UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - … Carolino dos S… · desde o seu surgimento...

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Rio de Janeiro 2017 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS ESCOLA DE BIBLIOTECONOMIA Francisco Carolino dos Santos Junior O guia de estratégia de videogames: a influência das tecnologias de informação e comunicação no formato do livro e na relação deste com seus leitores

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Rio de Janeiro 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

ESCOLA DE BIBLIOTECONOMIA

Francisco Carolino dos Santos Junior

O guia de estratégia de videogames: a influência das tecnologias de informação e

comunicação no formato do livro e na relação deste com seus leitores

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Rio de Janeiro 2017

Francisco Carolino dos Santos Junior

O guia de estratégia de videogames: a influência das tecnologias de informação e

comunicação no formato do livro e na relação deste com seus leitores

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Escola de Biblioteconomia da Universidade

Federal do Estado do Rio de Janeiro como

requisito parcial à obtenção do título de Bacharel

em Biblioteconomia.

Orientação: Prof.ª Ms. Stefanie Cavalcanti Freire

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Catalogação Informatizada pelo(a) autor(a)

FICHA CATALOGRÁFICA

S237g Santos Junior, Francisco Carolino dos

O guia de estratégia de videogames : a influência

das tecnologias de informação e comunicação no

formato do livro e na relação deste com seus leitores

/ Francisco Carolino dos Santos Junior. – Rio de

Janeiro, 2017.

62 f. : il.

Orientadora: Stefanie Cavalcanti Freire

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) –

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro,

Graduação em Biblioteconomia, 2017.

1. Bibliologia. 2. Guias. 3. Manuais. 4.

Videogames. 5. Comunidade virtual. I. Freire,

Stefanie Cavalcanti. II. Título.

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FRANCISCO CAROLINO DOS SANTOS JUNIOR

O guia de estratégia de videogames: a influência das tecnologias de informação e

comunicação no formato do livro e na relação deste com seus leitores

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Biblioteconomia da

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) como requisito parcial à

obtenção do grau de Bacharel em Biblioteconomia.

Examinado em _____ de _______________ de ______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________

Orientador

Stefanie Cavalcanti Freire

UNIRIO

________________________________________________

Membro Avaliador

Fabiano Cataldo de Azevedo

UNIRIO

________________________________________________

Membro Avaliador

Carlos Alberto Ferreira Café

UNIRIO

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À Pepe.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, um agradecimento à família, amigos e professores, por me fazer a

pessoa que sou hoje, tantas pessoas que prefiro não citar nenhum nome, para não correr risco

de esquecer algum.

À Frederico e Nikita, por deixar os dias menos estressantes.

À minha colega e namorada Camila Lima, por me ensinar a usar o Word e por sempre

tentar me motivar, elogiando minha pesquisa, apesar de nunca ter conseguido me convencer

de que esta estava suficientemente boa.

À Sega, por me fazer enxergar que os videogames podem ser arte e não um mero

entretenimento.

À Valve, por me fazer redescobrir a paixão que sempre tive pelos videogames.

Aos professores da UNIRIO que, apesar de todas as dificuldades, nunca desistem dos

seus alunos.

Aos colegas e amigos que fiz na UNIRIO, tanto os da turma como os da Biblioteca

Central. Em especial à Jadson Rodrigues, por ter sido uma ótima companhia nos estudos.

À Escola de Biblioteconomia, que com seu viés humanístico mostra que ainda é

possível formar grandes profissionais que não seja no modelo idealizado pelo mercado.

Um agradecimento especial à professora Stefanie Freire, por acreditar no meu tema, e

aos professores Fabiano Cataldo e Carlos Alberto Ferreira Café, por se disponibilizarem a

fazer parte da banca.

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“Todo começo é difícil, e isso vale para toda

ciência.”

(Karl Marx)

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é obter um melhor entendimento sobre o porquê um determinado

tipo de livro possuir, em seus elementos materiais, algo que prejudique sua função básica. O

objeto de pesquisa é o guia de estratégia de videogames e de que maneira ele é afetado pelas

tecnologias de informação e comunicação. Tecnologias estas que aumentaram o escopo dos

jogos de videogame, fazendo com que novos gêneros de jogos e novas formas de jogar

surgissem, tornando os jogos mais complexos e longos, e difíceis de se compreender e

terminar. Com isso, surgiu a necessidade de livros que ensinassem como jogar o jogo e

compreendê-lo mais profundamente. O trabalho se deu por meio de pesquisa bibliográfica

acerca dos videogames, seus conceitos, histórico e gêneros, comunidades virtuais, hipertexto e

tipos de livros, com seus elementos intelectuais e materiais. A análise de todos estes temas

relacionados ao guia de estratégia permitiu que chegássemos à conclusão de que este é um

tipo de livro que proporciona, graças à sua materialidade, juntamente às tecnologias de

informação e comunicação, outros tipos de relações com os seus leitores que não somente o

consumo, o colecionismo ou mesmo sua função prática, mas também uma forma de se

relacionar, se reconhecer e fazer parte de uma comunidade de pessoas com os mesmos gostos

e conhecimentos específicos.

Palavras-chave: Bibliologia. Guias. Manuais. Videogames. Comunidade virtual.

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ABSTRACT

The purpose of this work is to obtain a better understanding of why a certain type of book has

material elements in it that undermines its basic function. The research object is the

videogame strategy guide and how it is affected by information and communication

technologies. These technologies have increased the scope of videogame, making new genres

of games and new ways of playing appear, making games more complex and long, and

difficult to understand and complete. This led to the need for books that taught how to play

the game and to understand it more deeply. The work was done through bibliographical

research about videogames, their concepts, history and genres, virtual communities, hypertext

and types of books, with their intellectual and material elements. The analysis of all these

themes related to the strategy guide has allowed us to conclude that this is a type of book that,

thanks to its materiality, provides information and communication technologies, other types

of relations with its readers that do not only consumption, collecting or even its practical

function, but also a way of relating, recognizing and being part of a community of people with

the same specific tastes and knowledge.

Keywords: Bibliology. Guides. Manuals. Videogames. Virtual community.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Spacewar! (1962), Computer Space (1971) e Pong (1972) .............................. 21

Figura 2 – Exemplos de gabinetes upright, cockpit e cocktail table em flyers de jogos ... 22

Figura 3 – Console Sega Saturn, computador pessoal e console portátil Nintendo DS..... 24

Figura 4 – Exemplos de manuais de jogos dos anos 1980, 1990 e 2000 ........................... 31

Figura 5 – Exemplos de horror vacui em guias de estratégia ............................................ 37

Figura 6 – Elementos intelectuais do guia de estratégia do jogo Killzone (2004) ............. 38

Figura 7 – Elementos intelectuais do guia de estratégia do jogo Final Fantasy IX (2001) 39

Figura 8 – Página wiki dedicada ao jogo Dark Souls (2011) ............................................. 45

Figura 9 – Elementos materiais da capa do guia de estratégia do jogo The Legend of

Zelda: Breath of the Wild (2017) ...................................................................... 50

Figura 10 – Elementos materiais do miolo do guia de estratégia do jogo The Legend of

Zelda: Breath of the Wild (2017) ...................................................................... 50

Figura 11 – Artes conceituais no guia de estratégia do jogo Fable III (2010) ..................... 52

Figura 12 – Unboxing de guia de estratégia do site Strategy Guide Reviews ..................... 54

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11

1.1 Problema de pesquisa e justificativa .................................................................... 12

1.2 Objetivos ................................................................................................................. 13

1.3 Procedimentos metodológicos ............................................................................... 14

2 VIDEOGAMES ...................................................................................................... 16

2.1 Jogos: alguns conceitos .......................................................................................... 17

2.2 Histórico .................................................................................................................. 21

2.3 O RPG de videogame ............................................................................................. 25

2.4 A comunidade de jogadores .................................................................................. 26

3 O GUIA DE ESTRATÉGIA DE VIDEOGAMES .............................................. 29

3.1 Manuais de videogames ......................................................................................... 29

3.2 Walkthroughs, wikis e playthroughs .................................................................... 32

3.3 O guia de estratégia descrito ................................................................................. 35

3.4 O hipertexto ............................................................................................................ 42

3.5 As edições limitadas ou edições de colecionador ................................................. 46

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 56

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 60

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1 INTRODUÇÃO

Com a constante e rápida evolução da tecnologia, os videogames ficaram, com o

tempo, cada vez mais longos e complexos, fazendo com que um público “não iniciado”

tivesse dificuldade de terminá-los, ou mesmo entendê-los. Com isso, surgiu-se a necessidade

de livros tutoriais que ensinassem como jogar o jogo e compreendê-lo mais profundamente.

Sendo, nos primórdios, simples manuais de instruções que acompanhavam os jogos,

com o tempo, e com o aumento da complexidade dos jogos, e o advento das revistas

especializadas, e logo após a internet, estes “livros tutoriais” ganharam características

próprias, e com um valor de coleção.

O tema foi escolhido pela familiaridade do autor com videogames e seus guias desde a

época em que estes eram publicados em revistas especializadas nos anos 1990. O fato de ser

atualmente um artigo de luxo, feito para fãs e com características múltiplas, um manual de

instruções e uma obra de referência sobre o jogo, o torna um objeto rico para pesquisa.

A existência dos guias de estratégias justifica-se pela popularidade do jogo somada à

sua complexidade, não importando seu gênero ou temática, ainda que certos gêneros de jogos

necessitem de um guia mais completo.

Geralmente os guias são ricamente ilustrados, com mapas, imagens do jogo,

personagens, tabelas e janelas de itens consumíveis, equipamentos, status de personagens,

bem como sua evolução, árvores de escolhas e consequências ao longo de seu progresso e a

maneira de melhor progredir no jogo, assim como superar determinados desafios.

Um guia de estratégia de videogame é para ser utilizado enquanto se joga o jogo ou

para ser consultado quando não se consegue superar um determinado desafio. Mas atualmente

os guias possuem encadernações grandes e luxuosas, que não são práticas no momento de

manuseá-los, o que contraria a intenção original de consulta.

Considerados atualmente como Décima Arte, sendo a Fotografia e as Histórias em

Quadrinhos a oitava e a nona, respectivamente1, o videogame, assim como o Cinema, integra

os elementos principais das outras artes, elementos estes que são amplificados pelo poder da

interatividade. No tipo de arte que é o videogame, os jogadores necessariamente têm que

participar, em certo grau alterar, e, em algumas oportunidades, criar e se tornar parte da

própria arte.

1 Essa numeração das artes é apenas um hábito de estabelecer números para designar determinadas

manifestações artísticas, inspirado pelo Manifesto das Sete Artes, de 1912, no qual seu autor, Ricciotto

Canudo, propõe que o cinema seja considerado como a sétima arte.

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Devido o surgimento dos videogames ser algo muito recente (meados dos anos 1950,

tendo seu formato atual se formado nos anos 1970), o recorte cronológico na pesquisa se faz

desde o seu surgimento até os dias de hoje. Os estudos sobre o jogar videogame são ainda

mais recentes, do final dos anos 1990.

Pela própria característica de arte de massa, surgida num contexto de mundialização da

economia e de revolução das tecnologias de informação e comunicação, os videogames não

ficaram muito tempo como fenômeno local em seu país de origem (EUA), logo surgindo

cerca de 10 anos depois o Japão, como um dos grandes em relação ao mundo dos videogames.

Mas mesmo durante a hegemonia americana durante os anos 1970, os videogames já tinha se

tornado um sucesso em todo o mundo.

As diferenças entre jogos ocidentais e asiáticos são, na maioria das vezes, apenas

estéticos e na filosofia de criação, e não afetam o nosso objeto de pesquisa, o guia de

estratégia.

A literatura sobre jogos não é muito vasta, principalmente sobre videogames. A

maioria das pesquisas sobre videogames dizem respeito à sua utilização em metodologias para

educação de crianças e jovens. A literatura sobre as produções bibliográficas de videogames é

quase ausente. Por outro lado, pesquisas tratando sobre a estética dos jogos, pesquisas com

viés sociológico e antropológico, e pesquisas abordando a produção e a indústria, estão cada

vez mais frequentes.

Tudo que será dito aqui sobre jogos não é consenso, pois boa parte da terminologia

dos jogos foi criada por jornalistas ou pela comunidade de jogadores, e sendo assim, não é

algo que possa talvez possuir validade final. Acrescenta-se a isso o fato de que até hoje a

comunidade acadêmica não leva a sério o estudo dos jogos.

O próprio termo “videogame” não é consenso. Na língua inglesa, temos videogame e

video game, e na língua portuguesa, jogos eletrônicos e jogos digitais. O termo jogos digitais

também se refere a jogos vendidos em formato digital, ou seja, vendido sem a mídia física.

Neste trabalho será adotado o termo videogames para os jogos eletrônicos em si, não

importando a plataforma para o qual o jogo foi lançado (fliperamas, computadores pessoais,

celulares, etc.) ou o seu formato (mídia física ou digital).

1.1 Problema de pesquisa e justificativa

O objeto de estudo, o guia de estratégia, foi escolhido como tema pela forma que ele

evoluiu. Sendo usado em sua maior parte como consulta ou “um passo a passo” do jogo, os

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guias de estratégia com o tempo foram ganhando outras funções além da sua função primária

de consulta e instrução.

As chamadas edições limitadas dos guias de estratégia, ou edições de colecionador, foi

o motivo principal desta pesquisa. Se um guia de estratégia, cuja função principal é ser um

livro de consulta, guiando o jogador para que este possa finalizar o jogo, então por que

atualmente os guias são livros grandes de capa dura com encadernação luxuosa? Por que são

criadas edições de luxo deste tipo de livro? Qual o caminho que foi realizado para se chegar a

esse formato luxuoso próprio de uma edição limitada?

Com isso, deve-se avaliar de que forma os leitores se relacionam com estes livros, se

os utilizam apenas por sua função primária de consulta ou se existe outro tipo de relação ou

intencionalidade, como fruição estética ou ato de colecionismo.

Este trabalho se mostra necessário aos bibliotecários que trabalham em bibliotecas

cujo acervo seja ligado à comunicação ou artes visuais, e para que se entenda o que é

exatamente um guia de estratégia, para que não se confunda com outros tipos de documentos

e para que saibam a quem se destina esse tipo de livro.

Por fim, este trabalho pretende contribuir na intenção de mostrar como os jogos podem

ser um tipo de arte, como qualquer outra arte clássica, e um tema relevante de pesquisa, e

como um documento pode ser afetado e transformado com a evolução de uma arte ou ciência,

devido à evolução da tecnologia, mais precisamente a evolução das tecnologias de informação

e comunicação, e que o mesmo ocorreu com os guias de estratégia de videogames.

1.2 Objetivos

Este trabalho tem por objetivo geral analisar de que maneira os guias de estratégia de

videogames evoluíram até se transformarem no seu atual formato (até se tornarem edições

com encadernações luxuosas, de formato grande e capa dura).

E com os seguintes objetivos específicos:

a) Traçar um histórico dos videogames, para mostrar como sua evolução fez nascer a

necessidade dos guias de estratégia;

b) Mostrar como as tecnologias de informação e comunicação influem na relação da

comunidade dos jogadores com os jogos e, consequentemente, com os guias.

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1.3 Procedimentos metodológicos

A metodologia empregada neste trabalho foi a pesquisa exploratória e descritiva. É

uma pesquisa exploratória porque a arte dos videogames é uma área na qual há pouco

conhecimento acumulado e sistematizado. A pesquisa exploratória tem como objetivo

proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a

constituir hipóteses (GIL, 2009). Assim como boa parte dos estudos exploratórios, este foi

desenvolvido através de pesquisa bibliográfica.

A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado,

constituído principalmente de livros e artigos científicos. Embora em quase

todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há

pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas.

(GIL, 2009, p. 44).

Trata-se também de uma pesquisa descritiva, porque visa descrever as características

dos guias de estratégia de videogames e seus leitores, que é a comunidade de jogadores.

“Há (...) pesquisas que, embora definidas como descritivas a partir de seus objetivos,

acabam servindo mais para proporcionar uma nova visão do problema, o que as aproxima das

pesquisas exploratórias.” (GIL, 2009, p. 42)

Para a fundamentação teórico-metodológica deste trabalho foi realizada uma

investigação sobre os seguintes assuntos: conceitos sobre jogos em geral, o histórico dos

videogames, RPG de videogames, comunidades virtuais, hipertexto, tipos de livros e seus

elementos intelectuais e materiais

Foram consultadas fontes bibliográficas, tais como livros, artigos de periódicos

científicos, monografias, dissertações, teses, anais de eventos, dicionários, enciclopédias e

documentos eletrônicos. Também foram consultadas fontes documentais como portais de

notícias, comunidades virtuais e relatórios estatísticos. O assunto do trabalho foi consultado

em periódicos eletrônicos de biblioteconomia e ciência da informação, e artigos de páginas de

pesquisa acadêmica sobre jogos, publicações oficiais e dissertações e teses de cursos de

comunicação e artes. Na maior parte das vezes procurou-se utilizar-se de autores clássicos

para fundamentar os temas abordados no trabalho.

Este trabalho se fundamenta em dois capítulos grandes e densos, um sobre os

videogames, e outro sobre os seus guias de estratégia, segundo e terceiro capítulos

respectivamente. A seguir, faremos uma breve explanação sobre eles.

No segundo capítulo é abordado conceitos sobre os jogos em si, além de um breve

histórico. Será definido o que é um RPG de videogame e o porquê dele ser o gênero ideal para

ser exemplificado em diversos aspectos no decorrer do trabalho. Uma caracterização das

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comunidades virtuais de jogadores de videogames é realizada para um melhor entendimento

para quando for abordada a maneira como esses jogadores se relacionam com os guias.

No terceiro capítulo vemos as definições do que são manuais, walkthroughs, wikis e

playthroughs, para mostrar o que possuem de elementos semelhantes e diferentes, e para

assim mostrarmos o que um guia de estratégia possui de único e diferente, podendo assim ser

possível fazermos uma definição do que é um guia de estratégia de videogames, com suas

características e funções.

Ainda no terceiro capítulo, é mostrado as funções e as vantagens do hipertexto para

um guia de estratégia, principalmente online. Por fim, tratamos das diferenças entre uma

edição “padrão” e as edições especiais do guia de estratégia, e de que maneira os seus leitores

se relacionam com este tipo especial de livro.

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2 VIDEOGAMES

De acordo com Brennand e Brennand (2010) a partir dos anos 1970 uma nova tessitura

social mundial se delineia com base em quatro grandes eventos:

a) Primeiro evento: mundialização da economia, em cujo bojo trouxe novos fluxos

de bens, serviços e informações;

b) Segundo evento: concerne às migrações de pessoas ligadas a causas políticas,

econômicas e religiosas e que viabilizam trocas de informações intensas e rápidas,

dando origem a grandes redes transculturais, numa dinâmica de conjunto que

integra a noção de passado, presente e futuro;

c) Terceiro evento: revolução das tecnologias da informação e comunicação, que

trouxeram importantes avanços na difusão maciça de tecnologias em aplicações de

uso comercial e civil;

d) Quarto evento: convergência tecnológica, que, através das telecomunicações,

permitiu um sistema integrado de formas de geração e processamento da

informação com tecnologias de transmissão diversificadas e integradas.

A convergência tecnológica, a partir da década de 90, alavanca o avanço das

redes de telecomunicações. A popularização, cada vez maior, do acesso à

Internet vem permitir que esse conceito seja difundido fora das corporações

e da lógica organizacional para invadir a sociedade através do uso dos

computadores, da telefonia móvel, da televisão na internet, do jornalismo

eletrônico, dos serviços on-line, do e-governement, da educação à distância

e, mais recentemente, da televisão digital interativa. (BRENNAND;

BRENNAND, 2010, p. 318).

Os videogames como conhecemos foram criados no início dos anos 1970 e ganharam

suas atuais características moldados pela revolução das tecnologias de informação e

comunicação, principalmente pela televisão, telefone e internet.

A convergência tecnológica permitiu a integração de vários dispositivos eletrônicos ao

redor de um único jogo, além de propiciar o fortalecimento de suas comunidades virtuais,

comunidades essas que se organizam ao redor de um gosto em comum, que é o videogame e

tudo que tenha a ver com ele.

Toda esta evolução tecnológica permitiu o uso do hipertexto em mídias digitais e o

nascimento da hipermídia, que é o hipertexto com diversas mídias num mesmo documento.

Como veremos no decorrer deste trabalho, o hipertexto é um elemento importante nos guias

de estratégia (tanto impresso como online), influenciando não somente a estrutura do texto,

mas também a diagramação.

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As novas tecnologias propiciam também o surgimento de novos tipos de relações dos

leitores com os livros, que, no nosso caso específico, são as edições especiais dos guias de

estratégia, geralmente chamadas de edições limitadas ou edições de colecionador.

2.1 Jogos: alguns conceitos

O historiador holandês Johan Huizinga na sua análise do jogo em Homo Ludens

(2012) demonstra a importância do papel do mesmo no desenvolvimento da civilização. Ao

mesmo tempo em que analisa numerosas características fundamentais do jogo, pretendendo

dar uma definição precisa de sua natureza essencial, Huizinga descobre a presença e a

influência do jogo nas manifestações da cultura, como nas leis, na guerra, na arte, etc.

Huizinga define o conceito de jogo da seguinte maneira:

Numa tentativa de resumir as características formais do jogo, poderíamos

considerá-lo uma atividade livre, conscientemente tomada como "não-séria"

e exterior à vida habitual, mas, ao mesmo tempo, capaz de absorver o

jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e

qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro,

praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma

certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com

tendência a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em

relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios

semelhantes. A função do jogo, nas formas mais elevadas que aqui nos interessam, pode

de maneira geral ser definida pelos dois aspectos fundamentais que nele

encontramos: uma luta por alguma coisa ou a representação de alguma coisa.

Estas duas funções podem também por vezes confundir-se, de tal modo que

o jogo passe a "representar" uma luta, ou, então, se torne uma luta para

melhor representação de alguma coisa. (HUIZINGA, 2012, p. 16-17).

Mais à frente encontra-se uma definição que, segundo CAILLOIS (1990), apesar de

menos rica, é menos redutora:

[…] o jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de

certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras

livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim

em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de

uma consciência de ser diferente da “vida quotidiana”. (HUIZINGA, 2012,

p. 33).

O sociólogo francês Roger Callois em Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem

(1990) tece duras críticas a Huizinga e a seu conceito de jogo, por ser demasiado amplo e ao

mesmo tempo demasiado restrito, além de omitir deliberadamente a descrição e a

classificação dos próprios jogos,

[Como] se todos respondessem às mesmas necessidades e exprimissem, de

forma indiferente, a mesma atitude psicológica. A sua obra não é um estudo

dos jogos, mas uma pesquisa sobre a fecundidade do espírito de jogo no

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domínio da cultura e, mais precisamente, do espírito que preside a uma

determinada espécie de jogos ˗ os jogos de competição regrada. (CAILLOIS,

1990, p. 24).

Caillois continua sua crítica a Huizinga quando o mesmo apresenta o jogo como uma

ação destituída de qualquer interesse material, como, por exemplo, as apostas e os jogos de

azar. Com isso dito, no capítulo seguinte de Os jogos e os homens (1957), Caillois categoriza

o jogo em diferentes formas:

a) Agôn: todo jogo competitivo, que requer alguma habilidade, seja de qualidade

física (futebol, tênis) ou cerebral (xadrez, dama), em que a igualdade de

oportunidades é criada artificialmente para que os adversários se enfrentem em

condições ideais;

b) Alea: jogos de azar ou sorte (dados, cara ou coroa, roleta, loteria ou qualquer outro

jogo de aposta), que não dependem da habilidade ou participação do jogador, em

uma clara oposição aos jogos da categoria agôn;

c) Mimicry: jogos “faz de conta”, em que se simula um determinado comportamento

ou encarnação de um personagem fictício;

d) Ilinx: jogos que induzem tontura, transe ou pânico de uma maneira prazerosa,

como jogo do sério, balanço, tobogã e outros brinquedos de parque de diversões.

Essas categorias, no entanto, são tipos ideais, exemplos: uma partida de futebol é

predominantemente agôn, mas quando um jogador simula uma falta, há elementos de

mimicry. A maioria dos jogos de cartas dependem da sorte (alea) para se obter boas cartas, ao

mesmo tempo em que a experiência do jogador é vital (GARCIA, 2014).

Caillois categoriza os jogos em outros dois tipos distintos:

a) Paidea: se refere a jogos espontâneos, criativos, sem qualquer objetivo útil

imediato, nem definido, como jogos de blocos de construção e faz de conta. Em

jogos do tipo paidea não existe vitória, apenas o prazer experimentado ao jogar;

b) Ludus: jogos com sistema de regras, que define uma vitória ou uma derrota, ou

jogos de soma zero, como futebol ou xadrez.

Assim definido, a diferença básica entre paidea (do grego paidi, que significa criança)

e Ludus (do latim, que significa esporte) é que o segundo é regido por regras que definem um

vencedor e um perdedor.

Do conceito de ludus, Frasca vai propor o termo ludologia, para se referir à disciplina

“inexistente" que estuda as atividades dos jogos e do jogar, e com um objetivo de unificar os

trabalhos que estudam jogos em diferentes disciplinas. A criação dessa disciplina seria uma

necessidade, pois os estudos sobre jogos possuíam uma ênfase nas suas possibilidades

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educacionais, nos possíveis efeitos dos jogos sobre os jogadores jovens (pesquisas em

psicologia), sua influência na sociedade e nas novas possibilidades de se contar uma história

através de um jogo, um novo tipo de narrativa (principal alvo de Frasca).

Assim, de acordo com Frasca (1999), os videogames devem ser analisados como

ludus, uma atividade organizada com um sistema de regras que define um jogador vencedor

ou perdedor, onde existe uma necessidade de esforço e trabalho a ser aplicado, para assim se

realizar.

A interatividade nos videogames, portanto, não é uma opção, mas uma

obrigatoriedade. O jogar se torna performativo, a partir do momento de que

o jogo só se realiza com a presença e ação do jogador. A aparição da

ludologia é chamada hoje canonicamente de “virada ludológica” (ludological

turn) dos estudos sobre os jogos. Da ludological turn nasce o Game Studies,

como um novo campo acadêmico interdisciplinar com o objetivo de realizar

pesquisas científicas acerca do jogo, do jogador e do contexto de ambos,

principalmente, mas não exclusivamente, na dimensão digital. Além da

ludological turn, o crescimento do Game Studies se deve à intensa e

exponencial popularização dos jogos digitais, tornando-se um importante

fenômeno cultural e algo comum no cotidiano de milhões de pessoas.

(GARCIA, 2014, p. 9-10).

Em “Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais”, pesquisa do

GEDIGames (Grupo de Estudos e Desenvolvimento da Indústria de Games) pelo Núcleo de

Política e Gestão Tecnológica da Universidade de São Paulo para o BNDES em 2014,

podemos verificar o tamanho da indústria dos videogames:

Segundo a PricewaterhouseCoopers, o mercado mundial de jogos digitais

movimentou US$57 bilhões em 2010, enquanto o de cinema, US$ 31.8

bilhões. Em 2011 o setor movimentou US$74 bilhões, e as previsões

indicam que deverá ultrapassar US$82 bilhões em 2015. (…) Já a Pesquisa

Game Pop do Ibope, realizada em 2012, aponta que dos 80 milhões de

internautas no país, 61 milhões jogam algum tipo de jogo. (FLEURY;

NAKANO; CORDEIRO. 2014. p. 32-40).

Enquanto os videogames foram (e são) considerados “apenas brinquedos”, devido ao

seu estilo aparentemente infantil, graças a seu público-alvo infantojuvenil na geração de 1970

e 1980, além de serem tomados como “mero entretenimento”, sem nenhum valor, força ou

credibilidade perto das artes tradicionais, os acadêmicos ignoraram os videogames como algo

digno de pesquisa.

Vemos assim que a pesquisa sobre videogames pôde ocorrer somente após a sua

popularização (sua transformação em um importante fenômeno cultural) e o fato de se

tornarem em sistemas complexos o suficiente para tal (graças ao desenvolvimento dos

sistemas tecnológicos e sua aplicação em máquinas de fliperamas, consoles e computadores

pessoais).

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Até aqui foi suficientemente justificado o porquê de se pesquisar videogames, mas

ainda falta sua definição.

Recapitulando Frasca (1999), videogames podem ser definidos como uma atividade

organizada com um sistema de regras que define um jogador vencedor ou perdedor, onde

existe uma necessidade de esforço e trabalho a ser aplicado, para assim se realizar, onde a

interatividade do jogador é uma obrigatoriedade, ou seja, o jogo só se realiza com a presença

e ação do jogador. Mas essa definição não é suficiente, e Frasca a utiliza para não reduzir a

pesquisa em jogos meramente em seus aspectos narrativos.

Vemos assim que a definição acima se utiliza do conceito de ludus de Caillois, mas

como vimos anteriormente, Caillois divide os jogos em dois tipos distintos: ludus e paidea.

Mesmo Frasca não reduz os videogames apenas a ludus, mas apenas cunhou o conceito

ludologia por que discordava na ênfase das pesquisas nos aspectos narrativos dos videogames.

Quem apenas se atentar a jogos de esportes, jogos de tiro ou qualquer tipo de jogo

analógico, como xadrez ou cartas, transpostos para um sistema eletrônico (fliperamas,

consoles e computadores pessoais) podem imaginar que videogames são jogos do tipo ludus,

e de categoria agôn ou alea.

Mas videogames também podem ser paidea. Jogos em que os jogadores interpretam

um personagem, como em um jogo online ou simuladores onde os jogadores determinam seus

objetivos, como jogos de administração de cidades ou construção, o que os configura como

jogos de tipo mimicry. Um jogo de terror ou de realidade virtual pode ser classificado como

um jogo do tipo ilinx, pois são jogos que provocam vertigem ou susto, são procurados como

um fim em si mesmo, ou seja, o jogador se dispõe a sentir essas sensações.

Como pudemos perceber, os videogames possuem elementos que inviabilizam sua

análise como unidade, devido a suas inúmeras temáticas, histórias, sistemas de jogos e

gêneros. No fim, só conseguiremos definir videogames como um jogo no qual o jogador (ou

jogadores) interagem através de um dispositivo eletrônico (como joysticks, mouse, teclado ou

apenas com o próprio corpo), conectados a um aparelho que envia imagens a uma televisão,

monitor ou óculos virtual.

Dada a constante evolução tecnológica, mesmo essa definição é temporária, podendo

uma nova interface ser criada a qualquer momento.

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2.2 Histórico

Os primeiros programadores de videogames foram estudantes dos laboratórios de

informática de grandes universidades como o MIT (Massachusetts Institute of Technology) e

funcionários de instalações militares em Brookhaven National Laboratories. Os jogos dessa

época tinham gráficos muito simples, e eram exibidos em telas muito pequenas de

osciloscópio.

Depois de jogar Spacewar! no laboratório de informática da Universidade de Utah,

Ted Dabney e Nolan Bushnell (futuros fundadores da Atari) foram inspirados a criar em 1971,

Computer Space, o primeiro jogo de arcade, ou, como é conhecido tradicionalmente no Brasil,

fliperama (ROGERS, 2010). Bushnell acreditava que videogames deveriam ser produzidos

comercialmente. No ano seguinte a Atari lançaria Pong, um dos jogos mais populares da

época.

Figura 1 – Spacewar! (1962), Computer Space (1971) e Pong (1972)

Fonte: Joi Ito (2007); Digital Game Museum (2012); Rob Boudon (2013)

Os primeiros jogos de fliperama podiam ser encontrados em bares, mas as casas

dedicadas a jogos de fliperama começaram a aparecer somente no final da década de 1970

(ROGERS, 2010). E foram nessas casas de fliperamas que o grande público foi introduzido

pela primeira vez aos jogos. Antes dos videogames serem introduzidos, os jogos mais

populares nesses locais foram as máquinas de pinball. À medida que os videogames se

tornaram mais populares, os fliperamas tornaram-se mais acessíveis ao público, em sua

maioria adolescente (NOVAK, 2010).

No início da década de 1980, três estilos de máquinas de jogos dominavam os

fliperamas: uprights (gabinetes em que o jogador fica de pé enquanto joga), cocktail tables

(jogos de fliperama colocados em cima de uma pequena mesa, permitindo que o jogador fique

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sentado enquanto joga) e cockpits (gabinetes elaborados de jogos que permitem que o jogador

se incline ou se sente para melhorar ainda mais a experiência de jogo). Deve-se dizer que cada

máquina de fliperama possui um único jogo e um controle próprio.

Segundo Rogers (2010) em meados da década de 1980, os fliperamas começaram a

surgir em todos os lugares. Os gêneros e os temas dos jogos se tornaram mais variados,

enquanto os controles de jogos e gabinetes se tornaram mais elaborados com controles mais

realistas e belas pinturas que decoravam gabinetes de design exclusivo.

“Embora limitados pela tecnologia da época, esses jogos eram inovadores, inspirando

novas tendências de conteúdo, gêneros, jogabilidade e técnicas de desenvolvimento que nunca

haviam sido consideradas” (NOVAK, 2010, p. 6, tradução nossa).

Figura 2 – Exemplos de gabinetes upright, cockpit e cocktail table em flyers de jogos

Fonte: Sega (1986;1995); Midway’s (1978).

Esses jogos mais elaborados de fliperama requeriam muito espaço e eram muito caros

para serem mantidos. O alto preço das máquinas as tornavam proibitivas para a maioria dos

consumidores. Com isso, tornou-se claro que a venda direta aos consumidores poderia

expandir enormemente a indústria, de modo que os videogames migraram das casas de

fliperama para as residências na forma de consoles, que utilizavam os aparelhos de televisão

como monitores de jogo. No final da década de 1990, os sistemas domésticos, chamados de

consoles, começaram a rivalizar e eventualmente superaram os gráficos vistos na maioria dos

jogos de fliperama. A era de ouro dos fliperamas chegava a seu fim (NOVAK; ROGERS,

2010).

Ao contrário dos controles dedicados de uma máquina de fliperama, um controle de

console tem botões, gatilhos e controles analógicos para permitir que uma grande variedade

de gêneros de jogos sejam jogados, e, ao contrário dos fliperamas, que só podiam executar um

único jogo, consoles permitem que inúmeros jogos sejam jogados num único aparelho através

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de alguma mídia, como cartucho, CD, DVD, etc., permitindo assim que possam ser trocados

de forma rápida e simples.

Em meados da década de 1970, outro segmento da indústria de videogames começou a

surgir. A revolução do computador pessoal (ou PC, abreviatura em inglês de "Personal

Computer") trouxe tecnologia antes exclusiva de programadores para casa. Jogos que já

haviam sido desenvolvidos como um capricho por estudantes universitários agora poderiam

ser adaptados para computadores pessoais. Os jogos de fliperama estavam sendo reutilizados

em sistemas de jogos domésticos, levando uma parte do negócio para longe dos fliperamas. O

crescimento dos computadores domésticos também contribuiu para o eventual declínio do

negócio de fliperamas, além de uma ameaça também para o negócio dos consoles (NOVAK,

2010).

A adição do teclado, e posteriormente do mouse, permitiu que surgissem gêneros de

jogos exclusivos. Os períodos de tempo mais longos no computador também significavam

experiências de jogo mais longas; jogos de construção e gestão começaram a se tornar

populares (ROGERS, 2010). Com a evolução para mídia de CD e DVD (que foram utilizados

para jogos de computador muito antes do que para consoles), os jogos de computador

tornaram-se mais detalhados, mais envolventes e mais complexos, com gráficos mais realistas

e músicas e efeitos sonoros de alta qualidade.

Ainda sobre computadores pessoais, com estes veio a popularização dos jogos online,

mas, ao contrário do que se pensa, os jogos online não começaram quando a internet se tornou

comercial, há décadas que os jogos online existem e eles evoluíram longe do grande público,

e este grande público não deu atenção aos jogos online até a popularização da internet, e:

[Com] a revolução da informação produzida pela internet, em meados da

década de 1990, os jogos de computador tornaram-se verdadeiramente

interativos, com a capacidade para que centenas de milhares de pessoas

jogassem simultaneamente num mundo de fantasia e personalizando seus

próprios personagens, formando equipes colaborativas ou "Guildas", e se

envolvendo em missões aventurescas. (NOVAK, 2010, p. 31, tradução

nossa).

Antes de falarmos sobre convergência, uma breve citação sobre portáteis. Assim como

os jogos de fliperama, jogos de dispositivos portáteis possuem uma tela e controles próprios,

mas são pequenos o suficiente para caber nas mãos do jogador, e, assim como os fliperamas,

os títulos para portáteis em sua origem eram dedicados a apenas um jogo por aparelho.

Atualmente, os jogos portáteis, particularmente em celulares e tablets, estão se tornando cada

vez mais populares. Jogos para telefones celulares são rápidos e menos caros de se fazer, e

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com isso, em poucos anos a quantidade de jogos desenvolvidos para dispositivos móveis

cresceram absurdamente (ROGERS, 2010).

Após décadas de desenvolvimento em paralelo, os segmentos de jogos de console e de

computador começaram a experimentar alguma convergência de tecnologia (quando as

características de segmentos diferentes da indústria se cruzam). Isso foi impulsionado por um

desenvolvimento inesperado envolvendo jogos online. O mundo online tornou-se um lugar

popular para a criação, comunicação e entretenimento. Empresas de jogos de console, em seu

desejo de entrar nesse mercado, agora oferecem conectividade de internet através de seus

sistemas (NOVAK, 2010). O fato de um mundo online ter sido implementado em consoles fez

com que gêneros de jogos de computadores proliferassem em consoles.

Consoles atualmente, assim como os computadores pessoais, utilizam vários tipos de

mídias, possuem comunidades online para os seus jogadores, lojas de jogos em versões

digitais, além de poderem navegar na internet, ouvir música e assistir filmes em alta definição.

Figura 3 – Console Sega Saturn, computador pessoal e console portátil Nintendo DS

Fonte: Evan-Amos (2010); Acer (201?); Evan-Amos (2011)

A loja de jogos digitais (não físicos) para PC, Steam, também contribuiu para essa

convergência. Transformando a indústria de jogos para computadores domésticos, o Steam

facilitou a instalação e o processo de se jogar no computador, algo antes de nicho, reservado

àqueles que entendessem de informática e hardware. O sucesso foi tanto, que antes jogos que

eram criados pensando somente no hardware de consoles passaram a ser lançados também

para PC, fazendo com que as duas indústrias ficassem mais homogêneas.

Essa homogeneização entre consoles e computadores afeta também a concepção de

criação de jogos, gêneros típicos de jogos de computador ganham características de jogos de

console e vice-versa. Exemplo: jogos de console ganharam uma temática mais adulta e com

mais estatísticas e customização, além de mundos abertos e histórias menos lineares, enquanto

que jogos de computador ficaram menos burocráticos em sua interface, e com controles mais

simples e mapeamento de botões mais otimizado.

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2.3 O RPG de videogames

RPG é a sigla de Role-Playing Game, “jogo de representação” que exige a leitura de

um livro volumoso de regras, que trazem descrições de mundos fantásticos e orientações

detalhadas para uma aventura, que poderíamos chamar de virtual, onde os jogadores

interpretam um personagem e criam narrativas de maneira colaborativa (PAVÃO, 1999).

Num videogame, o RPG é um gênero onde os jogadores escolhem uma classe de

personagem (ou não, caso o jogo já determine quais personagens e classes o jogador

controlará desde o começo, que podem ser específicas ou genéricas). O RPG possui um

enredo rico e profundo (para as limitações do hardware), você acompanha a jornada de um

herói ou grupos de heróis, e suas escolhas afetam o rumo da história e modificam o mundo.

Os mundos deste tipo de jogo possuem suas próprias leis, fauna, comércio, etc.; e os

personagens controlados pelo jogo possuem o seu próprio cotidiano.

A jogabilidade gira em torno de aumentar gradualmente as habilidades e os pontos

fortes desses heróis, e existe um foco em combate (pelo qual os heróis ficam mais fortes para

as outras batalhas e ganham dinheiro para comprar novos itens e equipamentos), foco em

exploração, resolução de quebra-cabeças, busca por tesouros, coleta de itens e gerenciamento

de inventário. Num RPG de videogame, devido a suas limitações tecnológicas, o elemento de

interpretação do jogador, que é o mais importante num RPG “original”, fica muito restrito.

Apesar do que foi dito acima ser o núcleo do que define a jogabilidade de um RPG, o

fato do mesmo ter a ambição de querer simular um mundo, faz com que diversos gêneros de

jogos possam ser incorporados ao jogo, exemplos: um jogo de cartas num bar, onde o

personagem do jogador pode fazer apostas, cassinos em cidades, pescarias, fases ou missões

paralelas que consistem em outros gêneros de jogos, como uma fuga de moto ou carro, etc.

Mas o contrário também ocorre, pois com a evolução dos jogos, devido à evolução

tecnológica, a maioria dos gêneros de jogos assimilaram elementos de RPG, exemplos: jogos

de esporte atualmente possuem um “modo carreira”, no qual os jogadores acompanham e

evoluem um personagem atleta, e qualquer jogo com combate possui evolução de estatísticas

de personagens e equipamentos.

Listar gêneros e subgêneros de jogos de videogames seria uma tarefa muito longa para

o presente trabalho. Aventura, estratégia, esporte, luta, tiro em primeira pessoa, simulações de

vários tipos, administração de cidades ou de algum tipo de negócio, jogos para adultos,

crianças, garotas, apostas e outras classificações que se encaixam em vários outros gêneros. À

medida que os jogos combinam vários gêneros e subgêneros, novos gêneros estão sendo

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criados constantemente, e mesmo um estudo exaustivo sobre gêneros de jogos não seria

suficiente.

Com isso, podemos perceber como o RPG é o gênero ideal para exemplificarmos as

características e funções dos guias de estratégia, pois, seria lícito afirmar, ele é o gênero mais

completo entre os diversos gêneros de jogos de videogames, pois os outros gêneros de jogos

tendem a incorporar elementos de RPG. Um RPG possui uma história que pode ser afetada

por escolhas e decisões do jogador, estatística, administração, interpretação, um mundo rico e

dinâmico, e que se desenvolve junto com o jogador.

2.4 A comunidade de jogadores

De acordo com Huizinga (2014), as comunidades de jogadores geralmente tendem a

tornar-se permanentes, mesmo depois de acabado o jogo. Apesar de que nem todos os tipos de

jogos levam à fundação de um clube, a sensação de estar "separadamente juntos", numa

situação excepcional, de partilhar algo importante, afastando-se do resto do mundo e

recusando as normas habituais, conserva sua magia para além da duração de cada jogo.

“Os fora da lei, os revolucionários, os membros das sociedades secretas, os hereges de

todos os tipos têm tendências fortemente associativas, se não sociáveis, e todas as suas ações

são marcadas por um certo elemento lúdico.” (HUIZINGA, 2014, p. 15). Frequentemente

estes fundam uma nova comunidade, dotada de regras próprias, com um vocabulário próprio,

em que somente eles mesmos são capazes de entender.

O caráter especial e excepcional do jogo é ilustrado de maneira flagrante

pelo ar de mistério em que frequentemente se envolve. Desde a mais tenra

infância, o encanto do jogo é reforçado por se fazer dele um segredo. Isto é,

para nós, e não para os outros. O que os outros fazem, "lá fora", é coisa de

momento não nos importa. Dentro do círculo do jogo, as leis e costumes da

vida quotidiana perdem validade. Somos diferentes e fazemos coisas

diferentes. (HUIZINGA, 2014, p. 15).

Vemos que Huizinga, antes mesmo do aparecimento dos videogames, parece descrever

certas comunidades virtuais de jogos. Muitos fóruns e redes sociais, dedicados a jogos

específicos, são acumulados de lendas e descobertas sobre determinados aspectos do jogo. O

guia de estratégia seria um desserviço a todo este mistério, mas por isso mesmo ele é

dispensado num primeiro momento, pois ele estraga a experiência do jogar e da descoberta do

mundo do jogo.

Mesmo num tipo de arte de massa como os videogames existe um público de nicho,

com suas artificialidades de connoisseur, com jogos que só podem ser usufruídos de maneira

correta pelo verdadeiro jogador. Em outras palavras, jogos também podem ser fruição estética.

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No caso dos videogames existem diversos interesses para as quais as comunidades são

criadas, entre eles:

a) Compartilhar, comentar e discutir notícias e conteúdo a respeito da indústria de

videogames e seus jogos;

b) Reunir pessoas que têm preferência por um mesmo jogo, para facilitar a interação

entre eles;

c) Discutir sobre táticas e estratégias sobre partes difíceis de um jogo;

d) Trocar conhecimentos e ferramentas para corrigir, modificar ou alterar aspectos de

um jogo.

Neste trabalho tratamos das comunidades do tipo “C”, mas lembremos de que essa

distinção de interesses não é totalmente correta na prática, pois no caso de comunidades de

videogames, todos estes interesses geralmente devem estar reunidos na comunidade,

necessariamente. Dificilmente um destes interesses estará isolado, pois, se jogadores se

reúnem para discutir sobre táticas e estratégias de um determinado jogo, é porque

necessariamente todos estes indivíduos possuem em comum o gosto pelo jogo.

Diante do que foi exposto podemos perceber nos itens elencados acima uma

caracterização da cultura participativa, expressão que representa a forma como o consumidor

contemporâneo interage (aqui se tratando de jogadores de videogames) com as formas

comunicacionais, deixando de ser apenas um receptor passivo e passando a participar, criando

e compartilhando conteúdo (produzindo e disseminando informação) de forma coletiva,

apropriando-se de elementos pertencentes a um determinado produto midiático (no nosso

caso, os videogames) que não foi produzido por eles originalmente, criando assim os seus

próprios.

O elemento pertencente que esses jogadores se apropriam é o guia de estratégia, que,

como veremos no próximo capítulo, são criados de forma coletiva pelos fãs do jogo, todos

colaborando com o seu próprio conhecimento.

Outros dois conceitos importantes para aprofundarmos o entendimento sobre as

comunidades virtuais de jogadores e sua relação com os jogos (e consequentemente sua

influência nos guias de estratégia), seriam a inteligência coletiva e a cultura da convergência,

conceitos esses desenvolvidos por Pierre Lévy (2003) e Henry Jenkins (2006).

Lévy (2003, p. 28) define inteligência coletiva como uma inteligência distribuída por

toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma

mobilização efetiva das competências. Ou seja, visando ao reconhecimento das habilidades

das pessoas para serem utilizadas com algum objetivo em comum.

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No nosso presente caso, seria a capacidade desses jogadores das comunidades virtuais

ajudarem com o conhecimento que possuem do jogo, de criar algum conteúdo relacionado ao

mesmo, como um guia de estratégia. Cada um completando as informações recebidas de

outros jogadores com seu conhecimento individual.

Henry Jenkins (2006) desenvolve o termo cultura da convergência em torno da

relação entre três elementos: convergência dos meios de comunicação, cultura participativa e

inteligência coletiva. O conceito de convergência se pauta no fluxo de conteúdos através de

múltiplas plataformas, graças às novas tecnologias disponíveis. Com isso, o autor aborda que

as novas mídias mudaram o estilo da comunicação, possibilitando o surgimento de um novo

cenário, em que as características informacionais dos meios de comunicação de massa se

misturam, e, em alguns casos, são substituídas pela interação, participação e aproximação do

público com os produtores midiáticos, como programas de TV onde o telespectador pode

telefonar, comentar pela internet, participando do programa, invés de apenas assistir,

contribuindo na maneira de como o programa de TV deva ser elaborado. O exemplo equivale

ao mesmo processo de criação coletiva das comunidades virtuais de videogames citado acima.

Os efeitos políticos dessas comunidades de fãs surgem não apenas da

produção e circulação de novas ideias (a leitura crítica de textos favoritos),

mas também pelo acesso a novas estruturas sociais (inteligência coletiva) e

novos modelos de produção cultural (cultura participativa). (JENKINS,

2008, p. 329).

Veremos mais à frente, na seção Walkthroughs, wikis e playthroughs, de que forma os

guias de estratégia de videogames são criados pelas comunidades de jogadores, através de

diversos tipos de sites e dos mais variados tipos de mídias. E veremos as diferentes formas de

interação que a comunidade de jogadores estabelece entre si e os criadores de conteúdo, que

podem ser eles mesmos ou não.

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3 O GUIA DE ESTRATÉGIA DE VIDEOGAMES

Após termos conceituado o que são videogames e contado sua história, o objeto de

estudo, o guia de estratégia, pode ser trabalhado com melhor compreensão. Como definido no

capítulo anterior, os videogames são todos os tipos de jogos jogados através de um meio

eletrônico, seja através de um console, fliperama, celular ou computador pessoal, cujo

elemento interativo é sua característica mais importante.

O histórico dos videogames já foi contado, mas não de seus guias de estratégia.

Enquanto essa pesquisa foi feita, não se encontrou nada a respeito sobre a história dos guias

de estratégia. Mas, devido ao surgimento recente destas publicações, assim como do próprio

videogame, ainda está fresca na memória dos jogadores a origem destas. A maioria dos

jogadores que viveram e presenciaram o surgimento destas publicações ainda são pessoas

relativamente jovens, e essa história pode ser contada pelos seus personagens e suas fontes

documentais ainda disponíveis.

3.1 Manuais de videogames

Um manual de videogame originalmente é um folheto impresso que acompanhava o

jogo na embalagem, podendo ser colorido ou preto e branco. Estes folhetos simplesmente

contextualizavam o jogo, com um resumo breve do enredo, caso existisse um elemento

ficcional, ensinavam as mecânicas e os comandos básicos e davam algumas dicas, além de se

ensinar a instalação do jogo, acompanhava certificado de garantia e com um alerta sobre as

precauções antes de jogar. Devido à facilidade (e a obrigatoriedade) de conexão à internet, a

maioria dos jogos modernos não possui mais os manuais impressos, eles são disponibilizados

online ou num arquivo PDF® acompanhando a mídia do jogo. Podemos resumir que um

manual explica as operações básicas que um jogador precisará saber para começar a jogar.

Antes de compararmos os manuais com os guias e apontarmos as características dos

manuais herdadas pelos guias, vejamos primeiro duas definições do que é um manual e do

que é um folheto, justamente para termos uma referência para comparação.

De acordo com o Dicionário de biblioteconomia e arquivologia de Cunha e Cavalcanti

(2008, p. 237), um manual é um livro que inclui as noções básicas de uma ciência, de uma

técnica ou de uma arte e que não inclui ilustrações, isto é, que inclui apenas o livro corrido.

E, de acordo com Dicionário do livro: da escrita ao livro eletrônico de Faria e Pericão

(2008, p. 477):

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Tratado sobre determinado assunto que contém informação precisa, de

tamanho pequeno, prático para levar na mão; compêndio; livro portátil •

livro sempre à mão • roteiro para uso prático • em sentido mais restrito, livro

escrito para profissionais e que serve como revisão e referências constantes.

[Um] livreto descritivo e explicativo que acompanha determinados produtos

para orientar acerca da instalação, conservação, etc.

Como já foi dito, os manuais de videogames são folhetos, que são definidos por

Cunha e Cavalcanti (2008, p. 171-172) como:

“Publicação impressa, constituída pela reunião de folhas, com mais de quatro e menos

de cinquenta páginas. Há critérios diversos para o estabelecimento do número máximo de

páginas do folheto e a indicação dada acima se baseia em definição da UNESCO.”

Faria e Pericão (2008, p. 341) dão uma definição idêntica, mas distingue vários tipos

de folhetos, entre eles, o folheto informativo, aquele que acompanha um determinado objeto

ou produto e que fornece esclarecimento acerca do seu funcionamento, composição, ou

administração.

Outro tipo de livro cuja definição é próxima a dos manuais é o livro de instruções,

que segundo Faria e Pericão (2008, p. 464), é o livro que acompanha qualquer aparelho,

máquina ou outro tipo de produto, onde estão inscritas informações ligadas ao seu

funcionamento e utilização corretos.

Diante do que foi exposto podemos agora afirmar que os manuais de videogames são

folhetos que descrevem e explicam as noções básicas do jogo que ele acompanha.

Um guia de estratégia de jogos, entre suas inúmeras funções, possui também a função

de um manual, que é orientar seus leitores nas noções básicas de seu produto. Contudo, como

vimos nas definições acima, este tipo de guia não é portátil ou prático, pois é um livro de

muitas páginas e de tamanho grande, além de possuir muitas ilustrações, algo indispensável

num guia de estratégia de videogames. Um manual de jogo de videogame não fornece

instruções sobre como terminar um jogo, como um walkthrough, e nem tenta esgotar todas as

possibilidades do que se pode extrair de um jogo, como em um guia de estratégia.

Segundo De Govia (2012), os manuais de jogos possuem essa função básica desde o

primeiro console, no início dos anos 1970. Devido os consoles de tecnologia simples da

época, com suas escolhas de jogo limitadas, os manuais apenas davam instruções de como

conectar o aparelho à televisão, e com alguns parágrafos dedicados à mecânica do jogo. Mas,

com o surgimento da Atari no final dos anos 1970, e o rápido desenvolvimento dos

videogames, os manuais de jogos dessa vez mostrariam, apesar dos gráficos simples, uma arte

de capa, título chamativo e um pano de fundo simples para a história do jogo, não precisando

mais do que alguns parágrafos para dar um contexto narrativo à ação na tela. Da mesma

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forma, os controles simples geralmente não necessitavam de muitas instruções para jogar, e o

joystick possuía apenas um botão.

Durante a década de 1980, consoles mais avançados introduziriam mecânicas novas e

permitiriam comandos mais complexos e mais botões no joystick, resultando em jogos

maiores e mais avançados. Os manuais continuariam a dar instruções sobre os elementos

básicos do jogo, mas com mundos de jogos cada vez mais complexos, as informações também

seriam expandidas, sendo necessárias instruções mais desenvolvidas, resultando em manuais

de jogos maiores. Dessa vez, os manuais incluíam quase todo o mesmo tipo de informação

que um guia de estratégia moderno com exceção de um walkthrough completo (alguns com

dezenas de páginas de dicas e acompanhando um pôster). Ou seja, apenas um folheto não

dava mais conta de abranger todas as informações dos manuais, e os guias de estratégias ainda

não estavam disponíveis.

Figura 4 – Exemplos de manuais de jogos dos anos 1980, 1990 e 2000

Fonte: Activision (1982); Sega (1996); BioWare (2003)

Os jogos de PC eram mais prováveis de possuírem manuais de instruções robustos,

pois, graças ao hardware mais avançado, os tipos de jogos de PC sempre foram mais

complexos do que aqueles que poderiam ser desenvolvidos para consoles. No entanto, com o

início dos anos 1990 os guias de estratégia surgem e logo se tornam populares, e a internet

mais acessível, e os manuais de jogos voltariam a restringir-se às funções básicas já descritas.

Mesmo com a possibilidade de narrativas mais desenvolvidas nos jogos modernos, as

informações do mundo de um jogo e seus personagens muitas vezes não ocupam mais do que

algumas páginas no manual, pois a história de um jogo pode ser contada através de diálogos,

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ação e cenas cinematográficas. Devido ao elemento interativo dos videogames, a narrativa de

um jogo se desdobra enquanto o jogador realiza ações e supera desafios, por isso que muito

do conteúdo do mundo do jogo não são (e nem deve ser) revelados nos manuais.

Vemos assim que os manuais de jogos evoluíram junto com os mesmos. Isso é

importante para mostrarmos que existem documentos que se modificam devido à evolução de

uma arte ou ciência, e que o mesmo ocorreu com os guias de estratégia de jogos.

3.2 Walkthroughs, wikis e playthroughs

Walkthrough, chamado no Brasil de “detonado”, é um passo a passo que orienta o

jogador a terminar um determinado jogo de videogame, em parte ou na sua totalidade,

descrevendo detalhadamente o caminho de um ponto A ao ponto B.

Todos os guias de estratégia devem incluir necessariamente um walkthrough, mas um

documento que contenha somente um walkthrough, não é um guia de estratégia. Um guia de

estratégia tem a função de dizer absolutamente tudo sobre um determinado jogo, tudo que este

pode oferecer, para que o jogador aproveite do jogo tudo o que for possível.

Os primeiros walkthroughs têm sua origem em revistas especializadas de videogame,

desde o início os anos 1980 (NEWMAN, 2016). Estes walkthroughs eram feitos pela equipe

da revista, instruindo os comandos, fotos do local do jogo com um texto abaixo instruindo

como se deve proceder. O que os walkthroughs das revistas tinham de próprio era o modo de

se fazer literalmente um passo a passo, feito de maneira para se usar o walkthrough enquanto

se joga. Estes walkthroughs eram de jogos populares da época, sendo um destaque da revista,

e nunca publicados completos, mas de maneira fracionada, para justificar a compra do

próximo número da revista. Com o tempo, as revistas começam a lançar números especiais

dedicados ao walkthrough de um único jogo ou com walkthroughs de vários jogos. Um

exemplo nacional deste último tipo foi o lançamento de uma publicação especial da revista

Gamers, chamada Gamers Book.

No final da década de 1980 até meados dos anos 2000, jogadores poderiam sanar suas

dúvidas e dificuldades por telefone. Com a popularização dos computadores pessoais e o

advento da internet, os walkthroughs de videogame foram expandidos para formatos digitais e

de vídeo. Apesar disso, walkthroughs em texto ainda estão presentes nos formatos impresso e

digital.

Exemplos de publicações impressas incluem guias de estratégia publicadas por

BradyGames, Prima Games, Piggyback e Future Press. Exemplos de walkthroughs digitais

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seriam os da IGN (site de videogames que possui a sua seção de wikis de guia de estratégia),

GameFAQs (site especializado em walkthroughs), inúmeros sites em formato de wikis e

walkthroughs inteiros em vídeos, chamados de playthroughs, com um viés de entretenimento.

Antes de falarmos dos sites wikis de jogos, é necessário antes definir o que é um site

wiki. Wiki é um tipo de site que permite sua alteração por qualquer pessoa que tenha um

navegador de internet. Existem diversos wikis disponíveis, pagos ou gratuitos. Uma página

wiki contém diversos recursos úteis para auxiliar na edição:

a) Diversas pessoas de diferentes locais em diferentes horários podem criar, colaborar

e editar as informações da página;

b) Utilizar textos, links, vídeos e imagens sem a necessidade de conhecer

programação;

c) Fácil reversão de erros, o que possibilita que todas as versões da página fiquem

gravadas no histórico, fazendo com que qualquer modificação seja revertida.

Os wikis de videogames são utilizados como guias de estratégia, e como os guias de

estratégia, uma página wiki é dedicada apenas a um único jogo, mas também há casos de

várias páginas wikis integradas num site maior, como a seção wikis da IGN (cada página wiki

dedicada a um jogo).

Assim como todo site wiki, wikis de jogos são formados por conteúdo criado de

maneira colaborativa por várias pessoas, no nosso caso específico, pela comunidade de

jogadores, os quais podem adicionar, modificar ou eliminar qualquer informação. Essas wikis

podem atrair um conjunto mais limitado de leitores, mas podem incluir mais profundidade de

conteúdo, assim como num guia de estratégia.

Uma das vantagens que um wiki permite em relação a um guia de estratégia seria a

atualização da informação quando a desenvolvedora aplica um patch de correção ou de

balanceamento para o jogo, além de expansões para o jogo e problemas de direitos autorais

(certos licenciamentos, como músicas, vencem, e não ficam mais disponíveis no jogo),

fazendo com que o conteúdo de um wiki sempre esteja atualizado em relação a um guia de

estratégia impresso.

Por outro lado, os guias de estratégia possuem a vantagem de conteúdo oficial, com

ilustrações e artes exclusivas de personagens e outros elementos do jogo, pois uma das

desvantagens dos wikis é o conteúdo não oficial e não suportado pelo desenvolvedor.

Esses walkthroughs online geralmente possuem menos imagens (ou, no caso dos guias

enviados pelos usuários ao GameFAQs, sem imagens), e geralmente não há mapas, mas isso é

compensado pelo fato deles geralmente serem gratuitos. Os walkthroughs do site GameFAQs

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são basicamente versões sem imagem dos guias de estratégia que estamos tratando neste

trabalho. Sites como IGN não possuem restrições de uso das imagens dos jogos, podendo

assim incluir muitas ilustrações, além de vídeos, para acompanhar e explicar passo a passo

seu texto.

Outro tipo de walkthrough bastante utilizado são os chamados playthroughs, que nada

mais são do que walkthroughs em vídeos, também criados pelos jogadores e postado em sites

de compartilhamento de vídeos, como o YouTube ou o Twitch.tv. Esse tipo de formato de

walkthrough permite que jogadores demonstrem mais facilmente suas estratégias, permitindo

que se explique as ações enquanto se joga.

Estes vídeos também podem ser criados para fins de entretenimento, com comentários

de tom humorístico do apresentador, tendo o conteúdo informativo deixado em segundo

plano. Este tipo de conteúdo possui uma audiência potencial que consiste em milhões de

pessoas. E são várias as motivações da audiência por este tipo de entretenimento:

a) Simples entretenimento;

b) Socializar com outros jogadores ou com o apresentador, que muitas vezes é

relativamente famoso;

c) Análise para decidir a compra de um jogo.

Sobre essa última motivação, deve-se esclarecer que esses tipos de vídeos também são

crítica de arte, e pela característica mais própria do videogame, que é a interatividade, nada

mais óbvio do que analisar um jogo do que o jogando.

A crescente disponibilidade e abrangência de walkthroughs e guias de estratégia online

e de acesso gratuito retira um pouco da demanda por guias oficiais impressos, embora ainda

haja um grande mercado para eles.

Os guias impressos geralmente apresentam informações de forma extensa e profunda,

mapas e captura de telas do jogo imagem a imagem, nenhum dos quais é possível nos

trabalhos em texto simples, compartilhados em sites como o GameFAQs. Mas alguns sites

mais recentes permitem que os guias de estratégia sejam hospedados em formatos que

permitam imagens e vídeos, como os guias escritos em um ambiente wiki, e cada vez mais, a

comunidade de jogadores está produzindo trabalhos constantemente atualizados com os

últimos segredos descobertos por outros jogadores.

Tudo isso faz com que a função básica de um guia de estratégia impresso (ajudar os

jogadores a terminar o jogo) se torne uma função secundária, tornando atualmente estes guias

possuidores de uma bibliologia única e peculiar.

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Vemos assim, como as mais diversas tecnologias permitem aos jogadores criarem

conteúdo relacionado ao que gostam e ajudando assim outros jogadores a poderem usufruir

melhor o conteúdo de um jogo, e vemos como a convergência de mídias e as tecnologias de

comunicação os aproximam entre si e ao desenvolvedor de jogos, servindo essa seção como

um ótimo exemplo dos conceitos de cultura de convergência, inteligência coletiva e cultura

participativa.

3.3 O guia de estratégia descrito

Os guias de estratégia de videogames são basicamente livros, impressos ou digitais,

que instruem os seus usuários a como se jogar determinado jogo de videogame. Quando

impresso, estes livros são códices vegetais de capa dura ou não, compostos de imagens, textos

(técnicos e literários) e tabelas.

O conteúdo de um guia de estratégia é mais detalhado do que um manual de jogo e

não devem conter apenas informações que já estão inclusas nos manuais. Um documento com

apenas um walkthrough, ou apenas táticas de como lidar com inimigos ou como conseguir um

desempenho melhor, não pode ser considerado um guia de estratégia.

Um guia de estratégia é dividido em vários capítulos, onde cada capítulo trata de um

aspecto diferente do jogo. Não existe um padrão de capítulos e seções a serem incluídos, ou

em que ordem aparecer, neste tipo de livro. O conteúdo de um guia de estratégia pode variar

muito dependendo do tipo e o gênero de jogo tratado. Jogos de gêneros mais simples não

necessitam de um guia muito extenso, ou mesmo um guia é dispensável.

Antes de listarmos as características de um guia de estratégia de videogames, vejamos

a definição do que é um guia, segundo Faria e Pericão (2008, p. 371-372):

Guia: documento que contém informações destinadas a apresentar um

serviço a seus usuários reais e potenciais e a orientar os leitores no

conhecimento e exploração dos fundos de um organismo documental ou de

uma área geográfica para que os utilizem com maior eficácia e aproveitem

ao máximo os seus recursos. Usado como elemento auxiliar de pesquisa

bibliográfica, é destinado à orientação dos usuários para o conhecimento e

utilização dos núcleos documentais que integram o acervo. A sua finalidade

é informar sobre as características e o funcionamento de uma determinada

área ou serviço. Inclui elementos sobre história, a natureza, a estrutura, o

período de tempo, a quantidade de cada núcleo documental, etc. O guia deve

também incluir informações básicas de natureza prática sobre a própria

instituição, como horários, localização, condições de acesso, responsáveis,

modo de chegar até ela, requisitos para seu uso, recursos técnicos oferecidos,

regulamentos da sala de leitura, etc.

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Um guia possui a função de auxiliar o usuário em tudo o que puder na sua pesquisa

sobre a instituição ou localidade, e, no caso deste tipo de guia, o jogo de videogame, nele

retratada. Ele será consultado inúmeras vezes e possui ferramentas e figuras para auxiliar na

busca do usuário.

Assim como um guia de uma instituição informa sobre a sua história, o seu

funcionamento, seus recursos, requisitos de uso, um guia de estratégia informa sobre a

história do jogo, suas mecânicas e tudo aquilo que o jogo oferece.

Uma das características indispensáveis ao guia de estratégia é ser bastante ilustrado:

Livro ilustrado: o que inclui imagens para explicar, aumentar ou embelezar o texto

(CUNHA; CAVALCANTI, 2008, p. 233).

Livro ilustrado: livro que contém desenhos, estampas ou fotografias. Nos

primórdios da imprensa, a aplicação da ilustração nos livros era feita apenas

nas letras capitulares impressas através de blocos de maneira gravados (as

xilogravuras), que ocupavam os espaços correspondentes àqueles que no

livro manuscrito eram reservados às iluminuras. Das gravuras usadas apenas

para ilustrar o livro passou-se ao livro ilustrado, aquele em que a gravura

está diretamente relacionada com o texto em que se encontra inserida.

(FARIA; PERICÃO, 2008, p. 468).

Num guia de estratégia as imagens têm essa exata função, que são para explicar e

exemplificar as instruções do texto, bem como ferramentas, personagens, localidades e

interfaces do jogo.

As imagens e ilustrações desempenham papel indispensável nos guias, pois sendo um

manual e referência de uma arte em que o elemento visual é bastante relevante, é necessário

que a reprodução das imagens do jogo seja de boa qualidade, e que a transposição de

elementos como mapas, janelas e tabelas seja de fácil compreensão.

[...] compete ao diagramador buscar efeitos visualmente agradáveis por meio

de um determinado ritmo nos contrastes de forma e tamanho das ilustrações.

Os recursos para dinamizar as páginas são múltiplos, e o diagramador ainda

pode manipular a forma e o tamanho das ilustrações, aumentadas ou

diminuindo-as para ajustá-las ao esquema construtivo da página. (ARAÚJO,

2008, p. 427).

A ordem e a forma em que as informações estão dispostas no livro devem ser fáceis de

compreender e devem seguir a mesma lógica das informações contidas no jogo. O modo e a

arte das tabelas e janelas devem corresponder as do jogo para que os jogadores saibam a que

informação elas se referem.

Ainda sobre diagramação, é indispensável uma última menção a uma característica da

maioria dos guias de estratégia, que é o horror vacui, uma expressão em latim que significa

“horror ao vazio”, usada para caracterizar a repulsa pelo branco do pergaminho que se

verifica, por exemplo, na decoração dos manuscritos carolíngios, em que há uma grande

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sobrecarga de elementos decorativos, ficando o fundo reduzido ao mínimo (FARIA;

PERICÃO, 2008, p. 382).

Vale agora o registro de um caso singular na história do livro: William Blake

(1757-1827), o poeta inglês que só encontrou meio adequado de exprimir-se

através da integração absoluta entre o texto e a imagem. [...] Ele diagramava

cada página de seus livros, e todas apresentavam o horror vacui medieval,

exibindo um completo preenchimento da mancha ou de toda a página com

ornamentos marginais e intratextuais coloridos a mão, exemplar por

exemplar. (ARAÚJO, 2008, p. 470).

Figura 5 – Exemplos de horror vacui em guias de estratégia

Fonte: Prima Games (2005, p. 74); BradyGames (2006, p. 9; 2010, p. 3)

Um guia de estratégia também se torna um livro de referência devido ao conteúdo

oficial e canônico do jogo que ele debulha, pois é a função de um guia de estratégia dizer tudo

o que for possível de um jogo.

Obra de referência: documento que fornece acesso rápido à informação ou

às fontes de informação sobre um assunto; documento de referência, fonte de

referência, livro de consulta, livro de consulta rápida, livro de referência,

usuais (CUNHA; CAVALCANTI, 2008, p. 266).

E

Livro de referência: aquele que permite obter uma informação rápida sobre

determinado assunto, tais como os manuais, guias, bibliografias, etc. A sua

consulta faz-se apenas para obter essa ajuda ou informação sobre

determinada matéria; obra de referência; obra de consulta. (FARIA;

PERICÃO, 2008, p. 465).

Por ser um livro de consulta, o guia de estratégia será manuseado inúmeras vezes, e

para isso, é de suma importância notas explicitando ou adicionando informações do texto,

localizadas ao lado, em formas de colunas de texto ou pequenas janelas, um elemento similar

às notas em corandel, sumário, índice (inclusive índice de dedo, algo muito comum nos guias

de estratégia), janelas e tabelas de consulta rápida, título corrente, da obra ou do capítulo,

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cercadura com temática afim à arte do jogo, vinhetas como divisórias das partes dos textos e

páginas para anotações do leitor.

Os guias também possuem muito ícones, algo comum em jogos, pois ações, comandos

e funções em jogos (não somente de videogames, um bom exemplo seriam as cartas de

baralho) são representados por ícones. Os guias devem saber reproduzi-los (ou devem possuir

suas imagens com boa resolução) para que os leitores possam reconhecer os ícones do jogo.

Figura 6 – Elementos intelectuais do guia de estratégia do jogo Killzone (2004)

Fonte: Prima Games (2004, p. 112)

Cercadura

Título

corrente

Índice de

dedo

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Figura 7 – Elementos intelectuais do guia de estratégia do jogo Final Fantasy IX (2001)

Fonte: BradyGames (2001, p. 15)

Apesar de uma obra de referência não possuir histórias, regras passo a passo, etc., um

guia de estratégia é uma obra de referência para o jogo que a quem ele se destina. Um guia de

estratégia, além de ser basicamente um passo a passo, é uma obra de consulta sobre uma

determinada obra de arte, que no caso é um jogo de videogame.

Geralmente um guia de estratégia, no nosso caso um guia de estratégia de RPG,

contem:

a) Comandos e operações básicas, mapeamento do controle, breve descrição dos

objetivos de personagens e outros conteúdos do mundo do jogo, como podemos

ver, os guias também possuem um manual;

b) Mapas completos do jogo, que mostram a localização de todos os itens (incluindo

itens escondidos e difíceis de encontrar), equipamentos, inimigos, personagens,

cidades;

c) Passo a passo sobre como progredir no jogo, com instruções detalhadas de locais

específicos e sobre como proceder, e detalhes sobre os problemas que podem

ocorrer ou ser encontrados, ou seja, um walkthrough;

Notas em

corandel

Índice de

dedo

Vinheta

Título

corrente

Título

corrente

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d) Informações detalhadas sobre inimigos, como sua localização, equipamentos que

utilizam e táticas de derrotar inimigos específicos (especialmente chefes), esta

seção é comumente chamada de bestiário;

e) Listas e tabelas (com informações de armas), equipamentos, itens (colecionáveis

ou não), e apêndices para estatísticas importantes;

f) Resoluções de quebra-cabeças;

g) Informações sobre personagens controlados pelo jogo;

h) Janelas de inventários de itens do jogo, de loja, equipamentos, armas, magias;

i) Lista de conquistas ou troféus, e orientações de como consegui-los.

Algumas edições de colecionador dos guias possuem a arte conceitual do jogo, mas

isso é exceção. Essas artes conceituais na grande maioria das vezes são publicadas em livros

chamados de design works ou art books. Esse tipo de livro será melhor definido quando

falarmos mais à frente das edições de luxo dos guias de estratégia.

Nos guias, texto e imagem devem refletir as características do jogo, a arte do livro

deve ser a mesma a do jogo ou, pelo menos, o design do livro deve corresponder ou refletir a

temática do jogo, utilizando-se de todos os recursos gráficos possíveis.

Muitos jogos atualmente possuem árvores de diálogos, mecânicas complexas, um

mundo dinâmico e fluído, além de muitas janelas com imagens, números, porcentagens e

estatísticas. Os guias devem ser capazes de transpor estes elementos para o livro de um modo

que seus usuários consigam reconhecer estes elementos e possam consultá-los quando

quiserem recuperar a informação desejada.

A grande quantidade de gêneros de jogos, temática, faixa etária, tipo de hardware que

influencia na filosofia da criação e estética do jogo, fazem com que não exista uma estética ou

referência que seja própria dos jogos. Qualquer temática estética, ficcional ou de determinada

época pode estar num jogo. Um jogo pode ser totalmente lúdico ou tentar simular a realidade

da maneira mais fidedigna possível, como um jogo de automobilismo ou de voo. Por isso, é

de difícil definição a estética ou os elementos gerais dos guias.

Atualmente, Prima Games e BradyGames dominam o mercado de guias de estratégia

impressos. Em 2015 as duas impressões se fundiram e agora operam somente sob a marca

Prima Games. Outras duas empresas são a Piggyback e Culture Press, mais conhecidas por

publicarem guias de estratégia com encadernação luxuosa.

Prima Games é creditada como a primeira a publicar os primeiros guias de estratégia

em formato de livro em 1990 (DE GOVIA, 2012). Como vimos no capítulo anterior, as

revistas especializadas em videogames publicavam walkthroughs (esses walkthroughs já eram

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bastante parecidos com os guias de estratégia atuais), mas Prima Games foi a primeira editora

a vender guias como livros e se especializar nesse ramo.

Nos primeiros anos de publicação dos guias de estratégia as empresas de guias, se não

pudessem garantir uma licença oficial, lançavam guias não autorizados rapidamente após o

lançamento dos jogos, evitando o uso de imagens ou da arte oficial do jogo. Tal prática ainda

é comum, mas em muitíssimo menor quantidade.

Atualmente os desenvolvedores tratam os guias de jogos como um produto licenciado,

tendo como base sua propriedade intelectual (que no caso é o jogo), quase como uma

transmídia. Vários guias de jogos oficiais podem ser publicados para um único título, mas

também existem contratos exclusivos de longo prazo.

As editoras de guia pagam uma taxa para licenciar o direito de criar um livro baseado

no jogo. Em troca dessa taxa, os editores recebem acesso antecipado ao código do jogo, bem

como a arte oficial do jogo e outros tipos de suporte. Quando a licença é concedida, o editor é

responsável pela escrita, design e layout do guia do jogo; e o desenvolvedor do jogo é

contratualmente obrigado a dar suporte, mas isso pode variar de título a título (o editor do

guia obtém pelo menos uma versão beta do jogo para trabalhar), e assim, após isso, um

escritor, ou uma equipe de escritores, começará a jogar o jogo e criará o texto do guia. Uma

equipe de design gráfico, trabalhando com arte fornecida pelo desenvolvedor, criará o design

da página e apresentará o texto assim que for finalizado e editado. As capturas de tela serão

tiradas do jogo e os mapas, criados pelo editor do jogo ou fornecidos pelo desenvolvedor,

serão rotulados e polidos para inclusão no guia. O produto final será revisado pelo

desenvolvedor do jogo para garantir que o livro seja o mais preciso possível (DE GOVIA,

2012).

Mas para serem lançados com o jogo, alguns guias de estratégia são baseados em

versões beta em vez da versão final, o que faz com que algumas instruções sejam impossíveis

de serem seguidas, pois o conteúdo do jogo está desatualizado (também acontece que os

desenvolvedores façam alterações no jogo para consertar ou balancear determinados aspectos,

para que não haja um desequilíbrio nas suas regras ou sistema). Para amenizar esses

problemas as editoras oferecem páginas de errata gratuitas para download em seu site.

O ideal é que os guias de estratégia sejam publicados após o lançamento do jogo para

que eles possam ser precisos sobre seu conteúdo, para que haja a menor diferença possível

entre o guia e as atualizações do jogo, que irão inevitavelmente ocorrer. É necessário que os

guias cumpram sua função de ser uma fonte de informação segura e confiável para seus

leitores.

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Com o tempo, o foco das editoras de guias de estratégia começou a mudar, oferecendo

conteúdo exclusivo em edições luxuosas de capa dura, devido à disponibilidade de

walkthroughs online, e às possibilidades que o hipertexto do guia digital é capaz de oferecer,

como incluir vídeos, hiperlinks e atualizações.

Como dito anteriormente, os guias de estratégia, assim como o próprio videogame, é

pouco reconhecido (e pouco conhecido) pelos pesquisadores e pelos bibliotecários. Pudemos

perceber isso ao verificar que este tipo de livro não está presente nos dois dicionários que

foram utilizados neste trabalho. Mas em algumas lojas, como a Amazon, já existem seções

dedicadas aos guias de estratégias, não somente de livros sobre videogames.

3.4 O hipertexto

Nos guias de estratégia podemos afirmar que todas as informações contidas neste tipo

de livro giram em torno do walkthrough. Existe o capítulo de bestiário com as estatísticas dos

inimigos, seus itens e equipamentos, sua localização, e existe um capítulo próprio para os

equipamentos e outro para os locais do mundo do jogo, com seus mapas. E encontramos estes

inimigos durante o walkthrough, com suas estatísticas, carregando seus itens e equipamentos,

e localizados num determinado lugar do mapa.

Podemos assim perceber, como essas informações acontecem simultaneamente no

jogo. Num livro impresso fica difícil ter disponível todas estas informações de maneira

simultânea, o que num hipertexto seria facilitado através de hiperlinks.

Antes mesmos dos conceitos de hipertextos e links, Paul Otlet, com o seu Princípio

Monográfico, exposto no livro Traité de Documentation: le livre sur le livre: théorie et

pratique, publicado em 1934, já poderia ser considerado predecessor da ideia de hipertexto.

De acordo com Santos (2007, p. 62):

O Princípio Monográfico representa a solução, reunir a informação que se

encontra dispersa em inúmeros suportes. Otlet modifica a forma do

documento, fragmentando-os, e reorganiza os conteúdos de forma a gerar

novos todos informativos. Os objetos informacionais, elaborados segundo o

Princípio Monográfico, assemelham-se aos registros das bases de dados e

aos objetos hipertextuais, porque são unidades de informação que podem ser

compreendidas isoladamente. Porém, se inseridos em contextos mais

amplos, como as bases de dados ou sistemas hipertextuais, podem ser

reinterpretados e relacionados de diversas maneiras, dependendo do acervo

de conhecimento de cada indivíduo, bem como de seus objetivos.

Com a aplicação deste e outros princípios expostos no Traité de Documentation, seria

obtido o Livro Universal, que seria um livro totalmente hipertextual e hipermidiático, pois

nele estariam contidos outros tipos de mídia além da escrita, e o usuário consultaria o que

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quisesse do ponto que desejasse, e seguir a ordem que preferisse. A idealização da construção

de um Livro Universal pode ser creditado como a primeira idealização da internet, de uma

grande rede de conhecimento centrada em diversos tipos de documentos e na inclusão de

hiperlinks, motores de pesquisa e acesso remoto (SANTOS, 2007).

Pierre Lévy (1998) afirma que a ideia de hipertexto foi enunciada pela primeira vez

por Vannevar Bush em 1945, em um célebre artigo intitulado As We May Think, em que

explicava o funcionamento da mente por associação, e inspirado nisso imagina um dispositivo

denominado Memex. Tal máquina seria capaz de mesclar diversos tipos de documentos,

abrangendo ao mesmo tempo imagens, sons e textos num mesmo lugar, e com dispositivos

periféricos que facilitariam a integração rápida de novas informações.

Cada vez que determinado item fosse visualizado, todos os outros que

tivessem sido ligados a ele poderiam ser instantaneamente recuperados,

através de um simples toque em um botão. […] Estas conexões, que ainda

não se chamavam hipertextuais, materializam no Memex, espécie de

memória auxiliar do cientista, uma parte fundamental do próprio processo de

pesquisa e de elaboração de novos conhecimentos. (LÉVY, 1998, p. 29).

No início dos anos 1960, Theodore Nelson inventou o termo hipertexto para exprimir

a ideia de escrita/leitura não linear em um sistema de informática. Nelson criaria o termo no

seu projeto Xanadu, cuja proposta era implementar uma rede de publicações eletrônica,

instantânea e universal – um verdadeiro sistema hipertexto, um universo documental (DIAS,

1999, p. 272). O conceito de linkar ou de ligar textos também foi criado por Ted Nelson.

No final dos anos 1960, Douglas Engelbart criaria o mouse, permitindo ao usuário agir

sobre o que ocorre na tela de forma intuitiva, facilitando assim o uso das interfaces do

computador e, consequentemente, o acesso à informação. (DIAS, 1999; LÉVY, 1998).

Por fim, após tudo isso dito, vamos caracterizar o hipertexto utilizando o capítulo A

metáfora do hipertexto, do livro As tecnologias da inteligência, de Pierre Lévy, autor

importante para a Biblioteconomia. Lévy descreve o hipertexto como tendo seis princípios:

a) Principio de metamorfose: A rede hipertextual está em constante construção e

renegociação. Sua extensão, composição e desenho estão permanentemente em

jogo para os atores envolvidos, sejam eles humanos, palavras, imagens, etc.

b) Princípio de heterogeneidade: Os nós e as conexões de uma rede hipertextual são

heterogêneos, ou seja, poderão assumir diversas formas, como imagens, sons,

palavras; as conexões podendo ser lógicas ou afetivas, as mensagens multimídias,

analógicas, digitais, etc.

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c) Princípio de multiplicidade e de encaixe das escalas: O hipertexto se organiza

em um modo fractal, ou seja, qualquer nó ou conexão, quando analisado, pode

revelar-se como sendo composto por toda uma rede.

d) Princípio de exterioridade: A rede não possui unidade orgânica, seu crescimento

e diminuição, composição e recomposição permanente dependem de um elemento

externo que a impulsione.

e) Princípio de topologia: Nos hipertextos, tudo funciona por proximidade, por

vizinhança. Tudo que se desloca deve utilizar-se da rede hipertextual tal como ela

se encontra, ou então será obrigado a modificá-la. A rede não está no espaço, ela é

o espaço.

f) Princípio de mobilidade dos centros: A rede não tem centro, ou melhor, possui

permanentemente diversos centros que possuem diversas ramificações. Cada texto,

som, imagem que está interligada possui um centro de significância próprio.

Pelo que foi exposto acima, podemos afirmar que estes seis princípios fazem com que

o hipertexto esteja sempre em crescimento e mudança, podendo assim pormos a hipermídia

no mesmo patamar que o hipertexto, uma vez que “ao entrar em um espaço interativo e

reticular de manipulação, de associação e de leitura, a imagem e o som adquirem um estatuto

de quase-textos” (LÉVY, 1998, p. 33).

Ou seja, podemos afirmar que o hipertexto apesar de ser um elemento comum e

relevante na internet, não é exclusivo da mesma ou dos meios digitais, pois é importante

lembrar que o hipertexto surge com a cultura e não com as novas tecnologias. A literatura

impressa está cheia de exemplos hipertextuais, inclusive na comunicação científica, pródiga

em citações, notas de rodapé e criteriosas normalizações, como sumário, resumo, glossário,

referências bibliográficas, índice, etc. (ARAÚJO, 2008; FREIRE, 2003).

Todos estes elementos são capazes de produzir uma leitura não linear, podendo assim

ser chamados de hipertextuais, pois a noção de linearidade é quebrada na medida em que um

hipertexto não há uma ordem de leitura a ser seguida. O usuário pode entrar no texto por

vários caminhos diferentes e seguir a ordem que preferir (FREIRE, 2003; MONTEIRO,

2006).

Da mesma forma, os livros de guia de estratégia utilizam todos estes elementos

hipertextuais, sendo digitais ou não, onde as informações não são absorvidas de forma linear,

umas após as outras, mas de forma simultânea e fragmentada. Um guia é feito para ser

consultado, não lido do início ao fim, ou mesmo nem ser lido enquanto uma dúvida ou

dificuldade não aparecer.

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Como já dito no início deste trabalho, é difícil definir as características visuais dos

guias de estratégia, pois depende da inspiração do jogo que ele trata. Como uma arte que

engloba todas as outras artes, o videogame é hipermidiático por natureza, e o guia de

estratégia não seria diferente.

Figura 8 - Página wiki dedicada ao jogo Dark Souls (2011)

Fonte: Dark Souls Wiki

Cada palavra em azul da página acima é um hiperlink para a página específica de um

item, local ou personagem (que pode ser um inimigo ou não), e onde são listados outros

elementos do jogo, onde cada um desses elementos possui uma página com toda a informação

relacionada, e estes não são compostos apenas de texto e imagem, mas também de vídeo,

demonstrando o que deve ser feito. Assim, vemos a vantagem do guia online em relação ao

impresso.

As seções de guia de estratégia elencadas no capítulo anterior estão à distância apenas

de um clique no hiperlink (se o guia for online ou digital, obviamente), e nem sequer é

necessário acessar a seção, pois os hiperlinks remetem diretamente ao item/local/personagem

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desejado em questão, na sua própria página, com sua imagem, descrevendo suas funções,

ações, restrições e consequências. Todas as suas tabelas e estatísticas, localização no mapa,

seu contexto na história do jogo e um vídeo demonstrando como encontrar e utilizar, ou como

proceder.

3.5 As edições limitadas ou edições de colecionador

As chamadas Edições Limitadas algumas vezes também são chamadas de Edições de

Colecionador, mas esse “colecionador” do título não coleciona este tipo de livro, e também

não é necessariamente verdade dizer que coleciona jogos. Na verdade, este indivíduo apenas é

um fã do jogo e quer possuir tudo que seja relacionado ao mesmo, inclusive uma edição

especial (de luxo) do guia de estratégia.

Aqui não se trata de transmídia ou aprofundamento no mundo de um jogo específico.

Este tipo de livro possui uma função diferente do que o puro colecionismo, transferência de

mídia (a reprodução de uma obra em uma mídia diferente da sua de origem) ou

aprofundamento sobre uma arte. Os usuários desses livros não colecionam o livro em si, mas

um objeto relacionado ao jogo. Esses usuários não pretendem fazer uma coleção de livros.

Antes disso, é necessário definir o que é colecionismo e bibliofilia, ainda que seja pra

constatarmos que, na relação das edições de colecionador e seus leitores, não existe

colecionismo e muito menos bibliofilia.

Segundo o Dicionário de Biblioteconomia e Arquivologia, bibliofilia é gosto, paixão

pelos livros raros e preciosos e arte e ciência do Bibliófilo (CUNHA; CAVALCANTI, 2008,

p. 46), e, no Dicionário do livro, bibliofilia é paixão pelos livros, sobretudo caros e que

contêm alguma particularidade especial (FARIA; PERICÃO, 2008, p. 95).

Ainda de acordo com o Dicionário do livro, colecionismo é gosto e empenhamento em

juntar objetos com características idênticas, com vista a formar coleções com eles (FARIA;

PERICÃO, 2008, p. 177).

Ainda que estejam relacionados, bibliofilia não se resume a colecionar livros.

“Bibliofilia significa nada mais, nada menos que amor aos livros, que pode ter níveis

diferentes de absorção e envolvimento” (MINDLIN, 2009, p. 47). Um bibliófilo não apenas

coleciona livros, ele ama o objeto, conhecendo a fundo e cuidando com zelo.

Anciães (2005 apud PEDRÃO; MURGUIA, 2013, p. 399-400) afirma que colecionar

incorpora diversos valores, que podem ou não ter ordem de prioridade. Esses valores se

definem da seguinte forma:

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valor artístico, que são as peças com atrativos principalmente estéticos; valor

de raridade, que são as peças mais antigas e difíceis de encontrar (esse valor

se acresce se a peça se mantém operacional e documentada); valor de

autoria, que são peças de autores conhecidos e consagrados (esse valor pode

ser acrescido se o autor for de âmbito local, regional ou nacional); valor de

coleção e de contexto (esse valor pode estar na peça enquanto ela pertence a

uma determinada coleção e sua relação de memória com outras peças); e, por

fim, valor de identidade, que pode estar na imagem ou identidade que

determinada peça pode ter entre o público que usufrui dela (são peças que se

relacionam com a preservação de técnicas, memórias, públicos ou

comunidades).

Como veremos mais à frente, o guia de estratégia está relacionado ao último tipo de

valor descrito.

Segundo Pedrão e Murguia (2013), o aspecto do colecionismo de livros é ainda pouco

explorado pela Biblioteconomia, pois seu olhar é frequentemente direcionado para as

bibliotecas institucionais, deixando de lado a questão importante, que é a relação do indivíduo

com os livros no momento da formação de uma biblioteca. Os estudos deveriam tratar mais

profundamente as questões que cercam o mundo do colecionismo, coleções e colecionadores,

pesquisar os motivos, muitas vezes difusos e obscuros, que levam alguém a colecionar livros.

Pomian (1984), por sua vez, afirma que um estudo das coleções e dos colecionadores

não pode fechar-se no quadro conceitual de uma psicologia individual que explica tudo

utilizando como referências noções como o “gosto”, o “interesse” ou ainda o “prazer

estético”. É exatamente o fato do gosto se dirigir para certos objetos e não para outros, de se

interessar por isto e não por aquilo e de determinadas obras serem fonte de prazer, que deve

ser explicado. O caráter dos indivíduos, a sua maior ou menor sensibilidade, são importantes

apenas na medida em que a organização da sociedade deixa um espaço livre ao jogo das

diferenças individuais.

Este estudo não se restringirá ao fenômeno do colecionismo, mas abordará também o

seu fundamento: o objeto. Dentro dessa linha,

Baudrillard (1968) foi um dos primeiros a pensar o objeto, não isolado e

descontextualizado, mas inserido no ambiente que o rodeia, para logo passar

a abordar seu aspecto econômico e social. Dentro da sociedade capitalista,

pode-se dizer que o objeto do colecionismo torna-se, também, um objeto não

unicamente de troca, mas de consumo. O autor chama a atenção para

aspectos antes ignorados, como a retirada dos objetos dos sistemas sociais,

para assim dar lugar aos repositórios de objetos e às coleções (MURGUIA,

2009, p. 90).

Os objetos não possuem relevância somente em razão de sua funcionalidade, mas são

também considerados de acordo com a dimensão social e a significação a eles atribuída,

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extrapolando assim a visão do consumo, fundada nas necessidades e na satisfação

(BAUDRILLARD apud CAVEDON, 2007).

“[Os] objetos nunca se esgotam naquilo para que servem, e é nesse excesso de

presença que ganham a sua significação de prestígio, que ‘designam’ não já o mundo, mas o

ser e a categoria social de seu possuidor” (BAUDRILLARD, 1972, p. 14).

Sendo os bens dotados de significações sociais, eles são usados para delimitar as

fronteiras entre grupos, para criar e demarcar diferenças ou o que existe de comum entre

grupos de pessoas. O consumo deve ser visto então como um processo social. A posse de um

bem pode significar a inclusão ou exclusão em um determinado grupo, assim como pode

significar um reconhecimento social. Sendo assim, as mercadorias passam a ser um elo de

ligação (ponte) entre os indivíduos que as possuem ou que compartilham da mesma

classificação do objeto, criando uma identidade (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004 apud

CAVEDON, 2007).

Ou seja, nada aqui está relacionado à bibliofilia, e não se enquadra em nenhum aspecto

de colecionismo que se atribui a bibliófilos. No caso específico do guia de estratégia, o seu

valor está além do seu conteúdo ou suporte. Os dispositivos subjetivos e pessoais acionados

são bem diferentes dos que são acionados nos bibliófilos. Veremos mais adiante como a

edição de colecionador dos guias de estratégia é importante para seus leitores se sentirem

parte de uma comunidade que possui os mesmos gostos e conhecimentos, se reconhecendo

entre si.

Mas antes é necessário definir o que diferencia um guia de estratégia “normal” ou,

como escolhemos chamar, standard.

A diferença da edição standard de um guia de estratégia para sua edição de luxo seria

marginal, ou antes, inessencial (para usarmos termos de Baudrillard), pois o guia de estratégia

enquanto objeto técnico, não pode ser personalizado, apenas nos seus aspectos inessenciais.

Naturalmente, quanto mais o objeto deve responder a exigências de

personalização, mais suas características essenciais são sobrecarregadas de

servitudes exteriores. A carroceria se sobrecarrega com acessórios, as formas

transgridem as normas técnicas de fluidez e de mobilidade que são próprias

de um carro. (…) A função de personalização não é somente um valor

acrescentado, é um valor parasitário. (BAUDRILLARD, 1997, p. 150).

Das edições de colecionador dos guias de estratégia o mesmo poderia ser dito, pois em

relação à sua função básica, as versões padrão e de luxo são idênticas, mas a encadernação

grande e pesada e o papel couché (em relação a sua fragilidade) fazem somente dificultar a

função básica de um guia, pois é um livro de difícil mobilidade, e utilizá-lo enquanto joga só

o danificaria. E dependendo do gênero do jogo, um guia pode passar facilmente de 300

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páginas, podendo chegar a mais de 1000 páginas, o que contradiz sua função básica de guia

para ser consultado a qualquer momento ou para ser utilizado enquanto joga.

Nos últimos anos, o foco dos guias começou a mudar para oferecer conteúdo mais

exclusivo que pode não estar diretamente relacionado ao jogo do videogame. Exemplos

incluem entrevistas de desenvolvedores, reproduções de arte de produção, passeios de estúdio

de desenvolvedores ou outro material de bastidores. Além disso, um número maior de edições

de colecionador de capa dura surgiu nos últimos anos, em resposta à disponibilidade de

informações de estratégias e walkthroughs online. Os editores do guia alavancaram seus

relacionamentos com desenvolvedores de jogos para obter material que não pode ser extraído

dos próprios jogos, criando assim artefatos físicos exclusivos da experiência do jogo.

De uma maneira geral, as diferenças de uma edição de colecionador para uma

standard são sobretudo nos elementos materiais, por isso, na seção O guia de estratégia

descrito foram definidos somente os elementos intelectuais. Assim, nesta seção serão

definidos e analisados nos guias de colecionador os seus aspectos materiais e o tipo de relação

que é estabelecido com os seus leitores.

As características de uma edição especial de um guia são as seguintes:

a) Papel couché: como dito anteriormente, por ser um livro em que as ilustrações e

as imagens do jogo serem um elemento indispensável, e por vezes acompanhar a

arte conceitual do jogo, o miolo dos guias (tanto as versões standard como as de

colecionador) são compostos de papel couché, papel de aspecto cerrado e

brilhante, próprio para a impressão de imagens a meio-tom e com muitos detalhes;

b) Capa dura: além da função primária de proteger o documento, a imagem na capa

serve para informar ao jogador do conteúdo do jogo, baseando-se na temática do

jogo. As capas das edições standard são flexíveis, e por sua vez as edições de

colecionador possuem capa dura, e estas possuem a contraguarda e guarda volante,

com ilustrações inspiradas na temática ou da arte própria do jogo;

c) Encadernação: o guia de estratégia é um livro de formato grande retangular, in-

folio, e seu formato em relação ao seu aspecto, visto da capa (formato

bibliográfico), equivaleria a um livro americano, obviamente de tamanho maior,

uma vez que o livro americano mede entre 18 e 21 cm de altura. Seu estilo é de

encadernação inglesa (onde se pode perceber o vinco junto à lombada), plena, de

produção comercial (totalmente produzida à máquina).

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Figura 9 – Elementos materiais da capa do guia de estratégia do jogo The Legend of Zelda: Breath of

the Wild (2017)

Fonte: do autor

Figura 10 – Elementos materiais do miolo do guia de estratégia do jogo The Legend of Zelda: Breath

of the Wild (2017)

Fonte: do autor

Se tratando no quesito gráfico, um guia de estratégia possui todos os elementos que

define um livro de arte, por sua encadernação luxuosa destinada a um público específico, que

Capa dura com arte

do jogo gravada em

dourado

Vinco de uma

encadernação do

tipo inglesa

Marcador

Contraguarda Guarda volante Papel couché

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não utilizará o livro com a sua função original, é um livro destinado à fãs do jogo, para

guardarem como item de colecionador.

Livro de arte: livro, geralmente de tamanho grande e de custo mais elevado, que

contém reproduções de boa qualidade de obras de arte visual (pinturas e desenhos) ou

fotografias, podendo ser acompanhadas ou não de texto. (CUNHA; CAVALCANTI, 2008, p.

232).

Livro de arte: obra de temas artísticos, que apresenta, em geral, ilustrações

em branco e preto ou em cores, realizada em papel de grande qualidade e de

impressão cara; livro artístico • aquele que se destina ao bibliófilo e ao

esteta, em geral peça de coleção ou obra de arte, realizada com a finalidade

de ser exposta em mostruário ou guardada ciosamente e considerada como

objeto sagrado. (FARIA; PERICÃO, 2008, p. 461).

Nesse caso, o jogador é um esteta, apesar deste tipo de livro não possuir, na maioria

das vezes, reproduções de arte propriamente dita.

Existe outro tipo de livro, geralmente chamado design works ou art books, que caberia

nessa descrição, que é um livro que contêm reproduções de arte, que pode ser a arte de um

jogo, filme ou animação. Este tipo de livro algumas vezes acompanha o guia de estratégia

como um capítulo extra ou anexo, mas isso é algo raro, na grande maioria das vezes o design

works é vendido separadamente.

No caso específico dos guias de estratégia

[...] art books são livros de ilustração normalmente utilizada por artistas,

designers e ilustradores. Estes livros geralmente possuem desde conceitos

até o trabalho final do artista. O projeto de um videojogo, livro ou até filme

exige por parte da equipe de criação o trabalho de vários artistas que

idealizam todo um universo e procuram significá-lo através de linguagens.

As artes conceituais se estabelecem como a valorização de um conceito ou

ideia abrindo mão do formalismo estético, tornando o conceito mais

importante do que a obra final. Portanto, durante o processo de criação e

adaptação da obra para a mídia apropriada, vários artistas criam concepções

de personagens, ambientes, vestimentas, animais e todo um universo

representativo. Estes trabalhos se apresentam como verdadeiras

manifestações artísticas, muitas vezes indisponíveis não só para o público,

mas também para outros artistas que buscam referências para estudos de

técnicas e estilos. A art books das Edições de Colecionadores são

verdadeiras fontes criativas de arte, conhecimento e técnica. Os processos

digitais proporcionaram novas estéticas tecnológicas isso fez com que o

computador transforma-se em um laboratório experimental de diferentes

mídias, as art books são manifestações desta convergência, onde são

mostradas as incursões da ilustração digital, da modelagem em 3D, da

renderização, da captura de movimento e tantas outras técnicas que ganham

força na computação gráfica. (BORGES, 2016, p. 90).

Sobre os design works caberia a definição de Cunha e Cavalcanti (2008, p. 232) sobre

o livro de ilustrações: livro que, geralmente, inclui pouco texto e é fartamente ilustrado.

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Figura 11 – Artes conceituais no guia de estratégia do jogo Fable III (2010)

Fonte: BradyGames (2010, p. 424, 438)

Por último, devemos salientar que os guias que estamos analisando são realmente

luxuosos na sua materialidade. Novamente aqui o guia de estratégia possui os elementos de

um outro tipo de livro, quando se trata no quesito gráfico.

Livro de luxo: o de formato grande e ricamente ilustrado. (CUNHA; CAVALCANTI,

2008, p. 232).

Livros de luxo, onde não há meio termo: a qualidade iconográfica e a de

impressão têm de ser, no mínimo, perfeitas. Quase sempre tais livros, devido

ao alto custo, se circunscrevem a uma edição limitada (às vezes até a menos

de mil exemplares). Correlatos a esse tipo de obra são os ditos livros de arte,

vale dizer, com fotografias ou reproduções de trabalhos plásticos, que

também exigem grande atenção sobre a qualidade da cópia do original com

vistas a um determinado sistema de impressão. (ARAÚJO, 2008, p. 446).

No caso presente, a maioria dos leigos (não jogadores) não possui conhecimento da

existência de tais livros, eles tomam estes livros por livros de artes, livros de RPG ou uma

edição especial de revista de jogos.

Esse tipo de livro é criado para um público muito restrito, somente um público que

está nesse mundo dos videogames entenderia o porquê de existir este tipo de obra, isso fará

valer as duas Leis ditadas por Ranganathan (2009) “a cada livro seu leitor” e “a cada leitor seu

livro”.

A noção de que certos livros se destinam aos olhos de certos grupos é quase

tão antiga quanto a própria literatura. (...) A separação de um grupo de livros

ou de um gênero para um grupo específico de leitores (sejam romances

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gregos ou a série cor-de-rosa da minha infância) não apenas cria um espaço

literário fechado que esses leitores são estimulados a explorar; com

frequência, toma esse espaço proibido para os outros. (...) Aventurar-se numa

literatura que a sociedade, num gesto de condescendência, põe de lado para

um grupo "menos privilegiado" ou “menos aceito" é arriscar-se a ser

infectado por associação (...). Mas, às vezes, o material de leitura de um

grupo segregado é criado deliberadamente por leitores de dentro do próprio

grupo. (MANGUEL, 1999, p. 256-258).

A edição de colecionador, ou edição limitada, dos guias de estratégia pelo seu próprio

nome se caracteriza por ser um produto de produção de tiragem bastante limitada, e designada

a um público específico, ou seja, não se caracteriza por ser um produto industrial de consumo

em massa.

Como já dissemos na seção sobre comunidades virtuais, existem diversas maneiras na

forma que os fãs de videogames (jogadores) consomem este tipo de arte, e como eles

compartilham e criam conteúdo. Existem milhares de canais com vídeos sobre as mais

diversas abordagens sobre videogames, desde análises críticas sobre jogos, passando por

walkthroughs (passo a passo de um jogo), playthroughs (simples ação de jogar um jogo

específico) até os unboxing2 de produtos em sites de vídeos como o YouTube.

A prática do unboxing consiste em mostrar, através de vídeo compartilhado em sites

como o YouTube, um produto sendo desembalado por uma pessoa comum, narrando suas

impressões sobre o produto. A ideia principal dessa prática seria, através do vídeo, informar a

outros consumidores as características de um produto sem as maquiagens publicitárias,

possuindo assim um caráter informativo. No entanto, com o tempo essa prática passou a

possuir um caráter hedonista, de exposição, com unboxing de produtos de alto valor agregado.

Com um produto tão único como as edições de colecionador dos guias de estratégia

não seria diferente. Por se tratar de um objeto de caráter especial, exclusivo e com produção

limitada, muitos leitores não têm a oportunidade de possuir ou observar de perto um guia

deste tipo devido ao elevado preço e tiragem limitada, além da curiosidade de saber como o

produto é na realidade.

Mas aqui não é um simples vídeo de um consumidor desembalando um produto, é um

consumidor especializado com um profundo conhecimento do produto que comprou e de todo

o universo que envolve este produto. E este consumidor fala para outros consumidores tão

especializados quanto ele.

Deve-se salientar que este tipo de prática não está restrito a sites de vídeos como o

YouTube, ocorrendo também em fóruns e nos mais diversos tipos de sites relacionados a

2 A palavra inglesa unboxing, significa o ato ou ação de desembalar, retirar o conteúdo de algum invólucro,

recipiente ou embalagem.

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videogames. Inclusive existem sites dedicados à guias de estratégia, como o Strategy Guide

Reviews, que faz análises dos guias, dando-lhe notas e comparando com outros guias.

Figura 12 – Unboxing de guia de estratégia do site Strategy Guide Reviews

Fonte: Strategy Guide Reviews

É interesse notar, como são os próprios leitores que possuem o conhecimento para

analisar o produto, e não apenas isso, somente eles possuem esse conhecimento além dos

próprios autores dos guias, que geralmente são criadores de jogos ou próximos em algum

nível no desenvolvimento. Por ser uma arte nova, não existem críticos formados nessa nova

arte, o cânone dos videogames é criado pelos jogadores e por alguns jornalistas respeitados no

meio, que, na maioria das vezes, não são formados em jornalismo.

O guia não apenas é um item de coleção, ele é também uma forma da comunidade

estreitar seus laços, de se aproximarem. Aparentemente, existe num primeiro momento um

objetivo racional de se analisar o produto e tentar elencar os seus prós e contras, mas existe

um diálogo entre o apresentador e os telespectadores num reconhecimento mútuo de pessoas

que entendem e conhecem seu próprio vocabulário, gostos e rituais, um misto de

racionalidade e emoção. Existe também um hedonismo, devido ao guia ser um produto

especial e de tiragem limitada, provocando ao outro não só o desejo da aquisição, mas

também de interagir e fazer parte desta comunidade.

A existência de um processo de apreensão no qual o sujeito cria uma relação

com o objeto é uma característica implícita na Edição de Colecionador. Os

meios e tecnologias mediam estas relações e constroem universos onde se

criam redes colaborativas que emergem através das trocas de experiências

entre os diversos membros deste público. A extensa rede de acesso que é a

internet, alimenta a cultura participativa no qual o público se manifesta de

forma livre e por diversos diferentes canais de comunicação. Os videotubers,

os podcasts, as resenhas, os fóruns, tudo serve como estratégia para a

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manifestação da expressão, seja de cunho intelectual, emocional ou

religioso. (BORGES, p. 114)

Em relação à edição de colecionador do guia de estratégia, seu público é sempre

próximo em comunidades virtuais, e estas são criadas não apenas para discutir as questões

técnicas e estéticas do objeto, mas para criar relações afetivas entre os membros destas

comunidades, uma oportunidade de trocas de experiências, uma vez que estes membros não

são apenas meros observadores olhando uma peça de valor exibida num local seguro, como

num museu. Estes membros fazem parte de um sistema de profundos conhecedores de sua

arte, ainda que para alguns esta arte seja apenas um mero entretenimento.

Esses compartilhamentos de impressões, experiências e conhecimentos são possíveis

graças a interação de seus membros, sempre interessados em tudo que seja relacionado a esta

cultura, que são os videogames, interação que ocorre através das comunidades virtuais

existentes graças às tecnologias de informação e comunicação, que permitem e viabilizam

diferenciadas formas de socialização.

Com isso dito, é lícito afirmar que uma edição de colecionador de guia de estratégia

está além do ato de consumir, possuir ou colecionar, e até mesmo está além de ser utilizada,

mas o de vivenciar uma comunidade que se encontra em torno deste produto, que é o guia de

estratégia de videogames, onde se consolida o conhecimento do mundo dos videogames, seus

criadores e jogadores.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo maior um melhor entendimento do porquê um

determinado tipo de livro, no caso, o guia de estratégia de videogames, ganha características

estranhas às suas funções. Para isso, foi necessário descrever o contexto histórico em que os

videogames surgiram e mostrar a sua evolução como arte até os dias de hoje.

Os videogames surgiram num contexto de revolução das tecnologias de informação e

comunicação, e ganharam suas atuais características moldados por essa revolução. E por isso

evoluem como arte conforme essas tecnologias também evoluem, fazendo com que o escopo

dos jogos de videogame aumente e novos gêneros e novas formas de jogar surjam, além dos

jogos ficarem cada vez mais complexos e longos.

Com o advento da internet, surgem os jogos online e suas comunidades virtuais

dedicadas, fazendo com que a troca de informação e experiência entre os jogadores

aumentasse exponencialmente, permitindo que estes criassem seus próprios guias, não ficando

mais tão dependentes das revistas especializadas e dos guias impressos, além de propiciar

uma aproximação deste jogadores com os criadores de jogos.

Devido à simplicidade dos videogames em seus primórdios, com sua jogabilidade

baseada numa única mecânica, gráficos simples e o objetivo único de pontuar, os manuais de

instruções (simples folhetos) eram suficientes para abordar todos os elementos dos jogos da

época. Então, conforme a complexidade dos jogos crescia, seus manuais não eram mais

suficientes para dar conta de todos os seus elementos. Assim, surgem os guias para cobrir essa

demanda, que nos anos 1990 no Brasil era suprida pelas revistas especializadas.

O guia de estratégia é um tipo de livro que é ao mesmo tempo, um manual, um “passo

a passo” ou “livro tutorial”, um guia e um livro de referência, além de possuir características

de outros tipos de livros, como os livros ilustrados, livros de ilustrações e livros de arte. Isso

nos mostra como o videogame é uma arte complexa, que somente um determinado tipo de

livro, que possui uma bibliologia única, como o guia de estratégia, consegue dar conta.

Os guias surgem devido à necessidade dos jogadores conseguirem terminar os jogos.

Mesmo jogadores com bom conhecimento e experiência têm dificuldade de usufruir alguns

jogos de uma maneira mais aprofundada, devido à sua elevada complexidade e longevidade,

tendo que recorrer aos guias.

Idealmente, um guia de estratégia de videogame é para ser utilizado enquanto se joga

o jogo, ou para ser consultado quando não se consegue superar um determinado desafio, mas

devido às encadernações grandes, pesadas (devido à grandiosidade de alguns jogos) e,

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algumas vezes, luxuosas, os guias não são práticos no momento de manuseá-los. Isso nos

mostra a contradição da própria existência deste tipo de livro. Além disso, os guias criados

pelas comunidades virtuais são mais práticos e mais atualizados do que suas versões

impressas. Essa praticidade é propiciada devido aos recursos presentes do hipertexto na

internet, que permitem rápido acesso a determinadas partes do livro graças aos seus hiperlinks

e à possibilidade de diversas mídias adicionadas ao documento.

A disponibilidade cada vez mais crescente e a abrangência destes guias de estratégia

online, e de acesso gratuito, retira um pouco da demanda por guias oficiais impressos. Devido

a esses fatores, o foco das editoras muda, oferecendo conteúdo exclusivo em edições luxuosas

de capa dura (já mencionadas). Essas edições de luxo não são somente um ato de

colecionismo ou simples hedonismo, mas uma forma de vivenciar uma comunidade que se

encontra em torno deste produto, que é o guia de estratégia de videogames, onde se consolida

o conhecimento do mundo dos videogames, seus criadores e jogadores, e onde estes possam

se reconhecer como iguais.

Durante o processo de criação deste estudo surgiram inúmeras questões acerca da

relação do trabalho do bibliotecário com uma nova arte, questões essas que não são previstas

num primeiro momento. Essas questões estão mais atreladas aos videogames propriamente

ditos do que aos guias, que é o nosso objeto principal. Por isso decidiu-se focar no estudo dos

guias somente.

Uma destas questões seriam os diversos “problemas” em relação ao surgimento de

uma nova arte ou ciência no trabalho do bibliotecário. Um exemplo seria o vocabulário desta

nova arte, que é o videogame. Como toda ciência humana (cujo vocabulário especializado se

encontra ligado à escolas de pensamento e ideologias veiculadas através da linguagem

natural) ela não possui um vocabulário próprio, o vocabulário dos videogames é um

vocabulário de linguagem natural, não possuindo um vocabulário com termos próprios

(especializado). O próprio termo “videogame” não é consenso entre especialistas, jornalistas e

comunidade de jogadores. Isto acarreta dificuldades na Indexação/Análise Documentária de

documentos de ciências humanas.

Uma outra questão surgida durante a confecção deste trabalho foi como se mostrou

útil a caracterização exaustiva que foi realizada do tipo de usuário/leitor deste tipo de livro,

pois a Biblioteconomia ainda hoje possui o hábito de estudo de usuários de caráter positivista.

Estudos esses que só repetem as mesmas conclusões, sem demonstrar as contradições da

realidade estudada, sempre concluindo com generalizações. Contrapondo a isso, aqui temos

um estudo onde mostramos os hábitos, gostos e comportamento deste tipo de usuário/leitor, o

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exato oposto dos estudos de usuários, onde se restringe os hábitos do usuário em relação à

instituição a que ele está vinculado e à biblioteca.

E por fim, a Classificação Decimal de Dewey (CDD) inclui os videogames na classe

das artes (700), mais precisamente esportes, jogos e entretenimento (790), expondo mais o seu

caráter de arte recreativa e de performance do que de interface (eletrônica). Sua classificação

é 794.8, descrita como jogos eletrônicos, da divisão 794 (indoor games of skill, que seria algo

como “jogos de interior que requerem habilidade”, pra contrapor a jogos realizados em espaço

aberto).

De acordo com as instruções da CDD, deve-se usar 793.932 para jogos de aventura

(jogados em um computador) com um determinado objetivo, envolvendo resoluções de

problemas, na qual o jogador deve pensar ao invés de fazer ações com habilidades de reflexo.

Para jogos que enfatizam reflexos rápidos (contrapondo aos jogos de decisões “intelectuais”,

como os explicitados acima) usa-se a notação 794.822.

Vemos assim que a CDD divide os jogos em "intelectuais" e de "habilidade", ou seja,

divide pelo seu tipo de jogabilidade e não pelo seu suporte. Ela caracteriza todos os

videogames como jogos de habilidade, e aqueles que não são de habilidade, ela cria notações

para jogos em suas versões eletrônicas. Na verdade, todos os tipos de jogos são, em teoria,

passíveis de se tornarem eletrônicos, bastando que exista tecnologia suficiente para isso. Além

disso, a CDD também desconsidera o fato de que existam jogos que somente são possíveis em

meio eletrônico, assim como os jogos que já nasceram eletrônicos e aqueles que somente

foram possíveis de serem criados devido ao surgimento de determinados dispositivos, como o

teclado e o mouse. O fato da notação 794.8 abarcar todos os tipos de jogos eletrônicos, e

serem designados como “jogos de computador”, já demonstra uma falha.

Talvez se poderia argumentar que não há necessidade de se classificar estes livros,

uma vez que estes não irão parar numa estante, pois ainda é nova a ideia deste tipo de livro

realmente servir como uma obra de referência para uma arte tão nova que é a dos videogames.

No Brasil é difícil imaginar uma biblioteca de jogos, ou mesmo ainda uma biblioteca de

estudos sobre jogos.

Os guias de estratégia devem ser estudados para que não fiquem classificados apenas

como um livro com temática de jogos, ou um livro sobre jogos, e, para que assim não haja um

desconhecimento total para o tratamento desse tipo de material tão estranho aos bibliotecários.

Mas espera-se que, no futuro, com um novo entendimento sobre a arte dos

videogames, seja então o guia de estratégia classificado como uma obra de referência, ou

mesmo como um simples manual, para que assim possa fazer parte de uma biblioteca. Que

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não seja simplesmente um objeto de conotação hedonista, para um nicho de usuário, mas para

que um dia faça parte de um novo olhar, de um novo entendimento desse suporte, enquanto

novo recurso documentário.

O guia de estratégia, como objeto de análise, apresentou uma multiplicidade de

elementos que permitiram o desenvolvimento de questões acerca dos videogames, das

tecnologias de informação e comunicação, do hipertexto, do colecionismo e das comunidades

virtuais.

Este trabalho não buscou esgotar todas as questões relativas aos guias ou aprofundar-

se em pontos específicos. Este trabalho está longe de ser conclusivo, é apenas uma

aproximação aos guias de estratégia, um tipo de livro próprio desta novíssima arte que são os

videogames.

O tema ainda é bastante escasso, o máximo que se encontrou sobre guias foram

verbetes em enciclopédias de jogos. O guia de estratégia de videogames ainda é um objeto a

ser investigado com exaustão.

Este trabalho ainda é um tema em aberto. Pela própria característica intrínseca dos

videogames de estarem atrelados à evolução tecnológica, este estudo sempre estará

desatualizado e inconclusivo. Outras interfaces, novos tipos de jogabilidade, e até novos

gêneros de jogos virão, podendo consequentemente mudar novamente o caráter e a forma dos

guias de estratégia, assim como poderão surgir novas formas de se relacionar com este tipo de

livro.

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