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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS THIAGO DE GÓES A REDENÇÃO PROFANA NA MÍSTICA DO MST. O CASO DO ASSENTAMENTO DO CONTESTADO – LAPA - PR Curitiba 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

THIAGO DE GÓES

A REDENÇÃO PROFANA NA MÍSTICA DO MST. O CASO DO ASSENTAMENTO DO CONTESTADO – LAPA - PR

Curitiba 2008

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THIAGO DE GÓES

A REDENÇÃO PROFANA NA MÍSTICA DO MST. O CASO DO ASSENTAMENTO DO CONTESTADO – LAPA - PR

Monografia apresentada à Universidade Federal do Paraná como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais. Orientador: Prof. Dr. Osvaldo Heller da Silva

Curitiba 2008

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RESUMO:

Este trabalho pretende analisar o conteúdo religioso de caráter popular presente na

celebração da Mística realizada pelos militantes do Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra. O sentido profano deste tipo de religiosidade enquanto motivação,

não apenas ideológica, mas prática procura resgatar um passado de luta pela terra,

existente em outros movimentos que ficaram esquecidos por determinadas correntes

históricas. Analisando estas implicações, procuramos também mostrar como essa

religiosidade se sai como um instrumento de resistência por parte deste movimento

contra o “dogmatismo” do capitalismo como uma religião da modernidade.

PALAVRAS CHAVE:

MST, cristianismo, teologia da libertação, camponês, socialismo, messianisno.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 5

CAPÍTULO 1 AS CONCEPÇÕES DE MÍSTICA

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1.1. A mística como um fenômeno político 7

1.2. A mística presente nos movimentos de esquerda 8

CAPÍTULO 2 AS RAÍZES DA MÍSTICA

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2.1. A mística e a religiosidade popular, os caminhos abertos pela teologia da libertação

16

2.2. A religiosidade popular 19

2.3. A influência do marxismo “herético” na mística 22

2.4. A religião e o comunitarismo segundo Lucién Goldmann 22

2.5. O messianismo benjaminiano e a redenção da história 25

2.6. A mística e a herança messiânica 27

CAPÍTULO 3 A MÍSTICA NO ASSENTAMENTO DO CONTESTADO

36

3.1. A mística vista pelo próprio Movimento 36

3.2. A entrevista 36

CONSIDERAÇÕES FINAIS 40

REFERÊNCIA BIBLIGRÁFICA 42

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INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende analisar o conceito de mística, seus significados e

implicações dentro dos movimentos sociais rurais no Brasil, em particular do

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Refletindo acerca das concepções e

percepções da mística, procuramos compreender como ela se insere neste movimento,

resgatando certas tradições rurais esquecidas pela “modernização empobrecedora”,

“reencantando” o mundo, enriquecendo a luta pela terra de fé, fazendo com isso crer na

possibilidade de um mundo onde não haja opressão, fome ou qualquer tipo de

desumanização. Trabalharemos a mística organizada pelo MST em três pilares, três

influências, que norteiam todo o espectro ideológico, político, religioso e pedagógico do

movimento: o messianismo camponês; a fé cristã na vida eterna e na capacidade de

redenção (Teologia da Libertação) e a esperança socialista de construir aqui na Terra

uma sociedade igualitária e verdadeiramente democrática, a partir de seu próprio mundo

e de seus próprios termos. Muitos componentes simbólicos e materiais desta mística

guardam relações diretas e indiretas com as questões políticas e religiosas. São estes

elementos, particularmente, que este trabalho irá enfocar.

Compreendendo assim, esta dinâmica, fica a hipótese: Seria a mística uma forma

de reencantar o mundo (e junto com ele talvez reabilitar a política)? Contribuindo para a

formação de um novo pensamento, para uma nova forma de lutar pela terra? E para uma

nova forma de fazer política, política esta que cria, une, desenvolve solidariedade com

outros movimentos cívicos e populares, que leve em conta não apenas as aspirações de

uma parcela da intelectualidade de esquerda, mas também os anseios das camadas

populares, resgatando todo o sonho de mudança e transformação que reside nestas

tradições das lutas dos oprimidos. Que vai do Quilombo dos Palmares, passando por

Canudos e Contestado até os assentamentos e acampamentos do Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem-Terra.

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CAPÍTULO 1

AS CONCEPÇÕES DA MÍSTICA

Para os pensadores religiosos o termo misticismo pode ser definido como toda a

doutrina que admita a comunicação direta entre Deus e o homem. A prática mística

consiste essencialmente em definir os graus progressivos da ascenção do homem até

Deus, em ilustrar com metáforas o estado de êxtase e em procurar promover essa

ascensão. O termo mística originalmente, dizia a respeito a uma forma superior de

experiência, de natureza religiosa, ou religiosa-filosófica, que se desenrola normalmente

num plano transcendental, e que expressa-se na salvação da alma e seu ingresso no

paraíso. O discurso sobre a experiência mística transcendental com era entendido no

passado é altamente problemático, e não é pretensão deste trabalho analisar somente

seus desdobramentos teológicos, mas suas implicações políticas e sociológicas.

Hoje em dia, para infelicidade dos religiosos, o termo “mística” tem servido para

determinar realidades mais prosaicas e desprovidas de um sentido mais profundo.

Assim cotidianamente vemos expressões como “mística do futebol”, “mística do

progresso”, “mística do carnaval”. A utilização moderna do termo, usado gratuitamente

para designar convicções e comportamentos ou atitude, desprovidos de uma

transcendência e circunscritos na realidade cotidiana, é denunciada, por religiosos,

como uma das maiores perversões espirituais que a civilização moderna criou.

Em algum lugar entre as duas conotações, a romântica1 e a moderna,

acreditamos que possa repousar dentro da mística algo que podemos chamar de

redenção profana. A problemática definição de uma mística profana supõe uma busca

de elementos da qual ela é constituída. A mística procede de postulados que nosso

“espírito” faz para nós e sobre os quais não podemos evitar pensar e guiam toda uma

existência, uma ética e princípios, pensamentos e ações. A vontade de analisar as

implicações de uma mística supõe um desejo de “captar energias”, ler e compreender as

forças em ação e acompanhar sua dinâmica, sua complexidade. Em sua obra, Michael

1 O romantismo não foi apenas uma escola literária e sim um movimento cultural que nasceu no término do século XVIII como protesto contra o advento da moderna civilização capitalista, é uma revolta contra a irrupção da sociedade industrial, contra a quantificação da vida social, fundamentada na racionalidade burocrática e no “desencantamento do mundo” (segundo a teoria de Max Weber). A crítica romântica da modernidade capitalista é elaborada com base a valores sociais, éticos, culturais ou religiosos pré-capitalistas. Configurando, em última análise, uma tentativa desesperada de “reencantamento do mundo”, podendo tomar formas regressivas e reacionárias, mas também utópicas ou revolucionárias, como, por exemplo, na corrente marxista – definida como romântica – de Jose Carlos Mariátegui até Walter Benjamin, do jovem Lukács até Ernest Bloch e de E.P Thompson até Herbert Marcuse.

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Löwy nos fala da redenção profana. Talvez seja essa uma das energias animadoras da

mística, pois existe jacente dentro dessa tradição que, com algumas ressalvas

poderíamos chamar de esquerda dogmática, esquerda essa que no dizer de Plínio de

Arruda Sampaio “se rendeu ao impossibilismo em nome da modernidade...”, uma

irrefragável cólera, uma revolta indivisível, inteira e impossível de se partir. O que

anima, faz seu movimento e justifica suas manifestações? E que pra vários autores é

entendida como a cólera destinada a todos que se consolam com a fatalidade das

misérias, das explorações e das servidões que são suscetíveis de serem, senão

suprimidas, pelo menos atacadas.

Nesse sentido, aprendemos que todas as manifestações culturais, sejam elas

artísticas ou religiosas, são idéias e práticas que, ao invés de serem discriminadas,

reprimidas e proibidas, devem ser interpretadas e incentivadas. As festas e a alegria não

podem ficar distantes das atividades políticas, porque a sociedade que pretendemos

construir não pode ser triste e descorada.

É nesse contexto que se pode extrair do pensamento de Paulo Freire a

importância dada à cultura. Para ele, as ações tornam-se cultura na medida em que, no

fazer histórico, a realização do possível de hoje deva viabilizar para amanhã o

impossível de hoje. Querer inverter ou impor a inversão dessa ordem é atentar-se contra

as possibilidades históricas. O impossível de hoje terá que se tornar o possível de

amanhã. É preciso trabalhar para isso, com um pé no presente e o outro procurando a

base do futuro, para que os sonhos não cansem e adormeçam.

1.1 A MÍSTICA COMO UM FENÔMENO POLÍTICO

Quando se fala em mística logo imaginamos a participação do sobrenatural –

Deus, carma, entidades e espíritos – no cotidiano humano. Sem dúvida a crença nesses

elementos e na sua misteriosa atuação enseja a maior parte das práticas místicas, mesmo

das dos movimentos de esquerda, considerados ateus. Porém a crença no sobrenatural

não é absolutamente indispensável para a mística. Diversos movimentos ateus, artísticos

(como o surrealismo, por exemplo), ou políticos como os movimentos operários

urbanos, evidentemente possuíam sua própria mística. A História – ou com no caso do

surrealismo, o inconsciente – e não mais o sobrenatural, constituiria fonte de aspiração à

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fé mística, mesmo que profana. A ideologia substituiria a “especulação” e a “profecia”,

e a práxis revolucionária se tornaria verdadeira ascese, ou com nos diz Löwy:

Não se trata de esperar o Messias, ou de calcular o dia de

sua chegada – como fazem os cabalistas e outros místicos judeus

que praticam a gematria – mas agir coletivamente. A redenção é

uma auto-redenção, cujo equivalente profano pode ser encontrado

em Marx: os homens fazem sua própria história, a emancipação

dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores. (LÖWY,

2005, pág. 52).

Emana do passado, e principalmente da história inconclusa, da história das

injustiças, das rebeliões, dos fracassos, esse “relâmpago em pleno céu sem nuvens” que

faz a ligação com o tempo presente e que é o veículo de uma “mística rebelde”. Se

examinarmos o inventário de demandas históricas que constituiriam a identidade desta

“energia” encontraríamos uma recorrência imensa de vontades e ações que delimitariam

essa mística e tradição revolucionária. Ou não era por liberdade, paz e justiça que

lutaram e morreram os milhões de Espártacos e Zumbis? Não seria por terra que

brigaram Tomas Münzer, Emiliano Zapata, Monge José Maria e Francisco Julião? Será

que os ideais da modernidade já se realizaram? E as demandas da Comuna de Paris,

Canudos?

Teto, saúde, alimentação, cultura, igualdade entre os gêneros e raças já são

conquistas da humanidade? Também não: são aspirações que continuam a ecoar no

decorrer dos tempos e sua voz é um dos ingredientes que alimenta o cadinho da mística,

que tentamos analisar.

1.2 A MÍSTICA NOS MOVIMENTOS DE ESQUERDA E SEUS CAMINHOS

ATÉ O MST

A mística está presente não somente no MST, mas em todos os eventos de

grande parte dos movimentos sociais, como CONTAG, MPA, PJR, MMC e outros que

criam espaços para se trabalhar os rituais. No caso do MST , porém, a expressão

“mística” assume o significado de uma prática que o movimento desenvolve muito

cuidadosamente. Nas palavras de Ademar Bogo:

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Devemos desenvolver a mística em torno dos princípios,

objetivos e normas que temos no MST, ao mesmo tempo em que,

ao compreendê-los melhor, interrogamos para saber se seus

conteúdos não estão ultrapassados. (BOGO, 2002, pág. 84).

Vê-se aí que o significado da mística para o MST é vinculado com a prática. Na

aparente confusão conceitual de termos como “esperança”, “ideologia” e

“solidariedade”, encontramos o agregador da ação coletiva e um modo de obtenção de

consciência e unidade. Nesse sentido, ela adquire um significado muito semelhante ao

que Mariátegui denominou mito:

“Quanta incompreensão! A força dos revolucionários não

está na sua ciência; está na sua fé, na sua paixão, na sua vontade. É

uma força religiosa, mística, espiritual. É a força do Mito. A

emoção revolucionária, como escrevi num artigo sobre Gandhi, é

uma emoção religiosa. Os motivos religiosos se deslocaram do céu

para a terra. Não são divinos; são humanos, são sociáveis.

(MARIÁTEGUI apud LÖWY, 2005, pág. 59).

Em todos os eventos de ação coletiva do MST a mística aparece intensamente,

buscando com isso obter unidade entre os participantes e fazendo com que as pessoas se

sintam bem em participar da luta e servindo ao mesmo tempo de veículo de aplicação

dos princípios organizativos.

Segundo Bogo (2002) “a mística pode ser compreendida com um ritual”,

aparecendo como um dos elementos responsáveis pela formação da identidade política

de sem-terra, adquirindo uma expressão religiosa que toma contornos políticos,

chegando ao ponto de constituir-se num dos eixos que dão sustentação ao movimento na

sua trajetória. É um elemento do fazer-se classe, acontecendo com resultado das

experiências, no sentir e na articulação da identidade de seus interesses e contra outros

homens cujos interesses se opõem aos seus.

Talvez uma palavra possa explicar esse paradoxo entre miséria extrema dos

acampamentos de beira de estrada e a sofisticada política do movimento: mística.

Curioso é que este termo seja aplicado, na vida interna do movimento, para

expressar as animações – teatrais dramáticas ou cômicas, expressa em liturgia, ou seja,

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numa linguagem se símbolos que une a palavra ao gesto – que abrem os eventos

promovidos pela militância. Como as palavras não são neutras, nem inocentes, é

sintomático que mística tenha sido “expropriada” do vocabulário teológico, no qual

significa a experiência de Deus ou do transcendente. Ao secularizar o termo, o MST não

o esvazia de seu sentido primordial, nem mesmo de seu caráter teológico: a animação é

o que traduz a vida dos agricultores sem terra e desperta na militância o entusiasmo.

Ora, conquistar a terra não é somente conquistar um espaço para subsistir, mas

conquistar a vida. E a vida é o dom maior de Deus:

Na terra o povo cria sua cultura, na terra ele inventa o seu

modo de viver, de organizar a família, da terra nascem os seus

mitos, as suas tradições e até muito da sua religiosidade. Mas não

na terra de negócio, a propriedade da terra. Mas a terra da vida, o

espaço territorial e afetivo da Aliança que o pedaço de chão

representa. Por isso perder a terra é tão grave para o camponês da

bíblia e para o camponês dos dias de hoje. (FOLHETO DA 22º

ROMARIA DA TERRA, 2007, pág.14).

Portanto, embora seja considerado um movimento laico, secularizado, pelos

próprios militantes e alunos da ELAA entrevistados no assentamento do Contestado do

MST, o movimento não é guiado somente pelo racionalismo que marcou a tradição de

grande parte da esquerda brasileira, mas se pauta também pelas dimensões lúdica e

litúrgica, poética e romântica, da “fé humana”. E, ao falar de mística, ultrapassa o

excessivo acento cartesiano do termo conscientização: como se a consciência

suplantasse (ou dispensasse) o espírito, o afeto, a solidariedade. Mística possui uma

ressonância mais abrangente, dialética, própria de quem, como descreve Bogo (2002),

“não estabelece distância ou separação entre o ser humano e a natureza”. Esse

significado é profundamente ético, incutidor de valores, capaz de enfatizar princípios

norteadores e avisar a disposição agonística2 por justiça – nesse caso a terra para quem

nela vive e trabalha.

2 A palavra “agonia”, na viva e ardente linguagem de Unamuno, recupera sua acepção original. Agonia não é prelúdio da morte, não é conclusão da vida. Agonia – como Unamuno escreve na introdução do seu livro – quer dizer “luta”. Agoniza aquele que vive lutando – lutando contra a própria vida. E contra a morte. (MARIÁTEGUI apud LÖWY, 2005, pág.177).

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Essa prática social que o movimento incorpora para que as pessoas se sintam

bem em participar da luta tem sua origem na influência exercida pela Igreja Católica

(através da CPT – Comissão Pastoral da terra, e a Teologia da Libertação) e sua liturgia

no movimento. O sentimento produzido pela mística aglutina as pessoas em direção de

um ideal (utopia) e prepara as pessoas para a prática. O elã místico tem a função de

tornar os ideais vivenciáveis e dizer que é possível realizar feitos que definem situações

e impulsionam a vontade, o ânimo e determinação de fazer muito mais. Para que seja

eficaz a mística nunca pode tornar-se formal, sob pena de “se burocratizar demais,

perdendo com isso, sua identidade, e assim tal com um veio d’água, não brotará mais

nessa terra dura e seca.”(BOGO, 2002). Ela só fará sentido se realmente fizer parte da

vida de quem a pratica. No meio do pensamento marxista, é o pensamento de

Mariátegui quem mais claramente pensa sobre a questão:

A própria filosofia que nos ensina a necessidade do mito e

da fé revela-se, em geral, incapaz de compreender a fé e o mito

dos novos tempos. “Miséria da filosofia”, como dizia Marx. Os

profissionais da inteligência não encontrarão o caminho da fé; as

multidões hão de encontrá-lo. Caberá aos filósofos, mais tarde,

codificar o pensamento que emergir da grande gesta das

multidões. Por acaso souberam os filósofos da decadência romana

compreender a linguagem do catolicismo? A filosofia da

decadência burguesa não pode ter o destino melhor.

(MARIÁTEGUI apud LÖWY, 2005, pág. 60).

Essa forma de encarar a mística, por sua vez, tem muito da cultura camponesa,

da religiosidade popular camponesa, Alfredo Bosi, intelectual brasileiro, aponta entre os

significados da palavra cultura o radical cultus, aquilo que foi trabalhado sobre a terra,

cultivado. Mas também o que e trabalha sob a terra, ou seja, o culto, o enterro dos

mortos, ou rituais feitos em honra dos antepassados. Desse modo, cultus é sinal de que a

sociedade que produziu o seu alimento já tem memória. Ele constata que a cultura

popular apresenta características constantes, a saber: crença no transcendental,

animismo, visão cíclica da existência.

Nesse sentido, podemos entender que essas manifestações culturais, sejam elas

artísticas ou religiosas, são idéias e práticas que, ao invés de serem discriminadas,

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reprimidas e proibidas, são interpretadas e incentivadas pelo movimento. Pois segundo

Frei Betto “as festas e a alegria não podem ficar distantes das atividades políticas,

porque a sociedade que pretendemos construir não pode ser triste e desanimada”

(BETTO, 1994, pág, 18).

É nesse contexto que se pode extrair do pensamento de Paulo Freire a

importância dada à cultura. Para ele, as ações tornam-se cultura na medida em que, no

fazer histórico, a realização do possível de hoje deva viabilizar para amanhã o

impossível de hoje. Querer inverter ou impor a inversão dessa ordem é atentar-se contra

as possibilidades históricas. O impossível de hoje terá que se tornar o possível de

amanhã. De acordo com as diretrizes do MST é “preciso trabalhar para isso, com um pé

no presente e o outro procurando a base do futuro, para que os sonhos não cansem e

adormeçam”.

Podemos evidenciar que uma das características das tradições da mística

consiste na sua flexibilidade para enfrentar novos desafios. Esse fenômeno é

particularmente forte no movimento social escolhido para esta pesquisa. Ou seja, essa

flexibilidade permitiu sua renovação para enfrentar problemáticas atuais. Então se pode

produzir o aparente paradoxo de que nos encontramos em uma cultura tradicional e, ao

mesmo tempo rebelde. Talvez, como querem alguns autores, seja precisamente neste

sujeito camponês, no seu ser mais tradicional, onde repousa sua maior importância e

originalidade.

Entendemos aqui que a cultura camponesa e suas tradições fazem parte de um

conjunto de representações, imagens, saberes e comportamentos que um determinado

grupo ou uma sociedade aceita em nome da necessária continuidade entre passado e

presente; é o acervo de símbolos e comportamentos que estabelecem uma ponte entre o

passado e o presente coletivo forjando uma nova identidade requerida pelo mundo

moderno. A tradição nunca é mera repetição do passado no presente; reconstrói e

atualiza seletivamente o passado segundo necessidades do presente, ou como nos diz

Löwy:

A relação entre hoje e ontem não é unilateral: em um

processo eminentemente dialético, o presente ilumina o passado, e

o passado iluminado torna-se uma força no presente. Os antigos

combates se voltam “para o sol que está á se levantar”, mas, uma

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vez voltados por essa claridade, alimentam a consciência de classe

daqueles que sublevam hoje. (LÖWY, 2005, pág. 60).

Ao pesquisador desta tradição, cabe estar atento a esse serviço simbólico e

cultural e suas constantes transformações. Desse modo se oferece a ele uma vasta gama

de documentos que podem elucidar as complexas relações entre cultura tradicional e

revolta. Exemplos claros disso são as festas, manifestações, ritos, canções, marchas, etc.

Nesses momentos pode ser identificado o verdadeiro “estado de exceção” a qual nos

fala Walter Benjamin, porque nesses festejos, talvez se encontrem “condensados” todos

os momentos de revolta do passado, toda a riqueza da tradição dos oprimidos,

configurando a expressão de um tempo histórico, heterogêneo, carregado de memória e

de atualidade, em oposição ao tempo vazio, de uma rotina fatigante e sem perspectivas

utópicas. São situações que são percebidas como momentos de marcante intensidade,

quando a vida torna-se mais presente.

Nota-se que estas festas, manifestações às vezes estáticas (como as procissões,

por exemplo) outras “orgiásticas”, o manancial utópico é do tipo teatral/espetacular: não

existem apenas atores e espectadores, mas participantes, animadores. Estas festas (como

o carnaval) têm em comum o anseio de inversão do mundo que seria, mesmo que por

um determinado espaço de tempo, reconfigurado num mundo “verdadeiramente

humano”.

Na simbologia presente nestas manifestações profundas da cultura popular, se

encontra o anseio de uma vida, mas digna e de uma nova ordem onde os homens não se

enfrentem continuamente e sim convivam como irmãos e companheiros. Esse

sentimento de paz característico dessas manifestações não é absolutamente a chamada

“paz de cemitério” e sim a da vida sem injustiças, da alegria, do êxtase, é a fartura para

todos, a comunhão na plenitude da vida.

No caso das comunidades camponesas, e em movimentos sócias rurais, a festa

não é apenas celebração, ela é uma espécie de motor que impulsiona prazos, que cria

compromissos, vista socialmente a festa é um calendário – um programa de trabalho –

que relaciona intimamente as temporadas e as férias do ano agrícola.

A terra para o camponês é vida, tradição, cultura. Para os latifundiários, para os

fazendeiros, para as multinacionais, ela é simples meio de produção capaz de fornecer-

lhes lucro e, além disso, um instrumento de dominação e um espaço que se transforma

em mercadoria. Por isso, quando o camponês recupera coletivamente as terras roubadas

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mediante o engano, a força e ao preço de assassinatos, ele está recuperando o elemento

fundamental da vida, está resgatando aquilo que lhe dá coesão e identidade, juntamente

com sua cultura. Contudo, as recuperações de terras, como são abordadas por grandes

veículos da imprensa nacional, são qualificadas de “invasões” pelos que pretendem

atribuir a si legitimidade da propriedade e se vangloriam de torná-las mais produtivas.

Nesse contexto, a luta pela terra é uma luta também no âmbito da cultura e da política

entre uma concepção comunal camponesa e o individualismo rapace que disputa

unicamente sua exploração para benefício próprio.

Muitos conflitos que assumem o caráter de luta por terra têm sido estudados sob

uma ótica demasiadamente territorial e econômica. Entendemos que essa perspectiva

não dá conta de entender as implicações sociológicas da cultura camponesa, se tornando

empobrecedora em alguns aspectos da análise. Temos que ter consciência que a terra é

entendida pelos camponeses mais que mero meio de produção, a terra e seu cultivo

vinculam o ser humano com o ciclo vital das plantas e dos animais, e, assim, com o

próprio ritmo “cósmico” que determina o seu lugar nele. Terra significa, então, não

apenas condição básica para a subsistência individual e familiar, mas também a

provedora dos elementos necessários para a manutenção da organização social, a

reprodução da identidade coletiva, e a sustentação do universo inteiro.

Nas publicações internas do MST existem vários textos semelhantes quanto à

recuperação da história dos oprimidos. Mas não é somente nos textos que essa

preocupação aparece. Os trabalhadores sem-terra escolheram para diversos

acampamentos, assentamentos, agrovilas, ruas e escolas no país inteiro, nomes que

remetem às lutas históricas ou personagens dessas lutas, incluindo lutadores e

“mártires” do próprio movimento. Para citarmos apenas alguns exemplos:

Assentamento Contestado no Estado do Paraná (campo desta pesquisa), Assentamento

Che Guevara e Assentamento Carlos Lamarca e Acampamento Nova Canudos no

Estado de São Paulo, Assentamento Mártires de Abril e Palmares no Estado do Pará;

Escola Grito do Sepé Tiarajú3 no Estado do Rio de Janeiro e Escola Antônio

Conselheiro no sertão baiano.

3 Sepé Tiaraju, Índio Brasileiro, foi considerado santo pela Canonização Popular, foi preso, torturado terrivelmente e morto em sete de Fevereiro de 1756, pelas Tropas Portuguesas e Espanholas dos dominadores coloniais do Brasil e da América Latina. Sepé Tiaraju lutou como o comandante dos Índios dos Sete Povos das Missões no Rio Grande do Sul e protagonizou uma das resistências indígenas mais renhidas da história do Brasil, tombou em combate em defesa do Povo e da Terra livres.

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Nesse sentido a “reescritura” da história consiste na recuperação do passado não-

oficial que se tenta apagar dos textos, mas persiste de algum modo na memória coletiva,

na dignificação dos rebeldes derrotados, mas, sobretudo, ao evidenciar que depois de

quinhentos anos da “descoberta da Brasil” a história pode se inverter, “o vento de

baixo”, para utilizarmos uma metáfora do principal porta-voz do Exército Zapatista de

Libertação Nacional (EZLN) localizado no México, Subcomandante Marcos, já não

responde ao sopro do vento de cima. Essa esperança presente fortemente no MST, de

que a dignidade e a rebeldia se convertam em liberdade e felicidade é um dos pontos-

chave para se compreender a verdadeira amplitude da mística para esse movimento. Em

síntese, trata-se de uma vontade de recuperação da história, é o “salto do tigre em

direção ao passado” que nos falava Walter Benjamin, para “salvar a herança dos

oprimidos e nela se inspirar para interromper a catástrofe presente”.

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CAPÍTULO 2

AS RAÍZES DA MÍSTICA

O presente capítulo irá abordar as principais influências da mística elaborada e

celebrada pelos militantes do MST. O cristianismo da libertação, suas correntes

populares, a emergência da teologia da libertação no contexto da lutas camponesas do

Brasil, o diálogo entre marxistas e cristãos, tendo por expoentes desta teologia,

Leonardo Boff, Gustavo Gutierrez, Frei Betto. Em seguida trataremos a respeito do

marxismo herético, romântico, que tem em Walter Benjamin, Mariátegui, Paulo Freire,

seus principais representantes. Por último, faremos uma síntese dos principais

movimentos messiânicos brasileiros, para logo em seguida, traçar os aspectos mais

importantes, os significados, os conceitos desses movimentos, herdados pelos

movimentos rurais como o MST.

2.1. A MÍSTICA E A RELIGIOSIDADE POPULAR, E OS CAMINHOS

ABERTOS PELA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

Falar de Teologia da Libertação é penetrar no pouco explorado tema da relação

entre marxismo e cristianismo: ambas têm em comum a recusa do individualismo puro e

a crença dos valores coletivos e solidários – Deus pela religião, a comunidade humana

pelo socialismo. Nos dois casos, a fé em um futuro redentor tem como base uma aposta

que pressupõe riscos, o perigo de erro e a esperança de sucesso, nesse sentido Löwy

(2005) nos fala “que a redenção não é inteiramente garantida, ela é apenas uma

possibilidade muito pequena que é preciso saber agarrar”.

Um dos componentes presentes na mística, e que para o nosso trabalho terá

preponderância de análise neste capítulo é a Teologia da Libertação, que conjuntamente

com o marxismo e a herança dos movimentos messiânicos complementam a celebração

e a ação4 da mística no MST.

A Teologia da Libertação tem como princípio a emancipação do homem, o reino

de Deus antes de se realizar no céu deve se realizar na terra na forma de libertação dos

oprimidos, utilizando nesse processo todo o referencial marxista de crítica ao

capitalismo. Vista pelos altos mandatários do Vaticano como uma profanação das leis

4 Ação aqui entendida como a movimentação do dia-a-dia, as ações individuais no coletivo.

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de Deus e consequentemente da Igreja, sendo taxada como uma teologia puramente

política, sem ligação alguma com a eucaristia presente nos rituais católicos de então.

Como disse muito bem Michael Löwy, no seu livro “A Guerra dos Deuses”, o

cristianismo de libertação latino-americana é um movimento social-religioso anti-

capitalista (que no decorrer dos anos assumiu também outras lutas libertárias, tais como

a das mulheres, negros, indígenas, ecológicas...) que nasceu antes da Teologia da

Libertação e a maioria dos seus ativistas não são teólogos; vai além dos limites

institucionais da Igreja e muitos já não se consideram mais membros da Igreja ou até

mesmo crentes, apesar de continuarem se identificando com este tipo de cristianismo; e

muitos não fazem parte das comunidades de base e nem estão nos extratos mais baixos

da sociedade (“base”). São pessoas e grupos que, de modo explícito ou de forma meio

difusa ainda se guiam pelos valores do evangelho interpretados pelo cristianismo da

libertação nas suas posições e ações frente aos desafios do mundo contemporâneo.

A influência da teologia da libertação, ou se preferirmos cristianismo da

libertação foi um ingrediente importante na construção do MST. A atuação de vários

grupos cristãos e sua tentativa de manter vinculada a denúncia solidária com a

construção de alternativas assume muitos traços de tradição utópica popular das

populações latino-americanas.

Na gênese do MST o trabalho pastoral, principalmente da Igreja Católica, foi

fundamental para a reorganização e as lutas camponesas que começavam a emergir por

diversos lugares do território nacional. Em 1975 surge, em Goiânia (GO), a Comissão

Pastoral da Terra (CPT) organismo pastoral vinculado a Conferência Nacional dos

Bispos do Brasil (CNBB). A referência doutrinária da CPT era a teologia da libertação,

que do ponto de vista teórico procurava aproveitar os ensinamentos sociais da Igreja a

partir do Concílio Vaticano II, ao mesmo tempo em que incorporava metodologias

analíticas da realidade desenvolvidas pelo marxismo5. Os principais nomes dessa

corrente, que teria grande influência sobre o movimento camponês, não somente

brasileiro, mas latino-americano, eram o teólogo peruano Gustavo Gutierrez e os

brasileiros Leonardo Boff, Clodóvis Boff, Hugo Asmann e Frei Betto. A CPT foi a

aplicação da teologia da libertação na prática, pois ela se propõe elaborar a teologia a

5 O marxismo de um ponto de vista teórico e apesar das suas ambigüidades, ainda hoje apresenta-se como quadro filosófico-teórico que continua a dar respaldo, direta ou indiretamente, a grande parte dos movimentos sociais dos povos em busca de emancipação. Ele representa, sobretudo para a classe oprimida, um ponto de referência importante, destacando-se, desta forma, como um dos elementos culturais fundamentais do nosso tempo.

18

partir do fenômeno histórico-político do processo de emancipação dos povos. Ela se

pergunta sobre o sentido da fé dentro desse processo. É, pois, uma teologia política, ou

como nos diz Luigi Bordin:

A Teologia da Libertação não defende a política como

única dimensão da fé, mas enfatiza que, hoje, na América Latina,

esta dimensão é a mais importante nas atuais circunstâncias

históricas de marginalização e exploração dos povos. (BORDIN,

1987, pág.14).

A teologia da libertação, deste modo, teve um papel importante de

conscientização, chamando os camponeses a se organizarem de forma independente e

contribuindo para a construção de um movimento único, de caráter nacional, o

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

A religião (e o catolicismo em particular) sempre desempenhou um papel

importante – muitas vezes contraditório - no pensamento e nas ações dos camponeses

brasileiros. Ao mesmo tempo em que alimentou a “cultura do silêncio” descrita por

Paulo Freire, deu voz ao seu descontentamento. Tanto como instituição, quanto como

sistema de crença, aliou-se á estrutura social e á organização social para produzir uma

ideologia que de fato às vezes age como ópio, impedindo a ação.

A ação política direta por parte do campesinato, e em outras ocasiões é

reorientada em explícitas e devastadoras expressões de protesto social. A religião é,

portanto, ao mesmo tempo um instrumento de controle social e um meio de

mobilização.

Há que se reforçar o caráter dialético da religião, como fala Löwy:

Para Engels o fenômeno religioso possui um caráter

duplo: seu papel como legitimadora da ordem estabelecida, mas

também, dependendo das circunstâncias sociais, seu papel crítico,

de protesto e até revolucionário. Além disso, a maioria dos estudos

concretos que ele escreveu referem-se às formas rebeldes da

religião. (LÖWY, 2000, pág.18)

A mística figura, não sem razão, na base da estrutura do movimento. Não se

constitui enquanto setor formal, mas envolve a todos e pode se manifestar em

momentos determinados com nas ocupações, nos encontros formais e nas atividades

19

lúdicas, mas também pode surgir inesperadamente do acaso, em momentos cotidianos,

no trabalho, nas escola, de surpresa. Ela é, de certa forma o “combustível que alimenta”

o movimento.

Os camponeses e seus movimentos (hoje mais do que no passado) diferenciam a

religião “oficial” – que durante muitos anos foi católica – da religiosidade popular, cuja

característica marcante é o sincretismo, ou seja, a base da prática religiosa permeada por

elementos de várias religiões com, por exemplo, o candomblé e a umbanda, vindos dos

escravos, o elemento mítico dos índios, o catolicismo romano e, em alguns casos, o

espiritismo kardecista, formando assim um arcabouço de símbolos, crenças, práticas

rituais que dão sentido para as pessoas que se relacionam no cotidiano.

Todavia este tipo de religiosidade, organizada paralelamente ao poder da Igreja e

do Estado, em determinadas épocas históricas, ganha contornos característicos como

forma de protesto contra mudanças sociais e religiosas que ocorrem, de que são provas

os movimentos messiânicos (que abordaremos na próxima parte do trabalho) que trazem

uma mensagem religiosa de volta á moral e aos bons costumes religiosos, ou de

oposição à mudança política, por exemplo, a guerra de Canudos, onde a fé dos

integrantes dessa comunidade estava comprometida não com um Deus autoritário e

distante, mas com um Deus que esteve presente na história do povo, firmando um

compromisso com a transformação do Reino de Deus na Terra.

Essa “religião subversiva” que é a religião popular também pode auxiliar as

pessoas a emitirem juízos políticos e até agirem em seu meio contra um sistema

econômico que está causando danos a elas. A partir da experiência da Igreja da América

Latina, percebemos uma Igreja preocupada com os menos favorecidos, em fazer os

emudecidos gritarem contra a opressão, do seio do qual se formaram muitos líderes

comunitários que constituíram partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais, com a

finalidade de organizar o povo e lutar por justiça social.

2.2 A RELIGIOSIDADE POPULAR

A religiosidade popular é um modo dos oprimidos manifestarem suas alegrias,

angústias, tristezas. As manifestações desses sentimentos ocorrem nos povoados e até

nas cidades pos ocasião de festas, novenas, orações, quermesses, promessas, festas de

colheita e plantio, todos os eventos que fazem parte da cultura popular.

20

Nesse sentido, uma característica a se destacar na formação da religiosidade

popular do povo brasileiro é justamente a ausência de um membro da hierarquia

eclesiástica para orientar e controlar o cultos nos vários povoados do Brasil, “devido ao

tamanho de seu território” (QUEIROZ, 1965). Isso estimulou as crenças sincréticas

desses grupos longínquos, pois não sofreram um controle tão rígido da Igreja, assim,

foram se construindo novos ritos, novas crenças que adquirem características regionais

de acordo com os grupos étnicos que formam o povoado ou arraial:

A celebração da mística entre os negros não pode esquecer

seus ritos, seus ritmos, seus valores culturais, seus protestos e sua

religião. Assim como entre os gaúchos tem que incorporar seus

costumes, sua dança, seus trajes típicos e suas sadias tradições. E

assim, em todas as regiões junto com a cultura e a geografia, a

mística leva em conta as histórias de luta do povo. (PELOSO,

1994, pág.5)

Essa inovação nas práticas ritualísticas facilita o acolhimento das revelações

místicas, que se tornam, muitas vezes, parte do cotidiano das pessoas.

Nesse contexto, surgem os “sacerdotes” e “sacerdotisas” populares para liderar

os cultos e até mesmo para coordenar os povoados. Esses sacerdotes, por sua vez, não

dispunham da formação teológica dos membros da hierarquia, apenas possuíam a

vivência dentro de uma determinada cultura impregnada de símbolos e ritos provindos

dos vários povos que compunham os povoados e arraiais. Isso tudo permeado pela

religião católica. Eram esses referenciais que fundamentavam a prática dos sacerdotes

sacerdotisas populares. Muitos deles tornaram-se rezadores ou benzedores, aqueles que

dizem curar as enfermidades das pessoas através da oração. Há também os que acabam

fundando uma seita ou um grupo religioso, e quando isso ocorre, em muitos casos, a

repressão da Igreja é notória.

A partir de 1960, a teologia da libertação começa um processo de valorização da

cultura e da religiosidade populares antes vista por muitos como deformação da religião

oficial e como subcultura. Impelida pelo Concílio Vaticano II e pela reunião dos Bispos

da América Latina em Medellín e Puebla, a Igreja Latino Americana começa a

organizar e valorizar a religiosidade popular, e o que é mais importante, vê nessa

religiosidade uma forma de resistência cultural na luta contra a opressão. Essa

resistência teve por forma e conseqüente organização e é reconhecida pelos estudiosos

21

como as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que se constituíram na estratégia

encontrada pelos padres da teologia da libertação para que o povo se organizasse. Nesse

trabalho, os ideólogos da teologia da libertação foram percebendo que o povo6

interpretava sua realidade a partir de categorias religiosas, muitas das quais

incentivavam a passividade e o fatalismo. Como prova disso, é muito comum ouvirmos

em nossa realidade brasileira expressões como: “Deus quis assim”, caracterizadoras de

um conformismo com a realidade de opressão e injustiça.

A principal metodologia de trabalho das CEBs era o estudo da bíblia nos

chamados Círculos Bíblicos. Padres usavam o texto religioso para mostrar que Deus não

quer seu que seu povo seja dominado; pela apropriação da palavra contida na bíblia, as

CEBs procuravam despertar a consciência do povo para a luta social. No Brasil, temos

alguns grupos políticos organizados a partir desse trabalho pastoral, além do MST (tema

desta pesquisa), temos o Partido dos Trabalhadores (PT), a Central Única dos

Trabalhadores (CUT), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Pastoral Jovem Rural

(PJR), entre outros.

Nesse ponto da reflexão acerca da religiosidade popular é importante destacar

que através da ala “progressista” da Igreja Católica a população se organizou, resistindo

culturalmente, compreendendo a vida com forte influência dos conteúdos trazidos pelos

padres das CEBs, como nos lembra Leonardo Boff:

Vieram para organizar o povo e fazer com que as

sementes de rebeldia enterradas há muito tempo germinassem em

ações políticas comprometidas com o bem comum e a

transformação da sociedade, a qual deveria ser organizada em

favor dos pobres. (BOFF, 2001, pág.32)

No entanto, vale lembrar que no Brasil, mesmo antes das CEBs, com a formação

de movimentos messiânicos (que também será abordado neste capítulo), já existiam

essas sementes de rebeldia e da resistência postas na cultura e que, mais tarde, as

Comunidades Eclesiais resgatariam, partindo da premissa de que na religiosidade

popular está o germe da rebeldia e da resistência do povo, por isso o trabalho pastoral só

tem a função de fazer esses elementos aflorarem e se tornarem realidade. Dessa

6 Entendemos aqui “povo” no sentido observado por Clodóvis Boff:“(...) falaremos normalmente em “povo”, compreendendo por esse termo o conjunto das classes oprimidas ou subalternas. Entenderemos sempre “povo” não no sentido “clássico” (de “nação”), mas no sentido “classista” (de “classes populares”).”(BOFF, 1988, pág. 12)

22

maneira, não se trata de enxergar as CEBs apenas como agentes de inculcação de

valores religiosos, pelo contrário, as CEBs são espaços onde os valores já existentes na

própria religiosidade popular vêm a emergir. É assim que o trabalho das CEBs busca

diferenciar-se das conversões das chamadas “religiões da ordem”, que intensificam a

passividade e o fatalismo, também existentes na religiosidade popular, os quais, por sua

vez, mantém as pessoas submissas e dóceis á exploração das classes dominantes.

Verifica-se, portanto, que a religiosidade popular tem uma implicação política

em suas ações. Vale destacar que a religião desempenha uma função não só alienadora,

mas também questionadora da ordem social estabelecida e com propostas de mudanças

e transformações para melhorar as condições de vida da população pobre.

2.3. A INFLUÊNCIA DO MARXISMO “HERÉTICO” NA MÍSTICA

“Religião é o ópio do povo”, esta conhecida frase de Karl Marx é conhecida pela

maioria daqueles que apóiam Marx como também por seus adversários como um

postulado que tem a religião como um instrumento de dominação, tal qual o Estado, dos

interesses da classe dominante. Mas será que essa afirmação ainda condiz com a

realidade da América Latina e brasileira?

Essa expressão apareceu no artigo de Marx intitulado “A Filosofia do Direito de

Hegel” publicado em 1844. Uma leitura atenta do parágrafo de Marx onde aparece essa

sentença, vista á luz da dialética, nos revela que ela é mais qualificada e menos

unidimensional do que se acredita vulgarmente.

Apesar das diferenças (que não devem ser subestimadas), cumpre

reconhecermos, então, uma convergência entre a dialética e a mística: em ambas, o

sujeito se sente em face de algo maior do que aquilo que está ali, quer dizer, se sente

relacionado a algo que transcende a realidade imediata, algo que vai além da realidade

restritamente presente, que o seu conhecimento poderia pretender dominar e exaurir.

2.4. A RELIGIÃO E O COMUNITARISMO SEGUNDO LUCIÉN GOLDMANN

Afastando a suspeita de querer cristianizar o marxismo, Goldmann – judeu e

racionalista - insiste na oposição constante do marxismo com relação a toda e qualquer

religião revelada que afirme a existência de uma transcendência sobrenatural ou supra-

histórica: “A fé marxista é uma fé no porvir histórico, feito pelos próprios homens ou,

mais exatamente, que cabe a nós fazer por nossa atividade, é uma aposta sobre o

23

sucesso de nossa ações; a transcendência que é objeto dessa forma de fé já não é nem

sobrenatural, nem trans-histórica, mas supra-individual, nada mais, mas também, nada

menos”. Enquanto pensamento racionalista, a dialética marxista é herdeira da filosofia

das Luzes, mas por sua fé em valores transindividuais ela - depois de uma interrupção

de seis séculos de racionalismo tomista e cartesiano - reencontra a tradição augustiniana

de que se valiam Pascal e os jansenistas. O ato de fé, afirma tranqüilamente Goldmann,

é o fundamento comum da epistemologia agostiniana, pascaliana e marxista, embora se

trate, nos três casos, de urna fé essencialmente diferente: evidência de transcendente,

aposta sobre o transcendente, aposta sobre uma significação imanente.

Se o termo fé aparece muitas vezes de forma retórica na literatura marxista,

Goldmann é o primeiro a ter tentado explorar as implicações filosóficas, éticas,

metodológicas e políticas de tal uso. Sem temer a heresis com respeito à tradição

materialista-histórica, ele descobre, graças à sua interpretação pouco ortodoxa e

profundamente inovadora de Pascal, a afinidade oculta, o túnel subterrâneo que religa,

por sob a montanha das Luzes, a visão trágica (religiosa) do mundo e o socialismo

moderno.

O ato de fé, que se acha no ponto de partida da opção marxista, como qualquer

ato semelhante, baseia-se numa aposta: a possibilidade de realização histórica de uma

comunidade humana autêntica (o socialismo). Ora, como mostram Pascal e Kant, não há

nada, nos juízos no indicativo, nos juízos de fato científicos que permita afirmar o

caráter errôneo ou válido da aposta inicial.

Essa última não pode ser objeto de prova ou demonstração factual, mas é

decidida por nossa ação comum, pela praxis coletiva. Por outro lado, apenas a

realização futura do socialismo está sujeita à aposta: as outras teses ou afirmações do

marxismo devem ser submetidas “à dúvida e ao controle permanente dos fatos e da

realidade”.

As visões individualistas do mundo - racionalistas ou empiristas – ignoram a

aposta. Essa não acha lugar senão no cerne das formas de pensamento inspiradas por

uma fé em valores transindividuais: aquilo que a aposta pascaliana e a dialética têm em

comum é o risco, o perigo de fracasso e a esperança do sucesso. O que as distingue é a

natureza transcendental da primeira (aposta sobre a existência de Deus) e puramente

imanente e histórica da segunda (aposta sobre o triunfo do socialismo na alternativa,

oferecida à humanidade, da escolha entre o socialismo e a barbárie). À pergunta: “É

preciso apostar?”. Pascal responde que todo ser humano já “está embarcado”. Quaisquer

24

que sejam as diferenças evidentes entre a fé de Pascal e a de Marx “a idéia de que o

homem está embarcado, de que ele tem de apostar, constitui desde Pascal a idéia central

de todo pensamento filosófico consciente de que o homem não é uma monada isolada

que se basta a si mesma, mas um elemento parcial, no interior de uma totalidade que o

ultrapassa e à qual está ligado por suas aspirações, sua ação e sua fé; a idéia central de

todo pensamento que sabe que o indivíduo não tem condição de realizar sozinho, pelas

próprias forças, nenhum valor autêntico e precisa sempre de um auxílio transindividual,

na existência do qual ele deve apostar pois não poderia viver, nem agir, senão na

perspectiva de um sucesso no qual tem de acreditar”. Mais do que uma homenagem a

Pascal, essa passagem propõe uma nova interpretação, bastante heterodoxa, da

significação do marxismo enquanto fé revolucionária.

A afirmação audaciosa de uma afinidade eletiva, entre a fé marxista e a fé

agonística (cristã), e sua comum oposição às visões individualistas do mundo, não teve

muita repercussão no pensamento cristão na França. Será preciso esperar até os anos 80,

bem depois de sua morte, para que uma corrente cristã o mencione a teologia da

libertação latino-americana. Em seu livro “A Força Histórica dos Pobres” (1982),

Gustavo Gutierrez, um dos fundadores da teologia da libertação, crítica e inovadora, de

inspiração socialista, comunitária, escrevia o seguinte: “O individualismo é a marca

mais importante da ideologia moderna e da sociedade burguesa. Para a mentalidade

moderna, o homem é um começo absoluto, um centro autônomo de decisões”.

(GUTIERREZ, 1982).

A iniciativa e o interesse individuais são o ponto de partida e o motor da

atividade econômica. (...) Como o observa Lucien Goldmann, com perspicácia, o

empirismo também é uma expressão do individualismo. “Como o racionalismo, o

empirismo é igualmente a afirmação de que a consciência individual é a origem

absoluta do conhecimento e da ação”. Em nota de pé de página, Gutierrez faz referência

à um ensaio de Goldmann sobre a filosofia das Luzes e acrescenta: “Muitas das

observações que fizemos sobre a relação entre a mentalidade iluminista e a economia”.

capitalista inspiram-se nesse trabalho”. Como o pensamento dialético de que Goldmann

se valia, a reflexão cristã de Gutierrez refere-se a um sujeito transindividual:

O locus da teologia da libertação é outro. Está entre os pobres do subconsciente, nas massas indígenas, nas classes populares, está na presença desses grupos enquanto sujeito ativo e criador da própria história, nas expressões de sua fé e esperança no Cristo pobre, nas suas lutas para se libertar. (GUTIERREZ, 1982, pág. 313).

25

Todavia, Gutierrez não se refere a Deus escondido: o desafio intelectual lançado

por Goldmann, em sua análise paralela da aposta pascaliana e da aposta comunitária,

fica ainda, em boa parte, por explorar...

2.5. O MESSIANISMO BENJAMINIANO E A REDENÇÃO DA

HISTÓRIA

É diante dessa situação em que se torna visível a falibilidade da teoria do

progresso que Benjamin pretende propor uma maneira de se entender a história. Com

ela, ele pretende sair da dicotomia conformismo-excesso de convicção para viabilizar

uma história que seja política, não no sentido de tratar aquilo que pode ser categorizado,

bem à tradição positivista, enquanto um domínio autônomo aos demais, mais sim de dar

à história uma potencialidade emancipatória, redentora. Para tanto, ele retirará a história

do domínio dos vencedores e a passará para os oprimidos, e enxergará, em cada

instante, não uma homogeneidade com o que vinha antes travestida de novidade (mas

contendo em si mero acréscimo de algo perante o passado), mas sim uma efetiva

possibilidade e mudar essa realidade. Isso significará não simplesmente colocar novos

vencedores na história, mas sim romper o seu continnum, ou seja, transcender a história

enquanto tal, enquanto burguesa, rumo à inauguração de um tempo de oportunidades,

que signifique, por sua densidade, o do tempo sempre igual como o novo.

É aí que filósofo alemão apelará ao valor do passado enquanto potencial de

emancipação, estando aí (e não no futuro) a localização daquilo que retira o oprimido de

sua posição passiva através da imagem e rememoração dos antepassados escravizados.

É perante essa percepção materialista de história enquanto ruína, que revela a

acentuada opressão sobre a humanidade, que Benjamin proporá o resgate do passado

como alternativa emancipatória. Resgate esse messiânico, que remete ao messianismo

judaico, o papel do antiquado à contemporaneidade, conforme denunciavam os

surrealistas7, a salvação do passado no presente, como afirmaria Proust. Benjamin não

acredita que o passado seja algo completamente acessível para nós em sua totalidade

7 O Surrealismo foi um movimento artístico e literário surgido primariamente em Paris dos anos 20, inserido no contexto das vanguardas que viriam a definir o modernismo, reunindo artistas anteriormente ligados ao Dadaísmo e posteriormente expandido para outros países. Fortemente influenciado pelas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud (1856-1939), o surrealismo enfatiza o papel do inconsciente na atividade criativa. Seus representantes mais conhecidos são Max Ernst, René Magritte e Salvador Dalí no campo das artes plásticas, André Breton na literatura e Luis Buñuel no cinema.

26

(isto é, “como ele de fato foi”, como insistia Ranke), mas sim que é possível realizar

uma constelação crítica entre uma imagem do passado e uma imagem do presente. A

rememoração não é em si, no entanto, suficiente, seu completamento passa pela

redenção, que é ato político mesmo desse resgate do passado no presente, aquilo que, de

fato, rompe o continnum da história. Essa compreensão sobre o passado implica em

entendê-lo, assim, como algo que não é encerrado em si mesmo, mas sim que só possui

sentido para um presente específico. Nas palavras de Benjamin na sua Tese II:

O passado leva consigo um índice secreto pelo qual ele é

remetido à redenção. Não nos afaga, pois, levemente um sopro de

ar que envolveu os que nos precederam? Não ressoa nas vozes a

que damos ouvidos um eco das que estão agora caladas? E as

mulheres que cortejamos não têm irmãs que jamais conheceram?

Se assim é, um encontro secreto está então marcado entre as

gerações passadas e a nossa. Então fomos esperados sobre a terra.

Então nos foi dada, assim como a cada geração que nos procedeu,

uma fraca força messiânica, a qual o passado tem pretensão. Essa

pretensão não pode ser descartada sem custo. O materialista

histórico sabe disso. (BENJAMIN apud LÖWY, 2005, pág. 48).

De toda essa compreensão decorre a imensa importância dos conceitos de

rememoração e redenção. Como vemos, o primeiro não se trata de tentar captar toda

pureza do passado. Na verdade, a rememoração é o que constitui às classes oprimidas a

sua possibilidade de despertarem, e enxergarem no presente a oportunidade de

identificarem em seu presente a oportunidade histórica de salvarem o passado de seu

antepassados, o “tempo do agora”. Nesse entendimento, vê-se que os mortos não estão

em segurança se o inimigo vencer (o que tem sempre o corrido).

A esfera da redenção só pode ser alcançada com a mortificação de todos os

valores universais. Quer dizer que, distantemente da maneira representacional de se

apreender os objetos, Benjamin propõe que a morte não encerra o existir, pois este

continua em jogo enquanto for interpretado e apropriado por aqueles que ficam.

A temática da redenção aparece no surrealismo, em setores progressistas do

romantismo literário (como em Proust e Baudelaire) e, evidentemente, no marxismo

enquanto busca pela emancipação.

27

2.6 A MÍSTICA E A HERANÇA MESSIÂNICA

Como conceitos abrangentes e genéricos, messianismo e movimento messiânico

são considerados, a exemplo da análise, típico-ideais, no sentido de se referirem à

realidade observável, mas não a reproduzirem ou esgotarem, e isto mesmo no caso em

que os autores entendam seus conceitos como tipos empíricos. Desta forma, o primeiro

deles diz respeito à crença em um salvador, o próprio Deus ou seu emissário, e à

expectativa de sua chegada, que porá fim à ordem presente, tida como iníqua ou

opressiva, e instaurará uma nova era de virtude e justiça; o segundo refere-se à atuação

coletiva (por parte de um povo em sua totalidade ou de um segmento de porte variável

de uma sociedade qualquer) no sentido de concretizar a nova ordem ansiada, sob a

condução de um líder de virtudes carismáticas8.

A concepção acima associa os movimentos messiânicos à escatologia, embora possam

existir movimentos milenaristas não messiânicos, conduzidos por uma sucessão ou

pluralidade de líderes guerreiros, assembléias de anciãos, virgens ou crianças

inspiradoras. Por outro lado, podem faltar a movimentos caracteristicamente

messiânicos concepções de uma escatologia final.

Constituem-se como movimentos messiânicos, milenaristas, ou messiânico-

milenaristas desde simples contestações pacíficas quanto a aspectos selecionados da

vida social, até rebeldias armadas, ambos os tipos informados pelo universo ideológico

religioso, capazes de, ao mesmo tempo, diagnosticar as causas das atribulações e

sofrimentos e indicar caminhos para sua superação, desde os mais racionais até os mais

utópicos. O imaginário religioso pregresso, sua exacerbação ou superação por uma nova

revelação profética, está sempre presente, interpretando a realidade, postulando

objetivos e indicando os meios pelos quais estes serão alcançados.

Orientando-se, sobretudo por valores e sentimentos tradicionais, em

descompasso com os ideais de modernidade do momento, tais movimentos tendem a ser

vistos pelas vigências política e intelectual como irracionalidades e arcaísmos, frutos da

ignorância e do fanatismo. Sendo seus adeptos historicamente recrutados entre

indígenas destribalizados, populações camponesas, povos colonizados e setores

populacionais marginalizados ou excluídos da moderna civilização ocidental, os

8 Estas definições são resultado das análises de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1965), mas não são estranhas à maioria dos autores. A referida autora foi quem mais se preocupou em sistematizar os conceitos e distinguir suas nuanças, diferenciando crença de movimento e messianismo de milenarismo.

28

"primitivos da modernidade" de acordo com Eric Hobsbawm, que em sua abordagem

acerca dos movimentos messiânicos se distingue notavelmente da vulgata "progressista"

pelo interesse, a simpatia, até mesmo o fascínio -são os termos que ele próprio utiliza-

que sente pelos movimentos camponeses ditos "primitivos" de resistência e protesto

antimoderno (anticapitalista), tendem a ser interpretados, na ótica oficial, como

arcaísmos deletérios e antiprogressistas, quando não como episódios de loucura

coletiva, a que se chega a partir de efeitos desencadeadores da loucura do líder.

Considerando primeiramente o Brasil, a veia utópica esteve vinculada aos

chamados movimentos messiânicos, e desde então tem sido especialmente pródigo na

geração destes movimentos. Desde o primeiro século colonial, índios guarani puseram-

se em busca da "terra sem males" (termo este que reaparecerá com o advento da

teologia da libertação) e indígenas destribalizados constituíram os chamados

"movimentos de santidade". Mas a maioria deles, ou pelo menos aqueles sobre os quais

se tem maior documentação, transcorreu entre populações sertanejas, do nordeste ao sul

do país, no período de pouco mais de um século, a partir de cerca de 1820. Maria Isaura

Pereira de Queiroz levantou a existência de nove movimentos documentados no

período.

Sem dúvida o caso mais famoso é a fundação do Arraial de Canudos por

Antônio Conselheiro. Não é necessário aqui resumir a saga desta “colônia utópica” e

sim tentar interpretar a sua utilização, no decorrer do século XX até o presente

momento, desta experiência histórica plena de um conteúdo utópico mesclado com

diversas concepções cristãs populares, antigas lendas como a do sebastianismo e outros

personagens míticos, que anunciam a possibilidade de uma vida nova e melhor aos

pobres e que acusam e ameaçam os ricos e poderosos que se opõem ao seu caminho.

Nas suas prédicas e sua realização – com recursos simbólicos, costumes e

interpretações complexas e difíceis de desvendar – propostas sobre a organização da

vida diária, das relações sexuais e familiares, da propriedade, da religião e do trabalho,

que tentam se libertar da situação injusta prevalecente e onde todos os participantes,

homens, mulheres, crianças, idosos, tem seus lugar e este é sempre importante.

Essa tradição construída e baseada em valores de solidariedade, comunitarismo,

mutirão e de uma vida religiosa que não dissocia o universo espiritual da vida cotidiana

é amplamente reivindicada pelo MST, segundo os militantes, essa mística serve para

manter vivo o ideal de Antônio Conselheiro que renasce a cada dia nos acampamentos e

assentamentos do MST.

29

Vejamos, a seguir, com base nos principais autores que os estudaram, e sem a

pretensão de os exaurirmos e às questões discutidas, quais os principais resultados

alcançados.

Nesta ligeira reflexão sobre o messianismo no Brasil, iremos focar a análise dos

dois movimentos mais instigantes e, por isso mesmo, mais estudados: pela ordem

cronológica, Canudos de Antonio Conselheiro (1893-1897) e o Contestado dos monges

João e José Maria (1912-1916).

Nosso interesse não é exatamente o de comparar os dois movimentos entre si;

embora circunstancialmente possa o estar fazendo sob alguns aspectos, não é a

pretensão deste trabalho. Mas o propósito desta vez será um pouco diferente, ao invés

de tratarmos da problemática desse conceito enquanto apenas e somente análise

histórica, interessa-nos mais tratar sobre outra ótica, o messianismo explicado à luz da

mística do MST.

O que nos propusemos aqui é inventariar o aspecto religioso/profano popular do

messianismo, implicando em um distanciamento com relação a uma certa historiografia

que, em função de algo que Hobsbawm qualifica como uma deformação “racionalista” e

"modernista", tende a ignorar ou menosprezar esses movimentos, enxergando-os como

sobrevivências bizarras ou fenômenos marginais, mesmo que com algumas possíveis

omissões. Não se trata de um enfoque nos movimentos propriamente ditos, mas na sua

“herança”, no que se encontra sobre eles de mais relevante para uma melhor

compreensão sociológica. Não que inexistam estudos históricos, sociológicos e

antropológicos relativos a outros movimentos que não valham, seja pelo seu caráter

documental, seja pelo seu valor analítico, menção e exame. Os há e muitos. Mas é nos

estudos sobre os dois movimentos considerados que aparecem mais claramente as

questões teóricas e metodológicas que vale a pena serem retomados e que são

pertinentes a presente pesquisa.

Uma primeira controvérsia, de caráter conceitual, já se pode assinalar. Trata-se

de seu enquadramento numa mesma categoria, a de movimento messiânico. A marcada

liderança carismática aparece claramente nos dois conflitos, no Contestado de João

Maria e em Canudos de Antônio Conselheiro. Não há dúvidas de que os eventos

transcorridos em um e outro caso não teriam lugar sem suas lideranças; os movimentos

surgem sob sua condução, encontram seus rumos na orientação que elas lhes

imprimiram e terminam com suas mortes. É o caso do Contestado. Os monges que se

sucederam atuaram no sentido da gestação do mito messiânico, mas não conduziram o

30

movimento, tendo desaparecido o primeiro e morto em combate o segundo antes do

desencadeamento do surto milenarista que se seguiu.

Aliás, apenas o movimento do Contestado teria sido caracteristicamente

milenarista; faltam evidências da presença de um escatologia final no universo de

crenças dos movimentos de Juazeiro e Canudos. Do ponto de vista religioso, estes

parecem ter sido antes afirmações de um catolicismo popular que se queria

relativamente autônomo em relação à Igreja, com base em um misticismo temido por

ela, mas conhecido e controlável, do que propriamente heresias cismáticas capazes de

instituir crenças e igrejas outras, diversas das do quadro católico de origem. Vinhas de

Queiroz, um dos maiores estudiosos do movimento, realmente levanta a hipótese da

gênese de uma nova religião, seguindo a seqüência da história sagrada cristã, afirmando

que apenas no caso do Contestado chegou-se a um “reencantamento do mundo” radical,

propiciador de um novo sagrado, tendo-se rompido totalmente com o “velho século” e

com a Igreja com ele identificada, mesmo assim criando-se, no caso de seu agente, o

padre, uma ambigüidade derivada da manutenção da santidade, não de todo perdida, de

sua palavra.

Maurício Vinhas de Queiroz foi o primeiro a realizar uma pesquisa realmente

histórica sobre o Contestado, levantando documentos escritos e produzindo documentos

primários a partir da tomada de depoimentos de remanescentes do movimento e seus

descendentes. Seu trabalho foi seminal, produzindo uma rica e aprofundada base para

interpretações posteriores. Em análises calcadas em referenciais marxistas. O

movimento, por sua fundamentação religiosa, expressaria uma "falsa consciência da

realidade, alienada, autista e mórbida” (QUEIROZ, 1977).

Na caminho traçado por Vinhas de Queiroz aparecem os estudos de Maria Isaura

Pereira de Queiroz, o primeiro dos quais tratando exatamente do caso do Contestado

(QUEIROZ, 1957). Além deste trabalho e do livro acima citado, este com edições

francesa e espanhola, a autora publicou mais de uma dezena de artigos em revistas

nacionais e internacionais. Sua obra sobre o messianismo é seguramente a mais

volumosa e ela tem sido reconhecida internacionalmente como a maior especialista no

assunto. O estudo inicial sobre o Contestado, a partir da documentação levantada por

Vinhas de Queiroz e generosamente colocada à sua disposição, balizou suas

interpretações sobre o messianismo. Além do Contestado, Pereira de Queiroz pesquisou

diretamente apenas o "Povo do Velho Pedro", em Santa Brígida, interior da Bahia. Este

teria sido seu modelo de "movimento reformista", na medida em que a comunidade

31

instituída por Pedro Batista, embora exigindo comportamento exemplar de seus

membros, recuperando e fazendo vigir os valores da moralidade católica camponesa,

estabelece relações de cooperação com as populações circunvizinhas e mesmo com os

governos municipal, estadual e federal.

Mas mesmo o Contestado, apesar da guerra civil em que se envolveu, não pode,

segundo a autora, ser considerado revolucionário, assim como Canudos. Os messias

sertanejos brasileiros teriam sido todos os líderes reformistas, sem qualquer veleidade

de derrubada da ordem vigente. Envolveram-se em lutas políticas sim, mas sempre

como aliados de mandatários regionais ou locais, em suas disputas contra outros

"mandões". O rompimento com as oligarquias locais, temerosas de seu vulto e de sua

independência em relação à dominação rotineira, conduziu à sua posterior destruição

pelo inseguro Estado Republicano emergente, alarmado pela ameaça de

restauracionismo monárquico.

Não obstante seus inúmeros méritos (outros há além dos mencionados,

certamente), Maria Isaura Pereira de Queiroz não pôde, contudo, deixar de sentir os

efeitos das limitações do seu próprio método. Embora extremamente sensível ao drama

social e humano em que se constituem os movimentos que estudou, e apesar de ter se

declarado "romeira de Pedro Batista", os quadros interpretativos de que se valeu

partiram de questões exógenas ao universo dos agentes estudados, com base em um

referencial teórico e em significados que lhe foram atribuídos do exterior.6 A

recorrência a conceitos genéricos (messianismo, milenarismo, reforma, revolução,

tradição, modernidade, anomia), não obstante sua valia no caso de estudos

comparativos, não deixa de ser apriorística e reducionista da religião vivida no concreto.

Esta seria, para a autora, apenas um simples canal de reivindicações sociopolíticas, sem

eficácia criativa. O mito milenarista nada mais seria do que o padrão capaz de moldar a

reação contra a crise, esta sim determinante.

Dos casos "clássicos" de movimentos messiânicos brasileiros, o mais pesquisado

e profundamente analisado foi certamente o do Contestado. Não porque tenha sido o

mais trágico: certamente Canudos se lhe equipara. Não, também, pela sua duração (foi o

mais curto deles) ou pelo número de pessoas envolvidas (sob este aspecto, Canudos o

superaria de longe). Talvez o movimento do Contestado tenha sido o mais instigante

devido justamente ao seu claro e evidente imaginário milenarista. Mas deve também ter

pesado a excelente e fertilizadora influência dos exaustivos levantamentos de Vinhas de

Queiroz, que propiciaram farta documentação passível de ser interpretada de diferentes

32

ângulos. Dos vários autores que se dedicaram a decifrar os enigmas do messianismo, a

entender suas “excentricidades” e “irracionalidades”, poucos foram além das

explicações dos casos concretos que estudaram. As generalizações e explicações

globalizantes são escassas. As reconstruções históricas e os trabalhos etnológicos, pelo

seu apego maior aos estudos de casos, disciplinarmente requerido, abdicam de fazê-lo.

Podemos constatar que messias e milênio são conceitos derivados da tradição judáico-

cristã, que constitui a base do catolicismo ortodoxo, mas não pertencem aos modos da

religiosidade popular no meio rural brasileiro. Elas são, sobretudo, categorias úteis para

definir e classificar um tipo de fenômeno religioso que ocorre nas mais diversas culturas

e nas mais diversas épocas. Tais categorias – herdadas de uma história religiosa tão

hegemônica como a judáico-cristã – foram funcionais também para a recuperação da

"dignidade" histórica e religiosa de manifestações e de povos até então "selvagens" e

"bárbaros". O messianismo seria assim, a forma que assumem os movimentos

insurrecionais de escravos, de camponeses ou de povos oprimidos, quando se produz

uma situação de privação ou desespero coletivo. Pois a abordagem ao fato messiânica

não se dá apenas pelas categorias sociológicas buscando relações econômico-sociais

encobertas pela ideologia religiosa, mas também por meio de parâmetros de

investigação do próprio pensamento religioso: mito, rito, agentes do sagrado e suas

relações.

A quem cabe, então, essa tarefa? Se o objetivo da sociologia é o de encontrar

semelhanças, significa, talvez, recuperar a especificidade de cada um, sua concretude

histórica, sua singularidade, dialogando ao mesmo tempo com as teorias interpretativas

e, sobretudo, com outras disciplinas, na busca de uma metodologia cada vez mais

aperfeiçoada para a apreensão de um fenômeno único, e paralelamente compreensível

dentro de um quadro mais amplo de referência. Tratando, afinal, de privilegiar a

compreensão sem sacrificar a explicação

No sentido da recuperação da religiosidade popular como sistema de crenças e

práticas que dão sentido ao mundo e capazes de modificá-lo. Na passagem do fenômeno

a objeto de estudo sociológico, o catolicismo popular cria uma ordem universal com a

qual se funda a própria ordem social, ao serem projetados no universo os significados da

ordem construída pelo homem. Propõe-se, então, para uma compreensão mais profunda

do messianismo enquanto sistema de crenças e valores, mas também de práticas, o

estudo das formas do catolicismo popular praticado no país, cujas variações podem

ajudar a entender os diferentes projetos messiânicos e seus desdobramentos no futuro.

33

Os movimentos tornam-se assim sujeitos de história, de uma história que deve ser re-

escrita com a mesma linguagem com a qual foi escrita: a linguagem sagrada. A relação

entre mito e história se inverte: é o tempo presente, agora, que pode fundar o tempo

futuro, o único tempo vivível. Para isso, o presente deve assumir as conotações do

tempo mítico: o tempo de espera das novas eras deve ser um tempo protegido, um

tempo sacralizado, como é o tempo da festa. Assim, o tempo em que acontece a ação

concreta dos homens para alcançar a dimensão salvífica é o horizonte protetor desta

ação. É a "festa permanente" (estado de exceção) relação dialética entre sagrado e

profano.

Do contrário, se a dinâmica interna dos movimentos mostra uma visão dialética

tendendo à reabertura ao profano, os movimentos devem ser considerados, a pleno

título, históricos, não apenas porque se realizam historicamente, mas também porque

projetam o plano da salvação no real e na história.

Sob um ponto de vista parecido com Izaura, Pereira de Queiroz, Eric J.

Hobsbawm observa que, para compreender essas revoltas, é preciso partir da

constatação de que a modernização, o surgimento do capitalismo nas sociedades

camponesas tradicionais, a introdução do liberalismo, significa um cataclismo social

que as desarticula por completo. Quer essa chegada do mundo capitalista moderno seja

um processo insidioso, que se dá pela atuação de forças econômicas que os camponeses

não compreendem, quer ela irrompa de maneira brutal, pela conquista ou troca de

regime, ela é vista por eles como agressão mortal a seu modo de vida. As revoltas

camponesas contra essa nova ordem, sentida como insuportavelmente injusta, em

muitos casos são inspiradas pela nostalgia do mundo tradicional, dos "bons e velhos

tempos" em maior ou menor grau míticos.

Entre o milenarismo e a revolução existiria uma sorte de "afinidade eletiva" - a

terminologia é de Michael Löwy, e não de Hobsbawm -, uma analogia estrutural: "A

essência do milenarismo, a esperança de uma transformação completa e radical do

mundo que se traduzirá na chegada do novo milênio, não se limita ao primitivismo. Está

presente, quase que por definição, em todo movimento revolucionário".

É aí, nesta discussão, que nos interessa sabermos e investigarmos a luz das

teorias existentes a respeito do messianismo e conflitos sociais uma distinção cuidadosa

entre milenarismos primitivos e revolucionarismos modernos, Hobsbawm insiste em

seu parentesco (ou afinidade) eletivo: "Mesmo os menos milenaristas dos

revolucionários modernos têm um traço de "impossibilismo" que faz deles os "primos"

34

dos taboritas e dos anabatistas, parentesco que, aliás, nunca negaram" (HOBSBAWM,

1978).

Os movimentos milenaristas foram e ainda continuam sendo considerados de

"primitivos" (termo que Hobsbawm e Pereira de Queiroz utilizam com freqüência) e

que se configurou aos olhos dos camponeses que lutaram na Guerra do Contestado, uma

nova religião, a verdadeira religião do Cristo - traída pelos sacerdotes aliados dos ricos -

que anunciava a chegada de um mundo novo, sem pobreza, fome e frio, segundo a

vontade de Deus. Em suas manifestações, carregavam crucifixos e imagens santas, e o

movimento, que contava com importante participação de mulheres, se alastrou em

1912-1916 como uma epidemia: as massas camponesas eram conduzidas pela crença

messiânica na iminência do surgimento de um novo reinado de justiça. Ao mesmo

tempo, como mostram vários depoimentos, "não havia dúvida de que o que os

camponeses queriam era uma revolução, uma sociedade nova, igualitária”, a

“monarquia do sertão”:

... no conceito de “monarquia”, desenvolvido durante as lutas do Contestado, não havia apenas embelezamento dos tempos idos, nem foi esta sequer a tendência afinal preponderante. Por “monarquia” entendiam os sertanejaos a nova ordenação social instituída por José Maria (a “lei” de José Maria), que tinha caráter sagrado (era a “lei de Deus”) e destinada a vencer e substituir o detestado regime existente, a República (a “lei do diabo”).

... lutavam os sertanejos do Contestado não pela restauração de monarquia alguma, se é que emprestamos a esta palavra o conteúdo semântico que tem para nós, mas por um “reinado de paz, prosperidade e justiça na terra. Era esta a “monarquia” que – segundo julgavam – José Maria tinha prometido a seus crentes. (QUEIROZ, 1977, págs. 140-141)

É interessante notar que o messianismo de Canudos e Contestado, estiveram

presente na gênese dos modernos movimentos camponeses. Mas o que queremos

apreender é se este entusiasmo messiânico original se metamorfoseou em algo mais

durável: uma espécie de fidelidade histórica, permanente e organizada a um movimento

social moderno. Para Hobsbawm, "o messianismo não está condenado a ser um

fenômeno temporário, mas pode, sob condições favoráveis, ser o fundamento de uma

forma de movimento permanente e extraordinariamente forte". Em outras palavras, o

milenarismo não deve ser visto unicamente como "uma sobrevivência comovente de um

passado arcaico", mas como uma força cultural que permanece ativa, sob outra forma,

nos movimentos sociais e políticos modernos.

35

Quanto ao MST, que tem suas raízes socioculturais na Pastoral da Terra da

Igreja Católica, nas comunidades de base e na Teologia da Libertação, nos interessa

saber se também se caracteriza por um misto de religiosidade popular, revolta

camponesa "arcaica" e organização moderna, na luta radical pela reforma agrária e, a

longo prazo, por uma "sociedade sem classes". Esse movimento, de forte componente

emocional, "místico" - é o termo que utilizam os próprios militantes para designar o

estado de espírito dos participantes- ou "milenarista" (no sentido mais amplo do termo),

reúne centenas de milhares de camponeses, meeiros e trabalhadores agrícolas e tornou-

se hoje o mais importante movimento social do Brasil, a principal força de contestação

da política de modernização neoliberal empreendida por sucessivos governos

brasileiros.

36

Capítulo 3

A MÍSTICA NO ASSENTAMENTO DO CONTESTADO

3.1. A MÍSTICA VISTA PELO PRÓPRIO MOVIMENTO

O presente capítulo tem a intenção de analisar qual é o sentido da mística para o

movimento, como ela se articula ainda hoje com essas influências, que entendemos

como sendo a teologia da libertação, o marxismo e os movimentos messiânicos

presentes nas histórias de Canudos e Contestado. Depois de um histórico e discussão

teórica acerca destas três concepções do que seriam as “raízes” da mística nos capítulos

anteriores, discutiremos as implicações, a confirmação da hipótese ou refutação dela,

através da análise das entrevistas feitas no Assentamento Contestado do MST,

localizado entre os municípios de Balsa Nova e Lapa.

Primeiramente cabe uma contextualização da escolha deste assentamento para a

pesquisa

3.2. A ENTREVISTA

As entrevistas foram realizadas entre os dias 26 de outubro e 2 de novembro de

2008, no próprio assentamento, e tiveram como entrevistados os integrantes do

movimento:

Chicão, um dos fundadores do MST no Paraná, atualmente é aluno da quarta

etapa da Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA), que tem sua sede neste

mesmo assentamento, Sandra, coordenadora pedagógica da ELAA, e integrante do

movimento e da Via Campesina9, Sebastião “Chinês”, integrante do MST e Laura,

também aluna da quarta etapa da ELAA, integrante do movimento desde 1985 e

moradora do assentamento São Francisco, localizado no município de Teixeira Soares.

Ouvindo Chicão entendemos que a mística do MST é fruto de uma influência da

Igreja Católica misturada à experiência cultural dos camponeses e que hoje o

9 Fundada em Abril de 1992, quando vários dirigentes camponeses da América Central, da América do Norte e da Europa reuniram-se em Manágua, Nicarágua no contexto do Congresso da União Nacional de Agricultores e Pecuaristas, a Via Campesina tornou-se um movimento internacional que coordena organizações camponesas de pequenos e médios agricultores, trabalhadores agrícolas, mulheres rurais e comunidades indígenas da Ásia, África, América e Europa. Trata-se de um movimento autônomo, pluralista, mas com ligações políticas e econômicas. Está formada por organizações nacionais e regionais cuja autonomia é respeitada. Está organizada em oito regiões: Europa do Leste, Europa do Oeste, Nordeste e Sudeste da Ásia, Sul da Ásia, América do Norte, Caribe, América Central e América do Sul.

37

movimento se vê como responsável por propagar e multiplicar essas experiências, pois

já foi capaz de transformá-las de acordo com seus referenciais. Afirma que a mística

cumpre a função de expressar os valores e as convicções do movimento.

Na Encruzilhada Natalino o centro do acampamento era demarcado por uma

cruz, em torno da qual os agricultores se reuniam em assembléias e celebrações. Essa

cruz de três metros de altura tornou-se símbolo da "luta" e da identidade dos

agricultores, por eles portada tanto em procissões como em atos públicos.

Ali aprenderam que, "na Mística, os símbolos desempenham o papel de guias

que representam o esforço coletivo; não são mitos, são reais e, por isso, cantar o Hino

(Nacional) com os punhos fechados não é um simples gesto, representa desobediência à

ordem estabelecida". A bandeira e a foice são os principais símbolos do MST e devem

ser exibidos com orgulho e destaque nas caminhadas, ocupações de prédios públicos,

marchas, acampamentos e invasões de terra. "A militância precisa de um templo que

consolide seu caráter e o compromisso com os ideais de uma nova sociedade: a Mística

tem essa função!"

Quem decide as linhas, as formas e as cores da Mística? "Essa é uma tarefa

desenvolvida pelos dirigentes que, por lógica, possuem a visão do futuro com clareza e

vivem a esperança de transformações com maior intensidade." Por esse motivo cabe aos

militantes manter a disciplina no cumprimento dos acordos coletivos feitos pelos

dirigentes e nunca os entender como uma ordem de cima.

"A disciplina brota do interior do militante como uma postura de zelo e

segurança pela própria vida e pela vida do movimento; as orientações construídas

coletivamente ajudam a combater dentro de cada um o vício de amparar-se nos outros, a

mania de improvisação e a idéia da concorrência." E para que as brasas da Mística

permaneçam rubras e ardentes é preciso jamais esquecer o objetivo - a libertação do

proletariado e a tomada dos bens de produção. Ao mesmo tempo, os militantes não

podem deixar de acreditar que "são válidas todas as formas de luta possível, tendo

sempre em mente o poder".

A Mística volta a ser exaltada como "a arte de incentivar e manter os lutadores

animados e felizes", como "a força que vence a depressão depois de uma derrota" e

como "a razão para lutar com outros por uma grande causa coletiva, o socialismo, causa

pela qual vale a pena lutar e morrer!"

Para que os trabalhadores tenham um incentivo cada vez maior para as ações, o

sentimento deve ultrapassar ao da própria necessidade de terra para trabalhar. O

38

sentimento deve chegar a um ponto quase religioso. Para isso é trabalhado, durante os

cursos, a questão da “mística” do MST. Ali aprenderam que, “na Mística, os símbolos

desempenham o papel de guias que representam o esforço coletivo; não são mitos, são

reais e, por isso, cantar o Hino da Internacional Socialista com os punhos fechados não

é um simples gesto, representa desobediência à ordem estabelecida, a coragem de lutar

por uma outra realidade que não esta”. A bandeira e a foice são os principais símbolos

do MST e são exibidos com orgulho e destaque nas caminhadas, ocupações de prédios

públicos, marchas acampamentos e ocupações de terra. “A militância precisa de um

templo que consolide seu caráter e o compromisso com os ideais de uma nova

sociedade: a mística tem essa função!”

Analisando o material do MST referente à mística, encontramos muito material,

que tivemos dificuldade para selecionar o que poderia contribuir para a pesquisa, dentre

estes materiais, fiquei com as obras de Ademar Bogo, intelectual orgânico do

movimento, Ranulfo Peloso, que desenvolveu uma cartilha intitulada “A Força que

Anima os Militantes”, uma cartilha para ser estudada no curso de formação política do

MST, desenvolvida por Leonardo Boff, Frei Betto e Ademar Bogo e por fim, um livro

didático utilizado pelas escolas do MST espalhadas pelo Brasil chamado “História da

Luta pela terra e o MST”.

Nestas obras o s autores descrevem em alguns capítulos as principais

características da mística, tanto a mística cotidiana, “que todo militante, sonhador,

utópico” deve ter e exercitar, como a mística própria do MST, mostrando que ela se

utiliza de ritos, manifestações artísticas com o teatro do oprimido, desenvolvida por

Augusto Boal e José Celso Matinez Correa, dança, canto e uma gama de símbolos. Um

aspecto importante a ser considerado é que essas atividades têm um caráter comunitário

e envolvem toda a família dos membros do movimento, assim como fiéis de várias

religiões. Além disso, no MST, a mística não se identifica apenas com os segmentos

religiosos, reúne crentes e não-crentes, lideranças políticas e militantes do movimento.

Todos participam.

39

Alguns autores que escrevem ou falam da mística e possuem um envolvimento

de militância no MST mostram-se sempre contagiados e empolgados com a causa. Isso

reforça a idéia citada a pouco de que a mística inclui a todos.

Para os membros do movimento, assentados e alunos, a mística do movimento

evoca dois significados combinados. Mística quer dizer um sentimento muito forte que

une as pessoas em torno de objetivos comuns, e que se manifesta naquele “arrepio da

alma” que se materializa em pranto. A experiência mística traz para os sentidos toda

uma gama de emoções vividas nas práticas grupais.

Para eles aprofundar a mística é construir o homem e a mulher novos. É a

mística que nos motiva e imprime sentido à nossa vida individual e ao nosso esforço

comunitário ou coletivo. A mística de natureza religiosa se nutre nas fontes da oração,

na meditação da Bíblia, no exemplo de Jesus e dos grandes mestres espirituais;

enquanto de natureza laica, no exemplo dos grandes militantes da utopia como Gandhi,

Luther King, Che, Zumbi, Chico Mendes etc.

A mística faz com que abracemos os novos valores - solidariedade, participação,

partilha etc. - que forjam em nós o homem e a mulher novos. A sociedade se faz nova

quando nos fazemos novos. E ao nos fazer novos, transformamos a velha sociedade em

nova. Uma coisa depende e está ligada a outra.

Nossos valores devem estar enraizados no coração. Isso exige um

aprofundamento de nossa subjetividade. Nossa esperança não é só política. É também

espiritual. Os novos valores devem ser vividos nas relações interpessoais, de gênero,

família e companheirismo, sem o risco de se transformar em militonto, aquele que

participa de tudo mas, na vida pessoal, contradiz o que prega e defende, pois jamais

reserva tempo à oração, à família, ao estudo, ao lazer, tornando-se suscetível de perder o

equilíbrio mental e a saúde física e espiritual.

Resgatar a utopia. O neoliberalismo prega o "fim da história", das grandes

místicas que dão sentido à vida, das ideologias, das utopias. Agora, tudo é "aqui e

agora", a cultura vira mero entretenimento, as grandes narrativas despedaçam-se em

fragmentos, a história restringe-se à vida privada e a detalhes.

O MST se tornou de vários modos expressão do catolicismo militante, pelo

apoio moral, logístico e material. Importou da igreja formas litúrgicas de manifestações

de massa, expressões ampliadas das romarias da terra, variantes políticas das procissões

religiosas. O MST não se move apenas com base em ideologia política, mas sobretudo

com base na mística milenarista de um tempo de redenção dos pobres e oprimidos.

40

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A mística é exatamente a capacidade de produzir significados para dimensões da

realidade que estão presentes, e que pode ser considerada como parte de uma “religião

subversiva”, uma religião comprometida com as transformações sociais. Se a crença

religiosa se estabelecer de maneira horizontal e histórica, ou seja, remetem as pessoas

ao futuro, à utopia do ainda não é, mas que pode vir a ser, com perseverança e o

sacrifício de cada um. É uma experiência pessoal, mas necessariamente produzida em

uma coletividade, porque o sentimento que lhe gera é fruto de convicções e valor

construído no convívio em torno de causas comuns, neste sentido se pode dizer que o

MST resignificou a própria experiência de mística, ainda que mantenha sua raiz cultural

e utilize símbolos e mitos dos grupos que lhe deram origem.

O MST trata da mística como sendo o “tempero” da luta ou a paixão que anima

os militantes. Não é simples explicá-la, exatamente porque sua lógica de significação

não se expressa tanto em palavras, mas muito em gestos, em símbolos, em emoções. Na

própria palavra está contido o limite de uma tentativa de compreensão, mística quer

dizer mistério, ou seja, se for completamente desvelada perderá a essência de seu

sentido. É por isso que, no movimento. Costuma-se concordar com a afirmação de que a

mística é uma realidade que mais se vive do que se fala sobre ela. Mas, de qualquer

modo, é possível identificar alguns elementos deste sentido para podermos compreender

como participam da formação dos Sem Terra.

O conceito de mística está impregnado da influencia católica/luterana. Os

autores adotam a idéia de mistério como algo que se revela, mas não inteiramente, e por

isso mobiliza as pessoas, emocional e ideologicamente, para conquista de terra. A partir

disso, a utopia se torna um dos elementos mais presentes, pois, se a terra demorar a

chegar, é preciso sonhá-la, se já chegou, é preciso sonhar com um país mais justo e mais

fraterno. O projeto está sempre inacabado, uma eterna utopia, palavra que significa não-

lugar.

Esse sincretismo que o MST faz entre religião-mística-política–movimento pode

ser encarado como um fenômeno que se transforma no bojo de um movimento social

com forte influência do materialismo histórico-dialético e da utopia cristã de um mundo

novo. E ainda o movimento garante, por meio das místicas (sejam elas representações

ou vivência cotidiana), um “espaço sagrado” que cabe a todos. Nesse espaço,

apresentam-se críticas ao sistema e sonha-se com uma nova terra na qual “correrão leite

e mel”. Para isso, utiliza-se estratégias como canto e dança, que mobilizam os sentidos e

41

provocam o choro e a alegria dos participantes. Até mesmo a idéia de divindade

impregna-se do movimento, da luta, religião oficial ou da religiosidade popular.

A mística é um desnudamento da religiosidade da política ou da politização da

religião historicamente construída. O que não podemos negar é que a religião é uma

possibilidade existente no Movimento.

42

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