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7 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ CELINA FIAMONCINI IMIGRAÇÃO, CULTURA E IDENTIDADE: PORTUGUESES E O COMÉRCIO EM CURITIBA NO FINAL DO SÉCULO XIX. CURITIBA 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

CELINA FIAMONCINI

IMIGRAÇÃO, CULTURA E IDENTIDADE: PORTUGUESES E O COMÉRCIO EM CURITIBA NO FINAL DO SÉCULO XIX.

CURITIBA 2008

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CELINA FIAMONCINI

IMIGRAÇÃO, CULTURA E IDENTIDADE: PORTUGUESES E O COMÉRCIO EM CURITIBA NO FINAL DO SÉCULO XIX.

Monografia apresentada ao curso de Licenciatura e Bacharelado em História do setor de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em História. Orientadora: Prof.a Dr.a. Roseli Boschilia

CURITIBA 2008

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AGRADECIMENTOS

A minha orientadora Roseli Boschilia, que me acolheu como orientanda de Iniciação

Científica e com sua enorme paciência e seus conselhos - muitas vezes mais do que

científicos - me incentivou a não parar por aqui.e alçar vôos mais altos.

A meu namorado, Thiago Estevão, pelo apoio nos momentos de desânimo, pela

paciência nas horas de mau-humor e pelo empenho em colocar minhas vírgulas

sempre no lugar certo.

A minha mãe por todo o apoio ao longo dos anos de faculdade.

A todos meus amigos, especialmente a Giseli Cristina dos Passos, companheira no

estudo da imigração portuguesa e que contribuiu com informações relevantes para

esse trabalho.

A Secretária da Sociedade Portuguesa, Carla, sempre muito paciente e prestativa, e

aos funcionários da Biblioteca Pública do Paraná, do Círculo de Estudos

Bandeirantes e da Casa da Memória pela disponibilização das fontes.

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Estar total ou parcialmente “deslocado” em toda parte, não estar totalmente em lugar nenhum (...) Sempre

há alguma coisa a explicar, desculpar, esconder, ou, pelo contrário, corajosamente ostentar, negociar, oferecer, barganhar.

Há diferenças a serem atenuadas ou desculpadas ou, pelo contrário, ressaltadas e tornadas mais claras.

Zygmunt Bauman

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo compreender de que forma se deu a inserção

do imigrante português na sociedade curitibana do final do século XIX, levando em

consideração o grande número de imigrantes de outras nacionalidades que se

instalaram na cidade nesse momento. Para isso, partimos do pressuposto dado pela

historiografia de que esse grupo tinha preferência pela atividade comercial em

detrimento de atividades rurais. Procuramos primeiramente localizar os portugueses

em meio a população curitibana e para tanto utilizamos como fonte a documentação

pertencente à Sociedade Beneficente Primeiro de Dezembro, fundada na cidade em

1878 com o objetivo de congregar exclusivamente imigrantes portugueses.

Utilizamos também os livros de impostos e alvarás no período e os anúncios

publicados por esses imigrantes nos jornais Dezenove de Dezembro, no período de

1885-1890 e A República no período de 1890-1900. Nosso referencial teórico para

compreender as estratégias de inserção do grupo associado a Sociedade

Beneficente Primeiro de Dezembro foram as reflexões acerca do caráter identitário

do estabelecimento dessa sociedade, que buscava preservar a lusitanidade desses

imigrantes ao mesmo tempo que buscava inseri-lo na sociedade.

Palavras-chave: Imigrantes Portugueses, Identidade, Comércio.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................7

1 O CONTEXTO DA IMIGRAÇAO PORTUGUESA PARA O BRASIL NA SEGUNDA

METADE DO SÉCULO XIX.......................................................................................10

1.1 FATORES DE REPULSÃO E ATRAÇÃO PORTUGAL – BRASIL.......................11

1.2 A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA A PROVÍNCIA DO PARANÁ.................15

1.2 A INSTALAÇÃO NA CIDADE DE CURYTIBA..................................................... 17

1.3 OS IMIGRANTES PORTUGUESES EM CURITIBA............................................19

2 COMERCIANTES PORTUGUESES EM CURITIBA – FATORES DE ATRAÇÃO E

CARACTERÍSTICAS.................................................................................................23

2.1 PISTAS FORNECIDAS PELA HISTORIOGRAFIA..............................................24

2.2 PISTAS FORNECIDAS PELAS FONTES............................................................26

2.2.1 A SPBPD...........................................................................................................26

2.2.1.1 Os associados da SPBPD..............................................................................29

2.2.1.1.1 Os comerciantes..........................................................................................32

3 “RECEBEMOS UM ESCOLHIDO SORTIMENTO DE VINHOS FINÍSSIMOS DO

PORTO E COLLARES” – OS ANÚNCIOS QUE FAZEM REFERÊNCIA DIRETA À

PORTUGAL...............................................................................................................35

3.1 OS JORNAIS DEZENOVE DE DEZEMBRO E A REPÚBLICA:

CONTEXTUALIZAÇÃO E METODOLOGIA...............................................................35

3.2 ANÚNCIOS QUE FAZEM REFERÊNCIA DIRETA A PORTUGAL: TIPOS DE

ANÚNCIO...................................................................................................................37

3.2.1 Anúncios comerciais..........................................................................................38

3.2.1.1 Anúncios cujo objetivo era destacar um estabelecimento comercial.............38

3.2.1.2 Anúncios cujo objetivo era destacar os produtos comercializados pelo

estabelecimento.........................................................................................................39

3.2.1.3 Anúncios cujo objetivo era destacar apenas um produto em específico.......40

3.2.1.3.1 Vinhos..........................................................................................................40

3.2.1.3.2 Medicamentos.............................................................................................42

3.2.1.3.3 Alimentos.....................................................................................................45

3.2.2 Anúncios de comunicação e/ou interesse público............................................47

13

3.2.2.1 Missa..............................................................................................................47

3.2.2.2 Viagens...........................................................................................................49

3.2.2.3 Pessoas desaparecidas.................................................................................50

4 “ A SOCIEDADE PORTUGUEZA BENEFICENTE 1º DE DEZEMBRO CONVIDA

A TODOS...” – OS ANÚNCIOS DOS ASSOCIADOS SPBPD..................................53

4.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS........................................................53

4.2 AS SOCIEDADES COMERCIAIS........................................................................56

4.3 OUTROS ANÚNCIOS PUBLICADOS PELOS ASSOCIADOS SPBPD...............60

4.3.1 Anúncio da própria SPBPD...............................................................................60

4.3.2 Anúncios de remédios.......................................................................................62

4.3.3 Anúncios de imóveis..........................................................................................65

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................68

REFERÊNCIAS..........................................................................................................70

APÊNDICES...............................................................................................................73

ANEXOS....................................................................................................................75

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INTRODUÇÃO

Segundo Bacellar (2006, p. 62), em números absolutos, a capital paranaense

possuía, na metade do século XIX, a segunda maior colônia de portugueses no

Brasil, perdendo apenas para São Paulo. Balhana e Westphalen (2003, p. 34)

afirmam que os imigrantes portugueses chegados ao Paraná nesse período eram ao

final do século os mais importantes capitalistas do Estado, e “por terem se tornando

bastante visíveis na economia e sociedade paranaenses não podem ser

minimizados ou ignorados.” Passados 20 anos do alerta das autoras não existe até o

momento uma produção historiográfica significativa a respeito dos imigrantes

portugueses no Paraná. É no esforço em minimizar esse silêncio que o presente

trabalho se insere.

A produção historiográfica acerca da imigração portuguesa em outros estados

demonstrou que embora a maioria desses imigrantes saísse de Portugal como

lavradores, ao chegarem ao Brasil se estabeleciam em centros urbanos, atuando

sobretudo no comércio. Partindo dessa afirmação, e da constatação de que até o

momento não havia sido realizada nenhuma pesquisa que indicasse de que forma

se deu a inserção do imigrante português na cidade de Curitiba, surgiu a

problematização dessa pesquisa.

Nosso objetivo foi tentar compreender de que forma os portugueses se

relacionavam com os demais grupos imigrantes que chegavam aqui e também com

a população luso-brasileira já instalada em Curitiba. Para isso efetuamos a análise

das informações deixadas pelos imigrantes que se filiaram à Sociedade Portuguesa

Beneficente Primeiro de Dezembro (SPBPD) e das fontes que demonstram como

eles atuavam no comércio da cidade.

A primeira etapa dessa pesquisa consistiu em um trabalho intenso de

levantamento de fontes nas quais fosse possível localizar os imigrantes portugueses

que estavam em Curitiba no final do século XIX. As primeiras fontes consultadas

foram os documentos pertencentes à SPBPD, seguida da documentação referente

ao comércio em Curitiba no período, pertencente a Casa da Memória, e finalmente,

a consulta aos jornais Dezenove de Dezembro e A República, disponíveis na

Biblioteca Pública do Paraná e no Círculo de Estudos Bandeirantes. As informações

recolhidas nessas fontes foram analisadas à luz da historiografia disponível sobre a

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imigração portuguesa, de autores que versam sobre a metodologia de trabalho com

fontes da imprensa e também de teóricos dedicados ao tema da identidade.

Destacamos como principais contribuições para a compreensão do panorama

da imigração os trabalhos de Miriam Halpern Pereira, sobre a política portuguesa de

emigração; os trabalhos de Herbert Klein, sobre a integração social e econômica dos

imigrantes portugueses no Brasil e o de Eulália Maria Lahmeyer, que enfoca os

imigrantes portugueses no Brasil sob aspectos sociais e culturais. També foi

importante o trabalho de Ana Silvia Volpi Scott, a respeito das especificidades que

esse grupo imigrante apresenta frente aos demais.

Em relação ao tema da identidade recorremos, principalmente a Denys Cuche

e Bronislaw Baczko. A Cuche deve ser atribuída à compreensão de que o

estabelecimento de uma identidade, coletiva ou individual, está profundamente

relacionada ao contexto em que o indivíduo se insere. Assim, fatores que poderiam

ser considerados como naturalmente significativos para o sentimento de

pertencimento, como a nacionalidade, perdem esse caráter a priori e serão

assumidos ou reprimidos de acordo com o contexto. A Baczo devemos a

compreensão da forma com que um grupo pode delegar a uma instituição papel

central na representação de sua identidade grupal perante “os outros”.

As fontes impressas utilizadas nesse trabalho foram analisados a partir desse

referencial teórico e da metodologia proposta por Carlos Eduardo Vieira, autor que

chama a atenção para todos os aspectos que devem ser observados ao se trabalhar

com esse tipo de fonte, desde aspectos físicos e visíveis no próprio documento até

fatores nem sempre tão óbvios, como a linha editorial de um jornal ou a fonte de

seus recursos financeiros.

O trabalho que segue foi o resultado da conciliação de todos esses aspectos

teóricos e metodológicos e foi organizado da seguinte forma. No Capítulo 1 foram

tratados os fatores que motivaram os imigrantes portugueses a sair de sua terra

natal e tentar “fazer fortuna” no Brasil. Para isso foram considerados os fatores

sociais e econômicos de Portugal e Brasil no final do século XIX – o primeiro

passando por um período de pobreza e o segundo com as portas abertas para

grupos imigrantes que considerasse adequados para ajudar a formar a nação

brasileira. Buscamos também compreender as especificidades da então província do

Paraná e da cidade de Curitiba, cuja promoção da imigração visava principalmente,

ocupar os vazios demográficos. No segundo capítulo buscamos definir da forma

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mais precisa possível quem eram os imigrantes portugueses em Curitiba naquele

período. Para isso conjugamos os dados fornecidos pela documentação da SPBPD

e pelos livros de impostos e alvarás de Curitiba com as informações contidas na

historiografia sobre o tema.

Nos dois últimos capítulos foram analisados os anúncios publicados pelos

imigrantes portugueses nos jornais Dezenove de Dezembro e A República. No

terceiro capítulo contemplamos os anúncios que faziam alguma referência direta a

Portugal ou aos portugueses, de acordo com a metodologia proposta por Vieira. Por

esse motivo contemplamos a comunidade portuguesa de forma ampla, incluindo

imigrantes que não eram associados a SPBPD. No quarto capítulo a analise foi

restrita exclusivamente aos imigrantes associados a SPBPD, ressaltando os

aspectos mais visíveis na analise das fontes, como a publicação de um anúncio por

muito tempo ou os tipos de anúncios que se repetiam com maior freqüência. A

análise dessas fontes foi realizada norteando-se pelos teóricos Cuche e Baczko,

principalmente. Após o capítulo quatro, procedemos as considerações finais em que

contemplamos as conclusões principais desse trabalho e a contribuição que

esperamos ter dado ao estudo desse tema.

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1 O CONTEXTO DA IMIGRAÇAO PORTUGUESA PARA O BRASIL NA SEGUNDA

METADE DO SÉCULO XIX

Um dos temas mais recorrentes na historiografia paranaense é o da

imigração européia, promovida, sobretudo a partir de 1853, com o objetivo de ocupar

e desenvolver o território paranaense. Financiada pelo Estado ou empreendida pela

iniciativa privada, a imigração nesse período foi responsável pela vinda de vários

grupos estrangeiros, sobre os quais já foram realizados muitos estudos acadêmicos.

Alguns grupos tiveram maior enfoque até o momento, como é o caso dos italianos e

poloneses. Outros, no entanto, não tiveram muitas pesquisas a respeito do seu

processo imigratório, como o caso dos portugueses.

Essa ausência de trabalhos acerca da imigração portuguesa, no entanto,

não é uma particularidade do estado do Paraná. Ela á atribuída em parte, ao fato de

que a historiografia demorou a perceber os portugueses como imigrantes, e não

mais como colonizadores, e em parte devido a algumas dificuldades apresentadas

no estudo desse grupo1. Apesar disso, a partir da década de 1980 os historiadores

começaram a preencher essa lacuna historiográfica, e surgiram trabalhos enfocando

o português a partir do estatuto de imigrantes. Foi, no entanto, somente após a

segunda metade da década de 1990 que ocorreu uma diversificação nos estudos

referentes a esse grupo, com abordagens mais pluralizadas, deslocando o foco

apenas da história demográfica2. É nesse contexto que esse trabalho pretende se

1 No capítulo 2 serão abordadas as dificuldades metodológicas encontradas no estudo dos portugueses enquanto grupo imigrante.

2 Podemos citar dentre esses trabalhos: SILVA, Maria Beatriz Nizza. Uma lacuna na historiografia Luso-Brasileira: a imigração portuguesa no Brasil. Paper read at III Reunião da Sociedade Brasileira de Pesquisa Hostórica, at São Paulo,1984.; FRUTUOSO. Maria Silva. Emigração Portuguesa s sua influência no caso do Brasil: o caso de Santos, 1850 – 1950. Tese de Mestrado. 1990. Departamento de História, Universidade de São Paulo, SP; RIBEIRO, Gladys Sabina. Inimigos mascarados com o título de cidadãos. A vigilância e o controle sobre os portugueses no Rio de Janeiro no Primeiro Reinado. Acervo. Revista do Arquivo Nacional. 1997.10 (2): 71 – 96; SANTOS, Luiz Cláudio Machado dos. A emigração portuguesa e a formação da comunidade lusa no Brasil (1850 – 1930). Tese de Mestrado. 1993. Departamento de História, Universidade de Brasília, Brasília; SANTOS, Rosane V. A. A emigração portuguesa no contexto da economia cafeeira 1870 – 1890. Tese de Mestrado. 1993. Departamento de história, Universidade Federal do Paraná, Curitiba; SILVA, Maria Manuela Ramos de Souza. “Ambição e horror à farda” ou a saga dos imigrantes portugueses no Brasil, segundo a Gazeta Lusitana (1883 – 1889). Tese de Doutorado. 1991. Departamento de História, Universidade de São Paulo, São Paulo; LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Portugueses em Brasil em el siglo XX. Madri: Editorial MAPFRE. 1994.; MENEZES, Lená Medeiros de. Bastidores: um olhar sobre a imigração no Rio de Janeiro. Acervo. Revista do Arquivo Nacional. 1997. 10 (2): 03 – 16.

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inserir.

Para tanto, iniciaremos a pesquisa fazendo uma retomada da produção

historiográfica sobre o tema, começando a partir do ponto em que começou a

viagem dos imigrantes para o Brasil – em Portugal.

1.1 FATORES DE REPULSÃO E ATRAÇÃO PORTUGAL – BRASIL

No que diz respeito à saída de portugueses para o Brasil no período de

meados do século XIX até metade do século XX podemos citar o trabalho da

historiadora portuguesa Miriam Halpern Pereira, sobre a política de emigração

portuguesa Ela demonstra que a emigração nesse período adquire características

novas, relacionadas principalmente às conseqüências da implantação do capitalismo

em Portugal e não mais aos motivos relacionados à colonização. Assim, os

emigrantes nesse período partem em busca de trabalho assalariado, e não mais em

busca de grandes propriedades de terras ou de cargos políticos:

Portugal deixou de fornecer os quadros administrativos para a ex-colônia e passou a fornecer a mão-de-obra, como podemos observar na busca dos imigrantes por trabalho assalariado, não mais predominantemente em busca de terras. (PEREIRA, 2002, p. 15-20)

Portanto, por não ser mais o Brasil uma de suas colônias, a administração

portuguesa deixou de desejar a emigração para o Brasil, e passou a estimular a

emigração para as colônias que ainda tinha na África. Para que isso acontecesse

foram criados mecanismos coercitivos da imigração para o Brasil, como por

exemplo, a não emissão de passaportes para quem declarasse como seu destino a

ex - colônia portuguesa na América. Ao mesmo tempo foram criados mecanismos de

incentivo à emigração para a África, como a diminuição ou mesmo anulação das

taxas de passaporte. Porém, embora essa fosse a política oficial, Pereira (2002, p.

15-20) ressalta que era impossível controlar o destino de todos os que saíam do

país, até mesmo porque muitos o faziam de forma irregular.

Além disso, o dinheiro que os emigrantes portugueses, instalados no Brasil,

enviavam para suas famílias que permaneciam em Portugal tinha uma importância

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muito grande para a economia portuguesa. Isso ocorria porque esses imigrantes, em

geral, vinham para cá sozinhos, já que ao contrário de outros grupos, não recebiam

nenhum tipo de subsídio para se instalar no país. Eles eram em sua maioria homens

jovens, que ao chegarem aqui e encontrar trabalho assalariado, enviavam, com

regularidade, algum dinheiro aos parentes que permaneciam em Portugal. Segundo

Pereira (2002, p. 15-20), essa movimentação financeira era indispensável à frágil

economia portuguesa, já que era, em parte, devido a ela que Portugal conseguia

equilibrar sua balança de pagamentos. Dessa forma, embora não se encorajasse a

imigração para o Brasil, também não era possível reprimi-la muito severamente.

Outro aspecto que tornava indesejável para o governo português a saída de

população nesse momento era o fato de que com a emigração reduzia-se a

disponibilidade da mão-de-obra assalariada, o que dificultava a criação de um

mercado de reserva para atender as necessidades do capitalismo, ainda em fase de

implantação em Portugal. Para os emigrantes, porém, era preferível trabalhar em

cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, onde os salários eram maiores, do que

efetuar os mesmos trabalhos nas cidades portuguesas. Além disso, a vinda para o

Brasil também significava a fuga do serviço militar, sinônimo de prejuízo para o

trabalhador rural.

Pode-se dizer, portanto, que três preocupações orientaram a política de

emigração portuguesa desde 1877 a 1930: manter a corrente de divisas

provenientes do Brasil e conseguir, simultaneamente, deslocar para a África uma

parte do contingente emigratório, conciliando estes dois objetivos com as

necessidades de mão de obra da burguesia agrária e industrial dentro do próprio

país (PEREIRA, 2002, p.15-20).

No Brasil, nesse mesmo período, ainda que não houvesse uma política de

incentivo à vinda dos portugueses, o contexto econômico brasileiro mostrava-se

bastante atraente para esses imigrantes. Embora já houvesse passado o auge de

produção de alguns produtos importantes para a economia brasileira, como o açúcar

no Norte e Nordeste, e produtos mais recentes como o algodão no Maranhão e a

borracha na Amazônia estivessem passando por crises, anda haviam muitas

possibilidades para quem resolvesse se aventurar por essas terras. O Brasil central

era ainda escassamente povoado e caracterizava-se pela economia de criação,

agricultura restrita e extrativismo. No Sudeste, porém, a produção de café estava em

seu auge, e na região Sul ainda existiam grandes vazios populacionais que

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precisavam ser preenchidos. Em 1888 ocorre a abolição da escravidão, o que

tornará a necessidade de mão-de-obra urgente, fosse para trabalhar nas lavouras ou

nas cidades.

Diante desse quadro, o governo brasileiro precisava repensar sua política de

imigração. Ao constatar a necessidade de promover a imigração para suprir o

mercado de trabalho urbano e rural e também para cobrir os vazios populacionais

ainda existentes, foram tomadas medidas para facilitar a entrada de imigrantes. De

acordo com Klein (1994, p. 11) pode-se dividir em três os modelos básicos de

atuação do Estado na promoção da imigração. Num primeiro momento, que vai até a

primeira metade do século XIX, existiu um interesse apenas moderado em promover

a imigração. A partir da segunda metade do século XIX esse interesse aumentou

significativamente, já com o objetivo de substituir o trabalho escravo. Finalmente, às

vésperas da abolição da escravatura o governo brasileiro chegou a subsidiar a

imigração de alguns grupos, devido a urgência da demanda por mão-de-obra.

Os imigrantes portugueses, porém, mesmo no período de maior demanda

por mão-de-obra, não receberam subsídios do governo para instalarem-se aqui, ao

contrário de outros grupos como os germânicos e italianos. Ainda assim

demonstravam preferência pelo Brasil, não apenas por fatores como os salários

mais altos em relação aos praticados nas cidades portuguesas, mas também pela

familiaridade, real ou imaginada, com o Brasil:

os portugueses continuaram a mostrar preferência acentuada pelo Brasil, onde, apesar, da completa alteração do estatuto social do português, a língua comum e a ilusão de uma civilização idêntica apareciam como facilitando a integração (PEREIRA, 2002, p.25).

Ou ainda, como coloca Lobo (2001, p. 16), “o Brasil era visto no imaginário

popular [ainda] como terra de abundância e oportunidades de enriquecimento.”

Segundo Scott (2001, p. 3), também contribuía o fato dos portugueses dominarem a

língua, e estarem inseridos em uma rede informal de solidariedade e amizade que

funcionava entre esses compatriotas.

Vale lembrar que os portugueses eram, em geral, mais alfabetizados que os

brasileiros e, vinham de um meio rural em que era comum a organização em

pequenas unidades artesanais. Assim, já estavam acostumados a prática de

trabalho coletivo e possuíam alguma experiência em relação ao trabalho de

21

manufatura, o que lhes garantia algumas vantagens sobre os brasileiros recém-

libertos ou mestiços urbanos em relação ao nascente mercado de trabalho

capitalista brasileiro (LOBO, 2001, p.50). Isso colaborava para que os portugueses

no Brasil se destacassem na prática de atividades urbanas em detrimento das

atividades agrícolas. Além disso, o aumento da industrialização no Brasil na última

década do século XIX garantia mais vagas nas indústrias e também impulsionava o

aumento do comércio nas cidades, atividade essa na qual os portugueses se

destacavam em relação aos demais imigrantes. Segundo Lobo, podemos observar

nessa última década do século XIX uma grande participação dos portugueses no

comércio brasileiro. Essa participação se dará de duas formas principalmente: com a

entrada de produtos portugueses no mercado brasileiro através do intermédio de

comerciantes portugueses no Brasil3; e com sua atuação como intermediários entre

os grandes exportadores e os produtores, como destaca Lobo (2001, p. 32):

“embora o exportador de café ainda fosse inglês, o comissário e ensacador de café

eram geralmente portugueses.”

Outros fatores, além dos econômicos, também contavam para que os

imigrantes portugueses preferissem vir para o Brasil. A situação da saúde em

Portugal, por exemplo, era pior que no Brasil, apesar de todas as epidemias de

doenças tropicais ocorridas aqui nesse período. Segundo Lobo (2001, p. 19), no

Brasil a mortalidade era em média de 17 por 1.000 e a de natalidade de 45 por mil,

enquanto em Portugal a taxa de mortalidade era de 21,03 por 1000 e de natalidade

de 31,47 por 1.000.

Enfim, as condições no Brasil mostravam-se vantajosas para os portugueses

nesse período, pois apesar do anti-lusitanismo brasileiro, expresso em situações

como a Revolta da Armada4 em 1893, e da campanha feita em Portugal contra a

imigração para a ex-colônia, em seu aspecto geral o fluxo de portugueses para o

Brasil não parou de aumentar no final do século XIX.

3 Eles colaboraram, por exemplo, para a substituição de tecidos e artigos de armarinho ingleses por

portugueses;

4 No período da proclamação da República, havia grupos contrários à instalação da República, que defendiam a manutenção da monarquia, e outros grupos que eram favoráveis. No Rio de Janeiro, o grupo chamado de “jacobinos”, favoráveis à república e ao presidente Floriano Peixoto, alegavam que a colônia portuguesa estava financiando uma revolta contra a república, a Revolta da Armada. Por isso faziam, entre outros atos, campanhas na imprensa incitando as pessoas contra os portugueses.

22

1.2 A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA A PROVÍNCIA DO PARANÁ

Em relação ao Paraná, pode-se dizer que a política imigratória nesse

território só recebeu maior atenção após sua emancipação da província de São

Paulo, ocorrida no ano de 1853.

Até essa data já haviam sido empreendidas algumas tentativas de colonizar

as terras paranaenses, porém essas não foram muito bem-sucedidas. Em 1816, com

o objetivo de ocupar efetivamente os territórios de Rio Negro e Mafra, ameaçados

entre outros fatores pelos índios botocudos, Dom João VI enviou alguns colonos

açorianos para se instalarem no local. Eles, porém, preferiram reimigrar para outras

regiões, de campos abertos (NADALIN, 2001, p.66).

Desde a independência, em 1822, a preocupação com os vazios

demográficos aumentou e as tentativas de preenchê-los também. Com esse intuito,

o governo imperial promoveu a criação de algumas colônias, entre elas a primeira

colônia alemã do Paraná, na região de Rio Negro, onde antes estiveram os

açorianos. Essas colônias, de forma geral, não prosperaram.

Diante dos prejuízos, o governo imperial criou uma lei em 1830 proibindo a

realização de quaisquer despesas públicas com o estabelecimento de núcleos

coloniais. A partir de 1834, através de um Ato Adicional, as iniciativas colonizadoras

foram retomadas, agora não mais apenas sob a responsabilidade do governo

imperial, mas através de uma parceria deste com os governos provinciais. É desse

período a instalação das províncias Colônia Thereza (1847), as margens do Rio Ivaí,

e a colônia de Superaguy (1852), em Guaraqueçaba (BALHANA; WESTPHALEN;

MACHADO, 1969, p.158).

Será, entretanto, somente após a emancipação política do Paraná, em 1853,

que a colonização será mais eficazmente organizada, com o objetivo não apenas de

ocupar o território, mas também de incentivar a produção de produtos de

subsistência para outras regiões do país. A política imigratória paranaense terá,

portanto, uma orientação diferenciada da política imigratória de São Paulo, por

exemplo, na qual o objetivo era obter trabalhadores para o cultivo de produtos de

exportação. A década de 1870, durante o governo de Lamenha Lins, será o período

de maior intensidade de instalação de núcleos coloniais, situados em sua maioria ao

redor de Curitiba (BALHANA; WESTPHALEN; MACHADO, 1969, p.162).

É importante lembrar que as autoridades paranaenses não consideravam

bem-vindo qualquer imigrante. Uma questão muito importante para elas era a

23

procedência desses novos habitantes. Desejavam, sobretudo, os imigrantes

europeus “morigerados e laboriosos”, que trouxessem hábitos civilizados e uma

nova ética de trabalho para o país. Segundo Nadalin:

o imigrante europeu era encarado sob uma concepção romântica”, e acreditava-se que ele seria capaz de recriar uma “civilização camponesa à maneira da Europa”, em oposição à “sociedade maculada pelos vícios de origem brasileiros (NADALIN, 2001, p.72).

Por esse motivo, imigrantes oriundos de algumas nacionalidades

específicas, vistas como sinônimo de trabalhado e organização, eram mais

desejados do que outras. Destacaram-se como os maiores grupos estrangeiros

instalados no Paraná nesse período os alemães, italianos, poloneses, ucranianos,

franceses e holandeses. Em geral, esses grupos tiveram sua imigração dirigida para

terras previamente definidas e receberam algumas facilidades para efetuar o

pagamento das mesmas. Além disso, muitos imigrantes dessas nacionalidades

vieram para o Paraná reimigrando de outros estados, principalmente Santa Catarina.

Alguns autores sugerem que esses imigrantes que se dirigiram para o Sul,

de forma geral, foram os responsáveis pela criação da primeira classe média do

país, formada por pequenos proprietários rurais, artesãos e comerciantes5.

Outros grupos imigrantes, no entanto, vinham para o Sul sem nenhuma

forma de subsídio, como é o caso dos portugueses. Apesar disso, Balhana e

Westphalen demonstram, através da análise da genealogia paranaense que a

presença portuguesa no Paraná é antiga e importante, já que:

das 27 famílias-tronco constituídas na Comarca de Paranaguá, nos séculos XVII e XVIII, 16 foram oriundas diretamente de Portugal e suas Ilhas, 8 eram de São Paulo (descendentes de portugueses), uma de Santa Catarina, uma de origem desconhecida (porém de descendência portuguesa) e apenas duas de descendência espanhola, já radicados, porém, em Portugal (BALHANA; WESTPHALEN, 2003, p. 25).

Também é importante relembrar os já citados 50 casais de imigrantes

açorianos que se fixaram em Rio Negro e Mafra em 1816.

5 Schneider Apud: NADALIN, Sérgio Odilon. Paraná: Ocupação do território, população e migrações.

Curitiba: Editora UFPR, 2001:66.

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Nesse período, porém, a imigração portuguesa adquiriu novas

características, devido ao contexto de instalação de imigrantes de várias outras

nacionalidades. Os portugueses se diferenciavam desses grupos pois estavam, em

geral, mais interessados em explorar o comércio do que em praticar a agricultura.

Assim, embora não recebessem nenhum tipo de subsídio como os outros grupos

imigrantes, o aumento populacional ocasionado pela instalação desses outros

imigrantes já era um fator de atração, pela criação de um mercado consumidor.

Enquanto os demais grupos imigrantes tinham como principal ocupação produzir

gêneros agrícolas de subsistência, os portugueses ocupavam-se em fornecer para

eles os produtos industrializados que necessitavam.

Já familiarizados com o comércio em outros locais do Brasil, encontravam

aqui menor concorrência do que em São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo Bacellar,

já na década de 20:

os grandes pólos atratores [para os portugueses] eram, assim, a zona litorânea, o vale do Paraíba (enquanto ponto de encruzilhada de diversas rotas), a cidade de São Paulo (como eixo administrativo e centro comercial em expansão) e as zonas mais inóspitas do Sul, no atual estado do Paraná, onde o comércio e as lutas de fronteira se confundiam e promoviam o enriquecimento rápido (BACELLAR, 2000, p.8).

No final do século XIX, o Paraná já não poderia ser considerado uma zona

inóspita, já que se encontrava “consideravelmente expandido, com a fundação de

diversos povoados e concessão de terras a baixo preço” (NADALIN, 2001, p.84).

Isso fez com que a região paranaense se torne ainda mais atraente. Segundo

Balhana e Westphalen (2003, p.34), no final do século XIX os mais importantes

capitalistas do Paraná eram portugueses, que haviam chegado ao estado durante a

segunda metade do século XIX, e, por serem significativos para a economia e

sociedade paranaenses, “não podem ser minimizados, muito menos ignorados.”

1.2 A INSTALAÇÃO NA CIDADE DE CURYTIBA

Em relação à cidade de Curitiba, capital da província do Paraná, pode-se

localizar o início da ocupação de seu espaço urbano no fim do século XVII, a partir

do entorno da capela de Nossa Senhora da Luz. Quando foram criadas em 1693 a

25

“Justiça e a Câmara, a cidade contava com a população de 90 homens”. Em 1721,

com a chegada do ouvidor Rafael Pires Pardinho, já começam as preocupações

sobre como deveria ser feita a ocupação da cidade. Entre 1829 e 1830 a Câmara

elaborou o primeiro Código de Posturas da Câmara de Curitiba, com algumas

normalizações para as construções (BOLETIM INFORMATIVO DA CASA ROMÁRIO

MARTINS, 1996, p. 3,4). Também nesse período chegaram os primeiros grupos de

reimigrantes vindos de Santa Catarina. Foi, no entanto, somente com a chegada das

primeiras levas de imigrantes durante o governo de Lamenha Lins, na década de

1870, que Curitiba passou a ter um aumento populacional visível. Em 1872, segundo

o recenseamento, havia em Curitiba 12.651 habitantes, já em 1900 a população

havia aumentado para 50.124 habitantes (BONI, 1998, p. 11).

Em meados do século XIX a região da Rua das Flores (atual Rua XV de

Novembro), Riachuelo e Praça Generoso Marques constituía o centro comercial da

cidade. Apesar disso a Rua das Flores era ainda nesse período, segundo o Boletim

da Casa Romário Martins “uma rua estreita, mal-iluminada, com dezenas de

construções baixas e acanhadas”. Segundo Leôncio Correia, havia nela apenas “três

sobrados, sem estética: o da Presidência da Província, o da Casa de Sol e o do José

Nabo6”. Em 1860, segundo Ruy Wachowicz, a rua ainda possuía apenas três

quadras: “da atual Dr. Muricy até a Barão do Rio Branco, sendo o núcleo central da

artéria as duas primeiras: da Dr. Muricy até a Monsenhor Celso”. (BOLETIM

INFORMATIVO DA CASA ROMÁRIO MARTINS, 1996, p. 3). Segundo o viajante

Bigg-Wither (1974, p. 49) que esteve na cidade na década de 1870, “todas as lojas

maiores pareciam ser de propriedade de brasileiros ou portugueses, enquanto a

grande maioria das lojas menores estava nas mãos dos alemães.”

Até o final do século, porém, a cidade passou por muitas transformações.

Segundo crônica publicada em O Paraná de 15/06/1910, no decorrer do fim do

século XIX ao início do XX, as inúmeras reformas urbanas empreendidas em

Curitiba e também as mudanças comportamentais verificadas, transformaram a

cidade de “cabocla” em “cortesã”, como destaca Berberi (1998, p. :5). Podemos

destacar, dentre essas mudanças, a construção de vários sobrados na cidade, em

sua maioria financiados pelo lucro do comércio ervateiro. Muitas ruas foram abertas,

embora nem todas elas fossem macadamizadas. A afluência de grupos nacionais

6 Desses três sobrados existentes na Rua XV em 1860, dois eram de portugueses – o do proprietário

da Casa do Sol, Manoel dos Santos Correia e o de José Nabo.

26

distintos favoreceu a criação de vários clubes e associações nesse período, cujo

objetivo era promover a sociabilidade e a cultura, ainda que de forma marcadamente

étnica. Medidas foram tomadas para a higienização da cidade, embora “as próprias

condições topográficas, acrescidas de um adensamento populacional e precárias

condições de alojamento tornassem Curitiba uma cidade de higiene precária” (BONI,

1998, p.25). Em 1888, com a criação da comissão para melhorias urbanas e a

elaboração do Código de Posturas foi estabelecido também onde e como construir,

além de tratar da higiene relativa aos estabelecimentos comerciais (BERBERI, 1998,

p. 40). Dentro desse projeto de modernização, chagas sociais como a mendicância

deveriam ser evitadas, e em decreto de 11 de outubro de 1890, que instituiu o

código penal de 1890, “a mendicância e a vadiagem tornaram-se contravenções e

seus agentes, mendigos e vadios, contraventores” (KARVAT, 1998, p.16).

Todas essas medidas conseguiram mudar, de forma geral, o panorama da

cidade. Assim, em 1900, a antiga Rua das Flores não tinha mais aquele aspecto

sombrio, e era possível encontrar em seu comércio lojas de vestuário, calçados e

chapéus, alfaiatarias, livrarias, cafés, restaurantes e confeitarias.

A imigração, em grande parte responsável pelo aumento populacional em

Curitiba, introduziu também a concorrência no comércio da cidade, pois se o

aumento da população aumentou o público consumidor, também foi preciso que os

comerciantes se adaptassem para atender a essa freguesia tão variada. Vale

lembrar que os comerciantes que já estavam estabelecidos na cidade antes da vinda

maciça dos imigrantes, eram em sua maioria luso-brasileiros ou portugueses, que

tinham primazia no comércio de livraria, roupas feitas, armarinhos e negócios de

molhados. No final do século, porém, passaram a dividir o espaço com alemães e

italianos, que a princípio atuavam como relojoeiros, alfaiates e barbeiros, com

pequenas oficinas e pequenos comércios (BOLETIM INFORMATIVO DA CASA

ROMÁRIO MARTINS, 1996, p. 6).

1.3 OS IMIGRANTES PORTUGUESES EM CURITIBA

Apesar da concorrência que passou a existir no comércio de Curitiba nas

décadas finais do século XIX, a capital paranaense ainda apresentava-se como um

27

pólo de atração promissor para os imigrantes portugueses. Segundo Westphalen7, já

desde o século XVII e XVIII podemos encontrar portugueses instalados na região de

Curitiba e Paranaguá, porém, foi no período de 1770 a 1790 que ocorreu uma

“aglutinação no estabelecimento dos portugueses” nessa região. A autora aponta

que, segundo Francisco Negrão, durante o século XVIII 158 portugueses instalaram-

se no território, sendo que a maior parte deles era natural do norte de Portugal,

sobretudo de Braga. Em relação ao século XIX teriam se instalado 140 portugueses,

em sua maioria, também naturais de Braga (WESTPHALEN, 2003, p.25).

A autora destaca, no entanto, que o trabalho realizado por Francisco Negrão

refere-se a características de apenas uma parte dessa comunidade de portugueses,

a classe mais alta. Assim, o censo realizado no Paraná em 1872, que contempla de

forma mais ampla de portugueses instalados no estado, aponta para a existência de

534 imigrantes portugueses na região, sendo que esse número ainda irá elevar-se

em 3% em 1900, totalizando 504 indivíduos. Ao longo do século XX esse número

continuou a subir, e em 1920 foram registrados 1.808 portugueses. A pesquisa ainda

aponta que ao longo de todo o período do século XIX e XX, o número de homens

será sempre significativo superior ao de mulheres que representavam menos de

10% do total de imigrantes ao longo desse período. A partir dessas informações

fornecidas por Westphalen sobre os dados levantados por Francisco Negrão e pelos

censos de 1872, 1900 e 1920, podemos concluir que os portugueses que imigraram

para o Paraná, principalmente Curitiba e Paranaguá, guardavam características

comuns aos portugueses nos demais estados brasileiros. A maioria deles vinha da

região Norte de Portugal, e o número de homens era superior ao de mulheres.

É importante destacar que a constatação da existência de portugueses

instalados nessa região desde longa data, pode explicar, em parte, as motivações

dos imigrantes do final do século XIX em vir para cá. Segundo a historiografia sobre

o tema, a existência de uma rede de solidariedade era determinante sobre o local

em que se instalariam, já que eles não recebiam subsídios para isso. Assim, a

presença de portugueses em um determinado território era um atrativo facilitador

para os imigrantes recém-chegados.

Uma vez instalados em Curitiba no final do século XIX esses imigrantes

viram-se englobados em uma diversidade de grupos estrangeiros muito grande. Ser

7 A autora faz essas afirmações baseada no estudo de Francisco Negrão sobre a genealogia

paranaense, publicado entre 1926 e 1950.

28

imigrante em Curitiba, nesse período, não era de forma alguma uma exceção,

portanto não era esse por si só um fator distintivo. Diante disso vários grupos

procuraram organizar-se em algum tipo de associação, no qual o fator de coesão

fosse a nacionalidade. A finalidade desses grupos poderia ser variada – prática de

esportes, organização de festas ou práticas beneficentes e/ou mutualistas – porém o

objetivo era o mesmo em todos os casos: demarcar um território no qual a cultura e

as tradições da terra natal fossem praticadas e preservadas, evitando que esses

imigrantes se sentissem totalmente desprovidos das referências culturais que os

levava a se reconhecer enquanto grupo.

Embora alguns autores costumem creditar a organização em associações

como características comuns a certos grupos imigrantes, como os germânicos, por

exemplo, podemos afirmar que além dessa “predisposição natural” para a

associação, o ambiente social também era decisivo para a efetivação desse tipo de

projeto. Embora Lobo destaque uma certa predisposição dos imigrantes portugueses

para a organização coletiva, será somente com a chegada massiva de outros grupos

imigrantes que eles fundaram, em 1878, uma associação distintivamente portuguesa

– A Sociedade Portuguesa Beneficente Primeiro de Dezembro (SPBPD), criada no

auge da instalação das colônias ao redor de Curitiba8. Segundo Boschilia:

além de aproximar portugueses, buscando criar laços identitários, a SPBPD visava minimizar os problemas enfrentados pelos imigrantes recém-chegados, acolhendo-os num território simbólico que fosse capaz de aproximá-los culturalmente (BOSCHILIA, 2008, p. 247).

Segundo os registros daquela instituição no ano de 1878, cerca de 30

imigrantes portugueses, todos homens, reuniram-se com o objetivo de criar uma

Sociedade para promover a beneficência para os imigrantes portugueses que

passavam por dificuldades econômicas e de saúde. É importante destacar que, a

SPBPD não se caracterizava a priori como uma sociedade direcionada a cultura ou a

recreação, e que não terá também características de organização de classes, como

as organizações sindicais, por exemplo. Observamos, contudo, que com o passar do

8 É importante ressaltar que a SPBPD se inseria em um conjunto de associações do gênero, que ao

final do século XIX já eram em mais de 20 em todo o Brasil.

29

tempo, essa entidade irá ampliar sua atuação, promovendo também a cultura9 entre

os portugueses em Curitiba, e que se destacaram em sua administração como

também em seu quadro geral de associados imigrantes portugueses envolvidos no

comércio da cidade de Curitiba. Até o ano de 1900 a SPBPD já contará com 175

associados.

Ainda segundo a documentação da SPBPD observamos que em 1898 a

sociedade passou por uma reorganização, na qual vários associados que haviam

colaborado para sua fundação desligaram-se dela, enquanto novos imigrantes se

afiliaram, o que poderia demonstrar divergências entre o grupo dirigente. A despeito

disso, o número de associados continuou a crescer ao longo dos anos. Segundo

Boschilia era um grupo formado exclusivamente por homens, com idade entre 15 e

40 anos, com predominância na faixa entre 30 e 35 anos.

A SPBPD conseguiu manter-se ao longo de mais de um século, totalizando

130 anos de existência. Atualmente ela não mantém mais seu caráter beneficente,

denominando-se apenas Sociedade Portuguesa Primeiro de Dezembro. Seu espaço

agora é utilizado para reuniões predominantemente com o objetivo de promover a

sociabilidade e congregar tanto os imigrantes portugueses que continuam a chegar

em Curitiba, como também os descendentes dos portugueses que permaneceram

na cidade. A sua documentação se mostra valiosíssima para compreender parte da

trajetória desses imigrantes em Curitiba, dos quais temos até o momento poucas

referências e informações. Por esse motivo, ao longo dos próximos capítulos serão

esmiuçadas as informações encontradas nessa documentação, e ao final espera-se

que esse esforço possa ajudar a agregar informações importantes a essa seção

intitulada “OS IMIGRANTES PORTUGUESES EM CURITIBA”, sobre os quais

encontramos apenas raras informações.

9 Observamos próximo ao final do século, a organização de uma biblioteca na SPBPD, cujo objetivo

principal era manter entre os associados à memória dos feitos históricos de Portugal, valorizando assim sua cultura natal.

30

2 COMERCIANTES PORTUGUESES EM CURITIBA – FATORES DE ATRAÇÃO E

CARACTERÍSTICAS.

Delinear o perfil do imigrante português na cidade de Curitiba no final do

século XIX não é uma tarefa simples, como também não o é em nenhuma outra

parte do país. Quando comparados a outros grupos imigrantes, pode-se dizer que os

portugueses possuíam algumas características peculiares que facilitavam sua

instalação no Brasil, mas que irão, posteriormente, dificultar a pesquisa sobre esse

processo imigratório. Podemos citar, como um desses fatores, o domínio que esses

imigrantes tinham da língua portuguesa, o que conferia a eles maior autonomia

quando comparados a outros grupos estrangeiros. Em segundo lugar, os estudos

indicam que o imigrante português contava com o apoio de compatriotas - fossem

eles parentes ou conhecidos – que os auxiliavam na instalação no país e obtenção

de um emprego. Por esse motivo eles não precisavam passar pelos meios

tradicionais de recepção no país, como as casas de imigrantes, por exemplo

(SCOTT, 2001, p. 3).

Também é importante destacar o fato de que muitos imigrantes portugueses

vieram para cá de forma ilegal, muitas vezes com passaportes falsificados nos quais

apareciam como brasileiros, o que dificulta ainda mais sua localização e

identificação (PEREIRA, 2002, 34). Uma vez estabelecidos no Brasil, torna-se difícil

localizar esses imigrantes nas fontes históricas, devido, sobretudo, à semelhança

entre seus nomes e sobrenomes em relação à população luso-brasileira em geral.

Balhana e Westphalen ainda salientam que o imigrante português se diluiu em todo

o Brasil, não só pela semelhança dos nomes, mas também porque algumas leis

delegaram nacionalidade brasileira a estrangeiros. Citam como exemplos a Lei de

25/03/1824, que propunha ampla nacionalização para os imigrantes portugueses, a

Lei de 23/10/1832, primeira lei acerca da naturalização de estrangeiros em geral, e a

Lei 58A de 14/12/1889, que considerou brasileiros todos os estrangeiros residentes

no Brasil no dia 15/11/1889 (BALHANA, WESTPHALEN, 2003, p. 33-34).

Por esses motivos ao analisarmos qualquer lista de nomes referentes aos

habitantes de Curitiba no final do século XIX, podemos afirmar com certa segurança

que um adulto de sobrenome polonês, por exemplo, era um imigrante, já que a

instalação desse grupo no território ocorreu somente a partir início da década de

31

1870. O mesmo não pode ser dito em relação a um habitante de sobrenome

português, pois este poderia tratar-se de um luso-brasileiro cujos antepassados

poderiam ter se instalado ao território ainda no período colonial. Assim, definir um

perfil do imigrante português instalado na cidade de Curitiba nesse período mostra-

se uma tarefa complicada, já que é difícil localizar esse grupo em meio ao restante

da população luso-brasileira. Somente é possível afirmar a nacionalidade

portuguesa de algum habitante através de fontes nas quais conste declaradamente

sua nacionalidade, ou através de sua filiação a entidades nas quais a nacionalidade

portuguesa fosse um pré-requisito indispensável, como é o caso da Sociedade

Portuguesa Beneficente Primeiro de Dezembro (SPBPD)10.

Tendo em vista essas dificuldades tentaremos traçar o perfil do imigrante

português em Curitiba através da organização de várias pistas, disponíveis na

historiografia sobre o tema e nas fontes analisadas nesse trabalho. Partimos da

historiografia sobre o tema, lembrando do silêncio na produção paranaense sobre o

tema, o que nos remete aos trabalhos produzidos sobre esses imigrantes em outros

estados do Brasil. Em seguida, analisaremos as informações contidas no livro de

sócios da SPBPD, conscientes de estarmos nos restringindo a análise de apenas

uma parte da comunidade portuguesa em Curitiba, que será ainda mais limitada a

partir do momento em que focamos nossa análise especificamente naqueles

associados da SPBPD que praticavam o comércio. Por tratar-se de um grupo tão

específico, portanto, devemos ter em mente suas possíveis diferenciações em

relação ao grupo maior dos imigrantes.

2.1 PISTAS FORNECIDAS PELA HISTORIOGRAFIA

Recentemente têm sido realizadas inúmeras pesquisas acerca do processo

imigratório português que podem nos ajudar a estabelecer algumas características

do grupo de imigrantes portugueses que se dirigiam para a cidade de Curitiba. A

maioria dos historiadores concorda que, embora saíssem de Portugal como

agricultores ou artesãos, quando chegavam ao Brasil estes imigrantes preferiam

10 Daqui em diante sempre que me referir à Sociedade Beneficente Portuguesa Primeiro de

Dezembro usarei apenas as iniciais SPBPD.

32

exercer, em sua maioria, atividades relacionadas ao meio urbano, preferencialmente

ligadas ao comércio. Por esse motivo cidades como São Paulo e Rio de Janeiro

eram as preferidas por esses imigrantes, pois eram as cidades brasileiras com maior

crescimento urbano nesse período. Assim, elas concentraram o maior número de

imigrantes portugueses da época.

Até por volta de 1870, Curitiba não tinha um núcleo urbano forte. Porém, a

conjuntura econômica do período irá propiciar o início do desenvolvimento urbano de

Curitiba, de três formas. Podemos citar em primeiro lugar o fato de que Curitiba

localizava-se na rota de passagem de tropeiros que levavam o gado do Rio Grande

do Sul para ser comercializado em cidades do sudeste brasileiro, principalmente São

Paulo. A passagem das comitivas pela cidade exigia alguma infra-estrutura para

atender aos viajantes, o que incentivou a abertura de lojas e algumas hospedarias,

alavancando um certo desenvolvimento do comércio e do que hoje chamamos de

prestação de serviços. Em segundo lugar o comércio e os lucros propiciados pelo

comércio ervateiro movimentaram a economia paranaense nesse período,

impulsionando mesmo a expansão física da cidade com a construção de casarões

nas regiões ao redor do centro da cidade. Um terceiro fator importante nesse

período foi o aumento da população a partir do final da década de 1870 devido à

instalação dos núcleos coloniais ao redor da cidade, sobretudo durante o governo de

Lamenha Lins, o que contribuiu para o desenvolvimento do comércio em duas

frentes: através da venda dos produtos agrícolas cultivados nas colônias e também

devido ao aumento do público consumidor de produtos manufaturados – os próprios

imigrantes. Além disso, exigiu dos comerciantes que estes “se adaptassem ao novo

perfil dos consumidores” (BOLETIM RUA XV, 1996, p. 8)

Podemos então concluir que existiram pelo menos três fatores do final do

século XIX em Curitiba que se mostraram particularmente atrativos para os

imigrantes portugueses interessados em praticar o comércio: o primeiro deles estava

relacionado às possibilidades de comércio originadas pela passagem dos tropeiros

pela cidade; o segundo com as oportunidades pela plantação, beneficiamento e

comercialização da erva-mate e, finalmente, as conseqüências decorrentes da

instalação das colônias ao redor de Curitiba, responsáveis pelo aumento

populacional na cidade e pelo aumento do volume das transações comerciais

relativas a compra e venda. Comum a esses fatores é o fato de que em qualquer um

deles, os imigrantes portugueses que optassem por se instalar em Curitiba estariam

33

se instalando em uma cidade na qual a concorrência pelos fregueses seria menor

em relação a cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.

Podemos ainda reforçar a hipótese de que esses imigrantes vinham para cá

em busca de um centro com menor concorrência se levarmos em consideração que

poucos eram os imigrantes portugueses que se dirigiam efetivamente para o estado

do Paraná e para a cidade de Curitiba. Segundo dados sobre a chegada desses

imigrantes no porto de Paranaguá apenas 52 indivíduos desembarcaram

diretamente lá. Isso nos leva a concluir, portanto, que a maioria dos imigrantes

portugueses que vinha pra cá, o fazia reimigrando de outras cidades, como São

Paulo e Rio de Janeiro.

Assim, embora até o presente momento não seja possível traçar um perfil

mais preciso do imigrante português que estava em Curitiba nesse período,

acreditamos que, de forma geral, ele não diferia muito dos imigrantes de outras

cidades. Pesquisas indicam11 que, nessas cidades, durante o período em questão,

os imigrantes eram em sua maioria homens solteiros e jovens. Esse perfil se encaixa

com o perfil de imigrante que uma cidade como Curitiba possivelmente atrairia nesse

período, já que se mostrava um centro urbano em expansão, com boas

possibilidades de êxito financeiro para quem estivesse interessado em aventurar-se

por locais menos centrais.

2.2 PISTAS FORNECIDAS PELAS FONTES

2.2.1 A SPBPD

Devemos observar que embora estejamos tratando da presença e dos

motivos que trouxeram os portugueses para Curitiba no final do século XIX, sua

presença aqui é, obviamente, anterior a esse período. Porém, ao analisarmos a lista

de impostos ou a lista de alvarás de Curitiba nesse período, observamos que os

comerciantes portadores de nomes e sobrenomes de procedência portuguesa vão

11 Segundo Pereira entre 1891 e 1899 o número de homens solteiros que emigrou foi de 183.656,

enquanto o número de homens casados foi de 77.928 (PEREIRA: 2002:118).

34

diminuindo com a proximidade do fim do século, enquanto o número de

comerciantes com sobrenomes alemães e italianos e vai crescendo nesse período.

Possivelmente os portugueses que já estavam estabelecidos em Curitiba

nas décadas de 1870 e 1880 não viam os luso-brasileiros que aqui viviam como uma

cultura tão diversa da sua própria, e nem tampouco se sentiam ameaçados em

relação a possível concorrência comercial que esses pudessem representar, já que

não vemos até esse período nenhuma tentativa de diferenciação entre os dois

grupos. Entretanto, com a chegada de imigrantes com culturas tão diversas da

portuguesa e sua instalação gradativa no comércio da cidade, de alguma forma

“roubando” sua primazia no comércio, esses imigrantes sentem a necessidade de se

articular com a intenção de se proteger enquanto grupo e preservar sua cultura.

É o que podemos supor a partir da criação da Sociedade Portuguesa

Beneficente Primeiro de Dezembro (SPBPD), em 1878. Como uma das

características da SPBPD era a admissão apenas de imigrantes portugueses, ao

analisarmos esse grupo conseguimos mais algumas pistas que nos permitem definir

o perfil de parte desses imigrantes em Curitiba no fim do XIX. É importante salientar

uma vez mais que estamos levando com consideração que o grupo filiado a SPBBD

representava apenas parte dos imigrantes portugueses residentes em Curitiba nesse

período, e que esse grupo não pode ser considerado homogêneo.

Em primeiro lugar podemos chamar a atenção para o fato já explícito no

próprio nome da SPBPD, de que era uma Sociedade de caráter beneficente e não

mutualista12, como eram, por exemplo, as associações semelhantes criadas pelos

imigrantes germânicos. Isso nos leva a duas conclusões: em primeiro lugar de que

haviam dois grupos bem delineados de imigrantes na cidade - os que obtiveram

êxito financeiro e os que não obtiveram - e em segundo lugar que, apesar dessa

diferenciação, o fato de serem portugueses, era motivo suficiente para que esses

dois grupos se reconhecessem enquanto unidade. A partir desse ponto de vista

podemos entender que os associados da SPBPD eram, provavelmente, os

imigrantes que obtiveram algum êxito financeiro, já que dispunham de condições de

pagar a jóia e as mensalidades para filiarem-se à SPBPD, que seriam

posteriormente destinadas a ajudar os de imigrantes menos privilegiados.

12 Ressaltamos aqui o fato de que a sociedades beneficentes, em geral prestavam socorro a

terceiros, enquanto as sociedades mutualistas tinham como princípio a reciprocidade, ou seja, o socorro mantinha-se restrito ao grupo que compunha a sociedade. Sobre isso ver Silva Junior, Adhemar Lourenço da. As sociedades de socorros mútuos. Tese de Mestrado. PUCRS, 2004.

35

O estatuto da SPBPD ainda nos diz que seriam admitidos como sócios

apenas os imigrantes que fossem propostos por algum associado, e que os

“propostos” teriam que ser aprovados pela diretoria. Após aprovados pela diretoria

eles deveriam então pagar uma jóia no valor de 20$000 réis e uma mensalidade no

valor de 1$000 réis, o que lhes renderia o enquadramento como sócios ativos. Essa

forma de inserção na SPBPD pode ser indício de que esses imigrantes estavam

inseridos em uma rede de relações sociais significativas, na qual a nacionalidade era

um fator de coesão mesmo antes da criação da SPBPD. Pode também indicar que

eles não tinham pretensões de expandir a qualquer português o ingresso na SPBPD,

pelo contrário, preferiam manter-se como um grupo bem específico.

Além da categoria de sócio ativo, existiam ainda duas outras categorias de

associados, a de beneméritos e a de benfeitores. Eram considerados beneméritos

os sócios que efetuassem doações no valor de 200$000 réis, o que os isentava do

pagamento das mensalidades. Quanto aos sócios benfeitores, eram assim

considerados pessoas que efetuassem serviços relevantes para a sociedade. Nesse

caso, encontramos alguns poucos “não-portugueses” nesta categoria, em geral

médicos que prestavam atendimento aos portugueses que precisavam dos seus

préstimos.

Observamos ainda segundo o estatuto da SPBPD, que a mesma seria

administrada por um presidente, um vice-presidente, um secretário, um tesoureiro,

um procurador e um administrador de beneficência. Para o cargo de tesoureiro só

seriam aceitos sócios que fossem donos de estabelecimentos comerciais ou então

que fossem proprietários de bens de raiz.

Ainda segundo o estatuto da SPBPD observamos que o beneficio era

previsto em casos de doença, falecimento, prisão, emprego e alimentação. A maioria

dos registros de auxílio, porém, demonstram que houve uma predominância de

assistência em casos de doença, falecimento e transporte, nessa ordem. A partir

disso podemos observar que em Curitiba, apesar do fato de que um dos objetivos

fosse proteger os imigrantes em caso de prisão, essa assistência não se mostrou tão

necessária ou freqüente, como a historiografia aponta ter se mostrado em outras

cidades, como o Rio de Janeiro.13 Talvez isso possa ser atribuído ao fato de que a

cidade de Curitiba era significativamente menor em número de habitantes do que o

13 Sobre isso ver MENEZES, L. M. Indesejáveis desclassificados da modernidade: protesto crime e

expulsão da capital federal (1890 – 1930). Rio de Janeiro: Eduerj, 1997.

36

Rio de Janeiro, e dessa forma a comunidade portuguesa aqui pudesse “vigiar” o

comportamento de seus compatriotas e punir quem não se comportasse de forma

adequada. Isso pode ser pensado se levarmos em consideração que um dos

objetivos previstos no estatuto da SPBPD previa a admoestação “ao socio, chefe de

familia, quando não cure regularmente da educação dos filhos, ou quando elle

mesmo se afastar do caminho do justo e do honesto” (ESTATUTO DA SPBPD,

1878. Art. 2º .§8º). Outra hipótese para o menor envolvimento de portugueses em

Curitiba em relação a outras cidades, pode ser o fato de que a cidade ainda não

contava nesse momento com um movimento operário forte, um dos principais meios

através do qual os imigrantes portugueses perturbavam a ordem pública nos outros

estados.

2.2.1.1 Os associados da SPBPD

Ao observarmos o livro de matrículas dos sócios da SPBPD, alguns

elementos saltam aos olhos. Um primeiro fator que chama a atenção em relação a

esses imigrantes se refere a alta de taxa de mobilidade geográfica entre eles, e

sobretudo a alta taxa de retorno ao país de origem. São comuns observações como

“ausente para a Europa”, “ausente em parte incerta” ou ainda “mudou-se para o

interior”, “mudou-se para outro estado (são citados Rio de Janeiro e Rio Grande do

Sul, por exemplo)” ou “ausente para a África”. As repetidas observações de que o

associado estava “ausente para Portugal”, nos leva a observar que os laços com

Portugal eram muito fortes, tanto que encontramos nesse período 20 associados

(11,42%) que retornaram à Portugal, por variados motivos. Como observamos que

vários deles retornaram posteriormente a Curitiba, podemos supor que esses idas

para Portugal eram temporárias, e os motivos que os levavam poderiam ser desde

uma simples visita aos familiares que permaneceram lá, como também viagem de

negócios. Em outros casos, porém consta a observação de que o associado “faleceu

em Portugal”.

Pereira faz algumas observações acerca dos imigrantes que retornavam

para Portugal. Segundo ela, em geral, no período em questão retornavam

principalmente os imigrantes que conseguiam êxito financeiro:

37

o português partia para enriquecer e o seu fracasso era atribuído por ele próprio e pelos seus conterrâneos à sua própria incapacidade, e não a uma modificação do estatuto social do português, [assim] preferiam morrer no Brasil para esconderem sua miséria do que regressarem pobres a Portugal. (PEREIRA,2002, p. 46)

Isso reforça a idéia de que estamos tratando aqui de imigrantes que

conseguiram efetivo sucesso financeiro, já que dispunham de meios para viajar

temporariamente para Portugal, ou então retornar definitivamente, mesmo que em

idade mais avançada. Podemos pressupor então, de acordo com o que coloca

Pereira, que esses imigrantes conseguiram alguma ascensão social e, portanto, “não

tinham motivos para se envergonhar”, poderiam voltar para lá tranquilamente. Isso

também é indicativo de como a identidade portuguesa, de fato, nunca se perdeu

para esses imigrantes.

Além dos associados que se deslocavam dentro do Brasil, mudando de

cidade ou Estado, e dos que retornaram a Portugal, também encontramos nesse

período três associados que preferiram deslocar-se para a África. Apesar de não

termos maiores informações sobre os motivos que os levaram para lá, não podemos

deixar de observar que eles estavam partindo para locais onde Portugal ainda

mantinha muitas colônias – talvez em busca de algo que haviam perdido

irremediavelmente no Brasil – o estatuto de colonizador, em geral superior ao de

imigrante.

Em relação ao local de origem desses imigrantes, embora sejam poucos os

associados que o declaram, encontramos associados naturais das seguintes

cidades: Cabeceiras de Basto, Torres Novas, Villa Real, Porto, Ponte de Lima, Villa

do Conde, Marco de Canaveses, Melgaço. Com exceção de Torres Novas que

localiza-se no centro de Portugal, as demais cidades são todas da região Norte, local

do qual partiu a grande maioria dos imigrantes que se fixaram em outras cidades do

Brasil, conforme aponta a historiografia.

Em que pese o fato de que a SPBPD fosse destinada aos imigrantes

portugueses em Curitiba, a existência de duas categorias especiais de associados –

correspondentes e benfeitores - nos leva a crer que, embora estivessem

demarcando um território simbólico destinado apenas aos portugueses em Curitiba,

esses imigrantes não estavam propondo a formação de um grupo isolado do resto

da sociedade ou dos portugueses de outras localidades. Observamos vários

38

associados correspondentes, que moravam em outras cidades mas que em algum

momento estiveram em Curitiba e foram propostos como sócios por algum imigrante

já associado. Em alguns casos esses imigrantes acabavam mudando-se para

Curitiba ou então estabelecendo negócios na cidade, como é o caso de José Alves

de Carvalho, de Santa Catarina, que foi proposto pelo sócio Domingos Duarte

Velloso, e logo depois abriu uma fábrica de sabão e vela em Curitiba14.

Em relação aos sócios benfeitores, destacamos o fato de que eles eram os

únicos brasileiros admitidos na SPBPD. Destacamos 3 desses associados: 2

médicos que atendiam gratuitamente os imigrantes portugueses enviados a eles

pela SPBPD - os doutores João de Menezes Doria e Trajano dos Reis. Também

destacamos o advogado José de Azevedo Macedo, que prestava assistência a

SPBPD. O estabelecimento de laços com brasileiros reforça a idéia de que os

portugueses não estavam propondo a formação de um grupo isolado, mas sim de

um território simbólico onde pudessem manter sua cultura e cultivar seus laços

identitários. Aliás, pelo contrário, a existência desses sócios benfeitores indica que

os portugueses buscavam associar-se com brasileiros que pudessem de alguma

forma ajudá-los no amparo aos conterrâneos mais necessitados.

Podemos observar também um grande número de associados que em

algum momento resolveu afastar-se da SBPDP, ou simplesmente deixar de

participar das ações do grupo, não pagando suas mensalidades, por exemplo. Em

vários casos esses portugueses acabavam retornando em um momento posterior,

algumas vezes chegando mesmo a exercer algum cargo no quadro da administração

da SPBPD. Essa “movimentação” dos associados pode ser indicativo de cisões

dentro desse grupo, possíveis discordâncias entre eles sobre a forma com que a

SPBPD era dirigida. Assim, quando mudava a diretoria, por exemplo, alguns

membros que haviam saído anteriormente voltavam, e assim consecutivamente.

De acordo com as fontes disponíveis, portanto, conseguimos observar

características referentes ao comportamento de uma parcela dos imigrantes

portugueses residentes em Curitiba, os mais bem-sucedidos. Em relação aos

imigrantes mais pobres, ou os que simplesmente não tinham interesse em participar

da SPBPD, pudemos encontrar poucos informações e de forma indireta. O mesmo

acontece em relação às mulheres, porém no caso delas a situação é ainda mais

obscura. As poucas informações obtidas sobre elas geralmente foram encontradas

14 Conforme observado em anúncio publicado no jornal A República, em 1895.

39

em outras fontes pertencentes a SPBPD, principalmente no livro no qual são

guardadas cópias de correspondências que a SPBPD enviava as pessoas e

entidades de seu relacionamento. Nesse caso as mulheres aparecem geralmente

em cartas de agradecimento pelo atendimento prestado a algum associado que

precisou de cuidados devido a sua saúde, ou quando recebiam algum auxílio

financeiro devido à impossibilidade de seus esposos em sustentar a família (por

doença ou desemprego, geralmente) ou então quando a passavam a receber algum

tipo de subsídio por recente viuvez. Caso interessante a observar aqui é o da

Baronesa do Serro Azul, única mulher (e brasileira) que recebeu o título de

associada até o ano de 1930, quando acaba o livro de associados. A baronesa

recebeu o título de benemérita no ano de 1902 devido à doação que fez para a

SPBPD de um terreno no qual deveria ser construído um hospital para atender aos

imigrantes portugueses adoentados. Esse terreno, porém, foi vendido

posteriormente e o dinheiro de sua venda investido na compra de uma sede própria

para a SPBPD.

2.2.1.1.1 Os comerciantes

Em relação aos associados da SPBPD, observamos que até o ano de 1900,

eles já eram em número de 175. Desses 175 associados encontramos informações

que nos permitem afirmar que 80 (45,71%) deles eram comerciantes15. Essas

informações foram obtidas através do cruzamento de informações disponíveis nas

seguintes fontes históricas: o livro de matriculas dos associados da SPBPD; os livros

de impostos e de alvarás da prefeitura de Curitiba, e anúncios comerciais publicados

na seção intitulada “Anúncios” dos jornais Dezenove de Dezembro (no período de

1885-1890) e A República (no período de 1890-1900). Devemos, no entanto,

afirmar que esse número deve ser ainda maior, porém consideramos nesse trabalho

apenas os comerciantes que pudemos definir com relativa certeza tratarem-se de

imigrantes vinculados à SPBPD. No entanto, em vários momentos nos deparamos

com anúncios nos periódicos nos quais não constava o nome completo do

proprietário do estabelecimento e, embora o sobrenome fosse comum a alguns

40

associados não pudemos definir com certeza a qual deles ele pertencia. Ainda

consideramos a possibilidade desse sobrenome pertencer a algum luso-brasileiro, e

não a um imigrante português.

Em relação aos comerciantes que pudemos identificar como vinculados a

SPBPD, segundo o livro de associados, apenas 12 deles declararam-se como tal

quando matriculados até o ano de 1900. Os demais puderam ser encontrados a

partir das demais fontes. Em relação ao tipo de atividade que esses imigrantes

exerciam pudemos observar que eles destacavam-se em Curitiba no comércio de

“secos e molhados”, “medicamentos” e “fazendas armarinhos e modas”. Porém seus

estabelecimentos comerciais abrangiam uma gama variada de atividades.

Observamos ainda que aquela imagem quase folclórica do imigrante português

proprietário de padarias não se confirma em Curitiba, já que apenas em um caso

pudemos identificar um imigrante como proprietário de uma confeitaria – o associado

Antonio Justiniano Paquete, que era proprietário de uma confeitaria na região da

Praça Tiradentes.

Também podemos afirmar que, embora o número de estabelecimentos de

imigrantes portugueses vinculados ao comércio de comidas e bebidas fosse

ligeiramente superior aos do que eram vinculados ao comércio de medicamentos,

eram os últimos que se sobressaíam nos anúncios comerciais publicados nos

periódicos nesse período. Seus anúncios eram veiculados com assiduidade, e em

grande número. Entre esses comerciantes podemos ainda destacar como o mais

importante deles José Fernandes Loureiro, que em alguns momentos chegava a ter

uma página inteira da seção de anúncios dedicada a algum dos remédios que ele

comercializava, ou então tinha anúncio de 6 ou 7 produtos em um único dia.

Outra questão que chama a atenção em relação a esses comerciantes é o

fato de que alguns se dedicavam a mais de uma atividade comercial no mesmo

período. Podemos nesse caso citar o caso de outro comerciante, Antonio Rodrigues

da Costa, que comercializava erva-mate mas também exerceu, a pedido do Barão

do Serro Azul, o cargo de presidente do Banco Industrial e Constructor do Paraná, a

partir de 1892.

Em relação ao local em que residiam e tinham seus estabelecimentos

comerciais é importante ainda destacar que os portugueses estavam localizados, em

sua maioria, nos melhores pontos comercias do período. Conseguimos determinar

15 Ver tabela anexa referente às atividades exercidas por esses comerciantes.

41

que 16 comerciantes tinham suas casas comerciais no Rua XV de Novembro; 12 na

região da Praça da Tiradentes, matriz da cidade; e 7 deles na Riachuelo16.

Podemos concluir a partir dessas informações que os imigrantes

portugueses que estavam em Curitiba nesse período estavam divididos em duas

classes principais, bem delimitadas: os que tinham condições de praticar a

beneficência e os que a recebiam. De acordo com a documentação analisada nesse

trabalho, os que “recebiam a beneficência” só apareciam de forma indireta

e,portanto, deles possuímos poucas informações. No entanto um aspecto que

chama a atenção em relação a eles é o de que muitos imigrantes que tiveram

condições financeiras suficientes para se associar a SPBPD, em algum momento

sofreram um revés nas finanças e passaram da categoria dos que “praticavam a

beneficência” para a categoria dos que “a recebiam”. Esse fator é indicativo de que

por mais que os associados buscassem se proteger das mudanças no panorama da

Curitiba do final do século XIX, eles não o conseguiram fazer totalmente, e alguns

associados acabaram empobrecendo.

Em relação aos associados mais bem-sucedidos, dos quais conseguimos

obter mais informações nessa pesquisa, pudemos observar que eram homens com

idades variadas, dos quais uma parte considerável dedicava-se ao comércio. Não

encontramos o nome desses associados na lista de caixeiros das listas de impostos

e alvarás, o que nos leva a concluir que esse grupo específico atuava no comércio

estabelecido na cidade, o que pode nos demonstrar que encontramos sua trajetória

enquanto imigrantes num segundo momento, quando já haviam ascendido

socialmente.

A partir dessas considerações, iremos finalmente analisar o que esse grupo

específico de imigrantes afiliados a SPBPD que praticavam o comércio, diziam sobre

si mesmo, ainda que indiretamente, para o resto da sociedade curitibana do período.

Iremos analisar agora os anúncios que esses comerciantes publicaram nos

periódicos A República e Dezenove de Dezembro, para observar se a identidade

portuguesa de alguma forma transparecia nesses anúncios. A partir disso

esperamos concluir a análise desse grupo na cidade de Curitiba no final do século

XIX, agregando informações importantes não apenas sobre dados estatísticos de

população e profissões, mas também contemplando alguns aspectos que poderiam

ser considerados subjetivos ao longo de sua trajetória nesta cidade

16 Ver tabela anexa com informações sobre o local em que se encontravam esses comerciantes.

42

3 “RECEBEMOS UM ESCOLHIDO SORTIMENTO DE VINHOS FINÍSSIMOS DO

PORTO E COLLARES” – OS ANÚNCIOS QUE FAZEM REFERÊNCIA DIRETA À

PORTUGAL

3.1 OS JORNAIS DEZENOVE DE DEZEMBRO E A REPÚBLICA:

CONTEXTUALIZAÇÃO E METODOLOGIA

Nesse capítulo será feita a análise dos anúncios publicados nos jornais

Dezenove de Dezembro e A República que fazem referência direta a Portugal, seja

por mencionarem Portugal, por se dirigirem aos portugueses ou pelo fato de

anunciarem produtos portugueses. Gostaríamos de, primeiramente, chamar a

atenção para alguns aspectos dessas fontes. Devemos ressaltar que a escolha

desses jornais como tal se deu por reconhecermos que o jornal permite

“incomensuráveis possibilidades de reconhecimento e de problematização do

passado” (VIEIRA, 2007, p. 13). Por trabalharmos aqui com anúncios escritos pelos

próprios comerciantes, e não por jornalistas, discussões acerca da tendenciosidade

dessas fontes não são o objetivo desse trabalho. No entanto, é necessário colocar

algumas características desses jornais que circulavam na Curitiba do final do século

XIX., pois “a posição social e política ocupada pelos principais editorialistas e

articulistas, a periodicidade, dentre outros indícios, que permitem-nos aferir de forma

apropriada o impacto cultural de um veículo de comunicação de massa” (VIEIRA,

2007, p. 17).

Em relação ao Dezenove de Dezembro destacamos que esse foi o primeiro

jornal a circular na província do Paraná. A despeito de sua primeira edição, no ano

de 1854, declarar que um dos nortes do jornal seria sua neutralidade política, ele foi

veículo de comunicação oficial por muitos anos. Até 1884 foi publicado

semanalmente, tornando-se diário somente após essa data17. Pilotto destaca que

no ano de 1861 essa “parceria” entre o jornal e o governo da província foi abalada,

já que Candido Lopes, redator chefe do Dezenove, recusou-se a ceder duas colunas

para que o presidente da província, José Francisco Cardoso, fizesse uma

declaração política. Esse ato custou ao jornal o corte da subvenção de sessenta mil

43

réis que o jornal recebia para a publicação dos atos do governo (PILOTTO, 1976, p.

8). A despeito disso o Dezenove de Dezembro circulou até o ano de 1890, sendo

que nos últimos anos de sua existência o jornal abandonou definitivamente a

posição de neutralidade política e passou a apoiar o Partido Liberal, segundo Pilotto

(1976, p. 21) “em troca de indispensável auxílio monetário.” Após a publicação da

República deixará de circular diariamente e passará a ser publicado apenas duas

vezes por semana, até despedir-se do público no ano de 1900.

O periódico A República nasceu quando o Dezenove de Dezembro já estava

quase em seu fim, no ano de 1886. Surgiu já como “órgão do Club Republicano,

com destino a propagar o ideal antimonarquista” (PILOTTO, 1976, p. 16) e teve seu

último número publicado em 1930, quando ocorreu a Revolução que depôs a

corrente política que defendia. Ao longo desse período passaram por sua direção

nomes conhecidos como Leôncio Correia, Vicente Machado, Emiliano Perneta e

Romário Martins. Assim, esses dois jornais mostraram-se representativos da história

paranaense, não apenas por noticiar os fatos ocorridos aqui, mas principalmente por

serem eles mesmos representantes das transformações que ocorreram na capital do

Paraná em seus primeiros 50 anos após a separação de São Paulo.

No entanto, para além das características editoriais do jornal, Vieira chama a

atenção para mais alguns aspectos que devem ser considerados quando se trata de

analisar uma fonte jornalística, como:

a freqüência e forma como os assuntos são apresentados ao público, considerando: o lugar da notícia/matéria no interior do suporte, a forma como ela é diagramada, bem como os meios discursivos utilizados na produção de notícias e manchetes (VIEIRA, 2007, p. 17).

Devemos salientar que o fato de analisarmos anúncios guardam

particularidades em relação a observação de Vieira, no entanto, alguns aspectos

mencionados pelo autor devem ser contemplados na análise.

Primeiramente devemos salientar que nem tudo que era publicado na

sessão de “Anúncios” se caracterizava como anúncio comercial, e que anúncios

comerciais eram, em alguns casos, publicados em outras sessões do jornal. Para

esse trabalho serão considerados os anúncios publicados exclusivamente na sessão

intitulada “Anúncios”. Em ambos os jornais as características dessa sessão eram

17 Além de ser o primeiro jornal publicado na província também foi o primeiro a circular diariamente.

44

muito parecidas. Ambos contavam com uma média de 6 páginas, das quais,

dependendo do dia, cerca de 1 página e meia a 2 páginas eram dedicadas ao

anúncios, sempre tomando o espaço da última folha e anterior. Essas páginas eram,

em geral, divididas em 4 colunas e as colunas divididas em vários anúncios de

tamanhos diferentes, que poderiam variar entre algumas linhas apenas e uma

página inteira18. Essa divisão, no entanto, não era rígida e poderia facilmente mudar

de uma edição para outra. Apesar disso, o que pode ser observado é uma tendência

desses anúncios se repetirem em sua posição na página, em alguns casos por até

um período de até um mês. Finalmente devemos salientar que a maioria deles

primava pela palavra escrita e não pela apresentação de figuras ilustrativas ou

logotipos, já que como destacam Morel e Barros (2003, p. 85), embora a publicidade

propriamente dita tenha nascido por volta de 1870, os recursos visuais entraram em

cena no final do XIX, porém só ganharam força efetivamente na primeira década do

século XX. Por considerarmos todos os anúncios publicados na sessão intitulada

“Anúncios”, foram contemplados nesse trabalho não apenas os anúncios comerciais,

mas todos que pudessem nos fornecer pistas sobre os portugueses que estavam em

Curitiba no final do século XIX.

Os anúncios encontrados foram então divididos em duas categorias

principais, de modo a ressaltar os aspectos que mais interessam a esse trabalho: no

primeiro grupo foram contemplados os anúncios que faziam referência direta a

Portugal, e no segundo grupo os que foram publicados pelos associados SPBPD. A

partir de agora serão analisados, portanto, os anúncios do primeiro grupo.

3.2 ANÚNCIOS QUE FAZEM REFERÊNCIA DIRETA A PORTUGAL: TIPOS DE

ANÚNCIO

No período analisado encontramos aproximadamente 40 anúncios que

fazem referência direta a Portugal. Podemos separar esses anúncios em duas

18 Quando for citado um anúncio que apresente alguma particularidade em seu formato e/ou tamanho

que se mostre relevante para sua análise, essa particularidade será mencionada. Quando não chamar a atenção para nenhum aspecto especial do anúncio ele poderá ser considerado um anúncio padrão, sem figuras e com tamanho mediano, cerca de ¼ de coluna na maior parte dos casos.

45

categorias: os anúncios comerciais e os anúncios de comunicação e/ou interesse

público19. Os anúncios comerciais ainda podem ser divididos em três categorias

principais, de acordo com sua finalidade e conteúdo: aqueles cujo objetivo era

destacar algum estabelecimento comercial; os que visavam destacar o tipo de

mercadoria vendida por um estabelecimento; e, finalmente, os anúncios cujo objetivo

era chamar a atenção para apenas um produto em específico, vendido pelo

estabelecimento. Os anúncios de comunicação e/ou interesse público nos fornecem

informações as mais variadas: missas mandadas rezar para algum parente ou

conhecido (geralmente falecido em Portugal), mudanças de nome, viagens para

Portugal, pessoas desaparecidas e também alguns comunicados da SPBPD.

3.2.1 Anúncios comerciais

3.2.1.1 Anúncios cujo objetivo era destacar um estabelecimento comercial

Em relação à primeira categoria de anúncios, que visavam promover um

estabelecimento em específico, observamos que, em geral, se tratavam de

estabelecimentos onde poderia ocorrer, além da venda de algum produto, também a

prestação de algum tipo de serviço, ou apenas a prestação de um serviço. Em

relação ao primeiro caso somos informados que em fevereiro de 1895 Antônio M.

Cardoso reabriu no número 42 da Rua XV de Novembro o estabelecimento que

antes era conhecido como “Casa A Portuguesa”, agora com outro nome - Café e

Restaurante Lusitano. Em relação ao segundo caso encontramos em dezembro de

1897 um anúncio referente ao Colégio Luso-Brasileiro dirigido por Emilia P. Meira,

única profissional do gênero feminino encontrada nesses anúncios. Observamos

que, em relação à totalidade dos anúncios publicados nesse período, são poucas as

mulheres relacionadas a atividades profissionais. Dentre as poucas profissionais,

praticamente todas exerciam atividades na área de educação ou confecção de

roupas.

19 Classificação criada pela autora, baseada nos aspectos mais recorrentes na fonte.

46

3.2.1.2 Anúncios cujo objetivo era destacar os produtos comercializados pelo

estabelecimento

A segunda categoria de anúncios, cujo objetivo era destacar os produtos

comercializados pelo estabelecimento, eram muito parecidos com os primeiros, mas

em geral, eles se referiam a estabelecimentos que comercializavam alimentos.

Assim, com o objetivo de destacar a variedade de comidas e bebidas que esses

comerciantes colocavam a disposição do público, era comum a publicação de listas

desses produtos, como é o caso do anúncio publicado em agosto de 1886 no jornal

Dezenove de Dezembro por Oliveira Marques e Comp. a respeito de seu armazém

de secos e molhados:

Oliveira Marques e Comp. participam a seus amigos e freguezes que acabam de receber uma grande partida do já bem conhecido e acreditado vinho do Alto Douro e que vendem por preços módicos. Assim mais receberam da Lisboa várias conservas, como seja, fructas em calda, azeitonas, sardinhas em barris grandes, marmelada, peixe em lata e azeite e lata (sic).

Outro exemplo desse tipo de anúncio foi publicado em dezembro de 1898

por Antonio Lopes Ferrabraz, associado da SPBPD:

O proprietário d’esta antiga e acreditada casa, tem a honra de participar aos seus innumerosos freguezes e amigos bem como ao público em geral, que recebeu explendido sortimento de molhados e gêneros dos marinhos onde encontrarão sempre peixe fresco, camarões, ostras, bananas, azeite de “dendê”, cloral, [incompreensível] frescas e outras fructas que continua a receber diariamente (sic).

Observamos nesses anúncios que, para além de comunicar aos

consumidores que tipo de produtos o estabelecimento comercializava, sempre um

explendido sortimento, ele também pretende destacar outros aspectos desses

estabelecimentos, como a relação de amizade do proprietário com a clientela, a

tradição e a qualidade dos produtos. Ambos proprietários assinam seus anúncios,

imprimindo pessoalidade a eles, com o objetivo de demonstrar que estão sempre

presentes em seu estabelecimento comercial e, portanto, seus fregueses não são

apenas consumidores. Eles são também amigos, e no caso de Ferrabraz esses

47

amigos ainda são innumerosos. É possível afirmar, dada a natureza de suas

relações comerciais/sociais, que assim, esses estabelecimentos se pretendiam

espaços de sociabilidade, nos quais os fregueses ou amigos seriam bem recebidos

e portanto se sentiriam acolhidos. Outro aspecto que chama a atenção é a

legitimação que se fazia desses estabelecimentos e/ou produtos através da tradição.

Observamos que Ferrabraz destaca que por ser antiga sua casa comercial também

é acreditada, já Oliveira Marques destaca que o produto que vende, o vinho do Alto

Douro, é já bem conhecido e acreditado. A partir dessas constatações não podemos

deixar de perceber que esses comerciantes estavam apelando para a tradição de

seus produtos e estabelecimentos, já conhecidos e acreditados. As expressões

utilizadas para fazer referência à tradição e qualidade dos produtos são

particularmente interessantes tendo em vista o contexto no qual são veiculados: um

cenário no qual estavam surgindo novos estabelecimentos empreendidos por

imigrantes de outras etnias, que começavam a comercializar produtos italianos,

alemães e ingleses e poderiam significar uma concorrência preocupante. Assim,

diante da novidade, apelavam para a tradição.

3.2.1.3 Anúncios cujo objetivo era destacar apenas um produto em específico

3.2.1.3.1 Vinhos

Finalmente, a terceira - e mais numerosa - categoria de anúncios não trazia

listas dos produtos comercializados, mas dava destaque a um produto em

específico: nessa categoria de anúncios observamos que a maioria também se

refere a algum tipo de alimento. Em 12 casos o anúncio visava destacar algum tipo

de vinho português e em outros 7 casos os anúncios visavam destacar produtos

como queijos ou castanhas portuguesas.

Por meio dos anúncios que destacavam os vinhos como principal produto do

estabelecimento podemos observar quais tipos de vinhos eram consumidos na

cidade naquele período. Os comerciantes anunciavam que em suas casas os

fregueses encontrariam, além do já tradicional vinho do porto, também vinho virgem,

48

vinho velho, vinho verde, vinho maduro, e vinho branco especial. O local em que

esses vinhos eram produzidos também era destaque, e podemos perceber que

havia uma predominância dos produtos oriundos do Porto e do Douro. Observamos

anúncios de vinho virgem especial recebido do Douro, vinhos finíssimos do Porto e

Collares, vinhos puros de origem do Alto Douro e vinho verde de origem do Alto

Minho, vinhos puros do Minho, e simplesmente vinhos do Alto Douro. Esses vinhos

ainda poderiam ser vendidos de várias formas diferentes, como na Agência

Commercial, localizada na Rua XV de Novembro, 80, onde era possível encontrar

em setembro de 1898 vinho virgem “Monsão” vendido em barris de quintos e

décimos ou ainda engarrafados na origem. Em julho de 1893 o cliente encontrava

vinho recebido diretamente em quintos na Caza Especial de Molhados, localizada na

Rua Aquidaban, 24. O anúncio ainda ressaltava que o proprietário do

estabelecimento estava em Portugal e havia escolhido rigorosa e pessoalmente os

produtos que foram enviados para seus clientes. O anúncio apenas não cita quem

era o proprietário desse estabelecimento, e também não foi possível localizá-lo no

livro de impostos ou no livro de alvarás. Finalmente ainda podemos encontrar alguns

anúncios nos quais, além das características já citadas acima, encontramos

referência a marca dos vinhos. Em novembro de 1895 era possível encontrar na

Casa de Souza Silva, localizada em Paranaguá, vinho do porto “Bello Sexo” o

suprasummo dos vinhos de 1809, além do “Distincto” de 1820 outra marca sem rival

e do “Genuíno Dom Luiz”, de 1867 da Reserva Muscatel. Em setembro de 1896 a

Confeitaria do Bentim em Curitiba vendia vinho Lágrimas do Douro, marca garantida

e afamada, além do dito “Marquez de Pombal”.

Podemos observar nesses anúncios uma preocupação em ressaltar a

sofisticação dos produtos anunciados. Por esse motivo são comuns palavras ou

expressões como o que há de mais puro em vinhos do Porto, o suprasummo dos

vinhos de 1809, superior, vinhos finíssimos (ver anexo1). É veiculada, dessa forma,

a idéia de que os produtos anunciados estão relacionados à sofisticação, a hábitos

civilizados e a cultura à mesa. Para além disso, esses anúncios trazem em si a idéia

de que seriam os portugueses os responsáveis por trazerem para Curitiba esses

conceitos culturais distintivos. Assim, o ato de alimentar-se deixa de ser um ato

puramente nutritivo para se tornar expressão de um alto grau de civilidade – passa a

ser um traço distintivo entre pessoas que tomam um vinho qualquer, nacional, e

pessoas que tem acesso aos vinhos finíssimos e superiores de Portugal.

49

Berberi utiliza a imagem proposta por uma crônica de 1910 de que Curitiba,

no período final do século XVIII e início do século XIX está se transformando de

“cabocla em cortesã” para indicar a construção da modernidade na cidade. A autora

cita não somente as transformações físicas ocorridas na cidade, que buscavam

alinhar Curitiba com cidades como o Rio de Janeiro (que por sua vez se alinhavam a

cidades como Paris), como também mudanças no comportamento da população,

indicativos da instauração da modernidade na cidade. Assim, é nesse contexto que

essas idéias de sofisticação, hábitos civilizados e cultura à mesa se inserem - em

contraposição aos hábitos simples e atrasados dos imigrantes de outras

nacionalidades. Esses imigrantes, esses “outros”, num primeiro momento se dirigiam

às colônias ao redor da cidade, e produziam artesanalmente seu próprio vinho, que

não era nem superior nem finíssimo. Assim, embora os novos imigrantes pudessem

trazer novidades, eram eles, os portugueses, os detentores da tradição, eram eles

que vendiam vinhos de marcas conhecidas, garantidas, afamadas e provenientes

das mais acreditadas casas do Porto. Esses anúncios mostram-se representativos

do ingresso da cidade na modernidade, dentro de uma contradição na qual se

“instauram tradições, [enquanto] se tenta a instauração de uma modernidade”

(BERBERI: 1998, p. 24).

3.2.1.3.2 Medicamentos

Esses vinhos eram tão especiais e de qualidade tão elevada que poderiam

até mesmo atuar como medicamentos. É o que nos mostra um anúncio publicado

em julho de 1889 por Manoel de Miranda Rosa, conhecido comerciante na cidade

cuja atividade principal era a realização de leilões. Esse anúncio é um dos únicos de

Miranda Rosa a fazer referência a comercialização de algum produto, e nesse caso

é o vinho. Mas não se tratava de comercializar um vinho comum - ele comercializava

o Vinho do Porto de Adriano (ver anexo 2), que possuía propriedades medicinais:

Toni-nutritivo. Composto só de uva escolhida das quintas mais finas do Alto-Douro (Porto) e vinificado sob o ponto de vista terapêutico, o vinho Adriano é o tônico reconstituinte por natureza. Applica-se no tratamento de anemia e (incompreensível), nas convalescenças, nas digestões difíceis e no enfraquecimento geral produzido pela edade ou por excesso de qualquer

50

natureza.” Esse produto ainda se mostrará multi-uso, na medida em que também pode ser consumido como refrigerante, já que “um cálice de vinho Adriano em um copo de água forma o refresco mais salutar, agradável e desalterante (sic).

Mais uma vez observamos nesse anúncio a referência a qualidade superior

do produto que era produzido exclusivamente de uva das quintas mais finas do Alto-

Douro. O anúncio ainda indicava o caminho que o produto fazia até chegar em

Curitiba, deixando entrever a rede de relações estabelecidas pelo comerciante. O

produto saia do depósito da cidade do Porto em Portugal do depósito de A. Ramos

Pinto, chegava ao Brasil através do porto de Paranaguá, onde era recebido pelo

depositário C. M. da Costa e Cia e, finalmente, vinha para Curitiba por interesse de

Manoel de Miranda Rosa, citado como o único agente desse produto na cidade.

Lembramos que esse tipo de movimentação facilitada de mercadorias era

relativamente recente na cidade, já que se deu a partir da construção da estrada de

ferro Curitiba – Paranaguá, concluída em 1885.

Para além da idéia de um produto de qualidade, outra idéia presente nesse

anúncio é a de que os produtos portugueses não eram representativos apenas por

sua relação com a sofisticação, mas também por serem sinônimos de saúde.

Observamos nos anúncios que a imagem dos portugueses estará bastante

relacionada não apenas com a idéia de promotores da modernidade calcada na

tradição, mas também com a imagem dos promotores da saúde. Isso ocorrerá

devido aos vários comerciantes portugueses que se dedicaram à venda de produtos

farmacêuticos, e também devido ao grande espaço que os anúncios desses

produtos ocuparam nos anúncios. Assim, em relação aos anúncios de

medicamentos que faziam referência direta à Portugal ou aos portugueses podemos

ainda destacar outros três casos.

Em abril de 1886 Joaquim de Soares Gomes, comerciante e vice-cônsul de

Portugal, França e Inglaterra em Paranaguá, além de um importante associado da

SPBPD, assinou um testemunho no jornal Dezenove de Dezembro endossando a

qualidade do medicamento Peitoral de Cambará, comercializado em Curitiba nesse

período por José Carvalho de Oliveira20, também associado à SPBPD. Diz o

anúncio:

51

o acreditado negociante Sr. Joaquim Soares Gomes, digno vice-cônsul de Portugal, França e Inglaterra na cidade de Paranaguá agradece ao auctor do Peitoral de Cambará, Sr. Alvares de S. Soares de Pelotas. pela cura de sua esposa (sic).

Alguns aspectos devem ser aqui observados. Em primeiro lugar uma

característica comum dos anúncios de medicamentos desse período, que é o

endosso de alguma personalidade importante da comunidade sobre a atuação do

mesmo. No caso, recorre-se a figura acreditada e digna do português Gomes para

endossar o Peitoral de Cambará, o que é representativo de sua posição de destaque

não apenas em meio a comunidade portuguesa, mas também em relação a pelo

menos outros dois grupos específicos dentro da sociedade curitibana do período –

os franceses e os ingleses. Uma pergunta, no entanto, não pode deixar de ser feita:

qual era o interesse de Gomes em endossar o bom funcionamento desse

medicamento e, conseqüentemente, promover o aumento de suas vendas? Como o

próprio anúncio explicita, ele era um negociante que morava em Paranaguá, o que

pode significar que ele mesmo estava envolvido na comercialização desse produto,

já que estava em posição e local propícios para tal. Outra questão que chama a

atenção nesse anúncio é o fato de que Gomes fala por sua esposa. Embora a maior

beneficiada pela ação do Peitoral de Cambará fosse sua esposa, não é a ela a quem

é dada voz pública, mas ao seu esposo, figura respeitada da sociedade. Mais uma

vez observamos uma situação recorrente ao longo de toda essa pesquisa, a menção

apenas de forma indireta às mulheres, as quais tornavam-se praticamente invisíveis

nas representações públicas da comunidade portuguesa em Curitiba, embora

saibamos que eram muito ativas no interior dessa comunidade devido aos registros

na documentação da SPBPD. Um terceiro aspecto se refere às relações entre os

portugueses de Paranaguá (Gomes) e de Curitiba (Oliveira), o que pode ser

indicativo de uma relação de intermediação dos produtos do primeiros em relação ao

segundo.

Podemos encontrar ainda mais um anúncio publicado por João Carvalho de

Oliveira, só que dessa vez sobre outro medicamento, o pós anti-hemorrhoidarios do

pharmaceutico Luiz Carlos. Esse anúncio segue os mesmos moldes do anterior, um

depoimento endossando a ação do medicamento. Nesse caso, porém, quem assina

o anúncio é João Lopes Esteves, um morador de Santa Rosa, no Rio Grande do Sul.

20 Posteriormente esse produto passará a ser vendido por José Fernandes Loureiro, o mais

importante comerciante de remédios do período.

52

A peculiaridade desse anúncio é que ele é dirigido especificamente aos

portugueses(ver anexo 3).

Aos Portugueses: A satisfação com que vivo hoje pela saúde recuperada, faz com que venha a imprensa agradecer aos céus, de vir encontrar o verdadeiro e único remédio que curou-me da terrível enfermidade que ia me consumindo há mais de 20 anos em Portugal, onde fui tratado com esmero e sempre doente vim pra cá em procura da saúde que recuperei tomando os verdadeiros pós anti-hemorrhoidarios do pharmaceutico Luiz Carlos, e que se vendem na corte, na drogaria de Silva, Gomes e Cia. João Lopes Esteves, Santa Rosa, 28 de Janeiro de 1886. Depósito em Curitiba na Casa de João Carvalho de Oliveira, na Praça Dom Pedro II (sic).

No caso desse anúncio o que ocorre é uma inversão do que observamos até

o momento, a atribuição de tradição e qualidade aos produtos portugueses – nesse

caso é apontada a ausência ou a falha dos produtos portugueses em resolverem o

problema de saúde de Esteves, e é apontado o preenchimento dessa lacuna

farmacêutica por um produto brasileiro. Assim, é como se ele falasse: “vocês que

vieram de Portugal como eu e por isso nunca conseguiram resolver seus problemas

com hemorrhoidas agora tem uma solução.” Portanto, a despeito do teor do anúncio,

de novidade do produto, o fato de que ele é comercializado por portugueses e

endossado por um português, nos remete novamente a idéia de tradição e,

conseqüentemente, confiança e qualidade do produto. Finalmente localizamos um

anúncio publicado em setembro de 1895 de que na Casa Queiroz, localizada na Rua

XV de Novembro, 78, poderiam ser encontradas as águas mineraes Caxambu

(Brazil) e Vidago (Portugal). O anúncio ainda ressalta que o estabelecimento é o

único a comercializar esses medicamentos e se refere à distincta “classe médica” e

aos numerosos freguezes.

3.2.1.3.3 Alimentos

É possível ressaltar, ainda alguns anúncios que faziam referência a variados

tipos de alimentos que tinham em comum, entretanto, a procedência portuguesa.

Observamos que esses anúncios eram, em geral, menores em dimensões físicas em

comparação aos anúncios de vinhos ou medicamentos, por exemplo, e seu objetivo

principal era ressaltar a chegada de remessas novas desses produtos, ou

53

simplesmente comunicar que determinado estabelecimento o comercializava. Em

dezembro de 1886 encontramos no jornal Dezenove de Dezembro um anúncio do

estabelecimento chamado Casa da Fama, localizado na Rua Matto Grosso21de que

lá eram vendidas “as legítimas castanhas de Portugal”. Além do fato de que o

anúncio foi publicado próximo ao Natal, período em que o consumo desse tipo de

alimentos aumenta, chama a atenção o fato de que as castanhas vendidas nesse

estabelecimento eram legítimas, o que nos leva a pensar que deveriam existir

castanhas que eram vendidas como portuguesas mas não o eram de fato. Isso

pode ser indicativo de que a idéia de que os produtos portugueses justificavam sua

excelência apenas por sua procedência é aqui novamente referida, e o fato de que

talvez fossem comercializadas castanhas “falsificadas” pode ser indicativo de que,

para além de uma idéia que os comerciantes veiculavam sobre a qualidade desses

produtos, ainda poderia existir um certo “senso comum’ que atribuía qualidade acima

da média aos produtos portugueses. Encontramos também outro anúncio de

estabelecimento que vendia as castanhas portuguesas, em dezembro de 1888.

Quem anunciava era Francisco Henrique Bentim da Costa, dono da Confeitaria

Esperança, que foi um dos mais assíduos anunciantes do jornal Dezenove de

Dezembro e posteriormente do A República no período de 1885 a 1893, quando

vendeu a confeitaria. Embora esse comerciante não fosse afiliado a SPBPD e,

portanto, não seja possível confirmar sua nacionalidade portuguesa22, é possível

afirmar que ele tinha uma relação estreita com o país, pois não vendia apenas as

castanhas portuguesas mas também outros gêneros de procedência portuguesa.

Também vendia vinhos, licores, conservas e chocolates vindos da corte. Além de

Costa outros comerciantes também vendiam produtos da corte e faziam questão de

enfatizar a procedência dos mesmos. Isso pode indicar que os produtos

comercializados por esses comerciantes vinham para Curitiba, em grande medida,

através da mediação de comerciantes de Rio de Janeiro, demonstrando que a teia

de relações deles se entendiam para além de Paranaguá, cidade portuária mais

próxima. É indicativo também de um aspecto do qual Lobo chama nossa atenção,

21 Atual Rua Comendador Araújo. 22 Pilotto (1976, p. 10) quando fala sobre a morte do proprietário do jornal Dezenove de Dezembro,

Candido Lopes, em 1871, diz que após sofrer um mal súbito que o fez cair “em pleno Largo da Matriz (...), foi recolhido para a confeitaria do português Bentim” ou ainda de que Candido Lopes teria falecido no interior da confeitaria do “dito português.”

54

ao destacar o papel de intermediários que esses comerciantes exerciam, ao

importarem a mercadoria de Portugal para o Brasil, notadamente via Rio de Janeiro,

para em seguida distribuí-la para comerciantes de outros estados.

Além das castanhas podemos também destacar os freqüentes anúncios da

chegada de queijos precedentes do reino. Esse produto era vendido na Confeitaria

Queiroz, que também vendia queijo de minas, e no Armazém Central, que além dos

queijos do reino e de minas também vendia uvas, tudo sempre “muito fresquinho e

barato.” A confeitaria da Rua da Imperatriz, 29, vendia também “fructas portuguezas,

a saber, maças e uvas muito frescas”. É curioso observar que, apesar de perecíveis,

os comerciantes insistiam que esses produtos chegavam e permaneciam frescos,

sempre mantendo a idéia de qualidade associada aos produtos portugueses.

Finalmente, um último exemplo de anúncio de alimento, de certa forma curioso pelo

produto que anunciava. Em junho de 1895 a Casa Carioca vendia “cebolas de

Lisboa por 600 reis o kilo (sic)”.

3.2.2 Anúncios de comunicação e/ou interesse público

Além dos anúncios destinados à promoção de algum produto, era comum

tanto no jornal Dezenove de Dezembro quanto no A República que fossem

publicados na sessão de anúncios comunicados para o público leitor informando

sobre mudanças de nome, viagens definitivas ou temporárias para outras cidades,

estados ou países, o desaparecimento de pessoas ou ainda comunicando sobre

missas encomendadas para parentes ou conhecidos falecidos. Também pudemos

localizar alguns anúncios da SPBPD, tratando de assuntos variados.

3.2.2.1 Missa

O ato de encomendar missas para parentes ou conhecidos, mesmo que eles

não tivessem falecido em Curitiba, mas sim em lugares distantes, é indicativo, em

primeiro lugar, da forte religiosidade católica desses imigrantes. A preocupação em

55

não deixar as almas dos falecidos sem oração é tão grande que a própria SPBPD

faz menção às missas por duas vezes em seu estatuto de 1878 – a primeira vez no

parágrafo 3º de seu artigo 2o, quando versa sobre suas finalidades principais e diz

que uma delas é “mandar fazer suffragio pela alma do socio, que fallecer, quer este

seja activo ou benemerito, quer benfeitor.” Posteriormente no parágrafo 8º do artigo

19o, quando se refere às obrigações da diretoria, e ressalta que esta deveria “fazer

convidar os socios para missas funebres.”

Assim, podemos observar por meio dos anúncios que, além da manutenção

de sua cultura culinária, esses imigrantes também contavam com a religião como

forma de manter suas relações e a coesão do grupo, deslocando sua importância

para além da simples espiritualidade, e colocando-a como fator importante para sua

manutenção enquanto grupo. E indicando que a SPBPD era um espaço de

delimitação da lusitanidade, mas não de isolamento do restante da sociedade, os

associados benfeitores, que eram todos luso-brasileiros ou imigrantes de outras

etnias, também deveriam receber missas encomendadas pela SPBPD em caso de

falecimento.

Ao analisarmos os anúncios de encomenda de missa envolvendo

portugueses que poderiam ou não ser associados SPBPD, podemos ainda fazer

mais algumas observações. Em janeiro de 1886 encontramos no jornal Dezenove de

Dezembro um anúncio que diz o seguinte: “PORTUGAL. Benjamin Antunes Lemos,

tendo recebido a dolorosa notícia do fallecimento na cidade do Porto, do seu sempre

pranteado irmão, Manoel de Jesus Antunes Lemos, manda celebrar missa...”. Além

da questão da religiosidade esse anúncio ainda nos permite entrever mais algumas

informações. Em primeiro lugar observamos que o irmão de Benjamin estava na

cidade do Porto quando faleceu. Essa cidade localiza-se na região norte de

Portugal, e embora não possamos afirmar que Benjamin era natural dessa cidade,

podemos afirmar que parte de sua família vivia lá. Conforme já salientado em vários

momentos ao longo dessa pesquisa, a maioria dos portugueses no Brasil era natural

dessa região, a mais pobre de Portugal no final do século XIX, o que pode ser

indicativo de que o perfil dos imigrantes portugueses que vinham para Curitiba não

difere muito do restante do país no que diz respeito a sua naturalidade. Também

podemos observar, obviamente, a manutenção dos laços entre esses imigrantes e

sua terra natal, conforme já havíamos observado devido ao número significativo de

associados SPBPD que retornavam ou viajavam constantemente para lá. No caso

56

de anúncio em específico o imigrante não era associado SPBPD, mas é um exemplo

desses fortes laços que uniam o imigrante a Portugal.

Em abril de 1892 encontramos no jornal A República mais um anúncio de

encomenda de missa, mas nesse caso não é solicitado por um familiar. Os sócios

“Queiroz e Cunha convidam a todos para assistir missa desse [Joaquim Francisco

Gomes] que era empregado deles e falleceu em Portugal (sic).” Esse anúncio é um

indicativo dos fortes laços estabelecidos entre eles, que nesse caso possivelmente

iam além da relação entre patrão e empregado, caracterizando-se como uma

relação de amizade. Exatamente um ano após, em abril de 1893 encontramos mais

um anúncio, dessa vez assinado pelos irmãos Manoel Fernandes Loureiro e José

Fernandes Loureiro, ambos associados SPBPD, no qual comunicam que:

tendo recebido a notícia do passamento em Lisboa de seo bom e presado amigo e primo Beruardino Fernandes de Oliveira convidam seos amigos para assistirem missa por sua alma, que será realizada no dia 25 próximo às 8:30 (sic).

3.2.2.2 Viagens

Tanto no jornal Dezenove de Dezembro quanto no A República era comum a

publicação de anúncios de pessoas que estavam se mudando para outros locais ou

apenas viajando temporariamente. No primeiro caso observamos que os anúncios

eram, em geral, utilizados para despedidas e agradecimentos, em outros casos para

declarar que partiam sem dever nada a ninguém. No caso de viagens temporárias

era comum que os viajantes se colocassem a disposição para realizar alguma

atividade nas cidades para as quais se dirigiam.

Encontramos um desses anúncios em agosto de 1893:

Ao commercio. Tendo de retirar-me temporariamente para Portugal a fim de tratar da minha saúde, deixarei de ser empregado de meus amigos Costa Soares e Cia. Peço, portanto, às pessoas que por meu intermédio tiverão transação com aquela firma que se alguma reclamação tem a fazer o obsequio de se apresental-a no prazo de 30 dias. Antonio de S. Machado (sic).

Neste anúncio observamos uma característica que será também recorrente

em outros do mesmo período – uma certa confusão entre aspectos privados e

57

públicos. Embora o anúncio se dirija ao commercio podemos observar aspectos da

vida privada do anunciante, como, por exemplo, que ele não estava bem de saúde e

que estabeleceu com os srs. Costa Soares e Cia uma relação de amizade, mais

profunda, portanto, do que uma simples relação comercial. Além disso, embora esse

anunciante não tenha sido identificado como associado SPBPD, esse anúncio ilustra

uma prática que mostrou-se comum entre esses imigrantes, a de retornar para

Portugal para tratar de problemas de saúde. Esse fator não só é indicativo de que

nesse momento possivelmente a assistência à saúde era melhor em Portugal, mas

também, de que em Curitiba não havia uma estrutura adequada para resolver os

problemas de saúde da população. No próprio estatuto da SPBPD observamos que

uma das principais preocupações era auxiliar os imigrantes em casos de

enfermidade, mas que esse auxílio se daria “em enfermarias da sociedade ou em

casas particulares, com assistência de medico e fornecimento de medicamentos” o

que é indicativo da precária estrutura de assistência à saúde na cidade. Outra idéia

que pode ser extraída desse anúncio é de que um comportamento responsável e

moral do anunciante em relação aos seus patrões e amigos. Embora ele não

estivesse bem de saúde, antes de partir queria resolver todas as pendências

comerciais em relação ao estabelecimento do qual foi representante, demonstrando

assim, além de um comportamento moral exemplar, também consideração por seus

empregadores.

3.2.2.3 Pessoas desaparecidas

Encontramos ainda dois anúncios no período de 1885 a 1900 procurando

por portugueses. Esses anúncios chamam a atenção principalmente porque não

eram muito comuns. Em setembro de 1893 temos um anúncio procurando por José

Joaquim Pereira da Silva, no qual o anunciante, Joaquim Lacerda Irmãos. (da cidade

da Lapa) diz que “para negócio de família precisa de saber onde vive José Joaquim

Pereira da Silva, natural de São Torquato em Portugal e filho de Antonio Joaquim

Pereira e Joaquina (?) da Silva, já fallecidos (sic).”

Em outubro de 1895 encontramos outro anúncio, que diz:

58

Desappareceu? Há cousa de 15 mezes, d´esta cidade Curityba, um rapaz portuguez de nome Antonio Ribeiro Bastos de idade, 18 annos, estatura regular, cabellos e olhos castanhos, malvestido, serviu como patriota no batalhão que se organizou nesta capital antes da revolução23. Pede-se por grande obsequio e encarecidamente a quem d´elle souber e poder dar noticias a seu pai Francisco Pereira Ribeiro, ou aos Srs. Manoel Joaquim Vasconcellos e Souza, ou a Francisco H. Bentim da Costa, nesta cidade, por que seremos eternamente gratos (sic).”

Esse anúncio é particularmente interessante pois por meio dele podemos, de

certa forma, relacionar vários grupos de imigrantes portugueses que estavam na

cidade nesse período e de suas relações, o que demonstra que embora estejamos

tratando nesse trabalho de um grupo específico desses imigrantes isso não significa

que ele fosse o único. Em primeiro lugar o rapaz desaparecido pode ser entendido,

de certa forma, como o representante da massa dos imigrantes portugueses no

Brasil nesse período: é um homem, jovem e malvestido, ou seja, pobre, assim como

também o é possivelmente seu pai. Em outra posição estão os srs. Manoel Joaquim

Vasconcellos e Souza, e Francisco H. Bentim da Costa, ambos representantes dos

imigrantes que obtiveram sucesso econômico. Podemos afirmá-lo pelo fato do

primeiro ser associado SPBPD e o segundo, embora não fosse associado era um

importante comerciante em Curitiba no final do XIX, conforme já explicitado

anteriormente devido aos anúncios de seu estabelecimento, a Confeitaria

Esperança. Manoel Joaquim Vasconcellos e Souza é ainda um representante dos

imigrantes bem-sucedidos que quiseram envolver-se em uma associação, enquanto

Francisco H. Bentim da Costa não o quis. Apesar disso ambos unem-se na tarefa de

localizar o jovem desaparecido, o que pode ser indicativo de que mesmo os

portugueses que não se propunham de forma direta a promover a assistência e

beneficência aos imigrantes mais pobres não se furtavam a tarefa de auxiliá-los se

solicitados a isso. Podemos depreender disso que os laços de solidariedade entre

esses imigrantes eram mais fortes e davam-se de forma informal também, como

podemos observar pela participação de Francisco H. Bentim da Costa nessa busca.

Também é importante lembrar que esses estabelecimentos comerciais eram pontos

de referência e assim quem soubesse alguma informação poderia notificar os

interessados mais rapidamente do que se tivesse que se dirigir a uma residência

particular, por exemplo.

23 O anúncio está se referindo a Revolução Federalista.

59

Nesse capítulo foram analisados todos os anúncios que faziam referência a

Portugal, e portanto, tenha foram tratados anúncios publicados por associados e

não-associados SPBPD. Pretendemos agora nos concentrar apenas nos anúncios

publicados por associados SPBPD, pois estes, além de guardarem algumas

particularidades em relação ao total dos anúncios, ainda era indicativos de

características muito importantes na estratégia de atuação desse grupo na

preservação de seu lugar na sociedade curitibana do final do século XIX. É o que

veremos no próximo capítulo.

60

4 “ A SOCIEDADE PORTUGUEZA BENEFICENTE 1º DE DEZEMBRO CONVIDA

A TODOS...” – OS ANÚNCIOS DOS ASSOCIADOS SPBPD

No capítulo 3 os anúncios analisados se caracterizaram por fazerem alguma

referência direta a Portugal. Por esse motivo nem todos eles foram publicados por

associados SPBPD e, consequentemente, contemplaram a comunidade portuguesa

de Curitiba no final do século XIX de forma mais ampla. A partir de agora, no

entanto, o objetivo é analisar algumas particularidades dos anúncios publicados

apenas pelos imigrantes associados à SPBPD. Para isso serão destacados os

aspectos mais relevantes desses anúncios, observados ao longo da pesquisa e que

chamaram a atenção seja pelo grande número de anúncios publicados, seja por sua

freqüência. O objetivo é tentar compreender, por meio desses anúncios, como esses

imigrantes conseguiam integrar seus objetivos de manter a coesão de seu grupo ao

mesmo tempo em que precisavam integrar-se à sociedade local para alcançar o

sucesso econômico. Antes, porém, é necessário fazer algumas considerações

acerca do caráter da SPBPD.

4.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

Boschilia (2008, p. 339) coloca que a criação da SPBPD em 1878 pode ser

compreendida como um “projeto identitário”, afirmação essa que norteia o

desenvolvimento desse trabalho. Sendo assim, algumas considerações sobre o

caráter identitário desse projeto devem ser feitas, a partir de sua constatação por

meio da análise das fontes, mais especificamente dos anúncios.

Os movimentos migratórios constituem campos experimentais privilegiados

para analisar de que forma os indivíduos organizam sua identificação. Segundo

Bauman, mais do que isso, a experiência da migração muitas vezes o expõem ao

questionamento acerca de sua identidade, questionamento esse que talvez nunca

ocorresse se ele tivesse permanecido em sua terra natal. Sobre sua subjetividade

61

em relação à sua experiência como refugiado polonês na Inglaterra24, diz Bauman

em entrevista concedida a Benedetto Vecchi em 2005: “Existem comunidades de

vida e de destino (...) dos dois tipos, o primeiro me foi negado. Se não tivesse sido

negado, dificilmente lhe ocorreria indagar-me sobre minha identidade. E se você

indagasse, eu não saberia que espécie de resposta você esperaria de mim. A

questão da identidade só surge com a exposição a comunidades da segunda

categoria” (BAUMAN, 2005, p.17).

Essa afirmação de Bauman poderia ser interpretada, erroneamente, como

se a identificação fosse um processo natural do qual nem ao menos nos damos

conta quando estamos inseridos em nosso grupo original. Essa concepção de

identidade como algo dado a priori, quase de forma genética, apenas a ser

interiorizado pelos indivíduos, foi uma das primeiras formulações teóricas sobre essa

questão, ainda nos anos 1950. Posteriormente outros entendimentos sobre o tema

da identidade foram elaborados, e alguns deles poderiam nos remeter de um

extremo ao outro: de algo estático e imutável a identidade passou a ser vista como

algo extremamente efêmero e variável, como se fossem roupas que trocamos todos

os dias. Cuche coloca que, para além de sua estabilidade (ou ausência dela) a

questão identitária não pode ser pensada sem levar em consideração o contexto em

o individuo está inserido, e suas relações com os demais indivíduos ou grupos, pois

somente o contexto “poderia explicar porque, por exemplo, em dado momento tal

identidade é afirmada ou, ao contrário, reprimida” (CUCHE, 2002, p.181). É a partir

desse caráter relacional, ressaltado pelo autor, que pensamos a questão identitária

no que diz respeito ao grupo de imigrantes portugueses que viviam em Curitiba no

final do século XIX.

Para pensarmos em um caráter relacional é necessário pensar no contexto

que envolve um indivíduo e/ou grupo. É preciso salientar, portanto, alguns fatores

importantes não apenas no contexto externo ao grupo, mas também em seu

contexto interno. Primeiramente gostaria de relembrar o fato salientado no capítulo

2, de que a própria constituição de uma sociedade de caráter beneficente é

indicativo de que haviam pelo menos dois grupos de imigrantes portugueses na

24 Bauman nasceu numa família judia-polonesa, e no início da 2º Guerra Mundial se alistou no

exército polonês aliado ao Exército vermelho com o qual enfrentou o nazismo. Posteriormente, teve seus trabalhos proibidos pelo Partido Comunista, devido a seu apoio aos movimento estudantil polonês e foi também proibido de lecionar. Diante disse resolveu mudar-se para a Inglaterra em 1968, onde vive até hoje.

62

cidade naquele momento: os mais e os menos bem-sucedidos financeiramente.

Além disso, mesmo sendo todos portugueses, eles não eram todos exatamente da

mesma região e possivelmente nem mesmo da mesma classe econômica quando

residiam em Portugal. Assim, a despeito de suas diferenciações em sua terra natal,

e mesmo em Curitiba, a condição de imigrantes oriundos do mesmo país, que se

encontravam em um mesmo espaço geográfico, em um mesmo período de tempo,

foi o fator invocado por eles para definir sua identificação. Além disso, ainda tinham

em comum o fato de ser o grupo que estava no território antes da chegada de

grupos de outras nacionalidades..

Dado o fato de que a constituição identitária é dinâmica, entendemos que o

processo de identificação entre esses vários imigrantes se deu “como uma

modalidade de categorização da distinção nós [portugueses]/eles [imigrantes de

outras etnias]”. A definição de quem seria o “nós” e de quem seria o “eles” se

enquadraria na condição descrita por Barth25 e comentada por Cuche, de que “para

definir a identidade de um grupo, o importante não é inventariar seus traços culturais

distintivos, mas localizar aqueles que são utilizados pelos membros do grupo para

afirmar e manter uma distinção cultural. Assim, os membros de um grupo não são

vistos como definitivamente determinados por sua vinculação etno-cultural, pois são

os próprios atores que atribuem significação a esta vinculação, em função da

situação relacional em que se encontram” (CUCHE, 2002, p. 183). A situação em

que se encontravam, nesse caso, era a condição de imigrantes, e a nacionalidade

portuguesa foi o critério cultural evocado para dar coesão a esse grupo, não

abrangendo a gama de variáveis contidas no conceito de identidade social26. A

identificação com esse grupo teve assim características de exclusão e inclusão,

permitindo que o “indivíduo (ou grupo) se localize em um sistema social e seja

localizado socialmente” (CUCHE, 2002, p. 177).

Concordamos com Cuche que, embora a identidade seja considerada uma

construção social e não um dado, caracterizando-se, portanto, no âmbito da

representação, ela não pode, por isso, ser considerada como uma ilusão, já que “a

25 Segundo Cuche o pioneiro ao elaborar a concepção de identidade como manifestação relacional,

em 1969 (Cuche, 2002: 182). 26 Para Cuche a identidade cultural é apenas um elemento da identidade social. A identidade social

por sua vez pode abranger um conjunto de vinculações do individuo, como sua vinculação a uma classe sexual, uma classe de idade, uma classe social, a uma nação (Cuche, 2002:177).

63

construção da identidade não é uma ilusão, pois é dotada de eficácia social,

produzindo efeitos sociais reais” (CUCHE, 2002, p.182). Assim, a atuação da

SPBPD no sentido de preservar o locus social de seus integrantes poderá ser

observada, sobretudo, por meio de sua organização em sociedade comerciais, cujo

objetivo acreditamos que era o de inserir os imigrantes recém-chegados na

sociedade curitibana do período. Iremos agora nos deter, portanto, na análise de

alguns dos anúncios referentes à formação ou dissolução de sociedades comerciais.

4.2 AS SOCIEDADES COMERCIAIS

Ao longo do período analisado foi possível encontrar cerca de 40 anúncios

comunicando a organização, a dissolução ou a compra e venda de sociedades

comerciais nas quais imigrantes portugueses estavam envolvidos. É importante

destacar aqui que esse número deve ser ainda maior, se levarmos em consideração

que muitas vezes esse tipo de comunicação era publicado em outras partes do jornal

que não a seção de anúncios. Além disso, é possível que algumas dessas

movimentações não tenham sido publicadas nos periódicos em questão.

Nem sempre esses anúncios citavam qual era o objeto comercializado pela

sociedade que estava sendo constituída ou dissolvida. Mas, entre os que citaram,

podemos encontrar “roupas feitas por atacado”, “comércio de fazendas, modas,

armarinhos”, “comércio de compra, beneficiamento e venda e herva mate, dentro e

fora do paiz”, “commercio de hotel, alugar carros e animaes”, “armarinhos, modas”,

“fazendas, modas, etc”, “pharmácia”, “secos e molhados”, “casa de negócios de

fazendas”, “casa de barbeiro e cabelleireiro”, e “cia de seguros”.

De todas as sociedades encontradas apenas três delas se davam

exclusivamente entre associados SPBPD. É o caso, por exemplo, da sociedade de

José Fernandes Loureiro, até então proprietário de uma firma individual, mas que em

janeiro de 1886 resolve estabelecer sociedade com Manoel d’Ascenção Fernandes e

Alfredo Fernandes d’Oliveira, para dar continuidade ao mesmo ramo de negócios

(cuja natureza não foi possível determinar, já que esse associado era envolvido com

vários ramos de negócios).

64

Em fevereiro de 1900 encontramos outro anúncio envolvendo

exclusivamente associados SPBPD. Este, porém, comunicou uma dissolução de

sociedade a partir do seguinte anúncio, que vinha assinado pelos interessados:

À Praça. Os abaixo assinados declaram ao commercio e geral que dissolveram amigavelmente a sociedade que gyrou nesta praça sob a razão social de Nunes Alves e Cia., tendo-se retirado pago e satisfeito de todos os seus haveres o sócio Antonio Marques Henriques, ficando a cargo do sócio capitalista Manoel Maria Nunes Alves, todo o activo e passivo da extinta firma e aquelle livre e desembaraçado de todos os compromissos sociaes.”

Aqui podemos encontrar várias características recorrentes nesse tipo de

anúncio. Eles eram sempre dirigidos À Praça e traziam informações sobre a

continuidade da mesma sob a responsabilidade de um dos sócios, ou sua extinção

completa. Em alguns casos comunicavam, ao mesmo tempo, a dissolução de uma

sociedade e o estabelecimento de outra. Em geral a publicação do anúncio no

periódico era repetida diariamente num período que variava entre uma semana e

quinze dias. Analisando mais atentamente é possível perceber pelas entrelinhas do

anúncio de que forma ocorreu a dissolução da sociedade. Nesse caso, observamos

que ela se deu amigavelmente e que o sócio que se retira o faz pago e satisfeito e

ainda livre e desembaraçado de todos os compromissos sociaes.

Esses três anúncios, porém, podem ser considerados como exceção, já que

a maioria das sociedades se dava entre associados e não associados. Embora não

possamos afirmar que os sócios dos associados SPBPD27 fossem portugueses

recém chegados à cidade, o fato de que um dos objetivos da SPBPD expressos em

seu estatuto era o de promover a ocupação aos que precisassem nos leva a

acreditar que essa era uma das estratégias utilizadas para inserir os novos

imigrantes. Não estamos com isso insinuando que todos os imigrantes que

chegavam eram recepcionados com a oferta do estabelecimento de uma sociedade

comercial, mas sim que os recém chegados mais abonados, que chegaram à cidade

já com algum capital, fosse esse oriundo de lucro pelo comércio praticado em outros

estados, ou em Portugal, encontravam uma certa receptividade por parte dos

imigrantes que já estavam aqui. Afinal era preciso proteger-se enquanto grupo da

27 É importante destacar que nessa sessão serão utilizados frequentemente os termos associados e

sócios, termos parecidos e que por isso podem causar confusão. Esclareço que o termo associado estará sempre se referindo ao imigrante português que era associado da SPBPD. Quando utilizo o termo sócio estou me referindo ao imigrante que participava de uma sociedade comercial.

65

concorrência promovida pelos imigrantes de outras nacionalidades. Essa hipótese

ainda pode ser reforçada pelo fato de encontrarmos um número praticamente

insignificante de sociedades que foram estabelecidas com imigrantes portadores de

sobrenomes marcadamente de outras nacionalidades que não a portuguesa. Uma

dessas poucas associações se deu entre o português associado SPBPD Antonio de

Souza Machado e o italiano Julio E. Gineste, proprietários do “Grande Hotel”,

localizado na Rua da Imperatriz.

Assim, entendemos o estabelecimento das sociedades entre associados

SPBPD e não associados como “uma ação elaborada e consolidada por uma

coletividade em relação aos seus conflitos, divisões e violências, reais ou potenciais.

Todas as coletividades têm seus modos de funcionamento específicos a este tipo de

representações. Nomeadamente elaboram os meios da sua divisão e formam os

seus guardiães e gestores, em suma, o seu pessoal (BACZKO, 1985:9)”. Assim,

entendemos a formação da SPBPD como o estabelecimento de um espaço

simbólico para manutenção de sua lusitanidade e também como uma resposta à

tensão gerada pela convivência forçada entre grupos de nacionalidades diferentes.

Para além disso, porém, esse grupo também estabeleceu mecanismos para integrar-

se à sociedade local, marcadamente por meio de sua inserção no comércio, que não

será, no entanto, um projeto individual, mas terá a intenção de acomodar os

portugueses já estabelecidos e os recém-chegados. A estratégia que possibilitou

essa realização foi, portanto, o estabelecimento de sociedades comerciais - entre si

ou entre um associado e um não-associado.

Durante o período analisado encontramos mais de vinte anúncios de

constituição ou dissolução de sociedade envolvendo pelo menos um associado e um

não associado. Em relação aos anúncios que comunicavam a constituição de

sociedade podemos citar um deles publicado em fevereiro de 1886 no qual os

associados SPBPD, Manoel Mariano Nunes Alves e Manoel dos Santos Corrêa

declaram ter organizado em 02 de janeiro com o não-associado Joaquim Antônio

Coelho “uma sociedade para o comércio de fazendas, modas, armarinhos, etc. sob a

firma Coelho, Alves e Corrêa esperando merecer do respeitável público a mesma

confiança dispensada a seu antecessor.28” Assinaram o anúncio os três. É

Importante observar nesse anúncio que os dois associados já eram sócios e abriram

28 Importante destacar que nos anúncios não era divulgada a condição de associado ou não da

SPBPD. A evidenciação dessa característica é da autora.

66

a sociedade para Coelho, que não era associado SPBPD. Outro exemplo é o

anúncio publicado em fevereiro de 1888 no qual o associado Antonio Diniz de

Meirelles comunica que “deu sociedade em sua casa comercial ao Sr. Faustino

Alves d’Araujo (não associado) e que de agora em diante a firma será Diniz de

Meirelles e Araújo”. Empresas maiores e com finalidades de exportação também

eram formadas nesses moldes. Em julho de 1887 Antônio Rodrigues da Costa

(associado) e Bernabé Alcorta (não associado) “fazem público ao comércio em geral,

que, a contar dessa data constituem entre si uma sociedade comercial sob a razão

de Costa e Comp. Para o comércio de compra, beneficiamento e venda e herva

mate, dentro e fora do paiz.”

Em relação aos anúncios que comunicavam a dissolução de sociedades

podemos destacar casos em que se retiravam da sociedade os associados SPBPD

e ficavam os não associados, situações menos freqüentes, e casos em que se

retiravam da sociedade os não associados e permaneciam os associados, situações

mais comuns. Em relação ao primeiro caso podemos citar como exemplo o anúncio

publicado em março de 1900 no qual os sócios

comunicam a praça que nesta data dissolveram amigavelmente a sociedade mercantil que gyrou sob a firma de Silva Mello e Cia., tendo-se retirado os sócios Antonio de Souza Melo (associado SPBPD) e João M. do Couto (associado SPBPD), pagos de seus capitais e lucros ficando a responsabilidade do sócio João Estevão da Silva (não-associado) o activo e passivo da extincta firma.

Podemos concluir desse anúncio que a dissolução foi feita de forma

amigável e, portanto, se considerarmos que o fato dos associados constituírem

sociedades com os não associados era uma estratégia para o estabelecimento dos

segundos, então poderíamos concluir que a estratégia foi bem sucedida nessa

situação, já que o não associado conseguiu manter-se com a empresa após a

retirada dos associados.

Na maioria das vezes, porém, o que observamos é que com a dissolução

das sociedades quem permanecia com a empresa era o associado SPBPD. Nem

sempre conseguimos localizar informações que nos permitissem determinar o que

aconteceu com o não-associado depois. Sobre essa situação ganham destaque dois

anúncios em particular. O primeiro foi publicado em março de 1900 e declarava que

“os abaixo assinados declaram a praça e a seus amigos que na presente data

67

dissolveram amigavelmente a firma que nesta praça girava sob a razão de Pires e

Silveira, retirando-se o sócio Silveira pago e satisfeito, ficando todo o activo e

passivo da mesma firma a cargo do sócio Annibal Pires (associado SPBPD).” Quem

assina o anúncio é Manoel Azevedo da Silveira Junior (não associado SPBPD). O

segundo anúncio foi publicado em março de 1889 no qual José Rodrigues de

Almeida (associado SPBPD) declara “a praça e a quem convier que o Sr. Joaquim

Lourenço Ribeiro (não associado SPBPD) deixa de hoje em diante de ser sócio da

casa que estabeleci no Ribeirão das onças sob a firma de Almeida e Ribeiro. O

activo e o passivo da mesma sociedade ficou a meu cargo.” No primeiro exemplo

observamos que o teor do anúncio é de uma dissolução amigável, enquanto no

segundo o fato de que o anunciante foi a público sozinho anunciar a praça e a quem

interessar que Joaquim Lourenço Ribeiro não era mais sócio do estabelecimento

que ele estabeleceu, nos dá a entender que talvez essa não tenha sido uma

dissolução amigável. Ainda temos algumas dissoluções das quais não pudemos

extrair maiores informações, como a ocorrida em junho de 1885 na qual sai o sócio

Antônio Martins Neves e permanece o associado Henrique d´Almeida Assumpção.

4.3 OUTROS ANÚNCIOS PUBLICADOS PELOS ASSOCIADOS SPBPD

4.3.1 Anúncio da própria SPBPD

Além dos anúncios que comunicavam o estabelecimento de sociedades

comerciais pelos associados SPBPD, encontramos também alguns anúncios

publicados pela própria SPBPD. Em Janeiro de 1886 foi publicado um anúncio que

dizia o seguinte: “A sociedade Portugueza de Beneficência, nesta cidade, convida a

todas as autoridades, a seus compatriotas e amigos em geral, para honrarem com

sua presença à missa, que em suffragio d’alma de El-Rei D. Fernando29 manda

29 El-Rei D. Fernando era Fernando Augusto Francisco António, D. Fernando II, um nobre de Saxe-

Coburgo-Gota, um antigo ducado semi-independente da Alemanha. Tornou-se rei consorte29 de Portugal ao casar-se com Maria II de Portugal em 1836. Foi regente de Portugal por 4 vezes, durante curtos períodos, durante as gravidezes de sua esposa, depois da sua morte em 1853 e quando seu segundo filho, o rei D. Luís I, e a rainha D. Maria Pia se ausentaram de Portugal para

68

celebrar dia 14 do corrente mês às 8 horas da manhã na Igreja de São Francisco”

(ver anexo 4). Já comentamos anteriormente sobre a preocupação dos imigrantes

portugueses em não deixar a alma de seus compatriotas sem suffragio, preocupação

esta expressa inclusive no estatuto da SPBPD como obrigação em mandar rezar

missa por seus associados. No entanto, acreditamos que essas missas

encomendadas pela sociedade não eram em geral anunciadas nos jornais, com

raras exceções, como é o caso da morte de D. Fernando. É interessante observar o

destaque que a encomenda dessa missa recebe por parte da SPBPD, uma vez que

D. Fernando exerceu a função de rei de Portugal apenas por curtos períodos e

também não teve uma atuação política muito destacada, chegando mesmo a ser

mais conhecido por sua preocupação com as artes do que com a política.

Independente disso é importante ressaltar que nesse período, apesar de não ser

mais uma possessão portuguesa, o Brasil ainda tinha como imperador o português

D. Pedro II que governou o país por mais três anos após essa data. Talvez o ponto

mais importante a ser ressaltado a partir desse anúncio é o reforço, mais uma vez,

da idéia de que esses imigrantes, em geral, mantinham laços que não tinham o

interesse de romper com Portugal, e nesse caso observamos que esses laços não

eram apenas familiares, mas também políticos.

Em novembro de 1898 encontramos outro anúncio da SPBPD, esse porém

com outro caráter. Por meio dele a SPBPD convidava seus associados “para reunião

numa das salas da casa comercial dos srs. Fernandes Loureiro e Cia. para tratar da

reforma dos estatutos.” Nesse mesmo mês, logo em seguida a essa primeira

reunião, é publicado um novo anúncio, dessa vez convocando “reunião dia 27/11 no

salão da Associação Comercial à Rua XV de Novembro, 58 para tratar de assuntos

urgentes e do máximo interesse.” Quem assinou esse anúncio foi o secretário

Antonio de Souza Mello. Observamos que nesse período a SPBPD ainda não havia

adquirido uma sede própria, e que para reunião de seus associados precisavam

recorrer a espaços preexistentes que fossem cedidos a eles. Durante muito tempo

um dos principais locais de reunião da SPBPD foi a Associação Comercial, fato que

reforça a idéia de que esses imigrantes eram importantes para o comércio na

cidade. Além disso, demonstra que esses mesmos imigrantes participavam, de

assistirem à Exposição de Paris em 1867. D. Fernando ficou mais conhecido em sua atuação como rei por seu interesse pelas artes, maior do que o interesse pela política.

69

alguma forma, da Associação Comercial, já que tinham o privilégio de usufruir

desses espaço30. Outro aspecto importante é a atuação da família Fernandes

Loureiro na administração da SPBPD, pois além dos membros dessa família terem

importante papel na fundação da mesma em 1878, também foram eles que

conduziram a reforma dos estatutos em 1898. Ressaltamos que, segundo a

documentação da SPBPD, a reforma que se deu em 1898 causou grandes

mudanças até mesmo na composição dos associados, já que um novo livro de

matrículas será organizado a partir desse ano, e vários associados se afastaram da

SPBPD nesse momento. Além disso, nesse ano também foi elaborado um novo

estatuto para definir a atuação da SPBPD.

Passado um ano da agitação em torno da reestruturação da SPBPD foi

publicado um anúncio no qual “de ordem do Sr. vice-presidente convida aos srs.

associados a reunirem-se em assembléia geral no próximo dia 5 de novembro às 12

horas da manhã, no salão da Associação Comercial à rua XV de Novembro, 58, a

fim de proceder- se à eleição da nova directoria. Outrossim de ordem do sr.

procurador convido aos srs, associados que se acham em atrazo de seus

pagamentos, de jóias e mensalidades virem realisar o pagamento até o fim do mês a

fim de poderem fazer parte da assembléia geral.” Quem assinou o anúncio foi o 2º

secretário, Domingos Duarte Velloso. Observamos nesse anúncio uma preocupação

da SPBPD em “colocar a casa em ordem”, já que procede a eleição de uma nova

diretoria e ainda convoca os associados que não estavam em dia em com o

pagamento de suas obrigações a regularizar sua situação sob a pena de não

poderem participar da eleição da nova diretoria caso não o fizessem. Observamos

assim certa agitação na atuação da SPBPD, expressa nos anúncios publicados por

ela nos anos de 1898 e 1899, não observada nos anos anteriores e posteriores.

4.3.2 Anúncios de remédios

30 Podemos destacar a atuação de Antonio de Barros, associado SPBPD que era o 1º secretário da

Associação Comercial, assinando vários anúncios publicados por ela nos periódicos.

70

Um dos aspectos mais significativos dos anúncios publicados pelos

imigrantes portugueses, do qual já falamos rapidamente no capítulo 3, dizia respeito

aos anúncios de medicamentos. Esses anúncios destacam-se em relação aos

demais devido a sua constante presença ao longo de todo o período analisado. Mas,

principalmente, devido à periodicidade com que os encontramos, tanto no Dezenove

de Dezembro quanto no jornal A República. Os anúncios de medicamento, em geral,

variavam muito em seu tamanho – encontramos anúncios com a extensão de quatro

linhas, até anúncios que ocupavam uma folha inteira do jornal31 - mas sua

freqüência era constante.

Eram quatro associados SPBPD os principais comerciantes de

medicamentos nesse período: Manoel Soares Gomes, Francisco Jerônimo Pereira

Pinto Requião, João Carvalho de Oliveira e o maior deles, José Fernandes Loureiro.

Já em 1885 encontramos no Dezenove de Dezembro um anúncio de Manoel Soares

Gomes de que em seu estabelecimento localizado no Canto da Praça de Dom Pedro

II32 os freguezes poderiam encontrar o medicamento Cognac Licor, “o verdadeiro

estomacal.” Esse anúncio foi publicado no início de outubro e se repetiu diariamente

até o final do ano.

No ano seguinte, em 1886, observamos que João Carvalho de Oliveira,

cujo estabelecimento também se localizava na praça Dom Pedro II, vendia

medicamentos importados da do Rio de Janeiro, ou “da corte”, como destaca em

seus anúncios. Dentre os produtos comercializados por ele podemos citar o pós

anti-hemorrhoidarios do pharmaceutico Luiz Carlos e o o anti-rheumatico

Paulistano, especialidade do Dr. Luiz Carlos. Os anúncios de Oliveira se

caracterizavam pelo modelo de depoimentos, nos qual usuários do medicamento

vinham a público comunicar sua eficácia. Esses anúncios também foram

publicados quase que diariamente, por todo o ano.

Já o comerciante Requião era mais discreto em seus anúncios. Em geral

menores do que o dos outros, comunicou no segundo semestre de 1893 que

vendia as “pílulas anti – dyspepticas do dr. Heinzelmann”. Por meio de seus

anúncios ainda ficamos sabendo que em setembro de 1896 o comerciante estava

31 Esse tamanho de anúncio só era encontrado também além dos anúncios de medicamentos em

anúncios de prestadoras de serviços financeiros. 32 Atual Praça Tiradentes.

71

viajando pela Europa, já que comunica ao público “que manda mercadorias da

França, Alemanha e Inglaterra.”

Em relação a José Fernandes Loureiro, observamos que esse comerciante

se destacava entre os demais comerciantes de medicamentos, dentre outros

fatores, devido a grande variedade de mercadorias que comercializava. Em abril

de 1886 encontramos um de seus primeiros anúncios, sobre o Peitoral de

Cambará, que ocupava aproximadamente um terço de coluna. Como esse será,

por cerca de 10 anos, um dos produtos mais importantes de Loureiro, observamos

que os anúncios referentes a esse medicamento passaram por algumas mudanças

– de tamanho e de teor - ao longo tempo. Em julho de 1893, o comerciante

publicou no jornal A República um anúncio de uma página inteira sobre o produto,

no qual era possível encontrar todo o tipo de informação que pudesse de alguma

forma legitimar a ação do mesmo - atestados de médicos, notícias de curas a favor

do Peitoral de Cambará e claro, depoimentos confirmando a atuação do remédio.

Segundo o anúncio o Peitoral de Cambará era, sem dúvidas, “o remédio mais

efficaz para asthma, bronchite, coqueluche, laryngite, tuberculose pulmonar e

tosse de qualquer espécie.” Para conseguir esse remédio, no entanto, os doentes

deveriam se dirigir ao depósito de José Fernandes Loureiro e Cia., já que eles

eram os “únicos agentes e depositários deste afamado remédio em Curityba”.

Outro produto importante nesse mesmo período era o Licor Tibaina (ver

anexo 5), cujo anúncio foi veiculado quase a exaustão. Se o Peitoral de Cambará

era indicado para problemas de ordem respiratória, o Licor Tibaina era indicado

para combater “a syphilis, o rheumatismos e darthos”. Em alguns momentos o

anúncio desse produto se diferenciava dos demais por veicular uma ilustração do

frasco do produto, em tamanho suficiente para que se pudesse ler o que estava

escrito no rótulo do produto. Esse formato de anúncio era facilmente notável em

relação aos demais publicados, que em sua maioria se limitavam a usar a

linguagem escrita para comunicar a disponibilidade e as características dos

produtos.

A partir de 1895 Loureiro passou a distribuir os produtos “Grande Fábrica

Rauliveira, de Santa Catarina” e isso aumentou consideravelmente a diversidade

de seus produtos. Nesse ano, seu estabelecimento comercial também sofreu uma

mudança de nome, deixando de denominar-se José Fernandes Loureiro e Cia.

para ser chamado de Fernandes, Loureiro e Cia, ou mais popularmente como

72

“Casa do José Nabo”, era conhecida pelos fregueses. A partir do ano de 1897 o

comerciante começou a dar destaque aos produtos desse laboratório, de forma

que, de cerca de 14 produtos que eram constantemente anunciados, geralmente 7

apareciam em um dia e os outros 7 no dia subseqüente. Dessa forma esses

produtos estiveram em constante destaque, por um período de pelo menos 3 anos.

Esses anúncios, em geral, se caracterizaram por serem espécies de lembretes ou

por serem anúncios de cerca de um quarto de coluna, geralmente com um aspecto

muito particular. Em janeiro de 1897 ele anunciou de uma só vez os produtos

Peitoral Catharinense, um xarope de angico, tulu e guaco que se destinava

basicamente para as mesmas doenças que o Peitoral Cambará; o Depurativo

Rauliveira, um elixir de velame e guaco além dos produtos cosméticos Thymolina

Rauliveira, a Rainha do Toilette, além de uma lista contendo o nome de todos os

produtos do laboratório (ver anexo 7). Paralelamente, ele continuou anunciando o

Peitoral de Cambará e o produto destinado a animais, denominado Napheryl ou

Mata Bicheira de Henry, que era importado dos Estados Unidos e cujos únicos

importadores n’este Estado eram – Fernandes, Loureiro Cia. Em meados desse

ano ainda foi introduzido o anúncio de mais um produto - as Pilulas Purgativas de

Rauliveira, puramente vegetais – e no início em 1900 foram introduzidos o

anúncios de vários outros produtos, como A Emulsão Abreu Sobrinho (ver anexo

6), Sucupira ou Elixir de Sucupira Composto e a Camomilla Rauliveira, indicada

para problemas no estômago. Também ganharam destaque nesse período as

Pilulas Catharticas de Assis, importadas de Baruel e Comp., de São Paulo.

4.3.3 Anúncios de imóveis

Outro caso em que os imigrantes portugueses associado à SPBPD se

destacam são os anúncios referentes ao aluguel ou venda de imóveis.

Observamos em seus anúncios que esses imigrantes eram donos de um grande

número de propriedades ou então de propriedades amplas e bem localizadas.

Destacamos como exemplo do primeiro caso o anúncio publicado em fevereiro de

1895 no qual Manoel Joaquim de Vasconcellos e Souza, “Morador nesta ao Largo

do General Osório, 9, tendo de retirar-se para a Europa a fim de tratar de sua

73

precária saúde, vem oferecer 9 moradas de casas, todas no centro da cidade, com

água potável.” Também destacamos o anúncio de Luiz José da Cunha, publicado

em maio de 1889 no qual ele anuncia que vende “por módico preço duas frentes

de casas todas cercadas de tijolos, faltando só receber o madeiramento, sitas à

Rua do Matto Grosso – dividindo com as casas dos Srs. Jesuíno Lopes e Henrique

Ehls.” Como exemplo de propriedades exaltadas por sua localização ou amplitude

podemos citar o anúncio de José Natividade Teixeira de Meirelles, publicado em

março de 1887 no qual ele diz que “vende muito em conta seu lindo chalet, situado

em uma das melhores posições de Curytiba, largo do Bom Jesus.” Esse

associado, assim como Manoel Joaquim de Vasconcellos e Souza, também “se

retira para Europa para tratar de problemas de saúde. Observamos novamente a

idéia segundo a qual os portugueses que retornavam à Portugal, de modo

definitivo ou a passeio, eram os imigrantes que haviam obtido sucesso financeiro,

já que ele conseguiram conquistar em Curitiba bens imóveis consideráveis.

Também citamos o caso de João Carvalho de Oliveira, o comerciante de

medicamentos mencionado na sessão acima. Ele era proprietário de um sobrado

que já havia servido ao exército e ao colégio Parthenon, um dos mais importantes

em Curitiba, e desejava alugar o mesmo no ano de 1889 “um edifício espaçoso, de

muitas acomodações e dependências, próprio para família ou para qualquer

grande estabelecimento.” Devemos destacar finalmente o anúncio de Joaquim

Antonio Coelho, que ao deixar a cidade vendeu sua mobília, destacando dentre as

peças “uma rica mobília de jacarandá e pao-rosa (Luiz 15) e um rico piano novo

autor Henri Herer” chamando a atenção para o fato de que esse anúncio nos leva

a pensar que o autor gostaria de ressaltar que além de terem bons imóveis, eles

ainda tinham mobília de qualidade e bom gosto.

Para concluir, gostaria de chamar a atenção para um anúncio publicado

em novembro de 1892. Diz ele: “Agradecimentos. O abaixo assinado tendo

chegado a difícil conclusão de separar seus interesses na sociedade que tinha

com Lisboa e Vieira, por meios amigáveis, e estando convencido de que eu nunca

chegaria a esse resultado sem a dedicação dos prestimosos negociantes José

Fernandes Loureiro, Comendador Antonio de Barros e Manoel José da Costa, não

só como procuradores e gerentes, mas como juízes conciliadores e

74

penhoradíssimos para tão relevantes e desenteressados serviços vem dar em

público um testemunho de sua gratidão; tanto mais quando sabe que nem sempre

as pessoas de merecimentos si prestam em auxilio de conciliação desinteressada.

Curityba, 27 de Outubro de 1892.” Quem assinou foi José Manoel da Silva.

Esse anúncio chama a atenção pela quantidade e intensidade de adjetivos

atribuídos pelo autor a três integrantes da SPBPD: José Fernandes Loureiro,

Antonio de Barros e Manoel José da Costa Cunha. O primeiro talvez o maior

comerciante português da cidade no período; o segundo uma importante

personagem que exerceu cargos importantes relacionados à administração pública

e junto a Associação Comercial, e o terceiro um importante comerciante,

responsável por estabelecer várias sociedades comerciais com não-membros da

sociedade, como era o caso de José Manoel da Silva. Embora não tenhamos

encontrado o nome de Silva entre os associados SPBPD, fica evidente nesse

anúncio seu relacionamento com os três membros da SPBPD e também sua

relação com Lisboa e Vieira, que não podemos afirmar se eram imigrantes

portugueses, já que os nomes deles também não constam entre os associados

SPBPD, mas que possivelmente o eram. Independente disso o que chama a

atenção é a gratidão que o assinante fará questão de demonstrar, deixando claro a

todo o público leitor do periódico a grande e desinteressada ajuda que recebeu dos

membros da SPBPD. O que ele não havia percebido, porém, é que essa ajuda não

era assim tão desinteressada... A ajuda prestada por eles a Silva tinha sim um

interesse, o de preservar o grupo português na cidade de Curitiba.

75

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo principal desse trabalho foi o de compreender de que forma se

dava a inserção do imigrante português na sociedade curitibana do final do século

XIX e acredito que, principalmente em relação ao grupo associado SPBPD, esse

objetivo foi alcançado. A partir da análise das várias fontes utilizadas nessa pesquisa

foi possível ampliar o conhecimento acerca desse grupo imigrante, seja em seus

critérios objetivos ou subjetivos.

Em relação aos critérios objetivos destacamos as informações levantadas a

partir da documentação referente à SPBPD, que foram valiosas para a delimitação

mais precisa do perfil desses imigrantes, sobre os quais a historiografia

disponibilizava poucas informações. Graças a essa documentação agora sabemos

que esses imigrantes apresentavam uma alta de taxa de mobilidade geográfica, e

sobretudo a alta taxa de retorno para Portugal, o que segundo a historiografia sobre

o tema, é indício de sucesso econômico, já que os imigrantes que não conseguiam

prosperar economicamente raramente voltavam. Em relação ao local de origem,

destacamos a procedência deles da região Norte de Portugal, como a historiografia

já apontava para o restante do Brasil. Observamos ainda que, dentre os associados

da SPBPD, praticamente metade deles praticava alguma forma de comércio, o que

já responde em parte a questão sobre o modo com que eles se integravam na

sociedade curitibana.

Essa documentação também é importante por ter tornado possível localizar

esses imigrantes nas demais fontes, que por sua simples existência não teriam

muito a nos dizer. Quanto a isso destacamos a surpresa revelada pela análise das

fontes dos anúncios publicados nos periódicos, que se mostraram muito ricas em

seu conteúdo, e que se prestaram plenamente a responder critérios mais subjetivos

que essa pesquisa pretendia abordar. Por meio dessa fonte foi possível perceber

que os comerciantes portugueses, em contraposição a novidade trazida pelo “novos

imigrantes” colocavam a disposição do público consumidor sua tradição e qualidade,

já conhecidas, sobretudo no que diz respeito aos produtos alimentares, buscando

assim instaurar uma tradição para seus estabelecimentos e produtos para assim

não perderem-se em meio a instauração da modernidade na cidade. Também

chamou a atenção a descoberta de que esses imigrantes estavam entre os maiores

76

comerciantes de medicamentos da cidade, o que aliado aos que comerciavam

alimentos dava a esses imigrantes o estatuto de comerciantes de produtos

essenciais – alimentos e medicamentos, ocupando assim posição privilegiada no

comércio da cidade. Outro fator que foi possível perceber a partir da análise dos

anúncios, esse referente apenas aos imigrantes associados a SPBPD, se refere ao

grande número de anúncios sobre o estabelecimento de sociedades comercias entre

eles, o que provavelmente se caracterizava por uma das estratégias da SPBPD para

inserir os imigrantes recém chegados no comércio. Assim, entendemos a formação

da SPBPD como o estabelecimento de um espaço simbólico para manutenção de

sua lusitanidade e também como uma resposta à tensão gerada pela convivência

entre grupos de nacionalidades diferentes. O objetivo do grupo, porém, com a

criação da SPBPD, não foi isolar-se do restante da sociedade, mas também ajudá-

los a estabelecer mecanismos para integração à sociedade local, marcadamente por

meio de sua inserção no comércio, e a estratégia que possibilitou essa realização

foi, portanto, o estabelecimento de sociedades comerciais.

Concluo destacando que ao finalizar esse trabalho não estou encerrando as

possibilidades de pesquisa contidas nessa documentação, e que o próprio objeto

desse trabalho, a imigração portuguesa guarda ainda muitas possibilidades a serem

exploradas pelos pesquisadores, principalmente em relação aos grupos que não

foram contemplados nesse pesquisa, como os imigrantes mais pobres ou as

mulheres.

77

REFERÊNCIAS

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80

APÊNDICES

1. Tabela com as atividades desenvolvidas pelos associados SPBPD (p. 33).

Comércio Qtde %

Comércio de Secos e Molhados 9 11,25

Comércio de Medicamentos 7 8,75

Comércio de Fazendas, Armarinhos e Modas 4 5

Comércio de Roupas Feitas 4 5

Comércio de Bebidas 3 3,75

Comércio de Fabricação de Alimentos (Moinhos) 2 2,5

Comércio de Bilhetes Lotéricos 2 2,5

Comércio de Fazendas e Armarinhos 1 1,25

Comércio de Chapéus 1 1,25

Comércio de Sapatos 1 1,25

Comércio de Sabão e Velas 1 1,25

Comércio e Beneficiamento de Erva-Mate 1 1,25

Comércio de Erva-Mate 1 1,25

Comércio de Louças e Ferragens 1 1,25

Comércio e Produção de Café 1 1,25

Comércio e Fabricação de Fogos de Artifício 1 1,25

Comércio de Pães e Confeitos (Confeitarias) 1 1,25

Comércio de Produtos Elétricos 1 1,25

Comércio e Criação de Animais 1 1,25

Comércio e Fabricação de Calçados (Tamancaria) 1 1,25

Comércio de Sementes 1 1,25

Comércio de Serviços de Cabeleireiro e Barbearia 1 1,25

Comério de Produtos Funerários 1 1,25

Comércio de Alimentos Preparados 1 1,25

Comércio de Lenha 1 1,25

Comércio de Espaços no Armazém no Porto 1 1,25

Aluguel de Casas 1 1,25

Serviços Financeiros 1 1,25

Banqueiros 1 1,25

Seguros 1 1,25

81

2. Tabela com as ruas em que os comerciantes associados à SPBPD se localizavam (p. 34).

Endereço Qtde

Rua da Imperatriz/XV de Novembro 16

Largo D. Pedro II/Praça Tiradentes 12

Não localizado 10

Rua Riachuelo 7

Rua do Imperador/Rua Marechal Deodoro 4

Rua Marechal Floriano Peixoto 2

Rua Barão do Rio Branco 2

Paranaguá 2

Rua São José 2

Rua Doutor Muricy 2

Mangueirinha 1

Praça Generoso Marques 1

Largo Bom Jesus 1

Rua do Chafariz 1

Rua da Quitanda 1

Rua Aquidaban 1

Largo General Osório 1

Batel 1

Rua Comendador Araújo 1

Rua Mato Grosso 1

Rua do Serrito 1

.

82

ANEXOS

1. Anúncio de vinhos. Dezenove de Dezembro. abr.1886. (p. 41)

83

2. Anúncio Vinho do Porto Adriano. Dezenove de Dezembro. jul.1889. (p. 42)

3. Anúncio Pós Anti-hemorrhoidarios. Dezenove de Dezembro. ago.1886. (p. 45)

84

85

4. Anúncio de encomenda de Missa. Dezenove de Dezembro. jan.1886. (p. 60)

86

5. Anúncio do Licor Tibaina. Dezenove de Dezembro. jan.1886. (p. 64)

87

6. Anúncio Emulsão de Abreu Sobrinho.A República. Jan.1900. (p. 65)

88

7. Lista com os produtos Rauliveira. A República. jan. 1897. (p. 65)