PINTURA MURAL. MURAL EGÍPCIO MURAL CRETENSE PADRÃO GREGO X ROMANO.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A leitura foi utilizada como fio condutor para...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
MARIA DA CONCEIÇÃO DE CARVALHO VAREJÃO FILHA
PRÁTICA PEDAGÓGICA DOCENTE PROMOTORA DE IGUALDADE RACIAL
Recife
2015
MARIA DA CONCEIÇÃO DE CARVALHO VAREJÃO FILHA
PRÁTICA PEDAGÓGICA DOCENTE PROMOTORA DE IGUALDADE RACIAL
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Pernambuco
como requisito parcial para a obtenção do
grau de mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª Maria Eliete
Santiago
Recife
2015
MARIA DA CONCEIÇÃO DE CARVALHO VAREJÃO FILHA
PRÁTICA PEDAGÓGICA DOCENTE PROMOTORA DE IGUALDADE RACIAL
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Pernambuco
como requisito parcial para a obtenção do
grau de mestre em Educação.
Aprovada em 29 de Outubro de 2015.
COMISSÃO EXAMINADORA
________________________________________ Profª Drª Maria Eliete Santiago
1ª Examinadora/Presidente
_________________________________________ Profª Drª Maria da Conceição dos Reis
2ª Examinadora
___________________________________________ Prof Dr Janssen Felipe da Silva
3º Examinador
À minha querida mãe, Maria da Conceição de Carvalho Varejão, pelo amor
incondicional a mim dedicado, pelo carinho, estímulo e presença constante na minha
vida.
A meu pai, Marcos Antônio da Silva Varejão, pela dedicação e pelo exemplo de
força e determinação, mesmo sem ter tido oportunidades para terminar os estudos.
Aos meus queridos irmãos e cunhado: Gabriela, Luciano e Arlindo, pela
solidariedade, apoio e torcida para concretização desta pesquisa.
Aos meus sobrinhos, Miguel, Ágatha e Lara, meus amores, pelo carinho.
À Jacqueline, pela compreensão e amor dedicados, pela presença constante e
encorajamento imprescindíveis para realização desse trabalho.
À Professora Maria Eliete Santiago, por ter me acolhido nesse programa, ter
acreditado em meu potencial, pelo carinho e paciência para concretização da
pesquisa.
Aos Professores Laêda, Rosângela Tenório, Arthur Morais, José Batista,
Janssen Felipe, pelo incentivo, dedicação e apoio, possibilitando aprendizagens
diversas em suas aulas.
Ao amigo Maxwell Medeiros de Morais, pela força, carinho e pela importante
contribuição em minha vida.
Às amigas de caminhada que sempre nos fortaleciam com palavras de força, fé e
carinho e solidariedade: Edineide Souza, Lúcia Bahia, Elizabeth Maria, Alcione
Mainar, Érica Santana, Danielle Pena, Conceição Santos, Marcela Monteiro.
À Diretora, às professoras e aos alunos do CMEI da Cidade do Recife que
contribuíram significativamente para realização desse trabalho.
Aos afro-brasileiros e africanos que lutam todos os dias contra o racismo e
discriminação nessa sociedade.
A todas as mulheres negras, que não só lutam pela igualdade racial, mas pela
igualdade de gênero em nossa sociedade.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus, pela força que me concedeu durante todo o
processo de construção dessa pesquisa, pois não estamos sozinhos nessa caminha.
À CAPES, pelo financiamento da pesquisa.
Aos meus pais, pela dedicação, amor e incentivos à minha formação.
Aos meus irmãos pelas palavras de incentivo e encorajamento para concretização
da pesquisa.
Agradeço à Jacqueline, por todo apoio, compreensão e carinho para realização
deste trabalho.
À minha orientadora, Maria Eliete Santiago, pelo compromisso, apoio e contribuição
em minha formação como pesquisadora.
Aos meus professores da Pós-Graduação, Laêda, Rosângela Tenório, Arthur
Morais, José Batista, Janssen Felipe, pelo incentivo, dedicação e contribuições
acadêmicas.
A Maxwell, pelo carinho e amizade e incentivo para realização deste trabalho.
Às companheiras e amigas do curso de Mestrado, especialmente a Edineide e
Lúcia, pelo apoio e incentivo nos momentos de dificuldades, pelo carinho e amizade.
À minha amiga Elizabeth Maria, pelo carinho, amizade, apoio durante todo o
processo de construção desta pesquisa.
Às amigas da turma de Mestrado 31 B (Edineide, Lúcia, Alcione, Marla, Amaury,
Érica, Conceição Santos, Natália, Daniele, Marcela), pelos compartilhamentos,
solidariedades e aprendizagens.
À gestora, à coordenadora pedagógica, às professoras e aos alunos do Centro
Municipal de Educação Infantil da cidade do Recife, pela acolhida e contribuição
para realização dessa pesquisa.
À Kilma Santos, pelo carinho, apoio e contribuição para a realização da pesquisa.
À Elaine Oliveira, pela contribuição e solidariedade para realização da pesquisa.
SOU NEGRO
Sou Negro
meus avós foram queimados pelo sol da África minh’alma
recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs
Contaram-me que meus avós
vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço plantaram cana pro senhor do
engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu.
Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi
Era valente como quê
Na capoeira ou na faca
escreveu não leu o pau comeu
Não foi um pai João
humilde e manso
Mesmo vovó não foi de brincadeira
Na guerra dos Malês
ela se destacou
Na minh´alma
ficou o samba
o batuque
o bamboleio
e o desejo de libertação...
Solano Trindade
RESUMO
A pesquisa trata da prática docente promotora de igualdade racial na primeira etapa da educação básica. Tomamos como categorias analíticas prática pedagógica docente e igualdade racial, as quais deram sustentação teórica ao trabalho. Apoiamo-nos nos estudos de Souza (2009) para a categoria prática pedagógica e nela a prática pedagógica docente. A discussão da prática docente foi referenciada nos estudos de Veiga (1989), Cunha (1989), Zabala (1998) e Freire (2013), enquanto que a categoria igualdade racial, buscamos nos estudos de Gomes (1994, 2002, 2003, 2006, 2010, 2012), Alves (2013), Sposati (2002), Jaccoud e Beghin (2002), Rocha (2007), Pereira (2010), Ferreira (2010), Silva (2014), Gonçalves e Silva (1996), além das normativas legais. Utilizamo-nos da abordagem de natureza qualitativa tendo como instrumentos para coleta dos dados a análise documental, o questionário e a observação, o que permitiu uma maior aproximação com o campo empírico. Para análise, elegemos a técnica de Análise do Conteúdo fundamentada em Bardin (1977, 2009). Os resultados evidenciam esforços por parte das professoras em desenvolver uma prática voltada à promoção da igualdade racial que se materializa a partir da organização do tempo e do espaço pedagógicos, dos conteúdos, dos materiais selecionados e das atividades desenvolvidas sobre as questões étnico-raciais; são práticas que têm como intuito promover a igualdade racial. A leitura foi utilizada como fio condutor para consolidação do conhecimento sobre a temática. A literatura utilizada como atitude pedagógica contribuiu para a construção dos processos identitários e da autoimagem das crianças. Nessa direção, as ações vivenciadas na prática pedagógica docente apontam para a possibilidade das crianças construírem um pensamento positivo sobre a cultura africana e afro-brasileira. Concluímos que a prática das professoras visa à igualdade racial a partir da organização do tempo e do espaço da sala de aula, na relação afetuosa, solidária e questionadora na produção do conhecimento. Palavras Chave: Prática Pedagógica. Prática Pedagógica docente. Igualdade racial.
ABSTRACT
This search deals about the practice of teaching that incentives the racial equality on
the first years on the basic education. We took as analytical category the practice of
teaching and racial equality, that are the theoretical basis of our work. We used as
sources the searches written by Souza (2009) about the pedagogical practice, and
specially the teaching. The issue about the teaching was nourished through the
reading of works written by Veiga (2009), Cunha (1989), Zabala (1998) and Freire
(2013). About racial equality, were used information from Gomes (1994, 2002, 2003,
2006, 2010, 2012), Alves (2013), Sposati (2002), Jaccoud e Beghin (2002) Rocha
(2007), Pereira (2010) e Silva (2014), in addition the law and the Constitution were
studied too. The observing, the questionnaires, the search of data and the analysis of
papers were used as instruments of qualitative approach, then it allowed me to keep
nearer the empirical field. The Analysis of Content, held in Bardin’s work (1977;
2009), was the method chose. The results show the strength of some teachers to
develop a practice directed to incentive the racial equality, fulfilled through the
organizing of content, activities, materials, time and space directed to that theme.
The reading was used to guide the consolidation of knowledge about this subject.
The chose literature as pedagogical attitude helped in the building of identity and
black childrens’ self-steam. On this target, the actions accomplished on the
pedagogical practice of teaching shows to the black childrens’ a chance of building a
hopeful mind about the African and the African-Brazilian cultures. We concluded that
the teachers’ practice pursuits the racial practice through the organizing of time and
space in classroom, and a tender relationship, full of solidarity and an inquisitive
attitude on the production of knowledge.
Key words: Pedagogical Practice, Pedagogical Practice of Teaching; Racial equality.
LISTA DE SIGLAS
ADI Auxiliar de Desenvolvimento Infantil
ANPED Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação
CME Conselho Municipal de Educação
CMEI Centro Municipal de Educação Infantil
CNE Conselho Nacional de Educação
DCNEI Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil
GTERÊ Grupo de Trabalho da Educação das Relações Étnico-Raciais
GTs Grupos de Trabalhos
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação
RCNEI Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil
LISTA DE QUADROS
QUADRO Nº 1 - Classificação e características das políticas de igualdade racial de
acordo com Jaccoud e Beghin (2002) ........................................... 40
QUADRO Nº 2 - Respeitando as Diferenças no Espaço Escolar .............................. 53
QUADRO Nº 3 - Cadernos da Educação Municipal: as escolas tecendo a proposta
pedagógica da rede ....................................................................... 54
QUADRO Nº 4 - As Escolas do Recife Descobrindo-se Negras ............................... 55
QUADRO Nº 5 - Mapeamento da Resolução nº 2/2012 e da Política de Ensino do
Município de Recife ....................................................................... 58
QUADRO Nº 6 - Resumo do itinerário para seleção da escola campo ..................... 59
QUADRO Nº 7 – Caracterização das professoras participantes da pesquisa ........... 65
QUADRO Nº 8 – Caracterização das crianças .......................................................... 65
QUADRO Nº 9 – Mapeamento da análise temática .................................................. 69
QUADRO Nº 10 - Livros selecionados para o trabalho com as questões étnico-
raciais ............................................................................................ 77
LISTA DE FIGURAS
FOTO Nº 01 - Imagem do cartaz fixado na entrada da instituição ............................ 61
FOTO Nº 02 - Imagem do cartaz da 1ª Expo de Releituras Infantis .......................... 61
FOTOS Nº 03 e 04 - Imagens da sala de aula A ....................................................... 63
FOTOS Nº 05 e 06 - Imagens da sala de aula B ....................................................... 63
FOTOS Nº 07 e 08 - Imagens da sala de aula C ...................................................... 64
FOTO Nº 09 - imagem do Diário On-line ................................................................... 79
FOTO Nº 10 - Baú de Histórias (Projeto Griô) ........................................................... 80
FOTO Nº 11 - Imagem dos livros do Projeto Griô ..................................................... 81
FOTO Nº 12 - Mural de atividades sobre a história Menina bonita do laço de fita .... 84
FOTOS Nº 13 e 14 - Mural de atividades .................................................................. 85
FOTOS Nº 15 e 16 - Fotografia das crianças brincando com bonecas negras ......... 87
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO .................................................................................................... 13
2. PRÁTICA PEDAGÓGICA DOCENTE E IGUALDADE RACIAL ....................... 23
2.1 PRÁTICA PEDAGÓGICA ................................................................................ 23
2.2 PRÁTICA PEDAGÓGICA DOCENTE .............................................................. 28
2.3 IGUALDADE RACIAL ...................................................................................... 37
2.4 PRÁTICA PEDAGÓGICA DOCENTE PROMOTORA DE IGUALDADE RACIAL
............................................................................................................................... 44
2.5 EDUCAR PARA IGUALDADE RACIAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL ................ 46
3. PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA ............................. 50
3.1 CARACTERIZAÇÃO DO CAMPO .................................................................... 51
3.2 A ESCOLA CAMPO ......................................................................................... 60
3.3 CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS PARTICIPANTES DA PESQUISA ...... 64
3.4 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS DE COLETA ................................... 66
3.5 PROCEDIMENTO PARA TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS .............. 68
4. PRÁTICA PEDAGÓGICA DOCENTE PROMOTORA DE IGUALDADE RACIAL
NA EDUCAÇÃO INFANTIL....................................................................................71
4.1 PRÁTICA PEDAGÓGICA DOCENTE VOLTADA PARA A IGUALDADE
RACIAL EM UM CENTRO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL DO
MUNICÍPIO DE RECIFE ........................................................................................ 72
4.2 PRÁTICA PEDAGÓGICA DOCENTE: ORGANIZAÇÃO DO AMBIENTE E
SELEÇÃO DE MATERIAIS PARA TRABALHAR A IGUALDADE RACIAL ............ 74
4.3 O PLANEJAMENTO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NO CMEI .......... 77
4.4 SELEÇÃO DOS MATERIAIS PARA O TRABALHO COM AS QUESTÕES
RACIAIS ................................................................................................................. 80
4.5 ATIVIDADES VIVENCIADAS VOLTADAS PARA A PROMOÇÃO DA
IGUALDADE RACIAL ............................................................................................ 81
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 92
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 94
APÊNDICES ........................................................................................................ 101
13
1.INTRODUÇÃO
Faz parte igualmente do pensar certo a rejeição mais decidida a
qualquer forma de discriminação. A prática preconceituosa de raça,
classe, de gênero ofende a subjetividade do ser humano e nega
radicalmente a democracia (FREIRE, 2013, p. 37).
A prática pedagógica docente com foco na viabilização da promoção da
igualdade racial constitui o objeto de discussão desta pesquisa, estando sustentada
pelos postulados de Veiga (1989), Cunha (1989), Zabala (1998), Souza (2007),
Freire (1996, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2006, 2013), Alves (2013), Sposati
(2002), Jaccoud e Beghin (2002); Gomes (1994, 2002, 2003, 2006, 2007, 2012) e a
Lei nº 11.645/2008. Além disso, ancoramo-nos nas normativas legais, tais como: a
Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Igualdade Racial.
O interesse por essa temática advém de inquietações de caráter pessoal,
profissional e acadêmica. Como mulher, negra e cidadã inclusa em uma sociedade
marcada pela disseminação de traços racistas (provenientes da herança de uma
cultura escravocrata), deparamo-nos constantemente com essa problemática nas
práticas cotidianas. Com isso, diariamente, temos que travar uma verdadeira batalha
contra as marcas do racismo presentes nos mais diversos espaços da sociedade
contemporânea. Essa batalha desponta em direção à valorização da nossa cultura,
da nossa história e da nossa identidade. Partindo dessa perspectiva, os elementos
supracitados fomentaram o desejo de desenvolver a presente pesquisa.
Da nossa trajetória pessoal, há um elemento marcante que fomenta o
interesse pela temática em foco. Desde o início da nossa trajetória escolar, a
asserção do ingresso da mulher no campo educacional era algo constante no dia a
dia. Nessa asserção, havia a crença de que a mulher não necessitaria ingressar na
escola, visto que deveria dedicar-se, veementemente, aos afazeres domésticos. Sob
essa ótica, estudo e trabalho consistiam elementos que não estavam aptos a
fazerem parte das práticas corriqueiras do dia a dia das mulheres. Isso reforça uma
questão muito antiga. Aludimos, aqui, ao fato de o papel da mulher estar limitado e
resumido a serviços domésticos e, em muitos casos, seu papel restringia-se à
submissão diante da tida "supremacia" masculina.
Da nossa trajetória escolar, há, ainda, outro elemento que vai, de fato,
fomentar o interesse pela temática. Aludimos, aqui, às práticas discriminatórias
14
respaldadas, por pseudo brincadeiras. Na escola, nos deparávamos constantemente
com termos pejorativos, apelidos e atitudes discriminatórias. O formato do cabelo
tinha que estar impecável. Em geral, bem amarrados ou a tranças. Caso contrário,
isso seria motivação para risos e apelidos. A professora só interferia, mandando que
parassem com a “brincadeira”. Afinal, a escola não consistia em um espaço propício
para brincar. Mas, sim, para "aprender". Em nenhum momento, havia
posicionamento da docente em face das atitudes racistas que permeavam a sala de
aula.
Na nossa trajetória profissional, mais uma vez, nos deparamos com questões
de caráter racial. No ingresso da profissão docente, estávamos diante de um amplo
contingente de situações, envolvendo preconceitos e conflitos de natureza racial
entre os alunos na sala de aula. No contexto da escola, parte dos professores
mantinha práticas de silenciamento e de naturalização de conflitos discriminatórios,
o que não só reforçava, como também propagava, ainda mais, as situações racistas
no espaço escolar.
Mas, ao contrário desse contexto de práticas docentes que reproduzem e
reforçam o preconceito e a discriminação contra o negro, em nossa experiência
profissional na docência, foi possível perceber que alguns docentes (a partir do
diálogo) desenvolviam práticas que abarcavam a reflexão atinente à questão racial.
Tais docentes levavam para a sala de aula discussões que possibilitavam a reflexão
dos alunos acerca da sua identidade racial, bem como acerca da necessidade de
respeito diante da cultura do outro. Tal postura contribui para a desconstrução de
estereótipos e de estigmas referentes à história da população negra e afro-brasileira
nas salas de aula. Além disso, contribui para constituição da identidade e
autoimagem das crianças negras, desde a Educação Infantil.
Na nossa trajetória acadêmica (durante o Curso de Graduação em
Pedagogia), tivemos oportunidade de frequentar o Curso de Extensão Educação e
Relações Étnico-raciais, oferecido pela Universidade Federal de Pernambuco -
UFPE. Este curso nos possibilitou participar das discussões concernentes às
questões raciais, bem como o acesso a um amplo contingente de teóricos que
abordavam a temática. Passamos a conhecer autores como Munanga (2005),
Cavalleiro (2005) e Gomes (1995), que abordam situações de racismo nas relações
sociais na escola.
15
A aproximação com o referencial teórico acarretou uma maior sensibilidade
frente às relações interpessoais na sala de aula. Em outras palavras, o acesso a
esses aportes teóricos aumentou nossas exigências quanto ao respeito aos
estudantes no que refere às suas diferenças de classe, opção sexual, religião e
conflitos de natureza racial. Dessa feita, na academia, deparamo-nos com a tomada
de consciência acerca do pertencimento étnico-racial.
A partir de elementos provenientes do âmbito pessoal, profissional e
acadêmico, desponta a consciência do fato de que na cor preta da minha pele, bem
como do fato de que em cada fio de cabelo crespo, há marcas e traços da minha
história e das histórias dos meus ancestrais. Além disso, diante do fato de que a cor
da pele não diminui nem erradica a possibilidade de alcançar seus objetivos,
emergiu a força para resistir e lutar.
É nessa trajetória que é tecido o objeto desta pesquisa – a prática docente
promotora de igualdade racial -, a qual possibilita combater o racismo e a
discriminação na sala de aula. Além disso, contribui para formar cidadãos que
respeitem as diferenças, bem como valorizem a História e a Cultura Afro-Brasileira.
No Brasil, a discriminação racial ainda se faz presente em diversos espaços
sociais, entre os quais destacamos a escola. Esta, em muitos casos, é palco de
disseminação de práticas discriminatórias. Diante desse quadro, essa problemática
exige um maior aprofundamento, tanto sobre temática das questões raciais de forma
crítica, quanto da complexidade que envolve a prática pedagógica.
As práticas que consolidam o preconceito, a discriminação e a exclusão dos
negros nos diversos espaços sociais, muitas vezes, acontecem de maneira sutil, ou
seja, não é algo explícito, mas que acontece sutilmente, por meio de pequenos atos
do dia a dia. O racismo está tão internalizado na sociedade que as pessoas não
atentam para suas múltiplas e diversificadas formas de materialização, como, por
exemplo, piadas, músicas, campanhas publicitárias etc., que, de alguma forma,
podem trazer elementos, depreciadores da imagem do negro.
Essas práticas foram ganhando corpo na negação da cultura e da história da
população negra, em geral, contadas a partir do colonizador, do senhor de engenho,
menos pelos negros. Estes foram silenciados, tirando-lhes o direito de ser sujeitos
de sua própria história. O silenciamento em conflitos relacionados à questão racial e
à falta de discussões acerca da temática vem contribuir para a disseminação e para
a manutenção do racismo nos diversos espaços sociais, dentre eles, a escola.
16
Consoante Cavalleiro (2001), a escola não está livre de situações racistas.
Estas situações materializam-se de maneira sutil, por intermédio do silenciamento
das discussões e do tratamento diferenciado às crianças negras por parte dos
educadores. Muitas vezes, as situações de racismo na escola envolvem apelidos
ligados à cor da pele e ao cabelo dos estudantes, ou o silenciamento, por parte dos
professores. De acordo com Munanga (1996), esse silenciamento no espaço escolar
pode estar a serviço de uma ocultação ou negação de um aspecto importante.
Gomes (1995) acrescenta que esse silenciamento, por parte da escola, é a
grande dificuldade ou o medo que a instituição tem de discutir a questão racial,
sendo mais fácil acreditar no mito da democracia racial. Isto é, parece mais fácil a
crença que vivemos uma harmonia entre as raças: o branco, o negro e os indígenas,
conforme pregou-se por muito tempo, aqui, no Brasil, maquiando o racismo que se
materializa nas práticas cotidianas.
Os estudos de Gomes (1995), Munanga (1996) e Cavalleiro (2000)
demonstram que, apesar da escola ter contribuído para a conservação de práticas
racistas e discriminatórias, existe a possibilidade de sua transformação social.
Embora não ocorrerá somente mediante o combate ao racismo por meio da
legislação, mas também através de práticas pedagógicas que contribuam para
desconstruir ideias racistas e discriminatórias. Em outras palavras, práticas
pedagógicas que reconheçam e valorizem os estudantes negros, indígenas e outros,
a partir de ações afirmativas, tenham oportunidades, condições de acesso e
permanência nas escolas.
Contudo, as políticas educacionais passam a receber influência dos
movimentos sociais com relação às diferenças, tais como: os movimentos sociais
negros, cuja importância reside no fato de consistirem em espaços formativos, que
possibilitam a ampliação da cosmovisão dos sujeitos. Isto possibilita, ao negro,
repensar e reivindicar o seu lugar, e lutar por igualdade de oportunidades nos
diversos setores da sociedade.
Segundo Gohn (2007), os Movimentos Negros foram ressignificados nos anos
1990, deixando de ser apenas movimentos de manifestações culturais, para se
transformarem em movimentos que lutam contra o racismo e a discriminação racial,
bem como pela valorização da história e da cultura negra.
Diante desse contexto, a luta dos movimentos negros por políticas de ação
afirmativas passa a ser bastante intensificada. Em educação, acontece com o
17
propósito de assegurar o ingresso nas instituições de ensino, bem como sua
permanência e seu sucesso escolar. Além da garantia de apropriação do
conhecimento sobre a história e cultura africana e afro-brasileira, Lei nº 10.639/2003,
estabelece a obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura Africana e Afro-
brasileira no Ensino Fundamental e Médio de escolas públicas e privadas.
A esse respeito, Santos (2005, p. 32) destaca que
... no início de 2003, o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, reconhecendo a importância das lutas antirracistas dos movimentos sociais negros, reconhecendo as injustiças e discriminações raciais contra os negros no Brasil dando prosseguimento à construção de um ensino democrático que incorpore a história e a dignidade de todos os povos que participaram da construção do Brasil, alterou a Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996 (que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional) sancionando a Lei nº 10.639, de janeiro de 2003.
Segundo Santos (2005), não existem dúvidas que o estabelecimento da Lei nº
10. 639/03, consubstanciada na Lei nº 9.394/96, representou um avanço significativo
em prol da democratização do ensino e no reconhecimento da luta de movimentos
sociais negros por políticas de reparação e valorização de sua história, cultura e
identidade. Porém, a legislação, particularmente a normatização educacional, traduz
um debate nacional que não aparece com a mesma intensidade na prática
educativa.
Ainda respalda Santos (2005), que outro conjunto de medidas constitui as
políticas de ações afirmativas. Isto é, um conjunto de ações políticas com fim de
reparar as desigualdades raciais e sociais sofridas pela população negra. O foco é
erradicar o amplo contingente de desigualdades de acesso às oportunidades e aos
bens coletivos, bem como erradicar as diferenciações no tratamento face a grupos
minoritários. Diante desse quadro, as ações afirmativas emergem justamente com o
propósito de combater práticas discriminatórias. Além disso, essas ações atendem
ao Programa Nacional de Direitos Humanos e compromissos internacionais
assumidos pelo Brasil.
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das
Relações Étnico-raciais (BRASIL, 2004), as políticas de ações afirmativas têm como
meta o direito do negro se reconhecer como cidadãos participantes na construção
sócio-histórica do país, assim como garantir o acesso, a permanência e a conclusão
18
de cada nível de ensino. As políticas de ações afirmativas são de extrema relevância
para reparar, reconhecer e valorizar não só a cultura, mas também a história da
população negra.
A escola, como espaço de socialização de culturas, tem a possibilidade de
problematizar as questões étnico-raciais. Em outras palavras, por intermédio do
diálogo, busca-se levar o aluno negro a compreender a extrema importância da
participação do seu povo na construção e na evolução histórica do Brasil. Busca-se,
ainda, desenvolver o sentimento de pertencimento, o que proporciona uma postura
de resistência em face de humilhações. Ou seja, o aluno recusa-se a ser humilhado
e inferiorizado, em função da cor da sua pele. Pelo contrário, ele mobiliza-se em prol
de combater atitudes discriminatórias.
Conforme Young (2007), a escola tem o papel de “promover o conhecimento
poderoso”. Tal conhecimento irá emancipar os sujeitos, tornando-os críticos,
conscientes para combater a discriminação e o preconceito, isto é, a partir de uma
prática pedagógica docente que problematize a temática racial no contexto
educacional, valorizando e reconhecendo as diferenças. Essa tomada de decisão é
imprescindível, como educador e como cidadão, visto que contribui para a
viabilização da promoção da igualdade racial.
Nessa direção, buscamos aprofundar os estudos que tratam desta temática,
com foco na prática pedagógica docente promotora de igualdade racial. Para tanto,
realizamos um mapeamento da produção científica com o propósito de conhecer as
discussões acerca da temática e do objeto da pesquisa. Elegemos, como corpus, a
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd), por ser
uma instituição que mais agrupa produções na área de educação. Realizamos o
levantamento das produções em comunicação oral, utilizando-as para seleção dos
trabalhos e os descritores igualdade racial e prática docente.
Selecionamos os Grupos de Trabalhos (GTs): Educação e Relações Étnico-
raciais (GT 21), Didática (GT 04), Formação de Professore (GT 08) e Currículo (GT
12). O GT 21 é o que agrupa o maior quantitativo de trabalhos relativos à temática
da pesquisa, enquanto os demais possibilitam o conhecimento sobre a prática
pedagógica.
Analisamos as produções apresentadas como comunicação oral e pôster,
assim como teses e dissertações do PPGE. Utilizamo-nos dos descritores: Prática
Pedagógica, Prática Docente, Igualdade, Relações Étnico-raciais.
19
Localizamos um total de 161 produções sobre a temática, pelo GT Educação
e Relações Étnico-Raciais, que aglutina uma diversidade temática. As produções
tratavam da identidade, escolarização do negro, cultura afro-brasileira, estética
negra, discriminação, ancestralidade, diversidade, religiões de matrizes africanas,
ações afirmativas, mulheres negras, cotas, formação de professores, personagens
negros no livro didático, políticas afirmativas, currículo e jogos. Nesse grupo,
encontramos 3 (três) produções que fazem referência à prática pedagógica, objeto
desta pesquisa. Destacamos os trabalhos que faziam referência à prática docente,
no trato com as questões raciais no GT 211.
O estudo de Jesus (2008) coloca em evidência as micro-ações afirmativas
desenvolvidas por professores de uma escola pública. Neste estudo, a autora coloca
em relevo as práticas pedagógicas de professoras negras. As professoras têm
ciência da relevância do papel da educação na formação, bem como na construção
Identitária do alunado.
A autora faz uso da noção de Ações Afirmativas, buscando evidenciar, por
meio das narrativas das professoras negras, os referenciais de identificação dos
alunos por meio de suas práticas pedagógicas, estando elas comprometidas com a
superação de práticas racistas, que visa à transformação da realidade de exclusão a
que são submetidos, ainda hoje, na sociedade e, por consequência, no âmbito
escolar. Além disso, os achados da pesquisa evidenciam a busca do
aprofundamento teórico com o objetivo de compreender a prática pedagógica, tendo
como fundamento as questões étnico-raciais.
Jesus (2009) ratifica em outro trabalho que as práticas pedagógicas
evidenciam micro-ações afirmativas cotidianas das escolas, buscando compreender
o que trazem de possibilidades de transformação da realidade de racismo no
cotidiano escolar. Conforme a autora, as micro-ações afirmativas podem ser
definidas como práticas pedagógicas de cunho antirracista, bem como
comprometidas com a alteração e a modificação do quadro de desigualdade étnico-
racial presente na sociedade brasileira. Ela chama de micro-ações afirmativas por
serem desenvolvidas no micro espaço das escolas públicas.
1 Destes, Jesus (2008) e Silva (2011). A pesquisa de Silva (2011) é um recorte da sua pesquisa de mestrado no PPGE e a de Jesus (2008) é uma parcial de sua pesquisa, que, no ano de 2009, ela retoma, trazendo os resultados finais.
20
Silva (2009) analisou como se dá a materialização da construção da
identidade de professoras negras. Na visão da autora, as práticas das docentes são
instigadas pelo reconhecimento do seu pertencimento étnico-racial. Nos seus
estudos (2009), reconhece a autora que a prática curricular, baseada em Oliveira
(2015, p. 1), é definida como “práticas reais, complexas e relacionadas a fazeres e
saberes, tecidas pelos professores a partir de redes, muitas vezes contraditórias, de
convicções e crenças, de possibilidades e limites, de regulação e emancipação”.
Constatou que, a partir da afirmação do pertencimento racial dessas professoras,
suas práticas foram modificadas, de forma a ter atenção com as situações de conflito
racial na sala. Em síntese, o estudo mostra que as docentes foram fortemente
influenciadas pelo seu pertencimento étnico-racial, impulsionando-as a modificar sua
prática.
A produção acadêmica mostra a importância de práticas docentes que
desenvolvam um trabalho contínuo de combate ao racismo e à discriminação, bem
como a valorização da história, cultura e da identidade negra nas salas de aula.
Messias (2009) debruça-se sobre o propósito de analisar como se deu o
processo de elaboração e implantação das Políticas de Promoção da Igualdade
Racial na Secretaria de Educação do Município de Recife, abarcando o período de
2005 a 2008. Segundo a autora, as políticas vão além da desconstrução de ideias
racistas, uma vez que é necessário incidir na qualidade de vida da população negra,
a partir do acesso a oportunidades e de direitos. A pesquisa mostra que, na
educação, essas ações estavam centralizadas na formação continuada, entretanto,
elas aconteciam de maneira esporádica e apenas um pequeno número de
professores participava dessas formações.
As pesquisas mostram a importância do ato de dar visibilidade às práticas
docentes que tratam das questões étnico-raciais. Tais práticas estão interligadas ao
processo de construção identitária dos professores e consistem no aprofundamento
teórico sobre a temática, levando-os a refletir e a mudar a sua prática.
Apesar das dificuldades que os professores enfrentam para trabalhar a
temática da questão racial no campo educacional - como é o caso da falta de
conhecimento sobre a temática, falta de formação continuada e a desvalorização do
profissional - existe um grupo que a partir do seu pertencimento busca transcender a
prática tradicional.
21
Em outras palavras, mesmo diante dos entraves que dificultam a abordagem
da questão racial no campo educacional, há docentes que buscam erradicar práticas
mecanicistas ancoradas no depósito de conteúdo, estimulando a reflexão acerca de
temáticas presentes na contemporaneidade, como é o caso da questão racial,
mobilizando-nos para a pesquisa.
Neste trabalho, tomamos como referencial teórico as contribuições de Souza
(2009) para discutir a prática pedagógica docente que vise à promoção da igualdade
racial. Concebemos a prática docente como as ações traçadas para trabalhar com
os estudantes o respeito às diferenças presentes no campo social, assim como
trabalhar a questão da valorização da história, da cultura e da identidade afro
(africana e afro-brasileira).
Encaminhamos nossa curiosidade epistemológica para o seguinte
pressuposto: os professores que desenvolvem uma prática promotora de igualdade
racial vivenciada, desde a Educação Infantil, contribuem com o reconhecimento e
com a valorização da História e Cultura Africana e Afro-brasileira, bem como com o
fortalecimento das identidades étnicas. Diante desse pressuposto, emerge a
formulação da questão central desta pesquisa: como se materializa a prática
pedagógica docente que visa à promoção da igualdade racial, desde a Educação
Infantil, na Rede Municipal da Cidade do Recife?
Essa questão pode ser recortada em questionamentos que orientarão a
pesquisa, a saber: (I) o que mobiliza esses professores a trabalharem dessa forma?
(II) como eles lidam com as questões de natureza racial na sala de aula? (III) como o
professor escolhe e organiza o material didático para o trabalho da temática em
foco? (IV) como organiza o tempo e o ambiente para o trabalho com as questões
raciais?
A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar a prática pedagógica
promotora da igualdade racial na Educação Infantil; especificamente, pretende: (I)
caracterizar as práticas promotoras de igualdade racial; (II) analisar como os
professores escolhem e utilizam o material didático para o trabalho com as questões
raciais; (III) analisar como os professores lidam com as questões raciais na sala de
aula.
A pesquisa está estruturada em cinco capítulos. No primeiro capítulo,
tecemos a introdução , no segundo elaboramos o referencial teórico, no qual
discutimos a prática pedagógica, a partir dos aportes teóricos de Souza (2009).
22
Ainda neste capítulo, trazemos à tona a temática da prática docente fundamentada
no pensamento freireano e a igualdade racial com base nos estudos de Gomes
(1994, 2002, 2003, 2006, 2007, 2012), Sposati (2002), Schwarz (1993), Alves
(2013), Jaccoud e Beghin (2002) e normativas legais.
No terceiro capítulo, descrevemos os procedimentos metodológicos utilizados
na construção deste estudo. Para tal, remetemo-nos aos referenciais que guiaram a
condução da pesquisa, bem como os instrumentos e procedimentos utilizados para a
coleta e análise dos dados. No quarto capítulo, descrevemos os achados e a análise
da pesquisa. Por fim, o último capítulo, as considerações que se voltam como
síntese para o conhecimento construído.
23
2. PRÁTICA PEDAGÓGICA DOCENTE E IGUALDADE RACIAL
Toda prática educativa libertadora, valorizando o sentido da vontade,
da decisão, da resistência, da escolha; o papel das emoções, dos
sentimentos, dos desejos, dos limites; a importância da consciência
histórica, o sentido ético da presença humana no mundo, a
compreensão da história como possibilidade, jamais como
determinação, é substantivamente esperançosa e, por isso mesmo,
provocadora da esperança (FREIRE, 2000, p. 48).
Neste capítulo, colocamos em discussão as categorias que fundamentam
esta pesquisa. Remetemo-nos, aqui, à prática pedagógica docente e à igualdade
racial.
De acordo com Freire (2013), a prática docente crítica implica um processo
dinâmico entre a reflexão e a ação. Em outras palavras, nas postulações do referido
autor, a prática é algo que envolve a constante reflexão, consistindo, assim, em
elementos diretamente vinculados. Desse modo, a reflexão sobre uma prática que
vise à promoção da igualdade racial, na primeira etapa da Educação Básica,
possibilita o reconhecimento e a valorização da história e da cultura negra. Além
disso, é necessário fortalecer a identidade e autoimagem da criança negra.
Desse modo, a abordagem da prática pedagógica docente visando à
promoção da igualdade racial - objeto de estudo desta pesquisa - nos leva,
inicialmente, a tratar o conceito de prática pedagógica. Para isso, ancoramo-nos nos
pressupostos teóricos de Souza (2009), sem isolá-lo da produção acadêmica.
Em seguida, abordaremos o conceito de prática docente, apoiamo-nos, para
tal, nos aportes teóricos de Cunha (1989), Veiga (1989), Zabala (1998), Freire
(2013) e Souza (2009). Quanto à igualdade racial, pautamo-nos nos arcabouços
teóricos de Schwarz (1993), Sposati (2002), Gomes (1994, 2002, 2003, 2006, 2007,
2012), Alves (2013) e no marco legal. Este coloca em notoriedade a prática
pedagógica docente, na perspectiva da promoção da igualdade racial.
2.1 Prática Pedagógica
Como mencionamos anteriormente, a prática pedagógica - objeto de estudo
desta pesquisa - encontra-se apoiada nos postulados de Souza (2009), é uma
prática social, pois compreende que a formação humana acontece nas mais
24
diversas instituições formativas, como: igrejas, sindicatos, movimentos sociais e
também na escola.
Conforme Brandão (1981, p. 9), não existe uma única forma de educação,
muito menos um único modelo, nem a escola é o único lugar para que ela aconteça,
pois existem diversos tipos de educação e que podem ser encontrados nos “povos
das aldeias, caçadores, agricultores; em sociedades camponesas, em países
desenvolvidos e industrializados”. São diversas maneiras de se transmitir valores,
tradições, códigos sociais, formas de trabalho e costumes.
Segundo Brandão (1981, p. 12), o conceito de educação foi construído
socialmente, a partir da troca de experiências em diversos grupos sociais e tem a
função de transformar os sujeitos. E a escola é um dos lugares onde ela acontece.
Desse modo, compartilhamos do mesmo entendimento de Freire (2013) e Souza
(2009) sobre a função social da prática pedagógica, que é humanizar os sujeitos.
Souza (2009) entende a prática pedagógica como uma prática mais ampla,
pois ela se constitui uma ação plural, institucional, coletiva e relacional, tendo como
finalidade humanizar os sujeitos.
Segundo Guimarães e Santiago (2014, p. 7),
A prática pedagógica enquanto ação coletiva institucional e intencional, situada contextualmente, de modo que, o caráter institucional gera a realização de ações decididas sob orientações específicas consequentes dos interesses coletivos, organizados a partir de concepções sobre qual seja o papel da educação, dos conhecimentos pedagógicos que a estruturam e das finalidades a serem atingidas.
A prática pedagógica também é marcada pela sua ação institucional. Ou seja,
a materialização da prática pedagógica tem como marca os objetivos e as metas de
uma instituição situada em um determinado contexto sócio-histórico. Outra marca é
sua ação relacional e intencional, isto é, a relação desenvolvida pelos sujeitos
(gestor, docente e discente), com foco nos processos de ensino e de aprendizagem.
Tal postura é defendida por Souza (2009, p. 31).
Desse modo, a noção de prática pedagógica formulada pelo autor não se
limita apenas ao docente. Pelo contrário, abarca os diferentes sujeitos presentes no
campo educacional, bem como envolvidos nos processos de ensino e de
aprendizagem. A noção de prática pedagógica postulada pelo autor abarca,
portanto, a junção entre esses sujeitos, em prol da construção da aprendizagem do
25
discente, o que erradica a perspectiva do docente como único incumbido de
assegurar a construção da aprendizagem do alunado.
A práxis pedagógica seja em tempus e um lócus de realização intencional e organizada da educação. Um lócus em que se realiza a educação de maneira coletiva, organizada com intencionalidades explícitas (finalidade e objetivos) de forma escolar ou não escolar (SOUZA, 2009, p. 34).
Hoje, a prática pedagógica é tida como algo marcado estoicamente pelas
relações entre os sujeitos envolvidos nos processos de ensino e de aprendizagem.
Na ótica do autor, a prática pedagógica também tem como marca constitutiva a
coletividade, ação que se estabelece nas relações de diversas práticas: a prática
gestora (que é a prática dos gestores), a prática docente (que é a prática do
professor), a prática discente (que é a prática do aluno) e a prática gnosiológica
(aquela que produz conhecimento). Essa perspectiva teórica de prática dissipa uma
noção vetusta marcada pela individualidade do docente.
Neste sentido, a prática pedagógica, em Souza (2009), é compreendida de
forma mais ampla, entendendo que o docente não deve ser o único responsabilizado
pela reprodução e pela propagação de ideologias racistas, assim como
discriminatórias, no espaço escolar.
Múltiplos e diversificados fatores interferem na materialização de uma prática
pedagógica que contemple o trabalho com questões raciais. Dentre eles, podemos
mencionar: a ausência de formação continuada sobre a história africana e afro-
brasileira, a falta de material didático para o trabalho com as questões raciais, a
ausência da temática no Projeto Político Pedagógico da escola e em projetos
didáticos. Há, assim, um vasto contingente de elementos que contribuem para a
perpetuação de posturas discriminatórias e racistas no contexto educacional. Desse
modo, a prática pedagógica acontece nas relações entre os sujeitos da instituição
escolar, tendo como finalidade a formação humana de sujeitos humanizados. A
prática pedagógica é, portanto, algo marcado pela coletividade, dissipando, assim, a
individualidade.
Como enfatiza o autor (2009, p. 31), “A concepção de PRÁXIS PEDAGÓGICA
que se quer construir parte da suposição de que se trata de uma ação coletiva,
institucional, portanto, ação de todos os sujeitos (discentes, docentes e gestores)”.
26
Souza (2009) compreende a práxis pedagógica como conexão e/ou junção da
ação dos sujeitos envolvidos no contexto educativo. Ora, a práxis pedagógica
envolve, desse modo, a união de diversas práticas, tais como: a prática discente, a
prática docente e a prática gestora, estando estas mediadas pelo conhecimento, em
prol da formação humana do sujeito. O autor, inclusive, tece uma crítica ao fato de o
modelo educacional não abarcar as práticas culturais. No dizer do autor, o modelo
educacional “quase nunca é organizado a partir de atividades culturais para o
desenvolvimento da cultura” (2009, p. 37). A proeminência é dada aos livros
didáticos que são tomados como “bússolas” no campo educacional. A partir destes,
ocorre o foco na memorização de conteúdos e, consequentemente, sua aplicação
em provas. Estas são utilizadas como recursos para viabilizar o ato de medir o
“aprendizado” dos alunos.
Nesse sentido, a prática pedagógica tem sua materialização assegurada nas
relações entre os diversos sujeitos nela envolvidos, tendo como propósito facultar,
por intermédio da educação, a “formação de uma sociedade capaz de criar
condições para que todos vivam dignamente no contexto da diversidade cultural que
nos encontramos, portadoras de possibilidades e negatividades” (SOUZA, 2007, p.
182).
Diante dessa perspectiva, o desenvolvimento de um trabalho pedagógico que
contemple a temática étnico-racial é algo de fundamental importância. A relevância
desse trabalho está no fato de combater as desigualdades raciais, bem como as
bases ideológicas que as sustentam.
Consoante Freire (2013), a perspectiva educacional ancorada na
transferência e na recepção passiva de conteúdos consiste em um ato de depositar.
Nessa perspectiva de ensino, a proeminência é concedida ao docente, que é
incumbido de transferir conteúdos aos alunos. A proeminência é concedida, ainda,
às repetições, às memorizações e às reproduções mecânicas. Nessa roupagem de
ensino, a educação é tida como uma doação, que está fundamentada em uma
ideologia de submissão e opressão.
Ainda com base em Freire (2013, p. 81), “a rigidez destas posições nega a
educação e o conhecimento como processo de busca”. Dentro dessa perspectiva, o
autor defende, veementemente, a valorização da reflexão e da problematização, em
prol da construção do conhecimento. Dito de outro modo, o referido autor coloca em
evidência o conhecimento experiencial. Este deve ser tomado como ponto de partida
27
para instigar os alunos a pensar, a refletir e a problematizar as questões
provenientes da esfera cotidiana. A reflexão e a problematização são, portanto,
elementos que definem a perspectiva educacional postulada pelo referido autor.
Dessa feita, é fundamental compreender a prática educativa como algo que
transcende a transferência de saberes. A prática educativa é algo que tem como
marca os vínculos advindos das relações sociais, estando marcada estoicamente
pelo diálogo e pela interlocução. Em outras palavras, a prática educativa é marcada
não pelo isolamento, mas, sim, pela capacidade que os sujeitos têm de interagirem
com os demais, colocando-se em relação aos outros, recorrendo, para isso, ao
diálogo. Com isso, na perspectiva freireana, a notoriedade é concedida ao diálogo,
que faculta a promoção da consciência do sujeito acerca da sua condição de ser
humano inacabado. E, diante dessa condição, este sujeito busca compreender a
realidade do mundo. Aqui, entra em cena o papel da reflexão no ato de construir o
conhecimento, o que extingue a perspectiva da transmissão e reprodução dos
conteúdos.
Freire (1996) postula que o conhecimento experiencial dos alunos faculta a
promoção do aprofundamento do objeto cognoscível. Este, por sua vez, contribui
substancialmente para a reelaboração dos próprios saberes de docentes e
discentes. Na proposta do autor, isso acontece a partir da práxis - de uma prática
que tenha como intencionalidade formar o cidadão crítico -, recorrendo, para tal, à
ação e à reflexão permanente, o que acarreta, por conseguinte, a transformação da
realidade social. Desse modo, estaremos rompendo com o que o autor denomina de
Ensino Bancário e/ou Tradicional. Neste viés de ensino, o aluno é incumbido de
simplesmente receber, sendo compreendido como uma Tábua Rasa e/ou Folha em
Branco.
De acordo com Freire (2013), a educação, sendo vista como um processo de
ressocialização, se materializa na inter-relação da recognição e da reinvenção
humana. Com isso, pode contribuir para a transformação da realidade social e
pessoal pela produção de novos conhecimentos e novas práxis. A Recognição, na
perspectiva freireana, pode ser definida como as modificações ocorridas na maneira
de pensar e compreender a si próprio, bem como as transmutações ocorridas na
forma de conceber a cultura e as instituições sociais. Já a Reinvenção consiste nas
modificações ocorridas nas emoções e nas ações.
28
Para Vázquez (1915), o termo práxis é proveniente da língua grega, tendo
como significado a ação. Isto é, a práxis pode ser definida como sendo uma
atividade realizada pelo homem, mas nem toda atividade é práxis. Toda atividade só
é considerada práxis quando transforma o mundo natural e social em um mundo
mais humano.
Freire (2001) compreende a práxis como sendo uma atividade de cunho
social e transformadora, ou seja, “ação e reflexão dos homens sobre o mundo para
transformá-lo” (FREIRE, 2001, p. 67). Dessa forma, para que uma dada atividade
seja tida como práxis, é necessário que esteja calcada na ação e na reflexão, em
prol da transformação social. No caso desta pesquisa, a práxis pedagógica assume
a significação de conjunto de ações adotadas no campo escolar, entretanto,
focaremos nosso olhar para os professores, sob a perspectiva das questões étnico-
raciais. A práxis, aqui, tem como finalidade não só combater o racismo, como
também promover a igualdade racial. Nesse sentido, a adoção de práticas
promotoras de igualdade racial demanda uma revisão no currículo escolar, na
prática pedagógica e nas relações sociais, em uma perspectiva de emancipação e
empoderamento.
2.2 Prática Pedagógica Docente
A prática pedagógica docente, nas postulações de Souza (2009), é
compreendida como uma das dimensões da prática pedagógica. Ela tem como
marca constitutiva as relações traçadas entre o professor e o estudante, sendo
mediada pelo conhecimento dos conteúdos que ganha corpo nos processos de
ensino e de aprendizagem.
Consoante Tardif e Lessard (2009), a disseminação dos postulados acerca da
temática da prática pedagógica tem início, a partir da década de 1980, nos Estados
Unidos. Em virtude das modificações de natureza econômica, política e social da
época, havia a necessidade da elaboração/formulação de um diagnóstico mais
preciso sobre a educação. É nesse contexto paradigmático que emergem as
pesquisas sobre a temática da prática pedagógica. Para alguns autores, como é o
caso de Cunha (1989), Veiga (1989) e Zabala (1998), a prática pedagógica e a
prática docente podem ser conceituadas como termos equivalente e/ou sinônimos.
29
De acordo com Veiga (1989, p. 16), a prática pedagógica consiste em “uma
prática social orientada por objetivos, finalidades e conhecimentos, e inserida no
contexto da prática social. A prática pedagógica é uma dimensão da prática social
que pressupõe a relação teoria-prática”.
Freire (1991) ressalta que a função social da prática educativa está na sua
diretividade, nos objetivos e nos sonhos. Isso faz com que ela esteja sempre calcada
em uma perspectiva política, deixando de lado a neutralidade. Na sala de aula, todas
as ações traçadas pelo professor têm objetivos e propósitos a serem alcançados,
sendo necessário o cuidado para não disseminar ideologias discriminatórias e
excludentes. O foco, aqui, recai sobre uma prática pedagógica canalizada para a
transformação social.
Na ótica de Veiga (1989), a noção de prática não se resume ao ato de
ensinar. Pelo contrário, há vários elementos constitutivos, como, por exemplo, a
compreensão acerca da organização do ensino na escola, do ato de planejar os
conteúdos, do processo de aprendizagem e de avaliar. Dessa feita, a prática
docente advém das experiências, assim como da compreensão e da percepção que
o docente efetua da realidade. Diante dessa perspectiva, a ação do professor não
depende especificamente dele, mas, sim, dos valores e dos interesses sociais onde
a escola está inserida.
Cunha (1989) entende a prática docente como um processo emancipatório.
Nesse processo, o professor é, simultaneamente, determinante e determinado. Isso
acontece, porque a escola é contextualizada. Dito de outra forma, a prática docente
pode ser definida como uma ação social. A partir de uma ruptura com o paradigma
tradicional, pode facultar a promoção de melhores condições de ensino.
No dizer da referida autora, a ação do professor é construída e reconstruída
em um processo coletivo. Em outras palavras, a partir da prática, desponta a
possibilidade da efetivação da aprendizagem entre os pares (professor/aluno,
aluno/aluno), assim como a possibilidade de refletirem sobre a própria ação. Essa
“reflexão crítica sobre a prática é uma exigência da relação teoria e prática, qual a
teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo” (FREIRE, 2002, p. 11).
Na visão de Cunha (1989, p.168), o conceito de bom professor valorativo está
relacionado com a sua prática, com o tempo e o lugar. Tal conceito foi construído
socialmente e caracteriza o professor como o ideal. O bom professor é caracterizado
pelos seguintes aspectos: reflete sobre a sua prática; participa das formações;
30
domina o conteúdo; valoriza o saber experiencial dos alunos e sabe articulá-lo com o
conteúdo, fazendo associações com o cotidiano; gosta de ensinar; gosta de gente;
planeja suas aulas; entende que avaliar é um processo que não se resume à soma
de notas no final do semestre, mas proporciona aulas criativas pelas quais os alunos
aprendam de forma significativa. Por fim, a autora conclui que “mesmo os bons
professores, aqueles que buscaram desenvolver um trabalho diferenciado acabam
repetindo uma pedagogia passiva, por ser pouco crítica e criativa”. ( CUNHA, 1989,
p.168)
Zabala (1998) aborda a aprendizagem dos conteúdos como sendo a
efetivação da função social da prática do professor. Para o autor, os conteúdos de
aprendizagens são “todos aqueles que possibilitam o desenvolvimento das
capacidades motoras, integrais, afetivas, de relação interpessoal e de inserção
social” (1998, p. 37).
Na ótica do referido autor, a prática docente é compreendida como sendo o
saber fazer do professor. Isto é, a ação do professor no espaço escolar, que tem a
incumbência de viabilizar a formação global dos alunos. Entretanto, em “qualquer
intervenção pedagógica consciente, se esconde uma análise sociológica e uma
tomada de posição que sempre é ideológica” (ZABALA, 1998, p. 29). A partir dessa
visão acerca da finalidade da prática docente, é fundamental uma reflexão crítica da
história de vida dos alunos, bem como da sociedade na qual estão inseridos.
Freire (2002) afirma que, para uma aprendizagem significativa, é necessário
que o professor crie condições que favoreçam a aprendizagem dos alunos,
estimulando e ajudando-o a desenvolver sua autonomia, ao se reconhecer como
arquiteto do seu próprio conhecimento.
Para Freire (2006, p. 120),
O conhecimento se cria, se inventa, reinventa, se apreende. Conhecimento se faz. O aluno conhece na medida em que, apreendendo a compreensão\ profunda do conteúdo ensinado, o aprender. Aprender o conteúdo passa pela prévia apreensão do mesmo.
Segundo o referido autor (2013), os processos de ensino e de aprendizagem
transcendem a abordagem conteudística, visto que a construção do conhecimento
acontece na compreensão do significado. Ou seja, a construção do conhecimento
transcende a reprodução mecânica de conceitos e informações. Com isso, a
31
aprendizagem deve ser significativa, facultando a promoção de um processo de
elaboração e de construção dos conceitos.
Zabala (1998) efetua uma bem sucedida categorização dos conteúdos,
abordando seus formatos de organização. É necessário salientar que o trato com
esses formatos de conteúdo está diretamente vinculado à prática docente. Aludimos,
aqui, aos conteúdos conceituais/factuais, procedimentais e atitudinais.
Os Conteúdos Conceituais e/ou Factuais estão diretamente relacionados ao
desenvolvimento de competências, a partir das informações. Dito de outra forma,
esse tipo de conteúdo é marcado pela reflexão, pela problematização e pela
construção de significados diante das informações. Não se trata apenas de expor
conceitos e informações. Mas, sim, de problematizar, de levar o aluno a refletir e,
sobretudo, aplicar tais conceitos na sua esfera social. Aqui está a dimensão do
desenvolvimento de competências. Ou seja, o aluno não reproduz conceitos e
informações expressas em livros escolares. Mas é levado a refletir acerca da sua
aplicação no seu cotidiano, vivenciando, dessa maneira, os conteúdos. Para garantir
uma aprendizagem significativa, é fundamental a realização de “atividades
complexas que provocam um verdadeiro processo elaboração e construção pessoal
do conceito” (ZABALA, 1998, p. 43).
Os Conteúdos Procedimentais estão diretamente vinculados às ações e aos
procedimentos – estratégias, metodologias e técnicas – mobilizados em prol do ato
de chegar a determinados objetivos. Esse tipo de conteúdo é marcado pela
realização de ações ordenadas e sequenciais – planejar, elaborar, executar, decidir
etc. - com fins de alcançar determinados objetivos.
Para Zabala (1998), a aprendizagem de um procedimento está
intrinsecamente ligada não só à realização das ações, mas também à constante
reflexão acerca da atividade e da sua aplicação em múltiplos e diversificados
contextos situacionais.
Os Conteúdos Atitudinais estão diretamente ligados às atitudes, às normas,
às posturas, aos posicionamentos e aos valores presentes no contexto escolar. Esse
tipo de conteúdo é marcado pela reflexão acerca das ações e, em especial, acerca
das intenções subjacentes. Aqui, entra em cena a questão ideológica. Em outras
palavras, quais as ideologias subjacentes que se fazem presentes no contexto
educacional.
32
Os postulados freireanos materializam diversos elementos atinentes aos
conteúdos supracitados acima. Segundo Freire (2001), a prática tem como
características: a valorização dos conhecimentos experienciais dos alunos, a
reflexão crítica e a problematização das questões do cotidiano. Não se trata de uma
mera reprodução mecânica de informações. Mas, sim, de verificar aquilo que o aluno
traz consigo (leia-se conhecimentos prévios), de instigar a reflexão e a
problematização dessas informações face as rotinas cotidianas. Freire (2001, p. 34)
afirma que,
Enquanto prática social a prática educativa, em sua riqueza, em sua complexidade, é fenômeno típico da existência, por isso mesmo fenômeno exclusivamente humano. Daí, também, que a prática educativa seja histórica e tenha historicidade. A existência humana não tem o ponto determinante de sua caminhada fixado na espécie. Ao inventar a existência, com os “materiais” que a vida lhes ofereceu, os homens e as mulheres inventaram ou descobriram a possibilidade que implica necessariamente a liberdade que não receberam mas que tiveram de criar na briga por ela.
Para o autor supracitado, a prática do professor tem como marca constitutiva
os seguintes elementos: objetivos; conteúdos; métodos, técnicas e processos de
ensino. Entretanto, a presença dos sujeitos envolvidos no processo de construção
do conhecimento e as trocas traçadas entre ambos são algo que define a
perspectiva de prática postulada por Freire (2001). Na ótica do autor, são essenciais
a presença do docente e a do discente. O primeiro não só ensina, mas também
aprende. O segundo, por sua vez, não só aprende, como também ensina. Na
perspectiva freireana, a prática educativa é marcada estoicamente pelas trocas
dialógicas entre docentes e discentes. A prática educativa, aqui, assume uma
perspectiva dialógica. A dialogicidade é, portanto, o elemento chave que reflete os
postulados freireanos acerca da prática educativa.
Freire (1980, p. 39) salienta que
É preciso que a educação esteja – em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos – adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com as outras homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história.
33
Outro elemento constitutivo da prática educativa são os objetivos do
conhecimento. Dito de outra forma, os conteúdos abordados pelo professor devem
possuir relação com as rotinas cotidianas, estimulando os alunos a acompanhar não
só sua abordagem, como também o movimento do seu pensamento. A aula desse
professor é sempre um desafio, pois os alunos não cochilam e não cansam, mas
estão sempre com dúvidas e incertezas (FREIRE, 1996).
Essa perspectiva reforça as postulações freireana pautadas na noção/visão
de homem como ser histórico e inconcluso, bem como situado no tempo e no
espaço marcado pela historicidade. Na fala do autor, é a partir da “consciência do
mundo e a consciência de si inacabado necessariamente inscrevem o ser
consciente de sua inconclusão num permanente movimento de busca” (FREIRE,
2002, p. 33).
Segundo Freire (2013), em virtude de estar ciente de sua incompletude,
emerge o constante desejo de busca do homem. Nesse processo constante de
busca, o homem - consciente de seu inacabamento – assume o papel de sujeito
histórico, adquirindo a possibilidade de ser humanizado. Nesse contexto, o homem
tem a possibilidade de compreender a prática educativa como algo marcado pela
dimensão social. A prática educativa é, portanto, algo que tem como marca as
relações e o diálogo, em prol da humanização dos sujeitos.
No dizer de Freire (2013), a prática educativa como dimensão social tem
como marca constitutiva: a compreensão do ser inacabado, a esperança, a ética, a
humildade, o bom-senso, a rigorosidade metódica, a criticidade, o respeito à
autonomia, a identidade dos educandos, a curiosidade, a esperança e uma prática
dialógica. Esses são os elementos que refletem o viés social da prática educativa.
O ser humano - homens e mulheres - só toma consciência de seu
inacabamento a partir de um processo constante de autorreflexão, bem como da sua
natureza investigativa. Daqui, emerge a necessidade da educação.
Nesse sentido, a prática educativa deve estar calcada na ética. Em outras
palavras, deve haver relação entre aquilo que é falado e vivenciado, corporificando a
teoria na prática. Freire (2013) enfatiza, inclusive, que o professor deve ter uma
postura ética de respeito ao educando, por seu gosto estético, por sua curiosidade e
por sua linguagem. O professor autoritário – aquele que impõe limites à liberdade do
aluno - estará erradicando a perspectiva da inconclusividade humana.
34
Para Freire (2013), ensinar é um ato que abarca a humildade, a tolerância e a
luta, em prol da defesa dos direitos dos educadores. Tal atividade faz parte do leque
de elementos constitutivos da prática docente, e como também deve ser
compreendido como algo extremamente relevante, visto que remete à questão da
luta por dignidade.
A questão da valorização da profissão docente consiste em um elemento
fulcral, para facultarmos a efetivação de uma educação de qualidade. Com isso, o
docente dever exercer uma prática calcada no comprometimento e no tal deve ser
compreendido, dever estar engajado politicamente, tendo uma postura consciente e
crítica. Ora, a profissão docente não deve ser uma atividade exercida como mero
recurso de complementação de renda. Mas deve ter comprometimento com as
diversas questões, que revestem a profissão docente.
Nesse processo de luta, é de fundamental importância o ato de cultivar a
humildade, a tolerância, a solidariedade e a amorosidade na prática do respeito. Isso
tanto em relação a si, como aos outros. Dessa feita, o respeito por si próprio e pelos
demais não é algo que transcende a prática docente. Pelo contrário, esse elemento
é constituinte da prática. Tal situação também se aplica a respeito do discente, em
prol da identidade e da dignidade do aluno.
O ato de facultar a promoção de condições favoráveis de estímulo ao
desenvolvimento da autonomia do aluno também faz parte da prática educativa. A
proeminência, aqui, recai sobre o ato de aguçar a capacidade de criticidade dos
alunos, com foco na curiosidade epistemológica. Sobre isso, Freire (2003, p. 78)
afirma que
Não é a curiosidade espontânea que viabiliza a tomada de distância
epistemológica. Essa tarefa cabe à curiosidade epistemológica –
superando a curiosidade ingênua, ela se faz mais metodicamente
rigorosa. Essa rigorosidade metódica é que faz a passagem do
conhecimento do senso comum para o do conhecimento científico.
Não é o conhecimento científico que é rigoroso. A rigorosidade se
acha no método de aproximação do objeto. A rigorosidade nos
possibilita maior ou menor exatidão no conhecimento produzido ou
no achado de nossa busca epistemológica.
Segundo Freire (2013), a curiosidade consiste em uma necessidade advinda
do processo de criação da existência humana. Para o referido autor, a educação
consiste em um ato de conhecimento constituído, em face da problematização, da
35
busca e do pesquisar. Dessa forma, é necessária a rigorosidade metodológica, para
que o ser humano possa perceber a realidade circundante e a si próprio como
sujeito sócio-histórico. Em virtude da reflexão crítica, o sujeito torna-se consciente,
aguçando sua curiosidade epistemológica, o que faculta a sua autonomia.
Contudo, a prática educativa não erradica o respeito ao senso comum do
alunado. Pelo contrário, “implica o compromisso do educador com a consciência
crítica do educando, cuja promoção da ingenuidade não se faz automaticamente”
(FREIRE, 1999, p. 33).
Dessa forma, o professor tem a possibilidade de facultar a promoção de
condições, que estimulem a pergunta e a reflexão crítica. Isso materializa a
dialogicidade dos aportes freireanos. Como postula o autor, “professores e alunos
saibam que a postura deles, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não
apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O importante é que o professor e os
alunos se assumam epistemologicamente curiosos” (FREIRE, 1999, p. 95).
O ato de ensinar também exige apreensão da realidade. Na sua prática
docente, o professor reconhece a capacidade de aprendizagem do aluno, podendo,
consequentemente, intervir na sua realidade com o propósito de mudá-la. O
professor tem a possibilidade de instigar a promoção de uma prática como diálogo.
Essa prática se materializa em uma perspectiva de problematização, viabilizando a
criação de vínculos entre o ser humano e o contexto.
O diálogo é constituído pelas dimensões da criticidade e da amorosidade,
tendo sua materialização evidenciada na postura do professor que luta contra a
discriminação e o preconceito. Essa luta advém da problematização diante da
abordagem de questões historicamente construídas. Nessa perspectiva, a prática
docente é, aqui, concebida como uma ação transformadora, que se renova enquanto
práxis, ou seja, na ação-reflexão.
De acordo com Souza (2009), a prática docente não é algo isolado. Pelo
contrário, ela é composta por um leque de práticas. Remetemo-nos, aqui, à prática
do gestor, à prática docente e à prática do aluno, sendo mediados pela construção
do conhecimento no espaço escolar. A prática docente é, também, uma prática
social, visto que sua materialização acontece mediante a relação e os vínculos entre
professor, alunos e conhecimento, sendo materializados a partir dos processos de
ensino e de aprendizagem. Souza (2009, p. 24) postula que
36
A professora e o professor não têm prática pedagógica. Têm prática
docente. A prática docente é apenas uma das dimensões da prática
pedagógica interconectada com a prática gestora, a prática discente,
a prática gnosiológica e/ou epistemológica (SOUZA, 2009, p. 24).
Souza (2009) afirma que a função social da prática pedagógica está na sua
coletividade, institucionalidade e intencionalidade. Isso remete aos atos dos sujeitos
no contexto educacional, em prol de facultar a promoção da humanização. Em
outras palavras, viabilizar a promoção do engajamento social e político dos sujeitos,
instigando, assim, uma postura ativa diante da tomada de decisões civis, políticas e
sociais. Diante dessa perspectiva, a prática docente adquire o papel de viabilizar a
interpretação das ambiguidades, das contradições e dos conflitos.
Souza (2009) tece argumentos opinativos acerca do processo de construção
dos conteúdos pedagógicos. Estes são compostos pelos conteúdos educacionais,
instrumentais e operativos, os quais direcionam o Projeto Político Pedagógico
(doravante PPP) da escola.
Os conteúdos educacionais (saberes informais) são tomados como conteúdos
instrumentais (saberes formais) e projetados pelos conteúdos operativos, por meio
de projetos destinados a intervir no espaço escolar. Por exemplo, o docente pode
dialogar com alunos acerca de práticas de violência sofrida por pessoas negras nas
redes sociais, no futebol ou em outros espaços. Ao fazer isso, ele toma como
conteúdos educativos a serem expressos pelos conteúdos instrumentais, por meio
da história da população negra com foco na luta e na resistência. Tudo isso é
projetado pelos conteúdos operativos, através de projetos didáticos e de planos
sequenciais, que trabalhem com os alunos a identidade do negro, a história e a
cultura. Desse modo, o professor estará trabalhando um conteúdo pedagógico, que
visa à igualdade racial na sala de aula.
Dessa forma, a prática docente é dirigida por um projeto educativo com
possibilidade de ser colocada "em favor da emancipação permanente dos seres
humanos, considerados como classe ou como indivíduos, educação que se põe
como um quefazer histórico em consonância com a também histórica natureza
humana, inclusive, finita, limitada” (FREIRE, 1991, p. 72). Diante disso, uma prática
docente que tem como finalidade promover a igualdade racial reconhece e valoriza a
diversidade étnica, assim como o combate ao preconceito e à sua discriminação.
37
Isso acontece a partir do currículo, do Projeto Político Pedagógico e da prática
pedagógica da instituição.
2.3 Igualdade Racial
A luta dos grupos excluídos por um tratamento ancorado na perspectiva da
igualdade não é algo recente. É luta bastante antiga, remetendo à Roma que para
ser alçado ao posto de cidadão era preciso ser do sexo masculino com idade
superior aos dezoito anos de idade. Os inclusos nesses padrões estariam aptos a
participar das reuniões e deliberações da assembleia. Mulheres, crianças e escravos
não tinham sua participação nessa sociedade.
Em Atenas, o acesso aos direitos coletivos também estava condicionado ao
nascimento. Para ter seu acesso aos bens de cunho coletivo assegurado, era
preciso ser homem, livre e ter nascido nessa cidade, assim como possuir genitores
atenienses. Contudo, a luta pelo acesso aos direitos de caráter coletivo e, acima de
tudo, pela igualdade tornou-se a bandeira de diversos grupos sociais, entre os quais
estão os movimentos feministas, os movimentos dos sem-terra e os movimentos
negros.
Apesar da pauta de reivindicações e do grande leque de adesões a esses
grupos, ainda predomina uma visão padronizada na sociedade contemporânea
brasileira dos padrões impostos pela sociedade: masculino, cristão, heterossexual,
rico e, em especial, branco como requisito para ter acesso aos direitos coletivos. O
fato de não estar incluso em um desses padrões acarreta algum tipo de
discriminação. Desse modo, a luta pela igualdade resulta também na busca pela
diferença, ou seja, garantia do direito de ser diferente.
Para Gomes (2006, p. 25), as diferenças são compreendidas como uma
construção histórica, cultural e social, sendo marcada pelas relações de poder e
dominação, o que, por conseguinte, carrega conflitos e tensões, por intermédio dos
quais a diferença é naturalizada e tratada com desigualdade. No dizer da autora, “na
prática, no jogo das relações de poder, as diferenças socialmente construídas e que
dizem respeito aos grupos sociais e étnico-raciais menos favorecidos foram
naturalizados e transformados em desigualdade”. É essa relação de poder que vai
“definir” o lugar do negro na sociedade, o silenciando e estabelecendo os espaços
que pode ocupar. Entretanto, o negro não se conforma, reage de diferentes formas,
38
utilizando-se de diversas táticas para exigir saúde, moradia e direito a uma
educação de qualidade.
No que diz respeito ao significado, o Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa
(FERREIRA, 2001, p. 372), o termo Igualdade “tem origem latina a equalitate, é um
substantivo feminino e tem como significando: 1. Qualidade ou estado de igual; 2.
Uniformidade; 3. Equidade, justiça”. Essa condição de equidade e de igualdade
consiste na bandeira de luta dos movimentos sociais, assim como de muitas
pessoas marcadas pela exclusão social. São grupos que ilustram tal situação:
homossexuais, mulheres, pobres, negros, entre outros.
A igualdade racial é, portanto, compreendida como a garantia de acesso a
oportunidades, bem como de obtenção de um tratamento ancorado na perspectiva
da equidade. Isto é, um tratamento igualitário, que seja indiferente à raça, à religião,
à orientação sexual e, sobretudo, à etnia. Em Sposati (2002, p. 05), a igualdade é
compreendida como
O reconhecimento e a efetivação, com igualdade, dos direitos da população, sem restringir o acesso a eles nem estigmatizar as diferenças que conformam os diversos segmentos que a compõem. Assim, equidade é entendida como possibilidade das diferenças serem manifestadas e respeitadas, sem discriminação; condição que favoreça o combate das práticas de subordinação ou de preconceito em relação às diferenças de gênero, políticas, étnicas, religiosas, culturais, de minorias etc.
No Brasil, a luta pela igualdade de acesso a direitos advém das reivindicações
dos movimentos sociais e das políticas afirmativas.
Gomes (2010) afirma que, nos anos de 1980, teve início o processo de
propagação dos movimentos sociais com foco na etnia e na identidade,
materializando um leque de reivindicações políticas. Nessa década, tem início a
ampliação de movimentos sociais com a finalidade de viabilizar a efetivação do
acesso aos direitos de caráter coletivo, como podemos ver a seguir:
É na década de 80, no século XX, durante o processo de abertura política e redemocratização da sociedade que assistimos uma nova forma de atuação política dos negros e negras brasileiros. Estes passaram a atuar ativamente por meio dos novos movimentos sociais sobretudo os de caráter identitário trazendo um outro conjunto de problematização e novas formas de atuação e reivindicação política (2010, p. 2).
39
No dizer da autora, as discussões relativas ao direito de acesso à educação
como um componente para a igualdade despontam na 3ª Conferência Mundial
contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de
Intolerância. Tal conferência foi realizada pela Organização das Nações Unidas
(doravante ONU), de 31 de agosto a 8 de setembro de 2001, na África do Sul.
No Brasil, os eventos de reivindicações para acesso a direitos, em uma
perspectiva de equidade, também se materializaram neste mesmo ano. Em 2001, a
Conferência Nacional contra o Racismo e a Intolerância foi referência para
propagação das denúncias do movimento negro. Entre estas, destacamos, aqui, as
denúncias tocantes à educação e aos seus contributos, para a construção e a
perpetuação de desigualdades de natureza racial.
Nessa conferência, é apontada como urgente a construção de uma política
educacional com fins a assegurar a igualdade de acesso. Isso, em relação a grupos
marcados historicamente por práticas excludentes e discriminatórias. O foco, aqui, é
efetivar a igualdade de acessos, estando está ancorada no reconhecimento e no
respeito às diferenças (GOMES, 2010).
Gomes (2003) ainda afirma que as diferenças foram transformadas em
desigualdades, inferiorizadas e utilizadas como maneiras de hierarquizar os
indivíduos, tomando como parâmetro a orientação sexual, o gênero, a raça, entre
outros. Diante desse quadro, o ato de reconhecer as diferenças é garantir um
tratamento pautado na equidade. Para isso, a formulação e a implantação de
políticas afirmativas são algo extremamente importantes. Tais políticas têm como
propósito facultar a promoção da reparação de perdas vivenciadas por grupos
excluídos historicamente.
Conforme Gomes (2012), a organização e a resistência dos movimentos
sociais facultaram a efetivação da construção de políticas afirmativas voltadas à
diversidade dos grupos. A partir do desenvolvimento de ações que focavam na
identidade dos grupos sociais historicamente excluídos, esses movimentos
evidenciaram o respeito às diferenças, assim como a urgência da necessidade da
formulação de políticas públicas, mais especificamente aquelas voltadas aos
movimentos negros. Com relação aos negros, as políticas afirmativas consistem em
um conjunto de ações de expediente político com fins a instigar a promoção da
40
reparação das desigualdades raciais e sociais sofridas pela população negra,
promovendo, dessa maneira, a igualdade de acessos a oportunidades.
Segundo o relatório do CNE/CP nº 003/2004, as políticas afirmativas têm
como finalidade garantir o ingresso da população negra, assim como sua
permanência e seu sucesso no ensino escolar. Além disso, elas têm como finalidade
assegurar o reconhecimento e a valorização da sua história, cultura e identidade.
Para Silva (2002), as ações afirmativas consistem em um instrumento de
erradicação das desigualdades raciais, tendo por finalidade ensejar a correção de
situações impostas historicamente à população negra.
De acordo com Jaccoud e Beghin (2002), as políticas de igualdade racial e as
políticas de ações afirmativas são termos que não podem ser tidos como sinônimos,
uma vez que as políticas de promoção de igualdade estão articuladas, interagindo
com outras políticas, tais como: as ações repressivas, as ações valorizativas e as
ações afirmativas.
Jaccoud e Beghin (2002) efetuam uma categorização dos tipos de políticas de
promoção da igualdade racial, apontando: as ações repressivas, as ações
valorizativas e as de ações afirmativas, conforme o quadro a seguir:
QUADRO Nº 1 - Classificação e características das políticas de igualdade racial de acordo com Jaccoud e Beghin (2002)
Ações de combate ao racismo
Ações Valorizativas
Ações Afirmativas
Ações Repressivas
Conceito
São aquelas que têm por
meta combater
estereótipos negativos,
historicamente construídos
e consolidados em forma
de preconceito e
discriminação.
São ações para
combater aquela
discriminação indireta, ou
seja, aquela que se
manifesta de forma
velada.
São aquelas que
orientam contra
comportamentos e
condutas
(discriminação
direta) por meio da
legislação criminal.
Finalidade
Têm como objetivo
reconhecer e valorizar a
pluralidade étnica, a
comunidade afro-
brasileira, destacando seu
papel histórico, bem como
sua contribuição para
construção do país.
Buscam garantir
oportunidades de acesso
dos grupos
discriminados, ampliando
sua participação nos
mais diversos setores da
vida econômica, política,
social e cultural.
Têm como objetivo
combater o ato
discriminatório
(discriminação
direta) fazendo uso
da legislação.
Para Gomes (2002), as ações afirmativas podem ser definidas como medidas
de caráter especial e temporário. Tais medidas visam dissipar as desigualdades,
41
assim como facultar a promoção da equidade de acesso à oportunidade e ao
tratamento. O foco recai sobre os atos de equiparar e reparar perdas acarretadas
por práticas discriminatórias.
Essa discussão ocorre no sistema educacional, a partir da promulgação da
Lei nº 10.639/2003, consubstanciada na Lei nº 9.394/1996. Essa Lei alça o estudo
da Educação das Relações Étnico-raciais e o Ensino da História da África e Afro-
brasileira à condição de obrigatório no Ensino Fundamental e Médio, tanto nas
escolas públicas e privadas do país. Em seguida, a lei citada é modificada pela Lei
nº 11.645/2008 que, além da luta dos negros, inclui a luta dos povos indígenas e
seus contributos.
A Lei nº 11.645/2008 faz parte das políticas de reparação, reconhecimento e
valorização da história e cultura não só do negro, como também do indígena pois é
preciso prevenir e combater o racismo nos diversos espaços institucionais,
principalmente na escola, espaço onde muitas vezes os ideais racistas e
discriminatórios são disseminados.
Na Constituição Federal de 1988, em seu Art. 6º, são estabelecidos alguns
princípios de igualdade, com relação ao direito à educação. Vejamos:
O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; gestão democrática do ensino público na forma da lei; garantia de padrão de qualidade.
Esses princípios fomentam o reconhecimento da população negra e implicam
em justiça e igualdade de direitos. Isto é, participação da população negra nos
diversos setores sociais, mudanças em atitudes, palavras, e a forma no tratamento
com a população negra. As consequências jurídicas em questão incluem direito a
ser bem atendido no Sistema de Saúde, a ter uma educação de qualidade, a
participar de atividades culturais e esportivas, bem como a ter a liberdade de exercer
suas práticas religiosas, sem sofrer desrespeito e censura.
Essas ações também se inserem no Programa Nacional de Direitos Humanos
e aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Elas têm o propósito de
propiciar o direito do negro de se reconhecer como sujeito atuante e participante na
42
construção sócio-histórica do país. Além disso, é objetivo de tais ações assegurar o
acesso da população negra, bem como a permanência e a conclusão das
modalidades educacionais (níveis de ensino). Por exemplo: a criação das cotas
raciais, que buscam incluir o negro no Ensino Superior. A efetivação da promoção
de tais ação é de incumbência do Estado, desse modo, assegurando a igualdade de
acesso a oportunidades a todos os cidadãos, indiferentemente da sua raça ou etnia.
Essas discussões materializam-se em virtude do Estatuto da Igualdade
Racial, o qual tem como finalidade efetivar a promoção da igualdade entre as raças.
Para tal, é necessária a formulação de ações, objetivos e metas, para a inclusão da
população negra nos múltiplos e diversificados setores sociais.
O Estatuto da Igualdade Racial prima por garantir e efetivar a regulamentação
de medidas preventivas, que assegurem o acesso a oportunidades de tratamento
calcadas na perspectiva da equidade para população negra.
De acordo com o Art. 2º da Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010.
É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todos os cidadãos brasileiros, independentemente da sua etnia ou cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais.
Conforme a Lei, é responsabilidade do Estado e da sociedade assegurar a
igualdade de oportunidades para toda população, independentemente da raça ou
etnia, para participar de atividades nos mais diversos espaços sociais, inclusive nas
escolas e universidades. Segundo o Capítulo II, Seção II, Art. 1º que se refere à
educação, estabelece que os entes federativos possibilitem a promoção e o acesso
da população negra ao ensino gratuito, além de ratificar a obrigatoriedade do estudo
da história da África e afro-brasileira nas instituições de ensino público e privado.
Ainda de acordo como a referida Lei, deve-se fomentar a elaboração de
materiais didáticos sobre a temática e oferecer formação docente com foco na
perspectiva da igualdade racial. São atos que contribuem veementemente para
concretizar os propósitos mencionados anteriormente: estimular a pesquisa e
orientar as redes de ensino, em prol da implementação de políticas igualitárias, que
contribuam para a formação de cidadãos atentos às diferenças.
43
O ato de pensar uma prática pedagógica docente promotora de igualdade
racial abarca a reflexão acerca dos modos de pensar e de agir face a um grande
leque de elementos, tais como: os conteúdos, a preparação do ambiente
pedagógico, de materiais didáticos e atividades vivenciadas na sala de aula com o
objetivo de respeitar as diferenças dos alunos, atentando para suas experiências
culturais, sua identidade e suas raízes históricas.
Nesse sentido, é de fundamental importância a prática docente sensível,
comprometida com a igualdade e a diferença, trabalhando com o objetivo de
desconstruir a perspectiva homogeneizante, que está presente no âmbito
educacional. No dizer de Taylor (1993, p. 42), é fulcral que “todos reconheçam o
valor igual das diferentes culturas, não somente as deixando sobreviver, mas
reconhecendo seu valor”.
Para Freire (2006), a natureza da prática educativa, a sua necessária
diretividade, os objetivos, os sonhos que perseguem a prática, permitem que ela não
seja neutra, mas política sempre. Nessa perspectiva, a prática educativa é marcada
pela dimensão política, visto que consiste em um ato que requer um posicionamento
frente a diversas questões, pois “só numa compreensão dialética escola-sociedade é
possível não só entender, mas trabalhar o papel fundamental da escola na
transformação da sociedade” (FREIRE, 2006, p. 53).
Possibilita, dessa forma, a luta pela afirmação desta vocação de “ser mais”,
que é negada nas injustiças, na exploração, na dominação de raça, mas também
afirmada na busca da liberdade, da justiça, da organização, da luta, da igualdade e
da utopia que move os negros na recuperação de sua humanidade roubada, mesmo
compreendendo que a educação não é a salvação para transformar a sociedade,
mas que sem ela é impossível a mudança.
Dessa feita, a finalidade da educação é facultar a promoção da
conscientização e, consequentemente, da emancipação dos sujeitos, o que viabiliza
a promoção de mudanças na organização estrutural de uma sociedade
homogeneizante. Neste sentido, a escola, por ser uma das instituições responsáveis
em promover o conhecimento, precisa posicionar-se politicamente contra qualquer
forma de discriminação e de preconceito. Para isso, a prática pedagógica docente
precisa oportunizar o respeito às diferenças e o reconhecimento e a valorização das
identidades étnicas a partir do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira.
44
Nesta perspectiva, Freire (2013, p. 37) afirma que
Faz parte igualmente do pensar certo a rejeição mais decidida a
qualquer forma de discriminação. A prática preconceituosa de raça,
de classe, de gênero fende a substantividade do ser humano e nega
radicalmente a democracia.
De acordo com Freire (2013), o pensar certo é pensar a prática educativa
para o respeito às diferenças, rejeitando toda forma de preconceito. Neste sentido, a
educação é libertadora, na medida em que não só desvela a realidade, mas a
transforma. Para isso, é necessário pensar em uma prática docente que trabalhe as
diferenças como elementos positivos enriquecedores na construção de uma prática
promotora de igualdade racial.
2.4 Prática pedagógica docente promotora de igualdade racial
A prática pedagógica docente promotora de igualdade racial é compreendida
como ações desenvolvidas pelos professores no espaço escolar com a finalidade de
reconhecer e valorizar as diferenças étnicas, valorizar a história e a cultura afro-
brasileira e africana e sua contribuição na formação do país, bem como oportunizar
situações de aprendizagens para desconstrução de estereótipos negativos sobre o
negro e para combater o preconceito e a discriminação. Dessa forma, abordar as
práticas de professores que visam promover uma igualdade racial parte de um olhar
para as diferenças de maneira positiva e que possibilite aprendizagens. Dito de outro
modo, uma prática que enxergue o outro nas suas semelhanças e diferenças.
De acordo com Gonçalves e Silva (1996, p.168-178)
Educar para a diversidade é fazer das diferenças um trunfo, explorá-
las na sua riqueza, possibilitar a troca, proceder como grupo,
entender que o acontecer humano é feito de avanços e limites. E que
a busca do novo, do diverso que impulsiona a nossa vida deve nos
orientar para a adoção de práticas pedagógicas, sociais e políticas
em que as diferenças sejam entendidas como parte de nossa
vivência e não como algo exótico e nem como desvio ou
desvantagem.
Gomes (2012), afirma que a escola enfrenta o desafio de descolonizar os
currículos, sendo fundamental o diálogo entre a sociedade, a escola e o currículo e a
45
preparação de professores críticos e reflexivos. A descolonização está em romper
com ideias homogeneizantes, descontruir estereótipos e preconceitos que além de
violentarem o outro, silenciam e negam sua história e cultura. Neste sentido, é de
extrema importância a inclusão da história e cultura africana e afro-brasileira nos
currículos escolares, pois é necessário que os discentes conheçam a outra versão
da história, dessa vez contada pelo próprio negro.
Para Gomes (2012), educar para igualdade racial significa compreender e
ampliar o direito às diferenças nas escolas. Implica também em uma prática docente
voltada para produção de conhecimento, bem como formação de atitudes e valores
que eduquem o sujeito para o respeito às diferenças. Esses temas que são
encontrados na sala de aula partem da vivência dos alunos. Assim, os professores
possuem como elementos para serem abordados na sala de aula a questão da
estética (cabelo blacks ou trançados das crianças); a religião (umbanda ou
candomblé); a musicalidade (o samba e o hip-hop); o jogo de capoeira; os exemplos
negros em posição de prestígio. Porém, não para serem tratados como temas
exóticos, mas que estão presentes e podem ser trabalhados. Ao abordar a temática
na sala de aula, o professor contribui para recontar aos alunos a história dos sujeitos
que foram excluídos socialmente e que existem outras narrativas.
Pereira (2010, p. 10) enfatiza que
É importante ter a clareza de que o espaço escolar nos exige dois movimentos complementares e paralelos: é preciso combater as desigualdades e promover a cidadania e a equidade. Assim, recontar a histórias, lançando luz sobre as lacunas que deixaram mulheres, negros e indígenas escondidos como sujeitos de segunda categoria, é instrumento valioso para combater desigualdade, mas é fundamental sabermos que isso não elimina, por si só, as bases ideológicas que as sustentam. É preciso ações e, principalmente, intencionais e cotidianas.
Neste sentido, é importante que a escola promova a igualdade racial em
vários aspectos: organizando ambientes pedagógicos inclusivos no que se refere à
estética da sala de aula, à organização do tempo e do espaço pedagógico para o
aprendizado do reconhecimento e à valorização das diferenças. Também é
importante que a temática seja abordada a partir dos conteúdos pedagógicos, de
projetos didáticos, das atividades realizadas em sala, na escolha de materiais (livros,
revistas, DVDs, brinquedos) que apresentem o negro, sua história e cultura de forma
46
positiva. Dessa forma, estará possibilitando o processo de construção de
significados que apresentam como princípio o respeito, a ética, a amorosidade, a
igualdade de oportunidades e direitos, desvelando comportamentos, gestos e falas
racistas e preconceituosas.
De acordo com Pereira (2010, p. 45), outro elemento importante para
promoção da igualdade racial é “usarmos as palavras certas para dizer as coisas
certas”, ou seja, evidenciar que o racismo existe, conceituando e problematizando a
temática na sala de aula, mostrando como a pessoa que é discriminada se sente e
como deve agir em casos como esse. Esses elementos são fundamentais para a
efetivação de uma prática docente promotora de igualdade racial.
2.5 Educar para igualdade racial na Educação Infantil
A Educação Infantil, na sociedade brasileira, é um direito institucionalizado
desde 1988. O Artigo nº 208, Inciso IV da Constituição Federal reconhece o direito à
educação por parte de crianças menores de cinco anos. Mas só com o
estabelecimento da Lei de Diretrizes e Bases Nacionais da Educação nº 9.394/96,
essa modalidade se estabelece legalmente no Sistema de Educação, como
podemos observar na Seção II, do Art. 29, que a constitui como a primeira etapa da
educação básica.
Primeira etapa da educação básica tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até cinco anos de idade, em seus aspectos físicos, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.
O trabalho pedagógico concernente ao respeito à identidade, à cultura e à
história das crianças negras é um aspecto importante a ser considerado desde a
Educação Infantil. Isso porque as crianças - ainda muito pequenas - encontram-se
em contato não só com valores e princípios humanos, como também com
manifestações racistas, o que exige uma postura de mudança por parte das
instituições no que diz respeito às suas práticas.
O Referencial Curricular para Educação Infantil - RCNEI (BRASIL, 1998)
mostra que o desenvolvimento integral da criança não depende apenas de cuidados
com alimentação e saúde, mas também abarca um amplo contingente de aspectos,
47
tais como: afetivo, cognitivo, psicomotor e também social. Cada um desses aspectos
influi, consideravelmente, no seu desenvolvimento. Diante dessa perspectiva, o
desenvolvimento da criança não se limita a questões alimentícias e a questões
atinentes à saúde. O foco recai sobre o desenvolvimento global da criança como um
todo, a partir da socialização. Segundo Cavalleiro (2000, p. 15),
O processo de socialização que ocorre do zero aos sete anos representa uma etapa fundamental para o desenvolvimento humano. Toda educação recebida pela criança, durante esse período, é muito significativa para o desenvolvimento futuro do sujeito social.
Dessa forma, a instituição de educação infantil desempenha uma função
relevante, propícia para a socialização das crianças com um grupo divergente do
familiar, constituindo um dos principais contextos de socialização e desenvolvimento,
principalmente se a mesma participar de atividades diversas, assumindo papéis
diversos no grupo.
Conforme o RCNEI (BRASIL, 1998, p. 23) o educar tem como finalidade
Propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e da realidade social e cultural.
A Educação Infantil não está apoiada apenas na perspectiva do cuidar. Os
documentos oficiais referentes a essa etapa da Educação Básica têm como foco a
indissociabilidade do cuidar e do educar, ambos são elementos essenciais no que
tange ao desenvolvimento global da criança. A Educação Infantil baseia-se na
perspectiva da ludicidade, por meio da qual o brincar faculta contributos de
substancial importância para o desenvolvimento infantil.
O paradigma contemporâneo de Educação Infantil está ancorado no ato de
atentar para as singularidades de cada criança. Remetemo-nos, à cultura, ao
gênero, à religião, à origem social de sua família e, acima de tudo, à etnia. É
partindo dessa perspectiva que nos debruçamos sobre o racismo nas instituições
educacionais, de modo particular na Educação Infantil.
As crianças negras acabam não recebendo a mesma atenção e cuidado que
as crianças brancas. Com relação à estética, não é raro que os cabelos das meninas
48
negras passem mais tempo amarrados, porque são crespos e considerados duros.
Dito de outro modo, fogem do padrão de beleza imposto pela sociedade e, com isso,
têm que ficar presos.
O racismo naturalizado e silenciado tem invisibilizado as crianças negras das
instituições de Educação Infantil, carreando, muitas vezes, inúmeras reações, tais
como: ciúme, timidez, violência, isolamento por parte das crianças negras com
relação aos educadores. Tudo isso pode ser entendido, de certa forma, como
reflexos provenientes da percepção da criança ao tratamento racial diferenciado na
instituição, pois são, em maioria, tratados como casos isolados.
De acordo com Bento (2011), as crianças, mesmo ainda pequenas, já
percebem o tratamento diferenciado que recebem e as diferenças e semelhanças
entre elas, que podem contribuir de forma negativa ou positiva para construção da
identidade racial. A partir das representações negativas ao negro na sociedade,
geralmente relacionados à cor da pele e à textura do cabelo, a criança passa a
inculcar estereótipos negativos, desse modo, as deixando envergonhadas do seu
pertencimento étnico-racial e passando a rejeitar-se e a desejar tornar-se branca.
Cavalleiro (2000, p. 19) enfatiza que
Numa sociedade como a nossa, na qual predomina uma visão negativa e preconceituosa, historicamente construída, a respeito do negro e, em contrapartida, a identidade positiva do branco, a identidade estruturada durante o processo de socialização terá por base a precariedade de modelos satisfatórios e a abundância de estereótipos negativos sobre negros.
Dessa forma no decorrer do processo de formação da criança, a partir da
socialização com outros sujeitos, a mesma poderá internalizar representações
preconceituosas a respeito de um determinado grupo, e isto acontece na maioria
das vezes sutilmente, levando-a a acreditar que tal grupo é o mais adequado.
Nesta direção, o processo de construção da identidade das crianças negras
acontece na maioria das vezes de forma sofrível, devido ao processo histórico e
social, levando a mesma a um sentimento de rejeição em consequência dos
estereótipos negativos que ela conhece sobre o negro (CAVALLEIRO, 2000).
Silva (2014) ratifica que na prática docente das professoras da Educação
Infantil, com relação às tensões presentes na produção do conhecimento, muitas
vezes silenciam e reforçam estereótipos negativos com relação ao negro.
49
Rego (1998, p. 50) reportava-se à relevância da visão do educador para o
desenvolvimento de uma prática que visa à igualdade racial, quando diz que “a visão
do educador acerca das características individuais interfere na sua atuação prática,
ou, ao menos, influencia sua maneira de compreender e explicar as relações entre o
ensino e a aprendizagem”.
Problematizar sobre as questões raciais na sala de aula é bastante difícil para
muitos educadores, principalmente nesta modalidade de ensino, pois implica revelar
valores que muitas vezes são preconceituosos e discriminadores, e que podem levá-
los a situações de silenciamento, por não ter na maioria das vezes sensibilidade
necessária para identificá-los ou saber como agir.
Partindo desse pressuposto teórico, o professor tem uma necessidade de se
atualizar constantemente como ferramenta básica para o seu trabalho, de modo que
não fique alheio a novas temáticas que emergem na educação e precisam ser
trabalhadas.
Sobre esta questão afirma Mezomo (1997, p. 128 -129):
Esta atualização, os professores a terão na medida em que eles adotarem a educação continuada como ferramenta básica de trabalho e buscarem interagir com o meio por todas as formas possíveis. Eles precisam saber que seu 'saber' tem uma obsolescência incrivelmente acentuada e que, por isto mesmo, deve ser permanentemente renovado.
Nesse sentido, a formação do professor é de grande relevância pois permite
que o professor reflita sobre a sua prática a respeito das diferenças raciais e
culturais das crianças, além de estratégias pedagógicas para o trabalho com a
temática na Educação Infantil.
Dessa forma, as instituições de Educação Infantil possuem o desafio na
sociedade contemporânea de desenvolver uma educação que, de fato, faculte a
promoção da valorização das múltiplas e diversificadas etnias que compõem a
identidade do povo brasileiro (MOURA, 2005). Para isso, o cuidar e o educar na
Educação Infantil devem estar ancorados na construção de princípios, que valorizem
e reconheçam a história, a cultura e a identidade étnico-racial da criança.
50
3. PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA
O que me torna esperançoso não é tanto a certeza do achado, mas mover-me na busca. (FREIRE, 1995).
Esse capítulo apresenta os fundamentos teórico-metodológicos que
orientaram a presente pesquisa, procurando justificar sua natureza diante do objeto
e responder ao problema da investigação, assim como a descrição dos instrumentos
utilizados na busca da apropriação do objeto e da forma que foram analisados os
dados a partir da técnica de Análise de Conteúdo na perspectiva de Laurence Bardin
(1977).
As escolhas metodológicas dão embasamento à promessa que realizamos
através do objetivo, de analisar como as práticas pedagógicas docentes que visam à
promoção da igualdade racial no município de Recife são materializadas.
A escola é um dos espaços onde é construído o conhecimento sobre o
respeito às diferenças, valorização da história e cultura negras e de outras culturas,
bem como a construção e o fortalecimento das identidades étnicas a partir de uma
prática pedagógica docente, enquanto que a prática pedagógica docente ocorre em
um contexto sócio-político onde as ações dos sujeitos também estão carregadas de
suas crenças e valores. Desse modo, esse tipo de estudo permite uma maior
percepção das relações que ocorrem entre os sujeitos no campo, constituídas pelas
práticas docentes que visam à igualdade racial. Portanto, é possível conhecer como
essas práticas são vivenciadas nas salas de aula a partir do que os sujeitos falam,
escutam e realizam com os materiais utilizados.
Para dar conta do que propomos, adotamos a abordagem qualitativa, pois
conforme Minayo (2002), tal abordagem é possível para estudos que requerem uma
análise mais minuciosa, buscando analisar as práticas docentes, nas quais as ações
dos sujeitos que estão inseridos em determinado contexto estão permeadas de
subjetividades.
Conforme Minayo (2002), as crenças, os valores e os significados são
fenômenos compreendidos como parte da realidade, e estão presentes no ambiente
escolar embora não sejam quantificáveis. Portanto, “esse conjunto de fenômenos
humanos se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e interpretar
suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes”
(MINAYO, 2011, p. 21).
51
Nesse sentido, a abordagem qualitativa possibilita um maior aprofundamento
no universo das significações encontradas no campo, bem como analisa os
processos sociais e colabora com a interpretação das particularidades dos
comportamentos dos sujeitos no contexto social inserido, sendo o caminho mais
apropriado para atender o objetivo dessa pesquisa, que se propõe a analisar as
práticas docentes que visam à promoção da igualdade racial.
Segundo Minayo (2002, p. 21 -22), a abordagem qualitativa
Trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos a operacionalização de variáveis.
Nesta perspectiva, a escolha por essa abordagem de natureza qualitativa se
dá por entendermos que a escola não é um cenário neutro, mas um campo
pedagógico repleto de conflitos e disputas, mas também de construções sócio-
históricas.
3.1 Caracterização do campo
A escolha pela Rede Municipal de Ensino de Recife ocorreu devido ao
histórico de luta por ações afirmativas no município de Recife, experiências
desenvolvidas com relação à temática, através da socialização de práticas docentes
que visam à igualdade racial. Outro motivo é o fato de ser um município que dispõe
de uma Resolução, que visa orientar a política de educação para a cidade de Recife
com o objetivo de promover a Educação das Relações Étnico-Raciais em uma
perspectiva do reconhecimento, construção e fortalecimento das identidades,
servindo de referência para outros municípios. Desse modo, no município de Recife
há iniciativas a partir de experiências pedagógicas e iniciativas de natureza
normativa, que reforçam a seleção do campo.
A implantação de políticas de igualdade racial no município de Recife inicia-se
de forma bastante incipiente, especificamente na Secretaria de Educação, pois as
discussões têm início na Prefeitura do Recife na década de 1980 com mobilizações
acerca da comemoração do centenário da abolição da escravatura,
institucionalizada no 13 de Maio, além do seminário para discussão sobre a temática
52
que, em seguida, foi realizada uma caminhada intitulada “Escolas de Pernambuco:
descobrindo se negras”.
Em 1990, a Prefeitura do Recife cria uma Lei orgânica, que marca a intenção
de introdução da temática na agenda pública do município como podemos observar
no capítulo XVIII, intitulado: Da Política da Cultura, Título V, Art. 138. “O município
promoverá a pesquisa, a difusão e o ensino de disciplinas relativas à cultura afro-
brasileira, indígena e outras vertentes, nas escolas públicas municipais”.
Com a promulgação da Lei nº 10.639/2003 os estados brasileiros passam a
formular políticas de promoção de igualdade racial e a incluírem a temática nos
currículos escolares. No município de Recife, no âmbito da Secretaria de Educação,
Esporte e Lazer, há algumas iniciativas para garantir o cumprimento desta Lei.
De acordo com Santiago e Batista Neto (2012), em 2001 a Secretaria de
Educação da Prefeitura do Recife implantou um processo seletivo de temáticas que
abordaram a cultura local e que orientaram a rede. Conforme os autores (2012),
essa implantação constituiu numa ruptura com a exclusividade dos conteúdos
disciplinares na construção do currículo escolar. Essa atitude encontrou resistência
por parte de pais, professores, gestores e alunos, por isso, os autores destacam a
atitude corajosa e inovadora da Rede na introdução dos conteúdos culturais no
currículo. No ano de 2004, o calendário escolar homenageou a Yalorixá Dona Santa,
“rainha do maracatu de baque virado mais antigo do Estado, o Maracatu Elefante,
fundado há mais de cem anos” (SANTIAGO; BATISTA NETO, 2012, p. 135).
Segundo Silva (2009), “o calendário escolar e o caderno de textos produzidos
para orientar professoras e professores sobre o processo de avaliação na
organização da aprendizagem em ciclos traziam naquele ano uma imagem da
Yalorixá”. Conforme Santiago e Batista Neto (2012, p. 136),
A homenagem a personagens, imagens e símbolos que inspiram o calendário escolar, compondo temáticas e conteúdos escolares para o ano letivo. Não se trata de uma nova abordagem do currículo organizado por efemérides, mas um processo de apropriação e abordagem dos conteúdos pedagógicos numa perspectiva multirreferencial, crítica e criadora, para reconstrução dos espaços e dos tempos escolares e da formação continuada.
53
Em 2005, foi promovida a I Conferência Municipal de Promoção da Igualdade
Racial, com o objetivo de fazer uma reflexão acerca da real situação da população
afrodescendente do Recife e discutir a relação entre raça e pobreza.
No ano de 2006, foi criado o Grupo de Trabalho da Educação das Relações
Étnico-Raciais (GTERÊ), vinculado à Secretaria de Educação, com o objetivo de
desenvolver ações pedagógicas para a formação das(os) educadoras(es) com vistas
ao enfrentamento do racismo no cotidiano escolar.
De acordo com Silva (2009) e Messias (2009), no ano de 2006 foram
desenvolvidas algumas ações com relação à temática, as quais foram: o I Seminário
de Relações Étnico-raciais, a II Caminhada das Escolas Municipais Descobrindo-se
Negras, a realização de um Curso intitulado História e Cultura Afro-Brasileira na
Educação Básica, a partir do qual surge a ideia do Concurso de práticas docentes
exitosas voltadas para o trabalho com as questões étnico-raciais. Este certame teve
como objetivo identificar e dar visibilidade às práticas escolares que tinham como
finalidade promover a igualdade racial. Essas ações apontam para os esforços que
as Redes Municipais de Recife vêm fazendo para cumprir a Lei nº 10.639/2003.
Outra iniciativa foi a publicação do livro: “Respeitando as diferenças no
espaço escolar” (BEZERRA, 2007), que aborda experiências de gênero e raça no
contexto escolar. O referido documento teve como objetivo divulgar a formação em
educação não sexista, antirracista e não homofóbica, realizada com professores da
rede municipal do Recife, pela ONG Gestos. Das experiências relatadas nesta obra,
três dizem respeito à educação das relações étnico-raciais, como podemos ver a
seguir:
QUADRO Nº 2 - Respeitando as Diferenças no Espaço Escolar
Título Autora
A Questão Racial na Escola Poeta Bandeira da Cruz
Daisy Rodrigues Quirino
Relações Raciais: Conhecendo e Respeitando as Diferenças
Elizama Pereira Messias
Convivendo com a Diversidade Ginalva Costa de Sousa
Fonte: Bezerra (2007).
Esses projetos trabalhados em sala de aula sinalizam que existem
professores que desenvolvem um trabalho voltado para as questões raciais,
entretanto, os documentos não nos dizem como esses projetos foram vivenciados.
54
Apesar disso, chamam-nos atenção para a necessidade de trabalhar a temática nas
escolas.
No ano de 2008, o poeta Solano Trindade, símbolo de resistência da cultura
negra, é homenageado pela Prefeitura do Recife, com a realização de diversas
atividades. Neste mesmo ano, o livro “Cadernos da Educação Municipal: as escolas
tecendo a proposta pedagógica da rede” (ABRANCHES et al., 2008) apresenta um
capítulo intitulado “Experiências Significativas”, no qual apresenta quarenta e oito
relatos, dos quais três tratam da temática étnico-racial, conforme o quadro a seguir:
QUADRO Nº 3 - Cadernos da Educação Municipal: as escolas tecendo a proposta pedagógica da rede
Título dos projetos Escolas
Um novo olhar as diferenças. Escola Municipal da Iputinga
Dá África ao Brasil Escola Municipal João Batista L. Neto
Racismo no cotidiano escolar Escola Municipal Vila São Miguel Fonte: Abranches (2008).
O documento analisado apresenta projetos didáticos desenvolvidos pelas
escolas, os quais tinham como objetivo conhecer e valorizar as culturas étnicas,
especificamente a cultura africana, trabalhar a diversidade e combater o preconceito
no cotidiano escolar. Além disso, o documento faz referência à necessidade de
mudança no espaço escolar.
No ano de 2008, os trabalhos selecionados no Concurso de 2006 resultaram
em um livro que recebeu o mesmo nome do concurso: “As Escolas do Recife
Descobrindo-se Negras” (2008), como podemos observar no quadro a seguir:
55
QUADRO Nº 4 - As Escolas do Recife Descobrindo-se Negras
Projetos Professoras Escolas
A autoestima à flor da pele Tárcia Regina da Silva Escola Municipal Deputado Edson Cantarelli
Valorizando a negritude: A exposição Pérola Negra
Lúcia Helena Sarmento Escola Municipal Dom Bosco
Beleza Negra: a descoberta da identidade cultural afro-brasileira
Elisângela Maria do Nascimento
Escola Municipal Abílio Gomes
O racismo no cotidiano escolar
Valéria Fonseca Escola Municipal Vila São Miguel
Índios, brancos e negros contam a nossa história
Rosa Maria Oliveira Teixeira de Vasconcelos
Escola Municipal Professor Manuel Torres
A capoeira ressignificando a identidade cultural e a cultura afro-brasileira na escola
Mônica Carolina de Albuquerque Beltrão.
Escola Municipal Jardim Mauricéia
Fonte: Santos (2008).
O documento “As escolas descobrindo-se negras” apresenta relatos de
projetos didáticos referentes à temática desenvolvida em algumas escolas. Esses
projetos abordavam o reconhecimento e a valorização da história e cultura africana e
afro-brasileira, identidade negra e combate ao racismo no cotidiano escolar.
As publicações sinalizam para práticas docentes que desenvolvem um
trabalho voltado para uma educação que visa à promoção da igualdade racial. Esses
documentos contribuíram significativamente na seleção dos sujeitos da pesquisa,
pois apontam trabalhos desenvolvidos por professores da Educação Básica voltados
para as questões étnico-raciais. Eles apontam nomes de escolas, professoras e os
projetos desenvolvidos que enfatizam a identidade, a estética do negro, a capoeira,
além de tratar do combate ao racismo no cotidiano escolar.
No ano de 2009, a Secretaria de Educação promoveu o Seminário com o
tema: Equidade Racial na Educação do Recife, com o objetivo de refletir sobre as
políticas públicas e ações afirmativas de combate ao racismo na capital
pernambucana. Em 2010, foi promovido um Encontro de Formação Continuada
intitulado: As Relações Étnico-Raciais e o mundo do Trabalho, que teve como
objetivo atualizar os professores que trabalham com o Ensino Profissionalizante. No
ano seguinte, foi promovida uma formação para gestores e gestoras das escolas
municipais com o intuito de discutir e prevenir o racismo nas unidades educacionais
do Recife. E teve como tema: Prevenção do Racismo Institucional na Educação.
56
No ano de 2012, o Conselho Municipal de Educação cria a Resolução nº 2 de
05/11/2012, para tratar das questões étnico-raciais. Esse dispositivo junta-se as
demais normativas para garantir o direito à uma educação igualitária, bem como
valorizar a história e as culturas que formam essa sociedade. Esta resolução foi
implantada como ação de política afirmativa para atender a demanda da população
afrodescendente que se encontra matriculada nas escolas do município e tem como
objetivo, promover uma educação a partir da aprendizagem entre as diversas
culturas para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
A Resolução apresenta normas para orientar a política de educação da
cidade de Recife com o intuito de implementar a Lei nº 10.639/2003. Conforme a
referida normativa, a proposta curricular do município deverá incluir a temática
Educação das Relações Étnico-raciais a ser materializada com práticas docentes,
através de atividades e projetos didáticos. Ainda em 2013 houve a 9ª Caminhada por
Igualdade Racial, com o tema: “Nossos passos vêm de longe” em comemoração ao
dia da Consciência Negra. A caminhada reuniu cerca de 900 estudantes da rede de
ensino da Prefeitura do Recife.
No ano de 2014, foi promovido o V Seminário de Educação das Relações
Étnico-Raciais com o objetivo de discutir as políticas públicas de educação voltadas
para a igualdade racial apresentando como homenageada Carolina Maria de Jesus.
No mesmo ano, ocorreu a 10ª Caminhada pela Igualdade Racial em comemoração
ao Dia da Consciência Negra, que contou com a participação das escolas do
município que durante a passeata apresentaram algumas reivindicações à
sociedade, como a criação da Casa da Capoeira e a construção de uma política
pública permanente de valorização e fortalecimento da capoeira e de outras
expressões culturais. Recentemente, no ano de 2015, ocorreu o Seminário:
Relações Raciais e Justiça de Gênero na Política de Ensino.
Ao analisarmos a Resolução percebemos sua concordância com a Lei nº
10.639/203 e o Parecer do CNE/CP nº 003/2004, e leva em consideração a
necessidade de sua implantação no município. A Educação das Relações Étnico-
raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana devem ser
incluídas na Políticas de Ensino e nos Projetos Políticos Pedagógicos das intuições
escolares, estando expressos nas práticas dos docentes através dos conteúdos
pedagógicos, atividades e projetos didáticos.
57
Nesta resolução, a categoria igualdade racial aparece como a valorização da
identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, bem como a garantia de
reconhecimento e igualdade de valorização das raízes africanas da nação brasileira,
ao lado das indígenas, europeias e asiáticas. É o respeito e a garantia dos direitos, a
todos, para consolidação de uma democracia.
Neste diploma normativo, a categoria prática docente é apresentada como
ação do professor voltada para a educação democrática; que estimule a criatividade,
a fala, o trabalho em equipe direcionado pelos princípios do respeito à opinião do
outro, a autonomia, a criatividade, a ludicidade, a amizade, a cooperação e a
curiosidade.
Esses princípios dizem respeito ao trabalho pedagógico, na perspectiva da
educação que visa à promoção da igualdade a partir de práticas de combate ao
racismo e à discriminação; que respeitem as diferenças dos alunos considerando
sua singularidade no que diz respeito à igualdade de direitos e oportunidades;
desenvolvem uma consciência de luta, resistência e empoderamento nos
educandos, a partir da valorização e do fortalecimento de suas identidades raciais.
De acordo com a Política de Ensino do município (RECIFE, 2012, p. 22), “a
proposta pedagógica do Recife se pauta pelos princípios éticos da solidariedade,
liberdade, participação e justiça social”, estabelecendo um compromisso com uma
educação fundamentada em uma política de respeito à diversidade; a partir da
ampliação das políticas de igualdade, desse modo, possibilitando aos educandos a
inserção em uma sociedade mais justa e democrática.
As categorias analisadas em suas especificidades constituem elementos que
fundamentam uma prática docente promotora de igualdade racial, apresentando
uma preocupação para uma prática docente que reconheça e valorize as
identidades dos alunos, que rejeita o racismo e a discriminação, uma prática que
rejeita qualquer forma de discriminação. As práticas possuem uma relação com a
finalidade política da ação educativa, ou seja, uma prática que exige posicionamento
diante da realidade. Uma prática promotora de igualdade racial implica uma imersão
na nossa historicidade, no fortalecimento e na valorização das identidades étnicas.
Vide a seguir um quadro dos princípios que norteiam os documentos normativos
analisados:
58
QUADRO Nº 5 - Mapeamento da Resolução nº 2/2012 e da Política de Ensino do Município de Recife
Documentos Concepção de Igualdade Concepção de prática docente
Resolução nº 2 de 05/11/2012
- É reconhecimento da construção e das identidades étnico-raciais; - Garante a todos respeito aos direitos legais e valorização das identidades, na busca da consolidação da democracia; É reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiras, bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado as indígenas, europeias e asiáticas.
- Procedimentos educativos, - Ação do docente; - Estratégias pedagógicas de valorização da diversidade
Política de Ensino do Município de Recife
Fortalecimento das identidades; - Respeitar a identidade e a diversidade dos estudantes. - É a consciência política e histórica da diversidade; - Busca uma sociedade mais justa e rejeita a homogeneização reducionista das diversas etnias dos povos indígenas e africanos; - Reconhece que os estudantes possuem identidades e identificações diante da diversidade. É reconhecer o devido valor da contribuição dos negros e negras no Brasil para a cultura brasileira; - Todos igualmente tenham seus direitos garantidos e sua identidade valorizada; - Respeito à diferença e o reconhecimento da diversidade.
- Uma prática voltada para a educação democrática; que estimule a criatividade, a fala, o trabalho em equipe. - É interdisciplinar e transversal transcende o espaço físico da sala de aula, estimulando a contextualização de forma crítica e reflexiva. - Princípios que norteiam a prática educativa, como o respeito à opinião do outro, trabalho em equipe, autonomia, criatividade, ludicidade, amizade, cooperação e curiosidade. São as ações desenvolvidas na escola. - Ação planejada pela(o) professora(r).
A partir desse contexto histórico e dos documentos analisados, tomamos
como campo empírico a Rede de Ensino de Recife e estabelecemos critérios para
seleção da escola campo e dos sujeitos da pesquisa.
Para seleção da escola campo, realizamos um mapeamento nos livros
publicados pela Rede e que abordavam a temática, os quais apontavam para
escolas e professores que desenvolviam uma prática que visa à promoção da
igualdade racial. Esse mapeamento possibilitou uma aproximação com os
professores da Rede de Ensino.
59
A análise das publicações deu origem a um mapeamento com nome das
escolas e docentes que trabalhavam com a temática, indicando um total de nove
professores e oito escolas. Entramos em contato com os docentes, mas a maioria
deles já não se encontrava em sala de aula. Desse modo, esses professores
indicaram outros, que tinham mais afinidade ou conhecimento do trabalho
desenvolvido referente à Educação das Relações Étnico-Raciais na sala de aula.
Entramos em contato para aplicação de um questionário online no google doc.
(apêndice C), com a finalidade de selecionar a escola campo e os sujeitos da
pesquisa.
O critério de seleção do campo recaiu sobre a escola que tinha um número
maior de professores envolvidos no trabalho com as questões étnico-raciais na sala
de aula. Para seleção dos professores elegemos como critérios: 1- Professores(as)
que em sua prática desenvolvam um trabalho contínuo voltado para uma educação
igualitária; 2 - Professores(as) que utilizam material didático-pedagógico para o
trabalho com as questões de natureza étnico-racial; 3 - Professoras(res) que
trabalham com conteúdos que valorizam a identidade, a cultura e a história africana
e afro-brasileira.
A imagem a seguir apresenta um resumo do itinerário realizado para
identificação da escola e dos sujeitos da pesquisa.
QUADRO Nº 6 - Resumo do itinerário para seleção da escola campo
Mapeamento dos livros publicados pela Rede de
Ensino do Recife
8 Escolas
9 professores (indicaram outros professores)
entramos em contato com os professores indicados por meio de telefone e e-
mail.
12 professores
responderam o questionário online
uma escola selecionada
5 professores
60
3.2 A escola campo
A escola selecionada para desenvolver a pesquisa foi o Centro Municipal de
Educação Infantil (CMEI) Ubuntu, nome fictício escolhido pela própria instituição,
que se localiza na 5ª Região Político-Administrativa do Recife (RPA-5).
A instituição foi uma conquista dos moradores da comunidade para atender
às necessidades das mães que trabalhavam e precisavam deixar suas crianças em
um ambiente socioeducativo seguro. Atualmente, o CMEI sofreu algumas
modificações diante da necessidade da comunidade, funcionando num novo prédio
para atender um número maior de crianças.
A instituição funciona em horário integral e atende um total de 95 crianças
entre zero a quatro anos de idade que moram na comunidade.
Com relação à infraestrutura, na entrada há um espaço pequeno que é
utilizado como refeitório, com mesas e cadeiras, onde são servidas as refeições para
as crianças e onde são realizados os eventos (comemorações, reuniões e
recreações). O prédio possui uma boa estrutura e as salas são amplas e bem
ventiladas, mas não significa que não faça calor, o que vem incomodar os alunos e
professores na realização de atividades na sala. A maioria das salas funcionava no
1º andar do prédio, com exceção do berçário.
Na parte externa do CMEI há uma área com um banco de areia e um parque
para as crianças brincarem, no momento em manutenção para tratamento
preventivo das doenças de pele, o que momentaneamente fez as crianças brincarem
dentro das salas. Na entrada da instituição que dá acesso às salas pudemos
observar vários cartazes e murais com atividades dos alunos, que envolvem as
questões raciais. O cartaz da foto nº 01 faz referência à beleza do negro, mostrando
imagens com mulheres de cabelos crespos soltos, enquanto a foto nº 02, bastante
colorida faz referência à 1ª Exposição das releituras das crianças sobre as obras de
literatura afro-brasileira.
61
FOTO Nº 01 - Imagem do cartaz fixado na entrada da instituição
Fonte: Foto da autora, 2015.
FOTO Nº 02 - Imagem do cartaz da 1ª Expo de Releituras Infantis
Fonte: Foto da autora, 2015.
As salas de aula são espaços das práticas docentes-discentes, onde os
conteúdos são trabalhados, com organização do tempo e espaço, e o trato ao
material e procedimentos pedagógicos. É na sala de aula onde se realizam as
relações entre professores/alunos e alunos/alunos expressos através de gestos,
atitudes e atividades.
De acordo com Rodrigues (2002), é durante as atividades realizadas em sala
de aula que professores e alunos aprendem e ensinam, e com isto aprendem de
62
forma significativa. Este processo de relações e significados representa as
condições de elaboração e reelaboração do conhecimento como mediador da
prática pedagógica docente com o intuito de compreender os sentidos das ações
que ocorrem no contexto da sala de aula. É na dinâmica da sala de aula que os
saberes são socializados e apropriados por meio dos materiais pedagógicos
utilizados pelo professor e nas formas de organização de tempo e espaço. Desse
modo, aguçamos nosso olhar para a materialização da prática pedagógica docente,
a partir dos conteúdos, dos materiais didáticos, das atividades e projetos didáticos
trabalhados em sala de aula.
De início observaríamos todas as turmas, entretanto, das cinco turmas do
CMEI, apenas três foram observadas: sala A, sala B e sala C (nomes fictícios).
As salas A e B possuem praticamente a mesma estrutura: são amplas,
bastante ventiladas, pois além dos cobogós, havia ventiladores. Quase não havia
cadeiras e mesas, o que permitia a locomoção das crianças na exploração do
ambiente. Em um canto da sala havia um quadro branco e um tapete emborrachado,
onde aconteciam as rodas de conversas e as crianças realizavam brincadeiras, além
de alguns armários, onde ficava guardado material pedagógico da professora. Na
sala também havia alguns cestos com brinquedos.
Nas paredes tinham alguns cartazes que continham a rotina da sala, um
mural com os nomes das crianças e outro com os acordos da turma, além de
desenhos de árvores, flores e animais que decoravam a sala. Nas duas salas,
encontrava-se um filtro, além de canecos que ficavam a uma certa altura para que
as crianças não pegassem. Na porta existe um portão pequeno para que as crianças
não ficassem saindo da sala.
63
FOTOS Nº 03 e 04 - Imagens da sala de aula A
Fonte: Foto da autora, 2015.
FOTOS Nº 05 e 06 - Imagens da sala de aula B
Fonte: Foto da autora, 2015.
A sala C atendia crianças com quatro anos, as cadeiras e mesas eram
organizadas em formato de um único semicírculo para facilitar a movimentação da
professora para realizar um acompanhamento mais próximo das crianças,
contribuindo, dessa forma, para um atendimento tanto individual como coletivo, bem
64
como para a socialização entre os pares, professora e crianças, e as crianças entre
si.
As paredes das salas eram decoradas com calendário, além de um alfabeto
emborrachado, um mural com as atividades e uma relação com os nomes dos
alunos. O piso da sala era decorado com uma centopeia com as letras do alfabeto,
que a professora utilizava para trabalhar com as letras que formavam o nome de
cada criança, além de uma amarelinha para que as crianças brincassem enquanto
identificavam os numerais.
FOTOS Nº 07 e 08 - Imagens da sala de aula C
Fonte: Foto da autora, 2015.
3.3 Caracterização dos sujeitos participantes da pesquisa
Os sujeitos dessa pesquisa são as professoras do Centro Municipal Ubuntu,
que foram selecionadas por desenvolverem uma prática docente que toma como
referência as questões étnico-raciais identificando-se com os seguintes perfis:
● Professoras/es que em sua prática desenvolvam um trabalho contínuo
voltado para uma educação igualitária;
● Professores/es que utilizam material didático-pedagógico para o
trabalho com as questões de natureza étnico-racial;
65
● Professoras/es que trabalham com conteúdos que valorizam a
identidade, a cultura e a história africana e afro-brasileira.
Os dados para compor os perfis das cinco professoras foram extraídos do
questionário, que atuam em turmas de Educação Infantil da mesma instituição.
Entretanto, das cinco professoras, apenas três participaram da pesquisa, pois uma
estava de licença e a outra não quis participar.
Para preservação de suas identidades as docentes foram chamadas por
nomes de mulheres negras que fizeram parte da história da luta contra o racismo e a
discriminação: Dandara Zumbi, Ângela Davis e Nina Simone.
As salas foram observadas no horário da manhã, que é o horário de trabalho
das professoras no CMEI. O Grupo I, sala da professora Dandara, passou a ser
chamada de sala A; o Grupo 2, sala da professora Ângela Davis, passou a ser
chamada de sala B; e o Grupo 3, sala da professora Nina Simone, passou a ser
chamada de sala C.
A professora Dandara Zumbi cursou o normal médio, é professora há vinte e
cinco anos. A professora Ângela Davis é especialista em psicopedagogia e tem onze
anos de docência. A professora Nina Simone também tem onze anos de docência, e
tem especialização em psicopedagogia. Tanto a professora Nina, como a professora
Ângela, possuem outro vínculo, com exceção da professora Dandara que está
prestes a se aposentar, conforme o quadro a seguir:
QUADRO Nº 7 – Caracterização das professoras participantes da pesquisa
Codificação dos sujeitos
Tempo de docência
Formação Turma em que
atua Sexo
Professora Dandara Zumbi 25 anos Normal Médio Sala A Feminino
Professora Ângela Davis 11 anos Especialista Sala B Feminino
Professora Nina Simone 11 anos Especialista Sala C Feminino Fonte: Produção da autora com base no questionário, 2015.
QUADRO Nº 8 – Caracterização das crianças
Salas Faixa etária Raça Sala A 1 ano de idade Predominantemente negra
Sala B 2 anos de idade Predominantemente negra
Sala C 4 anos de idade Predominantemente negra Fonte: Produção da Autora, 2015.
66
A sala A, em que a professora Dandara Zumbi leciona, é formada por um total
de vinte crianças, sendo quinze meninas e cinco meninos, em sua maioria negros, e
encontram-se na faixa etária de um ano de idade. A Sala B, da professora Ângela
Davis, tem matriculadas vinte crianças de 2 anos de idade, sendo doze meninas e
oito meninos que também em sua maioria são negras. A sala C, da professora Nina
Simone, tem vinte crianças matriculadas de 4 anos de idade, sendo quatorze
meninas e seis meninos em sua maioria negros.
3.4 Instrumentos e procedimentos de coleta
Para coletar os dados da pesquisa foram utilizados a análise documental, o
questionário e a observação, tendo como finalidade apreender aspectos das práticas
docentes promotoras de igualdade racial. De início registramos ações, gestos,
atividades propostas pelo professor em relação à temática. Esse procedimento
permitiu que olhássemos o campo e o comportamento dos sujeitos da pesquisa.
A análise documental foi utilizada no mapeamento dos documentos (livros
publicados e da normativa criada pelo CME do município de Recife), realizado para
selecionar o campo e os sujeitos da pesquisa. A análise constituiu o mapeamento da
Resolução nº 2 de 05/11/2012, que tem como finalidade orientar a Política de Ensino
do município com objetivo de promover uma educação que visa à igualdade racial,
bem como sua Política de Ensino. Também realizamos um mapeamento nas
publicações do município que socializa as práticas de professoras que trabalham
com a temática no município. Após a seleção do campo, utilizamos o questionário
para selecionar a escola e os sujeitos da pesquisa, além de caracterizá-los. Os
questionários foram enviados por e-mails aos participantes.
Outro instrumento utilizado foi a observação, com o objetivo de olhar a prática
das professoras, a partir das atividades desenvolvidas, dos conteúdos trabalhados e
dos materiais selecionados. Para isso, realizamos um total de vinte e duas
observações, as quais ocorreram um dia por semana, conforme recomendação das
professoras para evitar o cansaço que poderia ser provocado com a presença da
pesquisadora.
Conforme Triviños (1987), a observação é um fenômeno social, no qual são
estudados os atos, os significados e as relações para de maneira singular agrupar
fenômenos de um contexto que estão invisíveis e desvelar sua essência de forma
67
mais ampla. Vianna (2007, p. 12) salienta que “o observador não basta
simplesmente olhar. Deve, certamente, saber ver, identificar e descrever diversos
tipos de interações e processos humanos”.
De acordo com Tura (2003), é no momento da observação que o pesquisador
estabelece uma relação de conhecimento com o objeto de estudo e que busca atuar
como um espectador atento para assim relacionar o perfil e as concepções do
docente, dados recepcionados no questionário, com a prática educativa docente em
sala de aula, fazendo um exame minucioso sobre o fenômeno no todo ou em partes,
ou seja, “é a captação precisa do objeto examinado” (RICHARDSON, 2009, p. 259).
Segundo Lüdke e André (1986, p. 26),
Na medida em que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e suas próprias ações.
Tais exigências nos levaram a desenvolver um planejamento cuidadoso, um
roteiro de observação e a utilização de um diário de campo, onde registramos os
acontecimentos da sala de aula, o que possibilitou uma melhor compreensão sobre
o campo de pesquisa.
O diário de campo é definido como um “registro pessoal de eventos diários,
observações e pensamentos” que pode ser usado para o registro de “reações,
sentimentos, comportamentos específicos, interações sociais, atividades e/ou
eventos”, em um determinado período de tempo (PATTERSON, 2005, p. 142).
Segundo Souza (1999, p. 6) também devem ser registrados os
Conteúdos trabalhados na escola (conhecimentos, exercícios, tarefas, avaliações, dinâmicas de grupo, materiais e ambientes utilizados), rituais e relações práticas, e linguagem falada, diálogos, conversas formais e informais que refletem procedimentos de raciocínio prático, atividades cognitivas, etc.
A especificidade do nosso objeto de pesquisa solicitou, para coleta dos
dados, observação e combinação de um questionário, além da análise de alguns
documentos. Analisamos o Diário de classe e o projeto didático para complementar
os dados e permitir a contextualização das informações contidas nos documentos e
68
nas falas dos docentes. A análise documental nos permitiu identificar, organizar e
analisar as informações contidas nesses documentos.
Em seguida realizamos a observação e descrição dos dados coletados, a
partir de relatórios que nos ajudaram a realizar um mapeamento de gestos, relações
e atividades propostas em sala. Logo após, realizamos a análise dos dados
coletados. Foram elaborados dezesseis relatórios de observação, onde registramos
descritivamente todos os dados relacionados à prática docente. Além dos relatórios
de observação, realizamos o questionário e a análise das publicações do Município,
da Resolução nº 2 de 05/11/2012 e da Política de Ensino.
3.5 Procedimento para tratamento e análise dos dados
O procedimento utilizado para tratamento e análise dos dados foi a Técnica
de Análise do Conteúdo na perspectiva de Bardin (1977), pois a mesma tem como
finalidade estudar o sentido das mensagens coletadas para uma possível
decomposição e recomposição dos dados.
De acordo com Bardin (1977, p. 42), a Análise dos dados consiste em
Um conjunto de técnicas de análises das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdos de mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimento relativos a condições de produção, recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.
A Análise de Conteúdo, nessa pesquisa, possibilitou a descrição e
interpretação dos discursos e apreciações por meio da análise temática. Para isso,
organizamos o “corpus” e em seguida o codificamos com a finalidade de apreender
as unidades de sentidos através de aproximações e frequência de significados com
o intuito de interpretar os dados à luz do referencial teórico e de acordo com o
objetivo de nossa pesquisa, que é analisar a prática pedagógica docente promotora
de igualdade racial.
Segundo Bardin (2009, p. 145),
A categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos.
69
Dessa forma, categorizamos os dados obtidos sobre a prática docente de
cada professora, a partir de atitudes, gestos e atividades pedagógicas que
caracterizam uma prática promotora de igualdade racial.
Dessa forma, os dados coletados passaram por uma leitura flutuante, isto é,
uma leitura geral com objetivo de reconhecer os discursos. Realizamos diversas
leituras e releituras dos materiais para mapeamento dos núcleos de sentido,
utilizando-se das seguintes regras: 1 - homogeneidade: onde obedecemos aos
mesmos critérios de escolha para seleção dos documentos, das técnicas e temas; 2
– exaustividade: onde levamos em consideração todos elementos encontrados no
corpus documental; 3 – representatividade: análise rigorosa de um número
significativo de documentos; 4 – pertinência: dados que contemplem os objetivos
eleitos.
Com base nesses pontos, realizamos um mapeamento, que constou da
organização de quadros que abordam as temáticas e os núcleos de sentidos como
podemos observar o exemplo no Quadro nº 9, página a seguir, que nos possibilitou
ter uma visão geral dos dados para realização da interpretação e análises dos
dados.
No campo observado, foi possível ver que as professoras se esforçam para
desenvolverem um trabalho voltado para promoção da igualdade racial, através de
atividades, seleção de materiais e conteúdos trabalhados em sala de aula.
70
QUADRO Nº 9 – Mapeamento da análise temática
UNIDADE DE REGISTRO
UNIDADE DE SENTIDO CONTEÚDO
Gestos Abraços -----------PG1---------PG2 Elogios ------------PG1---------PG2-----------------PG4 Risadas------------PG1---------PG2-----------------PG4 Palmas-------------PG1---------PG2 Grito ----------------PG1 Atenção------------PG1---------PG2-----------------PG4
Afetividade Autoimagem/confiança Alegria Alegria Curiosidade Escuta atenta
Atividades Roda de conversa ---PG1----PG2-----------------PG4 Desenho -----------PG1---------PG2----------------PG4 Canto ---------------PG1---------PG2----------------PG4 Dança---------------PG1---------PG2 Contação de histórias–PG1–PG2----------------PG4 Teatro ---------------PG1 Conversa -----------PG1---------PG2----------------PG4 Pintura --------------PG1---------PG2-----------------PG4 Colagem---------------------------PG2-----------------PG4 Brincar---------------PG1--------PG2 Chamada--------------------------PG2------------------PG4 Ginástica---------------------------PG2
Identidade negra Identidade negra e identidade da criança Linguagem oral Movimento Identidade negra Identidade negra Identidade negra e identidade da criança Identidade da criança Identidade negra e identidade da criança Identidade negra e identidade da criança Identidade negra Identidade da criança Movimento
Materiais Literatura infantil----PG1-------PG2-----------------PG4 1-Como é bonito o pé de Igor PG1-------PG2---PG4 2 –Tanto, tanto! ----PG1--------PG2----------------PG4 3- cabelo de Lelê---PG1--------PG2----------------PG4 4-Menina bonita do laço de fita---------------------PG4 Fantoches ------------PG1 Revistas -----------------------------PG2 Bonecas negras-----PG1---------PG2 Pentes--------------------------------PG2 Espelho--------------------------------PG2---------------PG4
Identidade negra Identidade negra Identidade negra Identidade negra e ancestralidade Identidade negra Identidade negra Identidade da criança Identidade negra Identidade negra Identidade negra Identidade negra
71
4. PRÁTICA PEDAGÓGICA DOCENTE PROMOTORA DE IGUALDADE RACIAL
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Neste capítulo, apresentaremos a análise dos dados que evidenciam
aspectos da prática docente voltada para a promoção da igualdade racial. A sala de
aula passa a ser o espaço específico da observação.
Uma prática promotora de igualdade racial é identificada como aquela que
reconhece as especificidades de cada aluno, valoriza as suas raízes culturais e
históricas e fortalece a sua identidade racial, aspectos a serem materializados no
processo de ensino-aprendizagem.
Uma educação que se propõe igualitária tem por finalidade produzir
conhecimentos, desenvolver atitudes e valores que enfatizem e valorizem a
pluralidade étnico-racial. De outro modo, também se propõe a respeitar as
diferenças e valorizar as identidades, a partir de práticas que possibilitem à criança
um sentimento de identificação com sua origem e valores culturais.
O trato para igualdade racial, particularmente na Educação Infantil, implica
compreender que as crianças estão em desenvolvimento e que se faz necessário
um trabalho que contribua para construção da sua identidade. Entretanto, não só
das crianças negras, mas de outras etnias. Assim, é importante valorizar as histórias
e as culturas e reconhecer a importância de todas as culturas. Dessa forma, as
crianças desde muito pequenas têm oportunidades de uma visão de mundo em que
as diferenças sejam respeitadas, vivenciem direitos e oportunidades iguais,
identifiquem o preconceito e a discriminação.
Em outras palavras, o contato das crianças desde muito pequenas com
práticas de valorização e reconhecimento de suas heranças culturais e históricas
influencia na construção da identidade e autoimagem de forma positiva.
De acordo com Cavalleiro (2005), é a ausência de referências positivas na
vida das crianças que muitas vezes leva a crescerem rejeitando a sua origem racial.
Dessa forma, é um desafio para os professores contribuírem para construção de
uma identidade negra positiva nas crianças.
De acordo com as Diretrizes Curriculares para Educação Infantil (BRASIL,
2009), Artº 8, as propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil devem
adotar ações para o trabalho com as questões étnico-raciais, como podemos
observar nos incisos VIII e IX.
72
Deverão prever condições para o trabalho coletivo e para a organização de materiais, espaços e tempos que assegurem: VIII – a apropriação pelas crianças das contribuições histórico-culturais dos povos indígenas, afrodescendentes, asiáticos, europeus e de outros países da América; IX – o reconhecimento, a valorização, o respeito e a interação das crianças com as histórias e as culturas africanas, afro-brasileiras, bem como o combate ao racismo e à discriminação.
A normativa procura garantir as condições para o trabalho pedagógico, que
vise à promoção da igualdade racial a partir da organização do tempo e do espaço
pedagógico que favoreçam a construção de uma identidade negra positiva, que
reconheça e valorize a história e a cultura africana e afro-brasileira. É com essa
preocupação epistemológica que observamos a prática pedagógica.
4.1 Prática pedagógica docente voltada para a igualdade racial em um Centro
Municipal de Educação Infantil do Município de Recife
A dinâmica da sala de aula envolve atividades articuladas para a produção do
conhecimento, como a roda de conversa, a hora da música, a contação de história, a
chamada dos nomes e o brincar.
A roda de conversa, atividade que faz parte da rotina da instituição, é uma
estratégia utilizada para marcar o início das atividades das salas de aula. Nessa
atividade as crianças sentam-se no tapete emborrachado em círculo, possibilitando
que todas se vejam e socializem o conhecimento, compartilhem experiências
vivenciadas fora da instituição escolar. Esse momento tem como finalidade estimular
a fala e a escuta, as linguagens oral e escrita e onde são trabalhados os conteúdos
pedagógicos. Durante a roda de conversa, a professora estimula a fala das crianças,
fazendo perguntas, explorando suas histórias, provocando sua curiosidade e
incentivando a participar das atividades propostas.
A roda de conversa também é um momento que proporcionava às crianças a
liberdade para se expressarem, contarem uma novidade, contar experiências, dizer
como ela vê o mundo. Segundo Freire (1988), a livre expressão das crianças pode
expressar um pouco de suas palavramundo, consistindo em um importante
momento de aprendizagem mútua, onde todos somos ensinantes-aprendizes.
Na roda de conversa as professoras vão intermediando as falas das crianças,
estimulando através de perguntas sobre suas histórias e organizando as falas, pois
73
todas querem falar ao mesmo tempo, escutando atentamente a todas as crianças.
Durante esses momentos de conversa, as professoras faziam relação das situações
vividas pelas crianças com a realidade, além de estimular reflexões e desenvolver
atitudes de respeito e valorização ao outro, como podemos ver no relato a seguir:
Em outro momento de roda de conversa a professora pega um espelho e pede para que cada criança se olhe no espelho, olhe seus cabelos, os olhos, a cor da sua pele, seu nariz. Quando todos se olham, ela vai fazer o mesmo e pergunta para turma como é seu cabelo? Uma das meninas diz que é liso. Ela diz: e a cor de pele? Uma Menina fala que é morena... A professora pergunta: Morena? Morena não! A tia é pretinha! As crianças dão risada. Ela pergunta do que estão rindo e o que tem de engraçado em ser negro. As crianças param e olham atentamente para professora. Ela fala que todas as crianças são diferentes, mas que todas são lindas do jeitinho que Deus fez (Caderno de campo, 2015).
Nesse relato, a professora Nina estimula as crianças a perceberem seus
traços físicos, a cor da sua pele, além de perceberem que são diferentes dos
colegas, mas que a beleza está nas diferenças de cada um. O trabalho contribuiu
para as crianças perceberem desde pequenas que não têm nada de feio, ou sujo em
ser diferente do padrão estabelecido pela sociedade, possibilitando o respeito às
diferenças.
A música é outra atividade realizada na conversa com o uso do CD ou de
professoras cantando com as crianças. Nesse momento, as crianças ouvem música
de outras regiões, brincam de capoeira, bumba meu boi, maracatu, possibilitando
ouvirem outros ritmos.
A contação de histórias também faz parte da roda de conversa como
atividade diária. Esse momento possibilitava o hábito da leitura, a familiarização com
o mundo da escrita, o desenvolvimento da imaginação e da oralidade. As
professoras selecionam os livros antecipadamente e no momento da história faziam
adaptações à faixa etária de cada sala, mostravam as ilustrações do livro, mudavam
a entonação da voz para diferenciar a fala dos personagens.
Na hora da leitura, as crianças participam desse momento fazendo perguntas
sobre a história, folheando os livros e recontando a história a partir da leitura de
imagens. As crianças menores tinham o tempo de atenção mais curto, mesmo
assim, as professoras tentavam adaptar as histórias a cada faixa etária. Durante a
contação de história, as crianças permaneciam bastante atentas e curiosas para a
74
trama do livro. A literatura utilizada pelas professoras tinha a temática étnico-racial;
tratava de questões sobre a estética negra, cultura e história africana e afro-
brasileira.
Outra atividade que faz parte da rotina é o brincar, eixo fundamental na
Educação Infantil. As brincadeiras de faz-de-conta, brincadeiras livres, brincadeiras
dirigidas pelas docentes. Nas brincadeiras livre e de faz-de-conta, as crianças imitam
papéis, aprendem regras de convivência e refletem sobre a realidade à sua volta,
como: brincar de casinha, de motorista, de mãe e filha.
Esses momentos revelam princípios e fundamentos sobre a concepção tanto
da instituição como a que os docentes têm sobre o papel da educação ao trabalhar
com a diversidade, especificamente com as questões raciais. Desse modo, esses
princípios são traduzidos a partir de várias situações e relações de ensino-
aprendizagem, os quais estão presentes nos objetivos, na escolha dos conteúdos,
na escolha do material didático, nas atividades propostas, na organização da sala de
aula e no tempo pedagógico, como veremos ao longo deste capítulo.
Assim, para analisarmos a prática das professoras, buscamos encontrar os
sentidos nas atividades desenvolvidas nas salas de aulas a partir dos materiais
didáticos, escolha dos conteúdos, atividades e projetos didáticos, na organização do
tempo e espaço pedagógico.
Partimos do pressuposto que os professores que desenvolvem uma prática
pedagógica docente promotora de igualdade racial contribuem com a desconstrução
de preconceito racial e de atitudes discriminatórias.
4.2 Prática pedagógica docente: organização do ambiente e seleção de
materiais para trabalhar a igualdade racial
Na escola, a rotina é marcada por atividades diferenciadas, organizadas de
acordo com as necessidades e as possibilidades das crianças. Dessa forma, a
organização do tempo e do espaço leva em conta o tempo global e nele o horário de
repouso, alimentação, higiene, de acordo com a faixa etária das crianças.
O CMEI funciona em horário integral (7h30m às 17h30m), com exceção da
sala C, uma turma de pré-escolar que funciona das 7h30m às 11h30m. As
atividades pedagógicas desenvolvidas pelas professoras ocorrem no horário da
75
manhã enquanto no horário da tarde os Auxiliares de Educação Infantil (ADIs) dão
continuidade às atividades realizadas, assim como os responsáveis pela recreação.
Todos os funcionários chegavam às 7h00, enquanto as professoras chegam
às 7h30m. As crianças são recebidas a partir das 7h00 da manhã pelos auxiliares de
Educação Infantil (ADIs). Na sala de aula, os responsáveis pelas crianças (pai, mãe,
tio, irmão etc.) recebem o fardamento que substituirá a roupa com que as crianças
chegam à escola, que são guardadas junto aos outros pertences.
O acolhimento das crianças é feito com brinquedos, bolinhas de sabão,
brincadeiras. Quando as professoras chegam, as crianças correm para abraçá-las.
Em resposta, as professoras as abraçam e, de forma carinhosa, dando-lhes bom dia
chamando pelo nome cada criança.
Enquanto aguardam o café da manhã, as crianças brincam com bonecas,
ursinhos, carrinhos, brincam de bolinha de sabão e jogam bola. Fazia parte da rotina
das professoras deixar as cadeiras e mesas no canto da sala de aula para facilitar a
realização das atividades e o deslocamento das crianças, já que eram muito
pequenas e precisavam de espaço para se locomoverem e explorarem o ambiente,
demonstrando uma preocupação com o desenvolvimento, a movimentação e a
interação entre as crianças. A partir dessa organização, as crianças movimentavam-
se e escolhiam diferentes espaços na sala de aula. Sentavam-se próximo ao colega
que tem mais afinidade. Crianças negras e brancas interagem entre si e brincam.
Algumas vezes surgem alguns conflitos relacionados ao compartilhamento de
materiais e brinquedos na sala de aula.
Na Sala C, as cadeiras e mesas eram organizadas em um semicírculo,
favorecendo a circulação da professora pela sala e um acompanhamento mais
próximo das atividades das crianças.
Ao organizar os espaços pedagógicos diferentemente as professoras os
consideram como um ambiente de aprendizagem, eles não são neutros, por isso
traduzem princípios e valores que também fazem parte do educar.
As paredes das salas guardavam poucos desenhos, pois o espaço era
pequeno. Mas havia murais com os nomes das crianças, com atividades
pedagógicas sobre a temática, os números e o alfabeto.
Na entrada do CMEI, observamos diversos cartazes sobre as questões raciais
e atividades realizadas pelas crianças. As atividades tinham como base histórias da
76
literatura afro-brasileira contadas pelas professoras que faziam referência aos
personagens da história e o que mais tinha chamado a atenção das crianças.
Essas atividades ficavam expostas no mural; nele, as crianças podiam
identificar a sua produção e a dos colegas, identificavam-se com os personagens,
bem como reconheciam seus próprios nomes. Dessa forma, favorecia a
aprendizagem, o processo de apropriação das linguagens oral e escrita,
desenvolvimento da imaginação, a construção da identidade e o respeito às
diferenças, bem como evidenciam a concepção de educação e a posição política
defendida pelas docentes e que demonstram afinidade com o trabalho da temática.
Horn (2004) afirma que a organização dos ambientes nas instituições de
Educação Infantil é considerada uma parte importante de sua proposta pedagógica,
pois reflete a concepção de educação, de criança e de ensino-aprendizagem que o
docente e a escola possuem.
Na organização desses espaços, eram considerados o ritmo e a faixa etária
de cada criança, a partir da organização das mesas e cadeiras, bem como dos
cestos com brinquedos, que eram de fácil acesso das crianças. Essa organização
tinha como objetivo favorecer a mobilidade, a autonomia, bem como garantir a
socialização entre as crianças. É nos momentos de socialização que surgem os
conflitos, também de natureza racial, onde as professoras demonstram uma
preocupação ao fazerem interferências, pedindo para que as crianças brancas
incluam na brincadeira a criança negra e vice-versa, para que partilhem os materiais
e respeitem a vez de brincar do colega.
As professoras também selecionavam materiais que abordassem a temática
étnico-racial, como por exemplo os livros eram enviados pelo Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), outros eram comprados pela gestora, assim
como algumas das bonecas negras e brancas. Os fantoches com famílias negras e
brancas foram enviados pela Prefeitura do Recife. Esses materiais ficavam na
secretaria da escola, mas de uso das professoras que a eles recorriam com
frequência, exceto as bonecas que ficavam nas salas para as crianças brincarem no
dia a dia. Os livros eram disponibilizados em um “baú de histórias”, onde as
professoras tinham acesso sempre que precisasse, assim como os fantoches.
Apesar de na instituição não ter muitos livros voltados para questão racial, havia na
escola um grande esforço por parte das docentes em trabalhar com a temática. Os
livros que abordavam a temática étnico-racial faziam referência à valorização da
77
estética negra, a exemplo do livro “menina bonita do laço de fita”, “o cabelo de Lelê”,
“como é bonito o pé de Igor”, outros como “Obax, o casamento da princesa”, que
abordavam a cultura e história africana, como podemos observar no quadro a seguir:
QUADRO Nº 10 - Livros selecionados para o trabalho com as questões étnico-raciais
Título Autor Editora
O cabelo de Lelê Valéria Belém IBEP
Menina bonita do laço de fita Ana Maria Machado Ática
O casamento da princesa Celso Sisto PRUMO
Como é bonito o pé de Igor Sônia Rosa DCL
Tanto, tanto! Trish Cooke Ática
Obax André Neves Brinque-Book
Esses livros constituem materiais importantes, como instrumentos e
conteúdos de vivência pedagógica em sala. Foram o fio condutor da prática docente,
utilizado pelas professoras para trabalhar a valorização da cultura e estética negra,
bem como promover a interação social e o respeito às diferenças, a partir da
contação de histórias. Além das histórias consideradas como clássico da literatura
infantil, como: chapeuzinho vermelho, três porquinhos, o lobo mal, as crianças
tiveram oportunidade de acesso a histórias que abordavam questão da estética, da
história e cultura negra, com objetivo de valorização, respeito e construção da
identidade.
4.3 O planejamento das atividades desenvolvidas no CMEI
As atividades realizadas pelas professoras, sempre que possível, passavam
por um planejamento construído coletivamente, em sessão quinzenal, ultrapassando
com o calendário estabelecido pela Secretaria de Educação, que define que os
planejamentos coletivos aconteçam um no início do ano, um no meio do ano, antes
das voltas às aulas e outro no fim do ano.
Esse planejamento no CMEI, construído coletivamente pelas professoras,
parte da socialização de conhecimentos para elaboração de projetos didáticos que
também abordem as questões étnico-raciais e se articulam aos projetos didáticos
desenvolvidos no CMEI, a exemplo do “Projeto Griô”, que trata das relações étnico-
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racial, o projeto “Todo dia é dia de índio” que trabalha a questão indígena na sala de
aula. Além disso, as professoras desenvolvem paralelamente outros projetos
determinados pela Secretaria de Educação, a exemplo o projeto “Lego”, trabalho
com blocos encaixáveis, do projeto “Robótica na Escola”, que vem de uma parceria
da Prefeitura do Recife com a empresa LEGO Zoom Education, e Palavra Cantada
para as turmas de zero a três anos; para as turmas de quatro anos o projeto
utilizando mesas interativas para alfabetização; o Projeto Nas Ondas da Leitura, que
faz parte do Programa de Letramento do Recife (Proler), em parceria com a Editora
IMPEH, com o objetivo de estimular a leitura.
Esses projetos adotados pelo município acabam inviabilizando o trabalho das
professoras, que precisam administrar bem o tempo para dar conta de vários
projetos, pois precisam apresentar resultados através de planilhas e relatórios,
desse modo, tolhendo a liberdade dos docentes no trato com os conteúdos didáticos
e planejamentos diários. Conforme a Lei nº 11.738/2008, o professor na sua carga
horária tem uma redução na interação com o aluno em 1/3 para a realização de
planejamentos, atividades e formação, mas as professoras optaram em receber o
abono especial2, ou seja, planejam suas atividades sem se afastar da sala de aula.
No início de 2015, a Secretaria de Educação do município de Recife lançou o
Diário de Classe On-line, caderneta virtual, que pode ser acessado em qualquer
local e hora pelo docente, gestor ou coordenador. O objetivo é “facilitar o trabalho”
do professor e o acompanhamento das instituições. O documento traz o
planejamento, apontando os eixos, as aprendizagens, os conteúdos e os objetivos.
No caso, o professor só precisa marcar se os conteúdos foram iniciados ou
aprofundados, isto é, os professores ao invés de fazerem o seu plano de aula, eles
passaram a, simplesmente, marcar na caderneta online as alternativas de conteúdos
e objetivos já preparados pela Secretaria de Educação. Assim, fere a autonomia do
professor em planejar suas aulas de acordo com a necessidade da turma e o seu
conhecimento profissional.
O discurso da praticidade está presente nesse planejamento adotado pela
prefeitura. Além de burocratizar a educação, desrespeita o professor, tolhe sua
autonomia.
2 Abono especial é pago aos professores para que eles não saiam de sala de aula para planejar conforme a Lei Federal nº 11.738, de 16 de junho de 2008, que estabeleceu que um terço da carga horária dos professores deva ser prestado em atividades extra sala de aula”.
79
Freire (1987) reconhece a importância das tecnologias para a educação,
entretanto, a partir do momento que os programas indicam os conteúdos a serem
trabalhados pelo professor na sala de aula, impondo modelos prontos, que
desrespeitam e tolhem a autonomia e a criatividade do professor, é uma forma de
burocratizar a educação. Essa “nova política” que transforma o professor em
autômato, ou seja, não tem vontade própria, vivem “deformados pela acriticidade,
não são capazes de ver o homem na sua totalidade, no seu quefazer-ação-reflexão,
que sempre se dá no mundo e sobre ele” (FREIRE, 1981, p. 23).
FOTO Nº 09 - imagem do Diário On-line
Fonte: Diário de classe, 2015.
Apesar do planejamento ser entregue pronto para execução pelas
professoras, constam conteúdos voltados para a valorização da cultura, respeito à
diversidade e fortalecimento da identidade a partir da socialização entre as
diferentes culturas.
As atividades realizadas pelas professoras, objeto do próximo tópico,
evidenciam as aproximações das professoras com a concepção de uma educação
voltada para a igualdade racial. As três professoras participantes da pesquisa, bem
como as crianças, terão seus nomes resguardados, a partir da utilização de nomes
fictícios.
80
4.4 Seleção dos materiais para o trabalho com as questões raciais
Para a realização das atividades as professoras tinham o cuidado em
selecionar os materiais antecipadamente que seriam utilizados para o trabalho com
as questões raciais, como os livros que trouxessem personagens negros, as
músicas que abordassem diversos ritmos, filmes com histórias africanas, bonecas e
bonecos negros, assim como a utilização de fantoches.
A contação de histórias utilizando a literatura afro-brasileira faz parte do
projeto Griô que tem como finalidade trabalhar com a história e cultura africana e
afro-brasileira na sala de aula. A palavra Griô é de origem africana e significa
“contador de histórias”. De acordo com Pacheco (2006), os Griôs são mestres na
tradição oral africana, que transmitem saberes em diálogo com a educação formal,
para o fortalecimento da identidade e ancestralidade do negro.
FOTO Nº 10 - Baú de Histórias (Projeto Griô)
Fonte: Foto da autora, 2015.
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FOTO Nº 11 - Imagem dos livros do Projeto Griô
Fonte: Foto da autora, 2015.
4.5 Atividades vivenciadas voltadas para a promoção da igualdade racial
Trata-se de atividades que foram vivenciadas nas salas de aula, que abordam
a estética negra, a cultura e a história africana e afro-brasileira, desenvolvidas no
momento da roda de conversa, como a contação de histórias, músicas e dança e
exibição de filmes relativos à temática.
Roda de conversa
Na roda de conversa, as professoras vão intermediando as falas das crianças,
estimulando através de perguntas sobre suas histórias e organizando as falas, pois
todos querem falar ao mesmo, escutando atentamente a todas as crianças. Durante
esses momentos de conversa as professoras faziam relação das situações vividas
pelas crianças com a realidade, além de estimular reflexões e desenvolver atitudes
de respeito e valorização do outro, como podemos ver no relato a seguir:
Em outro momento de roda de conversa a professora pega um espelho e pede para que cada criança se olhe no espelho, olhe seus cabelos, os olhos, a cor da sua pele, seu nariz. Quando todos se olham, ela vai fazer o mesmo e pergunta para turma como é seu cabelo? Uma das meninas diz que é liso. Ela diz: e a cor de pele? Uma Menina fala que é morena... A professora pergunta: Morena? Morena não! A tia é pretinha! As crianças dão risada. Ela pergunta do que estão rindo e o que tem de engraçado em ser negro. As crianças
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param e olham atentamente para professora. Ela fala que todas as
crianças são diferentes, mas que todas são lindas do jeitinho que Deus fez (Caderno de campo, 2015).
Nesse relato a professora Nina estimula as crianças a perceberem seus
traços físicos, a cor da sua pele, além de perceberem que são diferentes dos
colegas, mas que a beleza está nas diferenças de cada um. Conforme o RCNEI
(1998, p. 77) “Assumir um trabalho de acolhimento às diferentes expressões e
manifestações das crianças e suas famílias significa valorizar e respeitar a
diversidade, não implicando a adesão incondicional aos valores do outro”.
Contação de histórias
A contação de histórias também faz parte da conversa como atividade diária.
Esse momento possibilitava o hábito da leitura, a familiarização com o mundo da
escrita, o desenvolvimento da imaginação e da oralidade. Durante a contação da
história as professoras pediam que as crianças ficassem em silêncio, chamavam a
atenção das crianças para as imagens dos livros, perguntavam como eram os
personagens, o tempo todo instigavam as crianças a fazer perguntas, a observar e a
expressar seu ponto de vista.
Na hora da leitura as crianças participam desse momento fazendo perguntas
sobre a história, folheando os livros e recontando a história a partir da leitura de
imagens. As crianças menores tinham o tempo de atenção mais curto, mesmo
assim, as professoras tentavam adaptar as histórias a cada faixa etária. Durante a
contação de história as crianças permaneciam bastante atentas e curiosas para a
trama do livro. A literatura utilizada pelas professoras tinha como temática étnico-
racial, tratavam de questões sobre a estética negra, cultura e história africana e afro-
brasileira. As crianças permaneciam atentas as imagens dos livros. Como podemos
observar no relato a seguir.
Em um momento de contação história na sala B. A professora Ângela, ao apresentar um livro para as crianças, todas ficaram curiosas para ver que história seria contada, então tentavam puxar o livro de sua mão. A professora mostra a capa e fala que a história se chama “como é bonito o pé de Igor” que fala sobre um menino negro, que tinha o pé elogiado por todos da família. No finalzinho da história, a professora passou a elogiar os pés de todos os alunos, falando seus respectivos nomes. Durante a atividade as crianças
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achavam engraçado: riam. Todas queriam ter o pé elogiado pela professora. A Professora dizia: Olha... Como é bonito o pé de Abena! Como é bonito o pé de Biko! Olha... Como e bonito o pé de Latiffa !! (Caderno de campo, 2015). A leitura do livro “Tanto, tanto!”. A história tratava de um bebê que era muito amado por toda família, e na comemoração do aniversário do pai, todos que iriam para a festa se encantavam com o bebê e faziam alguma demonstração de carinho (beijos, abraços, aperto). Enquanto a professora contava a história, ela fazia em todas as crianças os carinhos recebidos pelo bebê da história. Repetindo a frase dita pela família da história. “Eu quero apertá-lo TANTO, TANTO!” ...Eu quero beijá-lo TANTO, TANTO!” .... Eu quero brincar com ele TANTO, TANTO!”. Nesse momento todas as crianças queriam receber os carinhos da professora, gerando conflito por questões de ciúmes, pois ainda estão aprendendo a compartilhar não só os materiais como também a atenção e os afetos da professora (Caderno de campo, 2015).
O trecho evidencia que a prática da professora contribui para a promoção da
igualdade racial, a partir da relação afetiva e respeitosa quando repete a ação do
texto, isto é, os carinhos recebidos pelo bebê da história, em todas as crianças que
estavam presentes, vivenciando o mesmo tratamento com todos.
Durante a contação da história as crianças ficavam atentas para as imagens
do livro. Através do sorriso, do abraço, pelos toques, elogios e olhares a criança se
sentirá segura, amada, bonita, elementos que possivelmente contribuirão para a
construção da identidade e ampliará sua visão de mundo, principalmente porque,
nessa fase, as crianças começam a construir conceitos e desenvolver valores sobre
que é bonito, feio, mal, bom, o belo etc.
Atitudes das professoras tanto no primeiro episódio quando a professora
Ângela elogiava e pegava o pé de todos os alunos que estavam presentes, como no
segundo episódio, quando a professora Dandara abraçava e beijava todos os bebês
da sala, demonstram que as professoras se esforçam utilizando-se da literatura
africana e afro-brasileira para trabalhar a temática em sala de aula.
A professora Ângela e a professora Dandara tratam todas as crianças de
maneira igual, considerando as especificidades de cada uma delas, como a faixa
etária e o tempo de concentração, considerando cada criança como singular quando
as chamavam pelo seu nome.
Após a contação de história do livro Menina bonita do laço de fita, de Ana
Maria Machado realizada pela professora, as crianças manusearam o livro e
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recontaram a história. Em seguida, a professora propôs que as crianças dessem um
nome à boneca da história. As crianças sugeriram alguns nomes para votação:
Izabel, Julieta e Juliana. E com maior quantidade de votos a menina da história
passou a se chamar Izabel.
Professora sala C: Vocês sabiam que existiu uma princesa com o nome de Izabel, que depois de muito pressionada, libertou os negros, que eram escravizados e ficou famosa por isso. Agora, vamos escrever o nome da boneca que foi mais votado, Izabel. Mas estava certo? Estava? As pessoas serem presas por conta da cor da pele, porque era negro.
Crianças: Nãooo ... (sinal de negação com a cabeça)
Professora sala C: Pois é ... Não está certo. Mas mesmo estando amarrados em correntes eles conseguiam fugir e lutar. E depois de muito tempo os negros passaram a ter direitos de ir à escola como vocês.
Menina: Que bom, né?
Professora sala C: É sim!
(Caderno de campo, 2015).
Após a contação da história, geralmente, as crianças realizaram uma
atividade de pintura e colagem. Apesar da professora chamar atenção para a cor da
pele da personagem, algumas crianças a pintavam com o lápis de cor clara, mas
sem interferência da professora. Vejamos as imagens a seguir:
FOTO Nº 12 - Mural de atividades sobre a história Menina bonita do laço de fita
Fonte: Foto da autora, 2015.
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O relato evidencia não só a importância de realizar a leitura do livro, mas de
trazer novos saberes sobre a história da população negra de luta e sua resistência,
em uma linguagem fácil e compreensível pelas crianças. Através da literatura afro-
brasileira as professoras procuram fortalecer e valorizar a identidade negra das
crianças ao abordarem a textura crespa dos cabelos dos personagens, enfatizarem
os traços físicos (partes do corpo) e a cor da pele, além de desconstruírem os
estereótipos sobre negro construídos historicamente na sociedade e enfatizarem
aspectos culturais.
As atividades, em seguida de contação de histórias, podem ser
compreendidas pelo trabalho das crianças a seguir:
FOTOS Nº 13 e 14 - Mural de atividades
Fonte: Foto da autora, 2015.
As fotos 13 e 14 evidenciam produções realizadas pelos alunos da professora
Ângela que consistiram na elaboração da pintura de quadros com os personagens
das histórias. Ao trabalhar com a literatura africana e afro-brasileira na sala de aula,
a professora chama a atenção das crianças para a cor da pele e o cabelo do
personagem da história. Ela fala acerca das diferenças étnicas e culturais,
procurando valorizar a estética negra e sua cultura.
As atividades de releituras evidenciam um esforço para o trato com as
questões étnico-raciais, através da literatura africana e afro-brasileira, tais como:
pintura, colagem, desenhos. Desse modo, a prática das professoras estimula a
leitura, o respeito às diferenças, possibilitando a valorização da autoestima das
crianças, bem como possibilita a construção de uma identidade negra positiva.
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A professora Nina realizou a leitura do livro “O cabelo de Lelê”, história de
uma menina negra que não gostava dos seus cabelos crespos, mas que um certo
dia, ao pesquisar, descobriu que a textura do seu cabelo tinha uma história que
começava na África. E percebe que seu cabelo não tem nada de feio, ao contrário,
pode fazer inúmeros penteados. O livro traz figuras de vários penteados que podem
ser feitos nos cabelos enrolados. Durante a contação da história, as crianças
demonstravam estar atentas, faziam alguns comentários, como: “O meu cabelo é
igual ao da Lelê!”; “Lelê tem cabelo de fuá, bem bonito!” “A Lelê é preta!”; “É bonito o
cabelo de Lelê!”; “minha irmã parece com Lelê, tia!”. As crianças se reconhecem ou
conhecem alguém de sua família na história contada. A professora pediu que cada
um tocasse nos seus cabelos, no cabelo do coleguinha; ela pergunta se todos os
cabelos são iguais. As crianças respondem que não, então ela aproveita para falar
dos diversos tipos de cabelos e da beleza de cada um. Após a conversa sobre a
história, a professora pede que façam o desenho do que mais chamou atenção na
história.
Através da contação de histórias, as professoras despertavam nas crianças o
interesse, a atenção e a curiosidade pela literatura realizada, de maneira que a
relação ensino-aprendizagem se concretizasse a partir de diversas estratégias que
contribuíram para a construção de uma identidade positiva na criança negra.
O trabalho desenvolvido pelas professoras a partir da contação de histórias,
utilizando-se especificamente da literatura infantil afro-brasileira, torna-se um
elemento fundamental e articulador das atividades nos processos de produção do
conhecimento. A contação de histórias encantava as crianças com suas ilustrações,
e acontecia a partir da escuta e pelo estímulo da professora que durante a
realização das atividades elogiava: Muito bem! Que lindo! Que bonito!
A contação de histórias é, portanto, o meio utilizado com mais frequência
pelas professoras para desenvolver uma prática que contribua com a promoção da
igualdade racial, ensinando desde cedo as crianças a respeitarem as diferenças,
além de contribuir para valorização da cultura e da história negra, bem como o
fortalecimento da identidade.
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O brincar
O brincar é um eixo fundamental na Educação Infantil: brincadeiras de faz-de-
conta, brincadeiras livres, brincadeiras dirigidas pelas docentes. Nas brincadeiras
livre e de faz-de-conta, as crianças imitam papéis, aprendem regras de convivência
e refletem sobre a realidade à sua volta, como: brincar de casinha, de motorista, de
mãe e filha. Durante as brincadeiras surgem alguns conflitos que permeiam as
relações na hora do brincar. Alguns momentos de conflito na hora do brincar são:
não compartilhar os brinquedos com os colegas, chutar os brinquedos do amigo
para estragar a brincadeira, bater no colega por ele não ter deixado brincar. Além
das brincadeiras livres, tinham as brincadeiras que eram dirigidas pelas professoras.
Uma delas era a brincadeira com bonecos e bonecas negras, com destaque para
bonecas negras, como podemos observar na imagem a seguir:
FOTOS Nº 15 e 16 - Fotografia das crianças brincando com bonecas negras
Fonte: autora, 2015.
Na turma B, as bonecas negras faziam parte da brincadeira das crianças.
Durante a brincadeira, as crianças penteavam os cabelos das bonecas, algumas
crianças brincavam de família, de alimentar a boneca.
Uma atividade que chamou atenção foi a brincadeira de salão de beleza. Ela
distribuiu pente e escovas para as crianças, colocou alguns espelhos acessíveis na
sala e as crianças penteavam os cabelos umas das outras ou os próprios cabelos.
Durante a brincadeira, a situação que as crianças mais imitavam era que estavam
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cortando os cabelos ou fazendo alisamentos. A professora fazia algumas
interferências, perguntando o motivo das crianças estarem alisando os cabelos.
A partir das brincadeiras desenvolvidas na sala de aula observou-se que os
brinquedos, as formas de brincar com os bonecos possibilitam que as crianças se
vejam e percebam as diferenças e tratem de forma respeitosa. Tanto os brinquedos
como os demais materiais utilizados na sala de aula, como as músicas, as revistas,
os livros, os filmes, constituem artefatos culturais que possivelmente contribuem
para a desconstrução de estereótipos e preconceitos.
Exibição de filmes e teatro com fantoches para o trabalho com as questões
raciais
A exibição de filmes, como Kiriku e a feiticeira, Bruna e a galinha d’angola,
Mojubá, a botija de ouro e o presente de Ossanha, fez parte de algumas aulas.
Esses materiais eram utilizados pelas professoras, e tratavam dos temas seguintes:
religiosidade, memória e história africanas, como podemos observar no relato a
seguir:
A professora Nina coloca o filme Kiriku e a feiticeira, ela pede silêncio para as crianças, que de início ficam bastante agitadas, e aos poucos vão se acalmando. A professora fala que o título do filme para as crianças, e acrescenta que a história fala de um menino chamado Kiriku. As crianças riem do nome. Durante a exibição do filme as crianças permaneceram atentas a trama do filme que fala de bebê guerreiro que salva a sua aldeia da feiticeira (Caderno de campo, 2015).
Além das atividades citadas, as professoras promoviam o teatro com
fantoches (negros e brancos) para tratar a questão da diversidade, do respeito e da
cidadania. As professoras tinham a preocupação de escolher os materiais para o
trabalho com a temática, como os livros que trouxessem personagens negros, as
músicas que abordassem diversos ritmos, filmes com histórias africanas, bonecas e
bonecos negros, assim como a utilização de fantoches.
A análise das práticas pedagógicas docentes nos levou a identificar
elementos que contribuem para o fortalecimento da construção da identidade da
criança negra, o respeito às diferenças, a valorização da história e cultura africana e
afro-brasileira, a partir do trato dos conteúdos pedagógicos, do material utilizado
89
pelas professoras e das atividades e dos projetos didáticos vivenciados na sala de
aula.
A literatura africana e afro-brasileira foi utilizada como proposta didática, a
oralidade foi o fio condutor que possibilitou às crianças a aproximação com conteúdo
para construção de uma identidade afirmativa positiva, uma vez que os mesmos
discutem aspectos culturais e históricos e fomentam o pensar criticamente sobre a
diversidade de realidades que permeiam nosso cotidiano.
A identidade negra é um processo gradativo que se dá nas relações desde a
infância, tem início na instituição familiar e se desdobra à medida que a criança
estabelece outras relações. E a escola é uma instituição, onde são compartilhados
saberes sobre a história e a cultura africana e afro-brasileira, o respeito e a
valorização da diversidade e atividades pedagógicas (filmes, brincadeiras, contação
de histórias, pintura, desenho, colagem) que possibilitam a construção dos
processos identitários, inclusive a identidade negra.
De acordo com Cavalleiro (2005, p. 122), é a ausência de representações
positivas durante a infância que leva muitas vezes sujeitos adultos a negarem sua
origem racial. Desse modo, é fundamental “positivar o lado negro de cada criança,
positivar o passado escravo, através das histórias de resistência”.
Nesse sentido, uma educação que vise à promoção da igualdade racial deve
começar desde muito cedo, para que a criança se veja como negra e que a partir
das possibilidades de aprendizagens, admiração e valorização possam construir
representações negras positivas.
Conforme Reis (2012), a identidade é um conjunto de aspectos (políticos,
sociais, individuais e coletivos) adquiridos com os quais as pessoas se identificam e
são identificados a partir do seu grupo de pertencimento. “É nesta construção que as
pessoas negras da sociedade brasileira se encontram, se fortalecem e constroem
sua identidade negra” (REIS, 2012, p. 25).
De acordo com a autora, a construção da identidade das pessoas negras está
relacionada ao conhecimento adquirido durante sua vida escolar e social que
ressignifica as relações de conflitos ou de harmonia em seu grupo de pertencimento
étnico-racial.
Gomes (2005) ressalta que o sujeito não nasce com sua identidade definida,
ao contrário, ela vai sendo construída nas relações durante um contexto sócio
histórico. A autora compreende a identidade negra como construção social, histórica
90
e plural, ou seja, a construção da identidade negra implica na construção do olhar de
sujeitos que pertencem a um mesmo grupo racial sobre si mesmos, a partir da
relação com o outro. Cavalleiro (2000, p. 26) ressalta que
Compreender-se que o reconhecimento positivo das diferenças étnicas deve ser proporcionado desde os primeiros anos de vida. Para tornar a pré-escola um espaço positivo das diferenças ao entendimento das diferenças étnicas, é necessário observarmos o processo de socialização atualmente desenvolvido no espaço escolar, que, conforme demonstrado por diversos estudos e pesquisas, parece ignorar essa questão. Contudo, a educação infantil não pode esquivar-se do dever de preparar o indivíduo para a existência das diferenças étnicas, já que ela, inevitavelmente, permeará a sua relação com os demais cidadãos.
Silva (2009) compreende a identidade negra como uma referência que um
sujeito tem, a qual se autoconhece e se constitui a partir da relação com outros
sujeitos. Desse modo, vai constituindo sua identidade negra, que o fará se
posicionar politicamente em torno de seu pertencimento racial.
Dessa forma, é importante que as referências positivas do negro façam parte
do universo das crianças desde cedo para que contribuam com o processo
identitário, como podemos observar na nota a seguir:
Professora: “ Olha, minha gente, o nome da história é: Como é bonito o pé do Igor... Quando o Igor nasceu e seus dedinhos balançaram pra lá e pra cá, todos puderam notar como era bonito o seu pé. Todos que visitavam o bebê diziam: como é bonito o pé do Igor! ...Agora quero ver quem tem o pé bonito como o de Igor. Mostra o pezinho Sabryna. Olha como o pé de Sabryna é bonito! Cadê o pé Tayana? Como é bonito o pé de Tayana! Olha como o pé de Paulo como é bonito minha gente!
A literatura provocou nas crianças curiosidade para saber que história seria
contada. Toda vez que as professoras perguntavam quem gostaria de ouvir história,
elas gritavam alto, batiam palmas demonstrando alegria sempre ao saber que as
professoras contariam alguma história. A prática das professoras instiga a
curiosidade das crianças para desenvolver a criatividade.
A prática das professoras tem em vista a resolução nº 2 de 05/11/2012, que
trata das questões étnico-raciais e busca implantar a Lei Federal nº 11.645/2008 que
regulamenta o ensino obrigatório da história e cultura afro-brasileira e indígena em
escolas públicas e privadas. A partir da contação de histórias, as professoras
91
buscam não só despertar a curiosidade das crianças, principalmente nessa faixa
etária, mas valorizar a cultura e a história africana e afro-brasileira, bem como
possibilitar a construção do processo identitário. A literatura africana e afro-brasileira
utilizada como proposta pedagógica pelas professoras contribui para a construção
afirmativa da identidade racial, uma vez que discute aspectos culturais e históricos
do continente africano e do brasileiro e contribui para o pensar crítico sobre a
diversidade.
92
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prática pedagógica docente que tem como finalidade promover a igualdade
racial, objeto dessa pesquisa, nasceu da nossa curiosidade epistemológica e foi se
constituindo a partir da nossa trajetória pessoal, acadêmica e profissional e nos
levou à questão de pesquisa: como se materializa a prática pedagógica docente que
visa à promoção da igualdade racial na Rede Municipal do Recife? Para respondê-la
evidenciamos esforços no sentido de compreender ações que expressam elementos
que constituem uma prática pedagógica docente promotora de igualdade racial.
A prática pedagógica docente é compreendida nessa pesquisa como a ação
do professor com o aluno mediada pelo conhecimento dos conteúdos que ganham
corpo no processo de ensino-aprendizagem, enquanto que a igualdade racial é o
reconhecimento e a efetivação dos direitos da população, o combate à discriminação
e ao preconceito racial.
Desse modo, uma prática promotora de igualdade racial implica nas ações
desenvolvidas pelos professores-estudantes, no espaço escolar, com a finalidade de
reconhecer e valorizar as diferenças, a história e a cultura africana e afro-brasileira,
bem como contribuir para o fortalecimento da identidade.
A pesquisa nos permitiu compreender as práticas das professoras do campo
empírico da pesquisa, referenciadas na Lei Federal nº 10.639/2003, que estabelece
a obrigatoriedade da Educação para as Relações Étnico-Raciais e trata do Ensino
da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, bem como a Resolução nº 2/2012 do
CME, que define normas para orientar a política de educação da cidade de Recife
para a implementação da Lei nº 10.639/03. Ainda evidenciou a implantação das
normativas relacionadas à temática afro-brasileira e africana na Política de Ensino
do município, no diário de classe online e a partir de atividades vivenciadas e
projetos didáticos realizados na instituição.
Apesar de algumas dificuldades encontradas, como falta de material didático
e a resistência de uma grande parte das famílias em participar de eventos
relacionados à temática, as professoras se esforçam para desenvolver uma prática
voltada para a igualdade racial.
O ambiente pedagógico se revelou propício para que o conhecimento fosse
efetivado através das atividades desenvolvidas. As crianças eram envolvidas pelas
histórias contadas, mobilizadas com atividades a exporem ideias e pontos de vistas.
93
Ao mesmo tempo, as professoras valorizavam as diferenças através de elogios e
gestos. A leitura foi utilizada como procedimento para aquisição do conhecimento
sobre a temática, além de brincadeiras, músicas e filmes.
O trabalho realizado pelas professoras de leitura de livros infantis que tratam
das questões étnico-raciais nas turmas de Educação Infantil merece destaque. A
literatura utilizada como atividade pedagógica contribuiu para a construção dos
processos identitários e da autoimagem das crianças, uma vez que discutem
aspectos culturais e históricos africano e brasileiro e exercitam o pensar sobre a
diversidade com as crianças pequenas.
Na prática observada, a promoção da igualdade racial se revela: na forma
como as professoras instigam as crianças a respeitarem as diferenças, através do
material pedagógico utilizado, com gestos e palavras que valorizavam a cultura
negra. As ações vivenciadas na prática pedagógica docente revelam a possibilidade
das crianças construírem um pensamento positivo sobre a cultura africana e afro-
brasileira.
Nesta perspectiva, os achados evidenciam esforços por parte das professoras
em desenvolver uma prática voltada à promoção da igualdade racial que se
materializa a partir da organização do tempo e do espaço pedagógicos, dos
conteúdos, dos materiais selecionados e das atividades desenvolvidas sobre as
questões étnico-raciais. Entretanto, consideramos importante os professores
receberem um suporte teórico-metodológico contínuo para o trabalho com a
temática em sala de aula.
Concluímos que são importantes as práticas que visam à promoção da
igualdade racial desde a Educação Infantil, uma vez que nesta fase as crianças se
encontram em contato com os valores e princípios humanos, como também,
manifestações racistas, exigindo uma postura de mudança por parte das instituições
nos currículos e nas práticas curriculares.
Nessa direção, ressaltamos a necessidade de pesquisas que foquem a
formação de professores e que tratem das questões étnico-raciais como
indispensáveis para uma educação de qualidade. Desse modo, temas para
formação continuada para promoção da igualdade racial podem constituir objeto de
pesquisa no campo educacional: conteúdos curriculares voltados para a temática
étnico-racial; desafios encontrados pelos docentes que trabalham com crianças;
cursos que formam professores que trabalham com a questão racial.
94
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101
APÊNDICE A - ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO
1ª Observação dentro da escola:
Organização estética de material relacionado à temática étnico-racial;
Realização de projetos e comemorações que envolvam a temática e quem
participa das atividades;
Análise do Projeto Político Pedagógico da Escola.
2ª Observação na sala de aula:
Organização estética de material voltado para uma educação igualitária,
temática étnico-racial;
Atividades desenvolvidas sobre a temática;
Problematização;
Conteúdos trabalhados sobre a temática;
Relação professor/aluno e aluno/aluno;
Organização do tempo e material didático;
Projetos desenvolvidos relacionados à temática;
Valoriza a realidade do aluno;
Reconhecimento e valorização da história, cultura e identidade do aluno.
Diálogo;
Desenvolve um trabalhar interdisciplinar;
Amorosidade.
102
APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
IDENTIFICAÇÃO
Título do Projeto de Pesquisa de Mestrado: Práticas Pedagógicas Docentes Promotoras de Igualdade Racial no Ensino Básico das escolas do Município de Recife.
Orientadora: Eliete Santiago
Pesquisadora Responsável: Maria da Conceição de Carvalho Varejão Filha
Instituição: Universidade Federal de Pernambuco
Contatos Telefônicos da Pesquisadora - (81) 9928-8629 e (81) 8161-6438
E-mail: [email protected]
RESUMO DA PESQUISA
A pesquisa vem anunciar práticas de professores exitosas que tem como mote a
igualdade racial. Sendo a prática docente o objeto da nossa pesquisa.
A mesma toma como base a perspectiva de João Francisco de Souza (2009) que
compreende a prática pedagógica como uma prática plural, propositiva, coletiva, que é
constituída de um contexto sócio-político e que acontece nos diversos espaços formativos,
igreja, sindicato, instituições de movimentos sociais, inclusive na escola. Conforme Souza
(2009), a prática pedagógica é formada por várias dimensões: a prática docente, a prática
gestora, a prática discente, a prática da comunidade e a prática gnosiológica. Em síntese, a
prática pedagógica é uma interconexão dessas práticas e que tem como finalidade
proporcionar através da educação a “construção de uma sociedade capaz de criar as
condições para que todos vivam dignamente no contexto da diversidade cultural em que nos
encontramos, portadora de possibilidades e negatividades” (SOUZA, 2007, p. 182). A partir
dessa compreensão a pesquisa terá contribuição o pensamento de Paulo Freire (2013)
sobre a prática educativa, pois acreditamos que seus estudos apontam elementos que
podem nos ajudar a olhar a prática docente.
Dessa forma entendemos que uma prática pedagógica docente que vise a
promoção da igualdade racial é formada por um conjunto de ações que são desenvolvidas
no ambiente escolar e que visa reconhecer e valorizar as identidades étnicas, promover a
igualdade de oportunidades entre os diferentes grupos étnicos a fim de construir uma
103
sociedade mais justa e democrática. Mas para isto se faz necessário que o trabalho com as
questões de natureza étnico-racial leve em consideração alguns elementos que vão
caracterizar essa prática que visa promover a igualdade racial, como o tratamento e
pontualidade de trabalhar com a temática interdisciplinarmente, a problematização das
questões raciais; a promoção de debates e discursões sobre a temática; a organização
estética do material decorativo da sala de aula. Outro ponto importante que contribui para o
aprendizado das relações étnico-raciais é a escolha dos materiais que serão manipulados
em sala de aula, como brinquedos, livros e revistas.
Para atender aos objetivos desta pesquisa, que é analisar as práticas docentes que
visam à promoção da igualdade racial no Ensino Fundamental das Escolas Municipais do
Recife utilizaremos a metodologia de caráter qualitativo, com abordagem etnográfica.
De acordo com a especificidade do nosso objeto de pesquisa utilizaremos para
coleta dos dados a observação não participante, que será combinada com outros
instrumentos, que são a entrevista semiestruturada e a análise documental, para entender
melhor o nosso objeto de pesquisa que são as práticas que visam a igualdade racial.
Para o tratamento e organização dos dados da pesquisa utilizaremos a técnica de
Análise do Conteúdo na perspectiva de Laurence Bardin (1977). Para salvaguardar as
informações adquiridas através das entrevistas e das observações que serão
antecipadamente corrigidas pelos participantes faremos o uso do TERMO DE
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.
ESCLARECIMENTOS
Convidamos Srª a participar do projeto de pesquisa Práticas Pedagógicas Docentes
Promotoras de Igualdade Racial no Ensino Básico das escolas do Município de Recife de
responsabilidade da Mestranda Maria da Conceição de Carvalho Varejão Filha.
Esse TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) tem por
finalidade possibilitar, aos sujeitos da pesquisa, o esclarecimento sobre a investigação a ser
realizada para que a sua manifestação de vontade no sentido de participar (ou não), seja
efetivamente livre e consciente.
DECLARAÇÃO
Eu, ____________________________________________________________, RG nº
__________________, declaro ter sido informada e concordar em participar autorizando a
publicação da entrevista concedida e corrigida, no projeto de pesquisa acima descrito.
Recife, _____________________ de 2015.
______________________________________________________
Assinatura do Participante
104
APÊNDICE C - QUESTIONÁRIO
PRÁTICA PEDAGÓGICA DOCENTE PROMOTORA DE IGUALDADE RACIAL
Nome Completo
Profissão:
Função:
Idade:
Nível de formação:
o Normal Médio
o Nível Superior
o Especialização
o Mestrado
o Doutorado
o Outro: Sexo:
o Feminino
o Masculino Ano/ciclo que leciona:
E-mail :
Contatos telefônicos
Você conhece a Resolução Nº 2 DE 05/11/2012 do Conselho Municipal de
Educação da Prefeitura do Recife, que trata das questões étnico-raciais?
Se conhece , como tomou conhecimento?
Você trabalha com as questões étnico-raciais em sala de aula? Quais assuntos
são abordados?
Que atividades você desenvolve com frequência sobre as questões étnico-
raciais?
Que materiais utiliza para o trabalho com os estudantes em sala de aula? Você
produz algum material? Se sim, qual?
Há conflitos em sala de aula por questões raciais? Se há você interfere?
Para você qual a importância de se trabalhar com as questões raciais em sala
de aula?
Você conhece algum professor(a) que desenvolva um trabalho com as
questões étnico-raciais? Indique-os:
Se precisarmos de sua colaboração na pesquisa você teria interesse?