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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA ANITA PEDROSA FONTES OS ESTÁGIOS NAS ESCOLAS PROFISSIONAIS DO ESTADO DO CEARÁ: A RELAÇÃO TRABALHO-EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DA ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL FORTALEZA 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

ANITA PEDROSA FONTES

OS ESTÁGIOS NAS ESCOLAS PROFISSIONAIS DO ESTADO DO CEARÁ: A

RELAÇÃO TRABALHO-EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DA

ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL

FORTALEZA

2016

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ANITA PEDROSA FONTES

OS ESTÁGIOS NAS ESCOLAS PROFISSIONAIS DO ESTADO DO CEARÁ: A

RELAÇÃO TRABALHO-EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DA

ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação Brasileira. Área de concentração: Educação. Orientadora: Prof. Dra. Antônia Rozimar Machado e Rocha

FORTALEZA

2016

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca UniversitáriaGerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

F764e Fontes, Anita Pedrosa. Os estágios nas Escolas Profissionais do Estado do Ceará : a relação trabalho-educação no contexto daacumulação flexível / Anita Pedrosa Fontes. – 2016. 134 f. : il.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Fortaleza, 2016. Orientação: Profa. Dra. Antônia Rozimar Machado e Rocha .

1. Educação Profissional . 2. Estágio. 3. Trabalho-Educação. 4. Acumulação Flexível . I. Título. CDD 370

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ANITA PEDROSA FONTES

OS ESTÁGIOS NAS ESCOLAS PROFISSIONAIS DO ESTADO DO CEARÁ: A

RELAÇÃO TRABALHO-EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DA

ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação Brasileira. Área de concentração: Educação. Orientadora: Prof. Dra. Antônia Rozimar Machado e Rocha

Aprovada em: ___ / ___ / ___

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________ Prof. Dra. Antônia Rozimar Machado e Rocha (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________________________ Prof. Dr. José Deribaldo Gomes Dos Santos

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

__________________________________________________________ Prof. Dr. Justino de Sousa Junior

Universidade Federal do Ceará (UFC)

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Ao meu filho Antônio, e à sua geração;

à classe trabalhadora, seus velhos e seus filhos; aos meus amigos e inimigos; à revolução e à emancipação.

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AGRADECIMENTOS

A mim mesma que, por muitas vezes, tive de me destruir para que do fraco

nascesse o novo, forte. Agradeço ao meu filho, Antônio, pela inspiração de vida e que,

apessar da tenra idade, passou pelos momentos de distância e apredeu a esperar. Ao meu pai,

João, pelo apoio silencioso e incondicional de sempre. À minha mãe, Angélica, e aos meus

irmãos, Bruno e Virgínia.

Agradeço à minha orientadora, professora Antônia Rozimar (Rose), pela

orientação, pelo carinho e compreensão nesses dois anos em que aprendi a apreciá-la ainda

mais nas suas condutas profissionais e pessoais.

Ao professor Justino de Sousa, pelo olhar atento aos debates travados nas

disciplinas ministradas, as quais tive a honra de participar, assim como pelas contribuições

valiosas referentes ao exame de qualificação e por aceitar avaliar este trabalho final.

Ao professor José Deribaldo, sempre solícito e compromissado com o belo e com

a verdade, agradeço também por suas contribuições no exame de qualificação e pela

participação na avaliação deste trabalho final.

A todos que compõe o grupo de pesquisa Trabalho e Educação, campo fecundo de

honestos combatentes, com especial atenção aos companheiros: Alisson, Nivânia, Kaline,

Lêda Vasconcelos e Araújo.

Agradeço ao pai do meu filho e amigo, Átila, e à sua mãe, Elisvalda, pela ajuda

despendida. Agradeço muito à minha alcáteia, mesmo que dispersa: Jardélia (oráculo), Luana,

Nívia, Rafaela, Iziane, Alê, Yvina, Jucier, Allison, Rafael, Sívio, pois em nosso meio,

podemos uivar à vontade, sabendo que sempre seremos escutados com atenção.

Por fim, à CAPES, pelo financiamento da pesquisa, e ao Programa de Pós-

Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará, por desenvolver a

formação acadêmica.

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“sou tão louco quanto sempre fui eles não

entendem que não parei de me pendurar pelos

calcanhares da janela do 4° andar - eu ainda o

faço agora mesmo aqui sentado ao escrever

estas linhas estou pendurado pelos calcanhares

vários andares acima: 68, 72, 101, a sensação é

a mesma: implacável banal e necessária”

(Bukowski)

“Que tempos são esses, em que falar de

árvores é quase um crime pois implica

silenciar sobre tantas barbaridades?” (Brecht,

Aos que vão nascer)

“A burguesia encara a sua prole enquanto

herdeiros; os deserdados, porém, a encaram

enquanto apoio, vingadores ou libertadores.

Essa é uma diferença suficientemente drástica.

Suas consequências pedagógicas são

incalculáveis. […] A criança proletária nasce

dentro de sua classe. […] Ela é, desde o início,

um elemento dessa prole, e não há nenhuma

meta educacional doutrinária que determina

aquilo que essa criança deve torna-se, mais

sim a situação de classe. ” (Bejamin, Uma

pedagogia comunista).

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RESUMO

A pesquisa tem como objetivo central investigar a relação trabalho-educação nos estágios das

Escolas Estaduais de Educação Profissional - EEEP. O modelo de Educação Profissional para

as escolas estaduais de ensino médio do Ceará teve efetividade em 2008, integrando o ensino

médio à educação profissional. Sua política educacional se ajusta ao modelo político

neoliberal e à pedagogia das competências, servindo às necessidades do atual padrão de

acumulação flexível para formar força de trabalho qualificada, atendendo às tendências do

mercado de trabalho. O primeiro capítulo busca tratar da caracterização do objeto, analisando

a origem e os documentos que fundamentam a política educacional das EEEPs, confrontando-

nos com os reformadores empresariais da educação, que fazem coro às políticas de orientação

neoliberal, assim como a legislação que configura a “nova institucionalidade”. Nas questões

relacionadas à política educacional e à educação profissional, recorremos aos estudos de

Ferretti (2002), Kuenzer (2002), entre outros. O segundo capítulo compreende algumas

dimensões da acumulação flexível na nova configuração do capitalismo contemporâneo,

evidenciando seus imperativos no trabalho e na educação. Tentamos demonstrar conexões

possíveis da acumulação flexível com a educação profissional, as EEEPs e o empresariamento

da educação. Buscamos destacar que o excedente de força de trabalho, uma escolarização que

prepara exclusivamente para o mercado de trabalho, "qualificando", por assim dizer, o

Exército Industrial de Reserva, os estágios financiados pelo Governo do Estado alimentam, na

verdade, um rebaixamento do padrão de uso da mercadoria força de trabalho. Sobre aspectos

socioeconômicos, debruçamo-nos sobre as obras de Marx (2006, 2012), Harvey (2006; 2005),

Carcanholo e Amaral (2009), Meneleu (1996) e Pochmann (2012). No terceiro capítulo,

tratamos diretamente dos estágios nas EEEPs, fazendo uma análise da legislação vigente e

precedente, conectando seus procedimentos pedagógicos com a política educacional das

EEEPs e a realidade socioeconômica vigente. Partimos de uma abordagem qualitativa, na qual

nos utilizamos da análise documental, bibliográfica e de entrevistas para a consecução dos

objetivos elencados.

Palavaras-Chave: Educação Profissional. Estágio. Trabalho-Educação. Acumulação Flexível.

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ABSTRACT

The research was aimed to investigate the work-education relationship in stages from the

State Schools of Professional Education - EEEP. The Professional Education model for state

schools of Ceará School was effective in 2008, integrating the high school vocational

education. His educational policy fits the neoliberal political model and pedagogy skills,

serving the needs of the current standard of flexible accumulation to form skilled workforce,

given the trends in the labor market. The first chapter seeks to address the characterization of

the object by analyzing the origin and the documents that support the educational policy of

EEEPs in confronting corporate education reformers who do chorus the neoliberal orientation

policies and legislation that sets the "new institutionality". In matters related to educational

policy and vocational education we use to study Ferretti (2002), Kuenzer (2002), among

others. The second chapter contains some dimensions of flexible accumulation in the new

configuration of contemporary capitalism demonstrating its imperatives at work and in

education. We try to show possible connections of flexible accumulation with professional

education, EEEPs and entrepreneurship education. We seek to highlight that both the labor

surplus, a school that prepares exclusively for the labor market, "qualifying", so to speak, the

Industrial Reserve Army, internships funded by the State Government feed actually a

demotion the pattern of use of the commodity labor power. On socioeconomic aspects we

look back on the works of Marx (2006, 2012), Harvey (2006; 2005), Carcanholo and Amaral

(2009), Meneleu (1996) and Pochman (2012). In the third chapter dealt with directly in the

stages EEEPs, making an analysis of existing legislation and precedent, connecting their

educational procedures with the educational policy of EEEPs and the current economic

reality. We start from a qualitative approach, in which the use of document analysis, literature

and interviews to achieve the goals listed.

Keywords: Professional education. Internship. Work - Education. Flexible accumulation

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Brasil – evolução das 45 ocupações profissionais que mais ganharam

postos de trabalho nos anos 90, segundo a Classificação Brasileira de

Ocupações ............................................................................................................ 80

Tabela 2 Brasil – evolução das 45 ocupações profissionais que mais perdem postos

de trabalho nos anos 90, segundo a Classificação Brasileira de Ocupações. ....... 81

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 Catálogo dos Cursos Técnicos das Escolas Estaduais de Educação

Profissional do Ceará. .......................................................................................... 29

Quadro 2 Ranking, por carga horária, dos componentes curriculares do curso técnico-

profissionalizante em Eventos integrado ao Ensino Médio. .............................. 103

Quadro 3 - Histórico das Leis de estágio ............................................................................. 123

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BM Banco Mundial

CEEST Célula de Estágios

CEPAL Comissão Econômica para América Latina e Caribe

CFE Conselho Federal de Educação

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CNE Conselho Nacional de Educação

COEDP Coordenadoria de Educação Profissional

CUT Central Única dos Trabalhadores

DCNEP Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional

EEEP Escola Estadual de Educação Profissional

EIR Exército Industrial de Reserva

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

FECOP Fundo Estadual de Combate à Pobreza

FIPE Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas

FMI Fundo Monetário Internacional

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICE Instituto de Corresponsabilidade pela Educação

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MEC Ministério da Educação

MET Ministério do Trabalho e Emprego

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra

OMC Organização Mundial do Comércio

ONG Organização Não Governamental

OPEMA Operação Mauá

OREALC Oficial Regional de Educação para a América Latina e Caribe

OS Organização Social

PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais

PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

SEDUC Secretaria da Educação

STDS Secretaria de Trabalho e Ação Social

TESE Tecnologia Empresarial Socioeducacional

UNESCO Organização das Nações Unidades para a Educação, a Ciência e a Cultura

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12

2 AS ESCOLAS ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO CEARÁ: O

EMPRESARIAMENTO DA EDUCAÇÃO EM MARCHA CÉLERE ............................. 20

2.1 Política educacional nas particularidades das Escolas Estaduais de Educação

Profissional .............................................................................................................................. 20

2.2 A concepção empresarial de ensino médio público: uma análise documental das

experiências de Pernambuco e Ceará .................................................................................. 30

2.3 A escola e o dualismo educacional ........................................................................................ 37

2.4 A atualidade da proposta educativa de Marx ...................................................................... 40

3 CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS INFLUXOS SOBRE A EDUCAÇÃO

PROFISSIONALIZANTE ..................................................................................................... 46

3.1 Para uma crítica radical da educação profissional ............................................................. 45

3.1.1 O Trabalho na forma social do capital e as Escolas Estaduais de Educação Profissional . 48

3.2 A Acumulação Flexível e seus imperativos no trabalho ..................................................... 52

3.2.1 A força de trabalho: o controle e o mercado .......................................................................... 64

4 O ESTÁGIO NAS ESCOLAS ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO

CEARÁ: ENTRE O MERCADO E O PEDAGÓGICO OU A PEDAGOGIA DO

MERCADO? ........................................................................................................................... 71

4.1 Breve análise dos antecedentes da nova Lei do Estágio, n° 11.788/08 ............................... 72

4.2 Entre o estágio, a flexibilização e a superexploração .......................................................... 84

4.2.1 O estágio e a economia capitalista .......................................................................................... 95

4.3 Os Estágios nas Escolas Estaduais de Educação Profissional ............................................ 96

4.3.1 Ensino-aprendizagem, acompanhamento e avaliação nos estágios das EEEPs ................ 101

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 107

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 109

APÊNDICES ......................................................................................................................... 118

ANEXOS ............................................................................................................................ ..121

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1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa procura desvendar algumas das determinações que envolvem os

estágios realizados pelos estudantes das Escolas Estaduais de Educação Profissional – EEEPs

do Estado do Ceará, focando a relação trabalho-educação no contexto da acumulação flexível.

Estas escolas são pautadas no modelo de ensino médio integrado à educação profissional.

A implementação das EEEPs atende ao dispositivo legal nº 11.741, instituído em

16 de julho de 2008, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei nº

9.394/96), propondo que a educação profissional se integre aos diferentes níveis e

modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia. Deste modo,

esta Lei expande consideravelmente a educação profissional nas políticas educacionais do

país e permite que o ensino médio público se integre a ela.

A política educacional das EEEPs, gerência e modelo, segue as determinações das

políticas nacionais que contam como principais “reformuladores” a classe empresarial,

organismos e agências multilaterais. Uma dessas determinações é a desresponsabilização do

Estado para com suas políticas sociais, passando de um Estado provedor a um Estado que

elabora estrategicamente suas ações nos moldes empresariais e avalia tais políticas

(SHIROMA, 2007; LEHER, 1999).

Outra forte recomendação é de que a educação prepare o indivíduo para o

mercado de trabalho, servindo assim aos ditames do capital. Deste modo, o projeto das EEEPs

tem na relação entre educação básica e profissional seu diferencial, que supostamente leva em

conta as “vocações locais” na oferta dos cursos técnico-profissionalizantes, como maneira de

fomentar a economia do Estado do Ceará.

Ao nosso ver, essa proposta está estritamente ligada ao atual processo de

transformações socioeconômicas pelo qual o Estado do Ceará vem passando. Dentre essas

mudanças, destaca-se a criação de infraestruturas para a atração de grandes investimentos de

capitais, a exemplo do Complexo Industrial e Portuário do Pecém. Também temos o setor

turístico e o agronegócio, que vêm exigindo trabalhadores qualificados às suas demandas.

O Governo do Estado do Ceará implantou este modelo educacional em 2008,

quando as primeiras 25 escolas foram inauguradas. Hoje, os dados oficiais contabilizam 115

escolas distribuídas em mais de 82 municípios (CEARÁ, 2016).

No estudo monográfico para a conclusão do curso de Pedagogia, que iniciou uma

análise do supracitado modelo de Educação Profissionalizante do Governo do Estado do

Ceará para as escolas de nível médio, foi constatada a ligação direta da referida política

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13 educacional às exigências da reestruturação produtiva e da acumulação flexível (HARVEY,

2006), no constante apelo à adaptação da comunidade e da estrutura escolar para as

requisições do “novo mundo do trabalho”1 (ANTUNES, 2011).

Identificamos ainda que a proposta pedagógica que forma a matriz curricular das

EEEPs – educação geral, profissional e para a vida (CEARÁ, 2015; MAGALHÃES, 2008) –,

é pautada na dita pedagogia das competências (RAMOS, 2011), no neotecnicismo e no

neoprodutivismo (SAVIANI, 2008), que têm por base: a polivalência; os conhecimentos

tácitos suficientes ao ajuste do trabalhador às novas tecnologias e gerência do trabalho, tendo

por formas metodológicas a experimentação e a comprovação das competências requeridas;

assim como o empreendedorismo e a solicitude para com o trabalhador na sua contribuição

pessoal no aumento da produtividade.

A empregabilidade, juntamente com o empreendedorismo, formam também os

pilares do projeto profissionalizante das escolas estaduais. O status de empregabilidade é

assegurado à juventude em um momento de “crise dos empregos”, ou desemprego estrutural

(MÉSZÁROS, 2003); o “saber fazer” e “saber ser” são essenciais para a flexibilidade exigida

(SAVIANI, 2008). O empreendedorismo é um fôlego para o capitalismo em crise, fazendo

girar todo tipo de capital (produtivo e financeiro) e utilizando-se da espoliação e de relações

pretéritas ao capitalismo (HARVEY, 2005).

Para o estudo documental do nosso objeto, na feitura do primeiro capítulo,

consultamos o site da Secretaria de Educação do Estado do Ceará - SEDUC e dois

documentos que fundamentam a política educacional das EEEPs: 1. A Tecnologia

Empresarial Socioeducacional - TESE, foi produzida e é propriedade do Instituto de Co-

responsabilidade pela Educação – ICE, entidade privada, ordenada pela classe empresarial,

designada a reformular as escolas de ensino médio do estado de Pernambuco. A reformulação

das escolas estaduais pernambucanas teve início em 2004 e está registrada em outro

documento estudado:“A juventude brasileira ganha uma nova escola de Ensino Médio:

Pernambuco cria, experimenta e aprova”, de autoria do executivo Marcos Magalhães (2008).

Ambos os estados, Pernambuco e Ceará, contaram, como principais agentes da

“mudança” e formuladores da política educacional, com a classe empresarial junto à inserção 1 O termo “mundo do trabalho“ ou “novo mundo do trabalho“ é bastante utilizado pelos documentos oficiais e oficiosos da política educacional para a educação básica e profissional da atualidade. De forma genêrica, designa as novas requisições de qualificação pelo mercado de trabalho, assim como as mudanças nos processos produtivos diante da competitividade econômica, etc. Atunes (2011), por sua vez, cria este conceito para abranger as diversas dimenções econômicas-sociais decorrentes da reestruturação produtiva. Parece que parte da literatura de esquerda sobre o tema critica a utilização deste conceito, pois este diluiria os conceitos de processo de produção e de relações de produção desenvolvidos por Marx. Não adentraremos neste debate; aqui, utilizaremos o termo nos referindo e repetindo o que consta nos documentos.

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14 direta de empresas e organizações não governamentais - ONGs na política e planejamento

educacional, ditando inclusive o modelo curricular e a relação de ensino-aprendizagem de

forma a limitar a autonomia escolar e o trabalho pedagógico.

O Programa de Educação Profissional do Estado do Ceará identifica-se com a

chamada pedagogia das competências. Tendo emergência por volta dos anos 1980, esta

configura uma convergência e divergência com o conceito de qualificação (RAMOS, 2011).

A qualificação é um conceito histórico-concreto de mediação da relação trabalho-

educação. Para Marx (2006b), qualificação faz parte da produção da mercadoria força de

trabalho.

O aprofundamento da divisão do trabalho no capitalismo, assim como a

modernização tecnológica, fez emergir as teses sobre qualificação e desqualificação dos

trabalhadores, em relação ao conteúdo do trabalho, e a tese sobre a polarização das

qualificações, que estaria criando, de um lado, alguns trabalhadores qualificados e uma massa

de trabalhadores desqualificados do outro (FREYSSENET apud ANTUNES, 2011; RAMOS,

2011; BRAVERMAN, 1981).

Para Ramos (2011), o conceito de qualificação remonta ao processo de

consolidação da sociedade industrial pautada no modelo fordista-taylorista. Segundo Harvey

(2006), este modelo se encontra em crise, acompanhado também da crise do chamado “Estado

de bem-estar social”, sobre as quais poderíamos resumidamente elencar alguns fatores, como:

a crise do petróleo da década de 1970; a crise tecnológica, das mudanças na composição

orgânica do capital (capital constante e capital variável); a crise da produção em série e em

massa, ou seja, de uma crise de superacumulação do capital.

Tudo isso ocasionou a necessidade de que o modo de produção capitalista busque

novas estratégias para sua reprodução ampliada, das quais podemos citar os vários ataques às

conquistas trabalhistas, a precarização do trabalho, a flexibilização da produção e das relações

de trabalho, a incorporação da subjetividade do trabalhador ao seu processo de produção,

novos modelos de gestão naquilo que Harvey (2006) denomina de acumulação flexível.

Conforme as novas exigências da reestruturação produtiva (HARVEY, 2006) –

caracterizada pela automação e pelo esgotamento do modelo produtivo de tipo taylorista-

fordista, que enrijecia os postos e a regularização do mercado de trabalho, assim como a

própria produção de mercadorias –, a pedagogia das competências compromete-se em formar

as competências necessárias ao trabalhador de novo tipo: polivalente, comunicativo, engajado,

flexível às diferentes situações (FERRETTI, 2002).

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A pedagogia das competências tem base substancial na psicologia ao enfatizar o

papel do sujeito, dos conhecimentos tácitos oriundos da experiência, a motivação e o

comportamento individual, diferentemente da qualificação que tem por base a sociologia do

trabalho, dando ênfase aos postos de trabalho e a formação de ordem coletiva (RAMOS,

2011).

Sob o “rigor” do modelo de acumulação taylorista-fordista, o mercado de trabalho

regia-se pela oferta. No modelo de acumulação flexível, a demanda econômica cada vez mais

inconstante guia a formação da força de trabalho, exigindo sua constante adaptação (RAMOS,

2011). Daí, emergiria a necessidade da pedagogia do “apender a aprender” (SAVIANI, 2008;

DUARTE, 2001).

O Estado, como regulador do mercado de trabalho e da sua formação, assume

papel importante na medida em que cede lugar aos “colaboradores sociais”, empresas e outras

entidades. No que se configura como neoliberalismo, o mercado é o maior regulador social.

Nossa pesquisa revela a forte presença da classe empresarial, que dita a política

educacional estadual como forma de regular a formação profissional oferecida pelas escolas

públicas. Ferretti (2002) assinalava nos anos 1990 a inserção deste segmento social na

dinâmica da educação pública brasileira.

A reestruturação do sistema educacional público brasileiro fica evidente nas

recentes propostas de reformulações curriculares, que visam adaptar as grades dos currículos

aos ditames atuais do “mundo do trabalho” implementadas pela crise estrutural do capital e de

sua sociabilidade (MÉSZÁROS, 2000). Em escala nacional, evidenciamos a reformulação nos

Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs e a Reforma do Ensino Médio (RAMOS, 2011;

CARDOZO, 2009) como nítidas propostas de adequação ao mercado, com ênfase nas

competências e na cidadania de caráter burguês. Vale ressaltar que estas mudanças, que

começaram a vigorar nos anos 1990, tendo a LDB de 1996 (Lei nº 9394/96) como marco

maior, vêm atender a política-econômica-educacional de órgãos internacionais, como o Banco

Mundial, para os países periféricos (SEGUNDO, 2006).

Dentro deste quadro nacional, encontra-se nosso objeto de pesquisa: a relação

trabalho-educação nos estágios das escolas de Ensino Médio Profissionalizante do Estado do

Ceará. Ao nosso entender, o conjunto destas propostas deixa de lado princípios universais de

educação e de formação de um ser humano emancipado. Tonet (2006, p. 6) define formação

humana “como acesso, por parte do indivíduo, aos bens, materiais e espirituais, necessários à

sua autoconstrução como membro pleno do gênero humano, então formação integral

implicaria emancipação humana”.

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Marx (2012), ao propor um modelo educativo que integrasse trabalho produtivo,

instrução intelectual e educação física, tinha em vista as contradições da sociedade capitalista

e a emancipação humana sob novas bases socioeconômicas como horizonte.

A possibilidade de todos usufruírem das riquezas socialmente construídas através

de uma revolução social, que eliminaria a exploração do homem pelo homem, estaria pautada

na politecnia (SAVIANI, 1987). Esta, de forma genérica, garantiria a rotatividade da

produção a fim de que os indivíduos tivessem uma visão do conjunto do processo produtivo e,

com o advento das máquinas, a jornada de trabalho seria mínima, garantindo assim o tempo

livre aos seres humanos para desfrutar de todas as suas faculdades, podendo “fazer tal coisa

hoje e tal amanhã, de caçar pela manhã, de pescar a tarde[...], de me dedicar à crítica após as

refeições, segundo a minha vontade, sem jamais tornar-me caçador, pescador ou crítico”

(MARX e ENGELS apud NOGUEIRA, 1993, p. 121), ou seja, uma vida plena de sentido.

Com a nova reestruturação produtiva, do processo de acumulação flexível do

capital (HARVEY, 2006) e com as crescentes atividades econômicas no Ceará, associam-se

as também crescentes instituições educacionais que visam a qualificação do trabalhador.

Deste modo, salta-nos aos olhos a importância deste estudo, pois o desenvolvimento das

potencialidades humanas, hoje denominadas por alguns de competências (RAMOS, 2011),

bastante frisadas pela Pedagogia, tende, dentre o antagonismo de classe, a atender às

exigências do processo de valorização do capital.

Ao invés de uma educação na contramão do capital, que de fato trabalhe a

perspectiva de uma formação integral do gênero humano (e não somente uma educação de

tempo integral), visando sua emancipação, o que podemos evidenciar é uma formação

mecanizada e que reproduz a própria crise da sociedade na qual estamos inseridos

(MÉSZÁROS, 2000).

Vale ressaltar que uma verdadeira pedagogia de cunho emancipatório deve

primeiramente entender as estruturas sociais na qual vivemos e a interligação que a educação

e suas instituições mantêm com estas, para que, assim, havendo o real interesse de romper

com as relações de exploração e opressão, os envolvidos no ato educacional utilizem a

educação como um instrumento de libertação.

Diante do quadro apresentado, encontra-se o objeto de estudo desta pesquisa: os

estágios das EEEPs e a relação trabalho-educação que se estabelece neles. No contexto da

pesquisa, trabalho e educação aparecem na forma empresa e escola, o que nos estimula a uma

análise crítica a partir da perspectiva histórico-crítica marxista.

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Durante o terceiro ano letivo, os estudantes das EEEPs são encaminhados ao

estágio curricular obrigatório, que é remunerado pelo Governo do Estado. A SEDUC

(CEARÁ, 2015) disponibiliza, para acompanhar essas escolas, uma Coordenadoria de

Educação Profissional – COEDP – que, por sua vez, conta com uma Célula de Estágios –

CEEST. Esta célula é responsável por gerenciar a integração entre as EEEPs e as empresas

concedentes, cabendo à escola, dentro de sua flexibilidade, se ajustar às exigências de

formação por parte do mercado. Os estágios são vistos como parte integrante fundamental da

educação profissional, no qual o estudante tem um contato direto com o mercado de trabalho,

apredendo na “prática” o que é repassado na escola.

Atendendo à máxima da TESE: a “gestão de uma escola em pouco se difere da

gestão de uma empresa” (ICE\TESE, s\d, p. 3), as EEEPs estão se configurando realmente

como empresas, nas quais os professores são servidores, os alunos são os produtos e o real

cliente não é a sociedade, e sim a iniciativa privada e o capital ávido por “trabalhador novo” e

“qualificado”.

Analisamos, pois, as controvérsias (ou falsas controvérsias) que permeiam o

estágio que, incentivado pela política educacional de Estado, perpassa seu caráter de emprego

lato senso da força de trabalho dos estudantes e seu caráter de ato educacional supervisado

pela escola.

A pesquisa tem como ponto de partida as seguintes questões norteadoras: como se

estabelece a relação trabalho e educação nos estágios das escolas de ensino médio

profissionalizante do Ceará? De que modo as escolas profissionais atendem as demandas da

acumulação flexível, especialmente através de seus estágios?

Assim, o objetivo geral de nossa pesquisa é analisar a relação entre trabalho e

educação inserida no contexto dos estágios desenvolvidos pelas EEEPs junto às empresas. De

forma mais específica, pretendemos: investigar a parceria firmada entre escola e empresas;

compreender as determinações da política educacional profissionalizante das EEEPs;

examinar quais as pertinências desta política de estágios com as demandas da acumulação

flexível.

Interessa-nos analisar as categorias trabalho e educação como atividades

geradoras de potencialidades humanas (LUKÁCS, 1978). Mas uma vez postas a serviço do

capital, estas atividades humanas por excelência encontram-se alienadas (MARX, 2006a).

Para a execução da pesquisa, levaremos em conta a divisão entre trabalho manual

e intelectual, entre concepção e execução do trabalho. Para alguns autores (RAMOS, 2011;

CORIAT apud ANTUNES, 2011), estas divisões, explícitas no modelo produtivo

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18 fundamentado no taylorismo-fordismo, estariam sendo minimizadas ou mesmo erradicadas

pelo novo modelo produtivo baseado no toyotismo, pois este requereria participação e

subjetividade do trabalhador na concepção e execução do trabalho, traduzida em uma maior

democracia, e enxergam nisto um fator positivo para o movimento dos trabalhadores.

Contudo, concordamos com Antunes (2011) ao afirmar que estes mecanismos, postos a

serviço do capital, tornam-se meios sofisticados de cooptação e manipulação dos

trabalhadores.

A qualificação profissional é tida, pelo discurso dominante, como o ponto

decisivo da empregabilidade, transferindo para o sujeito, de forma isolada, a responsabilidade

por sua sobrevivência, sucesso ou fracasso, neste sistema cada vez mais excludente e injusto

do mercado de trabalho e do mercado de consumo, pois a destruição e a impossibilidade que o

capitalismo impõe aos outros modos de produção e reprodução da vida encurrala o ser

humano neste jogo desumano.

Do ponto de vista metodológico, esta pesquisa possui natureza qualitativa e

quantitativa, pois se aplica ao estudo da história, das relações humanas, ao procurar desvelar

processos sociais que, dado também às gradezas de ordem quantitativa, fazem par dialético

com a qualidade.

Adotamos para este trabalho três tipos de pesquisa: a bibliográfica, a documental

e a de campo, que se permearam entre si na apuração do nosso olhar sobre o objeto estudado.

No exame bibliográfico, para explorar as temáticas relacionadas aos aspectos

socioeconômicos, debruçamo-nos sobre as obras de Marx (2006, 2012), Harvey (2005; 2006),

Carcanholo e Amaral (2009), Meneleu (1996), Pochmann (2012). Às questões relacionadas à

política educacional e à educação profissional, recorremos aos estudos de Ferretti (2002),

Kuenzer (2002), entre outros.

Na pesquisa documental, debruçamo-nos sobre o estudo das leis e decretos

nacionais e estaduais que legislam sobre as EEEPs e seus estágio, assim como dois

documentos que fundamentam sua política e funcionamento: a Tecnologia Empresarial

Socioeducacional – TESE; e A juventude brasileira ganha uma nova escola de Ensino Médio:

Pernambuco cria, experimenta e aprova de autoria do executivo Marcos Magalhães (2008).

Na pesquisa de campo, limitamo-nos ao instrumento da entrevista semi-

estruturada realizada com: um diretor de uma EEEP do interior do estado; um orientador de

estágio do curso técnico-profissionalizante de transações imobiliárias e um ex-estudante que

passou pelo processo de estágio das EEEPs no curso de edificações (ver apêndices). Nestas

entrevistas, objetivamos evidenciar e compreender, através da vivência e da fala destes

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19 sujeitos, os processos que compõem o estágio curricular supervisionado das EEEPs, uma vez

que a leitura das leis e documentos que os aborda não foram suficientes na aproximação mais

fidedigna das determinações da realidade. Através dessas entrevistas, foi possível evidenciar

com mais propriedade as contradições do real que as leis/documentos tentam solucionar a

nível formal.

No primeiro capítulo, analisamos a origem e os documentos que fundamentam a

política educacional das EEEPs, confrontando-nos com os reformadores empresariais da

educação que fazem coro as políticas de orientação neoliberal, assim como a legislação que

configura a “nova institucionalidade”.

O segundo capítulo compreende algumas dimensões da acumulação flexível na

nova configuração do capitalismo contemporâneo, evidenciando seus imperativos no trabalho

e na educação. Tentamos demonstrar conexões possíveis da acumulação flexível com a

educação profissional, as EEEPs e o empresariamento da educação. Acreditamos que existam

várias conexões, mas buscamos destacar que tanto o excedente de força de trabalho, uma

escolarização que prepara exclusivamente para o mercado de trabalho, "qualificando", por

assim dizer, o Exército Industrial de Reserva, quanto os estágios financiados pelo Governo do

Estado (e até os não financiados) alimentam, na verdade, um rebaixamento do padrão de uso

da mercadoria força de trabalho.

Já no terceiro e último capítulo, resgatamos os antecendes da nova Lei do estágio,

n° 1778/08, que vai revelando seu destaque na política educacional nacional e, mais

especificamente, bucamos analisar a forma dos estágios adotada pelas EEEPs para comprir

seu compromisso com mercado de trabalho, tão necessitado de mão de obra barata, no atual

modelo de acumulação flexível.

A totalidade do trabalho é posta com os pontos da proposta política e educacional

das EEEPs e seus estágios, formuladas a partir dos interesses da classe empresarial alinhada

com o Estado brasileiro e o capital internacional, e os contrapontos de uma crítica marxista

que não apenas revela as reais intenções de classe da educação burguesa, mas que também

propõe a superação de sua lógica social exploratória e opressora.

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2 AS ESCOLAS ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO CEARÁ: O

EMPRESARIAMENTO DA EDUCAÇÃO EM MARCHA CÉLERE [...] O economista vulgar se considera tanto mais claro, tanto mais natural, mais útil a sociedade e tanto mais distante de todo sofisticaria, quanto mais se limite, na realidade, a traduzir as noções comuns numa linguagem doutrinária {empresários no ramo da educação}. Por isso, quanto mais alienada a forma em que concebe as formações da produção capitalista, tanto mais se aproxima da base das noções comuns, tanto mais se acha no seu elemento (MARX apud TEIXEIRA, 2004, p.6).

Este capítulo tem por objetivo esboçar a trama institucional das Escolas Estaduais

de Educação Profissional – EEEPs, que se envolve, de uma forma genérica, com a política

educacional nacional, juntamente com os padrões empresariais para a educação.

Analisamos dois documentos basilares para a concepção empresarial de educação

praticada pelas EEEPs e que fundamentaram a sua implementação e as das Escolas Centro de

Pernambuco. O primeiro documento é intitulado “A juventude brasileira ganha uma nova

escola de Ensino Médio: Pernambuco cria, experimenta e aprova”, de autoria do executivo

Marcos Magalhães (2008), que relata a experiência piloto de reestruturação de algumas

escolas estaduais de ensino médio de Pernambuco de acordo com as concepções empresariais.

O segundo documento chama-se Tecnologia Empresarial Socioeducacional – TESE, um

manual confeccionado por uma entidade privada, Instituto de Corresponsabilidade pela

Educação – ICE, ordenada pela classe empresarial para reformular as supracitadas escolas

pernambucanas. Este manual fundamenta em grande medida a criação e o funcionamento das

EEEPs do Ceará.

Por fim, iremos brevemente conceitualizar as bases materiais que amparam a

divisão entre educação geral e profissional, já que as EEEPs buscam lidar com esses dois

tipos de ensino e confrontar essa educação de tempo integral, de orientação da classe

empresarial, com a integração entre trabalho e educação na acepção de Marx, concepção esta

que parte dos interesses revolucionários da classe trabalhadora.

2.1 Política educacional nas particularidades das Escolas Estaduais de Educação

Profissional.

As Escolas Estaduais de Educação Profissional (EEEPs), criadas em 2008, surgem

em meio a um contexto de políticas educacionais nacionais de orientação neoliberal, de

política externa de agências e organizações multilaterais e de interesses da classe dominante

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21 nacional, alinhada internacionalmente com os ditames do capital na defesa de uma educação

pró-mercado.

Buscaremos neste tópico analisar, a partir da apresentação de algumas

particularidades da política educacional do Programa das EEEPs, as identidades com a

política educacional nacional que, na história recente do país, vem sendo moldada por

diretrizes internacionais para educação dos países periféricos, como as preconizadas pelo

Banco Mundial, por exemplo.

Conforme nos afirma Mendes Segundo (2006, p. 27), os organismos

internacionais, tais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional “foram

pensados, inicialmente, como um fundo de estabilização destinado a manter as taxas de juros

em equilíbrio no comércio internacional e propiciar a reconstituição e o desenvolvimento dos

mercados dos países afetados pela Segunda Guerra”.

Com a crise do petróleo em 1970, desencadeodora de uma crise econômica global

que, segundo Mészáros (2000), vem se estendendo até hoje em forma de uma crise estrutural

em todos os segmentos da sociedade, tais organismos internacionais ampliaram seus

objetivos, passando a interferir diretamente na trajetória política e econômica dos ditos países

em desenvolvimento.

Sobre os diferentes modos de dominação econômica e cultural por parte do

governo norte-americano ao resto do mundo, Mészáros (2003) situa os casos de órgãos de

intercâmbio econômico, como o FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial do

Comércio, que exerce sua influência no campo da educação; a alta tecnologia militar e civil,

como exemplo o monopólio de hardwares e softwares; a produção de alimentos

geneticamente modificados, impondo a venda ou mesmo disseminando de forma criminosa

sementes não renováveis aos agricultores do mundo, ao mesmo tempo em que mantêm uma

reserva gigantesca de sementes naturais; as patentes e os “direitos de propriedade intelectual”,

como o caso de patentes de remédios vitais e a tomada para si de 25% dos recursos

energéticos e de matérias-primas para não mais do que 4% da população mundial.

O autor afirma que a contradição que mais marca o novo imperialismo é a

tendência globalizante do capital e os Estados Nações tentando proteger suas economias

locais e se sobressair aos demais. Sobre o novo imperialismo, Mészáros afirma, a partir de

Harry Magdoff: O mesmo tipo de pensamento que aborda o conceito de imperialismo econômico, no sentido restrito de um demonstrativo de balanço, também confina o termo ao controle (direto ou indireto) de uma potência industrial sobre um país subdesenvolvido. Tal limitação ignora a característica essencial do novo

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imperialismo que surge no final do século XIX: a luta competitiva entre as nações industriais para conquistar posições dominantes com relação ao mercado mundial e às fontes de matérias-primas. A diferença estrutural que distingue o novo imperialismo do antigo é a substituição de uma economia em que muitas empresas competem por outra em que um punhado de empresas gigantescas competem em cada setor industrial. Ademais, durante esse período, o avanço das tecnologias de transportes e comunicação e o desafio que as nações industriais mais novas (como a Alemanha) lança à Inglaterra trouxeram duas características adicionais ao palco imperialista: a intensificação da luta competitiva na arena mundial e a maturação de um sistema capitalista verdadeiramente internacional. Sob tais circunstâncias, a competição entre grupos de empresas gigantescas e seus governos ocorre em todo o globo: nos mercados das nações adiantadas, bem como nos de nações semi ou não-industrializadas (Magdoff apud Mészáros, p. 38, 2003).

Contudo, Mészáros (2003) coloca que o discurso do “mundo policêntrico” e da

“democracia multipartidária”, assim como o dos “direitos humanos”, tem um papel ideológico

para camuflar a hegemonia estadunidense. E diz mais, que a tentativa frustrante na instituição

de um “Governo Mundial”, a exemplo das Nações Unidas, demonstra a insuperável

contradição, dentro dos limites do sistema capitalista, que existe entre os Estados Nações e a

tendência expansionista do capital.

Até a década de 1960, a educação era para o Banco Mundial uma questão

secundária, cabendo à UNESCO, como agência das Nações Unidas, o papel de “Ministério

mundial da educação”. A UNESCO perde suas atribuições e funções para o Banco Mundial

quando os Estados Unidos deixam de financiá-la. A partir desse momento, a educação

mundial passa a ser uma estratégia política e uma variante econômica (MENDES SEGUNDO,

2006).

Para Leher (1999), a redefinição dos sistemas educacionais, situada no bojo das

reformas estruturais encaminhadas pelo Banco Mundial, guarda íntima relação com o binômio

pobreza-segurança. “O reconhecimento de que a educação poderia ser um instrumento

importante na segurança data pelo menos do período da Guerra Fria, em especial na

formulação da doutrina da contra-insurgência” (LEHER, p. 20, 1999).

Com o processo de descolonização, o aumento das tensões sociais nos países

periféricos, o desastre iminente no Vietnã e o crescente sentimento anti-Estados Unidos,

persiste a “ameaça” comunista que paira sobre os valores sociais do ocidente. Na contenção

desta ameaça, há a liderança imperialista dos Estados Unidos. Só que, ao “invés da tradicional

concentração de forças e armamentos para avançar contra linhas inimigas identificadas”

(Leher, p.20, 1999), investe-se em doutrinas, formas e métodos de intervenções político-

econômicas associadas à intensa propaganda ideológica. Leher (1999) cita Berl, um dos

colaboradores de Rockefeller que, por sua vez, foi um dos importantes conselheiros de

Kennedy, onde diz que “na América Latina o campo de batalha é pelo controle da mente do

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23 pequeno núcleo de intelectuais, dos educados e dos semieducados. A estratégia é conseguir a

dominação através dos processos educacionais” (Idem, p. 26) e prossegue, afirmando que:

Nos documentos mais recentes do Banco e nos pronunciamentos de seus dirigentes, é visível a recorrência da questão da pobreza e do temor quato à segurança: nos termos do presidente do Banco: “as pessoas pobres do Mundo devem ser ajudadas, senão elas ficarão zangadas”. Em suma, a pobreza pode garar um clima desfavorável para negócios. E a exclusão planetária não para de crescer. Estudos do PNUD (1998) atesta que cem países regrediram seriamente em sua situação econômica e social nos últimos trinta anos. Mantida a política de abertura comercial, os esforços para conter as tensões derivadas do desemprego terão de ser ampliados. Somente no Brasil, entre 1985 e 1998, o número de empregos na indústria caiu 43% enquanto a produção insustrial cresceu apenas 2,7%. Para as ideologias dominantes, o melhor antídoto para os males decorrentes do desemprego é a educação elementar e a formação profissional (p.26).

O Banco Mundial mantém sua influência na política educacional dos países

periféricos através, principalmente, de empréstimos que geram dependência e bons retornos

financeiros (está aí também um dos motivos da política de controle, por parte deste órgão, dos

gastos públicos dos países pobres: garantir o pagamento das dívidas por meio do “Estado

mínimo” neoliberal) a projetos aplicados nestes países, junto a um amplo arsenal e monopólio

de informações, dados e conhecimento que mantêm em monitoriamento constante os países

aliados e os projetos desenvolvidos dentro das diretrizes do Banco.

Em seu trabalho, Shiroma (2007) apresenta as recomendações gerais para a

definição de políticas educacionais, especialmente para a America Latina e Caribe, veiculadas

em documentos elaborados por organismos multilaterais como Banco Mundial, UNESCO,

CEPAL, OREALC, observando também documentos produzidos por instituições empresariais

brasileiras e as reflexões de alguns intelectuais afinados com as propostas. A autora os

denomina como “arautos da reforma, [...] os arquitetos do consenso que a ela daria

sustentação” (p.10). Para ela, não resta dúvida na análise dos documentos de que As medidas que vêm sendo implementadas no país estão sinalizadas há anos, cuidadosamente planejadas. São evidentes as articulações entre as reformas implementadas nos anos 1990, pelos governos brasileiros do período, as recomendações dos organismos multilaterais. Recomendações, aliás, repetidas em uníssono e à exastão (SHIROMA, 2007, p.10)

Uma das fortes recomendações de todos os documentos analisados por Shiroma

(2007) é o destaque na educação elementar com viés no preparo ao trabalho. Diante da

velocidade das mudanças, sejam elas sociais ou produtivas, as requalificações tornam-se

imperativas na iminência de não acompanhar a competitividade do mercado mundial, que

gera consigo sérios riscos a vida social.

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A ênfase que o Banco Mundial dispende à educação básica vem a atender a

necessidade de uma força de trabalho flexível; entende, pois, que este nível de ensino deve ser

garantido pelo Estado. A ênfase também se dá na modalidade de educação profissional. A educação é o maior instrumento para o desenvolvimento econômico e social. Ela é central na estratégia do Banco Mundial para ajudar os países a reduzir a pobreza e promover níveis de vida para o crescimento sustentável e investimento no povo. Esta dupla estratégia requer a promoção do uso produtivo do trabalho (o principal bem do pobre) e proporcionar serviços básicos para o pobre” (LEHR apud BANCO MUNDIAL, p.25, 1999)

O Brasil adota, então, estas recomendações. No que toca a estratégia do “uso

produtivo do trabalho”, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n° 9.394/96) afirma que:

“A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social” (Art. 1°, §2)

e que a educação tem por finalidade “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para

o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Art. 2°).

As várias políticas educacionais implementadas foram pensadas de modo a promover reformas de ensino de caráter nacional, de longo alcance, homogênias, coesas, ambiciosas em alicerçar projetos para uma “nação forte”. Tratava-se também, de preparar e formar a população para se integrar às relações sociais existentes, especificadamente às demandadas do mercado de trabalho, uma população a ser submetida aos interesses do capital que se consolidava no país. Nessa história, as reformas de ensino constituíram-se e foram apresentadas como importante instrumento de persuasão. (SHIROMA, 2007, p.13)

Para Shiroma (op cit.), a política educacional tomou corpo a partir de um

arcabouço legislativo e por ações de financiamento dos governos a programas específicos de

segmentos escolares.

A proposta das Escolas Estaduais de Educação Profissional do Ceará surge neste

contexto, no intuito de atender ao dispositivo legal nº 11.741, instituído em 16 de julho de

2008, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei nº 9.394/96), propondo

que a educação profissional se integre ao nível médio, às diferentes modalidades de educação

e às dimensões do trabalho, das ciências e da tecnologia.

A oferta da educação profissional conta com uma lei específica para seu

funcionamento: Lei Estadual n° 14.273, de 19 de dezembro de 2008, que dispõe sobre a

criação das Escolas Estaduais de Educação Profissional – EEEP no âmbito da Secretaria da

Educação. O caráter diferencial destas escolas fica evidente nos seguintes artigos da Lei:

Art. 2º As Escolas Estaduais de Educação Profissional terão estrutura organizacional definida em Decreto, fundamentada em parâmetros educacionais que venham a atender os desafios de uma oferta de ensino médio integrado à educação profissional com corpo docente especializado e jornada de trabalho integral.

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Art. 3º A constituição das equipes docentes e o provimento dos cargos em comissão das Escolas Estaduais de Educação Profissional serão feitos mediante seleção pública, que, além de exames de conhecimentos e comprovação de experiência, constará de avaliações situacionais de competências específicas, sendo sua regulamentação estabelecida por Decreto, não estando sujeitas ao que estabelece a Lei nº 13.513, de 19 de julho de 2004, e o Decreto nº 29.451, de 24 de setembro de 2008. (grifo nosso)

A referida Lei nº 13.513 e o Decreto nº 29.451 dispoem sobre o processo de

escolha e indicação dos integrantes dos núcleos gestores das escolas da rede pública estadual

de ensino, e dá outras providências, não estando, portanto, as EEEPs subordinadas a estas

Leis.

Já o Decreto Estadual 30.865/12 regula os dois artigos citados acima. Poderão

concorrer para o cargo de professor da base comum do currículo professores efetivos e

temporários, que deverão passar por processo seletivo interno da escola, o qual abrange

“[…]exames de conhecimentos e comprovação de experiência, bem como avaliações

situacionais de competências específicas”; sendo uma das fases da seleção, de caráter

eliminatório e classificatório, um seminário presencial sobre o modelo de gestão e a proposta

pedagógica das EEEP (Art. 4°). Já os professores da base técnica do currículo, definido no

supracitado Decreto como “instrutores de ensino profissional”, são contratados do Estado, não

precisam ser licenciados2 e também devem se submeter à seleção interna escolar.

Os gestores, diretor e coordenadores, devem estar ainda mais alinhados à política

pedagógica das EEEPs. Sendo esses cargos em comissão, poderão concorrer qualquer

canditado que seja graduado em nível superior em qualquer área, ficando a cargo da SEDUC

a realização da seleção (Atr. 3°, §2; At. 5°). Para que não reste dúvida sobre a natureza anti-

democrática das gestões das EEEPs, o §3° do Artigo 3° diz (Decreto 30.865/12): §3°. A nomeação decorrente da seleção de [diretor e coordenador escolar] que trata o §2° deste artigo, não retira a natureza jurídica de livre exoneração dos respectivos cargos em comissão, podendo o Governador do Estado exonerar o ocupante do cargo, sempre que entender conveniente e oportuna a medida para a Administração.

Todos estes mecanismos institucionais legais, que arranja a estrutura

organizacional das EEEPs, têm como objetivo minimizar conflitos, forjar uma adesão para

que todos os envolvidos cantem junto ao coro da política educacional.

2 Registramos aqui o fato de que o próprio poder público descumpre o dispositivo legal da atual LDB, já que esta assevera que, para o exercício do magistério no ensino médio, é obrigatória a licenciatura ou curso de formação pedagógica, estando, portanto, vedada a possibilidade de bacharéis exerceram a docência. Assim, a expressão “instrutores de ensino profissional” nada mais é do que uma forma de burlar a lei. Mas, para além do que determina a LDB, é necessário registrar também o fato de que a docência é tratada como algo que não carece de formação específica, de caráter pedagógico, o que se constitui um problema historicamente enfrentado e debatido pelos estudiosos da formação de professores.

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A aderência dos professores e gestores passa também por mecanismos de

recompensas aos que obtiverem melhores resultados entre os alunos, conforme os critérios e

avaliações impostas pelo Estado e suas políticas.3 “O objetivo é convencer o professor a

envolver-se nas reformas do sistema, a ter confiança nas inovações e, sobretudo, nas

vantagens em aderir às medidas que assegurem possíveis mecanismos de recompensa [...]”

(SHIROMA, 2007, p. 59). Também para Leher (p. 29, 1999), a “avaliação centralizada

garante o controle estatal da atividade docente”.

Shiroma (2007), ao analisar o documento da CEPAL, Educacíon y conocimiento:

eje de la transformación productiva con equidade, publicado em 1992, em que alarda uma

urgência na implementação de uma reforma educacional marcada por estratégias reiteradas

por outros organismos multilaterais ao longo da década, enfatiza que [...] a necessidade de reformas administrativas que operassem uma transmutação do Estado administrador e provedor para um Estado avaliador, incentivador e gerador de políticas. Para tanto, recomendava que se conjugassem esforços de descentralização e de integração, o que pode ser traduzido em desconcentração de tarefas e concentração de decisões estratégicas (p.55).

A política educacional para a expansão da educação profissional conta com várias

iniciativas do Estado brasileiro. O Plano Nacional de Educação (Lei n° 13.005/14) tem como

meta n°11: “triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio,

assegurando a qualidade da oferta e pelo menos cinquenta por cento da expansão no segmento

publico”.

Para o desenvolvimento dessa política, o Governo Estadual do Ceará conta com a

parceria do Governo Federal através do Programa Brasil Profissionalizado, que tem sido,

juntamente com os recursos do Tesouro Estadual, a principal fonte de financiamento das redes

estaduais de ensino para a expansão da educação profissional do Ceará. (CEARÁ, 2015).

O Programa Brasil Profissionalizado tem por objetivo fortalecer as redes estaduais

de educação profissional e tecnológica. A iniciativa repassa recursos do Governo Federal para

que os estados invistam em suas escolas técnicas. O programa possibilita a modernização e a expansão das redes públicas de ensino médio integradas à educação profissional, uma das metas do Plano de

3 Ver: Portaria n° 0815/2016 – onde o Secretário da Educação do Estado do Ceará dispõe sobre a Gratificação de Desempenho para os ocupantes de cargos comissionados e professores lotados nas escolas estaduais de educação profissional, que desempenharam suas atividades em regime integral no ano de 2014. Os critérios adotados para esta Gratificação de Desempenho são: I. Aprovação no mínimo de 85% dos alunos no ano letivo; II. Participação de no mínimo 85% dos alunos da EEEP no SPAEC do ano letivo. III. Média de proeficiência geral, aferida pelo SPAEC, superior a media do Estado (257,9); IV. Inserção de todos os alunos do 3° ano da EEEP em Estágio Curricular. Diário Oficial do Estado. Série 3, Ano VII, n° 132. Fortaleza, 14 de Julho de 2016.

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Desenvolvimento da Educação. O objetivo é integrar o conhecimento do ensino médio à prática. (MEC, 2015)

Criado por meio do Decreto nº 6.302/07, o Programa Brasil Profissionalizado

antecede o PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, que

foi criado também pelo Governo Federal, em 2011, por meio da Lei 11.513/11; contudo hoje

o Programa Brasil Profissionalizado integra uma das iniciativas do PRONATEC. Para

participar do programa, deve-se assinar o Compromisso Todos pela Educação - Decreto n°

6.094/97 (MEC, 2015).

Bernardi, Rossi e Ucuak (2014), ao analisarem a política do Compromisso Todos

pela Educação, constatam a indução de parcerias com entidades do setor privado desde o

início com o Movimento Todos pela Educação4, que contou com a composição e participação

de empresas e empresários, até a implementação da política pelo Estado. Os autores mapeam

também os interlocutores privados e sua ligação com a oferta de produtos, tais como:

materiais pedagógicos, descrição de diversas tecnologias e informações suplementares que

foram pré-qualificados pelo MEC. A prática do TPE, compreendido como sujeito histórico, é uma iniciativa de classe que se constituiu independente do Estado, mas funciona articulando ‐se com o governo e com setores da educação no país e desse modo determinam o que vem a ser a qualidade da educação “traduzindo ‐a sob a form para o trabalho explorado requerido pelo capitalismo” (BERNARDI, ROSSI, UCZAK, 2014, p.5).

Leher e Evangelista (2012, p.7) também analisam a inserção dos grupos

empresariais e financeiros sob o TPE: O TPE foi convocado justo pelo setor bancário, liderado pelo Itaú, em articulação com o setor de commodities, no caso, siderúrgico, dirigido pelo organizador de outra iniciativa empresarial para intervir na educação, o movimento Brasil Competitivo, Jorge Gerdau Johannpeter (MARTINS, 2009). Este dirigente empresarial atualmente é um dos principais assessores da presidenta Dilma Rousseff para a continuidade da reforma do Estado iniciada nas gestões Bresser-Pereira e Claudia Costin. Para ampliar a convocatória, o Itaú Unibanco Holdings S.A. contou com a adesão de entidades e organizações representativas de outras frações do capital, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE) e Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. A convocatória da holding financeira partiu da constatação de que as corporações estavam atuando em centenas de grandes projetos educacionais com objetivos educacionais pertinentes, afins aos interesses corporativos que os patrocinam, mas que a dispersão dos esforços impedia uma intervenção “de classe” na educação pública, objetivo altamente estratégico, pois envolve a socialização de mais de 50

4 “Em 2006 realizou‐se a Conferência Ações de Responsabilidade Social em Educação: melhores práticas na América Latina, promovido pela Fundação Lemann, Fundação Jacobs e Grupo Gerdau, com apoio do Preal. Os representantes das empresas brasileiras reunidos elaboraram um documento sobre educação: ‘Compromisso Todos Pela Educação’” (BERNARDI, ROSSI E UCZAK, p. 4, 2014).

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milhões de jovens, a base da força de trabalho dos próximos anos. Os setores dominantes, após a articulação política dos grupos econômicos em prol do movimento, passaram a atuar por meio de suas fundações privadas ou de suas Organizações Sociais, como Itaú-Social, Faça Parte, Ayrton Senna, Roberto Marinho, Gerdau, Victor Civita, Abril, Bunge, DPaschoal, Bradesco, Santander, Vale, PREAL, Lemann, entre outras.

No início do Programa de Educação Profissional de Nível Médio, o Estado do

Ceará contava com 25 escolas, distribuídas em 20 municípios, com a oferta de 4 cursos

profissionalizantes: Informática, Enfermagem, Guia de Turismo e Segurança do Trabalho. Em

quatro anos, houve uma ampliação expressiva. Hoje, os dados oficiais contabilizam 115

escolas distribuídas por mais de 82 municípios e 53 cursos (CEARÁ, 2015).

A matriz curricular das EEEPs, durante todo o ensino médio, é composta por:

formação geral (disciplinas da base comum), com carga horária de 2.620 horas; formação

profissional (específicas dos cursos técnicos), com carga horária entre 1.600 - 1.020 horas,

somando a parte teórica mais 200 horas de estágio (ver Quadro 1); área

diversificada/atividades complementares (empreendedorismo, mundo do trabalho, formação

cidadã, projeto de vida, projetos interdisciplinares, horário de estudo, estágio curricular

complementar, língua estrangeira aplicada), com carga horária de 1.780 horas; totalizando em

média 5.400 horas (Anexo A).

Sobre área diversificada do currículo, a SEDUC afirma: A Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB) estabelece que na base nacional comum do currículo deve preponderar uma dimensão diversificada. Essa “parte diversificada” envolve as Atividades Complementares, escolhidas pelos sistemas de ensino e pelos estabelecimentos escolares, de acordo com as características regionais, culturais, sociais e econômicas […] Essas unidades curriculares favorecem a comunicação entre a formação geral e a formação profissional, na medida em que tratam de temáticas que são transversais ao currículo proposto, como também contribuem para desenvolver o protagonismo cooperativo e solidário (CEARÁ, 2016).

Pelo que se pode perceber, a “área diversifica” ganha o maior destaque nos

currículos das EEEPs, ficando atrás do eixo das disciplinas da base comum e à frente do eixo

técnico-profissionalizante, como forma de flexibilizar o currículo para que os conteúdos

empresariais, de carater ideológico, possam se sobressair (empreendedorismo, mundo do

trabalho, projeto de vida etc.) e também para favorecer “a comunicação entre a formação

geral e a formação profissional” como o elo da matriz curricular. Deste modo, observamos

que a conjugação entre a base comum do currículo e a base profissionalizante não se

estabelece pela unidade prática, teórica-científica do trabalho e das disciplinas científicas, mas

através dos interesses de formação para o mercado de trabalho, confudidos como interesses

comum e geral, que regem as características regionais, culturais, sociais e econômicas.

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O Catálogo dos Cursos Técnicos das Escolas Estaduais de Educação Profissional

do Ceará contém 53 cursos técnicos agrupados em 12 Eixos Tecnológicos.

Quadro 1 - Catálogo dos Cursos Técnicos das Escolas Estaduais de Educação Profissional do Ceará.

Eixos tecnológicos Cursos Carga Horária Teórica/Estágio

Ambiente e Saúde

• Biotecnologia • Enfermagem • Estética • Massoterapia • Meio Ambiente • Nutrição e Dietética • Saúde Bocal

• 1.240 h./600 h. • 1.260 h./600 h. • 1.300 h./600 h. • 1.300 h./600 h. • 1.240 h./400 h. • 1.200 h./600 h. • 1.200 h./600 h.

Controle e Processos Industriais

• Automação Industrial • Eletromecânica • Eletrotécnica • Manutenção Automotiva • Mecânica • Química

• 1.200 h./400 h. • 1.220 h./400 h. • 1.200 h./400 h. • 1.200 h./400 h. • 1.200 h./400 h. • 1.240 h./600 h.

Desenvolvimento Educacional e Social

• Instrução de Libras • Secretaria Escolar • Tradução e Interpretação de

Libras

• 1.200 h./400 h. • 1.220 h./400 h. • 1.200 h./400 h.

Gestão e Negócios • Administração • Comércio • Contabilidade • Finanças • Logística • Secretariado • Transações Imobiliárias

• 820 h./400 h. • 960 h./400 h. • 860 h./400 h. • 880 h./400 h. • 920 h./400 h. • 820 h./400 h. • 860 h./400 h.

Informação e Comunicação • Informática • Redes de Computadores

• 1.240 h./400 h. • 1.260 h./400 h.

Infraestrutura

• Agrimensura • Desenho de construção civil • Edificações • Móveis • Portos

• 1.000 h./400 h. • 1.200 h./400 h. • 1.300 h./400 h. • 1.200 h./400 h. • 900 h./400 h.

Produção Alimentícia • Agroindústria • 1.260 h./400 h.

Produção Cultural e Design

• Design de interiores • Gestão cultural • Modelagem de vestuário • Paisagismo • Produção de áudio e vídeo • Produção de moda • Regência

• 900 h./400 h. • 940 h./400 h. • 860 h./400 h. • 860 h./400 h. • 840 h./400 h. • 1.020 h./400 h. • 1.000 h./ 400 h.

Produção Industrial

• Fabricação mecânica • Petróleo e Gás • Têxtil • Vestuário

• 1.200 h./400 h. • 1.300 h./400 h. • 1.200 h./400 h. • 1.200 h./400 h.

Recursos Naturais • Agricultura (floricultura) • Agronegócio

• 1.260 h./400 h. • 1.260 h./400 h.

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Fonte: Secretária de Educação do Estado do Ceará. Disponível em <http://www.educacaoprofissional.seduc.ce.gov.br>. Adaptada pela autora, 2016.

No exame das bases conceituais e metodológicas de implementação das EEEPs

cearenses, priorizamos, na seção a seguir, a análise de seu documento norteador, o manual

denominado Tecnologia Empresarial Socioeducacional (TESE). A TESE foi produzida e é

propriedade do Instituto de Coresponsabilidade pela Educação – ICE, entidade privada,

ordenada pela classe empresarial, designada a reformular as escolas de ensino médio do

Estado de Pernambuco. A reformulação destas escolas, que teve início em 2004, está

registrada no documento “A juventude brasileira ganha uma nova escola de Ensino Médio:

Pernambuco cria, experimenta e aprova”, de autoria do executivo Marcos Magalhães (2008).

Debruçamo-nos também sobre a análise deste documento, já que ele é o fundamento basilar

da TESE e das EEEPs do Ceará.

2.2 A concepção empresarial de ensino médio público: uma análise documental das

experiências de Pernambuco e Ceará

Para entendermos melhor o projeto que rege as Escolas Estaduais de Educação

Profissional do Ceará (EEEPs), debruçar-nos-emos sobre um documento da autoria de Marcos

Magalhães5, presidente do ICE – Instituto de Co-responsabilidade pela Educação. Este

instituto, por sua vez, elaborou a TESE, hoje aplicada nas EEEPs do Ceará. Um diretor destas

escolas, em entrevista, nos relata um pouco da inserção da TESE na gestão escolar6:

Após aprovação no processo seletivo os gestores passaram por um um seminário para apresentação da TESE, em 2009, divididos em dois grupos, gestores do ano de 2008 e futuros gestores de 2009. O seminário foi uma imersão de uma semana, mais de 40 horas com temáticas sobre liderança, trabalho em equipe, e sobre a caracterização geral da TESE (fundamentos, documentos orientadores, história, etc.) [...] No ano de 2009, estávamos sob a coordenação da professora Tereza Barreto, ex-gestora do ginásio pernambucano, que integrava o ICE (Instituto Co-Responsabilidade em Educação) que era responsável pela coordenação das atividades das EEEPs orientando a aplicação da TESE. Ela permaneceu exercendo

5 Marcos Magalhães é um executivo, ex-presidente da Philips Brasil. 6 A TESE já chegou a ser componente curricular das EEEPs (Anexo B), contudo o currículo foi reformado e a TESE foi diluida nos componentes da área diversificada.

• Agropecuária • Aquicultura • Fruticultura • Mineração

• 1.260 h./400 h. • 1.080 h./400 h. • 1.260 h./400 h. • 1.220 h./400 h.

Segurança • Segurança do trabalho • 1.240 h./400 h.

Turismo, Hospitalidade e Lazer • Eventos • Guia do turismo • Hospedagem

• 820 h./400 h. • 960 h./400 h. • 840 h./400 h.

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este trabalho até meados de 2010, onde por motivos que não sabemos ao certo deixou de exercer a consultoria. (Entrevista concedida por um Diretor das EEEPs, 2016).

O documento intitulado “A juventude brasileira ganha uma nova escola de Ensino

Médio: Pernambuco cria, experimenta e aprova”, publicado em 2008, relata a implantação, o

funcionamento e os princípios das escolas de ensino médio integrado em Pernambuco. Estas

escolas também oferecem educação profissional e geral, ambas com ênfase na formação de

competências e empreendedorismo. O documento as denomina de Centro, e aqui

empregaremos o mesmo significado.

O documento expressa de forma clara os interesses empresariais e se alinha ao

pensamento neoliberal de Friedman (1984) ao afirmar que a gestão pública é ineficaz e, por

isso, é necessária a intervenção direta dos empresários para “ajudar” a gerir a educação, com

base em suas experiências com a gerência: Não apenas fazemos reuniões e discussões. O que nós sabemos fazer como empresários é gestão, nós sabemos gerir processos. Sabemos o ciclo PDCA7. A gente faz isso todos os dias. No setor público, com as poucas exceções, de praxe, o planejamento é ruim, a execução é terrível, não se age em cima do valor medido para melhorar, não se tem plano de ação (MAGALHÃES, 2008, p. 20).

O padrão empresarial deve perpassar toda a escola com o enfoque na gestão, no

trabalho com base em metas, na gerência de informações, na avaliação, na competição, na

premiação, na punição e sobretudo no controle.

Magalhães (2008) escreve o que para ele seriam os empecilhos ao bom

funcionamento da escola pública: A) a governança, pois a divisão das responsabilidades aos

diferentes níveis de ensino entre o Governo Federal, Estadual e Municipal isenta a

responsabilidade pelo “todo”; B) as secretarias de educação: para ele, o requisito para a

eficiência de um secretário são as experiências gerenciais, que não necessariamente seja na

área de educação; C) as faculdades de pedagogia: fraseando Eunice Durham, em uma

entrevista concedida à revista Veja8, afirma ser o ideal fechar todas e começar do zero; D)

sindicatos: alega que estes precisam ver a educação de forma suprapartidária e critica o que 7 O ciclo PDCA, Plan (planejar), Do (executar), Check (verificar), Act (agir), “[...]foi desenvolvido na década de 1930 pelo físico e engenheiro Walter A. Shewhard nos Estados Unidos e posteriormente propagado por Willian Edwards Deming, estatístico norte-americado, ambos conhecidos pela dedicação ao desenvolvimento de processos de controle estatístico da qualidade. Posteriormente passou a ser adotado como ferramenta de gestão de negócios” (ICE\TESE, s\d, p.12). Vale lembrar que a década de 1930 é marcada por uma severa crise econômica que, por sua vez, obrigou capitalistas a reconfigurarem modelos de produção e gestão, assim como o Estado precisou rever políticas públicas. 8 Para quem tiver a curiosidade de ler esta entrevista, irá se deparar com uma crítica aos cursos universitários de pedagogia que supostamente “[...] desprezam a prática da sala de aula e supervalorizam teorias” e propõe a adaptação às demandas do mercado. (VEJA, 26 de novembro de 2008). Eunice Durham foi secretária de Política Educacional do MEC entre os anos 1995 e 1997.

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32 para ele é a essência dos acordos sindicais “trabalhar menos e ganhar mais”; E) os

professores: para Magalhães estes são vítimas e vilões; vítimas da degradação da profissão, da

infraestrutura precária das escolas, da falta de reconhecimento e incentivo; vilões porque

“fazem o jogo político dos sindicatos, entregam muito pouco resultado de seu trabalho a

sociedade e ainda se acham injustiçados” (MAGALHÃES, 2008, p. 7), ou seja, são vilões por

não serem “produtivos” e não serem devidamente cobrados por seus resultados; F) a gestão

escolar: o autor defende o modelo empresarial, autonomia administrativa, punição para os

piores e premiação para os melhores, o gestor deve ser carreirista, tudo isto como meio de

minimizar a influência política se detendo na eficiência; condena a indicação política e a

eleição direta, afirmando que democracia não significa competência.

O discurso escamoteado de que a eficiência é garantida perante a anulação da

política, ou de um posicionamento político, tenta disfarçar os reais interesses de classe.

Identificamos uma tendência tecnicista ou neotecnicista da educação na perspectiva do

Programa. A técnica colocada acima dos sujeitos e da política ganha um caráter conservador

na medida em que prolonga a manutenção das estruturas sociais de poder de quem as detêm.

A subjetividade do sujeito é vista nesta perspectiva, seja na produção de riquezas materiais,

seja no trabalho pedagógico, como um risco à eficiência e à objetividade (SAVIANI, 2007).

Já o neotecnismo, como o termo mais adequado à realidade atual como uma

releitura do tecnicismo, revê o papel do sujeito em uma perspectiva limitada e alienante, na

medida em que este pode contribuir com sua subjetividade a favor da produtividade. Contudo,

esta subjetividade precisa ser bem regulada (SAVIANI, 2007).

Outro fator concedido por Magalhães (2008, p. 9) como um entrave à qualidade

da educação pública é a corrupção, considerada um “vírus que está presente no organismo da

sociedade brasileira [...]”. Assim, parece conceber a sociedade brasileira capitalista como um

organismo sadio que é infectado pelo vírus da corrupção que, por sua vez, é colocada no

mesmo patamar: a corrupção organizada dos governos e a “corrupção” isolada de indivíduos,

em um apelo moralista. A ética é outro ponto amplamente ressaltado no documento de

Pernambuco e mais ainda na TESE9, só que o termo é mal-empregado, pois o que se fomenta

é um viés moralista conservador.

Vásquez (2008), ao fazer um estudo sobre a ética, defende-a como ciência da

moral, levando em consideração a concretude e a historicidade do homem real, e não uma 9 A TESE – Tecnologia Educacional Socioempresarial, como diremos a seguir, tem por base a Tecnologia Empresarial Odebrecht – TEO. O presidente desta holding, uma das maiores do país, com atividades em diversos ramos, Marcelo Odebrecht, foi condenado a 19 anos e 4 meses de prisão, na operação Lava Jato da Polícia Federal (2015), por organização criminosa, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

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33 filosofia normativa que tem por finalidade classificar o que é bom e mal, que parte da

concepção de um homem abstrato. Na sociedade capitalista, o trabalhador é visto como um

ser econômico e não como um ser humano real, com seus sofrimentos e desgraças. Vigora-se

a lei do maior lucro, o que gera uma moral pautada no egoísmo, na hipocrisia, no cinismo, no

individualismo exacerbado, no culto ao dinheiro e às mercadorias e na utilização de pessoas

para ganhar vantagem (VÁSQUEZ, 2008).

Ainda segundo Vásquez (2008), a burguesia, classe dominante, propaga seus

valores como valores universais, cabendo à classe proletária subjugada desenvolver os seus

próprios valores.

Inserida na proposta educacional do modelo pernambucano e das EEEPs, há a

concepção igualmente empresarial do que venha a ser o aluno, o educador e a missão da

escola.

O aluno é visto como “protagonista do seu processo educacional”

(MAGALHÃES, 2008, p. 47). Sobre a nova geração de alunos do ensino médio, há uma

constatação de que estes vivem “um momento histórico de mudanças radicais no mundo do

trabalho e nas exigências de formação” (MAGALHÃES, 2008, p.45).

Nestas afirmações, podemos perceber o forte apelo à responsabilidade do

indivíduo para com sua formação e, consequentemente, com sua situação econômica e social

atual\futura. Como assegura Kuenzer (2002), as estratégias para excluir o trabalhador do

mercado formal e incluí-los no mundo do trabalho em condições precárias, a chamada

“exclusão includente”; assim como as estratégias de incluir o exército de reserva na

escolarização básica e em cursos aligerados de formação profissional, que lhes confere o

status de empregabilidade, como meio de justificar sua exclusão no mercado de trabalho pela

“incompetência”- inclusão excludente -, passa também por processos de persuasão e coerção,

no qual o trabalhador compreende sua própria alienação como resultante de sua prática

pessoal.

No ideal burguês, as recompensas sociais devem ser distribuídas de acordo com o

rendimento dos indivíduos. Para tanto, estes devem partir de uma igualdade de oportunidades

para que a concorrência seja uma competição regulada de forma tal que possa neutralizar as

influências externas. O liberalismo econômico é a máxima deste ideal, porém o mercado logo

se mostrou injusto na distribuição de oportunidades. “Por isso nas recentes versões da

ideologia do rendimento o êxito no mercado é substituído pelo êxito profissional,

representado pela educação formal” (HABERMAS apud ENGUITA, 1989, p.193).

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Na visão empresarial, o “protagonismo estudantil” significaria, ainda, apropriar-se

dos conhecimentos dos vários sistemas organizados, requerendo como pré-condição a

apropriação dos instrumentos básicos da leitura, escrita, Matemática e raciocínio lógico, que

“permitem desenvolver as competências de compreensão” (MAGALHÃES, p.49).

A formação de subjetividades flexíveis, tanto do ponto de vista cognitivo quanto ético, se dá, predominantemente, pela mediação da educação geral; é por meio dela, disponibilizada de forma diferenciada por origem de classe, que os que vivem do trabalho adquirem conhecimentos genéricos que lhes permitirão exercer, e aceitar, múltiplas tarefas no mercado flexibilizado. Ser multitarefa, neste caso, implica exercer trabalhos simplificados, repetitivos, fragmentados, para os quais seja suficiente um rápido treinamento, de natureza psicofísica, a partir de algum domínio de educação geral, o que não implica necessariamente o acesso à educação básica completa. Neste sentido, a educação geral, assegurada pelos níveis que compõem a educação básica, tem como finalidade dar acesso aos conhecimentos fundamentais e às competências cognitivas mais simples, que permitam a integração à vida social e produtiva em uma organização social com forte perfil científico-tecnológico, um dos pilares a sustentar o capitalismo tardio, na perspectiva do disciplinamento do produtor/consumidor; e, por isso, a burguesia não só a disponibiliza, mas a defende para os que vivem do trabalho (KUENZER, 2007, p. 494-495).

O empreendedorismo forma um outro pilar na proposta pedagógica do programa,

e podemos afirmar que tem por base um empreendedorismo empresarial e um

empreendedorismo social. O primeiro é apresentado como uma alternativa real à relação

tradicional de emprego e vende-se: […] o sonho de que é possível alcançar sucesso financeiro em um mercado livre, no qual o mais importante é a iniciativa, pró-atividade, habilidade e criatividade dos indivíduos. O estímulo a pequena livre iniciativa, que se caracteriza pelo vendedor de cachorro quente até uma pequena empresa de tecnologia de informação, seria o motor de desenvolvimento de países como o Brasil, que segundo os ideólogos e autores liberais, precisa urgentemente formar uma burguesia industrial e financeira genuína, que não dependa do governo para investir em inovação e não tenha medo de assumir riscos (SABINO, 2010, p. 4)

Esta ideia sob a ótica da riqueza das necessidades humanas revela que no livre

mercado, sob a lógica capitalista, Cada homem especula sobre a maneira como criar no outro uma nova necessidade para o forçar a novo sacrifício, o colocar em nova dependência, para o atrair a uma nova espécie de prazer e, dessa forma, à destruição. Cada qual procura impor sobre os outros um poder estranho, de modo a encontrar assim a satisfação da própria necessidade egoísta (MARX, 2006, p.149).

Já o empreendedorismo social faz parte de um discurso dominante, em que a

sociedade civil deve absorver para si os problemas e investimentos sociais historicamente de

responsabilidade do Estado. Sendo assim, passa a ser imperativo que os próprios cidadãos ou comunidades se

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auto-organizem para que diagnostiquem os problemas locais vividos com maior intensidade e busquem cada qual com suas estratégias, as soluções cabíveis para tal fim (SABINO, 2010, p.1)

Após termos expressado algumas dimensões políticas, institucionais e

educacionais do programa para as escolas de ensino médio em Pernambuco, através do

documento “A juventude brasileira ganha uma nova escola de Ensino Médio: Pernambuco

cria, experimenta e aprova”, avançaremos em nossa análise para o documento TESE, que é a

interseção entre o modelo pernambucano até aqui analisado com o modelo desenvolvido pelo

Estado do Ceará.

A Tecnologia Empresarial Socieducacional – TESE, como assinalado antes, é um

manual operacional desenvolvido pelo ICE, com base na Tecnologia Empresarial Odebrecht.

Este documento fundamenta as diretrizes que nortearam o programa de Ensino Médio

Profissionalizante de tempo integral, que vem sendo aplicado às escolas públicas do Estado

do Ceará, materializado nas EEEPs. Esse manual é estudado exaustivamente por gestores,

professores e alunos.

Basicamente, o manual trata da “filosofia” empresarial a ser utilizada pela escola.

Oferece conselhos sobre gestão, planejamento e estabelecimento de parcerias do tipo público-

privado, tratando também sobre questões gerais do funcionamento da escola, enfatizando a

“consciência” da comunidade escolar.

O conteúdo da TESE possui total consonância com o do programa de

Pernambuco, porém de forma resumida, expõe que a TESE: “É postura – mais consciência

que método; Adequa-se a cada realidade – mas ajuste que transplante ou cópia de modelo;

Educa pelo trabalho – mais prática do que teoria” (ICE\TESE, s\d, p.8). A TESE é o elo

encontrado por nós entre a política estadual das escolas de ensino médio do Estado de

Pernambuco e a do Estado do Ceará.

O Estado, assim, através de sua política educacional materializada em

documentos, imprime a formação que mais se coadunará às necessidades do mercado. Marx

(2004), na Crítica ao programa de Gotha, alertava aos trabalhadores a problemática de se ter

o Estado como educador do povo, assegurando que, este mantendo o custeio, parâmetros

gerais de ensino e fiscalização, é que deveria receber do povo uma “educação severa”.

Uma “educação do povo a cargo do Estado” é absolutamente inadmissível. Determinar por uma lei geral os recursos das escolas primárias, as aptidões exigidas ao pessoal docente, as disciplinas ensinadas etc., e, como acontece nos Estados Unidos, fiscalizar por meio de inspetores do Estado a execução dessas prescrições legais é completamente diferente de fazer do Estado o educador do povo! Ao contrário, é preciso, pelas mesmas razões, banir da escola qualquer influência do

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governo e da Igreja. [...] é o Estado que precisa ser rudemente educado pelo povo (MARX, 2004, p. 122).

Hoje, o “educador” do povo são os empresários ou seus representantes, como os

organismos internacionais, a exemplo o Banco Mundial. No que se pode constatar, os

modelos educacionais pernambucano e cearense giram em torno do que Ferretti (2002)

assinalava, ao abordar a forma como empresários enxergavam os desafios e as demandas

feitas à educação escolar diante das mudanças que se operavam desde a década de 1970, no

âmbito do capitalismo – mudanças, como afirma, “não apenas de natureza econômica, mas

também políticas, sociais e culturais” (2002, p. 97). Este autor, ao analisar tendências das

políticas educacionais da década de 1990 – com base no relatório do Banco Mundial de 1989,

que sugere mudanças no ensino médio brasileiro; na nova LDB; e na visão do empresariado

em relação à educação geral, e ainda se referindo ao documento da Comissão Econômica para

América Latina e Caribe - CEPAL (1990 e 1992), conclui que: todas as sugestões da época, feitas pelo empresariado, representavam, de alguma forma, se não a negação, a crítica aos procedimentos anteriores adotados em relação aos trabalhadores em termos educacionais, ou seja, o descaso quanto ao acesso ao saber, reduzindo-o ao estritamente necessário. Esta postura não traduzia, no entanto, a preocupação com uma efetiva formação ampla e cidadã, apesar de ser esse o tom do discurso. Mas significava, mudança de patamar em relação às exigências anteriores tendo em vista a constituição de um trabalhador de novo tipo, necessário ao aumento da produtividade, sob novas bases tecnológicas e de gestão (FERRETTI, 2002, p. 101).

Também é na perspectiva da descontinuidade que Silva Junior (2004) avalia as

políticas de Estado e educacionais no Brasil dos anos 1990. Fazendo um breve resgate da

história recente do Brasil, mais precisamente da redemocratização pós-Ditadura Militar aos

dias atuais, percebe-se que As políticas públicas para o social, com destaque para a educação, outrora de demanda da sociedade civil, tornaram-se políticas de oferta assentadas num orçamento orientado pelas agências multilaterais e por um Congresso Nacional fisiológico, fato possível dada a reforma do Estado [...]. A forma atual do capitalismo brasileiro produziu uma regulação social que busca a “nova institucionalidade” assentada na busca do consenso entre antagônicos por meio de política de negociação, submetida à política econômica assumida desde o início da década de 1990 (2004, p. 15).

Segundo Shiroma (2007), para se legitimar as reformas, os governos dos anos

1990: [...] não se constrangem em se apropriar e inverter, sem mais, o rico consenso que educadores brasileiros construíram sobre pontos básicos da educação brasileira, na luta pela democratização do país, nas décadas de 1970 e 1980. Estudos, reflexões, debates – e embates -, exercidos em tantos e múltiplos fóruns nacionais, proporcionaram a sua efetivação. Agora, porém, a forma de estabelecer o consenso é

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outra, distante dos fóruns democráticos e do debate público com os principais interessados (p. 11).

Como podemos ver, as Escolas Estaduais de Educação Profissional do Ceará vêm

desde sua gênese atreladas ao que se convencionou chamar de empresariamento da educação,

formulada pelos reformadores empresariais. O interesse por detrás do discurso escamoteado

de “colaboradores sociais” preocupados com o futuro dos jovens, de forma resumida, é:

aviltar a gestão pública; exercer um maior controle sob a educação, inserindo-a na lógica

mercantil e tornando-a também um nicho de mercado bastante promissor; e formar força de

trabalho condizente às novas necessidade de acumulação capitalista.

Tal modelo agrava ainda mais o dualismo educacional: educação profissional e

geral minimalista para os filhos da classe trabalhadora e educação ilustrada para as classes

dirigentes. No âmbito da cultura escolar, a transposição da lógica empresarial é nefasta;

perde-se a autonomia pedagógica e a possibilidade de uma gestão verdadeiramente

democrática. Pensado na perspectiva da formação de sujeitos, a educação escolar pautada

neste modelo empresarial, além de agravar o nível de estranhamento global, fomenta uma

moral espúria e conservadora aos reais interesses da classe trabalhadora (PARO, 1999).

2.3 A escola e o dualismo educacional

Pretendemos, pois, avançar na exposição para compreendermos se a proposta de

integração do ensino médio à educação profissional avança em algum sentido na formação do

sujeito revolucionário, ou até mesmo no sistema educacional no intuito de superar o dualismo

educacional, como o querem alguns autores, como Ciavatta, Ramos e Frigotto (2005; s/d).

Sobre a concepção do documento apresentado no primeiro capítulo, o qual relata a

experiência das escolas profissionalizantes de Pernambuco, a escola teria por finalidade

socializar o conhecimento formal, este por sua vez implicaria “sempre sistematização de

informações, a formação de conceitos e a aplicação do conhecimento para a solução de

problemas” (MAGALHÃES, 2008, p.46). A educação escolar é dita essencial uma vez que “a

aprendizagem dos conhecimentos escolares tem um papel imprescindível na formação das

categorias de pensamento que levam ao discernimento, à capacidade de análise, categorização

de informações, a percepções e idéias” (p. 48).

A escola, comumente associada ao trabalho intelectual, sobrestima a

“intelectualidade”. Na vida, relacionamo-nos com coisas, pessoas e dados recorrentes destas

relações. Nas escolas, estabelecemos relações mais com pessoas e dados do que com coisas. A

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38 escola ensina crianças e jovens a manejar informações e a se conectar com pessoas. A

aprendizagem da relação com as coisas é uma função secundária. Assim, confunde-se esta

educação comportamental, de caráter informacional, com uma educação voltada ao

conhecimento de caráter crítico. (ENGUITA, 1989)

A escola reproduz sob múltiplas formas a divisão do trabalho imperante na

sociedade. A mais elementar destas, embora a não mais importante, é sua própria divisão

interna – entre o ensino acadêmico e o ensino profissional; a educação geral e a específica. A

especialização predomina, sobretudo no ensino acadêmico pós-obrigatório e no ensino

profissional (aprender cada vez mais sobre cada vez menos). A “especialização estreita é um

obstáculo quase intransponível para a percepção e a compreensão de conjunto dos processos

sociais e produtivos” (ENGUITA, 1989, p. 200). A contradição entre a crescente universalização do processo de produção capitalista e a crescente, absoluta e relativamente unilateralidade do trabalho do operário individual, encontra seu correspondente educacional na contraposição entre a universalidade do saber e a unilateralidade das unidades nas quais ele é transmitido. À medida que os campos da produção e o saber se ampliam, os do trabalho e da aprendizagem se estreitam. O trabalhador especializado enfrenta a organização global do processo produtivo como algo cuja unidade reside fora do próprio processo, visível apenas para quem o organiza, para o capital; enfrenta-o como algo dado, pré-determinado, que goza de legitimidade do fato dado e torna-se difícil questionar. Analogamente, a unidade do saber só existe para o estudante como algo alheio, como uma suposição supostamente encarnada em sua organização curricular; supõe-se que o saber transmitido é o que merece sê-lo simplesmente porque está precisamente ali, isto é, porque é o saber escolhido e organizado pela instituição delegada e legitimada pela sociedade para isto, a escola. A posição do aluno diante do saber e diante da relação em que se colocou com ele é tão contemplativa e passiva como a do trabalhador diante da produção social e do lugar que nela se lhe atribuiu (ENGUITA, 1989, p. 200).

O papel mais importante da escola na reprodução da divisão do trabalho é o

aspecto mais preciso desta: a cisão entre o trabalho manual e o intelectual. Vale aqui colocar

que até mesmo o trabalho mais rotineiro requer o emprego de faculdades mentais, assim como

o mais espiritual dos trabalhos intelectuais inclui atividades práticas. Todo ramo de formação

profissional compreende algum tipo de ensino teórico.

Esta cisão está claramente presente na organização curricular: compartimentação

dos conhecimentos e habilidades em matérias e divisão entre teoria e prática. As matérias

teóricas têm derivações práticas, mas para encontrá-las deve-se apelar para a vida econômica

e social fora da escola. As atividades práticas obedecem a um plano, a considerações teóricas.

“O que a escola faz, na melhor das hipóteses, é combinar muitas doses de teoria sem prática

com algumas de prática sem teoria” (ENGUITA, 1989, p. 201).

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A formação extremamente especializada dos professores e o falso generalismo

dos professores primários demostram ser um produto de uma formação que, como a de seus

alunos, não é mais do que uma soma de fragmentos dispersos. A interdisciplinaridade é uma

fraca arma dentre os bons propósitos de alguns professores contra a alienação generalizada,

criada nas bases materiais da vida moderna.

Em lugar de uma formação e uma atividade integrais [os alunos] encontram-se diante da situação de ter que decidir entre uma teoria irrelevante e uma prática carente de significado, isto é, entre duas opções simetricamente parciais e unilaterais (ENGUITA, 1989, p. 202).

Ao analisar as mudanças operadas na relação trabalho-educação, Kuenzer (2002)

afirma estarmos caminhando para a polivalência, que significaria a ampliação da capacidade

do trabalhador aplicar novas tecnologias sem que haja uma mudança qualitativa desta

capacidade, através de uma “racionalização formalista com fins instrumentais e pragmáticos

calcada no princípio positivista da soma das partes” (p. 88).

Em oposição, consequentemente, afastar-nos-íamos da politecnia, entendida como

o domínio intelectual da técnica, que exigiria mais do que a soma das partes, mas a

articulação da totalidade, ultrapassando a aparência dos fenômenos. Isso possibilitaria a real

construção do novo, implicando formas de pensamento mais abstratas e críticas, assim como

autonomia ética e intelectual, libertando o sujeito para a criatividade e o devir.

Marx (s\d), ao priorizar o proletariado como agente da revolução social que

eliminaria a exploração de classe, sinaliza a necessidade de esse elevar sua formação e de toda

a sociedade acima da divisão existente entre o trabalho manual e intelectual que, na

sociabilidade do capital, toma seu ápice produzindo “fragmentos humanos”. A politecnica

(que une o trabalho manual ao intelectual) favoreceria a rotatividade na produção, abolindo,

assim, o fenômeno da especialização, ao mesmo tempo em que fortaleceria as capacidades

criativas do homem. Ela deve ser buscada dentre as contradições da sociedade burguesa,

porém só se realizaria plenamente sob outras bases econômicas, pautadas na associação do

trabalhador livre.

Chamamos atenção a esta longa, mas brilhante passagem de Benjamin ao falar da

educação das massas, da educação na luta de classes e dos aspectos da especialização e

universalização do trabalho, para afirmar que a educação profissional, na verdade, caminha na

dimensão oposta, e não ao encontro da politecnia. Educação é função da luta de classes, mas não apenas isso. Ela coloca, segundo o credo comunista, a avaliação completa do meio social dado a serviço de metas revolucionária. Mas como esse meio social não é apenas lutas, mas também

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trabalho, a educação apresenta-se ao mesmo tempo como educação revolucionária do trabalho. [...] Durante a era de Lênin teve lugar na Rússia a significativa discussão a respeito de formação monotécnica ou politécnica. Especialização ou universalismo do trabalho? A resposta do marxismo proclama: universalismo! Apenas quando o homem vivencia as mais diferenciadas transformações do meio social, apenas ao mobilizar sempre de novo, em cada novo meio, as suas energias, colocando-se a serviço da classe, apenas assim ele atinge aquela disposição universal para a ação, a qual o programa comunista contrapõe àquilo que Lênin chamou de “o traço mais repugnante da velha sociedade burguesa”: a dissociação entre prática e teoria. A ousada e imprevisível política dos russos em relação à mão de obra é inteiramente o produto desse novo universalismo, não contemplativo e humanista, mas ativo e prático: o universalismo da disposição imediata. A incalculável possibilidade de aproveitamento da pura força de trabalho humano, possibilidade que a todo momento o capital traz à consciência do explorado, retorna em estágio superior, enquanto formação politécnica do homem, em oposição à especializada. São princípios fundamentais da educação das massas, cuja fecundidade para educação dos jovens se pode apalpar com as mãos. (BENJAMIN, 2009, p.123)

As palavras do autor resgatam, assim, as indicações teóricas de Marx à educação,

reivindicando o seu caráter universal como forma de tornar plenas as possibilidades de

sociabilidade dos homens, a partir de um modelo educativo que contemple uma pluralidade de

saberes que se conecte às necessidades coletivas do conjunto da humanidade.

2.4 A atualidade da proposta educativa de Marx

Ao nosso entender, a proposta educativa de Marx vislumbra a integração do

sujeito amputado, fragmentado e dilacerado pela atividade produtiva do capital, combatendo

aquilo que “Lenin chamou de o ‘traço mais repugnante da velha sociedade burguesa’: a

dissociação entre prática e teoria” (BENJAMIN, 2009, p.123).

Durante a segunda metade do século XIX, quando o capitalismo apresentava

ainda suas formas mais selvagens e visíveis de acumulação (Primeira Revolução Industrial), o

uso da força de trabalho de crianças era muito bem-vista pelos industriais, e o nível de

instruções dessas crianças e da classe trabalhadora em geral era mínimo ou inexistente. Eis o

que escreve Engels sobre o grau de instrução dos trabalhadores da Inglaterra: Se a burguesia só lhes deixa na vida o estritamente necessário, não devemos nos espantar ao constatar que ela só lhes concede a dose de cultura que o seu próprio interesse exige; o que não é muito, na realidade. Comparados a população, as verbas para a instrução são incrivelmente baixas. Os raros cursos que funcionam durante a semana e que estão à disposição da classe trabalhadora só podem ser freqüentados por um público extremamente reduzido e, ainda por cima, não valem nada. Os mestres – operários aposentados ou pessoas inválidas para o trabalho que se tornam professores para ganharem a vida – não possuem, na sua grande maioria, nem os conhecimentos mais rudimentares; são desprovidos dessa formação moral tão necessária ao mestre, e não existe qualquer controle público sobre esses cursos [...] a burguesia tem pouco a esperar e muito a temer da formação intelectual do operário (ENGELS apud NOGUEIRA,1993, p. 71).

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Uma certa atualidade no que foi escrito por Engels não deve nos espantar. Como

bem considerou Harvey10, o capitalismo recua em alguns de seus progressos históricos,

principalmente no que concerne aos direitos democráticos dos trabalhadores – entre eles, a

bandeira de uma educação pública, gratuita e de qualidade. Harvey faz um paralelo na história

do capitalismo clássico, do Livro I de O’ Capital de Marx, no qual este descreve alguns

princípios da produção capitalista em uma de suas fases mais selvagens, quando havia pouca

ou quase nenhuma legislação e regulação que protegesse de algum modo a classe laboriosa. Já

no Livro II de O’ Capital, Marx reconhece uma necessária contenção do caráter predatório do

sistema, que destrói sua fonte de riqueza, a classe trabalhadora, junto às necessidades de

consumo e reprodução desta. Assim, Harvey faz um paralelo que demonstra que o Livro I está

mais relacionado aos primórdios do capitalismo, enquanto o Livro II reflete, por exemplo, a

fase do fordismo-keynesianismo, na qual algumas concessões foram cedidas à classe

trabalhadora.

Hoje, principalmente com o elevado uso do crédito (que pode antecipar o

consumo e a reprodução dos trabalhadores sem, contudo, haver ganho real de salários), o

capitalismo resolve, de certo modo, o problema do consumo e pode voltar aos níveis de

exploração descritos no Livro I, dispondo de um enorme excedente populacional e do

consentimento da “barbárie honesta”, outorgada por todo o aparato legitimador do capital

(Direito, Estado, etc.).

Desse modo, observamos uma “reedição” do trabalho infantil, escravo, de longas

jornadas e a retirada de direitos. No mesmo sentido, vemos a educação retrocedendo em suas

conquistas democráticas.

Na divisão manufatureira do trabalho, um ser humano, com todas as suas

faculdades e por toda a sua vida, fica prisioneiro a uma tarefa parcial. Já na forma capitalista

da indústria moderna, o trabalhador se transforma no acessório consciente de uma máquina

parcial. Nos velhos sistemas de manufatura e artesanato, os aprendizes evoluíam

gradativamente das tarefas mais fáceis para as mais complexas. Saber ler, escrever e contar

eram exigência para certos ofícios. Para o trabalho na indústria moderna, a criança não

precisava de nenhum treino intelectual e, neste mesmo trabalho, não havia margem para o

emprego de nenhuma habilidade e nem de discernimento. As crianças iam se brutalizando

neste processo produtivo e, quando ficavam velhas para o trabalho fabril, muitas vezes

entravam na delinquência. Algumas tentativas para arranjar-lhes ocupação noutras atividades

10 Palestra proferida na Reitoria da Universidade Federal do Ceará, dia 17 de Novembro de 2014.

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42 fracassavam diante da sua ignorância, brutalização e degradação física e espiritual (MARX,

2012).

As formas de produção anteriores à indústria moderna tinham um “mistério” por

detrás de seus ofícios, assim como a cristalização de suas técnicas demorava muito a ser

modificada; o tempo para aprender esses ofícios também era arrastado. Já a indústria moderna

rasga o véu deste mistério da produção e precisa constantemente revolucionar sua base

técnica; com isto, modifica continuamente as funções dos trabalhadores e as combinações

sociais do processo de trabalho. As coisas se tornam obsoletas antes mesmo de se

cristalizarem. A variação do trabalho, isto é, a fluidez das funções, exige a mobilidade do

trabalhador em todos os sentidos. A velha divisão do trabalho continua; esta contradição

elimina toda a tranquilidade, a solidez e a segurança do trabalhador (MARX, 2012).

Contudo, Marx (2012) já afirmava que a indústria moderna, com suas catástrofes,

torna questão de vida ou morte reconhecer como lei geral e social da produção a variação dos

trabalhadores, e adaptar as condições à efetivação normal dessa lei. O autor assinalava, em

pleno século XIX, que a própria burguesia reconhecia a necessidade de substituir a

monstruosidade de uma população operária miserável, disponível, mantida em reserva para as

necessidades flutuantes da exploração capitalista, pela disponibilidade absoluta do ser humano

para as necessidades variáveis do trabalho; substituir o indivíduo parcial, mero fragmento

humano que repete sempre uma operação parcial, pelo indivíduo integralmente desenvolvido,

para o qual as diferentes funções sociais não passariam de formas diferentes e sucessivas de

sua atividade. Marx sustenta ainda que seria uma conquista política dos trabalhadores uma

educação que relacionasse educação tecnológica (teórica-prática), intelectual e ginástica,

levando em conta, porém, que no mando do capital esses fermentos da transformação social,

junto às conquistas econômicas e políticas dos trabalhadores e a eliminação da velha divisão

do trabalho, se opõem à própria lógica capitalista. Mesmo assim, reforça que o

desenvolvimento das contradições de uma forma histórica de produção é o único caminho de

sua dissolução e do estabelecimento de uma nova forma. Apesar da aparência mesquinha que apresentam em seu conjunto, as disposições da lei fabril [inglesa de 1864] relativas à educação fizeram da instrução primária condição indispensável para o emprego de crianças. Seu sucesso demonstrou, antes de tudo, a possibilidade de conjugar educação e ginástica com o trabalho manual, e, conseqüentemente, o trabalho manual com educação e ginástica. Os inspetores de fábrica logo descobriram, através dos depoimentos dos mestres-escolas, que as crianças empregadas nas fábricas, embora só tivessem meia freqüência escolar, aprendiam tanto e muitas vezes mais que os alunos regulares que tinham a freqüência diária integral (MARX, 2012, p. 547).

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Marx (2012) conferia que o dia escolar prolongado, monótono e improdutivo para

crianças das classes mais abastadas aumentava em vão o trabalho do professor, assim como

desprezava a saúde, o tempo e a energia das crianças. Desse modo, concluía que Do sistema fabril brotou o germe da educação do futuro, que conjugará o trabalho produtivo de todos os meninos além de uma certa idade com o ensino e a ginástica, constituindo-se um método de elevar a produção social e em único meio de produzir seres humanos plenamente desenvolvidos (MARX, 2012, p. 548).

Apesar de compreender os limites da ordem burguesa, Marx parece conceber um

progresso, em comparação aos outros modos de produção, na educação da classe trabalhadora

na medida em que esta abriria portas para um sistema educacional mais elevado e completo na

formação de um ser humano integral. Sabemos, porém, que esta educação que conjuga

trabalho produtivo, ensino e ginástica, como afirma Jimenez (2001), por mais simples e básica

que pareça, “essa ‘receita’ jamais veio a se efetivar em nossa sociedade”.

Marx, com sua proposta de trabalho produtivo remunerado para os jovens,

conjugado com educação intelectual, física e tecnológica, consegue captar as contradições do

processo produtivo capitalista a favor de aprofundar as características próprias do

proletariado, como “o homem novo” que já existe (MAZZOTTI, 2001).

Para Marx, era claro que o trabalho assalariado para os filhos dos trabalhadores

não era questão de escolha, e sim de necessidade11. O autor também afirma que, apesar do

degradante trabalho infantil e feminino, essas são bases para uma formação superior da

família e da relação entre os sexos, ao tornar possível a negação, com base numa equidade

econômica, do patriarcado (MARX, 2012), retirar da esfera privada e elevar a discussão

pública questões como o direito da criança e a desigualdade de gênero. É por isso que Marx

defende a regulamentação do trabalho juvenil, e não sua abolição. Esse contato com o mundo

da produção capitalista seria educativo aos jovens no sentido de apreenderem as relações de

trabalho (divisão social, exploração de classe, etc); a luta dos trabalhadores (greve, partido,

sindicato); enfim, a contradição trabalho e capital. Isso tudo nos parece mais formador do que

extrair algo educativo da alienante atividade do trabalho na forma social do capital. Mesmo aí,

podemos sim dizer que há um princípio educativo do trabalho, pois a alienação é o

pressuposto para desalienação, dado que a alienação não é um processo findável, mas um

11 Não é forçoso para nós crer que a motivação central da procura das EEEPs seja também a necessidade de ingresso mais rápido ao mercado de trabalho, dada às necessidades materiais de nossos estudantes. O trabalho assalariado é compreendido como o passaporte para a sobrevivência, numa sociedade esteirada em relações socioeconômicas profundamente desiguais.

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44 mecanismo que deve ser acionado, pelo sociometabolismo do capital, a todo instante na práxis

produtiva e cotidiana.

Para amenizar o caráter degradante da divisão do trabalho, residiria a ideia de

educação tecnológica. Por isso, Marx a defende na Crítica ao Programa de Gotha (2004). Já a

educação intelectual amenizaria a divisão social do trabalho em que uns pensam e comandam

e outros executam. A atividade física também atenuaria a degradação do corpo, tornando os

jovens trabalhadores mais fortes e saudáveis. Uma geração assim educada demonstraria um

grande progresso no desenvolvimento histórico.

Contudo, Marx nunca defendeu uma educação profissional. Pelo contrário, esta

sempre foi duramente criticada por boa parte da tradição marxista. Até mesmo a palavra-

conceito de politecnia foi questionada por Manacorda (2007) e Nosella (2007) por se

assemelhar ao pluriprofissionalismo, diferentemente de educação tecnológica, que implicaria

a união teoria e prática. Mas para além das questões semânticas, o que fica é o cuidado em

não defender e confundir uma educação profissional de caráter burguês com a luta por uma

educação politécnica de interesse proletário.

Mazzotti (2001) diferencia a proposta educacional de Marx da proposta de escola

única do trabalho. Para Mazzotti, a escola única do trabalho, ou escola politécnica, era uma

posição da social-democracia alemã no período da Segunda Internacional. Tal proposta seria

uma condição para a formação do “homem novo” demandado pela sociedade socialista. Já

para Marx o homem novo já existia, era o proletariado, sendo necessário libertá-lo do trabalho assalariado, tendo por medida imediata a redução da jornada de trabalho, pois o tempo é condição para o desenvolvimento humano. [...] No mesmo movimento, requereria a regulamentação do trabalho das mulheres, crianças e jovens de ambos os sexos, neste último caso combinando-a com a educação escolar. (MAZZOTTI, 2001, p.51)

A ideia de Marx em conjugar trabalho produtivo com educação intelectual,

tecnológica e ginástica, parece realmente divergir da ideia de escola única do trabalho, que

baseia-se apenas no conceito de trabalho genérico. Marx se apoia na contradição do trabalho

capitalista e no movimento político do trabalhador (MAZZOTTI, 2001), ou como insiste

Sousa Junior (2012), no amplo conjunto da práxis político-educativa, no qual escola e

trabalho são um dos momentos na luta por uma vida digna, contraria à imposta pelo capital.

A relação trabalho e educação é fecunda e polêmica. Ela perpassa o princípio

educativo do trabalho como atividade vital do homem, que produz o mundo à sua volta e,

neste movimento, produz/forma/educa a si mesmo. Este mesmo processo se constitui até

nossos dias, mas dada as contradições do trabalho sob a égide do capital, compreender suas

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45 variações torna-se imprescindível para a tarefa histórica de libertar a humanidade deste poder

dominador e fetichista.

É no intuito de alertar para o caráter degradante e deformador do trabalho na

forma social do capital que Tumolo (2005) o recusa como princípio educativo. A política

educacional voltada para as Escolas Estaduais de Educação Profissional do Estado do Ceará,

assim como a política educacional de alguns sindicatos como a CUT – Central Única dos

Trabalhadores, e de movimentos sociais, como o MST- Movimento dos Trabalhadores sem

Terra, como cita Tumolo (op. cit.), se fundamenta no trabalho como princípio educativo,

condizente com os interesses da burguesia.

Contudo, exigir um programa educacional superior ao da burguesia é também agir

dentro de suas contradições. Assim pensa Marx ao analisar o movimento histórico da luta de

classes. Tendo em vista o aprofundamento das características do sujeito revolucionário

proletário é que este propõe a conjunção de trabalho produtivo com educação intelectual,

tecnológica e ginástica.

Ao nosso ver, ao propor trabalho produtivo, regulamentado para crianças de certa

idade e unido à educação intelectual, Marx percebe o caráter contraditório do trabalho no

capitalismo que, ao mesmo tempo que deforma ao nível da divisão social do trabalho, também

põe o trabalhador em luta. Daí, podemos deduzir que diferente do que diz Tumolo (Idem), o

trabalho como princípio educativo tem validade desde que regulamentado e conjugado com

educação intelectual.

Para Mazzotti (2001), esta proposta se diferencia da escola única do trabalho, que

leva em consideração apenas o trabalho como conceito genérico e que, numa visão quase

“culturalista”, perde de vista a luta econômica e política dos trabalhadores.

3 - CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS INFLUXOS SOBRE A EDUCAÇÃO

PROFISSIONALIZANTE

[...] será que escola primária e profissionalizante, militarismo e Igreja, associações de juventude [...] seriam em sua função oculta e exata, outra coisa senão instrumentos de uma instrução antiproletária dos proletários? A essas instituições contrapõe-se a educação comunista, seguramente não de maneira defensiva, mas sim enquanto uma função da luta de classes. Da luta de classes pelas crianças, as quais lhe pertencem e para as quais a classe existe.” (BENJAMIN, 2009).

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46

Neste capítulo, buscamos refletir o que significa a defesa indevida ou equivocada

do trabalho como princípio educativo, sobretudo na forma de educação profissional, sob a

égide do capital, da luta de classes e das mudanças recentes no sociometabolismo capitalista.

As recentes defesas de uma educação profissional integrada à educação geral por

parte de alguns autores, como Frigotto, Ciavata, Ramos (2005; s/d), que se fundamentam em

categorias e análises marxianas, constitui uma das nossas motivações, além das próprias

implicações do próprio objeto de pesquisa, em analisar o que significa a proposta marxiana de

educação integral para a classe trabalhadora e a proposta de educação geral integrada à

profissional, típica das EEEPs sob as implicações da atual acumulação flexível.

3.1 Para uma crítica radical da educação profissional

Esta seção pretende situar a educação profissional no debate sobre o trabalho

como princípio educativo. Tendo em vista o empresariamento da educação, o trabalho na

forma social do capital e sua articulação com as EEEPs, consideramos inviável a defesa à

educação profissional nos moldes em que ela se apresenta, sobretudo no atual contexto de

capitalismo dependente e sob a nova divisão internacional do trabalho, na qual o Brasil se

situa. Para tanto, inicialmente travamos um diálogo com alguns autores nacionais, trazendo à

tona a problemática das Escolas Estaduais de Educação Profissional do Estado do Ceará.

A relação que envolve trabalho e educação é ampla e controversa. Pretendemos

adentrar no seio de uma querela que, por conta da própria contradição da realidade, está longe

de se encerrar e, ao mesmo tempo, toma uma relevância histórica particular.

O debate sobre as Escolas de Ensino Médio Profissionalizante pensado numa

perspectiva revolucionária, ou até mesmo progressista, nos traz duas grandes questões. A

primeira, a proposta educacional das EEEPs está centrada numa contradição latente da relação

trabalho e educação no cerne da sociabilidade capitalista: a necessidade do modo de produção

capitalista oferecer educação à classe trabalhadora para assim garantir sua reprodução; e a

necessidade que a classe trabalhadora tem de uma educação que a permita não apenas

dominar o processo produtivo material, mas também espiritual de sua época, movimento

apenas inicial, contudo imprescindível para uma revolução social. Uma proposta educacional

condizente aos interesses revolucionários da classe trabalhadora indubitavelmente nasce das

contradições capitalistas. Esta é a luta de classes no interior da formação do trabalhador.

Tendo em vista esta contradição, Marx propõe um programa educacional que, como bem

expõe Mazzotti (2001), interessa apenas à classe trabalhadora, para assim aprofundar suas

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47 características particulares de classe revolucionária ou, em outras palavras, percorrer o

caminho de classe em si à classe para si.

O segundo motivo corresponde ao fato de as EEEPs pretensamente “conjugarem”

educação geral, profissional e trabalho produtivo remunerado. Como bem veremos, este

projeto vem atender alguns dos vários interesses da burguesia na formação de força de

trabalho juvenil e, como observamos no primeiro capítulo, determinar de forma incisiva o

ramo educacional. Contudo, é certo que essa modalidade educacional, por levantar mesmo ao

nível da aparência contradições como a descrita acima, torna viável a crítica radical e

qualificada da educação burguesa ao nível amplo da sociedade. A burguesia, em sua limitação

histórica, levanta bandeiras de universalização as quais não pode efetivar, sabotando a classe

trabalhadora com seu amaneirado discurso democrático e com suas ações dominadoras e

opressoras.

Com algumas variações, Tumolo (2005) elabora uma recusa ao trabalho como

princípio educativo, assim como Mazzotti (2001) que, rejeitando mais precisamente “a

educação pelo trabalho, ou a educação com base no trabalho como princípio educativo”12 (p.

62), parte da mesma crítica: os que defendem este princípio os fazem com base na categoria

de trabalho genérico (trabalho concreto, criador de valores de uso) de Marx, não dispondo de

uma rigorosa atenção para a problemática deste princípio na forma capitalista de trabalho.

Tumollo (2005) parece rejeitar o “trabalho como princípio educativo” tendo em

vista que alguns autores conhecidos, como Saviani e Frigotto, o defendem com base no

conceito de trabalho genérico de Marx, e não com base no seu conceito de trabalho na forma

social do capital. Isso acarreta outras consequências, principalmente para as organizações dos

trabalhadores, como a CUT – Central única dos Trabalhadores, que defende o trabalho como

principio educativo, muitas vezes sob a forma de educação profissional, e o Movimento dos

Trabalhadores Rurais sem Terra – MST.

Mazzotti (2001; 1991) já faz uma crítica aos “pedagogos marxistas”, referindo-se

aos “teóricos da educação que reivindicam certa herança marxista, a que foi restaurada no

final da década de 1960: a gramsciana” (p.52, 2001) e fazendo também alusão a Saviani, pois

afirma ser o ensino centrado no trabalho, ou a escola única do trabalho ou politécnica, uma

12 Tumolo (2005), em seu texto O trabalho na forma social do capital e o trabalho como princípio educativo: uma articulação possível?, parece rejeitar veemente o trabalho como princípio educativo na proposta de uma estratégia político-educativa que tenha uma perspectiva emancipatória. Já Mazzotti (2001), em seu texto Educação da classe trabalhadora: Marx contra os pedagogos marxistas, não expõe explicitamente uma recusa ao trabalho como princípio educativo, pois relembra e defende as proposições de Marx para a educação do trabalhador que perpassa o trabalho. Em contrapartida, o que nos parece diferente, este rejeita a ideia de escola única politécnica, da educação e do ensino, centrada no trabalho.

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48 proposta contrária à de Marx, demonstrando ser aquela uma “posição da Social-democracia

alemã, no período da Segunda Internacional, e que esta se fez em oposição às ideias de Marx”

(MAZZOTTI, p.51, 2001). Para este autor, a social-democracia alemã concentra-se

precisamente nas reformas como meio de se atingir uma sociedade socialista, na qual a escola

única do trabalho prepararia o “novo homem” para a “nova sociedade”, tirando de vista,

assim, o movimento político mais amplo dos trabalhadores, mais precisamente a redução da

jornada de trabalho.

Já Lessa (2011) apresenta sua recusa ao trabalho como princípio educativo com

base na negação do postulado teórico de Saviani, em nível ontológico ou como fato

existencial, diferenciando-se dos dois autores acima, que concentram sua recusa ao princípio

pedagógico13. Contudo, Lessa igualmente revela uma preocupação com os rumos de uma

proposta educacional emancipatória para classe trabalhadora e, consequentemente, uma

atenção aos sujeitos diretamente envolvidos: educadores e classe trabalhadora.

A preocupação de Lessa reside no reconhecimento de que alguns autores

marxistas que pensam a educação, como Saviani e Frigotto, “transparecem um certo encanto

com as transformações advindas da reestruturação produtiva” (op. cit. p.120). Lessa conclui

que Saviani encerra ilusões ao considerar que a passagem, mediada pela transferência do

conhecimento como “meio de produção”, do operário taylorizado do fordismo para o

trabalhador flexível de algum modo nos auxiliaria na condução ao comunismo. Para Saviani

apud Lessa (op. cit. p.121), essa exigência do próprio desenvolvimento do processo produtivo

seria uma tendência que o próprio empresariado concedia ao trabalhador. O fato de alguns dos mais significativos pedagogos de esquerda terem aderido a estas teses tornou aos educadores mais complicada e difícil a percepção da essência das transformações em curso: a passagem a um patamar mais elevado de extração de mais-valia, uma intensificação dos processos alienantes oriundos do capital. (LESSA, 2011, p.121)

Sousa Junior (s/d), por sua vez, ao defender a validade do princípio educativo do

trabalho14 observa que a recusa de Lessa, fundamentada apenas na crítica pela negação do

13 A expressão ‘trabalho e educação’ pode indicar um fato existêncial e um princípio pedagógico. O fato existêncial refere-se à intima relação entre o trabalho e a educação, que sempre ocorreu na história, pois desde que o homem é homem existe reciprocidade entre as atividades voltadas para a sobrevivência humana e as formadoras da sua personalidade, valores, hábitos, gostos, habilidades, competências etc. Enquanto princípio pedagógico, no entanto, o trabalho como fundamento da educação tornou-se tema importante para os pedagogos e eixo principal da teoria educacional marxista a partir do surgimento da indústria e do aparecimento dos movimentos socialistas (NOSELLA, 2007, p.138). 14 Este mesmo autor se utiliza de uma nota de rodapé para diferenciar o principio educativo do trabalho, definido na citação acima e o trabalho como principio educativo, que seria entendido como « a utilização da experiência do/no trabalho como fundamento de uma proposta pedagógica.», e continua: « A distinção entre os dois

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49 postulado teórico de Saviani, desmerece este princípio como uma qualidade inerente à

atividade vital: “primeira das formas de objetivação humana, operada pelo ser social em

intercâmbio com a natureza para a produção e reprodução da sua existência – de

formar/transformar/educar, enfim, tornar o ser social enquanto tal” (SOUSA JUNIOR, s/d,

p.1).

Ao tecer críticas também à recusa do princípio educativo do trabalho de Tumolo –

que, como resumimos acima, o refuta por considerá-lo negatividade na forma social do

capital, tornando-o assim inválido para qualquer proposta de emancipação –, Sousa Júnior

(s/d) relembra seu caráter contraditório que, ao mesmo tempo que aliena e deforma os

sujeitos, funda em si a possibilidade da emancipação social.

2.1.1 O Trabalho na forma social do capital e as Escolas Estaduais de Educação

Profissional

O trabalho e a educação, contextualizados na forma social capitalista, ganham

variações altamente relevantes e não perdem seu caráter ontológico e universal, mas sofrem

metamorfoses.

A educação da classe laboriosa é problemática e contraditória desde sua gênese. A

necessidade de uma educação escolar, sistematizada e em massa para a classe despossuída dos

meios de vida, é fruto da relação trabalho e capital. A classe que detêm o capital – e por isso o

trabalho, uma vez que o trabalhador, ao vender sua força de trabalho, não é mais dono desta

força criadora de valores e riquezas – deve subjugar a classe trabalhadora para assim manter

as relações de poder vigente. A sociedade burguesa moderna, surgida das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classes. Nada mais fez que substituir as antigas por novas classes, por novas condições de opressão, por novas formas de luta. Entretanto, nossa época, a época da burguesia, se distingue por ter simplificado os antagonismos de classes. A sociedade se divide cada vez mais em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado (MARX, s\d, p. 48).

No modo de produção capitalista – dominante de um período histórico, o trabalho,

ao assumir a forma de trabalho assalariado, é estranhado em quatro aspectos: 1) o trabalhador

não é mais detentor do produto de seu trabalho, sendo este produto estranho e hostil a ele; 2) o

princípios não será discutida aqui primeiro por que a afirmação do trabalho como princípio educativo só é possível a partir da afirmação do princípio educativo do trabalho; e, depois, porque nas citadas recusas (de Lessa e de Tumolo) aquela distinção é ignorada» (SOUSA JUNIOR, s/d, p.1)

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50 trabalhador não controla mais o processo do seu trabalho, que passa a ser determinado por

razões externas, em relação ao ritmo, ao que e como produzir, à ocupação fragmentada, que

toma proporções degradantes das forças físicas e mentais dos trabalhadores na manufatura e

na grande indústria; 3) alienação da natureza humana, pois o trabalho, categoria fundante do

homem, o deforma em vez de o formar, sendo esse homem estranho ao seu próprio gênero; 4)

e, por fim, a alienação do homem pelo homem – ao estranhar a si próprio, o homem estranha

os demais; uns produzem objetos que pertencem a outros, que se apropriam do objeto do

trabalho de outrem (MARX, 2006).

Tumolo (2005), ao recusar o trabalho como princípio educativo como proposta de

interesse dos explorados, fundamenta a tendência de tornar relativamente desnecessárias

parcelas de força de trabalho, entre outros meios de degradação que o capitalismo impõe ao

trabalho e ao trabalhador. Esse movimento ocorre devido à concorrência intercapitalista que,

por uma necessidade de diminuir o valor de produção das mercadorias, só o consegue por via

do desenvolvimento das forças produtivas, desencadeando numa maior produtividade [...] que exige, por sua vez, a utilização relativamente menor de força de trabalho, ou seja, o dispensamento tendencial desta mercadoria que entra no processo de produção como capital variável, em detrimento da crescente utilização relativa do capital constante, redundando no aumento da composição orgânica do capital e, por decorrência numa diminuição de sua taxa de acumulação. Por esta razão, e tendo em vista que há uma redução relativa do número de trabalhadores a serem explorados e uma quantidade relativamente crescente de força de trabalho dispensada, ocorre uma depreciação do valor individual da força de trabalho, provocando um arrocho salarial entre os trabalhadores que ainda continuam a ter o privilégio de vender sua força de trabalho e a ser explorados, num processo infindável e ininterrupto. O que se assiste aqui é uma dupla forma de destruição da força de trabalho. De um lado, a força de trabalho supérflua, que foi produzida pelos trabalhadores como valor de troca, mas que, não sendo valor de uso para o capital, é totalmente aniquilada, engrossando as estatísticas do desemprego [...]. De outro lado, a força de trabalho ainda aproveitada e consumida pelo capital, que, tendo em vista a diminuição de seu valor individual, não consegue reproduzir-se a não ser de forma atrofiada e débil [...]. Esses dois lados da mesma moeda, desemprego e arrocho salarial, expressam, em sua relação umbilical e orgânica, a destruição necessária da força de trabalho realizada pelo capital (TUMOLO, 2005, p.253).

Carcanholo e Amaral (2009), ao discorrerem sobre a superexploração da força de

trabalho com relação ao Exército Industrial de Reserva – EIR, chegam a conclusões

semelhantes, que se aprofundam em países de capitalismo dependente, como o Brasil. Para

esses autores, os países periféricos, por conterem mais capital variável do que capital

constante em suas atividades produtivas, produziriam mais valor e, por isso, teriam

desvantagem no mercado internacional – que, ao produzir com maior capital constante e

menor capital variável, teriam maior produtividade e, por isso, menor custo de produção.

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51 Desse modo, na média do Trabalho Socialmente Necessário na composição do valor e dos

preços, as mercadorias “periféricas” teriam seu valor excedente absorvido pelos países de

capitalismo central. Tal desvio tornaria o capitalismo periférico incompleto. A maneira pela

qual se pode compensar esse desencaminhamento é com a superexploração da força de

trabalho. Analisando o processo de constituição da economia mundial que integra as economias nacionais ao mercado global, observa-se que as relações de produção são desiguais porque o desenvolvimento de certas partes do sistema ocorre às custas do subdesenvolvimento de outras. As relações tradicionais são baseadas no controle do mercado por parte das nações hegemônicas e isto leva à transferência do excedente gerado nos países dependentes para os países dominantes, tanto na forma de lucros quanto na forma de juros, ocasionando a perda de controle dos dependentes sobre seus recursos. E a geração deste excedente não se dá, nos países periféricos, por conta da criação de níveis avançados de tecnologia, mas através da superexploração da força de trabalho (p.2).

A partir da ideia de uma educação profissional, de minimização dos conteúdos

(LEHR, 1999; JIMENEZ, 2001) e no movimento de rebaixamento do padrão de uso do

trabalho e do salário (POCHMANN, 2012), podemos afirmar que a escolarização vem (ao

contrário do que se pensa) para desvalorizar a mercadoria força de trabalho no conjunto da

classe trabalhadora, principalmente por meio da concorrência. Isso porque os futuros

trabalhadores, ou mesmo o Exercito Industrial de Reserva – EIR, estão contidos em

intermináveis cursos de formação que, na verdade, simbolizam um reajuste temporal do

capital em investimentos futuros (HARVEY, 2006). A “qualificação” em massa deste EIR, à

custa de benefícios públicos15, barateia a mercadoria força de trabalho e realiza uma pressão

cada vez maior para os trabalhadores ativos. Se o problema do fordismo era o esgotamento do fluxo de mão-de-obra, hoje, o volume crescente do EIR, pode significar, ainda assim, uma escassez relativa de trabalhadores especializados. Por isso, embora o perfil da força de trabalho demandado pelas empresas tenha sido alterado pela produção flexível, o excedente de mão-de-obra permanece como um fator importante, mesmo quando sujeito a certas restrições. A relação entre a acumulação de capital acelerada e a existência de mão-de-obra abundante não se altera pelos novos requisitos de uma força de trabalho mais qualificada, somente a repõe em outros termos, como assinala Hamphrey: “As empresas brasileiras que buscam introduzir o sistema JIT/CQT esbarram na escassez de mão-de-obra. Embora, como um todo, a oferta de mão-de-obra seja abundante, as empresas, ao adotarem os métodos japoneses, desejam empregar trabalhadores com o primeiro grau completo. No entanto, o sistema educacional não produz esse tipo de trabalhador em número suficiente”. (MENELEU, 1996, p. 99).

15 A esse respeito, merece destaque o fato de que os estágios das EEEPs são remunerados com recursos do Estado, possibilitando ao empresário receber mão-de-obra em processo de qualificação e totalmente gratuita.

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Não basta ter EIR, este EIR deve ser qualificado aos moldes da produção flexível

– para isso, as escolas devem formar esse mercado de trabalho e, nesses requisitos, as EEEPs

são expressivas.

Isto revela que mais do que “ensinando” conteúdos necessários à atividade

profissional específica (o que é acessório ao nosso ver, como bem nos mostra a carga horária

destinada ao currículo de base técnica e às chamadas atividades complementares)16, ou na

velha inculcação ideológica, o objetivo principal dessas escolas com o “princípio educativo do

trabalho” é inserir e forçar a precarização do trabalho. Na medida em que se “massifica”

certas competências para atividades de execução cada vez mais simples, o padrão de uso do

trabalho se rebaixa; no lugar de um especialista com alto nível de escolaridade, temos um

número relativo, crescente e relevante de jovens da classe trabalhadora com formação

profissional concedida pelo Estado num espaço de tempo curto. No caso das EEEPs, “arruma-

se um tempo extra”, chamando-o de “Educação de tempo integral” no ensino médio

obrigatório para formar a força de trabalho necessária ao mercado. Dentre essa formação,

temos os estagiários que, ao mesmo tempo em que se “tampa buracos” com mão de obra de

graça – pois o pagamento é feito pelo Governo do Estado, cedendo inclusive material de

segurança, sem nenhum ônus à empresa17 –, pressiona a competição dos trabalhadores e

rebaixa seus salários.

Assim, recomeça-se nivelando por baixo e flexibilizando o salário referente

àquela categoria (ou ramo de atividade) onde os futuros trabalhadores (estagiários) estavam

inseridos18.

É lógico que aqui a solução não é acabar com as escolas (menos educação escolar)

ou excluir por completo a proposta do “princípio educativo do trabalho”, mas é preciso refletir

melhor sobre os efeitos deste principio sob a égide do trabalho capitalista – e, mais ainda,

16 Segundo informações obtidas no sítio da SEDUC, a matriz curricular das EEEPs durante todo o ensino médio é composta por: formação geral (diversas disciplinas: matemática, educação física etc.), com carga horária de 2.620 horas; formação profissional (cursos técnicos), com carga horária de 800-1200 horas mais 50%-25% da carga horária destinada ao estágio; e atividades complementares (empreendedorismo, mundo do trabalho, formação cidadã, etc), com carga horária de 1.280 horas (SEDUC, 2015). 17 “Em 2014, 49 cursos técnicos ofertavam estágio curricular a 12.195 alunos. Estão envolvidas no processo de concessão de estágio, 92 escolas estaduais de educação profissional, distribuídas em 74 municípios cearenses” (SEDUC, 2015). Já os investimentos realizados pelo Estado do Ceará contabilizam de 2010 a 2015: R$ 69.497.176,65 na concessão de bolsa estágio para cada estudante no valor de R$ 400,00; R$ 1.765,807,49 na aquisição de equipamentos de proteção individual; R$ 215.337,37 em seguro obrigatório contra acidentes pessoais; fora o auxílio transporte, que não foi contabilizado. (SEDUC, 2015). 18 Pesquisa realizada pelo Fipe – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – revela que as empresas brasileiras estão pagando menos aos profissionais recém-contratados. O salário médio de admissão caiu 2% em junho de 2015 na comparação com o mês anterior, já descontada a inflação. O resultado é o segundo pior em 11 anos. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/08/desemprego-cresce-e-salario-de-admissao-cai-mostra-pesquisa.html>. Acesso em: 19/10/15.

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53 fazer uma crítica radical à educação profissional, tipicamente burguesa. Neste ponto, Lessa

tem razão ao afirmar que ilusões com esse tipo de educação ou com “tendências de

intelectualização da produção”, dada as mudanças no capitalismo contemporâneo,

obscurecem e confundem o real movimento deste: “a passagem a um patamar mais elevado de

extração de mais-valia, uma intensificação dos processos alienantes oriundos do capital”

(LESSA, 2007).

2.2 A Acumulação Flexível e seus imperativos no trabalho

A força de trabalho, como bem definiu Marx, é a parte viva da produção; é o

próprio trabalhador, são suas capacidades físicas e mentais e sua personalidade, a qual o

capital tenta controlar na forma mais condizente aos seus interesses de acumulação. É

espantoso pensar que a perda de produtividade de um dia de trabalho pode ser compensada

por outro, mas que como a força de trabalho é vida, uma vez gasta esta não volta mais. Não

podemos esquecer, é claro, que o emprego da força de trabalho é o que agrega valor ao

trabalho morto. É a extração de mais-valia e, portanto, seu controle na produção e na

reprodução é cabal para os processos de acumulação de capital, que necessitam ser sempre

crescentes.

Sendo então a acumulação capitalista o norte para a formação da força e do

mercado de trabalho, é por ela que vamos seguir. Para isso, é importante refletir sobre como a

escola vem sendo atrelada de forma tão direta aos ditames do capital. Sua função social

moderna é marcada desde seu princípio à reprodução do sistema capitalista, como bem

observaram as teorias crítico-reprodutivista19. É certo, também, que a luta de classes se insere

dentro do projeto de educação da classe trabalhadora no contexto de sua gênese20. Destarte, há

múltiplas determinação para o fenômeno do alto aparelhamento e da ligação direta dos

agentes e interesses do capital à escola, mas precisamente um dos fatores mais determinantes

foi o papel que a reprodução hoje representa no frágil equilíbrio do sistema, uma vez que para

19 Saviani (2007) assim enquadra três teorias que para ele seriam as de maior envergadura dentro das teorias crítico-reprodutivistas: a) teoria do sistema de ensino enquanto violência simbólica, de P. Bourdieu e J. C. Passeron ; b) teoria da escola enquanto Aparelho ideológico do Estado (AIE), de Althusser; c) teoria da escola dualista, de C. Baudelot e R. Establet. 20 Sousa Junior (2010) discute os debates em torno da educação da classe trabalhadora no seio da Associação Internacional dos Trabalhadores da metade para fim do século XIX. Lopes também faz uma boa discussão em torno da disputa de projetos para a educação das massas em: LOPES, Eliane Marta. Origem da educação pública: a instrução na revolução burguesa do século XVIII. Edições Loyla, 1981. Já no Brasil, os maiores embates na luta por uma educação pública de qualidade ocorreram na década de 1980, tendo Demerval Saviani e Florestan Fernandes como dois grandes militantes e teóricos desta causa.

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54 os agentes do capital só foi possível ampliar seus tentáculos sob as diversas áreas da

sociedade, incluindo a educação pública, na medida em que enfraquecia o “grande” trabalho

organizado(HARVEY, 2006). A subsunção formal do trabalho ao capital corresponderia à

posse dos meios de produção sob a tutela do capital e à necessidade do trabalho de se

submeter a todos os seus imperativos. Já a subsunção real do trabalho ao capital reforça “a

constatação de que as experiências humanas, não só as mais diretamentes vinculadas ao

mundo produtivo, mas em geral, cada vez mais se subscrevem e/ou são determinadas pelo

movimento de valorização do capital” (SOUSA JUNIOR, 2010, p. 145)

Para enfraquecer o “grande” trabalho organizado, o sindicato seria o primeiro alvo

em simultaneidade com o aumento do desemprego e, por consequência, do Exercito Industrial

de Reserva – EIR. Meneleu (1996) assevera que mais do que determinantes puramente

econômicos, a luta de classes (que também é um fator econômico, mas não somente

econômico) foi mais decisiva para o aumento do EIR do que qualquer outro.

A educação é um complexo social cuja análise não pode ser descolada da

totalidade dos fatos que regem a sociabilidade humana. A compreensão da educação

profissional necessita, assim, tomar como referência analítica os contextos político e

econômico que circundam o atual estágio do capital, particularmente a partir dos anos 1970,

período em que experimentou uma grande crise de caráter estrutural (MÉSZÁROS, 2000).

O capital passa por uma grande mudança na sua composição orgânica, nas formas

de organização de seus processos produtivos e novas formas de acumulação, o que

desencadeia uma série de problemas para a sociedade e várias mudanças no mundo do

trabalho, criando-se, segundo Antunes (2011), uma tensão no que se refere à centralidade da

categoria trabalho. Com isso, o modo de produção passa por uma enorme crise que, ao

contrário das outras, consideradas conjunturais, configura-se como estrutural, abrindo a

possibilidade para uma ruptura com a sociabilidade imposta (MESZÁROS, 2000).

Dessa crise, surge a necessidade de o modo de produção capitalista buscar

modelos de gestão e planejamento aperfeiçoados. É a partir desse momento que se dá a

intensificação e criação de uma série de propostas de gestões “democráticas”, que passam a

gerir o capitalismo desde a esfera global à esfera local, a exemplo da gestão das escolas

alinhadas aos moldes empresariais.

Levando em consideração a crise capitalista, entendemos que a educação, uma das

principais mediações sociais, é diretamente atingida neste processo. Segundo Tonet (2003,

p.5), a crise capitalista reflete na educação

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nas mais variadas formas, mas sinteticamente, em primeiro lugar, revelando a inadequação da forma anterior de educação frente às exigências do novo padrão de produção e das novas relações sociais, constatando que as teorias, os métodos, as formas, os conteúdos, as técnicas, as políticas educacionais anteriores já não permitem preparar os indivíduos para a nova realidade; em segundo lugar, levando busca, em todos os aspectos, alternativas para esta situação; em terceiro lugar, imprimindo a esta atividade, de modo cada vez mais forte, um caráter mercantil. Isto acontece porque, como consequência direta de sua crise, o capital precisa apoderar-se de um modo cada vez mais intenso, de novas áreas para investir. A educação é uma delas. Daí a intensificação do processo de privatização e de transformação desta atividade em uma simples mercadoria.

De acordo com Harvey (2005), uma das soluções temporárias do capitalismo para

fugir de suas crises seriam os ajustes espaço-temporais, ou seja, a busca de novos lugares para

investir seus capitais sobreacumulados, sobretudo na periferia do capitalismo. Esses ajustes

também se dão em investimentos a longo prazo em grandes obras infraestruturais, como

portos, aeroportos, ou mesmo em setores como a educação, que pode servir como um

investimento de capital bastante lucrativo no futuro.

Harvey tenta representar a transformação político-econômica do final do século

XX sem perder de vista as regras básicas do modo de produção capitalista, força operante e

plasmadora do atual desenvolvimento histórico.

Para captar os abundantes “[...] sinais e marcas de modificações radicais em

processos de trabalho, hábitos de consumo, configurações geográficas e geopolíticas, poderes

e práticas de Estado, etc.” (2006, p.117), esse autor se reporta à linguagem da “escola da

regulação”. De acordo com esta, os eventos citados acima (adicionado a outros mais)

correspondem a uma transição no regime de acumulação e no modo de regulamentação social

e política a ele associado. Um regime de acumulação descreve: a estabilização por um longo período, da alocação do produto líquido entre consumo e acumulação; ele implica alguma correspondência entre a transformação tanto das condições de produção como das condições de reprodução de assalariados. Um sistema particular de acumulação pode existir porque ‘seu sistema de reprodução é coerente’. O problema, no entanto, é fazer os comportamentos de todo tipo de indivíduos – capitalistas, trabalhadores, funcionários públicos, financistas, e todos as outras espécies de agentes políticos-econômicos – assumirem alguma modalidade de configuração que mantenham o regime de acumulação funcionando. Tem de haver, portanto, `uma materialização do regime de acumulação que toma a forma de normas, hábitos, leis, redes de regulamentação etc. Que garantam a unidade do processo, isto é, a consistência apropriada entre comportamentos individuais e o esquema de reprodução. Este corpo de regras e processos sociais interiorizados tem o nome de modo de regulamentação (2006, p.117).

Ao prender nossa atenção nas complexas inter-relações que envolvem hábitos,

práticas políticas, econômicas e culturais, esse tipo de linguagem é útil para nossos

propósitos, pois situa nosso objeto de pesquisa dentro de um sistema capitalista altamente

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56 dinâmico e instável, mas que, ao mesmo tempo, necessita funcionar de modo coerente por um

período de tempo para tornar possível a acumulação.

Para Harvey, há duas grandes áreas de dificuldades num sistema econômico

capitalista que devem ser negociadas com sucesso para mantê-lo viável. A primeira refere-se

aos mercados de fixação de preços, dificuldade decorrente das qualidades anárquicas deste

próprio mercado. A segunda, que nos interessa mais de perto, advém da “necessidade de

exercer suficiente controle sobre o emprego da força de trabalho para garantir a adição de

valor na produção e, portanto, lucros positivos para o maior número possível de capitalistas”

(Harvey, 2005, p.118).

Desse modo, o autor aceita a visão de que o longo período de expansão pós-guerra

(1945 a 1973) “teve como base um conjunto de práticas de controle do trabalho, tecnologias,

hábitos de consumo e configurações de poder político-econômico, e de que esse conjunto

pode com razão ser chamado de fordista-keynesiano” (Idem, p.119).

De certo já é consenso que hoje passamos por uma profunda crise de caráter

econômico-político e social-cultural. Diversos autores assinalam os anos 1970 como o marco

de mudanças ensaiadas na tentativa de contornar a crise que, sobretudo, se instala no modelo

de acumulação fordista.

Antes de mais nada, é importante ressaltar a preocupação do autor em não pontuar

a acumulação flexível como uma radical ruptura ao modelo de acumulação fordista, mas sim

como uma nova configuração, novos arranjos no que envolve aspectos financeiros da

organização capitalista; o papel do crédito; os reparos espaço-temporal; a diversidade de

sistemas de controle de trabalho, que pode prevalecer ao lado de novos produtos na divisão

internacional do trabalho, entre outros. Sobretudo, a acumulação flexível assume uma forma

reveladora de caracterizar a história recente, e é neste sentido que o autor destaca as

diferenças mais como um recurso didático. Ele questiona também a natureza transitória ou

permanente no caráter das mudanças, observando que: Muito embora as atuais condições sejam muito diferentes em inúmeros aspectos, não há dificuldade em perceber que os elementos e relações invariantes que Marx definiu como peças fundamentais de todo modo capitalista de produção ainda estão bem vivos e, em muitos casos, com uma vivacidade ainda maior do que a de antes, por entre a agitação e evanescência superficiais tão características da acumulação flexível. Seria esta ultima, então, algo mais do que uma versão mais retumbante da mesma velha história do capitalismo de sempre? Isso seria um julgamento demasiado simples. Em avaliação dá ao capitalismo um tratamento a-histórico, considerando-o um modo de produção desprovido de dinâmica, quanto todas as evidências (incluindo-se aí as explicitamente arroladas por Marx) apontam para o fato de ser o capitalismo uma força constantemente revolucionária da história mundial, uma força que reformula de maneira perpétua o mundo, criando configurações novas e, com frequências, sobremodo inesperadas. A acumulação

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flexível se mostra, no mínimo, como uma nova configuração, requerendo, nessa qualidade, que submetamos a escrutínio as suas manifestações com o cuidado e a seriedade exigidos, empregando, não obstante, os instrumentos teóricos concebidos por Marx (2006, p.175).

Como assinalado acima, um modelo de acumulação envolve muito mais que a

produção, requer também uma regulamentação de toda a vida social. Assim, considera Harvey

sobre o modelo de acumulação fordista: [...] A separação entre gerência, concepção, controle e execução (e tudo o que isso significa em termos de relações sociais hierárquicas e de desabilitação dentro do processo de trabalho) também já estava bem avançada em muito industriais. O que havia de especial em Ford (e que, em última análise, distingue o fordismo do taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimento explícito de que produção em massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista. (HARVEY, 2006, p.121).

Mas não foi sem problemas que este modelo de acumulação pôde vigorar. Foi

necessariamente através da coalizão entre o grande capital, o grande trabalho e o grande

Estado que a acumulação fordista pode se firmar e o capitalismo viveu um grande período de

expansão de 1945 à 1973. É claro que este equilíbrio era tênue, tenso e problemático.

Harvey (2006) relata que primeiramente foi necessário uma revolução das

relações de classe para acomodar e disseminar o fordismo, tendo como maior estorvo a

resistência dos trabalhadores em aceitar um sistema de produção que “[...] se apoiava na

familiarização do trabalhador com longas horas de trabalho puramente rotinizado, exigindo

pouco das habilidades manuais tradicionais e concedendo um controle quase inexistente ao

trabalhador [...]”(p.123) sobre o processo de trabalho.

A derrota dos movimentos operários radicais, a troca entre ganhos salariais e o

maior controle sobre o mercado de trabalho por uma adoção de atitude cooperativa por parte

dos sindicatos, no tocante às técnicas fordistas, foram alguns dos fatores que estabilizaram

(contando, também, com forte repressão do Estado) momentaneamente, e não sem conflito, o

denominado grande trabalho.

O Estado também teve de assumir novos papéis e construir novos poderes

institucionais. Esse teria de realizar investimentos públicos vitais para o crescimento da

produção e do consumo em massa, o que garantiria também um emprego relativamente pleno.

“Os governos também buscavam fornecer um forte complemento ao salário social com gastos

de seguridade social, assistência médica, educação, habitação etc. Além disso, o poder estatal

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58 era exercido direta ou indiretamente sobre os acordos salariais e os direitos dos trabalhadores

na produção” (Idem, p.129). Nesse sentido, o fordismo se aliou firmemente ao keynesianismo.

Já o terceiro elemento da coalizão, as corporações ou o grande capital, demarcou a

racionalidade burocrática com sua administração científica e todas as facetas da atividade

corporativa (além da produção, as relações pessoais, treinamentos no local do trabalho,

marketing, estratégias de preço, obsolescência planejada). Ademais, definia os caminhos do

crescimento e do consumo em massa presumindo-se, com efeito, que os outros dois parceiros da grande coalizão fizessem tudo o que fosse necessário para manter a demanda efetiva em níveis capazes de absorver o crescimento sustentado do produto capitalista. O acúmulo de trabalhadores em fábricas de larga escala sempre trazia, no entanto, a ameaça de uma organização trabalhista mais forte e do aumento do poder da classe trabalhadora – daí a importância do ataque político a elementos radicais do movimento operário depois de 1945. Mesmo assim, as corporações aceitaram a contragosto o poder sindical, particularmente quando os sindicatos procuravam controlar seus membros e colaborar com a administração em planos de aumento da produtividade em troca de ganhos de salario que estimulassem a demanda efetiva da maneira concebida por Ford (2006, p.129).

O fordismo como modo de vida total influenciou fortemente a estética, a

mercantilização da cultura e uma racionalidade burocrática-técnica, apoiando-se também em

“uma democracia econômica de massa que se mantinha através de um equilíbrio de forças de

interesse especial.” (Idem, p.131)

O autor analisa ainda que a força de trabalho era dividida entre

predominantemente branca, masculina e fortemente sindicalizada; e o “resto”. Isso significava

uma rigidez nos mercados de trabalho, o que obstruía sua fluidez para uma linha de produção

a outra. “O poder exclusivista dos sindicatos fortalecia sua capacidade de resistir à perda de

habilidades, ao autoritarismo, à hierarquia e à perda de controle no local de trabalho” (Idem,

p.132). O uso destes poderes dependia das formas de organização, tradições políticas e

disposição por parte dos trabalhadores em trocar direitos na produção por um maior controle

no mercado de trabalho. Contudo, o autor afirma que ataques do lado de fora dos sindicatos

eram exercidos por minorias excluídas (mulheres e desprivilegiados) na medida em que

aqueles serviam aos interesses estreitos de seus membros e abandonavam preocupações

socialistas, correndo o risco de serem diminuídos perante a opinião pública como grupos de

fins fragmentados, e não de objetivos gerais.

Acrescentava-se a esses insatisfeitos todo o Terceiro Mundo, que passava por um

processo de modernização que prometia emancipação, autonomia, desenvolvimento e

integração ao fordismo, mas que, na verdade, promoveu muita opressão, destruição de

culturas locais e formas de domínio capitalista em troca de ganhos insignificantes no padrão

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59 de vida e de serviços públicos. Isso mais favoreceu uma elite nacional afluente, que colaborou

ativamente com o capital internacional (Idem, ibidem.).

Contudo, foi necessariamente a recessão de 1973 que fez abalar esse estado de

coisas, e o capital já não podia “estender benefícios” da produção a segmentos de massa. Para

Sousa Junior (2010), o capitalismo, que até sua “fase de ouro” ainda exercia um processo

“civilizador” no campo “da absorção de força de trabalho, de criação de amplas possibilidades

de consumo e de dinamização de todo um circuito de relações sócio-histórico-culturais,

inclusive no campo da educação” (p.145), entra em sua fase regressiva-destrutiva. As

concessões à classe trabalhadora teriam de ser contidas e até mesmo retiradas violentamente

para que o capital continuasse a se reproduzir e acumular. O capitalismo depende de

crescimento contínuo; um sistema econômico desse tipo só pode se sustentar por mais tempo

através da “destruição criativa”, pois teria de haver dois planetas Terra para suprir sua

demanda de recursos naturais no tocante às questões ambientais – sem contar com a

destruição de forças produtivas, sendo uma delas a força de trabalho, milhares de vidas

humanas sendo descartadas pela fome, pela guerra, pelo desemprego e pela miséria.

Riqueza e miséria devem ser analisadas em termos relativos e não absolutos.

Sabe-se que hoje a concentração de riqueza é colossal; cerca de 1% da população detêm 48%

da riqueza mundial, sendo que dos 99%, um quinto detem 46% dessa riqueza. O que resta

para a grande maioria da população é apenas 5% das riquezas mundiais21.

Para Harvey, a acumulação flexível é marcada por um combate direto à rigidez

fordista que, em tempo de crise, impossibilitou mais do que favoreceu a acumulação. Havia

rigidez nos investimentos de capital fixo de larga escala e a longo prazo, dependente de uma

demanda invariável no mercado de consumo, assim como uma rigidez em seus planejamentos

de produção em massa. Havia rigidez nos mercados de trabalho, assim como na alocação e

contratos; e nos combates a essa inflexibilidade surgia sempre o poder entrincheirado da

classe trabalhadora. A austeridade do Estado e de seus compromissos “foi se intensificando à

medida que programas de assistência [...] aumentavam sob pressão para manter a legitimidade

num momento em que a rigidez na produção restringia expansões da base fiscal para gastos

públicos” (2006, p.135). A única resposta flexível era a monetária – imprimir dinheiro sempre

que necessário para manter a economia estável; assim, a onda inflacionária terminou por

afundar a expansão pós-guerra. Desse modo, a acumulação flexível se apoia

21 Riqueza de 1% deve ultrapassar a dos outros 99% até 2016, alerta ONG. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/01/150119_riquezas_mundo_lk>. Acesso em 18/03/16.

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[...]na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas [...]. Ela também envolve um novo movimento que chamarei de “compreensão do espaço-tempo” [...] no mundo capitalista – os horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos de transportes possibilitaram cada vez mais a difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variegado (2006, p.140).

A acumulação flexível impõe outra ordem à luta de classe, no combate primordial

entre capital e trabalho. Para tanto, era preciso, antes de mais nada, enfraquecer o poder do

trabalho organizado. Não é à toa que autores como Meneleu (1996), Harvey (2006), Anderson

(1995), Alves (2011), cada um ao seu modo, relatam que o sindicato era o principal alvo

dentre os ditames da acumulação flexível e do neoliberalismo. Nas palavras de Anderson

(1995), o neoliberalismo foi (e ainda é) uma reação teórica e política veemente contra o

Estado intervencionista e de bem-estar. Para os seus principais representantes, como Hayek,

as raízes da crise em 1973: [...] estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais (ANDERSON, 1995 p.10).

Para o pensamento neoliberal, o Estado deveria ser forte em sua capacidade de

romper o poder dos sindicatos e no controle de dinheiro, e fraco nos gastos sociais e nas

intervenções econômicas22. Desse modo, uma taxa “natural” de desemprego deveria ser

restaurada para quebrar os sindicatos.

Sobre o papel do desemprego e do Exército Industrial de Reserva no controle do

trabalho e na contensão dos salários, algumas questões merecem ser destacadas, já que a

educação profissional é considerada como meio de “combater” ou mesmo “aliviar” o 22 “[...] Hoje, o Estado está numa posição muito mais problemática. É chamado a regular as atividades do capital corporativo no interesse da nação e é forçado, ao mesmo tempo, também no interesse nacional, a criar um “bom-clima de negócios” para atrair o capital financeiro transnacional e global e conter (por meios distintos dos controles de câmbio) a fuga de capital para pastagens mais verdes e mais lucrativas. [...] Embora possa ter havido variações substancias de país para país, há fortes evidências de que as modalidades, os alvos e a capacidade de intervenção estatal sofram uma grande mudança a partir de 1972 em todo o mundo capitalista, pouco importando a tendência ideológica do governo no poder [...]. Isso não significa, porém, que o intervencionismo estatal tenha diminuído de modo geral, visto que, em alguns aspectos – em particular no tocante ao controle do trabalho -, a intervenção do Estado alcança hoje um gral bem mais fundamental” (HARVEY, 1995, p.160 e 161).

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61 desemprego e que, em última instância, é tentando contorná-lo que jovens e famílias da classe

trabalhadora buscam esse tipo de educação. A coerção possível por meio do desemprego se

baseia na falta de segurança, no horror da incerteza.

[...] A elevação dos índices de desemprego aberto no decorrer da década neoliberal contribuiu não apenas para fragilizar o poder de barganha dos trabalhadores assalariados e aumentar as taxas de exploração, intimidando o sindicalismo combativo de luta de classes; mas possui uma função sociorreprodutiva, ou seja, criou a sociabilidade adequada aos consentimentos espúrios, às renúncias de direitos sociais e de conquistas trabalhistas históricas e aos envolvimentos estimulados pelo medo do desemprego. No novo ambiente social da década neoliberal proliferam valores, expectativas e utopias de mercado, impregnados de individualismo liberal que aparece como novo pragmatismo. (ALVES, 2011, p.126)

Meneleu (1996) considera que devemos analisar o desemprego hodierno não

como um fenômeno “natural” decorrente, apenas, de um ajuste temporal produzido pela

introdução de novas tecnologias poupadoras de força de trabalho. Isso nos remete a um

determinismo tecnológico; como dentro do credo neoliberal no qual a sociedade, submetida às

forças “cegas” do mercado, tem o desemprego como mais um fenômeno da esfera econômica,

operando como um sistema automático de coordenação.

Ao contrário de tudo isso, Meneleu (1996) defende, inclusive, uma maior

abrangência para as atuais determinações do Exército Industrial de Reserva (EIR), referida às

concepções marxinianas. No capitalismo clássico analisado por Marx, o EIR era resultado das

flutuações autônomas da acumulação de capital. Hoje, o autor considera que o EIR passou a ser reposto como “externalidade” pelas políticas neoliberais. Políticas econômicas cujo sentido é “recuperar o grau de liberdade perdido” durante a vigência da regulação fordista. Ora, para Marx, “a produção de uma população excessiva às necessidades imediatas de valorização do capital é consequência direta do processo de concentração e centralização do capital”, ou seja, na fase ascendente da acumulação o EIR se reduzia e na fase de contração se ampliava. Mas, na contemporaneidade, não há uma simples inversão da lógica exposta por Marx. Há, sobretudo, um novo sentido na “reposição invertida” dessa lógica pelo neoliberalismo, o que esclarece por que a acumulação no contexto da reestruturação exige a reposição política do EIR como pressuposto e não como consequência endógena da acumulação. (MENELEU, 1996, p.88)

Para Meneleu (Idem), o limite da análise marxista original está no fato da

principal determinação do EIR estar ligada estritamente ao controle dos salários em função do

crescimento da taxa de mais-valia. Hoje, para ele, historicamente o problema se amplia para

abarcar a “busca de adesão” dos trabalhadores aos processos de trabalho flexíveis. “Nesse

último sentido, o exército de reserva em expansão torna-se, ao mesmo tempo, a base da

fragilização dos sindicatos tradicionais e da introdução da ideologia da cooperação [...]”

(MENELEU, 1996, p.93)

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Vários autores atentam para o alto grau de manipulação na história do capitalismo

recente. Meneleu (idem, p.78) cita, inclusive, uma passagem reveladora afirmada por um

professor de Economia da London Business School e antigo assessor de Mrs. Thatcher, Alan

Budd, falando a respeito das ações governamentais desta durante a década de oitenta: aumentar o desemprego foi uma maneira muito conveniente de reduzir a força da classe operária [...] o que se procurou forjar - para falar numa linguagem marxista – foi uma crise capitalista, que repôs o exército industrial de reserva e permitiu aos capitalistas a obtenção de grandes lucros daí por diante.

Harvey (2005) também salienta sobre as crises forjadas com auxílio da

financerização do capital, para assim forçar adesão às políticas econômicas e sociais de

caráter neoliberal e, é claro, favorecer grupos poderosos da economia mundial. Alguns dos mecanismos da acumulação primitiva que Marx enfatizou foram aprimorados para desempenhar hoje um papel bem mais forte do que no passado. O sistema de crédito e o capital financeiro se tornaram, como Lenin, Hilferding e Luxemburgo observaram no começo do século XX, grandes trampolins de predação, fraude e roubo. A forte onda de financialização, domínio pelo capital financeiro, que se estabeleceu a partir de 1973 foi em tudo espetacular por seu estilo especulativo e predatório . Valorizações fraudulentas de ações, falsos esquemas de enriquecimento imediato, a destruição estruturada de aditivos por meio de inflação, a dilapidação de aditivos mediante fusões e aquisições e a promoção de níveis de encargos de dívidas que reduzem populações inteiras, mesmo nos países capitalistas avançados, a prisioneiros da dívida, para não dizer nada da fraude corporativa e do desvio de fundos (a delapidação de recursos de fundos de pensão e sua dizimação por colapsos de ações e corporações) decorrente de manipulação do crédito e das ações - tudo isso são características centrais da face do capitalismo contemporâneo. [...] Mas temos de examinar sobretudo os ataques especulativos feitos por fundos derivativos e outras grandes instituições do capital financeiro como a vanguarda da acumulação por espoliação em épocas recentes (p.122).

A fraude, a pilhagem, entre outros, não ficaram reservadas a uma acumulação

primitiva (vista em termos cronológicos); hoje, mais do que nunca, esses tipos de ações

constituem a acumulação capitalista em grande medida. As leis férreas do modo de produção

capitalista se arranjam com outros meios não capitalistas de produção, mas que no fim

acabam por ele subordinado – é o que Harvey chama de acumulação via espoliação. Para

Rosa Luxemburgo (apud HARVEY, idem, p. 116), a acumulação capitalista apresenta um

duplo aspecto: Um deles concerne ao mercado de bens e ao lugar em que é produzida a mais-valia – a fábrica, a mina, a propriedade agrícola. Vista desta ótica, a acumulação é um processo econômico puro, tendo como fase mais importante uma transição entre o capitalista e o trabalhador assalariado... Aqui, ao menos formalmente, a paz, a propriedade, e a igualdade prevalecem, e foi necessária a aguda dialética da análise científica para revelar que o direito de propriedade se transforma, no curso da acumulação, em apropriação da propriedade alheia, que a troca de mercadoria se torna exploração e a igualdade vem a ser regime de classe. O outro aspecto da acumulação se refere às relações entre o capitalismo e modos de produção não-capitalistas, que começam a surgir no cenário internacional. Seus métodos

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predominantes são a política colônial, um sistema internacional de empréstimos – uma política de esferas de interesses – e a guerra. Exibem-se abertamente a força, a fraude, a opressão, a pilhagem, sem nenhum esforço para ocultá-las, e é preciso esforço para discernir nesse emaranhado de violência política e lutas pelo poder as leis férreas do processo econômico.

Sobre esse cenário, Lukács realça uma outra face da manipulação, a nível das

subjetividades: Através da mais-valia absoluta a produção é apenas formalmente subsumida ao capital, de modo que a subsunção da produção sob as categorias do capitalismo só surgem com a mais-valia relativa coisa que constitui uma característica específica da nossa época. [...] O inteiro problema da alienação adquire uma fisionomia inteiramente nova. [...] A mais-valia absoluta não morreu, simplesmente não desempenha mais o papel dominante; aquele papel que desempenhava quando Marx escrevia os Manuscritos Econômicos-Filosóficos. Ora o que daí decorre? Que um novo problema surge no horizonte dos trabalhadores, isto é, o problema de uma vida plena de sentido. A luta de classes no tempo da mais-valia absoluta estava voltada para a criação das condições objetivas indispensáveis a uma vida deste gênero. Hoje, com uma semana de cinco dias e um salário adequado, podem já existir as condições indispensáveis para uma vida cheia de sentido. Mas surge um novo problema: aquela manipulação que vai da compra do cigarro às eleições presidenciais ergue uma barreira no interior dos indivíduos entre a sua existência e uma vida rica de sentido. Com efeito, a manipulação do consumo não consiste, como se pretende oficialmente, no fato de querer informar exaustivamente os consumidores sobre qual é o melhor frigorífico ou a melhor lâmina de barbear, o que esta em jogo é a questão do controle da consciência (LUKÁCS, 2014, p.66).

É no âmago da luta de classes e dessa atual fase manipulatória do capitalismo

recente que podemos encontrar as principais determinações da educação profissional das

Escolas Estaduais do Ceará, correlacionadas com o empresariamento da educação e as

mudanças no padrão de acumulação capitalista23.

Se temos uma mudança no modelo de acumulação capitalista que pressupõe

reestruturação produtiva, sob novas bases tecnológica e gerenciais; um novo modelo político

nas tomadas de decisão do Estado e da sociedade civil, de forma a coordenar a

regulamentação social; pressupondo também o desmonte do trabalho organizado e sindical

através desta dupla ação, produtiva e Estatal, como poderia a escola então continuar imune a

tantas mudanças? Não poderia. Ela agora deve se ajustar tanto para a formação do novo tipo

de trabalhador demandado pela produção, como se adequar institucionalmente. As EEEPs têm

o privilégio de condensar estas duas nuanças: de um lado, mudanças na função social da

escola e na sua gestão, com variações na contratação de gestores e professores, parcerias do 23 “[…] Os novos gerentes das corporações são estudiosos atentos de Napoleão, Clausewitz e Maquiavel. As novas técnicas de administração estão metidas até o pescoço nas teorias do conflito, onde a busca de iniciativa é estimulada para garantir resultados. Não há planejamento estratégico que não leve em consideração o jogo dos oponentes, enfim, o mundo da empresa pós-fordista é dominado pelo pressuposto do conflito cujo cenário é o mercado. E, ao final, vê-se que são repostos o que o discurso pós-capitalista supanha desaparecido : a resistência do trabalho organizado e da classe operária, a luta entre capital e trabalho, e os pressupostos institucionais que viabilizam a coordenação do mercado“ (MENELEU, 1996, p.88).

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64 tipo público-privado e intervenções não estatais em suas políticas; do outro o preparo

ideológico, psicocorporal dos futuros trabalhadores para o trabalho precário (aulas do “mundo

do trabalho”, aulas práticas, profissionalização, empreendedorismo, dia inteiro na escola) e,

como vamos defender aqui, os estágios como uma forma direta de trabalho precário, que

fomenta o lucro dos empresários e rebaixa o padrão de uso da força de trabalho.

3.2.1 A força de trabalho: o controle e o mercado

Analisaremos as mudanças operadas no controle, na força e no mercado de

trabalho, pois estas categorias se afinam diretamente com as Escolas Estaduais de Educação

Profissional. Seguindo ainda a matriz teórica da acumulação flexível, iremos refletir sobre

alguns aspectos universais, particulares e singulares dessas dimensões do trabalho capitalista.

Ambos estão estreitamente ligados. Para Marx, força de trabalho é “o conjunto

das faculdades físicas e mentais existentes no corpo e na personalidade viva de um ser

humano, as quais ele põe em ação toda vez que produz valores-de-uso de qualquer espécie”

(2012, p. 197)

Mais adiante, Marx define como a qualificação da força de trabalho e a

aprendizagem (e podemos inferir a própria escolarização) influenciam diretamente na

produção desta força, que no modo de produção capitalista torna-se mercadoria: A fim de modificar a natureza humana, de modo que alcance habilidade e destreza em determinada espécie de trabalho e se torne força de trabalho desenvolvida e específica, é mister educação ou treino que custa uma soma maior ou menor de valores em mercadorias. Esta soma varia de acordo com o nível de qualificação da força de trabalho. Os custos de aprendizagem ínfimos para a força de trabalho comum, entrem, portanto, no total dos valores despendidos para sua produção (2012, p. 202).

Em outro texto, Trabalho Assalariado e Capital, Marx (2006) relaciona

diretamente os custos de produção da força de trabalho, o tempo de formação profissional e o

salário:

Os custos de produção da força de trabalho] são os custos necessários para manter o operário como operário e para fazer dele um operário. [...] Por isso, quanto menos for o tempo de formação profissional exigido por um trabalhador, menores serão os custos de produção do operário, menor será o preço do seu trabalho, o seu salário (p. 44).

O salário é, pois, o preço desta mercadoria especial chamada força de trabalho –

mercadoria esta comprada pelo capitalista, não sendo, portanto, uma cota-parte do operário no

produto por ele produzido.

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Desse modo, podemos concluir que: a) cursos aligeirados de formação

profissional muitas vezes substituem a força de trabalho com maior grau de escolarização,

como no caso do Ensino Superior (que, por sua vez, também passa por processos de

minimização de conteúdos e aligeiramento da formação24); b) a substituição dos gastos na

formação da mão-de-obra a cargo dos empresários para o Estado, a exemplo das EEEPs e do

Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC25, vem formando

massas de trabalhadores; c) esse mesmo tipo de formação profissional também inclui, nos

termos da inclusão excludente de Kuenzer (2002)26, o EIR que pressiona a queda de salários e

a concorrência entre os trabalhadores (a exemplo também das EEEPs e cursos para quem

recebe o Seguro-Desemprego)27. Todos esses aspectos da atual formação profissional

condizentes com as mudanças operadas no trabalho no atual padrão de acumulação flexível,

junto à condição de capitalismo dependente do Brasil, tendem, como afirma Pochmann

(2012), a rebaixar o padrão de uso da força de trabalho, correlacionado com a maior divisão

do trabalho e com a Divisão Internacional do Trabalho.

Pochamann (2012) também apresenta e analisa alguns aspectos relevantes das

transformações do trabalho ocorridas durante o último quartel do século XX. O autor também

observa principalmente o curso da nova Divisão Internacional do Trabalho diante da expansão

mundial do excedente estrutural de mão de obra e da reconcentração dos melhores postos de

trabalho nos países ricos.

24 Ver LEHER, Roberto. Um novo senhor da educação? A política educacional do Banco Mundial para a periferia do capitalismo. Outubro, São Paulo, n. 1, p. 19-30, 1999. 25 O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) criado pelo Governo Federal em 2011, por meio da Lei 11.513/2011, com o objetivo de expandir e interiorizar a oferta de cursos de educação profissional e tecnológica no país. Dentre suas iniciativas, encontra-se o Programa Brasil Profissionalizado, que fornece recursos para o fortalecimento e ampliação das redes estaduais de ensino médio integrado à educação profissional, como no caso das Escolas Estaduais de Educação Profissional do Ceará. 26 Reafirmando o que ficou registrado no primeiro capítulo deste trabalho: “Como assegura Kuenzer (2002), as estratégias para excluir o trabalhador do mercado formal e incluí-los no mundo do trabalho em condições precárias, a chamada ‘exclusão includente’; assim como as estratégias de incluir o exército de reserva na escolarização básica e em cursos aligerados de formação profissional, que lhes confere o status de empregabilidade, como meio de justificar sua exclusão no mercado de trabalho pela ‘incompetência’- inclusão excludente -, passa também por processos de persuasão e coerção, no qual o trabalhador compreende sua própria alienação como resultante de sua prática pessoal.” 27 As EEEPs formam preferencialmente a força de trabalho jovem que hoje corresponde a uma grande parcela de desempregados no País. O desemprego de jovens entre 18 e 24 anos subiu de 12,9% em 2014 para 18,5 em 2015, segundo dados do IBGE. A queda de 2,4 na média da renda real do trabalhador, em um ano, revela que mais jovens estão buscando emprego para complementar a renda familiar. Disponível em: <http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2015/08/para-reforcar-renda-familiar-jovens-pressionam-mercado-de-trabalho.html>. Acesso em 18/10/2015. Os requerentes do Seguro-Desemprego, para receber seus benefícios, devem participar dos cursos de formação inicial e continuada ou qualificação profissional concedidos no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – Pronatec. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14901-portint17-pdf&category_slug=dezembro-2013-pdf&Itemid=30192>. Acesso em 18/10/2015.

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Apesar da periferização industrial, ocorrida a partir do pós-guerra, responsável

pela difusão de postos de trabalho de maior qualidade, recentemente parte dos países pobres

passou a enfrentar maiores dificuldades para com a produção e o emprego nacionais. Emerge,

assim, um quadro de desestruturação do mercado de trabalho, e Pochamann (2012) revela,

através de dados oficiais, uma maior presença de altas taxas de desemprego aberto,

decrescente participação do emprego assalariado no total da ocupação e a generalização dos

postos de trabalho precários.

Ao analisar sistematicamente dados de dimensão internacional a respeito do

trabalho, obtidos a partir de fontes primárias produzidas por instituições multilaterais como

Organização das Nações Unidas, Organização Internacional do Trabalho, Organização de

Cooperação e Desenvolvimento Econômico, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional,

entre outros, Pochmann (2012) capta com clareza as tendências centrais que ocorrem no atual

processo de mundialização das economias.

Contrariando a propaganda oficial, o autor observa que a globalização não vem

produzindo um mundo mais homogêneo, com melhor repartição de riqueza, produção,

trabalho e poder. Na verdade, o que vem ocorrendo desde as últimas décadas do século XX é

um reforço na concentração da pobreza, do desemprego e dos postos mais simples e mal

remunerados nos países pobres. Nesse sentido, A integração das economias transformou-se no caminho mais simples de potencialização do império norte-americano e das finanças internacionais no comando do processo de acumulação mundial do capital que rebaixa o padrão de uso e remuneração da força de trabalho. (POCHMANN, 2012, p.8)

A consolidação de grandes oligopólios mundiais ganha importância cada vez

maior. Passa a ter destaque, por meio de frequentes fusões de empresas, o papel das

corporações transnacionais na redefinição da produção e do emprego no mundo. Desse modo,

uma divisão do trabalho intelectual e manual em escala global se acentua:

Por concentrarem os investimentos em pesquisa e tecnologia nos países de origem, as grandes corporações transnacionais centralizam grande parte do poder de criação e redirecionamento geográfico dos postos de trabalho de maior qualidade e remuneração, responsáveis pelas funções de comando e planejamento. Em contrapartida, a possibilidade de organização da produção em rede mundial motiva o deslocamento de parte do processo produtivo dos países ricos para os pobres, geralmente vinculados às atividades de execução e produção, que demandam ocupações mais simples e rotineiras28 (POCHMANN, 2012, p.8).

28 Fazendo uma breve comparação, podemos afirmar que o mesmo ocorre com a educação, seja ao nível da política educacional ou do trabalho pedagógico. Organismos multilaterais como Banco Mundial, empresas ou corporações planejam e organizam a educação dos países periféricos, cabendo a estes a simples e rotineira execução de sua posição subordinada.

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Sob a ótica da macroeconomia, Pochmann (2012) assegura que “as economias não

desenvolvidas transformam-se em uma grande feira mundial de concorrência pelos menores

custos de trabalho possível, a ser visitada por compradores de força de trabalho que

representam as grandes corporações transnacionais” (p. 8). Desse modo, o caráter de

dependência do capitalismo brasileiro tem por base governos dóceis e submissos à lógica de

exploração intensiva do trabalho. Pretende-se, assim, atrair investimentos estrangeiros

colocando em marcha programas macroeconômicos de integração subordinada por meio da

adoção de políticas neoliberais “de liberalização comercial sem critério, de

desregulamentação financeira, de enxugamento do Estado (desvio de funções e dilapidação do

patrimônio), de desnacionalização econômica e especialização produtiva” (p.8).

De outro lado, são formuladas as políticas sociais e trabalhistas, com vistas ao rebaixamento ainda maior do padrão de uso e remuneração do trabalho. A descentralização e a focalização do gasto social são medidas utilizadas, em geral, como forma de ajuste fiscal (contenção de recursos públicos), assim como a desregulamentação do mercado de trabalho serve de caminho para a flexibilização dos contratos, redução do poder sindical, retirada de direitos, corte de salários e substituição de custos empresariais por benefícios públicos na qualificação de mão de obra. Tudo isso tem levado à geração de um excedente de mão de obra mundial, como parte da manifestação da subutilização da força de trabalho, que redunda na estratégia de sobrevivência, responsável, na maioria das vezes, pelo disfarce do próprio desemprego nacional. Da mesma forma, os novos procedimentos vinculados à produção e ao desenvolvimento tecnológico, como as atividades em rede, parecem mais contribuir para a formação de uma nova condição de exclusão de países e de um conjunto da população, por meio da infoexclusão. (p.9)

A força de trabalho como mercadoria, existente na carne e no sangue do

trabalhador, também demanda mercado. Contudo, como bem observamos no primeiro

subitem em que falamos da passagem do fordismo à acumulação flexível, o mercado de

trabalho na época fordista era, para alguns segmentos, regulamentado e tinha sob o poder dos

sindicatos um certo controle.

Os poderes aumentados pela flexibilidade e mobilidade decorrentes da

desregulamentação do mercado de trabalho possibilitam uma maior pressão dos empregadores

diante de uma força de trabalho enfraquecida pelo desemprego, pela perca de poder dos

sindicatos, pelas estratégias de emprego de força de trabalho sem experiências de luta, em

locais favoráveis a este emprego. Também vale frisar a rápida destruição de habilidades, o

que justifica a pedagogia do aprender a aprender e de uma educação flexível, ao modo das

EEEPs. Tudo isso tem efeitos diretos nos ganhos modestos (quando há) de salários reais.

O mercado de trabalho passou por uma radical reestruturação. Diante da sua forte

volatilidade, do aumento da competição e do estreitamento das margens de lucro, os patrões

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68 tiram vantagem da diminuição do poder sindical e da grande quantidade de mão-de-obra

excedente (desempregados ou subempregados) para impor regimes e contratos de trabalho

mais flexíveis.

[...]É difícil esboçar um quadro geral claro, visto que o propósito dessa flexibilidade é satisfazer as necessidades com frequência muito específicas de cada empresa. Mesmo para os empregados regulares, sistemas como “nove dias corridos” ou jornadas de trabalho que tem em média quarenta horas semanas ao longo do ano, mas obriga o empregado a trabalhar bem mais em períodos de pico de demanda, compensando com menos horas em períodos de redução de demanda, vêm se tornando muito mais comuns. Mais importante do que isso é a aparente do emprego regular em favor do crescente uso do trabalho em tempo parcial, temporário, ou subcontratado” (HARVEY, 2006 p.143).

Harvey (2006) conceitua as estruturas do mercado de trabalho em condições de

acumulação flexível: [...]. O centro – grupo que diminui cada vez mais, segundo notícias de ambos os lados do Atlântico – se compõe de empregados “em tempo integral, condições permanentes e posição essencial para o futuro de longo prazo da organização“. Gozando de maior segurança no emprego, boas perspectivas de promoção e de reciclagem, e de uma pensão, um seguro e outras vantagens indiretas relativamente generosas, esse grupo deve atender à expectativa de ser adaptável, flexível e, se necessário, geograficamente móvel. Os custos potenciais da dispensa temporária de empregados do grupo central em época de dificuldade podem, no entanto, levar a empresa a subcontratar mesmo para funções de alto nível (que vão dos projetos à propaganda e à administração financeira), mantendo o grupo central de gerentes relativamente pequeno. A periferia abrange dois subgrupos bem distintos. [a]O primeiro consiste em “empregados em tempo integral com habilidades facilmente disponíveis no mercado de trabalho, como pessoal do setor financeiro, secretarias, pessoal das áreas de trabalho rotineiro e de trabalho manual menos especializado”. Com menos acesso a oportunidades de carreira, esse grupo tende a se caracterizar por uma alta taxa de rotatividade, “o que torna as reduções da força de trabalho relativamente fáceis por desgaste natural”. [b]O segundo grupo periférico “oferece uma flexibilidade numérica ainda maior e inclui empregados em tempo parcial, empregados casuais, pessoal com contrato por tempo determinado, temporários, subcontratação e treinamentos e treinados com subsídio público, tendo ainda menos segurança de emprego do que o primeiro grupo periférico”. Todas as evidências apontam para um crescimento bastante significativo desta categoria de empregados nos últimos anos” (HARVEY, 2006, p.144).

No que tudo indica, os estagiários das EEEPs se encontram no segundo grupo

periférico por serem “contratados” por tempo determinado e treinados com subsídio público.

E, para além dos estágios, a referida formação profissional vem preparando trabalhadores

dentro da esfera da periferia do mercado de trabalho. Para Harvey (2006), as atuais tendências

do mercado de trabalho apontam para uma diminuição no número de trabalhadores “centrais”

e um aumento na contratação de trabalhadores “periféricos”, que entram e saem facilmente do

emprego sem custo às empresas quando as coisas ficam ruins.

Observando a criação desses arranjos flexíveis de trabalho, Harvey (2006) afirma

que esses não apresentam insatisfação trabalhista forte, pois do ponto de vista individual do

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69 trabalhador, às vezes benefícios são apresentados. Mas do ponto de vista da classe, da

população trabalhadora como um todo, os efeitos agregados de quando se considera a

cobertura de seguro, os direitos de pensão, os níveis salariais e a segurança no emprego, de

modo algum o trabalho flexível parece positivo.

Deste modo, olhando em seu conjunto, os estágios dos alunos das EEEPs

representam um malefício à classe trabalhadora – de forma direta, na diminuição dos níveis de

salário e indiretamente, embutindo uma cultura de naturalização nas relações cada vez mais

precárias de trabalho, elemento central na reprodução e no aumento da exploração.

Ao ponderar os problemas decorrentes de um mercado de trabalho “dual” –

trabalhadores brancos, do sexo masculino, de setores monopolistas e sindicalizados em

comparação a trabalhadores do sexo feminino, negros e de outras minorias excluídas –, típico

dos anos 1960 e sob os arranjos flexíveis de trabalho, Harvey (2006) nos auxilia a rebater o

discurso oficial do Governo do Ceará. Este diz que com a advento das EEEPs, de maior

acesso à uma educação profissional, segmentos excluídos como os “jovens pobres do interior”

do Estado estão tendo uma boa oportunidade de se qualificar e conseguir emprego. Na

verdade, eles estão sendo inseridos em um mercado de trabalho cada vez mais desvantajoso

para sua classe. Evidentemente, isso não mudou de maneira radical os problemas, surgidos nos anos 60, dos mercados de trabalho “duais” ou segmentados, mas o reformulou segundo uma lógica bem diferente. Embora seja verdade que a queda da importância do poder sindical reduziu o singular poder dos trabalhadores brancos do sexo masculino nos mercados do setor monopolista, não é verdade que os excluídos desses mercados de trabalho – negros, mulheres, minorias étnicas de todo tipo – tenham adquirido uma súbita paridade (exceto no sentido de que muitos operários homens e brancos tradicionalmente privilegiados foram marginalizados, unindo-se aos excluídos). Mesmo que algumas mulheres e algumas minorias tenham tido acesso a posições privilegiadas, as novas condições do mercado de trabalho de maneira geral reacentuaram a vulnerabilidade dos grupos desprivilegiados [...] (HARVEY, 2006, p.144).

Vamos entender o significado de uma educação profissional, voltada ao mercado,

dentro deste percurso de desregulamentação do mercado de trabalho, de altas taxas de

desemprego, de flexibilização de contratos, de nova divisão internacional do trabalho e de

inserção subordinada do capitalismo dependente brasileiro, que tendencia a superexploração

do trabalho e rebaixa o padrão de uso da mercadoria força de trabalho, causando arrocho

salarial. Devemos inferir o que tudo isso acarreta para o conjunto da população de

trabalhadores, tendo em vista as novas gerações e sua formação humana, suas condições de

trabalho e vida e a função social da escola como meio de socialização e produção de

conhecimento.

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70

4 O ESTÁGIO NAS ESCOLAS ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO

CEARÁ: ENTRE O MERCADO E O PEDAGÓGICO OU A PEDAGOGIA DO

MERCADO?

“Atrás da mão invisível do mercado está a mão concreta

do trabalho que cria a riqueza, e a mão do capital que a

usurpa”.

Pretendemos descrever e analisar o processo e a política de estágio supervisionado

das Escolas Estaduais de Educação Profissional do Ceará, através dos documentos e dados

disponibilizados pela SEDUC no seu sítio, da lei e do decreto que as regulamenta (Lei Federal

n° 1.788 de 25 de setembro de 2008, que dispõe sobre o estágio de modo geral e o Decreto

Estadual n° 30.933 de 29 de junho de 2012, que institui o programa de estágio para alunos e

egressos do ensino médio da rede pública estadual, voltados à formação técnica e qualificação

profissional), além de entrevistas concedidas por um diretor, um orientador de estágio e um

egresso da EEEP que passou pelo processo de estágio (Apêndeces).

De início, pretendíamos analisar apenas os documentos disponíveis pela SEDUC,

que revela o caráter da política educacional dos estágios nas EEEPs, e o seu norte pedagógico,

no que envolve a relação ensino-aprendizagem, currículo, acompanhamento e avaliação dos

estagiários; e as leis. Contudo, tornou-se necessário, pela exigência do próprio objeto, a

realização das entrevistas para que pudéssemos evidenciar no relato dos sujeitos as brechas e

entrelinhas encontradas nos documentos e nas leis.

Tornou-se necessário também observar os antecedentes da Lei de Estágio, n.

11.788/08, a fim de identificar suas trajetórias e mudanças – para tanto, utilizamo-nos de

fontes primárias e secundárias. Parte da bibliografia disponível sobre o tema aborda questões

de âmbito jurídico-social, trazendo à tona algumas problemáticas que cercam o estágio no

momento atual. O contato com essa bibliografia foi valoroso, pois corrobora com a análise

que vem sendo feita entre a acumulação flexível de capital e suas interfaces na relação

trabalho e educação, manifestadas nos estágios das EEEPs

Os estágios, como uma forma de emprego latu sensu da força de trabalho dos

estudantes, vêm sendo incentivado pela política educacional de Estado através do Plano

Nacional de Educação (2014), que determina sua ampliação através da estratégia n° 11.4:

“estimular a expansão do estágio na educação profissional técnica de nível médio e do ensino

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71 médio regular, preservando-se seu caráter pedagógico integrado ao itinerário formativo do

aluno, visando à formação de qualificações próprias da atividade profissional, à

contextualização curricular e ao desenvolvimento da juventude” (PNE, p. 71, 2014). A Lei de

Estágio (n° 1.778/08) também normatiza essa expansão.

Há controvérsias, apoiadas em análises de juristas, de que o estágio, entendido

como processo formativo escolar, vem sendo desvirtuado para interesses exploratórios das

empresas que o concedem. Essa controvérsia esteve presente nos debates políticos-

educacionais que visavam ampliar a oferta de estágios. Mas o que ficou visível com a nova

Lei de Estágios é que o interesse político-econômico de sua expansão falaria mais alto do que

as controvérsias apresentadas. Os interesses exploratórios das concedentes de estágio são, na

lei, levados em conta não como forma de coibí-los na raiz, mas sim como meio de legalizá-los

com a legitimação da instituição escolar para assegurar seu caráter (de)formativo.

4.1 Breve análise dos antecedentes da nova Lei do Estágio, n° 11.788/08

A nova Lei do Estágio, nº 11.788/08, tem como antecedentes a lei nº 6.494/77 e

vários decretos.

O decreto nº. 20.294, de 12.08.1931, foi a primeira norma jurídica que fez menção

aos estagiários, disciplinando um acordo entre o Ministério de Agricultura e a Sociedade

Nacional de Agricultura, que admitiria em suas escolas alunos estagiários recebendo uma

dotação anual por aluno matriculado (CAIXÊTA JUNÍOR, 2014). Contudo, o termo estágio

só foi melhor definido na Lei Orgânica do Ensino Industrial29, nº 4.073 de 30 de janeiro de

1942, dizendo que: Art. 47 Consistirá o estágio em um período de trabalho, realizado por aluno, sob o controle da competente autoridade docente, em estabelecimento industrial. Parágrafo único. Articular-se-á a direção dos estabelecimentos de ensino com os estabelecimentos industriais cujo trabalho se relacione com os seus cursos, para o fim de assegurar aos alunos a possibilidade de realizar estágios, sejam estes ou não obrigatórios (BRASIL, 1942).

Nota-se que, mesmo timidamente, a Lei Orgânica do Ensino Industrial estabelece

uma finalidade didático-pedagógica ao estágio, oportunizando uma articulação do

conhecimento teórico ao prático sob o controle da competente autoridade docente, que em

29 Art. 1º Esta lei estabelece as bases de organização e de regime do ensino industrial, que é o ramo de ensino, de segundo grau, destinado à preparação profissional dos trabalhadores da indústria e das atividades artesanais, e ainda dos trabalhadores dos transportes, das comunicações e da pesca. (BRASIL, 1942)

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72 tese teria liberdade e autonomia de definir a carga horária e o itinerário formativo dos

estudantes.

Podemos inferir que, aqui, o estágio como forma de trabalho girava em torno do

ensino/formação, quando a lei afirma que os estabelecimentos industriais é que devem se

relacionar com os cursos para se ofertar estágio, e não em torno do mercado e/ou das

empresas – como perceberemos em algumas leis que se seguem e, em especial, nos estágios

das EEEPs, onde o curso é que se adapta às empresas e ao mercado.

Já na Portaria Ministerial nº 1.002/67, do então Ministério dos Negócios do

Trabalho e Previdência Social, no período da ditadura militar-empresarial30, instituiu os

estágios nas empresas para entudantes do ensino superior e escolas técnicas de segundo grau,

estando as empresas incubidas do pagamento de uma bolsa durante o período do estágio e

seguro contra acidentes pessoais, não gerando, contudo, vínculo empregatício. Este

documento afirma considerar: “urgente a necessidade de criar condições que possibilitem o

entrosamento emprêsa-escola, visando à formação e ao aperfeiçoamento técnico-profissional”

(BRASIL, 1967).

Percebe-se que esta portaria advém não do então Ministério da Educação e

Cultura, e sim sob iniciativa do Ministerio dos Negócios do Trabalho e Previdência Social.

Esta portaria se assemelha com a nova Lei do Estágio, nº11.788/08, quando

presume o estabelecimento de acordo entre instituição de ensino e empresa, enquanto a nova

lei prevê um termo de compromisso (documento similar) entre a instituição de ensino,

empresa e estagiário31. Também essa portaria estabelece que as instituições de ensino

encaminhem seus estudantes para o estágio – a mesma atribuição é incumbida à

SEDUC/EEEPs pelo Decreto estadual n° 30.933/2012; para a nova Lei do Estágio, essa

função de articulação escola-empresa pode ser exercida por agentes de integração, podendo

30 Para o historiador Pedro Campo, o conceito de ditadura militar-empresarial reflete não apenas o apoio mútuo entre empresários e militares, mas também o modo como os empresários compuseram a ditadura. Disponível em: <http://nucleopiratininga.org.br/empresarial-militar-civil-militar-ou-somente-militar-tres-conceitos-para-definir-o-mesmo-golpe>. Acesso: 01/08/2016. 31 Portaria Ministerial n. 1.002/67: “Art. 2o - As empresas poderão admitir estagiários em suas dependências, segundo condições acordadas com as Faculdades ou Escolas Técnicas, e fixadas em contratos- padrão de Bolsa de Complementação Educacional, dos quais obrigatoriamente constarão. a) a duração e o objeto da bolsa que deverão coincidir com programas estabelecidos pelas Faculdades ou Escolas Técnicas; b) o valor da bolsa, oferecida pela empresa; c) a obrigação da empresa de fazer, para os bolsistas, seguro de acidentes pessoais ocorridos no local de estágio; d) o horário do estágio {…}”. Já na Lei 11.788/08: “Art. 3o O estágio {…} não cria vínculo empregatício de qualquer natureza, observados os seguintes requisitos: {…} II. – celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino”.

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73 eles serem públicos ou privados32.

O decreto n° 64.918, de 31 de julho 1969, instituiu em caráter permanete a

Operação Mauá (OPEMA), subordinada ao Ministério dos Transportes, “com a finalidade de

integrar os universitários na problemática dos transportes, através de estágios de serviços que

lhe facultem o treinamento e a pesquisa, dentro das técnicas em uso nos diferentes centros do

País” (BRASIL, 1969).

Houve posteriormente a previsão do estágio supervisionado, através da Resolução

do CFE (Conselho Federal de Educação) nª 9, de 10 de outubro de 1969, a qual fixava a

formação pedagógica das licenciaturas. Tal resolução, posteriormente consagrada pelas

Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores da Educação Básica

(MEC/CNE, 2002), prescreve apenas uma carga horária mínima para o estágio

supervisionado, ficando a cargo dos cursos definirem seus formatos.

A semelhança da Portaria Ministerial n° 1.002/67, o decreto n° 66.546, de 11 de

maio de 1970, institui um “Projeto Integração”: Art 1º Fica instituída a Coordenação do "Projeto Integração", com o objetivo de implementar programa de estágios destinadas a proporcionar a estudantes do sistema de ensino superior de áreas prioritárias, especialmente as de engenharia, tecnologia, economia e administração, a oportunidade de praticar em órgãos e entidades públicos e privados o exercício de atividades pertinentes às respectivas especialidades (BRASIL, 1970).

No mesmo sentido do decreto acima, a lei n° 5.692 de 1971, que criou regras

relativas às diretrizes e bases do ensino de 1° e 2° grau, previa o estágio como forma de

cooperação entre empresa e escola, estabelecendo a inexistência de vínculo empregatício

(RIBEIRO DOS SANTOS, 2009).

Em 13 de janeiro de 1972, o decreto n° 69.927 instituiu em caráter nacional o

Programa “Bolsa de Trabalho”, semelhante ao Programa de Estágio das EEEPs (decreto n°

30.933/12). Nele, as bolsas de trabalho são custeadas pelo governo com a diferença que o

primeiro previa também parcerias/convênios com entidades privadas para tal financiamento,

32 Portaria Ministerial nº. 1.002/67 - Art. 4º - Caberá às Faculdades ou Escolas Técnicas o encaminhamento dos bolsistas às emprêsas, mediante entendimento prévio, não podendo ser cobrada nenhuma taxa pela execução de tal serviço, tanto das emprêsas como dos bolsistas. Lei nº. 11.788/08 - Art. 5° - As instituições de ensino e as partes cedentes de estágio podem, a seu critério, recorrer a serviços de agentes de integração públicos e privados, mediante condições acordadas em instrumento jurídico apropriado, devendo ser observada, no caso de contratação com recursos públicos, a legislação que estabelece as normas gerais de licitação. Decreto nº. 30.933/12 – Art. 4° - No âmbito deste Programa {…}, os serviços de Agente de Integração serão executados pela Secretaria de Educação – SEDUC e pela Secretaria do Trabalho e Ação Social – STDS, engajando o estagiário em Instituições Públicas e Privadas, nos termos da legislação vigente. Parágrafo único. Compete aos Agentes de Integração identificar no mercado oportunidades de estágio para os beneficiários do Programa regido por esse Decreto.

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74 enquanto o Governo do Estado do Ceará assume integralmente os custos referentes ao estágio

das EEEPs (Anexo C).

Ribeiro dos Santos (2009) evidencia o interessante Projeto de Lei n° 776 de junho

de 1972, que visou instituir o estágio universitário junto aos órgãos da administração federal,

com todos os direitos previstos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Mas em 26 de

maio de 1975, o decreto n° 75.778 passou a regular o estágio de estudantes não apenas do

ensino superior, mas também do ensino profissionalizante de 2° grau no Serviço Público

Federal, sem vínculo empregatício.

Uma Lei geral do Estágio só veio surgir em dezembro de 1977, sob o n° 6.494 e

regulamentada pelos decretos n° 87.497/82, n° 89.467/84 e n° 2.080/96. Essa lei dispunha

sobre os estágios de estudantes de estabelecimentos de ensino superior e ensino

profissionalizante de 2° grau e supletivo.

Torna-se necessário registar que tanto a categoria de médicos como a de

jornalistas armam-se de leis próprias, que dispõe sobre o estágio dos estudantes dessas áreas.

Eis o que diz o decreto n° 83.284, de 1979, sobre o exercício de profissão do jornalista: Art 19. Constitui fraude a prestação de serviços profissionais gratuitos, ou com pagamentos simbólicos, sob pretexto de estágio, bolsa de estudo, bolsa de complementação, convênio ou qualquer outra modalidade, em desrespeito à legislação trabalhista e a este regulamento. Art 20. O disposto neste decreto não impede a conclusão dos estágios comprovadamente iniciados antes da vigência da Lei nº 6.612, de 7 de dezembro de 1978, os quais, entretanto, não conferirão, por si só, direito ao registro profissional.

Eis o que diz a lei n°3.999, de 1961, que dispõe sobre o salário mínimo dos

médicos e dos cirurgiões dentistas: Art. 3o Não se compreende na classificação de atividades ou tarefas, previstas nesta lei (obrigando ao pagamento de remuneração) o estágio efetuado para especialização ou melhoria de tirocínio, desde que não exceda ao prazo máximo de seis meses e permita a sucessão regular no quadro de beneficiados.

Interessante notar que ambas as categorias organizadas previam formas de não

degradação da profissão e, com isso, deliberam também sobre a formação dos futuros

profissionais, levando em conta os estágios como parte formativa, e não como meio de

concorrência que possa ferir a categoria de alguma forma. Tanto que o Sindicato dos

Jornalistas Profissionais do Paraná criou regras para estágio em jornalismo33: Visando a complementação da formação acadêmica e evitar a exploração de

33 Regras para realização do estágio em jornalismo. Publicado em 24/06/2013, Disponível em: <sindijorpar.org.br>. Acesso em: 01/07/2016.

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estudantes, o SindijorPR apresenta as regras para realização de estágio em jornalismo, conforme aprovado pela diretoria do sindicato e em consonância com o Programa Nacional de Estágio da Fenaj {Federação Nacional dos Jornalistas} 1. QUEM PODE REALIZAR O ESTÁGIO E EM QUAIS CONDIÇÕES A) Quanto à ESCOLARIDADE: Apenas estudantes de jornalismo regulamente matriculados, a partir do 6º período ou 3º ano; B) Quanto ao TEMPO: Período de estágio e horário: O estágio durará no máximo seis meses (com possibilidade de renovação por outros seis meses), com a jornada de quatro horas diárias, ou 20 horas semanais; C) Quanto à proporção de ESTAGIÁRIOS NAS EMPRESAS: Número de estagiários: - 1 (um) estagiário para uma equipe de até 5 jornalistas formados; - 2 (dois) estagiários para uma equipe de até 10 jornalistas formados. - 5 (cinco) estagiários para uma equipe de até 25 jornalistas - 20% - em caso de equipe superior a 25 jornalistas. D) Quanto à SUPERVISÃO dos processos de estágio: A escola de comunicação e a empresa deverão ter ao menos um supervisor de estágio - obrigatoriamente - para acompanhar o trabalho do estagiário, sendo o horário de jornada do estudante coincidente com o do jornalista responsável pela supervisão do estágio.

Veremos em seguida que a nova Lei do Estágio n°11.788/08 estendeu e

flexibilizou mais a jornada, o prazo e a proporção de estagiários nas empresas, em sintonia

com o movimento de precarização do trabalho. Apesar de alguns avanços em relação à antiga

lei n° 6.494/77 (Anexo C), as brechas e entrelinhas permitem, ainda no campo formal e real, a

exploração da força de trabalho dos estudantes/estagiários/trabalhadores.

Compreendemos que o primeiro decreto (n° 20.294/31), que menciona o estágio

nas escolas agrícolas da Sociedade Nacional de Agricultura e a Lei Orgânica do Ensino

Industrial (n° 4.073/42), dispõe sobre o estágio em ramos ocupacionais específicos e sob

maior autonomia docente. A resolução nº 9/69 do CFE, que rege os estágios nos cursos de

licenciatura, impõe apenas uma carga horária mínima para que os cursos decidam sobre o seu

formato, deixando que o docente responsável pela disciplina crie seus métodos formativos, de

acompanhamento e avaliação – enquanto isso, as exceções apresentadas dos médicos e

jornalistas regulam de certo modo os estágios através de suas organizações e leis próprias (Lei

n°3.999/61; Decreto n° 83.284/79). Desse modo, as leis/decretos acima tratam de campos

distintos de formação.

Já da Portaria Ministerial nº 1.002/67 até a nova Lei dos Estágios nº 11.788/08, há

um incentivo à liberdade das empresas em adquirir estagiários de forma mais indiscriminada.

Conforme leis mais gerais foram sendo criadas, o controle por parte dos profissionais

organizados e a autonomia docente foi diminuindo, na medida em que a Lei geral dos

Estágios generaliza as formas de trabalho sem diferenciá-los. A nova Lei do Estágio,

inclusive, impõe meios de acompanhamento e faz menção à avaliação, provavelmente como

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76 meio de legitimar os estágios como ato educativo pedagógico e não como meio precário de

emprego, mas quando o faz transfere para a normatização jurídica uma alçada que deviria ser

puramente educacional.

Isso fica demonstrado no revogamento do artigo 82, da Lei Federal n° 9.394/96

(LDB), quando definia que o “os sistemas de ensino estabelecerão as normas para a realização

dos estágios dos alunos regularmente matriculados no ensino médio ou superior em sua

jurisdição”. Contudo, a lei n°11.788/08 lhe deu a nova redação: “Art. 82. Os sistemas de

ensino estabelecerão as normas de realização de estágio em sua jurisdição, observada a lei

federal sobre a matéria”.

Também verificamos com esse sintético histórico das leis, que o estágio foi

fortemente aclamado no período da ditadura militar-empresarial, quando das dozes menções

jurídicas, oito são desse período – e na sua maioria, fazem alusão aos estágios como forma de

integração escola-empresa e para o trabalho no serviço público (Anexo C). Não é forçoso

refletir que o amplo apelo ao trabalho de estagiários nesse período, fortemente marcado pelo

tecnicismo da educação, é produto da política econômica que achatou salários e corroborou

com o chamado “Milagre Brasileiro”. Percebe-se também que é nesta época que, nas leis, o

estágio passa de um conceito mais genérico da alçada da formação de algumas áreas

profissionais e ganha um conceito também genérico de integração entre escola e empresa.

Em parecer CNE/CEB 35 (MEC, 2003), que tem por assunto as “Normas para a

organização e realização de estágio de alunos do Ensino Médio e da Educação profissional” e

onde relata parte dos debates que antecederam a nova lei n° 11.788/08, fica visível a

preocupação do Ministério do Trabalho e Emprego – MET com a precarização do trabalho e

dos estagiários: A questão do estágio tem produzido grande preocupação para o Ministério do Trabalho e Emprego em vista do grande número de fraudes que têm sido perpetradas em razão da utilização ilegal desse instituto jurídico. Os instrumentos utilizados para precarizar a legislação trabalhista no Brasil já são conhecidos. O estágio encontra-se crescentemente submetido a esse mesmo processo de precarização. São exceção os casos em que os estágios têm respondido aos propósitos da lei pertinente ou mesmo às intenções manifestas nas resoluções universitárias. Apesar de tudo o que está escrito, os estágios continuam a ter, em sua grande maioria, três características principais: para as empresas, constituem uma fonte de mão-de-obra barata; para os estudantes, constituem uma fonte de renda; para as instituições do mundo do trabalho, principalmente para a área da fiscalização, constituem um problema. O tratamento do estágio como fonte de mão-de- obra qualificada e barata já representa quase uma tradição. O fato está, de certa forma, explicitamente consagrado pelo reconhecimento de que o estágio representa certa vantagem econômica para as empresas, na medida em que permite reduzir o investimento de tempo, de meios de trabalho e ‘salários’ a que estão sujeitas as empresas ao contratar. Como se vê, o estagiário ao longo dos anos tem deixado de se constituir em elemento no processo de qualificação profissional, migrando para se transformar em

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mera solução para o rebaixamento dos custos das folhas de pagamento das empresas. Hoje, mais do que nunca, temos observado no dia-a-dia das empresas a substituição de seus trabalhadores permanentes por estagiários. Em relação aos estagiários vinculados aos cursos de nível médio, a situação é ainda mais dramática. Em virtude das reedições de Medida Provisória, estando atualmente em vigor a MP 2.164, de 24/08/2001, tem sido difundido pelo setor empresarial e pelos chamados ‘agentes de integração’, nas situações em que agem como verdadeiros operadores de mediação de mão-de-obra, a idéia de que qualquer estudante de nível médio pode ser estagiário. Destaque-se que a Lei n.o 6.494/77 (estágio) não foi revista de maneira a incorporar os princípios da Doutrina da Proteção Integral agasalhados pela Constituição Federal de 1988, pela Lei n.o 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e pela Lei n.o 10.097/00 (aprendizagem). Além de não incorporar tais princípios, a lei do estágio por força da MP n.o 2.164/2001, foi no sentido oposto, tornando o estágio porta aberta para as fraudes e negação de direitos básicos e fundamentais garantidos aos jovens. Mas, a interpretação originada pelo comando inserido pela MP 2.164 foi de maneira equivocada, por parte de algumas instituições e empresas, a de que não mais se exigiria a qualidade de profissionalizante para os cursos de nível médio. Rapidamente, instituições interessadas na intermediação generalizada de mão-de-obra adolescente, se puseram a teorizar e defender a exploração de estudantes matriculados em cursos de ensino médio, sem conteúdo profissionalizante, na condição de estagiários. Que relação pode haver entre um serviço rotineiro, maçante e tradicional de auxiliar de escritório, digitador ou atendente com matérias de geografia, história, matemática ou português. Na verdade, não se estagia pois o trabalho não guarda qualquer relação com o currículo escolar. Apenas, se substitui mão-de-obra permanente por falsos estagiários. Este Ministério entende que as formas de inserção de jovens no mercado de trabalho (aprendizagem – estágio – contratação regular após 16 anos) devem ser tratadas de forma a garantir que tal inserção se faça com a garantia de que se afastem quaisquer possibilidades de fraudes e tentativas de explorar força de trabalho de jovens de forma desprotegida. A linha perseguida deverá ser sempre a do trabalho decente. […] Finalmente, este Ministério propõe que seja aprofundado o debate, junto aos atores envolvidos com a temática do estágio, em torno da possibilidade de extensão do estágio para a educação profissional de nível básico, mediante o cumprimento de requisitos mínimos (dentre outros, vinculação ao projeto pedagógico da escola, limitação de carga horária máxima de dedicação ao estágio face à carga horária total do curso e remuneração) e considerando-se a eventualidade de sua implementação sendo determinada por mudanças na lei.

De fato, a nova Lei do Estágio (n° 11.788/08) incorporou o currículo e o projeto

pedagógico, dando maior ênfase ao papel da instituição de ensino no acompanhamento do

estágio. Ao mesmo tempo em que a incube de maiores responsabilidades perante a

possibilidade de fraude da lei, incorpora também meios de acompanhamento dos estágios,

como relatórios, orientação do professor e supervisão de um profissional da área de atuação

do estagiário, integrante do quadro de pessoal da concedente; fixa a jornada, o período

possível de estágio e direito a recesso (Quadro 3 e Anexo C).

A nova lei fixa também o limite de estagiários contratados, relativo ao número de

profissionais. Contudo, esse limite não se aplica aos estagiários de instituições de ensino

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78 superior e educação profissional de nível médio – os dois níveis que possuem o maior

contingente possível de estagiários. Sendo assim, no estágio curricular das EEEPs “a

empresa/órgão/instituição pode ter quantos estagiários quiser, contanto que disponibilizem um

funcionário para supervisionar grupos de até 10 estagiários, por supervisor” (SEDUC, 2014).

A previsão para estágio de estudantes de ensino médio e dos anos finais do ensino

fundamental, conforme visa a nova lei (art. 1°), como relatado no parecer acima do MET, é

motivo para estranheza, já que não é resguardado conteúdo profissionalizante que possa

conferir compatibilidade com o estágio34.

Conforme o parecer CNE/CEB 35 (MEC, 2003) demonstra, as discussões oficiais

em torno do estágio perpassam o mesmo panorama feito em torno da educação no preparo

para o trabalho e para as mudanças operadas no mercado, com a participação sempre marcada

do setor empresarial.

Segundo Shiroma (2007), as políticas educacionais marcadas pela contrarreforma

do Estado buscam uma aparência de consenso através de algumas representatividades da

sociedade civil, da mídia, intelectuais, etc. No citado parecer do MEC, essa falsificação de um

consenso persiste. […] as minutas de Parecer e de Resolução, regulamentadoras das atividades de estágio supervisionado, permaneceram em regime de Audiência Pública Virtual, no Portal do MEC, no site do Conselho Nacional de Educação. A receptividade foi grande e as contribuições foram excelentes. Oitenta e um e-mails foram encaminhados por professores universitários, do ensino médio e da educação profissional, por coordenadores de estágio em vários níveis e modalidades de ensino, por especialistas, pais e alunos, que encaminharam suas sugestões, seus protestos e seus aplausos. Efetivamente, podemos afiançar que os documentos finalmente aprovados são, de fato, frutos de um trabalho coletivo, para alem do que podiam produzir os relatores (MEC, p.2, 2004).

Alguns autores, estudantes e profissionais do Direito vêm alertando, mesmo com

o advento da nova Lei dos Estágios nº 11.788/08, para a ameaça real dos estágios serem

subutilizados pelas concedentes no intuito de reduzir o custo das folhas de pagamento,

caracterizando-se um meio de flexibilização das leis trabalhistas e gerando, assim, uma

precarização no trabalho dos estagiários. Com isso, agrava-se sérios riscos sociais, como o

desemprego, défice na previdência, entre outros.

Analisaremos mais adiante que, ainda na hipótese de não se fraudar a lei,

cumprindo-se os preceitos formais, a própria legislação legitima e anda no fluxo da

acumulação flexível de capitais, pois a política educacional que a envolve arrasta consigo a 34 Hoje, já existe um programa de estágio não obrigatório para os estudantes da rede regular de nível médio do Estado do Ceará. Disponível em: <http://www.seduc.ce.gov.br/index.php/projetos-e-programas/87-pagina-inicial-servicos/desenvolvimento-da-escola/746-estagio-nao-obrigatorio-do-ensino-medio>. Acesso em 08/07/16

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79 educação dos jovens ao gosto do mercado.

Contudo, não queremos afirmar que todas as formas de estágio ou de trabalho-

aprendizagem com o universo da produção seja de todo desfavorável ao jovem. Isso vai

depender muito do conteúdo da política educacional; do projeto político pedagógico da

instituição de ensino e do curso; da remuneração ou não do estágio; do modo como se

organiza, se supervisiona e se avalia esse estágio; do nível escolar em que se pratica o estágio,

entre outros. Vale ressaltar que os estagiários não possuem nenhuma representatividade – nas

EEEPs não existem sequer grêmios estudantis.

Contudo, o estágio, como meio de preparar o estudante para o mercado de

trabalho e para os empregos dispostos nos setores da economia nacional, acarreta

questionamos sobre os fins aos quais estão submetidos os processos produtivos vigentes em

nossa sociedade e nas ocupações dispostas no mercado de trabalho brasileiro.

Pochmann (2012) demonstra, na tabela 2 a seguir, que as ocupações profissionais

mais concorridas e as atividades que mais recrutam trabalhadores no Brasil, durante os anos

1990, “não são aquelas associadas aos setores econômicos que poderiam ser objeto de

mudança no conteúdo dos postos de trabalho e, por isso, estariam necessitando de

trabalhadores mais qualificados” (p.68). Tabela 1: Brasil – evolução das 45 ocupações profissionais que mais ganharam postos de trabalho nos anos 90, segundo a Classificação Brasileira de Ocupações

Categoria ocupacional Variação absoluta Variação relativa

1986/89 1989/97 1986/89 1989/97

Setor privado

Trab. de conservação e limpeza 148.725 458.532 23,8 59,2

Trab. construção civil e assemelhados 1.249 258.973 1,5 314,0

Professores de ensino de segundo grau 15.213 119.934 4,4 32,9

Trab. agropecuários polivalentes 104.255 99.477 81,3 42,8

Trabalhadores do comércio e outros 63.086 72.912 32,8 28,6

Cozinheiros e assemelhados 53.228 65.335 26,1 25,4

Trab. de serviços de administração 59.734 56.794 32,3 23,2

Recepcionistas 34.347 54.966 26,4 33,5

Professores não classificados 22.322 53.435 20,3 40,4

Garçons, barmen, assemelhados 45.414 43.116 24,3 18,6

Enfermeiros 8.465 27.486 24,8 64,5

Professores de ensino pré-escolar 18.036 27.379 33,0 37,7

Despachante e cobrador de transporte 33.996 26.139 27,5 16,6

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Trab. de serviços de proteção e segurança

9.905 21.741 37,7 60,1

Trab. de pecuária de grande porte 20.019 20.727 90,6 49,2

Padeiros e confeiteiros 6.084 20.453 7,2 22,6

Magarefes e trabalhador assemelhado 7.854 20.109 19,8 42,2

Telefonistas e telegrafistas 9.201 18.365 13,5 23,7

Prof. e instrutores de formação 6.963 18.276 32,6 64,6

Analista de sistemas 12.594 16.899 39,3 37,9

Gerentes de empresas não classificados

5.380 16.376 20,6 52,0

Trab. de pecuária de pequeno porte 6.794 16.041 29,4 53,7

Professor de ensino especial 1.158 7.717 24,8 138,5

Técnicos de seguro e comércio externo 471 6.935 32,9 364,4

Trabalhadores de tratamento de madeira

233 6.460 1,8 48,0

Analista de ocupações e assemelhados 2.664 6.316 41,0 68,9

Técnicos desportivos e assemelhados 2.982 5.447 22,9 34,1

Operadores de máquinas e implementos

421 3.022 5,6 37,8

Locutores e comentaristas de rádio e TV

1.194 2.116 15,8 24,1

Nutricionistas e trab. assemelhados 2.290 2.002 33,4 21,9

Diretores de empresas de comunicação 511 1.9892 19,6 60,8

Trabalhadores de floricultura -413 1.784 -9,4 44,7

Chigarreiros 364 721 12,1 21,4

Escultores, pintores e assemelhados 194 398 15,8 28,0

Atores e diretores de espetáculos -32 378 -3,1 37,7

Atletas profissionais -178 367 -8,3 18,7

Agentes de serviços funerários 101 288 9,0 23,5

Setor público

Agentes de administração 26.557 207.457 14,2 97,1

Funcionários superiores 11.027 146.866 3,3 42,2

Guarda de segurança 128.200 72.999 30,2 13,7

Serventuários da justiça 21.403 43.132 42,0 59,6

Agentes supervisores da polícia 3.389 7.418 20,7 37,5

Membros superiores do poder judiciário

1.724 3.290 28,9 42,8

Chefes de serviços de correios e telecom.

80 267 6,6 20,7

Fonte: MTb/Rais/Caged – CBO, adaptado de Pochmann, 2012.

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Por outro lado, as ocupações profissionais que mais estão perdendo postos de

trabalho na década de 1990 no Brasil “permite identificar que, em tese, são profissões

associadas a uma maior exigência de qualificação profissional” (POCHMANN, 2012) Tabela 02 - Brasil – evolução das 45 ocupações profissionais que mais perdem postos de trabalho nos anos 90, segundo a Classificação Brasileira de Ocupações.

Categoria ocupacional Variação absoluta Variação relativa

1986/89 1989/97 1986/89 1989/97

Setor privado

Trabalhadores de calçados 4.416 -47.555 2,0 -21,5

Mestres em manufaturas 5.670 -45.966 3,6 27,1

Carpinteiros -3.203 -43.535 -2,4 32,9

Chefes intermediários administrativos 27.951 -42.839 12,8 -17,4

Torneiros, fresadores e retificadores 470 -37.448 0,4 -28,0

Costureiros -4.799 -34.109 -1,8 -12,3

Datilógrafos, estenógrafos e assemelhados

-10.583 -27.630 -13,9 -42,0

Fiandeiros e trabalhadores assemelhados

2.355 -22.629 3,6 -33,5

Desenhistas técnicos 5.305 -21.281 9,4 -34,5

Trabalhadores de fruticultura 36.966 -19.302 100,1 -26,1

Técnicos de eletric., eletrônica e telecom.

19.436 -18.037 22,9 -17,3

Técnicos de mecânica 7.078 -18.058 22,7 -47,3

Montadores de equipamentos eletrônicos

-36 -17.593 -0,1 -35,9

Tecelões -42 -15.230 -0,1 -42,2

Técnicos de química e assemelhados 7.775 -14.802 24,2 -37,1

Soldadores e oxicortadores 307 -14.629 0,3 -14,6

Ceramistas e trabalhadores assemelhados

7.729 -14.436 12,6 -20,8

Trabalhadores de preparação de tecelagem

-192 -14.466 -0,6 -42,5

Trab. fabricação de produtos de borracha

8.133 -12.846 23,0 -29,6

Chapeadores e caldeireiros 3.686 -10.337 7,0 -18,3

Trabalhadores de concreto armado -2.569 -10.256 -5,8 -24,4

Trabalhadores de preparação de fibras

32 -8.287 0,1 -28,2

Engenheiros mecânicos 2.524 -7.264 13,7 -34,7

Ferramenteiros e modeladores de metais

80 -7.131 0,3 -23,0

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Maquinistas e foguistas de locomotivas 2.370 -6.826 16,4 -40,5

Vidreiros, ceramistas e assemelhados 3.574 -6.632 21,1 -32,3

Fundidores de metais 474 -5.750 2,8 -33,4

Mineiros e canteiros -4.461 -5.510 -24,0 -39,0

Curtidores de couro e peles e assemelhados

4.369 -5.119 17,8 -17,7

Alfaiates, costureiros e modistas -1.452 -5.057 -7,5 -28,1

Trab. mad. e fabricação de papel e papelão

1.999 -4.725 8,1 -17,7

Joalheiros e ourives -1.800 -4.132 --13,3 -35,3

Forneiros metalúrgicos 714 -4.045 5,3 -28,7

Operadores de laminação -6.206 -3.628 -32,2 -27,8

Sapateiros -3.719 -3.317 -27,3 -33,4

Tecelões de malhas 141 -3.105 1,1 -23,7

Técnicos têxteis 755 -2.230 28,5 -65,5

Sondadores de poços de petróleo e gás -874 -2.118 -16,8 -48,9

Pescadores industriais -1.119 -1.638 -22,5 -42,6

Engenheiros metalúrgicos 1.218 -1.620 48,8 -43,6

Operadores de coqueria 597 -1.016 39,0 -47,7

Chapeleiros -269 -973 -14,8 -63,1

Ortoptistas e ópticos -1.275 -902 -33,3 -35,4

Gravadores de vidro -59 -824 -4,8 -70,5

Confeccionadores de instrumentos musicais

-317 -701 -12,6 -32,0

Fonte: MTb/Rais/Caged – CBO, adaptado de Pochmann, 2012.

Na eminência da “empresa torna-se uma instância educadora, já que é desobrigada

do cumprimento das normas trabalhistas como reconhecimento de sua colaboração voluntária

no processo de formação do aluno” (MEC, 2004), deparamo-nos com o conteúdo a ser

oferecido por essas empresas educadoras. Sabemos que o lucro e a sobrevivência no mercado

competitivo são a razão de ser na economia capitalista dessas empresas, e vimos no capítulo

dois (e veremos mais ainda adiante) que, para atingir estes fins, deve-se seguir a lei férrea da

acumulação de capital – e um dos meios para isso é a extração de mais-valia e a

desvalorização da mercadoria força de trabalho. Talvez esse seja o legado esperado por parte

das empresas na sua integração com a escola.

Em síntese, observa-se que o perfil das ofertas profissionais em alta no país não está necessiariamente associado às exigências de maior qualificação profissional. Dado o tipo de demanda de trabalho que mais cresceu nos anos 90 no Brasil, parecem falsas

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tanto as hipóteses que sustentam existir mudanças generalizadas no conteúdo dos postos de trabalho como os argumentos que apontam para a existência de desemprego motivada por uma oferta de trabalho inadequada aos requisitos da contratação empresarial (POCHMANN, 2012, p.70).

A mais-valia relativa pra Marini (2000), na acepção de Marx, é a possibilidade de

intensificar o trabalho num dado tempo da jornada de trabalho. Desse modo, o trabalho

qualificado dos estagiários permite uma extração de mais-valia relativa, visto que chegam nas

empresas já embutidos e treinados em suas instituições de ensino, através de um

disciplinamento psicofísico, técnico-profissionalizante e ideológico para o trabalho intenso –

seja esse material ou intelectual –, estando também dispostos a corroborar a mais-valia

absoluta em longas jornadas de trabalho pouco ou nada remuneradas.

4.2 Entre o estágio, a flexibilização e a superexploração

Segundo alguns autores, a flexibilização do contrato de trabalho revestido de

estágio é possível pela semelhança entre o estágio remunerado e a relação de emprego

celetista. [...] o estagiário traduz-se em um dos tipos de trabalhadores que mais se aproximam da figura jurídica do empregado – sem que a legislação autorize, porém, sua tipificação como tal. De fato, no estágio remunerado, esse trabalhador intelectual reúne, no contexto concreto de sua relação com o concedente do estágio, todos os elementos fático-jurídicos da relação empregatícia (trabalho por pessoa física, com pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e sob subordinação ao tomador de serviços). Não obstante, a ordem jurídica, avaliando e sopesando a causa e objetivos pedagógicos e educacionais inerentes à relação de estágio – do ponto de vista do prestador de serviços -, nega caráter empregatício ao vínculo formado. Essa negativa legal decorre, certamente, de razões metajurídicas, ou seja, trata-se de artifício adotado com o objetivo de efetivamente alargar as perspectivas de concessão de estágio no mercado de trabalho (DELGADO apud CAPONE, 2010, p. 58 ).

Os fenômenos da flexibilização e da desregulamentação no âmbito do Direito do

Trabalho vêm acompanhados da lógica globalizante do capital na procura de locais com

menores custos de produção. Os países com mais encargos sociais e regulamentação perdem

investimentos para aqueles que conferem menores direitos aos trabalhadores. No mercado

mundial, os países de capitalismo avançado têm as mercadorias mais competitivas, o que

muitas vezes inviabiliza a produção interna e o empreendimento nacional dos países

periféricos, tornando-os mais dependentes de investimentos. Por isso, através de governos

dóceis, esses buscam apresentar na feira mundial do mercado de trabalho uma das

mercadorias mais atrativas ao capital.

Para o jurista Martins, apud Capone (2010, p. 53), o termo flexibilização pode ser

definido como: “[...] o conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes

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84 a compatibilizar as mudanças de ordem econômica, tecnológica, política e social existentes na

relação entre o capital e o trabalho”. Essa corrente de pensamento, de cunho neoliberal,

justifica a postergação dos direitos dos trabalhadores (como a estabilidade no emprego, as

limitações à jornada diária do trabalho, a combinação pelo empregador das formas de

contratação de trabalho, ajustadas de acordo com o interesse unilateral da empresa) como

necessidades de natureza econômica.

A flexibilização vem também sob o enfoque da desregulamentação que se

caracteriza pela “flexibilidade imposta unilateralmente pelo Estado, por meio de lei ou decreto

que simplesmente derroga um direito ou benefício trabalhista, diminuindo-o ou substituindo-o

por outro menor” (URIARTE apud CAPONE, p. 54, 2010). Deste modo, distingue-se a

flexibilização e a desregulamentação no âmbito a que se refere, uma vez que essa atine ao

direito coletivo do trabalho, enquanto aquela se refere às normas de direito individual do

trabalhador. Contudo, ambas são formas de abolir em partes conquistas sociais alcançadas

através da luta dos trabalhadores.

O estágio, quando observado por todos os ditames legais, é considerado como

emprego lato sensu, “pois, do contrário, ficaria caracterizada a relação de emprego prevista

pela CLT” (CAPONE, 2010). Para a Lei n. 11.788/08, Art.1° Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos (BRASIL, 2008).

O Juíz do Trabalho, Toledo Coelho, analisa que o legislador, ao mencionar o

estágio como preparação para o trabalho produtivo, primeiro “reconhece que um dos objetivos

do estágio é que o estudante obtenha uma vaga de emprego - em um sistema extremamente

competitivo, o estudante que estagiou na empresa se sobrepõe aos demais candidatos para

obtenção da colocação”. Todavia, em segundo: “ao mencionar ‘preparar para o trabalho

produtivo’, imagina que o estagiário nada produz em contrapartida para o órgão concedente, e

tal não é a realidade” (2009, p. 11).

Na ampla concorrência por uma vaga de trabalho, o estagiário que já trabalha na

empresa, além de obter certa vantagem, tendencialmente está mais disposto a aceitar salários

abaixo da média – seja por já receber pouco como estagiário, seja por sua falta de experiência

em trabalhos anteriores, seja pela necessidade e desejo de ser efetivado, além deste já produzir

efetivamente para a concedente.

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No âmbito jurídico, o estágio precisa atender aos requisitos formais e materiais da

lei nº. 11.788/08, para que não se configure relação empregatícia.

Os requisitos formais na Lei de Estágio são: 1) qualificação das partes celebrantes

do contrato de estágio, ou seja, a empresa concedente do estágio, o estudante-obreiro e a

instituição de ensino; vê-se, portanto, que a relação de estágio ocorre de forma trilateral35; 2)

Termo de Compromisso, documento pactuado entre estudante-obreiro e a parte concedente do

estágio; 3) Observância das regras impostas pela Lei do Estágio, que compreende os

requisitos materiais (CAPONE, 2010).

O Termo de Compromisso se confunde com os requisitos materiais, pois: Neste importante documento serão fixadas as condições de adequação do estágio à proposta pedagógica do curso, à etapa e modalidade da formação escolar do estudante e ao horário e calendário escolar (art. 7°, I). Será incorporado ao termo de compromisso o plano de atividade do estagiário, por meio de aditivos à medida que for avaliado, progressivamente, o desempenho do estudante (parágrafo único do art. 7°) (DELGADO apud CAPONE, 2010, p.61)

Já Mesquita (2010) observa que: Na análise de Santos (2006), o TCE baseia-se no Direito Civil e não no Direito do Trabalho. O Direito Civil disciplina as relações entre particulares que têm o mesmo grau de igualdade, assim caso uma obrigação não seja cumprida serão executadas cláusulas contratuais (Santos, 2006). Apesar disso, sabe-se que o estagiário tem menos poder que o empresário e está em um plano economicamente inferior. A igualdade, portanto, fica apenas no plano abstrato (p.91).

Para Capone (2010), os requisitos materiais da legislação revogada, a lei nº

6.494/77, são os mesmos da nova Lei do Estágio. Os requisitos materiais da relação de estágio

são: 1) O primeiro requisito está relacionado aos fins sociais do contrato de estágio, que deve

ter natureza educativa de caráter didático-pedagógico; assim, a relação de estágio precisa

“garantir ao estudante-trabalhador condições para que este efetivamente obtenha experiência

prática em sua área de formação acadêmica” (CAPONE, p.62, 2010); 2) “[...] que haja real

harmonia e compatibilização entre as funções exercidas no estágio e a formação educativa e

profissional do estudante em sua escola, observando o respectivo currículo escolar”

(DELGADO apud CAPONE, p.62, 2010); 3) A relação de estágio deve ocorrer com a

supervisão dos funcionários da empresa concedente, que tenham formação ou experiência

profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estágio.36 Além dessa

supervisão, a lei determinou para as concedentes elaboração de relatório das atividades

35 Ver na Lei do Estágio n° 11.788/08 : Capítulo II – Da Instituição de ensino, Cap. III – Da parte concedente, Cap. IV – Do estagiário. 36 Art. 9° da Lei n. 11.788/08

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86 realizadas pelo estagiário (Anexo D), de maneira semestral no mínimo, para ser entregue à

instituição de ensino, e outro relatório de termo de realização do estágio ao fim deste37

(Anexo E).

Apesar da finalidade nobre do estágio em se constituir um elemento prático,

complementário e importante na formação do estudante e futuro trabalhador, e o aparente

intuito da nova lei em regular a matéria como meio de conservar essa finalidade, temos

algumas observâncias para fazer em relação aos requisitos formais e materiais, a fim de que o

estágio conserve sua natureza e não se desvirtue em flexibilização trabalhista.

Primeiro, é bastante complexo e relativo dizer o que é coerente do ponto de vista

da formação profissional e cidadã38, como bem afirma o Juíz do Trabalho, Toledo Coelho

(2009, p.12): Ora, no que toca ao estágio, em nossa opinião, exceto em casos de abuso evidente, é complexo analisar se existe compatibilidade ou não entre as atividades teóricas e as atividades realizadas na empresa, principalmente em cursos em áreas mais genéricas, por exemplo, administração ou engenharia. Embora possa estar dentro da expectativa do estudante, o processo gradual do estágio faz com que em suas fases iniciais sejam exigidas tarefas corriqueiras, burocráticas até, sem aparente correlação com o curso, todavia, proporcionando a incursão na cultura da empresa e no clima organizacional.

Isso se torna possível porque, no entender do Juiz, o estágio […] é uma experiência ampla, que não envolve apenas o aspecto do aprendizado prático formal em si, mas o convívio com todo o ambiente empresarial, a participação efetiva no clima e na cultura da organização, em uma gama enorme de atividades que bem representa a atual condição do empregado, que é o de realizar multitarefas, sendo cada vez mais raro o emprego especializado que exige apenas a realização de uma tarefa específica. Nesse sentido, o artigo 3° da lei exige a compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso (TOLEDO COELHO, p.12, 2010).

Dallegrave Neto apud Dugado De Paula (2004, p.6) cita um acórdão neste sentido:

O estágio a que se refere a Lei n. 6.494/77 não exige correlação entre o currículo escolar e a atividade empresarial. Devendo a lei ser interpretada de acordo com o fim a que se destina, estando a finalística da Lei n. 6.494/77 estampada no § 2° do art. 1° (''... a fim de se constituírem em instrumentos de integração, em termos de treinamento prático de aperfeiçoamento técnico-cultural, científico e de relacionamento humano''), à percepção da preocupação do legislador de ensejar meios para o aumento de conhecimento sócio-cultural do estudante, sua participação em atividade laborativa com outras pessoas dando-lhe vivência, experiência e propiciando relacionamento humano fora dos ambientes residência-escola, constata-se que o estágio obediente àquela norma legal não mascara e/ou caracteriza relação

37 Art. 9° da lei nº. 11.788/08 38 Artigo 1°, § 2° da Lei nº. 11.788/08 “O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.”

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de emprego; reafirmação de que na escola da vida o aprendizado é eficaz" (TRT 3a Região, Ac. 1a T., Rei. Renato Moreira Figueiredo, DJMG II, 10.09.92, p. 74).

Percebe-se que, nas três citações acima, a concepção de estágio dos juízes é ampla

ao ponto de encará-lo como meio de “relacionamento humano”, de “convívio com o meio

empresarial” e de conhecimento “sócio-cultural”. No nosso entender, admitir o estágio para

fins de relacionamento humano e sociocultural revela talvez a insuficiência escolar e social de

proporcionar aos jovens um ambiente rico em convívio e em criação cultural. Desse modo,

perde-se de vista o estágio como a possibilidade de reflexão da práxis, o que requer elementos

teóricos para que os estudantes possam construir uma reflexão crítica sobre a atividade do

estágio. A fragmentação do estágio com elementos da teoria e da crítica torna essa prática

curricular insuficiente para a compreensão das debilidades das profissões, formações e

instituições, obstruindo assim projeções de alternativas e superação de tais debilidades.

Essa espécie de simbiose defendida entre escola e empresa, ensino profissional e

mercado de trabalho, estágio e adaptação a cultura organizacional, obscurece o que seria a

compatibilidade entre as atividades teóricas e as atividades desenvolvidas na empresa – ainda

mais quando, no caso das EEEPs, o currículo favorece em muito a compatibilidade com o

mercado. No “acórdão” descrito acima, ainda tratando da lei revogada, não havia realmente

uma exigência de correlação entre o currículo escolar e a atividade do estágio a ser exercida.

Como dito acima, o que há na nova Lei do Estágio39, contudo, é que a escola com seu

currículo e projeto político pedagógico, voltado às satisfações do mercado, não tem como

defender o estudante das mazelas deste, favorecendo na verdade uma naturalização de suas

relações.

Em segundo lugar, a não ser em casos extravagantes de desvio de função do

estágio, como o que nos relata um diretor de EEEP, essa conciliação entre atividades teóricas

do curso e atividades desenvolvidas na empresa ou é de difícil compreensão, ou pode estar

sujeita a acordos e negociações. O processo de estágio acontece sobre a normatização do Termo de Cooperação de Estágio, documento assinado pelo aluno/família, empresa concedente e gestão escolar. No TCE estão contidas as ações que os estudantes podem desempenhar, de acordo com o seu curso. Em algumas ocasiões minoritárias vivenciei situações de desvio de função, por exemplo, no curso de hospedagem uma concedente recebeu um estudante e a única atribuição dada a ele foi a limpeza de banheiros. Após o estudante conversar com o orientador de estágio, e este constatar a situação,

39 Artigo 1° : § 1o O estágio faz parte do projeto pedagógico do curso, além de integrar o itinerário formativo do educando.

§ 2o O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.

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cancelamos o TCE e retiramos o estudante da concedente colocando-o em outra. Já ouvi relatos de às vezes ocorrer com os estudantes de informática o estágio ser praticado para digitar textos, o que não corresponde ao estabelecido no seu curso. Somos orientados a sempre que ocorrer tal situação tomar as atitudes necessárias para que os estudantes tenham uma concedente que faça o melhor itinerário formativo possível (DIRETOR de uma EEEP, entrevista concedida, 2016).

Eis o que diz um orientador de estágios do curso profissionalizante e transações

imobiliárias: [...] tem muita empresa que você percebe que tem aquela visão do estagiário é pra fazer o serviço que eu não quero fazer...mas é como eu te disse...dependendo da gerência...dependendo da visão... e da cultura organizacional daquela empresa... isso cai por terra, né? Estagiário tá lá pra se tornar um futuro empregado, né? [..] então vai depender muito disso[...] Desvio de função... às vezes acontece... já tive... quando teve a gente teve que tirar o estagiário da empresa...a gente desligou o estagiário e tive que recolocá-lo em outra empresa{...} é assim...desvio de função...a gente...eu pelo menos... eu e minha colega de trabalho, nós não aceitamos desvio de função... desviou, tá fora! ... a gente primeiro procura a empresa né... olha tá acontecendo isso... se não der certo... se não houver uma mudança de postura aí então a gente realmente desliga... se houver a mudança... a gente dá uma chance... né... se não houver a gente tira porque o nosso objetivo não é esse... nosso objetivo é... eu bato sempre na tecla... é o aprendizado... é assim: é aprendizado junto com o profissional... é muito complicado{...}é muito tênue... a barreira é muito tênue[...] é... uma via de mão dupla, né... num dá pra... é muito complicado isso... tem que dar chance pros dois lados [...].

Agora vejamos o relato de um egresso da EEEP do curso técnico em edificações,

que estagiou em um canteiro de obra de uma empresa de construções. Quando questionado se

havia percebido em algum momento desvio de função, ele nos disse: [...] No meu caso não, mas de uma colega sim... que estava estagiando lá... ela não estava vivenciando realmente o que era pra ela tá fazendo lá[...] Era [curso de] edificações também, ela tinha a torre dela lá, mas ela ficava muito mais no escritório de segurança... aí ela fazia outras coisas que não tinha muito a ver... foi até falado isso também... pra resolver... porque o supervisor da obra estava reclamando... porque ela estava fazendo outro serviço sem ser o que era pra ela fazer...[...] [Ela] Foi chamada por... necessidade. Porque no escritório de segurança, onde era resolvido documentação de quem estava chegando, de quem não estava... dos empregadores, né... contratados... aí... era só duas mulheres... aí estava necessitando de mais alguma pessoa... aí ela sempre ia ajudar [...] Aí o supervisor reclamou com a nossa orientadora[...] De que ela não estava realizando o que era pra ela fazer [...] Foi uma das técnicas em segurança que chamou ela. [...] aí foi resolvido... porque ela não podia ficar muito lá, mas ela continuou ajudando [...] Aí ela fazia de tudo [...] ficava tanto no escritório como ia pro canteiro {...}. (Entrevista com um egresso da EEEP, concedida em 2016).

Mesmo o egresso afirmando que não houve desvio de função no seu campo de

estágio, reconhecemos no seu relato o que afirmamos acima: uma certa confusão do que seria

a atividade apreendida do curso e as atividades concedidas pela empresa. Assim, temos

algumas das atividades desenvolvidas por esse ex-estagiário, que nos descreve: Meu campo de estágio era exatamente nessa parte de verificação a obra, de... classificava em tudo, tanto de fiscalizar canteiro, verificar problemas, erros, questões

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de medidas, tudo isso... a verificação do prédio completo [...] fazia de tudo um pouco... tinha a questão de fiscalização do canteiro, fiscalizar como tava o andamento da obra... {o técnico} normalmente não ficava... tipo... direto com a gente. Eles deixavam sempre alguma atividade pra nos realizar... sozinho... ele dava um direcionamento... aí o resto nós fazia [...] no caso eu fiquei responsável por um dos... das torres... que era três torres na minha obra... então eu fiscalizava todos os trabalhos que tinha nessas torres, fazia presença dos funcionários... pra poder ter a questão da produção deles... de quanto eles poderiam receber ou não [...] eu tinha que ver o andamento do trabalho deles... toda a semana tinha que fazer a presença... saber em que pavimento eles estavam... como tava o andamento dos serviços... se estavam sendo correto, verificação de serviços... eu verificava também, para corrigir erros... e tudo mais... pra gente passar por supervisor... também tinha leitura de projeto [...] de ferro, armadura, projeto arquitetônico [...] Muita planilha, excel... dados [...] essas planilhas contemplava tipo medidas... tinha muitas medidas... do prédio... do... por exemplo da fachada... eu fiquei um período na fachada fiscalizando... então nós tinha que fazer todo um mapa com as medidas da (inaudível) ... aí... também... deixa eu ver... tirar medições, verificar pisos, verificar azulejo, esquadrilha, janelas... toda essa parte da verificação também.

Podemos destacar a parte em que o estagiário fiscaliza o trabalho dos outros

funcionários no que diz respeito à presença, quanto eles podem receber, em que pavimento

eles estavam. Comparando o perfil do técnico em edificações apresentado pela SEDUC

(2016), não conseguimos identificar onde se enquadraria essa fiscalização. Edificações Carga horária: 1300 horas teóricas/400 horas de estágio Perfil: Apto a identificar diferentes tipos de solos, ferramentas e instrumentos topográficos, materiais de construção utilizados em obras, especificando e orientando sua correta utilização. Também possibilita ao técnico projetar com auxílio de computador (CAD), além de fiscalizar e acompanhar projetos e obras civis, fazendo o controle tecnológico da obra. Áreas de atuação: Escritórios de projetos de Engenharia e Arquitetura. Laboratório de análise de solos e de materiais utilizados na construção civil. Construtoras de pequeno e grande porte, públicas ou privadas. Empresas de comércio, representação e vendas na área de construção civil. Empresas de construção civil, públicas e privadas. Departamento de manutenção predial de empresas públicas e privadas. Concessionárias de serviços públicos e órgãos públicos/ currículo

Em uma análise mais criteriosa do trabalho executado pelo estagiário em

edificações, constatamos que, nas competências referentes ao seu itinerário formativo em seu

currículo, é perceptível o parcelamento do processo de trabalho no caso da construção civil.

Esse parcelamento se torna ainda mais evidente quando observamos os diferentes cursos

técnicos do eixo de infraestrutura. Atividades complexas, que eram da ordem dos

engenheiros, são parceladas em sua unidade em algumas mais simples e outras um pouco

mais complexas. O trabalho de “tirar medições, verificar pisos, verificar azulejo, esquadrilha,

janelas...”, antes parte rotineira do trabalho do operário da construção civil, pode ser

repassada para as mãos de técnicos que, por sua vez, repassam as atividades ainda mais

simples para os estagiários (BRAVERMAN, 1981, p.173).

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Temos também a usual discrepância entre o que se prepara para o trabalho nos

cursos de qualificação profissional e o que exige de fato o posto de trabalho.

E para além do currículo formal, há o currículo oculto, onde pode ser visível o

apelo de caráter gerencial em seus conteúdos, como demonstra esse “indicador de domínio do

técnico em edificações” disposto no Manual do intinerário formativo, avaliação e

acompanhamento do estágio do curso Técnico em Edificações (SEDUC, 2013, p.12). Motiva, une e coordena um grupo de profissionais; Tem iniciativa e exerce liderança; Percebe as potencialidades de cada membro do grupo e sabe explorá-las de forma a trazer benefícios para o projeto em questão; Busca o comprometimento e o aperfeiçoamento individual em prol do trabalho em grupo. Faz a locação da obra, executando instalações provisórias; Assegura o fluxo de insumos para o andamento da obra; Seleciona trabalhadores, desenvolvendo treinamentos, fiscalizando a execução dos serviços; Fiscaliza a execução da obra; Emite relatórios técnicos.

As ocupações redimensionadas no seio das empresas são feitas de um modo que o

trabalho aplicado diretamente na produção possa ser diminuído em números e o saldo

resultante, canalizado no trabalho indireto e de controle das atividades. “Esta alternância cria

uma pequena proporção de funções técnicas, a maioria delas ligadas à gerência, e uma

proporção maior de funções de grau inferior rotinizadas, técnicas ou burocráticas não

especializadas” (BRAVERMAN, 1981, p. 219).

Muitas vezes, o estudante imaturo, necessitado de proteção social por não

conseguir fazer a sua própria proteção individual, numa relação de submissão à escola e à

empresa, pode relevar situações que não deveriam ser relevadas. Na nossa concepção, expôr

esses jovens de uma formação ainda frágil às mazelas das relações de trabalho capitalista é

bastante arriscado, uma vez que estamos entregando o pouco de instrução que eles podem ter

ao um sistema capitalista falido moralmente.

Não queremos afirmar que esses jovens devam ser postos em uma redoma à parte

do mundo em que vivem e das relações que vivenciarão, mas de todo modo, como é certo que

esses filhos da classe trabalhadora cedo ou tarde experienciarão as relações degradantes do

trabalho capitalista, que lhes seja dada a oportunidade de níveis de pensamento mais abstratos

e de experiências práticas, tutelados pelas instituições de ensino que socialmente ficaram

responsáveis por esses fins – e não às empresas, que têm por fim o lucro.

A questão é que esses jovens, munidos do exercício do pensamento crítico, podem

com muito mais eficácia questionar o mundo, as instituições e o trabalho que se apresentam e,

desse modo, intervir com um real protagonismo que demanda autonomia de pensamento e

maturidade teórica.

O estágio, como assinalado acima, é considerado um emprego latu sensu – ele

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91 possui todas as características jurídicas de um empregado regido pela CLT, contudo não goza

das premissas estabelecidas por esta, como fator previdenciário, licença maternidade, entre

outros.

Pelo artigo 10° da lei 11.788/08, a jornada do estágio pode chegar até oito horas

diárias ou quarenta horas semanais. Caso a jornada se exceda, não há o direito de formação de

quadro de horas e de compensação ao estagiário, cabendo tão somente à configuração do

vínculo empregatício, vez que se encontra descaracterizado o vínculo e a finalidade do

estágio. Eis o relato de um egresso de uma EEEP, técnico em edificações, que estagiou em um

canteiro de obras: Da minha parte, uma das reclamações que eu fiz foi questão do horário, porque teve vezes que eu fiquei até sete horas da noite [...][eu chegava] sete horas da manhã [...][e teve uma vez que eu saí] sete e meia da noite, por conta de um serviço que tinha lá, não tinha ninguém pra fazer...eu estava tipo... peguei no final da tarde o serviço... que era pra ficar analisando, verificando... aí... foi se desenvolvendo esse serviço... e foi passando as horas e não tinha mais ninguém pra ficar... aí eu tive que ficar lá [...] na verdade não teve nenhuma comunicação... eu só fiquei lá e as pessoas iam embora e... não ficavam... ficavam só algumas... aí eu não ia deixar o serviço sozinho lá rolando... tinha que ficar lá [...] essas horas extras nunca era contada... era contada só as oito... porque nós era também... todo dia nós tinha que botar... o horário que a gente chegava e o horário que a gente saía numa folha, com o nosso nome e assinatura do supervisor... então era contado sempre de sete às dezessete[...] esse horário [de sete e meia, aconteceu] duas/três vezes... aí seis horas... sai assim... frequentemente... às vezes seis horas... seis e meia [...] Aí a orientadora conversou com o supervisor... e ele falou, né?! Que eu não podia mais ficar... até esse horário [de sete e meia]... então foi-se resolvido.

No Guia do Estágio das EEEPs (2014), está previsto uma hora para descanso no

caso de jornada de trabalho de oito horas semanais, podendo também ser concedido a cargas

horarias menores sem, todavia, contar como carga horária de estágio, e por isso também não é

remunerada.

Evidenciamos também a dificuldade de deslocação desse ex-estagiário, uma vez

que este residia e estudava no município de Caucaia e estagiava num bairro distante do

município de Fortaleza, sendo preciso pegar quatro transportes coletivos diariamente. O

decreto que regula os estágios das EEEPs prevê auxílio-transporte para seus estagiários, mas

apenas no valor de passagens da cidade, não dispondo, pois, o estagiário de auxílio transporte

intermunicipal. Contudo, ainda vale destacar que esse desconhece o seu direito a tal auxílio

assegurado pelo decreto, afirmando inclusive não receber o benefício, assim como não tem

ciência do valor de sua bolsa, o auxílio-estágio. Nossa bolsa na verdade custava por hora. Aí nunca era bem especificado esse valor de quando era... diziam que era três e pouco, cinco reais por hora, mas a gente sempre conseguia determinar pela quantidade de horas que a gente trabalhava, por exemplo a gente estagiava por mês, então se a gente fizesse umas cem horas dava

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uns 350 reais...400 [...] Em 100 horas eu recebi 350 reais [...]. Não [tem um valor certo por mês] porque cada mês, por exemplo, tem as questões de feriados e tudo mais, então vai ter dias em que você não vai estagiar, e tem dias que você falta porque fica doente. [Pesquisadora: Mas nisso... tu não sabe quanto é que vale uma hora?] Não exatamente. [Pesquisadora: Mas e... vale transporte vocês recebem?] Não!... tudo é só o dinheiro da bolsa mesmo... a gente tem que se virar pra chegar (inaudível). [Pesquisadora: E nessas oito horas de trabalho, que foi em julho, né? Você tinha intervalo de descanso?] Tinha. Tinha uma hora de almoço. [Pesquisadora: era remunerada essa hora de almoço?] Não, já ficava como incluída nas oito horas.

Conforme nos informou o diretor em entrevista (2016), os estudantes recebem o

vale transporte e o auxílio-bolsa em um mesmo montante. O que nos parece é que o estudante

não tinha conhecimento do quanto deveria receber.

Os estagiários das EEEPs não têm direito a faltas abonadas mesmo com atestado

médico. No caso do nosso entrevistado acima, sua professora orientadora de estágio ainda

aconselha os estagiários a doarem mais oito horas de trabalho, para o caso de alguma falta: [a carga total de estágio foi] quatrocentas horas... a gente fez oito horas a mais.... porque às vezes... ocorre algumas falhas... aí a orientadora nos orientou...nos direcionou a fazer mais oito horas... [Pesquisadora: Algumas falhas na aquisição de competências...o que era?] Não sei na verdade... ela disse que era pra ficar mais preciso... pra não ter nenhum problema... se faltou... porque às vezes você falta ... aí ela pediu pra gente fazer mais dois dias pra ficar... tipo... tranquilo [Pesquisadora: Mas se tivesse falta? Você faltou?] Não, eu não faltei. [Pesquisadora: Mas mesmo assim você fez mais essas oito horas... mas elas não foram pagas?] Não.

A nova lei não prevê licença maternidade para estagiárias grávidas. E no caso das

estagiárias das EEEPs, essas são afastadas do estágio, atrasando sua formação, como nos

relata um diretor: “[...]a estudante ficou grávida, então ela não consegue fazer o estágio

naquele momento... quando ela volta, que ela teve bebê... ela pode fazer o estágio... né?”

(Entrevista com um diretor de EEEP, concedida em 2016). Não é difícil especular que em

casos como esses a estudante pode inclusive desistir do curso, pois novas responsabilidades

advém com o recém-nascido. “Para o discurso empresarial, a garantia do direito a licença

maternidade na legislação do estágio teria causas negativas para a contratação de estagiários,

pois tornaria o estágio ‘mais’ caro e assim, menos atrativo para as empresas” (MESQUITA,

2010, p.93).

Desse modo, podemos perceber uma discriminação de gênero com relação a não-

garantia de licença-maternidade. O relato do estudante (no primeiro tópico), ao comentar o

desvio de função de uma colega também estudante do curso técnico de edificações, que foi

encaminhada para uma atividade de secretária, também nos chama a atenção, pois não nos

parece meramente fortuito o fato de ter sido uma mulher desviada para uma função de

secretariado. Na entrevista com o diretor de EEEP, esse nos cita que já foi relatado em sua

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93 escola um caso de assédio moral com uma estudante:

Com relação a assédio moral, infelizmente como em outras situações no meio empresarial, os estudantes também correm o risco de sofrer com tal situação. Assim já tive um caso, onde uma estudante veio me procurar pra falar sobre o que estava vivenciando na empresa. Entrei em contato com o orientador de estágio e após verificarmos a situação encaminhamos para outra concedente. Estes casos, apesar de serem minoria, precisam de um acompanhamento forte para que situações como esta não aconteçam com os estagiários (Entrevista com um diretor de EEEP, concedida em 2016).

Como bem disse o diretor, situações como essas podem ser sucetíveis a qualquer

um no meio empresarial. O caso é que a escola não tem como evitar que fatos como esses

aconteçam, como também não denucia à Justiça – talvez por receio de ferir a boa imagem e

relação que tentam ter como as empresas, o que pode interferir na concessão de estágio.

A própria Lei do Estágio (n° 11.788/08) praticamente incube à instituição o papel

de fiscalizar os estágios, e apenas prevê que a escola deva “V – zelar pelo cumprimento do

termo de compromisso, reorientando o estagiário para outro local em caso de descumprimento

de suas normas” (Art. 7°).

Contudo, casos como esses (de desvio de função, de assédio moral, de horas

extras, de precarização de qualquer tipo), ao não serem tratados de maneira crítica pela

instituição educacional e denunciados à Justiça (preferindo-se “passar por cima”, evitar o

conflito, negociar, conciliar, ou no mais drástico, realocar o estagiário a outra empresa),

podem acarretar numa naturalização ou ocultação dessas relações. Tal atitude causa graves

problemas na tomada de consciência desses estudantes, sem contar que a escola, que deve

proteger integralmente os jovens, disponibiliza-os a passarem por experiências degradantes de

relação de trabalho. Sem existir o devido acompanhamento, como no caso da jovem assediada

moralmente, a autoestima dos estudantes podem ser afetadas seriamente, entre outros fatores. […] muitos jovens realizam estágios que desrespeitam a legislação e se baseiam na precariedade, seja por atuar fora da sua área de formação, seja por realizar horas extras, além de outras táticas empresariais de desvirtuação do estágio. Parte dos jovens considera que essa precariedade do estágio é temporária, normal e necessária, que será eliminada no momento que houver uma promoção na carreira, ou mesmo, quando for conseguido um novo estágio ou emprego formal. Desse modo, o que se expande entre boa parte dos jovens é o pensamento acrítico e a aceitação do estágio como ele é, tudo isso para um dia ter ‘um lugar ao sol’ no mercado de trabalho e a precariedade ficar apenas como uma lembrança a que outros deverão passer (MESQUITA, 2010, p.8).

A Lei de Estágio, ao não incorporar a proteção integral dos trabalhadores regidos

pela CLT, nem do Estatuto da Criança e do Adolescente, faz aumentar as possibilidades de

exploração dessa mão-de-obra.

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A Lei de Estágio, ao prever a possibilidade de trabalho para o adolescente, sem vínculo de emprego, contraria nossa Carta Magna, que além de outras proteções prevê que é dever de todos colocá-lo a salvo da negligência, discriminação, exploração, opressão. Art. 227, CF/88 (SANTOS, 2006, p.55).

Os estágios, uma vez mal fiscalizados, também favorecem a sua desconfiguração: Os estágios ainda não são eficientemente fiscalizados, o que acarreta enorme prejuízo a todos os envolvidos, mas, sobretudo, ao país como um todo, visto que estudantes perdem sua prioridade educativa e passam verdadeiramente a trabalhar (CAIXÊTA JÚNIOR, 2014, p.159).

Podemos atribuir o baixo valor da bolsa-auxílio, no caso dos estágios

remunerados, como um dos fatores que contribui com a precarização do trabalho dos

estagiários, somado à ausência de auxílio-alimentação.

4.2.1 O estágio e a economia capitalista

O Governo Brasileiro não possui dados sobre estágio, e alguns dos existentes são

de agentes de integração. O alto uso da força de trabalho dos estagiários por empresas, órgãos

públicos e profissionais liberais no Brasil não passou despercebido pela imprensa jornalística.

Assim vemos na seguinte matéria da BBC40:

“A Catho [empresa de classificados de emprego] diz que o número de vagas de estágio anunciados nos primeiros cinco meses deste ano [2015] pela empresa teria passado de 30.382 para 41.215 – um aumento de 35,6%. Para se ter uma ideia, no mesmo período, a abertura de vagas na economia caiu 14,2% segundo cálculos de Raone Costa, economista da Catho-Fipe. Na Cia de Talentos, o volume de vagas de estágio também teria crescido 25%. Já o Webestágio, agência online ligada ao Banco Nacional de Empregos (BNE) diz ter registrado um aumento da busca por estagiários de 15% a 20% no primeiro semestre deste ano. Segundo Eraldo Vieira, especialista em recrutamento e seleções da Webestágio, o ponto alto da procura foi janeiro, quando houve um aumento de 216% sobre o mesmo período de 2014”.

Na continuidade da matéria, um paralelo com os altos índices de procura por

estágios é confrontado com o aumento do índice de desemprego: “Segundo dados do IBGE,

40 BBC Brasil, Crise faz procura por estágio disparar. 23 de julho de 2015. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150716_estagiarios_ru>. Acesso em: 20.06.2016 ; Outras matérias jornalisticas que evidenciam os memos dados, ou semelhantes em: <pernambucoleijá.com>. Número de estagiários cresce 216% no Brasil diz pesquisa. Escrito em 08 de junho de 2015. Disponível em: <http://pernambuco.ig.com.br/carreiras/2015/numero-de-estagiarios-cresceu-216-no-brasil-diz-pesquisa>. Acesso em 20.06.2016; Bom dia Brasil. Na contramão da crise, oferta de estágio aumenta 4,5% no primeiro semestre. 03 de Novembro de 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2015/09/na-contramao-da-crise-oferta-de-estagio-aumenta-45-no-1-semestre.html>. Acesso em: 15.06.2016.

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95 [...] a taxa de desemprego nas principais regiões metropolitanas brasileira (medido pela

Pesquisa Mensal de Emprego) subiu para 6,9% em junho. Em maio a taxa foi de 6,7% e, no

mesmo período do ano passado, de 4,8%. Foi o maior índice para um mês de junho desde

2010”. Ou seja, o número de contratações de estagiários cresceu enquanto que a contratação

de trabalhadores efetivos diminuiu.

Em outra matéria de jornal, o especialista em recrutamento e seleção de

candidatos, Eraldo Vieira, afirma que a crise econômica tem relação com o aumento na

procura por estagiários: “com a desaceleração da economia, o empresário vem buscando

alternativas para diminuir sua folha de pagamento. Ele encontra na contratação de estagiários

a principal saída para vagas que não exigem tanta experiência” 41.

Uma das consequências do alto uso da força de trabalho dos estagiários em

detrimento da contenção de custos é, como afirma o economista Costa42, o achatamento dos

salários. No geral, não acho que as empresas estejam demitindo profissionais efetivos para contratar estagiários – até porque há regras sobre o programa de estágio que impede essa substituição. Essa seria uma visão muito simplista. Mas, de fato, há uma tendência geral para a contratação de pessoas com salários mais baixos que parece estar favorecendo a entrada de estagiários nas empresas.

O economista acrescenta a isso o fato do salário médio do profissional admitido

ter caído de forma significativa nos primeiros meses de 2015. Segundo levantamento da

Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), o salário médio de admissão caiu 2% em

junho de 2015 comparado ao mesmo mês do ano anterior. O resultado é o segundo pior em 11

anos, perdendo apenas para o mês de fevereiro de 2015, quando apresentou uma queda de

2,1%.43

Mas diferente do que afirma o economista, talvez haja uma lógica invertida na

relação entre baixos salários e o aumento de estagiários, pois parece mais acertado dizer que a

entrada de estagiários nas empresas favorece a tendência geral para a contratação de pessoas

com salários mais baixos e não o contrário. A sua disseminação no mercado de trabalho, a

baixo custo e de fácil adesão aos ditames das empresas, gera uma concorrência desleal com os

41 Pernambucoleijá.com. Número de estagiários cresce 216% no Brasil diz pesquisa. Escrito em 08 de junho de 2015. Disponível em <http://pernambuco.ig.com.br/carreiras/2015/numero-de-estagiarios-cresceu-216-no-brasil-diz-pesquisa>. Acesso em: 20.06.2016 42 BBC Brasil. Crise faz procura por estágio disparar. 23 de julho de 2015. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150716_estagiarios_ru>. Acessoo em 20.06.2016 ; 42 Desemprego cresce e salario de admissão cai, mostra pesquisa. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/08/desemprego-cresce-e-salario-de-admissao-cai-mostra-pesquisa.html>;

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96 que estão à procura de se efetivar e, mesmo aos que já são efetivados, mas que podem a

qualquer momento retornar ao jogo do mercado.

A contenção de custos leva a gerência a ordenar as funções, postos e atividades do

trabalho; “os diretores estão sendo substituídos por gerentes, ou diretores que ganham menos,

por exemplo” diz Costa, economista da Catho-Fipe44.

Como o estágio acaba por ser força de trabalho produtiva, e com sua alta

possibilidade (formal e real) de caracterizar-se como flexibilização de contrato, o que explica

sua precariedade, parece que seu alto uso nos anos 2007-2015 afetou no achatamento dos

salários, provocando um efeito no mercado de trabalho.

O estágio pode ser uma particularidade bastante reveladora da educação

profissional e do mercado de trabalho. O alto índice de desemprego e o uso precário da força

de trabalho de estagiários vêm pesando no achatamento dos salários.

A doutrina neoliberal, que tem o mercado como o (des)regulador social, chama o

Estado brasileiro e seu aparelho educacional, através de suas políticas, a atender as demandas

deste mercado. Isso causa, pois, um efeito nos rumos da educação nacional – que, por sua vez,

ocasiona os efeitos esperados no mercado.

A questão é que o mercado e o Estado, que lhe serve, não se preocupam com a

produção e a transmissão de conhecimento, com a ciência, com a verdade, a não ser com o

que lhe é útil. Mais precisamente, ambos se preocupam com tudo que lhes é útil: “verdade,

meia verdade, ou erro” (Nietzsche, 2008, p.106). A aliança entre escola e mercado só tem

sentido, portanto, se a escola puder se empenhar em servir o mercado com a tutela do Estado,

colocando o interesse deste acima dos interesses da educação da nação – ou pior, confundindo

estes dois interesses como um interesse comum.

Certamente, para o Estado de orientação neoliberal seria um golpe de mestre

assumir a própria escola a serviço do mercado de trabalho e o pagamento de seus

“funcionários”. Mas se sabe que é da própria “natureza” das ciências, da filosofia, do

pensamento crítico e da criação artística jamais se por a serviço, não se deixar assalariar. Ao

contrário, o que esses campos da educação precisam é de liberdade e autonomia, o que lhes

traz responsabilidades com a verdade e com um projeto de humanidade – e no caso da

educação brasileira, com a realidade do seu povo.

44 BBC Brasil. Crise faz procura por estágio disparar. 23 de julho de 2015. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150716_estagiarios_ru>. Acesso em: 20.06.2016.

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97

Contudo, sob as diversas facetas da reestruturação produtiva, as questões

relacionadas à gerência e à tecnologia seguem o imperativo da acumulação capitalista de

rebaixar o valor da força de trabalho. O capital cresce à medida que se apropria da capacidade

de trabalho, do trabalhador e da trabalhadora. Apropria-se não apenas do produto do seu

trabalho, mas também de sua subjetividade, processo criativo e habilidades, desde que o

processo produtor de mais-valia cresça e se intensifique nas diferentes esferas da vida social.

A educação entra, pois, em demandas mais amplas de controle social (combate à

pobreza e segurança), e o mercado de trabalho torna-se a bandeira da educação nacional e das

EEEPs em particular. Acontece que o mercado de trabalho, influenciado pelas leis gerais da

acumulação e da reestruturação produtiva, vem demandando mudanças na aquisição de

habilidades. Braverman (1981) demonstra que essas vêm decaindo em seu conteúdo no seio

da maioria das profissões e na maioria da população trabalhadora em geral, conjuntamente

com a estrutura educacional.

O principio de Babbage (1792-1871) nos ajuda a entender esse processo. Segundo

Sartelli (1999), Babbage foi muito citado por Marx e também o foi por Braverman (1981).

Seu princípio consiste em que: em uma sociedade baseada na compra e venda da força de

trabalho, ao dividir o trabalho, barateia-se os seus componentes – o que significa que,

dividindo os processos produtivos, pode-se separar as partes mais complexas das mais

simples e subjugá-las a diferentes trabalhadores. O resultado é uma enorme economia de

capital em salários. Supomos que se precise de dez trabalhadores médios para realizar um

mesmo trabalho e que se pague 10$ a cada um. Modificado o processo de trabalho, obtemos

que uma parte desse processo requer dois trabalhadores de maior qualificação, aos quais se

continua pagando 10$; três trabalhadores de qualificação menor, que se pode pagar 7$ a cada

um deles; e por último cinco trabalhadores de menor educação técnica, cujo 5$ basta para

pagar cada um. Vemos que o gasto inicial era de 100$ e, com a nova divisão do trabalho, esse

gasto passa para 66$ (SARTELLI, 1999).

Para Sartelli (1999, p.3), esse princípio que acompanha a lei geral da acumulação

capitalista (que é obrigada a modificar constantemente sua produção através principalmente

das máquinas e da gerência, por perigo de não ser tão produtiva do que seus concorrentes),

tem reflexo direto nas reformas educacionais pelo mundo: El desarrollo del capital, es decir, la guerra permanente que lo trastorna todo, está generando nuevos logros en la productividad del trabajo, de la conquista humana sobre el mundo material, al mismo tiempo que, consecuentemente, degrada relativamente las capacidades de esos mismos hombres y mujeres que consume en la hoguera eterna de la producción de plusvalía. Para un mundo de menor cantidad de

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trabajos calificados y una vasta masa de trabajadores sin habilidad técnica alguna, una educación de elite, ligada a los requerimientos de las empresas, acompañada por una escolarización elemental, también ligada, como iba a ser de otra manera, a los requerimientos de las empresas. Los responsables de las políticas educativas de la Alianza y el Justicialismo aunque lo nieguen en público, lo aplican a rajatabla en todos los niveles de enseñanza. Mientras escuchamos tanta mentira sobre las virtudes de la educación prometida, Charles Babbage, asomado a la vidriera de una casa de computación, vuelve a sonreir.

3.3 Os Estágios nas Escolas Estaduais de Educação Profissional

O estágio curricular obrigatório faz parte do projeto pedagógico dos cursos de

ensino médio integrados à educação profissional, justificando-se por favorecer o

desenvolvimento das “competências próprias da atividade profissional, oferecendo ao

estudante a possibilidade de vivenciar a realidade do mercado de trabalho” (SEDUC, 2015).

Os estudantes iniciam o estágio curricular, remunerado pelo Governo do Ceará, no segundo

semestre do terceiro ano do curso – com uma carga horária total de 600 horas para os cursos

do eixo de saúde e 400 horas para os cursos dos demais eixos. A escola é responsável pela

captação de vagas nas empresas, e a SEDUC gerencia tanto essa captação, como a

formalização jurídica, a frequência mensal do estagiário e o plano de estágio por meio de um

Sistema Informatizado de Captação e Estágios – SICE.

A lei federal 11.788/08, Lei do Estágio, não obriga às instituições de ensino e

nem a parte concedente de estágio, seja ela órgãos ou entidades públicas ou privadas, à

concessão de bolsa ou outra forma de contraprestação (Art. 12); fica apenas previsto a

obrigatoriedade da parte concedente em contratar a favor do estagiário seguro contra

acidentes pessoais (Art. IV) abrindo, ainda, a exceção, no caso de estágio obrigatório, da

contratação do seguro ser assumida, alternativamente, pela instituição de ensino.

Já o decreto estadual n° 30.933/12, que institui o Programa de Estágio para

Alunos e Egressos do Ensino Médio da Rede Pública Estadual, voltado à Formação Técnica e

Qualificação Profissional, diz em seu Artigo 5° que “os Agentes de Integração poderão

conceder bolsa de estágio aos educandos beneficiários deste Programa no valor de R$311,00

(trezentos e onze reais)” sendo o valor desta bolsa reajustado pelo “mesmo índice de revisão

geral de remuneração dos servidores públicos do Poder Executivo, das Autarquias e das

Fundações Públicas do Estado do Ceará.” (Art. 5°, §1°).

Pela Lei do Estágio, n° 11.788/08, as instituições de ensino e as partes

concedentes de estágio podem, ao seu critério, recorrer a serviços de agentes de integração

públicos e privados (o que fala o Art. 5° acima). No âmbito do Programa de Estágios do

Ceará, os serviços de agente de integração devem ser executados pela Secretaria de Educação

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99 – SEDUC e pela Secretaria de Trabalho e Ação Social – STDS, engajando o estagiário em

instituições públicas ou privadas (decreto 30.933, Art. 4°, 2012).

Conforme o decreto supracitado, o agente de integração (aqui na forma das

secretarias do Governo do Estado citadas acima), além da bolsa estágio, pagará ao estagiário

auxílio-transporte e contratará em favor do estagiário seguro contra acidentes pessoais (Art.

6° e 5°; §4°). Já de acordo com o Art. 9°, “O estagiário não fará jus a auxílio alimentação e

assistência a saúde, bem como outros incentivos diretos ou indiretos”.

Relembrando o parecer feito (para a discussão promovida pelo MEC sobre os

estágios), o MTE faz a menção de que há situações em que os agentes de integração “agem

como verdadeiros operadores de mediação de mão-de-obra” (MEC, p.19, 2003). Nos estágios

das EEEPs, o Estado, além de ser operador, é o “pagante” dessa mão-de-obra.

No supracitado decreto, há uma discriminação do programa e dos cálculos da

concessão de bolsa, onde aparece:

SECRETARIA:

Secretaria da Educação do Estado do Ceará -

PROGRAMA:

SEDUC 014 Ensino Médio Articulado à Educação Profissional

PROJETO MAPP No:

807 - Concessão de bolsa de estudo para alunos das escolas de educação profissional - FECOP.

PROJETO DE EXECUÇÃO:

Concessão de bolsa de estudo para alunos das escolas de educação professional

Valor Total R$17.000.086,36 Elemento de Despesa (339036)

Como forma de discriminar o calculo da concessão das bolsas, seguimos os

critérios baixo:

Item EEEP e-Jovem Bolsa R$311,00/100h R$311,00/100h Auxílio Transporte R$2,00*25 dias R$2,00*21 dias Descanso remunerado* R$ 103,67 curso de 400 horas;

155,50 curso de 600 horas 25,91/mês

Total R$1.547,67 curso de 400 horas; 2.321,50 curso de 600 horas

R$353,00 (durante os 5 primeiros meses de estágio); R$508,50 (ultimo mês de estágio. Valor da bolsa mais descanso remunerado)

Nota: * o valor referente ao descanso remunerado é pago ao educando no último mês de estágio.

“Em 2014, 49 cursos técnicos ofertavam estágio curricular a 12.195 alunos. Estão

envolvidas no processo de concessão de estágio, 92 escolas estaduais de educação

profissional, distribuídas em 74 municípios cearenses” (SEDUC, 2015). Já os investimentos

realizados pelo Estado do Ceará contabilizam de 2010 a 2015: R$ 69.497.176,65 na

concessão de bolsa estágio para cada estudante; R$ 1.765,807,49 na aquisição de

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100 equipamentos de proteção individual; R$ 215.337,37 em seguro obrigatório contra acidentes

pessoais; fora o auxílio-transporte, que não foi contabilizado (SEDUC, 2015).

A evidência de que os estágios das EEEPs é estratégico para o Governo do Estado

é demonstrado por integrar um Projeto do MAPP – Monitoriamento de Projetos Prioritários.

Os recursos referentes à concessão de bolsa são oriundos do Fundo Estadual de

Combate à Pobreza – FECOP e, pelos cálculos discriminatórios do decreto, custa em média

R$ 2.321,50 um estagiário em 600 horas de trabalho efetivo, e R$ 1.547,67 o estagiário em

400 horas de trabalho efetivo, para o Estado.

O financiamento dos estágios das EEEPs através de um Fundo Estadual de

Combate a Pobreza, que em seus projetos tem a participação do Banco Mundial45, nos remete

novamente a Leher (1999), quando este sustenta que, no bojo das reformas estruturais

encaminhadas pelo Banco Mundial, está a redefinição dos sistemas educacionais que guardam

íntima relação com o binômio pobreza-segurança.

O diretor de EEEP (2016) que disponibilizou entrevista relata que há a negociação

de uma parceria entre a Coordenadoria da Educação Profissional – CEDP/SEDUC com o

Banco Mundial:

“Os relatos que temos é sobre uma parceria, afirmada em encontros com os diretores de escola profissional, com a coordenação da COEDP/SEDUC. O que sabemos é principalmente sobre o desenvolvimento de um sistema informacional que possibilite o acompanhamento do estudante egresso, para que se possa verificar se o mesmo está inserido no mundo do trabalho (detalhando a situação) e no ensino superior”.

Utilizamos acima o termo “trabalho efetivo” para evidenciar a severidade na

computação da carga horária da política de estágio das EEEPs. Segundo o Guia do Estágio

(SEDUC, 2015), está previsto que uma vez por mês “o estudante ficará 4 (quatro) horas na

própria escola para a mediação das atividades vivenciados no campo” (p. 10) sem, contudo,

essa frequência ser configurada como carga horária de estágio. A aprovação do estudante em

estágio só é adquirida com o cumprimento de 100% da carga horária (p. 6); o estagiário não

tem direito a faltas abonadas e quando, ocorrer essas, deverão ser repostas no final do estágio

com direito à concessão de bolsa correspondente ao período (p. 12). O direito a intervalo de

45 “Pela terceira vez consecutiva, a Secretaria do Planejamento e Gestão (Seplag), por meio da Coordenadoria de Promoção de Políticas de Combate à Pobreza e Inclusão Social (CCOPI), cumpre a meta “Percentual de projetos de assistência à família financiados pelo Fundo Estadual de Combate à Pobreza (Fecop) com marco lógico”. O resultado é relativo ao primeiro semestre de 2016, indicador primário, previsto no Programa para Resultados (PforR), do Banco Mundial”. Disponível em: <http://fecop.seplag.ce.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=43402:2016-07-15-18-33-43&catid=3:lista-de-noticia>. Acesso em 15/07/16.

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101 no mínimo 1 hora é previsto apenas para as jornadas que ultrapassam 6 horas, não sendo,

contudo, contabilizado na carga horária do dia: “intervalos dentro de carga horaria inferior são

opcionais” e sempre que acontecerem “deverão ser sinalizados no campo indicado da

Frequência individual” (p.12).

A própria lei, quando conceitua estágio como “ato educativo escolar

supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho”, desfavorece os momentos de

mediação nas escolas, o próprio espaço escolar. No modo de conceber o estágio nas EEEPs, a

relação teoria e prática não ocorre, sendo na verdade elementos estanques e, nesse sentido, o

estágio seria melhor conceituado como trabalho intenso.

Fazendo uma breve analogia, o conceito de estágio concebido pela política das

EEEPs, de só contabilizar o que é trabalho efetivo, é a mesma base conceitual das reformas

trabalhistas que a classe empresarial brasileira sonha (Projeto de Lei 4193 e 427), em que não

se deve atribuir férias, licença-maternidade, 13° salário como encargos trabalhistas. Dessa

forma, apenas lhe caberia pagar o trabalho operado pelo trabalhador, como se a reposição da

força de trabalho dos trabalhadores não compusesse o trabalho produtivo.

Outra semelhança dos estágios e sua legislação com a flexibilização do contrato

de trabalho é o acordado se sobrepor ao legislado. Já citamos acima como a escola pode

acordar com as empresas a flexibilização das atividades desenvolvidas pelo estagiário. Em

vários momentos, a lei n° 11.788/08 permite que os acordos possam se sobrepor46, a começar

pelo termo de compromisso que já é em si um acordo entre as partes, em que o estudante é

sempre o elo fraco.

Tanto a lei federal (Art. 10) quanto o decreto estadual (Art. 5; 2°§) permitem uma

carga horária de estágio, observada a compatibilidade com o horário escolar, de 6 horas

diárias e 30 horas semanais, salvo nos períodos em que não estejam programadas aulas

presenciais – quando a jornada poderá ser estendida por até 40 horas semanais.

É interessante comparar o que a Lei Federal dos Estágios prevê: Art. 10; §2° “Se a instituição de ensino adotar verificações de aprendizagem periódicas ou finais, nos períodos de avaliação, a carga horária do estágio será reduzida pelo menos à metade, segundo estipulado no termo de compromisso, para

46 Art 7° Parágrafo único. O plano de atividades do estagiário, elaborado em acordo das 3 (três) partes a que se refere o inciso II do caput do art. 3° desta Lei, será incorporado ao termo de compromisso por meio de aditivos à medida que for avaliado, progressivamente, o desempenho do estudante; Art. 10. A jornada de atividade em estágio será definida de comum acordo entre a instituição de ensino, a parte concedente e o aluno estagiário ou seu representante legal, devendo constar do termo de compromisso ser compatível com as atividades escolares; Art. 12. O estagiário poderá receber bolsa ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada, sendo compulsória a sua concessão, bem como a do auxílio-transporte, na hipótese de estágio não obrigatório e § 2°

Poderá o educando inscrever-se e contribuir como segurado facultativo do Regime Geral de Previdência Social.

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102

garantir o bom desempenho do estudante”.

Destarte, essa não foi a escolha da política pedagógica das EEEPs que, como

observamos acima, disponibiliza apenas um encontro, “uma mediação”, de quatro horas por

mês para tratar dos conteúdos referentes ao estágio sem, contudo, contar como carga horária

de estágio. Vale ressaltar também que o período em que os estudantes das EEEPs estagiam é o

mesmo período em que estes devem se preparar para o Exame Nacional do Ensino Médio –

ENEM, que os possibilita a concorrer a uma vaga nas universidades públicas. O diretor de

uma das escolas, quando questionado em entrevista concedida para a pesquisa sobre as

principais dificuldades enfrentadas pela escola em relação ao estágio, revela uma preocupação

com essa questão: A dificuldade maior é assim... o aluno foca prioritariamente no estágio, ele vai para o estágio todos os dias, ele coloca o estágio acima de tudo... então ele acaba deixando de lado o conhecimento propedêutico, o conhecimento da base comum nesse período...e é o período que coincide com o ENEM, o semestre que eles fazem o estágio é o semestre em que eles fazem o ENEM, no terceiro ano... então é uma luta nossa fazer com que o aluno perceba que o estágio é uma disciplina do curso dele, e não é o próprio curso... porque muitas vezes eles encaram o estágio como a principal situação do curso...como se fosse assim: “ah, fiz o estágio, terminei o curso.” Eles ainda têm dificuldades de compreender esta questão integrada... [Pesquisadora: então você vê decair o rendimento dos estudantes?] Sim... frequência... rendimento... então a gente faz um trabalho muito forte com a família e com o estudante para que eles percebam isso... mas não é fácil. (DIRETOR de uma EEEP, 2016).

Mas o foco prioritário no estágio não é apenas um foco subjetivo do estudante,

porém sobretudo curricular. Como podemos observar no currículo do Curso Técnico de

Eventos (Anexo A), o segundo semestre do terceiro ano letivo (ou até mesmo os três anos

letivos) é todo organizado para disponibilizar 20 horas semanais de estágio curricular,

distribuídas por 10 semanas, totalizando 200 horas de estágio para a parte de formação

profissional. Adicionando o mesmo cálculo para a parte diversificada do currículo, totaliza-se

20 semanas, uma média de cinco meses, com 400 horas de trabalho/estágio.

Para se ter ideia do destaque do estágio no currículo das EEEPs, basta comparar a

carga horária total dos demais componentes do currículo durante os três anos letivos: o

Estágio vem em primeiro, com 400 horas; atrás vem Língua Portuguesa e Língua Estrangeira

Aplicada, cada uma com 380 horas, seguido de Matemática, com 360 horas. O ensino de Arte

possui apenas 40 horas e é visto apenas no primeiro ano letivo.

Quadro 2 – Ranking, por carga horária, dos componentes curriculares do curso técnico-profissionalizante em eventos integrado ao Ensino Médio.

Componente curricular Carga horária

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103

total Estágio 400 h Língua Portuguesa/Língua Estrangeira Aplicada 380 h Matemática 360 h Projetos interdisciplinares 340 h Horário de estudo 320 h História/Geografia 260 h Projeto de vida/ Química/ Física/ Biologia 240 h Formação para a Cidadania/ Filosofia/ Sociologia/ Inglês/ Espanhol/Educação Física 120 h Mundo do trabalho/informática básica 100 h Empreendedorismo 80 h Comunicação e marketing/ Projeto em Eventos/Planejamento e Organização em Eventos 60h Introdução ao Curso Técnico e Ética Profissional/Noções Básicas de Eventos/Hospitalidade e Desempenho Social/ Responsabilidade Social e Ambiental em Eventos/Informações Turísticas/Noções de Higiene e Manipulação de Alimentos/ Gastronomia em Eventos/Legislação Aplicada ao Turismo/ Liderança e Trabalho em Equipe/ Noções Básicas de Decoração de Ambientes e Interiores/Organização e Montagem de Eventos/ Cerimonial e Protocolo/Vendas e Captação de Eventos/Artes

40 h

Fonte: SEDUC, 2015. Org.: FONTES, Anita Pedrosa, 2016.

Com essa tabela e a própria matriz curricular (Anexo A), observamos que os

componentes que integram o eixo técnico-profissional têm menor importância diante do

destaque que recebe o eixo diversificado, 1.000 e 1.780 horas respectivamente, no qual

informática básica tem o mesmo grau de prioridade do componente “mundo do trabalho”. O

empreendedorismo ganha mais destaque do que qualquer um dos demais componentes do

eixo profissional.

3.3.1 Ensino-aprendizagem, acompanhamento e avaliação nos estágios das EEEPs

Segundo a Lei do Estágio (n°11788/08), este se caracteriza como tal e não como

vínculo empregatício por sua natureza didático-pedagógica, cabendo à instituição de ensino

resguardar tal natureza através do seu projeto político-pedagógico, do currículo, do

acompanhamento e da avaliação.

Já nos detivemos brevemente sobre o amplo projeto político pedagógico das

EEEPs no primeiro capítulo, quando buscamos debater a política educacional em que este está

inserido, além dos documentos basilares que orientaram seus princípios, criação e

funcionamento. No tópico acima, também tratamos um pouco do currículo em sua estrutura e

conteúdo.

Pretendemos, pois, neste tópico, com base nos documentos norteadores da

SEDUC e nas entrevistas concedidas, desvendar minimamente qual a concepção e como

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104 ocorrem os processos de ensino-aprendizagem, acompanhamento e avaliação nos estágios das

EEEPs.

O documento Guia do Estágio Curricular (SEDUC, 2014) foi elaborado pela

Coordenadoria da Educação Profissional (COEDP) da Secretaria de Educação, “através da

equipe responsável pelo planejamento e efetivação do estágio curricular, [...] objetivando

padronizar procedimentos e torna-los acessíveis a todos aqueles vinculados às diversas etapas

de sua realização [...]”.

A SEDUC realiza uma política centralizadora no que concerne aos padrões que

devem ser adotados nas EEEPs/estágio e decentralizadora, quando autoriza as escolas a

buscarem seus campos de estágio e a se comprometerem com todo o trabalho, muito mais

burocrático do que pedagógico. Não se trata aqui de afirmar que o Estado abre, ou abrirá, mão do controle sobre a educação, mas sim que busca adquirir flexibilidade administrativa adotando um tipo de gestão que mescla aspectos de descentralização e centralização. Descentraliza decisões operacionais específicas e a responsabilidade pela eficiência da escola, contudo acirra o controle sobre decisões estratégicas – avaliação, currículo, programa de livro didático, formação de professores, autorização de cursos e escolha de dirigentes (SHIROMA, 2007, p.99).

A escola, neste modelo de educação profissional, entra em uma disputa com a sua

função social de repassar o conhecimento sistematizado (ciência) para ceder grande parte do

seu trabalho pedagógico em uma ocupação gerencial, que beneficia muito mais a classe

empresarial do que os jovens da classe trabalhadora.

Na apresentação do documento, o estágio é visto numa “perspectiva de

ambientação prática à profissão” e “como forma de proporcionar maior aprofundamento

teoria prática na parte de formação profissional” (SEDUC, 2014, p. 6).

O Guia do Estágio é constituído por três eixos: 1) Eixo Pedagógico; 2) Eixo

Jurídico; 3) Eixo Financeiro. Iremos nos deter, pois, no primeiro eixo, por compreendermos

que as informações contidas nos demais já foram tratadas.

É necessário pontuar que o Eixo Pedagógico aborda muito pouco a concepção

pedagógica, estando esta mais visível nas entrelinhas e na sua própria ausência. Este vazio

deve ser preenchido pelas exigências do mercado de trabalho, para novamente ser esvaziado

quando necessário. O norte de todo o documento e sua preocupação central é com os

procedimentos legais, burocráticos, financeiros e de otimização dos estágios. Dos mais de

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105 vinte e dois tópicos e sub-tópicos que compõem o Eixo Pedagógico, podemos afirmar que

apenas cinco abordam procedimentos de natureza pedagógica47.

O primeiro tópico do Eixo Pedagógico trata da captação dos estágios, “as

estratégias de articulação/captação/negociação dos estágios junto aos arranjos produtivos

locais” (SEDUC, 2014, p.8) a serem gerenciadas pela escola, que passam pelo: mapeamento,

quando a escola faz uma lista das potenciais concedentes e monta um banco de dados por

ordem de importância das empresas e, em seguida, “articula os contatos para potenciais

parcerias” (SEDUC, 2014, p.8); o seminário de Captação de Estágio, também atribuição da

escola, que deve ocorrer no ano em curso da oferta de estágio, “é o momento de reunir as

possíveis empresas concedentes e a comunidade escolar [...] apresentando-lhe o programa de

estágio [...] e inserção no mundo do trabalho” (p.8). Para tanto, o Guia sugere que se “propicie

um ambiente acolhedor [...] envolvendo toda a EEEP para este dia” e os estudantes “deverão

ter um envolvimento particular, pois essa receptividade dirá muito às empresas sobre o nível

de organização escolar e do perfil dos futuros estagiários” (p.8). O documento sugere também

um painel informativo e um guia de bolso para os estagiários, contendo “informações sobre

seus direitos, as vantagens de ser um bom estagiário, o que faz um bom estagiário, o que é um

bom estagiário e o que as empresas esperam de um bom estagiário” e um espaço para

organizar as “Mesas de Negociação” (p.9). Por fim, temos a visita às concedentes, que é o

“momento de garantir [...] vagas para os estagiários sendo “importante ‘vender’ uma imagem

positiva do programa [...]” (p.10). Percebe-se, assim, que a escola promove uma verdadeira

feira.

O cumprimento da carga horária, assim como a frequência e o desenvolvimento

das habilidades técnicas e práticas, observadas/coletadas nas situações do campo de estágio,

são requisitos para aprovação e obtenção do diploma. É aprovado o estagiário que cumprir

100% da carga horária e alcançar aproveitamento, no mínimo SATISFATÓRIO, em todos os

itens dos instrumentos da Avaliação Prática e Avaliação das Atitudes, contempladas no

Manual do Itinerário Formativo, Avaliação e Acompanhamento do Estágio (SEDUC, 2013).

Os dois instrumentos de avaliação acima citados possuem critérios que devem ser

avaliados pelo orientador e supervisor de estágio de acordo com a escala de julgamento para 47 “1. Eixo Pedagógico : 1.1 Captação de Estágio, 1.1.1 Mapeamento, 1.1.2 Seminário de Captação de Estágio, 1.1.3 Visita às Empresas/Orgãos/Intituições ; 1.2 Orientações Gerais de Inserção dos Estudantes no Campo de Estágio, 1.2.1 Acompanhamento, 1.2.2 Prazo de Duração do Estágio, 1.2.3 Idade para ingressar no estágio, 1.2.4 Carga Horária Semanal de Estágio, 1.2.5 Horário de realização de estágio; Horário de realização de estágio, Intervalo no horário de estágio, Faltas no campo de estágio ; 1.3 Mediação ; 1.4 Rotéiro Turístico ; 1.5 Plano de estágio ; 1.6 Cronograma de Visitas às concedentes de estágio ; 1.7 Pesquisa de satisfação da concedente de estágio ; 1.8 Avaliação do estágio ; 1.9 Papel dos colaboradores diretamente ligados ao estágio, 1.9.2 Atribuições do Orientador do estágio, 1.9.3 Atribuições do supervisor de estágio, 1.9.4 Atribuições do estagiário.

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106 obtenção da nota. A escala é dividida em quatro níveis de avaliação da aprendizagem:

satifatório (1-2); pouco satisfatório (3); satisfatório (4); muito satisfatório (5). Para a obtenção da nota final a media aritmética deve ser realizada seguindo o processo abaixo: 1°- Obter a nota por avaliação: Avaliação Prática – Fazer a somatória dos pontos obtidos e dividir pela quantidade de critérios avaliados. Ex.: AP = Pontos somados pelo aluno 02 (quantidade de c Avaliação das Atitudes – Fazer a somatória dos pontos obtidos e dividir pela quantidade de critérios avaliados. Ex.: AA = Pontos somados pelo aluno 02 (quantidade de c Nota 1º momento = AP+AA Nota 2º momento = AP+AA 2o- Obter a nota Final: A nota fina momento (AP+AA ) mais a nota obtida no 2o momento (AP+AA) dividido por 2 Ex.: Nota Final = Nota do 1º momento + Nota do 2º momento

02 (SEDUC, 2013)

Duarte (2001) defende a tese de que “a assim chamada pedagogia das

competências é integrante de uma ampla corrente educacional contemporânea” (p.35), a qual

chama de pedagogias do “aprender a aprender”. Em sua análise, o autor cita Perrenoud em seu

livro Construir as competências desde a escola: a formação de competências exige uma pequena ‘revolução cultural’ para passar de uma lógica do ensino para uma lógica do treinamento (coaching), baseada em um postulado relativamente simples: constroem-se as competências exercitando-se em situações complexas (PERRENOUD apud DUARTE, 2001, p. 35)

O aprender a aprender passa a ser também um aprender fazendo. Para tanto, a

própria escola torna-se relativamente desnecessária, já que essas situações complexas podem

ser exercitadas em ambientes externos a ela, como é defendido nos estágios, como meio

educacional favorecido pelas empresas e pelo mercado de trabalho. Para isso, dispensa-se

também os professores formados em postulados da pedagogia ou de teoria educacional, como

no caso dos orientadores de estágio das EEEPs, que são os professores da base técnica-

profissionalizante e profissionais da área que não necessariamente passaram por uma

formação pedagógica.

Shiroma (2007, p.11) comenta essa ideia de educação que rompe as fronteiras dos

tempos e locais destinados a aprender, presente no conjunto dos documentos das agências e

organismos multilaterais na determinação da educação para os países periféricos: A educação torna-se processo para a vida inteira, a tão propalada lifelong learning. Da família ao trabalho e à comunidade, todo lugar é lugar de aprendizagem. Difunde-se rapidamente as noções de organizações e empresas como learing places. Afinada aos novos tempos, a própria LDBEN estabele que sejam reconhecidas e

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certificadas as aprendizagens realizadas em outros espaços que não o escolar e, antevendo os diferentes e não programados períodos de estudo, propõe o ensino, por módulos, que permite a alternância entre períodos de ocupação e de estudo. Sem dúvida, uma medida consensualmente aceita e apropriada a um mercado de trabalho cada vez mais restrito e excludente

Duarte (2001) formula que, em um dos posicionamentos valorativos contidos no

lema educacional “aprender a aprender”, “são mais desejáveis as aprendizagens que o

indivíduo realiza por si mesmo, nas quais está ausente a transmissão, por outros indivíduos,

de conhecimentos e experiências”.

No (não) acompanhamento dos estágios, esse posicionamento é bem notório. Ele

deve ocorrer da seguinte maneira: uma vez iniciado o estágio, o estudante tem um supervisor

que pode ficar com até dez estagiários. O orientador de estágio precisa ir no mínimo uma vez

por mês ao local do estágio e, com o supervisor, preenche um instrumento de avaliação que

contém: um quadro de atividades/procedimentos que o estagiário pode realizar; um espaço de

“avaliação diagnóstica”, onde supervisor e orientador preenchem com anotações referentes às

dificuldades técnicas apresentadas, dificuldades interpessoais, potencialidades e as

intervenções; e, por último, um espaço para o estudante, que irá preenchê-lo após a

apresentação dos relatos do supervisor, através do orientador, no espaço da mediação, a qual

ocorre na escola uma vez por mês. Nessas mediações são tratados os pontos positivos e os pontos negativos no estágio... é um feedback na verdade... tanto deles pra gente... como da gente para eles... o feedback que a gente dá para ele é... o que a empresa nos passou... que precisa dar uma melhorada... certo... que eles acham que podem ser um potencial{...} a empresa tem um supervisor que a gente trata diretamente {...} eu visito as empresas uma vez... pelo menos uma vez... por mês{...} aí nessas visitas o supervisor nos passa alguma problemática que possa estar acontecendo... ou algo que seja... que esteja sendo interessante para ele, né?... e a gente tem visto muitos aspectos positivos... muita coisa legal tem sido colocada por parte das empresas... mas também algumas coisas... algumas problemáticas... tem que melhorar um pouco o comportamento... talvez a... proatividade... vem muito a questão da proatividade dentro da empresa... os aspectos socioafetivos... a relação interpessoal deles na empresa... (Orientador de estágio, 2016)

Além desses relatórios mensais, existe o Termo de Realização do Estágio que

consta uma avaliação daquele estudante, elaborada pela escola, e é preenchido pela empresa

(Anexo E). Nos itens avaliados: 1) Assuidade e pontualidade: responsabilidade quanto às

horas estagiadas e os deveres atribuídos; 2) Plano de atividades: cumprimento das atividades

propostas no plano de atividades do estagiário; 3) Disposição e interesse em aprender: buscou

auxílio do(a) supervisor(a) para esclarecer dúvidas e demonstrou atenção ao conteúdo

explicado; 4) Preparo técnico-científico para desenvolver as atividades: consegue unir a

prática com a teoria; 5) Atitude e relacionamento: capacidade para apresentar sugestões, ou

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108 resolver os problemas propostos, e desenvolver trabalho em equipe; 6) Respeito às normas e

regras da empresa: capacidade de inserção e cumprimento das normas atribuídas na unidade

concedente. É fácil constatar que o destaque maior é dado, como afirma o orientador acima, à

proatividade e às relações interpessoais na empresa, em detrimento às “habilidades e

competências” do fazer técnico-profissional.

Percebe-se então que quem realmente faz a avaliação do estudante é a empresa na

figura do supervisor, a escola apenas formaliza.

Tinha um formulário, em que o meu supervisor ele tipo... verificava o que eu tava fazendo ou não, como tava sendo o meu desenvolvimento... ele verificava tanto o meu eu pessoal... questão de falar, saber conversar.... saber interagir... também as atividades que eu fazia {...} ele tirava um dia do mês pra fazer isso, normalmente no final do mês... tinha toda essa verificação... o que eu tinha feito... o que eu tinha realizado certo ou não... errado com ele, sem ele (Ex-estagiário, 2016).

Acontece que o supervisor, por também ser um funcionário da empresa, não está

sempre disposto a ensinar, o que, conforme as pedagogias do aprender a aprender dispõem, é

um ensino-aprendizagem sem ensino. Bem, com colegas meus a reclamação era com a comunicação que com os supervisores deles... tipo os supervisores deles não davam nenhuma atenção a eles... eles faziam as coisas e só mandava.... “olha... faz isso isso”, só mandava, sem dar nenhuma supervisão... “tem que fazer assim e assim”; então meus amigos ficavam desnorteados às vezes... faziam mais muitas vezes sem uma noção precisa (Ex-estagiário, 2016).

O método ativo dessas “pedagogias do aprender a aprender” implica na submissão

do aluno e na sua dependência. Percebe-se as estruturas defendidas por tecnocratas como

irreversíveis e deve-se aprender por elas, elas ensinam. E assim segue a história, o velho como

novo, envolto num engodo manipulatório a serviço direto do capital.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No capítulo primeiro, vimos como a política educacional das Escolas Estaduais de

Ensino Médio Profissionalizante do Estado do Ceará se alinha às diretrizes mundiais para a

educação dos países periféricos dos organismos e agências multilaterais. Vimos também a

política educacional brasileira para a educação básica e profissional, que contou com a

inserção direta e estratégica da classe empresarial nas suas reformulações, sob uma roupagem

de consenso, através de ações não-governamentais.

Dentre essas diretrizes, está a redefinição do papel do Estado nas políticas

públicas sociais, que centraliza as tomadas de decisões estratégicas e seu controle avaliativo

ao mesmo tempo em que descentraliza decisões operacionais específicas, na busca de adquirir

flexibilidade administrativa e na responsabilização pela eficiência da escola.

Esse marco institucional garante a unidade e a governabilidade de tais políticas,

que também têm como principal diretriz a educação básica e profissional no preparo para o

trabalho, sob as exigências de um mercado de trabalho e de um mercado mundial cada vez

mais competitivos e excludentes.

Assim, o programa de educação básica de nível médio integrado à educação

profissional do Ceará está assentado nas bases materiais do modo de produção capitalista, que

não permite o livre desenvolvimento das forças produtivas, sendo uma delas a integração

entre trabalho intelectual e manual, teoria e prática e a compreensão da totalidade da produção

moderna por parte dos trabalhadores que a opera. No contraponto dessa proposta e sob a

urgência histórica de uma substancial e fecunda integração entre trabalho e educação,

destacamos a politecnia de Marx.

Algumas defesas de viés reformista no trabalho como princípio educativo vêm se

indiferenciando da atual proposta burguesa, que amplia seus tentáculos sobre a educação dos

trabalhadores de acordo com as novas exigências do modelo de acumulação flexível do

capital.

Tratamos, no segundo capítulo, da crise do modelo de acumulação de tipo

fordista, assentado no modelo político de “Estado de bem-estar social”. Seu esgotamento se

deu, sobretudo, pela “rigidez” sobre os mercados de trabalho, os mercados mundiais, os

estados-nações, a produção, o mercado financeiro, etc. Era preciso desobstruir e flexibilizar

tais mecanismos para uma intensa acumulação de capitais. O desmonte dos Estados, de

direitos sociais e da educação pública; a desregulamentação do mercado de trabalho através

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110 sobretudo do desemprego; o ataque aos sindicatos e a reestruturação produtiva permitiram,

sob graves consequências sociais, a ampliação de capitais e de miséria no mundo.

Este quadro se agrava ainda mais na particularidade política, social e econômica

do Brasil. Sendo um país marcado por severas desigualdades sociais, de capitalismo

dependente, de uma política conservadora e de se situar na Divisão Internacional do Trabalho,

na qual os postos de trabalho de menor qualificação se perpetuam e proliferam, as

contradições entre capital e trabalho tomam dimensões insuportáveis.

A compreensão por parte das classes dominantes de que a educação básica pública

resguarda grande parte da futura e ativa força de trabalho, leva as iniciativas de atrelá-la às

intensas extrações de mais-valia.

A proposta político-pedagógica das EEEPs, no compromisso de satisfazer as

exigências de qualificação por parte do mercado de trabalho, prepara ao modo técnico,

ideológico e comportamental a força de trabalho juvenil através de toda sua estrutura

educacional.

O estágio curricular das EEEPs vai além do preparo e insere o estudante neste

mercado. A política nacional para a expansão dos estágios, amparada por lei, amplia esse

instrumento didático-pedagógico, que já vinha sendo denunciado pela realidade como um

instrumento de flexibilização e precarização das relações de trabalho, para satisfazer as

empresas e, desse modo, a precarização e a flexibilização tornam-se legais sob a tutela da

instituição de ensino.

A indiferenciação entre o que é de interesse do mercado de trabalho em termos de

formação e do que é de interesse da escola, principalmente quando este mercado de trabalho

oferece ocupações nas quais o alto conhecimento científico não é só desnecessário, como

também prejudicial aos interesses do capital, permite que se perca a função social da escola

em repassar o conhecimento científico sistematizado através da história da humanidade. As

consequências desse panorama são incalculáveis, mas a dialética que age sobre a história abre

as possibilidades da superação.

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APÊNDICE A - ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA COM UM EGRESSO DE ESTÁGIO DO CURSO TÉCNICO-PROFISSIONALIZANTE DE EDIFICAÇÕES DA

EEEP

PESQUISADORA: Anita Pedrosa Fontes TÍTULO: Os estágios nas Escolas Profissionais do Estado do Ceará Você está sendo convidado a participar de nossa pesquisa. Sua participação é importante, porém, não deve participar contra a sua vontade. Nosso objetivo é analisar o processo de estágio das EEEPs. Informamos que seu nome não será divulgado em hipótese alguma. Se você consentir, na entrevista será utilizado gravador para melhor apreensão dos dados coletados. Apresentação 1. Em qual escola/cidade você estudava? 2. Qual curso profissionalizante você realizou? 3. Quando você começou o estagio? 4. Quanto era a carga horaria e como ela foi dividida? 5. Quanto foi a bolsa que vocês receberam? 6. Qual empresa você estagiou? 7. Como a escola prepara os estudantes para o estágio? 8. Como foi sua apresentação na empresa? 9. Você estagiou junto com outros estudantes? Quantos? 10. Como era o relacionamento com seus supervisores e demais funcionários? 11. Descreva as atividades que você realizava na empresa? 12. Você considerou o estágio significativo para sua formação técnica? Havia

correspondência com o curso e com a teoria e pratica vivenciada na escola? 13. Você sentiu dificuldades em relacionar o estagio com seus estudos de contra-turno? 14. O que ocorria na “mediação” na escola? 15. Você escrevia relatório sobre suas atividades? Em quanto tempo? Isso ia para a avaliação? 16. A empresa fazia relatório, junto ou não com o orientador, e você assinava esse relatório? 17. Houve desvio de função em algum momento? Se sim, explique. Você comunicou a

escola? O que ela fez? 18. Como você avalia sua experiência de estágio? 19. Você quis continuar na área técnica escolhida? Por que? 20. Você tem os relatórios, plano de estagio, termo de compromisso ou termo de realização do

estágio? Posso ter acesso.

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APÊNDICE B - ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA COM UM ORIENTADOR DE ESTÁGIO DO CURSO TÉCNICO-PROFISSIONALIZANTE DE TRANSAÇÕES

IMOBILIÁRIAS DA EEEP

PESQUISADORA: Anita Pedrosa Fontes TÍTULO: Os estágios nas Escolas Profissionais do Estado do Ceará Você está sendo convidado a participar de nossa pesquisa. Sua participação é importante, porém, não deve participar contra a sua vontade. Nosso objetivo é analisar o processo de estágio das EEEPs. Informamos que seu nome não será divulgado em hipótese alguma. Se você consentir, na entrevista será utilizado gravador para melhor apreensão dos dados coletados. Apresentação

1. Em qual escola/cidade você trabalha? 2. Qual curso profissionalizante você orienta? 3. Na matriz curricular o estágio é dividido entre base profissionalizante e base diversificada.

Existe diferença? Se sim, qual o critério para o estágio no eixo diversificado do currículo? 4. Há quanto tempo você é orientador de estágio? 5. Qual é a sua área de formação? 6. Você recebeu alguma formação para exercer a função de orientador de estágio? 7. Como é feita a seleção e a escolha das empresas? 8. O que faz o orientador de estágio? 9. Por média quantos estagiários você orienta por semestre? 10. No espaço da “MEDIAÇÃO” normalmente o que é mais tratado? O que os estagiários

normalmente mais evidenciam? 11. O instrumento: Manual do Itinerário Formativo Avaliação e Acompanhamento do Estágio

é elaborado por quem e no que consiste? Como posso ter acesso a esse material? 12. Como você elabora o plano de estágio? Posso ter acesso a um? 13. Como é a forma de acompanhamento e avaliação dos estágios? Quais os

instrumentos/metodologia utilizados? 14. Como o estudante obtém os pontos para sua avaliação e quais os critérios avaliados, tanto

na Avaliação Prática como na Avaliação das Atitudes? 15. Como e quem faz a coleta dos dados/pontos para a avaliação ? 16. Quais as competências e habilidades desenvolvidas/avaliadas no estágio? 17. Como as empresas recebem/vem a política de estágio? Na pesquisa de satisfação quais os

apontamentos mais levantados? As empresas enviam relatórios das atividades desenvolvidas?

18. Existe algum espaço para o estudante se posicionar no processo e na avaliação do estágio? O estagiário faz algum tipo de relatório de suas atividades?

19. Como você avalia está política de estágio, seus avanços e limites? Como você acha que poderia melhorar?

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APÊNDICE C - ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA COM UM DIRETOR DE EEEP

PESQUISADORA: Anita Pedrosa Fontes TÍTULO: Os estágios nas Escolas Profissionais do Estado do Ceará Você está sendo convidado a participar de nossa pesquisa. Sua participação é importante, porém, não deve participar contra a sua vontade. Nosso objetivo é analisar o processo de estágio das EEEPs. Informamos que seu nome não será divulgado em hipótese alguma. Se você consentir, na entrevista será utilizado gravador para melhor apreensão dos dados coletados. Apresentação

1. Há quanto tempo você é Diretor de EEEP? 2. Qual a sua formação acadêmica? 3. Como foi o processo de seleção e o preparo para o cargo de Diretor? 4. A política de estágio começou quando? 5. Como a comunidade escolar, local e os empresários vêm a política das EEEPs? 6. O que foi (vem) sendo mudando nessa política? 7. Quais as principais dificuldades no trabalho da escola com os estágios? 8. Como você avalia a política de estágio? 9. De que forma as empresas intervêm na criação, organização dos cursos

profissionalizantes? 10. Os índices de conclusão e evasão nos estágios e nas EEEPs como todo, como estão?

Como você avalia esses índices?

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ANEXO A - GRADE CURRICULAR DO CURSO TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO EM EVENTOS INTEGRADO AO ENSINO MÉDIO

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ANEXO B – HORÁRIO DAS DISCIPLINAS DO 1° ANO DO CURSO TECNICO EM ENFERMAGEM INTEGRADO AO ENSINO MÉDIO

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ANEXO C – QUADRO 3 - HISTÓRICO DAS LEIS DE ESTÁGIO

Lei/ano Descrição Acréscimos

Decreto n° 20.294/31 Disciplina um acordo entre Ministério de Agricultura e a Sociedade Nacional de Agricultura e faz menção aos estagiários que seriam admitidos nas Escolas

Primeira menção aos estágios. Dotação anual por aluno

matriculado.

Lei n° 4.073/42 Lei Orgânica do Ensino Industrial Define estágio como período de trabalho realizado por aluno sob autoridade docente.

Compatibilidade entre o curso o estabelecimento industrial.

Portaria Ministerial (Ministério do Trabalho e Previdência Social) n° 1002/67

Institui nas empresas a categoria de estagiário a ser integrada por alunos das Faculdades e Escolas Técnicas de nível colegial.

Acordo entre instituição de ensino e empresa.

Empresa incumbida de pagamento de bolsa e seguro de acidentes pessoais.

Instituição de ensino incumbida do serviço de encaminhamento dos estagiários.

Resolução n° 9 do Conselho Federal de Educação/69

Fixa a formação pedagógica dos cursos de Licenciatura

Carga horária mínima para a prática de ensino na formação curricular.

Decreto n° 64.918/69 Institui em caráter permanente a Operação Mauá (OPEMA), subordinada ao Ministério dos Transportes, com a finalidade de integrar os universitários na problemática dos transportes, através de estágios de serviços que lhe facultem o treinamento e a pesquisa, dentro das técnicas em uso nos diferentes centros do País.

Os estagiários envolvidos na Operação terão faltas abonadas nas suas respectivas Faculdades ou Escolas

Decreto n° 66.546/70 Institui a coordenação do “Projeto Integração” (composto por diversos ministérios, Confederação Nacional da Industriais e outras entidades públicas e privadas) com o objetivo de implementar o programa de estágio para estudantes do sistema de ensino superior de áreas prioritárias.

Prática de estágio em órgãos públicos e privados.

Lei n° 5.692/71 Criou regras relativas as diretrizes e bases do ensino de 1° e 2° grau.

previa o estágio como forma de cooperação entre empresa e escola

Decreto n°69.927/72 Instituiu em caráter nacional o Programa “Bolsa de trabalho”.

As bolsa de trabalho são custeadas pelo Governo e/ou através das parcerias/convênios com entidades privadas

Projeto de Lei n° 776/72

Visou instituir o estágio universitário junto aos órgãos da administração federal, com todos os direitos previsto pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.

Não foi aprovada.

Decreto n. 75.778/75 Dispõe sobre o estágio de estudantes do ensino superior e do ensino profissionalizante de 2° gral no Serviço

Fixa valores de referência para as bolsas de estágio a serem pagas à conta de recursos das diversas

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Público Federal, sem vínculo empregatício.

entidades do Serviço Público Federal.

Fixa a duração mínima de 60 (sesta) dias e máxima de 180 (cento e oitenta) dias para a duração do estágio e o mínimo de 20 horas semanais.

Fixa o máximo de 15% de estagiários aceitos na unidades interessadas para cada Categoria Funcional.

Incube as unidades do Serviço Público Federal, com articulação com o respectivo órgão de pessoal e as instituições de ensino em promover o planejamento, a programação, o acompanhamento e a avaliação do estágio e fornecer um programa de atividades a serem desenvolver pelo estagiário durante o estágio.

Lei n° 6494/77 e Decretos n° 87.497/82, n° 89.467/84 e n° 2.080/96

Dispõe sobre os estágios de estudantes de estabelecimentos de ensino superior e ensino profissionalizante de 2° Grau e Supletivo.

Estabelece correlação entre os estágios e os currículos, programas e calendários escolares.

Termo de compromisso como instrumento jurídico celebrado entre estudante e parte concedente com a interveniência da instituição de ensino.

Estágio também como forma de ação comunitária.

Compatibilidade entre jornada de estágio e horário escolar, podendo ser negociado durante o período de férias escolares. Menciona o estágio curricular sob a responsabilidade e coordenação da instituição de ensino.

Menciona os serviços de agentes de integração, públicos ou privados, entre os sistemas de ensino e os diversos setores.

Abre a possibilidade das instituições de ensino e/ou entidade concedente providenciarem seguro de acidentes pessoais em favor do estudante.

Lei 11.788/08 Dispõe sobre o estágio de estudantes das instituições de ensino superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.

Os profissionais liberais passam a poder aceitar estagiários.

O estágio passa a fazer parte do projeto pedagógico do curso.

Prevê estágio obrigatório e não obrigatório.

Obriga o acompanhamento do estágio por professor orientador e supervisor da parte concedente,

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comprovado por vistos em relatórios.

Prevê relatórios periódicos das atividades desenvolvidas.

Limita a jornada de 4 (quatro) horas diárias e 20 (vinte) horas semanais para estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental e na modalidade profissional de educação de jovens e adultos; 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais no caso do estudante do ensino superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular; 40 (quarenta) horas semanais para os cursos que alternam teoria e prática e nos períodos em que não são previstas aulas presenciais.

Duração do estágio de no máximo 2 (dois) anos, exceto para o estagiário portador de deficiência.

Direito a recesso, no caso de concessão de bolsa o recesso é remunerado.

Limita o número máximo de estagiários em relação ao quadro de pessoal das concedentes,(de 1 a 5 empregados: 1 estagiário; de 6 a 10 empregados: até 2 estagiários; de 11 a 25 empregados: até 5 estagiários; acima de 25 empregados: até 20% de estagiários. Contudo não há limite para os estágios de nível superior e de nível médio profissional.

caracterização de vinculo empregatício em casos de desconformidade com a Lei e impedição, por dois anos, da concedente de receber estagiários caso reincida na irregularidade.

Decreto n° 30.933 Institui o Programa de estágio para alunos e egressos do ensino médio da rede pública estadual (Ceará) voltadas à formação técnica e qualificação profissional.

No âmbito deste Programa os serviços de Agentes de Integração são executados pela Secretaria da Educação – SEDUC e pela Secretaria do trabalho e Ação Social – STDS, engajando o estagiário em instituições públicas ou privadas.

Os Agentes de Integração poderão conceder bolsa de estágio aos educandos no valor

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de R$ 311,00; este valor será reajustado pelo mesmo índice de revisão geral da remuneração dos servidores públicos do Estado; será considerado para efeito de calculo da bolsa, a duração e frequência mensal do estagiário.

Os agente de integração contrataram em favor do estagiário seguro contra acidentes pessoais e auxílio transporte em pecúnia.

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ANEXO D – RELATÓRIO MENSAL DE ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO DE ESTÁGIO DE UM ESTUDANTE DO CURSO TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO EM

EDIFICAÇÕES

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ANEXO E – TERMO DE REALIZAÇÃO DE ESTÁGIO