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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
FRANCISCO EMERSON VALE COSTA
UMA EXPERINCIA AMAZNICA DE GESTO DOS RECURSOS
HDRICOS: A CRIAO DO COMIT DE BACIA HIDROGRFICA
DO RIO TARUM-AU, MANAUS AM BRASIL
BELM/PA
2011
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
FRANCISCO EMERSON VALE COSTA
UMA EXPERINCIA AMAZNICA DE GESTO DOS RECURSOS
HDRICOS: A CRIAO DO COMIT DE BACIA HIDROGRFICA
DO RIO TARUM-AU, MANAUS AM BRASI
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Geografia, Instituto de Filosofia e Cincias
Humanas da Universidade Federal do Par, para obteno do
ttulo de Mestre em Geografia.
rea de Concentrao: Geografia dos Recursos Naturais e Meio
Ambiente.
Orientador: Prof Dr Carlos Alexandre Leo Bordalo
BELM/PA
2011
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Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)
(Biblioteca de Ps-Graduao do IFCH/UFPA, Belm-PA)
Costa, Francisco Emerson Vale
Uma experincia amaznica de gesto dos recursos hdricos: a criao do
Comit de Bacia Hidrogrfica do Rio Tarum-Au, Manaus - AM - Brasil /
Francisco Emerson Vale Costa; orientador, Carlos Alexandre Leo Bordalo. -
2011.
Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal do Par, Instituto de
Filosofia e Cincias Humanas, Programa de Ps-Graduao em Geografia,
Belm, 2011.
1. Comit de Bacia Hidrogrfica do Rio Tarum-Au (AM). 2. Tarum-
Au, Rio, Bacia (AM). 3. Recursos hdricos. I. Ttulo.
CDD - 22. ed. 333.910098113
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NOME: FRANCISCO EMERSON VALE COSTA
TTULO: UMA EXPERINCIA AMAZNICA DE GESTO DOS
RECURSOS HDRICOS: A CRIAO DO COMIT DE BACIA
HIDROGRFICA DO RIO TARUM-AU, MANAUS AM BRASIL
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Geografia, Instituto de Filosofia e Cincias
Humanas da Universidade Federal do Par, para obteno do
ttulo de Mestre em Geografia.
Aprovado em: 08 / 08 / 2011.
BANCA EXAMINADORA
Prof Dr Carlos Alexandre Leo Bordalo (Orientador PPGEO/UFPA)
Assinatura:__________________________________________________________________
Prof. Dr. Antnio Czar Leal (Examinador externo UNESP/FCT)
Assinatura:__________________________________________________________________
Prof. Dr. Cludio Fabian Szlafsztein (Examinador interno PPGEO/UFPA)
Assinatura:__________________________________________________________________
BELM/PA
2011
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Dedico a Deus este trabalho. Aos meus pais, a minha esposa, sobretudo pelo
amor, carinho dispensados nos momentos difceis e pela alegria
proporcionada pelo meu filho Arthur dos Santos Costa.
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AGRADECIMENTOS
Deus, que o grande referencial espiritual da minha vida e representa a solidez
diante das dificuldades enfrentadas no decorrer desta pesquisa.
minha famlia, em especial a meus pais Raimundo Nonato e Benedita Vale. Aos
meus irmos, Alber e Delcio, que sempre estiveram presentes e me incentivaram. minha
esposa, Glaucia Nascimento dos Santos que esteve sempre ao meu lado nesta conquista e ao
meu filho, Arthur, por ser a minha fonte de inspirao.
Ao meu orientador Prof Dr Carlos Alexandre Leo Bordalo, que sempre foi otimista
e decisivo nesta pesquisa. Alm, da sabedoria transmitida, das criticas e conselhos que levarei
para toda a vida. Obrigado professor.
Universidade Federal do Par, pelo apoio institucional, em especial ao Programa de
Ps-Graduao em Geografia e aos professores do curso que contriburam com seus
ensinamentos para minha formao.
Agradeo a Secretaria Estadual de Educao (SEDUC), pelo apoio financeiro atravs
da bolsa de mestrado.
banca de qualificao, Prof. Dr. Cludio Fabian Szlafsztein e a Prof. Dr. Aline
Meguins que em muito contriburam para o desenvolvimento da dissertao, atravs das
criticas e questes suscitadas que embasaram a trajetria desta pesquisa.
Solange Damasceno, Secretria Executiva do CBH-TA, e servidora do IPAAM
(Instituto de Proteo Ambiental do Amazonas) pela ateno dada a este trabalho e pela
colaborao no fornecimento de informaes sobre o CBH-TA.
Francisco Fernando Bessa Bittencourt pela ateno dispensada e pela logstica
fornecida em Manaus (AM).
todos, meu muito obrigado!
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O que torna belo o deserto, disse o pequeno prncipe, que em alguma parte
ele oculta um poo.
(Antoine de Saint Exupry)
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RESUMO
COSTA, F. E. V. UMA EXPERINCIA AMAZNICA DE GESTO DOS RECURSOS
HDRICOS: A CRIAO DO COMIT DE BACIA HIDROGRFICA DO RIO
TARUM-AU, MANAUS - AM BRASIL. 2011. Dissertao (Mestrado) - Universidade
Federal do Par, Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, Programa de Ps-Graduao em
Geografia, Belm, 2011.
A rea urbana de Manaus abrange quatro bacias hidrogrficas, todas contribuintes da grande
Bacia do Rio Negro. Duas bacias encontram-se integralmente dentro da cidade, a dos Rios de
So Raimundo e do Educandos, e duas parcialmente inseridas na malha urbana, a do Rio do
Tarum-Au e do Rio Puraquequara. A bacia hidrogrfica do Rio Tarum-Au com uma rea
de 133.756,40 ha, constitui uma importante unidade de paisagem que tem no seu baixo curso
uma forte proximidade com a zona urbana do Municpio de Manaus - AM, onde as
modificaes da paisagem esto diretamente relacionadas com forte tendncia de ocupao
humana e da expanso de suas atividades. Diante da grande importncia geogrfica que a
bacia hidrogrfica do Rio Tarum-Au representa populao do Municpio de Manaus, a
partir de 2009 docentes e discentes do Programa de Ps-Graduao em Geografia da
Universidade Federal do Par, passaram a desenvolver esta pesquisa que se prope a realizar
uma anlise da experincia de Gesto dos Recursos Hdricos no Estado do Amazonas, atravs
da criao do primeiro Comit de Bacia Hidrogrfica na Regio Amaznica (CBH TA),
destacando os planos de ao e as metas prioritrias da gesto, para fornecer subsdios
voltados para a construo de alternativas advindas das dificuldades de gesto compartilhada.
O Comit da Bacia Hidrogrfica do Rio Tarum-Au, regido pela Lei Federal n. 9.433 de 08
de janeiro de 1997, com instituio prevista pela Lei n 3.167/07, funcionando desde 6 de
junho de 2006 e institudo oficial atravs do Decreto 29.244 de 19 de outubro de 2009, com
atuao na Bacia Hidrogrfica do Rio Tarum-Au, localizada no municpio de Manaus,
Estado do Amazonas.
Palavras-Chave: Amaznia, Tarum-Au, Recursos Hdricos, Bacia Hidrogrfica, Comit de
Bacia Hidrogrfica.
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ABSTRACT
COSTA, F. E. V. AN EXPERIMENT IN THE AMAZON RESOURCE
MANAGEMENT: THE CREATION OF THE WATERSHED TARUM-ACU RIVER,
MANAUS - AM - BRAZIL. 2011. Dissertation (MSc) - University of Par, Institute of
Philosophy and Humanities, Graduate Program in Geography, Bethlehem, 2011.
The urban area of Manaus encompasses four river basins, all major contributors to the Rio
Negro Basin. Two basins are wholly within the city, the Rivers of So Raimundo and Learners,
and two partially inserted into the urban fabric, the Rio Tarum-Acu River and
Puraquequara. The watershed of the Rio Acu-Tarum with an area of 133,756.40 ha, is an
important landscape unit that has at its lower course a strong proximity to the urban area of
Manaus - AM, where the landscape changes are directly related to strong tendency of
human occupation and expansion of its activities. Given the great geographical importance
that the river basin Tarum Acu-represents the population of the city of Manaus, from 2009
this research was developed by teachers and students of the Graduate Program in
Geography, Federal University of Para, a research it proposes to undertake a review of the
experience of Water Management in the State of Amazonas, by creating the first committee
in the Amazon Basin (CBH - TA), highlighting the action plans and priority goals of
management, to provide targeted subsidies for the construction of alternatives coming from
the difficulties of shared management. The Committee of River Basin Tarum-Acu, governed
by Federal Law No. 9433 of January 08, 1997, the institution provided for by Law No.
3.167/07, functioning since June 6, 2006 and officially established by Decree 29244 October
19, 2009, with operations in the river Basin Tarum-Acu, located in Manaus Amazonas state.
KEYWORDS: Water Resources, Watershed, Basin Committee.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 01 Estrutura da Constituio dos Planos de Gerenciamento dos
Recursos Hdricos na Frana
Figura 02 Organograma de funcionamento SINGREH
Figura 03 Composio dos Comits de Bacia
Figura 04 Ilustrao de uma Bacia Hidrogrfica
Figura 05 Localizao da Bacia Hidrogrfica do Rio Tarum-Au
Figura 06 Mapa da rede de drenagem do Rio Tarum-Au
Figura 07 Carta bsica da Rede Viria (RVI) da Bacia Hidrogrfica do
Rio Tarum-Au, Manaus AM
Figura 08 APA Margem Esquerda do Rio Negro
Figura 09 Foto de desmatamento de rea de Preservao Permanente
Figura 10 Foto de impacto ambiental
Figura 11 Localizao da APA da PontaNegra/Tarum
Figura 12 Foto da expanso urbana
Figura 13 Foto da expanso urbana planejada
Figura 14 Foto da deposio de sedimentos no leito de igarap
Figura 15 Foto do desepejo de dejetos domsticos
Figura 16 Foto do desepejo de dejetos domsticos
Figura 17 Uso e Cobertura do Solo para o ano de 2008
Figura 18 Foto da Marina do Davi baixa vazo
Figura 19 Foto da Marina do Davi baixa vazo
Figura 20 Grfico das Unidades da Federao com comits de bacia
Figura 21 Campanha de Educao Ambiental e Limpeza do Rio Tarum-
Au
Figura 22 Campanha de Educao Ambiental e Limpeza do Rio Tarum-
Au
Figura 23 Campanha de Educao Ambiental e Limpeza do Rio Tarum-
Au
Figura 24 Campanha de Educao Ambiental e Limpeza do Rio Tarum-
Au
Figura 25 Trabalhos de alunos de sries iniciais retratando a problemtica
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do lixo no Rio Tarum Au
Figura 26 Trabalhos de alunos de sries iniciais retratando a problemtica
do lixo no Rio Tarum Au
Figura 27 Trabalhos de alunos de sries iniciais retratando a problemtica
do lixo no Rio Tarum Au
Figura 27 Trabalhos de alunos de sries iniciais retratando a problemtica
do lixo no Rio Tarum Au
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 Diferenas entre a gesto tradicional e a gesto integrada
Quadro 02 Instrumentos de Gerenciamento dos Recursos Hdricos
Quadro 03 Os princpios da gesto dos recursos hdricos
Quadro 04 Instncias do SINGREH e respectivas competncias bsicas
Quadro 05 Tipologia de atores sociais participantes do SINGREH
Quadro 06 Competncias legais do CBH
Quadro 07 Estruturao do Sistema Estadual de Recursos Hdricos
Quadro 08 Os Instrumentos de Gesto Hdricos no Estado do Amazonas
Quadro 09 Composio do Grupo de Trabalho
Quadro 10 Composio do Comit do Rio Tarum-Au
Quadro 11 Composio da diretoria do CBH-TA para os binios 2006/2008;
2008/2010 e 2010/2012
Quadro 12 Caractersticas gerais Campanhas de Educao Ambiental e
Limpeza do Rio Tarum-Au
Quadro 13 Reunies do CBH-TA
LISTA DE ANEXOS
Anexo A Instrumento de Pesquisa
Anexo B Decreto de Criao do CBH-TA
Anexo C ATA da I Reunio do CBH-TA
Anexo D Regimento Interno do CBH-TA
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LISTA DE SIGLAS
ABIH Associao Brasileira de Indstria Hoteleira
GUAS DO AMAZONAS Empresa Concessionria de Servios de gua e Esgoto
AMAZON ECOPARK Hotel de Selva
AMAZONAS ENERGIA Empresa Concessionria de Energia do Estado do Amazonas
AMAZONASTUR Empresa Estadual de Turismo
ANA Agncia Nacional de guas
CERH Conselho Estadual de Recursos Hdricos
CEULM/ULBRA Centro Universitrio Luterano de Manaus
CNRH Conselho Nacional de Recursos Hdricos
CODEVASF Companhia de Desenvolvimento do Vale do So Francisco
COIAB Confederao das Organizaes Indgenas da Amaznia Brasileira
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
CPRM Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais
CTAP Cmara Tcnica gua Potvel
CTAS Cmara Tcnica gua Subterrnea
CTEA Cmara Tcnica Educao Ambiental
CTTE Cmara Tcnica de Tratamento de Efluentes
DIREN Diretorias Regionais de Meio Ambiente
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria
FAG - Faculdade Assis Gurgacz, Naghettini
FEPI Fundao Estadual dos Povos indgenas
FFV Fundao Floresta Viva
FSDB Faculdade Salesiana Dom Bosco
IAAN Instituto Ambiental Amigos da Natureza
INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
INFRAERO Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroporturia
INMET Instituto Nacional de Meteorologia
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INPA Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia
IPAAM Instituto de Proteo Ambiental do Amazonas
IPEM Instituto de Pesos e Medidas do Estado do Amazonas
MANAUSTUR Fundao Municipal de Turismo
MMA Ministrio do Meio Ambiente
PNRH Plano Nacional de Recursos Hdricos
SAGE Schma dAmnagement et de Gestion des Eaux
SDAGE Schma Directeur dAmnagement et de Gestion des Eaux
SDS Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel
SEARH Secretaria Estadual Adjunta de Recursos Hdricos
SEDUC Secretaria de Estado de Educao e Qualidade de Ensino
SEGEORH Secretaria Executiva de Geodiversidade e Recursos Hdricos
SEMASC Secretaria Municipal de Assistncia Social e Cidadania
SEMDEL Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econmico Local
SEMED Secretaria Municipal de Educao
SEMMAS Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade
SEMTRAD Secretaria Municipal de Trabalho e desenvolvimento Social
SEPLAN Secretaria do Planejamento
SINGREH Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos
SIPAM Sistema de Proteo da Amaznia
SOS Tarum-Au Associao de Moradores do Rio Tarum-Au
SUFRAMA Superintendncia da Zona Franca de Manaus
UEA Universidade do Estado do Amazonas
UFAM Universidade Federal do Amazonas
UNILASALLE Faculdade La Salle de Manaus
UNINILTONLINS Centro Universitrio Nilton Lins
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SUMRIO
INTRODUO.....................................................................................................................
CAPTULO 1 FUNDAMENTOS TERICOS DA GESTO DOS RECURSOS
HDRICOS.............................................................................................................................
1.1 Os Modelos de Gesto dos Recursos Hdricos..............................................................
1.2 O Modelo de Gesto dos Recursos Hdricos na Frana.................................................
CAPTULO 2 A GESTO DOS RECURSOS HDRICOS NO BRASIL....................
2.1 Contextualizao Histrica da Gesto de Recursos Hdricos no Brasil........................
2.2 A Lei das guas no Brasil.............................................................................................
2.3 A Institucionalizao da Gesto dos Recursos Hdricos no Brasil................................
2.4 Os Atores na Gesto dos Recursos Hdricos..................................................................
2.4.1 O Conselho Nacional de Recursos Hdricos CNRH................................................
2.4.2 Os Comits de Bacias Hidrogrficas CBH.............................................................
2.4.3 As Agncias de gua..................................................................................................
2.4.4 As Organizaes Civis de Recursos Hdricos.............................................................
2.5 A Bacia Hidrogrfica como Unidade Territorial de Gesto dos Recursos Hdricos......
CAPITULO 3 A POLTICA E O SISTEMA DE GERENCIAMENTO DOS
RECURSOS HDRICOS NO ESTADO DO AMAZONAS..............................................
3.1 A Poltica Estadual dos Recursos Hdricos....................................................................
3.2 Sistema de Gerenciamento dos Recursos Hdricos do Estado do Amazonas................
3.2.1 O Conselho Estadual de Recursos Hdricos..................................................................
3.2.2 rgos Estaduais (SDS e IPAAM).............................................................................
3.2.3 Os Comits de Bacias Hidrogrficas...........................................................................
3.2.4 Instrumentos da Poltica Estadual de Recursos Hdricos............................................
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CAPTULO 4 O COMIT DE BACIA HIDROGRFICA DO RIO TARUM-
AU CBHTA E OS DESAFIOS PARA SUA
CONSOLIDAO................................................................................................................
4.1 rea de Estudo e Vias de Acesso..................................................................................
4.2 Formas de Uso e Ocupao do Solo e os Principais Problemas Ambientais.................
4.3 O Comit de Bacia Hidrogrfica do Rio Tarum-Au CBHTA.................................
4.3.1 Processo Histrico de Mobilizao e a Criao do CBHTA......................................
4.3.2 As Aes de Educao Ambiental (E.A) Desenvolvidas pelo CBHTA.....................
4.3.3 Os Desafios para a Consolidao do CBHTA............................................................
CONSIDERAES FINAIS...............................................................................................
REFERNCIAS....................................................................................................................
ANEXO A..............................................................................................................................
ANEXO B...............................................................................................................................
ANEXO C..............................................................................................................................
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69
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109
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INTRODUO
H uma urgente necessidade de dados de estoque e fluxo da gua no mundo.
Estas no so apenas necessidades acadmicas, mas sim necessidades
vitais.
(World Water Commission for Water in the 21 Century, 2000)
A instituio do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos (SNGRH)
pela Lei 9.433/97 abriu caminhos para as novas bases da gesto participativa no Brasil. Os
CBHs passaram a ser as mais importantes instncias democrticas de gesto da gua no pas,
congregando representantes de diversos setores da sociedade. Seu funcionamento envolve um
processo decisrio especifico, centrado na aprovao dos planos de gesto das bacias e na
definio e aprovao dos valores da cobrana pelo uso da gua. Magalhes Jnior (2010)
afirma que a atual fase marcada pela multiplicao contnua de CHBs no pas, mas o
processo de operacionalizao lento e marcado por dificuldades.
Nesta perspectiva o Estado do Amazonas, pioneiro na Amaznia Brasileira a
estabelecer um sistema completo de gesto dos recursos hdricos alicerado nos princpios da
descentralizao, participao e integrao. Nesse sentido, atravs da Lei N. 3.167, de 28 de
agosto de 2007, decreto estadual n. 29.244, foi regulamentado no dia 19 de outubro de 2009,
o comit de bacia hidrogrfica do Rio Tarum-Au, funcionando desde junho de 2006. Esse
novo organismo passou a ser considerado um dos principais mecanismos para assegurar a
adequada gesto da bacia hidrogrfica do Rio Tarum-Au.
A Bacia hidrogrfica do Rio Tarum-Au, est localizada nas Zonas Norte e Oeste de
Municpio de Manaus. O principal curso dgua o Rio Tarum-Au, que um afluente pela
margem esquerda Rio Negro, possui uma rea total de 133.756,40 ha, o que corresponde a
16% da rea territorial do municpio de Manaus.
Segundo Bhring (2010) Esta bacia uma rea com srios problemas ambientais
como consequncia da explorao mineral, vegetal e animal de forma desordenada, sem apoio
tcnico adequado para a utilizao destes recursos naturais. Apesar da degradao ambiental
que a rea historicamente vem sofrendo, a bacia detentora de uma das maiores parcelas
contnuas da floresta amaznica circunvizinhas cidade de Manaus, com riquezas naturais e
uma composio de flora peculiar. A intensa e desordenada ocupao antrpica que vm
ocorrendo nesta bacia est provocando a destruio dos seus ecossistemas.
Diante da grande importncia geogrfica que a bacia hidrogrfica do Rio Tarum-Au
representa populao do Municpio de Manaus e se tratando de uma experincia pioneira na
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Amaznia de gesto dos recursos hdricos, em particular no Estado do Amazonas. A partir de
2009 foi desenvolvido este trabalho por docentes e discentes do Programa de Ps-Graduao
em Geografia da Universidade Federal do Par, vinculado a linha de pesquisa, Gesto dos
Recursos Naturais e Meio ambiente.
A pesquisa teve como objetivos: Analisar o papel do CBH-TA na gesto da bacia
hidrogrfica do Rio Tarum-Au, considerando suas propostas e planos de ao. Destacando
as aes que contribuem efetivamente gesto integrada da Bacia do Rio Tarum-Au, no
municpio de Manaus; como ocorreu o processo histrico de formao do CBH-TA e destacar
as limitaes deste, organismo de gesto das guas, bem como os desafios ao alcance de uma
gesto integrada na principal metrpole da Amaznia.
Para o desenvolvimento desta dissertao, os procedimentos metodolgicos utilizados
foram a pesquisa documental, por meio de consulta bibliogrfica em literaturas que tratam do
tema, apresentada atravs de livros, peridicos, revistas especializadas, Atas das reunies do
CBH-TA e artigos disponibilizados na internet.
Pesquisas nos acervos bibliogrficos de diversos rgos presentes no Estado do
Amazonas e na cidade de Manaus, dentre eles destaca-se a Secretaria de Estado do Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel SDS, atual rgo gestor dos recursos hdricos no
Estado e o Instituto de Proteo Ambiental do Amazonas IPAAM, o rgo estadual executor
da Poltica de Recursos Hdricos; UEA (Universidade do Estado do Amazonas) e a UFAM
(Universidade Federal do Amazonas). Visando dessa forma melhor acompanhar a gesto dos
recursos hdricos no Estado do Amazonas e o papel do comit na gesto da bacia hidrogrfica
do Rio Tarum-Au.
Visitas de campo (cidade de Manaus) o que possibilitou conhecer a bacia hidrogrfica
do Rio Tarum-Au e fazer registro fotogrfico de seus principais problemas socioambientais
e realizao de entrevistas qualitativas com os representantes dos diversos atores que
participam do comit (Estado, Municpio, Usurios e Sociedade Civil) servindo como
importante complementao das informaes documentais.
A utilizao e a sistemtica aplicao desta metodologia possibilitaram a obteno dos
resultados que subsidiaram a dissertao ora apresentada, estando esta organizada da seguinte
forma:
O CAPTULO 1 desenvolvido a partir de uma reviso bibliogrfica sobre o tema
Fundamentos Tericos da Gesto dos Recursos Hdricos, iniciando com uma discusso sobre
a compreenso do conceito de gesto dos recursos hdricos.
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No CAPTULO 2 so apresentados os pressupostos bsicos da gesto dos recursos
hdricos no Brasil, incluindo o Cdigo das guas de 1934, a Lei das guas (Lei 9.433/97)
como marco legal e institucional nesse cenrio, alm da Lei Estadual (Lei 3.167/2007) como
marco para a gesto dos recursos hdricos no Estado do Amazonas.
O CAPTULO 3 apresenta uma viso geral sobre a poltica e o sistema de
gerenciamento dos recursos hdricos no Estado do Amazonas, reservando a maior parte do
captulo estrutura do Sistema Estadual de Gerenciamento dos Recursos Hdricos.
O CAPTULO 4 procede uma reflexo sobre o Comit de Bacia Hidrogrfica do Rio
Tarum-Au CBH-TA com nfase para os desafios voltados para a sua consolidao, com
destaque para as crticas e sugestes sobre o funcionamento do CBH-TA na percepo de
representantes de entidades participantes.
AS CONSIDERAES FINAIS reservou um espao para uma anlise preliminar
desse processo de gesto dos recursos hdricos de forma descentralizada integrada e
participativa referente a criao e o funcionamento do CBH-TA, considerando a baixa
institucionalizao dos instrumentos de gesto, que representam o alicerce necessrio para
sobrevivncia econmica e politica desse organismo. Portanto, a primeira tentativa de
sistematizar essas informaes, pois representa um avano, no sentido da reflexo sobre o
despertar da gesto dos recursos hdricos no Estado do Amazonas.
19
CAPTULO 1
FUNDAMENTOS TERICOS DA GESTO DOS RECURSOS HDRICOS
A gua, uma pele tal
que ningum pode ferir
(Paul Eluard)
O termo gesto tem suas origens na rea da administrao, como ato de gerir,
gerenciar ou administrar programas, projetos, empreendimentos, empresas ou qualquer outra
atividade que tenha a necessidade de ser administrada ou gerida. Sendo popularizado, como o
conjunto de instrumentos ou aes necessrias para o planejamento ou ordenamento de
diferentes atividades a serem desenvolvidas e implantadas, sob a coordenao de algum ou
alguns responsveis (BORDALO, 2006).
A expresso gesto voltada para os recursos hdricos pode ser compreendida como a
atividade analtica e criativa voltada formulao de princpios e diretrizes, ao preparo de
documentos orientadores e normativos, a estruturao de sistemas gerenciais e tomada de
decises, que tm por objetivo final promover o inventrio, uso, controle e proteo da gua
(LANNA, 1997).
Nesse sentido, o processo de gesto permite o equacionamento e a resoluo das
questes de escassez relativa da gua, bem como a busca do seu uso mais adequado,
viabilizando a harmonizao das demandas e da oferta de gua em uma unidade territorial. A
gesto dos recursos hdricos envolve o processo de planejamento, o qual compreende uma
sistemtica de organizao e compatibilizao dos usos mltiplos da gua visando tomada
de decises em um contexto de trabalho permanente de acompanhamento e avaliao das
aes realizadas.
Para Leal (2000) a gesto dos recursos hdricos est inserida em um quadro recente de
mudanas na cultura hdrica, com o reconhecimento da gua como um bem precioso, de valor
inestimvel, essencial a todas as formas de vida e fundamental s atividades humanas e ao
desenvolvimento scio-econmico. Lenta e gradualmente, esto sendo questionadas e
alteradas a viso de inesgotabilidade e de renovabilidade da gua e o seu desperdcio em usos
domsticos, agrcolas e industriais.
A gesto dos recursos hdricos, no sentido amplo, definida como o conjunto de
procedimentos organizados com vistas a solucionar os problemas referentes ao uso e ao
controle dos recursos hdricos. O objetivo da gesto atender, dentro de princpios de justia
20
social e com base nas limitaes econmicas e ambientais, s necessidades de gua da
sociedade a partir de uma disponibilidade limitada (TEIXEIRA, 2004).
Segundo Teixeira (2004 p. 20 e 21) a gesto composta de trs sub-funes:
planejamento, administrao e regulamentao.
O planejamento constitudo pelo conjunto de atividades necessrias
previso das disponibilidades e das demandas de guas, com vistas a
maximizar os benefcios econmicos e sociais. As principais atividades do
planejamento so: inventrio dos recursos hdricos, estudos da quantidade
das guas, estimativas das demandas, estudos prospectivos do balano oferta
e demanda e avaliao e controle do prprio planejamento.
A administrao refere-se s aes que do suporte tcnico ao
planejamento e aos mecanismos de avaliao da efetividade dos planos
anteriores, visando a realimentao dos planos futuros. So etapas da
administrao: coleta e divulgao dos dados hidrometeorolgicos, as
estatsticas do uso da gua, o poder de polcia administrativa e a
programao executiva e econmico-financeira das obras previstas no plano.
A regulamentao constituiu o conjunto das aes de suporte legal
para o desempenho da gesto das guas, a partir do disciplinamento e
normatizao do funcionamento do Sistema Nacional ou Estadual de
Recursos Hdricos. A regulamentao se consolida atravs de sugestes de
leis, decretos, portarias, instrumentos e regulamentos.
Para Botelho e Silva (2007) o objetivo da gesto preservar e recuperar os recursos
hdricos. Esta gesto feita por um conjunto de rgos e instituies, que assumem, cada um,
responsabilidades e funes, entre as quais: coordenar, arbitrar os conflitos, implementar a
poltica, planejar, regular, controlar o uso, preservar e recuperar os recursos hdricos. A gesto
passa necessariamente pela cobrana do uso dos recursos hdricos e pela administrao e
aplicao no mbito da bacia onde so arrecadados esses recursos.
A gesto da gua envolve uma gradual materializao de aes associada ao
estabelecimento de metas e objetivos, definio de padres ou indicadores de referncia,
formulao de polticas1 e planos
2, elaborao de projetos de execuo e, finalmente,
operacionalizao de intervenes (LANNA, 1995). Ao longo dessa sequncia esto presentes
valores humanos que definem escolhas e critrios de deciso. Os valores envolvem um
conjunto de condicionantes sociais, desejos e motivaes bsicas que governam o
comportamento humano. Quatro tipos principais de valores so considerados em relao s
guas:
Valor de uso: o valor derivado do uso do ambiente como recurso para
promover o bem-estar da sociedade.
1 As polticas estabelecem os princpios e as diretrizes para atender aos objetivos da gesto.
2 Os planos apresentam o detalhamento das polticas e a identificao de aes que levaro o ambiente aos
cenrios estabelecidos.
21
Valor de opo e uso: o valor derivado do uso potencial do ambiente para
promover o bem estar da sociedade.
Valor de existncia: o valor estabelecido pela sociedade pela simples
existncia de um bem ambiental, ou seja, baseado em uma situao no-
uso do recurso.
Valor intrnseco: o valor intrinsecamente associado ao ambiente,
estabelecido por motivaes ticas e morais que atribuem direitos a todos os
elementos ambientais. (MAGALHES JNIOR, 2010 p.67-68).
Nessa perspectiva um dos princpios mais valorizados nas modernas abordagens de
gesto dos recursos hdricos a adoo de bacia hidrogrfica como unidade principal de
planejamento e gesto. A partir da escolha de uma unidade territorial adequada, a gesto da
gua deve ser incorporada em um processo mais amplo de gesto ambiental integrada,
compreendida como a gesto de abordagem ecossistmica, na qual o desafio realizar a
transio demogrfica, econmica, social e ambiental rumo a um equilbrio durvel.
Para Magalhes Jnior (2010) a gesto integrada leva em conta, portanto, as interaes
sistmicas do meio-ambiente, buscando respostas e solues para problemas especficos
(quadro 01). Sua operacionalizao , entretanto, um desafio poltico institucional ainda no
solucionado por nenhuma nao.
Quadro 01: Diferenas entre a gesto tradicional e a gesto integrada
GESTAO TRADICIONAL GESTO INTEGRADA
Tomada de deciso de cima para baixo Participao em diferentes nveis
Centralizada, linear Descentralizada, retroalimentao
Aversa a risco Admite riscos
Decises finalistas Aceita revisar/revisitar e admite erros
Viso impositiva Vises compartilhadas
Limites administrativos Alm dos limites administrativos
Ator individual Parcerias
Fonte: ABERS & JORGE (2005)
Nesse sentido, a tomada de conscincia de se praticar a gesto dos recursos hdricos
numa perspectiva integrada se consolidou mundialmente nos ltimos vinte anos. A noo
passou a assumir varias dimenses, envolvendo conotaes diversas que passaram a contar
com o apoio gradual e consensual de cientistas, administradores pblicos, industriais e
associaes tcnico-cientificas (MACHADO, 2004).
22
Para Leal (2010), gesto dos recursos hdricos consiste em trabalhar com diversos
processos naturais e sociais, com a abordagem sistmica, com o objetivo de compatibilizar e
garantir a gua para os mltiplos usos, para as atuais e futuras geraes.
Portanto, a tomada de decises de carter isolado e centralizador por parte de agentes
governamentais, empresariais ou comunitrios, podem comprometer e at inviabilizar
quaisquer perspectivas de consolidao da gesto dos recursos hdricos, como tambm
colocar em xeque os acordos e tratados firmados, inviabilizando assim as possibilidades de
ordenao e regularizao no acesso, apropriao e uso desses recursos, por parte dos diversos
atores, levando ao risco de conflitos sociais e na sua degradao e exausto (BORDALO
2006).
Para Almeida e Pereira (2009 p.102) a filosofia por trs da chamada gesto
descentralizada a seguinte:
O que pode ser decidido no mbito de governos regionais, e mesmo locais, no ser
tratado em Braslia ou nas capitais regionais. Quanto gesto participativa, trata-se
de um processo que permite que os usurios, a sociedade civil organizada, as ONGs
e outros organismos possam a influenciar o processo de tomada de deciso.
Neste cenrio, vale destacar ainda, que no cabe mais a postura do usurio espectador
espera de propostas sugeridas nas esferas governamentais. A nova ordem o cidado, ou
grupos de cidados, buscar alternativas para resolver os problemas da gua, levando em conta
as necessidades e dificuldades vivenciadas pelas prprias comunidades. o princpio da
adoo da bacia hidrogrfica como unidade territorial de gesto de recursos hdricos.
1.1 Os modelos de gesto dos recursos hdricos
Os modelos de gesto dos recursos hdricos no globo foram marcados por trs
paradigmas (BARTH, 1992 Apud MAGALHES JNIIOR, 2010): Jurdico-administrativo
ou burocrtico, Econmico-financeiro e Integrador-participativo.
O JURDICO-ADMINISTRATIVO OU BUROCRTICO (final do sculo XIX aos anos
70): predomnio do controle legal e setorial para a expedio de outorgas e licenas. A
abordagem regulatria a mais usada internacionalmente, mas se utilizada de forma isolada,
pode trazer ineficincia econmica (subconsiderao das estruturas de custos dos agentes
privados na reduo da poluio) elevados custos administrativos e a desmotivao dos
usurios que atingem os padres estipulados na busca de melhorias tecnolgicas.
23
Comeou a ser implantado no Brasil ao final do sculo XIX e foi consagrado no incio
da dcada de 1930 com a aprovao do Decreto n 24.643 de 10 de julho de 1934 - Cdigo de
guas. Este modelo tem como principais caractersticas a racionalidade e a hierarquizao.
Para sua instrumentalizao foi gerada uma grande quantidade de leis, decretos, portarias,
regulamentos e normas sobre uso e proteo do ambiente. Como conseqncia, a autoridade e
o poder tenderam a se concentrar gradualmente em entidades pblicas, de natureza
burocrtica, que se destinava a aprovar concesses e autorizaes de uso, licenciamento de
obras, aes de fiscalizao, de interdio ou multa e demais aes formais, conforme
atribuies dos diversos escales hierrquicos (ABES, 2004).
As principais falhas apresentadas pelo modelo so de que as reaes e
comportamentos humanos so consideradas previsveis e que a excessiva ateno dada a
aspectos formais impede a percepo dos elementos dinmicos: o meio em que a organizao
se insere, a personalidade dos atores que nela contracenam e as relaes de poder que
permeiam a organizao. Alm disso, suas normalizaes acabaram por torn-lo
excessivamente burocrtico, o que trouxe lentido a sua operacionalizao.
ECONMICO-FINANCEIRO (segunda metade do sculo XX): foi impulsionado pelos
limitados resultados da abordagem normativa na gesto ambiental. Sob esse paradigma,
desenvolveram-se as idias de anlises custo/benefcio propostas na dcada de 1930 nos
Estados Unidos, a partir do pensamento econmico de John Maynard Keynes, o qual
destacava o papel do Estado como empreendedor.
No Brasil, teve como marco de sua aplicao a criao em 1948 da CODEVASF
Companhia de Desenvolvimento do Vale do So Francisco em 1948 (BORSOI e TORRES,
1997) Esse modelo destacava a relevncia do papel do Estado como empreendedor, fruto do
desdobramento do pensamento econmico de John Maynard Keynes. Segundo LANNA
(1994), representa uma estratgia de forte interveno do Estado, ficando seus gestores muito
sujeitos presso dos grupos econmicos. Esse modelo desenvolveu-se a partir da
constatao da inoperncia do modelo burocrtico. (ABES, 2004). O modelo econmico-
financeiro caracterizou-se pela predominncia do emprego das negociaes poltico-
representativa e econmica, atravs de instrumentos econmicos e financeiros, aplicados pelo
poder pblico, para promoo do desenvolvimento econmico nacional ou regional e induo
obedincia das disposies legais vigentes. Pode aparecer com duas orientaes:
Na primeira delas, alicerado em prioridades setoriais do governo. Tendo
como fora motora os programas de investimentos em saneamento,
24
irrigao, eletrificao, minerao, reflorestamento, criao de reas de
preservao, entre outros, e como entidades privilegiadas, autarquias e
empresas pblicas. Na outra orientao, mais moderna, o modelo
econmico-financeiro busca o desenvolvimento integral e, portanto,
multissetorial da bacia hidrogrfica. Os instrumentos econmicos e
financeiros so aplicados tendo em vista uma concepo de sistema: setorial,
como o de saneamento, de energia, de transportes, ou integral, como o
sistema da bacia hidrogrfica. (LEAL 2000)
A principal falha desse modelo que o mesmo adota uma concepo relativamente
abstrata para servir de suporte para a soluo de problemas contingenciais: o ambiente
mutvel e dinmico exige grande flexibilidade do sistema de gerenciamento para adaptaes
freqentes e diversas. No caso do gerenciamento de recursos hdricos ele esbarra na
necessidade de criar um enorme sistema que compatibilize as intenes espaciais e temporais
de uso e proteo dos recursos hdricos. E, segundo Borsoi e Torres (1997), a incapacidade de
ter um sistema de to grandes dimenses fez com que, na prtica, tenham sido criados
sistemas parciais que acabaram privilegiando determinados setores usurios de gua,
ocorrendo at apropriao perdulria por parte de alguns segmentos.
INTEGRADOR-PARTICIPATIVO (anos 1990): marcado pela gesto descentralizada3 e
participativa4: diversos pases passaram por essas fases em momentos distintos. No
movimento internacional de modernizao dos sistemas nacionais de gesto ambienta, a partir
dos anos 80, a integrao desses trs paradigmas tornou-se uma via de busca de um modelo de
gesto mais conforme aos princpios de gesto sustentvel. Mais do que o abandono de um
paradigma em prol de outro, a integrao e o aproveitamento das qualidades surgem como a
soluo mais lgica. Sob tal contexto favorvel, os modelos mais coerentes com o problema
da complexidade dos fenmenos naturais e sociais e, portanto, mais abertos a integrao
anlise sistmica e participao social ganharam fora.
No Brasil a partir da Constituio de 1988, foi possvel estabelecer o terceiro modelo,
o chamado sistmico de integrao participativa. Trata-se do modelo mais moderno de
gerenciamento de recursos hdricos e constitui o objetivo estratgico de qualquer
reformulao institucional e legal bem conduzida, que busca integrar sistemicamente os
quatro tipos de negociao social: econmica, poltica direta, poltico-representativa e
jurdica.
3 Gesto descentralizada aqui concebida como a que incorpora o princpio da subsidiariedade e cujo processo
decisrio flui em diferentes escalas espaciais, desde o nvel federal, aos nveis mais locais, relativamente
prximos do cidado (municpios, bacias hidrogrficas, etc.). 4 Gesto participativa da gua a que incorpora a participao de diferentes setores da sociedade, incluindo os
usurios da gua e representantes da sociedade civil organizada.
25
Esse modelo, baseado no modelo francs, tem nas agncias de financiamento das
bacias o papel de completar e acelerar aes pblicas e privadas no campo dos recursos
hdricos. As tarifas baseadas no princpio poluidor-pagador geraro recursos que colocaro
em prtica projetos voltados conservao das guas, pelo caminho das subvenes e
emprstimos a juros subsidiados, excetuados os gastos de manuteno da agncia financeira.
(ABES, 2004)
O comit de Bacia constitui outro elemento de destaque no princpio gerencial do
modelo sistmico de integrao participativa. Parte-se da premissa de que h diferentes
expectativas quanto ao uso dos recursos hdricos e, portanto, conflitos de interesse. O
gerenciamento competente desses conflitos, a partir da discusso permanente no mbito do
Comit que, pelas suas decises, exprime o patamar de consenso atingido num determinado
momento, constitui-se num componente essencial do processo.
Assim, o modelo sistmico de integrao participativa se constitui numa estratgia de
gerenciamento que visa conservao dos recursos hdricos, vistos desde uma perspectiva de
interao de seu ciclo natural com o ciclo scio-tecnolgico. Essa interao se d atravs do
gerenciamento dos conflitos de interesse dos atores sociais sobre os usos atuais e futuros
desses recursos e tem sua ao de mediao desenvolvida atravs dos recursos financeiros
obtidos pela tarifao no princpio poluidor-pagador ou usurio pagador.
1.2 A Experincia Francesa de Gesto dos Recursos Hdricos.
A Frana conta com um territrio de 543.965 km, abrigando populao de
aproximadamente 60 milhes de habitantes e com disponibilidade hdrica potencial de 3.600
m/habitante/ano. Possui regime unitrio, no sistema parlamentar, com Chefe de Estado forte,
o que facilita a aplicao de leis nicas em todo o territrio nacional. (LEAL 2000).
Algumas das principais caractersticas do modelo francs so: planejamento integrado
em detrimento do setorial; a adoo da bacia hidrogrfica como unidade de planejamento e
gesto; e tomada de decises em colegiados formados por representantes do poder pblico e
da sociedade civil organizada.
Um dos princpios que conferem o carter moderno e inovador da experincia francesa
sua estrutura descentralizada e participativa, nesse sentido Magalhes Jnior (2010, p.228)
apresenta cinco nveis institucionais que integram o sistema Francs de gesto da gua.
- Nvel Nacional: coordenado pelo Ministrio da Ecologia e
Desenvolvimento Sustentvel.
- Nvel de bacias hidrogrficas: representa o eixo principal da gesto da gua
no pas, envolvendo os comits de bacias, as agncias de gua e as
26
representaes regionais do Ministrio da Ecologia e Desenvolvimento
Sustentvel.
- Nvel das unidades espaciais intrabacia: aqferos, rios lagos e etc.
- Nvel das unidades polticas (coletividades territoriais): regies,
departamentos e comunas.
Nvel no governamental: comisses consultivas e associaes civis de
consumidores e usurios.
Essa estrutura descentralizada foi originada pela Lei das guas de 1964. Segundo
Magalhes Jnior (2010) at ento, a situao da gua na Frana era parecida com a do Brasil
antes da aprovao da Lei 9.433/97. Em ambos os casos a aplicao do modelo burocrtico de
gesto da gua resultou em uma fragmentao do processo de gesto e, em conseqncia, em
vrios textos legislativos de carter setorial e fragmentado: Cdigo de guas, Cdigo
Florestal, Cdigo de Pesca, etc. A reformulao da lei de 1964 veio tentar criar um sistema
nico de gesto da gua, de forma integral e racional, sem remover os dispositivos legais e o
sistema de gesto anterior.
A Lei da gua de 1992, representou mudanas na evoluo do sistema francs de
1964, concretizando as reformas exigidas social e politicamente nos nveis nacional e
europeu, entre as quais maior flexibilidade das unidades territoriais de gesto. A lei trouxe a
planificao territorial para o domnio da gesto da gua por meio da criao de dois novos
instrumentos de gesto: os Sdage (Schma Directeur dAmnagement et de Gestion des
Eaux5) e os Sage (Schma dAmnagement et de Gestion des Eaux
6)
Os Sdage, so os principais instrumentos de gesto em nvel de bacia hidrogrfica.
Suas determinaes so soberanas sobre quaisquer decises pblicas em seu permetro de
atuao, e sua aplicao ocorre a partir de consultas s prefeituras, s Diretorias Regionais de
Meio Ambiente (Diren) e s agncias de gua. Os Sdage, devem definir os objetivos de
qualidade e quantidade hdrica para as respectivas bacias, o que geralmente feito em pontos
estratgicos em termos de localizao (HUBERT, 1998).
De acordo com Magalhes Jnior (2010) um dos objetivos do Sdage a identificao
dos Sage prioritrios nas bacias (Schma Directeur dAmnagement et de Gestion des Eaux)
(ver figura 01). O Sage o documento orientador das aes de referncia obrigatria para a
aplicao de qualquer texto regulamentar em sua unidade espacial aps o Sdage. Tem sido
verificado que a maior parte das iniciativas de elaborao de projetos de Sage decorre de
problemas de conflitos de usos da gua. Nesse sentido, o Estado e as agncias da gua tm, 5 Esquema de Desenvolvimento e Gesto da gua
6 Plano Mestre de Desenvolvimento e Gesto da gua
27
geralmente, um papel fundamental nestas iniciativas, podendo favorecer ou retardar o
processo. Devido ao seu carter facultativo, os Sage so, portanto, vulnerveis interesses
polticos na sua criao.
Figura 01: Estrutura da Constituio dos Planos de Gerenciamento dos Recursos
Hdricos na Frana
Fonte: Silva (2006)
A gesto de gua na Frana o resultado de adaptaes conjunturais e temporais e no
de uma estruturao terica. O sistema evoluiu a partir de uma abordagem setorial pouco
funcional na primeira metade do sculo XX para uma abordagem mais moderna em acordo
com os princpios tericos do desenvolvimento sustentvel. De acordo com Magalhes Jnior
(2010 p.228) trs fatores contriburam para essa evoluo:
A industrializao macia no ps-guerra, acompanhada do aumento da
poluio hdrica;
A perspectiva microeconmica dos engenheiros franceses treinados nos
Estados Unidos, baseada na internalizao das externalidades ambientais e
O exemplo alemo do sistema de associaes de bacias.
Essa originalidade da experincia francesa de gesto da gua devida, em grande
parte, combinao de quatro fatores: a atuao do Estado, como guardio dos interesses
pblicos, o papel dos comits de bacias como colegiados de gesto participativa, as agncias
da gua, inicialmente chamadas de agncias financeiras da bacia, e o sistema de cobrana pelo
uso da gua.
28
A experincia francesa de gesto da gua, consolidada atualmente, inspirou a
formulao do quadro legal e institucional determinado pela Lei 9.433/97 no Brasil. essa lei
trouxe a planificao no domnio da gesto da gua, dando nfase gesto integrada e
descentralizada das guas, compatibilizao entre proteo dos ecossistemas aquticos e
satisfao dos usos da gua, valorizao econmica da gua e busca de equidade entre os
usurios. A partir de ento as guas passaram a ser consideradas patrimnio comum da nao,
recebendo um status original e paradoxal que rompeu com a dicotomia entre apropriao
pblica e privada da gua.
Para Almeida e Pereira (2009) o sistema de Gesto dos Recursos Hdricos Francs,
considerado bem sucedido, reduziu a carga de poluio dos rios em mais de 60%, adota as
bacia hidrogrficas como unidades territoriais para implementao e gerenciamento, e aponta
como principais armas a descentralizao e a transparncia.
29
CAPTULO 2
A GESTO DOS RECURSOS HDRICOS NO BRASIL
Os seres humanos no so os nicos que aspiram liberdade. O
ecossistema inteiro a deseja. A revoluo tambm para os lagos, os rios,
as rvores e os animais
(Padre Ernesto Cardenal Ministro da Cultura da Nicargua sandinista)
2.1 Contextualizao Histrica da Gesto de Recursos Hdricos no Brasil
Historicamente, segundo Abers e Jorge (2005) a gesto de guas no Brasil se
desenvolveu de forma fragmentada e centralizada. A gesto era fragmentada em funo de
cada setor (energia eltrica, agricultura irrigada, saneamento e etc.) realizar o seu prprio
planejamento e medidas. Era centralizada em decorrncia dos governos estaduais e federal
definirem a poltica sem que houvesse a participao dos governos municipais, dos usurios
da gua e da sociedade civil.
No Brasil adoo de polticas voltadas para o controle dos recursos hdricos se
subscrevem ao perodo colonial, sobretudo nas Ordenaes Filipinas7, decretadas em 11 de
janeiro de 1603 e que ficaram em vigncia por quase trs sculos, j tratavam da proteo das
guas, estabelecendo inclusive, a proibio de poluio das guas. J no Livro V, o mais
relevante por enfatizar a proteo do ambiente como um todo, uma vez que incluiu o conceito
de poluio. O Livro V, Ttulo LXXXVIII, 7, redigia: e pessoa alguma no lance nos rios e
lagoas em qualquer tempo do ano () trovisco, barbasco, coca, cal em outro algum material
com que se o peixe mate (MILAR, 2005, p.135).
Segundo Pompeu (2006), pelas Ordenaes do reino, os rios navegveis e os que se
faziam navegveis que eram caudais e perenes, pertenciam aos direitos reais, e as utilizaes
dessas guas dependiam de concesso rgia. Mas, devido s constantes reaes contra tal
prerrogativa da coroa, o Alvar de 27.11.1804, consagrou a situao de fato existente, no
sentido da livre derivao das guas dos rios e ribeiros, que podia ser feita por povoaes ou
7 Devem-se as Ordenaes Filipinas ao rei Felipe I de Portugal, expedidas no sc. XVII (1595/1603). Destacam-
se, relativamente matria ambiental, questes urbansticas, entre as quais programas de obras pblicas, como
construo de caladas, plantio de rvores em terrenos baldios. Tambm o conceito de poluio aparece nessas
Ordenaes. Interessante notar que "inmeras normas previam uma recompensa para quem delatasse seu
infrator, de modo a estimular o povo a cuidar do patrimnio pblico portugus. WAINER, Ann Helen.
Legislao Ambiental Brasileira. Rio de Janeiro. Ed. Forense. 1991
30
particulares, por canais ou levadas para regar suas terras ou para o escoamento, quando
inundadas, assim, fundamentando-se nesse ato podia-se adquirir o direito ao uso de gua pela
pr-ocupao.
Com o advento da Constituio Imperial de 1824, as Ordenaes se tornaram
inaplicveis no Brasil e os direitos e as prerrogativas da Coroa passaram a ser definidos pela
nova lei. Os direitos reais foram transferidos para o domnio nacional, mas o Alvar de 1804
continuou a ser aplicado at o advento do Cdigo das guas, em 1934.
A constituio de 1934 e o Cdigo de guas adequaram a legislao com a tendncia
da poca: substituir a legislao obsoleta que regia o uso das guas no Brasil, em desacordo
com as necessidades e interesse da coletividade nacional e a necessidade de adotar o pas de
uma legislao adequada que, de acordo com a tendncia atual, permitisse ao poder pblico
controlar e incentivar o aproveitamento industrial das guas, considerando, em particular, que
a energia hidrulica exigia medidas que facilitassem e garantissem seu aproveitamento
racional8.
O Cdigo de guas criou trs categorias de propriedades das guas: pblicas, comuns e
particulares. E ainda, as guas pblicas foram divididas em duas classes que so: de uso
comum, e dominical.
As guas pblicas so, conforme artigos 2 e 5 do Cdigo de guas:
Art. 2 So guas pblicas de uso comum:
a) os mares territoriais, nos mesmos includos os golfos, baas, enseadas e
portos;
b) as correntes, canais, lagos e lagoas navegveis ou flutuveis;
c) as correntes de que se faam estas guas;
d) as fontes e reservatrios pblicos;
e) as nascentes quando forem de tal modo considerveis que, por si s,
constituam o caput fluminis;
f) os braos de quaisquer correntes pblicas, desde que os mesmos influam
na navegabilidade ou flutuabilidade.
Art. 5 Ainda se consideram pblicas, de uso comum todas as guas situadas
nas zonas periodicamente assoladas pelas secas, nos termos e de acordo com
a legislao especial sobre a matria.
As guas pblicas dominicais so todas aquelas situadas em terrenos que apresentam a
condio de domnio pblico dominical, quando no forem do domnio pblico de uso
8 Prembulo do Decreto Presidencial n 24. 643, de 10 de julho de 1934 (Cdigo de guas).
31
comum ou ento no forem comuns. So consideradas guas particulares as nascentes e
todas as guas situadas em terrenos que tambm o sejam, quando as mesmas no forem
classificadas como guas comuns de todos, ou guas pblicas ou at mesmo comuns. J as
guas comuns so as correntes no navegveis ou flutuveis.
O Cdigo de guas assegurava o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de
gua para as primeiras necessidades da vida, ao mesmo tempo permitiu a todos usar
quaisquer guas pblicas, estipulando a considerao da possibilidade da mltipla
utilizao da gua, em conformidade com os regulamentos administrativos. O Cdigo no
deixou de referir s guas subterrneas, cuja propriedade estava associada do solo, porm
sujeitas s intervenes da administrao com a finalidade de impedir extraes
prejudiciais.
Outro aspecto de interesse refere-se ao meio ambiente, ao qual o Cdigo dedicou sete
artigos sob o ttulo guas Nocivas9. O Cdigo de guas, de modo minucioso, inaugurou
assim o que se pode considerar um inovador ramo especializado do direito, por meio de uma
clara manifestao de interesse da administrao na gesto e na regulao do uso mltiplo das
guas, com nfase na produo de energia. De fato, a administrao esperava que as novas
condies propiciassem a superao da falta de investimentos na produo de energia, na
suposio de que o Cdigo daria a necessria segurana jurdica.
Assim, com o Cdigo de guas, montava-se um novo cenrio no qual se moveria o
poder pblico e os agentes interessados no uso das guas, na busca ao atendimento das
demandas impostas pelo crescimento no pas.
A verdade que, de fato, se estabeleceu uma conexo entre o setor de guas e a
gerao de energia hidrulica, no cabendo dvidas que as condies estavam lanadas para
que ambos progredissem, cabendo sempre apontar, de qualquer modo, alguns avanos no
setor de guas, pelo menos no que diz respeito gerao de uma cultura e a uma produo de
conhecimento que ainda no presente alimentam novos avanos institucionais.
9 Em 1934, o Decreto n. 24.643 tratou das "guas Nocivas", fixando, no art. 109, que A ningum lcito
conspurcar ou contaminar as guas que no consome, com prejuzo de terceiros e no art. 111, em ntida
manifestao de hostilidade natureza, que Se os interesses relevantes da agricultura ou da indstria o
exigirem, e mediante expressa autorizao administrativa, as guas podero ser inquinadas, mas os
agricultores ou industriais devero providenciar para que elas se purifiquem, por qualquer processo, ou sigam
o seu esgoto natural.
32
No entanto, paulatinamente, a legislao brasileira destinada regular o uso e o
acesso sobre os recursos hdricos no Brasil vai se tornando antiquada, pois no atendia as
necessidades e os interesses da coletividade nacional. Assim, inevitavelmente precisava-se
adequar a legislao de acordo com tendncia atual, na medida, que no correspondia mais
aos problemas especficos gerados no contexto do desenvolvimento industrial (CUNHA &
COELHO, 2007).
As fontes de conflito entre mltiplos usurios se multiplicavam com a construo
de hidreltricas; com depsitos de esgotos urbanos e industriais no leito dos rios; com a
contaminao dos lenis freticos pela indstria e pela agricultura; com aumento da
demanda de gua tratada nos centros urbanos e com a expanso da agricultura irrigada,
entre outros fatores complicadores a margem no Cdigo de guas de 1934.
Essa crescente percepo da necessidade de mudana nos mecanismos de regulao
do uso dos recursos hdricos, se fortaleceu nos anos de 1980, momento no qual, tcnicos e
especialistas brasileiros discutiram intensamente a necessidade de mudar esse cenrio, com
a criao do sistema integrado e descentralizado de gesto. Debates internacionais e
nacionais coincidiram quanto definio dos princpios bsicos de um novo modelo: a
gesto seria descentralizada para o nvel de bacia; integraria todas as polticas setoriais
envolvidas na gesto da gua, envolveria os usurios da gua e a sociedade civil no
processo decisrio; e trataria a gua como um bem de valor econmico, e no mais como
uma ddiva inesgotvel da natureza.
Segundo Setti (2003) os resultados dessas discusses, no Brasil, constam em cartas
aprovadas nas assemblias gerais dos Simpsios Brasileiros de Recursos Hdricos. A
leitura desses documentos permite constatar o fortalecimento dos debates sobre os aspectos
institucionais de gerenciamento dos recursos hdricos.
A Carta de Salvador, aprovada em Assemblia Geral Ordinria realizada em 13 de
novembro de 1987, na cidade de Salvador, na seo de encerramento do VII Simpsio
Brasileiro de Recursos Hdricos, introduziu temas institucionais para discusso interna na
Associao Brasileira de Recursos Hdricos - ABRH, destacando-se usos mltiplos dos
recursos hdricos; descentralizao e participao; sistema nacional de gerenciamento de
recursos hdricos; aperfeioamento da legislao; desenvolvimento tecnolgico e
aperfeioamento de recursos humanos; sistemas de informaes sobre recursos hdricos;
poltica nacional de recursos hdricos.
33
Na Carta de Foz de Iguau, aprovada em Assemblia Geral Ordinria realizada em
30 de novembro de 1989, em Foz do Iguau, na seo de encerramento do VIII Simpsio
Brasileiro de Recursos Hdricos. Caracteriza o que se entende por poltica, explicitam-se seus
princpios bsicos dentre os quais o reconhecimento do valor econmico da gua e cobrana
pelo seu uso e recomenda-se a instituio do sistema nacional de gerenciamento de recurso
hdricos, prevista no inciso XIX do art. 21da Constituio Federal de 1988.
J a Carta do Rio de Janeiro, aprovada em Assemblia Geral Ordinria realizada em
14 de novembro de 1991, no Rio de Janeiro, na sesso de encerramento do IX Simpsio
Brasileiro de Recursos Hdricos. Dedicada aos recursos hdricos e o meio ambiente, prope,
como grande prioridade nacional a reverso da dramtica poluio das guas e a necessidade
inadivel de planejamento e gesto estarem integrados em bacias hidrogrficas, regies e
reas costeiras, com a caracterizao das grandes diversidades das bacias e regies brasileiras,
que demandam solues diferenciadas, adequadas as suas peculiaridades.
E a Conferncia das Naes Unidas para Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada
no Rio de Janeiro em junho de 1992, culminando com uma carta de princpios denominada,
Agenda 21, destacando, a inevitabilidade da adoo do planejamento e do manejo integrado
dos recursos hdricos, o escasseamento progressivo do recurso gua em escala global e as
limitaes que essa realidade impunha ao desenvolvimento dos pases (RIBEIRO 2008). E,
esses aspectos esto parcialmente citados no captulo 18 da Agenda 21, que contemplou
especificamente os recursos hdricos e indicou o carter essencial da gua logo na introduo:
18.2 A gua necessria em todos os aspectos da vida. O objetivo geral
assegurar que se mantenha uma oferta adequada de gua boa qualidade para
toda a populao do planeta, ao mesmo tempo em que se preserve as funes
hidrolgicas, biolgicas e qumicas dos ecossistemas, adaptando as
atividades humanas aos limites da capacidade da natureza (...).
18.3 A escassez generalizada, a destruio gradual e o agravamento da
poluio dos recursos hdricos em muitas regies do mundo, ao lado da
implantao progressiva de atividades incompatveis, exigem o
planejamento e o manejo integrados desses recursos (CONFERNCIA DAS
NAES UNIDAS PARA MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO,
1995:267)
Em relao ao desenvolvimento sustentado e aos recursos hdricos, a Agenda 21
apresentou um alerta muito importante. O crescimento da urbanizao foi destacado como um
dos fatores que agrava a crise da gua. Recomendou, assim, um maior equilbrio na expanso
das cidades, ponderando a oferta de gua, o que ainda no se verificou em larga escala. A
Agenda 21, tambm apontou o desperdcio como outro aspecto a ser combatido e citou a
34
cooperao entre Estados como fundamental no encaminhamento de solues para a gesto de
recursos hdricos internacionais.
Nesse sentido, Magalhes Jnior (2010) afirma que a gesto sustentvel da gua e o
equilbrio nas relaes homem/meio ambiente foram apresentados nessa tica, como os
nicos meios para busca da recuperao e/ou manuteno da qualidade ambiental. Esse fato,
no ocorreu somente em funo do amadurecimento histrico do reconhecimento da
importncia da dimenso ecolgica do meio ambiente, mas tambm, como dito, devido
necessidade de continuidade dos fluxos e estoques ambientais que sustentam os modelos
econmicos.
Assim a gesto dos recursos hdricos no Brasil realizou um salto de qualidade nos
primeiros anos da dcada de 1980, quando comeou a prevalecer o enfoque de triplo
direcionamento: insero em um quadro de sustentabilidade ambiental, social e econmica; a
busca de um marco regulatrio e de espaos institucionais compatveis; e a formulao de
conceitos apropriados para descrever e operar os novos arranjos polticos e pactos sociais
correspondentes progressiva capilarizao da viso integrada, compartilhada e participativa
das polticas pblicas. Nesse contexto, partir da Constituio Federal de 1988, o pas acelera
o processo de transformaes poltico-institucionais nos mais diversos campos da vida em
sociedade, a comear pela redemocratizao, que ganha bases e contornos jamais vistos na
histria republicana. Desde logo preciso enfatizar que as transformaes se expressam em
aspectos da mais alta relevncia, os quais buscam colocar em evidncia a coletividade e o
cidado e sua capacidade de definir seus prprios destinos.
2.2 A Lei das guas no Brasil
No Brasil, essa fase marcada com a Lei N 9.433, de 08 de janeiro de 1997,
(conhecida como Lei das guas), que instituiu a Poltica Nacional de Recursos Hdricos e
criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos SINGREH e
regulamentou o inciso XIX do art. 21 da Constituio Federal, entre outras providncias.
Para Setti (2003) trata-se de uma lei atual, avanada e importante para a ordenao
territorial, em seu sentido mais amplo, caracterizada pela descentralizao de aes e contra a
concentrao de poder, princpios claramente ressaltados em seu texto. A Poltica Nacional de
Recursos Hdricos est baseada nos seguintes fundamentos:
I - a gua um bem de domnio pblico;
II - a gua um recurso natural limitado, dotado de valor econmico;
35
III - em situaes de escassez, o uso prioritrio dos recursos hdricos o
consumo humano e a dessedentao de animais;
IV - a gesto dos recursos hdricos deve sempre proporcionar o uso
mltiplo das guas;
V - a bacia hidrogrfica a unidade territorial para implementao da
Poltica Nacional de Recursos Hdricos e atuao do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hdricos;
VI - a gesto dos recursos hdricos deve ser descentralizada e contar
com a participao do Poder Pblico, dos usurios e das comunidades.
(FUNDAMENTOS DA POLTICA NACIONAL DE RECURSOS
HDRICOS, Art. 1, Lei N 9.433/97)
Os fundamentos da Lei no 9.433/1997, que, como se v, nos do conta de novos
rumos em matria de gesto das guas, a comear pelo entendimento jurdico-legal de que a
superao dos graves problemas ecolgicos atuais e a conduo do desenvolvimento
econmico rumo a cenrios socioambientais sustentveis passa pelo cruzamento das questes
ecolgicas, das questes socioeconmicas e das questes poltico-financeiras de
sustentabilidade do sistema de gesto dos recursos hdricos. Requer, portanto, a acuidade e o
debate democrtico permanentes e representa a razo prtica que confirma a necessidade
crescente da participao de todos comunidades, empresrios e rgos pblicos no
planejamento e na gesto das guas, e, assim, redundar numa maior efi ccia de seus
resultados. Esta , em suma, a tarefa bsica do SINGREH, criado igualmente pela Lei em
apreo.
Alm desses princpios so aspectos relevantes na Lei N 9.433/97 os cinco
instrumentos considerados essenciais gesto das guas: o Plano Nacional de Recursos
Hdricos, a outorga do direito de uso dos recursos hdricos, a cobrana pelo uso da gua, o
enquadramento dos corpos dgua em classes de uso e o Sistema Nacional de Informaes
sobre os Recursos Hdricos (Ver quadro 02). Alm dos quatro organismos institucionais do
Sistema de Gerenciamento: O Conselho Nacional de Recursos Hdricos (CNRH), os comits
de bacias hidrogrficas, as agncias de gua e as organizaes civis de recursos hdricos.
36
Quadro 02: Instrumentos de Gerenciamento dos Recursos Hdricos
INSTRUMENTO OBJETIVO
Planos de recursos hdricos ou de bacia
hidrogrfica.
Fundamentar e orientar a gesto de recursos
hdricos na bacia hidrogrfica.
Enquadramento dos corpos de gua em
classes, segundo os usos preponderantes
da gua.
Assegurar s guas qualidade compatvel com
os usos e diminuir os custos de combate
poluio das guas, mediantes aes
preventivas permanentes.
Outorga de direito de uso de recursos
hdricos.
Garantir o controle quantitativo e qualitativo
dos usos da gua e o efetivo exerccio dos
direitos de acesso gua.
Cobrana pelo uso da gua. Incentivar a racionalizao do uso da gua e
obter recursos financeiros para o financiamento
dos programas de intervenes contemplados
nos planos de recursos hdricos.
Sistema de informaes sobre recursos
hdricos.
Armazenar dados e informaes sobre a
situao qualitativa e quantitativa dos recursos
hdricos de forma a caracterizar a situao da
bacia
Fonte: Agncia Nacional de guas, 2001.
A referida lei refletiu, portanto, a crise institucional e ambiental derivada do histrico
de uso irracional, degradao da qualidade da gua e rarefao dos estoques hdricos no pas.
O paradigma de aumento contnuo da oferta da gua e de combate aos problemas ambientais
com base em medidas paliativas motivou a busca da modernizao da gesto da gua.
O aparato legal vigente para a gesto dos recursos hdricos no pas considerado como
um dos mais inovadores, exatamente por promover a implementao de um modelo
diferenciado, a partir de princpios norteadores que preconizam a gesto compartilhada, tendo
como base de sustentao a descentralizao, participao e a integrao (ver quadro 03). A
descentralizao caracterizada ao se transferirem diversas decises do mbito fede-
ral/estadual para a esfera regional da bacia hidrogrfica, na condio de unidade territorial de
planejamento e gesto. A participao efetivada ao assegurar-se ao poder pblico, usurios
37
da gua e sociedade civil, o igual direito de discutir e decidir sobre as questes que afetam a
bacia.
Quadro 03: Os princpios da gesto dos recursos hdricos
DESCENTRALIZAO
PARTICIPAO
INTEGRAO
Gesto por bacia
hidrogrfica
Sociedade Civil/
Estado/ Municpios
gua superficiais / guas
subterrneas.
Quantidade / qualidade em funo
da disponibilidade.
Usurios / poder pblico / entidade
civis.
Meio ambiente / desenvolvimento
regional.
Fonte: Org. pelo autor
Para Machado, Miranda e Pinheiro (2004) a gesto integrada passou a assumir vrias
dimenses, envolvendo conotaes diversas que passaram a contar com o apoio gradual e
consensual de cientistas, administradores pblicos, industriais e associaes tcnico-
cientficas. Trata-se de uma gesto integrada:
Primeiro: no sentido de abranger os processos de transportes de massa de
gua que tm, lugar na atmosfera, em terra e nos oceanos, ou seja; o ciclo
hidrolgico;
Segundo: quanto as usos mltiplos de um curso dgua, de um reservatrio
artificial ou natural, de um lago, de uma lagoa ou de um aqfero, ou seja, de
um corpo hdrico,
Terceiro: no que diz respeito ao inter-relacionamento dos corpos hdricos
com os demais elementos do mosaico de ecossistemas (solo, fauna e flora);
Quarto: em termos de co-participao entre gestores, usurios e populaes
locais no planejamento e na administrao dos recursos hdricos;
Quinto: em relao aos anseios da sociedade de desenvolvimento
socioeconmico com a preservao ambiental, na perspectiva de um
desenvolvimento sustentvel (MACHADO, MIRANDA e PINHEIRO, 2004,
p.11e 12)
Apesar do carter inovador da Lei da gua Contudo, Machado (2004) assinala que
essas caractersticas do conceito de gesto integrada j haviam sido incorporadas ao Cdigo
guas de 1934 (decreto n 24.643, de 10/7/34) de forma esparsa, mas tendo em vista o
predomnio setor hidreltrico, elas levaram 63 anos para serem regulados nos termos da Lei
9.433/97.
38
2.3 A Institucionalizao da Gesto dos Recursos Hdricos no Brasil.
O SINGREH (Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hdricos), concebido
para implementar a Poltica Nacional de Recursos Hdricos e coordenar a gesto no pas,
deve funcionar de forma integrada e harmnica. Sendo que os objetivos dispostos no Art. 32
da lei em estudo so os seguintes: coordenar a gesto integrada das guas, arbitrar
administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hdricos; implementar a
Poltica Nacional de Recursos Hdricos; planejar, regular e controlar o uso, a preservao e a
recuperao dos recursos hdricos e promover a cobrana pelo uso desses recursos.
E de acordo, o Art. 33 da Lei 9.433/97 que dispe sobre modelo institucional adotado
pelo SINGREH implica a descrio das instncias decisrias que o estruturam, a saber: o
Conselho Nacional de Recursos Hdricos; os Conselhos de Recursos Hdricos dos estados e
do Distrito Federal; os Comits de Bacia Hidrogrfica; a Agncia Nacional de guas (ANA);
os rgos dos poderes pblicos federal, estaduais municipais, cujas competncias se
relacionem com a gesto de recursos hdricos; e as agncias de gua de bacias hidrogrficas.
Para Marcarenhas (2008) o sistema criado trouxe no seu bojo novos desafios: fomentar
a participao por meio dos seus colegiados, fortalecer as diversas representatividades; ter
capacidade para as articulaes apontadas, tais como as polticas setoriais com interface com
de recursos hdricos, com o uso do solo e a de meio ambiente, assim como com os
planejamento das respectivas esferas polticas de atuao. Alm, desse fato, era preciso vencer
o modo tradicional de conduo dos processos vigentes com nfase no excesso de
centralizao e burocratizao, a partir do exerccio da subsidiariedade10
, num pas com um
sistema federativo e uma atuao municipal ainda pouco fortalecida.
Na figura 02, a seguir, possvel identificar os seus integrantes e as inter-relaes,
distribudos por esfera de atuao, Federal Estadual, e competncias legais de formulao da
poltica de recursos hdricos.
10 Aplicado ao campo social, esse princpio significa que qualquer ao deve ser desenvolvida no nvel mais prximo possvel ao indivduo. a comunidade fazendo pela comunidade, numa relao onde ganham todos:
organizaes sociais, pessoas, governo, empresas e a comunidade como um todo, pela viso da responsabilidade
social.
39
Figura 02: Organograma de funcionamento do Sistema Nacional de Gerenciamento dos
Recursos Hdricos
Fonte: ( www.mma.gov.br).
Segundo Tundisi (2003) outra caracterstica relevante do sistema a importncia dada
o fortalecimento democrtico. Garantindo a participao de usurios e da sociedade civil em
todos os plenrios constitudos pelo sistema, desde o Conselho Nacional dos Recursos
Hdricos at os comits de bacia hidrogrfica, como forma de legitimar a deciso e tambm
garantir sua implementao.
Na sequncia, so descritas as instncias do SINGREH em termos de sua composio,
principais atribuies e competncias (ver quadro 04).
40
Quadro 04: Instncias do SINGREH e respectivas competncias bsicas
Instncias Decisrias
do SINGREH
Composio 45 e competncias bsicas
Conselho Nacional de
Recursos Hdricos
(CNRH)
Composio (total de 57 membros)
29 representantes da Unio
10 representantes dos estados (Conselhos Estaduais)
12 representantes de setores usurios de recursos hdricos
6 representantes de entidades da sociedade civil organizada
Competncias bsicas
Dispor as diretrizes gerais e polticas regentes do Sistema
Aprovar a constituio de comits de bacia
Arbitrar eventuais conflitos entre comits de bacia e entre Conselhos
Estaduais de Recursos Hdricos
Aprovar e acompanhar a execuo do Plano Nacional de Recursos Hdricos
Aprovar critrios gerais para a concesso de outorgas de direitos de uso de
recursos hdricos e para a cobrana pelo uso da gua
Comits de Bacias
Hidrogrficas
Composio (total de membros varivel)
At 40% de representantes dos Poderes Pblicos
At 40% de representantes de setores usurios das guas
Pelo menos 20% de representantes da sociedade civil
Competncias bsicas
Arbitrar conflitos de uso de recursos hdricos
Aprovar e acompanhar a execuo do Plano de Recursos Hdricos da bacia
hidrogrfica
Propor aos Conselhos Nacional e Estadual os usos insignificantes a serem
isentos da obrigatoriedade de outorga pelo direito de uso da gua
Propor valores e estabelecer mecanismos para a cobrana pelo uso da gua
ANA e rgos estaduais
Correlatos
Natureza jurdica
Autarquias pblicas (em regime especial, no caso da ANA)
Competncias Bsicas
Encargos indelegveis de emisso de outorgas de direitos de uso da gua
Fiscalizao dos usos e dos usurios de recursos hdricos
Cobrana pelo uso da gua, podendo delegar tarefas operacionais s
agncias de gua de bacias hidrogrficas
Agncias de Bacias
Hidrogrficas
Composio
Varivel segundo diferentes alternativas institucionais, atualmente em curso
empresa pblica de economia mista (Cear)
autarquias pblicas regionais (Rio Grande do Sul)
Fundao de direito privado (So Paulo)
organizao social autnoma OS
organizaes da sociedade civil de interesse pblico OSCIPs
Competncias bsicas:
Atuar como secretaria executiva do respectivo comit
Manter cadastro de usurios e balano atualizado das disponibilidades
hdricas
Efetuar, mediante delegao do outorgante, a cobrana pelo uso da gua
Elaborar o Plano de Recursos Hdricos, para aprovao do respectivo comit
de bacia
Promover estudos e analisar planos, projetos e obras a serem financiados
conta da cobrana pelo uso da gua
Fonte: GEO Brasil: Recursos Hdricos. Braslia: MMA/ ANA, 2007.
Os integrantes do SINGREH aparecem em algumas categorias, como os que so
unicamente da esfera federal (CNRH; Ministrios; CBH de rios de domnio da Unio), outros
que so exclusivamente da esfera estadual (CERH; vrios rgos estaduais; CBH de rios de
domnio dos Estados), alem disso, outros que possuem uma competncia funcional (rgos
41
dos poderes pblicos federal, estaduais e municipais cujas competncias esto relacionadas
com a gesto dos recursos hdricos, onde quer que a exeram). No entanto, o problema reside
em que nem a Lei n 9.433 de 1997 quanto em qualquer outro dispositivo legal, existe a
previso de uma articulao efetiva de exerccio do poder, com a finalidade de garantir o
funcionamento desse sistema.
Nas instncias decisrias que compem o SINGREH atuam atores diversos do poder
pblico, da sociedade civil e de setores usurios, caracterizando interesses distintos, por vezes
divergentes dentro de seu prprio segmento, genericamente sistematizados no quadro 05.
42
Quadro 05: Tipologia de atores sociais participantes do SINGREH
Natureza dos agentes mbito de Atuao Tipologia dos atores
Agentes pblicos
(estatais)
mbito nacional
mbito estadual
mbito municipal
- Organismos federais com responsabilidades
diretamente estabelecidas sobre a gesto
ambiental e dos recursos hdricos (Ministrio do
Meio Ambiente, Secretaria de Recursos Hdricos,
Agncia Nacional de guas e Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente)
- Ministrios federais representantes de setores
usurios (Minas e Energia; Cidades; Integrao
Nacional; Agricultura, Pecuria e Abastecimento;
Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior;
Aqicultura e Pesca e Transportes)
- Demais ministrios e secretarias federais,
integrantes da rea econmica e de polticas
especficas (Fazenda, Planejamento, Educao,
Cincia e Tecnologia, Sade, Justia, Cultura e
Relaes Exteriores)
- rgos estaduais com responsabilidades
diretamente estabelecidas sobre a gesto
ambiental e dos recursos hdricos (Secretarias de
Meio Ambiente e Recursos Hdricos e autarquias
a elas vinculadas)
- Secretarias e organismos representantes de
setores usurios (Desenvolvimento Urbano,
Saneamento, Indstria, Agricultura, Transportes e
outros)
- Prefeituras e secretarias de meio ambiente e
organismos de planejamento urbano.
Agentes
no-pblicos e
concessionrios
de servios
Usurios de
recursos hdricos
Representantes da
sociedade civil
- Concessionrios de servios de abastecimento
de gua potvel, coleta e tratamento de esgotos
- Concessionrios de gerao de hidroeletricidade
- Prefeituras municipais responsveis por
intervenes de drenagem, saneamento e de
coleta e disposio final de resduos slidos
- Indstrias com captaes diretas e/ou com
lanamento de efluentes em corpos hdricos
- Produtores agropecurios, com captaes para
fins de irrigao e/ou dessedentao de rebanhos
ou, ainda, com lanamento de dejetos animais
- Operadores de transporte hidrovirio e demais
usurios de pesca, lazer e turismo.
- Entidades de ensino e/ou de pesquisa
- Entidades tcnico-profissionais ou de
representao de classe;
- Organizaes no-governamentais com atuao
na defesa do meio ambiente
Fonte: GEO Brasil: Recursos Hdricos. Braslia: MMA/ ANA, 2007.
Para Caubet (2006), essa apresentao problemtica, pois dispe os objetivos que
sero realizados, ou no, no mbito de vrias instituies com atribuies espaciais e
43
funcionais diferentes, apesar da impresso dada pela lei de uma unidade de gesto, uma viso
de conjunto. Portanto, para ter eficincia administrativa e uma poltica mnima depender do
entrosamento desses diversos integrantes. Uma vez que o grande empecilho est no fato de
que os objetivos a serem alcanados devem acontecer por pessoas jurdicas distintas que se
encontram muitas vezes em competio poltica aberta, sendo que tais objetivos muitas vezes
se diferenciam e outras vezes so conflitantes.
De acordo com o MMA/ANA (2007) existe certa semelhana entre a legislao
nacional e a grande maioria das leis estaduais vigentes relativas aos sistemas de
gerenciamento de recursos hdricos, tambm pode se dizer o mesmo com relao Poltica
Pblica de Recursos Hdricos, onde em todas possvel identificar trs blocos principais,
cujos contedos podem ser assim sintetizados:
fundamentos, objetivos e diretrizes gerais de ao, que expressam
conceitos amplamente aceitos relativos a: viso abrangente dos
problemas; usos mltiplos dos recursos hdricos; gua como recurso escasso
dotado de valor econmico; articulao e integrao com outros setores, uso
da bacia hidrogrfica como unidade de planejamento e gesto; gesto
descentralizada e participativa, dentre outros;
um modelo institucional, composto de um colegiado deliberativo superior
(Conselho Nacional e seus correspondentes nos estados); colegiados
regionais deliberativos a serem instalados nas unidades de planejamento e
gesto (os comits de bacia); e as instncias executivas das decises dos
colegiados regionais (as agncias de gua de bacia hidrogrfica);
um conjunto de instrumentos de gesto composto: dos planos nacional e
estaduais de recursos hdricos e de planos de bacias hidrogrficas;
enquadramento dos corpos dgua em classes, sinalizando objetivos de
qualidade a serem alcanados quando da implantao dos planos de bacia;
outorga pelo direito de uso da gua, como instrumento de regulao pblica
(estatal) de uso, tornada compatvel com os objetivos socialmente
estabelecidos nos planos e respectivos enquadramentos; cobrana pelo
direito de uso de recursos hdricos, sinalizando que a gua tem valor
econmico e que sua disponibilidade corresponde a um preo social
(pblico); e sistemas de informaes de recursos hdricos, nos quais esto
reunidos, consistidos e disponveis dados de oferta (disponibilidades), de
demandas (cadastros de usurios) e sistemas de apoio deciso. (GEO:
Brasil Recursos Hdricos. MMA/ANA, 2007 p. 107)
Atualmente, pode-se dizer que o pas possui legislao avanada de gesto das guas,
destacando-se questes como descentralizao espacial (bacias hidrogrficas), poltica
(comits de bacia), tcnica (agncias de bacia) e financeira (recursos obtidos pela cobrana
pelo uso da gua), a negociao/decisiva coletiva e a insero do cidado, por meio de seus
44
representantes nos comits de bacia no processo decisrio do futuro dos recursos hdricos na
sua regio (ALMEIDA e PEREIRA 2009).
Conceitos como escassez qualiquantitativa, gua como um bem natural pblico dotado
de valor econmico e social, exerccio da cidadania atravs da informao, papel social do
tcnico e da tecnologia, outorga, licenciamento ambiental, sistema de informao, cadastro de
usurios, enquadramento dos rios conforme resoluo do Conama, planos de bacia, cobrana
pelo uso da gua, principio usurio-pagador, desenvolvimento sustentvel e outros fazem
parte da vida cotidiana de nmero cada vez maior de brasileiros.
No entanto, para Abers e Jorge (2005) A Poltica Nacional de Recursos Hdricos,
deveria levar ao estabelecimento de um sistema descentralizado de gesto, com base nas
bacias hidrogrficas e articulado com rgos de gesto em nvel federal e estadual. Mas,
verificaram-se vrios obstculos na implementao dessa poltica. Primeiro, a dupla
dominialidade da gua criou muitas indefinies quanto ao papel dos diferentes nveis da
federao na gesto da gua. Segundo, a maioria dos estados carece de capacidade tcnica em
aspectos cruciais para a operacionalizao das decises dos comits, tais como a implantao
de sistemas relativos outorga, s informaes, ao monitoramento e fiscalizao. Terceiro,
ainda persistem indefinies relativas ao estabelecimento da cobrana. Na falta de
regulamentao de questes essenciais, como no caso dos mecanismos que garantem o
retorno do recurso s bacias de origem que esto sob controle dos comits, observa-se que
apenas um governo estadual instituiu a cobrana mais ou menos nos moldes da proposta de
gesto descentralizada.
45
2.4 Os Atores na Gesto dos Recursos Hdricos:
2.4.1 O Conselho Nacional de Recursos Hdricos - CNRH
A Lei 9.433/97, estabeleceu a composio, as competncias e a forma de gesto do
Conselho Nacional de Recursos Hdricos (artigos 34, 35 e 36). Este foi regulamentado pelo
Decreto n 2612, de 03