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Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras Programa de Pós-Graduação em Linguística PROCESSAMENTO DE ORAÇÕES RELATIVAS NA AQUISIÇÃO DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EM CONTEXTO DE INPUT VARIÁVEL Ana Cristina Baptista de Abreu Rio de Janeiro 2019

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Faculdade de Letras

Programa de Pós-Graduação em Linguística

PROCESSAMENTO DE ORAÇÕES RELATIVAS NA AQUISIÇÃO DO

PORTUGUÊS BRASILEIRO EM CONTEXTO DE INPUT VARIÁVEL

Ana Cristina Baptista de Abreu

Rio de Janeiro

2019

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PROCESSAMENTO DE ORAÇÕES RELATIVAS NA AQUISIÇÃO DO

PORTUGUÊS BRASILEIRO EM CONTEXTO DE INPUT VARIÁVEL

Ana Cristina Baptista de Abreu

Tese de doutorado apresentada ao Programa de

apresentada Pós-Graduação em Linguística da

Universidade Federal do Rio de Janeiro como

requesito para a obtenção do Título de Doutora em

Linguística.

Orientadora: Prof. Doutora Christina Abreu Gomes

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2019

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ABREU, ANA CRISTINA BAPTISTA DE

A162p Processamento de Orações Relativas na Aquisição do Português

Brasileiro em Contexto de Input Variável

/ ANA CRISTINA BAPTISTA DE ABREU. -- Rio de Janeiro, 2019.

155 f.

Orientadora: Christina Abreu Gomes.

Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Faculdade de Letras, Programa de Pós Graduação em Linguística,

2019.

1. Aquisição da Linguagem . 2. Orações Relativas.

3. Variação . 4. Compreensão . 5. Produção . I. Gomes, Christina

Abreu , orient. II. Título.

CIP - Catalogação na Publicação

Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidos pelo(a)

autor(a), sob a responsabilidade de Miguel Romeu Amorim Neto - CRB-7/6283.

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PROCESSAMENTO DE ORAÇÕES RELATIVAS NA AQUISIÇÃO DO

PORTUGUÊS BRASILEIRO EM CONTEXTO DE INPUT VARIÁVEL

Ana Cristina Baptista de Abreu

Orientadora: Christina Abreu Gomes

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em

Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro –UFRJ, como parte dos

requisitos necessários para obtenção do título de Doutor em Linguística.

Examinada por:

_________________________________________________________________

Presidente, Profa. Doutora Christina Abreu Gomes

_____________________________________________________________________

Profa. Doutora Maria Maura da Conceição Cezário, UFRJ, PPG-Linguística

_____________________________________________________________________

Profa. Doutora Maria da Conceição Auxiliadora de Paiva, UFRJ, PPG-Linguística

______________________________________________________________________

Profa. Doutora Maria Eugênia Lammoglia Duarte, UFRJ, PPG-Vernáculas

_________________________________________________________________

Profa. Doutora, Maria Jussara Abraçado de Almeida, UFF, PPG Estudos Linguísticos

______________________________________________________________________

Prof. Doutor Marcelo Alexandre Lopes de Melo, UFRJ, PPG-Linguística, suplente

______________________________________________________________________

Profa. Doutora, Mariângela Rios de Oliveira, UFF, PPG-Linguística, suplente

Rio de Janeiro

Fevereiro 2019

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Tenho o privilégio de não saber quase tudo.

E isso explica

o resto.

Manoel de Barros

[...] antes de a criança ter adquirido linguagem

gramatical e escrita, ela sabe como fazer várias

coisas sem saber que sabe.

Lev Vigotsky

Eu só faço travessuras com palavras.

Não sei nem me pular quanto mais obstáculos

Manoel de Barros

Através dos outros nos tornamos nós mesmos.

Lev Vigotsky

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Dedicatória

Dedico esta tese aos meus pais pelo

carinho com que sempre participaram

de todos os momentos, não só de

elaboração deste trabalho, como

desde o começo da minha vida

acadêmica, me apoiando em tudo,

torcendo por todas as minhas

conquistas e compreendendo todos os

meus desaparecimentos dentro do

quarto para escrever.

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Agradecimentos

A Deus por todas as oportunidades que apareceram em toda a minha vida e por me dar

força para realizar este trabalho.

Aos meus pais Luiz Carlos de Abreu e Damiana de Oliveira Baptista por todo o apoio,

incentivo, paciência e compreensão em todos os momentos de felicidade ou de

dificuldades e por estarem sempre comigo.

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pelo apoio

financeiro que possibilitou esta pesquisa.

À minha orientadora Christina Abreu Gomes, com quem eu aprendi muito mais do que

a pesquisar, que sempre acreditou no meu potencial desde a Iniciação Científica, me

guiou durante Mestrado e Doutorado na vida acadêmica com muita sabedoria, paciência

e energia, sempre me auxiliando a aprender sempre mais, a buscar novos

conhecimentos, a não temer os desafios e a evoluir.

Às Professoras Doutoras Maria Maura da Conceição Cezario e Maria da Conceição

Auxiliadora de Paiva por suas sugestões durante o exame de qualificação, que me

ajudaram a aprimorar e contribuíram significativamente para este estudo.

À Miriam Cristina Almeida Severino, Mestre em Linguística, pelo auxílio com a

gravação dos estímulos do experimento de produção, pela amizade durante os trabalhos

de Graduação e Pós-Graduação.

À Fernanda Duarte Senna, Doutora em Linguística, pelo imenso auxílio com o

programa utilizado para a montagem do experimento de produção.

A Yalis Lima, por emprestar a sua voz para gravação dos estímulos sonoros e a Diego

Freitas, doutorando em Linguística, pelo auxílio e disposição para fazer os desenhos

utilizados no experimento de compreensão.

A Maria Fernanda, Doutora em Linguística, pelo imenso auxílio com o programa

Cantasia Studio e na montagem do experimento de compreensão

A toda a equipe das escolas Centro Educacional Aragão Torquato (Vovó Enny), Jardim

Escola Brilho do Sol e Instituto Olavo Bilac, que me receberam, novamente, com todo o

carinho e confiança abriram as portas de suas instituições para que eu realizasse esta

pesquisa, facilitando minha entrada, interação com seus alunos e me dando todo o

suporte com as informações necessárias.

A todos os participantes dos experimentos que sempre me receberam com muita alegria

e que também me ensinaram muito com suas curiosidades.

Ao Marcelo Alexandre Silva Lopes de Mello, Doutor em Linguística, não só pelos

conselhos, mas também por compartilhar os momentos de dúvidas e descobertas e por

sempre acompanhar minhas apresentações acadêmicas.

A todos os amigos que fiz no período da Graduação por todos os momentos de alegria e

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descontração durante toda esta jornada.

A Isabela da Silva, Eduardo Cardias, Yuri Passos, Thaís Monteiro, Luís Jr. Dantas,

Daniel Maffra, Tatiane Gamelloni, Luísa Martins, Guilherme Pereira, Stéphanie Silva,

Fernanda Ribeiro, Vanessa Cristina e Leidjane Soares, amigos de ensino fundamental e

de ensino médio, por muitos momentos de alegria e descontração e por vibrarem com as

minhas conquistas e torcerem por cada uma delas.

Muito Obrigada!

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RESUMO

Esta pesquisa se propõe a investigar o processamento de orações relativas no

Português Brasileiro (PB) observando a compreensão e a produção por crianças em

estágio aquisitivo moradoras do Rio de Janeiro. As orações relativas no PB constituem

uma variável sociolinguística e, segundo Tarallo (1986, 1993) e Mollica (2003),

encontram-se em um avançado estágio de mudança no que tange à relativização, visto

que o uso das relativas preposicionadas se concentra nas variantes não-padrão naquelas

orações em que o local de extração é preposicionado. Esta tendência faz parte do input

recebido pelas crianças em estágio de aquisição. Desta forma, as crianças têm acesso a

um input variável. Este trabalho adota os pressupostos da Sociolinguística

Variacionista e dos Modelos baseados no Uso, que apontam a importância do input e da

experiência advinda deste para a aquisição, já que é através do uso da língua em

contextos de interação que a gramática emerge, segundo Ambridge, Kidd, Rowland,

Theakston (2015) e Tomasello (2000, 2006). Ademais, baseia-se também no

pressuposto de Diessel e Tomasello (2005), Diessel (2009) e Diessel & Hilpert (2016),

segundo o qual a frequência e similaridade da estrutura em aquisição com outras

sentenças da língua também exercem papel na aquisição. Para a realização destas

investigações, a pesquisa utiliza dois experimentos, já que através de ambientes

controlados é possível investigar melhor o comportamento das crianças perante as

estruturas pouco frequentes na fala como as orações relativas. Foi elaborado um

experimento para acessar a compreensão das relativas pelas crianças através de seleção

de figuras, ao passo que a produção foi observada através de um experimento de

repetição já aplicado por Abreu (2013). Este foi reaplicado visando comparar o

comportamento das mesmas crianças para a produção e a compreensão. Os resultados

do experimento de compreensão realizado com crianças com idades entre 3;0 e 6;11

revelou que as relativas são adquiridas em processo de expansão gradual, de maneira

que a experiência influencia neste processo, já que houve uma queda nos níveis de erros

em todas as posições sintáticas utilizadas com o aumento da idade. Com relação ao local

de extração, as relativas de sujeito são as mais simples, independentemente da variante,

isto é, apresentaram menor taxa de erro, ao passo que as relativas de objeto direto e

complemento preposicionado foram as mais complexas para todas as crianças

independentemente da idade. Este resultado comparado ao da produção de relativas de

objeto direto do estudo de Abreu (2013) e o obtido no presente estudo, indica que, para

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as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica,

principalmente considerando o desempenho das crianças mais velhas. O experimento

revelou também que as relativas de complemento preposicionado, para as crianças mais

novas, foram as mais difíceis, uma vez que apresentaram as maiores taxas de erros,

decrescendo entre as mais velhas. Neste último caso, a frequência de uso da variante

cortadora, frente à variante padrão e a similaridade estrutural com a estrutura SV(O),

não só facilitaram a compreensão, como também possibilitaram um mapeamento dessas

estruturas, já que são variantes da mesma variável, ampliando os padrões de língua

abstraídos, fazendo com que a produção se mostre como mais tardia em relação à

compreensão.

Palavras-chave: Aquisição da Linguagem, Orações Relativas, Variação, Compreensão,

Produção.

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ABSTRACT

This research aimed at investigating the processing of relative clauses in

Brazilian Portuguese (BP), observing the comprehension and the production of

preschool children in acquisition stage in Rio de Janeiro. Relative clauses in BP

constitutes a sociolinguistic variable, and according to Tarallo (1986,1993) and

Mollica(2003), they are in an advanced stage of change concerning relativization, since

the usage of prepositioned clauses is concentrated in non-standard variants in those

clauses. This tendency is part of the input received by children in acquisition process.

Thus, children have access to a variable input. This study adopts the assumptions of

Variationist Sociolinguistics and Usage based Models that indicate the importance of

the input and the experience extracted from the input for acquisition, since through

language usage in interaction contexts, grammar emerges, as Ambridge, Kidd,

Rowland, Theakston (2015) and Tomasello (2000, 2006) argue. Also, it is based in the

assumptions of Diessel e Tomasello (2005), Diessel (2009) e Diessel & Hilpert (2016)

who argue that frequency and similarity of the acquiring structure with other sentences

in the language play a role in the acquisition. In order to accomplish these

investigations, this research uses two experiments, because through controlled

conditions, it is possible to better investigate the behavior of children in face of

structures that have low frequency in the speech, such as relative clauses. For this

reason, an experiment was elaborated to access children comprehension of relative

clauses through a picture selection task, while production was observed through an

elicited repetition task that has already been used by Abreu (2013). This experiment was

used for comparing the behavior of the same children in production and comprehension.

The results of comprehension experiment applied to children between 3;0 and 6;11

revealed that relative clauses are acquired in gradual process of expansion, so that

experience influences this process, since there was a decrease in errors rate in all

syntactic positions within the growth in age. Concerning extraction locus, subject

relatives are the simplest, regardless of their variants, that is, they presented low rate of

errors while direct object and prepositioned complement relatives were the most

complex for all children regardless of the age. This result is compared to the production

of direct object relative clauses in Abreu (2013) and the results presented here indicates

that for relatives, comprehension and production are not always in a symmetric relation,

mainly it is considered the performance of older children. The experiment also revealed

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that prepositioned complement relatives were the most difficult for younger children, as

they presented higher error levels that decreased among the oldest. In this case, the

frequency of use of PP-chopping in comparison with the Prepositioned Piedpiping

relatives and the similarity with the SV(O) structure, not only facilitated the

comprehension, but also made the mapping of these structures possible, since they are

variants of the same variable, increasing the abstracted language patterns, causing the

production to lag behind comprehension.

Keywords: Language acquisition, Relative Clauses, Variation, Comprehension,

Production

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Lista de Tabelas

Tabela 1: Participantes da reaplicação do experimento de repetição.----------------------90

Tabela 2: Resultado da Regressão logística para os dados de Compreensão-------------99

Tabela 3: Resultado da regressão logística para avaliação da significância dos fatores.---

-----------------------------------------------------------------------------------------------------100

Tabela 4: Regressão logística para as variáveis Experimento de compreensão---------100

Tabela 5: Resultados de Resultado da Regressão logística para idade.------------------101

Tabela 6. Tabela Acerto/Erro para cada lista do Experimento ----------------------------102

Tabela 7: Significância dos grupos de fatores sem local de extração---------------------103

Tabela 8: Distribuição dos erros por tipo de relativa e variante por Grupo etário------104

Tabela 9: Resultados de Efeito Misto---------------------------------------------------------111

Tabela 10 : Regressão logística com variáveis de efeitos aleatórios ---------------------112

Tabela11: Distribuição dos Tipos de Erros por Local de Extração-----------------------113

Tabela 12: Distribuição dos erros por tipo de relativa e variante por Grupo etário

(compreensão)-----------------------------------------------------------------------------------119

Tabela 13: Comportamento das crianças por Listas com 7 níveis de acurácia.---------122

Tabela 14: Comportamento das crianças por lista com 3 níveis de acurácia.-----------122

Tabela 15: Resultado da Anova realizada com os dados de Produção-------------------123

Tabela 16: Respostas para a Posição de Sujeito por idade e variante.--------------------124

Tabela 17: Respostas para a Posição de Objeto Direto por idade e variante (produção)---

-----------------------------------------------------------------------------------------------------128

Tabela 18: Respostas para a Posição de Objeto Indireto por idade e variante (produção)-

-----------------------------------------------------------------------------------------------------132

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Lista de figuras

Figura1: Figura de treino-----------------------------------------------------------------------149

Figura 2: Figura que representa um estímulo------------------------------------------------149

Lista de Gráficos

Gráfico 1: Frequência de tipo das relativas encontradas no input cf. Abreu (2013:85)-63

Gráfico 2 : Distribuição da variantes das relativas por local de extração-----------------64

Gráfico 3: Percentual de erros por faixa etária, local de extração e variante-----------104

Gráfico 4: Correlação entre Erros e idade para Relativas de Sujeito------------------------------112

Gráfico 5: Correlação entre Erros e idade para Relativas de Objeto Direto----------------------112

Gráfico 6 : Correlação entre Erros e idade para Relativas de Objeto Indireto-------------------112

Gráfico 7: Distribuição dos Erros de Compreensão para cada variante por Faixa Etária

(12 crianças)--------------------------------------------------------------------------------------119

Gráfico 8: Respostas para a Posição de Sujeito por idade e variante.--------------------124

Gráfico 9: Respostas para a produção elicitada de relativas básicas (padrão) e

copiadoras de Sujeito por idade e variante. ------------------------------------------------126

Gráfico 10: Respostas para a Posição de Objeto direto por idade e variante.-----------128

Gráfico 11: Respostas para a produção elicitada de relativas de Objeto Direto por idade

e variante. ---------------------------------------------------------------------------------------129

Gráfico 12: Respostas para a Posição de Objeto Indireto por idade e Variante--------132

Gráfico 13: Respostas para a Posição de Objeto Indireto por idade e Variante.-------133

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Lista de quadros

Quadro 1: Sentenças do experimento de Corrêa (1995) organizadas por Condição ---67

Quadro 2: Esquema de organização do experimento de compreensão-------------------150

Quadro3: Organização do experimento em sua lista 1.-------------------------------------151

Quadro4: Organização do experimento em sua lista 2.-------------------------------------151

Quadro 5: Distribuição dos sujeitos de acordo com a versão do teste.--------------------84

Quadro 6: Sentenças elaboradas para o experimento de Produção (Abreu ,2013)------152

Quadro 7: Organização do experimento de produção--------------------------------------155

Quadro 8: Classificação das respostas dos Participantes no experimento de compreensão

de acordo com Arnon (2010)--------------------------------------------------------------------97

Quadro 9: Classificação das respostas do experimento de produção elicitada---------121

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Sumário

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 18

1. AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM NA PERSPECTIVA DOS MODELOS

BASEADOS NO USO ................................................................................................ 23

1.1 Pressupostos dos Modelos baseados no Uso. ..................................................... 23

1.2 Aquisição da linguagem e da sintaxe nos Modelos baseados no Uso. ................. 25

1.3 Aquisição das orações relativas ......................................................................... 36

2. SOBRE AS ORAÇÕES RELATIVAS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO .............. 49

2.1 Orações Relativas no Português Brasileiro sob a Visão da Sociolinguística

Variacionista ........................................................................................................... 49

2.1.1 Formação das Orações Relativas Preposicionadas ....................................... 52

2.2 Caracterização do input variável na comunidade do Rio de Janeiro.................... 61

2.3 Aquisição de orações relativas no Português Brasileiro...................................... 66

3. OBJETIVOS, HIPÓTESES E METODOLOGIA. ................................................... 71

3.1 Objetivos e Hipótese ......................................................................................... 71

3.2 Metodologia ...................................................................................................... 76

3.2.1 O Experimento de Compreensão de Orações relativas................................. 77

3.2.1.1 A Elaboração do experimento .................................................................. 77

3.2.1.2 Os participantes do experimento de compreensão. ................................... 84

3.2.13. Variáveis de Análise. ............................................................................... 86

3.2.2 O Experimento de Produção Controlada de Orações Relativas .................... 87

3.2.2.1 A elaboração do experimento ................................................................... 87

3.2.2.2 Os participantes ....................................................................................... 90

3.2.2.3 As variáveis de análise. ............................................................................ 90

3.3. Metodologia Estatística para a Análise dos Dados ............................................ 93

4.COMPREENSÃO DE ORAÇÕES RELATIVAS .................................................... 96

4.1 Resultados do experimento de Compreensão de orações relativas ...................... 96

4.2 Análise dos tipos de erro ................................................................................. 113

4.3 Discussão ........................................................................................................ 115

5. CONJUGANDO COMPREENSÃO E PRODUÇÃO ............................................ 118

5.1 Resultados dos Experimentos de Compreensão e de Produção ......................... 118

5.1.1 Experimento de Compreensão .................................................................. 118

5.1.2 Experimentos de Produção........................................................................ 120

5.2.Discussão ........................................................................................................ 135

6.CONCLUSÃO ....................................................................................................... 139

REFERÊNCIAS: ...................................................................................................... 144

Anexos...................................................................................................................... 149

Anexo I- Figura1: Figura de Treino ...................................................................... 149

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Anexo II- Figura 2:Figura que representa um estímulo .......................................... 149

Anexo III .............................................................................................................. 150

Anexo IV- Lista dos estímulos–alvo (perguntas) do experimento de compreensão 151

Anexo V – Lista das sentenças criadas para estímulos sonoros do experimento de

produção elicitada de Abreu (2013) ....................................................................... 152

Anexo VI- Organização do experimento de produção por local de extração, como em

Abreu (2013) ......................................................................................................... 155

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INTRODUÇÃO

Este trabalho trata da aquisição de orações relativas que constituem variáveis

linguísticas no Português Brasileiro, na comunidade de fala do Rio de Janeiro. Além

disso, considera que a experiência advinda do input é responsável pela aquisição destas

estruturas, sendo assim, a aquisição estará sujeita a influências da frequência de

ocorrência (quantidade de ocorrências de um item ou construção na fala), da frequência

de tipo (quantidade de itens que compartilham uma estrutura ou esquema) e da

similaridade estrutural, que se relaciona, no presente trabalho, à semelhança existente

entre as relativas e outras sentenças da língua, no que tange à ordem dos constituintes,

animacidade dos sintagmas nominais e papel temático recebido por estes a depender de

suas funções sintáticas. O input linguístico para as orações relativas foi descrito como

variável por Mollica (1977) e Tarallo (1983, 1986, 1993). Tarallo (1986:259) já

demonstra que, na fala de 40 informantes nascidos em São Paulo, pertencentes a três

classes sociais diferentes, as relativas cortadoras já representam 78,3%, contra 15,2% de

copiadoras e 6,5 % de relativas padrão, em um total de 324 relativas. Nestes trabalhos,

Tarallo define três variantes para as orações relativas pied-piping, isto é, com local de

extração preposicionado, sendo estas a variante padrão (Ex.: O sorvete de que gosto

acabou), variante copiadora (Ex.: O sorvete que gosto dele acabou) e a variante

cortadora (Ex.: O sorvete que gosto acabou). Já, para as funções não-preposicionadas,

duas variantes: a variante padrão (Ex.: A menina que fala muito chegou) e a variante

copiadora (Ex: A menina que ela fala muito chegou). De acordo com Tarallo (1993), a

relativização no Português Brasileiro se encontra em um processo de mudança em

estágio avançado, visto que a variante padrão de constituintes preposicionados vem

sendo substituída pela variante cortadora, porém, nos constituintes não preposicionados,

esta variante padrão (básica) se mantém mais frequente.

Em contrapartida, as orações relativas são pouco frequentes na fala (frequência

de ocorrência), tornando-as mais complexas em comparação com outras sentenças da

língua (Abreu, 2013) e também apresentam diferentes graus de frequência de acordo

com o local de extração (frequência de tipo). De acordo com Abreu (2013), as relativas

de sujeito (50%) e objeto direto (23%) são as mais frequentes na fala de adultos, em um

total de 1882 levantadas na Amostra Censo 2000, enquanto foram encontradas relativas

preposicionadas de adjunto adverbial (20%), objeto indireto (6,3%) e menos de 1% de

outras relativas. Estas relativas seguiram a tendência atestada por Tarallo (1993) e

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Mollica (2003). Também foi observado que as relativas padrão (básicas)1 prevalecem

para as funções de sujeito e objeto direto e que prevalecem as cortadoras para funções

de objeto indireto e adjunto adverbial. Além disso, alguns tipos de relativas mais

frequentes da língua, como as de sujeito e a cortadora são formadas por um tipo

estrutural que é muito frequente no PB, padrão de ordem SV(O), o que as torna

semelhantes a outras sentenças da língua (similaridade estrutural), assim como também

afirmam Diessel & Tomasello (2005) e Diessel (2009) sobre as relativas de sujeito

(similares com sentenças simples) para o inglês e alemão. Portanto, parte-se da hipótese

de que a aquisição de orações relativas é influenciada pela frequência de ocorrência e de

tipo e similaridade estrutural.

Com base nas questões que envolvem a aquisição, observa-se que existem

poucos trabalhos que se concentram no estudo das orações relativas no Português

Brasileiro (Côrrea, 1995; Kenedy,2003, 2008, 2014; Bispo,2007, 2014; e Abreu,2013,

para citar alguns). Desta forma, este trabalho tem o intuito de investigar a aquisição de

orações relativas, em crianças entre 3;0 e 6;11, por meio de experimentos de

compreensão e produção, observando os efeito de frequência de ocorrência, de tipo e de

similaridade estrutural das relativas no input, comparando o comportamento das

crianças na compreensão e na produção das relativas. Desta forma, é objetivo desta

tese investigar a aquisição das orações relativas no Português Brasileiro, tendo em vista

a diferença de processamento em função de suas posições sintáticas como já apontada

por trabalhos como Diessel & Tomasello (2000,2005), Diessel (2009) e Brandt, Kidd,

Lieven e Tomasello (2009), Côrrea (1995) e Arnon (2010,2011), para citar alguns, que

discutem a diferença entre relativas de sujeito e outras funções relativizadas de acordo

com a hipótese de que as relativas de sujeito são mais acessadas do que outras relativas,

em especial as relativas preposicionadas, que são menos acessíveis, de acordo com

Keenan & Comrie (1977). Este trabalho também visou à observação da compreensão

das relativas em ambiente controlado, investigando, assim, as hipóteses sobre a simetria

entre produção e compreensão, conforme Arnon (2010,2011).

Abreu (2013) investigou a aquisição de orações relativas na fala de crianças

entre 4 e 7 anos por meio de um levantamento de fala espontânea da amostra

1 Neste trabalho, devido ao fato de não haver valor social de prestígio para a variante padrão das relativas

não preposicionadas em relação às relativas copiadoras, a variante padrão, neste caso, será referida como

variante básica, diferentemente do que ocorre para a variante padrão das relativas preposicionadas em

relação à variante cortadora.

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AQUIVAR/PEUL e uma tarefa de repetição considerando as funções de sujeito, objeto

direto, objeto indireto, adjunto adverbial e genitivo. O levantamento de dados de fala

espontânea mostrou um aumento gradual de uso das relativas nas faixas etárias mais

velhas, como esperado, já que a aquisição é gradual e dependente não só da experiência

como das capacidades de categorização e abstração . Além disso, esta coleta também

revelou que as relativas mais encontradas na fala infantil possuem uma estrutura

apresentativa, conforme Diessel & Tomasello (2005) afirmaram. A análise dos dados

obtidos com o teste de produção revelou que as crianças foram mais acuradas na

repetição das formas básicas de relativas de sujeito2 e de objeto direto

3, corroborando o

efeito da alta frequência de ocorrência destas orações, conforme nos estudos de Tarallo

(1993) e Mollica (2003), que encontraram maior quantidade destas relativas na

produção espontânea de adultos. Ainda como resultado do experimento, as crianças

também foram mais acuradas na repetição das variantes cortadoras de relativas

preposicionadas. Embora as relativas cortadoras tenham suplantado o uso das variantes

preposicionadas, a variante cortadora não é frequente na fala. De acordo com Abreu

(2013), a acurácia na repetição de cortadoras no teste de produção elicitada se deveu à

semelhança estrutural dessas relativas com a encontrada em sentenças simples do

Português Brasileiro no que tange à ordem dos constituintes, SV(O). Estes resultados

demonstraram o papel da frequência de ocorrência e similaridade estrutural já que as

relativas mais frequentes (relativas de sujeito) e similares (relativas de sujeito e

variantes cortadoras de constituintes preposicionados) com as sentenças simples da

língua foram as mais acuradas no experimento e mais frequentes na fala espontânea,

como previam as hipóteses.

Para a realização deste trabalho, foi elaborado um experimento de compreensão

com crianças entre 3;0 e 6;11 para possibilitar a observação de seu comportamento

quanto à compreensão. Este experimento foi elaborado conforme a metodologia de

Arnon (2010, 2011), que se mostrou eficaz para acessar a compreensão de orações

relativas no hebraico, mostrando-se uma tarefa bastante simples para as crianças e, ao

mesmo tempo, eficiente para os propósitos do estudo. Apesar disso, diferentemente do

estudo de Arnon (2010 e 2011), este estudo também envolve a compreensão das

diferentes variantes que existem no Português Brasileiro, sendo estas as relativas padrão

2 Exemplo: Aquela é a menina que mente. ( Oração apresentativa na variante básica na função de sujeito) 3 Exemplo: Aquela é a fruta que comprei. ( Oração apresentativa na variante basca na função de objeto

direto)

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21

e copiadora, para os constituintes preposicionados (no caso do experimento, somente

objeto indireto), e as variantes padrão e copiadora, para constituintes não

preposicionados (sujeito e objeto direto neste experimento). A produção controlada foi

obtida através da aplicação de outro experimento para a observação da produção de

relativas no Português Brasileiro, em crianças também em fase anterior a alfabetização,

já utilizado e elaborado por Abreu (2013) com base no trabalho de Diessel & Tomasello

(2005).

As hipóteses deste estudo preveem que as estruturas mais frequentes são

adquiridas mais cedo e por isso, mais fáceis de serem compreendidas (Ambridge, Kidd,

Rowland, Theakston, 2015; Diessel & Hilpert, 2016). Por conseguinte, outra previsão é

que as relativas padrão preposicionadas são mais difíceis do que as relativas padrão ou

copiadoras de constituintes não preposicionados e que as frequências de ocorrência e de

tipo terão um papel facilitador tanto na compreensão quanto na produção. Prevê-se

também que haverá uma escala de dificuldade de acordo com o local de extração em

que as relativas de sujeito serão as mais fáceis enquanto as de complemento

preposicionado serão as mais complexas, estando as relativas de objeto direto na

posição intermediária (cf. Diessel & Tomasello, 2005). Além disso, outra hipótese é que

a compreensão e a produção serão simétricas para as relativas de sujeito e objeto direto

(cf. Arnon 2010).

Portanto, este trabalho se baseia nos pressupostos dos Modelos Baseados no Uso

em que a formação da gramática é gradual e dependente do input, do qual se extraem

informações de frequência de ocorrência e frequência de tipo, muito importantes para

aquisição (cf. Diessel ,2009; Ambridge, Kidd, Rowland, Theakston, 2015 e Diessel &

Hilpert(20016). Estes pressupostos são conjugados aos trabalhos que consideram a

variação encontrada nas relativas do Português Brasileiro, como Tarallo (1986, 1993),

Mollica (2003) e Abreu (2013), que investigaram a produção destas orações na fala.

Nesta tese é discutida também a questão da semelhança estrutural entre itens e

construções, como facilitadores para a aquisição de novas estruturas, em especial na

aquisição incremental e crescente das orações relativas durante a aquisição. Aborda-se,

ainda, como a diferença de frequência e de estrutura das variantes encontradas no

Português Brasileiro influencia no processo de aquisição das relativas na fala infantil.

Assim, este trabalho está organizado em cinco capítulos. No primeiro capítulo

são abordados os pressupostos teóricos sobre aquisição de linguagem na abordagem

teórica adotada. Além disso, são expostos também pressupostos sobre a aquisição de

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relativas. No segundo capítulo, são tratadas questões referentes às relativas no

Português Brasileiro sob a visão da sociolinguística, a formação das relativas

preposicionadas, a caracterização do input variável na comunidade do Rio de Janeiro e a

aquisição de orações relativa no Português do Brasil. No terceiro capítulo, encontram-se

os objetivos, as hipóteses e metodologia do estudo em que são apresentadas as

informações sobre os participantes e as variáveis de análise, além da montagem do

experimento de compreensão e de produção. Neste capítulo, também é apresentado

como foi feita a análise estatística dos resultados obtidos através dos experimentos. O

capítulo quatro apresenta a análise dos resultados obtidos através do experimento de

compreensão, e, no capítulo cinco, apresentam-se os resultados da reaplicação do

experimento de produção de Abreu (2013), juntamente com a comparação de ambos os

experimentos. Por fim, no capítulo seis, estão expostas as conclusões desta pesquisa.

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23

1. AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM NA PERSPECTIVA DOS

MODELOS BASEADOS NO USO

Existem diferentes hipóteses relativas à aquisição da linguagem em função da

linha teórica. Algumas correntes teóricas defendem a ideia de que a aquisição da

linguagem e a aquisição da sintaxe ocorrem através de estruturas inatas, como a Teoria

Gerativa (Chomsky,1986). Por outro lado, outras teorias abordam estes temas com

enfoque na gramática emergente, isto é, abordam a aquisição linguística e,

especificamente, a aquisição da sintaxe como resultado da interação entre aspectos

inatos da cognição humana e a experiência com a língua, conforme os Modelos

baseados no Uso (Tomasello, 2000), sendo esta a proposta teórica que orienta esta tese.

Assim, neste capítulo, serão abordados, os pressupostos teóricos dos Modelos baseados

no Uso, que servem de arcabouço teórico desta tese e os estudos que trataram da

aquisição de orações relativas.

1.1 Pressupostos dos Modelos baseados no Uso.

De acordo com os Modelos Baseados no Uso, o conhecimento linguístico é

emergente da experiência da criança com a língua juntamente com a atuação de

processos cognitivos gerais inatos que atuam não só na formação da gramática, mas

também em outras instâncias de organização das experiências. Desta forma, entende-se

que a organização do conhecimento linguístico depende não só da interação, mas

também de aspectos cognitivos inatos, inerentes à espécie humana.

Segundo Bybee (2010), a experiência tem um impacto no sistema cognitivo,

uma vez que é a através da experiência linguística, que advém da interação, que a

gramática emerge. Em outras palavras, a gramática é construída através da organização

do conhecimento advindo da experiência por meio de capacidades cognitivas inatas de

identificação, categorização e analogia. Desta forma, a língua em uso está

constantemente sendo organizada na mente dos falantes em que novos usos estão

sempre reforçando e atualizando as conexões de forma e significado. Estas conexões

são formadas através do contato com as formas linguísticas que possuem diferentes

funções e frequências de ocorrência e de tipo. A frequência de ocorrência corresponde à

frequência de uso das formas linguísticas e a frequência de tipo corresponde ao conjunto

de itens que compartilham determinado padrão estrutural. Estas diferentes frequências

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atuam no processo de organização, categorização e formação de esquemas mentais

abstratos que possibilitam o acesso as suas formas e funções. A frequência de uso

impacta a representação mental, pois quanto mais uma forma é utilizada (frequência de

ocorrência) mais esta forma se torna robusta e mais as formas que seguem seu padrão

estrutural (frequência de tipo) são reforçadas e atualizadas a cada uso. Logo, cada

instância de uso reforça as conexões de forma e função na gramática mental do falante,

sendo a organização deste conhecimento sempre atualizada de forma dinâmica, já que

cada uso reforça as conexões e cada nova instância que entra na gramática, rearranja as

conexões já existentes.

Esta organização do conhecimento linguístico se baseia em processos cognitivos

gerais, conforme Tomasello (2006). Estes processos são inerentes da capacidade

humana de organização do conhecimento linguístico, pois envolvem capacidades de

identificação, categorização, abstração e analogia.

Segundo Bybee (2010:57), a analogia é um processo pelo qual os falantes usam

novos itens baseando-se naqueles já armazenados (advindos da experiência), por isso

sua aceitação depende do grau de similaridade que compartilham. Apesar disso, para

que ocorra o processo de analogia, é necessário que outras capacidades estejam

desenvolvidas, ou seja, o processo de analogia depende não só da experiência, mas

também de capacidades de relacionar e alinhar o conhecimento armazenado para usá-lo

em uma nova construção, sendo estas capacidades necessárias à analogia. Isto ocorre,

pois este processo se baseia nas similaridades existentes entre os itens em termos de

forma e significado. Contudo, os itens envolvidos não são escolhidos arbitrariamente, já

que as bases para o uso analógico das formas linguísticas são as similaridades

semânticas ou fonológicas (cf. Bybee,2010:58). Desta forma, o alto grau de

similaridade nas comparações entre itens armazenados e novos permite estabelecer uma

analogia quando esta semelhança relaciona os itens. Em outras palavras, semelhanças

fonológicas e ou semânticas que são compartilhadas entre os itens, aproxima-

os,resultando em um esquema de relações lexicais. Assim, a relação entre as formas e os

significados os agrupa em esquemas que são constantemente atualizados através do uso.

Com a entrada de novos itens, estes são comparados a outros já armazenados que, por

sua vez, servem de base para a analogia. Uma vez que há importância da similaridade e

ou dos atributos compartilhados, a analogia entre as formas não é proporcional. Em

outras palavras, o processo de analogia depende de capacidades relacionais que

identificam e categorizam os itens de acordo com seus aspectos em comum. Desta

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forma, há relações (ou esquemas) que podem conter muitos itens e outras com poucos.

Por outro lado, um item pode participar de vários esquemas ao mesmo tempo a

depender de que relações estabelece com outros itens. Logo, a analogia é um processo

que depende do desenvolvimento de capacidades relacionais, e, portanto, certo

amadurecimento cognitivo. Apesar disso, categorias agrupadas não são predefinidas e

ou equilibradas entre os falantes, já que dependem da experiência. Além do mais, o

processo de analogia também ocorre com as formas já armazenadas, sendo mais direto

com as formas que compartilham vários aspectos. Desta forma, cada falante estabelece

as relações entre os itens de acordo com o uso de forma individual, construindo sua

gramática através de processos cognitivos gerais como a analogia.

1.2 Aquisição da linguagem e da sintaxe nos Modelos baseados no Uso.

A aquisição tem sido tratada em diversos enfoques teóricos nos estudos

linguísticos. Nesta seção serão discutidas questões referentes às hipóteses de aquisição,

principalmente aquelas que subjazem ao modelo cognitivista e dos Modelos baseados

no Uso, especialmente no que concerne à aquisição da sintaxe.

De acordo com os Modelos baseados no Uso, a aquisição da linguagem pelas

crianças constitui um processo contínuo, baseado na experiência da criança com a

língua, conjugado com mecanismos inatos da cognição humana, sem postular um

conjunto inato de informações linguísticas, conforme afirma a hipótese gerativista.

Embora não postule um ponto de partida inato, os Modelos baseados no Uso postulam a

continuidade entre as gramáticas dos adultos e das crianças, uma vez que os

mecanismos cognitivos inatos são os mesmos, além de defender a hipótese de que a

gramática interna e, por consequência, a sintaxe é construída gradualmente. Assim, de

acordo com a hipótese dos Modelos baseados no Uso, a gramática é emergente, sendo

construída através do desenvolvimento de capacidades não específicas para a aquisição

da linguagem, mas por capacidades cerebrais gerais da espécie humana que possibilitam

às crianças, e também aos adultos, abstrair padrões advindos da experiência linguística,

ao contrário do modelo gerativista, que pressupõe a modularidade da mente, havendo

regiões específicas para o desenvolvimento da linguagem. Além disso, para a

abordagem dos Modelos baseados no Uso, a abstração de padrões advindos do input

resulta de uma imitação ativa da língua ambiente que faz com que categorias emerjam.

Portanto, observa-se que a gramática emerge através do contato das experiências com

aspectos inatos da cognição humana. Logo, atribui-se um novo status para o input, que

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deixa de ser apenas o gatilho do desenvolvimento da gramática, para servir de base para

a formação da própria construção da gramática interna, conforme Tomasello (2000),

Tomasello (2006) e Ambridge & Lieven (2011). Além disso, o conceito de imitação

complexa se contrapõe à do conceito behaviorista rejeitado no estruturalismo

linguístico. O conceito de imitação complexa é um mecanismo de aquisição em que a

criança se baseia na atitude do outro para usar as mesmas estratégias para atingir as

mesmas intenções observadas ao seu redor. Logo, as crianças se inspiram no

comportamento (linguístico ou não) a que têm acesso e buscam seguir o mesmo padrão

de forma ativa para atingirem um objetivo comunicativo e não como mera reprodução

passiva.

Segundo (Ferrari, 2011), a gramática é emergente, ou seja, é construída na mente

do falante através de seu uso. Logo, o uso da comunicação verbal pressupõe a inserção

deste indivíduo em uma comunidade que interage linguisticamente. Desta forma, para a

Linguística Cognitiva e os Modelos baseados no Uso, os falantes produzem significados

através de suas emissões verbais reais durante a interação com seus interlocutores. Estes

interlocutores, por sua vez, agem em função de compreenderem-se mutuamente de

acordo com o contexto comunicativo envolvido na produção de significados. Sendo

assim, os falantes da língua são postos no centro da construção de significado, visto que

a interação é fundamental para a formação de um construto abstrato de conhecimentos

linguísticos compartilhados. Além disso, como propõe Langacker (2008), a mútua

compreensão entre interlocutores é baseada não só na interação social, mas também na

negociação de significados entre os falantes, juntamente com a avaliação dos

conhecimentos, intenções e pensamentos do outro. Assim, de acordo com esta proposta

teórica, é através do contato entre indivíduos que adquirimos a experiência que é

armazenada de maneira organizada através de nossas capacidades cognitivas, acessadas

e transmitidas. Portanto, a experiência dos indivíduos está associada a suas capacidades

cognitivas.

A aquisição para os Modelos baseados no Uso é entendida como um processo

que não se dissocia de estímulos linguísticos, ou seja, para que haja aquisição, o falante

precisa estar em contato com outros falantes que produzam determinada língua. Através

desta, os falantes começam a apreender o mundo e a organizar seus conhecimentos,

dentre estes, conhecimentos sobre a língua usada para a comunicação e inserção na

sociedade. No entanto, não só a interação oral com outros falantes é suficiente para a

aquisição. A experiência com o input é mediada pelas capacidades cognitivas de

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abstrair, categorizar e generalizar, que são inatas. Desta maneira, Tomasello (2000:237)

afirma que o mesmo processo de aquisição é identificado na gramática mental, tanto do

adulto quanto da criança, visto que operam sobre as mesmas bases cognitivas. Dito de

outra maneira, crianças e adultos usam os mesmos processos cognitivos de abstração,

categorização e generalização para organizar o conhecimento linguístico advindos da

experiência. Todavia, a diferença entre adultos e crianças reside no fato de que os

adultos já construíram suas categorias enquanto as crianças ainda estão no processo de

construção de categorias, utilizando-se dos mesmos processos cognitivos dos adultos.

A diferença entre o conhecimento linguístico de crianças e adultos é

quantitativa, já que no momento em que as crianças estão adquirindo a língua já

possuem as capacidades cognitivas de abstrair, categorizar e generalizar. Sendo assim,

de acordo com Tomasello (2000), a gramática emerge de forma gradual através de um

processo de expansão no uso de certas estruturas às quais a criança já teve acesso antes,

e, por isso, já são conhecidas. Então, a criança expande o uso de determinadas estruturas

que são dispostas ao redor de itens lexicais específicos em seu construto mental. As

novas estruturas são adquiridas em analogias com itens já conhecidos pela criança.

Desta forma, a experiência é uma das responsáveis para a construção da gramática

mental do falante, visto que é a partir desta que as crianças abstraem os padrões da

língua que compõem o construto abstrato mental do falante. Já no que se referem aos

adultos, estes já formaram e estão mais adiantados no processo de

construção/organização das categorias e os padrões da língua já foram abstraídos

através dos mesmos processos usados por crianças, contrapondo-se à perspectiva

gerativista que defende a continuidade de estruturas entre adultos e crianças através da

gramática universal. Isto é, na proposta gerativista, há a continuidade das estruturas

adquiridas na infância através da gramática universal, que é um mecanismo cognitivo

inato que não se altera ao longo do tempo. Enquanto isso, nos Modelos Baseados no

Uso, a continuidade das gramáticas dos adultos e crianças reside no fato de serem

organizadas por meio dos mesmos processos cognitivos. Logo, a hipótese apresentada

aqui é de que a codificação e categorização da língua serão feitas da mesma forma para

adultos e crianças, e que serão quantitativamente diferentes já que o processo de

aquisição da linguagem é dependente da experiência, além de capacidades cognitivas

como atenção e memória, ainda em desenvolvimento na cognição infantil.

Além disso, a criança também utiliza processos cognitivos gerais que não são

específicos para a aquisição de linguagem, mas atuam neste processo, assim como a

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leitura de intenções. Esta é importante por incluir habilidades de compartilhar e seguir a

atenção com outras pessoas no que se refere a objetos e ações de interesse

compartilhado, além da habilidade de aprender culturalmente através das ações

intencionais dos outros. Estas ações intencionais não necessariamente se relacionam

com a linguagem, podendo relacionar-se com outras atividades como a manipulação de

utensílios domésticos, instrumentos, rituais ou brincadeiras, segundo Tomasello (2006).

Para Tomasello (2000, 2006), esta capacidade é necessária para o aprendizado adequado

do uso de símbolos linguísticos como expressões complexas e construções.

Outra capacidade cognitiva que se correlaciona à aquisição da linguagem, de

acordo com a proposta dos Modelos Baseados no Uso, é a capacidade de descobrir

padrões, ou pattern finding, nos termos de Tomasello (2006). Em outras palavras, as

crianças em fase de aquisição da linguagem já são capazes de categorizar elementos

perceptuais sendo eles linguísticos ou não, de reconhecer padrões e sequências, criando

esquemas para tais atos ou eventos, de analisar sequências perceptuais, identificando as

mais recorrentes, e estabelecer / criar analogias por perceber as similaridades entre um

ou vários conjuntos. Nestes conjuntos, podem-se incluir as expressões linguísticas, que

são analisadas baseando-se nas funções similares de elementos dentro de sua totalidade.

Sendo assim, ao começarem o processo de aquisição, as crianças já possuem habilidades

tanto de entender o que ocorre a sua volta quanto de categorizar e organizar todo o

conhecimento advindo da experiência.

Segundo Tomasello (2000), os indivíduos começam a ter experiência quando se

identificam como parte do mundo em que há outros indivíduos iguais a ele. Neste

momento, começam a identificar também funções e atos que os outros seres da mesma

espécie desempenham e, por isso, também podem ser desempenhadas por ele/ela.

Assim, através da identificação com o outro, a criança inicia um aprendizado imitativo,

nos termos de Tomasello (2000). Em outras palavras, a criança se reconhece como

membro de sua espécie. Esta possui outros indivíduos que desempenham funções e atos

e a criança começa a tentar desempenhá-las como os outros integrantes da espécie de

forma imitativa para aprender a realizar tal tarefa. Sendo assim, a imitação infantil não

se confunde com mera reprodução de um discurso ou parte dele, mas a criança está

aprendendo através da imitação a desempenhar a função comunicativa na interação com

indivíduos da mesma espécie. Sendo assim, para os Modelos Baseados no Uso, a

criança reconhece que tem a capacidade de emitir sons e se comunicar através do

contato como o outro, ou seja, a criança toma o outro como modelo para sua produção,

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já que identifica que ambos pertencem à mesma espécie e possuem habilidades

compatíveis. Logo, a aquisição se dá devido ao contato com o outro, de maneira que

falantes menos experientes em contato com falantes mais experientes começam a imitá-

los, aprendendo com eles e através deles conforme afirmam Cezario & Martelotta

(2010). Observa-se, então, que a imitação, na proposta dos Modelos Baseados no Uso, é

uma imitação complexa que visa adquirir o comportamento observado, uma vez que é

fruto da observação de que o outro ser é seu semelhante e, portanto, desempenha certas

ações e funções a serem aprendidas através da imitação, Tomasello (2000, 2003, 2006).

A fim de que haja o aprendizado imitativo, nos termos de Tomasello (2000), é

necessário que a criança se reconheça enquanto indivíduo parte do mundo, e é preciso

que entenda a intenção do outro através das ações exercidas por eles e suas funções.

Além de entender a intenção do outro, as crianças precisam entender também que os

papéis são reversíveis, isto é, que as ações produzidas pelos outros podem ser

desempenhadas por ela. Logo, para que as crianças aprendam através da interação,

sendo esta com outras crianças ou adultos, que são usuários da língua mais experientes,

é preciso que entendam que estas ações são funcionais além de compreenderem suas

funções. Com a compreensão das funções desempenhadas pelos adultos, as crianças

começam seu aprendizado cultural.

A imitação ou aprendizagem cultural é utilizada no processo de aquisição da

linguagem, já que a criança entende a função de um ato e inicia comportamento

semelhante ao observado. Especificamente sobre a aquisição da linguagem, o

comportamento observado é o input linguístico que a criança começa a imitar através do

contato linguístico que tem com aqueles que estão a sua volta. Sendo assim, ao entender

as funções do uso linguístico a sua volta, a criança começa a imitá-lo. De acordo com

Tomasello (2000), a imitação consiste em agir com o mesmo comportamento

observado, pois compreende as funções e motivações da ação. Logo, a fala está

relacionada às intenções comunicativas do falante, assim como suas intenções gerais.

Então, ao compreender a função comunicativa da fala, a criança começa a utilizar este

comportamento, uma vez que se vê como membro de uma espécie que tem determinada

capacidade de interagir e manipular a atenção alheia através da fala. Assim, a criança,

começando a perceber a função comunicativa da linguagem que está presente em

ambientes de fala e, portanto, de interação, começa a utilizar a linguagem com base nos

itens ou expressões mais proeminentes na fala dos adultos. Então, conforme Tomasello

(2006:73), o aprendizado imitativo da linguagem consiste em reconhecer a intenção da

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ação comunicativa, visto que a compreensão da função dos elementos linguísticos

necessita do entendimento do seu uso na estrutura como um todo. Sendo assim, a

imitação de um ato comunicativo tem o objetivo de conseguir a mesma intenção

encontrada na fala, através de reprodução reflexiva com um meio de abstração e

produção dos padrões de fala observados.

Observa-se, então, que a imitação é possível em ambientes de fala em que a

criança começa a perceber a função linguística e tenta utilizar o mesmo mecanismo de

comunicação que observa nos falantes a sua volta. Apesar disto, para que exista a

aquisição da linguagem é necessário não só a experiência linguística do falante advinda

do input, mas também capacidades cognitivas de atenção e memorização. Por isso, a

criança começa a aquisição por meio de itens mais salientes na fala do adulto,

geralmente relacionados ao ambiente em que se encontram. Em outras palavras, para os

Modelos baseados no Uso, a criança depende do input para construir as suas categorias

e assim organizar as informações advindas dos mais experientes para que construam sua

própria gramática mental.

Conforme já destacado anteriormente, as crianças em fase aquisitiva começam

sua experiência linguística ao se perceberem como membros de uma espécie que usa

símbolos linguísticos para comunicação e, por sua vez, para interação. Conforme

Tomasello (2006), a criança, antes de começar a produzir os primeiros sons da fala ou

suas primeiras palavras, tem acesso à produção dos adultos com intenções

comunicativas distintas, incluindo diferentes padrões entoacionais. Logo, as crianças

têm acesso a um conjunto de construções nas quais se encontram diferentes intenções,

entoações, propósitos comunicativos que tentam capturar da fala dos adultos. Então, é

comum que as primeiras produções infantis estejam relacionadas a itens concretos, tanto

porque estes são parte do ambiente físico em que os participantes se encontram quanto

porque são mais salientes na fala dos adultos. Além disso, na fala infantil, no início do

processo de aquisição, também é comum que uma palavra corresponda a toda uma

oração, se comparada à fala dos adultos, uma vez que as crianças, ao tentarem capturar

todo o conhecimento advindo dos mais experientes, podem compreender somente partes

deste discurso, devido ao pouco desenvolvimento de habilidades cognitivas ou porque

ainda não têm como decodificar todo a informação presente na fala. Sendo assim, ao

não entenderem inteiramente o conjunto dos dados do input ou por entenderem e não

serem ainda capazes de imitar (nos termos de Tomasello), estes usuários iniciantes da

língua não conseguem produzir o que seria representado por uma construção complexa.

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Por isso, produzem uma palavra ou expressão que corresponde a toda uma construção

da fala adulta. Estas expressões da produção infantil são nomeadas de holofrases por

Tomasello (2006:14), ou seja, enunciados compostos por uma só palavra que

transmitem uma intenção comunicativa geralmente idêntica à intenção original a qual a

criança teve acesso. Estas holofrases baseiam-se na língua e no contexto de fala a que as

crianças têm acesso. Com isso, itens muito recorrentes e salientes na fala dos adultos

constituem a base das holofrases. Após a fase das holofrases, as crianças começam a

formar as construções baseadas em combinações, sendo assim, tem início a combinação

de palavras e as primeiras abstrações, que são chamadas de combinações de estruturas

ou pivot schemas e construções baseadas no item, segundo Tomasello (2006).

As combinações de palavras começam por volta da idade de um ano e meio,

segundo Tomasello (2006). Nesta fase, as crianças combinam palavras e/ou holofrases

em contextos em que ambas são relevantes. Estas combinações de palavras diferem das

holofrases, pois estas não dividem a cena em unidades simbólicas variadas como as

combinações de palavras o fazem. Em outras palavras, as combinações de palavras

transformam uma situação ou cena em unidades linguísticas concretas que ainda não são

parte de categorias. Já as holofrases são formas unitárias, na fala da criança, que

correspondem a toda uma construção da fala de um adulto, e que, por incapacidade

desenvolvimental temporária, as crianças ainda não conseguem produzi-la. Todavia,

por volta do mesmo período, algumas produções infantis que envolvem várias palavras

são consideradas Pivot schemas por Tomasello (2006). Estas constituem as primeiras

abstrações linguísticas, uma vez que têm uma estrutura que se baseia em uma palavra ou

oração, já que orientam a função do ato de fala da sentença como um todo com o auxílio

da entoação. Sendo assim, os elementos linguísticos somente ocupam os espaços dos

constituintes. Para Tomasello (2006:17), estas construções são baseadas em palavras

que estruturam a sentença, determinando a função do ato de fala da construção inteira

com o auxílio da entoação. Participam destas construções também outros itens que

preenchem os espaços (slots).4 Novamente, este tipo de construção não é possível se as

crianças não tiverem tido acesso a construções similares antes, ou seja, as crianças não

são capazes de criar estas primeiras abstrações com ausência do input. Entretanto,

apesar de serem as primeiras abstrações ainda não estão usando símbolos sintáticos,

4 Tomasello (2006:17) exemplifica estas construções baseados nas palavras a que chama Pivot Schemas

com contruções do tipo “More grapes” ou mais raramente “Where’s X?,( em português: “Mais uvas” e

“ Onde está/é ___?” , respectivamente) em que “grapes” e “X” , são exemplos de itens que preenchem

os slots .

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32

como ordenação de palavras ou marcações de caso que aparecem quando há construções

baseadas no item.

No caso das construções baseadas no item (item-based constructions5), as

combinações começam a demonstrar marcações sintáticas diferentemente das

construções baseadas em palavras (Pivot Schemas6). Apesar disso, estas marcações

ainda são dependentes dos itens, isto é, a criança precisa ter tido acesso àquela estrutura

anteriormente para que possa usar suas marcações sintáticas adequadamente. Neste

caso, assim como nas construções baseadas em estruturas, o uso destas combinações é

totalmente dependente da experiência. Logo, a criança só consegue usar combinações

de estruturas ou combinações de construções baseadas no item, se já teve acesso às

referidas estruturas ou construções, uma vez que estes usuários da língua pouco

experientes ainda não generalizam marcações sintáticas para itens novos. Desta forma, a

diferença entre as Pivot Schemas (ou construções baseadas em palavras) e as

construções baseadas no item é que as primeiras são construções baseadas em palavras,

porém não exibem marcação sintática, já as construções baseadas no item (item-based

construction) são construções que exibem marcações sintáticas em torno de itens

específicos conhecidos pelas crianças.

De acordo com o exposto, então, as combinações apresentadas, até este ponto do

desenvolvimento, são produzidas a partir de capacidades cognitivas gerais, já que são

adquiridas através da linguagem usada na interação que ocorre com a criança e ao redor

dela. Assim, a aptidão para realizar categorizações e abstrações, considerando seu

estágio cognitivo, é essencial para que a criança possa formar suas produções

linguísticas baseadas em combinação de palavras, estruturas baseadas no item (Pivot

Schemas) ou construções baseadas no item, ou seja, a criança já precisa ter passado por

pontos do desenvolvimento que a capacitam a ter as habilidades necessárias para

compreender, aprender e produzir combinações, conforme Tomasello (2006). Precisam

também estar aptas a imitar sequências comportamentais de outros indivíduos e, para

isso, precisam se reconhecer enquanto semelhantes a outros indivíduos, segundo

Tomasello (2006). Além disso, estas combinações são as primeiras tentativas de

esquematização e abstração que começam a ficar cada vez mais elaboradas através das

5 Nomenclatura dada por Tomasello (2006) em que crianças respondem bem a experimentos de

compreensão em que a acurácia depende do conhecimento da ordem como em : “Make the bunny push

the horse”, retirado de Tomasello (2006:18). 6 Nomenclatura dada por Tomasello (2006) Exemplos de Tomasello (2006:03): “More Juice, There

Daddy”.

Page 33: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

33

analogias com o passar do tempo e com o consequente desenvolvimento cognitivo

destes usuários da língua, juntamente com o aumento de dados extraídos do input

através da experiência.

Ao fazerem analogias, as crianças ampliam o conjunto de abstrações, uma vez

que as analogias não são mais dependentes de itens ou semelhanças concretas. No caso

das analogias, itens não são mais comparados, mas há a comparação entre as relações

das funções exercidas nas estruturas. A partir da comparação entre as funções de suas

estruturas, os itens são analisados um a um com respeito a sua função na estrutura, com

vistas a encontrar correspondências funcionais. Depois, são interligados por meio de

conexões, segundo Tomasello (2006). Desta forma, as crianças começam a fazer

associações entre as funções dos itens e não somente a itens específicos, ampliando suas

abstrações com base na experiência advinda da interação com falantes mais experientes.

Com isso, as analogias começam um processo de generalização, uma vez que o foco,

neste momento, reside na função e não em um item específico. Então a criança começa

a fazer generalizações, ampliando funções conhecidas para novos elementos uma vez

que suas abstrações estão se tornando mais vastas.

Apesar da possibilidade de fazer generalizações, estas precisam ser feitas de

acordo com os padrões linguísticos de determinada comunidade de fala na qual a

criança esta inserida. Isto significa que a criança precisa agora organizar as suas

abstrações respeitando as possibilidades linguísticas. Estas restrições também são

advindas do input, visto que a criança terá ou não resposta se sua generalização é

possível ou não através dos dados do input. Em outras palavras, é através do que ela

ouve de outros falantes que ela organizará seus conhecimentos, já que os dados

derivados do input reforçarão as conexões possíveis a cada vez que forem acessados

durante a compreensão ou produção, ao passo que as generalizações em desacordo com

os padrões linguísticos da comunidade em questão não formarão conexões robustas e

por isso serão bloqueadas. Estes mecanismos são chamados de entrenchment e

preemption e são dependentes não só do input como também da frequência dos itens

neste, conforme Tomasello (2006) e Ambridge, Bidgood, Twomey, Pine,Rowland e

Freudenthal (2015). Dito de outra forma, ambos os mecanismos são formas de

restringir as generalizações feitas através de analogias. O primeiro (entrenchment)

consiste no fato de um item ou construção ser o/a mais utilizado (a), tornando-se mais

acessível na mente do falante para o uso de acordo com o input, restringindo maneiras

diferentes de usá-lo. Em outras palavras, segundo Tomasello (2006), quanto maior a

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34

frequência de um item mais conexões este estabelece e, por isso, sua forma torna-se

mais robusta e por isso mais acessível, enquanto outras formas (menos frequentes)

formam conexões mais fracas ou não as formam. Desta forma, cada novo uso de itens

ou construções influencia em seu próprio nível de entrenchment, já que este sofre

influência da frequência. Ambridge (op. cit.) realizaram um experimento e verificaram a

hipótese de que, quanto maior a frequência geral dos verbos em qualquer construção,

mais os erros de generalização são rejeitados por crianças entre 9;0 e 10;0 e adultos.

Então, a conclusão foi que o entrechment tem efeito sobre os erros de generalização em

estruturas de verbo e argumento. Tomasello (2003), em seu estudo sobre o entrechment

com verbos de transitividade definida (como intransitivos, por exemplo, como

“disappear”, e transitivos, por exemplo, como “hit” no inglês), revelou que crianças

entre 3;5 e 8;0 tendem a generalizar ao extremo, quando induzidas a isto por adultos em

situação experiemental, mais frequentemente com verbos pouco consolidados

(entrenched). 7 Além disso, Bybee (2010:72) também afirma que construções mais

gerais podem se formar, iniciando-se através de um item já consolidado (entrenched),

por processo de analogia. Assim um item que já sofreu entrenchment pode também dar

origem a novas formas ou usos através de novas associações entre formas e funções ou

significados. Portanto, o entrenchment é um mecanismo de aquisição que se baseia na

frequência geral dos itens ou construções para restringir as generalizações, ou seja, para

definir quais generalizações são possíveis e convencionais para seu uso.

Por outro lado, apesar da preemption também depender da frequência, é uma

restrição que entra em vigor por volta dos quatro anos, segundo Tomasello (2006). Esta

se baseia no fato de a criança identificar, através do input, que certas funções são

representadas por determinadas formas e só podem ser representadas por estas,

abandonando outras possibilidades, visto que há uma associação de determinada função

a uma forma específica. Desta forma, só uma possibilidade de representação de uma

função é possível de acordo com o input, sendo as formas diferentes desta eliminadas

por falta de acesso. Para Ambridge, Bidgood, Twomey, Pine, Rowland e Freudenthal

(2015), o efeito da frequência dos verbos não influenciou na menor rejeição dos erros de

generalização. No caso do mecanismo de preemption, sua atuação é dependente da

frequência do item ou construção em sentenças com o significado aproximado. Sendo

assim, há uma associação entre forma e função para o item ou construção em questão,

7 Tomasello (2003) revela, então, que formas como I arrived it são mais comuns do que I come it .

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35

que exclui outras generalizações. De acordo com Tomasello (2006: 51), quando uma

criança ouve uma sentença que funciona em determinada situação comunicativa, mas

sua forma não era a esperada por ela, há uma inferência que a generalização esperada

não era convencional. Dito de outra forma, preemption é um mecanismo que começa a

atuar mais tarde durante a aquisição, para restringir as generalizações, direcionando-as

para as associações entre forma e função que são convencionais na língua. Este

direcionamento ocorre através do bloqueio das formas não convencionais na língua,

fazendo com que somente as formas frequentes sejam usadas. Ainda, para Tomasello

(2003:178) entrenchment e preemption são mecanismos que funcionam juntos, pois ,

quando um verbo é altamente consolidado (entrenched) em um uso específico, este é

substituído por outra alternativa em outro contexto linguístico. Em vista disto, para esta

perspectiva teórica, as capacidades mentais que propiciam a aquisição também se

apoiam em informações de frequência e similaridade estrutural8 (cf. Diessel &

Tomasello, 2005; Tomasello, 2000; 2006; Ambridge, Kidd, Rowland & Theakston,

2015; Ambridge, Bidgood, Twomey, Pine, Rowland & Freudenthal, 2015; Diessel &

Hilpert, 2016). Além do mais, para Tomasello (2003) entrenchment e preemption são

mecanismos complementares.

Portanto, segundo Tomasello (2000, 2006), a aquisição da linguagem tem início

com itens mais concretos e, aos poucos, estes itens começam a compor as categorias

linguísticas (abstrações). Sendo assim, a aquisição se dá por meio da expansão, através

de um processo em que itens mais concretos formam os primeiros esquemas e

gradualmente participam de categorias linguísticas e abstrações. Isto se torna possível à

medida que os falantes adquirem mais experiência através do input e desenvolvem suas

capacidades cognitivas. A partir disso, os itens começam a ser organizados na mente do

falante através da participação destes mesmos itens em esquemas mentais por meio de

8 A semelhança estrutural relaciona-se à similaridade entre itens, sentenças ou construções que auxiliam

nas analogias feitas pelos falantes. Estas associações podem se dar em nível de ordem dos constituintes,

tipo de referente ou papel temático recebido por certos tipos de nomes, entre outras possibilidades. Esta

questão será mais detalhada ao longo desta tese. No caso de Diessel & Tomasello (2005) e Reali &

Christiansen (2007), sobre as orações relativas no inglês e alemão, a similaridade estrutural é avaliada em termos da ordem dos sintagmas nominais que expressam o sujeito já que em ambas as línguas esta ordem

nas relativas de sujeito (consideradas mais fáceis) se assemelha a sentenças simples. Em Diessel (2009),

além da ordem, a questão da similaridade também inclui a transitividade dos verbos usados em relativas

que se assemelham às usadas nas relativas de outras funções sintáticas. Além disso, tanto Diessel &

Tomasello (2005) e Diessel (2009) afirmam que as relativas infantis são mais simples em estrutura do que

as relativas produzidas por adultos. Isto também poderia representar dificuldades em se tratando de uma

tarefa experimental, já que as crianças seriam expostas a condições diferentes de seu uso, uma vez que a

aquisição das relativas é gradativa, em direção às relativas alvo mais complexas encontradas na fala dos

adultos.

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analogias com outros itens da língua e, consequentemente, passam a fazer parte da

gramática mental daquele que está adquirindo a língua. Este conhecimento é sempre

atualizado de acordo com as experiências do falante, tanto para acrescentar novos itens

quanto para reforçar as relações entre esquemas. Desta forma, os falantes primeiro

utilizam um processo imitativo da língua baseado em itens muito proeminentes em seu

ambiente de fala, passando a formar abstrações e, por fim, a categorizar, fazer

generalizações (em termos de ampliar o uso dos itens ou construções, criando

associações por meio de analogias) e restrições sobre os padrões de uso da língua.

1.3 Aquisição das orações relativas

Vários aspectos têm sido abordados nos estudos sobre aquisição de orações

relativas sob a ótica dos Modelos baseados no Uso. Alguns trabalhos focalizaram a

importância do input linguístico no que tange à frequência e similaridade de estruturas

no input, mostrando que estruturas similares a outras muito frequentes na língua são

adquiridas mais rapidamente, enquanto a aquisição de outras estruturas dissimilares e

com baixa frequência se mostram mais tardias no processo aquisitivo. Os trabalhos de

Diessel & Tomasello (2000, 2005) abordam a aquisição de relativas do inglês e do

alemão, Kidd & Bavin (2002), as relativas do inglês, Courtney (2006), as relativas do

quéchua, Utzeri (2007), as relativas do italiano, Su (2004), as relativas do Mandarim, e

Arnon (2010 e 2011), as relativas do hebraico.

Alguns trabalhos que se dedicam ao estudo das orações relativas, produzidas por

adultos e crianças em fase de aquisição da linguagem, têm revelado não só que as

relativas dos adultos e das crianças são diferentes, mas também que há muitos fatores

correlacionados ao uso e compreensão das orações relativas. Um fator que se mostra

relevante para esta questão é o tipo estrutural de relativas que emerge nas construções

infantis, visto que são proposicionalmente diferentes das encontradas nos adultos, sendo

adquiridas por um processo gradual de expansão de cláusulas, segundo afirmam Diessel

& Tomasello (2000; 2005), Diessel (2009), Kidd & Bavin (2002) e Su (2004). Segundo

Diessel & Tomasello (2000) e Diessel (2009), as primeiras relativas presentes na fala

infantil são mais simples estruturalmente que as produzidas por adultos, sendo

normalmente formadas por um verbo copular e um predicado nominal. Com isso, as

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37

relativas infantis são mais simples proposicionalmente9, já que, apesar de se tratar de

duas orações, estas não representam duas situações independentemente como as

relativas presentes na fala dos adultos. Estas orações são produtivas, pois são compostas

por pronomes dêiticos, se referindo a itens presentes no ato da fala que costumam ser

sobre o que as crianças em idade pré-escolar falam, sendo as orações copulares muito

frequentes na interação entre crianças e pais, juntamente com o fato de serem adequadas

a estas situações de fala.

Assim como o tipo estrutural das relativas infantis, outro fator relacionado à

produção e compreensão das relativas, em crianças no estágio de aquisição da

linguagem, é a frequência de ocorrência do tipo de relativa. Assim, a alta frequência de

relativas de sujeito no input de diversas línguas, como, por exemplo, no inglês e alemão

(cf. Diessel &Tomasello, 2005), estaria relacionada a sua emergência na fala infantil e à

facilidade que as crianças têm em relação a este tipo de relativa. Os autores

desenvolveram e aplicaram um experimento de produção elicitada em crianças entre 4 e

5 anos, adquirindo o inglês e o alemão, em que eram apresentados estímulos auditivos

aos participantes. Estes deveriam repetir a sentença ouvida, partindo do pressuposto de

que a repetição é uma atividade reflexiva. Dito de outra forma, neste tipo de tarefa, a

acurácia na repetição depende do conhecimento gramatical interno da língua, porque

esta tenderá a ser alta se já há conhecimento prévio destas estruturas.

A tarefa de imitação elicitada foi desenvolvida com sentenças de verbos

copulares e verbos principais (verbos que realizam ação na relativa) para verificar a

hipótese de que sentenças com verbos copulares são mais fáceis para as crianças10

.

Outra hipótese deste estudo foi que a performance das crianças variaria de acordo com o

papel sintático do núcleo. Para isso, criaram sentenças com extração de sujeito de

verbos intransitivos e transitivos11

, objeto direto12

, objeto indireto13

, oblíquo14

e

9 Here’s a tiger that’s gonna scare him. Exemplo traduzido do inglês: “Aqui está um tigre que vai

assustar ele” retirado de Diessel e Tomasello (2005) p.896. 10 Exemplo de oração com verbo copular retirado Diessel & Tomasello (2005:883) “This is the sugar that

goes in there”. Traduzindo : Este é o açucar que entra lá. 11 Exemplo de relativa de sujeito com verbo intransitivo: “There’s the boy who played in the garden yesterday”. (Traduzindo: Este é o menino que brincou no jardim ontem) . Exemplo com verbo transitivo:

“This’s the man who saw Peter onthe bus this morning.” (Traduzindo: Este é o homem que Pedro viu no

ônibus ontem). Retirados de Diessel & Tomasello (2005:886) 12Exemplo de relativa de objeto direto :“This’s the girl who the boy teased at school this morning.”

(Traduzindo: Esta é a menina que o menino provocou na escola esta manhã) Retirado de Diessel &

Tomasello (2005:886). 13 Exemplo de relativa de objeto indireto :“There’s the girl who Peter borrowed a football from.”

(Traduzindo: Existe a menina de quem Peter pegou emprestado a bola de futebol) Retirado de Diessel &

Tomasello (2005:886).

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genitivo15

, para investigar se a estrutura da relativa interferiria na performance, como

afirma a filler-gap hypothesis. Segundo esta hipótese, a distância entre o relativo e sua

lacuna exerce influência na dificuldade da relativa, ou seja, quanto mais distante o

relativo e sua lacuna mais difícil será a relativa. Nos estudos do inglês e alemão, foram

usadas 24 sentenças (quatro sentenças para cada condição experimental) que foram

divididas em quatro listas que continham uma sentença de cada condição experimental.

Os resultados, em ambos os grupos de crianças, foram muito similares já que as

relativas com verbos copulares foram mais fáceis para as crianças juntamente com o

fato de que as relativas de sujeito eram as mais fáceis, tanto para as crianças inglesas

quanto para as crianças alemãs. Já as de genitivo foram as mais difíceis para todas elas.

Com isso, percebe-se que as crianças tiveram mais facilidade com as estruturas

produzidas mais frequentemente, sendo as relativas estímulo semelhantes às relativas do

input.

Desta forma, quando a criança ouve determinada estrutura, há um reforço de sua

representação mental, tornando-a mais acessível (Bybee 1995, 1998). Além disso, a

criança também categoriza as construções de acordo com suas semelhanças funcionais e

estruturais através das analogias, como propõe Tomasello (2006), por isso a semelhança

estrutural também é decisiva para a aquisição de orações relativas. Logo, o tipo de

proposição, a frequência e a similaridade com outras estruturas da língua têm um papel

decisivo na aquisição das relativas, já que estas são adquiridas de modo crescente, ou

seja, as relativas surgem na fala das crianças através de analogias com sentenças mais

simples da língua que auxiliam a criança a adquirir estruturas mais complexas, como as

orações relativas.

Brandt, Kidd, Lieven e Tomasello (2009) investigaram a questão da diferença de

performance em relativas de sujeito e objeto direto. Para isso, realizaram um estudo

para observar compreensão de relativas no inglês e no alemão em função do tipo de

referente do pronome relativo na função de sujeito e objeto direto. Este estudo observou

relativas de sujeito e objeto direto com referentes animados e inanimados, para

investigar se as relativas de objeto direto seriam mais facilmente compreendidas se se

assemelhassem às relativas encontradas na fala tanto de adultos quanto de crianças no

14 Exemplo de relativa na função de oblíquo: “This’s the dog that the cat ran away from this morning.”

(Traduzindo: Este é o cachorro de que o gato fugiu esta manhã). Retirado de Diessel & Tomasello

(2005:886). 15 Exemplo de relativa na função de genitive: “This’s the womanwhose cat caught a mouse yesterday.”

(Traduzindo: Esta é a mulher cujo gato pegou o rato ontem). Retirado de Diessel & Tomasello

(2005:886).

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que tange à animacidade referente , tanto para o inglês quanto para o alemão. Ou seja,

relativas de objeto seriam mais facilmente compreendidas se seu referente fosse

inanimado com o sujeito pronominal, porque nas orações simples com verbos com um

complemento direto, em geral, os objetos são inanimados. Por outro lado, as relativas de

sujeito seriam mais fáceis se tivessem um referente animado, já que o sujeito prototípico

tende a ser animado. Assim, não se sobrecarregaria a memória de trabalho porque se

reduziria a possibilidade de ambiguidade, dada à previsibilidade da função sintática

relacionada com a animacidade do referente.

Desta forma, sua hipótese afirma que as relativas presentes nos experimentos

podem influenciar os resultados deste. Assim, verificaram, através de um experimento,

não só a animacidade, mas também a diferença entre sujeito e objeto no que tange o

status no discurso (sujeito pronominal versus lexical em relativas de objeto e objeto

pronominal versus lexical em relativas de sujeito). Logo, a hipótese de trabalho

considera que as relativas do referido experimento são diferentes de experimentos

anteriores e das relativas produzidas mais frequentemente e encontradas no input para

investigar o desequilíbrio de dificuldade entre relativas de sujeito e objeto. Brandt,

Kidd, Lieven e Tomasello (2009) afirmam que este desequilíbrio pode se relacionar

com as relativas usadas nos experimentos, já que afirmam que as relativas de objeto

podem ser tão bem compreendidas quanto as relativas de sujeito, a depender de que

sujeito têm (lexical ou pronominal), visto que o sujeito pronominal é mais frequente

nestes casos. Além disso, afirmam também que as relativas de objeto são ainda mais

frequentes que as relativas de sujeito no inglês, a partir de seus levantamentos, sendo

muito frequentes não só no inglês, mas também no alemão. Então, de acordo com os

resultados deste estudo, a dificuldade maior em relação às relativas de objeto pode não

ser devido à função sintática, mas pode se dever às sentenças usadas como estímulo, já

que as relativas encontradas no input diferem das relativas experimentais em alguns

casos.

Neste experimento, as crianças participantes tinham três anos de idade, sendo 29

falantes do alemão e 24 falantes de inglês. Estas crianças foram submetidas a um jogo

em que diferentes brinquedos eram apresentados à criança. Após uma cena ser dita,

utilizando sentenças relativas, e atuada pelo pesquisador, a criança devia colocar em um

disco fixo a sua frente o referente pedido pelo pesquisador, de acordo com a sentença

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proferida por este.16

As crianças então deveriam escolher, dentre os objetos, qual deles

deveria ser posicionado em cima do disco. Os resultados deste estudo revelaram que as

crianças tinham mais facilidade de compreender as sentenças em que os objetos eram

inanimados e com sujeitos pronominais, já que estas relativas com estas posições

sintáticas geralmente são as mais encontradas na fala. Assim, o estudo de Brandt, Kidd,

Lieven e Tomasello (2009) mostra que a compreensão de relativas de sujeito e relativas

de objeto direto também está relacionada a características estruturais mais frequentes no

input que aproximam essas orações de outros tipos existentes na língua.

Kidd (2011) afirma que a explicação dada nos estudos que mostram que as

relativas de sujeito são mais fáceis de compreender e produzir que as de objeto direto se

baseia na seguinte hierarquia de Keenan e Comrie (1977) de acessibilidade de sintagmas

nominais: sujeito > objeto direto > objeto indireto > obliquo > genitivo > comparativo.

De acordo com a hierarquia, se uma língua relativiza em uma posição baixa da

hierarquia, irá relativizar nas posições acima. De acordo com esta escala, uma língua

que relativiza objeto indireto, relativiza objeto direto e sujeito, mas não necessariamente

sintagmas de genitivo. No entanto, segundo Kidd (2011), existem trabalhos que

questionam a uniformidade da assimetria sujeito-objeto (quéchua, mandarim e japonês),

que se somam aos resultados obtidos no estudo de Brandt, Kidd, Lieven e Tomasello

(2009), mencionado no parágrafo anterior.

Outro trabalho que se concentra na produção de relativas de adultos e crianças é

o de Courtney (2006). Neste estudo, Courtney investiga a produção de 67 participantes

habitantes do Peru e moradores da cidade de Huari. Estes são falantes do quéchua como

língua materna e as crianças aprendem espanhol na escola com algum esforço, segundo

Courtney (2006:12). Por isso, quase todos os moradores falam quéchua e espanhol,

apesar de haver adultos mais velhos que são monolíngues, isto é, são somente falantes

do quéchua. Desta forma, foram recrutadas 47 crianças (entre 2;8 e 4;10) moradoras de

vilas de Huari e 20 adultos moradores de Huari e vilas vizinhas. A tarefa do

experimento era apresentada como um jogo em que o participante deveria ajudar um

dos pesquisadores a adivinhar qual era o personagem escolhido. Para isso, havia dois

pesquisadores junto com o participante. Estes dois investigadores eram nativos da

localidade e familiares aos participantes. Assim, no jogo, um dos investigadores mostra

bonecos para o participante e o outro investigador faz diferentes ações com bonecos

16 Can you give me the lion that the dog chased? / Can you give me the cake that the uncle stole?

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iguais, enquanto o participante e outro investigador observam. Depois disto, o

investigador que observava venda os olhos e o investigador que manipulava os bonecos

aponta para um dos brinquedos. Então, o participante deve produzir uma frase que

forneça informação suficiente para que o pesquisador vendado identifique dentre os dois

personagens aquele que foi escolhido. Desta forma, Courtney (2006) afirma que este

procedimento provê contexto pragmático suficiente para elicitar a produção de relativas

restritivas.

As hipóteses de Courtney investigam se adultos e crianças relativizam

sintagmas nominais de sujeito, de objeto direto, de objeto indireto e de possessivo com

a mesma facilidade e como se pode explicar a diferença no desempenho. O experimento

foi composto de oito rodadas experimentais, duas com cada tipo de lacuna: com sujeito,

com objeto direto, sem objeto direto e com possessivo. Outra questão foi sobre qual é a

frequência de relativas com núcleo interno17

e com núcleo externo18

ou sem núcleo19

na

fala de crianças e adultos e como explicar estas diferenças. Para a análise, os erros

foram caracterizados em cinco tipos: erro na seleção do núcleo, erro na forma verbal,

erro na flexão nominal e ordem das palavras. Além destes quatro tipos, houve também o

erro global que corresponde a múltiplos erros ou respostas inapropriadas. Os resultados

mostraram que os adultos cometeram menos erros que as crianças, conforme o

esperado. Além disso, as crianças produziram mais erros de flexão verbal e nominal,

demonstrando que a produção de relativas no quéchua é gradual. Além disso, este

estudo revelou uma correlação inversa entre quantidade de erros globais e idade. O

experimento revelou também que não só nenhuma relativa foi mais difícil de produzir

que outra, mas também que, para as crianças, as relativas de sujeito foram tão fáceis

quanto as relativas de objeto, contrariando a hierarquia de sintagmas de Keenan e

Comrie (1977), já mencionada antes. Além do mais, há menos relativas com núcleo

17 Segundo Courtney (2006:01) as relativas no quéchua podem ter núcleo interno , ou seja o referente

nominal está em posição theta, dentro da oração relativa. Um exemplo extraído de Courtney (2006 :02) é

“[wambra waka maqaq]

child cow hit

‘a/the child who hit a/the cow’” . 18 Ainda conforme Courtney (2006:01), as relativas no quéchua podem ter núcleo externo , ou seja o referente nominal está fora da oração relativa. Um exemplo extraído de Courtney (2006 :02) é

“[waka maqaq] wambra

Cow hit child

‘a/the child who hit a/the cow’.” 19 De acordo com Courtney (2006:01), as relativas no quéchua podem não ter núcleo expresso ,

denominadas sem núcleo. Um exemplo extraído de Courtney (2006 :02) é

[waka maqaq]

cow hit

‘(the) one that hit a/the cow’

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interno e isso mostra que as crianças começam a produzir relativas sem núcleo,

eventualmente com núcleo externo, porém não há momento em que produzam mais

relativas com núcleo interno. Portanto, Courtney (2006) conclui que as relativas de

objeto não são mais difíceis que as de sujeito nem para adultos e nem para crianças. O

maior número de relativas tem relação com o aumento da idade, as relativas com núcleo

externo são as mais produzidas por adultos e crianças. Na fala das crianças isto é

explicado, pois a relativa de sujeito com núcleo externo é mais marcada no quéchua,

uma vez que envolve inversão na ordem dos constituintes (OVS). Courtney (2006:27)

argumenta também que as relativas de núcleo interno são mais longas e complexas

morfologicamente, sendo produzidas eventualmente por adultos, ao contrário das

relativas com núcleo externo que são mais fáceis de serem produzidas por crianças.

Já Utzeri (2007) analisa a produção e a aquisição de relativas de sujeito e objeto

na fala de 40 crianças italianas entre 6;0 e 11;0 da escola primária e 30 adultos entre 15

e 73 anos como grupo de controle. Este grupo não foi dividido em faixas etárias porque

tiveram o mesmo padrão de uso de relativas restritivas. Além disso, estes participantes

eram de diferentes áreas da Itália e por isso falavam diferentes variedades. Para a

realização deste experimento, duas tarefas foram utilizadas. Umas destas é a tarefa de

preferência em que foram mostradas duas figuras e o participante escolhe uma. Nesta

tarefa, havia 12 questões para cada participante, 6 para sujeito e 6 para objeto. O

participante via duas personagens em cada figura e deveria escolher qual preferia ser. A

outra tarefa consistia em descrever uma figura. Para esta tarefa de descrição, um

pesquisador apresenta figuras aos pares e as descreve com orações simples. Depois, o

participante responde a uma pergunta sobre uma das figuras que era mostrada e sobre o

papel do personagem na cena. Para este experimento, eram 13 pares de figuras em que

13 eram de sujeito e 13 de objeto direto. A ordem da apresentação das figuras era

aleatória e foi analisada pelo total de alvos, ou seja, relativas de sujeito para alvos de

sujeito e relativas de objeto para alvos de objeto. Os resultados mostraram que tanto

adultos quanto crianças evitaram o uso de relativas de objeto, embora os adultos tenham

produzido cerca de 1% (3/440) das relativas elicitadas, enquanto as crianças produziram

22% (144/649). Além disso, adultos e crianças não tiveram dificuldades em produzir

relativas de sujeito, produzindo-as até quando não eram elicitadas. Em outras palavras,

quando as relativas de objeto eram elicitadas, estas foram produzidas como relativas de

sujeito, porém, quando relativas de sujeito eram elicitadas, somente as crianças

produziram relativas de objeto em 1 % das vezes.

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Além do local de extração das relativas, foi observada também a variante

resumptiva que, apesar de não ser a estratégia do italiano padrão, foi encontrada na

produção de crianças que ora usavam o resumptivo (cerca de 60%) ora usavam o

próprio sintagma determinante do referente. Além disso, as crianças falantes de italiano

preferem as relativas de objeto com o sujeito pré-verbal do que pós-verbal. As relativas

com sujeito encaixado na posição pós-verbal podem ser ambíguas no italiano e parece

que as crianças sabem disto. Por isso, elas produzem uma sentença ambígua e em

seguida produzem outra para acabar com esta ambiguidade, além de preferirem as

relativas de objeto com sujeitos pré-verbais.

Outra questão foi relacionada às tarefas em si. Utzeri (2007) observou que as

crianças produziram mais relativas de objeto no teste de preferência (72%, 104 de 144)

do que na tarefa de descrição (28%, 40 dos 144). Além disso, os sujeitos pós-verbais

foram usados somente na tarefa de preferência, sugerindo uma diferença entre as duas

tarefas, no nível de atenção que as crianças depositam na tarefa, ou seja, as crianças

concentram-se mais no sujeito da ação, conforme Utzeri (2007). Desta forma, observa-

se que as crianças procuram as opções mais fáceis, sendo estas as relativas de sujeito.

Além de também ter sido observado que tanto adultos quanto crianças optaram por

relativas de sujeito ao invés das de objeto quando estas são elicitadas.

Já Arnon (2010, 2011) abordou a produção e compreensão de relativas de

crianças falantes do hebraico. Para investigar a produção, Arnon (2011) investiga a fala

espontânea de duas crianças extraídas da base de dados Ravid 1995, que continha cerca

de duas gravações por mês. Este era um estudo longitudinal feito por 6 anos com duas

crianças, uma, com 1 anos e 8 meses, e outra, com 9 meses, no início das gravações.

Ambas as crianças eram monolíngues e moradoras da área urbana. Todas as relativas

que continham o complementizador foram extraídas, resultando em 87 relativas infantis

produzidas entre 2 anos e 2 meses e 6 anos e 3 meses. Este levantamento revelou que as

relativas aparecem a partir dos 2 anos e que as relativas que aparecem mais cedo são

aquelas com local de extração de sujeito e de objeto direto. Além disso, as 20 primeiras

relativas de cada criança, 98% dos casos, são de objeto com referentes inanimados,

enquanto somente 51% das relativas de sujeito têm núcleo inanimado. Portanto,

conforme Arnon (2011), as relativas infantis assemelham-se às relativas dos adultos

conforme a análise de papel temático e animacidade, já que as crianças usam-nas em

diferentes relações temáticas, fazem as marcas de concordância e mostram escolhas

pragmáticas de referentes e animacidade. Além disso, as relativas são usadas para falar

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44

de eventos que ocorreram tanto no passado quanto aqueles que estão ocorrendo agora.

Outra questão é o uso de resumptivos que aparecem de forma exagerada na fala de

crianças que parecem estar usando-os em maior frequência para realçar o papel do

sintagma nominal modificado na oração encaixada, conforme Arnon (2011:125). Já o

trabalho de Arnon (2010) investigou a fala de duas bases de dados, sendo estas a base

BSF com 100 crianças, coletadas em casa ou no jardim de infância, a base Ravid

supracitada e a base de dados do hebraico com narrativas elicitadas com um livro de

imagens. Para isto, utilizou a ferramenta CLAN para procurar orações relativas. Neste

estudo, as narrativas de 84 participantes foram divididas em dois grupos: crianças, que

tinham idades abaixo dos sete anos (com 3, 4, e 5 anos), e adultos, englobando as outras

crianças, com 7, 9 , 11, e adultos, com 20 anos. Todas as faixas etárias contavam com

12 participantes. Foram 221 relativas produzidas pelas crianças e 170 produzidas pelos

adultos, direcionadas às crianças. A maioria dos dados veio da base Ravid que era mais

densa (representando um terço dos dados e continha a fala dos pais e das crianças).

Somente foram incluídas na análise as relativas de sujeito e objeto com verbos

transitivos, desta forma somente 170 relativas infantis e 96 relativas direcionadas às

crianças foram analisadas. O levantamento mostrou, segundo Arnon (2011), que as

relativas de objeto com núcleo com sintagmas nominais e sujeito encaixado são raras, já

que das relativas de objeto ouvidas pelas crianças, 6 % e 5% das produzidas, continham

sintagma nominal lexical. Já as relativas de sujeito com sintagma nominal lexical e

objeto encaixado representaram 66% das relativas ouvidas pelas crianças e 82% das

relativas produzidas. Além disso, do total de relativas ouvidas, 31% (37) eram de sujeito

e 69% (76) eram de objeto. Este resultado assemelha-se ao encontrado nas relativas

produzidas pelas crianças, sendo que 30% (37) foram de sujeito e 70% (60) foram de

objeto. Além disso, segundo Arnon (2010:10), as crianças raramente produzem orações

com sintagmas nominais lexicais na posição de objeto direto. Estas observações

serviram de base para entender se a compreensão está relacionada aos padrões de

distribuição no input.

Além disso, Arnon (2010, 2011) também observou a produção e a compreensão

de relativas de sujeito e objeto direto no processo de aquisição de 23 crianças do

hebraico com aproximadamente 4,6 anos. O experimento de compreensão continha

figuras com dois eventos com papeis reversos (ex. uma enfermeira desenhando uma

menina, e uma menina desenhando uma enfermeira junto com um distrator: uma

enfermeira falando no telefone) cujos personagens vestem os mesmos acessórios. Pediu-

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se que as crianças identificassem a cor de um acessório de um dos personagens na cena,

sendo a pergunta feita utilizando-se uma oração relativa restritiva (Qual a cor da saia da

menina que desenha a enfermeira? / Qual a cor da saia da enfermeira que a menina

desenha?). Desta forma, a compreensão das relativas era acessada por meio das

respostas que continham uma cor. Para a produção, um fantoche, que estava embaixo da

mesa, pedia que a criança descrevesse um dos personagens. Se a criança apontasse para

o participante ou falasse somente a cor, o fantoche dizia que não podia ver e fazia uma

pergunta sobre a cor. Esta cor era usada para a pergunta que estimulava a produção de

uma relativa, já que, ao produzir a resposta a esta pergunta, somente a cor não poderia

ser indicada. Por exemplo, se a criança respondesse “vermelha”, a produção seria

estimulada através da pergunta “Quem está usando a saia vermelha?” para o qual a

resposta esperada era “A menina que está desenhando a enfermeira.” Para elicitar estas

respostas foram construídas 16 figuras.

Estas figuras foram formadas a partir de oito verbos transitivos20

·, sendo estes

usados nas duas condições do experimento. Uma condição era com o sintagma nominal

lexical e a outra com o pronome, nos locais de extração de sujeito e de objeto direto.

Sendo assim, havia quatro condições experimentais e cada figura era usada para elicitar

quatro respostas. Com isso, o experimento contou com 32 questões de produção e 32

questões de compreensão cada, mais as 16 distratoras. Desta forma, o desenho do

experimento era 2x2x2, sendo a modalidade (produção versus compreensão), o tipo de

extração (sujeito versus objeto) e o tipo de sintagma nominal (lexical ou pronominal de

1ª pessoa) suas variáveis independentes.

As perguntas de produção resultaram em respostas abertas que foram

codificadas para adequação, acurácia, tipo de sentença e gramaticalidade. Adequação

referia-se à sentença que descrevia a entidade de forma exclusiva e com precisão, caso

contrário seria considerada inadequada. Por exemplo, se houvesse dois bichos com o

mesmo instrumento na mão e a resposta produzida à pergunta “Quem está com sapatos

pretos?” fosse “O bicho que tem o instrumento” esta seria inadequada já que não há

descrição precisa, uma vez que há mais de um bicho com o instrumento. A acurácia se

relacionava à descrição da entidade correta, caso contrário não seria considerada

acurada, por exemplo, com a troca do referente. O tipo de sentença da resposta foi

subdividido em 5 possibilidades: sem resposta ( a criança não produzia resposta) , sem

20 Os verbos usados por Arnon (2010 e2011) foram : “push”,” catch”, “ feed”, “ draw”, “ wash”, “

brush”, “ clean” e “ Kiss”.

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46

relativa (caso não fosse uma oração relativa), relativa de sujeito com verbo transitivo,

relativa de sujeito com verbo intransitivo e relativa de objeto.

Já as respostas às perguntas de compreensão foram categorizadas, além do

acerto, em quatro erros possíveis, a saber: a) o erro de reversão em que a criança mostra

o referente certo, porém na posição errada, ou seja, a criança atribui o papel temático

errado; b) o erro de agente em que a criança aponta para o referente errado na posição

errada, já que a criança responde com o agente da oração encaixada e não com o

referente; c) outro erro, que segundo Arnon (2010), consiste em a criança apontar para o

referente errado na posição certa, e, d) o erro de distrator, em que a criança aponta para

o distrator quando este não foi mencionado.

Os resultados mostraram que, para as respostas de compreensão, as relativas de

sujeito obtiveram 96% de respostas corretas, quando a condição era com pronome, ao

passo que compreenderam 90% das respostas corretas na mesma condição. Para as

relativas de objeto houve diferença maior. As relativas com sintagma nominal lexical

obtiveram 69% dos acertos, ao passo que as relativas com o pronome obtiveram 84%

das respostas corretas. Além disso, as crianças produziram mais relativas de sujeito do

que relativas de objeto. Já com relação ao teste de compreensão, as crianças foram mais

bem sucedidas em compreender as relativas de objeto com sujeitos pronominais. Então,

segundo Arnon (2011:130), as crianças não tiveram dificuldades com as relativas de

objeto que eram mais similares àquelas que ouvem e produzem. Além disso, crianças

consideraram algumas configurações mais fáceis que outras com a mesma construção.

Em outras palavras, as relativas de sujeito foram mais fáceis do que as de objeto na

condição pronominal, mesmo as relativas de sujeito sendo pouco frequentes nesta

condição. Então, Arnon (2010) explica que as relativas do hebraico em sua maioria têm

núcleos inanimados quando estão na posição de objeto, porém as crianças foram

testadas com sentenças que continham núcleos animados. Desta forma, algumas

relativas são consideradas mais complexas que outras, assim como na fala dos adultos.

Para Arnon (2010), estas diferenças na facilidade de algumas estruturas entre os adultos

também existem, porém não há a quebra de entendimento, somente uma demora já que

os adultos têm experiência suficiente para processar as relativas com mais custo. Em

contrapartida, estas estruturas estão ainda em processo de construção no aprendizado

das crianças e, por isso, ainda há uma ruptura de entendimento destas estruturas. Desta

forma, segundo Arnon (2011:134), o aprendizado é dependente dos padrões de uso e

por isso ocorre de forma gradual. Logo, no desenvolvimento infantil, ao longo do

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47

tempo, as relativas tornam-se mais complexas e mais parecidas com as estruturas

presentes na fala dos adultos. Em outras palavras, com mais experiência e com a

capacidade de abstração mais desenvolvida, as crianças conseguem interpretar relativas

pouco comuns, demonstrando a importância da frequência e similaridade estrutural

defendida por Diessel & Tomasello (2005) e Tomasello (2000,2006).

Arnon (2010) também comparou os resultados dos dois experimentos das 22

crianças que completaram ambos os testes. Esta comparação revelou que a produção

não é mais bem sucedida que a compreensão, visto que as relativas de objeto foram

igualmente bem compreendidas e produzidas com 67% de respostas corretas para as

duas habilidades em ambas as condições (com o pronome ou referente lexical), mas

apresentaram pouca diferença na condição com referente nominal (85% na compreensão

versus 77% na produção). Já com relação às relativas de sujeito, as crianças foram mais

bem sucedidas (88% dos acertos) do que com as de objeto (77% de acertos),

respectivamente, de maneira que, nas relativas de sujeito, 87% de acerto foram na

condição com pronome e 78%, na condição com referente lexical. Sendo assim, este

estudo revelou que a compreensão não sucede a produção, visto que as crianças

observadas por Arnon (2010 e 2011) foram mais bem sucedidas na compreensão do que

na produção. Este estudo também mostrou que as crianças são sensíveis a informações

advindas do input, uma vez que o padrão de uso das relativas em sua produção

assemelha-se ao dos adultos em relação às características distribucionais de

animacidade e de diferença entre sintagmas lexicais ou pronominais.

Os estudos, no geral, mostraram que a aquisição de relativas ocorre de forma

gradual seja em função de aspectos cognitivos que estão em desenvolvimento, seja por

falta de experiência com o input para que esta estrutura emerja. Desta forma, os estudos

de Diessel & Tomasello (2000; 2005), Diessel (2009), Brandt, Kidd, Lieven e

Tomasello (2009), Kidd (2011), Courtney (2006), Utzeri (2007) e Arnon (2010,2011)

observaram que há diferenças no desempenho das crianças nos experimentos em relação

às estruturas de sujeito e objeto, argumentando que as crianças são sensíveis não só aos

locais de extração, como sugere a hierarquia de acessibilidade de Keenan & Comrie

(1977), mas também a outras pistas como a animacidade dos referentes, o uso de

pronomes e o tipo de verbo. Estas informações advêm do input e fazem as relativas

infantis se assemelharem às relativas dos adultos e gradativamente atingirem a forma

destas relativas alvo. Por isso, a aquisição de relativas é um processo e ocorre através da

interação entre indivíduos, como afirmam os Modelos Baseados no Uso. Portanto, as

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48

relativas infantis seguem as relativas produzidas pelos falantes mais experientes, porém

a compreensão, em alguns casos, parece estar presente antes do domínio na produção de

relativas mais complexas. Desta forma, apesar dos diferentes tratamentos dados à

aquisição da sintaxe e das orações relativas, os trabalhos apresentam um ponto em

comum, a necessidade e importância do input para a aquisição. A partir do input são

extraídas informações de frequência e similaridade estrutural que norteiam a aquisição.

É a partir do armazenamento destas informações que as categorias mentais abstratas

começam a ser formadas, possibilitando a organização e a abstração de esquemas.

Portanto, a aquisição de sintaxe depende não só do input, mas também de aspectos da

cognição humana para categorizar, armazenar e abstrair os padrões de uso da

comunidade de fala.

Portanto, a produção e a compreensão de orações relativas na aquisição da

língua materna nem sempre se apresentam em relação simétrica, como afirma Arnon

(2010). Isto se deve ao fato de que processos cognitivos atuam na aquisição e dependem

de informações presentes no input, como informações de frequência de ocorrência e

frequência de tipo. Além do mais, ambas as informações advêm da interação, porém são

armazenadas e começam a atuar gradualmente na formação da gramática infantil, visto

que os processos de categorização e analogia não são instantâneos a partir das primeiras

interações com a criança. Por isso, no próximo capítulo, observa-se a distribuição das

relativas no Português Brasileiro de acordo com a literatura para que informações de

frequência de ocorrência e de tipo sejam consideradas juntamente com o processo de

analogia.

Page 49: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

49

2. SOBRE AS ORAÇÕES RELATIVAS NO PORTUGUÊS

BRASILEIRO

Neste capítulo serão abordados aspectos referentes às orações relativas no

Português Brasileiro (PB). Para isto, os estudos de Tarallo (1986, 1993), Kato (1993),

Kenedy (2007, 2008, 2014) e Bispo (2007, 2014) serão apresentados não só para

caracterizar as orações relativas do PB, mas também para evidenciar os diferentes

tratamentos dados ao estudo destas estruturas. Além disso, aspectos relativos à

direcionalidade da mudança linguística também serão apresentados através dos

trabalhos de Tarallo (1993), Mollica (2003), Bispo (2007, 2014) e Abreu (2013).

Finalmente, serão discutidas questões referentes à aquisição de relativas com os

trabalhos de Corrêa (1995) sobre compreensão e de Abreu (2013) sobre produção dessas

estruturas pelas crianças.

2.1 Orações Relativas no Português Brasileiro sob a Visão da Sociolinguística

Variacionista

O fenômeno da relativização no Português Brasileiro tem seus estudos seminais

com Mollica (1977) e Tarallo (1986). Neste estudo, Tarallo apresenta evidências para

tratar as orações relativas como uma variável linguística. Com relação às orações

relativas com função preposicionada do termo relativizado, Tarallo (1986, 1993)

observa três estratégias de relativização das orações relativas preposicionadas (ou

piedpiping):

1. a. Relativa padrão

Ex.: A pessoa com que falei é eficiente.

1. b. Relativa Copiadora

Ex.: A pessoa que falei com ela é eficiente.

1.c. Relativa Cortadora

Ex:. A pessoa que falei é eficiente.

Tarallo (1993) observa o uso das relativas padrão, copiadora e cortadora em um

corpus escrito de cartas, diários e peças teatrais, escritas entre os anos de 1725 e 1880,

dividindo este período de tempo em quatro intervalos de 50 anos, ou seja, em torno de

1725; em torno de 1775, em torno de 1825 e em torno de 1880. Esta coleta é comparada

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50

posteriormente com dados de fala espontânea de moradores de São Paulo coletados em

1981. Neste estudo, observa que as estratégias de relativização têm diferentes

concentrações no tempo.

Tarallo (1993) observou que a oração relativa padrão (como no exemplo 1a) é

muito frequente entre 1725 e 1825 para constituintes preposicionados, ao passo que a

estratégia do pronome lembrete, ou seja, relativa copiadora (como no exemplo 1b.) se

mantém estável na língua nesse momento. Já em relação à estratégia com o corte da

preposição e do sintagma nominal, isto é, a relativa cortadora (como no exemplo 1c.)

tem seu uso crescente, mas ainda com pouca frequência, no mesmo período de tempo.

Todavia, nota-se que, por volta de 1880, há uma inversão no padrão de uso das

estruturas relativas. Neste último intervalo, há o decréscimo no uso de relativas padrão

concomitante à estabilidade da relativa copiadora, ainda mantida, e o aumento da

frequência de relativas cortadoras, passando estas a serem mais usadas do que as

relativas padrão.

Para os constituintes não preposicionados, Tarallo (op. cit.) observou que as

estratégias padrão (exemplos 2a e 3a) alternam com a estratégia copiadora (exemplos 2b

e 3b) para as posições de sujeito (exemplos 2) e objeto direto (exemplos 3).

2a. Relativa padrão de sujeito

Ex.: A menina que chegou é bonita

2b. Relativa Copiadora de sujeito

Ex.: A menina que ela chegou é bonita

3a. Relativa padrão de objeto direto

Ex: A boneca que eu peguei é bonita

3b. Relativa Copiadora de objeto direto

Ex.: A boneca que eu peguei ela é bonita

Neste estudo, o autor observa que as relativas copiadoras são pouco frequente na

língua, predominando assim, o uso da estratégia denominada por Tarallo de relativa

padrão, que neste trabalho será chamada de relativa básica, conforme mencionado

anteriormente, para evitar que haja confusão destas estruturas com as relativas

preposicionadas padrão, como também o faz Abreu (2013). Em outras palavras, será

adotada, neste trabalho, a denominação de relativa básica para as variantes de

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51

constituintes não preposicionados com a ausência de cópia que são as mais frequentes

nas posições não preposicionadas, segundo Tarallo (1993), para diferenciar do caráter

de prestígio normalmente associado ao termo padrão, que não se aplica a essas variantes

de função não-preposicionadas. Já as relativas copiadoras são condicionadas por fatores

semânticos, conforme afirma Mollica (1977, 2003). Segundo a autora, as copiadoras são

mais frequentes com sintagmas nominais humanos, indefinidos e singulares.

Conforme Tarallo (1993), este novo direcionamento para o uso das relativas

padrão (piedpiping) é consequência de um encaixamento das mudanças linguísticas

conforme propõem Weireich, Labov & Herzog (1968), uma vez que a mudança nas

relativas, com o aumento de uso das cortadoras, decorre de outra mudança que

ocasiona uma reorganização no sistema linguístico. A mudança linguística que

proporcionou o surgimento e aumento das relativas cortadoras foi a diminuição da

retenção pronominal nos sintagmas preposicionados, iniciada em torno de 1825.

Segundo Tarallo (1993:83), por volta de 1825, começa a haver um decréscimo nas taxas

de uso de pronome em sintagmas preposicionados e na retomada anafórica de objetos

diretos, com um aumento de uso de pronomes na posição de sujeito, invertendo a

hierarquia de retenção pronominal em 1880. Assim, a retenção pronominal no sujeito

aumenta, e as posições preposicionadas passam a manter cada vez menos os pronomes.

O apagamento pronominal também acontece nas estruturas relativas, impulsionando o

aparecimento e o incremento das relativas cortadoras. Portanto, a baixa manutenção de

pronomes nas posições preposicionadas propicia o surgimento das relativas cortadoras

que começam a ser mais frequentes.

Além disso, a inversão na frequência de uso das relativas padrão, com o aumento

da produtividade das relativas cortadoras no português contemporâneo, é evidenciada

por Tarallo (1986, 1993), que estuda as relativas na fala de paulistanos de três classes

sociais distintas, no ano de 1981, e observa a manutenção do padrão iniciado em torno

de 1880, isto é, verifica que, nesta sincronia, a variante cortadora continua mais

frequente do que as relativas padrão, observando também uma diminuição ainda maior

na retenção pronominal nos sintagmas preposicionados. Logo, este estudo revela que as

relativas padrão deixaram de ser as variantes mais frequentes aproximadamente depois

de 1880, época em que o uso das relativas cortadoras começa a se sobrepor às relativas

padrão, mantendo-se até o momento segundo Tarallo (1993), Mollica (2003), Kenedy

(2007, 2008, 2014) e Abreu (2013). Em outras palavras, a direcionalidade da mudança

linguística foi em direção às relativas cortadoras em funções preposicionadas, que

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começam a ganhar espaço dentre as estratégias de relativização por volta de 1880 por

consequência de uma baixa retenção pronominal nos sintagmas preposicionados

evidenciando também o encaixamento das mudanças linguísticas defendido por

Weireich, Labov & Herzog (1968).

2.1.1 Formação das Orações Relativas Preposicionadas

Dentre os trabalhos que se debruçam sobre o estudo das relativas, destacam-se

duas posições distintas para explicar a formação destas orações. De um lado, há a

posição dos estudos variacionistas Tarallo (1986, 1993)21

, segundo a qual as estratégias

de relativização são diferentes do ponto de vista de sua formação, uma vez que são

oriundas de dois processos diferentes, sendo estes o movimento e o apagamento do

sintagma-QU. Por outro lado, há a posição da sintaxe formal de Kenedy (2007, 2008),

que defende que as relativas ocorrem através de movimento e o que as diferencia não é

o processo de sua formação, mas sua manifestação em sua forma fonética decorrentes

de diferentes numerações. Já a proposta de Bispo (2007, 2014), que analisa as relativas

dentro da perspectiva da linguística funcional norte-americana, postula que as

diferenças se devem à tendência à economia de esforço. No entanto, apesar de

apresentarem posições teóricas diferentes, as conclusões dos três trabalhos demonstram

que a estratégia padrão preposicionada não se apresenta como produtiva na língua, visto

que seu uso está correlacionado à alta escolaridade, seja por perder espaço em função de

uma reorganização no sistema linguístico, seja por não ser econômica para o sistema

computacional da linguagem humana, como propõe o modelo formal.

Tarallo (1986, 1993) afirma que as relativas no Português brasileiro advêm de

processos que as diferenciam e que as mantêm em competição. De acordo com o autor,

a relativa preposicionada padrão tem origem no movimento do sintagma -QU e na

presença do pronome relativo. Tarallo também faz uma distinção entre os introdutores

das relativas e afirma que a relativa padrão é introduzida por um pronome relativo e o

“que” introdutor das outras variantes é um complementizador. Já o apagamento é outro

processo de relativização do qual se originam as relativas copiadoras e cortadoras. A

relativa copiadora é formada através do apagamento do sintagma nominal referente e

21 Há também o trabalho de Mollica (1977) que não é tratado aqui por se tratar de um estudo que se

debruça mais especificamente sobre a alternância entre ausência e presença da cópia no Português

Brasileiro. O trabalho de Mollica (2003) caracteriza a fala da comunidade de fala do Rio de Janeiro na

próxima

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sua substituição por uma forma pronominal correferente com o núcleo do sintagma

nominal da relativa, além de manter a preposição. Desta forma, há o apagamento do

sintagma nominal que não deixa uma lacuna, já que esta é preenchida pelo pronome

lembrete correferente ao núcleo da relativa. Diferentemente, da relativa copiadora, a

relativa cortadora, que também é formada pelo processo de apagamento, deixa uma

lacuna, uma vez que esta estratégia é formada pelo apagamento do sintagma

preposicional in situ. De outro modo, na relativa cortadora, são apagados não só a

preposição, mas também o núcleo do sintagma nominal, fato este que, de acordo com

Tarallo (1986:250), pode levar a uma ambiguidade quando se trata de alguns verbos que

podem ser usados com diferentes sintagmas preposicionados a depender do significado

a ele atribuído, como no exemplo a seguir, extraído de Tarallo (1986:250).

4.“É para entender mesmo, daí é para ele não encher mais o

saco, porque tive, teve um que a professora falou, onde já se

viu falar que um aluno não é homem.”

(TARALLO,1986:250).

Observa-se, neste exemplo, que a relativa destacada pode ter ao menos duas

interpretações em que o verbo falar pode vir acompanhado das preposições a ou para,

e que alguém teria sido o alvo da mensagem contida na ação de falar exercida pela

professora. Ao mesmo tempo, pode-se interpretar o exemplo 2 de forma que a

preposição apagada tenha sido sobre no lugar de a ou para, fazendo com que o

complemento preposicionado do verbo falar refira-se agora ao assunto a ser

mencionado pela professora. Desta forma, Tarallo afirma que esta pode ser uma

estrutura ambígua, porém verifica também que estruturas em que o corte do sintagma

preposicional causa uma ambiguidade são raras. Isto se deve ao fato de que relativas

cortadoras cujos verbos possuem mais de um sintagma preposicional, como o caso de

falar, são menos frequentes. Verbos que têm sua regência com preposição variável

geralmente não são usados com relativas cortadoras e, em alguns casos, a preposição

cortada pode ser inferida pelo traço humano ou não humano do núcleo relativizado, não

causando erros de comunicação. Portanto, Tarallo (1986, 1993) define que as relativas

preposicionadas padrão do PB são originárias de um processo de movimento, ao passo

que a formação das relativas copiadoras e das cortadoras se dá através de um processo

de apagamento.

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Outra posição semelhante a de Tarallo (op.cit.) é a de Kato (1993), já que

também afirma que as relativas cortadoras têm origem na elipse do sintagma

preposicional e que estas não derivam da copiadora. Neste caso, para Kato, a cortadora

é fruto de um apagamento na forma fonética, por consequência da subida de nomes ou

verbos para o nó de concordância, o que faz com que o nó do sintagma nominal fique

vazio, se o núcleo for foneticamente nulo. Outro ponto divergente é a origem das

relativas copiadoras, sendo, para Tarallo, formadas através do apagamento do sintagma

nominal correferente com a substituição por uma anáfora pronominal, ao passo que,

para Kato (op.cit), são oriundas da posição de tópico. Para Kato, as relativas copiadoras

existem graças a uma posição vazia no interior da sentença22

que se liga ao relativo que,

sendo todas relativas originadas do movimento do pronome relativo e o referente em

deslocamento à esquerda. Diferentemente de Tarallo, Kato (1993) não considera que as

relativas copiadoras sejam formadas por complementizadores, sendo as relativas

formadas apenas pela estratégia de movimento de uma posição vazia ligada ao relativo

na sentença.

Em contrapartida, Kenedy apresenta outra proposta para a composição das

orações relativas. Ao contrário de Tarallo (1993), que propõe duas origens distintas para

a formação das relativas, Kenedy (2007, 2008 e 2014) propõe que, de modo geral, as

relativas se originam do mesmo processo de movimento e a diferença entre as relativas

preposicionadas padrão, copiadora e cortadora reside na sua numeração23

que origina

formas de superfície diferentes, diferenciando-se em suas formas fonéticas. Dessa

forma, o processo pelo qual as relativas são formadas é o mesmo, sendo as diferenças

existentes entre suas formas consequência de uma seleção de traços feita pelo sistema

computacional da linguagem humana que escolherá o melhor candidato, ou seja, aquele

que melhor atende “as condições de legibilidade impostas pelos sistemas de

desempenho” (cf. Kenedy, 2007:25). Portanto, a diferença entre as relativas reside nas

operações do sistema computacional da linguagem humana que seleciona a numeração

mais econômica. De acordo com Kenedy (2007, 2008), esta seleção é a razão pela qual

as relativas piedpiping não são naturais, já que são mais custosas, enquanto as relativas

22

Exemplo : Eu falei com essa moça ontem.

(LD Essa moçai), (IP eu falei com elai ontem)

A moça (CP quei ((LD ti) (eu falei com elai) ontem. 23 Para Kenedy (2007), a numeração é um subconjunto do Léxico que se forma a cada início de derivação

e retira do Léxico itens já organizados para enviá-los ao sistema computacional da linguagem humana

(CHL) para que através de suas operações sejam adaptadas aos sistemas de desempenho, obedecendo

condições de legibilidade.

Page 55: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

55

cortadoras são mais econômicas e, por isso, preferidas pelos falantes do Português de

modo geral, como prevê a hipótese de Kenedy sobre a antinaturalidade das relativas

piedpiping.

Para Kenedy (2007, 2008, 2014), as relativas preposicionadas padrão e não

padrão “devem receber a mesma descrição na sintaxe visível, deixando-se para o

componente fonológico da linguagem (PF, do inglês phonetic form) a diferenciação

entre as expressões canônica e não-canônica da relativização” (Kenedy, 2014:39). Desta

forma, não há processos distintos que originam as diferentes estratégias de relativização

cujas diferenças aparecem em decorrência de operações ocorridas na estrutura

superficial. Isto ocorre, pois a forma dos sintagmas e seus constituintes não importa para

a sintaxe e por isso “deve dar-se noutro componente da linguagem, no caso PF”,

segundo Kenedy (2014:39). Desta forma, segundo Kenedy (2008, é somente depois da

representação gerada pela faculdade da linguagem que haverá diferenciação na

derivação em que os traços fonológicos e semânticos já foram pareados e serão

entregues ao sistema computacional da linguagem humana. Neste sistema há operações

que são desencadeadas por traços do léxico de determinada língua, tornando-se

acessíveis para a computação à medida que são selecionados pela numeração

(subconjunto do Léxico). O pareamento destes traços é feito através da numeração que

se forma através de traços abstratos selecionados do léxico e formam a derivação. Para

que esta derivação chegue até o sistema computacional da linguagem humana, esta

precisa obedecer a certas condições de legibilidade que selecionam os candidatos

ótimos, ou seja, aqueles que são econômicos para o sistema e que não oferecem ruídos à

derivação. Outra exigência para que esta derivação chegue aos sistemas sensório-motor

e de pensamento é a condição de convergência, cujo princípio estabelece que deve ser

movido apenas o menor constituinte acessível que contenha o traço [T] atraído pelo

núcleo (realizado através da operação Move F). Logo, o melhor candidato para chegar

às interfaces de som e significado é o menos custoso para a faculdade da linguagem.

Além disso, para que esta derivação continue seu caminho para o sistema

computacional da linguagem humana, esta deve obedecer também a restrições de

desempenho de que dependem as condições de legibilidade para que os traços

fonológicos e semânticos da numeração sejam encaminhados para suas devidas

interfaces. Assim, os traços fonológicos são encaminhados ao sistema articulatório-

perceptual e os traços semânticos são encaminhados para o sistema de pensamento

através da operação Spell-out do sistema computacional da linguagem humana. Nas

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56

relativas, o traço -QU deve ser eliminado antes de Spell-out, o que torna as relativas

piedpiping diferentes das copiadoras e cortadoras como será discutido a seguir. Desta

forma, Kenedy (2008, 2014) afirma que as relativas têm origem no processo de

movimento, de constituintes e que sua diferenciação ocorre depois do Spell-out, tendo

todas as estratégias a mesma forma subjacente.

Segundo Kenedy, a diferença entre as relativas ocorre na forma fonética,

portanto, na estrutura superficial, porém a principal diferença entre as relativas é

observada na quantidade de constituintes que se movem. Conforme Kenedy (2007), há

duas opções de derivação para relativas preposicionadas: a) mover o sintagma

determinante em que o traço –QU se encontra, ou b) mover, além do sintagma

determinante em que o traço –QU se encontra, o sintagma preposicional. Esta última

opção é bloqueada pelo princípio da economia de Move F. Este princípio de economia

consiste no deslocamento de um constituinte para uma posição no complexo de objeto

construído na derivação. Considerando a relativa piedpiping, há o movimento de dois

sintagmas como na opção 1b) acima. Desta forma, segundo Kenedy (2007:96), esta

derivação nunca chegaria aos sistemas sonoro e lógico, visto que seria bloqueada pelo

sistema computacional da linguagem, já que é mais custosa, envolvendo o movimento

de dois constituintes. Este movimento também deixaria uma lacuna na posição de base

dos sintagmas movidos. Assim, esta representação é formada antes da operação Spell-

out, originando uma representação que seria depois bloqueada pelo princípio de

economia por desrespeitar o Move F.

Por outro lado, as relativas copiadoras e cortadoras seriam licenciadas, uma vez

que “são derivadas após Spell-out e possuem todas a mesma estrutura sintática

subjacente” (Kenedy 2008:96). No caso das relativas copiadoras, há o movimento de

apenas um sintagma determinante, porém a preposição é deixada in situ junto com a

realização de traços de gênero, número e pessoa. Estes traços não são apagados na

posição de base e são realizados através da forma fonética de um pronome cópia,

conforme Kenedy (2014:40). Com relação às cortadoras, Kenedy (2014) as descreve

como formadas por um amálgama de traços em que estariam contidos tanto os traços do

determinante quanto os traços da preposição fundida no mesmo sintagma na forma

fonética. Consequentemente, nas relativas cortadoras, o apagamento de um dos traços

da amálgama, por exemplo, o apagamento do sintagma determinante na posição de

base, resulta no apagamento dos traços da preposição. Percebe-se, assim, que diferenças

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57

entre as formas fonéticas definem as estratégias de relativização que não diferem em

termos de processos, já que ambas são derivadas de movimento.

Além de Kenedy, outro estudo que caracteriza as relativas cortadoras como

menos complexas e mais econômicas é o de Bispo (2007), porém usando como

arcabouço teórico o funcionalismo norte-americano. Nesta concepção, Bispo apoia-se

em três princípios do funcionalismo com base em Givón (1990): iconicidade, marcação

e expressividade. A iconicidade prevê que haja uma relação entre forma e função

semântica ou pragmática. Assim, há uma tendência de haver identificação nas formas

sintáticas e ou morfológicas com estruturas semântica ou pragmaticamente

correspondentes. O princípio da iconicidade apresenta três subprincípios. Um destes

subprincípios se refere à quantidade de informação regendo a relação de equivalência

entre quantidade de informação e tamanho da forma linguística, ou seja, há uma

tendência das formas linguísticas serem mais extensas, se veiculam maior quantidade de

informação. Além disso, a quantidade de informação também se relaciona à

complexidade da informação e distância entre referentes, em que informações

complexas tendem a ser apresentadas através de estruturas complexas. Logo,

informações já apresentadas tendem a ser retomadas por pronomes ou elipses. Então,

quanto maior a proximidade de um referente analisado maiores serão as chances deste

ser representado por um pronome ou elipse. Outro subprincípio é a proximidade que

prevê que a integração de conceitos na cognição se revela na ligação morfossintática, ou

seja, quanto maior for a ligação morfossintática, maior é a relação entre os conceitos no

plano cognitivo. Em outras palavras, este subprincípio se refere à distância entre

conteúdos no texto e sua proximidade cognitiva, assim “quanto mais próximos dois

conteúdos estiverem, mais integradas, do ponto de vista cognitivo, estarão as formas

que os representam, o que está mentalmente mais junto é colocado sintaticamente mais

junto” (Ataíde e Silva (2017:62). Desta forma, a proximidade entre os conceitos é

apresentada através da ligação entre suas formas linguísticas. Há ainda o subprincípio

da ordenação linear, estabelecendo a organização espaço-temporal dos constituintes de

acordo com pressões cognitivas, isto é, a disposição dos constituintes se correlaciona à

ordem dos fatos experienciados no mundo real. Além disso, segundo Ataíde e Silva

(2017), a ordenação linear também se relaciona ao estatuto informacional, pois a

informação mais importante ou mais nova tende a ser posta em destaque tanto no nível

oracional quanto no nível textual e, por isso, aparece geralmente no final do enunciado.

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58

Sendo assim, a iconicidade tenta estabelecer a mesma relação entre a forma linguística e

o significado.

A marcação consiste na alternância entre presença ou ausência de propriedades

em itens em uma relação binária de categorias linguísticas marcadas e não marcadas.

Isto pode ser diferenciado de acordo com a complexidade estrutural (itens marcados são

mais complexos ou maiores), a frequência (itens marcados são menos frequentes e por

isso mais salientes cognitivamente) e a complexidade cognitiva (a construção mais

marcada é cognitivamente mais complexa demandando maior esforço de

processamento, maior atenção ou tempo de processamento). Para isso, Bispo (2007),

com base em Givón (1990) observa as relativas cortadoras no Corpus Discurso &

Gramática de textos orais e escritos da cidade de Natal. Este corpus é composto por

informantes de diversas faixas etárias e graus de escolaridade em situação de entrevista

que foram gravados em torno de 1990. Neste universo, Bispo analisa textos orais e

escritos de dois informantes no final do ensino fundamental, dois no final do ensino

médio e dois informantes no final do ensino superior. Estes falantes foram escolhidos

por pertencerem a fases finais de cada nível de ensino e por “possuírem certo

conhecimento do uso formal da língua, o que implica dizer que desviam do padrão por

uma questão de escolha.” (Bispo, 2007:165-166). Desta forma, na proposta de Bispo

(2007), os falantes escolhidos poderiam alternar a forma da relativa utilizada, visto que

são escolarizados e por isso conhecem todas as variantes das orações relativas, logo não

estariam restritos apenas às variantes copiadoras ou cortadoras. O tema dos textos foi

escolhido pelos informantes, partindo de organizações textuais definidas como narrativa

de experiência pessoal, narrativa recontada, descrição de local, relato de procedimento e

relato de opinião. Através deste estudo, Bispo encontrou 20 relativas preposicionadas

padrão (16% dos dados), 1 relativa copiadora e 102 relativas cortadoras (83% dos

casos). Com relação às modalidades oral versus escrita, aparecem 58 ocorrências de

relativas cortadoras na fala dos participantes com ensino médio (98%), seguidos de 21

ocorrências, entre os participantes do ensino superior (91%), e 14 ocorrências, entre os

alunos da 8 ªsérie do ensino fundamental (66%). Nestes dados, somente uma copiadora

aparece na fala de um indivíduo do ensino superior, representando 4% das relativas

produzidas na fala. Já com relação à escrita, o maior uso das cortadoras foi observado

nas 5 produções dos alunos do ensino médio (representando 71%), seguidas das 3

cortadoras dos alunos da oitava série (27%) e de 1 cortadora dos alunos de ensino

superior ( 50%). Bispo explica esta variação percentual entre fala e escrita, alegando

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59

que esta tem um caráter mais formal que teria influenciado no uso maior das relativas

padrão. O uso das relativas preposicionadas padrão somente superou as cortadoras na

escrita entre os informantes da 8ª série, contrariando as expectativas, visto que o

esperado era que quanto maior a escolaridade, maior seria o uso de estruturas da forma

padrão.

Nesta perspectiva, Bispo argumenta que as relativas cortadoras são menos

complexas tanto em termos de sua estrutura quanto em termos de seu processamento.

Ao compará-las com as relativas preposicionadas padrão, observa que, por conter um

elemento a menos, as cortadoras são mais simples, visto que estas não envolvem a

alteração da linearidade como as relativas preposicionadas padrão, que envolvem “o

deslocamento do sintagma preposicionado para antes do relativo” (Bispo,2007:177).

Então, Bispo afirma que, com a eliminação da preposição nas cortadoras, menos

material precisa ser processado, fazendo-a cognitivamente mais simples e exigindo

menor esforço cognitivo. Junta-se a isso o fato de que a relativa preposicionada padrão é

mais complexa, pois envolve a articulação do falante e o processamento do ouvinte de

um elemento a mais. Bispo (2014:144) ainda afirma que “a presença desse termo a mais

demanda maior esforço por envolver a noção de regência, o que implica trabalho duplo:

reconhecer que o termo regente requer preposição e identificar qual será empregada.”

Além disso, outra questão é a frequência, já que as cortadoras se apresentaram em

número superior também no corpus de Natal. Desta forma, Bispo, conclui que as

relativas preposicionadas padrão são mais marcadas, menos frequentes e mais

complexas estrutural e cognitivamente, enquanto as cortadoras são mais marcadas

expressivamente, pois são mais simples, menos marcadas e mais frequentes do que as

preposicionadas padrão, que seriam as menos marcadas expressivamente para Bispo

(2014:147). Desta forma, para as relativas preposicionadas, as variantes cortadoras são

mais fáceis, mais frequentes e por isso são menos marcadas estrutural e

pragmaticamente.

Segundo Gívon (1995:27), as estruturas podem ser marcadas em alguns

contextos e não marcadas em outros, já que a marcação é dependente do contexto. Além

disso, afirma que não só as estruturas têm uma relação binária de marcação, mas

também os tipos de discurso podem ser divididos em marcados e não marcados. Neste

caso, a fala é menos marcada do que a escrita, que se apresenta como mais formal,

menos dependente de contexto e menos flexível em termos de ordem de palavras,

maiores encaixamentos, processamento mais fluente e maior presença de marcas

Page 60: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

60

gramaticais e morfológicas. Considerando-se essas características, as relativas

preposicionadas padrão nem sempre predominam na escrita, como se espera, nem dos

mais escolarizados, que certamente têm acesso a estas estruturas durante o período de

escolarização e aprendizado formal da língua. No caso das relativas preposicionadas, há

o contraste binário entre as relativas padrão e cortadoras em que as primeiras são pouco

frequentes na fala e envolvem a presença da preposição, fazendo-as mais longas do que

a contraparte cortadora. A cortadora, por sua vez, é mais frequente, menor e mais

simples estruturalmente e, por isso, Bispo (2007) a caracteriza como marcada

expressivamente. Isto é evidenciado por Bispo (2014:150), demonstrando que as

cortadoras são usadas em textos escritos com fins publicitários24

para proporcionar ao

leitor maior clareza e expressividade, mesmo se tratando de uma modalidade mais

formal da produção linguística. A expressividade e alta frequência das cortadoras as

fazem menos marcadas tanto na fala como na escrita. Assim, esta posição considera a

cortadora mais econômica em termos de processamento, assemelhando-se à posição

defendida por Kenedy, já que ambos tratam as cortadoras como mais simples e/ou

econômicas em relação às relativas preposicionadas padrão. Desta forma, a relativa

cortadora é a preferida pelos falantes em geral seja na fala, em entrevistas dos corpora

analisados por Bispo (2009, 2014), ou na escrita, em textos redigidos pelos informantes

nos gêneros narrativa de experiência pessoal, narrativa recontada, descrição de local,

relato de procedimento e relato de opinião, também analisados por Bispo (2009, 2014),

uma vez que Bispo (2014) apresenta resultados de baixo percentual de uso da relativa

preposicionada padrão para estes textos orais (6%) e um equilíbrio entre o uso da

variante padrão (53%) e cortadora ( 47%) nestes textos escritos, evidenciando que não

há restrição ao uso da relativa cortadora. Essa característica se aplica às estruturas não

marcadas em que não há uma associação entre uma forma e um tipo de discurso,

conforme (Dryer,1995).

Logo, observa-se a distinção no tratamento dado à formação e origem das

relativas. Por um lado, a posição de Tarallo (1986, 1993) defende que estas são

formadas por dois processos distintos, afirmando também que a ausência da relativa

preposicionada padrão se deve a um encaixamento da mudança sintática. Por outro

lado, Kenedy afirma que a diferença entre as relativas do português brasileiro são fruto

do mesmo processo, mas diferem em sua manifestação fonética, em que apenas as

24 Um exemplo extraído de Bispo (2014:150) é “ A caixa tem crédito que você precisa”, presente na

revista Isto é de 26 de novembro e 2008.

Page 61: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

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relativas copiadora e cortadora, as quais ele nomeia de não canônicas, são possíveis.

Acrescente-se a posição de Bispo (2007), que defende a ideia de que as relativas

cortadoras são mais frequentes, menos complexas cognitivo e estruturalmente, sendo

mais marcadas expressivamente (cf. Bispo, 2007:177), aproximando-se um pouco da

posição defendida por Kenedy, sendo a posição de Bispo inserida na proposta teórica do

funcionalismo norte americano.

Portanto, embora existam diversos tratamentos quanto ao uso das relativas no

Português Brasileiro, todos os estudos já mencionados convergem, mostrando que a

relativa preposicionada padrão não é frequente na fala e vem sendo substituída pela

variante cortadora. Esta é vista como mais simples estruturalmente, visto que a ausência

da preposição está relacionada a uma redução na carga de processamento, fazendo com

que sua estrutura se assemelhe a outras estruturas frequentes da língua. As diversas

abordagens no estudo de orações relativas apontam diferentes caminhos de análise. Este

trabalho, segue a proposta de Tarallo (1986, 1993) em que as relativas preposicionadas

são introduzidas por complementizadores nas variantes não padrão, predominantes na

fala por um processo de encaixamento da mudança sintática que direcionou a mudança

para as relativas preposicionadas para as variantes cortadoras.

2.2 Caracterização do input variável na comunidade do Rio de Janeiro

Os estudos de Mollica (2003) e Abreu (2013) mostram que o uso das orações

relativas na comunidade de fala do Rio de Janeiro segue as tendências apontadas por

Tarallo (1986, 1993). O estudo de Mollica (2003), que investigou o uso da cópia nas

relativas nesta comunidade de fala, revelou que a relativa copiadora tem uma

especialização de uso, ou seja, seu uso se correlaciona a determinados fatores estruturais

e semânticos. Corroborando o estudo de Mollica (2003), Abreu (2013) faz um

levantamento de dados da fala espontânea, revelando que as relativas básicas não

preposicionadas e as cortadoras em posições preposicionadas são as mais frequentes.

Mollica (2003) observou o uso de orações relativas na fala espontânea no Rio de

Janeiro em dados das Amostras Censo 198025

, Censo 200026

– Comunidade de fala e

25 Amostra organizada no início da década de 80 com falante moradores da cidade do Rio de Janeiro para

observar a variação na fala carioca. Esta amostra contém falantes divididos em quatro faixas etárias (7 a

14 anos, 15 a 25 anos, 26 a 49 anos e acima de 50 anos). Foram categorizados de acordo com sua

escolaridade divididos em 1º e 2º ciclo do ensino fundamental e ensino médio. Foram categorizados

também em termos do gênero/ sexo. 26 Amostra realizada nos anos 1999 e 2000 constituída de participantes organizados através dos mesmos

critérios da Amostra 80.

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62

Censo 2000, com 16 indivíduos recontatados que compuseram a Amostra Censo 1980.

Seu estudo investigou tanto a questão do encaixamento quanto da implementação do

processo de mudança relacionado às orações relativas, analisando os condicionamentos

sociais e funcionais da cópia. De maneira geral, concluiu que o uso de relativas padrão

preposicionadas é raro, enquanto a estratégia mais usada é a relativa cortadora,

conforme mostrou Tarallo, e que a taxa de uso das copiadoras em relativas com

funções preposicionadas é baixa, 6 % nas amostras analisadas. Mollica (2003) realizou

dois estudos com este levamento, um estudo de tendência e um estudo de painel. O

estudo de tendência consistiu na comparação dos dados coletados na Amostra Censo

1980 e na Amostra Censo 2000 para observar a comunidade de fala em duas sincronias.

O estudo de painel consistiu na observação de dados dos mesmos 16 indivíduos em dois

momentos diferentes, Censo 1980 e o recontato em 1999/2000. Nestes estudos foram

controlados o efeito da escolaridade, idade, sexo, o traço de animacidade do referente,

sua função sintática e a distância entre o sintagma nominal referente e o relativizador.

Nos dois estudos, Mollica observou que a variante copiadora é limitada em relação ao

contexto em que se insere, que inclui um referente indefinido, coletivo, distante e

humano. Além disso, observou também que o fator escolaridade não foi muito

significativo “com um leve favorecimento da anáfora pelos falantes da Amostra 80 e

pelos universitários da Amostra 00” (Mollica 2003:133). Além disso, este estudo revela

também que a anáfora pronominal só é usada em contextos em que há a função de

desambiguizar o referente humano que está longe do relativo. Logo, Mollica conclui

que as relativas cortadoras ainda prevalecem no uso de falantes em geral, seja aqueles

com alta escolaridade, seja aqueles com escolaridade baixa. Além disso, conclui

também, no estudo de tendência, que os falantes mais escolarizados tendem a usar a

cópia somente em relativas preposicionadas, ao passo que os falantes menos

escolarizados utilizam-na somente na função de sujeito. Quanto à função dos referentes,

observou que a cópia se concentra nas posições de sujeito com baixas ocorrências nas

posições de objeto indireto e adjunto adnominal. Com relação ao sexo e faixa etária dos

falantes analisados no estudo de tendência, observou que os falantes mais jovens e de

sexo feminino tendem a usar a cópia nos corpora analisados. Além do mais, afirma que

o pronome relativo cujo desapareceu do uso da comunidade de fala do Rio de Janeiro

independentemente do nível de escolaridade. Portanto, conforme Tarallo (1993),

Mollica (2003) e Abreu (2013), as relativas padrão preposicionadas estão

desaparecendo da fala de adultos e crianças, sendo substituídas pela variante cortadora.

Page 63: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

63

50%

23%

0,2%

20%

6,30%

0,4% 0,05%

Sujeito

Objeto direto

Pred. Do Sujeito

Adjunto adverbial

Objeto indireto

Genitivo

Adjunto adnominal

Já com relação às funções não preposicionadas, os estudos têm mostrado que as

relativas de sujeito apresentam-se com maior frequência na língua, seguidas das

relativas de objeto direto, conforme Abreu (2013), principalmente em sua variante

básica (ou padrão), enquanto a variante copiadora é usada em contextos mais restritos,

como afirma Mollica (2003).

Alinhada a estes estudos, Abreu (2013) investigou a Amostra Censo 2000

(http://www.letras.ufrj.br/peul/censo%202000.html), uma amostra de fala espontânea,

gravada nos anos de 1999 e 2000, com 32 falantes nativos da comunidade de fala do

Rio de Janeiro, com idades entre 9 e 55 anos de idade, para observar a distribuição das

orações relativas na fala dos adultos. Os falantes foram gravados por cerca de uma hora

seguindo os procedimentos das entrevistas sociolinguísticas labovianas. Foram

coletadas 1882 orações relativas, com a seguinte distribuição, conforme o gráfico a

seguir:

Nenhuma entrada de índice de ilustrações foi encontrada.

Através do Gráfico 1, adaptado de Abreu (2013:85), observa-se que as relativas

de sujeito são as mais numerosas no input, já que correspondem a 50% (N=936) das

1882 relativas encontradas na fala adulta na comunidade de fala do Rio de Janeiro. Já os

outros locais de extração apresentam menores frequências de ocorrência, já que 23%

(N=442) eram relativas de objeto direto, 20% (N= 373) eram relativas adverbiais e

cerca de 7% eram outras relativas, aí incluídos os 6,3% de objeto indireto ( N=119) e

0,4% de genitivo (N=8), entre outras (adjunto adnominal (0,05%, N=1). Logo, as

relativas de sujeito são as mais frequentes, consistindo em metade da produção das

Gráfico 1: Frequência de tipo das relativas encontradas no input cf. Abreu (2013:85)

Page 64: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

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relativas dos adultos, seguidas pelas relativas de objeto direto. Em contrapartida, os

demais tipos de relativas são muito pouco frequentes.

Além disso, Abreu (2013) também realiza um levamento na mesma amostra para

identificar a frequência de ocorrência de cada variante no total de relativas encontrado

na Amostra Censo 2000, conforme o Gráfico 2 a seguir:

Fonte: adaptado de Abreu (2013: 86).

A partir dos resultados apresentados em Abreu (2013:86), o gráfico acima foi

elaborado para que fosse possível estabelecer a frequência de ocorrência de cada uma

das variantes em função do conjunto de relativas encontradas no input para cada local

de extração. Então, percebe-se que as relativas básicas de sujeito têm alta ocorrência,

visto que foram encontradas 923 relativas do total de 1882 relativas da amostra, ao

passo que sua concorrente, a variante copiadora, é muito pouco frequente. Da mesma

forma, observa-se que as relativas de objeto direto também estão concentradas na

variante básica ou padrão (440 relativas), sendo estas o segundo tipo mais frequente na

amostra. Já as relativas com local de extração preposicionado foram raramente

49%

0,60%

23%

0,10%

5,00%

14%

0,40% 0,10%

6,00%

0,55% 0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Gráfico 2 : Distribuição da variantes das relativas por local de extração

cf.Abreu (2013:86)

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encontradas em sua variante padrão. Observa-se também que as relativas cortadoras de

objeto indireto não são muito frequentes na amostra, embora constituam a ocorrência

majoritária nesta função.

Desta forma, segundo Abreu (2013), a distribuição encontrada das variantes de

cada função está de acordo com Tarallo (1993), uma vez que a grande maioria das

relativas padrão (no presente estudo, básicas) estava concentrada nas relativas de

sujeito, 99%, e relativas de Objeto, 98%, sendo estes percentuais relacionado ao total de

ocorrências dessa variante em oposição ao percentual de ocorrências da variante

copiadora, com poucos casos de relativas com pronome resumptivo nestas posições. Da

mesma forma, orações relativas em locais de extração preposicionados (objeto indireto,

adjunto adverbial, genitivo) seguiram a tendência anunciada por Tarallo, já que as

cortadoras foram as mais usadas (98%), enquanto as relativas padrão piedpiping e a

estratégia copiadora foram pouco usadas (1% para cada tipo). Então, este levantamento

confirma a tendência de uso de relativas padrão de tipos não-preposicionados e de uso

das variantes cortadoras em tipos de extração preposicionados já atestados nos trabalhos

de Tarallo (1993) e Mollica (2003).

Bispo (2014) realiza nova investigação com o Corpus D&G Natal e o Corpus RJ

em que analisa a fala e escrita de informantes de três níveis de escolaridade. Este estudo

também revela que, na fala, há maior uso de relativas cortadoras, independentemente do

nível de escolaridade, 90% das ocorrências (268 relativas cortadoras de um total de 298

relativas) para os corpora analisados. Já na escrita, foi encontrado um total de 105

relativas, sendo 45%, relativas cortadoras, e 53%, de relativas preposicionadas padrão.

O estudo também mostrou que, em todos os níveis de escolarização, à exceção do

ensino fundamental, foi encontrada a predominância de relativas cortadoras. Após esta

observação, Bispo (2014:136) afirma que o uso “das relativas copiadora e cortadora é

discutido, como forma de atender a motivações de natureza sociointeracional e

cognitiva dos usuários da língua”. Em outras palavras, as relativas cortadoras são mais

frequentes entre os falantes independentemente da faixa etária, visto que são mais

simples tanto para a produção quanto para o processamento.

Do exposto, observa-se que as relativas básicas (padrão) são as mais frequentes

nas posições não preposicionadas de sujeito e, em menor ocorrência, de objeto direto. Já

as variantes copiadoras, de acordo com Mollica (2003), têm um condicionamento

estrutural que restringe seu uso, já que envolve a distância entre relativo e referente e

traço animado humano deste. Além disso, para Mollica (2003), seu uso está relacionado

Page 66: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

66

a um recurso desambiguador dos referentes na língua. Por outro lado, observa-se que,

nas posições preposicionadas, há a predominância de relativas cortadoras em

substituição às relativas preposicionadas padrão que estão desaparecendo das produções

orais e decrescendo cada vez mais das produções escritas independentemente do grau de

escolaridade. Com isso, observa-se que o português brasileiro apresenta um avançado

estágio da mudança em direção às variantes cortadoras para posições preposicionadas e

manutenção das variantes básicas para as posições não preposicionadas, formas estas

que caracterizam o input da relativização no Português Brasileiro e especificamente o

português falado na cidade do Rio de Janeiro.

2.3 Aquisição de orações relativas no Português Brasileiro.

Poucos são os estudos que se concentram na aquisição de orações relativas no

Português Brasileiro. Este assunto é bastante investigado no que tange à produção de

adultos, porém no que concerne à fala infantil pouco já foi observado. Apesar disso, é

essencial para os estudos linguísticos observar como esta variável presente no Português

brasileiro é adquirida. Uma vez que a presente tese tem por objetivo observar tanto a

compreensão quanto a produção de relativas na aquisição, serão apresentados os

trabalhos de Corrêa (1995), que trata da questão da compreensão das relativas, e o de

Abreu (2013), que se concentra na produção de relativas.

Corrêa (1995) observou a compreensão das orações relativas, considerando o

encaixamento da relativa em relação à oração principal (no centro ou à direita), foco

(sujeito ou objeto direto) e animacidade dos sintagmas nominais (encaixado e não

animado ou encaixado e animado), em que todos são animados ou que há um inanimado

na sentença, conforme disposto na tabela seguir, com os exemplos retirados de Corrêa

(1995).

Page 67: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

67

Quadro 1: Sentenças do experimento de Corrêa (1995) organizadas por Condição

Tipo de

sentença

Animacidade Sentenças

Sujeito – sujeito (-)27

O cavalo que pulou a cerca derruba a galinha.

(+) O carneiro que derrubou a galinha pula o cavalo.

Sujeito - objeto (-) O carneiro que o porco empurrou come capim.28

(+) A galinha que o porco empurrou pula o carneiro.

Objeto - sujeito (-) O cavalo empurra o carneiro que pulou a cerca.29

(+) O cavalo empurra o porco que derrubou a galinha.

Objeto - objeto (-) O carneiro empurra a cerca que o cavalo derrubou.

(+) O porco empurra o carneiro que o cavalo

derrubou.30

Fonte: Adaptado de Corrêa (1995:193)

Este estudo verificou se as mudanças incrementais poderiam ser testadas em

idades entre três e quatro anos; se o processamento das crianças seria afetado por

encaixamento e foco e como o número de sintagmas animados afetaria a compreensão

da criança. Para isso, Corrêa desenvolveu um experimento usando a técnica de acting-

out (tarefa de encenação) a que 80 crianças do Rio de Janeiro, (divididas em 4 grupos

etários de 2;6 a 3;5; de 3;6 a 4;5; de 4;6 a 5;5 e de 5;6 a 6;5) foram submetidas. Os

resultados mostraram que as crianças diferiram seu comportamento em função da idade,

demonstrando um aumento no desenvolvimento das sentenças com o foco31

no objeto

que eram consideradas as mais difíceis, juntamente com as sentenças de objeto

encaixadas no centro.32

Também foi observado que as crianças com idade de 5 anos

estabilizaram sua performance. Então, estes resultados mostraram que as relativas de

objeto representaram grande dificuldade para a compreensão das crianças no PB.

Abreu (2013) observou a produção espontânea de 23 crianças gravadas nos anos

de 2004 e 2005. Estas gravações são parte da amostra transversal

AQUIVAR/PEUL/UFRJ. Esta amostra é composta de 35 crianças nascidas no Rio de

Janeiro, sendo todos filhos únicos ou os mais velhos dentre os irmãos. Os dados foram

27 As sentenças são classificadas com a animacidade (-) por possuírem apenas 2 sintagmas nominais

animados e as classificadas com (+) por possuírem 3 sintagmas nominais animados, cf. Corrêa (1995) 28 Neste caso a sentença é classificada como sujeito-objeto , pois o sujeito da oração principal ( carneiro)

é objeto da relativa encaixada no centro, segundo Corrêa (1995) 29 Neste caso a sentença é classificada como objeto sujeito, pois o objeto da oração principal é o sujeito da

oração subordinada posicionada à direita, como afirma Corrêa (1995) 30 Neste caso a sentença é classificada como objeto –objeto, pois o objeto da oração principal é também

objeto da relativa subordinada posicionada à direita. 31

Corrêa (1995:185) define foco como “the grammatical function of the relativized term in the RC” , ou

seja, a função gramatical do termo relativizado na oração relativa. 32 Exemplo de Corrêa para uma relativa encaixada no centro são as sentenças de classificadas como

sujito –sujeito e sujeito – objeto.

Page 68: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

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coletados de 23 crianças desta amostra, que foram organizadas em três faixas etárias:

Faixa etária I, com 8 crianças com idades entre 1;11 e 2;11, sendo 7 sete meninas e 1

menino; faixa etária II, com 7 crianças de 3 à 4 anos, sendo 4 meninas e 3 meninos e

faixa etária III, com 8 crianças entre 4;1 e 5;1, sendo estas 4 meninas e 4 meninos. Este

levantamento revelou que as crianças com maior incidência de relativas foram as

crianças da faixa etária III. Nesta faixa etária, aparecem 17 relativas em que 6 são de

sujeito e 7 de adjunto adverbial. Além disso, também foi observada a ocorrência de

relativas na fala das crianças da faixa etária I, apenas duas relativas, sendo uma de

sujeito e outra de objeto indireto. Desta forma, concluiu-se que as relativas são mais

frequentes a partir dos 3 anos, visto que, na faixa etária II, há um aumento do número de

relativas que passa a ser de 5 orações. Apesar disso, nem todas as crianças das faixas

etárias II e III produziram relativas. Além do mais, das 24 relativas encontradas na fala

infantil, 46% se concentram na posição de sujeito, 29 % na posição de adjunto adverbial

e 12% são tanto relativas de objeto direto quanto de objeto indireto. As variantes

observadas, juntamente com suas frequências de ocorrência, foram: uma relativa

copiadora na posição de sujeito, 15 relativas padrão, sendo 67% básicas de sujeito, 20%

básicas de objeto direto e 13 % de adjunto adverbial, com o pronome onde. Além disso,

também foram registradas 8 ocorrências de relativas cortadoras, sendo 5 de adjunto

adverbial (63%) e 3 de objeto indireto (37%). Então, observa-se que as relativas

aumentam em frequência conforme aumenta a idade das crianças, mostrando que a

aquisição destas é gradual. Além do mais, a tendência de uso das relativas infantis

reflete o mesmo padrão de uso encontrado na fala dos adultos com maior número de

cortadoras para as relativas preposicionadas. Contudo, para melhor observar as relativas

na fala infantil, Abreu (2013) elaborou um experimento de produção elicitada.

Abreu (2013) também observou a aquisição de orações relativas em crianças

com idades entre 4 e 7 anos em dados de produção controlada. Para observar as orações

relativas durante a aquisição da língua materna, Abreu (2013) desenvolveu um teste de

imitação elicitada baseado em Diessel e Tomasello (2005). Conforme mencionado no

capítulo anterior, os autores elaboraram um experimento de repetição de sentenças em

que as crianças ouviam uma sentença e deveriam repeti-la, considerando que a repetição

não é uma atividade passiva. Em outras palavras, tarefas de repetição mostram o

conhecimento gramatical internalizado pelas crianças, porque a alta acurácia na

repetição é possível somente se as estruturas são conhecidas, isto é, fazem parte do

conhecimento linguístico internalizado.

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69

Partindo da abordagem que conjuga as hipóteses da Sociolinguística

Variacionista, às dos Modelos baseados no Uso e a metodologia do trabalho de Diessel

e Tomasello (2005), Abreu (2013) elaborou um teste de produção elicitada adicionando

as variantes das orações relativas para o PB. No experimento desenvolvido por Abreu

(2013), as crianças ouviam todas as variantes possíveis de uma estrutura, de acordo com

a função sintática, visando observar a aquisição dessas construções através de dados de

produção elicitada, isto é, o estágio em que se encontravam as crianças em relação à

aquisição das variantes de orações relativas do PB. Este experimento foi dividido em

três listas que eram apresentadas a diferentes crianças em um design within subjects33

.

Nestas listas, todas as variantes possíveis para o tipo de relativa (preposicionada ou não)

foram apresentadas, mas as crianças tiveram acesso somente a uma variante da mesma

sentença. Em outras palavras, nenhuma sentença foi apresentada aos participantes em

mais de uma variante na mesma lista. As crianças foram expostas a todas as variantes

possíveis, porém em sentenças diferentes. A hipótese de trabalho era que o tipo de

oração relativa e variante são relevantes para a acurácia na tarefa de repetição,

juntamente com a experiência da criança na língua, medida por sua idade.

Considerando que a similaridade estrutural com as sentenças simples influencia

na aquisição de relativas e considerando a mudança observada no PB, 78 estímulos

foram construídos de acordo com duas condições: o tipo de relativa (sujeito, objeto

direto, objeto indireto, adverbiais e genitivas) e variantes dos estímulos (padrão,

copiadora e cortadora, estas somente para as relativas de objeto indireto, adjunto

adverbial e genitivo). Foram controlados fatores estruturais, semânticos e pragmáticos.

Seguindo algumas observações sobre relativas infantis apresentadas por Diessel (2009),

com respeito à animacidade dos referentes, todos os estímulos de relativas de objeto

continham referentes inanimados, já que isto diminui a diferença entre relativas de

sujeito e relativas de outras funções sintáticas. O experimento foi aplicado a 47 crianças

divididas em dois grupos etários, 4 a 5 anos e 6 a 7 anos, que foram solicitadas a repetir

os estímulos distribuídos em três listas equivalentes, apresentadas aleatoriamente

usando o Programa DMDX34

para o Windows. Cada criança foi exposta às mesmas

condições, mas não às variantes diferentes da mesma sentença, repetindo 26 sentenças

33 Um design within subjects consiste em tipo de distribuição dos participantes do experimento em que

estes são expostos à todas as condições do experimentais , porém os grupos de participantes tem acesso à

estímulo diferentes. 34 O programa DMDX é um programa desenvolvido para experimentos que visam obter dados

linguísticos, podendo trabalhar com estímulos de áudio, vídeo e/ou imagem e permite que o programador

controle a ocorrência de cada evento, segundo Foster & Foster (2003).

Page 70: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

70

teste e 9 distratoras. O experimento foi apresentado para as crianças como uma forma de

jogo em que se deveria repetir o que era ouvido, imaginando que fossem papagaios.

Desta forma, a tarefa experimental das crianças era repetir as sentenças, tarefa esta que

se mostrou adequada às crianças e aos propósitos do estudo, conforme Abreu (2013).

Os resultados da ANOVA revelaram efeitos do tipo de relativa, variante e idade. As

crianças apresentaram os níveis mais altos de acurácia repetindo relativas padrão (ou

básicas) de sujeito e objeto direto, diferentemente do estudo de Diessel e Tomasello

(2005), em que houve diferença entre essas duas funções sintáticas nas crianças

adquirindo inglês e alemão. As crianças também demonstraram acurácia alta na

repetição das variantes cortadoras, com exceção das relativas de genitivo. Este

comportamento indica que a similaridade estrutural entre variantes cortadoras e outras

sentenças da língua e a frequência da variante básica influenciam no processo de

aquisição, além de refletir o estágio de mudança observado no Português Brasileiro. Isto

é, o desempenho atestado em dados de produção controlada refletiu o estágio de

mudança do PB observado na amostra dos adultos (Abreu, 2013).

Portanto, observa-se que as relativas no período de aquisição do PB seguem a

mesma tendência de distribuição observada no input da comunidade de fala do Rio de

Janeiro, visto que, a maior acurácia no teste de produção elicitada está relacionada com

as variantes mais frequentes no input. Além disso, o fato de relativas de sujeito serem

mais frequentes no input que os demais tipos de relativas afeta o desempenho na

compreensão, uma vez que não só as crianças têm mais facilidade de compreensão de

relativas de sujeito, como demonstrou Côrrea (1995), mas também, na produção

espontânea, pois produzem mais relativas com local de extração na posição de sujeito e

na variante básica, como observado no levantamento da fala de adultos e crianças. Além

disso, o desempenho das crianças em relação às relativas cortadoras também evidencia

que a fala das crianças segue a tendência de uso dos adultos, mostrando que a aquisição

também sofre influência do input variável. Desta forma, pode-se afirmar que o uso

linguístico infantil reflete o estágio do processo de mudança em que se encontra o

Português Brasileiro no que concerne às relativas, uma vez que as crianças não

produzem as variantes de relativas que estão em via de desaparecimento ou já

desapareceram da fala, como as relativas genitivas e as variantes padrão das demais

relativas preposicionadas.

Page 71: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

71

3. OBJETIVOS, HIPÓTESES E METODOLOGIA.

Este capítulo visa expor os objetivos, hipóteses e a metodologia de obtenção dos

dados da pesquisa. Para a realização deste trabalho, foram utilizados um experimento de

compreensão de orações relativas, de acordo com a metodologia de Arnon (2010),

aplicado a 72 crianças, e um experimento de produção, o mesmo do estudo de Abreu

(2013). Este experimento foi reaplicado a um grupo menor de 12 crianças que

responderam também ao experimento de compreensão a fim de possibilitar a

comparação das duas habilidades. Neste capítulo, também é apresentada a metodologia

estatística utilizada na análise dos dados.

3.1 Objetivos e Hipótese

De acordo com os estudos realizados até o momento, já tratados nos capítulos 1

e 2 do presente trabalho, as relativas infantis são não só adquiridas de forma gradual,

mas também sua aquisição envolve aspectos inerentes à variação. Foi observado

também que as relativas são adquiridas de acordo com a frequência de ocorrência no

input conforme Ambridge, Kidd, Rowland & Theakston (2015) e Diessel & Hilpert

(2016), de maneira que, para os autores, as relativas mais frequentes são adquiridas

primeiramente. Em relação ao Português Brasileiro, os estudos de Tarallo (1993),

Mollica (2003) mostraram que as orações relativas constituem uma variável linguística,

isto é, são expressas por construções que alternam no uso dos falantes. Esses estudos,

juntamente com o trabalho de Abreu (2013), revelam que as variantes das relativas não

são igualmente distribuídas no input, isto é apresentam diferentes frequências. Por isso,

assume-se, neste trabalho, que não só as relativas cujos tipos estruturais são mais

frequentes serão adquiridas primeiro, mas a frequência de ocorrência das variantes

também influenciará na aquisição, uma vez que a relativização no PB constitui um

fenômeno variável. Então, é importante considerar a frequência das variantes

considerando o contexto geral de uso das relativas, além de considerar a competição das

variantes, isto é, o percentual de variantes da variável linguística, em função do local de

extração.

Com relação à gradualidade da aquisição, conforme Corrêa (1995), Courtney

(2006), Arnon (2010 e 2011) e Abreu (2013), a aquisição de relativas ocorre de acordo

com uma escala crescente, proporcional ao aumento na idade dos participantes, ou seja,

Page 72: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

72

quanto maior a faixa etária, maior a presença de relativas. Além disso, outra questão

presente, não só nestes estudos, mas também em Diessel & Tomasello (2000; 2005),

Courtney (2006), Utzeri (2007), Diessel (2009), Brandt, Kidd, Lieven & Tomasello

(2009) e Kidd (2011) , é o aspecto estrutural das orações relativas. Esses estudos

mostram que há interferência da complexidade estrutural dessas orações no desempenho

das crianças, uma vez que o desempenho das crianças é melhor, tanto na produção

quanto na compreensão, das relativas de sujeito. Este tipo é comumente associado à

facilidade de produção e compreensão na maioria dos trabalhos. Além disto, esta

relativa pertence ao tipo estrutural mais frequente nas línguas, como também atesta

Abreu (2013) para o Português Brasileiro (doravante PB). Esta posição sintática

também é o local de extração cuja ordem não infringe o padrão SVO, sendo um tipo

estrutural de oração relativa semelhante a outras orações do PB, em especial, é a ordem

comum nas orações simples. Ainda, as relativas de sujeito são consideradas as mais

simples na hierarquia de acessibilidade de Keenan & Comrie (1977).

Assim, outra questão essencial que influencia a aquisição das relativas é a

similaridade de suas estruturas em relação a outras sentenças da língua. Em outras

palavras, as relativas são mais rapidamente adquiridas quanto mais parecidas são com as

sentenças simples da língua, conforme propõe Diessel (2009). No caso do PB, a

semelhança estrutural é reconhecida nas relativas em termos da ordem dos seus

constituintes em que relativas não preposicionadas de sujeito e relativas cortadoras de

complemento preposicionado35

mantêm a ordem, SV(O), canônica no PB.

Considerando os achados nos diversos estudos sobre aquisição e a especificidade

do PB com relação às orações relativas, o presente trabalho busca:

1. Investigar a compreensão de orações relativas por crianças,

com idades entre 3;0 e 6;11, adquirindo o Português Brasileiro ,

considerando o estágio avançado de mudança em que o PB se

encontra, já demonstrado em trabalhos realizados sob a ótica da

sociolinguística variacionista, e seu reflexo na aquisição.

35 Devido ao fato de o teste de compreensão utilizar verbos cujos argumentos podem tanto figurar na

posição de sujeito como na de objeto e à necessidade de as ações serem traduzíveis em desenhos, optou-

se por trabalhar com uma categoria de complementos preposicionados e não somente com verbos com

complemento indireto ou complemento oblíquo, por exemplo, o que inviabilizaria a seleção de verbos em

quantidade suficiente para a elaboração do experimento.

Page 73: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

73

2. Observar a compreensão das relativas por local de extração,

incluindo suas variantes com diferentes frequências de

ocorrência e graus diferentes de similaridade estrutural, a fim

de verificar seu efeito na compreensão.

3. Observar as diferenças entre a compreensão e a produção de

orações relativas, conforme demonstrou Arnon (2010, 2011)

em seu estudo para o hebraico, verificando se o comportamento

relativo à compreensão reflete o já encontrado por Abreu

(2013) para produção.

Além disso, o conhecimento linguístico também pode ser concebido como uma

rede de estruturas que são organizadas em função de similaridades estruturais e

semânticas, como proposto pelos Modelos Baseados no Uso (Diessel & Hilpert,2016).

Segundo essa hipótese, a partir do input recebido, a criança começa a organizar as

informações linguísticas em termos da similaridade semântica e estrutural, como afirma

Tomasello (2006), criando combinações que são, em primeiro lugar, baseadas no item

para, em seguida, começarem o processo de esquematização. Ademais, Ambridge,

Kidd, Rowland & Theakston (2015:240) argumentam que “children build up abstract

constructions on the basis of the input”36

, ou seja, com a experiência com o input,

crianças começam a organizar seu conhecimento linguístico em estruturas abstratas para

construir sua gramática fazendo uso de mecanismos cognitivos inatos. Esta experiência

adquirida com a interação, na visão desenvolvida neste trabalho, inclui estruturas

variáveis que também são parte do input linguístico. Então, a variação também se

manifesta na fala da criança, que não só adquire estruturas variáveis e categóricas, mas

também participa no processo de transmissão da mudança (Labov, 2007)37

. Sabe-se que

todo aspecto da gramática está propenso à variação e mudança, incluindo a sintaxe. A

variação é propriedade inerente às línguas humanas, que são dinâmicas e possuem

aspectos variáveis. Estes aspectos variáveis, na sintaxe, concernem a duas ou mais

formas de exprimir o mesmo significado referencial. A variação sintática pode ser

36 Trad. Crianças formam as construções abstratas com base em no input. 37 De acordo com Labov (2007), a origem das mudanças não está nas crianças, mas nos adultos. No

entanto, as crianças participam do processo de transmissão da mudança através do processo de

incrementação, em que avançam a mudança linguística além do nível observado para as gerações

anteriores (pais, etc) na mesma direção por mais de uma geração.

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74

encaixada, isto é, surgir como fruto de uma reorganização do sistema, decorrente do

avanço de outra mudança, ou não encaixada. No caso das relativas no PB, conforme

afirma Tarallo (1993) a mudança é encaixada no sistema.

Para Labov (2007), a mudança sintática, transmitida através de gerações de uma

comunidade de fala, é iniciada pelos adultos (Labov, 2007) e expandida e propagada

pelas crianças. E também, uma vez que a variação é parte do conhecimento linguístico

do falante, é também adquirida (cf. Chambers, 2002; Gomes, 2017). Portanto, as

crianças adquirem as variantes das orações relativas de acordo com sua presença no

input, ou seja, o uso das orações relativas à que a criança tem acesso molda seu

conhecimento linguístico. Por isso, espera-se que as estruturas de maior frequência no

input e com maior similaridade estrutural a outras sentenças da língua não apresentem

dificuldades de compreensão pelas crianças, assim como não representaram dificuldade

na produção elicitada já realizada por Abreu (2013), acompanhando sua experiência

linguística com o input. Por isso, espera-se que as relativas mais fáceis para a produção,

como atestado em Abreu (2013), sejam também mais fáceis na compreensão.

As orações relativas constituem uma variável sociolinguística no PB que se

apresenta em um avançado estágio no processo de mudança, principalmente

considerando as relativas em posição preposicionada. Logo, nosso objetivo é investigar

a compreensão de relativas no contexto de mudança linguística, já que as variantes

mostram frequências de uso diferentes. São poucos os trabalhos que consideram a

variação existente entre as relativas, como Kato (1993), Kennedy (2007, 2008, 2014),

Mollica (2003), Abreu (2013), sobre relativas no PB, Courtney (2006), sobre relativas

no quéchua com núcleo interno, externo ou sem núcleo e Utzeri (2007), sobre relativas

no italiano com referentes na função de sujeito e objeto.

Portanto, as hipóteses deste estudo são:

1. Espera-se que as estruturas mais frequentes sejam adquiridas

mais cedo, e, portanto, isso se refletirá no comportamento

relativo à compreensão dessas estruturas, e, em contrapartida,

estruturas menos frequentes no input sejam mais difíceis para a

criança e possam afetar a compreensão (cf. Diessel &

Tomasello, 2005; Ambridge, Kidd, Rowland & Theakston,

2015; Diessel & Hilpert, 2016). Presume-se também que as

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variantes mais encontradas no input apresentem menos erros

no experimento de compreensão.

2. Espera-se encontrar a tendência já atestada na produção, em

que relativas padrão piedpiping sejam adquiridas

posteriormente e, portanto, seu processamento encontrará mais

dificuldades do que as orações relativas básicas ou copiadoras

de constituintes não preposicionados.

3. Espera-se que a semelhança estrutural da relativa com a ordem

mais frequente do PB (SVO) tenha papel na aquisição, assim,

as variantes que apresentem essa estrutura (básica de sujeito e

cortadora de complemento preposicionado) podem ser

adquiridas mais cedo, e, portanto, facilitar a compreensão e a

produção.

Além disso, diversos estudos sobre a aquisição das relativas têm mostrado que

diferentes graus de complexidade das relativas, considerando o papel sintático do

pronome relativo, também influenciam no processo de aquisição. Por isso, também é

esperado um aumento da dificuldade de processamento das orações relativas de acordo

com sua estrutura, como demonstrado por Keenan & Comrie (1977). Estes argumentam

que a acessibilidade de orações relativas obedece à seguinte hierarquia: sujeito>objeto

direto>objeto indireto> oblíquo>genitivo>, de maneira que a língua que relativiza em

posições mais altas usará relativas em posições mais baixas. E assim, a mesma

hierarquia tem sido encontrada nos trabalhos sobre processamento e aquisição de

orações relativas (Kidd, 2011). Por isso, outra hipótese é:

4. O grau de compreensão das relativas está relacionado com a

hierarquia de Keenan & Comrie, de maneira que relativas de

complemento preposicionado, neste estudo, são mais difíceis do

que as relativas de objeto direto que são mais difíceis do que as

relativas de sujeito (cf. Diessel & Tomasello, 2005).

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76

Além disso, Arnon (2010:27) também mostra que a compreensão e a produção

de orações relativas estão em uma relação simétrica, já que as crianças falantes do

hebraico apresentaram um desempenho semelhante nas duas tarefas, conforme

mencionado no capítulo 1. Então, considerando a possibilidade de simetria no

comportamento das crianças na produção e na compreensão, a variabilidade e a

hierarquia de Keenan & Comrie e os resultados de Abreu (2013), as hipóteses preveem

que:

5. A compreensão e a produção tendem a estar na mesma

direção, de maneira que relativas de sujeito e objeto direto,

nas suas variantes, junto com as preposicionadas cortadoras

serão tão fáceis para a compreensão quanto foram para a

produção (cf. Abreu (2013). Já o desempenho das crianças

nas relativas padrão de complemento preposicionado, neste

estudo, apresentará dificuldades refletidas em número alto

de erros na tarefa de compreensão, refletindo os resultados

encontrados na produção (cf. Abreu 2013).

Para investigar estas hipóteses, foram utilizados dois experimentos, um de

compreensão e outro de produção, descritos na próxima seção deste capítulo. Nesta

seção também são apresentadas as variáveis de análise, sendo que algumas

correspondem às condições de organização de cada experimento. Tanto no primeiro

quanto no segundo experimento, a acurácia na compreensão e na produção é analisada

em função das variantes, do tipo de relativa e da faixa etária das crianças, conforme será

exposto a seguir. Desta forma, busca-se com este trabalho contribuir para o

conhecimento da aquisição da sintaxe variável em contexto de mudança, associando as

perspectivas da Sociolinguística Variacionista e dos Modelos Baseados no Uso.

3.2 Metodologia

Para realisar o presente trabalho foram gravadas e analisadas as respostas de 82

crianças entre 3;0 e 6;11, somando-se os dados obtidos nos experimentos de

compreensão e produção . As seções seguintes referem-se à descrição do experimento

de compreensão, da amostra de crianças deste estudo e as variáveis estudadas. Nesta

Page 77: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

77

seção há também uma descrição do experimento de produção, reaplicado a um grupo de

12 crianças, além da descrição do perfil das crianças às quais o experimento de

produção foi reaplicado. Destas 12 crianças, as respostas de 2 crianças fazem parte do

grupo de 72 cujas respostas embasam a análise do teste de compreensão. Esta pesquisa

teve seu projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Núcleo de

Estudos em Saúde Coletiva (NESC) da UFRJ. 38

3.2.1 O Experimento de Compreensão de Orações relativas

3.2.1.1 A Elaboração do experimento

A fim de observar a compreensão das orações relativas por crianças em fase

anterior à alfabetização foi elaborado um experimento a partir da metodologia utilizada

para as relativas do hebraico em Arnon (2010, 2011), que se mostrou eficiente para

atender este objetivo. Por isso, utiliza-se para este estudo um experimento com a tarefa

de identificação de figuras, adaptado para as especificidades da língua portuguesa, como

será apresentado a seguir.

A tarefa experimental para observar a compreensão em ambiente controlado foi

uma medida off-line39

para identificação de figuras mediante perguntas interpretativas.

Assim, os participantes deveriam ouvir uma pergunta e responder a ela através de uma

imagem apresentada a estes. Compõe este experimento um conjunto com 18 figuras

para os estímulos-alvo e uma figura para a fase de treino, a gravação de 36 estímulos

auditivos (apresentados a seguir), divididos em duas listas, e 10 distratores. São 18

figuras para os estímulos-alvo, porque 12 delas puderam ser usadas para as situações

que podem ser apresentadas através de orações relativas com local de extração de

sujeito e de objeto direto (Por exemplo: Qual a cor da meia da bailarina que está

pintando a menina? e Qual a cor da meia da bailarina que a menina está pintando? e

suas variantes).

A divisão em listas foi feita para que o teste contemplasse os três locais de

extração com suas respectivas variantes mais e menos frequentes, cruciais para este

38 Este estudo obteve a aprovação do CEP , parecer: 2.105.906. 39 De acordo com Kenedy (2015:148), “são aferidas após a conclusão do processamento linguístico e, por

conseguinte, envolvem reflexões conscientes por parte daqueles que participam de uma tarefa

experimental.” Então, uma medida off-line caracteriza-se por uma tarefa que captura os dados depois de

seu processamento, ou seja, as respostas usadas para medir a compreensão são coletadas depois que a

criança já interpretou o estímulo para identificar o referente em questão.

Page 78: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

78

estudo, sem que a pesquisa fosse distorcida por cansaço dos participantes, uma vez que

o design do experimento leva a um total de 36 estímulos-alvo, além dos distratores. Por

isso, com os estímulos divididos em listas, os participantes têm acesso a todas as

condições experimentais, porém a quantidade de estímulos não torna o experimento

exaustivo. Assim, cada criança ouviu 18 estímulos-alvo e 10 distratores.

Estes estímulos foram gravados por outra pesquisadora jovem para que a voz

constante no experimento fosse uma voz feminina que não se confundisse com a voz da

pesquisadora responsável pela aplicação, possibilitando melhor contextualização do

experimento, tratado como um jogo para as crianças. Estes estímulos foram

apresentados em ordem aleatória em um netbook acoplado com headsets com

microfone para captar as respostas. A aleatoriedade de apresentação e gravação dos

estímulos e respostas dos participantes foi possível graças à função macro do Programa

Power Point do Pacote do Office, associado ao programa Cantasia Studio, em que era

possível a captação de áudio (as respostas das crianças e os estímulos auditivos

disparados), juntamente com as imagens na tela, para todas as sentenças do experimento

de cada participante. Desta forma, a resposta de cada participante era armazenada em

um arquivo que continha todos os estímulos (visuais e auditivos), gravação de sua

resposta e também outras interações com a pesquisadora.

O procedimento do experimento consistiu em duas partes: a fase treino e a fase

do experimento propriamente dito. A fase treino consistiu no primeiro contato da

pesquisadora com a criança, em que a esta era mostrada uma figura com alguns

personagens em preto e branco, mas com um acessório colorido. Com base nesta

imagem (Anexo I), eram feitas perguntas que visavam saber se as crianças conseguiam

identificar os referentes e as cores de seus acessórios. Nesta fase, não houve uso de

orações relativas por parte da pesquisadora para indicar os referentes. Depois da fase

treino, começa o experimento propriamente dito que é apresentado como um jogo. Em

um primeiro momento, há uma explicação que, depois que pesquisadora e criança

contassem a história da figura, eles iriam começar um jogo de adivinhação em que a

pesquisadora precisava adivinhar qual era o desenho sobre o qual a criança ouvia. Para

isso, o participante deveria ouvir os estímulos advindos dos fones acoplados ao

computador e em seguida falar a cor do acessório indicado no estímulo, assim a

pesquisadora conseguiria adivinhar qual era o personagem. Em um segundo momento,

depois da explicação, a pesquisadora começava a contar a história das figuras, que

consistia somente em um momento de identificação de cores, acessórios, personagens e

Page 79: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

79

ações dos participantes, para assegurar que a criança entendia as cenas e percebia os

acessórios e os papéis de todos os personagens nas figuras. Após a audição dos

estímulos sonoros, a criança deveria responder qual a cor do acessório ou apontar com o

dedo para o personagem em questão. Nestes casos, a pesquisadora confirmava a

resposta da criança. Em alguns casos em que a criança não emitia resposta, a

pesquisadora oferecia a chance de ouvir o estímulo mais uma vez com o pretexto de

que, se não houvesse resposta, a criança perderia o jogo. Em outros casos, a própria

criança pedia para ouvir novamente. Os casos em que as crianças ouviram o estímulo

mais de uma vez foram codificados, para que também fosse verificado posteriormente,

como uma variável independente, se houve interferência da repetição no desempenho

das crianças. Os resultados para essa variável serão discutidos no capítulo seguinte.

As figuras usadas como estímulos visuais também continham apenas um

acessório colorido, sendo o restante dos detalhes em preto e branco, como a figura da

fase treino. Estas figuras foram feitas pelo mesmo desenhista para que o traço dos

desenhos fosse o mesmo. Os personagens foram todos escolhidos para facilitar a

identificação da criança por meio de caracterização de profissões e ou animais

conhecidos, sendo estes: policial, cozinheiro, palhaço, professora, bailarina, princesa,

príncipe, menino, menina, cachorro, gato, leão, macaco, tucano, elefante, girafa,

papagaio, coelho e urso. Os acessórios dos personagens cujas cores deveriam ser

identificadas foram chapéu, meia, sapato, cinto, saia, bota, calça e blusa. Além disso, as

cores utilizadas nas peças de vestuário a serem identificados também foram cores de

fácil identificação, sendo elas: azul, vermelho, verde, rosa, preto, amarelo e marrom.

Cada estímulo do experimento é composto de três cenas, sendo uma o alvo do

estímulo (por exemplo: bailarina pintando a menina), outra com os mesmos

personagens, porém em papéis reversos (por exemplo: menina pintando a bailarina) e

outra cena distratora com apenas um personagem alvo da relativa com algum

instrumento na mão ou usando algum acessório (por, exemplo: bailarina com um

guarda-chuva). Estes instrumentos e ou acessórios eram utilizados nas perguntas

distratoras, sendo estes: óculos escuros, máquina fotográfica, pipa, sorvete, copo,

regador, guarda-chuva, espelho, corda, caneta, telefone, e bola. Além do mais, todos os

personagens também vestiam as mesmas roupas ou os mesmos acessórios e somente o

item objeto da pergunta era colorido (por exemplo: meias), conforme a figura no Anexo

(II). Cabe ressaltar também que estas cenas foram construídas de acordo com as ações

dos verbos utilizados na construção dos estímulos auditivos. Por isso, foram escolhidos

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80

verbos que pudessem ser facilmente representados por meio de desenhos simples que

não contivessem muitos elementos. Então, as ações foram escolhidas para que

possibilitassem tanto rápida identificação pelas crianças como também possibilitassem a

reversão de papéis temáticos pelos mesmos personagens, além de uma representação

facilmente identificável. Devido a isso, os personagens escolhidos para os desenhos,

que eram, por sua vez, referentes das relativas, eram todos animados. Desta forma, os

estímulos são construídos de forma a se adequarem à faixa etária das crianças,

fornecendo um contexto possível para a realização de uma relativa. As duas listas

utilizadas estão dispostas mais adiante nesta seção.

Essa metodologia satisfaz a condição de felicidade pragmática para uso da

oração relativa. Uma vez que os participantes da cena são os mesmos, usando os

mesmos acessórios ou vestimentas, sendo estes diferenciados apenas por cores

diferentes, assim o uso da oração relativa é necessário para restringir a qual

personagem/acessório se faz referência (Arnon, 2011:95)

Os estímulos foram construídos com base nas hipóteses de que há diferença

entre os locais de extração e variantes, em relação à facilidade de compreensão destes

estímulos. Por isso, as perguntas interpretativas foram construídas com verbos

transitivos diretos para as posições de sujeito e objeto direto e com verbos transitivos

cujo complemento interno é regido por preposição. Estas perguntas também continham

as variantes do Português Brasileiro, conforme Tarallo (1993), Mollica (2003) e Abreu

(2013). Desta forma, para as relativas não preposicionadas havia duas variantes, a

variante básica (mais frequente) e a variante copiadora (menos frequente) e, para as

relativas preposicionadas, havia também duas variantes, a variante padrão (menos

frequente) e a variante cortadora (mais frequente). Neste caso, a frequência diz respeito

à distribuição das variantes para cada local de extração. Desta forma, as condições

experimentais são as variantes e locais de extração. Optou-se por não incluir as relativas

copiadoras de relativas de complemento preposicionado, para que a simetria de

comparação entre variantes mais frequentes e menos frequentes pudesse ser mantida

para as três funções sintáticas, já que, para as relativas de sujeito e objeto direto, há

somente duas variantes.

No experimento de compreensão, constituem variáveis de análise os locais de

extração (1) de sujeito, (2) de objeto direto e (3) de complemento preposicionado em

suas variantes (a) básica, (b) copiadora, (c) padrão e (d) cortadora, conforme os

exemplos a seguir:

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1. a. Qual a cor da meia da bailarina que está pintando a menina?

b. Qual a cor da meia da bailarina que ela está pintando a

menina?

2. a. Qual a cor da meia da bailarina que a menina está pintando?

b. Qual a cor da meia da bailarina que a menina está pintando

ela?

3. c. Qual a cor da coroa da princesa a quem o príncipe está

ensinando?

d. Qual a cor da coroa da princesa que o príncipe está

ensinando?

O design 3 (local de extração) x 2 (variantes por local de extração) totaliza seis

condições experimentais, visto que na posição de sujeito há as relativas básicas e

copiadoras, assim como na posição de objeto direto, e, na posição de complemento

preposicionado, há as relativas padrão e cortadora. Optou-se também por denominar as

relativas padrão não preposicionadas como básicas, seguindo a nomenclatura utilizada

por Abreu (2013), visto que a essas variantes não corresponde um valor de prestígio

conforme ocorre com as variantes padrão de funções preposicionadas, preferidas na

escrita. Além disso, até o momento, não foi realizado nenhum estudo que avalie o grau

de estigma dessas variantes, embora Mollica (2003) tenha afirmado haver pouco

prestígio em relação às copiadoras. Outra razão para esta denominação é a distinção

entre as relativas preposicionadas e não preposicionadas que são prescritas pela

gramática tradicional. Ambas são chamadas de relativas padrão em vários trabalhos,

porém esta nomenclatura não acomoda suas diferenças quanto à presença da preposição.

Por isso, optou-se por chamar somente as preposicionadas prescritas pela gramática

tradicional de relativas padrão.

O experimento em questão foi escolhido para verificar a compreensão das

crianças, pois este se mostrou bastante eficiente em Arnon (2010 e 2011). A tarefa de

identificar o referente através das cores é simples para as crianças em idade pré-escolar,

uma vez que estas já possuem tal conhecimento. As sentenças também foram adaptadas

para que fossem compostas de itens reconhecíveis, principalmente pelo vocabulário não

só dos referentes, mas também das ações desempenhadas por eles, como já mencionado

anteriormente.

Page 82: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

82

As sentenças componentes do experimento foram dispostas em duas listas

através da metodologia do quadrado latino, em que as crianças não têm acesso à mesma

sentença com diferentes variantes, ou seja, com esta metodologia duas ou mais listas são

organizadas (como no Anexo III página 150) de maneira que as condições

experimentais são elaboradas e distribuídas em listas diferentes. Isto significa que as

listas são compostas por todas as condições experimentais, porém com sentenças

diferentes, facilitando a aplicação do experimento, já que cada participante tem acesso a

uma lista apenas com metade dos estímulos. Desta forma, as variantes de uma mesma

sentença estão em listas diferentes, porém todos os participantes têm acesso a todas as

variantes possíveis nas condições do experimento. Para exemplificar a organização

deste experimento, foi elaborado um quadro, que se encontra no anexo III, base para a

montagem das listas 1 e 2. Além disso, a organização das duas listas componentes deste

experimento se encontra no anexo IV.

Sendo assim, foram elaboradas 6 orações com local de extração de sujeito nas

duas variantes – básica e copiadora, 6 de objeto direto nas duas variantes – básica e

copiadora e 6 de complemento preposicionado nas duas variantes padrão e cortadora,

totalizando 36 estímulos teste e 10 estímulos distratores (cuja pergunta era referente a

uma cena que não envolve papel reverso do referente). Os 36 estímulos foram divididos

em duas listas, de maneira que as crianças foram expostas a 6 estímulos de cada local de

extração, sendo metade com a pergunta contendo a variante básica e metade contendo a

variante copiadora das funções não preposicionadas. Para as funções preposicionadas,

metade dos estímulos continha a pergunta contendo a variante padrão e metade, a

variante cortadora. O design experimental é within subjects40

, assim como no

experimento de produção, então, as crianças foram expostas às mesmas condições, mas

não a duas variantes da mesma sentença. Portanto, a organização dos estímulos nas duas

listas de sentenças é feita de acordo com os quadros 3 e 4, presentes no Anexo IV.

Abaixo, encontram-se os estímulos das relativas de sujeito e objeto direto nas versões

básicas e copiadoras, e das relativas de complemento preposicionado nas versões padrão

e cortadora.

40 O design Within-subjects corresponde a uma organização experimental em que os participantes têm

acesso e são verificados em todas as condições experimentais. Neste caso, todos os participantes ouviram

sentenças básicas de sujeito e de objeto direto, copiadoras de sujeito e objeto direto e padrão e cortadoras

de complemento preposicionado.

Page 83: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

83

Relativas de Sujeito:

Básicas(b) Copiadoras(c)

Sb1-Qual a cor da meia da bailarina que está

pintando a menina? Sc1b-Qual a cor da meia da bailarina que ela está

pintando a menina? Sb2-Qual a cor do chapéu do leão que está

alimentando o macaco? Sc2-Qual a cor do chapéu do Leão que ele está

alimentando o macaco? Sb3-Qual a cor da saia da menina que está

beijando a professora? Sc3-Qual a cor da saia da menina que ela está

beijando a professora? Sb4-Qual a cor da bota do coelho que está

penteando o urso?

Sc4-Qual a cor da bota do coelho que ele está

penteando o urso?

Sb5-Qual a cor da calça do palhaço que está

empurrando o menino?

Sc5-Qual a cor da calça do palhaço que ele está

empurrando o menino?

Sb6-Qual a cor do chapéu da girafa que está

lavando o elefante?

Sc6-Qual a cor do chapéu da girafa que ele está

lavando o elefante?

Relativas de Objeto Direto (D):

Básicas(b) Copiadoras(c)

Db1-Qual a cor da meia da bailarina que a criança

está pintando ?

Dc1-Qual a cor da meia da bailarina que a criança

está pintando ela?

Db2-Qual a cor do chapéu do leão que o macaco

está alimentando?

Dc2-Qual a cor do chapéu do Leão que o macaco

está alimentando ele ?

Db3-Qual a cor da saia da menina que a professora

está beijando?

Dc3-Qual a cor da saia da menina que a professora

esta beijando ela ?

Db4-Qual a cor da bota do coelho que o urso está

penteando?

Dc4-Qual a cor da bota do coelho que o urso está

penteando ele?

Db5Qual a cor da calça do palhaço que o menino

está empurrando?

Dc5Qual a cor da calça do palhaço que o menino

está empurrando ele?

Db6-Qual a cor do chapéu da girafa que o elefante

está lavando?

Dc6-Qual a cor do chapéu da girafa que o elefante

está lavando ela?

Relativas de Complemento Preposicionado(I):

Padrão Cortadoras

Ip1-Qual a cor da blusa do menino para o qual a

professora está entregando o livro?

Ir1-Qual a cor da blusa do menino que a professora

está entregando o livro?

Ip2-Qual a cor do sapato da menina em que o

menino pisou?

Ir2-Qual a cor do sapato da menina que o menino

está pisando?

Ip3-Qual a cor da bota do gato em que o cachorro

está montando?

Ir3-Qual a cor da bota do gato que o cachorro está

montando?

Ip4-Qual a cor da coroa da princesa a quem o

príncipe está ensinando?

Ir4-Qual a cor da coroa da princesa que o príncipe

está ensinando?

Ip5-Qual a cor do chapéu do cozinheiro para o

qual o policial está apontando o dedo?

Ir5-Qual a cor do chapéu do cozinheiro que o

policial está apontando o dedo ?

Ip6-Qual a cor do cinto do tucano em que o

papagaio está pousando ?

Ir6-Qual a cor do cinto do tucano que o papagaio

está pousando ?

Desta forma, somente uma lista era utilizada para cada participante que não tinha

acesso à mesma lista do participante anterior. Isto é importante posto que era preciso

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84

assegurar que o experimento era inédito para todos os participantes, caso contrário

poderia haver alguma interferência nos resultados. Além do mais, conforme já

mencionado, as sentenças foram gravadas por outra pesquisadora, assegurando-se assim

a mesma qualidade de áudio para todas as crianças e a manutenção da atenção à

atividade proposta como um jogo.

Para a realização deste experimento, conforme mencionado anteriormente, as

figuras e seus respectivos áudios foram combinados em uma tela utilizando o programa

de computador Power Point do pacote do Office juntamente com o programa

Cantasia41

Studio, permitindo que as telas fossem apresentadas em ordem aleatória e

que os estímulos e respostas fossem armazenados em arquivos individuais para cada

participante. O experimento foi executado em netbook Hp-mini 2010 acoplado com

headsets com microfone. As respostas foram transformadas em uma tabela de Excel

para que pudessem ser lidas pelo programa de análise estatística R com o qual geramos

os resultados que apresentaremos nos próximos capítulos.

3.2.1.2 Os participantes do experimento de compreensão.

Os sujeitos do experimento de compreensão são 72 crianças com idades entre

3;0 6;11. Estas crianças foram divididas em três faixas etárias, conforme disposto no

quadro a seguir:

41 Cantasia Studio é um programa que permite a captura da tela do computador em forma de vídeos. No

caso deste estudo, este software foi utilizado conjuntamente com o programa Power Point.

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Quadro 5: Distribuição dos sujeitos de acordo com a versão do teste.

Grupo

Etário

Lista1 Lista 2 Total

F M F M F+M

GrupoI

(3,0–36 meses)

-

(3,11 anos -47

meses)

Cr54, Cr56,

Cr59, Cr76,

Cr63,

Cr55, Cr62,

Cr57, Cr58,

Cr75, Cr61,

Cr64

Cr77, Cr78,

Cr66, Cr69,

Cr70, Cr72,

Cr60

Cr65, Cr67,

Cr68, Cr73,

Cr74,

24

Grupo II

(4,0-48 meses)

-

(4,11anos-59

meses)

Cr16, Cr52,

Cr26, Cr42,

Cr43, Cr44,

Cr1, Cr14,

Cr15,Cr28,

Cr40, Cr41

Cr18,Cr19,

Cr22,Cr90,

Cr82,Cr33,

Cr20, Cr21,

Cr37, Cr38,

Cr39, Cr80

24

Grupo III

(5,0-60 meses)

-

(6,11-83 meses)

Cr4, Cr10,

Cr24, Cr27,

Cr29, Cr30,

Cr11, Cr12,

Cr13, Cr20,

Cr25, Cr31

Cr7, Cr9,

Cr35, Cr45,

Cr46, Cr47

Cr6, Cr8,

Cr34, Cr48,

Cr51, Cr88.

24

Total 18 18 18 18 72

Os participantes deste experimento são crianças moradoras da região

metropolitana do estado do Rio de Janeiro, especificamente da cidade de Nova Iguaçu.

Estas crianças estavam matriculadas em instituições particulares de educação infantil no

município de Nova Iguaçu em nível pré-escolar, sendo estas o Centro Educacional

Aragão Torquato (CEAT), o Jardim Escola Brilho do Sol (JBS) e Instituto Olavo Bilac

(IOB), situadas nas proximidades do centro de Nova Iguaçu. As 24 crianças com idades

entre 3;0 e 3;11 (média=3;7) compõem o grupo etário I e são alunos em classes

correspondentes ao Jardim I. As crianças entre 4;0 e 4;11 (média= 4;5) compõem o

grupo etário II e são alunos em classes correspondentes ao Jardim II. Já as dez crianças

com idades entre 5;0 e 6;11 (média=5;5), que integram o grupo etário III, são alunos

matriculados nas mesmas instituições de ensino, porém estão em classes correspondente

ao Jardim III. Desta forma, os informantes desta pesquisa são crianças que estão

iniciando seu processo de escolarização, anterior à alfabetização.

Page 86: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

86

O experimento foi aplicado a 185 crianças. No entanto, 113 foram excluídas da

coleta de dados porque se verificou que: a) não estavam nas mesmas condições

desenvolvimentais das outras do referido estudo, devido a diagnósticos relacionados a

problemas neurológicos; b) por serem de outras nacionalidades, uma vez que a

aquisição do PB pode sofrer influencias de suas línguas maternas; c) por pareceram não

ter entendido a tarefa do experimento, já que respondiam com a mesma cor na tarefa de

compreensão independentemente do estímulo. Além do mais, algumas gravações

ficaram com muitos ruídos externos, visto que os espaços destinados à aplicação dos

experimentos eram muitas vezes próximos a corredores e salas de aula. Desta forma,

para manter o número equilibrado de crianças por lista e para manter o equilíbrio entre o

sexo dos participantes, o número total final de participantes neste experimento cujos

dados foram analisados foi de 72 crianças.

As respostas das crianças foram transcritas e organizadas em uma tabela do

Excel organizadas por acurácia (acerto ou erro), tipo de erro (reversão, agente, distrator

e outro), variante (básica, copiadora, padrão (piedpiping) e cortadora), local de extração

(sujeito, objeto direto e complemento preposicionado), idade, faixa etária, criança, sexo,

lista do teste e repetição (quantidade de vezes que os estímulos foram ouvidos). Para a

análise, a variável dependente do estudo é a acurácia da compreensão (número de erros

de compreensão), sendo os outros grupos de fatores as variáveis independentes.

3.2.13. Variáveis de Análise.

A variável dependente deste estudo é a acurácia de resposta à pergunta

interpretativa do estímulo. A acurácia foi dividida em cinco níveis classificados

conforme a cor escolhida pelo participante em cada uma das perguntas, como proposto

por Arnon (2010). Logo, as respostas aos estímulos eram classificadas como C(certo)

caso a criança respondesse com a cor correta do personagem referente da relativa

encaixada na pergunta, conforme o exemplo a seguir:

Estímulo: Qual a cor da meia da bailarina que está

pintando a menina?

Resposta esperada: Azul

Desta forma, ao ver esta imagem e

responder à pergunta interpretativa do estímulo, se

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a reposta da criança fosse “azul”, esta era codificada como C (certa). Caso a resposta

fosse “vermelho”, esta seria codificada como A (erro de agente), em que a cena está

correta, mas houve identificação errada do referente, desconsiderando a modificação

realizada pela relativa, visto que indica a cor da meia para o sujeito da relativa. Por

outro lado, se a resposta é “rosa”, esta é codificada como V (erro de reversão) em que

há a identificação do referente, mas em outra cena, revelando a atribuição errada do

papel temático, pois o agente (bailarina pintando) é interpretado como paciente

(bailarina posando para a pintura). Já no caso da resposta ser “verde” esta é codificada

como O (outro erro), já que foi escolhida a cena errada com o referente errado. E,

finalmente, caso a resposta fosse “amarelo”, esta foi codificada como D (erro de

distrator), em que o distrator foi escolhido. Desta forma, as respostas foram codificadas

para cada tipo de erro.

Para a análise presente no próximo capítulo, para verificação da influência das

variáveis independentes na verificação das hipóteses arroladas na seção 3.1 deste

capítulo, a acurácia foi analisada em função de acerto (C) e erro (E), sendo estes quatro

níveis transformados em uma só categoria. A análise dos tipos de erro é apresentada à

parte, seguindo a metodologia de Arnon (2011) ao final do capítulo 4.

3.2.2 O Experimento de Produção Controlada de Orações Relativas

3.2.2.1 A elaboração do experimento

O experimento de produção elicitada foi elaborado e aplicado por Abreu (2013),

tomando por base a metodologia de Diessel e Tomasello (2000,2005). Este experimento

foi construído para verificar a produção controlada de orações relativas por crianças em

idade pré-escolar em crianças com idades entre 4 e 7 anos. Esta metodologia foi

escolhida por Abreu (2013), pois seu levantamento na amostra de fala espontânea

infantil AQUIVAR/PEUL/UFRJ42

, com 23 crianças entre 1;11 e 5;01, encontrou um

total de 24 relativas, em que 17 foram produzidas por crianças entre 4;1 e 5;01,

demonstrando que os dados de relativas são escassos em amostras deste tipo. Destas

relativas, 6 eram de sujeito e 7 de adjunto adverbial, porém a distribuição das relativas

encontradas não foi homogênea, visto que uma das crianças foi responsável pela

42 A amostra AQUIVAR é uma amostra transversal de fala espontânea composta por crianças nascidas e

moradoras da região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro com idades entre 1 ano e 9 meses 5 anos ,

de diferentes grupos sociais identificados em função da renda familiar.

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produção de 10 relativas. Das funções não preposicionadas, foram encontradas no total

10 relativas na variante básica de sujeito, 3 básicas de objeto direto e 1 copiadora de

sujeito. Das funções preposicionadas, foram encontradas 7 com pronome na função de

adjunto adverbial, sendo 2, com o relativo onde, e 5, com o relativo que, mas nenhuma

era preposicionada, e 2 variantes cortadoras de objeto indireto. Por isso, optou-se por

realizar este estudo através da produção controlada com um experimento baseado em

Diessel & Tomasello (2005) e Diessel (2009).

O experimento utilizado por Abreu (2013) consistiu na produção controlada

através de uma tarefa de repetição desenvolvida por Diessel e Tomasello (2005) em que

as crianças deveriam repetir frases que continham orações relativas. Estas orações

relativas eram compostas por sentenças de proposições simples com verbos copulares

na oração principal e verbos transitivos ou intransitivos nas orações relativas conforme

o local de extração. Este experimento foi adaptado para o PB, incluindo as variantes

para cada local de extração. Os locais de extração analisados foram 1) sujeito, 2) objeto

direto, 3) complemento preposicionado, 4) adjunto adverbial e 5) genitivo em suas

possíveis variantes: (a) básicas, (b) copiadoras (c) padrão e (d) cortadoras de acordo

com a posição relativizada conforme os exemplos a seguir:

1) (a) Esse é o ônibus que vai para a escola.

(b) Esse é o ônibus que ele vai para a escola.

2) (a) Esse é o suco que mamãe fez.

(b) Esse é o suco que mamãe fez ele.

3) (c) Esse é o pincel de que papai falou.

(b) Esse é o pincel que papai falou dele.

(d)Esse é o pincel que papai falou .

4) (c) Esse é o galho em que tinha frutas.

(b) Esse é o galho que tinha frutas nele.

(d) Esse é o galho que tinha frutas.

5) (c) Essa é a flor cujo cheiro eu adoro.

(b) Essa é a flor que eu adoro o cheiro dela.

(d) Essa é a flor que eu adoro o cheiro.

Page 89: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

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A tarefa do experimento consistiu na repetição dos estímulos sonoros,

considerando que a repetição é um mecanismo natural de aquisição da língua, visto que

não é um ato passivo, segundo Tomasello (2006), conforme já mencionado no Capítulo

1. Esta tarefa foi explicada às crianças como um jogo de repetir em que deveriam repetir

frases como papagaios. Este experimento era composto de uma fase treino, em que

havia três sentenças simples para que as crianças se adaptassem ao experimento (Anexo

V). Após esta fase, iniciava-se o experimento propriamente dito em que as crianças

ouviam as sentenças e deveriam repeti-las assim que terminassem de ouvir. Depois das

repostas, a pesquisadora parabenizava a criança e a incentiva a ouvir a próxima

sentença.

Para a aplicação deste experimento, foram criadas três versões (listas) do teste,

três sentenças para a fase de treinamento e nove distratoras (Anexo V), para que todas

as crianças tivessem acesso a todas as estruturas e variantes, sem que fossem expostas a

variantes diferentes das mesmas frases, porém todas foram expostas a todas as

condições do experimento, conforme a organização presente no Anexo VI (Quadro7)

em um design within subjects. Para que isso fosse possível, utilizou-se a metodologia do

quadrado latino, para que cada lista contivesse 26 sentenças teste e 9 distratoras. Logo,

havia 38 sentenças em cada lista. O número reduzido de distratoras foi utilizado para

que o experimento não se tornasse muito longo e cansativo para as crianças, o que

poderia comprometer a confiabilidade da pesquisa. Cada lista foi aplicada a 4 crianças

diferentes, totalizando 12 participantes.

As hipóteses estabelecidas para estudo previam que a idade seria um fator

significativo, visto que as crianças pertencentes à maior faixa etária teriam respostas

mais acuradas. A razão da maior acurácia de suas respostas deve-se ao fato de estas

crianças terem mais experiência com as formas linguísticas e, por isso, maior facilidade

na produção das relativas em diversos locais de extração e suas variantes possíveis. Este

experimento foi reaplicado para verificar se há diferença no comportamento das

crianças entre produção e compreensão, como afirma Arnon (2010 e 2011) para seu

estudo no hebraico. Desta forma, busca-se, com esta reaplicação, fazer uma comparação

entre o desempenho das mesmas crianças nos experimentos de produção e

compreensão, a fim de verificar se há simetria entre as habilidades, isto é, produção e

compreensão se apresentam no mesmo estágio de acurácia, ou se uma das habilidades se

apresenta em estágio mais avançado do que a outra na cognição infantil.

Page 90: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

90

3.2.2.2 Os participantes

Os sujeitos que responderam ao experimento de produção controlada são um

grupo de 12 crianças pertencentes a duas das faixas etárias observadas no experimento

de compreensão, conforme a tabela a seguir.

Tabela 1: Participantes da reaplicação do experimento de repetição.

Faixas etárias Versão 1 Versão 2 Versão3 Total

4,01 -4,11 anos 2 2 2 6

5,0 -6,02 anos 2 2 2 6

Total 4 4 4 12

As faixas etárias que compõem a reaplicação do experimento de produção

correspondem às faixas II (entre 4;0 e 4;11) e III (5;0 e 6;2) do experimento de

compreensão, visto que as crianças da faixa etária I não conseguiram concluir o

experimento de produção elicitada. As crianças que compunham a faixa I (entre 3;0 e

3;11) raramente conseguiam completar o experimento, visto que se tornavam dispersas

e pareciam cansadas. Por isso, esta faixa etária não foi observada no experimento de

produção controlada. Desta forma, foi possível observar as mesmas crianças tanto para

a compreensão quanto para a produção, possibilitando a comparação entre os dois

ambientes controlados. A comparação entre produção e percepção, a ser apresentada

no Capítulo 5, também incluiu o conjunto de resultados obtidos no teste de

compreensão aplicado a 72 crianças, que serão apresentados no capítulo 4, e os

resultados sobre produção obtidos em Abreu (2013).

3.2.2.3 As variáveis de análise.

A variável dependente do experimento de produção controlada é a acurácia na

repetição. Inicialmente as respostas foram categorizadas em 7 níveis de acurácia, porém,

em sua análise final, as respostas das crianças serão distribuídas em três níveis a

depender do nível de acerto atingido em cada estímulo. Desta forma, as três

classificações consistirão em: acerto total (classificada como 2), acerto sociolinguístico,

ou uso de outra variante (classificada como 1) e erro (classificada como 0),

exemplificadas a seguir, conforme a metodologia aplicada em Abreu (2013). A

Page 91: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

91

atribuição de valores para cada tipo de resposta teve por objetivo criar uma escala para

avaliar o grau de acurácia das respostas.

O nível de acurácia classificado como 2 consiste de respostas com repetições

idênticas ao estímulo ou com poucas modificações que não alterem a estrutura. Estas

modificações nas respostas se referem a inserções de pronomes ou mudanças de

palavras que não modifiquem a estrutura das variantes. O acerto sociolinguístico

consiste na substituição do estímulo ouvido por outra variante. Em outras palavras, a

resposta obtida através da repetição traz uma variante possível na língua, porém

diferente daquela presente no estímulo. Foram incluídas nesta categoria respostas com

pequenas modificações que não prejudiquem o entendimento das sentenças ou não

modifiquem sua estrutura, mesmo que a alteração envolva uma troca no núcleo verbal,

como nos exemplos a seguir:

Classificação 2: Acurácia total

Cr79Estímulo: “Esta é a boneca que fala tudo ”.

Repetição: Esta é a boneca que fala tudo.

Classificação 1:Acerto Sociolinguístico

Cr79

Estímulo: “Essa é a bola que a tia tem ela”.

Repetição: Essa é a bola que a tia perdeu

No primeiro exemplo a criança produz a sentença tal qual o estímulo, sendo este

classificado como acurácia total ou acerto total. No segundo exemplo, o verbo tem do

estímulo foi substituído por perdeu na resposta, porém esta substituição não afeta a

estrutura da sentença, visto que, neste caso, ambos os verbos são transitivos diretos e

podem compor o mesmo tipo estrutural de relativas. Destaca-se também, neste exemplo,

que a variante do estímulo era copiadora, ao passo que a variante da resposta foi a

básica, por isso esta resposta foi classificada como nível 1, acerto sociolinguístico.

Outro nível de classificação das respostas é o do erro, classificado como nível 0.

As respostas que compõem esta classificação contêm alterações que modificam a

estrutura da relativa. Estas mudanças estruturais são referentes a acréscimos,

substituições, ou omissões que interferiram na estrutura das sentenças como

exemplificado a seguir:

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92

Omissão:

Cr 82

Estímulo: “Essa é a estória de que a menina falou.”

Repetição: Essa é a estória da menina falou.

Substituição:

Cr79

Estímulo: “Essa é a escada de que o menino desceu ”.

Repetição: Essa é a escada que o menino tem.

Acréscimo e mudança do local de extração:

Cr 87

Estímulo: Esse é o trem que a tia me deu ele.

Repetição: Esse é o trem que faz o Miguel ir para a escola

Nesta coleta de dados houve também casos em que as crianças substituíram as

estruturas ouvidas por itens ou estruturas inexistentes na língua. Estes casos também

foram codificados como erros, no nível 0 . Um exemplo destas substituições

agramaticais é observado a seguir:

Cr 79

Estímulo: “Aquela é a bola que encostou na parede ”.

Repetição: Aquela é a abóbra que escoscou.

Logo, casos em que a resposta da criança continha estruturas ou itens que não

fazem parte da língua, como o caso de escoscou acima, ou estruturas que não puderam

ser reconhecidas, também foram contabilizadas como erro, no nível 0.

Portanto, a análise que será realizada, neste trabalho, para os dados de produção

controlada das crianças, considerará estes três níveis de acurácia, assim como em Abreu

(2013). Desta forma, acredita-se poder estabelecer uma melhor comparação entre

produção e compreensão para as mesmas crianças, investigando que estruturas as

crianças produzem, ao mesmo tempo em que se investiga o nível de dificuldade de

compreensão das mesmas. No capítulo 4 a seguir, serão apresentados os resultados e a

análise do experimento de compreensão, além de algumas conclusões à respeito destes

resultados. O capítulo 5 traz os resultados e a análise da comparação entre produção e

compreensão de relativas pelas crianças participantes deste estudo.

Page 93: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

93

3.3. Metodologia Estatística para a Análise dos Dados

Para o desenvolvimento do presente trabalho, foram utilizados, como

metodologia estatística para tratar dos dados de compreensão e produção, testes

estatísticos como regressão logística, teste de qui-quadrado e ANOVA. Esta

metodologia foi realizada com o auxílio do pacote para análise estatística R na versão

i386340 para o ambiente Windows. Esta versão é datada de abril de 2017 e foi obtida

através do website43

do programa que permite seu acesso e utilização de forma gratuita.

O Pacote R é um software livre e gratuito que permite a realização de diversas

checagens estatísticas e a organização de diversos tipos gráficos, muito úteis para a

visualização da distribuição de dados. Desta forma, esta subseção destina-se à

apresentação de alguns motivos para este programa ter sido escolhido para a análise

estatística dos dados e de algumas funcionalidades deste programa utilizadas no

presente trabalho.

O programa R é de fácil obtenção e possui versões para os ambientes Windows

e MacOS. Além disso, este software constitui uma boa ferramenta para o tratamento de

diversos tipos de dados, uma vez que não foi essencialmente criado para a análise de

dados linguísticos, mas tem se mostrado muito útil nestes casos. Alguns trabalhos já

utilizam este software para tratamento de dados linguísticos como Oushiro (2015),

Mello (2017) e Abreu (2013). A vantagem de sua utilização é que o programa R é capaz

de lidar com variáveis aleatórias, possibilitando uma análise de regressão logística com

efeitos mistos, incluindo, por exemplo, item lexical e/ou indivíduos, os participantes de

determinado corpus ou experimento, juntamente com outras variáveis linguísticas e

sociais (Tagliamonte, 2012:138). Variáveis de efeito aleatório se caracterizam por não

serem classes fechadas, ou seja, não estão circunscritas a um conjunto fechado de

possibilidades e não podem ser replicadas em outros estudos, uma vez que, por

exemplo, os indivíduos de um corpus não são os mesmos de outro. Desta forma,

através do R, pode-se verificar a presença de efeito de variáveis aleatórias, como

participantes, além dos estímulos, como foi feito neste trabalho.

No presente trabalho, foram utilizadas sentenças elaboradas para verificar a

compreensão de relativas, medidas através da variável dependente erro versus acerto, de

acordo com seu local de extração e variante em função das outras variáveis

43 Web site para a obtenção do programa R https://www.r-project.org/ acessado pela última vez em 20 de

Dezembro de 2018.

Page 94: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

94

independentes como sexo, faixa etária, idade, repetição, lista. Apesar disso, houve a

necessidade de verificar se a distribuição dos erros tem influência de alguma variável

aleatória, para isso foi utilizada a função glmer que avalia as variáveis de efeitos fixo e

aleatórios, como será apresentado no Capítulo 4. Outra função utilizada foi a função

glm, que torna possível processar a regressão logística para avaliar o efeito dos grupos

de fatores de efeito fixo (faixa etária, idade, sexo, local de extração e variante) em

relação à variável dependente (erro versus acerto). Além disso, através da função drop1

foi possível também observar os grupos de fatores mais significativos.

Ainda, para verificar como os dados estavam distribuídos de forma geral, foram

organizadas tabelas de contingência que mostram a quantidade de acertos ou erros em

percentuais, por variável independente, seja estas, sexo, faixa etária, lista local de

extração e variante. Estas tabelas são verificadas através de testes de qui-quadrado (X²)

que é um teste de independência, conforme Pinheiro, Cunha, Ramirez e Gomes (2008).

Segundo os autores explicam, este teste indica se duas variáveis estão correlacionadas

ou não. Neste trabalho, os testes de qui-quadrado foram utilizados para verificar se a

quantidade de erros estava correlacionada às listas dos experimentos. O teste do qui-

quadrado foi utilizado para testar as seguintes hipóteses: a) hipótese nula: não existe

relação entre a acurácia das respostas (erros e acerto) e as listas dos experimentos e b) a

quantidade de erros está relacionado à lista. Neste caso, foi importante, neste estudo,

verificar a validade da hipótese nula, já que as sentenças de ambos os experimentos,

compreensão e produção, foram criadas para apresentarem níveis iguais de dificuldades.

Por isso, o teste de qui-quadrado foi utilizado para testar as hipóteses estatísticas

descritas acima, atestando que a distribuição dos estímulos dos experimentos em

diferentes listas não enviesaram os dados obtidos, de forma a não cometer possíveis

erros de decisão (Erro I: rejeitar a hipótese nula, quando é verdadeira, ou Erro II, aceitar

a hipótese nula quando é falsa). Logo, nesta checagem de hipóteses, verificou-se que

neste estudo os experimentos utilizados não incorreram em erros de decisão, pois

aceitaram a hipótese nula quando esta era verdadeira.

Além do teste de qui-quadrado usado para avaliar ambos os experimentos em

função das variáveis dependentes (respostas nas listas), uma análise de variância

(ANOVA) foi utilizada para verificar os grupos de fatores do experimento de produção,

conforme a metodologia estatística utilizada em Abreu (2013). Segundo Pinheiro,

Cunha, Ramirez e Gomes (2008), a análise de variância é um teste de hipótese que

verifica se há diferença entre as médias populacionais em relação à variável dependente

Page 95: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

95

contínua, ou seja, a variável acurácia, no caso do experimento de compreensão. Desta

forma, os resultados da ANOVA fornecem informação sobre a influência dos fatores

isoladamente em relação à variável dependente, além da combinação dos fatores em

relação à variável dependente. Foi utilizada, neste trabalho, a função aov, que permite

estas verificações e ainda realiza a combinação entre as variantes independentes. O

resultado destas combinações mostra se há interação das variáveis independentes e a

variável dependente. Se a interação for considerada significativa através da ANOVA (p-

valor é menor que 0,05), isso demonstra que o efeito das variáveis combinadas não é

independente e influi na variável dependente, ou seja, que a depender da combinação

das variáveis independentes, haverá influencia na variável dependente, como será

apresentado no capítulo 5.

Além deste programa também poder tratar de variáveis contínuas, outra

vantagem da utilização do R é sua facilidade para a montagem de gráficos ou esquemas

que facilitam a visualização da distribuição dos dados. Por ser um software para

estatística e para gráficos, possui muitas funções que permitem apresentar de diversas

maneiras os dados. Neste trabalho, foram usadas algumas destas funções, como table,

que organiza tabelas em função das variáveis dependentes e independentes, plot, que

organiza os dados em termos visuais em um plano, juntamente com abline, que fornece

uma linha de tendência. Desta forma, o programa estatístico R tem se mostrado bastante

útil para a análise estatística de dados linguísticos.

Portanto, nas próximas seções, todas as análises feitas e apresentadas no presente

trabalho se baseiam em checagens estatísticas feitas através deste software. No próximo

capítulo serão apresentadas as análises feitas com base nos resultados da regressão

logística para observar e analisar os dados de compreensão. No capítulo 5, serão

apresentados e discutidos os resultados obtidos com a ANOVA e os testes de qui-

quadrado do experimento de produção.

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96

4.COMPREENSÃO DE ORAÇÕES RELATIVAS

Este capítulo apresenta a análise dos dados de compreensão de oração relativas

de crianças adquirindo o Português Brasileiro. Estes dados foram obtidos em ambiente

controlado através do experimento descrito no capítulo 3. Este experimento de

compreensão foi analisado em relação ao tipo de resposta – certo x errado (variável

dependente) em função das variáveis local de extração, variante, idade, repetição do

estímulo e sexo do participante. Ao final deste capítulo, também se encontra uma

análise sobre os tipos de erro e a discussão dos resultados.

4.1 Resultados do experimento de Compreensão de orações relativas

O experimento de compreensão foi aplicado a 72 crianças com idades entre 3;0 e

6;11. Para avaliar o desempenho destas na tarefa de compreensão, descrita no capítulo

3, as respostas foram categorizadas de acordo com o acerto ou erro em relação à cor do

acessório do referente indicado pela oração relativa. Foi considerado acerto se a cor

mencionada pela criança correspondia à cor do acessório da personagem identificada

pela oração relativa, como em, por exemplo, Qual a cor da meia da bailarina que a

menina está pintando?. A menção à cor do acessório de outro referente foi caracterizada

como erro. Além disso, cada resposta errada foi analisada em relação ao tipo de erro,

tomando como base o tipo de referente que indicavam, conforme a metodologia de

Arnon (2010), e exemplificado no Quadro 8 a seguir:

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97

Assim, as respostas das crianças foram coletadas não só em termos de erro e

acerto, mas os erros também foram categorizados conforme a proposta de Arnon (2010),

que divide os erros em quatro tipos. Esta classificação possibilita a identificação dos

tipos de erros cometidos pelas crianças, já que há cinco opções de respostas por

estímulo e cada uma evidencia uma interpretação, resumidas no Quadro 8 acima. Desta

forma, as respostas foram categorizadas em cinco níveis. Para efeitos da análise

estatística realizada através da regressão logística, a variável dependente considerou as

respostas em termos de acerto versus erros. Ao final desta seção será apresentada a

análise das respostas das crianças para cada tipo de erro.

Conforme mencionado no capítulo 3 (página 71), os 36 estímulos do

experimento e os distratores foram divididos em 2 versões (lista 1 e lista 2) de maneira

que nenhuma criança foi exposta a variantes diferentes da mesma sentença. As

respostas, acerto versus erro (CXE), foram submetidas à regressão logística e analisadas

Quadro 8: Classificação das respostas dos Participantes no experimento de compreensão

de acordo com Arnon (2010)

Estímulo :

Qual a cor da meia da bailarina

que a menina está pintando?

Resposta Classificação – Tipo de Resposta

Rosa

Acerto: Cena Certa, Referente certo.

Amarela

Erro: Cena e referente da imagem distratora.

Verde

Erro de Agente: Cena Certa e Referente Errado.

A interpretação que não considera a modificação da relativa. Resposta com

o agente da Relativa encaixada ao invés do NP modificado. Em relativas de

sujeito a resposta é dada com o paciente da relativa encaixada.

Azul

Erro de Reversão: Cena Errada e Referente Certo.

A personagem é a indicada na pergunta, mas papel temático é assinalado

erradamente. Agente é assinalado como paciente ou vice-versa.

Vermelho

Outro Erro: Cena Errada e Referente Errado.

Page 98: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

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em função da versão (lista 1 ou 2), variante, local de extração, repetição dos estímulos,

faixa etária e sexo dos participantes. Estes grupos de fatores de efeito fixo44

foram

analisados usando o Programa Estatístico R através da função glm (Variável dependente

~ Variável independente). Também foi utilizada a função glmer, modelo de efeitos

mistos que avalia, além das variáveis de efeito fixo, variáveis aleatórias45

como

participantes e sentenças do estímulo. Assim, os resultados destas análises estatísticas

revelaram que a faixa etária 3, crianças entre 5;0 e 6;11, é significativa e desfavorece o

erro, conforme a Tabela 2 a seguir. Nesta tabela, são apresentados os resultados da

regressão logística para as variáveis independentes de efeito fixo em relação aos erros

(fator de aplicação): a) faixa etária – faixa I (3;0-3;11, média de idade: 3;7), faixa II

(4;0-4,11, média de idade:4;5), faixa III (5,0-6;11, média de idade:5;5); b) local de

extração – sujeito, objeto direto, complemento preposicionado; c) teste – lista 1, lista 2;

d) sexo – masculino, feminino; e) quantidade de repetição dos estímulos – 1x, 2x, 3x,

4x; variantes – Básica de sujeito, Básica de Objeto Direto, Copiadora de Sujeito ,

Copiadora de Objeto direto, Padrão de complemento preposicionado e Cortadora de

complemento preposicionado.

44 Variáveis de efeito fixo são variáveis cujos exemplares da amostra são representativos da população amostrada, isto é, podem ser avaliados em qualquer amostra, como as variáveis linguísticas local de

extração e variante, e as variáveis sociais, sexo e idade. 45 Variáveis de efeito aleatório são variáveis cujos exemplares são específicos da amostra analisada como

participantes, no caso, as crianças, e as sentenças ou estímulos.

Page 99: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

99

Os resultados indicam como fatores com significância estatística (p-valor <0.50

– última coluna) a faixa etária III, as sentenças com local de extração de sujeito, lista 2,

e a variante copiadora de objeto direto. Os resultados de logodds (primeira coluna-

Estimate) indicam que há baixa incidência de erros no grupo de crianças com idades

entre 5;0 e 6;11, faixa III (-0.78989), nas sentenças com local de extração de sujeito (-

0.65244) e maior tendência de erros nos estímulos com variante copiadora de objeto

direto (0.43368) e na lista 2 (0.24109).

46 Os três asteriscos indicam os resultados de p- valor mais baixos da regressão logística. Neste caso, o p-

valor corresponde a um número com oito casas decimais com 0. Já na primeira coluna, sob o título

Estimate, há os valores estimados de comparação entre o fator base de cada grupo escolhido pelo

programa R pela ordenação alfabética ou numérica da codificação dos fatores, Intercept, um valor de base

para a comparação entre os fatores escolhidos pelo programa e os outros. Desta forma ao observar, a

coluna do Intercept, verifica-se que os valores positivos favorecem o erro e os negativos desfavorecem o

erro, quando o resultado apresenta significância (p-valor) igual ou menor que 0.05.

Tabela 2: Resultado da Regressão logística para os dados de Compreensão

Resultado da Regressão logística (N=1296)

Estimate Std. Error z value Pr(>|z|)

(Intercept) 0.17228 0.18284 0.942 0.34608

Faixa etária II -0.18958 0.14022 -1.352 0.17636

Faixa etária III -0.78989 0.14183 -5.569 2.56e-08

***46

Lista 2 0.24109 0.11545 2.088 0.03677 *

Relativa de

Complemento

preposicionado

-0.02222 0.19608 -0.113 0.90980

Relativa de

Sujeito

-0.65244 0.20054 -3.253 0.00114 **

Repeticao2v 0.08043 0.23337 0.345 0.73036

Repeticao3v 0.66188 0.77636 0.853 0.39392

Repeticao4v 1.37613 1.16326 1.183 0.23681

Sexo Masculino 0.20353 0.11538 1.764 0.07773 .

Básicas de

Sujeito

0.07423 0.20289 0.366 0.71445

Copiadora de

Objeto direto

0.43368 0.19891 2.180 0.02923 *

Copiadora de

Sujeito

NA NA NA NA

Padrão de

complemento

preposicionado

0.02480 0.19590 0.127 0.89926

Cortadora de

Complemento

preposicionado

NA NA NA NA

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100

A Tabela 3 a seguir apresenta a checagem estatística (função: drop1(modelo1,

test = "LR") que indica os grupos de fatores significativos dentro do modelo de efeitos

fixos. Esta checagem revelou a significância da Faixa etária e da lista.

Considerando que não há ortogonalidade ou independência entre os fatores da

variável local de extração e variante, uma vez que há diferentes variantes para as

funções não-preposicionadas e a função preposicionada, uma nova rodada foi feita

excluindo a variável local de extração. A Tabela 4, a seguir, apresenta os resultados

obtidos para as mesmas variáveis anteriores, com exceção da variável local de extração.

Tabela 3: Resultado da regressão logística para avaliação da significância dos fatores.

Resultado da Regressão logística (N=1296)

Df Deviance AIC LRT Pr(>Chi)

<none> 1712.6 1738.6

Faixa etária 2 1747.0 1769.0 34.351 3.474e-08 ***

Lista 1 1717.0 1741.0 4.371 0.03655 *

Tipo de sentença 0 1712.6 1738.6 0.000

Repeticao 3 1715.1 1735.1 2.465 0.48171

Sexo 1 1715.8 1739.8 3.117 0.07747 .

VEL 3 1717.6 1737.6 4.935 0.17660

Tabela 4: Regressão logística para as variáveis Experimento de compreensão

Resultado da Regressão logística (N=1296)

Estimate Std. Error z value Pr(>|z|)

(Intercept) 0.172281 0.182845 0.942 0.34608

Faixa Etária II -0.189582 0.140218 -1.352 0.17636

Faixa Etária III -0.789888 0.141827 -5.569 2.56e-08 ***

Lista2 0.241090 0.115447 2.088 0.03677 *

Repetição2v 0.080429 0.233370 0.345 0.73036

Repetição3v 0.661880 0.776363 0.853 0.39392

Repetição4v 1.376132 1.163262 1.183 0.23681

Meninos 0.203527 0.115378 1.764 0.07773 .

Básicas de

Sujeito

-0.578210

0.199184

-2.903

0.00370 **

Copiadoras de

Objeto Direto

0.433680

0.198907

2.180

0.02923 *

Copiadora de

Sujeito

-0.652444

0.200541

-3.253

0.00114 **

Padrão de

Complemento

Preposicionado

0.002585

0.195969

0.013

0.98948

Cortadora de

Complemento

Preposicionado

-0.022215

0.196079

-0.113

0.90980

---

Signif. codes: 0 ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05 ‘.’ 0.1 ‘ ’ 1

Page 101: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

101

De acordo com a Tabela 4, a retirada da variável local de extração, revela a

significância do fator variante copiadora de sujeito, em que os estímulos com essa

variante tenderam a apresentar baixa incidência de erro (-0.652444) junto com as

básicas de sujeito (-0.578210), diferentemente do observado na Tabela 2.

Com relação à variável idade, observa-se a tendência já mencionada de menos erros

(ou mais acertos) na faixa etária das crianças mais velhas, acima de 5 anos. Observa-se,

então, a gradualidade da aquisição de sintaxe (cf. Tomasello, 2006) e das orações

relativas (cf. Ambridge & Lieven, 2013), junto com o papel da experiência para a

aquisição das relativas como previam os trabalhos de Tomasello (2000, 2006),

Ambridge, Kidd, Rowland, Theakston (2015) e Diessel & Hilpert (2016). Essas crianças

já tiveram mais oportunidades de interação linguística, portanto mais usos das relativas em

questão, além de maiores instâncias organizadas e ou representadas na sua gramática

mental. Em outras palavras, as crianças entre 5;0 e 6;11 anos possuem no seu repertório

gramatical mais instâncias de relativização organizadas em termos de forma e função que

lhes permitem acessar este conhecimento com mais facilidade do que as mais novas. Por

outro lado, estas ainda estão iniciando o processo de organização de sua gramática mental a

partir das instâncias advindas do input nas interações, abastecendo seu construto mental e

por isso têm mais dificuldades com estas estruturas, apresentando mais erros na tarefa de

compreensão.

Este fato fica evidente na regressão logística realizada, dado que a faixa etária III

se mostra com baixa tendência de erros, como é possível observar na Tabela 5.

Tabela 5: Resultados de Resultado da Regressão logística para idade.

Resultado da Regressão logística (N=1296)

Estimate Std. Error z value Pr(>|z|)

(Intercept) 0.172281 0.182845 0.942 0.34608

Faixa Etária II -0.189582 0.140218 -1.352 0.17636

Faixa Etária III -0.789888 0.141827 -5.569 2.56e-08 ***

De acordo com a tabela acima, observa-se que o grupo etário III tem o valor

estimado negativo (logodd -0.789888) mais distante do valor do Intercept. Este é o

valor que o programa estatístico R utiliza, baseando-se nos valores escolhidos, por

ordem numérica ou alfabética, para ser a base de comparação entre os fatores das

variáveis. Neste caso, o valor de Intercept se refere à faixa etária I. Desta forma, afirma-

se que a faixa etária III é a que mais desfavorece o erro. Portanto, o efeito de faixa

etária encontrado indica que o processo de aquisição das relativas e sua compreensão

Page 102: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

102

são influenciados pela maior experiência linguística do falante. O efeito observado para

as variantes, por outro lado, tem relação com dois aspectos que serão discutidos na

seção 4.3: a frequência de uso das variantes no input linguístico e o grau de similaridade

dessas estruturas com as orações simples do PB.

Outra questão muito importante para este trabalho é o grau de dificuldade e a

compatibilidade das duas listas componentes do experimento. Estas foram construídas para

possuírem o mesmo nível de dificuldade, de maneira que todas as crianças tivessem acesso

a todas as estruturas, porém em estímulos diferentes, assim nenhuma criança ouviu

variantes diferentes da mesma cena. Ao observar-se a regressão logística na Tabela 4,

verifica-se que nenhuma das versões do experimento favoreceu o erro ou acerto, como pode

ser visto na Tabela 6 a seguir:

Tabela 6. Tabela Acerto/Erro para cada lista do Experimento

N.Acerto (%) N.Erros (%) Total

Lista 1 350 54% 298 46% 648

Lista 2 314 48% 334 52% 648

Total 663 51% 633 49% 1296

X-squared = 3.7832, df = 1, p-value = 0.05177

De acordo com a Tabela 6 acima, verifica-se que os valores percentuais para as

listas 1 e 2 estão próximos, sendo a diferença entre erros ou acertos entre as listas menor

que 10 pontos percentuais. De acordo com as Tabela 3 (p.100) acima, observa-se que o

logodd para a lista 2 tem valor estimado próximo do Intercept. Este valor é usado pelo

programa estatístico R para ser base de comparação dentre o universo das variáveis de

análise com base na ordem alfabética ou numérica. Neste caso, a primeira linha da

tabela se refere à lista 1, além de outras varáveis de análise usadas nesta rodada, como

1ª faixa etária, sexo feminino e variante básica por local de extração de objeto direto e

repetição1v (ouvir o estímulo apenas uma vez), para serem comparadas com outras

variáveis dos mesmos grupos de fatores a que pertencem e que serão discutidas adiante.

Então, de acordo com a proximidade dos valores estimados, observa-se que não há

significância estatística na diferença entre as duas listas, uma vez que a lista 2 se

mantém neutra em relação a lista 1 (representada nos valores do Intercept) em relação

ao favorecimento de acertos ou erros. Por isso, nenhuma das listas foi selecionada como

significativa.

Page 103: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

103

Além da variável lista, as variáveis explicativas também incluíam a repetição e o

sexo das crianças, que também não foram consideradas significativas pelo programa

estatístico, conforme tabela 4 (p.100). A variável de análise “repetição” se refere à

quantas vezes a criança ouviu os estímulos antes de responder. Assim, se a criança não

respondesse com uma tentativa, era perguntada se gostaria de ouvir novamente. Em

outros casos a própria criança pedia para ouvir outra vez. O número máximo de

repetições neste experimento foi até quatro vezes, mas somente 3 crianças ouviram

estímulos 4x e uma ouviu todas as sentenças 2 vezes. O fator repetição1v, que codifica

apenas uma audição do estímulo, está representado pelo Intercept.

Já o grupo de fatores sexo estava balanceado. Este codifica os falantes do sexo

masculino (M), correspondentes à metade dos participantes e feminino (F),

correspondentes à outra metade, cujo resultado é indicado pelo valor do Intercept.

Através da regressão logística apresentada na Tabela 3, verifica-se que nem a

quantidade de vezes que a criança ouviu o estímulo e nem o sexo do participante

influenciaram a quantidade de erros e acertos, uma vez que o programa estatístico não

as considerou significativas. Em outras palavras, não há diferença na compreensão entre

meninos e meninas, confirmando as tendências já apontadas na literatura.

Uma nova rodada foi realizada para verificar a significância dos grupos de

fatores, excluindo o grupo de fatores local de extração, conforme pode ser observado na

Tabela 7 a seguir.

Tabela 7: Significância dos grupos de fatores sem local de extração

Resultado da Significância dos grupos de Fatores

Df Deviance AIC LRT Pr(>Chi)

<none> 1712.6 1738.6

faixaetaria 2 1747.0 1769.0 34.351 3.474e-08 ***

teste 1 1717.0 1741.0 4.371 0.03655 *

repeticao 3 1715.1 1735.1 2.465 0.48171

sexo 1 1715.8 1739.8 3.117 0.07747 .

VEL 5 1754.4 1770.4 41.777 6.535e-08 ***

---

Signif. codes: 0 ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05 ‘.’ 0.1 ‘ ’ 1

Conforme se observa na tabela acima, os fatores considerados significativos

foram faixa etária, e variante por local de extração (VEL). Isso se deve ao fato de que a

maior quantidade de erros nas relativas está relacionada tanto à faixa etária em que as

crianças se encontram quanto à variante que ouvem. Como já foi mencionado

Page 104: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

104

anteriormente, a faixa etária mais velha foi a que apresentou menores quantidade de

erros no experimento. Além disso, quanto ao outro grupo de fatores selecionados,

observou-se que as relativas básicas e copiadoras de sujeito apresentaram baixos níveis

de erros, justificando a significância do grupo de fator que codifica variante por local de

extração.

Com o objetivo de analisar em mais profundidade as repostas das crianças em

relação às variantes dos estímulos, o Gráfico 3 e a Tabela 8 a seguir apresentam os

percentuais de erro por variante em função da distribuição das crianças nas três faixas

etárias:

Tabela 8: Distribuição dos erros por tipo de relativa e variante por Grupo etário

Idades Grupo I (3,7) Grupo II (4,5) Grupo III (5,5)

Tipo de

relativa

Variante Erros/total % Erros/total % Erros/total %

Sujeito Básica 29/72 40% 32/72 44% 22/72 30%

Copiadora 36/72 50% 27/72 37% 17/72 24%

Objeto Direto Básica 43/72 60% 36/72 50% 33/72 46%

Copiadora 50/72 69% 47/72 65% 37/72 51%

Complemento

preposicionado

Padrão 44/72 61% 38/72 53% 30/72 42%

Cortadora 42/72 58% 45/72 62% 24/72 33%

Gráfico 3: Percentual de erros por faixa etária, local de

extração e variante

Page 105: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

105

Através da Tabela 8 e do Gráfico 3, observa-se que os erros das crianças

diminuem de acordo com a faixa etária, acentuadamente entre as crianças mais velhas,

da terceira faixa etária, com idades entre 5;0 e 6;11, média, 5;5. O comportamento das

crianças das faixas etárias I e II é semelhante, de maneira que as duas variantes de

sujeito (básica e copiadora) apresentaram menos erros de compreensão, 40% e 44%, nas

básicas, e 50 % e 37 %, nas copiadoras, respectivamente, observando-se uma queda na

faixa II. As variantes de objeto direto, 60% e 50%, nas básicas, e 69% e 65 %, nas

copiadoras, respectivamente, apresentaram mais erros, sendo os estímulos com a

variante copiadora de objeto direto os que apresentaram o maior índice de erro nestes

dois grupos etários. Já nas relativas de complemento preposicionado, 61% e 53%, para

as padrão, e 58% e 62%, para as cortadoras, respectivamente para os dois grupos

etários.

Os resultados indicam que houve mais acerto, nas três faixas etárias, nos

estímulos com relativas com locais de extração de sujeito e que os erros suplantam os

acertos nos estímulos com relativas de objeto direto e com complemento preposicionado

nas faixas I e II. Estes resultados corroboram em parte as afirmações de Keenan e

Comrie (1977) e Diessel e Tomasello (2005), visto que os participantes deste

experimento foram mais bem sucedidos na compreensão de estímulos com relativas de

sujeito. A baixa incidência de erros no experimento de compreensão também está

relacionada à sua alta frequência de ocorrência atestada em um levantamento em uma

amostra de fala infantil espontânea, realizado por Abreu (2013), corroborando Diessel e

Tomasello (2005), Diessel (2009), Ambridge, Kidd, Rowland, Theakston (2015) e

Diessel & Hilpert (2016), que afirmam que estruturas frequentes são adquiridas mais

rapidamente. Conclui-se também que, de forma geral, as crianças nos grupos I e II têm

mais dificuldades em relação à compreensão de orações relativas já que os erros

decrescem com o aumento da faixa etária.

No levantamento realizado por Abreu (2013) na Amostra de fala espontânea

Censo (2000), foram encontradas 1882 relativas na fala espontânea de 32 adultos do Rio

de Janeiro, o que corresponde a mais de 30 horas de fala espontânea. O total de dados

equivale a uma média de 59 relativas por falante aproximadamente, em cerca de uma

hora de gravação. Comparativamente ao total de sentenças produzidas em uma hora de

entrevistas, podemos afirmar que as orações relativas têm baixa ocorrência na fala.

Desta forma, a baixa incidência dessas estruturas na língua as faz mais complexas para

as crianças, conforme Diessel & Tomasello (2005), Diessel (2009), Ambridge, Kidd,

Page 106: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

106

Rowland, Theakston (2015) e Diessel & Hilpert (2016). De acordo com Tomasello

(2006), as crianças organizam seu conhecimento linguístico através de processos

cognitivos gerais que são desenvolvidos durante o amadurecimento. Além disso,

Diessel & Hilpert (2016) afirmam que o conhecimento gramatical é advindo do input,

baseando-se na experiência. Em outras palavras, a aquisição infantil depende da

interação, além de processos cognitivos gerais em desenvolvimento como atenção,

memória, capacidade de abstração e categorização, para que, a partir das suas

experiências linguísticas, as estruturas presentes no input sejam incorporadas à

gramática da criança. Assim, crianças entre 3 e 3;11 anos têm mais dificuldade com as

orações relativas, apresentando maiores taxas de erros, já que possuem menos

experiência e estão organizando gradualmente seu conhecimento gramatical, ao passo

que estão desenvolvendo e ampliando sua capacidade de abstração. Tomasello (2006)

afirma que algumas capacidades como categorização semântica e preemption47

ainda

não acontecem até os 4 anos ou mais.

No caso das relativas do Português Brasileiro, a frequência de ocorrência

também difere entre as funções sintáticas das relativas e suas respectivas variantes,

como foi descrito no capítulo 2, de acordo com o levantamento das relativas por local de

extração feito por Abreu (2013), como já mencionado no capítulo 2. Neste estudo,

Abreu (2013) demonstra que as relativas de sujeito são o tipo mais frequente no input,

diferentemente das relativas de objeto direto, que são menos comuns, e das relativas de

objeto indireto, que são muito pouco frequentes. Isto as faz mais acessíveis, conforme

propôs Keenan e Conrie (1977). As relativas com o termo relativizado na função de

complemento introduzido por preposição são menos presentes no input e, por isso, têm

menos instâncias de produção para serem organizadas ou representadas na gramática

infantil, principalmente nas faixas etárias mais novas. Outro aspecto a ser considerado é

a similaridade estrutural das orações relativas em relação à outras sentenças do PB. As

relativas de sujeito, seja qual for a variante, seguem a ordem canônica do PB que é

SVO, padrão estrutural muito frequente na língua. Por estas características, a relativa de

sujeito tem menor carga de processamento, facilitando sua aquisição já que, além de ser

mais frequente, pertence a um tipo estrutural muito frequente na língua.

Consequentemente, frequência de tipo (type frequency) da relativa e similaridade

estrutural com um padrão sintático mais frequente da língua corroboram o

47 Para Tomasello(2006), preemption constitui o processo de esquematização em que se associa certa

forma a determinada intenção comunicativa a partir das escolhas usuais dos falantes.

Page 107: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

107

comportamento observado. Logo, para as crianças que participaram deste experimento,

as relativas de sujeito parecem já ter representações consolidadas (entrenched) para

ambas as variantes. Isto evidencia que esta função sintática de fato se mostrou simples

para todas as crianças como previa a hierarquia de acessibilidade de Keenan & Comrie

(1977) e como defendem Diessel & Tomasello (2005) e Kidd (2011).

Por outro lado, as relativas preposicionadas e as de objeto direto são menos

acessíveis, conforme a hierarquia de Keenan e Conrie (1977). Os resultados para estas

relativas mostram que as crianças mais novas tiveram maior dificuldade com estes

locais de extração conforme já mencionado anteriormente. O fato de essas relativas

serem menos frequentes no input, faz com que sua esquematização e enraizamento /

consolidação (entrenchment) no construto mental das crianças, isto é, a representação

abstrata dessas estruturas, dependam de mais exemplares para que os padrões de uso

possam ser abstraídos. Por este motivo, as crianças mais novas tenderam a apresentar

mais erros nestas relativas, uma vez que ainda têm pouco contato com estas estruturas e

por isso estas ainda não estão consolidadas / enraizadas (entrenched) em sua gramática

mental.

Conforme também se observa no Gráfico 3 e na Tabela 8 (p.104), as crianças da

faixa etária III apresentaram menos dificuldades de compreensão dos estímulos, visto

que os níveis de erro diminuem em todas as posições sintáticas para este grupo,

evidenciando que, quanto mais experiência com a língua, mais esta estrutura é

esquematizada e reforçada na gramática mental, segundo Tomasello (2006). Isto as

permite acessar as estruturas menos frequentes com mais facilidade do que as mais

novas, pois possuem mais experiência armazenada e representada. Outro resultado

interessante presente no Gráfico 3 e na Tabela 8, observado para as crianças da faixa III,

é o baixo percentual de erros na compreensão dos estímulos com variante cortadora e

variante padrão de complemento preposicionado , próximo ao obtido nos estímulos

com variantes de relativas de sujeito, uma aparente contradição em relação à hierarquia

de Keenan e Conrie (1977). Da mesma maneira, é notável o baixo percentual de erros

de compreensão dos estímulos com variante padrão de complemento preposicionado

neste grupo etário, aparentemente contrariando a hipótese de frequência de ocorrência

no input, uma vez que essa variante é praticamente inexistente no PB. Esses resultados

provavelmente se devem à similaridade estrutural das relativas cortadoras de

complemento preposicionado com as orações simples em função da ordem SV(O) e à

equivalência semântica das variantes de complemento preposicionado, neste caso,

Page 108: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

108

havendo o mapeamento do significado da relativa padrão a partir do significado da

cortadora. Com relação à similaridade estrutural, as relativas cortadoras de objeto

indireto possuem a ordem de constituintes mais comum do PB (SV(O)), pois neste

caso o “que” introdutor da relativa cortadora é um complementizador, conforme afirma

Tarallo (1993:86). Isto faz com que esta relativa mantenha a ordem canônica do PB

SV(O) , sendo a posição de complemento preposicionado um objeto nulo. Apesar disso,

a interpretação da categoria gramatical do que, introdutor da relativa, apresentada em

Tarallo (1993), é questionada por Kato (1993), que defende que, nas cortadoras, o que é

um pronome. Os resultados encontrados para a compreensão de relativas cortadoras

pelas crianças deste estudo são mais bem acomodados na interpretação apresentada por

Tarallo, já que, neste caso, as crianças apresentaram desempenho semelhante ao de

estímulos com relativa de sujeito. De acordo com a interpretação de Tarallo, as crianças

estariam diante de uma estrutura semelhante à encontrada nas orações simples da

língua, ao passo que, na interpretação de Kato, a estrutura da cortadora seria de uma

sentença mais complexa, mesmo sem a preposição, com a ordem OSV, nada comum no

PB. Por isso, para este grupo etário, as relativas cortadoras de complemento

preposicionado são quase tão fáceis quanto às relativas de sujeito, que são as relativas

mais comuns e mantêm a ordem mais comum do PB, subvertendo a hierarquia de

acessibilidade de Keenan & Comrie (1977). Dessa forma, é a frequência de tipo das

cortadoras de complemento preposicionado e não a frequência de ocorrência que

constitui a base para o comportamento das crianças da faixa III. O levantamento de fala

adulta realizado por Abreu (2013:87) revelou que, das 119 relativas de objeto indireto

encontradas, 109 eram cortadoras. Isto revela que as relativas cortadoras são mais

comuns para este local de extração, embora o total das relativas de objeto indireto

represente apenas 6% do total de relativas encontradas na amostra de fala estudada. Por

outro lado, foram encontradas, neste mesmo levantamento, apenas 7 relativas padrão de

objeto indireto. Portanto, o baixo percentual de erro encontrado para os estímulos com a

variante padrão de complemento preposicionado pode estar relacionado com a

possibilidade de processamento desta estrutura a partir das instâncias da variante

cortadora. Por outro lado, para o Grupo III, foram obtidos percentuais de erros

maiores para ambas as variantes de objeto direto do que o que foi observado para as

variantes de sujeito e de complemento preposicionado .

Com respeito às relativas de objeto direto, o comportamento das crianças nas 3

faixas etárias pode ser explicado por duas razões que se complementam, já que

Page 109: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

109

envolvem frequência de ocorrência e similaridade estrutural. O primeiro fator que pode

ter influenciado a dificuldade das relativas de objeto direto é a sua frequência de

ocorrência no input, visto que, de acordo com o estudo de Abreu (2013:85), apenas 23%

(442 relativas de um total de 1882) eram relativas de objeto direto, contra 50% das

relativas de sujeito. Logo, a frequência das relativas de objeto direto é bem mais baixa

no input do que as relativas de sujeito, ocasionando menor experiência das crianças com

este tipo de estrutura. Além disso, o mesmo levantamento de Abreu (2013:87) revelou

que, dentre todas as relativas de objeto direto somente duas eram copiadoras, sendo as

outras 440 relativas, básicas de objeto direto. Desta forma, vê-se que as relativas de

objeto direto não são tão frequentes e a maioria dos dados espontâneos aparecem na

variante básica. Assim, o input caracteriza-se por ter mais ocorrências das relativas

básicas. Isto explicaria o porquê da baixa incidência de erros das relativas básicas e

níveis mais altos de erros nas copiadoras, já que estas são menos frequentes e por isso,

se mostraram como mais difíceis e tardias para a aquisição, como previam Diessel &

Tomasello (2005), Diessel (2009), Ambridge, Kidd, Rowland, Theakston (2015) e

Diessel & Hilpert (2016), além de serem menos acessíveis de acordo com Keenan e

Conrie (1977).

O segundo fator que pode ter influenciado a dificuldade das relativas de objeto

direto, foi de ordem estrutural. Sabe-se que, diferentemente das orações relativas de

sujeito, as relativas de objeto direto não apresentam a ordem canônica do PB que é

SV(O). Nas relativas de objeto direto básicas, denominadas padrão para Tarallo (1993),

o introdutor da relativa é um pronome relativo, diferentemente das copiadoras que são

introduzidas por complementizadores. Por isso, as relativas de objeto direto diferem das

outras sentenças da língua com padrão SV(O), já que objeto está anteposto ao verbo nas

básicas e também representado por um pronome lembrete in situ nas copiadoras. Além

disso, a composição das relativas de objeto direto pode não ter sido semelhante às

relativas encontradas no input no que concerne à animacidade do referente. Segundo,

Diessel (2009:265), a composição de relativas em local de extração diferente de sujeito

geralmente contém referentes inanimados que normalmente exercem o papel temático

de paciente, diferentemente das relativas presentes no experimento em questão já

descrito no capítulo 3. Neste experimento, todas as relativas tinham referentes animados

para que fosse possível a reversão dos papéis temáticos e ambos os personagens

pudessem ser elegíveis como agentes da ação, além de poderem ser facilmente

representados por meio de desenhos simples. Todavia, as crianças mais novas podem

Page 110: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

110

ter sido sensíveis a esta composição, de forma que a igualdade de animacidade dos

referentes, pouco comum em relativas que não são de sujeito, pode ter aumentado sua

dificuldade, juntamente com o fato de esta relativa ser menos frequente e possuir ordem

de constituintes OVS, diferentemente da ordem canônica no PB. Apesar disso, a

questão da igualdade de animacidade dos referentes parece ter sido superada nas

questões das relativas de complemento preposicionado, como já exposto anteriormente,

em função da similaridade estrutural destas em relação às orações simples. Então, tanto

a frequência como a especificidade estrutural fazem as relativas de objeto direto serem

mais difíceis do que as relativas de sujeito e das cortadoras de complemento

preposicionado, contrariando a hierarquia de Keenan & Comrie (1977) e a proposta de

Diessel & Tomasello (2005), Diessel (2009), Ambridge, Kidd, Rowland, Theakston

(2015) e Diessel & Hilpert (2016) sobre a influencia da frequência na aquisição.

As variáveis explicativas variantes, faixa etária, sexo, teste e número de

repetições do estímulo foram verificadas novamente em uma rodada que incluiu as

variáveis aleatórias criança e estímulo. Os resultados estão apresentados na Tabela 9 a

seguir.

Page 111: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

111

Estes resultados são indicativos de que os efeitos observados anteriormente para

faixa etária e variante se mantêm na rodada que contém os grupos de fatores com efeito

aleatório, indivíduo e estímulo.

Com relação ao tratamento dos dados com variáveis de efeito aleatório, foi feita

uma nova verificação, através do programa estatístico R, da significância das duas

variáveis de efeito aleatório, como pode ser observado na Tabela 10 a seguir:

Tabela 9: Resultados de Efeito Misto

Random effects:

Groups Name Variance Std.Dev.

Codigo (Intercept) 0.6736 0.8208

sentenca (Intercept) 0.1130 0.3362

Number of obs: 1296, groups: Codigo, 72; sentenca, 18

Fixed effects:

Estimate Std. Error z value Pr(>|z|)

(Intercept) 0.185564 0.352578 0.526 0.59868

Faixa Etária II -0.217271 0.281144 -0.773 0.43964

Faixa Etária III -0.949523 0.284060 -3.343 0.00083 ***

Lista 2 0.276735 0.230705 1.200 0.23033

Repeticao 2X 0.312954 0.283183 1.105 0.26910

Repeticao3X 0.698731 0.841076 0.831 0.40611

Repeticao4X 0.973813 1.227365 0.793 0.42753

Meninos 0.238417 0.230668 1.034 0.30133

Básica de

Sujeito

-0.673682 0.348128 -1.935 0.05297 .

Copiadora de

Objeto Direto

0.506125 0.347983 1.454 0.14582

Copiadoras de

Sujeito

-0.741036 0.348913 -2.124 0.03368 *

Padrão de

complemento

preposicionado

0.007497 0.346464 0.022 0.98274

Cortadora de

complemento

preposicionado

-0.018097 0.346743 -0.052 0.95838

---

Signif. codes: 0 ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05 ‘.’ 0.1 ‘ ’ 1

Page 112: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

112

A Tabela 10 mostra que a probabilidade de erro também está relacionada às duas

variáveis de efeito aleatório, uma vez que cada uma apresenta p-valor 48

abaixo de 0.05.

Portanto, embora haja variabilidade nas respostas considerando-se os indivíduos e os

estímulos, os resultados revelam tendências relacionadas à faixa etária e às variantes.

Considerando que houve bastante variabilidade entre as crianças, devido à

significância da variável indivíduo, os Gráficos 4, 5 e 6 a seguir mostram a distribuição

de erros por criança, organizados em função da variável idade, convertida em meses,

para cada local de extração e suas respectivas variantes. Cada gráfico apresenta a curva

de tendência de cada variante. As curvas de tendência replicam os resultados por faixa

etária mostrando que os erros decrescem entre as crianças mais velhas. O cálculo para a

obtenção dos erros de cada criança foi feito através do percentual de respostas erradas

para cada variante por posição sintática, ou seja, cada ponto presente nos gráficos a

seguir, representa o percentual de erros por crianças caracterizadas em função da idade

em meses para cada estímulo ouvido, por local de extração e variante.

48 Valor que se encontra na última coluna da tabela.

Tabela 10 : Regressão logística com variáveis de efeitos aleatórios

Resultado da Regressão logística (N=1296)

Df Devia523nce AIC LRT Pr(>Chi)

<none> 1380.1 1592.1

Criança 70 1672.8 1744.8 292.73 < 2.2e-16 ***

Sentença 34 1526.9 1670.9 146.84 5.629e-16 ***

---

Signif. codes: 0 ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05 ‘.’ 0.1 ‘ ’ 1

Gráfico 2: Correlação

entre Erros e idade para

Relativas de Sujeito

Gráfico 5: Correlação

entre Erros e idade para

Relativas de Objeto Direto

Gráfico 6 : Correlação entre Erros e idade para Relativas

de Complemento

preposicionado

Gráfico 4: Correlação

entre Erros e idade para Relativas de Sujeito

Page 113: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

113

Através dos gráficos acima, observa-se que as respostas das crianças apresentam menos

erros com o passar do tempo em todos os locais de extração. Além disso, as tendências

observadas para as faixas etárias se mantêm. Estas tendências revelaram que para as

crianças mais novas as relativas de sujeito apresentaram as menores taxas de erros,

evidenciando o papel da similaridade estrutural que atua junto com sua alta frequência

para sua rápida consolidação (entrenchment) na gramática infantil, apresentando baixo

grau de dificuldade desde as mais novas no contínuo etário, conforme propôs a

hierarquia de acessibilidade de Keenan e Comrie (1977) e Diessel e Tomasello (2005).

No caso das crianças mais velhas, as relativas de sujeito e de complemento

preposicionado se aproximam na quantidade de erros, visto que, nesta última, a variante

cortadora já se apresenta em processo de consolidação (entrenchment), e servindo como

modelo para o processamento da relativa padrão e, por isso, apresentam níveis de erros

quase tão baixos quanto as relativas de sujeito. Já para as relativas de objeto direto, o

Gráfico 3 mostra que as básicas têm índices menores de erros do que as relativas de

complemento preposicionado para as crianças mais novas, mas para as mais velhas estes

índices se invertem e as relativas tanto básicas quanto copiadoras apresentam níveis

mais altos de erros do que as relativas de complemento preposicionado.

4.2 Análise dos tipos de erro

Ainda foram analisados os erros cometidos pelas crianças de acordo com a

classificação proposta por Arnon (2010), que divide as respostas erradas em 4

categorias expostas no Quadro 8. A distribuição dos erros foi organizada conforme a

Tabela 11, a seguir, em que há a categorização do tipo de erro por local de extração:

Tabela11: Distribuição dos Tipos de Erros por Local de Extração

Tipo de Erro Sujeito Objeto direto Complemento

preposicionado

Agente 45 19% 80 34% 107 46%

Distrator 28 36% 21 27% 28 36%

Outro Erro 34 30% 50 44% 28 25%

Reversão 56 26% 95 45% 60 28%

X-squared = 28.694, df = 6, p-value = 6.951e-05

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114

As respostas com erros de agente são caracterizadas pela indicação da cena

correta, porém referente errado de acordo com o estímulo ouvido, caracterizando uma

interpretação que desconsidera a modificação, já que a criança responde com o agente

da relativa no lugar do referente modificado, conforme Arnon (2010). Este erro foi mais

presente nas relativas de complemento preposicionado, seguido das relativas de objeto

direto. É, portanto, pouco surpreendente que este erro tenha ocorrido em maior

quantidade nas relativas de complemento preposicionado, visto que são as relativas com

a estrutura menos frequente em termos de animacidade, pois estas, em sua maioria,

apresentam como paciente um objeto inanimado. Foi verificada a mesma proporção de

erros nos estímulos com as duas variantes, 53 nos estímulos com relativas padrão e 54,

nos estímulos com variantes cortadoras.

No caso em que as crianças indicaram a cor do acessório dos distratores,

situação em que há apenas uma entidade, e no caso de outros erros, em que os

participantes indicam a cena e referentes errados, a quantidade de erros foi equilibrada

entre as posições sintáticas de sujeito e complemento preposicionado, havendo apenas

diferença na posição de objeto direto. Esta obteve a menor quantidade de erros de

distratores (27%) e a maior em outros erros (44%)

A propósito do erro de reversão, em que a criança indica a cena errada e o

referente certo, há uma inversão de papéis temáticos, conforme Arnon (2010). Observa-

se uma incidência maior de erros nos estímulos com variantes de objeto direto, ou seja,

as crianças têm uma tendência maior a inverterem os papéis temáticos nas relativas de

objeto direto, 95 (45%) dos 211 erros de reversão. De acordo com Arnon (2014), isto se

deve à estrutura das relativas de objeto que têm seu referente mais distante do verbo das

relativas, fazendo com que as crianças precisem mantê-los na memória antes de atribuir-

lhes o papel temático para os dois sintagmas nominais animados.

Sumarizando, tanto os erros de agente quanto os erros de reversão se

concentraram em relativas de objeto. No primeiro caso, relativas complemento

preposicionado e objeto direto, no segundo caso. Esta dificuldade maior das relativas de

objeto já era prevista por Diessel (2009), devido ao fato de as relativas de complemento

preposicionado e de objeto direto serem menos frequentes com referentes animados. Da

mesma forma, para Arnon (2011), além da distinção de animacidade, soma-se o fato das

funções de sujeito, objeto direto e complemento preposicionado envolverem referentes

expressos por núcleos lexicais em contraposição àquelas orações cujos núcleos são

Page 115: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

115

pronominais, consideradas mais fáceis49

. Portanto, de acordo com Diessel (2009) e

Arnon (2011), as relativas de objeto deste estudo são mais difíceis para as crianças por

se tratar de relativas pouco comuns na fala, isto é, as relativas com referentes lexicais

animados são menos frequentes.

4.3 Discussão

Para Tomasello (2000), Diesel & Tomasello (2000,2005) e Diesel (2009), a

semelhança estrutural atua no processo de aquisição, uma vez que, quanto mais uma

forma linguística lembra outras formas frequentes na língua, mais rápida e fácil será sua

aquisição. Assim, a tendência a apresentar baixo percentual de erros na compreensão de

relativas de sujeito e de complemento preposicionado pelas crianças mais velhas se deve

à semelhança estrutural entre elas. Por esta razão, as relativas de sujeito, tanto básicas

quanto copiadoras, são as mais fáceis, pois, além de terem alta frequência de ocorrência

no input, sua estrutura também se parece com a de outras sentenças simples da língua

no que tange a ordem dos constituintes, SV(O), canônica no Português Brasileiro. Da

mesma maneira, as relativas cortadoras de complemento preposicionado também podem

ser analisadas como SV(O), com a posição de objeto vazia, como será discutido a

seguir. Em outras palavras, todas as crianças do estudo já desenvolveram a capacidade

de fazer analogia da estrutura das relativas de sujeito com a ordem SV(O) das sentenças

simples, mais recorrentes na língua e, por isso, tiveram menores dificuldades de

compreensão das relativas de sujeito, desde a faixa etária mais nova.

O mesmo processo de analogia ocorre para a compreensão das relativas de

complemento preposicionado, porque, mesmo que estas não sejam tão frequentes na

língua como as relativas de sujeito, apresentam a ordem dos constituintes idêntica às

relativas de sujeito e outras sentenças simples da língua, já que apresentam a ordem

SV(O), canônica do Português Brasileiro. Segundo Akhtar (1999:341), as crianças se

baseiam na ordem das palavras desde cedo, pois formam seus esquemas mentais ao

redor de verbos com os quais estão familiarizadas. Estes verbos conhecidos e frequentes

têm sua grade argumental conhecida pela criança, pois a esquematização da gramática

mental ocorre através do contato com o input. Assim, a ordenação das sentenças simples

49 Arnon (2011) afirma que as relativas de objeto em que os núcleos são inanimados e os sujeitos são

pronominais são mais fáceis de processar já que o pronome na posição de sujeito reflete seu status de

informação conhecida e a animacidade do objeto o faz mais propenso a ser paciente, papel temático

atribuído recorrentemente as funções de objeto.

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116

da língua começa em torno de verbos específicos e se amplia para outros gradualmente.

Desta forma, embora as orações relativas não sejam estruturas muito frequentes, é fator

importante na aquisição a atuação do processo de analogia, devido à semelhança

estrutural de determinadas variantes com a ordem canônica dos constituintes das

sentenças simples. Além disso, o mapeamento das formas não é instantâneo,

demandando maior experiência linguística para estabelecer uma associação entre as

formas, conforme Akhtar (1999). Em outras palavras, o mapeamento das relativas de

sujeito, através de outras sentenças da língua, e das relativas cortadoras complemento

preposicionado, através das relativas de sujeito e a partir de outras sentenças da língua, é

gradual, porque o entendimento da importância sintática da ordem das palavras também

não é imediato, conforme Akthar (1999:351), visto que depende, em um primeiro

momento, dos verbos que as crianças adquirem. Sendo assim, o contato com ordem das

palavras do PB ocorre desde cedo, mas o entendimento de sua função não. Desta forma,

a experiência com as relativas é mediada pela experiência com todas as sentenças da

língua, que em sua maioria, seguem a ordem SV(O). Por serem mais frequentes, as

relativas de sujeito têm sua representação e enraizamento/consolidação (entrenchment)

mais rápida, visto que estas relativas são as mais disponíveis no input. A incrementação

de seu repertório gramatical é, portanto, gradual, e ocorre através de processos de

abstrações, analogias e esquematizações em que as estruturas conhecidas e consolidadas

servem de base para a organização e incorporação de novas estruturas à gramática

mental, portanto, servindo também de base para sua ampliação. Assim, a rápida

consolidação das relativas de sujeito na gramática mental (que já ocorre em todas as

crianças desde cedo devido à sua alta disponibilidade no input) também serve de base

para a aquisição das relativas de complemento preposicionado, entre outras,

constituindo assim um caminho para a aquisição de outras relativas. Isto é, a aquisição

das relativas de complemento preposicionado se baseia não só nas outras sentenças

simples da língua, mas também nas relativas de sujeito que são representadas na

gramática mental mais rapidamente, devido a sua frequência e similaridade estrutural

com sentenças simples da língua. Por isso, sua representação na gramática infantil

demora mais para se consolidar ou enraizar (entrench).

As crianças do Grupo I e II ainda estão no começo do estabelecimento das

associações das formas dessas orações a outras relativas ou sentenças da língua, e por

isso apresentam ainda índices altos de erros nas relativas de complemento

preposicionado, com destaque para as variantes padrão, mais raras no input. Com o

Page 117: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

117

passar do tempo e a maior experiência com estas formas, mais as crianças estabelecem

relações de forma e significado e começam a compreender mais facilmente as relativas

cortadoras, comuns para este lócus sintático. Por isso, as crianças da faixa etária III,

apresentam baixos índices de erros nas relativas de complemento preposicionado

devido, por um lado, à maior experiência linguística, no caso das cortadoras, e, por

outro, à equivalência semântica entre relativas cortadoras e padrão, possibilitando o

mapeamento das relativas padrão a partir da variante cortadora.

Portanto, verificou-se, em parte, efeito da escala de acessibilidade de Keenan &

Comrie (1977). Por um lado, os resultados obtidos evidenciaram que as relativas de

sujeito foram as mais simples para todas as faixas etárias. Além disso, para as faixas I e

II, a relativa de sujeito já se apresenta altamente consolidada ou enraizada (entrenched)

na gramática infantil, estando esta à frente das relativas de objeto direto ou

complemento preposicionado, conforme previam Keenan & Comrie (1977). Por outro

lado, sua escala previa que as relativas de complemento preposicionado seriam as mais

complexas, logo, de acordo com as hipóteses motivadoras deste trabalho, estas relativas

apresentariam maiores níveis de erros. Apesar disso, os resultados obtidos mostraram

que as relativas cortadoras obtiveram níveis mais baixos do que as relativas de objeto

direto, para a faixa III, contrariando a hierarquia proposta por Keenan & Comrie (1977).

Isto se deve à similaridade estrutural das orações relativas de complemento

preposicionado com as orações simples, efeito que pode ser associado à alta frequência

de tipo da ordem SV(O), o que as faz mais simples do que a relativa de objeto direto

para as crianças mais velhas. Desta forma, estes dados mostraram que as relativas mais

similares a outras sentenças da língua, de fato, são enraizadas ou consolidadas na

gramática do falante mais rapidamente, ou seja, iniciam mais rapidamente o processo de

enraizamento (entrechment), segundo Diessel & Tomasello (2005), Tomasello (2006),

Diessel (2009), Ambridge, Kidd, Rowland, Theakston (2015) e Diessel & Hilpert

(2016). Além do mais, os resultados obtidos para o desempenho das crianças mais

velhas, relativos ao baixo percentual de erros de compreensão dos estímulos com

variante padrão de complemento preposicionado, apontam para o mapeamento das

variantes em função da equivalência semântica entre variantes de uma mesma variável

linguística.

Page 118: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

118

5. CONJUGANDO COMPREENSÃO E PRODUÇÃO

Este capítulo apresenta os resultados do teste de compreensão e produção de

orações relativas, descrito no capítulo 3, aplicado a 12 crianças que responderam aos

dois testes. As respostas dadas no experimento de produção elicitada foram analisadas

em função da acurácia da resposta (variável dependente) em função das variáveis

independentes local de extração, variante, idade e sexo do participante. O objetivo é

comparar o comportamento dessas crianças em relação às duas habilidades,

compreensão e produção, na busca de evidências que permitam melhor situar o status

dessas estruturas no conhecimento internalizado neste período aquisitivo. Ainda, será

estabelecida uma comparação entre o desempenho dos participantes nos experimentos

de compreensão, apresentados no capítulo 4 e de produção obtidos em Abreu (2013) e

ainda conforme Akthar (1999), Diessel (2009), Kidd (2011) e Arnon (2010, 2011).

5.1 Resultados dos Experimentos de Compreensão e de Produção

O experimento de compreensão utilizado nesta seção consiste na tarefa de

identificação dos referentes descrito no capítulo 4, conforme metodologia de Arnon

(2010,2011). Já o experimento de produção elicitada, utilizado neste estudo, foi

elaborado por Abreu (2013) e reaplicado a um conjunto de 12 crianças, juntamente com

o teste de compreensão. Os participantes responderam primeiramente ao teste de

compreensão e, na mesma semana ou na semana seguinte, ao teste de produção, porém

o intervalo entre a primeira aplicação e a segunda não passou de 6 dias. Buscou-se

abordar a questão do comportamento das crianças relativo à produção e à compreensão

tomando como base dados das mesmas crianças. No estudo de Abreu (2013), o

experimento incluiu orações relativas de sujeito, objeto direto, complemento

preposicionado, adjunto adverbial e de genitivo. Para os objetivos deste estudo, foram

analisadas somente as respostas das relativas de sujeito, objeto direto e complemento

preposicionado.

5.1.1 Experimento de Compreensão

Primeiramente serão apresentados os resultados do teste de compreensão. O

Gráfico 1 e a Tabela 12 a seguir trazem o percentual de erros de compreensão para cada

Page 119: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

119

variante dos três tipos de relativa (sujeito, objeto direto e de complemento

preposicionado) para cada um dos dois grupos etários.

Observando-se o Gráfico 7 e a Tabela 12, verifica-se que as relativas de sujeito

apresentaram percentuais mais baixos de erros para as duas variantes tanto entre as

crianças do grupo II quanto entre as do grupo III. Esses resultados reproduzem o

observado para o grupo de 72 crianças, conforme apresentado no capítulo anterior. Já o

percentual de erros de compreensão das relativas de objeto direto situa-se no nível da

chance (50%) para a variante básica, nos dois grupos etários, e para a variante

copiadora, no grupo etário II. O percentual alto de erros foi registrado no grupo III, para

Tabela 12: Distribuição dos erros por tipo de relativa e variante por Grupo

etário (compreensão)

Idades Grupo II (4;3) Grupo III (5;4)

Tipo de

relativa

Variante Erros/total % Erros/total %

Sujeito Básica 4/18 22% 6/18 33%

Copiadora 5/18 28% 3/18 17%

Objeto Direto Básica 9/18 50% 9/18 50%

Copiadora 9/18 50% 13/18 72%

Complemento

preposicionado

Padrão 8/18 44% 12/18 67%

Cortadora 11/18 61% 12/18 67%

Gráfico7: Distribuição dos Erros de Compreensão

para cada variante por Faixa Etária (12 crianças)

Page 120: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

120

os estímulos com a variante copiadora. Já para a função de complemento

preposicionado foram obtidos percentuais mais altos de erros nos dois grupos etários

nos estímulos, com a variante cortadora, e no grupo III, para a variante padrão, ambos

com 67%. A exceção foi o percentual de erros mais baixo obtido para a variante padrão

do grupo II (44%).

De um lado, esta distribuição dos resultados reflete a hierarquia de

acessibilidade de Keenan & Comrie (1977), que propõe que as relativas de sujeito são

as mais acessíveis, como observado acima, já que as taxas de erros dessas estruturas

foram menores que as de objeto direto, que, por sua vez, foram menores que as de

complemento preposicionado, com as ressalvas apontadas no parágrafo anterior. Por

outro lado, conforme já mencionado anteriormente, no Capítulo 4, as relativas de objeto

direto apresentaram mais erros do que os estímulos com a relativa preposicionada

(padrão) de complemento preposicionado, com exceção da relativa cortadora no grupo

II, subvertendo a hierarquia de Keenan & Comrie. A diferença de resultados entre os

dois grupos de crianças, no que diz respeito à distribuição de erros para as variantes de

objeto direto e de complemento preposicionado, pode estar relacionada à diferença de

tamanho de amostragem.

A seção a seguir, apresenta os resultados relativos aos dados obtidos no

experimento de produção para este grupo de 12 crianças, que responderam a ambos os

experimentos. Os resultados obtidos para a produção serão comparados aos obtidos no

estudo de Abreu (2013) e a comparação entre compreensão e produção levará também

em conta os resultados obtidos para os dados do grupo de 72 crianças, apresentados no

capítulo 4.

5.1.2 Experimentos de Produção

O experimento de produção elicitada se baseou na metodologia de Diessel e

Tomasello (2005) e Diessel (2009), conforme mencionado anteriormente. Este

experimento consistiu em uma tarefa de produção elicitada em que cada criança deveria

repetir as sentenças estímulo depois de ouvi-las. Este experimento era formado por três

listas diferentes, tendo cada uma 3 sentenças treino, 9 distratoras e 26 estímulos, para

que o experimento contemplasse todas as funções mencionadas e suas variantes

Page 121: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

121

possíveis, sem que houvesse a mesma sentença em duas ou mais variantes na mesma

lista e para que o experimento não ficasse longo e cansativo para seus participantes.

Cada resposta foi analisada e categorizada seguindo os critérios de acurácia do

Quadro 9, a seguir:

Quadro 9: Classificação das respostas do experimento de produção elicitada

Acerto total

1

6

Repetição igual/alterações de tempo, número, definitude,

pronome (omissão).

Estímulo: “Esta é a boneca que fala tudo ”.

Repetição: Esta é a boneca que fala tudo.

5

Alterações lexicais e etc que não afetam a estrutura.

Estímulo: “Aquele é o sorvete que meu pai comeu”.

Repetição: O sorvete que meu pai comeu.

Variação

(Acerto

Sociolinguístico)

2

4

Produção de uma variante possível na língua para as estruturas

correspondentes sem a substituição lexical.

Estímulo: “ Esse é o trem que ele soltou fumaça”

Repetição: Esse é o trem que soltou fumaça.

3

Produção de uma variante possível na língua para as estruturas

correspondentes com a substituição lexical.

Estímulo: “Essa é a bola que a tia tem ela”.

Repetição: Essa é a bola que a tia perdeu

Erro

0

2

Omissões, acréscimos e substituições que alteram a estrutura.

Estímulo: “Essa é a escada de que o menino desceu ”.

Repetição: Essa é a escada que o menino tem.

1

Substituições “agramaticais”, itens inexistentes, e estruturas

inexistentes.

Estímulo: “ Aquela é a bola que encostou na parede ”.

Repetição: Aquela é a abóbra que escoscou.

0

Produção de parte da estrutura ou esquecimento

Estímulo: “ Essa é a bola que joguei no menino”.

Repetição: essa é a mecha que (inint) no menino.

Inicialmente, foi observada a distribuição da acurácia das respostas em função

da escala apresentada anteriormente por lista. A Tabela 13 a seguir apresenta o resultado

encontrado.

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122

Tabela 13: Comportamento das crianças por Listas com 7 níveis de acurácia.

Lista 1 2 3

Acurácia N % N % N %

0 2 4% 12 25% 1 2%

1 1 2% 0 - 0 -

2 4 8% 2 4% 7 14%

3 6 12% 3 6% 2 4%

4 12 25% 8 17% 5 10%

5 9 19% 12 25% 9 19%

6 14 29% 11 23% 24 50%

Total 48 48 48

X-squared = 31.32, df = 12, p-value = 0.00176

Da mesma forma que no estudo de Abreu (2013), os 7 níveis foram reduzidos a

três, conforme pode ser observado no Quadro 9 acima. Na Tabela 14 a seguir,

reorganizam-se as respostas da Tabela 2, agora em função de 3 níveis somente,

agrupando respostas que apresentam semelhanças no nível de acurácia, resultando em

uma menor dispersão dos dados obtidos. Nesta reorganização, a classificação 0

corresponde às respostas consideradas erros, 1, aos casos de substituição do estímulo

apresentado por uma outra variante (acerto sociolinguístico), e 2 são as repetições

conforme os estímulos apresentados (acertos).

Tabela 14: Comportamento das crianças por lista com 3 níveis de acurácia.

Listas 1 2 3

Acurácia N % N % N %

0 7 14% 14 29% 8 17%

1 18 37% 11 23% 7 14%

2 23 48% 23 48% 33 69%

Total 48 48 48

X-squared = 10.664, df = 4, p-value = 0.03061

A comparação da distribuição das respostas em função do grau de acurácia feita

por lista do experimento é importante para verificar se houve alguma tendência que

pode ser atribuída aos estímulos de uma lista específica. Todos os estímulos foram

elaborados de maneira a serem homogêneos em seu grau de dificuldade/facilidade para

as crianças. O esperado, portanto, é que não houvesse diferença na distribuição das

respostas em cada lista. A análise do p–valor50

do teste de qui-quadrado revelou que há

diferença de distribuição entre as listas, uma vez que há concentração de respostas com

50 O p-valor de um teste de qui-quadrado indica se há independência entre os dois fatores, nível de

acurácia e lista. Um p-valor acima de 0,05 indica que não há diferenças entre as listas, enquanto um p-

valor abaixo de 0,05 indica que há um desequilíbrio entre as listas.

Page 123: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

123

mais alta acurácia das crianças que responderam à lista 3. Uma possibilidade é a de que

o número reduzido de crianças tenha interferido nos resultados. Em Abreu (2013), o

experimento foi aplicado a 47 crianças e não houve diferença na distribuição das

respostas nas três listas. É possível que esse resultado se deva ao número menor de

participantes da atual amostra.

Analisando-se a acurácia de repetição dos participantes, o grupo de fatores

variante foi o escolhido pelo Programa estatístico R como o mais significativo. Para

fazer esta checagem, foi utilizado o teste ANOVA que revelou um p-valor= 1.25e-06

para as respostas distribuídas em 7 níveis de acurácia, e p-valor=2.01e-09, quando se

consideram os 3 níveis de acurácia. Junto a isto, também foi verificada a interação entre

as variáveis, porém as interações entre local de extração, variante e faixa etária não

foram consideradas significativas, como é possível observar na Tabela 15.

Tabela 15: Resultado da Anova realizada com os dados de Produção

Df Sum Sq Mean Sq F value Pr(>F)

Faixa etária 1 0.44 0.444 0.931 0.336

Tipo de sentença 2 1.35 0.674 1.411 0.247

Variante 2 22.33 11.167 23.397 2.01e-09 ***

Faixa etaria:tipo de sentença 2 0.01 0.007 0.015 0.986

Faixa etaria:variante 2 2.08 1.042 2.183 0.117

Tipo de sentença:variante 1 0.38 0.375 0.786 0.377

Faixa etária:tipo de sentença:variante 1 1.04 1.042 2.183 0.142

Residuals 132 63.00 0.477

---

Signif. codes: 0 ‘***’ 0.001 ‘**’ 0.01 ‘*’ 0.05 ‘.’ 0.1 ‘ ’ 1

Através da tabela 15, observa-se que a acurácia na repetição dos estímulos tem

relação com a variante de relativa, já que este grupo de fator apresenta significância

estatística. A ANOVA consiste em uma análise de variância que permite verificar se há

diferenças entre as médias de duas ou mais populações diferentes quando a variável

resposta, neste caso, a acurácia (acerto ou erro), é contínua (cf. Pinheiro, Cunha,

Carvalhal e Gomes, 2009:254). Os resultados da ANOVA são considerados altamente

significativos quando o p-valor (última coluna) é menor do que 0,05. Na ANOVA

apresentada na Tabela 15, a acurácia (variável dependente) está sendo descrita em

função da faixa etária dos participantes, tipo de sentença (função sintática do relativo) e

variante das relativas (variáveis independentes). A análise de variância revelou que os

efeitos de faixa etária e tipo de sentença, analisados isoladamente, não são

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124

significativos, porém há efeito da variante na acurácia de repetição do estímulo, ou seja,

dependendo da variante no estímulo haverá maiores níveis de acerto.

Serão apresentados a seguir os resultados de acurácia de repetição para cada um

dos tipos de sentença – Sujeito (S), Objeto Direto (OD) e de Complemento

Preposicionado (CP) – com suas respectivas variantes deste estudo por idade.

Os resultados para sujeito revelam facilidade das crianças com esta relativa,

conforme exposto no Gráfico 8 e na Tabela 16 a seguir. Estes resultados expõem o grau

de acurácia em três níveis de acordo com as duas faixas etárias presentes neste estudo

(crianças de 4 a 4;11 e crianças de 5 a 5;11).

Tabela 16: Respostas para a Posição

de Sujeito por idade e variante.

Básicas de Sujeito (SB)

4;0- 4;11 5;0 -5;11

Erro 1 8% 1 8%

Variação 1 8% 0 -

Acerto 10 83% 11 92%

X-squared = 1.0476, df = 2,

p-value = 0.5923

Copiadoras de Sujeito (SD)

4;0- 4;11 5;0 -5;11

Erro 1 8% 1 8%

Variação 6 50% 10 83%

Acerto 5 41% 1 8%

X-squared = 3.6667, df = 2,

p-value = 0.1599

De acordo com o Gráfico 8 e a Tabela 16, observa-se que as relativas de sujeito

obtiveram altos índices de acerto, principalmente nas variantes básicas. Estas variantes

são as mais frequentes, tanto em número de ocorrência quanto em frequência de tipo,

conforme afirma Abreu (2013). Desta forma, as duas faixas etárias foram bem sucedidas

na tarefa de repetição do teste. Como é possível verificar na Tabela 16, acima, as

crianças mais novas tiveram um nível de acerto alto (83%) para a repetição das relativas

básicas, configurando a representação e consolidação destas relativas desde cedo. Esta

variante também obteve maiores níveis de acerto dentre as crianças mais velhas (92%).

Isto reforça o caráter incremental do desenvolvimento uma vez que as crianças mais

velhas são mais experientes com a língua, e por isso, espera-se que estas acertem mais

8% 8% 8% 8% 8% 0%

50%

83% 83% 92%

41%

8%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Básica de Sujeito Faixa II

Básica de Sujeito Faixa III

Copiadora de Sujeito

faixa II

Copiadora de Sujeito

faixa III

Erro Variação Acerto

Gráfico 8: Respostas para a Posição de

Sujeito por idade e variante.

Page 125: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

125

do que as mais novas. Além disso, é importante notar que, das relativas básicas de

sujeito que foram ouvidas, houve apenas um caso em que esta foi substituída por uma

copiadora na faixa etária entre 4 anos e 4;11, não havendo substituição dessa variante na

faixa etária mais velha. Desta forma, observa-se que não há diferença entre as faixas

etárias, conforme revela o p-valor de 0.1599, sendo, portanto uma estrutura consolidada

(entrenched) para ambos os grupos.

Com relação às variantes copiadoras, o resultado do p-valor, acima de 0,05,

indica não haver diferença entre os grupos etários, que se caracterizam por tender a

substituir a variante copiadora pela variante básica, 50%, nas mais novas e 83%, nas

mais velhas, sendo esta tendência maior no grupo etário 5,0 a 5;11. Esse resultado tem

relação com o fato de a variante copiadora ser menos frequente que as básicas. Sendo

assim as crianças mais velhas tenderam a seguir os padrões de fala do PB já atestados

por Tarallo (1993), Mollica (2003) e Abreu (2013) porque substituem a variante

copiadora pela básica, mais frequente nas posições não preposicionadas. Desta forma, a

alta frequência de ocorrência das relativas de sujeito favoreceu o comportamento das

crianças neste experimento. Em outras palavras, a baixa incidência de erros, seja através

da substituição pela outra variante ou pela repetição do estímulo revela que esta

estrutura está estabilizada nas faixas etárias estudadas. Isto demonstra que de fato as

estruturas mais frequentes são adquiridas mais rapidamente, conforme propuseram

Diessel (2009), Ambridge, Kidd, Rowland, Theakston (2015) e Diessel e Hilpert

(2016).

Estes resultados da reaplicação do experimento de produção corroboram

resultados anteriores obtidos por Abreu (2013) com a produção elicitada de 47 crianças

em idade pré-escolar, apesar da diferença no recorte da faixa etária entre Abreu (2013) e

o estudo atual. Abreu (2013) comparou o comportamento de 23 crianças entre 4 e 5

anos e 24 crianças entre 6 e 7 anos e observou que ambos os grupos foram bem

sucedidos na repetição de relativas de sujeito, com baixo índice de erros na repetição

das duas variantes, alto índice de repetição do estímulo variante básica e substituição

pela variante básica, conforme pode ser observado no Gráfico 9 a seguir:

Page 126: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

126

Conforme descrito no capítulo 3, a faixa etária I é composta por crianças no

intervalo entre 3;0 e 3;11. Estas não participaram dos dois experimentos, visto que

apesar das tentativas de aplicação, não conseguiam concluir o experimento de produção.

Compõem a faixa etária II do experimento de produção crianças entre 4;0 e 4;11 anos e

a faixa III, crianças entre 5;0 e 6;11. Assim, as faixas II e III do presente estudo

correspondem à faixa mais nova do estudo de Abreu (2013). Apesar desta diferença

entre os grupos etários, há coincidência/homogeneidade no comportamento das crianças

entre 4;0 e 4;11 do presente estudo e as crianças entre 4;0 e 5;0 anos de Abreu (2013),

assim como as crianças entre 5;0 e 6;11 deste estudo tiveram desempenho similar às

crianças entre 6;0 e 7;0 anos de Abreu (2013), sendo ambos os grupos etários bem

sucedidos nas tarefa de produção elicitada das relativas básicas e copiadoras de sujeito.

Além disso, considerando os resultados apresentados no Capítulo 4, o

comportamento dos participantes em ambos os experimentos de compreensão e

produção, grupos II e III, indica simetria entre as duas habilidades no que tange às

relativas de sujeito, visto que todas as crianças apresentaram baixos níveis de erros na

reaplicação do experimento de produção elicitada, replicando o resultado encontrado em

Abreu (2013), e no experimento de compreensão, considerando as crianças entre 4;0 e

4;11 e entre 5;0 e 6;11. Isto demonstra que este tipo de relativa já está consolidada na

gramática mental das crianças desta faixa etária.

8% 6% 8% 8% 2% 2%

41% 31%

89% 91%

50%

60%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Básica de Sujeito 4-5

Básica de Sujeito 6-7

Copiadora de Sujeito 4-5

Copiadora de Sujeito 6-7

Erro Variação Acerto

Gráfico 9: Respostas para a produção elicitada de

relativas básicas (padrão) e copiadoras de Sujeito por

idade e variante.

Fonte: Abreu (2013) p.99 e 100

Page 127: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

127

Esta convergência de resultados para as relativas de sujeito nas duas variantes,

tanto para compreensão quanto para produção, confirma as hipóteses de trabalho que

previam que as relativas que não representaram dificuldades para a produção, atestadas

por Abreu (2013), também não representariam dificuldades para compreensão,

conforme também atestou Arnon (2011) para o hebraico. Estes resultados também

confirmam a hipótese baseada na hierarquia de acessibilidade de Keenan e Comrie

(1977), segundo a qual as relativas de sujeito seriam as mais fáceis para a compreensão.

Ainda, a simetria entre produção e compreensão das relativas de sujeito também

confirma as hipóteses estabelecidas com base em Ambridge, Kidd, Rowland, Theakston

(2015) e Diessel e Hilpert (2016), que previam que as relativas mais frequentes no

input, característica do tipo de relativa em questão, seriam aquelas adquiridas mais

rapidamente. Outra hipótese confirmada, que se baseou em Diessel e Tomasello (2005)

e Diessel & Tomasello (2000), Diessel(2009), Reali & Christiansen (2007) e Su (2004),

previa que as relativas com alto grau de similaridade a outra estrutura mais frequente na

língua, ou seja, aquelas que seguem o padrão estrutural das sentenças simples da língua,

seriam adquiridas rapidamente. Desta forma, as tendências, atestadas por Abreu (2013)

para a produção, se confirmaram também para a compreensão, indicando que as

crianças analisadas já apresentam forte representação mental das relativas de sujeito,

que se refletiu em baixos índices de erros e, consequentemente, alta acurácia para ambas

as habilidades observadas.

Com relação às relativas de objeto direto, no estudo de Abreu (2013), os

resultados mostram novamente que não há diferença entre os grupos etários na acurácia

de repetição das duas variantes, sendo alto o grau de acurácia na repetição da variante

básica, e tendência à substituição da variante copiadora, embora a repetição igual ao

estímulo supere a substituição. O Gráfico 10, a seguir, apresenta esses resultados. O

resultado obtido para o PB difere do encontrado nos estudos sobre aquisição de orações

relativas do inglês e do alemão, em que os índices de acurácia na repetição de relativas

de objeto direto são significativamente inferiores aos das relativas de sujeito.

Page 128: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

128

Tabela 17: Respostas para a Posição

de Objeto Direto por idade e

variante (produção)

Básicas Objeto direto (ODB)

4 -4,11 5-5,11

Erro 2 17% 4 33%

Variação 0 0 0 0

Acerto 10 83% 8 67%

X-squared = NaN, df = 2,

p-value = NA

Copiadoras de Objeto direto(ODD)

4 -4,11 5-5,11 anos

Erro 4 33% 3 25%

Variação 3 25% 4 33%

Acerto 5 42% 5 42%

X-squared = 0.28571, df = 2,

p-value = 0.8669

Observando-se o Gráfico 10 e a Tabela 17, verifica-se que as relativas de objeto

direto apresentaram altos níveis de acerto para as variantes básicas em ambas as faixas

etárias, sendo 83% e 67%, respectivamente, para as faixas I e II, não apresentando o uso

de outra variante no lugar da relativa básica ouvida no estímulo. As variantes básicas

são mais frequentes para as posições não preposicionadas e isto favoreceu a alta

quantidade de acertos no experimento de produção já que estas são mais comuns no

input e por isso mais robustas na representação mental do falante. Quanto à variante

copiadora, observa-se que os níveis de repetição tal qual o estímulo (acerto) ainda se

apresentaram mais altos do que a substituição ou erro para as duas faixas etárias, 42 %

para ambas as faixas etárias, seguido dos percentuais de substituição pela variante

básica, 25% e 33%, respectivamente, para a faixa II e faixa III. Segundo Mollica (2003),

as relativas copiadoras ocorrem em contextos mais restritos de uso em que o referente

não é humano e está distante do relativo, características que não estão presentes neste

experimento, já que os estímulos apresentados aos participantes no experimento são

inanimados e não se encontram distantes de seus referentes, uma vez que os estímulos

não passavam de 9 ou 10 palavras para que as crianças conseguissem repeti-los. Desta

forma, ao produzirem a relativa copiadora do estímulo, as crianças tendem a substituí-la

pela variante que está mais disponível no input, a variante básica. Nota-se, então, que os

percentuais de acurácia obtidos na repetição das relativas de objeto direto são um pouco

inferiores aos índices obtidos para as relativas de sujeito, o que corrobora em parte a

17%

33% 33% 25%

0% 0%

25% 33%

83%

67%

42% 42%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

Básica de Objeto Direto Faixa II

Básica de Objeto Direto

Faixa III

Copiadora de Objeto

Direto Faixa II

Copiadora de Objeto

Direto Faixa III

Erro Variação Acerto

Gráfico 10: Respostas para a Posição de

Objeto direto por idade e variante.

Page 129: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

129

afirmação de Keenan e Comrie (1977), já que, para os autores, as relativas de sujeito são

as mais acessíveis. Apesar disso, como será discutido a seguir, a hierarquia de

acessibilidade não é totalmente verificada, no caso do Português Brasileiro, quando se

incluem as relativas de complemento preposicionado.

Embora as faixas etárias de Abreu (2013) e do presente trabalho não coincidam

totalmente, conforme mencionado anteriormente, estes resultados replicam em parte os

resultados obtidos por Abreu (2013), visto que as orações relativas na função de objeto

direto também obtiveram mais acertos do que erros na tarefa de produção elicitada,

conforme se observa no Gráfico 11, a seguir:

Observa-se o mesmo padrão obtido no grupo de crianças desta pesquisa: alto

índice de acurácia na repetição dos estímulos com a variante básica e um índice um

pouco mais baixo de repetição plena dos estímulos com a variante copiadora, seguidos

da substituição pela variante básica, e índices muito baixos de erro.

Com a comparação desses resultados de produção aos obtidos na compreensão

de relativas de objeto direto, observa-se que as crianças não são igualmente bem

sucedidas nas duas habilidades. Conforme descrito no capítulo 4, o resultado do

6% 2%

15% 12%

2% 2%

13%

23%

91% 96%

67% 64%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

120%

Básica de Objeto Direto

4-5

Básica de Objeto Direto

6-7

Copiadora de Objeto Direto

4-5

Copiadora de Objeto Direto

6-7

Erro Variação Acerto

Gráfico 11: Respostas para a produção elicitada de relativas de

Objeto Direto por idade e variante. Fonte: Abreu (2013), p. 99

e 100

Page 130: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

130

experimento de compreensão das relativas de objeto direto apresentou taxas mais

elevadas de erros nas duas faixas etárias. Desta forma, a alta performance na produção

destas relativas não se repete na compreensão, como previam as hipóteses de trabalho.

As hipóteses previam que haveria simetria entre produção e compreensão nas relativas

não preposicionadas independentemente de sua variante, ou seja, estas relativas, que

apresentam níveis altos de acurácia no experimento de produção, deveriam apresentar

também níveis altos de acerto na tarefa de compreensão. No entanto, os dados de

compreensão, obtidos através do experimento de identificação do referente

caracterizado por uma relativa no estímulo, revelaram níveis altos de erros para os

estímulos com relativas de OD, sendo 50% e 46% para as relativas básicas, 65% e 51%

para as copiadoras, respectivamente nas faixas II e III. Estes altos níveis de erros podem

estar relacionados à dessemelhança entre a estrutura das relativas integrantes do

experimento e a daquelas encontradas na fala espontânea quanto à ordem dos

constituintes e à animacidade dos referentes. Conforme já mencionado no capítulo

anterior, a ordenação dos constituintes das relativas de objeto direto é OVS, diferente da

ordem canônica do PB que é SVO. Isto pode ter desfavorecido sua compreensão,

juntamente com a diferença de animacidade dos referentes. Segundo Diessel (2009), as

relativas de objeto direto encontradas no input diferem quanto à animacidade do

referente dos estímulos experimentais. Diessel (2009) afirma que as relativas de objeto

possuem, na maioria, referentes inanimados, que são mais propensos a receberem papel

temático de paciente, uma vez que as relativas de objeto geralmente caracterizam

utensílios e objetos em geral. Esta estrutura foi considerada no experimento de produção

elaborado por Abreu (2013), em que os referentes eram todos inanimados, porém não

pode ser mantida para o experimento de compreensão. A tarefa de identificação de

referentes utilizada para observar a compreensão das relativas requer que os referentes

sejam animados para possibilitar tanto a representação visual dos mesmos personagens

realizando ações simples, quanto a reversão de papéis destes mesmos personagens em

cenas diferentes. Por isso, os referentes do experimento de compreensão foram todos

animados, o que pode ter influenciado a compreensão das crianças.

O resultado da comparação entre as habilidades de produção e compreensão

contrariaram as hipóteses, visto que as relativas de objeto direto não foram tão bem

compreendidas quanto foram produzidas. Em outras palavras, foi observado um

comportamento das crianças em relação à produção das relativas de objeto direto que

não se manteve na tarefa de compreensão, contrariando o que previam as hipóteses.

Page 131: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

131

Desta forma, conclui-se que não há simetria entre produção e compreensão nas relativas

de objeto direto, visto que a produção está mais adiantada do que a compreensão.

Resultados similares a estes também são descritos por Arnon (2010:28) cujo trabalho

revelou que as crianças, adquirindo o hebraico, tinham mais dificuldade para

compreender relativas de objeto do que para produzi-las. Estes resultados também

contrariam a posição de Kidd (2011) que afirma que é incomum que a compreensão seja

mais atrasada em relação à produção, visto que as crianças geralmente sabem mais do

que realmente demonstram ou, neste caso, produzem. Para Tomasello (2006), a

repetição demonstra o desenvolvimento no processo de aquisição, pois não é uma

atividade passiva, mas envolve conhecimento internalizado já que isto a faz possível.

Por outro lado, as diferenças estruturais entre os estímulos do experimento de produção

e de compreensão indicam que a animacidade do núcleo do SN pode servir como pista

no processamento das relativas de objeto direto, como apontaram Mak, Vonk &

Schriefers (2006), que revelaram que a diferença de animacidade dos referentes em

relativas se correlacionava a maiores tempos de leitura, e Cabral, Leitão e Kenedy

(2016), que concluíram que referentes inanimados em relativas de objeto direto foram

os lidos mais rapidamente dentre todas as condições de animacidade entre sujeito e

objeto direto. Outro estudo que também revelou que a animacidade do referente influi

na produção de relativas foi Lobo & Vaz (2017), que realizaram um experimento de

produção elicitada com crianças e um grupo de controle com 20 adultos para o

Português Europeu, através do qual concluíram que relativas de objeto com

antecedentes inanimados eram mais produzidas em ambos os grupos. No entanto, é

preciso destacar que a questão da animacidade do referente não teve efeito na produção

das relativas. Porém, a assimetria entre produção e compreensão sugere que o alto

índice de acurácia na produção elicitada de orações relativas de objeto direto não indica

que essas relativas estejam enraizadas nas representações das crianças ou que o efeito da

animacidade afeta somente a compreensão.

Ao verificar a produção elicitada das relativas de complemento preposicionado,

observa-se que estas exibiram níveis mais altos de acertos para as cortadoras em ambas as

faixas etárias, porém as relativas padrão obtiveram percentuais altos de variação na Faixa II

e de erros na faixa III. Este comportamento dos participantes demonstra a importância da

frequência e similaridade estrutural para esta relativa, conforme é observado no Gráfico 12

e na Tabela 18, a seguir:

Page 132: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

132

Tabela 18: Respostas para a

Posição de Complemento

Preposicionado por idade e variante

(produção)

Padrão de Complemento

Preposicionado (CPrep)

4-4;11 5-5;11

Erro 3 25% 7 58%

Variação 7 58% 5 42%

Acerto 2 16% 0 -

X-squared = 3.9333, df = 2, p-value

= 0.1399

Cortadoras de complemento

preposicionado (CPrep)

4-4;11 5-5;11

Erro 2 16% 0 -

Variação 0 - 0 -

Acerto 10 83% 12 100%

X-squared = NaN, df = 2, p-value =

NA

Conforme pode ser observado no Gráfico 12 e na Tabela 18, verifica-se que o

comportamento das crianças em relação aos estímulos de complemento preposicionado

reflete os padrões encontrados no input, visto que se registram taxas baixas de acerto de

repetição dos estímulos com as relativas padrão nas duas faixas etárias, 17% nas

crianças entre 4;0 e 4;11, correspondentes a faixa II, e 0% entre os participantes entre

5;0 e 5;11. Ao mesmo tempo, as crianças da faixa II apresentaram altas taxas de

variação, isto é, substituição da variante padrão pela cortadora, 58%, ao passo que as

crianças da faixa III apresentaram 42 % de substituição. O nível de erro foi mais alto na

faixa III, sendo de 25% e 58%, respectivamente, na faixa II e na faixa III. A contradição

em relação aos comportamentos das crianças da faixa II e III, contrariando as hipóteses

da influência da experiência sobre a aquisição, pode estar relacionada ao intervalo de

divisão das faixas etárias utilizado nesta pesquisa. É possível que este recorte etário não

permita capturar diferenças significativas entre as crianças destas faixas etárias em

relação à variante padrão. Apesar disso, observa-se que, em relação às relativas

cortadoras, as crianças foram bem sucedidas em sua produção, evidenciando a

25%

58%

16%

0%

58%

42%

0%

17%

0%

83%

100%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

120%

Padrão de CPrep Faixa II

Padrão de CPrep

Faixa III

Cortadora de CPrep Faixa II

Cortadora de CPrep Faixa III

Erro Variação Acerto

Gráfico 12: Respostas para a Posição de

complemento preposicionado por idade e

Variante

Page 133: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

133

importância da similaridade estrutural desta variante com as sentenças simples. Isto fica

evidente no comportamento da faixa II, pois as crianças desta faixa apresentaram baixos

níveis de erros (16%) e não substituíram o estímulo por outra variante, resultando em

83% de acerto. Da mesma forma, verifica-se que as crianças da faixa III conseguiram

produzir todas as relativas cortadoras do estímulo. No entanto, é importante lembrar

que as faixas etárias do presente estudo e de Abreu (2013) não coincidem, conforme já

mencionado anteriormente. Ambas as faixas etárias utilizadas neste estudo

correspondem à faixa etária I de Abreu (2013). No referido trabalho, para esta faixa, o

resultado indicou acurácia de 46% na repetição de relativas de complemento

preposicionado na variante padrão, conforme o gráfico a seguir:

O gráfico acima, adaptado de Abreu (2013), mostra a tendência à substituição da

relativa padrão pela variante cortadora como a estratégia preponderante nas duas faixas

etárias, e preponderante entre as crianças de 6 e 7 anos. Também a alta acurácia na

repetição da variante cortadora obtida nos resultados dos participantes desta pesquisa

repete o padrão observado em Abreu (2013). Os altos índices de acurácia na repetição

das relativas cortadoras, obtidos nos dois estudos, se devem ao fato de estas estruturas

apresentarem o mesmo padrão estrutural SV(O) das orações simples, muito frequentes

26%

0% 8% 4%

58%

77%

4% 0%

46%

23%

87% 96%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

120%

Padrão de CP

4-5

Padrão de CP

6-7

Cortadora de CP

4-5

Cortadora de CP

6-7

Erro Variação Acerto

Gráfico 13: Respostas para a Posição de

Complemento Preposicionado (CP) por idade e

Variante.

Fonte: Abreu (2013) p. 102 e108.

Page 134: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

134

na língua, corroborando as afirmações de Diessel e Tomasello (2000, 2005), Ambridge,

Kidd, Rowland, Theakston (2015) e Diessel e Hilpert (2016), que afirmam que quanto

mais uma estrutura se assemelha a outras comuns na língua (similaridade estrutural

implica alta frequência de um tipo estrutural), mais rapidamente ela será adquirida e sua

representação será robusta e acessível (cf. Bybee 1998), (Diessel e Tomasello, 2000 ;

2005).

Comparando-se os resultados de compreensão e produção das variantes de

complemento preposicionado, observa-se que o desempenho das crianças é diferente

nas tarefas usadas para observar as duas habilidades com relação a variante padrão.

Entre as crianças das duas primeiras faixas etárias (I e II), ambas as variantes, padrão e

cortadora, apresentaram índices mais altos de erros de compreensão, respectivamente,

61% e 53%, para os estímulos com a variante padrão, e 58% e 62%, para os estímulos

com a variante cortadora. Assim, o desempenho das crianças das duas primeiras faixas

se mantém simétrico em relação à variante padrão, no sentido de que os erros suplantam

o acerto, mas não em relação à variante cortadora, já que os acertos superam os erros na

produção. Já no grupo das crianças entre 5;0 e 5;11, observa-se também um

comportamento assimétrico entre as duas habilidades em relação aos estímulos com a

variante cortadora, já que, na produção, os acertos (100%) superam os erros, mas na

compreensão, os erros superam os acertos (67% de erros na compreensão), no grupo

com as 12 crianças, diferindo do resultado com o universo total de crianças, como

apresentado no capítulo 4. Já em relação aos estímulos com a variante padrão, observa-

se assimetria entre as duas habilidades, uma vez que as crianças da faixa III

apresentaram índice baixo de erro de compreensão, 42%, mas percentual baixo de

acurácia na produção (23%).

O observado para as crianças entre 5;0 e 6;11, na faixa III, do universo total das

crianças, revela um comportamento diferente do que prevê a hierarquia de

acessibilidade de Keenan e Comrie (1977). Além disso, a hipótese que norteia o

presente trabalho propunha que compreensão e produção seguiriam a mesma tendência,

ou seja, que as relativas com altos índices de acurácia na produção elicitada (cortadoras)

também apresentariam baixa quantidade de erros na compreensão, ao passo que as

relativas com muitos erros no experimento de produção, apresentariam altas taxas de

erros na compreensão. Apesar disso, através da comparação entre compreensão e

produção, observa-se que as crianças apresentam maior índice de acertos na

compreensão das relativas padrão de complemento preposicionado do que em sua

Page 135: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

135

produção, enquanto isso foram bem sucedidas na produção em estímulos com a

variante cortadora. O desempenho das crianças no experimento de compreensão

mostrou que a compreensão está mais adiantada do que a produção no caso das relativas

padrão entre as crianças mais velhas, corroborando Kidd (2011), que afirma que a

compreensão precede a produção.

Segundo Tarallo (1993), Mollica (2003) e Abreu (2013), as relativas padrão são

pouco comuns no input, por isso, esperava-se que sua compreensão seguisse a mesma

tendência, ou seja, alta performance com as relativas cortadoras e baixa na variante

padrão. Apesar disso, os resultados obtidos através da tarefa de identificação do

referente,demonstraram que, embora as relativas padrão preposicionadas sejam muito

pouco frequentes, estas são mapeadas pela equivalência semântica entre estas e as

variantes cortadoras correspondentes. De acordo com a definição de variável linguística

de Weinreich, Labov e Herzog (1968), as variantes de uma variável linguística

correspondem a diferentes formas que expressam o mesmo conteúdo no mesmo

contexto. Em outras palavras, as relativas padrão de complemento preposicionado não

estão presentes no input, porém são mapeadas através das relativas cortadoras que,

mesmo pouco frequentes na língua, são mais acessíveis, devido à sua similaridade

estrutural com as orações simples. Os altos índices de erro na produção elicitada e a

tendência de sua substituição pela variante cortadora são indicativos do mapeamento

que as crianças fazem entre as duas variantes. Além disso, indicam que essa estrutura

não está adquirida ou não está enraizada (entrenched) na gramática mental das crianças

das faixas etárias estudadas. Por outro lado, a alta acurácia das crianças mais velhas

(Grupo III) na compreensão das relativas padrão preposicionadas indica a importância

da experiência com a língua, uma vez que as crianças mais velhas mapeiam a

equivalência semântica entre as duas variantes. A assimetria observada entre produção e

compreensão de relativas padrão de complementos preposicionados está na direção do

observado na aquisição da linguagem, no sentido de que a compreensão precede a

produção. No caso das relativas piedpiping, o mais provável é que a produção destas

estruturas ocorra em função da aquisição da escrita (Correa, 1998).

5.2.Discussão

A comparação dos resultados dos experimentos de compreensão e produção

apontam para a simetria das duas habilidades para as relativas de sujeito, pois a

produção acompanha a compreensão nas faixas etárias observadas, tanto para a relativa

Page 136: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

136

básica quanto para a copiadora. Essa simetria revela que as relativas básicas de sujeito

estão consolidadas (entrenched) na gramática infantil por consequência de sua alta

frequência no input e sua similaridade estrutural com as orações simples. Esta

consolidação ocorre desde cedo, visto que crianças com 3 anos já as compreendem bem.

No caso das relativas básicas, além da sua alta frequência, a semelhança com sentenças

de padrão estrutural canônico no PB, SV(O), faz com que seu tipo estrutural seja

frequente. Desta forma, cada novo uso reforça a semelhança estrutural, consolidando

cada vez mais a ordem dos constituintes no PB. Este resultado corrobora afirmações de

Diessel & Tomasello (2005), Diessel (2009), Ambridge, Kidd, Rowland, Theakston

(2015) e Diessel e Hilpert (2016), uma vez que as estruturas mais frequentes são mais

facilmente adquiridas. Embora representem menos de 10% do input, segundo Abreu

(2013), o mesmo ocorre com as relativas cortadoras de complemento preposicionado,

sendo sua consolidação um pouco mais tardia, visto que as crianças com 3 anos ainda

apresentam níveis altos de erros de compreensão.

Já no caso das relativas de objeto direto e decomplemento preposicionado, não

se pode afirmar que há total simetria entre compreensão e produção, mesmo na faixa

etária entre 5;0 e 6;11. No caso das relativas de objeto direto, a produção se mostra

mais avançada do que a compreensão, visto que os níveis de repetição igual ao estímulo

superaram os erros, ao passo que a compreensão destas relativas apresentou maiores

índices de erros para as duas variantes, básica e copiadora, nas crianças mais novas.

Estes resultados podem ter sido influenciados pela ordem OVS dos constituintes, pouco

frequente nas sentenças do PB, e pela animacidade do referente no experimento de

compreensão, fazendo com que as crianças tivessem maior dificuldade na identificação

do referente, já que estes eram animados, incomuns nessas relativas, com exceção

daquelas na função de sujeito. Apesar disso, mesmo apresentando níveis altos de erros

para as crianças mais novas, que decrescem com o aumento da idade, a compreensão

das relativas de complemento preposicionado não parece ter sofrido a influência da

animacidade, sobretudo na faixa etária mais velha. Assim, para estas relativas,

observou-se simetria para as relativas cortadoras somente entre as crianças com idades

ente 5;0 e 6;11, em que as performances de compreensão e produção convergem, e

assimetria para as relativas padrão, já que a compreensão supera a produção entre as

crianças mais velhas. Os níveis de erros das crianças mais velhas foram bem próximos

entre as duas variantes e estes se assemelharam às relativas de sujeito para ambas as

variantes na compreensão. Estes baixos índices de erros decorrem da equivalência

Page 137: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

137

semântica entre as variantes de complemento preposicionado, que permite o

mapeamento da relativa padrão através da relativa cortadora. Estes resultados

demonstram que compreensão e produção das relativas são processos graduais que não

só dependem da experiência do falante, mas também de habilidades cognitivas, como a

capacidade de fazer analogias que levam em conta tanto aspectos estruturais

(similaridade estrutural) quanto semânticos (equivalência semântica entre as variantes).

Além do mais, o desempenho no experimento de produção não expressa diretamente

que determinada estrutura foi adquirida, uma vez que compreensão e produção são

diferentes e, de acordo com Kidd (2011), compreensão antecede a produção.

Além disso, na proposta de Ambridge (pre-print), a aquisição se baseia em um

armazenamento de exemplares que tanto servem de base para o uso da língua quando

novos itens e construções são ouvidos quanto baseiam as analogias feitas para a

aquisição de novos itens e construções. Desta forma, para Ambridge (pre-print:04), a

fase aquisitiva se baseia no armazenamento de exemplares concretos que são estocados

juntamente com o detalhe fonético, detalhes do contexto e significado compreendido.

Então, a aquisição não se baseia somente no armazenamento de abstrações fixas já que

estas são indistinguíveis durante o processo de aquisição, mas se baseia no

armazenamento de abstrações linguísticas livres que aos poucos vão se organizando na

gramática mental através de analogias. Assim, através destas analogias as crianças são

capazes de associar o conhecimento já armazenado com novas estruturas advindas do

input, aumentando seu repertório gramatical e incrementando sua compreensão. Isto é, a

cada novo uso, o novo exemplar é armazenado e se estabelecem associações entre as

formas e significados (conhecidos e novos) para que uma analogia possa ser feita. Desta

maneira, estes conhecimentos não são só armazenados, mas também associados através

analogias durante a produção e/ou compreensão, baseando-se na similaridade entre os

itens (novos e conhecidos). Todavia, a entrada de novos itens não limita seu uso às

construções já conhecidas (já ouvidas e/ ou produzidas), pois, conforme afirma

Ambridge (pre-print:05), novas combinações podem ser formadas em qualquer nível

através de analogias, se o falante já tiver armazenado um único exemplar relevante para

a construção. Desta forma, novas formas de relativização vão sendo gradualmente

incluídas no repertório gramatical da criança e, aos poucos, começam a ser associadas

em analogias e a fazer parte de abstrações.

Portanto, os resultados para a comparação entre os experimentos de produção e

compreensão demonstram que a aquisição é gradual (cf. Diessel & Tomasello, 2000,

Page 138: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

138

2005; Diessel., 2009), e ocorre através da experiência da qual se extraem padrões de uso

que serão organizados e abstraídos para formar a gramática mental dos falantes. Desta

forma, a variação linguística também é adquirida, uma vez que é inerente à gramática do

falante, conforme Chambers (1995) e Gomes (2016), sendo esta organizada na mente do

falante como parte do conhecimento linguístico. Em outras palavras, a aquisição da

variação é parte da aquisição da língua e ocorre a partir dos mesmos processos descritos

por Tomasello (2006) em que a experiência é armazenada, categorizada, abstraída e

delimitada, tornando-se disponível para uso. Desta forma, estes resultados revelaram

que a experiência, além de aspectos cognitivos, frequência, similaridade estrutural e

equivalência semântica são essenciais para a aquisição, revelando também que a

aquisição segue a tendência de mudança observada para as relativas do Português

Brasileiro.

Page 139: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

139

6.CONCLUSÃO

A presente tese investigou o processamento de orações relativas por crianças

adquirindo o Português Brasileiro, antes da fase de alfabetização. Os dados foram

obtidos através de metodologia experimental para observar a produção e a compreensão,

considerando o papel da experiência na aquisição e a existência de simetria nas duas

habilidades para os três tipos de relativa: sujeito, objeto direto e de complemento

preposicionado

Segundo a perspectiva dos Modelos Baseados no Uso, a aquisição é um processo

gradual que envolve não só a experiência advinda da interação com o input, mas

também aspectos cognitivos como armazenamento de informações, organização do

conhecimento, identificação de padrões e capacidade de fazer abstrações. Desta forma, a

aquisição das relativas também é gradual e aumenta com a idade das crianças.

Através do presente trabalho, observou-se que a compreensão das relativas é

influenciada pela experiência e pela frequência de ocorrência das estruturas, conforme

já apontado nos trabalhos de Diessel & Tomasello (2005) e Diessel (2009), Diessel &

Hilpert (2016). Estes afirmam que a aquisição é gradual e amplamente facilitada pela

frequência de ocorrência, ou seja, a aquisição de itens ou estruturas muito frequentes é

mais rápida. Isto decorre do reforço que itens ou estruturas armazenadas na memória

recebem, ao serem acessados, tornando sua representação cada vez mais forte e

acessível através da experiência linguística. Além disso, outros fatores que contribuem

para a aquisição são a frequência de tipo e a similaridade estrutural de um item ou

estrutura com os itens mais frequentes da língua. Desta forma, observa-se que a alta

frequência de tipo das relativas de sujeito no input, conforme evidenciado por Mollica

(2003) e Abreu (2013), e sua semelhança no padrão de ordem dos constituintes SV(O)

são responsáveis por sua rápida aquisição, que se reflete na baixa taxa de erros em

ambos os experimentos de compreensão e produção. Isto decorre de sua rápida

consolidação (entrenchment) na gramática infantil que está emergindo, gradualmente, já

que sua frequência reforça as conexões feitas por analogias com outras sentenças

simples da língua, ampliando o repertório gramatical infantil. A ampliação deste

repertório só é possível devido a capacidades cognitivas de armazenamento,

categorização e abstração inerentes à espécie humana, que também se desenvolvem

gradualmente, durante o crescimento das crianças, e que não são usadas exclusivamente

para a aquisição linguística. Por isso, a interação com outros indivíduos mais

Page 140: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

140

experientes é fundamental, pois é a partir deste contato que as informações linguísticas

podem ser armazenadas, categorizadas, abstraídas, generalizadas para novos itens,

organizadas e consolidadas (entrenched) de acordo com o uso. Consequentemente, alta

frequência e alto grau de similaridade estrutural com as sentenças simples das relativas

de sujeito contribuem para que esta seja uma estrutura consolidada nas crianças com

idade entre 3;0 e 6;11, observando-se, portanto, uma performance semelhante nas duas

habilidades para essa estrutura, ou, em outras palavras, uma relação simétrica entre

produção e compreensão.

O efeito da experiência, da frequência de tipo e da similaridade estrutural no

processamento das relativas foi evidenciado também na compreensão das relativas de

complemento preposicionado. Novamente, a taxa de erros foi mais alta entre as crianças

mais novas do que entre as crianças mais velhas, evidenciando o papel da experiência.

As hipóteses de trabalho previam que estas seriam as mais tardias para a aquisição e,

consequentemente, as que apresentariam maiores taxas de erros no experimento de

compreensão, em conformidade com a hierarquia de acessibilidade de Keenan &

Comrie (1977) e com os resultados de produção obtidos por Abreu (2013), que

demonstraram a maior dificuldade das crianças com as relativas padrão de objeto

indireto em relação às relativas básicas não preposicionadas. No caso das crianças mais

novas, as relativas preposicionadas se mostraram mais difíceis já que apresentaram

baixos níveis de acerto (cerca de 70% de erros para a variante padrão e pouco menos

que 80%, para as cortadoras) que decaíram para pouco mais de 20% e aproximadamente

10%, respectivamente. O resultado observado para as crianças mais velhas se deve,

além da maior experiência com a língua, à similaridade estrutural com a ordem SVO,

ordem com mais alta frequência de tipo no PB, compartilhada pela variante cortadora.

As crianças do grupo etário entre 5;0 e 6;11 possuem mais experiência linguística, o que

as faz capazes de compreender relativas pouco frequentes na língua, embora sua

produção das relativas padrão apresente baixo nível de acurácia, de acordo com o

levantamento de Abreu (2013). Com relação à variantes padrão, este estudo revelou que

a compreensão das crianças superou sua produção, já que Abreu (2013) demonstra que

a acurácia de produção de relativas padrão de objeto indireto é baixa, ao passo que,

neste estudo, verificou-se que compreensão destas relativas foi alta na performance das

crianças mais velhas. A alta taxa de acerto na compreensão da variante padrão, em

contraposição à baixa acurácia de repetição desta variante, entre as crianças mais velhas,

deve-se ao mapeamento semântico entre a variante padrão e a cortadora. A equivalência

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141

semântica das duas variantes resultou em níveis baixos de erros para as crianças mais

velhas. Além do mais, este resultado corrobora Kidd (2011), que afirma que a

compreensão precede a produção, pois as crianças comumente entendem mais do que

produzem. Então, para as relativas de complemento preposicionado a compreensão e a

produção estão em relação assimétrica.

Para o caso das relativas de objeto direto, a frequência de tipo no input, atrás

apenas das relativas de sujeito, 23% das relativas encontradas no levamento de Abreu

(2013), não foi suficiente para apresentar alta acurácia no experimento de compreensão

para as faixas etárias mais novas, visto que os erros ficaram pouco acima dos 60%, nas

básicas, e próximo dos 80%, nas copiadoras. Já no caso das crianças mais velhas, os

erros decrescem e ficam próximos aos 40% nas básicas e pouco acima dos 40 % nas

copiadoras. Observa-se, assim, que a falta de similaridade estrutural com o tipo mais

encontrado no input pode ter desfavorecido a compreensão das relativas de OD, no caso

das crianças mais novas. As relativas de objeto direto não possuem a ordem canônica do

Português Brasileiro (SV(O)), já que sua ordem de constituintes é OVS, pois o

introdutor da relativa é um pronome relativo, como afirma Tarallo (1993). Isto a faz

dessemelhante das outras relativas frequentes no input. Apesar disso, ainda assim as

relativas de objeto direto apresentaram níveis mais baixos de erros entre as crianças

mais velhas, evidenciando também o papel da experiência.

Outro fator que pode ter interferido no resultado para as relativas de objeto

direto neste estudo relaciona-se com a animacidade do referente inerente a este

experimento, diferindo das relativas presentes no input. Para possibilitar a reversão de

papeis necessária à elaboração da tarefa de compreensão, foram usados antecedentes

animados, incomuns em relativas de objeto como afirmam Diessel (2009), Brandt,

Kidd, Lieven e Tomasello (2009) e Arnon (2010,2011). Todavia, a questão da

animacidade ou da ordem de constituintes não parece ter influenciado as relativas de

complemento preposicionado, provavelmente pela atuação da similaridade semântica

das variantes e da ordem SVO das cortadoras. Desta forma, observa-se que as crianças

foram sensíveis a questões estruturais (ordem) e semânticas (animacidade), no caso das

relativas de objeto direto, fazendo a compreensão das relativas de objeto direto ficar na

retaguarda da produção.

Portanto, os resultados obtidos através do experimento de compreensão

permitiram verificar que as relativas de sujeito, objeto direto e com complementos

preposicionados não possuem o mesmo ritmo na emergência da gramática infantil, visto

Page 142: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

142

que suas frequências não são iguais. Além disso, no caso do Português Brasileiro, as

diferentes funções sintáticas dos referentes podem ser expressas por formas diferentes,

sendo as variantes básicas ou copiadoras, possíveis para as relativas não

preposicionadas e as variantes padrão, copiadora ou cortadoras, formas possíveis no

caso das relativas preposiocionadas, neste estudo a relativa de complemento

preposicionado. Desta forma, suas diferenças de frequência de ocorrência e de tipo

influenciam para a aquisição das relativas, visto que consiste em processo gradual que

depende do input. Dito de outra forma, uma vez que as relativas possuem diferentes

frequências, o armazenamento das relativas de sujeito, objeto direto e com

complemento preposicionado também não é igual. Por isso, a aquisição das relativas de

diferentes tipos não é uniforme/ homogênea, pois, há relativas com maior frequência de

ocorrência e de tipo que são mais robustas para o acesso, como é o caso das relativas de

sujeito. Além disso, a similaridade estrutural com outras sentenças da língua também

favorece a aquisição, já que itens ou estruturas semelhantes participam de muitas

conexões que também facilitam o acesso, como é o caso das relativas de sujeito e as

cortadoras de complemento preposicionado, que possuem a ordem dos constituintes

semelhante à ordem SV(O), encontrada na maioria em sentenças simples. Desta forma,

encontra-se simetria entre compreensão e produção para as relativas de sujeito enquanto

esta simetria só é vista para as crianças mais velhas nos estímulos com as variantes

cortadoras . Por outro lado, as crianças de todas as faixas etárias apresentaram

dificuldade na produção de relativas padrão de complemento preposicionado, ao passo

que a compreensão superou sua produção no caso das crianças mais velhas, havendo,

portanto, assimetria entre produção e compreensão destas relativas na variante padrão.

Por outro lado, a baixa frequência de ocorrência e de tipo, juntamente com a

dessemelhança em relação a outras estruturas sobre a ordenação dos seus constituintes

(OSV), faz a compreensão das relativas de objeto direto ser menos acurada em relação a

sua produção.

Conclui-se também que o processamento das orações relativas depende de

fatores cognitivos e interacionais, da alta frequência de ocorrência e de tipo no input, e

similaridades estruturais e semânticas, que influenciam o processo de aquisição e sua

consolidação na gramática infantil desde cedo, enquanto baixa frequência aliada à

diferença estrutural dificultam o processamento, fazendo com que a simetria entre

compreensão e produção seja mais tardia.

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143

Finalmente, este estudo também demonstrou que a variação é parte do

conhecimento linguístico do falante, sendo este armazenado, organizado e abstraído,

tornando-se acessível e disponível para a compreensão e a produção, a partir de

informações advindas do input (como frequência, similaridade estrutural e similaridade

semântica), de acordo com os padrões de uso, o que faz as gramáticas do adulto e

infantil originárias dos mesmos processos cognitivos gerais, porém com diferentes

níveis de armazenamento, organização, abstração e consolidação/enraizamento

(entrenchment).

Page 144: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

144

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Page 149: Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade …...as relativas, compreensão e produção não estão sempre em relação simétrica, principalmente considerando o desempenho

149

Anexos

Anexo I- Figura1: Figura de Treino

Anexo II- Figura 2:Figura que representa um estímulo

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150

Anexo III

Quadro 2: Esquema de organização do experimento de compreensão

Organização do experimento de compreensão

Lista 1 Lista 2

Sujeito

Sb1 Sc4 Sb4 Sc1

Sb2 Sc5 Sb5 Sc2

Sb3 Sc6 Sb6 Sc3

Objeto direto

Db1 Dc4 Db4 Dc1

Db2 Dc5 Db5 Dc2

Db3 Dc6 Db6 Dc3

Complemento preposicionado

Ip1 Ir4 Ip4 Ir1

Ip2 Ir5 Ip5 Ir2

Ip3 Ir6 Ip6 Ir3

Neste quadro encontra-se a disposição dos estímulos por local de extração e variante nas

duas listas que compunham o experimento de compreensão. Neste quadro, a letra

maiúscula no início de cada célula corresponde ao local de extração (sendo “S” para

sujeito, “D” para objeto direto e “I” para complemento preposicionado), a letra

minúscula corresponde às variantes ( sendo “b”, para básicas, “c”, para copiadoras, “p”,

para as padrão, e “r”, para as cortadoras.) e os números correspondem a sentenças

criadas com itens lexicais diferentes, portanto para cada local de extração há 3 sentenças

diferentes que não se repetem por lista. Neste caso a relativa básica de sujeito criada

com o verbo pintar, por exemplo, aparecerá somente na lista 1, uma vez que, na lista 2,

esta sentença aparecerá como variante copiadora.

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Anexo IV- Lista dos estímulos–alvo (perguntas) do experimento de

compreensão

Quadros de organização do experimento em sua lista 1 e lista 2.

Quadro3: Organização do experimento em

sua lista 1. Lista 1

Relativas de sujeito

Relativas Básicas Relativas Copiadoras

Sb1 - Qual a cor da meia

da bailarina que está

pintando a menina?

Sc4-Qual a cor da bota

do coelho que ele está

penteando o urso?

Sb2-Qual a cor do

chapéu do leão que está

alimentando o macaco?

Sc5Qual a cor da calça

do palhaço que ele está

empurrando o menino?

Sb3-Qual a cor da saia da

menina que está beijando

a professora?

Sc6-Qual a cor do chapéu

da girafa que ela está

lavando o elefante?

Relativas de Objeto direto

Relativas Básicas Relativas Copiadoras

Db1-Qual a cor da meia da bailarina que a criança

está pintando ?

Dc4-Qual a cor da bota do coelho que o urso está

penteando ele?

Db2-Qual a cor do

chapéu do leão que o

macaco está

alimentando?

Dc5Qual a cor da calça

do palhaço que o menino

está empurrando ele?

Db3-Qual a cor da saia

da menina que a

professora está beijando?

Dc6-Qual a cor do

chapéu da girafa que o

elefante está lavando ela?

Relativas de Complemento preposicionado

Relativas Padrão Relativas cortadoras

Ip1-Qual a cor da blusa

do menino para o qual a

professora está

entregando o livro?

Ir4-Qual a cor da coroa

da princesa que o

príncipe está ensinando?

Ip2-Qual a cor do sapato

da menina em que o menino pisou?

Ir5-Qual a cor do chapéu

do cozinheiro que o policial está apontando o

dedo ?

Ip3-Qual a cor da bota do

gato em que o cachorro

está montando?

Ir6-Qual a cor do cinto

do tucano que o papagaio

está pousando ?

Quadro4: Organização do experimento

em sua lista 2. Lista 2

Relativas de sujeito

Relativas Básicas Relativas Copiadoras

Sb4-Qual a cor da

bota do coelho que

está penteando o

urso?

Sc1-Qual a cor da meia

da bailarina que ela

está pintando a criança?

Sb5-Qual a cor da

calça do palhaço que

está empurrando o

menino?

Sc2- Qual a cor do

chapéu do Leão que ele

está alimentando o

macaco?

Sb6-Qual a cor do

chapéu da girafa que está lavando o

elefante?

Sc3-Qual a cor da saia

da menina que ela está beijando a professora ?

Relativas de Objeto direto

Relativas Básicas Relativas Copiadoras

Db4-Qual a cor da

bota do coelho que o

urso está penteando?

Dc1-Qual a cor da meia

da bailarina que a

criança está pintando

ela?

Db5Qual a cor da

calça do palhaço que

o menino está

empurrando?

Dc2-Qual a cor do

chapéu do Leão que o

macaco está

alimentando ele ?

Db6-Qual a cor do chapéu da girafa que

o elefante está

lavando?

Dc3-Qual a cor da saia da menina que a

professora esta beijando

ela ?

Relativas de Complemento preposicionado

Relativas Padrão Relativas cortadoras

Ip4-Qual a cor da

coroa da princesa a

quem o príncipe está

ensinando?

Ir1-Qual a cor da blusa

do menino que a

professora está

entregando o livro?

Ip5-Qual a cor do

chapéu do cozinheiro

para o qual o policial está apontando o

dedo?

Ir2-Qual a cor do sapato

da menina que o

menino está pisando?

Ip6-Qual a cor do

cinto do tucano em

que o papagaio está

pousando ?

Ir3-Qual a cor da bota

do gato que o cachorro

está montando?

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152

Anexo V – Lista das sentenças criadas para estímulos sonoros do

experimento de produção elicitada de Abreu (2013)

Quadro 6: Sentenças elaboradas para o experimento de Produção (Abreu ,2013)

Sentenças de Treino

Treinamento1 Mamãe entrou na escola.

Treinamento2 Meu pai comeu o sorvete.

Treinamento3 O menino foi em casa.

Tipo A Rel. Padrão Tipo B Rel. Copiadora Tipo C Rel Cortadora

Sujeito 1

SujA Aquela é a

bola que encostou na

parede.

SujB Aquela é a bola que

ela encostou na parede.

2 SujA Esse é o trem

que soltou fumaça SujB Esse é o trem que

ele soltou fumaça

3 SujA Este é o

brinquedo que faz barulho

SujB Este é o brinquedo

que ele faz barulho

4 SujA Esta é a

boneca que fala tudo SujB Esta é a boneca que

ela fala tudo

5 SujA Esse é o carro que abre a porta

SujB Esse é o carro que ele abre a porta

6 SujA Aquele é o

ônibus que vai para a escola.

SujB Aquele é o ônibus

que ele vai para a escola.

Tipo A Rel. Padrão Tipo B Rel. Copiadora Tipo C Rel. Cortadora

Objeto direto 1

ObdA Este é o trem que a tia me deu

ObdB Este é o trem que a tia me deu ele

2 ObdA Essa é a bola

que a tia tem ObdB Essa é a bola que a

tia tem ela

3 ObdA Aquele é o sorvete que meu pai

comeu

ObdB Aquele é o sorvete que meu pai comeu ele

4 ObdA Esse é a bola

que joguei no menino.

ObdB Essa é a bola que

joguei ela no menino

5 ObdA Esse é o suco

que mamãe fez. ObdB Esse é o suco que

mammãe fez ele.

6 ObdA Aquela é a roupa que papai

comprou .

ObdB Aquela é a roupa que papai comprou ela.

Tipo A Rel. Padrão Tipo B Rel. Copiadora Tipo C Cortadora

Objeto Indireto ObiA Esse é o

pincel de que papai

falou

ObiB esse é O pincel que

papai falou dele. ObiC Esse é o pincel que

papai falou.

2 ObiA Esta é a estória de que a

menina falou

Obi B Esta é a estória que a menina falou dela.

ObiC Esta é a estória que a menina falou

3 ObiA Esse é o avião

de quem o pai falou 2obi Esse é avião que o

pai falou dele Obi3 Esse é avião que o

pai falou 4 ObiA Essa é a

escada de que o

ObiB Essa é a escada que

o menino desceu dela ObiC Essa é a escada

que o menino desceu

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menino desceu

5 ObiA Aquela é a

bota de que tirei a

estrelinha

ObiB Aquela é a bota de

que tirei a estrelinha dela. ObiC Aquela é a bota

que tirei a estrelinha

6 ObiA Aquele é o sorvete de que eu

gosto.

ObiB Aquele é o sorvete deque eu gosto dele.

ObiC Aquele é o sorvete que eu gosto.

Tipo A Rel. Padrão Tipo B Rel. Copiadora Tipo C Cortadora

Adjunto

adverbial 1

AdvA Aquela é a

praia em que o

menino foi .

AdvB Aquela é praia que

o menino foi nela. AdvC Aquela é a praia

que o menino foi.

2 AdvA Essa é a escola em que o

pássaro entrou.

AdvB Essa é a escola que o pássaro entrou nela

AdvC Essa é a escola que o pássaro entrou .

3 AdvAEssa é a rua em que todos

brincam .

AdvB Essa é a rua que todos brincam nela.

AdvC Essa é a rua que todos brincam

4 AdvA Essa é a

parede em que fiz um desenho.

AdvB Essa é a parede que

fiz um desenho nela AdvC Essa é a parede

que fiz um desenho.

5 AdvA Aquela é a

areia em que a

menina deitou.

AdvB Aquela é a areia

que a menina deitou nela. AdvC Aquela é a areia

que a menina deitou.

6 AdvA Esse é o

galho em que tinha

frutas.

AdvB Esse é o galho que

tinha frutas nele AdvC Este é o galho que

tinha frutas

Tipo A Rel. Padrão Tipo B Rel. Copiadora Tipo C Cortadora

Genitivo

1

GenA Essa é uma

flor cujo cheiro eu

adoro.

GenB Essa é uma flor que

eu adoro o cheiro dela

GenC Essa é uma flor

que eu adoro o cheiro.

2 GenA Essa é a calça

cuja cor eu gostei

GenB Essa é a calça que

eu gostei da cor dela.

GenC Esse é a calça que

eu gostei da cor.

3 GenA Esse é o

remédio cujo gosto

eu tenho pavor.

GenB Esse é o remédio

que eu tenho pavor do

gosto dele.

GenC Esse é o remédio

que eu tenho pavor do

gosto.

4 GenA Essa é a

boneca cujo cabelo

eu cortei.

GenB Essa é a boneca que

eu cortei o cabelo dela.

GenC Essa é a boneca

que eu cortei o cabelo.

5 GenA Essa é a meia

cujo par eu perdi.

GenB Essa é a meia que

eu perdi o par dela

GenC Essa é a meia que

eu perdi o par.

6 GenA Esse é o

parquinho em cujo

escorrega eu brinco.

GenB Esse é o parquinho

que eu brinco no

escorrega dele .

GenC Esse é o parquinho

que eu brinco no

escorrega.

Sentenças Distratoras

Distratora1 O pássaro pousou na árvore.

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Distratora2 O peixinho não come arroz.

Distratora3 O menino falou do avião.

Distratora4 Papai achou o pincel

Distratora5 A menina tirou o sapato da boneca.

Distratora6 A tia me deu o trem.

Distratora7 O brinquedo faz barulho.

Distratora8 A professora contou a estória.

Distratora9 A boneca fala tudo.

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Anexo VI- Organização do experimento de produção por local de extração,

como em Abreu (2013)

Quadro 7: Organização do experimento de produção Esquema do teste para O. Relativas Preposicionadas

Versão 1 Versão 2 Versão 3

1A 6A 5A

2B 1B 6B

3C 5C 1C

4A 3A 2A

5B 4B 3B

6C 2C 4C

Esquema do teste para O. Relativas Não-Preposicionadas

Versão 1 Versão 2 Versão 3

1A 6A 5A

2B 1B 6B

4A 3A 2A

5B 4B 3B