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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA ORGANIZAÇÃO DA REDE DE CUIDADOS FRENTE À SÍNDROME DA ZIKA CONGÊNITA CAMILA MARCHIORI PEREIRA VITÓRIA/ES 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

ORGANIZAÇÃO DA REDE DE CUIDADOS

FRENTE À SÍNDROME DA ZIKA CONGÊNITA

CAMILA MARCHIORI PEREIRA

VITÓRIA/ES

2018

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CAMILA MARCHIORI PEREIRA

ORGANIZAÇÃO DA REDE DE CUIDADOS

FRENTE À SÍNDROME DA ZIKA CONGÊNITA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Saúde Coletiva da Universidade

Federal do Espírito Santo, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre em Saúde

Coletiva – Área de Concentração: Políticas e

Gestão em Saúde, sob orientação da Professora

Doutora Maria Angélica Carvalho Andrade.

VITÓRIA/ES

2018

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Camila Marchiori Pereira

Organização da rede de cuidados frente à Síndrome da Zika Congênita

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Centro de

Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito final para

obtenção do grau de Mestre em Saúde Coletiva na área de concentração em Políticas e Gestão

em Saúde.

Aprovada em 28 de março de 2018.

COMISSÃO EXAMINADORA

_________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Angélica Carvalho Andrade

Universidade Federal do Espírito Santo - PPGSC

Orientadora

_________________________________________

Prof.ª Dr.ª Sibelle Maria Martins de Barros

Universidade Estadual da Paraíba – Departamento de

Psicologia

Membro externo

________________________________________

Prof.ª Dr.ª Francis Sodré

Universidade Federal do Espírito Santo - PPGSC

Membro interno

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AGRADECIMENTOS

Principalmente a Deus, pela força diária e tudo mais que tenho e sou na vida.

Agradeço especialmente à minha mãe, Gilnéia, pelo apoio constante e pelo amor

incondicional. Seus anos de luta na educação só me inspiram a buscar sempre mais.

À minha irmã, Estéfani, minha melhor amiga e conselheira, pela paciência e por acreditar em

mim em cada etapa da minha vida.

Ao meu parceiro, Júnior, que vê sempre o melhor em mim, e à sua família, pelo apoio e

acolhimento feitos sempre com todo o carinho.

Aos meus amigos que, sempre com humor e cumplicidade, me permitem uma vida mais leve.

Aos meus colegas de mestrado, em especial aos meus amigos Conrado, Gabriela e Pablo,

pelas trocas e desabafos durante o processo do mestrado, vocês são o presente mais lindo que

a Saúde Coletiva me deu.

Aos colegas integrantes do grupo de estudos NUPGASC, pelas discussões que me modificam

e me acrescentam para a vida.

À minha orientadora, Profa. Dra. Maria Angélica Andrade, agradeço imensamente pelo

aprendizado, pelo apoio e pelas palavras sempre positivas. Sou muito abençoada por ter a

honra de ser sua orientanda e por isso sou imensamente grata.

Aos professores Sibelle Barros, Francis Sodré, Ana Claudia Pinheiro, Rita Duarte e Thiago

Sarti que se disponibilizaram a participar da banca de qualificação e defesa, obrigada pelas

contribuições e pelo aprendizado.

Aos profissionais de saúde e mães pela participação e pela confiança em mim investidos.

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Uso a palavra para compor meus silêncios.

Não gosto das palavras

fatigadas de informar.

Dou mais respeito

às que vivem de barriga no chão

tipo água pedra sapo.

Entendo bem o sotaque das águas

Dou respeito às coisas desimportantes

e aos seres desimportantes.

Prezo insetos mais que aviões.

Prezo a velocidade

das tartarugas mais que a dos mísseis.

Tenho em mim um atraso de nascença.

Eu fui aparelhado

para gostar de passarinhos.

Tenho abundância de ser feliz por isso.

Meu quintal é maior do que o mundo.

Sou um apanhador de desperdícios:

Amo os restos

como as boas moscas.

Queria que a minha voz tivesse um formato

de canto.

Porque eu não sou da informática:

eu sou da invencionática.

Só uso a palavra para compor meus silêncios.

O apanhador de desperdícios

Manoel de Barros

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RESUMO

PEREIRA, Camila Marchiori. Organização da rede de cuidados frente à síndrome da

Zika congênita. [Dissertação] Universidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pós-

Graduação em Saúde Coletiva. Vitória, 2018.

Devido à epidemia do vírus Zika, instaurada no ano de 2015, os números dos casos de

nascimentos com microcefalia aumentaram bruscamente nos últimos dois anos. A presente

pesquisa objetiva identificar e analisar as redes de cuidado que perpassam mães e

profissionais de saúde diante do diagnóstico de síndrome da Zika congênita em Vitória/ES.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa de delineamento analítico-descritivo. Os participantes da

pesquisa são mulheres que tiveram seus bebês diagnosticados ou sob suspeita de síndrome da

Zika congênita durante a gestação e profissionais de saúde que tenham acompanhado essas

mulheres. A partir do entendimento de que uma rede de cuidado é constituída por atores

estratégicos que se interconectam agenciando as formas de cuidado, será utilizada a técnica de

amostragem Bola de Neve para o grupo de participantes profissionais de saúde. Para a coleta

de dados, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas e por fim, para a análise de dados, foi

utilizada a Análise de Conteúdo Temática. Os resultados estão apresentados na forma de

artigos. Para a análise da rede de cuidados, utilizou-se a concepção de redes em saúde de

Mario Rovere como referencial teórico. Os resultados apontam para a existência de uma rede

de cuidados fragmentada pautada na lógica de encaminhamentos guiada pela atenção

especializada. Devido a ainda serem escassos os conhecimentos sobre o desenvolvimento

clínico da síndrome da Zika congênita, encontram-se no cenário, em saúde, mães infectadas

pelo vírus Zika vivenciando sentimentos de estresse frente à incerteza da doença e

profissionais de saúde sentindo-se impotentes. A presente pesquisa evidencia a necessidade da

promoção de capacitação de profissionais de saúde frente à infecção por vírus Zika e

estratégias de enfrentamento às repercussões psicológicas do diagnóstico para gestantes e

puérperas.

Palavras-chave: Zika; Síndrome da Zika congênita; Malformação; Microcefalia;

Rede de cuidado; Organização em Saúde.

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ABSTRACT

Due to the Zika virus outbreak in 2015, the numbers of birth cases of babies with

microcephaly have increased sharply in the past two years. This research aims to identify and

analyze the care networks that encompass mothers and health professionals before the

diagnosis of Congenital Zika Syndrome in Vitória / ES. This is a qualitative research of

analytical-descriptive design. The survey participants are women who were either diagnosed

or suspected of having Zika Syndrome during pregnancy, and also health professionals who

accompanied these women. Based on the understanding that a network of care is made up of

strategic actors that interconnect themselves by arranging the forms of care, the Snowball

Sampling technique was used for the group of professional health participants. The data

collection was done by semi-structured interviews, and followed by a data analysis where the

Thematic Content Analysis was used. The results are presented in the form of papers. For the

analysis of the care network, the design of health networks of Mario Rovere was used as

theoretical reference. The results point to the existence of a fragmented network of care

guided by the logic of referrals based on specialized care. Due to the lack of knowledge in the

clinical development of Congenital Zika Syndrome, in the health care scenario mothers

infected with the virus experiencing feelings of stress in the face of disease uncertainty can be

found, in contrast to health professionals who feel powerless. The results highlight the need to

promote specialized training for health professionals to face the Zika virus infection and to

create strategies for pregnant women and puerperal women to cope with the psychological

repercussions of the diagnosis.

Keywords: Zika; Congenital Zika Syndrome; Malformation; Microcephaly; Care

network; Organization in Health.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

COES Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública sobre Microcefalias

ESPIN Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional

Fiocruz Fundação Oswaldo Cruz

HEIMABA Hospital Estadual Infantil e Maternidade Dr. Alzir Bernadino Alves

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ODM Metas do Milênio

OMS Organização Mundial de Saúde

ONU Organização das Nações Unidas

PAISM Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher

PHPN Programa de Humanização Pré-Natal e Nascimento

PNAISM Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher

PNH Política Nacional de Humanização

PNHAH Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar

PQM Plano de Qualificação de Maternidades e Redes Perinatais da Amazônia Legal

e Nordeste Brasileiros

RC Projeto Rede Cegonha

RESP Registro de Eventos de Saúde Pública

SEMUS Secretaria Municipal de Saúde de Vitória

Sesa Secretaria de Estado da Saúde

Sinasc Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos

SNC Sistema Nervoso Central

SUS Sistema Único de Saúde

SZC síndrome da Zika congênita

UFES Universidade Federal do Espírito Santo

ZIKV vírus Zika

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 8

1.1 ZIKA VÍRUS NO MUNDO ............................................................................... 9

1.1.1 Zika vírus: no Brasil ......................................................................................... 10

1.1.2 Sintomas e manifestações .................................................................................. 13

1.1.3 Zika e Microcefalia ............................................................................................ 16

1.1.4 Zika e microcefalia no ES ................................................................................. 20

1.2 REDE DE CUIDADOS: ATRAVESSAMENTOS DE SENTIDOS .................. 22

1.2.1 Saúde da mulher no Brasil ............................................................................... 22

1.2.2 Malformação: exclusão e deficiência ............................................................... 27

1.2.3 Redes de cuidado ............................................................................................... 33

2 JUSTIFICATIVA .............................................................................................. 37

3 OBJETIVOS ...................................................................................................... 39

3.1 OBJETIVO GERAL ........................................................................................... 39

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .............................................................................. 39

4 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS .................................................... 40

4.1 CENÁRIO DE PESQUISA ................................................................................. 40

4.2 SUJEITOS DE PESQUISA ................................................................................ 41

4.3 INSTRUMENTOS .............................................................................................. 42

4.4 PROCEDIMENTOS DE COLETA .................................................................... 43

4.5 TRATAMENTO E ANÁLISE DE DADOS ....................................................... 43

5 ARTIGOS .......................................................................................................... 45

5.1 ARTIGO 1 .......................................................................................................... 46

5.2 ARTIGO 2 .......................................................................................................... 65

5.3 ARTIGO 3 .......................................................................................................... 86

6 DISCUSSÃO ...................................................................................................... 107

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 115

APÊNDICES ...................................................................................................... 123

ANEXOS ............................................................................................................ 140

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1 INTRODUÇÃO

A epidemia do vírus Zika, instaurada no Brasil em 2015, abriu uma janela de pânico e,

assim, um novo importante imperativo de resolução de saúde foi colocado. A Zika é uma

nova forma de doença da qual pouco se sabia a respeito e sobre a qual ainda há muito a

descobrir. Trouxe consigo a consequência devastadora da microcefalia e, rapidamente, um

país vasto como o Brasil percebeu-se vítima de uma epidemia transmitida por um pequeno

vetor.

Este novo cenário trouxe novas perguntas à saúde pública: O que é esta doença? Como

tem causado calcificações no cérebro de bebês? Como é transmitida? Ao longo desses dois

anos, algumas dessas perguntas foram respondidas, assim como novas perguntas foram

formuladas.

O Brasil nordestino foi o primeiro a conhecer a epidemia que trouxe consigo

consequências em longo prazo. Após o impacto da descoberta da consequência da

microcefalia, um tipo completamente diferente de necessidade de saúde em longo prazo se

colocou. Apesar de a Zika ser sintomática por poucos dias, a microcefalia evidenciou uma

demanda de saúde que não é relacionada apenas aos indivíduos infectados pelo vírus, mas

também a bebês com necessidades especiais, motoras, mentais e físicas.

Este novo cenário trouxe perguntas também complexas de serem respondidas: Como

tem sido a atenção à saúde das mães infectadas? Como tem se dado a rede de saúde que

acompanha as mulheres diagnosticadas com microcefalia fetal? O país não estava preparado a

receber tal demanda, durante décadas as taxas de nascidos vivos com malformação fetal

foram baixas. Com a epidemia, essas taxas quintuplicaram.

Esse novo desafio se mostra ainda mais árduo. Como amparar a mulher cujo bebê

recebe diagnostico de síndrome da Zika congênita (SZC) durante a gestação? Quais são as

vias possíveis que permitem com que de fato elas recebam atendimento em saúde? E, sabendo

que o bebê com SZC demanda estimulação precoce e acompanhamentos multiprofissionais

fundamentalmente nos três primeiros anos de vida, quais são as mesmas vias que mantêm esse

acompanhamento possível?

Essas perguntas não podem ser respondidas isoladamente, pois envolvem contextos

históricos, sociais, econômicos, geográficos e pessoais. A epidemia da microcefalia nos

propõe o desafio de entender o que se passa com as suas vítimas para que possamos falar

sobre saúde.

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Entendendo que o trabalho em saúde é um trabalho humano, que se realiza

atravessando a linguagem e a subjetividade dos atores envolvidos no processo, mostra-se de

suma importância compreender como esses atores têm vivenciado o processo da SZC

inseridos em um fluxo de atendimento em saúde. Considerar as mães diagnosticadas com

malformações fetais e os profissionais de saúde que as atendem como atores desse processo é

algo de suma importância para compreender o que pensam sobre a malformação e como isso

influencia os processos de vida e trabalho desses atores.

Problematizar a significação da malformação para mães e profissionais de saúde põe

em voga a noção não apenas biológica da deficiência/malformação/lesão, mas nos desafia a

pensar essa noção enquanto sua significação social e política. É importante compreender

como esse significado social perpassa mães e profissionais de saúde na atenção à saúde para

que possamos conhecer de fato a realidade desses atores e, dessa forma, pensar novas formas

de promover saúde.

Assim, a presente pesquisa propõe-se a verificar como tem se organizado e efetivado a

rede de cuidados em saúde relacionada ao atendimento às mulheres infectadas pelo vírus Zika

(ZIKV) que tiveram seus bebês diagnosticados ou sob suspeita de SZC no contexto da cidade

de Vitória no Espírito Santo. Partindo do pressuposto que o atendimento e acompanhamento

em saúde ocorrem através de uma rede de cuidados organizada composta por profissionais de

saúde, denuncia-se a necessidade de compreender como o trabalho de saúde relacionado às

vítimas da SZC decorrente de infecção por ZIKV se realiza na capital do Estado.

1.1 ZIKA VÍRUS NO MUNDO

Atualmente, sabe-se que a Zika é uma doença causada por vírus do gênero Flavivírus,

transmitida por mosquitos do gênero Aedes, dentre eles, Ae. africanus, Ae. apicoargenteus,

Ae. vitattus, Ae. furcifer, Ae. luteocephalus, Ae. hensilli, e Ae. aegypti. O primeiro registro de

surto devido a infecção pelo Zika data-se em 2007, na Ilha de Yap no sudoeste do Oceano

Pacífico. Segundo a literatura, a espécie Ae. hensilii foi o vetor predominante, o ZIKV causou

um surto da doença com manifestações relativamente leves, caracterizadas por erupções

cutâneas, artralgias e conjuntivite. Sessenta anos antes, em 1947, o vírus foi identificado na

floresta de Zika, perto de Kampala na Uganda, por meio da amostra de soro de um macaco

Rhesus, que era utilizado como sentinela para um estudo de vigilância do vírus da febre

amarela (HAYES, 2009; VERDES; DIAS; EICH, 2016; MARCONDES; XIMENES, 2016).

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Nas Américas, a circulação autóctone do ZIKV foi confirmada pela primeira vez na

Ilha de Páscoa, no Chile, e os casos foram relatados até junho de 2014. Alguns outros

países/territórios (Ilhas Cook, Polinésia Francesa e Nova Caledônia) relataram surtos de

ZIKV, já encerrados, pressupondo-se ter ocorrido imunidade na população afetada (PHAO,

2015a; VERDES; DIAS; EICH, 2016).

Em 2015, assim como no Brasil, autoridades de saúde da Colômbia notificaram a

detecção do primeiro caso de infecção por ZIKV no estado de Bolívar, além de notificações

da doença em 36 entidades territoriais do país. Em novembro de 2015, El Salvador,

Guatemala, México, Paraguai, Suriname e Venezuela confirmaram circulação autóctone do

ZIKV (PHAO, 2015b; HAYES, 2009; MARCONDES; XIMENES, 2016).

No Brasil, o principal vetor da Zika é o mesmo mosquito vetor da dengue e da

chikungunya: o mosquito Aedes Egypti, mas esse não é o único vetor. Nas Américas, a Zika,

assim como a dengue e a chikungunya, também pode ser transmitida pelo mosquito Aedes

Albopictus (HAYES, 2009; MARCONDES; XIMENES, 2016).

1.1.1 Zika vírus: no Brasil

O Brasil possui uma longa história junto à epidemia de dengue. Há algumas décadas, o

país luta contra o mosquito vetor da doença, algumas vezes alcançando sucesso e em outras

nem tanto. No ano de 2015, foram registrados 1.688.688 casos notificados de dengue e em

2014, foram 589.107 os casos notificados no país. Em 2016, foram registrados 1.487.924

casos notificados de dengue no país, conta-se uma incidência de 727,6 casos/100 mil hab. Em

2016, a região Sudeste registrou o maior número de casos prováveis (855.425 casos; 57,5%)

em relação ao total do país, seguida das regiões Nordeste (21,7% de casos), Centro-Oeste

(13,2%), Sul e Norte (BRASIL, 2016a).

Uma nova epidemia transmitida pelo mesmo mosquito vetor da dengue assustou o país

em 2015, a partir de abril do mesmo ano foi confirmado um caso autóctone de febre pelo

ZIKV. No final do mesmo ano, 18 estados já haviam confirmado a autoctonia na doença

(Figura 1), assim como já haviam sido confirmados laboratorialmente 3 óbitos por ZIKV no

país: em São Luís/MA, Benevides/PA e Serrinha/RN (BRASIL, 2016a; 2016b). As notícias

sobre a nova doença se espalhavam pelo país alarmando a população sobre um novo vírus no

qual pouco se sabia a respeito.

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Figura 1 - Estados do Brasil com casos autóctones de febre pelo vírus Zika com confirmação

laboratorial.

Fonte: BRASIL, 2015a

A dengue, a chikungunya e a Zika são doenças de notificação compulsória e estão

presentes na Lista Nacional de Notificação Compulsória de Doenças, Agravos e Eventos de

Saúde Pública, sendo que a febre pelo ZIKV foi acrescentada a essa lista apenas pela Portaria

nº 204, de 17 de fevereiro de 2016, do Ministério da Saúde.

Apenas após isto, em abril de 2016, o Ministério da Saúde publicou o Boletim da

Semana Epidemiológica (SE) 13 (3/1/2016 a 2/4/2016) constando a incidência da doença por

ZIKV em todos os estados da Federação (Tabela 1).

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Tabela 1 - Número de casos notificados e incidência de febre pelo vírus Zika, por região e

Estado, até a Semana Epidemiológica 49.

Fonte: BRASIL, 2016a

Até o fim do ano de 2016 (SE 49), foram registrados 211.770 casos notificados de

febre pelo ZIKV no país (taxa de incidência de 103,6 casos/100 mil hab.), distribuídos em

2.280 municípios, tendo sido confirmados 126.395 (59,7%) casos. A análise da taxa de

incidência de casos prováveis (/100 mil hab.), segundo regiões geográficas, demonstra que a

região Centro-Oeste apresentou a maior taxa de incidência: 205,3 casos/100 mil habitantes,

como demonstra a Tabela 1, retirada do Boletim Epidemiológico nº 38 da Secretaria de

Vigilância de Saúde do Ministério da Saúde.

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1.1.2 Sintomas e manifestações

O ZIKV afeta todas as pessoas, independentemente de idade ou sexo. Atualmente,

sabe-se que os sintomas da Zika caracterizam-se por febre baixa (ou, eventualmente, sem

febre), exantema máculopapular, artralgia, mialgia, cefaleia, hiperemia conjuntival e, menos

frequentemente, edema, odinofagia, tosse seca e alterações gastrointestinais, principalmente

vômito. Devido à febre ser na maioria dos casos mediana ou baixa, leva a uma baixa

recorrência dos usuários à hospitalização. Formas graves e atípicas são raras, mas, quando

ocorrem, podem excepcionalmente evoluir para óbito (BRASIL, 2015b).

A ocorrência da Zika está sendo descrita pela primeira vez na história com base no

surto que ocorreu no Brasil. No ano de 2015, meses após o aparecimento da Zika, verificou-se

grande aumento de casos de microcefalia em todo o país. No final desse mesmo ano foi

revelada a relação entre Zika e a ocorrência de microcefalia, associada ou não a alterações do

Sistema Nervoso Central (SNC). Com isso, as medidas de saúde foram tomadas e

movimentadas por todo o país. A cronologia e as etapas de descoberta dessa relação no Brasil

e no mundo serão detalhadas no próximo tópico. A suspeita precoce, notificação adequada e

registro oportuno de casos de microcefalia relacionados ao ZIKV é de fundamental

importância para subsidiar o processo de investigação e desencadear as ações de atenção à

saúde e a descrição dessa nova doença (BRASIL, 2016c).

O Ministério da Saúde e as instituições envolvidas na resposta à epidemia de ZIKV

elaboraram o Protocolo de Atenção à Saúde e Resposta à Ocorrência de Microcefalia

relacionada à infecção pelo ZIKV, com orientações para a atenção à saúde das mulheres e

assistência aos casos de microcefalia (BRASIL, 2015b). Neste, há explicações sobre como

diferenciar a Zika de outras doenças comuns no Brasil, como a rubéola, a dengue, a

chikungunya e o sarampo.

Porém, o que é a microcefalia?

A microcefalia é uma malformação congênita na qual o cérebro não se

desenvolve de maneira adequada, ou seja, caracteriza-se por um perímetro

cefálico inferior ao esperado para a idade e sexo, e, dependendo de sua

etiologia, pode ser associada a malformações estruturais do cérebro ou ser

secundária a causas diversas (VERDES; DIAS; EICH, 2016, p. 40).

Brasil (2016c) acrescenta que, além da ocorrência de alterações congênitas, algumas

alterações podem se originar após o parto:

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As anomalias congênitas são definidas como alterações de estrutura ou

função do corpo que estão presentes ao nascimento e são de origem pré-natal

(4). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a microcefalia é

caracterizada pela medida do crânio realizada, pelo menos, 24 horas após o

nascimento e dentro da primeira semana de vida (até 6 dias e 23 horas), por

meio de técnica e equipamentos padronizados, em que o Perímetro Cefálico

(PC) apresente medida menor que menos dois (- 2) desvios-padrões abaixo

da média específica para o sexo e idade gestacional. Além disso, a OMS

considera que a medida menor que menos três (-3) desvios-padrões é

definida como microcefalia grave (5). Considera-se que a criança com

microcefalia, em alguns casos, pode apresentar alteração na estrutura do

cérebro e problemas de desenvolvimento (4,6–11). As microcefalias têm

etiologia complexa e multifatorial, envolvendo fatores genéticos e

ambientais (BRASIL, 2016c, p. 13).

Ainda não há tratamento específico para a microcefalia. O acompanhamento pelo

Sistema Único de Saúde (SUS) promove ações de suporte que podem auxiliar no

desenvolvimento da criança. Na maioria dos casos (90%), a microcefalia é acompanhada de

alterações motoras e cognitivas que variam de acordo com o grau de acometimento cerebral.

As crianças apresentam déficits no desenvolvimento neuropsicomotor, com acometimento

motor e cognitivo relevante e, em alguns casos, as funções sensitivas (audição e visão)

também são comprometidas. Mas é importante saber que a microcefalia atinge cada criança

de maneira diferente, que podem ser respiratórias, neurológicas e motoras. O

acompanhamento por diferentes especialistas vai depender das funções que ficarem

comprometidas (BRASIL, 2016c; VERDES; DIAS; EICH, 2016).

O recomendado é que sejam registrados no formulário de Registro de Eventos de

Saúde Pública - Microcefalias (RESP – Microcefalias), online e disponível no endereço

eletrônico www.resp.saude.gov.br pelos serviços públicos e privados de saúde. Após a

notificação, existem exames que devem ser feitos para que seja definido se os casos

notificados serão classificados como confirmados ou se serão descartados. As definições

operacionais para notificação e investigação epidemiológica detalham como esse processo

será realizado em quatro grupos diferentes: GRUPO 1: Identificação de feto com alterações

do SNC, durante a gestação; GRUPO 2: Identificação de abortamentos sugestivos de infecção

congênita; GRUPO 3: Identificação de natimorto sugestivo de infecção congênita; GRUPO 4:

Identificação de recém-nascido com microcefalia (BRASIL, 2016c).

A partir das informações contidas no Protocolo de Atenção à Saúde e Resposta à

Ocorrência de Microcefalia relacionada à infecção pelo ZIKV (2016c) detalharei o processo

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de investigação de correlação com o ZIKV do grupo 1 que se define proximamente às

características dos sujeitos sugeridos para a presente pesquisa.

Um caso notificado seria aquele que apresente, pelo menos, um dos seguintes

critérios referentes às alterações do sistema nervoso central, identificadas em

exame ultrassonográfico:

• Presença de calcificações cerebrais E/OU

• Presença de alterações ventriculares E/OU

• Pelo menos dois dos seguintes sinais de alterações de fossa posterior:

hipoplasia de cerebelo, hipoplasia do vermis cerebelar, alargamento da fossa

posterior maior que 10mm e agenesia/hipoplasia de corpo caloso.

Por sua vez, para classificação final deve-se classificar os casos

notificados de acordo com os resultados laboratoriais específicos,

discriminando-os em:

• Caso confirmado por critério clínico-radiológico:

Caso confirmado como sugestivo de infecção congênita por critério clínico-

radiológico: serão todos os casos notificados que não forem descartados pelos

critérios descritos abaixo.

• Caso confirmado por critério laboratorial:

Caso confirmado como sugestivo de infecção congênita por STORCH: serão

todos os casos notificados que apresentarem resultado laboratorial específico

para sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus ou herpes simplex a partir

de amostras de sangue ou urina da gestante OU líquido amniótico, quando

indicado por protocolos clínicos.

Caso confirmado como sugestivo de infecção congênita pelo vírus Zika: serão

todos os casos notificados que apresentarem resultado conclusivo para vírus

zika a partir de amostras de sangue ou urina da gestante OU líquido amniótico,

quando indicado por protocolos clínicos.

• Caso descartado:

Serão descartados para finalidade de vigilância em saúde, todos os casos

notificados no RESP (Registro de Eventos de Saúde Pública) que:

Não cumprirem a definição de caso para notificação;

For comprovada que a causa da alteração do SNC seja de origem não

infecciosa;

Registro duplicado (BRASIL, 2016c, p.19).

O Ministério da Saúde ressalta que esse processo possui o único objetivo de vigilância

em saúde e esclarece que outras anormalidades cerebrais que não se relacionam com a Zika

devem ser notificadas separadamente. Reitera que é responsabilidade dos profissionais de

saúde identificar todo caso que se encaixe na definição de microcefalia ou qualquer

deficiência no desenvolvimento neurológico, psicológico e motor. O profissional também

possui o importante papel de orientar a mãe ou o responsável a respeito dos próximos passos

de cuidados ao filho(a), como, por exemplo, as medidas de estimulação precoce e, quando

necessário, realizar os encaminhamentos para outras instituições, serviços ou atendimentos

especializados (BRASIL, 2016c).

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1.1.3 Zika e Microcefalia

No período de 2000 a 2015, foram registrados no Sistema de Informações sobre

Nascidos Vivos (Sinasc) 3.248 nascidos vivos com microcefalia, dos quais 784 (24%) foram

notificados em 2015. Esse número registrado em 2015 é quase cinco vezes maior que a média

anual registrada no período de 2000 a 2014 (aproximadamente 164 casos) (BRASIL, 2015a).

A maior quantidade de casos notificados de microcefalia em 2015 ocorreu

majoritariamente na região Nordeste do país, passando da média anual de 44 casos, entre

2000 e 2014, para 576 casos em 2015. Os estados do Brasil com maiores incrementos na

prevalência de microcefalia ao nascer são Pernambuco, Sergipe, Paraíba, Maranhão e Piauí,

com incrementos variando de 11,8 a 27,4 vezes a média registrada para o período de 2000 a

2014 (BRASIL, 2015a).

Dados divulgados no Boletim Epidemiológico do Centro de Operações de

Emergências em Saúde Pública sobre Microcefalias (COES) informam que, até 17 de

dezembro de 2016 (SE 50), 10.574 casos foram notificados, segundo as definições do

protocolo de vigilância (recém-nascido, natimorto, abortamento ou feto). Destes, 3.144

(29,7%) casos permanecem em investigação e 7.430 casos foram investigados e classificados,

sendo 2.289 confirmados para microcefalia e/ou alteração do SNC sugestivos de infecção

congênita e 5.141 descartados (BRASIL, 2016d).

O Ministério da Saúde iniciou análises para entender esse aumento expressivo de

casos de microcefalia em todo o país e, em resposta a essa situação, declarou Emergência em

Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) por meio da Portaria GM nº 1.813, de 11 de

novembro de 2015, com base no Decreto nº 7.616, de 17 de novembro de 2011 e comunicou o

fato à Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Pan-americana de Saúde, como

sugerem os protocolos internacionais de notificações de doenças (VERDES; DIAS; EICH,

2016).

A Zika e a microcefalia aparecem no cenário numa cronologia similar, e os fatos

revelam uma relação temporal possível. No dia 17 de novembro de 2015, a Fundação

Oswaldo Cruz (Fiocruz) através do Laboratório de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz

conclui que:

Diagnósticos constataram a presença do genoma do vírus Zika em amostras

de duas gestantes da Paraíba, cujos fetos foram confirmados com

microcefalia através Vírus Zika e Microcefalia de exames de

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ultrassonografia. O material genético (RNA) do vírus foi detectado em

amostras de líquido amniótico, com o uso da técnica de RT-PCR em tempo

real. Apesar de ser um achado científico importante para o entendimento da

infecção por vírus Zika em humanos, os dados atuais não permitem

correlacionar inequivocamente, de forma causal, a infecção pelo Zika com a

microcefalia (BRASIL, 2015b, p. 2).

Com menos de duas semanas, exatamente no dia 28 de novembro de 2015, o

Ministério da Saúde confirmou relação entre ZIKV e microcefalia. Não se pode afirmar que a

infecção por Zika causa microcefalia em bebês, estudos não conseguiram ainda chegar a essa

afirmação. Porém, os critérios de correlação implicam fortemente a associação de causalidade

do ZIKV com a ocorrência da microcefalia (BRASIL, 2015b).

Sabe-se que as malformações congênitas, dentre elas a microcefalia, têm

etiologia complexa e multifatorial, podendo ocorrer em decorrência de

processos infecciosos durante a gestação. As evidências disponíveis até o

momento indicam fortemente que o vírus Zika está relacionado à ocorrência

de microcefalias. No entanto, não há como afirmar que a presença do vírus

Zika durante a gestação leva, inevitavelmente, ao desenvolvimento de

microcefalia no feto. A exemplo de outras infecções congênitas, o

desenvolvimento dessas anomalias depende de diferentes fatores, que podem

estar relacionados a carga viral, fatores do hospedeiro, momento da infecção

ou presença de outros fatores e condições desconhecidos até o momento. Por

isso, é fundamental continuar os estudos para descrever melhor a história

natural dessa doença (BRASIL, 2015b, p.11).

Em virtude das evidências que corroboram para a relação causal entre Zika e

microcefalia, a OMS passou a mobilizar os seus estados membros e, no mesmo ano, foram

relatadas as disseminações do ZIKV da África e da Ásia para as Américas e à Europa. Devido

à grande possibilidade de um surto de SCZ, a OMS declarou a epidemia ZIKV como uma

emergência global de saúde pública em 01 de fevereiro de 2016 (WHO, 2016a; VERDES;

DIAS; EICH, 2016).

Em relatório sobre a emergência da vigilância de infecção pelo ZIKV, microcefalia e

síndrome de Guillain-Barré, aconteceu algo não muito comum no campo cientifico. Mesmo

sem provas concretas e laboratoriais a respeito da causalidade da microcefalia em relação ao

vírus zika, no dia 7 de julho de 2016, a OMS afirma consenso científico acerca dessa

causalidade:

Com base num conjunto crescente de investigações preliminares, existe

agora consenso científico de que o vírus Zika é a causa da microcefalia e da

síndrome de Guillain-Barré. Notificações recentes de casos sugerem que

poderá haver uma relação entre o Zika e outras anomalias neurológicas,

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nomeadamente a mielite (inflamação da espinal medula) e anomalias

cerebrais, na ausência de microcefalia. Continua a ser feita a avaliação das

evidências destas condições, assim como da microcefalia e da síndrome de

Guillain-Barré (WHO, 2016b, p. 1).

A epidemia do ZIKV é o 4º alerta global de ESPIN da história. Anteriormente, os

únicos alertas foram para a gripe suína em 2009, poliomielite em 2014 e ebola, no mesmo ano

(DINIZ, 2016). Todavia, nove meses depois, após uma reunião entre representantes do

Comitê de Emergência da OMS, no dia 18 de novembro de 2016, foram repassados dados

quanto às medidas implantadas para controlar a epidemia e que levaram a OMS a rever a

situação de emergência internacional, e o órgão considerou que o ZIKV e a microcefalia não

são mais emergência de saúde internacional. O Brasil, por sua vez, manteve o estado de

emergência e anunciou, no mesmo dia, a ampliação dos cuidados com bebes e mães

infectados pelo vírus (BRASIL, 2016e).

Para analisarmos uma situação ou contexto é necessário olhar mais de perto, ver além

dos números e buscar entender como os fenômenos têm ocorrido micropolíticamente. No caso

do presente estudo, como têm ocorrido a Zika e as ações de saúde em determinado contexto

de uma região. Por exemplo, apesar dos números de infecção por ZIKV indicarem a região

Centro-Oeste como epicentro da infecção, a microcefalia se mostrou mais incidente no

Nordeste.

É de conhecimento público que os primeiros relatos de microcefalia e ZIKV situam-se

na Paraíba, Pernambuco, Bahia, Alagoas e Rio Grande do Norte. Inicialmente, a Paraíba era o

estado com mais casos notificados de microcefalia por nascidos vivos (82,75 crianças por 10

mil). Pernambuco seguia logo depois com valores muito próximos (DINIZ, 2016).

No Nordeste, Débora Diniz (2016) se propôs a olhar os caminhos traçados pela Zika e

produziu um diário de campo em seu livro intitulado “ZIKA: Do sertão nordestino à ameaça

global”, onde descreveu o contexto da Zika no Brasil a partir do Nordeste e dos primeiros

casos da doença relatados.

A Zika, por ser uma doença nova da qual ainda pouco se sabe, criou seus próprios

caminhos quando apareceu no Brasil. Em sua investigação no Nordeste, a autora verificou que

o atendimento à saúde dos infectados com Zika se deu através de uma rede de profissionais de

saúde que se mobilizaram através da experiência de um olhar clínico. Assim, perceberam a

manifestação da doença pela primeira vez e se engajaram em tentar descobrir mais a respeito.

Dessa forma, notou-se que as primeiras descobertas da Zika no Nordeste se deram através de

médicos pediatras e da família, e não ocorreram pela via científica normativa das publicações

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acadêmicas. A urgência da epidemia levou médicos a informarem primeiramente à imprensa

sobre as descobertas, e posteriormente às publicações do meio cientifico (DINIZ, 2016).

Visto que profissionais clínicos verificaram a Zika antes mesmo de sua confirmação

epidemiológica, não é possível estabelecer um consenso sobre a descoberta da Zika no Brasil,

mas é possível destacar atores envolvidos com a saúde pública que notaram os sintomas pela

primeira vez e, mesmo sem respostas imediatas, buscaram acompanhar seus pacientes. Diniz

(2016) destaca, em sua empreitada, profissionais de saúde que se envolveram e buscaram, da

sua própria maneira, promover atendimento de saúde, mesmo com pouco conhecimento sobre

a doença e grandes distâncias para a comunicação. Um dos meios utilizados, como ela cita,

foram as redes sociais, como o aplicativo de comunicação WhatsApp.

Antes mesmo de o consenso científico a respeito da causalidade do ZIKV e da

microcefalia ter sido declarado pelo Ministério da Saúde, destacou-se, no cenário brasileiro, a

médica de Cariri, na Paraíba, Dra. Adriana Melo, que ficou internacionalmente conhecida por

ser a primeira médica clínica a ter reconhecido a relação entre a Zika e a Microcefalia no

Brasil (GONZATTO, 2016).

Diniz (2016) demonstra que a rede de cuidados criada para amparar as vítimas do

ZIKV não se deu de maneira linear, pois em vários cantos do Nordeste profissionais da saúde

percebiam as manifestações da doença e buscavam modos de entendê-la. Ouvindo esses

profissionais, a autora pôde verificar que o acompanhamento a gestantes aconteceu através de

uma rede de atores engajados a pesquisar a doença e amparar as vítimas do ZIKV.

Da mesma maneira, através das entrevistas com mulheres diagnosticadas com

microcefalia fetal e infectadas pelo ZIKV, Diniz (2016) pode verificar como é a realidade da

Zika no Nordeste. Percebeu, por exemplo, que, no Sertão, não há como falar para gestantes se

protegerem do mosquito vetor da Zika através do uso de ar-condicionado, pois a maioria das

mulheres vivem em condições precárias, sem água encanada, sem eletricidade, onde abaixo

das ruas não há rede de saneamento, contribuindo para o aumento de mosquitos diariamente.

Ao ouvi-las, percebeu que crianças com microcefalia demandam assistência em tempo

integral, o que não condiz com a realidade econômica que essas mulheres vivenciam. Da

mesma maneira, verificou que os centros de atendimento são distantes da moradia de muitas

mulheres, e que levavam, diariamente, horas para chegar e voltar do hospital para uma

consulta. Algumas famílias possuíam carro próprio, outras dependiam do transporte fornecido

pelos Centros de Referência das regiões mais próximas (DINIZ, 2016).

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O exemplo da pesquisa descrita por Diniz (2016) nos leva a perceber que a ocorrência

de determinada doença apresenta seus percalços de acordo com a realidade cultural e

socioeconômica de uma região. Esses percalços apenas podem ser conhecidos quando

adentramos a entender a realidade vivenciada pelas vítimas acometidas por uma doença e

como essa realidade se relaciona com as vias de assistência em saúde de determinado local.

1.1.4 Zika e microcefalia no ES

Convido o leitor a retirar o olhar sobre o Nordeste, porém, com as mesmas lentes,

olhar para o Espírito Santo no Sudeste, mais propriamente, para a sua capital: Vitória. Em

2016, foram notificados 214.193 casos de ZIKV no Brasil, na Região Sudeste, foram

notificados 90.573 casos, e no Estado do Espírito Santo, foram notificados 2.327 casos de

ZIKV, uma incidência de 59,2 de febre pelo ZIKV por 100 mil habitantes no estado

(BRASIL, 2016g).

Apesar da maior incidência de casos se localizar na Região Centro-Oeste do país, em

2016, foram confirmados laboratorialmente 6 óbitos por ZIKV: 4 no Rio de Janeiro e 2 no

Espírito Santo, ocorridos entre os meses de janeiro e maio (BRASIL, 2016f).

A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) informou, no dia 12 de janeiro de 2017, que

entre 22 de novembro de 2015 e 31 de dezembro de 2016 foram notificados no Espírito Santo

265 casos de microcefalia em bebês nascidos vivos, natimortos ou em gestação. Destes, 98

permanecem em investigação, 122 foram descartados e 45 foram confirmados para

microcefalia relacionada ao ZIKV (BRASIL, 2016g). Esses dados foram informados em

boletim (Quadro 1).

Quadro 1 - Dados sobre os casos de microcefalia no Espírito Santo.

Fonte: BRASIL, 2016g

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A Sesa informou que foram notificados, no Espírito Santo, entre 1º e 07 de janeiro de

2017, 7 casos de infecção pelo ZIKV. Os municípios que apresentam casos de Zika

confirmados são Alto Rio Novo, Aracruz, Barra de São Francisco, Cachoeiro de Itapemirim,

Cariacica, Castelo, Colatina, Domingos Martins, Fundão, Guarapari, Iconha, Irupi, Itaguaçu,

Itarana, Iúna, Mantenópolis, Marataízes, Marechal Floriano, Mucurici, Muniz Freire, Nova

Venécia, Pinheiros, Presidente Kennedy, Santa Teresa, São José do Calçado, Serra,

Sooretama, Viana, Vila Velha e Vitória (BRASIL, 2016g).

Em cada região, estado ou cidade, a doença decorrente do ZIKV fez seus próprios

caminhos. Diniz (2016) mostrou o trajeto da infecção pelo vírus no Nordeste e como a

epidemia atravessou a vida de tantas famílias e profissionais de saúde. Mas quais seriam esses

caminhos em Vitória, no Espírito Santo? Cada lugar possui diferentes maneiras de lidar com

uma epidemia, diferentes contextos econômicos, sociais e culturais, que emergem diferentes

formas de doenças e ações de saúde. Cada região traz consigo uma nova rede de ação de

saúde, um novo caminho, uma nova história, e assim também se deu com o Espírito Santo.

Partindo do entendimento que saúde não se faz apenas com números, conhecer a população de

perto, a micropolítica de uma região e a maneira como a rede de saúde funciona nos permite

promover melhores formas de atender à população.

De acordo com o Mapa da Pobreza e Desigualdade dos Municípios Brasileiros de

2003, Vitória possui 11,26% de incidência da pobreza. No que tange aos dados do Censo de

2000, aproximadamente 10% da população não tem saneamento básico. Em 2008, a cidade

contava com uma taxa de mortalidade infantil de 11,2 por mil nascidos vivos. O Sistema

Nacional de Informação de Gênero concluiu, a partir da análise do Censo de 2010, que 91,4%

das mulheres acima de 16 anos estão ativas economicamente e trabalham em setores de

prestação de serviços em Vitória. Um dado importante de ser mencionado é que 41,7% das

mulheres na cidade são responsáveis pela família e que, quando se trata de mulheres com

filho e sem cônjuge que são unicamente responsáveis pela família em relação ao total de

famílias, as taxas são ainda maiores: 89,9% (IBGE, 2017).

A Prefeitura de Vitória afirmou que a cidade de Vitória/ES também foi atingida pelo

ZIKV. Em 2015, já haviam sido notificados 169 casos de Zika e seis gestantes já estavam

sendo monitoradas pela rede municipal de saúde. Os bairros com maior incidência no

município foram: Bonfim (25 casos), Bairro da Penha (23), Itararé (14), Santo Antônio

(14) e Jesus de Nazareth (8). Em janeiro de 2016, a Prefeitura de Vitória declarou situação

de emergência na capital em função da epidemia de ZIKV e de dengue. Para combater o

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mosquito, a Prefeitura solicitou ajuda dos soldados do Exército, além das equipes da

Secretaria Municipal de Saúde de Vitória (SEMUS) (PMV, 2015).

Para entender a rede de organização do cuidado às gestantes e bebês infectados pelo

ZIKV no município de Vitória, é de fundamental importância entender em que contexto a

epidemia se insere na capital.

Assim como no Nordeste descobriu-se que a epidemia circulou de uma maneira

própria, fica a pergunta sobre como ela se instaurou em Vitória/ES. Assim como muitas

outras perguntas: Como foi a descoberta do vírus na cidade? Quais foram os profissionais que

primeiro notaram a epidemia? Quem será o profissional de saúde que primeiro percebeu a

relação do ZIKV com a microcefalia em Vitória? Há uma rede de atenção às mulheres

diagnosticadas com microcefalia fetal? Se sim, quem são os atores envolvidos nesse

atendimento em saúde que estão dedicando cuidados e esforços para realizar o

acompanhamento? O que eles pensam sobre malformação fetal? O que pensam sobre a

epidemia? Quem são essas mulheres vítimas do ZIKV? Como tem sido ou foi a gravidez para

elas? O que pensam sobre malformação fetal? E sobre a epidemia? Como tem sido após o

nascimento do bebê? Em que contexto a rede de cuidados tem trabalhado? Em que vias?

Essas são perguntas importantes que pretendemos buscar responder na cidade de Vitória para

entender como as redes de cuidado têm se organizado para atender à população de gestantes e

puérperas que tiveram seus bebês diagnosticados ou com suspeita de SZC decorrente de

infecção por ZIKV.

1.2 REDE DE CUIDADOS: ATRAVESSAMENTOS DE SENTIDOS

1.2.1 Saúde da mulher no Brasil

No Brasil, o tema da saúde à mulher foi, por primeira vez, incorporada às políticas

nacionais de saúde apenas nas primeiras décadas do século XX, tendo como conteúdo a

limitação a temas relacionados às demandas da gravidez e ao parto. Ao longo dos anos, vemos

que, nas décadas de 1930 a 70, os programas de atenção à mulher e à criança ainda se

tratavam de uma visão da mulher restrita ao seu papel biológico e social de reprodução

(BRASIL, 2004a).

Em 1984, o Brasil perpassava uma janela histórica, imerso no contexto do Movimento

Sanitário e das aspirações do que seria hoje o SUS. O Ministério da Saúde elaborou o

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Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) que marcou uma ruptura

conceitual com os princípios norteadores da política de saúde das mulheres que antes

vigoravam. O PAISM incorporou como princípios e diretrizes as propostas de

descentralização, hierarquização e regionalização dos serviços. Esse novo programa incluía

agora novas resoluções da saúde da mulher, bem como ações educativas, preventivas, de

diagnóstico, tratamento e recuperação, englobando a assistência à mulher em clínica

ginecológica, no pré-natal, parto e puerpério, no climatério, em planejamento familiar, em

doenças sexualmente transmissíveis, em câncer de colo de útero e de mama, além de outras

necessidades identificadas a partir do perfil populacional das mulheres (BRASIL, 1984;

2004a).

Em 1990, o governo brasileiro sancionou a Lei 8.080, que implantou o SUS, que

consagra os princípios de universalidade, equidade e integralidade da atenção à saúde da

população brasileira. Em 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou um

documento denominado “Declaração do Milênio”, também chamado de Metas do Milênio

(ODM), na qual, com o apoio de 192 países membros, estabeleciam oito metas a serem

atingidas pelos países. Dentre estas, estão os objetivos de promover igualdade entre os sexos e

a autonomia das mulheres, reduzir a mortalidade infantil e melhorar a saúde das gestantes.

Essas metas geraram, no Brasil, o Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento

instituído pelo Ministério da Saúde no ano 2000, através da Portaria/GM nº 569, visando obter

melhorias citadas na Declaração do Milênio (ROCHA, 2013).

O impulso dado pela ODM mundialmente configurou-se no Brasil como uma

iniciativa para a abertura de um processo vasto de humanização elaborado pelo Ministério de

Saúde e, em maio e junho de 2000, o Ministério criou o Programa de Humanização Pré-Natal

e Nascimento (PHPN) e o Programa de Humanização de Hospitais, objetivando abranger

instituições do país (DINIZ, 2005).

A proposta de humanização da assistência à saúde é uma conquista brasileira para

melhor qualidade de atendimento à saúde do usuário e de melhores condições de trabalho para

os profissionais da área. Seguindo esse mesmo pensamento, em 2001, foi publicado o

Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) que tinha como

primeiros objetivos:

Difundir uma nova cultura de humanização na rede hospitalar pública

brasileira; Melhorar a qualidade e a eficácia da atenção dispensada aos

usuários dos hospitais públicos no Brasil; Capacitar os profissionais dos

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hospitais para um novo conceito de assistência à saúde que valorize a vida

humana e a cidadania (BRASIL, 2001a, p.14).

No ano de 2003, finalmente, é publicada a Política Nacional de Humanização (PNH)

com a finalidade de tornar a humanização uma prática em todo o país. Essa política não se

tratava de mais um plano, mas de uma política geral que deveria abranger as relações de saúde

em todo o país.

A Humanização, como um conjunto de estratégias para alcançar a

qualificação da atenção e da gestão em saúde no SUS, estabelece-se,

portanto, como a construção/ativação de atitudes ético-estético-políticas em

sintonia com um projeto de corresponsabilidade e qualificação dos vínculos

inter profissionais e entre estes e os usuários na produção de saúde

(BRASIL, 2004b, p. 8).

A partir da perspectiva da integralidade, e da visão filosófica e política preconizada

pelo PAISM, após realizado um diagnóstico geral da situação da mulher no Brasil, elabora-se,

em 2004, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), na qual um

dos principais objetivos foi a criação do Pacto Nacional pela Redução da Morte Materna e

Neonatal e Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento (BRASIL, 2004a).

Em 2008, o país notou que, além de as taxas da mortalidade materna e infantil não

terem diminuído significantemente, havia grande discrepância entre as taxas de mortalidade

materna e infantil na Amazônia Legal e no Nordeste, quando comparadas às outras regiões do

país. Tal situação levou à criação do Pacto Nacional pela Redução da Morte Materna e

Neonatal, já previsto no PNAISM, e ao Pacto de Redução da Mortalidade Infantil no Nordeste

e na Amazônia Legal (ROCHA, 2013; BRASIL, 2008).

O Pacto de Redução da Mortalidade Infantil no Nordeste e na Amazônia Legal

desdobrou-se no Plano de Qualificação de Maternidades e Redes Perinatais da Amazônia

Legal e Nordeste Brasileiros (PQM), que teve vigência de 2009 a 2011. O PQM se trata de

uma estratégia do Ministério da Saúde para enfrentar a situação regional relacionada às

elevadas taxas de mortalidade infantil e materna. São várias ações que visam, sob a política de

humanização, modificar processos de trabalho e promover melhorias na assistência obstétrica

e neonatal de maternidades da Amazônia Legal e do Nordeste (BRASIL, 2009; 2014;

ROCHA, 2013).

O PQM serviu de baliza para a concepção do processo de trabalho do que hoje atua

como o Projeto Rede Cegonha (RC), que se propõe a ampliar para todo o país as medidas de

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humanização na assistência à mulher e ao parto. O RC se instituiu no país em 2011 e trata-se

de:

Uma estratégia do Ministério da Saúde que visa implementar uma rede de

cuidados para assegurar às mulheres o direito ao planejamento reprodutivo e

a atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como

assegurar às crianças o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e

desenvolvimento saudáveis. Esta estratégia tem a finalidade de estruturar e

organizar a atenção à saúde materno-infantil no País e será implantada,

gradativamente, em todo o território nacional, iniciando sua implantação

respeitando o critério epidemiológico, taxa de mortalidade infantil e razão

mortalidade materna e densidade populacional (BRASIL, 2012a, p.1).

Atualmente, a mulher/mãe tem direito ao acesso à saúde pública de qualidade, que

respeite seu desejo, e a receber atendimento humanizado em todas as etapas do período

perinatal. O Ministério da Saúde propõe que a mulher exerça o seu “direito de cidadania mais

elementar, dar à luz, recebendo uma assistência humanizada e de boa qualidade” (BRASIL, p.

5, 2001b).

Mas para que essa proposta seja realizada, é necessário que a humanização seja não

apenas um tema abordado, mas uma prática presente entre os profissionais da saúde

(MARCHIORI; ESMIDRE, 2014). No que tange ao atendimento à mulher grávida, é preciso

que ocorra comunicação, empatia, alteridade, acolhimento e cuidado nas relações entre

profissionais e usuários do SUS, nesse momento tão importante na vida da mulher.

Estar grávida é um fenômeno intenso que envolve investimento de diversas áreas,

principalmente a afetiva. Roecker (2012) e Antunes e Patrocínio (2007) frisam que há um

processo de investimento emocional que envolve expectativas, sentimentos, projeções e

esperança, no qual o que se espera é um filho que seja perfeito e saudável. Ressaltam a

importância de mencionar que isto se trata de algo socialmente desejado, e que quando não

acontece dessa forma, a mulher e a família se deparam com a quebra de uma grande

expectativa, que pode repercutir de diversas formas.

Assim, o período perinatal é caracterizado por mudanças físicas, sociais e psíquicas na

vida da mulher. A maternidade é vivenciada como um momento único e carregado de

sentimentos e significações singulares. Visto isso, receber assistência materno-infantil

humanizada não é apenas desejável, mas de fundamental importância.

Ao se pensar a saúde da mulher de forma integral, é necessário que o olhar não seja

individualizado, não se pode olhar para o problema de saúde como um sintoma que se

desenvolve por razões individuais. Os problemas de saúde de uma população refletem a

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interação biopsicossocial de determinado contexto e cenário. Uma análise pertinente envolve

pensar o contexto em que a mulher está inserida, o cenário psicossocial e os diversos papéis

sociais que atualmente permeiam vias adoecedoras no cotidiano das mulheres. Constam no

PNAISM (2004) alguns registros do SUS que trazem dados relevantes sobre internações

psiquiátricas entre 2000 e 2002 (SIH/SUS), as taxas demonstram que houve uma diminuição

do total das internações psiquiátricas de mulheres a partir de 2001. Concomitantemente,

percebe-se um aumento significativo de internações de mulheres motivadas pelo sofrimento

causado pelos transtornos de humor (afetivos). É importante ressaltar que, em relação aos

transtornos mentais e comportamentais associados ao puerpério, verificou-se que 97 mortes

por suicídio são associadas à depressão, inclusive, relacionadas ao pós-parto (BRASIL,

2004a).

Transtornos mentais maternos podem afetar não apenas a saúde e o bem-estar da mãe,

mas podem repercutir em negligências no autocuidado materno, levando a consequências

negativas à saúde e ao desenvolvimento do bebê durante a gravidez. Dependendo da

gravidade do transtorno, é possível que o vínculo afetivo mãe-bebê de alguma maneira seja

afetado, além de se relacionar proximamente com a capacidade materna de cuidado, ao

aumento do risco de infecções e à desnutrição infantil, que serão expressos no

desenvolvimento da criança (PEREIRA et al., 2011).

Aponta-se assim, à urgência de um atendimento especializado, onde a integralidade, a

humanização e as questões de gênero sejam pensadas e incorporadas às práticas de

profissionais de saúde, visando intervir positivamente e com maior qualidade no atendimento

à saúde de mulheres brasileiras frente a essa realidade (BRASIL, 2004a).

Aliada ao PNH, em 2010, o Ministério da Saúde elaborou a Cartilha de Acolhimento

nas Práticas de Produção Saúde do SUS, onde afirma que “o acolhimento como uma das

diretrizes de maior relevância ética/estética/política da Política Nacional de Humanização do

SUS” (BRASIL, 2010, p. 6). O acolhimento engloba as dimensões que a saúde pretende

efetivar, como a prevenção, o cuidado, a proteção e a promoção. Trata-se de um olhar sobre

as práticas e posturas nas ações de saúde que está presente em nossas relações cotidianas e

nos encontros na vida (BRASIL, 2010).

Os processos de produção de saúde dizem respeito, necessariamente, a um

trabalho coletivo e cooperativo, entre sujeitos, e se fazem numa rede de

relações que exigem interação e diálogo permanentes. Cuidar dessa rede de

relações, permeadas como são por assimetrias de saber e de poder, é uma

exigência maior, um imperativo, no trabalho em saúde. Pois é em meio a tais

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relações, em seus questionamentos, e por meio delas que construímos nossas

práticas de corresponsabilidade nos processos de produção de saúde e de

autonomia das pessoas implicadas, afirmando, assim, a indissociabilidade

entre a produção de saúde e a produção de subjetividades (BRASIL, 2010, p.

12).

O acolhimento, em sua forma instrumental, pode ser um dispositivo que contribui para

a efetivação do SUS, assim como também pode ser uma estratégia de interferência nos

processos de trabalho e até mesmo enquanto avaliação de risco como dispositivo tecnológico.

O acolhimento traz consigo tantas formas de operar porque ele parte de algo multifacetado,

ele se faz na arte do encontro e opera sobre vias de subjetividade. Fala sobre a capacidade

humana de escutar e de cuidar, partindo da ideia de coletivo enquanto produção de vida

(BRASIL, 2010).

O ato de acolher revela “dissociabilidade entre o modo de nos produzirmos como

sujeitos e os modos de se estar nos verbos da vida” (BRASIL, 2010, p. 9). Traz à cena a

responsabilidade da postura do profissional de saúde perante o sentido que reproduz

cotidianamente ao coletivo. Vivenciar o acolhimento como proposto pelo PNH favorece à

construção de uma relação de confiança e de compromisso dos usuários com as equipes e os

serviços, contribuindo para a promoção de vínculo, a uma cultura de solidariedade e para a

legitimação do sistema público de saúde. E na prática? Como as redes de cuidado permeadas

pelas relações de acolhimento se mantêm?

1.2.2 Malformação: exclusão e deficiência

Na Idade Média Ocidental, pessoas cujos corpos eram marcados pela diferença eram

compreendidas como inválidos e anormais. A anomalia, principalmente a congênita, era vista

como uma monstruosidade resultante da ira dos deuses e seu destino era a morte imediata

(GAUDENZI; ORTEGA, 2016).

Na metade no século XX, sabia-se que o modelo institucionalizado era manter os

filhos que nascem com deficiência longe do ambiente familiar, asilados em instituições com

atendimento especializado. Acreditava-se que fazia mal para a família ter contato com um

filho com deficiência. Epistemologicamente, em 1960, começa a surgir uma nova literatura

que sugere que os pais se adaptem aos filhos, focando em estratégicas relacionadas a atitudes

e comportamentos. Até 1970, a abordagem psicodinâmica estudava padrões sintomáticos

relacionados à dificuldade de aceitação do filho deficiente. A abordagem funcionalista, por

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sua vez, fazia uma relação causal entre “criança deficiente” e “disfunção familiar”. Em 1980,

com a criação de políticas inclusivas e avanços nos serviços de apoios, um perfil inclusivo é

traçado para as famílias. Nesse período, a abordagem sócio-histórica ganha força, e esta

visava buscar a compreensão do sentido da pessoa com deficiência para a família

(CAVALCANTE; MINAYO, 2009).

Nas últimas décadas, novas teorias que focalizam o desenvolvimento do ciclo da

família, como, por exemplo, a teoria sistêmica, a construcionista, do stress e coping,

contribuíram para um reconhecimento cada vez maior de que muitas famílias podem se

adaptar positivamente às demandas de cuidado de um filho com deficiência, assim como

desenvolvem a ideia de estratégias para enfrentarem essa adaptação (CAVALCANTE;

MINAYO, 2009).

Até 1970, o saber médico possuía hegemonia sobre as questões referentes à

deficiência. O modelo biomédico de pensamento enfatiza o sintoma e a psicopatologia e, por

vezes, reduz o homem a sintomas e sinais. Mas, nos últimos 50 anos, a perspectiva

epistemológica e teórica mudou radicalmente. Os saberes das ciências sociais entraram em

pauta e começou-se a entender que a deficiência faz parte da diversidade humana e deveria ser

incorporada às políticas públicas, culturais e institucionais pensadas na esfera da promoção de

justiça social (SANTOS, 2016).

No entanto, mudanças efetivas na legislação e normas sociais só tiveram de fato

vigência no cotidiano das pessoas a partir dos anos 2000. Esse novo modelo teórico de

compreensão sobre a deficiência ficou conhecido como “modelo social” e ocorreu através da

movimentação de correntes teóricas, sociais e políticas em todo o mundo (SANTOS, 2016).

Visando dar seguimento às políticas de inclusão social e cidadania plena às pessoas

com deficiência, o governo criou o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência –

Viver Sem Limite em 2011. Partindo dos mesmos objetivos, criou, em 2015, o estatuto da

Pessoa com Deficiência e, recentemente, em 2015, o Brasil instituiu a Lei Brasileira de

Inclusão da Pessoa com Deficiência, que entrou em vigor em janeiro de 2016. A Lei visa

garantir condições ao acesso para educação e saúde. Além disso, delega punições para

atitudes discriminatórias. Apesar de o país ser rico em legislação para deficientes, há um

descompasso entre as políticas públicas de saúde e as causas da deficiência no país, já que as

primeiras têm o objetivo de criar possibilidades de enfrentamento das últimas visando

diminuição de sua incidência (NOGUEIRA et al., 2016; GAUDENZI; ORTEGA, 2016).

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Com a narrativa médica sobre o corpo deficiente, o discurso religioso perdeu força na

modernidade, mas o corpo considerado atípico continuou visto como patológico, onde o

objetivo principal seria buscar formas de controlá-lo e normalizá-lo ao máximo. O padrão

midiático moderno de beleza exclui os deficientes do padrão estético desejável socialmente e

os rotulam não apenas como corpos diferentes, mas corpos que também devem ser corrigidos

(GAUDENZI; ORTEGA, 2016).

Outra compreensão social da deficiência se refere ao papel da desvantagem. Os

impedimentos vividos pelos deficientes são vistos como uma tragédia pessoal e singular, o

que corrobora para a noção da incapacidade pessoal, levando a práticas individualizadas e

medicalizadas para lidar com a deficiência. O imaginário social tende a se fixar em noções

parciais de uma pessoa deficiente, por um lado, e pode, por vezes, enxergá-la como frágil ou

enfraquecida. Por outras vezes, como alguém determinado e com força de vontade, sendo

normalmente vista pela ótica da desigualdade (CAVALCANTE; MINAYO, 2009).

É necessário entender que a malformação é um tema complexo, carregado de

significações sociais que permeiam o consenso popular, se delongam em uma construção

histórica, social e médica. O conceito de “deficiência” é um conceito complexo, no qual há o

reconhecimento de um corpo cuja estrutura retira a pessoa de seu convívio social (DINIZ,

2007).

Para os precursores dos estudos sobre deficiência, a linguagem referente ao

tema estava carregada de violência e de eufemismos discriminatórios:

"aleijado", "manco", "retardado", "pessoa portadora de necessidades

especiais" e "pessoa especial", entre tantas outras expressões ainda vigentes

em nosso léxico ativo. Um dos poucos consensos no campo foi o abandono

das velhas categorias e a emergência das categorias "pessoa deficiente",

"pessoa com deficiência" e "deficiente” (DINIZ, 2007, p. 5).

No Brasil, o censo de 2000 apontou que 14,5% da população brasileira possui algum

tipo de deficiência. Por sua vez, o censo de 2010 indicou um aumento expressivo dessa

população para 23,9% e, ainda assim, o campo de estudos sobre deficiências ainda é pouco

explorado, uma vez que, mesmo com a entrada do movimento do modelo social, o olhar sobre

esse tema ainda permanece sob a hegemonia da autoridade médica, não possuindo um campo

de debates amplo sobre as necessidades que vão além dos cuidados biomédicos (BRASIL,

2012b; DINIZ, 2007).

A deficiência não pode ser tratada como algo familiar e individual, pois o sofrimento

provindo de ser deficiente não se demarca por lesões. Uma lesão se refere à ausência de

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membro ou mecanismo corporal defeituoso. A deficiência, por sua vez, diz respeito a uma

desvantagem ou restrição provocada pela organização social contemporânea, que pouco

considera os que possuem lesões físicas, os excluindo das principais atividades da vida social.

Assim, ser deficiente se configura como uma forma de opressão social, igualmente às sofridas

por grupos minoritários, e diz respeito a uma forma de opressão coletiva de discriminação que

deve ser tratada nas linhas de justiça social (DINIZ, 2007).

Os modos como as pessoas percebem suas capacidades não depende apenas de sua

lesão corporal, mas principalmente de uma estrutura flexível e adaptável da organização da

sociedade a todos os tipos de pessoas e faixas etárias. Da mesma maneira, a forma pela qual

uma pessoa vê as suas capacidades não é resultado de um processo individual, envolve uma

rede de significações de variáveis sociais e culturais. O Brasil é um país vasto com diferentes

estados e regiões que podem oferecer condições de vida distintas, que incluem as percepções

de dificuldades e facilidades que pessoas deficientes podem enfrentar diariamente, por

exemplo, as dificuldades podem ser maiores, dependendo das condições oferecidas (BRASIL,

2012b).

O modelo social percebeu que as alternativas para romper com o ciclo de segregação

não estariam em recursos médicos, mas em ações políticas capazes de denunciar essa

ideologia opressora. Iniciou-se um movimento político e a deficiência passou a ser um

conceito político: “a expressão da desvantagem social sofrida pelas pessoas com diferentes

lesões” (DINIZ, 2007, p. 9). Durante o passar das décadas, o nome utilizado para se referir à

pessoa com deficiência foi se modificando, passando a nomes como “pessoa deficiente”,

“pessoa especial”, “pessoa portadora de deficiência” e atualmente, há o consenso de que o

nome “pessoa com deficiência” transmite maior empoderamento e autonomia para que seja

difundida socialmente a noção de que cada um possui o uso do poder pessoal para fazer

escolhas e contribuir com seus talentos rumo a uma sociedade inclusiva (SANTOS, 2016).

Para o modelo social, “a deficiência era o resultado do ordenamento político e

econômico capitalista, que pressupunha um tipo ideal de sujeito produtivo” (p. 11). Esse

percurso analítico contribuiu para que a deficiência fosse percebida com ênfase nas origens

sociais e históricas das lesões, no reconhecimento das desvantagens sociais, econômicas,

ambientais e psicológicas provocadas nas pessoas com lesões. Promoveu o reconhecimento de

que a vida dos deficientes tem valor e que, portanto, é de fundamental necessidade a adoção

de uma perspectiva política capaz de garantir justiça às pessoas com deficiência (DINIZ,

2007).

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O movimento social em torno da deficiência recebeu importantes outras contribuições

provindas do movimento feminista. Esse momento ficou conhecido como a segunda geração

do modelo social. As feministas levantaram a questão da humanização dos cuidados às

pessoas com deficiência e trouxeram a subjetividade do corpo lesado para o centro da

discussão. O tema sobre o que significava viver em um corpo doente ou lesado vinha

conjuntamente com a crítica sobre o princípio da igualdade pela independência e a discussão

sobre o cuidado (GAUDENZI; ORTEGA; SANTOS, 2016; DINIZ, 2007).

A ideia de que eliminar as barreiras de acesso faria com que pessoas com deficiência

demonstrassem capacidade e potencial produtivo era insensível à diversidade de experiências

da deficiência, pois essa ideia se mostrava cruel a muitos deficientes que jamais terão

condições para a independência ou capacidade para o trabalho, não importa quanto sejam os

esforços para que essas barreiras sejam eliminadas (GAUDENZI; ORTEGA, 2016; DINIZ,

2007).

O discurso das feministas trouxe a figura da cuidadora ao debate, denunciando não

apenas o viés de gênero no liberalismo político, mas as desigualdades de poder no campo da

deficiência que não serão resolvidas por ajustes ambientais ou organizacionais. A prática do

cuidado a deficientes com incapacidades extremas é uma demanda de justiça fundamental.

Diz respeito a relações assimétricas extremas, nas quais há pessoas que necessitam do cuidado

como condição de sobrevivência (DINIZ, 2007).

Santos (2016) aponta que se leva tempo para que uma nova perspectiva analítica gere

novas práticas cotidianas. Destarte, não há como negligenciar a urgência das questões que

devem ser incorporadas à sociedade imediatamente, como “a centralidade da dependência nas

relações humanas, o reconhecimento da vulnerabilidade das relações de dependência e o

impacto da dependência sobre nossas obrigações morais” (DINIZ, 2007, p. 30).

No caso da malformação decorrente de infecção por ZIKV, pesquisas apontam que as

malformações inicialmente são iniciadas no SNC e comumente se desenvolvem para uma

microcefalia. A microcefalia acomete todas as funções psíquicas, tornando o bebê totalmente

dependente dos cuidados maternos. Um bebê com microcefalia se enquadra na análise acima

a respeito de um deficiente grave, que necessita de cuidados em tempo integral e que

inevitavelmente necessitará de maior atenção e assistência materna (BRUNONI et al., 2016).

Diniz (2016) aponta que, no Nordeste brasileiro, as mães que tiveram seus bebês

acometidos pelo ZIKV e pela microcefalia se dedicam integralmente aos cuidados do bebê,

vivenciando, diariamente, as angustias e as dificuldades inerentes à doença. Por sua vez, os

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dados da cidade de Vitória (IBGE, 2017) revelaram que a maioria das mulheres trabalha e

sustenta as suas famílias. Como seria a vivência das mulheres infectadas pelo ZIKV num

contexto de cuidado integral ao bebê?

Desde o início do fenômeno do ZIKV no Brasil, a mídia tem relacionado a doença ao

abandono; desde famílias que abandonam filhos com microcefalia a homens que abandonam a

mãe de bebês com microcefalia. Alguns estudos recentes demonstram que o abandono de

filho é mais frequente entre mães de recém-nascidos malformados, prematuros com

internações prolongadas, que apresentam baixo nível socioeconômico, baixa escolaridade,

mulheres sem companheiros e que não tenham suporte familiar (SANCHES; RESK, 2017;

FERNANDES, 2011). Essa ideia, difundida socialmente, carrega uma afirmação preocupante

num cenário de fragilidade vivenciada por essas mulheres. É importante compreender

proximamente o que tem contribuído para a reprodução midiática dessa perspectiva e

problematizar as repercussões que tal afirmação produz nas vivências dessa população de

mulheres e pais.

As literaturas acerca do ZIKV têm repercutido amplamente na mídia brasileira, mas

pouco tem se falado sobre o seguimento das crianças, pois pouco se sabe sobre o impacto

social, emocional e a carga financeira das famílias, e tampouco sobre o preparo das equipes de

saúde para avaliar e instituir métodos de intervenção ao longo do tempo (BRUNONI et al.,

2016).

É importante mencionar que toda a epistemologia ou concepção social construída ao

longo do tempo acerca da deficiência perpassa essas mulheres. Trata-se de um grupo

minoritário que vivencia a exclusão diariamente e requer uma atenção em saúde que também

deve ser tratada sob linhas de justiça social.

Da mesma maneira na qual as redes de subjetividade e os significados sociais

atravessam as mulheres/mães cujos filhos nascem com malformação, acontece aos indivíduos

que executam este trabalho em saúde. O presente projeto entende que questionar a concepção

de deficiência a partir da perspectiva política de exclusão social acrescenta subsídios para

compreender a rede de significações e possibilidades que atravessam o cotidiano das mães e

profissionais de saúde a respeito da malformação.

Para isso, é importante conhecer a rede que dá corpo a práticas de saúde que, por

vezes, são efetivas e, outras, não promovem nenhuma diminuição do sofrimento. É importante

nos questionarmos sobre quem são os deficientes. Quem são as mulheres que gestam e criam

os deficientes? Como se sentem? O que pensam sobre ser deficiente? Como recebem a

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assistência em saúde que necessitam? Quem são os profissionais que cuidam dessas

mulheres? O que pensam sobre deficiência? O que pensam sobre o trabalho de acolhimento a

essas mulheres? Estas são algumas das questões que a presente pesquisa busca responder.

1.2.3 Redes de cuidado

As práticas de humanização são entendidas como atos que comportam a valorização e

o acolhimento das singularidades dos sujeitos implicados na rede do processo de produção de

saúde. São estes, os usuários, os trabalhadores e os gestores. “O acolhimento, vínculo,

corresponsabilização e autonomia atuam como dispositivos relacionais que representam

possibilidades de se construir uma nova prática em saúde” (JORGE et al., p. 5, 2011).

Porém, na prática, a realidade tem sido outra. O que se evidencia atualmente são

políticas pautadas no acolhimento visando à redução nas filas de espera na porta das unidades

de atendimento saúde. Se, por um lado, há uma focalização do problema, por outro, as

práticas de cuidado e gestão não recebem o devido foco. Por vezes, o acolhimento em saúde é

visto como uma atitude de voluntarismo e bondade, e outras, como um ato mecânico de

triagem administrativa (NEVES; HECKERT, 2010).

Ocasionalmente, o acolhimento é visto como uma dimensão espacial, reduzida a uma

recepção administrativa em um ambiente confortável e, por outras, como uma ação de triagem

administrativa e repasse de encaminhamentos para outros serviços. Quando ações como essas

são tomadas isoladamente dos processos de trabalho, vão reproduzindo uma lógica de

produção adoecedora que não condiz com os objetivos da humanização em saúde e produzem,

por exemplo, serviços de saúde com filas quilométricas de espera para acesso em instituições

de saúde, trabalho visando produção de procedimentos, atendimento sem escuta e

sobretrabalho dos profissionais de saúde (BRASIL, 2010).

É necessário entender que o ato de acolher se trata de uma ação de aproximação e

inclusão, de aceitar, ouvir, receber o outro em sua integridade e singularidade e agir pró-

ativamente com a intenção de resolver os problemas de saúde das pessoas que procuram um

atendimento de saúde, promovendo um ciclo de confiança (BRASIL, 2010).

Para analisar os processos de acolhimento na saúde é importante buscar entender a

questão sob uma ótica que instiga a pensar, questionar e atentar-se às multiplicidades dos

problemas em pauta, “convocar deslocamentos e mutação subjetiva”, para possibilitar a

criação de novos “modos de fazer” de saúde (NEVES; HECKERT, 2010, p. 158).

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Partindo da problematização dos modos de fazer, podemos pensar as possibilidades do

trabalho em saúde, e voltar o olhar para a potência de um trabalho vivo nesta área. O que se

denomina “trabalho vivo” seria aquilo que traduz a potência instituinte do trabalho em saúde e

do governo da produção de cuidado. Trata-se do trabalho que está em ação, que permite certa

autonomia, certo “autogoverno”, onde há espaço para a criação mesmo envolto ao trabalho

enrijecido pela atuação automática do trabalho morto (MERHY, 2002).

Trata-se de um dispositivo de formação de fluxos-conectivos, onde é

possível fazer uma cartografia no interior dos processos de trabalho como o

desenho de um mapa aberto, com muitas conexões, que transitam por

territórios diversos, assume características de multiplicidade e

heterogeneidade, sendo capaz de operar em alto grau de criatividade

(FRANCO, p. 2, 2006).

Ao admitirmos que o processo de trabalho em saúde funciona sob vias do trabalho

vivo, nos mostra um mundo rico em possibilidades de criação, dinamicidade e de alta

possibilidade inventiva. Ou seja, quando afirmamos que o trabalho em saúde tem como base o

trabalho vivo em ato, dizemos que esse trabalho não pode ser totalmente capturado pela lógica

do trabalho morto, que se configura por equipamentos e tecnologias duras. Isso acontece

porque o trabalho em saúde é perpassado pelo encontro das subjetividades, baseia-se em

tecnologias interpessoais e relacionais que são movidas por afeto, conhecimento e formação

de sentido, tendo, assim, certo nível de liberdade ancorada na possibilidade de autonomia

(NEVES, 2008).

O trabalho vivo é permeado por processos de captura pela normativa que enrijecem o

funcionamento do serviço de saúde, mas possui a principal riqueza de permitir abrir linhas de

fuga e trabalhar com lógicas singulares. Ou seja, trata-se de um modo de trabalhar e pensar

que são próprios do sujeito que, por o atravessarem, permeiam o sistema produtivo de

trabalho. O trabalho em saúde tem, então, como principal característica, tratar-se de uma

inter-relação onde redes de subjetividades são tecidas. Dessa maneira, cada sujeito é capaz de

encontrar novos territórios de significações, que dão sentido para a produção do cuidado

(FRANCO, 2006).

A partir do entendimento de que o trabalho em saúde é um trabalho interpessoal que

envolve processos humanos de subjetivação para que se efetive, é importante analisar como se

desenvolve a gestão das relações em coletivo, ou seja, como se formam redes de trabalho.

Rovere (1999) frisa a importância de estar em uma rede de trabalho em saúde sem pensá-la

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como algo em si, mas como um conjunto de pessoas unidas visando resolver problemas que

são sempre coletivos. As redes, para o autor, são sempre intelectuais e emocionais.

Atualmente, os modelos de gestão de pessoas mais utilizados provêm do campo da

administração. E esses modelos tendem a manejar grandes corporações que lidam com

produtos de material morto. Isso não se aplica ao funcionamento de uma rede, Rovere (1999)

discorre que uma rede em saúde propriamente dita, não se trata de sujeitos sozinhos formando

uma grupalidade, se trata de redes de pessoas que se conectam pela linguagem dos vínculos.

Redes já foram vistas como sistemas, mas sistemas dizem de um funcionamento

piramidal, onde há uma repassagem de comando aos grupos homogeneizados. Tal visão

contrapõe-se à ideia de redes, na qual se assume a heterogeneidade e se acredita em uma

organização institucional. Dessa maneira, permite-se pensar em possibilidades flexíveis de

acordo com a necessidade de diversas pessoas. Em outras palavras, em uma rede não se trata

de operar por comandos, mas operar ciente de um comportamento solidário que é grupal.

Assim, o problema de um é problemas de todos (ROVERE, 1999).

Mas para que isso ocorra, há um processo natural de identificação entre os pares que

permite que uma rede se configure como tal. As redes são compostas de vínculos e existem

várias formas de redes, sua base é a concepção de pertença à rede. É preciso que exista uma

conexão identitária com o grupo em rede. Inicialmente, há um grupo artificial colocado com

funções e papéis sociais delegados, no decorrer no trabalho em ato vão se estabelecendo

funções e atuações entre as pessoas integrantes da rede de trabalho. As pessoas transferem

parte de sua identidade e narcisismo para o grupo e representações internas vão sendo

incorporadas. A partir de então, aliado ao comportamento solidário, não se trata mais do que

cada um faz no trabalho em saúde, mas da potência de trabalho que todos juntos conseguem

produzir (ROVERE, 1999).

O processo de construção de redes envolve o atravessamento de níveis. Conhecer esse

processo nos permite organizar e monitorar uma rede para entendimento e aperfeiçoamento.

Rovere (1999) elaborou cinco níveis, são estes: 1º Reconhecimento; 2º Conhecimento; 3º

Colaboração; 4º Cooperação; 5º Associação.

O reconhecimento trata-se da aceitação do outro. Na maioria dos casos, as

dificuldades no serviço se dão por não reconhecer que o outro existe. Reconhecer a existência

do outro pressupõe reconhecer que o outro pode e deve ser ouvido, reconhecer o outro

enquanto interlocutor válido e que o que ele tem a dizer é importante e pode melhorar a

qualidade do serviço. Trata-se do valor da aceitação. O conhecimento só é possível após o

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reconhecimento, pois nesse nível, há, então, a busca do conhecimento pelo outro. O desejo de

saber qual o conhecimento que o outro tem sobre o mundo. Trata-se do valor do interesse, do

desejo. O terceiro nível é a colaboração, trata-se de “trabalhar-com”, não se trata de uma

ajuda sistemática, mas de uma ajuda espontânea, movida pela autonomia e por vínculos de

reciprocidade. Trata-se do valor da reciprocidade. Logo após vem o nível da cooperação, que

se trata de uma operação conjunta que pressupõe que haja um problema em comum e,

portanto, que haja uma problematização conjunta. Envolve compartilhar atividades e recursos

em grupo, e diz respeito ao valor da solidariedade. Por último, o nível da associação, se trata

de um acordo para compartilhar objetivos e projetos. Nesse nível há um objetivo amplo à rede

que é compartilhado e vivido por todos.

Para Rovere (1999) a rede é heterogênea por considerar as diferenças de cada um, seja

usuário ou profissional, que deve ser ouvido e aceito em sua singularidade e identidade, não

se trata sobre “mais um habitante” ou “mais um usuário”. É importante supracitar que a rede

não pode ser imposta, ela se constroi voluntariamente a partir da fomentação de autonomia de

usuários e profissionais de saúde.

Evidencia-se então a complexidade que envolve o trabalho em saúde por justamente

ser um trabalho humano, que é perpassado por subjetividades que se produzem e reproduzem

constantemente. O acolhimento é um modo de olhar mais de perto o trabalho em saúde, da

mesma forma que também é a base do trabalho em saúde. Com as redes não se dá de maneira

diferente, se trata de acolhimento vivenciado em conjunto, quanto mais de perto, vemos níveis

de um processo cuja base do funcionamento é movida por valores sociais. No caso do

atendimento de saúde à mulher gestante, torna-se importante pensar como essas redes de

cuidado atuam sobre as vias de imprevisibilidade que acometem essas mulheres, como por

exemplo, quando o não esperado, o desviante da norma se introduz no cenário.

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2 JUSTIFICATIVA

No Brasil, em outubro de 2015, deu-se início a uma epidemia de nascimento de

crianças com microcefalia. Os focos iniciaram-se em Pernambuco e, logo depois, foram

notificados mais casos em outros estados da região Nordeste. Após alguns meses, foi

confirmada a transmissão autóctone da febre pelo ZIKV no Brasil. Em menos de dois meses

do início de 2016, 5.640 casos suspeitos de microcefalia e 583 confirmados já haviam sido

registrados (HENRIQUES; DUARTE; GARCIA, 2016).

Ainda são incipientes as pesquisas implicadas em analisar e descrever a realidade e os

desafios vivenciados na saúde acerca da população de mulheres grávidas cujos diagnósticos

dos bebês indicam suspeita ou confirmação de SZC. Aponta-se atualmente à necessidade de

pesquisas que possam elucidar demandas em saúde dessas mulheres e, assim, orientar

gestores e trabalhadores da saúde na criação, regulação e implantação de políticas e

programas em saúde, específicos às necessidades dessa população (BRASIL, 2016c).

Devido à recente epidemia, há uma demanda instaurada acerca da microcefalia. O

governo tem lançado protocolos e planos de enfretamento às consequências, destarte, o

número de casos tem crescido, gerando demanda maior na rede de cuidados em saúde.

Tais casos são um acometimento para o qual os serviços de saúde pouco estavam

preparados para atender, uma vez que a Zika traz consigo uma nova demanda de saúde que se

revela num acompanhamento de usuários de saúde que se dará por vários anos (BRASIL,

2016h). Nesse contexto, para que essa rede consiga responder efetivamente à incidência de

casos e dar seguimento ao acompanhamento dessas mães e crianças, realizando atendimentos

integrais e humanizados, de acordo com as necessidades de saúde de cada usuária, é de suma

importância entender como essa rede tem se produzido.

A vigilância e a atenção adequada à saúde das mães cujos bebês foram diagnosticados

ou possuem suspeita de SZC permanecem priorizadas. O Plano Nacional de Enfrentamento à

Microcefalia foi divulgado pelo Ministério da Saúde em 2016, juntamente com protocolos de

vigilância e de estimulação precoce às crianças com SZC. A ênfase tem sido dada aos

esforços para encontrar estratégias para lidar com a epidemia. O Plano trabalha em três

frentes: prevenção e combate ao mosquito Aedes aegypti, melhoria da assistência às gestantes

e crianças e a realização de estudos e pesquisas nessa área. A Zika é uma doença pouco

conhecida pela ciência. Conhecer as manifestações desse vírus poderá ajudar no seu

enfrentamento (BRASIL, 2016h; 2016j; 2016e; HENRIQUES; DUARTE; GARCIA, 2016).

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Através dos resultados desta pesquisa, poderemos compreender melhor a organização

da rede de cuidados realizada em Vitória com mulheres que tiveram seus bebês

diagnosticados ou sob suspeita de SZC e, assim, promover melhorias na rede e diminuição

das demandas de saúde que não estão sendo atualmente visualizadas e respondidas pela atual

rede de saúde. Por fim, os dados desta pesquisa poderão contribuir para a construção de um

programa de saúde no âmbito do estado para acompanhamento dessas mulheres, assim como

para a criação de cursos preparatórios sobre o tema para gestores, trabalhadores e usuários do

SUS no Estado do Espírito Santo, apontando para especificidades e visando um atendimento

humanizado.

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3 OBJETIVOS

3.1 OBJETIVO GERAL

Analisar as redes de cuidado que perpassam mães e profissionais de saúde diante do

diagnóstico de SZC em Vitória-ES.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

● Descrever o processo de organização da rede de cuidados à SZC, desde seu

surgimento à atualidade, na cidade de Vitória.

● Analisar a configuração da rede de cuidados à SZC sob a ótica dos profissionais de

saúde.

● Identificar as vivências e percepções de gestantes frente à SZC a respeito do

diagnóstico e cuidados em saúde recebidos.

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4 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

A presente pesquisa trata-se de um estudo qualitativo de delineamento analítico-

descritivo. A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares, se ocupa da

realidade que não pode ser quantificada, ou seja, ela atua com o universo dos motivos, dos

desejos, das crenças, dos valores e dos significados. Parte do entendimento de que o conjunto

de fenômenos humanos é parte da realidade social, pois o que o ser humano pensa e faz é

compartilhado com seus semelhantes (MINAYO, 2007a).

A pesquisa qualitativa tem como foco explorar o mundo das relações humanas, das

representações sociais e da intencionalidade sobre o tema que se pretende investigar. Em

pesquisa qualitativa preocupa-se com o conteúdo, com a subjetividade dos sujeitos

pesquisados, ao contrário da pesquisa quantitativa que se preocupa em elaborar levantamentos

numéricos ou censos populacionais (MINAYO, 2007a).

Segundo Gil (2010), “as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a

descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o

estabelecimento de relações entre variáveis” (GIL, 2010, p. 42). O presente estudo delineou-

se por analítico-descritivo no que diz respeito à sua finalidade em pesquisa, pois visa não

apenas observar e registrar os fenômenos e suas características, mas também analisar as inter-

relações dos fenômenos com o contexto, os fatores e as variáveis encontradas.

4.1 CENÁRIO DE PESQUISA

O estudo foi realizado na cidade de Vitória - Espírito Santo. Como capital do Estado

do Espírito Santo, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),

Vitória possui uma população estimada de 359.555 habitantes (2016). A capital capixaba

conta com 79 bairros distribuídos pela ilha e pela região continental. Vitória limita-se ao norte

com o município da Serra, ao sul com Vila Velha, a leste com o Oceano Atlântico e a oeste

com Cariacica. Atualmente, é a quarta cidade mais populosa do estado e integra uma área

geográfica de grande nível de urbanização denominada Região Metropolitana da Grande

Vitória, compreendida pelos municípios de Vitória, Cariacica, Fundão, Guarapari, Serra,

Viana e Vila Velha. Vitória possui 30 unidades básicas, 2 Pronto Atendimento 24 horas e 1

centro de especialidades, além de centros de referência espalhados pela cidade (BRASIL,

2017).

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4.2 SUJEITOS DE PESQUISA

Partindo do entendimento de que o presente estudo visou a aproximação com os atores

estratégicos envolvidos e a ênfase nas informações que essa rede de atores possa tecer,

chamaremos os participantes da pesquisa de atores estratégicos.

Dessa maneira, os atores estratégicos foram selecionados através da técnica de

amostragem Bola de Neve, apresentada por Goodman em 1961. Também chamada de

“snowball sampling” ou “cadeia de informantes”, essa técnica é uma forma de amostra não

probabilística que utiliza cadeias de referência. Nela, não é possível definir a priori a

quantidade de participantes ou mesmo a probabilidade de seleção de cada participante, porém

é muito útil para estudar grupos difíceis de serem acessados ou nos quais não há precisão

sobre sua quantidade (VINUTO, 2014). Em outras palavras, os participantes iniciais do estudo

indicaram novos participantes que também indicaram novos participantes e, assim,

sucessivamente, até ser atingido o ponto de saturação, que se refere a quando os novos

entrevistados repetem os conteúdos já obtidos em entrevistas anteriores, de maneira a não

mais acrescentar novas informações relevantes ao estudo (BALDIN; MUNHOZ, 2011).

Detalhadamente, a técnica da amostragem em bola de neve se desenvolve da seguinte

maneira: inicialmente, buscam-se documentos e/ou informantes-chaves, como se fossem

sementes. Temos o ponto de partida para localizar algumas pessoas com o perfil necessário

para a pesquisa, dentro da população geral. Essas sementes ajudam o pesquisador a iniciar os

contatos e a investigar o grupo pesquisado. Em seguida, solicita-se às pessoas indicadas pelas

sementes que, a partir de sua rede social pessoal, indiquem novos possíveis participantes que

se encaixem no perfil desejado. Dessa forma, sucessivamente, a amostragem pode crescer a

cada entrevista, até atingir o interesse do pesquisador de acordo com o seu objetivo.

Eventualmente, a amostragem irá saturar, ou seja, novos nomes não serão oferecidos ou os

nomes encontrados não trarão informações novas ao quadro de análise (VINUTO, 2014).

Essa técnica envolve um processo de permanente coleta de informações e, por isso, é

normalmente utilizada para fins exploratórios. Vinuto (2014) destaca três objetivos nos quais

essa técnica é normalmente utilizada: “desejo de melhor compreensão sobre um tema, testar a

viabilidade de realização de um estudo mais amplo, e desenvolver os métodos a serem

empregados em todos os estudos ou fases subsequentes” (VINUTO, 2014, p. 205).

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Como perfil desejado de participante para a pesquisa, foram convidadas a participar:

mulheres usuárias do Sistema Público de Saúde que foram infectadas pelo ZIKV durante a

gestação e cujo bebês receberam diagnóstico ou suspeita de SZC e profissionais de saúde que

fizeram parte da rede de atenção e cuidado dessas mesmas mulheres.

Os profissionais de saúde foram selecionados de acordo com a técnica de amostragem

Bola de Neve e as mães que estavam listadas pela Secretaria de Vigilância em Saúde

Municipal de acordo com o perfil desejado para a pesquisa foram convidadas a participar,

pois percorreram a rede de cuidados da cidade. Uma vez que se trata de uma população

especifica na qual o diagnóstico não é recorrente, a amostra é representativa da população

estudada.

As mães e profissionais foram convidados a participar do estudo, e essa participação

foi condicionada ao recolhimento da assinatura em Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido, no qual todos participantes declararam estar cientes dos procedimentos e

instrumentos utilizados na pesquisa.

4.3 INSTRUMENTOS

Os instrumentos utilizados para alcançar os objetivos foram:

● Planilha do Excel para análise descritiva (como instrumento para análise de dados)

● Entrevista semiestruturada

A entrevista é uma das estratégias mais usadas em pesquisa qualitativa. Trata-se de

conversas com finalidades e que se caracterizam pela sua organização. A entrevista

semiestruturada caracteriza-se por combinar perguntas abertas e fechadas, obedecendo a um

roteiro criado pelo pesquisador, de maneira na qual o entrevistado possa discorrer sobre o

tema sugerido sem se prender à indagação objetiva. A entrevista permite colher informações

que se tratam da reflexão do próprio sujeito a respeito de sua realidade, e constituem dessa

forma, uma representação da realidade: ideias, crenças, opiniões, formas de pensar, atuar e

sentir. Essa é uma técnica dinâmica e social, por isso, está sujeita às dinâmicas das relações

sociais, como conflitos e entendimentos. Dessa forma, é muito importante que o pesquisador

esteja atento à maneira pela qual irá se apresentar, mencionar o interesse da pesquisa,

apresentar a credencial institucional, explicar os motivos da pesquisa, justificar a escolha do

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participante e garantir o anonimato e o sigilo dos dados colhidos (MINAYO, 2007b).

4.4 PROCEDIMENTOS DE COLETA

A presente pesquisa foi encaminhada para o Comitê de Ética da Universidade Federal

do Espírito Santo (UFES) e à Secretaria de Saúde do Estado do Espírito Santo e, após a

provação, o estudo foi iniciado (ANEXO A).

Primeiramente, foram colhidos dados do banco de dados Vigilância de Saúde da

Secretaria de Saúde de Vitória visando à caracterização das usuárias de saúde infectadas pelo

ZIKV.

Após isto, iniciou-se a coleta de dados com a realização do Rapport com a

participante, no intuito de esclarecer todas as dúvidas acerca da pesquisa. Nas entrevistas

semi-estruturadas, com permissão do participante foi gravado áudio para transcrição dos

dados no Software Word.

4.5 TRATAMENTO E ANÁLISE DE DADOS

Os dados foram analisados qualitativamente através da Análise de Conteúdo Temática.

A Análise de Conteúdo, apesar de ser a técnica de análise mais usada em pesquisaS

qualitativas, possui uma lógica de metodologias quantitativas, uma vez que busca a

interpretação codificada do conteúdo em caráter qualitativo. Essa analise oscila entre o rigor

da objetividade dos números e a fecundidade da subjetividade (MINAYO, 2007b).

Bardin (1977) define a Análise de Conteúdo como:

Um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por

procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das

mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam inferência de

conhecimentos relativos às condições de produção/receptação dessas

mensagens (BARDIN, 1977, p. 42).

Operacionalmente, a análise de conteúdo parte de uma leitura de discursos,

depoimentos e documentos, para assim aprofundar-se, perpassando os sentidos manifestos do

material. Busca relacionar significantes com significados dos enunciados e, assim, articular os

enunciados das entrevistas com fatores que determinam suas características, como variáveis

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psicossociais, contextos socioculturais e processo de produção de mensagem (MINAYO,

2007b).

Existem várias modalidades de Analise de Conteúdo, a escolhida para a presente

pesquisa é a Análise de Conteúdo Temática, tipologia considerada mais apropriada para

investigações qualitativas em saúde. Fazer uma análise temática consiste em descobrir:

os núcleos de sentido que compõem uma comunicação, cuja presença ou

frequência signifiquem alguma coisa para o objeto analítico visado.

Tradicionalmente, a analise temática era feita pela contagem de frequência

das unidades de significação, definindo o caráter do discurso. Para uma

análise de significados, a presença de determinados temas denota estruturas

de relevância, valores de referência e modelos de comportamento presentes

ou subjacentes no discurso (MINAYO, 2007b, p. 316).

A análise de conteúdo Temática, é operacionada em três etapas: 1) pré-análise: pode

ser decomposta nas fases de leitura flutuante, constituição do corpus e formulação e

reformulação de hipóteses e objetivos; 2) exploração de material: consiste numa operação

classificatória visando alcançar o núcleo de compreensão do texto; e 3) tratamento dos

resultados obtidos e interpretação: resultados brutos são submetidos a operações que

permitem verificar as informações procuradas, após isso, o pesquisador faz análises, propõe

inferências e realiza interpretações, inter-relacionando-as ao quadro teórico desenhado

inicialmente no estudo (MINAYO, 2007b).

Os dados a respeito do perfil das usuárias do sistema de saúde infectadas pelo Zika

com diagnóstico de malformação fetal da SEMUS foram tabelados e organizados em planilha

para análise e estatística descritiva.

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5 ARTIGOS

Os resultados da pesquisa estão apresentados e discutidos em formato de artigos,

respectivamente de acordo com os objetivos específicos.

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5.1 ARTIGO 1

O PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO DA REDE DE CUIDADOS À SÍNDROME DA

ZIKA CONGÊNITA: DO SURGIMENTO À ATUALIDADE

Camila Marchiori Pereira

Maria Angélica Carvalho Andrade

Artigo submetido à apreciação da Revista Ciência e Saúde Coletiva no dia 02/03/2018

(comprovante ANEXO C)

RESUMO: Devido à epidemia do vírus Zika instaurada no ano de 2015, os números dos

casos de nascimentos com microcefalia aumentaram bruscamente nos últimos dois anos,

trazendo novas demandas para profissionais de saúde. Dito isto, o presente artigo tem como

objetivo descrever a organização da rede de saúde que acompanha as gestantes e puérperas

cujos bebês foram diagnosticados com síndrome da Zika congênita no contexto da cidade de

Vitória/ES desde seu surgimento até a atualidade. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de

delineamento descritivo. A pesquisa contou com nove profissionais de saúde que foram

selecionados através da técnica de amostragem Bola de Neve. Através de entrevistas

semiestruturadas, os dados foram coletados e analisados pela ótica da Análise de Conteúdo

Temática. Os resultados apontam para a existência de uma rede de cuidados fragmentada

pautada na lógica de encaminhamentos baseada na atenção especializada. Devido a que ainda

são escassos os conhecimentos sobre o desenvolvimento clínico da síndrome da Zika

congênita, encontram-se, no cenário em saúde, profissionais sentindo-se impotentes e

despreparados frente às demandas clínicas e psicossociais das usuárias.

Palavras-chave: Zika; Síndrome da Zika congênita; Microcefalia; Rede de

cuidado; Organização em Saúde.

INTRODUÇÃO

A epidemia do vírus Zika, instaurada no Brasil em 2015, abriu uma janela de pânico e,

assim, um novo importante imperativo de resolução de saúde foi colocado. A Zika é uma

nova forma de doença na qual pouco se sabia e ainda há muito a descobrir, trouxe consigo a

consequência devasta da síndrome da Zika congênita (SZC) e rapidamente, um país vasto

como o Brasil percebeu-se vítima de uma epidemia transmitida por um pequeno vetor.

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Atualmente, sabe-se que a Zika é uma doença causada por vírus do gênero Flavivírus,

transmitida por mosquitos do gênero Aedes. Em 2015, o Brasil confirmou circulação

autóctone do vírus Zika1.

Até o fim do ano de 2016, foram registrados 211.770 casos notificados de febre pelo

vírus Zika no país (taxa de incidência de 103,6 casos/100 mil hab.), distribuídos em 2.280

municípios, tendo sido confirmados 126.395 (59,7%) casos2.

No ano de 2017, até o mês de abril, foram notificados 7.911 casos de Zika. Uma

diminuição de 95% se comparado aos casos notificados no mesmo período em 2016. Com

isso, a incidência passou de 82,8 casos para 100 mil habitantes, em 2016, para 3,8, em 20173.

No final do ano de 2015, foi identificada a relação entre Zika e microcefalia, associada ou não

a alterações do Sistema Nervoso Central em fetos4. Em 2017, foram registrados 1.079 casos

prováveis de síndrome da Zika congênita. Desses, 293 foram confirmados por critério clínico-

epidemiológico ou laboratorial. Contudo, não houve registro de mortes por Zika no ano de

2017, sendo que em 2016, oito mortes foram registradas3.

A infecção por Zika vírus em gestantes e suas consequências para o feto foram

intitulados de “Síndrome congênita do Zika vírus” ou “síndrome da Zika congênita”. Os

bebês com síndrome da Zika congênita apresentam, além da microcefalia, hipertonia global

grave com hiper-reflexia, irritabilidade, hiperexcitabilidade, choro excessivo, dificuldades de

deglutição, além de respostas auditivas e visuais comprometidas. Susceptibilidade para

infecções respiratórias, complicações ortopédicas e crises convulsivas também são observadas

em algumas crianças5,6.

Além do elemento da pouca informação, as consequências da Zika ocorrem em longo

prazo, uma vez que seus efeitos nos bebês e em adultos ainda estão sendo descobertos7,8. As

crianças infectadas pela Zika evidenciam a necessidades de cuidados multidisciplinares

complexos, de longo prazo, social e econômicos. Quando se trata das vítimas da Zika,

ressalta-se a importância que cada caso receba a atenção psicossocial e especializada por

equipe multidisciplinar composta por pediatras, neurologistas e profissionais de estimulação

precoce, como psicólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo5,6,9.

O Brasil não estava preparado a receber tal demanda, de 2000-2014 as taxas de

nascidos vivos com microcefalia eram baixas (média anual de 164 casos), na epidemia em

2015, essas taxas aumentaram para 1.608 casos10. A epidemia causou uma emergência em

saúde pública que provoca e convida esforços de profissionais de saúde, cidadãos e

trabalhadores a enfrentar a expansão do problema Zika. Agora, passada a emergência

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instaurada e as demandas de resposta rápida, tornam-se de suma importância as críticas,

reflexões e ações políticas à organização de saberes e ações frente à Zika11.

No Brasil, para consolidação dos princípios norteadores universalidade, integralidade e

equidade, utilizam-se moldes de redes de atenção como principal estratégia. Uma rede de

atenção eficiente é aquela que une esforços para responder às necessidades de saúde atuais. É

de suma importância que uma rede de atenção à saúde atue de forma organizada e efetiva, e

que se caracterize pelas relações relativamente estáveis e por confiança, autonomia,

interdependência e cooperação12.

A doença da Zika ainda é uma doença nova para a qual poucas descobertas foram

feitas. Há um desconhecimento frente à doença que impacta a atuação de profissionais, assim

como impacta a maneira pela qual a atenção em saúde à população atingida por essa doença

tem sido fornecida. Devido à novidade da doença, há uma ausência de estudos que descrevam

como a atenção em saúde tem sido realizada a essa população.

As consequências da síndrome da Zika congênita são severas e demandam ações de

saúde efetivas que busquem a integralidade da atenção em saúde. Partindo da concepção de

redes enquanto vínculos que se agenciam através de reciprocidade e autonomia13, é de

extrema importância conhecer como tais redes têm sido organizadas frente à demanda

emergente da síndrome da Zika congênita.

Em meio a esse cenário, o presente artigo possui o objetivo de descrever como tem se

dado a organização da rede de saúde que acompanha as gestantes e puérperas cujo bebês

foram diagnosticados com síndrome da Zika congênita no contexto da cidade de Vitória/ES

desde o seu surgimento até a atualidade.

METODOLOGIA

O presente estudo trata-se de um dos objetivos de uma pesquisa de mestrado

qualitativa de delineamento analítico-descritivo. A pesquisa foi realizada na cidade de Vitória,

Espírito Santo/Brasil. Partindo do entendimento que o estudo visou à aproximação com os

atores estratégicos envolvidos na rede existente de saúde e à ênfase nas informações que essa

rede de atores possa tecer, chamamos os participantes da pesquisa de atores estratégicos.

Dessa maneira, os atores estratégicos foram selecionados por meio da técnica de amostragem

Bola de Neve apresentada por Goodman em 1961. Também chamada de “snowball sampling”

ou “cadeia de informantes”, essa técnica é uma forma de amostra não probabilística que

utiliza cadeias de referência14.

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A técnica de amostragem Bola de Neve foi utilizada na seleção de participantes que se

encontravam no perfil desejado para a pesquisa, sendo este: profissionais de saúde da rede de

atenção e cuidado à saúde de mulheres que receberam diagnóstico de malformação fetal

relacionado à infecção pelo vírus Zika e que percorreram essa rede de atendimento.

Entendemos como “malformação” doenças físicas do bebê, sejam estruturais e/ou

associadas a uma alteração cromossômica. No caso dos infectados por ZIKV, bebês com

alterações no Sistema Nervoso Central ou microcefalia.

Como instrumentos de estudo, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas, que

foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas. A entrevista é uma das estratégias mais

usadas em pesquisa qualitativa. Trata-se de conversas com finalidades e se caracterizam pela

sua organização15. Os dados coletados foram analisados qualitativamente por meio da Análise

de Conteúdo Temática explanada por Bardin16. A técnica de Amostragem Bola de Neve

iniciou-se com o profissional de referência na temática da Zika da lista da Vigilância de Saúde

Municipal. A pesquisa seguiu todos os procedimentos éticos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram entrevistados um total de nove pessoas, todas do sexo feminino. No que tange à

técnica de amostragem Bola de Neve, foram indicados nove profissionais de saúde. Dentre

estas, 56% declarou-se branca e 44% de cor parda. Das profissionais entrevistadas, 39%

trabalha na assistência em hospital ou ambulatório, 33% em consultórios, 20% na docência e

8% na Gestão de Saúde de forma indireta. Dentre estas, 90% eram formadas em medicina e

apenas uma possuía formação em assistência social. Foram encontradas, na rede de atenção à

Zika, as seguintes profissionais com as suas respectivas funções na rede: uma neurologista

infantil; uma ultrassonografista responsável pela radiologia e diagnóstico por imagem; uma

oftalmologista infantil responsável pela avaliação auditiva; uma pediatra responsável pela

coordenação do ambulatório de avaliação auditiva infantil; uma infectologista; uma pediatra

responsável pelos dados epidemiológicos municipais; uma médica sanitarista atuante no setor

de Gerência de Vigilância em Saúde Estadual; uma médica infectologista e sanitarista

responsável pelo monitoramento das doenças transmissíveis por mosquito em nível estadual e

uma assistente social responsável pela área técnica de saúde da criança e adolescente em nível

municipal. Segue abaixo um fluxograma (Figura 1) da cadeia de referência encontrada na

técnica de amostragem Bola de Neve na pesquisa. Os quadros que se encontram em cor

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branca são referentes às funções ligadas à gestão indireta da rede, e os de cinza se referem aos

profissionais que lidam diretamente com as mulheres na assistência à saúde.

A amostra de Bola de Neve se deu de maneira exponencial, onde um ator estratégico

poderia indicar um ou mais atores para participar da amostra. A amostragem encontrou seu

ponto de saturação por repetição de atores indicados e informações repetidas.

As especializações autorreferidas encontradas entre os profissionais foram:

neurofisiologia, infectologia, radiologia e diagnóstico por imagem, oftalmologia, retina

pediátrica, homeopatia, saúde pública, acupuntura, infectologia, epidemiologia, gerência de

unidade de saúde e gestão de serviços e sistemas, e pediatria, sendo esta última, especialidade

de três profissionais da amostra.

Os resultados foram sintetizados nas categorias de análise que seguem abaixo:

Surgimento da Zika em Vitória; Caso Zero; Primeiras Ações; Organização da rede de

atendimento; Criação de um serviço especializado; Limitações e avanços.

Surgimento dos casos de Zika

Em 2016, foram notificados 214.193 casos de Zika vírus no Brasil, na Região Sudeste

foram notificados 90.573 casos e, no Estado do Espírito Santo, foram notificados 2.327 casos

de Zika vírus, uma incidência de 59,2 de febre pelo Zika vírus por 100 mil habitantes17.

Médica técnica da Vigilância

Epidemiológica Municipal

Assistente Social referência técnida da

Saúde da Criança Municipal

Neurologista Infantil

InfectologistaPediatra infantil responsável

pela avaliação auditiva

UltrassonografistaOftalmologista

infantil

Infectologista técnica do Monitoramento de Doenças

Trans. por mosquito em nível Estadual

Médica saniatrista técnica em Gerência de Vigilância

em nível Estadual

Figura 1- Fluxograma da cadeia de referência encontrada na pesquisa, 2017.

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Cientes da epidemia que já se instaurava em outras regiões do Brasil, em maio de

2015, a Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (SESA) publicou uma nota técnica

esclarecendo que os casos de Zika que ocorressem no Espírito Santo deveriam ser

encaminhados à rede de atenção, igualmente aos casos de dengue.

A SESA informou, em janeiro de 2017, que entre 22 de novembro de 2015 e 31 de

dezembro de 2016 foram notificados no Espírito Santo 265 casos de microcefalia em bebês

nascidos vivos, natimortos ou em gestação. Destes, 98 permanecem em investigação, 122

foram descartados e 45 foram confirmados para microcefalia relacionada à síndrome

congênita de Zika17.

A SESA informou que foram notificados no Espírito Santo, entre 1º e sete de janeiro

de 2017, sete casos de infecção pelo Zika vírus17, e vários municípios já haviam notificados

casos de Zika.

Em dezembro de 2015, a Prefeitura de Vitória já havia afirmado que a cidade de

Vitória/ES também estava sendo perpassada pelo Zika vírus, já haviam sido notificados 169

casos de Zika e seis gestantes já estavam sendo monitoradas pela rede municipal de saúde.

Foram considerados cinco bairros de maior incidência. Em janeiro de 2016, a Prefeitura de

Vitória declarou situação de emergência na capital em função da epidemia de ZIKV e

dengue. Para combater o mosquito, a Prefeitura solicitou ajuda dos soldados do Exército,

além das equipes da Secretaria Municipal de Saúde18.

Já cientes dos casos que começaram a ser notificados no final de 2015 no país, a

Secretaria de Saúde de Vitória elaborou uma nota técnica para a rede de saúde. Em 19 de

janeiro de 2016 foi publicada a Nota técnica Nº 001/2016/PMV/SEMUS/GAS, que dispunha

do fluxo de seguimento para atendimento às gestantes infectadas pelo Zika vírus, estabeleceu-

se que seria considerado microcefálico o lactente nascido a termo que apresenta perímetro

cefálico (PC) igual ou menor que 32 cm de acordo com a curva para a sua idade e sexo ou

recém-nascido (RN) pré-termo com PC menor ou igual ao percentil 3 de acordo com curvas

de crescimento de Fenton para crianças. Valores de perímetro cefálico entre 32,1 e 33 cm não

foram classificados como microcefalia, porém deveriam ser igualmente acompanhados em

puericultura, com vigilância do desenvolvimento e da evolução do PC até dois anos de idade

da criança.

Em 13 de abril de 2016 foi publicada uma nova nota técnica de nº

006/2016/PMV/SEMUS/GAS que atualizava a nota anterior, e que adotou novas definições

recomendadas pelas Sociedades Científicas Médicas, especialistas consultados e as

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recomendações da Organização Mundial de Saúde. Para os nascidos pré-termos, os novos

parâmetros de referência são os definidos no Estudo Internacional de Crescimento Fetal e do

Recém-Nascido: Padrões para o Século 21, conhecido por Intergrowth, que considera

microcefálico o RN a termo que apresenta PC menor ou igual a 31,5 centímetros para

meninas e 31,9 para meninos, equivalente a medida menor que menos dois (-2) desvios-

padrões abaixo da média específica para a idade do neonato e sexo, segundo a tabela da OMS

ou RN pré-termo (menor de 37 semanas de idade gestacional), equivalente à medida menor

que menos dois (-2) desvios-padrões abaixo da média específica para a idade gestacional e

sexo, segundo a tabela do Intergrowth.

Outra mudança significativa diz respeito ao encaminhamento ao neuropediatra, que

antes era feito pela UBS para um ambulatório referência. Agora a área técnica saúde da

criança está responsabilizada de agendar consultas diretamente com o neuropediatra.

Caso zero

A Secretaria Municipal de Saúde confirmou a epidemia do Zika vírus em outubro de

2015, em agosto de 2015 foi registrado o marco zero, quando foi identificado o primeiro

caso suspeito de Zika. A partir da confirmação do caso zero, houve grande aumento das

notificações em novembro, partindo de uma a duas notificações, para 26 casos notificados .

Em dezembro de 2015, se configurou o boom da epidemia, chegando a 146 casos

notificados. Entretanto, observou-se uma queda expressiva no mesmo mês, que foi

diminuindo drasticamente no mês de janeiro, obtendo um total no fim do mês de 20 casos

notificados19.

Primeiras ações

Em 2015, a cidade contou com ações pontuais relacionadas ao que se sabia do vírus

Zika segundo uma doença tropical e vetorial. As primeiras ações foram protetivas, como

declarar situação de emergência. Mas apenas no ano de 2016, em janeiro, as ações foram

iniciadas. Foram aumentados os números de visitas domiciliares dos agentes da dengue

visando eliminar potenciais criadouros do mosquito. Foi publicado no mesmo mês o decreto

nº 16.584/2016 que permite o ingresso forçado das visitas, sob auxilio de força policial, em

caso de recusa ou ausência do morador visando fortalecer o trabalho de prevenção.

Profissionais da Secretaria Municipal de Saúde, o Exército, Corpo de Bombeiros realizaram

mutirões em 46 bairros de Vitória até o início do mês de fevereiro20.

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Outras medidas foram a realização de visitas da equipe de saúde mais frequentes às

gestantes para promoção de orientação quanto à prevenção ao mosquito, à utilização de

veículos midiáticos para informações de prevenção, à realização de inspeções em seis

maternidades de Vitória e as voltas do carro fumacê foram intensificadas.

Cursos de capacitações foram ministrados pela Secretaria de Saúde Municipal para

orientar a rede de assistência em saúde sobre a nova doença e a respeito dos cuidados que

devem ser tomados quando há suspeita de microcefalia decorrente da infecção pelo vírus em

gestantes, e com as descobertas sobre o vírus Zika que foram se estabelecendo durante o ano

de 2016, foi elaborado um protocolo de atendimento às gestantes suspeitas de infecção por

vírus Zika.

Organização do serviço de atendimento por infecção de vírus Zika

Em Vitória, há uma rede de atenção básica que funciona com efetividade no serviço de

atendimento público à saúde. A capital é conhecida por ter os melhores índices de saúde do

país21. Quando a epidemia de Zika se instaurou na cidade, os infectados pelo vírus foram

atendidos pela rede já existente. O atendimento da rede de saúde oficial de Vitória se dá

através da atenção básica. A maioria dos postos de saúde da cidade conta com equipe

completa de profissionais. No fluxograma abaixo, se evidencia como é a rede de atendimento

da mulher gestante infectada por Zika vírus a partir do protocolo definido pela Secretaria

Municipal de Saúde e dos resultados encontrados na pesquisa. Nota-se que, num primeiro

momento, a partir da confirmação da infecção pela Zika na gestante, ela percorrerá toda a rede

de cuidados da puericultura evidenciada no fluxograma abaixo (Figura 2).

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É importante destacar que, devido ao pequeno tempo de exposição do vírus, o que

dificulta a confirmação da sua infecção, e do pouco conhecimento ainda disposto sobre as

consequências da infecção em gestantes, essa rede deve ser percorrida por quaisquer gestantes

que passem pela suspeita de Zika. São considerados casos suspeitos: bebês microcefálicos ou

não de gestantes com relato de quadro sugestivo de infecção pelo Zika vírus em qualquer fase

da gestação, recém-nascido com microcefalia ao exame físico independente da mãe ter ou não

relato de quadro sugestivo de infecção pelo Zika vírus durante a gestação e lactente que

durante acompanhamento de puericultura apresentar redução da velocidade ou parada de

crescimento do perímetro cefálico.

Ou seja, havendo relato, sugestão ou suspeita de infecção pelo vírus na gestação, é

recomendado que a gestante passe por esse fluxo de atendimento na rede. Nos casos de

microcefalia com ou sem relato de infecção, a rede de atenção também será a mesma. É

importante entender que tais medidas estritas se dão diante de uma doença por infecção sobre

a qual ainda não se sabe de todas as consequências. A cada dia, estudos tem descoberto outros

Figura 2 - Fluxograma do atendimento às gestantes infectadas pelo vírus da Zika em Vitória, 2017.

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déficits de desenvolvimento nos bebês da Zika que não são restritos ao acontecimento da

microcefalia7,8.

Os profissionais da rede relatam a frustração das mães de darem prosseguimento ao

acompanhamento pós-nascimento da rede, uma vez que não vêem melhoras progressivas no

bebê. Da mesma maneira, os profissionais relatam o sofrimento das mães de prosseguir nas

avaliações psicomotoras em bebês que foram infectados por Zika, mas que não apresentaram

nenhuma alteração no desenvolvimento, como no relato da neurologista infantil:

Ela descobre que a criança, mesmo tendo nascido normal, pode vir a

apresentar algum problema e que precisa daquele acompanhamento

até uns dois anos de idade. Então, tadinhas! É um sofrimento! São

várias fases de sofrimento que elas têm.

Na cidade, temos um fluxo de atendimento que se inicia na Unidade de Saúde Básica

do residente, onde é disponibilizado para a mulher gestante o serviço de puericultura e pré-

natal. Na Unidade de Saúde, a usuária é referenciada para outros serviços ou exames que

podem se dar em ambulatório (pré-natal) ou hospital (ultrassom, parto). A própria rede faz os

encaminhamentos. Em caso de infecção por Zika, a gestante faz os exames na própria

Unidade, é encaminhada para o Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes, hospital

referência para atendimentos ao bebê de risco, e após o parto, é encaminhada para

continuidade na puericultura na Unidade de Saúde e o bebê é encaminhado para realizar

avaliação psicomotora com neurologista infantil, avaliação auditiva e avaliação oftalmológica,

e por fim, para estimulação precoce com a equipe Centro Clinico Doutor Anselmo Frizeira

(CECAF) na Associação de Pais e Amigos Excepcionais de Vitória (APAE).

Em 2015, com o ápice da epidemia de Zika, os números de acompanhamentos para

bebês com microcefalia ou alguma alteração no desenvolvimento psicomotor subiram no ano

de 2016. Sendo a APAE a única instituição disponível para atendimento gratuito a essa

população, a demanda de atendimento, que já era grande, tornou-se ainda maior. Nesse

aspecto, a APAE conta com o CECAF que, mesmo já lindando com grande demanda,

permanece sendo o atendimento referencial da região. O CECAF é uma unidade clínica que

atualmente funciona junto à APAE, criado em 2006 através de um convênio com a Secretaria

Municipal de Saúde de Vitoria credenciado ao SUS.

Em 2016 e 2017, Vitória teve uma baixa expressiva nos casos de Zika, porém é

importante ressaltar que as consequências da Zika são mais graves e se dão em longo prazo.

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Isso se expressa nas longas filas de atendimento na APAE e para realização de exames de

avaliação oftalmológica e auditiva no Sistema Único de Saúde.

Verificou-se, então, que a gestante infectada pela Zika percorre durante a gestação o

mesmo fluxo de atendimento que uma gestante sem intercorrências. Visto que estas mulheres

apresentam maior urgência de detecção do diagnóstico de microcefalia fetal, somada ao fato

de que a maioria da população de mulheres gestantes infectadas pela Zika comumente

encontra-se classificada como população de risco e baixa renda, apresentou-se na cidade a

necessidade de um fluxo preferencial de atendimento a essa população de mulheres. Com

isso, verificamos a criação de um fluxo de serviço especializado.

Criação de serviço especializado

Quando há uma rede de fluxo já bem pré-estabelecida e essa rede depara-se com uma

nova doença que demanda inclusão de especialidades em seu cuidado, alguns problemas já

existentes na rede se evidenciam. É o que muitos profissionais entrevistados relatam sobre a

Zika, como nas palavras de uma infectologista atuante na Secretaria de Vigilância à Saúde:

Mas a Zika traz um problema maior por trás disso tudo. Eu falo também que

ela trouxe uma luz na questão do acompanhamento do pré-natal e das

puericulturas que estavam jogados às traças pelo SUS. [...] Nosso pré-natal

muito mal feito com poucas consultas. As mulheres, hoje, no Brasil, têm

direito a dois ultrassons, antes da Zika só tinha direito a fazer um ultrassom

durante a gestação [...] 2 ultrassons! O que também é um absurdo.

Essa luz que é trazida à questão é exemplificada na necessidade urgente de

preferenciar esta população de mulheres aos serviços públicos como forma de manusear a

problemática. A infectologista entrevistada também levantou outra questão pertinente:

O grande problema é que, às vezes, essa ponta, elas não sabem identificar e

não sabem para quem encaminhar. Então, eu acho que tem muita criança

com alteração congênita ou nascida de mãe com Zika vírus ou com doença

exantemática que está solta por aí sem diagnóstico e sem acompanhamento.

O protocolo elaborado pela Secretaria de Saúde para o fluxo de atendimento às

gestantes da Zika parte de um fluxo já existente para toda mulher e acaba por ignorar a

complexa demanda que a epidemia da Zika traz quando especialidades são requeridas e não

há uma referência de atendimento instaurada.

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Logo quando a epidemia da Zika se instaurou em Vitória, não havia nenhuma

referência ou instituição que abarcasse essa problemática. Atores estratégicos foram

emergindo nesse cenário. Esses atores foram profissionais de saúde que se mostravam

engajados com a temática e buscavam por informações e ações. Como exemplificado na fala

da ultrassonografista: “Apesar de médica com mais de 25 anos de formada, eu nunca tinha

visto, era uma doença nova que não tinha em livros. [...] O que eu tenho que olhar daqui

para a frente? O que eu tenho que saber?”

Nesse contexto, emergiu no cenário a reunião de profissionais engajados com a

temática da Zika, que teve a SESA como agente precursor e local de encontro. Esse encontro

foi tomando forma e intitulou-se Comitê de Avaliação de Casos de Microcefalia e

Malformação do Sistema Nervoso Central. O comitê contava com profissionais de várias

áreas: neurologista, ultrassonografista, oftalmologista, pessoas da vigilância de saúde, da

vigilância epidemiológica, infectologista que, uma vez por semana, se reuniam para discutir

os casos que eram atendidos por via estadual, como evidenciado na fala da médica sanitarista

técnica da SESA na área de Gerência de Vigilância de Saúde nas respostas imediatas às

emergências: “Exatamente, uma das funções do nosso comitê aqui no estado, uma vez que foi

recebido, a gente faz esse acompanhamento tanto do pré-natal”.

Visto tais questões acima apresentadas somadas à existência do Comitê de

Microcefalia, o Estado, protagonizado pelo Comitê da SESA, planejou a execução do que os

profissionais envolvidos nomearam como Centro de Referência, que seria um centro de

atendimentos centralizados, que permitiria às mulheres receberem todos os acompanhamentos

de especialidades em um mesmo local. Importante ressaltar que nossa cadeia de amostragem

de referência nos levou à maioria dos profissionais participantes do Comitê Estadual.

O deslocamento entre várias instituições para ter acesso às especialidades era um dos

elementos dificultadores para que essa população de mulheres tivesse acesso a esses serviços.

O Centro de Referência se localizaria, então, em lugar fixo.

A principal ideia do Centro de Referência seria que ele se localizasse no ambulatório

do Hospital Estadual Infantil e Maternidade Dr. Alzir Bernadino Alves (HEIMABA) e

atendesse em um dia as demandas associadas às avaliações psicomotoras, exames

neurológicos, avaliações auditivas, avaliações oftalmológicas, entre outros. Essa ação não visa

retirar a usuária do fluxo municipal já estabelecido, mas dar possibilidade de um atendimento

integral por várias especialidades em um único lugar.

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Na prática, o fluxo padrão de atendimento à saúde pelas UBS é uma rede que funciona

com efetividade em Vitória. Entretanto, nos municípios do interior do Estado, esse fluxo não

funciona tão bem, como cita a neurologista infantil: “Em Vitória funciona muito bem, mas

assim, nos outros municípios, não existe uma articulação tão boa quanto a de Vitória, [...]

nos outros municípios, no interior, infelizmente não funciona muito assim”.

A proposta do Centro também se baseia em voltar o olhar ao atendimento às crianças

moradoras em municípios no interior do estado, que se beneficiariam do Centro de Referência

para poder realizar todos os exames e avaliações em um único dia e não precisariam se

locomover intermunicipalmente a cada novo serviço de saúde necessitado. Dessa maneira, as

demandas das especialidades se centralizariam no HEIMABA.

Limitações e avanços

É importante pontuar que o Centro de Referência ainda não se efetivou de fato. O que

hoje se encontra mais próximo de um centro de referência são profissionais referenciados já

atuantes em cargos estatais no HEIMABA. O que se efetivou de fato, não foi o que estava

exatamente proposto na Nota técnica 006/2016/PMV/SEMUS/GAS de que o

acompanhamento especializado se daria no serviço de referência estadual - Hospital Infantil

Estadual Nossa Senhora da Glória (HEINSG) em Vitória, porque atualmente, temos esse

acompanhamento especializado efetivado no HEIMABA que se localiza no município vizinho

em Vila Velha. Os serviços especializados que temos no ambulatório do HEIMABA são os de

oftalmologia, ultrassonografia, neurologia e infectologia, porém não se encontram ajustados

ao mesmo dia ou horário na semana.

O fluxo de referência ao atendimento especializado para Zika, de fato, localiza-se no

ambulatório do Heimaba que, apesar de não chegar, atualmente, a se configurar como um

Centro de Referência, há a promessa de que isto se concretize.

O que se encontra nesse cenário são profissionais engajados a cooperar entre si com

casos que apresentem a síndrome congênita da Zika. Porém, a maioria dos profissionais não

considera esse fluxo como uma rede, como evidencia a fala da infectologista: “Nós não

trabalhamos em rede, nós nos conhecemos, sabemos da boa vontade, mas se a paciente não

tiver o interesse, acaba que eu não sei, eu encaminho para a neuro, mas se ela foi na neuro,

eu não sei.”

Cada profissional encaminha para outro profissional, seguindo uma lógica de

encaminhamentos sem maiores implicações. Esse fluxo de encaminhamentos ocorre da

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seguinte maneira: realização da puericultura na Unidade de Saúde (UBS) mais próxima,

encaminhamento para ultrassonografia, encaminhamento para maternidade adequada,

continuação de puericultura na UBS pós-nascimento, encaminhamento pós-nascimento à

neurologista infantil, neurologista infantil encaminha para avaliação auditiva no ambulatório

da UVV, encaminha para avaliação oftalmológica e estimulação precoce na APAE.

A figura da neurologista é uma referência central nesse cenário. Na pesquisa, ela foi

indicada por 80% dos participantes e também se mostrou figura de influência significativa no

relato das mães sobre o acompanhamento aos bebês. A neurologista, atuante por via estatal no

HEIMABA, possui comunicação direta com a Secretaria de Saúde Municipal e, em vez de

receber os encaminhamentos diretamente da Unidade, tem seu fluxo de atendimentos guiados

pela área técnica da criança municipal, que garante o acesso a esse serviço para as mães

moradoras de Vitória.

A neurologista se apresenta como pivô nesse fluxo, enquanto os outros profissionais

transitam em instituições fornecendo outras vias de atendimento às gestantes e às puérperas

como, por exemplo, as avaliações oftalmológicas em consultórios e as avaliações auditivas,

que comumente são encaminhadas para serem feitas no ambulatório fonoaudiólogo da

Universidade de Vila Velha (UVV). O atendimento de neurologia permanece fixo e periódico

no HEIMABA. A figura da neurologista atua de forma central como referência de

atendimento e apoio para as mães após nascimento de bebê com síndrome congênita da Zika.

Apesar de o atendimento ser voltado aos bebês, a experiência no manejo emocional com as

mães é de suma importância:

A cada ultrassom que elas fazem, cada vez que elas vão no médico, elas

contam para mim, aquele estresse da criança ter algum problema. [...]

Então eu já pude vivenciar várias experiências, eu tento ajudar de alguma

forma conversando: claro, a gente nunca pode mentir para mãe ou dar uma

falsa esperança. [...] Então, eu tento aliviar o sofrimento dessa mãe dessa

forma.

É relevante reiterar que a metodologia Bola de Neve é um método de amostragem

investigativo por cadeias de referência, e as indicações levaram-nos às instituições que fazem

parte do modelo assistencial e de gestão indireta. A maior parte dos atores estratégicos da

assistência se encontrava no Hospital HEIMABA, como a neurologista, a infectologista e a

ultrassonografista. Porém, usuárias da rede pública residentes de Vitória por vezes eram

atendidas em instituições localizadas na própria capital, como os exames oftalmológicos, que

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podiam ser atendidos em clínica particular do profissional, ou ultrassons, que podiam ser

atendidos em outro hospital no qual a profissional atua.

Importante ressaltar que nenhum profissional atuante do campo da estimulação

precoce foi indicado. Quando se tratava do acompanhamento de estimulação para

desenvolvimento neuropsicomotor do bebê, a única referência que era citada era a instituição

APAE. Porém, assim como não há conhecimento de profissional de referência nesse trabalho,

não há retorno ou troca de informações de outros atores do fluxo com o serviço da

estimulação precoce.

O que se encontra nesse cenário é um sistema de encaminhamentos de especialidades

ainda muito fragmentado que segue a lógica dos encaminhamentos, tanto física quanto

sistematicamente. A fragmentação da rede se mostra clara no que tange à ausência de

responsabilização no retorno implicado do encaminhamento. A maioria dos profissionais não

recebe nenhuma informação sobre a continuidade do acompanhamento, e a parcela de

profissionais que busca esse retorno relata dificuldades. Segue informação da gestão

municipal a respeito do repasse interno de notificações dos casos: “Então, algumas

informações não retornam tão facilmente, mas a gente tenta sempre cobrando e solicitando

essas informações. Mas no geral a gente tem, mas alguma unidade ou outra tem mais

dificuldade.”

A falta de informação sobre as consequências da Zika também se colocou como uma

limitação para a rede, muitos profissionais ainda não estão completamente informados sobre

as consequências da infecção por vírus Zika. Sabe-se que há uma descrença de que a doença

realmente seja relacionada à microcefalia que permeia os sensos teóricos e,

consequentemente, os práticos, mas o relato dentre os profissionais é referente à falta de

informação frente à doença nova que os levam ao não cumprimento do protocolo:

E eu tenho uma dificuldade aqui de os obstetras se atinarem para a coleta

de fragmento de placenta, muitos ainda não estão familiarizados com a Zika

[...] mas na hora do parto e pré-parto, eles não se atinam a perguntar se a

gestante teve alguma doença exantemática, ou se teve diagnóstico de Zika.

É relevante pontuar que, dentre os profissionais indicados, não foi referenciado

nenhum profissional que atenda mulheres ou bebês infectados pela Zika na rede de atenção

básica de Vitória.

Outro ponto fundamental a ser mencionado é referente ao direcionamento de atenção à

mulher que tem se efetivado, verifica-se um modelo de saúde à mulher ainda voltado à

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concepção do feminino relacionado ao materno-infantil, onde a assistência em saúde está toda

centralizada no pré e pós-nascimento do bebê. Nenhuma das profissionais entrevistadas

indicou profissionais ligados à saúde da mulher especificadamente ou souberam referir

alguma ação, projeto ou rede de atenção à mulher vítima de Zika existente, apenas eram

traçadas redes de apoio e assistência ao bebê.

Esse ponto torna-se ainda mais relevante de ser problematizado quando somado ao

fato de não haver atendimento psicossocial às mulheres vítimas da Zika existente na rede.

Apesar de o acompanhamento e suporte emocional ser apontado pelos profissionais como

uma das ajudas mais importantes a serem oferecidas, o suporte psicológico às mulheres não

foi mencionado como um serviço de saúde urgente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabe-se da afirmação da importância de um entendimento de uma doença sobre bases

biológicas. Entretanto, este não se encontra dissociado do social. Da mesma maneira, pensar

uma intervenção visando uma resolução de problemas de saúde só será efetivo se as

dimensões operacionais e imediatas dialogarem com as causas histórico-sociais. A Zika

aponta para o problema do discurso de controle biologicista e evidencia a sua insuficiência. É

importante que a reprodução desse discurso não continue, uma vez que tais vias guiam os

agentes de saúde e os meios de comunicação às tomadas de decisões que se julgam mais

necessárias11.

A Zika traz consigo um problema crucial referente aos efeitos da doença junto ao

contexto biopsicossocial que essas mães vivem e enfrentam. Sabendo-se disto, as práticas de

saúde voltadas à atenção das mães não devem estar centradas apenas no atendimento médico.

A ênfase nos cuidados psicossociais deve ser tratada como necessidade pública de saúde. A

existência de um grupo de profissionais engajados no qual a formação da maioria é a médica

aponta para a mesma exclusão das práticas psicossociais assinaladas acima.

Tais influências se relacionam às ações de saúde voltadas apenas à maternidade. Uma

vez que o bebê nasce, a rede de cuidados volta-se ao bebê. Mesmo cientes do sofrimento das

mães vítimas de Zika, pouca ênfase foi verificada à atenção da saúde da mulher, constatando

que os avanços de paradigma acerca da saúde da mulher como humanizada e integral, que vão

para além da função materna, ainda são tímidos.

O centro de referência se apresenta como uma possibilidade de solução para a questão

da locomoção das mulheres, mas é uma solução pontual que deposita a solução de toda a

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problemática em um pensamento centralizador que se fundamenta em práticas fragmentadas e

pontuais.

Uma vez que a epidemia acabou e os números diminuíram, é de suma importância que

tais efeitos em longo prazo não sejam esquecidos. A população de bebês portadores de

microcefalia ou alguma anormalidade congênita não podem se tornar invisíveis frente às

demandas urgentes de saúde que apresentam. Novas políticas devem ser pensadas em

movimento de incluir essa população de mulheres na agenda de decisões da saúde básica e

especializada sob uma ótica integralizada e humanizada.

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de Zika e microcefalia. 12 de janeiro. 2016. Disponível em:

<http://mosquito.saude.es.gov.br/Not%C3%ADcia/sesa-divulga-boletim-de-zika-e-

microcefalia-25>.

18. Prefeitura Municipal De Vitória (PMV). Zika: Vitória decreta estado de emergência e

solicita apoio do Exército. 9 de dezembro. 2015. Disponível em: <https://

http://www.vitoria.es.gov.br/noticia/zika-vitoria-decreta-estado-de-emergencia-e-solicita-

apoio-do-exercito-19610/>

19. Prefeitura Municipal De Vitória (PMV). Zika: ações da Prefeitura apontam tendência de

queda de notificações. 11 de fevereiro. 2016. Disponível em:

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<http://www.vitoria.es.gov.br/noticia/zika-acoes-da-prefeitura-apontam-tendencia-de-queda-

de-notificacoes-2011/>

20. Prefeitura Municipal De Vitória (PMV). Zika: saúde prossegue combate ao mosquito

Aedes Aegypti em 2016. 5 de janeiro. 2016. Disponível em:

<http://www.vitoria.es.gov.br/noticia/zika-saude-prossegue-combate-ao-mosquito-aedes-

aegypti-em-2016-19890/>

21. Bretas V. Revista EXAME. As cidades com a melhor saúde do país (mas que deixam a

desejar). 18 de agosto. 2017. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/brasil/as-cidades-

com-a-melhor-saude-do-pais-mas-que-deixam-a-desejar/>

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5.2 ARTIGO 2

ANÁLISE DA CONFIGURAÇÃO DA REDE DE CUIDADOS À SÍNDROME

CONGÊNITA DA ZIKA: SOB A ÓTICA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE

Camila Marchiori Pereira

Maria Angélica Carvalho Andrade

INTRODUÇÃO

Há décadas, o Brasil sofre sendo vítima de doenças tropicais, principalmente de

doenças cujo o vetor principal seja facilmente proliferado nas condições ambientais e

climáticas do país. Em 2015, instaurou-se no Brasil a epidemia do vírus Zika, trazendo uma

nova forma de doença para a qual se possui poucas informações e ainda há muito a se

descobrir. Essa doença trouxe consigo a consequência da microcefalia e, rapidamente, um

país vasto como o Brasil percebeu-se vítima de uma epidemia transmitida por um pequeno

vetor.

No país, até o fim do ano de 2016, foram registrados 211.770 casos notificados de

febre pelo vírus Zika no país (taxa de incidência de 103,6 casos/100 mil hab.). Contudo, no

ano de 2017, houve uma baixa significativa nos casos registrados (BRASIL, 2016a; 2017a).

Apesar da baixa nos números de casos de infecção, a questão da Zika mostrou-se uma

questão em longo prazo quando, no final do ano de 2015, foi identificada a relação entre Zika

e microcefalia, associada ou não a alterações do Sistema Nervoso Central (BRASIL, 2016b).

Ainda são escassos os conhecimentos sobre a etiologia da doença, pois além da relação da

Zika com a microcefalia, as evidências também apontaram para uma relação causal entre a

infecção pelo Zika vírus durante a gravidez e o aumento dos números de casos de abortos,

natimortos e mortalidade precoce (EIKMANN et al., 2016; RIBEIRO, 2017).

A infecção por Zika vírus em gestantes e suas consequências para o feto foram

intitulados de “síndrome congênita do Zika vírus” ou “síndrome da Zika congênita”, uma vez

que os achados clínicos, anatômicos e por imagem foram caracterizados como um padrão de

‘defeitos congênitos’ que ocorrem em fetos infectados pelo vírus Zika antes do nascimento

(COSTA et al., 2017). A microcefalia em si não é uma doença, é o resultado da perda da

função do crescimento cerebral, ou seja, uma redução do número de células

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neuroprogenitoras, acarretando no déficit do desenvolvimento cerebral (PACIORKOWSKI,

2017; EIKMANN et al., 2016).

Os bebês com síndrome da Zika congênita apresentam, além da microcefalia,

hipertonia global grave com hiperreflexia, irritabilidade, hiperexcitabilidade, choro excessivo,

dificuldades de deglutição, além de respostas auditivas e visuais comprometidas.

Susceptibilidade para infecções respiratórias, complicações ortopédicas e crises convulsivas

também são observadas em algumas crianças (PACIORKOWSKI, 2017; EIKMANN et al.,

2016).

As crianças infectadas pela Zika evidenciam as necessidades de cuidados

multidisciplinares complexos, de longo prazo, sociais e econômicas. Quando se trata das

vítimas da Zika, sejam mulheres ou crianças, ressalta-se a importância de que cada caso

receba a atenção psicossocial e especializada por equipe multidisciplinar composta por

pediatras, neurologistas, psicólogos e profissionais de estimulação precoce, como

fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, entre outros. (EIKMANN et al., 2016;

PACIORKOWSKI, 2017; HASUE; AIZAWA; GENOVESI, 2017).

O Brasil não estava preparado para receber tal demanda. De 2000 a 2014, as taxas de

nascidos vivos com microcefalia eram baixas (média anual de 164 casos). Na epidemia em

2015, essas taxas aumentaram para 1.608 casos (BRASIL, 2017b) trazendo novas demandas

de saúde que explicitam a necessidade da organização de serviços e redes de saúde.

O conceito que possuímos a respeito de saúde e doença está diretamente relacionado

ao que acreditamos que seja a necessidade de saúde de um indivíduo. Porém, para

compreender a necessidade traduzida na demanda, é importante se atentar que ela só pode ser

definida pelo sujeito que a gera. Nesse sentido, as necessidades de saúde de uma doença não

são individualizadas e expressam sentido do corpo social em que são geradas (OLIVEIRA;

SÁ, 2001).

As doenças que são negligenciadas possuem relação direta com as condições sociais,

individuais e políticas dos portadores. Sendo assim, é importante identificar que

representações ou perspectivas sociais dos profissionais que realizam o cuidado em saúde têm

sido produzidas e reproduzidas nos sensos teórico-práticos que direcionam as tomadas de

decisão sobre quais ações são consideradas mais ou menos importantes (SANTOS et al.,

2017).

O cuidado em saúde que visa aos princípios da integralidade, equidade e

universalidade utiliza-se da estratégia em rede para efetivação, pois sua proposta envolve a

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execução de ações em cooperação e em interdependência. O presente artigo parte da

concepção de rede explanada por Rovere (1999), na qual uma rede de saúde só pode se

configurar como tal se todos os profissionais de saúde envolvidos compreendem que um

problema de saúde é problema de todos e se unem em uma rede formada de vínculos para

resolução dos problemas de saúde apresentados.

Sendo a Zika uma doença nova com amplas demandas de cuidado, é de extrema

importância entender que concepções existentes essa nova doença carrega, pois a percepção

da mesma está intrinsecamente ligada a como o cuidado estará sendo prestado. No Brasil, as

ações de saúde se efetivam através de redes de saúde que funcionam visando à integralidade

das ações (MENDES, 2010). Sendo a Zika uma novidade, há uma lacuna de estudos a serem

preenchidos sobre a existência das redes na assistência em saúde à população infectada pelo

vírus e como se organizam.

Dessa forma, é necessário analisar o funcionamento de uma rede para avaliar como

estão sendo atendidos os pressupostos da integralidade. Em meio a esse cenário, o presente

artigo teve como objetivo analisar a configuração da rede de cuidados às mulheres cujos

bebês foram diagnosticados com síndrome da Zika congênita em Vitória/ES a partir da

percepção dos profissionais de saúde dessa rede e de suas vivências.

METODOLOGIA

O presente estudo trata-se de um dos objetivos de uma pesquisa de mestrado

qualitativa de delineamento analítico-descritivo. A pesquisa foi realizada na cidade de Vitória,

Espírito Santo/Brasil. Partindo do entendimento de que o estudo visou a aproximação com os

atores estratégicos envolvidos na rede existente de saúde e também na ênfase nas informações

que essa rede de atores possa tecer, chamamos os participantes da pesquisa de atores

estratégicos. Dessa maneira, os atores estratégicos foram selecionados por meio da técnica de

amostragem Bola de Neve apresentada por Goodman em 1961. Também chamada de

“snowball sampling” ou “cadeia de informantes”, essa técnica é uma forma de amostra não

probabilística que utiliza cadeias de referência (VINUTO, 2014).

A técnica de amostragem Bola de Neve foi utilizada na seleção de participantes que se

encontravam no perfil desejado para a pesquisa, sendo este: profissionais de saúde da rede de

atenção e cuidado à saúde de mulheres cujos bebês receberam diagnóstico ou suspeita de

síndrome da Zika congênita e percorreram essa rede de atendimento.

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Entendemos como “malformação” doenças físicas do bebê, sejam estruturais e/ou

associadas a uma alteração cromossômica. No caso dos infectados por Zika vírus, bebês com

alterações decorrentes da síndrome da Zika congênita.

Como instrumentos de estudo, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas, que

foram gravadas em áudio e transcritas posteriormente. A entrevista semiestruturada

caracteriza-se por combinar perguntas abertas e fechadas, obedecendo a um roteiro criado

pelo pesquisador de maneira tal que o entrevistado possa discorrer sobre o tema sugerido sem

se prender a uma indagação objetiva (MINAYO, 2007). Os dados coletados foram analisados

qualitativamente por meio da Análise de Conteúdo Temática explanada por Bardin (2006).

A coleta de dados iniciou-se após aprovação pelo Comitê de Ética da Universidade

Federal do Espírito Santo (UFES) e pela Secretaria de Saúde do Município de Vitória. Os

profissionais foram convidados a participar do estudo e a participação foi condicionada ao

recolhimento da assinatura em Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual todos

participantes declararam estar cientes dos procedimentos e instrumentos utilizados na

pesquisa.

A técnica de amostragem Bola de Neve iniciou-se com o profissional de saúde

referência da Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde que possuía a

listagem das mulheres gestantes infectadas pela Zika com suspeita de microcefalia em Vitória.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A técnica de amostragem Bola de Neve nos levou à indicação de nove profissionais de

saúde. Foram entrevistados um total de 9 pessoas, todas do sexo feminino. Dentre estas, 56%

declarou-se branca e 44% de cor parda. Das profissionais entrevistadas, 39% trabalha na

assistência em hospital ou ambulatório, 33% em consultórios, 20% na docência e 8% na

Gestão de Saúde de forma indireta. Dentre estas, 90% são formadas em medicina e apenas

uma possui formação em assistência social.

Seguindo a análise de conteúdo temática, os resultados foram sintetizados nas

categorias de análise que seguem abaixo: Caracterização dos Atores Estratégicos; Rede de

Cuidado, com subcategorias: a) Pré-Natal, Diagnóstico, Parto e Nascimento e Rede de

encaminhamentos, b) Momento da Notícia, c) Lógica de encaminhamentos; Vivências.

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Caracterização dos Atores Estratégicos

A rede de atendimento às mulheres que foram infectadas pela Zika segue um protocolo

que pressupõe que o primeiro atendimento ocorra na Unidade Básica de Saúde (UBS) mais

próxima da residência da usuária. A partir desse atendimento, a mulher receberia os cuidados,

faria os exames para confirmação de Zika, outras viroses e doenças exantemáticas. Se a

mulher se encontra gestante e sendo confirmada a infecção de Zika, a usuária é encaminhada

para o pré-natal, com ultrassons mais recorrentes e realização da puericultura na UBS.

Observada alguma alteração no ultrassom da gestante, ela receberia a notícia de forma

adequada e apoio psicossocial necessário. Após o nascimento do bebê, confirmada ou não

alguma malformação, há a continuidade da puericultura na UBS e os encaminhamentos para

realizar os exames de avaliação auditiva e oftalmológica da criança juntamente com o

acompanhamento de um neurologista infantil e estimulação precoce na APAE por 2 anos.

Verificado esse fluxo na rede, a cadeia de referência de amostragem nos levou a

diferentes atores estratégicos mais recorrentes da rede, responsáveis por diferentes funções

que compõem a atenção em saúde dessa população de mulheres. Foram encontradas na rede

de atenção ao Zika as seguintes profissionais com suas respectivas funções na rede: uma

neurologista infantil; uma ultrassonografista responsável pela radiologia e diagnóstico por

imagem; uma oftalmologista infantil responsável pela avaliação auditiva; uma pediatra

responsável pela coordenação do ambulatório de avaliação auditiva infantil; uma

infectologista; uma pediatra responsável pelos dados epidemiológicos municipais; uma

médica sanitarista atuante no setor de Gerência de Vigilância em Saúde Estadual; uma médica

infectologista e sanitarista responsável pelo monitoramento das doenças transmissíveis por

mosquito em nível estadual e uma assistente social responsável pela área técnica de saúde da

criança e adolescente em nível municipal. Na Figura 1 apresenta-se um fluxograma da cadeia

de referência encontrada na técnica de amostragem Bola de Neve na pesquisa. Os quadros que

se encontram em cor branca são referentes às funções ligadas à gestão indireta da rede, e os de

cor cinza se referem aos profissionais que lidam diretamente com as mulheres na assistência à

saúde.

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A amostra de Bola de Neve se deu de maneira exponencial, onde um ator estratégico

poderia indicar um ou mais atores para participar da amostra. A amostragem encontrou seu

ponto de saturação por repetição de atores indicados e informações repetidas.

As especializações autorreferidas encontradas entre os profissionais foram:

neurofisiologia, infectologia, radiologia e diagnóstico por imagem, oftalmologia, retina

pediátrica, homeopatia, saúde pública, acupuntura, infectologia, epidemiologia, gerência de

unidade de saúde e gestão de serviços e sistemas, e pediatria, sendo esta última especialidade

de três profissionais da amostra.

Importante ressaltar que nenhum profissional de rede de atenção básica foi citado,

apenas profissionais de atenção especializada que se encontram em diferentes pontos de

atenção: hospital, clínica particular, ambulatório e setores da gestão indireta.

Das profissionais entrevistadas, apenas três afirmam atender mulheres e ter

experiência com puerpério, outras seis profissionais lidam com dados indiretos ou com o

cuidado ao bebê. É relevante citar que, quando questionadas se atendiam mulheres gestantes

ou puérperas, houve confusão nas respostas entre as profissionais, pois mesmo as

profissionais que atendiam apenas aos bebês, manifestavam atender também as mulheres, pois

o cuidado mulher-mãe-bebê mostrou-se entrelaçado.

Sabe-se que a saúde voltada à mulher se iniciou com programas materno-infantis na

década de 30, porém traduzia uma visão sobre a saúde prestada à mulher restrita em seu papel

social de mãe. O movimento feminista foi o responsável por apontar essa visão reducionista e

a ausência de políticas de saúde voltadas às outras fases da vida da mulher. Em 1984, em

Figura 1- Fluxograma da cadeia de referência encontrada na pesquisa, 2017.

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resposta à nova visão, temos a criação do Programa de Assistência à Saúde Integral à Mulher

(PAISM) que juntamente com a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) posteriormente

efetivou o programa como uma política. Porém, ainda há a necessidade de preencher muitas

lacunas e áreas a serem incorporadas à temática (BRASIL, 2004).

Entretanto, a fina linha entre o cuidado mãe-bebê mostra-se um fator complicador

quando se trata da saúde da mulher, uma vez que a rede de referência da pesquisa não

encontrou profissionais engajados no cuidado à saúde da mulher, apenas no cuidado materno-

infantil. Por exemplo, não houve menção a profissionais psicólogos, ginecologistas ou

obstetras na cadeia de referência de amostragem. Isso demonstra que, na prática, a saúde da

mulher ainda permanece ofuscada pelo cuidado materno-infantil.

Rede de Cuidado

Em relação à frequência de mulheres gestantes atendidas decorrentes da notificação de

infecção por Zika vírus, as profissionais declaram que, de 2015 a 2016, havia um aumento

expressivo no atendimento a essas mulheres, cerca de 120 gestantes nesse período. Em 2017,

relatam atender uma mulher a cada 45 dias.

A maioria das profissionais relata que as mulheres chegam para atendimento

referenciadas da rede básica de saúde ou por outros profissionais da atenção especializada.

Todas as profissionais de saúde afirmam saber identificar os sintomas da Zika, porém apenas

três profissionais declararam já ter suspeitado de que uma paciente estivesse com Zika e

transmitiram pessoalmente a notícia da infecção para a usuária, são estas: uma infectologista,

uma ultrassonografista e uma gestora da vigilância epidemiológica em uma ação no hospital.

No tópico Momento da Notícia isto será exposto com mais detalhes.

A maioria das profissionais ligadas à assistência direta das mulheres relatou fazer

encaminhamentos para outros profissionais ou instituições, seja em caso de necessidade ou

por fazer parte do protocolo. Porém, a maioria também relatou não receber retorno do

encaminhamento da instituição ou profissional ao qual a usuária foi encaminhada. Algumas

relatam dificuldades quando buscam tais informações. Para melhor entender a função de cada

ator estratégico na cadeia de referência encontrada, propomos a análise pelos eixos de saúde:

gestação/pré-natal, diagnóstico, parto e nascimento e acompanhamento.

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a) Gestação/Pré-natal, Diagnóstico, Parto e Nascimento e Acompanhamento

No que tange ao período da gestação, no qual a mulher é acometida pela infecção pelo

vírus Zika, encontramos dois profissionais que estabelecem relação direta com as mulheres

nesse período. Estas foram: a infectologista e a ultrassonografista.

A infectologista percorre as unidades de internação e pronto socorro em busca de

doenças de notificação compulsória e, havendo suspeita, verifica se há enquadramento nos

critérios de caso definidos. Quando afirmativo, faz a notificação e coleta as informações

pertinentes de cada caso. Quando ocorre Zika, ela relata que a maioria das mulheres chega

com um quadro de doença exantemática. A profissional então solicita as sorologias para fazer

o diagnóstico diferencial e as acompanha depois em nível ambulatorial.

Existem limitações nesse trabalho, pois a infectologista relata que acompanhar o

resultado dessas sorologias é um problema, já que o resultado demora a sair. Confessa que um

fator dificultador é referente aos obstetras, que não fazem a coleta de fragmento de placenta

no momento do parto, por não estarem ainda familiarizados com a Zika. A infectologista

declara que passa o contato do seu telefone pessoal para algumas usuárias, para que liguem

para ela de semana em semana em busca dos resultados. Quando os resultados saem, marca

um horário e explica o resultado dos exames no intuito de tornar esse processo mais rápido e

acolhedor às mães.

A ultrassonografista responsável pelo diagnóstico por ultrassom das gestantes explica

que pediu para trabalhar com esse público acometido pela Zika, pois ficou intrigada com a

nova doença. Explica que a maioria das mulheres já chega a seu consultório referenciada pela

rede básica com o diagnóstico pronto de Zika, mas que já diagnosticou alguns casos de Zika

em consultório. Conta que, quando as mulheres são notificadas com Zika, é com ela que

fazem ultrassons mais frequentes, de 15 em 15 dias, e que é necessário saber acolher e

entender a condição delicada em que se encontram.

No que tange ao diagnóstico, a figura da ultrassonografista também se coloca como

uma das principais. Depois que a usuária recebe a notícia da Zika, os meses de gestação são

vividos com ansiedade, principalmente no momento do ultrassom, que é visto como um

momento decisório pela mãe. Mesmo cientes de que em muitos casos a malformação pode ser

apenas descoberta após o parto, a forma como a epidemia foi vinculada na mídia espalhou o

medo entre as gestantes, que passaram a vivenciar a gestação e o momento de ultrassom com

mais ansiedade frente ao perigo da infecção por vírus Zika.

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Quando se trata do diagnóstico de alguma alteração fetal, a ultrassonografista relata

que procura dar a notícia com muito cuidado e sente-se de coração partido ao fazer: “Sempre

antes de dar uma notícia, tem uma análise que eu faço ali [...] a gente tenta perceber o

emocional da mãe, da família, ansiedade e tudo. O cuidado de dar a notícia!”. No que se

trata de orientações, revela que, às vezes, não sabe responder, por se tratar de uma doença

nova, mas que procura acalentar e informar com o possível.

No que tange ao parto e ao nascimento, nenhum profissional que atue na área foi

referenciado na amostragem. Porém, como algumas mães só descobrem as malformações no

bebê após o nascimento, em algumas situações, a infectologista presencia o puerpério

imediato e faz o acolhimento fornecendo explicações e informações para a mãe sobre a

síndrome da Zika congênita.

A respeito da rede de encaminhamentos, encontramos o mesmo padrão encontrado no

parto e no nascimento no que tange ao atendimento à saúde da mulher, só foram indicados à

cadeia de referência profissionais que façam o cuidado dos bebês. Dentre esses profissionais,

é importante ressaltar o papel fundamental da neurologista infantil, que foi a mais

referenciada na cadeia, cerca de 80% dos profissionais entrevistados repetiram sua indicação.

A profissional representa um atendimento centralizado na atenção à mãe e criança vítimas da

Zika. Apesar de seu cuidado ser voltado aos bebês, evidenciou-se que a profissional também

lida com a mãe, fornecendo vínculo, confiança e apoio nas adversidades enfrentadas junto à

criança.

Após a mulher sair do hospital, ela é encaminhada para continuar a puericultura na

UBS, para realizar as avaliações neurológicas, auditivas e oftalmológicas do bebê. Esses

momentos se configuram como de diagnóstico no pós-parto, porém são atendimentos que são

esporádicos, de acordo com a necessidade de cada caso, mas que irão, necessariamente, ser

acompanhados por 2 anos, salvo a avaliação oftalmológica.

As avaliações oftalmológicas e auditivas são realizadas em ambulatórios de hospitais

diferentes. Atualmente, há, no estado, uma iniciativa de centralizar os atendimentos

especializados no ambulatório do Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino

Alves (HEIMABA), em Vila Velha. Entretanto, isso ainda não está oficializado, encontra-se

apenas a neurologista infantil e a ultrassonografista atendendo no hospital.

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b) Momento da Notícia

Como falado anteriormente, o momento da notícia de alterações fetais é normalmente

realizado pela médica responsável pelo momento do diagnóstico da ultrassonografia. Porém,

pode ser feito por outros profissionais quando o diagnóstico é dado no momento do parto ou

pós-parto imediato. Nas palavras da neurologista:

Como é uma doença nova a gente não sabe, o fato de o exame dar negativo

não quer dizer que o paciente não teve a doença, às vezes foi coletado no

tempo errado, às vezes a mãe nem coletou [...] então eu acompanho todas

essas crianças.

E nas palavras da ultrassonografista:

A gente às vezes recebe paciente sem o diagnóstico ainda, e a gente levanta

a possibilidade do diagnóstico de Zika frente ao resultado do ultrassom. [...]

A gente tem casos em que a criança vai evoluir a microcefalia no pós-natal,

depois que nasce. Faz o pré-natal todo normal, ultrassons todos normais e

mais tarde tem a alteração.

Ela explica que, mesmo a criança nascendo sem alterações, pode vir a apresentar

algum problema, por isso a necessidade do acompanhamento até os 2 anos de idade.

A infectologista conta sobre a dificuldade de dar a notícia da infecção de Zika, por não

ter tratamento e ser uma doença na qual você ainda não sabe se a consequência virá e como

virá:

Então, na hora, para ela, eu reforcei que aquilo não significava que o bebê

dela ia ter algum problema. Então, assim, a maioria fica muito

angustiada com a possibilidade, e muito frustrada também pela impotência

que a gente fica de não ter o que fazer.

A ultrassonografista relatou as dificuldades emocionais de atender várias mulheres

sendo acometidas pela Zika chegarem em seu consultório e descobrirem que possuem o

diagnóstico da síndrome da Zika congênita. Contou que lidar com essa problemática no início

da epidemia foi um desafio, uma vez que não possuía informações para as mulheres. Conta

que atualmente sente mais segurança pois “já sabe como a doença vai se comportar na

gravidez”.

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A médica conta que passa seu número pessoal de celular para estabelecer contato com

as gestantes com mais facilidade, pois vê “que elas vêm sempre muito carentes e precisam da

minha segurança, eu costumo agir assim, não só de fazer os exames, eu abraço as grávidas”.

A formação médica, sob influência flexneriana, por vezes, não inclui em sua grade de

ensino preparar o futuro médico para lidar com situações complexas que demandem escuta

qualificada, humanização e apoio emocional, comprometendo a qualidade do cuidado. Nesse

contexto, é comum encontrar profissionais de saúde sentindo-se frequentemente frustrados e

impotentes frente à atuação prática em questões de cunho psicossocial para as quais não

foram preparados (JUCA et al., 2010).

O momento de informar aos pais sobre um diagnóstico fetal é um momento muito

delicado, que merece atenção especial do profissional, uma vez que a gestação se caracteriza

como um momento sensível aos sentimentos de estresse e ansiedade, que se agravam frente a

um diagnóstico ruim. Estudos confirmam que o modo como é transmitida a notícia de

malformações congênitas mobiliza variáveis psicoafetivas relacionadas ao enfrentamento da

situação diagnóstica. Sentimentos como depressão e ansiedade mostram-se mais frequentes

quando, por exemplo, o diagnóstico é dado no primeiro trimestre da gravidez (CUNHA et al.,

2016).

Assim como a ultrassonografista, outras profissionais apontam que a maioria das mães

acometidas pela Zika são mulheres de baixa renda socioeconômica. A ultrassonografista

revela que procura dar a notícia da malformação fetal de forma cuidadosa e atenta, e a

neurologista infantil ressalta:

Eu converso com a mãe no consultório [...] E está com mais alguma dúvida?

Alguma coisa que você queira perguntar? Se alguma coisa que não ficou

clara? [...] Eu tento usar os termos assim, mais acessíveis possível, para

poder não ficar dúvida.

A neurologista explica que logo que o bebê nasce, se possuir malformação congênita,

logo é dada esta notícia à mãe. Porém, reforça que depende do local onde o bebê tenha

nascido, da avaliação que tenha sido feita ou se o hospital possui os recursos para diagnosticar

a criança, se não houver tais recursos para avaliação, a criança é encaminhada para ela.

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c) Lógica de Encaminhamentos

Os resultados apontam para um fluxo de encaminhamentos. A metodologia utilizada

para amostragem tem como principal característica evidenciar cadeias de referência em

comunidades, uma vez que se trata de indicações. As indicações nos levaram a um fluxo de

atendimento especializado, com nenhuma indicação de profissionais na rede básica, apesar de

ser mencionada por todos os profissionais como porta de entrada.

Todos os profissionais relataram ter dificuldades com o retorno de seus

encaminhamentos e quando buscam informações sobre este, encontram dificuldades para

acesso. Alguns profissionais informaram trocar informações com a rede de atenção básica

comumente, como a neurologista, que possui agendamentos de atendimentos diretamente com

a Rede de Atenção à Criança Municipal.

Os resultados apontam para uma rede básica que flui com efetividade, mas que pouco

se relaciona com a atenção especializada. A cadeia de referência atinge, assim, a profissionais

isolados engajados na temática da síndrome congênita da Zika.

Historicamente, sabemos que o SUS que hoje possuímos se construiu através da

descentralização da saúde, visando aplicabilidade nas ações locais, porém tais ações se deram

através de procedimentos normativos que tentam viabilizar o fluxo do sistema levando a um

enrijecimento da assistência à saúde (QUINDERE; JORGE; FRANCO, 2014).

O sistema se engessa, então, em procedimentos burocráticos que se utilizam de um

sistema de referência e contrarreferência de encaminhamentos, dando margem a pouca

possibilidade de flexibilização, o que contribui para dificuldade de acesso dos usuários aos

serviços oferecidos (QUINDERE; JORGE; FRANCO, 2014). O que se encontra nesse cenário

é um fluxo de encaminhamentos entre profissionais e instituições pautados na lógica

verticalizada da complexidade do caso e não necessariamente na urgência do cuidado.

A atenção primária mostrou-se basal, sendo a porta de entrada para mulheres

infectadas com vírus Zika. Porém, é importante apontar que não tivemos nenhum profissional

da rede indicado. Dessa maneira, os resultados apontam para um fluxo de atendimento que

parece usufruir de lógica própria quando sai da rede de atenção básica. O fato de a maioria

das mulheres receberem a notícia da síndrome da Zika congênita já grávidas ou no pós-parto

remonta à lógica desse fluxo de atendimentos, mostrando que na alta e média complexidade é

onde essa população tem assistência adequada proposta.

Quando apenas pensamos o sistema organizado em uma pirâmide, hierarquizado por

complexidade crescente, o conceito da integralidade pode acabar por se dar apenas em parte,

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principalmente no que tange aos serviços especializados, com demandas pontuais. A

integralidade também deve ser aplicada aos serviços especializados (CECILIO, 2001).

O Ministério da Saúde costuma se referir a “redes de alta complexidade”. Entretanto, a

visão fragmentada de assistência que percorre a atenção de média e alta complexidade não

permite que de fato se intitulem como rede (BRASIL, 2007), como também é notado nos

resultados quando, além dos próprios profissionais não considerarem que trabalham em rede,

encontra-se um fluxo de atendimentos especializados que não dialogam entre si devido a uma

lógica de encaminhamentos que não se baseia na corresponsabilização conjunta de um caso

em uma rede de saúde.

Rovere (1999) afirma que uma rede só se configura como tal quando o problema de

um é problema de todos. Uma rede não se trata da ideia de referência e contrarreferência,

quando o outro recebe algo e devolve confirmando recebimento. Trata-se de um

comportamento solidário de pessoas que pensam possibilidades flexíveis de acordo com as

necessidades dos usuários.

As redes são formadas por vínculos. Para que exista uma rede é importante que haja o

sentimento de pertença à rede e uma conexão identitária com o grupo em rede. Quando essa

conexão se estabelece, não se trata mais do que cada um é capaz de fazer, mas da potência de

trabalho que todos juntos conseguem fazer. A maioria das profissionais entrevistadas não se

reconheceu como parte de uma rede, não houve conexão identitária entre os pares do fluxo

encontrado (ROVERE, 1999).

Além disso, Rovere (1999) afirma que, para ser uma rede, esta deve ter cinco níveis:

reconhecimento, conhecimento, colaboração, cooperação e associação. O reconhecimento

trata-se de conhecer o outro enquanto sujeito e que é um interlocutor válido para contribuir

com a assistência. O conhecimento, por sua vez, trata-se de conhecer a forma de pensar do

outro. A colaboração fala sobre trabalhar com o outro sob vínculos de reciprocidade, a

cooperação fala sobre todos entenderem o problema como um problema comum e proporem

uma operação conjunta. Por último, a associação, trata-se de um nível de trabalho conjunto

profundo no qual há o compartilhamento dos recursos.

Nas entrevistas, nota-se reconhecimento e conhecimento nas falas de algumas

profissionais. Como na fala da neurologista, que afirma a importância de se entender a

realidade da família da criança para conseguir de fato informar e atender com qualidade:

“Quanto mais a gente conhecer esses pacientes, mais a gente vai conseguir melhorar a

qualidade de vida deles”. Mas a colaboração, a cooperação e a associação não se mostram

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presentes quando cada profissional atua isoladamente sentindo-se paralisado para atuar com

continuidade e corresponsabilização no acompanhamento integral do paciente, como nas

palavras da ultrassonografista: “A gente procura ter esse retorno, mas é difícil, a gente não

consegue”. Há, entre os profissionais, a ciência de problemas enfrentados pelos usuários, mas

sentem-se paralisados frente à ausência de apoio e de retorno de outros profissionais e

instituições. Com isso, a assistência permanece fragmentada.

Mendes (2010) define sistemas fragmentados como aqueles que possuem organização

pautada em conjuntos de pontos de atenção que se dão de forma isolada sem

intercomunicação e que, por isso, são não possuem capacidade de prestar assistência

continuada à população. Explana que, nesses sistemas, nenhum dos níveis de complexidade

consegue se comunicar e a atenção primária permanece isolada sem atuar em seu papel

fundamental de comunicação para coordenação do cuidado. O autor aponta como solução

para a fragmentação dos sistemas a construção de redes de atenção à saúde, que tratam de

conjuntos de serviços de saúde, vinculados por uma única missão compartilhada, sob mesmos

aspectos declarados por Rovere (1999): ação cooperativa e interdependente, prestada com

escuta ativa e ações contínuas e integrais a determinada população.

Vivências

A maioria das profissionais declarou se sentir insegura, preocupada, triste, impotente e

frustrada ao lidar com o atendimento a mulheres infectadas pela Zika, uma vez que pouco se

sabe sobre a doença e o que se sabe não fornece margem para mudanças, pois trata-se de um

diagnóstico pontual com poucas intervenções até o nascimento do bebê.

Como supracitado, a formação na área da saúde, por vezes biologicista e tecnocrática,

não prepara o profissional para situações que demandam posicionamentos e soluções de

ordem biopsicossocial para as quais não estão preparados, gerando tensionamentos diários na

sua atuação profissional (JUCA et al., 2010).

Embora alguns profissionais já estejam acostumados a dar a notícia da presença da

doença, falar sobre a Zika causa angústia, como o descrito nas palavras da infectologista:

Então isso angustia, a incerteza angustia sim, mas é mais essa angústia de

não saber muito... de não ter o que fazer e não saber, não ter resposta para

o ela que elas querem [...] Zika, você não tem que fazer: a gestante pegou,

se transmitiu o para o feto, e se o vírus dentro do feto vai causar alguma

malformação... nós não temos como interferir nesse processo, entendeu?

Então, isso causa muita angústia!

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Ao mesmo tempo em que declaram as dificuldades de dar a notícia da infecção e

oferecer cuidado em saúde às mulheres, confessam sentir compaixão, alteridade e vêem no

cuidado uma chance de passar segurança e conforto às mulheres.

Agora, quando perguntadas em relação à síndrome congênita da Zika, as profissionais

relatam sentir compaixão, frustração e pena. Sentem-se devastadas, imaginam que o fardo das

mães é cruel, colocam-se no lugar delas e buscam não demonstrar fraqueza para conseguir

prestar o apoio necessário. Uma profissional da gestão indireta caiu em lágrimas ao responder

à pergunta de como se sente ao atender essas mulheres:

Posso te dizer que não é fácil. A microcefalia vai ser mais uma mazela que

acomete... (não consegue falar, chora) e depois que a gente vê que não é só

microcefalia, é como se fosse a ponta do iceberg, porque aí a gente ver

como que ainda apesar de todos os esforços, a gente ainda está muito

aquém do que a gente deveria fazer.

Nas palavras da gestora de vigilância de saúde municipal:

Porque eu vislumbro todas essas dificuldades que estão por vir e por que

das crianças que tiveram alteração, se tiver né? É meio devastador, então é

como se você estivesse prevendo uma coisa ruim para a vida da pessoa.

A maioria das profissionais relata sentir pena das condições nas quais as mães vão

viver, indo a médicos, fisioterapeutas, neurologistas junto ao filho. Uma gestora intitula a

problemática da Zika como “Armagedom”: “por que é terrível você ver uma criança

destruída pela Zika, é terrível [...] destrói o cérebro, e a criança vai ter dificuldade ao longo

da vida dela, a vida dela vai ser menor.”

Sabendo dos sentimentos vividos pelos profissionais no cuidado à síndrome congênita

da Zika, para não cairmos em discursos reducionistas, é importante aprofundar a discussão no

que tange às consequências psicoafetivas que o trabalho em saúde envolve. Já explanada as

divergências da formação com a prática em saúde, é importante nos perguntar em qual lugar o

profissional de saúde se encontra frente a uma síndrome na qual se sinta impotente de prestar

cuidado.

Frente a um mal diagnostico, é comum que o paciente pergunte poucas coisas e queira

mais ser ouvido e acolhido. Porém, pela relação de empatia, o profissional pode acabar por

projetar seus sentimentos e falar mais sobre o que acredita do que está se passando com o

paciente, do que ouvir e acolher o paciente (GAUER et al., 2006).

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As profissionais foram perguntadas, ao ouvirem as palavras “bebê com microcefalia”,

o que viria primeiramente a sua mente e obtivemos como respostas: limitação, tristeza, uma

vida de sofrimento, Zika não é microcefalia, alteração neurológica, deficiência e sequela, rede

montada para atendimento, alto custo e o que fazer para que atinja o máximo de

desenvolvimento.

Uma vez que a microcefalia foi vista pelos profissionais de maneira negativa, temos

um cenário de sentimentos de sofrimento e impotência. Fachini, Sgrigni e Lima (2017)

entendem que o sentimento de impotência e a incapacidade de agir autonomamente frente as

situações constituem fatores determinantes de sofrimento moral. No trabalho em saúde, o

sofrimento moral está ligado ao acesso limitado aos recursos tecnológicos e à dificuldade para

realizar um trabalho em saúde humanizado, levando o profissional a conflitos éticos e

valorativos.

A neurologista acrescenta que é importante que todos parem de associar Zika à

microcefalia. Comenta que essa associação pode levar mães que foram infectadas pelo vírus

Zika e tiveram seus filhos sem microcefalia a acreditar que não precisam seguir a rede de

atendimentos propostos, e isto é prejudicial, pois a síndrome da Zika congênita não se trata

apenas de microcefalias, mas também de alterações neurológicas e sensoriais, que podem se

manifestar após o nascimento do bebê. Assim, a continuidade dos acompanhamentos é

importante.

Percebe-se que há uma percepção negativa do conceito de microcefalia entre todos os

profissionais. A doença traz severas consequências, mas é importantíssimo que o papel do

profissional na assistência ao diagnosticado seja feito de modo humanizado. O olhar do

profissional sobre a doença ou condição do usuário é extremamente importante para o

entendimento de como o cuidado tem acontecido. Todas as profissionais entrevistadas

concordam que a forma como um profissional pensa sobre uma doença pode influenciar sua

atuação profissional e citaram exemplos do que tem ocorrido em meio à temática da Zika.

Na atuação do profissional de saúde estão envolvidos aspectos psíquicos e o bem-estar

dos profissionais também envolve sua reação à doença e os cuidados que sua assistência

envolve. Exercer cuidado requer reconhecimento de necessidades, e isto está intrinsecamente

relacionado às questões éticas e valorativas que perpassam o desempenho das funções. Nesse

processo, se faz necessário que o profissional se conscientize de suas percepções,

pensamentos, conhecimentos e comunicação (GAUER et al., 2006).

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A integralidade, neste contexto, envolve o profissional exercer escuta qualificada, grau

de compromisso com a proposta de humanização, no intuito de entender a demanda do

usuário de forma multidisciplinar sem privilégios ou preconceitos (CECILIO, 2001).

Relatam que alguns profissionais não acreditam que a Zika seja a responsável pelas

ocorrências de microcefalias ou mesmo que alguns profissionais não se atentam às medidas de

coleta de exames para a doença. Há, no senso teórico-prático, a discussão sobre a veracidade

da doença (VACUO, 2015). Entretanto, tal discussão tem penetrado o senso comum e

influenciado nas ações de saúde de alguns profissionais, acarretando na negligência de certos

cuidados em saúde como já citado mais acima a respeito da não coleta da placenta para

exames.

Algumas profissionais justificam a ocorrência da infecção por vírus Zika pelo descaso

do governo com as populações que vivem sem saneamento básico e coleta de lixo, outras

entendem que informação sobre prevenção seria um fator resolutivo, outras acreditam que não

é possível conter o mosquito num país tropical.

Quando questionadas sobre as ajudas que as profissionais de saúde acreditam que tais

mulheres mais precisam, citaram um local para centralizar o atendimento especializado e

otimizar o tempo das mulheres, ajuda de amparo e orientação, ajuda psicológica, apoio

financeiro, apoio multidisciplinar, acesso à estimulação precoce para o bebê, apoio

psicossocial, associação de mães que se apoiem entre si, e fomento da discussão sobre a

síndrome congênita da Zika na sociedade para que todos estejam mais informados e sem

preconceitos.

Entretanto, frente ao contexto de fragmentação da assistência de média complexidade

que se apresentaram nos resultados, a fala de que a centralização dos serviços em uma única

instituição de referência estadual resolveria muitas das questões de saúde foi citada por muitos

profissionais. Tal concepção vem carregada de uma lógica enrijecida, na qual se pressupõe

que uma atuação em rede funciona entre as paredes de uma instituição, e que a distância

produz impossibilidades, contradizendo os princípios de descentralização e intersetorialidade

preconizados pelo sistema de saúde.

CONCLUSÃO

A epidemia da Zika traz luz a questões já conhecidas no cenário de saúde brasileiro.

Com a consequência em longo prazo da síndrome da Zika congênita, encontramos demandas

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de saúde urgentes que explicitam a necessidade de saúde de uma população acometida por

uma doença nova, da qual pouco ainda se sabe.

O cuidado em saúde frente a uma doença devastadora com a síndrome da Zika

congênita demanda atuação humanizada e singela dos profissionais de saúde. Porém,

encontramos no cenário profissionais de saúde impotentes frente a uma doença sobre a qual

ainda pouco se sabe em relação ao seu desenvolvimento clínico, que explicita demandas de

acolhimento psicossocial nas quais os profissionais de saúde se vêem incapacitados para lidar.

Diante de tal cenário, encontra-se um contexto de sofrimento moral por parte dos

profissionais que se tencionam para prestar o cuidado necessário sem demonstrar para os

usuários as suas próprias dificuldades no manejo da doença.

A ausência de uma rede pautada na integralidade maximiza o sentimento de

impotência dos profissionais que se vêem lidando isoladamente com questões complexas. Ao

mesmo tempo, chama atenção que a fragmentação do serviço especializado se apresente tão

enraizada nos sensos práticos quando a principal solução do problema da fragmentação é

apontada como a centralização de serviços em um mesmo lugar.

A inviabilização cotidiana da solução de problemas de saúde torna o entendimento de

rede por vínculos como algo utópico, levando os atores estratégicos dessa rede de

encaminhamentos a reproduzirem ideais e práticas fragmentadoras de cuidado.

É importante apontar que o mesmo conceito de rede que parece intangível apresenta-se

como aquele capaz de minimizar o sofrimento moral de muitos profissionais através do

compartilhamento dos problemas de saúde e cooperação. O trabalho em rede como proposto

por Rovere (1999) e por Mendes (2010) apresenta desafios, assim como apresenta a proposta

de resoluções de problemas já antigos na saúde brasileira, mas que ainda são extremamente

importantes e imperativos de resolução em saúde.

Os resultados apontam para a necessidade de aprofundamento de pesquisas na

temática de rede, partindo do entendimento que esta se faz necessária para que as redes se

efetuem no sistema de saúde brasileiro sob princípios de descentralização, universalização e

integralidade.

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5.3 ARTIGO 3

VIVÊNCIAS MATERNAS FRENTE À REDE DE CUIDADOS À SÍNDROME

CONGÊNITA DA ZIKA

Camila Marchiori Pereira

Maria Angélica Carvalho Andrade

INTRODUÇÃO

A gestação é um fenômeno que implica transformações físicas, psíquicas e sociais e

que envolve investimento de diversas áreas, principalmente a afetiva. Ao se gestar um filho,

geralmente surgem expectativas, sentimentos, projeções e esperança em torno da ideia de um

filho saudável. Isto posto, parir um filho perfeito é o que a maioria das mulheres espera, uma

vez que é algo também socialmente desejado. Quando isso não acontece, pode haver

repercussões negativas na relação entre a mãe e o bebê (ROECKER, 2012; ANTUNES;

PATROCÍNIO, 2007).

O diagnóstico de anormalidade estrutural ou a detecção de sofrimento fetal traz

consigo dificuldades à gestação. Além disso, um fator importante para gestação pode ser

afetado pela notícia: o vínculo materno fetal. Esse fator é de extrema importância para o

desenvolvimento do bebê e para a elaboração do exercício da maternidade (ANTUNES;

PATROCÍNIO, 2007).

As anomalias congênitas podem resultar de alterações no decorrer do desenvolvimento

do embrião, e essas alterações podem ser herdadas ou adquiridas. Sendo assim, as causas

estão conectadas a eventos que antecedem o nascimento. As malformações podem variar

desde pequenas assimetrias a maiores comprometimentos estéticos e funcionais (SANTOS;

DIAS, 2005). Compreendemos a malformação congênita como toda anomalia que seja

funcional ou estrutural que esteja presente desde o nascimento ou que se desenvolva em

idades mais avançadas. Entendemos no presente estudo que o termo “malformação fetal” se

refere às doenças físicas do bebê, sejam elas estruturais e/ou associadas a uma síndrome

(SILVEIRA et al., 2015).

Atualmente, existem tecnologias que permitem, desde o início da gestação,

diagnosticar a malformação fetal. Tal avanço, por sua vez, contribuiu para a emergência de

sentimentos como ansiedade e medo frente a esse exame. Da mesma maneira que a notícia da

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deficiência em um filho após o nascimento desencadeia diversos sentimentos, a notícia de

uma malformação fetal pode causar reações de depressão, rejeição e rompimento do apego,

seja transitório ou permanente (VASCONCELOS; PETEAN, 2009). É importante que

existam e sejam conhecidas estratégias de enfrentamento a tais sentimentos e reações.

No Brasil, em outubro de 2015, deu-se início a uma epidemia no nascimento de

crianças com microcefalia. Os focos iniciaram-se em Pernambuco e, logo depois, foram

notificados mais casos em outros estados da região Nordeste. Após alguns meses, foi

confirmada a transmissão autóctone da febre pelo vírus Zika no Brasil. Em menos de dois

meses do início de 2016, 5.640 casos suspeitos de microcefalia e 583 confirmados já foram

registrados (HENRIQUES; DUARTE; GARCIA, 2016). A microcefalia trata-se de uma

malformação congênita na qual o bebê apresenta um perímetro cefálico menor do que

comparado a outros bebês da mesma idade e sexo (BRASIL, 2016).

As consequências da infecção por vírus Zika no feto foram chamadas de “síndrome da

Zika congênita” ou “síndrome congênita do Zika Vírus”, envolvem a ocorrência de

microcefalia e graves danos ao sistema nervoso central do bebê. Apesar dos estudos recentes,

pouco ainda se sabe sobre os mecanismos da transmissão vertical do vírus (EICKMANN et

al., 2016).

Os bebês com síndrome da Zika congênita apresentam, além da microcefalia,

hipertonia global grave com hiper-reflexia, irritabilidade, hiperexcitabilidade, choro

excessivo, dificuldades de deglutição, além de respostas auditivas e visuais comprometidas.

Susceptibilidade para infecções respiratórias, complicações ortopédicas e crises convulsivas

também são observadas em algumas crianças. Por isso, as crianças infectadas pela Zika

evidenciam a necessidades de cuidados multidisciplinares complexos, de longo prazo, sociais

e econômicos (EIKMANN et al., 2016).

A vigilância e a atenção adequadas à saúde das mães e crianças com síndrome

congênita do Zika vírus permanecem priorizadas. O Plano Nacional de Enfrentamento à

Microcefalia foi divulgado pelo Ministério da Saúde em 2016, juntamente com protocolos de

vigilância e de estimulação precoce às crianças com microcefalia. Ênfase tem sido dada aos

esforços para encontrar estratégias para lidar com a epidemia. Um dos eixos principais das

estratégias de enfrentamento às microcefalias divulgadas pelo governo trata-se do

atendimento às pessoas infectadas pelo vírus (BRASIL, 2016; HENRIQUES; DUARTE;

GARCIA, 2016).

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Após o diagnóstico da infecção por Zika vírus na gravidez, a mulher gestante vive um

estado de incerteza da ocorrência ou não da síndrome da Zika congênita que se estabelece no

período gravídico como uma possibilidade ao bebê. Diante desse novo cenário instaurado, é

importante compreender como tem sido a vivência dessas mães para que possamos pensar

estratégias de apoio à saúde de mulheres que enfrentam tais situações. Por isto, mostra-se

necessário conhecer como têm vivenciado a gestação após o diagnóstico de malformação fetal

e como reagem e enfrentam o impacto desse diagnóstico.

A conduta de profissionais de saúde frente à ocorrência da malformação fetal deve ser

acolhedora e humanizada. Sendo assim, o conhecimento que se adquire a respeito das

repercussões psicológicas para mães e as condutas adotadas decorrentes das malformações

congênitas são de suma importância para que os profissionais de saúde estejam capacitados a

orientar mães e familiares, assim como a esclarecer dúvidas e acolher frente ao diagnóstico

(SANTOS; DIAS, 2005).

Devido à recente epidemia no Brasil em 2015, as consequências vividas pela Zika

ainda estão a ser apresentadas. Por isso, ainda são incipientes os estudos que visem entender

melhor essa realidade no intuito de promover estratégias eficazes e formas de capacitação dos

profissionais de saúde frente à nova doença.

Dessa maneira, o presente estudo tem como objetivo identificar quais são as vivências

e percepções de gestantes e puérperas que receberam diagnóstico ou suspeita de síndrome da

Zika congênita na cidade de Vitória/ES frente ao diagnóstico e cuidados em saúde recebidos.

METODOLOGIA

O presente estudo trata-se de um dos objetivos de uma pesquisa de mestrado

qualitativa de delineamento analítico-descritivo. A pesquisa foi realizada na cidade de Vitória,

Espírito Santo/Brasil. A pesquisa contou com participantes que possuíam o perfil desejado

para a pesquisa: mulheres usuárias do Sistema Público de Saúde que foram diagnosticadas ou

estiveram sob risco de desenvolver síndrome da Zika congênita.

Uma vez que se trata de uma população específica na qual o diagnóstico não é

recorrente, a amostra será representativa da população estudada. Entendemos como

“malformação”, doenças físicas do bebê, sejam elas, estruturais e/ou associadas a uma

alteração cromossômica, no caso dos infectados por Zika vírus, bebês com alterações no

Sistema Nervoso Central ou microcefalia.

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A seleção das participantes foi realizada por meio da lista da Vigilância

Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde que possuía o nome das gestantes

infectadas pela Zika com suspeita de microcefalia em Vitória que percorreram a rede de

cuidados da cidade no ano de 2016.

De uma lista de seis mulheres que percorreram a rede de atendimentos em saúde em

Vitória sob suspeita de síndrome da Zika congênita, foram realizadas três tentativas de

contato telefônico. Duas puérperas aceitaram participar da presente pesquisa.

Como instrumento de estudo, foi utilizada a entrevista semiestruturada, que foi

gravada em áudio e transcrita posteriormente. A entrevista semiestruturada caracteriza-se por

combinar perguntas abertas e fechadas, obedecendo a um roteiro criado pelo pesquisador, de

maneira na qual o entrevistado possa discorrer sobre o tema sugerido sem se prender a

indagação objetiva (MINAYO, 2007). Os dados coletados foram analisados qualitativamente

por meio da Análise de Conteúdo Temática explanada por Bardin (2006).

A coleta de dados iniciou-se após aprovação pelo Comitê de Ética da Universidade

Federal do Espírito Santo (UFES) e pela Secretaria de Saúde do Município de Vitória. As

mulheres foram convidadas a participar do estudo, a participação foi condicionada ao

recolhimento da assinatura em Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual todos

participantes declararam estar cientes dos procedimentos e instrumentos utilizados na

pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As duas participantes do estudo são puérperas. Uma mãe possui um filho com

microcefalia decorrente de infecção por Zika vírus e outra esteve sob risco de que seu filho

desenvolvesse a síndrome da Zika congênita durante a gestação. Ambas as mulheres afirmam

que, onde moram, há serviço de esgotamento no bairro, possuem água tratada e encanada e há

serviço de coleta de lixo. As duas são mães de mais de um filho e trazem diferentes

perspectivas sobre o mesmo acontecimento: as consequências da Zika.

Para melhor entendimento, os tópicos a seguir foram construídos a partir de categorias

de análise, são estes: Rede de Cuidados: experiências maternas; Após o diagnóstico de Zika:

aceitação e vínculo e Representações da malformação.

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Rede de Cuidados: experiências maternas

A constituição da rede de atendimento às mulheres que foram infectadas pela Zika

segue um protocolo no qual pressupõe que o primeiro atendimento ocorra na Unidade Básica

de Saúde (UBS) mais próxima da residência da usuária. A partir deste atendimento, a mulher

receberia os cuidados, faria os exames para confirmação de Zika, outras viroses e doenças

exantemáticas. Caso a mulher se encontre gestante e sendo confirmada a infecção por Zika, a

usuária é encaminhada para o pré-natal, com realização de ultrassons e consultas de

puericultura mais recorrentes na UBS. Observada alguma alteração no ultrassom da gestante,

ela receberia a notícia de forma adequada e apoio psicossocial necessário. Após o nascimento

do bebê, confirmada ou não alguma malformação, há a continuidade da puericultura na UBS e

os encaminhamentos para realizar os exames de avaliação auditiva e oftalmológica da criança

juntamente com o acompanhamento de um neurologista infantil e estimulação precoce na

Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) por 2 anos.

Dessa forma, se a gestante for infectada pelo vírus Zika, tendo ou não síndrome da

Zika congênita, a mãe e criança percorrerão a mesma rede por até dois anos. É muito

importante frisar isto para entendermos as vivências das duas participantes da pesquisa. O

presente estudo utiliza nomes fictícios para preservar o anonimato das participantes. Vamos

chamá-las de Maria e Hilza.

Maria é mãe pela segunda vez. Sua gestação não foi planejada, nem desejada.

Trabalhou durante a gestação e atualmente seu filho está com 1 ano e 3 meses de idade. Maria

foi infectada pelo vírus Zika ao final do primeiro mês de gravidez. Trabalha com serviços

gerais quando, em uma segunda-feira, começou a se sentir mal, com olhos vermelhos, sentia

dores, febre e calafrios. Relata que tomou um remédio para aliviar as dores e febre, sentou-se

e quando levantou, quase caiu, pois sentia muitas dores nas articulações. No segundo dia

sentiu coceiras e manchas na pele. Maria trabalha numa Unidade Básica de Saúde (UBS) e

com ajuda de outras auxiliares, foi levada para atendimento com a própria médica da UBS em

que trabalha. Nesse momento, a médica pediu os testes das sorologias de dengue e Zika.

Relata que só pôde retirar o resultado do exame na UBS de seu bairro e que demorou um mês

para sair o resultado, que seria entregue pelo diretor da UBS. Relata que o diretor não soube

dar a notícia de maneira correta:

Ele veio assim direto: “Olha, você já está sabendo?” Eu falei: “Não, não

consegui pegar o resultado do exame.” Ele: “Seu exame deu positivo, você

teve Zika”. Aí foi aquele susto. Fiquei totalmente desanimada até o final da

gestação, fiquei totalmente deprimida.

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Após a notícia do resultado de infecção por Zika vírus, relata que fez cerca de dois

ultrassons por mês. Para realizar ultrassom, revela que a médica com quem fazia ultrassons

atendia num hospital em Vila Velha (cidade próxima à Vitória) e devido à distância, a médica

começou a atendê-la em consultório particular para viabilizar melhor locomoção para a mãe.

Acredita que realizou de 15 a 22 ultrassons, relata que a alteração no ultrassom só veio a

surgir ao final da gravidez:

No final, a Dra, sempre que ela fazia meu ultrassom, ela me entregava na

hora, e sempre, como eu ia sozinha, quase no finalzinho, ela já não me

entregava mais e também não falava nada, eu achei que era normal. Mas

todo mês, eu fazia uma semana e na próxima semana ela me pediu para

voltar, no terceiro ultrassom ela foi e me falou que a cabecinha tinha

parado de desenvolver e é só esperar nascer para ver, se isto era por causa

da Zika ou não... Isso foi no oitavo mês.

No oitavo mês de gestação, o cérebro do bebê parou de se desenvolver e Maria passou

a perder líquido amniótico. Relata que a ultrassonografista foi muito cautelosa em dar a

notícia e sempre tentava transmitir ânimo positivo, mas que não amenizou o susto. Maria

relata que, nesse período, passou a não querer mais o filho. Estava rejeitando o bebê e

procurou atendimento psicológico na UBS de seu bairro. Relata que nenhum profissional a

encaminhou para atendimento psicológico, ela mesma solicitou ao médico de sua UBS, e

posteriormente conseguiu:

Eu estava a ponto de rejeitar a criança antes de nascer. Eu estava

totalmente deprimida, não estava querendo trabalhar, até andar estava

andando devagar, indisposta, chorava muito. Consegui esse atendimento

com a psicóloga da Unidade uma vez por mês, eu procurei logo depois que o

resultado da Zika deu positivo, em fevereiro.

Porém, relata que fez algumas poucas consultas e parou de frequentar. Relata que,

após o nascimento do seu filho buscou novamente, mas já não havia psicóloga disponível na

UBS de seu bairro. Maria ressalta que, devido à explosão midiática em torno da epidemia da

Zika em 2015, o diagnóstico de infecção por Zika vírus a deixou muito aflita. Ouvia coisas

negativas sobre a doença e temia:

Estavam falando muita coisa no jornal, eu já nem estava assistindo TV,

porque falava que você vai parar sua vida, vai ter que viver para o seu filho,

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carregar seu filho para o resto da sua vida. Aí falava que a criança ia

nascer com a cabeça grande e eu fiquei totalmente deprimida!

Relata que onde mora, no “morro”, as pessoas olham para crianças com microcefalia

“de um jeito”, pois não vêem crianças assim com frequência. Explica que a família do marido

também olharia “dessa forma” e, segundo ela, não demonstraria apoio verdadeiro.

No fim do oitavo mês, Maria teve gripe e foi internada, após dez dias internada, teve

seu filho por cesárea. Relata que, no momento do parto, estava muito ansiosa e não queria vê-

lo, naquele período estava pensando em rejeitá-lo. Relata que, com incentivo da pediatra,

conseguiu olhar para o bebê:

Na hora do parto, eu já fiquei com medo de ver ele. Foi difícil para mim. Eu

tentava olhar para o lado, quando a pediatra pegou ele e ela disse que ele

estava bem que eu consegui olhar para ele. Agradeci muito a Deus, fiquei

muito feliz, muito contente de ter passado bem por essa luta.

O bebê de Maria nasceu sem microcefalia e sem indícios de atrasos no

desenvolvimento. Após o nascimento, o bebê realizou os testes auditivos e oftalmológicos

necessários. Enquanto havia pediatra na UBS de seu bairro, realizou acompanhamentos, mas

atualmente não há. Hoje, o filho de Maria possui um ano e três meses e faz acompanhamento

trimestral com neurologista infantil no hospital em Vila Velha.

Em contrapartida, temos Hilza. Mãe pela quarta vez. A gestação foi planejada e

desejada. Antes dessa gestação, teve aborto espontâneo de uma gestação também planejada.

Não trabalha fora de casa. Mora em uma casa com o marido, os seus quatro filhos, um neto, e

a namorada de seu filho de 17 anos, totalizando sete pessoas na casa. Apenas o marido tem

trabalho remunerado, fazendo pinturas em serviços esporádicos de construção civil. A renda

fixa da família corresponde ao valor da bolsa auxílio do governo, recebida pelo filho mais

novo, que nasceu com microcefalia.

Hilza relata que descobriu a gestação com duas semanas e meia, e que iniciou pré-

natal com dois meses de gestação. Foi diagnosticada com infecção por vírus Zika quando

estava com três meses de gestação. Relata que ela e seu esposo passaram mal no mesmo dia e

foram a um Pronto Atendimento do bairro Enseada do Suá, em Vitória, quando foram

atendidos e o marido rapidamente foi diagnosticado com dengue e Hilza fez teste para

infecção por vírus Zika, pois não apresentava plaquetas baixas e febre como o marido.

Questionaram a médica sobre o diagnóstico, foram instruídos a respeito da importância de

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verificar por exames esse diagnóstico, já que Hilza estava grávida. Hilza apenas recebeu o

resultado do exame como positivo quando estava com sete meses de gestação.

Após a suspeita, Hilza fez outras duas sorologias, uma no Hospital das Clínicas e outra

no Posto de Saúde do Bonfim, para ter certeza do diagnóstico. Após realizar as sorologias no

mesmo dia, foi encaminhada para o Centro de Especialidades do Centro de Vitória, onde foi

atendida por um ginecologista e um infectologista. Entretanto, todos diziam para que

esperasse, pois não podiam prever nada, apenas esperar o decorrer da gestação. Hilza relata

que ficava extremamente ansiosa. Relata que no Centro de Especialidades foi atendida por

ginecologistas, mas quando continuou o acompanhamento na UBS de seu bairro, ficou muito

desapontada por não haver ginecologistas ou pediatras, apenas médicos clínicos-gerais: “Com

os clínicos, eu não gostei, eu queria sempre ter a certeza de estar segura com ginecologista

ou obstetra. Não acho justo”.

A partir de então, Hilza passou a fazer vários ultrassons, que antes eram de mês em

mês, passaram a ser de semana em semana, conta que foram vários e de todos os tipos. Com

seis meses e meio de gestação, Hilza foi realizar um ultrassom e notou comportamento

diferente da ultrassonografista: “Ela me perguntou se eu estava bem, e foi na hora que eu

fiquei com medo. Ela me perguntou: Está tudo bem com você? Está se sentindo bem?” Com

sete meses, a ultrassonografista disse que o bebê não estava crescendo adequadamente: “Foi

quando eu não entendi muito, mas também não questionei, fiquei com muito medo. E depois

falei, ‘ah, vou deixar o tempo passar, é Deus no controle, vou deixar tudo acontecer’”.

Relata que, até então, essas falas da médica a deixavam com medo, mas que a médica

permanecia otimista e dava forças a ela:

Não botei nada na cabeça, que ele vai nascer com malformação ou que eu

vou perdê-lo, ou que ele vai ser um menino que vai ter necessidades

especiais... Em momento algum passou isso pela minha cabeça. Porque ela

sempre estava me dando falas positivas, ela nunca me deixava para baixo.

Hilza relata que a médica ultrassonografista deu a notícia de forma acolhedora, sempre

a acompanhando e a apoiando em tudo. Relata apenas o momento no qual a médica mudou de

postura e não foi específica sobre o que se passava como um momento no qual se sentiu só:

Só o dia que eu tive medo, aquele quando ela me perguntou se eu me sentia

bem, eu estava sozinha, ela tinha mudado a postura e não conversou muito

comigo, só perguntou se estava tudo bem nos pré-natais e eu falei que sim.

Mas eu fiquei insegura. Aí já me senti sozinha naquele momento ali.

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Foi apenas alguns ultrassons depois, ainda no sétimo mês, que a médica confirmou a

existência de calcificações no cérebro do bebê. Saindo de lá, relata que o casal chegou à

conclusão que nenhum dos dois podia se abater. Buscaram se informar e se preparar em caso

de notícia negativa: “Mas em momento algum eu me deixei levar, nem eu, nem ele”.

Após mais três ultrassons, num dia de pré-natal, durante a consulta, a médica

averiguou que a pressão arterial de Hilza estava alta e a diagnosticou com pré-eclâmpsia, a

encaminhando diretamente para fazer uma cesárea no Hospital das Clínicas em Vitória. Hilza

relata que não queria acreditar, pois achava que era muito cedo para ter o bebê, acusou a

enfermeira de ter mensurado a pressão arterial incorretamente e pediu para fazer nova

aferição. Ainda teimando, foi a outra UBS e fez nova aferição, a pressão arterial estava ainda

maior e começou a sentir o coração acelerado. Agora convencida da gravidade, se internou no

Hospital das Clínicas:

Aí, foi quando fiquei lá 3 dias, e no dia 4, fizeram outro ultrassom, eu estava

perdendo líquido e constatou a calcificação e a microcefalia depois que ele

nasceu. Mas nasceu lindão, gostosão, chorou logo e não precisou ficar na

UTIN nem nada.

O bebê de Hilza nasceu com microcefalia, sem alterações no corpo:

Depois que eu ouvi o choro dele, e vi o rostinho dele, eu falei, eu quero ele

nos meus braços [...] Eu fiquei mais apaixonada a cada minuto, eu não vi

nada no meu filho, nada mesmo. Só via que ele era muito pequenininho.

Após o nascimento, o bebê realizou os testes auditivos e oftalmológicos necessários.

Na gestação, Hilza morava em Vitória. Atualmente mora no município de Serra. Hoje o filho

de Hilza possui um ano e três meses e faz acompanhamento mensal com neurologista infantil

no Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (HEIMABA) em Vila

Velha, estimulação precoce no Centro de Reabilitação Física do Espírito Santo (CREFES) na

Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) da Serra.

A reação emocional das duas mães frente à notícia do diagnóstico foi de ansiedade e

medo. Alguns fatores podem influenciar a reação emocional ao diagnóstico de malformação

fetal, como as características dos pais, a idade, a situação socioeconômica e a relação

conjugal, a gravidade do prognóstico do feto e, principalmente, o apoio familiar e social,

assim como a assistência prestada pelos profissionais de saúde (ANTUNES; PATROCÍNIO,

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2007). No caso de Maria, ela relata a não aceitação da família do marido frente ao

diagnóstico, o que a deixa ainda mais frustrada frente à sua gestação.

O momento do diagnóstico é visto como um momento doloroso, sendo reconhecido

por algumas mulheres como um momento de ameaça à integridade do feto. Dessa maneira, a

atenção especializada dos profissionais de saúde neste momento se torna de fundamental

importância (GOMES; PICCININI, 2005). Hilza, ao receber o diagnóstico no momento do

ultrassom, por vezes reitera evitar pensar que seu filho terá necessidades especiais, numa

postura de “não deixar se levar”, afirmando diversas vezes durante entrevista a mesma fala

num tom de defesa ao filho.

O preparo da equipe médica apresenta-se, então, como uma das principais

intervenções possíveis para acolher à mãe no momento do diagnóstico da malformação fetal.

Dessa maneira, verifica-se a necessidade da criação de programas de intervenção psicológica

em medicina fetal para que saibam não apenas dar a notícia, informando todo o necessário,

mas que consigam ouvir as dúvidas e os anseios de forma empática e acolher as tristezas das

gestantes nesse momento difícil, bem como propiciando apoio emocional (GOMES;

PICCININI, 2007).

Quando há risco ao bebê, a mãe fica mais vulnerável a sentimentos de ansiedade. A

falta de acolhimento e informações por parte dos profissionais de saúde pode desencadear

reações ansiosas e depressivas, favorecendo a manifestação de fantasias e o aumento da

sensação eminente de perda. A dor perante o diagnóstico de malformação do bebê pode ser

extremamente grande, e a ausência de informações no momento pode vir como alívio, porém

estudos mostram que o detalhamento de informações nesse momento atua como agente

tranquilizador (BORGES; PINTO; MOS VAZ, 2015). Frente às incertas consequências da

síndrome da Zika congênita na gestação, a mãe infectada por vírus Zika permanece sem

receber muitas informações, se fazendo, então, de grande importância o acolhimento

humanizado realizado pelos profissionais de saúde.

Os resultados da presente pesquisa indicaram como as mulheres reagem sensitivas aos

comportamentos na ultrassonografista, mostrando a importância de que profissionais de saúde

sejam capacitados a lidar emocionalmente com os pacientes frente a diagnósticos de impacto

emocional. Médicos e profissionais de saúde responsáveis pela notícia de diagnóstico também

possuem dificuldades em dar notícias de malformações fetais devido às variáveis

psicossociais e afetivas nas quais não foram preparados para lidar. Por isso é tão importante

que sempre haja um profissional de saúde mental nas instituições de saúde para promover o

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preparo psicológico e emocional da equipe de saúde especializada, assim como para a

assistência às mulheres diagnosticadas (GOMES; PICCININI, 2005).

Após o diagnóstico de Zika: aceitação e vínculo.

Há consenso no que diz respeito ao impacto psíquico que a notícia do diagnóstico pode

trazer à família, mas a maneira na qual cada família lida com o impacto depende de fatores

relacionados à gravidade da notícia, a estrutura emocional e socioeconômica da família e

principalmente, dos cuidados de saúde especializados recebidos, da informação que os pais

possuem sobre a malformação e da assistência psicológica fornecida (ANTUNES;

PATROCÍNIO, 2007; GOMES; PICCININI, 2005; 2010).

A condição da maternidade pressupõe adaptação física e emocional à espera do filho,

sentimentos de esperança e simbolização do bebê esperado são necessários para que o

processo de investimento materno se configure e que a maternidade seja incorporada na

identidade da mulher e do pai. Nesse processo de adaptação, as fantasias acerca do filho

configuram os primeiros laços de afeto estabelecidos entre pais e feto, o confronto do bebê

imaginado com o bebê real se dá com o nascimento do bebê. Porém, a realização da

ultrassonografia pré-natal possui papel significativo neste processo, pois permite detectar

determinadas anomalias congênitas antes do nascimento. Por isso, esse procedimento acaba

por ser vivido com muita ansiedade pelas mães (ANTUNES; PATROCÍNIO, 2007; GOMES;

PICCININI, 2005).

Hilza relata que seu principal susto foi referente ao seu diagnóstico de infecção por

vírus Zika. A partir daí, toda experiência de ultrassom foi vivida com ansiedade, pois estava

ciente da possibilidade de algo negativo acontecer. Vemos, na experiência de Hilza, como o

trabalho em saúde é humano e singelo. Quando, por exemplo, ela se afeta profundamente pela

observação de mudança de comportamento da ultrassonografista ao perguntar-lhe como se

sente, Hilza conta que chega em casa com medo e chora contando o fato ao seu parceiro, com

quem encontra conforto e aceitação.

O momento de informar aos pais sobre um diagnóstico fetal é um momento muito

delicado que merece atenção especial do profissional, uma vez que a gestação se caracteriza

como um momento sensível aos sentimentos de estresse e ansiedade, que se agravam frente a

um diagnóstico ruim. Estudos confirmam que o modo como é transmitida a notícia de

malformações congênitas mobiliza variáveis psicoafetivas relacionadas ao enfrentamento da

situação diagnóstica. Sentimentos como tristeza e ansiedade mostram-se mais frequentes

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quando, por exemplo, o diagnóstico é dado no primeiro trimestre da gravidez (CUNHA et al.,

2016). No presente estudo, as participantes demonstram vivências gestacionais de estresse e

ansiedade. Apesar das diferentes aproximações com o bebê, tanto Maria quanto Hilza,

receberam o diagnóstico de infecção por Zika no início da gestação e alterações no feto

indicadas pela ultrassonografia ao final da gestação.

Entretanto, Maria relata que, após ter recebido a notícia de Zika e de alterações no

momento de ultrassom, sente que foi afetada permanentemente pelo estresse, atribui ao

diagnóstico de infecção por vírus Zika importante causa por sentir menos paciência em lidar

com seu filho. Compara o comportamento de seus filhos, e vê seu filho mais novo com

comportamento muito mais agressivo. Ela se culpa, acreditando que seu filho é assim pois

“passou os sentimentos para ele na barriga”.

Maria aponta a importância da função da mídia frente à epidemia da Zika registrada no

Brasil em 2015, período no qual as consequências da Zika estavam sendo abundantemente

exploradas nos canais de comunicação no país. A microcefalia, uma formação cerebral que

era pouco conhecida e difundida em meios midiáticos, passava a ser estampada em todas

notícias, espalhando um misto de terror entre as grávidas do período, que temiam que seus

filhos nascessem com microcefalia e atrasos no desenvolvimento.

É importante ressaltar que, tanto para Maria quanto para Hilza, a notícia da Zika

acarretou com que a gestação fosse vivenciada com mais anseios, na espera se receberiam

boas ou más notícias no momento da ultrassonografia e do parto.

Enquanto as falas de Hilza demonstram apego com a gestação, as falas de Maria

chamam atenção, uma vez que se tratava de uma gestação que já não desejava, o risco da

iminente síndrome da Zika congênita pareceu distanciá-la mais ainda de seu filho:

Até minha filha distanciei dela, fiquei totalmente deprimida, não queria

minha filha perto. Tudo que ela abria a boca eu já brigava com ela, sem

paciência com ela. Meu esposo também, tudo já pensando o que iria

acontecer com a criança.

Relata que não teve interesse no bebê durante a gestação e que até hoje não se sente

com paciência para o bebê:

Bem, mas cansativo e estressante, para quem tinha paciência, hoje eu não

tenho mais, depois da Zika, eu não tenho mais paciência. Além dele ser

assim... [...] Qualquer coisinha ele grita, ele é muito nervoso. Nervoso até

demais! Fica batendo, quer bater na cabeça, tudo para ele é bater.

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Em meio a esse processo, ressalta-se a importância de que Maria recebesse a atenção

psicológica adequada, uma vez que se queixava de sintomas depressivos, como tristeza,

desânimo, falta de interesse pelo bebê e irritabilidade. Estudos atuais indicam que a Depressão

Gestacional é tão recorrente quanto a Depressão Pós-Parto. Mesmo havendo um consenso de

que os maiores fatores determinantes da depressão perinatal aconteçam na gestação, existem

poucos estudos sobre a depressão durante a gestação, pois há um foco na literatura e nos

sensos comuns apenas na depressão após o parto. É importante que as atenções a respeito da

possibilidade desse transtorno mental também sejam dadas no período gestacional, pois a

maioria das mulheres que sofre com depressão gestacional acaba por não receber diagnóstico

e tratamento necessários (PEREIRA; LOVISI, 2008).

Quando o momento da ultrassonografia é seguido da notícia do diagnóstico de

malformação fetal, o processo adaptativo da maternidade pode tornar-se ainda mais difícil,

pois pode incrementar dificuldades à gravidez, como o risco de situações de sofrimento fetal,

morte intrauterina ou aborto espontâneo. Dessa maneira, o medo e a frustração tornam o

processo de adaptação da maternidade ainda mais difícil antes do nascimento do bebê

(GOMES; PICCININI, 2010).

As falas de Maria sugerem que a mesma encontra dificuldades no processo de

estabelecer vínculo com o bebê, mostrando inclusive falta de vontade de ver o bebê no

momento do parto. Porém, quando aceita vê-lo, tranquiliza-se por perceber que o bebê não

nasceu com microcefalia, possibilitando que, após o parto, se inicie alguma aproximação com

o bebê:

Eu consegui aceitar mais, no primeiro dia depois que eu vi ele, a

pediatra disse que estava tudo bem, aí eu já aproveitei. Porque

quando ele estava na barriga eu não aproveitei nada, até chá de

fralda eu não fiz.

De outro lado, temos Hilza, que aparenta desenvolver vínculo com o bebê, porém um

vínculo que se mostra exacerbado com extrema proteção ao bebê. Em certo momento da

entrevista Hilza menciona que, quando fazia psicoterapia, a psicóloga fez uma recomendação:

“Chego até a ser chata, de tão pegajosa. A psicóloga me disse que eu tinha que largar um

pouquinho, eu disse que estou tentando”.

Encontramos na pesquisa resultados que sugerem apontar para processos que se

apresentam em dois extremos: uma mãe em forte desenvolvimento de vínculo e outra que

vive dificuldades para fortalecer vínculo com o bebê. Estudos indicam que existem diversas

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maneiras pelas quais o impacto por meio da notícia no momento da ultrassonografia pode se

dar, como, por exemplo, pode gerar efeitos positivos para o vínculo materno-fetal, ou efeitos

negativos, há também os que relativizam de acordo com a subjetividade dos pais e os que não

encontram diferenças significativas. Tais resultados estão diretamente relacionados aos

diferentes conceitos que lhes servem de apoio, seja o de relação materno-fetal, apego

materno-fetal ou representação materna acerca do bebê (GOMES; PICCININI, 2005; 2007;

2010).

Nardi et al. (2015) atestaram, em seu estudo, a possibilidade de se associar a ansiedade

e o estresse ao comprometimento da relação mãe-bebê, sugerindo que uma mãe muito ansiosa

e estressada pode não desenvolver de forma satisfatória a sua sensibilidade materna. Porém,

outros estudos (RUSCHEL P. et al., 2014; SAVIANI-ZEOTTI; PETEAN, 2015; GRILL;

PICCININI, 2007) apontam que o nível de apego materno-fetal em mulheres com diagnóstico

de malformação durante a gestação não necessariamente diminui em mulheres com o

diagnóstico.

Em 2015, Saviani-Zeotti e Petean evidenciaram em seus resultados que não há

diferenças no nível de apego materno-fetal entre mulheres com gravidez de risco e sem risco.

Ter a experiência de uma gravidez de risco não impede a formação da relação de apego entre

mãe e bebê, porém, concluíram o mesmo que Ruschel P. et al. (2014): devido à realidade

vivida por essas mães, os níveis de ansiedade e depressão se apresentam maiores, apresentam

mais sentimento de insegurança, medo e dúvidas a respeito do momento do nascimento.

Maria declara ansiedade e depressão frente à possibilidade de seu filho nascer com

microcefalia. No caso do presente estudo, é importante frisar que, independentemente do nível

de apego que se estabeleça em relação ao nascimento do bebê com malformação congênita, a

ocorrência da Zika traz ao cenário um fator ainda mais causador de sentimento de insegurança

e medo. Esse fator é a incerteza frente ao risco durante a gestação e o pânico feito pela mídia

frente a epidemia no período. Maria é um exemplo de como tais consequências influenciaram

negativamente sua relação já anteriormente pouco desejada com seu filho.

Representação da doença

A maneira pela qual cada mãe compreende o que envolve a síndrome da Zika

congênita está intrinsecamente ligada a como vai experienciar a maternidade a partir do

diagnóstico. Para entendermos as percepções maternas acerca da microcefalia, as mães foram

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questionadas a respeito do que vem primeiramente à mente quando ouvem o termo “bebê com

microcefalia”.

Hilza, que, por diversas vezes, durante a entrevista, respondeu que seu filho não possui

deficiência alguma, conta que não vê a microcefalia do filho: “Eu não vejo, eu não quero, eu

não vejo, é uma fala meio estranha para mim... Se eu disser para você que eu vejo meu filho

natural? Eu não vejo a microcefalia na minha cabeça, só vejo a questão da coordenação

motora”. Quando também questionada ao início da entrevista se o filho tem microcefalia,

afirmou que não, que apenas tem alguns atrasos no desenvolvimento. Apesar da negação da

doença declarada por diversas vezes na entrevista, Hilza explica que age dessa forma como

uma forma enfrentamento à problemática da doença: “Se eu colocar isso da microcefalia na

cabeça eu acabo pirando, então eu não vejo ele assim, não coloco”.

Setúbal (2003) conta que podemos pontuar alguns estágios que se configuram pelo

processo de assimilação e absorção do impacto do diagnóstico de malformação do bebê.

Seriam estes: choque, negação, tristeza e raiva, estabilidade e reorganização. Porém, os

estágios variam de intensidade e duração. Algumas mães não saem do estágio de negação,

agarrando-se de forma maníaca a falsas esperanças. Outras podem se recusar a acreditar e

abandonar o pré-natal ou os cuidados do bebê. Da mesma maneira, alguns casais se deprimem

e não procuram tratamento especializado.

Hilza que demonstra ter vínculo com o bebê intensamente e também demonstra

negação frente à microcefalia do bebê. Quando questionada sobre o que pensa do diagnóstico

de microcefalia, responde: “Vejo o meu filho futuramente correndo, estudando e brincando,

fazendo bagunça como todos os outros”. Descreve três sentimentos sobre como se sente após

o diagnóstico do filho: “Muito amor, algo muito grande e gostoso dentro de mim, é um amor

tão grande que não sei descrever. Carinho. Vontade de estar perto”.

Hilza não utiliza palavras negativas ao falar sobre microcefalia, em todo momento

afirma seu amor pelo bebê quando questionada. Conta que recebe apoio do parceiro e de

familiares, o que torna a sua experiência menos dolorosa. Mães que recebem apoio social

possuem maior responsividade materna, o que beneficia a relação mãe-bebê e conjugal

(BORGES; PINTO; MOS VAZ, 2015). Porém, quando questionada sobre sua vida após o

diagnóstico, Hilza se permite falar sobre suas dificuldades:

A minha vida da Hilza mãe? Eu parei a minha vida pessoal, eu senti que

parei um pouco na minha rotina de trabalho, eu te falei... Eu trabalhava,

estudava, fazia cursos, ficou meio estranho, sei lá, eu parei, fiquei mais em

casa, casa que eu digo, quando eu tenho tempo de ficar em casa, eu fico

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estimulando ele, não tenho tempo mais para mim, meu tempo hoje é só dele,

do meu filho. Eu vivo para ele.

Quando questionada sobre o que acredita que pode ser feito para melhorar a situação

de atendimento em saúde, Hilza fala sobre querer que seu filho faça equoterapia, pois se

informou sobre os benefícios para seu filho. Após isso, respondeu que, para ela, gostaria de

fazer atividades físicas, porém termina afirmando que por precisar cuidar de seu filho e não

ter condições financeiras atualmente isto não é uma possibilidade para ela. Em outra pergunta

sobre quais ajudas ela acredita mais precisar, menciona a compra de brinquedos de

estimulação para o filho, pois declara que são caros e que deveria haver um desconto ou rede

facilitadora para mães de bebê com microcefalia adquirirem esses brinquedos.

De outro lado, temos Maria que, quando questionada a respeito do que primeiramente

viria à mente quando ouvisse o termo “bebê com microcefalia”, responde: “Como explicar?

Ah, assim, que se ele nascesse com microcefalia, isso pararia a minha vida. Eu pensava que

eu ia deixar o emprego para ficar com ele e isso pararia a minha vida”. Maria conta que sua

vida após o diagnóstico foi cansativa e estressante, e que a espera durante a gestação da

ocorrência ou não da síndrome da Zika congênita fez com que não quisesse se aproximar de

seu filho afetivamente e determina a isto o fato de hoje não sentir paciência para lidar com seu

filho. Conta que, depois que ele nasceu e viu que não possuía a síndrome, quis aproveitar a

maternidade, mas que, até hoje, vê nele uma criança agitada e agressiva que a causa

irritabilidade:

E ele quase não chora, ele grita! Uns podem falar que é manha, mas

qualquer coisinha ele grita, ele é muito nervoso. Nervoso até demais! Fica

batendo, quer bater na cabeça, tudo para ele é bater [...] Até minha filha

distanciei dela, fiquei totalmente deprimida, não queria minha filha perto.

Tudo que ela abria a boca eu já brigava com ela, sem paciência com ela.

Meu esposo também, tudo já pensando o que iria acontecer com a criança.

Conta que teve apoio da sua família e que seu esposo a ajuda bastante. Relata: “Ele

que tem paciência com as crianças, porque eu já não tenho mais. Ele é bem tranquilo. Ele me

ajudou, é igual parede. A gente fala e ele é paz e amor, calma relaxa, vai dar tudo certo”.

Maria permanece numa fala de autoculpabilização quando reitera que acredita que seu filho é

agitado e nervoso porque “passou isso para ele na gestação”, reafirma dizendo que a própria

pediatra falou isto.

Maria relata que a principal dificuldade que enfrenta é relacionada à locomoção e que

nesse quesito seria o que ela precisaria de mais ajuda, pois atualmente o acompanhamento

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neurológico se dá em Vila Velha no HEIMABA. Porém, conta que gosta da neurologista de lá

e “da forma que a médica tratou o menino” e por isto prefere manter o acompanhamento em

Vila Velha. Quando questionada sobre três sentimentos que descrevam sua vida após o

diagnóstico, cita: tristeza, alegria e vitória.

A malformação ocupa um lugar na representação mental de cada mãe e isto depende

da singularidade de quem a olha e do lugar simbólico na qual o bebê ocupa para a mãe. É

importante afirmar que essa representação não é um processo individual, é permeada por

variáveis psicossociais e culturais que a constituem. Assim, a malformação por si só não

determina limitações ou potenciais de uma relação entre mãe e bebê, a representação que a

mãe tem do bebê tem função fundamental neste processo (GOMES; PICININI; PRADO,

2009).

Alguns estudos apontam uma relação entre níveis altos de ansiedade e depressão,

quanto mais graves são os diagnósticos de malformação fetal, porém não há na literatura

resultados conclusivos de estudos que apontem a relação entre o diagnóstico de malformação

fetal e a dificuldade de reorganização psíquica da família. Porém é sempre importante estar

atento a respeito de como a mãe tem experienciado a gestação frente ao diagnóstico de forma

a se estar hábil para realizar a identificação de riscos à saúde mental da gestante e ao

desenvolvimento do bebê (BORGES; PINTO; MOS VAZ, 2015).

Faz parte do processo de uma gestação saudável simbolizar como o filho espera e

representar mentalmente como o imagina. O mundo representacional que permeia o

imaginário da mãe faz parte de como os pais experienciam e se preparam para a chegada do

filho. Fazem parte deste processo a interação com o bebê na barriga e também as fantasias,

medos, sonhos, identificação com a própria infância, concepções sociais sobre infância e

maternidade, com as figuras parentais e expectativas para o futuro bebê. Dessa maneira,

através de intervenções terapêuticas e sociais, acredita-se que é possível mudar representações

mentais e investimentos, de maneira a reduzir as projeções que se tem do filho, realizar uma

espécie de luta da imagem do bebê imaginado para ser capaz de vivenciar a realidade da

melhor maneira possível (GOMES; PICININI; PRADO, 2009).

Seguindo essa lógica de pensamento, é importante nos atentarmos, então, a que

nenhuma gestação é definitivamente aceita ou rejeitada, a gestação é perpassada pela

subjetividade e pela linguagem, e é passível de mudança e transformação. Dessa maneira,

uma gestação inicialmente pode apresentar aspectos negativos sem necessariamente,

comprometer vínculo entre gestante e bebê (BORGES; PINTO; MOS VAZ, 2015).

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Diante disto, é importante que profissionais de saúde saibam que, quanto maiores os

sentimentos de ansiedade e angústia envolvidos no diagnóstico fetal, menos a gestante pode

ter capacidade de assimilar informações ou solicitar orientação. Por isso é de extrema

importância que profissionais estejam habilitados a prestar o acolhimento necessário cientes

das variáveis afetivas em jogo (BORGES; PINTO; MOS VAZ, 2015). Maria trouxe o

exemplo da fala da pediatra que a marcou e reproduziu uma culpa já introduzida a respeito

dos sentimentos de rejeição da gestação.

Mães que recebem orientações adequadas, suporte profissional e familiar, com

acolhimento contando com escuta e amparo aos seus medos, tornam-se mais capazes de

buscar ajuda e, por isso, preparam-se melhor para enfrentar os diversos acompanhamentos,

exames e avaliações médicas necessárias para melhorar a situação atual do filho (BORGES;

PINTO; MOS VAZ, 2015).

Culturalmente, preza-se por uma relação materna positiva frente à experiência de

maternidade com objetivos de que a mãe cumpra seu papel social e biológico da reprodução.

O que leva à discussão de normalidade e anormalidade na sociedade frente a este papel social

colocado. Canguilhem (1943), em sua obra “O normal e o patológico”, discorre que a

concepção do que é normal e patológico pode variar ao longo do tempo e que se reorganiza de

acordo com os objetivos e fins da prática médica e necessidade de controle social (DIAS;

MOREIRA, 2011).

Para o autor, o normal é relacionado à capacidade do corpo de obedecer a certas

normas que ordenam e organizam a execução das mais diversas funções. Assim, a doença

seria a incapacidade do corpo de se colocar de maneira normativa. Desta maneira, a doença

implica seu próprio modo de funcionamento e existência. Porém, o autor observa que essa

nova espécie de normalidade implica certa rigidez, pois essa nova forma de funcionamento

estabelecida pelo estado de doença limita a possibilidade de que os indivíduos respondam aos

desafios que a realidade coloca, como se fosse algo limitante, uma norma de vida inferior

(DIAS; MOREIRA, 2011).

Destarte, Canguilhem (2002) nos propõe que uma vez que o patológico também é algo

normativo, cabe a cada indivíduo, inserido e imerso nas concepções sociais e culturais que

vive,caracterizar o que é doença. Da mesma forma que esta ideia traz imensa generalização do

que é doença, revela o fator excludente e reprodutor de rigidez social que se escancara nos

sentimentos de angústia de muitas mulheres diagnosticadas com malformação fetal.

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A normalidade, vista como normatividade, nos permite pensar sobre a saúde como

potência de vida e, no caso da síndrome da Zika congênita, é de imensa importância que tanto

mães quanto profissionais de saúde estejam atentos às representações sociais acerca da

doença, de modo a que não acabem por ver no bebê apenas uma limitação definitiva, mas que

vejam possibilidades e potência, de maneira que permaneçam a construir vias para possibilitar

o desenvolvimento da criança, explorando as suas habilidades e proporcionando qualidade de

vida.

CONCLUSÃO

Os resultados apontam para a vivência materna que se coloca sob dois extremos de um

processo de vinculação parental frente à ocorrência da Zika: de um lado uma maternidade que

se apresenta sob uma relação de constituição de vínculo mãe-bebê intensa, e de outro, uma

maternidade em processo de vinculação mãe-bebê que enfrenta dificuldades. E, assim como

os veículos midiáticos têm exercido forte papel diante desse cenário que maximiza o estresse

e medo das mães, muitas são as variáveis sociais, culturais, individuais e contextuais que

permeiam e atravessam esses processos parentais.

Existem, na literatura, estudos que discorrem sobre as repercussões psicológicas

maternas frente o diagnóstico de malformação. Entretanto, são incipientes os estudos acerca

das repercussões maternas em relação à síndrome da Zika congênita que apresenta uma

diferente aproximação à temática.

Conclui-se que a ocorrência de infecção por vírus Zika envolve um processo de

gestação mais complexo diante da incerteza da malformação fetal, influenciando ou

acentuando vivências psicoafetivas da relação mãe-bebê, o que implica maiores desafios na

assistência em saúde adequada para essa população.

Dessa maneira, é de suma importância que esse novo cenário de maternidade seja

compartilhado como conhecimento preparatório para o atendimento às gestantes e às

puérperas infectadas pelo vírus Zika, para que venhamos a pensar estratégias e capacitar

profissionais de saúde em suas ações frente à ocorrência da síndrome da Zika congênita,

visando a um atendimento integral, acolhedor e humanizado.

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6 DISCUSSÃO

Os resultados da pesquisa apontam para a existência de uma rede de cuidados que

perpassa mulheres e profissionais de saúde no que tange ao cuidado da SZC. Apesar de três

anos terem se passado desde a epidemia da Zika, muito ainda tem a ser pensado. A ocorrência

da Zika traz consigo o imperativo de cuidado a mulheres infectadas pelo vírus e seus bebês

que nasceram com malformações congênitas, e tal imperativo pressupõe um cuidado que se

dê em longo prazo. Além das consequências tardias da infecção, as demandas são complexas

e são muitas.

Diniz (2016) aponta, em seu estudo, o início da história da SZC no Brasil em seu

surgimento no Nordeste. Vemos nesse cenário uma população pobre e necessitada.

Entretanto, no Espírito Santo, mais especificadamente na cidade de Vitória, encontramos

outro cenário que se desenvolve sob outras circunstâncias. Apesar de os resultados indicarem

uma população vítima da Zika também de baixo extrato socioeconômico, a cidade de Vitória

conta com bons indicadores de saúde, e os resultados da presente pesquisa confirmam tais

indicadores no que tange a Zika. Porém, a maneira pela qual as redes de saúde de cuidado à

Zika têm operado na cidade possui suas especificidades.

Os resultados evidenciam um fluxo de atendimentos que se inicia na Atenção Básica

quando se trata de infecção por vírus Zika. Porém, quando se trata de mulheres gestantes, o

fluxo que se inicia na atenção básica e toma novos encaminhamentos. Mesmo com a

puericultura sendo realizada na atenção primária, com o descobrimento da infecção por Zika,

a gestante é encaminhada para realização de ultrassom, sorologias ou maiores

acompanhamentos em ambulatórios fora do município ou centros especializados. A ausência

de profissionais da rede básica referenciados na técnica de amostragem bola de neve

evidencia a pouca comunicação entre rede básica e rede especializada de atendimentos.

A rede de atenção básica, quando cumpre a sua função com efetividade, reduz as

demandas de exames e atendimentos especializados, de maneira que apenas os procedimentos

mais necessários sejam demandados da atenção de média complexidade. Quando os

encaminhamentos são feitos sem que a rede básica esgote as possibilidades diagnósticas,

revela-se um cenário no qual as ações de saúde e o cuidado ao usuário não estão se fazendo de

maneira solidária e com corresponsabilização (FRANCO; JUNIOR, 2004).

O fluxo da rede básica parece fluir com resposta à continuidade de encaminhamentos,

uma vez que as mães afirmam receber retorno de seus exames e atendimentos. Entretanto,

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relatam a demora para resposta de exames sorológicos e a falta de profissionais adequados

para puericultura e apoio psicológico. Por parte dos profissionais de saúde, os

encaminhamentos não possuem nenhum retorno, e todos os profissionais se vêem realizando

práticas clínicas isoladamente.

Trata-se de uma clínica pautada na prescrição de atos e procedimentos contribui para a

baixa resolutibilidade da rede. Historicamente, a clínica feita por meio da fala e da escuta foi

aos poucos substituída por uma clínica centrada na prescrição, no biológico, impulsionada por

um complexo médico industrial que visa à utilização de instrumentos e medicamentos como

principal forma de exercer saúde. Atualmente, esse cenário se evidencia no excesso de

encaminhamentos e pedidos de exames, funções que não abrangem as diversas dimensões do

usuário (FRANCO; JUNIOR, 2004).

Em meio a esse contexto, nota-se a importância de um processo de trabalho que

reconheça que o usuário é um indivíduo que possui história e subjetividades nas quais se

entrelaçam com a sua demanda de saúde e o seu processo de adoecimento. Quando o modelo

dos processos de trabalho está centrado apenas nas consultas e nos procedimentos,

dificilmente o objetivo de centrar a saúde nas demandas do usuário se realizará, pois, para que

as necessidades de saúde do usuário sejam ouvidas e efetivadas no cuidado integral, o

trabalho em saúde necessita de uma interação de saberes e práticas (FRANCO; JUNIOR,

2004).

No que tange à atenção especializada, encontramos um cenário pautado numa lógica

de encaminhamentos, centrado em consultas e procedimentos. As mães acabam por ser

encaminhadas para ambulatório ou centro especializado que não é próximo da sua moradia.

Diante da ocorrência da Zika, emergiu, nesse cenário, uma iniciativa estadual de dar fluxo a

este seguimento. Deparamo-nos, então, com o projeto estadual do Centro de Referência para

Crianças com Microcefalia, que possui como intuito atender mães de crianças com

malformação congênita, seja por infecção por vírus Zika ou outras doenças exantemáticas. A

proposta da iniciativa é centralizar todos os atendimentos especializados em um único local,

de maneira a minimizar as dificuldades de locomoção para as mães e bebês.

O centro de referência está localizado em Vila Velha, município vizinho de Vitória,

mais especificadamente no ambulatório do Hospital Estadual Infantil e Maternidade Dr.

AlzirBernadino Alves (HEIMABA). Porém, somente se encontram três profissionais

(ultrassonografista, infectologista e neurologista infantil) que já possuíam cargos no hospital e

atendem disponibilizando horários em alguns dias da semana para atendimento específico a

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essa população. A proposta do Centro de Referência atuando multidisciplinarmente e

contando com mais profissionais e atenção especializada integral ainda está a ser executada

segundo gestoras da Secretaria de Saúde do Estado.

Sabendo-se que a integralidade começa na rede básica e vai se compondo nas outras

assistências prestadas, a integralidade efetiva se daria então na maneira na qual a prática dos

profissionais de saúde tem se articulado. As práticas de integralidade se dariam quando há a

junção das tecnologias leves (a tecnologia das relações), leve-duras (definidas pelo

conhecimento teórico) e duras (inscritas em máquinas e documentos) e quando o cuidado tem

seu ponto de partida nas principais necessidades de saúde do usuário (MEHRY, 2004;

FRANCO; JUNIOR, 2004).

Os resultados da amostragem investigativa Bola de Neve, apontam para um cenário de

profissionais de saúde engajados com a temática que se conhecem e compartilham do mesmo

engajamento se referenciando quando há necessidade e procura por seus serviços. Apesar de

haver referenciamentos entre eles, alguns profissionais ainda não se reconhecem enquanto

integrantes de uma rede de cuidados.

A integralidade se inicia na organização dos processos de trabalho na atenção básica,

na qual a assistência deve ser multiprofissional, atuando através de diretrizes como o

acolhimento, responsabilização e continuidade do cuidado, onde toda a equipe se

responsabiliza pelo cuidado (FRANCO; JUNIOR, 2004).

Para Rovere (1999) uma rede de cuidados se constitui através de vínculos. Entretanto,

se efetua apenas quando os integrantes da rede compartilham entre si o mesmo problema de

saúde e atuam em cooperação para sua resolução. Os resultados apontam para profissionais

que atuam engajados com a temática e se reconhecem entre si, mas não atuam compartilhando

os casos ou buscando soluções conjuntamente, e também não há retorno de informações

acerca dos encaminhamentos realizados entre os atores encontrados.

É importante destacar a figura da profissional mais citada da amostragem por grande

maioria dos atores estratégicos: a neurologista infantil, que assume o importante papel da rede

de cuidados à Zika de realizar o acompanhamento do bebê com microcefalia. A neurologista,

que trabalha todos os dias no HEIMABA, parece sustentar todo o projeto do Centro de

Referência, que acaba por se executar fundamentado em seu trabalho. Além dos

referenciamentos encontrados na amostragem por parte dos profissionais, as mães apontam a

neurologista como, a “mãe de todos”, profissional comprometida que além do suporte aos

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bebês, que lida com as inseguranças das mães e conhece mais proximamente a realidade

dessas mulheres.

A ultrassonografista, quando questionada se há alguma rede de atendimento pós

nascimento do bebê com a síndrome, reitera essa conclusão: “Essa rede ainda está sendo

estruturada. Mas o que eu sei que de mais importante desse acompanhamento todo é o

acompanhamento para a neuropediatra. É dali que começa a rede, acho que o fluxo começa

ali com a neurologista infantil do HEIMABA”.

A neurologista, em sua entrevista, aponta a insuficiência de seu trabalho diante das

demandas de saúde que recebe diariamente: mães sem suporte financeiro, pais que precisam

largar o trabalho no interior para garantir o atendimento do filho na capital, mães que parecem

não assumir a microcefalia do filho, pais sem apoio psicológico, demora da gestão de fornecer

outros profissionais para execução conjunta do trabalho proposto, entre outros. Nas

entrevistas, as mães reafirmam o papel da neurologista como profissional que fornece maior

suporte no período pós-parto.

Ressalta-se que a neurologista se sente impotente, e por vezes sobrecarregada, uma

vez que se apoia nela um imperativo de integralidade que deveria se dar em uma equipe de

cuidado multiprofissional. Segundo ela, o governo alega haver poucos recursos

disponibilizados para o trabalho. Importante também pontuar a ausência de cuidado à mulher

vítima da Zika, seja em contexto de gestação ou não, que apesar de ser a pergunta principal da

pesquisa, não surgiu nenhum profissional da área referenciado através da técnica de

amostragem. Encontramos nos referenciamentos da amostragem apenas profissionais voltados

ao cuidado do bebê, e nenhum voltado ao cuidado da mãe/mulher.

Partindo desse mesmo seguimento, foram encontrados em sua maioria profissionais

formados em medicina. Quando questionados sobre conhecer profissionais que atendem

diretamente à saúde da mulher ou profissionais que fornecem suporte psicossocial, não

souberam informar.

Tais resultados continuam a apontar um fluxo de atendimentos ainda pautado na lógica

de encaminhamentos, que se configura como rede apenas no que tange ao reconhecimento dos

pares. Para Rovere (1999) uma rede só se configuraria como tal se os integrantes da mesma

compartilhassem de cinco níveis de vínculo: reconhecimento, conhecimento, colaboração,

cooperação e associação. Os resultados indicam apenas haver reconhecimento e conhecimento

entre os pares. Não podemos concluir que de fato exista uma rede estruturada de cuidados às

mães que enfrentam a SZC segundo a concepção de rede de cuidados explanada pelo autor.

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Em um cenário cuja demanda por apoio psicossocial é explícita, mas exclui práticas

multiprofissionais, encontramos profissionais que se reconhecem entre si, mas não conseguem

trabalhar cooperativamente. É importante citar que a assistência especializada é

historicamente pautada na prática clínica individualizada, na qual sua atuação já pressupõe

uma atuação fragmentada. Tal área acaba por pressupor que a junção de vários especialismos

corresponderiam a uma atenção integral. Entretanto, tal pressuposto não leva em conta as

variáveis do trabalho em equipe, a intersetorialidade, o nível emergencial para acesso, o

acolhimento humanizado, as subjetividades em jogo, as práticas centradas da necessidade do

usuário, o trabalho interdisciplinar, entre outros. Em razão disto, acaba por dificilmente

cumprir com os princípios de integralidade em saúde. No país, a assistência de média e alta

complexidade enfrenta estas dificuldades, que são originárias de sua própria configuração

(MENDES, 2010; BRASIL, 2007).

O pensamento biomédico e flexneriano permeia as práticas clínicas de tal maneira, que

quando se trata de resolução de problemas, sem uma rede existente capaz de fomentar

corresponsabilização dos profissionais e continuidade do cuidado, há a inviabilização da

atenção em saúde. Os resultados da pesquisa apontam que diante da problemática da

locomoção das mães no acesso à atenção especializada, a principal solução sugerida pelos

participantes foi a centralização desses serviços em uma instituição. Diante de um paradigma

já predominante, o pensamento de rede enquanto vínculos não é citado como possibilidade de

solução dessa problemática.

A maneira pela qual os indivíduos pensam molda as formas pelas quais prestam o

cuidado. Rabelo, Alves e Souza (1999), instigados sobre a maneira pela qual se organizam os

itinerários terapêuticos, realizam um apanhado da literatura que aponta como os

fluxos/serviços/sistemas de saúde se organizavam historicamente e evidenciaram que a cada

período, os modelos explicativos se modificavam de acordo com o pensamento predominante

da época.

O itinerário terapêutico se trata da disponibilidade de serviços, conjunto de planos,

estratégias, projetos e de como as pessoas se utilizam deste dispositivo de saúde que busca a

cura de uma aflição. Porém, identificar um itinerário terapêutico não é suficiente para

compreender como as ações de saúde têm ocorrido. É necessário identificar a dinâmica

contextual em que se delineiam os projetos individuais e coletivos de saúde, reconhecendo as

relações de sua dimensão sociocultural e as condutas de ações do itinerário (RABELO;

ALVES; SOUZA, 1999).

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Para que os itinerários tenham modelos explicativos, é necessária interpretação, e

interpretar trata-se de compreender. A compreensão pressupõe que os processos de saúde não

se dão apenas conceitualmente, mas que existem ações humanas significativas que estão

relacionadas intersubjetivamente com o senso comum. Desta forma, buscar compreender um

itinerário terapêutico trata-se de compreender as significações que se referem às experiências

e vivências de usuários de saúde, de maneira que passemos pelas representações que os

indivíduos de determinado grupo social possuem de algo (RABELO; ALVES; SOUZA,

1999).

Diante disso, é importante entender o significado das ações que constituem o itinerário

terapêutico, que se traduzem nos fluxos de atenção à saúde. As ações decisivas se dão no

interior de um complexo processo terapêutico que envolve diretamente a maneira pela qual as

pessoas se relacionam e pensam sobre determinado evento (RABELO; ALVES; SOUZA,

1999).

No cenário da Zika encontramos um fluxo de serviços e atendimentos no qual o

funcionamento é influenciado pela sua estrutura de origem, por sua dinâmica de atuação, por

seus atores estratégicos, por variáveis culturais e sociais e, principalmente, por vias ainda

recentes que ainda estão se constituindo, dada a novidade da ocorrência e consequências da

Zika. Os resultados revelam a maneira pela qual os atores se relacionam, como pensam sobre

uma patologia, compreendem um contexto socioeconômico e as necessidades de saúde de um

indivíduo. Todos esses aspectos somados nos permitiram entender e visualizar um itinerário

terapêutico sob sua dinâmica.

Encontramos, então, um contexto permeado por uma doença na qual os atores

estratégicos pouco sabem sobre seu desenvolvimento clínico e se sentem impotentes e

incapazes de atender as demandas de saúde da população vítima da Zika. A SZC foi um

choque para o Brasil, que reagiu com grande expansão midiática. Durante o ano de 2016, os

veículos de informações inundavam as notícias com as dificuldades vividas pelas mães de

bebês com microcefalia.

Diante desse alarme midiático sobre as severas consequências da infecção por Zika

vírus temos, de um lado, profissionais de saúde paralisados por não possuirem informações

decisivas para as mães frente a uma doença nova, e de outro, mães ansiosas e amedrontadas

frente à possibilidade de malformação fetal do bebê. Nesse cenário, as demandas emocionais

são grandes para ambos os lados, e os resultados apontam para a negligência com a qual tais

necessidades têm sido tratadas.

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Profissionais de saúde vivem um contexto de sofrimento moral por não darem conta de

questões nas quais não se sentem preparados. Porém, em meio a essa conjuntura é de extrema

importância que os profissionais de saúde estejam capacitados para lidar com as demandas de

saúde que as consequências da Zika venham a trazer.

Um exemplo disto é o relato de uma das mães sobre como uma mudança de

comportamento da ultrassonografista ao lhe perguntar se estava bem já lhe despertou a dúvida

de que algo poderia estar se passando com o bebê. Por outro lado, temos a fala a da

ultrassonografista, falando de um caso que poderia ser o mesmo referido, sobre esperar ter

certeza para dar a notícia para a usuária: “A gente tenta perceber o emocional da mãe, da

família, ansiedade e tudo. O cuidado de dar a notícia! Teve um caso que eu demorei, acho

que ela veio ao consultório umas quatro vezes até eu dizer”.

Vemos na fala da profissional a tentativa de minimizar o sofrimento da mãe antes de

ter certeza de qualquer diagnóstico. Da mesma maneira, a situação explicita que o trabalho em

saúde envolve variáveis comportamentais e psicoafetivas que demandam postura humanizada

e preparada para acolher em momentos de diagnósticos como esse.

Na fala de uma das mães fica muito clara a necessidade do profissional estar preparado

frente a demandas psicológicas quando, por exemplo, a pediatra em uma fala do senso

comum, reitera a culpa da mãe frente à sua vivência negativa durante a gestação: “Acho que

tudo acabou passando para a criança, como a pediatra falou, eu ficava nervosa, que hoje,

por isso que ele é assim, agitado, nervoso”.

Mostra-se a importância de que um profissional esteja preparado para lidar com

questões psicoafetivas em sua prática diária. Da mesma maneira, todos os profissionais de

saúde entrevistados concordam que a concepção que se tem de uma doença afeta diretamente

a maneira na qual o cuidado é prestado. Na presente pesquisa, encontramos uma visão

negativa a respeito da microcefalia por parte dos profissionais e de uma mãe.

A neurologista pontua um importante fator no cuidado profissional a respeito dos

perigos de lançar olhar para as malformações congênitas como sentenças de vida definitivas, e

sobre a importância da perspectiva do profissional estar voltado para a promoção das

potencialidades e qualidade de vida desses bebês, em vez de se prender ao diagnóstico dado.

Alguns profissionais entrevistados relatam inclusive as dificuldades de realização de

acompanhamentos em rede quando outros profissionais ainda não acreditam na veracidade da

doença, fator importante de ser mencionado, pois há uma concepção guiada por influencias

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midiáticas a respeito da dúvida da existência da relação causal Zika e microcefalia, que afeta

diretamente a realização de procedimentos em saúde.

É importante assinalar que, apesar do fluxo encontrado evidenciar um trabalho

pautado numa atenção fragmentada, os atores estratégicos encontrados na presente pesquisa

são profissionais engajados com a temática da Zika, que despenderam um esforço

institucional importante para que exista uma rede de serviços. Há, no cenário, profissionais

que estão comprometidos com o cuidado dessa população e enfrentam as dificuldades acima

citadas sobre exercer o cuidado para a população infectada por Zika. Dessa maneira, há uma

rede em processo de construção que está sendo estruturada por vias complexas e que perpassa

ainda muitos desafios. Pensar as estratégias de enfrentamento que esses profissionais de saúde

podem adotar é de suma importância para que a rede continue em processo de efetivação.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que a rede de cuidados proposta por Rovere (1999) não foi encontrada no

cenário de Vitória. Entretanto, há um fluxo de atenção a população vítima da Zika que está

recebendo os cuidados adequados na cidade. Por isso, é importante concluir que há uma rede

de cuidados que está a ser construída. Existem atores estratégicos empenhados na construção

dessa rede que enfrentam vários desafios por atuarem, por vezes, isoladamente pautados na

clínica de atenção de média complexidade.

O fluxo encontrado possui pouca comunicação com a atenção primária, o que

maximiza as dificuldades para que uma atenção integral se efetive. Da mesma maneira, os

serviços atualmente oferecidos acabam por negligenciar áreas como a saúde da mulher, a

saúde mental e a participação de outros profissionais que caracterizam uma atenção

multidisciplinar que garanta a integralidade da assistência. É importante pensar, construir e

elaborar ferramentas que fomentem maior interatividade entre tais áreas e redes de atenção, e

a escuta qualificada sobre as dificuldades dessas inter-relações se caracteriza como o primeiro

passo para a resolução dessa problemática.

Nessa rede em construção existem profissionais que se reconhecem enquanto atores

comprometidos com a temática, e são estes mesmos que permitem que essa rede permaneça a

ser construída, uma vez que passado à emergência da epidemia, o cuidado a longo prazo da

doença não tem recebido mais tanta atenção em níveis midiáticos e governamentais. Nessa

conjuntura, é fundamental que as vivências desses profissionais sejam ouvidas e difundidas

entre os veículos científicos, midiáticos e que políticas públicas sejam elaboradas em prol nas

demandas de saúde de execução desse trabalho vivo.

Encontramos profissionais que se situam em posição de sofrimento moral frente aos

desafios dessa rede. Profissionais que necessitam ser ouvidos e preparados para lidar com os

desafios da Zika. Como supracitado, a formação médica não os preparou para uma doença

nova. Conhecer a realidade desses profissionais e entender como têm pensando as formas de

lidar com tais situações se apresenta de fundamental importância para que estratégias

terapêuticas sejam pensadas e elaboradas.

Da mesma maneira, as mães que vivenciam o diagnóstico ou suspeita da ocorrência da

SZC precisam ser ouvidas e acolhidas. A pesquisa evidenciou como, após a infecção por vírus

Zika, os sentimentos de estresse e ansiedade são maximizados, influenciando diretamente na

vivência da maternidade dessas mães. Além disto, essas mães lidam com o trabalho materno

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integralmente, com as dificuldades financeiras, com a luta contra os estigmas sociais da SZC,

com a estimulação diária ao bebê e as diversas locomoções entre clínicas especializadas

durante a semana. Vários são os aspectos que evidenciam que tais mães necessitam, além dos

cuidados à saúde do bebê, apoio psicossocial e atenção à saúde da mulher.

Diante dos resultados discutidos, reitera-se a necessidade de conhecer mais a realidade

de profissionais e de mulheres que convivem com as consequências da Zika para que

possamos pensar estratégias de enfrentamento às dificuldades no caminho ao acesso à saúde

integral.

Diante da ausência de recursos investidos à atenção em saúde, é de suma importância

elaborar e promover vias para a construção de políticas públicas de apoio à população vítima

da Zika. Apesar de a rede encontrada se fundamentar em práticas especializadas, não

podemos deixar de buscar que a atenção em saúde se efetive sob as diretrizes da integralidade,

da humanização e da responsabilização.

Da mesma maneira, é de suma importância que profissionais de saúde também sejam

ouvidos e preparados para lidar psicossocialmente com diagnósticos de malformações fetais

considerando as especificidades de uma doença como a SZC, visando não apenas a qualidade

no acolhimento de mulheres infectadas, mas também a saúde mental e física dos atores da

saúde.

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WHO. World Health Organization (WHO). Statement on the first meeting of the International

Health Regulations (2005) (IHR 2005): Emergency Committee on Zika virus and observed

increase in neurological disorders and neonatal malformations. 2016a.

_____. Zika situation report: Zika vírus, microcephaly and Guillain-Barré syndrome.

Geneva: WHO, 7 de abril, 2016b.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu , fui convidado (a ) a

participar da pesquisa intitulada “Organização da rede de cuidados frente à malformação fetal

decorrente da infecção por Zika vírus”, sob a responsabilidade de Camila Marchiori Pereira,

mestranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do

Espírito Santo (UFES).

JUSTIFICATIVA

No Brasil, em outubro de 2015, deu-se início a uma epidemia de nascimento de

crianças com microcefalia. Em 2016, 5.640 casos suspeitos de microcefalia e 583

confirmados já foram registrados, dentre os casos, foram confirmados 2 óbitos por Zika Vírus

no estado do Espírito Santo. Devido à recente epidemia, há uma demanda instaurada no que

se trata ao atendimento às mulheres diagnosticadas com malformação fetal e às crianças com

microcefalia. O governo tem lançado protocolos e planos de enfretamento às tais

consequências, porém o número de casos tem crescido, gerando uma demanda maior da rede

de cuidados em saúde em cada região.

Ainda são poucas as pesquisas implicadas em analisar e descrever a realidade e os

desafios vivenciados na saúde acerca da população de mulheres grávidas cujos diagnósticos

indicam malformação fetal. Aponta-se atualmente a necessidade de pesquisas que possam

elucidar as demandas em saúde destas mulheres, e assim, orientar gestores e trabalhadores da

saúde na criação, regulação e implantação de políticas e programas em saúde, específicos às

necessidades dessa população. Neste sentido, o presente projeto visa compreender a

organização da rede de cuidados envoltos às mulheres diagnosticadas com malformação fetal

devido epidemia de Zika Vírus em Vitória no estado do Espírito Santo.

OBJETIVOS

OBJETIVO GERAL

Analisar as redes de cuidado que atravessam mães e profissionais de saúde diante do

diagnóstico de malformação fetal em Vitória-ES.

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OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Descrever o contexto da incidência da microcefalia por infecção do vírus Zika em

Vitória desde seu surgimento à atualidade.

Compreender o processo de organização da rede de cuidados sob a ótica dos

profissionais de saúde.

Compreender o processo de organização da rede de cuidados sob a ótica dos usuários

de saúde.

PROCEDIMENTOS

Sua participação consistirá em conceder uma entrevista com duração de no máximo 90

minutos, gravada em um smartphone. Apenas eu, na condição de pesquisadora principal e a

Orientadora (Professora Dra. Maria Angélica Carvalho Andrade) dessa pesquisa acessarão os

dados referentes à entrevista. Seu nome será protegido através de um pseudônimo na

transcrição do material da entrevista.

DURAÇÃO E LOCAL DA PESQUISA

As realizações de entrevistas terão duração de três meses e o local de pesquisa será no

município de Vitória, em local escolhido pelo participante, seja em sua casa, local de trabalho,

Unidade Básica de Saúde que esteja vinculado ou nas dependências do Centro de Ciências e

Saúde em Maruípe.

RISCOS E DESCONFORTOS

Por se tratar de entrevistas, as mesmas podem gerar incômodo ou desconforto nos

sujeitos sobre um ou mais tópicos no roteiro das entrevistas. A entrevista, preferencialmente,

se dará em uma sala reservada. Esta sala pode ser nas dependências do Programa de Pós-

graduação em Saúde Coletiva ou num local que o sujeito sugerir/preferir. As entrevistas serão

realizadas com sensibilidades, buscando estar atentos aos gestos, falas e expressões faciais

que denotem desconforto ou constrangimento ao participante. Em caso de desconforto maior,

ansiedade e vergonha frente às questões, a entrevista poderá ser interrompida no momento

que o sujeito ou a pesquisadora considerar recomendável. O participante tem pleno direito de

responder apenas às questões que desejar. O sigilo das informações também é um direito do

participante e será garantido mediante assinatura de Termo de Sigilo e Confidencialidade.

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BENEFÍCIOS

Não haverá benefícios imediatos para o mesmo. Em longo prazo, os dados desta

pesquisa poderão contribuir para melhorias no programa de saúde no âmbito do Estado para

acompanhamento das mulheres diagnosticadas com malformação fetal, assim como,

fornecerão subsídios para a criação de cursos preparatórios sobre o presente tema para

profissionais de saúde e usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado do Espírito

Santo, apontando para especificidades visando um atendimento humanizado.

GARANTIA DE RECUSA EM PARTICIPAR DA PESQUISA E/OU RETIRADA DE

CONSENTIMENTO

A participação do(a) Sr.(a) é voluntária, ou seja, o participante não é obrigado(a) a

participar da pesquisa, podendo deixar de participar dela em qualquer momento de sua

execução, sem que haja penalidades ou prejuízos decorrentes de sua recusa. Caso decida

retirar seu consentimento, o(a) Sr.(a) não mais será contatado(a) pela pesquisadora. O

participante não terá nenhum gasto ou ganho financeiro por participar da pesquisa.

GARANTIA DE MANUTEÇÃO DO SIGILO E PRIVACIDADE

A pesquisadora se compromete a resguardar a identidade do participante durante todas

as fases da pesquisa, inclusive após publicação, neste sentido, independentemente de qualquer

fragmento de suas falas nas entrevistas, o nome do participante será preservado através de um

pseudônimo.

FORMA DE ACOMPANHAMENTO E ASSISTÊNCIA

O pesquisador realizará o acompanhamento do participante através de contato

telefônico e o participante poderá contactar o pesquisador sempre que necessário. Em casos

de problemas de saúde no decorrer da coleta de dados, o participante receberá assistência

imediata e integral e sem ônus de qualquer espécie ao participante da pesquisa, em situações

em que este dela necessite.

GARANTIA DE RESSARCIMENTO FINANCEIRO

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Se o Sr (a) preferir que sua entrevista seja realizada fora das dependências do Centro

de Ciências da Saúde, em outro local de sua preferência, o pesquisador arcará com os custos

referentes ao deslocamento.

GARANTIA DE INDENIZAÇÃO

Não será garantida a(o) sr(a) indenização, uma vez que esta pesquisa não oferece

riscos de dano que necessitem indenização.

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ESCLARECIMENTO DE DÚVIDAS

Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, o(a) Sr.(a) pode entrar em contato com a

pesquisadora Camila Marchiori Pereira pelo número de telefone (27) 996347089, ou endereço

Rua Moacir Avidos, 109, apto 909, Praia do Canto, Vitória-ES.

O(A) Sr.(a) também pode contatar o Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de

Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo (CEP/CCS/UFES) através do

telefone (27) 3335-7211, e-mail [email protected] ou através de correio: Comitê de

Ética em Pesquisa com Seres Humanos, Prédio Administrativo do CCS, Av. Marechal

Campos, 1468, Maruípe, CEP 29.040-090, Vitória - ES, Brasil. O CEP/CCS/UFES tem a

função de analisar projetos de pesquisa visando à proteção dos participantes dentro de padrões

éticos nacionais e internacionais. Seu horário de funcionamento é de segunda à sexta-feira,

das 8h às 14h.

Declaro que fui verbalmente informado e esclarecido sobre o presente documento,

estou ciente de todos os termos acima expostos, e que voluntariamente aceito participar

deste estudo. Declaro também, ter recebido uma via deste Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido, de igual teor, assinada pela pesquisadora principal ou seu representante,

rubricada em todas as páginas.

Vitória/ES de de 2017.

_______________________________________

Assinatura dos pesquisadores

_______________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

RG:

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Na qualidade de pesquisador responsável pela pesquisa “ORGANIZAÇÃO DA REDE DE

CUIDADOS FRENTE À ANORMALIDADE CONGÊNITA DECORRENTE DA

INFECÇÃO POR ZIKA VÍRUS”, eu, CAMILA MARCHIORI PEREIRA, declaro ter

cumprido as exigências do(s) item(s) IV.3 e IV.4 (se pertinente), da Resolução CNS 466/12, a

qual estabelece diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres

humanos.

______________________________________________

Assinatura do pesquisador

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INFORMAÇÃO AO ENTREVISTADO SOBRE O TERMO DE CONSENTIMENTO

Convido o(a) Sr(a) à participar de uma pesquisa coordenada por uma profissional de

saúde, que na presente pesquisa, enquadra-se enquanto pesquisadora.

Para participar, é necessário que você leia este documento com atenção. Em caso de

qualquer dúvida, solicite à pesquisadora os esclarecimentos necessários.

O propósito deste documento é revelar as informações sobre a presente pesquisa e, se

assinado, dará a sua permissão para que participe do estudo.

Sua participação na pesquisa é voluntária, ou seja, você só deve participar do estudo se

desejar. Você pode se recusar a participar ou se retirar deste estudo a qualquer momento.

O pesquisador coletará informações que serão mantidas de forma confidencial, a sua

identidade não será revelada em nenhuma circunstância. Os dados coletados poderão ser,

futuramente, utilizados em publicações científicas sobre o assunto.

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APÊNDICE B

A) ROTEIRO DA ENTREVISTA PARA GESTANTES E PUÉRPERAS

DIAGNOSTICADAS COM MICROCEFALIA FETAL DECORRENTE DE

INFECÇÃO POR VÍRUS ZIKA USUÁRIAS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

PARTE 1:

Breve caracterização do sujeito

a. Nome:

b. Cor auto referida:

c. Religião:

d. Naturalidade:

e. Trabalho:

f. Estado Civil:

g. Escolaridade:

h. Saneamento básico:

Há serviço de esgotamento em seu bairro? ( )Sim ( )Não

Possui água tratada e encanada? ( )Sim ( )Não

Há serviço de coleta de lixo em seu bairro? ( )Sim ( )Não

i. Endereço:

j. Renda familiar:

k. Número de residentes na moradia:

l. Usuária de qual Unidade Básica de Saúde:

m. Tem outros filhos? ( )Sim ( )Não

n. Quantos filhos?

o. Possui algum filho com deficiência? Quantos?

p. Abortos:

q. Está grávida? Quantas semanas:

r. O bebê já nasceu?

s. Qual o nome do seu filho(a):

t. Quando o bebê nasceu?

u. Atualmente, ele se encontra com quantos meses de idade?

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PARTE 2:

Roteiro da entrevista semi-estruturada:

1) GRAVIDEZ E PRÉ-NATAL

Como se sentiu quando se descobriu grávida?

Havia desejo de engravidar?

Você planejou a gravidez?

Você fez pré-natal?

Em que mês iniciou o pré-natal?

Quantas consultas de pré-natal você fez?

Onde e com quem você fez seu pré-natal?

O que achou do seu pré-natal?

2) SINTOMAS DA ZIKA

Você teve febre, mancha na pele, coceira no corpo, dor muscular ou na articulação,

conjuntivite ou dor de cabeça durante a gestação?

Em que mês da gestação?

Você teve alguma infecção durante a gestação?

Qual(is) infecções você teve?

3) REDE DE ENCAMINHAMENTO ZIKA

Alguém suspeitou que você pudesse ter infecção pelo Zika vírus? Quem?

Foi solicitado algum exame de laboratório?

Você foi encaminhada para algum serviço?

Como foi para você ser atendida pelos profissionais desses serviços?

Quais sintomas você percebeu quando foi infectada pelo vírus Zika:

Você sentiu febre? Dor de cabeça? Dores pelo corpo? Fadiga? Calafrios? Perda de

apetite? Suor? Manchas na pele? Dor no fundo do olho? Olho vermelho? Vômito?

Dores nas articulações? Fale um pouco sobre como você se sentiu.

Você procurou algum atendimento de saúde quando percebeu os sintomas da Zika? Se

sim, qual atendimento de saúde procurou?

4) ULTRASSOM

Você fez Ultrassom na gravidez?

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Quantos exames de Ultrassom foram feitos durante a gravidez?

Em que meses de gestação?

Deu alguma alteração no Ultrassom?

Deu alguma alteração no desenvolvimento do cérebro (da cabeça) do bebê?

Em que mês de gestação?

Quais alterações foram observadas no Ultrassom?

Como foi dada esta notícia?

Como você se sentiu?

Após o ultrassom, o que falaram para você?

Para onde você foi?

Alguém suspeitou que as alterações pudessem ter relação com a infecção pelo Zika

vírus? Quem?

Foi solicitado algum outro exame (exame de laboratório, por exemplo)?

Você realizou estes exames?

Como foi para você conseguir fazer esse exame?

5) REDE DE ENCAMINHAMENTO

Você foi encaminhada para algum serviço?

Você foi encaminhada para continuar o pré-natal em algum outro serviço específico?

Qual?

Você foi encaminhada para ter o parto em alguma maternidade específica?

Em que maternidade você teve seu bebê?

Como foi para você conseguir chegar nesses serviços?

Como você avalia estes serviços?

Como te trataram?

6) NASCIMENTO

Descreva o seu trabalho de parto, parto e nascimento do bebê?

Como vc sentiu?

O bebê nasceu com alguma alteração no corpo?

O bebê nasceu com alguma alteração da cabeça?

Quais alterações foram observadas no bebê ao nascer?

Como você se sentiu quando percebeu as alterações?

Alguém suspeitou que as alterações pudessem ter relação com a infecção pelo Zika

vírus? Quem?

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Foi solicitado algum exame para o bebê (de laboratório, ultrassom ou tomografia da

cabeça)?

Como a equipe te tratou? Como você se sentiu?

7) REDE DE ENCAMINHAMENTO

Você foi encaminhada para algum serviço?

Como foi para você conseguir chegar nesses serviços?

Como foi para você ser atendida pelos profissionais desses diferentes serviços? Como

você se sentiu em cada serviço?

Quais as principais dificuldades que você tem encontrado nesse processo?

O que acredita que pode ser feito para melhorar esta situação?

8) DIAGNÓSTICO

Os médicos diagnosticaram você? E seu bebê?

Se sim, qual foi o diagnóstico?

Conte-me sobre como lhe deram esta notícia e como se sentiu.

O que aconteceu após a notícia do diagnóstico? O que você fez?

Para onde te encaminharam?

O que pensa sobre o diagnóstico?

Porque pensa assim?

9) ACOMPANHAMENTO ATUAL

Atualmente, você e seu bebê tem realizado acompanhamento com profissionais de

saúde?

Se sim, com quais profissionais?

Fale um pouco sobre como tem sido.

O que pensa sobre o acompanhamento realizado com cada profissional de saúde?

Existe algum serviço/profissional que acredita estar faltando?

Você tem encontrado dificuldades em realizar o acompanhamento de saúde?

Se sim, quais?

O que acredita que pode ser feito para melhorar esta situação?

10) VIVÊNCIA

Diga-me o que vem à mente quando pensa no termo “bebê com microcefalia”?

Fale um pouco sobre como tem sido sua vida após a descoberta de alteração nos

exames do bebê.

O que ou quem tem te ajudado a enfrentar esta experiência?

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Quais os tipos de ajuda você precisa mais?

Se pudesse escolher três sentimentos para descrever como tem se sentido após o

diagnóstico, quais seriam?

B) ROTEIRO DA ENTREVISTA PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE DO

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE QUE REALIZAM

ATENDIMENTO/ACOMPANHAMENTO DE GESTANTES E PUÉRPERAS

DIAGNOSTICADAS COM MICROCEFALIA FETAL DECORRENTE DE

INFECÇÃO POR VÍRUS ZIKA.

PARTE 1:

Breve caracterização do sujeito

Nome:

Cor auto referida:

Sexo:

Religião:

Naturalidade:

Estado Civil:

Endereço:

Profissão:

Especialidades:

Local de trabalho:

PARTE 2:

Roteiro da entrevista semi-estruturada:

1) TRABALHO

O que você faz no seu trabalho?

Qual a sua função?

Que serviço de saúde você oferece?

Como é seu dia a dia no trabalho?

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Você atende mulheres gestantes e/ou puérperas? Com que frequência?

Você atende mulheres com doenças infecciosas? Com que frequência?

Você atende mulheres infectadas pelo Zika Vírus? Com que frequência?

Você possui experiência no atendimento às mulheres citadas acima?

Fale um pouco sobre como é este trabalho diário.

Como você tem se sentido?

2) ZIKA

Como as mulheres gestantes infectadas com Zika chegam até a você?

Que atendimento você oferece?

Como ocorre este atendimento?

Você faz alguma orientação?

Que orientação você dá?

Você já suspeitou de alguma paciente estar com Zika?

Você identifica os sintomas da Zika na paciente?

Como se dá este processo de verificação dos sintomas? Fale um pouco.

Como você transmite a notícia do diagnóstico de Zika à gestante? Fale um pouco.

Como você se sente ao transmitir esta notícia?

Após esta verificação, você a encaminha para outro serviço de saúde, instituição ou

profissional?

Se sim, qual?

Você recebe alguma confirmação sobre a continuação do acompanhamento da

paciente? Você retorna a vê-la?

Você recebe algum retorno dos profissionais ou instituição na qual encaminhou a

respeito da paciente? Que tipo de retorno?

3) PRÉ-NATAL

Você acompanha o pré-natal de gestantes infectadas com Zika?

Com que frequência costuma acompanhar?

Participa do ultrassom?

Participou de algum exame cujo resultado notificou infecção por Zika Vírus ou

participou de ultrassom cuja alteração se deu no desenvolvimento do cérebro (da

cabeça) do bebê?

Como você deu esta notícia?

O que sentiu ao dar esta notícia?

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Você a orientou? O que disse?

Qual foi seu próximo passo?

Você suspeitou que as alterações pudessem ter relação com a infecção pelo Zika

vírus?

Se sim, o que você fez em seguida? O que falou a paciente? A encaminhou? Para

quem ou onde?

Se não, outro profissional suspeitou? Quem?

Você foi notificado da suspeita? Como?

Você solicitou algum outro exame (exame de laboratório, por exemplo) ou

encaminhou para que outro profissional realizasse os exames?

Você mesmo realizou estes exames?

4) PARTO E NASCIMENTO

Você acompanhou o trabalho de parto de algum bebê com microcefalia ou alterações

no SNC?

Se sim, como foi participar do parto? Quais foram suas impressões?

Como se sentiu?

Você acompanhou algum parto em que a mãe tenha descoberto as alterações no

cérebro do bebê no momento do nascimento?

Se sim, conte como foi este momento e como se sentiu.

Após o nascimento, quais foram suas recomendações?

Como a orientou?

Realizou encaminhamento para outros profissionais? Quais?

Você é um dos profissionais que acompanham o bebê e a mãe após o parto?

Se sim, qual sua função?

Você realiza intervenção precoce com o bebê? Se não, outro profissional o faz?

Fale um pouco sobre o que sabe a respeito da rede de atendimento pós nascimento ao

bebê com microcefalia devido infecção por Zika Vírus.

5) DIAGNÓSTICO

Você participa do processo de diagnóstico de mulheres gestantes ou puérperas

infectadas pela Zika?

Qual sua função neste processo?

Como você se sente nesta função?

Você já deu a notícia do diagnóstico de microcefalia fetal alguma vez?

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Se sim, o que você disse à gestante?

Você a orientou? O que orientou e o como o fez?

Como se sentiu em dar a notícia e orientações?

O que acontece depois?

6) REDE DE ACOMPANHAMENTO

Você continua acompanhando estas mulheres ou os bebês?

Se sim, como se dá este acompanhamento?

Encaminha-os para outros profissionais ou instituições?

Que orientação você dá?

Você se comunica com outros profissionais ou instituições?

Você recebe feedback de outros profissionais ou instituições a respeito dos pacientes?

Você faz parte ou conhece alguma rede/projeto de saúde voltada ao acompanhamento

destas mulheres e bebês?

Fale um pouco sobre como funciona.

Você tem encontrado dificuldades em realizar o acompanhamento de saúde destas

mulheres/bebês?

Se sim, quais?

O que acredita que pode ser feito para melhorar esta situação?

7) VIVÊNCIA

O que você pensa que pode estar contribuindo para dificultar um atendimento integral

de saúde à estas mulheres?

O que você pensa que pode estar contribuindo para promover um atendimento integral

de saúde à estas mulheres?

Como se sente em atender uma gestante infectada pela Zika?

Por quê se sente assim?

Como se sente em atender uma puérpera cujo bebê possui microcefalia?

Porque se sente assim?

Quais são os tipos de ajuda que acredita que estas mães mais precisam?

Diga-me o que vem à mente quando pensa no termo “bebê com microcefalia”?

Acredita que o que um profissional de saúde pensa sobre uma doença pode influenciar

sua atuação profissional?

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APÊNDICE C

TERMO DE SIGILO E CONFIDENCIALIDADE

TÍTULO DO PROJETO: Organização da rede de cuidados frente à anormalidade congênita

decorrente da infecção por Zika vírus.

PESQUISADOR RESPONSÁVEL: Camila Marchiori Pereira

ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria Angélica Carvalho Andrade

INSTITUIÇÃO/ DEPARTAMENTO: Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva -

Universidade Federal do Espírito Santo.

TEFEFONE DE CONTATO: (27) 996347089

LOCAL DA COLETA DE DADOS: Vitória.

O pesquisador do presente projeto e seu orientador se comprometem a preservar a privacidade

dos sujeitos entrevistados. Concordam que estas informações serão utilizadas única e

exclusivamente para execução do presente projeto. As informações somente poderão ser

divulgadas de forma anônima e serão mantidas no Programa de Pós-Graduação em Saúde

Coletiva por um período de cinco anos sob responsabilidade do Professor Dr. Adauto

Emmerich Oliveira. Após este período, os dados serão destruídos.

Data: / /

Camila Marchiori Pereira

Maria Angélica Carvalho Andrade

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ANEXOS

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ANEXO A

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ANEXO B

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