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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – UFU CENTRO DE ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO E ATENDIMENTO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL – CEPAE I CONGRESSO NACIONAL DE LIBRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA I CONALIBRAS-UFU ISSN 2447-4959 Realização: ASPECTOS HISTÓRICOS E LEGAIS SOBRE A EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL: DO IMPÉRIO À REPÚBLICA VELHA Fernanda G. A. S. de, CASTRO, UFRJ 1 Hector R. da S., CALIXTO, UFRJ 2 Eixo Temático: 2: Processos de Escolarização dos Surdos Resumo: Este trabalho visa demonstrar a evolução da educação de surdos no Brasil desde a época do império até a fim da República Velha, em 1930, mostrar como eventos históricos na educação de surdos em outros países influenciaram os métodos utilizado neste país, e também como guiaram a criação das leis e normas para educação de surdos. A primeira seção do trabalho faz um breve histórico da educação de surdos ao redor do mundo e de seus principais personagens e suas contribuições. A segunda seção mostra como a educação de surdos foi introduzida no Brasil e como se deu esse início. Na terceira seção mostramos o que ocorreu no Congresso de Milão em 1880 e com isso contribuiu para mudanças nos métodos aplicados no Brasil, e posteriormente se essas práticas perduraram até o fim do período da República Velha. Palavras-chaves: Educação de surdos, História da educação de surdos, Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES 1. Educação de Surdos: Breve Histórico Para demonstrar com um dos principais personagens da história da educação de surdos no Brasil iniciou sua vida acadêmica e pode influenciar o cenário brasileiro faremos uma breve descrição do histórico da educação de surdos e das principais contribuições que tornaram possível sua migração e posterior iniciação aos métodos de ensino com os surdos neste país. Um dos primeiros professores reconhecidos a atuar com surdos foi Pedro Ponce de Leon (1520-1584), que era um monge beneditino. Entre seus alunos estavam Francisco e Pedro de Velasco, que faziam parte da aristocracia espanhola. “O monge Ponce de León foi designado "anjo da guarda" dos meninos e foi aí que se deu o cruzamento histórico dos sinais monásticos com os sinais dos surdos.” (REILY, 2007) Mesmo tento um papel significativo na educação de surdos e na 1 Graduada em Pedagogia.... Professora efetiva da UFRJ..., [email protected] . 2 Graduado em Sistemas de Informação pelo Instituto de Estudos Superiores da Amazônia, Especialista em Libras pela UNIASSELVI, e especializando em Docência no Ensino Superior pela UNIASSELVI. Atua como Profissional de Libras do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial do Rio de Janeiro. [email protected] .

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – UFU CENTRO DE ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO E ATENDIMENTO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL – CEPAE I CONGRESSO NACIONAL DE LIBRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA I CONALIBRAS-UFU

ISSN 2447-4959

Realização:

ASPECTOS HISTÓRICOS E LEGAIS SOBRE A EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL: DO IMPÉRIO À REPÚBLICA VELHA

Fernanda G. A. S. de, CASTRO, UFRJ1 Hector R. da S., CALIXTO, UFRJ2

Eixo Temático: 2: Processos de Escolarização dos Surdos

Resumo: Este trabalho visa demonstrar a evolução da educação de surdos no Brasil desde a época do império até a fim da República Velha, em 1930, mostrar como eventos históricos na educação de surdos em outros países influenciaram os métodos utilizado neste país, e também como guiaram a criação das leis e normas para educação de surdos. A primeira seção do trabalho faz um breve histórico da educação de surdos ao redor do mundo e de seus principais personagens e suas contribuições. A segunda seção mostra como a educação de surdos foi introduzida no Brasil e como se deu esse início. Na terceira seção mostramos o que ocorreu no Congresso de Milão em 1880 e com isso contribuiu para mudanças nos métodos aplicados no Brasil, e posteriormente se essas práticas perduraram até o fim do período da República Velha. Palavras-chaves: Educação de surdos, História da educação de surdos, Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES 1. Educação de Surdos: Breve Histórico

Para demonstrar com um dos principais personagens da história da

educação de surdos no Brasil iniciou sua vida acadêmica e pode influenciar o

cenário brasileiro faremos uma breve descrição do histórico da educação de

surdos e das principais contribuições que tornaram possível sua migração e

posterior iniciação aos métodos de ensino com os surdos neste país.

Um dos primeiros professores reconhecidos a atuar com surdos foi

Pedro Ponce de Leon (1520-1584), que era um monge beneditino. Entre seus

alunos estavam Francisco e Pedro de Velasco, que faziam parte da aristocracia

espanhola. “O monge Ponce de León foi designado "anjo da guarda" dos

meninos e foi aí que se deu o cruzamento histórico dos sinais monásticos com

os sinais dos surdos.” (REILY, 2007)

Mesmo tento um papel significativo na educação de surdos e na

1 Graduada em Pedagogia.... Professora efetiva da UFRJ..., [email protected]. 2 Graduado em Sistemas de Informação pelo Instituto de Estudos Superiores da Amazônia, Especialista em Libras pela UNIASSELVI, e especializando em Docência no Ensino Superior pela UNIASSELVI. Atua como Profissional de Libras do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial do Rio de Janeiro. [email protected].

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introdução do uso de sinais como método de ensino, León não teve seu

método publicado e por isso não registro de como ele atuava para passar

conhecimentos para seus alunos. (PERLIN, 2002, p.34)

A primeira obra publicada na área da educação de surdos foi feita por

Juan Pablo Bonet (1579-1629), e era intitulada “Reducción de las letras y arte

de enseñar a hablar los mudos, publicado em 1620 e contendo um alfabeto

digital muito similar ao que utilizamos hoje no Brasil.” Essa publicação

proporcionou para Bonet “reconhecimento histórico internacional, tanto por ter

mandado gravar representações das configurações manuais em água forte

como pela divulgação de uma metodologia fonética de alfabetização”. (REILY,

2007)

Outra figura extremamente representativa foi o Abade L’Epée (1712-

1789) e “é destacado na história da educação do surdo por ter reconhecido a

necessidade de usar sinais como ponto de partida para o ensino do surdo”.

L’Epée acreditava que para poder transferir conhecimento e conseguir alcançar

os surdos era necessário utilizar a sua forma de comunicação mais natural, ou

seja “afirmava que a única maneira de chegar ao espírito dos surdos era pela

via ‘dos mesmos sinais pelos quais a natureza os inspira’.” (REILY, 2007)

Dessa forma ele conseguiu organizar a forma de comunicação por meio

dos sinais a ponto de expressar ideias complexas e estabelecer conceitos que

antes acreditava-se serem de impossível compressão para os surdos,

conforme demonstrado por Reily (2007):

“Quando o abade de l'Épée sistematizou os sinais ao constituir os sinais metódicos, ele apropriou-se de muitos sinais que os surdos já utilizavam, criou outros tantos e acrescentou movimentos aos elementos lexicais para demarcar funções gramaticais francesas no conjunto de sinais que considerava fundamentais para a comunicação e a aprendizagem das lições. No contexto das aulas e dos exercícios públicos, o autor indica que os sinais eram dominados a tal ponto que complexas questões metafísicas eram propostas por meio dos sinais metódicos e os alunos adiantados eram capazes de responder corretamente em francês, às vezes também em latim.”

Outra atitude que influenciou a grande propaganda do seu método era o

reconhecimento que ele fazia às fontes que usava com fundamentos para a

sua metodologia e ainda a divulgação de forma gratuita do conhecimento que

havia produzido. L’Epée sempre deu crédito as todos que contribuíam para a

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melhoria do seu método, e convidava a todos os interessados a realizarem

visitas a Intuição que foi criada para educação de surdos, para que tomasse

conhecimento da metodologia e pudesses disseminar as ideias em outras

partes. Isso foi eficiente, já que sua influencia chegou aos Estados Unidos e

posteriormente no Brasil, fazendo com que esses dois países herdasses o

sistema de sinais utilizado na França.

A L’Epée é atribuída a criação da primeira escola pública para surdos,

em Paris, em 1760, iniciando suas atividades com poucos alunos, mas que em

1785 já tinha 70 alunos. Com a sua atuação se iniciou um novo período na

história da educação de surdos, com o uso do seu método de ensino, que ficou

conhecido como Sistema de Signos Metódicos. (PELIN, 2002, p.36)

2. Início da Educação de Surdos no Cenário Brasileiro Neste trabalho iremos revelar aspectos importantes sobre o processo

histórico, assim como os aspectos legais da educação de surdos em nosso

país. Faremos um recorte no período imperial, quando se iniciou a educação

de surdos no Brasil, conforme será demonstrado a seguir, até o período da

República Velha, levando em “consideração o movimento de 1930, como

revolução nacional”.

Assim, cabe enfocarmos o pensamento de Perlin (2002) em que diz que

a educação de surdos no Brasil teve início com a chegada de Eduard Huet em

1855, francês e que ficou surdo com 12 anos de idade por consequência de

sarampo. Huet estudou no Instituto Nacional de Surdos de Paris, onde se

formou professor e teve contato com a metodologia utilizada por L’Epée. Na

França, Huet foi professor e diretor do Instituto de Surdos de Bourges e

emigrou para o Brasil em 1955.

Um dos principais motivos de sua vinda ao Brasil foi o intuito de fundar

uma escola de surdos, e foi movido pelo sentimento de solidariedade já que

neste tempo não se tinha nenhuma ideia ou iniciativa pública voltada para

educação dos surdos.

De acordo com Bentes, (2010) Huet veio ao Brasil com uma carta de

recomendação do ministro da Instrução Pública da França, e com isso ele é

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apresentado pelo influente Marques de Abrantes ao então Imperador D. Pedro

II. E assim, solicitou ao Imperador um prédio para fundar o então Instituto dos

Surdos-Mudos do Rio de Janeiro, em 25 de setembro de 1857, atualmente

conhecido como Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES.

No entanto essa data não era oficial até 1908, “quando mudada de 1º de

janeiro de 1856 para 26 de setembro de 1857, quando a partir de então o

Império passa a subvencionar o Instituto” (ROCHA, 2007, p. 39). Apreciamos

por meio da leitura do Decreto nº 6.892, de 19 de Março de 1908 questões

referentes ao exercício do ano escolar, quando aprova o regulamento para o

então Instituto Nacional de Surdos-Mudos, que diz:

Art. 17. O anno escolar começará no dia 2 de março e terminará no dia 25 de novembro. Durante este tempo, serão feriados os domingos, os dias de festa ou luto nacional, e o dia 26 de Setembro, anniversario da fundação do instituto. (BRASIL, 1908)3.

Neste sentido comprovamos em termos legais a oficialização da data de

26 de setembro de 1857 como a data de fundação do referido instituto. E assim

ocorreu no Brasil a primeira experiência no que diz respeito a educação de

surdos, que teve muito a influência de Huet. No âmbito do instituto as

atividades eram voltadas as experiências dos trabalhos que este professor

realizou na França, inclusive para Campelo, (2009) as disciplinas mesclavam a

língua de sinais francesa e a língua de sinais brasileira que era utilizada pela

comunidade surda brasileira.

Os alunos que iniciaram as atividades do instituto eram submetidos a

avaliações públicas e não eram muitos, conforme relatado por Oviedo (2007, p.

3):

O instituto começou com sete estudantes, que recebiam aulas em Língua de Sinais Francesa e que Huet se propôs a alfabetizar no português. Dois anos após o início das aulas, os estudantes já estavam em condições de se apresentar aos examinadores públicos.

Após esses acontecimentos, em 1861, Huet não pode continuar dirigindo

o instituto e “decidiu vender seus direitos ao então Imperador D. Pedro II,

3 Quando nos reportarmos a documentos oficiais antigos, algumas palavras neste texto, apresentarão escrita diferente de nossa escrita atual, pois tratam-se de questões ortográficas específicas de determinado momento histórico e que não é nosso objetivo discutir sobre esta questão. .

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sendo que, naquela época, já existiam dezessete alunos estudando no

Instituto” (PERLIN, 2002, p.71). Com isso, o instituto ficou sob a direção, de

forma transitória, do Frei João Carmelita. Já em 1862 o Dr. Manuel de

Magalhães Couto assumiu como diretor do Imperial Instituto, estando habilitado

para isso pelo Instituto de Paris.

Com a saída de Huet, alterações foram realizadas na proposta

educacional de surdos e em 1867 ocorreu a retirada da disciplina de leitura

labial e foram acrescentadas as disciplinas de leitura e escrita, geometria

elementar, desenho linear, francês e contabilidade. Assim, “algumas disciplinas

foram mantidas, que foram a de língua portuguesa, Geografia e Doutrina

Cristã, sendo que todas essas disciplinas estavam relacionadas com à

aquisição da escrita pelos alunos surdos” (BENTES, 2010, p. 61).

Já em 1871 ocorreram tentativas, por parte da direção, de introduzir o

método oral, mas o mesmo não trouxe resultados satisfatórios, e “em 1873 foi

incluído o ensino profissionalizante” (PERLIN, 2002, p.75). Essa

implementação do ensino profissionalizante ocorre em decorrência de uma

concepção existente na época de que “as classes médias e altas tinham como

meta a Universidade, cabiam as classes inferiores a aquisição de uma

profissão. E no caso dos surdos-mudos a profissão disponível na gestão de

Tobias Leite (1868-1896) era no campo.” (BENTES, 2010, p. 61).

Com isso tomou-se providências para que os alunos pudessem adquirir

um ofício, onde se “mandou preparar num terreno anexo ao jardim do Instituto

uma pequena horticultura, onde os alunos pudessem aprender atividades

agrícolas, servindo de base para uma futura atividade econômica” (ROCHA,

2007, p. 40).

Levando em conta a concepção do então diretor do instituto, Dr. Tobias

Leite, a educação para os surdos deveria se dar apenas nos níveis básicos,

focando a sua educação apenas na formação para trabalhos agrícolas,

conforme comentado por Rocha (2007, p. 49), dizendo que o diretor afirmava

que era necessário somente uma educação primária:

O Doutor Tobias defende apenas o nível de educação primária para os surdos, dizendo que o objetivo não era o de formar homens letrados. Sendo de classes de baixa segmentação econômica, seria melhor oferecer-lhes o ensino agrícola pelas características do Brasil”

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Essa abordagem acabava por limitar as opções de trabalho dos surdos,

assim como levavam a alienação no que diz respeito a sua posição como

cidadão e de escolha quanto a sua profissão, ocorrendo uma imposição em

relação a quais atividades laborais deveria realizar. Como dito por Bentes

(2010, p. 62):

No caso do surdo, é preciso adquirir uma profissão e se tornar um ser humano produtivo, fazendo parte do mercado de trabalho, mesmo que isso signifique ser explorado com baixos salários, não ter consciência crítica em relação ao trabalho que realiza e estar reduzido a uma única escolha, no caso, o trabalho no campo.

Assim se consolida essa abordagem de ensino literário primário e de

ensino profissionalizante até as gestões seguintes do Instituto, e essa

permanece sendo aplicada com aprovação das classes dominantes da época.

Pontuamos que o instituto passou por sérias mudanças após este período, em

especial após as determinações do Congresso de Milão, fato que iremos

perceber no tópico a seguir.

3. As influências do Congresso de Milão de 1880

Na Europa realizavam-se pesquisas e estudos a cerca dos métodos de

ensino para surdos e qual desses seria o mais bem sucedido. Segundo

Campelo, (2009) após descobertas de que os surdos eram capazes de falar

após utilizarem-se do método oralista, que foram realizadas na Alemanha e na

Inglaterra, no século XVII, os profissionais envolvidos nesta área resolveram

organizar um congresso, que ocorreu em 1872, que foi o Congresso de

Veneza.

No congresso ocorrido em 1872 ficou definido que a “modalidade falada,

ou seja, da filosofia oralista é superior à modalidade gesto-visual, que é a

língua de sinais” (CAMPELO, 2009, p. 17). Os argumentos utilizados para

validar sua decisão estavam baseados na ideia de que “o meio humano para

comunicação do pensamento é do uso da língua oral”. (CAMPELO, 2009, p.17)

Com isso, para a autora, em 1880 foi realizado o Congresso de Milão,

que ocorreu de 6 a 11 de setembro do mesmo ano, onde um grupo de

profissionais, não-surdos, tomou a decisão de excluir a língua de sinais do

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ensino de surdos, e decidiram isso sem a participação dos professores e

profissionais surdos. Oito resoluções resultaram do congresso, e foram as

seguintes:

1. O uso da língua falada, no ensino e educação dos surdos, deve preferir-se à língua gestual; 2. O uso da língua gestual em simultâneo com a língua oral, no ensino de surdos, afecta a fala, a leitura labial e a clareza dos conceitos, pelo que a língua articulada pura deve ser preferida; 3. Os governos devem tomar medidas para que todos os surdos recebam educação; 4. O método mais apropriado para os surdos se apropriarem da fala é o método intuitivo (primeiro a fala depois a escrita); a gramática deve ser ensinada através de exemplos práticos, com a maior clareza possível; devem ser facultados aos surdos livros com palavras e formas de linguagem conhecidas pelo surdo; 5. Os educadores de surdos, do método oralista, devem aplicar-se na elaboração de obras específicas desta matéria; 6. Os surdos, depois de terminado o seu ensino oralista, não esqueceram o conhecimento adquirido, devendo, por isso, usar a língua oral na conversação com pessoas falantes, já que a fala se desenvolve com a prática; 7. A idade mais favorável para admitir uma criança surda na escola é entre os 8-10 anos, sendo que a criança deve permanecer na escola um mínimo de 7-8 anos; nenhum educador de surdos deve ter mais de 10 alunos em simultâneo; 8. Com o objectivo de se implementar, com urgência, o método oralista, deviam ser reunidas as crianças surdas recém admitidas nas escolas, onde deveriam ser instruídas através da fala; essas mesmas crianças deveriam estar separadas das crianças mais avançadas, que já haviam recebido educação gestual, a fim de que não fossem contaminadas; os alunos antigos também deveriam ser ensinados segundo este novo sistema oral” (BALBAKI; CALDAS, 2011, p. 1892)

Uma das resoluções “foi aprovada por unanimidade: a que preconizava

que o governo deveria tomar medidas para que todos os Surdos recebessem

educação” (CAMPELO, 2009, p.17). Isto serviu de argumento para que os

profissionais que pregavam a filosofia oralista convencessem os governos de

que essa era a filosofia que levaria a resultados, que era o caminho mais viável

na educação dos surdos e que os governos dessem atenção as opiniões dos

dirigentes, professores e profissionais surdos atuantes naquela época.

Após o congresso, os surdos tomaram as resoluções do congresso

como uma afronta, sendo considerado um período de grande sofrimento para a

comunidade surda. Conforme mostrado por Campelo (2009, p. 17):

O Congresso de Milão é considerado para a comunidade Surda como o século do 'holocausto', pois proibia os professores Surdos de dar instrução nas escolas de Surdos, o uso da língua de sinais dentro das

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escolas de Surdos e determinava o fechamento dos institutos em regime de internato. Houve um declínio dos professores Surdos até a quase extinção dos mesmos, restando poucos professores Surdos no mundo.

No entanto mesmo, mesmo com a tentativa de acabar com o uso da

língua de sinais, em forma de resistência, esta continuou a ser utilizada fora

das instituições educacionais, o que culminou com a criação e propagação de

diversas Associações de Surdos ao redor do mundo, aumentando a sua

utilização pelas comunidades surdas fora dos âmbito educacionais.

3.1 Mudanças no Instituto

Grandes mudanças estavam por vir para o Instituto. Conforme Rocha,

(2007) a primeira delas foi o local de funcionamento, que mudou para a Rua

das Laranjeiras, ainda na cidade do Rio de Janeiro, tendo sua transferência

oficial ocorrida no dia 18 de março de 1881.

A direção do Instituto passa a ser responsabilidade do Dr. Custódio

Ferreira Martins, em 1907, e este fica na gestão por vinte e três anos, deixando

o posto apenas em 1930. Durante esse período o Dr. Custódio Martins realiza

uma importante mudança, que se mostraria um marco na história do Instituto:

O grande marco desse período foi a obra de ampliação das dependências do Instituto situado na Rua das Laranjeiras desde meados do século XIX, mais precisamente no ano de 1877. As obras tiveram seu início em 1913, sendo que a nova sede ficou pronta no ano de 1915. (ROCHA, 2007, p. 55).

Além as mudanças físicas ocorridas no Instituto ocorreram também

mudanças metodológicas de ensino. Mesmo com a divulgação das resoluções

do Congresso de Milão em 1880, instituindo o método oral puro para ensino de

surdos, “no Imperial Instituto de Surdos-Mudos continuou com o método trazido

por Huet, com influências diretas do método de L'Epée até 1901” (PERLIN,

2002, p.75).

Após esse período e principalmente por influência do Congresso de

Milão, o Império brasileiro solicitou a obrigatoriedade da aprendizagem da

linguagem articulada e da leitura dos lábios, iniciando assim os passos para

aceitação das outras resoluções resultantes do referido congresso.

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Até então duas disciplinas disputavam entre si pela maior importância

entre as outras, que eram a de Linguagem Articulada, que foi instituída e usada

de forma preferencial para aqueles que alunos que demonstrassem aptidão.

Segundo o capitulo II do Decreto nº 6.892, de 19 de Março de 1908, que:

Approva o regulamento para o Instituto Nacional de Surdos-Mudos. Art. 6º O curso litterario será, no maximo, de seis annos, e se comporá: a) do ensino de linguagem escripta, que será dividido em tres séries, cada uma dellas podendo ser subdividida de accôrdo com o preparo que mostrarem os alumnos; c) do ensino de linguagem articulada e de leitura sobre os labios; Art. 8º O ensino da linguagem articulada e da leitura sobre os labios será dado de preferencia aos alumnos que se mostrarem aptos para recebe-lo (BRASIL, 1908).

No entanto esta disputa se encerra, quando em 1911 o método oral puro

é instituído como forma de ensino. Dessa forma, o método oral puro

entrou por completo no Instituto em 1911, por meio de um decreto, como

mostra Rocha (2007, p. 55):

Em 1911, o Decreto de nº 9.198, em seu artigo 09, propõe a retomada do método oral puro em todas as disciplinas. Assim, os três professores de Linguagem Escrita foram transferidos para as três recém criadas cadeiras de Linguagem Articulada e Leitura sobre os Lábios, já que apenas uma vinha funcionando desde 1887.

Reforçamos esta afirmação a partir do que prescreve o Decreto nº 9.198,

de 12 de Dezembro de 1911, quando:

Approva o regulamento para o Instituto Nacional de Surdos-Mudos Art. 9º O methodo oral puro será adoptado no ensino de todas as disciplinas (BRASIL, 1911)

A Linguagem Articulada consistia num programa para ensino de leitura

labial e fala, que envolvia, a exemplo: “Gramática imitativa e progressiva; leitura

sintética nos lábios; educação da vista; educação do tato; preparo dos órgãos

respiratórios, preparo dos órgãos da articulação da palavra e desmutização”

(ROCHA, 2007, p.14). Conforme o autor, estes eram integrantes do programa

realizado por Manoel Dantas Sobrinho.

Já em 1912, os professores, em decorrência das novas diretrizes

começam a organização de novos programas de ensino, em vias de

contemplarem o ensino da Linguagem. Esses programas foram submetidos

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para aprovação, e os mesmo foram aprovados posteriormente pelo Ministro do

Interior.

No entanto, já em 1914, três anos após a implantação do Método Oral

Puro, os resultados dessa mudança não se mostravam positivos, e os

resultados dos novos programas aplicados no ensino de surdos não foram

satisfatórios. O então diretor, Custódio Martins, envia um relatório ao governo,

e no mesmo “insiste para que sejam adaptados métodos de ensino que sejam

mais adequados para as aptidões e capacidades dos alunos que frequentavam

o Instituto” (ROCHA, 2007, p. 55).

Em 1925, mas precisamente em janeiro, por meio do Decreto 16.782 foi

organizado o então Departamento Nacional de Ensino, e com isso o Instituto

passa para a classe de estabelecimento profissionalizante. Este decreto:

Estabelece o concurso da União para a diffusão do ensino primario, organiza o Departamento Nacional do Ensino, reforma o ensino secundario e o superior e dá outras providencias. CAPITULO IV Do ensino profissional Art. 28. O ensino profissional, a cargo do Ministerio da Justição e Negocios Interiores, será ministrado: I. No Instituto Benjamim Constant, para cegos; II. No Instituto dos Surdos-Mudos; III. Na Escola 15 de Novembro, para menores abandonados do sexo masculino; IV. Nos estabelecimentos que, para o mesmo fim, foresm creados, ou mandados subordinar ao Departamento Nacional do Ensino (BRASIL, 1925).

Relatos demonstram que a fase onde o oralismo puro vigorou

oficialmente no instituto durou nove anos, oficialmente sendo aplicada de 1911

a 1920. “Nesse período ocorreu a proibição do uso da língua de sinais durante

a prática docente” (BENTES, 2010, p. 63).

Além das transformações no modelo de ensino que ocorriam no Instituto

também ocorriam transformações no país, o que refletia diretamente nas

rotinas do Instituto. Na década de 1920 o Dr. Armando de Paiva Lacerda e o Dr.

Henrique Mercaldo, dois jovens médicos otologistas, foram reconhecidos na

área científica, e foram muito divulgados na imprensa, nacional pelos seus

trabalhos de reeducação auditiva. “Em vista do reconhecimento público e da

importância do trabalho realizado pelo Dr. Armando, o Chefe do Governo

provisório, Getúlio Vargas, o nomeou como diretor do Instituto em 1930”

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(ROCHA, 2007, p. 59)

O diretor anterior, o Dr. Custódio foi relutante em lhe transferir o cargo,

mas acabou por aceitar as evidências, demonstrando isso por meio de uma

declaração, onde disse que não valia nada, era apenas um traste inútil que o

governo pôs de lado. Com essa declaração ele pode “demonstrar as

transformações que ocorriam no país, o que culminou na derrocada da

República Velha e o início da Era Vargas” (ROCHA, 2007, 59)

Com isso instaurou-se no Instituto a visão clínica da surdez, tendo como

principal representatividade desta nova abordagem o momento em que o

Instituto passou a ser parte integrante do Ministério da Educação e Saúde.

Pudemos observar a influência que os métodos usados em outros

países tiveram sobre o cenário educacional para surdos no Brasil. L’Epée teve

grande influência na introdução do uso dos sinais, o que proporcionou acesso

ao conhecimento aos surdos na França do século XVIII, entre eles Huet, que

ao ter contato com a metodologia usada na França pode adquiris experiência e

ao emigrar para o Brasil trouxe consigo a mesma metodologia para ser

aplicada no Instituto que criaria. Com o Congresso de Milão, essa metodologia

foi deixada de lado, dando lugar ao oralismo, conforme exposto no texto,

mesmo não tendo sucesso na sua aplicação e ocorrer um declínio na educação

de surdos neste período. A história do Brasil segue, e juntamente com ela a

história da educação de surdos, e esses períodos também tiveram influência

para construção do modelo educacional existente hoje, mas esses períodos e

contribuições serão analisados em trabalhos futuros.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAALBAKI, A. e CALDAS, B. Impacto do congresso de Milão sobre a língua dos sinais. Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 BENTES, José Anchieta de Oliveira. Forma do trabalho docente em duas escolas especiais de surdos: estudos históricos e de representações sociais. Tese de Doutorado em Educação Especial. São Paulo, UFSCAR, 2010. BRASIL. Decreto 9.198, de 12 de Dezembro de 1911. Approva o regulamento para o Instituto Nacional de Surdos-Mudos. Disponível em <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=41704>.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – UFU CENTRO DE ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO E ATENDIMENTO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL – CEPAE I CONGRESSO NACIONAL DE LIBRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA I CONALIBRAS-UFU

ISSN 2447-4959

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Acesso em 20/10/2014. CAMPELLO, A. R. S. Deficiência auditiva e libras. Centro Universitário Leonardo da Vinci – Indaial: Grupo UNIASSELVI, 2009. Diário Oficial da União - Seção 1 - Decreto nº 6.892, de 19 de Março de 1908. Approva o regulamento para o Instituto Nacional de Surdos-Mudos. Diário Oficial da União - Seção 1 - Decreto nº 16.782-A, de 13 de Janeiro de 1925. Estabelece o concurso da União para a diffusão do ensino primario, organiza o Departamento Nacional do Ensino, reforma o ensino secundário e superior e dá outras providencias. OVIEDO, A. Eduard Huet (1822?-1882). Fundador de la educación pública para sordos em Brasil y México Disponível em: <http://www.cultura-sorda.eu/resources/Eduard_Huet.pdf>. Septiembre de 2007. Acesso em: 20 nov. 2014. PERLIN, G. História dos surdos. In : ABREU, A. (org.). Caderno Pedagógico: Pedagogia para surdos. Florianópolis: UDESC. 2002. REILY, Lucia. O papel da Igreja nos primórdios da educação dos surdos. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro , v. 12, n. 35, Ago. 2007. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782007000200011 &lng=en&nrm=iso>. Acesso em 20/10/2014. ROCHA, S. O INES e a educação de surdos no Brasil: aspectos da trajetória do Instituto Nacional de Surdos em seu percurso de 150 anos. Rio de Janeiro: INES, 2007.