UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE … · pontos de vista, pelo ... toda dedicação e...

139
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO EM LINGÜÍSTICA INTERCULTURALISMO E ENSINO DE LÍNGUA INGLESA: É NA TUA LÍNGUA QUE FALO, MAS É NA MINHA LÍNGUA QUE TE COMPREENDO Suzana Ferreira Paulino Recife 2009

Transcript of UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE … · pontos de vista, pelo ... toda dedicação e...

UNIVERSIDADEFEDERALDEPERNAMBUCO

PROGRAMADEPSGRADUAOEMLETRAS

MESTRADOEMLINGSTICA

INTERCULTURALISMOEENSINODELNGUAINGLESA:

NATUALNGUAQUEFALO,MASNAMINHALNGUA

QUETECOMPREENDO

SuzanaFer reiraPaulino

Recife

2009

i

UNIVERSIDADEFEDERALDEPERNAMBUCO

INTERCULTURALISMOEENSINODELNGUA

INGLESA:NATUALNGUAQUEFALO,MASNAMINHALNGUA

QUETECOMPREENDO

SuzanaFer reir aPaulino

Dissertao de Mestrado apresentada ao

Programa de PsGraduao em Letras da

Universidade Federal de Pernambuco como um

dosrequisitosparaaobtenodottulodeMestre

emLingstica.

Orientadora:Prof.Dr.NellyMedeirosdeCarvalho

Coorientadora:Prof.Dr.AbundiaPadilha Pinto

Recife

2009

Paulino,SuzanaFerreiraInterculturalismo e ensino de lngua inglesa:

natualnguaquefalo,masnaminhalnguaquetecompreendo / Suzana Ferreira Paulino. Recife:OAutor,2009.

137folhas:il.,fig.,tab.

Dissertao (mestrado) Universidade FederaldePernambuco.CAC.Letras,2009.

Incluibibliografiaeanexos.

1. Lingstica aplicada. 2. Cultura. 3. Lnguainglesa. 4. Comunicao intercultural. 5.Competnciacomunicativa.I.Ttulo.

801 CDU(2.ed.) UFPE410 CDD(22.ed.) CAC200944

ii

iii

Dedicoestetrabalhoatrsmulheresmuitoimportantesna

minhavida:

Minha me, Josefa Galdino Ferreira, por me fazer

acreditar na capacidade de realizar meus sonhos, pelo

estmuloeapoioparaconcretizlos.

Minha filha, Maria Isabella, para que este trabalho de

pesquisasejaumexemplodeperseveranaeincentivona

buscaerealizaodosseusobjetivosedosseussonhos.

Abundia Padilha Pinto, sua vida e histria so ddivas.

Maisqueprofessora,educadorame.

iv

AGRADECIMENTOS

ADeus,pelaminhaexistncia,minhasadefsicaementalepelasoportunidadescom

queelemepresenteou.Agradeopelasabedoriaeconscincianasminhasescolhasetomadas

dedeciso,pessoaiseacadmicas.

minha me, Josefa G. Ferreira, pelo amor, incentivo aos estudos e apoio

incondicionais em todososmomentos daminha vida, sendomeu refgio emeu ninho nos

momentosbonsenosnotobonsassim.Pelapacinciaerespeitosminhasnecessidadese

pontosdevista,pelocuidado,amorecarinhodispensadosminhafilha,cuidandodelacom

todadedicaoeamorde mevov.

minhafilha,MariaIsabella,porexistiremminhavida.Pelocarinho,pelasalegriase

peloconfortoqueseus sorrisos,abraose beijosmeproporcionaramquandoocansaoeo

desesperotentavamseaproximar.

Ao meu pai, Joo Carlos Paulino, aos meus irmos, Joo Carlos Paulino Filho,

AndersonPaulinoeArturPaulinopeloapoioecuidadoamimeaminhafilhadispensados.

A Jefferson de Alencar, pelo apoio, incentivo e dedicao nos momentos quemais

precisei.Peloincentivoaomeuaprimoramentointelectualepelosuporteemocional,almde

se dedicar inteiramente nossa filha nos momentos em que eu no pude estar presente

fisicamente.

OrqudeaGuimarespelapreciosacolaboraoeapoionosmomentosdifceis.

Prof.Dr.NellyCarvalho,minhaorientadora,pessoaquesempreadmirei,desdea

graduaonocursodeLetrasdaUFPE,peloconhecimentoconstrudoepelalevezaealegria

com que conduz o processo de ensinoaprendizagem. Pelos conselhos nos momentos de

dvidaepelacrenanaminhacapacidadededesenvolverumexcelentetrabalhoacadmico.

Prof.Dr.AbundiaPadilha,minhameacadmica,pelasorientaes,peloapoioe

exemplo de ser humano evoludo e profissional da educao. Um modelo de pessoa e

v

educadora,competentena formaodeprofessoresepesquisadores,humanizandooensino,

sempre considerando seus aspectos cognitivos, mas principalmente valorizando os seus

fatoresemocionais.

Ao Prof. Dr. Antnio Carlos Xavier, pelos ensinamentos, pela colaborao e pelo

exemplodeprofissionalcompetente.

Prof.Dr.WilmaPeregrinodeMoraispelaprestezaecontribuio.

sProfs.Drs.GildaLinseIsaltinaGomes,pelaleituracrticaeprestezanasuplncia

examinadoradesteestudo.

Atodososprofessoresdagraduaopormeguiaremnosprimeirospassosdapesquisa

cientfica,especialmenteaVeraMouraminhaorientadoradaespecializaoemLingstica

Aplicadaaoensinodelnguainglesa,quemeincentivoumuito,foicompanheiraeamiga.Ela

umgrandeexemploparamimeumadasresponsveispelaminhaescolhadededicarme

carreiraacadmica.

AosprofessoresdoProgramadepsgraduaoemLetrasdaUFPE,MarlosPessoa,

Virgnia Leal, Stella Telles, Kazu Saito, Beth Marcuschi e Ermelinda Ferreira pelos

ensinamentoseaprendizadosconstrudosaolongodocurso.

Aos professores visitantes Konstanze Jungbluth, Caroline Miller e Dominique

Maingueneau.

Maria da Paz, minha primeira professora de Lngua Portuguesa, que me fez se

apaixonarpelaeducaoegostardeestudarefalaroutras lnguas.AosprofessoresEnoque,

Ktia,Creso,PauloNeyeMariaJosquemeajudaramaconstruiroconhecimentocombase

noamorpelaeducaoecrenanasuperao.

Terezinha Ferraz pelo apoio e exemplo, pessoal e profissional, na pessoa

representantedoCISCentrodeIdiomasSENACe,atualmente,nagerncia incomparvel

daFaculdadeSENAC.

vi

Atodososmeuscolegasdemestrado,especialmenteaNoadiarisdaSilva,Ewerton

viladosAnjosLuna,GiseldaVilaa,RobertaGodoyeAldenorapelaamizadeconstruda

em bases de confiana, respeito e alegria, por direta e indiretamente me apoiarem,

incentivaremeseremexemplosderesponsabilidadeecomprometimentoacadmicos.

MariaJosGomes,AndersonRios,Amaury,Elisabeth,RogriaePauloRobertopor

plantaremnomeucoraoasementedaresponsabilidadeedabuscapeloconhecimento.

coordenaodoProgramadePsGraduaoemLetras,napessoadaProf.ngela

PaivaDionsio.

A JozaasSantos eDivaRgoBarros pelo suporte e empenhonas orientaes e na

soluodequestesadministrativas,sendocompanheirosdurantetodooprocesso.

Aos bolsistas do Programa de PsGraduao em Letras,Aline,Natana,Daladiana,

PauloeCarla.

CAPESpelaconcessodabolsadeestudos,oquepossibilitouaminhadedicao

integralspesquisasacadmicas.

vii

Jeteparledanstalangueetcestdansmonlangagequejetecomprends(EdouardGlissant)

viii

RESUMO

Oprocessodeensinoaprendizagemdalnguainglesaabrangeoconhecimentodasuacultura,

permitindo que os educandos compreendam os valores, os comportamentos e as prticas

sociaisquerepresentamopovodoidiomaestudado.Oensinodestalnguadeveserbaseado

no dilogo entre as culturas e nos conhecimentos prvios dos alunos para promover o

interculturalismo e desenvolver a competncia intercultural e a conscincia identitria,

possibilitando observaes crticas e aprendizado. O objetivo geral deste trabalho foi

investigarotratamentodadoaosaspectosculturais,visveiseinvisveis,noslivrosdidticos

de lngua inglesa, das colees Connect (2006) e New ACE (2002). Nossa pesquisa est

baseada nos pressupostos tericos do Interculturalismo sugeridos pelos seguintes autores:

Dooly (2005), Kramsh (2001), Freire (1996) e Goodenough (1971) da Abordagem

Comunicativa,Hymes(1972)edoSciointeracionismo,Vygotsky(2003,2000).Conclumos

que as duas colees analisadas possuemelementos culturais visveis e alguns invisveis, o

que indica um avano. Entretanto, suas abordagens so superficiais, pois no h um

tratamentoadequadodostemas, tampouco, atividadesqueguiemosalunosconstruoda

competnciainterculturaledaconscinciacrtica.

PalavrasChave: Lingstica Aplicada. Cultura. Interculturalismo. Lngua Inglesa.

Competncia.

ix

ABSTRACT

TheEnglishteachinglearningprocesscomprehendstheknowledgeoftheirculture,providing

studentsthechancetounderstandthevalues,behaviorandsocialpracticesthatrepresentthe

peopleofthislanguage.Theemphasisinteachingthisidiommustbeon thedialoguebetween

cultures and students previous knowledge to develop cultural competence and identity

awareness,allowingcriticalobservationsandlearning.Ourgeneralobjectiveistoinvestigate

the treatmentgiven tovisibleand invisibleculturalaspects in the textbooksof theEnglish

language collections Connect (2006) and New ACE (2002). Our research is based on the

theoretical basesofthe Interculturalism, suggestedbyDooly (2005),Kramsh (2001),Freire

(1996),Goodenough(1971)theCommunicativeApproach,byHymes(1972)andtheSocial

Interactionism,byVygotsky(2003,2000).Weconcludedthat thetwoanalyzedpedagogical

collections provided visible and some invisible cultural elements.However, the approaches

are superficial, because there isnoadequatetreatment of thecontentsoractivities that take

thestudentstotheconstructionoftheinterculturalcompetenceandcriticalawareness.

KeyWords:AppliedLinguistics.Culture.Interculturalism.EnglishLanguage.Competence.

x

LISTADESIGLASEABREVIATURAS

C1:Connect1

C2:Connect2

C3:Connect3

C4:Connect2

CCm:competnciacomunicativa

CC:competnciacultural

Cf:conferir

EF:ensinofundamental

HCI:habilidadecomunicativaintercultural

LDLI:Livrodidticodelnguainglesa

LE:lnguaestrangeira

LI:lnguainglesa

NA1:NewAce1

NA2:NewAce2

NA3:NewAce3

NA4:NewAce4

PCNs:ParmetrosCurricularesNacionais

PCNsLE:ParmetrosCurricularesNacionaisdelnguasestrangeiras

xi

LISTADEFIGURAS

Figura1 Representaodametforadoiceberg,deGoodenough...............................

Figura2 ImagemilustrativadomitodacavernadePlato..........................................

Figura3 Representaodalibertaodacavernaedatransformaoocorrida...........

Figura4 Esquemadeelaboraodosignificadoedacargaculturalcompartilhada

dosigno.............................................................................................................................

Figura5 ZonadeDesenvolvimentoProximal...............................................................

Figura6 LivrosquecompemacoleoNewACE(2002)..........................................

Figura7 ImagensdoslivrosquecompemacoleoConnect(2006)..........................

Figura8 NewACE3:54..

Figura9 NewACE2:30.......

Figura10NewACE2:56......

Figura11NewACE3:64..

Figura12NewACE3:65..

Figura13NewACE4:65..

Figura14NewACE3:80..

Figura15NewACE4:46...

Figura16Connect1:17.. ..

Figura17Connect2:6

Figura18Connect4:78..

Figura19Connect2:54...

Figura20Connect2:66

Figura21Connect3:5...

Figura22Connect2:96..

Figura23Connect1:40

Figura24Connect1:92..

Figura25Connect1:60

Figura26Connect2:110...

Figura27Connect4:68.

Figura 28Imagem que simboliza a convivncia respeitosa entre membros de

diferentesculturas.............................................................................................................

30

33

35

49

64

68

68

71

73

74

76

77

80

82

84

89

90

91

93

94

95

97

98

99

102

103

105

117

xii

LISTADETABELAS

Tabela1Explicaodomundovisveledomundoinvisvelnomitodacaverna.........

Tabela2Demonstraodoparaleloestabelecidoentreosconceitosdemundovisvel

e invisvel no mito da caverna e a situao do indivduo com e sem conscincia

intercultural.......................................................................................................................

Tabela3DescrioecomparaodascoleesNewACEeConnect...........................

Tabela4DivisodacoleoNewACE(2002)..............................................................

Tabela5DivisodacoleoConnect(2006).................................................................

Tabela6ResultadoscomparativosdascoleesNewACEeConnect.........................

34

36

69

70

86

107

xiii

ANEXOS

1 TextosobrealdeiaIanomami Fonte:NewACE3:60..............................................

2 TextosobreafamliaSchrmannsFonte:NewACE2:57......................................

3 TextosobreacelebraodoDiadeAodeGraasFonte:NewACE2:100........

4 Textosobreadestruiodecarros Fonte:NewACE4:76.......................................

5 TextosobreomxicoFonte:NewACE3:116.........................................................

6 Imagemdemeninasjogandofutebol Fonte:Connect2:9.........................................

7 TextorelacionadoaHarryPotter Fonte:Connect4:80.............................................

8 ImagemreferentealimentaoNorteAmericanaFonte:Connect2:93.................

9ImagemdepessoasfamosaseatletasFonte:Connect1:18.....................................

10ImagemdasprofissesFonte:Connect4:106.......................................................

11Imagemdacomemoraodeaniversriodeumco Fonte:NewAce2:92...........

12ImagemdasprofissesFonte:NewACE1:73

126

127

128

129

130

131

132

133

134

135136137

xiv

SUMRIO

INTRODUO...............................................................................................................

CAPTULOI:ASPECTOSMETODOLGICOSDAPESQUISA..........................

CAPTULOII:DACULTURAAOINTERCULTURALISMO..............................

2.1CulturaeIntercultura..................................................................................................

2.1.1.PercepoeConscinciaInterculturaiseoMitodaCavernadePlato.............

2.1.2.ConstruesIdentitriasIndividualeColetivanasRelaesInterculturais.......

2.1.2.1.EtnocentrismoxRelativismoCultural..........................................................

2.2.LnguaeCultura........................................................................................................

2.2.1.LxicoeCultura.................................................................................................

2.2.2.CargaCulturaldasPalavras................................................................................

2.3.CompetnciasComunicativaeCultural....................................................................

2.3.1ConhecimentosInterculturaisxHabilidadesComunicativasInterculturais........

CAPTULOIII:OSLIVROSDIDTICOSDELNGUAINGLESALUZDO

INTERCULTURALISMO............................................................................................

3.1.Memriasocialdeumpovo......................................................................................

3.2.Traduocultural.......................................................................................................

3.3.OsParmetrosCurricularesNacionaiseaculturanoensinodelnguainglesa........

3.4.Olivrodidticodelnguainglesaeaabordagemintercultural.................................

3.4.1.OProfessorInterculturalnaperspectivacomunicativointeracionista...................

CAPTULOIV:ANLISEDOSDADOS...................................................................

IMPLICAESPEDAGGICAS...............................................................................

CONSIDERAESFINAIS.........................................................................................

REFERNCIASBIBLIOGRFICAS..........................................................................

ANEXOS.........................................................................................................................

15

20

24

24

31

38

41

44

45

47

50

52

54

5458

606163

66110

114

119125

15

Intr oduo

Aglobalizaofoiumvetorparaatransformaodoconceitoidentitrio,pelofatode

omercado, a informao e a culturamundiais tornaremse acessveis a muitas pessoas em

todos os lugares do planeta atravs dos meios de comunicao modernos. Assim, muitos

indivduos tm acesso a saberes e produtos de diversas culturas, possibilitando o

conhecimentodeoutrosvaloresecostumes.

Devido expanso dos meios de comunicao, globalizao e a todas as

transformaes sociais, econmicasepolticasqueadvmdonovocontexto sciohistrico

noqualomundotodoestinserido,sabercomunicarseemalgumalnguaestrangeira(LE)

umahabilidadeessencialaohomemdomundocontemporneo.Contudo,almdeempenhar

se para aprender a falar fluentemente outro idioma, o indivduo deve ocuparse de estudar

sobreaculturadopovodalnguaqueestsendoaprendida,nocasodestapesquisa,alngua

inglesa(LI).

O exposto acima se deve ao fato de ser no mago de uma cultura que residem as

marcasdiferenciais,asquaispermitemumainteraocoerenteecompreensivaentremembros

dediferentescomunidades lingsticas nomundo.Estes itens:comportamentos,costumes e

crenasrepresentamaessnciadeumpovoesuacomunicaoe,juntamentecomosfatores

lingsticos,favorecemaaprendizagemdeumalngua,poisentendemosquelnguaecultura

seinterrelacionam.

Tais elementos culturais, at ento pouco estudados, devem ser considerados no

processo de ensinoaprendizagem de lngua inglesa, especialmente no momento poltico e

econmico em que vivemos, devido aos acordos internacionais realizados e s constantes

inserestecnolgicasnavidadonossopovo.

Pensando na invaso tecnolgica e nas implicaes da globalizao, em 2001 foi

adotadaadeclaraouniversaldaUNESCOsobreadiversidadecultural,quetemasseguintes

diretrizes:diversidadeculturalepluralismo,diversidadeculturalcomopatrimniocomumda

humanidade, diversidade cultural e direitos humanos, diversidade cultural e criatividade,

diversidadeculturalesolidariedadeinternacional(JOACHIM,2007).

16

O objetivo deste documento foi combater as ameaas oriundas desse processo

globalizante:odesaparecimentodealgumaslnguas,aperdadaidentidadeculturaldospovos

por incorporaes de elementos externos s suas tradies que pudessem ocorrer por

imposiespolticasecomerciais,protegendoadiversidadecultural.

Natentativadeevitartaisameaasforamrecomendadasnestadeclaraouniversal:1)

a implantao de polticas culturais e educativas que pudessem integrar as diferentes

identidades culturais 2) o incentivo da mdia solidariedade local e internacional, e

descentralizao 3) estmulo criatividade 4) uma campanha a favor dos valores. Sendo

valoresentendidocomo:a)aformaodeumaconscinciaecolgicaeodesenvolvimentode

uma cidadania pluralista b) os valores espirituais e crenas c) as lnguas como vetores de

valores culturais (op. cit.). Tais recomendaes podem ser desenvolvidas nos diversos

ambientesdaatuaohumanacomoemcasa,nacomunidade,notrabalhoenaescola.

Observando pelo prisma educativointercultural, refletindo sobre a situao da

educao noBrasil, especificamente do ensino de lngua inglesa, da interferncia direta de

elementosglobalizadosprovenientesdanovaordemmundialedeaspectosdeoutrasculturas

emnossavidaenanossalngua,emergeanecessidadedainclusodeprticasinterculturais

noprocessodeensinoaprendizagemdoreferidoidioma.

Asprticasinterculturaistmopoderderetrataromododevidadeumdeterminado

povo, classificlos e diferencilos de outros povos. Essas experincias supem o inter

relacionamento da linguagem, cultura, sociedade e vivncia para a construo de

conhecimento individual e coletivo. Portanto, numa abordagem consciente das mltiplas

culturasquecompemomundoeporestarmosinseridosemumaculturaquepartedeum

todo,devemos incentivaro respeitoscrenase costumesdopovoda lnguaaprendidaea

permannciadosseusvaloresedasuaprprialngua.

Por defendermos o dilogo entre lngua e cultura, essencial que conheamos o

idioma de um povo para apreciarmos e interagirmos com as suas tradies, e viceversa,

sabendo respeitlas e diferencilas das outras representaes existentes no mundo.

Compreendemos a lngua como um construto sciohistoricamente situado. Portanto, ela

passveldeincorporaes,transformaesemudanasemseusaspectosfonticofonolgico,

semntico,gramatical,discursivoelexical.Todoselessoimportantesnoprocessodeensino

17

aprendizagem de uma LE e podem representar as identidades lingsticoculturais dos

falantes.

Tendoemvistaasatuaisrealidadeseducacionalesciohistricabrasileiras,frentes

transformaesglobalizadas,estapesquisaapresentareflexessobreimportantesaspectosque

esto em evidncia no contexto pedaggico, pesquisados na academia e que se apresentam

nas salas de aula. Ela busca verificar a presena e o tratamento dispensados aos aspectos

culturaisnoslivrosdidticosparaoensinoaprendizagemdalnguainglesa.

Nossosobjetivos foramalcanadosatravsdaavaliaodosLDsLIquecompemocorpus deste trabalho. De acordo com Gomes de Matos e Carvalho (1984), avaliar umprocessoessencialmentehumano,poisenvolve fatores razoveiseemocionais.Estamosem

constante processo avaliativo, decidindo que roupa mais adequada para determinada

situao,avaliandoa real necessidadedeadquirirmosumdeterminadobemdeconsumoou

quanto tempo precisamos para desenvolver uma atividade. Quando o fazemos, estamos

empregando nosso senso crtico, nossa conscincia, alm de aspectos emotivos, como o

desejoeaspreferncias.

Paraqueoprocessodeavaliaosejaconsideradovlidoerelevante,oavaliadordeve

serobjetivo,sistemtico,racionaleimparcial,abrangendoaspectospluraiseprecisos.Quando

oavaliadorexternoaotemaemquesto,ouseja,noestdiretamenteenvolvidocomotema

pesquisado, atuando na rea, por exemplo, sua avaliao tende a ser mais objetiva. Em

contraponto,quandooavaliadorinterno,ouseja,estlidandodiretamentecomosaspectos

referentesaotemaanalisado,oprocessoavaliativomenosimparcialqueoprimeiroporele

serconhecedordedetalhessobreoqueestsendoinvestigado.

Tomando por base tal afirmao, empreendemos uma avaliao cientfica de livros

didticosdelnguainglesa,quantoaotratamentodoselementosculturaisvisveiseinvisveis

nos referidos materiais didticos. Embora tenhamos conscincia de que todo ser interpreta

baseado em seus conceitos e valores, convm ressaltar que em nossa pesquisa de carter

acadmicoanalisaremoscom imparcialidadeo corpus,evitando interpretaese influnciasdeaspectosmeramenteemocionaisealeatrios.

18

Dessa forma, imprescindvel apresentarmos nossa compreenso de avaliao, uma

vez que avaliaremos os LDs. Compreendemos avaliao como um processo contnuo,

flexvel,adaptvelehumano.

Desejamos contribuir com informaes relevantes sobre a abordagem cultural no

ensino de lngua inglesa, visando a fornecer subsdios para a prtica pedaggica de

professores,despertandoosparadesenvolveraconscinciainterculturaldosalunosnoensino

deste idioma.Esta colaborao tambm em relao aos estudos sobreos livros didticos,

especialmente os de Lngua Inglesa, relacionandoos temtica intercultural. Acreditamos

que este trabalho pode incentivar os envolvidos no processo educativo a ampliar seus

universos de conhecimentos e entendimentos, evitando a marginalizao no tratamento de

costumesoutradiesestrangeirasnoprocessodeensinoaprendizagemdeingls.

Para tanto, nossa pesquisa de carter intercultural emultidisciplinar ser realizada

luzdaLingsticaAplicada,apoiadanospressupostostericosdoInterculturalismosugeridos

pelosseguintesautores:Dooly(2005),Kramsh(2001),Freire(1996)eGoodenough(1971)

da AbordagemComunicativa porHymes (1972) e do Sciointeracionismo comVygotsky

(2000/2003).

Para umamelhor compreenso do contedodeste trabalho, apresentamos uma viso

geraldoscaptulosqueviroaseguir.

O primeiro captulo aborda os procedimentos metodolgicos adotados para

alcanarmos nossos objetivos. O segundo versa sobre cultura, percepo e conscincia

(inter)culturais soboprismapedaggico, fazendoum intertextocomoMitodaCavernade

Plato. Ele discorre, tambm, acerca da construo das identidades, do combate ao

etnocentrismo e da expresso do relativismo nas relaes entre diferentes povos. Aborda,

ainda,asconexesexistentesentreculturaelinguagemnoensinodelnguainglesa,almdas

competnciascomunicativaecultural.Tambmfalaarespeitoda correlaoculturaensinode

lnguainglesaeminterfacecomalexicologia,abrangendoacargaculturaldaspalavras.

No terceiro captulo discorremos sobre as questes damemria social, da traduo

cultural,darelaoentreosPCNsLEeolivrodidticodelnguainglesa,almdesalientaro

papeldoprofessorintercultural.

19

Posteriormente,apresentamosocaptuloquatroquecompreendeaanlisedosdados,

revelando a investigao do corpus e os resultados encontrados com o trabalho realizado.Finalmente, apontamos as implicaes pedaggicas para o ensinoaprendizagem da lngua

inglesaeasconsideraesfinais.

20

CAPTULOI:ASPECTOSMETODOLGICOSDAPESQUISA

Aprticadiriacomodocentedelnguainglesanosfezperceberafaltadeabordagem

interculturaladequadanaspropostasdoslivrosdidticosdeinglsparaalunosbrasileiros.Em

decorrnciadeste fato, sentimosa necessidadedecontribuircomaspesquisas sobreo livro

didticode ingls,noquese refereao interculturalismo,pelacarnciadepesquisas sobreo

tema. Nesta pesquisa, investigamos a presena e o tratamento dispensados aos aspectos

culturais nos livros didticos de lngua inglesa luz do Interculturalismo. Este captulo

apresentaopercursometodolgicoqueadotamos.

Baseados nos pressupostos tericos adotados, a investigao buscou responder s

seguintes perguntas: h ocorrncia de elementos culturais visveis? H ocorrncia de

elementosculturais invisveis?Comoestesaspectosculturaisacimasotrabalhados?Quala

relevnciadaabordageminterculturalparaaformaocidaddosalunos?

Hiptese

A hiptese aqui defendida que a abordagem cultural proposta pelos autores dos

livros didticos de lngua inglesa, direcionados a alunos brasileiros superficial e

simplesmente uma meno para atender a uma exigncia dos Parmetros Curriculares

NacionaisdeLnguaEstrangeira (PCNsLE).Dessa forma, apsaanliseaqui apresentada,

pretendemosconfirmartalsuposio.

Objetivosdapesquisa

Temoscomoobjetivogeralinvestigarnoslivrosdidticosdelnguainglesa(LDsLI),

otratamentodadoaosaspectosculturaisvisveis,aquelesquesofacilmenteidentificveisem

umacultura,comoculinriaevestimentas,eaosinvisveisquesocomportamentos,crenas

e costumes perceptveis apenas no convvio com a comunidade (Goodenough, 1971).

Apontamos como objetivos especficos diferenciar os conhecimentos de habilidades

comunicativasinterculturais,verificarcomoaconscinciadaexistnciadeoutrosconstrutos

favoreceaaprendizagemdelnguainglesaeaformaocrticadoser.

21

Metodologia

Delimitaodocorpus

Analisamos a presena e o tratamento dos aspectos culturais visveis e invisveis de

Goodenough(1971)sotratadosnostextosdos8livrosdidticosdelnguainglesadasduas

coleesquecompemocorpusdestapesquisa.Soelas:NewACE,2002eConnect,2006.

Ambassodeeditorasinternacionais,mascomcontedovoltadoparaestudantesbrasileiros

delnguainglesa.

1. New Ace (2002) dos autores Eduardo Amos e Elisabeth Prescher, com a

participao de Cleide Silva eMaria Lcia Puzzi. A coleo da editora Longman,

contm4livros,cadaumcom16unidadesdivididasemquatroblocosbimestrais,com

uma reviso para cada bloco e uma sesso extra, na qual so abordados temas

transversais, intercalandoessesblocos.Cadablocosubdivididoem4unidadesque

porsuavezabordam3sesses:vocabulary,grammarelanguagepatterns.

2. Connect(2006)dosautoresJackC.Richards&CarlosBarbisan,comaparticipao

deChuckSandy.AcoleodaeditoraCambridgeUniversityPressepossui4livros,

constando8unidades.Cadaumacontendo5lies,comumaminirevisodepoisdas

2primeiraslieseumarevisoapsaquintalio,8projetostemticos,umasesso

de conferncia de aprendizagem, lista de verbos e lista de palavras. Cada lio se

divide nas seguintes sesses: Word Power, language focus, listening e speaking.

Existe uma sesso chamada connections que focaliza a leitura e a relaciona com aescritaecomasoutrashabilidades.

As duas colees supracitadas foram selecionadas por figurarem entre as mais

adotadaspelasescolas,deacordocomumalistadivulgadapelaSBSbookclub,em2007.

Coletaeanlisedosdados

Aps a delimitao do corpus, coletamos os dados nos textos verbais e noverbaispresentes nos livros didticos selecionados. De posse destes, procedemos s anlises

22

qualitativaecomparativadocorpus,associandoteoriaapresentadanafundamentaoquese

refereaospressupostosdointerculturalismo,docomunicativismoedosciointeracionismo.

A anlise foi realizada pautada na utilizao de critrios e tcnicas avaliativas

baseadosemGomesdeMatoseCarvalho(1984).Realizamosumprocessoavaliativosituado,

ouseja,considerandoseumcontextosciocultural,polticoeeducacional.Consideramosas

funesdolivrodidtico,seupblicoalvo,semprejulgandoatravsdecritriosestabelecidos

pelaabordagemtericasupracitada.

Emnossapesquisa,osndicesdoslivrosdidticosquecompemnossocorpusforamconsiderados,paratentarmosentenderanoodeculturaexplcitaousubjacenteproposta

pedaggica das colees. Entretanto, salientamos que no sero nossos nicos objetos de

anlise,umavezqueentendemosqueousodondicecomonica fontedepesquisatornaa

avaliaoincompletaeinsuficienteparaatenderaosnossosobjetivos.

Portanto, nossa anlise contemplou os objetivosmencionados pelos autores (quando

existentes) e o contedo verbal e noverbal de cada lio dos LDs. Entendemos que no

basta verificar se um fenmeno ocorre, pois apenas este foco no contemplaria nossos

objetivos,tampoucotrariacontribuiesrelevantessdiscussesacadmicas,umavezquea

freqnciadeaparecimentonopressupeaqualidadedaabordagem.

Escolhemos analisar livros didticos de lngua inglesa voltados para o ensino

fundamentalsriesfinais,abrangendoosquatroanosdociclo(5,6,7e8),porqueoensino

deumalnguaestrangeiraobrigatrioapartirda5srieeporestaetapasermaisfavorecida

pela existncia e distribuio dos referidosmateriais deLI.Enquanto queno ensinomdio

nohaobrigatoriedadedeentregadeLDspelogoverno,almdeserumaformaovoltada

para o vestibular. Ao mesmo tempo, algumas escolas utilizam apostilas elaboradas pelos

prpriosprofessorescomobjetivosespecficosdepreparaoparaaaprovaonesseprocesso

seletivo,desconsiderandooselementosculturaisdalngua.

Outro fator que nos levou a investigar os LDs destas quatro sries foi o fato de

acreditarmos ser nos primeiros contatos com o idioma estudado, que os alunos devem ter

acessodiscussoeaodesenvolvimentocrticoculturaissobreosaspectosqueenvolvemas

relaesculturaiselingsticasentrepovosdediferenteslnguas.

23

Nossa investigaodosLDsserdescritiva,qualitativaecomparativa, tendosempre

emmenteoqu,comoeparaquemavaliar.Decidimonosporumaabordagemqualitativo

crtica,pois,segundoMason(1996),estetipodeabordagementendecomoomundosocial

experienciado, interpretadoecompreendido.Talperspectivadeanliseestemconsonncia

comosobjetivosdanossapesquisa.

Idealizamos a temtica da pesquisa a partir da exigncia social, de uma demanda

crescente na educao, especialmente de lnguas estrangeiras, a necessidade do ensino de

cultura quando do ensino de lngua inglesa. Iniciamos os trabalhos com leituras de livros,

teses, dissertaes e artigos cientficos, almde outras eventuais fontes como pesquisas na

Internet.

Indicamos nossa concepo de interculturalismo, diferenciando conhecimentos

interculturais e habilidades comunicativas interculturais. Verificamos qual a relevncia da

memrianoprocessodeconstruodesentidoseanalisamoscriticamenteosdadoscoletados

napesquisaeapartirdosresultadosdestaanlise,conclumosnossotrabalho.Nodecorrerda

anlisedosdados,relacionamosasabordagenstericasnossainvestigao.

Neste trabalho, referimonos ao ensino de lngua inglesa, delimitando a noo de

lngua inglesaao ingls norteamericanoparaatenderaumcritriometodolgico.Sabemos

dasdiferentesexpressesdesta lnguaemdiversospasesem todoomundo, suasvariaes

lingsticas e culturais. Entretanto, elegemos a variao americana por ser o representante

mundialmente conhecido e ter elementos culturais mais disseminados internacionalmente

atravsdamsica,cinema,edevidosrelaescomerciaisepolticas.

Paramelhorcompreenderaabordagemculturalnoprocessodeensinoaprendizagem

de lngua inglesa, analisamos os referidos livros didticos de lngua inglesa, observandoos

dadosluzdointerculturalismo,daabordagem comunicativaedaLingsticaAplicada.

24

CAPTULOII:DACULTURAAOINTERCULTURALISMO

2.1.CulturaeIntercultura1

A globalizao provoca mudanas radicais nas perspectivas sociais, comerciais,

polticas e histricas de uma sociedade. Estas, por sua vez, culminam em transformaes

culturais em todo o planeta que se revelam nas experincias dirias dos membros da cada

comunidade.Devidoaessastransformaes,aspessoasmudamsuasrelaescomomundoe

coma lngua, e seus valores socioculturaiseatmorais so influenciadospelas imposies

polticaseeconmicasdasgrandespotnciasinternacionais.

Esse fenmeno chamado por Carvalho (1999) de violncia simblica, por essa

cultura estrangeira ser imposta domais forte aomais fraco, assumindo um carter desleal.

Inicialmente, essas mudanas atingem o diaadia dos grupos sociais, seus hbitos e

comportamentos e sero refletidas tambm na lngua, posto que esta e a cultura se inter

relacionam.

Arelaolnguaculturadeveserabordadapedagogicamentenosambientesdeensino

econsideradaem todososcontextoseducativos esociais.Aescola, instituio responsvel

pela preparao e incluso dos indivduos na sociedade, atravs do ensino formal, tem a

responsabilidade de promover o ensino (inter)cultural, mas tem negligenciado esta prtica,

perpetuando a tradio conteudista de ensino e no despertando os alunos para o

desenvolvimento de conscincia e atitudes que reconhecem a existncia de outros saberes

diferentesdaquelesquesopreconizadosnasuacomunidade.

A escola, a poltica e a cincia pregam, em seus discursos, que oBrasil um pas

pluricultural. Entretanto, percebese que esta atribuio limitada simples referncia aos

povos que influenciaram na formao do povobrasileiro e suas contribuies na culinria,

religio,msicaenolxico(JOACHIM,2007).Acultura,pois,vistacomoalgodissociado

docotidianosocialeisoladoemdeterminadascomunidades.

1Oempregodaspalavras cultura,interculturalismo,interculturale cargaculturalserfreqenteeserepetiraolongodetodaapesquisaporseremtermosquetrazememsiumsentidoespecficoepornohaveroutraspalavrasqueexpressemexatamenteosentidoevocadonousodecadaumadelasnestetexto.

25

Observandoocontextoemqueaculturaestsendoabordadasocialmente,visamosa

apoiar o processo de ensinoaprendizagem de lngua inglesa luz do interculturalismo,

trazendo tona, nesta pesquisa, esta temtica polmica que o tratamento dos aspectos

interculturaisnoslivrosdidticosdeingls.

Mas,oque exatamentecultura?Emprimeiro lugar, essencialesclarecermosque

nohumconsensosobreadefiniodestetermo,apenasconceitos,geralmenteconflitantes,

namaioriadasvezesdivergentes,quesomaisadequadosadeterminadoscontextos,criados

para atender s necessidades de reas especficas. A seguir, explicitaremos a etimologia e

diversos significadosdestevocbulo,algumasconsideraes sobreeleeafirmaremos nosso

posicionamentoassumidocomoembasamentotericoparaestapesquisa.

Historicamente, a raiz latina da palavra cultura Colere, significando cultivar e

habitar, adorar e proteger. Originalmente, cultura significa lavoura ou cultivo agrcola

(EAGLETON,2000).Dessanoomaisprimriaeorgnica,ligadanatureza,culturapassou

adesignarasprticasdiriaseosconhecimentossobreasartes,omundoeahistria.

Burke(2005)fazumadivisodahistriaculturalemclssica,histriasocialdaartee

histria da cultura popular.A primeira fase referese anlise das obras de arte que eram

entendidascomorepresentantesabsolutasdacultura.Asegundavaculturacomoreflexoda

sociedade, relacionandoaatransformaes sociaisepolticas.A terceira faseocupouseda

culturapopular.Oautoresuasobrassorefernciasinternacionaisnosestudosculturaiscom

contribuiesnombitosocial,cultural,histricoepoltico.Sualeituraindispensvelparaa

compreensodacultura.

AdefinioclssicadeculturaatribudaaTylor(1871,InBRITANNICA,1998),

paraquemaculturaincluitodasascapacidades,habilidadesehbitosadquiridospelohomem

emsuavivnciacomomembrodeumasociedade.

SegundooDicionriodeLingstica(1973:163),Culturaoconjuntocomplexodas

representaes,dosjuzosideolgicosedossentimentosquesetransmitemnointeriordeuma

comunidade.Tal definio abrange as artes, o conhecimento demundo, o relacionamento

entreoshomens,areligio,osjulgamentosdeumpovosobreoutro,opreconceitoetodosos

itensquerepresentamomundoexterior.

26

De acordo com Kramsch (2001), antes da Segunda Guerra Mundial, cultura

significavaconhecimentosobreliteratura,instituiessociaiseeventoshistricosadquiridos

pelatraduodetextosescritos.AautoraafirmaqueotrabalhodeRobertLadoLinguistics

Across Cultures, em 1957, foi a primeira tentativa de interligar lngua e cultura de uma

formaeducacionalmenterelevante.

DuranteosculoXX,vriosconceitosdeculturaforamcriadospelasdisciplinasdas

cincias sociais, todos visando a atender s necessidades de cada rea, adequando cada

conceito aos elementos pertinentes ao seu campo de atuao. Entretanto, no existe uma

definiocategricaeabsoluta,mas aquelasqueatendem,aomenosmomentaneamente,s

demandascientficasesciohistricasdassociedades.

Para a sociologia, cultura o conjunto de normas e valores compartilhados pelos

membros de um grupo social (SEIDL, 1998), considerandose as tradies, crenas,

instituies. Por outro lado, a psicosociologia entende a cultura como a programao

coletivadamentequedistingueosmembrosdeumgrupooudeumacategoriadepessoas2

(traduonossa),(HOFSTEDE,1991apud ALVAREZ,1997).

Duranti(1997)listaalgunsconceitosdeculturasobdiversasperspectivas:comoalgo

distintodanaturezadeacordocomumavisocognitivasobaticasemiticacomosistema

de mediao a partir das idias psestruturalistas como sistema de participao. Cada

perspectivadessasatendeaumadeterminadareadoconhecimento.

De acordo com Brown (1987), cultura constituise num estilo de vida que engloba

tudo o que pensamos, o que sentimos, o contexto no qual existimos e nos referimos aos

outros. umconjunto de elementos queune as pessoas, queo autor chamade cola.Ele

afirma ainda que os diferentes construtos mentais em vrios grupos sociais so os

responsveispelasdiversasformasdecultura.Portanto,cadaconstrutoexistentedeterminao

pontodevistacomoqualosintegrantesdeumasociedadevoanalisar,avaliareinterpretaro

mundo.

2laprogramacincolectivadelamentequedistinguealosmiembrosdeungrupoodeunacategoradepersonas

27

Murdock(1961,apudBROWN,1987)enumeraseteuniversaisdospadresculturais

decomportamento:

1)Originamsenamentehumana

2)Facilitaminteraesambientaisehumanas

3)Satisfazemnecessidadeshumanasbsicas

4)Socumulativaseseajustamamudanasemcondiesinternaseexternas

5)Tendemaformarumaestruturaconsistente

6)Soaprendidasepartilhadasportodososmembrosdeumasociedade

7)Sotransmitidasparaasnovasgeraes.

Estesuniversaisestofortementerelacionadoscondiohumanadeinteraocomo

homemeomeio,decompartilhamentodesaberesedeconstruodelegado.Quandooautor

falaemuniversais,referesescaractersticaspartilhadasemtodasassociedades,entretanto

existemoutrosaspectosquesoespecficosediferenciadosparacadacomunidade cultural.

Eles so reconhecidos pelos seus membros, tais como: expresses idiomticas, hbitos

cotidianos,valoresecrenas.

Ainda na linha das cincias sociais Banks &McGee (1989, In UNIVERSITY OFMINESSOTA,1997),discorremoseguintesobrecultura:

[...]Aessnciadeumaculturanoseusartefatos,ferramentas,ououtroselementosculturaistangveis,mascomoosmembrosdogrupointerpretam,usameospercebem.Soosvalores,smbolos,interpretaeseperspectivasque distinguem uma pessoa de outra em sociedadesmodernizadas[...].3(traduonossa)

Osreferidosautoresalegamqueascinciassociaisreconhecemaessnciadacultura

como o uso, a percepo e a interpretao dos elementos culturais e no simplesmente a

existnciaematerialidadedeartefatoseferramentas.Soasprticasinvisveisrealizadascom

esses elementos que constituemo ncleo cultural e atravs dessas aes comuns que os

membrosdecadacomunidadeseidentificamesereconhecem.

3 [] The essence of a culture is not its artifacts, tools, or other tangible cultural elements but how themembers of the group interpret, use, and perceive them. It is the values, symbols, interpretations, andperspectivesthatdistinguishonepeoplefromanotherinmodernizedsocieties[].

28

Essainterpretaopragmticadotermoabrangeosreferenciaisculturaisdeumgrupo

quesoperceptveise/ouadquiridosapenasnoconvviocomumdadogrupo.Anfasedada

noprocesso,nasaesenonosprodutosmateriaisqueseoriginamdessasprticas.

UmavisopoticadeculturaaassumidaporT.S.Eliot(1948apudEAGLETON,

2000),quandoeledizqueaculturapodeserdescritacomoaquiloquefazavidavalerapena

servivida,todasasformasdevidadeumpovo,donasceraomorrer,damanhatanoitee

at enquanto dorme. Nessa viso, cultura entendida como algo mais inconsciente, nem

sempreperceptvel.

A conceituao supracitada compreende cultura como um processo integral de

relacionamentos, vivncias naturais e construtos convencionados pelo grupo que so

transmitidosnodiaadiadasociedade.Dessaforma,paraqueasuaconstruoocorrano

acionadomecanismoespecficoalgum,masoaprendizadoocorreinconscientemente.

Para Chau (2003:251), cultura um conjunto de prticas sociais pelas quais os

homensserelacionamentresiecomanatureza,agindosobreelaemodificandoa,fundando

dessaformaumaorganizaosocialquepassadegeraoagerao.Essadefinioabrange

a relao direta do homem com a natureza e sua interveno sobre ela, pressupondo uma

construoeentregadeum legado.Eladizrespeitosprticascoletivasquepertencemaos

diversosgruposscioculturaisequeosrepresentamenquantogrupocultural.

Por sua vez, Finkielkraut (1983) faz uma diviso interessante de cultura: erudita e

popular.Aprimeiradizrespeitosmanifestaesartsticasclssicascomoliteratura,teatroe

obrasdearte.Jaculturapopularcompreendeomododevidacotidianodeumacomunidade.

Entendemos que as duas classificaes se complementam, constituindose num contnuo

conceitual.

Paraestudosinterculturais,culturaumconjuntodecaractersticasdecomportamento

e interaes partilhadas, construtos cognitivos, e compreenso afetiva que so aprendidas

atravs de um processo de socializao. Essas caractersticas partilhadas identificam os

membrosdeumgrupoculturalaomesmotempoemqueosdiferenciamdeoutrogrupo.Em

linhas gerais a cultura envolve afeto, emoo, interao, memria, famlia e origem.

(UNIVERSITYOFMINESSOTA,1997).

29

Emcontrapartida,Brooks(1964)divideculturaemdoistipos:culturaxCultura,uma

com c minsculo, referindose s prticas do cotidiano de um povo outra com C

maisculo que se relaciona s obras de arte. Essa classificao assume, claramente, uma

posturapreconceituosaeexcludenteaoapresentarmenorvaloraosmodosdevidaecostumes

simplesdodiaadiadeumasociedade,atribuindolhesumcminsculo.Enquantoques

obras de arte em todas as suas expresses: artes plsticas, msica clssica e literatura

atribudoumCmaisculo,conferindolhesuperioridadeestatus.

No podemos compactuar com tal classificao, pois sabemos que culturalmente

convencionousequealgoescritocom letramaisculapossuimaiorvalore/oucredibilidade

do que alguma coisa escrita com letraminscula.No concordamos, pois acreditamos que

todaequalquerexpressoscioculturaldeumgrupotem sua importncia.Nossaproposta

noatribuirmaioroumenorvaloraosdiversasmanifestaesculturais,maspromovero

reconhecimentoeorespeitoentre todaselas.

Adotando uma perspectiva cognitivista, Goodenough (1971) define cultura como o

conhecimento,aorganizaodascoisas,daspessoas,seuscomportamentosesuasemoes.

O referido autor faz uma diviso entre cultura visvel e cultura invisvel, sendo a primeira

formadaportodososaspectosquesofacilmenteperceptveiscomopertencentesaumgrupo,

porexemplo,acomida,alngua,asartes,areligioeavestimenta.

Quantoculturainvisvel,estatemavercomoscomportamentos,ascrenasetodos

oshbitosadquiridos inconscientementeequesocaractersticosdogrupoqueaspratica e

nosopercebidospor indivduosquenopertencemaessegrupo.Oautoresclareceasua

classificao,utilizandoametforadoiceberg,sendoaculturavisvelapontadoicebergeacultura invisvel sua base. O que invisvel (a base) fica submerso nas guas do mar e

constituiaessnciaesolidificaodoconceito,sendoestesaspectosmuitosignificativospara

serem observados, visto que eles so os alicerces para a existncia dos outros. A seguir,

ilustraremostalcomparao.

30

Figura1 RepresentaodametforadoicebergdeGoodenough(1971). (formataodaautora)

Nafiguraacima,apirmidesimbolizaoicebergaoqualGoodenough(1971)sereferiunaexplicitaodoseuconceitodecultura.Oazulmaisescurorepresentaomar,ooutrotom

deazulsobrepostoaeste,representaabasedoicebergqueficasubmersanasguaseaparte

brancasimbolizaapontadoicebergqueficavisvelacimadasguas.Notesequeapontadoicebergamenorpartedeleeelaqueficaexposta,enquantoqueasuabase,amaiorparte,ficainvisvelsob asguasdomar.

Os elementos que esto no topo da figura so aqueles quepodemos identificar sem

dificuldades emumadadacultura,poisestoexplcitosnascomunidades (lngua,culinria,

31

msica,dana),porissosofacilmenteperceptveis.Osqueestosubmersossoaquelesque

no conseguimos identificar de imediato, portanto, precisamos conviver com aquele grupo

para podermos perceber esses elementos (pensamentometafrico, compreenso demundo,

valores,comportamentos).

Entendemos cultura como o conjunto de elementos explcitos e/ou implcitos nos

grupos sociais que revelam seu modo de vida, seus valores e que atravs dele podemos

diferenciar os vrios grupos culturais existentes. Nossa idia de cultura assumida nesta

pesquisaestemconsonnciacomopensamentodeGoodenough (1971).

Aclassificaodeculturaemvisvele invisvel,doreferidoautor,permitenos fazer

umaanalogiacomaidiadePlatosobreosmundosvisveleinvisvel,quesemanifestano

Mito da Caverna, criado pelo filsofo em seu livro A Repblica (380370 a.C.). Esta

metfora um construto capaz de fazernos compreender a condio dos homens ao longo

dos tempos, representando filosfica e criticamente a situao destes enquanto seres

ignorantes. Percebemos a adequao deste texto com o referente cultural destacado nesta

pesquisa,pelo seucarterdidticoesuamensagemreflexivasobreopapeldaeducaona

formaocidaddosalunos,comoveremosaseguir.

2.1.1.PercepoeConscincia(Inter)CulturaiseoMitodaCavernadePlato

O pensamento filosfico possui estreita relao com o processo educativo por

promoverodilogoedesenvolverconscinciacrticasobreosconhecimentos.Asperguntas

que representam os pilares do pensar filosfico questionam a condio humana, sua

existncia,seupapelesuaaoperanteasociedade.Elasgeramreflexessobreosdilemas

dahumanidadeeasuarelaocomomeioqueacerca.Quemsoueu? Ondeestou? Paraonde

vou? Qualaminhamissonomundo?

As reflexes (respostas) geradas por elas possuem um elo com a existncia e as

prticas culturais humanas.Elas referemseorigem, identidade,aoespaonoqualo ser

estinserido(localouglobal),aoreconhecimentodestelugar,sintervenesdoindivduono

meio com vistas a atender s suas necessidades. Relacionamse ainda s mudanas,

evoluohumanaeaopapeldo indivduoenquantomembrodeumcoletivoparacontribuir

comaexistnciahumananomundo.

32

Estesaspectos supracitadosesto intrinsecamente relacionadossquestesculturais.

Pelarelaoquepodeserestabelecidaentreafilosofiaeaeducao,utilizamosumametfora

filosfica, O mito da caverna, para fazermos uma analogia ao tema cultural no

desenvolvimentodestetrabalho.

Omundo se apresenta de diferentes formas para as diversas culturas existentes.Tal

afirmao sugere que amaneira como cadagrupovomundo representa a percepo que

seusmembrostmdarealidadenaqualvivem.Eessaformadeveromundomotivadapelo

conjuntodefatoresculturaiscompartilhadospelosmembrosdosdiversosgrupos.Portanto,a

viso de mundo do indivduo determinada a partir do ponto de vista convencionado

coletivamentepelogrupo,mesmoqueestaaquisiosejainconsciente.

Esseprocessoenriquecidoquandoreconhecemosnooutroumsercultural,dotadode

saberes peculiares ao seu grupo de origem e/ou convvio. A percepo e a conscincia

interculturais so atitudes construdas e desenvolvidas em sociedade. Ter conscincia

intercultural significa reconhecerqueexistemoutras representaesda realidade nomundo,

que tudo quenos parece certo emelhor podenoo ser paraoutros povos.Tal conscincia

evita a universalizao dos conceitos culturais, reconhecendo e respeitando as identidades

distintasdassuas,convivendoemharmonia,evitandoassim,a(in)tolernciacultural.

Porconseguinte,asinteraeshumanasentresi,entreascomunidadesculturaisecom

a natureza criam o ambiente ideal para a troca de saberes, construo de conhecimento e

identidade coletiva que levam ao desenvolvimento de atitudes crticoperceptivas. esse

espao sciocultural democrtico o locus ideal para diminuir ou eliminar o preconceito eevitaraperpetuaodeprticasuniversalistaseetnocntricas,estimulandooentendimentoeo

respeito a construtos distintos dos seus. Para orientar tal situao, o interculturalismo deve

estar presente em todo processo comunicativo que envolve povos de diferentes lnguas e

costumes,inclusivenasaladeauladeLI.

A escola a instituioquedeveabordar formalmenteestasquestesedesenvolver

nosalunosconscinciaerelativismoculturais,respeitosprticasalheiasevalorizaodos

seusreferenciaishistricosesociais.

33

Para auxiliarnos a explicitar as nossas idias sobre percepo e conscincia

interculturais,easuaimportnciaparaodesenvolvimentocrticoeaconstruodecidadania

dosindivduos,fizemosumaanalogiadestesconceitoscomOmitodacaverna4descritopor

Platoem 380370a.C.

Figura2 Imagemdoshomensaprisionadosnacaverna,representando oMitodaCavernadePlato.CaptadaemAcessoem:15Set.2008

Haviahomenspresosemumacavernadesdeainfncia,defrenteparaumaparedena

qual eram refletidas as sombras de pessoas e objetos que passavam do lado de fora. As

imagens projetadas, mesmo sendo indefinidas, eram entendidas como reais, pois eram os

nicosreferenciaisqueelespossuamdomundoexterior.Essesindivduoscompreendiamas

coisas apenas pelo que lhes era visvel no muro. Da mesma forma a pessoa sem

conhecimento intercultural,porqueelase baseiaemseusconhecimentosprviosenosabe

perceberaexistnciadeoutrosconstrutos,tampoucodistinguirasdiferenasexistentesentre

as vrias culturas no mundo e a sua, posto que acredita ser o seu referencial o nico e

verdadeiro.

A referida metfora aborda a limitao do homem enquanto ser ignorante, sem

conhecimentoesabedoriaporestar confinadoemuma caverna,desdecriana,acorrentado,

sem ver a entrada desta. Nela, Plato traz a reflexo sobre o ser sem educao e as

implicaesdestacondioparasuaatuaonomundo.

4 In PLATO.2006. ARepublica.ColeoPaidia. SoPaulo:MartinsEditora.

http://www_educ_fc_ul_pt-docentes-opombo-seminario-platao-images-caverna5_gif_arquivos/caverna2.htm

34

Compreendemos que o pensar filosfico um espao de reflexo crtica do

conhecimento e se relaciona com a ao educativa. Cumprenos salientar que em A

Repblicadefendidaaidiadequeatravsdaeducaooindivduodesenvolvehabilidades

para favorecer o coletivo. a instruo que o leva ao mundo visvel, ou seja, ao

conhecimento,inteligncia,aobempensarparaaintervenocidadnomundo.

Portanto, esta alegoria adequada nossa analogia, pois entendemos quequandoo

indivduoest,de tal forma, ligadosprprias tradiesculturais (sua caverna)apontode

desconhecer,noentenderoudesrespeitaraculturaalheia,comoseestivesseaprisionado.

Elecompreendeomundoapenasdeacordocomosreferenciaisquepossuiparaoshomens

da caverna, as sombras na parede, e para os estudantes, seus valores, comportamentos e

crenas.

Assim,ohomemdeixadeveromundocomoelerealmentelforaeoalunodeixa

deperceberasoutrasmanifestaesculturaisexistentesnoplaneta.Eleseapianoqueve

desconsideraoutraspossibilidadesporqueestassoinvisveisparaeles.Platocompreendeos

doisuniversos, osquaischamademundovisvelemundoinvisvel,daseguintemaneira:

Mundovisvel Mundoinvisvel

Suageografiaoespaosombrioda

caverna

Suageografiaouniversoforadacaverna

Caracterizasepelaescurido CaracterizasepelaclaridadedoSol,

permitindooalcancedacinciaedo

conhecimento

Ohomemseencontraencadeado,presona

caverna

Homemlibertodacaverna,investigandotudo

aoseuredor,conhecendoasformasperfeitas

Homemdominadopelassensaesepelos

sentidosmaisprimrios

Homemorientadopelaintelignciaepelarazo

Emsituaodedesconhecimentoe

ignorncia

Em condiesdecultivarasabedoriaeabusca

pelaverdadeepelajunodobemcomobelo

Condiodohomemcomum Condiodofilsofo

Tabela 1 Caractersticas do mundo visvel e do mundo invisvel, segundo Plato. Captado em:www.culturabrasil.pro.br/mitodacaverna.htm(adaptada)

35

Para o pensador, o mundo visvel o que vive os seres sem educao e o mundo

invisvel aquele em que esto os que so educados, tm conhecimento e inteligncia,

categorianaqualseencontramosfilsofos,pessoascom altograudeeducaoecriticidade.

A analogia entre a alegoria Platnica e a importncia dos elementos culturais no

ensino de LI, articula o referencial filosfico com o cultural e coerente porque os dois

pontosobjetivamaformaoeodesenvolvimentocidados.Estapercepoestemperfeita

relaocomosideaisinterculturaisdestapesquisa.

Destemodo,comonomitodePlato,o indivduosemconhecimentosehabilidades

interculturaisentendeomundodeacordocomaslimitaesimpostaspelasuasituao,como

quesepodever(grifonosso).Soconsideradosapenasosseusvalores,crenasepontosde

vista compartilhados com sua comunidade cultural,mesmoque a percepo domundono

correspondaaoutrasrealidades.

necessrio,pois,livrarsedascorrentesedaescuridoquecegaeimpedeaevoluo

culturalhumana,oqueocorrerquandoohomemtiveracessoecompreenderoutrasformas

deperceberomundoeagirdiantedele.

Figura3 Representaodalibertaodoshomensdacavernano mitoplatnicoeatransformaoocorrida.Captadaem

Acessoem:15Set.2008.

Afiguraacimademonstraatransiodoespaogeogrficodacavernaparaomundo

exterior,odeslumbramentodoshomensaoentraremcontatocomarealidadeeamudanade

http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/platao/caverna2.htm

36

perspectivadiantedascoisascomoelasrealmenteso.Elaevidenciaapassagemdomundo

visvelparaomundoinvisvel.

Parailustraroparalelotraadonestapesquisa,apresentamosnossacompreensodessa

relaonoquadroabaixo:

Semconscinciaintercultural

(mundovisvel)

Comconscinciaintercultural

(mundoinvisvel)Seumundolimitaseaoespaoemquevive

(comunidadecultural,cidade,pas)

Seumundo o universo completo, do qual

eleesuaculturasopartesconstituintes

Escurido,limitao Clareza,visualizaodonovo

Homem universalista, etnocntrico, preso

ssuascrenas,valores

Homem relativista, livre para (re)conhecer,

pesquisarerespeitaroutrasculturas

Predominncia dos sentidos primrios, das

sensaes

Predominnciadarazoedainteligncia

Ignorncia Conhecimento,sabedoria

Condio do homem comum, sem

conscinciaintercultural

Condio do homem com conscincia

interculturalTabela 2 Oparalelo estabelecido entre osmundos visvel e invisvel doMito daCaverna e a condio doshomenssemecomconscinciaintercultural(formataodaautora).

A classificao Goodenoughiana (1971) de cultura em visvel e novisvel tem a

mesma nomenclatura da diviso Platnica do mundo, mas a associao pode ser mais

profunda.Quandooindivduopassaa(re)conheceraculturadeoutrospovos,vislumbrara

realidadeexterior,especialmenteastradies,ascrenaseoscomportamentosdessesgrupos,

elepassaa entendercomoosoutrospovosvivemeaenxergaromundode formarelativa.

Ento,eletranscendeomundovisveletemacessoaomundoinvisvel,podendoverascoisas

com formaesentidoreais.

Goodenough sugere que quando a parte submersa do iceberg emerge possvel

perceber e admirar outros elementos que at ento estavamocultos e que vm tonapara

esclareceretornarpossveloentendimentoglobaldeumacomunidadecultural,suascrenas,

valores e pontos de vista. Esse emergir corresponde s situaes de convivncia e conflito

entreindivduosdediferentesconstrutosculturais,nasquaisoconhecimentointerculturalo

mediadorerelativizadordasrelaes.

37

Ospontosdevistaapartirdosquaisosrepresentantesdeumacomunidadeinterpretam

osfatos,revelamosvalores,crenasearefernciaculturaldoreferidopovo.Taisvisesso

construdas na experincia de vida de cada indivduo, atuando como membro de uma

coletividade,quesecaracterizapeloseurepertriodeconhecimentosprvios.

Essesconhecimentos,tambmchamadosdeconhecimentosdemundo,constituemse

numconjuntoderelaesevivnciasentreumindivduo,suacomunidadeeomundoqueo

cerca.Tudovividoeconstrudoestarmazenadonasmemriasindividualecoletiva,epode

serconsultadoeresgatadoaqualquermomentoparaservirdepistaparaqueumamensagem

seja interpretada e compreendida numa dada situao (MATLIN, 2004). No contexto de

ensinoaprendizagem de ingls, os conhecimentos culturais vo exercer papel basilar no

desempenhodoaluno.

Trifonovitch(1964)afirmaquecadavezmaissereconhecea importnciadacultura

noprocessodeensinoaprendizagemdelnguainglesa,masqueaindanosesabeoquefazer,

e como fazer, na abordagemdessa relao.Acrescentamos que essa problemtica visvel

porque a questo da incluso cultural no ensino de lnguas estrangeiras um assunto

relativamentenovonasdiscusseslingsticas.Almdisso,grandepartedosprofessoresque

vo lidar diretamente com o tema, no est conscientizada e/ou sensibilizada sobre a

importncia de o assunto ser trabalhado em sala de aula, nem est preparada para fazlo

numaperspectivaquevalorizaaculturadalnguaalvo.

Oreferidoestudiosoapontaquatrofatoresqueinterferemnapercepocultural,sendo

oprimeiroafaltadeumadefinioexatadecultura,aqualeleconceituacomoumconjunto

decomunicaesverbaisenoverbaisquepossibilitaaexistnciadasociedadehumana.

O segundo fator a natureza afetiva da aprendizagem cultural. S tomamos

conscinciadosnossospadresculturaisquandointeragimoscomalgumdeoutraculturae

percebemosquenossoconjuntoderefernciadomundoedarealidadenoomesmonemo

verdadeiro para todas as culturas. Para o autor, devido ao aspecto cognitivo necessrio no

ensino cultural, em sala de aula, tornase difcil aprender cultura, haja vista este processo

dependerdeaspectosafetivos.

38

Oterceiropontoqueatrapalhaapercepoculturaloetnocentrismo.Aqui,concebe

se etnocentrismo como sendo o pensamento de que sua cultura a melhor e que sua

interpretaodomundodarealidadeomaisadequadoeverdadeiro.Devidonossapostura

enquanto seres etnocntricos, achamos que como percebemos o mundo e o que ocorre ao

nossoredoramaneiracertadevlo.Encontramosaquiumgrandeentravenacompreenso

evivncianasrelaesinterculturais.

Em quarto lugar so mencionados o preconceito e o prjulgamento, quando

estereotipamosegeneralizamosoutrosgruposculturais.Ocontatocomoutrasculturas,suas

crenasevalorespermitequeconstruamososentimentodetolerncia,cuidadoerespeitopara

com o outro povo, compreendendo sua viso de mundo e aceitandoa mesmo que ela se

oponhasuaformadeentenderascoisas.

Se cada ser compreende o mundo demodo diferente, a partir de suas experincias

prvias,coerenteconcordarqueonossoolharsobrearealidadesocialmentedesenvolvido.

Issosignificaquenaconvivnciacomosoutrosmembrosdonossogrupo,quedirecionamos

o olhar e entendemos o mundo baseados nos referenciais e padres que internalizamos

conscienteouinconscientementenestarelao.Eassim,porconseguinte,construmosnossa

identidade.Aseguirversaremossobreaconstruoidentitriaeacultura.

2.1.2.Construesidentitriasindividualecoletivanasrelaesinterculturais

tornouse um costume ensinar lnguas estrangeiras nas escolas desegundograucomo se os alunos fossemvirar turistasnopas estrangeiro.Elestmalinguanecessriaparasobrevivncianessassituaeserecebemalgumas informaes teis, mas superficiais sobre o pas em questo.Contudo,istonoafetaavisodasuaprpriaidentidadeeadosoutroselesso implicitamente convidados para permanecerem firmemente apoiadosemseusprpriosvaloresecultura.5(BYRAM,1992)(traduonossa)

Freire (1996) afirmaque papel da prtica educativocrtica possibilitar relaes de

assunodasuaidentidadeentreosinteractantesdoprocesso.Tambmconfigurasuafuno

5 ithasbecome thecustom to teach foreign languages insecondaryschoolsas ifpupilswere to becometouristsandholidaymakersintheforeigncountry.Theyhavethelanguageneededforsurvivalinsuchsituationsandaregivensomeusefulbutrathersuperficialinformationaboutthecountryinquestion.Thishoweverhasno effect on their view of their own identity and that of others they are implicitly invited to remain firmlyanchoredintheirownvaluesandculture.

39

conscientizar os alunos deque eles so seres criadores, transformadores e fomentadores de

cultura,reconhecendosuaexistnciaeseulugarnoespao.Sobreotema,oreferidoautordiz

queoaprendizdeve:

Assumirse como ser social e histrico como ser pensante, comunicante,transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porquecapaz de amar.Assumirse como sujeito portador de identidade, uma vezque capaz de reconhecerse como objeto, como ser cultural, entretantosemaexclusodosoutros(1996:41).

Hall (2003) afirma que as identidades so fragmentadas, mltiplas, antagnicas e as

divide em trs concepes distintas. A primeira o sujeito do Iluminismo, aquele que

totalmente centrado e individualista.A segunda o sujeito sociolgico, que se constitui na

relaointerativacomoutraspessoasdasociedade.Eaterceiraosujeitopsmoderno,que

no permanente, pois assume diferentes identidades em diversos momentos. O referido

autor avalia se existe uma crise de identidade, seu significado e os caminhos que ela est

seguindo.

Carvalho (2005:25) afirma que com a globalizao criouse uma rea comum de

referncia, onde as identidades especficas vo perdendo os contornos e que assim,

enfraquecemse os vnculos com a comunidade mais prxima, junto com as noes de

regionalismoenacionalismo.

Aidiapessimistaexpressanacitaoacimarecebecrticasecombatidanocontexto

contemporneo por uma nova prtica, surgida com as ameaas da globalizao, chamada

glocalizao.Elarepresentaapermannciaeaconvivnciadosvaloreslocaiscomosglobais,nummovimento de resistncia, luta e afirmao do seu poder e sua importncia enquanto

produtoresdeculturaepartedeumtodo.

Glocalizao6 ajunodeglobalizaoelocalizao.Pordefinio,otermoglocal

refereseaoindivduo,diviso,unidade,organizao,comunidadeegrupoquedesejaeest

aptoapensarglobalmenteeagirlocalmente.

6 Glocalisation (or glocalization) is a portmanteau of globalization and localization. By definition, the termglocalreferstotheindividual,group,division,unit,organization,andcommunitywhichiswillingandisabletothinkgloballyandactlocally.(en.wikipedia.org/glacalisation)

40

Canclini (1997) noaceitaa idiadeummundoglobalizadoqueuniformiza todasas

manifestaes.Pelocontrrio,defendeovalordaculturalocalcomseuspadresespecficos,

pertinentesacadagrupo. Oautordefendeoconvviodolocal(deondesefala)edoglobal

(para e/ou sobreo que se fala) emummesmo espao,o prestgio que a cultura local deve

assumir no contexto globalizado, impondose, mostrandose para o mundo e criando um

fenmenoglocal.

Adotarumaposturaresistente,nocedersimposiesglobalizadas,masconvivercom

elas, expressando sempre as tradies do lugar, constri outras experincias coletivas de

valorizao e preservao dasmanifestaes e dos costumes locais.Umexemplo disso o

fenmeno carnavalesco pernambucano. A resistncia do frevo e sua permanncia como

tradio e manifestao do nosso estado frente a um processo intenso de introduo de

elementosexternosnossacultura,aexemplodoaxbaiano.Comoexpressoglocal,afora

do frevo se faz presente a cada demonstrao, resiste s vrias tentativas de incorporaes

estrangeiras,masastradiesprevalecem,reafirmandoasuaidentidadeeasuamarcaqueo

diferenciadequalqueroutraexibiocultural.

Tratase de uma prtica coletiva de resistncia que refora os valores locais de uma

sociedade e que possvel devido ao sentimento de identidade fortalecido dos cidados

pernambucanos. Outros fatores so a conscincia do valor desta manifestao cultural, o

poderderesistncia,anoaceitaodasinflunciasexternas,masaimposiodoseuespao

nomundo.

Quando os alunos de uma lngua estrangeira tm conscincia intercultural eles

reconhecemasua identidade,adopovodalnguaqueestsendoaprendidaerespeitamna,

masnoasupervalorizamemdetrimentodasuaprpria.

A conscincia de identidade sciocultural o fenmeno pelo qual as pessoas se

afirmamperanteasociedadeesecompreendemcomosujeitospertencentesaumdeterminado

grupoconstrutordehistriaedecultura,almdereconhecererespeitara identidadescio

cultural do outro. Ela determina a imagem que temos de ns mesmos diante de outros

referenciaisculturais.

41

MoitaLopes(1996:55),empesquisacomprofessoresdeinglsdeescolaspblicasdo

Rio de Janeiro, descobriu que existe preconceito com relao s coisas que se referem ao

Brasil. Dos 102 professores pesquisados, a maioria relaciona palavras positivas aos

estrangeirosepalavrasnegativasaosbrasileiros.Dentreosparticipantesdapesquisa,45%dos

entrevistadosdisseramqueosbrasileirossomaleducadose0%dissequeospovosdelngua

inglesaosoouainda,para4%destesobrasileirotrabalhadorepara56%osestrangeiroso

so.

Tomando como referncia esses dados, percebemos como os professores brasileiros

pesquisados se subestimam ediscriminam seupovo, sua lngua e sua cultura fazendouma

representaonegativadesiedosseuscompatriotas.Dessaforma,podemosafirmarqueesses

professores de ingls trabalham com o referido idioma a partir de uma concepo

estereotipadadoseuvaloreda suacomunidade, colocandoseem situaode inferioridade

individual e coletivamente. Esse fenmeno parece ocorrer devido ao deslumbramento de

alguns professores, com a referida lngua, com o sonho do primeiro mundo o sonho

americano (grifo nosso), com as mensagens que o bombardeiam constantemente para

convenclodasuperioridadedestacultura,ousimplesmentepornoteremaconscincia

interculturaldesenvolvidaparavalorizaremsuaidentidadeindividualecoletiva.

A identidade coletiva constituise de elementos que caracterizam um determinado

grupoequeservemparadiferencilodeoutros.Oconjuntodeinformaesreferentesauma

comunidade so construtos e prticas sociais, culturais e lingsticas. Estes aspectos

compartilhados so: os hbitos cotidianos, a lngua, todas as prticas que identificam os

membrosdocomunidadenoqualelessereconhecemesentemsepertencidos.

A valorizao dessa identidade coletiva deve ser incentivada, ressaltando que

imprescindvel o estmulo ao desenvolvimento da conscincia relativista de conceitos e

prticas,paraquesecombataoetnocentrismo.

2.1.2.1. EtnocentrismoXRelativismoCultural

A prtica e a fidelidade cega s suas tradies umaprticaanticulturalenegaadiversidade.

(DEBERNARDapudJOACHIM,2007)

42

A citao acima confirma que as prticas etnocntricas rejeitam a aceitao do

pluralismo,desconsideramadiversidadeculturaleestimulama intolernciaentrediferentes

grupos culturais. Assumir uma postura no relativista, no mbito cultural, no condiz com

uma prtica respeitosa s identidades que constituem os diversos povos e corresponde

negaodeumaconscinciacrticaereflexiva,sendocontrriaaumaconcepodemocrtica

decultura.

Etnocentrismo a tendncia a interpretar ou avaliar outras culturas a partir da sua

prpria cultura.Relativismo cultural, poroutro lado, uma abordagemcomparativa que se

originadeumacompreensoeapreciaodeculturasdiferentesda sua (InBRITANNICA,1998), (Traduo nossa). importante que tomemos conscincia da existncia de outras

culturas e relativizemos nossos padres para no sermos disseminadores de preconceito

cultural.

Como afirma Carneiro (1992), a nossa cultura apenas uma parte da realidade

universal e no a realidade universal. A referida citao nos remete diretamente ao

pensamento de Pascal (apud MORIN, 2003) sobre a questo do mtodo e da reforma do

pensamento,noqualoautorexpressasuaidiasobreaconsideraodotodoedaspartesda

seguintemaneira:Como todas as coisas so causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes,mediatas e imediatas, e todas so sustentadas por um elo natural eimperceptvel, que liga as mais distantes e as mais diferentes, consideroimpossvelconheceraspartessemconhecerotodo,tantoquantoconhecerotodosemconhecer,particularmente,aspartes.

Esseprincpioseaplicanossaanalogiaculturalporassociarmosotodoeaspartes

questodauniversalizaoedarelativizaoculturais.Ainda,porentenderqueopensamento

intercultural deve reconhecer multidimensionalmente os fenmenos, valorizando a

singularidadedecadaum,percebendoadiferena,relacionandoeunindoaoinvsdeisolare

separar.Acreditamosqueassimquedevemosentenderasmanifestaesidentitrias.

Cadasociedadepossuicrenas,atitudesevaloresprpriosesoelesquedeterminam

o ponto devista dos indivduos que a constitui.As decises, pensamentos e aes deuma

comunidadeedeseusrespectivosmembrosdependem doqueconsiderammaisaceitvelpara

ogrupo.

43

A aceitao do relativismo intercultural implica na percepo de que sociedades

diferentes apiamse em valores distintos. Madison (1982) afirma que, enquanto no nos

conscientizarmosquenossaculturanoanatural,amaisbonitaeanica,nopoderemos

apreciaradiversidadecultural,logonodesenvolveremosumaconcepointercultural.

Ocontatointerculturaldesconstri etransformaosnossospadresculturaisadquiridos

emsociedade,poiscombasenelesqueimaginamosoqueocorreremdiversassituaese

como deveremos agir nos mais diferentes contextos situacionais. Os nossos esquemas

internalizados sodeterminantesparaagerao emanutenoda sensaodeconfianaao

lidarcomosmaisdiferenteseventos.

Matlin(2004)conceituaesquemacomosendooconhecimentogeneralizadosobreuma

situaoouevento.Paraaautora,asteoriasdestetemapropemqueaspessoascodificamna

memriainformaesgenricassobreumasituao,usandoasparaentenderelembrarnovos

exemplos convencionados a que se referem. Somos orientados pelo esquema para o

reconhecimento e a compreenso de novos exemplos, formando expectativas sobre o que

deveria ocorrer, sendo muito importante no nosso processamento cognitivo da leitura de

mundo.

Entretanto, nossos esquemas podemnos conduzir a erros por termos emmente um

determinado conjunto de eventos e de situaes que convencionamos serem universais, e

numadadasituaonossasexpectativaspodemserfrustradas,poisessesreferenciaispodem

variardeculturaparacultura.Quandoelesnocorrespondemssituaescomasquaisnos

deparamos,ocorreochoquecultural.

Por suavez, o script um tipo de esquema.Ele uma seqncia linear de eventos

relacionados a uma atividade conhecida (idem). Por exemplo, o script de jantar em umrestauranteentrarnorecinto,dirigirsemesa,sentarsenacadeira,pedirocardpio,tomar

algumabebida,usargarfoefacaparaalimentarse,pagaraconta,levantarseeirembora.

Porm,esse scriptnouniversal,pois se forumrestaurante japons,poisantesdeentrarnorecintooindivduotiraossapatos,sentanocho,comecompalitinhos,tomasopa

diretamentenatigela(nousacolher).Ouainda,seforumrestaurantecoreano,apessoapega

acomidacomamoelevaboca.

44

Deacordocomoexposto,ficaclaroquescriptseesquemasnosouniversais,mas

relativos e que ambos so importantes no processo de compreenso cultural. Dessa forma,

evidenciaseaimportnciadavalorizaoscioculturaledarealidadenaqualosindivduos

estoinseridosparaacompreensodasdiversasformasdeseentenderummesmofenmeno

emdiferentesculturas.

Deixardeseruniversalistaeassumirumapostura relativista noprocessodeensino

aprendizagem intercultural transforma nosso olhar para percebermos e respeitarmos a

coernciapertinentesprticasdosdiversosgrupossociaisexistentes.Dessaforma,deixamos

de ser seres etnocntricos e passamos a ser multicntricos. Neste processo, a lngua se

apresentacomoelementoessencialderefernciaculturaldoindivduo.

2.2.LnguaeCultura

Alnguaeaculturamaternassoaprendidasnodiaadiadacomunidadedeorigemou

naqualapessoacresce.assimquecadaumaprendeasereconhecercomoserindividuale

elementopertencenteaumacomunidadecoletivamenteestabelecida.Acultura,apartirdessa

viso,componentebasilardasconcepesevisesdarealidadequecadaserconstri,das

vriassociedadesexistentes.

Todas as comunidades tendem a preservar suas lnguas e a manter as tradies,

costumesecrenasqueascaracterizam, simbolizamediferenciamdeoutrosgrupos.Dessa

forma, a presena de um idioma estrangeiro no convvio dirio de um povo pode ser

entendidacomoameaacontinuaodaexistnciadesualnguaecultura.

Oidiomainglsalvoconstantedeacusaessobreatransformaoeoextermniode

outras lnguas. Entretanto, devemos lembrar que o espanhol e a prpria lngua portuguesa

tambmforam,eaindaso,responsveispelodesaparecimentodediversaslnguasindgenas,

comoapontaCristal(2000)emseusestudossobreoreferidotema.

Para nos auxiliar no entendimento do processo de ensinoaprendizagem de lngua

inglesa, explicitaremos nossa compreenso de lngua. Segundo Marcuschi (2000), a

sociolingsticasurgenosanos60comvertentesvariacionistasouculturalistasparaoensino,

como discurso deque a variao lingstica era uma contraparte da variao social, como

45

postulavamWeinreich,Labov,DellHymes, entre outros.Apartir da, a lnguapassa a ser

compreendida como um processo sciohistoricamente situado, partindo do seu uso e da

formadeapresentaotextual.Aheterogeneidadeesua relaocomasociedade tornamse

reconhecidas, e o interculturalismo tambmpassa a ser considerado no processo de ensino

aprendizagem.

Oensinointerculturalrespaldadopelaabordagemsciointeracionista.ParaVygotsky

(2003), a linguagem social e o conhecimento se constri atravs de interaes, da

colaboraoedocompartilhamento.

Aabordagemsciointeracionista implicaqueatravsda linguagemeda interao

comoutrosmais capacitados que as crianas ampliam seus conhecimentos.A linguagem

entendida,aqui,comosendoumprocessocognitivo,histricoescioculturalmentemarcado.

Essaperspectivaembasaoprocessodeensinoaprendizagemapoiadopelointerculturalismo,

por envolver vrios processamentos cognitivos, incluindo as relaes entre produo e

compreensodelinguagemeconhecimentosculturaisnacomunicao.Aseguirversaremos

sobrearelaolxicocultural.

2.2.1.LxicoeCultura

Umasociedadetemsuaculturarefletidaatravsdesualnguaeestalheservedemeio

de expresso e a liga ao mundo exterior. O acervo lexical de uma lngua reflete as

experinciasdopovoqueafala,oseuuniversosemnticoseestruturaemtornodoindivduo

edasociedadeedocontatoentreambosqueseoriginaolxico(Carvalho,1999).

As palavras tm um lugar importante na cultura, e aprender palavras uma ao

essencial econtnuaaoestudaroutra lngua.Carvalho (idem)dizqueapalavra bsica na

comunicaoesuafunonomear,qualificaredistinguirasdiferenas.importanteparaa

nossainvestigaocientficadefinirmospalavra.OminidicionrioAurlio(2000)adefine

como: fonema ou grupo de fonemas com uma significao termo, vocbulo. Sua

representaogrfica.Manifestaoverbalouescrita.Faculdadedeexpressaridiaspormeio

desonsarticuladosfala.Mododefalar.

46

O lxicooobjetodeestudoda lexicologia.Suaorigemvemdogrego lexiconque

tem, em sentido lato, o significado de vocabulrio. Ele constitudo pelos morfemas, que

constituem suas unidades bsicas, podendo sermorfemas lexicais e gramaticais. Esses so

considerados classes fechadas, pois no sofrem renovaes (o artigo, o pronome relativo e

alguns advrbios). Aqueles constituem as classes abertas por serem passveis de

incorporaesemudanas(overbo,oadjetivo,osubstantivoeoadvrbionominal).

Em termos de significao, os lxicos de lnguas diferentes no se relacionam

diretamente de uma lngua a outra. Uma mesma realidade extralingstica pode ser

compreendidadeformadiferenteporduaslnguasdamesmafamlia,poishainterferncia

deoutrosfatores,ossociaiseosculturais,porexemplo.

Olxicodeumalnguaestemconstanteprocessodeevoluo,atravsdacriaode

novostermos,damudanadeformaecontedosemntico.Essasmudanasetransformaes

no lxico de uma lngua ocorrem ao longo do tempo, no processo natural do seu uso nas

interaeshumanas,noocorreminstantaneamentecomasmudanassociaiseculturais.

Segundo Weinreich (1970), mudana cultural normalmente envolve no apenas a

adio de um novo elemento ou elementos cultura, mas tambm a eliminao de certos

elementosprexistenteseamodificaoereorganizaodeoutros.

Nesse processo intercultural as lnguas ganham e perdem elementos, outras vezes

sofrem mudanas e se reorganizam com base no contato com a outra lngua. Vogt (apudWEINREICH, 1970) afirma que todo enriquecimento ou empobrecimento de um sistema

envolve necessariamente a reorganizao de todas as oposies distintivas de um sistema.

Ambosentendemqueexisteumaespciedeacomodaonaturaldas lnguasdecorrentedos

contatoscomoutraslnguaspararedefinir,reorganizaroselementosdossistemaslingsticos

emquesto.

Weinreich (1970:33) trabalhacomanoodecontatoe interferncia lingsticosna

relaoentrelnguas.Oreferidoautordizqueasformasqueumvocabulriopodeinterferir

emoutrossovrias.Exemplo:dadasaslnguasAeBosmorfemaspodemsertransferidos

deA para B, ou osmorfemas de B podem ser usados em novas funes designativas nos

47

moldesdosmorfemasdeAnoqualelessoidentificados.Nocasodepalavrascompostasos

doisprocessospodemsecombinar.

Comoditoanteriormente,asmudanaslingsticassonaturais,apartirdasinteraes

interculturais, sendo em decorrncia do uso e da evoluo da lngua, seja no seu prprio

territrioounoscontatoscom comunidadesestrangeiras.

Quandohaincorporaodetermosestrangeirosemoutralnguaecultura,estesvm

carregados devalores, simbolismos e ideologias que interferemdiretamente na lngua e na

cultura que recebeu tais palavras. Sobre o exposto, Biderman (2001) diz que o ingls o

verdugoquedesfiguracadavezmaisalnguaportuguesa.

Apostura assumidapela referida autora parece desconsiderar que a lngua viva e

que, sendo entendida como um processo sciohistrico, est em constante transformao,

ganhando e perdendo elementos em seus contatos com outras lnguas e culturas. Saber

reconhecerestemovimentoauxilianapercepointercultural.

Carvalho (1999) lembraqueabase lexicaldoportugusformadapelo latimvulgar

queprevaleceusobreolatimclssiconaPennsulaIbrica.Contriburamparaaformaodo

lxicoportuguselementosprromanos,ibricos,celtasebascos,epsromanos,germnicos

e rabes. Tambm ocorreram contribuies do Ingls e das lnguas asiticas, africanas e

americanas.Juntamentecomascontribuieslingsticasvieramascontribuiesculturais.

Uma reflexo importante, que pode nos ajudar a entender como se d essa

incorporaoconsistenoconhecimentodacargaculturaldaspalavrasedetodaamensagem

implcitaeopoderqueelacarregadentrodesi.Comoveremosadiante.

2.2.2.CargaCulturaldasPalavras

Todalnguacarregadadeculturaenoseuusoquesoexpressosesseselementos

implcitoscompartilhadospelosgruposculturais.Existe,pois,ainterfernciadosreferenciais

dasuaprpriacomunidadenoquecomunicadonomomentodainterao,mesmoqueesta

se d em uma lngua estrangeira. Um falante nativo tem internalizado conhecimentos

especficosinerentessualnguaesprticasdoseupovo.Essesvalorescompartilhadosso

48

expressosnaturale inconscientementenasua falaapartirdaescolhadaspalavras,da forma

queinterpretaosfatos,ecompreendeasmensagens.

Sendoapalavraportadoradamemriasocial,elatrazconsigotodaacargaculturalde

uma comunidade. Este componente denominado, por Galisson (1987) carga cultural

partilhada,epermiteidentificarofalanteenquantoindivduocoletivo.

nas palavras que este peso se revela mais fortemente, apesar de tambm estar

presente nosaspectos fonolgicos,morfolgicosesintticos.Oseu valor semnticomais

determinantequeodosoutroselementoslingsticos.Entretanto,estacarganouniforme,

segundoGalisson(op.cit.).

So exemplos de palavras que tm cargas culturais diferentes: sogra e frango. Em

francs,sogranotemamesmaconotaoquetemnoBrasil.Paraosfrancesesasograa

bellemre (bela me traduo ao pdaletra), enquanto que noBrasil, a sogra vista

comomegera,cobra,pessoaindesejvel,diferentementedaacepofrancesaqueavcomo

umseradorvel,queridoeamado.Seriaumafaltaderespeitoparaos francesesreferirse

sogradamesmaformaqueestconvencionadanasociedadebrasileira.Apalavrafrangotem

omesmoreferenteeminglseemportugus,pormnoBrasil,almdenomearumaaveum

termopejorativoparareferirseaumhomossexual.Aspalavrascitadaspossuemdenotaes

iguaisecargasculturaisdiferentes.

O fenmenochamadoporGallisson(1987)decargaculturaldaspalavrasconsiste

emumprocessodeincorporaodemarcasreferenciaisdeoutrascomunidadesdiferentesda

suaquandoumalnguaestinseridaemoutracomunidadeeseulxicosofretransformaes

nasuaformaoriginal.

Aspalavraspossuemum significado iniciale quandosousadasemuma sociedade

diferente da sua de origem, na interao com outros fenmenos, com os saberes extra

lingsticos dos falantes, ela recebe influncias desse movimento e novos sentidos so

agregadosqueleinicial.Astransformaessofridaspodemrevelarsenaortografia,nossons,

mas a carga cultural se instala nos sentidos das palavras. O autor supracitado utiliza um

esquemaparademonstraraelaboraodosignificadoedacargaculturalpartilhadadosigno.

49

Figura4 Esquemaqueexplicaoprocessodeaquisiodacargaculturaldaspalavras(Gallisson,1987:136)

As marcas que as palavras de uma lngua carregam arraigadas na sua essncia se

refletemnafala,nocomportamentoenopensardosfalantes.Poroutrolado,oconhecimento

destas cargas culturais determina a compreenso damensagem pelo ouvinte.Dessa forma,

ressaltamos que,mesmo falando a lngua estrangeira, o falante pode estar pensandona sua

lnguamaterna(TAGNIN,2005).Osubttulodestetrabalho:natualnguaquefalo,masnaminhalnguaquetecompreendo7vainaesteiradopensamentodareferidaautora.

Mesmoquandoofalanteseexpressanalnguaestrangeira,suafalaeseuentendimento

dasmensagensestoimpregnadosdereferncias,valoresetradiesdasualnguamaterna.A

culturapossui intensa relaocomo lxicodeuma lnguaeessa ligao evidenciadaem

todasassituaescomunicativasnasquaisosinteractantespertenam adiferentessociedades.

7 Osubttulo desta obra cientfica uma traduo livre dacitao dedouardGlissant: Je te parle dans talangueetcestdansmonlangagequejetecomprends.

50

As vrias formas de comunicao exigem diferentes nveis de competncia

comunicativa, colaborao e conhecimentos culturais sobre a lngua estudada. A seguir

versaremossobreascompetnciascomunicativoculturais.

2.3.Competnciascomunicativaecultural

Como dito anteriormente, a linguagem entendida como um processo scio

historicamente situado, sendo uma ferramenta de transmisso cultural, utilizada para a

comunicao humana. Portanto, uma prtica social na qual os falantes so socialmente

constitudos(VYGOTSKY,2000).

O autor supracitado, em sua teoria sociointeracionista, elege professores como

mediadoresdoensinoaprendizagemealunoscomoautoresdoseuconhecimento.Portanto,

concebeoprocessoeducativocomodeterminadoculturalesocialmente,construdoatravsda

interao.

Tal conceito est em perfeita sintonia com os princpios de Paulo Freire (2004),

segundoosquaisoalunoresponsvelpelasuaaprendizagem,ereconheceomesmocomo

ser integralquepossui fatores intelectuais eemocionais devendo agirconjuntamenteparaa

formaointegraldoaluno.

Os referidos pressupostos possuem uma estreita relao com o conceito de

competncia comunicativa proposto por Hymes (1972), que compreende tambm a

competncia lingstica, a sociolingstica ou pragmtica. O autor incorporou a dimenso

socialaoconceitodecompetncia, introduzindoapalavracomunicativoparaespecificaro

seudirecionamentonousodalngua.

Segundo a noo deste estudioso sobre competncia comunicativa, atravs do

desempenho do falante, usando a lngua de forma coerente, sabendo o que falar, a quem,

quandoedequeformaqueoindivduodemonstrasuacapacidade. Elaenvolve,pois,noes

sobre aspectos lingsticos, scioculturais, contextuais e conhecimentos de mundo para o

desenvolvimentodacompetnciaintercultural.

51

Opesquisadorsupracitadopostulaqueoensinodelnguainglesadevedesenvolverum

tipo de competncia que vai alm do conhecimento lingstico, das noes estruturais do

idioma e suas caractersticas, mas diz respeito capacidade de o aluno comunicarse com

povosdeoutrassociedadesedediferentesrefernciasdemundo.

SobrecompetnciainterculturalByrametal(2002,p.10)dizemserahabilidadedeassegurarumentendimentocompartilhadoporpessoasdeidentidadessociaisdiferentesesuas

habilidades de interagir com pessoas enquanto seres humanos complexos com mltiplas

identidadesesuasindividualidadesprprias.8

Baseados em Zarate (1986), entendemos por competncia cultural um conjunto de

habilidades desenvolvidas em um indivduo ou um grupo a partir das suas relaes com o

mundo que os possibilita compreender uma mensagem atravs da seleo adequada de

informaespertinentesinterpretaodasituaoouevento.

De acordo comMottaRoth (2000), competncias interculturais so habilidades em

sustentar comunicao com o Outro que parte de sistemas de referncia diferentes dos

nossos. atravs dessa competncia que decidiremos se aceitamos ou rejeitamos as

influnciasqueprovenhamdessesreferenciaisexternos.

A competncia cultural adquirida naturalmente nas relaes sociais do indivduo

dentrodoseugrupoenassuasinteraescomomundo.Nesseprocesso,ohomemnotemo

poder de selecionar o que de cultural ele quer aprender, ele simplesmente absorve

inconscientemente os comportamentos, valores, crenas e conceitos que esto arraigados

naquela comunidade da qual ele faz parte. Devido a essa forma de aquisio, o indivduo

tendeauniversalizarsuapercepocultural,deacordocomsuarealidade,oquemuitasvezes

causadesentendimentosemalentendidos.

A falta de conhecimento intercultural sobre o povoque emite amensagem inicial

responsvel pelas incompreenses, choques culturais e malentendidos que constantemente

ocorrem nas interaes entre povos de diferentes culturas. Essas diferenas culturais so

8abilitytoensureasharedunderstandingbypeopleofdifferentsocialidentities,andtheirabilitytointeractwithpeopleascomplexhumanbeingswithmultipleidentitiesandtheirownindividuality.

52

chamadasporZarate (1986)defronteiracultural,oespaoquedelimitaa (in)compreenso

dasaesecomportamentoshumanosemdiferentessociedadesculturais.

A dimenso intercultural se preocupa com ajudar oseducandos a compreender como a interao interculturalacontece, como as identidades sociais so parte de todainterao, como suas percepes sobre outras pessoas e aspercepesdeoutraspessoassobreelesinfluenciamnosucessoda comunicao como eles podem descobrir sozinhos maissobreaspessoascomquemestosecomunicando.9 (Byrametal,2002,p.15)

Saber situarse nesse espao uma habilidade necessria a ser desenvolvida para

evitar e/ou minimizar a incompetncia cultural. Essa incompetncia no se restringe s

incompreenses decorrentes de relaes lingsticocul