UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE …Rede Nacional (PROFMAT), da Universidade Federal do...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM MATEMÁTICA EM REDE NACIONAL MARCELO BRISENO FROTA RELAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA, CONJUNTO QUOCIENTE E APLICAÇÕES FORTALEZA 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA

PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM MATEMÁTICA EM REDE

NACIONAL

MARCELO BRISENO FROTA

RELAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA, CONJUNTO QUOCIENTE E APLICAÇÕES

FORTALEZA

2017

2

MARCELO BRISENO FROTA

RELAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA, CONJUNTO QUOCIENTE E APLICAÇÕES

Dissertação submetida à Coordenação do Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional (PROFMAT), da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção em grau de Mestre em Matemática.

Área de concentração: Ensino de Matemática

Orientador: Prof. Dr. Marcelo Ferreira de Melo.

FORTALEZA

2017

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Universitária

Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

F961r Frota, Marcelo Briseno.

Relação de equivalência, conjunto quociente e aplicações / Marcelo Briseno Frota. –

2017.

89 f. : il.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Ciências,

Departamento de Matemática, Programa de Pós-Graduação em Matemática em Rede

Nacional, Fortaleza, 2017.

Orientação: Prof. Dr. Marcelo Ferreira de Melo.

1. Construção dos números. 2. Espaço quociente. 3. Superfície quociente. I. Título.

CDD 510

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MARCELO BRISENO FROTA

RELAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA, CONJUNTO QUOCIENTE E

APLICAÇÕES

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Matemática

em Rede Nacional, do Departamento de

Matemática da Universidade Federal do Ceará,

como requisito parcial para a obtenção do

Título de Mestre em Matemática. Área de

concentração: Ensino de Matemática.

Aprovada em: 07 / 07 / 2017.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________

Prof. Dr. Marcelo Ferreira de Melo (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________

Prof. Dr. Marcos Ferreira de Melo

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________

Prof. Dr. Carlos Augusto David Ribeiro

Universidade Federal do Piauí (UFPI)

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, por nunca me desamparar em todos os

momentos, difíceis ou não. Sabedoria e inteligência, dons estes, dados pelo Senhor,

que permitem a expressão deste trabalho.

À minha esposa, companheira fiel, minha ajuda mais que adequada, pessoa

que esteve sempre ao meu lado, dando-me forças em todos os instantes. Sem

dúvidas, não teria conseguido sem sua presença.

Ao meu filho, por ser esta bênção de Deus, a sinceridade que cativa a todos, o

sorriso que me encanta e renova minhas forças para correr atrás do que quero todos

os dias.

Aos meus pais, pessoas que sempre se dedicaram a mim, este título é mérito

deles também, por terem sempre a consciência que a educação é prioridade sempre.

Aos meus irmãos Priscila e Raphael, por acompanharem comigo todos os

momentos, torcendo para que consiga a vitória em todos os caminhos que faça.

À minha sogra, que sempre esteve a me apoiar, com bastante felicidade ao me

ver alcançando os objetivos por mim traçados.

Ao meu amigo Wilkson, pessoa esta que me ajudou e incentivou em todo

processo neste mestrado.

À Universidade Federal do Ceará por proporcionar este momento, em que um

grande desejo de me tornar mestre fosse realizado.

Ao meu orientador, o professor Dr. Marcelo Ferreira de Melo, pessoa de grande

conhecimento e sabedoria, utilizando sempre estas virtudes para o proveito de seus

alunos.

Aos meus amigos de trabalho, por sempre estarem dispostos a colaborar com

meus estudos.

Àqueles que me ajudaram de alguma forma neste caminho para alcançar este

título.

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"Felizes aqueles que se divertem com

problemas que educam a alma e elevam o

espírito." (Fenelon)

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RESUMO

Este trabalho visa inicialmente apresentar a construção dos números inteiros,

racionais e reais, bem como suas relações de equivalência. Serão também analisadas

as classes de equivalências em um espaço quociente, o teorema do núcleo e da

imagem, forma de Jordan e finalizando com o estudo das superfícies quocientes:

plano projetivo, toro e garrafa de Klein.

Palavras-chave: Construção dos números. Espaço quociente. Superfície quociente.

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ABSTRACT

This work initially aims at presenting the construction of integers, rational and real, as

well as their equivalence relations. We will also analyze the equivalence classes in a

quotient space, the theorem of the nucleus and the image, form of Jordan and finalizing

with the study of surfaces quotients: projective plane, torus and bottle of Klein.

Keywords: Construction of numbers. Space quotient. Quotient surface.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Aplicações diferenciais................................................................................73

Figura 2: Figura de 𝜑 é diferenciável em 𝑆1 se é diferenciável em todo p ∈ 𝑆1...........74

Figura 3: Figura de A(x, y, z) = (- x, - y, - z).........................................................75

Figura 4: Conceito de toro..........................................................................76

Figura 5: Figura de 𝑢 → 𝑥(𝑢, 0), 𝑣 → 𝑥(0, 𝑣).........................................................77

Figura 6: O toro............................................................................... .................80

Figura 7: O plano projetivo contém uma faixa de M��bius ........................................81

Figura 8: Imagem em ℝ3 da garrafa de Klein por uma imersão...................................82

Figura 9: Garrafa de Klein...........................................................................................86

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................11

2 NÚMEROS INTEIROS.....................................................................................12

2.1 Construção do conjunto dos números inteiros...........................................12

2.2 Operações nos números inteiros.................................................................13

2.2.1 Adição de números inteiros...............................................................................13

2.2.2 Multiplicação de números inteiros.....................................................................16

2.3 Relação de ordem em ℤ..................................................................................18

3 NÚMEROS RACIONAIS..................................................................................27

3.1 Construção do conjunto dos números racionais........................................27

3.2 Operações em ℚ.............................................................................................29

3.3 Relação de Ordem em ℚ................................................................................31

3.4 ℚ como corpo ordenado................................................................................36

4 NÚMEROS REAIS...........................................................................................41

4.1 Cortes de Dedekind........................................................................................42

4.2 Relação de ordem...........................................................................................45

4.3 Operações com cortes...................................................................................46

5 ESPAÇO VETORIAL QUOCIENTE................................................................59

5.1 Teorema do núcleo e da imagem...................................................................60

5.2 Forma canônica de Jordan............................................................................63

5.3 Forma real de Jordan.....................................................................................69

6 SUPERFÍCIE QUOCIENTE OU ABSTRATA...................................................73

6.1 Definição.........................................................................................................73

6.2 A Faixa de M��bius como Espaço Quociente................................................85

6.3 O Toro como Espaço Quociente...................................................................85

6.4 A Garrafa de Klein..........................................................................................86

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................87

REFERÊNCIAS...............................................................................................88

APÊNDICE A – DEFINIÇÃO...........................................................................89

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1 INTRODUÇÃO

As construções dos conjuntos numéricos, onde iniciaremos o nosso trabalho

com os números inteiros, racionais e reais, são bastante férteis sobre vários aspectos,

principalmente no que tange uma pretensão à fundamentação teórica de questões

que já lhe são conhecidas. Assim, a partir de análises das teorias, definições e

relações de equivalência, será permitida uma maior dedicação a tópicos mais

específicos dessa disciplina.

Analisaremos algumas situações para esclarecer a respeito dos espaços

vetoriais quociente, analisando as duas vezes em que o mesmo é utilizado, são elas:

a demonstração do Teorema do Núcleo e da Imagem e também a demonstração na

Forma Canônica de Jordan, sendo nesta última necessária a ideia do que seria uma

base do espaço quociente e não deste espaço propriamente dito.

Por fim, mas não menos importante, será introduzida a noção de superfície

abstrata (ou seja, sem referência a ℝ3) e mencionaremos algumas generalizações

como variedades diferenciáveis e Riemannianas.

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2 NÚMEROS INTEIROS

2.1 Construção do conjunto dos números inteiros

Observando o rigor da matemática, vemos que não é adequado o estudo do

ensino escolar, pois o mesmo admitia a existência de números inteiros negativos e

que devíamos incorporá-los ao conjunto N (conjunto dos números naturais que surgiu

da necessidade de construção, satisfazendo, através de axiomas de Piano, a sua

existência) devido isto, trabalharemos as demonstrações destes conjuntos de

números, utilizando noções básicas de relações de equivalências.

Iniciaremos com o número inteiro como uma relação de equivalência dada pelo

conjunto N x N. O conjunto dos inteiros Z será o conjunto dessas classes de

equivalência. Logo em seguida, definiremos duas operações em Z e também que Z

possui uma cópia algébrica de N. Finalizando com a operação de subtração em Z que,

restrita a elementos da cópia de N em Z, trará sentido às operações.

Teorema 1 Sejam (a; b); (c; d) ∈ N x N. Dizemos que (a; b) está relacionado

com (c; d) quando a + d = b + c. Denotaremos por (a; b) ~ (c; d). A relação descrita é

de equivalência.

Demonstração:

(i) Reflexiva: Se (a; b) ∈ N x N, então a + b = b + a, por herança da comutativa

em N, logo, (a; b) ~ (a; b).

(ii) Simétrica: Se (a; b); (c; d) ∈ N x N e (a; b) ~ (c; d), então, a+d = b+c, e disso,

c+b = d+a, que significa, (c; d) ~ (a; b).

(iii) Transitiva: Se (a; b); (c; d); (e; f) ∈ N x N, (a; b) ~ (c; d) e (c; d) ~ (e; f), temos

que, a+d = b+c e c+f = d+e. Assim temos a+d+e = b+c+e e a+c+f = =a+d+e, daí, b +

c + e = a + c + f⇒b + e = a + f⇒a + f = b + e:

Logo, (a; b) ~ (e; f).

Denotaremos por (𝑎, 𝑏) a classe de equivalência do par ordenado (a; b) pela

relação ~, isto é,

(a; b) = {(x; y) ∈ N x N │(x; y) ~ (a; b)}.

a) (4, 2) = {(4; 2); (5; 3); (6; 4); (7; 5); ...};

b) (2, 5) = {(2; 5); (3; 6); (4; 7); (5; 8); ...};

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c) (7, 5) = {(4; 2); (5; 3); (6; 4); (7; 5); ...}.

Percebemos que (4, 2) = (7, 5).

Definição 1 O conjunto quociente N x N/ ~ constituído pelas classes de

equivalência (𝑎, 𝑏), denotado por Z e chamado de conjunto dos números inteiros.

Assim, Z = (N x N/~) = {(𝑎, 𝑏)│(a, b) ∈ N x N}.

2.2 Operações nos números inteiros

Serão construídos números negativos, a partir da estrutura aritmética dos

número naturais, utilizando relações de equivalência.

2.2.1 Adição de números inteiros

Trabalharemos agora com a definição de (+) como operação de adição em Z.

Sabendo que (𝑎, 𝑏) representa (a – b) e (𝑐, 𝑑) expressa (c – d), vemos pela matemática

elementar que (a - b) + (c - d) = (a + c) - (b + d). Obtendo, assim, a classe (𝑎 + 𝑐, 𝑏 + 𝑑).

Definição 2 Sejam (𝑎, 𝑏); (𝑐, 𝑑) em Z. A soma (𝑎, 𝑏) + (𝑐, 𝑑) é dada por

(𝑎 + 𝑐, 𝑏 + 𝑑).

Teorema 2 Se (𝑎, 𝑏) = (𝑎’, 𝑏’) e (𝑐, 𝑑)= (𝑐 ’, 𝑑’), então, (𝑎, 𝑏) + (𝑐, 𝑑) = (𝑎’, 𝑏’) +

(𝑐 ’, 𝑑’) isto é, a adição de números inteiros está bem definida.

Demonstração. Tendo (𝑎, 𝑏) = (𝑎’, 𝑏’), temos que, (𝑎, 𝑏) ~ (𝑎’, 𝑏’) ou seja,

a + 𝑏’ = b + 𝑎’ (*)

Analogamente,

c + 𝑑’ = d + 𝑐 ’ (**)

Já sabemos que (𝑎, 𝑏) + (𝑐, 𝑑) = (𝑎 + 𝑐, 𝑏 + 𝑑) e (𝑎’, 𝑏’) + (𝑐 ’, 𝑑’) =

(𝑎’ + 𝑐 ’, 𝑏’ + 𝑑’). Devemos mostrar que (a + c; 𝑏’ + 𝑑’) = (b + d; 𝑎’ + 𝑐 ’). De fato,

somando os primeiros e segundos membros de (*) e (**), na ordem dada, obtemos, (a

+ c) + (𝑏’ + 𝑑’) = (b + d) + (𝑎’+ 𝑐 ’) = (b + 𝑎’) + (d + 𝑐 ’) = (b + d) + (𝑎’+ 𝑐 ’):

Portanto, (𝑎 + 𝑐, 𝑏 + 𝑑) = (𝑎’ + 𝑐 ’, 𝑏’ + 𝑑’).

Teorema 3 A adição em Z é comutativa, associativa e tem (0, 0) como elemento

neutro.

Demonstração.

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1. Comutativa: Devemos mostrar que, dados (𝑎, 𝑏) e (𝑐, 𝑑) em Z, temos (𝑎, 𝑏)

+ (𝑐, 𝑑) = (𝑐, 𝑑) + (𝑎, 𝑏). De fato, (𝑎, 𝑏) + (𝑐, 𝑑) = (𝑎 + 𝑐, 𝑏 + 𝑑) = (𝑐 + 𝑎, 𝑑 + 𝑏) =

(𝑐, 𝑑) + (𝑎, 𝑏).

2. Associativa: Queremos mostrar que, dados (𝑎, 𝑏) , (𝑐, 𝑑) e (𝑒, 𝑓) em Z,

temos (𝑎, 𝑏) + ((𝑐, 𝑑) + (𝑒, 𝑓)) = ((𝑎, 𝑏) + (𝑐, 𝑑)) + (𝑒, 𝑓)

(𝑎, 𝑏) + ((𝑐, 𝑑) + (𝑒, 𝑓)) = (𝑎, 𝑏) + (𝑐 + 𝑒, 𝑑 + 𝑓)

= (𝑎 + (𝑐 + 𝑒), 𝑏 + (𝑑 + 𝑓))

= ((𝑎 + 𝑐) + 𝑒), (𝑏 + 𝑑) + 𝑓)

= (𝑎 + 𝑐, 𝑏 + 𝑑) + (𝑒, 𝑓)

= ((𝑎, 𝑏) + (𝑐, 𝑑)) + (𝑒, 𝑓)

3. Elemento Neutro: Dado (𝑎, 𝑏) e (0,0) em Z.

(𝑎, 𝑏) + (0,0) = (𝑎 + 0, 𝑏 + 0) = (0 + 𝑎, 0 + 𝑏)

= (0,0) + (𝑎, 𝑏) = (𝑎, 𝑏)

Teorema 4 Cancelamento para a Adição). Dados α, β, 𝛾 ∈ Z e α + β = 𝛾 + β,

então α = 𝛾.

Demonstração. Seja α = (a, b), β = (c, d) e 𝛾 = (e, f). Logo,

(𝑎, 𝑏) + (𝑐, 𝑑) = (𝑒, 𝑓) + (𝑐, 𝑑) ⇒ (𝑎 + 𝑐, 𝑏 + 𝑑) = (𝑒 + 𝑐, 𝑓 + 𝑑)

⇒ (a + c) + (f + d) = (b + d) + (e + c)

⇒ a + f = b + e

⇒ (𝑎, 𝑏) = (𝑒, 𝑓)

Teorema 5 (Propriedade do elemento oposto). Dado (𝑎, 𝑏) ∈ Z, existe um único

(𝑐, 𝑑) ∈ Z tal que (𝑎, 𝑏) + (𝑐, 𝑑) = (0,0) . Este (𝑐, 𝑑) é o elemento (𝑏, 𝑎).

Demonstração. Provaremos inicialmente a existência deste elemento oposto e,

em seguida, a sua unicidade. Seja (a, b) ∈ Z. Tomemos (c, d) = (b, a) ∈ Z e assim,

(𝑎, 𝑏) + (𝑐, 𝑑) = (𝑒, 𝑓) ⇒ (𝑎, 𝑏) + (𝑏, 𝑎) = (𝑒, 𝑓)

⇒ (𝑎 + 𝑏, 𝑏 + 𝑎) = (𝑒, 𝑓)

⇒ a + b + f = b + a + e

⇒ f + 0 = e + 0

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⇒ (𝑓, 𝑒) = (0,0)

⇒ (𝑎, 𝑏) + (𝑐, 𝑑) = (0,0)

Deste maneira, existe um elemento (𝑐, 𝑑) = (𝑏, 𝑎) ∈ Z, tal que, (𝑎, 𝑏) + (𝑐, 𝑑) =

(0,0) . Suponhamos que existam dois elementos distintos desta forma, (𝑐, 𝑑), (𝑐 ’, 𝑑’) ∈

Z, ou seja, (𝑐, 𝑑) ≠ (𝑐 ’, 𝑑’) ⇒ c + 𝑑’ ≠ d + 𝑐 ’} (∗). Como os dois são opostos a

(𝑎, 𝑏) , vemos que:

(𝑎, 𝑏) + (𝑐, 𝑑) = (0,0) ⇒ (𝑎 + 𝑐, 𝑏 + 𝑑) = (0,0)

⇒ a + c = b + d} (**)

e

(𝑎, 𝑏) + (𝑐 ’, 𝑑’) = (0,0) ⇒ (𝑎 + 𝑐 ’, 𝑏 + 𝑑’) = (0,0)

⇒ a + 𝑐 ’ = b + 𝑑’} (***)

Somando o primeiro membro de (**) ao segundo de (***) e o primeiro de (***)

com o segundo de (**) obtemos:

a + c + b + 𝑑’ = a + 𝑐 ’ + b + d ⇒ c + 𝑑’ = 𝑐 ’ + d, o que contradiz (*).

Portanto, (𝑐, 𝑑) = (𝑐 ’, 𝑑’).

Definição 3 Dado α ∈ Z, o único β ∈ Z, tal que, α + β = (0,0) chama-se simétrico

de α (ou oposto de α, ou inverso aditivo de α). Sua unicidade permite que o utilizemos

como símbolo o −α.

Dessa maneira, α + (−α) = (0,0) e, como visto pelo teorema, −α = (𝑏, 𝑎) . A

existência e unicidade de oposto de um número inteiro permite que definamos uma

outra operação em Z, denominada subtração.

Definição 4 A subtração em Z, denotada por (−), é a operação definida da

seguinte forma: Se α, β ∈ Z, então: α − β = α + (−β).

Assim, a subtração α − β representa a soma de α com o oposto ou simétrico de

β.

Proposição 1 Para α, β, 𝛾 ∈ Z, vale:

I. −(−α) = α;

II. −α + β = β − α;

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III. α − (−β) = α + β;

IV. −α − β = −(α + β);

V. α − (β + 𝛾) = α − β − 𝛾;

Demonstração.

I. Seja α = (𝑎, 𝑏) , então, −α = (𝑏, 𝑎) , e assim, −(−α) = −(𝑏, 𝑎) = (𝑎, 𝑏) = α.

II. Seja α = (𝑎, 𝑏) e β = (𝑐, 𝑑) . Claramente, −α = (𝑏, 𝑎) . Temos:

- α + β = (𝑏, 𝑎) + (𝑐, 𝑑) = (𝑏 + 𝑐, 𝑎 + 𝑑)

= (c + 𝑏, 𝑑 + 𝑎) = (𝑐, 𝑑) + (𝑏, 𝑎)

= β – α

III. Seja α = (𝑎, 𝑏) e β = (𝑐, 𝑑) , e assim, −α = (𝑏, 𝑎) e −β = (𝑑, 𝑐) .

α – (- β) = (𝑎, 𝑏) − (𝑑, 𝑐)

= (𝑎, 𝑏) + (𝑐, 𝑑) = α + β

IV. Se α = (𝑎, 𝑏) e β = (𝑐, 𝑑) , teremos, −α = (𝑏, 𝑎) e −β = (𝑑, 𝑐) , e assim:

- α - β = (𝑏, 𝑎) − (𝑐, 𝑑) = (𝑏, 𝑎) + (𝑑, 𝑐)

= (𝑏 + 𝑑, 𝑎 + 𝑐) = - (𝑎 + 𝑐, 𝑏 + 𝑑)

= − ((𝑎, 𝑏) + (𝑐, 𝑑) ) = - (α + β)

V. Se α = (𝑎, 𝑏) , β = (𝑐, 𝑑) e 𝛾 = (𝑒, 𝑓) , então, −α = (𝑏, 𝑎) , −β = (𝑑, 𝑐) e − 𝛾 =

(𝑓, 𝑒) e assim:

α − (β + 𝛾) = (𝑎, 𝑏) – ((𝑐, 𝑑) + (𝑒, 𝑓) ) = (𝑎, 𝑏) – (𝑐 + 𝑒, 𝑑 + 𝑓)

= (𝑎, 𝑏) + (𝑑 + 𝑓, 𝑐 + 𝑒) = (𝑎, 𝑏) + (𝑑, 𝑐) + (𝑓, 𝑒)

= α − β – 𝛾.

2.2.2 Multiplicação de números inteiros

Definiremos a seguir outra operação em Z, a qual chamaremos de multiplicação

ou produto. Pensando que tendo (𝑎, 𝑏) expresso por (a − b), (𝑐, 𝑑) expresso em (c −

d) e (a − b) · (c − d) = a · c + b · d − (a · d + b · c), vemos assim a definição seguinte.

Definição 5 Dados (𝑎, 𝑏) e (𝑐, 𝑑) em Z, definimos o produto (a,b) · (c,d) como

sendo (𝑎 · 𝑐 + 𝑏 · 𝑑, 𝑎 · 𝑑 + 𝑏 · 𝑐)

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Teorema 6 A multiplicação em Z está bem definida, isto é, se (𝑎, 𝑏) = (𝑎’, 𝑏’) e

(𝑐, 𝑑) = (𝑐 ’, 𝑑’), então, (𝑎, 𝑏) · (𝑐, 𝑑) = (𝑎’, 𝑏’) · (𝑐 ’, 𝑑’).

Demonstração: Seja (a,b) = (𝑎’, 𝑏’), isto é, a + 𝑏’ = b + 𝑎’, que nos fornece:

ca + c𝑏’= cb + c𝑎’ (*)

e

da + 𝑏’d = bd + 𝑎’𝑑 (**)

Somando as equações (*) e (**) obtemos:

ac + bd + 𝑎’𝑑 + 𝑏’𝑐 = ad + bc + 𝑎’c + 𝑏’d

(𝑎𝑐 + 𝑏𝑑, 𝑎𝑑 + 𝑏𝑐) = (𝑎’𝑐 + 𝑏’𝑑, 𝑎’𝑑 + 𝑏’𝑐)

(𝑎, 𝑏) . (𝑐, 𝑑) = (𝑎’, 𝑏’) . (𝑐, 𝑑) (***)

Do mesmo modo, (𝑐, 𝑑) = (𝑐 ’, 𝑑’) ⇒ c + 𝑑’ = d + 𝑐 ’, de onde obtemos:

𝑎’𝑐 + 𝑎’𝑑’ = 𝑎’𝑑 + 𝑎’𝑐 ’ (#) e 𝑏’𝑐 + 𝑏’𝑑’ = 𝑏’𝑑 + 𝑏’𝑐 ’ (##)

Novamente somando as equações (#) e (##) obtemos:

𝑎’𝑐 + 𝑏’𝑑 + 𝑎’𝑑’ + 𝑏’𝑐 ’ = 𝑎’𝑑 + 𝑏’𝑐 + 𝑎’𝑐 ’ + 𝑏’𝑑’

(𝑎’𝑐 + 𝑏’𝑑, 𝑎’d + 𝑏’c = (𝑎’𝑐 + 𝑏’𝑑’, 𝑎’𝑑’ + 𝑏’𝑐 ’ )

(𝑎’, 𝑏’) . (𝑐, 𝑑) = (𝑎’, 𝑏’) . (𝑐 ’, 𝑑’) (****)

Dessa maneira, observando (***) e (****), obtemos que:

(𝑎, 𝑏) . (𝑐, 𝑑) = (𝑎’, 𝑏’) . (𝑐 ’, 𝑑’).

Teorema 7 A multiplicação em Z é comutativa, associativa, tem (1,0) como

neutro multiplicativo e é distributiva em relação à adição. Além disso, vale a

propriedade do cancelamento multiplicativo, ou seja, se α, β, 𝛾 ∈ Z, com 𝛾 ≠ (0,0) e

α 𝛾 = β 𝛾, então α = β.

Demonstração. Tendo α = (𝑎, 𝑏) , β = (𝑐, 𝑑) e 𝛾 = (𝑒, 𝑓) ≠ (0,0) tais que αγ = βγ,

ou seja,(𝑎𝑒 + 𝑏𝑓, 𝑎𝑓 + 𝑏𝑒) = (𝑐𝑒 + 𝑑𝑓, 𝑐𝑓 + 𝑑𝑒) , que equivale a ae + bf + cf + de =

af + be + ce + df. Encontrando assim, e(a + d) + f(b + c) = e(b + c) + f(a + d).

Como (𝑒, 𝑓) ≠ (0,0) , temos que e + 0 ≠ f + 0 ⇒ e ≠ f. Suponhamos e > f, ou

seja, e = f + q, com q ∈ N∗. Obtendo assim:

f(a + d) + q(a + d) + f(b + c) = f(b + c) + q(b + c) + f(a + d)

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Com o cancelamento aditivo, temos que q(a + d) = q(b + c), sendo q

pertencente aos naturais não nulos, seguimos com cancelamento multiplicativo onde

a + d = b + c, tendo (𝑎, 𝑏) = (𝑐, 𝑑), ou melhor, α = β.

Proposição 2 Dados α, β, 𝛾 ∈ Z, é válida a propriedade distributiva da

multiplicação em relação a subtração, isto é, α(β − 𝛾) = αβ − α 𝛾.

Demonstração.

α(β − 𝛾) = α(β + (−𝛾))

= αβ + α (−𝛾)

Assim, como α (−𝛾) = - α 𝛾, vemos que α(β − 𝛾) = αβ – α 𝛾.

2.3 Relação de Ordem em Z

Façamos, uma comparação dos elementos de Z através de uma relação de

ordem.

Definição 6 Dados os inteiros (𝑎, 𝑏) e (𝑐, 𝑑), escrevemos (𝑎, 𝑏) ≤ (𝑐, 𝑑) quando

a + d ≤ b + c.

Proposição 3 A relação definida anteriormente está bem representada, isto é,

se (𝑎, 𝑏) = (𝑎’, 𝑏’), (𝑐, 𝑑) = (𝑐 ’, 𝑑’) e (𝑎, 𝑏) ≤ (𝑐, 𝑑), então, (𝑎’, 𝑏’) ≤ (𝑐 ’, 𝑑’).

Demonstração.

(𝑎, 𝑏) = (𝑎’, 𝑏’) ⇒ a + 𝑏’ = b + 𝑎’. (F1)

(𝑐, 𝑑) = (𝑐 ’, 𝑑’) ⇒ c + d’ = d + c’. (F2)

(𝑎, 𝑏) ≤ (𝑐, 𝑑) ⇒ a + d ≤ b + c

⇒ a + 𝑏’ + d ≤ b + 𝑏’ + c

⇒ a + 𝑏’ + d + d’≤ b + 𝑏’ + c + d’ (F3)

Subtituindo (F1) e (F2) em (F3), obtemos:

b + 𝑎’ + d + d’ ≤ b + 𝑏’+ d + c’⇒ 𝑎’ + d’ ≤ 𝑏’+ c’

⇒ (𝑎’, 𝑏’) ≤ (𝑐 ’, 𝑑’)

Teorema 8 A relação ≤ definida acima é uma relação de ordem em Z, ou seja,

é reflexiva, antissimétrica e transitiva.

Demonstração.

1. Reflexiva: Seja α = (𝑎, 𝑏) ∈ Z. Obviamente, (𝑎, 𝑏) ≤ (𝑎, 𝑏) , pois, (𝑎, 𝑏) =

(𝑎, 𝑏) .

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2. Antissimétrica: Sejam α, β ∈ Z, α ≤ β e β ≤ α. Consideremos α = (𝑎, 𝑏) e

β = (𝑐, 𝑑) e assim,

α ≤ β

(𝑎, 𝑏) ≤ (𝑐, 𝑑)

a + d ≤ b + c

e

β ≤ α

(𝑐, 𝑑) ≤ (𝑎, 𝑏)

c + b ≤ d + a

Pela tricotomia dos naturais, obtemos que, a + d = b + c, isto é, (𝑎, 𝑏) = (𝑐, 𝑑) .

3. Transitiva: Sejam α, β, γ ∈ Z, α ≤ β e β ≤ γ, com α = (𝑎, 𝑏) , β = (𝑐, 𝑑) e 𝛾

= (𝑒, 𝑓) . Destas desigualdades obtemos a + d ≤ b + c e c + f ≤ d + e. Sendo assim,

existem p, q ∈ N tais que,

a + d + p = b + c

e

c + f + q = d + e.

Somando os primeiros e segundos membros das duas igualdades, na ordem

dada, obtemos

a + d + p + c + f + q = b + c + d + e

a + f + p + q = b + e

Como p + q ∈ N, chegamos a conclusão que, a + f ≤ b + e, ou seja, (𝑎, 𝑏) ≤

(𝑒, 𝑓) .

Teorema 9 A relação ≤ é compatível com as operações em Z, isto é,

i. α ≤ β ⇒ α + γ ≤ β + 𝛾;

ii. α ≤ β e 𝛾 ≥ (0,0) ⇒ α 𝛾 ≤ β 𝛾;

iii. (Lei da Tricotomia): Apenas uma das situações seguintes ocorre: α =

(0,0) ou α < (0,0) ou α > (0,0) .

Demonstração.

i. Tendo α = (𝑎, 𝑏) , β = (𝑐, 𝑑) e 𝛾 = (𝑒, 𝑓) em Z. Assim,

(𝑎, 𝑏) ≤ (𝑐, 𝑑) ⇒ a + d ≤ b + c

⇒ a + e + d + f ≤ b + f + c + e

20

⇒ (𝑎 + 𝑒, 𝑏 + 𝑓) ≤ (𝑐 + 𝑒, 𝑑 + 𝑓)

⇒ (𝑎, 𝑏) + (𝑒, 𝑓) ≤ (𝑐, 𝑑) (𝑒, 𝑓)

⇒ α + 𝛾 ≤ β + 𝛾

ii. Tomando α = (𝑎, 𝑏) , β = (𝑐, 𝑑) e 𝛾 = (𝑒, 𝑓) . Dessa forma obtemos, a + d ≤

b + c e e ≥ f.

Sendo assim, existem p, q ∈ N, tais que,

b + c = a + d + p

e

e = f + q.

Temos que,

b + c = a + d + p ⇒ be + ce = ae + de + pe (F.2.1)

e

b + c = a + d + p ⇒ bf + cf = af + df + pf (F.2.2)

Obtendo,

e = f + q ⇒ pe = pf + pq (F.2.3)

Somando o segundo membro da igualdade (F.2.1) com o primeiro da igualdade

(F.2.2) e o primeiro membro de (F.2.1) com o segundo de (F.2.2), obtemos,

ae + de + pe + bf + cf = be + ce + af + df + pf.

Substituindo (F.2.3) nesta última igualdade, obtemos:

ae + de + pf + pq + bf + cf = be + ce + af + df + pf

ae + de + bf + cf + pq = be + ce + af + df

ae + de + bf + cf ≤ be + ce + af + df

(𝑎𝑒 + 𝑏𝑓, 𝑎𝑓 + 𝑏𝑒) ≤ (𝑐𝑒 + 𝑑𝑓, 𝑐𝑓 + 𝑑𝑒)

(𝑎, 𝑏) . (𝑒, 𝑓) ≤ (𝑐, 𝑑) . (𝑒, 𝑓)

α 𝛾 ≤ β 𝛾

iii. Suponhamos α > (0,0) e α < (0,0) simultaneamente, com α = (𝑎, 𝑏) .

(𝑎, 𝑏) > (0,0) ⇒ a > b

e

(𝑎, 𝑏) < (0,0) ⇒ a < b,

tendo aí um absurdo pela tricotomia dos naturais.

Suponhamos agora α = (0,0) e α < (0,0) (ou α > (0,0) ) simultaneamente.

21

(𝑎, 𝑏) < (0,0) ⇒ a < b

e

(𝑎, 𝑏) = (0,0) ⇒ a = b,

tendo aí novamente um absurdo, pela tricotomia dos naturais.

Teorema 10 (Tricotomia dos Inteiros). Para α, β, 𝛾 ∈ Z, apenas uma das

situações seguintes ocorre: α = β ou α < β ou α > β.

Demonstração. Suponhamos α < β e β < α simultaneamente:

α < β ⇒ (𝑎, 𝑏) < (𝑐, 𝑑) ⇒ a + d < b + c

β < α ⇒ (𝑐, 𝑑) < (𝑎, 𝑏) ⇒ c + b < d + a,

absurdo pela tricotomia dos naturais. Da mesma forma, suponhamos α < β ou

α > β e α = β simultaneamente:

α < β ⇒ (𝑎, 𝑏) < (𝑐, 𝑑) ⇒ a + d < b + c

α = β ⇒ (𝑎, 𝑏) = (𝑐, 𝑑) ⇒ a + d = b + c

Absurdo pela tricotomia dos naturais. Além disto, novamente pela tricotomia

dos naturais, necessariamente uma das seguintes ocorre:

a + d < b + c, b + c < a + d, a + d = b + c

Isto significa que uma das seguintes deve ocorrer:

(𝑎, 𝑏) < (𝑐, 𝑑) , (𝑐, 𝑑) < (𝑎, 𝑏) , (𝑎, 𝑏) = (𝑐, 𝑑)

Teorema 11 Para α, β ∈ Z, α ≤ β e 𝛾 < (0,0) , temos que α 𝛾 ≥ β 𝛾.

Demonstração. Sejam α = (𝑎, 𝑏) , β = (𝑐, 𝑑) e 𝛾 = (𝑒, 𝑓) . Temos que,

(𝑒, 𝑓) < (0,0) ⇒ e < f ⇒ (0,0) < (𝑓, 𝑒) .

Vendo que, como α ≤ β:

(𝑎, 𝑏) . (𝑓, 𝑒) ≤ (𝑐, 𝑑) . (𝑓, 𝑒) ⇒ (𝑎𝑓 + 𝑏𝑒, 𝑎𝑒 + 𝑏𝑓) ≤ (𝑐𝑓 + 𝑑𝑒, 𝑐𝑒 + 𝑑𝑓)

⇒ af + be + ce + df ≤ ae + bf + cf + de

⇒ (𝑐𝑒 + 𝑑𝑓, 𝑐𝑓 + 𝑑𝑒) ≤ (𝑎𝑒 + 𝑏𝑓, 𝑎𝑓 + 𝑏𝑒)

⇒ (𝑐, 𝑑) . (𝑒, 𝑓) ≤ (𝑎, 𝑏) . (𝑐, 𝑑)

⇒ α 𝛾 ≥ β 𝛾

Definição 7 Dado (𝑎, 𝑏) ∈ Z, dizemos que:

i. (𝑎, 𝑏) é positivo quando (a,b) > (0,0) ;

ii. (𝑎, 𝑏) é não negativo quando (a,b) ≥ (0,0) ;

iii. (𝑎, 𝑏) é negativo quando (a,b) < (0,0) ;

22

iv. (𝑎, 𝑏) é não positivo quando (a,b) ≤ (0,0) ;

Observemos que se (𝑎, 𝑏) > (0,0) então a > b, e assim, existe m ∈ N* tal que b

+ m = a, que equivale (𝑎, 𝑏) = (𝑚, 0) . Analogamente, se (𝑎, 𝑏) < (0,0) , existe m ∈ N*,

tal que a + m = b e dessa forma, (𝑎, 𝑏) = (0, 𝑚) . Dessa forma, temos que Z = {(0, 𝑚) |

m ∈ N*} ∪ {(0,0) } ∪ {(𝑚, 0) | m ∈ N*}, onde esta união é disjunta. Também vemos,

𝑍−∗ = {(0, 𝑚) | m ∈ N*}, 𝑍− = {(0, 𝑚) | m ∈ N*} U {(0,0) }

𝑍+∗ = {(𝑚, 0) | m ∈ N*}, 𝑍+ = {(𝑚, 0) | m ∈ N*} U {(0,0) }

Observemos que 𝑍+ encontra-se em bijeção com N, o que mostra que 𝑍+ é

uma cópia algébrica de N, no sentido dado pelo teorema seguinte.

Teorema 12 Seja f : N → Z dada por f(m) = (𝑚, 0) . Então f é injetora e valem

as seguintes propriedades:

i. f(m + n) = f(m) + f(n);

ii. f(mn) = f(m) . f(n);

iii. Se m ≤ n, então f(m) ≤ f(n);

Demonstração. Provemos inicialmente que f é injetora. De fato,

f(m) = f(n) ⇒ (𝑚, 0) = (𝑛, 0) ⇒ m + 0 = 0 + n ⇒ m = n.

Provemos agora os itens. Sejam m, n ∈ N.

i. f(m + n) = (𝑚 + 𝑛, 0) = (𝑚, 0) + (𝑛, 0) = f(m) + f(n);

ii. f(mn,0) = (mn,0) = (𝑚, 0) . (𝑛, 0) = f(m) . f(n);

iii. Se m ≤ n, temos que, (𝑚, 0) ≤ (𝑛, 0) , ou seja, f(m) ≤ f(n).

O conjunto f(N) = 𝑍+ tem, pelo teorema acima, a mesma estrutura algébrica que

N. Por exemplo, 5 + 7 = 12, corresponde, via f, a (5,0) + (7,0) = (12,0) em Z. Da

mesma forma, 5 . 7 = 35, corresponde, via f, a (5,0) . (7,0) = (35,0) . Temos aí que a

relação 5 ≤ 7 se preserva, via f, como (5,0) ≤ (7,0) , confirmando a ideia de que a

ordem em Z é uma extensão da ordem em N.

A função f descrita acima, chama-se imersão de N em Z.

Vejamos ainda que, se m ∈ N, o simétrico de (𝑚, 0) é (0, 𝑚) , logo, se

identificarmos (𝑚, 0) com m através de f, obtemos −m = −(𝑚, 0) = (0, 𝑚) . Dessa forma,

identificando N com 𝑍+, via f, obtemos o que será definido a seguir.

Definição 8 Temos o conjunto dos inteiros como sendo:

Z = {−m | m ∈ N*} ∪ {0} ∪ N* = {..., −m, ..., −2, −1, 0, 1, 2, ..., m, ...}.

23

A partir de agora, esta identificação será a adotada e, então, consideraremos

N como um subconjunto de Z. Assim podemos obter:

a − b = (𝑎, 0) − (𝑏, 0) = (𝑎, 0) +(- (𝑏, 0) ) = (𝑎, 0) + (0, 𝑏) = (𝑎, 𝑏) .

Teorema 13 Se x, y ∈ Z temos:

1. Se x > 0 e y > 0, então xy > 0;

2. Se x < 0 e y < 0, então xy > 0;

3. Se x < 0 e y > 0, então xy < 0.

Demonstração.

1. Como x e y são elementos positivos de Z, podemos identificá-los por x =

(𝑥, 0) e y = (𝑦, 0) .

Dessa forma, xy = (𝑥, 0) · (𝑦, 0) = (𝑥𝑦, 0) . Sabemos que (𝑥𝑦, 0) > (0,0) , portanto,

xy > 0.

2. Sabendo que, x < 0 ⇒ −x > 0 e y < 0 ⇒ −y > 0, sendo assim, −x = (−𝑥, 0) ⇒

x = −(−𝑥, 0) = (0, −𝑥) e −y = (−𝑦, 0) ⇒ y = −(−𝑦, 0) = (0, −𝑦)

Vemos:

xy = (0, −𝑥) . (0, −𝑦)

= ((−𝑥)(−𝑦), 0)

Sabemos que ((−x)(−y),0) > (0,0), portanto, xy > 0.

3. Tendo que, x < 0 ⇒ −x > 0, sendo assim, −x = (−𝑥, 0) ⇒ x = −(−𝑥, 0) =

(0, −𝑥) .

Temos:

xy = (0, −𝑥) . (𝑦, 0)

= (0, (−𝑥)𝑦)

Sabemos que, (0,(−x)y) < (0,0), portanto, xy < 0.

Definição 9 Seja X um subconjunto não vazio de Z. Dizemos que X é limitado

inferiormente se existe α ∈ Z tal que α ≤ x, para todo x ∈ X. Tal α chama-se cota inferior

de X. Dizemos que X é limitado superiormente se existir β ∈ Z tal que x ≤ β para todo

x ∈ X. Tal β é chamado cota superior de X.

Exemplo: Claramente 0 ≤ x para todo x ∈ N ⊂ Z, logo, 0 é cota inferior de N.

Qualquer inteiro negativo também será.

Teorema 14 N não admite cota superior em Z.

24

Demonstração. Mostremos que, para todo β ∈ Z, existe x ∈ N, tal que β < x.

Seja β ∈ Z:

• Se β < 0, basta tomar qualquer x ∈ N que obtemos β < x;

• Se β = 0, basta tomar x = 1 ∈ N, logo, β < x;

• Se β > 0, então, β ∈ N, portanto, s(β) ∈ N. Sabemos que β < s(β), ou

seja, β < β + 1. Sendo assim, para todo β > 0 em Z, existe x = β + 1 ∈ N, tal que β <

x.

Teorema 15 (Princípio da Boa Ordem para Z). Seja X ⊂ Z não vazio e limitado

inferiormente. Então X possui elemento mínimo.

Demonstração. Seja α uma cota inferior de X, ou seja, α ≤ x para todo e

qualquer x ∈ X. Consideremos 𝑋’ = {x − α | x ∈ X}. Claramente, 𝑋’ ⊂ N (identificado

com 𝑍+) e, pelo Princípio da Boa Ordem em N, o conjunto 𝑋’ possui elemento mínimo

, digamos, 𝑚’. Assim, 𝑚’ ∈ 𝑋’ e 𝑚’ ≤ y para todo y ∈ 𝑋’. Como 𝑚’ ∈ 𝑋’, 𝑚’ = m − α, para

algum m ∈ X. Afirmamos que m = 𝑚’ +α é elemento mínimo de X. Só falta verificar que

m ≤ x para todo x ∈ X, mas isso equivale a m − α ≤ x − α para todo x ∈ X, ou ainda, 𝑚’

≤ x − α, que é verdade, pela definição de 𝑚’ ≤ y. Logo, m é o mínimo de X.

Corolário 1 Seja x ∈ Z tal que 0 < x ≤ 1. Então x = 1.

Demonstração. Seja A = {y ∈ Z | 0 < y ≤ 1}. Tem-se que A ≠ ∅, dado que 1 ∈ A,

e A é limitado inferiormente por 0. Pelo Princípio da Boa Ordem, A possui elemento

mínimo, digamos, m. Suponhamos m < 1. Sendo assim, 0 < m < 1, logo, 0 < m2 < m <

1, o que significa que m2 ∈ A, contradizendo a minimalidade de m. Assim, m = 1 e A =

{1}.

Corolário 2Sejam n, x ∈ Z tais que n < x ≤ n + 1. Então x = n + 1.

Demonstração. Seja A = {x ∈ Z | n < x ≤ n+1, n ∈ Z}. Tem-se que A ≠ ∅, (pois

n + 1 ∈ A), e A é limitado inferiormente por n. Pelo Princípio da Boa Ordem, A possui

elemento mínimo, digamos, m. Como m ∈ A, temos que n < m ≤ n+1, de onde segue

que 0 < m − n ≤ 1. Como m, n ∈ Z, m − n ∈ Z, assim, m − n = 1, ou seja, m = n + 1.

Definamos o conceito de módulo ou valor absoluto de um número inteiro.

Definição 10 Seja x ∈ Z. Definimos o valor absoluto de x (ou módulo de x),

denotado por |x|, como sendo:

|x| = {𝑥, 𝑠𝑒 𝑥 ≥ 0;

−𝑥, 𝑠𝑒 𝑥 < 0.

Exemplo: |-5| = |5| = 5; |0| = 0.

25

Proposição 4 Para todo x ∈ Z, temos que:

a) |x| ≥ 0;

b) |x| = 0 ⇔ x = 0.

Demonstração.

a) Provemos que |x| ≥ 0, para todo x ∈ Z.

• Se x > 0, por definição, |x| = x, logo, |x| > 0;

• Se x < 0, por definição, |x| = −x, e sabemos ainda que, −x > 0. Portanto,

|x| > 0;

• Se x = 0, temos que |x| = x = 0.

Assim, para todo x ∈ Z, temos |x| ≥ 0.

b) (⇒) Seja |x| = 0.

• Se x > 0, então |x| = x = 0. Contradição pela tricotomia;

• Se x < 0, então |x| = −x = 0, logo, x = 0. Novamente, contradição pela

tricotomia.

Portanto, x = 0.

(⇐) Seja x = 0. Logo, |x| = x = 0.

• Se x > 0, por definição, |x| = x, logo, |x| > 0;

• Se x < 0, por definição, |x| = −x, e ainda −x > 0. Portanto, |x| > 0;

• Se x = 0, temos que |x| = x = 0. Assim, para todo x ∈ Z, temos |x| ≥ 0.

2. (⇒) Seja |x| = 0.

• Se x > 0, então |x| = x = 0. Contradição pela tricotomia;

• Se x < 0, então |x| = −x = 0, isto Ø, x = 0. Novamente, contradição pela

tricotomia.

Portanto, x = 0.

(⇐) Seja x = 0. Logo, |x| = x = 0.

Proposição 5 Para todo x, y ∈ Z, temos que |xy| = |x|.|y|.

Demonstração. Vejamos nos casos.

• Se x > 0 e y > 0, temos, xy > 0, e assim, por definição de módulo, |xy| =

xy. Pela mesma definição, |x| = x e |y| = y, logo, |x|.|y| = x.y. Portanto, |x|.|y| = |xy|.

• Se x < 0 e y < 0, temos, xy > 0, e assim, |x.y| = x.y. Temos que, x < 0 ⇒

|x| = −x e y < 0 ⇒ |y| = −y, sendo assim, |x||y| = (−x)(−y) = x.y. Logo, |x.y| = |x|.|y|.

26

• Se x < 0 e y > 0 (ou x > 0 e y < 0), temos xy < 0, isto é, |x.y| = −x.y. Temos

que, x < 0 ⇒ |x| = −x e y > 0 ⇒ |y| = y, sendo assim, |x|.|y| = (−x).(y) = −x.y. Logo, |x.y|

= |x|.|y|.

• Se x = 0 e y é qualquer (ou y = 0 e x qualquer), temos x.y = 0, logo, |x.y|

= 0. Como |x| = 0 , claramente, |x|.|y| = 0 · |y| = 0. Portanto, |x.y| = |x|.|y|.

Dessa forma, chegamos a conclusão que |x.y| = |x|.|y|, para todos x,y ∈ Z.

Proposição 6 Para n ∈ 𝑁∗, tem-se: |x| = n ⇔ x = n ou x = - n

Demonstração. (⇒) Seja |x| = n.

Se x > 0, |x| = x. Sendo assim, x = n.

Se x < 0, |x| = −x. Logo, −x = n, isto Ø, x = −n.

(⇐) Seja x = n ou x = −n.

Se x = n, então, |x| = |n|. Como n ∈ 𝑁∗, obviamente, n > 0, logo, |n| = n,

ou seja, |x| = n.

Se x = −n, então |x| = |− n|. Como n > 0, pelo Teorema 3.4.6, −n < 0,

sendo assim, por definição de módulo, |− n| = −(−n) = n. Logo, |x| = n.

Definição 11 Um elemento x ∈ Z diz-se inversível se existe y ∈ Z tal que xy =

1.

Proposição 7 Os únicos elementos inversíveis de Z são 1 e −1.

Demonstração. Seja x ∈ Z inversível e y ∈ Z, tal que, xy = 1. Sendo assim, |xy|

= |x|.|y| = 1. Como |x| ≥ 0, |y| ≥ 0 e |x|.|y| = 1, vemos que |x| > 0 e |y| > 0, logo, |x| ≥ 1

e |y| ≥ 1. Multiplicando esta última desigualdade por |x|, em ambos os membros,

obtemos, |x|.|y| ≥ |x|. Chegamos que, 1 = |x||y| ≥ |x| ≥ 1, o que nos garante |x| = 1.

Portanto, x = 1 ou x = −1.

27

3 NÚMEROS RACIONAIS

Aprendemos no ensino fundamental que um número racional é a razão entre

dois inteiros, significando divisão. Utilizaremos o conceito de relação de equivalência

a partir dos inteiros, do mesmo modo que o utilizamos para definir um número inteiro

a partir do conceito de números naturais.

3.1 Construção dos números racionais

Sejam N o conjunto dos números naturais e Q o conjunto dos números

racionais. Uma função s: N → Q é chamada uma sequência de números racionais.

Como exemplo, seja s: N → Q tal que para todo número natural n, 𝑠(𝑛) =𝑛

1+𝑛 . Assim,

s(0) = 0, s(1) = 1/2, s(2) = 2/3 , etc.

Seja s: N → Q uma sequência de números racionais. Então quando n é um

número natural, s(n) é um certo número racional que também costuma ser indicado

com esta notação sn. Isto é, s(n) = sn e sn é chamado o n-ésimo termo da sequência s.

É claro que sabendo quais são todos os sn nós conhecemos completamente a

nossa sequência s. Por essa razão uma sequência s: N → Q costuma ser indicada

com a notação {sn |n ∈ N}, ou {sn}n∈N, ou simplesmente sn quando não há perigo de

confusão.

Uma sequência de números racionais sn é dita limitada quando existem dois

números racionais p, q tais que para todo n ∈ N:

p ≤ sn ≤ q

Dizemos que duas sequências an e bn de números racionais formam nessa

ordem o par de Cauchy {an, bn} se as seguintes condições estão verificadas:

1) an é crescente, bn é decrescente;

2) Para todo n ∈ N : an ≤ bn;

3) Dado qualquer número racional existe um número natural n0

tal que para todo n > n0:

Consideremos o conjunto Z × 𝑍∗ = {(a,b) | a ∈ Z e b ∈ 𝑍∗ }.

Definição 1 Sejam a ∈ Z e b ∈ 𝑍∗. A relação dada por (a,b) ∼ (c,d) quando ad

= bc.

Teorema 1 A relação citada acima é de equivalência.

28

Demonstração.

1. Reflexiva: Temos que, se a ∈ Z e b ∈ 𝑍∗, ab = ba, portanto (a, b) ∼ (a,b).

2. Simétrica: Se a, c ∈ Z, b, d ∈ 𝑍∗e (a, b) ∼ (c, d), então, ad = bc, ou ainda,

cb = da, isto é, (c, d) ∼ (a, b).

3. Se a, c, e ∈ Z, b, d, f ∈ 𝑍∗, (a, b) ∼ (c, d) e (c, d) ∼ (e, f), temos:

ad = bc ⇒ adf = bcf

cf = de ⇒ bcf = bde

Dessa forma, adf = bde, como d ≠ 0, af = be, que significa, (a,b) ∼ (e,f).

Consideremos, por um momento, nossas noções intuitivas de números

racionais. Temos que, ad = bc ⇔ 𝑎

𝑏 =

𝑐

𝑑, digamos então que, se as divisões de a por b

e c por d coincidem, podemos dizer que (a,b) ∼ (c,d),

Exemplo 1

1. (1, 2) ∼ (2, 4) ∼ (5, 10);

2. (7, 14) ∼ (3, 6)

Definição 2 Dado (a,b) ∈ Z × 𝑍∗, denotamos por 𝑎

𝑏 (lemos a sobre b) a classe

de equivalência do par (a,b) pela relação ∼ acima. Assim,

𝑎

𝑏 = {(x, y) ∈ Z × 𝑍∗/ (x, y) ∼ (a, b)}

Exemplo 2

1

2 = {(x, y) ∈ Z × 𝑍∗/ (x, y) ∼ (1, 2)} = {(x, y) ∈ Z × 𝑍∗/ 2x = 1y}. Com isso, (1, 2)

∈ 1

2; (2, 4) ∈

1

2; (3, 7) ∉

1

2 .

Teorema 2 (Propriedade Fundamental das Frações). Se (a,b) e (c,d) são

elementos de 𝑍 𝑥 𝑍∗, então 𝑎

𝑏 =

𝑐

𝑑 se, e somente se, ad = bc.

Demonstração. Sabemos que: 𝑎

𝑏 =

𝑐

𝑑 ⇔ (a,b) ∼ (c,d) ⇔ ad = bc.

Definição 3 Denotamos por Q, e denominamos por conjunto dos números

racionais, o conjunto quociente de Z × 𝑍∗ pela relação de equivalência ∼, isto é, Q =

(Z × 𝑍∗)/ ∼ = { 𝑎

𝑏 | a ∈ Z e b ∈ 𝑍∗}

29

3.2 Operações em Q

Definição 3 Sejam 𝑎

𝑏 e

𝑐

𝑑 números racionais, isto é, elementos de Q, onde a, b,

c, d são inteiros. Definimos operações chamadas de adição e de multiplicação,

respectivamente, por:

𝑎

𝑏 +

𝑐

𝑑 =

𝑎𝑑+𝑏𝑐

𝑏𝑑 e

𝑎

𝑏 .

𝑐

𝑑 =

𝑎𝑐

𝑏𝑑.

Denotaremos 𝑎

𝑏 .

𝑐

𝑑 também por

𝑎

𝑏

𝑐

𝑑.

Exemplo 3

1. 2

3 +

1

4 =

2.4+3.1

3.4 =

11

12;

2. 2

3 .

1

4 =

2.1

3.4 =

2

12 .

Teorema 3 As operações em Q estão bem definidas, ou seja, se 𝑎

𝑏 =

𝑎’

𝑏’ e 𝑐

𝑑 =

𝑐 ’

𝑑’,

então, 𝑎

𝑏 +

𝑐

𝑑 =

𝑎’

𝑏’ +

𝑐 ’

𝑑’ e

𝑎

𝑏 .

𝑐

𝑑 =

𝑎’

𝑏’ .

𝑐 ’

𝑑’

Demonstração. Vejamos, por hipótese, a𝑏’ = b𝑎’ e c𝑑’ = d𝑐 ’. Temos:

𝑎

𝑏 +

𝑐

𝑑 =

𝑎𝑑+𝑏𝑐

𝑏𝑑 e

𝑎’

𝑏’ + 𝑐 ’

𝑑’ = 𝑎’𝑑’+𝑏’𝑐 ’

𝑏’𝑑’ .

Queremos provar que as duas somas são iguais, ou seja, que (ad + bc) 𝑏’𝑑’ =

(𝑎’𝑑’ + 𝑏’𝑐 ’)bd, isto é, ad𝑏’𝑑’ +bc𝑏’𝑑’ = 𝑎’𝑑’bd+𝑏’𝑐 ’bd, ou, (a𝑏’)(d𝑑’)+(c𝑑’)(b𝑏’) =

(𝑎’b)(d𝑑’)+(b𝑏’)( 𝑐 ’d), o que é fato, pois, a𝑏’ = b𝑎’ e c𝑑’ = d𝑐 ’. Temos também:

𝑎

𝑏 .

𝑐

𝑑 =

𝑎𝑐

𝑏𝑑 e

𝑎’

𝑏’ . 𝑐 ’

𝑑’ = 𝑎’𝑐 ’

𝑏’𝑑’ .

De forma análoga, provemos que 𝑎𝑐

𝑏𝑑 =

𝑎’𝑐 ’

𝑏’𝑑’, isto é, ac𝑏’𝑑’ = bd𝑎’𝑐 ’, ou, (a𝑏’)(c𝑑’)

= (d𝑐 ’)( 𝑎’b), que é verdadeiro, pela hipótese acima.

Teorema 4 O conjunto Q, munido das operações, adição e multiplicação, tem

as propriedades algébricas de Z, onde o elemento neutro aditivo é 0

1 e o neutro

multiplicativo é 1

1. Além disso, dado um racional

𝑎

𝑏 ≠

0

1, existe

𝑐

𝑑 em Q, tal que

𝑎

𝑏 .

𝑐

𝑑 =

1

1 , isto é, todo elemento não nulo de Q possui inverso multiplicativo.

Demonstração. Sejam r, s, t ∈ Q com r = 𝑎

𝑏, s =

𝑐

𝑑 e t =

𝑒

𝑓:

1. Comutativa:

r + s = 𝑎

𝑏 +

𝑐

𝑑 =

𝑎𝑑+𝑏𝑐

𝑏𝑑

30

= 𝑏𝑐+𝑑𝑎

𝑑𝑏 =

𝑐

𝑑+

𝑎

𝑏

= s + r

2. Associativa:

(r + s) + t = (𝑎

𝑏 +

𝑐

𝑑) +

𝑒

𝑓 =

𝑎𝑑+𝑏𝑐

𝑏𝑑 +

𝑒

𝑓

= (𝑎𝑑𝑓+𝑏𝑐𝑓)+𝑏𝑑𝑒

𝑏𝑑𝑓 =

𝑎𝑑𝑓+(𝑏𝑐𝑓+𝑏𝑑𝑒)

𝑏𝑑𝑓

= 𝑎

𝑏 +

𝑐𝑓+𝑑𝑒

𝑑𝑓 =

𝑎

𝑏 + (

𝑐

𝑑 +

𝑒

𝑓)

= r + (s + t)

3. Elemento Neutro:

r + 0

1 =

𝑎

𝑏 +

0

1 =

𝑎.1+0.𝑏

𝑏.1 =

𝑎

𝑏 = r.

4. Elemento simétrico ou oposto:

Existe 𝑟 ’ tal que r + 𝑟 ’ = 0

1 . Seja 𝑟 ’=

−𝑎

𝑏,

r + 𝑟 ’ = 𝑎

𝑏 +

−𝑎

𝑏 =

𝑎𝑏+(−𝑎𝑏)

𝑏𝑏 =

0

𝑏𝑏 =

0

1

5. Comutativa da Multiplicação:

r . s= 𝑎

𝑏 .

𝑐

𝑑 =

𝑎𝑐

𝑏𝑑 =

𝑐𝑎

𝑏𝑑 =

𝑐

𝑑 .

𝑎

𝑏 = sr

6. Associativa da Multiplicação:

(r.s).t = (𝑎

𝑏 .

𝑐

𝑑).

𝑒

𝑓 = (

𝑎𝑐

𝑏𝑑).

𝑒

𝑓 =

𝑎𝑐𝑒

𝑏𝑑𝑓

= 𝑎

𝑏.(

𝑐𝑒

𝑑𝑓).=

𝑎

𝑏.(

𝑐

𝑑

𝑒

𝑓) = r.(s.t)

7. Elemento Neutro da Multiplicação:

r . 1

1 =

𝑎

𝑏.

1

1 =

𝑎.1

𝑎.1 =

𝑎

𝑏 = r

8. Elemento Inverso:

Se r ≠ 0

1, existe 𝑟 ’’ tal que r. 𝑟 ’’ =

1

1. Seja 𝑟 ’’ =

𝑏

𝑎:

r. 𝑟 ’’ = 𝑎

𝑏.

𝑏

𝑎 =

𝑎.𝑏

𝑏.𝑎 =

𝑎.𝑏

𝑎.𝑏 =

𝑎

𝑏.

𝑎

𝑏

= 1

1.

1

1 =

1

1

31

9. Distributiva da Multiplicação em relação a Adição:

r(s + t) = 𝑎

𝑏. (

𝑐

𝑑 +

𝑒

𝑓) =

𝑎

𝑏. (

𝑐𝑓+𝑑𝑒

𝑑𝑓 ) =

𝑎(𝑐𝑓+𝑑𝑒)

𝑏(𝑑𝑓) )

= 𝑎𝑐𝑓+𝑎𝑑𝑒

𝑏𝑑𝑓 =

𝑏

𝑏 .

𝑎𝑐𝑓+𝑎𝑑𝑒

𝑏𝑑𝑓 =

𝑏(𝑎𝑐𝑓+𝑎𝑑𝑒)

𝑏(𝑏𝑑𝑓)

= 𝑏𝑎𝑐𝑓+𝑏𝑎𝑑𝑒

𝑏𝑏𝑑𝑓 =

𝑎𝑐

𝑏𝑑.

𝑎𝑒

𝑏𝑓 = rs + rt

Proposição 1 Os elementos 𝑟 ’ e 𝑟 ’’ são únicos e denotam-se por −r e r−1,

chamados de simétrico e inverso de r, nesta ordem.

Demonstração. Suponhamos que 𝑢’ seja também um simétrico de r. Assim, 𝑢’ +

𝑟 = 0

1 e 𝑟 ’ + 𝑟 =

0

1, dessa forma, 𝑢’ + 𝑟 = 𝑟 ’ + 𝑟, daí , chegamos que, 𝑢’ = 𝑟 ’.

Suponhamos agora que 𝑢’’ seja também um inverso de r. Assim, 𝑢’’. 𝑟 = 1

1e

𝑟 ’’. 𝑟 = 1

1, dessa forma, 𝑢’’. 𝑟 = 𝑟 ’’. 𝑟, daí , chegamos que, 𝑢’’ = 𝑟 ’’. (𝑟 ≠

0

1 para possuir

inverso).

Proposição 2 Para (a,b) ∈ 𝑍 𝑥 𝑍∗, temos que: −𝑎

𝑏=

𝑎

−𝑏= −

𝑎

𝑏= −

−𝑎

−𝑏.

Demonstração. Para (a,b) ∈ 𝑍 𝑥 𝑍∗, vemos:

(−a)(−b) = ab = −(a)(−b) = −(−a)(b), chegando em:

−𝑎

𝑏=

𝑎

−𝑏= −

𝑎

𝑏= −

−𝑎

−𝑏.

Observando esta proposição, se 𝑎

𝑏 ∈ 𝑄 , logo b pode ser tomado positivo.

Utilizaremos esta informação para definir a relação de ordem em Q.

3.3 Relação de Ordem em Q

Definição 4 Sejam 𝑎

𝑏 𝑒

𝑐

𝑑 números racionais com b, d > 0. Escrevemos

𝑎

𝑏 ≤

𝑐

𝑑

quando ad ≤ bc e dizemos que 𝑎

𝑏 é menor ou igual a

𝑐

𝑑.

Teorema 5 A relação ≤ está bem definida e é uma relação de ordem em Q.

Demonstração. Vamos mostrar inicialmente que a relação está bem definida.

Seja 𝑎

𝑏=

𝑎’

𝑏’ , isto é, a𝑏’ = 𝑎’b. Temos que 𝑎

𝑏 ≤

𝑐

𝑑 ⇒ 𝑎𝑑 ≤ 𝑏𝑐, e, como 𝑏’ > 0,

obtemos 𝑎𝑏’𝑑 ≤ 𝑏𝑐𝑏’,logo , pela igualdade acima, 𝑎’𝑏𝑑 ≤ 𝑏𝑐𝑏’, concluímos que 𝑎’𝑑 ≤

𝑐𝑏’, ou seja, 𝑎’

𝑏’ ≤ 𝑐

𝑑 .

Do mesmo modo, como 𝑐

𝑑=

𝑐 ’

𝑑 ⇒ 𝑐𝑑’ = 𝑑𝑐 ’,

32

𝑎’

𝑏’ ≤

𝑐

𝑑 ⇒ 𝑎’𝑑 ≤ 𝑐𝑏’ ⇒ 𝑎’𝑑𝑑’ ≤ 𝑐𝑏’𝑑’ ⇒ 𝑎’𝑑𝑑’ ≤ 𝑐 ’𝑑𝑏’ ⇒ 𝑎’𝑑’ ≤ 𝑐 ’𝑏’ ⇒

𝑎’

𝑏’ ≤

𝑐 ’

𝑑’

Logo, como 𝑎

𝑏 ≤

𝑐

𝑑 ⇒

𝑎’

𝑏’ ≤ 𝑐

𝑑 e

𝑎’

𝑏’ ≤ 𝑐

𝑑 ⇒

𝑎’

𝑏’ ≤ 𝑐 ’

𝑑’ , concluímos que 𝑎

𝑏 ≤

𝑐

𝑑

⇒ 𝑎’

𝑏’ ≤

𝑐 ’

𝑑’.

Provemos, agora, que esta é uma relação de ordem:

1. Reflexiva: se 𝑎

𝑏 ∈ 𝑄, claramente,

𝑎

𝑏=

𝑎

𝑏, isto é,

𝑎

𝑏≤

𝑎

𝑏;

2. Simétrica: se 𝑎

𝑏,

𝑐

𝑑 ∈ 𝑄,

𝑎

𝑏 ≤

𝑐

𝑑 𝑒

𝑐

𝑑 ≤

𝑎

𝑏 , temos que ad ≤ bc e cb ≤ ad, daí

, pela tricotomia dos inteiros, obtemos, ad = bc, isto é, 𝑎

𝑏=

𝑐

𝑑;

3. Transitiva: se 𝑎

𝑏,

𝑐

𝑑,

𝑒

𝑓 ∈ 𝑄,

𝑎

𝑏 ≤

𝑐

𝑑 𝑒

𝑐

𝑑 ≤

𝑒

𝑓, temos ad ≤ bc e cf ≤ ed.

Multiplicando f na primeira e b na segunda desigualdade (podemos fazer isto, pois, b,

d > 0), obtemos adf ≤ bcf e bcf ≤ bed, daí , pela transitividade dos inteiros, obtemos,

adf ≤ bed, ou ainda, af ≤ be (d > 0), que significa, 𝑎

𝑏≤

𝑒

𝑓.

Proposição 3 Se r, s, t ∈ Q, são válidos os itens seguintes:

1. r ≤ s ⇔ r + t ≤ s + t;

2. Se r ≤ s e t ≥ 0

1, então rt ≤ st;

3. Se r ≤ s e t ≤ 0

1, então rt ≥ st.

Demonstração. Sejam 𝑟 = 𝑎

𝑏 𝑒 𝑠 =

𝑐

𝑑 𝑒 𝑡 =

𝑒

𝑓:

1. 𝑎

𝑏 ≤

𝑐

𝑑 ⇔ da ≤ bc ⇔ daf ≤ bcf, pois f > 0

⇔ daf + dbe ≤ bcf + dbe por propriedade dos inteiros

⇔ d(af + be) ≤ b(cf + de) ⇔ df(af + be) ≤ bf(cf + de)

⇔ 𝑎𝑓+𝑏𝑒

𝑏𝑓 ≤

𝑐𝑓+𝑑𝑒

𝑑𝑓 ⇔

𝑎

𝑏+

𝑒

𝑓≤

𝑐

𝑑+

𝑒

𝑓.

2. Como t = 𝑒

𝑓 e t ≥

0

1 , temos

𝑒

𝑓 ≥

0

1 que implica em e ≥ 0. Assim:

𝑎

𝑏 ≤

𝑐

𝑑 ⇒ ad ≤ cb

⇒ aedf ≤ cebf, pois e ≥ 0 e f > 0.

⇒ 𝑎𝑒

𝑏𝑓≤

𝑐𝑒

𝑑𝑓 ⇒

𝑎

𝑏

𝑒

𝑓 ≤

𝑐

𝑑

𝑒

𝑓.

3. Como t = 𝑒

𝑓 e t ≤

0

1 , temos

𝑒

𝑓 ≤

0

1 ⇒ e ≤ 0. Assim:

𝑎

𝑏 ≤

𝑐

𝑑 ⇒ ad ≤ cb ⇒ adf ≤ cbf, pois f > 0

33

⇒ aedf ≥ cebf pois e ≤ 0

⇒ 𝑎𝑒

𝑏𝑓 ≥

𝑐𝑒

𝑑𝑓 ⇒

𝑎

𝑏

𝑒

𝑓≥

𝑐

𝑑

𝑒

𝑓.

Como em Z, temos aqui:

𝑄∗ = {𝑎

𝑏|(𝑎, 𝑏) ∈ 𝑍∗ 𝑥 𝑍+

∗ }, 𝑄+∗ = {

𝑎

𝑏|(𝑎, 𝑏) ∈ 𝑍+

∗ 𝑥 𝑍+∗ },

𝑄−∗ = {

𝑎

𝑏|(𝑎, 𝑏) ∈ 𝑍−

∗ 𝑥 𝑍+∗ }, 𝑄− = {

𝑎

𝑏|(𝑎, 𝑏) ∈ 𝑍−

∗ 𝑥 𝑍+∗ } U {

0

1},

𝑄∓ = {𝑎

𝑏|(𝑎, 𝑏) ∈ 𝑍+

∗ 𝑥 𝑍+∗ } U {

0

1} e Q = 𝑄−

∗ U {0

1} U 𝑄+

Teorema 6 (Lei da Tricotomia em Q). Dados r, s ∈ Q, uma, e apenas uma, das

situações seguintes ocorre: ou r = s, ou r < s, ou s < r.

Demonstração. Tendo que r = 𝑎

𝑏 e s =

𝑐

𝑑 com b, d > 0. Pela tricotomia em Z, ou

ad = bc, caso este que ocorre r = s, ou ad < bc, caso em que ocorre r < s, ou bc < ad,

caso em que ocorre s < r. Além disso, somente uma delas pode ocorrer.

Vamos ver agora a função que imerge de Z em Q, a mesma que falamos, de N

em Z, na contrução dos inteiros.

Teorema 7 A função i : Z → Q, definida por i(n) = 𝑛

1 é injetora. Além disso, ela

preserva as operações e a relação de ordem de Z em Q no seguinte sentido:

1. i(m + n) = i(m) + i(n);

2. i(mn) = i(m).i(n);

3. Se m ≤ n, então i(m) ≤ i(n).

Demonstração. Provemos inicialmente que i é injetora. Se i(m) = i(n), temos

que 𝑚

1 =

𝑛

1, isto é, m · 1 = n · 1, equivalente a m = n, logo, i(m) = i(n) ⇒ m = n, portanto,

i é injetora.

1. i(m + n) = 𝑚+𝑛

1 =

1.𝑚+𝑛.1

1.1 =

𝑚

1 +

𝑛

1 = i(m) + i(n);

2. i(mn) = 𝑚.𝑛

1 =

𝑚.𝑛

1.1 =

𝑚

1 .

𝑛

1 = i(m).i(n);

3. m ≤ n ⇒ m.1 ≤ n.1 ⇒ 𝑚

1 ≤

𝑛

1 ⇒ i(m) ≤ i(n).

Faremos agora uma série de demonstrações para conseguirmos chegar ao

teorema que garante que Q é enumerável. Antes de enunciar a próxima proposição,

devemos lembrar que:

X \ (∪n∈NAn) = ∩n∈N(X \ An) (*)

e

X \ (∩n∈NAn) = ∪n∈N(X \ An). (**)

34

Lema 1 Todo subconjunto infinito de N é enumerável.

Demonstração. Seja X um subconjunto infinito de N. Pelo Princ pio da Boa

Ordem, X possui menor elemento, chamando-o de x0. Como X é infinito, o conjunto

Y0 = X \ {x0} é não vazio. Seja agora x1 o menor elemento de Y0. Obtidos x0,x1,x2,...,xn

(n ∈ N) dessa forma acima, obtemos xn+1 como sendo o menor elemento de Yn = X

\{x0,x1,x2,...,xn}, que existe, pois Yn é não vazio, para todo n natural, caso contrário, X

seria finito.

Temos que X \ (∪n∈NAn) = ∩n∈N(X \ An) = ∩n∈NYn, onde, neste caso, An =

{x0, x1, x2, ..., xn}.

Se existisse x ∈ X \(∪n∈NAn), esse x também seria elemento de ∩n∈NYn e, como

tal, deveria ser maior do que x0, por estar em Y0, deveria ser maior do que x1 por estar

em Y1 e, assim sucessivamente, x deveria ser maior do que xn, para todo n ∈ N. Dessa

forma, o conjunto infinito ∪n∈NAn = {x0, x1, x2, ..., xn,...} estaria contido no conjunto finito

{1,2,3,...,x}, o que é um absurdo. Portanto, não existe x ∈ X \(∪n∈NAn), isto é, X

\(∪n∈NAn) = ∅, ou ainda, X = ∪n∈NAn = {x0}∪{x0,x1} ∪ {x0, x1, x2} ∪... = {x0, x1, x2, ..., xn,...},

o que significa que X é enumerável.

Lema 2 Todo número racional positivo 𝑎

𝑏, (a, b > 0), pode ser escrito, de modo

único, como uma fração irredutível, isto é, na forma 𝑚

𝑛, onde m e n são primos entre

si, ou seja, não possuem fatores primos em comum.

Demonstração. Pelo Teorema Fundamental da Aritmética, consideremos as

decomposições em fatores primos de a e de b. Seja k o produto de todos os fatores

primos comuns a a e a b, de modo que 𝑎

𝑏 =

𝑘𝑎’

𝑘𝑏’. Obtemos 𝑎

𝑏 =

𝑎’

𝑏’, onde 𝑎’e 𝑏’ são

relativamente primos. Existindo uma fração irredutível 𝑐

𝑑 igual a

𝑎’

𝑏’, a propriedade

fundamental das frações nos daria 𝑎’. 𝑑 = 𝑏’. 𝑐 , o que, pela unicidade da

decomposição em fatores primos, obrigaria d a conter os fatores primos de 𝑏’ e vice-

versa, o mesmo ocorrendo para 𝑎’ e c, ou seja, 𝑎’ = 𝑐 e 𝑏’ = 𝑑.

Proposição 4 𝑄+∗ é enumerável.

Demonstração. Consideremos os números racionais escritos na forma

irredutível, como no lema anterior. Seja f: 𝑄+∗ → N dada por f(

𝑚

𝑛) = 2𝑚. 3𝑛. Se f(

𝑚

𝑛)

= f(𝑚’

𝑛’), então, 2m ·3n = 2𝑚’

. 3𝑛’, vemos então que, pelo Teorema Fundamental

da Aritmética e pela unicidade da representação de frações na forma irredutível, dada

35

pela proposição acima, 2m = 2𝑚’ e 3n = 3𝑛’, ou seja, m = 𝑚’ e n = 𝑛’, que nos garante

que, 𝑚

𝑛 =

𝑚’

𝑛’. Chegamos que, f é injetora e tem como imagem um subconjunto infinito

de N, que é, pelo lema, enumerável.

Proposição 5 A união de dois conjuntos enumeráveis é enumerável. Além

disso, a união de uma família finita de conjuntos enumeráveis é enumerável.

Demonstração. Sejam A e B dois conjuntos enumeráveis.Claramente, ou A ∩

B = ∅ ou A ∩ B 6= ∅.

Tentemos primeiro com A ∩ B = ∅:

Como A é enumerável, existe f1 : A → N bijetora. Temos que existe também

uma função g1 : N → Np (onde Np representa os números naturais pares), dada por

g1(n) = 2n para todo n ∈ N. Como para todo 2n existe n, tal que g(n) = 2n e 2n = 2m

⇔ n = m, esta função é bijetora, desta forma, podemos ter h1 = g1◦f1 : A → Np, dada

por h1(x) = 2f(x), bijetora. Do mesmo modo, como B é enumerável, existe f2 : B → N

bijetora e também g2 : N → Ni (onde Ni são os números naturais ímpares), dada por

g2(n) = 2n + 1 para todo n ∈ N, que Ø claramente bijetora. Desta forma, obtemos h2 =

g2 ◦ f2 : B → Ni, dada por h2(x) = 2f2(x) + 1, bijetora. Sendo assim, f : (A ∪ B) → (Np ∪

Ni), dada por

f(x) = {ℎ1(𝑥)𝑠𝑒 𝑥 ∈ 𝐴

ℎ2(𝑥)𝑠𝑒 𝑥 ∈ 𝐵

é bijetora. Como A ∩ B = ∅, f está bem definida e, como Np ∪ Ni = N, A ∪ B é

enumerável.

Seja agora, A ∩ B ≠ ∅:

Seja C = A \ B, um conjunto tal que A ∪ B = C ∪ B. Temos B ∩ C = ∅ por

construção, portanto, pelo que já foi demonstrado acima, C ∪ B é enumerável, logo,

A ∪ B também será.

Sejam agora A1,A2,...,An conjuntos enumeráveis. Precisamos provar que Uk ∈ {1,

2,...,n} Ak é enumerável. Provemos por indução finita. Já sabemos que se n = 2 isto é

verdade, então suponhamos que Uk ∈ {1, 2,..., n−1} Ak é enumerável e provemos que Uk ∈

{1,2,...,n} Ak também será. De fato, como Uk∈{1,2,...,n−1} Ak é enumerável e An também,

obviamente, Uk∈{1,2,...,n−1} Ak ∪ An é enumerável.

Proposição 6 A união de um conjunto finito com um conjunto enumerável é

enumerável.

36

Demonstração. Seja X um conjunto enumerável, isto é, existe g : N → X,

bijetora. Seja também Y = {y1, y2, ..., yn} com n ∈ N um conjunto finito qualquer. Temos

que, ou X∩Y = ∅ ou X ∩ Y ≠ ∅.

Suponhamos primeiro que X ∩ Y = ∅:

Assim, podemos ter f : N → X ∪ Y dada como segue:

f(x) = {𝑦𝑘, se1 ≤ 𝑘 ≤ 𝑛,

𝑓(𝑘) = 𝑔(𝑘 − 𝑛), se (𝑛 + 1) ≤ 𝑘

Esta função está bem definida, pois X ∩ Y = ∅ e é bijetora, portanto, X ∪ Y é

enumerável.

Seja agora, X ∩ Y ≠ ∅:

Seja C = X \ Y , um conjunto tal que X ∪ Y = C ∪ Y . Temos Y ∩ C = ∅ por

construção, portanto, chegamos agora que, C ∪ Y é enumerável, logo, X ∪ Y também

será.

Teorema 8 Q é enumerável.

Demonstração. Se escrevermos Q como 𝑄−∗ U {0} U 𝑄+

∗ , pelas

proposições chegamos que Q é enumerável.

3.4 Q como corpo ordenado

O conjunto dos números racionais está representado pelas duas operações,

adição e multiplicação, como também pelas subtração e divisão, que são definidas a

partir das duas primeira e simbolizadas por (−) e (:), respectivamente. Sendo a

subtração definida como: se r, s ∈ Q, r − s = r + (−s). Tem-se a divisão como sendo:

Definição 5 Sejam r, s ∈ Q com s ≠ 0. Dizemos que r dividido por s é dado por

r : s = r · s−1.

Observando a operação, podemos ver que, a divisão não se realiza em Q, dado

que o seu domínio é 𝑄 𝑥 𝑄∗e não Q × Q.

Proposição 7 Se a, b ∈ Z, com b ≠ 0, então 𝑎

1 :

𝑏

1 =

𝑎

𝑏 .

Demonstração. Pela Definição 2.3.12, 𝑎

1 :

𝑏

1 =

𝑎

1 .

1

𝑏 =

𝑎.1

1.𝑏 =

𝑎

𝑏.

Identicando Z com sua cópia algébrica i(Z) em Q, a igualdade da proposição é

escrita a : b = 𝑎

𝑏.

Proposição 8 Se 𝑎

𝑏,

𝑐

𝑑 ∈ 𝑄, com

𝑐

𝑑 ≠

0

1, então

𝑎

𝑏 :

𝑐

𝑑 =

𝑎𝑑

𝑏𝑐.

37

Demonstração. 𝑎

𝑏 :

𝑐

𝑑 =

𝑎

𝑏 .

𝑑

𝑐 =

𝑎𝑑

𝑏𝑐.

Normalmente, nos textos elementares de matemática, apresenta-se a notação

𝑎

𝑏𝑐

𝑑

para 𝑎

𝑏 :

𝑐

𝑑.

Proposição 9 Admitindo a identificação de Z com i(Z), para r, s racionais

arbitrários, valem:

1. se r.s = 0, então s = 0 ou r = 0;

2. se r > 0 e s > 0, então r.s > 0;

3. se r > 0 e s < 0, então r.s < 0;

4. se r < 0 e s < 0, então r.s > 0;

5. se r > 0, então r−1 > 0;

6. se r < s, então r < (r + s) · 2−1 < s;

Demonstração. Sejam r = 𝑎

𝑏 e s =

𝑐

𝑑.

1. Suponhamos 𝑐

𝑑 ≠ 0, ou seja, c ≠ 0:

𝑎

𝑏 .

𝑐

𝑑 =

𝑎.𝑐

𝑏.𝑑= 0 ⇒ 𝑎𝑐 = 0 ⇒ 𝑎 = 0, portanto,

𝑎

𝑏= 0. De forma análoga, supondo

𝑎

𝑏 ≠ 0, percebemos que

𝑐

𝑑= 0.

2. 𝑎

𝑏> 0 ⇒ 𝑎 > 0 𝑒

𝑐

𝑑> 0 ⇒ 𝑐 > 0, desta forma, ac > 0, logo

𝑎𝑐

𝑏𝑑> 0;

3. 𝑎

𝑏> 0 ⇒ 𝑎 > 0 𝑒

𝑐

𝑑< 0 ⇒ 𝑐 < 0, desta forma, ac < 0, logo

𝑎𝑐

𝑏𝑑< 0;

4. 𝑎

𝑏< 0 ⇒ 𝑎 < 0 𝑒

𝑐

𝑑< 0 ⇒ 𝑐 < 0, desta forma, ac > 0, logo

𝑎𝑐

𝑏𝑑> 0;

5. 𝑎

𝑏> 0 ⇒ 𝑎 > 0, desta forma, b > 0, logo

𝑏

𝑎> 0, ou seja, r−1 > 0 ;

6. Se r < s, temos que, 2r < r + s e r + s < 2s, da , 2r < r + s < 2s e assim,

2 . 𝑎

𝑏<

𝑎

𝑏+

𝑐

𝑑< 2.

𝑐

𝑑 ⇒

𝑎

𝑏< 2−1 (

𝑎

𝑏+

𝑐

𝑑) <

𝑐

𝑑, ou seja, r < 2−1(r + s) < s.

Teorema 9 Q não é bem ordenado.

Demonstração. Provemos que existem subconjuntos de Q não vazios, limitados

inferiormente, mas que não possuem elemento mínimo. De fato, seja

𝑋 = {𝑎

𝑏 ∈ 𝑄|2−1 <

𝑎

𝑏}. Temos que X é limitado inferiormente por 2−1 e X ≠ ∅,

dado que 1 ∈ X. Suponhamos que X possua um elemento mínimo, digamos 𝑐

𝑑 . Sendo

assim 𝑐

𝑑≤

𝑎

𝑏 para todo

𝑎

𝑏 ∈ 𝑋. Como 2−1 é limitante inferior de X, 2−1 <

𝑐

𝑑 , vemos então

que:

38

2−1 < 𝑐

𝑑 ⇒ 2−1 < (2−1 +

𝑐

𝑑 ) 2−1 <

𝑐

𝑑, assim,

(2−1 + 𝑐

𝑑 ) 2−1 ∈ 𝑋 e (2−1 +

𝑐

𝑑 ) 2−1 <

𝑐

𝑑 , o que é uma contradição com a

minimalidade de 𝑐

𝑑. Logo, X não possui elemento mínimo.

Acabamos de ver que Q não é um conjunto bem ordenado como Z, porém, ele

possui, além de todas as propriedades aritméticas de Z, a propriedade de que todo

elemento não nulo possui inverso.

Teorema 10 Sejam (K, +, ·) um conjunto munido de duas operações. Dizemos

que K é um corpo, se:

1. + e · são associativas;

2. + e · possuem elementos neutros distintos;

3. + possui elemento simétrico e · elemento inverso, para todo elemento

distinto do neutro da adição;

4. + e · são comutativas;

5. · é distributiva em relação a +.

E ainda, se este corpo estiver uma relação de ordem compatível com suas

operações, ele é chamado de corpo ordenado.

Um exemplo de tal corpo ordenado é Q. Vejamos a seguir uma propriedade de

corpos ordenados em geral.

Proposição 10 Seja K um corpo ordenado, cujo elemento neutro de + é

representado por 0 e a relação de ordem é denotada por ≤. Então 0 ≤ x2 para todo x ∈

K.

Demonstração. Se x < 0, temos que x2 > 0, se x = 0, então x2 = 0 e, se x > 0,

temos que x2 > 0, logo, para todo x ∈ K, x2 ≥ 0.

Teorema 11 Q não possui elemento máximo e nem mínimo.

Demonstração. Suponhamos que exista um elemento máximo em Q, digamos,

mx = 𝑚

𝑛, isto é,

𝑎

𝑏≤

𝑚

𝑛, para todo

𝑎

𝑏 ∈ 𝑄. Claramente,

𝑚

𝑛+ 1 =

𝑚+𝑛

𝑛 ∈ 𝑄, além disso,

𝑚

𝑛<

𝑚+𝑛

𝑛, o que contradiz a maximalidade de mx, logo Q não possui um elemento máximo.

De forma análoga, obtemos que Q não possui um elemento mínimo.

Vimos que um conjunto X ⊂ Q diz-se limitado superiormente quando existe

algum b ∈ Q tal que x ≤ b para todo x ∈ X. Neste caso, diz-se que b é uma cota superior

de X. Vejamos, partir disso o seguinte:

39

Definição 6 Seja X ⊂ Q limitado superiormente e não vazio. Um número b ∈ Q,

chama-se o supremo do conjunto X quando é a menor das cotas superiores de X, isto

é, quando é a cota superior mínima de X. Em outras palavras, b é o supremo de X

quando cumpre as seguintes condições:

1. Para todo x ∈ X, tem-se x ≤ b;

2. Se c ∈ Q é tal que x ≤ c para todo x ∈ X então b ≤ c;

Escrevemos b = supX para indicar que b é o supremo do conjunto X. O ínfimo

de um conjunto é dado analogamente, sendo a maior das cotas inferiores (cota inferior

máxima de X) e, escreve-se a = inf X, quando a é o ínfimo do conjunto X.

Temos que, se existe o supremo b de X, então este supremo é único. De fato,

suponhamos que existam dois supremos b1 e b2. Dessa forma, x ≤ b1 para todo x ∈ X

e, se c ∈ Q tal que x ≤ c para todo x ∈ X, então b1 ≤ c. Analogamente x ≤ b2 para todo

x ∈ X e, se c ∈ Q tal que x ≤ c para todo x ∈ X, então b2 ≤ c. Logo, como b1, b2 ∈ Q,

então b1 ≤ b2 e b2 ≤ b1, então b1 = b2.

Definição 7 Seja K um corpo ordenado. Dizemos que K é arquimediano se,

dados a, b ∈ K, existe n ∈ N tal que n · a > b;

Teorema 12 O conjunto N ⊂ Q não é limitado superiormente;

1. O ínfimo do conjunto {1

𝑛|𝑛 ∈ 𝑁∗}, igual a 0;

2. Q é um corpo arquimediano.

Demonstração.

1. Suponhamos que exista 𝑎

𝑏 ∈ 𝑄, tal que

𝑎

𝑏 ≥ 𝑛, para todo n ∈ N. Temos

que a. b ∈ 𝑍+∗ , isto é, a, b ∈ 𝑁∗. Dessa forma, b ≥ 1 e, assim, 𝑎 ≥

𝑎

𝑏 .

Se 𝑎 >𝑎

𝑏, como a ∈ 𝑁∗, encontramos uma contradição com o fato de que

𝑎

𝑏 é

um limitante superior de N em Q.

Se 𝑎 =𝑎

𝑏, então 𝑎 + 1 > 𝑎 =

𝑎

𝑏, e, como a ∈ 𝑁∗ ⇒ a + 1 ∈ N, encontramos uma

contradição com o fato de que 𝑎

𝑏 é um limitante superior de N em Q. Logo, N não é

limitado superiormente em Q;

2. Claramente, 0 é uma cota inferior de X. Basta então provar que nenhum

c > 0 é cota inferior de X. Dado c > 0, existe, pelo item 1, um número natural 𝑛 >1

𝑐 ,

da , 1

𝑛< 𝑐.

40

3. Dados a, b ∈ Q, usamos 1 para obter n ∈ N tal que 𝑛 >𝑏

𝑎. Então, n · a >

b.

As três propriedades acima são equivalentes.

Propriedades válidas desta mesma forma, não somente para Q, mas para todo

corpo ordenado.

41

4 NÚMEROS REAIS

Temos nos conceitos de números reais um dos mais profundos da matemática,

remonta aos gregos da escola pitagórica, com a descoberta da incomensurabilidade

entre o lado e a diagonal de um quadrado. A construção desse conceito passou por

Eudoxo, com sua teoria das proporções, registrada nos Elementos de Euclides, e só

foi concretizada em XIX. Os matemáticos alemães, Cantor e Dedekind, construíram

os números reais a partir dos racionais por métodos diferentes, respectivamente

conhecidos por Classes de equivalência de sequências de Cauchy (Suponha que os

números racionais e suas propriedades são conhecidos, neste método de Cantor,

cada número real é definido como uma classe de equivalência de sequências de

Cauchy de números racionais) e por Cortes de dedekind, onde ambos geram o mesmo

ambiente, ou seja, dois corpos ordenados complexos são isomorfos. O último, que

apresentaremos aqui, inspirou-se na Teoria das Proporções de Eudoxo.

No Ensino Fundamental, o que diz sobre os números reais é o seguinte: admite-

se que a cada ponto de uma reta está associado um número real. Há pontos que não

correspondem a números racionais. A esses pontos sem abscissa racional

correspondem os números com nome irracionais. Outra forma de introduzi-los é a

seguinte: admite-se ou, em alguns casos, demonstra-se que a representação decimal

dos números racionais é periódica e, reciprocamente, toda representação decimal

periódica corresponde à de um número racional. Conclui-se por definir número

irracional como sendo aqueles que possuem representação decimal não periódica. Ao

conjunto constituído pelos racionais e irracionais dá-se o nome de conjunto dos

números reais.

Em linhas gerais, o que faremos é construir rigorosamente os números reais,

tendo como ponto de partida o conjunto dos números racionais. Definiremos a noção

de corte, devida a Dedekind. Consideraremos o conjunto constituído de todos os

cortes e nele definiremos duas operações, adição e multiplicação, e uma relação de

ordem.

A este conjunto de cortes chamaremos de conjunto dos números reais, que

será denotado por R.

42

4.1 Cortes de Dedekind

Definição 1 Um conjunto α de números racionais diz-se um corte se satisfizer

as seguintes condições:

1. α ≠ ∅ e α ≠ Q;

2. Se r ∈ α e s < r (s racional) então s ∈ α;

3. Em α não existe elemento máximo.

Exemplo 1 O conjunto A = {𝑥 ∈ 𝑄|𝑥 <3

5} é um corte:

1. A ≠ ∅, pois 0 ∈ A e A ≠ Q, pois 1 ∈ Q e 1 ∉ A;

2. Seja r ∈ A e s < r, assim, s < r < 3

5, logo s <

3

5, isto é, s ∈ A;

3. Suponhamos que exista uma máximo em A, digamos m. Sendo assim, r

≤ m para todo r ∈ A. Sabemos que m < 3

5, portanto, m < (𝑚 +

3

5 ) 2−1<

3

5, o que

contradiz a maximalidade de m. Então, A não possui máximo.

Chegando a conclusão que A é um corte.

Exemplo 2 O conjunto B = {𝑥 ∈ 𝑄|𝑥 >3

5} não é um corte:

1. B ≠ ∅, pois 1 ∈ B e B ≠ Q, pois 0 ∈ Q e 0 ∉ B;

2. Seja r ∈ B e s < r. Tomemos r = 1 e s = 0, assim, s < r, entretanto, s ∉ B.

Logo, B não é um corte.

Exemplo 3 O conjunto C = {𝑥 ∈ 𝑄|𝑥 ≤3

5} não é um corte:

1. C ≠ ∅, pois, 0 ∈ C e C ≠ Q pois 1 ∈ Q e 1 ∉ C;

2. Seja r ∈ C e s < r, assim, s < r ≤ 3

5, logo s <

3

5, isto é, s ∈ C;

3. Temos que x ≤ 3

5 para todo x ∈ C. Sendo assim, podemos ver que m =

3

5, é o máximo deste conjunto, por definição de máximo.

Portanto, C não é um corte.

Exemplo 4 O conjunto C = {𝑥 ∈ 𝑄|−3 < 𝑥 <8

5} não é um corte:

1. D ≠ ∅, pois, 0 ∈ D e D ≠ Q pois 2 ∈ Q e 2 ∉ D;

2. Seja −3 < 𝑟 <8

5 𝑒 𝑠 < 𝑟. Tomemos s = −4 e r = 0. Assim, s < r,

entretanto, s ∉ D.

Logo, D não é um corte.

Exemplo 5 E = Q \ {0} não é um corte.

43

1. E ≠ ∅, pois, 1 ∈ E e E ≠ Q pois 0 ∈ Q e 0 ∉ E;

2. Seja r ∈ E e s < r. Tomemos s = 0 e r = 1. Assim, s < r, entretanto, s ∉ E.

Sendo assim, E não é um corte.

Exemplo 6 F = {1, 4,3

5} não é corte.

1. F ≠ ∅, pois, 1 ∈ F e F ≠ Q pois 0 ∈ Q e 0 ∉ F;

2. Seja r ∈ F e s < r. Tomemos s = 0 e r = 1. Assim, s < r, entretanto, s ∉ F.

Portanto, F não é um corte.

Proposição 1 Sejam α um corte e r ∈ Q. Então, r é cota superior de α se, e

somente se, r ∈ Q \ α.

Demonstração. (⇒) Se r é uma cota superior de α, então x ≤ r, para todo x ∈ α,

entretanto, pelo item 3 da definição de corte, α não possui elemento máximo, portanto

r não pode pertencer a α, isto é, r ∈ Q \ α.

(⇐) Seja r ∈ Q \ α e s ∈ α. Temos que, ou r ≥ s, ou r < s. Se o segundo caso

ocorre, pelo item 2 da definição de corte, r ∈ α, o que é uma contradiz a hipótese, logo,

r ≥ s, isto é, r é uma cota superior de α.

Proposição 2 Se r ∈ Q e α = {x ∈ Q | x < r} então α é um corte e r é a menor

cota superior de α.

Demonstração.

1. α ≠ ∅, pois x = r − 1 ∈ α e α ≠ Q pois r ∈ Q e r ∉ α;

2. Sejam s ∈ α e t < s. Assim, t < s < r, logo t < r, ou seja, t ∈ α;

3. Suponhamos que exista s ∈ α tal que x ≤ s para todo x ∈ α. Como s ∈ α,

então s < r, daí, s < (s + r)2−1 < r. Como (s + r)2−1 ∈ Q e (s + r)2−1 < r, então (s + r)2−1

∈ α, o que contradiz a maximalidade de s, portanto, α não possui um elemento

máximo.

Seja s ∈ Q uma cota superior de α. Suponhamos que s < r, o que implica que s

∈ α, assim s é um elemento máximo de α, contradizendo o fato de α ser corte. Tendo

então, r ≤ s para toda cota superior s de α, ou melhor dizendo, r é a menor cota superior

de α.

Definição 2 Os cortes do tipo da proposição anterior são chamados cortes

racionais e se representam por 𝑟∗

Proposição 3 Todo corte que possui cota superior mínima é racional.

44

Demonstração. Seja α um corte com cota superior mínima r, isto é, x ≤ r para

todo x ∈ α. Temos que r ∉ α pois, caso contrário, r seria máximo de α, o que não pode

acontecer, por definição de corte, sendo assim x < r para todo x ∈ α. Como r é a

mínima das cotas superiores de α, temos que, qualquer s ∈ Q, tal que s < r, não é cota

superior de α, isto é, pertence a α.

Logo, se r ∈ Q é cota superior mínima de α, então α = {x ∈ Q | x < r} , ou seja,

α é racional.

Teorema 1 Seja α = 𝑄−∗ ∪ {x ∈ 𝑄+ | x2 < 2}. Então α é um corte que não é

racional.

Demonstração.

1. α ≠ ∅ pois 0 ∈ α e α ≠ Q pois 2 ∈ Q e 2 ∉ α.

2. Sejam r ∈ α e s ∈ Q, s < r.

• Se s ≤ 0 então s ∈ α;

• Se s > 0 e s < r, então s2 < r2 < 2, isto é, s ∈ α;

3. Devemos provar que se x ∈ α, logo existe y ∈ α, com y > x. Será óbvio

se x ≤ 0. Suponhamos que x > 0 com x2 < 2. Para encontrar y nas condições que são

apresentadas, basta ter h ∈ 𝑄+∗ tal que (x + h)2 < 2 e colocar y = x + h. Temos então

que x2 + 2xh + h2 < 2. Resolvendo esta inequação em h seria conduzida a expressão

de forma indesejável, então para não perder a generalidade, façamos com h < 1.

Obteremos: x2 + 2xh + h2 < x2 + 2xh + h, que fica menor que 2, se tomarmos h < 2− 𝑥2

2𝑥+1

e como esta expressão é positiva, tomando h < min{ 1, 2− x2

2x+1}, h ∈ Q+e y = x + h,

chegamos que y2 = (x + h)2 < 2, isto é, y ∈ α e y > x. Existindo h pelo fato de Q ser

arquimediano.

Disto temos que α é um corte.

Verifiquemos agora que α não possui cota superior mínima. Os racionais que

não pertencem a α são os positivos que têm quadrado maior ou igual a 2, e sabemos

que não existe racional cujo quadrado é igual a 2. Sendo assim, q é uma cota superior

de α se q > 0 e q ∈ Q tal que q2 > 2. Mostraremos que, para cada cota superior p,

encontraremos outra cota superior q tal que q < p. De fato, seja p uma cota superior,

isto é, p ∈ Q e p2 > 2.

45

Seja q = p - 𝑝2−2

2𝑝 . Dessa forma, 0 < q < p e q2 = p2 – 2p(

𝑝2−2

2𝑝) + (

𝑝2−2

2𝑝)2 = 2 +

(𝑝2−2

2𝑝)2 > 2. Portanto, q < p e q2 > 2.

4.2 Relação de ordem em C

Denotaremos em C o conjunto de todos os cortes.

Definição 3 Sejam α, β ∈ C. Dizemos que α < β quando β \ α ≠ ∅. Em outras

palavras, α < β se existe um racional p tal que p ∈ β e p ∉ α.

Exemplo 7

1. 5∗ > 4

5

∗, pois 1 ∈ 4∗\

4

5

∗;

2. 1∗> 0∗ pois 1

2∈ 1∗\ 0∗;

3. (−3)∗< 0∗, pois -1 ∈ 0∗\ (−3)∗; ;

4. Se ∝ = {x ∈ 𝑄+ | x2 < 2} U 𝑄−∗ , então α < 2∗, pois

18

10∈ 2∗\ ∝.

Definição 4 Se α ∈ C e α > 0∗, α chama-se corte positivo. Se α < 0∗, é chamado

de corte negativo. Se α ≥ 0∗, α é corte não negativo e se α ≤ 0∗, ele chama-se corte

não positivo.

Proposição 4 Para α, β ∈ C, valem as equivalências:

1. α < β ⇔ α ⊂ β e α ≠ β;

2. α ≤ β ⇔ α ⊂ β.

Demonstração.

1. (⇒) α < β ⇒ existe p ∈ β tal que p ∉ α. Claramente α ≠ β. Suponhamos

que α * β, isto é, existe p ∈ α tal que p ∉ β, o que é uma contradição, pois por definição,

se isto ocorre, então β < α. Logo α ⊂ β.

(⇐) Se α ⊂ β e α ≠ β, então existe p em β tal que p não está em α, ou

seja, α < β;

2. (⇒) α ≤ β ⇒ α < β ou α = β. Se α < β, pelo item anterior α ⊂ β. Se α = β,

obviamente α ⊂ β.

(⇐) α ⊂ β implica, pelo item anterior, que α < β, ou seja, α ≤ β.

Teorema 2 (Tricotomia). Sejam α, β ∈ C, temos então uma e somente uma das

possibilidades a seguir ocorre:

α = β ou α < β ou β < α.

46

Demonstração. Pela definição da igualdade de conjuntos, se α = β, exclui as

outras duas possibilidades. Também, α < β ou β < α, excluem α = β, Supomos que

α < β e β < α ocorrem simultaneamente, então existe 𝑟 ∈ 𝛽\ ∝ e 𝑠 ∈ 𝛼\ 𝛽. De r ∈ 𝛽 e s

∉ β resulta r < s e de 𝑠 ∈ 𝛼 e r ∉ ∝ resulta s < r, o que contradiz a tricotomia em Q.

Logo, não acontecem ao mesmo tempo. E para mostrar que uma delas deve ocorrer,

temos que α = β ou α ≠ β. Se α = β, não há nada a provar. Sendo α ≠ β, então α\ β

≠ ∅ ou β\ ∝ ≠ ∅, vendo então que no caso primeiro β < α e no segundo α < β.

Teorema 3 A relação ≤ é uma relação de ordem em C.

Demonstração.

1. Reflexiva: Seja α ∈ C. Obviamente α = α, portanto, α ≤ α;

2. Antissimétrica: Sejam α, β ∈ C, α ≤ β e β ≤ α. Pela tricotomia, α = β;

3. Transitiva: Sejam α, β, 𝛾 ∈ C, α ≤ β e β ≤ 𝛾. Onde α ≤ β ⇒ α ⊂ β e β ≤ 𝛾 ⇒ β

⊂ 𝛾.

Temos que a inclusão de conjuntos é transitiva, portanto, α ⊂ β e β ⊂ 𝛾 implicam

que α ⊂ 𝛾, da α ≤ 𝛾.

4.3 Operações com cortes

Teorema 4 Sejam α, β ∈ C. Se 𝛾 = {r + s | r ∈ α e s ∈ β}, então 𝛾 ∈ C.

Demonstração. Devemos mostrar que 𝛾 ∈ C, isto é, provar que satisfaz as três

condições para ser um corte:

1. Como α ≠ ∅ e β ≠ ∅, claramente 𝛾 ≠ ∅. Sejam t ∈ Q \ α e u ∈ Q \ β.

Sendo assim, t > r para todo r ∈ α e u > s para todo s ∈ β, logo, t + u > r + s, para todo

r ∈ α e para todo s ∈ β. Sendo assim, t + u ∉ 𝛾, logo 𝛾 ≠ Q.

2. Sejam r ∈ γ e s ∈ Q com s < r. Como r ∈ 𝛾, temos que r = p + q com p ∈

α e q ∈ β, da , s < p + q. Sendo assim, podemos tomar 𝑞’ < q, tal que s = 𝑝 + 𝑞’,

portanto, s ∈ 𝛾.

3. Devemos mostrar que 𝛾 não possui elemento máximo, isto é, para todo

r ∈ 𝛾, existe s ∈ 𝛾 tal que r < s. De fato, temos que r = p + q com p ∈ α e q ∈ β. Como

existe 𝑝’ ∈ α tal que p < 𝑝’, o racional s = 𝑝’ + 𝑞 ∈ 𝛾 e é maior do que r.

Definição 5 Definimos por α + β como sendo o corte 𝛾 do teorema anterior, isto

é,

α + β = {r + s | r ∈ α e s ∈ β}.

47

Teorema 5 A adição em C é comutativa, associativa e tem 0∗ como elemento

neutro.

Demonstração.

1. Comutativa: Sejam α, β ∈ C. Devemos mostrar que α + β = β + α. De

fato, tomemos r + s ∈ α + β tal que r ∈ α e s ∈ β. Vimos que a comutativa é válida em

Q, portanto, r + s = s + r. Sabemos que s + r ∈ β + α com s ∈ β e r ∈ α, sendo assim,

r + s ∈ β + α. Logo, α + β ⊂ β + α. Da mesma forma podemos concluir que β + α ⊂ α

+ β, logo, α + β = β + α.

2. Associativa: sejam α, β, 𝛾 ∈ C. Devemos mostrar que α + (β + 𝛾) = (α +

β) + 𝛾. De fato, tomemos r + (s + t) ∈ α + (β + 𝛾) tal que r ∈ α,s ∈ β e t ∈ 𝛾. Vimos que

a associativa é válida em Q, portanto, r + (s + t) = (r + s) + t. Sabemos que (r + s) + t

∈ (α + β) + 𝛾 com r ∈ α, s ∈ β e t ∈ 𝛾, sendo assim, r + (s + t) ∈ (α + β) + 𝛾. Logo, α +

(β + 𝛾) ⊂ (α + β) + 𝛾. Da mesma forma, podemos concluir que, (α + β) + 𝛾 ⊂ α + (β

+ 𝛾), então, α + (β+ 𝛾) = (α + β) + 𝛾.

3. Elemento Neutro da Adição: devemos mostrar que α + 0∗ = α. Seja r = p

+ q ∈ α + 0∗ com p ∈ α e q ∈ 0∗, isto é, q < 0. Assim, r < p, portanto, r ∈ α. Logo, α + 0∗

⊂ α. Tomemos agora r ∈ α e s ∈ α, tal que r < s. Podemos apresentar r como r = s +

(r − s), onde r − s < 0 e, portanto, (r − s) ∈ 0∗. Logo, r ∈ α + 0∗ e assim, α ⊂ α + 0∗, de

onde segue que, α = α + 0∗.

Lema 1 Sejam ∝ ∈ 𝐶 𝑒 𝑟 ∈ 𝑄+∗ . Então existem números racionais p e q tais que

p ∈ α, q ∉ α, q não é cota superior mínima de α e q − p = r.

Demonstração. Tomemos s arbitrário em α e consideremos a sequência sn = s

+ nr para n = 0,1,2,.... Seja A = {n ∈ N | sn ∈ α}. Temos que:

• A ⊂ N, por definição de A;

• A ≠ ∅, pois 0 ∈ A;

• A é finito, por consequência das condições 2 e 3 para α ser corte.

Portanto podemos afirmar que o conjunto A assume um máximo m. Isto

acarreta que sm ∈ α e sm+1 ∉ α.

Se s + (m + 1)r não for cota superior mínima de α, devemos tomar p = s + mr e

q = s + (m + 1)r, logo , q − p = r. Se s + (m + 1)r for cota superior mínima de α, devemos

tomar: 𝑝 = 𝑠 + 𝑚𝑟 + 𝑟

2 e 𝑞 = 𝑠 + (𝑚 + 1)𝑟 +

𝑟

2, vemos então que q – p = r.

48

Teorema 6 Seja α ∈ C, existe um único corte β tal que α + β = 0∗. Como nos

casos dos inteiros e racionais, tal β denota-se por −α e se chama simétrico (ou oposto)

de α.

Demonstração. Provemos inicialmente a unicidade. Suponhamos que α + β =

α + 𝛽’ = 0∗:

𝛽’ = 𝛽’ + 0∗ = 𝛽’ + (α + β) = (𝛽’ + α) + β = 0∗ + β = β.

Provemos agora a existência e um corte β que satisfaça α + β = 0∗. Iniciemos

tomando um β e mostrar que é corte. Seja β = {p ∈ Q | −p ∉ α e − p não é cota superior

mínima de α}.

1. (a) Para mostrar que β ≠ ∅, consideremos dois casos:

• α não possui cota superior mínima:

Como α é um corte, então α ≠ Q e portanto, existe q ∈ Q tal que q ≠ α. Assim,

basta tomar p = −q ∈ Q e −p = q ≠ α. Logo p ∈ β e portanto β ≠ ∅.

• α possui cota superior mínima m:

Como m é cota superior mínima de α, m ∉ α (se m ∈ α, m seria máximo de α,

o que contradiz a definição de corte) e com isso, m + 1 ∉ α. Seja p = −m − 1 ∈ Q e −p

= m + 1 ∉ α e, além disso, −p = m + 1 6= m. Portanto p ∈ β e β ≠ ∅.

(b) Para mostrar que β ≠ Q, consideremos novamente dois casos:

• α não possui cota superior mínima:

Como α é corte, então α ≠ ∅ e portanto existe r ∈ α (da r ∈ Q). Tomemos p = −r

∈ Q e, portanto, −p = r ∈ α. Logo p ∉ β e p ∈ Q, isto é, β ≠ Q.

• α possui cota superior mínima m:

Como m é cota superior mínima de α, então m − 1 ∈ α. Seja p = −m + 1 ∈ Q e

−p = m − 1 ∈ α. Portanto, p ∉ β e p ∈ Q, isto é, β ≠ Q.

2. Seja p ∈ β e q ∈ Q tal que q < p. Queremos mostrar que q ∈ β. Como p

∈ β, temos que −p ∉ α e −p não é cota superior mínima de α. Como q < p, então −p <

−q (*) da , −q ∉ α (visto que −p ∉ α). Temos também que −q não é cota superior mínima

de α. Como q ∈ Q, −q ∉ α e −q não é cota superior mínima de α, chegamos a conclusão

que q ∈ β.

3. Seja p ∈ β, queremos mostrar que existe q ∈ β tal que p < q. Dividiremos

em dois casos.

• α não possui cota superior mínima:

49

Como −p ∉ α e α não possui cota superior mínima, então existe uma cota

superior q de α (isto é, q ∉ α), tal que q < −p. Assim, −q ∈ β e p < −q, logo β não possui

máximo.

• α possui cota superior mínima m:

Seja r = −𝑚+𝑝

2 ∈ Q. Como p ∈ β, temos que −p ∉ α, ou seja, é uma cota superior

de α, mas não é cota superior mínima de α, portanto, m < −p, vemos que, p < −m.

Sendo assim, 𝑟 = −𝑚+𝑝

2=

−𝑚

2 +

𝑝

2 >

𝑝

2+

𝑝

2= 𝑝.

Por outro lado,

−𝑟 = 𝑚−𝑝

2=

𝑚

2 -

𝑝

2 >

𝑚

2+

𝑚

2= 𝑚, portanto, −r ≠ m. Como −r > m, então −r ∉ α.

Finalmente, como r ∈ Q, −r ∉ α e −r não é cota superior mínima de α, temos que r ∈ β

e p < r, logo, β não possui máximo.

Finalizando, basta mostra que α + β = 0∗. Para isso, mostremos que α + β ⊂ 0∗

e 0∗ ⊂ α + β.

• Seja q + r ∈ α + β com q ∈ α e r ∈ β (r ∈ Q, −r ∉ α e −r não é cota superior

mínima de α). Como q ∈ α e −r ∉ α, então, q < −r, da , q + r < 0, isto é, q + r ∈ 0∗.

• p ∈ 0∗ ⇒ p ∈ Q e p < 0 (−p > 0). Sejam r ∈ α e 𝑟 ’ ∉ α tais que 𝑟 ’ − r = −p .

Segue que p = r + (−𝑟 ’), com r ∈ α e −𝑟 ’ ∈ β, ou seja, p ∈ α + β.

Logo, α + β = 0∗.

Definição 6 Definimos a subtração em C por α − β = α + (−β), para todo α, β ∈

C.

Proposição 5 Se α ∈ C, então α = −(−α).

Demonstração. Sabemos que oposto de α é −α, portanto, α + (−α) = α − α = −α

+ α = 0∗.

Também vemos que, sabemos que o oposto de (−α) é −(−α), então (−α) +

(−(−α)) = −α + (−(−α)) = 0∗.

Temos conhecimento que o oposto de um corte é único, sendo assim, α =

−(−α).

Teorema 7 (Compatibilidade da relação de ordem com a adição). Sejam α, β,

𝛾 ∈ C tais que α ≤ β. Então α + 𝛾 ≤ β + 𝛾.

Demonstração. α ≤ β ⇔ α ⊂ β. Seja t ∈ α + 𝛾, ou seja, t = r + s com r ∈ α e s ∈

γ. Como α ⊂ β, então r ∈ β, e t = r + s ∈ β + 𝛾, ou seja, α + 𝛾 ⊂ β + 𝛾. Portanto, α + 𝛾

≤ β + 𝛾.

50

Teorema 8 Sejam α e β cortes tais que α ≥ 0∗, β ≥ 0∗. Seja 𝛾 = {p ∈ Q | p < 0}

∪ {q ∈ Q | q = r.s, onde r ∈ α, s ∈ β, r ≥ 0, s ≥ 0}. Então 𝛾 é um corte.

Demonstração.

1. p = −1 ∈ 𝛾, portanto 𝛾 ≠ ∅. Temos ainda que, α ≠ Q ⇒ ∃p0 ∈ Q tal que p0

∉ α, β ≠ Q ⇒ ∃q0 ∈ Q tal que q0 ∉ β.

Chegamos que p0q0 ∈ Q. Mostremos que p0q0 ∉ 𝛾. Suponhamos que p0q0 ∈ γ,

isto é, existem p ∈ α, q ∈ β, p ≥ 0 e q ≥ 0 tal que p0q0 = pq. Não podemos ter p0 ≤ p,

porque teríamos p0 ∈ α, nem q0 ≤ q, pois teríamos q0 ∈ β. Assim, p < p0 e q < q0, logo,

pq < p0q0, o que é uma impossível com p0q0 = pq. Portanto, p0q0 ∉ 𝛾 e, assim, 𝛾 ≠ Q.

2. Sejam r ∈ γ e s < r. Devemos mostrar que s ∈ 𝛾. De fato, se s < 0, s ∈ γ.

Suponhamos s ≥ 0 e, portanto r > 0. Como r ∈ 𝛾, existem p ∈ α e q ∈ β, tais que r =

pq, com p ≥ 0 e q ≥ 0.

Como r > 0, segue que p > 0 e q > 0. Seja t = 𝑠

𝑝 (s ≥ 0, p > 0 ⇒ t ≥ 0). Se q ≤ t,

teríamos pq ≤ pt, ou seja, r ≤ s, o que é um absurdo, pois, s < r. Logo, devemos ter t

< q e, como q ∈ β, então t ∈ β. Assim, como s = p.t, p ∈ α, t ∈ β, p > 0 e t ≥ 0, então s

∈ 𝛾.

3. Seja r ∈ 𝛾 e mostremos que existe s ∈ 𝛾 tal que r < s. De fato, se r < 0,

basta tomar s = 𝑟

2 < 0, da s > r. Suponhamos r ≥ 0. Neste caso, r ∈ 𝛾 significa que r =

p.q, com p ∈ α, q ∈ β, p ≥ 0 e q ≥ 0. Existem t ∈ α e u ∈ β tais que p < t e q < u (pois α

e β não possuem máximo). Logo, r = p.q < t.u. Tomando s = t.u, temos s ∈ 𝛾 (pois s =

tu com t ∈ α, u ∈ β, t > 0 e u > 0) e s > r . Portanto, 𝛾 não tem máximo.

Definição 7 Denotamos por α.β e chamamos produto de α e β o corte γ do

teorema anterior, isto é, α.β = {p ∈ Q | p < 0} ∪ {q ∈ Q | q = r.s, onde r ∈ α,s ∈ β,r ≥

0,s ≥ 0}.

Começamos com noção de valor absoluto de um corte para definir produto de

cortes que contém fatores negativos.

Definição 8 A cada corte α associamos um corte |α| que chamamos valor

absoluto de α, definido por

|𝛼| = {𝛼 𝑠𝑒 𝛼 ≥ 0∗

−𝛼 𝑠𝑒 𝛼 < 0∗

Proposição 6 Se α < 0∗, então −α > 0∗.

51

Demonstração. Sabemos que α < 0∗ se, e somente se, existe q ∈ 0∗ tal que q

/∈ α, e podemos admitir, sem perda de generalidade que q não é cota superior mínima

de α. Como q ∈ 0∗, então q < 0. Tomemos r = −q, que nos fornece r > 0. Nestas

condições, vemos que r ∈ −α (por definição de corte oposto, pois −r = q, q ∉ α e q não

é cota superior mínima de α) e r > 0, ou seja, r ∉ 0∗, o que nos garante que −α > 0∗.

Proposição 7 Para qualquer α ∈ C, tem-se:

1. |α| ≥ 0∗;

2. |α| = 0∗ ⇔ α = 0∗.

Demonstração.

1. Se α ≥ 0∗, então |α| = α ≥ 0∗, da , |α| ≥ 0∗. Se α < 0∗, então |α| = −α e

ainda, −α > 0∗, assim, |α| > 0∗.

2. (⇒) Seja |α| = 0∗. Se α > 0∗ então |α| = α > 0∗, que é absurdo, pois, por

hipótese, |α| = 0∗.

Se α < 0∗, −α > 0∗ e, por definição, |α| = −α > 0∗, absurdo também.

Logo, pela tricotomia, α = 0∗.

(⇐) Seja α = 0∗. α = 0∗ ⇒ |α| = α = 0∗.

Definição 9 Sejam α, β ∈ C, definimos:

𝛼. 𝛽 = {

−(|𝛼||𝛽|), se 𝛼 ≤ 0∗, 𝛽 ≥ 0∗;

−(|𝛼||𝛽|), se 𝛼 ≥ 0∗, 𝛽 ≤ 0∗;|𝛼||𝛽|, se 𝛼 < 0∗, 𝛽 < 0∗;

Teorema 9 Para α, β ∈ C, temos (−α)β = α(−β) = −(αβ) e (−α)(−β) = αβ.

Demonstração. De fato, temos,

(−α).β + α.β = (−α + α).β = 0∗ · β = 0∗. (*)

Significa que (−α).β = −(α.β), pois o oposto de um corte é único.

Temos,

a.(−β) + α.β = α.(−β + β) = α · 0∗ = 0∗. (**)

Do mesmo modo α(−β) = −(αβ)

Temos,

(−α)(−β) = −(α(−β)) por (*)

= -(-( αβ)) por (**)

= αβ

Teorema 10 (Distributividade). Se α, β, 𝛾 ∈ C, então α(β + γ) = αβ + αγ.

52

Demonstração. Demonstraremos apenas o caso em que α > 0∗, β > 0∗ e γ > 0∗.

Mostremos inicialmente que α(β + 𝛾) ⊂ αβ + α 𝛾. De fato, α(β + 𝛾) = {q ∈ Q | q < 0} ∪

{p ∈ Q | p = r.s onde r ∈ α, s ∈ (β + 𝛾),r ≥ 0,s ≥ 0}. Dessa forma, se x ∈ α.(β + 𝛾),

então, ou x ∈ 0∗ ou x = r.s com r ∈ α, s ∈ (β + 𝛾),r ≥ 0 e s ≥ 0.

Sendo x ∈ 0∗, então 𝑥

2∈ 0∗ 𝑒

𝑥

2+

𝑥

2= 𝑥, que significa que x ∈ αβ + αγ.

Sendo x = r.s com r ∈ α, s ∈ (β + γ),r ≥ 0 e s ≥ 0, então s = q + p onde q ∈ β, p

∈ 𝛾, q ≥ 0 e p ≥ 0. Portanto, x = r.s = r(q + p) = r.q + r.p, logo x ∈ αβ + α 𝛾. Concluímos

que α(β + γ) ⊂ αβ + αγ.

Provemos agora que αβ + αγ ⊂ α(β + γ). Com efeito, αβ + αγ = {t ∈ Q | t = ps +

pq onde ps ∈ αβ, pq ∈ αγ}.

Seja u ∈ αβ + αγ, ou seja, u = ps + pq, com ps ∈ αβ, pq ∈ α 𝛾.

• ps ∈ αβ ⇒ ps < 0 ou p ∈ α e s ∈ β com p ≥ 0 e s ≥ 0;

• pq ∈ αγ ⇒ pq < 0 ou p ∈ α e q ∈ 𝛾 com p ≥ 0 e q ≥ 0.

Dessa maneira, temos quatro casos:

1. Fazendo ps < 0 e pq < 0. Claramente, u ∈ α(β + γ) pois u = ps + pq < 0;

2. Suponhamos ps < 0 e p ∈ α e q ∈ γ com p ≥ 0 e q ≥ 0. Como ps < 0 e p

≥ 0, então s < 0, logo , se −s > q, então s + q < 0 e, portanto, u = ps + pq = p(s + q) <

0. Se −s ≤ q, então s + q ≥ 0 e, como p ≥ 0, temos u = p(s + q) ∈ α(β + 𝛾), pois p ∈ α e

s + q ∈ β + 𝛾 com p ≥ 0 e s + q ≥ 0;

3. Supondo p ∈ α e s ∈ β com p ≥ 0 e s ≥ 0 e pq < 0, podemos obter,

analogamente ao caso anterior que u = ps + pq ∈ α(β + 𝛾);

4. Vendo que p ∈ α, s ∈ β e q ∈ 𝛾, com p ≥ 0, s ≥ 0 e q ≥ 0. Dessa forma, u

= ps + pq = p(s + q), onde p ∈ α e s + q ∈ β + γ, com p ≥ 0 e s + q ≥ 0, logo u ∈ α(β +

𝛾).

Acabamos de provar que existe a dupla inclusão entre αβ + α 𝛾 e α(β + 𝛾), ou

seja, αβ + α 𝛾 = α(β + 𝛾).

Definição 10 Seja α um corte tal que α ≠ 0∗ . Se α > 0∗, então o corte β

denotado por α−1 é chamado de inverso de α. Se α < 0∗, então definimos o inverso de

α como α−1 = −|α|−1.

Teorema 11 Seja α um corte tal que α ≠ 0∗. Então αα−1 = 1∗. Além disso, o

inverso de α é único.

Demonstração. Consideremos dois casos, α > 0∗ e α < 0∗.

53

• α > 0∗:

Vemos que r ∈ αα−1. Se r ≤ 0, então r ∈ 1∗. Suponhamos r > 0. Como r ∈ αα−1

existem s ∈ α, p ∈ α−1 tal que r = sp, s ≥ 0, p ≥ 0. Como r > 0, devemos ter s > 0 e p >

0. Como p ∈ α−1 e p > 0, existe q /∈ α tal que q < p−1. Como s ∈ α e q ∉ α, então s < q.

De q < p−1, temos p < q−1, logo s.p < sq−1. Portanto, como s < q, temos que sq−1 < 1, e

assim, r = s.p < sq−1 < 1, da r ∈ 1∗.

Reciprocamente, seja r ∈ 1∗, isto Ø, r < 1. Se r < 0, então r ∈ αα−1. Se r = 0,

temos r = p · 0, ponde p ∈ α, 0 ∈ α−1 e p > 0, logo r ∈ αα−1. Suponhamos agora, 0 < r

< 1. Seja s ∈ α com s > 0. Seja n o maior natural que satisfaz s(r−1)n ∉ α Tomemos p1

= s(r−1)n−1 ∈ α e t = s(r−1)n ∉ α. Seja p ∈ α tal que p1 < p (α não possui máximo).

Tomemos q = t−1p−1p1, ou seja, q-1 = 𝑡. 𝑝. 𝑝1−1. Assim, podemos ter

𝑝1 < 𝑝 ⇒ 𝑝1. 𝑝1−1 < 𝑝. 𝑝1

−1 ⇒ 1 < 𝑝. 𝑝1−1 ⇒ 𝑡 < 𝑝. 𝑝1

−1 ⇒ 𝑡 < 𝑞−1..

Assim, como t ∉ α, q−1 ∉ α e q−1 não é a menor cota superior de α. Temos ainda,

𝑞 = 𝑡−1. 𝑝−1. 𝑝1 ⇒ 𝑝𝑞 = 𝑝. 𝑡−1. 𝑝−1. 𝑝1 ⇒ 𝑝𝑞 = 𝑡−1. 𝑝1

⇒ 𝑝𝑞 = (𝑠(𝑟−1)𝑛)−1. 𝑠. (𝑟−1)𝑛−1

⇒ 𝑝𝑞 = 𝑠−1. 𝑟𝑛. 𝑠. 𝑟−𝑛+1 ⇒ 𝑝𝑞 = 𝑟.

Desta forma, p ∈ α e, como q−1 ∉ α e existe t ∉ α tal que t < q−1, logo, q ∈ α−1.

Portanto r ∈ αα−1.

Então, concluímos que, se α >0∗, chegando que αα−1 = 1∗.

• α < 0∗:

Se α < 0∗, por definição, α−1 = −|α|−1. Sabemos que |α|−1 >0∗ e que −|α|−1 <0∗ isto

é, α−1 < 0∗. Então, por definição de produto, αα−1 = |α||α−1| = ||α| − |α|−1| = |α||α|−1 = 1∗.

Provemos agora a unicidade de α−1. Suponhamos que existam 𝛼1−1 𝑒 𝛼2

−1, tais

que 𝛼. 𝛼1−1 = 1∗ e 𝛼. 𝛼2

−1 = 1∗. Assim, 𝛼1−1 = 𝛼1

−1. 1∗ = 𝛼1−1. ( 𝛼. 𝛼2

−1) = ( 𝛼. 𝛼1−1) 𝛼2

−1 =

1∗. 𝛼2−1=𝛼2

−1.

Proposição 8 Seja α um corte qualquer, então α · 0∗ = 0∗.

Demonstração. Temos, α·0∗ = α(0∗+0∗) = α·0∗+α·0∗, da , α·0∗−α·0∗ =

α·0∗+α·0∗−α·0∗, portanto, 0∗ = α · 0∗.

Proposição 9 Sejam α e β cortes. Nesta condição, αβ = 0∗ se e somente se α

= 0∗ ou β = 0∗.

54

Demonstração. Se α = 0∗ ou β = 0∗, temos que αβ = 0∗. Seja, agora, αβ = 0∗.

Suponhamos α ≠ 0∗, isto é, existe 𝛾 ∈ C, tal que α𝛾 = 1∗. Dessa forma, β = β · 1∗ =

β(α 𝛾) = (αβ) 𝛾 = 0∗ 𝛾 = 0∗. Reciprocamente, se supormos que β ≠ 0∗, concluiremos

que α = 0∗.

Temos, C munido de duas operações e uma relação de ordem, de forma que

C é um corpo ordenado. Em particular, define-se também a divisão em C e adota-se

a notação de fração 𝛼

𝛽, como nos racionais.

Teorema 12 Se α ≤ β e 𝛾 ≥ 0∗, então, α 𝛾 ≤ β 𝛾.

Demonstração. Vendo que 0∗ = α + (−α) ≤ β + (−α), portanto, β + (−α) ≥ 0∗. Além

disso, como γ ≥ 0∗, temos (β + (−α)) 𝛾 ≥ 0∗, por definição de produto de cortes. Logo,

β 𝛾 + (−α) 𝛾 ≥ 0∗, β 𝛾 ≥ α 𝛾, isto é, αγ ≤ β 𝛾.

Teorema 13 A aplicação j : Q → C, dada por j(r) = r∗ é injetora e preserva adição,

multiplicação e ordem, isto é, os seguintes itens são válidos:

1. j(p) + j(q) = j(p + q), ou seja, p∗ + q∗ = (p + q)∗;

2. j(p)j(q) = j(pq), isto é, p∗q∗ = (pq)∗;

3. j(p) < j(q) se e somente se p < q, ou ainda, p∗ < q∗ se, e somente se p<q;

4. j(p) = j(q) se e somente se p = q, ou seja, p∗ = q∗ se, e somente se, p = q.

Demonstração.

1. Seja t ∈ p∗ + q∗, isto é, t = r + s com r ∈ p∗ e s ∈ q∗, ou ainda, r < p e s <

q. Dessa forma, t = r + s < p + q, ou seja, t = r + s ∈ (p + q)∗. Seja, agora, u ∈ (p + q)∗,

isto é, u < p + q. Sejam h = p + q − u, s = p − ℎ

2 e t = q −

2. Dessa forma, s < p e t < q,

ou seja, s ∈ p∗ e t ∈ q∗. Logo, u = s + t ∈ p∗ + q∗

2. Provaremos apenas para o caso p > 0 e q > 0, os outros casos podem

ser provados de forma análoga.

Se r ∈ p∗q∗, então, ou r < 0 ou r = st, com p > s ≥ 0 e q > t ≥ 0, de modo que, ou

r < 0 ou r = st < pq e assim, r ∈ (pq)∗.

Seja r ∈ (pq)∗, então podemos afirmar que ou r < 0 ou 0 ≤ r < pq. Se r < 0,

claramente r ∈ p∗q∗, pela definição de corte positivos. Se 0 ≤ r < pq então existem p1

∈ Q e q1 ∈ Q tais que 0 < p1 < p, 0 < q1 < q e, ainda, r < p1q1 < pq. Fica claro que p1 ∈

p∗, q1 ∈ q∗, p1q1 ∈ p∗q∗ e assim, r ∈ p∗q∗.

3. Se p < q, então p ∈ q∗. Como p ∉ p∗, concluímos que p∗ < q∗.

55

De forma análoga, se p∗ < q∗, existe um racional r tal que r ∈ q∗ e r ∉ p∗, ou seja,

r < q e r ≥ p. Logo p ≤ r < q, ou seja, p < q.

4. Se p = q, obviamente p∗ = q∗.

Suponhamos p∗ = q∗. Como p ∉ p∗, segue que p ∉ q∗, logo p ≥ q. Por outro lado,

como q ∉ q∗, segue que q ∉ p∗, então p ≤ q. Com isso, pela tricotomia, p = q.

Uma cópia algébrica de um conjunto em outro, ou seja, um homomorfismo

injetor. Desta vez, j(Q) é uma cópia de Q em C, sendo j(Q) precisamente o conjunto

dos cortes racionais. Sabemos que existem cortes não racionais em C. Assim, C \ j(Q)

≠ ∅.

Vemos ainda que o corpo ordenado dos números racionais é isomorfo ao corpo

ordenado de todos os cortes racionais (C∗) o que nos permite identificar o corte

racional r∗ como o número racional r. Naturalmente r∗ não é, de modo algum, o mesmo

número racional, mas as propriedades que interessam são as mesmas nos dois

corpos ordenados.

Proposição 10 Se α ∈ C, temos que r ∈ α se, e somente se, r∗ < α.

Demonstração. Se r ∈ α, como r ∉ r∗, então r∗ < α. Reciprocamente, se r∗ < α,

existe s ∈ α, tal que s ∉ r∗. Temos então, s ≥ r e s ∈ α, logo, r ∈ α.

Teorema 14 Se α, β ∈ C e α < β, então existe um corte racional r∗ tal que α < r∗

< β.

Demonstração. Do fato que α < β, podemos afirmar que existe um número

racional s ∈ β, tal que s /∈ α. Uma vez que s ∈ β, segue da definição de corte que

existe um racional r tal que s < r e ainda r ∈ β, o que implica r∗ < β, pelo resultado

anterior. Sabemos que, s∗ < r∗, portanto, α ≤ s∗ < r∗ (como s ∉ α) e assim, chegamos

que, α < r∗ < β.

Definição 11 O conjunto C dos cortes será, a partir de agora, denominado de

conjunto dos números reais e denotado por R. Os cortes racionais serão identificados,

via injeção j, com os números racionais. Todo corte que não for racional será

denominado número irracional. A identificação de j(Q) com Q nos permite escrever Q

⊂ R. O conjunto R \ Q representa o conjunto dos números irracionais.

Teorema de Dedekind é a principal propriedade que difere o conjunto dos

números racionais do conjunto dos números reais, será vista a seguir.

Teorema 15 (Dedekind). Sejam A e B subconjuntos de R tais que:

1. R = A ∪ B;

56

2. A ∩ B = ∅;

3. A ≠ ∅ e B ≠ ∅;

4. se α ∈ A e β ∈ B, então α < β.

Nestas condições, existe um, e apenas um, número real 𝛾 tal que α ≤ 𝛾 ≤ β,

para todo α ∈ A e para todo β ∈ B.

Demonstração. Provemos inicialmente a unicidade:

Suponhamos que existam dois números distintos 𝛾1 e 𝛾2, com 𝛾1 < 𝛾2 (ou 𝛾2 <

𝛾1, sem perda de generalidade) nas condições do enunciado. Consideremos γ3 tal que

𝛾1 < 𝛾3 < 𝛾2, que existe. Temos que γ2 ≤ β, para todo β ∈ B, dessa forma, se 𝛾3 ∈ B,

teríamos 𝛾2 ≤ 𝛾3, o que não pode acontecer, pois 𝛾1 < 𝛾3 < 𝛾2, portanto, como R = A ∪

B, temos que 𝛾3 ∈ A. Da mesma forma, de 𝛾1 < 𝛾3, obtemos 𝛾3 ∈ B. Resulta então 𝛾3 ∈

A ∩ B, uma contradição. Portanto não podemos ter 𝛾1 e 𝛾2 distintos nas condições do

enunciado.

Provemos agora a existência: Seja 𝛾 = {r ∈ Q | r ∈ α, para algum α ∈ A}.

Devemos mostrar que 𝛾 é um corte.

1. Como A ≠ ∅, obviamente 𝛾 ≠ ∅. Para mostra que γ ≠ Q, tomemos β ∈

B. Seja s ∈ β um racional. Como α ⊂ β, para todo α ∈ A, então, s ∉ α, para todo α ∈

A, de onde resulta s ∉ 𝛾;

2. Seja r ∈ γ e s < r. Temos que r ∈ α para algum α ∈ A e, como s < r, então

s ∈ α, de onde segue que s ∈ 𝛾;

3. Temos que r ∈ α para algum α ∈ A e, como α Ø um corte, existe s > r em

α, logo s ∈ 𝛾;

Tendo então que 𝛾 é um número real e temos que α ≤ 𝛾 para todo α ∈ A, pois

sabemos que α ⊂ 𝛾, para todo α ∈ A.

Mostremos agora apenas que γ ≤ β para todo β ∈ B. Suponhamos que exista β

∈ B com β < 𝛾. Com isso, existe um racional r ∈ 𝛾, tal que r ∉ β. Como r ∈ 𝛾, então r

pertence a algum α ∈ A e, não sendo elemento de β, obtemos β < α, contradizendo a

última hipótese do teorema. Logo, 𝛾 ≤ β para todo β ∈ B.

Exemplo 8 Consideremos os seguintes subconjuntos de Q:

A = {x ∈ 𝑄+| x2 < 2} ∪ 𝑄−∗ e A = {x ∈ 𝑄+ | x2 > 2}.

Podemos ver que A e B satisfazem as hipóteses do teorema anterior, com Q

em lugar de R, mas que não existe r ∈ Q satisfazendo s ≤ r para todo s ∈ A e r ≤ t para

57

todo t ∈ B. Notemos que, este exemplo nos diz, informalmente, que em R não há

lacunas, mas em Q, há. Desta forma, dizemos que R possui a propriedade da

completude ou que R é completo.

Corolário 1 Nas condições do teorema anterior, ou existe em A um número

máximo, ou, em B, um número mínimo.

Demonstração. Seja 𝛾 como no teorema anterior. Então 𝛾 está em A ou 𝛾 está

em B e, em apenas um desses conjuntos, pela segunda hipótese. Se 𝛾 ∈ A, então ele

é elemento máximo de A. Se 𝛾 ∈ B, então, ele é elemento mínimo de B.

Observemos que, se o conjunto A do Teorema 3.3.28 não contiver 𝛾, então ele

é um corte em R, no sentido da definição de corte em Q apresentada. A diferença

entre ambas a situações é que em Q não se tem necessariamente, como no Teorema

3.3.28 para os números reais, um elemento como 𝛾. Essas lacunas é que geram os

cortes irracionais. Como tais lacunas não ocorrem em R, então cortes em R não geram

elementos novos.

Devemos aqui retomar o conceito de supremo. As definições de supremo e

ínfimo, dadas para o conjunto dos racionais, são equivalentes no conjunto dos reais.

Por exemplo, se A é um subconjunto de R, limitado superiormente, e existe uma cota

superior de A, digamos s, que seja mínima, então, s diz-se supremo de A. O ínfimo é

dado analogamente.

Teorema 16 Se X ⊂ R Ø um conjunto não vazio e limitado superiormente, então

existe supX.

Demonstração. Sendo A = {α ∈ R | α < x, para algum x ∈ X} e B = R \ A, isto é,

A é o conjunto constituído precisamente pelos números reais que não são cotas

superiores de X e B é o conjunto constituído pelas cotas superiores de X.

Verificar que A e B satisfazem as condições do Teorema de Dedekind.

As duas primeiras condições são claramente válidas. Observemos a terceira.

Temos que, sendo X ≠ ∅, existe x ∈ X, e assim, qualquer α < x é elemento de A, logo

A ≠ ∅. Como X é limitado superiormente, B ≠ ∅. Para verificar a última condição do

teorema, sejam, α ∈ A e β ∈ B. Assim, existe x ∈ X tal que α < x. Como x ≤ β, obtemos

α < β.

Verificamos que A e B satisfazem as condições do Teorema de Dedekind, logo,

pelo Corolário 4.3.30, ou A possui máximo, ou B possui mínimo. Mostremos que A

não possui máximo. De fato, tomemos α arbitrário em A. Existe x ∈ X tal que α < x.

58

Consideremos 𝛼 ’ tal que α < 𝛼 ’ < x. Como 𝛼 ’ < x, então 𝛼 ’ ∈ A e é maior do que α, ou

seja, nenhum elemento de A é maior do que os demais, ou seja, A não possui máximo.

Sendo assim, obrigatoriamente B possui mínimo, ou seja, X possui supremo. Essa

propriedade válida para R não se verifica em Q, isto é, não é verdade que todo

subconjunto de números racionais não vazio e limitado superiormente em Q sempre

admita supremo em Q. Por exemplo, o conjunto A = {x ∈ Q+ | x2 < 2} não possui

supremo racional, mas tem supremo, se considerado como subconjunto de R.

O resultado seguinte mostra que R, assim como Q, é um corpo arquimediano.

Teorema 17 O conjunto N dos naturais é ilimitado em R.

Demonstração. Por suposição, temo N limitado superiormente em R e seja 𝛼 =

𝑠𝑢𝑝𝑁. Assim, 𝛼 ≥ 𝑛, para todo 𝑛 ∈ 𝑁. Como n + 1 ∈ 𝑁, para todo 𝑛 ∈ 𝑁, então 𝑛 + 1 ≤

𝛼, para todo 𝑛 ∈ 𝑁, de onde obtemos 𝛼 − 1 ≥ 𝑛, para todo 𝑛 ∈ 𝑁, ou seja, 𝛼 − 1 é cota

superior de N menor do que o sup N, uma contradição.

Definição 12 Seja a ∈ R e n ∈ N. Definimos a potência na recursivamente como

sendo 1, se n = 0 e, para n > 1, como sendo a.an – 1. Finalmente, se a ≠ 0, definimos

a-n como sendo (a-1)n.

Teorema 18 Seja a um real positivo e n > 0 natural. Existe um único número

real positivo que é solução da equação xn = a.

Demonstração. A prova deste teorema depende fundamentalmente da

completude de R.

Definição 13 Dado um número real positivo a, o único número real positivo que

é solução da equação xn = a, estabelecido pelo teorema anterior, chama-se raiz n-

ésima de a e é denotado por √𝑎𝑛

ou por 𝑎1

𝑛. A raiz n-ésima de a permite que se defina

expoente racional do seguinte modo: se m e n são inteiros positivos, 𝑎𝑚

𝑛 = (𝑎1

𝑛)𝑚

e,

como para expoentes inteiros, 𝑎−𝑚

𝑛 = (𝑎−1)𝑚

𝑛 .

59

5 ESPAÇO VETORIAL QUOCIENTE

Definição 1 Sabendo que Y é subespaço de X. Se 𝑥1 e 𝑥2 ∈ X, teremos que 𝑥1

é congruente a 𝑥2 módulo Y, representado por 𝑥1 ≡ 𝑥2 𝑚𝑜𝑑 𝑌, 𝑥1 - 𝑥2 ∈ Y.

Dividamos o espaço X em diferentes classes de equivalência módulo Y e

denotaremos a classe contendo x por [𝑥].

Definição 2 Sendo [𝑥] e [𝑧] classes de equivalência módulo Y e λ ∈ K,

definimos

[𝑥] + [𝑧] = [𝑥 + 𝑧] , λ[𝑥] = λ[λ𝑥].

Com estas operações, o conjunto de todas as classes de equivalência módulo

Y torna-se um espaço vetorial, chamado

𝑋

𝑌 𝑜𝑢 𝑋

𝑌⁄

e denominado de espaço quociente de X por Y.

A classe de equivalência [𝑥] muitas vezes é representada por x + Y.

Precisamos mostrar que as operações em 𝑋𝑌⁄ estão bem definidas, isto é, não

dependem dos representantes de cada classe de equivalência. Logo, suponhamos

que 𝑥1 ∈ [𝑥] e 𝑧1 ∈ [𝑧]. Então 𝑥1 = 𝑥 + 𝑦1 e 𝑧1 = 𝑧 + 𝑦2, com 𝑦1, 𝑦2 ∈ 𝑌. Mas então

𝑥1+ 𝑧1 = 𝑥 + 𝑦1 + 𝑧 + 𝑦2 = 𝑥 + 𝑧 +(𝑦1 + 𝑦2 ) e assim, 𝑥1+ 𝑧1 ≡ 𝑥 + 𝑧 𝑚𝑜𝑑 𝑌. Do

mesmo modo, λ . 𝑥1 = λ . x + (λ . 𝑦1) e λ . 𝑥1 ≡ λ . x mod Y.

Exemplo 1 Seja x ∈ 𝐾𝑛 e considere Y o subespaço de todos os vetores cujas

duas primeiras coordenadas são iguais. Isto é,

(𝑥1, 𝑥2, … , 𝑥𝑛) ≡ (𝑦1, 𝑦2, … , 𝑦𝑛) 𝑚𝑜𝑑 𝑌 ⇔ 𝑥1 = 𝑦1 𝑒 𝑥2 = 𝑦2.

Cada classe de equivalência pode ser vista como um vetor com duas

componentes, quais sejam, as duas coordenadas que eles possuem em comum.

Teorema 1 Seja Y um subespaço do espaço vetorial de dimensão finita X.

Então dim X = dim Y + dim 𝑋

𝑌.

Demonstração. Sendo {𝑦1, 𝑦2, … , 𝑦𝑗} uma base de Y. Podemos completa-la de

forma que {𝑦1, 𝑦2, … , 𝑦𝑗, 𝑥𝑗+1, … , 𝑥𝑛} seja uma base de X. sabemos então que

{𝑥𝑗+1, … , 𝑥𝑛} é uma base de 𝑋𝑌⁄ . De fato, se v ∈ 𝑋

𝑌⁄ , então v = λ1 . 𝑦1+ ...+ λ𝑗 . 𝑦𝑗 +

λ𝑗+1 . 𝑥𝑗+1 + ...+ λ𝑛 . 𝑥𝑛. Mas então v = λ𝑗+1 . 𝑥𝑗+1 + ...+ λ𝑛 . 𝑥𝑛 + 𝑦, em que y = λ1 . 𝑦1+ ...+

λ𝑗 . 𝑦𝑗 ∈ 𝑌.

60

Chegamos ao seguinte:

Corolário 1 Se Y é um subespaço de X e dim Y = dim X, então Y = X.

5.1 Teorema do núcleo e da imagem

Definição 3 Sendo T : X → Y uma aplicação linear. Chamamos de imagem de

T, denotada por ImT, por

ℐ𝑚 T := {y ∈ Y; y = Tx}

Chamamos de núcleo de T, denotado por KerT, por:

KerT := {x ∈ YX; Tx = 0}.

Sabendo que o núcleo e a imagem de T são subespaços vetoriais de X e Y,

respectivamente. De fato, se 𝑥1, 𝑥2 ∈ KertT e λ ∈ K, então T(𝑥1 + λ . 𝑥2) = 𝑇(𝑥1) +

λ . 𝑇(𝑥2) = 0 + λ . 0 = 0, provando que 𝑥1 + λ . 𝑥2 ∈ KertT. Se 𝑦1, 𝑦 ∈ ImT, então existem

𝑥1, 𝑥2 ∈ X, tais que 𝑦1 = 𝑇(𝑥1) e 𝑦2 = 𝑇(𝑥2). Logo, se λ ∈ K, 𝑦1 + λ . 𝑦2 = 𝑇(𝑥1) +

λ . 𝑇(𝑥2) = 𝑇(𝑥1 + λ . 𝑥2), o que mostra que 𝑦1 + λ . 𝑦2 ∈ ImT.

Exemplo 2 Considere ℂ2 e ℝ3 como espaços vetoriais sobre ℝ e seja T : ℂ2 →

ℝ3 a transformação linear dada por T(a + bi, c + di) = (a – c, b + 2d, a + b – c + 2d)

onde a, b, c, d ∈ ℝ. Se considerarmos a base {(1, 0), (i, 0), (0, 1), (0, i)} de ℂ2 (sobre

ℝ), teremos, que os vetores T(1, 0) = (1, 0, 1), T(0, 1) = (-1, 0, -1) e T(0, i) = (0, 2, 2)

geram ℐ𝑚 𝑇. Como T(1, 0) = -T(0, 1) = (1, 0, 1), T(i, 0) = 2T(0, i) e T(1, 0) não é múltiplo

de T(i, 0), segue que {T(1, 0), T(i, 0)} é uma base de ℐ𝑚 𝑇. Observe também que

𝑁𝑢𝑐𝑇 = [(1, 1), (−2𝑖, 𝑖)].

Teorema 2 Sejam X e Y espaços vetoriais de dimensão finita e T ∈ ℒ(X, Y).

Então

dim X = dim Ker T + dim Im T.

Serão apresentadas duas demonstrações diferentes deste teorema, sendo a

primeira utilizando espaço quociente que é bastante sintética e a segunda muito

construtiva.

Motivando a primeira demonstração, apresentamos:

Exemplo 3 Seja A uma matriz m x n e considere o sistema linear não

homogêneo Ax = b. Suponhamos que 𝑥𝑝 seja uma solução desse sistema. Vemos

claramente que 𝑥𝑝 + 𝑧 também é solução desse sistema para qualquer 𝑧 ∈ Kert A.

61

Mas essas são as únicas soluções. De fato, se x é outra solução, temos que

A(𝑥 − 𝑥𝑝) = 0, de modo que 𝑥 − 𝑥𝑝 = 𝑧 ∈ Kert A.

A igualdade 𝑥 = 𝑥 − 𝑥𝑝, com 𝑧 ∈ Kert A, significa que 𝑥 ≡ 𝑥𝑝 𝑚𝑜𝑑 ker 𝐴.

Portanto, no espaço quociente 𝑅𝑛/ker A a equação Ax = b terá solução única [𝑥𝑝]!

1ª demonstração: Essa prova pode ser sintetizada pelo diagrama a seguir:

Definamos o isomorfismo 𝑇𝑞 : 𝑋

ker 𝑇→ 𝐼𝑚𝑇. Como espaços isomorfos de

dimensão finita têm a mesma dimensão, deduzimos que

dim (𝑋

ker 𝑇) = dim 𝐼𝑚𝑇.

Mas, dim X/ker T = dim X – dim ker T, de onde segue o teorema.

Definimos, para [𝑥] ∈ X/ker T, 𝑇𝑞([𝑥]) = 𝑇𝑥. Temos:

a) T está bem definida: x ≡ y mod ker T significa que T(x – y) = 0, ou seja,

T(x)= T (y).

b) 𝑇𝑞 é linear: 𝑇𝑞([𝑥] + 𝜆. [𝑦]) = 𝑇𝑞([𝑥 + 𝜆. 𝑦]) = 𝑇𝑞(𝑥 + 𝜆. 𝑦) = 𝑇𝑥 + 𝜆𝑇𝑦 =

𝑇𝑞[𝑥]) + 𝜆. 𝑇𝑞([𝑦]).

c) 𝑇𝑞 e injetiva: se 𝑇𝑞([𝑥]) = 𝜆. 𝑇𝑞([𝑦]), então Tx = Ty e T(x - y) = 0, onde

x≡ 𝑦 𝑚𝑜𝑑 ker 𝑇

d) 𝑇𝑞 e sobrejetiva por definição.

Chegamos que 𝑇𝑞 é um isomorfo e seu resultado está provado.

A demonstração acima é a própria essência da utilidade do espaço quociente.

Mesmo que T não tenha inversa, podemos construir, de forma natural, um isomorfo à

partir de T, no caso, a aplicação de 𝑇𝑞 .

62

2ª demonstração: Como Im ⊂ Y é um espaço vetorial de dimensão finita, existe

uma base {𝑦1, 𝑦2, … , 𝑦𝑗} para Im T. Pata cada elemento 𝑦𝑖 existe 𝑥𝑖 ∈ 𝑋 tal que T𝑥𝑖 =

𝑦𝑖, com 1 ≤ 𝑖 ≤ 𝑗. Sendo assim, o conjunto {𝑥1, 𝑥2, … , 𝑥𝑗} obtido é linearmente

independente. De foto, suponhamos que 𝜆1𝑥1 + ⋯ + 𝜆𝑗𝑥𝑗 = 0. Então:

0 = 𝑇(𝜆1𝑥1 + ⋯ + 𝜆𝑗𝑥𝑗) = 𝜆1𝑇(𝑥1) + ⋯ + 𝜆𝑗𝑇(𝑥𝑗) = 𝜆1𝑦1 + ⋯ + 𝜆𝑗𝑦𝑗.

Como 𝑦1, 𝑦2, … , 𝑦𝑗 são linearmente independentes, 𝜆𝑖 = 0 para 1 ≤ 𝑖 ≤ 𝑗.

Consideremos agora {𝑤1, 𝑤2, … , 𝑤𝑘} do núcleo de T. Afirmamos que

{𝑥1, 𝑥2, … , 𝑥𝑗 , 𝑤1, 𝑤2, … , 𝑤𝑘} é uma sabe de X.

Dado x ∈ X, como Tx ∈ Im T, Tx = 𝜆1𝑥1 + ⋯ + 𝜆𝑗𝑥𝑗, ou seja, Tx = T(𝜆1𝑥1 + ⋯ +

𝜆𝑗𝑥𝑗) e portanto T(𝑥 − 𝜆1𝑥1 − ⋯ − 𝜆𝑗𝑥𝑗) = 0. Assim, 𝑥 − 𝜆1𝑥1 − ⋯ − 𝜆𝑗𝑥𝑗 ∈ ker 𝑇, onde

𝑥 − 𝜆1𝑥1 − ⋯ − 𝜆𝑗𝑥𝑗 = 𝛼1𝑤1 + ⋯ + 𝛼𝑘𝑤𝑘

Isso mostra que x = 𝜆1𝑥1 + ⋯ + 𝜆𝑗𝑥𝑗 + 𝛼1𝑤1 + ⋯ + 𝛼𝑘𝑤𝑘, e que

{𝑥1, 𝑥2, … , 𝑥𝑗 , 𝑤1, 𝑤2, … , 𝑤𝑘} gerando X.

Suponhamos agora que 𝜆1𝑥1 + ⋯ + 𝜆𝑗𝑥𝑗 + 𝛼1𝑤1 + ⋯ + 𝛼𝑘𝑤𝑘 = 0. Aplicando T

nessa igualdade temos 𝜆1𝑦1 + ⋯ + 𝜆𝑗𝑦𝑗 = 0, o que nos permite concluir que 𝜆𝑖 = 0

para 𝑖 = 1, … , 𝑘, o que nos mostra que todos os escalares são nulos e completa a

demonstração.

Comparando as demonstrações, perceberemos que a essência da segunda é

o procedimento aplicado na primeira: mostrou-se que existe um isomorfismo entre

ImT, espaço cuja base {𝑦1,..., 𝑦𝑗} = {𝑇𝑥1, … , 𝑇𝑥𝑗}, e o espaço gerado por {𝑥1,..., 𝑥𝑗}.

Esse último espaço é justamente X/ ker T!

Apresentemos agora algumas consequências do Teorema do Núcleo e da

Imagem. As demonstrações seguem imediatamente da fórmula

dim X = dim ℐ𝑚 T + dim ker T

Corolário 2 Suponhamos que dim Y < dim X. Então existe 𝑥 ≠ 0, tal que Tx =

0.

Demonstração. Temos que, em particular, dim ℐ𝑚 T < dim X

Corolário 3 Seja T : 𝑅𝑛 → 𝑅𝑚 linear, com m < n. Então o sistema linear

homogêneo Tx = 0 (onde T é a matriz que a representa) possui solução não trivial,

isto é, existe 𝑥 ≠ 0, tal que Tx = 0.

Corolário 4 Se dim X = dim Y, então T é injetiva se, e somente se, T é

sobrejetiva.

63

Demonstração. Se T é injetiva, T(x) = 0, implica x = 0. Logo, dim ker T = 0.

Dessa forma, dim ℐ𝑚 T = dim X = dim Y e, portanto, ℐ𝑚 T = Y. De forma recíproca, se

T é sobrejetiva, ℐ𝑚 T = Y e portanto, dim ker T = 0.

Particularmente, este corolário garante que, quando dim X = dim Y, T é injetiva

se, e somente se, ker T = {0}. Sendo válido, na verdade, para quaisquer espações

vetoriais X e Y. Se T é injetiva, obviamente ker T= {0}; se existisse 𝑥1 ≠ 𝑥2 tal que

T(𝑥1) = T(𝑥2), logo T(𝑥1 − 𝑥2) = 0, com 𝑥1 − 𝑥2 ≠ 0.

Corolário 5 Seja T : 𝑅𝑛 → 𝑅𝑚 linear. Então o sistema não homogêneo Tx = y

tem solução única para todo y ∈ Y se, e somente e, o sistema homogêneo Tx = 0 = 0

tem solução única.

Proposição 1 Sendo y ∈ 𝑅𝑚 um elemento da imagem de T : 𝑅𝑛 → 𝑅𝑚. Logo,

existe um único elemento 𝑥𝑝 ∈ 𝑅𝑛, tal que toda a solução de Tx = y é congruente a 𝑥𝑝

mod ker T, ou seja, se Tx = y, então x = 𝑥𝑝 + z, para algum z ∈ ker T.

5.2 A forma canônica de Jordan

Sabendo que V é um espaço vetorial de dimensão finita. Mostraremos como

encontrar uma base de V na qual um operador linear T : V → V assume uma matriz

especialmente simples.

Definição 4 Uma matriz complexa J, n x n, está na forma canônica de Jordan

se

onde 𝜆 é um dos autovalores distintos 𝜆1, ..., 𝜆𝑖 da matriz J.

Mostraremos a seguir que toda matriz complexa é semelhante a uma matriz na

forma canônica de Jordan. No caso de matrizes reais, sempre podemos vê-la como

uma matriz complexa, sabendo que, neste sentido, o resultado abaixo é geral.

Também vemos que a necessidade de considerarmos o corpo complexo é para

garantir que os autovalores estão todos presentes no corpo.

Teorema 3 Sejam A, B ∈ 𝑀𝑛𝑥𝑛(C) duas matrizes semelhantes, isto é,

64

𝐴 = 𝑃−1𝐵𝑃.

Logo,

I. A e B possuem os mesmos autovalores 𝜆𝑖;

II. Os espaços 𝑁𝑗(𝜆𝑖) = ker (𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑗 e 𝑀𝑗(𝜆𝑖) = ker (𝐵 − 𝜆𝑖𝐼)𝑗 possuem a

mesma dimensão para todo j ∈ N e todo autovalor 𝜆𝑖.

De forma recíproca, caso aconteçam estas duas condições, então A e B são

semelhantes.

Demonstração. Inicialmente percebemos que os núcleos de duas matrizes

semelhantes têm dimensão igual. Certamente, se C = Q-1DQ e {𝑥1,..., 𝑥𝑘} é uma base

do núcleo de C, então {𝑄𝑥1,..., 𝑄𝑥𝑘} é uma base do núcleo de D.

Vemos também que se A e B são semelhantes, então também são as matrizes 𝐴 − 𝑎𝐼

e 𝐵 − 𝑎𝐼, bem como qualquer potência delas:

(𝐴 − 𝑎𝐼)𝑚 = 𝑃−1(𝐵 − 𝑎𝐼)

𝑚𝑃

Temos na segunda relação citada anteriormente que os núcleos dessas

matrizes têm a mesma dimensão. Particularmente, como um elemento 𝑣 ∈

𝑘𝑒𝑟(𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑑𝑖 ∖ 𝑘𝑒𝑟(𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)

𝑑𝑖−1 é tal que (𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)

𝑑𝑖−1𝑣 representa um autovetor de

A associado ao autovalor de 𝜆𝑖.

Mostrando a recíproca, denotaremos 𝑁𝑘 = 𝑘𝑒𝑟(𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑘. Iniciaremos pelo:

Lema 1 A aplicação

𝐴 − 𝜆𝑖𝐼:𝑁𝑘+1

𝑁𝑘→ 𝑊𝑖 tem imagem contida em

𝑁𝑘

𝑁𝑘−1 e é injetiva.

Demonstração: Sendo 𝑥 ∈𝑁𝑘+1

𝑁𝑘. Isso quer dizer que (𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑘+1𝑥 = 0 e

(𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑘+1𝑥 ≠ 0. Consideremos então (𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑥. Como (𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑘( 𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑥 =

(𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑘+1𝑥, vemos que ( 𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑥 ∈ Nk. Por outro lado, (𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑘−1( 𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑥 =

(𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑘𝑥 ≠ 0, mostrando assim que ( 𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑥 ∉ 𝑁𝑘−1.

Sabemos agora que essa aplicação é injetiva. Sejam x, y ∈𝑁𝑘+1

𝑁𝑘, com ( 𝐴 −

𝜆𝑖𝐼)𝑥 = ( 𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑦. Então ( 𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)(𝑥 − 𝑦) = 0 e que é impossível, pois então x – y

estaria em 𝑁𝑘.

Iremos agora construir uma base especial para 𝑊𝑖. Já sabemos que uma base

de 𝑁𝑘

𝑁𝑘−1 é obtida ao se escolher uma base para 𝑁𝑘−1 então completá-la para uma base

de 𝑁𝑘; os elementos introduzidos formam a base procurada.

65

Seja 𝑥1,..., 𝑥𝑙 uma base de 𝑁𝑑𝑖

𝑁𝑑𝑖−1. De acordo com o lema, os elementos

(𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑥1, … , (𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑥𝑙

são linearmente independentes e pertencem a 𝑁𝑑𝑖−1

𝑁𝑑𝑖−2. Completamos esses elementos

até obtermos uma base desse espaço. Utilizando o mesmo raciocínio, a imagem por

(𝐴 − 𝜆𝑖𝐼) dos elementos dessa base é linearmente independente e iremos completar

esse conjunto até obter uma base, assim como feito anteriormente; procedemos

desse modo até chegarmos ao espaço 𝑁1. A base de 𝑊𝑖 assim construída é a base

de Jordan do subespaço 𝑊𝑖. Encontrando, desta forma, uma base do espaço inteiro

ao obtermos as bases de Jordan de cada espaço 𝑊𝑖. Essa base é chamada base de

Jordan.

Os subespaços 𝑀𝑘 = 𝑘𝑒𝑟(𝐵 − 𝜆𝑖)𝑘 têm a mesma dimensão do espaço

correspondente 𝑁𝑘. Ou seja, o procedimento aplicado a 𝑁𝑘, se repetido para a matriz

B, produzirá o mesmo número de elementos para cada base de 𝑀𝑘

𝑀𝑘+1. Existe uma

aplicação P que faz correspondera cada elemento da base de Jordan 𝑥𝑗 ∈𝑁𝑘

𝑁𝑘−1 o

elemento correspondente na base de 𝑦𝑗 ∈𝑀𝑘

𝑀𝑘−1, de modo que (𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑥𝑗 seja levado em

(𝐵 − 𝜆𝑖𝐼)𝑦𝑗. Conhecida a imagem dos vetores da base, existe uma única aplicação

linear que estende essa aplicação; seja P tal extensão. Como base está sendo levada

em base, esta aplicação linear tem inversa. Utilizando o mesmo procedimento

aplicado ao autoespaço associado a 𝜆𝑖 constrói a aplicação P.

Por fim, a definição de P afirma que 𝑃(𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)𝑥𝑗=(𝐵 − 𝜆𝑖𝐼)𝑦𝑗 = (𝐵 − 𝜆𝑖𝐼)𝑃𝑥𝑗.

Logo, que 𝑃(𝐴 − 𝜆𝑖𝐼)=(𝐵 − 𝜆𝑖𝐼)P. Daí, PA = BP.

Exemplo 4 Seja T : ℝ4 → ℝ4 definido por

T(𝑥1, 𝑥2, 𝑥3, 𝑥4) = (2𝑥1 − 𝑥2 + 𝑥4, 3𝑥2 − 𝑥3, 𝑥2 + 𝑥3, −𝑥2 + 3𝑥4).

Vamos obter a forma canônica de Jordan de T, bem como também a base em que T

assume essa forma.

Tendo como polinômio característico de T de p(t) = (t – 3).(t – 2)3. Assim, todos

os autovalores de T estão no corpo ℝ e podemos obter a forma de Jordan de T. Para

autovalor 3, na forma escalonada reduzida de

66

(𝑇 − 3𝐼) = (

−1 −1 0 0

0 1−1 0

0 1 0 −1

−2 0 0 0

) é (

1 00 1

0 00 0

0 00 0

1 00 1

) .

Desta forma, o subespaço 𝑊𝑖 = 𝑘𝑒𝑟(𝑇 − 3𝐼) é dado por:

{(𝑥1, 0, 0, 𝑥1); 𝑥1 ∈ ℝ}.

Da mesma forma, verifica-se que:

𝑘𝑒𝑟(𝑇 − 2𝐼) ={(𝑥1, 𝑥2, 𝑥2, 𝑥2); 𝑥1, 𝑥2 ∈ ℝ}

𝑘𝑒𝑟(𝑇 − 2𝐼)2 ={(𝑥1, 𝑥2 + 𝑥3, 2𝑥3, 2𝑥2); 𝑥1, 𝑥2, 𝑥3 ∈ ℝ}

Como a dimensão de 𝑘𝑒𝑟(𝑇 − 2𝐼)3 é igual a multiplicidade de 2 como raiz do

polinômio característico p(t) de T, temos que o espaço 𝑊2 é dado por 𝑘𝑒𝑟(𝑇 − 2𝐼)2.

O subespaço 𝑊1 tem base (1, 0, 0, 1) = 𝑤1. Esse é o primeiro elemento da base

de Jordan.

Obtendo agora a base de Jordan de 𝑊2, começaremos por conhecer o vetor

em 𝑊2 = 𝑁2 = 𝑘𝑒𝑟(𝑇 − 2𝐼)2, vetor este que não se encontra em 𝑁1 = 𝑘𝑒𝑟(𝑇 − 2𝐼),

onde é possível obter apenas um vetor, pois a diferença de dimensão entre estes

espaço é 1. Ele fornecerá a base de 𝑁2

𝑁1 da demonstração do teorema de Jordan. De

forma clara, temos que o vetor 𝑤4 = (0, 1, 0, 2) ∈ 𝑁2 𝑒 𝑤4 ≠ 𝑁1. Temos também que

𝑤3 = (𝑇 − 2𝐼)𝑤4 = (1, 1, 1, 1). Pelo teorema de Jordan, temos que 𝑤3 ∈ 𝑁1 e que 𝑤3 e

𝑤4 são linearmente independentes. Escolhemos o vetor 𝑤2 = (1, 0, 0, 0) para obter

uma base de 𝑁1, que é claramente linearmente independente com 𝑤3.

Temos assim a base B = {𝑤1, 𝑤2, 𝑤3, 𝑤4}, que é a base de Jordan de T. Os

vetores 𝑤2 e 𝑤3 são autovetores de T, associado ao autovalor 2, porque eles

pertencem a 𝑁1. Por fim, (𝑇 − 2𝐼)𝑤4 = 𝑤3, de modo que T𝑤4 = 2𝑤4 + 𝑤3.

Representando T na base B, vemos:

𝑇𝐵 = 𝐽 = (

3 00 2

0 00 0

0 00 0

2 10 2

), que é a forma canônica de Jordan de T.

Observação Comparando o exemplo acima, caso tivéssemos encontrado dois

vetores distintos 𝑁2

𝑁1, consideraríamos o ciclo formado pelo primeiro e então o ciclo

formado pelo segundo e ordenaríamos a base nessa ordem.

Exemplo 5 Obtenha uma base ℬ onde a matriz A esteja na forma canônica:

67

Tendo como polinômio característico de A p(t) = (t – 2)5(t + 1), pois a matriz A

é triangular superior.

Caso chamemos de W1 o subespaço relacionado ao autovalor – 1, saberemos

que dim W1 = 1 e que uma base para esse subespaço é dado pelo vetor ℯ6.

Denotaremos 𝑣1 = ℯ6 o primeiro vetor da base procurada.

Vemos agora o espaço W2 associado ao autovalor 2. Temos que dim W2 = 5 e

que

Caso chamemos de 𝑁1 = ker (𝐴 − 2𝐼), vemos que dim 𝑁1 = 2. Logo teremos:

𝑁1 = ker(𝐴 − 2𝐼) = {(0, 0, 𝑥3, −𝑥3, 𝑥4,𝑥4

3 ) ; 𝑥3, 𝑥4 ∈ ℝ}

𝑁2 = ker(𝐴 − 2𝐼)2 = {(0, 0, 𝑥3, 𝑥4, 𝑥5, (3𝑥5 − 𝑥4 − 𝑥3)/9)}

𝑁3 = ker(𝐴 − 2𝐼)3 = {(0, 𝑥2, 𝑥3, 𝑥4, 𝑥5,(−2𝑥2 − 3𝑥3 − 3𝑥4 + 9𝑥5

27 )}

𝑁4 = ker(𝐴 − 2𝐼)4 = {(𝑥1, 𝑥2, 𝑥3, 𝑥4, 𝑥5,(−10𝑥1 − 6𝑥2 − 9𝑥3 − 9𝑥4 + 27𝑥5

81 )}

Tendo como dim ker(𝐴 − 2𝐼)5 = 5, observamos que o coeficiente que estabiliza

o espaço 𝐴 − 2𝐼 é 4. Se W2 é o autoespaço generalizado associado ao autovalor 2,

68

temos W2 = 𝑁4. Logo, o vetor 𝑣6 = (1, 0, 0, 0, 0, −10

81) ∈ 𝑁4 ∖ 𝑁3. Tendo aqui a aplicação

𝐴 − 2𝐼 ∶ 𝑁4

𝑁3→

𝑁3

𝑁2 é injetiva e dim

𝑁3

𝑁2 = 1, vemos então que:

𝑣5 = (𝐴 − 2𝐼)𝑣6 = (0, 1, −1, 0, 1,10

27), é o quinto vetor da base procurada.

Pelo mesmo motivo, 𝑣2 = (𝐴 − 2𝐼)2 𝑣6 = (𝐴 − 2𝐼)𝑣4 = (0, 0, 0, 0, 1,1

3) é um

autovetor de A, pois ele pertence a 𝑁1. Como 𝑁1 tem dimensão 2, existe um outro

vetor nesse espaço, linearmente independente com 𝑣3. Esse é o vetor 𝑣2 =

(0, 0, 1, −1, 0, 0). Obtendo os vetores {𝑣1, … , 𝑣6}, a representação de A nessa base é

dada por:

A𝑣1 = −𝑣1 (𝑝𝑜𝑖𝑠 (𝐴 + 𝐼)𝑣1 = 0)

A𝑣2 = 2𝑣2 (𝑝𝑜𝑖𝑠 (𝐴 − 2𝐼)𝑣2 = 0)

A𝑣3 = 2𝑣3 (𝑝𝑜𝑖𝑠 (𝐴 − 2𝐼)𝑣3 = 0)

A𝑣4 = 𝑣3 + 2𝑣4 (𝑝𝑜𝑖𝑠 (𝐴 − 2𝐼)𝑣4 = 0)

A𝑣5 = 𝑣4 + 2𝑣5 (𝑝𝑜𝑖𝑠 (𝐴 − 2𝐼)𝑣5 = 0)

A𝑣6 = 𝑣5 + 2𝑣6 (𝑝𝑜𝑖𝑠 (𝐴 − 2𝐼)𝑣6 = 0)

A representação de A nessa base é:

A matriz J tem um bloco 1 x 1 associado ao autovalor – 1. Associado ao

autovalor 2 ela tem dois blocos de Jordan: o bloco 1 x 1 associado ao autovetor 𝑣2 e

o bloco 4 x 4 associado aos elementos {𝑣3, 𝑣4, 𝑣5, 𝑣6}, {(𝐴 − 2𝐼)3𝑣6, (𝐴 − 2𝐼)2𝑣6, (𝐴 −

2𝐼)𝑣6, 𝑣6,}.

Teorema 4 Toda matriz ∈ 𝑀𝑛 𝑥 𝑛(C) é semelhante a sua transposta.

Demonstração. Uma vez que det 𝐴 = 𝑑𝑒𝑡𝐴𝑇, obtemos que o polinômio

característico dessas duas matrizes é igual. Vemos então que eles têm os mesmos

autovalores.

69

Percebemos que se q é um polinômio e B uma matriz n x n, então [q(B)]T=q(BT).

Se 𝜆𝑖 é um autovalor de A, aplicando esse resultado para os polinômios (𝑡 − 𝜆𝑖)𝑘 e

então considerando a dimensão de seus núcleos, decorre que a condição II do

teorema de Jordan também é cumprida.

Teorema 5 Um operador linear T : V → V é diagonalizável se, e somente se, o

seu polinômio mínimo é produto de fatores lineares distintos.

Demonstração: Tomando como suposição T diagonalizável e 𝜆1, … , 𝜆𝑘 os

autovalores distintos de T. Logo V possui uma base formada por autovetores de T.

Considere o polinômio

h(z) = (t - 𝜆1) ... (t - 𝜆𝑘).

Se 𝑣 é um autovetor de T associado ao autovalor 𝜆𝑖 então (𝑇 − 𝜆𝑖) 𝑣 = 0.

Implicando em h(T) 𝑣 = 0 para qualquer autovetor de T. Sabendo que o polinômio

mínimo e característico possuem os mesmos fatores irredutíveis, mostramos que h é

o polinômio mínimo de T.

De maneira recíproca, se p(t) = (t - 𝜆1) ... (t - 𝜆𝑘) é o polinômio mínimo de T,

então Wi = (ker (𝑇 − 𝜆𝑖). De forma bastante clara, todo elemento de W i é autovetor de

T. Tomando bases ℬ𝑖 de cada espaço Wi, temos que ℬ = {ℬ1, … , ℬ𝑘} é uma base de V

formada por autovetores de T.

5.3 A forma real de Jordan

Definição 5 Sejam A ∈ 𝑀𝑛 𝑥 𝑛 e 𝑧 ∈ 𝕂𝑛 um vetor qualquer. Definamos por �� ∈

𝑀𝑛 𝑥 𝑛 como a matriz obtida ao se tomar o conjugado em cada uma das entradas de

A e 𝑧 ∈ 𝕂𝑛 como vetor obtido ao se tomar o conjugado em cada uma das coordenadas

de 𝑧.

Para quaisquer matrizes A, B ∈ 𝑀𝑛 𝑥 𝑛 e 𝜆 ∈ 𝕂, verifica-se que A + 𝜆B = �� +

𝜆B , 𝐴𝐵 = ��. ��. Também vale que 𝐴𝑧 = ��. 𝑧 em qualquer 𝑧 ∈ 𝕂𝑛.

Definição 6 Seja V um espaço vetorial real. A complexidade de V será

𝑉ℂ = {𝑢 + 𝑖𝑣; 𝑢, 𝑣 ∈ 𝑉}

Em 𝑉ℂ soma-se e multiplica-se por complexo de forma “natural”. Verificamos

que 𝑉ℂ torna-se, assim, um espaço vetorial sobre os complexos.

Sendo T : V → V uma aplicação linear, realizamos a definição da complexidade

de T desta forma: 𝑇ℂ ∶ 𝑉ℂ → 𝑉ℂ definida por 𝑇ℂ(𝑢 + 𝑖𝑣) = 𝑇𝑢 + 𝑖𝑇𝑣.

70

Caso identifiquemos o vetor 𝑣 ∈ V com o vetor 𝑣 + 𝑖0 ∈ 𝑉ℂ, V será um

subespaço de 𝑉ℂ. Identidade esta a ser utilizada no resultado seguinte:

Lema 2 Sejam V um espaço vetorial de dimensão finita e T : V → V uma

aplicação linear. Temos a seguir, situações válidas:

i. Toda base de V é base de 𝑉ℂ;

ii. Os polinômios característicos de T e 𝑇ℂ são iguais;

iii. Sendo 𝜆 um autovalor de 𝑇ℂ, então �� é também um autovalor de 𝑇ℂ; são

iguais as multiplicidades algébricas dos autovalores 𝜆 e ��.

iv. Seja �� um subespaço tal que 𝑤 = 𝑢 + 𝑖𝑣 ∈ �� implica que �� = 𝑢 − 𝑖𝑣 ∈

��. Logo �� possui uma base formada por vetores reais.

Demonstração:

i. Notemos apenas que as partes real 𝑢 e imaginária 𝑣 de qualquer vetor

𝑢 + 𝑣 podemos escrever como combinação linear dos elementos da base de V.

ii. Apresentamos como uma decorrência do quesito anterior, com a

identificação V ∋ 𝑣 = 𝑣 + 𝑖0 ∈ 𝑉ℂ, pois então as representações de T e 𝑇ℂ numa base

de V são iguais.

iii. Sejam 𝜆 um autovalor de 𝑇ℂ e p(z) o polinômio caraterístico de 𝑇ℂ. Os

coeficientes de p(z) são reais, pois este é também polinômio característico de T.

Vemos na equação p(𝜆) = 0 que seu conjugado também resulta em zero, o que

mostra que �� também é uma raiz do polinômio característico de 𝑇ℂ. Sendo 𝑝’(𝜆) = ... =

𝑝(𝑑−1)(𝜆) = 0 e 𝑝(𝑑)(𝜆) ≠ 0, mostrando que �� também tem multiplicidade d.

iv. Seja {𝑤1, … , 𝑤𝑘} uma base de W, com 𝑤𝑗 = 𝑢𝑗 + 𝑖𝑣𝑗 , 𝑗 = 1, … , 𝑘. Somando

e subtraindo os vetores 𝑤𝑗 e 𝑤𝑗 , obtemos que 𝑢𝑗 = 𝑢𝑗 + 𝑖0 𝑒 𝑣𝑗 = 𝑣𝑗 + 𝑖0 estão em ��.

Assim, S = {𝑢1,𝑣1, … , 𝑢𝑘 , 𝑣𝑘} é um conjunto de vetores reais que gera ��. Uma base

formada de vetores reais é obtida ao se adquirir um subconjunto de S com k elementos

linearmente independentes em 𝑉ℂ.

Lema 3 Sejam T : V → V um operador linear e 𝑇ℂ sua complexidade. Se o

subespaço �� ⊂ 𝑉ℂ possui uma base formada por vetores reais, então ele é a

complexidade de um subespaço W ⊂ V.

71

Demonstração. Sabendo que todo vetor �� é da forma 𝑤 = 𝑢 + 𝑖𝑣, sendo 𝑢 e 𝑣

vetores reais. Tomando 𝑢 e 𝑣 em termos dos vetores da base real, teremos que �� é

a complexidade real W gerado pelos vetores dessa base.

Teorema 6 (Forma de Jordan real)

Sejam T : V → V um operador linear real. Logo existe uma base C de V onde T

é representado por uma matriz J, diagonal em blocos, cujos blocos diagonais, podem

ter a forma:

tendo aí 𝛼 + 𝑖𝛽 um autovalor complexo de 𝑇ℂ e 𝐼2 a matriz identidade 2 x 2.

Demonstração. Sabemos que o espaço vetorial V pode ser decomposto como

soma direta de espaços invariantes pela aplicação T. Caso 𝜆 ∈ ℝ seja um autovalor

de T, obtemos o espaço invariante 𝑊𝜆. A base do espaço 𝑊𝜆 na qual T assume sua

forma de Jordan nesse espaço existe como na demonstração do teorema de Jordan.

Desta forma, podemos observar apenas o caso de autovalores 𝜆 ∈ ℂ ∖ ℝ da

complexidade 𝑇ℂ de T. Suponhamos que 𝑇ℂ possua um autovalor 𝜆 ∉ ℝ. Sabemos

também que �� é autovalor de 𝑇ℂ, o que nos garante que existem os espaços 𝑊𝜆 e 𝑊��.

Se os vetores 𝑤𝑗 = 𝑢𝑗 + 𝑖𝑣𝑗 , 𝑗 = 1, … , 𝑘, formam uma base de 𝑊𝜆, temos que os vetores

𝑢𝑗 + 𝑖𝑣𝑗formam uma base de 𝑊��.

Temos então que

S = {𝑢1,𝑣1, … , 𝑢𝑘, 𝑣𝑘}

é uma base de 𝑊𝜆 ⨁ 𝑊��. De fato, como dim 𝑊𝜆 = 𝑊�� = 𝑘 , o conjunto S tem dimensão

do espaço 𝑊𝜆 ⨁ 𝑊��. Qualquer vetor desse espaço é combinação linear dos elementos

de S. Isso prova o afirmado.

Por fim, se 𝑤1 = 𝑢1 + 𝑖𝑣1 satisfaz 𝑇ℂ𝑤1 = 𝜆𝑤1 para 𝜆 = 𝛼 + 𝑖𝛽 ∈ ℂ ∖ ℝ, logo:

T(𝑢1) + 𝑖T(𝑣1) = ( 𝛼𝑢1 − 𝛽𝑣1) + 𝑖(𝛽𝑢1 + 𝛼𝑣1).

Se, para 𝑗 ∈ {2, … , 𝑟}, temos 𝑇ℂ𝑤𝑗 = 𝜆𝑤𝑗 + 𝑤𝑗−1, vemos que:

T𝑢𝑗 + 𝑖T𝑣𝑗 = ( 𝛼𝑢𝑗 − 𝛽𝑣𝑗 + 𝑢𝑗−1) + 𝑖(𝛽𝑢𝑗 + 𝛼𝑣𝑗 + 𝑣𝑗−1),

72

seguindo que, na base = {𝑢1,𝑣1, … , 𝑢𝑘, 𝑣𝑘} de 𝑊𝜆 ⨁ 𝑊��, 𝑇ℂ é representado por bloco(s)

da forma descrita pelo início do teorema. Sabendo que 𝑇ℂ = 𝑇 para qualquer vetor

dessa base, a demonstração está válida.

73

6 SUPERFÍCIE QUOCIENTE OU ABSTRATA

6.1 Definição

Uma superfície abstrata é um conjunto S composto de uma família de

aplicações bijetivas 𝑥𝛼 ∶ 𝑈𝛼 → 𝑆 de conjuntos abertos 𝑈𝛼 ⊂ ℝ2 em S tal que

1. 𝑈𝛼𝑥𝛼(𝑈𝛼) = 𝑆,

2. Para cada par 𝛼, 𝛽 com 𝑥𝛼(𝑈𝛼) = 𝑊 ≠ ∅, temos que 𝑥𝛼−1(W), 𝑥𝛽

−1(W) são

conjuntos abertos em ℝ2 e 𝑥𝛽−1 ∘ 𝑥𝛼, 𝑥𝛼

−1 ∘ 𝑥𝛽 são aplicações diferenciáveis (ver figura

seguinte).

O par (𝑈𝛼, 𝑥𝛼) com p ∈ 𝑥𝛼(𝑈𝛼) é chamado parametrização (ou sistema de

coordenadas) de S em torno de p. Temos que 𝑥𝛼(𝑈𝛼) é uma vizinha coordenada, e

se q = 𝑥𝛼(𝑢𝛼, 𝑣𝛼) ∈ 𝑆, que (𝑢𝛼, 𝑣𝛼) são coordenadas de q neste sistema de

coordenadas. A família {𝑈𝛼, 𝑥𝛼} é chamada uma estrutura diferenciável em S. Diremos

que um subconjunto V ⊂ S é aberto em S se 𝑥𝛼−1(V) é aberto em ℝ2 para todo 𝛼.

Observando a opção 2, vemos que a mudança de parâmetros

𝑥𝛽−1 ∘ 𝑥𝛼 ∶ 𝑥𝛼

−1(W) → 𝑥𝛽−1(W)

é um difeomorfismo.

Figura 1: Aplicações diferenciais

Observação 1. Ás vezes é útil acrescentar um axioma á definição 1 e dizer que

a estrutura diferenciável deve ser máxima em relação às condições 1 e 2. Temos

então que {𝑈𝛼, 𝑥𝛼} não está contida propriamente em nenhuma outra família de

vizinhanças coordenadas, satisfazendo assim as condições 1 e 2 da definição 1.

74

Sejam 𝑆1 e 𝑆2 superfícies abstratas. Uma aplicação 𝜑 ∶ 𝑆1 → 𝑆2 é diferenciável

em p ∈ 𝑆1 se dada uma parametrização y : V ⊂ ℝ2 → 𝑆2 em torno de 𝜑(x(U)) ⊂ y(U) e

a aplicação

𝑦−1 ∘ 𝜑 ∘ 𝑥 ∶ 𝑈 ⊂ ℝ2 → ℝ2 (*)

é diferenciável em 𝑥−1(p). 𝜑 é diferenciável em 𝑆1 se é diferenciável em todo p ∈

𝑆1 (𝑣𝑒𝑟 𝑓𝑖𝑔𝑢𝑟𝑎 𝑠𝑒𝑔𝑢𝑖𝑛𝑡𝑒).

Figura 2: 𝜑 é diferenciável em 𝑆1 se é diferenciável em todo p ∈ 𝑆1

Essa definição, observando a condição 2, não depende das escolhas de

parametrização. A aplicação 1 recebe o nome de expressão de 𝜑 nas

parametrizações x, y.

Desta forma, faz sentido falar de aplicações diferenciáveis em superfícies

abstratas, e já demos o primeiro passo para uma generalização da geometria

intrínseca.

Exemplo 1 Seja S2 = {(𝑥, 𝑦, 𝑧) ∈ ℝ3; 𝑥2 + 𝑦2 + 𝑧2 = 1} a esfera unitária e seja

A : S2 → S2 a aplicação antípoda; A(x, y, z) = (- x, - y, - z). Seja P2 o conjunto obtido de

S2 identificando p com A(p) e denotemos por 𝜋 ∶ S2 → P2 a aplicação natural de 𝜋 =

{𝑝, 𝐴(𝑝)}. Cubramos S2 com parametrizações 𝑥𝛼 : 𝑈𝛼 → 𝑆2, tais que 𝑥𝛼(𝑈𝛼) ∩

(𝐴 ∘ 𝑥𝛼)(𝑈𝛼) = ∅. Como S2 é uma superfície regular e A é um difeomorfismo, segue-

se que P2 munido da família {𝑈𝛼, 𝑥𝛼 ∘ 𝜋} é uma superfícia abstrata, que denotaremos

também por P2 . P2 é chamada de plano projetivo real.

75

O plano projetivo é geralmente definido como sendo a esfera com os pontos

antípodas relacionados. Com a construção de espaços quocientes onde a esfera 𝑆2 =

{𝑥 ∈ ℝ3; |𝑥| = 1} munido da topologia do subespaço 𝑆2 ⊂ ℝ3, introduziremos em 𝑆2 a

relação que identifica pontos antípodas e assim temos definidas classes [𝑥] =

{𝑥, −𝑥} ∈ 𝑆2/~ elementos de 𝑆2/~. Construímos dessa forma o plano projetivo ℝℙ2 =

(𝑆2/~ , 𝜏𝑆2/~ ).

Exemplo 2 Seja T ⊂ ℝ3 um toro de revolução (vide observação a seguir) com

centro em (0, 0, 0) ∈ ℝ3 e seja A : T → T definida por A(x, y, z) = (- x, - y, - z) (ver figura

seguinte). Sendo K o espaço quociente de T pela relação de equivalência p ~ A(p) e

denotemos por 𝜋 ∶ 𝑇 → 𝐾 a aplicação 𝜋(p) = {𝑝, 𝐴(𝑝)}. Cubramos T com

parametrizações 𝑥𝛼 : 𝑈𝛼 → 𝑇 tais que 𝑥𝛼(𝑈𝛼) ∩ (𝐴 ∘ 𝑥𝛼)(𝑈𝛼) = ∅. Como antes, é

possível mostrar que K com a família {𝑈𝛼, 𝜋 ∘ 𝑥𝛼} é uma superfície abstrata, que é

chamada de garrafa de Klein.

Figura 3: A(x, y, z) = (- x, - y, - z)

Associemos agora um plano tangente a cada ponto de uma superfície abstrata

S. O plano tangente, nesse caso, é o conjunto de vetores tangentes em um ponto,

sendo um vetor tangente em um ponto definido como a velocidade neste ponto de

uma curva na superfície. Precisamos definir o que é o vetor tangente de uma curva

em uma superfície abstrata. Como não podemos contar com o ℝ3, o que é onde vivem

os vetores tangente às curvas, é necessário buscar uma propriedade característica

de tais vetores que não dependa do ℝ3.

76

Seja 𝛼 ∶ (−𝜀, 𝜀) → ℝ2 uma curva diferenciável em ℝ2, com 𝛼(0) = 𝑝.

Escrevendo 𝛼(𝑡) = (𝑢(𝑡), 𝑣(𝑡)), 𝑡 ∈ (−𝜀, 𝜀), e 𝛼 ’(0) = (𝑢’(0), 𝑣 ’(0)) = 𝑤. Seja f

diferenciável definida em uma vizinhança de p. Podemos restringir f a 𝛼 e escrever a

derivada direcional de f com relação a w da seguinte maneira:

𝑑(𝑓∘𝛼)

𝑑𝑡 𝑡=𝑜= (

∂𝑓

∂𝑢

𝑑𝑢

𝑑𝑡+

∂𝑓

∂𝑣

𝑑𝑣

𝑑𝑡)

𝑡=0 = {𝑢’(0)

∂𝑢+ 𝑣 ’(0)

∂𝑣}.f

Desta forma, a derivada direcional na direção do vetor w é um operador sobre

funções diferenciáveis que depende apenas de w. Esta é a propriedade característica

dos vetores tangentes.

OBSERVAÇÂO: O toro é a superfície regular gerada pela rotação de um

círculo S de raio r e em torno de uma reta pertencente ao plano do círculo e a uma

distância a > r do centro do círculo.

Figura 4: conceito de toro

Definição 1 Uma aplicação diferenciável 𝛼 ∶ (−𝜀, 𝜀) → 𝑆 recebe o nome de

curva em S. Suponhamos que 𝛼(0) = 𝑝 e seja D o conjunto de funções em S que são

diferenciáveis em p. O vetor tangente à curva 𝛼 em t = 0 é a função 𝛼 ’(0) ∶ 𝐷 → ℝ

dada por:

𝛼 ’(0)(𝑓) =𝑑(𝑓∘𝛼)

𝑑𝑡 𝑡=𝑜, f ∈ D

Um vetor tangente em um ponto p ∈ S é o vetor tangente em t = 0 de alguma

curva 𝛼 ∶ (−𝜀, 𝜀) → 𝑆 com 𝛼(0) = 𝑝.

Tratando com a parametrização x : U → S em torno de p = x(0, 0), podemos

expressar a função f e a curva 𝛼 em x por f(𝑢, 𝑣) e (𝑢(𝑡), 𝑣(𝑡)), respectivamente. Logo,

𝛼 ’(0)(𝑓) =𝑑(𝑓∘𝛼)

𝑑𝑡 𝑡=𝑜=

𝑑(𝑓(𝑢(𝑡),𝑣(𝑡)))

𝑑𝑡 𝑡=𝑜=

77

= 𝑢’(0) (∂𝑓

∂𝑢)

0+ 𝑣 ’(0) (

∂𝑓

∂𝑢)

0=

= {𝑢’(0) (∂𝑓

∂𝑢)

0+ 𝑣 ’(0) (

∂𝑓

∂𝑢)

0}(f).

Isto sugere, dadas as coordenadas (𝑢, 𝑣) em torno de p, que denotamos por

(∂

∂𝑢)

0 o vetor tangente em p que aplica a função f em (

∂𝑓

∂𝑢)

0; um significado análogo

será referente a (∂𝑓

∂𝑣)

0. Observamos que (

∂𝑓

∂𝑢)

0, (

∂𝑓

∂𝑣)

0 podem ser interpretados como

vetores tangentes em p das curvas coordenadas 𝑢 → 𝑥(𝑢, 0), 𝑣 →

𝑥(0, 𝑣), respectivamente.

Figura 5: 𝑢 → 𝑥(𝑢, 0), 𝑣 → 𝑥(0, 𝑣)

O conjunto de vetores tangentes em p, com as operações usuais para funções,

é um espaço vetorial bi-dimensional TpS chamado de espaço tangente de S em p.

Vemos também que a escolha de uma parametrização x : U → T em torno de p

determina uma base associada {(∂

∂𝑢)

𝑞+ (

∂𝑢)

𝑞} de TpS para todo q ∈ x(U).

Definição 2 Sejam 𝑆1 e 𝑆2 superfícies abstratas e seja 𝜑 ∶ 𝑆1 → 𝑆2 uma

aplicação diferenciável. Para cada p ∈ 𝑆1 e cada 𝑤 ∈ 𝑇𝑝𝑆1, considere a curva

diferenciável 𝛼 ∶ (−𝜀, 𝜀) → 𝑆1, com 𝛼(0) = 𝑝, 𝛼 ’(0) = 𝑤. Faça 𝛽 = 𝜑 ∘ 𝛼. A aplicação

d𝜑𝑝 ∶ 𝑇𝑝𝑆1 → 𝑇𝛼(𝑝)𝑆2 dada por d𝜑𝑝(𝑤) = 𝛽’(0) é uma aplicação linear bem definida,

que recebe o nome de diferencial de 𝜑 em p.

Definição 3 Uma superfície geométrica (Variedade Riemanniana de dimensão

2) é uma superfície abstrata S munida de uma escolha de um produto interno ⟨ , ⟩𝑝

78

em cada TpS, p ∈ 𝑆, que varia diferencialmente com p no seguinte sentido. Para

alguma parametrização x : U → S em torno de p, as funções

𝐸(𝑢, 𝑣) = ⟨∂

∂𝑢,

∂𝑢⟩, 𝐹(𝑢, 𝑣) = ⟨

∂𝑢,

∂𝑣⟩, 𝐺(𝑢, 𝑣) = ⟨

∂𝑣,

∂𝑣⟩

são funções diferenciáveis em U. O produto interno ⟨ , ⟩ é frequentemente chamado

de métrica Riemanniana em S.

Definição 4 Uma aplicação diferenciável 𝜑 ∶ 𝑆 → ℝ3 de uma superfície abstrata

S em ℝ3 é uma imersão se a diferencial d𝜑𝑝 ∶ TpS → Tpℝ3 é injetiva. Se, além disto, S

tiver uma métrica ⟨ , ⟩ e ⟨d𝜑𝑝(𝑣), d𝜑𝑝(𝑤)⟩𝜑(𝑝) = ⟨ , ⟩𝑝, 𝑣, 𝑤 ∈ TpS, dizemos que 𝜑 é

uma imersão isométrica.

Vemos que o primeiro produto interno apresentado é usual do ℝ3, já o segundo

é a métrica Riemanniana dada sobre S. Chegando assim que para uma imersão

isométrica a métrica induzida por ℝ3 sobre S coincide com a métrica dada sobre S.

Exemplo 3 Seja ℝ2 um plano com coordenadas (x, y) e 𝑇𝑚,𝑛 ∶ ℝ2 → ℝ2 a

aplicação (translação) 𝑇𝑚,𝑛(x, y) = (x + m, y + n), onde m e n são inteiros. Definamos

uma relação de equivalência em ℝ2 por (x, y) ~ (𝑥1, 𝑦1) se existem inteiros m, n tais

que 𝑇𝑚,𝑛(x, y) = (𝑥1, 𝑦1). Seja T o espaço quociente de ℝ2 por esta relação de

equivalência e seja 𝜋 ∶ ℝ2 → 𝑇 a projeção natural 𝜋(𝑥, 𝑦) =

{𝑇𝑚,𝑛(x, y); para todos m, n inteiros}. Observamos que em cada quadrado unitário

aberto cujos vértices tenham coordenadas inteiras, teremos apenas um representante

de um elemento T, e T pode ser pensado como um quadrado fechado com os lados

opostos identificados (ver figura a seguir, nela temos que todos os pontos de ℝ2

denotados por x representam o mesmo ponto p em T).

Temos que 𝑖𝛼 : 𝑈𝛼 ⊂ ℝ2 → ℝ2 é uma família de parametrização ℝ2, sendo 𝑖𝛼

aplicação identidade, onde 𝑈𝛼 ∩ 𝑇𝑚,𝑛(𝑈𝛼) = ∅ em quaisquer m, n inteiros. Sabendo

que 𝑇𝑚,𝑛 é um difeomorfismo, então a família (𝑈𝛼, 𝜋 ∘ 𝑖𝛼) é uma estrutura diferenciável

pata T . T é chamado um toro (diferenciável). Seguimos da própria definição de

estrutura diferenciável em T que 𝜋 ∶ ℝ2 → 𝑇 é uma aplicação diferenciável e um

difeomorfismo local (vemos isso na figura seguinte onde temos que T é diomorfo ao

toro usual em ℝ3.

Vejamos agora que 𝑇𝑚,𝑛 é uma isomeria de ℝ2 e introduz uma estrutura

geométrica (Riemanniana) em 𝑇 da seguinte maneira. Sejam 𝑝 ∈ 𝑇 e 𝑣 ∈ 𝑇𝑝𝑇. Sejam

79

𝑞1, 𝑞2 ∈ ℝ2 𝑒 𝑤1, 𝑤2 ∈ ℝ2 tais que 𝜋(𝑞1) = 𝜋(𝑞2) = 𝑝 e 𝑑𝜋𝑞1(𝑤1) = 𝑑𝜋𝑞2

(𝑤2) = 𝑣.

Então 𝑞1 ~ 𝑞2; logo existe 𝑇𝑚,𝑛 tal que 𝑇𝑚,𝑛 (𝑞1) = 𝑞2, 𝑑(𝑇𝑚,𝑛) = 𝑞2, 𝑑(𝑇𝑚,𝑛)𝑞1(𝑤1) =

𝑤2. Como 𝑇𝑚,𝑛 é uma isomeria, |𝑤1| = |𝑤2|. Definamos agora o comprimento de 𝑣

em 𝑇𝑝𝑇 por |𝑣| = |𝑑𝜋𝑞(𝑤1)| = |𝑤1|. Pelo que acabamos de ver, isto está bem definido.

Evidentemente, tal definição dá origem a um produto interno ⟨ , ⟩𝑝 em 𝑇𝑝𝑇 para cada

𝑝 ∈ 𝑇. Como este é essencialmente o produto interno usual do ℝ2 e 𝜋 é um

difeomorfismo local, ⟨ , ⟩𝑝 varia diferencialmente com 𝑝.

Observemos que os coeficientes da primeira forma fundamental de 𝑇, em

qualquer uma das parametrizações da família {𝑈∝, 𝜋 ∘ 𝑖𝛼}, são E = G = 1, F = 0. Assim,

este toro se comporta localmente como um espaço euclidiano. Por exemplo, a sua

curvatura Guassiana é identicamente nula. Isto justifica o nome toro plano, que

usualmente é dado a T munido do produto interno que acabamos de descrever.

Evidentemente o toro plano não pode ser isometricamente imerso em ℝ3, pois,

por compacidade, ele teria um plano com curvatura positiva. No entanto, ele pode ser

imerso isometricamente em ℝ4.

De fato, seja 𝐹 ∶ ℝ2 → ℝ4 dado por

𝐹(𝑥, 𝑦) = 1

2𝜋(𝑐𝑜𝑠2𝜋𝑥, 𝑐𝑜𝑠2𝜋𝑦, 𝑠𝑒𝑛2𝜋𝑦).

Como 𝐹(𝑥 + 𝑚, 𝑦 + 𝑛) = 𝐹(𝑥, 𝑦) para quaisquer 𝑚, 𝑛 inteiros, podemos definir

uma aplicação 𝜑 ∶ 𝑇 → ℝ4 , por 𝜑(𝑝) = 𝐹(𝑞), onde 𝑞 ∈ 𝜋− 1(𝑞). É claro que 𝜑 ∘ 𝜋 =

𝐹 e, como 𝜋 ∶ ℝ2 → 𝑇 é um difeomorfismo local, 𝜑 é diferenciável. Além disto, o posto

𝑑𝜑 é igual ao posto de 𝑑𝐹 que, por sua vez, verifica – se facilmente, é igual a 2. Assim,

𝜑 é uma imersao. Para ver que a imersão é isométrica, observamos primeiro que se

𝑒1 = (1, 0), 𝑒2= (0, 1) são os vetores da base canônica em ℝ2, os vetores 𝑑𝜋𝑞1(𝑒1) =

𝑓1 , 𝑑𝜋𝑞1(𝑒2) = 𝑓2, 𝑞 ∈ 𝐼𝑅2, formam uma base para 𝑇𝜋(𝑞)

𝑇. Pela definição do produto

interno em 𝑇, ⟨𝑓𝑖, 𝑓𝑗⟩ = ⟨𝑒𝑖, 𝑒𝑗⟩, 𝑖, 𝑗 = 1, 2. Em seguida, calculamos

𝜕𝐹

𝜕𝑥= 𝑑𝐹(𝑒1) = (−𝑠𝑒𝑛2𝜋𝑥, 𝑐𝑜𝑠2𝜋𝑥, 0, 0),

𝜕𝐹

𝜕𝑦= 𝑑𝐹(𝑒2) = (0, 0, −𝑠𝑒𝑛2𝜋𝑦, 𝑐𝑜𝑠2𝜋𝑦),

E obtemos que

80

Figura 6: O toro

Assim, ⟨d𝜑(𝑓𝑖), d𝜑(𝑓𝑗)⟩ = ⟨d𝜑 (𝑑𝜋(𝑒𝑖), d𝜑(𝑑𝜋(𝑒𝑗))⟩ = ⟨𝑓𝑖 , 𝑓𝑗⟩. Segue-se que 𝜑 é

uma imersão isométrica, como havíamos afirmado.

Observemos que a imagem 𝜑(𝑆) de uma imersão 𝜑 ∶ 𝑆 → ℝ𝑛 pode ser auto-

interseções. No último exemplo, 𝜑 : 𝑇 → ℝ4 é injetiva e, além disto, 𝜑 é um

homeomorfismo sobre sua imagem. Convém utilizar a seguinte terminologia.

Definição 5 Seja S uma superfície abstrata. Uma aplicação diferenciável 𝜑 ∶

𝑆 → ℝ𝑛 é um mergulho se 𝜑 é uma imersão e um homeomorfismo sobre a sua

imagem.

Por exemplo, uma superfície regular em ℝ3 pode ser caracterizada como a

imagem de uma superfície abstrata 𝑆 por um mergulho 𝜑 ∶ 𝑆 → ℝ3. Isto significa que

apenas aquelas superfícies abstratas que podem ser mergulhadas em ℝ3 poderiam

ter sido detectadas em nosso estudo das superfícies regulares em ℝ3. O exemplo

abaixo mostra que tal fato é uma séria restrição.

81

Exemplo 4 Observamos primeiramente que a definição de orientabilidade pode

ser estendida, sem mudar uma única palavra, às superfícies abstratas. Considere

agora o plano projetivo real 𝑃2 do exemplo 5.3. Afirmamos que 𝑃2 é não – orientável.

Para provar isto, fazemos primeiro a seguinte consideração geral. Sempre uma

superfície abstrata S contenha um conjunto aberto M difeomorfo a uma faixa de

Mobius, ela é não-orientável. Caso contrário, existe uma família de parametrização

cobrindo S com a propriedade de que todas as mudanças de coordenadas têm

Jacobiano positivo; a restrição de uma tal família a M induzirá uma orientação em M,

o que é uma contradição.

𝑃2 é obtido a partir da esfera 𝑆2 pela identificação de pontos antípodas.

Consideremos em 𝑆2 uma faixa fina B formada por segmentos abertos de meridianos

cujos centros estão sobre metade de um equador(ver figura seguinte). Através da

identificação dos pontos antípodas, é claro que B se torna uma faixa de Mobius em

𝑃2. Assim, P2 é não-orientável.

Figura 7: O plano projetivo contém uma faixa de M��bius

Por um argumento análogo, pode-se mostrar que a garrafa de Klein K do

Exemplo 2 também é não-orientável. Em geral, sempre que uma superfície regular

𝑆 ⊂ ℝ3 é simétrica em relação à origem de ℝ3 , a identificação dos pontos simétricos

dá origem a uma superfície abstrata não-orientável.

Pode-se provar que uma superfície regular compacta em ℝ3 é orientada.

Assim, 𝑃2 e K não podem ser mergulhados em ℝ3, e o mesmo acontece para as

superfícies não-orientáveis geradas da maneira descrita acima. Desta maneira, se

nos limitarmos a superfícies regulares em ℝ3 teremos que deixar de lado muitas

superfícies.

No entanto, 𝑃2 e 𝐾2 podem ser mergulhados em ℝ4. Para garrafa de Klein K,

consideremos a aplicação G : ℝ2 → ℝ4 dada por

82

𝐺(𝑢, 𝑣) = ((𝑟. cos 𝑣 + 𝑎). cos 𝑢, (𝑟. cos 𝑣 + 𝑎). 𝑠𝑒𝑛 𝑢, 𝑅. 𝑠𝑒𝑛 𝑣. 𝑐𝑜𝑠 𝑢

2, 𝑟. 𝑠𝑒𝑛

𝑢

2 ).

Notemos que 𝐺(𝑢, 𝑣) = 𝐺(𝑢 + 2𝑚𝜋, 2𝑛𝜋 − 𝑣), onde m e n são inteiros. Desta

forma, G induz uma aplicação 𝜓 da superfície que é obtida a partir do quadrado

[0, 2𝜋] 𝑥 [0, 2𝜋] ⊂ ℝ2

quando consideramos primeiro a reflexão de um de seus lados em relação ao centro

deste lado e depois se faz a identificação dos lados opostos (ver figura seguinte).

Podemos ver que tal conjunto é a garrafa de Klein, como foi apresentado no exemplo

6.4., se desprezamos uma metade aberta do toro no qual os pontos simétricos estão

sendo identificados e observamos que ambos os processos fornecem a mesma

superfície (ver figura seguinte).

Figura 8: Imagem em ℝ3 da garrafa de Klein por uma imersão

Desta forma, 𝜓 é uma aplicação de K em ℝ4. Observe também que

𝐺(𝑢 + 4𝑚𝜋, 𝑣 + 2𝑚𝜋) = 𝐺(𝑢, 𝑣)

Temos ainda que G = 𝜓 ∘ 𝜋1 ∘ 𝜋, onde 𝜋 : ℝ2 → 𝑇 é essencialmente a projeção natural

do toro T e 𝜋1 ∶ 𝑇 → 𝐾 corresponde a identificar pontos antípodas em T. Temos que 𝜋

e 𝜋1 são, por definição de estruturas diferenciáveis em T e K, difeomorfismos locais.

Logo, 𝜓 ∶ 𝐾 → ℝ4 é diferenciável e o posto de d𝜓 coincide com o posto de dG.

Calculamos facilmente que este último é 2, então, 𝜓 é uma imersão. Como K é

compacto e 𝜓 é injetiva, vemos sem dificuldades que 𝜓−1 é contínua em 𝜓(𝐾). Assim,

𝜓 é um mergulho, como desejamos.

83

Para o plano projetivo 𝑃2, considere a aplicação F : ℝ3 → ℝ4 dada por

F(x, y, z) = (𝑥2 − 𝑦2, xy, xz, yz).

Seja 𝑆2 ⊂ ℝ2 a esfera unitária com centro na origem de ℝ3. A restrição 𝜑 = 𝐹| 𝑆2é tal

que 𝜑(p) = 𝜑(-p). Assim, 𝜑 induz uma aplicação

�� : 𝑃2 → ℝ4 por ��({𝑝, −𝑝}) = 𝜑(p).

Consideremos a parametrização x de 𝑆2, para ver que 𝜑 (logo, ��) é uma imersão,

como x(x, y) = (x, y, +√1 − 𝑥2 − 𝑦2), onde 𝑥2 + 𝑦2 < 1. Logo

𝜑 ∘ 𝑥(𝑥, 𝑦) = (𝑥2 − 𝑦2, 𝑥𝑦, 𝑥𝐷, 𝑦𝐷), D = √1 − 𝑥2 − 𝑦2.

Analisamos que a matriz de d(𝜑 ∘ 𝑥) tem posto 2. Desta maneira, �� é imersão.

Para ver que �� é injetiva, faça

𝑥2 − 𝑦2 = 𝑎, 𝑥𝑦 = 𝑏, 𝑥𝑧 = 𝑐, 𝑦𝑧 = 𝑑. (equações*)

Precisamos apenas mostrar que, sob a condição 𝑥2 + 𝑦2 + 𝑧2 = 1, as equações acima

têm apenas duas soluções que são da forma (x, y, z) e (- x, - y, - z). Podemos então

escrever

𝑥2𝑑 = 𝑏𝑐, 𝑦2𝑐 = 𝑏𝑑, 𝑧2𝑏 = 𝑐𝑑, 𝑥2 − 𝑦2 = 𝑎, 𝑥2 + 𝑦2 + 𝑧2 = 1 (equações**), onde as

três primeiras equações vêm das três últimas equações*.

Se um dos números b, c, d é não nulo, as equações ** nos dão 𝑥2, 𝑦2, 𝑧2 e as

equações* determinam o sinal de duas coordenadas, uma vez dado o sinal da

coordenada restante. Se b = c = d = 0, as equações* e a última equação** mostram

que exatamente duas coordenadas serão nulas, e a restante será ±1.Por

compacidade, 𝜑 é um mergulho, e isto conclui o exemplo.

Uma variável diferenciável de dimensão n é um conjunto M munido de uma

família de aplicações bijetivas 𝑥𝛼: 𝑈𝛼 → 𝑀 de conjuntos abertos 𝑈𝛼 ⊂ ℝ𝑛 em M tal que

1. 𝑈𝛼𝑥𝛼(𝑈𝛼) = 𝑀.

2. Para cada par 𝛼, 𝛽 com 𝑥𝛼(𝑈𝛼) ∩ 𝑥𝛽(𝑈𝛽) = 𝑊 = ∅, temos que 𝑥𝛼−1(W),

𝑥𝛽−1(W) são conjuntos abertos em ℝ𝑛 e 𝑥𝛽

−1 ∘ 𝑥𝛼 , 𝑥𝛼−1 ∘ 𝑥𝛽 são aplicações diferenciáveis.

3. A família {𝑈𝛼, 𝑥𝛼} é máxima em relação às condições 1 e 2.

A família {𝑈𝛼, 𝑥𝛼}, satisfazendo as condições 1 e 2 é chamada uma estrutura

diferenciável em M. Sendo assim, podemos completar esta estrutura em uma máxima

agregando a ela todas as possíveis parametrizações que, junto com alguma

parametrização da família {𝑈𝛼, 𝑥𝛼}, satisfazem a condição 2. Podemos então dizer que

uma variedade diferenciável é um conjunto munido de uma estrutura diferenciável.

84

OBSERVAÇÃO: Podemos definir em M uma família de conjuntos abertos pela

regra a seguir: V ⊂ M é um conjunto aberto se para todo 𝛼, 𝑥𝛼−1(V ∩ 𝑥𝛼(𝑈𝛼)) é um

conjunto aberto em ℝ𝑛. Notemos que uma tal família define uma topologia natural em

M. Nesta topologia, as aplicações 𝑥𝛼 são contínuas e os conjuntos 𝑥𝛼(𝑈𝛼) são abertos

em M.

Para variedades diferenciáveis, as definições de aplicações diferenciáveis e de

vetor tangente se generalizam. Sabemos que o espaço tangente é agora um espaço

vetorial n-dimensional. As definições de diferencial e orientabilidade também se

estendem imediatamente para esta situação mais geral.

Uma variedade Riemanniana é uma variedade diferenciável n-dimensional M

munida de uma escolha de um produto interno ⟨ , ⟩𝑝 em cada 𝑇𝑝𝑀, 𝑝 ∈ 𝑀, que varia

diferenciavelmente com p no seguinte sentido. Para alguma, ou melhor, para todas

as parametrizações 𝑥𝛼 : 𝑈𝛼 → 𝑀 com 𝑝 ∈ 𝑥𝛼(𝑈𝛼), as funções 𝑔𝑖𝑗(𝑢1, … , 𝑢𝑛) =

⟨∂

∂𝑢𝑖,

∂𝑢𝑗⟩ , 𝑖, 𝑗 = 1, … , 𝑛, são diferenciáveis em 𝑥𝛼

−1(𝑝); aqui (𝑢1, … , 𝑢𝑛) são as

coordenadas de 𝑈𝛼 ⊂ ℝ𝑛.

Estrutura Riemanniana (ou métrica Riemanniana) em M é o nome que se dá a

família diferenciável {⟨ , ⟩𝑝, 𝑝 ∈ 𝑀}. Para o caso das superfícies utilizamos a notação

tradicional 𝑔11 = 𝐸, 𝑔12 = 𝑔21 = 𝐹, 𝑔22 = 𝐺.

A extensão das noções da geometria intrínseca a variedades Riemannianas

não é tão direta quanto no caso das variedades diferenciáveis.

Definamos primeiramente a noção de derivada covariante para variedades

Riemannianas. Para isto, seja x : U → M uma parametrização com coordenadas

(𝑢1, … , 𝑢𝑛) e coloque 𝑥𝑖 = ∂

∂𝑢𝑖. Desta forma, 𝑔𝑖𝑗 = ⟨𝑥𝑖 , 𝑥𝑗⟩.

Desejamos definir a derivada covariante 𝐷𝑤𝑣 de um campo de vetores 𝑣 com

relação a um campo de vetores 𝑤. Primeiramente, ela deve ter as propriedades

distributivas da derivada covariante tradicional. Assim, se 𝑢, 𝑣, 𝑤 são campos de

vetores em M e f, g são funções diferenciáveis em M, queremos

𝐷𝑓𝑢+𝑔𝑤(𝑣) = 𝑓𝐷𝑢𝑣 + 𝑔𝐷𝑤

𝑣 , (∗)

𝐷𝑢(𝑓𝑣 + 𝑔𝑤) = 𝑓𝐷𝑢𝑣 +

∂f

∂𝑢𝑣 + 𝑔𝐷𝑢

𝑤 +∂g

∂𝑢𝑤, (∗∗)

onde ∂f

∂𝑢 , por exemplo, é uma função cujo valor em 𝑝 ∈ 𝑀 é a derivada (𝑓 ∘ 𝛼)’(0) da

restrição de f a uma curva 𝛼 ∶ (−𝜀, 𝜀) → 𝑀, 𝛼(0) = 𝑝, 𝛼 ’(0) = 𝑢. As equações (*) e (**) mostram que a derivada covariante D fica inteiramente

definida se conhecemos seus valores em uma base de vetores

𝐷𝑥𝑖𝑥𝑗 = ∑ Γ𝑖𝑗

𝑘𝑥𝑘, 𝑖, 𝑗, 𝑘 = 1, … , 𝑛,

𝑛

𝑘=1

85

onde os coeficiente Γ𝑖𝑗𝑘 são funções ainda a determinar.

Em segundo lugar, queremos que os Γ𝑖𝑗𝑘 sejam simétricos em 𝑖 e 𝑗 (Γ𝑖𝑗

𝑘 = Γ𝑗𝑖𝑘);

isto é

𝐷𝑥𝑖𝑥𝑗 = 𝐷𝑥𝑗

𝑥𝑖 para todo 𝑖 e 𝑗. (∗∗∗)

Em terceiro lugar, faremos com que a lei do produto seja válida; isto é, ∂

∂𝑢𝑘

⟨𝑥𝑖 , 𝑥𝑗⟩ = ⟨𝐷𝑥𝑘𝑥𝑖, 𝑥𝑗⟩ + ⟨𝑥𝑖 , 𝐷𝑥𝑘

𝑥𝑗⟩. (∗∗∗∗)

Segue-se das equações (∗∗∗) e (∗∗∗∗) que: ∂

∂𝑢𝑘

⟨𝑥𝑖 , 𝑥𝑗⟩ +∂

∂𝑢𝑖⟨𝑥𝑗 , 𝑥𝑘⟩ −

∂𝑢𝑗

⟨𝑥𝑘, 𝑥𝑖⟩ = 2⟨𝐷𝑥𝑖𝑥𝑘, 𝑥𝑗⟩,

ou, de forma equivalente, ∂

∂𝑢𝑘𝑔𝑖𝑗 +

∂𝑢𝑖𝑔𝑗𝑘 −

∂𝑢𝑗𝑔𝑘𝑖 = 2 ∑ Γ𝑖𝑘

𝑙 𝑔𝑙𝑗𝑙 .

Sabendo que det(𝑔𝑖𝑗) ≠ 0, podemos resolver este último sistema e obtermos

os Γ𝑖𝑗𝑘 como funções da métrica Riemanniana 𝑔𝑖𝑗 e de suas derivadas. Se pensarmos

em 𝑔𝑖𝑗 como uma matriz e escrevermos a sua inversa como 𝑔𝑖𝑗, a solução do sistema

acima é

Γ𝑖𝑗𝑘 =

1

2∑ 𝑔𝑘𝑙 (

∂𝑔𝑖𝑙

∂𝑢𝑗+

∂𝑔𝑗𝑙

∂𝑢𝑖−

∂𝑔𝑖𝑗

∂𝑢𝑙)𝑙 .

Desta forma, dada a métrica Riemanniana em M, existe uma única derivada

covariante em M, também conhecidas como conexão de Levi-Civita da estrutura

Riemanniana dada, satisfazendo as equações apresentadas (∗,∗∗,∗∗∗,∗∗∗∗).

6.2 A Faixa de M��bius como Espaço Quociente

Seja I2 ⊂ R2 com a topologia induzida (quando em f: X → 𝑌 sobrejetiva, temos

um V ⊂ 𝑌 tal que a inversa de f(V) pertence a topologia) pela topologia usual de R2.

Consideremos em I2 a relação de equivalência:

(x, y) ∼ (x1, y1) ⇔ (x, y) = (x1, y1) ou (0, y) ∼ (1, 1 − y), para todo (x, y), (x1, y1) ∈ I2

Observemos que se x ≠ 0, 1, então [(x, y)] = {(x, y)} e [(0, y)] = [(1,1 - y)]. Em

particular,é [(0, 0)] = [(1, 1)] e [(0, 1)] = [(1, 0)]. Então, ∏ : 𝐼2 → ( 𝐼2/~) é uma

identificação. Note que ∏ é bijetiva salvo para (0,y) e (1,1 − y) e (𝐼2/~) ≅ 𝑀, onde M

é a faixa de Mobius.

6.3 O Toro como Espaço Quociente

Seja I2 ⊂ R2 com a topologia induzida pela topologia usual de R2. Consideremos

em I2 a relação de equivalência:

(x,y) ∼ (x1,y1) ⇔ (x,y) = (x1,y1) ou (0,y) ∼ (1,y) e (x,0) ∼ (x,1), para todo (x,y), (x1,y1) ∈

I2

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Observemos que se x ≠ 0, 1, então [(x,y)] = {(x,y)} e [(0,y)] = [(1,y)] e se y = 0,

então [(x,0)] = [(x,1)]. Em particular, [(0,0)] = [(1,0)] = [(0,1)] = [(1,1)]. Então,

∏ : 𝐼2 → ( 𝐼2/~) é uma identificação. Note que ∏ é bijetiva salvo para (0,y), (1,y), (x,0)

e (x,1) e (𝐼2/~) ≅ 𝑆1𝑥 𝑆1.

6.4 A Garrafa de Klein

Seja I2 ⊂ R2 com a topologia induzida pela topologia usual de R2. Consideremos

em I2 a seguinte relação de equivalência:

(x,y) ∼ (x1,y1) ⇔ (x,y) = (x1,y1), ou (0,y) ∼ (1,y) e (x,0) ∼ (1 − x,1), para todo (x,y),

(x1,y1) ∈ I2.

Se x, y ≠ 0, 1, então [(x,y)] = {(x,y)} e [(0,y)] = [(1,y)] e [(x,0)] = [(1 − x,1)]. Em

particular, [(0,0)] = [(1,0)] = [(0,1)] = [(1,1)]. Então, ∏ : 𝐼2 → ( 𝐼2/~) é uma identificação.

Note que ∏ é bijetiva salvo para (0,y), (1,y), (x,0) e (1 − x,1).

(𝐼2/~) é chamada garrafa de Klein. A garrafa de Klein contém uma faixa de

M��bius.

Figura 9: Garrafa de Klein

87

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho trouxe um maior conhecimento sobre a construção dos números

inteiros, racionais e reais, assim como suas operações e relações de ordem.

Estudamos os espaços vetoriais em classes de equivalência, analisando teoremas e

definições. Observamos também as superfícies abstratas, com seus conceitos e

exemplos de planos projetivos reais e garrafas de Klein, proporcionando um maior

esclarecimento a respeito do assunto.

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REFERÊNCIAS

FERREIRA, Jamil. A Construção dos Números. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira

de Matemática, 2013.

CARMO, Manfredo Perdigão do; ROITMAN, Pedro. Geometria diferencial de curvas

e superfícies. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Matemática, 2012.

BUENO, Hamilton Prado. Álgebra linear: um segundo curso. Rio de Janeiro:

Sociedade Brasileira de Matematica, 2006.

COELHO, Flávio Ulhoa; LOURENÇO, Mary Lilian. Um Curso de álgebra linear. 2.

ed. rev. e ampl. São Paulo: EDUSP, 2010.

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APÊNDICE A – DEFINIÇÃO

Relação de equivalência: Seja dado um conjunto A e uma relação R sobre ele.

Diz-se que R é uma relação de equivalência se possuir as seguintes propriedades:

1. Reflexiva: aRa, para todo a ∈ A;

2. Simétrica: se a, b ∈ A, e aRb, então bRa;

3. Transitiva: para a, b, c ∈ A, se aRb e bRc, então aRc.

Isomorfismo: Quando em T: X→Y, tivermos dim X = dim Y e T é bijetora.

Difeomorfismo: Quando uma aplicação f: U→V for uma bijeção diferenciável e

sua inversa também.

Espaço métrico: Uma métrica sobre um conjunto X é uma função d: X×X → IR

que associa a cada par ordenado de elementos x, y ∈ X um número real d(x, y)

chamado a distância de x a y, de modo que se tenha, para todos x, y, z ∈ X:

d.1) d(x, x) = 0

d.2) Se x ≠ y então d(x, y) > 0

d.3) d(x, y) = d(y, x) (Simetria)

d.4) d(x, z) ≤ d(x, y) + d(y, z) (Desigualdade Triangular)

Um conjunto X munido de uma métrica d (fixada) é chamado espaço métrico.

Homeomorfismo: Sendo M e N espaços métricos, um homeomorfismo de M

sobre N é uma bijeção contínua f: M→N, cuja inversa f-1: N→M também o é.

Plano projetivo real: É o conjunto P2 das retas de R3 que passam pela origem.

É um exemplo de superfície abstrata.

Imersão: Diz-se que f: M → N é imersão se qualquer p que pertença a M for um

ponto regular para f, ou seja, a derivada de f em TMp→TNf(p) é injetiva para cada p

pertencente a M.

Mergulho: Para f ser mergulho precisa primeiramente ser imersão e também

ser homeomorfismo de M sobre um subespaço f(M) contido em N.

Métrica Riemanniana: É uma correspondência que associa a cada ponto p

pertencente a M, um produto interno no espaço tangente TMp.