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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS CURSOS DE CIÊNCIAS SOCIAIS Raimundo Nonato Gomes Araújo A INSUSTENTÁVEL SUSTENTABILIDADE: história social do termo Desenvolvimento Sustentável São Luís 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

CURSOS DE CIÊNCIAS SOCIAIS

Raimundo Nonato Gomes Araújo

A INSUSTENTÁVEL SUSTENTABILIDADE: história social do termo Desenvolvimento Sustentável

São Luís 2010

Raimundo Nonato Gomes Araújo

A INSUSTENTÁVEL SUSTENTABILIDADE: história social do termo Desenvolvimento Sustentável

Monografia apresentada ao Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão para obtenção do grau de Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais. Orientador: Prof. Doutor Horácio Antunes Sant’Ana Júnior

São Luís 2010

Araújo, Raimundo Nonato Gomes

A Insustentável Sustentabilidade: história social do termo desenvolvimento sustentável / Raimundo Nonato Gomes Araújo_ São Luís, 2010.

93 fls.

Monografia (Graduação em Ciências Sociais) _ Universidade Federal do Maranhão - UFMA, 2010.

1. Desenvolvimento Sustentável. 2. Natureza. 3. Capital. 4. Mercado. I. Titulo.

CDU 379.85:316

Raimundo Nonato Gomes Araújo

A INSUSTENTÁVEL SUSTENTABILIDADE: história social do termo Desenvolvimento Sustentável

Monografia apresentada ao Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão para obtenção do grau de Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais.

Esta monografia foi julgada adequada à obtenção de grau de Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais e aprovada em sua forma final pelo Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão. Aprovada em: _____/____/_____

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________ Professor Doutor Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior

Orientador

_______________________________________________ Professora Doutora Madian de Jesus Frazão Pereira

_______________________________________________ Professor Mestre Bartolomeu Rodrigues Mendonça

À minha família pelo apoio nesta longa

jornada estudantil.

“A Sociologia não pode permanecer uma

disciplina puramente acadêmica, se

“acadêmica” significa uma busca

desinteressada e distanciada, circunscrita ao

âmbito estreito dos muros da universidade”.

Anthonny Giddens

AGRADECIMENTOS

São tantos os nomes que deveriam constar nesta lista de agradecimentos, caso

esqueça, espero a compreensão.

Agradeço a minha tia e ao mesmo tempo uma mãe nestes anos de jornada

estudantil, Maria José Araújo Lemos, pela dedicação, incentivo, críticas e apoio. A minha

avó Iracema Gomes, por estar sempre ao meu lado e pela paciência ao lidar com minha

pessoa. A minha mãe, Maria Domingas, que mesmo não estando perto tem me colocado nas

suas orações.

A minha madrinha Lúcia, por ter siso uma grande incentivadora nesta conclusão

de monografia. Não podia esquecer nestes agradecimentos a minha companheira, amiga e

namorada Taiane Dias pela compreensão e apoio que um trabalho como este requer.

Agradeço aos estimados professores com os quais tive aula nesta graduação, em

especial ao professor Horácio Antunes, pela sua dedicação e paciência neste trabalho

monográfico.

Não poderia esquecer as tutoras Ilse e Cristina do Grupo PET-CS, pelo apoio

dado em minha vida acadêmica, não poderia deixar de mencionar meus colegas de sala em

especial Thimoteo, Flor, Marmanilo, Wellington, Bruno Leonardo e um parceiro nestes anos

de graduação Anderson Vieira, assim como Emanuele e Eva.

Nossos agradecimentos também se direcionam a pessoa do seu Levi pela

compreensão e bons papos que travamos no Centro Acadêmico de Ciências Sociais, assim

como sua ajudante Elisângela, pelo incentivo a nossa caminhada estudantil.

E, por último, deixo meus sinceros agradecimentos a uma mãe que conheci nos

últimos anos, a pastora Graça e ao meu amigo, pai e avô Domingos Pinheiro Araújo (in

memorian).

RESUMO

No final do século XX e iniciar do século XXI, o conceito de desenvolvimento sustentável

ganhou um peso notável. Anunciado e exaltado pelos mais variados atores sociais da

atualidade, o conceito em questão é apresentado como a solução para o risco de

sobrevivência da vida na Terra. Diante de um planeta regido cada vez mais pelos ditames do

mercado, a humanidade tem observado a realidade de uma forma míope, ou seja, distorcida.

Sendo assim, é necessário um olhar crítico acerca do conceito de desenvolvimento

sustentável, o que por sua vez, só pode ser alcançado através de uma construção da história

social desse termo.

Palavras-Chaves: Desenvolvimento Sustentável. Natureza. Capital. Mercado.

ABSTRACT

In the late twentieth century and start of the century, the concept of sustainable development

has gained a remarkable weight. Listing and exalted by the most diverse social actors today,

the concept in question is presented as the solution to the risk of survival of life on Earth.

Facing a world governed more by the dictates of market, humanity has seen the reality of a

myopic manner, ie distorted. It is therefore necessary to look critically about the concept of

sustainable development, which in turn can only be achieved through construction of the

social history of that term.

Keywords: Sustainable Development. Nature. Capital. Market.

LISTA DE SIGLAS CDB - Convenção sobre Diversidade Biológica.

CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina.

CMMAD - Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.

CNUMAD - Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento.

ECOSOC - Conselho Econômico e Social das Nações Unidas.

FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.

OCDE - Organização de Desenvolvimento e Cooperação Econômica.

OIT - Organização Internacional do Trabalho.

ONG - Organização Não Governamental

ONU - Organização das Nações Unidas.

PNB - Produto Nacional Bruto.

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

UICN - União Internacional para a Conservação da Natureza.

UNCTD - Comissão das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento.

UNRISD - Instituto de Pesquisa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

WCP - Programa Mundial do Clima.

WWF - Fundo Mundial para a Natureza.

SUMÁRIO LISTA DE SIGLAS........................................................................................ 08

1 INTRODUÇÃO.............................................................................................. 10

2 A REINVENÇÃO DO DESENVOLVIMENTO....................................... 16

2.1 A Invenção do subdesenvolvimento............................................................. 16

2.2

2.3

Contexto histórico pós-Segunda Guerra......................................................

Reinventando o desenvolvimento.................................................................

17

21

3 DO DESENVOLVIMENTO AO DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL............................................................................................ 33

3.1 A emergência da questão ambiental............................................................. 33

3.1.1 Estocolmo........................................................................................................ 35

3.1.2 O Clube de Roma e “Os Limites do Crescimento”......................................... 39

3.1.3 Ecodesenvolvimento........................................................................................ 44

3.1.4 Declaração de Cocoyoc................................................................................... 46

3.2 Afirmação da questão ambiental: década 1980......................................... 47

3.3 Desenvolvimento e natureza..................................................................... 50

3.4 O despertar da sustentabilidade................................................................. 53

3.5 Acontecimentos importantes entre o período de 1962 – 1987

envolvendo a questão ambiental................................................................... 57

4 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL................................................. 61

4.1 Relatório Bruntland...................................................................................... 61

4.2 Institucionalização do desenvolvimento sustentável.................................. 64

4.3 Sustentabilidade: um grande negócio.......................................................... 76

5 CONCLUSÃO................................................................................................ 85

REFERÊNCIAS............................................................................................... 90

10

1 INTRODUÇÃO

Há mais ou menos um ano e meio atrás houve uma sugestão por parte do

professor Horácio Antunes para que trabalhássemos uma história social do termo

desenvolvimento sustentável. Naquela ocasião, já tínhamos contato com o tema da

sustentabilidade, pois participamos de uma disciplina eletiva a respeito da questão ambiental

ministrada pelo referido professor. Durante a disciplina, um texto em especial despertara

grande interesse. Tinha por título Desenvolvimento, cujo autor era Gustavo Esteva, e

encontra-se na obra Dicionário do Desenvolvimento, organizado por Wolfgang Sachs

(2000). O texto desenvolve uma análise do termo Desenvolvimento no pós-segunda guerra

até sua transformação em desenvolvimento sustentável. Porém, num determinado ponto da

leitura, algo adentrava nossa mente para não mais sair. Aprimorando um olhar crítico a

respeito de uma das reinvenções do desenvolvimento, o subdesenvolvimento, Esteva adverte

que este conceito era aceito como fenômeno real e ninguém suspeitava que o termo em

questão era uma falsificação da realidade (ESTEVA, 2000).

Após a leitura do texto de Esteva, estávamos voltados para desenvolver um

trabalho monográfico acerca do conceito de subdesenvolvimento como uma percepção

fundamental na compreensão da realidade brasileira, haja vista que nosso país adotou esse

termo como caracterizador de sua realidade nos anos 1950. Mas sentíamos que faltavam

elementos, ou melhor, bagagem e ferramenta intelectual para a realização de uma análise

sociológica acerca do termo subdesenvolvimento. Mas algo ficou dessa leitura em nossa

mente: a necessidade de olharmos determinados aspectos ou conceitos de nossa realidade,

por um viés mais crítico, objetivando perceber as armadilhas e reais impressões que

determinados termos que compõem nosso cotidiano sempre nos oferecem.

Quando o professor Horácio Antunes sugeriu um trabalho monográfico sobre o

tema Desenvolvimento Sustentável não duvidamos em aceitar o convite. Logo iniciamos as

leituras de outros textos que compõem a obra Dicionário do Desenvolvimento, tais como

Ciência de Claude Alvares, Estado de Ashis Nandy, Meio Ambiente de Wolgang Sachs e

Recursos Naturais de Vandana Shiva. Porém, surgia um desafio em nosso caminho,

conciliar constantes aulas por mim ministradas em cursinhos com a produção deste trabalho

monográfico. Durante certo período, deixamos a monografia de lado para, somente no ano

passado, retornarmos com força as leituras sobre o tema em questão. Mas é necessário

afirmarmos que, mesmo no período que deixamos a monografia de lado, desenvolvemos

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algumas leituras esporádicas bem como o texto La Insoportable Levedad de La

Globalización: La Capitalización de La Naturaleza y Las Estrategias Fatales de La

Sustentabilidad de Enrique Leff.

É dentro dessas circunstâncias que apresentamos como grande objetivo deste

trabalho monográfico realizar uma história social do termo desenvolvimento sustentável

com vistas a um entendimento do conceito em questão. Desde já assumimos que a postura

nesta composição é de crítica em relação ao termo que será analisado. Jurandir Carneiro

adverte que, após a queda do Socialismo de Estado, vive-se na sociedade atual um

retraimento da reflexão conceitual crítica. O mesmo, segundo o autor, vale para as Ciências

Sociais que renunciam ao “esforço da apreensão de conjunto das determinações estruturais

da ordem social existente, cujos fundamentos passam a ser assumidos como dados”

(CARNEIRO, 2005, p.27).

Essa “aconceitualidade” que caracterizou os anos de 1990 também envolveu a

noção de desenvolvimento sustentável, carecendo este conceito de um olhar mais crítico,

não tomando suas bases como dados reais, mas realizando uma análise mais cuidadosa, ou,

porque não, mas desconfiada de seus propósitos.

Neste sentido, para uma compreensão do conceito de desenvolvimento

sustentável, é necessário não apenas entender sua história, mas o que de fato ele representa.

No entanto, para o melhor entendimento do que é desenvolvimento sustentável, Muniz e

Sant’Ana Junior (2009, p. 11) advertem que é necessário “entender o significado da ideia de

desenvolvimento, como surgiu o termo, as formas como ele pode ser medido e as teorias que

ajudam a criar a expressão”, até porque o conceito de desenvolvimento sustentável é um

desdobramento ou uma resposta para a crise ambiental e social cujo conceito de

desenvolvimento do pós-segunda guerra contribuiu para deteriorar.

Após a apresentação do tema da monografia no primeiro capítulo, o segundo

capítulo aborda o conceito de desenvolvimento do pós-segunda guerra sendo intitulado A

Reinvenção do Desenvolvimento. O primeiro tópico apresenta o momento em que a

estratégia do desenvolvimento é lançada no pós-segunda guerra e a classificação de algumas

áreas do globo como subdesenvolvidas. O título deste tópico é A Invenção do

Subdesenvolvimento. A segunda parte deste capítulo trata do contexto histórico em que o

conceito de desenvolvimento surge, as estratégias por detrás desse conceito. A última parte

faz uma avaliação crítica do conceito de desenvolvimento, a quem de fato esta noção serve,

as conseqüências da formulação desse conceito para as mentalidades das regiões do globo

que o adotaram como fenômeno real, a institucionalização desse conceito, as teorias que

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tentaram explicar as saídas para o desenvolvimento, bem como as causas de

subdesenvolvimento, além de apresentarmos alguns resultados que este conceito produziu

por onde foi divulgado.

Após o estudo sobre o conceito de desenvolvimento, o terceiro capítulo realiza

uma viagem da crise do conceito de desenvolvimento do pós-segunda guerra até o anúncio

do conceito de desenvolvimento sustentável no Relatório Bruntland. O objetivo deste

capítulo é apresentar os caminhos percorridos pelo termo desenvolvimento, no momento de

sua crise inicial no final dos anos 1960 até o período de construção do termo

desenvolvimento sustentável nos anos 1980. Para conseguir tal objetivo é apresentada a

correlação da crise da noção de desenvolvimento do pós-segunda guerra com a emergência

da questão ambiental. Fala-se em seguida do desenvolvimento de uma preocupação

ambiental com a Conferência de Estocolmo, o Clube de Roma e o relatório Limites do

Crescimento, além de ser feita uma pontuação crítica sobre estes acontecimentos. Também

são apresentados acontecimentos importantes para o aparecimento do conceito de

desenvolvimento sustentável, como o conceito de ecodesenvolvimento, a Declaração de

Cocoyoc, além da afirmação da questão ambiental na década de 1980 e o suposto casamento

dos objetivos do desenvolvimento com a questão ambiental. O capítulo se encerra com o

tópico O Despertar da Sustentabilidade no qual é feita uma análise crítica do período

abordado pelo capítulo.

O quarto capítulo lida especificamente com o termo desenvolvimento

sustentável. É desenvolvida uma análise acerca do Relatório Bruntland, haja vista que é este

Relatório que vulgariza o termo desenvolvimento sustentável, como solução para crise

ambiental no planeta. É trabalhado em seguida como ocorreu o processo de

institucionalização do desenvolvimento sustentável. É pontuada uma série de

acontecimentos e mecanismos (ECO-92, a Agenda 21, criação de órgãos multilaterais,

envolvimento do setor privado e da sociedade civil) tidos como fundamentais para que a

institucionalização do termo desenvolvimento sustentável acontecesse. Porém, os

acontecimentos a pouco citados não apenas são apresentados como é feita uma avaliação

crítica dos mesmos. Na última parte do capítulo quatro, é desenvolvida uma avaliação crítica

do conceito de desenvolvimento sustentável. Portanto, este capítulo explica a divulgação e

institucionalização do conceito de desenvolvimento sustentável, além de explicitar críticas

acerca deste conceito.

Antes de ser apresentada a metodologia utilizada neste trabalho, pontua-se que,

ao se construir uma história social do termo desenvolvimento sustentável, não existe a

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pretensão de crença que foi esgotado completamente o conteúdo acerca do termo em

questão, pois esta tarefa é completamente impossível. De acordo com Karl Jaspers, quando

Max Weber se debruçava sobe determinada pesquisa sabia que o todo era inacessível e que

cada pesquisa é particular:

Se eu pudesse conhecer o geral das coisas humanas, seja na forma de leis naturais gerais e imutáveis, seja na forma da totalidade, seja como princípio de desenvolvimento inequívoco, então eu poderia deduzir dele o evento particular como necessário. Mas eu conheço, partindo de pontos de vistas relativos, regras e leis que apenas atingem aspectos do real, e somente conheço totalidades relativas, nunca o todo. A realidade é individual, infinita, inesgotável em cada uma das suas figuras: as leis que valem para estas não permitem que delas se deduza o real (JASPERS, 2007, p. 118).

Karl Jaspers toca nesta citação numa das características da metodologia

weberiana, que é o princípio da totalidade relativa. No pensamento de Weber, ao ser

empreendida uma compreensão de determinado assunto, o que é captado daquele estudo são

apenas algumas ou uma das causas que fazem parte do tema de pesquisa, mas não é

compreendido no seu todo, ou seja, é impossível numa compreensão científica a apreensão

total dos aspectos daquela realidade, haja vista que conhecimento humano é limitado e a

realidade formada por uma infinitude de causas. Sendo assim, as interpretações acerca da

história social do desenvolvimento sustentável podem no máximo tocar em alguns aspectos

que permitam alguns entendimentos críticos deste conceito, porém jamais o explicam em

sua totalidade.

A metodologia utilizada no desenvolvimento deste trabalho contou com

pesquisas bibliográficas acerca de livros, textos, artigos relacionados às temáticas do

desenvolvimento e do desenvolvimento sustentável. Foram realizadas pesquisas a cerca de

trabalhos que possuem uma dimensão crítica sobre o tema em questão bem como a obra

Dicionário do Desenvolvimento coordenada por Wolgang Sachs (2000), a invenção do

Terceiro Mundo de Arturo Escobar (1996), As Novas Premissas da Sustentabilidade

Democrática de Henri Acserald e Jean Pierre Leroy (2003) (o artigo Desenvolvimento

Sustentável: uma discussão crítica sobre a proposta de Busca da sustentabilidade Global de

Lenir Morais Muniz e Horário Antunes de Sant’Ana Júnior (2009), além do texto Os Mitos

do Desenvolvimento Sustentável de Isabel Carvalho (1991) e da obra A Insustentável

Leveza da Política Ambiental: Desenvolvimento e Conflitos Sócioambientais, organizada

por Andrea Zhouri Klemens Laschefski, Doralice Barros Pereira (2005). Não podemos

esquecer também a importância do artigo La Insoportable Levedad de La Globalización: La

Capitalización de La Naturaleza y Las Estrategias Fatales de La Sustentabilidad, de Enrique

Leff (2001).

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Foram também realizadas pesquisas na internet, de onde coletamos algumas

informações importantes como o blog acerca da questão ambiental mantido por Amália

Godoy e do relatório Perspectivas do Meio Ambiente Mundial 2002 – GEO 3 produzido

pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, texto fundamental na

apresentação de informações, principalmente acerca da institucionalização do

desenvolvimento sustentável.

Além destas e outras leituras foi de fundamental importância na construção deste

trabalho a paciência e orientação do professor Horário Antunes que em alguns momentos

apontou erros, nos fez sugestões, nos alertou para o cuidado do uso de alguns termos bem

como a expressão segunda guerra mundial, que era um termo que usávamos na elaboração

do trabalho e o professor nos alertou para o fato da primeira e segunda guerra serem

basicamente européias envolvendo apenas algumas partes do mundo. Uma visão

etnocêntrica é que a apresentou como mundial.

Consultamos também a Revista Carta Capital como veículo de informação haja

vista que essa revista traz em alguns meses o encarte denominado Carta Verde contando

com textos sobre a questão ambiental e a temática da sustentabilidade.

É necessária a afirmação que leituras sobre a questão econômica do planeta que

já desenvolvíamos para aulas a serem ministradas no cursinho acabaram tornando-se numa

ferramenta importante no sentido de compreensão dos interesses do capital na questão

ambiental.

O tema a respeito do qual é desenvolvido este trabalho monográfico, ou seja, o

desenvolvimento sustentável é dos mais escorregadios, haja vista que ele é uma espécie de

continuação do conceito de desenvolvimento, porém revestido de um novo discurso, pois

promete agora não o progresso para o mundo subdesenvolvido, mas um planeta melhor

habitável a todos, ou seja, promete sobrevivência da humanidade. Mas como um co-irmão

do antigo conceito de desenvolvimento é necessário lembrar que conforme assinala Sachs

“desenvolvimento é muito mais que um simples empreendimento socioeconômico, é uma

percepção que molda a realidade, um mito que conforta sociedades, uma fantasia que

desencadeia paixões” (SACHS, 2000, p.12). Assim como a noção de desenvolvimento do

pós-segunda guerra moldava a percepção da realidade naquele contexto, o conceito de

desenvolvimento sustentável visa fazer o mesmo na atualidade.

É de fundamental importância um olhar desconfiado, crítico, diante de um

conceito que permite que qualquer intervenção seja santificada em nome de um objetivo

maior, fazendo com que inimigos se unam sob sua bandeira (SACHS, 2000). E sob essa

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perspectiva de crítica que será desenvolvido este trabalho, evitando cair na visão

homogeneizante e tipicamente ocidental do desenvolvimento.

Este trabalho também é importante porque aborda um tema amplamente

discutido na atualidade que se transformou “numa categoria chave, amplamente veiculada,

que inaugura uma via comum onde transitam ecologistas, desenvolvimentistas, agências

financeiras multilaterais, grandes empresas conciliando interesses do Norte e do Sul”

(CARVALHO, 1991, p.17). Se é necessário cautela diante dele, conforme assinala Isabel

Carvalho, afirma-se que é necessário também o enfrentamento a esse conceito para um

planeta de fato sustentável.

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2 A REINVENÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

2.1 A invenção do subdesenvolvimento

A data de 20 de Janeiro, no Estado do Maranhão e em muitas cidades e regiões

do Brasil, é marcada pelo festejo de São Sebastião. Se uma determinada pessoa se deslocar

de São Luís a qualquer região do Estado, vai deparar-se ao longo do caminho com uma série

de festejos em homenagem ao santo em questão.

Enquanto nossos bisavôs, tataravôs homenageavam São Sebastião no ano de

1949, as regiões em que habitavam sofreria, naquela data, uma classificação sem

precedentes. Os Estados Unidos escolheram a data de 20 de Janeiro de 1949 (data da posse

do presidente Truman) para formular uma campanha política, em nível global cujo objetivo

era consolidar sua hegemonia e torná-la permanente. Por isso, no dia da posse do presidente

Truman, nos relata Gustavo Esteva, uma nova era se abria para o mundo, a era do

desenvolvimento (ESTEVA, 2000).

Vejamos parte do discurso de Truman citada por Esteva na obra Dicionário do

Desenvolvimento:

É preciso que nos dediquemos a um programa ousado e moderno que torne nossos avanços científicos e nosso progresso industrial disponíveis para o crescimento e para o progresso das áreas subdesenvolvidas. O antigo imperialismo – a exploração para lucro estrangeiro não tem lugar em nossos planos. O que imaginamos é um programa de desenvolvimento baseado nos conceitos de uma distribuição justa e democrática (ESTEVA, 2000, p.60).

Quando o presidente de uma nação hegemônica em termos de capitalismo

classifica determinadas áreas do globo como subdesenvolvidas, essa hierarquização passa a

ter um peso enorme. O subdesenvolvimento começava, assim, a 20 de Janeiro de 1949.

Naquele dia, dois bilhões de pessoas passaram a ser subdesenvolvidas (ESTEVA, 2000). A

era do desenvolvimento começava com a invenção do subdesenvolvimento.

Segundo Esteva, daquele momento em diante os dois bilhões de

“subdesenvolvidos” deixaram de ser o que eram antes, em toda sua diversidade, e foram

transformados magicamente em uma imagem inversa da realidade alheia, uma imagem que

os diminui e os envia para o fim da fila, uma imagem que simplesmente define sua realidade

(ESTEVA, 2000). Portanto, enquanto nossos bisavôs e tataravôs renovavam seus votos a

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São Sebastião, eles eram classificados como seres atrasados, sem ao menos poderem

pronunciar uma palavra sobre tal ocorrência.

Retornando ao discurso da posse de Trumam é importante analisar que a palavra

desenvolvimento ganhava, a partir daquele dia, um peso até então nunca visto.

Duzentos anos de construção social do significado histórico-político do termo desenvolvimento foram naquele momento usurpados e transformados. O conceito de desenvolvimento era colocado num pacote tipicamente americano, como uma arma contra o comunismo e a serviço dos desígnios hegemônicos dos Estados Unidos e conseguiria permanecer nas mentes populares e intelectuais pelo resto do século (ESTEVA, 2000, p.60).

O objetivo deste capítulo é apresentar a construção da noção de desenvolvimento

no pós Segunda Grande Guerra. Para a compreensão da noção de desenvolvimento

construída depois da Segunda Guerra examinaremos primeiramente o contexto histórico em

que o conceito foi formulado.

2.2 Contexto histórico pós-Segunda Guerra

Terminada a Segunda Grande Guerra, os Estados Unidos emergiam como

grande potência econômica e militar no sistema capitalista. Concentravam em suas mãos

somas vultosas de capital excedente, necessitando de novos investimentos. Porém, as

principais potências econômicas da Europa Ocidental se encontravam em frangalhos, assim

como a economia japonesa. Por outro lado, é importante assinalar que uma parcela do globo

desde 1917 vinha se declarando socialista, apresentando uma alternativa ao modelo de

sociedade capitalista. Paralelamente, e após a Segunda Guerra ocorriam processos de

descolonização da África e da Ásia. Esses acontecimentos tiveram início com a

independência das Filipinas, em 1946, que era controlada pelos Estados Unidos desde 1898,

e se completou com a libertação das colônias portuguesas da África, em 1975.

O cenário era que, com o fim da Segunda Guerra, Estados Unidos e União

Soviética despontavam como duas super potências que brigavam pela hegemonia

econômica, política e militar no globo terrestre. Porém os americanos tinham alguns

problemas a resolver. Eles olhavam para outras importantes economias capitalistas e as viam

arrasadas. Por outro lado, para consolidar sua hegemonia no globo, precisavam conter o

crescimento das influências socialistas. Estas situações marcavam um novo período na

história contemporânea, denominado Guerra Fria.

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É importante lembrar, que, no pós Segunda Guerra, as indústrias norte-

americanas estavam estruturadas sobre a orientação fordista e como nesse modelo de

produção ocorre uma fabricação em massa de produtos, os Estados Unidos através de suas

empresas estavam ávidos pela ampliação de seus mercados. Uma primeira saída foi a Europa

Ocidental. Para reconstrução desta região os estadunidenses montaram, em 1948, o Plano

Marshall.

O objetivo era não apenas consolidar as economias capitalistas da Europa

ocidental, mas frear a influência comunista e recuperar esta região para produtos e capitais

norte-americanos. Segundo Escobar, houve durante o plano Marshall, entre 1945 e 1950,

uma mobilização de capital em torno de 19 bilhões de dólares (ESCOBAR, 1996). Porém,

com a futura recuperação das economias européias e de suas capacidades produtivas, o bloco

de potências capitalistas necessitaria de mais mercados para suas empresas fordistas, o que

também implicava a necessidade constante de matérias-primas.

É justamente neste momento, que as potências capitalistas novamente olham em

direção à África, à Ásia e à América Latina e encontram nesta parte do globo, mais uma vez,

a saída para necessidade de novos mercados e fornecimento de matéria-prima. Porém, África

e Ásia estavam, conforme mencionado anteriormente, em processos de descolonização. A

América Latina já era um continente de nações politicamente independentes. Como tornar

novamente estes continentes em zonas de influência das nações hegemônicas do capital,

além de frear possíveis avanços socialistas? Estes eram sem duvidas questionamentos feitos

por equipes de governos das nações de capitalismo central.

Estávamos em meados do século XX, as nações centrais do capitalismo, não

poderiam alegar que iriam espalhar a fé cristã na Ásia, África e America Latina, uma vez

que as populações desses continentes, mesmo na base da violência, já conheciam o

Cristianismo e as nações hegemônicas se apresentação como detentoras de Estados laicos.

Também não era mais possível utilizar o discurso da missão civilizadora do século XIX,

uma vez que as teorias racistas já haviam sido postas em dúvidas pelo dito conhecimento

científico. O discurso deveria ser mais refinado ou, talvez, nem tanto, desde que houvesse

uma boa justificativa para interferência nas antigas áreas coloniais. É neste contexto que

observamos o presidente Truman, em sua posse, falar em desenvolvimento para estas

regiões, além de se referir a elas como subdesenvolvidas e avisar que o antigo imperialismo

não tinha mais lugar em seus planos. Ele tinha razão, o antigo imperialismo não tinha mais

vez, mas uma nova estratégia que não respeitava as especificidades culturais, da Ásia, África

e America Latina seria inaugurada, desta vez sobre o patrocínio do conceito de

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desenvolvimento. É este o contexto histórico que resultou na classificação de dois bilhões de

pessoas como subdesenvolvidos e formatou o termo desenvolvimento de um peso até então

nunca visto.

Uma afirmação que corrobora com os fatos até aqui mencionados é a de

Vandana Shiva, no artigo intitulado Recursos Naturais. Com a palavra a autora citada:

No norte, esse período posterior à Segunda Guerra coincidiu também com a necessidade de investir o capital excedente no terceiro mundo1. Uma após outra, as décadas de desenvolvimento fizeram do desenvolvimento a justificativa principal para a transformação das sociedades do terceiro mundo e de suas riquezas naturais (SHIVA, 2000, p.302).

Hardt e Negri, na obra Império, também realizam afirmações que merecem a

nossa consideração. Segundos estes autores durante a guerra fria quando as regiões do

Segundo Mundo foram efetivamente fechadas, o Terceiro Mundo significava para as nações

capitalistas dominantes o espaço aberto que restava, o terreno das possibilidades. “As

diversas formas culturais, sociais e econômicas poderiam, potencialmente, ser submetidas

formalmente a dinâmica da produção capitalista e dos mercados capitalista” (Hardt e Negri,

2001, p.356).

Utilizamos as citações de Shiva, Hardt e Negri com o intuito de deixar bem claro

que no período posterior a Segunda Guerra uma das intenções das nações de capitalismo

central era o investimento de capital excedente (principalmente por parte dos Estados

Unidos) nas regiões do chamado Terceiro Mundo. Esta parte do globo representava para o

capitalismo novas possibilidades de lucro, de mercado, de fonte de matéria-prima. Marx já

havia nos avisado quando disse na obra O Manifesto do Partido Comunista que a

necessidade de mercados cada vez mais extensos para seus produtos impele a burguesia para

todo o globo terrestre, ela deve estabelecer-se em toda a parte (Marx, 2007). Toda parte

naquele momento não seria possível, pois se o dito Segundo Mundo estava em outras

direções, a galinha dos ovos de ouro era, portanto, o que se convencionou chamar de

Terceiro Mundo.

O que as nações hegemônicas precisavam eram de uma boa justificativa para

realização de seu empreendimento na Ásia, África e América Latina. As justificativas

começaram logo no final da Segunda Guerra, mais precisamente no Hotel Fairmont na

Union Square em São Francisco, na data de 4 de maio de 1945, quando ali se instalou um

hospede chamado esperança global. Na sala 210, delegados de 46 países concordaram com o

1 Utilizaremos o termo “Terceiro Mundo” no sentido de que esta expressão é um arcabouço ideológico lançado por potências capitalistas no pós-Segunda Guerra com o objetivo de controle e expansão do mercado sobre países da América Latina, parte da Ásia e África.

20

texto da Carta das Nações Unidas. Mas o que nos interessa nessa carta? O que nos desperta

atenção nesse documento é o que estava no seu prólogo. Nesta parte da carta as Nações

Unidas “solenemente anunciaram a determinação de promover o progresso social e melhorar

padrões de vida numa liberdade mais ampla e empregar maquinaria internacional para

promover o avanço econômico e social de todos os povos” (SACHS, 2000, p.356). Os

delegados na sala 210 não eram tímidos em sua concepção.

A seu ver, austríacos e australianos, zulus como zapotecos, compartilhavam o mesmo desejo por progresso social e melhores padrões de vida numa liberdade maior... Imaginava-se que as histórias de desenvolvimento no mundo iam numa só direção, convergindo numa só história, e as Nações Unidas eram vistas como um motor impulsionando países menos desenvolvidos para o progresso (SACHS, 2000, p.356).

A estratégia para interferência no Terceiro Mundo não cessaria mais. Depois da

apresentação de boas intenções da ONU, a próxima estratégia foi o descobrimento da

pobreza massiva na Ásia, África e América Latina.

Declarações de que dois terços da população mundial se encontravam num

estado de fome aguda, miséria e abandono como causa e efeito da pobreza se proliferavam

no final do ano de 1945. Escobar é bem claro quando nos diz que a pobreza em escala global

foi um descobrimento do período posterior a Segunda Guerra (ESCOBAR, 1996).

Segundo Escobar, as Nações Unidas estimaram que a renda per capita dos

Estados Unidos era de 1.453 dólares em 1949, sendo que na Indonésia era de 25 dólares.

Ocorreu o convencimento de que havia algo a ser feito antes que os níveis de instabilidades

no mundo inteiro se tornassem intoleráveis (ESCOBAR, 1996).

Os dados levantados acima por Escobar remontam a 1949. Já existia nesse

momento um parâmetro para pobreza. Em 1948, o Banco Mundial definiu como pobres

aqueles países com renda percapita inferior a 100 dólares (ESCOBAR, 1996). Foi a partir

desta medição que dois terços da população mundial foram transformados em sujeitos

pobres. Lembrando que o discurso de posse do Presidente Truman foi em 1949, a figura

citada poderia agora dizer ao mundo que tinha dados estatísticos para chamar dois bilhões de

pessoas de subdesenvolvidos. Os pobres apareciam cada vez mais como um problema social

que necessitava de novas formas de intervenção (ESCOBAR, 1996).

Porque as nações de capitalismo central estavam tão preocupadas com a situação

de pobreza do Terceiro Mundo? Com a palavra Escobar, pois a sua resposta é categórica.

Talvez más que del poder industrial e tecnológico, el naciente orden del Capitalismo e la modernidad dependían de una política de la pobreza cuja intención era no solo crear consumidores sino transformar la sociedad, convirtiendo a los pobres en objetos, conocimiento y administración (ESCOBAR, 1996, p. 53-54).

21

O objetivo não era apenas tornar essas regiões mercados consumidores, mas

também exercer controle sobre elas. A partir de então foi se diagnosticando não somente a

pobreza, mas os níveis de saúde, educação, higiene, emprego, problema da explosão

demográfica, baixa qualidade de vida, como problemas sociais, o que por sua vez requeria

um conhecimento amplo da população e modos apropriados de planejamento social.

Diagnosticando tais problemas, o discurso era de que as regiões

subdesenvolvidas necessitavam de intervenções que só poderiam partir das ditas nações

desenvolvidas, pois uma vez que estas últimas estavam em supostos estágios avançados,

poderiam apresentar receitas ou remédios bem eficazes. E, sem dúvida, a solução era o

desenvolvimento, que somente aconteceria com o crescimento econômico que, por sua vez,

seria gerado mediante o capital, a tecnologia e a ciência moderna ocidental.

2.3 Reinventando o desenvolvimento

Chegou a hora de examinar o que era na verdade o conceito de desenvolvimento

construído após a Segunda Grande Guerra.

Na Biologia, o desenvolvimento descreveu um processo pelo qual são liberadas

as potencialidades de um objeto ou de um organismo para que esse alcance sua forma

natural, completa e amadurecida (ESTEVA, 2000). A planta ou o animal que não

conseguisse cumprir seu programa genético, seu crescimento era considerado uma anomalia

ao invés de desenvolvimento, por exemplo (ESTEVA 2000). Entre os séculos XVIII e XIX,

a noção de desenvolvimento evoluiu, deixando de significar um momento na direção da

forma apropriada para o ser e passando a ser classificada como um movimento na direção de

uma forma sempre mais perfeita daquele mesmo ser. É neste momento que cientistas sociais

começaram a utilizar o desenvolvimento e evolução como sinônimos (ESTEVA, 2000).

“A transferência da metáfora biológica para a esfera social ocorreu nos últimos

vinte e cinco anos do século XVIII” (Esteva, 2000 p.62). Esse processo se deve a Jusus

Moser e a Herder, o fundador da história social que, a partir de 1768, começou a empregar a

palavra alemã Entwicklung para designar um processo gradual de mudança social. “Herder

no final do século XVIII, baseando-se na escala biológica de Bonnet, tentou combinar a

teoria da natureza com a filosofia da história, na tentativa de criar uma unidade sistemática e

consistente” (ESTEVA, 2000, p.62). Segundo ele, “o desenvolvimento histórico seria a

22

continuação do desenvolvimento natural, e ambos seriam meras variantes do

desenvolvimento homogêneo do cosmos criado por Deus” (ESTEVA, 2000, p.62). No início

do século XIX, a moda era autodesenvolvimento. “Deus desaparecia gradativamente da

concepção popular do universo, resultando que décadas mais tarde o sujeito humano era o

autor de seu próprio desenvolvimento e livre dos desígnios divinos” (ESTEVA, 2000, p.62).

Nesse sentido, “Em Marx o termo desenvolvimento tornou-se categoria central, sendo

revelado como um processo histórico que se desdobra com o mesmo carácter necessário das

leis naturais” (ESTEVA, 2000, p.63). Em 1860, na Alemanha, a enciclopédia de todos os

sistemas de ensino informava que a palavra desenvolvimento era classificada como um

conceito usado para quase tudo que o homem tem e sabe (ESTEVA, 2000). Porém, na

terceira década do século XX, a associação entre desenvolvimento e colonialismo adquiria

novo significado.

Em 1939, o governo britânico modificou a Lei de Desenvolvimento das

Colônias em Lei de Desenvolvimento e Bem Estar das Colônias. A intenção dos britânicos

era dar a Filosofia do Protetorado à necessidade de assegurar níveis mínimos de nutrição,

saúde e educação aos nativos (ESTEVA, 2000). O conquistador deveria ser capaz de

desenvolver economicamente a região conquistada além de cuidar do bem estar dos nativos.

Segundo Esteva, quando o nível de civilização passou a ser identificado com o nível de

produção, o duplo mandato deu lugar apenas um: o desenvolvimento (ESTEVA, 2000). Este

último ponto levantado por Esteva é muito importante. Observando os fatos podemos

depreender que desenvolvimento, a partir da terceira década do século XX, estava associado

a crescimento econômico e bem estar. A partir daquela data, uma coisa não poderia ser mais

dissociada da outra. Se houvesse crescimento econômico, automaticamente viria o bem-

estar. Quando Truman enfatizava que eles imaginavam um programa de desenvolvimento

ele estava prometendo crescimento e bem-estar, ao menos no discurso.

Por isso a solução para a pobreza segundo o discurso desenvolvimentista era o

crescimento econômico, pois, uma vez este acontecendo, várias mazelas sociais tenderiam a

desaparecer (graças a um bom planejamento social), além de elevar o nível daquela

civilização.

Depois de dois séculos de viagem, o desenvolvimento não consegue se dissociar

das palavras com as quais foi criado: crescimento, evolução, maturação (ESTEVA, 2000).

Gustavo Esteva nos esclarece mais a respeito desse ponto:

23

A palavra sempre tem um sentido de mudança favorável, de um passo simples para o complexo, do inferior para o superior, do pior para o melhor. Indica que estamos progredindo porque estamos avançando segundo uma lei universal necessária e inevitável na direção de uma meta desejável (ESTEVA, 2000, p.64).

O conceito de desenvolvimento é resultado das estratégias do grande capital no

pós-Segunda Guerra. Necessitando de novos mercados, as potências capitalistas

(principalmente os Estados Unidos) precisavam de uma bela justificativa para interferir nos

mercados da Ásia, África e América Latina. Reduziram a noção de desenvolvimento a

crescimento econômico, colocaram-na como um farol que iluminaria aqueles que estavam

nas trevas.

A partir do discurso de Truman, as nações dos continentes africano, asiático e da

América Latina poderiam olhar para a direção do desenvolvimento e, assim como um fiel,

passariam a crer que o futuro que lhes aguardava seria mais agradável. Aqueles que estavam

nas “trevas”, a partir da reinvenção do desenvolvimento do pós-Segunda Guerra, foram

classificados como subdesenvolvidos. No entanto, segundo Esteva, Truman não foi o

primeiro a usar a palavra. Wilfred Benson, antigo membro do secretariado da organização

mundial de trabalho, foi quem provavelmente inventou seu uso para questões sociais e

econômicas quando, em 1942, ao escrever suas bases econômicas para a paz, referiu-se às

áreas subdesenvolvidas (ESTEVA, 2000). Porém, o termo se tornou realmente importante

quando Truman o introduziu como um símbolo de sua própria política externa. Nesse

contexto, o conceito de subdesenvolvimento adquiriu uma virulência colonizadora

insuspeitada. “A partir do discurso de Truman dois terços da população mundial estavam

numa condição indesejável e indigna. Para escapar dessa condição precisavam escravizar-se

a experiências e sonhos alheios” (ESTEVA, 2000, p.65).

A receita para escapar da posição de subdesenvolvimento foi apresentada no

conceito de desenvolvimento. Mas como desenvolver uma região? Através de uma acelerada

e forte industrialização que geraria crescimento econômico cujos ganhos se reverteriam para

o campo social melhorando o nível de vida da população e apresentando condições para uma

nação periférica poder adentrar no dito primeiro mundo. Os próprios países desenvolvidos

alardeavam ao mundo que não dava mais a esperar para resolver a situação dos países

pobres. Da noite para o dia, o mundo dos subdesenvolvidos foi alvo de estudos, análises de

programas desenvolvimentistas implantados pelos países desenvolvidos.

Todo esse ideal humanitário servia para mascarar os objetivos mercantilistas dos

países de capitalismo central. Se eles necessitavam de novos mercados e os continentes da

Ásia, África e a América Latina eram as regiões a serem investidas, por outro lado os países

24

desses continentes tinham que passar por toda uma reestruturação. Era necessário conhecer o

Sul para a reestruturação poder acontecer. Segundo Escobar,

A nova consciência sobre a importância do Terceiro Mundo para a economia e a política global trouxeram consigo o reconhecimento da necessidade de obter conhecimento mais preciso sobre ele. Em nenhum lugar se percebeu esta necessidade em maior grau que na América Latina (ESCOBAR,1996, p.81).

O Terceiro Mundo era incorporado à política do conhecimento especializado e

da ciência ocidental em geral, ocorrendo o que Escobar chama de profissionalização do

desenvolvimento (ESCOBAR, 1996). Planos de estudo do desenvolvimento foram criados

em muitas das principais universidades do mundo desenvolvido, que também condicionou a

criação ou reestruturação das universidades do Terceiro Mundo para adequarem-se as

necessidades do desenvolvimento (ESCOBAR, 1996). Foi montada uma política do saber

sobre o dito Terceiro Mundo. Política esta à luz da ciência moderna ocidental. Era

construída uma série de interpretações sobre os povos dos continentes africano, asiático e

América Latina partindo de pressupostos ocidentais. Intelectuais como Sachs (2000), Esteva

(2000), Escobar (1996), Shiva (2000) são bem claros quando afirmam que o discurso do

desenvolvimento resultou num processo de ocidentalização do mundo. É importante também

frizarmos que o discurso do desenvolvimento é altamente etnocêntrico. Quando o Banco

Mundial classificava determinado indivíduo como pobre estava baseado apenas em relações

de troca de economias capitalistas. Uma determinada pessoa sobrevivendo no interior da

floresta amazônica tendo ao seu dispor toda uma riqueza natural, podendo dali mesmo tirar

seu sustento, encontrando diariamente alimentos para satisfação de suas necessidades, mas

não possuindo a quantia econômica estipulada pelo Banco Mundial, deveria ser classificado

como pobre? É obvio que não. Mas na hierarquização do banco em questão certamente seria.

Quando os povos da Ásia, África e América Latina foram chamados de atrasados, a

premissa que direcionava essa classificação era o modelo de vida dos países capitalistas

centrais, automaticamente classificados como superiores.

Onde estaria a grande força legitimadora do discurso desenvolvimentista? A

pergunta é bem propícia, pois o conceito em questão homogeneizou países dos mais

variados costumes, hábitos e crenças, ao classificar todos como subdesenvolvidos. Difícil

colocar Uruguai, Moçambique, Marrocos, Paquistão num mesmo grupo em termos de

semelhanças econômicas, culturais e políticas. Sem dúvida, uma das grandes forças

legitimadora do discurso desenvolvimentista era a ciência moderna ocidental. Não sejamos

injustos, não toda a ciência moderna ocidental mais uma ala bem próxima de idéias

positivistas.

25

O conhecimento científico se auto classifica como a grande forma de

conhecimento. “A vitória do conhecimento científico sobe outras formas de conhecimento

explicou-se em parte pela crescente ascendência do capitalismo e das potencialidades de

transformação social sem precedentes que trazia no seu bojo” (SANTOS, MENESES,

NUNES, 2005, p.21). As ciências sociais em particular assumiram a condição de ideologia,

legitimadora da subordinação dos países da periferia e da semiperiferia do sistema mundial

(SANTOS, MENESES e NUNES, 2005).

ALVARES explica-nos que devido ao fato do “desenvolvimento ser associado

com a ciência que nós, sociedades não-ocidentais, tanto o almejamos” (ALVARES, 2000,

p.43). Povos sociedades e a própria natureza estavam atrasados simplesmente porque lhes

faltava a ciência.

Regiões inteiras eram classificadas de “atrasadas” simplesmente porque não tinha fábricas (a fábrica é até hoje um símbolo concreto dos novos processos desenvolvidos pela ciência). Todo esse atraso tinha que ser submetido pelo desenvolvimento, uma maneira supostamente mais eficiente de organizar pessoas e natureza com base nas valiosas descobertas da ciência contemporânea (ALVARES, 2000, p.43).

A função da ciência era tornar o desenvolvimento possível. Ela tinha o papel de

prometer aos chamados pobres do planeta, padrões de bem-estar material bem significativos

(ALVARES, 2000). ALVARES nos adverte que as “verdades” científicas não pareciam tão

evidentes para muitas das pessoas comuns do Terceiro Mundo, principalmente os membros

de tribos, camponeses e demais indivíduos que ainda não estavam convertidos ao paradigma

ocidental (ALVARES, 2000). O olhar dessas pessoas era regado de desconfiança em relação

ao saber científico. O certo é que em muitas regiões do chamado Terceiro Mundo, mesmo à

base da violência, o conhecimento científico refazia as realidades locais, desprestigiando o

saber, as experiências, as formas de interação e conhecimento das populações locais. A

ciência foi, portanto, fundamental para a colonização da realidade nas áreas do chamado

terceiro mundo. O conhecimento científico ia estabelecendo termos como atrasados,

subnutridos, ignorantes, subdesenvolvidos, para classificar as populações das regiões

chamadas de periféricas. O resultado é que a própria subjetividade do homem local foi

duramente afetada.

26

O discurso desenvolvimentista alterou a subjetividade do homem do dito terceiro mundo, resultando numa subjetividade inferiorizada e subalternizada. Não estamos afirmando que esse processo ocorreu com todos os homens dessa região, haja vista que muitos reagiram às falácias desenvolvimentistas, porém é inegável que uma parcela considerável da população do Terceiro Mundo passou a olhar a si como subalternizada, acreditando que necessitava da direção apontada pelo homem moderno ocidental, para dirigir as suas vidas. De acordo com Escobar, o discurso do desenvolvimento resultou num discurso tão importante que muitos no Terceiro Mundo começaram a olhar a si mesmos como inferiores, subdesenvolvidos e ignorantes, duvidando do valor de suas próprias culturas (ESCOBAR, 1996). Outro aliado do discurso desenvolvimentista foi o Estado. Se a ciência refazia a realidade no mundo “periférico”, o Estado assumia o papel de desenvolmentista. Para a inserção de projetos desenvolvimentistas nas áreas do Terceiro Mundo, o Estado era o veículo do qual se esperava a mobilização de recursos, interna e externamente, para tais projetos. O problema conforme assinala Nandy, é que o próprio Estado chegava a consumir tais recursos impedindo que eles chegassem às camadas mais baixas da sociedade. O Estado ao estabelecer relação íntima com a ciência moderna e com a tecnologia tornou-se a maior fonte dos ataques a todos os sistemas de conhecimento que não fossem modernos (NANDY, 2000, p.92).

Em nome do desenvolvimento, da segurança nacional, chegou a utilizar até o

monopólio da força contra aqueles que não queriam adequar-se às estratégias

desenvolvimentistas. Alguns governantes alegavam que seus cidadãos eram tão ignorantes a

ponto de não serem capazes de reconhecer os benefícios do desenvolvimento

espontaneamente, não restava a esses governos alternativas se não “forçá-los” a serem livres

(ALVARES, 2000). Um caso sintético do que estamos falando é o do presidente da região

sul do Sudão, Said Abel Alier, que durante um dos debates de uma conferência sobre o

polêmico canal Jonglei, afirmava que “poderia usar até o cajado para obrigar as pessoas a

entrarem no paraíso, segundo o governante seria para o bem dessas pessoas e das que viriam

depois” (ALVARES, 2000).

Para viabilização de projetos desenvolvimentistas, foi também montada toda

uma institucionalização do desenvolvimento. Esse projeto ocorreu em todos os níveis, desde

os organismos internacionais, as agências de planificação nacional do Terceiro Mundo até as

agências locais de desenvolvimento, comitês de desenvolvimento comunitário, as agências

voluntárias privadas (ESCOBAR 1996). Uma das instituições importantes na mobilização

dos projetos desenvolvimentistas pelo Terceiro Mundo foi o Banco Mundial. Maior agência

internacional de desenvolvimento, sua importância para o Terceiro Mundo ocorreu em

virtude dos empréstimos que poderiam financiar projetos desenvolvimentistas avaliados pelo

próprio Banco Mundial. Realizava acordos de assistência recíproca com agências das

Nações Unidas, especialmente com a FAO, coordenava grupos de países que faziam

doações externas para um grupo seletivo de países no Terceiro Mundo (ESCOBAR, 1996).

Porém, existe outra face desse mesmo Banco, bem demonstrada por Escobar.

27

O Banco canalizava a maior quantidade de fundos que poderiam ser revertidos

ao Terceiro mundo, financiava projetos desenvolvimentistas em determinadas regiões dos

países subdesenvolvidos que favoreciam à expansão das multinacionais através de seus

contratos, aprofundava a dependência aos mercados internacionais insistindo na produção

para exportação ou negando empréstimos a governos poucos amigáveis (Chile de Allende,

por exemplo), insistia em mega projetos que favoreciam elites nacionais e multinacionais

(ESCOBAR, 1996).

Enfim, ao mobilizar políticas desenvolvimentistas, o Banco abria espaço para

multinacionais e aumentava a dependência dos subdesenvolvidos em relação aos

desenvolvidos.

Institucionalizado, reforçado pelo conhecimento científico, apoiado pelo Estado,

o discurso desenvolvimentista e seu produto, o subdesenvolvimento, se transformaram numa

certeza do imaginário social do Terceiro Mundo. Uma grande prova do que estamos falando

é que havia uma obsessão geral com a industrialização total e com o crescimento do Produto

Nacional Bruto – PNB, na década de 1950, isto porque estes dois mecanismos eram

apresentados como fatores importantes para vencer os obstáculos ao desenvolvimento. Se os

países do Terceiro Mundo acreditavam que tinham que desenvolver suas regiões, certamente

é porque eles olhavam a si próprios como subdesenvolvidos, pois somente deve se

desenvolver o que não está desenvolvido. Alguns intelectuais se notabilizaram em explicar

as raízes ao subdesenvolvimento, os obstáculos que deveriam ser superados para o caminho

ao Primeiro Mundo. Seguindo os passos de Escobar (1996), vejamos as ideias de algumas

teorias importantes.

Vejamos o modelo histórico-econômico de Rostow. William Wilber Rostow, foi

professor do instituto de tecnologia de Massachusetts e porta-voz da Casa Branca para

assuntos exteriores em 1967, construiu sua teoria no final dos anos 1950 e começo dos anos

1960. Rostow, em sua obra “Estágios de desenvolvimento econômico”. identifica níveis de

desenvolvimento que caracterizam cinco tipos de sociedade.

Vejamos os tipos de sociedades: sociedade tradicional, Sociedade em processo

de transição, sociedade em início de desenvolvimento, sociedade em maturação, sociedade

em produção de massa (COSTA, 1991). Em seu caminho à modernidade, todos os países ao

longo da história iam atravessando estágios sucessivos até chegar ao modelo de sociedades

industriais, aquela da produção em massa. No pensamento de Rostow, uma sociedade entra

em desenvolvimento (o terceiro estágio) quando passa a existir investimento nas áreas

produtivas e crescimento da manufatura. No último estágio, já existe um desenvolvimento

28

efetivo da produção em bases industriais e científicas. É óbvio que, no pensamento de

Rostow, investimento na industrialização e o desenvolvimento do conhecimento científico

seriam fundamental para uma nação caminhar ao desenvolvimento.

Outro que ganhou destaque no período desenvolvimentista foi Nurkse. Este

intelectual falava da existência de um círculo vicioso da pobreza nas regiões

subdesenvolvidas. Este círculo seria causado por uma constelação de forças, entre elas: falta

de alimento, péssima saúde, baixa capacidade de trabalho, baixa renda e, novamente,

escassez de alimentos, completando o círculo (ESCOBAR, 1996).

Para superar o círculo vicioso de pobreza, defendia um crescimento equilibrado

que ocorreria com uma aplicação de capital numa ampliação da faixa industrial.

Quem ganhou bastante destaque com seu modelo de economia dual “foi Lewis”.

Segundo este autor, existiam duas estruturas distintas que caracterizavam um pais atrasado:

Uma moderna e a outra tradicional. A construção de Lewis equipara tradicional com atraso.

O desenvolvimento econômico ocorreria numa economia subdesenvolvida com a invasão

progressiva do setor tradicional por parte do moderno e com a expansão sustentável da

economia monetária sobre o campo da subsistência (ESCOBAR, 1996). De acordo com esta

teoria, o dualismo pode manifestar-se entre regiões de um mesmo país ou entre setores de

uma mesma economia nacional. Por último, destacaremos a visão do Cepal.

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe foi criada em 1948,

dentro de um movimento geral da ONU para implantar, em cada continente, núcleos de

apoio ao planejamento das economias após a Segunda Guerra.

Pela Cepal passaram intelectuais latino-americanos importantes como Raul

Prebisch e Celso Furtado. A Cepal partiu da “analise do mercado internacional, tal como se

dava a divisão do trabalho entre países produtores de bens primários e os produtores de

manufaturas” (GONZÁLEZ, 1998, p.88). Segundo os Cepalinos o “mercado internacional,

era na verdade uma fonte de coações que manipulavam persistentemente as economias dos

países não industrializados” (GONZÁLEZ, 1988, p.89). A solução se fazia em programas

domésticos de industrialização que permitiriam aos países produzir em casa os bens que

antes importavam (ESCOBAR, 1996). Passaram “a defender uma industrialização baseada

na substituição de importações” que se tornou o emblema da Cepal.

Quando nos deparamos com as identificações construídas por esses intelectuais

em relação à situação de atraso das economias do Terceiro Mundo e do que deveria ser feito

para a superação do atraso, percebemos que todos eles partiam do princípio de que a

classificação subdesenvolvido era um fenômeno real. Nem a Cepal questionou se

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deveríamos classificar um país como subdesenvolvido e o que estava por trás dessa

classificação. Quem nos oferece uma boa explicação a respeito do que estamos falando é

Esteva:

O próprio debate sobre a origem e as causas atuais do subdesenvolvimento mostra até que ponto esse subdesenvolvimento é aceito como algo real, concreto, quantificável e identificável, um fenômeno cuja origem e modalidades pode ser sujeita à investigação. A palavra define uma percepção. Essa, por sua vez torna-se um objeto, um fato. Ninguém parece suspeitar que o conceito não se refere a um fenômeno real. Ninguém parece compreender que “subdesenvolvido é um adjetivo comparativo cuja base de apoio é a premissa, muito ocidental, mas inaceitável e não demonstrável, da unicidade, homogeneidade e linearidade da evolução do mundo (ESTEVA, 2000, p.66).

O conceito de subdesenvolvido era uma falsificação da realidade, baseada em

premissas evolucionistas. O discurso dos intelectuais que citamos somente reforçava as

estratégias dos governos ocidentais. Talvez, por isso, as idéias de alguns deles ganharam

destaque, mas o que é interessante percebemos era como no imaginário popular, nas esferas

intelectuais, meios governamentais seja ideologicamente ou por acreditarem mesmo,

reforçavam o discurso de que era possível sair da condição de algo que não existia, o

subdesenvolvimento. O conceito já estava enraizado no cenário social, político e econômico.

A industrialização era vista nos países periféricos como a única resposta adequada aos

inconvenientes da dependência da demanda externa (BELUZZO, 2009). Os próprios países

chamados de atrasados não tinham outra saída para o seu “progresso” se não aquela

apresentada pelos países de capitalismo central. E olha que muitos deles acreditavam que

seguindo tais receitas seriam libertos da dependência dos países chamados de desenvolvidos.

Uma vez implantada a ideologia desenvolvimentista e seu produto, o

subdesenvolvimento, os países do Terceiro Mundo caíram na falácia do desenvolvimento,

recorreram a corrido da industrialização total, porém muitos não tinham capital suficiente,

então recorreram aos empréstimos no exterior, abriram suas fronteiras a grandes

multinacionais. Para isso montaram estruturas para recebê-los (abriram estradas e ferrovias,

construíram portos, aeroportos, hidrelétricas; levaram eletricidades aos lugares mais

longínquos), acreditando (não toda a população, mas principalmente as elites que utilizaram

o discurso desenvolvimentista para ampliarem seus capitais) que o primeiro mundo, estava

logo ali. Uma nova divisão internacional do trabalho foi se estruturando, indústrias iam

gradativamente espalhando-se pelo mundo. Mas uma pergunta surge, como estava a

natureza numa época de industrialização varrendo os vários cantos do globo? Para uma boa

resposta, vejamos as palavras de Shiva sobre esse período, em relação à natureza:

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As primeiras décadas do período pós-colonial ou do pós-guerra tiveram como característica certo silêncio com respeito aos recursos naturais. Pareciam ter esquecido a natureza, possivelmente fascinados pela euforia tecnológica como uma fonte milagrosa de abundância infinita, capaz de efetuar substituição das matérias-primas escassas por outras que jamais se esgotariam (SHIVA, 2000, p.302).

O relacionamento da humanidade com a natureza nas décadas iniciais do

desenvolvimento era baseado na exploração ilimitada. Conforme relato de Hobsbawn

(1995), a ideologia do progresso dominante tem como uma de suas premissas que o

crescente domínio da natureza pelo homem era a medida do avanço da humanidade. Quanto

mais capacidade de domínio da natureza, ou seja, maior capacidade de transformação da

natureza em produtos explorados economicamente, maior o nível de avanço daquele país. O

certo é que o capital não pode se desenvolver sem transformar a natureza constantemente e

nesse caso transformá-la em algo economicamente viável. Para isso, no ocidente, desde a

revolução industrial, despediu-se a natureza de qualquer área sagrada, mas sem surpresas,

pois segundo Marx num mundo mercantilizado tudo que é sagrado é profanado (Marx,

1995). O resultado é um silêncio em relação à natureza, mas não no sentido de que foi

deixada intocável, pelo contrário, as grandes forças econômicas perderam qualquer

responsabilidade, comedimento e reciprocidade em relação a ela. A natureza passa a ser

olhada como um meio que precisava ser aplicado às tecnologias modernas e desenvolver

ainda mais o capital. Conseqüências desse processo foram: queimadas, ecossistemas

destruídos, aumento da poluição, desrespeito às populações nativas, enfim o discurso

desenvolvimentista foi fundamental para o aumento da agressão à natureza, já nas primeiras

décadas desenvolvimentistas.

Examinado o conceito de desenvolvimento em seu surgimento no período

posterior à Segunda Guerra, faremos algumas conclusões.

O conceito de desenvolvimento, no período aqui analisado, foi produto

discursivo do pós-Segunda Guerra, arquitetado por potências de capitalismo central

(principalmente Estados Unidos). Ele respondeu aos interesses do grande capital que,

necessitando de novos mercados, encontrou na America Latina, Ásia e África, a saída para

seus objetivos. Porém, a transformação em mercados lucrativos exigia toda uma

reestruturação nestas áreas. Os países de capitalismo central necessitavam de uma nova

justificativa para impulsionar a reestruturação das sociedades dos três continentes há pouco

citados. A saída era despertar nesses países uma necessidade de mudança, de transformação,

ou seja, de desenvolvimento, porém dentro dos padrões capitalistas. Além disso, era

necessário afirmar a esses países que era altamente possível a saída da condição em que se

31

encontravam. Primeiro, os países de capitalismo central disseram a eles que eram

subdesenvolvidos, depois apresentaram a receita (capital, tecnologia e ciência moderna

ocidental) que poderia gerar uma elevada industrialização com respectivo crescimento do

Produto Interno Bruto. O Primeiro Mundo era apresentado logo ali, só faltava alguém avisar

aos países da África, Ásia e America Latina que esse “ali” era bem parecido com um dizer

das pessoas das nossas zonas rurais que, já ambientados com o caminho de sua região,

quando informam a alguém algum lugar, dizem que “é bem ali”, não sabendo o avisado que

esse “bem ali” pode chegar a durar horas.

No caso dos países da África, Ásia e América Latina esse “bem ali” nunca

aconteceu e suas populações foram normatizadas pelo saber do homem ocidental, o que vem

impedindo, não todos, mas um número considerável de indivíduos dessas regiões de

compreender o mundo a partir do seu próprio mundo e de suas próprias epistemologias

(GONÇALVES, 2005), ocorrendo uma colonialidade do saber, resultando num processo de

ocidentalização do mundo e perda de diversidades epistemológicas. Mas não apenas uma

colonialidade do saber, mas também o discurso desenvolvimentista realizou uma

colonialidade do poder, pois colocou o subdesenvolvido no lugar do selvagem do século

XIX. De acordo com (GOMEZ, 2005) essa colonialidade se processa quando a “espoliação

colonial é legitimada por um imaginário que estabelece diferenças incomensuráveis entre o

colonizador e o colonizado” (GOMEZ, 2005, p.177). “O colonizado aparece como “outro da

razão”, o que justifica o exercício de um poder disciplinar por parte do colonizador”

(GOMEZ, 2005, p. 177-178). O discurso do desenvolvimento colonizou a realidade das

populações do “Sul”, a ponto de muitos nestas regiões passarem a se enxergar como

subdesenvolvidos (termo que, como vimos, não passa de uma premissa evolucionista e

ideológica), sem questionar a eficácia desse discurso.

Essa estratégia desenvolvimentista, por outro lado, uma vez formulada

encontrou resistência na África, Ásia e America Latina.

Quem aceitou imediatamente foram as elites locais, valendo-se do discurso

desenvolvimentista para desenvolver seus capitais, porém muitas populações olharam esse

discurso com desconfiança e, assim, surgiram movimentos de resistência pelas décadas

seguintes, como o movimento chipko, na Índia, o movimento dos seringueiro, no Brasil, e

tantos outros.

32

Segundo Isabel Carvalho:

O desenvolvimento unilinear que conhecemos demonstrou ser o exercício da imposição de um ideal de sociedade sobre muitas outras sociedades que perderam seu poder de afirmação, e até mesmo a legitimidade e o direito de existirem... Da luta das culturas indígenas à luta das classes populares, o que está em jogo é o direito à sobrevivência física e cultural e a existência como ator político, como sujeito de direito (CARVALHO, 1991, p.17).

Convertidos em fiéis seguidores da mensagem desenvolvimentista, muitos

cidadãos do Terceiro Mundo tiveram sua fé desvanecida. Esperaram o messias do progresso,

porém ele não apareceu, o que assistiram foi o aumento do abismo em relação ao céu (o

Primeiro Mundo). Separados do paraíso, os fiéis do Sul tinham que se deparar com a dura

realidade: aumento da pobreza, da concentração de renda, da agressão e deterioração da

natureza; desrespeito ao modo de vida de suas populações; aumento da poluição, das

injustiças sociais. O desenvolvimento, centrado na euforia do crescimento econômico,

aumentou os problemas que ao menos no âmbito do discurso se propôs a resolver.

33

3 DO DESENVOLVIMENTO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

3.1 A emergência da questão ambiental

O objetivo deste capítulo é apresentar os caminhos percorridos pelo termo

desenvolvimento, do momento de sua crise inicial, já no final dos anos 1960, até o período

de construção do termo desenvolvimento sustentável, nos anos 1980. Não apresentaremos

nesta parte do trabalho uma análise do termo desenvolvimento sustentável. O que será

relatado são os momento fundamentais até a construção do conceito em questão.

Final dos anos sessenta, planeta terra, existia algo de efervescência nessa época.

Uma França à beira da desordem com o maio de 682, mulheres nas ruas denunciado o caráter

opressor de uma sociedade centrada em padrões masculinos, lutas pelos direitos civis dos

negros nos Estados Unidos, uma juventude rebelde dizendo não a Guerra do Vietnã e sua

continuidade, pregando mudança radical de estilo de vida, criticando os hábitos cada vez

mais consumistas de uma hipócrita sociedade capitalista, enfatizando a liberdade sexual e

dando um tapa no conservadorismo, o movimento hippie e sua vida alternativa e tudo

embalado ao som do rock. Porém existe outro aspecto que caracterizaria o final daqueles

anos sessenta, a questão ambiental. Segundo Vigevani (1997, p. 33).

Durante toda a década de 60, o meio ambiente começou a inserir-se como tema de discussões internacionais e tornar-se preocupação de alguns países, que passaram a questionar o crescimento e o desenvolvimento sem preocupação com os problemas ambientais, considerando que isso acarretava ou poderia vir a acarretar graves riscos.

O objetivo da política desenvolvimentista do pós-segunda guerra:

[...] era abrir espaços para expansão capitalista em novo estágio de acumulação e de divisão internacional do trabalho e manter a hegemonia norte-americana, ampliando sua esfera de influência, a fim de barrar eventuais avanços do bloco soviético (CARVALHO, 1991, p. 18).

Porém, o projeto desenvolvimentista acabou gerando uma situação de

insustentabilidade social e ambiental, devido à grande concentração de riqueza, aumento dos

2 Esse é o nome dado para onda de protestos e revoltas realizados por estudantes e trabalhadores que, em menos de três semanas, conduziram uma greve geral por toda a França, onde o espantoso número de mais de dez milhões de pessoas paralisaram praticamente todos os setores produtivos da sociedade francesa. Estudantes e trabalhadores em voz uníssona recusaram-se durante quase um mês a qualquer diálogo com representações políticas tradicionais nas negociações entre capital e trabalho no capitalismo (PINTO, 2008).

34

níveis de pobreza absoluta nos países onde habita a maioria da população do planeta, além

da generalizada degradação ambiental (CARVALHO, 1991).

Durante a década de 1960, nos Estados Unidos:

A poluição do ar de Los Angeles, a morte lenta do Lago Erie, derramamento de óleo e o projeto de inundar o Grand Canyon proliferavam uma série de artigos ambientalistas publicados no New York Times, subindo vertiginosamente de cerca de 150 em 1960 para cerca de 1.700 em 1970 (SACHS, 2000, p.118).

Os acontecimentos no país a pouco citado abriam espaço para a formação de

uma consciência pública a respeito da questão ambiental. Não somente nos Estados Unidos,

também na Europa ocidental, principalmente a partir da década de 1960, “o problema

ambiental causado pelo crescimento econômico e pela industrialização, passou a ser

percebido como um grave problema” (MUNIZ e SANT’ANA JÚNIOR, 2009, p.2).

O contexto do final da década de 1960 era de questionamentos ao modelo de

desenvolvimento centrado no crescimento econômico e de surgimento da questão ambiental

ao nível internacional. Não por acaso, um grupo de trinta pessoas de dez países (cientistas,

educadores, economistas, humanistas, industriais e funcionários públicos de nível nacional e

internacional), na cidade de Roma, mais precisamente na Academia Dei Lincei, formavam

em 1968, sob a direção do Dr. Aurélio Peccei (empresário industrial italiano e associado à

Fiat e à Olivetti), o famoso Clube de Roma. O grupo citado estava preocupado com a

ausência de limites ao crescimento econômico das décadas anteriores e com as

conseqüências desse processo como, por exemplo, em relação à possibilidade de

esgotamento dos recursos naturais. O discurso era de que não dava mais para esperar e a

humanidade necessitava, naquele momento, despertar para questão ambiental. É neste

período, conforme nos relata Sachs, que a “ecologia deixou as faculdades de biologia das

universidades e migrou para a consciência de todas as pessoas” (SACHS, 2000, p.24).

O que assistimos com a política desenvolvimentista foi uma reestruturação do

capital, multinacionais espalhando-se pelos vários cantos do globo e o capitalismo vivendo

seus anos gloriosos. É bem enfatizado o notável crescimento da economia capitalista no pós-

segunda guerra, porém, essa subida se deveu muito às estratégias desenvolvimentistas que

abriram espaço para as nações de capitalismo central explorar o mercado e os recursos dos

países do continente africano, parte do asiático e América Latina. Com uma industrialização

acelerada e desrespeitosa para com a natureza desde o período da revolução industrial e

intensificada no pós-segunda guerra, os efeitos e consequências se mostravam, visíveis sobre

a natureza na década de 1960.

Conforme nos adverte Esteva, houve no final da década uma revolta

generalizada contra “a camisa de força das definições econômicas do desenvolvimento que

35

restringia suas metas a indicadores quantitativos relativamente irrelevantes” (ESTEVA,

2000, p.8). Os órgãos institucionais necessitavam rever a noção de desenvolvimento, pois as

suas contradições se tornavam mais claras. O próprio presidente do Banco Mundial, Robert

S. McNamara, admitiu que a noção de desenvolvimento centrada no crescimento econômico

não havia conduzido a um progresso satisfatório de desenvolvimento e que os anos 1970

observariam algo mais que índices brutos de crescimento econômico (ESTEVA, 2000).

Durante os anos 1970, o que se observou foi uma tentativa de fundir os aspectos

sociais e econômicos. A euforia do pós-segunda guerra centrada no crescimento do PIB,

resultou no aumento da pobreza e da desigualdade. Era visível que não podia ser pensada

uma estratégia desenvolvimentista sem considerar ao mesmo tempo questões econômicas e

sociais. Nesses termos, foi montada em 24 de outubro de 1970 uma estratégia internacional

de desenvolvimento “baseada em uma ação conjunta e concentrada em todas as esferas da

vida econômica e social” (ESTEVA, 2000, p.69). O próprio Conselho Econômico e Social

das Nações Unidas (ECOSOC), em 1966, já havia reconhecido a interdependência dos

fatores econômicos e sociais e a necessidade de equilibrar o planejamento econômico com o

social (ESTEVA, 2000). Porém, este projeto foi frustrante, havendo a necessidade de se

pensar outras estratégias de desenvolvimento para as décadas seguintes.

Segundo Esteva, se a preocupação da década de 1970 era a criação de uma

abordagem unificada ao desenvolvimento, o que se observou é que na prática houve foi

dispersão. Diversos temas como meio ambiente, fome, crescimento demográfico, opressão

das mulheres, problema habitacional ou desemprego tiveram seus momentos de importância

(ESTEVA, 2000). Dentre estes temas, a questão ambiental foi ganhando cada vez mais

força. Não por acaso, houve a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972, alertando o planeta sobre a

possibilidade de esgotamento dos recursos naturais.

3.1.1 Estocolmo

Conforme demonstramos, desde o final dos anos 1960, passou a existir um

questionamento ao discurso do desenvolvimento centrado no crescimento econômico. O

planeta tomava conhecimento das consequências desse modelo de desenvolvimento,

principalmente das consequências sobre a natureza. A Suécia, por exemplo, estava

36

preocupada com “chuva ácida, poluição no Báltico, e os níveis de pesticida e metais pesados

encontrados em peixes e aves” (SACHS, 2000, p.118).

Começou a ser disseminado, nesse período, que a poluição não respeita

fronteiras. Ela podia ser produzida por uma determinada região, porém os seus efeitos

podem ser sentidos nos lugares mais longínquos. Conforme Sachs (2000, p 118),

O lixo industrial escapa a soberania nacional, não se apresenta na alfândega, não usa passaporte... Os países descobriram que não eram entidades auto-suficientes, mas sujeitos, à ação de outros países. Assim surgiu uma nova categoria de problemas: “as questões globais”.

Se o tema da questão ambiental ganhava destaque, a Conferência de Estocolmo

significou a inserção desse termo no âmbito das preocupações de nível internacional.

Segundo Sachs (2000), a conferência de Estocolmo marcou o início de uma série de grandes

encontros das Nações Unidas durante toda a década de 1970 (sobre população, alimentos,

assentamentos humanos, água, desertificação, ciência e tecnologia, energia renovável).

Demétrio Magnoli (2004), apresenta-nos alguns desses encontros realizados pela

ONU na década de 1970: Conferência de Recursos Hídricos (1975), Estabelecimentos

Humanos (1976), Desertificação (1977). As convenções temáticas específicas foram:

Prevenção de Poluição do Mar por Navios e por Fontes Terrestres (1973 e 1974), Espécies

de Flora e Fauna Ameaçadas de Extinção (1973), Poluição Transfronteiriça (1979). Essas

séries de encontros promovidos pela ONU tinham por objetivo a constituição do “conceito

de um sistema mundial inter-relacionado, o qual é visto operando sob um certo número de

pressões comuns” (SACHS, 2000, p. 118).

Tullo Vigevani (1997, p. 33), também, nos oferece outra boa observação sobre a

Conferência de Estocolmo. Segundo esse autor, o questionamento ao modelo de

desenvolvimento e às conseqüências desse modelo sobre a natureza geraram a “necessidade

de se criar uma estrutura institucional capaz de pensar a questão ambiental oferecendo

respostas, sem esquecer o desenvolvimento e a preocupação com a segurança no âmbito

militar”. A conferência de Estocolmo foi a forma encontrada para promover esta

institucionalização.

A Conferência de Estocolmo, realizada no período de 5 a 16 de junho de 1972,

reuniu 113 países, e 250 organizações não-governamentais. O nome dado à conferência foi

“Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano”. Coube ao canadense

Maurice Strong a presidência do evento. Os objetivos dessa Conferência eram: “fazer um

balanço dos problemas ambientais em todo o mundo; buscar soluções e novas políticas

governamentais no sentido de reduzir o grande número de problemas causados pelo

desenvolvimento das sociedades, tais como poluição, deteriorização dos ambientes e

37

limitação dos recursos naturais, discutir a urbanização acelerada, mal concebida, debater o

caráter global dessas perturbações de origem humana (VECCHIATI, 2004, p.91). Por outro

lado, os debates da Conferência giraram em torno de temas como controle populacional e

necessidade de redução do crescimento econômico (GODOY, 2007).

De acordo com Amalia Godoy, dois documentos reforçavam as animosidades e

conflitos existentes entre as nações do evento. O primeiro era as conclusões do relatório do

Clube de Roma, o segundo foi o relatório intitulado “Uma Terra Somente”, de Bárbara

Ward e René Dubos, da Organização das Nações Unidas que reuniu 70 especialistas do

mundo,e reforçava em parte as conclusões do relatório do Clube de Roma (GODOY, 2007).

Houve, no evento, interesses conflitantes entre países chamados em

desenvolvimento e os países considerados desenvolvidos. Os primeiros defendiam o

“crescimento a qualquer custo” enquanto que os países ricos debatiam com base nas idéias

do “crescimento zero”. Os países em desenvolvimento, liderados principalmente pelo Brasil

(que vivia o período do milagre econômico) mantinham posição de resistência ao

reconhecimento da importância da problemática ambiental e do problema da explosão

demográfica (GODOY, 2007).

Segundo GODOY (2007, s/p),

Os países em desenvolvimento viam na postura Neomalthusiana do relatório do Clube de Roma, do documento base da conferência e dos ambientalistas, um movimento de ampliação da subordinação internacional dos países subdesenvolvidos aos países desenvolvidos... O resultado dessa resistência foi a inclusão de alguns capítulos que tentavam ou buscavam resguardar a soberania dos países sobre seus territórios e os recursos naturais sobre suas necessidades e liberdades de alcançar o desenvolvimento (GODOY, 2007, s/p).

Os países chamados em desenvolvimento argumentavam que “o

desenvolvimento não poderia ser sacrificado por considerações ambientais, pois estas

preocupações poderiam prejudicar suas exportações, assim como dos subdesenvolvidos

(GODOY, 2007). Para um bom entendimento dos objetivos e visões desses países é

ilustrativo a visão do Brasil sobre o referido processo. Dos 113 países envolvidos na

Conferência, Amália Godoy (2007) nos informa que 77 países eram liderados pelo Brasil.

Na visão dos representantes brasileiros, deveriam se desenvolver primeiro e, posteriormente,

pagar os custos da poluição. O Brasil fez acusações aos países industrializados, além de

defender o crescimento econômico a qualquer custo. Estendeu-se uma faixa no evento com

as seguintes afirmações: “Bem vinda a poluição, estamos abertos a ela. O Brasil é um país

que não tem restrições, temos várias cidades que recebiam de braços abertos à poluição,

porque nós queremos empregos, dólares para o nosso desenvolvimento” (GODOY, 2007,

s/p).

38

O importante para os países em desenvolvimento era o crescimento econômico,

mesmo que esta escolha resultasse em degradações sérias ao meio ambiente. Os países

pobres alegavam que os problemas ambientais eram dos países ricos derivados do excesso

de produção e consumo. No entender dos países pobres “o problema era que 2/3 da

população mundial estava dominada pela pobreza, enfermidade, sendo inaceitável a noção

de crescimento zero” (GODOY, 2007, s/p). O principal problema ambiental na visão destes

países era a pobreza. Amália Godoy (2007) cita a afirmação da primeira ministra da Índia,

Indira Ghandi, como ilustrativa da visão dos países em desenvolvimento sobre a questão

ambiental. Segundo a líder da Índia, a pobreza é a grande poluidora, pois os pobres

necessitam explorar seu meio ambiente para suprir as necessidades básicas.

Os países desenvolvidos adotaram em Estocolmo a defesa do “crescimento

zero”. De acordo com Lago e Pádua, essa noção não propõe mudanças nas relações de

produção, mas sim a sua estabilização no atual nível produtivo (PÁDUA e LAGO, 2004).

Segundo os autores citados, o problema é que “este nível já é altamente destrutivo e mantê-

lo como está significa retardar a possibilidade de colapso ambiental por mais algum tempo”

(PÁDUA e LAGO, 2004, p.88). A noção de “crescimento zero” tem por objetivo manter o

crescimento econômico, além de refletir relações desiguais entre países desenvolvidos e os

que faziam parte do dito Terceiro Mundo. Conforme nos adverte Lago e Pádua, “os países

ricos estacionariam em seu consumo opulento e os do Terceiro Mundo, na miséria e na

estagnação” (PÁDUA e LAGO, 2004, p.88). Esta noção seria fundamental na permanência

de relações de dominação por parte dos países de capitalismo central sobre os de capitalismo

periférico.

Em resposta à polarização em Estocolmo entre as idéias de “crescimento zero” e

de “crescimento a qualquer custo”, apareceu a noção de ecodesenvolvimento.

Vigevani (1997) afirma que um dos méritos da Conferência de Estocolmo foi

reconhecer que o tema ecológico estava relacionado à questão de desenvolvimento, além de

tratar o tema do meio ambiente na sua abrangência. Como forma de projetar o início de uma

institucionalização da questão ambiental foi também criado, no mesmo ano da conferência,

o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA)3. Outra das grandes

discussões em Estocolmo foi definir o que deveria ser feito para manter a Terra como lugar

adequado à vida humana no momento e para as gerações futuras. Os idealizadores do evento

3 O PNUMA vem, desde sua criação, desenvolvendo um trabalho constante sobre o tema ambiental, auxiliando e estimulando pesquisas na área, como também enfatizando a necessidade de uma rede maior de acordo e convenções.

39

estavam desejosos em encontrar soluções para os problemas da escassez e do esgotamento

dos recursos naturais.

O resultado da conferência foi o de considerar que até 85 o homem teria ocupado todos os espaços disponíveis no globo, exceto os inadequados, tornando-se imprescindível um maior conhecimento sobre sua relação com o seu meio ambiente como também deveria aprender a manejar inteligentemente os recursos existentes (VIGEVANI, 1997, p.34).

O evento também sinalizou que a tomada de decisões e cuidados deveria ser, a

partir de então, globais, sendo necessária a constante cooperação entre países. Também foi

enfatizado pela Conferência que a “sociedade deveria reconhecer que existe um custo tanto

para o controle quanto para o não controle ambiental” (VIGEVANI, 1997, p.34).

Foi aprovado em Estocolmo um plano de ação baseado em três diretrizes:

1) Programa de vigilância mundial destinado a avaliação de problemas ambientais internacionais. 2) Atividades de ordenação do meio ambiente, destinadas a aplicar os conhecimentos sobre o meio ambiente para poder conservar o que se considera desejável e evitar o indesejável. 3) Medidas de apoio como educação, capacitação, informação pública e financiamentos para subsidiar cada uma dessas ações (CARVALHO, 1990, p. 236)

Essas diretrizes estão voltadas para o estabelecimento de dispositivos voltados à

vigilância, ordenação e centralização das práticas ecológicas, constituindo o discurso

ecológico oficial (CARVALHO, 1990). De acordo com Carvalho (1990, p. 235), o discurso

ecológico oficial “é aquele produzido pelos organismos governamentais nacionais e

internacionais, institucionaliza uma fala sobre meio ambiente apresentando-a como

consenso mundial sobre o assunto”.

A partir da reunião de Estocolmo, o que se observa é o “início de uma

conscientização de âmbito internacional a respeito da fragilidade dos ecossistemas e da

conseqüente necessidade de realização de esforços para garantir sua manutenção”

(VIGEVANI, 1997, p.34).

O ano de 1972 foi também marcado pelo lançamento do relatório do Clube de

Roma, “Limites do Crescimento”, nossa próxima explanação.

3.1.2 O Clube de Roma e o “Limites do Crescimento”

Conforme já assinalado neste trabalho, o Clube de Roma nasceu de um encontro

em abril de 1968 na Academia Dei Lincei, em Roma. O grupo possuía, além da direção do

Dr. Aurélio Peccei, outros lideres: Hugo Thiemann (chefe do Battelle Institute, Genebra),

40

Alexander King (diretor científico da Organization for Economic Cooperation and

Development), Saburo Okita (chefe do Japan Economy Research Center, Toquio); Eduard

Pestel (Technical University of Hannover, Alemanha) e Carrol Wilson (Massachussets

Institute of Technology). É necessário lembrar que o Dr. Peccei é associado à FIAT e à

OLIVETTI, e administrava uma firma consultora para o desenvolvimento econômico e de

engenharia, a Italconsult, uma das maiores do ramo na Europa (MEADOWS, 1978). O

próprio grupo do Clube de Roma se autodenominava uma organização informal, descrita

como um “colégio invisível”.

O objetivo de “Limites do Conhecimento” é examinar o complexo de problemas que afligem os povos de todas as nações: pobreza em meio à abundância, deteriorização do meio ambiente, perda de confiança nas instituições, expansão urbana descontrolada, insegurança de emprego, rejeição de valores tradicionais, alienação da juventude, inflação e outros transtornos econômicos e monetários (MEADOWS, 1978, p.11).

O relatório “Limites do Crescimento” foi resultado da fase um do projeto que se

concretizou nos encontros mantidos no verão de 1970 em Berna, Suiça e em Cambridge,

Estado de Massachusetts, EUA. Contou com a direção do Professor Denis Meadows e com

o apoio financeiro da Wolkswagen Foundation (MEADOWS, 1978). De acordo o próprio

relatório, foram examinados os “cincos fatores básicos que determinaram e em última

análise limitam o crescimento no planeta, população, produção agrícola, recursos naturais,

produção industrial e poluição” (MEADOWS, 1978, p.11-12). É importante assinalar que

segundo o “Limites do Crescimento” esses fatores foram analisados partindo do pressuposto

que se inter-relacionam.

O relatório é composto dos seguintes capítulos: a natureza do crescimento

exponencial, os limites do crescimento exponencial, o crescimento no sistema mundial, a

tecnologia e os limites do crescimento, o estado de equilíbrio global.

“Limites do crescimento” aponta que os “cinco elementos básicos apresentados

(população, produção de alimentos, industrialização, poluição e consumo de riquezas

naturais não-renováveis) estão aumentando segundo um padrão que os matemáticos chamam

de crescimento exponencial”4 (MEADOWS, 1978, p.23).

Vejamos alguns dados levantados pelo relatório “Limites do Crescimento”:

“Em 1650 a população era de cerca de 0,5 bilhão e estava crescendo a uma taxa de aproximadamente 0,3% ao ano. Em 1970 a população totalizava 3,6 bilhões e a taxa de crescimento era de 2,1% ao ano (MEADOWS, 1978, p.30);

4 Uma quantidade apresenta crescimento exponencial quando cresce numa porcentagem constante do total, em um período constante de tempo. Uma cultura de células de fungos no qual cada célula se divide em duas a cada 10 minutos, está crescendo exponencialmente. Para cada uma das células haverá duas células depois de 10 minutos, isto é, um aumento de 100% (MEADOWS, 1978, p.23).

41

A produção industrial apresentou taxa de crescimento da produção total entre 1963-1968 de 7% ao ano (MEADOWS, 1978, p.34); As taxas de crescimento econômico indicam que aumentou as distâncias econômicas entre países pobres e ricos (MEADOWS, 1978, p.38); Existe uma concordância geral de que talvez 50 a 60% da população dos países menos industrializados estão alimentados inadequadamente. Na maioria dos países em desenvolvimento, as exigências de calorias e proteínas não estão sendo satisfeitas. A produção agrícola total do mundo está crescendo, porém a produção per capita de alimentos nos países não industrializados está mantendo-se constante em seu inadequado nível atual (MEADOWS, 1978, p.45); Possivelmente de 10 a 20 milhões de mortes a cada ano, possam ser atribuídas direta ou indiretamente, à desnutrição (MEADOWS, 1978, p.50); Por volta do ano 2050 muitos minerais podem ser esgotados, caso perdure seu atual índice de consumo. No atual ritmo de expansão, a prata, o alumínio e urânio podem ter seu fornecimento limitado, mesmo a preços mais altos no final do século. Resta apenas um número limitado de locais para a prospecção da maioria dos minérios (MEADOWS, 1978, p.53); Os poluentes estão se espalhando por todo o globo, seus efeitos nocivos aparecem longe dos pontos em que são gerados (MEADOWS, 1978, p.67); O consumo de energia per capita no mundo está crescendo a uma taxa de 1,3% ao ano. 97% da produção de energia industrial da humanidade procedem de combustíveis fósseis. Cerca de 20 bilhões de toneladas de CO2 estão sendo liberados de combustíveis fósseis anualmente. Metade de CO2 desprendido de combustíveis fósseis queimados, realmente tem aparecido na atmosfera – a outra metade tem sido absorvida pela superfície dos oceanos (MEADOWS, 1978, p.69).

O relatório adverte que:

a ignorância sobre os limites da capacidade do globo para absorver poluentes, deveria ser razão suficiente de cautela na libertação de substâncias contaminantes. O perigo de se atingirem esses limites é especialmente grande porque há, tipicamente, uma longa demora entre a liberação de um poluente no meio ambiente e o aparecimento de seus efeitos negativos no sistema ecológico (MEADOWS, 1978, p.77).

Uma das partes significativas do relatório é a lembrança que ele faz em relação à

terra ser um espaço finito: “Quanto mais qualquer atividade humana se aproxima do limite,

da capacidade que o globo tem para suportá-la, tanto mais evidentes e difíceis de se

resolverem se tornam as opções” (MEADOWS, 1978, p.83).

No final do terceiro capítulo, o relatório dá um recado bem explícito: “na

hipótese de não haver mudança importante no sistema atual, certamente o crescimento

industrial e da população cessarão no decorrer do próximo século, o mais tardar”

(MEADOWS, 1978, p.124).

“Limites do Crescimento” emite em sua parte final, algumas considerações que

merecem atenção. Vejamos essas afirmações:

42

“Pela primeira vez, tornou-se vital examinar o custo do crescimento material irrestrito e considerar as alternativas para sua continuação (MEADOWS, 1978, p.186); Reconhecemos que o equilíbrio mundial somente poderá tornar-se uma realidade, caso o grupo dos chamados países em desenvolvimento tenha uma melhora substancial, tanto em termos absolutos como em relação às nações economicamente desenvolvidas, e afirmamos que este progresso só pode ser alcançado através de uma estratégia global [...] afirmamos que o problema global do desenvolvimento está tão intimamente relacionado a outros problemas globais, que uma estratégia geral deve ser desenvolvida para atacar todos os grandes problemas, incluindo especialmente aqueles que dizem respeito à relação do homem com o meio ambiente. Dos dois lados da equação homem – meio ambiente, a situação tenderá a piorar perigosamente. Não podemos esperar que as soluções tecnológicas por si só nos tirem deste círculo vicioso. A estratégia para lidar com os dois problemas-chave, desenvolvimento e meio ambiente, deve ser concebida como sendo apenas uma (MEADOWS, 1978, p.187); Estamos unanimente convencidos de que uma emenda rápida e radical na situação mundial, atualmente desequilibrada e em perigosa deteriorização, é a tarefa fundamental com que se defronta a humanidade. Este esforço supremo é um desafio para nossa geração e não pode ser transferido à próxima (MEADOWS, 1978, p.188); Apoiamos inequivocamente a alegação de que um freio imposto à espiral do crescimento demográfico e econômico não deve levar a um congelamento dos “status quo” de desenvolvimento econômico de todas as nações do mundo (MEADOWS, 1978, p.190).

Vejamos algumas advertências propostas pela obra “Limites do Crescimento”:

Se as atuais tendências do crescimento da população mundial – industrialização, poluição, produção de alimentos e disseminação de recursos naturais – continuarem imutáveis, os limites do crescimento neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos próximos cem anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e incontrolável tanto da população quanto da capacidade industrial [...] É possível modificar estas tendências de crescimento e formar uma condição de estabilidade ecológica e econômica que se possa manter até um futuro remoto. Quanto mais cedo a população do mundo começar a trabalhar para alcançá-lo, maiores serão suas possibilidades de êxito (MEADOWS, 1978, p.20).

Existe uma mensagem que o relatório deixa que não podemos deixar de citar:

Esperamos que este livro sirva para interessar outras pessoas em diversos campos de estudo, e em muitos países do mundo para que se ampliem os horizontes de espaço e de tempo de seus interesses, é para que elas se juntem a nós na compreensão e na preparação para uma época de grande transição – a transição entre crescimento e equilíbrio global (MEADOWS, 1978, p.20).

Durante a década de 70, principalmente após a crise no abastecimento do

petróleo, “começou a ficar claro para os governos que o crescimento contínuo não apenas

dependia da formação do capital ou mão-de-obra qualificada, mas também da

disponibilidade a longo prazo de recursos naturais” (SACHS, 2000, p.120). Para o mundo

capitalista, com a crise do petróleo e ambiental também ficava óbvio que o sistema

43

necessitava administrar eficientemente os recursos naturais, pois sem estes o capital não

pode se desenvolver continuadamente. É neste contexto que ocorre a produção do Clube de

Roma. Explicitado esses pontos podemos entender porque um grupo de cientistas,

intelectuais, industriais e economistas ligados a grandes corporações como FIAT, Olivetti,

Wolkswagen estavam preocupados com a questão ambiental. O “Limites do Crescimento”

reflete a preocupação das elites econômicas com a continuidade do sistema econômico, pois

o esgotamento dos recursos naturais colocava a possibilidade de colapso do sistema em

questão. Os constrangimentos ecológicos estavam sendo inseridos na lógica capitalista

(CARVALHO, 1990).

Nas proposições construídas pelo relatório em questão é afirmado que haverá

crescimento econômico, porém agora com “equilíbrio”. “O crescimento ilimitado é uma

ilusão, porque o mundo é um espaço fechado, finito, e de limitada capacidade de

sustentação” (SACHS, 1978, p.118). Conforme demonstramos, por mais que “Limites do

Crescimento” reconheça e lembre que a Terra é um espaço finito, como o discurso da época,

e que possui limites de sustentação, não é a produtividade capitalista que será inserida no

ritmo da natureza, o que se procura é um meio de englobar a natureza nos interesses e ritmo

de produtividade capitalista. O relatório desperta mais atenção ainda porque trabalha num

tom apocalíptico, nos formula avisos que requerem atitudes emergenciais, tanto é que afirma

que os problemas atuais devem ser resolvidos pela geração atual e não pela próxima. Porém,

a preocupação sempre descamba para a possibilidade de declínio súbito da capacidade

industrial.

É importante frisar que o fato de falar sobre os perigos que a humanidade corre,

preocupar-se com um equilíbrio global (ao menos no discurso) e usar uma pretensa

neutralidade diante dos fenômenos abordados serve para mascarar o real propósito do Clube

de Roma. O próprio grupo se define uma associação informal, internacional, que não

procura expressar qualquer ponto de vista particular, além de se caracterizar como um

“colégio invisível”. Usando estas caracterizações é como se o grupo estivesse nos dizendo

que está isento de suas pré-noções, de interesses maiores, de suas paixões, como se fosse

algo imparcial. A neutralidade científica na análise dos fatos sociais é praticamente

impossível. Quando falamos, o nosso discurso é estabelecido a partir de um determinado

local, de maneira que estamos tomando parte de um lado. Certamente, o Clube de Roma,

uma organização elitista, fala a partir dos interesses do grande capital, não sendo nada

imparcial.

44

O “Limites do Crescimento”, ao tecer críticas à noção de desenvolvimento

centrado no crescimento econômico ilimitado, fala em considerar alternativas para

constituição de outro modelo de desenvolvimento, uma dessas alternativas seria associar

desenvolvimento com respeito ao meio ambiente: “a estratégia para lidar com os dois

problemas-chave, desenvolvimento e meio ambiente, deve ser concebida como sendo apenas

uma” (MEADOWS et al. 1978, p.188).

Diante da citação acima, afirmamos que “Limites do Crescimento” marcou o

início do debate sobre a reorientação do conceito de desenvolvimento, ao incorporar

desenvolvimento e meio ambiente como sendo apenas uma coisa. O relatório dava o ponta

pé inicial para a futura noção de desenvolvimento sustentável.

3.1.3 Ecodesenvolvimento

Conforme demonstramos, na Conferência de Estocolmo surgiu um impasse entre

os países pobres, que defendiam o “crescimento a qualquer custo”, e os países ricos,

centrados no “crescimento zero”. Como resposta a esse impasse, Maurice Strong (diretor

executivo do PNUMA) lançou em junho de 1973 o conceito de ecodesenvolvimento. Nesse

período a ONU estava voltada a que fossem alcançados os objetivos sociais do

desenvolvimento. Segundo Esteva (2000, p. 70), a Conferência sobre Emprego, Distribuição

de Renda e Progresso Social organizada pela Organização Internacional do Trabalho

apontou como resposta “uma abordagem das necessidades básicas cujo objetivo era obter

um certo e específico padrão de vida mínimo, antes do fim do século”. O conceito de

ecodesenvolvimento estava dentro do contexto de uma resposta a essas necessidades

básicas.

O que nos chama atenção é o fato do documento apresentado pela Organização

Internacional do Trabalho, reconhecer a necessidade de uma abordagem das necessidades

básicas. Essa organização fazia esse reconhecimento, porque afirmava que o

“desenvolvimento não acabaria com a fome a miséria e que tornaria mais altos os níveis de

pobreza absoluta de um ou até dois quintos da população mundial” (ESTEVA, 2000, p.70).

A abordagem da OIT sugeria atenção imediata e a tarefa de resolver essas necessidades. É

importante a observação desse caso, porque percebemos que nos níveis institucionais não

seria mais possível manter o discurso de um desenvolvimento centrado no crescimento

45

econômico ilimitado. Observe que a própria OIT afirma que o termo em questão estava

alimentando a pobreza ao invés de diminuí-la. Porém, esses organismos, que outrora

defendiam o crescimento ilimitado, procuram agora atenuar seus efeitos. Se não poderiam

eliminar a pobreza, desejavam ao menos diminuí-la. Essa dimensão não poderia escapar da

próxima noção de desenvolvimento. Com o termo ecodesenvolvimento não poderia ser

diferente.

Formulado por Maurice Strong, é com Ignacy Sachs que o conceito é ampliado,

agregando além das questões ambientais, as sociais, as de gestão participativa, a ética e a

cultura (GODOY, 2007).

De acordo com Godoy (2007, s/p), Sachs, delineou seis aspectos fundamentais

que gerariam o desenvolvimento:

“Satisfação das necessidades básicas; A solidariedade com as gerações futuras; A participação da população envolvida; A preservação dos recursos naturais e do meio ambiente em geral; A elaboração de um sistema social garantindo emprego, segurança social e respeito a outras culturas; Programas de educação..

De acordo com Godard (1997, p. 111),

A abordagem do ecodesenvolvimento representava uma nova abordagem, dessa vez baseada no atendimento “as necessidades fundamentais (habitação, alimentação, meios energéticos, educação, saúde e participação nas decisões) das populações menos favorecidas, prioritariamente nos países em desenvolvimento, na adaptação das tecnologias e dos modos de vida as potencialidades e dificuldades específicas de cada ecozona, na valorização dos resíduos e na organização da exploração dos recursos renováveis pela concepção de sistemas cíclicos de produção sistematizando os ciclos ecológicos.

A estratégia do ecodesenvolvimento foi dirigida primeiramente

Às populações, cuja sobrevida e cujas atividades se organizavam em grande parte fora da economia de mercado oficial, elas baseavam-se na participação direta das populações envolvidas e na criação de novas formas institucionais de impulso e de planificação a nível dos estabelecimentos e distritos rurais (GODARD, 1997, p. 111).

É visível neste conceito a preocupação com a questão ambiental. Fala-se em adaptação das

tecnologias e dos modos de vida às potencialidades e dificuldades específicas de cada

ecozona. Este conceito, demonstrava que, depois de Estocolmo e do relatório do Clube de

Roma, não poderia ser mais pensado uma estratégia de desenvolvimento que não levasse em

consideração o meio ambiente.

Importa também perceber que o conceito de ecodesenvolvimento, trazia consigo

um problema implícito. O objetivo dele é trabalhar as especificidades de cada lugar. Porém,

uma vez que essa concepção seja seguida a risca, levaria a dissolução do próprio conceito de

desenvolvimento, pois ficaria implícito que era impossível impor um modelo cultural único.

46

Esse conceito não estava bem ajustado com os interesses do grande capital. Exigia

mudanças importantes dos modos de vida e desenvolvimento dos países industriais como

condição fundamental “para uma harmonização a longo prazo dos direitos ao

desenvolvimento de todos os países e a preservação do meio ambiente do planeta”

(GODARD, 1997, p.112). O resultado é que estas exigências não agradaram a todos e o

conceito de ecodesenvolvimento foi relegado às esferas marginais.

Godard apresenta uma citação como nota de rodapé explicando como o

ecodesenvolvimento foi parar na marginalidade. A explicação será citada com destaque, pois

ao nosso entender ela não necessita de mais palavras a serem pronunciadas

Sob pressão americana, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente logo cessou de se referir ao ecodesenvolvimento, em razão do conteúdo muito radical que era dado a este termo por seus promotores. No seguimento desta assistência institucional, o vocabulário mais consensual – “desenvolvimento sustentável” – foi lançado (GODARD, 1997, p.112)

3.1.4. Declaração de Cocoyoc

Em 1974 foi realizado um simpósio de especialistas presidido por Bárbara Wars,

em Cocoyoc, no México, organizado pelo PNUMA e pela Comissão das Nações Unidas

Sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). O Simpósio identificou os fatores sociais

e econômicos que levam à deteriorização ambiental (PNUMA, 2004). Segundo o relatório

“Perspectivas do Meio Ambiente Mundial: GEO-3 da PNUMA, o relatório formal publicado

em Cocoyoc, influiu na mudança de atitude dos principais pensadores ambientais”

(PNUMA, 2004).

O que foi dito em Cocoyoc serviu como primeiro parágrafo da “estratégia de

Conservação Mundial”, publicado em 1980: “Os impactos destrutivos combinados de uma

maioria carente lutando para sobreviver e uma minoria rica consumindo a maior parte dos

recursos terrestres tem comprometido os próprios meios que permitem a todas as pessoas

sobreviver e prosperar” (PNUMA, 2004).

Segundo o relatório “Perspectivas do Meio Ambiente Mundial 2002: GEO-3” do

PNUMA, as declarações de Cocoyoc já demonstravam uma consciência sobre a dificuldade

de se atender às necessidades humanas de forma sustentável em um meio ambiente sob

pressão (PNUMA, 2004). Vejamos essas declarações:

47

O problema básico de hoje em dia não é o de uma escassez material absoluta, mas sim de má distribuição e uso, do ponto de vista econômico e social; A tarefa dos estadistas é orientar os países em direção a um novo sistema mais capaz de satisfazer os limites internos das necessidades humanas básicas para todas as pessoas do mundo e fazê-lo sem violar os limites externos dos recursos e do meio ambiente do planeta; Os seres humanos têm necessidades básicas: alimentação, abrigo, vestimentas, saúde, educação. Qualquer processo de crescimento que não leve à sua realização é uma paródia da idéia de desenvolvimento; Precisamos todos redefinir nossos objetivos ou novas estratégias de desenvolvimento, em novos modos de vida, incluindo um padrão mais modesto de consumo entre os ricos. (PNUMA, 2004, p. 7-8).

A Declaração de Cocoyoc termina assim:

O caminho á frente não se encontra no desespero pelo fim dos tempos nem em um otimismo fácil resultante de sucessivas soluções tecnológicas. Ele se encontra na avaliação cuidadosa e imparcial dos limites externos na busca conjunta por meios de alcançar os “limites internos” dos direitos humanos fundamentais, na construção de estruturas sociais, que expressam esses direitos e no trabalho paciente de elaborar técnicas e estilos de desenvolvimento que aprimorem e preservem o nosso patrimônio terrestre (PNUMA, 2004, p.8).

Ainda na década de 1970, a preocupação cada vez maior com o aquecimento

global levou à realização da primeira Conferência Mundial sobre o Clima, em Genebra, em

fevereiro de 1979. Na conferência, chegou-se à conclusão de que emissões antropogênicas

de dióxido de carbono podem causar efeitos ao longo prazo sobre o clima (PNUMA, 2004).

No ano seguinte, foi estabelecido o Programa Mundial do Clima, proporcionando uma

estrutura para cooperação internacional em pesquisas e a base para a identificação de

questões climáticas importantes ocorridas nas décadas de 1980 e 1990, como destruição da

camada de ozônio e o aquecimento global (PNUMA, 2004).

3.2 Afirmação da questão ambiental: década 1980

Planeta Terra, década de 1980, não por acaso chamaram este período de década

perdida. O mundo despertava após décadas de desenvolvimentismo para um cenário de

incertezas e instabilidade. Para melhor compreensão do cenário que começamos a retratar,

vejamos estes dados apresentados por Escobar:

48

Los países industrializados, con el 26% de la población, responden por el 78% de la producción mundial de bienes y servicios, el 81% del consumo de energía, el 70% de los fertilizantes químicos y el 87% del armamento mundial. Un habitante de Estados Unidos gasta tanta energía como siete mexicanos, 55 hindúes, 168 tanzanianos e 90 nepaleses. En muchos países del tercer mundo, los gastos militares superan el gasto en salud [...] En Brasil, el consumo del 20% rico es treinta veces mayor que el del 20% más pobre de la población, y la brecha entre ricos y pobres sigue creciendo. El 47% de la producción mundial de cereales se usa para alimentar animales. La misma cantidad de grano podría alimentar a más de 3.000 millones de personas. En Brasil el área sembrada de soya podría alimentar a 40 millones de habitantes si se sembrara de maíz y fríjol. Los seis principales mercaderes mundiales de granos controlan el 90% de su comercio, mientras que sólo durante la década de los ochenta varios millones de personas han muerto de hambre en la región de Sahel a consecuencia de hambrunas. La selva tropical húmeda suministra cerca del 42% de la biomasa vegetal y del oxígeno del planeta; 600 mil hectáreas de bosque se destruyen cada año en México, y otras 600 mil corren la misma suerte en Colombia. La cantidad de café que los países productores debieron exportar para obtener un barril de petróleo se duplicó entre 1975 y 1983. Los trabajadores de las industrias textil y electrónica del Tercer Mundo ganan hasta veinte veces menos que sus homólogos de Europa occidental, Estados Unidos o Japón, por hacer el mismo trabajo con similar productividad. Desde la crisis latinoamericana de la deuda externa en 1982, los deudores del Tercer Mundo han abonado a sus acreedores un promedio de US$ 30 mil millones más cada ano de lo que han recibido en nuevos préstamos. En el mismo periodo, el alimento disponible para los pobres del Tercer Mundo ha disminuido en cerca del 30% (ESCOBAR, 1998, p.398).

Utilizamos a citação de Escobar porque ela demonstra fortes disparidades entre

as regiões classificadas nos anos 50 como “subdesenvolvidas” e aquelas que seriam

desenvolvida, além de configurar a paisagem internacional da década de 1980. Se o mundo

percebia que as distâncias econômicas e sociais destas regiões aumentavam na década de

1960, a realidade nos anos 1980 era aterradora. As disparidades entre os chamados primeiro

e o terceiro mundo aumentavam ainda mais. Os dados demonstram como os países

chamados de desenvolvidos concentram atividades que contribuem com o aquecimento

global. Também é visível que no mundo já existem ferramentas que resolveriam o problema

da fome, problema este que chegou a índices alarmantes na década de 1980. Outro fato que

deve ser mencionado é o crescimento da concentração de renda, além do aumento da dívida

externa dos países do “Terceiro Mundo”.

O mundo na década de 1980 tinha que conviver, além da questão ambiental, com

problemas sérios de fortes disparidades sociais, uma pobreza a índices ainda maiores,

carência alimentar nas ditas regiões subdesenvolvidas e a própria sobrevivência do planeta

estava ameaçada.

Enquanto isso, ainda pensava-se numa reformulação da noção de

desenvolvimento que estivesse mais adequada com o atual contexto. É necessário lembrar

que durante a década mencionada ocorreram o ataque ao estado de bem-estar social e a

estruturação do estado neoliberal, mudanças na estrutura produtiva levaram à chamada

49

reestruturação produtiva ou flexível: trabalhador tendo que conviver com uma corrosão dos

seus direitos, aumentando as incertezas e o sentimento crescente de insegurança social.

Castel (2005, p. 31) nos oferece uma afirmação interessante sobre esse sentimento de

insegurança:

Mas como poderia aquele que é corroído todos os dias pela insegurança projetar-se no futuro e planejar sua vida? A insegurança social faz desta vida um combate pela sobrevivência dia após dia, cuja saída é cada vez mais incerta.

Marshall Berman, em “Tudo que é sólido desmancha no ar”, nos explicita que:

homens e mulheres modernos podem muito bem ser levados ao nada, carentes de qualquer sentimento de respeito que os detenha, livres de medo e temores, estão livres para atropelar qualquer um em seu caminho, se os interesses imediatos assim o determinasse (BERMAN, 2007, p.140).

Pensando nas palavras de Castel e Berman, afirmamos que a humanidade da

década de 1980, num cenário de insegurança e incertezas, não está livre de temores e medos.

Pelo contrário. Ela luta todos os dias tendo que conviver com medos e temores, sem dúvida

um dos temores que passa a deparar-se surge com a questão ambiental e o risco da

sobrevivência do próprio planeta.

O termo sobrevivência do planeta, iniciado no discurso internacional nos anos

1970, passa a estar gradativamente presente na realidade humana. A economia que vinha de

uma crise nos anos 1970, necessitava ser articulada levando em consideração os limites da

natureza, o mesmo não poderia ser diferente com o termo desenvolvimento, isso tudo no

âmbito do discurso.

Quem também expressa uma boa caracterização do contexto da década de 1980

e da situação ambiental nesse período é LEFF:

A una década de la Conferencia de Estocolmo y de haberse formulado los principios del ecodesarrollo, los países del Tercer Mundo, y de América Latina en particular, se vieron atrapados en la crisis de la deuda, cayendo en graves procesos de inflación y recesión. La recuperación económica apareció entonces como una prioridad y razón de fuerza mayor de las políticas gubernamentales. En este proceso se configuraron los programas neoliberales de diferentes países, al tiempo que avanzaban y se complejizaban los problemas ambientales del orbe. En ese momento empieza a caer en desuso el discurso del ecodesarrollo y a ser suplantado por el discurso del desarrollo sostenible. Si bien muchos de los principios de ambos discursos son afines, las estrategias de poder del orden económico dominante van modificando el discurso ambiental crítico para someterlo a la racionalidad del crecimiento económico (LEFF, 2001, p.152).

Refletindo na situação apresentada por Leff, percebemos uma necessidade de

recuperação econômica principalmente pelo Terceiro Mundo, mas ao mesmo tempo, os

problemas ambientais pioram e se tornam mais complexos. Com a queda do conceito de

ecodesenvolvimento, a noção de desenvolvimento carecia de melhores formulações e que

estivessem coadunados com a racionalidade econômica capitalista. O mundo do grande

50

capital precisava fazer o casamento da questão ambiental com os interesses econômicos. Sob

essas circunstâncias a Assembléia Geral da ONU criou em 1983 a Comissão Mundial sobre

Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), “um organismo independente vinculado ao

governo e ao sistema das Nações Unidas, porém não está sujeito ao seu controle”

(VIGEVANI, 1997, p.36).

Segundo Vigevani (1997, p.37), eram três os objetivos da Comissão Mundial

sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento:

a) reexaminar as questões críticas relativas ao meio ambiente e desenvolvimento, formulando propostas realistas para abordá-las; b) propor novas formas de cooperação internacional nessa área; c) dar à sociedade internacional uma maior compreensão desses problemas, incentivando-a a uma atuação mais firme.

A Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento foi designada,

no período compreendido entre os anos de 1983 a 1987, para realizar um estudo sobre as

relações entre meio ambiente, desenvolvimento e segurança (VIGEVANI, 1997). A

comissão deveria avaliar os avanços dos processos de degradação ambiental, a eficácia das

políticas ambientais para enfrentá-los (LEFF, 2001), além de reformular propostas para

abordar a crise ambiental e propor novas formas de cooperação internacional nesse campo

(MUNIZ e SANTANA JÚNIOR, 2009, p.05).

Os resultados dos quatros anos de estudos, discussões e audiências públicas

tiveram suas conclusões no ano de 1987, com a publicação do relatório “nosso futuro

comum” também conhecido como Relatório Bruntland, em referência a senhora Gro Harlen

Bruntland, ex-primeira ministra da Noruega, que presidiu a Comissão.

A partir do Relatório Bruntland, o casamento entre o desejo de desenvolvimento

e a preocupação com o meio ambiente pode finalmente ser anunciado (SACHS, 2000).

Porém essa união era abençoada e promovida pelo grande capital, que utilizaria esse

matrimônio para dar continuidade aos seus empreendimentos.

3.3 Desenvolvimento e natureza

Para compreensão dos caminhos que levaram à formulação do conceito de

desenvolvimento sustentável, é fundamental entendermos como essa tentativa de casamento

chegou a se desenvolver, haja vista que ela é o alicerce do conceito analisado neste trabalho.

51

Quando Truman lançava no seu discurso de posse as bases da política externa

norte-americana, classificando a grande maioria populacional do planeta como

subdesenvolvidos, o termo desenvolvimento ganharia um peso sem precedentes. Uma

palavra que parecia ser dotada de uma áurea mágica, pois, uma vez pronunciada, os

problemas dos locais em que ela fosse aplicada seriam resolvidos. A euforia nesse momento

era com a tecnologia, classificada como “fonte milagrosa de abundância infinita, capaz de

efetuar a substituição das matérias-primas escassas por outras que jamais se esgotariam”

(SHIVA, 2000, p.302). Existia certo silêncio com respeito aos recursos naturais (SHIVA,

2000). Porém, este fato não significa respeito para com a natureza. A campanha

desenvolvimentista do pós-segunda guerra estuprou a natureza. Talvez considerem a

expressão forte, porém ela é propícia para sintetizar uma relação covarde, violenta, onde se

perde respeito, comedimento e bom senso para com o outro.

A natureza podia ser estuprada, pois as idéias baconianas tiraram dela qualquer

áurea de sagrado. Francis Bacon (1562-1626) foi chamado de pai da ciência moderna. Sua

contribuição para a ciência moderna e para sua sistematização foi fundamental. O método

experimental de Bacon trabalhava com dicotomizações não sendo nada neutro. “Ao

contrário era uma forma tipicamente masculina de agressão contra a natureza, e de domínio

sobre as mulheres e sobre as culturas não ocidentais” (SHIVA, 2000, p.304).

Ocorre nestes termos uma transformação que faz de uma natureza mãe, que dá a

vida e alimenta a uma matéria inerte, sem vida e manipulada, fato fundamental para a

necessidade de exploração do capitalismo. “A antiga imagem de uma terra maternal atuava

como uma barreira cultural para os novos modelos de exploração da natureza. Não é tão

fácil assassinar a própria mãe, perfurar suas entranhas ou mutilar seu corpo” (SHIVA, 2000,

p.305). A partir das idéias baconianas, o modo de produção capitalista poderia explorar ao

máximo a natureza, pois esta passaria a ser observada pelo grande capital apenas como

recurso.

Paralelamente à destruição da natureza como algo sagrado, deu-se, também, o

processo de destruição da natureza como propriedade pública. De acordo com Vandana

Shiva, para alimentar o motor do progresso industrial e da acumulação de capital, portanto,

foram necessárias a privatização das terras comunitárias e a apropriação da base de sustento

das comunidades que delas dependiam (SHIVA, 2000, p.306).

Prosseguindo com as idéias de Shiva (2000, p. 307), ela nos esclarece que “o

tratamento da natureza como um recurso que só adquire valor através da exploração em

benefício do crescimento econômico, foi essencial para o projeto do desenvolvimento”. A

52

natureza só passa a ter valor para ideologia desenvolvimentista do pós-guerra se for um

negócio rentável.

A relação no período pós-segunda guerra poderia ser caracterizada assim:

desenvolvimento versus natureza. Esta última aparece como um obstáculo, algo que

necessita ser dominado, cujos limites devem ser rompidos, para a criação da abundância,

ideia esta que nasce desde a revolução industrial e científica reforçada pela economia e

tecnologia (SHIVA, 2000). O resultado foi uma exploração sem limites sobre a natureza,

gerando problemas ambientais dos mais sérios.

Diante de tais fatos, o capital encontrou-se no meio de uma contradição. Ele que

degradou, violentou a natureza, de repente se lembrou que sem ela sua sede constante por

lucro, mercados, mais lucros não podia continuar sendo saciada. Então, despertou para o fato

de que, uma vez morrendo a natureza, sua própria falência poderia ser decretada.

Por isso, assistimos um grupo patrocinado por grandes corporações, o Clube de

Roma, enfatizar que era necessário impor limites ao crescimento. Mesmo assim, ainda

houve resistências. O capital, desesperado, recorreu numa fé louca à tecnologia, acreditando

que ela poderia substituir o que se tornasse escasso. Então apareceram novos avisos na

década de 1980:

A próxima década viu surgir a “ecologização” do discurso da escassez, e uma crescente conscientização de que o processo de desenvolvimento e sua fome incontrolável de destruição e de consumo de recursos estava não só esgotando as reservas não renováveis, como também, através da ruptura ecológica, transformando recursos renováveis em não-renováveis. A capacidade de se autorenovar das florestas, da atmosfera, dos oceanos e dos rios tinha sido seriamente prejudicada (SHIVA, 2000, p.301).

Depois da discussão ambiental ter sido iniciada como tema ao nível

internacional, durante os anos 1980 ficava patente que ela não poderia ser mais dissociada

do desenvolvimento, o que ilustra bem o que estamos comentando, e a observação feita por

Muniz e Sant’Ana Júnior, a respeito da diferença do nome da primeira conferência realizada

pela ONU para o nome da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento,

em 1983.

Chama atenção o fato que a primeira grande conferência convocada pela ONU denominava-se Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Na formação da comissão com atribuição de preparar a segunda conferência; já foi incorporado o termo “desenvolvimento” a sua denominação, sinalizando para a perspectiva de associação entre preocupações ambientais e preocupações com o desenvolvimento (MUNIZ e SANT’ANA JUNIOR, 2009, p.5).

Durante a década de 1980, a questão ambiental foi se complexificando e

tornando-se ainda mais grave. Um exemplo aconteceu em 1980, quando:

53

Gigantescas manifestações de centenas de milhares de pessoas, comparáveis apenas às manifestações da década de 60 pelos direitos civis e contra a Guerra do Vietnã, se estenderam por diversas cidades americanas para protestar contra os perigos ecológicos do uso da energia nuclear, estimuladas pela pane na usina de Three Miles Island em Harrisburg (PÁDUA e LAGO, 2004, p. 8).

A situação tornava-se insustentável com recursos renováveis sendo

transformados em não-renováveis. O capital, para mascarar seus reais objetivos de

crescimento econômico, anuncia ao mundo, no ano de 1987, que desenvolvimento e

natureza estão juntos. Abençoados pelo criador, eles devem ser uma só criatura chamada

desenvolvimento sustentável.

3.4 O despertar da sustentabilidade

O objetivo desta parte do trabalho é fazer uma reflexão do que foi apresentado

neste capítulo. Assistimos nesse período à crise do conceito de desenvolvimento centrado no

crescimento econômico, do pós-segunda guerra, a emergência da questão ambiental a nível

internacional, a necessidade de institucionalização dessa questão, reorientação do debate

sobre desenvolvimento e o surgimento de outras estratégias nesse campo.

O final dos anos 1960 até 1987 podem ser descritos como a perda da euforia do

crescimento econômico e a emergência da sustentabilidade. Marshal Berman (2007, p. 26),

explicita que “ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promoveu aventura, poder,

alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor – mas ao

mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos”.

Essa afirmação de Berman é bem propícia porque serve muito bem para caracterizar aqueles

que viveram o período mencionado neste capítulo.

Uma geração que experimentou os momentos de efervescência do final dos anos

1960, que ouvia falar em sociedade alternativa, em faça amor não faça a guerra, mas que ao

mesmo tempo convivia com uma sociedade dominante, conservadora, com guerras que

poderiam destruir seus sonhos e amigos, e que ainda ouviria no final daqueles anos 1960

que, se não impuséssemos limites ao crescimento, os recursos naturais poderiam ser

esgotados num prazo curto de tempo. Trocando pelas palavras de Berman, uma geração que

agora lançada na aventura da modernidade poderia ver aquilo que sabia, aquilo que ela era,

ser destruído.

54

É nesse contexto que a Conferência de Estocolmo lançou o conceito de

economia de “astronauta”, comparando o planeta a uma grande espaçonave, na qual todos os

países eram os passageiros. A partir daquele momento estávamos todos no mesmo barco, o

mundo esquecia quem eram os principais poluidores. Todos nós, ou seja, esse conjunto

chamado humanidade deveria encontrar soluções para sua própria sobrevivência. E, nesse

período, o mundo ouviu falar o que precisava ser normatizado a respeito da questão

ambiental. Porém, não serão todos que devem ser normatizados, mas sim aqueles das

regiões que já foram alvos em séculos passados de campanhas evangelísticas, que

posteriormente foram chamados de primitivos, selvagens, e que no século XX foram

denominados “subdesenvolvidos”. Seriam os pobres que precisavam ser normatizados, pois

a pobreza foi associada à degradação ambiental.

Sempre que nos últimos 30 anos, os efeitos destrutivos do desenvolvimento eram reconhecidos, o conceito era esticado de maneira que englobasse a lesão e a terapia. Por exemplo, quando ficou óbvio, por volta de 1970, que a corrida pelo desenvolvimento realmente intensificava a pobreza, inventou-se a noção de “desenvolvimento” equitativo para reconciliar o irreconciliável: a criação da pobreza com a abolição da pobreza (SACHS, 2000, p.21).

Mesmo com a crise do desenvolvimento voltado ao crescimento econômico, no

período analisado neste capítulo, continuaram as elites econômicas voltadas à elevação do

PIB. O que assistimos no período analisado foi a saída da fase da certeza da abundância e da

livre disponibilidade das riquezas naturais que eram tidas como ilimitadas para a fase em

que eram visíveis os sinais de escassez dos recursos, havendo a necessidade de gerenciá-los

para a manutenção de uma oferta contínua de matérias-primas para o comércio e a indústria.

Por isso, ouvimos falar em normatização da questão ambiental, não porque estava em jogo a

sobrevivência do planeta, mas sim porque a funcionalidade do sistema econômico poderia ir

ao colapso.

Para a dita normatização, a questão ambiental passou a ser vista como uma

questão global. Por isso, começou-se a falar em necessidade de cooperação internacional,

estratégias gerais. A ONU passou a promover conferências e encontros constantes, criou

órgãos dedicados a questão ambiental, como o PNUMA e a CMMAD, produziu relatórios,

secretarias e ministérios de meio ambiente foram sendo montados nos vários países. Essa

normatização gerou o desenvolvimento de uma institucionalização da questão ambiental

cujo desdobramento processou-se no período analisado neste capítulo. Como resultado,

também assistimos ao surgimento de um discurso ecológico oficial, engendrado pelas

instituições governamentais nacionais e internacionais, encarregadas da questão ambiental.

Porém, o discurso das instituições ambientais não produziu consenso sobre a questão

55

ambiental no período de 1960 a 1987. O que encontramos nesse período foram tentativas e

aproximações do termo desenvolvimento com o meio ambiente. O conceito de

ecodesenvolvimento, por exemplo, apresentou-se radical demais para um projeto

desenvolvimentista universal. Somente a partir da noção de desenvolvimento sustentável é

que vamos perceber um conceito com perspectivas claras de almejar um consenso mundial

acerca do meio ambiente.

A constituição de um discurso ecológico oficial tem na sua contrapartida,

também no período analisado neste capítulo, a constituição de um discurso ecológico

alternativo, usando os termos de Isabel Carvalho (1990). Segundo esta autora, ainda que o

discurso ecológico oficial pretenda ser a palavra totalizante e dar conta de toda discussão

ambiental, não significa que seja a única interpretação a significar o acontecimento

ecológico. Nesta perspectiva, o discurso ecológico alternativo aparece como aquele ligado

aos setores do movimento ecológico que empreendem uma crítica radical ao modo de

produção industrial. Podemos citar como exemplos autores que englobam o discurso

ecológico alternativo, alguns movimentos sociais como os de seringueiros e das

quebradeiras de côco babaçu na Amazônia brasileira, o Earth First, o movimento Chipko na

Índia, além de uma série de movimentos indígenas e movimentos de populações tradicionais

espalhados pelo globo inteiro.

O mundo assistiu, no período analisado neste capítulo, à retirada da relação

desenvolvimento versus natureza, para a tentativa de constituição da relação

desenvolvimento e natureza. A noção de desenvolvimento dos pós-segunda guerra estava

centrada na primeira relação citada há pouco. Porém, observamos que, com a ocorrência de

desastres ecológicos, o aumento da pobreza, as informações da precariedade ambiental na

qual o planeta já se encontrava, o sistema capitalista se rearrumou, incorporando a natureza

em sua racionalidade, demarcando a necessidade de repensar o desenvolvimento. Porém,

essa relação não é baseada em respeito, recriprocidade. Ao contrário, ela é mascarada como

um casal que tem um casamento arranjado, porém, os dois não se amam. Como a natureza

poderia aceitar um casamento com alguém que não respeita seus limites? Ao ser arranjado,

forçaram a noiva ao casamento, o que também exigiu uma boa justificativa para a

ocorrência. Quer justificativa melhor do que salvar a vida do planeta Terra e daqueles que

nele habitam? O que o mundo assistiu no período de 1960 a 1987 foi a aproximação dos

noivos e gradativa montagem da justificativa do seu casamento. Essa união se tornou mais

necessária ainda após a crise na economia na década de 1970. A economia precisava crescer,

56

mas tinha que respeitar os limites da natureza, nada melhor que um casamento para

demonstrar esse respeito. 1987 deu as boas novas aos noivos, com o Relatório Bruntland.

Quando o Relatório Bruntland definiu desenvolvimento sustentável como aquele

que atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações

futuras satisfazerem suas próprias necessidades, pode parecer àquele indivíduo mais

desavisado que o relatório em questão retirou o termo sabe-se lá de onde e o colocou como a

nova modalidade de desenvolvimento. Porém, dando uma olhada com mais atenção no

período de 1960 a 1987, perceberemos que o relatório Bruntland apenas convergiu com

idéias que já vinham sendo esboçadas. Aliás, a própria emergência da questão ambiental

também não se deu do dia para noite. Segundo Amália Godoy (2007), a preocupação com a

questão ambiental não é recente. Os ingleses já estavam preocupados com a chuva ácida no

século XIX, no seu território. Já existiam preocupações ecológicas por parte de cientistas

que visitaram o Brasil na época do Império (GODOY, 2007). Os anos 1950 conviveram com

um acidente ecológico de Minamoto que chocou o planeta, resultando em 700 mortos e

9.000 doentes crônicos. Em 1962, Rachel Carson publicou a Primavera Silenciosa, causando

grande impacto na sociedade norte-americana. O livro denunciava os estragos causados pelo

uso do DDT e de outros agrotóxicos. Quando olhamos para esses fatos compreendemos

porque o Clube de Roma foi formado em 1968, ainda que sob os interesses do grande

capital. Se o mundo assiste no final da década de 1960 e início dos anos 1970 a uma

preocupação com a questão ambiental ao nível internacional, ela foi o resultado de

preocupações e fatos que já remontavam a outras décadas. Da mesma forma se processa com

o termo desenvolvimento sustentável.

Tullo Vigevani afirma uma das grandes discussões em Estocolmo foi definir o

que deveria ser feito para manter a Terra como lugar adequado à vida humana no momento e

para as gerações futuras (VIGEVANI, 1997). Essa temática de preocupação com a

sustentabilidade das gerações presentes e futuras já estava, portanto, presente em Estocolmo.

O relatório do Clube de Roma, conforme já citado neste trabalho, relata que a estratégia para

lidar com desenvolvimento e meio ambiente é concebê-los como sendo apenas uma coisa, o

que é a noção de desenvolvimento sustentável senão essa dita união já propagada pelos

limites do crescimento? Ainda com o relatório do Clube de Roma, veja esta idéia: “É

possível modificar estas tendências de crescimento e formar uma condição de estabilidade

ecológica e econômica que se possa manter até um futuro remoto (MEADOWS, 1978, p.20).

A noção do relatório fala em equilíbrio entre ecologia e economia e em garantir

o sustento de um futuro remoto. Mais uma vez, duas questões latentes do termo

57

desenvolvimento sustentável apresentado no Relatório Bruntland. Essas preocupações

também aparecem na noção de ecodesenvolvimento ampliada por Ignacy Sachs. De acordo

com Godoy, Sachs delineou seis aspectos fundamentais que guiaram o eco desenvolvimento,

dentre eles aparece um que fala em solidariedade com as gerações futuras e outro que se

refere à preservação dos recursos naturais. O próprio termo desenvolvimento sustentável não

aparece pela primeira vez em 1987, mas em 1972, no Simpósio das Nações Unidas sobre as

Inter-Relações entre ecursos Ambientais e Desenvolvimento (MUNIZ e SANT’ANA

JÚNIOR, 2009) e, posteriormente, em 1980, através do documento chamado World

Conservation Strategy5. Conforme demonstramos, o termo desenvolvimento sustentável que

se populariza através do Relatório Bruntland é resultado de encontros, discussões que

remontam a antes do trabalho da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento.

3.5 Acontecimentos importantes entre o período de 1962 – 1987 envolvendo a questão ambiental

1962

A Bióloga Rachel Carson publica o livro “Primavera Silenciosa” provocando

grande impacto na sociedade norte-americana.

1963

Criação da UNRISD – Instituto de Pesquisa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento.

1968

Constitui-se o Clube de Roma, composto por cientistas, industriais, políticos,

economistas, humanistas. O objetivo do grupo era discutir e analisar os limites do

crescimento econômico adotando como base o uso crescente dos recursos naturais.

Ocorre em Paris a Conferência da Biosfera, organizada pela UNESCO. A

conferência foi direcionada somente para os aspectos científicos da conservação da biosfera

e pesquisas em Ecologia.

5 A World Conservation Strategy (WCS) ou Estratégia de Conservação Mundial, um dos documentos mais importantes que ajudaram a redefinir o ambientalismo após a Conferência de Estocolmo. Lançada em 1980 pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), a estratégia reconhece que a abordagem de problemas ambientais requer um esforço ao longo prazo e a integração entre objetivos ambientais e relacionados ao desenvolvimento (UNETI, 2004).

58

Publicação do artigo “A tragédia dos bens comuns” de Garret Hardin.

1971

Fundado em Vancouver, em meio a uma manifestação antinuclear na costa do

Alasca, o Greenpeace, maior organização ambiental do mundo.

Georgescu Roegen publica “La Ley de La Entropia y el Processo Econômico”,

mostrando os limites físicos que impõe a segunda lei da termodinâmica na expansão da

produção.

1972

Publicação do relatório “Limites do Crescimento”, pelo Clube de Roma.

Realizada, de 5 a 16 de junho, a I Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente Humano sediada em Estocolmo, Suécia.

Os editores da revista inglesa The Ecologist publicaram o “Bluprint for

Survival” (Plano para Sobrevivência), que se constitui em um dos primeiros programas

concretos e coerentes elaborados por ecologistas no sentido de transformar o sistema social

de forma a adequá-lo a realidade.

Instituição do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Lançamento do Satélite Landsat.

Convenção da UNESCO sobre Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e

Material.

1973

Maurice Strong lança, em junho, o conceito de ecodesenvolvimento.

Realizada pela ONU a Conferência de Flora e Fauna e Extinção.

Os países exportadores de petróleo triplicam o preço do barril de petróleo

causando recessão na economia.

Seca na região do Sahel (África) mata milhões de pessoas.

1974

Realizado um simpósio de especialistas em Cocoyoc, no México, organizado

pela PNUMA e pela Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento

(UNCTD).

1975

Conferência promovida pela ONU sobre recursos hídricos.

Fundação do Parque Marinho da Grande Barreira de Corais, Austrália.

1976

A ONU promove a Conferência sobre Estabelecimentos Humanos.

59

A Organização Internacional do Trabalho organiza, em junho, a Conferência

sobre Emprego Distribuição de Renda e Progresso Social enfatizando uma abordagem das

necessidades básicas cujo objetivo era obter um certo e específico padrão de vida mínimo,

antes do fim do século.

Desastre ecológico de Seveso, uma província de Milão. Foram registrados 193

casos de cloroaene (doença de pele atribuída ao contato com a dioxina).

1977

Acidente de Love Canal – toneladas de lixo industrial tóxico foram despejados

nas Cataratas do Niagara, no Estado de Nova York.

Conferência Internacional para o Combate à Desertificação, em Nairobi, Quênia.

Fundação do movimento Cinturão Verde (Green Bealt) no Quênia.

1979

Grave acidente na usina nuclear de Three Mile Island nos Estados Unidos.

Primeira Conferência Mundial sobre o Clima, Genebra, Suiça.

Convenção sobre a conservação das espécies migratórias de animais silvestres

(CMS).

1980

Publicação do relatório global, 2000, nos Estados Unidos.

Estabelecimento do Programa Mundial do Clima (WCP).

Lançamento da Estratégia de Conservação Mundial pela UICN, pelo PNUMA e

pela WWF.

Fundação do Earth First, grupo ambientalista radical.

1981

Encontro das Nações Unidas sobre Fontes Renováveis.

1982

A Assembléia Geral das Nações Unidas adota a Carta Mundial da Natureza.

1983

Formação da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

(CMMAD) presidida pela ex-primeira ministra da Noruega Gro Harlem Bruntland.

1984

Acidente ecológico de Bhopal, cidade localizada na Índia Central. O acidente

resultou na morte de 3.300 pessoas.

Conferência Mundial da Indústria sobre Gestão Ambiental.

1985

60

Tamanho do buraco na camada de ozônio medido pela primeira vez.

Ratificada a Convenção de Viena para proteção da camada de ozônio por 28

países.

Conferência Internacional da Avaliação das Funções do Dióxido de Carbono e

outros gases do efeito estufa, em Villach, na Áustria.

1986

Ocorre, em 26 de abril, o acidente de Chernobil, o pior acidente nuclear da

história com 29 mortos e 135.000 casos de câncer, além de 35.000 mortes subseqüentes.

Um incêndio na Basiléia, na Suíça, libera produtos químicos tóxicos no Reno e

causa a morte de peixes até nos Países Baixos.

1987

A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU publica

o relatório “Nosso Futuro Comum”, dando projeção ao termo desenvolvimento sustentável.

Estabelecido o Protocolo de Montreal, tratado que lida com a substituição de

substâncias que afetam a camada de ozônio.

61

4 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

4.1 Relatório Bruntland

No capítulo passado foram apresentados a institucionalização da questão

ambiental, a crise do conceito de desenvolvimento do pós-guerra e a chegada do Relatório

Bruntland. Porém, trabalharemos neste capítulo especificamente com o termo

desenvolvimento sustentável. Na parte anterior do trabalho demonstramos a longa

caminhada do termo desenvolvimento até tornar-se desenvolvimento sustentável. Agora o

objetivo é compreender a institucionalização desse termo, o que na verdade ele representa.

Começaremos fazendo uma análise do Relatório Bruntland, trabalho através do qual o termo

desenvolvimento sustentável é popularizado, pois no capítulo passado apresentamos a

chegada deste relatório.

O conceito de desenvolvimento sustentável é apresentado da seguinte forma no

Relatório Bruntland: “desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades

presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias

necessidades” (CMMAD, 1991, p.46). Além da definição clássica de desenvolvimento

sustentável, o Relatório Bruntland aborda:

Discussões sobre a perda da biodiversidade, valoração econômica dos recursos naturais, índices de poluição e seus impactos, além das fronteiras nacionais, diminuição da camada de ozônio e poluição do meio ambiente (MUNIZ e SANT’ANA JÚNIOR, 2009, p. 06).

O relatório apresenta a seguinte lista de medidas a serem tomadas no nível dos

Estados Nacionais:

[...] a) limitação do crescimento populacional; b) garantia de alimentação em longo prazo; c) preservação da biodiversidade e dos ecossistemas; d) diminuição do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias que admitem o uso de fontes energéticas renováveis; e) aumento da produção industrial nos países não-industrializados à base de tecnologias ecologicamente adaptadas; f) controle da urbanização selvagem e integração entre campo e cidades menores; g) as necessidades básicas devem ser satisfeitas. No nível internacional, as metas propostas são as seguintes: h) as organizações do desenvolvimento devem adotar a estratégia de desenvolvimento sustentável; i) a comunidade internacional deve proteger os ecossistemas supranacionais como a Antártica, os oceanos, o espaço; j) guerras devem ser banidas; k) a ONU deve implantar um programa de desenvolvimento sustentável (CMMAD, 1991, p.123).

Conforme demonstramos no capítulo anterior, o conceito de desenvolvimento do

pós-segunda guerra sofreu inúmeras críticas durante as décadas de 1970 e 1980. O aumento

62

dos índices de desigualdades no planeta, imagens de pessoas morrendo de fome na África,

desastres ambientais e o risco do esgotamento dos recursos naturais resultaram na

necessidade de se repensar o conceito de desenvolvimento. Por outro lado, os anos oitenta

vivenciaram um momento de estagnação econômica. As elites burguesas do planeta estavam

desejosas de crescimento no setor econômico. Porém, não havia como fechar os olhos para

os dilemas ambientais. A solução foi unir desenvolvimento com a questão ambiental. O

planeta teria que aprender a conciliar crescimento econômico com responsabilidade

ambiental. Sob essas circunstâncias, a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento apresentou, no ano de 1987, o conceito de desenvolvimento sustentável.

Recuperemos essa contextualização histórica para um melhor entendimento do que

realmente propõe o Relatório Bruntland.

O que estaria por trás desse redimensionamento dos vínculos entre economia e

ecologia global proposto por “Nosso Futuro Comum?”. Para uma resposta a essa pergunta

vejamos esta citação contida no relatório:

No passado nos preocupamos com o impacto do crescimento econômico sobre o meio ambiente; somos agora forçados, a nos preocupar com o impacto do estresse ecológico – degradação do solo, tratamento da água, atmosfera e florestas – sobre nossos projetos econômicos (CMMAD, 1991, p.05).

Esse redimensionamento entre economia e ecologia, na noção de

desenvolvimento sustentável é “elaborada explicitamente para sustentar o desenvolvimento,

não para dar apoio ao florescimento ou a manutenção de uma vida natural e social

infinitamente variada” (ESTEVA, 2000, p.72). O resultado desse vínculo (economia e

ecologia) é um conceito de desenvolvimento que emerge rejuvenescido, o conceito, antes

agonizante recebia um novo sopro de vida. Continuaria com uma idéia de desenvolvimento

voltada para o crescimento econômico, porém usando a retórica de preocupação com as

questões ambientais e sociais.

Devemos também atentar para o próprio título do relatório, “Nosso Futuro

Comum”. De acordo com Escobar, “Nosso Futuro Comum” apresentou ao mundo a

estratégia do desenvolvimento sustentável como a grande alternativa de final deste século e

começo do próximo (ESCOBAR, 1996). Porém a esperança de um planeta mais habitável,

com melhor qualidade de vida, segundo o discurso do relatório, deveria ser obra de todos.

Conforme relata Escobar, o que se problematiza não é a sustentabilidade das culturas locais

e suas realidades, mas sim a sustentabilidade do ecossistema global (ESCOBAR, 1996).

Uma boa estratégia, falar no global, pois uma vez que se colocam os problemas ambientais e

sociais do planeta, como de responsabilidade de todos, esquecendo-se quais são os

verdadeiros poluidores e quais são suas vítimas. Todos devem agora pagar a mesma conta.

63

Porém, conforme adverte Escobar, existem grandes diferenças e desigualdades nos

problemas e recursos entre os países, regiões, comunidades e classes. Poucas vezes se

reconhece que a responsabilidade está longe de ser compartilhada por igual (ESCOBAR,

1996).

O objetivo ao falar de futuro comum, política global e responsabilidade de todos

é buscar um terreno comum para implantar uma política de consenso capaz de dissolver

diferentes visões e interesses de países, povos e classes sociais que formam o campo

conflitivo do desenvolvimento sustentável (LEFF, 2001). Mas como conseguir implantar

essa política de consenso? Nada melhor do que alegar que está em risco a sobrevivência do

planeta. Quem relata uma informação precisa acerca desse ponto é Sachs:

O Relatório Bruntland desta forma acaba por sugerir mais crescimento, porém não mais como nos velhos tempos do desenvolvimento, para alcançar a felicidade do maior número, mas para conter o desastre ambiental para as futuras gerações. Agiganta-se a ameaça à sobrevivência do planeta. Será que já existiu melhor pretexto para interferência? (SACHS, 2000, p.122).

Quando o Relatório Bruntland coloca os problemas ambientais como um

problema global, relatamos a pouco que se esqueceu os verdadeiros poluidores e as vítimas

da poluição. Não apenas foram esquecidos os grandes responsáveis pela difícil situação

ambiental do planeta como se fabricou novos poluidores. Citando o Relatório Bruntland:

“pobreza reduz a capacidade das pessoas de se usar recursos de uma maneira sustentável; ela

intensifica a pressão sobre o ambiente” (CMMAD, 1991, p.49-50). Com o desmatamento, a

desertificação em expansão por todo o mundo, os pobres rapidamente foram identificados

como agentes de destruição e tornaram-se os alvos de campanhas para promover a

“consciência ambiental” (SACHS, 2000). Conforme alerta Escobar, os livros populares e os

textos acadêmicos estão cheios de representações de pessoas pobres e de pele escura

destruindo florestas. Com isso, esquece a culpa dos grandes contaminadores industriais do

Norte e do Sul e dos estilos de vida depredadores fomentados pelo desenvolvimento

capitalista (ESCOBAR, 1996). O Relatório Bruntland foi fundamental para culpar as

vítimas, ou seja, os pobres.

A noção de desenvolvimento sustentável apresentado no Relatório Bruntland,

além de centrar-se no crescimento econômico e ao trabalhar com o discurso de respeito aos

limites da natureza e com os dilemas sociais, visa como num passe de mágica que a

humanidade esqueça que Foram justamente as práticas produtivas justificadas no antigo

conceito de desenvolvimento voltado para crescimento econômico acelerado que ajudou na

deterioração da questão ambiental, além de resultar num aumento das disparidades sociais e

econômicas entre classes sociais e países. O desenvolvimento sustentável visa resolver

64

dilemas que a própria noção de desenvolvimento gerou. Existem mais continuidades do que

rupturas entre o conceito de desenvolvimento sustentável e a antiga noção de

desenvolvimento. Quem oferece um bom esclarecimento acerca deste ponto é Escobar:

La visón ecodesarrollista expresada en la corriente principal del desarrollo sostenible reproduce los principales aspectos del economicismo y el desarrollismo. Los discursos no se remplazan entre si completamente sino que se construyen uno sobre otro como capas que solo pueden separarse en parte. El discurso del desarrollo clásico: necesidades básicas, población, recursos, tecnología, cooperación institucional, seguridad alimentaria e industrialismo, son términos que aparecen en el informe Bruntland, pero reconfigurados e reconstruidos (ESCOBAR, 1996, p.368).

Outro aspecto que demonstra continuidade entre o desenvolvimento dos anos

1950 e o conceito de desenvolvimento sustentável disseminado no Relatório Bruntland, é

que, capital, burocracia e ciência – a venerável trindade da modernização ocidental – assim

como foram apresentados no pós-guerra como indispensáveis a levar o progresso às áreas

atrasadas, também são colocados na crise ambiental do final do século como fundamentais

para evitar o pior, através de melhor engenharia, planejamento integrado e modelos mais

sofisticados (SACHS, 2000). Outra semelhança é que não são moradores comuns, nas mais

variadas localidades, com seus conhecimentos transmitidos há séculos pelos seus

antepassados (que detiveram sempre uma relação de respeito para com a natureza), que

falam sobre o que deve ser feito sobre o dilema ambiental, quem ditas as normas a serem

tomadas é um grupo de peritos baseados em premissas científicas ocidentais. Conforme

relata Escobar, são os patriarcas do Banco Mundial, mediados por Gro Harlem Bruntland e

alguns cosmopolitas do Terceiro Mundo que propõem reconciliar a humanidade com a

natureza. A ciência ocidental continua falando em nome da Terra (ESCOBAR, 1996).

4.2 Institucionalização do desenvolvimento sustentável

O planeta chegou aos anos 1990 com o discurso neoliberal ditando as regras. A

moda era um Estado mínimo fugindo de uma série de responsabilidades sociais,

flexibilizando leis trabalhistas, privatizando empresas estatais, o capital exigindo

liberalização do comércio e diminuição de barreiras fiscais para que melhor circulasse pelo

planeta, falava-se cada vez mais em fluxo de capital. Na conjuntura do período a capacidade

criativa da sociedade é comprometida por dois tipos de miopia, uma de curto prazo a outro

65

do anonimato (ACSERALD e LEROY, 2003). Quem esclarece acerca destas miopias são os

autores Henri Acserald e Jean Pierre Leroy (2003, s/p):

De um lado, a miopia do curto prazo, ditando as ações pela urgência e pelo lucro imediato, de outro, a do anonimato, em que o mundo é governado por redes mundiais impessoais de empresas financeiras e industriais gigantes sem nenhuma responsabilidade social a não ser a de prestar contas a seus acionistas. O efeito dessas tendências é particularmente nocivo nas economias periféricas, nas quais as escolhas sociais passam a depender da redefinição dos termos da integração ao fluxo do capital internacionalizado, sempre ao sabor de segundas crises cambiais, do enfraquecimento das moedas nacionais e da crescente incapacidade de governos de desenvolverem políticas públicas. Assim, vemos a saúde da população subordinar-se à saúde dos bancos, a educação cidadã tornar-se mercadoria regulada pelas necessidades do mercado global, e o meio ambiente ser reduzido à condição de objeto residual de políticas comprometidas fundamentalmente com a prosperidade do sistema financeiro.

Numa sociedade cada vez mais regida pelos interesses do mercado, caracterizada

pelo imediatismo, com a possibilidade de crises econômicas a qualquer momento, o meio

ambiente estaria cada vez mais a mercê dos interesses econômicos. Nessas circunstâncias, o

planeta inicia a década de 1990, com a convicção cada vez mais forte de que havia um

número cada vez maior de problemas ambientais que exigiam soluções internacionais. As

questões ambientais também adquiriram uma dimensão maior no hemisfério sul à medida

que as organizações começaram a exigir diagnósticos e soluções para países em

desenvolvimento (PNUMA, 2004).

A década de 1990 começou mal para o meio ambiente com a perda de milhares

de vida na Guerra do Golfo, em 1991, e um blecaute parcial em algumas áreas da região

quando milhões de barris de petróleo foram propositadamente incendiados (PNUMA, 2004).

As conseqüências desse desastre ambiental foram as seguintes:

Para a Ásia Ocidental, isso representou uma catástrofe ambiental de grandes proporções. Avalia-se que a maré negra causada pelo derramamento de entre 0,5 milhão e 11 milhões de barris de petróleo bruto matou entre 15 mil e 30 mil aves aquáticas. Além disso, cerca de 20% dos manguezais do Golfo Pérsico foram contaminados e 50% dos recifes de corais foram afetados. A atmosfera não foi poupada: cerca de 67 milhões de toneladas de petróleo foram queimados, produzindo cerca de 2,1 milhões de toneladas de fuligem e 2 milhões de toneladas de dióxido de enxofre (PNUMA, 2004, p.15).

No âmbito institucional, as idéias que ganharam forma no final da década de

1980, como maior responsabilização em relação à questão ambiental e social ganharam

maior dimensão. Conforme atestado anteriormente, havia convicção cada vez mais forte de

que os problemas ambientais exigiam soluções internacionais. Por sua vez, a noção de

desenvolvimento sustentável, apresentada no Relatório Bruntland era apenas um conceito

havendo a necessidade de acontecer na prática, ou seja, ser institucionalizado de fato para

normatizar a questão ambiental. É dentro dessas circunstâncias que foi convocada a

Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD),

66

também conhecida como cúpula da Terra, Rio-92 ou Eco-92, realizada no Rio de Janeiro em

1992 (PNUMA, 2004).

Foi significativo o número de representantes de Estados, da sociedade civil e do

setor econômico que compareceram à Rio-92. De acordo com a PNUMA, mais de 100

chefes de Estado compareceram ao encontro, cerca de dez mil delegados, 1.400

Organizações Não Governamentais (ONG) e aproximadamente nove mil jornalistas

(PNUMA, 2004). A Rio-92 ainda é a maior reunião do gênero já realizada. Muniz e

Sant’Ana Júnior lembram que na Conferência, o “Brasil foi um dos países que assinou todos

os protocolos, incluindo os referentes à Convenção Climática, Energias Alternativas e

Reflorestamento, Convenção da Biodiversidade e a Agenda 21” (MUNIZ e SANT’ANA

JÚNIOR, 2009, p.7). A partir da Eco-92, o conceito de desenvolvimento sustentável foi

definitivamente incorporado como um princípio. Leff (2001) enfatiza que o durante o evento

foi elaborado um programa global (conhecido como Agenda 21) para normatizar os

processos de desenvolvimento com base na sustentabilidade. Portanto, a partir do evento em

questão, a noção de desenvolvimento sustentável foi sendo cada vez mais divulgada e

vulgarizada, fazendo parte do discurso oficial e da linguagem comum (LEFF, 2001). A Eco-

92 tornou possível a institucionalização do desenvolvimento sustentável. Quem também

corrobora com nossas afirmações é o PNUMA:

Após a Conferência, o desenvolvimento sustentável ganhou vida própria, impondo-se nas deliberações de organismos, desde conselhos municipais a organizações internacionais. Mais de 150 países criaram instituições nacionais para desenvolver uma abordagem integrada ao desenvolvimento sustentável, embora em alguns países os conselhos nacionais de desenvolvimento sustentável tivessem uma natureza mais política que substancial (PNUMA, 2004, p.17).

Uma grande variedade de setores da sociedade civil tem hoje, ao menos no

âmbito do discurso, envolvimento com a criação de agendas e estratégias voltadas à

sustentabilidade do planeta. Grande parte destas estratégias foram adotadas durante a Rio-

92.

A Rio-92 produziu os seguintes resultados:

Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; Agenda 21; A Convenção – Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima; Convenção sobre Diversidade Biológica; A Comissão de Desenvolvimento Sustentável; A Declaração de Princípios para o Manejo Sustentável das Florestas (PNUMA, 2004, p.16).

A Eco-92 se constitui em um marco na história do ambientalismo internacional e

nacional. Os documentos internacionais assinados durante o evento são referências para o

67

Direito Ambiental Internacional, além de pautarem a formulação de políticas públicas e

ambientais em todo mundo (MUNIZ e SANT’ANA JÚNIOR, 2009).

Porém, existem críticas ao evento. Ferreira, embora concorde que a Eco-92

tenha sido um marco no ambientalismo global, salienta que o “ambientalismo globalista

avançou menos do que o esperado durante a conferência (...). A questão ambiental veio para

ficar, a Eco-92, longe de ser a culminância de um processo é apenas parte do começo”

(FERREIRA, 2003, p.94). Muniz e Sant’Ana Júnior (2009, p. 08), enfatizam que os

resultados concretos alcançados pela Eco-92 não chegaram realmente à altura dos problemas

que constavam em sua agenda:

Um exemplo disso foi que a maioria dos governos dos países considerados ricos, com exceção apenas da Alemanha, Holanda e dos Países Escandinavos, parece não terem se convencido da necessidade de reestruturar de forma decisiva o funcionamento da economia mundial em benefício do meio ambiente.

Um dos grandes resultados produzidos pela Eco-92 foi a Agenda 21. Mas no que

consiste a Agenda 21? “Ela consubstancia-se num plano de ação para o meio ambiente e o

desenvolvimento onde estariam estabelecidas as linhas de cooperação futura nessa área”

(VIGEVANI, 1997, p.39). Também apresenta mudanças nos padrões de desenvolvimento

estabelecidos, indicando quais seriam as atitudes a serem adotadas para viabilizá-las

(VIGEVANI, 1997). De acordo com Vigevanni (1997), pode-se afirmar que a Agenda 21

retoma em boa medida o Relatório de Bruntland.

Segundo o PNUMA:

A Agenda 21 estabelece uma base sólida para a promoção do desenvolvimento em termos de progresso social, econômico e ambiental. A Agenda 21 tem quarenta capítulos e suas recomendações estão divididas em quatro áreas principais (PNUMA, 2004, p.17)

As quatro áreas principais em que a Agenda 21 está dividida são as seguintes:

Questões sociais e econômicas como a cooperação internacional para acelerar o desenvolvimento sustentável, combater a pobreza, mudar os padrões de consumo, as dinâmicas demográficas e a sustentabilidade e proteger a saúde humana. Conservação e manejo dos recursos visando o desenvolvimento, como a proteção da atmosfera, o combate ao desmatamento, o combate a desertificação e à seca, a promoção da agricultura sustentável e do desenvolvimento rural, a conservação da diversidade biológica, a proteção dos recursos de água doce e dos oceanos e o manejo nacional de produtos químicos tóxicos e de resíduos perigosos. Fortalecimento do papel de grandes grupos, incluindo mulheres, crianças e jovens, povos indígenas e suas comunidades locais em apoio a Agenda 21, trabalhadores e seus sindicatos, comércio e indústria, a comunidade científica e tecnológica e agricultores. Meios de implementação do programa, incluindo mecanismos e recursos financeiros, transferência de tecnologias ambientalmente saudáveis, promoção da educação, conscientização pública e capacitação, arranjos de instituições internacionais e informações para o processo de tomada de decisões (PNUMA, 2004, p.17).

68

De acordo com o PNUMA, o custo de implementação da Agenda 21 em países

em desenvolvimento foi estimado pelo secretariado da Cúpula da Terra como sendo

aproximadamente US$ 625 bilhões ao ano, com os países em desenvolvimento cobrindo

80% do custo, ou seja, US$ 500 bilhões (PNUMA, 2004). Esperava-se que os países

desenvolvidos cobrissem os 20% restantes, ou cerca de US$ 125 bilhões por ano, cumprindo

com a sua meta antiga de consagrar 0,7% do seu Produto Nacional Bruto (PNB) à

Assistência Oficial para o Desenvolvimento (ODA).

Observando as áreas principais em que esta centrada a Agenda 21 e realizando

uma leitura mais apressada, poderíamos cair no erro de afirmar que este documento seria o

veículo que faltava na implementação de um planeta com melhor qualidade de vida e de fato

sustentável. Acserald e Leroy nos advertem a respeito do real significado da Agenda 21:

Aparentemente, a Agenda contempla o necessário justamente para satisfazer a tudo e a todos. Apela aos países ricos, exortando-os a procurar padrões sustentáveis de consumo, preocupa-se com o combate a pobreza, quer o fortalecimento do papel dos grupos principais, mas não deixa dúvidas sobre o fundamental. De fato, o mercado e a economia são mantidos como categorias centrais. A Agenda 21 se inicia com a afirmação da primazia da economia como motor de desenvolvimento sustentável e uma série de expressões que soam familiares aos nossos ouvidos: ambiente econômico e internacional ao mesmo tempo dinâmico e propício, políticas econômicas internas e saudáveis, liberalização do comércio, distribuição ótima da produção mundial sobre vantagens comparativas (ACSERALD e LEROY, 2003, s/p).

De acordo com os autores acima citados, a preocupação de articular a economia

ao:

Combate à pobreza e à preservação dos recursos naturais e do meio ambiente é deixada em plano acessório... A Agenda 21 mostrou estar na corrente da história. As políticas econômicas que recomendam são entendidas como “saudáveis” quando vão permitir mais lucros ao mercado, não porque propiciem melhores condições alimentares, ou melhor saúde” (ACSERALD e LEROY, 2003, s/p).

Segundo os autores em questão “o questionamento aos valores que sustentam

certo padrão de consumo parece retórico frente as metas propostas: uma relativa redução de

consumo de matéria e energia e não uma mudança produção, distribuição e consumo”

(ACSERALD e LEROY, 2003, s/p).

Conforme relatado neste trabalho, o Relatório Bruntland apresentou o conceito

de desenvolvimento sustentável como a solução para os dilemas da questão ambiental,

visando conciliar interesses econômicos com respeito ao meio ambiente. A Eco-92

consagrou o termo desenvolvimento sustentável, além de apresentar mecanismos como a

Agenda 21 para a normatização da questão ambiental sobre a orientação da sustentabilidade.

Prosseguindo com outras medidas fundamentais para institucionalização do

desenvolvimento, passaram a entrar em vigor a Convenção sobre Diversidade Biológica, o

69

Fundo Mundial para o Meio Ambiente, a Comissão de Desenvolvimento Sustentável, a

Convenção Quadro das Nações Unidas Sobre Mudança do Clima.

A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) entrou em vigor em 1993.

Segundo o PNUMA, “foi o primeiro acordo mundial para a conservação e o uso sustentável

da biodiversidade e serve como base para ações nacionais” (PNUMA, 2004, p.18). A

convenção estabelece três objetivos principais: a conservação da diversidade biológica, o

uso sustentável dos seus componentes e a divisão justa e equitativa dos benefícios

provenientes do uso dos recursos genéticos. Várias questões relativas à biodiversidade são

abordadas, como a preservação de habitats, os direitos de propriedade intelectual, a

biossegurança e os direitos dos povos indígenas (PNUMA, 2004). Segundo o PNUMA, em

2001, um total de 182 governos já haviam ratificado o acordo. “Um acordo suplementar à

Convenção, o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, foi adotado em janeiro de 2000

para tratar dos riscos em potencial causados pelo comércio transfronteiriço e pela libertação

acidental de organismos geneticamente modificados” (PNUMA, 2004, p.19). O protocolo já

foi assinado por 103 partes.

O Fundo Mundial para o meio ambiente foi criado em 1991 como uma parceria

experimental entre o PNUMA, o PNUD e o Banco Mundial. “O Fundo ajuda a financiar

projetos de desenvolvimento em âmbito regional, nacional e global que beneficiem o meio

ambiente mundial em quatro áreas básicas – mudanças climáticas, biodiversidade, camada

de ozônio e águas internacionais (PNUMA, 2004, p.18). O Fundo Mundial para o Meio

Ambiente e Desenvolvimento, passou por uma reestruturação em março de 1994, cujo

número de membros passou de 34 a mais de 155 países. Até o período de 2004, o fundo já

havia financiado mais de 220 projetos em termos de desenvolvimento sustentável (PNUMA,

2004).

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima surgiu

conforme relatado neste trabalho, durante a Eco-92. Porém, entrou em vigor em 1994, em

dezembro de 2001, já contava com 186 partes (PNUMA, 2004). “O objetivo principal da

Convenção é estabilizar as emissões de gases de efeito estufa em um nível que evite uma

interferência antrópica perigosa no clima global” (PNUMA, 2004, p.18).

Durante a Terceira Conferência das Partes, Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças no Clima, em Quioto (COP-3), no Japão, em 1977, 36 países industrializados comprometeram-se a reduzir, até 2012, suas emissões de gases de efeito estufa em 5,2%, em relação aos níveis de 1990. Nesse contexto, foi criado o “mercado de carbono”, que permite a comercialização do direito de emitir certas quantidades de CO2 em troca de investimentos em projetos para implementar técnicas “limpas” de redução de tais emissões (ZHOURI, LASCHEFKI, PEREIRA, 2005, p.15).

70

A Comissão de Desenvolvimento Sustentável foi estabelecida em dezembro de

1992 como resultado da Rio-92. Foi criada com o mandato de supervisionar e ajudar a

comunidade internacional a atingir o desenvolvimento sustentável. De acordo com o

PNUMA, a “integração de políticas econômicas, sociais e ambientais – uma exigência do

desenvolvimento sustentável já expressa pela Comissão Bruntland – continua a se colocar

como um desafio para instituições em todos os níveis” (PNUMA, 2004, p.20).

Para que o mundo caminhasse rumo ao desenvolvimento sustentável, mudanças

também deveriam ser realizadas no setor privado. Essas ditas mudanças foram se

processando a partir da década de 1990. Em 1995, foi criado o Conselho Empresarial

Mundial para o Desenvolvimento Sustentável cujo objetivo é incentivar a “indústria a

examinar formas de melhorar a rentabilidade diminuindo o desperdício de recursos e de

energia reduzindo emissões” (PNUMA, 2004, p.20).

Em 1996, a Organização Internacional para Padronização criou um novo padrão

voluntário para os sistemas de manejo ambiental na indústria, a ISO 14.0006 (PNUMA,

2004). As aparências durante este período levavam a crer que a indústria entrara nos eixos

em relação ao tema ambiental. Acusados pelo ambientalismo radical num passado não muito

distante de ser irresponsável,

Para com o meio ambiente por não adotar qualquer mecanismo de prevenção da poluição e dos possíveis acidentes ambientais, conhecido por todos como vilão da ecologia, o setor empresarial passaria a ter membros considerados amigos do verde, dotados de elevado grau de responsabilidade ambiental (LAYRARGUES, 2000, p.82).

A elaboração de relatórios ambientais por parte de grandes empresas também se

tornou uma iniciativa comum durante a década de 1990 e “a iniciativa Global Reporting

Intiative foi criada para estabelecer uma base comum para os relatórios voluntários sobre o

desempenho ambiental, econômico e social de uma organização” (PNUMA, 2004, p.21).

O setor empresarial verde passou a sustentar o discurso de que com a

incorporação da ISO 14.000 nas indústrias, ao exigir a instalação de tecnologias limpas e

como estas se configuram no instrumento privilegiado de competitividade empresarial,

ocorreria uma gradativa adesão empresarial para efeitos de incremento de compatibilidade

até que todas as empresas completem a transição em direção à sustentabilidade

(LAYRARAGUES, 2000). A tônica do período era de que o componente ambiental havia

chegado para ficar e que a empresa moderna independentemente do seu tamanho, estrutura

6A ISO 14000 é um certificado de qualidade do processo produtivo e que indica que a empresa não agride o meio ambiente (DIAS, 2006).

71

ou setor teria que adaptar-se aplicando os princípios de gerenciamento ambiental para não

perder espaço na competitividade empresarial (LAYRARGUES, 2000). De acordo com

Layrargues (2000, p. 83):

Nessa perspectiva, a poluição industrial com todas as suas mazelas sociais teria, a partir de agora, seus dias contados. Simpatizantes em geral e consumidores verde em particular, todos saúdam essa iniciativa e aliviados, respiram, esperançosos com a proximidade da resolução da crise ambiental no âmbito industrial.

Segundo Layrargues, o que é apresentado pelo discurso empresarial verde como

uma mudança representa apenas uma reforma, uma adequação às novas realidades em

conformidade à nova ordem mundial, o que de modo algum pode configurar-se numa

transformação paradigmática (LAYRARGUES, 2000). A incorporação da variável

ambiental nas empresas é resultado de uma sensibilização econômica e não ecológica

(LAYRARGUES, 2000). O setor empresarial promoveu mudanças não por causa da

legislação ambiental, mas por vislumbrar uma oportunidade de negócio. Com a economia

não crescendo tanto quanto entre o período do pós-segunda guerra e anos sessenta, as

empresas se pautam nos anos 1990 por uma empresa mais enxuta na qual a regra é cortar

gastos. Se produzir tecnologias limpas for mais rentável, além de conferir uma imagem

empresarial positiva diante da opinião pública esse deve ser o rumo a ser seguido pelas

corporações industriais.

Um fato que corrobora com as pontuações feitas acima é uma reportagem

apresentada pelo suplemento Carta Verde da Revista Carta Capital, do dia 14 de abril de

2010. Numa das reportagens é pontuado o caso da Walmart. Maior rede varejista do planeta,

a Walmart foi durante muito tempo considerada uma empresa problemática em suas relações

com a sociedade, com os trabalhadores e com o meio ambiente (MARCONDES, 2010). De

acordo com a Carta Verde, a rede varejista em questão promove hoje uma transformação

radical em sua forma de fazer negócio. “A rede decidiu liderar uma série de iniciativas que a

coloca um passo adiante e na busca de padrões sustentáveis de atuação” (MARCONDES,

2010, p.48). A cruzada se desenvolveu em três frentes: mudanças climáticas e energia,

resíduos e produtos. A companhia convocou, no ano passado, 20 de seus principais parceiros

comerciais, todas empresas transnacionais de grande porte e lançou o desafio para a

construção do que chamou de “compromissos com a cadeia de suprimentos Walmart Brasil”

(Carta Verde, 2010). Em parceria com o Centro de Tecnologias de Embalagens (CETEA),

que analisou o ciclo de vida de dez produtos, criou o projeto End-to-End-Sustentabilidade de

Ponta a Ponta.

Ao fim de mais de um ano de trabalho, empresas como Coca Cola, 3M, Cargill, Colgate-Palmolive, Johnson e Johnson, Nestlé, Pepsico e Unilever entregaram aos

72

consumidores uma série de produtos com maior eficiência energética, menor uso de água e matérias-primas e com cuidados e certificações socioambientais (MARCONDES, 2010, p.48).

Uma das partes mais significativas da reportagem é a declaração do presidente

da Walmart no Brasil, Héctor Nunez, acerca dos investimentos na sustentabilidade. “Não

estamos mudando, porque somos bonzinhos, vamos mudar porque é bom para o negócio da

Walmart” (MARCONDES, 2010, p.48). O que podemos depreender dessa reportagem? Que

a Walmart está visando a sustentabilidade porque este acontecimento se transformou num

grande negócio e não por conta de uma sensibilização a respeito da questão ambiental. É o

interesse econômico que orienta a conduta da empresa.

Com a Eco-92, estabelecimento da Agenda 21, promulgação de uma série de

acordos multilaterais voltados para a sustentabilidade do planeta, envolvimento do setor

privado e da sociedade civil com o desenvolvimento sustentável, o planeta assistiu a década

de 1990 consagrar o termo desenvolvimento sustentável “como um campo de

reconhecimento da crise ambiental em escala planetária e como uma proposição para

conciliação e consenso entre a crítica ambiental e a sociedade industrial” (ZHOURI,

LASCHEFSKI, PEREIRA, 2005, p.14).

Não podemos esquecer que a busca de um consenso da sociedade a respeito de

seus diversos interesses atingiu o ápice com a Agenda 21. Como este mecanismo baseia-se

num consenso impossível entre segmentos, racionalidades e interesses diversos, a proposta

da Agenda 21 ainda não tem se concretizado na prática (ZHOURI, LASCHEFSKI,

PEREIRA, 2005). Apesar destas críticas à Agenda 21, o mundo começou a falar a

linguagem do discurso da sustentabilidade lançada pelo Relatório Bruntland. Dos escritórios

refrigerados das grandes corporações aos cidadãos comuns, a moda passa a ser o

ecologicamente correto. A retórica é reciclar lixo, evitar desperdício de água, não desmatar o

verde, plantar mudas no local de áreas devastadas, popstars e ONG fazendo campanhas a

respeito da formação de uma consciência ambiental.

“Enquanto isso a natureza – considerada como realidade externa à sociedade e às

relações sociais – foi convertida em uma simples variável a ser “manejada”, administrada e

gerida, de modo a não impedir o desenvolvimento” (ZHOURI, LASCHEFSKI, PEREIRA,

2005, p.15). É neste contexto que problemas ambientais e sociais são entendidos como

meros problemas técnicos e administrativos, passiveis, portanto de medidas mitigadoras e

compensatórias. Os efeitos não sustentáveis do desenvolvimento são percebidos como

solucionáveis por meio de novas tecnologias e de um planejamento racional (ZHOURI,

LASCHEFSKI, PEREIRA, 2005). Dentro dessas circunstâncias, espera-se que a ISO

73

14.000, criação de eco-impostos, reflorestamentos de áreas devastadas, produção de

tecnologias limpas venham a contribuir decisivamente para instauração de um equilíbrio

ecológico no globo terrestre. Enquanto isso e contraditoriamente, o planeta continua num

consumismo desenfreado. Acserald e Leroy fornecem um bom exemplo dessa contradição.

Nos últimos anos foi proposta uma redução da utilização de energia fóssil (carvão e

petróleo), o que diminuiria a geração de poluição e a produção de gases que causam o efeito

estufa. De acordo com os autores em questão:

Essa redução seria obtida pelo incremento da eficiência dos motores e sistemas de transmissão de energia. Não se propõe aqui uma mudança do padrão de consumo final. O consumidor continuaria, por exemplo, a comprar seus carros de passeio – e em maior quantidade se possível. Tampouco se propõe uma reorientação do consumo, como por exemplo, a substituição do transporte individual pelo coletivo (ACSERALD e LEROY, 2003, s/p.).

Conforme adverte Zhouri, Laschefski e Pereira, devemos reconhecer que a

Adaptação tecnológica, com vistas a uma maior eficiência na produção (no sentido do não desperdício no uso dos recursos ambientais e da diminuição das emissões), embora necessária, não é suficiente para garantir a sustentabilidade no sentido amplo – ambiental, social política, cultural e econômica (ZHOURI, LASCHEFSKI, PEREIRA, 2005, p.18).

Espalha-se pelo globo o discurso e a fé na eficiência tecnológica e no

planejamento racional em relação à busca pela sustentabilidade. Mas nem todos podem falar

em nome da sustentabilidade do planeta. Essa primazia é dada a grupo de especialistas que

dada a fragmentação de saberes na ciência moderna “limitam-se ao temas do seu domínio

particular, operacionalizando os saberes fragmentados, a partir da lógica hegemônica do

desenvolvimento” (ZHOURI, LASCHEFSKI, PEREIRA, 2005, p.17). Esses especialistas

formados nas “ciências ambientais” tornam-se o “perito técnico”. Vejamos o que ZHOURI,

LASCHEFSKI, PEREIRA (2005, p. 17) nos falam sobre esse perito técnico:

Surge, assim, o “perito técnico”, treinado na arte da “resolução de conflitos” e alocado nos departamentos e secretarias ambientais das administrações públicas e privadas. Sua atuação se destaca, sobretudo, a partir da legislação ambiental que passou a exigir a elaboração de estudos ambientais para o licenciamento de empreendimentos que acarretam reconfiguração sócio-ambientais.

Instâncias públicas ou privadas utilizando o discurso do especialista a respeito da

questão ambiental apresentam relatórios, projetos, programas em que dizem atestar

cientificamente que tais construções não agridem a questão ambiental, além de desenvolver

e gerar progressos na região atingida. Em situações como estas, o discurso do perito

representam um projeto que pode ser a instalação de uma grande refinaria ou construção de

uma usina hidrelétrica cuja conseqüência é a mesma, o deslocamento das comunidades

tradicionais para outro território. A tônica é que o discurso do “perito” deslegitima o

discurso das comunidades tradicionais. As decisões em casos desses tipos baseiam-se no

74

paradigma ambiental dominante que deposita fé na “modernização ecológica” (ZHOURI,

LASCHEFSKI, PEREIRA, 2005). É atribuída ao mercado a capacidade institucional de

resolver a degradação ambiental por meio de medidas mitigadoras e compensatórias

(ZHOURI, LASCHEFSKI, PEREIRA, 2005).

O território que será o alvo do projeto de determinada corporação tem o seu

ambiente por parte desta percebido como “externalidade, paisagem que deve ser modificada

e adaptada aos objetivos do progresso técnico. O que se tem é mero atendimento formal às

exigências legais, em geral, percebidos como impasses burocráticos” (ZHOURI e

OLIVEIRA, 2005, p. 53).

Dentro desses aspectos o que percebemos é que o discurso do desenvolvimento

sustentável ao ser institucionalizado cria um campo conflitivo em que determinados atores

sociais são reconhecidos e legitimados valendo-se do discurso desenvolvimentista ancorado

no mercado. Uma ala da ciência moderna ocidental se apresenta nesse campo como a grande

forma explicadora da realidade para problemas ambientais apresentando através dos

“peritos” que a representam com seus saberes especializados soluções técnicas e

promovendo a viabilização e continuidade do crescimento econômico para grandes

corporações. Com isso, visa tornar invisíveis as comunidades atingidas por esses projetos,

pois uma vez que não comungam do discurso dominante, são apresentados como obstáculos

ao desenvolvimento, ignorantes, carentes de uma consciência ambiental. Porém, essas

comunidades não se apresentam como seres passivos na luta pela posse de suas terras:

[...] a possibilidade da usurpação pela implantação de projetos econômicos industriais (rodovias, monoculturas, hidrelétricas) fazem emergir discursos de valorização de seu território, de composição de sua identidade, de resgate e recriação de sua memória coletiva (ZHOURI e OLIVEIRA, 2005, p. 55).

Seremos repetitivos, o que se procura em casos como estes é o atendimento dos

interesses de grandes corporações sejam elas publicas ou privadas e isto resulta em

tentativas de deslegitimar os verdadeiros moradores do local a ser atingido pelos projetos.

Após toda a década de 1990, falar em desenvolvimento sustentável, o que se

comprovou no planeta foi a deteriorização da questão ambiental. Durante a Rio + 5,

encontro realizado em Nova York, a comunidade internacional analisou os compromissos

empreendidos no Rio de Janeiro em 1992. A conclusão do evento foi que várias metas da

Agenda 21 ainda estavam longe de serem concretizadas (PNUMA, 2004). A Organização de

Desenvolvimento e Cooperação Econômica (OCDE) constatou que as emissões de gás

carbônico dos países membros cresceram em 6% entre 1990 e 1998, prevendo um aumento

de 33% entre 2000 e 2020 (ZHOURI, LASCHEFSKI, PEREIRA, 2005). “A ajuda

75

financeira dos países desenvolvidos reduziu-se de 7% em termos reais entre 1993 e 2001,

passando de 0,32% a 0,22% do Produto Interno Bruto dos países doadores da OCDE”

(ZHOURI, LASCHEFSKI, PEREIRA, 2005, p.15).

Durante a Cúpula do Milênio das Nações Unidas realizada pelo, então,

Secretário Geral da ONU, Kofi Annan em Nova York, no ano 2000, foi declarado que a

comunidade internacional não estava conseguindo assegurar às gerações futuras a liberdade

de sobreviver neste planeta (PNUMA, 2004). O que se afirmou no encontro foi que a

humanidade estava pilhando o patrimônio futuro de nossos filhos diante de práticas

ambientalmente insustentáveis do presente (PNUMA, 2004). Dentro dessas circunstâncias, a

Conferência Rio + 10, em 2002, na África do Sul, realizou um balanço sobre as condições

socioambientais do planeta “revelando o agravamento da situação de degradação ambiental,

espoliação e expropriação dos recursos humanos e naturais” (ZHOURI, LASCHEFSKI,

PEREIRA, 2005, p.15). O título dessa conferência foi Cúpula Mundial sobre

Desenvolvimento Sustentável. Muniz e Sant’Ana Júnior (2009) observam que a noção de

desenvolvimento sustentável é incorporada ao nome da conferência.

De acordo com os autores a pouco citados:

Na ocasião, conceito desenvolvimento sustentável foi apresentado como sendo construído sobre três pilares interdependentes e mutuamente sustentadores: desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental. Com isto, buscava-se reconhecer a complexidade e o interrelacionamento de questões críticas como pobreza, desperdício, degradação ambiental, crescimento populacional, igualdade de gêneros, saúde, educação, conflito e violência aos direitos humanos (MUNIZ e SANT’ANA JÚNIOR, 2009, p. 08).

Os principais resultados formais da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento

Sustentável foram:

Declaração de Johannnesburgo para o desenvolvimento sustentável e o plano de implementação, como metas genéricas associadas ao acesso a água tratada, saneamento, recuperação de estoques pesqueiros, gerenciamento de resíduos tóxicos e uso de fontes alternativas de energia (MUNIZ e SANT’ANA JÚNIOR, 2009, p. 8).

De acordo com Muniz e Sant’Ana Júnior (2009), o Plano de Implementação,

apresenta um quarto elemento de importância relativa no alcance do desenvolvimento

sustentável. Este elemento é a cultura. Segundo os autores citados essa estratégia de adotar o

elemento cultural é uma tentativa de “incorporar uma das críticas que vinham sendo feitas ao

conceito de desenvolvimento sustentável, a saber: sua desconsideração da questão cultural

(MUNIZ e SANT’ANA JÚIOR, 2009, p.9). Porém, os autores em questão também

confirmam que, quanto à discussão do desenvolvimento sustentável, o sentimento dos

ambientalistas no encontro foi de que não houve nenhum avanço em relação aos documentos

76

assinados durante a ECO-92 (MUNIZ E SANT’ANA JÚNIOR, 2009). Diante do exposto, é

notório que no final do século XX e início do século XXI, o conceito de desenvolvimento

sustentável vem falhando em seu discurso de conciliação dos interesses econômicos com

respeito a biodiversidade e justiças sociais. A situação ambiental do planeta continua

caminhando para uma posição insustentável.

4.3 Sustentabilidade: um grande negócio

Diante do exposto, faremos uma avaliação do conceito de desenvolvimento

sustentável. Quando se difundiu pelo planeta a possibilidade de esgotamento dos recursos

naturais, a questão que passou a ser colocada nas diversas instituições era como adiar e

evitar que a humanidade caminhasse ao precipício. A possibilidade de esgotamento dos

recursos naturais gerou também um alerta no mercado, pois como este iria se desenvolver

com o fim dos recursos naturais? Até então, interesses econômicos e natureza pareciam

irreconciliáveis. Esta última, inclusive como um obstáculo para que o progresso e o

desenvolvimento acontecessem. Porém, o mercado de forma estratégica alterou seu discurso

em relação à natureza. Ela agora é um bem que necessita ser preservado. Antes, a natureza

só tinha valor quando transformada pelo trabalho humano. Agora, o mercado recodificava a

natureza transformando-a num próprio valor. Aliás, o próprio mercado é apresentado como

solução para condicionar a produção à capacidade de suporte dos recursos naturais

(CARVALHO, 1991, p. 19).

Sendo assim,

Mecanismos de taxação da poluição como cotas para emissão de poluentes, licenças para poluir ou mesmo a incorporação nos custos de produção de valor dos bens naturais e dos direitos ambientais afetados são colocados como medidas fundamentais para por um freio à degradação ambiental.

Mas não podemos nos enganar. De acordo com Carvalho (1991), os mecanismos

há pouco apresentados podem ter no máximo efeitos inibidores ao curto prazo, mas não são

capazes de converter a lógica predatória do mercado num freio a degradação ambiental.

Vejamos o que mais a autora nos relata a respeito desta questão:

77

De qualquer forma, os mecanismos de mercado deixam muito a desejar como promotores de uma regulação mais equilibrada entre sociedade e o meio ambiente. Ao contrário, legitimam o direito de degradar e comercializam sua aquisição mediante a contratação de licenças, impostos, taxas, etc. O princípio poluidor-pagador está mais voltado a uma nova contabilidade ambiental do que ao direito de todos a um meio ambiente sadio e à qualidade de vida (CARVALHO, 1991, p.19).

A solução apresentada ao mundo com vistas à melhoria na situação ambiental do

planeta, não foi uma crítica ao mercado e seus limites como fez a autora a pouco citada. A

resposta para difícil situação ambiental do planeta se apresentou no discurso do

desenvolvimento sustentável. Esta proposta apresentava como possível manter crescimento

econômico com respeito aos limites da natureza para o atendimento das gerações futuras. O

conceito em questão vem com uma grande retórica, pois dizia aos senhores do mundo aquilo

que ele desejava ouvir, ou seja, respeito aos limites naturais para continuidade de vida no

planeta. Se tomássemos as bases desse conceito como verdade, poderíamos afirmar que o

carro foi desviado do precipício. A moda a partir daquele momento era preservar e

administrar eficientemente os recursos naturais, ao menos no âmbito do discurso.

Outra grande força do discurso do desenvolvimento sustentável é o fato de se

apresentar como solução para ameaça de sobrevivência da humanidade. O conceito em

questão não fala em nome deste ou daquele país, mas sim em relação a todo o globo.

Diante destes fatos, os problemas ambientais são colocados como questões de

interesse global. O que leva a afirmar que, em nome da preservação e manutenção de

ecossistemas, determinados países podem sofrer interferências internacionais. Este fato nos

leva a observações. Não podemos esquecer que grande parte das riquezas naturais (bem

valorizadas pelo grande capital) do planeta está concentrada nos locais que nos anos 1950,

foram chamados de terceiro mundo ou países subdesenvolvidos. Esses países, assim como

aqueles em desenvolvimento são acusados de deixar a desejar no controle e fiscalização de

regiões importantíssimas em riquezas naturais e na questão ambiental do globo. As grandes

potências capitalistas ameaçam interferir nestas regiões com o discurso de que os problemas

ambientais ali encontrados afetam todo o planeta, sendo necessária a manutenção e

preservação dos recursos naturais. Mas que bela preocupação das potências capitalistas, ou

estão é voltadas para o controle das regiões em questão devido ao fato das riquezas ali

encontradas representarem alto valor no mercado? Em nome da sustentabilidade do planeta,

mais uma vez potências capitalistas almejam exercer controle (agora sobre recursos naturais)

nas regiões que já foram suas antigas colônias, com vistas à alta lucratividade no mercado.

Um grande exemplo do que estamos pontuando são as disputas sobre o direito ao uso dos

biomas na região amazônica entre movimentos sociais representantes da região (indígenas e

78

populações tradicionais) e grandes corporações. Quem explicita bem essa questão é o

cientista social Alfredo Wagner Almeida (2004, p.51):

Na última década intensificaram-se de tal ordem os casos de apropriação ilegal do capital de conhecimentos acumulados pelos povos indígenas e pelas chamadas “populações tradicionais” que foi instituída, em 1997, na Câmara dos Deputados uma Comissão para apurar denúncias de exploração e comercialização ilegal e material genético na Amazônia. Entre outros foram apurados casos de trafico de besouro e borboletas, exportação ilegal de sementes, corantes naturais e processamento do urucum, patentes do bibiri, cujo princípio ativo foi registrado pelo laboratório canadense Biolink e do Cunani, patente do couro vegetal, extração do látex do cróton. Aumentando a esta lista tem sido divulgados pela imprensa periódica em 2003 novos casos de patenteamento que usurpam conhecimentos nativos, senão vejamos: o cupuaçu considerado uma fruta exótica da Amazônia foi patenteado pela Asahi Foods que produz o cupulate, chocolate de Cupuaçu. A Rocher Yves Vegetable registrou nos EUA, Europa e Japão a patente sobre a produção de cosméticos e remédios que usam o extrato de andiroba.

Para um exame crítico ao conceito de desenvolvimento sustentável, também é

necessário um exame dos elementos que formam esse termo. A categoria em questão

trabalha com o adjetivo sustentável que remete aquilo que Está em perfeito equilíbrio, que se

conserva sem desgaste e se mantém no tempo. Quando se aplica este termo a

desenvolvimento, cria-se a expectativa de uma sociedade sustentável, em plena consonância

com a natureza, sem conflitos sociais, que passam a por em risco a sua reprodução. O

desenvolvimento sustentável aparece como a boa nova que pode dar a todos um futuro

estável (CARVALHO, 1991).

Porém, esse discurso se bem analisado tende a ver sua solidez se desmanchar no

ar. O discurso do desenvolvimento sustentável, ao trabalhar crescimento econômico, com

respeito aos limites naturais levando em consideração as questões sociais do planeta como a

desigualdade social, visa estabelecer a harmonia entre esses três setores. A autora Isabel

Carvalho (1991, p. 19) nos esclarece que essa harmonia é inconcebível.

Contudo esse ideal de estabilidade se apóia muitas vezes em noções estáticas tanto de sociedade quanto de mundo natural. Nem às relações sociais nem aos ciclos da natureza pode-se atribuir, tal característica, tanto mais quando se trata de buscar o ponto ótimo de encontro entre essas duas dinâmicas e transformá-las numa engrenagem sincrônica que nenhum tipo de interferência externa pode desregular.

A autora ainda nos explicita que:

Se considerarmos que o mundo natural, o trabalho humano e a ordem social historicamente constituída formam um conjunto que se determina mutuamente, configurando um sistema de relações pouco harmonioso, movido pela tensão e pelo conflito, sempre aberto a mudanças imprevistas, a idéia de sustentabilidade torna-se sujeita a um tratamento mais rigoroso (CARVALHO, 1991, p. 19).

De acordo com Carvalho, “prometendo revolucionar as relações entre os homens

e destes com a natureza, o desenvolvimento sustentável é um conceito gestado dentro da

economia e é com esta referência que pensa o social” (CARVALHO, 1991, p.19). Nesta

linha de raciocínio, concordamos também com Leff (2001) quando este afirma que no

79

conceito de desenvolvimento sustentável o crescimento econômico é proclamado como um

processo sustentável, centrado nos mecanismos de livre mercado como meio eficaz para

assegurar o equilíbrio ecológico e a igualdade social. Mas não foi esse mesmo mercado que,

voltado para o desenvolvimento incessante das atividades econômicas desde a revolução

industrial, acelerou a depredação sobre a natureza? A instância que detonou a questão

ambiental no planeta se apresenta como a força capaz de promover um novo equilíbrio

social e ecológico no globo. Orientado pelos interesses do mercado, o conceito de

desenvolvimento alardeia que basta associar a promoção de tecnologias limpas com

crescimento econômico que o equilíbrio ecológico estará garantido. Portanto, o conceito de

desenvolvimento sustentável serve aos interesses do grande capital, seu real objetivo é a

manutenção do crescimento econômico numa realidade marcada pelo discurso de livre

mercado. A novidade é que apresentou um discurso mais envolvente que a antiga noção de

desenvolvimento prometendo conciliar crescimento econômico e meio ambiente e falando

em nome da humanidade.

Dentro dessas circunstâncias, afirmamos que por se basear no crescimento

econômico o conceito de desenvolvimento sustentável é logicamente insustentável. Na

conjuntura do final dos anos 1980, 1990 e 2000, a concorrência entre as empresas pelo globo

é acirradíssima. Para ganhar as disputas no mercado, empresas investem em produtos cada

vez mais diversificados, além de lançarem constantemente novos produtos no mercado, pois

a novidade em si, torna-se num atrativo para conquistar seus consumidores. Por sua vez, o

atual sistema econômico incentiva a sociedade ao consumismo desenfreado com o intuito de

maior lucratividade.

Sendo assim, no momento em que o desenvolvimento sustentável fala em

conservação da biodiversidade, a lógica do mercado conduz a uma necessidade maior por

produtos, o que implica numa transformação incessante sobre a natureza para que os

produtos cheguem o mais rápido possível ao consumidor. Por outro lado, essa utilização

constante dos recursos naturais que visa produzir o mais rápido possível, não trabalha com o

tempo de recuperação da natureza. Conforme nos adverte Acserald e Leroy:

A intensificação e aceleração dos ritmos da produção, próprios do regime fordista, calçado no aumento da velocidade de rotação dos capitais investidos e na intensificação do trabalho, terminam por ultrapassar os tempos requeridos para a produção da fertilidade dos solos, da qualidade das águas e do ar (ACSERALD e LEROY, 2003, s/p).

Portanto, as lógicas de operação da natureza e do mercado são irreconciliáveis.

Vejamos esta explicação:

80

[...] a subordinação da vida social aos imperativos sistêmicos da produção ilimitada de um volume sempre crescente de mercadorias supõe necessariamente um suprimento infinito de recursos naturais e uma capacidade infinita de reposição natural das condições, equilíbrio e processos naturais ameaçadas por essa produção (CARNEIRO, 2005, p.34).

Esta citação nos aponta que o nosso modelo de produção exige uma capacidade

infinita de recursos naturais, fato que a natureza não pode suportar. Resumindo, o atual

modo de produção que predomina na maioria das sociedades conduz a uma exploração

predatória sobre a natureza. Sachs (2000, p. 128), nos informa que:

[...] máquinas com combustível eficiente, análises de avaliação do risco ambiental, o monitoramento minucioso de processos naturais e semelhantes, por mais bem intencionados que sejam, têm duas hipóteses em comum: primeiro que a sociedade vai sempre ser levada a testar a natureza até o seu limite, segundo, que a exploração da natureza não deveria ser nem maximizada, nem minimizada, mas sim optimizada.

As duas citações acima apontam para um modelo de sociedade que vai sempre

explorar a natureza ao máximo. É esse modelo de sociedade regida pelos interesses do

grande capital que o conceito de desenvolvimento sustentável acaba defendendo quando

utiliza a retórica de reconciliar capital e natureza. Sendo assim, o modelo de

desenvolvimento sustentável não somente é insustentável, mas é também insuportável.

Como nos informa Leff (2001), o discurso da sustentabilidade opera como uma estratégia

fatal, uma inércia cega, uma precipitação para catástrofe, não é possível atender às

necessidades das gerações futuras se no atual modelo de sociedade capitalista, o imediatismo

do mercado não respeita o tempo de recuperação dos longos ciclos da natureza.

De acordo com Acserald e Leroy (2009), essa visão de desenvolvimento

meramente mecardológica conduz a outro problema que é o fato de reforçar a concentração

do controle sobre os recursos naturais nas mãos de poucos atores sociais. Segundo os autores

a pouco citado:

Acumulação requer escalas de produção cada vez maiores, novos espaços sociais são integrados a um mercado em crescente globalização – recursos hídricos alimentam grandes projetos hidrelétricos e de irrigação, grandes explorações minerais articulam-se com as frentes especulativas que incorporam consideráveis extensões nas regiões de fronteira. Ocorre que essa mesma concentração embute, pela via do padrão tecnológico dominante, um processo de homogeneização da natureza trabalhada – a difusão das monoculturas, a substituição da diversidade biológica por um pequeno número de espécies padronizadas e, é óbvio, a substituição concomitante da diversidade social pelas relações sociais capitalistas e de mercado (ACSERALD e LEROY, 2003, s/p).

O fato da visão de desenvolvimento em questão conduzir a uma concentração do

controle sobre os recursos naturais, além de produzir uma situação de injustiça social, pois

contribui para o aumento das desigualdades sociais, também resulta numa situação de

81

injustiça ambiental7. Em nome do desenvolvimento, projetos de barragem, plantações de

soja, cana e eucalipto resultam no deslocamento compulsório das diversas populações que

habitam as regiões em que são montados. A conseqüência é que os atores sociais das

localidades atingidas por esses projetos,

Não só perdem a base material de sua existência, as condições ambientais apropriadas ao seu modo de produção como também suas referências culturais e simbólicas, as redes de parentesco estabelecidas no espaço, a memória coletiva assentada no lugar (ZHOURI e OLIVEIRA , 2005, p.51).

No Brasil, as barragens, por exemplo, já desalojaram mais de 200 mil famílias,

inundaram 3,4 milhões de hectares de terras férteis e florestas, atingindo os segmentos mais

vulneráveis da sociedade brasileira – minorias étnicas como indígenas e quilombolas – e as

populações ribeirinhas (ZHOURI e OLIVEIRA, 2005).

Diante das exposições feitas, afirmamos que o grande capital na atualidade, não

respeita o ritmo da natureza, produzindo injustiças e transformando a degradação desta num

grande negócio. O discurso do desenvolvimento sustentável resultou numa capitalização da

natureza

Enquanto na teoria econômica clássica a natureza não transformada pelo trabalho humano é sem valor o desenvolvimento sustentável incorpora o que era considerado um “bem livre”, atribuindo-lhe um custo que passa a ser contabilizado na produção. A natureza passa a ser um bem de capital e nasce uma espécie de “econômica ecológica” [...] os custos ambientais são internalizados (pagos pela empresa) (CARVALHO, 1991, p.19).

De acordo com Leff (2001), ao mesmo tempo em que os custos ambientais são

internalizados, se processa uma operação simbólica, um “cálculo de significação” que

recodifica o homem, a cultura, a natureza como formas aparentes de uma mesma essência: o

capital. Os ciclos da natureza são integrados à lógica da acumulação capitalista. Conclui-se

que a propriedade privada assegura melhor a proteção ao meio ambiente. A palavra chave

passa a ser eficiência: as adaptações e as inovações tecnológicas são apresentadas como

garantias a um melhor aproveitamento dos recursos naturais, além de mitigar os efeitos

nocivos das atividades produtivas (ACSERALD e LEROY, 2003). Esse processo resulta

numa morte simbólica da natureza. Esta se torna objeto de políticas e planejamento

transformando-se em meio ambiente (SACHS, 2000). Quando a natureza é representada pela

concepção de meio ambiente, o resultado é que as qualidades concretas do mundo natural se

7 “O conceito de injustiça ambiental” relacionado historicamente aos movimentos sociais dos Estados Unidos desde os anos de 1960, refere-se a carga, risco ou dano ambiental que um determinado segmento social pode suportar, sem que seja comprometida sua existência e sua capacidade de reprodução material, social e cultural” (OLIVEIRA e ZHOURI, 2005, p. 51).

82

desvanecem, mais ainda, “faz a natureza parecer passiva e sem vida, simplesmente

esperando sofrer ação externa” (SACHS, 2000, p. 127).

O resultado de toda essa exposição, é que conforme nos adverte MUNIZ e

SANT’ANA JÚNIOR (2009, p. 15):

A dita sustentabilidade ambiental começa a se transformar em mercadoria, pois o próprio mercado de bens de consumo faz com que se valorizem cada vez mais os produtos considerados naturais, orgânicos, sustentáveis; e no que diz respeito às grandes empresas acumuladoras de capital, sua política promotora de desenvolvimento sustentável é lançar certificados de responsabilidade sócio-ambiental, porém, o que se observa é que a maioria dessas empresas capitalistas não tem nenhum compromisso real com a questão ambiental senão com a corrida pelo crescimento econômico e a acumulação de capital.

Grandes corporações adotam tecnologia limpa, não devido a uma questão de

sensibilização ecológica, mas observaram neste campo redução de custos e investimentos

rentáveis. Segundo o discurso da diretora de sustentabilidade do Banco Santander do Brasil,

Linda Murosawa, uma abordagem cuidadosa nessa área significa reduzir os riscos

financeiros. A diretora esclarece que um projeto que trabalha com a sustentabilidade de

forma clara e ética oferece mais vantagem em termos de segurança do investimento e

rentabilidade do capital. O Banco Santander reserva 1 bilhão de dólares para financiar

projetos sustentáveis (MARCONDES, 2009). O vice-presente de comunicação e

sustentabilidade da Coca-Cola Brasil, Marcos Simões, é mais enfático ainda ao falar da

sustentabilidade:

Para nós está claro que uma operação sustentável tem de gerar cada vez mais lucro. O consumidor exige que, além de entregar produtos de qualidade, a empresa alega o que faz para proteger o meio ambiente e ajudar a sociedade (PAULA, 2009, p. 50).

Pontuamos esses discursos não para enfocarmos que concordamos com eles. A

postura diante desses discursos é de crítica. Fala-se nos dois discursos em gerar mais lucro,

reduzir riscos, segurança em investimentos. A sustentabilidade é compatibilizada com

maiores dividendos econômicos para empresa. Observe que no caso do vice-presidente da

Coca Cola Brasil, ele ressalta que sustentabilidade tem de gerar mais lucro. É como se

estivesse dizendo, se não gerar lucro não interessa. O negócio em nome da sustentabilidade

somente interessa para as empresas porque se alia com as necessidades de hoje, ou seja, uma

empresa enxuta. Compromisso de fato com a questão ambiental a maioria não tem.

O conceito de desenvolvimento sustentável aparece em nossas sociedades, como

um grande conto cuja lição de moral é verbalizar a humanidade que basta conciliar

crescimento econômico com respeito aos limites naturais e todos podem caminhar a um

futuro mais seguro. O discurso da sustentabilidade não é um projeto plural, dialogado pelas

várias instâncias da sociedade, que juntas decidem o que deve ser feito para dar continuidade

83

à vida no planeta. É um discurso formulado por uma comissão que a serviço da ONU disse

ao planeta o que deveria ser feito acerca da questão ambiental. Neste discurso não existe

espaço para diversidade, mas para homogeneização. Num momento de instabilidade na

economia, empresas descobrem nas estratégias desse discurso novas fontes de lucro. Mas o

que esse conceito quer estabelecer? Certamente um consenso acerca da questão ambiental.

Por isso, fala em nome da humanidade. Se o planeta décadas atrás errou em não

preservar a natureza, ele diz que a humanidade deve preservar a natureza. Aumentaram-se as

desigualdades sociais no globo, ele relata que estas devem ser diminuídas. Mas o seu real

objetivo é esvaziar uma crítica acerca do modelo de produção dominante que, por sua vez,

conduz incessantemente a uma relação predatória do ser humano com a natureza.

Semelhantemente a antiga noção de desenvolvimento do pós-guerra, deseja colonizar a

realidade para o estabelecimento de um consenso, desta vez, acerca da questão ambiental

promovendo, assim, a continuidade dos interesses do grande capital.

Diante das críticas levantadas pela questão ambiental, às atividades do grande

capital, ao modelo de produtividade industrial nas décadas de 1970 e 1980, o conceito de

desenvolvimento sustentável apresentaria à humanidade saídas para um planeta mais

habitável. Empresas, indivíduos, ONG, governantes, meios de comunicação de massa

passam a trabalhar em prol dessa causa. São criadas série de medidas em nome da

sustentabilidade do planeta. Cria-se uma sensação no globo de que finalmente o ser humano

tomou responsabilidade com a questão ambiental.

A crítica ao modelo de produção das sociedades capitalistas fica relegada a

alguns movimentos sociais e intelectuais, que ficam numa posição como se estivessem na

contra corrente da história. Resultado: a forte contestação ao modelo das sociedades

capitalistas é esvaziada pela promessa da sustentabilidade. A esperança passa a ser

depositada numa série de medidas burocráticas, tecnológicas e investimentos do grande

capital para estabelecer um fim na ameaça à sobrevivência do planeta. Nessas

circunstâncias, são calculadas quantas mudas de árvores devem ser plantadas no local das

devastadas, quanto deve ser o investimento das empresas na causa da sustentabilidade, quais

as inovações científicas que podem contribuir para o equilíbrio ecológico.

Sendo assim, evita-se que a humanidade repense seu atual modelo de sociedade

e questione a lógica de funcionamento do mercado. É esquecido, que a sociedade atual,

ancorada pelos ditames do mercado, conduz o planeta a uma situação ambientalmente

insustentável e insuportável. Enquanto isso, grandes corporações, até mesmo em nome da

sustentabilidade, desenvolvem seus negócios e aumentam sua lucratividade. Algumas até

84

recebem premiações por projetos de sustentabilidade sendo denominadas “amigos do

verde”.

Encerramos este capítulo afirmando que o conceito de desenvolvimento

sustentável foi gestado dentro dos interesses do mercado e, não resultou em mudanças

significativas acerca da questão ambiental, pois, seu real objetivo é o crescimento

econômico e não o equilíbrio ambiental. O final dos anos 1990 e começo deste século

mostrou que estamos e olhando as condições de atendimento das gerações futuras.

85

5 CONCLUSÃO

Diante das exposições feitas, observa-se que o termo desenvolvimento

sustentável representa mais continuidades do que rupturas com o antigo conceito de

desenvolvimento. Primeiramente, o conceito de desenvolvimento sustentável foi uma saída

para a antiga noção de desenvolvimento do pós-segunda guerra, que sofreu inúmeras críticas

devido ao agravamento dos problemas sociais e diante da possibilidade de esgotamento dos

recursos naturais, haja vista que o projeto desenvolvimentista dos anos 1950 aumentara os

problemas que prometia resolver. Continua-se no conceito de desenvolvimento sustentável

assim como na noção anterior voltado para o crescimento econômico. Diante do cenário de

crise na economia nos anos 1970 e instabilidade durante os anos 1980, havia necessidade de

recuperação e crescimento econômico. Porém, os informes científicos apresentavam uma

situação ambiental cada vez mais difícil. Devido às necessidades que o modelo de produção

capitalista tem de usar continuamente a natureza e transformá-la em produtos, esta tinha que

ser levada em consideração. Resultado é que o conceito de desenvolvimento sustentável

prometeu conciliar crescimento econômico com respeito aos limites naturais.

Tanto o conceito de desenvolvimento sustentável como a noção de

desenvolvimento representam elementos importantes no processo de ocidentalização do

mundo. Assim como os países subdesenvolvidos foram doutrinados por um discurso

desenvolvimentista disseminado por potências capitalistas ocidentais, também no conceito

de desenvolvimento sustentável foi um grupo de peritos ocidentais que propuseram ao

mundo como promover o equilíbrio ecológico no planeta. Ambos os conceitos também

visam alterar a percepção da realidade com vistas ao desenvolvimento dos interesses do

grande capital.

Conclui-se também que o conceito de desenvolvimento sustentável apresentado

no Relatório Bruntland não é um termo que aparece pela primeira vez em 1987. É resultado

também das discussões que já vinham sendo feitas a respeito da questão ambiental no

planeta. Em Estocolmo foi perguntado sobre o que deveria ser feito para manter a Terra

como lugar adequado à vida humana no momento e para as gerações futuras. O relatório do

Clube de Roma alardeava que a estratégia para lidar com desenvolvimento e meio ambiente

é concebê-los como sendo apenas uma coisa, fato que o conceito de desenvolvimento

sustentável vai propor. Tanto é que após a formação da Comissão Mundial sobre o Meio

Ambiente e Desenvolvimento, os termos são apresentados como indissociáveis. Conforme

86

apresentado durante este trabalho, o termo desenvolvimento sustentável aparece pela

primeira vez em 1972, no Simpósio das Nações Unidas sobre as inter-relações entre recursos

ambientais e desenvolvimento. O que acontece é que o termo em questão é popularizado a

partir da publicação do Relatório Bruntland.

Percebe-se, após o desenrolar deste trabalho, que a grande estratégia ou força do

conceito de desenvolvimento sustentável está em se apresentar como solução para ameaça

de sobrevivência no globo. Após a vulgarização deste conceito, os problemas ambientais são

classificados como de cunho internacional. Em nome da sobrevivência do globo e valendo-

se deste conceito, grandes potências capitalistas e suas corporações almejam exercer

controle sobre as riquezas naturais principalmente do mundo chamado em desenvolvimento

ou Terceiro Mundo. Espera-se criar com este conceito uma política de consenso acerca da

questão ambiental no intuito de dissolver opiniões contrárias aos interesses daqueles que

falam em nome da sustentabilidade. O que se percebe é que o conceito de desenvolvimento

sustentável contribui na estruturação de novas relações de poder, nas quais nem todos

podem falar em nome da sustentabilidade, contribuindo para reforçar o controle sobre os

recursos naturais nas mãos de poucos, (re)produzindo injustiças sociais e ambientais.

Este conceito, semelhantemente à antiga noção de desenvolvimento, apresenta

uma fé no capital, na ciência, na burocracia e na tecnologia, porém, agora para evitar uma

tragédia. O investimento do grande capital com aplicação do conhecimento científico, bom

planejamento e uso de tecnologias modernas e limpas são colocados como fundamentais na

administração eficiente dos recursos naturais ou até para compensar os danos à natureza.

Nota-se que, com a vulgarização e institucionalização do conceito de

desenvolvimento sustentável, cria-se uma ilusão de que a humanidade começa a tomar

respeito e responsabilidade para com a questão ambiental. Com uma série de medidas

tomadas pelos Estados no que diz respeito a proteção ambiental, com empresas apresentando

produtos ecologicamente corretos e ganhando certificados de que suas atividades não

causam danos ao meio ambiente, com o envolvimento da sociedade civil com o tema em

questão, o discurso é que o planeta caminha para um equilíbrio ecológico. Enquanto isso se

evita (ou se torna menos visível) uma crítica radical ao modelo e aos valores da sociedade

atual, principalmente ao mercado. Enquanto o globo acredita numa tomada de consciência

ecológica, empresas fazem da sustentabilidade um negócio rentável. Ao investir em supostos

produtos ou realizarem produções que se afirmam como ecologicamente corretas, percebem

que diminuem os gastos e ainda podem ganhar visibilidade maior no mercado com a dita

87

preocupação ambiental. A sustentabilidade tem resultado não numa sensibilização ecológica,

mas sim numa sensibilização econômica.

Observa-se que, com todo esse discurso do desenvolvimento sustentável, não

somente se evita uma crítica significativa ao nosso modelo de sociedade como continua-se a

utilizar a natureza ao máximo com vistas a ganhar mercado consumidor e lançar produtos o

mais rápido possível. Portanto, a conclusão deste trabalho é que a única referência que pode

ser feita ao desenvolvimento sustentável é que se continua no globo com um

desenvolvimento insustentável, pois o mesmo compromete a capacidade de atendimento das

gerações futuras sendo, portanto, insuportável.

O discurso do desenvolvimento sustentável não tem contribuído de forma

significativa em melhoras na questão ambiental. Conforme demonstrado neste trabalho, as

metas da Agenda 21 estão longe de serem concretizadas, houve aumento da emissão de gás

carbônico na década de 1990 e agravou-se a situação de degradação ambiental. Não existe

por parte dos formuladores desse conceito comprometimento sério com a questão ambiental.

O que de fato aconteceu foi a capitalização da natureza. Se esta era antes

considerada um “bem livre”, o desenvolvimento atribui-lhe um custo que passa a ser

contabilizado na produção, o desenvolvimento sustentável transformou a natureza em meio

ambiente, resultando na sua morte simbólica, pois esta é transformada em matéria

manipulável e sem vida própria, esperando apenas sofrer ação externa.

Percebe-se que o conceito de desenvolvimento sustentável promoveu algumas

miopias. Primeiro promete conciliar equidade social, crescimento econômico e preservação

do meio ambiente. A retórica é bonita, mas se bem analisada logo percebe-se que no atual

modelo de sociedade essa conciliação de interesses não é possível. Como no atual modelo

econômico ocorre uma transformação contínua da natureza, não é respeitado, assim, o tempo

de recuperação desta, não havendo preservação do meio ambiente. Outro ponto que não

pode passar desapercebido é que este conceito continua centrado no crescimento econômico.

Foi este mesmo aspecto que contribuiu na visão anterior do desenvolvimento para o

aumento das desigualdades sociais e proliferação dos problemas ambientais no globo.

Portanto, não pode o atual conceito resolver problemas que seu co-irmão gerou sendo que os

dois são ancorados na mesma idéia: crescimento econômico.

A questão é que este conceito trabalha com uma retórica muito sedutora. Ele

disse no final dos anos 1980 e 1990 à humanidade o que ela deseja ouvir. Se o modelo de

sociedade capitalista havia conduzido a humanidade a deparar-se com uma série de

problemas entre eles a possibilidade de esgotamento dos recursos naturais, facilmente ele

88

adverte a todos, então tenham respeito pela natureza. Porém, esse conceito trabalha como se

a sociedade fosse um campo harmônico, no qual todos os interesses convergem para o

benefício de todos. Mas a sociedade com a qual a humanidade depara-se é marcada por

disputas e conflitos, ou seja, esse conceito não passa de uma retórica.

Além de miopias ele visa produzir amnésias. Ao convidar todos para o projeto

de um mundo sustentável, o conceito convida que esqueçamos quem foram os grandes

poluidores, pois o relatório que o apresenta fala em nosso futuro comum. Todos devem ter a

mesma responsabilidade. Porém, fez pior: culpou a pobreza pela situação de degradação

ambiental. As vítimas a partir do conceito de desenvolvimento sustentável foram

rapidamente transformadas em culpadas. Absurdo maior é que em nome desse conceito

peritos ambientais almejam ensinar comunidades tradicionais, que há séculos desenvolvem

relações harmônicas com a natureza, a exercerem supostas práticas mais sustentáveis com

seu meio, quando deveria ser o contrário. Esses peritos ambientais que deveriam aprender

com essas comunidades.

Portanto, o conceito de desenvolvimento sustentável coloniza a realidade,

fabricando percepções, alterando fatos, mudando o olhar acerca da questão ambiental e

produzindo falsas sensações. Ele é apresentado como visando conduzir a humanidade para

um planeta equilibrado ecologicamente, fato inatingível quando no atual modelo de

sociedade, conforme já vimos, visa conciliar interesses divergentes como crescimento

econômico, respeito aos limites naturais e justiça social.

A trajetória da sustentabilidade se confunde com os interesses do grande capital

nas últimas décadas. Se o planeta assistiu nos anos 1980 e 1990 a estruturação do Estado

neoliberal com uma tentativa de volta ao livre mercado, também viu o capital exigir mais

liberdade de comércio, mudanças nas políticas fiscais para que o capital melhor circulasse

pelo globo. Porém em tese, o capital deveria rever sua forma de relacionamento com a

natureza. Agora ele deveria considerá-la como uma companheira fundamental, sendo que a

relação passaria a ser capital e natureza e não capital x natureza, como nos anos 1950, ao

menos no âmbito do discurso. Foi justamente isso que aconteceu no conceito de

desenvolvimento sustentável. A relação, ao menos em tese, passou a ser capital e natureza.

Conforme relatado, em tese, porque devido às necessidades de reprodução do capital sempre

mais rápidamente, o que aconteceu na prática foi a manutenção da relação capital x natureza

no sentido de que esta última continua sendo degradada, devido ao seu uso constante e

crescente devido às exigências do mercado. A própria manutenção destas dicotomias,

89

mesmo do tipo homem e natureza, é problemática, pois o homem é natureza. Uma sociedade

para ser sustentável não deveria trabalhar com essas dicotomias.

Este trabalho mostrou que o grande dilema da questão ambiental hoje é que ela

implica numa mudança profunda no atual modelo de sociedade, o que levaria grandes

corporações e indivíduos a perderem uma série de privilégios. Aparentemente, o conceito de

desenvolvimento sustentável exige mudanças no modelo de sociedade de hoje, porém o que

se verifica na prática é que este conceito apenas produz uma ilusão ao falar de conservação

de recursos naturais, equidade social e crescimento econômico, não apresentando reais

garantias de atendimento das necessidades das gerações futuras. Este conceito baseia-se no

crescimento econômico e nos interesses do grande capital conduzindo a sustentabilidade a

um negócio rentável.

Ao fazer a humanidade acreditar que medidas estão sendo tomada e que a

humanidade tomou responsabilidade para com a questão ambiental, o conceito de

desenvolvimento sustentável evita críticas profundas pela maioria da sociedade acerca do

atual modelo de vida. Sendo assim, é adiado que a sociedade em sua grande maioria repense

seu estilo de vida, mantendo os interesses do grande capital.

O doente anda gravemente ferido, mas prefere continuar com sua chaga, a ter

uma verdadeira cura, pois esta implicaria numa mudança de estilo de vida, fato que o doente

não deseja fazer.

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