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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE SAÚDE PÚBLICA XIV CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA ELIZA GONÇALVES DE AZEVEDO A ABORDAGEM AO SUICÍDIO NO SUS FLORIANÓPOLIS (SC) 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

DEPARTAMENTO DE SAÚDE PÚBLICA

XIV CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA

ELIZA GONÇALVES DE AZEVEDO

A ABORDAGEM AO SUICÍDIO NO SUS

FLORIANÓPOLIS (SC)

2012

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ELIZA GONÇALVES DE AZEVEDO

A ABORDAGEM AO SUICÍDIO NO SUS

Monografia apresentada ao XIV Curso de

Especialização em Saúde Pública da

Universidade Federal de Santa Catarina,

como requisito parcial para obtenção do

título de Especialista em Saúde Pública.

Orientadora: Prof. Dra. Josimari Telino de

Lacerda.

FLORIANÓPOLIS (SC)

2012

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ELIZA GONÇALVES DE AZEVEDO. A abordagem ao suicídio no SUS. Trabalho de

Conclusão de Curso. (Especialista em Saúde Pública). Universidade Federal de Santa

Catarina. Florianópolis, 2012. 21 p.

RESUMO

A presente revisão de literatura teve como objetivo conhecer as experiências relatadas

sobre a atenção às pessoas envolvidas na problemática do suicídio no âmbito dos serviços

públicos de saúde. Foram quatro os parâmetros para a busca de artigos científicos: período

de publicação (2005 – 2011); bases de dados Lilacs, Medline e Scielo; idiomas português,

espanhol e inglês; e os termos de busca. Identificaram-se inicialmente 196 artigos. Após

aplicação dos critérios de inclusão foram analisados 5 artigos. A sistematização dos

resultados obedeceu três categorias: a visão dos profissionais de saúde, os serviços de

saúde: práticas e dificuldades, a visão dos usuários atendidos. Os dados permitiram a

análise segundo os níveis de atenção do sistema, o que evidenciou diferenças relevantes

nas concepções e práticas desses profissionais de saúde. Na atenção primária, os resultados

apresentaram-se próximos às orientações das Diretrizes Nacionais para Prevenção do

Suicídio, o que não prevaleceu nos demais níveis de atenção, onde os profissionais

demostraram incompreensão frente ao ato suicida. Investimentos na capacitação dos

profissionais são necessários, bem como nas ações de prevenção e acolhimento a esses

usuários.

Palavras-chave: suicídio, políticas públicas, SUS, níveis de atenção.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

DEPARTAMENTO DE SAÚDE PÚBLICA

XIV CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA

A ABORDAGEM AO SUICÍDIO NO SUS

ELIZA GONÇALVES DE AZEVEDO

Essa monografia foi analisada pelo professor orientador e aprovada para obtenção do grau

de Especialista em Saúde Pública no Departamento de Saúde Pública da Universidade

Federal de Santa Catarina.

Florianópolis, abril de 2012.

Profª Dra. Jane Maria de Souza Philippi.

Coordenadora do Curso

Prof. Dra. Josimari Telino de Lacerda.

Orientadora do trabalho

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1 INTRODUÇÃO

Falar de suicídio desperta o interesse de diversos campos de saber. O tema recebe

contribuições importantes da Filosofia, Sociologia, Antropologia, Psicologia, Psiquiatria e

da Saúde Coletiva (D’ASSUMPÇÃO et al., 1984; DIAS, 1991; BRASIL, 2006a). A

palavra suicídio tem etimologia sui de si mesmo e caedes de ação de matar (LEVY 1979,

apud KOVÁCS, 1992). As psicólogas Dias (1991) e Kovács (1992) definem a tentativa de

suicídio como um ato deliberado de auto-agressão no intuito de pôr fim à sua vida,

esclarecendo que a pessoa não tem certeza da sobrevivência, manifestando uma

consciência vaga do risco de morte e ambivalência entre o desejo de morrer e viver.

É consenso entre estudiosos que o suicídio é multideterminado (CARSSOLA,

1991; DIAS, 1991; KOVÁCS, 1992; BRASIL, 2006a; MORÉ, GOULART e ADRIANO,

2006; OMS, 2006). Carssola (1991) explica que se trata de um evento que ocorre como

culminância de uma série de fatores que vão se acumulando na biografia do indivíduo, em

que entram em jogo desde fatores constitucionais até fatores ambientais, sociais, culturais,

biológicos e psicológicos. Em consonância com esse autor, Dias (1991) defende a

necessidade de se buscar uma análise mais interacionista e não-dicotomizada da realidade

para a compreensão do suicídio, utilizando-se de uma abordagem interdisciplinar.

No ano de 1999, a Organização Mundial de Saúde lançou documentos visando a

prevenção do suicídio, considerando este e suas tentativas com um importante problema

mundial de saúde pública e recomendou aos países-membros que implantassem ações de

prevenção, intervenção e monitoramento nas populações de risco, bem como investissem

na capacitação dos profissionais da saúde e nas políticas públicas. Conforme dados da

OMS (2003), 900 mil pessoas cometeram suicídio no ano de 2003, o que representa uma

morte por suicídio a cada 35 segundos e torna este a décima causa de mortes no mundo.

Estima-se, ainda, que o número de tentativas de suicídio supere o número de suicídio em

pelo menos 10 vezes. Outro dado relevante afirma que 15 a 25% das pessoas que tentam o

suicídio tentarão novamente no próximo ano, e destas, 10% conseguirão matar-se ao longo

de 10 anos (BOTEGA, MAURO, & CAIS, 2004).

O suicídio apresenta-se em ascensão, as taxas aumentaram em aproximadamente

60% nos últimos 50 anos no mundo (OMS, 2006). No Brasil, em 2004, aproximadamente

oito mil brasileiros tiraram a própria vida. Embora a taxa média no Brasil não seja

considerada alta (4,5 suicídios a cada 100 mil pessoas), o problema vem crescendo em

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certos segmentos da população, como homens mais jovens, índios e idosos (BOTEGA, et

al., 2006; QUENTAL, 2008).

Para Quental (2008) encarar um fenômeno como questão de saúde pública é dar

visibilidade a ele, significa uma oportunidade para todos ajudarem na sua resolução e

enfrentamento. Na esfera do suicídio, remover sua invisibilidade, trazendo-o para o terreno

público, implica em favorecer novas perspectivas sob o ponto do acolhimento, do cuidado,

da valorização da vida e das possibilidades de solidariedade.

Conforme dados da OMS (2000), em média, um único suicídio afeta pelo menos

outras seis pessoas, podendo atingir centenas, no caso de ocorrer em escolas ou em outros

locais públicos. Assim, o abalo psicológico e social do suicídio em uma família e na

sociedade é imensurável. Compreendendo a complexidade do fenômeno e o impacto que

exerce na sociedade o Ministério da Saúde (MS) reconheceu o suicídio e as tentativas de

suicídio como um grave problema de saúde pública e nomeou, em 2005, um Grupo de

Trabalho com o objetivo de elaborar e implantar a Estratégia Nacional da Prevenção do

Suicídio (BRASIL, 2005). Dentre as metas da Estratégia, além da redução das taxas de

suicídio e de tentativas, determina a redução dos danos causados pelo trauma do suicídio

entre familiares e amigos daqueles que se suicidaram (BRASIL, 2006a).

A fim de implementar a Estratégia Nacional da Prevenção do Suicídio, o MS

instituiu, em agosto de 2006, as Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio através da

Portaria 1.876 (BRASIL, 2006a), na qual destacam-se propostas de organizar linhas de

cuidados integrais, uma rede de intervenções nos casos de tentativas de suicídio e

promover a educação permanente dos profissionais.

No contexto das colocações acima, o objetivo deste estudo, portanto, é conhecer as

experiências relatadas sobre a atenção às pessoas envolvidas na problemática do suicídio

no âmbito dos serviços públicos de saúde.

2 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão de literatura, na qual estabeleceu-se, a priori, quatro

parâmetros para a busca de artigos. Estes foram: período de publicação entre o ano de 2005

ao mês de novembro de 2011; bases bibliográficas Lilacs, Medline e Scielo, via Biblioteca

Virtual de Saúde (BVS); idiomas inglês, espanhol e português e, por último, os termos de

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busca definidos por duplas de palavras separadas pela conjunção e, sendo a primeira

sempre suicídio e a segunda alternando entre as palavras atenção, relato, CAPS,

atendimento, Estratégia de Saúde da Família (ESF), prevenção, políticas, serviços

públicos, atenção básica, atenção secundária, promoção de saúde, diretrizes, SUS e

assistência. Destaca-se que o parâmetro período de publicação foi definido em função do

ano em que teve início a elaboração da Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio pelo

Ministério da Saúde.

Posterior à busca, eliminou-se as repetições encontradas e leu-se o resumo de todos

os artigos e, quando necessário, realizou-se uma breve leitura do trabalho para melhor

compreensão do conteúdo abordado. Na sequência, os estudos foram submetidos aos

critérios de exclusão. Os limites de inclusão foram: tratar de experiências brasileiras e do

Sistema Único de Saúde (SUS), disponibilidade do texto completo e apresentar conteúdo

pertinente ao objetivo desta revisão de literatura. Portanto, através do último critério foram

eliminados artigos com enfoque em perfil epidemiológico, farmacologia, estudos clínicos,

fatores de risco e proteção e revisão teórica.

Após leitura exaustiva e síntese foram definidas três categorias de análise que

orientaram a apresentação e discussão dos resultados: a visão dos profissionais de saúde;

os serviços de saúde: práticas e dificuldades; a visão dos usuários atendidos.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram encontrados 196 resumos a partir da busca via BVS. Após aplicação dos

critérios de inclusão, e da identificação de duplicidades, foram lidos na íntegra nove

artigos. Após essa leitura, houve a eliminação de mais 4 estudos devido critério de

pertinência do conteúdo, não passíveis de apreensão na leitura dos resumos, totalizando 5

artigos para revisão e análise (Figura 1). Em síntese, 29,6% foram excluídos por

duplicidade. Dos demais, 50,7% foram descartados por relatarem experiências

internacionais e 37,7% pela ausência de pertinência do conteúdo com relação ao objetivo

desta revisão de literatura.

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Figura 1. Fluxograma de busca e seleção dos estudos sobre suicídio.

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A tabela 1 apresenta os 5 estudos selecionados indicando autor, ano de publicação,

objetivo, participantes, nível de atenção e local de realização da pesquisa.

Tabela 1. Apresentação dos 5 estudos selecionadas para revisão e análise.

Autor Ano de

public.

Objetivo

Nível de

Atenção

Participantes Local

KOHLRAUSCH

et al.

2008

Analisar as concepções das

enfermeiras sobre o

atendimento a usuários

com comportamento

suicida nas UBS.

Atenção

Primária

12 enfermeiras

de UBS

Porto

Alegre

(RS)

MACHIN

2009

Conhecer as concepções e

práticas dos prof. de saúde

sobre lesões

autoprovocadas.

Atenção

Terciária

Profissionais

de saúde de

hospital

público

São

Paulo

(SP)

CÂMARA &

PEREIRA

2010

Identificar percepções de

transtorno mental,

elaboradas pelas pessoas

que recebem atendimento

de saúde mental na

Estratégia Saúde da

Família.

Atenção

Primária

12 usuários

atendidos por

ESF e equipe

de saúde

mental

Cidade

do

interior

paulista

(SP)

SÁ. et al.

2010

Caracterizar os

atendimentos de

emergência por tentativa

de suicídio nos serviços

sentinela do Sistema de

Vigilância de Acidentes e

Violência-VIVA, de

municípios selecionados

no Brasil em 2007.

Atenção

Secundária

e Terciária

84 serviços

públicos de

emergência

Abrangeu

24 das 27

unidades

da

federação

brasileira

KONDO et al.

2011

Conhecer a concepção da

equipe de enfermagem

sobre emergências em

saúde mental e analisar

como se desenvolve a

abordagem da

equipe de enfermagem ao

usuário com

transtorno mental em

situação de emergência.

Atenção

Secundária

6 enfermeiros

e 7 técnicos de

enf. de centro

municipal de

urgências

médicas

Curitiba

(PR)

Os resultados evidenciaram um pequeno número de estudos publicados que relatam

experiências de serviços de atenção às pessoas envolvidas na problemática do suicídio no

SUS, desde o ano de 2005. Na sequência, os estudos apresentam-se sistematizados em três

categorias de análise.

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A visão dos profissionais de saúde

Esta categoria de análise apresenta as concepções que os profissionais de saúde

possuem em relação ao suicida e ao seu atendimento. Os estudos que contribuiram nessa

etapa foram os de Kohlrausch et al. (2008), Machin (2009) e Kondo et al. (2011). Tais

estudos abordam experiências nos três níveis de atenção do sistema, o que permitiu uma

análise por nível de complexidade, evidenciando diferenças relevantes.

A apresentação dos resultados neste item está estruturado em dois blocos: a

percepção sobre o suicída e sobre o seu atendimento e dentro de cada um segundo o nível

de atenção do sistema.

Na atenção primária a percepção dos profissionais acerca do suicida é de que se

trata de um usuário de sua responsabilidade, por compreendê-lo no escopo do sofrimento

humano, área esta de necessária intervenção da saúde. Tal aspecto é evidenciado na

seguinte fala:

É porque tá muito difícil, o pessoal entra em crise, são muitos problemas. (...)

Chega um momento que pode ficar deprimido, pode precisar de ajuda. Então, hoje

em dia, é muito grande o número de pacientes que precisam de ajuda. Às vezes,

não precisa da medicação, só um diálogo, uma conversa, né? (KOHLRAUSCH et

al., 2008, p. 47).

Percebe-se ainda nos relatos do estudo e nas transcriçoes das falas que as

enfermeiras entendem o sujeito suicida dentro do seu contexto, suas dificuldades

socioeconômicos, geracionais, a carência afetiva, o abandono e o sofrimento.

Temos adolescentes com vulnerabilidade, com muita miséria e com muitos

problemas familiares, então às vezes esses adolescentes estão deprimidos, se

prostituem, usam crack, e às vezes acabam querendo e pensando em suicídio. Por

que não? A vida está tão difícil (KOHLRAUSCH et al., 2008, p.47).

Fica claro que esses profissionais da atenção primária não exercem o papel de

“juízes” frente ao comportamento suicida, mas sim enfocam os determinantes sociais desse

processo, compreendendo o sofrer e as dificuldades dos usuários.

Por outro lado, os estudos realizados na atenção secundária e terciária evidenciaram

uma incompreensão frente às pessoas, que acometidas pelo sofrimento psíquico e/ou

transtorno mental, tentam o suicídio.

Na pesquisa de Kondo et al. (2011), que trata da compreensão dos profissionais da

enfermagem sobre o que é emergência em saúde mental, evidencia o não reconhecimento

do suicídio como inserido nessa categoria. Para eles, emergência em saúde mental é uma

situação na qual há risco de vida para o próprio paciente e para terceiros, sendo percebida

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pelas manifestações de comportamentos de agressividade, agitação e perda de controle. Ao

serem solicitados a exemplificar emergências em saúde mental apenas 3 dos 13

entrevistados indicaram a tentativa de suicídio como tal. Dentre os resultados, destacou-se

também os relatos, diretos e indiretos, de participantes que admitem dificuldade em aceitar

o transtorno mental e suas consequências, dentre elas, o suicídio, como possibilidade

natural do contexto do adoecer.

No estudo de Machin (2009), com profissionais de saúde de um hospital público, as

tentativas de suicídio são compreendidas como eventos carregados de intencionalidade,

advindos de uma escolha, em que seus atores não são doentes nem vítimas necessitando de

cuidados. O relato de uma médica referindo-se a compreensão de alguns de seus colegas

ilustra isso:

Eles têm muita dificuldade, eles sempre acham que quem tentou o suicídio não

quer viver e o que chegou do lado, baleado, acidentado, quer viver, ou seja, “O

acidentado merece atenção. O paciente da tentativa de suicídio não”. Qualquer um

que tentou alguma coisa. O atentado à vida. Drogas de abuso, o atendimento é

desse nível também. Então dizem “ele quer morrer, não precisa ter essa correria

que a senhora quer que tenha (...) (p.1747)

No entendimento desses profissionais o suicida deseja morrer, ele não quer ser

atendido, não quer ser salvo, portanto, acreditam que ele não merece atenção e cuidado e

que atrapalha as atividades do hospital. Contrariamente a essa concepção, a literatura

aponta que 15 a 25% das pessoas que tentaram suicídio tentarão novamente no próximo

ano e, explica como característica do suicida a ambivalência, ou seja, o desejo ao mesmo

tempo de morte e de vida (DIAS, 1991; KOVÁCS, 1992; BOTEGA, MAURO & CAIS,

2004; BRASIL, 2009). Machin (2009) apontou também que há preconceito e repúdio por

esses pacientes, porém que esses sentimentos podem ser reavaliados em razão de uma

circunstância considerada como legítima aos olhos do profissional, como o caso de uma

mulher em depressão pós-parto. Portanto, evidencia-se que esses profissionais de saúde,

por vezes, julgam as motivações que conduziram o usuário ao ato suicida, decidindo a

partir de seus conceitos, valores e crenças se essas motivações podem ou não serem

compreendidas e, consequentemente, perdoadas pelos próprios profissionais de saúde.

No aspecto de análise do atendimento à pessoa com comportamento suicida, a

pesquisa de Kohlrausch et al. (2008) indicou uma aproximação entre as concepções dos

profissionais de saúde da atenção primária com os documentos sobre o tema lançados pela

OMS e pelo Ministério da Saúde (OMS, 2000; BRASIL, 2006a; BRASIl, 2006b; BRASIL,

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2009). Sobressai uma visão pautada na importância de ações de atenção integral, que

contemplem promoção, prevenção, tratamento e recuperação.

As enfermeiras entendem como finalidades do atendimento: realizar a prevenção;

diminuir o fluxo de usuários em hospitais e prontos-atendimentos; educar e promover a

saúde para melhorar o autocuidado; trabalhar para atenuar o problema, melhorando a

qualidade de vida; e, atender integralmente as famílias. No aspecto da atenção integral à

família, uma profissional exemplifica que esta pode sofrer sequelas importantes, como

sentimento de culpa, incapacidade e revolta. Esta última compreensão está de acordo com

documentos do Ministério da Saúde e da OMS, os quais destacam o impacto negativo que

o suicídio exerce sobre os familiares e a sociedade e orientam para a realização de

trabalhos que visem reduzir esses possíveis danos (OMS, 2000; BRASIL, 2006a; BRASIL,

2006b).

Para o atendimento ao usuário suicida, as participantes defendem o trabalho em

equipe, citando a equipe mínima da ESF juntamente com a equipe de saúde mental.

Ressaltam a importância de coordenar os planos de ação; de estar próximo da comunidade,

percebendo e validando sua realidade e necessidades; possuir um amplo conhecimento

técnico-científico e auto-conhecimento; favorecer a vinculação com o usuário e ter uma

escuta adequada, permitindo-o conversar e expor seus problemas e sentimentos. Tal

abordagem está em consonância com o Manual de Prevenção do Suicídio dirigido a esses

profissionais (BRASIL, 2009) que orienta sobre a utilização de uma abordagem que

busque a vinculação com o usuário suicida, a estruturação de sua rede de apoio social,

explore os recursos da comunidade e realize encaminhamentos, quando necessário, para as

equipes de saúde mental.

Contrariamente, a pesquisa de Machin (2009) na atenção terciária, aponta para uma

concepção de que o atendimento é pouco necessário, não merecido, não desejado pelo

suicida e que, portanto, não precisa ser bem feito. Há uma fala bastante representativa

disso:

O atendimento a um paciente de tentativa de suicídio é um atendimento que tem

que ser feito mesmo “nas coxas”, né, como se diz, “não precisa se esmerar”, ele

não quer viver (p. 1747)

Aqui, percebe-se o impacto que o pensamento “ele não quer viver” exerce sobre a

visão de como deve ser o seu atendimento, “não precisa se esmerear”.

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Em síntese, destaca-se que as visões dos profissionais variaram notadamente

conforme o nível de atenção. Na atenção primária, o sofrer é percebido como objeto de

cuidado da saúde e o comportamento suicida compreendido de maneira multideterminada.

Consequentemente, o atendimento ao usuário suicida é considerado relevante, acreditando-

se na integralidade das ações e objetivando a humanização. Nos outros níveis de atenção,

aparece a intolerância frente a esse comportamento e a incompreensão do mesmo enquanto

questão da área da saúde. Sugere-se que essa última concepção esteja pautada em uma

formação profissional baseada no modelo biomédico, o qual tem por base o corpo como

lócus privilegiado para a doença, levando a uma prática reparadora de lesões e disfunções

com pouca ênfase nas relações humanas e nos fatores psicológicos e sociais (NUNES,

1988). Além disso, Laplantine (1986, apud MACHIN, 2009) defende que esse modelo é

reforçado nos contextos de urgências e emergências, pois o risco de vida iminente favorece

a visão do usuário como um corpo biológico.

Os serviços de saúde: práticas e dificuldades

Esta categoria de análise engloba as informações sobre os serviços de saúde

prestados às pessoas envolvidas na problemática do suicídio. Participaram os estudos de

Kohlrausch et al. (2008), Kondo et al. (2011), Machin (2009) e Sá et al. (2010), esse

último fornecendo dados quantitativos referente aos transportes públicos utilizados nos

serviços. Aqui, os dados também perpassam os três níveis de atenção, os quais apresentam

diferenças intrísecas nas atribuições dos serviços próprios de cada nível de complexidade

e, também, percebe-se a influência que as concepções desses profissionais exercem sobre a

qualidade do atendimento.

Na atenção primária, Kohlrausch et al. (2008) consideram poucas as ações

preventivas desenvolvidas pelas equipes de saúde da família investigadas. Dentre elas, as

citadas e realizadas pelas enfemeiras são: escuta e acolhimento; orientação aos familiares

da vítima de tentativa de suicídio e agendamento de consultas médicas; realização de

acompanhamento por meio de visitas domiciliares e/ou consultas de enfermagem;

identificação do risco para o suicídio; auxílio no uso das medicações; orientação sobre a

importância de manter o usuário sempre acompanhado; conscientização da comunidade

sobre problemas de saúde mental; verificação de história prévia de comportamento suicida

e incentivo à socialização; estudo de caso, analisando quais são as possíveis causas do alto

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índice de suicídio e planejando grupos de saúde mental para usuários e familiares e,

orientação aos agentes comunitários de saúde sobre o problema.

As enfermeiras relataram que suas ações concentram-se no campo da preveção e

encaminhamento. As transcrições ressaltam a realização do trabalho em equipe e a

importância dos agentes comunitários de saúde, pois geralmente são eles que identificam o

usuário com comportamento suicida, fazem o acompanhamento e mantem uma vinculação

com essas pessoas, conforme ilustra o discurso de enfermeira:

Eles fazem o acompanhamento quando acontece a situação, a gente já passa e eles

acompanham, e isso é rotina. E aí, depois, conforme a necessidade, vê que o

paciente não tá aderindo, né? Ai vai a enfermeira, a gente procura fazer uma escala,

assim, vai o agente, depois o técnico, depois o enfermeiro e o médico, conforme

(...) (p. 470).

Dentre as atividades realizadas na atenção primária, destaca-se que algumas estão

de acordo com as ações propostas pelo Programa de Prevenção ao Suicídio (OMS, 2000), o

qual orientou também a construção das Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio

(BRASIL, 2006a). O programa prevê: escutar com empatia, oferecer cuidado continuado,

identificar o risco para o suicídio, identificar pessoas que possam auxiliar no

acompanhamento, como familiares e conhecidos, utilizar os recursos da comunidade, e

realizar encaminhamentos sempre que necessário.

Já o estudo de Kondo et al. (2011) apresentou enquanto práticas a observação dos

comportamentos da pessoa, os quais influenciam no tipo e na tentativa de diálogo a ser

estabelecido e, também, a prática da contenção química e física como bastante comuns

nessa situação de emergência. Os resultados evidenciaram a importância da atuação em

grupo para esta última abordagem, bem como a utilização de materiais inadequados devido

escassez de materiais específicos.

No contexto da atenção terciária, pesquisa de Machin (2009), registrou-se que a

busca de informações sobre os casos, valorizando as histórias dos usuários, são práticas

comuns para a classificação das lesões autoprovocadas e para a ação médica.

O autor questiona a qualidade do atendimento oferecido nos casos de tentativas de

suicídio. Os resultados apontaram que essa categoria de paciente sofre desprezo, quando

não é tratada com indiferença ou agressividade. Destacou-se que o cuidado é substituido,

muitas vezes, pela negativa em cuidar, imprimindo sofrimento e dor ou mesmo punindo os

usuários, como mostra uma cena observada pela autora durante sua pesquisa de campo:

“Registrou-se a situação de uma adolescente que se apresentava intoxicada e era

submetida a um processo de lavagem estomacal, feito através de uma sonda

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nasogástrica. Esse procedimento era realizado em um banco de espera, localizado

na parte intermediária da sala de emergências. A enfermeira responsável alegou

que tal procedimento ocorria naquele local por falta de leitos. Logo em seguida

chega uma maca, que acomoda uma outra paciente”(p. 1747).

Em consonância com esses resultados, as pesquisas de Nunes (1988) e Deslandes

(1999), olhando o mesmo objeto em períodos anteriores, apresentaram o atendimento ao

suicida nas urgências e emergências realizado com desprezo e despreparo, fato este

mantido no período atual. Estes verificaram que os usuários recebem o “rótulo” de

merecedores da sua condição de adoecimento, uma vez que consideram o evento como não

acidental, o que muitas vezes faz prevalecer uma atitude julgadora e a terapêutica

transforma-se em punição. Ambos mostraram que os pacientes recebiam alta hospitalar tão

logo havia condições clínicas para tal, estando as ações focadas na evitação da morte, sem

avaliar o risco de nova tentativa de suicídio nem encaminhar para os serviços

especializados. Destaca-se que na pesquisa de Machin (2009) também não há menção

sobre ações de prevenção ao suicídio, menos ainda de promoção de saúde, as quais estão

previstas pela Portaria 1.876 (BRASIL, 2006a) em todos os níveis de atenção juntamente

com as ações de tratamento e recuperação.

Na análise das dificuldades encontradas, os profissionais de todos os níveis de

atenção expõem a falta de capacitação para atuar no âmbito do suicídio. No estudo de

Kohlrausch et al. (2008), as enfermeiras da atenção primária apontam para a necessidade

de treinamentos nessa área para os enfemeiros e os agentes comunitários de saúde. Os

entrevistados de Kondo et al. (2011) relatam a falta de compreensão dos profissionais em

relação ao sofrimento e os sintomas da pessoa suicida, a falta de preparo para lidar com as

situações de saúde mental, a falta de capacitação e insatisfação com o descaso que alguns

colegas tratam as pessoas com transtornos mentais. Também, Machin (2009) concluiu que

há dificuldade por parte dos profissionais em atender os casos de tentativas de suicídio.

Para alguns autores, o despreparo vivenciado pode ter suas bases na formação biomédica,

focada em salvar vidas, procurar a cura, minorar o sofrimento e, nesse sentido, as situação

de desejo de morte pelo paciente muitas vezes são incompreendidas (NUNES, 1988;

GARLET et al., 2009; MACHIN, 2009).

Destaca-se que os resultados de outras pesquisas também evidenciam a falta de

capacitação dos profissionais como um dos grandes problemas dos serviços públicos de

saúde, mais especificamente referente a área de saúde mental e nos níveis de atenção

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secundário e terciário (DESLANDES, 1999; LEAL & LOPES, 2005; GARLET et al.,

2009).

Retomando o estudo de Kohlrausch et al. (2008), os participantes também citam

como dificuldades algumas questões organizacionais como a falta de planejamento das

equipes para atender à demanda em saúde mental, quadro de profissionais reduzido e a

ausência de auxiliar administrativo, falta de farmácia distrital e medicamentos, estrutura

física precária, poucos leitos para internação psiquiátrica, transporte inadequado para

remoção dos surtos psiquiátricos e a falta de segurança para a equipe de saúde. Apesar da

queixa sobre a falta de transporte, os resultados de Sá et al. (2010) apontam que 57,4% dos

veículos utilizados para a remoção de pessoas que tentaram suicídio eram de serviços

públicos, como SAMU, ambulância, viatura policial e resgate, contra 35,5% de transporte

particular.

A falta de materiais e uma estrutura física inadequada é também abordado no

estudo de Kondo et al. (2011) e corroborado pelo de Garlet et al. (2009) como uma

situação comum dos níveis de atenção secundário e terciário. Este último autor alega que

essas deficiências configuram-se como condições impróprias para o trabalho e ameaça à

saúde dos trabalhadores, além, é claro, de refletir na qualidade dos serviços e nas relações

entre trabalhadores e usuários.

Por fim, há a subutilização do sistema de referência e contra-referência, nos quais a

documentação de contra-referência parece não ser preenchida adequadamente pelos

profissionais de saúde mental (KOHLRAUSCH, et al. 2008). Os resultados indicam que a

referência é uma estratégia bastante utilizada na atenção primária, mas que a contra-

referência não tem a mesma utilização. Resultados semelhantes foram encontrados por

Zambenedetti e Perrone (2008), os quais apontam para a pouca efetividade do sistema de

referência e contra-referência na rede de atenção em saúde mental de um município.

A visão dos usuários atendidos

Nesta categoria são apresentadas as concepções que os usuários dos serviços

públicos de saúde mental possuem sobre si e o atendimento recebido. Nesta etapa utilizou-

se o estudo realizado por Câmara e Pereira (2010) com 12 usuários atendidos por Equipe

de Saúde da Família e Equipe de Saúde Mental na atenção primária.

Os depoimentos da referida pesquisa evidenciaram que os usuários compreendem

os seus transtornos mentais como atrelados às experiências difíceis de serem vividas, bem

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como ligados a sentimentos de isolamento, solidão, desamparo e carência afetiva. Também

apresentaram um entendimento multideterminado sobre o seu adoencer, citando fatores

ambientais, socioeconômicos, culturais, biológicos e psicológicos. Em síntese, consideram

o seu transtorno mental enquanto doença e que muitas vezes precisam buscar ajuda.

Observa-se que os usuários pesquisados atribuem a diversos fatores esse adoecer, citando

primeiramente os sociais e os psicológicos, em oposição aos profissionais de saúde da

atenção secundária e terciária, investigados nas pesquisas de Kondo et al. (2011) e Machin

(2009), os quais sobrevaloram os aspectos biológicos, incompreendendo outras questões

inerentes ao viver humano e, por conseguinte, ao processo de saúde-doença.

Também, percebe-se uma semelhança entre as concepções dos usuários e dos

profissionais da atenção básica do estudo de Kohlrausch et al. (2008). Uma possibilidade

para tal fato, pode ser a proximidade e vinculação com a qual esses personagens do sistema

público de saúde interagem e, logo, se influenciam. Isso permite a apreensão dos diferentes

contextos por parte dos profissionais que, assim, relativizam e ampliam sua formação. Por

sua vez, aos usuários é dada a oportunidade de usufruir de um serviço de saúde que tem

objetivos para além do cuidado em saúde, podendo proporcionar esclarecimentos,

protagonismo e cidadania às pessoas envolvidas. Por fim, destaca-se que os usuários da

pesquisa de Câmara e Pereira (2010) ao buscarem “ajuda” junto aos profissionais de saúde

se comportam como atores legitimando o sofrer humano como objeto de atenção no campo

da saúde.

Os discursos dos usuários relativos aos serviços de saúde utilizados sugeriram

carência do estabelecimento de relações de confiança, bem como o desejo por relações que

atuassem diminuindo o sofrimento vivido. “Ninguém faz nada por mim, eu também não

devia me preocupar, mas quem é que não se preocupa”(p. 734). Outro dado importante

foram as claras solicitações de continência, de ajuda e de escuta presente nas falas dos

usuários. Portanto, entende-se que o desejo dessas pessoas, com relação aos serviços de

saúde, recaem sobre a vinculação a ser estabelecida com os profissionais de saúde. Isto está

de acordo com Marcon, Soares e Sassá (2007) que encontraram como expectativas dos

usuários o estabelecimento de uma comunicação acessível e uma relação mais confiável

que considere a individualidade de cada um. Entretanto, destaca-se que os Manuais de

Prevenção ao Suicídio já contemplam essas necessidades apresentadas, propondo como

práticas: ouvir atentamente e com empatia; respeitar e aceitar as opiniões e valores dos

usuários; conversar honestamente; demonstratar preocupação, cuidado e afeição (BRASIL,

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2009). Ressalta-se que a escuta qualificada e o acolhimento são importantes ferramentas da

atenção primária assumidas no estudo de Kohlrausch et al. (2008) como destaque das

ações desenvolvidas na abordagem ao usuário suicída. Talvez, essas ferramentas devam ser

melhor qualificadas, em especial para este grupo populacional como forma de superar esse

descontentamento.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

À luz desta revisão de literatura, que buscou conhecer a abordagem ao suicidio no

SUS, constata-se a escassez de produção científica sobre o tema e aponta-se para a

importância da apreeensão da realidade enquanto re-direcionamento para as políticas

públicas de saúde.

Os resultados evidenciaram diferenças significativas conforme o nível de

complexidade do sistema. Na atenção primária, o usuário suicida é considerado de

responsabilidade da área da saúde e, os serviços apresentam-se próximos às orientações

das Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio (BRASIL, 2006a). Nos demais níveis

de atenção, preveleceu o desprezo e despreparo frente ao ato suicida, sendo o cuidado,

muitas vezes, substituido pela negativa em cuidar.

Nesse contexto, sugere-se a influência da formação biomédica limitando as

concepções dos profissionais de saúde sobre quem é o suicida e como deve ser seu

atendimento e, percebe-se as implicações disso nas práticas dos serviços de saúde a esse

usuário. Ficou evidente a necessidade de implementar ações que visem promover uma

formação profissional voltada para a integralidade e a humanização, que já foram previstas

nas Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio no ano de 2006 (BRASIL, 2006a).

Acredita-se que o resgate do entendimento dos determinantes sociais sobre o processo de

saúde-doença, bem como da idéia de sofrimento no cuidado em saúde, são elementos

fundamentais para proporcionar novos parâmetros nos atendimentos aos usuários suicídas.

Por fim, destaca-se que é preciso pensar no processo de integração do atendimento

em saúde, visando a continuidade do atendimento prestado aos usuário, a co-

responsabilização dos profissionais e a resolutividade do sistema de saúde.

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