da psiquiatria com o contexto sócio histórico da época. Porém esse novo modelo

não se diferencia dos hospitais psiquiátricos, pois são lugares onde se confinam os excluídos e

os mantem com total descaso.

A história da psiquiatria é uma história de asilamento e muita dor. A loucura torna-se

o mundo da exclusão. Excluir os loucos para poder conhecer a loucura4 na tentativa de

dominá-la.

Ao longo dos anos, houve um número significativo de pessoas com algum transtorno

mental, mas foi na primeira grande guerra mundial que se teve um número alarmante de

pessoas doentes mentalmente devido às situações em que eram submetidas. Batalhas

desgastantes, soldados longe de suas famílias por longos períodos, muitos mutilados e outras

causas.

3 Pacto Social: É um processo permanente de negociação, tinha como objetivo explicar a submissão

das pessoas. Segundo Hobbes “A igualdade seria o fator que contribui para a guerra de todos contra todos,

levando-os a lutar pelo interesse individual em detrimento do interesse comum. Logo, a liberdade segundo

Hobbes seria prejudicial à relação entre os indivíduos, pois na falta de “freios”, todos podem tudo, contra todos”. 4 A concepção de loucura na saúde mental tem uma abrangência muito grande que inclui a

estigmatização. É um fenômeno de exclusão social em que coloca a pessoa com transtorno mental como “louco”,

e este perde seus direitos, pelo menos uma parte deles.

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Nessa mesma época surgiram em especial nos Estados Unidos e Europa, os primeiros

movimentos que buscavam pela transformação do modelo psiquiátrico vigente. Com a

reconstrução da Europa no pós-guerra, os hospícios passaram a sofrer críticas de violências

em seus tratamentos. A primeira mudança foi à comunidade terapêutica, na qual toda a

comunidade participava na comunicação para a recuperação dos internos.

Não tão diferente, no Brasil a psiquiatria nasceu na década de 1920, porém não

obteve muito sucesso. Somente a partir de 1940 com fortes influências americanas que o

movimento de higiene mental se obteve algum crescimento. Contudo, de acordo com

Amarante (1994, p.73), foi no período da ditadura civil e militar de 1960 que ficou marcado

pelas reformas na saúde e na previdência.

De acordo com Edler, Escorel e Nascimento (2005, p.59) o Sistema Nacional de

Saúde vigente no período militar tinha o predomínio das instituições previdenciárias. O

governo militar implantou reformas institucionais que afetaram a saúde pública e a medicina

previdenciária. Os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) e o Instituto Nacional de

Previdência Social (INPS) se unificaram em 1966. As aposentadorias, pensões e assistência

médica passaram a ser regidas por esses órgãos.

A assistência à saúde era feita a uma parcela da sociedade, apenas aqueles chamados

de indigentes. De acordo com Souza (2002, p.11);

A grande atuação do poder público nessa área se dava através do Instituto Nacional

de Previdência Social (INPS) que depois passou a ser denominado Instituto

Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), autarquia do

Ministério da Previdência e Assistência Social.

O poder público atuava de acordo com a economia dos estados, aqueles mais ricos

que possuíam maior assistência à população. Mesmo com a crise em meados dos anos de

1970, as melhorias nas condições de acesso da população continuavam a serem feitas.

Sobre a saúde mental, todo o processo se inicia com o Movimento da Reforma

Sanitária e a desinstitucionalização das instituições psiquiátricas, as quais são importantes. O

movimento da reforma sanitária e o movimento da reforma psiquiátrica caminham juntos pela

melhor efetivação da saúde pública brasileira.

Analisando a Reforma Sanitária Brasileira, essa se deu em um momento conturbado

e de intensas mudanças na política Brasileira com as amarras da ditadura militar. Almejava-se

tanto servir à democracia quanto à consolidação da cidadania no país. A realidade social era

de grande exclusão e de garantias ao direito á saúde que era muito restrito.

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Em 1964 com o golpe militar conhecido por todos, o país vivia sobre um novo

regime. No que tange ao sistema de saúde o país vivia sobre a duplicidade da medicina

previdenciária e a saúde pública.

De acordo com (PAIVA e TEIXEIRA, 2014, p.17):

O primeiro setor tinha ações dirigidas à saúde individual dos trabalhadores formais e

voltava-se prioritariamente para as zonas urbanas, estando a cargo dos institutos de

pensão. A saúde pública, sob o comando do Ministério da Saúde (MS), era

direcionada principalmente às zonas rurais e aos setores mais pobres da população, e

tinha como alvo, majoritariamente, atividades de caráter preventivo.

A saúde no sistema militar buscava beneficiar o setor privado. Davam continuidade

dos governos anteriores, porém expandindo a assistência médica previdenciária.

Com esse propósito, foram instituídas várias medidas, como a incorporação dos

acidentes de trabalho às ações previdenciárias, em 1967; a extensão da proteção

previdenciária aos trabalhadores rurais, com a criação do Programa de Assistência

ao Trabalhador Rural (Prorural), em 1971; a ampliação da cobertura previdenciária

às empregadas domésticas, em 1972, e aos trabalhadores autônomos, no ano

seguinte. (PAIVA e TEIXEIRA, 2014, p.18)

A saúde então passa a ficar em segundo plano, pois esta era financiada pelo Estado.

Os autores Edler, Escoril e Nascimento (2005, p.50) destacam que, no período de 1970 com a

saúde financiada pelo Estado através da previdência social, os serviços prestados através de

empresas privadas, tornaram a corrupção incontrolável. O INPS, então, passa a financiar

empresas que desejavam construir seus hospitais.

Na década de 60, com a unificação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões, é

criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). O Estado passa a comprar

serviços psiquiátricos do setor privado e, ao ser privatizado grande parte da

economia, o Estado concilia no setor saúde pressões sociais com interesse de lucro

por parte dos empresários. A doença mental torna-se definitivamente objetivo de

lucro, uma mercadoria. Ocorre sim, um enorme aumento do número de vagas e de

internações em hospitais psiquiátricos privados, principalmente nos grandes centros

urbanos. Chega-se ao ponto de a Previdência Social destinar 97% do total de

recursos da saúde mental para as internações na rede hospitalar. (AMARANTE,

1994, p. 79)

O que concerne o período foi marcado pela crise que assolava o país. A partir de

1974 uma grande crise mundial, levou a economia do país a cair. Nesses anos houve uma

decadência econômica e social.

Em 1974 a população cada vez mais insatisfeita com o regime militar passa a fazer

críticas ao governo. Várias denúncias foram feitas apontando a necessidade de uma

transformação profunda do setor saúde. Com objetivos comuns, pautados nos direitos civis e

sociais, foram os movimentos sociais que encamparam a luta pela saúde. Contudo, o regime

militar respondeu com mais repressão às reivindicações populares.

Na saúde, o quadro sanitário era preocupante, pois tinha baixa cobertura assistencial,

além da disseminação de doenças marcadas pela crescente pobreza. Na saúde mental, não tão

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diferente, uma grande luta foi instalada, a qual ficou conhecida como “indústria da loucura”.

As grandes corporações médicas fizeram do adoecimento um objeto de lucro.

As formas indicadas para o enfrentamento do quadro envolviam o planejamento e

avaliação de ações, o que implicava a instituição de unidades especializadas nos

ministérios e a gestão adequada de estatísticas vitais e sanitárias; a administração

coordenada dos serviços de saúde, com a articulação dos âmbitos nacional e local,

assim como a integração da prevenção com a assistência curativa; e a ênfase na

formação e capacitação dos recursos humanos (OEA, 1961).

O período foi marcado por uma grande repressão do governo á população. Porém na

saúde havia maiores articulações para repasses de verbas. De acordo com Escorel, (1999);

Escorel, Nascimento, Edler (2005):

Em 1975, o regime instituía por meio da lei n. 6.229, o Sistema Nacional de Saúde.

A literatura que analisa esse período identifica na proposição desse sistema de saúde

uma iniciativa que terminaria por consolidar, no Ministério da Saúde e no Ministério

da Previdência e Assistência Social (MPAS), a separação dos campos de atuação da

saúde pública e da assistência médica previdenciária. Segundo o texto da lei, caberia

à pasta da Saúde ações de coordenação da vigilância epidemiológica em todo o

território nacional, fiscalização e controle sanitários e outras medidas e ações de

corte coletivo.

De acordo com Amarante (1994), Amarante (2007) e Costa (1989), os lucros obtidos

pelos grandes empresários levaram ao surgimento de dois movimentos, o Movimento de

Reforma Sanitária e o Movimento de Reforma Antimanicomial. Na década de 1970 surgem

os movimentos dos trabalhadores, usuários e familiares pela mobilização da luta

antimanicomial e de reforma sanitária.

Pode-se dizer que o processo da Reforma Psiquiátrica Brasileira é contemporâneo ao

movimento sanitário, nos anos de 1970. Entretanto, é a Reforma Sanitária que dá

sustentação política á Reforma Psiquiátrica, até que ela se firme como um

movimento social independente. (SILVEIRA, 2009, p.37).

A reforma sanitária brasileira teve seu entorno de movimentos na segunda metade

dos de 1970. Procuravam introduzir mudanças no sistema de saúde no país. O movimento da

reforma sanitária avançava em sua organização. De acordo com Paiva e Teixeira (2014, p.22),

em setembro de 1979, criava-se a Abrasco como forma de organização dos programas de pós-

graduação no campo da saúde pública, da medicina social e da saúde coletiva.

Buscava-se assim a promoção à saúde e a participação da sociedade. Os primeiros

anos do movimento sanitários contaram com a participação de trabalhadores da saúde e da

sociedade, propondo um modelo de proteção social com a garantia do direito á saúde.

O processo da Reforma Psiquiátrica, e um movimento social e político importante

para a história da saúde brasileira, sendo marcado por lutas, desigualdades e

descontentamento com os hospitais psiquiátricos.

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O movimento popular pela saúde e o movimento dos trabalhadores foram de suma

importância na luta pela reforma sanitária e na reforma da psiquiatria brasileira. Tiveram

importância para a ampliação da discussão sobre a reforma da saúde e foram atuantes para na

Conferência Nacional de Saúde.

O movimento sanitário tinha objetivos concretos para sanar as desigualdades

existentes. Esses objetivos eram pautados na democracia e na igualdade de direitos.

Foi na Oitava Conferência Nacional de Saúde que lançaram os princípios da

Reforma Sanitária. De acordo com Escorel, Nascimento e Edler (2005, p.78), nesta

conferência evidenciou as modificações na saúde que deveria ser entregue a órgãos federais e

também modificações na previdência com ações próprias do seguro social.

Nesta Conferência a previdência e a saúde eram temas bastante discutidos, logo

surgiu como um arcabouço, a separação definitiva destes dois setores com a criação

do Sistema Único de Saúde. Este evento é considerado um dos mais importantes,

pois se dizia que era “o movimento pela democratização da saúde em toda sua

história”. (Rodrigues e Netto, 2003, p.49).

O movimento sanitário tinha proposições concretas como a saúde como direito de

todos; todas as ações de saúde de cunho curativo e preventivo deveria garantir acesso à

população; descentralização da gestão. Cordeiro (2004, p.13).

A discussão da operacionalização ainda deveria ser mais aprofundada, embora se

recomendasse a constituição de um orçamento social que englobasse os recursos destinados às

políticas sociais nos diversos ministérios e os dos diversos fundos sociais, cabendo, contudo, a

organização de fundos únicos de saúde nos três níveis da federação. Propôs-se a criação de

um grupo executivo da Reforma Sanitária, convocado pelo Ministério da Saúde – a Comissão

Nacional da Reforma Sanitária.

A configuração política em que vivia a época configuraria políticas públicas numa

perspectiva próxima do Estado de Bem Estar Social.

No que concerne à saúde mental, o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental

(MTSM), o qual os profissionais da área de saúde mental denunciaram as péssimas condições

dos hospitais psiquiátricos e como os pacientes eram tratados, reivindicando mudanças na

política de assistência á saúde mentais.

No contexto político, os trabalhadores da saúde mental se reuniram para realizar seu

primeiro movimento em São Paulo. Este movimento de trabalhadores tinha como objetivo:

extinção dos leitos em hospitais psiquiátricos, regionalização do atendimento, controle das

internações na rede dos hospitais privados e públicos, expansão da rede ambulatorial em

saúde. (Amarante, 1994).

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A mobilização foi de suma importância para a saúde mental, após as denúncias feitas

pelos trabalhadores foi aprovada a Lei n.180, que tendo por referência o movimento de

reforma italiana, estabelecia o fechamento de todos os hospitais psiquiátricos.

A reforma da psiquiatria italiana foi de suma importância para a reforma psiquiátrica

brasileira, que teve como seu precursor Franco Baságlia. Baságlia foi um psiquiatra italiano

que promoveu a reforma da saúde mental na Itália. O projeto de transformação da psiquiatria

de Franco Baságlia, é um projeto peculiar o qual demonstrava a maneira como lidar com a

questão social, constituindo uma ruptura com a psiquiatria tradicional. Logo é de total

importância se conhecer a história desse grande homem que introduziu uma nova maneira de

se olhar para a psiquiatria e todo o seu entorno.

Historicamente, o movimento pela reforma psiquiátrica italiana difere dos demais

países pela desinstitucionalização desenvolvida pela mobilização social o qual traz

transformações na relação instituição e paciente.

De acordo com Rotelli (1990, p.18), a desinstitucionalização norte americana

desospitalizou o doente, mas criou outras instituições de pequeno porte sem olhar para o

doente, mas para a doença em si.

O trabalho de Franco Baságlia teve origem na transformação do Hospital Psiquiátrico

Provincial de Gorizia (1961-1968) na Itália implantando um projeto de comunidade

terapêutica.

[...] o trabalho de Gorizia concentra-se em três grandes linhas de intervenção que, na

prática, estão cotidianamente presentes nas assembleias, nas discussões com os

técnicos, nos contatos com os familiares e a sociedade: a origem do pertencimento

de classe dos internos do hospital; a pretensão de neutralidade e de produção de

verdade das ciências; a função social de tutela e controle social da psiquiatria, do

manicômio e do técnico na constituição da hegemonia (AMARANTE, 1996, P.73).

Em Trieste, situada no nordeste da Itália, começa a verdadeira transformação e

concretização dos ideais almejados pela psiquiátrica por Baságlia em 1970, de acordo com

Rotelli e Amarante (1992, p.44):

Começa a verdadeira demolição do aparato manicomial com a extinção dos

“tratamentos” violentos, a abertura dos cadeados e das grades, a destruição dos

muros que separavam o espaço interno do externo, a constituição de novos espaços e

forma de lidar com a loucura e a doença mental.

A desinstitucionalização das instituições psiquiátricas baseada nas premissas de

Baságlia vai muito além da “destruição” dos manicômios, é a reconstrução da cidadania

perdida pelos pacientes da saúde mental. De acordo com Amarante (1996, p.96), os internos

vão recebendo alta do hospital psiquiátrico.

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Assim que se deparava com a miséria humana dos hospitais psiquiátricos, percebia

que a humanização não seria suficiente. Eram necessárias transformações mais profundas no

modelo psiquiátrico e nas relações sociedade e a loucura.

Ainda de acordo com Amarante (1996, p.97), a medida que o processo de

desativação dos manicômios acontecia, centros de saúde territoriais que exerciam a função de

apoio surgiam.

Baságlia considerava que a psiquiatria por si só não era capaz de dar conta da

loucura, com isso crescia seu fomento para a abolição dos hospitais psiquiátricos.

Em suma, a experiência de Trieste conduziu a destruição do manicômio, ao fim da

violência e do aparelho da instituição psiquiátrica tradicional, demonstrando ser

possível a constituição de um ‘circuito’ de atenção que, ao mesmo tempo oferece e

produz cuidados, oferece e produz novas formas de sociabilidade e de subjetividade

para aqueles que necessitam de assistência psiquiátrica. (DELL’ ACQUA 1987 apud

ROTELLI; AMARANTE , 1992, p.44).

O trabalho iniciado em Trieste e Gorizia desencadeou em 1973 o Movimento da

Psiquiatria Democrática Italiana, de acordo com Rotelli e Amarante (1992, p.45), o Estado

propõe uma nova lei que ficou conhecida como “Lei Baságlia”. A nova Lei 180 de 13 de maio

de 1978 contemplava:

(...) a proibição da recuperação de velhos hospitais e a construção de novos, a

reorganização dos recursos para a rede de cuidados psiquiátricos, a restituição da

cidadania e dos direitos sociais aos doentes e o direito ao tratamento qualificado.

(TOMAZ, 2009, p.92).

Todo esse movimento de desinstitucionalização veio para reinventar a psiquiatria,

não só na Itália, mas também em todos os países. Isso significou a reconstrução da saúde

mental mundial.

O movimento de desinstitucionalização revelou o manicômio como o lócus de uma

psiquiatria que é a administração de figuras de miséria, periculosidade social,

marginalidade e improdutividade. O conhecimento a respeito do sofrimento psíquico

e mesmo a noção dos operadores em saúde mental não poderiam, para a equipe

triestina, desconsiderar a realidade do asilamento, que é anterior á constituição da

doença mental. A desinstitucionalização deveria, assim, concretizar-se na

desconstrução do manicômio. (BARROS, 1994, p.57)

A participação dos trabalhadores da saúde mental na Itália foi muito importante para

que se pudesse acontecer a desinstitucionalização dos hospitais psiquiátricos. Todo o

envolvimento com os pacientes, fazendo trabalhos cotidianos, produzindo a comunicação e a

solidariedade.

O trabalho de Baságlia transcende a psiquiatria, pois trouxe elementos novos sobre as

formas de tratamento. Da ênfase ao doente como possuidor de direitos, independente da

doença.

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O movimento chega ao Brasil em meados de 1970, com visitas de Franco Baságlia

em 1978. Todo o contexto político em que vivia o país foi bastante favorável á maior

participação popular, ganhando destaque com o Movimento pela Reforma Sanitária.

De acordo com Bravo (2006, p.30), Franco Baságlia retorna ao Brasil em 1979

dividindo o processo da reforma brasileira em antes e pós a essa visita, sendo um verdadeiro

marco para a reforma, relatando em congressos a experiência com a reforma italiana.

Segundo Bravo (2006, p.32), o Movimento pela Reforma Sanitária “consiste na

organização dos setores progressistas de profissionais da saúde pública, que colocou em

debate a relação da prática em saúde com a estrutura da sociedade”.

No campo da saúde mental reivindicações contra a forma como eram tratados os

pacientes e toda a violência asilar, surgiam. Porém, toda essa reivindicação não mudaria de

fato as condições em que viviam os usuários da saúde mental dentro desses hospitais

psiquiátricos, porém permitiria ao passar dos anos, um tratamento mais digno.

A psiquiatria passou por períodos que deixaram sequelas até hoje, onde transmissões

de imagens dos loucos vagando nos hospitais psiquiátricos foram vistos nacionalmente.

Ausência de higiene, má alimentação, cidadãos sendo maltratados fisicamente e humilhados

marcaram a saúde mental brasileira.

Segundo Edler, Escoril e Nascimento (2005, p.71) em 1979 a 1985 teve o general

João Figueiredo como presidente da época, este período foi marcado pela auto reforma no

âmbito da legitimação social, ressurgimento dos movimentos estudantis e o início do

movimento sanitário que nasceu em meio a lutas contra a ditadura, buscavam mudanças e

transformações na saúde para toda a população.

Ainda em 1979, Baságlia visitou o Hospital Colônia na cidade de Barbacena,

comparando com os campos de concentração nazista, a forma desumana como os loucos eram

tratados.

De acordo com Escorel, Nascimento e Edler (2005, p.75), deu início em 1985 ao II

Plano Nacional de Desenvolvimento, voltado ao desenvolvimento econômico e social com

prioridades na educação, saúde e infraestrutura de serviços urbanos. O planejamento estatal

gerou três espaços institucionais: o Setor Saúde do Centro Nacional de Recursos Humanos do

Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas, a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP)

e o Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde da Organização Pan Americana

da Saúde, foram articuladoras do movimento sanitário.

De acordo com Escorel, Nascimento e Edler (2005, p.59), em 1985 realizou-se a

reunião de Montes Claros (MG), onde se debateu propostas para o fim do autoritarismo e

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lançaram como candidato Tancredo Neves. Neste ano, Tancredo foi eleito, mas falece antes

mesmo de sua posse, sendo Sarney seu vice, a assumir em seu lugar e tornando o mais novo

presidente do país.

Em meio às mudanças na politica, o Movimento dos Trabalhadores da Saúde Mental

passou a chamar Movimento da Luta Antimanicomial (MLA), tais mudanças foram devido ao

fato da necessidade de alianças com outros movimentos populares e com a opinião pública.

Médicos e profissionais da saúde, preocupados com os rumos em que a saúde pública

se dava, discutiam e desenvolviam teses para uma discussão política. Teve como marco a

Conferência Nacional de Saúde em 1986.

De acordo com Vasconcelos (2000), a saúde mental passa a ter novas conjunturas,

mobilizada pela I Conferência Nacional de Saúde em 1986, neste mesmo ano foi criado o

primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) no Brasil.

O primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do Brasil foi inaugurado em

março de 1986, na cidade de São Paulo: Centro de Atenção Psicossocial Professor

Luiz da Rocha Cerqueira, conhecido como CAPS da Rua Itapeva. A criação desse

CAPS e de tantos outros, com outros nomes e lugares, fez parte de um intenso

movimento social, inicialmente de trabalhadores de saúde mental, que buscavam a

melhoria da assistência no Brasil e denunciavam a situação precária dos hospitais

psiquiátricos, que ainda eram o único recurso destinado aos usuários portadores de

transtornos mentais. (BRASIL, 2001, p.12).

Com o movimento dos trabalhadores e o apoio popular, nasce o lema “por uma

sociedade sem manicômios”, a luta antimanicomial brasileira só ganha importância com o

projeto de Lei n.3657 em 1989 que prevê a extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos.

Esse contexto marcou o crescimento de uma consciência acerca da saúde mental,

incorporando a luta dos pacientes, familiares e a sociedade.

Assim a Reforma Psiquiátrica brasileira teve fortes influências italianas. A

necessidade de reprodução social do sujeito é essencial à vida. Os pacientes da saúde mental

necessitam do retorno ao convívio familiar e do convívio com a sociedade, buscando a

efetivação plena da cidadania.

Baságlia tinha como objetivo, devolver a liberdade perdida dos sujeitos confinados

nos manicômios, após tanto tempo vivendo presos dentro desses ambientes.

A luta antimanicomial entende que os manicômios são lugares que excluem,

marginaliza e tornam a desigualdades cada vez maiores. Esse é o legado de Franco Baságlia,

que luta pela igualdade social dos sujeitos, além do comprometimento dos profissionais.

Baságlia questionou a ciência em seu tempo, mas todos nós hoje temos muito que

colocar em discussão sobre os desafios e as práticas na saúde mental. Refletir sobre o

posicionamento dos profissionais e a forma como esses sujeitos são tratados em nossa

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sociedade. Franco Baságlia deixa uma mensagem muito importante para toda a sociedade: “o

importante é não criarmos ideologias, mas sim refletirmos sobre a prática que

transformamos”.

É importante ressaltar aqui que os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) foram

criados para substituírem ás internações nos hospitais psiquiátricos, sendo uma alternativa

para a reinserção social, exercício dos direitos e fortalecimento dos laços. No final da década

de 1980 a cobertura se ampliava cada vez mais, de acordo com Souza (2002, p.13);

No final da década de 80, o INAMPS adotou uma série de medidas que o

aproximaram ainda mais de uma cobertura universal de clientela, dentre as quais se

destaca o fim da exigência da Carteira de Segurado do INAMPS para o atendimento

nos hospitais próprios e conveniados da rede pública. Esse processo culminou com a

instituição do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS),

implementado por meio da celebração de convênios entre o INAMPS e os governos

estaduais.

O maior avanço da efetivação da saúde pública foi com a aprovação da Constituição

Federal em 1988. A Constituição assegurou diversas garantias constitucionais para maior

cobertura dos direitos fundamentais.

Na Constituição Federal do Brasil, marco importante na área da saúde pública, A

saúde é descrita como um direito de todos e dever do Estado.

O Art. 196 da CF conceitua que “a saúde é direito de todos e dever do Estado (...)”.

Aqui se define de maneira clara a universalidade da cobertura do Sistema Único de

Saúde. Já o parágrafo único do Art. 198 determina que: “o sistema único de saúde

será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade

social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras

fontes”. (Constituição de 1988, p.14)

Em 1989, é realizada a primeira eleição direta para presidente da República. Nessa

conjuntura, de mudanças econômicas e políticas que teve início a construção do SUS com os

princípios da equidade, integralidade e universalidade.

Neste intuito começa a construção de um sistema de saúde no Brasil, um sistema

com cobertura universal o que instituiu o Sistema Único de Saúde, motivado pelo Movimento

da Reforma Sanitária.

Com isso o cidadão passa a possuir maiores direitos, como a eleição direta para os

cargos de presidente, governador, prefeitos e deputados e a implementação do Sistema Único

de Saúde (SUS), o qual oferece a população acesso integral, universal e gratuito de serviços

de saúde. De acordo com Teixeira (2000, p.20) com o SUS a saúde deixou de ser exclusiva do

poder Executivo e passou a ser administrada pelos estados e municípios.

A partir de 1988, coma criação do Sistema Único de Saúde (SUS), que tem como

princípios norteadores a saúde como direito fundamental e o dever do Estado de

garanti-la, também enfatiza a integralidade, a equidade, a universalidade e a

participação da população usuária, de modo que a visão de atenção em saúde busca

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ações para além dos fatores biológicos, pois ela é compreendida numa relação com o

contexto econômico, social e cultural do país, ou seja, os processos de saúde/doença

abrangem situações de moradia, saneamento, renda, alimentação, educação, lazer e

acesso aos bens. (NUNES, MACHADO e BELLINI, 2003, p.3).

Também se debateram a separação da Previdência Social, que atenderia somente

ações da seguridade social, e a saúde que deveria se ter um órgão responsável. Foi também

nesta conferência que se aprovou a criação de um sistema de saúde. A Comissão Nacional de

Reforma Sanitária (CNRS) elaborou uma proposta sobre a saúde e um projeto para a nova lei

do Sistema Único de Saúde (SUS).

Foi na oitava Conferência Nacional de Saúde, entre 17 e 21 de março de 1986, em

Brasília, que se lançaram os princípios da Reforma Psiquiátrica. Nessa conferência,

que as modificações no setor da saúde transcendiam o marcos de uma simples

reforma administrativa e financeira. Havia necessidade de uma reformulação mais

profunda, com a ampliação do conceito de saúde e sua correspondente ação

institucional (ESCOREL e NASCIMENTO e EDLER, 2005, p.78).

Em meio á um período tão conturbado e de muitas modificações importantes da

historia da saúde brasileira, amplia-se diante à busca dos direitos, as reivindicações por

melhorias nas condições de trabalho dos trabalhadores da saúde mental e várias denunciam de

maus tratos aos pacientes.

Neste mesmo período o Movimento pela Reforma Psiquiátrica ganha força, sendo

em 1989 o projeto de lei 3657 do deputado Paulo Delgado, o qual fala sobre a substituição

parcial dos manicômios por serviços psiquiátricos alternativos é um grande marco para a luta

antimanicomial, proibindo a construção de novos hospitais psiquiátricos públicos. Houve

também de extrema importância, os avanços dos objetivos do Movimento dos Trabalhadores

da Saúde Mental (MTSM) e do Movimento da Luta Antimanicomial (MLA).

O MLA constituiu-se como um importante movimento social na sociedade

brasileira, na medida em que se organiza e se articula tendo em vista transformar as

condições, relações e representações acerca da loucura em nossa sociedade. Suas

ações e lutas estão direcionadas e vêm impactando as diferentes dimensões da vida

social (RODRIGUES; CUNHA, 2007, p. 8).

De acordo com Rotelli e Amarante (1992, p. 48), notam-se grandes mudanças na

história das políticas de saúde mental no Brasil. Houve uma ocupação no espaço político

movimento da reforma sanitária, destacando a II Conferência Nacional de Saúde Mental,

principalmente os de atenção psicossocial e o processo de melhorias dos hospitais

psiquiátricos, havendo uma redução significativa dos números de leitos em hospitais privados

e públicos.

Este processo de desinstitucionalização não foi uma mudança tranquila para os

usuários da saúde mental, já que estes estavam a muitos anos vivendo sobre as amarras dos

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hospitais psiquiátricos. Estes já aviam perdidos seus vínculos familiares, sendo ainda um

processo bastante dificultoso para essas pessoas.

Em 1990 foi sancionada a Lei n.8080, que fala sobre as promoções e proteção á

saúde referente ao Sistema Único de Saúde. O SUS tem como um dos seus mais importantes

princípios a universalidade, ou seja, todos tem acesso ao serviço.

Instituiu o Sistema Único de Saúde, com comando único em cada esfera de governo

e definiu o Ministério da Saúde como gestor no âmbito da União. A Lei, no seu

Capítulo II – Dos Princípios e Diretrizes, Art. 7º, estabelece entre os princípios do

SUS a “universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de

assistência”. (SOUZA, 2002, p.14)

O SUS é um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo, sendo o único

integral. O governo federal ainda é o responsável pelo sistema, mas as participações dos

municípios estão crescendo cada vez mais.

De acordo com Souza (2002, p.19), vários programas são ofertados pelo SUS,

“Programas de Agentes Comunitários de Saúde, de Saúde da Família e de Combate às

Carências Nutricionais e a ações estratégicas tais como a Farmácia Básica e as Ações Básicas

de Vigilância Sanitária”.

Desde a instituição da lei 8080, várias mudanças significativas avançam em torno da

saúde no Brasil, com os Conselhos de saúde que vem crescendo cada vez mais.

Os Conselhos de Saúde, por sua vez, são órgãos colegiados compostos por

representantes do governo, prestadores de serviços, profissionais de saúde e

usuários, sendo que estes últimos detêm 50% dos membros dos mesmos. Esses

órgãos colegiados têm caráter permanente e deliberativo, e atuam na formulação de

estratégias e no controle da execução da política de saúde na esfera correspondente.

Os Conselhos constituem uma rede ascendente, com Conselhos Municipais de

Saúde, um Conselho Estadual de Saúde em cada estado e um Conselho Nacional de

Saúde. (SOUZA, 2002, p.35)

Pode-se dizer que houve a implementação da saúde, construindo estruturas e

mecanismos para melhor atender a sociedade.

De acordo com o Conselho Nacional de Saúde o Sistema Único de Saúde é dividido

em princípios e diretrizes, baseados na lei 8080 de 19 de setembro de 1990, que estabelece;

I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;

II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das

ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada

caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia

das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência

à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V - direito à

informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI - divulgação de informações

quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário; VII -

utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de

recursos e a orientação programática; VIII - participação da comunidade; IX -

descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de

governo.

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Na saúde mental, em 1992 houve conquistas na desinstitucionalização psiquiátrica

com a descentralização das ações de saúde, conquistas essas materializadas na II Conferência

Nacional de Saúde Mental (Amarante, 1995). Aqui cabe destacar a substituição dos

manicômios pela rede de atenção psicossocial.

Os princípios da reforma psiquiátrica remetem á realidade social dos sujeitos em

sofrimento psíquico, pois as condições de vida de muitos desses sujeitos evidenciam

todas as contradições que o modelo de reforma introduz, considerando a realidade

sócio-histórica desses sujeitos, os quais, embora algumas vezes libertos dos muros e

das grades dos manicômios, encontram-se amarrados ás estruturas sociais difíceis de

serem quebradas. Estruturas estas decorrentes da realidade histórico-social das

famílias, da comunidade, dos serviços públicos, da sociedade estabelecido e regente

de todas as relações que se estabelecessem entre as pessoas (RABELO, TAVARES

e FARIA, 2009, p.94).

A reforma psiquiátrica vai muito além dos muros dos hospitais psiquiátricos, é uma

reforma lenta e gradual decorrentes da questão social, o qual é a realidade social do sujeito.

(...) o fenômeno psíquico deixa de ser um mal obscuro que afeta as pessoas e passa a

ser um fenômeno complexo, histórico, em estado de não equilíbrio. Instrumento de

reconstrução da complexidade do fenômeno, da existência-sofrimento reorienta o

objetivo da psiquiatria, passando da “cura”, para a produção de vida, de

sociabilidade, de subjetividades. (ROTELLI, 1990 apud ROTELLI e AMARANTE,

1992, p.52).

Toda essa reforma lenta e gradual vai de encontro com a contra reforma neoliberal,

instituído no Brasil. Havia uma ausência de preocupação com os problemas de minimizar as

desigualdades sociais e econômicas do país. De acordo com Vázquez (2006, p.305) o governo

de Fernando Henrique Cardoso e seu programa reformista baseavam-se no projeto neoliberal

o qual primava pela privatização dos bens públicos e a redução do papel do Estado.

A reforma não fortaleceu a seguridade social e a saúde, previdência e assistência

social que ficaram totalmente de lado. Um período conturbado e burocrático para a saúde

mental brasileira.

Os primeiros Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) surgiram em 1987 na cidade

de São Paulo. Em 1989, em Santos, surgem os Núcleos de Apoio Psicossocial (NAPS). A

grande experiência em Santos, no estado de São Paulo, é um grande marco para a psiquiatria

brasileira e para sua reforma.

Os CAPS são serviços de saúde de caráter aberto e comunitário, e realiza

prioritariamente atendimentos ás pessoas com algum sofrimento mental (Brasil, 2011). O

serviço visa à vida comunitária e a autonomia dos usuários, trabalhando em conjunto com os

familiares.

De acordo com Vasconcelos (2008), somente em 2001 é sancionada a Lei n.

10.216/2001, que consiste em um novo modelo de assistência na internação, além da

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implantação de Residências Terapêuticas e os Centros de Atenção Psicossocial. (Vasconcelos,

2008).

A aprovação, no entanto, é de um substitutivo do Projeto de Lei original, que traz

modificações importantes no texto normativo. Assim segundo Vasconcelos (2008), a Lei

Federal 10.216 redireciona a assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de

tratamento em serviços de base comunista, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas

com transtornos mentais, mas não institui mecanismos claros para a progressiva extinção dos

manicômios.

Esses centros psicossociais são considerados hoje como dispositivos estratégicos e

um dos elementos mais importantes da Reforma Psiquiátrica.

Os CAPSs têm como função: prestar atendimento clínico em regime de atenção

diária, evitando reinternações em hospitais psiquiátricos; promover a inserção social

das pessoas com transtornos mentais por meio de ações intersetoriais; regular a porta

de entrada da rede de assistência em saúde mental na sua área de atuação, dando

suporte à atenção em saúde mental na rede básica. (MACHADO, 2009, p.242)

A saúde mental se desenvolve com o Projeto Terapêutico, fazendo o

acompanhamento dos pacientes (Brasil, 2011). A prática do serviço vai de encontro ao lema

“de portas abertas” fazendo o acolhimento de toda e qualquer pessoas que necessita do

atendimento.

Ainda neste mesmo ano, o processo de desinstitucionalização daquelas pessoas

internadas há vários anos é impulsionado com a criação do programa “de volta para a casa”.

Este programa é um dos instrumentos mais efetivos para a reintegração social das pessoas

com longo histórico de hospitalização.

De acordo com Rotelli e Amarante (1992, p. 55), criado pela lei federal 10.708,

encaminhada somente em 2003, o programa é a concretização de uma reivindicação histórica

do movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

Este programa foi um marco para a efetivação da Reforma psiquiátrica, dando uma

oportunidade para as pessoas com transtornos mentais de retornarem ao convívio familiar e de

terem a chance de melhores tratamentos longe das clínicas psiquiátricas.

Essa nova concepção, prioriza o indivíduo, dando-lhe um tratamento humanizado,

fortalecendo toda a rede de saúde mental. Essa intersetorialidade coloca o paciente como

pessoa e que deve ser reconhecido dentro da sociedade.

[...] a intersetorialidade, através da articulação saúde mental-cultura, é muito potente

na construção de parcerias com outros grupos sociais na conquista de outro lugar

para a loucura no âmbito social. Serviços e políticas públicas norteadas pela atenção

psicossocial devem priorizar a intersetorialidade como uma estratégia fundamental

na construção de projetos de saúde, de solidariedade e de participação social,

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tornando os sujeitos ativos na produção de saúde. (SEVEROS e DIMENSTEIN,

2011, p.650).

A saúde mental e a intersetorialidade devem caminhar juntos, tendo o CAPS um

papel fundamental de coordenar a rede de atenção em saúde mental, articulando, regulando e

abrangendo todo o território.

Vai muito além da intersetorialidade, está pautado no cuidado com o paciente, seja

coletivo ou individual, além do cuidado com os familiares. Todo o trabalho da equipe está de

acordo com Dias (2001) apud Machado (2009):

a)Interdisciplinaridade: a atuação da equipe em considerar os diferentes campos de

saber e a abordagem do sujeito como um todo, atento ao contexto socioeconômico-

cultural no qual ele está inserido. A perspectiva interdisciplinar não opera uma

eliminação das diferenças: tanto quanto na vida em geral, reconhece as diferenças e

as especificidades, convive com elas, sabendo, contudo, que ela se reencontra e se

complementa, contraditória e dialeticamente. b) Integralidade da atenção: a equipe

deve estar capacitada a oferecer, de forma conjunta, ações de promoção, prevenção,

tratamento e reabilitação, no âmbito individual e coletivo. c) Intersetorialidade: o

desenvolvimento de ações deve ser integrado entre os serviços de saúde, outras

políticas públicas e programas. d) Plano terapêutico individual: a assistência deve

resultar na elaboração de um plano, pela equipe, de uma rotina personalizada para

cada usuário, de acordo com necessidades terapêuticas, visando a sua melhora na

socialização, educação em saúde e cuidados pessoais.

Os serviços oferecidos pelo CAPS se dividem em ações coletivas, em grupos,

individuais e também com as famílias. São ações de suma importância, pois o serviço da

suporte não somente para o indivíduo com transtorno mental, mas também para as famílias

que necessitam de cuidados após o adoecimento de seus entes. Nesse intuito o CAPS oferece

alguns tipos de atendimentos;

Oferecem 3 tipos de atendimentos (intensivo, semi-intensivo e não intensivo), este

serviço deve também atender aos familiares dos usuários dando um suporte. Estes

serviços são substitutivos e não complementares aos serviços de hospitais

psiquiátricos (Brasil, 2011).

Os CAPS são instituições destinadas a acolher, estimular e a apoiar iniciativas e a

autonomia dos pacientes. A saúde mental é um território de práticas e técnicas de cuidados,

além de saberes e intervenções de diversas profissões. Cabe ressaltarmos a divisão das

modalidades do Centro de Atenção Psicossocial De acordo com o Ministério da Saúde

(2015):

CAPSI: atende pessoas de todas as faixas etárias que apresentam prioritariamente

intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes,

incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas. Indicado para

municípios ou regiões de saúde com população acima de 15 mil habitantes (...)

CAPSII: atende pessoas de todas as faixas etárias que apresentam prioritariamente

intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes,

incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas. Indicado para

municípios ou regiões de saúde com população acima de 70 mil habitantes (...)

CAPSIII: atende pessoas de todas as faixas etárias que apresentam prioritariamente

intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes,

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incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas. Proporciona

serviços de atenção contínua, com funcionamento 24 horas. Indicado para

municípios ou regiões de saúde com população acima de 150 mil habitantes (...)

CAPSad: atende pessoas de todas as faixas etárias que apresentam intenso

sofrimento psíquico decorrente do uso de crack, álcool e outras drogas. Indicado

para municípios ou regiões de saúde com população de 70 mil habitantes (...)

CAPSad III: atende adultos, crianças e adolescentes, considerando as normativas do

Estatuto da Criança e do Adolescente, com sofrimento psíquico intenso e

necessidades de cuidados clínicos contínuos. Indicado para municípios ou regiões

com população acima de 150 mil habitantes (...) CAPSi: atende crianças e

adolescentes que apresentam prioritariamente intenso sofrimento psíquico

decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles

relacionados ao uso de substâncias psicoativas. Indicados para municípios ou

regiões com população acima de 70 mil habitantes.

Entre os anos de 2003 a 2005, a partir de então começa a disseminação do que seria

ideal referente á redução dos manicômios, pois ainda é existente a presença de muitos deles

no país. Entretanto o surgimento de associações e cooperativas buscando efetivação de uma

sociedade igualitária também cresce no país.

Os Centros Psicossociais são de suma importância para a efetivação plena da

cidadania dos pacientes da saúde mental. Após seu surgimento, os usuários do serviço pôde

ter o apoio dos familiares para a reabilitação social, além de muitos poderem voltar ao

trabalho.

Ainda necessita de melhoras na saúde brasileira. Mas com toda certeza não podemos

negar o grande salto que a saúde mental deu desde o processo da Reforma Psiquiátrica, desde

ao fim dos manicômios psiquiátricos até ao retorno do convívio familiar e com toda a

sociedade.

O preconceito ainda existe, e é muita das vezes, o responsável pela convivência

social das pessoas com transtorno mental e do retorno do trabalho perdido após o

adoecimento. Vale ressaltar também que a união social e familiar em torno de ressaltar a luta

pelos melhoramentos da saúde, e também da busca pela efetivação dos direitos é importante.

E foi em torno dessa união que se pode conquistar o fim dos manicômios psiquiátricos e o

surgimento dos Centros de Atenção Psicossocial.

Os Centros de atenção psicossocial devem sair de dentro do serviço e abranger toda a

sociedade buscando vínculos, desenvolvendo atividades para a inclusão social, e o exercício

pleno da cidadania.

Em se tratando da saúde pública, de fato a Reforma Sanitária foi um marco para a

história da saúde mental brasileira, porém a luta continua por maiores reconhecimentos no

âmbito da saúde, por autonomia e respeito para que todos possam ver que as pessoas com

transtornos mentais podem sim serem incluídas novamente no mercado de trabalho.

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A Reforma vem dando oportunidade maior para os cuidados aos usuários, embora

saibamos que é necessário ir além. É preciso mais estratégias para que essas pessoas tenham

seus direitos assegurados. Mesmo tendo significativos avanços, é preciso uma avaliação

constante em todo o processo de construção.

Há ainda grandes desafios para a reforma psiquiátrica brasileira, já que esta é uma

luta constante, que são os manicômios judiciários. Espaços de exclusão e de constante

violência para os cidadãos. Estes espaços são geridos pelo poder judiciário, os quais não

utilizam as normas do SUS. Neste sistema, pessoas com transtornos mentais que cometem

crimes, são consideradas inimputáveis, isentas de pena, porém para maior segurança são

submetidas ao tratamento compulsório e jogadas nesses manicômios, vivendo por longos

períodos.

A história da saúde mental encontrou e ainda encontra grandes dificuldades. Todo o

processo histórico, a luta por melhores atendimentos na saúde mental e a integração dos

usuários de saúde mental no convívio social e familiar, ainda necessita de avanços, uma vez

que, as pessoas com transtornos mentais ainda encontram barreiras como a do preconceito e a

busca de efetivação de direitos.

Dentro dessa proposta de transformação está se consolidando as múltiplas formas de

cuidado. Nesse contexto, inserem-se as novas atribuições dos trabalhadores da saúde mental,

reformulando as práticas diárias, reproduzindo relações sociais.

Vimos aqui o marco histórico da saúde pública brasileira e todos os entornos da

psiquiatria. De fato a mobilização tanto para a Reforma Sanitária quanto para a Reforma

Psiquiátrica foi fundamental para a efetivação plena dos direitos dos cidadãos. Os

movimentos sociais, no caso da saúde mental, buscam os direitos perdidos com o

adoecimento dos cidadãos. Neste embate, a participação da sociedade foi fundamental, pois

com reforma psiquiátrica pode se construir novas estratégias.

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2.3 A INSERÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL NA SAÚDE MENTAL

É muito importante o trabalho dos profissionais de serviço social na saúde mental,

sua contribuição é imprescindível para o serviço e para os pacientes. Porém sua atuação na

área, ainda está em processo de construção. Este item irá abordar sobre a inserção dos

assistentes sociais e o trabalho desses profissionais na saúde mental.

Em termos históricos, a inserção do assistente social no campo da saúde mental se

deu, inicialmente, em 1905 nos Estados Unidos, se consolidando em 1918 (Lima, 2004) com

o aparecimento do Serviço Social psiquiátrico na Europa e nos Estados Unidos, com forte

influência do Movimento de Higiene Mental (MHM), que surgiu na França, entre 1910 a

1920. Este movimento buscava melhorias nas condições de funcionamento dos hospitais

psiquiátricos.

A gênese do serviço social no Brasil, a qual deve ser localizada nos anos 30 do

século XX, se deu com o desenvolvimento capitalista. As condições para essa profissão foi

vista a partir da crescente intervenção do Estado, por meio das políticas sociais públicas.

Neste contexto de enfrentamento das expressões da “questão social” que se legitimou o

Serviço Social como profissão. De acordo com Raichellis (2006):

A igreja católica teve importância singular na configuração da identidade que marca

a gênese do Serviço Social no Brasil, sendo responsável pelo seu ideário, pelo inicial

incipiente campo de ação, pelas agências de formação dos primeiros assistentes

sociais.

A partir dos anos de 1940 e 1950, a questão social, passa por grandes transformações

principalmente com o final da II Guerra Mundial onde a pobreza teve um grande aumento nos

países da Europa e Estados Unidos, além da aceleração industrial. Segundo Raichellis (2006),

A questão social se torna alvo da intervenção do Estado, por meio das políticas sociais

públicas.

Historicamente, a inserção do assistente social na saúde mental, não

obrigatoriamente, se deu em 1946 com o trabalho voltado para a infância. Logo depois, é

incorporado nos hospitais psiquiátricos. De acordo com Rosa e Melo (2009, p.84):

As ações dos assistentes sociais no espaço hospitalar voltam-se preponderantemente

para levantamentos de dados sociais dos pacientes e seus familiares; confecção de

atestados sociais; encaminhamentos para a rede sócia assistencial e difusão de

informação e orientação social, sobretudo para regularizar a documentação e acessar

benefícios sociais, aposentadorias.

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O trabalho dos assistentes sociais dentro dos hospitais psiquiátricos, não eram

atribuições específicas deste trabalhador, gradativamente os assistentes sociais passam a atuar

em outros setores específicos.

Mas somente em 1949 o profissional de serviço social teve a regulamentação liberal

e seu desempenho totalmente voltado às instituições públicas e privado. Tendo a saúde como

o principal campo de absorção profissional.

A partir da década de 1960 o serviço social passou por um período de renovação

profissional, que segundo Netto (1998) a modernização da área da saúde prevaleceu ate a

segunda metade da década de 1970 com a nova direção metodológica profissional e com o

surgimento da Reforma Sanitária.

Este processo deu origem a Reforma Psiquiátrica brasileira, a qual funcionários da

saúde mental denunciaram a maneira como os pacientes tratados como “loucos” viviam de

forma desumanas dentro dos asilos mentais. Por sua vez, este processo orienta-se pelos

direitos civis, pelas liberdades básicas dessas pessoas.

O crescimento dos assistentes sociais na saúde mental foi a partir dos anos de 1990

com o processo de desinstitucionalização das pessoas com transtornos mentais e da crítica dos

modelos hospitalocêntricos.

Essa nova mudança influenciou nas ações curativas e na construção de um novo

modelo. Esse novo modelo requereu um trabalho multiprofissional, tendo o assistente social

um papel muito importante, exigindo uma capacitação voltada para atuar nas expressões da

questão social que afetam a saúde.

O número de assistentes sociais na saúde mental tem crescido muito após a reforma

psiquiátrica e com a implantação dos CAPS, pois a atuação desses profissionais é de suma

importância para o serviço. A área de atuação vem se modificando ao passar dos anos.

De acordo com Rosa e Melo (2009, p.85);

A área da assistência social tem se alargado em direção á saúde mental, através de

programas de abrigamento de idosos ex-moradores de hospitais psiquiátricos,

população de rua com transtorno mental, mas fora de crise e mais recentemente, tem

criado coordenadorias de dependência química, voltada para os adolescentes em

cumprimento de medidas sócio-educativas.

O campo do serviço social vem tendo uma amplitude cada vez maior, devido às

questões sociais decorrentes do capitalismo. Cada dia uma nova demanda encontrando novos

desafios que fazem da prática profissional um leque de oportunidades.

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Os assistentes sociais dos CAPS atuam de forma interdisciplinar, trabalhando a

reinserção social, trazendo de volta a autonomia dos usuários do serviço. Suas principais

ações de acordo com o Congresso Catarinense de Assistentes sociais (2013) são:

(...) acolhimento, avaliação inicial, assembleias de profissionais, usuários e

familiares; visitas domiciliares e institucionais; realização de estudos de casos com a

equipe técnica e com a rede intersetorial; estudos socioeconômicos;

encaminhamentos para diversos setores públicos, privados e não governamentais;

elaboração de relatórios e pareceres; participação em reuniões internas e externas;

atendimento individual e familiar; participação em oficinas e grupos terapêuticos;

contatos e articulações com a rede de assistência social, previdência, saúde,

educação, justiça, habitação dentre outras.

As necessidades de cada serviço têm suas particularidades que exige adequações. A

relação interna de todos os profissionais influi na prática profissional do assistente social.

Novos paradigmas vêm surgindo para todos os profissionais da saúde mental.

As múltiplas competências e atribuições para as quais é chamado a exercer no

mercado de trabalho exigem uma interferência prática nas variadas manifestações da

questão social, tal como experimentadas pelos indivíduos sociais. Essa exigência, no

âmbito da formação profissional, tendeu a ser unilateralmente restringida ora aos

procedimentos operativos, ora á qualificação teórica como se dela automaticamente

derivasse uma competência para a ação. (IAMAMOTO, 2007, p.240)

Muito embora o assistente social não seja um profissional da área da saúde, tem um

olhar diferenciado e contribuições importantes para a equipe. O desafio é construir algo de

novo para dar direcionamento as diferentes intervenções. O profissional de serviço social

dispõe observações e interpretações diferenciadas e muito particulares.

A trajetória deste profissional está sem dúvida ligada á questão social. E o trabalho

do assistente social na saúde mental vem contribuindo no enfrentamento desta questão.

O Serviço Social é uma profissão inserida em um contexto sócio-histórico, que tem

como objeto de trabalho a questão social e suas múltiplas determinações. Essas

expressões da questão social se manifestam conforme o espaço sócio ocupacional do

assistente social. (IAMAMOTO, 2008).

Nesse cenário, o qual ainda é novo para o profissional de serviço social, encontra-se

em processo de construção. Na saúde mental é preciso resgatar os condicionantes do

profissional neste campo.

Vale o destaque a Lei de Regulamentação da Profissão n.8662, de 7 de junho de

1993; o Código de Ética, resolução CFESS n.290; a resolução CFESS n.383/99 de

29 de março de 1999 que caracteriza o profissional de serviço social da área da

saúde; resolução CFESS n.493/2006, de 21 de agosto de 2006, que dispõe das

condições éticas e técnicas dos profissionais. (CRASSRJ, 2004)

Desse modo, o assistente social contribui para a oferta do serviço na saúde mental e

em vários outros campos, pois existe uma pluralidade de entendimentos e ações que

direcionam este profissional.

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Sua identidade é construída nas relações sociais e a partir de cada demanda.

Evidentemente que seu entendimento influi nessa construção.

O assistente social na saúde mental articula com os grupos de famílias, viabiliza os

direitos de cidadania das pessoas com transtorno mental, mobiliza recursos para a

reintegração social do paciente e outros.

A exclusão social a qual tem sido submetida, historicamente, a pessoa com

transtorno mental se traduz no imaginário social na expressão comum de que “lugar

de louco é no hospício” e no estigma e preconceito que passou a rondar esse

segmento social e seus familiares (ROSA, 2008).

No que tange o serviço, sem dúvida devemos observar a precariedade do CAPS com

os atendimentos à população, um exemplo muito significativo é o número reduzido de

assistentes sociais atuando na área além é claro, da falta de verbas que dificulta o serviço. A

falta do Serviço social repercute na qualidade dos atendimentos prestados.

O movimento da reforma psiquiátrica possibilitou múltiplas inserções dos assistentes

sociais. É importante à presença desses profissionais na saúde mental para diferentes ângulos,

e para maiores entendimentos para o direcionamento das pessoas com transtornos mentais.

Após a criação do SUS e de todos os avanços, o campo de atuação do serviço social

tem se ampliado cada vez mais, principalmente no que tange as políticas públicas, totalmente

orientadas pela noção de direito social.

A importância deste profissional proporciona uma ampliação dos campos de atuação,

bem como qualificando o serviço oferecido aos usuários da saúde mental no Brasil.

As lutas políticas e profissionais no cotidiano do assistente social são frequentes.

Este profissional se diferencia dos demais com toda certeza, a partir dos seus conhecimentos

de políticas públicas e dos direitos sociais, desta forma o enfrentamento da questão social é o

objeto profissional e mais abrangente do Assistente Social.

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3. A PARTICIPAÇÃO POPULAR NA CONQUISTA DE DIREITOS

Neste item abordaremos sobre a participação popular nas lutas pelas conquistas dos

direitos e toda sua trajetória no Brasil. Faremos um breve comparativo da história dos grupos

de usuários da saúde mental no Brasil com países desenvolvidos e com o capitalismo

avançado no que consiste no envolvimento de usuários e da população na efetivação dos

direitos básicos de cidadania. É de suma importância falar do surgimento dos grupos sociais

de usuários de saúde mental, não só para os pacientes da saúde mental, mas também para toda

a sociedade.

Os movimentos sociais tratam-se de uma ampla categoria que vão desde movimentos

coletivos, até a ação de grupos sociais que buscam mudanças morais, éticas, culturais, legais

ou até mesmo de caráter estrutural. Podemos ter como exemplo de movimentos o Movimento

dos Sem Terras que lutam pela reforma agrária e vários outros que fazem com que a união de

pessoas possa ter força para algumas conquistas nas causas.

A participação popular cumpre um importante papel ao que se refere à ampliação e

garantia dos direitos sociais numa perspectiva de defesa da cidadania e do fortalecimento da

sociedade. A ideia principal da participação é a sociedade como um todo, controlando o

Estado e fiscalizando as políticas sociais.

Neste entendimento, historicamente falando sobre a saúde mental, os países mais

desenvolvidos como Estados Unidos e Europa tiveram suas políticas voltadas para a proteção

dos pacientes da saúde mental e toda a conjuntura de surgimento de grupos de usuários e os

trabalhos assegurados pelo Estado. Segundo Vasconcelos (2010, p.70), nos Estados Unidos,

os primeiros grupos de usuários de saúde mental surgiram nos anos de 1940. A participação

de usuários e familiares americanos é bastante ativa quando se fala em busca de direitos, pois

as políticas de proteção e os direitos dos usuários teve sua plena efetivação.

No que diz respeito à negação de trabalho aos usuários da saúde mental, na Suécia,

onde estão os melhores exemplos, esquemas especiais de trabalho, o empregador recebe

subsídios do governo e estes pagam um salário digno para as pessoas com transtornos

mentais.

Segundo Bravo (2001) e Menezes (2010) na Europa, os usuários da saúde mental são

vistos como pessoas mais sensíveis e a loucura como uma experiência radical. Não sofrem

preconceitos e todos retornam para seus trabalhos sem nenhum estigma.

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Diferentemente na América Latina, a autonomia e a independência desses indivíduos

não são respeitadas. As políticas sociais são pobres, o que ainda adensa as desigualdades de

classes.

No que tange as lutas sociais, essas em meados do século XX, em prol de melhorias

trabalhistas, que eram organizações de trabalhadores em forma de sindicatos, só ganham força

com os movimentos populares.

É inegável a importância dos trabalhadores na luta pela socialização da política, com

os direitos civis, sociais e políticos e ainda temos muito a avançar para a efetivação dessas

conquistas.

No âmbito da saúde mental, percebe-se que os grupos sociais tendem a lutar pelos

seus direitos básicos. Somente agora, mas caminhando em passos lentos, que grupos de

usuários estão sendo incluídos como organizações do terceiro setor.

Nossas políticas sociais tendem a ser predominantemente estatais, e só

recentemente, em especial na última década, o chamado “terceiro setor” (ONGs,

associações voluntárias e filantrópicas, etc.) vem se desenvolvendo e se constituindo

também como produtor direto de serviços sociais mais apropriados a cada grupo

específico de pessoas e necessidades socioculturais. (VASCONCELOS, 2010, p.76).

Para o autor, isso se deve a tardia participação popular em movimentos como o

Movimento pela Reforma psiquiátrica, a qual trabalhadores e familiares reivindicaram sobre

os maus tratos dentro dos hospitais psiquiátricos e sobre a falta de direitos dos usuários da

saúde mental.

(...) Todavia, o movimento dos usuários constitui ainda um fenômeno recente no

país, e a história nunca está inscrita de véspera e de forma definitiva apenas por suas

condições estruturais, e sem dúvida alguma qualquer movimento social tem uma

autonomia política relativa para imprimir sua própria direção dentro das

possibilidades e constrangimentos estruturais. (VASCONCELOS, 2010, p.78).

Por se tratar de um fenômeno tão recente é que o número de grupos de usuários que

se juntam em prol de uma mobilização para buscar a efetivação plena da cidadania ainda é

pequeno e uma novidade para a sociedade.

Segundo Bravo (2001) e Menezes (2010), foram na década de 1990 que se obteve

um recuo no processo de estabilidade política e a diminuição dos direitos sociais e

trabalhistas. Houve um confisco das poupanças pelo governo Collor. Os negócios exclusos do

governo levaram mais tarde milhares de pessoas ás ruas pedindo pelo impeachment5 do

presidente.

5 Impeachment: processo pelo qual presidente, governadores ou prefeitos podem passar se houver

denuncia de crime de responsabilidade. Estes são investigados e destituídos de seus cargos.

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Em se tratando da saúde mental, hoje no Brasil, há algumas associações e grupos

com maioria mista, onde usuários, familiares e profissionais participam juntos. São

associações não governamentais, como a associação de usuários familiares e amigos da saúde

mental de Ouro Preto- ACOLHER, fruto da pesquisa deste trabalho, que se mantêm

geralmente pela confecção de objetos artesanais feitos pelos usuários, em busca de maior

autonomia e de geração de renda para estes.

Antes do adoecimento, essas pessoas eram trabalhadores normais, os quais possuíam

seus empregos, obtinham rendas para ajuda no sustento de suas famílias. Ao se constatar a

doença, estes perdem seus empregos, são submetidos a tratamentos com medicamentos fortes

nos centros de saúde mental, e assim ficam estigmatizados pela sociedade, perdendo seus

direitos.

Assim se constata a importância dos movimentos sociais e das associações de

usuários, que buscam acima de tudo, a luta pela igualdade de direitos e de direitos especiais

como o suporte previdenciário e esquemas especiais de trabalho.

Acerca dos “direitos especiais”, Vasconcelos (2013, p.80) reflete:

(...) Em nome de que diferença os usuários em saúde mental merecem direitos,

serviços e benefícios especiais? Isso é mais ou menos como um cobertor muito curto

que, quando nos cobre o peito, nos descobre os pés: quando acentuamos a luta pelos

direitos especiais, corremos o risco de acabar afirmando a diferença que justifica e

alimenta o estigma e o tratamento “diferenciado” que a sociedade normalmente tem

com o louco, ou seja, despotencializamos a nossa luta no campo dos direitos civis!

Em outras palavras, estamos diante de conhecido dilema entre reivindicar cuidado e

não querer o controle.

É a igualdade de direitos baseado no fato do tratamento diferenciado. Porém estes

cidadãos que sofreram tanto com a represália nos hospitais psiquiátricos merecem todos os

seus direitos assegurados, mesmo que esses direitos sejam especiais e específicos para a

proteção e o cuidado destes.

A igualdade é um direito que, em tese, inclui todos os sujeitos, sem distinção.

Contudo, os desafios teóricos e políticos para uma ampliação da cidadania é uma luta

constante. No Brasil, o processo tardio de mobilização e reforma da saúde que culminou com

o fim dos hospitais psiquiátricos e dos abusos que conformavam esse tipo de procedimento,

dificulta ainda essa ampliação.

Dificuldade essa, ampliada ainda mais com o poder judiciário que priva esses

sujeitos possuidores de direitos civis e políticos, onde o Estado passa a controlar essa pequena

parcela da população. Os muros dos hospitais psiquiátricos foram substituídos pelas algemas

dessa interdição.

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No Brasil, a sociedade vê a saúde mental como algo sem grande importância. As

pessoas adoecem e são levadas para os devidos tratamentos oferecidos pelo Estado, nos

Centros de Atenção Psicossocial. É válida a luta dos ativistas dos movimentos sociais em

busca da defesa, da autonomia e do retorno ao convívio social, mas ainda é bastante lento

todo o processo de mobilização para a efetivação dos direitos.

De certo modo as alterações caminham em passos lentos. O Estado, de certo modo,

priva ainda a liberdade, mesmo sem os hospitais psiquiátricos, fazendo com que as pessoas

com transtornos mentais fiquem ainda desprovidas dos seus direitos, sujeitas a preconceitos

da sociedade, além é claro de serem mantidos em tratamentos que se utilizam de clínicas

psiquiátricas nos casos mais grave. A autonomia dessas pessoas ainda está a se tornar real.

Houve mudanças significativas no processo de desinstitucionalização. Os

tratamentos não são mais feitos com o descaso dos hospitais psiquiátricos. As pessoas com

transtornos mentais podem voltar ao convívio familiar e com a sociedade. Mas tem muito que

ser mudado, começando por políticas mais efetivas garantindo direitos a estes.

Todas as mudanças existentes hoje foram devido à mobilização social, dando força

aos usuários da saúde mental e dando maior firmeza aos grupos de usuários. Não é uma luta

unilateral, mas é um movimento de todos que acreditam na melhoria sem preconceito, sem a

estigmatização e sem os direitos violados.

Como ressalta Vasconcelos (2013, p.84):

Este constitui, a meu ver, um dos paradoxos mais fundamentais deste final de

milênio no campo das politicas sociais e da conquista da cidadania, numa conjuntura

mundial hegemonizada pelo neoliberalismo e marcada pelo empobrecimento e

desemprego de vastas massas populacionais. Tal dilema é ainda mais marcantes no

campo da saúde mental, que articula de forma complexa, conquistas necessárias no

campo social e no campo da atenção psicossocial e social com o desenvolvimento de

processos de subjetivação que busquem o máximo de autonomia, mas

necessariamente implicando formas variáveis de normatização social. Isso é

particularmente visível na medida em que a reinvenção da vida dos usuários nos

processos de desinstitucionalização implica construirmos conjuntamente com eles

alternativas de sociabilidade, trabalho, moradia, lazer, educação etc., substitutivos á

redução dessas esferas de vida que ocorre dentro dos asilos e instituições

psiquiátricas convencionais.

Fazer a sociabilidade destes pacientes é necessário, pois são alternativas para a

vivência destes, retornando para seus trabalhos e para o convívio social.

Daí a importância dos movimentos de usuários da saúde mental se afirmam através

da história. Lutas constantes, auto identificação e no caso da saúde mental “sobreviventes da

psiquiatria”. Estes são processos pelos quais essa parcela da sociedade viveu e ainda vivem

para a busca dos direitos e de maior autonomia.

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Tem como uma importante ajuda na luta, segundo Bravo e Menezes (2011, p.31), os

Conselhos de Saúde que vieram para uma melhor democratização do Estado com a sociedade,

atuam como direitos sociais e contribuem na luta pela democratização e transformação.

Juntamente com os movimentos sociais, centrais sindicais e outros, tem por objetivo a luta

pelo Sistema Único de Saúde, gratuito, estatal e universal, sendo um patrimônio dos

brasileiros.

O controle social é um direito conquistado pela Constituição Federal de 1988, logo é

uma luta legal. A efetiva participação social é fundamental para a luta por melhores condições

de vida.

Somente com as lutas sociais se é capaz de preservar e ampliar as conquistas da

cidadania. As organizações de classe trabalhadora devem persistir na busca da igualdade,

construindo alianças com outros setores da sociedade civil.

Sobre a saúde pública, foram com as lutas sociais que se conquistou o Sistema Único

de Saúde, que é patrimônio do povo, e não podemos ficar apenas observando seu

sucateamento. É preciso luta e participação da sociedade. As transformações em conjunto têm

grandes profundidades e é possível a garantia de melhores efetivações.

Assim segundo Coutinho (2008, p.87),

A estratégia do proletariado, no “ocidente”, deve se basear numa “guerra de

posições”, na conquista do máximo de espaços no interior da sociedade civil, já que

só com o consenso da maioria, ou seja, com a hegemonia, é possível empreender

transformações sociais em profundidade.

A sociedade civil é muito importante para a construção de um Estado. O Estado

assegura o direito à propriedade privada, mantendo e organizada a ordem social produzida

pelo desenvolvimento.

Logo a sociedade civil parcialmente se realiza no campo da universalidade, pois a

totalidade dos direitos se vincula ao Estado. O Estado ordena e materializa ou não a

universalidade dos direitos.

Para Marx e Engels (1993, p.53) a sociedade civil6 se define como a esfera da

produção e da reprodução da vida material.

O Estado cumpre a universalidade de acordo com os interesses da classe dominante.

São as relações de produção e reprodução através do trabalho. Tudo com intuito de interesses

6 Para Marx a sociedade civil e a estrutura econômica são a mesma coisa. “A estrutura social e o Estado

nascem [...] tal e como atuam e produzem materialmente e, portanto, tal e como desenvolvem suas atividades sob

determinados limites, pressuposto e condições materiais, independentes de sua vontade.” (MARX e ENGELS,

1993, p.36).

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de classes. Este Estado é a expressão das relações sociais de produção na sociedade

capitalista.

O fim da repressiva do Estado só se deu com a luta de classes e a ditadura do

proletariado. O homem se reúne em grupos que se organizam em prol de algo, e assim se

distingue a participação popular. Nela, a sociedade se desenvolve como classe em busca da

efetivação de algo.

O enfrentamento dessas questões é a união, ressaltando a articulação da luta por

direitos com o movimento por transformações.

Os movimentos sociais vieram para contribuir a defesa da cidadania. A união de

forças para os movimentos, no caso os movimentos de usuários, torna a estigmatização da

loucura cada vez mais enfraquecida, dando um alivio para todos os usuários da saúde mental.

Mas a luta tem de continuar, e a união de mais pessoas é o melhor caminho.

O movimento pela Reforma Psiquiátrica no Brasil vem sofrendo ataques, no que

tange a conjuntura de desmobilização dos movimentos sociais, pois este vem apresentando

um recuo na articulação política. Desgastes das políticas sociais, falta de investimentos, a luta

se torna mais que necessária para a viabilização do direito a saúde, habitação, educação e

outros direitos adquiridos com a Constituição de 1988.

Ainda que não se possa ter a forma e o tempo certo em que as mudanças se farão,

cabe a união para a construção de uma sociedade mais forte, cientes de que é ainda nos

marcos da ordem existente do capitalismo que se encontrarão elementos da mudança.

3.1 A ASSOCIAÇÃO DE USUÁRIOS DE OURO PRETO

Com o intuito de superar a história escrita através de luta e sofrimento, é que existem

as associações de usuários da saúde mental. Sente-se a necessidade de mobilização social para

maiores apoios. É muito mais além do tratamento, busca-se a igualdade social.

A mobilização social é importante não só para os usuários, mas também para as

famílias que também necessitam de apoio. As ruas são espaços de ocupação, de manifestação

e de reivindicação dos direitos. Como cidadãos devemos nos fortalecer, buscando a

democracia e construindo uma sociedade melhor.

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Em se tratando dos usuários da saúde mental, ainda são estigmatizados. Os “loucos”

não servem para o trabalho e assim não servem para o convívio social, logo são destituídos de

sua condição de cidadania.

Todo esse processo de busca de direitos das pessoas com transtornos, onde muitos

parentes os privam do direito de conviver normalmente em sociedade, tem medo do

sofrimento que estes pacientes possam ter ao estar junto com outras pessoas, sofrendo

preconceitos.

A maioria dos familiares se tornam cuidadores, tendo que administrar medicamentos,

benefícios, etc, e também tem de largar seus empregos devido a grande carga. Essa

administração dos benefícios se constrói por meio de um processo judicial, o qual se priva o

sujeito dos direitos.

Segundo Barison e Gonçalves (2016, p.41),

Os muros dos hospícios foram substituídos pelas invisíveis amarras da interdição

civil, o que não alterou a condição de cidadania do louco conforme almejado pelo

movimento da reforma psiquiátrica. Tal transferência de responsabilidades

configura, no nosso entendimento, uma face do fenômeno da judicialização da

questão social.

Nessa percepção da loucura, a doença toma o espaço e anula qualquer outra

característica deste sujeito.

As famílias ficam com a “carga” mais pesada, pois estes agora tem ter todo o

cuidado com estes usuários da saúde mental. Sendo assim, as famílias, que são a grande

maioria as que cuidam destes pacientes, estão submetidas a situações de pobreza, o que

constitui como expressão da questão social.

Para as famílias dos usuários, muitas adoecem simplesmente pelo fato de não

conhecer a doença, além de terem que organizar suas vidas em função das necessidades

destes. O convívio com o usuário se torna estressante, pois este exige cuidados.

Outras expressões da questão social foram identificadas no bojo da leitura dos

processos judiciais postulados por familiares das pessoas com transtornos mentais: o

isolamento social, a precariedade de vínculos familiares e sociais, a permanência nas

ruas, a violência doméstica, o precário acesso e permanência nos serviços de saúde

mental. (Barison e Gonçalves, 2016, p.57).

Essa sobrecarga cotidiana que envolve aspectos emocionais leva ao adoecimento das

famílias e a dificuldades financeiras os quais não estão preparados psicologicamente para essa

situação. Por isso é muito importante à participação das famílias junto ao CAPS para o

entendimento e troca de experiências.

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Com a participação das famílias na associação dos usuários poderia entender o

adoecimento e também os usuários de que nada possa interferir ao retorno do convívio social

e ao mercado de trabalho.

E é nessa busca de direitos que ainda são tirados, que a participação das associações

como fonte de reivindicação da cidadania, se constrói a luta. Buscando mais associados, não

somente usuários, mas também familiares, trabalhadores da saúde mental e toda a sociedade

para unir forças.

E é com tamanha importância que o grupo de usuários da cidade de Ouro Preto,

chamada de ACOLHER- Associação de Usuários, Familiares e Amigos da Saúde Mental,

lutam pela socialização e a busca dos direitos destes.

A ACOLHER existe desde 2015 e engloba toda a rede de saúde mental, funcionários

e pacientes que se encontram no quadro estável. É uma associação não governamental e sem

fins lucrativos, busca o fortalecimento e a consolidação dos direitos, fazendo a inclusão dos

pacientes na sociedade e no mercado de trabalho.

A Associação de Usuários e Familiares da Rede de Saúde Mental de Ouro Preto –

ACOLHER, conta atualmente com a participação dos CAPS de Ouro Preto; o CAPS1 o

CAPSAD e o CAPSi. A Associação oferece cursos visando geração de renda e treinamento de

habilidades, dentro da abordagem de Empreendedorismo Social. O encaminhamento dos

usuários e familiares acontece através dos Serviços de Saúde Mental de Ouro Preto: oficinas

de patchwork, decoupagem, cerâmica, tapete de retalho e crochê.

A ACOLHER propicia um espaço de discussões, buscando o fortalecimento e

consolidação dos direitos obtidos e promovendo além da geração de renda e inclusão dos

usuários da saúde mental no mercado de trabalho, a reabilitação psicossocial. Busca promover

a inserção do usuário no âmbito social e o oferecimento de oficinas como uma possibilidade

de geração de ocupação e renda.

Os usuários participantes fazem artesanatos e confecções de blocos para anotações

para geração de renda, sendo todos vendidos em feiras de artesanatos, fóruns ministrados pelo

CAPS, etc. Buscam também pelo fortalecimento, consolidação dos direitos e a reabilitação

psicossocial através da convivência com a sociedade.

Muitos não conseguem retornar ou arrumar novos empregos, devido ao preconceito

que sofrem, e as oficinas geram uma renda mínima para suas sobrevivências.

De fato a estigmatização é frequente na vida dessas pessoas. O sofrimento causado

pelo adoecimento, e o afastamento do convívio social, leva ao agravamento da doença, sendo

impossibilitados de retornarem ao trabalho.

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Com a estigmatização da loucura, várias abordagens necessitam serem revistas como

a desvalorização social dos usuários com menos controle sobre esses indivíduos, mais

liberdade de escolha, etc. Estratégias como essas, implicarão para uma maior força aos

usuários da saúde mental e aos movimentos sociais do país que lutam pelo direito igualitário e

sem distinção.

A associação tem como intuito principal, fazer com que usuários e familiares tornem

o adoecimento e todas as suas consequências, sejam um pouco mais leve. Lutar pelo ideal de

sobrevivência através dos direitos une pessoas.

Sendo assim, para o engrandecimento dessa luta vários encontros nacionais são feitos

como o“18 de maio” em que se comemora a Luta Antimanicomial, o qual usuários,

familiares, profissionais e aqueles que acreditam na causa, debatem melhorias para a saúde,

buscando direitos especiais, trocando estímulos.

Também são feitos mensalmente em Belo Horizonte o Fórum Mineiro, que discute a

saúde mental no estado. Esses encontros servem para discutir opiniões de usuários de todos os

CAPS sobre vários entraves da política de saúde e a saúde mental.

As reuniões também seriam um alívio da sobrecarga para as famílias, pois poderiam

entender outros familiares através de conversas e ver usuários estáveis que lutam pela

igualdade de direitos e por não serem mais estigmatizados, além também de ajudar nas

oficinas.

O preconceito é ainda uma situação retrógrada, mas vivida constantemente na vida

das pessoas com transtorno mental, o que marca para sempre a vida desses cidadãos. A luta é

vivida todos os dias para tornar o peso desse estigma, um pouco mais leve.

A demanda é grande e a necessidade de mobilizar mais pessoas se torna cada vez

maior, para dar mais voz aqueles que têm seus direitos subtraídos. O poder de representar

ideias e opiniões pode exercer influências através da força coletiva.

3.2 MOBILIZAÇÃO SOCIAL E O ENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS

Este item é de suma importância, pois este é a fase qualitativa da pesquisa. Esse

caminho buscou compreender o processo de mobilização das associações de usuários

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juntamente com as instituições de saúde mental e a sociedade, buscando a efetivação dos

direitos das pessoas com transtornos mentais.

Na saúde mental o modelo hospitalocêntrico é ainda bastante questionado por todos e

sendo substituído por uma nova forma de cuidado com a ajuda dos familiares, fazendo com

que as pessoas com transtornos mentais retornem ao convívio familiar.

Nessa perspectiva, antes de se entender todo o processo da mobilização através da

associação e da participação das famílias, é preciso compreender que a reforma psiquiátrica

tem sua própria história inscrita na superação de violência asilar. A reforma psiquiátrica é um

processo político e social, marcado por tensões e desafios.

De acordo com Saraceno (1999, p. 112),

Um processo que implica a abertura de espaços de negociação para o paciente, para

sua família, para a comunidade circundante e para os serviços que se ocupam do

paciente: a dinâmica da negociação é contínua e não pode ser codificada de uma vez

por todas, já que os atores (e os poderes) em jogos são muitos e reciprocamente

multiplicantes.

Muitas são as variáveis que perseguem as pessoas com transtornos mentais, que são

questionadas pela sociedade como: o nível de capacidade intelectual, sua condição de

convivência, e os direitos desiguais os quais se perdem com o adoecimento.

Telles (1999, p.94) cita muito bem isso;

[...] Direitos que recriam desigualdades, pela sua vinculação profissional são

também direitos que não se universalizam e sobrepõem ás diferenças sociais, uma

outra clivagem que transforma em não cidadãos os que escapam ás regras de

contrato. Esses são os nãos iguais, os que não estão credenciados á existência cívica

justamente porque privados de qualificação para o trabalho.

O processo da Reforma Psiquiatra foi e ainda é um grande desafio, porém, muito

importante para as pessoas com transtornos mentais, familiares e todos os trabalhadores de

saúde mental.

O Brasil é um país de larga extensão territorial, com 200 milhões de habitantes, no

qual ainda persistem, apesar dos avanços inegáveis, graves situações de iniquidade

social e econômica. Após mais de duas décadas submetido a uma ditadura civil-

militar, o país vive, desde a Constituição de 1988, uma democracia, com instituições

políticas, jurídicas e da sociedade civil em processo de consolidação. (FUNDAÇÃO

FIOCRUZ, 2015 p.8)

Sobre o processo de desinstitucionalização, este foi lento e gradual, porém um

processo histórico e muito importante. Instrumento de reconstrução pessoal, de “cura” e

sociabilidade.

Com todos os desafios e falta de direitos é que se vê a importância da luta pela

efetivação da cidadania. Uma luta feita com a união da sociedade e dos familiares que se

traduz em forma de igualdade.

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A partir do exposto acreditamos que é de suma importância a valorização e inclusão

dessas pessoas com transtornos mentais através de associações para geração de renda e

inclusão dos pacientes no mercado de trabalho.

Este projeto vai além da mobilização, busca saber sobre o real conhecimento dos

familiares sobre a importância das associações na vida dos pacientes da saúde mental e a falta

de interesse dos familiares para se juntar ao movimento.

O projeto de Mobilização Social da Saúde Mental é muito importante não só para

usuários, mas também para toda família e para aqueles que acreditam que mobilizar é

assegurar direitos e dar aquele que viveu discriminado e preso dentro dos hospitais

psiquiátricos tenham hoje a importância que neles foram tirados.

(...) Todavia, o movimento dos usuários constitui ainda um fenômeno recente no

país, e a história nunca está inscrita de véspera e de forma definitiva apenas por suas

condições estruturais, e sem dúvida alguma qualquer movimento social tem uma

autonomia política relativa para imprimir sua própria direção dentro das

possibilidades e constrangimentos estruturais. (VASCONCELOS, 2010, p.78).

Hoje se constata claramente a necessidade da inclusão dos pacientes da Rede de

Atenção Psicossocial, na verdade uma emergência de associações, para que estes pacientes

sejam inseridos na sociedade novamente, como associações de usuários e familiares no Brasil.

As politicas sociais são predominantemente estatais, sendo recente a presença de

entidades do chamado terceiro setor, esta tendo destaque. Apenas agora pode se visualizar a

possibilidade de organizações de usuários podem ser incluídos nas organizações não

governamentais custeadas pelo estado para dar suporte aos serviços de saúde mental.

A avaliação quantitativa concentrou-se nas reuniões dos familiares no Centro de

Atenção Psicossocial 1da cidade de Ouro Preto. A coleta de dados foi feita no dia 11 de Julho

de 2017, ás 14:30 no local, tendo a duração de uma hora. Para tanto utilizou-se a entrevista

composta por cinco questões, exigindo a análise com a obtenção de dado.

O assunto foi discutido com a assistente social do CAPS1 e com os membros da

Associação dos Usuários do serviço, com o intuito de informar sobre a importância e do apoio

dos familiares na busca por direitos através das mobilizações.

As questões elaboradas tiveram como ponto de partida as vivências como estagiária

de serviço social do Centro Atenção Psicossocial e reflexões de pesquisas interdisciplinares

sobre as mobilizações sociais da saúde mental, como as mobilizações de usuários através das

associações, intermediadas pelos CAPS.

Houve uma participação nas reuniões quinzenais da associação ACOLHER-

Associação de Usuários Familiares e Amigos da Saúde Mental de Ouro Preto, existente desde

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2015, engloba toda a rede de saúde mental, funcionários e pacientes que se encontram

estáveis.

É uma associação não governamental, sem fins lucrativos. A associação busca o

fortalecimento e a consolidação dos direitos, fazendo a inclusão dos pacientes no mercado de

trabalho, promovendo geração de renda para estes.

A importância das associações na vida dos pacientes da saúde mental deve ser

discutida sempre com os familiares e com toda a sociedade. Sendo assim, para promover e

para a verificação do conhecimento sobre a existência da associação, foi feito uma pesquisa

no grupo de família, que acontece nas segundas terças-feiras de cada mês no CAPS1 em Ouro

Preto.

Os participantes da pesquisa eram familiares ou cuidadores dos pacientes do CAPS1

de Ouro Preto. Na reunião do Grupo de Família inicialmente eram cinco familiares

participantes, mas para a pesquisa apenas três concordaram em responder as perguntas

elaboradas.

Como apontamos em nossos estudos, compreendemos a importância da mobilização

através da associação para uma futura geração de renda para estes usuários que sofrem

preconceitos poderem voltar ao mercado de trabalho, a busca pelos seus direitos políticos,

civis e sociais e a cidadania. A participação popular, conscientização e humanização são

imprescindíveis para o fortalecimento da saúde mental.

É de grande importância a participação das famílias nas associações, para que estes

além de acompanhar seu familiar usuário do serviço nas reuniões e nas oficinas oferecidas

pelo CAPS poderem trocar experiências com outros familiares.

Ao se conviver diretamente com esses usuários da saúde mental e que ainda estão em

tratamento e seus familiares participantes do Grupo de Família, se pode perceber a

necessidade de mobilizar mais pessoas para a associação e a família é o primeiro caminho

para se obter conquistas.

Para a pesquisa iremos chamar as participantes de A, B e C, já que estas não querem

se identificar neste projeto. Das participantes da pesquisa, duas não possuem o ensino

fundamental completo, mas sabem ler e escrever. Uma participante nuca estudou e sabe

apenas assinar o nome.

Logo, a pesquisa foi feita como uma entrevista, onde a cada pergunta feita elas

respondiam e tudo era anotado. As participantes eram duas mães e uma era mulher de

pacientes do serviço.

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Em um primeiro momento houve a apresentação de todos os participantes do grupo,

familiares, Assistente social, Psicólogo, Médica e estagiárias.

No segundo momento houve uma breve indagação da médica falando sobre o

adoecimento, logo depois foi falado sobre a associação dos usuários da saúde mental de Ouro

Preto – ACOLHER. Após isto todos os funcionários participantes saíram e aqueles que não

gostariam de participar, ficando apenas aqueles que gostariam de responder a pesquisa. Logo

foram feitas perguntas às famílias:

Ao se perguntar sobre a importância das famílias na vida cotidiana faz parte do

processo terapêutico do usuário da saúde mental. A falta de envolvimento das famílias é um

fato constatado. Porque vocês acham que há esse pequeno envolvimento das famílias, já que o

número de pacientes é crescente?

A participante A fala sobre a falta de informação quanto à doença em si e todo o processo de

adoecimento que é bastante sentido pelas famílias. Elas sentem medo e preferem ficar

reclusas diante de tal situação. Sabem da importância das famílias no envolvimento no

tratamento, e que essas também demoraram a participar. É um processo lento para a

assimilação das famílias porem é essencial.

A participante B diz que a falta de entendimento sobre o adoecimento é o grande fator para a

não participação das famílias na vida de cada usuário.

A participante C não soube responder esta pergunta.

Foi perguntado também sobre o envolvimento das famílias, se fosse mais assíduo

esta participação, não haveria a necessidade de internação psiquiátrica?

A participante C diz que sim. “Se cada familiar se envolvesse mais, com toda certeza seus

parentes usuários não necessitaria de internações psiquiátricas”. Acha que a maioria dos

internamentos é devido à falta de assistência da família. No caso de seus familiares, não

necessitam de internações, depois do envolvimento da família, se encontram estáveis na

doença.

A participante A concorda com a afirmação da participante C e diz que a causa das

internações é devido à falta de envolvimento da família e o preconceito da sociedade.

A participante B diz que o preconceito vem mais de casa do que propriamente de fora, por

isso a não participação das famílias.

Também foi indagado sobre a importância dos grupos de família e dos grupos de

usuários para eles e se eles conheciam este ultimo?

A participante B diferencia os dois grupos dizendo que os grupos de família servem para um

apoio não só aos usuários da saúde mental, mas também para as famílias serem ouvidas para

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também não adoecer. Os grupos de usuários servem para um acolhimento para o

melhoramento deste usuário diante a sociedade, para eles mesmos se sentirem como pessoas

possuidoras de direitos. Diz também que não conhecia o grupo de usuário existente em Ouro

Preto.

As participantes A e C também não conheciam o grupo de usuários e que acham importante

para estes usuários se sentirem mais valorizado diante a sociedade.

Foi perguntado também se eles acham que as associações de usuários seriam como

uma “porta voz” de suas reivindicações?

Todos tiveram a certeza desta importância e disseram que sem a união não se pode ter voz,

não podem ser ouvidos enquanto usuários da saúde mental. As associações são como porta

voz para a busca da efetivação dos direitos. Para a participante A “a participação de todos é

fundamental, e que no país em que vivemos sem a reivindicação dos direitos, sem luta não

existirá direitos”. A participante B diz que “ela acredita na importância das associações que

vai muito além de um lugar para eles fazerem seus trabalhos como nas oficinas que são

ofertadas, mas servem para poderem lutar por uma causa maior”.

A última pergunta e também a mais importante para este trabalho foi respondida por

todos os participantes que quiseram participar desta pesquisa, a qual foi perguntado se eles

acham importante a participação de familiares e a sociedade nestas associações para mobilizar

e construir uma maior autonomia e a efetivação dos direitos.

A participante B respondeu que sim. Para ela quanto mais pessoas participarem, mais força se

ganha. “A busca pelos direitos é uma busca constante”. Não se sabia da associação de

usuários por falta de maiores informações, mas que as famílias ali presentes, gostariam sim de

participarem para dar um apoio maior e que se necessário fazer a luta conhecida por todos.

Também gostariam que mais usuários pudessem participar, porque sabem da importância das

associações na vida desses usuários, para o melhoramento destes. “A sociedade também deve

dar o seu apoio, para buscar mais direitos e para que esses não sejam estigmatizados”.

A participante A diz que sim, que as associações servem também para a estabilidade das

doenças, acredita que é fundamental para eles se manterem firmes ao tratamento feito pelo

CAPS. Gostaria também de participar como ouvinte das reuniões. “Acredito no poder das

associações, elas fazem a luta ganhar maiores evidências. Sem luta não há conhecimento da

causa, e a participação de todos é fundamental”.

A participante C diz que não conhecia a associação e que também acha muito importante na

vida dos usuários do serviço. Diz que “a participação de todos para a efetivação dos direitos

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para os pacientes da saúde mental, é também uma luta pela efetivação dos direitos de todos,

pois todos são iguais”.

O questionário permitiu abordar fatos e obter respostas para indagações observadas

no processo da Reforma Psiquiátrica. A mobilização social7 é necessária, porém deve ser feita

de forma onde a união da sociedade para que a mobilização passe a ter grande importância e

maior voz.

Por falta de maiores participações nesta pesquisa, esta não foi estendida devida á

falta de tempo, já que se teve apenas 1 hora para a apresentação dos trabalhadores no início da

reunião e a abordagem com a pesquisa no final.

É notório que a falta de conhecimento da existência da associação é indagada por

todos os participantes, mas todos veem a importância desta na vida de cada paciente do

serviço.

A falta de informação é notória, talvez pela não divulgação dos profissionais da

saúde mental nos grupos de família. Todos os familiares sentem dificuldades para lutar pela

efetivação dos direitos das pessoas com transtornos mentais, frequentando o grupo de usuário,

justamente pela maioria serem mulheres participantes, todas tem de fazer trabalhos dentro de

suas próprias casas no dia a dia, cuidar de filhos, etc.

Acredito que a falta de tempo e a falta de informação, também devido à falta de

conhecimentos de todos os familiares no que cerne a luta antimanicomial é bastante notória.

Tudo isso influencia para a não participação das famílias nas associações dos usuários.

A inserção da família é elemento indispensável para a Reforma Psiquiátrica como

um todo. Nessa dinâmica, conhecer e entender o porquê da não participação das famílias para

uma mobilização juntamente com os usuários é de suma importância para se ter ao certo um

direcionamento para futuros estudos e até mesmo para os trabalhadores da saúde mental

discutir o caminho.

A importância da Reforma Psiquiátrica foi uma grande vitória também para as

famílias, pois estas passaram a ser um elemento primordial para o tratamento dos pacientes.

Quanto ao Estado, este deveria garantir os direitos sociais através das políticas

públicas de caráter universal, mas a insuficiência da efetivação desses direitos faz com que as

pessoas com transtornos fiquem totalmente desprotegidas.

7 Mobilização Social: É a união de pessoas na luta por algo. No caso da saúde mental, é a união de

pessoas para a efetivação plena dos direitos.

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Sem direitos, é necessária a busca através de mobilizações com a junção de toda a

sociedade. Mas a participação da sociedade em mobilizações de cunho social vem sendo cada

dia diminuída pela falta de interesse da sociedade. A busca por efetivação é vivida por uma

pequena parte da sociedade, justamente aqueles estigmatizados são os que lutam e

reivindicam a igualdade de direitos, mas isso deveria ser dever de todos.

É certo que o questionário foi um elemento estruturado de investigação, pois recorta

a realidade da participação dos familiares e da sociedade nas associações de usuários da saúde

mental.

Este estudo permitiu aprender que a família está prevista na Reforma Psiquiátrica,

mas esta não foi totalmente incorporada na saúde mental. A relação do serviço com a família

ainda é bem robotizada, pois não há diálogo para a compreensão real dos grupos de usuários.

É preciso entender todo o comportamento do familiar e todas as adversidades que

estes enfrentam. Porém a família não é somente um instrumento de suporte, deveria ser um

instrumento ativo no cotidiano fora dos centros de saúde mental.

Nesse sentido é necessário que toda a equipe profissional não a veja somente como

suporte, mas também como ajuda para dar voz ao luta da psiquiatria e principalmente aos

pacientes do serviço.

É ilusório pensar que a estratégia de resistência da reforma psiquiátrica pode ficar

restrita ao plano de gestão. Esse movimento é de resistência em defesa da sociedade sem

manicômios, da liberdade, e da democracia.

Este estudo é de suma importância para torna-se referência e para futuramente

subsidiar estratégias e alternativas para uma maior mobilização social e gerar novos estudos

para essa temática.

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4. CONCLUSÃO

A realização deste trabalho foi motivada por algumas indagações surgidas no

processo de estágio que realizei. A principal era sobre o quanto a mobilização social é

importante para seguir a luta antimanicomial com a efetivação dos direitos sociais. Este

estudo buscou atingir os seguintes objetivos: entender a não participação das famílias nas

associações de usuários e se identificar se as famílias compreendiam o trabalho feito nessas

associações e de sua existência na cidade de Ouro Preto.

Nessa perspectiva, pretende-se contribuir para futuros projetos/trabalhos mais

aprofundados neste assunto, uma vez que consideramos o processo de mobilização social no

Brasil tardio em relação a outros países. Este método de análise, ao considerar a mobilização

social como a forma mais eficaz para se mantiver a cidadania, permite compreender as

relações sociais, neste modelo de sociedade.

A partir de levantamentos históricos sobre a luta antimanicomial, a qual sem dúvida

teve uma transformação nas lutas de movimentos sociais, na política de saúde mental e de

assistência psiquiátrica. Percebe-se que tal luta defende a transformação da loucura, buscando

a inserção dessas pessoas na sociedade, sem discriminação.

Contudo, ao iniciarmos este estudo de mobilização na saúde mental através de

associação, tivemos algumas contribuições de alguns pensadores, as quais pareciam caminhar

na mesma direção deste trabalho. Diante disso, alguns questionamentos vieram à tona, como

exemplo: porque não há um envolvimento maior das famílias nas reuniões da associação de

usuários? Qual a importância das famílias e da sociedade nas associações para a busca por

direitos? Procuramos analisar cada resposta e se houve alguma similaridade e diversidades

nas respostas.

Houve similaridades nas respostas e foi notória a falta de informação e também a

falta de tempo, talvez a algumas ocupações como trabalhos dentro ou fora de casa, das

famílias se envolverem. Há ainda um agravante, pois o serviço de saúde mental tem

dificuldade de dialogar com as famílias.

A luta pela criação e aprovação da Constituição de 1988, foi uma luta pelo

reconhecimento legal da cidadania. Entretanto essa luta limita-se a defender o “louco” como

ser igual, permitindo assim as diferenças.

O que se pode observar é que, de forma geral, os movimentos da Luta

Antimanicomial existentes na época, que lutam pela efetivação dos direitos sociais, hoje se

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encontram esquecidos. O que se busca são mudanças, entre a loucura e a sociedade, no

sentido de romper com a cultura estigmatizante.

Pode-se inferir, com isso, que reivindicações e lutas em defesa da transformação

social, tenham como finalidade a inclusão do “louco” na sociedade. O movimento da luta

considera que além dos direitos universais, as pessoas com transtornos mentais, necessitam de

direitos específicos. Mas como lutar se há dificuldades encontradas para se mobilizar?

O que queremos é que as reivindicações sejam somadas, é o reconhecimento de que

sem mobilizar não há efetivação plena dos direitos. É, portanto, nesse sentido, que afirmamos

a necessidade da mobilização social para a ampliação dos direitos, assim a luta não fica

dissociada no modelo de sociedade a qual estamos inseridos, poderemos então construir uma

nova sociedade.

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