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Universidade Federal do Pará Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento EFEITOS DA CONSEQUÊNCIA CULTURAL SOBRE A SELEÇÃO DE CONTINGÊNCIAS COMPORTAMENTAIS ENTRELAÇADAS EM UM CONTEXTO DE DESCRIÇÃO DA METACONTINGÊNCIA Mariana Espíndola Gonçalo Belém, Pará 2015

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Universidade Federal do Pará

Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento

Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento

EFEITOS DA CONSEQUÊNCIA CULTURAL SOBRE A SELEÇÃO DE

CONTINGÊNCIAS COMPORTAMENTAIS ENTRELAÇADAS EM UM

CONTEXTO DE DESCRIÇÃO DA METACONTINGÊNCIA

Mariana Espíndola Gonçalo

Belém, Pará

2015

ii

Universidade Federal do Pará

Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento

Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento

EFEITOS DA CONSEQUÊNCIA CULTURAL SOBRE A SELEÇÃO DE

CONTINGÊNCIAS COMPORTAMENTAIS ENTRELAÇADAS EM UM CONTEXTO DE

DESCRIÇÃO DA METACONTINGÊNCIA

Mariana Espíndola Gonçalo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Teoria e Pesquisa do

Comportamento, como parte dos requisitos para a

obtenção do título de Mestre em Teoria e Pesquisa

do Comportamento.

Área de Concentração: Psicologia Experimental

Orientador: Prof. Dr. Emmanuel Zagury Tourinho

Belém, Pará

2015

ii

Trabalho financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior – CAPES

iii

Agradecimentos

Aos meus pais, Silvia e Dida, e meus irmãos, Guto e Tom, que sempre me apoiaram

nessa aventura que foi sair de casa e morar em Belém. Meus queridos tios, Maria e Osmar, a

Tavinha, minha prima-irmã, e aos primos mais lindos Mazinho e Marco.

Aos amigos de Petrolina, que sempre me recebiam e se despediam calorosamente,

mesmo quando eu só passsava quinze dias longe. Agradeço a Nate e Mai, pelos bolos de

chocolate e as aconchegantes e intermináveis conversas na madrugada, a Thay pela coca-cola-

Mel-edredon-contar-moedas-para-beber-na-praça, netflix-ao-vivo, cantar-na-rua e o guarda-

chuva de nuvens, a Rá e Ricardo, que mesmo cansados sempre davam um jeito de me ver,

Julinha e Luiz, pela divertida companhia, mesmo longe, sentia vocês por perto.

Aos amigos que ganhei em Belém, por fazer essa experiência um pouco menos aversiva.

A Thaisinha, a melhor surpresa que eu poderia ganhar nesse período, foi minha irmã-mãe-amiga

durante todo esse tempo. Eu teria endoidado sem você! Obrigada pelo ombro amigo, pelas

cervejas, almoços, revisões, paciência... Quero sua amizade pra sempre! Felipe, que alegrava

meus dias com sua leveza e sua música. Pati, irmã de signo, sempre disposta a me ouvir e a me

emprestar a sua família, incluindo a Meg, quando eu mais precisava. Izabel e Didi, por todo

companheirismo e amizade, vocês são os anjos da guarda de todos os “retirantes” da Univasf!

Carolzinha, minha doppelgänger, a última temporada em Belém foi só alegria com você. Eliza,

obrigada pela ótima companhia nos dias chuvosos e por me apresentar ótimas cervejas. A Lidi

e Felipe Leite pelo acolhimento, Laura nos emprestou seus pais e seu lar durante um bom tempo.

Às queridas Taynan e Holga, vocês são simplesmente maravilhosas. Obrigada!

A Angelo Sampaio, meu estimado orientador de Iniciação Científica, pelo incentivo e

por sempre acreditar na minha capacidade, mesmo quando eu duvidava que ela existia! Haha.

Aos antigos e novos colegas do LACS que me auxiliaram nas coletas longas e trabalhosas,

agradeço especialmente a Paula, pelo auxílio e apoio em momentos cruciais, a Felipe Costa,

pelo carinho e dedicação aos meus inúmeros pedidos, a Gehazi, pelas ótimas discussões e por

me fazer ver além do comum, e Felipe Leite, que além de uma companhia incrível, sempre

esteve disponível para nos ajudar no laboratório. Aos participantes da pesquisa, que

disponibilizaram seu tempo pra auxiliar uma pesquisadora inciante.

iv

Aos professores Carlos, Tonneau, Marcus, Carla, Ana Leda e meu conterrâneo querido,

Grauben, pelos ensinamentos e dispobibilidade. A Laércio, Celina e as meninas da secretaria

por me ajudarem a descascar os pepinos burocráticos.

A meu orientador Emmanuel Tourinho, quando lembro que há pouco mais de dois anos

ser sua orientada era um sonho distante, acredito que posso alcançar meus objetivos. Obrigada

por toda orientação, atenção e disponibilidade.

Aos membros da banca, por nos ajudarem a melhorar a qualidade deste trabalho, e da

ciência da Análise do Comportamento no Brasil.

v

RESUMO

Gonçalo, M. E. Efeitos da consequência cultural sobre a seleção de contingências

comportamentais entrelaçadas em um contexto de descrição da metacontingência. Dissertação

de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento,

Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil. 49 páginas.

O comportamento verbal tem sido apontado como a cola necessária para a evolução cultural, o

que torna indispensável a sua investigação por uma ciência do comportamento que se ocupe de

processos culturais. Apesar desse reconhecimento, há ainda poucas descrições das funções do

comportamento verbal nos estudos experimentais de seleção cultural. Esses estudos têm tomado

como referência o conceito de metacontingência, que descreve relações entre contigências

comportamentais entrelaçadas (CCEs), seu produto agregado (PA) e uma consequência cultural

(CC) contingente ao entrelaçamento, liberada por um sistema receptor externo ao

entrelaçamento. Nos estudos já realizados, demonstrou-se que CCs podem afetar a

probabilidade de recorrência das CCEs e seus PAs. A fim de estender esses achados, levando

em conta algumas possíveis funções do comportamento verbal, no presente projeto investigou-

se o efeito de CCs na seleção de CCEs em contextos de demanda e não demanda externa por

descrição das metacontingências programadas. Para tanto, universitários compuseram duas

microculturas, com três componentes cada, que foram expostas a uma tarefa de escolha de

linhas em uma matriz. As condições experimentais incluíam a exposição a arranjos de

metacontingências que aumentavam gradualmente de complexidade e, em duas dessas

condições, havia o pedido de descrição da metacontingência. Os resultados da primeira

microcultura apontam seleção de CCEs e seus PAs em três condições, duas delas com demanda

de descrição, e em uma condição, também com descrição, na segunda microcultura. As

descrições corretas emitidas pelos participantes foram contíguas e parecem ter contribuído para

a recorrência do entrelaçamento alvo. Condições com suspensão de consequências culturais

apresentaram altas taxas de CCEs e seus PAs, em acordo com a metacontingência anteriormente

em vigor, possivelmente devido ao acesso aos registros dos participantes e a um processo

análogo ao de resistência à extinção.

Palavras-chaves: metacontingência, análise comportamental da cultura, comportamento verbal.

vi

ABSTRACT

Gonçalo, M. E. Effects of cultural consequence on the selection of interlocked behavioral

contingencies in a context of metacontingency description. Master’s Thesis. Behavior Theory

and Research Graduate Program, Federal University of Pará, Belém, PA, Brasil. 49 pages.

Verbal behavior has been identified as the necessary glue to the cultural evolution, which makes

it essential to investigation for a behavior science that deal with cultural processes. Despite this,

there are few descriptions of the functions of verbal behavior in experimental studies of cultural

selection. These studies have taken as reference the concept of metacontingency, that describes

the relations between Interlocking Behavioral Contingencies (IBCs), their Aggregated Product

(AP) and a Cultural Consequence (CC), released by an external receiving system. In previous

studies, it was demonstrated that CC can affect the probability of recurrence of IBCs and their

APs. In order to extend these findings considering some possible functions of verbal behavior,

we investigated the effect of CCs in the selection of IBCs in demand and not demand contexts

for description of programmed metacontingencies. For this purpose, college students composed

two microcultures with three components each, and were exposed to a task of lines selection in

a matrix. The experimental conditions included exposure to metacontingencies arrangements

that gradually increased in complexity and in two of these conditions, there was a description

request of the metacontingency. The results of the first microculture indicate selection of IBCs

and their APs in three conditions, two of them with description request, and also a condition

with description request in the second microculture. The correct descriptions emitted by the

participants were contiguous and seem to have contributed to the recurrence of the target IBC.

Conditions with cultural consequences suspension showed high rates of IBCs and their APs, in

accordance with the metacontingency previously in course, possibly due to the access of the

records of the participants and to a process analogous to resistance to extinction.

Keywords: metacontingency, behavioral analysis of culture, verbal behavior.

vii

Sumário

Resumo

v

Abstract

vi

Introdução

1

Análise Comportamental da Cultura 1

Comportamento Verbal e Culura 2

Comportamento Verbal e Comportamento Não-verbal

8

Método 12

Participantes 12

Ambiente Experimental e Materiais 12

Descrição Geral do Procedimento 13

Instruções 15

Contingências Operantes e Metacontingências 16

Delineamento Experimental 18

Critério para mudança de geração e mudança de condição

19

Resultados e Discussão 20

Microcultura 1 21

Microcultura 2

27

Discussão Geral

32

Referências

36

Apêndice A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 39

viii

Lista de Figuras

Figura 1. Planta baixa do Laboratório de Comportamento Social e Seleção

Cultural LACS/UFPA)

13

Figura 2. Matriz utilizada na tarefa

14

Figura 3. Microcultura 1 (MC1). Respostas Individuais Acumuladas dos 40

participantes (divididos em gerações de três participantes cada) e CCEs+PA

acumuladas durante todas as condições, totalizando 760 ciclos

21

Figura 4. Microcultura 1 (MC1). Gráfico de dispersão das escolhas de números

por cada um dos 40 participantes (divididos em grupos com três participantes

cada) durante as oito condições, totalizando 760 ciclos

22

Figura 5. Dados referentes às descrições solicitadas nas condições C e E (e as

condições subsequentes com suspensão de consequência cultural, B2 e B4) na

Microcultura 1 (MC1). Linha contínua representa a frequência acumulada de

CCE+PA alvo

24

Figura 6. Microcultura 2 (MC2). Respostas Individuais Acumuladas dos 42

participantes (divididos em gerações de três participantes cada) e CCEs+PA

acumuladas durante todas as condições, totalizando 801 ciclos

28

Figura 7. Microcultura 2 (MC2). Gráfico de dispersão das escolhas de números

por cada um dos 42 participantes (divididos em grupos com três participantes

cada) durante as oito condições, totalizando 801 ciclos

29

Figura 8. Dados referentes às descrições solicitadas nas condições C e E (e as

condições subsequentes com suspensão de consequência cultural, B2 e B4) na

Microcultura 2 (MC2) Linha contínua representa a frequência acumulada de

CCE+PA alvo

31

ix

Lista de Tabelas

Tabela 1. Delineamento experimental 18

1

Ao analisar processos comportamentais culturais, Glenn (1991) aponta o

comportamento verbal como a cola necessária para a evolução cultural. Isso significa que

práticas culturais e comportamento verbal estão intrinsecamente ligados. Essa relação tem

sido discutida tanto conceitualmente (Glenn, 1989; Leite & Souza, 2012), quanto

experimentalmente (Leite, 2009; Oda, 2009; Sampaio et al., 2013). Contudo, apesar do

reconhecimento da importância do comportamento verbal na transmissão de práticas

culturais, ainda são insuficientes as descrições das funções do comportamento verbal em

um contexto de seleção cultural. O presente projeto teve como objetivo investigar se a

descrição de metacontingências durante a realização de uma tarefa em grupo, com

diferentes graus de complexidade, poderia funcionar como uma variável relevante na

seleção cultural.

Análise Comportamental da Cultura

A análise comportamental da cultura tem como ponto de partida o exame dos

comportamentos de dois ou mais indivíduos, um em relação ao outro. A relação entre as

contingências de reforçamento aí envolvidas tem sido abordada com o conceito de

contingências comportamentais entrelaçadas (CCEs) (Glenn, 1991). O agir entrelaçado

de vários indivíduos pode gerar um produto agregado (PA), diferente da consequência

operante que mantém o comportamento individual, que pode ou não retroagir sobre o

entrelaçamento, tornando-o mais provável de ocorrer em situações semelhantes. Em

muitas circunstâncias, as CCEs e os PAs afetam primeiro um ambiente externo ao

entrelaçamento (sistema receptor - Glenn & Mallot, 2004), que então libera uma

consequência cultural (CC), que seleciona tanto as CCEs quanto o seu PA. Nesses casos,

o sistema receptor funciona como um “recipiente” do produto agregado e ambiente

selecionador.

2

A relação funcional entre contingências comportamentais entrelaçadas, produtos

agregados e consequências culturais, importante para o entendimento da evolução

cultural, é descrita como metacontingência e é uma das unidades de análise do nível

cultural. Glenn e Mallot (2004), definem metacontingências como relações entre produtos

agregados e as contingências comportamentais entrelaçadas que os produzem.

A investigação experimental de fenômenos culturais na visão analítico-

comportamental é recente e concentra-se em estudos com microculturas de laboratório,

que permitem controle de variáveis e melhor análise dos processos envolvidos na seleção,

manutenção e transmissão de práticas culturais (e. g. Amorim, 2010; Borba, 2013; Caldas,

2009; Leite, 2009; Magalhães, 2013; Marques, 2012; Pereira, 2008; Sampaio et al., 2013;

Vichi, Andery, & Glenn, 2009).

Comportamento Verbal e Cultura

O comportamento verbal é descrito por Skinner (1981) como essencial para a

emergência do terceiro nível de seleção por consequências. Com a extensão do controle

operante à musculatura vocal, novos comportamentos puderam ser selecionados. O

comportamento verbal de um organismo pode também adquirir a função de estímulo para

a emissão de comportamentos não verbais (seus mesmos, ou de outros), como ocorre

quando respostas são antecedidas por uma descrição da contingência com a qual o

indivíduo está interagindo. Essa possibilidade permitiu que comportamentos relevantes

para os indivíduos (e para o grupo) fossem adquiridos de maneira mais rápida, eficiente

e independente de contato direto entre o aprendiz e o indivíduo cujo comportamento

serviu de modelo para descrição (Andery, 2010).

Glenn (1991) aponta que a coordenação dos comportamentos de indivíduos para

geração de um produto torna-se ainda mais efetiva e, às vezes, só é possível quando existe

3

entre esses indivíduos interação verbal. A existência do comportamento verbal também

aperfeiçoou a transmissão dos padrões de conteúdo comportamental entre indivíduos.

Para Glenn (1986), o comportamento verbal pode ser uma conexão entre

contingências e metacontingências ao menos de duas maneiras (a) como regra,

intermediando a distância entre o comportamento e a consequência cultural a longo prazo;

(b) como reforçamento social que mantém essas regras controlando o comportamento, até

o momento em que as consequências atrasadas podem ser contatadas.

Vichi, Andery e Glenn (2009) avaliaram a seleção cultural em um experimento no

qual consequências culturais eram contingentes à divisão igual ou desigual de fichas

produzidas pelos participantes em uma tarefa de escolha de linhas em uma matriz. Os

resultados de Vichi, Andery e Glenn demonstraram seleção de diferentes entrelaçamentos

e seus diferentes produtos agregados (divisão igual ou desigual de fichas). Os autores

analisaram registros escritos produzidos pelos participantes durante a tarefa, avaliando

(a) variáveis relevantes relatadas pelos participantes e (b) como as variáveis eram

agrupadas pelos participantes (fileira, coluna, acertos, erros). Ao final da tarefa, os

participantes respondiam a algumas questões feitas pelo experimentador sobre a tarefa e

não foram capazes de descrever verbalmente as metacontingências programadas, mesmo

que tenham se comportado de forma a produzir pontos e consequências culturais (CCs).

Para os autores, isso seria um indício de que o controle por parte de uma contingência (e

uma metacontingência) independe de sua descrição verbal. No entanto, os autores

argumentaram que os registros foram pouco sistemáticos, e sugeriram que os próximos

estudos incluissem análises das interações verbais entre os participantes.

O estudo de Leite (2009) também discute comportamento verbal e seleção de

práticas culturais. Foi baseado em estudos que utilizam confederados, que induzem

decisões do grupo, para analisar como tradições são passadas de uma geração a outra. Seu

4

objetivo foi estudar o efeito de diferentes tipos de regras na transmissão cultural. Os

participantes foram divididos em quatro trios e tinham que resolver coletivamente um

problema que envolvia maiores ganhos de ficha a longo prazo (escolher linhas pretas) ou

menores ganhos (escolher linhas brancas). Os participantes eram substituídos durante a

tarefa e os novos integrantes recebiam instruções dos membros mais antigos. Em algumas

condições participantes confederados instruíam os participantes (ingênuos ou

experientes) com duas formas de instrução, falsas descritivas (instruções que passam

informações incorretas sobre a tarefa) e prescritivas (instruções que não apresentavam

informações sobre as contingências, mas apontavam que o participante deveria escolher

linhas brancas, que geravam menores ganhos).

Os grupos em que confederados interagiram com participantes ingênuos tiveram

padrão de escolha menos vantajosa para o grupo. Quando participantes experientes (que

já haviam sido previamente expostos à tarefa) eram instruídos por confederados, o padrão

de escolha retornava aos níveis de linha de base logo que os confederados eram

substituídos. As instruções descritivas exerceram menos controle após a saída do

confederado do que as instruções prescritivas. Os dados apontam que as instruções

utilizadas pelos confederados não obtiveram sucesso em manter no longo prazo uma

prática de escolhas menos vantajosas, ou seja, o controle pelas contingências foi eficiente

após a saída dos confederados dos grupos.

Segundo Leite (2009), os participantes descreveram o procedimento após algumas

jogadas e efetuaram suas escolhas seguindo estas descrições, o que possibilitava a

verificação da precisão das mesmas. Após estabelecidas, essas práticas verbais

fortaleceram a manutenção das práticas não-verbais e eram transmitidas aos participantes

que passavam a integrar o grupo em substituição aos membros mais antigos.

Oda (2009) investigou as relações entre interações verbais e a seleção e transmissão

5

de CCEs. A tarefa envolvia quatro fases. A primeira contava com apenas um participante

que, exposto a um computador que exibia quatro números de 0 a 9, devia completar quatro

janelas em branco também com números de 0 a 9. Quando a soma da coluna (que envolvia

o número apresentado pelo computador e o número colocado pelo participante) resultava

em um número ímpar, o participante ganhava pontos e quando par, pontos eram retirados

do contador do participante. Na segunda fase do experimento entrava outro participante

e se iniciava a produção de consequências culturais quando a soma de um participante

fosse inferior à soma do outro participante. Na terceira fase começava a ocorrer a

substituição de participantes e na quarta fase a consequência cultural foi suspensa.

As vocalizações ocorridas durante a resolução da tarefa foram gravadas, transcritas,

analisadas, comparadas com os dados referentes à produção de pontos e bônus e

classificadas a depender do seu conteúdo. Foram considerados tatos as verbalizações que

descreveram elementos da tarefa, o comportamento dos participantes e as possíveis

contingências em vigor; mandos foram aquelas verbalizações que afetaram o

comportamento do outro participante, quando o falante especificava ações a serem

emitidas; mando + tato, verbalizações que combinavam mando e tato; generalidades

verbalizações não específicas sobre as contingências experimentais e assuntos não

relacionados verbalizações relacionadas a outras situações.

A análise mostrou que as interações verbais entre os participantes eram

predominantemente sobre as contingências envolvidas no entrelaçamento, ocorrendo

diminuição de verbalizações genéricas, o que sugere que o comportamento verbal é

relevante para coordenação do comportamento dos participantes. Oda (2009) afirma que

quando novos participantes eram inseridos no grupo predominavam mandos e, durante as

gerações, predominavam tatos. Para a autora, esse padrão ajudou a manter a produção do

produto agregado e do bônus. A transmissão de padrões de comportamento entre

6

participantes de diferentes gerações estaria possivelmente associada às interações verbais

e seu possível papel instrucional.

Neste estudo, uma análise minuciosa do comportamento verbal, que já havia sido

sugerida em estudos anteriores, foi realizada. Contudo, Oda (2009) aponta que a análise

das interações verbais feita em seu estudo ainda é inicial e mostra que além destas

interações serem afetadas pela conseqüência cultural, também afetavam comportamentos

relevantes aos quais estas consequências foram tornadas contingentes. A autora diz que

se deve considerar a importância deste tipo de comportamento, e sugere que haja mais

refinamento da análise do comportamento verbal nos próximos estudos.

O estudo de Smith, Houmanfar & Louis (2011), assim como Leite (2009), teve

como objetivo avaliar o efeito de instruções na seleção cultural. As condições foram

análogas a um ambiente organizacional, no qual dois participantes se engajaram em

comportamentos entrelaçados em computadores conectados para gerar produtos para suas

organizações hipotéticas. As instruções apresentadas aos participantes variaram a

depender das condições: sem regras, com regras explícitas e com regras implícitas para

determinar o efeito nas ações coordenadas de resolução de problemas em dupla. Os

resultados mostraram que regras explícitas tendem a produzir boa performance de solução

de problemas, mais do que as regras implícitas ou a ausência de regras, apesar de ter

havido seleção mesmo sem regras.

Sampaio et al (2013) investigaram se a presença ou ausência do comportamento

verbal durante a execução de uma tarefa em grupo afetou os comportamentos

entrelaçados de três participantes. A tarefa envolvia um painel com 24 cartões com

combinações de setas, que divergiam em número e direção. A depender da condição, setas

combinadas na direção horária (ou anti-horária) produziam bônus que eram divididos

entre os três participantes. Das quatro tríades que participaram do estudo, em três delas

7

foi permitida a interação verbal entre os participantes.

Nas três tríades em que a interação verbal foi permitida ocorreu seleção de

entrelaçamentos. A não ocorrência de seleção cultural na tríade em que não foi permitida

a conversa pode estar ligada à falta de descrição da metacontingência. Os autores dizem

que tal dado não reduziria a metacontingência a comportamento governado por regras,

mas levanta a hipótese de que a seleção de CCEs requer mudanças nos comportamentos

das pessoas envolvidas, e essa modificação pode envolver em alguma medida

comportamento governado por regras (na descrição de respostas ou de

metacontingências).

Sampaio et al (2013) sugerem que permitir que os participantes conversem durante

o estudo, principalmente sobre a tarefa experimental, pode ser uma importante variável a

ser controlada em experimentos de metacontingência. Uma análise comportamental da

cultura deveria então, detalhar a relação entre o fenômeno cultural (metacontingência) e

o fenômeno comportamental (as descrições de contingências). Sugerem também que

outros estudos sobre metacontingências priorizem o papel do comportamento verbal, em

como ele modula o comportamento não verbal envolvido nos entrelaçamentos.

Borba, Silva, Cabral, Souza, Leite, Tourinho (2014) também avaliaram o papel do

comportamento verbal, neste caso, em um estudo de macrocontingências. O trabalho

envolvia autocontrole ético, que se refere a um responder autocontrolado quando existe

um conflito entre consequências individuais e consequências para o grupo. O estudo

utilizou onze grupos de quatro estudantes que foram expostos a uma tarefa que requeria

escolhas entre linhas pares (produziam menor ganho individual, mas consequências

positivas para o grupo, escolhas autocontroladas) e ímpares (produziam maior ganho

individual e consequências aversivas para o grupo, escolhas impulsivas) numa matrix

8x8.

8

As condições variaram quanto ao acesso do participante às escolhas dos outros e à

permissão para conversar. As escolhas autocontroladas foram mais frequentes nas

condições em que a comunicação era permitida desde as primeiras tentativas. Isso pode

ter diminuído o efeito da outra variável manipulada (acesso às escolhas dos outros). A

impossibilidade de comunicação (mesmo com a possibilidade de acesso) resultou numa

taxa baixa de escolhas autocontroladas.

Os autores argumentam que o comportamento verbal funcionaria como uma

consequência mais imediata do comportamento, frequentemente (mas nem sempre)

punindo o comportamento impulsivo em situações de concorrência com o comportamento

autocontrolado. Nesse caso, avaliações éticas liberadas pelo grupo, na forma de

aprovação ou desaprovação social, seriam relevantes. Contudo, esta é apenas uma

hipótese já que a interação verbal dos participantes não foi analisada.

Comportamento verbal e comportamento não-verbal

A relação entre comportamento verbal e não verbal tem sido estudada amplamente

no nível do comportamento individual. Alguns autores (Albuquerque, Mescouto, &

Paracampo, 2011; Alves, 2003; Oliveira, 2005; Perroni & Andery, 2009; Simonassi,

Tourinho, & Silva, 2001; Silva, & Albuquerque, 2006) têm estudado se a construção de

autodescrições das contingências (tornadas públicas por meio de perguntas feitas pelo

experimentador ao participante) durante a resolução de tarefas interage com o

desempenho do participante.

Alguns resultados (Albuquerque, Mescouto, & Paracampo, 2011; Silva &

Alburquerque, 2006) demonstraram que perguntas podem facilitar a aquisição de

comportamentos complexos, ou seja, pedir ao participante, por meio de perguntas, que

descreva seu comportamento não verbal, exposto às contingências de reforço

9

programadas em uma situação experimental, pode interferir no seu desempenho. A

hipótese levantada é de que as perguntas podem restringir a variabilidade do

comportamento e assim, facilitar o controle pelas contingências de reforço na realização

da tarefa.

Contudo, resultados distintos têm mostrado que é possível a solução de um

problema sem que haja a formulação da regra que descreve a contingência programada

pelo experimentador. Por exemplo, os dados encontrados por Simonassi et al. (2001)

sugerem que a formulação de regras ocorre após uma história de exposição às

contingências e após a resposta correta dada pelo participante estar sob controle efetivo

das contingências não verbais. Alves (2003) replicou o estudo de Simonassi et al e seus

resultados foram conflitantes. Os participantes que foram solicitados a descrever mais

vezes a contingência foram os que mais responderam corretamente as tarefas de

emparelhamento. Pouco depois, Oliveira (2005) replicou os estudos de Simonassi et al. e

Alves e verificou que as respostas certas de emparelhamento da figura comparação com

a figura modelo aumentaram de frequência antes que os participantes começassem a

descrever a contingência. Diferente de Silva e Albuquerque (2006) e Albuquerque et al

(2011), esses resultados mostram que as respostas não verbais corretas ocorreram

independentemente de os participantes saberem descrever o seu comportamento e que a

exposição à contingência foi necessária para que os participantes a descrevessem. Isto é,

muitas vezes, a descrição é apenas um outro produto da exposição às contingências e o

responder efetivo independe funcionalmente de sua ocorrência.

A discrepância entre as conclusões dos estudos citados sugere novas possibilidade

de investigação no nível cultural de análise. Os estudos de seleção cultural que relatam a

importância ou manipulam o comportamento verbal tem focado essencialmente a função

de instruções (Leite, 2009; Smith et al., 2011), análise de interações verbais (Oda, 2009),

10

presença ou ausência de interação verbal (Borba et al., 2014; Sampaio et al., 2013). Em

todos eles foi relatada a importância do comportamento verbal no processo de seleção e

transmissão cultural. Entretanto, os mecanismos pelos quais a interação verbal torna-se

importante no contexto cultural ainda não são bem conhecidos. A descrição espontânea

da metacontingência é apontada como um fator relevante (Leite, 2009; Sampaio et al.

2013), apesar de outras evidências apontarem que a descrição não é necessária no

processo de seleção cultural (Vichi, Andery, Glenn, 2009).

Muitas variáveis podem explicar a discrepância entre resultados de estudos que

buscaram aferir efeitos da descrição de (meta)contingências em processos de seleção

operante ou cultural: a complexidade das tarefas, a familiaridade dos participantes uns

com os outros, a precisão das descrições, a autoridade de quem oferece ou demanda uma

descrição etc. Os dados disponíveis sobre o assunto também ainda são escassos para que

conclusões mais seguras sejam postuladas sobre o papel das descrições, especialmente no

que concerne à seleção no nível cultural.

Algumas das variáveis referidas podem ser controladas expondo-se uma

microcultura a um procedimento em que seja possível comparar condições em que as

descrições são evocadas, com condições em que as descrições não são evocadas. Isso foi

feito, para o nível operante, no estudo de Simonassi et al (2001), com um delineamento

de grupo.

No presente estudo, as duas condições foram comparadas no nível de seleção

cultural, adotando-se um análogo do delineamento de sujeito único – uma microcultura

única. Isso é possível porque, no nível cultural, podemos trabalhar com gerações

diferentes e sucessivas de uma mesma linhagem cultural expostas a diferentes arranjos de

metacontingências. Também foi manipulada neste estudo a complexidade da tarefa,

solicitando-se descrição em condições com diferentes graus de complexidade.

11

O objetivo geral do presente estudo, portanto, foi avaliar o efeito de consequências

culturais na seleção de contingências comportamentais entreleçadas em contextos de

demanda e não demanda externa de descrição das metacontingências programadas com

diferentes graus de complexidade. Os objetivos específicos foram:

1) Aferir o efeito de CCs sobre a seleção e manutenção de CCEs em contexto de

interação verbal dos membros de uma microcultura, sem demanda externa de

elaboração de descrições das metacontingências programadas.

2) Aferir o efeito de CCs sobre a seleção e manutenção de CCEs em contexto de

interação verbal dos membros de uma microcultura, com demanda externa de

elaboração de descrições das metacontingências programadas.

3) Aferir o efeito da suspensão da CC sobre a manutenção de CCEs em contexto de

interação verbal dos membros de uma microcultura, sem demanda externa de

elaboração de descrições das metacontingências programadas.

4) Aferir o efeito da suspensão da CC sobre a manutenção de CCEs em contexto de

interação verbal dos membros de uma microcultura, com demanda externa de

elaboração de descrições das metacontingências programadas.

12

MÉTODO

Participantes

Participaram deste estudo 82 estudantes universitários de cursos diversos, com

exceção do curso de Psicologia. Os participantes assinaram um Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido (TCLE) e participaram de duas microculturas com três componentes

cada. Os estudantes foram recrutados por meio de convite pessoal da experimentadora.

Ambiente Experimental e Materiais

O ambiente experimental foi composto de duas salas: sala de espera, na qual os

participantes ficaram aguardando sua participação no estudo, e a sala experimental

(Figura 1), onde os participantes realizaram a tarefa. A sala experimental era dividida em

dois espaços, separados por um vidro com visão unidirecional. No primeiro espaço foi

realizada a coleta de dados com os participantes; o segundo espaço funcionou como uma

sala de observação e controle de equipamentos.

Para a realização da tarefa foram utilizadas uma mesa, quatro cadeiras, um

televisor com tela LCD 42” onde foi projetada uma matriz, um notebook com processador

Intel Celeron 585, HD 160, 1GB de memória e Windows 2007 para registro das escolhas

dos participantes; uma filmadora, um tripé para filmadora, reforçadores condicionados

generalizados para a troca dos pontos; um carimbo para registro das consequências

culturais, itens escolares (lápis, borrachas, apontadores, canetas, etc.); folhas em branco

e canetas para registro das descrições dos participantes.

13

Figura 1. Planta baixa da sala de coleta do Laboratório de Comportamento Social e

Seleção Cultural (LACS/UFPA).

Descrição geral do procedimento

A tarefa dos participantes consistia de escolher uma linha em uma matriz de dez

linhas e dez colunas, sinalizadas com números e letras, respectivamente (ver Figura 2).

As linhas podiam ser de cinco cores (amarelo, verde, vermelho, azul e rosa), cada cor

aparecendo em uma linha par e uma ímpar. As células de intersecção entre linhas e

colunas podiam estar vazias ou preenchidas com um círculo.

14

Figura 2. Matriz utilizada na tarefa.

A tarefa foi composta por ciclos e cada ciclo foi formado por uma sequência de

tentativas individuais sucessivas de escolhas de linhas e produção de consequências. As

etapas de um ciclo eram as seguintes:

a) Solicitação da experimentadora para que um membro do grupo escolhesse

uma linha.

b) A escolha de uma linha por um membro do grupo.

c) A escolha de uma coluna pela experimentadora.

d) Quando na interseção da linha escolhida pelo participante com a coluna

escolhida pela experimentadora havia um círculo preenchido, o participante

recebia uma ficha (trocável por reforçadores condicionados generalizados ao final

do experimento); quando a célula não continha o sinal, a experimentadora

simplesmente passava para a etapa seguinte. Este evento constituiu a

consequência operante. Os passos de A até D constituem o que foi referido como

uma tentativa.

15

e) Repetição das etapas A a D para cada outro participante, até que todos tivessem

escolhido uma linha;

f) A informação da experimentadora sobre o sucesso ou insucesso do grupo para

produzir um carimbo na folha de controle de itens para os kits escolares e a

colocação do carimbo na folha quando era o caso. Este evento constituiu a

consequência cultural. Os passos de A até F constituíram o que foi referido como

um ciclo, e ao seu final um novo ciclo começava.

A cada cinco ciclos, em duas das condições experimentais (descritas adiante),

havia um evento adicional, ao final do ciclo:

g) Solicitação da experimentadora para que os participantes conversassem e

elaborassem uma descrição conjunta, ou seja, escrevessem numa folha o que eles

achavam que era necessário fazer para produzir itens escolares.

Nessa etapa, a experimentadora apresentou a seguinte solicitação aos

participantes: “Escrevam nesta folha o que vocês precisam fazer para produzir itens

escolares. Vocês podem conversar.”

Ao longo do experimento, houve substituições de participantes mais antigos por

participantes mais novos, caracterizando mudanças de geração. A cada vinte ciclos, o

participante mais antigo era substituído por um novo participante.

Instruções

Na primeira geração, uma instrução escrita foi apresentada a todos os participantes

e explicada pela experimentadora:

16

Vocês participarão de um jogo no qual, a cada jogada, deverão escolher, cada um,

uma linha em uma matriz composta por dez linhas (numeradas de 1 a 10) e dez

colunas (nomeadas de A a J).

Logo após a sua escolha e a dos demais participantes, a experimentadora

anunciará uma coluna definida por um sistema pré-estabelecido. Caso na

intersecção entre a linha escolhida por você e a coluna selecionada pela

experimentadora haja um círculo, você receberá uma ficha trocável por dinheiro

ao final do estudo. Caso a célula de intersecção esteja vazia, você não receberá

ficha alguma. Você e os demais participantes deverão escolher uma linha cada

um, sendo que, quando os três tiverem realizado suas escolhas de linha, terá se

passado uma rodada. Ao término da rodada, vocês poderão ganhar um carimbo

nesta folha de “Contribuições para o Kit Escolar” (experimentadora mostra a

folha), o qual indica o ganho de um item para compor um kit de material escolar

a ser doado a uma escola pública. Deste modo, a cada rodada, é possível que se

ganhe uma ficha, uma ficha e um item escolar, somente um item escolar ou nada.

Você poderá interagir livremente com os demais participantes. O estudo durará

cerca de 20 minutos para cada participante.

Havendo dúvidas, pergunte neste momento à experimentadora, o que não poderá

ser feito no decorrer do estudo. Ao final do estudo, todas as dúvidas dos

participantes serão esclarecidas e será marcada uma data para a entrega do

material escolar à escola beneficiada. Aqueles que tiverem interesse poderão

participar da entrega do material.

Contingências Operantes e Metacontingências

17

Na tarefa, a conseqüência individual foi uma ficha trocável por dinheiro (R$0,10)

contingente à escolha de uma linha de número ímpar. A conseqüência cultural foi um carimbo

numa folha, trocável por um item que compôs um kit escolar para doação. A CC foi

contingente ao atendimento da metacontingência programada para cada condição. Quatro

metacontingências estiveram em vigor ao longo do estudo, cada uma em uma condição

diferente. Na Metacontigência 1, a CC foi contingente à escolha de três linhas de cores

diferentes, incluindo necessariamente linhas azul e verde. Na Metacontingência 2, para

produzir a CC, os participantes tinham que escolher três linhas de cores diferentes,

incluindo necessariamente as linhas vermelha e rosa. A Metacontingência 3 seguia a

mesma exigência de cores da Metaconginência 2, mas acrescentava o requisito de que a

soma total dos números das linhas escolhidas fosse igual ou maior que treze. A

Metacontingência 4 era semelhante à Metacontingência 2, mas acrescentava o requisito

de que a soma total dos números das linhas escolhidas fosse igual ou menor que treze. O

delineamento do estudo também incluiu condições de suspensão da CC após a exposição

a cada uma das metacontingências.

Delineamento experimental

O estudo foi constituído de seis condições (Tabela 1). Na condição A, estava em

vigor a Metacontingência 1. Nas condições B, B2, B3 e B4 houve suspensão da produção

de consequências culturais. Na condição C operou a Metacontingência 2. Na condição D

esteve em vigor a Metacontingência 3. Na condição E operou a Metacontingência 4. Nas

condições C e E houve demanda externa de descrição da metacontingência a cada cinco

ciclos. Os participantes podiam conversar durante todas as condições.

Tabela 1. Delineamento experimental.

18

CONDIÇÃO NÚMERO DE

PARTICIPANTES CONTINGÊNCIA

DE REFORÇO METACONTINGÊNCIA

R SR CCE+PA CCR

Linhas Fichas

Cores das linhas escolhidas pelos

participantes

Itens escolares

A

Metacontingência 1

Sem demanda externa de descrição

3

Ímpar 1

Par 0

Três linhas com cores diferentes,

incluindo necessariamente

azul e verde

1 item

B1

Suspensão da CC

3

Ímpar 1

Par 0

-

-

C

Metacontingência 2

Com demanda externa de descrição

3

Ímpar 1

Par 0

Três linhas com cores diferentes,

incluindo necessariamente vermelho e rosa

1 item

B2

Suspensão da CC

3

Ímpar 1

Par 0

- -

D

Metacontingência 3

Sem demanda externa de descrição

3

Ímpar 1

Par 0

Três linhas com cores diferentes,

cuja soma resulte num

número ≥ 13 , incluindo

necessariamente azul e verde

1 item

B3

Suspensão da CC

3

Ímpar 1

Par 0 - -

E

Metacontingência 4

Com demanda externa de descrição

3

Ímpar 1

Par 0

Três linhas com cores diferentes,

cuja soma resulte num

número ≤ 13, incluindo

necessariamente vermelho e rosa

1 item

B4

Suspensão da CC

3

Ímpar 1

Par 0 - -

19

Nota: R=resposta; SR=consequência individual; CCE+PA=contingências

comportamentais entrelaçadas e produto agregado; CCR=consequência cultural

Critério para mudança de geração e mudança de condição

O experimento era iniciado com três participantes. A cada 20 ciclos havia uma

mudança de geração, ou seja, o participante mais antigo era substituído por um novo

participante. Participantes que ocuparam o mesmo lugar constituíram uma linhagem. Ao

todo, houve três linhagens (L1, L2 e L3). O participante que substituía o membro mais

antigo do grupo recebia uma instrução escrita sobre o jogo ainda na sala de espera. A

mudança de condição ocorria quando havia produção de CC em 80% dos últimos 50

ciclos (três gerações sucessivas), ou ao final de 100 ciclos.

20

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A seguir são apresentados os resultados das duas microculturas, com destaque

para as taxas de recorrência das CCEs+PAs e a correspondência entre as descrições

oferecidas pelos participantes e as metacontingências programadas.

As descrições das metacontingências foram solicitadas a cada cinco tentativas das

condições C e E. Assim, foram programadas 40 solicitações por microcultura, 20 em cada

condição com 100 ciclos. Os participantes tinham que escrever, caso quisessem, a

descrição em um cartão numerado fornecido pela experimentadora. Na análise de dados,

as descrições foram classificadas de acordo com a sua correspondência ao entrelaçamento

(e produto agregado) que gerava as consequências culturais.

Cada descrição foi classificada como completa correta, quando apresentava todos

os elementos corretos, por exemplo: podem ser seguidas as sequências 5, 2, 6 e 10, 7 e

3, porque obedecem a sequência de cores ROSA, VERDE e VERMELHO (MC1,

Condição C, descrição 10); restrita correta, quando não apresentava todos, mas alguns

elementos corretos, por exemplo: quando anexamos 5 e 6 nas sequências produziu item

escolar (MC2, Condição C, descrição 14); incorreta, quando descrevia incorretamente os

elementos da metacontingência programada, por exemplo, o primeiro não deve ganhar

ficha e os outros dois sim (MC2, Condição E, descrição 27) e não relacionada, quando

se tratava de uma descrição que não envolvia nenhum elemento da tarefa, como o jogo

visa estudar nosso comportamento e não há prêmio (MC2, Condição E, descrição 40). A

classificação das descrições foi realizada por dois pesquisadores independentes e

alcançou um índice de 70,4% de concordância.

Microcultura 1

21

A Figura 3 apresenta os dados referentes à Microcultura 1 (MC1), exposta a 760

ciclos, divididos em oito condições, com duração total de 10 horas e 30 minutos. Nesta,

são apresentadas as respostas individuais acumuladas de todos os participantes e as

contingências comportamentais entrelaçadas (e seu produto agregado) que produziam

consequências culturais em cada condição. As linhas verticais pontilhadas delimitam uma

geração, sinalizando o momento em que o participante mais antigo deixou o grupo ara a

entrada de um novo participante.

A Figura 4 apresenta a distribuição por número de linha das escolhas dos

participantes em cada condição da MC1. As barras verticais cinzas representam os

momentos em que houve produção de consequência cultural. As letras P seguidas de

números representam os participantes e demostram, assim, as mudanças de gerações.

Figura 3. Microcultura 1 (MC1). Respostas Individuais Acumuladas dos 40 participantes (divididos em gerações

de três participantes cada) e CCEs+PA acumuladas durante todas as condições, totalizando 760 ciclos.

22

Esta figura é importante por apresentar a variabilidade (ou estereotipia) das escolhas de

linhas pelos participantes durante a tarefa experimental.

Na MC1, foi possível observar seleção operante, ou seja, a produção de fichas, em

todas as fases do estudo. Já a produção de CCs alcançou o critério estabelecido de

mudança de condição por estabilidade (ocorrência em 80% nos últimos 50 ciclos) apenas

na condição C. Todas as outras condições se encerraram pelo limite de 100 ciclos de

duração.

Na primeira condição (A), a produção da CC (carimbo trocável por um item

escolar) ocorreu desde a primeira geração ─ logo na segunda tentativa; contudo, foi

assistemática até o término da condição, no ciclo 100. A probabilidade de ocorrência ao

acaso do entrelaçamento alvo nesta condição era de 19%, e a probabilidade observada foi

de 14%. Houve menos ocorrência da CCEs+PAs alvo nesta condição do que na condição

Figura 4. Microcultura 1 (MC1). Gráfico de dispersão das escolhas de números por cada um dos 40 participantes

(divididos em grupos com três participantes cada) durante as oito condições, totalizando 760 ciclos.

23

seguinte, em que a produção de CCs foi suspensa. As instruções passadas pelos antigos

aos novos integrantes da microcultura ainda não descreviam corretamente as

contingências de produção de ficha e nem a metacontingência.

Na condição B, com suspensão da CC, as respostas individuais que geravam fichas

(consequências operantes) mantiveram-se estáveis. Quanto à produção da CC, nos

últimos 50 ciclos da condição B, a ocorrência chegou a 24% (mais que o nível de acaso,

que era de 19%, como na condição A), mesmo com a ausência de consequência cultural.

Na condição C houve retorno da apresentação da CC, com mudança na

metacontingência. Além disso, a cada cinco ciclos, era demandada pela experimentadora

uma descrição sobre como produzir a CC (resultados apresentados na Figura 5). A

primeira descrição (que não foi solicitada pela experimentadora) correta sobre a produção

de consequências operantes só ocorreu nesta condição. Já a primeira produção de item

escolar nesta condição foi antecedida de uma descrição (solicitada pela experimentadora)

incorreta da metacontingência. Após algumas alternâncias entre descrições corretas e

incorretas, os participantes se articularam para produzir consequências culturais e

passaram a oferecer descrições restritas corretas (majoritariamente escreviam as

sequências que haviam gerado item), ou totalmente corretas.

24

Figura 5. Dados referentes às descrições solicitadas nas condições C e E (e as condições

subsequentes com suspensão de consequência cultural, B2 e B4) na Microcultura 1 (MC1).

Linha contínua representa a frequência acumulada de CCE+PA alvo.

Duas descrições completas corretas acompanharam a manutenção da alta taxa de

de entrelaçamentos alvos, havendo produção de 80% de consequências culturais nos

últimos 50 ciclos, sendo a condição finalizada por critério de estabilidade. Assim, nesta

condição foram solicitadas apenas doze descrições de metacontingências. Logo após, os

participantes foram expostos à condição seguinte, em que as consequências culturais

foram suspensas.

A demanda por descrição parece, ao menos na condição C, estar correlacionada

com a produção de CC. O que pode ter ocorrido é que perguntar sobre a lógica de

25

produção de itens serviu como um estímulo discriminativo para o comportamento dos

participantes de variar as escolhas e buscar uma forma de produzir os itens escolares. Mas

também é possível que a descrição correta seja apenas um outro produto da exposição à

metacontingência e à solicitação de descrição.

Na Condição B2, apesar de ser uma fase de suspensão da CC, houve ocorrência

de respostas em acordo com o entrelaçamento alvo em 26% dos últimos 50 ciclos, um

pouco acima da probabilidade de ocorrência ao acaso, que era de 19%. Isto pode ter

ocorrido devido a alguns fatores, como o frequente acesso dos participantes aos registros

escritos deixados pelos antigos componentes da microcultura, que especificavam quais

sequências haviam gerado itens escolares; o feedback da experimentadora sobre a não

produção do item escolar pode ter aumentado a probabilidade dos participantes buscarem

a lógica de produção dos itens nos registros escritos. Também pode ter sido relevante a

familiriadade entre alguns participantes, que já se conheciam fora do contexto

experimental, havendo então, maior facilidade para interações verbais.

Na condição D, a metacontingência ficou mais complexa, com probabilidade de

ocorrência ao acaso de 13%; mesmo assim, as CCEs+PAs foram produzidas em pelo

menos 50% dos últimos 50 ciclos, o que comprova um processo de seleção em curso. A

condição foi encerrada após decorridos 100 ciclos.

Em seguida, na condição B3, a produção de consequências culturais foi suspensa.

Nessa condição, assim como na condição B2, os participantes acessaram os registros

escritos e também criaram seus próprios registros. Relataram que as colunas (escolhidas

aleatoriamente pelo sistema) deveriam ter alguma relação com a produção do item

escolar. Foi observada maior estereotipia, claramente representada na Figura 2, com

várias ocorrências da sequência 6-9-3, que na condição anterior produziria a consequência

cultural. Nos últimos 50 ciclos da condição, a recorrência das CCEs+PAs alvo chegou a

26

52%, valor mais elevado que na condição anterior, em que havia produção de CC.

Possivelmente os motivos para tal resultado foram os mesmos apontados para a condição

B2.

A Condição E foi a segunda condição com demanda por descrição da

metacontingência. Nesta, a probabilidade de emissão das CCEs alvo ao acaso era de 7%.

Considerando esta porcentagem, a produção observada de 43 itens, com 38% acertos nos

últimos 50 ciclos, pode ser considerada relevante e indicativa de um processo de seleção

em curso. Foi observada pouca variabilidade na escolha de linhas, com apenas as

sequências 1-3-5 e 2-3-5 sendo escolhidas e relatadas nas descrições solicitadas. Cabe

levar em consideração que, nessa condição, poucas sequências produziriam o item

escolar.

Próximo ao fim da condição, os participantes começaram a variar as sequências

de escolha. Nas interações verbais relataram procurar outras formas de produzir o item

escolar que não as duas sequências já utilizadas. Assim, a produção foi caindo, mas as

descrições continuaram restritas corretas ou completas corretas.

Na condição B4 houve nova suspensão das CCs e a ocorrência de CCEs em acordo

com CCEs+PAs alvo reduziu bastante, como apresentado na Figura 1.

O conjunto de dados da MC1 indica um processo de seleção em curso em pelo

menos três condições (C, D e E), duas delas com demanda externa de descrição da

metacontingência. Na condição C foi atingido critério de mudança de condição por

estabilidade. Nas outras duas condições, a comparação entre as frequências observadas,

de alta produção de CCs em ciclos sucessivos, com as probabilidades ao acaso pode

indicar a seleção cultural em curso. A generalidade dos dados pode ser avaliada com a

27

replicação deste delineamento com participantes diferentes, o que foi possibilitado com

uma segunda Microcultura.

Microcultura 2

As Figuras 6, 7 e 8 apresentam os dados da Microcultura 2, que teve delinemanto

experimental idêntico ao utilizado para a Microcultura 1. Os dados da condição A, em

que a Metacontingência 1 estava em vigor, mostram que as CCEs+PAs necessárias para

produzir a CC passaram a ocorrer a partir da décima tentativa, e sua ocorrência foi

assistemática até o fim da condição, com taxa de 32% nos últimos 50 ciclos, maior que a

probabilidade de ocorrência ao acaso, que era de 19%. Nessa condição houve pouca

interação verbal e os participantes não costumavam anotar as combinações utilizadas.

Na condição B, de suspensão da apresentação de CC, há uma redução no

responder entrelaçado consequenciado na condição anterior. A ocorrência de respostas

em acordo com a metacontingência chegou a apenas 8% nos últimos 50 ciclos.

Na condição seguinte (C), houve mudança na contingência e retorno da

apresentação da CC. Também havia a demanda por descrição da metacontingência a cada

cinco ciclos. As cinco primeiras descrições foram não relacionadas ou incorretas. A partir

da sexta solicitação começaram a surgir descrições restritas corretas que identificavam as

sequências que produziam consequências culturais (números 4-5-6). Esse aumento

coincidiu com um conjunto de tentativas em que houve produção consistente de

consequências culturais, como observado na Figura 8. Em suas interações verbais, os

participantes tentavam associar os ganhos às letras das colunas que eram escolhidas pelo

sistema. Também variavam suas escolhas para encontrar outras formas de produção de

item. Esta foi a condição com maior taxa de produção da CC na MC2, chegando a 40%

28

de escolhas corretas nos últimos 50 ciclos. A taxa de ocorrência ao acaso era de 19%.

Contudo, a produção de itens escolares não foi sistemática como na Condição C da

Microcultura 1.

Figura 6. Microcultura 2 (MC2). Respostas Individuais Acumuladas dos 42 participantes (divididos em

gerações de três participantes cada) e CCEs+PA acumuladas durante todas as condições, totalizando 801

ciclos.

29

Na condição B2, com suspensão da CC, houve diminuição na ocorrência das

CCEs+PAs alvo, alcançando apenas 4% de ocorrência nos últimos 50 ciclos e pouca

interação verbal entre participantes.

Na condição D, a metacontingência aumentou de complexidade e a probabilidade

de ocorrência das CCEs+PAs ao acaso era de 13%, menor que na condição C. Nos últimos

50 ciclos os participantes produziram itens em 10% das ocasiões, taxa menor que a do

acaso. Também houve pouca interação verbal e o foco dos participantes estava nas letras

das colunas geradas aleatoriamente, principalmente nos últimos ciclos.

Na condição B3, ocorreu suspensão da apresentação da CC, e o número de

CCEs+PAs foi superior ao observado na condição anterior (em que aprobabilidade de

ocorrência ao acaso das combinações alvo era de 13%), chegando a 22% de produção nos

Figura 7. Microcultura 2 (MC2). Gráfico de dispersão das escolhas de números por cada um dos 42 participantes

(divididos em grupos com três participantes cada) durante as oito condições, totalizando 801 ciclos.

30

últimos ciclos. Assim como na Microcultura 1, os participantes tentaram algumas

sequências que produziram itens em outras condições, por meio do acesso aos registros

anteriores.

Na condição E, foi solicitada descrição das contingências a cada cinco tentativas,

mas essa variável (mais a mudança na contingência) não pareceu afetar fortemente o

comportamento entrelaçado dos participantes, já que o número de itens escolares

produzidos se aproximou do observado na condição anterior. Da oitava à décima segunda

solicitação, as descrições foram restritas corretas, e este também foi o período em que

houve as únicas produções de itens escolares da condição E. Todas as descrições

seguintes foram não relacionadas ou incorretas e não houve produção de consequências

culturais até o término da condição. Foi observado que os participantes se comportavam

de acordo com a metacontingência e depois a descreviam, o que fortalece a interpretação

de que as descrições eram apenas um outro produto da exposição às (meta)contingências

e não propriamente estímulos discriminativos que evocavam o comportamento

entrelaçado.

Na última condição, B4, com suspensão das CCs, houve respostas entrelaçadas

em acordo com a metacontingência que estava em vigor na condição anterior em apenas

6 ocasiões.

Como é notável nas Figuras 6 e 7, a produção de consequências culturais variou

entre as condições, e o critério de mudança de condição por estabilidade não foi alcançado

em nenhuma delas. As condições com maior ocorrência de entrelaçamentos alvos foram

as A e C, esta última com demanda externa por descrição. Contudo, diferente da MC1,

estes valores, apesar de indicativos de seleção em curso, não foram tão significativos. As

condições com suspensão não apresentaram valores altos de ocorrência do

31

entrelaçamento alvo, exceto em B3, em que os valores foram pouco maiores que os de

ocorrência ao acaso.

Figura 8. Dados referentes às descrições solicitadas nas condições C e E (e as condições

subsequentes com suspensão de consequência cultural, B2 e B4) na Microcultura 2 (MC2). Linha

contínua representa a frequência acumulada de CCE+PA alvo.

32

DISCUSSÃO GERAL

Neste estudo foi possível reproduzir um análogo experimental de seleção cultural.

A condição C, na Microcultura 1, foi a que apresentou evidência mais consistente da

seleção de CCEs+PAs por uma CC, demonstrando uma relação de metacontingência. A

produção de CCs em uma taxa bem superior à de probabilidade ao acaso, ocorrida nas

condições D e E (MC1) e C (MC2), também sugere forte efeito das CCs sobre o responder

entrelaçado dos participantes. Também foi observada seleção operante durante todo o

estudo.

A seleção mais consistente de práticas culturais da Metacontingência 2

comparada às da Metacontingência 3 e 4, provavelmente ocorreu devido à diferença nas

probabilidades de ocorrência ao acaso e à demanda externa de descrição.

As diferentes probabilidades de ocorrência ao acaso são produtos de diferentes

complexidades das metacontingências programadas. A complexidade dos

entrelaçamentos exigidos aumentou gradualmente ao longo da exposição de cada

microcultura às condições experimentais. Como Glenn e Mallot (2004) já haviam

discutido, o ambiente externo à organização, neste caso, às microculturas, muda

constantemente e acaba alterando a organização internamente. As exigências ambientais

externas ao entrelaçamento definem a complexidade do fenômeno. Assim, no presente

estudo, tal complexidade foi aumentando com exigências necessárias para produção de

consequências culturais. A probabilidade ao acaso de produção da CC foi diminuindo no

decorrer das condições, de 19% (condição A), para 13% (condição D), chegando até 7%

na condição E. Na única condição em que foi alcançada a taxa de 80% de recorrência das

CCEs+PAs, condição C na MC1, a probabilidade de ocorrência das CCEs+PAs ao acaso

era de 19%, a mais alta entre as condições programadas.

33

Em Cavalcanti, Leite e Tourinho (2014), no Experimento 1 (manipulação da

complexidade ambiental), o aumento da complexidade foi gradual e não foram

intercaladas condições com suspensão de consequências culturais. Os autores concluíram

que um análogo do procedimento de aproximação sucessiva também pode ser efetivo na

modelagem de entrelaçamentos. No presente estudo, a introdução de condições de

suspensão de CC, possivelmente reduziu a probabilidade de modelagem do

entrelaçamento mais complexo, já que cada condição no processo de modelagem foi

imediatamente sucedida por um arranjo análogo ao de extinção.

As descrições das metacontingências acompanharam e pareceram contribuir para

a recorrência do entrelaçamento alvo. Na MC1, a taxa de ocorrência de CCEs+PAs

alcançou 80% na condição C e ultrapassou a probabilidade ao acaso na condição E, ambas

com exigência de descrição. Na MC2, a condição com maior produção de itens foi a

condição C, com exigência de descrição. Na maior parte do tempo, as descrições

acompanharam (estiveram correlacionadas com) a produção de itens escolares (CC) e

possivelmente facilitaram a discriminação das respostas necessárias à produção de

consequência cultural. Isto é, as perguntas podem ter restringido a variabilidade do

comportamento e, assim, facilitado o controle pelas metacontingências na condição C da

MC1, mas os dados não são suficientes para confirmar essa suposição.

Muito frequentemene, nas condições investigadas, os participantes produziram a

CC, levantaram hipóteses e as testaram nas tentativas seguintes. Tais dados corroboram

os encontrados por Simonassi, Silva & Tourinho (2001) para o comportamento operante,

que sugerem que a formulação de regras ocorre sempre após uma história de exposição

às contingências e após a resposta correta do participante estar sob controle efetivo das

contingências não verbais. Os dados aqui relatados são mais favoráveis a essa

34

interpretação do que à possibilidade de as descrições terem antecedido e evocado os

entrelaçamentos alvo.

Vichi (2012) solicitou, após a realização da tarefa experimental, que os

participantes descrevessem as metacontingências (ou contingências coletivas). A maior

parte dos participantes não foi capaz de descrevê-las, embora tivessem produzido a CC.

O autor sugere que tal fenômeno resulta da extinção à qual os participantes foram

expostos após a seleção do entrelaçamento, pois a suspensão das CCs tornou difícil a sua

discriminação. Já as descrições incorretas das metacontingências em uma condição

VR3,foram atribuídas ao fato de que uma contingência de razão variável, ainda mais razão

de 3, é mais difícil de ser descrita.

Apesar do presente estudo não ter utilizado uma contingência de razão variável,

sua complexidade está relacionada à escolha de linhas diferentes, com cores específicas

e somatório dos números das linhas. Assim, descrever corretamente a metacontingência

exigia a discriminação de pelo menos três relações. Apesar dessa dificuldade, ainda foi

possível observar a ocorrência de várias descrições corretas, mesmo que incompletas, nas

duas microculturas, acompanhando o incremento na taxa de recorrência dos

entrelaçamentos alvo.

Muitas variáveis podem explicar a discrepância entre os resultados de estudos que

buscaram aferir efeitos da descrição de (meta)contingências em processos de seleção

operante ou cultural: a complexidade das tarefas, a familiaridade dos participantes uns

com os outros, a precisão das descrições, a autoridade de quem oferece ou demanda uma

descrição etc..

As condições B, B2, B3 (MC1) e B3, B4 (MC2), com suspensão de consequência

cultural, chegaram a apresentar taxas de ocorrência de entrelaçamentos em acordo com a

35

metacontingência da condição anterior superiores às do nível de acaso. Pode-se dizer que,

assim como na extinção no nível operante, em que após a retirada do estímulo reforçador

há um aumento no número de respostas e consequente variabilidade, na extinção no nível

cultural, isto também pôde ser observado. Em Caldas (2009) e Vichi (2012) esse efeito

foi interpretado como uma espécie de resistência à extinção das CCEs+PAs. Contudo,

nestes dois estudos, tal efeito foi antecedido por uma condição com ocorrência de seleção

cultural.

As altas taxas de CCEs+PAs em condições de suspensão de CC parece ter sido

função principalmente do acesso dos participantes aos registros deixados pelos

participantes mais antigos, que haviam entrado em contato com a metacontingência. Os

novos participantes utilizavam as combinações que anteriormente haviam produzido itens

escolares, supondo que assim também iriam conseguir produzi-los. Tal fenômeno foi

potencializado pelo fato de a experimentadora anunciar, ao final de cada ciclo, quando

havia produção do item escolar e, também, quando não havia. Ou seja, a não-produção

também era consequenciada socialmente/verbalmente. Esse feedback verbal para o

grupo, mais do que suas descrições, pode ter favorecido o uso das descrições deixadas

pelos participantes mais antigos.

Em face dos dados aqui apresentados, e dos disponíveis na literatura da área,

sugere-se mais investigações sobre as funções das descrições de (meta)contingências no

nível cultural, como também de como tais descrições se relacionam com a complexidade

dos fenômenos culturais.

36

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39

Apêndice A

Universidade Federal do Pará Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Pesquisa: “Efeitos da consequência cultural sobre a seleção de contingências comportamentais entrelaçadas em um contexto de descrição da metacontingência”

Senhores, Vimos por este instrumento convidá-lo a participar de um estudo sobre comportamentos de

grupo em situação de escolha. Estudos desse tipo visam aumentar nosso conhecimento sobre o comportamento humano e poderão no futuro contribuir para a discussão de problemas sociais.

Nesse estudo, cada pessoa participará de uma tarefa de resolução de problemas. Cada participante participará do estudo por um período máximo estimado em 60 minutos. Ao longo do estudo, a qualquer momento a sua participação poderá ser interrompida, por solicitação sua, sem necessidade de justificativa e sem qualquer prejuízo para o participante. Você não será submetido a qualquer situação de constrangimento.

Durante o procedimento, o grupo será filmado para registrar o que acontece durante o jogo. Essas imagens serão de uso exclusivo do pesquisador, não sendo exibidas em qualquer outra situação.

Os resultados obtidos nesta pesquisa serão utilizados apenas para alcançar o objetivo de produzir conhecimento sobre o comportamento de grupos, sendo prevista sua publicação na literatura cientifica especializada e em congressos científicos. Em todas as situações de divulgação dos resultados as identidades de todos os participantes e seus responsáveis serão mantidas em sigilo.

O risco da sua participação no estudo é mínimo, e envolvem possíveis cansaço e desconforto causados pela excecução da tarefa. Durante as sessões de coleta de dados, você ficará em uma sala com mobiliário próprio para a tarefa, sendo garantido o seu conforto e segurança. Qualquer prejuízo será prevenido e ressarcido pelo grupo de pesquisa.

Ainda que de maneira indireta, espera-se que esta pesquisa beneficie os membros do grupo, considerando que ela permitirá gerar novos conhecimentos sobre o comportamento social.

O presente estudo é coordenado pelo Prof. Dr. Emmanuel Zagury Tourinho, Professor Titular da Faculdade de Psicologia da Universidade Federal do Pará e a coleta de dados será realizada por pesquisadores vinculados ao seu grupo de pesquisa (alunos de graduação em Psicologia e alunos de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento) e sob sua supervisão.

_________________________________________________________

Assinatura do Pesquisador Responsável

Nome do pesquisador responsável: Mariana Espíndola Gonçalo Telefone: (91) 8289-2119 E-mail: [email protected] Orientador: Prof. Dr. Emmanuel Zagury Tourinho. Endereço do Orientador: Rua Gov. José Malcher, 1716, apto 502. Comitê de Ética do Núcleo de Medicina Tropical (NMT): Endereço: Av. Generalíssimo Deodoro, 92. Umarizal. Fone: 3201-6857

CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Declaro que li as informações acima sobre a pesquisa e que me sinto perfeitamente esclarecido sobre o conteúdo da mesma, assim como seus riscos e benefícios. Declaro, ainda, que participo da pesquisa por minha livre vontade.

Belém, _______ de ___________ de 2015

______________________________________________________ Assinatura do Participante