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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL ROSANA MARIA SOUZA DE BARROS Família e adoção: implicações da representação social de família na adoção. Belém-Pará 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

ROSANA MARIA SOUZA DE BARROS

Família e adoção: implicações da representação social de família na adoção.

Belém-Pará

2009

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Rosana Maria Souza de Barros

Família e adoção: implicações da representação social de família na adoção.

Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade

Federal do Pará para obtenção do título de Mestre

em Serviço Social no Programa de Pós-Graduação

em Serviço Social- nível de Mestrado.

Orientador: Profº Dr. Carlos Alberto Batista Maciel

Belém-Pará

2009

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Rosana Maria Souza de Barros

Dados internacionais de catalogação-na-publicação (CIP) Biblioteca Armando Corrêa Pinto – ICSA/UFPA

Barros, Rosana Maria Souza de B2776f Família e adoção: implicações da representação social de família na adoção / Rosana Maria Souza de Barros; orientador Carlos Alberto Batista Maciel. – 2009. 145 fl. ; 30cm.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Mestrado em Serviço Social, Belém, 2009.

1. Representação social. 2. Família. 2. Adoção. 3. Criança e adolescente I. Universidade Federal do Pará. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. II. Título.

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Rosana Maria Souza de Barros

Família e adoção: implicações da representação social de família na adoção.

Banca Examinadora

Profº Dr. Carlos Alberto Batista Maciel

Orientador/UFPA

Profa Dra. Maria Angela D’Incao

Examinadora /UNESP

Profa Dra. Maria Angélica Motta-Maués

Examinadora /UFPA

Aprovado em:_______/________/_________.

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Às minhas origens, Izabel e Aristides (in memorian), não

consaguíneas, autênticas e intensamente assinaladas por afeto e

exemplos de solidariedade.

Ao meu marido, Ramón, companheiro de todas as horas,

inclusive de trabalho por uma sociedade mais justa.

Aos meus filhos queridos, Paulo e Lucas que me confirmam que

amor entre mãe e filhos nasce, cresce e se consolida na relação

do dia-a-dia.

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Agradecimentos

Ao Professor Doutor Carlos Alberto Batista Maciel pela orientação, fundamentada

em compromisso, competência, atenção e exercício de rico aprendizado.

Aos professores da Graduação e do Mestrado de Serviço Social, em especial

Selma Machado, que compartilharam conosco seu conhecimento acadêmico, nos

possibilitando novos horizontes.

Aos Colegas do GEPIA pelos momentos de trocas de conhecimentos.

Às amizades que fiz durante o curso de Mestrado, em especial Sônia Bahia e

Helena Aood, que fizeram dessa jornada acadêmica uma prazerosa troca de conhecimentos

e de experiência de vida.

Aos profissionais da 1ª Vara da Infância e Juventude que se disponibilizaram a

nos fornecer as informações solicitadas.

Aos pais adotivos e a pretendente à adoção, que de corações abertos, nos

relataram suas certezas e incertezas nas experiências de vida em família e de adoção.

À Nicinha Câmara e Arlete Guimarães, que gentilmente colaboram para a

realização deste trabalho.

Às queridas Maria Luiza Lamarão e Lilia Ieda Chaves Cavalcante, que com suas

características de dedicação, compromisso, simplicidade e conhecimento acadêmico foram

grandes incentivadoras ao meu retorno à vida acadêmica.

Aos meus familiares, em especial meu marido Ramon e meus filhos João Paulo, e

João Lucas que ora pacientemente, ora nem tanto, aceitavam meus momentos de ausência

por estar dedicada a este estudo.

A todos que de formas diversas colaboraram para a realização deste trabalho.

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Minha dor é perceber

Que apesar de termos

Feito tudo, tudo

Tudo o que fizemos

Nós ainda somos

Os mesmos e vivemos

Ainda somos

Os mesmos e vivemos

Ainda somos

Os mesmos e vivemos

Como os nossos pais...

(Belchior)

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Resumo

Este estudo tem como objetivo estudar o fenômeno da adoção na cidade de Belém,

especialmente de crianças maiores de dois anos de idade, com o propósito de identificar

e analisar as representações sociais de família que mediam a relação de adoção, para

compreender como essas representações influenciam na efetivação, ou não, da adoção

de crianças maiores de dois anos de idade. Partiu da hipótese de que as representações

sociais predominantes de família nos pretendentes à adoção influenciam na forma de

conceber e experenciar a adoção. Os resultados alcançados possibilitam inferir que a

representação social de família nuclear burguesa, em particular as funções sociais da

mulher na família, tem forte influência na forma de experenciar a adoção e na escolha

da faixa etária da criança a ser adotada, à medida que adoção é vislumbrada como uma

alternativa para alcançar a sensação de completude da família e da mulher, com a

perspectiva de reproduzir o modelo de família hegemônico constituído por pai, mãe e

filhos biológicos.

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ABSTRACT

This study aims to study the phenomenon of adoption in the city of Belém, especially

for children over two years, with the aim to identify and analyze the social

representations of family that mediate the relationship of adoption, to understand how

these representations influence in effect, or not, the adoption of children over two years

of age. The hypothesis that the predominant social representations of family suitors in

order to influence the adoption of design and the adoption experience. The results allow

to infer that the social representation of bourgeois nuclear family, particularly the social

functions of women in the family, has strong influence on the way to the adoption and

experience in choosing the age of the child to be adopted, as adoption is glimpsed as an

alternative to achieve the feeling of completeness of the family and women, with the

prospect of playing the type of hegemonic family consists of father, mother and

biological children.

Keywords: Social representation. Family. Adoption. Child and adolescent.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO______________________________________________________11

CAPÍTULO I

1- A PESQUISA __________________________________________________18

1.1- Universo de Pesquisa, Sujeitos e Metodologia ______________________18

1.2- O Referencial Teórico _________________________________________27

1.2.1- A Família______________________________________________27

1.2.2- As Representações Sociais________________________________ 34

1.3- Os Sujeitos da pesquisa _______________________________________40

CAPÍTULO II

2- DISCUTINDO A ADOÇÃO _________________________________________47

2.1- A adoção: refletindo sobre aspectos sociais e jurídicos ___________________47

2.2 - Adoção e o direito à convivência familiar de crianças e adolescentes________57

2.2.1- A criança como sujeito de direitos: desafios à política social____________57

2.2.2 - O direito a convivência familiar e adoção__________________________62

2.3 – A adoção tardia: possibilidades e limmites____________________________68

CAPÍTULO III

3 – A ESCOLHA DA FAIXA ETÁRIA SEGUNDO OS PROFISSIONAIS DA

VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE BELÉM _______74

CAPÍTULO IV

4 – A ADOÇÃO TARDIA EM BELÉM: PROCURANDO DESVENDAR

CERTEZAS E INCERTEZAS __________________________________________84

4.1- Caracterizando os dois grupos______________________________________ 84

4.2 - A escolha pela adoção __________________________________________ 104

4.3 - A preferência pela Faixa etária: certezas nas incertezas ________________ 115

4.4 - Família e adoção: em busca de uma completude______________________ 123

CONSIDERAÇÕES FINAIS __________________________________________135

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS __________________________________140

ANEXOS __________________________________________________________ 143

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Introdução

Na realidade social contemporânea, novas configurações familiares têm instigado

o debate sobre esses arranjos familiares, suas particularidades e necessidades, o que tende a

provocar maior visibilidade aos diferentes modelos familiares, a discussão sobre as

demandas sociais que emanam dessas famílias, além de questionar as referências e

configurações familiares hegemônicas.

É dentro desse contexto que famílias adotivas também são debatidas e estudadas,

provocando visibilidade as suas especificidades e demandas, contribuindo para que estas

famílias sejam socialmente aceitas como uma forma de constituição de família. Colabora

para esse processo a elevação do número de famílias com essa característica. Silveira ao

citar Sarti aponta:

[...] embora seja uma prática antiga, a estruturação parental pelas vias dos

laços de afinidade multiplicou-se nas sociedades modernas,

principalmente com o crescimento do fenômeno do abandono nos

grandes centros urbanos industriais, sobretudo no final do século XX. A

adoção como meio para exercer a paternidade e a maternidade reforçou a

idéia de que “nas relações entre pais e filhos há um vínculo mais forte, no

qual as obrigações morais acontecem de maneira mais significativa”

(SARTI apud SILVEIRA, 2005, p. 90).

Embora a adoção seja uma prática social antiga, com diferentes aspectos, de

acordo com as condições socioculturais e econômicas do meio em que está inserida, ela

apresenta-se com medos e tabus (WEBER, 2003). Poucos estudos sobre a adoção e suas

especificidades haviam sido realizados, até recentemente, fazendo com que essa

modalidade de filiação ficasse na obscuridade. Esse fato reforçou representações negativas

sobre a adoção que foram se perpetuando ao longo da história. Os próprios pais adotivos

escondiam, e muitos ainda escondem, de familiares, amigos e demais pessoas de sua

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relação a condição de pais por adoção, afirmando que tentam proteger sua família dos

preconceitos da sociedade (WEBER, 1999).

É comum a alusão feita à mãe biológica de uma criança adotiva como a “mãe

verdadeira”. Isto expõe a força do mito dos laços consanguíneos, o que é frequentemente

reforçado pela mídia. Essa realidade leva muitas crianças adotivas a serem vistas como

“filhos sem mães”, “crianças abandonadas”, o que tende a excluir a filiação, a maternidade

e a paternidade adotivas do modelo de família socialmente aceito. Esta concepção seria

decorrente, entre outros motivos, do fato de a adoção não corresponder ao modelo de

família dominante, baseada na consanguinidade.

Em nossa atuação como assistente social da 1ª Vara da Infância e Juventude da

Comarca de Belém, desde 2001, em que a adoção faz parte do cotidiano do exercício

profissional por meio de elaboração de estudo social e parecer no processo de adoção e de

habilitação para adoção, além das orientações aos pretendentes à adoção, constatamos

empiricamente a preferência dos postulantes em adotar crianças menores de dois anos de

idade. Essa constatação empírica também se configurou em nossa ação como voluntária no

Grupo de Estudo e Apoio à Adoção de Belém Renascer.

Nesse exercício profissional se tornava cada vez mais contundente que, embora

o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleça a adoção como uma das alternativas para

garantia do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes que não possuem

família, ou perderam a proteção de sua família de origem de maneira definitiva, a adoção

não era concebida dessa forma pela sociedade, e sim percebida como uma maneira de dar

filhos a quem não os pode gerar biologicamente. Muitos pretendentes à adoção se voltavam

apenas para o desejo de se tornarem pais, e por isso almejavam adotar bebês com

características físicas semelhantes as suas, excluindo crianças e adolescentes que não

correspondiam a esse perfil.

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Essa realidade gerava inquietações e questionamentos sobre o que estaria

provocando nos pretendentes à adoção essa grande preferência por crianças menores de dois

anos. Muitos pretendentes afirmavam que temiam não conseguir lidar com os traumas de

crianças maiores devido a um longo período de institucionalização ou de experiências de

maus-tratos em suas famílias de origem, traumas que acreditavam ser irreversíveis. No

entanto, empiricamente percebíamos que poderia haver outros motivos além do que os

pretendentes apresentavam em seus discursos.

Entre as motivações para adoção apresentadas pelos pretendentes à adoção,

eram recorrentes em suas manifestações o desejo de ter um filho e de constituir uma família,

o que aparentemente caracterizava a adoção como uma forma de constituição de família.

Passamos então a nos questionar: como a família se constituía ao longo da história? Quais

os modelos predominantes de família? E como esses modelos sociais de família poderiam

influenciar na adoção, em particular a adoção tardia? Questões que, no exercício

profissional e no curso de Mestrado, foram amadurecidas, estudadas e pesquisadas.

Outra experiência profissional que contribuiu para essas inquietações foi a nossa

participação no Projeto “Oficina dos Sonhos: Construindo Projetos de Vida com crianças e

adolescentes institucionalizados”, em que nos aproximamos de forma singular da realidade

de crianças e adolescentes desprovidos do direito de viver em família. Nesse projeto nossa

atuação consistia em dar voz às crianças e adolescentes abrigados, por meio de oficinas

participativas em que eles eram estimulados a expressarem suas histórias de vida, sonhos,

aptidões, medos, carências, desejos, e estimulados também a construir projetos de vida,

considerando suas histórias de vida com a família de origem e no período de abrigamento,

suas aptidões e aspirações.

Nessa experiência, entre as muitas mensagens que essas crianças e adolescentes

manifestaram era sempre presente o desejo de viver em família. A despeito de muitas

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experiências de maus tratos, negligências e privações materiais vividas em suas famílias de

origem, aspiravam viver em família. Alguns inclusive reconheciam que não poderiam

retornar as suas famílias e almejavam ser adotados.

Entre alguns relatos dessas crianças que se encontravam abrigadas, que

expressaram esse desejo de ter uma família, destacamos três: o de João Paulo1 nove anos de

idade, que disse: “[...] e quando eu for grande, quero ser pai, ter um filho, uma mulher

bonita, uma casa na praia, uma mesa, um carrinho de bebê. É assim que eu penso no meu

futuro. Eu feliz com a minha família” (CHIARADIA, et al, 2007, p. 53), o do Matheus, 17

anos, abrigado desde bebê: “[...] o meu projeto de vida é simples: estudar, trabalhar e ter

uma família [...] (CHIARADIA, et al, 2007, p. 81) e o do Luiz Otávio, 13 anos: “[...] acho

que o futuro vai ser legal [...] O tipo de ajuda que preciso são as pessoas do Membira

arrumar uma família pra mim” (CHIARADIA, et al, 2007, p. 89).

Dessa forma, em nossa atuação profissional, ouvimos os dois lados de um

mesmo quadro: os pretendentes à adoção, ansiosos por um filho, e o lado de crianças e

adolescentes que não podiam mais retornar ao convívio de suas famílias de origem, e se

encontravam ansiosos por uma nova família. Estes fatos acirravam nossas inquietações e o

desejo de desvendar as causas que contribuíam para a configuração dessa realidade.

Assim, o caminho que buscamos para compreender essa realidade constatada

empiricamente foi o estudo e a pesquisa. Procuramos realizar o estudo da histórica da

constituição dos diversos modelos de família ocidental, suas relações sociais entre si e com

as demais instituições sociais, para subsidiar a análise da representação social que os pais

adotivos (e candidatos a pais adotivos) possuem de família. Cremos que a compreensão

desse objeto de estudo poderia colaborar para um entendimento mais profundo acerca da

adoção tardia, tanto em seus elementos obliteradores, quanto facilitadores. Um

1 Nomes fictícios

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conhecimento que poderia provocar reflexões e mudanças de atitudes não somente dos

profissionais que atuam na área da Infância e Juventude, mas também de pessoas que se

disponibilizam a ser pais de crianças geradas por outras pessoas.

Assim, consideramos que a relevância da produção de conhecimento científico

sobre os fatores presentes nas representações sociais de família que existem na relação de

adoção (em um pano de fundo sócio-cultural) poderá contribuir no entendimento de como

a representação de família pode interferir na decisão dos pretendentes à adoção.

Outro fator relevante que consideramos é que a sistematização acerca dos

efeitos da representação social de família que mediam as adoções tardias poderá apontar

caminhos para uma maior qualificação dos profissionais da rede de atendimento à

infância, inclusive dos Grupos de Apoio à Adoção, ao propiciar novos subsídios teóricos

para a leitura desta realidade, contribuindo também para elaboração de políticas sociais

voltadas à garantia do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes

institucionalizados que perderam a proteção de sua família de origem de maneira

definitiva.

O resultado desse trabalho está sistematizado nesta dissertação em quatro

capítulos. No primeiro capítulo, denominado “A Pesquisa”, descrevemos a trajetória da

pesquisa, o universo, sujeitos e a metodologia da pesquisa, além do referencial teórico que

fundamentou a análise dos dados coletados.

No segundo capítulo, “Discutindo a adoção”, procuramos fazer um percurso

pela trajetória histórica da adoção em seus aspectos sociais e jurídicos com a perspectiva

de compreender como a adoção se configurou ao longo da história, tentando entender as

influências históricas na forma de experenciar a adoção na contemporaneidade, inserindo

também nessa discussão o movimento histórico de consolidação da compreensão social da

infância, como fase da vida com necessidades peculiares de desenvolvimento e atenção,

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da trajetória da criança como sujeito de direitos, assim como os desafios à política social

pública para implementação desses direitos. Abordamos ainda a adoção e o direito à

convivência familiar, com a perspectiva de refletir sobre a adoção como uma das

alternativas para a garantia desse direito.

No capítulo três, intitulado “A escolha da faixa etária segundo os profissionais da

Vara da Infância e Juventude da Comarca de Belém”, abordamos as percepções dos

profissionais em relação à escolha dos pretendentes da faixa etária da criança a ser adotada,

partindo de suas experiências no cotidiano do exercício profissional nesse espaço

institucional.

No capítulo quatro, que tem o título “A adoção tardia em Belém: procurando

desvendar certezas e incertezas”, por meio da análise dos dados coletados na pesquisa,

buscamos dissertar sobre as certezas que geram as incertezas e incertezas que geram

certezas no percurso da adoção dos pretendentes à adoção, e suas implicações na realização

ou não da adoção tardia.

No item um desse capítulo, descrevemos os sujeitos da pesquisa e alguns aspectos

de suas trajetórias de constituição de família, caracterizando-os em dois grupos: o grupo 1,

constituído pelos entrevistados que preferiam adotar crianças até um ano de idade, e grupo

2, formado pelos que aceitavam adotar crianças maiores de dois anos.

No item dois - “A escolha da adoção”- procuramos refletir e compreender se os

pretendentes à adoção pesquisados, de fato, escolheram a adoção, ou diante do

impedimento biológico para a procriação, a adoção se tornou a alternativa para a realização

do desejo de terem um filho.

No item três, intitulado “A preferência pela Faixa etária: certezas nas incertezas”,

buscamos compreender as implicações da motivação para a adoção apresentada pelos

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pesquisados, a constituição de família, alicerçada na concepção do amor natural das mães

por seus filhos biológicos, na escolha da faixa etária da criança a ser adotada.

No último item do capítulo quatro, denominado: “Família e adoção: em busca de

uma completude”, procuramos analisar, nos casos estudados, as implicações na decisão

pela adoção do significado de família, de ser mãe e de ter filhos para os entrevistados.

E, por fim nas considerações finais fizemos uma reflexão geral sobre os dados

coletados na pesquisa, apontando aspectos considerados relevantes.

A rigor sabemos que este produto permitiu o encontro de algumas respostas às

inquietações iniciais, mas também produziu novas dúvidas e indagações que se tornaram

desafios ao nosso necessário processo de formação permanente.

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CAPÍTULO I

1- A Pesquisa:

1.1- Universo de Pesquisa, Sujeitos e Metodologia

Como já relatado anteriormente, esta pesquisa teve como motivação inicial a

nossa aproximação com a realidade de crianças e adolescentes institucionalizados, que se

deu a princípio em decorrência de nosso exercício profissional como assistente social na 1ª

Vara da Infância e Juventude da Comarca de Belém desde 2001, especialmente por meio

de estudo social nos processos de destituição do poder familiar, habilitação para adoção e

adoção, e orientação a pretendentes à adoção e pais adotivos. Nestes, constatamos

empiricamente a preferência dos postulantes à adoção por crianças menores de dois anos

de idade.

Colaborou com essa motivação um levantamento realizado pelo serviço social da 1ª

Vara da Infância e Juventude da Comarca de Belém, que identificou que no período de

janeiro de 2003 a dezembro de 2006, do total de 168 pretendentes habilitados para adoção,

52,39% preferiam crianças até um ano de idade; 20,23% preferiam crianças até dois anos

de idade; totalizando 72,62% habilitados a adoção que pretendiam adotar crianças entre

zero e dois anos de idade2.

Diante daqueles dados em que se confirmava a preferência dos pretendentes à

adoção por adotar crianças menores de dois anos, passamos a nos interrogar por que essa

preferência? Quais os fatores que estariam alicerçando essa relação dos pretendentes à

adoção, especialmente com crianças menores de dois anos?

2 Levantamento realizado em março de 2007, pelo Setor Social, no cadastro de pretendentes da 1ª Vara

da Infância e Juventude da Comarca de Belém.

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Perante essas inquietações que passaram a povoar nossas reflexões, especialmente

por considerarmos a adoção como uma forma de constituição de família, entendemos que

seria importante a análise e reflexão sobre família, particularmente a ocidental.

Família é uma instituição em um contexto constituído historicamente. Para

Szymanski (2002), família envolve qualidade das relações interpessoais de seus membros,

em suas diversas configurações, inclusive a adotiva:

[...] compreende-se como família, uma associação de pessoas que escolhe

conviver por razões afetivas e assume um compromisso de cuidado

mútuo e, se houver, com crianças, adolescentes e adultos. Essa

consideração abrange um grande número de possibilidade que, há

séculos, já vêm sendo vividas pela humanidade, a despeito das definições

“oficiais” de grupo familiar [...]. Kaslow cita nove tipos de composição

familiar que podem ser consideradas “família”:1) família nuclear,

incluindo duas gerações, com filhos biológicos; 2) famílias extensas,

incluindo três ou quatro gerações; 3) famílias adotivas temporárias

(Foster); 4) famílias adotivas, que podem ser bi-raciais ou multiculturais;

5) casais; 6) famílias monoparentais, chefiadas por pai ou mãe; 7) casais

homossexuais com ou sem crianças; 8) famílias reconstituídas depois do

divórcio; 9) Várias pessoas vivendo juntas, sem laços legais, mas com

forte compromisso mútuo [...] ( (SZYMANSKI, 2001 p. 9 e 10)

Dessa forma, estudamos a família com a perspectiva de compreender que família

pode estar se organizando por meio da adoção: a família tradicional, nuclear burguesa, ou a

família possível historicamente construída em um determinado momento, com suas

singularidades e potencialidades.

Desse modo, por entender que muitos pretendentes à adoção podem estar

experenciando a adoção com a expectativa de reproduzir um modelo de família dominante,

de modo pré-reflexivo, em busca de uma sensação de completude, é que escolhemos como

categoria conceitual para este estudo a representação social, com a perspectiva de

identificar e analisar as implicações das representações sociais de família nos processos de

adoções.

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Segundo Jodelet (2001), as representações sociais são formas de se interpretar e se

relacionar com uma dada realidade, que embora não se configurem como a realidade em

sua totalidade, contêm elementos dessa realidade, que influenciam atitudes como sistemas

de referências:

[...] geralmente, reconhece-se que as representações sociais – enquanto

sistemas de interpretação que regem nossa relação com o mundo e com

os outros – orientam e organizam as condutas e as comunicações sociais.

Da mesma forma, elas intervêm em processos variados, tais como a

difusão e assimilação dos conhecimentos, o desenvolvimento individual e

coletivo, a definição das identidades pessoais e sociais, a expressão dos

grupos e as transformações sociais (JODELET, 2001, p.22).

Assim, passamos a ter como norteadores deste estudo o seguinte questionamentos:

a representação social de família influencia negativa ou positivamente na forma de

realização do processo de adoção tardia? O que formatou como objetivo desta pesquisa

identificar as representações sociais de família existentes nos processos de adoção e

analisar sua forma de influência, ou não, nas adoções tardias.

Partimos então das seguintes hipóteses:

1ª) As representações sociais predominantes de famílias dos pretendentes à

adoção influenciam na forma de conceber e experenciar a adoção.

2ª) A realidade identificada empiricamente de maior incidência de pretendentes à

adoção que desconsideram a adoção de crianças maiores de dois anos de idade, tem como

representação de família dominante a família nuclear consanguínea. Desta forma, a maioria

das adoções estaria baseada na perspectiva de reprodução desse modelo de família.

Para realização desta pesquisa, fizemos opção pela pesquisa qualitativa por seu

caráter singular de responder questões particulares, inclusive as carregadas de

subjetividades, como nos afirma Minayo:

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[...] a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se

preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode

ser quantificado. Ou seja ela trabalha com o universo de significados,

motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um

espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que

não podem ser reduzidos à operacionalização das variáveis (MINAYO,

1994, p. 21 e 22).

Inicialmente, com o objetivo de conhecer as diferentes contribuições científicas

sobre o assunto pesquisado, fizemos a revisão bibliográfica sobre o tema estudado, com o

propósito de se configurar o referencial teórico para subsidiar o processo de identificação e

análise das representações sociais de família nos processos de adoção, assim como a

compreensão e aprofundamento do processo histórico de constituição das famílias, em

especial a família brasileira. Segundo Severino:

Estabelecido e delimitado o tema do trabalho e formulados o problema e

a hipótese, o próximo passo é o levantamento da documentação existente

sobre o assunto. É uma fase heurística, ciência, técnica e arte da pesquisa

de documentos. Desencadeia-se uma série de procedimentos para a

localização e busca metódica dos documentos que possam interessar ao

tema discutido. Tais documentos se definem pela natureza dos temas

estudados e pelas áreas em que os trabalhos se situam. Tratando-se de

trabalhos no âmbito da reflexão teórica, tais documentos são basicamente

textos: livros, artigos, etc... (SEVERINO, 1993, p. 72 e 73).

Nesta etapa estabelecemos a interlocução entre autores em relação aos estudos de

família com: Ariès (1975); Badinter (1985); Casey (1992); Carvalho (2003); D’Incao

(1996); Horkheimer (1990); Maciel (2002); Rizzini (1997); Rizzini (2004); Szymanski

(2002); Vitale (2002), com a perspectiva de aprofundar a compreensão e análise sobre o

processo histórico de constituição da família, suas diversas configurações e relações sociais

entre si.

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Da mesma forma pesquisamos os estudos sobre representação social, categoria

conceitual escolhida para este estudo que fundamentou a compreensão e análise dos dados

obtidos na pesquisa de campo, entre os quais destacamos a produção de: Jodelet (2001);

Minayo (2003); Moscovici (2003); Sá (1996); Spink (2004); Berger e Luckman (1985).

E, ainda para o aprofundamento da compreensão do processo de adoção,

utilizamos os seguintes autores: Camargo (2006); Freire (2001); Fonseca (2002); Granato

(2006); Levinzon (2005); Vargas (1998); Weber (1999).

Posteriormente realizamos o trabalho de campo para buscar aproximação com a

realidade em questão. Este foi distribuído em pesquisa documental nos processos de

habilitação e no cadastro de pretendentes à adoção da 1ª Vara da Infância e Juventude da

Comarca de Belém. Após, realizamos entrevistas semi-estruturadas com técnicas e Juiz de

Direito da 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Belém, com pretendentes à

adoção e pais adotivos.

A pesquisa documental foi realizada a fim de coletarmos dados sobre o número de

habilitações no período estudado, o perfil de criança pretendida para adoção, o perfil socio-

econômico dos pretendentes à adoção e o número de pretendentes com impossibilidade

para a procriação. Nesse levantamento consideramos apenas os habilitados à adoção

residentes em Belém, uma vez que no cadastro há muitos habilitados à adoção de outros

municípios do próprio estado do Pará e de outros estados.

Em meio aos habilitados para adoção, definimos como universo de pesquisa os

habilitados nos anos de 2006 e 2007, em virtude de serem os anos em que os processos, em

sua totalidade, se encontravam na secretaria da 1ª Vara da Infância e Juventude da

Comarca de Belém, o que possibilitou o seu acesso integral.

Dentre os dados obtidos, o número de habilitações para adoção nos anos de 2006 e

2007 foi de 52 processos de pessoas residentes em Belém. Desses, 19 aceitavam adotar

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crianças até um ano de idade; 14 aceitavam crianças até dois anos de idade, totalizando 33

que preferiam crianças entre zero a dois anos de idade; 19 aceitavam crianças acima de

dois anos de idade, o que a princípio confirmou a preferência dos postulantes à adoção em

adotar crianças com até dois anos de idade.

O trabalho de campo prosseguiu com a aplicação de entrevistas semi-estruturadas,

recurso que foi escolhido como forma de investigar o objeto de pesquisa por seu caráter

múltiplo de aproximação da realidade estudada.

A opção pela modalidade de entrevista semi-estruturada se deu, além de seu

caráter flexível, por sua constituição previamente estruturada, o que nos possibilitou uma

direção, com perguntas antecipadamente formuladas, a partir da bibliografia estudada

sobre o tema.

As entrevistas foram realizadas com o Juiz de Direito e técnicas da 1ª Vara da

Infância e da Juventude da Comarca de Belém, com o propósito de identificar como esses

profissionais atuam nos processo de habilitação para adoção e adoção e quais as

percepções destes sobre os pretendentes à adoção, suas expectativas e vivências em relação

à adoção.

As entrevistas com o Juiz de Direito e técnicos da 1ª Vara da Infância e Juventude

da comarca de Belém foram efetivadas levando em consideração que eles são atores sociais

que mediam a relação entre adotantes e adotados, uma vez que a entrevista precisa ser

voltada a pessoas que estão de forma direta relacionadas com o tema de estudo. De acordo

com Mynaio:

[...] a entrevista é o procedimento mais usual no trabalho de campo.

Através dela, o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos

atores sociais. Não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma

vez que se insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores,

enquanto sujeitos-objeto da pesquisa que vivenciam uma determinada

realidade que está sendo focalizada (MINAYO, 1994.p.57).

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A 1ª Vara da Infância e Juventude é presidida por um juiz de direito; e o setor

social, composto de: cinco assistentes sociais, três pedagogas, quatro psicólogos, duas

sociólogas, cujas atuações profissionais estão diretamente voltadas também para a adoção.

Realizamos entrevistas com o juiz de direito e uma profissional de cada área técnica: uma

socióloga, uma assistente social, uma psicóloga e uma pedagoga. O critério de escolha das

profissionais foi o maior tempo de exercício profissional na 1ª Vara da Infância e

Juventude da Comarca de Belém, com a perspectiva de refletir sobre a prática da adoção

também antes do estabelecimento do ECA, uma vez que algumas desempenham suas

atividades profissionais desde a época em que ainda vigorava o Código de Menores de

1979.

Entrevistamos também os pretendentes à adoção e pais adotivos que realizaram

adoções de crianças maiores de dois anos e de crianças menores de dois anos, com o

objetivo de identificar as aproximações e/ou distanciamentos entre representações sociais

de famílias existentes nessas famílias a fim de analisar as implicações dessas

representações de família na forma de realização das adoções efetivadas.

A escolha intencional dos pretendentes à adoção e pais adotivos que realizaram

adoções de crianças maiores de dois anos e de crianças menores de dois anos para a

entrevista foi definida após levantamento das habilitações realizadas nos anos de 2006 e

2007, com o propósito de identificar o perfil socioeconômico dos adotantes, o perfil da

criança pretendida para adoção e o número de habilitações para adoção ocorridas nos

referidos anos. A partir dos processos de habilitação para adoção e do cadastro de

pretendentes à adoção, foram sistematizadas as informações necessárias à pesquisa.

Desse modo, a escolha dos pretendentes à adoção se configurou considerando

aproximadamente 10% do total de pretendentes cadastrados na 1ª Vara da Infância e

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Juventude da Comarca de Belém, nos anos de 2006 e 2007, o que nos levou a definir seis

como número total de entrevistas, distribuídos em: três entrevistas com pretendentes à

adoção de crianças entre zero a dois anos, e três entrevistas com pretendentes à adoção de

crianças maiores de dois anos, com o propósito de analisar as proximidades e

distanciamentos desses dois grupos na forma de experenciar a adoção.3

Em cada grupo há dois casais e uma pessoa solteira, do sexo feminino. Dentre

esses, apenas uma pessoa solteira não havia adotado, curiosamente a que aceitava adotar

uma criança maior de dois anos de idade. 4

De posse dos dados coletados durante as entrevistas, a fase seguinte foi a

transcrição desses dados. Posteriormente realizamos a análise dos conteúdos a fim de se

confirmar ou não as afirmações estabelecidas. Segundo as referências de Minayo:

[...] a fala dos atores sociais é situada em seu contexto para melhor ser

compreendida. Essa compreensão tem, como ponto de partida, o interior

da fala. E, como ponto de chegada o campo de especificidade histórica e

totalizante que produz a fala (MINAYO, 1994, p. 77).

Na análise dos conteúdos seguimos os caminhos para sua operacionalização

sugeridos por Minayo (1994) são:

- Ordenação dos dados: nesta fase foram organizados todos os dados captados

durante o trabalho de campo, de transcrição da gravação, releitura do material, inclusive de

anotações de observações.

3 A pretensão inicial era também fazer um levantamento nos processos de adoção, no entanto não foi possível

em virtude de muitos desses processos estarem em andamento e organizados de acordo com a fase processual

em que se encontrava, conjuntamente com outros tipos de processos, o que inviabilizou sua localização no

espaço de tempo que tínhamos disponível.

4 A descrição detalhada do perfil socioeconômico dos pretendentes à adoção de 2006 e 2007 e de todos os

entrevistados será feita em capítulo próprio.

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- Classificação dos dados: Neste momento, partindo dos questionamentos feitos

e baseados na fundamentação teórica, foram elaboradas categorias, a fim de classificar os

dados coletados encontrados no trabalho de campo, que subsidiaram sua análise.

- Análise final: Neste estágio foi estabelecida articulação entre os dados

coletados e os referenciais teóricos da pesquisa, com o objetivo de responder às questões

da pesquisa, tendo sempre a compreensão de que as respostas estão de acordo com a

conjuntura apresentada e que, superada tal conjuntura, as repostas também poderão ser

ultrapassadas.

O produto final da análise de uma pesquisa, por mais brilhante que seja ,

deve ser sempre encarado de forma provisória e aproximativa. Esse

posicionamento por nós partilhado se baseia no fato de que, em se

tratando de ciência, as afirmações podem superar conclusões prévias a

elas e podem ser superadas por outras afirmações futuras, (MINAYO,

1994, p.79).

O processo de análise dos dados coletados se deu por meio da articulação do

referencial teórico estudado com os dados obtidos no processo de investigação,

considerando o seguinte questionamento: quais as implicações das representações sociais

de família na concepção de adoção, e na efetivação da adoção tardia, em especial na cidade

de Belém? Esse questionamento norteou a busca de referencial teórico desta pesquisa.

A colocação de crianças em famílias substitutas é uma prática social histórica em

nossa sociedade (WEBER,1999), com diversas configurações, como: “circulação de

crianças” (FONSECA, 2002), ou ainda tutela e guarda amparados juridicamente, que

tendem a ser reconhecidas indistintamente como adoção. Para efeito deste exercício

investigativo, na configuração do universo de pesquisa, dos sujeitos estudados e da análise

dos dados coletados, adotamos o conceito de adoção de Freire (2001), que a define como o

processo afetivo e legal de tornar filho uma criança ou adolescente gerado por outras

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pessoas, ou ainda o meio pelo qual uma pessoa ou um casal passam a ser pais legal e

afetivamente de uma criança ou adolescente, gerado por outras pessoas, por considerar os

aspectos afetivo e jurídico de constituição da relação de filiação, maternidade e

paternidade.

1.2 - O Referencial Teórico

1.2.1 – A Família:

No estudo sobre família é importante compreender que esta é constituída a

partir das relações que os homens estabelecem entre si em um dado momento histórico, e

em condições econômicas, políticas e culturais do lugar em que as famílias estão inseridas.

O estudo de Casey (1989), por exemplo, defende que, para a família ser

entendida, é preciso ser percebida por meio do domínio do conhecimento da cultura em

que a mesma está inserida. Este sugeriu que:

[...] uma família não era necessariamente definida por critérios objetivos

como a propriedade ou a descendência, mas por uma certa idéia que

fazia de si mesma. [...] Nada tem influência mais poderosa sobre a alma,

escreveu, do que uma idéia : ‘um homem pode domar o ambiente, mas é

prisioneiro das suas idéias’. A definição de família de Fustel era tão sutil

que deixava claro, talvez pela primeira vez, que ela não podia ser

percebida sem um domínio sólido da cultura do povo em questão

(CASEY, 1989, p. 20).

Outro aspecto relevante sobre a história da formação da família é compreendê-la

também como espaço de socialização primária com suas implicações no processo de

institucionalização de representações sociais, pois como nos assinala Berger e Luckamn:

[...] somente depois de ter realizado este grau de interiorização é que o

indivíduo se torna membro da sociedade. O processo ontogenético pelo

qual isto se realiza é a socialização, que pode assim ser definida como a

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ampla e consciente introdução de um indivíduo no mundo objetivo de

uma sociedade ou de um setor dela. A socialização primária é a primeira

socialização que o indivíduo experimenta na infância, e em virtude da

qual torna-se membro da sociedade[...] (BERGER e LUCKMANN, 2005,

p. 175).

É na família que a maioria das pessoas experiencia a socialização primária por

meio das relações interpessoais, em que se instituem valores, formas de agir e de pensar

que vão sendo internalizados, institucionalizados e expressos na relação com a sociedade

mais ampla. Compreendemos assim que esse processo tende a fundamentar as bases para a

constituição de representações sociais sobre os mais variados aspectos da vida social, como

as representações sociais de família. Destaca-se que estas também sofrem influência da

socialização secundária, que se constitui na “aquisição do conhecimento de funções

específicas, funções direta ou indiretamente com raízes na divisão do trabalho” (BERGER

e LUCKMANN, 2005, p. 185)

É importante ressaltar que esse processo de socialização, que acontece no decorrer

da vida de cada pessoa, não ocorre de forma contínua e desprovida de conflitos e

contradições. Como nos assinala Maciel:

[...] é no decorrer da sequencia temporal da vida de cada indivíduo que

este passa pelo processo de socialização pelo qual torna-se membro de

uma sociedade. Esta sequencia temporal não pode ser vista como um

processo contínuo, em que ocorre uma evolução organizada e harmônica

dos indivíduos em patamares estanques de sociabilidade, mas deve ser

percebida como um movimento carregado de descontinuidades e

contradições tendo em vista a relação contraditória entre os membros da

família e desta com as outras instituições sociais (MACIEL, 2002, P.

124).

No caso da sociedade brasileira, a história da família brasileira se constitui na

combinação dos processos de sociabilidade ampla e restrita, como nos aponta D’Incao

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(1996) em sua análise da literatura brasileira. A autora nos mostra que no início da

colonização do Brasil, a sociedade brasileira se caracterizou por forte influência da

aristocracia portuguesa, de fazendeiros plebeus e do sistema de escravidão, configurando-

se ao longo de quatro séculos em um grande país rural.

Na primeira metade do século XIX o Brasil ainda era pouco urbanizado e

alicerçado no regime de escravidão. Essa realidade de um grande país rural se expressava

por toda uma sociabilidade específica. Na classe alta da época, existia a família patriarcal,

em que a casa-grande, a senzala, o patriarca, os filhos sob a autoridade do pai, os

agregados, os escravos e os mulatos formavam o estilo de vida da aristocracia colonial

brasileira, fundamentada nas grandes extensões de terras.

Na classe constituída por pessoas com poder aquisitivo menor a sociabilidade das

famílias se configurava por uniões legitimadas mais pela tradição, pelos costumes do que

pelas leis. Essas uniões eram baseadas nos interesses da comunidade e não nos interesses

individuais, com a ausência do amor romântico que estimula a escolha individual do

cônjuge. A educação da criança era uma atribuição compartilhada com outros membros da

comunidade, vizinhos, amigos, tios, padrinhos, etc (D’INCAO, 1996). Essa sociabilidade

era caracterizada ainda por ausência do cultivo do lar como lugar de privacidade, expressa

também na forma de edificação das casas na área urbana, que eram construídas próximas

umas às outras e da rua, como nos elucida D’Incao, ao analisar a sociabilidade e a família

na literatura brasileira da primeira metade do século XIX:

[...] neste romance, que trata da vida de pessoas simples – como

barbeiros, meirinhos, parteira-benzedeira, padre, sacristão, professor,

ciganos, mulheres de negócios, fazedoras de fortuna, prostitutas, polícia,

funcionários do governo -, a família não é apresentada como uma

instituição legalmente instituída [...]. A família é organizada de modo

mais ou menos livre e nela coexistem, como membros, filhos, afilhados,

agregados, parentes e escravos, estes últimos encontrados nas famílias

mais abastadas. [...]. Tanto o cultivo do lar como um lugar privado e

mantido para a intimidade, quanto o cuidado especial com a educação das

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crianças, pelos pais, estão ausentes no tempo retratado no romance

(D’INCAO, 1996, p 27).

O processo de socialização dos valores burgueses, quais sejam, individualidade,

privacidade, união legal, autoridade do pai pautada na obediência dos filhos e da esposa, o

pai trabalhador, a mãe dedicada à educação dos filhos, o espaço da rua destinado aos

homens, o espaço da casa à mulher; não são realidades dadas como algo natural, que se

instalaram de forma homogênea desde a colonização do Brasil, mas sim um processo

constituído a partir da relação social entre os homens, que sofreu influências do processo

de produção capitalista e a partir deste se consolidou como forma de socialização

hegemônica, ao longo da história:

[...] como tivemos oportunidade de observar (1989) o casamento por livre

escolha, por amor, é uma possibilidade que só aparece com a

transformação do mundo tradicional em capitalista. Surge em

circunstâncias nas quais a família se constitui em unidades distintas das

unidades econômicas que eram (D’INCAO, 1996, p 67).

D’Incao (1996) ainda nos mostra que o romantismo, movimento filosófico e

literário ocidental, teve também suas repercussões na sociedade brasileira, expondo a

consolidação das bases do individualismo nas relações sociais e na constituição da família,

por meio da possibilidade do casamento por livre escolha, em que o amor é pré-condição

para sua realização.

Outro valor da família burguesa, a maternidade, como experiência que a mulher

deve almejar e vivenciar, para que a criança passe a ser o centro das atenções da família,

também surge com o processo de mudança da sociabilidade ampla rumo a uma

socialização mais restrita. Assim:

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[...] as mudanças que envolvem a chamada família burguesa no Brasil já

estavam em curso. Os valores já estão em funcionamento nas

mentalidades, mas levarão algum tempo para se tornarem mais gerais e

mais fortes (D’Incao:1989). A maternidade, nesse período, ainda não era

o objetivo da mulher. Isso acontecerá mais tarde (D’INCAO, 1996,p 82).

Dessa forma, os valores da sociedade burguesa como norteadores da constituição

familiar hegemônica na atualidade se concretizaram dentro de um processo de modificação

das forças produtivas, com o processo de institucionalização do sistema de produção

capitalista como sistema econômico hegemônico de produção (D’INCAO, 1996).

Decorrente desse processo instituiu-se a família com vários papéis nesse sistema

econômico, dentre eles o de formadora de mão de obra, na medida em que aquela se

estabelece como agente disciplinadora de seus filhos, futuros trabalhadores, por meio de

seu processo de socialização, conforme nos afirma Horkheimer:

[..] a família cuida, como uma das componentes educativas mais

importantes, da reprodução dos caracteres humanos tal como os exige a

vida social, e lhes empresta em grande parte a aptidão imprescindível

para o comportamento especificamente autoritário do qual depende

amplamente a sobrevivência da ordem burguesa (HORKHEIMER, 1990,

p.214).

Nesse processo de socialização, em que os membros da família são educados

dentro dos valos burgueses, consolidam-se as condições necessárias para a garantia da

ordem e a organização do sistema econômico vigente, como nos elucida novamente

Horkheimer:

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[...] todo pai burguês, mesmo que na vida social ocupe uma posição

mesquinha e tenha de curvar o espinhaço, pode agora aparecer em casa

como senhor e exercer a função sumamente importante de acostumar os

filhos à humildade e obediência. Assim, é possível que, não só das

camadas de alta burguesia, mas também muitos grupos de trabalhadores e

empregados surjam sempre novas gerações que não questionem a

estrutura do sistema econômico e social, mas o aceitem como natural e

eterno [...] (HORKHEIMER, 1990, p.221).

Dessa forma, a família se constitui em uma das instituições sociais com

importantes funções para a manutenção, expansão e fortalecimento do sistema de produção

capitalista, que sofre as consequências do acirramento das contradições e conflitos desse

mesmo sistema econômico, embora mantenha “a condição (e talvez a obrigação social) de

continuar a ser um espaço privilegiado de socialização primária e constituição e

aprendizagem do sentimento de pertencimento que os indivíduos são sujeitados

socialmente” (MACIEL, 2007, p.77) o que provoca mudanças na configuração da família e

na relação desta com a sociedade mais ampla, que se expressam, inclusive por meio de

embates entre valores tradicionais e valores mais modernos, de forma cada vez mais

intensa na atualidade.

Nessa realidade, embora se constituam diversos modelos de família que co-

existem na contemporaneidade, a concepção de família predominante ainda é a de família

nuclear burguesa, constituída por pai, mãe e filhos biológicos, como nos aponta Levinzon

(2005, p. 25) “A maioria das pessoas imagina a relação pais-filhos como decorrente de

uma filiação consanguínea, e baseia suas representações de família neste tipo de vínculo”,

o que dificulta a compreensão e aceitação de famílias que têm uma constituição

fundamentada em bases diferentes, como é o caso das famílias adotivas.

No entanto, mesmo existindo um modelo de família hegemônico, a família

nuclear consaguínea, que tende a ditar normas e valores morais sobre a experiência

familiar, o debate sobre os novos modelos de famílias está se dando em proporções cada

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vez mais consideráveis, o que pode gerar maior visibilidade aos diferentes arranjos

familiares. Isto coloca em discussão as demandas sociais que emanam desses diversos

modelos de família e questiona o modelo e as referências familiares que prevalecem em

nossa sociedade.

Assim, esse debate provoca o exercício de reconhecer outras formas de

organização familiar e a análise crítica dessa realidade social, que estimula a ampliação dos

horizontes sobre a concepção de família, além das referências individuais e sociais do

pesquisador e dos que trabalham com família, questionando a visão de família somente a

partir de um modelo predominante social e/ou pessoal, pois, como enfatiza Vitale:

[...] a família, como aponta a maior parte daqueles que a pesquisam ou

com ela trabalham, é uma realidade com a qual temos bastante

intimidade, pois afinal todos temos uma família, ou, pelo menos, ‘um

modelo relacional (familiar) internalizado’, como já assinalava Laing

(1792). Essa intimidade do conceito de família pode causar confusão

entre a família com a qual trabalhamos e nossos próprios modelos de

relação familiar. Acercamo-nos da família do outro a partir de nossas

próprias referências, de nossa história singular. O resultado disso é que

tendemos a trabalhar com as famílias desconhecendo as diferenças, ou,

pior, em muitas situações transformamos essas diferenças em

desigualdade ou incompletude (VITALE, 2002, p. 46).

Essa realidade segundo a qual se olha a família do outro a partir do modelo

internalizado de família, pode ser observado no fato de que, embora se constate que existe

uma diversidade de configurações de famílias que coexistem na contemporaneidade, a

família burguesa ainda dita normas e valores familiares, o que pode levar a concepções de

família capazes e incapazes, completas e incompletas, estruturadas e desestruturadas,

quando as famílias não se adequam ao modelo dominante.

É dentro dessa compreensão histórica de família que procuramos identificar as

representações sociais de família dos pretendentes à adoção, com objetivo de analisar se

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essas representações internalizadas estão norteando a forma com que esses pretendentes

realizam a adoção, com a perspectiva de se adequarem aos modelos de família

internalizados.

1.2.2 As Representações Sociais

Os estudos sobre Representação Social reportam-se, particularmente, às

proposições de Serge Moscovici (1961), que, a partir do estudo de Durkheim das

representações coletivas, apresenta a Teoria das Representações Sociais, por meio da

publicação de seu estudo La psycanalyse, son image et son public, em 1961, na Europa,

embora com uma visão diferente da de Durkheim, como ele mesmo nos aponta:

[...] é obvio que o conceito de representações sociais chegou até nós

vindo de Durkheim. Mas nós temos uma visão diferente dele, ou, de

qualquer modo, a psicologia deve considerá-lo de um ângulo diferente –

de como o faz a sociologia. A sociologia vê, ou melhor, viu as

representações sociais como artifícios explanatórios, irredutíveis a

qualquer análise posterior (MOSCOVICI, 2003, P.45).

Moscovici, reconhecendo a possibilidade de análise das representações sociais

constrói sua teoria das representações sociais com a perspectiva de não só entender as

estruturas e dinâmicas das representações sociais, mas também seus mecanismos internos e

vitalidade com o maior detalhamento possível, propondo considerar a representação social

como um fenômeno e não apenas um conceito:

[...] do mesmo modo, sabia-se que as representações sociais existiam nas

sociedades, mas ninguém se importava com sua estrutura ou com sua

dinâmica interna. A psicologia social, contudo, estaria e deveria estar pré-

ocupada somente com a estrutura e a dinâmica das representações. Para

nós, isso se explica na dificuldade de penetrar o interior para descobrir os

mecanismos internos e a vitalidade das representações sociais o mais

detalhadamente possível. [...]. O primeiro passo nessa direção foi dado

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por Piaget, quando ele estudou a representação do mundo da criança e sua

investigação permanece, até o dia de hoje, como um exemplo. Assim, o

que eu proponho fazer é considerar como um fenômeno o que era antes

visto como um conceito (MOSCOVICI, 2003, p.45)

Dessa forma, Moscovici (2003) nos afirma que as representações sociais devem

ser caracterizadas como maneiras específicas de entender e comunicar um conhecimento,

com significados que reproduzem esse saber, e o transforma em comportamento

compartilhado socialmente:

[...] do mesmo modo, nossas coletividades hoje não poderiam funcionar

se não se criassem representações sociais baseadas no tronco das teorias e

ideologias que elas transformam em realidades compartilhadas,

relacionadas com as interações entre pessoas que, então, passam a

constituir uma categoria de fenômenos a parte. E a característica

específica dessas representações é precisamente a de que elas

“corporificam idéias” em experiências coletivas e interações em

comportamento[..] (MOSCOVICI, 2003, p.48).

Desse modo, as representações sociais são formas de conceber uma dada

realidade, que explicam acontecimentos e objetos, tornando-os familiares, o que

fundamenta condutas, comportamentos sociais em universos consensuais, em que todos se

sentem familiarizados com o contexto em que se encontram. Como nos afirma Moscovici:

[...] o que eu quero dizer é que os universos consensuais são locais onde

todos querem sentir- se em casa, a salvo de qualquer risco, atrito ou

conflito. Tudo o que é dito ou feito ali, apenas confirma as crenças e as

interpretações adquiridas, corrobora, mais do que contradiz, a tradição.

Espera-se que sempre aconteçam, sempre de novo, as mesmas situações,

gestos, idéias. A mudança como tal somente é percebida e aceita desde

que ela apresente um tipo de vivência e evite o murchar do diálogo, sob o

peso da repetição. Em seu todo, a dinâmica das relações é uma dinâmica

de familiarização, onde os objetos, pessoas e acontecimentos são

percebidos e compreendidos em relação a prévios encontros e paradigmas

(MOSCOVICI, 2003, p. 55).

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Assim, as representações sociais, expressões desse universo consensual, tendem a

se configurar como padrões de referências para definir não só o que é familiar, mas

também o que não é familiar e a relação com estes, o que pode gerar consequentemente a

sensação de completude ou incompletude:

[...] ele, pois, pode experimentar esse sentimento de não-familiaridade

quando as fronteiras e/ou as convenções desaparecem [..] isso pode

acontecer quando ele se defronta com um quadro da reconstrução física

de tais entidades puramente nacionais como os átomos e os robôs, ou, de

fato, com qualquer comportamento, pessoa ou relação atípicas, que

poderá impedi-lo de reagir como ele faria diante de um padrão usual. Ele

não encontra o que esperava encontrar e é deixado com uma sensação de

incompletude e aleatoriedade [...] (MOSCOVICI, 2003, p. 55).

Essa característica da representação social de tornar algo, pessoa, situação ou

objeto familiar e a partir dessa familiaridade, ou não, estabelecer relação com estes, e assim

basear condutas, comportamentos e papéis sociais, fundamentou nossa compreensão sobre

a possibilidade de a representação social de família dominante (a família nuclear burguesa,

com suas funções, entre elas, particularmente a de procriação e de mãe, atribuídas à

mulher) influenciar na maneira como as adoções se realizam.

Partimos do entendimento de que a representação social de família burguesa,

constituída por pai, mãe e filhos biológicos, em que a relação de paternidade e maternidade

necessariamente se estabelece por meio da consanguinidade, da procriação, é a

representação social hegemônica de família. Desse modo, essa representação social de

família poderia estar levando muitos pretendentes à adoção a uma tentativa de fugir da

sensação de incompletude, abordada por Moscovici (2003), a tentarem reproduzir o

modelo de família hegemônico de pai, mãe e filhos biológicos, por meio da adoção, e

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definir como perfil da criança almejada para adoção os bebês com características físicas

semelhantes as suas.

Em outros estudiosos sobre representação social como Jodelet (2001), Spink

(2004); Sá (1996); Minayo (1995) também encontramos fundamentos que corroboraram

para o entendimento de que as representações sociais de família dominante influenciam na

forma com que as adoções são realizadas, quando sinalizam para função da representação

social como constituinte de comportamentos.

Para Jodelet (2001) a representação social é originada da necessidade que temos

de informação sobre o que nos envolve, com a perspectiva de nos adequarmos ao meio em

que estamos inseridos, dominá-lo, identificar problemas e soluções:

[...] sempre há necessidade de estarmos informados sobre o mundo à

nossa volta. Além de nos ajustar a ele, precisamos saber como nos

comportar, dominá-lo física ou intelectualmente, identificar e resolver os

problemas que se apresentem: é por isso que criamos representações.

Frente a esse mundo de objetos, pessoas, acontecimentos ou idéias, não

somos (apenas) automatismos, nem estamos isolados num vazio social:

partilhamos esse mundo com os outros, que nos servem de apoio, às

vezes de forma convergente, outras pelo conflito, para compreendê-lo,

administrá-lo ou enfrentá-lo. Eis porque as representações sociais são tão

importantes na vida cotidiana. Elas nos guiam no modo de nomear e

definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária, no modo

de interpretar esses aspectos, tomar decisões e, eventualmente,

posicionar-se frente a eles de forma defensiva ( JODELET, 2001, p. 17).

Mary Jane Spink (2004), ao refletir sobre as representações sociais, nos chama à

atenção para a complexidade desse fenômeno, em que se devem considerar os múltiplos

processos que contribuem para sua elaboração e consolidação, assim afirma:

[...] a complexidade do fenômeno decorre da desconstrução, no nível

teórico, da falsa dicotomia entre o individual e o coletivo e do

pressuposto daí decorrente de que não basta apenas enfocar o fenômeno

no nível intra-individual (como o sujeito processa a informação) ou social

(as ideologias, mitos e crenças que circulam em uma determinada

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sociedade). É necessário entender, sempre, como o pensamento

individual se enraíza no social (remetendo, portanto, às condições de sua

produção) e como um e outro se modificam mutuamente (SPINK, 2004,

p. 89).

As representações sociais não são necessariamente conscientes e expressam a

visão de mundo em um determinado momento histórico. São concepções de um grupo

dentro da história de uma sociedade, que também possuem elementos do passado na sua

formação. É importante, no entanto, destacar que não se pode reduzir a realidade a

concepções que os homens possuem dela, sob o risco de se ter um falso conhecimento

sobre uma sociedade, mas não se pode deixar de considerar que as representações sociais

também influenciam na forma de ser da sociedade (MINAYO, 1995). E, para compreender

em que nível e como influenciam, é necessário identificar quais as representações

dominantes, como se formam e quais os elementos determinantes em sua constituição.

Celso de Sá (1996), em sua análise teórica das representações sociais enfatiza a

característica das representações sociais de produção e determinação de comportamentos

segundo Moscovici, o que essencialmente as diferencia de outros sistemas de pensamento

coletivo como a ciência e a ideologia:

[...] o termo representação social deveria ser, portanto, reservado para

aquela “modalidade de conhecimento particular que tem por função

[exclusiva] a elaboração de comportamentos e a comunicação entre

indivíduos” no quadro da vida cotidiana. Moscovici justifica essa

específica ênfase funcional, convindo que o mais importante da

representação social é que ela “produz e determina comportamentos,

visto que define ao mesmo tempo a natureza dos estímulos que nos

envolvem e nos provocam e a significação das respostas a lhes dar” ( SÁ,

1996, p. 43).

Embora enfatize a funcionalidade das representações sociais, com base nos

preceitos de Moscovici acima descritos, Sá ressalta a importância de outros aspectos no

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estudo das representações sociais e sugere: “[...] de fato, uma explicação adequada dos

fenômenos de representação social deve dar conta de suas origens, de seus fins ou funções

e das circunstâncias de sua produção” (SÁ, 1996, p. 43).

Portanto, as representações sociais precisam ser entendidas a partir dos contextos

sócio-político, econômico e histórico em que são construídas e de como os atores sociais

por meio dela se relacionam, fazem sua vida e a explicam.

[...] dito de outra forma, é consenso entre os pesquisadores da área que as

representações sociais, enquanto produtos sociais têm sempre que ser

remetidas às condições sociais que as engendraram, ou seja o contexto de

produção. [...] Na vertente que vimos desenvolvendo a leitura de contexto

social tem sido marcada não apenas pelos fatores situacionais usualmente

associados com o metassistema social – incluindo aí as determinações

estruturais e as relações sociais – como também pelos diferentes tempos

históricos que permeiam a construção dos significados sociais (SPINK,

1995, P. 121).

Assim, as representações sociais essencialmente se caracterizam como concepções

construídas sobre a realidade, por grupos sociais, em um período histórico definido, que se

manifestam em palavras, sentimentos e condutas, e se institucionalizam, embora não

expressem a realidade de fato, possuem graus diversos de nitidez em relação à realidade

(MINAYO, 1995) influenciando na configuração e consolidação desta.

Dessa forma, neste estudo, buscaremos identificar as representações sociais

predominantes de família dos pretendentes habilitados na 1ª Vara da Infância e Juventude

da Comarca de Belém, com a perspectiva de analisar suas implicações no processo de

adoção, uma vez que as representações sociais possuem essa característica de elaboração

de comportamento e comunicação entre as pessoas (MOSCOVICI, 2003), que quando

institucionalizadas se configuram como referências para o desempenho de papéis pelos

indivíduos em sociedade, o que sedimenta valores e instituições sociais.

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1.3 - Os Sujeitos da Pesquisa:

Neste item, com o propósito de dar visibilidade aos sujeitos da pesquisa,

descrevemos o perfil dos entrevistados no período de outubro a novembro de 2008. Esse

perfil foi produzido com base nas informações colhidas nas próprias entrevistas, no

cadastro e nos processos de habilitação para adoção da 1ª Vara da Infância e Juventude da

Comarca de Belém. Destacamos, para preservar a identidade de todos os sujeitos da

pesquisa, adotamos nomes fictícios para cada participante.

Como já mencionado anteriormente, os sujeitos da pesquisa foram selecionados

entre os 52 pretendentes à adoção habilitados na 1ª Vara da Infância e Juventude da

Comarca de Belém no período de 2006 a 2007, dos quais definimos seis participantes,

quatro casais e duas pessoas solteiras. Desses, apenas uma pessoa solteira ainda não havia

adotado.

Foram entrevistados, dentre os profissionais que trabalham com adoção na 1ª Vara

da Infância e Juventude da Comarca de Belém, uma técnica de cada área, sendo 1

Psicóloga, 1 Assistente Social, 1 Pedagoga, 1 Socióloga e o Juiz de Direito que preside a

referida Vara da Infância e Juventude. Foram realizadas 11 entrevistas.

Apresentamos inicialmente os pais adotivos (quatro casais e uma pessoa solteira)

e uma pretendente à adoção, que ainda não adotou. Em seguida, os profissionais da 1ª Vara

da Infância e Juventude da Comarca de Belém.

Para efeito de organização e sistematização dos dados obtidos na pesquisa,

dividimos os habilitados à adoção em dois grupos com base na preferência de faixa etária

da criança que pretendiam adotar. Grupo 1: constituído por uma pessoa solteira do sexo

feminino e dois casais que preferiam adotar crianças entre zero e dois anos de idade. O

grupo 2 é formado por uma pessoa solteira do sexo feminino e dois casais que aceitavam

adotar crianças acima de dois anos:

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Grupo 1

Casal 1 (Pedro e Carmem)

Pedro e Carmem se habilitaram na 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de

Belém em 2007, ocasião em que definiram como perfil de criança para adoção: um

menino, saudável, de zero a dois anos. Em dezembro de 2007 receberam do Juizado da

Infância e Juventude uma criança do sexo masculino, que na época estava com seis meses

de nascida, a quem denominamos de André. No momento da entrevista, André se

encontrava com um ano e quatro meses de idade.

Carmem tem 39 anos, é técnica em Podologia. Pedro possui 53 anos de idade, é

Técnico em química aposentado pela Petrobrás, e atualmente é microempresário e

massoterapeuta. Convivem maritalmente há cinco anos, residem em uma casa alugada,

localizado em um bairro no centro da cidade, e têm renda familiar de 18,6 salários

mínimos.

A constituição familiar atual deles é o casal e o filho adotivo. Anteriormente,

ambos já foram casados com outras pessoas. Do relacionamento anterior Pedro teve três

filhas biológicas, que estão atualmente com trinta anos, vinte e sete anos e dezessete anos,

e residem no Rio de Janeiro, onde Pedro e Carmem também residiam. Carmem não tem

filhos biológicos.

Nunca frequentaram o Grupo de Apoio à Adoção, mas frequentaram o curso para

pretendentes à adoção, realizado pelo Grupo de Estudo e Apoio à Adoção de Belém

Renascer e pela 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Belém.

Casal 2 (Paulo e Iracema)

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Paulo e Iracema se habilitaram na 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de

Belém em 2007, ocasião em que definiram como perfil de criança para adoção uma

criança, sem preferência de sexo, saudável, até dois anos de idade.

Em março de 2007 Paulo e Iracema receberam diretamente da mãe biológica uma

criança, a quem nomeamos Marcos, no mesmo dia em que ele nasceu, e legalizaram a

adoção na Vara da Infância. Marcos, no momento da entrevista, se encontrava com um ano

e oito meses de idade

Iracema tem 45 anos de idade, é biomédica e professora da Universidade Federal

do Pará. Paulo tem 45 anos de idade e é engenheiro elétrico. Convivem maritalmente desde

2001, depois de namorarem cerca de dez anos. Residem em um pequeno apartamento

próprio, localizado em um bairro no centro da cidade. Têm renda familiar de 23 salários

mínimos. A constituição familiar atual deles é formada pelo casal e o filho adotivo.

Frequentaram o Grupo de Estudo e Apoio à adoção de Belém Renascer.

Entrevistada 3 (Edilma)

A entrevista foi realizada com uma pessoa solteira, a quem chamamos de Edilma,

que se habilitou, em janeiro de 2007, na 1ª Vara da Infância e Juventude para adotar uma

criança sem preferência de sexo, de zero a um ano de idade. Em 2008 adotou um menino

com onze meses de nascido, a quem denominamos de Iago, que na ocasião da entrevista se

encontrava com Edilma havia oito meses.

Edilma é solteira, tem 41 anos de idade, é Psicóloga e professora de Filosofia.

Conviveu maritalmente por dez anos, nascendo dessa união sua filha biológica.

Sua família é constituída por ela, Edilma, uma filha biológica e um filho adotivo.

Tem renda familiar de 8,7 salários mínimos.

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Não freqüentou o grupo de Apoio à adoção, mas participou do curso para

pretendentes à adoção, realizado pelo Grupo de Apoio à Adoção de Belém Renascer e 1ª

Vara da Infância e Juventude da Comarca de Belém.

Grupo 2

Casal 1 (Tiago e Margarida)

Tiago e Margarida se habilitaram para adoção na 1ª Vara da Infância e Juventude

da Comarca de Belém em maio de 2007 e definiram como perfil de criança para adoção

um menino, saudável, até três anos de idade. Em fevereiro de 2008 receberam do Juizado

da Infância e Juventude uma criança do sexo masculino, com um ano de idade, que aqui

denominamos de Carlos. Na ocasião da entrevista, Carlos estava com um ano e noves

meses de idade.

Margarida tem 36 anos de idade e é bióloga. Tiago também tem 36 anos de idade

e é administrador de empresas. Estão casados há 12 anos. Residem em um amplo

apartamento próprio, localizado em um bairro no centro da cidade, e têm renda familiar de

39,5 salários mínimos.

A constituição de família deles é formada pelo casal, o filho adotivo e a mãe de

Margarida.

Nunca fequentaram o Grupo de Apoio à Adoção nem participaram do Curso para

pretendentes à adoção.

Casal 2: (José e Fátima)

José e Fátima se habilitaram para adoção em julho de 2007 para adotarem irmãs

do sexo feminino, de dois a quatro anos de idade. Em novembro de 2007 receberam do

Juizado da Infância e Juventude de Belém duas crianças, com cinco anos de idade, gêmeas,

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meninas, que no momento da entrevista estavam com seis anos de idade, e que neste

estudo denominaremos de Marina e Mariana.

Fátima tem 40 anos de idade, é funcionária pública estadual, lotada na Fundação

da Criança e do Adolescente do Pará (FUNCAP), instituição responsável pelo abrigo de

crianças de zero a seis anos de idade, em que desempenha a função de motorista. José tem

37 anos de idade, não trabalha no mercado formal, faz trabalhos de informática, por conta

própria. Convivem maritalmente há seis anos, depois de namorarem por três anos e

noivarem por um ano.

Residem, segundo eles temporariamente, em um pequeno apartamento com a

irmã de Fátima, enquanto a casa deles está em reforma, em um conjunto habitacional,

localizado num bairro na periferia da cidade. Têm renda familiar de 3,7 salários mínimos.

A composição familiar de Fátima e José é constituída pelo casal, as duas filhas

adotivas, uma irmã e uma sobrinha de Fátima.

Nunca fequentaram o Grupo de Apoio à Adoção nem participaram do Curso para

pretendentes à adoção.

Entrevistada 3 (Tatiane)

A entrevista foi realizada com uma pessoa solteira, a quem denominamos Tatiane, que

ainda não adotou. Está habilitada para adoção na 1ª Vara da Infância e Juventude da

Comarca de Belém, desde maio de 2007 para adotar uma criança saudável, do sexo

feminino, que a princípio definiu na faixa etária de três a quatro, depois mudou para quatro

a cinco anos de idade.

Tatiane é solteira, carioca, tem 31 anos de idade, é representante comercial e em

virtude de seu trabalho, mudou-se para Belém há dez anos. Reside com seus pais em um

condomínio de classe média alta, distante do centro da cidade, e tem uma filha biológica de

quatro anos de idade. Sua renda é de10 salários mínimos.

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Não fequentou o Grupo de Apoio à Adoção nem participou do Curso para

pretendentes à adoção.

Os Profissionais da 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Belém.

1 - O Juiz (Dr. Miguel)

O Dr. Miguel é bacharel em Direito pela Universidade Federal do Pará, desde

1980. É especialista e Mestre em Direito Agrário e doutorando em Ciências Jurídicas.

Iniciou a carreira na Magistratura em 1988. Atualmente também é professor na Faculdade

Integrada da Amazônia do Pará, onde leciona a disciplina Direito Processual Civil.

Desempenha a função de Juiz de Direito da Infância e Juventude da Comarca de Belém há

cerca de dois anos.

2 - Assistente Social (Lúcia)

A assistente social Lúcia é bacharel em Serviço Social, desde 1982 pela

Universidade Federal do Pará. Desempenha a função de Assistente social há vinte e cinco

anos no Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Trabalhou no extinto Juizado de Menores e

participou da fundação da Vara da Infância e Juventude, onde atualmente desempenha suas

funções de assistente social.

3 - Socióloga (Raquel)

A Socióloga Raquel é bacharel em ciências sociais pela universidade Federal do

Pará. Desempenha a função de socióloga social há vinte e cinco anos, no Tribunal de

Justiça do Estado do Pará, onde trabalhou na extinta Vara de Menores e participou da

fundação da Vara da Infância e Juventude, onde atualmente desempenha suas funções de

Socióloga.

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4 – Psicóloga (Izabel)

Izabel é formada em psicologia desde 1985 pela Universidade Federal do Pará.

Desempenha a função de Psicóloga na 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de

Belém desde 1991.

5- Pedagoga (Márcia)

A pedagoga Márcia é bacharel em pedagogia pela universidade Federal do Pará.

Desempenha a função de pedagogia há vinte e cinco anos, no Tribunal de Justiça do Estado

do Pará, onde trabalhou na extinta Vara de Menores e participou da fundação da Vara da

Infância e Juventude, onde atualmente desempenha suas funções de Pedagoga.

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CAPÍTULO II

1- Discutindo a adoção:

2.1- A adoção: refletindo sobre aspectos sociais e jurídicos

A adoção, em especial na sociedade ocidental, pode ser caracterizada como uma

relação social praticada ao longo da história do homem, que expressa a cultura e os

aspectos econômicos e políticos, com diferentes contornos sociais e jurídicos ao longo do

tempo, como nos aponta Camargo:

[...] a temática da adoção está presente na história da humanidade desde

os mais primórdios tempos. Analisando o legado da mitologia e da

tragédia Greco-romana, e as tradições religiosas de diferentes culturas e

civilizações, percebe-se que o gesto de adotar e/ou de colocar crianças em

famílias, que não a sua de origem biológica, define um traço típico dos

paradigmas de paternidade, maternidade e filiação, pois representa a

possibilidade da construção do vínculo afetivo que assemelha-se à

qualidade do vínculo biológico e suas ressonâncias como apego, afeto e

sentimento de pertença à família (CAMARGO, 2006, p. 47).

Na antiguidade grega e romana a adoção era assinalada predominantemente por

um cunho religioso, realizada por pessoas que não possuíam descendência masculina, com

o propósito de garantir a continuidade do culto doméstico e evitar a extinção da família,

pois para a continuidade desta, proteção e tranquilidade dos mortos, era essencial a prática

dos cultos religiosos por seus descendentes, como nos assinala Granato:

[...] o vivo não podia passar sem o morto, nem este sem aquele. Por esse

motivo, poderoso laço se estabelecia, unindo todas as gerações de uma

mesma família. A religião só podia propagar-se pela geração. O pai

transmitia a vida ao filho e, ao mesmo tempo, a sua crença, o seu culto, o

direito de manter o lar, de oferecer o repasto fúnebre, de pronunciar as

fórmulas da oração. Dessa forma, o homem que não tinha filhos

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encontrava na adoção a solução para que a família não se extinguisse.

(GRANATO, 2006, p. 31)

Nessa relação que se estabelecia por meio da adoção, o que predominavam eram

os interesses dos adotantes, que, por não possuírem filhos do sexo masculino, realizavam a

adoção por meio da iniciação do adotanto ao culto religioso, em uma cerimônia sagrada. O

vínculo do adotado com sua família de origem era totalmente rescindido, porém se o

adotado tivesse um filho e o deixasse em seu lugar na família adotiva, poderia retornar a

sua família biológica. A rigor, a adoção se consolidava com a perspectiva de perpetuação,

da não-finitude de uma família, ancorada na representação social de filho como expressão

da continuidade dos pais e da família.

Na primeira codificação Jurídica na notícia na história da humanidade, o Código

de Hamurabi, efetivado durante o reinado de Hamurabi (1750 -1685 A.C) na Babilônia, do

total de 282 artigos, nove, de 185 a 193, referiam-se à relação social estabelecida por meio

da adoção, o que revela o quanto essa prática é antiga, inclusive na legislação. O artigo

185 instituiu que “se alguém dá seu nome a uma criança e a cria como filho, este adotado

não poderá mais ser reclamado”, o que expressa rompimento dos vínculos da criança com

sua família de origem e a condição de filho atribuído ao adotado (GRANATO, 2006).

Outra questão dessa relação de adoção, a sua revogabilidade ou não, que até os

dias de hoje é um dos pontos de inquietação dos envolvidos nessa forma de filiação,

encontra-se expressa nesse Código em sete dos nove artigos que tratam da adoção 185,

186, 187, 188, 189, 190, 191, em que estão estabelecidas também as condições de retorno

do adotando a sua família de origem, além da revogabilidade da adoção. Nos artigos 192 e

193 estão definidas as formas de punições aos filhos adotivos que renegavam seus pais

adotivos ou os tratavam com ingratidão (GRANATO, 2006).

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No Direito Canônico, a adoção não foi contemplada, pois a igreja concebia a

adoção como um instrumento usado por muitas pessoas para legitimar filhos de

relacionamentos extraconjugais, o que era visto como uma ameaça ao casamento e à

filiação legítima oriunda do casamento (WEBER 1999). Isto contribuiu para o declínio da

prática da adoção durante a Idade Média, pois, com os ensinamentos cristãos, o medo que

o homem tinha de morrer sem descendência masculina para a realização dos ritos fúnebres

deixou de existir, perdendo força a motivação para adoção da época anterior: evitar o

sofrimento eterno após a morte por não ter quem realizasse referidos rituais fúnebres.

Por um longo período, na Idade Média, a adoção deixa então de ser uma prática

social frequente, devido a fatores como a influência do Direito Canônico, o sistema de

produção feudal da época com sua forma de transmissão de bens e de constituição de

classes essencialmente por meio da consanguinidade, a representação social

institucionalizada de criança, que era concebida pela sociedade em geral como um adulto

em miniatura, ainda imperfeito, um ser sem importância, sem direitos. Segundo o que nos

relata Weber:

[...] durante a Idade Média a adoção caiu em declínio durante longo

tempo. Ela era contrária ao sistema de feudos presente na época, no qual

seguiam-se de forma completamente estrita os termos de

consangüinidade. [...], nesta época reinava um clima de descaso em

relação à Infância e, portanto, não se via necessidade de proteger a

criança, nem havia um sentimento de família compatível com os tempos

atuais (WEBER, 1999, p. 65).

Na era moderna a adoção novamente ganhou força, inclusive com uma expressão

normativa por meio das leis, em que foram definidos os direitos dos adotados e as

condições de adoção, como assinala Granato:

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[...] é na Dinamarca, no ano de 1683, que encontramos a referência ao

instituto da adoção, no Código promulgado por Cristian V. Surge ainda

na Alemanha , no Código Prussiano, conhecido também como Código de

Frederico e no Codex Maximilianus da Bavaria, em 1756. Por essas leis

era indispensável o contrato por escrito, que era submetido a apreciação

do tribunal. Devia apresentar vantagens para o adotado, estabelecia

diferença de idade e a imposição de ter o adotante cinqüenta anos, no

mínimo. Incluía direitos sucessórios e o caráter de irrevogabilidade de

adoção (GRANATO, 2006, p. 40).

Essa legislação influenciou o Código Napoleônico, outro marco jurídico na

legislação sobre adoção na sociedade ocidental, pois foi a base para a constituição da lei de

muitos países europeus. Napoleão, cuja esposa havia se tornado estéril, deu atenção

especial a esse tema em suas leis. Isto legitimou essa relação de filiação por meio da

adoção, embora ainda em termos rígidos, em função essencialmente de atender a

transmissão dos bens e do nome, como nos descreve Weber:

[...] adoção acabou por fazer parte do Código Civil, mas ao preço de uma

regulamentação rígida: permitia somente a adoção de maiores (a

maioridade naquela época era fixada em 23 anos) e de forma complicada,

ou seja o adotado não pertencia à família do adotante e somente garantia

os efeitos de sucessão; o adotante deveria ter mais de 50 anos, ser estéril e

ser pelo menos 15 anos mais velho do que o adotado; uma pessoa com

menos de 23 anos poderia ser adotada por testamento se o adotante a

tivesse criado pelo menos seis anos antes de sua morte [...] (WEBER,

1999, p. 65).

Em 1939, a adoção na legislação francesa, por meio de decreto lei, toma outra

conotação. Nesse decreto, o adotando órfão ou abandonado por seus pais biológicos era

desligado de sua família de origem e passava a fazer parte da família adotiva, desde que

tivesse menos de cinco anos de idade (GRANATO, 2006).

Após a 1ª guerra mundial, que provocou a incidência de um expressivo número de

crianças órfãs e consequentemente um grande problema social, a adoção assumiu um

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caráter mais social, e passou a ser vislumbrada como solução para o bem-estar de crianças

sem pais.

Essa concepção mais social da adoção, que com o ECA adquiriu o caráter de

garantia de direito de crianças e adolescentes, como uma das alternativas para o direito de

viver em família, nos dias atuais ainda não é compartilhada por toda a sociedade, pois esta

ainda experencia a adoção, em sua maioria, com a perspectiva de dar filhos a quem não os

pode gerar. Scheiner assinala: “A sociedade brasileira ainda vê a adoção como última

alternativa, como a solução de um problema e supervaloriza a maternidade biológica”

(SCHEINER, 2004, p.50).

Essa perspectiva da adoção, a de possibilitar o exercício da maternidade e

paternidade a quem possui impedimentos biológicos para gerar filhos, via de regra é

marcada pela característica de tentativa de imitar a natureza, e parte do princípio

institucionalizado da naturalização e universalização do amor materno, do papel da mulher

na sociedade, essencialmente de ser mãe, em que ideologicamente a concepção de que

todas as mulheres possuem “talento” para a maternidade, amor e instintos maternais

naturais, o que nega toda a construção social, cultural, econômica e política que

engendraram a relação de afeto, atenção e cuidado das mães por seus filhos, como

esclarece Badinter:

[...] é no último terço do século XVIII que se opera uma espécie de

revolução das mentalidades. A imagem da mãe, de seu papel e de sua

importância, modifica-se radicalmente, ainda que, na prática, os

comportamentos tardassem a se alterar. Após 1760, abundam as

publicações que recomendam às mães cuidar pessoalmente dos filhos e

lhes “ordenam” amamentá-los. Elas impõem, à mulher, a obrigação de ser

mãe, antes de tudo, e engendram o mito que continuará bem vivo

duzentos anos mais tarde: o do instinto materno, ou do amor espontâneo

de toda mãe pelo filho (BADINTER, 1985, p. 145)

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O amor materno como valor social, no início de seu processo de

institucionalização, é visto como um conceito novo, e encontrou resistência social para sua

prática. Todavia, ao longo do processo de socialização do homem e das gerações,

consolidou-se e tomou corpo de verdade universal e natural, desconectado de sua

historicidade, do conhecimento das causas sociais, econômicas, culturais e políticas que o

engendraram. O amor materno deveria ser experenciado quase que de forma autônoma,

sem o processo reflexivo de sua razão de ser, o que institucionalizou condutas e papéis

(BADINTER,1985).

A construção social da maternidade, caracterizada por atenção, cuidado, carinho,

com intimidade entre mãe e filho, sofreu em sua constituição a influência direta do

sentimento social de infância. Segundo Ariès (1978), por meio de seus estudos sobre a

pedagogia e os jogos infantis da sociedade ocidental, especialmente a européia, a infância

começou a assumir novas configurações sociais no século XVIII, quando passou a ser foco

de atenção diferenciada da sociedade, especialmente nas classes ascendentes daquele

século, o que iniciou a construção social de um dos alicerces para a consolidação dos

valores sociais de maternidade em que a criança passa a ser o centro da família, e esta era

baseada no amor materno.

A maternidade assim passa a ser uma realidade subjetiva desejada por muitas

mulheres, que acreditam ter nascido essencialmente para ser mães, para se dedicar e amar

incondicionalmente seu filho, na crença de que o amor é consaguíneo e natural. Este

processo deu vida à representação social de mulher como sinônimo de mãe: a mulher

nasceu para ser mãe (BADINTER, 1985). Mesmo na modernidade, em que a mulher

passou a desempenhar vários outros papéis, observamos empiracamente que a maternidade

tende a se configurar como algo essencial, que deve ser experenciada, ainda que depois de

outros projetos pessoais.

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Na perspectiva de desempenhar o papel natural de ser mãe, muitas mulheres

portadoras de infertilidade se sentem “incompletas”, “diferentes”. E, diante da realidade de

não poderem se adequar ao papel socialmente instituído de mãe, algumas procuram, por

meio da adoção, simular a relação de maternidade que está diretamente relacionada à

procriação e ao estabelecimento de vínculos consanguíneos com os filhos. Assim, ao se

candidatarem à adoção, almejam uma criança idealizada a partir dessas concepções, ou

seja, um bebê com características semelhantes às dos adotantes, como nos assinala Santos:

[...] vivenciando a força do mito do amor materno e a idealização da

mulher como mãe, temos as pretendentes à adoção, que também

enfrentam o conflito entre o desejo ou a necessidade e, por vezes, a

impossibilidade de vivenciar a maternidade e a maternagem. Verifica-se

que, em muitos desses casos, a impossibilidade de procriação cria em

algumas mulheres o sentimento de inferioridade/diferença, anormalidade

que as leva a ver na adoção a alternativa para camuflar esta situação.

Neste casos, buscam sempre crianças recém-nascidas e com

características semelhantes às dos adotantes. Tenta-se fazer de conta que

a filiação é biológica (SANTOS, 1998, p. 103 e 104).

Dessa forma, a consolidação da adoção a partir dos interesses dos adotantes (que

não é uma realidade social nova) ganha novos contornos sociais em que tende a ter como

motivação nos adotantes a necessidade de experenciar a maternidade e a paternidade com a

perspectiva de se adequarem aos papéis sociais instituídos, sem considerar a realidade

social de crianças e adolescentes institucionalizados. Esta situação se expressou também na

legislação, caracterizada a princípio por diferenciações de direitos entre filhos biológicos e

adotivos e pela possibilidade de garantir a sucessão aos adotantes.

Em relação à legislação brasileira, podemos considerar como marco legal o

Código Civil Brasileiro de 1916, que entrou em vigor em 1917 e normatizou o instituto da

adoção, nos artigos 368 a 378. No artigo 368, em que se estabelecia que só os maiores de

cinqüenta anos de idade e sem descendência legítima era consentido o direito a adoção,

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ficou claro que a adoção se configurava a partir dos interesses dos adotantes, com a

perspectiva de garantir a estes sua sucessão familiar. A adoção era revogável, conforme o

que prescrevia o artigo 375, em que estavam estabelecidas as situações em que a adoção

poderia ser revogada.

Em 1957, por meio da Lei 3.133, novas diretrizes ao processo de adoção são

estabelecidas com o propósito de incentivar essa prática, o que eliminou uma das mais

consideráveis barreiras a sua realização, quando reduziu a idade mínima de cinqüenta anos

para trinta anos, embora tenha estabelecido que os casais só podiam adotar após cinco anos

de casados. Outros aspectos relevantes foram a extinção da exigência de o adotante não ter

filhos legítimos e a diminuição da diferença exigida entre adotantes e adotados de dezoito

para dezesseis anos de idade (GRANATO, 2006).

Outros aspectos sobre a adoção foram disciplinados na lei 4.655 de junho de

1965, que estabeleceu a legitimação adotiva. Nesta lei foram instituídas características

relevantes em relação à adoção como: a dispensa do prazo de cinco anos de casamento,

caso ficasse comprovado, por perícia médica, a esterilidade de um dos cônjuges; a

possibilidade da adoção de crianças acima de sete anos que já estivessem sob a guarda dos

adotantes; a irrevogabilidade da legitimação da adoção. No entanto, a lei não concedia ao

legitimado adotivo o direito à sucessão, caso os adotantes já tivessem um filho biológico

legítimo antes da adoção, o que configurava a permanência da diferenciação de direitos

entre filhos biológicos e adotivos. Ainda nessa legislação, outro fator relevante é que se

constituíram os fundamentos para adoção plena, estabelecida anos depois com o novo

Código de Menores de 1979. (GRANATO, 2006).

Em 1979, com a lei nº 6.697, o novo Código de Menores, que legislava com

proposta de proteção aos menores de 18 anos considerados em “situação irregular”, foi

estabelecida a adoção plena e revogada a legitimação adotiva, embora em alguns pontos se

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assemelhassem. Admitia também a adoção simples, legislada pelo Código Civil. Na

Adoção Plena, entre os dispositivos em relação à adoção, estavam: rompimento de todos os

laços com a família de origem do adotando, que passava a se constituir membro efetivo da

família adotiva; a irrevogabilidade da adoção plena; a garantia ao filho adotivo ao direito

sucessório. Nessa adoção o registro de nascimento do adotando era cancelado, e emitido

um novo registro por meio de mandado judicial em que constavam os nomes dos adotantes

como pais do adotado.

Observa-se que, com o instituto da adoção plena, se iniciou, no aspecto jurídico, o

processo de extinção de discriminação de direitos entre filhos biológicos e adotivos quando

estes passaram a ter direitos como os dos filhos biológicos, o que contribuiu para a

desconstrução de seu lugar jurídico de filho de segunda linha e com direitos diferenciados

dos filhos biológicos (GRANATO, 2006).

Em 1988, com a Constituição da República Federativa do Brasil, outro marco se

estabeleceu na desconstrução das diferenças jurídicas entre filhos biológicos e adotivos,

quando a Constituição igualou os direitos de todos os filhos, em seu artigo 227, parágrafo

6º: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos

direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à

filiação”.

Essa trajetória no âmbito jurídico tem outro marco histórico com o Estatuto da

Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990), lei que ratificou o que

estabeleceu a Constituição Federal de 1988, ao reconhecer a criança e o adolescente como

sujeitos de direitos, em situação peculiar de desenvolvimento, o que se refletiu também na

forma em que legislou sobre adoção.

Nessa lei a adoção é normatizada nos artigos 28 e de 39 a 52. Em seu artigo 41,

ratifica a relação de igualdade de direitos entre filhos biológicos e adotivos, já contemplada

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na Constituição Federal de 1988, além de instituir a adoção sob a perspectiva do direito da

criança e do adolescente de viver em família, conforme estabelece em seu artigo 19: “Toda

criança ou adolescente tem direito a ser criado no seio de sua família e, excepcionalmente,

em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre

da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”. Instituiu ainda o direito

à convivência familiar e à adoção como uma das alternativas, como família substituta

(art.28), para a garantia desse direito; e em seu artigo 43 prescreve como condição para

realização da adoção que esta apresente reais vantagens para a criança ou adolescente: “A

adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em

motivos legítimos”, o que contribuiu para o processo de construção dos alicerces, no

âmbito jurídico, para a transformação da cultura de adoção, em que, além dos adotantes, as

crianças são reconhecidas como sujeitos de direitos, e assim suas necessidades e direitos

considerados nessa relação social.

[...] enquanto na adoção clássica procurava-se garantir a descendência

para casais sem filhos, a adoção moderna enfatiza a solução para a crise

da criança abandonada, usando como fundamento: possibilitar “uma

família para uma criança que não a tem” (PILLOTTI Apud VARGAS,

1998, P.22).

Na configuração jurídica do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a

adoção não se caracteriza como a solução para o abandono, mas uma das alternativas para

garantia do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes que perderam a

proteção de sua família de origem ou nunca a tiveram. O ECA não prescreve a adoção

como única e primeira medida, pois estabelece que toda criança tem direito a ser criada no

seio de sua família, além de outras formas de viver em família substituta como a guarda e

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tutela. Mas consolida sim, juridicamente a concepção da adoção a partir do

reconhecimento da criança como sujeito de direito.

Essa nova forma de realizar a adoção, estabelecida no ECA, que se configura em

uma prática social, mais do que individual, ainda não é compartilhada e compreendida

plenamente pela sociedade, que historicamente experenciou a adoção a partir dos interesses

dos adotantes, além de sofrer influências da história de percepção da criança, como um ser

desprovido de necessidades e direitos, experiência que se caracterizou também na trajetória

de construção da legislação brasileira, que refletia a compreensão social de filho adotivo

como filho de segunda linha e expressava a concepção de filiação essencialmente

relacionada a consanguinidade, o que se propagou até a Constituição Federal de 1988

(CAMARGO, 2006).

Dessa forma, no âmbito jurídico, a adoção se configurou em um desafio ao Estado

para implementar políticas sociais públicas, por meio de suas instituições, inclusive as

Jurídicas, com ações que provocassem o debate e reflexão sobre essa modalidade de

constituição de família, com o propósito de consolidar essa nova cultura da adoção, que

tem como fundamento a garantia do direito de viver em família de crianças e adolescentes.

2.2 - Adoção e o direito à convivência familiar de crianças e adolescentes.

2.2.1- A criança como sujeito de direitos: desafios à política social

As políticas sociais públicas, sob diversos aspectos, expressam a realidade

socioeconômica e histórica em que estão inseridas e a direção que o Estado institui em suas

ações destinadas ao funcionamento do mercado, da produção e da reprodução da força de

trabalho. Em relação aos conflitos sociais e à garantia de direitos, o grande desafio das

políticas sociais, “[...] é a questão de saber, por exemplo, se as políticas sociais envolvem

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direitos ou não envolvem direitos”. Essa questão ultrapassa as simples definição de política

social (VIEIRA, 2004, p.13).

Por isso, a garantia de direitos universais ou particulares, seja para a sociedade

como um todo, seja para parcelas da população de uma determina classe social, tem sido

um debate norteador do planejamento das políticas sociais públicas. O debate superficial

entre a dicotomia particular/universal pode levar a ignorar as mediações dessa relação e

consequentemente a execução de políticas sociais públicas que desconsideram tais

mediações, assim como as relações de classes e seus conflitos, em sua elaboração e

execução. Desta forma, é relevante destacar que a institucionalização da área dos direitos

das políticas sociais são realizações sociais, com aspectos singulares e universais que se

desenvolvem a partir de contextos particulares históricos, políticos e econômicos e por

mediações que se estabelecem de cada contexto sócio-histórico.

Assim, em relação à garantia dos direitos de crianças e adolescentes, as políticas

sociais expressam conquistas e reconhecimento de direitos que se configuram por meio das

leis e da forma como determinada expressão da questão social é reconhecida e legitimada

pela sociedade e pelo Estado, concepção constituída no bojo das relações sociais e

econômicas de um dado momento histórico. A análise da concepção de infância e das

políticas destinadas a ela sofre influências diretas do contexto socioeconômico cultural e

histórico na sua configuração e expressão nas políticas sociais e na legislação. Como nos

aponta Rizzini:

Em meio às grandes transformações econômicas, políticas e sociais, que

marcam a era industrial capitalista do século XIX, o conceito de infância

adquire novos significados e uma dimensão social até então inexistente

no mundo ocidental. A criança deixa de ser objeto de interesse,

preocupação e ação no âmbito privado da família e da Igreja pata tornar-

se uma questão de cunho social, de competência administrativa do

Estado (RIZZINI, 1997, p. 24).

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Os séculos XIX e XX com suas transformações sociais, econômicas e políticas

foram de significativa importância para a constituição da sociedade moderna, do Estado e

da atuação deste por meio de suas políticas públicas. Foi um período da história em que o

surgimento de novas teorias científicas confrontou-se com os dogmas e ideologias

dominantes que direcionavam a maneira de agir de toda uma sociedade sobre a infância e

adolescência, apontando assim rumos divergentes daqueles modos de agir e pensar até

então predominantes.

[...] o interesse pela infância, nitidamente mais aguçado e de natureza

diversa daquela observada nos séculos anteriores, deve ser entendido

como reflexo dos contornos de novas idéias. A criança deixa de ocupar

uma posição secundária e mesmo desimportante na família e na

sociedade e passa a ser percebida como valioso patrimônio de uma

nação. Sob esta ótica, zelar pela criança corresponde a um gesto de

humanidade descolado da religião; uma ação que transcende o âmbito

das relações privadas da família e da caridade para significar a garantia

da ordem ou da ‘paz social’. De acordo com a lógica evolucionista e

positivista da época, vigiar a criança para evitar que ela se desvie é

entendido como parte de uma missão eugênica, cuja meta é a

regeneração da raça humana (RIZZINI, 1997, p. 25 e 26).

A infância passou a ser foco de interesse de forma diferenciada do Estado e da

sociedade. No entanto, o que precedeu a concepção de criança como sujeito de direito nas

políticas públicas e legislações foram atuações de tutela, de ação paternalista, repressiva e

punitiva com vistas a garantirem a ordem social, pois as crianças abandonadas, os

moradores de rua e crianças em conflito com a lei eram vistos como verdadeiras ameaças

ao futuro do país, exigindo do Estado uma ação moralizadora e saneadora, em que se

diferenciava os termos “criança” e “menor”, este último representando a infância perigosa

à sociedade, ou com grandes potencialidades de o ser, e que, invariavelmente, se

encontrava entre os pobres.

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Nessa perspectiva de controle e prevenção de problemas sociais, com vistas a

manter a ordem e garantir o progresso da nação, nas duas primeiras décadas do século XX,

Justiça e Assistência Social realizaram uma aliança objetivando a autossustentação de suas

ações baseadas na lógica do modelo filantrópico, que tinha como objetivo uma intervenção

destinada ao “saneamento moral” da sociedade, especialmente dos pobres (RIZZINI,1997).

Em 1979, com o Código de Menores aprovado, que tinha como proposta a

atuação em situações de crianças e adolescentes consideradas irregulares, tais

características se refletiram também na elaboração e instituição de políticas sociais

públicas. A ideologia de criança e adolescente em situação irregular, os chamados

menores, fundamentou a atuação do Estado, por meio de suas políticas públicas, em que a

institucionalização daqueles ganhou força singular, ancorada na ideologia de famílias

capazes e incapazes, e de sua culpabilização ( RIZZINI, 1997).

Dessa forma, a institucionalização de crianças e adolescentes, especialmente de

famílias pobres, os considerados menores, passou a ser uma das medidas mais utilizadas

como forma de controle e punição, o que refletiu toda uma cultura de institucionalização de

crianças e adolescentes desde o período colonial, embora com diferentes configurações, é

uma realidade social, que se perpetua até a contemporaneidade.

[...] o recolhimento de crianças a instituições de reclusão foi o principal

instrumento de assistência à infância no país. Após a segunda metade do

século XX, o modelo de internato cai em desuso para os filhos dos ricos,

a ponto de praticamente ser inexistente no Brasil há vários anos. Essa

modalidade de educação, na qual o indivíduo é gerido no tempo e no

espaço pelas normas institucionais, sob relações de poder totalmente

desiguais, é mantida para os pobres até a atualidade. A reclusão, na sua

modalidade mais perversa e autoritária, continua vigente até hoje para as

categorias consideradas ameaçadoras à sociedade, como os autores de

infrações penais (RIZZINI, 2004, p. 22).

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Na década de 1980, a legislação em relação à criança e adolescente, até então

denominados de menores, é alterada por um movimento social que contribuiu para a

construção da concepção de criança e adolescente como sujeitos de direitos, e em situação

peculiar de desenvolvimento, apontando novos rumos às políticas sociais, que embora

ainda de forma tímida, inicia o processo de consolidação dessa concepção tentando romper

com a “menorização” da criança pobre.

Esse reconhecimento no plano legal tem um marco anterior com a Declaração

Universal dos Direitos das Crianças, proclamada em 20 de novembro 1959, pela

Assembléia Geral das Nações Unidas, que estabeleceu em sua introdução: “As Crianças

têm Direitos. Direito à igualdade, sem distinção de raça religião ou nacionalidade”.

No Brasil, a Constituição Federal promulgada em 1988, expressa um grande

avanço na defesa da proteção integral de crianças e adolescentes, particularmente em seu

artigo 227, quando as reconheceu como sujeitos detentores de direitos, assim como atribuiu

à família, a sociedade e ao Estado a responsabilidade pela garantia dos direitos de crianças

e adolescentes e estabeleceu também o direito à convivência familiar e comunitária. Outro

avanço significativo quanto aos direitos na Constituição Federal de 1988 é a

reconhecimento das políticas sociais de atendimento as crianças e adolescentes como

responsabilidade do Estado.

Inserida nessa trajetória jurídica de consolidação da criança e adolescente como

sujeitos de direitos, a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

referendou os direitos estabelecidos na Constituição Federal de 1988, ao reconhecer a

criança e adolescentes como sujeitos de direitos e pessoas em situação peculiar de

desenvolvimento, além de estabelecer de forma detalhada seus direitos, os deveres da

família, da sociedade e do Estado.

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O reconhecimento jurídico desses direitos de cidadania reforçou novos desafios

ao poder executivo relativos à construção e efetivação de suas políticas públicas destinadas

à garantia dos direitos de crianças e adolescentes.

Dessa forma, o Estado brasileiro, em sua legislação embora reconheça a criança e

o adolescente como sujeitos de direitos, necessita desconstruir sua tradição de

institucionalização de crianças e adolescentes pobres, de desqualificação e culpabilização

de suas famílias. Necessita ainda, por meio de suas políticas públicas consolidar os direitos

sociais deste público de forma ampla.

No entanto, em uma sociedade em que a democracia liberal é norteadora da ação

política do Estado, as ações das políticas sociais públicas tendem a ignorar as

desigualdades impostas pelo sistema econômico capitalista, suas contradições e os

conflitos que emergem dessa relação (VIEIRA, 2004), o que reproduz desigualdades que

reforçam o agravamento de expressões da questão social, como o abandono e a

institucionalização de crianças e adolescentes e dificultam, ou mesmo impedem o exercício

de direitos das classes desprivilegiadas.

2.2.2 - O direito à convivência familiar e adoção

Os dados apresentados pelo Levantamento Nacional dos Abrigos para Crianças e

Adolescentes, realizado pelo Instituto de Pesquisa Aplicada IPEA5, apontou cerca de

20.000 crianças e adolescentes vivendo, nas Instituições pesquisadas, privados do direito

de crescer e se desenvolver em família, número que ainda não expressa a realidade em

virtude do público alvo da pesquisa ser restrito.

5 Realizado em âmbito nacional e publicada em 2004, teve como universo para sua pesquisa 589

Instituições de Abrigos, dos quais apenas 4,2% correspondem à região norte, restrita a estabelecimentos

que compõem a rede de abrigos que recebem recursos do Governo Federal, portanto não alcançando

todos os abrigos existentes no Brasil.

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A pesquisa revelou o perfil das crianças e adolescentes que estão

institucionalizados nos abrigos pesquisados. Quanto ao sexo: na maioria meninos (58,5%);

meninas (41,5%); faixa etária: têm de zero a 3 anos (11,7%); de 4 a 6 anos (19,0%); de 7 a

15 anos (61,3%); de 16 a 18 anos incompletos (11,9%); mais de 18 anos (2,3%); quanto a

raça: afrodescendentes (63,%); brancos (35%); amarelos (1%) e indígena (1%).

Os principais motivos apontados para o abrigamento na pesquisa estão: carência

de recursos materiais da família (24,1%); abandono de pais ou responsáveis (18,8%);

violência doméstica (11,6%); a dependência química de pais ou responsáveis (11,3%); a

vivência de rua (7%); a orfandade (5,2%); a prisão dos pais ou responsáveis (3,5%); abuso

sexual praticado por pais ou responsáveis (3,3%); outros motivos (15,2%).

Desse universo, 87% das crianças e adolescentes pesquisadas possuíam famílias

e, destas 58,2% mantinham vínculos com seus filhos. Mais da metade das crianças e

adolescentes (52,6%) vivia nas instituições havia mais de dois anos e, destas, 32,9%

ficavam entre dois e cinco anos abrigados, o que revela uma franca violação de direitos,

uma vez que o ECA estabelece o Abrigo como medida de proteção excepcional e

provisória e a convivência familiar e comunitária como direito de toda criança e

adolescente.

Outro aspecto relevante que esses dados confirmam é que muitas famílias estão

sem a atenção e o cuidado necessários por parte do Estado para exercerem seu papel de

espaço de cuidado e proteção de suas crianças e adolescentes, não obstante o estabelecido

nos artigos 19 e 23 e Parágrafo único do ECA, acerca do direito à convivência familiar,

prioritariamente com sua família de origem, e que esta, ao ter dificuldades de ordens

diversas para manter, cuidar e proteger suas crianças e adolescentes tem direito a políticas

sociais que promovam a concretização desses direitos.

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Outra informação importante do levantamento do IPEA é que, do universo

pesquisado, 68,3% dos abrigos são instituições não-governamentais e 67,2% possui

vínculo ou orientação religiosa, o que demonstra que tal atendimento pode se fundar em

raízes histórico-culturais que remetem à formação da sociedade brasileira, em que o

sistema de garantia de direitos às crianças e adolescentes está fundamentado historicamente

no atendimento institucional às crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade

social, principalmente por instituições privadas de cunho filantrópico.

[...] o Brasil é um país com tradição de atendimento institucional a

crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, tradição essa

historicamente forjada na desqualificação da parcela da população a que

pertencem, em sua grande maioria pobre e procedente de etnias não

brancas. Instituições religiosas e filantrópicas e, mais tarde, a própria

ação estatal esforçaram-se para promover a adaptação dessa população

aos padrões considerados aceitáveis (SILVA, 2004, p. 217).

Nos dados do IPEA, as instituições de abrigo pesquisadas, ao serem solicitadas a

citar quais as principais dificuldades para o retorno das crianças e adolescentes abrigadas

às suas famílias de origem, apontaram: a pobreza/condições socioeconômicas precárias da

família (35,5%); ausência de políticas públicas e de ações institucionais de apoio à

reestrutura familiar (10,8%). Estes dados confirmam a necessidade de políticas sociais

públicas que considerem as desigualdades estruturais do sistema econômico vigente no

planejamento de suas ações, pois a realidade revelada na pesquisa indica que a

institucionalização de crianças e adolescentes está diretamente relacionada aos efeitos das

desigualdades geradas pelo sistema econômico vigente e à ausência de políticas sociais

públicas que garantam direitos de famílias e de crianças e adolescentes abrigados.

[...] as políticas sociais, a partir de seu caráter contraditório, devem ser

defendidas como instrumento estratégico das classes subalternas em

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duas direções: como garantia de condições sociais de vida aos

trabalhadores para sua auto-reprodução e como campo de acúmulo de

forças para a conquista de poder político por parte dos trabalhadores

organizados. Torna-se necessário, portanto, na atual conjuntura reafirmar

a bandeira dos direitos das crianças e dos adolescentes e o debate sobre

políticas públicas para a família, articulada à defesa da seguridade social

pública (SALES, 2006, p.15).

Dentro do contexto da garantia de direitos, a constituição das políticas sociais

públicas referentes aos direitos de crianças e adolescentes e de famílias necessita se

configurar também levando em consideração a diversidade dos arranjos familiares

existentes, suas peculiaridades, potencialidades e necessidades, com a perspectiva de

desconstruir a tradição histórica de desqualificação das famílias.

Outro dado relevante, ainda em relação aos motivos que dificultam o retorno de

crianças e adolescentes institucionalizados à sua família de origem, 17,6% das instituições

apontaram a rejeição familiar/família desaparecida/perda do vínculo em função da longa

permanência no abrigo, o que caracteriza situações em que o retorno para a família de

origem pode já se expressar como impossível. A colocação em família substituta, como a

adoção, é uma das alternativas para que essas crianças e adolescentes possam ter seu

direito de crescer em família, de serem filhos, pois a cada ano que estes passam nos abrigos

são marcados pela privação do convívio familiar, dos cuidados pessoais individualizados,

do afeto e carinho necessários para o desenvolvimento de suas potencialidades.

[...] a adoção, portanto não constitui a solução, mas certamente uma das

possibilidades indicadas para aqueles que parecem fadados ao abandono

pela vida afora (Rizzini, 1982). Ela tem sido para muitas crianças a

oportunidade de encontrarem o amor e florescerem; e para inúmeros

adultos, o caminho que conduz à materialização de um sentido profundo

de doação e realização pessoal (RIZZINI, apud WEBER, 1999, p. 16).

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O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece a adoção como uma

possibilidade excepcional de garantir o direito de viver em família de crianças e

adolescentes que perderam a proteção de sua família de origem ou nunca a tiveram.

Concede também ao filho adotivo os mesmos direitos e deveres de filhos biológicos,

inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes, salvo os

impedimentos matrimoniais, de forma irrevogável. Esta modalidade de constituição de

filiação ainda não atingiu grande parte das crianças institucionalizadas, que, embora

legalmente disponíveis para adoção, não atendem às expectativas de perfil dos adotantes.

A adoção, segundo os dados empíricos e bibliográficos coletados nesta pesquisa

de mestrado, ainda é percebida como uma forma de dar filhos a quem não os pode gerar

biologicamente, o que leva muitos pretendentes à adoção a fixação exclusiva de seus

desejos pessoais. Não é incomum, numa tentativa de imitar a natureza, esses pretendentes

almejarem adotar apenas bebês com características físicas semelhantes as suas, excluindo

crianças e adolescentes que não correspondem a esse perfil, ignorando o aspecto social da

adoção, como uma das alternativas de garantia do direito à convivência familiar de

crianças e adolescentes institucionalizados que perderam a proteção de sua família de

origem de forma definitiva, ou nunca a tiveram.

Essa realidade é demonstrada na pesquisa realizada por Lídia Weber, em

Curitiba, com 400 pessoas, e publicada em 1999, no livro Laços de Ternura:

[...] as pessoas acreditam que “quem já possui filhos biológicos não

precisa adotar uma criança” (29%); “pensam que a adoção deve servir

para que casais que não podem ter filhos realizem sua vontade de serem

pais” (81%); “muitas pessoas acham que crianças adotadas, cedo ou

tarde trazem problemas” (28%): e que “ quando uma criança não sabe

que é adotada ocorrem menos problemas” (40%). (WEBWER, 1999,

p.98).

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Os dados da pesquisa de Weber, embora não tenha sido realizada em âmbito

nacional, expõem concepções preconceituosas sobre adoção, que, empiricamente, nos

parece associarem-se a uma situação nacional, reservadas as peculiaridades de cada região,

em que a adoção é experenciada a partir das necessidades e desejos dos adultos e a criança

é colocada nessa relação em segundo plano. Ainda nesse contexto, o filho adotivo é

caracterizado como “filho problema”.

Estas informações confirmam que as políticas sociais públicas devem conter em

seu bojo ações que levem à sociedade esclarecimentos mais profundos acerca da adoção,

por meio de debates, da veiculação de informações e de capacitações contínuas aos

operadores sociais diretamente relacionados com o trabalho de garantia do direito à

convivência familiar.

Na configuração das políticas sociais, é preciso também levar em consideração

que a realidade de crianças e adolescentes que vivem longos anos institucionalizadas é

ignorada pela sociedade em geral. Como estas crianças e adolescentes não estão nas ruas

envolvidos em práticas de mendicância, trabalho infantil ou mesmo com atos de violência,

mas em um espaço em que suas necessidades materiais são atendidas, grande parte da

população ignora quem são essas crianças, suas histórias de vida, quanto tempo

permanecem em instituições, as implicações desse longo período de institucionalização em

seu desenvolvimento e a realidade histórico e sociocultural dessas crianças e adolescentes

que passam extensos períodos institucionalizados.

Dessa forma, além de ações contínuas que instrumentalizem famílias em situação

de vulnerabilidade social para assumir plenamente a responsabilidade pela educação de

seus filhos, são necessárias ações contínuas e de forma articulada nas políticas públicas que

estimulem a adoção como uma das alternativas para garantia do direito de viver em

família, para as crianças e adolescentes que perderam de forma definitiva ou nunca tiveram

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a proteção de suas famílias de origem, especialmente em situações de crianças maiores de

dois anos, crianças e adolescentes com necessidades especiais e de grupos de irmãos.

2.3 - A Adoção Tardia: possibilidades e limites

A adoção tardia trata-se de uma das modalidades de adoção, definida neste estudo

como a adoção de crianças maiores de dois anos, portanto que já deixaram de ser um

bebês, com características físicas e psicossociais diferenciadas de uma criança ainda muito

pequena, e conseqüentemente apresenta demandas de atenção e cuidados distintas de um

bebê. Este conceito é apresentado por Vargas:

[...] Tardia é um adjetivo usado para designar a adoção de crianças

maiores. Considera-se maior a criança que já consegue se perceber

diferenciada do outro e do mundo, ou seja, a criança que não é mais um

bebê, que tem uma certa independência do adulto para a satisfação de suas

necessidades básicas (...) Vários autores consideram a faixa etária entre

dois e três anos como um limite entre a adoção precoce e a adoção tardia.

A experiência tem mostrado que outros fatores também concorrem para

essa avaliação como o tempo de permanência na instituição e o nível de

desenvolvimento da criança [...] (VARGAS, in CECIF, p. 58).

Com a perspectiva de analisar essa modalidade de adoção, em que a criança com

idade superior a dois anos de idade é inserida em uma família substituta e com a qual

estabelece vínculos afetivos e legais de filiação, às vezes após uma longa experiência de

institucionalização, é que procuraremos refletir sobre suas particularidades, dentro do

contexto de constituição de família.

Na adoção tardia há uma singularidade: muitas crianças tiveram expressiva parte de

seu desenvolvimento em contexto diverso da família adotiva, como a família de origem, em

que possíveis situações de violência, negligência, privações materiais foram vivenciadas

pela criança e engendraram a destituição do poder familiar da família de origem; e/ou a

criança passou longo tempo em instituições de abrigos, em que suas necessidades

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psicossociais não foram atendidas de forma individual, após experenciar em sua família de

origem situações de maus tratos e/ou privações materiais, ou ainda foram abandonadas.

Essas particularidades da criança maior de dois anos requer da família adotiva

atenção, cuidado e paciência, pois a criança traz uma história anterior, que de acordo com

suas especificidades, se refletirá de diferentes maneiras no estabelecimento de novos

vínculos parentais, o que pode acarretar conflitos e necessitar de uma orientação técnica

adequada, como nos refere Levizon:

[...] para Teffaine (1996), no que se refere à adoção tardia, cada situação é

excepcional, cada experiência é singular, cada trajetória é única. Desta

forma, não é possível fazer generalizações. A autora compara este

processo com um segundo nascimento, que envolve regressões, e uma

retomada do desenvolvimento. Ao mesmo tempo, enfatiza a necessidade

de paciência e prudência, diante do delicado problema das relações entre o

passado e o presente. Os períodos de esquecimento da situação de vida

passada e as lembranças súbitas podem alternar-se em um jogo de

associações que apenas a criança é capaz de domar. O temor de um novo

abandono está sempre presente, e às vezes resulta em comportamentos

hostis para com os pais adotivos, como forma de proteger-se da

possibilidade de ocorrer novamente (LEVINZON, 2005, p. 90 e 91)

Essa realidade, em que as dificuldades de relacionamento e conflitos familiares

estiveram presentes durante o estabelecimento de vínculos familiares novos, por meio da

adoção, em que muitas famílias não tiveram o devido preparo, nem assistência e orientação

técnica para lidar com essa realidade, contribuem para a construção da representação social

de adoção tardia como sinônimo de dificuldades e traumas insuperáveis, consolidando o

mito de que todo o filho por adoção, em especial os maiores, são “filhos problema”.

Essa percepção de adoção tardia potencializa crenças e expectativas negativas

como o medo de que a criança, por ter passado longo período de sua vida em instituições de

abrigo, ou ter experenciado outras relações familiares difíceis, não se adapte ou não consiga

estabelecer vínculos afetivos com a nova família, além da crença de que a criança que

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passou parte significativa de seu desenvolvimento em instituições de abrigos possui vícios,

traumas irreversíveis, falta de educação e de limites que dificultarão, ou mesmo impedirão o

estabelecimento de novos vínculos parentais (CAMARGO, 2006).

Essa concepção de que crianças com um longo tempo de institucionalização

passam a ter traumas irreversíveis, e conseqüentemente não poderão estabelecer novos

vínculos afetivos, não é compartilhada por estudiosos do desenvolvimento infantil. Estes,

embora considerem a especificidade da adoção tardia, divergem quanto à capacidade de

superação de traumas vividos pelas crianças e da possibilidade de estabelecer novos

vínculos afetivos, como nos aponta Levizon:

[...] a maioria dos estudiosos do desenvolvimento da criança concorda

com a necessidade de que a criança seja colocada o quanto antes em uma

família adotiva. Para Bowlby (1951), a criança que é adotada depois dos 2

anos de idade corre o risco de não se recuperar da experiência da

separação, abandono e outras adversidades. Essa idéia, no entanto tem

sido refutada por trabalhos mais recentes (Kadushin, 1970; Tizard, 1977),

que sustentam que as situações de privação afetiva e separação não são

boas para crianças de qualquer idade. Quando encontram um lar que as

acolha de modo adequado podem se recuperar dos danos sofridos, a não

ser que tenham sido muito acentuados e por um tempo muito grande.

Clarke e Clarke (1976) reviram um grande número de pesquisas a respeito

de crianças que passaram por situações extremas de privação e diferentes

formas de institucionalização, e nos apresentam uma visão otimista.

Segundo estes autores as crianças adotadas tardiamente apresentam a

capacidade de se recuperar das privações físicas, emocionais e sociais,

quando se lhes oferece uma família carinhosa e adequada (LEVINZON,

2004, p. 22 e 23).

No entanto, ainda que se acredite na possibilidade de crianças maiores de dois

anos constituírem vínculos afetivos com sua família adotiva, este fato isolado não garantiria

a concretização da adoção tardia com sucesso, pois embora essa representação de adoção

tardia como adoção problema seja um dos obstáculos para sua realização, não se constitui

no único obstáculo, e talvez nem o principal.

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Um dos grandes entraves à concretização da adoção tardia é também o desejo de

muitos pretendentes à adoção se adequarem ao modelo hegemônico de família nuclear

burguesa, em que os vínculos materno filiais se estabelecem essencialmente por meio da

procriação.

Dessa forma, muitos pretendentes à adoção, especialmente os que, em virtude de

esterilidade, buscam essa prática na perspectiva de ter o filho que não foi possível por meios

biológicos (via de regra, em seu contexto familiar e social mais restrito a procriação é muito

valorizada), tendem a definir o perfil da criança a ser adotada: bebês com características

físicas semelhantes às suas, restringindo de forma significativa as possibilidades de adoção

de crianças maiores de dois anos. Como nos aponta Vargas:

[...] considerando a natureza da adoção, vários autores apontam uma

estreita relação com a esterilidade dos adotantes, que segundo Lani-Bayle

(1996) tende a ser negada, mesmo por casais que se submeteram a

tratamento de fertilidade por vários anos. Isso ocorre também pela

dificuldade de assumir o fracasso diante da sociedade, que tanto valoriza a

procriação. Para estes, o filho adotivo torna-se, em última análise, uma

garantia de descendência que os livra da angustia da finitude, da morte. A

motivação para a adoção aparece, na maioria desses casos, como uma

substituição, ou seja, o filho adotivo é buscado para ocupar o lugar do filho

biológico, ou reparação da culpa pela esterilidade, e espera-se que tenha as

características do casal [...] (VARGAS, 1998, P.28 e 29).

Assim, a prática da adoção reflete raízes históricas em que tende a ser realizada a

partir dos interesses dos adotantes, em grande parte com a perspectiva de possibilitar

herdeiros e a experiência da maternidade e paternidade às pessoas que por infertilidade não

podem gerar filhos.

Nessa perspectiva, a preferência dos pretendentes à adoção por crianças menores

de dois anos, especialmente bebês, tem, em muitas situações, estreita relação com a

representação de família, configurada a partir de laços consanguíneos entre pais e filhos, e

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em que a adoção não é concebida como uma forma de constituição de família, mas um

modo de resolver o problema de infertilidade dos adotantes, com a perspectiva de adequá-

los ao papel de pai e mãe dentro da família, em que o segredo sobre a adoção é essencial.

Para Camargo:

[...] constroi-se a história artificial, sustentada por um conjunto de mitos

que, do ponto de vista ideológico, prestam-se à sustentação de uma

representação social da adoção ainda muito presente: a prática da adoção

não é um modo de constituição da família, um meio pelo qual se exerce a

maternidade e a paternidade, ou um caminho pelo qual se constrói relações

familiares semelhantes àquelas típicas da família consaguínea, mas é

apenas um modo de se resolverem problemas de caráter pessoal, por

exemplo, a impossibilidade da gestação biológica, e permite, assim, a

correspondência às normas e regras sociais vigentes no que se refere ao

papel social da família (CAMARGO, 2006, p. 176 e 177).

Desse modo, com as novas configurações de famílias existentes na

contemporaneidade, baseadas em outros princípios, além dos laços consanguíneos, as

representações sociais de família se ampliam e, à medida que se consolidam como modelos

de famílias socialmente reconhecidos e respeitados, se abrem novos rumos e possibilidades

mais amplas para que haja disponibilidade afetiva dos pretendentes à adoção de se tornarem

pais de uma criança com mais de dois anos

A realização de estudos e a divulgação sobre as diversas configurações de família,

inclusive a família adotiva, suas especificidades, potencialidades e necessidades, têm

significativa importância para a consolidação das diversas representações sociais de família,

em que o princípio da consanguinidade e da procriação não sejam considerados essenciais

para a constituição familiar.

Outro aspecto importante dos estudos sobre adoção é a possibilidade de

desmistificar os preconceitos e tabus quanto ao estabelecimento de vínculos afetivos de

crianças maiores com sua família adotiva, pois embora a adoção exista, pode-se dizer, desde

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a idade antiga, com diferentes aspectos, de acordo com as condições socioculturais, políticas

e econômicas do meio em que está inserida, esse tema se caracteriza por mitos, medos e

tabus, tratado na intimidade das famílias, e poucos estudos sistematizados sobre a adoção e

suas especificidades foram realizados, o que contribuiu para que essa modalidade de filiação

permanecesse na obscuridade, e fossem perpetuadas compreensões sociais negativas sobre

adoção ao longo da história (WEBER, 1999).

Dessa forma mitos, medos, preconceitos aliados à representação social de família

hegemônica, a família nuclear consanguínea, que tem como um dos seus fundamentos mais

importantes o exercício da maternidade e da paternidade por meio da procriação, ao gerar a

concepção de completude ou incompletude aos que não têm filhos biológicos, têm sido um

dos grandes desafios a serem superados para a consolidação de uma nova cultura da adoção,

em que esta ocorra considerando também os interesses e necessidades das crianças e

adolescentes que perderam a proteção, de forma definitiva, de sua família de origem.

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CAPÍTULO III

3- A escolha da faixa etária segundo os profissionais da Vara da Infância e Juventude

da Comarca de Belém.

Com o Estatuto da Criança e do Adolescente, novas diretrizes legais se

estabeleceram para o planejamento e implantação de políticas públicas em relação a à

infância. O reconhecimento legal da criança como sujeito de direitos e em condições

peculiares de desenvolvimento se refletiu também no âmbito do próprio judiciário, que

anteriormente, com o Juizado de Menores, tinha uma atuação voltada essencialmente as

situações consideradas irregulares (RIZZINI, 1997).

Com o Estatuto da Criança e do Adolescente os Juizados de Menores foram

extintos para serem criadas as Varas da Infância e Juventude com uma nova proposta de

atendimento à infância, na perspectiva de garantir direitos a todas as crianças e

adolescentes. A criação das Varas da Infância e Juventude assim como as suas atribuições

estão estabelecidas nos artigos 145 a 149 dessa Lei. Nos artigos 150 e 151 está prevista a

manutenção de equipe interprofissional para assessorar a Justiça da Infância e Juventude:

Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária,

prever recursos para manutenção de equipe interprofissional, destinada a

assessorar a Justiça da Infância e da Juventude (ECA, Artigo 150).

Compete à equipe interprofissional, dentre outras atribuições que lhe

forem reservadas pela legislação local fornecer subsídios por escrito,

mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver

trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e

outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária,

assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico (ECA, artigo

151).

Em Belém há duas Varas da Infância e Juventude. A 1ª Vara da Infância e

Juventude, responsável por efetivar as medidas de proteção a crianças e adolescentes, e a 2ª

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Vara da Infância e Juventude destinada a atender adolescentes em conflito com a Lei,

ambas geridas por Juízes de Direito.

Na 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Belém, em cumprimento ao

que estabelece os artigos 150 e 151 do ECA, há uma equipe interprofissional composta por

cinco Assistentes Sociais, quatro Psicólogas, três Pedagogas, duas Sociólogas e uma

Bacharel em Direito.

Entre os direitos estabelecidos pelo ECA está o direito de toda criança e

adolescente à convivência familiar e comunitária previsto no artigo 19, e a colocação em

família substituta (entre as formas apresentadas está a adoção) como medida de proteção,

prevista no artigo 101, item VIII.

Em relação à colocação em família substituta, além do artigo 151, no artigo 167

do ECA, estão definidas as atribuições da equipe interprofissional da Vara da Infância e

Juventude:

A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento das partes ou do

Ministério Público, determinará a realização de estudo social ou, se

possível, perícia por equipe interprofissional, decidindo sobre a

concessão de Guarda provisória, bem como, no caso de Adoção, sobre o

estágio de convivência.

A equipe interprofissional atua nos processos de adoção e habilitação para adoção

realizando estudo social a fim de contribuir com subsídios técnicos para a decisão judicial,

considerando o que preceitua o Estatuto da Criança e do Adolescente. Isto nos levou a

considerá-los como sujeitos de nossa pesquisa, com o objetivo de identificar e analisar a

compreensão desses profissionais no processo de adoção, especialmente em relação à

escolha da faixa etária da criança pretendida à adoção.

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Esses profissionais apontaram mudanças no processo de adoção a partir do ECA e

da criação da Vara da Infância e Juventude, quando passou a ser atribuição deste Juizado, a

habilitação de pretendentes à adoção, o acompanhamento e estudo social nos processos de

habilitação para adoção e adoção.

Por meio desse trabalho se instituiu o cadastro de habilitados para adoção, que se

constitui em um registro de pessoas habilitadas à adoção, com dados dos pretendentes à

adoção e do perfil da criança a ser adotada. Também se criou um cadastro de crianças

legalmente disponíveis para adoção, obedecendo ao que estabelece o artigo 50 do ECA: “A

autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de crianças e

adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção”.

No levantamento que efetivamos no cadastro de pretendentes à adoção

encontramos os seguintes dados: em agosto de 1991 foi cadastrado o primeiro pretendente

à adoção. Nesse ano houve o total de 05 pretendentes cadastrados à adoção. Nos anos

seguintes tivemos o seguinte quadro de pretendentes à adoção cadastrados, residentes em

Belém:

ANO

TOTAL DE PRETENDENTES CADASTRADOS

1991 05 1992 07 1993 13 1994 15 1995 06 1996 17 1997 21 1998 24 1999 36 2000 23 2001 20 2002 18 2003 34 2004 23 2005 25 2006 29 2007 23 2008 47

Quadro 1

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Fonte: Livro de cadastro de pretendentes

habilitados à adoção da 1ª Vara da Infância

e Juventude da Comarca de Belém.

Nesse quadro1 observamos que em 1999 houve um expressivo aumento do

número de pretendentes habilitados à adoção, o que ocorreu também em 2003 e em 2008.

Em nosso estudo não conseguimos identificar o que teria provocado esse aumento, no

entanto podemos inferir que um conjunto de elementos pode ter contribuído para esse

aumento como: campanhas sobre adoção6, o trabalho de estímulo, apoio e orientação sobre

adoção realizado pelo Grupo de Estudo e Apoio à Adoção de Belém Renascer, que iniciou

em 2001, o Encontro Nacional de Associações e Grupos de Apoio à adoção, ocorrido em

Belém, no ano de 2007, com o tema “Adoção: medos e expectativas”, além de o fato do

fenômeno da adoção estar mais veiculado na mídia, inclusive sendo tema de novelas. São

apenas conjecturas, e somente por meio de uma nova pesquisa poderíamos ter mais

elementos para compreensão dessa questão.

Quanto à percepção de mudanças no perfil da criança pretendida para adoção, os

profissionais7 da equipe interprofissional afirmaram a percepção de mudanças no perfil de

criança pretendida para adoção, afirmando que no início os pretendentes à adoção

preferiam crianças recém nascidas, no máximo com um ano de idade, e que atualmente já

há pretendentes que se disponibilizam a aceitar crianças com mais de dois anos de idade:

[...] eu acho... que a cultura da adoção já mudou, as pessoas já aceitam

crianças, estendem mais a faixa etária...., isso aí eu acho que mudou [...]

porque antes só queriam recém-nascido, até um mês, agora aceitam

criança até um ano de idade, dois anos, isso aí mudou, não estendeu

muito né, mais antes só queriam bebê (LÚCIA, Assistente Social).

[...] bom, o perfil predominante ainda, ainda que seja vamos dizer assim...

a criança mais, mais jovem possível, mais nova possível, é esse perfil, né,

6 Em 2003 a FUNCAP realizou uma campanha em prol da adoção em parceria com as Organizações

Romulo Maiorana, Secretaria Especial de Proteção Social, por meio de cartazes e de veiculação na

emissora de televisão Liberal. 7 Com o objetivo de preservar a identidade dos profissionais entrevistados usamos nomes fictícios.

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é... a gente também já percebe que se tá construindo, que já está se

mexendo muito, vamos dizer assim, nesse perfil, nessa preferência [...]

ainda querem o mais nova possível, normalmente até dois anos de idade

(RAQUEL, Socióloga)

[...] normalmente as pessoas ainda querem os bebês, é ... hoje mudou um

pouco, mudou um pouco esse perfil, mas ainda há predominância de

bebês e meninas, até dois anos (IZABEL, Psicóloga).

[...] a maioria dos casais, quer dizer uma grande maioria é menina numa

faixa etária é.... até seis meses [...] tenho notado que as pessoas estão

mais interessadas também em adoção de crianças mais velhas, às vezes

até de oito anos, de nove anos de idade, que é um pouco mais difícil, mas

tem, de crianças acima de dois anos, três anos que antigamente não

acontecia (MÁRCIA, Pedagoga)

[...] atualmente, as pessoas estão interessadas em adotar na faixa de um a

dois anos, dificilmente, é... pretendem adoção com idade avançada [...]

ultimamente, também está se vendo é... que tem casais que estão fazendo

adoções tardias (MIGUEL, Juiz de Direito)

Essa compreensão dos profissionais pesquisados sobre a preferência dos

pretendentes à adoção por crianças até dois anos de idade foi constatada no levantamento

realizado no cadastro e nos processos de habilitação para adoção. Na tabela abaixo, com

base no livro de cadastro de pretendentes à adoção em relação aos anos de 2006 e 2007

(consideramos apenas os residentes em Belém), temos o seguinte quadro:

FAIXA ETÁRIA SEXO

ANO ATÉ UM ANO

ATÉ DOIS ANOS

ACIMA DE DOIS ANOS

F M SEM

PREFERÊNCIA TOTAL

2006 13 08 08 12 08 09 29 2007 06 06 11 11 03 09 23 Total 19 14 19 23 11 18 52 Quadro 2

Fonte: Livro de cadastro de pretendentes habilitados à adoção da 1ª Vara da Infância e

Juventude da Comarca de Belém

Nesse quadro podemos observar que no período de 2006 e 2007, do total de 52

pretendentes habilitados para adoção, 19 almejavam adotar crianças até um ano de idade e

14 preferiam crianças até dois anos de idade. Assim, temos o total de 33 pretendentes à

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adoção habilitados para adoção de crianças entre um e dois anos de idade, o que

corresponde a 63,46%. Dos que aceitavam adotar crianças maiores de dois anos, temos 19

pretendentes, o que corresponde a 36,54.% dos pretendentes habilitados à adoção nesse

período.

Em relação ao sexo da criança pretendida para adoção, quando os pretendentes

manifestam alguma preferência, houve a predominância da prioridade por meninas, 23, em

comparação a meninos, apenas 11. O total de 18 manifestou que não tinha preferência

quanto ao sexo da criança pretendida para a adoção. Isto nos dá os seguintes números: do

total de 52 pretendentes à adoção 44,23% almejavam adotar crianças do sexo feminino,

21,15% do sexo masculino e 34,62 % não tinham preferência quanto ao sexo.

Esses dados confirmam a percepção empírica dos profissionais pesquisados da

Vara da Infância e juventude em relação à preferência dos pretendentes à adoção por

crianças menores de dois anos de idade, assim como o aumento, embora pequeno, por

crianças maiores de dois anos.

Outro aspecto apontado no estudo realizado é que, quando questionados sobre o

motivo pela preferência dos pretendentes à adoção por crianças até dois anos, quase todos

os profissionais entrevistados fizeram relação essencialmente a temores dos pretendentes à

adoção de traumas e vícios que a criança teria adquirido em sua família de origem ou

durante sua permanência nos abrigos, ou ainda à dificuldade de a criança estabelecer novos

vínculos parentais:

[...] é... eles temem que as crianças que vêm de abrigo elas já tenham é...

hábitos muito.., muito fortes de abrigos e que isso seja muito difícil de

você realmente é... modificar , e... eles temem também que a criança

abrigada né, ela traga muito mais é... , é... situações negativas não só das

famílias biológicas, como do próprio abrigo, e que as crianças que

chegam com, com menor idade são mais fáceis de adaptar ao, ao a, a

família assim como é.. colocar é... limites né, porque as crianças que

saem maiores dos, dos abrigos eles acreditam que sejam mais difíceis de

impor limites (IZABEL, Psicóloga).

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[...] acho que é uma questão de preocupação da criança se adaptar na

família, pode ser que eles não se sintam preparados para receber uma

criança com mais de dois anos porque a criança às vezes já vem com

traumas de família, às vezes a pessoa não se sente preparada para lidar

com essas situações (LÚCIA, Assistente Social)

[...] muitos dizem que querem vamos dizer assim cuidar do filho desde

muito pequeno, ter oportunidade de passar por todas essas fases, de

cuidar de todas essas fases da criança (RAQUEL, Socióloga).

[...] é como se a criança de três, quatro anos, ela já ta habituada com

alguma coisa, eles não vão conseguir mudar os hábitos daquela criança, a

criança, a criança ela já tá é... amorosamente ligada a outras pessoas, e

eles podem achar que eles não vão é... não vão conseguir se ligar a eles. É

o medo do afeto, eu acho isso, eles têm medo da criança já ter afeto por

outras pessoas e não conseguirem ter afeto por eles, eu entendo que é

isso, eles não conseguirem criar do jeito deles, achar que a criança a

criança já está com outros hábitos, ou já ter uma história longa, por

exemplo de um abrigamento, que passa quatro, cinco anos num abrigo,

como essa criança vem pra eles, ah! Muitas vezes eles pensam: ah!

Porque já vem com vícios, ou com outros problemas, dificuldades que

eles talvez muitas vezes não consigam enfrentar (MÁRCIA, Pedagoga)

[...] é que a adoção tardia trará mais problemas para quem quer adotar,

com relação às relações humanas [...] é em relação vai ter realmente

problemas no convívio do dia a dia com o casal adotante, né. Então é

diferentemente de quem adota uma criança, na concepção das pessoas,

com a criança de tenra idade, porque fica mais fácil de você doutrinar

aquela criança aos padrões da sociedade, aos padrões da família.

Enquanto que aquela criança tardia, ela já traz alguns vícios de

orientações, vamos dizer assim, da família de origem e fica mais difícil

colocar no caminho que a família interessada esteja pretendendo

(MIGUEL, Juiz).

Na pesquisa realizada com os pretendentes à adoção, também quando

questionados sobre o motivo da preferência por crianças menores de dois anos, foi

recorrente em seus relatos o medo de traumas e condutas de comportamento que as

crianças maiores apresentariam o que dificultaria, ou mesmo impediria o estabelecimento

de novos vínculos parentais com os pais adotivos.

Dessa forma, observamos que as repercussões da concepção de família

internalizada pelos pretendentes à adoção na escolha da faixa etária da criança a ser

adotada não são apontadas como elemento relevante que influi nessa preferência. Essa

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ausência pode ser identificada tanto no discurso dos pretendentes, quanto dos profissionais

do Juizado da Infância e Juventude pesquisados.

A rigor, podemos inferir que essa ausência da compreensão da importância da

concepção de família como um dos indutores da adoção pode indicar que esse elemento,

em sua complexidade, foi pouco debatido e estudado pelos operadores institucionais.

Tendemos a compreender que o desvendamento da complexidade e das implicações da

representação de família para os adotantes pode provocar reflexões e outras possibilidades

de adoção, para a efetivação do direito à convivência familiar e comunitária.

A adoção se caracteriza como um fenômeno social e, como tal, possui duas

dimensões. A dimensão da aparência, que se apresentou claramente no domínio dos

profissionais pesquisados. A outra dimensão, que é a da essência, se configura como a

constituidora do fenômeno, em que este é historicamente construído, por injunções, forças,

vetores sociais, econômicos, políticos e culturais que precisam ser minimamente

compreendidos para permitir uma leitura mais adequada do fenômeno social da adoção.

Por isso mesmo, é relevante ressaltar que, para se compreender a adoção em sua

singularidade, em sua essência, é necessário o domínio de seu processo histórico de

construção, sob o risco de nos cristalizarmos na aparência, e consequentemente apenas

reproduzir o fenômeno como ele se apresenta para nós.

Neste estudo é frequente nos relatos dos pretendentes à adoção a importância

atribuída à maternidade, por meio da procriação, e de se ter um filho para que a família se

configure como completa como justificativa que influi na decisão pela adoção e na escolha

da faixa etária da criança a ser adotada. Weber afirma:

[...] no Brasil cultua-se um forte sentimento que prioriza e valoriza em

demasia os laços de sangue e a parecença dos filhos com seus pais. No

dia-a-dia é comum nos depararmos com situações em que um filho não se

parece em nada com os genitores, mas as pessoas fazem questão de “ver”

as semelhanças e enfatizar a força dos genes [...] (WEBER, 2003, p. 23).

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Os dados pesquisados nos revelam que pode ser importante ao estudo sobre

adoção agregar a reflexão sobre família, suas diversas configurações e as funções

atribuídas socialmente às mulheres na família. Essa agregação pode provocar uma análise

crítica das relações sociais familiares construídas historicamente que aparecem dadas como

naturais, contribuindo para a desconstrução de representações sociais consolidadas de

modelos de família hegemônicos, baseados na constituição de vínculos consanguíneos.

Nessa perspectiva, faz-se imperativa a realização de capacitações continuadas

com a finalidade de possibilitar aos profissionais da Vara da Infância e Juventude subsídios

teóricos para o aprofundamento da compreensão não só da adoção, mas também de outros

aspectos sociais relacionados à garantia de direitos de crianças e adolescentes. Isto

possibilitará aos profissionais um maior domínio de conhecimento sobre as expressões da

questão social, para superar a dimensão do aparente que tende a ocorrer, particularmente,

pelo foco da atuação profissional centrada no acúmulo da experiência empírica. Assim

poder-se-á agregar à compreensão do fenômeno social que se atua os elementos sócio-

históricos constituidores da sua complexidade.

Essa é uma necessidade não só dos operadores sociais da Vara da Infância e

Juventude, mas também de toda a rede social que trabalha com medidas de proteção à

Infância e Juventude, uma vez que se tende a não fazer parte da cultura institucional das

duas esferas públicas, Executiva e Judiciária, o incentivo, apoio e execução dessas

capacitações, que possibilitariam aos profissionais da área a especialização do

conhecimento, imprescindível a esse exercício profissional.

Nessas capacitações é relevante provocar reflexões sobre a família, suas diversas

configurações, suas relações entre si e com as demais instituições, e como estas têm se

configurado historicamente nas políticas públicas. Dentro dessa perspectiva, a

compreensão do processo de construção histórica da concepção de Infância contemporânea

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e consequentemente das crianças como sujeitos de direitos também se caracterizam como

de singular importância nessas capacitações.

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CAPÍTULO IV

4 – A adoção Tardia em Belém: Procurando desvendar certezas e incertezas

4.1. – Caracterização os dois grupos

Para a compreensão e identificação das representações sociais de família dos

habilitados à adoção, sujeitos dessa pesquisa, consideramos importante reconstituir alguns

aspectos de suas experiências nas famílias de origem, para colaborar na compreensão da

relação com a constituição de suas famílias atuais e com o projeto de adoção. Dessa forma,

descrevemos algumas peculiaridades dessas experiências, com propósito de subsidiar a

caracterização dos dois grupos pesquisados.

Grupo 1

Pedro e Carmem (Grupo 1)

Pedro tem 53 anos de idade, é técnico em química aposentado da Petrobras e

atualmente trabalha como massoterapeuta, junto com Carmem, em uma clínica de estética

pertencente a eles. Carmem tem 39 anos de idade e é técnica em Podologia.

Pedro e Carmem, que convivem maritalmente há cinco anos, anteriormente foram

casados com outras pessoas. Do relacionamento anterior, Pedro teve três filhas biológicas

que estão atualmente com trinta, vinte e sete e dezessete anos de idade, e residem no Rio de

Janeiro, onde o casal também residia. Carmem não tem filhos biológicos.

Carmem é a filha mais nova de uma família constituída por pai, mãe e seis filhos

biológicos. Em relação a sua família e a sua infância disse:

[...] Ah! minha infância foi super saudável, eu cresci numa fazenda né.

Meu pai ele era... ele tomava conta dessa.. , era o administrador dessa

fazenda, e a minha mãe é.. ela era... trabalhava numa escola, essa

escola era dessa fazenda. E eu sou filha mais nova né de seis irmãos.

Eu acho que foi muito saudável. Muito.... pai, mãe e irmãos, eu

sempre fui muito paparicada né [...] a gente sempre foi muito unido,

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meu pai minha mãe, meus irmãos a gente era muito unido, sempre

fomos muito unidos [...] (CARMEM, grupo 1).

.

Aos dezenove anos Carmem, que residia no interior de Minas Gerais, casou-se e

foi residir com seu marido no Rio de Janeiro. Depois de nove anos se separou e continuou

residindo no Rio de Janeiro. Após três anos, em 2003, conheceu Pedro e com três meses de

namoro passaram a conviver maritalmente. Há quatro anos se mudaram para Belém, onde

montaram uma clínica de estética e trabalham juntos.

Pedro é o penúltimo filho de uma família constituída por pai, mãe e oito filhos

biológicos. Até os quatro anos residia em Macapá, quando sua família mudou-se para

Belém. Em relação a sua infância expressou:

[...] e foi aquela infância da minha época, início da década de 60, casa

com quintal muito grande, costumo dizer que eu tive infância né,

passávamos as férias em Soures, nós tínhamos uma casa em Soures, então

a gente ia quatro, cinco vezes por ano pra Soures, chegava em Soures a

mamãe soltava a gente[...]. A minha família... papai, mamãe e cinco

mulheres e três homens é... o meu pai trabalhava na Petrobrás também,

ele viajava muito naquela época até três meses, então minha mãe assumiu

muito o papel do pai também, naquela época ele ficava três meses na

selva, na Amazônia, e ficava vinte dias em casa só, era pouco[..]

(PEDRO, grupo 1)

Seu pai trabalhava na Petrobras e, em virtude de seu trabalho, viajava muito,

passando pouco tempo em sua casa. Foi descrito como um pai “ausente”, mas “amoroso”.

Sua mãe era desenhista e funcionária pública. Seu pai não tinha um relacionamento

próximo com os filhos, o que só ocorreu quando Pedro, já adolescente, se aproximou dele.

[...] o meu pai assim na minha infância a gente sempre reclama que ele

foi um pai um pouco ausente [...] mas é como eu te falei a mamãe era o

pai e a mãe, o papai como eu já disse ele foi muito ausente, mas foi

aquele pai amoroso, quando ele estava disponível ele era amoroso [...] e

depois na adolescência eu entendi que eu precisava ter uma ligação forte

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com o meu pai e então eu me aproximei dele, eu o conquistei , e no final

da vida nós ficamos, éramos muito amigos [...] (PEDRO, grupo 1)

Pedro descreveu-se como alcoólatra em recuperação. Contou que, quando ainda

era empregado da Petrobrás, em virtude de estar havia dois anos sem ingerir bebida

alcoólica, período em que freqüentava os Alcoólicos Anônimos, foi convidado para

participar na condição de conselheiro do programa para recuperação de dependentes

químicos da empresa. Naquele período participou de vários encontros, fez vários cursos

financiados pela Petrobras, entre eles o de Terapia Familiar, que, segundo ele foi muito

importante para a construção de concepção de família que tem hoje: “[..] família é...

pessoas que se unem, são pessoas, né que se amam,é, é que têm laços, né que podem ser

sangüíneo ou não” (PEDRO, grupo 1).

Com suas filhas biológicas, disse que é um “paizão”, tem um relacionamento

afetivo intenso com elas baseado em muito diálogo, inclusive a filha mais nova passará a

morar com ele em breve, relacionamento que caracterizou como muito diferente do

relacionamento que teve com seu pai:

[...] eu sou muito paizão né, assim, apesar, de, de, estar longe [...] uma

das coisas que eu, pensei na minha vida foi que, que eu iria ser um pai

diferente do que meu pai foi, eu adorava o meu pai, mas como eu te falei

eu tive que conquistar meu pai, né, por exemplo o meu irmão mais

velho e o meu pai o relacionamento dele era muito frio [..] (PEDRO,

grupo 1).

Em relação à possibilidade de procriação, Pedro esclareceu que não pode mais ter

filhos biológicos porque se submeteu a uma vasectomia.

Carmem afirmou que, antes de conhecer Pedro, mesmo já tendo sido casada, não

pensava em ter filhos: “[..] eu no primeiro casamento eu nunca pensei em ter filhos, eu

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nunca quis ter filhos, a verdade é essa eu nunca quis ter filhos [...] eu pensava muito no

meu trabalho, entendeu? Eu pensava muito no meu trabalho, e eu não sentia vontade [..]”

(CARMEM, grupo1).

Foi com o relacionamento com Pedro que passou a desejar ter um filho e, como

Pedro havia feito vasectomia, passaram a conversar sobre as possibilidades para se

tornarem pais juntos. Carmem afirmou que sua primeira opção era a adoção: “[...] o Pedro

comentou comigo sobre a possibilidade dele de fazer reversão ou inseminação, entendeu?

Eu disse pra ele que não, que eu preferia a adoção [...]” (CARMEM, grupo 1)

Pedro disse que, ao conversarem e refletirem sobre as opções para terem juntos

um filho, decidiram pela adoção:

[...] nós conversamos sobre as possibilidades. Ela queria, ela

manifestou o desejo de ter um filho, né, aí nós conversamos, aí eu

digo seria legal e tal entendeu? Aí como eu tinha feito vasectomia,

conversamos sobre as possibilidades, como é pra gente ter um filho?

Bem pode tentar a reversão, mas o sucesso é... muito baixo, a

inseminação artificial como é que ela é feita, né? Foi até... mostrei pra

ela reportagens, e a terceira opção seria a adoção [...] (PEDRO, grupo

1).

Carmem tem histórico de adoção em sua família, um sobrinho adotivo. Pedro não

tem histórico de adoção em sua família, porém ambos tiveram apoio de seus familiares

para a realização da adoção, inclusive a filha mais nova de Pedro quis muito morar com

ele, entre outros motivos, para conviver com a criança que eles adotaram.

Carmem e Pedro, em dezembro de 2007, receberam do Juizado da Infância e

Juventude uma criança do sexo masculino, que chamamos de André, com seis meses de

nascido, e o adotaram. Atualmente a constituição familiar deles é composta pelo casal e o

filho adotivo de um ano e quatro meses de idade. Afirmaram que planejam contar para seu

filho seu histórico de adoção

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Não frequentaram o Grupo de Apoio à Adoção, segundo eles, em virtude da

incompatibilidade de horário, pois sempre no horário das reuniões estavam trabalhando,

mas participaram do Curso para pretendentes à adoção, realizado pelo Grupo de Apoio à

Adoção de Belém Renascer e 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Belém.

Paulo e Iracema (Grupo 1)

Iracema é biomédica e professora da Universidade Federal do Pará, Paulo

engenheiro elétrico. Convivem maritalmente desde 2001, depois de namorarem cerca de

dez anos, e ambos possuem 45 anos de idade. A constituição familiar atual deles é formada

pelo casal e o filho adotivo.

Iracema tem origem em uma família constituída por pai, mãe e três filhos

biológicos, ela e dois irmãos. Seu pai era vendedor autônomo, depois passou a trabalhar

como cozinheiro de plataforma e viajava muito a trabalho. Sua mãe era professora. Ao

descrever sua infância, afirmou:

[..] minha infância foi, assim, família tradicional. Pai, mãe e mais dois

irmãos. Eu sou a do meio. Meus pais se casaram cedo, tiveram três filhos,

nós fomos uma família pobre, mas, dentro da medida do possível, sempre

nós estudamos, nunca ninguém trabalhou, sempre estudou e sempre,

assim, priorizaram na gente a educação. Essa foi a base que sempre

recebi da minha família [...] (IRACEMA, grupo 1).

Paulo é o segundo filho de uma família constituída por pai, mãe e cinco filhos

biológicos. Seu pai era torneiro mecânico e sua mãe não exercia atividade profissional fora

de casa. Ao descrever sua família disse: “[..] minha família, também, mais pobre que a

dela, e a gente, eu e mais quatro irmãos, eu sou o segundo, a gente não tinha paradeiro. Eu

nasci em Tucuruí. Meu pai viajava, era na época que o rio Tocantins era meio de

transporte, era de barco [..]” (PAULO, grupo 1).

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Paulo circulou entre muitas famílias, viveu sob os cuidados de sua mãe biológica

somente até seus doze anos de idade. Seu pai deixou sua mãe e os filhos em uma situação

econômica precária, e sua mãe o entregou a uma família, pois ficou sem condições de

assumir sozinha o sustento de todos os filhos. Aos dezessete anos, Paulo novamente foi

morar com outra família:

[...] com doze anos fui com outra família e tive um monte de mãe

[...]depois eu encontrei uma outra mãe [...] aí, depois, aos dezessete anos,

encontrei mais umas duas e fiquei cheio de mãe [...], mas eu estava bem

educado pela minha mãe biológica para obedecer direitinho, aprender a

fazer as coisas [...] (PAULO, grupo 1).

Em relação à possibilidade de procriação Iracema, verbalizou que tinham como

projeto, antes de ter um filho, adquirir estabilidade financeira. Quando consideraram que já

possuíam condições financeiras, ela já tinha uma capacidade de procriação bem reduzida

em virtude de sua idade, o que os fez decidir pela adoção.

[...] bom, começou a partir do momento dos meus insucessos

reprodutivos, entendeu? A gente adiou muito porque pensou muito em ter

um filho no momento que a gente tivesse estável financeiramente. Aí, o

que acontece, no momento que eu estou estável financeiramente já estava

com trinta e sete anos. Então, estável financeiramente, mas não

reprodutivamente. [..]: ah! Eu posso fazer tratamento, fazer isso, isso não

é problema, né? Hoje em dia a mulher pode ter filho até quarenta anos.

Mas não é verdade, nem tudo pode acontecer da mesma forma como a

gente pensa [...] (IRACEMA, grupo 1).

Após ser diagnosticado que Iracema estava com “envelhecimento dos ovócitos”,

fez tratamento médico para engravidar, chegou a engravidar, mas teve um aborto

espontâneo. Entre a resolução de terem um filho, tratamentos médicos para engravidar e a

decisão de adoção, transcorreram quatros anos. Iracema afirmou que aceitou a

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possibilidade de ter um filho por adoção muito antes de Paulo, que somente depois de

algumas leituras sobre adoção e frequentar o Grupo de Apoio à Adoção de Belém Renascer

aceitou adotar uma criança.

Planejam contar para seu filho seu histórico de adoção, pois compreendem que é

um segredo difícil de guardar, inclusive já têm momentos de diálogos com a criança sobre

sua adoção. Iracema verbalizou que não seria bom para criança esconder dela sua história

de adoção:

[...] porque a gente sabe desde o início que não é bom, porque sempre

tem alguém que vai comentar, vai dizer e eu tenho medo dele se revoltar.

A gente sabe muito histórico que não é legal e um dia que ele descobrir

que não é nosso filho não por nós, acho que é mais maléfico do que

qualquer outra coisa, ele se sentir enganado [...] (IRACEMA, grupo 1).

Paulo e Iracema se habilitaram na 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de

Belém em 2006, ocasião em que definiram como perfil de criança para adoção: uma

criança, sem preferência de sexo, saudável, até dois anos de idade.

Esclareceram que, quando foram se habilitar, almejavam adotar uma criança

recém-nascida, porém foram esclarecidos pela assistente social que seria muito difícil

adotarem um bebê tão novo, o que fez com que definissem a faixa etária até dois anos,

embora Paulo desejasse muito um recém-nascido: “[..] era um recém-nascido. A gente

queria um nenenzinho, pequenininho, né? Que era uma coisa assim, que a gente achava

que uma criança, principalmente ele, o problema era com relação ao Paulo, que queria

sempre pequenininho [...]” (IRACEMA, grupo 1).

Em março de 2007, Paulo e Iracema receberam diretamente da mãe biológica uma

criança, a quem denominamos Marcos, no mesmo dia em que nasceu, e legalizaram a

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adoção na Vara da Infância. Marcos, no momento da entrevista, se encontrava com um ano

e oito meses de idade.

Edilma (Grupo 1)

Edilma é solteira, tem 41 anos de idade, é psicóloga e professora de Filosofia.

Conviveu maritalmente por dez anos, nascendo dessa união uma filha. Sua família atual é

formada por ela, sua filha biológica e seu filho adotivo.

Edilma é a terceira filha de uma família constituída por pai, mãe e três filhos

biológicos e um filho de criação, que ela considera irmão adotivo, embora não tenha sido

adotado legalmente. É a única filha mulher. Seu pai era soldador e sua mãe auxiliar de

enfermagem. Esta, no entanto, trabalhou pouco tempo fora de casa.

Seu pai é ateu e sua mãe é muito católica. Edilma, já adulta, fez a opção religiosa

pelo espiritismo: [...] minha mãe é filha de Maria, carola, beata, né, e meu pai é ateu [..] eu

sou espírita [...] .

Edilma caracterizou sua infância por duas fases, uma com muito conforto material

e a outra fase marcada por privações materiais, em virtude do desemprego de seu pai.

Descreveu seu relacionamento com sua mãe baseado em muitos conflitos. Tem

mais proximidade com seu pai, que, segundo ela, desenvolveu certas funções maternas

caracterizadas por cuidados:

[...] isso, na minha família tinha uma coisa muito diferente, que até

meu ex-companheiro, ele falava isso, né,.. a função materna sempre

foi exercida pelo pai [...] Ele que cuidava da gente quando a gente tava

doente, ele que levava para a escola, ele que ia assistir as reuniões da

escola, não é.., passeava com a gente, isso era o papai que fazia [...]

(EDILMA, grupo 1).

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O relacionamento conjugal de seus pais sempre foi muito difícil. Acredita que sua

mãe há muitos anos deseja se separar, porém nunca o fez em decorrência do

tradicionalismo de sua família de origem, que era portuguesa, e em virtude de ser muito

religiosa. Atualmente ainda estão casados, vivem na mesma casa, separados, cada um em

um quarto e passam dias sem se falar: “[..] a família dela, que era extremamente

conservadora, né, era descendente de português, então pra eles isso era um absurdo se

separar [...]” (EDILMA, grupo 1).

Em relação a histórico de adoção em sua família relatou a historia de Julio, seu

irmão de criação, a história de uma sobrinha que ela, Edilma, criou desde oito dias de

nascida até os quinze anos de idade, que não foram adotados legalmente. Relatou ainda a

situação de outra sobrinha, que foi adotada legalmente. Essa relação com a adoção sempre

foi reforçada por seu pai: “ [...] meu pai sempre dizia assim: que filho era aquele que a

gente tinha amor, independente de sair da barriga ou não[..]” (EDILMA, grupo 1).

Quanto à possibilidade de procriação, relatou que teve informações desde muito

jovem que teria dificuldades para engravidar em virtude de: “[..] eu tenho útero

emborcado que dificulta eu engravidar [...]” (EDILMA, grupo 1).

Em relação à decisão de adotar, afirmou que esse era um projeto que tinha desde

sua infância, e acredita que por influência também da experiência que considera bem

sucedida do seu irmão de criação, Julio, por quem tem muito afeto: “[...] e eu sempre

falava, sempre disse desde pequena, que eu tinha um projeto, que sempre ia ter, que se eu

tivesse uma filha biológica ou um menino ou um menina, eu adotaria um do sexo oposto

[...]” (EDILMA, grupo 1).

Edilma se habilitou em 2007, na 1ª Vara da Infância e Juventude, para adotar uma

criança sem preferência de sexo, de zero a um ano de idade. Em 2008 adotou um menino

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com onze meses de nascido, que chamamos de Iago e que se encontra com Edilma há oito

meses.

Pretende revelar ao seu filho sua história de adoção, pois considera um direito

dele saber de sua história, o que já vem fazendo com pequenos diálogos com ele e com sua

filha biológica.

A chegada de seu filho adotivo foi muito bem aceita por todos os seus familiares,

especialmente pelo fato de ele ser o primeiro neto do sexo masculino.

Edilma participou do Curso para Pretendentes à adoção realizado pelo Grupo de

Estudo e Apoio à Adoção de Belém Renascer e 1ª Vara da Infância e Juventude. Nunca

frequentou as reuniões do Grupo de Apoio à Adoção, segundo ela em virtude de

incompatibilidade de horário.

Grupo 2

Tiago e Margarida (Grupo, 2)

Margarida é bióloga e Tiago, administrador de empresas. Estão casados há 12 anos,

ambos possuem 36 anos de idade. A família atual é formada pelo casal, o filho adotivo e a

mãe de Margarida.

Os pais de Margarida se separaram quando ela estava com sete anos de idade. Seu

pai era professor universitário e sua mãe, quando casada, na maior parte do tempo era

prendas do lar, pois seu marido não permitia que ela trabalhasse fora de casa. No entanto,

ainda quando estava casada e, mesmo contrariando seu marido, começou a trabalhar fora

de casa.

Quando seus pais se separaram, sua mãe fundou a primeira creche particular de

Belém, onde Margarida e seu irmão, quando crianças, passavam o período do dia em que

não estavam na escola.

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Margarida descreveu sua mãe como “[...] atenciosa e carinhosa, dentro das

possibilidades dela porque ela sempre trabalhou muito[...]”. O pai para ela era um

“psicopata”, pois, embora fosse um pai “amoroso”, vivia ameaçando matar a mãe dela.

Ao descrever sua infância, disse: “[..] inicialmente, foi um pouco problemática

porque meu pai tinha problemas com bebida, meu pai era violento, meu pai era, foi um

péssimo pai [...]”, continua afirmando, [...] e eu cresci com a idéia de que casamento era

ruim, de que família tinha muitos problemas [...]” (MARGARIDA, grupo 2).

Tiago originou-se de uma família definida por ele como “conservadora”,

constituída por pai, mãe e três filhos biológicos, ele e dois irmãos. Seus pais são

portugueses. Seu pai é comerciante e sua mãe prendas do lar. Descreveu sua relação com

os pais desprovida de grandes expressões de afeto:

[...] eu sou filho de portugueses e, português, eles têm, assim, a educação

bem rigorosa. Então os meus pais, é o seguinte, eles procuraram dar o

que é, na medida do possível, o que eles achavam que é melhor para um

filho. Então, para eles, na cabeça deles, o melhor para um filho é só

proporcionar um bom colégio. Carinho, mesmo, assim, atenção, nem do

meu pai nem da minha mãe. É, eles eram muito frios, muito,

extremamente frios [...] Hoje, para te dizer, eu não consigo chegar na

minha mãe, abraçar minha mãe. Eu faço isso em datas, aniversário,

natal, mas normalmente, chegar e abraçar, não. Quando a gente era

pequeno, quando a gente era moleque, sou eu mais dois irmãos, a minha

mãe passava muito tempo com meu pai em Portugal e a gente ficava

aqui. Então, era assim, durante anos. [...] mas eu não condeno eles. Eu

acho que não foi correto a forma, mas, na cabeça deles, eles foram

criados e doutrinados par serem aquilo, porque os pais deles foram assim

[...] (TIAGO, Grupo 1).

Em relação à possibilidade de procriação, o casal verbalizou que foi diagnosticado

que Margarida tem “síndrome do ovário colecístico, útero retrovertido”, o que tanto

Margarida quanto Tiago descreveram como dificuldade para engravidar e não

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impedimento biológico. No entanto ela não conseguiu gerar uma criança, mesmo tendo se

submetido a vários tratamentos médicos para engravidar.

Entre a resolução de terem um filho e a decisão de adoção transcorreram sete

anos. Nesse período Margarida realizou vários tratamentos médicos para engravidar, sem

sucesso. Para essa decisão de adoção relataram, que, embora ambos não tenham nenhum

histórico de adoção na família, contaram com o apoio dos pais de Tiago e da mãe de

Margarida.

Em um período próximo ao momento da adoção, Margarida foi voluntária no

Espaço de Acolhimento Provisório Infantil (EAPI) “Começo Feliz”, instituição de abrigo

que acolhe crianças de zero a seis anos de idade, de ambos os sexos.

Após se habilitarem na 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Belém e

definirem como perfil de criança para adoção: um menino, saudável, até três anos de idade,

adotaram Carlos, que se encontrava na época com um ano de idade.

Em relação à revelação para a criança de sua história de adoção, Tiago e

Margarida acham importante revelar, pois é direito da criança conhecer sua história, o que

já iniciaram com pequenos diálogos com seu filho.

Margarida e Tiago não participaram do Curso para Pretendentes à adoção

realizado pelo Grupo de Estudo e Apoio à Adoção de Belém Renascer e 1ª Vara da

Infância e Juventude, e nunca frequentaram as reuniões do Grupo de Apoio à Adoção.

José e Fátima (Grupo 2)

Fátima tem 40 anos de idade, é funcionária pública estadual e desempenha a

função de motorista. José não trabalha no mercado formal, faz trabalhos de informática,

por conta própria. Convivem maritalmente há seis anos, depois de namorarem por três anos

e noivarem por um ano. A família deles é composta pelo casal, as duas filhas adotivas de

seis anos de idade, uma irmã e uma sobrinha de Fátima.

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Fátima é de origem de uma família de sete irmãos, foi criada por seus avós

maternos, aos quais chama de pai e mãe, e não conviveu com sua mãe biológica, nem com

seus irmãos que residiam no Rio de Janeiro. Não conheceu seu pai, e conheceu sua mãe

somente quando estava com 15 anos de idade. Quando solicitada a descrever sua relação

com seus avós, disse:

[...] me lembro assim, da minha mãe, ela sempre foi muito assim de me

ensinar, ensinar que ela, que ela, tinha muito essa preocupação comigo

de, de, de brincar com menino ela não gostava, então era muito claro na

minha mente, que ela queria só que eu brincasse com menina; essa

história de moça, não deixar roupa suja no chão, moça tem que saber

fazer uma comida, fazer um arroz, um feijão, eu tinha muito disso dela,

de participar muito, fazer bolo, fazer junto com ela, fazer doce, ela me

chamava para fazer doce com ela, isso nela é muito forte [...] Ah! com

meu pai tudo era muito forte, médico era com ele, vacina era ele que

levava, para a escola era ele que me buscava, que me trazia, quando tinha

reunião na escola sempre era ele que ia, tudo com ele é mais forte mais

presente [...] (FÁTIMA, grupo 2).

Em relação a sua infância, verbalizou que teve uma infância, “de criança feliz,

porque eu tinha tudo que uma criança, né, deseja, tinha carinho, tinha amor, tinha presença,

eu tinha uma presença muito forte do meu pai, da minha mãe, mais do meu pai do que da

minha mãe” (FÁTIMA, grupo 2).

José é o filho mais velho de uma família constituída por pai, mãe e seis filhos

biológicos. Seu pai era patrão de pesca e sua mãe trabalhava como doméstica. Até os seis

anos residiam no município de Abaetetuba, depois se mudaram para Belém. Aos 14 anos

de idade começou a trabalhar com seu pai em um pequeno comércio pertencente a ele.

José relatou que em sua história familiar teve cedo muitas responsabilidades com

seus irmãos: “ [...] meus irmãos, foi tudo eu que criei, era o mais velho eles eram menores

e eu tomei conta de todos eles. A mamãe ia trabalhar ou ia pra feira, ou às vezes ia pra casa

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da mãe dela, eu passava o dia todo com eles, eu que tomava conta deles [...]” (JOSÉ, grupo

2)

José tem dois filhos biológicos, de relacionamentos anteriores. O primeiro filho

nasceu quando José se encontrava com 14 anos de idade, e pouco conviveu com ele. Com

segundo filho estabeleceu uma relação de convivência, embora nunca tenham morado

juntos.

José verbalizou que não tinha interesse em ter filhos, pois já tinha dois filhos

biológicos e se responsabilizado muito cedo pelos cuidados de seus irmãos: “[..] não

imaginei, assim, ter uma família com crianças, porque como eu dizia para ela, meu

relacionamento com crianças já terminou porque meus irmãos, foi tudo eu que criei, eu era

o mais velho, eles eram menores e eu tomei conta de todos eles” (JOSÉ, grupo 2)

Fátima não teve filhos biológicos, e desejava muito ter filhos, todavia não

conseguiu engravidar, fato que ela descreveu como obstáculo para engravidar e não

impedimento biológico: “[...] eu tenho micropolicistos, né, que dificulta a gravidez, mas

que não impede. Eu poderia ficar grávida, mesmo tendo micropolicistos. Mas nunca

engravidei” (FÀTIMA, grupo 2). Ela fez tratamento médico por dois anos para engravidar,

entretanto não obteve êxito.

Fátima e José contaram que antes de se habilitarem na 1ª Vara da Infância e

Juventude da Comarca de Belém, receberam da própria mãe biológica uma criança de um

ano e sete meses para adoção, porém cinco meses depois ela levou a criança, que já se

encontrava com dois anos de idade, para passear e não a devolveu mais. Como ainda não

haviam adotado legalmente a criança, esta ficou com sua mãe biológica. Foi um momento

de muita dor devido à separação da criança.

Entre os tratamentos médicos, a experiência de ter uma criança sob seus cuidados

e devolvê-la para a mãe biológica, até a habilitação para a adoção na Vara da Infância,

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transcorreram quatro anos. Para a decisão de adoção, verbalizaram que, embora apenas

Fátima tenha histórico de adoção na família, receberam o apoio da família de ambos.

Fátima nos esclareceu que, antes de adotar Marina e Mariana, já as conhecia,

desde quando elas estavam com um ano de idade, pois trabalhava como motorista da

FUNCAP (Fundação da Criança e do Adolescente do Pará) no Programa Direito de ter

Família (que presta assistência às famílias de origem de crianças abrigadas no EAPI).

Nesse serviço acompanhou algumas vezes a assistente social à casa da família biológica

das crianças que recebia assistência por esse Programa. No entanto, afirmou que jamais

imaginou adotá-las, pois só passou a cogitar a possibilidade de adotar irmãos quando a

técnica da Vara da Infância e Juventude lhe questionou durante o processo de habilitação

se ela e o Sr. José aceitavam grupos de irmãos. A partir desse questionamento e de algumas

reflexões sobre adoção de irmãos ela e o Sr. José se disponibilizaram para adoção de

irmãos.

No momento da habilitação para adoção, Fátima e José definiram como faixa

etária: uma criança, do sexo feminino de dois a três anos de idade. Quanto a grupos de

irmãos afirmaram que aceitavam, porém segundo eles mesmos, sem muita convicção.

Há um ano Fátima e José receberam do Juizado da Infância e Juventude duas

crianças, com cinco anos de idade, gêmeas, meninas, atualmente com seis anos de idade,

que aqui denominaremos de Marina e Mariana.

Fátima e José não participaram do Curso para Pretendentes à adoção realizado

pelo Grupo de Estudo e Apoio à Adoção de Belém Renascer e 1ª Vara da Infância e

Juventude, e nunca frequentaram as reuniões do Grupo de Apoio à Adoção.

Tatiane (Grupo 1)

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Tatiane é carioca, solteira, tem 31 anos de idade, representante comercial. Sua

família é constituída por ela, seus pais e sua filha biológica.

Tatiane é a segunda filha de uma família constituída por pai, mãe e três filhos

biológicos. Mudou-se do Rio de Janeiro para Belém há dez anos, juntamente com seus pais

em virtude de seu trabalho. Seu pai também é representante comercial da mesma empresa

em que Tatiane trabalha. Sua mãe durante muitos anos foi secretária executiva da Shell, e

atualmente também é representante comercial.

Passou sua infância no Rio de Janeiro. Seu pai viajava muito em decorrência de

seu trabalho, mas afirmou que ele sempre foi muito presente em seu processo educativo.

Descreveu seu relacionamento com sua mãe baseado em muito companheirismo e

amizade: “[...] minha mãe, eu sou muito amiga dela até hoje. A gente é companheira de

tudo, saímos juntas; nós duas sempre fomos muito coladas [...]” (TATIANE, grupo 1).

Teve um relacionamento de namoro que durou oito anos, nascendo deste sua filha,

que atualmente se encontra com quatro anos de idade. O pai da criança a visita

quinzenalmente.

Disse que, quando morava no Rio de Janeiro, sua mãe a levava com frequência a

orfanatos e sempre desejou adotar uma criança. Sua mãe também pensou em adotar uma

criança, mas, diante do processo burocrático, desistiu.

Informou que inicialmente, durante o processo de habilitação para adoção,

manifestou desejo de adotar uma criança do sexo feminino, saudável, de três a quatro anos,

para que ela crescesse com sua filha biológica, e em virtude de acreditar que seria mais

fácil assumir a educação de uma criança maior.

[...] porque eu queria que ela fosse..., crescesse junto com a minha filha

biológica, fosse companheira, crescesse junto. E como eu sou sozinha, eu

tenho a minha mãe que me ajuda. Então, a minha mãe, ela abre mão do

trabalho dela, de manhã, para ficar com minha filha. Então, para mim, ter

um bebezinho, de novo, eu acho que ia sobrecarregar de novo a minha

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mãe; e uma criança maior, eu acho que seria bem melhor, seria mais fácil

até para ela, para a gente poder conviver com a criança; porque bebezinho

eu me atrapalho, eu viajo, então, eu teria que começar tudo de novo.

Então, por isso, que eu entrei com o processo de três a quatro anos [...]

(TATIANE, Grupo 1).

Como até o momento ainda não adotou uma criança e sua filha biológica já se

encontra com quatro anos de idade, foi à Vara da Infância e ampliou a faixa etária da

criança que pretende adotar para quatro a cinco anos de idade.

Quanto à possibilidade de procriação, relatou que teve muitas complicações

durante a gravidez, o que fez com que temesse uma nova gravidez:

[...] eu tive muito problema na minha gravidez. Minha filha é de sete

meses. Então, eu tive muitas complicações que me levaram a ter medo de

ter outro filho biológico. Então, após o problema do parto eu tive muita

complicação com a menina. Então eu tenho medo, hoje em dia, eu tenho

medo de ter um bebezinho para não passar por aquilo tudo, de novo.

Então, eu entrei com um processo de adoção [...] (TATIANE, grupo 1).

Tatiane pretende revelar à criança sua história de adoção mesmo porque, como

será uma criança grande, ela já terá consciência de sua história e também por considerar

importante para evitar traumas futuros.

Relatou que tem histórico de adoção em sua família, uma tia paterna adotiva, que,

no entanto, não sabe que é filha adotiva.

Para a decisão de adoção, informou que contou com o apoio de todos os seus

familiares.

Tatiane não participou do Curso para Pretendentes à Adoção realizado pelo Grupo

de Estudo e Apoio à Adoção de Belém Renascer e 1ª Vara da Infância e Juventude, e

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nunca frequentou as reuniões do Grupo de Apoio à adoção, segundo ela, por

incompatibilidade de horário.

Após essa caracterização dos sujeitos pesquisados, com a perspectiva de sintetizar

os elementos da trajetória de constituição de família e da adoção dos entrevistados, e

possibilitar uma visão geral desse processo, nos dois grupos, elaboramos um quadro

resumido, em que descremos alguns aspectos que consideramos importantes para análises e

reflexões neste estudo.

Grupo 1 ITEM ENTREVISTADOS

Nome EDILMA PAULO E IRACEMA PEDRO E CARMEM

Profissão Psicóloga e Professora de

Filosofia

Ele: Engenheiro elétrico

Ela: Professora da

Universidade Federal do Pará e

Biomédica

Ele: Técnico em química

aposentado da Petrobras,

atualmente é

microempresário e

massoterapeuta

Ela: Técnica em Podologia

Idade 41 1nos Ele: 45 anos

Ela: 45 anos

Ele: 53 anos

Ela: 39 anos

Renda

familiar

8, 7 salários mínimos 23 salários mínimos 18,6 salários mínimos

Estado civil Solteira Conviventes há sete anos Conviventes há cinco anos

Perfil da

criança

pretendida

para adoção

Habilitou-se para adotar

uma criança sem preferência

de sexo, até um ano de

idade.

Depois mudou para uma

criança do sexo masculino,

mas manteve a faixa etária

Habilitaram-se para adotar uma

criança sem preferência de

sexo, até dois anos de idade.

Habilitaram-se para adotar

uma criança do sexo

masculino, até dois anos de

idade

Filhos

biológicos

Possui uma filha biológica,

de um relacionamento

conjugal que durou dez anos

Não possuem filhos biológicos Ele: possui três filhas

biológicas de um

relacionamento conjugal

anterior

Ela: não possui filhos

biológicos, embora já tenha

sido casada anteriormente

Família de

origem

Família constituída por pai,

mãe e filhos biológicos

Ambos são de origem de

família constituída por pai, mãe

e filhos biológicos

Ele: aos 12 anos passou a viver

com uma família substituta

Ambos são de origem de

família constituída por pai,

mãe e filhos biológicos

Processo de

Adoção

Em 2008 recebeu do

Juizado da Infância e

Juventude uma criança do

sexo masculino, com onze

meses de nascido, que

adotou.

Em março de 2007 Paulo e

Iracema receberam diretamente

da mãe biológica uma criança,

no mesmo dia em que nasceu e

legalizaram a adoção na Vara

da Infância e Juventude

Em dezembro de 2007

receberam no Juizado da

Infância e Juventude uma

criança do sexo masculino,

com seis meses de nascido

e o adotaram

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Experiência

com adoção

Tem histórico de adoção em

sua família de origem e um

irmão de criação que não foi

adotado legalmente

Não têm histórico de adoção na

família de origem.

Paulo viveu com famílias

substitutas a partir dos 12 anos

de idade

Ela: tem histórico de

adoção em sua família, um

sobrinho adotivo

Ele: não tem histórico de

adoção em sua família

Dificuldades à

gravidez

Manifestou dificuldades

para engravidar

Manifestaram dificuldades para

engravidar

Manifestaram dificuldades

para engravidar

Ele fez vasequetomia

Presença de

tratamento

para

engravidar

Não fez tratamento médico

para engravidar

Fizeram tratamento médico

para engravidar

Ela chegou a engravidar, mas

teve um aborto espontâneo

Não fizeram tratamento

médico para engravidar

Tempo até a

decisão da

adoção

A adoção sempre foi um

projeto pessoal, desde sua

infância

Entre a resolução de terem um

filho, tratamentos médicos para

engravidar e a decisão de

adoção, transcorreram quatro

anos

Não manifestaram o tempo

até a adoção.

Relataram que conversaram

no início do relacionamento

sobre terem um filho e

adotá-lo, mas adotaram

somente depois de quatro

anos de convivência marital

Manifestação

de aceitação

da adoção

Sempre pensou em adotar

uma criança, desde a

infância

Ela: afirmou que aceitou a

possibilidade de ter um filho

adotivo muito antes de Paulo.

Ele: relatou que somente

depois de leituras sobre adoção

e a frequencia ao Grupo de

Apoio à Adoção de Belém

Renascer aceitou adotar uma

criança.

Ela: Afirmou que sua

primeira opção para ter um

filho seria a adoção

Ele: relatou que

conversaram sobre as

possibilidades para tem um

filho, inclusive sobre a

reversão da vasequetomia

que ele tinha feito, e por

fim decidiram pela adoção

Presença em

curso para

pretendentes

à adoção

Frequentou curso para

pretendentes à adoção

Não frequentaram curso para

pretendentes à adoção

Frequentaram curso para

pretendentes à adoção

Presença em

grupo de

Apoio à

adoção

Nunca frequentou grupo de

apoio à adoção

Frequentaram o Grupo de

Apoio à Adoção de Belém

Renascer

Nunca frequentaram o

Grupo de Apoio à Adoção

Justificativa à

escolha da

faixa etária

Relatou que restringiu a

faixa etária até um ano de

idade porque acreditava que

a adaptação seria mais fácil

Relataram que restringiram a

faixa etária da criança a ser

adotada até dois anos de idade

porque acreditavam que assim

a criança não teria traumas

Relataram que restringiram

a faixa etária da criança a

ser adotada até dois anos de

idade porque ela teme

discriminações das pessoas

Revelação da

adoção

Planeja contar para seu filho

seu histórico de adoção, pois

acredita que é importante

para a criança saber de sua

origem

Planejam contar para seu filho

seu histórico de adoção, porque

compreendem que é um

segredo difícil de ser guardado

Planejam contar para seu

filho seu histórico de

adoção

A decisão pela

adoção

A decisão de adoção partiu

dela

A decisão de adoção partiu dela A decisão de adoção partiu

dela

Grupo 2 (Aceitam adotar crianças com mais de dois anos de idade) ITEM ENTREVISTADOS

Nome TATIANE TIAGO E MARGARIDA JOSÉ E FÁTIMA

Profissão Representante comercial Ele: Administrador

Ela: Bióloga

Ele: faz serviços de

computação por conta

própria

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Ela: Funcionária Pública

Estadual (motorista)

Idade 31 anos Ele: 36 anos

Ela: 36 anos

Ele: 37 anos

Ela: 40 anos

Renda

familiar

10 salários mínimos 39,5 salários mínimos 3,7 salários mínimos

Estado civil Solteira Casados há 12 anos Conviventes há seis anos

Perfil da

criança

pretendida

para adoção

Habilitou-se para adotar

uma criança do sexo

feminino, de três a quatro

anos de idade.

Depois mudou a faixa etária

para quatro a cinco anos de

idade

Habilitaram-se para adotar uma

criança do sexo masculino, até

três anos de idade.

Habilitaram-se para adotar

uma criança do sexo

feminino, de dois a três

anos de idade

Filhos

biológicos

Possui uma filha biológica,

que atualmente está com

quatro anos de idade, de um

relacionamento de namoro

que durou oito anos

Não possuem filhos biológicos Ele: Possui dois filhos

biológicas de um

relacionamentos anteriores

Ela: Não possui filhos

biológicos

Família de

origem

Família constituída por pai,

mãe e filhos biológicos

Ambos são de origem de

família constituída por pai, mãe

e filhos biológicos

Os pais dela se separaram

quando ela estava com sete

anos de idade

Ele: é de origem de família

constituída por pai, mãe e

filhos biológicos

Ela: foi criada desde seu

nascimento por seus avos

maternos.

Conheceu sua mãe

biológica somente quando

estava com 15 anos de

idade.

Não conheceu seu pai

biológico

Processo de

Adoção

Ainda não adotou Em 2007 receberam do Juizado

da Infância e Juventude uma

criança do sexo masculino,

com um ano de idade, que

adotaram

Em novembro de 2007

receberam no Juizado da

Infância e Juventude duas

crianças gêmeas, do sexo

feminino, com cinco anos

de idade

Experiência

com adoção

Tem histórico de adoção em

sua família de origem, uma

tia paterna, que desconhece

sua história de adoção

Não têm histórico de adoção na

família de origem.

Ele: não tem histórico de

adoção em sua família

Ela: tem histórico de

adoção em sua família, um

tio materno adotivo

Dificuldades à

gravidez

Manifestou dificuldades

para engravidar, disse que

sua gravidez foi muito

difícil, o que a fez temer

uma nova gravidez

Manifestaram dificuldades para

engravidar

Manifestaram dificuldades

para engravidar

Ela tem micropolicistos

Presença de

tratamento

para

engravidar

Não fez tratamento médico

para engravidar

Fizeram vários tratamentos

médicos para engravidar, sem

sucesso

Ela fez tratamento médico

para engravidar, sem

sucesso

Tempo até a

decisão da

adoção

A adoção sempre foi um

projeto pessoal, desde sua

infância, quando

frequentava orfanatos com

sua mãe, em sua cidade de

origem, o Rio de Janeiro

Entre a resolução de terem um

filho, tratamentos médicos para

engravidar e a decisão de

adoção, transcorreram sete

anos

Entre a resolução de terem

um filho, tratamentos

médicos para engravidar e a

decisão de adoção,

transcorreram quatro anos

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Manifestação

de aceitação

da adoção

Sempre pensou em adotar

uma criança, desde a

infância

Ela: afirmou que aceitou a

possibilidade de ter um filho

adotivo muito antes de Tiago, e

que a experiência como

voluntária no abrigo

influenciou na decisão da

adoção e da faixa etária da

criança a ser adotada

Ela: afirmou que aceitou a

possibilidade de ter um

filho adotivo antes de José,

e que sua experiência como

motorista no abrigo

influenciou sua decisão pela

adoção.

Presença em

curso para

pretendentes

à adoção

Não frequentou curso para

pretendentes à adoção

Frequentaram curso para

pretendentes à adoção

Não frequentaram curso

para pretendentes à adoção

Presença em

grupo de

Apoio à

adoção

Nunca freqüentou grupo de

apoio à adoção

Não frequentaram o Grupo de

Apoio à Adoção

Nunca frequentaram o

Grupo de Apoio à Adoção

Justificativa à

escolha da

faixa etária

Relatou que escolheu a faixa

etária de três a quatro anos

de idade porque desejava

que sua filha adotiva

crescesse junto com sua

filha biológica.

Como ainda não adotou, e

sua filha biológica cresceu,

foi ao Juizado da Infância e

Juventude e alterou a faixa

etária para quatro a cinco

anos.

Relataram que restringiram a

faixa etária da criança a ser

adotada até três anos de idade,

após a experiência de

Margarida como voluntária no

abrigo que acolhe crianças de

zero a seis anos de idade.

Temia adotar uma criança

maior, pois segundo o que

percebia em sua experiência

como voluntária, elas eram

muito sofridas, temia adotar

uma criança revoltada

Relataram que escolheram a

faixa etária da criança a ser

adotada de dois a três anos

de idade porque antes de se

habilitarem para adoção

receberam uma criança de

um ano e sete meses da

própria mãe biológica, que

no entanto a levou de volta

antes de legalizarem a

adoção, quando a criança

estava com dois anos de

idade. Esta experiência os

fez ver que podiam amar

uma criança maior

Revelação da

adoção

Planeja contar para sua filha

seu histórico de adoção,

para evitar traumas futuros

Planejam contar para seu filho

seu histórico de adoção, porque

acreditam que ele tem direito

de conhecer sua história

Como as crianças chegaram

em sua família com cinco

anos de idade, tinham

conhecimento de sua

história de adoção, o que

tem facilitado o diálogo que

ocorre sobre o assunto

A decisão pela

adoção

A decisão de adoção partiu

dela

A decisão de adoção partiu dela A decisão de adoção partiu

dela

4.2 - A escolha pela adoção

A palavra escolher remete a idéia de preferir entre duas ou mais opções.

Considerando esse entendimento procuramos compreender se os pretendentes à adoção

pesquisados de fato escolheram a adoção ou, diante do impedimento biológico para

procriação, a adoção se tornou a alternativa para a realização do desejo de terem um filho,

especialmente para a realização do desejo de ser mãe, expresso por todas as pesquisadas.

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105

Nas narrativas dos entrevistados acerca do caminho à adoção, a participação das

mulheres na escolha e decisão à adoção foi de singular importância, pois em todos os casos

estudados a decisão da adoção partiu delas, especialmente fundamentada no desejo de ter

filhos, o que podemos observar no registro de suas falas:

[...] o Pedro comentou comigo sobre a possibilidade dele de fazer

reversão ou inseminação, entendeu? Eu disse pra ele que não, que eu

preferia a adoção [...] (CARMEM, GRUPO 1); [...] nós conversamos

sobre as possibilidades. Ela queria, ela manifestou o desejo de ter um

filho, né, aí nós conversamos, aí eu digo seria legal [...] ( PEDRO, grupo

1).

[...] começou a partir do momento dos meus insucessos reprodutivos,

entendeu. A gente adiou muito porque pensou muito em ter um filho no

momento que a gente tivesse estável financeiramente. Aí, o que acontece,

no momento que eu estou estável financeiramente já estava com trinta e

sete anos. Então, estável financeiramente, mas não reprodutivamente [...]

aí nós tivemos insucessos reprodutivos e foi quando já eu comecei a

pensar na adoção [...] (IRACEMA, grupo 1).

[...] eu já tinha tentado engravidar e não, não conseguia, né, e eu sempre

falava, sempre disse desde pequena que eu tinha um projeto, que sempre

ia ter, que se eu tivesse uma filha biológica ou um menino ou um menina,

eu adotaria um do sexo oposto [...] difícil, tanto que eu tenho útero

emborcado que dificulta eu engravidar [...] Eu falei que se eu tivesse filho

biológico eu adotaria outro, se eu não conseguisse ter filhos biológicos

teria filhos adotivos (EDILMA, Grupo 1).

[...] eu sempre desejei ser mãe, eu achava que, inicialmente, tinha que ser

mãe genética. E depois... [...] eu tinha alterações que não eram graves:

síndrome do ovário colecístico; útero retrovertido, é uma.., um pouco de

problema na ovulação [...], pequenos probleminhas [...] Fizemos os

tratamentos, depois a gente parou [...] e eu comecei, antes do Tiago até a

pensar, a amadurecer, a adoção. Comecei insegura, inicialmente [...] Aí

eu comecei a conversar com ele, inicialmente ele ficou assustado e disse

que era para a gente pensar, ter cautela [...] (MARGARIDA, grupo 2).

[...] eu sempre tive vontade de adotar. Então, eu queria sempre ter uma

filha biológica e uma filha adotiva. Sempre falei isso, sempre tive isso na

minha cabeça. Eu tive muito problema na minha gravidez. Minha filha é

de sete meses. Então, eu tive muitas complicações que me levaram a ter

medo de ter outro filho biológico. Então, após o problema do parto eu

tive muita complicação com a menina. Então eu tenho medo, hoje em dia,

eu tenho medo de ter um bebezinho para não passar por aquilo tudo, de

novo. Então, eu entrei com um processo de adoção. Por que uma criança,

na época, de três a quatro anos? Porque eu queria que ela fosse, não...,

crescesse junto com a minha filha biológica, fosse companheira,

crescesse junto [...] (TATIANE, Grupo 2).

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[...] partir para adoção foi mais uma idéia minha do que dele, né, porque,

como ele disse, ele já tinha dois filhos, ele não pensava ter filhos; aí,

como eu queria muito ter filhos, eu conversei com ele e ele resolveu

participar disso junto comigo [...] eu tenho micropolicistos, né, que

dificulta a gravidez, mas que não impede. Eu poderia ficar grávida,

mesmo tendo micropolicistos, mas nunca engravidei [...] fiz tratamento,

tomei medicação. Só não fiz inseminação. [...] (FÁTIMA, grupo 2).

Esse anseio de ter filho expresso nas narrativas de todas as entrevistadas, em que

algumas inclusive afirmaram que nem sabiam explicar o motivo de tal desejo, pode indicar

a consolidação da função da mulher como procriadora e cuidadora dos filhos, revelando

que a concretização dessas funções é concebida como algo natural, e que deve, portanto,

ser vivenciada por todas as mulheres como condição para sua realização pessoal. Santos

assinala:

[...] costuma-se pensar e afirmar, com muita naturalidade, que o amor

materno é um sentimento inato à natureza feminina. Assim sendo, toda e

qualquer mulher deveria vivenciar tal sentimento, independentemente da

cultura ou das condições objetivas/subjetivas vivenciadas (SANTOS,

1998, p. 100).

O discurso de naturalização do amor materno, consolidado socialmente, tende a

levar muitas mulheres a ceder à pressão social que propaga que a mulher possui o

sentimento inato de amor pelo filho, e que a experiência de maternidade é algo a ser

vivenciado por todas as mulheres, como padrão de normalidade. Ou seja, o “normal”, o

“natural” é a mulher desejar ser mãe e concretizar a maternidade pela procriação, como

meio pelo qual também se estabelece o amor da mãe pelo filho. Nessa concepção o amor

nasceria naturalmente com o bebê gerado. Sobre isso, Santos afirma:

[...] diante do abandono dos filhos pelas mães, dirão alguns: é a ausência

do amor materno uma patologia/desvio feminino, pois uma mulher

normal não abandona ou abre mão do seu filho, passa privações, riscos,

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mas não o deixa. Esse discurso vai se repetindo/reproduzindo no senso

comum, sendo reforçado pela moral burguesa que impregna o espaço

público e privado de forma hegemônica, lançando nas mulheres que

efetivamente não podem ou não desejam maternar seus filhos o

sentimento de culpa e do dever de manter a qualquer custo, sobretudo

para a criança, o filho sob seus cuidados [...] (SANTOS, 1998, p. 100).

Essa idéia de que toda mulher naturalmente tem propensão para a maternidade por

meio da procriação e dos cuidados com os filhos se estabelece como padrão de

normalidade. Como tal pode estar direcionando muitas mulheres, impossibilitadas

biologicamente de gerar uma criança, a procurar, por meio da adoção, desempenhar o

exercício da função de mãe, na perspectiva de se sentirem completas e realizadas.

No estudo efetivado, em todos os casos foi relatado algum tipo de impedimento

biológico para procriação. Entre os entrevistados, apenas as duas pessoas solteiras, Tatiane

(grupo 2) e Edilma (grupo 1), relataram que a adoção era um projeto pessoal antigo,

independentemente de possuírem filhos biológicos. No entanto, ambas também

manifestaram possuir dificuldades biológicas para a procriação.

Nos dois casos em que a adoção se configurou como um projeto pessoal antigo há

particularidades que influenciaram nessa decisão, descritas por elas mesmas.

Tatiane (grupo 2) contou que visitava com freqüência orfanatos em sua cidade de

origem, o Rio de Janeiro, e sempre teve o apoio de sua mãe, que também chegou a pensar

em adoção, mas desistiu em virtude de achar o processo de adoção muito burocrático:

[...] lá no Rio a gente freqüentava o orfanato [...] teve uma época que

minha mãe quis adotar uma criança, é, lá pra casa, mas, só que não

conseguiu, devido a burocracia, né, muita burocracia. Ela não deu

segmento ao processo. Então, sempre foi aquilo da gente querer, lá em

casa, a gente teve esse sonho[...] (TATIANE, Grupo 1).

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Edilma (grupo 1), ao colocar a adoção como um projeto pessoal antigo,

independentemente de possuir filhos biológicos, verbalizou que a experiência de ter o

irmão, Júlio, que seus pais adotaram de maneira informal, foi decisiva para que ela tivesse

o projeto de adoção desde muito jovem, pois sempre teve muito afeto por ele. Outra

colaboração para a consolidação de seu projeto foi o posicionamento de seu pai que sempre

afirmava que para ser filho não é necessário ter laços consanguíneos.

[...] o meu pai me passou muito isso. Meu pai sempre dizia assim, que

filho era aquele que a gente tinha amor, independente de sair da barriga

ou não, meu pai sempre falava isso [...] a minha família de origem, nós

somos quatro irmãos, né, aí, eu sou a terceira, sou a única filha mulher,

meu irmão mais velho é filho adotivo do meu pai, né, da minha mãe, foi

lá adoção tardia meu pai é... não fez a legalidade [...] Ah eu, eu gosto

muito do Julio, o Julio, ele, ele, sempre foi o protetor da gente, ele era

mais velho, né, do que a gente, ele sempre tomava conta, o Julio era

aquele que substituía o papai [...] e a outra coisa é que eu nunca senti

diferença do amor que eu tinha por ele como tenho pelos meus irmãos, às

vezes eu tenho.., tem coisa que eu tenho mais afinidade com o Julio do

que com os outros [...] (EDILMA, Grupo 1).

Nesses dois casos constatamos que ambas têm como referência familiar a família

necessariamente constituída por filhos, porém em seus processos de socialização primária

lhes foram apresentadas outras formas de constituição de laços afetivos familiares. Tatiane

(grupo 2) experenciou em sua infância a convivência com crianças abrigadas, destituídas

do direito à convivência familiar. Esta experiência contribuiu para que ela se sensibilizasse

para a realidade dessas crianças institucionalizadas e considerasse a adoção como uma das

alternativas para o exercício da maternidade, o que sempre foi incentivado por sua mãe.

Outro aspecto relevante é que em sua família há histórico de adoção, uma tia paterna.

Edilma (grupo 1) embora não tenha convivido com crianças abrigadas, em sua

constituição familiar experenciou o estabelecimento de vínculo parental com um irmão

adotado de maneira informal, por quem desenvolveu fortes vínculos afetivos, além de ser

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sempre estimulada por seu pai a compreender que os vínculos entre pais e filhos não são

necessariamente instituídos por meio de laços consangüíneos.

Dessa forma, constatamos que nesses dois casos, em que a adoção se constituiu

um projeto pessoal, se configuraram outras referências para constituição de vínculos

familiares além dos laços consanguíneos, o que contribuiu para a existência do projeto de

adoção.

Quando questionados sobre como chegaram a decidir pela adoção, com exceção

de Tatiane (grupo 1) e Edilma (grupo 2), que afirmaram que a adoção era um projeto

pessoal antigo, os outros quatro casos estudados relataram que diante da dificuldade

biológica para conceber filhos, passaram a cogitar a adoção como uma alternativa para ter

filhos. Desses quatro casos, três antes de resolverem pela adoção fizeram tratamento

médico para conceber filhos. Carmem (grupo 1) afirmou que mesmo que seu companheiro

não tivesse impedimento biológico para gerar filhos, preferiria a adoção, pois embora

desejasse ter um filho com ele, não se imaginava grávida.

[....] aí eu conheci o Pedro, a gente conversou em ter filhos, entendeu? Ai

ele tem vasectomia, aí nós começamos a conversar, nós conversamos

sobre reversão, sobre inseminação. Aí um dia eu cheguei e falei pra ele

você tem algum problema com a adoção? Ele: não. [...] eu falei assim: eu

prefiro adotar do que ter..., é.... que você faça reversão, que você faça

inseminação, essa coisa toda, pra mim não vai fazer diferença, eu tenho

preferência por adoção, prefiro adotar uma criança (CARMEM, grupo 1).

[...] ai como eu tinha feito vasectomia, conversamos sobre as

possibilidades, como é pra gente ter um filho? Bem, pode tentar a

reversão, mas o sucesso é... muito baixo, a inseminação artificial como é

que ela é feita, né? Foi até.. mostrei pra ela reportagens [....], e a terceira

opção seria a adoção [...] (PEDRO, grupo 1).

[...] aí nós tivemos insucessos reprodutivos e foi quando já eu comecei a

pensar na adoção [..] Olha, muito antes até de eu achar que eu não

poderia, eu já aceitava ter uma criança por adoção. Eu sempre disse, olha,

se eu não puder ter, pra mim não vai ser..., não vou ficar numa situação,

achar que é um drama na minha vida, que meu filho tem que ser

biológico, Eu já aceitava nesse momento a adoção [...] O problema era

ele, não era eu [...] (IRACEMA, grupo 1).

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[...] eu fazia um tratamento porque eu queria ter um bebê, mas eu não

queria passar por tudo aquilo. E até que desisti; desisti e fiquei sem nada,

sem tomar nada, sem tratamentos. E eu comecei, antes do Tiago até, a

pensar, a amadurecer a adoção. Comecei insegura, inicialmente.

(MARGARIDA, grupo 2). [...] Fizemos os tratamentos, depois a gente

parou. Entre fazer os tratamentos e pensar em adotar, uns sete anos [...]

(TIAGO, Grupo 2).

[...] saber que ela não poderia ter filhos eu já sabia. Não imaginei, assim,

ter uma família com crianças, porque, como eu dizia para ela, meu

relacionamento com crianças já terminou porque meus irmãos foi tudo eu

que criei, era o mais velho eles eram menores e eu tomei conta de todos

eles [...] (JOSÉ, grupo 2) [...] para adoção foi mais uma idéia minha do

que dele, né, porque, como ele disse, ele já tinha dois filhos, ele não

pensava ter filhos; aí, como eu queria muito ter filhos, eu conversei com

ele e ele resolveu participar disso junto comigo. Aí foi quando a gente

conversou bastante, né, eu conversei com ele logo no início do nosso

casamento, mas a gente adiou mais um tempo [...] quatro anos, quatro

anos que a gente ficou conversando, a gente faz, a gente não faz, a gente

adota [...] (FÁTIMA, grupo 2).

Nos relatos dos entrevistados, observamos ainda que, para chegar à adoção, outros

caminhos foram trilhados. Edilma (grupo 1) e Tatiane (grupo 2), que são as pessoas

solteiras, antes de concretizarem seu projeto antigo de adoção tiveram filhas biológicas,

ainda que também apresentassem dificuldades biológicas para engravidar.

Carmem e Pedro (Grupo 1), embora no início do relacionamento tenham

conversado sobre a possibilidade de terem juntos um filho, e sobre as possibilidades de

reversão da vasectomia que ele tinha feito, somente depois de conviverem maritalmente

por quatro anos resolveram se habilitar para adotar uma criança.

Paulo e Iracema (Grupo1) realizaram vários tratamentos médicos para terem

juntos um filho biológico. Iracema, diante das dificuldades biológicas, aceitou, antes de

Paulo, a possibilidade da adoção e afirmou que fez tratamento porque Paulo queria muito

um filho biológico: “[...] eu fui na busca do tratamento por causa dele, no sentido de que

ele queria o biológico [..]” (IRACEMA, grupo 1) .

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Paulo, por sua vez, afirmou que sua vivência em famílias substitutas, a partir dos

doze anos, que considerou uma experiência muito difícil, resistia a decidir pela adoção.

Verbalizou que somente depois de frequentar o Grupo de Apoio à Adoção de Belém

Renascer e ler livros sobre adoção passou a pensar na possibilidade de adotar uma criança:

[...] aí, depois que a gente leu os livros, aí, vamos fazer de forma legal e

também com orientação do Renascer [...] e depois eu descobri que o

importante não é a herança genética que você tem que deixar e sim a

educação que você vai dar para essa pessoa. Ensinar o que é amor, o que

é carinho, o que é a sociedade e dar um embasamento mesmo, ser

companheiro [...] (PAULO, grupo 1).

Tiago e Margarida (grupo, 2) se submeteram a vários tratamentos médicos para

terem um filho biológico, mesmo Margarida relatando que tinha pouca disponibilidade

para passar por todos os tratamentos médicos que realizou. Margarida foi voluntária em um

abrigo que acolhe crianças de zero a seis anos de idade, o que possibilitou a ela e Tiago

estabelecer vínculos com crianças abrigadas, que, segundo ela, contribuiu para que eles

percebessem que poderiam amar uma criança como filho, mesmo este não sendo

consanguíneo. Entre tratamentos médicos e a decisão pela adoção transcorreram sete anos.

[...] eu comecei também a questionar os meus amores por crianças que

não eram minhas, como crianças do abrigo e que eu amava, eu sentia uma

saudade, ai eu comecei a ligar isso, que eu era capaz sim, que

independente da historia dele, da mãe, que isso não era o mais

importante, porque eu sentia saudade dessas crianças (MARGARIDA,

grupo 2).

Quanto a Fátima e José (Grupo 2), ele a princípio nem queria ter filhos, pois como

já possuía dois filhos biológicos de relacionamentos anteriores, e também por ter

colaborado com os cuidados de muitos irmãos (era o filho mais velho de uma família de

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seis irmãos), fato que o fazia sentir-se sem disposição para assumir os cuidados com

crianças. Mas, diante do desejo de sua companheira de ser mãe, e de sua impossibilidade

biológica, aceitou adotar uma criança com Fátima. Esta, antes da decisão pela adoção,

realizou tratamentos médicos para engravidar, porém sem sucesso.

Chegaram a receber da própria mãe biológica uma criança de um ano e sete meses

para adoção, no entanto ela se arrependeu, antes que Fátima e José concretizassem o

processo de adoção, levando a criança de volta depois de cinco meses.

Entre os tratamentos médicos, a experiência com a criança que receberam da mãe

biológica e a decisão de se habilitarem para adoção transcorreram quatro anos. Foi durante

o processo de habilitação, depois de uma conversa com a assistente social do Juizado da

Infância e Juventude, que passaram a cogitar a possibilidade de adotarem grupo de irmãos:

[...] na hora da entrevista ela perguntou, né, se a gente tinha preferências,

aquelas perguntas, e, nessas perguntas elas perguntaram: e se for irmãos,

vocês vão adotar? E a gente ficou, meio, assim, pensando: poxa, dois?Ah!

Não sei, acho que a gente encara. A gente falou assim: acho que a gente

encara. Mas nada assim muito preciso. A gente não tinha a menor idéia

de que ia adotar dois filhos (FÁTIMA, grupo 2).

Fátima conviveu por muitos anos com crianças abrigadas, pois era motorista da

FUNCAP, fundação estadual responsável pelo abrigo de crianças de zero a seis anos de

idade, inclusive por causa dessa experiência chegou a conhecer a família das crianças que

adotou quando elas ainda eram bebês, assim como sua família de origem. Não imaginava

que anos depois iria adotá-las.

Dos que aceitavam adotar crianças acima de dois anos, apenas Fátima e José

adotaram nessa faixa de idade. Tatiane ainda não adotou e Margarida e Tiago adotaram

uma criança de um ano de idade.

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Ao analisar essas trajetórias de adoção, com exceção de Edilma (Grupo 1) e

Tatiane (grupo 2) que afirmaram que a adoção é um projeto pessoal antigo,

independentemente da possibilidade ou não de procriação, todos os demais passaram a

cogitar a adoção após a constatação de impedimento biológico para conceberem um filho

com seus respectivos cônjuges. A rigor o vetor indutor recorrente da decisão à adoção

nesses casos estudados foi o desejo de ser mãe.

Podemos inferir nesta pesquisa que na trajetória da adoção, a decisão, mais do que

uma escolha, se caracterizou como a alternativa para a concretização do desejo de ser

mãe de todas as pretendentes à adoção entrevistadas, mesmo para as que relataram que a

adoção era um projeto pessoal antigo, pois este estava ancorado no projeto maior de ser

mãe.

É possível especular que esse desejo de ser mãe, encontrado nos relatos de todas

as entrevistadas, pode estar assentado na representação social de família caracterizada

pelo modelo de família nuclear burguesa constituída por pai, mãe e filhos, em particular

na função e no papel da mulher como procriadora e genitora.

A função de mãe na família moderna ocidental, que envolve a procriação e os

cuidados pessoais à criança pela mãe, é uma construção social que se firmou ao longo do

tempo, como nos aponta Ariès:

[...] a criança tornou-se um elemento indispensável da vida quotidiana, e

os adultos passaram a se preocupar com sua educação, carreira e futuro.

Ela não era ainda o pivô de todo o sistema, mas tornara-se uma

personagem muito mais consistente [...] A família moderna, ao contrário

separa-se do mundo e opõe à sociedade o grupo solitário dos pais e filhos.

Toda a energia do grupo é consumida na promoção das crianças, cada

uma em particular, e sem nenhuma ambição coletiva: as crianças mais do

que a família [...] a vida familiar estendeu-se a quase toda a sociedade, a

tal ponto que as pessoas se esqueceram de sua origem aristocrática e

burguesa (ARIÈS, 1975, p. 189).

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A relação de cuidados e atenção à criança pela família tendeu a se estabelecer e se

consolidar como algo natural, sem historicidade, fundamentando assim o papel de mãe

atribuído à mulher na família, com a função procriadora e cuidadora de seus filhos, que

deve ser experenciada por todas as mulheres. Molda-se dessa forma uma concepção do

amor natural dos pais, em especial da mãe pelos filhos, como nos aponta Badinter:

[...] uma das melhores descrições da “boa mãe” e dos sentimentos é a que

fez Balzac nas Mémoires de deux jeunes mariées. Renée de l’Estorade é

aquela mãe ideal que se poderia propor como modelo a todas as mulheres

de seu século até o nosso [...] Embora Renée reconheça “que a esquecida,

nesta casa, sou eu”, a felicidade de seus filhos basta a sua. Melhor, é a

única condição desta. É por isso que Balzac põe na boca de outra heroína

sua, Louise, que não tem filhos: “uma mulher sem filhos é uma

monstruosidade; não fomos feitas senão para ser mães”. Renée não é,

portanto, considerada uma feliz exceção ou uma santa. Ela é a “norma”

que toda mulher deve imitar para obedecer a sua natureza. (BADINTER,

1985, p. 250 e 255).

O mito do amor materno como algo natural alicerçando a relação entre mãe e filho

se construiu por meio das relações sociais e se consolidou como uma representação social

dominante, que tende a normatizar condutas, proporcionando a sensação de completude ou

incompletude à medida que a mulher acredita que necessariamente sua satisfação pessoal

está relacionada à realização do exercício “natural” da maternidade por meio da procriação

e dos cuidados pessoais ao seu filho. Badinter afirma:

[...] essa profunda mudança de mentalidade teve dois tipos de

conseqüências. Permitiu a muitas mulheres viver sua maternidade com

alegria e orgulho, e encontrar a realização numa atividade doravante

prestigiada e considerada útil por todos. Não só a mulher tinha uma

função determinada, mas cada uma parecia insubstituível.[...] Por outro

lado, os discursos tão peremptórios e autoritários pronunciados sobre a

condição materna criaram em outras mulheres uma espécie de mal-estar

inconsciente. A pressão ideológica foi tal que elas se sentiram obrigadas a

ser mães sem desejá-lo realmente. Assim, viveram sua maternidade sob o

signo da culpa e da frustração. Talvez tenham feito o máximo esforço

para imitar a boa mãe, mas, não encontrando nisso a própria satisfação,

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estragaram sua vida e a de seus filhos [...] Seguros de suas certezas, os

ideólogos do século XIX aproveitaram a teoria da mãe “naturalmente

devotada” para estender mais ainda as suas responsabilidades. À função

nutrícia, acrescentaram a educação. Explicaram às mulheres que elas

eram as guardiãs naturais da moral e da religião e que da maneira como

educavam os filhos dependia o destino da família e da sociedade [...]

(BADINTER, 1985, p. 255 e 256).

A representação social da função da mulher na família como procriadora, em que

o amor por seus filhos é natural, tende a impor como comportamento a necessidade de

muitas mulheres exercerem a maternidade por meio da procriação e dos cuidados aos seus

filhos, na busca de uma sensação de completude.

Como nos aponta Moscovici (2003) as representações sociais assinaladas como

maneiras específicas de entender e comunicar um conhecimento, com significados que por

sua vez reproduzem esse saber, e o converte em comportamento compartilhado

socialmente, embasa a familiaridade com determinados contextos sociais e fundamenta

condutas sociais, na busca da sensação de pertencimento a um grupo social.

Essa situação foi identificada nos relatos das entrevistadas em que a

representação social de família se alicerçava necessariamente na concepção natural da

mulher como mãe, procriadora e cuidadora, e que deve ser responsável, juntamente ou não,

com seu cônjuge, pela educação de seus filhos. Nessa situação o exercício da função de

mãe é indispensável para a constituição de uma família.

Nos casos estudados, a busca do exercício da maternidade foi o motivador

imprescindível à decisão pela adoção de todas as entrevistadas.

4.3 – A preferência pela Faixa etária: certezas nas incertezas

Na análise da trajetória da adoção, constatamos como referência motivadora da

decisão pela adoção a família, alicerçada na concepção do amor natural das mães por seus

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filhos biológicos, o que também gerou implicações na escolha da faixa etária da criança a

ser adotada.

A representação social de família em que a função social de mãe atribuída à

mulher é naturalizada fundamenta a concepção de que filho verdadeiro é o filho biológico,

pelo qual naturalmente se tem amor (BADINTER, 1985). Por isso mesmo essa concepção

fundamentou, nos pesquisados, por certo período, a incerteza dos pretendentes à adoção de

conseguirem amar como filhos crianças não geradas por eles. No entanto, a certeza de que

mulher realizada precisa ser mãe, e que para se ter uma família completa é imprescindível

ter filhos, influenciou todos os pretendentes pesquisados em sua decisão pela adoção,

foram certezas gerando incertezas, e incertezas gerando certezas.

Essas certezas e incertezas puderam ser observadas quando a escolha da faixa

etária da criança a ser adotada pelos entrevistados, com exceção de Tatiane (grupo 2),

partiu a princípio do desejo de adotar um bebê, e que depois foi alterada por dois, dos três

casos do grupo 2, durante a trajetória de decisão pela adoção. Os demais entrevistados do

grupo 1 continuaram preferindo adotar uma criança menor de dois anos.

Os dois casos do grupo 2 (Margaria e Tiago) e (Fátima e José) que ampliaram a

faixa etária quando se habilitaram para adoção, relataram que a princípio desejavam um

bebê. Margarida inclusive deixa claro em seu relato sua crença no amor natural da mãe

pelo filho, provocando a incerteza de poder amar como filho uma criança que ela não

tivesse gerado. Tiago expõe suas incertezas de não conseguir amar o filho adotivo por ele

não ser biológico, afirmando que tais incertezas foram superados somente depois da

adoção.

Fátima em sua narrativa expõe sua certeza, em um determinado momento da

trajetória da adoção, de que o amor materno para se estabelecer necessitava da relação de

cuidado com a criança na fase de bebê:

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[...] eu sempre desejei ser mãe, eu achava que, inicialmente, tinha que ser

mãe genética, e depois...[...] porque eu passei tanto tempo sofrendo,

esperando, em uma situação que era tão fácil de se resolver, com medos,

medo de eu não amar como meu filho [...] mesmo eu estudando biologia,

sabendo que genética não é destino, mas, mesmo assim, eu tinha receio

de rejeitar meu filho, eu tinha [...] que se ele não fosse da minha barriga

eu não ia amá-lo como meu filho (MARGARIDA, grupo 2).

[...] mas, no momento em que ele veio, eu ainda tive receio de que: será

que eu vou gostar dele como se ele tivesse nascido da gente? Até porque

a gente escutava muita coisa, a gente escutava algumas situações, a gente

sabe que as pessoas não fazem por mal, mas acabam falando: “um dia

vocês vão ter o de vocês”, como se ele não fosse nosso! Então, aquilo, às

vezes, ainda me abalava um pouco, com o convívio mesmo com ele é que

eu posso te dizer, cem por cento, que acabou todo aquele receio. Porque

hoje eu sei que eu amo meu filho. E se saiu da barriga ou se não saiu, isso

não tem a mínima diferença para mim. Mas foi depois que, cem por

cento, foi depois que ele começou a viver com a gente. (TIAGO, grupo 2)

[...] quando eu pensava em adotar criança, eu tinha sempre aquela mesma

idéia que eu acho que parte de todo mundo que entra no processo de

adoção. Eu queria uma criança que fosse bebê, né, que fosse

pequenininha, que aí a gente já começa a criar hábitos, criar costumes, ela

passa a ter a nossa identidade, aquelas coisas, aquelas bobeiras, que tá na

cabeça da gente [...] por que eu pensava que eu não ia conseguir, aquela

historia que ele falou, eu pensava que eu não ia conseguir amar uma

criança se ela não fosse bebê, se não tivesse todo aquele processo, de

cuidar, de trocar, de vestir, de amamentar; aquele processo desde

pequenininha. (FÀTIMA, grupo 2).

Desse modo, é possível identificar que o amor filial natural, nos casos estudados,

se constitui numa importante referência, que provoca implicações na escolha da faixa etária

da criança a ser adotada. De acordo com os relatos dos pesquisados, a necessidade de

adotar um bebê funda-se na representação social de mãe como procriadora e cuidadora de

seu filho. Nessa relação o amor materno é considerado natural e estabelecido pelos laços de

sangue, alicerçando a crença de que para se amar um filho é preciso ter vínculos

consanguíneos. São certezas alicerçadas também na ausência de reflexão sobre as diversas

formas de se constituir uma família, e do estabelecimento de vínculos familiares. Como

nos aponta Weber:

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[...] o que se percebe é que as generalizações cotidianas, a falta de

preparo e reflexão anterior parecem ser determinantes e geradores do

temor à perda, fortalecendo os mitos dos laços biológicos como aqueles

“naturais” e “verdadeiros”. Assim os pais adotivos tentam, como

camaleões camuflar as relações e imitar uma família biológica. E com

isso passa-se a entender também o porquê de as adoções inter-raciais, de

portadores de deficiência e de crianças maiores serem tão raras [...] com

toda essa pressão, os pais passam mensagens ambivalentes aos seus filhos

adotivos, que embora felizes e satisfeitos, têm dificuldade em perceber

essa sua família como verdadeira [...] (WEBER, 1999, p. 111).

Na perspectiva de imitar a natureza, e a família biológica, se configura uma busca

para ter como filho adotivo um bebê, a fim de se aproximar o máximo possível da relação

de cuidado que se tem com um bebê consanguíneo, e assim se adequar ao modelo de

família dominante internalizado, constituído de pai, mãe e filhos biológicos, reproduzindo

especialmente a função da mulher como procriadora e cuidadora de seu filho.

Margarida (grupo 2) e Fátima (grupo 2), mesmo ainda alicerçadas na certeza de

que para se ter uma família completa é imprescindível ter filhos, reconfiguram suas

certezas em relação à faixa etária da criança a ser adotada, por meio da experiência com

crianças de outras faixas etárias, em que vínculos afetivos foram estabelecidos, e passaram

a vislumbrar a possibilidade de adotar uma criança maior de dois anos:

[...] eu fazia um tratamento porque eu queria ter um bebê, mas eu não

queria passar por tudo aquilo [...] como eu fui voluntária lá no abrigo, no

Começo Feliz, espaço de apoio infantil, da FUNCAP, eu convivi com

crianças tanto na faixa de dois a três anos quanto os maiores Os maiores,

eu percebia que eles eram mais sofridos, mais tristes, alguns passaram por

várias etapas de rejeição da família até que as famílias, realmente,

liberassem para adoção. Então, algumas crianças ali já tinham uma

história tão forte, tão pesada, que eu não queria [...]. E, nós, também nos

apaixonamos, na época, por uma criança de três anos e meio, o Antônio.

Eu costumava trazer crianças no final de semana para minha casa e o

Antônio foi um deles. E nós não adotamos o Antônio por insegurança,

por esses medos todos que eu falei e logo depois ele foi adotado por um

casal estrangeiro [...] mas essa faixa etária achei muito gostosa, por isso a

gente deixou até três anos (MARGARIDA, grupo 2).

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[...] e a gente teve uma outra experiência, também, né, de adoção, que foi

uma garotinha que a mãe queria dar porque ela não tinha condições de

criar. Essa garotinha ficou com a gente, ela ficou com a gente uns quatro

meses [...] ela desistiu, ela pegou a criança de volta, ela tinha dois anos

[...] aí a nossa mentalidade já não era mais criancinha [...] já não tendo

mais aquele vínculo, né, aquela bobeira mesmo que tem que ser

criancinha de dois meses, três meses, como não existia mais isso, a gente

resolveu por uma criança um pouco mais velha [...] foi um desafio, né,

aceitar uma criança de um ano e sete meses. A partir dalí a gente

começou ver que aquilo tudo era besteira, tudo aquilo era tolice da gente,

porque a gente consegue sim amar, a gente consegue se identificar, a

gente consegue sentir não uma criança adotada mas como nosso filho de

verdade [..] (FÁTIMA, grupo 2).

Ainda em relação aos casos em que os pretendentes à adoção se dispuseram a

adotar crianças maiores de dois anos, identificamos que todos tiveram convivência com

crianças abrigadas. Destes, em dois casos, Margarida e Tiago (grupo 2) e Fátima e Lenildo

(grupo 2) deixam clara a influência positiva dessa experiência no efeito de ampliar a faixa

etária da criança que pretendiam adotar.

[...] porque como eu falei: minha mãe freqüentava um orfanato no Rio.

Eu sempre fui com ela no orfanato para brincar com as crianças, para ter

convívio com as crianças [...] (TATIANE, Grupo 2).

[...] no abrigo, no Começo Feliz, espaço de apoio infantil, da FUNCAP,

eu convivi com crianças [...]. Eu costumava trazer crianças no final de

semana para minha casa [...] Eu comecei, também, a questionar os meus

amores por crianças que não eram minhas, como crianças do abrigo e que

eu amava, eu sentia uma saudade, ai eu comecei a ligar isso, que eu era

capaz sim, que independente da história dele, da mãe, que isso não era o

mais importante. Porque eu sentia saudade dessas crianças. Chegava lá

procurando por elas (MARGARIDA, Grupo 2).

[...] e a gente teve uma outra experiência, também, né, de adoção, que foi

uma garotinha que a mãe queria dar porque ela não tinha condições de

criar. Essa garotinha ficou com a gente, ela tinha dois anos, ela ficou com

a gente uns quatro meses, depois, quando a gente entrou no processo de

adoção, para adotá-la, já tinha todo o processo, ela desistiu, ela pegou a

criança de volta [...] aí, quando ela foi embora foi que a gente entrou com

o processo de adoção. Aí a nossa mentalidade já não era mais criancinha

[...] aí, eu conversei com ele e, já sabendo da dificuldade, né, que as

crianças têm no processo da adoção, porque eu trabalho na FUNCAP, eu

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vivencio muito isso; já não tendo mais aquele vínculo, né, aquela bobeira

mesmo que tem que ser criancinha de dois meses, três meses, como não

existia mais isso, a gente resolveu por uma criança um pouco mais velha

[..] (FÁTIMA, grupo 2).

Essa realidade constatada na pesquisa pode sinalizar que estratégias de

aproximação dos pretendentes à adoção à realidade de crianças e adolescentes

abrigadas,em particular de crianças maiores, pode ser um caminho para promover a aliança

de dois pólos de interesses na relação de adoção: o interesse de garantir à criança o direito

de viver e crescer em família, estabelecido em lei, e o interesse dos pretendentes à adoção

de se tornarem pais. A aliança desses interesses pode possibilitar que crianças maiores de

dois anos tenham ampliadas suas chances de serem adotadas.

Outro aspecto relevante constatado na análise da escolha da faixa etária da criança

a ser adotada é que o motivo apresentado por quase todos os pretendentes entrevistados,

inclusive os do grupo 2, para a grande incidência de preferência por crianças menores de

dois anos para adoção, seria o temor de traumas que as crianças apresentariam em

decorrência de um longo período de institucionalização, ou de experiências de violência e

negligência vividas em suas famílias de origem. Isto, inevitavelmente, dificultaria, ou

mesmo impediria a adaptação da criança maior a sua nova família.

[...] olha, de dois anos a minha faixa etária. Eu sempre dizia isso: eu

quero uma criança. Eu achava que nesse período você pode... aquela

história de: Ah! Que ele vai ser, ele pode ter sofrido muito, ficar com

trauma, era mais nesse sentido de evitar isso, que era essa a objeção [...]

porque a gente achava que já vinha assim com muitas marcas de algum

sofrimento, entende; que às vezes pode ser difícil de você não se adaptar

com aquela criança, porque o processo, acho que é mais demorado ainda

(IRACEMA, grupo 1).

[...] era um bebê, até dois anos ou possível meses [...] e uma criança com

umas características semelhantes às nossas [...] eu tenho muito medo às

vezes da discriminação das pessoas [...] eu queria uma criancinha que

tivesse uma característica igual a minha, a do pai dele, eu não tenho assim

uma coisa, um por quê [...] (CARMEM, grupo 1)

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[...] foi na faixa etária eu fechei, por causa de achar que seria mais fácil é,

é, é, vamos dizer, ele entrar na família, né, seria mais fácil ele se adaptar,

foi isso que eu pensei [...] seria mais difícil de ele se adaptar, fiquei

preocupada de chorar, de, de, de sentir, né, a questão da mudança do

ambiente, porque eu acho que a criança maior ela já vem com know-how

de vida, né, então eu achava que era mais complicado uma criança maior

(EDILMA, grupo 1).

[...] os maiores, eu percebia que eles eram mais sofridos, mais tristes,

alguns passaram por várias etapas de rejeição da família até que as

famílias, realmente, liberassem para adoção. Então, algumas crianças ali

já tinham uma história tão forte, tão pesada, que eu não queria [...] com

medo de ser uma criança como eu via lá. Uma criança que já carrega uma

bagagem de rejeição, alguns não. Mas eu tinha receio de trazer um filho

revoltado para dentro de casa, como tenho até hoje (MARGARIDA,

grupo 2)

[...] pra mim tanto faz uma ou duas, eu não me importava muito com isso.

Para mim o que seria difícil era se adaptarem, assim, de uma hora para

outra, porque já num certo tamanho, poderia não respeitar mais, ter

lembranças do tempo que tinham convivido com certas pessoas atrás

(JOSÉ, grupo 2) [...] que ela já vinha com vícios, que ela vinha com

costumes, que ela não ia conseguir me respeitar. Essas histórias que a

gente tem na mente (FÁTIMA, grupo 2)

[...] eu faço questão de menina. Eu quero uma menina nessa faixa etária

de quatro a cinco anos. Espero que seja uma criança bem dócil, uma

criança. Eu sei que vai vir com manias, costumes, mas que seja fácil de

eu conseguir manobrar dentro do que minha família segue, né. A única

coisa que eu espero é que não seja agressiva. A única coisa que eu peço. é

porque, como eu já tenho uma menina e ela já tem um tipo de vida,

assim, a gente fica com receio, né, de vir uma outra criança e essa

criança. Lá, lá, eles são totalmente independentes, né, então, se tiver que

pegar, eles pegam e batem para ter aquilo ali. E já lá em casa o costume é

outro, então, eu tenho muito medo. Quando eu falo de agressividade, é

disso. Lá, a minha é totalmente dependente ainda e uma criança de

orfanato é totalmente independente (TATIANE, grupo 2).

No estudo realizado constatamos assim dois elementos de singular importância

regulando a decisão pela faixa etária da criança a ser adotada: a representação social de

família nuclear burguesa, em que a função da mulher como mãe, procriadora e cuidadora

de seus filhos biológicos, é concebida como uma relação natural e uma condição essencial

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para o estabelecimento do vínculo de amor entre mãe e filho (BADINTER, 1985). Isto faz

com que muitas mulheres sintam a necessidade de um filho biológico para o exercício da

maternidade. Na impossibilidade de um filho biológico busca-se um bebê adotivo, com a

perspectiva de se aproximar da maternidade consanguínea e, portanto, de se adequar ao

modelo de mãe naturalizado. É interessante ressaltar que esse aspecto surge nos relatos

dos entrevistados, porém sem um processo reflexivo e, consequentemente, sem a

consciência dessa realidade influenciando sua decisão pela faixa etária da criança a ser

adotada, pois quando questionados sobre o motivo da escolha da faixa etária,

predominantemente se referiram ao temor de possíveis traumas que as crianças abrigadas

apresentariam.

Carmem (grupo 1) relata que escolheu uma criança na faixa etária até dois anos

porque temia os preconceitos de outras pessoas e desejava uma criança pequena com

características físicas semelhantes as suas e de seu marido, mas não sabia explicar o

motivo.

O medo de traumas irreversíveis adquiridos pelas crianças abrigadas, de difícil

superação, o que impossibilitaria a adaptação da criança à família adotiva, é o elemento de

destaque relatado pelos entrevistados como fator de influência na escolha da faixa etária da

criança a ser adotada por eles, e descrito como causa pela preferência de crianças até dois

anos de idade.

Esses dois elementos detectados na pesquisa sinalizam para a necessidade do

desenvolvimento de ações que gerem reflexões sobre as certezas estabelecidas que

configuram as representações sociais dominantes sobre a constituição de família e do

exercício da maternidade, direcionando comportamentos desconectados do conhecimento

de sua construção social e cultural.

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É necessário provocar um debate e uma reflexão sobre a realidade do ser humano

como ser social e histórico, como sujeito da história, que sofre diversas influências

culturais, econômicas, políticas no estabelecimento de suas relações sociais, e que constrói

formas de viver com o outro e com a natureza, e de constituição de família. Como nos

esclarece Sarti:

[...] na família, dão-se os fatos básicos da vida: o nascimento, a união

entre os sexos, a morte. É a esfera da vida mais naturalizada pelo senso

comum, onde parece que tudo se dá de acordo com a natureza, porque a

família regula atividades de base biológica, como o sexo e a reprodução

humana. A família constitui, então, um terreno privilegiado para estudar a

relação entre a natureza e a acultura. O que diferencia o homem, como ser

cultural, das outras espécies animais é que, embora tenha em comum com

eles esses fatos da vida, o homem escolhe como vai realizá-los, dentro

das alternativas dadas pelos limites da sua existência social (SARTI,

2003, p. 40).

Na mesma perspectiva, é preciso enfrentar a concepção dominante de que as

crianças que passam longos períodos institucionalizadas não são capazes de superar os

traumas decorrentes dessas experiências nem de estabelecer novos vínculos parentais, pois

os próprios estudiosos da área de psicologia não têm um consenso quanto a essa questão e

muitos apontam caminhos para superação de tais dificuldades (LEVINZON, 2004).

Dessa forma, as incertezas provenientes das certezas serão superadas e novas

certezas num processo dialético darão origem a novas incertezas, consolidando o processo

histórico de construção contínua da sociedade e das relações sociais que os homens

estabelecem entre si, inclusive de suas configurações familiares.

4. 4- Família e adoção: em busca de uma completude

Na análise histórica da adoção constatamos que por muito tempo a adoção estava

associada às necessidades dos adultos, especialmente dos que, em virtude de impedimentos

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biológicos não podiam gerar uma criança, o que os impossibilitava de transmitir seu legado

e patrimônio. Como nos aponta Schreiner:

Durante muitos séculos, talvez milênios, a adoção de uma criança foi

vista exclusivamente a partir do olhar do adulto que, não podendo gerar

um filho biológico, encontrava na filiação adotiva a oportunidade de

transmitir seu legado e seus bens. Isso não é uma prerrogativa do Brasil.

A humanidade assim via e vivia a adoção. Desde os primórdios, nos

Códigos legais mais antigos, o instituto da adoção fazia referência à

possibilidade de incorporar na família como filho, criança gerada por

outrem desde que existisse a impossibilidade de procriação. Esta é a

herança que carregamos e que permeia a adoção até os dias de hoje

(SCHREINER, 2004, p. 11).

Relacionada a essa concepção de adoção está a construção social de

representações sociais dominantes sobre a família, assentada particularmente na

constituição dos laços familiares a partir da consanguinidade. De certa forma, estes “laços

fortes” contribuem para a dificuldade de aceitação da adoção como uma forma de

constituição de família. Schreiner assinala:

[...] durante séculos, também o homem cultuou o sangue como um

elemento de fortalecimento de laços e de garantias de heranças

financeiras, culturais e históricas. Incorporar um ser estranho, gerado por

outros, com outra herança sanguínea, com marcas ou modelos

incorporados pela hereditariedade, passou a ser algo temido

(SCHREINER, 2004, p. 11).

Essa cultura do sangue, em que a concepção de família está fundamentada

essencialmente na constituição de vínculos consanguíneos, e em que os laços de sangue se

constituem como garantia de afeto, de heranças patrimoniais e culturais, inclusive de

personalidade, tende a se manifestar inclusive na cultura popular como por meio de

provérbios populares como: “quem sai aos seus não degenera”, “filho de peixe, peixinho

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é”, “tal pai tal filho”, “quem pariu Matheus que o embale”. Essas expressões tendem a

contribuir para o fortalecimento e a consolidação do mito dos laços de sangue como

determinantes da qualidade da relação, inclusive de afeto, entre pais e filhos.

Nessa análise é indispensável considerar que a concepção de família se constitui a

partir da vida em família e em comunidade, por meio da socialização primária e secundária

respectivamente (BERGER E LUCKMAN, 1985) que influenciam na forma de

socialização de seus membros entre si e com a sociedade.

A condição social, a história, a linguagem e os códigos morais da família, são

fatores importantes para a relação que esta estabelece com outras famílias, outras

instituições e os indivíduos. É factível inferir que as representações sociais de família das

pessoas que se disponibilizam a adotar uma criança são elementos que influenciam no

modo de adoção que tais pessoas realizam.

No início de nossa pesquisa partimos da hipótese de que, embora a família

nuclear burguesa fosse a representação social de família dominante entre os pretendentes à

adoção, considerávamos que entre os que aceitavam adotar crianças maiores de dois anos,

essa representação social de família se caracterizaria de forma mais flexível, o que os

tornaria mais acessíveis à constituição de outras formas de configuração de família.

No entanto, o estudo realizado apontou que a representação social de família

nuclear burguesa, constituída de pai, mãe e filhos biológicos, em que estão as funções

atribuídas à mulher de procriadora e cuidadora de seus filhos, é a representação social

dominante nos dois grupos estudados, independentemente da preferência da faixa etária à

adoção.

Essa constatação se deu ao analisarmos os dados coletados sobre família e o

significado de ser mãe e de ter filhos. Quando procuramos identificar que família os

entrevistados buscavam constituir, constatamos em todos os casos estudados que família

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essencialmente precisa ter filhos para ser completa e a mulher “naturalmente” deve ser

mãe. Isto foi observado nos relatos dos entrevistados quando definiram família e o

significado de ter um filho. Tal realidade tende a caracterizar a adoção nos casos estudados

como a busca de uma completude, para os entrevistados:

[...] acho que é a continuação, acho que é.., deixa eu ver, como é que eu

poderia te dizer, eu acho que é como se representasse a , a, a doação pro

outro, eu acho que é importante ter um filho porque é..., diminui teu

egoísmo, teu egocentrismo, é momento de ter uma preocupação com o

outro, de partilhar, de cuidar, de educar [...] a coisa que mais prezo

naquele tempo, é que eu sempre quis ter uma família grande, não é, e

sempre quis ter muitos filhos. É engraçado que eu sempre imaginei ter

muitos filhos, mas eu nunca tive muito concreto na minha cabeça ter um

companheiro para ter esses muitos filhos, entendeu? Eu sempre quis ter

muitos filhos, mas sempre a minha família aparecia isso, eu e os filhos,

nunca aparecia na minha imagem familiar, eu, marido e filhos [...] eu

acho que é a em relação aos problemas dos meus pais, então, é, as brigas

deles, né, essa dificuldade que eles têm muito grande de comunicação,

eles vivem em mundos opostos [...] O sentimento é de amor, é verdade,

sentimento de felicidade, é um sentimento que eu tive quando vi o Iago

em casa, né. O Iago foi, assim, aquela questão mesmo da realização de

um sonho né, eu me senti muito feliz com isso, muito feliz (EDILMA,

grupo 1)

Olha, eu não tinha noção do que seria uma família, depois que o Marcos

chegou [...] A família nossa era eu e o Paulo, sempre a gente querendo ter

um filho, mas, aquele filho sempre foi deixado, entende, até o ponto em

que eu disse: não! Vamos ter filho, já é o momento, entende, porque a

gente já sentia aquela necessidade. A gente viajava muito em lua de mel,

essa coisa toda, mas a gente, já depois, começou a sentir falta. Se era tão

bom, por que não ter o filho? [...] porque para completar a família. Eu

entendo assim: que a família é completa quando você passa pelo menos

alguma coisa para um ser, sabe, com vontade, quando a educação que

você imagina que possa dar para um filho, falta isso. Uma família tem

que ter um filho (IRACEMA, grupo 1).

[...] Também acho. Uma família sem filho, nem consigo imaginar, nem é

família. Eu e ela éramos família, até esquisito. Pra mim tem que ser, é,

pai, mãe, filho. Filhos, na verdade. Mas, já basta ter um filho pra gente já

considerar que tem uma família (PAULO, grupo 1).

[...] eu sempre desejei ser mãe, [...] e quando eu percebi isso, fui conhecer

esse mundo de ser mãe [...] e quando eu percebi que eu queria ser mãe, e

da forma que fosse, aí é que eu vi, é, é como se eu sentisse uma saudade

de algo que eu não sabia explicar, uma falta, uma carência, uma solidão e

eu entendi que ser mãe era muito mais que crescer na barriga [...] Ah! Eu

não sei te dizer porque que eu queria ser mãe. Não sei te explicar. Não sei

mesmo. Mas eu queria ser mãe [..] (MARGARIDA, grupo 2).

[...] quando foi um ano depois do casamento é que a gente começou a

pensar em programar um menino, um filho [...] Para ser família é preciso

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ter filhos? Não, se o casal achar que não precisa. Na minha concepção,

sim. Mas acredito que muita gente que não tem filhos é uma família. Não

deixa de ser uma família [...] O que é adoção? É uma junção de

interesses. Eu tinha interesse em ter um filho, ele tinha interesse em ter

uma família. Então a gente juntou esses interesses. E está vivendo como

uma família, porque a gente se tornou uma família. (TIAGO, grupo 2).

[...] Ah eu sempre quis ter filhos, né, eu sempre quis, ele não tinha

pensado porque ele tem, ele tem dois filhos, mas eu nunca tive filhos,

mas eu sempre tive essa vontade de ter uma família, né, ter filhos, ter um

marido, ter uma casa, trabalhar, eu sempre fui muito independente, então,

eu sempre pensava assim, casar, ter filhos, mas ter o meu trabalho, ter

minha casa, como eu te falei, tinha sempre muito esse lado doméstico da

minha mãe, muito forte, eu sempre quis ter uma união assim, cuidar do

meu marido, cuidar dos meus filhos, como eu via ela fazer com meu pai,

entendeu? Como eu via ela fazer comigo [...] (FÁTIMA, grupo 2)

[...] Família? Eu vejo a estrutura familiar assim: pai, mãe, filho, né. Mas,

por exemplo a minha estrutura familiar, hoje em dia, não é essa: é eu,

minha filha e meus pais. Então, eu pretendo um dia casar, ter uma

estrutura também para minha filha, mas, no momento, eu não tenho essa

estrutura. Mas eu acho isso importante [...] porque eu acho bom para

criança ter, ali, a figura paterna, a figura materna é bom para a criança ter

os pais presentes. Para mim foi muito bom isso e eu quero para minha

filha também [...] pra mim, minha filha é tudo, assim, pra mim. Acho que

é a responsabilidade, né, que a gente assume desde criança, acho que é

tudo. Não sei explicar em palavras [...] eu queria sempre ter uma filha

biológica e uma filha adotiva. Sempre falei isso, sempre tive isso na

minha cabeça (TATIANE, grupo 2).

Nessa perspectiva de busca de uma completude, três particularidades comuns se

destacam em todos os casos estudados: a impossibilidade de procriação, o desejo de ser

mãe, manifestado por todas as mulheres entrevistadas, e o fato de a decisão pela adoção ter

partido delas.

Essa decisão pela adoção centrada prioritariamente nas mulheres nos indica a

tendência de consolidação da representação social de família, em particular da

compreensão da função da mulher como procriadora e cuidadora de seu bebê como fator

indutor dessa decisão. Isto está expresso em seus discursos, ora de forma explícita, ora não

tão explícita.

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Quando expressaram seu desejo de ser mãe, algumas entrevistadas afirmaram que

não sabiam explicar por que desejavam ser mãe, demonstrando que de fato a representação

social da mulher “naturalmente” mãe está fortemente institucionalizada. Este “desejo de

ser mãe” desligado de sua historicidade naturaliza relações que são essencialmente sociais

e históricas. Não conseguindo realizar a análise crítica dessas relações, nem vislumbrando

outras formas de experenciar os diferentes papéis e funções dentro das instituições sociais,

tendem-se a gerar padrões de comportamentos e generalizações como é o “normal” ser

mãe, amar o filho, cuidar do filho, casar, e outras concepções fechadas como: “família sem

filhos não é família”, “famílias desestruturadas”, “famílias estruturadas”, como se o

conflito e as contradições não fizessem parte da relação familiar.

Nessa expressão, no desejo de ser mãe narrado por todas as entrevistadas está a

convicção de que, ao se tornar mãe, a mulher naturalmente se sentirá realizada, porque dará

vazão a um intenso e incondicional amor por seu filho, um amor que nasceria com o filho,

e a consequente constituição de uma família completa.

Uma das entrevistadas (Edilma, Grupo 1) até considerava que a família poderia

não se constituir essencialmente por pai, mãe e filhos, mas necessariamente deveria haver

mãe e filhos para se configurar como uma família, o que pode caracterizar que a família

mononuclear já se consolida como modelo de família presente socialmente, uma vez que,

por meio da realização da função da mulher como procriadora e cuidadora a família será

reproduzida.

Essa perspectiva tem fundamento no fato de que a reprodução da família como

instituição estaria mais centrada na mulher. Assim há um reforço da mulher como centro

da reprodução da família, pois independentemente de ter companheiro ou não, ela tem a

função de procriadora e cuidadora dos filhos e, portanto, a responsabilidade pela

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reprodução da família. Nos relatos dos entrevistados podemos observar a expressão do

desejo de todas em ter um filho:

[...] então isso foi acontecendo, as coisas foram acontecendo, eu no

primeiro casamento eu nunca pensei em ter filhos, eu nunca quis ter

filhos, a verdade é essa, eu nunca quis ter filhos [...]. Aí eu conheci o

Jaime, a gente conversou em ter filhos (CARMEM, grupo 1) [...] ela

queria, ela manifestou o desejo de ter um filho, né, aí nós conversamos, ai

eu digo seria legal (PEDRO, grupo 1)

[...] eu sempre quis ter uma família grande, não é, e sempre quis ter

muitos filhos (EDILMA, grupo 1).

[...] a família nossa era eu e o Paulo, sempre a gente querendo ter um

filho, mas aquele filho sempre foi deixado, entende, até o ponto em que

eu disse: não! Vamos ter filho, já é o momento, entende, porque a gente

já sentia aquela necessidade [...] (IRACEMA, grupo 1).

[...] eu sempre desejei ser mãe [...] e quando eu percebi que eu queria ser

mãe, e da forma que fosse, aí é que eu vi, é, é como se eu sentisse uma

saudade de algo que eu não sabia explicar, uma falta, uma carência, uma

solidão e eu entendi que ser mãe era muito mais que crescer na barriga

[...] Ah! Eu não sei te dizer porque que eu queria ser mãe. Não sei te

explicar. Não sei mesmo. Mas eu queria ser mãe [..] (MARGARIDA,

grupo 2).

[...] Ah eu sempre quis ter filhos [...] eu sempre tive essa vontade de ter

uma família, né, ter filhos, ter um marido, ter uma casa, trabalhar [...]

(FÁTIMA, grupo 2).

[...] pra mim, minha filha é tudo, assim, pra mim. Acho que é a

responsabilidade, né, que a gente assume desde criança, acho que é tudo.

Não sei explicar em palavras [...] eu queria sempre ter uma filha biológica

e uma filha adotiva. Sempre falei isso, sempre tive isso na minha cabeça

(TATIANE, grupo 2).

Nesses relatos verificamos que o desejo de ter filhos, de ser mãe, de todas as

entrevistadas está relacionado a uma busca de completude da família, o que pode indicar

que para elas família, para ser completa, necessita em sua configuração ser constituída por

filhos, associada á função da mulher como procriadora e responsável pelos filhos que

geraram e naturalmente amam.

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Diante do impedimento biológico para exerceram essas funções consideradas

naturais, que seriam inerentes a toda mulher, muitas tendem a buscar por meio da adoção

condições para exercerem tais funções, consideradas essenciais à sensação de realização

pessoal e de completude familiar e individual.

Analisando os seis casos estudados,como já relatado anteriormente, constatamos

que em quatro, com exceção de Edilma (grupo 1) e Tatiane (grupo2), a adoção foi

vislumbrada a partir da impossibilidade biológica para a procriação. A perspectiva de se

conseguir o filho que não foi possível pelas vias biológicas nos levou a procurar

compreender o significado de um filho para essas pessoas. Carmem, por exemplo, afirmou

que, mesmo que não houvesse impedimento biológico por parte de seu marido para a

procriação, preferia adotar uma criança, pois, embora tivesse vontade de ser mãe, não se

via grávida, porém não colocou a adoção como um projeto pessoal antigo, como fizeram

Edilma e Tatiane.

Desse modo, nos grupos pesquisados observamos que o significado de ter um

filho tem íntima relação com o desejo de ser mãe, e que ser mãe, especialmente para três

dos casos estudados (dois do grupo 2 e um do grupo 1), estava explicitamente

condicionado à procriação, à construção do vínculo paterno e materno pelos laços de

sangue, o que os levou à busca do filho biológico antes de decidirem pela adoção, por meio

de tratamentos médicos, como podemos observar em seus relatos:

[...] comecei a fazer indução ovulatória. Fiz vários ciclos de indução

ovulatória, não foram bem sucedidos. Depois passei para a inseminação

artificial, eu fiz uma só inseminação artificial, não deu certo, eu passei

logo para a fertilização in vitro, não deu certo e eu não quis mais fazer.

Não quis porque eu tomava hormônios, muita medicação. Eu não gostava

de tomar muito medicamento. Eu fazia um tratamento porque eu queria

ter um bebê, mas eu não queria passar por tudo aquilo. E até que desisti

[...] eu sempre desejei ser mãe, eu achava que inicialmente, tinha que ser

mãe genética, e depois...[...] porque, aquela questão de engravidar. É aos

poucos, com a.., pela maturidade, que a gente vai sentindo,

experimentando, você percebe que o desejo de ser mãe é maior do que ser

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uma mãe genética [...] eu me arrependo hoje, não sei se foi

amadurecimento, não sei, mas eu deveria ter tomado essa decisão há mais

tempo. Deveria mesmo [...] porque eu passei tanto tempo sofrendo,

esperando, em uma situação que era tão fácil de se resolver. Com medos,

medo de eu não amar como meu filho [...] mesmo eu estudando biologia,

sabendo que genética não é destino, mas, mesmo assim, eu tinha receio

de rejeitar meu filho, eu tinha [...] que se ele não fosse da minha barriga

eu não ia amá-lo como meu filho (MARGARIDA, grupo 2).

[...] mas no momento em que ele veio, eu ainda tive receio de que: será

que eu vou gostar dele como se ele tivesse nascido da gente? Até porque

a gente escutava muita coisa, a gente escutava algumas situações, a gente

sabe que as pessoas não fazem por mal, mas acabam falando: um dia

vocês vão ter o de vocês, como se ele não fosse nosso! Então, aquilo, às

vezes, ainda me abalava um pouco, com o convívio mesmo com ele é que

eu posso te dizer, cem por cento, que acabou todo aquele receio. Porque

hoje eu sei que eu amo meu filho. E se saiu da barriga ou se não saiu, isso

não tem a mínima diferença para mim, mas foi depois que, cem por

cento, foi depois que ele começou a viver com a gente [...] (TIAGO,

grupo 2).

[...] é tudo, ter filho é amor, é responsabilidade, é virar a vida do avesso,

mas de uma forma tão gostosa, sabe, tão gostosa. Às vezes tu tá tão

cansada, mas tu chega na tua casa, tu vê o sorriso do teu filho, passa tudo.

Pode tá cansada do jeito que for, mas tu tens que dar atenção para ele [...]

eu comecei fazendo os tratamentos aqui em Belém, na verdade. Aí eu tive

insucessos aqui; depois eu fui para Porto Alegre, um centro muito bom

em Porto Alegre, mas, na verdade, não deu certo, devido stress; isso gera

muito stress [...] porque eu não conhecia o quanto é bom você ter um

filho de qualquer forma que ele seja, você sempre quer ter biológico [...]

não, eu não achava porque tinha que ser biológico. Eu queria ter um filho,

e esse filho, naturalmente, poderia vir biologicamente [...] eu fui na busca

do tratamento por causa dele, no sentido de que ele queria o biológico.

[...] então, sempre eu achava como eu sou bióloga: ah! Eu posso fazer

tratamento, fazer isso, isso não é problema, né. Hoje em dia a mulher

pode ter filho até quarenta anos. Mas não é verdade, nem tudo pode

acontecer da mesma forma como a gente pensa, né. Aí nós tivemos

insucessos reprodutivos e foi quando já eu comecei a pensar na adoção

(IRACEMA, grupo 1)

[...] e depois eu descobri que o importante não é a herança genética que

você tem que deixar e sim a educação que você vai dar para essa pessoa.

Ensinar o que é amor, o que é carinho, o que é a sociedade e dar um

embasamento mesmo, ser companheiro (PAULO, grupo 1).

[...] eu tenho micropolicistos, né, que dificulta a gravidez, mas que não

impede. Eu poderia ficar grávida, mesmo tendo micropolicistos, mas

nunca engravidei [...] Tentei, a gente tentou uns dois anos [...] fiz

tratamento, tomei medicação. Só não fiz inseminação [...] eu queria ter

uma criança, assim, para ter do meu lado, para ser mãe, para educar, para

eu dar tudo que eu tenho de melhor, de carinho, né, que eu recebi dos

meus pais, que eu tinha isso muito forte. Eu queria repassar para ela.

Então, ser mãe hoje, para mim, é uma felicidade. [...] quando eu pensava

em adotar criança, eu tinha sempre aquela mesma idéia que eu acho que

parte de todo mundo que entra no processo de adoção, eu queria uma

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criança que fosse bebê, né, que fosse pequenininha, que aí a gente já

começa a criar hábitos, criar costumes, ela passa a ter a nossa identidade,

aquelas coisas, aquelas bobeiras, que tá na cabeça da gente, né. [...] Por

que eu pensava que eu não ia conseguir, aquela historia que ele falou, eu

pensava que eu não ia conseguir amar uma criança se ela não fosse bebê,

se não tivesse todo aquele processo de cuidar, de trocar, de vestir, de

amamentar, aquele processo desde pequenininha [...] (FÁTIMA, grupo 2)

Nesses relatos observamos que a representação social do amor natural dos pais

pelos filhos, em que os laços afetivos entre pais e filhos são naturais, portanto descolados

de seu processo social e histórico (BADINTER, 1985), mostrou-se institucionalizado

direcionando condutas. Isto tendeu a provocar o temor de não amar como filho uma criança

que não seria gerada por eles, e a consequente necessidade de um filho biológico. Essa

representação social é reforçada por outras instituições sociais, como nos aponta

Romanelli:

[...] presente nas representações do senso comum, o afeto materno pelos

filhos é algo que encontra apoio na religião e é reforçado pelo saber

científico, de cunho psicológico, psicanalítico e pedagógico. Como a

autoridade masculina, a afetividade materna é considerada natural, já que

o vínculo entre mãe e filho é naturalmente dado na reprodução biológica

(ROMANELLI, 2003, p.84)

Dessa forma, o medo de não amar o filho adotivo pode encontrar embasamento no

modelo de maternidade preponderante nas sociedades ocidentais contemporâneas, que é

alicerçada na concepção de que o afeto pelo filho é natural, e que nasce com a criança,

desconsiderando que amor materno, paterno filial são construções sociais, e que, portanto

sofrem diversas influências do contexto em que estão inseridos, e se consolida na relação

do dia-a-dia com o outro (BADINTER, 1985).

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Assim, é preciso fomentar um diálogo entre dois fatores: a vontade de satisfazer o

desejo de ser mãe, de ser pai, de “completar” a família (uma vez que muitos que buscam a

adoção acreditam que família completa é família com filhos) com o desejo e a necessidade

de crianças desprovidas da oportunidade e do direito de viver família. Isto porque

observamos neste estudo que a decisão pela adoção, na maioria dos casos estudados, estava

fundamentada muito mais na busca da satisfação da completude pessoal dos pretendentes,

por meio do exercício da função de mãe e de pai, do que propriamente na compreensão dos

efeitos sobre a garantia de um ambiente sócio-familiar propício ao desenvolvimento da

criança.

No entanto, como as relações sociais não são relações dadas, mas construídas na

relação com o outro, com influências diversas nessa construção, novas perspectivas podem

ser vislumbradas e construídas a partir de experiências com realidades distintas, que

colocam em confronto as certezas consolidadas como naturais (BERGER E LUCKMAN,

1985).

Desse modo, a certeza produzida pelo mito de que para amar como filho é

imperativo que ele seja biológico pode ser desconstruída, por meio da efetivação de

experiências de convívio com a realidade de crianças abrigadas, como observamos em três

dos casos estudados, em que tais certezas foram desmontadas por meio da experiência de

estabelecimento de vínculos com crianças sem laços consanguíneos, como podemos

ressaltar em seus relatos: (Edilma, Margarida e Fátima):

[...] quando eu pensava em adotar criança, eu tinha sempre aquela mesma

idéia que eu acho que parte de todo mundo que entra no processo de

adoção. Eu queria uma criança que fosse bebê, né, que fosse

pequenininha, que aí a gente já começa a criar hábitos, criar costumes, ela

passa a ter a nossa identidade, aquelas coisas, aquelas bobeiras, que tá na

cabeça da gente, né. Aí, depois que teve essa situação dessa criança que a

gente ficou com ela. Ela tinha,na época, um ano e sete meses, ela ficou

cinco meses com a gente [...] saiu com dois anos e pouco, né. Aí, quando

ela foi embora foi que a gente entrou com o processo de adoção. Aí a

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nossa mentalidade já não era mais criancinha [...] como ela sendo grande,

né, a gente criou amor, criou afeição, criou vínculo [...] Então, a gente

percebeu que não importa se ela tem um ano, dois anos, três anos, no

momento que ela entrasse na nossa vida ela ia fazer parte da nossa

história (FÁTIMA, grupo 2).

[...] o meu pai me passou muito isso. Meu pai sempre dizia assim, que

filho era aquele que a gente tinha amor, independente de sair da barriga

ou não, meu pai sempre falava isso [...] a minha família de origem, nós

somos quatro irmãos, né, aí, eu sou a terceira, sou a única filha mulher,

meu irmão mais velho é filho adotivo do meu pai, né, da minha mãe, foi

lá adoção tardia meu pai é... não fez a legalidade [...] Ah eu, eu gosto

muito do Julio, o Julio , ele , ele, sempre foi o protetor da gente, ele era

mais velho, né, do que a gente, ele sempre tomava conta, o Julio era

aquele que substituía o papai [...] e a outra coisa é que eu nunca senti

diferença do amor que eu tinha por ele como tenho pelos meus irmãos, às

vezes eu tenho.., tem coisa que eu tenho mais afinidade com o Julio do

que com os outros [...] (EDILMA, Grupo 1).

[...] eu comecei também a questionar os meus amores por crianças que

não eram minhas, como crianças do abrigo e que eu amava, eu sentia uma

saudade, ai eu comecei a ligar isso, que eu era capaz sim, que

independente da historia dele, da mãe, que isso não era o mais

importante, porque eu sentia saudade dessas crianças (MARGARIDA,

grupo 2).

Dessa forma, as representações sociais institucionalizadas podem sofrer

mudanças, à medida que novos conhecimentos são assimilados, seja pelo exercício

reflexivo de produção de conhecimento acadêmico, seja pelo acúmulo de experiências com

essa realidade, como foi constatado em dois casos estudados, Margarida e Tiago ( grupo 2)

e Fátima e José (grupo 2). Para eles o estabelecimento de relacionamentos com crianças

sem laços consaguíneos (abrigadas ou não), em que se estabeleceram vínculos afetivos,

contribuiu para a mudança dessa representação social de filho biológico como legítimo,

influenciando em suas decisões pela adoção. Isto pode se configurar em caminhos para

desconstruir certezas alicerçadas em mitos, medos e preconceitos.

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Considerações Finais

A finalidade desta pesquisa foi identificar as representações sociais dominantes de

família dos pretendentes à adoção, com a perspectiva de analisar as implicações dessas

representações sociais no processo de escolha da faixa etária da criança a ser adotada, em

particular de crianças maiores de dois anos, na cidade de Belém.

No aspecto metodológico, considerando a complexidade da temática da adoção

devido à relação com outras questões correlatas (como o abandono e a institucionalização

de crianças), realizamos um recorte dessa temática – a adoção tardia, delimitando o estudo

nas representações sociais de família e a relação destas com a decisão e forma de realizar a

adoção. Como já afirmado anteriormente, esta escolha se fundamentou na constatação

empírica da grande preferência dos pretendentes por adoção de crianças menores de dois

anos. Ainda dentro do aspecto metodológico, a interlocução com estudos sobre a Teoria da

Representação Social e sobre a constituição histórica de representações sociais de família

foram caminhos importantes para compreensão e análise dos dados coletados.

No processo de busca de informações (por meio de levantamento de dados nos

processos de adoção contidos no cadastro de pretendentes à adoção da 1ª Vara da Infância

e Juventude, e com o uso de entrevistas semi-estruturadas), três elementos se destacaram

comuns a todos os casos estudados: a impossibilidade para a procriação, o anseio de ser

mãe manifestado por todas as entrevistadas, e o fato de a decisão pela adoção ter partido

delas, o que nos indicava a singular relevância da resolução da mulher na trajetória da

adoção.

Nesse exercício acadêmico, outros aspectos foram revelados, como a concepção

de que o amor entre mãe e filhos é natural e, portanto, a crença que este sentimento deve

nascer com o bebê, revelando que entre os entrevistados a função da mulher como

procriadora e cuidadora de seus filhos tende a estar fortemente institucionalizada como

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uma manifestação naturalizada, o que teria contribuído para que três dos casos estudados,

antes de decidirem pela adoção, tentassem exercer essa função de procriação por meio de

tratamentos médicos, no entanto sem sucesso.

As representações sociais se constituem em formas específicas de apreender e

informar um conhecimento com significados, reproduzindo esse saber, e convertendo-o em

conduta, compartilhada socialmente (MOSCOVICI, 2003). Isto pôde ser identificado entre

os pesquisados por meio da exposição de uma expressão da função da mulher que era

compartilhada pelos entrevistados.

No caso, a função da mulher na família como procriadora e cuidadora de seus

filhos se configurou como uma representação social acentuadamente institucionalizada que

era compartilhada por todas as entrevistadas. Uma função introjetada de forma

desarticulada de sua constituição histórica, o que tendia ao direcionamento de condutas e

concepções naturalizadas sobre família e sobre as funções de seus membros.

Essa naturalização de relações sociais e históricas no contexto da família

fundamenta a representação social de que a mulher, necessariamente, deve ser mãe por

meio da procriação, pois faz parte de sua natureza ser mãe e ter por seu filho um amor

incondicional, alicerçando assim o mito dos laços de sangue como base imprescindível

para a constituição de vínculos afetivos entre pais e filhos, especialmente entre mãe e filho

(BADINTER, 1985).

Ariès (1975) em seus estudos mostrou que nem sempre a sociedade, em particular

a ocidental, reconheceu a criança como um sujeito de direito, nem suas condições

peculiares de desenvolvimento, destinando á criança um lugar de pouca importância na

família. Esse lugar da criança na família também se refletia na relação entre pais e filhos

em que a solicitude destinada à criança não se caracterizava com grandes expressões de

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atenção e carinho como em nossos dias, uma vez que cedo eram inseridas no mundo dos

adultos.

Sob a influência dos moralistas, que incentivavam os cuidados e a disciplina da

criança, esta passou a ser foco de atenção diferenciada pela família, para que uma nova

relação entre mãe e filho em particular se estabelecesse. Institucionalizou-se assim, a

função da mulher na família como procriadora e cuidadora de seus filhos. A mãe

pessoalmente passou a ser responsabilizada socialmente e a se responsabilizar pelos

cuidados e educação de seus filhos.

Os estudos sobre família e Infância nos possibilitam um percurso para a

compreensão de elementos históricos constituidores da concepção atual de família e de

infância, e consequentemente a desconstrução da naturalização de relações sociais

históricas constituídas como a relação entre mãe e filhos.

Neste processo investigativo constatamos que a representação social de família

nuclear burguesa, composta por pai, mãe e filhos biológicos em que os vínculos afetivos

entre pais e filhos se estabelecem por meio da consanguinidade, configurou-se na

representação de família de todos os pesquisados e, como tal, desarticulada dos elementos

históricos constitutivos dessa instituição.

Segundo os pretendentes pesquisados, para que uma família seja completa é

imprescindível ter filhos. Ainda dentro da concepção de completude, estão as funções da

mulher na família como procriadora e cuidadora de seus filhos, funções que tendem a

fundamentar a necessidade considerada natural de toda mulher ser mãe para se sentir

completa e realizada. Com base nessa concepção construímos o mosaico abaixo em que os

entrevistados expressam sua concepção de família e de ser mãe:

“ eu sempre quis ter uma família grande, não é, e sempre quis ter muitos filhos”,

“uma família tem que ter um filho”, “também acho. Uma família sem filho, nem

consigo imaginar, nem é família. Eu e ela éramos família até esquisito. Pra mim

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tem que ser, é, pai, mãe, filho” , “eu sempre desejei ser mãe, [...] e quando eu

percebi que eu queria ser mãe, e da forma que fosse, aí é que eu vi, é, é como se

eu sentisse uma saudade de algo que eu não sabia explicar, uma falta, uma

carência, uma solidão [...] Ah! Eu não sei te dizer por que que eu queria ser mãe.

Não sei te explicar. Não sei mesmo. Mas eu queria ser mãe” , “Para ser família é

preciso ter filhos? Não, se o casal achar que não precisa. Na minha concepção,

sim. Mas acredito que muita gente que não tem filhos é uma família. Não deixa de

ser uma família”, “mas eu sempre tive essa vontade de ter uma família, né, ter

filhos, ter um marido, ter uma casa, trabalhar, eu sempre fui muito independente

[...] tinha sempre muito esse lado doméstico da minha mãe, muito forte, eu sempre

quis ter uma união assim, cuidar do meu marido, cuidar dos meus filhos, como eu

via ela fazer com meu pai, como eu via ela fazer comigo” , “Família? Eu vejo a

estrutura familiar assim: pai, mãe, filho, né. Mas, por exemplo a minha estrutura

familiar, hoje em dia, não é essa, é eu, minha filha e meus pais. Então, eu pretendo

um dia casar, ter uma estrutura também para minha filha, mas, no momento, eu

não tenho essa estrutura, mas eu acho isso importante”.

Nessa linha de investigação a adoção para os entrevistados tendeu a se

caracterizar como a alternativa para a busca de uma sensação de completude, influenciando

de forma singular na escolha da faixa etária da criança a ser adotada. À medida que os

pretendentes buscavam se adequar ao modelo de família baseada na constituição de

vínculos consanguíneos preferiam bebês, com a perspectiva de se aproximaram o máximo

possível daquele modelo de família.

Esses dados podem nos indicar que os pretendentes à adoção estão nessa trajetória

de adoção voltados essencialmente para a satisfação de necessidades ainda cristalizadas em

modelos tradicionais de família, sem considerar outras formas de constituição de uma

família possível, dentro de uma determinada conjuntura. Podemos ainda indicar que, para

os pretendentes à adoção, a realidade de crianças institucionalizadas, o direito e

necessidade de conviver em família de crianças abrigadas que perderam de forma

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definitiva a proteção de suas famílias de origem não são considerados em sua decisão de

adoção.

Dessa forma, esses são os elementos que podem estar mediando relações de

adoção. São elementos que devem ser considerados no planejamento e na implantação de

políticas públicas para essa área, com a perspectiva de se construir uma nova cultura da

adoção em que se possibilite uma aliança entre o desejo dos pretendentes de se tornarem

pais e o direito à convivência familiar de crianças e adolescentes que se encontram

destituídos da experiência de serem filhos.

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______________. Aspectos psicológicos da adoção – 1ª edição. Curitiba, Juruá, 2003.

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Anexos

Anexo 1- Roteiro de entrevista com pretendentes à adoção para pesquisa de campo da

Dissertação de Mestrado. Família e adoção: implicações da representação social de

família na adoção.

Roteiro de Entrevista

Dados de identificação:

Nomes:________________________________________________________________

________________________________________________________________

Estado civil:____________________________________________________________

Idade:____________________ e ___________________________________________

Profissão:____________________________ e________________________________

Composição familiar Atual:_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

1- Conte um pouco de sua história familiar, como era sua família? Como foi sua

infância?

2- Como era o relacionamento com seu pai? O que vocês faziam juntos? Passeavam?

Você visitava seu pai no local de trabalho? Qual era a profissão dele? Você era

muito danado(a)? Apanhava quando fazia algo que o desagradasse?

3- E com a sua mãe como era o relacionamento com ela? O que vocês costumavam

fazer juntos? Ela trabalhava fora de casa? Você a visitava em seu local de

trabalho? Qual era a profissão dela? Você apanhava quando fazia algo que a

desagradasse?

4- Qual é seu ideal de pai? O que é o pai pra você?

5- E mãe, qual é seu ideal de mãe? O que é a mãe pra você?

6- Vamos falar um pouco de vocês como casal: quanto tempo estão casados (ou união

estável)?

7- Antes de vocês casarem (ou se unirem) como vocês imaginavam que seria a

família de vocês?

8- E agora como é a família de vocês?

9- Vocês acham que a família de vocês é diferente ou igual a dos seus pais? Falem

um pouco dessas semelhanças (ou diferenças).

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10- O que é família para vocês?

11- O que é ter um filho para vocês?

12- Vamos falar um pouco de adoção? Há histórico de adoção na família de vocês? Foi

positivo? Influenciou na decisão de vocês adotarem uma criança?

13- O que fez vocês decidirem adotar uma criança?

14- Se mencionado impedimento biológico para conceber filhos: Foi difícil pra vocês

saber da impossibilidade biológica de ter filhos? Como foi a reação de vocês?

15- Quanto tempo levou do momento do conhecimento do impedimento biológico para

ter filhos até a decisão de adotar uma criança? Vocês se submeteram antes a algum

tratamento médico para reverter a impossibilidade biológica de ter filhos?

16- Como é a criança que vocês querem adotar?

17- Se já tiverem adotado: Como era a criança que vocês queriam adotar? A criança

que adotaram é como vocês imaginavam?

18- Vocês pretendem revelar a (o) seu filho sua história de adoção? Por quê? Se sim

Quando e como?

19- Você revelou aos seus amigos e pessoas de seus relacionamentos que adotou uma

criança? Por quê?

20- O que é adoção para você?

Anexo 2- Roteiro de entrevista (com profissionais da 1ª Vara da Infância e Juventude)

para pesquisa de campo da Dissertação de Mestrado. Família e adoção: implicações da

representação social de família na adoção.

Roteiro de Entrevista

1) Seu nome Por favor:

2) Qual sua Profissão?

3) Qual o seu local de trabalho?

4) Qual é o seu cargo?

5) Há quanto tempo você trabalha neste Juizad da Infância e Juventude?

6) E em que consiste o teu trabalho nos processos de habilitação pra adoção?

7) E no processo de adoção, no que consiste seu trabalho?

8) E o que é adoção pra você?

9) Como era que se concretizava a adoção antes do Estatuto da Criança e do adolescente?

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10) E depois do estabelecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, quais as

diferenças mais marcantes no processo de adoção?

11) Qual o perfil predominante de criança pretendida pra adoção?

12) Até que faixa etária?

13) Você percebe alguma mudança no perfil da criança pretendida pra adoção ao longo

dos últimos quatro anos?

14) E a que tu atribuis essa mudança?

15) Vamos falar um pouco do perfil dos pretendentes à adoção, qual é o perfil dos,

predominante dos pretendentes à adoção? Estado civil, escolaridade, classe social.

16) Vamos falar um pouco dessa mudança, quer dizer então que os pretendentes nos

últimos três, quatro anos, cinco anos são diferentes dos anteriores anos?

17) A que você atribui essa mudança?

18) Esse pretendente chega mais esclarecido do que anos atrás sobre adoção?

19) E quais são as principais dificuldades apresentadas pelos pretendentes em relação à

adoção?

20) Quais as motivações predominantes dos pretendentes à adoção? Por que eles querem

adotar na sua grande maioria?

21) E segundo a sua experiência que significa pra esses pretendentes ter um filho?

22) E família como os pretendentes concebem o que é uma família?

23) E eles planejam contar pro filho que ele é um filho por adoção, revelar a história de

adoção, ou na maioria planejam não falar sobre o assunto?

24) E por que na sua opinião antes os casais ou as pessoas que adotavam escondiam dos

filhos suas histórias de adoção?

25) Como os pretendentes em sua maioria entendem a adoção?

26) Os pretendentes a adoção têm resistência a adotar crianças maiores de dois anos?

27) E por que essa resistência?