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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CAMPUS ACADÊMICO DO AGRESTE – CARUARU
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DESIGN
Marcia Elizabeth Mota Jordão
Sabores e saberes populares no design do móvel no Brasil: a compreensão de
um caminho para brasilidade no design
Caruaru
2017
Marcia Elizabeth Mota Jordão
Sabores e saberes populares no design do móvel no Brasil: a compreensão de
um caminho para brasilidade no design
Monografia apresentada à Universidade
Federal de Pernambuco, como exigência
parcial para a obtenção do título de
bacharel em design com orientação do
professor Me. Antônio Luis de Oliveira
Filho.
Caruaru
2017
Catalogação na fonte:
Bibliotecária – Simone Xavier CRB/4 - 1242
J82s Jordão, Marcia Elizabeth Mota.
Sabores e saberes populares no design do móvel no Brasil: a compreensão de um caminho para brasilidade no design./ Marcia Elizabeth Mota Jordão. – 2017.
173f. ; il. : 30 cm. Orientador: Antônio Luis de Oliveira Filho. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Universidade Federal de Pernambuco,
CAA, Design, 2017. Inclui Referências.
1. Design. 2. Cultura popular. 3. Mobiliário. I. Oliveira Filho, Antônio Luís de. (Orientador).
II. Título.
740 CDD (23. ed.) UFPE (CAA 2017-401)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO ACADÊMICO DO AGRESTE
NÚCLEO DE DESIGN
PARECER DE COMISSÃO EXAMINADORA
DE DEFESA DE PROJETO DE
GRADUAÇÃO EM DESIGN DE
MARCIA ELIZABETH MOTA JORDÃO
“Sabores e saberes populares no design do móvel no Brasil: A compreensão
de um caminho para brasilidade no Design”
A comissão examinadora, composta pelos membros abaixo, sob a
presidência do primeiro, considera a aluna MARCIA ELIZABETH MOTA JORDÃO.
APROVADA
Caruaru, 13 de Dezembro de 2017.
Profº. Antônio Luís de Oliveira Filho
Profª. Débora Tatiana Ferro Ramos
Profº. Lourival Lopes Costa Filho
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiro a Deus pela saúde e ânimo para estar sempre buscando
mais conhecimentos, por esse encantamento pela vida e tudo que nos é permitido
descobrir e conquistar, pela Fé para enfrentar as dificuldades e não desistir dos
sonhos.
Em segundo, ao meu orientador Antônio Luis de Oliveira Filho (Tony), pela
paciência e dedicação nesse processo, mostrando os melhores caminhos,
ordenando e aclarando as minhas idéias. E a minha admiração de ter esse
profissional e amigo como uma das minhas referências no design de mobiliário e de
produto.
À minha Mãe, por me apoiar sempre em busca dos meus sonhos e ideais.
Nós, brasileiros, [...] somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo
mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou
pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa
de nativos oriundos da mestiçagem viveu por séculos sem consciência de
si, afundada na ninguendade. Assim foi até se definir como uma nova
identidade étnico-nacional, a de brasileiros. Um povo, até hoje, em ser, na
dura busca de seu destino. Olhando-os, ouvindo-os, é fácil perceber que
são, de fato, uma nova romanidade, uma romanidade tardia mas melhor,
porque lavada em sangue índio e sangue negro. (RIBEIRO, 2015)
RESUMO
Partindo da idéia de que o universo do mobiliário perfaz a historia do cotidiano do
homem, seus costumes, sua cultura, seus dons artísticos, integrando a cultura
material e memorial de identidades de um povo, este trabalho versa sobre o móvel
de autor no Brasil a partir de 1950, tendo como foco a relação estabelecida entre
design, obra e cultura popular brasileira. Orientado por uma metodologia de
abordagem indutiva e por um método de procedimento comparativo, o estudo nor-
teia-se a partir de três grandes temáticas: design, cultura e mobiliário com o objetivo
de mapear e classificar as obras de designers radicados no Brasil, que buscaram em
seus projetos de mobiliário, referências na cultura popular na construção de uma
identidade brasileira, através da representação de elementos peculiares na
configuração desses móveis. Os resultados evidenciam, através da comprovação
dessas obras classificadas que existem projetos de designers de móvel que utilizam
vertentes diferenciadas da cultura popular como um dos caminhos para construção
de uma brasilidade no design de mobiliário.
Palavra-chave: design, cultura popular, mobiliário.
ABSTRACT
Starting from the idea that the universe of furniture is the history of man‟s daily life,
his customs, his culture, his artistic gifts, integrating the material culture and the
memorial of a people‟s identities, this work is about author furniture in Brazil. starting
in 1950, focusing on the relationship established between Brazilian design, work and
popular culture. Guided by a methodology of inductive approach and a comparative
procedu-re method, the study is based on three main themes: design, culture and
furniture with the objective of ma-pping and classifying the works of designers based
in Brazil, who sought its furniture projects, references in popular culture in the
construction of a Brazilian iden-tity, through the representation of peculiar elements
in the configuration of these furniture. The results show, through the proof of these
classified works, that there are projects of mobile designers that use different as-
pects of popular culture as one of the ways to build a Brazilian style of furniture
design.
Keywords: design, popular culture, furniture.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Cadeira Balão 1 27
Figura 2 – Variedade de madeiras brasileiras 39
Figura 3 – Feira de Caruaru 1 41
Figura 4 – Feira de Caruaru 2 41
Figura 5 – Feira de Caruaru 3 42
Figura 6 – Fibras de ráfia trançadas 42
Figura 7 – Cestos indígenas de tucum 43
Figura 8 – Monumento de pedra sabão 43
Figura 9 – Panelas de pedra sabão 44
Figura 10 – Estampas de chita 44
Figura 11 – Lina Bo Bardi sentada na cadeira „beira da estrada‟ 46
Figura 12 – Artesanato indígena 48
Figura 13 – Cadeira Multidão 49
Figura 14 – Bonecas de pano Esperança 49
Figura 15 – Socorro da Conceição 51
Figura 16 – Banda de pífano na Feira de Caruaru 52
Figura 17 – Bandeira de Santo Antônio 53
Figura 18 – Balões juninos 53
Figura 19 – Poltrona Balão 2 53
Figura 20 – Poltrona Bonfim 54
Figura 21 – Frevo 56
Figura 22 – Xilogravura Severino Borges 57
Figura 23 – Feira de Caruaru 4 58
Figura 24 –Bonecos de pano e palha 58
Figura 25 – Tamboretes (bancos de madeira) feira de Caruaru 58
Figura 26 – Feira de Caruaru (bodes e utensílios de palha) 59
Figura 27 – Armário e luminária Caruaru 59
Figura 28 – Bonecas de pano, feira de Caruaru 61
Figura 29 – Cadeira Favela 62
Figura 30 – Calçadão de Copacabana 62
Figura 31 – Calçadão de Ipanema 63
Figura 32 – Cadeira Rio 63
Figura 33 – Lina Bo Bardi 64
Figura 34 –Protótipo de cadeira Bowl 65
Figura 35 – Desenhos originais de Lina Bo Bardi 66
Figura 36 – Cadeira Bowl 1951 66
Figura 37 –Instituto Lina Bo Bardi 67
Figura 38 – Marcelo Suzuki 67
Figura 39 – Francisco Fanucci (esq) e Marcelo Ferraz (dir). 68
Figura 40 – Cadeira e Mesa Girafa 69
Figura 41 – Cadeira Girafa 70
Figura 42 – Mesas Girafa empilhadas 70
Figura 43 – Banco Cachorrinho 71
Figura 44 – Bancos Caipiras 71
Figura 45 – Banquinhos Caipiras 72
Figura 46 – Caipira Sentado 72
Figura 47 – Banquinho de desenho anônimo 72
Figura 48 –Gravura de Jean Baptiste Debret de 1850 73
Figura 49 – Cadeira Frei Egídeo 74
Figura 50 – José Zanine Caldas 75
Figura 51 – Cadeira Namoradeira 77
Figura 52 – Banco Esculpido 78
Figura 53 – Cadeira Rede 78
Figura 54 – Sergio Rodrigues 79
Figura 55 – Banco Mocho 80
Figura 56 – Cadeira Mole 81
Figura 57 – Poltrona Kilin 82
Figura 58 – Cadeira Oscar 83
Figura 59 – Sergio Rodrigues sentado na cadeira chifruda 83
Figura 60 – Maurício Azeredo 84
Figura 61 – Banco Ressaquinha 86
Figura 62 – Detalhe da Cadeira Prosa 87
Figura 63 – Esquema de encaixe 87
Figura 64 – Detalhe da Mesa Babanlá 1990 88
Figura 65 – Mesa Babanlá 88
Figura 66 – Paulo Alves 89
Figura 67 – Buffet Cercadinho 90
Figura 68 – Buffet Gaimbê 91
Figura 69 – Detalhes Mesa Tato 91
Figura 70 – Detalhes da Cadeira Atibaia 92
Figura 71 – Bar Guaimbê 92
Figura 72 – Detalhe da Estante Floresta 93
Figura 73 – Estante Floresta de Victor Affaro 93
Figura 74 – Banco Pedra 1 lugar 94
Figura 75 – Banco Pedra 3 lugares 94
Figura 76 – Irmãos Campana 95
Figura 77 – Bonecas Esperança 96
Figura 78 – Cadeira Multidão 97
Figura 79 – Irmãos Campana e Seu Espedito 98
Figura 80 – Detalhes da peça 98
Figura 81 – Mesa de Centro Cangaço 99
Figura 82 – Oficina de seu Espedito 100
Figura 83 – Poltrona Cangaço 101
Figura 84 – Cadeira Cangaço 102
Figura 85 – Cadeira Favela 103
Figura 86 – Sergio J. Matos 104
Figura 87 – Cesto Caçuá em miniatura 106
Figura 88 – Cadeira Caçuá 106
Figura 89 – Cadeira Chita de frente 106
Figura 90 – Cadeira Chita de lado 107
Figura 91 – Poltrona Balão 107
Figura 92 – Hugo França 108
Figura 93 – Banco Mumbi 1 110
Figura 94 – Banco Mumbi 2 111
Figura 95 – Cadeira Caapora 1 111
Figura 96 – Cadeira Caapora 2 111
Figura 97 – Cadeira Caapora 3 112
Figura 98 – Cadeira Caitê 1 112
Figura 99 – Cadeira Caitê 2 113
Figura 100 – Cadeira Caitê 3 113
Figura 101 – Mesa de Café 113
Figura 102 – Cadeira Nimosi 114
Figura 103 – Poltrona Palafita 1 117
Figura 104 – Poltrona Palafita 2 117
Figura 105 – Palafitas – moradias comuns nas regiões ribeirinhas 118
Figura 106 – Cadeira Favela 118
Figura 107 – Mesa Lateral Camboge 119
Figura 108 – Vista superior da Mesa Camboge 119
Figura 109 – Aparador Babilônia 120
Figura 110 – Brunno Jahara 120
Figura 111 – Banco Muxarabie 121
Figura 112 – A casa de muxarabie, Diamantina, MG 121
Figura 113 – Sobrado Mouruci, Olinda 122
Figura 114 – Cadeiras de São Paulo (1982) 123
Figura 115 – Cadeira Frei Egídio (1986) 123
Figura 116 – Vista Teatro Gregório de Mattos 125
Figura 117 – Croqui de Lina Bo Bardi: estudo para uma exposição 125
Figura 118 – Cadeira Masp 7 de abril 126
Figura 119 – Cadeira Rio 127
Figura 120 – Designer Carlos Motta 128
Figura 121 – Poltrona Skate 128
Figura 122 – Zanini de Zanine 129
Figura 123 – Sofá Papelão 1 130
Figura 124 – Sofá Papelão 2 130
Figura 125 – Sofá Papelão 3 131
Figura 126 – Poltrona Bob 132
Figura 127 – Detalhe da Poltrona Bob 132
Figura 128 – Banquinho Cachorro 133
Figura 129 – Banco Pião 134
Figura 130 – Fernando Jaeguer 135
Figura 131 – Cadeira Tripé 1 135
Figura 132 – Cadeira Tripé 2 136
Figura 133 – Cadeira Cangaço (2015) 137
Figura 134 – Banco Canoa 1 137
Figura 135 – Banco Canoa 2 138
Figura 136 – Cadeira Rede 138
Figura 137 – Estantes Floresta 139
Figura 138 – Pedro Petry 140
Figura 139 – Banco Totens 141
Figura 140 – Banco Totem Gravata 141
Figura 141 – Banco Totem Base 141
Figura 142 – Cadeira Toboa 142
Figura 143 – Mesa Reinado e Congada 1 143
Figura 144 – Mesa Reinado e Congada 2 143
Figura 145 – Detalhe da Mesa Reinado e Congada 143
Figura 146 – Banco Maracatu 144
Figura 147 – Banco Afoxé 1 145
Figura 148 – Banco Afoxé 2 145
Figura 149 – Instrumento Abê dando ritmo ao carnaval pernambucano 146
Figura 150 – Balões e bandeiras juninas, São João de Caruaru 147
Figura 151 – Poltrona Balão 4 148
Figura 152 – Poltrona Balão 5 148
Figura 153 – Banco Bandeirola 1 149
Figura 154 – Mesa Lateral Bandeirola 149
Figura 155 – Banco Bandeirola 2 149
Figura 156 – Banco Bandeirola e Mesa Lateral Bandeirola 150
Figura 157 – Ivan Rezende 151
Figura 158 – Buffet Frevo 1 151
Figura 159 – Buffet Frevo 2 152
Figura 160 – Buffet Frevo 3 152
Figura 161 – Pufes Carambola 153
Figura 162 – Estante Floresta 154
Figura 163 – Cadeira Maroto 155
Figura 164 – Cadeira Cobra Coral 156
Figura 165 – Mesa Ouriço 157
Figura 166 – Júlia Krantz 158
Figura 167 – Banco Axixa 158
Figura 168 – Bar Guaimbe 159
Figura 169 – Banco Semente 159
Figura 170 – Bar Cadeira Quati 160
Figura 171 – Poltrona Pirarucu 1 160
Figura 172 – Poltrona Pirarucu 2 161
Figura 173 – banco Esculpido 162
Figura 174 – Poltrona Klin 162
Figura 175 – Cadeiras Stitches 163
Figura 176 – Poltrona Pirarucu 163
Figura 177 – Cadeira Bossa Palha 164
Figura 178 – Jader Almeida 165
Figura 179 – Cadeira Tiss (2013) 165
Figura 180 – Buffet Capacho 1 166
Figura 181 – Buffet Capacho 2 166
Figura 182 – Cadeira Guaraci 1 167
Figura 183 – Cadeira Guaraci 2 167
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 18
1.1. Objetivo geral 24
1.2. Objetivos específicos 24
1.3. Objeto de estudo 25
2. PERGUNTA DE PESQUISA 25
3. METODOLOGIA GERAL DO PROJETO 25
3.1. Método de abordagem indutiva 25
3.2. Método de procedimento comparativo 26
4. TIPO DE PESQUISA 27
5. PARTE 1 – BRASILIDADE NO MÓVEL 27
5.1. O sentido da construção de uma brasilidade no mobiliário
brasileiro 27
5.2. Design e cultura: o papel do design na construção da cultura
material 32
5.3. Elementos que caracterizam a cultura popular no design 36
5.3.1. Matérias primas 37
5.3.2. Cultura imaterial e material 45
5.4. Designers brasileiros que se utilizam de elementos da brasilidade 63
5.4.1. Lina Bo Bardi 64
5.4.2. Marcenaria Baraúna 67
5.4.3. José Zanine Caldas 75
5.4.4. Sergio Rodrigues 79
5.4.5. Maurício Azeredo 84
5.4.6. Paulo Alves 89
5.4.7. Irmãos Campana 95
5.4.8. Sergio J. Matos 104
5.4.9. Hugo França 108
6. O SINCRETISMO CULTURAL E A RIQUEZA MATERIAL
NATURAL INSPIRAM CRIATIVIDADE NO DESIGN BRASILEIRO 114
6.1. Quais são os critérios usados pelos designers de móveis
Brasileiros para a construção de uma identidade nacional? 115
6.2. Classificação das obras em categorias de elementos da cultura
popular 116
6.2.1. Elementos da arquitetura 116
6.2.2. Elementos da cultura urbana 122
6.2.3. Reinterpretação de objetos e coisas do cotidiano 133
6.2.4. Ritmos e festividades 142
6.2.5. Representação da fauna e flora brasileira 153
6.2.6. Materiais típicos da cultura brasileira 161
7. CONCLUSÃO 167
REFERÊNCIAS 169
18
1. INTRODUÇÃO
Iremos abordar neste trabalho a relação que permeia design e
cultura,fazendo-se necessário discutirmos de forma breve sobre conceitos de
cultura relacionados ao interesse desta pesquisa, ou seja, apenas conceitos que irão
permitir um melhor esclarecimento de uma temática tão complexa e polêmica que é
cultura. Assim como também, se faz necessário uma breve discussão sobre cultura
popular e identidade brasileira como ponto de partida para entendermos a relação
do design com a cultura material e com a construção de uma identidade brasileira no
mobiliário.
O conceito de cultura foi definido pela primeira vez por Edward Tylor (1832-
1917)no final do século XVIII e no começo do seguinte, apesar de já haver nos
séculos anteriores preocupações e ideias sobre esse assunto. Mas foi Tylor que
formalizou a síntese dos termos Kultur(germânico), utilizado para simbolizar todos os
aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra francesa Civilization
referia-se principalmente às realizações materiais de um povo para o termo culture
(inglês), que tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo o complexo que
inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra
capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.
Segundo Laraira (2007, p.25), com esta definição Tylor, abrangia em uma só palavra
todas as possibilidades de realização humana, além de marcar fortemente o caráter
de aprendizado da cultura em oposição à ideia de aquisição inata, transmitida por
mecanismos biológicos.
Mas os estudos acerca da cultura se intensificaram na busca de compreensão
na medida que se acelerava o contato entre os povos, nem sempre pacíficos, entre
povos e nações, onde sociedades iam desaparecendo ou perdendo suas
características originais em detrimento do contato com outras sociedades
dominantes e mais modernas e industriais.
Partindo desse contexto de poder de uma sociedade sobre a outra, o estudo
da cultura exige que consideremos a transformação constante por que passam as
sociedades, uma transformação de suas características e das relações entre
categorias, grupos e classes sociais no seu interior. Sendo assim, cultura é um
processo social da vida de uma sociedade, é uma construção histórica, como afirma
Santos (1997, p. 45), seja como concepção, seja como dimensão do processo
19
social. Portanto sendo processo não é estanque, nem estática. A cultura faz parte de
uma realidade onde a mudança é um aspecto fundamental. Assim como também,
não é um produto, com começo, meio e fim, com características definidas.
As ciências humanas e a antropologia social muito têm estudado sobre a
cultura e especialmente sobre a cultura popular, a fim de se chegar a um conceito
bem definido. Mas está longe de um consenso geral pelo fato de haver múltiplos
significados e esses serem heterogêneos e também, pelos mais variados eventos
que a cultura popular remete. Pois, ela, remete a um amplo leque de concepções e
pontos de vista diferentes que vão desde a questão da negação de que os fatos por
elas identificados contenham alguma forma de saber, até o fato de atribuir-lhes o
papel de resistência contra a dominação de classe.
Mas, a partir de que momento o conceito de cultura recebeu divisões?
Hierarquização de cultura superior ou inferior? De erudita ou popular?
Acreditamos,como afirma Santos (2012, p. 54) que: “ ... a partir de uma ideia de
refinamento pessoal, cultura se transformou na descrição das formas de
conhecimento dominantes nos Estados Nacionais que se formavam na Europa a
partir do fim da Idade Média”. Surge o que comumente se chama de cultura erudita –
um conhecimento erudito ao qual só tinham acesso setores das classes dominantes
desses países .Essas classes dominantes, consideravam o conhecimento possuído
pela maior parte da população, como um conhecimento inferior, superado e atrasado
que aos poucos passou também a ser chamado de cultura popular.
Ao longo da história a cultura dominante desenvolveu um universo de
legitimidade própria, expresso pela filosofia, pela ciência e pelo saber produzido e
controlado em instituições da sociedade nacional, tais como a universidade, as
academias, as ordens profissionais (de médicos, advogados, engenheiros e outras).
Segundo Santos (2012, p. 55): “Devido à própria natureza da sociedade de classes
em que vivemos, essas instituições estão fora do controle das classes dominadas”.
Então segundo esse autor, entende-se que cultura popular é tudo o que está fora
dessas instituições, que existe independente delas, mesmo sendo suas
contemporâneas, é o que faz parte dessa classe dominada.
Sendo importante ressaltar que é a própria elite cultural da sociedade,
participante de suas instituições dominantes, que desenvolve a concepção de
cultura popular. Chartier (1995, p.179) confirma: “ a cultura popular é uma categoria
20
erudita”. Apesar de ser destinada a circunscrever e descrever produções e condutas
situadas fora da cultura erudita...”.
Dessa forma, podemos perceber que é impossível se estabelecer uma
definição do que seria „cultura popular‟, afastada dessas relações de apropriações e
nessas relações há uma produção simbólica de interesse da classe dominante.
Quando entramos na possível compreensão do que seria a cultura brasileira e a
construção de uma identidade nacional brasileira, não poderíamo-nos, apartar da
questão histórica e política do país e de uma construção simbólica de uma
identidade nacional relacionada a uma reinterpretação do popular pelos grupos
sociais e à própria construção do Estado brasileiro.
No caso do Brasil, “onde a cultura brasileira foi formada como variante da
versão lusitana da tradição civilizatória europeia ocidental, diferenciada por coloridos
herdados dos índios americanos e dos negros africanos”, como justifica Ribeiro
(2015, p. 17). Dessa forma, não podemos afirmar que existe uma identidade
autêntica, mas uma pluralidade de identidades como completa Ortiz (1994, p. 8): “a
identidade nacional, está profundamente ligada a uma reinterpretação do popular
pelos grupos sociais e à própria construção do Estado brasileiro”.
Sendo essa nossa realidade histórica brasileira, onde não só encontramos
traços de heranças culturais de índios nativos, negros escravizados e brancos
europeus, mas de várias vertentes de imigrações que aqui se instalaram de forma
temporária ou permanente que tiveram a sua parcela de influência na formação de
uma identidade sincrética, formada da experiência do convívio com todos esses
povos, ou seja, o conceito de povo brasileiro, do conjunto brasileiro, será constituído
por este elemento popular da miscigenação cultural.
Porém, é importante ressaltar que não há a idéia de uma fusão de culturas
sem conflitos entre classes, ou seja, mesmo sabendo que uma cultura enriquece
outras, mas não deixando de elucidar que há resistência da cultura chamada de
“elite” em reconhecer a cultura popular como de igual valor a sua. Assim havendo ao
longo da história de países subdesenvolvidos (como é o caso do Brasil) uma
imposição da cultura de países colonizadores.
Essa realidade histórica do Brasil de importar cultura de outros países,
permaneceu ainda no seu processo de industrialização. Como um país de
21
industrialização tardia e por estar em processo de desenvolvimento recorreu à
prática de “copiar” ou ter como referência o conhecimento e a experiência de outros
países, principalmente dos europeus na projeção de seus produtos.
Essa prática, permitiu ao mesmo tempo, uma maior importância desses
produtos cumprirem com as necessidades de adaptação as condições e
características brasileiras, como também uma maior valorização da identidade
brasileira contida nos objetos artesanais ou populares que manifestavam ou
comunicavam um pouco da vida dos brasileiros aqui fabricados pela camada
popular. Como iremos ver neste trabalho os designers ou arquitetos que se
preocuparam em incluir na produção dos objetos e mobiliário brasileiros a cultura
popular, de projetar objetos e mobiliários agregando valor memorial da história do
povo brasileiro, do seu cotidiano.
A finalidade ou o sentido que determinados objetos possuem para
determinado povo e sua cultura é conhecida como cultura material e é através dela
que se ajuda a criar uma identidade comum. Pois, esses objetos fazem parte de um
legado de sociedades. O mobiliário sempre esteve ligado a historia das
civilizações e porque não dizer a dos seus costumes e hábitos: fazendo parte da
cultura material.
Assim, nossa investigação tem como estudo o mobiliário de designers a partir
de 1950 que utilizam de elementos da cultura popular nacional em seus projetos.
Tendo essa temática como investigação, organizamos esse trabalho em duas
etapas principais. A PARTE 1 – BRASILIDADE NO MÓVEL, iniciamos com o
capítulo 1.1:O sentido da construção de uma brasilidade no mobiliário brasileiro,
onde iremos procurar entender, de maneira breve: o que se costuma chamar de
“brasilidade” ; entendermos os conceitos que permeiam a prática do design aqui no
Brasil; o que influenciou ou influencia a prática do design, através de contextos
históricos e sociais.Procurando entender a relação design e cultura no capítulo 1.2,
através de uma breve reflexão sobre o papel do designer na construção da cultura
material. Assim, bem investigado todos esses conceitos e discussões sobre esses
temas, partiremos para o capítulo 5.3: Elementos que caracterizam a cultura popular
no design.Iremos nesse, fazer um apanhado genérico sobre os elementos que são
reconhecidos, esteticamente, como da cultura popular, separamos esses elementos
em matérias primas, destacando algumas matérias primas mais usadas ou
22
percebidas e cultura imaterial e material, onde iremos mencionar alguns conceitos
oficiais sobre patrimônio cultural imaterial e material para uma clara diferenciação
entre esses dois conceitos, mencionando alguns elementos da cultura imaterial e
material. Depois partimos para o último capítulo dessa parte que é o mapeamento
de designers que utilizam de elementos da cultura popular na configuração dos seus
móveis, discorrendo brevemente sobre a vida e obra de alguns designers que têm
representatividade na cultura material brasileira. Procurando nessa fase,
selecionarmos aqueles que mais se aproximam da cultura popular na configuração
de suas obras. Na PARTE 2 – O SINCRETISMO CULTURAL E A RIQUEZA
MATERIAL INSPIRAM CRIATIVIDADE NO DESIGN BRASILEIRO, nesse capítulo
iremos expor as características do Brasil, como um país de desigualdades, um país
de diversidades e sincretismo cultural, mas que esse proporciona, ao mesmo tempo
para o seu povo, o desenvolvimento da criatividade para enfrentar as dificuldades.
No capítulo2.1: Quais são os critérios usados pelos designers de móveis brasileiros
para construção de uma identidade nacional, iremos descrever o processo que
realizamos para a análise e criação das categorias à serem usadas na classificação
das obras, que é o próximo passo (capítulo 2. 2): Classificação das obras em
categorias de elementos da cultura popular, nesse, iremos realizar o nosso objetivo
geral, através do método comparativo, que é a análise e classificação das obras dos
designers,aqui salientamos que ao usarmos o termo „designers‟ não estamos nos
referindo exclusivamente ao profissional formado em design, mas aos autores de
móveis. Longe de ser uma amostragem geral de designers que utilizam elementos
da cultura popular em seus móveis, mas apenas aqueles que mais têm evidenciado
uma referência no cenário do design de mobiliário. Assim, nos fundamentamos no
método de abordagem indutiva.
Nessa pesquisa, não queremos criar determinismos de conceitos fechados,
numa classificação única, pois já sabemos da complexidade e diversidade em torno
do tema cultura popular brasileira. Assim, que fique claro, que esses elementos
categorizados são apenas evidências de caminhos tomados para construção de
uma identidade nacional, partida do reconhecimento de costumes, hábitos e
tradições do cotidiano do povo, contribuindo, assim para formação de uma cultura
material popular.
23
O Brasil como país pré-moderno que alcançou a condição pós-moderna, sem
passar por todas as fases da modernidade, vem percorrendo um longo caminho
para alcançar a sua independência, não só política e econômica, mas, também
cultural.
Portanto, podemos acordar com Branzi (MORAES, 2005, p.10 -11) que a
história do design no Brasil não é a historia de uma cultura espontânea, ela é, ao
contrário, a história de uma cultura importada, mas que busca ao longo do tempo, a
sua cultura autóctone. Como Ono (2006, p.89) elucida que se percebeu que o
conceito de diversidade cultural e sua relação com o design vão além das fronteiras
nacionais, pois um único país, como no caso do Brasil, não há homogeneidade nas
diferentes regiões e realidades sociais e culturais - já a cultura, ao contrário, é plural,
heterogênea e dinâmica. Assim ao tentar criar um design nacional – homogêneo, no
âmbito nacional, esse não viria a atender a totalidade de usuários do país.
Assim como também, as tentativas de definição de uma identidade de design
“nacional” no Brasil, podem resultar na “invenção de tradições”1, na folclorização de
artefatos, e na materialização de estereótipos de algumas das características
culturais de seu povo, “ perdendo-se com isso, as verdadeiras raízes culturais – o
respeito aos valores culturais fundamentais como contribuição da historia desse
povo no mundo”(ONO, 2006, p. 89.).
Onde Lina Bo Bardi já havia alertado para a necessidade de se buscarem as
verdadeiras culturas de um povo, na participação ativa do povo; “... povo que
inventa, que traz uma contribuição...”, na sua urgência de não poder esperar, ou
seja, na necessidade de sua sobrevivência, na necessidade do improviso, que surge
criações que para ela: “é a base do real trabalho do artista brasileiro, que não
precisa de estímulos artificiais, uma fartura cultural ao alcance das mãos, uma
riqueza antropológica única...”.
Em suma, salientamos que nosso trabalho tem o caráter de ampliar o olhar
para o papel do móvel como contribuição da cultura material, através desse olhar
mais apurado do que nos rodeia,da cultura popular que nos cerca e que não
1 Termo usado por Eric Hobsbawn (2008, p.9) “Tradição inventada” entende-se um conjunto
de práticas normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas;tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam incubar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado.
24
estamos habituados a perceber a sua grandeza, como Lina Bo Bardi alertou, não
precisamos ir longe ou procurar a nossa história em grandes coisas, se o dia a dia
do nosso povo, reflete uma realidade criativa e cheia de arte. Não queremos com
isso, enfatizar a cultura popular como sendo, único caminho para construção de uma
identidade brasileira. Mas, um caminho que encontra disponibilidades de elementos
naturais e espontâneos na sua realidade criada, não inventada.
Tendo em vista a pluralidade e a dinâmica das sociedades e seus indivíduos
demanda um conceito também plural e dinâmico de identidade no design. Porém, a
tradição possibilita uma pluralidade de interpretações e assume diferentes
significados, de acordo com os diversos contextos. Deste modo, a natureza
dinâmica e plural das tradições que se desenvolvem a partir das raízes da formação
do Brasil, assumiu ao longo do tempo distintas materializações, significados e
vivências.
São esses elementos culturais que iremos destrinchá-los aqui nesse trabalho
relacionando-os ao design de móvel a partir da década de 50, como forma de
adicionar a esses um caráter maior na representação da cultura material brasileira.
Como também, a inserção de elementos da cultura popular no móvel expande a
gama de soluções em design e customização de produtos. Sendo, este um recurso
muito utilizado nos países onde os designers e a indústria estão mais abertos à
experimentação.
1.1 Objetivo geral
Classificar diversas referências estéticas projetuais dos designers brasileiros
que se utilizam da cultura popular na configuração de seus móveis.
1.2 Objetivos específicos
1- Discutir o papel do designer na construção da cultura material;
2- Mapear os designers brasileiros que se utilizam de elementos da cultura popular
brasileira na configuração de seus móveis;
3- Identificar elementos da cultura popular nos móveis de designers brasileiros;
4- Definir categorias para classificação dos móveis inspirados em referências
estéticas da cultura popular brasileira.
25
1.3. Objeto de estudo
O mobiliário de designers brasileiros a partir de 1950 que utilizaram
elementos da cultura popular nacional em seus projetos
2. PERGUNTA DA PESQUISA
Quais são os critérios usados pelos designers de móveis brasileiros que
buscam na representação da cultura popular, a construção de uma identidade
nacional dentro do design de mobiliário brasileiro?
3. METODOLOGIA GERAL DO PROJETO
Todo conhecimento científico se fundamenta em métodos, ou seja, se
apropria de um conjunto coerente de procedimentos racionais ou prático-racionais
que orienta o pensamento ou a investigação para serem alcançados conhecimentos
válidos e verdadeiros.
Assim, este trabalho obedece a métodos preestabelecidos, que determinam,
no processo de investigação e análise, a aplicação de normas e técnicas, em etapas
claramente definidas. Métodos estes, descritos abaixo.
3.1. Método de abordagem indutiva
Conforme Lakatos e Marconi (2011. P.53): “A indução é um processo mental
por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados,
infere-se uma verdade geral ou universal, não contidas nas partes examinadas”.
Tendo em vista, que o presente trabalho tem como foco a observação, análise e
classificação de projetos de designers de móveis brasileiros, dentro de um contexto
da cultura popular, adotamos o argumento indutivo para uma melhor conclusão de
informações particulares, específicas para uma geral, concisa e clara.
Como melhor se chegar num conhecimento geral a partir de conhecimentos
específicos? Lakatos e Marconi (2011, p.54) orienta que é necessário considerar
três elementos fundamentais para toda indução, isto é, a indução realiza-se em três
etapas (fases):
a) Observação dos fenômenos – nesta etapa, observamos os fatos ou
fenômenos e os analisamos, com a finalidade de descobrir as causas de
sua manifestação. Nesta etapa, este trabalho teve o objetivo de analisar
características das práticas profissionais de cada autor de móvel que
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remete a cultura popular para encontrar a causa que justifica a busca
destes de uma identidade nacional brasileira, de um sentimento de
“brasilidade” e ao mesmo tempo plural e diverso dentro das características
da cultura popular brasileira;
b) Descoberta da relação entre eles- na segunda etapa, procuramos, por
intermédio da comparação, aproximar os fatos ou fenômenos, com a
finalidade de descobrir a relação constante existente entre eles. Nesta
etapa, este trabalho tem o objetivo de observar os elementos que
caracterizam os móveis de autor em cultura popular brasileira,
comparando-os entre si e analisando o que tem em comum e o que não
tem;
c) Generalização da relação – nessa última etapa, generalizamos a relação
encontrada na precedente, entre os fenômenos e fatos semelhantes,
muitos dos quais ainda não observamos (e muitos, inclusive,
inobserváveis). Nesta última etapa, este trabalho fará uma classificação
dos móveis de autor em categorias, fruto da generalização da relação
observada na etapa anterior.
É importante salientar que, a indução usada neste trabalho, é do tipo
incompleta ou científica, já que não foram observados, analisados e comparados
todos os autores de móveis ou todos os móveis que remetem a cultura popular,
sendo fundamentada a partir de 5 casos ou 5 autores de móveis e observado,
analisado e classificado um ou mais projetos ou móveis destes.
3.2. Método de procedimento comparativo
Para fase ou etapa de análise e classificação deste trabalho faz-se necessário
o uso do método comparativo, “ Empregado por Tylor2 considerando que o estudo
das semelhanças e diferenças entre diversos tipos de grupos, sociedades ou povos
contribui para uma melhor compreensão do comportamento humano, esse método
realiza comparações com a finalidade de verificar similitudes e explicar divergências.
( Marconi e Lakatos, p.89, 2010)
2Edward Burnett Tylor foi um antropólogo britânico. Tylor é considerado um representante do
evolucionismo social. Em seus trabalhos Cultura primitiva e Antropologia, ele definiu o contexto do estudo científico da antropologia, baseado nas teorias uniformitárias de Charles Lyel.
27
4. TIPO DE PESQUISA
Segundo Campo de atuação básico, este trabalho foi orientado sobre
pesquisa teórica, básica ou fundamental, com o intuito de gerar resultados
através de uma pesquisa teórico-reflexiva, fundamentada em uma pesquisa
bibliográfica. Na pesquisa descritiva, segundo procedimentos empregados,
adotamos a pesquisa analítica com resultados objetivos de estudo descritivo.
Segundo setores de conhecimento envolvidos, este trabalho abrange a
interdisciplinaridade de conhecimentos, com natureza dos dados, subjetiva e foco de
pesquisa qualitativa. E segundo o grau de generalização dos resultados, este
trabalho foi orientado pela pesquisa quantitativa.
5. PARTE 1 – BRASILIDADE NO MÓVEL
Figura 1 – Cadeira Balão 1
marcheartdevie.com.br
[...], hoje, o maior problema para o design brasileiro é libertar- se de uma vez por todas do complexo de inferioridade que os velhos racionalistas europeus lhe transmitiram, através de um modelo errôneo de desenvolvimento dentro da modernidade e da ordem. Os designers brasileiros devem adquirir consciência de si mesmos como portadores de uma realidade criativa de todo autônoma e original, por meio da qual os velhos defeitos possam se tornar extraordinárias oportunidades. Eles devem considerar que o mundo se assemelha cada vez mais ao Brasil, e não vice-versa. Andrea Branzi (Prefácio do livro “Análise do design brasileiro – entre mimese e mestiçagem de Dijon De Moraes).
5.1. O sentido da construção de uma brasilidade no mobiliário
brasileiro
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O termo “brasilidade” é tão antigo quanto o Brasil, porém, no campo do
design, tem sido mais usado recentemente pela necessidade de se definir uma
identidade nacional. No entanto, como afirma Grilli (2015, p.12) “o design “brasilis” é
tão complexo quanto a própria definição de brasilidade”.
Também, conforme Grilli (2015, p 13) :
Brasilidade é uma qualidade peculiar de quem nasce no Brasil. É a imagem que reflete nossa realidade densa e múltipla, o modo como nos relacionamos com outras pessoas, com a natureza, com os fenômenos sociais. Brasilidade é também um conjunto de características distintas de nossa cultura e de nosso território – tais características estão associadas ao significado mental que provocam, de caráter racional, emocional e sensorial.
Assim sendo, podemos nos questionar sobre qual a necessidade da
construção de uma brasilidade ou de uma identidade brasileira no design e
especialmente no design de móvel? Começaremos por compreender um pouco o
processo de institucionalização do design no Brasil, as várias influências que o
design no país recebeu de fora e a necessidade dos designers brasileiros de se
libertarem desse ensino formal elitizado, copiado da Europa e construir uma
identidade nacional no design que correspondesse mais com a sua realidade
multicultural e multiracial.
Na década de 50 no Brasil, surgiu uma consciência crítica quanto á
necessidade de cursos superiores ligados a um contexto industrial. Necessidade
esta, talvez, proveniente de grandes mudanças no desenvolvimento da indústria
brasileira. Houve um grande desenvolvimento das indústrias de gêneros derivados
do petróleo como a borracha sintética, tintas, plásticos, fertilizantes, etc, após a
criação da Petrobras em 1953 e durante o governo de Juscelino Kubitschek, 1956-
1960 com abertura da economia para o capital internacional, atraindo multinacionais
para o país.
Surgindo nessa década cursos universitários, associações profissionais e a
multiplicação dos escritórios especializados, expandindo cada vez mais, suas áreas
de atuações.Surge o Instituto de Arte Contemporânea do MASP (IAC) concebido
pelo arquiteto suíço Jacob Ruchti, Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi em 1950, o
Instituto de Arte Contemporânea funcionou de março de 1951 até o fim de 1953, nas
instalações do Museu de Arte de São Paulo e segundo Stolarski (MELO, 2008, p.
220) “Foi uma das primeiras instalações a oferecer uma disciplina de desenho
industrial no país”. Mas, ele esclarece:
29
Apesar que, o Instituto Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro em 1859, já tinha iniciado um curso denominado „Desenho Industrial‟, onde funcionava uma classe noturna para artistas que desejavam aprofundar-se na elaboração de desenhos técnicos para produção industrial. Porém, o IAC foi o primeiro a oferecer o mesmo curso de forma bem mais abrangentes. (ANASTASSAKIS, 2014, p.106).
O IAC chegou a durar, apenas 3 anos com a ajuda de um convênio com a
Prefeitura de São Paulo. Por falta de recursos e por falta de reconhecimento dos
industriais de inserir os egressos, terminou fechando. Nessa época houve um
grande descaso pelo design nacional como afirma Acayaba ( ANASTASSAKIS,
2014, 110). Onde o objetivo do IAC de formar profissionais capazes de criar uma
linguagem brasileira em produtos foi frustrada pela falta de absorção do mercado a
esses profissionais. Permanecendo a valorização do que vinha de fora, onde foram
adquiridas e desejáveis as patentes de produtos internacionais. Com essa
frustração, os designers formados pelo curso do MASP tenderam a um envolvimento
maior com as artes plásticas e com a comunicação visual.
Pietro Maria Bardi justifica assim o fechamento do instituto:
“Achamos oportuno lembrar que já em 1950 o Museu de Arte de São Paulo desenvolvia uma ação de ensino, ao abrir a primeira escola de desenho Industrial, dirigida por Lina Bo Bardi. ... Todos os esforços e meios foram empregados na década de [19]50, contando-se com professores como Lina Bo Bardi, Lasar Segall, Roberto Sambonet, Jacob Ruchti, Gregori Warchavchik, Mecozzi e outros, organizando até uma exposição do então mestre do setor, o suíço Max Bill. Apesar dos esforços não foi possível motivar a classe industrial para uma participação mais ativa. ... Eram tempos em que a importação de coisas e de mentalidades do exterior ainda predominava e liquidava no nascedouro quaisquer tentativas.” (1982, p.13, apud ANASTASSAKIS 2014, p.111).
Acayaba (1994, p.38) afirma que, mais do que tudo, o IAC “contribuiu para
estruturar as bases da atividade do design no Brasil” (Apud ANASTASSAKIS, 2004,
p.111).
Em 1953, o arquiteto e designer suíço Max Bill veio ao Brasil, convidado pelo
governo brasileiro para realizar uma série de palestras em São Paulo e no Rio de
janeiro, onde na estadia brasileira, Bill comunicou a formação da escola de Ulm ,
escola essa que seria baseada no conceito da Bauhaus e que em encontro com
Pietro Maria Bardi, solicitou a recomendação de um aluno com experiência
profissional e com limite de idade até 25 anos para escola, Bardi recomenda
Alexandre Wollner, design visual ( termo usado na década de 40-50), o qual assumiu
o curso.
30
Não só o design visual influenciou na formação do design brasileiro, mas a
arquitetura, principalmente no início da sua formação. Aqui no Brasil, Max Bill
proferiu críticas à arquitetura brasileira, mais precisamente, as obras de Oscar
Niemeyer, considerando-as um barroquismo excessivo e de forte influência de Le
Corbusier na arquitetura moderna. Já Lúcio Costa defende que o „barroquismo‟
atribuído a Niemeyer vem da legítima e pura filiação nativa de sermos descendentes
de fabricantes de igrejas barrocas.
O italiano Andrea Branzi no prefácio titulado: “O Brasil como modelo do
mundo” do livro de Dijon de Moraes, Análise do design brasileiro entre mimese e
mestiçagem, enfatiza a crítica à influência barroca dos portugueses como
supremacia aos modelos arquitetônicos do Brasil em relação as antigas vilas do
negros, relação essa de poder dos primeiros sobre os segundo, quando afirma:
Os antigos monumentos dos índios se tornaram arqueologia antes mesmo da morte desta civilização que ali se expressou, e aquilo que remanesceu daquela sociedade se dispersou nas vilas de cabanas improvisadas nas planícies das florestas. Por sua vez, os negros, raptados como escravos na África, não puderam mais construir os seus modelos de vilas e, portanto, suas arquiteturas originais. Assim os únicos monumentos históricos da arquitetura brasileira são as construções barrocas do poder português, as igrejas, os prédios de uma burguesia nascida fora e desejosa de retornar apenas tivesse se enriquecido” (MORAES, 2005, p.9-10).
Branzi, não faz com essas palavras uma crítica a qualidade da arquitetura,
nem as formas da arquitetura, mas à questão histórica, dos monumentos de
arquitetura parecerem conter mais presença literária e narrativa da história de outros
povos que testemunho da história construtiva do Brasil. Ela diz que a arquitetura
brasileira teve origem no barroco português mestiço de Antônio Francisco Lisboa, o
Aleijadinho, que existe o início de uma tradição brasileira „autóctone‟, mas que na
realidade opera pela adição e deformação de outras culturas importadas. Valendo-
se dessa prática não só o Aleijadinho, como, também, Oscar Niemeyer.
E amplia essa crítica para a história do design no Brasil como não sendo a
história de uma cultura espontânea, mas a história de uma cultura importada, na
qual, afirma ela no mesmo prefácio mencionado, “A história de uma cultura
importada, na qual, no entanto, se foi inserindo, ao longo dos anos [...]”( MORAES,
2005, p.10-11).
Passados mais de 50 anos, desde a institucionalização do design no Brasil, e
ainda não temos um movimento ou corrente que tenha propiciado o surgimento de
31
uma linguagem que seja propriamente brasileira, ainda existe fragilidade de firmação
desta, como afirma Moraes,
Partindo do discreto resultado da localização evolutiva proveniente da relação entre o local e os modelos do exterior, no âmbito do design no Brasil, podemos conjecturar, entre outras hipóteses, a explicação do atraso da inserção, de forma determinante, dos ícones culturais locais no design brasileiro. (MORAES, 2005, p. 58).
Não por falta de pioneiros na história da formação do design brasileiro que
viessem a influenciar um design brasileiro mais autônomo quanto a influências
externas, mas iremos mencionar nesse momento, apenas dois protagonistas que
enfrentaram a inserção da cultura local e popular no design nacional: Aloísio
Magalhães no âmbito gráfico e Lina Bo Bardi no design de produto. Aloísio
Magalhães era um personagem com visão de empreendimento, dinâmico e
moderno, que procurava inserir a memória do homem brasileiro no centro de seus
trabalhos, Magalhães criou o Centro Nacional de Referência Cultural – CNRC. Lina
Bo Bardi, com toda sua pesquisa dedicada à arte popular, procurava encontrar uma
via de meio entre o artesanato e a produção em série no Brasil. Lina considerava a
cultura popular um claro sinal de consciência da realidade brasileira. Mas é verdade
também como afirma Moraes (2005, p. 59) que:
“Nem um dos dois modelos promovidos por Magalhães e Bo Bardi foram disseminados de maneira sistemática no âmbito do ensino de design no Brasil, ao ponto de tornarem-se reconhecíveis como possíveis referências e como símbolo de uma escola de design local”.
Pois, como observa este autor não houve projetos, nesta época, que
tomassem como referência as características e diversidades regionais.
Predominando no Brasil, o modelo racional-funcionalista como modelo único e de
base para a instituição do design em praticamente todo o país”. (MORAES, 2005, p.
63).
De acordo com Andrea Branzi:
“O erro típico que é cometido neste caso em países como o Brasil é crer que possa existir uma solução unitária quando o sincretismo é a religião natural do país [...] Esta impostação foi adotada como uma estratégia feita para guiar o Brasil fora do grupo dos subdesenvolvidos, para propiciar modernidade e unidade a um país que é destinado a viver em uma pós-modernidade de fato” .(MORAES, 2005, p.64).
Moraes dá destaque na análise sobre o fenômeno funcionalista na realidade
do design brasileiro, que desponta um outro elemento bastante importante que é a
frágil presença ou quase negação do espírito lúdico, carnavalesco e festivo local, da
32
ingenuidade e utopia, do sacro e do profano existentes como fortes características
da cultura brasileira. No entendimento que as idéias funcionalistas são incompatíveis
com as imperfeições e realidade brasileira.
Souza Leite, discorre outra crítica aos parâmetros sobre os quais se moldou o
ensino de design na ESDI:
“Desde a criação da ESDI em 1963, pretendeu constituir-se como a escola de design moderno no país, não uma escola de design em sentido amplo. Ao fixar essa pretensão como objetivo, sua opção pela universalidade da linguagem formal e pela adoção do cientificismo reinante em Ulm impediu um olhar mais atento às circunstâncias precisas do país onde fora instalada. Bolas para o contexto, vamos fazer para o Brasil o design moderno: parece ter sido este o lema” (ANASTASSAKIS, 2014, p. 140).
Sobre essa questão, cita Darcy Ribeiro e Renato Ortiz, que teriam debatido a
questão da “ absorção de idéias estrangeiras e o valor de uma idéia própria e
nacional”. Segundo Moraes (2005, p. 43) para Darcy Ribeiro, “ a Semana de 1922
seria uma reação dos artistas a uma forte presença estrangeira na cena artística
paulista”.
Morares (2005, p. 165) aponta para:
“a importância de se observar o reconhecimento de um cenário híbrido e plural, que em muito se aproxima dos ideais da cultura pós-moderna, de um modelo pós-industrial, que seguem em sintonia com o modelo de globalização, e de um design múltiplo como modelo possível. O abrangente fenômeno da pós-modernidade propôs rever todos os conceitos inerentes à condição moderna, do território urbano à arquitetura, abrange de igual forma os artefatos da produção industrial, sempre colocando em evidência a heterogeneidade, o pluralismo e o multiculturalismo”.
O design brasileiro na sua condição de participação de uma “segunda
modernidade” , expressão usada por Moraes, referindo a uma modernidade tardia
do Brasil e tendo a diversidade étnica e cultural, considerada por estudiosos do
assunto um dos pilares da brasilidade, tem como uma fonte quase inesgotável de
inspiração para conceituar projetos de design, assim como a biodiversidade ( que
reúne as riquezas naturais já reveladas e as inúmeras ainda por ser descobertas),
os regionalismos e o jeito simples de viver do brasileiro. Estes e outros signos
podem e devem servir de elementos de inspiração para o design de artigos para o
lar, como móveis, superfícies, iluminação, utilidades domésticas, entre outros. Grilli
(2015, p. 14) afirma:
“A valorização do Brasil como potência emergente no cenário econômico mundial é um fator relativamente novo, que vem sendo assimilado pela indústria nacional e aproveitado na fabricação de produtos com forte identidade e alta capacidade competitiva”.
33
5.2. Design e cultura: o papel do design na construção da cultura
material
O ser humano, por meio da fundamental atividade criadora e produtiva que
constitui o trabalho, tem modificado continuamente a natureza, não se conformando
simplesmente em adaptar-se à mesma. Neste processo, paralelamente à produção
de bens materiais, desenvolvem-se a cultura espiritual, as capacidades e os
conhecimentos, que por sua vez, resultam em novos produtos materiais,
estabelecendo-se um complexo de inter-relações e interdependências.
E o designer é peça fundamental nesse processo complexo de inter-relação
entre produto e cultura, como afirma Bonsiepe (1988, p.57): “o design é
simultaneamente sujeito e objeto da dinâmica cultural. Ele influência a cultura
material e é influenciado por ela”. Já sabemos que um produto não só tem a sua
funcionalidade técnica e prática, mas também, estética e simbólica; e que esta
deriva dos aspectos daquela, manifestando por meio dos elementos estéticos, como
forma, cor, tratamento de superfície, materiais empregados etc. , fazendo
associações de idéias com outros contextos da vida. Pois, como conceitua Lobach
(2011, p. 64): “Um objeto tem função simbólica quando a espiritualidade do homem
é estimulada pela percepção deste objeto, ao estabelecer ligações com suas
experiências e sensações anteriores”. E ele acrescenta, esclarecendo que a função
simbólica dos objetos não só é determinada por todos os aspectos espirituais, mas
também, psíquicos e sociais de uso.
Um símbolo é um sinal, um signo que existe para algo, como afirma Lobach
(loc cit.). Então, partindo dessa associações de idéias, podemos afirmar que na sua
função simbólica, todo objeto é um signo cultural e faz parte de contextos. Onde Ono
(2006, p. 46) chama a atenção para a atuação paradoxal do designer:
“Por um lado, ele cria signos, e, por outro, reproduz signos de uma sociedade, dentro de um determinado contexto. Assim, mesmo levando-se em conta todos os aspectos racionais de um objeto (econômicos e técnicos, por exemplo), restam sempre aspectos subjetivos, que ultrapassam a sua objetividade funcional”.
Trazendo essa discussão para a cultura popular brasileira, para a diversidade
cultural brasileira e para o questionamento de qual é o papel do designer, qual a
participação desse no desenvolvimento da cultura material, compreendemos que
esse, influencia a composição do universo simbólico e o modo de viver e se
34
relacionar das pessoas nas sociedades. Mas nos deparamos com uma discussão
bem complexa quando se trata do designer brasileiro, o qual possui um ideal
pluralista, de muitos desafios, pelo fato de se desenvolver numa sociedade cujos
maiores desafios foram e ainda são gerados pela também complexidade de
decodificação da grande diversidade existente internamente.
Há uma relação dinâmica entre os objetos e a sociedade, onde esses se
moldam e se influenciam entre si no processo de construção material e simbólica do
mundo. Dessa forma, o designer como um dos mediadores desse processo,
necessita conjugar a sua atitude criativa na complexa teia de funções e significados,
na qual as percepções, ações e relações se entrelaçam, buscando a adequação dos
artefatos às necessidades e anseios das pessoas e a melhoria da qualidade de vida
da sociedade. Portanto, como afirma Ono (2006, p. 47): “ O designer não pode se
omitir, em relação à natureza fetichista de sua atividade profissional, a qual não deve
estar atrelada ao consumismo e à mercê das forças de um mercado alheio ao
processo histórico, social e cultural da sociedade”.
Quando Ono fala da natureza fetichista da atividade profissional do design,
acreditamos que ela se refere ao termo „Fetichismo dos objetos‟ , termo utilizado por
Rafael Cardoso Denis em seu artigo: “Design, cultura material e o fetichismo dos
objetos”, onde ele esclarece que não é a sua intenção de usar o termo com
conotações pejorativas, nem de ser entendido como uma censura implícita ao
campo e muito menos como proposta de desmoralizar os designers ou inferiorizar as
suas atuações profissionais, mas sim, de: “ chegar a uma conceituação nova da
natureza essencial do design que possibilite compreender a sua profunda relevância
para época em que vivemos” (Denis, p.17, 1998). Sua preocupação maior com essa
discussão é de alertar para o papel do design na construção da cultura material,
afirmando que:
“Acredito que, diante da erosão dos valores formativos do Modernismo, os
próprios profissionais do campo vêm perdendo o senso da alta importância histórica
do design na sociedade industrial, processo que pode e deve ser combatido”. (loc
cit.).
Para iniciarmos uma discussão acerca da cultura material, segundo Denis,
faz-se necessário usarmos de forma mais correta a palavra „artefato‟ que „objeto‟, já
que aquela se refere especificamente aos objetos produzidos pelo trabalho humano,
35
e esse aos objetos naturais e acidentais. Partindo dos objetos individuais para o
conjunto de artefatos produzidos ou usados por um determinado grupo ou
determinada sociedade, de forma generalizada, chegaremos ao termo „cultura
material‟ que segundo ele: tem sua origem na etnologia e no estudo dos artefatos de
povos considerados „primitivos‟ pelos seus colonizadores europeus”. (Ibid, p.19).
Conceito esse, muito ultrapassado para os dias de hoje, onde se ganhou uma
dimensão bem mais ampla que ele afirma:
“podemos falar da cultura material da nossa própria sociedade como uma maneira de entender melhor os artefatos que produzimos e consumimos, bem como a maneira em que estes se encaixam em sistemas simbólicos e ideológicos mais amplos”. (Ibid, p. 19-20).
Devemos, ressaltar que ao falarmos em „cultura material‟ como a idéia de
decifrar os sentidos da cultura de um povo ou de uma época através do estudo
sistemático da sua produção material, estamos herdando um significado que foi
dado desde às grandes descobertas da arqueologia no final do século XVIII e das
transformações da história da arte, onde os estudiosos da época não consideravam
os objetos da sua análise como “cultura material”, mas como “antiga arte” ou
“antiguidades”, há diferença pois, na tradição ocidental o termo „arte‟ tem um valor
transcendente ao objeto. O termo cultura material passou a ser usado no século XIX,
ou seja, numa época onde as culturas eram “tachadas”, segundo Denis, de
primitivas e também esse termo era usado se referindo aos artefatos produzidos
pelos outros, não era usado para os objetos produzidos pela própria cultura
europeia, os quais se encaixavam em outras categorias mais nobres como
artesanato, artes, maquinaria, tecnologia, arquitetura. A expressão „cultura material‟,
segundo Denis (Ibid, p.21), “ era reservada para uma classe de objetos indignos
mesmo de inserção no universo capitalista de compra e venda, cujo único valor para
a sociedade moderna era o de curiosidade ou de objeto de estudo antropológico”.
Deixamos a discussão de artefato e voltamos a consideramos o estudo dos
objetos, pelo fato de haver uma certa carência intelectual de discussão sobre os
artefatos e mais pela questão de interesse de ampliarmos o conceito de cultura
material no sentido de abranger todas as sociedades: passadas, presentes e futuras,
segundo o interesse dessa pesquisa. E se a sociedade moderna se configura mais
do que nunca como um questionamento de interesse que é onde o design se
encontra em tudo isso? O que ele representa ou qual a sua importância?
36
E Denis (Ibid, p. 22) ajuda a responder, afirmando que: “ O design constitui,
grosso modo, a fonte mais importante da maior parte da cultura material de uma
sociedade que, mais do que qualquer outra sociedade que já existiu, pauta a sua
identidade cultural na abundância material que tem conseguido gerar”. Mas, por que
se tem discutido tão pouco o seu papel e o papel profundamente integrado do
artefato na constituição da cultura? Principalmente no contexto em que vivemos
atualmente, em que a tecnologia se destaca no campo da pesquisa e do
desenvolvimento de produtos, bem como nas relações sociais, econômicas e
políticas, onde novos modos de comunicação têm emergido entre os usuários e os
artefatos, sendo essencial como afirma Ono (2006, p. 100):
“a sintonia entre cultura e a técnica, com vistas a promover o bem-estar na vida das pessoas e conduzir o homem à sabedoria, à emancipação, à harmonia social e dele consigo mesmo. Este deve ser, afinal, o principal foco de design de produtos para a sociedade”.
Diante dessa importante relação cultura-artefato-designer, entendemos que é
necessário uma reflexão contínua sobre o papel do design na construção da cultura
material e suas implicações na sociedade como esclarece Ono (loc cit.):
“implicações no meio ambiente, na economia e, fundamentalmente, na vida de cada
individuo e da sociedade, com as relações simbólicas e realidades estabelecidas por
meio dos artefatos desenvolvidos”.
O designer, ainda, no seu papel de influente da cultura material deve ter
cuidado para não mascarar a natureza plural e variável dos indivíduos com
estereótipos e identidades emprestadas ou inventadas, desconstruindo e
reinterpretando significados, pois o designer tem o poder de criar novas referencias
e realidades.
5.3. Elementos que caracterizam a cultura popular no design
Há uma variedade de símbolos da brasilidade, distribuídos entre várias
culturas e uma grande biodiversidade. Nas palavras de Grilli (2015, p. 32): “ Como
se fosse um perfume que reúne notas variadas, o design brasileiro conta com um
vasto arsenal de elementos prontos para serem combinados”, reunindo não só
recursos materiais, mas imateriais. E ela completa: “Se os nossos valores deste
século são imateriais, a brasilidade pode ser expressa pelo jeito alegre, pela
elegância e pela exuberância do nosso povo”.
37
Mas imprimir brasilidade no design é uma tarefa complexa, pois para utilizar
símbolos que represente essa como meio de diferenciação de produto, deve antes
de tudo, como afirma Grilli (loc. cit): “identificar um elemento ou um conjunto de
elementos compatíveis entre si do DNA brasileiro e trabalhar com visão estratégica,
com foco na conceituação do projeto e no objetivo desejado”. Investigar os recursos
materiais e imateriais à disposição do designer é uma das chaves para atingir o
conceito do projeto. Cultura e informação são fundamentais, enquanto a observação
daquilo que só existe no Brasil, é um exercício importante para que o designer
construa o seu repertório e explore os símbolos da brasilidade em projetos originais
e inovadores.
A biodiversidade do país é um dos mais ricos símbolos da brasilidade, com
uma exuberância de cores, textura, sabores e formas nas sementes, folhas, frutos,
troncos e fibras. E nos animais com texturas e superfícies diversas, encontradas em
suas peles, como por exemplo, o couro proveniente do boi, onças, peixes, cobras e
outros répteis. Podendo ser representados com seus produtos, naturalmente na
matéria prima, no caso do couro e das fibras, ou representados pela cor, textura,
superfície e formas, simbolicamente. Fibras de milho, coqueiro, sisal, cipó, babaçu,
bananeira, taboca e taboa proporcionam ao artesão e ao designer uma infinidade de
possibilidades de criação e transformação em produtos, como tapetes, cadeiras,
almofadas e pufes e como detalhes em móveis com tramados de diferentes cores e
texturas.
A exploração de elementos da biodiversidade brasileira é um recurso
poderoso para conceituar projetos e diferenciar o design brasileiro. Recurso que não
só pode agregar valor cultural e histórico, mas também, proporcionar ao design
brasileiro destaque no cenário mundial, onde prevalece produtos com alto teor
tecnológico, e onde o Brasil, como país emergente, tem possibilidades de
desvantagem na concorrência.
5.3.1. Matérias primas
A madeira é uma das matéria prima mais usadas no design de mobiliário
brasileiro, fazendo parte não só da história do mobiliário, como também da cultura
brasileira, da história do Brasil: da abundância do pau-brasil desde os primórdios
deste país. A importância do pau-brasil remota do sistema mercantilista da época
colonial, como um produto que trouxe maior rentabilidade aos aventureiros,
38
navegantes e primeiros colonos que se instalaram no país. O interesse na extração
e comercialização desse vegetal estava não só nas propriedades de tingimento de
tecidos, que vêm da sua coloração avermelhada, mas na confecção de instrumentos
musicais e móveis.
Os responsáveis pela produção dos móveis e pela formação no ofício de
marceneiro, pois a produção era de origem artesanal nesta época, foram os
artesãos portugueses. Somando-se a essa herança artesanal a presença marcante
da cultura indígena e africana e, posteriormente, a dos imigrantes desde o final do
século XIX, que trouxeram consigo alguma formação de seus países de origem,
como os italianos e espanhóis, e em menor número aos alemães no sul do país.
Mas não é só o pau-brasil que representa o país como madeira, a imbuia, a
caviúna, a araucária, o mogno, a marupá, o eucalipto,a sucupira, o pau-marfim o , o
freijó, a peroba e várias outras, são algumas das madeiras que também fizeram e
fazem parte da matéria prima do mobiliário brasileiro, algumas extintas ou em
processo de extinção pelo uso predatório e indiscriminado, outras que devem ser
usadas com planejamento criterioso, para que não sejam extintas.
Por isso, o uso da madeira deve ser muito criterioso e preciso, respeitando a
disponibilidade de cada espécie na natureza. . O designer Maurício Azeredo, um dos
pioneiros do design brasileiro sustentável, onde veremos mais na frente desta
pesquisa sobre o seu trabalho, deixa um bom exemplo de como aproveitar a grande
diversidade de madeiras brasileiras com consciência ecológica e ao mesmo tempo
tirar proveito dessa diversidade, utilizando nos seus projetos o diferencial de projetar
como matéria prima variadas madeiras em uma única peça, com cores diversas e
características variadas, trazendo identidade cultural brasileira as suas peças e
também não comprometendo um grande desgaste de um só tipo de madeira. Até
então havia uma prática no Brasil de usar apenas um tipo de madeira, como ele
afirma (1990, p. 40):
“ Até hoje não encontrei nenhuma referência de tanta diversidade de cores da madeira como a que encontramos no Brasil. Durante um período que vivemos a ditadura da madeira única – se o banquinho era de freijó, tudo devia ser de freijó. Mas se no tecido posso usar a calça de uma cor, a meia de outra e uma camisa listrada; se no vidro é possível, por que não na madeira? Por que não usar a madeira como meio de expressão cultural, não só pela forma do objeto mas também pela cor que ela tem?”
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Figura 2- Variedade de madeiras brasileiras – Coleção Maurício Azeredo
Fonte: Borges, 1999.
O designer Maurício Azeredo, por exemplo, emprega na marcenaria dele uma
coleção de aproximadamente 39 tipos de madeiras, cada uma tem uma cor
predominante, mas nenhuma tem uma só. Numa mesma espécie há grande
variação de tonalidades, que dependem da origem, tipo de corte e grau de oxidação.
E não é só na cor que a madeira pode se expressar como cultura, mas na
complexidade das suas características e especificidades de cada tipo, como afirmam
Fanucci e Ferraz (2017, Site Oficial Marcenaria Baraúna):
“O mergulho no mundo das madeiras é fascinante. Revelam-se texturas, cores, cheiros e, o que é mais interessante, diferentes propriedades que as qualificam para múltiplas funções; peso, densidade, comprimento da fibra, flexibilidade, dureza e outras variáveis orientam a aplicação mais adequada. No caso específico da flora brasileira, sua diversidade apresenta um campo vastíssimo a explorar”.
O couro é outra matéria prima, muito usada na fabricação de produtos como
bolsas, cintos, chapéus e até jaquetas e calças, muito usadas pelos cangaceiros no
sertão Nordestino. O couro representa a vestimenta do homem sertanejo, pois é
uma matéria prima forte que resiste à altas temperaturas do sertão, assim como
protege o corpo dos sertanejos dos espinhos da vegetação da caatinga, vegetação
comum dessa região.
Conforme definição da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), o
couro é um material oriundo exclusivamente da pele animal, curtida por qualquer
40
processo constituído essencialmente de derme. O couro constitui a pele do animal
preservada da putrefação e apresenta uma textura extremamente rica de fibras
colágenas, que deverão passar pelos diferentes estágios de transformação para se
tornar flexível e macio. O couro pode ser definido como um subproduto animal que,
após sofrer o processo de curtimento, não e mais passível de sofrer o ataque de
microorganismos decompositores.
No Brasil, de acordo com as características dos animais de seus biomas são
mais usados o couro vacum (de origem bovina, procedência de nabuk e camurção),
o caprino (de origem das camurças legitimas de cabras e bodes), ovinas (os
chamois de origem de ovelhas e carneiros).
Além dos couros de peixes muito usados para aplicação de revestimentos na
industria moveleira, temos o couro de tilápia, o de pescado, o de pirararucu, entre
outros. A tilápia é uma espécie abundante e de fácil criação, enquanto o pirarucu é
um dos maiores peixes de escamas de água doce e de maior representatividade
para região Amazônica. Ainda é consideravelmente pouco usado o couro como
matéria prima na industria moveleira. Grilli (2015, p. 64) afirma que: “À medida que
as indústrias moveleiras apostarem mais no design como componente estratégico, o
desenvolvimento de materiais de base biológica oriundas da biodiversidade
brasileira tende a aumentar para suprir a demanda por soluções inovadoras”.
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Figura 3 - Feira de Caruaru1
Foto autoral
As fibras vegetais são muito usadas no artesanato, mais conhecidas como
palhas, são fibras desidratadas do milho, da carnaúba, da bananeira, etc. As quais,
traçadas dão formas a variados objetos, desde chapéus, esteiras, peneiras,
abanadores,cestas, cestos, até mobiliários e objetos de decoração.
Figura 4 - Feira de Caruaru 2
Foto autoral
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Figura 5 - Feira de Caruaru 3
Foto autoral
Outras fibras vegetais muito usadas como matéria prima para o artesanato e
a indústria são as fibras de ráfia3, de tucum4, de algodão, de coco ou de babaçu.
Podendo serem usadas no mobiliário também.
Figura 6 - Fibras de ráfia trançadas
Fonte: mwmateriaiswold
3Ráfia, palmeira da América e da África que produz fibra muito forte
4Tucum, pequena palmeira espinhosa que produz fibras longas e fortes, muito usado no
artesanato indígena.
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Figura 7 - Cestos indígenas de tucum
Fonte: Blog da floresta
O Brasil é riquíssimo em minerais de diversas espécies. As pedras são muito
usadas na confecção de jóias, bijuterias artesanais, até utensílios para casa e de
decoração. As pedras brasileiras têm como diferencial uma grande variedade de
texturas e cores quentes, não encontradas em países de clima frio. Uma pedra que
representa bem a brasilidade é a pedra sabão, das antigas jazidas das Minas
Gerias,matéria prima para as obras do Aleijadinho, nas esculturas, portais e
molduras das janelas das antigas igrejas minerais e do monumento do Cristo
Redentor, cartão postal da cidade do Rio de Janeiro. Essa pedra possui
extraordinárias características para o trabalho artesanal e artístico,variando em
tonalidades de cinzas até o grafite, a pedra pode ser esculpida, polida e cortada em
formatos diferentes, muito usada até os dias de hoje para fabricação de objetos
caseiros, como também, para obras de arte e até de mobiliário.
Figura 8 - Monumento de pedra sabão
Fonte: Elo7.com.br
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Figura 9 - Panelas de pedra sabão
Fonte: artesanatogeral.com.br
A chita, tecido conhecido como morin, onde são usadas cores primárias em
contraste formando estampas normalmente compostas por flores, plantas e outras
expressões da natureza característica do clima tropical. Sendo chita, chitinha ou
chitão, dependendo do tamanho de sua estampa, se tornou um símbolo da
tropicalidade brasileira entre os tecidos, e figura carimbada em festividades como
carnaval e São João. De origem indiana, foi usado pelas famílias portuguesas e
levou Portugal a se apropriar da fabricação desse tecido, chegando depois aqui no
Brasil com o processo de colonização.
Figura 10 - Estampas de chita
Fonte: site ponto cheio
Outro tecido característico da vestimenta do Nordestino, do caipira ou do
vaqueiro é o tecido de estampa xadrez, muito usada nas festas juninas, tanto nas
vestimentas, como na decoração.
45
5.3.2. Cultura imaterial e material
A Constituição Federal de 1988, nos artigos 215 e 216, estabeleceu que o
patrimônio cultural brasileiro é composto de bens de natureza material e imaterial,
incluídos aí os modos de criar, fazer e viver dos grupos formadores da sociedade
brasileira. Os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e
domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer;
celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas e nos
lugares, tais como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais
coletivas.
Essa definição está em consonância com a Convenção da Unesco para a
Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, ratificada pelo Brasil em 1° de março
de 2006, que define como patrimônio imaterial “as práticas, representações,
expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos,
artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os
grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu
patrimônio cultural”.
Enraizado no cotidiano das comunidades e vinculado ao seu território e às
suas condições materiais de existência, o patrimônio imaterial é transmitido de
geração em geração e constantemente recriado e apropriado por indivíduos e
grupos sociais como importantes elementos de sua identidade.
Trata-se, portanto, da nossa herança cultural que é transmitida de geração
em geração, mas não pode ser tocada. Por isso também é chamado de patrimônio
intangível. Para ser compreendido, no entanto, é necessário que se tenha uma
representação material dele. Por exemplo, o Carnaval, o frevo, as festas juninas, o
cordel, os maracatus, a ciranda, a xilogravura. Dessa forma, cultura material, é
entendida por todo objeto, tangível que represente uma dessas práticas, ou
manifestações da cultura imaterial.
O artesanato brasileiro está na base de nosso patrimônio cultural, pois
resume o fazer popular, representado pelos seus artistas e artesãos, compondo um
importante símbolo da brasilidade, como afirma Grilli (2015, p. 71): “As diversas
linguagens estéticas expressas por meio do artesanato retratam o sincretismo do
povo brasileiro e definem regiões, materiais e valores deste imenso país. Porém,
46
quanto ao design de móveis, observa ela: “a combinação de técnicas artesanais ao
design de móveis, recurso bastante usado no exterior, representa um desafio para
as indústrias brasileiras” (loc. cit).
Para Lina Bo Bardi (1994, p.12), o fazer popular dos artesãos e artistas
brasileiros está no improviso de sua realidade, como afirma:
“Esta urgência, este não poder esperar mais, é a base real do trabalho do artista brasileiro, uma realidade que não precisa de estímulos artificiais, uma fartura cultural ao alcance das mãos, uma riqueza antropológica única, com acontecimentos históricos trágicos e fundamentais”.
Figura 11 - Lina Bo Bardi sentada na cadeira “beira da estrada”, 1967
Fonte: Instituto Lina Bo e Pietro M. Bardi
E ela completa, esclarecendo sobre a arte popular: “Arte popular é o que mais
longe está daquilo que se costuma chamar de arte pela arte. Arte popular, neste
sentido, é o que mais perto está da necessidade de cada dia, não alienação,
possibilidade em todos os sentidos” (Ibid, p.25).
Bardi foi uma grande defensora do artesanato, nas palavras do antropólogo
Darcy Ribeiro:
“ Lina wanted Brazil to have industry emergyinh from craft, from abilities that are in the hands of the people, from the views of people with originality...” e “...The world of consumption as some thing that woul dresonate in our hearts.” (Borges, 2011, p. 220).
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ela falou: “ “...queria que o Brasil tivesse uma indústria a partir do seu artesanato, a partir das habilidades que estão nas mãos do povo, do olhar da gente com originalidade...” e “...o mundo do consumo como alguma coisa que tivesse ressonância em nosso coração.”, referindo-se ao artesanato brasileiro.
Adélia Borges (2002, p. 64) destaca a importância do artesanato não só como
importância para o patrimônio cultural como também para o sentimento de
pertencimento a algum lugar diante do avanço da globalização e da conseqüente
desterritorialização:
“O artesanato exprime um valioso patrimônio cultural acumulado por uma comunidade ao lidar, através de técnicas transmitidas de pai para filho – ou melhor, de mãe para filha, já que esta é uma atividade predominantemente feminina -, com materiais abundantes na região e dentro de valores que lhe são caros. Por tudo isso, ele acaba se tornando um dos meios mais importantes de representação da identidade de um povo”.
Borges, continua a afirmar que os consumidores dos países desenvolvidos buscam
esses signos de identidade e de diferenciação em troca de produtos à primeira vista
sedutores e reluzentes, mas na realidade vazios de sentimentos, irrelevantes e
rapidamente descartáveis. E que há uma revalorização dos objetos feito à mão nos
mais longínquos países e presentes nas mesmas lojas sofisticadas onde se
encontram os últimos lançamentos do design internacional.
Figura 12- Artesanato indígena
Fonte: estudoconcreto.com.br
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Quanto ao questionamento comum de que alguns fazem de que a
interferência do design no artesanato venha a possibilidade de se “perder a pureza‟,
Borges ( Ibid, p. 66) responde:
“Se a interferência sempre existe, que seja para o bem. Que parta de uma postura não de adulteração e imposição, como fazem os intermediários, e sim de respeito e diálogo, como fazem os (bons) designers. Esses, ao chegarem a uma comunidade, via de regra começam por um trabalho de reconhecimento dos signos de identidade cultural local. Convidam os artesãos a olharem a seu redor e para a sua história, e tirarem daí seus motes, seus nortes”.
Essa interferência é vital para a viabilidade de projetos artesanais de design
em grande escala, Já que no Brasil, as indústrias barram, porque não é do interesse
dessas diminuir o ritmo com a inserção de um componente artesanal, sendo
solucionado esse problema com o fornecimento do componente artesanal pronto,
vindo das oficinas dos artesãos, o qual vai ser agregado ao produto final na linha de
montagem. Modelo esse, adotado por países como Holanda e Itália. A inserção do
artesanato no processo produtivo do objeto industrializado é um obstáculo por causa
dos custo final, sendo mais viável a auto produção com parcerias em menor escala.
Um exemplo de projeto de design em parceria com artesãos é a cadeira
multidão, design dos irmãos Campana em 2002 em parceria com a Casa da Boneca
Esperança, Associação de artesãs paraibanas da cidade Esperança que fabricaram
as bonecas de pano à mão. Esse projeto foi de iniciativa da rede global de agências
Isobar, onde a cadeira foi levada por essa rede para diversos países e foi leiloada,
doando toda a renda para comunidade de Esperança.
Figura 13 - Cadeira Multidão
Fonte: Site Oficial Irmãos Campana
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Figura 14 - Bonecas de pano esperança
Fonte: Paraíba criativa
A importância do artesanato está contida na arte do saber e fazer popular,
reforçamos aqui o fazer dos artesãos no sistema construtivo da criação de móveis e
no fazer de objetos nas tramas e trançados herdado dos indígenas.
É na simplicidade e a obviedade do sistema construtivo que utilizam poucos
elementos, com seus respectivos e diferentes encaixes que interligam os elementos
da estrutura, entre estes almas, espigas, cavilhas e outros, características do
mobiliário brasileiro de uso popular no século XIX e na primeira metade do século
XX. Na verdade, esses sistemas de encaixe se baseiam em tramas encontradas em
tecidos e em cestarias indígenas. Como o designer Maurício Azeredo (Borges,
1999), confirmou em relação ao sistema construtivo que ele patenteou como „junta
tridimensional‟, ser inspirado na decomposição de xadrezes e treliçados que ele
observou desses, que acabaram resultando numa série construtiva, a nível de
desenho. Ao retornarem essas soluções, os designers fazem com a intenção no
resgate desse repertório. Que vem, também do jeito de sentar brasileiro, herdado
dos indígenas, como exemplo dos banquinhos „caipira‟ e do „cachorrinho,
reproduções de exemplares encontrados, respectivamente, na Serra da Mantiqueira
e no Vale do Paraíba, feitos pela Marcenaria Baraúna.
E a grande herança indígena no jeito de fazer trançado, como, já mencionado
acima. É trançando que o índio constrói a sua casa e uma grande variedade de
utensílios, como cestos para uso doméstico, para transporte de alimentos e objetos
trançados para ajudar no preparo de alimentos (peneiras), armadilhas para caça e
pesca, abanos para aliviar o calor e avivar o fogo, objetos de adorno pessoal
(cocares, tangas, pulseiras), redes para pescar e dormir, instrumentos musicais para
uso em rituais religiosos, etc.
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O artesanato que se utiliza da reciclagem de sucata e das embalagens
industriais descartadas, muito popular nos países emergentes tem trazido soluções
para os problemas ambientais e destaque nos projetos direcionados a
sustentabilidade. Essas medidas de reaproveitamento de materiais e à economia de
recursos são positivas e devem ser assimiladas pelo design, porém, Grilli (2015, p.
75) adverte que: “ A vocação do Brasil para a reciclagem é enorme, mas os
designers brasileiros devem estar atentos para não condenar seus projetos à
estética do lixo, propondo projetos sem conceito e sem identidade, apoiados apenas
no aproveitamento de resíduos”.
Figura 15 - Socorro da Conceição
Foto de Celso Brandão
Ao citarmos elementos da cultura e do patrimônio cultural popular brasileiro se
faz necessário vermos do ponto de vista do imaginário popular brasileiro. Dessa
forma, deixarmos esclarecido em que teoria se baseia esse ponto de vista nosso.
Para não nos estendermos em discussões teóricas, escolhemos citar aqui as
considerações de Michel Maffesoli,por esse ser considerado por muitos como o
„principal teórico da sociologia do imaginário‟, assim ele em entrevista a Revista
Famecos (2001), trata o imaginário como: “matéria subterrânea das coisas” que
“assegura a coerência secreta do natural e do cultural, do espaço social e do
sentimento estético”. O imaginário para ele é coletivo na maior parte do tempo e
constitui pela ideia de fazer parte de algo, de partilhar uma filosofia de vida, uma
51
linguagem, uma atmosfera, uma idéia de mundo, uma visão das coisas, na
encruzilhada do racional e do não-racional.
O símbolo mais forte de nossa cultura é a diversidade étnica e cultural, além
dos 3 grupos étnicos responsáveis pela formação da população brasileira ( índios,
brancos e negros), temos os imigrantes de várias origens que não só contribuíram
para miscigenação, mas também para construção de uma cultura diversificada,
repleta de referências linguísticas, materiais e estéticas.
Com base nas culturas originais do Brasil, formou-se um conjunto constituído
pelos costumes e tradições transmitidos de geração em geração, conhecido como
folclore, onde emergem lendas, contos, provérbios, canções, danças, artesanatos,
jogos, brincadeiras e festividades que nasceram e se desenvolveram com o povo,
fazendo parte da cultura popular, da identidade social de uma comunidade.
Figura 16 - Banda de Pífano, feira de Caruaru
Foto autoral
O povo brasileiro é conhecido por sua forte religiosidade, marcada pelo
pluralismo e sincretismo religioso. Onde a liberdade de crença e religião são
garantidas por lei. Sendo comum encontrarmos nas artes, no artesanato e mais
recentemente, no design, objetos devocionais que fazem parte da cultura material
do seu povo. O povo brasileiro de origem católica são os que mais comemoram ao
longo do ano, as festividades em homenagem aos santos e santas, tradição de
origem portuguesa, mas que foi popularizada aqui no Brasil. No mês de junho, por
exemplo, é comemorado em muitas cidades brasileiras as festas juninas em
52
homenagem aos santos Antônio, São José e São Pedro, onde tem uma grande
contribuição para cultura popular, nas cores alegres, nas estampas floridas (chitas)
nas rendas e nos bordados, nas palhas, etc., que são usados na decoração e na
vestimenta das pessoas que se caracterizam para essa festividade, representando a
alegria e o calor do povo. Assim como a reprodução das formas das bandeiras e dos
balões juninos são usados em objetos que remetem a essa tradição religiosa típica
de algumas regiões do nordeste. Faz parte também das tradições dessa época
festiva, as comidas típicas juninas, mais comum de serem consumidas durante
essas festividades.
Figura 17 - Bandeira de Santo Antônio
Fonte: pinterest.com.brl
Figura 18 - Balões juninos, São João de Caruaru
Fonte: Folha de Pernambuco
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Figura 19 - - Poltrona Balão 2
Fonte: marcheartdevie.com.br.
Figura 20 - Poltrona Bonfim do designer Alfio Lisi.
Fonte: alfiolisi.com.br alfiolisi.com.br .
A biodiversidade brasileira traz uma grande variedade de frutas, frutos, raízes
e sementes, essas são a base da culinária nacional e outra rica fonte de inspiração
para o design de produtos. Mas a cultura gastronômica do Brasil é representada não
só pelos alimentos que fazem parte dos cardápios, mas também pela forma de
apresentação dos pratos, nos quais se utilizam de folhas, flores e fibras típicas de
cada região. Sendo fonte de inspiração para o design, como afirma Grilli (2015,
p.44): “A gastronomia inspira o design na medida em que os valores culturais e
materiais ligados à comida são cada vez mais conhecidos por sua autenticidade e
originalidade”.
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Encontramos riqueza cultural nas lendas indígenas ligadas aos rituais
gastronômicos em várias tribos, assim como no exotismo das frutas do Brasil
relacionadas a historias de sua origem e a lendas relacionando-as com espíritos das
florestas. Como também, dezenas de frutas tipicamente brasileiras viraram símbolos
regionais e nacionais, como o caju, o maracujá, o abacaxi, a goiaba e o guaraná. O
Buriti, o Cupuaçu e o guaraná de origem Amazônica; a carambola, o umbu e o
Mandacaru do Nordeste brasileiro e a Pitomba principalmente de Pernambuco.
Os biomas brasileiros caracterizam-se pela grande diversidade de animais e
vegetais, ou seja, pela biodiversidade. Existe por exemplo: os biomas litorâneos,
presentes nas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Sul; bioma da caatinga, presente
no sertão nordestino; bioma do cerrado, presente nos Estados de Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul, Goiás e do Tocantins; Bioma da floresta amazônica na região
Norte; bioma da mata dos pinhais ou mata de araucárias no Sul; bioma da mata
atlântica, presente em 7% da região litorânea; bioma da mata dos cocais com
características da floresta amazônica, do cerrado e da caatinga; bioma do
pantanal,presente nos Estados do Mato Grosso e do mato Grosso do Sul, etc.
A abordagem do design voltado ao regional ou nacional visa benefícios
simultâneos entre produtores e consumidores localizados uma determinada região.
Desde que sejam planejadas ações que valorizem conjuntamente o capital territorial
e o capital social, como afirma Krucken (2009, p. 48): “... em uma perspectiva
duradoura e sustentável em longo prazo. Assim, o uso de projetos de design focado
no regional podem trazer inovações diante da concorrência de produtos globais,
potencializando a capacidade de oferta das empresas nos mercados globais.
A cultura popular foi pesquisada, aqui neste trabalho, como uma cultura
híbrida, não estática, real, distante do sentido mitológico do folclore. Uma cultura que
expresse o jeito peculiar de ser, viver e sentir dos brasileiros. Já sabemos que não
existe uma cultura genuína, autêntica aqui no Brasil, sendo a cultura brasileira tudo
aquilo que o povo tornou seu, que caiu no costume popular com sentido, que deu
valor a alguma prática de vivência. É o modo que a nação brasileira foi evoluindo na
sua criação, integrando-se entre raças, vivências e convivências com culturas
diversificadas num processo de unificação da sociedade, promovendo
características próprias. Nas palavras de Rosário ( 1993, p. 27-28): “A cultura
brasileira é a soma das criações populares, das técnicas inventadas, das
55
concepções criadas, das maneiras comuns de viver e de conviver de toda a
população vivendo no país”.
Assim podemos encontrar elementos da brasilidade da cultura popular no
conjunto da linguagem do povo brasileiro, na sua visão de mundo, nas suas criações
poéticas, literárias, artísticas, suas técnicas de trabalho, vestuário, hábitos de
alimentação, estilos de habitação, suas manifestações religiosas e filosóficas, seus
cultos populares e oficiais, sua organização social, sua evolução política, nas suas
características regionais, na sua musicalidade e nos seus ritmos, etc.
Figura 21 - Frevo
Fonte: pinterest.com.br
Para Grilli (2015, p. 84), “A música e os ritmos do Brasil simbolizam o caráter
sensorial da brasilidade, tão valorizados não só aqui, mas também no exterior”. A
bossa nova está relacionada à imagem das praias cariocas, do Pão de Açúcar, do
sol; Assim como o samba as mulatas do carnaval carioca; A capoeira à Bahia; O
frevo à Pernambuco. Há uma diversidade de ritmos brasileiros com suas culturas
específicas, espalhados pelas cinco regiões. Por exemplo, temos o carimbó na
região Norte; o forró, o bumba-meu-boi, o tambor de crioula, o xaxado, o frevo, o axé
e o maracatú como já mencionados na região Nordeste; o sertanejo, o cururu, o
polca de carão, a catira no Centro-Oeste; o samba, pagode, choro e bossa nova no
Sudoeste; o fandango, vanerão, a milonga, a chula no Sul. Assim como vários outros
ritmos descendentes desses que juntos representam o calor e a alegria dos
56
brasileiros, não só nas manifestações de música e danças, mas nas vestimentas e
costumes provenientes dessas tradições que muitas vezes estão ligados a eventos e
festividades, englobando outros elementos de identidade nacional ou regional.
Temos na literatura de cordel e na xilogravura,elementos de brasilidade bem
representativa do povo do sertão. As festividades juninas e carnavalescas brasileiras
conjugam vários elementos da brasilidade. Assim como nas manifestações
religiosas e de crenças e no artesanato já mencionados anteriormente.
Simbolicamente, o colorido de cores quentes representam o calor e a alegria do
povo brasileiro, assim como as cores de sua bandeira.
Figura 22 - Xilogravura – Severino Borges
Fonte: pinterest.com.br
As brincadeiras, cantigas, histórias e brinquedos populares carregam
elementos da cultura material e imaterial de povos diversificados, mas unidos pelas
características da brasilidade. A gastronomia brasileira é muito rica pela sua
diversidade e bastante apreciada internacionalmente, que envolve não só o sabor e
o paladar, mas o jeito de fazer e apresentar os seus pratos, cheio de rituais e
costumes que tornam o habito de comer um evento ou um motivo para encontro de
pessoas, união, típicos do jeito brasileiro de servir, de ser hospitaleiro.
Enfim, não podemos deixar de mencionar a riqueza brasileira das feiras livres,
mais comuns no Nordeste. Algumas bastantes famosas pela sua diversidade de
produtos e de elementos representativos do povo, como é o caso da feira de
Caruaru em Pernambuco, uma das maior do país, onde existe produtos de várias
naturezas como: brinquedos, panelas e utensílios para casa, comidas, calçados,
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roupas, artesanato, frutas e verduras, ervas e remédios caseiros,artigos místicos,
flores naturais, artigos de couro, palha, metal, argila, artigos decorativos,
eletrônicos,etc. Fonte riquíssima para pesquisa da cultura material e imaterial de um
povo, a feira de Caruaru foi considerada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN) como patrimônio imaterial do Brasil.
Figura 23 - Feira de Caruaru
Foto autoral
Figura 24 - Bonecos de pano e palha
Foto autoral
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Figura 25 - Tamboretes (bancos de madeira), feira de Caruaru
Foto autoral
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Figura 26- Feira de Caruaru (bodes e utensílios de palha)
Fonte: Foto autoral
Figura 27 - Armário e luminária Caruaru -designer Marcelo Rosembaum
Fonte: dcoração.com.br
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Já foi mencionado aqui neste trabalho a necessidade do sentimento de
pertencimento algum lugar ou cultura específica com o desenvolvimento da
globalização, desenvolvimento esse que tende a generalizar os mercados
capitalistas dominantes e consequentemente as características sócio-culturais. Onde
camadas até bastante significativas no sentido quantitativo de algumas regiões
brasileiras são ignoradas ou não conhecidas nas suas especificidades e no seu jeito
de viver. Daí sendo muito importante a abordagem do design aplicada ao
território,visando beneficiar ao mesmo tempo produtores e consumidores localizados
em uma determinada região geográfica. Através de um projeto de design que
valorize conjuntamente o capital territorial e o capital social, que valorize o saber, as
técnicas e as experiências das pessoas dessa região, assim como os recursos
naturais e os valores culturais, históricos, econômica e sociais.
Krucken (2009) vai além, ela afirma que o uso do design como recurso para
uma construção de uma estratégia de inovação dentre as ofertas de mercado em
escala regional ou nacional, é uma ferramenta importante para criar uma
reconfiguração e uma potencialização da capacidade de oferta das empresas nos
mercados globais. Ou seja, uma estratégia de diferenciação de produto dentro do
mercado competitivo.
O Brasil caracteriza-se por um país de grande diversidade vegetal e animal, e
como já foi mencionado mais acima neste trabalho de variados biomas relacionados
a regiões diferentes, mas ainda existe regiões com enorme potencial de recurso
material e cultural, pouco percebíveis. Principalmente, a nível acadêmico, como
afirma Borges ( 2011, p. 79):
“Another direction taken in the pathways of craft revitalization in Brazil entails in taking advantage of the qualitiesof local resources and materials. In this case, educated designers and technicians have certainly more to learn with artisans and locals than the opposite. Even though Brazil is amongthe countries with the greatest vegatls biodiversity, materials discussed in class in design colleges are usually those traditionally used in the Northern hemisphere – therefore, thereis more literature about them. Only very recently, other choices of local materials have been considered of some scientific interest and have begun to be seriously researched”.
(Outra direção tomada nas vias da revitalização do artesanato no Brasil implica em aproveitar as qualidades de recursos e materiais locais. Nesse caso, designers e técnicos educados têm certamente mais a aprender com artesãos e moradores locais do que o contrário. Embora o Brasil esteja entre os países com maior diversidade vegetal, os materiais discutidos em aulas, em faculdades de design, geralmente são tradicionalmente usados no hemisfério norte – portanto, há mais literatura sobre eles. Apenas muito
61
recentemente, outras escolhas de materiais locais foram consideradas de algum interesse científico e começaram a ser seriamente pesquisados).
Figura 28 - Bonecas de pano, feira de Caruaru
Foto autoral
O imaginário urbano brasileiro está constituído por um grande patrimônio de
imagens que simbolicamente, encenam o viver e o como viver na cidade, como
registros históricos e culturais de determinadas regiões ou cidades. Os elementos
que representam simbolicamente, uma cidade, representam, o todo de um país.
Pois, as primeiras cidades brasileiras a se desenvolverem, carregam em si
elementos históricos e culturais que remetem a própria história e constituição do
país e de seu povo. A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, foi a capital do Brasil
durante quase dois séculos entre 1793 à 1960, sendo essa mais representativa que
a própria capital Brasília, por possuir raízes culturais e históricas que aquele não
possui.
A forma como os vários povos que aqui chegaram e os que aqui já
permaneciam, mas foram com o processo de desenvolvimento do país se
apossando de regiões mais desenvolvidas em busca de condições melhores de
viver, tornaram as favelas, moradias populares não planejadas desses povos,
elemento de representação desses grupos que com dificuldade criaram modos de
viver no improviso da pressa, de um país que passou por um rápido processo de
industrialização sem ter estrutura e planejamento urbano para isso. As cidades de
São Paulo e do Rio de Janeiro, foram as cidades que mais receberam imigrantes do
Nordeste e até de outros país, sem terem espaço e planejamento urbano para
acolhimento desses, que levou ao surgimento de favelas (moradias populares na
periferia). Famílias foram convivendo e se reproduzindo em casas improvisadas
62
como barracos, feitos de restos de objetos encontrados na rua como pedaços de
madeira e latas que eram construídos pelos próprios moradores, muitas vezes,
sobrepostos ou construídos de forma desorganizada.
A cadeira favela dos irmãos campana, foi inspirada nas favelas de São Paulo,
feita de sarrafos de madeira encontrados na rua.
Figura 29–Cadeira Favela
Fonte: Irmãos Campana
A estampa dos calçadões das praias de Ipanema e Copacabana são ícones
de brasilidade, não só por pertencerem a dois famosos bairros do Rio de janeiro,
mas por ser espaços públicos de valor histórico, cultural e turístico freqüentados por
todas as classes sociais.
Figura 30 - Calçadão de Copacabana
Fonte: pinterest.com.
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Figura 31 - Calçadão de Ipanema
Fonte: pinterest.com.
Depois de criar a cadeira São Paulo, em 1982, o arquiteto Carlos Motta faz
sua homenagem ao Rio de Janeiro com a cadeira Rio. O móvel tem linhas simples
em um visual despojado e conta com um puxador no encosto, feito especialmente
para lembrar uma tira de chinelo, convidando para um passeio por Ipanema.
Figura 32 - Cadeira Rio
Fonte: Site Oficial Carlos Motta
5.4. Designers brasileiros que se utilizam de elementos da brasilidade
Analisamos as obras e as propostas projetuais de um grupo maior de
designers quanto as técnicas utilizadas na fabricação de seus móveis, ao material
utilizado, assim como a uma preocupação ecológica no uso desse material, ao uso
de referências estéticas e simbólicas da cultura popular na configuração desses
móveis. Baseado no reconhecimento dentro do cenário do mobiliário e numa
expressividade maior de suas obras, selecionamos um número mais reduzido de
designers que iremos discorrer sucintamente a respeito desses e de algumas obras
64
de relevância para o estudo presente. Onde foram selecionados os designers: Lina
Bo Bardi, a Marcenari Baraúna, José Zanine Caldas, Sérgio Rodrigues, Maurício
Azeredo, Paulo Alves, Irmãos Campana, Sergio J. Matos e Hugo França.
É importante salientarmos, que esses não são os únicos designers ou autores
de móveis projetuais à utilizarem da cultura popular na configuração de suas obras.
Tendo em vista a amplitude de propostas projetuais de móveis que abordam a uma
tendência de valorização do nacional, do local, principalmente nos projetos mais
recentes, onde a globalização, torna necessária a diferenciação, diante da
concorrência universal. Assim, salientamos que a nossa intenção é de discorremos
sobre designers que tiveram e têm representatividade dentro da cultura material
brasileira contemporânea através do mobiliário. Apresentamos:
5.4.1. Lina Bo Bardi
Figura 33 - Lina Bo Bardi
Fonte: institutobardi.com.br
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“Há um gosto de vitória e encanto na condição de ser simples. Não é preciso
muito para ser muito”.
Achilinadi Enrico Bo, conhecida como Lina Bo é uma italiana, formada em
arquitetura, casada com Pietro Maria Bardi, o qual recebeu e aceitou o convite pelo
jornalista e empresário Assis Chateaubriand para fundar e dirigir um museu de arte
moderna no Brasil. O casal passa a morar no Brasil e em 1951 Lina se naturalizada
brasileira.Conhece o Nordeste do Brasil e logo se apaixona, desenvolve sua
arquitetura lá, tendo como base a diversidade e vitalidade da região, defendendo a
casa popular como projeto arquitetônico e valorizando o saber popular na
construção de moradias, assim como o aproveitamento do que se tem na região,
não só de material e recursos naturais, mas da história e lembranças, do cotidiano
do povo, do jeito de viver no improviso ou com pouco, era assim que Lina Bo Bardi
admirava o povo nordestino e acreditava ser essa a verdadeira cultura popular
brasileira. Tornando-se grande defensora dessa no design.
Figura 34 - Protótipo da Cadeira Bowl
Fonte: veja.com.br
A clássica cadeira Bowl de Lina Bo Bardi se tornou um ícone do seu trabalho
e vendida até hoje.
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Figura 35 - Desenhos originais de Lina Bo Bardi
Fonte: institutobardi.com.br
Figura 36 - Cadeira Bowl 1951
Fonte: Archdaily
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5.4.2. Marcenaria Baraúna
Figura 37 - Francisco Fanucci, André Vainer, Lina Bo Bardi, Marcelo Ferraz, Paulo Fecarotta, Guilherme Paoliello, Bel Paoliello, Marcelo Suzuki e Ucho Carvalho. Equipe do Concurso do Anhangabaú. Fonte: FERRAZ, Marcelo Carvalho. Lina Bo Bardi. Instituto Lina Bo Bardi
Fonte:vitruvius.com.bri
Figura 38 - Marcelo Suzuki
Foto de Partclub
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Figura 39 - Francisco Fanucci (esq) e Marcelo Ferraz (dir).
Foto de Artdesign
“Nossos móveis são móveis de arquitetura... faz parte da arquitetura a idéia de economia, economizar meios, materiais, esforços. Então, no móvel você tem que ter estruturas as mínimas necessárias para o móvel funcionar bem. Se você exagera na estrutura do móvel, fica pesado, anacrônico, antiquado, fora de sentido” Marcelo Ferraz
Criada em 1986 por Francisco de Paula Fanucci, Marcelo Suzuki e Marcelo
Ferraz, a Marcenaria Baraúna a princípio funcionou como extensão da Brasil
Arquitetura, dirigida por esses arquitetos. Fabrica móveis de autoria de seus
fundadores e de Lina Bo Bardi, com quem Suzuki e Ferraz trabalhavam. A
Marcenaria Baraúna tem como proposta um design simples com referência à cultura
popular. Como Santi (2013, p.92 apud Catálogo Baraúna Marcenaria, edição na
década de 1970) descreve:
“Numa época em que tantos olhares estão voltados para as tendências internacionais e para as modas, a Baraúna busca sua matriz na cultura popular brasileira, sem folclorizá-la ou congelá-la no tempo, mas num diálogo entre o universal e o particular, entre passado e presente, que resulta num design contemporâneo, baseado na simplicidade formal. A construção dos móveis é sempre explícita, sem trucagens, dissimulações ou acréscimos decorativos”.
Atualmente, a Marcenaria Baraúna é dirigida por Fanucci e Ferraz, alia
produção em série ao atendimento personalizado com projetos exclusivos. Tem
trabalhos publicados em revistas especializadas nacionais e internacionais e expõe
no Brasil e no exterior. Conforme descreve Fanucci e Ferraz ( 2017, site oficial da
Marcenaria Baraúna que:
“Assim como em nossa arquitetura, ao desenhar móveis refletimos e buscamos soluções na história brasileira colonial, na experiência vernacular, nos pioneiros modernos nacionais e internacionais. Olhamos à
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nossa volta, no tempo e no espaço, sem no entanto fazer disso uma receita, sem preconceitos contra inovações ou novidades de onde quer que venham, mas arredios a modismos e estilismos. Nem mesmo nos denominamos designers, uma vez que essa palavra, repleta de significados na língua inglesa, acabou por se banalizar no Brasil. Somos arquitetos que projetam móveis”.
Um dos móveis mais conhecidos da Baraúna até os dias de hoje são a
cadeira e mesa girafa, de autoria de Lina Bo Bardi, Marcelo Ferraz e Marcelo
Suzuki, elas mostram simplicidade na concepção do desenho e das soluções
estruturais, como se verifica no reduzido número de peças, na utilização do sistema
de sobreposição delas e no uso de parafuso como sistema de ligação que visa
melhor desempenho estrutural ( ver figura 40) e a simplificação dos processos de
fabricação; a utilização de cavilhas, em madeira mais escura, tem a função de
acabamento e traz um interesse estético à peça. A cadeira girafa (ver figura 41),
possibilitando o empilhamento, segue a lógica construtiva da Marcenaria Baraúna,
como descreve Santi (2013, p. 92): “Essas soluções comumente usadas nos móveis
da Baraúna evidenciam a intenção de racionalização e padronização nos
procedimentos de fabricação”.
Figura 40- Cadeira e Mesa Girafa
Fonte: pinterest.com.br
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Figura 41- Cadeira Girafa
Fonte: Dpot
Figura 42- Mesas Girafa empilhadas
Fonte: pintereste.com.br
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Figura 43- Banco Cachorrinho
Fonte: pinterest.com.br
O mesmo sistema construtivo usado nessas peças, é usado numa série de
bancos Caipiras e no banco Cachorrinho (fabricados em vários tipos de madeiras e
dimensões diferentes para o banco caipira na Marcenaria Baraúna). Essa
simplicidade e obviedade desse sistema construtivo mais o uso de poucos
elementos é herdado do estilo que caracterizou o mobiliário brasileiro de uso popular
no século XIX e na primeira metade do século XX. Assim como, também, a intenção
do resgate desse repertório vem resgatar a forma brasileira de se sentar, herdada
dos índios. O banco Caipira é uma releitura de uma banco encontrado na serra da
Mantiqueira como se pode observar na figura 44.
Figura 44 - Bancos Caipiras
Fonte: pinterest.com.br
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Figura 45 - Banquinhos Caipiras
Fonte: pinterest.com.br
Figura 46 - Caipira Sentado
Fonte: Borges, 1999
Figura 47 - Banquinho de desenho anônimo vendido na marcenaria Baraúna
Fonte: Marcenaria Baraúna
“Observa-se que o banquinho não interrompe a posição de cócoras, ajusta-se silenciosamente à forma de ser e se sentar culturalmente herdada do
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caipira e com ela se harmoniza. Neste sentindo, a altura baixa é o tamanho suficiente que o corpo necessita nessa posição; dos dois planos inclinados que compõem o assento, provavelmente o anterior apóia as diagonais das pernas e o posterior facilita a postura ligeiramente inclinada para frente, estabelecendo assim o equilíbrio, e nada mais é necessário”(SANTI 2013, p.95).
Lina Bo Bardi desenvolveu uma proposta de assento a partir dessa forma
caipira de se sentar, desde a década de 50,segundo publicação na revista Habitat
do ano de 1958 apud Santi (2013, p. 95):” Foi desenhado de acordo com as
observações feitas com os caboclos do interior que ficam por horas a fio de cócoras;
o corpo assume uma posição especial, e o móvel que corresponde a essa posição é
o banquinho muito usado antigamente nas fazendas de café”.
Encontramos outro banquinho semelhante ao caipira na gravura do pintor e
desenhista francês, Jean Baptiste Debret5 de 1850, onde ele retrata negros escravos
trabalhando na moenda (figura 48).
Figura 48– Gravura de Jean Baptiste Debret de 1850
Fonte: Duldemadrid
5pintor francês Jean-Baptiste Debret foi um dos principais artistas que integraram a
denominada Missão Artística Francesa, isto é, uma expedição de artistas que veio para o Brasil em 1817 amparada por D. João VI, que havia elevado o Brasil à condição de Reino Unido, em 1808, e aqui residia. Assim como os outros artistas que aportaram, Debret contribuiu para o desenvolvimento das belas-artes no Brasil e também soube construir uma interpretação bastante rica da vida nos trópicos, no século XIX (Mundo Educação).
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Outro exemplo de móvel desenvolvido por Lina Bo Bardi, Marcelo Ferraz e
Marcelo Suzuki e produzido na Baraúna é a cadeira “Frei Egídio” (ver figura 49).
Esse sistema de cadeira dobrável foi muito usado no Brasil a partir das últimas
décadas do século XIX, em festas populares nas praças públicas.
Figura 49 – Cadeira Frei Egídio
Fonte: Pinterest
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5.4.3. José Zanine Caldas
Figura 50– José Zanine Caldas
Fonte: Correio Braziliense
“Mais importante do que o notório saber é o notório fazer”
José Zanine Caldas, nasceu em Belmonte na Bahia em 1918, arquiteto,
designer, maquetista. Trabalha, na década de 1940, como desenhista do escritório
Severo & Villares e como membro do Serviço do Patrimônio Histórico Artístico
Nacional - Sphan. Abre um ateliê de maquetes no Rio de Janeiro, onde trabalha
entre 1941 e 1948, e, por sugestão de Oswaldo Bratke (1907 - 1997), transfere-o
depois para São Paulo, em atividade de 1949 a 1955. O ateliê atende os principais
arquitetos modernos das duas cidades, e é responsável pela maioria das maquetes
apresentadas no livro “Modern Architecture in Brazil”, 1956, de Henrique E. Mindlin.
Em 1949, Caldas funda em São José dos Campos, São Paulo, a fábrica Móveis
Artísticos Z e se desliga da empresa em 1953.
Caldas trabalha como assistente do arquiteto Alcides da Rocha Miranda na
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU/USP,
entre 1950 e 1952. Na capital paulista, desenvolve projetos paisagísticos até 1958,
quando se transfere para Brasília, onde constrói sua primeira casa, em 1958, e
coordena a construção de outras até 1964. Indicado por Rocha Miranda a Darcy
Ribeiro (1922 - 1997), ingressa na Universidade de Brasília - UnB em 1962, dá aulas
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de maquetes até 1964, quando perde o cargo em virtude do golpe militar. Nesse ano
viaja pela América Latina e África, e, retornando ao Rio de Janeiro, constrói sua
segunda casa, a primeira de uma série construída na Joatinga até 1968. Nesse ano,
muda-se para Nova Viçosa, Bahia, abre um ateliê-oficina, que funciona até 1980, e
participa do projeto de uma reserva ambiental com o artista plástico Frans Krajberg,
para quem projeta um ateliê em 1971.
Simultaneamente, entre 1970 e 1978, mantém o escritório no Rio de Janeiro,
para onde retorna em 1982. Um ano depois funda o Centro de Desenvolvimento das
Aplicações das Madeiras do Brasil - DAM, e o transfere em 1985 para a UnB. Nesse
período propõe a criação da Escola do Fazer, um centro de ensino sobre o uso da
madeira da região para a construção de casas, mobiliário e objetos utilitários para a
população de baixa renda. Em 1989 é reintegrado no seu posto na UnB, mas não
chega a dar aulas. Nesse ano vai para Europa, onde projeta residências em Portugal
e dá aulas na École d´Architecture [Escola de Arquitetura] de Grenoble, França.
Em 1975 o cineasta Antonio Carlos da Fontoura faz o filme „Arquitetura de
Morar, sobre as casas da Joatinga, com trilha sonora de Tom Jobim (1927 - 1993),
para quem Caldas projeta uma casa. Dois anos depois, a obra do arquiteto é
exposta no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), no Museu de Arte
Moderna de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), em Belo Horizonte, e no ano
seguinte no Solar do Unhão, em Salvador. Em 1986, a publicação de sua obra na
revista Projeto n. 90 inicia uma polêmica no Conselho Regional de Engenharia e
Arquitetura (Crea) sobre o fato de Caldas ser autoditada. Vários arquitetos saem em
sua defesa, entre eles Lúcio Costa, que lhe entrega cinco anos depois, no 13º
Congresso Brasileiro de Arquitetura em São Paulo, o título de arquiteto honorário
dado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil - IAB. O Musée des Arts Decoratifs
[Museu de Artes Decorativas] de Paris mostra suas peças de design em 1989, ano
em que recebe a medalha de prata do Colégio de Arquitetos da França.
De maquetista dos principais arquitetos modernos brasileiros nas décadas de
1940 e 1950 a arquiteto de prestígio a partir do fim dos anos 1960, de precursor de
uma indústria moveleira nos anos 1950 a criador de móveis artesanais nos anos
1970, José Zanine Caldas se destaca no cenário arquitetônico nacional por explorar
as potencialidades construtivas e as qualidades plásticas das madeiras brasileiras.
Descobre no Instituto de Pesquisas Tecnológicas da Universidade de São Paulo -
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IPT/USP a madeira compensada. A descoberta inspira a criação da fábrica de
Móveis Artísticos Z, cujo objetivo é produzir móveis industrializados em larga escala,
de bom desenho, a preços acessíveis, com base no uso racional de chapas de
compensado, que podem evitar o desperdício do material e minimizar a necessidade
de mão-de-obra qualificada, já que as peças são produzidas mecanicamente, o
emprego de mão-de-obra fica restrito à montagem do mobiliário. De certa forma, a
experiência se aproxima estética e tecnicamente daquela levada a cabo pelos
arquitetos italianos Giancarlo Palanti (1906 - 1977) e de Lina Bo Bardi no Studio
d'Arte Palma, 1948-1951, numa época em que o design moderno brasileiro
alcança grande prestígio.
Se nos anos 1950 os móveis de Caldas são desenhados segundo essa lógica
industrial, nos anos 1970, quando retoma o trabalho como designer, o que iremos
denominar de segunda fase do seu trabalho, seus móveis passam a ser esculpidos
artesanalmente, em completa oposição à racionalidade dos móveis da Z. A mudança
está sem dúvida relacionada à viagem, em 1964, à América Latina e África, quando
reconhece o valor do saber fazer popular, mas, sobretudo, com a experiência em
Nova Viçosa, pois é no contato com o agreste, com os canoeiros e com a paisagem
ameaçada daquela cidade baiana que ele se aproxima dos
ambientalistas. Os móveis são construídos com toras brutas de madeira, cujas
linhas retorcidas inspiram seu desenho. Como podemos observar na cadeira
namoradeira e no banco esculpido de 1970, nesse último ele usa uma única peça de
couro para o assento e forro das costas da peça. Na cadeira rede, ele usa a tradição
de origem indígena da rede numa estrutura de madeira rústica.
Figura 51 - Cadeira Namoradeira
Fonte: pinterest.com.br
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Figura 52 - Banco Esculpido
Fonte: pinterest.com.br
Figura 53 - Cadeira Rede
Fonte: Zupi
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5.4.4. Sergio Rodrigues
Figura 54 - Sérgio Rodrigues
Fonte: .com.br
“O móvel não é só a figura, a peça, não é só o material de que esta peça é
composta, e sim alguma coisa que tem dentro dela. É o espírito da peça. É o espírito
brasileiro. É o móvel brasileiro”.
Nascido em 1927, no Rio de Janeiro, formou-se arquiteto em 1952. E logo
começou a atuar, numa época em que as bases da arquitetura moderna já havia
sido lançada no Brasil, mas os móveis permaneciam com um estilo do passado,
sendo precursor de Joaquim tenreiro na afirmação do movimento moderno no
campo do mobiliário. Buscou um desenho que representasse o povo brasileiro e que
estivesse inserido no domínio da cultura, coisa que pra ele não foi difícil, já que
sempre esteve inserido no mundo cultural e artístico. E também, por entender que a
arquitetura se define de dentro para fora, que é no interior que a vida se dá.
Para Adélia Prado, Sergio Rodrigues busca uma expressão de um design
verdadeiramente brasileiro: “Seu móvel parte das nossas mais profundas raízes
80
culturais, mas não se limita a elas. Ele construiu uma linguagem muito particular, em
que recria o móvel robusto da tradição ibérica, mas dentro de uma sintaxe moderna”
(p.13, 2005).
Em 1954, Sergio Rodrigues abriu com dois designers italianos , os irmãos
Carlo e Ernesto Hauner, a Móveis Artesanal Paranaense, a primeira loja de arte e
mobiliário moderno da cidade. Mas, os dois irmãos seguiam o estilo funcionalista
que dominava o design internacional e a loja, com tão pouco tempo, terminou
fechando as portas. Assim Carlo se associou ao austríaco Martin Eisler e ao alemão
Ernesto Wolf para criar a Móveis Artesanal em São Paulo, empresa com o mesmo
objetivo de modernidade que a sua antecessora, transformando-se na Forma –
indústria de mobiliário. Sergio Rodrigues acompanhou-o e se mudou para São
Paulo, no mesmo ano de fechamento da primeira loja e passou a chefiar o
departamento de arquitetura de interiores da empresa, conhecendo grandes
arquitetos atuantes na capital paulista como: Gregori Warchavchik, Vilanova Artigas,
Ícaro de Castro Mello e Lina Bo Bardi. Dentro da empresa, porém, Sergio não era
reconhecido como desenhista de móveis e onde ele voltou para o Rio de Janeiro.
Em 1995 Sérgio Rodrigues, cria a Oca, um misto de loja, galeria e estúdio,
onde ele passa a vender não só peças dele, mas de outros criadores. Para Adélia
Borges(2005), Sérgio Rodrigues já mostrava o seu interesse em apostar na
brasilidade, não só em seu empreendimento a „Oca”, mas nas suas primeiras peças:
“Construir a inovação tendo por base a tradição é uma atitude que já estava presente desde a primeira peça de sua lavra, o banquinho Mocho, de 1954, que ele diz inspirado no „banquinho da leiteira‟ e em que retoma uma tipologia de móvel muito presente na história do país, da tradição indígena à popular”.
Figura 55 - Banco Mocho
Fonte: Architonic
Depois cria a cadeira Mole, em 1957, para satisfazer ao desejo do fotógrafo
Otto Stupakoff de um sofá esparramado. Sérgio respondeu com uma poltrona em
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jacarandá torneado e percintas em couro, sobre as quais dispôs um almofadão
composto de quatro partes interligadas. Tendo como características a robustez e o
conforto, o convite ao relaxamento e à informalidade. Mas a poltrona ficou cara
demais para as condições do fotógrafo e vendia mal, até que o governador do então
Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, aconselhou Sérgio a inscrevê-la no
Concurso Internacional do Móvel em Cantú na Itália, em 1961, onde a poltrona Mole
suplantou 438 candidatos de 27 países e conquistou o primeiro lugar.
A partir daí a poltrona Mole, tomou fama internacional, produzida por uma
empresa italiana e enviada exemplares para várias autoridades internacionais, como
o papa Pio XII, a rainha Elizabeth, John Kennedy, Nikita Kurschev. O
reconhecimento no exterior serviu para aceitação no Brasil, tornando-se um ícone. O
sociólogo Odilon Ribeiro Coutinho da Universidade de Brasília (Borges,2005, p. 21)
expressa seus elogios:
“A poltrona Mole de Sérgio Rodrigues foi o primeiro objeto de arte irredutível
Brasileiro, pois o móvel barroco ou D. João V era colonizador. E os sofás de jacarandá da civilização do açúcar , criação de marcenerios franceses ou alemães, como Béranger e Spiller. A poltrona que Sérgio criou, além disso, é uma síntese admirável do espírito brasileiro. A harmoniosa estrutura dos torneados de jacarandá, as almofadas que lembram a imaginação criativa da civilização do couro, tão bem descrita por Capistrano de Abreu; o dengo e a beleza libertina da senzala; a preguiça e o aconchego macio da casa-grande; tudo isso está impresso nesse objeto de arte eterno que guarda a memória de momentos não apenas recentes, mas também antigos, da aventura brasileira”.
Figura 56 - Poltrona Mole
Fonte: pinterest.com.br
Muitos elogios surgiram para ousadia de Sérgio Rodrigues de inova com um
novo estilo de cadeiras, mais robusto, pesado e complexo, para o estilo leve,
simples e minimalista desenvolvido na época, como por exemplo o uso de pés palito.
82
Maria Cecília Loschiavo dos Santos, filósofa e historiadora do design brasileiro
observa:
“O desejo imperioso de conceber um móvel que expressasse a identidade nacional levou Sérgio Rodrigues a um desenho que burlou os padrões reinantes: aos delgados e elegantes pés palitos, a Mole respondeu com a grossura e a robustez do jacarandá brasileiro. Isso já era uma grande revolução”.
Sérgio, parece captar o jeito peculiar dos cariocas, de sentar com certa
informalidade, “bem à vontade”, e desenvolve outras peças que segue o estilo da
poltrona Mole. Como por exemplo a Kilin, criada em 1973. Mas não é só o jeito
carioca que inspirou Sérgio, alguns críticos vêm nas criações de Sérgio uma
releitura das redes, em algumas cadeiras, ao prender o couro em estruturas de
madeira, ele permite um ligeiro balançar que lembra o das redes, assim como o
aconchego que a flexibilidade do couro dá, igual ao das redes.
Figura 57– Poltrona Kilin
Fonte: dpot.com.br
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Figura 58 - Cadeira Oscar
Fonte: herança cultural
Nas palavras de Borges (2005): A palhinha, extremamente apropriada às
condições tropicais do país, dialoga com as estruturas robustas de madeira por
oposição, contribuindo com a leveza e transparência. O couro comparece não só em
estofados, mas também em tiras empregadas, aparentes ou não, em assentos e
encostos – retomando assim uma tipologia do móvel popular brasileiro, presente
tanto no catre como nas cadeiras de largas faixas do país onde há criação de gado.
Figura 59 - Sérgio Rodrigues sentado na Poltrona Chifruda
Fonte: pinterest.com.br
84
A historiadora do design brasileiro, Maria Cecília Loschiavo dos Santos diz
sobre o trabalho de Sérgio Rodrigues: “ele criou objetos cujas formas estão muito
presentes no imaginário coletivo brasileiro, próximos da terra, da rede, do catre, do
sentar do caipira, do jagunço e do matuto, do singelo objeto indígena...”.
5.4.5. Maurício Azeredo
Figura 60– Maurício Azeredo
Fonte: pinterest.com.br
“...Vejo, aí, o papel desempenhado por aquele que projeta, como o de
“tradutor de desejos‟. Como quem, fazendo uso dos meios e instrumentos de seu
tempo, se coloca como agente da cultura à qual pertence e dá resposta
contemporânea a uma necessidade material”.
Formado em arquitetura e urbanismo pela Universidade Mackenzie, foi
professor diretor técnico e proprietário do ateliê e oficina de produtos de design
Maurício Azeredo. Professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de Brasília e professor adjunto do curso de Design do Departamento
de Artes e Arquitetura da Pontifícia Católica de Goiás. Recebeu o Título de
reconhecimento Público de Mérito Profissional, Cultural e Científico, concedido pelo
Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão e Administração (CEPEA) da PUC-Goiás.
Recebeu vários prêmios e participou de várias exposições no Brasil e no Exterior.
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Maurício estuda e recupera métodos antigos de marcenaria, combinando-os
com o desenvolvimento de nova tecnologia para criar uma síntese entre os dois.
Suas pesquisas tratam de sistemas construtivos vernáculos e da multiplicidade das
madeiras brasileiras, explorando suas propriedades e possibilidades técnicas
construtivas, bem como a beleza de suas cores e texturas visuais e táteis. O
desenvolvimento de suas peças é orientado por essas pesquisas e também se
referencia na cultura material brasileira. Mostra como reconhecer e valorizar o nosso
canto do mundo.
“Em meu trabalho procuro assimilar, acolher as qualidades desses distintos universos de produção. Racionalidade e emocionalidade convivem, não se anulam nem se impedem. Somam-se em busca e tentativa de globalidade, alimentam-se em dialético processo de criação e produção”. (Maurício Azeredo).
Por meio de uma linguagem que deixa transparecer, no próprio feitio das
peças, o sistema construtivo, com seus respectivos e diferentes encaixes que
interligam os elementos da estrutura, entre almas, espigas, cavilhas e outros
herdados da marcenaria tradicional, recria os sistemas de ligações.
Preocupado com a rapidez da devastação das madeiras brasileiras, passou a
fazer um estudo laboratorial das madeiras amazônicas, através de um trabalho de
levantamento e catalogação dessas. E descreveu o resultado que obteve:
“ No laboratório do Ibama pude perceber a verdadeira palheta de pintura, a incrível diversidade de cores, texturas, características físicas de um sem-número de madeiras brasileiras. Juntando todas as pontas, comecei a empregar essas madeiras amazônicas, não comerciais, em meus projetos. Percebi também a diversidade de madeiras era desejável sob o ponto de vista plástico, pois abria a possibilidade de fugir da cor única e de incorporar contrastes ao móvel, que assim, poderia se transformar num objeto cultural com maior expressividade”
Sendo importante ressaltarmos aqui o ponto de vista de Maurício Azeredo
quanto a identidade nacional ou regional com as suas palavras:
“ Discordo da imobilidade das expressões sujeitas a paradigmas estéticos impostos por regionalismo ou nacionalismo. Isso é amarra xenófoba. Vejo a identidade como um ponto de partida: reconhecer as raízes e o caminho seguido como formação de cultura para poder ir mais avante até com mais segurança”... “Eu me sentiria totalmente desorientado se não soubesse o cheiro do meu tempero, o perfume da minha mata, a luz do meu céu, para saber em que geografia em me situo. Mas isso só me permite dizer de onde estou saindo. Não limita para onde vou”. (Borges, 1999, p.52).
Todos os móveis de MA são batizados com nomes que evocam a cultura
brasileira, e que acabam se tornando mais atrativos, por proporcionarem lembranças
de raízes do povo brasileiro e da imensa diversidade cultural aqui existente. Esse
86
nomes podem variar de elementos das culinárias regionais a nomes afro-brasileiros,
de músicas a personagens, e frequentemente são retirados da língua tupi:
banquinho xote, cadeira prosa nossa, banquinho chorinho, mesa águas de março,
mesa reinado & congada, bandeja abará, banco ubá, mesa babanlá, mesa ibeiji, etc.
Figura 61 - Banco Ressaquinha 1988 – Maurício Azeredo
Fonte: pinterest.com.br
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Figura 62–Detalhe da Cadeira Prosa (1985)
Fonte Borges, 1999
Figura 63–Esquema de encaixe
Fonte: Borges, 1999
Observamos nas peças de Maurício Azeredo um precioso sistema construtivo
e apreço estético. A Cadeira Prosa, por exemplo, ele emprega 36 peças, em geral
de uma única espécie, como cedro, mogno ou freijó, que são pacientemente
encaixadas.
88
Figura 64 – Detalhe da Mesa Babanlá 1990
Fonte: Borges 1999
Figura 65 - Mesa Babanlá
Foto de Arnaldo Lobato
Mesa com mistura de madeiras de pau-ouro e muirapiranga, com detalhe
central de granito rosa e vinhático. Seu nome é em homenagem ao culto jeje-nagô,
babanlá é o título dado ao babalorixá mais velho ou mais graduado. A Mesa babanlá
conquistou o prestigiado Selo de Excelência da II Bienal Brasileira de Design em
1992, como melhor projeto de mobiliário do país durante aquele biênio. Foi premiada
também no 5º Prêmio Museu da Casa Brasileira.
89
5.4.6. Paulo Alves
Figura 66 - Paulo Alves
Foto de Geneviéve Bernardoni
“ Para mim o afeto é o principal ingrediente do design”
Formado em Arquitetura pela USP de São Carlos, Paulo Alves iniciou sua
carreira no escritório de Lina Bo Bardi. Participou do projeto de revitalização do
Palácio das Indústrias, nos anos 1980. Trabalhou, também no Instituto Lina Bo
Bardi, integrando a primeira equipe de pesquisa a inventariar os arquivos da
arquiteta, para produção do livro e da exposição sobre a mestra italiana logo após
sua morte na década de 1990. Essas experiências consolidaram a influência central
que o trabalho e o pensamento de Lina desempenham sobre Paulo, que via nas
reflexões dela sobre a cultura e o saber populares um vínculo direto com a infância
que teve no interior, e uma possibilidade de resgatá-la em seu próprio trabalho. Além
do design de móveis e de projetos especiais de marcenaria, isso se traduz também
nos projetos de arquitetura desenvolvidos por ele paralelamente.
Paulo já foi sócio da marcenaria Baraúnas, saiu dessa sociedade para criar a
marcenaria São Paulo em 2004 que mantém até hoje, onde faz parcerias, também
com outras empresas. A característica principal no seu trabalho é a preocupação
com o reaproveitamento da matéria prima, a madeira. No começo, desenvolveu
90
algumas peças mais racionais, como por exemplo, o buffet cercadinho, depois criou
peças mais livres, orgânicas, aproveitando sarrafos de madeira, as sobras de
madeiras da sua própria marcenaria, com pés construídos através de tramas de
vários pedaços de madeira que ele diz remeter a tramas de galhos de árvores ou
raízes do mangue, peças sempre inspiradas na natureza. Ele não só tem
preocupação ambiental com as madeiras, mas faz questão de manter a cor natural
das que utiliza nas suas peças para reverenciar a beleza da diversidade de cores
das madeiras brasileiras.
Figura 67 - - Buffet Cercadinho
Foto Marcos Freire
O Buffet Cercadinho, é a busca da simplificação da forma. Visualmente
parece ter somente dois elementos: Um plano que vai se desdobrando em ângulos
retos desde um pé até chegar no outro, como uma linha que desenha uma forma de
uma levada só; o outro elemento é um feixe multicolorido de várias madeirinhas, de
várias larguras, que se encostam lado a lado, para ficarem todas contidas no
retângulo que a linha escura desenha no espaço.
91
Figura 68 - Buffet Guaimbê
Foto Victor Afaro
O Buffet Guaimbê com formas orgânicas nos pés. Fazendo alusão à formas
da natureza. Ou seja, a estrutura foi claramente inspirada nas formas de galhos de
árvores. Apesar da aparência caótica, somente dois tipos de sarrafos são usados
para formar o todo. Esses sarrafos são fixados uns aos outros formando galhos que
se entrelaçam até formar a estrutura com proporção e resistência necessárias para
suportar a peça.
Figura 69 - Detalhe do Banco Tato
Fonte: Site Oficial Paulo Alves
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Figura 70 - detalhe da Cadeira Atibaia
Fonte: Site Oficial Paulo Alves
Paulo Alves trabalha com detalhes nas cadeiras e bancos que não só trazem
conforto ergonômico para as peças, mais também, beleza.
Figura 71 - Bar Guaimbê
Foto de Eduardo Camara
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Figura 72 - Detalhe da Estante Floresta
Fonte: dpot.com.br
Figura 73 - Estante Floresta de Vitor Affaro
Foto Victor Affaro
A estrutura vertical que suporta as prateleiras faz referência à floresta. Como
se fosse um conjunto de pequenas árvores, com linhas assimétricas, que contrastam
94
com as horizontais das prateleiras e se embaralham com as do lado oposto. Cada
pequena árvore começa no piso com uma largura maior que vai diminuindo à
medida que vai soltando outros galhos. No entanto, o desenho não é nada orgânico,
é completamente geométrico. Os cortes e as articulações para formar os galhos são
inspiradas na tradição dos artistas concretos brasileiros, que à partir de planos e
formas simples, operam cortes e dobras, para chegar à forma desejada.
Figura 74 - Banco Pedra 1 lugar
Fonte: Studio Paulo Alves
Figura 75 - Banco Pedra 3 lugares
Fonte: Studio Paulo Alves
95
5.4.7. Irmãos Campana
Figura 76 - Irmãos Campana
Fonte: Casa Vogue
"Os materiais vão ditar o que vai ser forma e o que vai ser função."
Desde 1983, os irmãos Fernando e Humberto Campana foram construindo
solidamente sua carreira, atingindo reconhecimento nacional e internacional. O
trabalho dos irmãos Campana incorpora a ideia de transformação e reinvenção,
tornando preciosos os materiais do dia-a-dia, pobres ou comuns, que carregam não
só a criatividade em seu design, mas também características bem brasileiras como,
por exemplo, as cores, as misturas, o caos criativo, e o triunfo de soluções simples.
Há pouco mais de 20 anos, os irmãos Humberto e Fernando
Campana,montaram o Estúdio Campana, onde criavam peças e objetos – alguns de
mobiliário – reaproveitando diversos tipos de material.
Em 1989 ,Humberto, formado em Direito, e Fernando, arquiteto, começaram
com a exposição „Desconfortáveis’ onde exibiram peças sem acabamento aparente.
Em 1994, se tornaram os primeiros designers brasileiros à expor no MOMA –
Museu de Arte de Nova Iorque, foi nessa exposição que a inovação dos irmãos
revelou um verdadeiro berço de criatividade e contemporaneidade.
Com sede em São Paulo, o Estúdio Campana investiga constantemente
novas possibilidades de fabricação de móveis; cria pontes e diálogos, cuja a troca de
informações é também a fonte de sua inspiração. Além disso, desenvolve trabalhos
96
em parceria com comunidades, fábricas e indústrias, o que mantêm seu repertório
sempre atualizado. Não deixando de esclarecermos que nas parcerias desses
designers com os artesãos, são mais daqueles de usarem de elementos artesanais
desses nos seus projetos, ou seja, os artesãos entram como fornecedores apenas
desses elementos, numa relação como afirma Borges (2011, p. 121) de
cliente/fornecedor:
“Complementing these practices that entail shared actions between artisans and designers, there is also the more frequent use of artisinal elements by designers in the own projects. In those cases, there is no sharing of projects, but a relationship of client/ supplier”.
Temos como exemplo mais conhecido a cadeira Multidão – estrutura
metálica, assento e parte de trás de um grande número de bonecas de pano
tradicionais da região Nordeste, na qual os irmãos Humberto e Fernando Campana
conceberam esse Projeto sem terem ido ao município de Esperança na Paraíba,
ondefica a Casa da Boneca Esperança - Associação dos Artesãos do Sítio Riacho
Fundo, onde eles fazem à mão as bonecas de panos. Os irmãos campana já haviam
desenvolvido um projeto de T-shits para uma ação promocional da empresa
francesa Lacoste, onde esses artesãos bordaram as T-shits.
A Casa da Boneca Esperança nasceu da iniciativa das irmãs Maria do
Socorro da Conceição, e Aderita da Conceição. As bonecas denominadas de
“bruxinhas” começaram a ser confeccionadas pelas duas irmãs na década de 1950,
com palhas e retalhos (materiais típicos da cultura nordestina).
Figura 77 - Bonecas Esperança
Fonte: Paraíba Criativa
97
Figura 78 - Cadeira Multidão
Fonte: Site Oficial Irmãos Campana
Já no projeto da coleção Cangaço, onde os irmãos Campana fizeram parceria
com o artesão Espedito V. de Carvalho (conhecido como Espedito seleiro), houve
contato e uma interação maior, onde os irmãos campana desenvolveram o projeto
em conjunto com o seu Espedito. Como conta Humberto:
“Nosso primeiro contato com a produção do seu Espedito foi por meio da ArteSol. Fiquei encantado com o universo de cores, texturas e materiais e pensei que seria ótimo se pudéssemos criar um trabalho em conjunto, no qual fizéssemos um suporte para a obra dele e ele pudesse se expressar através dos nossos objetos” e Fernando completa: “Ele nos deu a liberdade de escolher quais objetos ele iria trabalhar e nós lhe demos a liberdade de eleger os temas. Nós não tocamos no vocabulário de ícones e formas que ele já tem” (Entrevista realizada para Casa Vogue, n. 335,Gente, 2015).
A coleção cangaço, levou a importância do couro ornamentado, muito usado
nas vestimentas de Lampião, Corisco e seus cangaceiros e da palha, popularizada
no século XIX.
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Figura 79 - Irmãos Campana e Seu Espedito
Fonte: Casa Vogue
Figura 80 - Detalhes da peça
Fonte: Casa Vogue
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Figura 81- Mesa de Centro Cangaço
Fonte: Casa Vogue
Seu Espedito é filho, neto e bisneto de seleiros, começou a trabalhar o couro
aos 8 anos e, hoje, aos 75, é o mais renomado mestre artesão coureiro de nosso
país – sua obra já foi reconhecida até com a Ordem do Mérito Cultural, honraria
outorgada pelo Ministério da Cultura, em 2011. De sua oficina na cidade de Nova
Olinda, Chapada do Araripe, no sul do Ceará saem selas, itens de vestuário,
acessórios e mobiliário, tudo em couro ricamente trabalhado.
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Figura 82 - Oficina de Seu Espedito
Fonte: Casa Vogue
101
Figura 83– Poltrona Cangaço
Fonte: Casa Vogue
As cores fortes muito usadas em algumas casas populares do interior e os tons pasteis que Seu Espedito utiliza entre aquelas dão uma suavidade, delicadeza e charme as peças. Identificação dos irmãos campana. Essa parceria agradou a os três, como conta seu Espedito em entrevista a casa Vogue : “Cada um de nós tem um estilo, mas se a gente misturar uma coisa com a outra, não vai ficar só o estilo do Seleiro nem do Humberto ou do Fernando, vai ficar uma mistura. Numa peça só, a gente mostra três produções. Isso que é legal!”.
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Figura 84- Cadeira Cangaço
Fonte: Casa Vogue
103
Os irmãos campana também desenvolvem projetos inspirados na vida
urbana, como a criação da cadeira favela , inspirada na favela de São Paulo ,
projetando o Brasil no cenário internacional do design e entrou para história do
design mundial. A cadeira Favela, reflete a nossa brasilidade, ela é feita de
pequenos sarrafos de madeira fixados em uma base de metal, de forma assimétrica
tal qual as estruturas de uma favela.
Figura 85 - Cadeira Favela
Fonte:Site Oficial Irmãos Campana
104
5.4.8. Sergio J. Matos
Figura 86 - Sergio J. Matos
Fonte: casaclaudia.com.br
“O rumo do design é a identidade. As pessoas estão buscando nos produtos
referências que tenham a ver com suas histórias e vivências”.
Formado em Designer de Produto pela Universidade Federal de Campina
Grande (UFCG), em 2005 .Mora e trabalha em Campina Grande, onde desenvolve
peças com a sua assinatura, dando ênfase aos registros da cultura popular, dos
recortes extraídos do cotidiano e dos pedaços de paisagens garimpadas em
viagens. O seu trabalho não se limita só aos registros da sua região, mas viaja muito
e faz parcerias com projetos de empresas. Ele explora a essência do povo brasileiro
através do convívio com comunidades, levando essa experiência para produção de
peças cheia de cultura, cheia de brasilidade. A sua base sólida está na
regionalidade, na identidade que resiste ao tempo e preserva técnicas e saberes
ancestrais com tempero mestiço. O feito à mão, com calor humano, estampa o selo
da originalidade.
Suas peças exploram fibras, algodão colorido e nylon, em meio a diversas
técnicas junto com estruturas de inox, aço, madeira, MDF e alumínio, que ajudam a
dar forma aos produtos. Além das cores fortes e quentes que remetem ao calor do
povo brasileiro, assim como também, as cores presente na flora e fauna brasileira.
Sua carreira já acumulou prêmios nacionais e internacionais.
105
Sua trajetória profissional, junta design com artesanato de forma natural, o
seu estúdio realiza consultorias dirigidas à instituições e comunidades artesãs,
fortalecendo a troca de conhecimento. O Projeto Brasil Original, idealizado pelo
Sebrae Amazonas, é uma das iniciativas que recebe a consultoria do designer. Os
móveis e peças desenhados pelo estúdio de Sergio Matos são desenvolvidos em
conjunto com as comunidades indígenas do Amazonas e combinam o design com o
feito à mão, além de exaltar a essência de cada cultura. As técnicas da comunidade
são mantidas. Em entrevista a “Habitus Brasil” (Souza, 2016),Sérgio considera-se
coator desses projetos e afirma:
“...É preciso resguardar as referências de pertencimento, a imersão nos saberes e fazeres ancestrais e a valorização da matéria prima do entorno. O que fazemos, então, é manter a técnica, mas criar um produto contemporâneo. As tramas são deles, eu apenas desenho”.
Nesses projetos, Sérgio faz uma pesquisa em torno de um tema, onde na
maioria das vezes é um tema ligado ao Nordeste e onde ele concentra grande parte
da produção das peças, a partir disso, criando-se a forma do móvel ou objeto.
Segundo ele, as tramas de suas peças são definidas conforme o artesão,
tendo influência do começo ao fim: “Tudo é definido em conjunto até porque o
artesão tem uma experiência maior e procuramos não interferir nisso”. O design
preserva o traço de identidade resistente ao tempo e materializado nas técnicas
ancestrais de comunidades artesãs.
Além do projeto em parceria com o Sebrae Amazonas, outras regiões do País
tem também, sua cultura representada nas peças por Sérgio, como móveis,
fruteiras, vasos, bolsas e luminárias. Um exemplo é a cadeira Caçuá, onde o nome
vem de um cesto grande e comprido de vime ou cipó, utilizado para transportar
coisas no lombo dos animais de carga. Remetendo também, aos caminhos rurais do
Nordeste.
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Figura 87 - Cesto Caçuá em miniatura
Fonte: Dicionário Tupi Guarani
Figura 88 - Cadeira Caçuá
Fonte: Sérgio J. Matos
Outra peça clássica sua é a cadeira chita, inspirada no tecido chita. Tecido
caracterizado por estampas florais, o qual remete a cultura popular e utilizado
inicialmente pelos escravos negros aqui no Brasil.
Figura 89 - Cadeira Chita de frente
Fonte:Sergio J Matos
107
Figura 90 - Cadeira Chita de lado
Fonte: Sergio J Matos
A poltrona balão remete as tradições juninas do Nordeste, onde são
decoradas com balões juninos.
Figura 91 - Poltrona Balão 3
Fonte: sergiojmatos.blogspot.com.br
108
5.4.9. Hugo França
Figura 92 - Hugo França
Fonte: pinterest.com.br
“Minha primeira ação foi com as canoas que os pataxós faziam com o pequi
vinagreiro... o princípio do meu trabalho, o meu processo de produção vem, é
baseado nesse jeito que os pataxós faziam as canoas”.
Hugo França nasceu em Porto Alegre, em 1954,é formado em Engenharia
Operacional de Produção pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS). Em busca de uma vida mais próxima da natureza, mudou-se para
Trancoso, no sul da Bahia, no início da década de 80, onde viveu por 15 anos. Lá,foi
onde ele começou seu oficio . Ali observou as canoas dos índios pataxós e
aprendeu com eles a usar o pequi (Caryocar brasiliense), madeira pouquíssimo
utilizada em outros lugares. “Originário da Mata Atlântica, o pequi tem uma
oleosidade natural tão intensa que ela se auto-impermeabiliza (daí seu uso em
canoas) e que impede que ela seja destruída nas queimadas. Podem-se encontrar
árvores queimadas há mais de 40 anos, já mortas, mas que ainda estão em pé.
Hugo trabalha na mesma linhagem dos grandes mestres Zanine Caldas (na
segunda fase do seu trabalho) e Franz Krajcberg, e deve sua iniciação aos índios
109
pataxós, do sul da Bahia. Segue, portanto, uma trilha antiga, que com sua atuação
ele ajuda a alargar para chamar as novas gerações a seguirem fazendo um uso
reverencial desta matéria-prima tão caracteristicamente brasileira.
Desde o final dos anos 1980, desenvolve "esculturas mobiliárias", expressão
usada primeiramente pela crítica Ethel Leon e adotada pelo designer por sua
precisão em descrever a produção que ele executa a partir de resíduos florestais e
urbanos - árvores condenadas naturalmente, por ação das intempéries ou pela ação
do homem.
As peças criadas por França nascem de um diálogo criativo com a matéria-
prima: tudo começa e termina na árvore. Ela é a sua inspiração; suas formas,
buracos, rachaduras, marcas de queimada e da ação do tempo provocam sua
sensibilidade e o conduz a um desenho cuidadosamente escolhido, uma intervenção
mínima que gera peças únicas.
Numa exposição das obras de Hugo França realizada no Museu da Casa
Brasileira em São Paulo, em 2004, Adélia Borges profere um texto de abertura: “As
peças de Hugo França exercem uma espécie de magnetismo nas pessoas. Elas
induzem o olhar, o toque, a proximidade do corpo. Continente seguro e sólido, nos
convidam a nos aninharmos nelas. Acho que essa atração ocorre porque elas
trazem em si a força da natureza, e assim comunicam-se com algo de primordial, de
ancestral dentro de nós. Se são brutalistas, pesadas, ao mesmo tempo trazem um
toque de suavidade, de gentileza. Pois é gentil o trabalho do designer frente às toras
e raízes de árvores caídas ou pedaços de canoas que encontra: ele “apenas”
esculpe a madeira, encontra em cada pedaço a forma que aquele pedaço quer ter
(ou sugere). Assim, não descaracteriza a matéria, não faz contorcionismos com ela;
limita-se à intervenção mínima suficiente para dar-lhe uma nova vida, como móvel
ou como escultura.
O processo de produção das peças de Hugo França confunde-se com o
conceito do seu trabalho: a preocupação com o desperdício da madeira, sobretudo
das espécies descartadas pela movelaria tradicional, e a crença de que há
possibilidade de reaproveitamento total deste material tão nobre.
A utilização de resíduos florestais para a produção de peças demanda buscas
constantes nas matas e campos da região de Trancoso (BA). Nesses percursos,
110
Hugo França conta com a ajuda de sua equipe e da população local, além do
conhecimento da região que ele próprio adquiriu ao longo dos 15 anos em que
morou no litoral sul baiano.
Desde que não tenham sofrido danos irreversíveis, praticamente todas as
partes da árvore encontradas podem ser utilizadas. Raízes desenterradas, troncos
ocos, toras maciças - tudo pode ser transformado em obras únicas pelo olhar e
desenho de Hugo França.
A dificuldade de movimentação e transporte dos blocos monumentais de
madeira determina que os primeiros cortes sejam realizados no local onde os
resíduos são encontrados. Ali começam a surgir os primeiros sinais de mesas,
bancos, cadeiras, aparadores... Nas etapas seguintes, a peça tem seu desenho final
definido e recebe acabamento.
Durante todo o processo, as formas e texturas naturais são valorizadas de
modo que as esculturas mobiliárias remetam sempre à sua origem: a árvore,
principal inspiração de Hugo França.
Figura 93 - Banco Mumbi1
Fonte:Site Oficial Hugo França
111
Figura 94 - Banco Mumbi2
Fonte: Site Oficial Hugo França
Figura 95 - Cadeira Caapora 1
Fonte: Site Oficial Hugo França
112
Figura 96 - Cadeira Caapora 2
Fonte: Site Oficial Hugo França
Figura 97 - Cadeira Caapora 3
Fonte: Site Oficial Hugo França
113
Figura 98 - Cadeira Caité1
Fonte: Site Oficial Hugo França
Figura 99 - Cadeira Caité2
Fonte: Site Oficial Hugo França
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Figura 100 - Cadeira Caité3
Fonte: Site Oficial Hugo França
Figura 101 - Mesa de Café
Fonte: Site Oficial Hugo França
115
Figura 102 - Cadeira Nimosi
Fonte: artnet
6. O SINCRETISMO CULTURAL E A RIQUEZA NATURAL INSPIRAM
CRIATIVIDADE NO DESIGN BRASILEIRO
A formação cultural do Brasil é quase singular no mundo. Por ser um país
com raízes indígenas, africanas e européias, mas com influencias não só dessas
descendências, como também de uma grande variedade de imigrantes. Imigrantes
que por aqui chegaram e se adaptaram ao país, permanecendo temporariamente ou
permanentemente. O Brasil é um país que mesmo com suas dificuldades sócio-
político-econômicas tem permitido condições de acolhimento e esperança para os
estrangeiros. País de muitas desigualdades e misérias sociais, mas também de
muitas riquezas naturais, realidade que tem feito de seu povo, um palco único de
improvisos criativos e artísticos. Multicultural e sincrético, assim o Brasil vai
formando a sua identidade nacional, com retalhos de nacionalidades diversas. Assim
também, vai se formando a história dos designers de mobiliário brasileiro, com
retalhos de referências e influências diversas, mas, sempre com um jeito peculiar de
um povo que aprendeu a arte do improviso. De um povo que tem a criatividade no
hibridismo de sua raiz e que reconhece que deve ter consciência ecológica no uso
dos recursos naturais, pois sabe que de muita exploração com esses, já temos
muitos recursos naturais extintos ou ameaçados de extinção ou escassez.
116
6.1 Quais são os critérios usados pelos designers de móveis
brasileiros para construção de uma identidade nacional?
Após realizarmos a pesquisa e investigação dos designers e das obras de
referência, mais outras obras que porventura se destacaram no cenário do mobiliário
brasileiro, analisadas através de livros, revistas, entrevistas em vídeos, reportagens,
sites, internet, redes sociais e redes de compartilhamento. Acompanhamos um
pouco do cotidiano profissional de alguns designers que foram adicionados nas
redes sociais (facebook) e redes de compartilhamento (instagram), afim de
detectarmos um comprometimento maior desses com projetos voltados à cultura
popular.
Sendo importante mencionarmos a dificuldade existente na obtenção de
alguns dados, pela ausência de informações sobre as obras ou por não estar bem
esclarecidas, exceto de alguns designers que têm livros publicados sobre o seu
trabalho ou sites próprios que expõem suas obras e as respectivas abordagens
projetuais, tornando-se mais esclarecida a investigação e a intenção de sua obra. Já
naqueles casos, ficamos mais na análise subjetiva das obras.
Essas obras foram analisadas tendo como base três critérios, mesmo que de
forma genérica, que foram: MEIOS PRODUTIVOS, referem-se às técnicas usadas
na fabricação do móvel, buscando reconhecermos as obras que mantêm técnicas
tradicionais de marcenaria e produção em moldes artesanais; MEIOS ESTÉTICOS,
referem-se à preocupação com a estética, a busca de peças trabalhadas
cuidadosamente com detalhes visíveis que adicionaram valor estético e a
ABORDAGEM PROJETUAL, refere-se ao conceito da obra, qual o objetivo, qual
alvo, o que a peça quer passar para o usuário, a busca por uma abordagem de
caráter cultural popular.
Quando dizemos que esses critérios foram observados de forma genérica,
não estamos nos referindo a uma análise vaga, mas a uma análise do conjunto, sem
especificar quais seriam os meios encontrados em cada obra analisada. Assim por
exemplo, ao observamos uma obra e identificarmos que sua produção foi em
técnicas artesanais tradicionais e que existe elementos da cultura popular na sua
configuração, mas se essa, não carrega um diferencial estético visível que remeta
por reflexo a cultura popular, um valor estético adicional, essa obra já se encontra
em desvantagem, dentro da seleção, comparada com outras que tenham
117
correspondido ao conjunto desses critérios. Como também foram observadas e
descartadas algumas obras que só carregavam como elemento da cultura popular o
nome dado a obra, mas na configuração dessa não possuía elementos significantes
que remetessem a cultura popular.
Assim, partimos para a definição das categorias, analisando e comparando os
elementos mais reincidentes nas obras e de maior valor dentro da cultura material.
Criamos, assim, seis categorias. Sendo importante salientarmos que essas,
não são determinantes de valores únicos, mas apenas alguns caminhos e vertentes
da cultura popular encontradas nas obras analisadas como soluções projetuais
significativas da cultura material brasileira. Que o nosso objetivo com essa
classificação não é enquadrar todas as peças que carregam elementos da cultura
popular em categorias restritivas. Mas evidenciar algumas obras de valor mais
expressivo dentro do cenário do design de mobiliário e que estão relacionadas com
os elementos da cultura popular, com o intuito de mostrarmos os caminhos que
estão sendo traçados para se chegar as vertentes diferenciadas da cultura popular.
Dessa forma, algumas categorias terão mais representatividade que outras.
6.2. Classificação das obras em categorias de elementos da cultura
6.2.1. Elementos da arquitetura
São elementos da arquitetura popular todas as criações surgidas da
precariedade do povo, de adaptação de suas moradias. Ou reinterpretação de
elementos da arquitetura de outras culturas que são adaptadas pelo povo de acordo
com as suas realidades, com os recursos e as condições de espaço existentes.
Figura 103 - Poltrona Palafita 1
Fonte: Studio Paulo Alves
118
Figura 104 - Poltrona Palafita 2
Fonte: Studio Paulo Alves
Figura 105 - Palafitas – moradias comuns nas regiões ribeirinhas
Fonte: blogdopetcivil.com
De Paulo Alves, foi inspirada nas palafitas, sistemas construtivos usados em
edificações localizadas em regiões alagadiças cuja função é evitar que as casas
sejam arrastadas pela correnteza dos rios.
119
Figura 106 - Cadeira Favela
Fonte: Site Oficial Irmãos Campana
A cadeira favela dos Irmãos Campana, foi inspirada nas favelas de São
Paulo, feita de sarrafos de madeira encontrados na rua.
Figura 107 - Mesa Lateral Camboge
Fonte: Borges (1999)
Figura 108- Vista superior da Mesa Camboge
Fonte: Borges 1999
120
De Maurício Azeredo, faz parte da série Cambogé que inclui também mesas,
aparadores e balcões. É inspirada no cambogê, crivo ou combogó conforme a região
do país. Trazido da África pelos escravos, o costume de fazer aberturas reticulares
nas construções difundiu-se amplamente nas casas populares brasileiras e foi
incorporada pela arquitetura moderna no elemento vazado, chamado de combogó
ou cambogê.
Figura 109 - Aparador Babilônia
Fonte: Brunno Jahara
Do designer Brunno Jahara, que estudou design na Universidade de Brasília
e no Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza. O início de sua carreira
aconteceu em um estágio no Centro de Comunicação e Pesquisa da Benetton,
trabalhando junto ao designer espanhol Jaime Hayon. O aparador babilônia foi
inspirado nas favelas do Rio de janeiro, onde Brunno Jahara tem o seu estúdio, e
também mantém outro em São Paulo. Jahara reaproveita materiais e valoriza
processos pouco danosos ao ambiente.
Há apenas dez anos no mercado, já produziu coleções exclusivas de tecidos,
utensílios e luminárias para marcas como Via Light e Saint James, além de ter
exposto nas principais mostras do mundo (Feira de Móveis de Milão e Semana de
Design de Amsterdã, por exemplo).
121
Figura 110– BrunnoJahara
Foto de Edu Cesar
Figura 111 - Banco Muxarabie
Foto de Lucas Rosin
122
Figura 112 - A casa de Muxarabi Diamantina, MG
Foto de Diego Gozala
Figura 113 - Sobrado Mourusci, Olinda
Fonte: Pinterest
De criação de Paulo Alves, o banco muxarabie foi inspirado no elemento
arquitetônico muxarabiê. Maxarabiê, também chamado de balcão muxarabi, consiste
em um balcão protegido em toda altura da janela, por uma treliça de madeira, a fim
de assegurar ventilação, sombra e controle da luminosidade, também, de poder
olhar para o exterior sem ser visto. De influência árabe na arquitetura ibérica, foi
123
trazida pelos portugueses e marca algumas casas coloniais brasileiras. No nordeste,
aparece uma variação do muxarabiê, chamada urupema, que substitui a madeira
pela palha trançada.
6.2.2. Elementos da cultura urbana
É o uso de elementos que remete ao cotidiano urbano popular, a um costume,
a uma forma de celebração popular urbana, a uma forma de ocupação popular de
um espaço público, enfim, a cultura popular urbana. São elementos que são usados
por todos, ou melhor, que podem ser usados por todos, sem discriminação de classe
ou condição social, que aproxima o pobre do rico e vice versa, mesmo que por um
momento específico ou em um lugar específico. É a forma de conviver dos espaços
públicos por ricos e pobres. São elementos que trazem lembranças e histórias do
povo em determinados lugares e eventos urbanos.
Figura 114 - Cadeiras de São Paulo (1982)
Fonte: Site Carlos Motta
De Carlos Motta e colaboração de Antonio Carriel (conhecido como Coruja). A
cadeira recebeu, junto com a cadeira Estrela com braço, o primeiro lugar na
categoria de móveis, do Prêmio Design Museu da Casa Brasileira, em 1987. Na
cadeira São Paulo, Sérgio Matos retoma as soluções simplificadas e comumente
encontradas no Brasil, caso do formato do encosto e da alça nele contida, assim
como na forma como dispõe os pés e travessas ou, ainda, como nas tradicionais
cadeiras e bancos populares de assento de tábua. A cadeira também, lembra
móveis que fizeram ou fazem parte do cotidiano das pessoas (Santi, 2013).
124
Figura 115 - Cadeira Frei Egídio (1986)
Fonte: pinterest.com.br
A cadeira Frei Egídio foi desenvolvida por Lina Bo Bardi, Marcelo Ferraz e
Marcelo Suzuki para equipar o teatro Gregório de Mattos em salvador, de forma que
deveria ser leve e facilmente transportável. Para tal, tomaram como exemplo as
cadeiras dobráveis do renascimento italiano que a equipe usava quando trabalhava
na Casa de Vidro e, estudando como modernizar seu desenho, as várias ripas do
modelo clássico de meados do século XV, foram sintetizadas em três fileiras de
tábuas. O nome veio por Lina, em homenagem ao frade que a convidara para
projetar a Igreja do Espírito Santo do Cerrado, em Uberlândia. Tornando uma
cadeira com raízes profundamente brasileiras, não só pelo seu uso, mas pelo
material usado, minimalista, peça muito leve, pesa quatro quilos.
As cadeiras Frei Egídio podem ser dispostas de maneiras diversas no amplo
salão do Teatro Gregório de Mattos projetado pela arquiteta. O croqui permite
perceber o palco em arena, numa organização propondo um tablado retangular
central cercado de cadeiras por todos os lados.Os varais remetem à tapeçaria
oriental, com forte predomínio de amarelos e vermelhos, que pendem do teto,
denotando elementos bem peculiares aos circos. O próprio telhado do edifício, um
sobrado do século XVIII, foi totalmente substituído por um vigamento que confere ao
espaço uma imagem circense, por meio da estrutura que conforma a tenda de
arquitetura efêmera. Tema recorrente na obra de Lina, tal como na obra pictórica de
seu pai Enrico Bo, o circo foi inúmeras vezes desenhado pela arquiteta, inclusive
125
quando se instalou sob o notável vão do MASP (Lima, 2009). Percebendo a intenção
de Lina com as cadeiras Frei Egídio de criar um ambiente de poética lúdica,
interativa, popular, de troca, de informalidade.
Figura 116 - Vista Teatro Gregório de Mattos
Fonte: Marcelo Ferraz
Figura 117 - Croqui de Lina Bo Bardi: Estudo para uma exposição
Fonte Instituto Lina Bo Bardi
126
Figura 118 - Cadeira MASP 7 de Abril
Fonte: Casa Vogue
A cadeira Masp 7 de abril foi criada por Lina Bo Bardi, exclusivamente para o
auditório do museu e para os cursos do Instituto de Arte Contemporânea (IAC),
realizados no Masp. Foi Inspirada pelas cadeiras de circo, o primeiro modelo de
cadeira moderna de São Paulo foi projetado em tecido e estrutura dobrável e
empilhável para facilitar o transporte e o armazenamento. Seu estilo rompeu o
internacionalismo das propostas anteriores à 2º Guerra.
127
Figura 119 - Cadeira Rio
Fonte: Site Carlos Motta
Criada pelo designer Carlos Motta em homenagem a cidade do Rio de
Janeiro,a cadeira é uma peça de linhas simples, de madeira, usando uma técnica
construtiva bem adequada, arejada, forte e duradoura. Remete a beleza das praias
do Rio. Com alça de corda naval que lembra as alças dos chinelos usados para
caminhar nos calçadões, simboliza a informalidade dos calçadões fluminenses,
espaço urbano público freqüentado por pessoas de todas as classes sociais e que
guarda muitas recordações de gerações diversas.
Carlos Motta nasceu em 1953 em São Paulo, sempre esteve em contato com
a natureza o mar, o surf e o mundo em sua volta. Começou seu trabalho com design
em 1975 ainda na faculdade. Formou-se em arquitetura em 1976 na faculdade de
arquitetura em Mogi das Cruzes, no mesmo ano que se formou, mudou-se para
Santa Cruz, na Califórnia, para estudar marcenaria e técnicas construtivas em
madeira e ferro. Em seu retorno ao Brasil em 1978, abre o Atelier Carlos Motta na
Vila Madalena Zona Oeste de São Paulo. Projetando e executando móveis, objetos
utilitários, esculturas entre outros produtos.
128
A madeira é a principal matéria prima de seu design, sendo ela seu princípio,
meio e fim dentro da sua produção. Seu trabalho aparentemente é simples e
objetivo, mas resulta em peças sofisticadas com qualidade com o trabalho com a
madeira e o uso de técnicas construtivas tradicionais. Seus projetos são
desenvolvidos com o objetivo de servir a todos, atendendo à necessidade e função.
Tem preocupação com a sustentabilidade e respeito à natureza é outro ponto forte
em sua produção, tanto para o design de produtos como também na arquitetura.
Seu atelier recebeu prêmios por responsabilidade ambiental e social.
Figura 120 - Designer Carlos Motta
Foto Clay Rodrigues
Figura 121 - Poltrona Skate
Fonte: Studio Zanini
De criação de Zanini de Zanine, filho de José Zanine Caldas, a poltrona skate
surge do conceito de utilização de objetos não convencionais no design de
129
mobiliário. Nela são usados shapes de skate como assento e encosto da
poltrona.Remete ao skate, esporte radical praticado com uma prancha em asfalto,
rampas e outros obstáculos, normalmente de elementos do mobiliário urbano
público. O skate de rua (street) é a modalidade mais difundida e popular do skate,
onde os praticantes utilizam a arquitetura da cidade, por exemplo bancos, escadas e
corrimãos e o calçamento como obstáculos para executar suas manobras e se
expressar.
Figura 122 - Zanini de Zanine
Zero Naldo
130
Figura 123 - Sofá Papelão 1
Fonte: 1stdibs.com
Figura 124 - Sofá Papelão 2
Fonte: 1stdibs.com
131
Figura 125 - Sofá Papelão 3
Fonte: 1stdibs.com
Mais uma criação dos Irmãos Campana. O Sofá Papelão é feito do material
do mesmo nome com estrutura da base em ferro. De forma sólida e rígida, remete a
rigidez dos prédios das grandes cidades, assim como também, da rigidez das ruas.
O papelão é um material usado pelos moradores de rua para improvisar uma
cama,ou até mesmo a sua moradia, como cabanas ou barracos feitos de papelões
encontrados nas ruas.
132
Figura 126 - Poltrona Bob
Fonte: Studio Irmãos Campana
Figura 127 - Detalhe da Poltrona Bob
Fonte: Studio Irmãos Campana
De criação dos Irmãos Campana, a Poltrona Bob tem estrutura de hastes de
ferro que foram soldadas num emaranhado que lembra uma escultura ou melhor, o
caos das grandes cidades. Remete ao reaproveitamento de hastes de ferro, material
muito utilizado nas construções civis e muito comum de suas sobras serem
133
descartadas. Também remete ao valor do ferro como um todo nas estruturas
urbanas.
6.2.3. Reinterpretação de objetos e coisas do cotidiano
A partir de uma interpretação da cultura popular material. São elementos de
reinterpretação de objetos e coisas que fizeram e fazem parte do cotidiano do povo,
de sua história, de suas lembranças, de sua cultura, de sua crença, através do
mobiliário.
Figura 128 - Banquinho Cachorro
Fonte: pinterest.com.br
De criação da Marcenaria Baraúna (Lina Bo Bardi, Marcelo Suzuki e Marcelo
Ferraz), o Banquinho Cachorro é de desenho anônimo, é uma reprodução de um
exemplar encontrado numa fazenda do Vale do Paraíba. Provavelmente, foi dado o
nome de cachorro a esse, pela sua forma lembrar a dos cachorros vira latas. Animal
comum de se encontrar nas casas das zonas rural.
134
Figura 129 - Banco Pião
Fonte Fernando Jaeguer
De criação do designer Fernando Jaeger, o Banco Pião remete a um antigo e
tradicional brinquedo, graças ao formato cônico de seu assento, realçado pelo efeito
dos círculos concêntricos formados em seu assento de compensado torneado.
O desenho triangular, formado pelos seus três pés, busca a simplicidade
estética, além de manter-se estável em qualquer tipo de piso.
Fernando Jaeger estudou na na faculdade de Belas Artes da UFRJ. Com
mais de 30 anos de trabalho como designer e apurou durante as muitas visitas a
pequenos fabricantes de móveis no interior do Brasil.Percorreu vários estados em
busca de matérias-primas e novos tipos de madeira, de fornecedores que pudessem
executar seus projetos e produzi-los em escala. Encontrou muitos ao longo do
caminho. Alguns trabalham com ele até hoje, mais de 28 anos depois.
135
Figura 130- Fernando Jaeguer
Fonte: Zupi
Figura 131 - Cadeira Tripé 1 (1948)
Fonte:institutobardi.com.br
136
Figura 132 - Cadeira Tripé 2
Fonte: institutobardi.com.br
De criação de Lina Bo Bardi em 1948, mas só executada na década de 80
sob a supervisão da arquiteta, esta peça participou de exposições sobre a Lina Bo
Bardi, está reproduzida em livro, procedente de um colecionador particular que era
relacionado com a arquiteta. Foi inspirada na rede de dormir, herança da cultura
indígena. Muito usada, atualmente a rede de dormir não só serve para dormir como
para descanso dos brasileiros, principalmente de moradores das regiões Norte,
Nordeste, regiões ribeirinhas e litorâneas.
137
Figura 133 - Cadeira Cangaço (2015)
Fonte: casavogue.globo.com
Dos irmãos Campana em parceria com o Mestre Artesão Espedito, a cadeira
Cangaço, como já mencionada nesse trabalho de pesquisa faz parte da Coleção
Cangaço.A coleção cangaço, levou a importância do couro ornamentado, muito
usado nas vestimentas de Lampião, Corisco e seus cangaceiros e da palha,
popularizada no século XIX. Assim como o uso das cores fortes, muito comum de
algumas casas populares do interior.
Figura 134 - Banco Canoa 1
Fonte: Site Marcenaria Trancoso
138
Figura 135 - Banco Canoa 2
Fonte: Site Marcenaria Trancoso
De criação da Marcenaria Trancoso, o banco canoa remete a canoa em suas
formas. De madeira teça, bastante resistente, assim como as canoas, resiste a sol e
chuva.
A Marcenaria Trancoso nasceu em 2002 inspirada na magia de Trancoso,
pequeno povoado de Porto Seguro, no sul da Bahia. O olhar resultante da união
entre o mundo contemporâneo, a cultura local e a tradição do trabalho manual,
resgata cores e formatos, assim como o talento de mestres artesãos da região.
Figura 136 - Cadeira Rede
Fonte: Zupi
De criação de José Zanine Caldas,na sua segunda fase, onde ele tem
experiências em Nova Viçosa no agreste da Bahia com o fazer de canoeiros e passa
a desenvolver peças com toras brutas de madeira, valorizando formas retorcidas e
139
rústicas,. Ele usa a tradição de origem indígena da rede numa estrutura de madeira
rústica.
Figura 137 - Estantes Floresta
Fonte: Atêlier Pedro Petry
De criação do designer Pedro Petry, as Estantes Florestas remetem as
formas de totens. O totem faz parte da crença dos indígenas brasileiros e do
imaginário do povo brasileiro. Totens são monumentos considerados como talismãs,
objetos utilizados para adoração e culto entre as pessoas de um grupo com a
mesma crença. Também, determinadas tribos definem como totem uma
representação do brasão da família ou grupo, simbolizando a identidade das
pessoas reunidas. Nas tribos mais antigas, o totem consiste em um símbolo
representativo da família, com poderes sobrenaturais e capaz de proteger o grupo.
Há uma aura de superstição, magia e medo envolvida.
Pedro Petry é engenheiro mecânico e administrador de formação. Nascido em
Joinville, começou há duas décadas, meio por brincadeira, a trabalhar com madeira
em casa. Na época, tinha uma empresa de móveis. Depois de um ano e meio na
140
Alemanha, onde fez cursos de marcenaria com especialização em torno – um
processo antigo, manual, que transforma madeira em objetos cilindros, redondos e
ovais – voltou para o Brasil e tem como foco no seu trabalho, o aproveitamento de
madeira residual (troncos de árvores, galhos e até raízes descartados por outros
mercados ou caídos naturalmente), além do uso de madeira certificada.
Nestas peças da linha Floresta, as toras de pinus terminam de rachar
naturalmente, em decorrência da variação térmica e da oxidação do tempo. Com
quatro alturas diferentes, os totens de madeira maciça e couro podem ser usados
como estantes, móveis de apoio, mesas laterais ou bancos. Para facilitar o
transporte, têm rodízios na base. A linha foi premiada no Greenbest, em 2011, na
categoria móveis e decoração.
Figura 138 - Pedro Petry
Fonte: Pedro Petry
141
Figura 139 - Banco Totens
Fonte: Site Marcenaria Trancoso
Figura 140 - Banco Totem Gravata
Fonte: Site Marcenaria Trancoso
Figura 141 - Banco Totem Base
Fonte: Site Marcenaria Trancoso
142
Da Marcenaria Trancoso, os bancos mini, base, losango e gravata fazem
parte da coleção totem, que juntos formam um totem.
Como já falamos anteriormente, sobre o totem fazer parte do imaginário do
povo brasileiro. Os bancos totens são de madeira maciça.
A Marcenaria Trancoso nasceu em 2002 inspirada na magia de Trancoso,
pequeno povoado de Porto Seguro, no sul da Bahia. O olhar resultante da união
entre o mundo contemporâneo, a cultura local e a tradição do trabalho manual,
resgata cores e formatos, assim como o talento de mestres artesãos da região.
Figura 142 - Cadeira Toboa
Fonte: Borges ,1999
Da cadeira rústica de traçado de couro ou palha, tão difundida nas casas
rurais, é a inspiração para o designer Maurício Azeredo, criar a Cadeira Taboa, com
fitas de madeira resultantes dos cortes em serra, em geral jogadas fora pelas
marcenarias, são agregadas por colagem e prensagem. Elementos que
reinterpretados por Azeredo, transformaram numa peça contemporânea.
6.2.4. Ritmos e festividades
São elementos que remetem as festas populares brasileiras, carregadas de
alegria, fé, ritmos, danças, rituais, comidas, vestimentas especiais, adornos, etc. O
Brasil herdou mais dos portugueses e negros africanos, as tradições festivas
relacionadas às crenças e costumes culturais.
143
Figura 143 - Mesa Reinado & Congada 1
Fonte: Borges 1999
Figura 144 - Mesa Reinado e Congada 2
Fonte: Borges 1999
Figura 145 - Detalhe da Mesa Reinado e Congada: um esquema de variação de cores da madeira
Fonte: Borges 1999
De Maurício Azeredo a Mesa de Centro foi inspirada na congada ou congado
que é uma manifestação cultural e religiosa afro-brasileira. Folguedo muito antigo,
constitui-se em um bailado dramático com canto e música que recria a coroação de
144
um rei do Congo. Com pequenos pedaços de madeiras que sobravam de outros
móveis, Azeredo elaborou uma composição bastante livre que lembra mosaicos e os
fragmentos reunidos lembram o colorido e alegria dessa festividade popular.
Figura 146 - Banco Maracatu
Fonte: Site Sergio J. Matos
Sérgio J. Matos criou o Banco Maracatu inspirado no Maracatu que é um
ritmo musical, dança e ritual de sincretismo religioso. Em Pernambuco foi difundido
desde o período escravocrata entre os séculos XVII e XVIII . Há apresentações de
blocos de maracatu durante o Carnaval pernambucano. Conforme o "baque" ou
batida, existem dois tipos: Baque Virado (Maracatu Nação) e Baque Solto (Maracatu
Rural). O primeiro, bastante comum na área metropolitana do Recife, é o mais antigo
ritmo afro-brasileiro; e o segundo é característico da cidade de Nazaré da Mata
(Zona da Mata Norte de Pernambuco). O maracatu é caracterizado pelo uso
predominante de instrumentos de percussão de origem africana. Com ritmo intenso
e frenético, teve origem nas congadas, cerimônias de coroação dos reis e rainhas da
Nação negra. De estrutura de ferro e coberto por cordas navais, o formato do Banco
Maracatu remete as flores que cobrem as vestes dos caboclos de lança dessa
cerimônia, assim como os fios da armação cobertos por cores marcantes, remetem
ao ritmo e a dança.
145
Figura 147 - Banco Afoxé1
Fonte: Site Sergio J. Matos
Figura 148 - Banco Afoxé 2
Fonte: Site Sergio J. Matos
Também do designer Sergio J. Matos, o Banco Afoxé exemplifica como a
cultura mestiça e as celebrações populares somam narrativas atadas à sua estética.
A referência é capturada do instrumento musical – também chamado de abê -
elaborado com cabaça e recoberto por uma rede de sementes ou contas coloridas.
Ao lado do atabaque e agogô ele guarda relevância no ritmo de mesmo nome que
ecoa no carnaval e nos ritos sagrados de origem africana. Estruturado em madeira
(louro) e revestido pela trama de miçangas o banco emite ruídos no atrito das contas
com a base. Referenda a tradução da palavra de origem Iorubá (língua nigero-
congolesa) que significa “a fala que faz”. Um produto que reporta à alegria, música,
146
reverência e fé. Misto da brasilidade onde o sacro e profano convergem para uma
linha tênue.
Figura 149 - Instrumento abê dando ritmo ao carnaval pernambucano
Fonte: EvaneManço
147
Figura 150 - Balões e Bandeiras Juninas, São João de Caruaru.
Foto autoral
Figura 151 - Poltrona Balão 4
Fonte: Site Sergio J. Matos
148
Figura 152 - Poltrona Balão 5
Fonte: Site Sergio J. Matos
A tradição dos festejos juninos define o desenho geométrico da Poltrona
Balão, mais uma criação do designer Sergio J. Matos. O balão que na música do
mestre Luiz Gonzaga sobe aos céus para formalizar a abertura da celebração em
homenagem a São João carrega consigo simbologias que perpetuam histórias da
formação social brasileira. Adorno comum nas celebrações juninas do interior do
Nordeste. A concepção da peça reproduz losangos e detalhes triangulares forjados
no aço e envoltos pela corda colorida de poliéster. A trama manufaturada ata a
exclusividade exposta no domínio das técnicas de amarração - que como as
tradições da tríade dos santos juninos - resiste ao tempo. Forma, volume e cores
acendem através do design memórias da festa em torno da fogueira.
Figura 153 - Banco Bandeirola 1
Fonte: Dpot
149
Figura 154 - Mesa Lateral Bandeirola
Fonte: Dpot
Figura 155 - Banco Bandeirola 2
Fonte: Dpot
Assinada pelo designer e arquiteto Ivan Rezende, a linha Bandeirola tem
formas inspiradas nas bandeirolas que são penduradas em cordões para decoração
das festividades juninas. A linha Bandeirola é composta de módulos interativos e
independentes, que permitem diversas combinações e formas de utilização, como
banco, revisteiro ou mesa de apoio. Inspirada na simplicidade das formas
geométricas das bandeirinhas de São João, a criação foi vencedora no 18° Prêmio
Design Museu da Casa Brasileira, em 2004, e está disponível em diversas opções
de acabamento.
Feito em MDF com acabamento em laca ou em lâminas de madeira.Dentro do
princípio da interatividade, a linha Bandeirola de bancos e mesas de apoio foi
pensada de modo a permitir que o usuário final componha o objeto da forma de uso
que mais lhe convier.Assim sendo, várias composições são possíveis a partir da
150
combinação de dois elementos básicos: a trave – prisma triangular – e a base –
volume gerado a partir do corte do cubo em seção contrária ao volume do prisma.
Figura 156 - Banco Bandeirola e Mesa Lateral Bandeirola
Fonte: Ivan Rezende
A peça de apoio, quando utilizada isoladamente, resulta num possível
revisteiro ou mesa de apoio dependendo da sua forma de contato com o plano. Uma
combinação dessas peças pode resultar em diversas formas de mesa
auxiliar.Deixando deslizar a trave sobre o corte dos apoios, encontramos variações
de bancos ou mesas auxiliares, incluindo, desta forma, opções de revisteiros laterais
ou não.
Formado em arquitetura e urbanismo na Faculdade de Arquitetura da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1978, e pós-graduado na
Faculdade de Arquitetura da Universidade de Navarra, na Espanha, o carioca Ivan
Rezende busca a sintonia entre a arte e as necessidades humanas. Partindo dessa
visão, desenvolve projetos que visam o melhor aproveitamento do espaço. Entre
1998 e 2009, paralelamente à atuação como arquiteto e designer, dedicou-se ao
ensino de projeto e design de interiores em universidades como Candido Mendes e
Pontifícia Universidade Católica (PUC), no Rio de Janeiro.
151
Figura 157 - Ivan Rezende
Fonte: A cor da casa
Figura 158 - Buffet Frevo 1
Atelier Fernando Jaeger
152
Figura 159 - Buffet Frevo 2
Fonte: Atelier Fernando Jaeger
Figura 160 - Buffet Frevo 3
Fonte: Atelier Fernando Jaeger
O Buffet Frevo de autoria do designer Fernando Jaeger, é todo em madeira
maciça que por ter um desenho simples e limpo, valoriza os tipos e tons da madeira.
Os detalhes nos puxadores escavados nas portas que formam um desenho
geométrico quando duas portas se encontram, remete ao compasso binário do frevo:
dança e ritmo musical típico e popular do Estado de Pernambuco. O qual se
caracteriza por uma dança de movimentos de vai e vem do corpo jogando-o para
frente e para trás, numa espécie de frenesi.
153
6.2.5. Representação da fauna e flora brasileiras
A princípio a diversidade da fauna e flora brasileira não só representam a
brasilidade, como no nosso entendimento, também remete ao popular, já que os
recursos da natureza estão a disposição de todos, independente de cor ou classe,
além das lembranças que carregam vivências com elementos da fauna e flora no
cotidiano de um povo. Da herança dos povos nativos que utilizavam de recursos da
fauna e flora para confecção de seus adereços, da íntima relação que esses povos
tinham com a natureza. Dos remédios, dos brinquedos, das comidas que
sobressaiam da natureza. Da informalidade que se dá nessa relação. Da
simplicidade de degustar de uma fruta tirada do pé.
Figura 161 - Pufes Carambola
Fonte: Site Sergio J. Matos
O Pufe Carambola do designer Sérgio J. Matos, remete a fruta carambola,
fruto agridoce originário da Ásia. Peculiar em todo o Nordeste brasileiro a sua forma
exótica nutre o conceito da linha de produtos assinada com seu nome. Com sabor
de originalidade, o Pufe Carambola aguça o olhar pelo entrelaçamento artesanal da
corda de poliéster sobre o aço carbono ou alumínio. A estética que evoca os trópicos
arrebatou em 2012 os prêmios IF Product Design Award, na Alemanha, e o Design
Excellence Brazil.
154
Figura 162 - Estante Floresta
Foto Marcos Freire
Estante floresta do designer Paulo Alves com estrutura vertical que suporta as
prateleiras faz referência à floresta.Como se fosse um conjunto de pequenas
árvores, com linhas assimétricas, que contrastam com as horizontais das prateleiras
e se embaralham com as do lado oposto. Cada pequena árvore começa no piso com
uma largura maior que vai diminuindo à medida que vai soltando outros galhos.No
entanto, o desenho não é nada orgânico, é completamente geométrico. Os cortes e
as articulações para formar os galhos são inspiradas na tradição dos artistas
concretos brasileiros, que à partir de planos e formas simples, operam cortes e
dobras, para chegar à forma desejada.
155
Figura 163 - Cadeira Morototó
Fonte: Site Sergio J. Matos
Outra criação de Sérgio J. Matos, a Cadeira Morototó, nome da árvore que
verdeja imponente na Floresta Amazônica brasileira. Do desenho elíptico da
semente foi colhido o traço reproduzido em tríade na robusta estrutura de aço.
Traduz a conexão dos frutos que pendem em cachos das copas que roçam o céu
em um movimento suave. A trama artesanal que reveste a peça de mobiliário revela
o vaivém hipnótico da corda naval, compõe texturas, destaca a volumetria e guarda
o calor de mãos hábeis em atar poesia. O design contemporâneo ramifica-se em
elos com a natureza, enlaça mitos da floresta e exalta a semente como símbolo de
vida e matéria-prima nos adornos que coroam os rituais indígenas. Carrega, em sua
essência, a raiz ancestral da brasilidade.
156
Figura 164 - Cadeira Cobra Coral
Fonte: Site Sergio J. Matos
Outra criação de Sérgio J. Matos, a Cadeira Cobra Coral, ondula em
contornos e cores. A estrutura de aço inoxidável curva-se ao efeito hipnótico do
revestimento executado com corda naval nos tons da serpente. O coral, preto e
branco alternam-se num balé sinuoso e deixa transparecer o cuidado de mãos
habilidosas por trás do cingir artesanal. No encosto da peça o entrelaçamento
enfatiza leveza e movimento. Exalta a beleza da cobra coral que habita todo o
território brasileiro, encerra mitos da floresta e serpenteia poesia na música
homônima de Caetano Veloso: “Para de ondular, agora, cobra coral/ A fim de que eu
copie as cores com que te adornas/ A fim de que eu faça um colar para dar à minha
amada/ A fim de que tua beleza, teu langor, tua elegância/Reinem sobre as cobras
não corais”.
157
Figura 165 - Mesa Ouriço
Fonte: Atelier Júlia Krantz
De criação da designer Júlia Krantz, a Mesa Ouriço fabricada em madeira de
cedro naval, sumaúma e sucupira, utiliza-sede um processo de montagem baseado
na repetição de um perfil único em várias peças que se conectam sem uso de cola.
A peça remete ao animal espinhoso que vive no mar, chamado ouriço do mar,
comum em mares de superfície rochosa como os litorais brasileiros.
158
Figura 166- Júlia Krantz
Fonte: Site Oficial Júlia Krantz
Figura 167 - Banco Axixá
Fonte: Site Oficial Pedro Petry
De criação do designer Pedro Petry, o Banco Axixá faz parte da Coleção Folhas. De
madeira maciça com detalhes talhados, essa peça remete a forma das folhas da
árvore Sterculia chicha, também conhecida como chichá, boia-unha-d'anta, pau-de-
cortiça, pau-de-boia,[1]arachichá, araxixá, axixá e bóia.O nome do fruto, de
159
nome xixá , termo Indígena, que significa "Fruto semelhante a mão ou punho
fechado".
Figura 168 - Bar Guaimbê
Fonte: Lucas Rosin
De criação do designer Paulo Alves, o Bar Guaimbê de pés com aparência
caótica, somente dois tipos de sarrafos são usados para formar o todo. Esses
sarrafos são fixados uns aos outros formando galhos que se entrelaçam até formar a
estrutura com proporção e resistência necessárias para suportar a peça. Essa peça
remete à formas da natureza, a sua estrutura foi claramente inspirada nas formas de
galhos de árvores.
Figura 169 - Banco Semente
Fonte: Marcenaria Trancoso
A Marcenaria Trancoso procura valorizar a fauna e a flora brasileiras em
suas criações. O banco semente é feito em madeira maciça com recortes vazados
nas laterais que remetem a sementes e raízes.
160
Figura 170 - Cadeira Quati
Fonte: Marceraria Trancoso
Mais uma criação da Marcenaria Trancoso, a Cadeira Quati, peça lúdica,
esculpida à mão em madeira maciça com detalhes em marchetaria. Faz uma
representação do mamífero quati, típico da região do cerrado brasileiro e também
animal que faz parte do dia a dia do povo dessa região, por exemplo, assim como os
galos que cantam ao nascer do dia, os quatis emitem sons gritantes (guincha),
assim que o dia nasce.
Figura 171- Poltrona Pirarucu
Fonte: Site Sergio J. Matos
161
Figura 172– Poltrona Pirarucu
Fonte: Site Sergio J. Matos
De criação de Sérgio J. Matos, a Poltrona Pirarucu é inspirada num desenho
vigoroso do maior peixe de água doce do Brasil.. O Pirarucu, símbolo da Bacia
Amazônica e protagonista de lendas que cercam as comunidades indígenas e
ribeirinhas da região, batiza a cadeira homônima cercada de referências e narrativas
imersas na cultura local. No encosto de linhas transversais, o ferro exalta a espinha
dorsal da espécie que atinge mais de dois metros. O couro que formata o assento
exibe o mosaico impresso pela rigidez das escamas de traço curvilíneo. Leveza e
força equilibram-se nessa peça contemporânea inundada de simbolismos. O “peixe
vermelho” - tradução do nome indígena na língua tupi– é alimento para a cultura e o
design com identidade popular brasileira.
6.2.6. Materiais típicos da cultura brasileira
Na biodiversidade brasileira, encontramos uma infinidade de recursos naturais
que usados ecologicamente, contribuem não só como alternativa no menor custo ou
escassez de recursos financeiros, dos menos favorecidos, mas representam a
grandeza da riqueza de recursos naturais de regiões e lugares específicos
carregados de significados, lembranças, histórias e valores. Assim temos uma
variedade de recursos materiais, já mencionados no capítulo anterior, que são
usados na configuração de móveis que passam a representar a cultura popular
brasileira.
162
Figura 173 - Banco Esculpido
Fonte: Zanini de Zanine
De José Zanine Caldas na sua segunda fase, onde ele tem experiências em
Nova Viçosa no agreste da Bahia com o fazer de canoeiros e passa a desenvolver
peças com toras brutas de madeira, valorizando formas retorcidas. Para o banco
Esculpido ele usa uma única peça de couro para o assento e forro das costas da
peça.
Figura 174– Poltrona Kilin
Fonte: Site Sergio Rodrigues
De Sérgio Rodrigues, a Poltrona Kilin lembra as redes pela flexibilidade do
seu assento de balançar, mas isso só é permitido pelo uso do couro que permite
essa flexibilidade. De madeira maciça e couro, a Poltrona Kilin remete a cultura dos
sertanejos, caipiras e vaqueiros que se utilizam do couro em suas vestimentas e
também nas selas de seus cavalos.
163
Figura 175– Cadeiras Stitches
Fonte: Studio Irmãos Campana
De criação dos Irmãos Campana, a Poltrona stitches faz parte da Coleção
Stitches composta por cadeiras, poltronas e escrivaninha. A Poltrona Stitches é feita
de vime sintético tramado em uma estrutura de madeira, coberta artesanalmente por
couro cru.
Figura 176 - Poltrona Pirarucu
Fonte: Studio Irmãos Campana
De criação dos Irmãos Campana, a Poltrona Pirarucu faz parte da Coleção de
mesmo nome que é composta de buffet, armário, banco e poltronas. Poltrona
coberta artesanalmente por couro de pirarucu, peixe, também conhecido como
arapaima ou pirosca, é o maior peixe de escama de água doce do Brasil e também
um dos maiores do mundo, típico de águas doces rasas de rios e lagos da Bacia
Amazônica.
164
Figura 177 - Cadeira Bossa Palha
Fonte: Dpot
De criação do designer Jader Almeida. A Cadeira Bossa Palha é feita de
madeira maciça e palha natural. Traz em sua composição a memória de elementos
formais de nossa cultura. A palhinha é simbólica da leveza do móvel moderno
brasileiro e suas curvas suaves proporcionam ao mesmo tempo robustez e leveza. A
Cadeira Bossa Palha foi selecionada pelo 22° Prêmio Design Museu da Casa
Brasileira e premiada no Salão Design Casa Brasil.
Jader Almeida estudou desenho industrial e arquitetura e, desde o ano 2000,
trabalha como designer de mobiliário. Já atuou também na gestão de design na
indústria, função que desempenhou junto à LinBrasil, editora do mobiliário do mestre
Sergio Rodrigues, onde teve a oportunidade de aprender sobre técnicas de
produção.
165
Figura 178 - Jader Almeida
Fonte: J. Almeida
Figura 179 Cadeira Tiss (2013)
Fonte: Studio Zanini de Zanine
De criação do designer Zanini de Zanine, filho de José Zanine Caldas, a
Cadeira Tissé uma releitura contemporânea da antiga cadeira portuguesa em
palinha, muito encontrada no Brasil. De madeira tauari e palha natural.
166
Figura 180 - Buffet Capacho 1
Fonte: Studio Irmãos Campana
Figura 181 - Buffet Capacho 2
Fonte: Studio Irmãos Campana
De criação dos Irmãos Campana, o Buffet Capacho é feito de tapete de fibra
de coco e madeira laminada em freijó.
167
Figura 182 - Cadeira Guaraci 1
Fonte: Atelier Hugo França
Figura 183 - Cadeira Guaraci 2
Fonte: Atelier Hugo França
De criação do designer Hugo França, a cadeira Guaraci é de madeira pequi e
tecido tramado de couro. Com aspecto artesanal improvisado, remete não só ao
fazer popular, como ao imaginário dos povos indígenas, pois, Guaraci, Quaraci,
Coaraci ou Coraci, do tupi Kwara‟sy significa sol. Na mitologia tupi guarani é a
representação do sol, , é a representação do Sol, às vezes compreendido como
aquele que dá a vida e criador de todos os seres vivos, tal qual o sol é importante
nos processos biológicos.
168
7. CONCLUSÃO
Nossa intenção, a princípio, foi expor que a cultura se encontra vinculada ao
processo de formação das sociedades humanas, que as pessoas têm participado do
mundo material; e, em especial, o papel relevante do design no desenvolvimento da
cultura material. Realizamos uma análise a respeito da identidade cultural no sentido
de compreendermos a identidade brasileira no design. Deixamos claro que a
identidade cultural brasileira, foco de nossa pesquisa, se desenvolve de forma plural,
assim como a dinâmica cultural das sociedades e seus indivíduos demanda um
conceito também plural e dinâmico de identidade no design, que considera a
herança cultural dos indivíduos e sociedades, suas transformações e inter-relações.
Pois no processo de globalização que vivenciamos, percebe-se uma
promoção para a homogeneização de meios de produção e a expansão de grandes
corporações multinacionais em mercados nacionais e regionais, trazendo
implicações significativas à cultura e à vida das pessoas. Porém deixamos em
evidência que esse processo reflete a natureza essencialmente paradoxal do ser
humano e da sociedade, que desenvolvem forças contraditórias, tendendo à
divergência e à particularização, e outras à convergência e à afinidade. Ocorrendo
também no desenvolvimento de artefatos, uma coexistência de produtos globais,
regionais, locais, particularizados e híbridos. E a busca de artefatos que almejem
sentimentos e desejos dos indivíduos e grupos sociais, tem constituído uma das
estratégias adotadas para ampliação e domínio de mercados. Pois a industrialização
e a globalização de mercados não devem conduzir à padronização global do design,
diante de barreiras impostas pela diversidade cultural, pela resistência das pessoas
ao processo de massificação dos produtos.
O conceito de identidade brasileira ou identidade nacional, aqui discutida e
compreendida como um conceito que surgiu atrelado ao processo histórico da
invenção da nação, no plano do discurso ideológico, representando uma unidade
pretendida. Essa unidade brasileira pretendida se dá na sua diversidade e pluralismo
cultural. Onde evidenciamos aqui, dualidades conceituais, tais como
subordinação/hegemonia, tradicional/moderno, a manifestação de cultura híbridas,
resultante de cruzamentos e contatos entre classes, etnias, sendo caracterizadas
pela mescla de elementos simbólicos de culturas distintas. Falar de cultura popular
brasileira é pensar na dinâmica de seu povo e dos que aqui chegaram e chegam,
169
influenciando e sendo influenciados. Portanto, não é nossa intenção criar categorias
permanentes determinantes.
Assim, ao classificarmos os elementos da cultura popular nos móveis a partir
da década de 50, não fizemos com caráter restritivo e nem determinante, tendo em
vista a complexidade e diversidade do tema tratado, mas como forma de
evidenciarmos alguns elementos mais recorrentes nos móveis analisados e do papel
que esses têm na construção de uma cultura material brasileira. Dessa forma,
evidenciamos com a classificação das obras analisadas que existem seis categorias
de elementos da cultura popular, ou seja, que existem critérios em comum, usados
pelos designers de móveis brasileiros para construção de uma nacionalidade.
Não queremos com essa classificação, afirmamos a intenção desses
designers em criar uma unidade no design de móvel que seja voltada para cultura
popular ou de uma identidade nacional. Mas, evidenciarmos que existem referências
no design de móvel que têm se destacado no cenário nacional e até internacional,
com projetos de móveis que buscam a representação da cultura popular, tendo
como critério algumas vertentes estéticas projetuais em comum, como as seis
categorias apresentadas na classificação. Entretanto, a cultura popular não é o único
meio para construção de uma nacionalidade, mas um caminho dentro da brasilidade
e dentro do cenário do design, que pode ser usada, também, como uma estratégia
diferenciada em um mercado globalizado e desigual.
Tendo a certeza que esse trabalho deu conta de uma proposta de pesquisa
breve para um tema complexo e intenso. Assim deixando a oportunidade para outros
que queiram aprofundar-se nesse assunto, por vezes, bastante divulgado e
referenciado, mas pouco explorado. Que outros consigam adentrar mais em
questões pertinentes a esse assunto, na qual, não conseguimos contemplar com a
nossa visão.
170
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