Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos...

428
NOTÍCIAS DE ALÉM-MAR: VARIAÇÃO E MUDANÇA NO USO DE INFINITIVO GERUNDIVO NO PORTUGUÊS EUROPEU AO LONGO DO SÉCULO XX Nubia Graciella Mendes Mothé 2014 Universidade Federal do Rio de Janeiro

Transcript of Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos...

Page 1: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

NOTÍCIAS DE ALÉM-MAR:

VARIAÇÃO E MUDANÇA NO USO DE INFINITIVO GERUNDIVO

NO PORTUGUÊS EUROPEU AO LONGO DO SÉCULO XX

Nubia Graciella Mendes Mothé

2014

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Page 2: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

NOTÍCIAS DE ALÉM-MAR:

VARIAÇÃO E MUDANÇA NO USO DE INFINITIVO GERUNDIVO

NO PORTUGUÊS EUROPEU AO LONGO DO SÉCULO XX

Nubia Graciella Mendes Mothé

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Letras Vernáculas da Universidade

Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos

necessários para a obtenção do Título de Doutor em

Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Orientador: Prof. Doutor Afranio Gonçalves Barbosa

Rio de Janeiro

Junho de 2014

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Page 3: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

ii

NOTÍCIAS DE ALÉM-MAR:

VARIAÇÃO E MUDANÇA NO USO DE INFINITIVO GERUNDIVO

NO PORTUGUÊS EUROPEU AO LONGO DO SÉCULO XX

Nubia Graciella Mendes Mothé

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a

obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Examinada por:

Professor Doutor Afranio Gonçalves Barbosa

(Departamento de Letras Vernáculas / UFRJ)

Orientador

Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes

(Departamento de Letras Vernáculas / UFRJ)

Professor Doutor Leonardo Lennertz Marcotulio

(Departamento Letras Vernáculas / UFRJ)

Professora Doutora Beatriz Protti Christino

(Departamento de Letras Vernáculas / UFRJ)

Professora Doutora Maria Maura da Conceição Cezario

(Departamento de Linguística / UFRJ)

Professora Doutora Sílvia Rodrigues Vieira

(Departamento Letras Vernáculas / UFRJ)

Suplente

Professora Doutora Karen Sampaio Braga Alonso

(Departamento de Linguística / UFRJ)

Suplente

Rio de Janeiro

Junho de 2014

Page 4: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

iii

Aos meus pais, Nina Greice e Nilson. Sempre.

Não só pelo apoio e incentivo incondicionais, mas por

tanto amor ao longo de toda a vida.

Page 5: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

iv

AGRADECIMENTOS

Inicialmente, ao meu orientador Afranio Gonçalves Barbosa, que sempre representou

um exemplo de argúcia e erudição acadêmica. Obrigada pelos conselhos, pelo atendimento e

esclarecimento de dúvidas e, em especial, pelo empenho e participação decisiva na obtenção,

junto à Força Aérea Brasileira, de minha licença para realização de estágio no exterior. Pelo

muito que aprendi ao longo dos 11 anos de convivência, desde o curso de Português IV, ainda

na graduação, passando pela Iniciação Científica, pelo Mestrado, pelo apoio no tempo em que

fui professora substituta da mesma disciplina em que fui sua aluna na UFRJ e, agora, durante

o Doutorado. Orgulho-me muito por ser sua orientanda.

Ao CNPq, pela bolsa-sanduíche concedida para estágio em Portugal, único meio de ter

esta tese concluída com os dados do Português Europeu colhidos in loco.

Ao Comando da Aeronáutica, personificado nos Ex.mos

Sr.es

Tenente-Brigadeiro do Ar

Nivaldo Luiz Rossato, Comandante-Geral de Operações Aéreas (COMGAR), Tenente-

Brigadeiro do Ar Rafael Rodrigues Filho, à época, Comandante do COMAR III, e Tenente-

Brigadeiro do Ar Luiz Carlos Terciotti, então diretor-geral do Departamento de Ensino da

Aeronáutica (DEPENS).

À direção do Colégio Brigadeiro Newton Braga, especialmente ao diretor-geral,

Professor Luiz Otávio Ebendinger Martins, e ao administrador geral, Coronel Intendente

Carlos Eduardo Barroso, pelo apoio e intercessão fundamentais junto ao Comando da

Aeronáutica para a concessão do afastamento de minhas funções docentes.

Aos colegas da equipe de Língua Portuguesa do CBNB, pelo apoio ao meu

afastamento para estudo no exterior, apesar de isso representar, para eles, mais trabalho

durante o tempo em que estive ausente da escola. Agradeço, em especial, aos que são mais

que colegas de trabalho. São, antes, verdadeiros amigos: Adriana D’Albrieux, Deisiane

Santos, Fernando Henriques e Susana Elaine, pelo suporte emocional e profissional quando

mais precisei.

Ao meu orientador durante estágio no exterior, Professor Doutor Ivo Castro, da

Universidade de Lisboa, que me recebeu de forma tão acolhedora e amável e sempre foi tão

solícito em me atender durante minha permanência em Lisboa. Agradeço pela valiosa

contribuição em meu trabalho, sempre pontuando leituras e reflexões fundamentais para o

desenvolvimento desta pesquisa. Sinto-me honrada de ter podido contar com tão ilustre

orientação.

Page 6: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

v

Às professoras Ana Maria Martins, Rita Marquilhas e Inês Duarte, da Universidade de

Lisboa, com quem tive contato através do Professor Ivo Castro. A elas agradeço pelas

considerações acerca do fenômeno que me propus estudar em terras lusas e pelas sugestões de

leitura. À professora Maria Lobo, da Universidade Nova de Lisboa, grande pesquisadora das

construções gerundiais no Português Europeu, pelo envio de textos com as mais recentes

notícias sobre o tema. Às professoras Fátima Oliveira, da Universidade do Porto, e Maria

Filomena Gonçalves, da Universidade de Évora, pela disposição em me ajudar a respeito dos

dialetos do Norte e do Alentejo.

Ao Sr. Paulo Barriga, diretor do Diário do Alentejo, por ter aberto tão gentilmente o

arquivo privado do jornal, de onde pude levantar, durante dias, precioso material da região do

Alentejo, crucial para minha investigação. Obrigada também pelas conversas informais

durante as quais pude perceber como um alentejano se orgulha de sua terra, de suas raízes.

Aos amigos com quem convivi em Lisboa e que me ajudaram a tornar menos

dolorosas a distância e a saudade daqueles que amo. Um agradecimento mais que especial a

Julia Nunes e Kellen Cozine, pelas risadas, companheirismo e amizade. E um muito obrigada

aos amigos “tugas”, Carla Barros, José Carlos Maltez, Nuno e Nela, Pedro “Pine” Pinheiro,

Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados.

Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

contribuíram para este trabalho. Às professoras Célia Lopes e Maria Maura Cezário, pela

colaboração no exame de Qualificação. À professora Dinah Callou, pelo financiamento

parcial de minha primeira ida à Portugal para coleta de dados em 2011. A Sílvia Rodrigues

Vieira, pela pronta ajuda sobre pesquisas sociolinguísticas. A Leonor Werneck dos Santos,

pelos esclarecimentos a respeito do interminável tema dos gêneros textuais jornalísticos. A

Sílvia Cavalcante, pela verdadeira iluminação acerca das poderosas ferramentas do Word!

Ao, antes de tudo, amigo e, agora também, Professor Doutor Leonardo Marcotulio,

por ajudar a abrandar algumas das angústias acadêmicas nos últimos meses, por ter me

recebido de maneira tão hospitaleira e cordial em sua casa em Lisboa em 2011 e,

principalmente, por ter me fornecido informações ricas sobre como viver em Lisboa quando a

bolsa se tornou real.

Ao colega Alexandre Xavier Lima, pela obtenção de material do Diário de Coimbra

durante sua breve ida a Portugal, quando eu mesma ainda não sabia se conseguiria a licença

para a bolsa-sanduíche. Agradeço também às bolsistas Maria Izadora Zarro e Mariane

Albergarias, pela ajuda no levantamento parcial de dados das fontes do Alentejo.

Page 7: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

vi

À minha amiga Paula, companheira de trajetória acadêmica desde – literalmente – o

primeiro dia em que pus os pés na Faculdade de Letras e com quem, agora, compartilho o

mesmo momento de anseios típicos de “doutorandas em crise” em fase de conclusão da tese.

Obrigada pela revisão deste trabalho indo, na verdade, muito além da correção da redação.

Obrigada pelas sugestões e pelo apoio. Em breve chegará a sua vez!

Aos amigos que continuam amigos apesar da ausência nos últimos meses. Obrigada

pela paciência e pelo carinho. Em especial, agradeço às minhas queridas “Jovi Friends”,

companheiras de loucas experiências nos últimos quatro anos. Os entendedores entenderão.

À minha amada irmã, Nicole, minha melhor amiga, que ouve meus desabafos quando

mais preciso. A ela e a sua família linda, que me enche de alegria, meu cunhado Bruno e meu

sobrinho Canaã. Amo muito vocês.

Ao meu babe, Raphael. Não tenho palavras para agradecer toda sua paciência e

compreensão, especialmente nessa reta final. Participando, inclusive, literalmente, ao digitar

dados quando a tendinite me atacou! Obrigada pelo incentivo constante apesar da e inclusive

na distância, durante os meses de afastamento. Por me ajudar a ver a vida de maneira mais

objetiva e descomplicada. Por ser meu amigo e companheiro e sempre zelar pelo meu bem. E,

principalmente, obrigada por me amar do seu jeito sincero.

Aos meus pais, Nina Greice e Nilson. Sem vocês, teria sido realmente impossível ter

chegado até aqui. Meu agradecimento vai muito além do simples – mas de extrema

importância – suporte “logístico” que vocês sempre proveram com caronas, refeições sempre

prontinhas, massagem na coluna, silêncio na casa, “greve de TV” na sala, entre outros...

Muito obrigada por tanto amor e dedicação, pela verdadeira abnegação em troca

simplesmente de me ver bem e feliz. Vocês não fazem ideia de como sempre me foi

importante ver os seus olhinhos de aprovação e orgulho a cada conquista minha mesmo sem

conhecerem bem os caminhos acadêmicos trilhados. Amo vocês do fundo do meu coração.

Vocês são os melhores pais!

A todos os demais familiares e amigos que contribuíram de alguma forma e torceram

pelo meu bom desempenho, especialmente vovó Elisete pelas infindáveis orações.

Finalmente, agradeço, sobretudo, a Deus, por ter aberto todas as portas que foram

necessárias para que eu chegasse até aqui; por me ter concedido saúde, força e sabedoria para

lidar com todos os problemas durante essa trajetória, sempre me confortando através do

Consolador; por me ajudar a compreender sua boa, perfeita e agradável vontade, ensinando-

me através de seus meios a confiar nEle em qualquer circunstância. Obrigada, Pai, por encher-

me da tua paz, amor e maravilhosa graça. Ad majorem Dei gloriam.

Page 8: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

vii

Uma das mais velhas ilusões do homem é a de que uma

língua deve ser exatamente igual para todos os que a falam.

(Ivo Castro, 2001)

Os cavaleiros têm uns vocábulos e os lavradores outros e os

cortesãos outros e os religiosos outros [...] os da Beira têm

umas falas e os d’Alentejo outras e os homens da

Estremadura são diferentes dos Antre-Douro e Minho;

porque assim como os tempos assim também as terras

criam diversas condições e conceitos.

(Fernão de Oliveira, 1536)

Page 9: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

viii

RESUMO

NOTÍCIAS DE ALÉM-MAR:

VARIAÇÃO E MUDANÇA NO USO DE INFINITIVO GERUNDIVO

NO PORTUGUÊS EUROPEU AO LONGO DO SÉCULO XX

Nubia Graciella Mendes Mothé

Orientador: Afranio Gonçalves Barbosa

Esta tese investiga, diacrônica e diatopicamente no Português Europeu (PE), a

variação entre as formas nominais que indicam aspecto progressivo em Língua Portuguesa: o

gerúndio e a construção a + infinitivo, chamada de infinitivo gerundivo. Usando os

pressupostos teóricos da Sociolinguística Histórica de base laboviana, o objetivo central desta

tese foi encontrar fatores que condicionaram o avanço do infinitivo gerundivo em terras lusas,

buscando observar, ao alcance do nosso corpus de análise, como essa construção se distribui

ao longo do tempo (século XX) e do espaço do território lusitano. Pretendia-se, também,

confirmar se essas regiões de Portugal antes apontadas como mais conservadoras quanto ao

uso do gerúndio permanecem com tal comportamento e, se sim, em que medida e

circunstâncias.

Os resultados obtidos sugerem que o avanço do infinitivo gerundivo no PE foi mais

significativo em três diferentes fases ao longo do século XX: na virada da década de 1920

para 1930; depois, na virada da década de 1950 para 1960; e ao fim do século XX, entre as

décadas de 1980 e 1990. Tal avanço, ainda segundo nossos dados, teria se dado de forma mais

expressiva nas construções perifrásticas formadas pelos verbos auxiliares estar, andar, ficar e

continuar + a + infinitivo. Outro resultado bastante relevante desta pesquisa sinaliza que o

infinitivo gerundivo tem sido usado, ao menos nas notícias dos jornais do século XX

utilizadas como corpus, de forma indistinta em todas as cinco regiões de Portugal estudadas, o

que pode indicar tanto uma padronização desse gênero textual quanto uma generalização da

variante inovadora mesmo nas regiões frequentemente apontadas como conservadoras.

Ademais, para além do estudo de cunho variacionista, uma parte essencial da tese diz

respeito à própria construção do corpus de análise, composto por notícias de jornais

portugueses do século XX provenientes das cinco regiões de Portugal estudadas (Norte,

Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve). Esse material inédito, levantado diretamente dos

arquivos portugueses durante estágio no exterior, composto a partir de edições de periódicos

da imprensa nacional e da imprensa regional portuguesas de cada uma das décadas do século

XX, é riquíssimo não somente para este trabalho, mas para posteriores investigações acerca

dos mais variados temas, tais como língua, literatura e sócio-história lusitanas.

Palavras-chave: Sociolinguística Histórica. Mudança linguística. Diacronia. Aspecto

progressivo. Gerúndio. Infinitivo gerundivo.

Rio de Janeiro

Junho de 2014

Page 10: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

ix

ABSTRACT

NEWS FROM OVERSEAS:

VARIATION AND CHANGE IN THE USE OF GERUNDIAL INFINITIVE

IN EUROPEAN PORTUGUESE THROUGHOUT THE 20TH

CENTURY

Nubia Graciella Mendes Mothé

Supervisor: Afranio Gonçalves Barbosa

This thesis investigates the variation between two nominal forms that indicate the

progressive aspect in Portuguese: the gerund and the gerundial infinitive (preposition “a” +

infinitive) diachronically and diatopically, throughout the 20th

century, in the European

Portuguese (EP). Using the Labovian principles of Historical Sociolinguistics, the main

objective of this thesis was to find the factors that led to the advance of the gerundial

infinitive in Portugal in order to observe in the corpus of analysis how this construction is

distributed throughout time (the 20th century) and along the Portuguese territory. The

objective was also to verify if these regions in Portugal, which were once regarded as

conservative concerning the use of the gerund, still show this behavior, and to what extent and

under which circumstances they are conservative.

The results obtained suggest that the advance of the gerundial infinitive in the EP was

more significant in three different phases throughout the 20th

century: at the turn of the 1920’s

until the 1930’s; at the turn of the 1950’s until the 1960’s and at the end of the 20th century,

between 1980 and 1990. Still according to our data, such advance may have occurred more

significantly in the periphrastic constructions formed by the auxiliary verbs estar, andar, ficar

(to be – lit. to be, to walk, to stay, respectively) and continuar (to continue) + to + a +

infinitive. Another result of this research which is extremely relevant reveals that the

gerundial infinitive has been used indistinctively in the five Portugal regions studied (the

North, Center, Lisbon, Alentejo and Algarve), at least in the news from newspapers of the 20th

century that were used as our corpora, which could indicate either the standardization of this

text genre or the generalization of this innovative variant even in regions usually pointed out

as conservative.

Furthermore, besides the variationist sociolinguistics objectives, an essential part of

the thesis concerns the compilation of the corpus itself, which consists of news collected from

Portuguese newspapers from five different geographical regions of Portugal throughout the

20th

century. This new material, collected directly from the Portuguese archives during

internship abroad and consisting of editions of Portuguese national and regional newspapers,

is extremely important not only for this research, but also for future researches on various

themes, such as Portuguese language, literature and social history.

Key-words: Historical Sociolinguistics. Linguistic change. Diachrony. Progressive aspect.

Gerund. “Gerundial infinitive”.

Rio de Janeiro

June 2014

Page 11: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

x

Sumário

Índice de Charges .................................................................................................................... xiii

Índice de Figuras ..................................................................................................................... xiii

Índice de Gráficos .................................................................................................................... xiii

Índice de Mapas ....................................................................................................................... xiv

Índice de Quadros ..................................................................................................................... xv

Índice de Tabelas ..................................................................................................................... xvi

Introdução ................................................................................................................................... 1

1. A perspectiva deste trabalho ................................................................................................... 4

1.1 O tema .......................................................................................................................... 4

1.2 Hipóteses gerais ......................................................................................................... 17

1.3 Objetivos .................................................................................................................... 17

1.4 Justificativa ................................................................................................................ 20

1.5 Fundamentação teórica .............................................................................................. 21

2 Revisão bibliográfica ............................................................................................................. 25

2.1 Definindo a noção de aspecto .................................................................................... 25

2.2 O aspecto nas línguas românicas ............................................................................... 34

2.3 O aspecto e o uso das construções gerundivas em gramáticas descritivas lusas ....... 45

2.4 O aspecto e o uso das construções gerundivas em gramáticas escolares lusas .......... 63

2.5 A variação gerúndio x infinitivo gerundivo em trabalhos acadêmicos ...................... 82

3. Metodologia .......................................................................................................................... 92

3.1 Do levantamento do corpus ....................................................................................... 92

3.2 Do tratamento dos dados .......................................................................................... 106

3.2.1. Variável dependente ......................................................................................... 110

3.2.2. Região geográfica ............................................................................................. 110

3.2.3. Tempo ............................................................................................................... 114

3.2.4. Tipo de Texto (Sequência textual).................................................................... 114

3.2.5. Estrutura Verbal (sintética x perifrástica) ......................................................... 119

3.2.6. Voz Verbal ........................................................................................................ 146

3.2.7. Posição do clítico .............................................................................................. 148

3.2.8. Referência adverbial ......................................................................................... 152

3.2.9. Interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal ........... 158

3.2.10. Tipo sintático de oração ................................................................................ 159

Page 12: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

xi

3.2.11. Tipo semântico de oração ............................................................................. 174

3.2.12. Posição da oração gerundial no período (em relação à oração principal)..... 188

3.2.13. Tipo semântico do verbo ............................................................................... 191

3.2.14. Cambialidade ................................................................................................ 198

4. Os periódicos portugueses que compõem o corpus............................................................ 203

4.1 Região Norte ............................................................................................................ 219

4.2 Região Central ......................................................................................................... 226

4.2.1. O Jornal d’Estarreja .......................................................................................... 226

4.2.2. O Diário de Coimbra ........................................................................................ 230

4.3 Lisboa ....................................................................................................................... 238

4.4 Alentejo .................................................................................................................... 244

4.4.1. A Folha do Sul .................................................................................................. 244

4.4.2. O Diário do Alentejo. ....................................................................................... 247

4.5 Algarve ..................................................................................................................... 254

4.6 Açores ...................................................................................................................... 263

5. Análise dos dados quantitativos e Resultados .................................................................... 269

5.1 Dados de Portugal Continental ................................................................................ 269

5.1.1. TODOS os dados do corpus de Portugal Continental ...................................... 270

5.1.2. Estruturas Sintéticas x Estruturas Analíticas .................................................... 295

5.1.3. Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas com “auxiliares clássicos” ............ 298

5.1.4. Estruturas Analíticas (todas) ............................................................................. 307

5.1.5. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”) ............................. 311

5.1.6. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”) em três fases do

século XX ........................................................................................................................ 317

5.1.7. Estrutura Sintética (somente com verbos plenos)............................................. 326

5.2 Dados de Portugal Continental + Açores ................................................................. 334

5.2.1. TODOS os dados do corpus de Portugal Continental + Açores ...................... 335

5.2.2. Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas com “auxiliares clássicos” ............ 340

5.2.3. Estruturas Analíticas (todas) ............................................................................. 344

5.2.4. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”) ............................. 346

5.3 Dados provenientes de jornais regionais.................................................................. 348

5.3.1. TODOS os dados de jornais regionais de Portugal Continental ....................... 349

5.3.2. Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas com “auxiliares clássicos” ............ 350

5.3.3. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”) ............................. 351

Page 13: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

xii

5.3.4. TODOS os dados de jornais regionais de Portugal Continental + Açores ....... 352

5.3.5. Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas com “auxiliares clássicos” ............ 353

5.3.6. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”) ............................. 354

5.4 Contrastes regionais ................................................................................................. 355

5.4.1. Lisboa x Alentejo .............................................................................................. 355

5.4.2. Norte x Alentejo................................................................................................ 356

Conclusões .............................................................................................................................. 374

Bibliografia ............................................................................................................................. 378

APÊNDICE ............................................................................................................................ 389

Page 14: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

xiii

ÍNDICE DE CHARGES

Charge 1: “Os Compadres” – Gerúndio em estrutura perifrástica na reprodução de fala

alentejana .................................................................................................................................. 13

Charge 2: “Os Compadres” – Gerúndio em estrutura sintética na reprodução de fala alentejana

.................................................................................................................................................. 13

Charge 3: Regionalização de Portugal – Centro x Interior (DN, 15/04/1996) ......................... 95

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1: Categorias aspectuais imperfectivas, segundo Comrie (1976, p. 25) ....................... 31

Figura 2: Tipologia aspectual, segundo Mateus et alii (2003) ................................................. 58

Figura 3: Esquema de classificação semântica dos verbos, segundo Halliday (1994) ........... 198

Figura 4: Edição de despedida do semanário O Algarve ........................................................ 257

ÍNDICE DE GRÁFICOS

I- Rodada com TODOS OS DADOS – Portugal Continental

Gráfico 1: Percentual de uso de infinitivo gerundivo no séc. XX (em sincronia) nas cinco

regiões de Portugal Continental .............................................................................................. 271

Gráfico 2: Percentual de uso de infinitivo gerundivo ao longo do século XX em Portugal

Continental.............................................................................................................................. 279

II- Rodada com ESTRUTURA SINTÉTICA x ESTRUTURAS ANALÍTICAS com

"AUXILIARES CLÁSSICOS" – Portugal Continental

Gráfico 3: O avanço do infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX nas cinco regiões de

Portugal Continental ............................................................................................................... 302

Gráfico 4: Percentuais de uso de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Estrutura Verbal

ao longo do séc. XX em Portugal Continental ....................................................................... 306

III- Rodada com ESTRUTURAS ANALÍTICAS com "AUXILIARES CLÁSSICOS" –

Portugal Continental

Page 15: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

xiv

Gráfico 5: Percentual de uso de infinitivo gerundivo em estruturas analíticas com auxiliares

ESTAR, ANDAR e FICAR ao longo do séc. XX em Portugal Continental ............................. 314

IV- Rodada com ESTRUTURAS ANALÍTICAS com "AUXILIARES CLÁSSICOS" em

três fases do séc. XX – Portugal Continental

Gráfico 6: Percentual de uso de infinitivo gerundivo em estruturas analíticas com auxiliares

ESTAR, ANDAR e FICAR em três fases do séc. XX em Portugal Continental ...................... 324

Gráfico 7: Percentuais de uso de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Estrutura

Analítica em três fases do séc. XX em Portugal Continental ................................................. 325

V- Rodada com ESTRUTURA SINTÉTICA – Portugal Continental

Gráfico 8: Percentual de uso de infinitivo gerundivo em estruturas analíticas com auxiliares

ESTAR, ANDAR e FICAR x estruturas sintéticas ao longo do séc. XX em Portugal Continental

................................................................................................................................................ 329

Gráfico 9: Percentual de uso de infinitivo gerundivo em estruturas analíticas com auxiliares

ESTAR, ANDAR e FICAR x estruturas sintéticas em três fases do séc. XX em Portugal

Continental.............................................................................................................................. 330

VI- Rodada com ESTRUTURA SINTÉTICA x ESTRUTURAS ANALÍTICAS com

"AUXILIARES CLÁSSICOS" – Portugal Continental + Açores (Décadas de 1900, 1930,

1960 e 1990)

Gráfico 10: Percentual de uso de infinitivo gerundivo no séc. XX (em sincronia) em Portugal

Continental + Açores .............................................................................................................. 336

Gráfico 11: Percentual de uso de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX em Portugal

Continental + Açores .............................................................................................................. 338

Gráfico 12: Percentuais de uso de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Estrutura

Verbal ao longo do séc. XX.................................................................................................... 343

ÍNDICE DE MAPAS

Mapa 1: Distribuição de estar aspectual seguido de gerúndio no CORDIAL-SIN, segundo

Carrilho & Pereira (2011 e 2013) ............................................................................................. 93

Page 16: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

xv

Mapa 2: Divisão geográfica de Portugal Continental em NUTS II (divisão adotada para a

vertente diatópica deste trabalho) ............................................................................................. 97

Mapa 3: Divisão geográfica de Portugal Continental em seus 18 distritos e respectivas regiões

.................................................................................................................................................. 98

ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1: Conceituação e possibilidades semânticas da categoria aspecto em português,

segundo Costa (2002) ............................................................................................................... 32

Quadro 2: Perífrases aspectuais com gerúndio e infinitivo no português, segundo Squartini

(1998)........................................................................................................................................ 36

Quadro 3: Perífrases aspectuais com gerúndio e infinitivo nas línguas românicas, segundo

Squartini (1998) ........................................................................................................................ 38

Quadro 4: Tipos de perífrases aspectuais: aspecto sintático x aspecto lexical, segundo Laca

(2002)........................................................................................................................................ 42

Quadro 5: Verbos de operação aspectual, segundo Mateus et alii (2003, p. 151) ................... 60

Quadro 6: Valores semânticos das perífrases aspectuais em castelhano, segundo Bosque &

Demonte (1999) ........................................................................................................................ 61

Quadro 7: Perífrases de gerúndio, segundo Bosque & Demonte (1999).................................. 63

Quadro 8: Tipos sintáticos e semânticos básicos no português, segundo Móia & Viotti (2004)

.................................................................................................................................................. 84

Quadro 9: Gerúndio perifrástico no PB e no PE, segundo Móia & Viotti (2004) .................... 88

Quadro 10: Títulos de periódicos que compõem o corpus ..................................................... 104

Quadro 11: Grupos de fatores para análise variacionista dos dados ...................................... 110

Quadro 12: Tipologia textual: nomenclatura simplificada e adaptada, segundo Santos, Riche

& Teixeira (2012, p. 36-37) .................................................................................................... 117

Quadro 13: Verbos leves x verbos semiauxiliares, segundo Mateus et alii (2003) ................ 130

Quadro 14: Jornais em circulação em Portugal entre 1894 e 1900, segundo Tengarrinha (1989,

p. 232) ..................................................................................................................................... 209

Quadro 15: Periódicos por nº de habitantes na última déc. do século XIX, segundo Brito

Aranha (1900) ......................................................................................................................... 210

Quadro 16: Possibilidades de classificação dos periódicos, segundo Tengarrinha (1989) .... 211

Page 17: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

xvi

Quadro 17: Aspectos da elaboração dos jornais a serem considerados em análises de

periódicos, segundo Tengarrinha (1989) ................................................................................ 212

Quadro 18: Periodicidade das publicações regionais em Portugal em 2009, segundo Martins &

Gonçalves (2010) .................................................................................................................... 215

Quadro 19: Hábitos de leitura por distrito, segundo Martins & Gonçalves (2010)................ 218

Quadro 20: Informações acerca de O Comércio do Porto nas edições do corpus ................. 221

Quadro 21: Capas de O Comércio do Porto por década ........................................................ 223

Quadro 22: Informações acerca de O Jornal d’Estarreja nas edições do corpus .................. 227

Quadro 23: Capas do Jornal d’ Estarreja por década ............................................................ 227

Quadro 24: Informações acerca do Diário de Coimbra nas edições do corpus ..................... 232

Quadro 25: Capas do Diário de Coimbra por década ............................................................ 234

Quadro 26: Informações acerca do Diário de Notícias nas edições do corpus ...................... 241

Quadro 27: Capas do Diário de Notícias por década ............................................................. 242

Quadro 28: Ranking de vendas de jornais generalistas não gratuitos de âmbito nacional em

Portugal em 2013, segundo a APCT ...................................................................................... 243

Quadro 29: Informações acerca de A Folha do Sul nas edições do corpus ............................ 246

Quadro 30: Capas de A Folha do Sul por década ................................................................... 246

Quadro 31: Informações acerca do Diário do Alentejo por década ....................................... 250

Quadro 32: Capas do Diário do Alentejo por década ............................................................. 251

Quadro 33: Informações acerca de O Algarve nas edições do corpus ................................... 260

Quadro 34: Capas de O Algarve por década........................................................................... 261

Quadro 35: Informações acerca de o Diário dos Açores nas edições do corpus .................... 265

Quadro 36: Capas do Diário dos Açores por década.............................................................. 266

Quadro 37: Quadro comparativo de grupos selecionados como relevantes para a variação

entre gerúndio x infinitivo gerundivo nas diferentes rodadas realizadas ................................ 360

ÍNDICE DE TABELAS

I- Informações gerais

Page 18: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

xvii

Tabela 1: Distribuição populacional de Portugal em NUTS .................................................... 96

Tabela 2: Quantidade de edições de jornais levantadas para composição do corpus inédito 103

Tabela 3: Número PRELIMINAR de dados por célula de região .......................................... 105

Tabela 4: Distribuição dos dados por década x região ........................................................... 105

Tabela 5: Distribuição das ocorrências de gerúndio e de infinitivo gerundivo nos diferentes

tipos de estrutura verbal do corpus ......................................................................................... 145

Tabela 6: Número FINAL de dados por célula de região....................................................... 146

II- Rodada com TODOS OS DADOS – Portugal Continental

Tabela 7: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX nas cinco regiões de

Portugal Continental ............................................................................................................... 270

Tabela 8: Grupos de fatores selecionados na rodada com TODOS os dados de Portugal

Continental.............................................................................................................................. 273

Tabela 9: Distribuição de infinitivo gerundivo no séc. XX (em sincronia) nas cinco regiões de

Portugal Continental ............................................................................................................... 274

Tabela 10: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal ........ 275

Tabela 11: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX em Portugal Continental

................................................................................................................................................ 278

Tabela 12: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo Sintático de Oração

................................................................................................................................................ 280

Tabela 13: Distribuição de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Orações Adverbiais

................................................................................................................................................ 281

Tabela 14: Distribuição de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Orações Substantivas

................................................................................................................................................ 282

Tabela 15: Distribuição de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Orações Relativas . 283

Tabela 16: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo Semântico de Verbo

................................................................................................................................................ 284

Tabela 17: Mothé (2007) x Mothé (s. d.) quanto aos resultados do grupo de fatores Tipo

Semântico dos Verbos ............................................................................................................. 285

Tabela 18: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Referência Adverbial . 287

Tabela 19: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Posição do Clítico ...... 287

Page 19: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

xviii

Tabela 20: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo Semântico de

Oração .................................................................................................................................... 291

Tabela 21: Distribuição de infinitivo gerundivo nos diferentes Tipos Semânticos de Oração

................................................................................................................................................ 292

Tabela 22: Distribuição de infinitivo gerundivo nos fatores relativos à Cambialidade ......... 293

Tabela 23: Distribuição de infinitivo gerundivo nos quanto à Cambialidade ao longo do séc.

XX .......................................................................................................................................... 294

III- Rodada com ESTRUTURAS SINTÉTICAS (Plenos + Leves) x ESTRUTURAS

ANALÍTICAS (Todas) – Portugal Continental

Tabela 24: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe ESTRUTURAS SINTÉTICAS

(verbos plenos + leves) x ESTRUTURAS ANALÍTICAS (todas) em Portugal Continental 296

Tabela 25: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Interpolação de item

lexical...................................................................................................................................... 296

IV- Rodada com ESTRUTURA SINTÉTICA x ESTRUTURAS ANALÍTICAS com

"AUXILIARES CLÁSSICOS" (estar, andar e ficar) – Portugal Continental

Tabela 26: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe ESTRUTURA SINTÉTICA x

ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR em Portugal

Continental.............................................................................................................................. 299

Tabela 27: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal ........ 299

Tabela 28: Pesos relativos do uso de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura

Verbal em diferentes rodadas ................................................................................................. 300

Tabela 29: Distribuição de infinitivo gerundivo por região ao longo do séc. XX em Portugal

Continental.............................................................................................................................. 304

Tabela 30: Distribuição de infinitivo gerundivo por Estrutura Verbal ao longo do séc. XX 305

V- Rodada com ESTRUTURAS ANALÍTICAS (Todas) – Portugal Continental

Tabela 31: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe as diferentes ESTRUTURAS

ANALÍTICAS (TODAS) em Portugal Continental ............................................................... 307

Tabela 32: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX ................................... 308

Tabela 33: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal ........ 309

Page 20: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

xix

Tabela 34: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Posição do Clítico ...... 310

Tabela 35: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo de Texto .............. 311

VI- Rodada SOMENTE com ESTRUTURAS ANALÍTICAS com "AUXILIARES

CLÁSSICOS" (estar, andar e ficar) ao longo do séc. XX – Portugal Continental

Tabela 36: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe SOMENTE as diferentes

ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR em Portugal

Continental.............................................................................................................................. 312

Tabela 37: Distribuição de infinitivo gerundivo em estruturas perifrásticas por região ao longo

do séc. XX .............................................................................................................................. 313

Tabela 38: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo de Texto .............. 315

Tabela 39: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Posição do clítico ....... 316

VII- Rodada SOMENTE com ESTRUTURAS ANALÍTICAS com "AUXILIARES

CLÁSSICOS" (estar, andar e ficar) em três fases do séc. XX – Portugal Continental

Tabela 40: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe SOMENTE as diferentes

ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR em Portugal

Continental em três fases do séc. XX ..................................................................................... 318

Tabela 41: Distribuição de infinitivo gerundivo em estruturas perifrásticas “clássicas” por

região em três fases do séc. XX .............................................................................................. 318

Tabela 42: Distribuição de infinitivo gerundivo em três fases do séc. XX em Portugal

Continental.............................................................................................................................. 324

VIII- Rodada SOMENTE com ESTRUTURA SINTÉTICA "CLÁSSICA" (Plenos) ao

longo do séc. XX – Portugal Continental

Tabela 43: Distribuição de infinitivo gerundivo em estruturas sintéticas por região ao longo do

séc. XX ................................................................................................................................... 327

Tabela 44: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe SOMENTE as ESTRUTURAS

SINTÉTICAS “CLÁSSICAS” em Portugal Continental ao longo do séc. XX ..................... 330

Tabela 45: Grupos de fatores selecionados nas rodadas com TODOS os dados x dados

sintéticos do corpus de Portugal Continental ......................................................................... 331

Tabela 46: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX nas estruturas sintéticas

de Portugal Continental .......................................................................................................... 332

Page 21: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

xx

Tabela 47: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo Sintático de Oração

nas estruturas sintéticas .......................................................................................................... 332

IX- Rodada com TODOS OS DADOS – Portugal Continental + Açores (Décadas de

1900, 1930, 1960 e 1990)

Tabela 48: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX em Portugal Continental

+ Açores335

Tabela 49: Grupos de fatores selecionados nas rodadas com TODOS os dados dos corpora de

Portugal Continental + Açores x Portugal Continental .......................................................... 337

Tabela 50: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX em Portugal Continental

+ Açores .................................................................................................................................. 338

Tabela 51: Percentual de uso de infinitivo gerundivo no séc. XX (em sincronia) ................. 339

X- Rodada com ESTRUTURA SINTÉTICA x ESTRUTURAS ANALÍTICAS com

"AUXILIARES CLÁSSICOS" (estar, andar e ficar) – Portugal Continental + Açores

Tabela 52: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem dados com ESTRUTURA

SINTÉTICA x ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR –

Portugal Continental + Açores x Portugal Continental .......................................................... 340

Tabela 53: Percentual de uso de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX .......................... 341

Tabela 54: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal ........ 341

Tabela 55: Distribuição de infinitivo gerundivo por Estrutura Verbal ao longo do séc. XX 342

XI- Rodada SOMENTE com ESTRUTURAS ANALÍTICAS (TODAS) – Portugal

Continental + Açores

Tabela 56: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem dados com

ESTRUTURAS ANALÍTICAS (TODAS) em Portugal Continental + Açores x Portugal

Continental.............................................................................................................................. 344

Tabela 57: Distribuição de infinitivo gerundivo por grupo de fatores Posição Da Oração

Gerundial no Período ............................................................................................................. 345

Page 22: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

xxi

XII- Rodada SOMENTE com ESTRUTURAS ANALÍTICAS com "AUXILIARES

CLÁSSICOS" (estar, andar e ficar) – Portugal Continental + Açores

Tabela 58: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem dados com

ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR – Portugal

Continental + Açores versus Portugal Continental................................................................. 346

Tabela 59: Distribuição de infinitivo gerundivo por Voz Verbal ........................................... 347

XIII- Rodadas com JORNAIS REGIONAIS

Tabela 60: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe TODOS os dados de

JORNAIS REGIONAIS de Portugal Continental .................................................................. 349

Tabela 61: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem ESTRUTURA

SINTÉTICA x ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR –

TODO o corpus de JORNAIS REGIONAIS de Portugal Continental x TODO o corpus de

Portugal Continental ............................................................................................................... 350

Tabela 62: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe as diferentes ESTRUTURAS

ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR no corpus de JORNAIS

REGIONAIS de Portugal Continental .................................................................................... 351

Tabela 63: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe TODOS os dados do corpus de

JORNAIS REGIONAIS de Portugal Continental + Açores ................................................... 352

Tabela 64: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe ESTRUTURAS SINTÉTICAS

x ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR em JORNAIS

REGIONAIS de Portugal Continental + Açores .................................................................... 353

Tabela 65: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe as diferentes ESTRUTURAS

ANALÍTICAS com AUXILIARES ESTAR, ANDAR e FICAR em JORNAIS REGIONAIS de

Portugal Continental + Açores ............................................................................................... 354

XIV- Rodadas de CONTRASTES REGIONAIS

Tabela 66: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem os corpora de Lisboa x

Alentejo .................................................................................................................................. 356

Tabela 67: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem os corpora de Norte x

Alentejo .................................................................................................................................. 357

Page 23: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

xxii

XV- RESUMOS de pesos relativos por grupos de fatores

Tabela 68: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo

Posição do Clítico .................................................................................................................. 363

Tabela 69: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo

Referência Adverbial .............................................................................................................. 365

Tabela 70: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo Tipo

Sintático de Oração ................................................................................................................ 367

Tabela 71: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo Tipo

Semântico de Oração.............................................................................................................. 369

Tabela 72: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo Tipo

Semântico de Verbo ................................................................................................................ 371

Page 24: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

INTRODUÇÃO

As línguas mudam. A variação é uma condição intrínseca a todas as línguas humanas.

Até mesmo os leigos, os “não linguistas”, podem perceber que, em vários aspectos, uma

criança usa a língua diferentemente de um adulto, assim como uma pessoa com um alto grau

de escolaridade fala de forma distinta de uma outra que quase não tenha tido acesso a estudos,

bem como pessoas de regiões diferentes – como Nordeste e Sul, no Brasil, por exemplo – se

expressam com características próprias, diferentes uns dos outros. O mesmo ocorre em todas

as línguas vivas, usadas por uma determinada comunidade de fala. As diferenças variam caso

a caso, podendo ser no nível fonológico, morfológico, sintático, lexical ou discursivo. A

Sociolinguística tem como principal objetivo tentar descrever e entender como as línguas

mudam, descobrindo que fatores intra ou extralinguísticos influenciam no uso de uma ou

outra forma de “dizer algo”.

Neste trabalho, nos propusemos a investigar, no Português Europeu, a variação entre

as duas principais construções usadas para indicar aspecto progressivo em Língua Portuguesa,

a saber, o gerúndio e a forma infinitiva em equivalência funcional, doravante denominada

infinitivo gerundivo (a + infinitivo). Referimo-nos, por exemplo, a frases como:

“Eu estou pesquisando esse fenômeno”. (gerúndio)

x

“Eu estou a pesquisar esse fenômeno.” (infinitivo gerundivo)

Com tal intuito, nos pautamos nos princípios da Sociolinguística de base laboviana

(WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968 e LABOV, 1972, 1994, 2003) com o auxílio do

pacote de programas Goldvarb para quantificação dos dados (ROBINSON, J. S.;

LAWRENCE, H. R.; TAGLIAMONTE, S. A., 2001; MOLLICA, 1992; MOLLICA;

BRAGA, 2004; NARO, 2004 e GUY; ZILLES, 2007). Além disso, também nos baseamos em

pesquisas anteriores acerca do tema aspecto progressivo em línguas românicas (SQUARTINI,

1998; LACA, 1998, 2002, 2002b, 2004 e 2006) e também especificamente sobre a variação

em si entre gerúndio e infinitivo gerundivo (MALER, 1972; BARBOSA, 1999; MOTHÉ,

2007) e em outros trabalhos que serão mencionados adiante acerca do tema da variação entre

as duas formas em questão. Em Mothé (2007), nosso objetivo era investigar o contraste entre

essas duas formas no Português Brasileiro (PB) em oposição ao Português Europeu (PE). O

Page 25: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

2

foco da presente pesquisa, entretanto, está somente sobre a variação em terras lusas. Assim,

almejamos verificar que fatores têm influenciado no uso de infinitivo gerundivo no Português

Europeu numa perspectiva diacrônica, ao longo do século XX, e também em alguns recortes

sincrônicos de nossos dados.

Além da análise variacionista, uma grande conquista deste trabalho diz respeito ao

levantamento de corpus oriundo de jornais lusitanos, extraído diretamente de arquivos

portugueses, gerando um material inédito que ficará à disposição para investigações futuras de

outros pesquisadores, inclusive de outras áreas além da linguística. Para realizar este trabalho,

utilizamos como corpus notícias desses jornais portugueses, do século XX. Esse material será

descrito em detalhe no capítulo 4.

O trabalho está dividido em cinco capítulos. No capítulo 1, o qual chamamos A

perspectiva deste trabalho, veremos as motivações que nos levaram a pesquisar sobre a

variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo: o tema, nossos objetivos, justificativas,

hipóteses gerais, escolha e descrição do corpus e o quadro teórico-metodológico que

nortearam nossa investigação.

O capítulo 2 destina-se à revisão bibliográfica acerca do tema desta pesquisa, onde

apresentamos algumas abordagens sobre o conceito de aspecto, em especial o aspecto

progressivo (que nos interessa nesta pesquisa), também chamado de aspecto contínuo,

durativo ou cursivo Além disso, também veremos o que afirmam algumas gramáticas a

respeito das formas nominais gerúndio e infinitivo gerundivo. Por fim, mencionaremos

trabalhos sobre gerúndio e infinitivo gerundivo, em especial trabalhos produzidos por

pesquisadores portugueses, que têm maior contato com o fenômeno de variação em foco nesta

pesquisa.

O capítulo 3 é dedicado à Metodologia e é dividido em dois subcapítulos: 3.1. Do

levantamento do corpus e 3.2. Do tratamento dos dados. Nele, apresentamos os critérios

metodológicos para levantamento do corpus deste trabalho, constituído, como dissemos, por

notícias de jornais portugueses do século XX e também apresentamos os grupos de fatores

elaborados para esta investigação e seus respectivos exemplos a partir dos dados do corpus.

Ademais, veremos os pressupostos teóricos e as hipóteses que nos serviram de base para a

criação desses grupos de fatores. A parte do presente trabalho que se propõe variacionista

possui treze variáveis independentes: 1- região; 2- tempo; 3- tipo de texto (sequência

textual); 4-estrutura verbal (sintática x analíticas); 5- voz verbal; 6- posição do clítico; 7-

posição da oração gerundial no período (em relação à oração principal); 8- referência

Page 26: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

3

adverbial; 9- interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal; 10- tipo

sintático de oração; 11- tipo semântico de oração; 12- tipo semântico do verbo; (13-

cambialidade).

No capítulo 4, veremos uma descrição mais pormenorizada dos jornais que constituem

o corpus desta pesquisa, bem como as características gerais da imprensa no século XX em

Portugal, sobretudo a imprensa regional.

O capítulo 5 é concernente à análise variacionista dos dados, onde expomos os

resultados obtidos e os avaliamos de acordo com as hipóteses que tínhamos ao iniciar o

trabalho.

Finalmente, vemos as conclusões a que chegamos acerca da pesquisa realizada. Ao

fazermos isso, procuramos retomar as hipóteses e os objetivos principais que nos

direcionaram, comparando-os aos resultados mais significativos que encontramos aqui.

Após a bibliografia do trabalho, também se pode conferir, em um apêndice, a relação

das edições de jornais com que contamos para constituição do corpus desta pesquisa. Tais

edições foram levantadas a partir dos arquivos da Biblioteca Nacional de Portugal e dos

arquivos privados do jornal Diário do Alentejo, situado em Beja.

Page 27: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

1. A PERSPECTIVA DESTE TRABALHO

Neste capítulo, veremos a perspectiva geral desta pesquisa, o seu ponto de partida: o

tema, os objetivos, suas justificativas, hipóteses gerais, escolha e descrição do corpus e o

quadro teórico-metodológico que direcionaram nossa investigação.

1.1 O tema

O tema deste trabalho – a variação entre as construções de gerúndio e infinitivo

gerundivo – tem sido foco de meus estudos há anos, desde a iniciação científica, quando, já

então sob supervisão do meu orientador, o Prof. Dr. Afranio Gonçalves Barbosa, comecei a

pesquisar acerca do assunto que também tinha sido investigado em parte da pesquisa de sua

tese de doutoramento. Barbosa (1999), em cartas de comércio escritas por portugueses do

século XVIII, constatou que, naquele corpus, o uso de infinitivo gerundivo se revelou

semelhante aos resultados de Maler (1972), que, por sua vez, encontrou em seu corpus,

constituído por peças teatrais portuguesas do século XVIII, apenas 10% de uso de infinitivo

gerundivo.

Ao todo, vinte casos de infinitivo gerundivo sobre um total de exatamente 200

exemplos de construções perifrásticas à base de estar ou andar – se contei bem –

quer dizer, não mais do que 10% nesses materiais que devem ser olhados como uma

amostra bem representativa do diálogo popular do final do século XVIII. (MALER,

1972, p. 267, tradução nossa)1

A questão insere-se, na verdade, na discussão mais abrangente sobre inovação x

conservação em Língua Portuguesa. Em seu artigo “Conservação e Inovação no Português do

Brasil” (1986), Celso Cunha lista uma série de fenômenos linguísticos em que o Brasil

apresenta características de inovação, ao passo que Portugal é tido como mais conservador.

Em contrapartida, o autor também apresenta vários casos em que o Brasil tende à conservação

e Portugal, por outro lado, à inovação. Dentre os fenômenos listados como sinal de

conservação no Português Brasileiro está o uso de gerúndio; logo, Portugal seria o inovador

nesse caso. O autor diz que, enquanto os brasileiros continuaram usando a forma clássica e

1 Somme toute, vingt cas d’i.g. sur un total d’exactement 200 exemples de c.p. à base estar ou andar – si j’ai bien

compté – c’est-à-dire pas plus de 10% dans ces matériaux qu’il faut tout de même regarder comme um

echántillon assez représentatif du dialogue populaire de la fin du XVIIIe siècle. (MALER, 1972, p. 267)

Page 28: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

5

mais antiga no idioma (o gerúndio), os portugueses a foram, paulatinamente, substituindo pela

construção “a + infinitivo” (salvo – ainda segundo ele – em algumas exceções regionais,

como nos dialetos centro-meridionais de Portugal, tais como os do Alentejo e do Algarve e

também os dos Açores e das ex-colônias africanas, onde se veria, ainda hoje, a predominância

da forma nominal gerúndio).

Têm certamente maior expansão alguns fatos conservadores de morfossintaxe,

como: a) a perífrase formada por estar (andar, viver, etc.) + gerúndio, que, em

Portugal, desde o século XVIII, vem sendo progressivamente substituída por outra,

constituída de estar (andar, viver, etc.) + infinitivo antecedido da preposição a.

[...]

A construção estar (andar, etc.) + gerúndio, preferida no Brasil, é a mais antiga no

idioma e ainda tem vitalidade em dialetos centro-meridionais de Portugal

(principalmente no Alentejo e no Algarve), nos Açores e nos países africanos de

língua oficial portuguesa. (CUNHA, 1986, p. 206 e 221)

A construção de infinitivo gerundivo está presente na Língua Portuguesa desde muito

cedo, como já afirmava Barbosa (1999): “Vale ressaltar que o registro do infinitivo gerundivo,

apesar de raro, remonta à fase arcaica da língua portuguesa”. Mas, apesar disso, o gerúndio

ainda aparecia como a forma preferida nos textos literários até meados do século XIX, ao

menos segundo Maler (1972) e Menon (2004).

Em um texto em que discorre sobre as implicações dos contatos afro-portugueses para

a expansão da língua, Lipski (2008) defende a tese de que o infinitivo gerundivo, apesar de

presente na língua desde o início de sua história, teria se tornado o preferido nos pidgins

formados a partir da união do português com línguas africanas do século XVI em diante. Tal

expansão teria sido desencadeada pelo que chama de “partícula aspectual” TA seguida de

infinitivo, existente em quase todos os crioulos de base portuguesa e espanhola (exceto nos

crioulos de São Tomé e Príncipe e Annobom, de acordo com o mesmo texto). O autor acredita

que a origem dessa construção seja justamente o infinitivo gerundivo perifrástico, formado

pelo verbo auxiliar estar. As línguas crioulas preferiam, em geral, o uso de verbos invariáveis,

no infinitivo. Com base nisso, a construção de infinitivo gerundivo constituída por estar + a +

infinitivo teria gerado ta + infinitivo, sofrendo aférese da primeira sílaba do verbo auxiliar e

supressão da preposição a. Ele demonstra, inclusive, que o mesmo processo ocorre hoje no

vernáculo dos musseques (bairros populares) de Angola:

Mas tá passá gente perto {Viriato da Cruz, "Makèzu" (Ferreira 1976: 164-165)}

O porícia tá vir! {Rebello de Andrade, "Encosta a cabecinha e chora" (Andrade

1961)}

Page 29: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

6

Dominga tá ver eles [...] E Dominga num tá querêr [...] E Dominga num tá repará

nesses confusao todo [...] Que vucê tá fazer? [...] Ma Dominga tá ficar co medo [...]

{Cochat Osório, "Aiué" (Andrade 1961)} (LIPSKI, 2008, p. 7)

O autor menciona ainda que, apesar de Naro (1978, p. 342) afirmar que a partícula ta

tenha se formado desde o século XVI em um pidgin afrolusitano, esta praticamente não

aparece nos textos literários que representam a fala de preto entre os séculos XV e XVIII

(com exceção apenas de ocorrências em alguns poucos poemas anônimos do século XVII)

(LIPSKI, 2008, p. 7).

E afirma:

Apesar da ausência2 notável do infinitivo gerundivo nos documentos literários

anteriores ao século XIX, a linguagem popular favorecia o infinitivo gerundivo

desde a época medieval. Por exemplo, no texto de A demanda do Santo Graal

(Magne 1970: 81; fl. 117, cap. 352)3 encontramos: “Quando aquêles que estavam a

ouvir êste conto entenderom que aquel era Erec, filho de rei Lac [...]”. De Camões

temos (Lund 1980: 66)4: “... aonde então estava vizitar a el Rey a Evora”. De Gil

Vicente (Floresta de enganos): “Hi está elle a peneirar, e elle mesmo há damassar,

porque a negra he co marido”. Nesta mesma obra um homem branco que pretende

passar por mulher preta fala com a linguagem pidginizada da fala de preto e

emprega só o infinitivo invariável e estar com o gerundio:“Que cosa estar vos

hablando?” Esta obra é duma importância extraordinária pois revela que a

combinação estar a + INFINITIVO ainda não formava parte do pidgin

afrolusitano estereotipado mas pertencia à linguagem “normal” dos brancos; os

pretos bozais ainda preferiam os infinitivos invariáveis e os verbos conjugados na

terceira pessoa do singular: a mí llama, etc. [...]

Como dado de muita importância, aparecem várias combinações de estar +

INFINITIVO nuns poemas anónimos dos primeiros anos do século XVII que imitam

a fala de preto (texto 13):

pois toro estamo amorte a pediro ...

...os fia sempre está a fazero ...

Estes poemas representam o único exemplo do infinitivo gerundivo atribuído ao

pidgin português dos escravos pretos, e documentam a presença desta construção na

fala dos grupos marginais muito antes de ser aceita pela língua literária. (LIPSKI,

2008, p. 7, grifos em itálico do autor, em negrito, nossos)

O próprio Maler (1972) já tinha sinalizado a rara presença do infinitivo gerundivo em

construções perifrásticas nos textos literários. Depois de apresentar alguns exemplos dos

séculos XVI, XVII e XVIII, o autor afirma:

2 Vale ressaltar que se trata de uma “QUASE ausência”, já que existem – ainda que raros – alguns casos de

infinitivo gerundivo a partir do século XVI no Português Europeu de textos literários, conforme mostraram

Maler (1972) e Menon (2004).

3 MAGNE, Augusto (ed.) A Demanda do Santo Graal. v. II. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura,

Instituto Nacional do Livro, 1970.

4 LUND, Christopher. Anedotas portuguesas e memórias biográficas da corte quinhentista. Coimbra: Livraria

Almedina, 1980.

Page 30: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

7

É então justo dizer, penso eu, que a primeira metade do século XVIII ainda não viu

o triunfo do infinitivo gerundivo em construções perifrásticas. [...] Agora sabemos

com certeza que não podemos falar em avanço “real” do infinitivo gerundivo na

língua escrita – na língua falada ele sem dúvida teve lugar antes – até o século XIX.

(MALER, 1972, p. 265 e 267, tradução nossa5)

Tanto o texto de Lipski (2008) quanto o de Maler (1972) parecem sugerir, portanto,

que a construção estar + a + infinitivo estava presente na língua oral corrente há muito

tempo, aparentemente sem sofrer qualquer tipo de preconceito linguístico por parte dos

falantes cultos da época, o que também podemos inferir a partir de um texto de Gonçalves

Viana, datado de 1890-1892:

Em vários artigos de bastante interêsse pelo seu assunto, publicados em números

consecutivos da revista americana <<Modern Language Notes>>, no anno de 1888,

e intitulados The Gerundial Construction in the Romanic Languages, cita o seu

autor, o sr. Samuel Garner, as frases portuguesas em que os verbos andar e ir,

seguidos de jerundio em –ndo (e poderia acrescentar, dos infinitos precedidos

da preposição a, de mais frequente emprego do que aquelle), denotam acção

<<demorada, continuada>>, diferenciando-se o primeiro dêstes auxiliares em

expressar tal acção, como frecuentativa.

[...]

Em castelhano o emprêgo do jerundio é análogo ao do português; não são porém

usadas as linguajens de infinito precedido de a, que neste último tendem cada vez

mais a substituí-lo, mormente na conversação e no estilo espontaneo.

(GONÇALVES VIANA, 1890-1892, grifos em negrito nossos)

O relato de Gonçalves Viana, notável português estudioso da língua na virada do

século XIX para o XX, é precioso porque, nele, quase perdido na seção de miscelânea de uma

edição da Revista Lusitana, tendo apenas uma página e meia, o autor menciona algo não

muito comum nos estudos linguísticos da época: a língua em uso na fala. Contrapondo sua

observação com os resultados dos trabalhos citados sobre o uso dessa construção em textos

escritos até o século XIX, constatamos que, apesar de não tão frequente nos textos escritos da

época, o infinitivo gerundivo aparentemente já era bastante difundido na língua falada em

Portugal.

Ainda a respeito da avaliação social da construção de infinitivo gerundivo, Barbosa

(1999) – em trecho também citado por Lipski (2008) – afirmou:

5 Il est donc justifié de dire, je pensa, que la première moitié du XVIII

e siècle ne voit pas encore le triomphe de

l’i.g. dans la c.p. [...] Nous savons maintenant avec la certitude, qu’on ne pourra parler de veritable “percée" de

l’infinitif gérondival dans la langue écrite – dans la langue parlée cela avait eu lieu sans aucun doute bien avant –

qu’au XIXe siècle. (MALER, 1972, p. 265 e 267)

Page 31: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

8

Se a forma infinitivo gerundivo se generalizou na sociedade portuguesa de tal forma

que, hoje, se apresenta como um dos contrastes mais contundentes da variante

europeia da língua portuguesa face à brasileira, é provável que ela não estivesse

sofrendo restrições de ordem social.

O estigma de popular, portanto, não deveria estar sendo aplicado àquela época a

essa variante. (BARBOSA, 1999, p. 248)

Isto é, pelo menos até o século XVIII, de quando data o corpus de Barbosa (1999), o

infinitivo gerundivo não parecia ser alvo de preconceito linguístico como variante típica das

camadas mais populares da sociedade.

Já a partir do século XIX, a construção começa a despontar com maior destaque,

mesmo em textos literários. Menon (2004) mostrou, ao analisar obras literárias portuguesas

do século XVI ao século XX, que, nessas obras, o infinitivo gerundivo teria começado a

aparecer de forma significativa no final do século XIX.

Qualquer falante de Língua Portuguesa hoje com algum conhecimento mínimo sobre

diferenças entre as duas variantes, PB e PE, é capaz de sinalizar, a partir do senso comum,

que, atualmente, Portugal emprega mais o infinitivo gerundivo, ao passo que o Brasil, o

gerúndio, em vários contextos de uso. Apesar disso, não havia trabalhos na área de

Sociolinguística Histórica a respeito dessa variação entre as duas formas gerundivas. A partir

dessa observação, em Mothé (2007), investigamos o fenômeno em um corpus formado por

anúncios, editoriais e notícias dos séculos XIX e XX de jornais brasileiros e portugueses (o

corpus do Projeto VARPORT (BRANDÃO; MOTA, 2002)). Segundo os resultados dessa

pesquisa, o uso de infinitivo gerundivo teria avançado naquele corpus do Português Europeu

somente a partir do segundo quartel do século XX, por volta de 1925.

Assim, de uma forma ou de outra, todas essas pesquisas citadas até aqui (MALER,

1972; BARBOSA, 1999; MENON, 2004; MOTHÉ, 2007; LIPSKI, 2008) parecem indicar

que a mudança em Portugal, ou seja, o fato de o infinitivo gerundivo passar a ser o preferido

no PE em detrimento do gerúndio, – ao menos no que tange aos textos escritos desses

diferentes gêneros textuais citados – é mais recente do que se imaginava e teria se

desencadeado de maneira mais significativa a partir do século XIX e mais intensamente ao

longo do XX.

O que até então parecia inédito, entretanto, era um estudo acerca da variação diatópica

e diacrônica desse fenômeno em diferentes regiões de Portugal. Vários autores, assim como

Celso Cunha, afirmam que as regiões do Alentejo e do Algarve são mais conservadoras

quanto ao uso do gerúndio. O próprio senso comum, do “cidadão médio” de Portugal, não

consciente sobre fenômenos linguísticos, costuma apontar essas regiões, em especial o

Page 32: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

9

Alentejo, como mais conservadoras. A esse respeito, existem trabalhos descritivos, outros

tantos na área de dialectologia, outros gerativistas etc, mas na pesquisa bibliográfica realizada

e descrita no próximo capítulo, pouco – ou nada – se encontrou sobre o assunto em

Sociolinguística Histórica.

A falta de pesquisas na área ajuda na manutenção de preconceitos relacionados ao

emprego do gerúndio, tanto no Brasil quanto em Portugal. O disparate no Brasil chegou a tal

ponto que, no dia 28 de setembro de 2007, o então governador do Distrito Federal, José

Roberto Arruda, baixou um decreto demitindo o gerúndio (!) (PETRY, 2007). O motivo

alegado foi a “ineficiência do gerúndio”, que foi associado à constante resposta “Vamos estar

publicando” dada ao governador quando inquiria seus funcionários a respeito da publicação

de um edital de que precisava para dar prosseguimento a uma obra prometida em sua

campanha eleitoral. O vício de linguagem usualmente chamado de gerundismo foi confundido

pelo governador com o gerúndio e, por decreto, resolveu proibir de vez o uso da forma

nominal existente na língua desde seus tempos mais remotos, desde o latim!

Em 1999, um artigo intitulado “O jovem tem a palavra”, da revista Época

(VASCONCELOS; SEGATTO, 1999) mostrava a discrepância entre ensino e pesquisa,

conforme mostrado por Barbosa (2007, p. 108). O texto da revista aparece publicado em uma

seção de teor “científico” e “tecnológico” voltada para vestibulandos. Pela credibilidade

geralmente empenhada à referida publicação, o leitor acredita que as informações veiculadas

são fruto de uma consultoria científica e, assim, interpreta todas as sugestões como verdades

absolutas. O artigo, no entanto, destaca em hipertexto “O uso do gerúndio empobrece o texto.

Lembre que não existe gerúndio no Português falado em Portugal”. Ao fazer isso, parece

deixar implícito outros “valores”, como diz Barbosa (2007, p. 50): “Mesmo que esse absurdo

[não existir gerúndio em Portugal] fosse verdade, por que teríamos de considerar pobre o uso

do gerúndio? Estaria havendo confusão entre origem geográfica de uma língua e legitimidade

histórica? Estaria havendo subserviência colonial anacrônica?”.

Além disso, conforme já apontado em Mothé (2007), a matéria revela total

desconhecimento do conceito de variação linguística por parte de seus autores, de acordo com

Leite e Callou (2002):

Não se pode pensar no uso de uma língua em termos de “certo” e “errado” e em

variante regional “melhor” ou “pior”, “bonita” ou “feia”. No ensino da língua

escrita, contudo, procura-se neutralizar as marcas identificadoras de cada grupo

social, a fim de atingir um padrão único abstrato e idealizado que seja supranacional.

O paradoxo está em que cada falar, mesmo culto, tem sua norma, variantes que

Page 33: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

10

prevalecem estatisticamente, mas que não anulam a ocorrência de outras. (LEITE;

CALLOU, 2002, p. 57).

Comentando a reportagem da Revista Época, o autor Marcos Bagno, reconhecido no

Brasil como grande combatente do preconceito linguístico, com inúmeras publicações sobre o

tema, menciona o seguinte em sua obra Preconceito Linguístico. O que é. Como se faz.:

Ora, se são dicas para brasileiros que querem escrever bem, por que motivos eles

têm de lembrar do que existe ou não existe no português de Portugal? A dica, além

de deixar à mostra sua inspiração neocolonialista, também afirma uma inverdade

linguística: no português de Portugal existe, sim, o gerúndio. [...]

O que não existe no português falado em Portugal é a construção do tipo estou

comendo, ela está telefonando, Pedro esteve trabalhando muito – situações em que

os portugueses usam a preposição a seguida do verbo no infinitivo (BAGNO, 2005,

p. 28-29, grifos do autor)

O que inicialmente aparenta querer criticar a publicação da revista revela-se ainda

mais espantoso, uma vez que provém de um livro que se propõe a repudiar a veiculação de

“normas” baseadas em “pré-conceitos” e, contraditoriamente, ele mesmo acaba por lançar

mão de um “pré-conceito” ao afirmar, sem menção a pesquisas científicas, que não existe um

determinado tipo de construção com gerúndio (as analíticas, com verbos auxiliares) em

Portugal, o que vimos em Mothé (2007) ser uma inverdade. O autor faz essa afirmação

categórica sem ao menos citar algum corpus de língua em uso do Português Europeu, e

também sem mencionar as possíveis diferenças dialetais em terras lusitanas já destacadas por

outros autores.

Outro exemplo de prescrição desabonando o uso do gerúndio baseado em uma norma

idealizada pode ser encontrado em Carneiro (1993), que afirma sobre as orações adjetivas: “o

uso do gerúndio será tão mais impróprio quanto mais se aproxime da função adjetiva, ou da

expressão de qualidades ou estados, ou quanto maior a distância entre o tempo da ação

expressa por ele e o tempo da ação do verbo principal”. Entretanto, até mesmo esse emprego

do gerúndio se mostrou bastante produtivo nos dados de Mothé (2007) em textos de jornais

portugueses e também brasileiros dos séculos XIX e XX.

Tal postura normativa é seguida por vários autores, em especial os de livros didáticos.

O uso da forma nominal gerúndio tem sido alvo de críticas e rechaços, especialmente nos

últimos anos, inclusive em Portugal. O filólogo português Rodrigues Lapa menciona que os

puristas portugueses chamam o uso abusivo do gerúndio de “endorreia” (Lapa, 1982). Ele

critica tal preconceito por parte daqueles que consideram esse uso pouco vernáculo e salienta

o fato de o gerúndio trazer vantagem estilística sobre outros processos em alguns casos.

Page 34: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

11

Segundo Lapa, “o argumento do ‘classicismo’ não serve: não podemos nem devemos escrever

hoje como no tempo de Fr. Luís de Sousa.” (1982, p. 154). E completa:

Não há dúvida pois que o uso do gerúndio é em certos casos preferível à oração

relativa, sobretudo quando não temos o recurso acertado, expressivo das

preposições. Não abusemos dele, mas não hesitemos em empregá-lo, sempre que o

reconheçamos superior a outros modos de escrever. [...] Para que havemos pois de

banir da língua este instrumento expressivo, sob a acusação de que não era usado

pelos nossos tresavós e nos veio diretamente do francês? O que aliás não é

inteiramente verdadeiro, pois se apontam exemplos dessa construção em autores

como o Pe. Manuel Bernardes e Alexandre Herculano. (LAPA, 1982, p. 154).

Ainda a respeito do preconceito em Portugal, mesmo pesquisadores em atividade

ainda hoje mencionam o fato de que o Alentejo e o Algarve – os dialetos meridionais, grosso

modo – são mais conservadores quanto ao uso do gerúndio. Pesquisas em dialectologia

mostram que, de fato, a forma nominal gerúndio, especialmente quando acompanhada do

verbo auxiliar estar, aparece quase que exclusivamente apenas nessas regiões (CARRILHO &

PEREIRA, 2011). Durante minha visita a Portugal em 2011, financiada parcialmente pelo

projeto de pesquisa do qual faz parte meu orientador, e também durante meu estágio de bolsa

sanduíche em 2013, financiado pelo CNPq, constatei que existe, tanto entre os cidadãos leigos

quanto entre pesquisadores da área de linguística, um certo “pré-conceito” quanto ao uso do

gerúndio, sobretudo em relação ao dialeto alentejano.

Com efeito, os alentejanos, de maneira geral, costumam ser alvo de anedotas em

Portugal talvez na mesma medida em que os baianos o são no sudeste/sul do Brasil. No

imaginário coletivo e estereotipado do português médio, os alentejanos muitas vezes são

vistos como preguiçosos, lentos, mansos, simpáticos e... usuários de gerúndio. Nas anedotas

sobre alentejanos, é comum ouvir um português usar gerúndio e falar de forma mais vagarosa

para tentar reproduzir o sotaque da região.

Em pesquisa realizada pela internet em fóruns de discussões e redes sociais,

encontramos alguns relatos que ilustram bem esse estereótipo. No trecho abaixo, retirado de

um texto intitulado “Patriotismo linguístico”, por Desidério Murcho, português, no blog

chamado “Blog da Crítica”, vemos o autor emitindo sua opinião a respeito do preconceito

quanto ao uso do gerúndio e, em seguida, na mesma página, dois comentários interessantes a

respeito do texto.

Todavia, quero falar de outro artificialismo mais recentemente introduzido na língua

portuguesa de Portugal: o cagaço do gerúndio. Isto é muito recente, dado que em

textos de Eça de Queirós ou de Fernando Pessoa se vê o gerúndio correctamente

usado — para falar do que está em curso no momento. Assim, é correcto dizer

Page 35: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

12

“Estou escrevendo este apontamento” e um disparate português dizer “Estou a

escrever este apontamento”. A minha hipótese é que a dada altura de finais do séc.

XIX ou já no séc. XX algum português que não tinha sensatez em excesso sonhou

que o gerúndio era brasileiro [...]. (MURCHO, 2010).

(Disponível em http://blog.criticanarede.com/2010/04/patriotismo-linguistico.html. Acesso em: 14 jan 2014.)

Como se pode ver, entre portugueses existe o preconceito de ambos os lados: há os

que afirmam que o gerúndio não possa ser usado por ser considerado brasileirismo e há os que

se orgulham de usá-lo como marca de sua terra, apregoando veementemente que o gerúndio

lhes é próprio, usando para isso, inclusive, vocabulário grosseiro para indicar sua indignação

diante do rechaço ao emprego da forma nominal em questão. Há de se reparar, também, que

um dos comentários cita o fato de os “professores continentais”6 corrigirem o uso do gerúndio

na Ilha da Madeira.

O cartunista Sergei (pseudônimo de Paulo Sérgio Teixeira) é o autor de uma série de

cartoons chamada “Os compadres” (SERGEI, 2013), na qual busca representar o cotidiano do

camponês lusitano, no caso, o alentejano. Nos dois exemplos abaixo, podemos observar, na

fala do camponês, o uso do gerúndio tanto em sua forma perifrástica, com verbo auxiliar (“tá

vendo”), quanto em sua forma sintética (“dormindo”), em vez de o infinitivo gerundivo, tão

característico do Português Europeu.

6 “Professores continentais” seriam aqueles oriundos da parte continental do território de Portugal, em oposição

às ilhas que constituem regiões autônomas, como é o caso da Madeira e do arquipélago dos Açores.

Page 36: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

13

Charge 1: “Os Compadres” – Gerúndio em estrutura perifrástica na reprodução de fala alentejana

Charge 2: “Os Compadres” – Gerúndio em estrutura sintética na reprodução de fala alentejana

Como se vê, nas duas charges apregoa-se o estereótipo do alentejano preguiçoso e de

raciocínio lento. E usando gerúndio. O mesmo pode ser observado na piada abaixo:

“Um Alentejano saiu da estação do comboio rindo às gargalhadas. Encontra um compadre e

este pergunta-lhe:

- Atão do que está rindo tanto compadre?

- Ora, é que comprei um bilhete de ida e volta mas eu nã volto”.

(Disponível em: <<http://www.anedotas.rir.com.pt/anedota60.htm.>>. Acesso em: 14 jan 2014)

Page 37: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

14

Em outro blog, específico sobre sotaques, a autora, alentejana, posta seu primeiro

texto, chamado “Alentejano de Portugal”, falando sobre o sotaque da sua terra. E afirma:

P'ra começar eu falo mesmo de maneira diferente da vossa! Mesmo muito diferente!

Eu trato-vos por tu, vocês tratam-me por você, essa deve ser, de longe a maior

diferença! Mas que tem piada tem! :)

Depois há muitas diferenças, mas quando se chega ao meu sotaque.... esse aí

transmite calma, transmite paz, tranquilidade. Quando se fala em alguém preguiçoso

- é um alentejano. Quando se vê alguém a descansar no meio de uma tarde de calor

impossível - é alentejano. Quando se goza por alguém demorar mais tempo a

perceber qualquer coisa ou é alentejano ou é loura (e eu que sou as duas coisas...).

[...] gostamos de dizer "a gente" e usar mal a pessoa do verbo ("a gente vamos"

quando devia ser "a gente vai"), nesta parte do Alentejo não usamos muito o

gerúndio, mas quanto mais descemos mais estamos cantando a língua como

vocês do outro lado do Atlântico, tiramos o i do "lete" e pomo-lo no "caféi",

gostamos de dizer sim, mas quando é não ficamo-nos pelo "nã", o Manuel passa a

"Maneli", [...].

Somos pacíficos, tolerantes e não gostamos de confrontos directos, as terras

pequenas estão vazias, sem pessoas, sem jovens. (TAMIA, 2006, grifo nosso)

Em seguida, em uma resposta que a autora do texto dá a um dos leitores, ela tenta

simular o falar alentejano escrevendo:

(Disponível em http://sotaques.blogspot.com.br/2006/01/alentejano-de-portugal.html. Acesso em: 14 jan 2014.)

Percebe-se pelo relato da autora, que se autodenomina Tamia, que, mesmo no

Alentejo, existem diferenças quanto ao emprego de gerúndio. Ela, falante nativa do dialeto

alentejano, distingue – em reflexão metalinguística a partir de suas próprias impressões, é

verdade – ao menos duas “sub-regiões” do Alentejo, uma supostamente mais ao norte (que

corresponderia, possivelmente, o Alto-Alentejo), onde “não se usa tanto gerúndio”, segundo

ela, e uma mais ao sul (o Baixo-Alentejo), onde aparentemente essa forma nominal é mais

Page 38: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

15

empregada (“[...] quanto mais descemos mais estamos cantando a língua como vocês do outro

lado do Atlântico [...]”).

É interessante, porém, que essa peculiaridade do dialeto alentejano não foi

mencionada por Leite de Vasconcellos em um texto específico sobre os dialetos da região

(VASCONCELLOS, 1890-1892). O autor lista uma série de características nos âmbitos

morfossintático, fonológico e lexical dos falares populares de três cidades alentejanas (Évora,

Alandroal e Beja), com dados colhidos por ele em 1890. Não é feita qualquer referência ao

uso do gerúndio.

Além disso, curiosamente, apesar desse senso comum de que o Alentejano é mais

conservador quanto ao uso do gerúndio, mesmo antes da fase de análise quantitativa dos

dados, a impressão que se tinha ao observar os textos alentejanos de maneira geral – tanto

orais, enquanto estive lá, quanto escritos, nos sites e jornais que me serviram de corpus nos

recortes de tempo mais recentes – era de que não havia grande diferença entre os produzidos

ali ou no restante do país.

A enciclopédia virtual Wikipédia, embora nem sempre possa ser considerada confiável

devido ao fato de poder ser editada por qualquer pessoa, é inegavelmente uma das principais

fontes de consulta escolar/informal atualmente. Apesar da vulnerabilidade das informações

apresentadas no site, muitos artigos possuem, inclusive, referências bibliográficas de

respeitosos trabalhos acadêmicos. Independentemente da cientificidade do site, há de se

admitir que ele funciona como base de informações para milhares de pessoas em todo o

mundo. É interessante perceber que, nessa fonte, o artigo referente a “português europeu”

afirma o seguinte:

No português europeu, é muito frequente o uso do infinitivo gerundivo. Até algum

tempo atrás, a Sul do Rio Tejo, usava-se mais o gerúndio, mas, com os meios de

comunicação, o infinitivo tornou-se mais geral em todo o país durante a primeira

metade do século XX [carece de fontes]

.

"Estou a fazer um trabalho."

(PORTUGUÊS EUROPEU, disponível em

<http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Portugu%C3%AAs_europeu&oldid=378

07528>, acesso em 28 fev 2014)

Essa observação, apesar de o próprio artigo indicar “carecer de fontes”, não deixa de

ser um indício de que o avanço do infinitivo gerundivo em regiões consideradas

conservadoras quanto ao uso do gerúndio tem sido percebido/sinalizado de alguma forma

mesmo em meios não acadêmicos.

Page 39: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

16

Em conversa informal com o diretor do jornal Diário do Alentejo, em Beja, enquanto

colhia amostras de edições do periódico no arquivo privado do mesmo para a constituição do

corpus, ele, ao inquirir sobre o conteúdo de minha pesquisa, produzia uma fala muito

semelhante ao relato de António Parente no comentário do blog, acima. Dizia que ele, como

alentejano, cresceu ouvindo que o gerúndio era uma marca linguística forte no Alentejo e que,

de fato, isso era bastante perceptível entre seus conterrâneos etc, mesmo na fala. Mas dizia

tudo isso usando inúmeros infinitivos gerundivos em seu texto oral, numa proporção que

meus ouvidos – de certa forma “treinados” para esse fenômeno – não sentiram diferença,

nesse aspecto, entre seu uso da língua e o de um lisboeta, por exemplo.

Fazendo um paralelo dessa postura em relação ao conceito que os falantes têm acerca

da norma-padrão de sua variante, é possível mencionarmos o que dizem a respeito Mateus e

Cardeira (2007):

Quando observamos a produção espontânea dos falantes verificamos que se afastam,

em maior ou menor grau, desse modelo. O padrão real, o comportamento mais

frequente, nem sempre coincide com o padrão ideal. Mas se perguntarmos aos

falantes cuja produção espontânea observámos qual é a forma de expressão mais

correcta naquelas exactas situações, veremos que as respostas serão diferentes dos

dados que obtivemos na observação da realidade. O velho ditado “faz o que eu digo,

não faças o que eu faço” aplica-se aqui: o que os falantes sentem como correcto

corresponde ao padrão ideal (norma-padrão) e a forma como realmente agem

corresponde ao padrão real (ou norma-objectiva). (MATEUS & CARDEIRA,

2007, p. 24)

Isto é, adaptando a distinção norma subjetiva x norma objetiva que as autoras fazem

no trecho acima ao fenômeno de variação gerúndio x infinitivo gerundivo no Alentejo, percebi

que os alentejanos se apropriam do gerúndio como uma marca típica, modelar de seu dialeto,

muitas vezes chegando a se orgulharem dele por isso. Todavia, aparentemente empregam em

seus textos orais e escritos uma proporção de infinitivo gerundivo não muito diferente das

demais regiões de Portugal.

É bem verdade que isso seria apenas uma impressão, sem quantificação. Para que a

impressão se tornasse constatação na língua em uso, seja escrita ou oral, seria necessário

quantificar essa variação em diversos contextos controlando-a em diferentes aspectos. Mas,

ainda assim, essa impressão – que já existia mesmo antes das visitas a Portugal – nos leva a

supor que, talvez hoje, talvez na oralidade, o aumento do uso do infinitivo gerundivo esteja

mais difundido e em um estágio mais avançado do que se pensa em Portugal, inclusive no

Alentejo. Essa hipótese foi a motivação inicial da presente pesquisa, na qual pretendia

Page 40: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

17

começar uma investigação Sociolinguística acerca da variação entre gerúndio e infinitivo

gerundivo em terras lusas, no Português Europeu.

1.2 Hipóteses gerais

A partir dos resultados de Mothé (2007), esta tese visa a comprovar, basicamente, as

seguintes hipóteses a respeito da variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo no Português

Europeu:

1. O avanço significativo do infinitivo gerundivo em Portugal foi gradativo ao longo

do século XX, acentuando-se e tornando-se predominante em relação ao uso de gerúndio a

partir da segunda metade do século. Essa é a hipótese para a vertente diacrônica deste

trabalho;

2. A preferência ao emprego do infinitivo gerundivo em detrimento do gerúndio em

diversos contextos está em um estágio mais avançado em Portugal do que se costuma pensar,

a tal ponto que, provavelmente, até o fim do século XX, já teria alcançado regiões antes

consideradas conservadoras quanto ao uso do gerúndio, tais como o Alentejo e o Algarve, em

Portugal Continental, e a região autônoma dos Açores. Como resultado, poderá se atestar que,

até o fim do século XX, regiões antes apontadas como conservadoras estariam, também,

preferindo a construção gerundiva inovadora (a + infinitivo) em contextos que antes tendiam

a usar gerúndio. Tal é a hipótese para a vertente diatópica deste trabalho.

Além dessas hipóteses gerais, no capítulo 3, onde será feita a apreciação dos grupos de

fatores da análise quantitativa que se dará através do modelo Variacionista e do pacote de

programas Goldvarb, veremos as hipóteses específicas que norteiam cada um dos grupos em

questão.

1.3 Objetivos

O objetivo geral aqui almejado é estudar a mudança quantitativa que se processou no

Português Europeu quanto ao uso das duas estruturas gerundiais em foco, a tal ponto que –

Page 41: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

18

aparentemente – tem feito com que o infinitivo gerundivo avance de forma gradativa em

Portugal mesmo nos contextos que antes eram predominantemente redutos do gerúndio.

Nesse sentido, a abordagem diacrônica que contemplamos neste trabalho tem por objetivo

descrever e avaliar a trajetória de conservação e de inovação da variação em padrões

quantitativo-distribucionais com relação às variáveis gerúndio e infinitivo gerundivo em terras

lusitanas ao longo do século XX.

Conforme já mencionamos, com base em Maler (1972) – que investigou um corpus de

peças teatrais portuguesas do século XVIII –, em Barbosa (1999) – que pesquisou a mesma

variação em cartas de comércio – e em Mothé (2007) – cujo trabalho tinha textos jornalísticos

como corpus –, sabemos, que, até o fim do século XIX, nas amostras de língua escrita desses

diferentes corpora pesquisados, os portugueses apresentavam cerca de 10% de uso de

infinitivo gerundivo (taxa bastante próxima da que é vista hoje no Brasil em textos

jornalísticos escritos – que varia entre 9% e 11%7). Segundo os dados de Mothé (2007) (de

anúncios, editoriais e notícias dos séculos XIX e XX), o uso de infinitivo gerundivo teria

avançado nesses gêneros textuais em Portugal a partir do segundo quartel do século XX, por

volta de 1925. Já Menon (2004) mostrou, ao analisar obras literárias portuguesas do século

XVI ao século XX, que, nessas obras, o infinitivo gerundivo teria começado a aparecer de

forma significativa no final do século XIX. De uma forma ou de outra, conforme já

mencionamos, essas pesquisas parecem indicar que a mudança em Portugal é mais recente do

que se imaginava e teria se desencadeado de maneira mais intensa ao longo do XX.

E, assim, chegamos ao principal objetivo deste trabalho:

Investigar a variação diatópica e seus condicionamentos sincrônica e

diacronicamente no século XX, analisando dados de diferentes regiões de

Portugal, para verificar se o gerúndio continua sendo predominante em

regiões vistas como conservadoras no PE, tais como o Alentejo e o Algarve.

Além disso, como objetivos mais específicos, com base em resultados de pesquisas

sociolinguísticas anteriores, a saber, Barbosa (1999) e Mothé (2007), também pretendemos

verificar se:

7 Segundo Mothé (2004) e Mothé (2007).

Page 42: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

19

1. A generalização da forma infinitivo gerundivo foi favorecida nas orações

circunstanciais temporais, condicionais e modais, conforme resultado obtido com cartas de

comércio do século XVIII em Barbosa (1999);

2. O infinitivo gerundivo teve maior avanço (inclusive nos dados de PE escrito) nas

construções analíticas (verbo auxiliar + a + infinitivo do verbo principal), assim como

observado em Mothé (2007);

Com tais fins, foram levantadas ocorrências da forma nominal gerúndio e de infinitivo

gerundivo em um corpus que reúne notícias de jornais provenientes de diferentes regiões de

Portugal ao longo do século XX. Analisando os dados década a década, foi possível averiguar

com maior detalhe a variação de uso entre essas formas durante o período em que parece ter

se caracterizado com maior clareza o avanço do infinitivo gerundivo no Português Europeu

escrito, visto que as pesquisas anteriores já mencionadas mostraram taxas relativamente

estáveis até fins do século XIX em diferentes gêneros textuais escritos. A revisão

bibliográfica sobre o tema em diferentes perspectivas tradicionais e descritivas a respeito do

comportamento do aspecto progressivo em línguas românicas (SQUARTINI, 1998; LACA,

1998, 2002, 2002b, 2004 e 2006) bem como sobre a variação em si entre gerúndio e infinitivo

gerundivo (MALER, 1972; BARBOSA, 1999; MOTHÉ, 2007) serviu de base à procura de

fatores que eventualmente controlem a variação.

Para tentar alcançar esses objetivos, baseamo-nos, conforme já mencionado na

introdução deste trabalho, nos princípios da Sociolinguística laboviana (WEINREICH;

LABOV; HERZOG, 1968 e LABOV, 1972, 1994, 2003) usando – como instrumento de

quantificação dos dados e de cálculo estatístico de relevância dos fatores no fenômeno – o

pacote de programas Goldvarb (ROBINSON, J. S., LAWRENCE, H. R.; TAGLIAMONTE,

S. A., 2001; MOLLICA, 1992 e 2004; NARO, 2004 e GUY; ZILLES, 2007). Dessa forma,

em relação a Mothé (2007), ampliamos e aprofundamos os estudos para continuar a verificar

que fatores influenciam no avanço do infinitivo gerundivo no Português Europeu, restringindo

esta pesquisa ao gênero textual notícias, numa perspectiva diacrônica, ao longo do século XX,

e sincrônica, observando o século XX como um todo.

Page 43: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

20

1.4 Justificativa

Conforme já mencionamos, o foco central de minha investigação está sobre o uso do

infinitivo gerundivo em Portugal. Assim, enquanto o objeto de estudo em minha dissertação

era a variação das duas formas gerundiais no Brasil e em Portugal, agora dei maior atenção a

corpora exclusivamente portugueses. Nesta pesquisa, levantei e cataloguei fontes do

Português Europeu, as editei (parcialmente, para este trabalho8) e, em seguida, prossegui na

descrição do fenômeno linguístico em foco: a oposição entre gerúndio e infinitivo gerundivo

na variante europeia da Língua Portuguesa.

Vários corpora diacrônicos já foram e continuam sendo constituídos de modo a

oferecer à comunidade acadêmica material bem-editado para descrever e estudar a formação

do Português Brasileiro em contraste ou não com o Português Europeu. Destaco, nesse

propósito, os trabalhos desenvolvidos com muito êxito pelas equipes que compõem o Projeto

Para uma História do Português Brasileiro.

É possível que se questione por que ter como objetivo central analisar, em uma

investigação no Brasil, a evolução de uma determinada construção em Portugal – no caso, o

infinitivo gerundivo. A pesquisa justifica-se exatamente porque é preciso controlar casos de

conservação e de inovação em Língua Portuguesa em geral não só para a construção da

História da Língua Portuguesa, mas para evitar que o preconceito linguístico perpetue o

pensamento de que Portugal é dono da língua.

Assim, partindo dos resultados dos já referidos trabalhos prévios sobre o tema,

procurei dar minha colaboração para maior esclarecimento do fenômeno, sem, no entanto,

imaginar que o assunto há de ser esgotado nesta pesquisa. Muito ainda haverá de ser

investigado em outros contextos, outros recortes no tempo e no espaço, outros gêneros

textuais etc. Espera-se, assim, ao longo do tempo e com a colaboração do trabalho de

inúmeros pesquisadores, chegar a construir – cada vez de forma mais completa – a História da

Língua Portuguesa.

8 Vale ressaltar que não editamos todo o material levantado ao longo da pesquisa. Como se pode constatar a

partir do apêndice deste trabalho, o volume de jornais lusos que levantamos nos arquivos portugueses é imenso.

Tais jornais constitnuem fontes de textos, amostras de língua em uso em diferentes gêneros textuais de diferentes

regiões do território português ao longo do século XX. Entretanto, devido à limitação do próprio tempo,

ativemo-nos exclusivamente à edição das notícias que utilizamos para levantamento dos dados desta pesquisa.

Page 44: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

21

1.5 Fundamentação teórica

O princípio básico da Sociolinguística, segundo enunciou William Labov na década de

1960, é o de que todas as línguas humanas vivas mudam, daí a sua teoria também ser

conhecida como Teoria da Variação e Mudança. Isso implica dizer que todas as línguas

possuem mais de uma forma de “dizer a mesma coisa”.

A condição normal da comunidade de fala é a da heterogeneidade: podemos esperar

encontrar um grande leque de variantes, estilos, dialetos e falares usados pelos

membros. [...] O caráter heterogêneo da comunidade aparece no fato de que há

muitas formas alternáveis, semanticamente equivalentes de dizer “a mesma coisa”.

(LABOV, 1982, tradução nossa).9

A variação no uso entre duas construções que indicam aspecto progressivo em Língua

Portuguesa é o objeto de estudo sobre o qual aqui nos debruçamos. Conforme já

mencionamos, utilizaremos os pressupostos da Sociolinguística Histórica de base laboviana

para realizar a pesquisa e, embora tais pressupostos sejam os mesmos estabelecidos em nossa

investigação prévia, Mothé (2007), é pertinente também explicitarmos aqui nossa

fundamentação teórica.

As formas em variação num determinado fenômeno da língua são chamadas de

variantes e cada conjunto de variantes em oposição é denominado variável (socio)linguística.

Sendo assim, em nossa pesquisa, as variantes em análise seriam as construções em gerúndio e

em infinitivo gerundivo. O fato de as duas formas coexistirem no Português Europeu por

séculos é perfeitamente aceitável para a Teoria da Variação:

[...] nós identificamos mudança em progresso através da coexistência de variantes

mais velhas e mais novas. Além disso, o progresso é raramente representado pela

substituição categórica de uma forma pela outra, mas, normalmente, por mudanças

na frequência relativa das variantes e mudanças em seus condicionamentos

situacionais. (LABOV, 1982, tradução nossa).10

Outro pressuposto da Sociolinguística laboviana é o de que a variação linguística não é

caótica, mas sim condicionada por fatores estruturais (“internos” à língua, como os aspectos

9 The normal condition of the speech community is a heterogeneous one: we can expect to find a wide range of

variants, styles, dialects and languages used by members. […] The heterogeneous character of the community

appears in the fact that there are many alternate, semantically equivalent ways of saying “the same thing”.

(LABOV, 1982)

10

[…] we identify change in progress by the coexistence of older and younger variants. Furthermore, that

progress is rarely represented by the categorical replacement of one form by another, but normally by changes in

the relative frequencies of the variants and changes in their environmental constraints. (LABOV, 1982).

Page 45: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

22

fonológicos, morfológicos, sintáticos e discursivos) e/ou sociais (“externos” à língua, como

idade, sexo, nível de escolaridade dos informantes, região de onde provêm etc.). Associados à

proposta de variação linguística condicionada por fatores internos e externos, surgiram, então,

instrumentos para melhor quantificação dos dados colhidos da língua em uso, na tentativa de

melhor aferir diferentes graus de influência de cada um desses fatores sobre um determinado

fenômeno de variação linguística.

Vários modelos matemáticos e estatísticos foram testados desde 1969, quando o

próprio Labov chegou a propor um modelo aditivo de quantificação de dados. Esses modelos

revelaram-se ineficazes e não confiáveis para a análise de dados linguísticos, embora todos

eles possuíssem, na verdade, pontos positivos e negativos. Até que, em 1978, os

pesquisadores Pascale Rousseau e David Sankoff sugeriram um novo modelo quantitativo que

congregava as boas características dos anteriores: o chamado modelo logístico. Segundo Naro

(2004), o diferencial desse modelo é “dar conta, de modo satisfatório, da desejada

desvinculação de fatores”. O modelo logístico é o usado em pesquisas sociolinguísticas ainda

hoje e sua aplicação ocorre, basicamente, através do pacote de programas computacionais

VARBRUL (do inglês “variable rules”) em suas diferentes atualizações, como o Goldvarb

2001 (ROBINSON, LAWRENCE e TAGLIAMONTE, 2001) e o Goldvarb X (SANKOFF,

TAGLIAMONTE e SMITH, 2005). Os dados desta pesquisa foram submetidos à primeira

versão para Windows do VARBRUL, o Goldvarb 2001.

Assim, nesse instrumento de quantificação estatística dos dados, nossa variável

dependente é composta pelas variantes gerúndio x infinitivo gerundivo, sendo esta última o

nosso valor de aplicação. Em uma pesquisa estatística (seja ela linguística ou não), a chamada

variável dependente varia de acordo com a influência de variáveis independentes.

[...] a variável dependente é afetada, medida ou explicada pela atuação da(s)

variável(is) independente(s), variando de acordo com esta(s). Sendo assim, em uma

pesquisa, a variável independente é o antecedente e a variável dependente, o

consequente.

É necessário estabelecer o controle de variáveis independentes para verificar, em

função dessas, os efeitos na variável dependente. Ao desenvolver a pesquisa, porém,

o pesquisador pode descobrir que, entre as variáveis independentes, há aquelas que

são relevantes e aquelas que são irrelevantes, mas todas devem ser controladas

mesmo que não se saiba se são importantes ou não. A metodologia da investigação

é, nesse sentido, muitas vezes, experimental, e cabe ao linguista interpretar os

resultados que lhe são apresentados através do uso do programa estatístico de regras

variáveis. (MOTHÉ, 2007, p. 35)

Isso significa que, apesar de contar com um instrumento estatístico de quantificação

dos dados, a maior responsabilidade é do linguista, que, antes de tudo, precisa levantar os

Page 46: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

23

dados, supor hipóteses, baseado em seus conhecimentos linguísticos, para construção das

variáveis independentes que possam exercer influência sobre o fenômeno analisado etc., como

já sinalizava Naro (2004):

As suas limitações [da pesquisa] são as do próprio linguista, a quem cabe a

responsabilidade de descobrir quais são os fatores relevantes, de levantar e codificar

os dados empíricos corretamente, e, sobretudo, de interpretar os resultados

numéricos dentro de uma visão teórica da língua. O progresso da ciência linguística

não está nos números em si, mas no que a análise pode trazer para nosso

entendimento das línguas humanas. (NARO, 2004)

Por fim, convém fazer mais uma observação acerca da adoção dos princípios da

Sociolinguística para o estudo de nosso fenômeno. Como mencionamos acima, a Teoria da

Variação pressupõe que as variantes em competição constituam “duas (ou mais) formas de

dizer a mesma coisa”. Segundo Labov (1972),

Variação social e estilística pressupõem a opção de dizer “a mesma coisa” de

maneiras diferentes, isto é, as variantes são idênticas em valor de verdade, mas

distintas em seu significado social e/ou estilístico. (1972, p. 271, tradução nossa)11

Nesse sentido, há quem questione o uso da Sociolinguística para investigação de

fenômenos morfossintáticos. A justificativa seria que, fora do âmbito da fonologia, duas

variáveis nunca querem dizer exatamente a mesma coisa. Foi o que argumentou Beatriz

Lavandera (1978) ao suscitar um caloroso debate entre linguistas que durou anos acerca dessa

temática. Segundo a autora: “[...] nós nos prejudicamos ao estender tanto o conceito de

variável a ‘sempre que o falante tiver uma opção’” (1978, p. 173, tradução nossa)12

. Para

Lavandera, no nível morfossintático ou lexical, é muito difícil afirmar que as variantes

constituam “diferentes formas de dizer a mesma coisa”, pois

[...] um morfema, um item lexical e até mesmo uma construção sintática têm já em

si um sentido próprio (ao contrário dos fonemas, que não possuem significado

quando observados isoladamente). O que se questiona, na verdade, é a existência de

sinônimos perfeitos na língua.

11 Social and stylistic variation presuppose the option of saying ‘the same thing’ in several different ways: that is,

the variants are identical in referential or truth value, but opposed in their social and/or stylistic significance.

(LABOV, 1972, p. 271).

12

I think we are losing in extending so comprehensively the concept of variable to “whenever the speaker has an

option”. (LAVANDERA, 1978, p. 173)

Page 47: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

24

No caso do nosso objeto de estudo, dizer que nos versos da música “O Sol nascerá”,

de Cartola13

“A sorrir eu pretendo levar a vida / pois chorando eu vi a mocidade perdida”,

trocar “a sorrir” por “sorrindo” reflete meramente uma escolha aleatória do falante

seria ignorar o fato de que, no Português do Brasil, se atribui um valor muito mais

estilizado, literário mesmo, ao infinitivo gerundivo que ao gerúndio. Sendo assim,

essas formas NÃO informariam a “mesma coisa”, o que seria um impedimento

segundo os pressupostos teóricos de Labov. (MOTHÉ, 2007, p. 37-38)

Sendo assim, então por que insistimos em nos apropriarmos dos princípios da Teoria

da Variação para estudar um fenômeno de natureza morfossintática como é a alternância entre

gerúndio x infinitivo gerundivo no PE?

Hoje, embora ainda não seja um assunto totalmente encerrado e não haja exatamente

um consenso entre linguistas, muitos sociolinguistas já aceitam – e, inclusive, lançam mão da

– Sociolinguística laboviana em pesquisas acerca da variação de fenômenos morfossintáticos.

É evidente que sabemos que nossas duas variantes não dizem perfeitamente a mesma coisa. Já

até mesmo mostramos existir certo estigma em relação ao uso de gerúndio no PE, o que não

ocorre com o infinitivo gerundivo. O emprego de gerúndio em contextos onde o PE padrão

utiliza infinitivo gerundivo, além do próprio aspecto progressivo, também veicula outras

“informações”, tais como a possível origem geográfica do informante e todos os “pré-

conceitos” que daí advêm.

Dessa forma, para que possamos nos apropriar da Sociolinguística laboviana para o

estudo desse fenômeno, precisamos ampliar um pouco nossa noção de “sentido referencial”,

passando a admitir a compatibilidade funcional entre as formas alternantes. Assim, mesmo

cientes de que gerúndio e infinitivo gerundivo não digam exatamente “a mesma coisa”, não

podemos negar que o valor funcional e aproximado das duas construções é mantido ao

trocarmos uma pela outra em determinado contexto. Ambas indicam aspecto progressivo. É

este, portanto, assim como em Mothé (2007), o tratamento dado à nossa variável dependente:

gerúndio e infinitivo gerundivo são equivalentes, intercambiáveis funcionalmente.

No próximo capítulo, faremos uma revisão sobre o que se encontra na literatura acerca

do nosso objeto de estudo: o gerúndio e o infinitivo gerundivo.

13

Angenor de Oliveira (1908-1980), o Cartola, foi compositor, cantor e poeta brasileiro. É considerado por

muitos como o maior sambista de todos os tempos. Cartola não só fundou a escola de samba Estação Primeira de

Mangueira, como lhe deu o nome e as cores verde e rosa. Muito gravado pelos grandes cantores da década de 30,

Cartola compôs, sozinho ou com parceiros, mais de quinhentas músicas.

Page 48: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

As construções com gerúndio e com infinitivo gerundivo, nosso objeto de estudo,

indicam, basicamente, situações muitas vezes chamadas de progressivas em língua

portuguesa. As características mais marcantes dessas situações são a duração e a

incompletude, visto que representam uma ação em curso. Em geral, o aspecto progressivo,

também denominado aspecto contínuo, indica um tempo coincidente com o momento da

enunciação da ação14

. Assim, tendo em vista o fato de ser um elemento fundamental em nossa

pesquisa, é pertinente mencionar algumas das acepções de aspecto em diferentes fontes (tais

como pesquisas linguísticas e até mesmo gramáticas descritivas e tradicionais).

Neste capítulo, portanto, mostraremos não só o que já tem sido constatado acerca da

variação entre as formas gerundiais aqui pesquisadas, mas também procuraremos definir

alguns dos conceitos aos quais nos referiremos ao longo de toda esta obra. Ademais,

procuraremos verificar se existe, sobretudo em gramáticas escolares portuguesas – que, tais

como as brasileiras do mesmo tipo, geralmente apresentam tendência prescritiva –, qualquer

norma que privilegie o emprego de uma ou outra das variantes em foco em determinado

contexto.

2.1 Definindo a noção de aspecto

Inicialmente, nesta revisão bibliográfica, procuraremos delimitar nosso entendimento

acerca da noção de aspecto, que é, em particular, importante para o estudo de um fenômeno

que envolve formas gerundivas.

14 Apesar disso, sabemos que as mesmas construções também podem indicar outras ideias. Exemplo disso é o

uso do Presente Progressivo para falar acerca do tempo futuro, conforme mostram Mateus et alii (2003, p. 155):

Dentro de uma semana a Maria está a viver em Paris.

Dentro de uma semana a Maria está a ser simpática com os colegas.

Os exemplos acima podem soar estranhos a nós, brasileiros, talvez pelo fato de as autoras, portuguesas,

buscarem representar a variante lusitana da Língua Portuguesa, a qual não nos é tão familiar em alguns

contextos.

Embora seu uso possa nos remeter a expressões de futuro em outras línguas, as autoras fazem questão de

destacar o fato de essa construção ser diferente do chamado Progressivo Futuro de outras línguas, tais como o

inglês:

I’m traveling next month.

Page 49: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

26

O Dicionário de Linguística e Gramática, de Camara Jr., define aspecto como:

ASPECTO – Propriedade que tem uma forma verbal, de designar a

DURAÇÃO do processo (momentâneo ou durativo) ou o aspecto propriamente

dito sob que ele é considerado pelo falante (ex.: em seu começo – incoativo; em

seu curso e ainda inconcluso – imperfeito; em seu fim já concluso mas permanente

em seus efeitos – permansivo). O aspecto coexiste ao lado da categoria de tempo,

constituindo com esta um sistema complexo de categorias verbais, em que,

conforme a língua, predomina o aspecto ou o tempo. [...] (CAMARA JR., 2002, p.

60, grifo nosso)

Camara Jr. destaca que a ênfase do aspecto está na noção de duração que um

determinado evento tem de acordo com o ponto de vista do falante e não diz respeito ao

tempo em si (passado, presente, futuro) em que o evento/processo/ação/fato/situação – a

nomenclatura varia de acordo com o autor – ocorre. Em uma expoente obra sobre o assunto,

Bernard Comrie (1976) afirma que o conceito de aspecto costuma ser menos familiar aos

estudantes de Linguística do que outras categorias verbais, tais como tempo ou modo, fato

este também citado por Costa (2002) em relação ao português:

O Aspecto é uma categoria linguística não muito cortejada pelos estudiosos do

português, fora do âmbito acadêmico. Uma pessoa pode perfeitamente, pelo menos

no Brasil, ir até o fim de sua formação escolar, inclusive universitária, sem nunca

ter-lhe ouvido qualquer referência diferentemente do que se passa com muitas outras

categorias, como o Gênero, o Número, a Voz, o Tempo, o Modo, a Pessoa.

(COSTA, 2002, p. 8)

Travaglia (2007) chega a apresentar um estudo sobre o ensino de verbos nas escolas a

partir da análise de 15 coleções de livros didáticos, totalizando 60 livros (4 por ano do Ensino

Fundamental II). De acordo com a pesquisa (NUNES, G., 2001)15

, apenas uma dentre as

quinze coleções investigadas mencionava a categoria aspecto e, mesmo assim, apenas nos

livros referentes a 5ª e 6ª séries (atuais 6º e 7º anos do Ensino Fundamental II).

Talvez exatamente por ser pouco estudado comparado a outras categorias gramaticais,

o aspecto acaba por ser frequentemente confundido com outra(s) categoria(s). Comrie cita,

por exemplo, a confusão que se costuma fazer entre os conceitos de tempo verbal e aspecto

verbal e os diferencia assim:

Como uma definição geral de aspecto podemos aceitar a formulação segundo a qual

“aspectos são maneiras diferentes de ver a constituição temporal interna de uma

situação”. [...] No entanto, apesar de tanto o conceito de aspecto verbal quanto o de

tempo verbal estarem relacionados à noção de tempo, eles estão relacionados ao

15

Dissertação de mestrado de Gisele da Paz Nunes (2001), intitulada O ensino de gramática nas escolas de

ensino fundamental: a questão do verbo, da Universidade Federal de Uberlândia.

Page 50: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

27

tempo de maneiras muito distintas. Conforme observado acima, o tempo verbal é

uma categoria dêitica, isto é, localiza uma situação no tempo, em geral com

referência ao momento presente, embora também com referência a outras

situações. Aspecto não relaciona o tempo de uma situação com qualquer outro

ponto no tempo, antes, tem a ver com a constituição temporal interna de uma

situação; pode-se afirmar que a diferença entre esses conceitos seja a que existe

entre tempo interno de uma situação (aspecto) e tempo externo de uma situação

(tempo verbal) (COMRIE, 1976, p. 3-5, grifos e tradução nossos)16

Logo, segundo o autor, a principal diferença entre tempo verbal e aspecto é que aquele

se relaciona sempre a um determinado ponto no tempo ao passo que este, não. Ao contrário,

pode-se dizer que o aspecto concerne exclusivamente à DURAÇÃO – como disse Camara Jr.

– do evento em si. Na mesma direção vai a definição de Costa (2002):

Aspecto e Tempo são ambas categorias temporais no sentido de que têm por base

referencial o tempo físico. Distinguem-se, contudo, do ponto de vista semântico,

basicamente a partir da concepção do chamado tempo interno (o Aspecto) diferente

do tempo externo (o Tempo). As noções semânticas do Tempo dizem respeito à

localização do fato enunciado relativamente ao momento da enunciação; são, em

linhas gerais, as noções de presente, passado e futuro e suas subdivisões. Já as

noções semânticas do âmbito do Aspecto são as noções de duração, instantaneidade,

começo, desenvolvimento e fim. (COSTA, 2002, p. 19)

Interessante é que, para facilitar a compreensão da diferença entre esses conceitos, a

autora utiliza justamente o exemplo de duas formas nominais, dentre elas o gerúndio, o que

mostra o quão ligado à noção de aspecto está o uso do gerúndio em língua portuguesa:

É evidente que essas formas [o Gerúndio e o Particípio] expressam o tempo físico de

alguma maneira. O Gerúndio expressa cursividade, o decorrer, o escoamento do

tempo; [...] Você pode observar, entretanto, que não são dêiticas [essas formas],

visto que formas como lendo e lido não nos informam se o processo de ler e o

estado resultante do processo de leitura ocorre no momento da fala, se ocorreu em

momento anterior ou ocorrerá em momento posterior. Se você quiser especificar

essa referência, você deverá utilizar essas formas em perífrase com outro verbo que

carregará no seu morfema flexional a marca temporal. Então você poderá ter:

Esteve lendo; ficou lido (passado)

Está lendo; está lido (presente)

Estará lendo; estará lido (futuro). (COSTA, 2002, p. 20, grifos da autora)

Ou seja, segundo a autora, é como se o gerúndio e o particípio fossem formas

eminentemente aspectuais, uma vez que não especificam um tempo físico propriamente dito.

16

As the general definition of aspect, we may take the formulation that ‘aspects are different ways of viewing

the internal temporal constituency of a situation’ […] However, although both aspect and tense are concerned

with time, they are concerned with time in very different ways. As noted above, tense is a deictic category, i.e.

locates situations in time, usually with reference to the present moment, though also with reference to other

situations. Aspect is not concerned with relations the time of a situation to any other time-point, but rather with

the internal temporal constituency of the one situation; one could state the difference as one between situation-

internal time (aspect) and situation-external time (tense) (COMRIE, 1976, p. 3-5).

Page 51: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

28

Em vez disso, dizem respeito à duração interna de um determinado evento (ou fato verbal,

como ela prefere chamar). No caso do gerúndio, particularmente, a ideia veiculada seria a que

ela chama de “cursividade”. Em seguida, a autora ressalta que essas formas são chamadas de

“formas nominais” não só porque podem assumir papéis de nomes – em especial o particípio,

que admite, inclusive, variações de gênero e número –, mas principalmente porque “essas

formas não expressam as categorias que mais especificamente identificam os verbos: não

expressam Pessoa, nem Modo, nem Tempo.” (COSTA, 2002, p. 44)

No lugar dessas, as categorias que mais se relacionam ao gerúndio e ao particípio,

segundo a autora, seriam justamente o Aspecto e a Voz, formando, em construções

perifrásticas, o que ela afirma ser o recurso mais produtivo para a expressão aspectual em

português. “O gerúndio expressa imperfectividade em curso e Voz ativa, e o Particípio

expressa imperfectividade resultativa e Voz passiva” (COSTA, 2002, p. 44, grifo nosso).

Outra característica do aspecto, segundo Comrie, é que, assim como qualquer outra

categoria gramatical, ele pode ser expresso através de uma determinada flexão morfológica.

Portanto, aspecto como uma categoria gramatical, assim como qualquer outra, pode

ser expresso por meio de uma morfologia flexional da língua em questão, como em

espanhol leyó [ele leu] e leía [ele lia] citados acima, mas também pode ser expresso

através de uma perífrase, como em inglês he was reading [ele estava lendo], o

progressivo perifrástico, em oposição à forma verbal simples he read [ele leu].

(COMRIE, 1976, p. 9, grifo em negrito e tradução nossos)17

Segundo o trecho acima, percebemos que cada língua possui determinadas marcas

linguísticas para expressar certas noções aspectuais. No caso do português e tratando

especificamente da ideia aspectual de progressividade, isso se dá, grosso modo, por meio do

uso da forma verbal gerúndio – em construções perifrásticas, em sua maioria, mas também

podendo ser sintéticas – e, consequentemente, também pelo uso de seu equivalente funcional:

o infinitivo gerundivo, como Camara Jr. menciona na sequência da definição de aspecto de

seu dicionário de linguística. Assim:

Outras distinções de aspecto são expressas em português por conjugações

perifrásticas (v.) como em tipos de construção que entram na estrutura

gramatical da língua: 1) [...]; 2) o verbo auxiliar estar, conjugado com um

gerúndio ou infinitivo regido de a; 3) o verbo auxiliar ir conjugado com um

17

Thus aspect as a grammatical category, just like any other grammatical category, may be expressed by means

of the inflectional morphology of the language in question, as with Spanish leyó and leía cited above; it may also

be expressed by means of a periphrasis, as with English he was reading, the periphrastic Progressive, as opposed

to the simple verb form he read. (COMRIE, 1976, p. 9)

Page 52: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

29

infinitivo em seguimento direto. O tipo 2 expressa em qualquer tempo (com a

conjugação do auxiliar) o aspecto durativo, constituindo os chamados tempos

continuados (ex.: estou falando, estava falando, estarei falando etc.). O tipo 3

expressa da mesma sorte um aspecto durativo em progressão (ex.: vou falando, ia

falando, fui falando etc.). O tipo 4 cria um aspecto inceptivo (ex. vou falar, ia falar,

fui falar, irei falar etc.) (CAMARA JR., 2002, p. 61, grifos em itálico do autor, em

negrito, nossos)

Uma observação deve ser feita aqui acerca desse trecho da obra de Camara Jr. É

curioso reparar que – por provável erro de edição – o item 3) da relação de perífrases citadas

não diz respeito ao que o autor logo em seguida chama de “tipo 3”. O item 3, que menciona o

verbo auxiliar ir conjugado com infinitivo, parece relacionar-se ao “tipo 4”, como podemos

verificar pelos exemplos fornecidos. Sendo assim, em sua listagem de conjugações

perifrásticas aspectuais, parece faltar o tipo chamado de 3, que veicula a noção de aspecto

durativo (como ele chama), através da conjugação do verbo ir + gerúndio. Aparentemente, de

acordo com seus exemplos, essa estrutura com verbo ir não prevê o uso de a + infinitivo no

lugar do gerúndio (diferentemente da observação que o autor faz no item 1) referente à

construção com o auxiliar estar e consoante a prescrição existente no PE, segundo a qual o

infinitivo gerundivo não é empregado com os auxiliares ir e vir.).

Ao contrário de Camara Jr., nem Comrie (1976) nem Costa (2002) fazem referência à

possibilidade do uso da construção a + infinitivo como alternativa ao uso de gerúndio em

língua portuguesa.

A esta altura, quando já nos referimos de diferentes formas à ideia aspectual expressa

por gerúndio / infinitivo gerundivo, é preciso ressaltar que, na bibliografia sobre o tema

aspecto, a terminologia utilizada não é padronizada na maioria dos casos, fato criticado pelo

próprio Comrie:

[...] Por outro lado, geralmente se podem encontrar categorias gramaticais

particulares de uma língua que correspondem de forma muito semelhante, mas não

exatamente igual, a distinções semânticas: na seção 1.2.2, por exemplo, veremos que

o Progressivo do inglês expressa com frequência o sentido progressivo, embora sua

abrangência seja, de fato, consideravelmente mais ampla do que a prevista pela

definição semântica geral de sentido progressivo [...] Conforme já indicado, em

discussões acerca de aspecto, ao contrário do que ocorre em muitas outras

áreas da linguística, não há terminologia aceita de forma geral. [...] Não se deve

pensar que todas essas diferenças sejam terminológicas – em muitos casos

também há profundas diferenças conceituais – mas na maioria dos casos a

diferença é unicamente terminológica. Por um lado, classificações distintas são

frequentemente usadas para se referir ao mesmo fenômeno, enquanto, por outro

lado, e ainda mais confuso, a mesma classificação é aplicada por linguistas

Page 53: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

30

diferentes a conceitos radicalmente distintos. (COMRIE, 1976, p. 9-12, grifo e

tradução nossos) 18

Essa falta de padronização terminológica é o que nos faz optar, neste trabalho, por

muitas vezes empregar indistintamente alguns nomes usados geralmente para expressar as

ideias transmitidas pelas construções com gerúndio e infinitivo gerundivo. Parece-nos que, na

grande maioria dos casos, os autores vinculam o gerúndio e o infinitivo gerundivo em

português à categoria chamada de aspecto Progressivo, pelo que é a nomenclatura também

usada por nós majoritariamente. Mas há também quem atribua a essas construções as noções

de aspecto Durativo, aspecto Cursivo, aspecto Contínuo etc. Assim, quando nos referirmos a

uma dessas nomenclaturas neste trabalho, será considerando-as como veiculadoras do mesmo

valor semântico e não necessariamente referindo-nos a um rótulo, uma classificação aspectual

segundo nomenclatura teórica de um autor específico, a menos que estejamos – como será o

caso neste capítulo – falando sobre a visão teórica de determinado autor.

Ainda segundo Comrie (1976), por exemplo, progressividade e continuidade são

conceitos distintos: “Na discussão sobre as subdivisões da imperfectibilidade, uma distinção é

feita entre os termos ‘progressivo’ e ‘contínuo’, sendo o primeiro uma subdivisão do último

(progressividade é a combinação de continuidade com não estativo)”. (COMRIE, 1976, p.

12)19

. Para ele, pertencem ao âmbito do aspecto imperfectivo, que, por sua vez, pode ser

assim subdividido:

18

[…] On the other hand, one often finds language-particular categories that correspond closely, but not exactly,

to semantic distinctions: in section 1.2.2, for instance, we shall see that the English Progressive typically

expresses progressive meaning, although its range is in fact somewhat wider than is predicted by the general

semantic definition of progressive meaning. […] As already indicated, in discussions of aspect, as opposed to

many other areas of linguistics, there is no generally accepted terminology. […] It should not be thought that all

such differences are terminological – in many cases there are also deep-seated conceptual differences – but in

large number of instances the difference is purely one of terminology. On the one hand, different labels are often

used to refer to the same phenomenon, while, on the other hand, and even more confusingly, the same label is

often applied by different linguists to radically different concepts. (COMRIE, 1976, p. 9-12)

19

In the discussion of subdivisions of imperfectivity, a distinction is made between the terms ‘progressive’ and

‘continuous’, the form being a subdivision of the latter (progressiveness is the combination of continuousness

with nonstativity). (COMRIE, 1976, p. 12)

Page 54: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

31

Figura 1: Categorias aspectuais imperfectivas, segundo Comrie (1976, p. 25)

Estranhamente, porém, apesar de hierarquizar os diferentes tipos de aspecto dessa

forma, o autor subdivide o capítulo que trata das diferenças entre perfectividade e

imperfectividade assim:

1 – Perfectividade e Imperfectividade;

1.1 Perfectividade

1.2 Imperfectividade

1.2.1 Habitual

1.2.2 Progressivo

Tal divisão das seções aparentemente considera o Progressivo como oposto ao

Habitual, ao passo que, de acordo com seu quadro exposto acima, o aspecto oposto ao

Habitual seria o Contínuo, sendo este subdividido em Progressivo e Não progressivo. Seja

como for, o autor menciona a perífrase de estar + gerúndio (que ele chama somente como

particípio presente) como um dos meios de expressar aspecto Progressivo em língua

portuguesa (COMRIE, 1976, p. 22-23).

Segundo o autor, definir o aspecto Progressivo meramente como “uma ação em

progresso” não é adequado, pois isso traria confusão entre Progressividade e

Imperfectividade, quando, na verdade, para ele, nem todo evento imperfectivo indica,

necessariamente, progressividade. Nesse sentido, Comrie considera a progressividade como

equivalente à continuidade, que, por sua vez, define como “imperfectividade que não é gerada

por habitualidade” (1976, p. 33). Como se vê, o autor define certos conceitos a partir da

negação. O aspecto contínuo seria, para ele, meramente, um evento imperfectivo não habitual.

Imperfeito -

Habitual

-

Contínuo -

Não progressivo

-

Progressivo -

Page 55: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

32

Ao prosseguir na distinção entre tais conceitos, o autor compara o que ocorre em

língua inglesa ao que considera um uso análogo em Português do Brasil: “Todas as tardes,

quando ele chegava (Imperfeito) em casa, as crianças estavam brincando (Progressivo) na

rua.”. Sobre esse uso, Comrie (1976) afirma “Assim como hábito não determina

progressividade, progressividade também não determina hábito, por exemplo, a situação

descrita pode ser vista como progressiva sem ser vista como habitual.”.

Já Costa (2002) propõe outro tipo de classificação das possibilidades aspectuais no

português. Ela afirma que o imperfectivo é, com efeito, “o verdadeiro atualizador da categoria

[aspecto] como recurso de expressividade no português”. Para ela, o imperfectivo admite as

seguintes subdivisões:

Pode referir o fato como em curso [nosso objeto de estudo nesta pesquisa];

Pode referir uma das fases constitutivas da temporalidade interna do fato

(inicial, intermediária, final);

Pode referir o fato como um estado resultante de um processo anterior.

Assim, a autora propõe o quadro abaixo para resumir as classificações aspectuais no

português, no qual destacamos em negrito, como fizemos acima, onde se enquadra nosso

objeto de estudo (COSTA, 2002, p. 38):

Quadro 1: Conceituação e possibilidades semânticas da categoria aspecto em português, segundo Costa

(2002)

1. Aspecto: Categoria linguística que marca a referência ou não à estrutura temporal interna de um fato. Apresenta duas possibilidades:

1.1. Perfectivo: Fato referido como global. Não marcado para as nuances da

constituição temporal interna.

1.2. Imperfectivo: Fato referido como marca de sua constituição temporal interna.

Semanticamente restringido a lexemas que incluam o traço [+ durativo]. Apresenta as

seguintes possibilidades:

1.2.1. Imperfectivo em curso [nosso objeto de estudo nesta pesquisa]

1.2.2. Imperfectivo de fase inicial

1.2.3. Imperfectivo de fase intermediária

1.2.4. Imperfectivo de fase final

1.2.5. Imperfectivo resultativo

Page 56: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

33

Ainda de acordo com a autora, “a imperfectização se manifesta sobretudo através de

formas verbais, de circunstâncias temporais e de formas de substantivos e adjetivos. Pode

estar atualizada através de lexemas, de morfemas ou de perífrases” (COSTA, 2002, p. 38).

Nosso objeto de estudo – as formas “verbais” de gerúndio e infinitivo gerundivo – seria,

portanto, um dos meios de realização, concretização da noção aspectual “ação em curso”, por

meio de morfemas ou perífrases.

Vale destacar uma importante observação que a autora faz com relação a essas formas

de realização do aspecto cursivo. Muitos autores (como veremos a seguir, inclusive) lançam

mão da distinção entre as categorias de aspecto x aktionsart (que a autora traduz como Modo

de Ação). Segundo esses autores, o aspecto seria uma categoria restrita aos meios

morfossintáticos de expressar o tempo interno das situações, ao passo que o aktionsart diria

respeito a lexemas verbais usados para expressar tais noções, como um processo ou um

estado, por exemplo. Costa (2002), entretanto, discorda de tal bipartição, argumentando que,

Se se admite para uma língua a existência da categoria de Aspecto enquanto

possibilidade semântica, cabe automaticamente a investigação do(s) recurso(s) que a

língua utiliza para a atualização da categoria em causa: se é uma categoria de

expressão lexical, morfológica ou sintática; se é categoria nominal, verbal ou da

frase, etc.

O fato é que, se se estuda a categoria como conteúdo semântico numa língua, deve-

se estudá-la onde quer que apareça nos enunciados da língua. [...] Considero,

portanto, que a língua portuguesa inclui no seu sistema semântico a categoria de

Aspecto que pode ser atualizada através de lexemas (caso que outros preferem

vincular à categoria de Modo de Ação), através de morfemas flexionais ou

derivacionais, e de perífrases, como veremos com mais vagar em parte posterior

deste texto. (COSTA, 2002, p. 23)

A diferença entre aktionsart x aspecto será, porém, considerada relevante por outros

autores citados adiante neste trabalho.

Em seguida, Costa (2002) procede à descrição das possibilidades de combinações

verbais para formação das referidas perífrases aspectuais. Antes disso, porém, ela faz uma

crítica às gramáticas do português, que, segundo ela, carecem de sistematização na descrição

dessas construções:

É dessa sistematização, dessa verificação exaustiva que se ressentem os estudos

gramaticais do português. Um estudante ou qualquer outro interessado, que busque,

nas gramáticas escolares ou em livros similares, onde se encaixam formas como está

escrevendo ou esteve preso não as localizará, ou, se conseguir fazê-lo, ficará com a

impressão de que essas formas são marginais, raras e, ainda, de que ocorrem muito

salteadamente, só para alguns Tempos verbais, sem que se discutam os verbos que

as permitem, os que as rejeitam, quais os auxiliares que as formam, etc. (COSTA,

2002, p. 55)

Page 57: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

34

Assim, tendo em vista também a própria escassez de descrições pormenorizadas nas

gramáticas de língua portuguesa, mostraremos, a seguir, o tratamento dado ao conceito de

aspecto bem como à descrição das perífrases aspectuais com gerúndio / infinitivo gerundivo

em trabalhos focados em línguas românicas. Basicamente, nos respaldaremos nos trabalhos do

linguista italiano Mario Squartini (1998) e da linguista francesa Brenda Laca (1998; 2002;

2002b; 2004; 2006).

2.2 O aspecto nas línguas românicas

É notável, desde as primeiras descrições do português, a produtividade de construções

formadas por preposições seguidas de infinitivo como uma das diferenciações das línguas

românicas em relação ao latim, como afirmou Dias (1918, p. 223): “Um dos factos mais

notáveis relativos á syntaxe do infinitivo, nas lingoas românicas, é a construção de

preposições com o infinitivo.”.

Um texto crucial sobre a descrição das construções com infinitivo no português é o do

linguista dinamarquês Holger Sten: “O Infinitivo Impessoal e o Infinitivo Pessoal em

Português Moderno”, de 1952. Nele, o autor se propõe a descrever todas as construções

formadas por preposição x + infinitivo em língua portuguesa. Consequentemente, Sten

menciona as construções formadas pela preposição a + infinitivo, dentre elas o infinitivo

gerundivo: “O infinitivo <<gerundivo>>: como dissemos, pode-se encontrar a + infinitivo

com valor de gerúndio em muitas combinações.” (STEN, 1952, p. 51).

Baseada em Dahl (1985)20

, Laca afirma que “os gramemas temporais e aspectuais

tendem a expressar um pequeno número de categorias temporais e aspectuais cujo conteúdo

típico é, essencialmente, análogo em muitas línguas”21

(1998, p. 207, tradução nossa). É esse

princípio que nos leva a investigar diferentes estudos acerca de línguas românicas, cuja

origem é a mesma do português.

Em um extenso trabalho sobre as perífrases verbais nas línguas românicas, Mario

Squartini (1998) defende a hipótese de que certas perífrases – na verdade os verbos auxiliares

20

DAHL, Östen. Tense and Aspect Systems. Oxford, Blackwell, 1985.

21

Les grammèmes temporels et aspectuels ont tendance à exprimer un petit nombre de catégories temporelles et

aspectuelles dont les contenus prototypiques sont en essence analogues dans beaucoup de langues. (LACA,

1998)

Page 58: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

35

que as constituem – estejam seguindo um caminho de gramaticalização ao longo da história.

Para tal, o autor se baseia em uma obra de Bernd Heine intitulada Auxiliaries. Cognitive

forces and grammaticalization (1993)22

. Assim, diferentemente da maioria dos autores que

tratam do tema, em vez de listar uma série de possibilidades de combinações de perífrases

aspectuais (tal qual Costa (2002)), Squartini, antes, menciona a dificuldade em determinar que

construções formam ou não uma unidade, uma perífrase. Segundo ele:

Morfemas verbais descontínuos23

apresentam diferentes graus de analiticidade,

demonstrando, portanto, a natureza escalar intrínseca do parâmetro

sintético/analítico. Tal escala pode ser concebida como um caminho diacrônico,

gradiente o suficiente para englobar diferentes estágios evolutivos (Ramat 1987).

Nesse sentido, a noção de auxiliaridade e seu status categorial, que têm sido alvo de

muitos debates na literatura, podem ser vistos como escalares, levando em

consideração o processo dinâmico de gramaticalização de um item lexical para um

morfema verbal, e, eventualmente, para morfema zero. (SQUARTINI, 1998, p. 19,

tradução e grifos nossos)24

Conforme veremos a seguir, no capítulo 3, na seção que tratará do grupo de fatores

estrutura verbal, outras obras também consideram a distinção entre forma sintética x forma

analítica em perífrases verbais como noções escalares, tais como Bosque & Demonte (1999) e

Bechara (2001), o que nos será especialmente útil para o tratamento de alguns dados, como

veremos à frente.

Contudo, mesmo considerando o grau de ligação entre os verbos de uma dada

estrutura analítica como algo escalar, o autor apresenta uma lista das perífrases verbais mais

comuns nas línguas românicas, uma vez que todas elas – segundo ele – podem ser

consideradas partes do mesmo sistema gradiente, em diferentes graus de analiticidade. Assim,

construímos um quadro com as possibilidades de perífrase aspectuais em Português

apresentadas pelo autor:

22

HEINE, Bernd. Auxiliaries. Cognitive forces and grammaticalization. New York / Oxford: Oxford University

Press, 1993.

23

Traduzimos aqui como “morfemas verbais descontínuos” usando a mesma terminologia empregada por Duarte

(1992) que, conforme veremos no capítulo 3, faz referência à preposição a + -r (infinitivo gerundivo) como

sendo, igualmente, um “morfema aspectual separado” do vocábulo com informação lexical (no caso, o verbo no

infinitivo).

24

Non-bound verb morphemes display different degrees of analyticity, thus demonstrating the intrinsic scalar

nature of the synthetic/analytic parameter. Such a scale can be conceived as a diachronic path, gradual enough to

encompass different evolutionary stages (Ramat 1987). In this respect the notion of auxiliary and its categorical

status, which has always been a major point of debate in the literature, can be seen as scalar, once the dynamic

process of grammaticalization from lexical item into a verb morpheme, and eventually into a zero morpheme, is

taken into account. (SQUARTINI, 1998, p. 19)

Page 59: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

36

PERÍFRASES ASPECTUAIS NO PORTUGUÊS

COM GERÚNDIO COM INFINITIVO

Estar + gerúndio Estar + a + infinitivo

Ir + gerúndio -

Vir + gerúndio -

Andar + gerúndio Andar + a + infinitivo

Viver + gerúndio Viver + a + infinitivo

Ficar + gerúndio Ficar + a + infinitivo

Quadro 2: Perífrases aspectuais com gerúndio e infinitivo no português, segundo Squartini (1998)

Conforme podemos perceber, inicialmente o autor não considera a possibilidade de

ocorrência de infinitivo gerundivo com os auxiliares ir e vir, assim como prevê a tradição

gramatical do PE padrão. Ele acrescenta, entretanto, uma nota de fim em que afirma: “Em

alguns casos restritos ir e vir também podem ser combinados com a preposição a + infinitivo”

(SQUARTINI, 1998, p. 307), fato que ele comentará em maior detalhe no capítulo 5 da

obra25

.

Sobre o infinitivo gerundivo, na abertura da seção em que trata das perífrases

aspectuais nas línguas românicas, o autor faz as seguintes observações:

No português e no italiano as construções com gerúndio coexistem com as

construções com infinitivo com os mesmos auxiliares. Esta última se tornou padrão

no Português Europeu, enquanto as formas com gerúndio são a regra no Português

Brasileiro e em algumas regiões de Portugal. (SQUARTINI, 1998, p. 26, tradução

nossa)26

25

No item 5.3.5.1 (p. 285-287) , o autor afirma que, em alguns raros casos, ir e vir podem aparecer seguidos da

preposição a + infinitivo, indicando valor basicamente durativo. O autor cita exemplos de Böckle (1980, p. 345)

a partir do dialeto de Cáceres (uma vila espanhola onde se fala português) (Vinha a pensar em ti já faz dois

dias.) e também de textos literários (Em que vais tu a pensar?, perguntou-lhe ele baixo, muito terno. – Eça de

Queirós, O Primo Basílio).

Além desses casos, o autor também cita o contexto em que o auxiliar vir é conjugado no Presente Perfeito,

embora acredite que o uso da construção a + infinitivo, nessa situação, seja devido a razões morfológicas, uma

vez que o particípio passado do verbo vir tem a mesma terminação do gerúndio (vindo). (Apetece-me uma pausa

e, como a ela me abandono, habituo-a com uma pergunta que tem vindo a repetir-se: que é um americano? (F.

Namora, Cavalgada Cinzenta).

26

In Portuguese and in Italian the gerundial constructions coexist with infinitival constructions with the same

auxiliarities. In European Portuguese the latter have become standard, while the gerundial forms are the norm in

Brazilian Portuguese and in some areas of Portugal. (SQUARTINI, 1998, p. 26)

Page 60: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

37

Como se vê, também Squartini menciona a variação regional quanto ao uso de

infinitivo gerundivo x gerúndio no território português, embora não especifique quais seriam

as regiões que privilegiam o uso de gerúndio.

Além das construções vistas no quadro acima, o autor também cita a construção ser +

gerúndio, mas afirma ter sido documentada por outros linguistas somente em textos do

Português Antigo (séculos XIV e XV), não ocorrendo mais no português contemporâneo.

Convém expormos aqui outro quadro comparativo que construímos resumindo as

perífrases com gerúndio e com infinitivo mencionadas por Squartini (1998). O objetivo é

facilitar a visualização dessas perífrases de modo a contrastarmos as possibilidades de

combinações de verbos auxiliares veiculando informação de aspecto contínuo em cada uma

das línguas românicas. Segundo o autor, as perífrases com infinitivo também admitem valor

progressivo nas seguintes línguas: português, galego, italiano, francês e provençal, conforme

se poderá ver no quadro abaixo:

A análise do quadro abaixo nos permite observar algumas semelhanças e diferenças

entre o português e as demais línguas românicas no que tange ao emprego de perífrases

aspectuais de progressividade. Em nosso entendimento, a principal semelhança é perceber que

quase todas as línguas possuem perífrases com o verbo auxiliar estar tanto combinado ao

gerúndio (exceto o provençal) quanto combinado a a + infinitivo (exceto o catalão e o

romeno) para expressar aspecto progressivo. De forma parecida, verificamos que quase todas

as línguas românicas (exceto o italiano e o romeno) também possuem perífrases formadas

pelo auxiliar ir + gerúndio e nenhuma delas, tal qual o português, admite perífrase de ir + a +

infinitivo para indicar aspecto contínuo.

A principal diferença concernente às perífrases aspectuais entre essas línguas diz

respeito às construções gerundiais com o auxiliar ficar que, aparentemente, segundo o autor,

são exclusivas da língua portuguesa, sendo, nesta, possíveis tanto com gerúndio quanto com

infinitivo.27

Outra característica apontada pelo autor é que, com exceção do romeno, todas as

línguas românicas apresentam, pelo menos, uma construção gerundiva com um verbo de

movimento como auxiliar (andar, ir, vir etc.).

27

O autor também mostra que a perífrase formada por viver + gerúndio / infinitivo gerundivo é exclusiva do

português. Entretanto, preferimos não incluí-la na comparação, pois, neste estudo, não consideramos o verbo

viver como auxiliar aspectual, conforme ficará claro na exposição dos critérios metodológicos no capítulo 3,

adiante, na seção que tratará do grupo de fatores estrutura verbal, onde oporemos estruturas sintéticas x

estruturas analíticas.

Page 61: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

38

PORTUGUÊS

CA

TA

O

FR

AN

S

GA

LE

GO

ITA

LIA

NO

PR

OV

EN

ÇA

L

RO

ME

NO

RE

TO

-

RO

NIC

A

ES

PA

NH

OL

Estar

+

gerúndio Estar Être Estar Stare - *

28 Star Estar

+ a +

infinitivo -

Être en

train

de29

Estar

30 Stare

31 Estre - Star *

32

Ir

+

gerúndio Anar Aller Ir - Anar - Ir Ir

+ a +

infinitivo - - - - - - - -

Vir

gerúndio Venir - Vir Venire - - - Venir

+ a +

infinitivo - - - - - - - -

Andar

gerúndio - - Andar Andare - - - Andar

+ a +

infinitivo - - Andar - - - - -

Viver

gerúndio - - - - - - - -

+ a +

infinitivo - - - - - - - -

Ficar

gerúndio - - - - - - - -

a +

infinitivo - - - - - - - -

Outros

+

gerúndio - -

Levar

(levar)

Ser

(ser) - - -

Llevar

(levar)

+ a +

infinitivo - - - - - - - -

Quadro 3: Perífrases aspectuais com gerúndio e infinitivo nas línguas românicas, segundo Squartini (1998)

28

Segundo o autor, havia na língua construções perifrásticas formadas pelo auxiliar estar + gerúndio no

princípio do Romeno Antigo. Ele afirma, porém, que essas formas desapareceram a partir do século XVIII e hoje

existem somente em alguns dialetos. O romeno padrão atualmente expressa o Progressivo em uma construção

formada por infinitivo.

29

O autor menciona também outras perífrases com o auxiliar estar: être à + infinitivo e être après, mas faz uma

observação afirmando que estas não pertencem ao francês contemporâneo padrão.

30

Squartini menciona que as construções perifrásticas com gerúndio e com infinitivo se distribuem

geograficamente na Galícia. As construções com infinitivo aparecem somente no Oeste do país, ao passo que as

construções com gerúndio são amplamente empregadas em toda a Galícia. Além disso, dentre as três perífrases

com infinitivo citadas no quadro, ele afirma que a perífrase com andar + a + inf. é mais difundida do que a com

estar + a + inf., enquanto ser + a + inf. é encontrada por toda a Galícia, porém com pouca frequência.

31

Além de stare a + infinitivo, o autor também mostra as construções essere dietro a + infinitivo, essere a +

infinitivo e essere/stare qui/lì a + inf., todas envolvendo variações do verbo stare / essere + inf., no italiano.

32

O autor considera o espanhol o idioma mais consistente dentre todas as línguas românicas em termos de

progressividade, sempre selecionando perífrases com gerúndio em vez de infinitivo. Ele cita que foram

encontradas apenas no espanhol antigo e no espanhol medieval algumas poucas construções com infinitivo para

indicar aspecto progressivo, mas nenhuma delas se realiza no espanhol contemporâneo.

Page 62: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

39

O capítulo 3 da obra de Squartini (1998) trata especificamente do aspecto progressivo

nas línguas românicas, onde o autor detalha as listas de perífrases mencionadas acima. No

item 3.5.1.1, o autor descreve as perífrases progressivas com gerúndio em língua portuguesa

e, no item 3.5.6, detalha as perífrases estar + gerúndio e estar + a + infinitivo, também no

português.

Squartini faz referência à obra de Maler (1972) e ao trabalho de Andrej Vasil'evic

Berežnoj (1989)33

para afirmar que, nos textos mais antigos da língua, privilegiavam-se as

perífrases com gerúndio, ao passo que, mais recentemente, nos séculos XIX e XX, passaram a

ser mais frequentes as construções com infinitivo gerundivo. Segundo o autor, as duas

construções diferenciam-se no PB e no PE, basicamente, por razões “geográficas e estilísticas,

uma vez que estar + gerúndio é a forma padrão no PB e em algumas regiões de Portugal,

enquanto estar + a + infinitivo prevalece no PE padrão” (SQUARTINI, 1998, p. 113,

tradução nossa)34

. Ainda segundo o autor, ambas as perífrases (tanto com gerúndio quanto

com a + infinitivo) podem se conjugar a estruturas perfectivas (tal como o pretérito perfeito,

por exemplo, em estive trabalhando / a trabalhar) – comportando-se de forma semelhante a

perífrases do espanhol e do italiano – e a estruturas imperfectivas, indicando aspecto

progressivo (tal como com o pretérito imperfeito – estava anoitecendo / a anoitecer).

Além disso, o autor afirma que existem contextos em que as estruturas gerundivas do

português se assemelham às do espanhol e se distinguem das do italiano, tais como:

Em combinação com o advérbio sempre, indicando que a duração de um

determinado evento é contínua, geralmente hiperbólica:

[...] em geral eram pessoas de vontade fraca, daquelas que vão adiando decisões, estão

sempre a dizer amanhã, amanhã, mas isto não significa que não tenham sonhos e desejos.

(José Saramago, em Jangada de Pedra)

33

BEREŽNOJ, Andrej Vasil’evič. Infinitivnaja i gerundial’naja konstrukcii s glagolom estar v portugal’skom

jazyke Portugalii i Brazilii. [Infinitival and gerundial constructions with the verb estar in Portuguese of Portugal

and Brazil]. Dissertação. Kiev: Universidade de Kiev, 1989. 34

The distinction between the two is mainly geographical and stylistic, since estar + gerund is the standard form

in Brazilian Portuguese and in some areas of Portugal, while estar + a + infinitive prevails in Standard European

Portuguese [...]. (SQUARTINI, 1998, p. 113)

Page 63: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

40

Aquêle menino está sempre brigando com os outros.

(THOMAS, 196935

apud SQUARTINI, 1998)

Em situações de duração delimitada:

O pior seria estarmos esperando muito tempo.

(THOMAS, 1969 apud SQUARTINI, 1998)

Com imperativo negativo:

Veja o leitor a comparação que melhor lhe quadrar, veja-a e não esteja daí a torcer-me o

nariz, só porque ainda não chegamos à parte narrativa destas memórias.

(Machado de Assis, em Memórias póstumas de Brás Cubas)

De acordo com essa análise, portanto, o português se assemelharia muito mais ao

espanhol do que ao italiano, por exemplo, e, mais adiante, o autor também mostra que o

galego se comporta de forma análoga ao português e ao espanhol, parecendo assinalar um

certo padrão característico das línguas ibero-românicas.

Squartini conclui que as perífrases românicas que indicam progressividade dividem-se,

basicamente em dois grupos:

As línguas nas quais as perífrases progressivas restringem-se a contextos

imperfectivos nos quais a situação é vista em curso em um determinado

período (tais como no italiano e no francês);

As línguas nas quais as perífrases ocorrem tanto em situações imperfectivas,

marcando que estas estão em curso, quanto em situações meramente

durativas, que são marcadas por “acionalidade”36

e não por aspectualidade (é

35

THOMAS, Earl W. The syntax of sponken Brazilian Portuguese. Nashville: Vanderbilt University Press,

1969. 36

O autor chama de “acionalidade” (actionality) o que Costa (2002) chama de Modo de Ação, ou seja, a

categoria comumente denominada de Aktionsart em trabalhos sobre aspecto.

Page 64: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

41

o caso das línguas ibero-românicas, tais como o português e o espanhol, por

exemplo).

Assim, as ideias de “duração pura” e de progressividade imperfectiva seriam as duas

funções básicas desempenhadas pelas construções gerundiais (e respectivas construções

infinitivas) nas línguas românicas.

Diferentemente de Costa (2002), o autor faz questão de manter a distinção entre

aktionsart e aspecto e acredita que tal procedimento pode ser útil para esclarecer a evolução

de diversas construções perifrásticas das línguas românicas.

Passando aos estudos da linguista Brenda Laca, que já nos serviram de referência em

Mothé (2007), percebemos algumas diferenças, mas também alguns pontos de contato em

relação ao proposto por Squartini. Em vários dos artigos da autora, ela também mantém e

julga fundamental a distinção entre aktionsart e aspecto. Segundo ela, as perífrases aspectuais

se dividem em dois tipos: as perífrases de situação (ou de aspecto lexical ou ‘Aktionsart’) e

as perífrases de ponto de vista (ou de aspecto gramatical ou sintático). Laca afirma que

ambas se distinguem tanto semântica como sintaticamente e, portanto, devem ser estudadas de

modo separado.

A partir dessa dicotomia entre perífrases de situação e de ponto de vista, uma das

contribuições dos estudos de Laca para nosso trabalho diz respeito às considerações acerca da

ordem das perífrases aspectuais. No artigo “Spanish ‘Aspectual’ Periphrases: Ordering

Constraints and the Distinction Between Situation and Viewpoint Aspect” (2002), Laca cita a

proposta de um linguista chamado Cinque segundo a qual o autor tenta solucionar a questão

do status sintático e semântico do verbo principal da perífrase (CINQUE, 1998, 1999 e 200037

apud LACA, 2002). Mas, após analisar seus argumentos, a autora afirma que a hierarquia de

Cinque não oferece resposta totalmente satisfatória para a questão. Apesar disso, ela admite

haver condicionamentos com relação à ordem das construções perifrásticas, sendo este um

dos fatores que as diferencia, juntamente com a possibilidade de combinações dos

constituintes.

37

CINQUE, Guglielmo. “Restructuring” and the order of aspectual and root modal heads. In: University of

Venice Working Papers in Linguistics, 8, 1998.

__________. Adverbs and Functional Heads. A Cross-linguistic Perspective. New York: Oxford University

Press, 1999. (Monografia).

__________. “Restructuring” and functional structure. Ms. University of Venice, 2000.

Page 65: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

42

Laca acredita que a ordem das perífrases aspectuais seja determinada tanto por

condicionamentos extrínsecos como por condicionamentos intrínsecos, e a diferença entre

esses domínios é o que caracteriza a distinção entre aspecto sintático e aspecto lexical (2002,

p. 8). Com base nessa distinção, reproduziremos um quadro já exposto em Mothé (2007) onde

podemos melhor visualizar os tipos de perífrases aspectuais segundo Laca:

TIPOS DE PERÍFRASES ASPECTUAIS

ASPECTO SINTÁTICO ASPECTO LEXICAL

Afixos de flexão Afixos de derivação

Mais periféricos (longe da raiz) Menos periféricos

Elementos extrinsecamente ordenados

(ordem mais rígida)

Elementos intrinsecamente ordenados

(mais “liberdade”)

Afixação sintática Afixação lexical

Aspecto de ponto de vista Aspecto de situação

Quadro 4: Tipos de perífrases aspectuais: aspecto sintático x aspecto lexical, segundo Laca (2002)

Ou seja, segundo sua hipótese, há correlação entre aspecto de ponto de vista (posição

periférica – ordem extrínseca) versus aspecto de situação (posição interna – ordem

intrínseca). Como se verá no capítulo 3, alguns grupos de fatores desta pesquisa objetivam

investigar justamente a relevância da ordem dos constituintes em torno das construções

gerundiais.

Concretamente, ao tentarmos aplicar essa diferenciação ao uso de gerúndio e de

infinitivo gerundivo em língua portuguesa, observamos que, segundo Smith, em The

Parameter of Aspect (SMITH, 199138

apud LACA, 2002), o aspecto sintático (ou “de ponto

de vista”) corresponde à relação entre o intervalo de tempo da situação (SitT) e o intervalo de

tempo do enunciado (AssT). Com isso, Laca (2002, p. 10) propõe três possibilidades de

aspectos de ponto de vista:

AssT ANTES SitT – prospectiva (ex.: ir + gerúndio);

AssT DEPOIS SitT – retrospectiva (ex.: acabar de + infinitivo);

AssT DURANTE SitT – progressiva (ex.: estar + gerúndio / a + infinitivo)

[onde podemos ver que se enquadra nosso fenômeno].

38

SMITH, Carlota. The parameter of aspect. Dordrecht: Kluver Academic Publishers, 1991.

Page 66: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

43

Convém pontuar que, de acordo com Laca, muitos fatores semânticos e distribucionais

mostram que, com verbos de movimento, as perífrases de gerúndio não dizem respeito ao

aspecto progressivo, uma vez que este deve incluir AssT em SitT, ou seja, o ponto final da

ação não pode coincidir com o ponto final da enunciação. Tal posicionamento diverge do de

Squartini (1998). Para exemplificar, a autora cita do espanhol:

A las tres / Cuando llegaba a casa, María estava poniendo la mesa.

em que, segundo ela, não há aspecto progressivo, e sim “telicidade suspensa”39

. De acordo

com Bybee & Dahl40

apud Laca (1998, p. 217), o aspecto progressivo indica:

Uma atividade que está em continuidade no momento da fala;

Uma atividade realmente em progresso no momento do evento;

Atividades realmente em progresso no momento de referência41

.

Em outro de seus artigos, “Aspect – Periphrase – Grammaticalisation. A propôs du

‘Progressif’ dans les langues ibero-romanes” (1998), o foco da autora, assim como o de

Squartini (1998), é o estudo do aspecto sob a perspectiva da gramaticalização. A autora

afirma que as “perífrases surgem como resultado de processos de gramaticalização e

diferenças entre elas podem até indicar diferentes fases do processo”42

(2002, p. 24, tradução

nossa). Por isso, contrasta o surgimento de diversas perífrases aspectuais (em especial as que

indicam aspecto progressivo), visando a mostrar que há muitas semelhanças entre elas nas

diferentes línguas românicas, que constituiriam, assim, um bom campo para os estudos de

gramaticalização uma vez que, na maioria dos casos, há muitas (pelo menos duas e, às vezes,

seis) perífrases “concorrentes” com nuances de diferenciação muito sutis. A variedade de

construções semanticamente alternativas muito parecidas entre si caracterizaria um dos

39

Em outro artigo, os objetivos da autora são justamente provar que as perífrases com verbos de movimento

pertencem ao domínio de aspecto “mais baixo”, enquanto as verdadeiras perífrases de aspecto progressivo

seriam aquelas constituídas pelo verbo STARE (LACA, 2004).

40

BYBEE, Joan L.; DAHL, Östen. The creation of tense and aspect systems in the languages of the world. In:

Studies in Languages 13, 1989. p. 51-103.

41

[…] an activity that is ongoing at speech time; activity actually […] in progress at event time; activities […]

actually in progress at reference time […] (LACA, 1998, p. 217).

42

Now, it is an uncontroversial fact that periphrases arise as a result of grammaticalization processes. It is thus

tempting to assume that the differences we have just discussed correspond to different stages in such processes.

(LACA, 2002, p. 24)

Page 67: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

44

ambientes favoráveis à gramaticalização. Em termos gerais, a autora defende a hipótese de

que o caminho de gramaticalização seguido pelas perífrases é: copulativo/locativo >

progressivo > imperfectivo.

Laca fundamenta em três partes sua defesa em favor da gramaticalização da

construção estar + gerúndio: 1- existe generalização da distribuição de estar + gerúndio em

espanhol e em catalão; 2- houve a multiplicação dos valores contextuais dessa perífrase; e 3-

ocorreu o aumento da frequência da construção.

Acerca da generalização da distribuição da perífrase em espanhol e em catalão, a

autora mostra que, até o século XV, esta se combinava com “verbos agentivos que indicassem

uma ação controlada ou voluntária de um sujeito animado”. Atualmente, contudo, esta

também se combina com sujeitos não animados, verbos estativos (não agentivos), predicações

atributivas e verbos de movimento (1998, p. 218).

Já com relação à multiplicação dos valores contextuais, os dados de sua pesquisa

mostram estar + gerúndio aparecendo em predicações com o valor de uma “disposição,

aptidão” ou de um “hábito temporário”.

Quanto à frequência, Laca mostra que, no espanhol contemporâneo, estar + gerúndio

é de duas a três vezes mais frequente do que ir e andar + gerúndio, em dois corpora: um de

textos narrativos posteriores a 1950; e outro de língua oral. Ela menciona o trabalho de Yllera

(YLLERA, 197943

apud LACA, 2002) que concluiu que, até o século XIV, o quadro era

inverso e que estar + gerúndio começou a “tomar o lugar” de ir e andar + gerúndio somente

a partir de então.

Mas, ainda assim, mesmo com tantos trabalhos descritivos, afirmamos, como em

Mothé (2007):

É difícil diferenciar as perífrases de gerúndio, pois costumam se comportar de

maneira muito semelhante em relação às possíveis estratégias usadas para distinguir

perífrases: caráter fixo ou não dos constituintes; possibilidade de introduzir ou não

material lexical ou gramatical entre o auxiliar e o gerúndio; e a ordem dos clíticos

junto com tais construções. Sendo assim, Laca aponta a necessidade de encontrar

índices semânticos de caracterização para identificar a gramaticalização que ocorre

nessas perífrases (Laca, 1998, p. 209 apud Mothé, 2007, p. 64).

Essas investigações acerca do comportamento das perífrases aspectuais em outras

línguas românicas podem nos indicar caminhos para o estudo das construções gerundiais em

língua portuguesa. É o que tentaremos observar nos dados encontrados em nossos corpora

43

YLLERA, Alicia. Sintaxis histórica del verbo español: las periphrasis medievales., Zaragoza, Dpto. de

Filologia, 1979.

Page 68: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

45

controlando alguns fatores que nos foram sinalizados como “pistas” nesses trabalhos,

indicando estarem, de alguma forma, relacionados ao emprego de uma ou outra perífrase

aspectual. Assim, controlaremos, por exemplo, a ordem das orações gerundiais no período, a

possibilidade de intercalação de elementos entre o verbo auxiliar e o verbo pleno e a

classificação semântica das orações e dos verbos principais que constituem as perífrases,

como se verá no capítulo 3, na seção voltada à delimitação das variáveis sociolinguísticas.

A seguir, veremos como algumas gramáticas de língua portuguesa descrevem a noção

de aspecto e os usos de gerúndio e de infinitivo gerundivo.

2.3 O aspecto e o uso das construções gerundivas em gramáticas descritivas

lusas

Neste subcapítulo, também mostraremos como o tema aspecto, bem como o emprego

de gerúndio e de infinitivo gerundivo, é tratado em algumas gramáticas portuguesas desde o

século XIX, chegando a Mateus et alii (2003) e à gramática luso-brasileira de Cunha & Cintra

(2001), muito conceituada tanto aquém como além-mar.

Iniciaremos nossa análise das obras desta seção a partir de algumas gramáticas

clássicas publicadas em Portugal ainda no século XIX ou no começo do século XX. Não

encontramos em qualquer uma delas a menção clara ao termo aspecto. Mas vislumbramos,

ainda que indiretamente, a tentativa de alguns autores descreverem essa possibilidade de

expressão na língua. Foi o que aconteceu, por exemplo, na Grammatica Philosophica da

Língua Portugueza (1822), em que Jerônimo Soares Barbosa afirma no capítulo sobre

verbos:

Foi necessario pois para a enunciação completa de nossos conceitos, que o verbo

substantivo simples chamasse em ajuda sua outros verbos, que junctos e conjugados

com elle, acabasse, de formar o painel da enunciação total dos diversos modos

possíveis, porque o espirito póde conceber, e concebe huma couza existente. Estes

verbos chamão-se por isso Auxiliares, porque auxilião o verbo Ser para tomar todas

as fórmas compostas, e combinações precisas para este fim.

Taes são os tres verbos Haver, Estar, e Ter, combinados com o infinitivo impessoal,

e particípios do verbo Ser, deste modo: Haver de ser, Esta sendo, Ter sido. [...] Estes

tres auxiliares pois, junctos com o verbo substantivo, fazem com elle tres

Linguagens compostas, que se podem chamar, a primeira Inchoativa, a

segunda Continuativa, e a terceira Completiva da existencia do attributo no

sujeito, significada pelas fórmas infinitivas do verbo Ser.

Page 69: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

46

[...]

Estes verbos considerados como Auxiliares, não tem a mesma accepção, que tem,

quando se tomão em sua significação primitiva, [...], perdem então a sua

significação propria e natural para exprimirem os vários estados de existencia ou

começada, ou continuada, ou acabada, de baixo dos quaes se póde considerar

hum objeto em qualquer epocha, ou tempo. (BARBOSA, 1822, p. 195-196, grifos

em itálico do autor; em negrito, nossos)

Conforme podemos verificar no trecho acima, Jerônimo Soares Barbosa, mesmo sem

usar a nomenclatura aspecto, chega a mencionar que, em língua portuguesa, muitas vezes

usamos perífrases (estruturas formadas por verbos auxiliares + formas infinitivas do verbo)

para exprimir ideias “incoativas, continuadas ou acabadas”. Além disso, o autor ressalta que,

por meio dessas estruturas, “podemos considerar um objeto em qualquer época ou tempo”,

isto é, mesmo sem usar exatamente as palavras com as quais estamos habituados na

nomenclatura linguística hoje, nesse excerto o autor faz referência à constituição interna do

tempo de uma determinada ação, sua duração, o que, segundo já observamos antes, diz

respeito justamente à categoria aspecto.

Outra observação que merece ser feita em relação ao trecho acima é concernente aos

verbos considerados pelo autor como auxiliares. Apesar de só mencionar os verbos haver

estar e ter, mais adiante Barbosa (1822) afirma:

Alêm destes tres verbos auxiliares, que exprimem os tres diferentes estados de

Existencia, há outros tres, que exprimem também os tres diferentes modos de acção

e movimento, pelos quaes hum agente passa para mostrar ou a duração de huma

acção, ou sua proximidade no tempo, quer anterior, quer posterior. Taes são os

nossos tres verbos de movimento Andar, Vir, e Hir, que junctos com os infinitos, e

particípios de outros verbos deste modo: Ando ou Vou escrevendo, Venho de

escrever, Vou escrever; [...]. (BARBOSA, 1822, p. 197-198)

O autor acrescenta à lista dos já mencionados verbos auxiliares ter, haver e estar, os

verbos andar, ir e vir. Ressaltamos que, até então, Barbosa (1822) não empregou em nenhum

momento o termo gerúndio. Antes, refere-se a essa forma como um dos particípios do verbo

(no caso, o que ele chama de particípio imperfeito). Também não constatamos até aqui

qualquer referência à possibilidade de formar uma perífrase indicativa de continuidade

mediante uso da estrutura verbo auxiliar + a + infinitivo, ou seja, o infinitivo gerundivo.

Ainda em relação ao tratamento dado a noções aspectuais (mesmo que sem tal

nomenclatura), Barbosa (1822) afirma, na seção II – Dos Tempos do Verbo em geral – do

capítulo relativo ao verbo de sua gramática:

Page 70: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

47

Não há pois verdadeiramente se não tres durações ou Tempos, a saber, o Presente,

que he o em que se está falando; o Preterito, que he todo aquelle, que precedeo ao

presente; e o Futuro, que he todo o que se lhe há de seguir. Mas todas estas

durações e tempos se podem considerar de dous modos; ou como continuados e

não acabados, ou como não continuados e acabados. Daqui a subdivisão dos

mesmos tres tempos em Imperfeitos ou Periodicos, e em Perfeitos ou

Momentaneos.

Os tempos imperfeitos exprimem durações não acabadas; e como estas são outras

tantas continuações da existencia dentro dos espaços, que correm ou até á epocha da

palavra, ou no tempo desta, ou depois della; [...]. (BARBOSA, 1822, p. 204, grifos

em negrito nossos)

De novo, constatamos, na obra do autor, a percepção e descrição de ideias aspectuais,

Perfeito x Imperfeito, que só passariam a ser assim chamadas nos estudos linguísticos mais

tarde.

Com relação às formas nominais em si, segundo nomenclatura que utilizamos

atualmente, Barbosa (1822) chama-as simplesmente de formas infinitivas do verbo,

distinguindo entre elas somente infinitivo x particípios, sem utilizar o termo gerúndio. Assim:

A estas tres espécies de orações, de que são tecidos todos os períodos do discurso,

correspondem justamente os tres modos de enunciar a coexistência do attributo no

sujeito da proposição; ou enunciando-o pura e simplesmente sem determinação

alguma nem de afirmação, nem de subordinação, nem de tempos, e pessoas; e este

he o Modo, chamado por isso mesmo Infinitivo, ou indeterminado, que he a

forma primitiva de qualquer verbo, como: Ser, Haver, Estar, Ter, e as suas

dirivadas Sendo Sido, Havendo Havido, Estando Estado, Tendo Tido; as quaes

todas nunca se empregão no discurso se não como additamentos e complementos de

outros verbos, ou preposições, por quem são regidas á maneira dos nomes

substantivos e adjetivos, de cuja natureza, indeterminação, e propriedades participão

para este mesmo fim, chamadas por isso Participios, ou Modo Participial; porque

participão de nomes o poderem ser, como elles complementos da oração, e

participão do verbo a propriedade de enunciarem a coexistência indeterminada de

huma couza com outra. (BARBOSA, 1822, p. 201, grifos em negrito nossos)

Percebemos, portanto, que o gerúndio é referido como Particípio Imperfeito, cujo uso

o autor descreve em:

Este participio tem dous usos na nossa Lingua, o primeiro o de compor Linguagem

com o auxiliar Estar, como Estou sendo amante, ou Estou amando, que he o mesmo

(sum amans). O segundo o de fazer por si huma oração á parte, porém sempre

subordinada a outra principal, e dependente della ou como circunstancia, ou como

modo, ou como causa. (BARBOSA, 1822, p. 209)

Ambos os casos de uso mencionados por Barbosa no fragmento acima são detalhados

em uma seção posterior, onde trata exclusivamente dos particípios dos verbos adjetivos, mais

especificamente sobre o particípio imperfeito ativo:

Page 71: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

48

Nossa Lingua emprega os particípios imperfeitos activos de dous modos, ou

Conjugando-os, ou Conjunctando-os. Conjuga-os so com hum dos tres verbos

auxiliares, ou com o continuativo Estar, ou com o frequentativo Andar, ou com o

inchoativo Ir, como: Estou escrevendo, Ando cuidando, Vou convalescendo.

Conjuncta-os fazendo-os depender de outro verbo e oração ou principal, ou

subordinada, ou incidente, a que servem ou de modo, ou de circunstancia, ou de

condição, ou de causa e rasão. (BARBOSA, 1822, p. 285)

Seguem-se exemplos e maiores esclarecimentos acerca de cada uma das possibilidades

de emprego da forma a que o autor chama particípio imperfeito, citadas acima. Em nenhum

momento, porém, Barbosa (1822) menciona a construção a + infinitivo tampouco a

alternância entre esta e as estruturas com o particípio imperfeito.

Já Julio Moreira, em seus Estudos da Língua Portuguesa (1907), quase um século

depois da obra de Jerônimo Soares Barbosa, faz menção explícita ao emprego da construção a

+ infinitivo como equivalente ao gerúndio, veiculando, ambos, a ideia de ação em curso.

No capítulo XIX da referida obra, o autor afirma que o gerúndio, no latim, possuía três

formas (v. g.: amandum, amandi, amando) e que, no português, conservou-se apenas uma

forma de seu emprego verbal “em virtude do desaparecimento dos outros casos, cujas relações

passaram a exprimir-se com o infinitivo precedido de preposições” (MOREIRA, 1907, p. 94).

Após descrever os usos do gerúndio e comentar acerca dos supostos problemas

advindos da tradução direta do gerúndio francês, o que os gramáticos da época (e alguns

puristas ainda hoje, como vimos no capítulo 1) costumavam considerar galicismo, o autor

inicia uma nova seção para tratar das construções perifrásticas com gerúndio, sobre as quais

afirma:

Ainda as expressões da chamada conjugação perifrástica, formada com o gerúndio,

são muito menos empregadas na linguagem popular do que na língua culta. O

gerúndio é na maior parte dos casos substituído pelo infinitivo procedido da

preposição a. Assim entre o povo dir-se-ha antes <<está a estudar>> do que

<<está estudando>>.

Pelo contrário, no dialecto do Brasil as periphrases em que entra o gerúndio têm

muito mais amplo emprego do que entre nós, usando-se o gerúndio até depois de

verbos que na nossa língua culta costumam ser construídos as mais das vezes com

uma preposição e infinitivo [...] (MOREIRA, 1907, p. 98-99, grifos nossos).

A partir do trecho acima, verificamos que o autor não só menciona que o gerúndio

costuma ser substituído por “infinitivo precedido da preposição a”, como afirma que isso se

dá com maior frequência na linguagem popular. Além disso, cita a diferença quanto a esse uso

no Português Brasileiro. Tais observações mostram que o autor, mesmo em tempos quando

Page 72: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

49

ainda não eram comuns ou sistematizados os estudos sociolinguísticos enquanto ciência, já

considerava a variação linguística social e diatópica com relação ao fenômeno aqui estudado.

Já na Syntaxe Histórica Portuguesa (1918), de Epiphanio Dias, a menção à

construção a + infinitivo como intercambiável com o gerúndio aparece logo no início do

capítulo sobre verbos, na explicação sobre o presente do indicativo:

O presente serve, em primeiro lugar, de designar o que se está dando no tempo

presente.

Querendo-se designar explicitamente o que se está dando no momento em que a

pessoa falla, de modo que não haja confusão com a designação do que costuma

acontecer, emprega-se a conjugação periphrástica, composta do verbo estar com

o particípio presente, ou com o infinitivo presente precedido de a. (Assim, a

alguém que pergunte se pode agora fallar a um individuo, responder-se-lhe-ha, por

ex.: <<Agora não, porque está a jantar>> e não: porque janta). (DIAS, 1918, p.

185-186, grifos nossos)

Como se pode verificar, o autor acaba definindo o presente por oposição à ideia

expressa pelo aspecto progressivo realizado com perífrases de gerúndio ou a + infinitivo.

Dias (1918), em seguida, atém-se a descrever os usos de cada modo e tempo verbais,

dentre eles o infinitivo e o gerúndio, ao qual, assim como Jerônimo Soares Barbosa, chama

apenas de particípio (em seu caso específico, chama de particípio ativo em -ndo).

O autor dedica, ainda, uma seção às construções perifrásticas, na qual – dentre as

construções que indicam ação em curso – menciona apenas:

§321. Com o verbo andar e o partic. presente ou o infinitivo precedido da prepos. a,

representa-se a ação como objeto de occupação prolongada: [...]

§322. a) Com o verbo ir e o partic. presente, exprime-se a realização gradual da

acção: [...]

§323. a) Com o verbo vir e o partic. presente, exprime-se a realização gradual da

acção. [...]

§324. a) Com estar e o partic. presente, ou o infinitivo precedido da prepos. a,

representa-se, de modo preciso, a acção como estando começada. (DIAS, 1918, p.

255-257)

Como podemos observar, curiosamente, o autor, de início, não menciona perífrases

formadas com o verbo auxiliar estar, que, em geral, são apontadas como as mais frequentes

para indicar ação em curso ou aspecto progressivo. O autor cita como válidas para tal fim,

com uso tanto com gerúndio quanto com a + infinitivo, apenas as construções formadas a

partir do verbo auxiliar andar. As construções com o verbo auxiliar estar serão citadas apenas

mais adiante e, sobre as quais, afirma que – junto de gerúndio ou de a + infinitivo – são

usadas para representar uma ação começada. Ou seja, as perífrases com auxiliar estar não são

Page 73: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

50

apontadas por Dias (1918) como necessariamente indicativas de ação em curso. Antes,

sinalizam apenas que a ação “já foi começada”.

Já com relação à expressão de realização gradual da ação, Dias (1918) mostra somente

construções com os auxiliares ir e vir seguidas de gerúndio (particípio presente) e não com a

+ infinitivo. Tal descrição, que restringe as construções formadas pelos auxiliares ir e vir ao

emprego de verbos principais no gerúndio (e não com a + infinitivo), perdurará até os dias de

hoje, em descrições mais modernas, conforme veremos a seguir.

Com relação a essas três gramáticas vistas até então, podemos perceber que a única

delas que não menciona a possibilidade de usar a construção com a + infinitivo no lugar de

construções com gerúndio é justamente a mais antiga delas: Barbosa (1822). Isso pode

sinalizar que, àquela altura, o uso de infinitivo gerundivo ainda não estava tão difundido no

uso da língua, o que corrobora o que supusemos e expusemos no capítulo 1, em que

afirmamos que tal uso se propagou de forma mais significativa no PE a partir do século XX,

com base em Maler (1972), Barbosa (1999), Menon (2004) e Mothé (2007). Além disso,

Moreira (1907), já no início do século XX, chega a mencionar que a construção perifrástica

constituída por infinitivo precedido da preposição a (no lugar de gerúndio) é mais comum na

linguagem popular, o que também confirma o que fora exposto no capítulo 1 e se opõe ao que

é observado hoje no PE de maneira geral, pois é perceptível que o infinitivo gerundivo tem

sido empregado amplamente mesmo nos contextos mais formais de uso da língua portuguesa.

Passando às gramáticas contemporâneas, começaremos por Cunha & Cintra (2001).

Nas obras mais modernas, já vemos menção ao conceito de aspecto, o qual é definido pelos

autores como “uma categoria gramatical que manifesta o ponto de vista do qual o locutor

considera a ação expressa pelo verbo” (CUNHA; CINTRA, 2001, p. 382). Em seguida, os

autores fazem a oposição de quatro tipos de variação aspectual:

1- Formas perfeitas e mais-que-perfeitas versus formas imperfeitas

2- Valores semânticos dos verbos:

a) Aspecto pontual / aspecto durativo – de acordo com a extensão de tempo da ação;

b) Aspecto contínuo / aspecto descontínuo – de acordo com o processo de

desenvolvimento da ação [embora eles não mencionem explicitamente – entre as formas de

realização desse aspecto citadas na gramática – a oposição entre gerúndio e infinitivo

gerundivo se enquadraria no chamado aspecto contínuo, conforme nomenclatura dos autores.

Page 74: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

51

Outros autores chegam a considerar este como sinônimo do aspecto durativo, conforme vimos

anteriormente.];

c) Aspecto incoativo / aspecto conclusivo – de acordo com a fase em que se encontra a

ação.

3- Forma simples versus perífrase durativa

Relativamente a esse tipo de classificação, os autores afirmam que a perífrase estar +

gerúndio (ou infinitivo precedido de preposição a, ou seja, o infinitivo gerundivo) pode ser

usada em todos os modos e tempos verbais. Além disso, no lugar do verbo estar, podem

aparecer outros verbos auxiliares: os de movimento (andar, ir, vir etc.) ou os que eles chamam

de de implicação (continuar, ficar etc.).

4- Ser versus estar – Diferentes tipos de passividade

Como se pode observar, diferentemente das abordagens já mencionadas, o aspecto

contínuo não seria, de acordo com os autores, uma subcategoria da noção imperfectiva. Antes,

faria parte, na verdade, de outra forma de classificação aspectual, segundo a qual se rotulam

semanticamente os verbos que constituem as perífrases. Conforme mencionamos acima, eles

também não citam as estruturas gerundiais do valor semântico que chamam de aspecto

contínuo, mas, ainda assim, entendemos que nosso fenômeno se enquadraria nessa

classificação.

A respeito especificamente das formas gerundiais que estudamos, Cunha & Cintra

(2001) afirmam que o verbo apresenta variações de número, pessoa, modo, tempo, aspecto e

voz. No início da seção “verbo” de sua gramática, os autores afirmam existir apenas três

modos em português: indicativo, subjuntivo e imperativo. Logo em seguida, porém, incluem

na seção “modos” as formas nominais infinitivo, gerúndio e particípio.

Em uma outra parte da mesma gramática, os autores declaram que as formas nominais

se caracterizam por não poderem expressar sozinhas nem o tempo nem o modo. Antes, seus

valores temporal e modal dependeriam do contexto em que aparecem. Com essas definições,

não fica claro para o leitor se os autores consideram ou não as formas nominais como modos

do verbo, conforme já tínhamos ressaltado em Mothé (2007).

Semelhante ao que já verificávamos nas gramáticas do século XIX e do início do

século XX, eles mostram que cada uma dessas formas nominais se aproxima, devido a

algumas características, a outra(s) classe(s) de palavras. Assim, o infinitivo se aproximaria da

Page 75: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

52

classe dos substantivos; ao passo que o gerúndio, da dos advérbios ou dos adjetivos. O

particípio, embora não seja o foco de nossa pesquisa, são apontados por eles como próximos à

classe dos adjetivos.

Especificamente sobre o infinitivo, os autores mostram que este pode ser flexionado

ou não flexionado e fornecem exemplos de usos dos dois casos, buscando sistematizar este

que é um dos tópicos de maior divergência nas gramáticas de Língua Portuguesa. A respeito

das construções com infinitivo precedido da preposição a, ou seja, equivalendo a um

“gerúndio em locuções formadas com os verbos estar, andar, ficar, viver e semelhantes”

(CUNHA; CINTRA, 2001, p. 486), os autores afirmam que nestas é conservada a forma não

flexionada de infinitivo. Em nossos dados, tanto os de Mothé (2007) quanto os da presente

pesquisa, entretanto, encontramos vários casos que mostram o contrário tanto no uso

perifrástico quanto no sintético do infinitivo gerundivo, como em:

DE MOIMENTA DA BEIRA. O QUE É DEMAIS... – MOLMENTA DA

BEIRA, 28 – Na noite do Natal e devido, talvez (pois de outra forma

não se pode conceber) aos fumos do alcool (sic) serem em excessiva

quantidade, um grupo de rapazes de baixo quilate, mas com

pretensões a creaturas educadas (o que, francamente, não provaram)

andaram em devaneios noctívagos a percorrerem as ruas desta villa

em grandes algazarras e cometendo as maiores tropellas.

(Dado 152 Centro, 01 jan 1931)44

FENÓMENO DAS MILÍCIAS POPULARES CONTINUA AO RUBRO.

<<SARRAFO>> NO BAIRRO DE S. TOMÉ. [...] <<Estamos fartos

de ver drogados por todo o lado, a injectarem-se mesmo em frente

das crianças>>, adiantou a mesma fonte.

(Dado 619 Norte, 10 jun 1995)

Conforme podemos observar, “a percorrerem” e “a injectarem-se”, nos dados acima,

apresentam-se na forma de infinitivo flexionado e ambos possuem valor gerundivo (poderiam

ser substituídos por “percorrendo” ou “injetando-se” sem perda de sua informação básica de

progressividade). Contraditoriamente, algumas páginas após afirmarem que a construção a +

infinitivo equivalendo a gerúndio mantém a forma não flexionada, os próprios autores

explicitam um exemplo de Aluísio Azevedo em que há o emprego da forma flexionada dessa

construção objetivando, segundo eles, “dar à frase maior ênfase ou harmonia”:

44

Os exemplos retirados de nosso corpus de análise e demonstrados neste trabalho serão sempre referenciados a

partir da numeração que mantêm em nossos arquivos de dados juntamente com a região de Portugal de onde

provêm e da data de publicação no periódico de onde foram extraídos.

Page 76: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

53

“Aqueles homens gotejantes de suor, bêbados de calor, desvairados de insolação, / a

quebrarem, / a espicaçarem, / a torturarem a pedra, / pareciam um punhado de demônios

revoltados na sua impotência contra o impassível gigante.”

(AZEVEDO apud CUNHA; CINTRA, 2001, p. 489)45

Com isso, parece que Cunha & Cintra não consideram gerundivo os usos do fragmento

acima, talvez por não apresentarem verbos auxiliares. Em nosso entendimento, porém, o texto

de Aluísio Azevedo também – assim como nossos dados transcritos anteriormente – expõe

construções formadas por a + infinitivo flexionado que são, sim, equivalentes funcionais da

forma nominal gerúndio. Isso indicaria, portanto, que a variação entre forma flexionada ou

não flexionada do infinitivo ocorre de forma semelhante, mesmo quando este representa uma

ação em curso.

Ainda sobre usos do infinitivo, convém mencionar que Cunha & Cintra denominam

infinitivo de narração o infinitivo precedido de preposição a em “frase nominal de acentuado

caráter afetivo”, com sentido narrativo ou descritivo. Este também tende a aparecer – segundo

eles – sob forma não flexionada. Exemplos (2001, p. 486):

Mais dois dias. E Catarina a piorar.

(Jorge Amado, Gabriela, Cravo e Canela)

[...] A mãe a fenecer em casa, a ouvir e a obedecer.

(Óscar Ribas, Uanga: feitiço)

Tal caráter “afetivo” dessa construção também é mencionado por Campos (1972, p.

50), que afirma ocorrerem em “descrições dotadas de grande vivacidade onde a afetividade

justifica a ausência da forma verbal pessoal”. Diferentemente de Cunha & Cintra (2001),

porém, segundo a pesquisadora, esse uso não se restringe à construção a + infinitivo, mas

também ao próprio gerúndio (“uma sequência de gerúndios enfatiza o que se pretende

reproduzir” (1972, p. 158)), demonstrando mais um contexto em que as duas construções

podem ser consideradas intercambiáveis.

45

Os exemplos de obras literárias aqui apresentados encontram-se nas próprias gramáticas às quais estamos nos

referindo em cada seção.

Page 77: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

54

Acerca desse emprego narrativo do infinitivo precedido da preposição a, Simões

(2007, p. 115) afirma que “Nesse tipo de orações, em lugar do verbo finito, encontra-se um

substantivo, um adjetivo, uma forma nominal (infinitivo preposicionado, particípio ou

gerúndio) ou ainda qualquer nome precedido de preposição.”. Simões também cita a tese de

doutoramento de Campos (1972), segundo a qual esse uso gerundial não existia nas fases

mais antigas da língua portuguesa, tendo se desenvolvido somente no português

contemporâneo.

Também sobre esse tipo de uso das construções gerundiais no português, existem os

casos que Barbosa (1999, p. 216) chamou de gerúndio narrativo, ou seja, “uma ou mais

orações iniciadas por gerúndio, sem qualquer valor circunstancial ou relativo, mas sim em

uma estrutura em coordenação funcionando como um encadeador discursivo”.

Podemos observar exemplos desse uso do gerúndio nos seguintes dados de nosso

corpus:

FESTIVIDADE Á SENHORA DA MISERICÓRDIA. [...] Concluindo,

põe em evidência as grandes obras praticadas pela Santa Casa da

Misericórdia do Porto, enaltecendo-lhe as suas benemerências e os

benefícios que prodigalisa a milhares de infelizes, e exhortando todos

os favorecidos da fortuna a protegerem tão grandiosa instituição de

caridade.

(Dados 135 e 136 Norte, 18 mai 1915)

BANDA DOS BOMBEIROS. Fez a sua visita anual aos seus sócios e

famílias a Banda dos Bombeiros Voluntários desta vila, percorrendo,

ao som de marchas festivas, as principais ruas da vila, apresentando

cumprimentos de Boas-Festas aos seus colaboradores e amigos.

(Dados 251 e 251 Centro, 07 jan 1951)

Sobre esse uso, Barbosa (1999, p. 217) afirma:

[...] o desenvolvimento dessas orações reduzidas não explicita qualquer vínculo a

um nome, nem a um verbo, sob circunstância de tempo, modo, causa, etc. A permuta

válida para as formas nominais em foco deve ser feita por uma forma verbal

indicativa, presente ou perfeita.

Voltaremos a mencionar esse sentido narrativo atribuído a construções gerundivas no

item 3.2.4 desta tese, onde apresentaremos as motivações para controle do grupo de fatores

tipo de texto / sequência textual.

Page 78: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

55

A respeito da forma nominal gerúndio propriamente dita, Cunha & Cintra afirmam ser

invariável46

e ressaltam que, quanto ao tempo, a forma simples (e não a composta) do

gerúndio indica uma ação em progresso, que pode ser imediatamente anterior, posterior ou

contemporânea à ação do verbo da oração principal. Esse sentido, de acordo com os autores,

depende, em geral, da posição do gerúndio na frase, conforme já sinalizamos em Mothé

(2007). Assim:

O gerúndio situado no início do período expressa uma ação realizada

imediatamente antes ou ainda uma ação que começou antes da indicada na

oração principal e ainda continua.

Ganhando a praça, o engenheiro suspirou livre.

(Aníbal M. Machado)

Estremecendo, vejo um casal de sessenta anos.

(Augusto Abelaira)

O gerúndio colocado ao lado do verbo principal denota uma ação

concomitante, equivalendo a um adjunto adverbial de modo.

Maciel ouvia sorrindo.

(Machado de Assis)

Chorou soluçando sobre a cabeça do chão.

(Castro Soromenho)

O gerúndio posposto à oração principal retrata uma ação posterior e,

frequentemente, corresponde a uma oração coordenada iniciada pela

conjunção e.

46

Convém mencionar, embora não seja o foco de nossa pesquisa, que a afirmação de que o gerúndio é

invariável não pode ser vista de forma categórica, pois existem dialetos do PE em que o gerúndio é flexionado,

conforme mostram Carrilho & Pereira (2011) e Carrilho & Lobo (2013), por exemplo. Cunha & Cintra (2001)

não fazem qualquer menção a tal emprego da forma nominal.

Page 79: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

56

No quintal as folhas fugiam com o vento, dançando no ar em reviravoltas de brinquedo.

(Luís Jardim)

A observação de que a semântica (o sentido da oração gerundial) pode variar de

acordo com a posição que ocupa no período em relação à oração principal também é apontada

por Móia & Viotti (2004). A partir dessas referências, criamos para essa pesquisa um grupo

de fatores especificamente para controlar a posição dessas orações no período, conforme

veremos adiante, no item 3.2.12 do capítulo 3.

Além desses supracitados, outros usos do gerúndio mencionados por Cunha & Cintra

são:

Ideia de progressão indefinida, especialmente quando a forma aparecer em

repetição.

Viajando, viajando, esquecia-se o mal e o bem.

(Adonias Filho)

Sentido de imperativo, ordem.

Andando!

Em outra seção da mesma gramática, os autores mostram especificamente o

comportamento do gerúndio em construções perifrásticas. Nela, afirmam que a forma nominal

pode se combinar com os auxiliares estar, andar, ir e vir. O verbo auxiliar ficar não é citado

como possível junto ao gerúndio apesar de esse verbo ser arrolado pelos autores como um dos

verbos auxiliares aspectuais do português em outra parte de sua obra. Além disso,

constatamos na língua em uso, tanto em Mothé (2007) quanto na presente pesquisa, muitos

dados de gerúndio e de infinitivo gerundivo em construções perifrásticas com o auxiliar ficar.

A respeito dos quatro auxiliares citados por eles nessa seção, os autores afirmam que

exprimem uma ação durativa, com diferentes nuances de acordo com o verbo. Nos exemplos

fornecidos pelos autores, conforme vemos abaixo, percebemos que não existe menção, nessa

Page 80: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

57

seção do texto, à possibilidade de realização dessas perífrases com o infinitivo gerundivo.

Assim:

Estar: ação ocorrendo no momento exato da enunciação.

Estas delongas estão afligindo a curiosidade de quem me ler.

(Camilo Castelo Branco)

Andar: ideia de intensidade ou de ação repetitiva.

A população andava agora vivendo dias de chuva [...].

(Manuel Ferreira)

Ir: ação realizada progressivamente ou em fases sucessivas.

Vagaroso, o tempo foi passando.

(Miguel Torga)

Vir: ação que se desenvolve gradativamente em direção ao momento ou ao

lugar em que se encontra o enunciador.

A noite vem chegando de mansinho.

(Fernando Namora)

Já Mateus et alii (2003) apontam três formas de marcar o tempo na língua: através dos

tempos verbais, dos advérbios e das expressões adverbiais de tempo. De acordo com as

autoras, assim como em muitas outras línguas, vários fatores podem influenciar na

determinação do valor aspectual de uma frase em português. Para elas, a noção de aspecto é

essencialmente componencial. Os tempos verbais, por exemplo, podem veicular informação

aspectual sem que a distinção tempo x aspecto possa ser feita morfologicamente.

Page 81: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

58

Ainda segundo Mateus et alii, o aspecto é definido como aquilo que “fornece

informações sobre a forma como é perspectivada ou focalizada a estrutura temporal interna de

uma situação descrita pela frase, em particular, pela sua predicação” (2003, p. 129). Assim, é

o tempo verbal que permite a “ordenação linear de unidades temporais atômicas (instantes) ou

densas (intervalos, períodos) que se podem suceder ou sobrepor”; por outro lado, o aspecto

destaca a estrutura interna das situações, focalizando-as a partir do seu interior e sendo,

portanto, “subatômico”. Além disso, segundo as autoras, o tempo é eminentemente uma

categoria relacional (dêitica ou anafórica), enquanto o aspecto, por se concentrar na

perspectiva interna, não precisa se relacionar com outros elementos.

De acordo com as autoras, o aspecto também está intimamente associado à duração

da situação e pode veicular três tipos de informação: concluído, terminado e em curso. Elas

continuam a tratar da noção de aspecto mencionando uma distinção feita pelos neogramáticos,

no século XIX, e também por alguns dos autores já citados neste trabalho: a diferença entre

aspecto, de natureza gramatical e realizado em muitas línguas (como o português) através de

morfemas flexionais, versus aktionsart (ou modo de ação), de natureza lexical. Assim como

Costa (2002), a cujo trabalho já nos referimos, as autoras são igualmente contra tal

diferenciação, pois acreditam ser possível transmitir informação aspectual através de diversos

processos linguísticos, tais como afixos, construções com auxiliares e semiauxiliares e

combinação de vários elementos na frase associados a esses dois primeiros processos.

Mateus et alii (2003) estabelecem uma tipologia aspectual, como segue:

Figura 2: Tipologia aspectual, segundo Mateus et alii (2003)

EVENTOS

Situações dinâmicas

Télicos

Tendem para um fim

Processos culminados

Duração razoavelmente longa

Culminações

Duração muito breve ou nula

Atélicos Não tendemm para um

fim

Processos

-

ESTADOS

Situações não dinâmicas

Faseáveis Admitem construções

progressivas

Não faseáveis Não admitem construções

progressivas

Page 82: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

59

Dentre os tipos aspectuais mostrados acima, verificamos que – de acordo com as

autoras – nosso fenômeno pode configurar tanto um estado faseável quanto um evento que

indique processo (seja este télico ou atélico). Com efeito, para elas, todas as situações podem

ocorrer com a construção que chamam de progressivo, exceto os chamados estados não

faseáveis (ex.: *Pedro está a estar a comer sopa.).

As autoras tratam detalhadamente dos fatores que julgam responsáveis por mudanças

aspectuais: os tempos gramaticais, os operadores aspectuais e a natureza semântica dos

complementos. Elas começam a descrever as construções que funcionam como operadores

aspectuais justamente a partir do progressivo, que seria, para elas, uma construção bastante

debatida e de uso muito frequente em língua portuguesa. Segundo as autoras, o progressivo

“obtém-se no português europeu com estar a + infinitivo” (MATEUS et alii, 2003, p. 146).

Relacionada a esse ponto do texto, elas incluem uma nota de rodapé onde afirmam: “Em

português do Brasil esta construção obtém-se com estar + Gerúndio, como acontece noutras

línguas e em variedades do português europeu do Alentejo.”. Tal é a única menção à

construção estar + gerúndio na obra, ou seja, atribuindo-a ao PB ou ao dialeto alentejano.

Continuando a tratar da construção estar + a + infinitivo, elas afirmam:

Estas construções apresentam desde logo algumas características interessantes,

sendo uma das mais relevantes o serem perspectivadas como estando a decorrer. A

esta característica podemos ainda associar a de duração e a de incompletude, pois se

uma eventualidade está no seu decurso, é natural que tenha duração e que também

não esteja completa, ou não tenha atingido o seu ponto terminal. (MATEUS et alii,

2003, p. 146)

Em seguida, são fornecidos alguns exemplos sobre a gramaticalidade ou

agramaticalidade de estar + a + infinitivo em cada um dos tipos aspectuais mencionados na

figura 2, acima. A partir dos exemplos, constatam que a construção se torna agramatical

apenas, como referimos acima, com estados não faseáveis.

Não há menção explícita à construção infinitivo gerundivo e elas também não parecem

admitir a possibilidade de se expressar o progressivo com outras perífrases além daquela

formada pelo auxiliar estar. Embora citem e descrevam construções como andar + a +

infinitivo, nenhuma relação é estabelecida entre estas e o progressivo, tampouco mencionam a

possibilidade de, também nesses casos, ser usado o gerúndio no lugar de a + infinitivo.

Após descrever as construções que, em sua concepção, constituem operadores

aspectuais, as autoras explicitam o seguinte quadro resumidor:

Page 83: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

60

VERBOS DE OPERAÇÃO ASPECTUAL SEGUNDO MATEUS ET ALII (2003)

Estar a47

Estados faseáveis

Eventos Estado progressivo

Andar a Estados faseáveis

Eventos Estado habitual ou frequentativo

Começar a48

Estados faseáveis

Eventos Estado pontual

Continuar a Estados

Eventos

Estado não faseável

Processo

Deixar de Estados

Eventos

Estado não faseável

Evento pontual + estado cessativo

Parar de Processos

Processos culminados Evento pontual / (estado cessativo)

Acabar de Processos

Processos culminados Culminação / (processo culminado)

Quadro 5: Verbos de operação aspectual, segundo Mateus et alii (2003, p. 151)

Mateus et alli (2003) não mencionam nada específico sobre formas nominais em si. Só

tratam de gerúndio sintaticamente, ao descreverem as orações gerundiais, que serão analisadas

neste trabalho somente no capítulo 3, quando tratarmos do grupo de fatores tipo sintático de

oração.

Para finalizar a seção, a título de comparação com as gramáticas de língua portuguesa

apresentadas até aqui, mencionaremos o que é dito acerca das perífrases aspectuais em uma

gramática descritiva do espanhol, uma língua românica que funciona de maneira muito

semelhante ao português, conforme já constatamos nos trabalhos citados acima. Na

Gramática Descriptiva de la Lengua Española, Bosque & Demonte (1999) afirmam que as

perífrases aspectuais estão fortemente vinculadas à ação verbal, indicando diferentes nuances

aspectuais. Abaixo, reproduziremos um quadro que resume as ideias aspectuais mencionadas

por Bosque & Demonte (1999):

47

Conforme já mencionamos em Mothé (2007), nesse quadro reproduzido a partir de Mateus et alii (2003), a

preposição é mostrada como participante da perífrase verbal com valor aspectual, exprimindo ideia de duração.

48

É interessante notar que, no quadro, Mateus et alii “juntam” verbos que selecionam obrigatoriamente

preposição e verbos que não o fazem. Elas, além de não mencionarem que pode haver perífrases de aspecto

progressivo seguidas de gerúndio no lugar de preposição + infinitivo com quase todos os verbos do quadro,

também não citam a possível alteração de sentido entre começar + a + infinitivo e começar + gerúndio. Essa

postura parece ser incoerente com o que apresentam no capítulo 11 (2003, p. 400-401), no qual afirmam que,

com verbos que não exigem complementos preposicionados, “as preposições ou locuções prepositivas têm um

importante papel na interpretação”.

Page 84: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

61

ASPECTO VALOR SEMÂNTICO EXEMPLOS

Incoativo Indicam o início da ação Começar a; pôr-se a;

romper a + infinitivo

Ingressivo Indicam o ponto imediatamente anterior ao

início da ação Estar a ponto de + infinitivo

Durativao Indicam o transcurso da ação -

(Re)iterativo Indicam a repetição da ação Andar a, costumar;

voltar a + infinitivo

Perfectivo Indicam o final da ação Acabar de, parar de, deixar

de + infinitivo

Pontual Indicam um ponto qualquer da ação, sem

considerar estágios anteriores ou posteriores -

Quadro 6: Valores semânticos das perífrases aspectuais em castelhano, segundo Bosque & Demonte

(1999)

Conforme já verificamos nas análises comparativas de Laca e Squartini acerca das

línguas românicas, sabemos que, em espanhol, a construção a + infinitivo não veicula

informação relacionada ao aspecto progressivo (ou durativo, como Bosque & Demonte

chamam). Os autores descrevem diversas perífrases com infinitivo frequentes no castelhano,

mas nenhuma delas parece se assemelhar ao emprego de a + infinitivo no português.

Por outro lado, grande semelhança existe entre as perífrases de gerúndio das duas

línguas em questão. Diferentemente do que fazem Mateus et alii (2003) em relação ao

português, Bosque & Demonte (1999) fazem em sua gramática uma descrição bastante

detalhada da forma nominal gerúndio, especialmente das perífrases e construções (em geral)

em que ela se encontra. Os autores dedicam, na verdade, um capítulo inteiro às perífrases de

gerúndio e particípio, o capítulo 52, no qual elencam os verbos que podem aparecer seguidos

de gerúndio formando perífrases verbais na língua espanhola. Reproduziremos, abaixo, um

quadro já presente em Mothé (2007) que resume os usos das construções gerundiais do

castelhano:

Page 85: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

62

PERÍFRASES DESCRIÇÃO

Estar + gerúndio

(Estar + gerundio)

É a perífrase de gerúndio mais usada. Apresenta a ação em curso

durante um período de tempo breve ou longo no passado, no

presente ou no futuro, de acordo com o tempo do auxiliar estar.

Ir + gerúndio

(Ir + gerundio)

Transmite uma ação gradual e prospectiva, de acordo com o

tempo do auxiliar. Não aceita advérbios temporais de duração

concreta, específica.

Vir + gerúndio

(Venir + gerundio)

Expressa a ação em curso que parte de um ponto anterior e se

dirige a um ponto coincidente com o momento designado pelo

auxiliar. É a chamada “visão retrospectiva”.

Andar + gerúndio

(Andar + gerundio)

Caracteriza-se por representar a ação mediante uma série de

conotações subjetivas de natureza diversa, em especial, uma

visão modalizadora da ação (ênfase, solicitude, ansiedade, ironia,

humor...). Bosque & Demonte mencionam que, segundo

Spaulding49

, essa é uma perífrase mais coloquial do que estar +

gerúndio.

Ficar + gerúndio

(Quedar(se) + gerundio)

Exprime uma ação cujo desenvolvimento é captado a partir de

seu momento inicial, com certa noção de começo brusco.

Segundo Bosque & Demonte, muitos autores não a consideram

perífrase.

Sair + gerúndio

(Salir + gerundio)

Expressa o início de uma ação vista em seu transcurso, que

pressupõe um processo anterior (explícito ou não) (BOSQUE;

DEMONTE, 1999, p. 3.421). Ao menos no que tange ao

castelhano, diz-se que essa construção é “meio-perífrase” e

“meio-locução”, pois o verbo principal quase sempre é um

“verbo de dizer” (ex.: Sair dizendo; sair falando...)

Seguir, continuar e

prosseguir + gerúndio

(Seguir, continuar e

proseguir + gerundio)50

Exprime uma noção continuada da ação em curso, que começa

em um momento anterior e se prolonga até o momento designado

pelo auxiliar, sem especificar o momento desde o passado (como

acontece com as perífrases com vir ou levar + gerundio), nem

até o futuro (como faz a perífrase ir + gerundio).

Acabar, terminar +

gerúndio

(Acabar, terminar +

gerundio)

Descrevem uma ação progressiva vista como uma culminação

final de um processo ou série de processos anteriores (visão

“culminativo-finalizativa”, segundo os autores). Também pode

indicar uma ação inesperada ou difícil e pode conter, às vezes,

um sentido de impaciência.

Iniciar, começar +

gerúndio

(Empezar, comenzar +

gerundio)

É usado no início de um processo visto em seu “desenrolar-se”,

que se relaciona com outro processo ou série de processos

posteriores, explícitos ou implícitos (visão “iniciativo-sucessiva”,

de acordo com Bosque & Demonte).

49

SPAULDING, Robert K. History and Syntax of the Progressive Constructions in Spanish. Berkeley:

University of California Press, 1926.

50

Bosque & Demonte (1999) afirmam que, ao menos para o castelhano, a perífrase seguir + gerundio é muito

frequente na fala atual, enquanto a perífrase continuar + gerundio é muito menos frequente, em especial na fala

coloquial. Essa informação não se aplica (na verdade, podemos até dizer que é inversa) à Língua Portuguesa, em

que sabemos que a perífrase continuar + gerundio é bastante usada, inclusive na língua falada coloquial.

Page 86: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

63

Levar + gerúndio

(Llevar + gerundio)

Só é empregada em tempos perfectivos, enquanto as demais

perífrases também admitem os tempos compostos e o perfeito

simples. Não expressa desde quando dura uma ação, mas sim

quanto a mesma dura.

Quadro 7: Perífrases de gerúndio, segundo Bosque & Demonte (1999)

Como podemos verificar e conforme já tínhamos comentado em relação a quadros

semelhantes sobre as línguas românicas em geral, discutidos anteriormente, quando

mencionamos os trabalhos de Laca e Squartini, constatamos que praticamente todas as

perífrases aspectuais formadas com gerúndio em espanhol também ocorrem em português,

com sentidos semelhantes. Dentre essas, algumas também se realizam indicando aspecto

durativo – em particular no PE – por meio do infinitivo gerundivo, especialmente as formadas

pelos auxiliares estar, andar e ficar. A variação entre gerúndio e a + infinitivo nessas

perífrases controlaremos através do grupo de fatores estrutura verbal, conforme veremos no

capítulo 3.

2.4 O aspecto e o uso das construções gerundivas em gramáticas escolares

lusas

Nesta seção, analisaremos seis gramáticas escolares lusitanas: Azeredo, Pinto & Lopes

(2011); Moreira & Pimenta (2010); Costa (2012); Moura (2006); Ferreira & Figueiredo

(2006) e Arruda (2008). Dentre essas, cinco são voltadas para o 3º Ciclo do Ensino Básico

(equivalente aos 7º, 8º e 9º anos do Ensino Fundamental II, no Brasil) e / ou para o Ensino

Secundário (equivalente ao nosso Ensino Médio) em Portugal e uma é voltada para o ensino

de português como língua estrangeira (PLE) (ARRUDA, 2008). As seis gramáticas em

questão foram publicadas, desde sua primeira edição, já no século XXI. Duas delas figuram

no topo das listas de vendas das duas principais e maiores redes de livrarias de Portugal

atualmente: Azeredo, Pinto & Lopes (2011) e Moreira & Pimenta (2010).

O objetivo foi verificar se o tema aspecto recebe mais atenção no ensino escolar luso

do que no Brasil, onde, como já mencionamos, é praticamente ignorado. Além disso, também

almejamos observar se existe qualquer tipo de prescrição quanto ao uso de gerúndio nessas

obras que circulam no universo escolar de terras portuguesas. Segundo constatamos, todas as

gramáticas citadas tratam do tema aspecto verbal. Umas são mais abrangentes, outras menos.

Page 87: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

64

Em Da Comunicação à Expressão – Gramática Prática de Português, de Azeredo,

Pinto & Lopes (2011), uma das mais vendidas em Portugal, as autoras mencionam a noção de

aspecto pela primeira vez na seção voltada para as classes de palavras, na subseção a respeito

do verbo. Segundo elas, o aspecto “exprime a maneira como uma situação é perspectivada,

apresentando-a como um todo completo ou em desenvolvimento, ou ainda acentuando o

início, o desenrolar ou o fim de uma ação” (AZEREDO, PINTO & LOPES, 2011, p. 240).

Elas afirmam, ainda, que, para expressar ideias com valor aspectual, contribuem:

O conteúdo lexical e semântico transmitido pelo verbo através de sufixos;

Certos complexos verbais, dos quais destacam os auxiliares aspectuais;

Alguns tempos verbais (presente do indicativo, pretérito imperfeito, pretérito

perfeito simples e pretérito perfeito composto);

Alguns advérbios ou locuções adverbiais (já, sempre, ainda, lentamente,

frequentemente, pouco a pouco, etc.) ou ainda por nomes, quantificadores e

orações subordinadas.

Assim, as autoras lembram que os verbos não são os únicos responsáveis por

veicularem noções aspectuais em língua portuguesa e voltam a tratar do tema na seção

dedicada à semântica em uma subseção específica sobre valor aspectual, onde afirmam que

“o valor aspectual de um enunciado é construído com base quer no aspecto lexical quer no

aspecto gramatical” (AZEREDO, PINTO & LOPES, 2011, p. 313, grifos das autoras).

Segundo elas, no aspecto lexical, distinguem-se os eventos (durativos e não

durativos) e as situações estativas. Já o aspecto gramatical subdivide-se em:

perfectivos e imperfectivos;

genérico, habitual e iterativo;

diferenças relativas à duração das situações ou marcas de início e fim das

situações. (grifos nossos)

De acordo com essas possibilidades, as construções gerundivas que estudamos podem

se enquadrar tanto como um evento imperfectivo (as autoras chegam a usar, inclusive, um

exemplo com infinitivo gerundivo para ilustrar a imperfectividade); quanto como um evento

de duração prolongada, como no exemplo Estive a ler o livro durante toda a tarde., citado

por elas.

Page 88: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

65

Por fim, vale ainda mencionar que as autoras também descrevem os chamados verbos

auxiliares aspectuais. Ao tratarem desse assunto, destacam que as construções capazes de

transmitir a ideia de duração da ação são:

[estar, continuar, ficar, andar, ir ou vir] + a + infinitivo OU gerúndio.

Na obra, nenhuma menção é feita a peculiaridades de cada construção nem mesmo a

restrições quanto ao emprego de gerúndio ou de a + infinitivo.

Já na Gramática de Português (2010), de Vasco Moreira e Hilário Pimenta, também

no topo das listas de vendas de gramáticas no país, junto com o título analisado anteriormente,

a noção de aspecto só é mencionada no capítulo concernente à Semântica. Os autores o

descrevem como “uma categoria linguística que define o decurso ou tempo interno de um

estado de coisas. Corresponde a diferentes maneiras de perspectivar a estrutura interna, isto é,

o tempo interno de um estado de coisas a partir de um dado ponto de referência.” (MOREIRA

& PIMENTA, 2010, p. 249).

Segundo os autores, embora o aspecto seja uma categoria gramatical característica dos

verbos, ele também pode se realizar através de perífrases verbais, de advérbios e de locuções

adverbiais. Ademais, mostrando uma análise mais profunda e menos simplista que as demais

gramáticas escolares pesquisadas, Moreira & Pimenta (2010) chegam a incluir uma nota em

que afirmam que a interpretação do aspecto baseia-se em diversos elementos linguísticos do

enunciado, tais como: 1- o conteúdo lexical dos verbos; 2- os complementos verbais e não

verbais; 3- construção pragmática; 4- morfemas derivativos e de aspecto gramatical. Como

temos visto e continuaremos a ver, poucas são as gramáticas escolares a contemplarem

questões pragmáticas nos estudos linguísticos, mais raro ainda é que tal assunto seja analisado

associado a uma categoria verbal tal qual o aspecto.

Ainda no início da seção dedicada ao tratamento do aspecto, os autores citam exemplo

onde podemos verificar o emprego de uma das estruturas gerundivas por nós pesquisadas:

A Paula está a estudar a lição.

Segundo eles, esse exemplo mostra uma ação cujo ponto de referência apresenta a

situação em desenvolvimento. Os autores também ressaltam que o valor aspectual de um

Page 89: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

66

enunciado não é vinculado, necessariamente, ao valor temporal do mesmo e subdividem a

categoria, assim como outros autores, em aspecto lexical e aspecto gramatical.

De acordo com Moreira & Pimenta (2010), o aspecto lexical é o “valor aspectual

presente no significado intrínseco de uma palavra ou de uma expressão predicativa e

independente dos elementos com que coocorre (modificadores, quantificadores ou verbos

auxiliares)” (MOREIRA & PIMENTA, 2010, p. 250). Em relação a esse tipo de aspecto, os

autores classificam as situações em eventos (não durativos e durativos) e estativas,

semelhantemente à subdivisão oferecida por outras gramáticas. Apesar dessa semelhança,

existe uma peculiaridade nessa obra: no âmbito do aspecto lexical, quando as gramáticas

mencionam as construções gerundivas, geralmente é associando-as aos eventos durativos.

Nela, em vez disso, vimos, pela primeira vez, uma construção gerundial associada a uma

situação estativa, materializada no exemplo O Diogo está a ser simpático., com infinitivo

gerundivo.

Quanto ao aspecto gramatical, Moreira & Pimenta (2010) apresentam uma definição

inicial um tanto imprecisa: “diferentes valores aspectuais representados num enunciado e que

o afectam na sua globalidade.” (MOREIRA & PIMENTA, 2010, p. 170). No parágrafo

imediatamente a seguir, os autores especificam os tipos de aspecto gramatical:

Os valores básicos do aspecto gramatical são o perfectivo e o imperfectivo; os que

podem especificar a quantificação da situação construída – genérico, habitual,

iterativo – ou a sua caracterização específica – pontual, durativo – e, ainda,

diferentes fases no seu desenvolvimento – ingressivo, progressivo, terminativo,

resultativo. (MOREIRA & PIMENTA, 2010, p. 250, grifos dos autores)

Em nosso entendimento, o parágrafo acima não deixa claro se todos os rótulos em

destaque (em itálico) são tipos de aspecto gramatical numa mesma hierarquia ou se

constituem grupos e subgrupos ou, ainda, se dizem respeito a diferentes parâmetros de

classificação aspectual. De uma forma ou de outra, logo após esse parágrafo, os autores

definem os valores perfectivo, imperfectivo, genérico, habitual e iterativo. Utilizam para todos

esses a mesma fonte e a mesma organização espacial, como se pertencessem ao mesmo nível

hierárquico (não constituindo, portanto, grupos e subgrupos). E, em uma nota de fim de

página, em fonte menor e de coloração mais clara, em menor destaque, opõem situações

pontuais a situações durativas. Abaixo, ainda, contrastam as situações ingressivas,

progressivas, terminativas e resultativas, como que constituíssem uma classificação à parte.

Page 90: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

67

Definem cada um desses valores aspectuais e fornecem exemplos para os mesmos. Os

casos onde encontramos exemplos com as construções que nos interessam, as gerundivas,

foram:

Imperfectivo: Representam atividades, estados ou eventos prolongados,

construídos como homogêneos, quer estejam em curso ou não (2010, p. 251)

A Maria está a ler o livro.

Durativo: São situações que se estendem por um período de tempo

necessariamente diferente de zero.

O Rogério está a ler uma revista.

Progressivo: É o valor aspectual que incide sobre o avanço da ação.

Os autores não fornecem exemplos concretos para o valor aspectual progressivo, mas

sinalizam, entre parênteses, que ele ocorre em construções como estar a..., andar a....

Relacionado a isso, convém mencionar que, em outra seção da mesma gramática, no

capítulo sobre classes de palavras, os autores especificam os tipos de verbos auxiliares, entre

os quais estão os verbos auxiliares aspectuais. É interessante ressaltar que, nessa parte da

gramática, os autores afirmam que os auxiliares aspectuais “exigem que o verbo principal se

encontre no infinitivo” (grifo nosso), descartando a possibilidade de ocorrência de uma

perífrase verbal aspectual constituída por verbo auxiliar + gerúndio.

Segundo eles, a gramática tradicional chama as construções com auxiliares aspectuais

de conjugação perifrástica que veiculam, dentre outras, a ideia de continuidade (aspecto

durativo, também chamado de contínuo). Na sequência, eles afirmam “Os auxiliares

aspectuais com valor durativo são, por exemplo, estar a, continuar a, ficar a, andar a, ir a,

vir a. Ex.: A Teresa está a telefonar à mãe.” (MOREIRA & PIMENTA, 2010, p. 117).

Nenhuma outra referência há na obra acerca do uso de construções gerundiais e, como

se pôde perceber, é como se a forma nominal gerúndio sequer existisse no idioma.

Page 91: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

68

Na Gramática Moderna da Língua Portuguesa (2012), com coordenação editorial de

João Costa, o aspecto – diferentemente do que ocorre nas duas gramáticas já analisadas acima

– é tratado exclusivamente no capítulo relativo à Morfologia e classes de palavras, na

subseção concernente ao verbo, como uma de suas categorias. Na obra, o aspecto é definido

como “a categoria que permite descrever e identificar o sentido de uma situação, a partir da

informação lexical e gramatical” (COSTA, 2012, p. 179). Ora, como se pode verificar, tal

definição é demasiadamente abrangente e não ajuda a esclarecer o que seria efetivamente o

aspecto verbal, pois poderia dizer respeito a qualquer categoria verbal. Afinal, os verbos

possuem intrinsecamente sua base lexical (o radical) e suas flexões morfológicas,

contribuindo ambas para identificação de seu sentido.

Essa obra, a exemplo das anteriores, também distingue aspecto lexical e aspecto

gramatical, mas de forma bem mais sucinta. Aqui, a distinção restringe-se, basicamente, a

definirem o aspecto lexical e o aspecto gramatical (também de maneira vaga e pouco

esclarecedora) e, em seguida, a apresentarem quadros com uma subdivisão de cada um dos

tipos de aspecto e seus respectivos exemplos, sem qualquer explicação.

Assim, o aspecto lexical seria aquele que se apresenta “através do significado

intrínseco que a palavra ou conjuntos de palavras veiculam, podendo ser alterado pelo

aspecto gramatical”, ao passo que o aspecto gramatical seria aquele verificado “no domínio

da predicação, podendo o valor aspectual variar em função do valor temporal e das

combinações com verbos auxiliares e estruturas de quantificação” (COSTA, 2012, p. 179-

180, grifos do editor).

O aspecto lexical – assim como nas obras explicitadas anteriormente – também se

subdivide em 1) situações estativas ou estados (situações não dinâmicas) e 2) eventos

(durativos (ou processo culminado) e não durativos (ou ponto)). Dentre os exemplos dos

diferentes tipos de expressão do aspecto lexical, não encontramos nenhuma ocorrência das

formas gerundivas que aqui estudamos.

Já o aspecto gramatical subdivide-se em:

Culminado – estados ou processos terminados;

Não culminado – estados ou processos não terminados;

Habitual – estados que apresentam uma propriedade [os outros não

apresentam “propriedade” alguma?]; processo que apresenta um hábito; sem

intervalo de tempo delimitado;

Page 92: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

69

Genérico – estados que referem situações plurais aceitas como verdades

genéricas; sem valor temporal; sem intervalo de tempo limitado;

Iterativo – estados ou processos com início no passado que perduram no

presente;

Dentre as subdivisões acima, identificamos nos exemplos fornecidos, formas

gerundiais em dois casos, ambos citados com infinitivo gerundivo: como aspecto não

culminado, que, segundo a obra, pode ser expresso, entre outros meios, através das perífrases

estar a, começar a e continuar a (Estava a estudar, quando chegaste.); e como aspecto

habitual, expresso, dentre outras formas não gerundivas, através da perífrase andar a (Ando a

ler um livro). Nessa seção, não existe qualquer referência ao emprego de gerúndio como

alternativo ao uso de a + infinitivo.

Em Costa (2012), as formas gerundiais em foco nesta pesquisa, além de nessa seção

acerca do aspecto verbal, são citadas apenas na seção concernente aos modos do verbo,

quando são mencionadas as formas verbais não finitas (infinitivo, gerúndio e particípio). Na

subseção sobre o infinitivo, verificamos, dentre os oito usos citados dessa forma nominal,

exemplos de ideia gerundiva nos seguintes casos, assim descritos na gramática em análise

(COSTA, 2012, p. 170):

EXEMPLOS USOS DO INFINITIVO

Os rapazes estão a dormir e as raparigas a ler. Numa descrição ou narração.

Estou a ouvir. Precedido da preposição “a” com os

verbos estar, andar, ficar, etc.

Como se pode ver, igualmente aqui as descrições dessa obra são sobremaneira

imprecisas. Que ideia o uso “precedido da preposição ‘a’ com os verbos estar, andar, ficar,

etc.” transmite? Em que esse uso é diferente de uma “descrição ou narração” para terem sido

apresentados separadamente? Que outros verbos podem formar perífrases com infinitivo

precedido da preposição “a” além de estar, andar e ficar? Que verbos seriam englobados pelo

“etc.”?

Quanto ao gerúndio, vemos o seguinte quadro:

Page 93: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

70

EXEMPLOS USOS DO GERÚNDIO

Estavam todos rindo como loucos.

Vendo que não estavas, voltei para casa.

- É usado para dar conta da ação que se

desenrola continuadamente (rindo);

- É usado com o valor de uma ação

precedente da ação principal (vendo).

Conforme verificamos, também as descrições das possibilidades de emprego do

gerúndio nessa gramática são incompletas. Além disso, nenhuma relação é estabelecida entre

o gerúndio e a construção a + infinitivo. Em um dos exemplos acima, ignora-se, inclusive,

que também ocorre ali uma perífrase de estar + gerúndio (estavam todos rindo), o que

poderia ter sido comentado em uma comparação com o uso de infinitivo precedido de “a”,

observado no quadro imediatamente acima. Em vez disso, porém, considera-se tal uso como

se se tratasse de uma estrutura sintética, apenas com o verbo rir.

Nenhuma outra menção a infinitivo ou a gerúndio é encontrada no restante da

gramática.

Na Gramática do Português Actual (2006), a única das seis que é voltada

especificamente para o Ensino Secundário, de José de Almeida Moura, também existe uma

seção voltada para o aspecto, que se encontra exclusivamente no capítulo que trata da

Morfossintaxe, no subcapítulo a respeito do verbo (não sendo mencionada qualquer relação

entre aspecto e semântica, como nas gramáticas analisadas previamente).

Nessa seção da referida gramática, o autor está tratando do modo do verbo. Esclarece o

modo indicativo, o conjuntivo, o condicional (no Brasil, costumamos agrupar esses dois

últimos sob um mesmo rótulo: subjuntivo), o modo imperativo e, por último, menciona o

modo infinitivo, definindo-o apenas como aquele que ocorre “se a representação é de todo

vaga, excepto no tempo” (MOURA, 2006, p. 47). Certamente vaga é tal explicação. Seguem-

se na obra exemplos de enunciados com o verbo no infinitivo. Nenhum deles é precedido da

preposição a e, portanto, nenhum deles veicula ideia gerundiva.

É curioso observar que o autor inclui a forma infinitiva do verbo como um de seus

modos e, imediatamente a seguir, ele inicia uma nova seção no capítulo para tratar das formas

nominais, as quais, segundo ele, são apenas o infinitivo e o particípio. Na mesma página, ele

informa que o infinitivo é, ao mesmo tempo, um dos modos do verbo e uma forma nominal,

sem fazer qualquer relação entre essas duas informações.

Page 94: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

71

Outro ponto interessante a ser destacado é que – diferentemente da grande maioria das

gramáticas – o autor não inclui o gerúndio como uma das formas nominais do verbo. Apenas

o infinitivo e o particípio são mencionados como capazes de desempenhar funções sintáticas

próprias de nomes, tais como a função de sujeito, a de complemento direto (que também

chamamos objeto direto), a de atributo, a de predicativo do sujeito ou do objeto, a de

complemento determinativo e a de complemento circunstancial. Como exemplo de

complemento circunstancial com uma forma nominal do verbo, o autor usa uma frase em que

o infinitivo é precedido de a e possui, no nosso entendimento, valor gerundial:

Ganha a vida a cantar.

No exemplo acima, o valor circunstancial ao qual o autor se refere – e com o qual

concordamos – é o de modo. Trata-se da maneira, do jeito como o sujeito ganha a vida

(cantando / a cantar). O autor não faz qualquer referência à possibilidade de alternância entre

gerúndio e a + infinitivo aqui.

A partir de então, Moura (2006) concentra sua descrição da forma nominal infinitivo

basicamente na distinção entre os usos de infinitivo pessoal x infinitivo impessoal, fornecendo

inúmeros exemplos de cada um dos tipos. Entre os diversos usos de infinitivo impessoal

citados, os casos nitidamente gerundivos são utilizados:

Para expressar uma circunstância (tal qual o exemplo previamente citado):

Eles a divertirem-se [c. c. de modo: divertindo-se] e nós aqui, a trabalhar [c. c. de modo:

trabalhando]!

Para fazer o que ele chama de “uma descrição animada (infinitivo histórico /

narrativo)”51

:

Eu e ela ali a sofrer / sofrermos [sofrendo], e eles a rirem-se [rindo-se].

51

Conforme veremos no item 3.2.4 (capítulo 3), onde descreveremos o grupo de fatores tipo de texto, uma das

motivações iniciais para controle dessa variável desde Mothé (2007) foi justamente a constatação da existência

do chamado gerúndio narrativo, pontuado por Barbosa (1999), que se assemelha bastante ao infinitivo

narrativo (ou histórico) mencionado – segundo expusemos no item 2.3 – por Cunha e Cintra (2001) e também

por Bechara (2001). Como se vê, Moura (2006) foi a única das gramáticas escolares lusitanas a fazer referência a

esse tipo de emprego de uma construção infinitiva com valor gerundial.

Page 95: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

72

Como núcleo de locuções perifrásticas:

Estou / Ando / Começo a ler.

Já entre os casos de infinitivo pessoal, há um exemplo gerundial, mencionado para

ilustrar os casos em que essa forma nominal é usada “em orações com sujeito próprio,

expresso ou foneticamente nulo”:

Zangou-se por estarem a mentir.

Além desses casos, o autor afirma que “Nos casos em que não há ambiguidade de

sentido, é comum ocorrer qualquer das formas de infinitivo, para se conseguirem efeitos de

eufonia (inf. impes.) ou para dar ênfase ao sujeito (inf. pes.).” (MOURA, 2006, p. 48),

fornecendo, em seguida, mais vários exemplos em que podem ser empregadas ambas as

formas de infinitivo, tanto a impessoal quanto a pessoal. Um desses exemplos é precedido da

preposição a e veicula uma ideia gerundial:

Vi crianças a tirarem / a tirar [tirando] comida dos caixotes de lixo.

Conforme podemos verificar, em alguns dos exemplos acima, o autor chega a colocar

o verbo em gerúndio no meio do exemplo, logo depois da construção com infinitivo,

sinalizando claramente a possibilidade de intercambiar as duas formas, mesmo que tais

exemplos – de acordo com o título da seção em que se encontram – devessem se restringir aos

usos da construção com infinitivo. Apesar dessa associação por meio do uso de gerúndio entre

colchetes, o autor não faz qualquer observação explícita sobre a possibilidade de alternância

entre a construção a + infinitivo e o gerúndio. Na verdade, a essa altura, o gerúndio sequer

chegou a ser mencionado na gramática.

Em seguida, Moura (2006) passa a descrever os usos da outra forma nominal que

menciona: o particípio. Somente depois disso é que o autor inicia uma nova seção no capítulo,

voltada para a “forma adverbial” (em oposição às formas nominais descritas até então). Trata-

se justamente do gerúndio. Segundo ele, o gerúndio “desempenha funções circunstanciais

Page 96: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

73

próprias de orações adverbiais”. É a única definição que oferece, exemplificando por meio da

frase:

Trabalhando [c. c. de meio: com/pelo trabalho; condição: se trabalhares], consegues vencer.

É interessante perceber que, apesar de não fornecer explicações nem sequer tecer

comentários a respeito, o autor “traduz” a ideia transmitida pelo gerúndio no enunciado acima

mostrando entre os colchetes a possibilidade de substituí-lo por com/pelo trabalho

(informando meio) ou por se trabalhares (informando condição). De fato, fora de um

contexto mais abrangente, é impossível determinar se a primeira oração desse período indica

meio ou condição. Com efeito, como veremos no próximo capítulo, um dos grupos de fatores

de nossa pesquisa controla os tipos sintáticos de oração gerundial e essas diferentes

possibilidades de interpretação era uma de nossas maiores dificuldades em classificar os

dados sintaticamente. Isso ocorre justamente porque, por não haver conectivos, por serem –

como o próprio nome diz – reduzidas de gerúndio, a classificação sintática dessas orações

muitas vezes carece da interpretação semântica e, como podemos perceber, elas permitem

uma leitura de sentido bastante ampla. Esse foi também um dos motivos por que optamos por

classificar tanto sintática quanto semanticamente as orações que constituem nossos dados.

Depois disso, Moura (2006) atém-se a diferenciar os usos de gerúndio simples e

gerúndio composto. O autor segue usando exemplos e inserindo entre colchetes “traduções”

dos sentidos veiculados pelo gerúndio em cada enunciado, da mesma forma como fez o

contrário disso para “traduzir” as construções infinitivas. Em algumas ocorrências dessa

seção, o autor substitui o gerúndio por a + infinitivo. Todas essas ocorrências são relativas ao

gerúndio simples. Nenhum dos casos de gerúndio composto é associado à construção

infinitiva (esses casos resumem-se a ocorrências de verbo auxiliar no gerúndio – geralmente o

verbo ter – seguido de particípio, como em tendo recebido, tendo caído, tendo feito...).

Aparentemente, tais construções de gerúndio composto não parecem passíveis de serem

alternadas por infinitivo gerundivo, fato que verificaremos se se confirmará em nossos dados

da língua em uso nas notícias do corpus desta pesquisa (vide item 3.2.5, sobre o grupo de

fatores estrutura verbal, no subitem a respeito de construções com “gerúndio no auxiliar”).

Com relação aos usos de gerúndio simples, as seguintes ocorrências de gerúndio são

“traduzidas” pelo autor por meio da construção a + infinitivo:

Page 97: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

74

O gerúndio que representa as propriedades atributivas de forma adjetiva ou as

circunstanciais de modo adverbial:

(Processador) Imprimindo página 1 / preparando imagem. [a imprimir / a preparar]

O gerúndio que integra a expressão perifrástica com valores semânticos

diversos:

Estou comendo [a comer] a sobremesa. [durativo]

Ando ouvindo [a ouvir] coisas sobre ti. [frequentativo]

Ao vê-la, desatei correndo [a correr], para a abraçar. [incoativo]

Fiquei sabendo [a saber] que és um amigalhaço. [resultativo]

Como se pode observar, embora o autor ainda não tenha mencionado os diferentes

valores e tipos aspectuais até então, ele atribui esses valores às construções perifrásticas com

gerúndio. Além disso, o autor também não faz qualquer distinção entre construções

perifrásticas com verbos auxiliares (estar, andar e ficar) e uma estrutura onde há o que – em

nosso entendimento – são dois verbos plenos juntos (desatei correndo), na qual a oração

gerundiva parece, na verdade, desempenhar um papel circunstancial de modo em relação ao

verbo desatar. Em nossa concepção, portanto, seria mais adequado incluir tal exemplo no uso

gerundial descrito no uso acima deste [gerúndio que representa as propriedades atributivas

de forma adjetiva ou as circunstanciais de modo adverbial] e não como uma estrutura

perifrástica.

Por fim, após encerrar a descrição da categoria modo, o autor passa a descrever o

aspecto, o qual define como “a referência ao desenrolar da acção, marcando-se por ele

sobretudo o início, a duração, a conclusão ou o resultado do desenvolvimento processual”.

(MOURA, 2006, p. 53). De acordo com o autor, o aspecto pode ser expresso por meio da

significação do próprio verbo, de formas perifrásticas, da combinação de formas temporais

com sintagmas preposicionais ou pelo contexto da enunciação. A partir dessa definição,

podemos dizer que, apesar de não mencionar a noção de aspecto no capítulo sobre semântica

nem no sobre pragmática (esse último, na verdade, sequer existe em sua gramática), Moura

(2006) prevê que esse seja determinado contextualmente. Ele explicita isso ao concluir a

seção dizendo “O aspecto verbal é, pois, realizado pela semântica e o tempo do verbo e por

Page 98: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

75

formas verbais auxiliares, conjugados todos com outros elementos gramaticais,

nomeadamente com o tipo de conjugação e os advérbios.” (MOURA, 2006, p. 54)

Diferentemente de outros autores, Moura (2006) não faz distinção entre aspecto lexical

e aspecto gramatical. Ele diz apenas que os tipos de aspecto são muito variados e que

merecem maior destaque os seguintes:

Pontual

Durativo

Frequentativo / iterativo

Incoativo / inceptivo

Cessativo

Progressivo

Resultativo

Dentre esses, os únicos em que verificamos exemplos gerundiais foram:

Durativo, se a ação se prolonga por vários momentos.

Continua a amanhecer.

Incoativo / inceptivo, se a ação está no começo.

O comboio está a partir.

Progressivo, se o desenvolvimento da ação vai avançando gradualmente.

Vai amanhecendo.

A mãe está a recuperar da operação.

Nessa seção, o autor não usa – como fez na seção anterior – os colchetes substituindo

gerúndios por a + infinitivos e vice-versa. Mesmo assim, a partir dos exemplos fornecidos,

Page 99: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

76

julgamos que todos os casos acima podem ser considerados intercambiáveis quanto às

estruturas gerundiais em foco.

Outra gramática escolar analisada foi o Compêndio de Gramática Portuguesa (2006),

de António Gomes Ferreira e José Nunes de Figueiredo. Essa obra possui uma divisão

hierárquica dos assuntos um tanto complexa em relação às demais gramáticas analisadas. Há

cerca de cinco diferentes níveis. O maior nível de divisão seriam as partes. São sete ao todo:

Introdução; Sintaxe; A Língua como expressão literária; Do Latim ao Português; Morfologia;

Léxico; e Ortografia. Todas as referências que nos interessam, tanto a respeito de aspecto

quanto a infinitivo e gerúndio, encontram-se em duas dessas partes: a parte 2, Sintaxe, e a

parte 5, Morfologia. Cada uma dessas partes é dividida em grandes seções, que, por sua vez,

subdividem-se em capítulos e subcapítulos. Nossos assuntos de interesse encontram-se assim

distribuídos:

Parte 2: Sintaxe

V. Sintaxe do Verbo. Categorias Verbais. Modos, Tempos e Aspecto.

Capítulo II. Modos, Tempos e Aspecto.

Parte 5: Morfologia

III. Flexão Verbal.

Capítulo III. Verbos regulares e irregulares, auxiliares e defectivos.

Conjugação pronominal, pronominal reflexiva e perifrástica.

Os autores abrem o capítulo II da seção V da parte 2 definindo modo, tempo e, por

último, aspecto, sobre o qual dizem apenas: “Por vezes, as formas verbais indicam duração,

começo, fim, repetição, etc., da ação verbal. É a categoria do aspecto verbal.” (FERREIRA

& FIGUEIREDO, 2006, p. 66, grifos dos autores). Conforme já afirmamos em relação à outra

obra, é estranho verificar em gramáticas qualquer definição utilizando “etc.”, pois a expressão

latina cujo significado é “e outras coisas” pode abarcar efetivamente QUALQUER COISA.

Assim, que outras ideias podem ser transmitidas por meio da categoria aspecto? Não fica

claro. O leitor ou estudioso da língua portuguesa que queira saber que sentidos podem ser

expressos aspectualmente com certeza não terá suas dúvidas solucionadas a partir do

Compêndio de Gramática Portuguesa de Ferreira & Figueiredo (2006).

Page 100: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

77

Os autores também não fazem qualquer referência a diferenças entre aspecto lexical e

aspecto gramatical. Seguem-se alguns exemplos soltos, dentre os quais, com valor gerundivo,

vemos apenas Andava a passear. (O grifo dos autores aparece, a propósito, somente no verbo

andar e não na construção de infinitivo gerundivo). Nenhum comentário é feito nem mesmo

no sentido de identificar qual dos valores mencionados na “definição” de aspecto se faz

presente em cada um dos exemplos fornecidos.

Em seguida, os autores dedicam-se a apontar “o emprego dos tempos nos diferentes

modos e os seus valores”. As formas nominais infinitivo e gerúndio enquadram-se nessa parte

da gramática. Com relação aos usos de infinitivo, não há, assim como em todas as outras

gramáticas já analisadas aqui, qualquer menção explícita ao infinitivo gerundivo nem mesmo

à possibilidade de substituir a construção a + infinitvo por gerúndio. Os autores subdividem o

estudo da forma infinitiva em pessoal x impessoal. No primeiro caso, não vemos entre os

exemplos qualquer uso gerundivo do infinitivo. No segundo caso, entre os diferentes usos do

infinitivo impessoal, verificamos a ocorrência de exemplos de a + infinitivo com ideia

gerundial somente em um tipo de situação descrita: com valor circunstancial de modo:

Íamos para casa a correr.

Encontrei-o a chorar.

Ferreira & Figueiredo apenas listam esses exemplos. Nenhum comentário é feito a

respeito.

Na breve subseção que se segue, passam a tratar do gerúndio, dizendo ser este uma

forma adverbial derivada do latim, desempenhando, em parte, as funções do ablativo do

gerúndio e do particípio do presente. Novamente, assim como em outras obras do gênero

estudadas, não se faz referência à possibilidade de troca entre o gerúndio e a construção a +

infinitvo.

Passando ao capítulo III da parte 5 do livro, Morfologia, na seção III, que é relativa à

flexão verbal, vemos a preocupação em determinar o que seria uma conjugação perifrástica, a

qual definem como “Dá-se o nome de conjugação perifrástica às locuções formadas pelo

gerúndio ou infinitivo de qualquer verbo e um dos verbos auxiliares andar, ir, vir, estar, ter ou

haver e outros.” (FERREIRA & FIGUEIREDO, 2006, p. 196). De novo, verificamos que os

autores encerram uma definição usando “e outros”, o que torna indefinida a categoria que se

propunha definir. De qualquer forma, eles continuam a caracterização das conjugações

perifrásticas e afirmam:

Page 101: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

78

É que os tempos simples da voz activa não chegam, em muitos casos, para traduzir

tudo o que desejamos exprimir, ao referirmo-nos a uma acção verbal. Recorremos

então a formas da conjugação perifrástica.

[...]

Do mesmo modo, se se disser:

João está escrevendo ou João está a escrever,

Exprime-se a ideia de continuidade da acção, ideia que não é indicada pelo presente

do indicativo: João escreve. (FERREIRA & FIGUEIREDO, 2006, p. 196-197,

grifos dos autores)

A partir desses exemplos, inferimos que, segundo os autores, está escrevendo e está a

escrever exprimem a mesma ideia, ou seja, de continuidade, o que mostra que, para eles, as

duas formas são intercambiáveis.

Em seguida, os autores mostram alguns tipos de construções perifrásticas, dentre as

quais destacaremos aquelas que possuem valor gerundivo. Assim, eles afirmam que a

“linguagem perifrástica” pode ser formada com:

a) Andar + gerúndio OU infinitivo precedido da preposição a, indicando realização

prolongada da ação:

Ando a ler o romance A Cidade e as Serras.

b) Ir ou vir + gerúndio, indicando a realização gradual da ação:

Ia anoitecendo; vinha amanhecendo.

c) Estar + gerúndio OU infinitivo precedido da preposição a, representando a ação como

começada.

Estava estudando ou a estudar.

Como podemos perceber, aparentemente, para os autores, com os auxiliares andar e

estar, gerúndio e a + infinitivo são perfeitamente cambiáveis. Por outro lado, com os

auxiliares ir e vir, eles não mencionam a possibilidade de uso de a + infinitivo, sinalizando a

norma segundo a qual os lusitanos não usam ir ou vir com infinitivo gerundivo, fato que não

Page 102: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

79

se mostrou inteiramente verdade em Mothé (2007) e que também pretendemos confirmar com

nossos dados (vide item 3.2.5 a respeito do grupo de fatores estrutura verbal, nos subitens a

respeito dos verbos auxiliares ir e vir).

De qualquer forma, nessa mesma seção, os autores acrescentam uma caixa de

observação em destaque onde afirmam que com o presente, o imperfeito e o futuro imperfeito

do auxiliar ir + a (ou também para) + infinitivo, o sentido que se transmite é de que a ação foi

apenas iniciada, como em Ia a levantar-se. Já na estrutura vir + a + infinitivo, a ideia

transmitida é de por fim, como em Isto vem a significar... = Isto, por fim, significa.... Ou seja,

a estrutura a + infinitvo precedida pelos auxiliares ir ou vir não veicula ideia de ação em

curso, em progresso e, por isso, para obter esse sentido, usa-se – em geral – somente o

gerúndio, mesmo em regiões consideradas mais inovadoras em relação a essa variação em

Portugal.

Entre as construções com gerúndio ou infinitivo precedido de a com valor gerundial,

somente essas são indicadas pelos autores. No fim da seção, eles acrescentam, porém, uma

observação, onde afirmam: “Também se empregam como auxiliares da conjugação

perifrástica outros verbos, como: começar, deixar, acabar, etc.”. Mais uma vez, terminam uma

lista com “etc.” deixando aos leitores muito imprecisa a noção de quais verbos exatamente

podem ser empregados como auxiliares nesse tipo de construção.

Finalmente, tratemos agora da única das gramáticas em questão voltada para o ensino

de Português como Língua Estrangeira: Gramática de Português Língua Não Materna

(2008), de Lígia Arruda. Diferentemente das demais gramáticas analisadas, os capítulos dessa

resumem-se a breves considerações acerca de fonética/fonologia, ortografia e sintaxe (num

capítulo chamado de frase). Não há nenhum capítulo intitulado morfologia nem sintaxe, como

de costume, assim como também não há qualquer capítulo ou subcapítulo dedicado à

semântica. Todos os demais capítulos correspondem, cada um, a uma diferente classe

gramatical. As formas de gerúndio e de infinitivo enquadram-se no capítulo Verbo.

A primeira menção às formas nominais ocorre na seção que trata dos modos verbais.

Após listar indicativo, condicional, imperativo, conjuntivo e infinitivo, a autora menciona as

formas nominais, definindo-as como:

São formas nominais dos verbos o infinitivo (impessoal), o gerúndio e o particípio

passado. Distinguem-se dos outros tempos por não exprimirem, por si, nem o tempo

nem o modo. Assim, os valores modal e temporal dependem do contexto em que se

encontram. Chamam-se nominais porque podem desempenhar, de algum modo,

funções equivalentes a nomes. (ARRUDA, 2008, p. 124)

Page 103: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

80

Imediatamente a seguir, encontramos a única menção a aspecto na obra:

Aspecto – designa “uma categoria gramatical que manifesta o ponto de vista do qual

o locutor considera a acção expressa pelo verbo”52

. Pode ele considerá-la como

concluída, isto é, observada no seu término, no seu resultado; ou pode considerá-la

como não concluída, ou seja, observada na sua duração, na sua repetição.

(ARRUDA, 2008, p. 124)

A autora não fornece nenhum tipo de exemplo para mostrar como se dá o aspecto em

língua portuguesa, nem mesmo cita quais são os tipos de aspecto. Logo após esse parágrafo, é

iniciada uma nova seção para tratar da categoria Voz, a qual explora com maior detalhe.

Algumas páginas adiante, ainda na seção a respeito do Verbo, a autora abre um subcapítulo

específico sobre as formas nominais, dividido em: gerúndio simples; gerúndio composto;

infinitivo impessoal ou não flexionado; infinitivo pessoal ou flexionado; infinitivo pessoal

composto.

Arruda (2008) descreve tanto o gerúndio como o infinitivo de forma até mais extensa

que nas demais gramáticas estudadas. Curiosamente, porém, apesar de dedicar quatro páginas

inteiras ao tratamento da forma nominal infinitivo, NENHUM dos inúmeros exemplos

fornecidos era precedido da preposição a. Nenhum apresentava valor gerundivo.

Consequentemente, tampouco se mencionou a possibilidade de o infinitivo, quando precedido

da preposição a, indicar uma ação em curso.

A única menção – indireta – à construção a + infinitivo é quando a autora afirma que o

infinitivo impessoal ocorre (sempre, segundo ela) com os seguintes verbos auxiliares: estar a

(por, para), ir (a, para), começar a (por), acabar de (por), deixar de (por, para), poder,

dever, ter de (que). Como vemos, embora na lista haja vários verbos seguidos de preposição

(tal qual estar a), a autora refere-se a eles apenas como “verbos auxiliares”, parecendo ignorar

a presença das preposições e suas diferenças de sentido. Isso é notável ao observarmos, por

exemplo, que construções formadas por estar a / estar por / estar para seguidas de infinitivo

podem produzir efeitos de sentido bastante diferentes em língua portuguesa. Mas tal

possibilidade é ignorada pela autora, que, além disso, também não fornece qualquer exemplo

dessas construções.

O mesmo ocorre com a explanação acerca do gerúndio. A autora lista dez diferentes

usos de gerúndio, que podemos resumir, basicamente, a cinco:

52

Nesse ponto existe uma nota de rodapé indicando que o trecho entre aspas é de autoria de Contad Bureau, em

Dictionaire de la Linguistique, sous la direction de Georges Mounin, Paris, PUFm 1974.

Page 104: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

81

1) Substituir uma oração coordenada e exprimir uma ação simultânea:

2) Expressar ideias circunstanciais (tempo, modo, causa, condição e

consequência):

3) Exprimir, junto com o verbo ir, uma ação durativa que se realiza

progressivamente ou a antecipação de uma ação;

4) Junto com o verbo vir, veicular a ideia de ação durativa que se desenvolve aos

poucos em relação à época ou ao momento em que se encontra o emissor;

5) Expressar uma ação que se realizou no passado.

Ela fornece exemplos para cada um desses usos de gerúndio. Em nosso entendimento,

todos eles poderiam ser alternados por a + infinitivo. A autora, porém, não faz qualquer

referência a isso.

Como pudemos perceber a partir da análise dessas gramáticas escolares portuguesas,

com relação ao ensino sobre a categoria ou a noção de aspecto, pouco há de diferente em

relação ao que acontece nas gramáticas escolares brasileiras (conforme vimos em Mothé

(2007) e de acordo com as críticas em Costa (2002) e Travaglia (2007)). Quanto aos usos de

gerúndio e infinitivo, umas são mais detalhas que as outras. Algumas chegam a mostrar

exemplos equiparando construções com a + infinitivo a construções com gerúndio.

Entretanto, mesmo naquelas onde isso ocorre, em nenhum momento chegam a enunciar

explicitamente essa possibilidade de alternância, tampouco mencionam qualquer tipo de

variação diatópica em relação a esses usos em Portugal. Não há menção ao fato de que,

eventualmente, algumas regiões de Portugal possam preferir o uso de gerúndio ao de a +

infinitivo em determinados contextos e nem mesmo há referência ao padrão de uso no Brasil.

Por outro lado, apesar de percebermos em praticamente todas elas a exemplificação do

aspecto progressivo, cursivo por meio de construções (especialmente perifrásticas) com

infinitivo gerundivo, também é verdade que não constatamos existir explicitamente qualquer

tipo de prescrição que desestimule o emprego de gerúndio.

Page 105: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

82

2.5 A variação gerúndio x infinitivo gerundivo em trabalhos acadêmicos

Para finalizar este capítulo, em que se propôs relatar o tratamento dado às construções

de gerúndio e de a + infinitivo no português, convém comentarmos o status do estudo sobre a

variação específica entre essas duas formas na esfera acadêmica. Além dos trabalhos de Maler

(1972), de Barbosa (1999), de Menon (2004) e de Mothé (2007), que pesquisaram

quantitativamente a variação gerúndio x infinitivo gerundivo no PB e no PE em diferentes

corpora, buscamos trabalhos sobre o mesmo tema em outros materiais, bem como pesquisas

que eventualmente mencionassem a variação diatópica dentro do território português.

Conforme já mencionamos no capítulo 1 deste trabalho, não encontramos publicações

no âmbito da Sociolinguística histórica de base laboviana acerca do fenômeno aqui estudado.

Identificamos diversas pesquisas na área da dialectologia, vários trabalhos gerativistas, outros

descritivos etc. Todos buscavam dar conta de bem descrever o comportamento de

determinados aspectos relativos ao emprego de construções gerundiais: uns com foco na

sintaxe, outros na semântica, ora a respeito das perífrases de gerúndio, ora das de infinitivo.

Mas nenhum deles sobre a variação entre as duas formas com o foco que aqui propomos: a

distribuição diatópica e diacrônica das duas construções em PE.

Dentre esses trabalhos, citamos, por exemplo, Duarte (1992), Carrilho & Lobo (2012),

Carrilho & Pereira (2011 e 2013), Fiéis & Lobo (2010 e 2011), Lobo (2006 e 2008), Sousa

(2007), Barbosa & Cochofel (2004), Borges Neto & Foltran (2001) e Oliveira, Cunha &

Matos (2001). Evidentemente, tais trabalhos nos serviram de base para reflexões e,

especialmente, para formulação de hipóteses ou, ao menos, para nos indicar “pistas”,

caminhos interessantes para serem investigados que vieram a gerar / nortear os grupos de

fatores de controle sociolinguístico do fenômeno que pesquisamos. Assim, mencionaremos a

maioria desses textos no próximo capítulo, onde descrevermos esses grupos de fatores das

variáveis que controlaremos estatisticamente através do programa Goldvarb. Gostaríamos,

entretanto, de destacar, dentre os demais, dois artigos de Móia & Viotti (2004 e 2004b).

Sendo um dos autores português e a outra brasileira, seus artigos evidenciaram inúmeras

questões pertinentes à análise da variação entre gerúndio x a + infinitivo, que pretendemos

investigar.

Page 106: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

83

Em “Diferences and Similarities between European and Brazilian Portuguese in the

use of <<gerúndio>>”, Móia & Viotti (2004) buscam descrever, como o título propõe, as

semelhanças e diferenças entre o PE e o PB no que concerne as estruturas gerundiais. Seu

foco está especialmente sobre dois de seus principais empregos: o chamado gerúndio

perifrástico e o gerúndio adverbial. No trabalho, o corpus do PE é constituído a partir do

corpus Natura-Público, que contém 6,3 milhões de palavras provenientes de jornais

portugueses recentes. Já o corpus do PB é formado pelo material do NILC-São Carlos, que

possui 32 milhões de palavras, oriundas majoritariamente de jornais brasileiros (o restante, de

outras fontes de texto). Além disso, em uma das seções do artigo, os autores também analisam

as mesmas construções gerundiais em textos literários portugueses.

Embora concentrem seu texto em dois dos principais empregos de construções

gerundiais, inicialmente, os autores listam cinco tipos sintáticos e semânticos básicos de

gerúndio no português. São eles:

TIPOS DE

GERÚNDIO USOS EXEMPLOS

Gerúndio

Independente

- É aquele que ocorre em orações

independentes, tais como em alguns

casos de imperativo;

- ou no que os autores chamam de

“capturas fotográficas”.

Andando já para casa!

Mulheres vendendo tapetes no

mercado.53

Gerúndio

Argumental

É o que aparece em uma oração que

funciona como um dos argumentos de

do verbo da oração principal.

A Ana viu [um bicho estranho

cavando a terra].

Aves chocando contra aviões

não é uma situação rara.

Gerúndio

Perifrástico

É aquele que coocorre com os verbos

auxiliares tipicamente chamados de

“verbos aspectuais”.54

O país está mudando.

Já há muito tempo que eu venho

dizendo isso.

Gerúndio

Adnominal

É o que aparece associado ao verbo

principal como modificadores de

nomes (são as orações que

costumamos chamar de relativas /

adjetivas restritivas ou explicativas).55

Foram encontradas várias caixas

contendo documentos secretos.

O timbre da sua voz, fazendo

lembrar Maria Callas, é

impressionante.

53

Em nosso corpus, também constituído por textos jornalísticos, assim como o corpus da pesquisa de Móia &

Viotti, esse tipo de gerúndio se mostrou muito produtivo em títulos de notícias, por exemplo. Apesar disso, não

selecionamos essas ocorrências como dados de nosso trabalho. Foram selecionadas como dados somente as

ocorrências de gerúndio em que havia um período completo, fosse ele simples ou composto, o que, segundo

nosso entendimento, não é o caso do uso em questão.

54

Os autores afirmam que este é um dos usos mais comuns de gerúndio em português.

55

Os autores mencionam que esse uso, como pudemos constatar através das obras citadas nas seções anteriores,

costuma ser condenado pelos gramáticos mais tradicionais, mas, além de bastante produtivo na língua

Page 107: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

84

Gerúndio

Adverbial

É aquele que exerce função de

advérbio em relação a um verbo da

oração principal, veiculando

diferentes tipos de informação

circunstancial.

Ana abraçou o Rui, apertando-o

fortemente contra o peito.

[modo]

A Ana cortou a meta em primeiro

lugar, recebendo o prémio de mil

euros. [resultado]

Quadro 8: Tipos sintáticos e semânticos básicos no português, segundo Móia & Viotti (2004)

Conforme veremos no próximo capítulo, todos os tipos de gerúndio mencionados

acima (exceto o gerúndio de “capturas fotográficas”) foram selecionados como dados em

nosso corpus, embora os tenhamos classificado em diferentes grupos de fatores. Quase todos

eles constituem fatores do grupo tipo sintático de oração, com exceção do tipo gerúndio

perifrástico, cuja classificação se encontra no grupo estrutura verbal. Dessa forma, possuímos

dados de gerúndio perifrásticos que são, ao mesmo tempo, adverbiais ou argumentais (orações

substantivas), por exemplo. Entendemos que ser um gerúndio perifrástico não exclui a

possibilidade de corresponder a uma classificação sintática x. O que temos nesses casos, na

verdade, são diferentes critérios de classificação. De qualquer forma, explicitaremos com

maior detalhe cada um desses casos no capítulo 3.

Segundo Móia & Viotti (2004), uma das diferenças mais notórias entre o PB e o PE

moderno – pelo menos no que diz respeito à fala na região de Lisboa hoje em dia, de acordo

com eles – é justamente o fato de o PE preferir construções infinitivas, geralmente precedidas

da preposição a (ou por, em alguns casos, segundo eles) em muitos contextos em que no PB

se usa preferencialmente o gerúndio. De acordo com os autores, a preferência pelas estruturas

com infinitivo preposicionado no PE moderno afeta todos os cinco tipos de gerúndio listados

acima por eles. A esse respeito, porém, eles acrescentam uma nota de rodapé, onde se lê:

Em algumas regiões de Portugal (por exemplo, o Alentejo e o Algarve), o uso de

gerúndio em contextos de tipo relevante é muito comum. Além disso, muitos autores

clássicos portugueses, como Júlio Dinis, Eça de Queirós ou Camilo Castelo Branco

usam amplamente o gerúndio em estruturas nas quais o PE moderno prefere o

infinitivo: [...] Para efeito de simplificação, ignoraremos a variação dialetal e/ou

histórica a partir daqui. (MÓIA & VIOTTI, 2004, p. 115, tradução e grifos

nossos)56

portuguesa, também tal estrutura com gerúndio é, inclusive, intercambiável por a + infinitivo no PE, conforme

veremos a seguir em exemplos do nosso corpus.

56

In some areas of Portugal (e. g. the Alentejo and the Algarve), the use of the <<gerúndio>> in the relevant

type of contexts is very common. Also, many classical Portuguese authors, like Júlio Dinis, Eça de Queirós or

Camilo Castelo Branco, widely use the <<gerúndio>> in structures where modern standard EP prefers the

Page 108: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

85

A nota acima nos confirma que os autores têm ciência da variação dialetal e histórica

entre as duas formas gerundiais em questão, mas, apesar disso, afirmam que não considerarão

tais variações em seu trabalho, exatamente o oposto do que pretendemos no nosso.

Outro fato que precisa ser destacado diz respeito a uma observação feita pelos autores

segundo a qual nem todos os tipos de gerúndio variam livremente com o infinitivo

preposicionado. Essa informação parece contraditória, uma vez que, pouco antes, conforme

citamos, os autores afirmaram que – salvo nos casos de variação dialetal – o PE moderno

tende a preferir as construções de infinitivo preposicionado ao gerúndio em todos os cinco

usos citados. Já nesse outro ponto do texto, porém, de acordo com eles, as estruturas de

gerúndio adnominal, como o exemplo Foram encontradas várias caixas contendo

documentos secretos., não ocorrem com infinitivo gerundivo. Contudo, mesmo esse tipo de

oração gerundial, as quais costumamos classificar como orações adjetivas restritivas, também

ocorrem com infinitivo gerundivo no PE, conforme podemos verificar nos exemplos abaixo:

TURISTAS APANHADOS DE SURPRESA PELO S. JOÃO. É ESTA A

CIDADE DO <<PORT WINE>>?. Nas esplanadas, alinhavam-se já

as cadeiras nas barracas, dava-se uma refrescadela aos manjericos a

desmaiar ao pé.

(Dado 593 Norte, 24 jun 1983)

O ESPETÁCULO DO ORFEÃO DE TAVIRA FOI UM ÊXITO. [...] As

<<Rosas de todo o ano>> do Dr. Júlio Dantas tiveram em Olga

Soares uma <<Soror Inês>>a merecer boa nota.

(Dado 240 Algarve, 05 jun 1955)

Em seguida, depois de apresentar brevemente esses cinco tipos de uso de gerúndio, os

autores concentram-se na análise específica do gerúndio perifrástico e do gerúndio adverbial.

Sobre o gerúndio perifrástico, Móia & Viotti (2004) apresentam informações

quantitativas acerca do emprego de gerúndio e de infinitivo gerundivo com o auxiliar estar

nos seus corpora do PB e do PE. Segundo eles, nesse contexto, menos de 1% das ocorrências

é com gerúndio no PE (27 dados com gerúndio x 4.231 dados com estar + a + infinitivo); ao

passo que, no PB, ocorre exatamente o oposto: 99% de uso de gerúndio (36.964 dados com

gerúndio x 152 dados com estar + a + infinitivo).

infinitive: […]. For the sake of simplicity, we will ignore dialectal and/or historical variance henceforth. (MÓIA

& VIOTTI, 2004, p. 151)

Page 109: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

86

Além desses resultados com o auxiliar estar, os autores destacam novamente que

“muitos outros verbos auxiliares ou expressões predicativas complexas – embora não todas,

como veremos adiante – apresentam uma tendência similar, isto é, um uso predominante de

infinitivo no PE e de gerúndio no PB” (2004, p. 116, grifo nosso). Ou seja, embora

mencionem a tendência do PE ao uso de infinitivo nas construções gerundiais, eles voltam a

afirmar que isso não ocorre em todos os contextos perifrásticos.

A partir daí, Móia & Viotti passam a descrever os demais verbos que costumam

formar perífrases com gerúndio no português. Os autores organizam a sequência do artigo

sempre relacionando as construções perifrásticas aos contrastes de usos no PB e no PE.

Assim, com base em suas considerações, construímos o quadro a seguir:

VARIAÇÃO PERÍFRASE EXEMPLOS

PE = preferência ao uso de

a+ infinitivo

x

PB = preferência ao uso de

gerúndio

Andar + gerúndio /

a + infinitivo

Há quem ande a pensar montar

uns bares e uma discoteca no

Castelo de Ourém [...]. [PE]

[...] eu próprio fiz uma

instalação e andei pensando em

me habilitar à Bienal. [PB]

Ficar + gerúndio /

a + infinitivo

Fica a conhecer um dos mais

originais ficcionistas

portugueses do século XX. [PE]

É no Carnaval que a gente fica

conhecendo o Brasil. [PB]

Passar a vida +

gerúndio / a + infinitivo

Totó passa a vida a remoer a

sua desgraça [...].[PE]

Cigano é um povo que passa a

vida viajando e é chamado de

nômade. [PB]

Começar + gerúndio /

por + infinitivo57

Os trabalhadores começaram

por reivindicar 12 por cento de

aumentos [...]. [PE]

A imprensa começou nomeando

José Serra, desistiu dele e

escolheu Edmar Bacha [...] [PB]

“Variação livre”

(tanto no PE quanto no PB)

Continuar + gerúndio /

a + infinitivo

Portugal deve continuar a

defender a aplicação das

resoluções [...]. [PE]

Hamlet, apesar da prova obtida

57

Convém ressaltar que, nessa perífrase, o gerúndio se alterna com infinitivo precedido da preposição por, e não

a. Nesse caso, a construção infinitiva não possui valor gerundial. Apesar disso, embora não tenha sido

mencionada pelos autores, entendemos que também é possível a construção começar + a + infinitivo.

Page 110: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

87

[...], continua hesitando. [PB]

Acabar + gerúndio /

a + infinitivo

[...] ao quilo numa feira

acabaram por provocar uma

cena rocambolesca [...]. [PE]

Esta substância impermeabiliza

as células e acaba provocando a

sua morte. [PB]

Só ocorre com gerúndio

(tanto no PE quanto no PB) Ir + gerúndio

[...] e a forma com o é resolvido

influencia a personalidade que

se vai moldando. [PE]

Ele vai moldando a imagem de

um político estável, capaz de

enfrentar [...]. [PB]

Só ocorre com infinitivo + a

(tanto no PE quanto no PB)58

Vir + a + infinitivo

O primeiro ministro [...] excluiu

há dias a possibilidade de vir a

remodelar o seu Governo.

Começar + a +

infinitivo

[...] ao fim da tarde, quando o

frio começa a queimar as mãos.

Chegar + a + infinitivo Mas o presidente chegou a

pensar em desistir da reeleição.

Voltar / tornar + a +

infinitivo

Aos 21 min, porém, a defesa

voltou a falhar.

Tornaram a casar m 1989,

quando ambos já eram famosos.

Passar + a + infinitivo São Paulo passa a estar

conectada às

Pôr-se + a + infinitivo

Ultimamente, [...] até os

pragmáticos [...] se puseram a

chorar sobre os valores

patrióticos derramados...

Estruturas típicas do PB

(Só ocorrem no PB,

tanto com gerúndio

quanto com infinitivo)

Viver + gerúndio /

a + infinitivo

Seus donos são dois irmãos que

vivem brigando e não param de

comer.

Viviam a captar no céu

presságios horripilantes como

pragas, pestes, guerras e

moléstias afins.

Terminar + gerúndio /

por + infinitivo59

O resultado prático é que cada

um termina comprando aquilo

que já desejava antes.

Eu não falava uma palavra de

58

Convém destacar que todos os casos relacionados pelos autores como perífrases possíveis de ocorrer somente

por meio da construção a + infinitivo não constituem, em nosso entendimento, construções gerundivas e, sendo

assim, não selecionamos para nossa análise ocorrências desse tipo de perífrase em nosso corpus.

59

Convém ressaltar que, nessa perífrase, o gerúndio se alterna com infinitivo precedido da preposição por, e não

a. Nesse caso, a construção infinitiva não possui valor gerundial.

Page 111: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

88

português, mas um rapaz

brasileiro terminou por

entender o que eu queria [...].

Estar + gerúndio de um

verbo estativo do tipo

saber ou poder

Quem não assistiu à cerimônia

[...] não está sabendo: [...]

Durante esta semana, o público

em Bauru está podendo ver

apresentações de balé e teatro.

Estar + gerúndio

(Gerundismo)60

Eu vou estar resolvendo o seu

problema ainda hoje.

Estruturas típicas do PE

(Só ocorrem no PE,

tanto com gerúndio

quanto com infinitivo)

Ir + gerúndio

(com ideia temporal

gradual com verbos

estativos)

[...] as contratações de pilotos e

os treinos das equipas já vão

sendo notícia [...].

Ter vindo a +

infinitivo61

As relações com os Estados

Unidos têm vindo a melhorar.

Quadro 9: Gerúndio perifrástico no PB e no PE, segundo Móia & Viotti (2004)

Julgamos pertinente comentar a construção continuar + gerúndio / a + infinitivo,

citada pelos autores como um caso de “livre variação”, de comportamento semelhante tanto

no PE quanto no PB. A respeito dessa construção, os autores só mencionam os dados

quantitativos do corpus do PB, informando que houve 3.951 dados de continuar + gerúndio x

1.401 dados de continuar + a + infinitivo, ou seja, mesmo com o verbo continuar sendo

regido pela preposição a, na variante que, em geral, privilegia o emprego de gerúndio, o

semiauxiliar continuar acaba também selecionando um verbo principal no gerúndio e não a

estrutura a + infinitivo, apesar de sua regência. Convém verificar se o mesmo ocorre nos

nossos dados do PE, ou seja, constatar se, por preferir, em geral, o uso de a + infinitivo, o PE

tende a usar mais continuar + a + infinitivo. Voltaremos a discutir ocorrências com essa

construção no próximo capítulo, quando descrevermos o grupo estrutura verbal.

É importante destacar também que, embora os autores façam menção inúmeras vezes a

“infinitivo preposicionado”, eles jamais usam o termo “infinitivo gerundivo”. Essa

observação é relevante, pois muitas das construções perifrásticas arroladas por eles como

60

Os autores descrevem essa estrutura como “o verbo auxiliar ocorre tipicamente em uma forma perifrástica que

indica futuro e a construção inteira carrega um estigma de baixo comprometimento de uma entidade com o

enunciado” (2004, p. 123). A partir dessa descrição e dos exemplos, inferimos que se trata da construção que se

convencionou chamar de gerundismo no PB, embora os autores não citem esse termo em nenhum momento.

61

Segundo os autores, enquanto os portugueses preferem a construção ter vindo a + infinitivo, os brasileiros

costumam usar em seu lugar a construção vir + gerúndio. (Ex.: As relações com os Estados Unidos vêm

melhorando.).

Page 112: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

89

possíveis de ocorrer tanto no gerúndio quanto no infinitivo não nos pareciam,

necessariamente, veiculadoras de ideia gerundial, progressiva. Os autores não relacionam

nominalmente as construções a seus respectivos valores aspectuais, apenas descrevem-nas

quanto à forma e ao uso (inclusive semântico). Mas, apesar de não empregarem as

nomenclaturas da maioria dos textos sobre aspecto, muitas vezes, percebemos haver ideias

iterativas, incoativas ou cessativas, por exemplo. Os casos em que observamos não haver

valor de “ação em curso” foram comentados nas notas de rodapé desta seção conforme foram

sendo mencionadas no quadro acima.

Como se pode constatar, o trabalho de Móia & Viotti não tem o objetivo de mostrar a

variação histórica diacronicamente entre gerúndio e infinitivo gerundivo. Na verdade, as

construções com infinitivo preposicionado citadas nem sempre são efetivamente gerundivas,

conforme acabamos de mencionar. O trabalho demonstra, contudo, uma forte preocupação

com a descrição sintática e semântica das construções com gerúndio no PB em oposição ao

PE, bem como com a informação de alguns valores quantitativos (em números percentuais e

absolutos) de ocorrências dessas construções em seus corpora. Os autores procuram dar conta

de descrever a variação entre duas variedades nacionais do português, assim como fizemos

em Mothé (2007). Sendo assim, apesar das diferenças citadas, dentre os trabalhos

encontrados, é aquele que mais se assemelha à natureza de nossa pesquisa.

Com relação à segunda parte de seu artigo, em que se dedicam à análise das orações

gerundivas adverbiais, bem como ao outro artigo da dupla luso-brasileira de autores, (MÓIA;

VIOTTI, 2004b), intitulado “Sobre a semântica das orações gerundivas adverbiais”,

voltaremos a citá-los no próximo capítulo, ao descrevermos o grupo de fatores tipo semântico

de oração, no item 3.2.11.

Ainda em Móia & Viotti (2004), os autores concluem o seguinte acerca das

semelhanças e diferenças no PB e no PE:

De maneira geral, podemos dizer que o uso do «gerúndio» é bastante semelhante no

Português Europeu e no Brasileiro. Com efeito, essa forma verbal ocorre nos

mesmos (cinco) principais contextos sintáticos e pode estar associado aos mesmos

valores semânticos interproposicionais – por exemplo, temporal, de elaboração,

causal, instrumental, condicional ou contrastivo –, quando usado de forma adverbial.

[ ...]

O mais impressionante é a diferença entre PE e PB que diz respeito ao fato de que,

em (pelo menos algumas variantes do) PE, o «gerúndio» tende a cair em desuso

depois de alguns verbos auxiliares aspectuais, tais como estar ou andar, ou em

orações adverbiais gerundivas que envolvem a sobreposição temporal de ações, por

exemplo. Por serem construções muito comuns, o impacto deste tipo de variação

entre PE e PB torna-se consideravelmente perceptível. Como foi mencionado

Page 113: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

90

brevemente, o fenômeno parece ser sujeito a considerações dialetais e históricas

que não poderiam ser exploradas neste artigo (embora tenhamos notado, por

exemplo, que autores clássicos portugueses usam o «gerúndio» em contextos em que

raramente são encontrados em jornais do PE moderno). Além disso, a tendência a

abandonar o «gerúndio» revela algumas regularidades – por exemplo,

restrições temporais e aspectuais –, mas também evidencia algumas

assimetrias, típicas de fenômenos que não se estabilizaram totalmente. Isso é,

em particular, evidente no caso do «gerúndio» perifrástico, em que verbos que

pertencem a uma mesma família sintática e semântica parecem comportar-se de

maneira diferente. (MÓIA & VIOTTI, 2004, p. 138, tradução e grifos nossos)62

Mais uma vez, os autores mencionam a variação dialetal e histórica do fenômeno que

aqui nos propusemos a analisar. Segundo Móia & Viotti (2004), a variação ainda está em

curso no PE. De fato, aparentemente não vemos contextos onde seja absolutamente categórico

o uso de uma ou outra de nossas variantes no PE, o que configura a variação. Procuraremos

observar tal processo de maneira mais concreta em nosso corpus. Ademais, os autores

reconhecem haver regularidades e irregularidades nessa variação, o que é bastante

característico de fenômenos variáveis morfossintáticos, uma vez que sabemos que as

mudanças linguísticas desse tipo não ocorrem de forma abrupta.

Além do que acabamos de expor, também vale aqui o que Simões (2007) concluiu

acerca da revisão bibliográfica de seu trabalho sobre as orações gerundivas:

A partir do que se leu acima sobre as descrições do gerúndio no português percebe-

se que essas classificações levam em conta propriedades sintáticas, semânticas e

discursivas dessa forma nominal do verbo. Muitas vezes, trata-se de descrições

imbricadas que ora estão orientadas pelas propriedades sintáticas, ora pelos traços

semânticos, e outras vezes pelas funções discursivas que o gerúndio pode apresentar.

Embora sejam contribuições de muita valia para o entendimento do gerúndio no

português, seria necessário separar estes argumentos conforme as propriedades

específicas que são ativas, reativadas e desativadas em cada um dos sistemas da

língua, a fim de verificar como se organizam os vários usos do gerúndio. (SIMÕES,

2007, p. 120)

62

Overall, we can say that the use of the «gerúndio» is fairly similar in European and Brazilian Portuguese. In

fact, this verb form occurs in the same (five) major types of syntactic environment and may be associated with

the same interpropositional semantic values – e.g. temporal, elaborative, causal, instrumental, conditional or

contrastive –, when used adverbially.

[…]

More striking is the difference between EP and BP which amounts to the fact that, in (at least some variants of)

EP, the «gerúndio» tends to fall into disuse after some auxiliary aspectual verbs, like estar or andar, or in

adverbial gerundive clauses that involve temporal overlapping of activities, for instance. Given the very common

status of these constructions, the impact of this sort of variation between EP and BP becomes considerably

perceptible. As was briefly mentioned, the phenomenon seems to be subject to historical and dialectal

considerations that could not be explored in this paper (though we noted, for instance, that Portuguese classical

authors use the «gerúndio» in contexts that are seldom found in modern EP newspapers). Furthermore, the

tendency to abandon the «gerúndio» shows some regularities – e.g. temporal and aspectual restrictions –, but

evinces some asymmetries as well, typical of phenomena that have not completely stabilized. This is particularly

evident in the case of the periphrastic «gerúndio», where verbs within the same syntactic and semantic family

seem to behave differently. (MÓIA & VIOTTI, 2004, p. 138)

Page 114: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

91

Diante do exposto, no próximo capítulo deste trabalho, descreveremos a metodologia

de nossa pesquisa mediante a qual controlaremos, separadamente, grupos de fatores de

naturezas diversas, sejam morfológicas, sintáticas, semânticas e textuais de modo a tentar

observar como se comportam as estruturas gerundiais empregadas no nosso corpus do

Português Europeu.

Page 115: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

3. METODOLOGIA

3.1 Do levantamento do corpus

Em minha dissertação de mestrado, utilizei um corpus já pronto e editado, o corpus do

Projeto de Variação Contrastiva do Português (Projeto VARPORT) (BRANDÃO; MOTA,

2002). Poder contar com esse corpus que já reunia amostras do Português Brasileiro e do

Português Europeu escrito e falado divididas em fases dos séculos XIX e XX (em diacronia)

foi imprescindível para minha pesquisa àquela altura. Não fosse por esses textos orais e

escritos já disponíveis na página do projeto, ainda teria de percorrer uma etapa, em geral,

muito longa e cansativa do processo de uma pesquisa científica: o levantamento do corpus de

análise.

Sabemos que um corpus bem montado e editado é de suma importância para qualquer

pesquisa, em especial em Linguística Histórica, que, segundo já dizia Labov (1982), “é a arte

de fazer o melhor uso de maus dados”. O fenômeno por mim estudado na pesquisa de

mestrado visava analisar uma variação entre o Português no Brasil e em Portugal, logo, era

mais do que necessário que fossem contrastados diacronicamente dados das duas localidades.

Por isso, em Mothé (2007), levantei dados de gerúndio e de infinitivo gerundivo de anúncios,

editoriais e notícias de jornais brasileiros e portugueses dos séculos XIX e XX bem como de

dados de língua oral culta e popular das décadas de 1970 e 1990 dos dois países. Isso significa

que, para aquela pesquisa, utilizei todo o corpus do Projeto VARPORT.

Já para a pesquisa que desenvolvi durante o curso de doutorado para produzir este

trabalho, assumi o desafio de também levantar novos corpora que, futuramente, ainda

poderão ser úteis a novos pesquisadores. Parti, então, para o “garimpo” nas bibliotecas e

arquivos, para a referida tarefa “longa e cansativa”.

Como mencionado antes, minha atual pesquisa tem como principal objetivo,

basicamente, verificar o avanço do infinitivo gerundivo nas diferentes regiões de Portugal,

procurando ratificar ou não – ao alcance dos nossos dados – o que fora dito por Celso Cunha

(entre outros) ao afirmar que o Algarve, o Alentejo e os Açores seriam redutos ainda hoje, em

Portugal, da forma nominal gerúndio predominantemente (ao menos até a década de 1980,

quando seu texto foi escrito). Conforme já exposto no capítulo 1, temos por hipótese que tal

Page 116: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

93

tendência conservadora ao uso de gerúndio não se mantém nem mesmo no Alentejo, região

considerada um reduto da variante gerúndio.

Entretanto, embora essa característica linguística conservadora do Alentejo, do

Algarve e dos Açores (especialmente do Alentejo) quanto ao uso de gerúndio, como se viu no

capítulo 1, seja, de certa forma, conhecida pelos portugueses de maneira geral, linguistas ou

não, de acordo com a pesquisa bibliográfica realizada, não existem trabalhos na área de

Sociolinguística Histórica em Portugal sobre o avanço diacrônico do infinitivo gerundivo no

país que possam corroborar esse padrão. Existem trabalhos descritivos, trabalhos na área de

dialectologia (como é o caso dos trabalhos com base no corpus CORDIAL-SIN, Corpus

Dialetal para o Estudo da Sintaxe, que congrega o material dos corpora de projetos de 1998,

1999, 2002 e 2006 do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa), trabalhos

sincrônicos, sobre a origem do infinitivo gerundivo no Português etc. Mas não foram

encontrados trabalhos contrastando diatópica e diacronicamente, em terras lusas, as duas

variantes em foco. Portanto, não se sabe se, de fato, quantitativamente, essas regiões ainda se

mantêm resistentes ao avanço de infinitivo gerundivo como se costuma afirmar.

Trabalhos de dialectologia encontrados (CARRILHO; PEREIRA, 2011 e 2013), que

usaram como corpus o material do CORDIAL-SIN, chegaram a mostrar geograficamente, no

território português, onde existem ocorrências de estruturas perifrásticas compostas por verbo

auxiliar ESTAR + gerúndio.

Mapa 1: Distribuição de estar aspectual seguido de gerúndio no CORDIAL-SIN, segundo Carrilho &

Pereira (2011 e 2013)

Page 117: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

94

O mapa produzido na pesquisa citada mostra que, mesmo com dados recentes (entre

1998 e 2006), de fato, o gerúndio só ocorreu nas regiões já costumeiramente mencionadas

pelos autores como redutos do gerúndio. Entretanto, não se sabe se a proporção de uso de

gerúndio em relação ao infinitivo gerundivo continua a mesma ou se tem diminuído nem em

que contextos a conservação se dá com maior vigor.

Como minha pesquisa se propõe diacrônica, far-se-ia necessário obter dados do

Português Europeu que me permitissem observar a distribuição do uso de gerúndio e de

infinitivo gerundivo em Portugal ao longo do tempo – no caso, ao longo do século XX, o

recorte de tempo que desejava investigar. Dessa forma, o primeiro passo seria buscar uma

maneira objetiva de dividir o território lusitano em áreas onde pudesse analisar tal avanço

com maior clareza.

Inicialmente, objetivávamos analisar os dados contrastando regiões semelhantes à

divisão brasileira em regiões (Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sudeste, Sul), que seria a

chamada divisão em 1º nível do território nacional. Entretanto, verificamos que, embora as

divisões em 2º e 3º níveis sejam bem definidas em Portugal (em distritos e freguesias,

equivalentes aos nossos estados e municípios, respectivamente), a divisão em 1º nível inexiste

oficialmente.

Já houve diferentes regiões administrativas em Portugal ao longo da história. Existia

uma até o início do século XIX, depois outra a partir de 1832 (após a Revolução Liberal) e,

finalmente, uma divisão de 1936, instituída pelo Estado Novo na Constituição de 1933,

baseada nos estudos publicados de 1927 a 1930 por um geógrafo da época. As divisões

correspondiam às chamadas províncias, mas, oficialmente, as províncias foram extintas na

Constituição de 1976, que prevê a criação de novas, o que ainda não foi feito. Portanto, todas

essas divisões do território luso disponíveis ainda hoje são, oficialmente, consideradas

obsoletas. Até recentemente, os manuais escolares ainda apresentavam a divisão em 11

províncias, de 1936 e, por isso, essa é a referência de divisão territorial em 1º nível que

muitos portugueses têm para si.

A única divisão geográfica oficial em Portugal atualmente é a que divide o país em 18

distritos (equivalentes ao que chamamos de “estados” no Brasil). E, embora isso ainda não

tenha sido feito, a Constituição Portuguesa de 1976 (em vigor ainda hoje) prevê que o país

seja re-dividido em regiões administrativas. Existe, em Portugal, muita discussão sobre como

fazer oficialmente, de forma justa, a nova divisão interna em 1º nível, tendo sido inclusive já

Page 118: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

95

realizado um referendo a esse respeito em 1997. A charge abaixo, retirada da edição de 15 de

abril de 1996 do jornal Diário de Notícias, que faz parte do corpus da presente pesquisa,

ilustra bem a forma como os portugueses, especialmente os do interior, receberam a proposta

de divisão.

Charge 3: Regionalização de Portugal – Centro x Interior (DN, 15/04/1996)

Mesmo antes de ler as falas da charge, a partir da indumentária dos personagens, é

possível inferir que estes são interioranos, não habitam os centros urbanos de Portugal. Ao

lermos, constatamos serem alentejanos. Verificamos, então, uma situação em que, ao se

darem conta de que estão em minoria em relação à população da grande Lisboa, os

personagens desconfiam de que serão prejudicados com o resultado do referendo. Isso é

evidenciado pela última fala “Estamos tramados”, que significa, no uso popular do Português

Europeu, segundo o Dicionário mobile da Língua Portuguesa, da Porto Editora (2011), “estar

prejudicado”, “estar aflito por não ter solução para um problema”. Ou seja, fica explícito quão

temerosos os alentejanos estavam do resultado do referendo.

Page 119: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

96

Talvez como consequência dessa desconfiança quanto à representatividade do

referendo, menos de 50% da população do país compareceu às votações. Assim, o referendo –

que propunha uma divisão em oito regiões administrativas – não teve validade legal. Logo,

ficamos sem uma divisão geográfica oficial do país para uso na pesquisa.

É verdade, contudo, que, para uma pesquisa sociolinguística, não é preciso,

necessariamente, nos ater a uma divisão geográfica / política, mas sim a uma divisão social /

populacional / linguística. Uma decisão metodológica precisou ser tomada e optamos aqui

pela da divisão em NUTS (Nomenclatura de Unidades Territoriais para Fins Estatísticos), que

é a classificação usada em todos os países membros da União Europeia. A comissão da União

Europeia procura agrupar os territórios de acordo com as classificações pré-existentes de cada

país e respeitando o número de habitantes.

Segundo a divisão em NUTS (SUBDIVISÕES DE PORTUGAL, 2013), teríamos o

seguinte quadro populacional em Portugal:

POSIÇÃO NOME POPULAÇÃO PERCENTAGEM DENSIDADE

1 Região Norte 3 818 722 35,9% 178 h/km²63

2 Região de Lisboa 2 808 414 26,4% 948 h/km²

3 Região Centro 2 348 453 22,1% 83 h/km²

4 Região do Alentejo 776 339 7,3% 25 h/km²

5 Região do Algarve 395 208 3,7% 79 h/km²

6 Região Autônoma da Madeira 245 012 2,3% 308 h/km²

7 Região Autônoma dos Açores 244 006 2,3% 105 h/km²

TOTAL 10 636 154 100% 112,3 h/km²

Tabela 1: Distribuição populacional de Portugal em NUTS

Para esta pesquisa, era importante que a divisão regional – seja ela qual fosse –

mantivesse separadas as regiões apontadas como conservadoras quanto ao uso do gerúndio

(ou seja, Alentejo, Algarve e Açores), assim como seria interessante observar separadamente

a região de Lisboa (capital e maior metrópole do país) e a região Norte, como principal ponto

de oposição em relação às regiões ao sul do país, mais conservadoras, conforme mostrado no

mapa 1. Sendo assim, a divisão em NUTS mantinha todas essas divisões previstas em nossas

hipóteses e acrescentava ainda a região Centro, que nos servirá a um outro propósito,

conforme veremos mais adiante. Por isso e por ser mais abrangente que a divisão em distritos,

63

Habitantes por quilômetro quadrado.

Page 120: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

97

acreditamos que a divisão em NUTS seja boa para usarmos na pesquisa (ao menos por

enquanto). Além disso, é a divisão que tem sido usada para fazer as estatísticas geográficas do

país, inclusive o último Censo, de 2011 (INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA,

2011).

Abaixo, podem-se observar dois mapas do território de Portugal Continental. No

primeiro, vemos a divisão em NUTS II adotada para este trabalho e, em seguida, um mapa

com as divisões dos distritos, mostrando que estes são agrupados praticamente da mesma

forma como previsto na divisão em NUTS II.

Mapa 2: Divisão geográfica de Portugal Continental em NUTS II (divisão adotada para a vertente

diatópica deste trabalho)

Page 121: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

98

Mapa 3: Divisão geográfica de Portugal Continental em seus 18 distritos e respectivas regiões

Page 122: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

99

Uma vez decididas quais as regiões de onde seriam levantadas as fontes primárias, foi

necessário decidir quais seriam os gêneros textuais da pesquisa e quais os recortes no tempo

para a investigação diacrônica. Em minha dissertação de mestrado (Mothé, 2007), tive,

conforme já mencionado, um corpus de textos escritos constituído por anúncios, editoriais e

notícias dos séculos XIX e XX. Ao submeter os dados desse material ao programa estatístico

de cálculo de pesos relativos Goldvarb, foi observado que a frequência de uso do infinitivo

gerundivo em Portugal se mostrou muito semelhante nos três gêneros textuais jornalísticos

estudados, sendo levemente menos frequente nos anúncios. Em contrapartida, com relação ao

fator tempo, vimos que o avanço do infinitivo gerundivo se deu – naqueles dados – a partir de

meados do século XX.

Sendo assim, já que, aparentemente, ao menos ao alcance daqueles dados, o aumento

do uso da construção gerundial com infinitivo pareceu ser indiferente aos gêneros antes

estudados, decidimos concentrar a atual pesquisa em apenas um dos gêneros textuais

jornalísticos em questão: as notícias. Além disso, foi decidido investigar com maior detalhe

períodos de tempo mais curtos que os do Projeto VARPORT dentro do século XX. No Projeto

VARPORT, o século XX estava dividido em cinco fases (1901-1924; 1925-1949; 1950-1960;

1961-1974; e 1975-2000). Decidimos que, agora, o recorte temporal seria década a década do

século passado.

Para fins de melhor recorte dos dados, focamos nossa pesquisa no território de

Portugal Continental (Norte, Lisboa, Centro, Alentejo e Algarve). Dessas regiões, foram

levantados dados das dez décadas do século XX, para que pudessem ser observados em maior

detalhe. Além disso, por também ser considerado conservador quanto ao uso do gerúndio,

constituímos um corpus de fontes primárias e levantei dados a partir dos mesmos do

arquipélago dos Açores. Entretanto, por serem mais escassas as fontes dessa localidade,

levantei dados dos Açores somente de quatro recortes no tempo: décadas de 1900, 1930, 1960

e 1990.

É possível que se questione o uso de um corpus formado por textos de jornais para

uma pesquisa Sociolinguística. Tal questionamento surge porque os textos jornalísticos, em

geral, não são tão transparentes às variações linguísticas – particularmente as da fala – quanto

se deseja observar. De fato, tal suposição é pertinente em certa medida. Sabemos que as

mudanças linguísticas em geral ocorrem primeiramente na fala para depois – muitas vezes,

muito tempo depois – aparecerem na escrita. Além disso, ainda há de se considerar que,

dentre os gêneros textuais escritos, os gêneros jornalísticos costumam conservar um registro

Page 123: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

100

considerado formal, na maioria dos casos, o que os afastaria do “sonho de consumo do

investigador em linguística histórica” (BARBOSA, 2005, p. 28), que seriam os textos mais

transparentes aos usos gerais da fala. Para constatar isso, basta que pensemos, hoje, no jornal

mais popular em circulação em uma dada sociedade. Para os moradores da cidade do Rio de

Janeiro no ano de 2014, por exemplo, é possível imaginar o jornal Meia Hora. Quem tem

acesso aos textos do Meia Hora reconhece que tal periódico usa língua escrita informal

visando a alcançar as camadas mais populares da sociedade, público-alvo dessa publicação.

Entretanto, ainda que considerado extremamente informal e popular – especialmente

quando comparado a outros jornais –, a linguagem do Meia Hora não é capaz de transparecer

grande parte das variações que ocorrem na fala informal dos leitores de baixa escolaridade do

jornal em questão e tampouco retrata os desvios à norma culta padrão presentes na fala não

vigiada – e até na escrita – desses mesmos leitores. Para citar um exemplo concreto, pode-se

mencionar o apagamento do fonema [s] indicativo de plural nos sintagmas nominais. O uso

do fonema [s] indicativo de plural somente no elemento mais à esquerda do sintagma, no

caso, o artigo, tem sido bastante comum no Português Brasileiro, inclusive na fala informal de

informantes de escolaridade não tão baixa quanto o suposto público-alvo do Meia Hora (em

sua maioria, as classes D e E). Trata-se da variação que existe em sintagmas como “os

meninos bonitos”, frequentemente realizados como “os meninoø bonitoø”, conforme atestam

inúmeros trabalhos acadêmicos sobre o tema (SCHERRE, 1994; SCHERRE; NARO, 1998;

CRISTÓFARO-SILVA; ALMEIDA; GUEDRI, 2008). Apesar disso, porém, se

constituíssemos um corpus de uma pesquisa linguística a partir dos textos do jornal Meia

Hora, dificilmente encontraríamos esse fenômeno nas amostras de língua desse corpus.

Sendo assim, pode-se questionar a validade de resultados de pesquisas

sociolinguísticas realizadas com corpora de textos jornalísticos. Todavia, algumas

considerações devem ser feitas a esse respeito. Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que

se trata de uma pesquisa de Sociolinguística HISTÓRICA cujo objetivo é analisar amostras de

língua em diacronia desde o início do século passado. Idealmente, qualquer linguista desejaria

utilizar um corpus de língua falada controlado com cuidados metodológicos da

Sociolinguística contemporânea, usando questionários elaborados especificamente para

observar um determinado fenômeno variável na língua de uma comunidade x. Voltamos,

porém, ao ponto crucial já evidenciado por Labov nos primórdios da Sociolinguística

Histórica: nossa ciência “é a arte de fazer bom uso de maus dados”. É evidente, como se sabe,

que é inviável conseguir um corpus de textos orais de recortes no tempo do início do século

XX.

Page 124: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

101

Contudo, isso não inviabiliza a produção de ciência em Linguística Histórica de

sincronias de um tempo quando não havia registros de textos orais. O que o linguista deve ter

– além do cuidado metodológico para constituição e tratamento do corpus – é o cuidado na

divulgação dos resultados de sua pesquisa. Voltemos ao exemplo de uma suposta pesquisa

linguística sobre o apagamento do [s] plural nos sintagmas nominais com textos do jornal

Meia Hora como corpus. Caso fosse, de fato, constatada a inexistência do fenômeno no

corpus em questão, o linguista não poderia afirmar que o fenômeno estudado não existe na

língua portuguesa. No máximo, ele poderia afirmar, por exemplo, que naquele corpus,

naqueles dados, naquele determinado gênero textual, o fenômeno em foco não ocorreu,

sinalizando, talvez, por exemplo, que, embora seja frequente na fala informal, em textos

escritos, nos gêneros textuais jornalísticos x, da imprensa carioca considerada informal, o

fenômeno não ocorre. Ou seja, queremos salientar que temos consciência dos limites do

corpus que nos propusemos a analisar e temos ciência de que quaisquer generalizações sobre

o passado ou o futuro da língua portuguesa – escrita e, sobretudo, falada – como um todo

seriam levianas. Ao contrário, pretende-se com este trabalho contribuir com mais um pequeno

tijolo para construção da história da língua portuguesa, que há de ser contada ao longo do

tempo com a colaboração de inúmeros cientistas, inúmeras pesquisas realizadas por aqueles,

aquém ou além-mar, que se interessam pela história do nosso idioma.

Além disso, embora tenhamos ciência desse necessário cuidado metodológico, existe

uma característica do fenômeno aqui estudado que o diferencia amplamente do fenômeno

mencionado como exemplo, acima, o apagamento de [s] plural: o grau de controle dos

falantes quanto à variação. Apesar de ser considerado, até pelo português leigo, como uma

marca do dialeto alentejano, por exemplo, o uso do gerúndio não é considerado um “erro”, um

“desvio à norma culta padrão” como o é o apagamento do [s] plural. Usar gerúndio ou

infinitivo gerundivo é encarado, no máximo, como uma marca regional, ou como um tipo de

brasileirismo em Portugal. Não possui o mesmo estigma que a não realização do [s] plural

possui no Português Brasileiro. Conforme vimos no capítulo anterior, inclusive, mesmo as

gramáticas escolares mais vendidas em Portugal atualmente não apresentam explicitamente

restrições ao emprego do gerúndio em detrimento ao uso de infinitivo gerundivo. O que se

quer argumentar é que existem fenômenos que não sofrem controle consciente dos falantes

por não representarem variantes sem prestígio ou alvo de preconceito linguístico.

Acreditamos que a variação gerúndio x infinitivo gerundivo seja um desses casos e, portanto,

seu uso em nosso corpus pode ter sido – de certa forma – um pouco mais equivalente ao que

os redatores dos textos jornalísticos usa(va)m segundo seu uso pessoal.

Page 125: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

102

Como ocorre na maioria dos corpora de pesquisas em Sociolinguística Histórica,

porém, pouco se sabe a respeito dos redatores dos textos do nosso corpus. Não podemos

controlar sua idade, seu sexo ou seu grau de escolaridade, por exemplo. A profissão de

jornalista em Portugal, tal como no Brasil, durante muito tempo foi exercida sem a

necessidade de graduação em Jornalismo. Mas, ainda que com dificuldade na identificação

das características sociais dos redatores, procuramos tomar alguns cuidados metodológicos no

levantamento dos textos com o objetivo de tornar o corpus o mais representativo possível da

língua escrita usada nas diferentes regiões de Portugal que servirão de base diatópica para este

trabalho.

Em primeiro lugar, não usamos sob qualquer hipótese, notícias traduzidas de jornais

de outras nacionalidades. Era muito comum vermos ao longo dos jornais, por exemplo, siglas

que indicavam que uma determinada notícia tinha como fonte original uma agência

internacional de notícias, como a Reuters (R.) ou a Agence France-Presse (A.F.P.), ambas

fundadas no século XIX e em atividade ainda hoje.

Para evitar as traduções bem como a reprodução de notícias publicadas em outros

jornais lusitanos, sempre que possível foi privilegiado o uso de notícias das seções dedicadas

aos acontecimentos locais da cidade / região de cada jornal. Assim, não utilizamos notícias da

seção “Internacional” e evitamos ao máximo o uso de notícias de âmbito nacional. Estas eram

utilizadas, somente em último caso, como complementação das células, caso as notícias

regionais não fossem suficientes para o quantitativo de palavras por célula. Além disso, deu-

se preferência ao uso dos chamados periódicos regionais, que serão mais bem definidos no

capítulo 4, a seguir. A imprensa regional em Portugal passa por forte crise hoje, mas foi (e,

mesmo com suas atuais limitações, ainda é) bastante influente no país. Ademais, a redação

desses jornais é, ainda hoje, composta basicamente por conterrâneos, pessoas que colaboram

muitas vezes até quase que voluntariamente, tendo seu sustento principal em outras atividades

e colaborando paralelamente com o jornal de sua terra.

Assim, aumentamos a probabilidade de termos em nosso corpus do Alentejo, textos

produzidos por um alentejano; no corpus do Algarve, textos produzidos por um algarvio; e

assim sucessivamente nas demais regiões. Os únicos jornais não regionais do corpus são os

jornais que serviram de fonte para os dados de Lisboa e do Norte, mas, como essas duas

regiões são apontadas como inovadoras quanto ao uso de gerúndio, não consideramos ser isto

um empecilho aos objetivos da pesquisa e, na verdade, tais amostras servirão até mesmo

como referência para verificarmos se havia alguma diferença quanto às taxas de uso de

gerúndio e de infinitivo gerundivo em periódicos de âmbito nacional ou em periódicos de

Page 126: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

103

âmbito regional, opondo, por exemplo, os dados do Norte (oriundos de jornal nacional) aos

dados do Centro (oriundos de jornal regional), sendo ambas as regiões consideradas

inovadoras, assim como outras combinações de dados possíveis dentro do nosso corpus, que

serão adequadamente descritas no capítulo 5, adiante, de acordo com as rodadas estatísticas

realizadas.

Tendo feito essas escolhas metodológicas iniciais, era preciso começar o garimpo. O

corpus da atual pesquisa foi montado, basicamente, a partir do arquivo da Biblioteca Nacional

de Lisboa e do arquivo privado do jornal Diário do Alentejo, cuja redação, na cidade de Beja,

visitei em julho de 2011 com o fim de fotografar as edições de interesse para a pesquisa.

Vale ressaltar que o corpus foi equilibrado pelo número de palavras e não pelo número

de documentos ou de textos. A quantidade de textos de cada célula sociolinguística dependeu

do “volume de texto” de cada exemplar, o que significa que procuramos ter o cuidado de

analisar uma quantidade de textos com número semelhante de palavras, de maneira que

houvesse as mesmas “chances” de o fenômeno surgir em cada célula. Portanto, o que foi

considerado foi o número de palavras no total de textos. Cada célula de dados apresentava

cerca de 4.000 palavras, ou seja, foram “lidas”, aproximadamente, 4.000 palavras de notícias

do Alentejo de 1900, mais 4.000 palavras do Alentejo de 1910 e assim sucessivamente para

todas as regiões e décadas.

Antes, porém, do levantamento de dados propriamente dito, foi preciso levantar as

fontes primárias, ou seja, as edições dos jornais de onde os dados seriam extraídos, as quais

foram:

REGIÃO NÚMERO DE EDIÇÕES NÚMERO DE PÁGINAS /

IMAGENS

Norte 43 528

Centro 86 619

Lisboa 206 2262

Alentejo 105 773

Algarve 105 549

Açores 40 181

TOTAL GERAL 585 4912

Tabela 2: Quantidade de edições de jornais levantadas para composição do corpus inédito

Page 127: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

104

As edições quantificadas na tabela acima foram levantadas a partir dos seguintes

jornais:

REGIÃO TÍTULO PUBLICAÇÃO FASE

COLETADA EDIÇÕES IMAGENS

Norte O Comércio do

Porto

De 02 de junho de

1854 até 30

de julho de 2005

(1905 – 2000) 43 528

Centro

O Jornal d’

Estarreja

De 12 de abril de

1883 até HOJE (1902 – 1925) 31 128

Diário de Coimbra De 1930 até HOJE (1931 – 1991) 55 491

Lisboa

VARPORT

(Vários títulos) Vários (1901 – 2000) - -

Diário de Notícias De 29 de dezembro

de 1864 até HOJE (1902 – 1996) 206 2262

Alentejo

A Folha do Sul

De 07 de agosto de

1897 até 14 de

dezembro de 1946

(1901 – 1923) 37 110

Diário do Alentejo De 01 de junho de

1932 até HOJE (1932 – 1998) 68 663

Algarve O Algarve

De 29 de março de

1908 até abril de

2013

(1908 – 1993) 105 549

Açores Diário dos Açores De 05 de fevereiro

de 1870 até HOJE (1907 – 1997) 40 181

TOTAL - - - 585 4912

Quadro 10: Títulos de periódicos que compõem o corpus

No apêndice deste trabalho, podem ser verificadas, com maior detalhe de data e

quantidade de imagens, as edições que nos serviram para composição do corpus.

Os dados de gerúndio e de infinitivo gerundivo obtidos a partir dessas fontes foram:

Page 128: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

105

LOCALIDADE NÚMERO DE PALAVRAS NÚMERO DE DADOS

Norte 40.689 647

Centro 41.585 437

Lisboa 40.693 550

Alentejo 41.123 472

Algarve 40.930 351

Açores 16.417 204

TOTAL GERAL 221.437 2.649

Tabela 3: Número PRELIMINAR de dados por célula de região

Se distribuirmos os dados acima pela divisão temporal, em décadas, das células

sociolinguísticas da pesquisa, teremos a seguinte tabela:

NOTÍCIAS

FASES

NORTE CENTRO LISBOA ALENTEJO ALGARVE AÇORES

de

pa

lav

ras

de

da

do

s

de

pa

lav

ras

de

da

do

s

de

pa

lav

ras

de

da

do

s

de

pa

lav

ras

de

da

do

s

de

pa

lav

ras

de

da

do

s

de

pa

lav

ras

de

da

do

s

00 (1901 - 1910) 4056 77 4055 42 4062 85 4020 68 4020 35 4140 77

01 (1911 - 1920) 4015 76 4297 42 4024 75 4160 64 4158 61 - -

02 (1921 - 1930) 4027 93 4213 58 4049 71 4055 43 4010 37 - -

03 (1931 - 1940) 4024 82 4256 53 4065 46 4150 61 4025 50 4005 33

04 (1941 - 1950) 4050 78 4118 26 4052 38 4205 34 4045 34 - -

05 (1951 - 1960) 4099 48 4172 38 4058 32 4120 58 4225 26 - -

06 (1961 - 1970) 4107 49 4078 55 4100 47 4095 34 4075 29 4139 47

07 (1971 - 1980) 4143 59 4097 59 4048 62 4012 31 4174 24 - -

08 (1981 - 1990) 4154 52 4178 24 4091 48 4004 35 4065 20 - -

09 (1991 - 2000) 4014 33 4121 40 4144 46 4302 44 4133 35 4133 47

TOTAL 40689 647 41585 437 40693 550 41123 472 40930 351 16417 204

Tabela 4: Distribuição dos dados por década x região

Page 129: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

106

Conforme mencionamos e se pode observar pela tabela acima, as células

sociolinguísticas foram compostas por aproximadamente 4.000 palavras, gerando, em cada

uma delas, o volume de dados visto na coluna à direita de cada fase na mesma tabela.

Apenas cerca de 25% dos dados referentes a Lisboa (147 dos 550 dados) são

originários do Projeto VARPORT, já utilizados em minha dissertação de mestrado. Isso

porque o corpus do Projeto VARPORT limita-se a material jornalístico de periódicos

publicados em Lisboa e, além de apresentarem uma divisão cronológica diferenciada da desta

pesquisa, suas células possuem apenas cerca de 1500 palavras. Por isso, foi necessário

complementar esse material com novos levantamentos de fontes primárias, o que, no caso de

Lisboa, se deu com o jornal Diário de Notícias, um dos mais lidos de sua categoria em

Portugal, ainda hoje. Os dados das outras cinco regiões em análise são provenientes de fontes

inéditas enquanto material para pesquisa sociolinguística.

Uma vez levantados os dados, era preciso analisá-los segundo determinadas bases

teóricas para interpretação dos resultados. Descrevemos, a seguir, tais fundamentos.

3.2 Do tratamento dos dados

Conforme explicitado antes, os dados levantados durante a pesquisa foram submetidos

aos programas do pacote computacional VARBRUL em uma de suas versões para Windows,

o Goldvarb 2001 (ROBINSON; LAWRENCE; TAGLIAMONTE, 2001), como instrumental

usado para quantificar os dados e calcular o peso relativo da influência de cada variável no

fenômeno estudado. Isso a serviço dos pressupostos teóricos da Sociolinguística Histórica de

base laboviana.

Para o controle dos fatores que visamos verificar se condicionam a variação entre

gerúndio e infinitivo gerundivo (nossa variável dependente), segundo a Sociolinguística

laboviana, foram construídos treze grupos de fatores (as variáveis independentes), que são: 1-

região geográfica; 2- tempo; 3- tipo de texto (sequência textual); 4-estrutura verbal

(sintática x perifrástica); 5- voz verbal; 6- posição do clítico; 7- referência adverbial; 8-

interpolação de item lexical (diferente de advérbio) entre o auxiliar e o infinitivo; 9- tipo

sintático de oração; 10- tipo semântico de oração; 11- posição da oração gerundial no

período (em relação à oração principal); 12- tipo semântico do verbo; (e 13- cambialidade).

O quadro abaixo mostra todos os grupos com seus respectivos fatores, que foram

usados para codificação dos dados desta pesquisa:

Page 130: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

107

# GRUPOS DE FATORES CÓDIGO VARIANTES

1 Variável dependente

(gerúndio x infinitivo)

g Gerúndio

r A + Infinitivo

2 Região geográfica N Norte (Porto)

C Centro (Estarreja e Coimbra)

L Lisboa

A Alentejo (Montemor-o-Novo e Beja)

G Algarve (Faro)

S Açores

3 Tempo 0 1901 - 1910

1 1911 - 1920

2 1921 - 1930

3 1931 - 1940

4 1941 - 1950

5 1951 - 1960

6 1961 - 1970

7 1971 - 1980

8 1981 - 1990

9 1991 - 2000

4 Tipo de texto /

Sequência textual

n Narrativo

s Expositivo-argumentativo

d Descritivo

5 Estrutura verbal

(sintética x perifrástica)

n Estrutura sintética (somente com verbo pleno)

e Estrutura analítica com auxiliar ESTAR

a Estrutura analítica com auxiliar ANDAR

f Estrutura analítica com auxiliar FICAR

i Estrutura analítica com auxiliar IR

v Estrutura analítica com auxiliar VIR

u Estrutura analítica com

semiauxiliar CONTINUAR

o Estrutura analítica com outros semiauxiliares

(ou auxiliares acidentais)

z Estrutura analítica com gerúndio no verbo

auxiliar

l (L) Construções com verbos leves (ter, dar, fazer)

m Construções com verbos modais

6 Voz verbal A Voz Ativa

N Voz Passiva Analítica

S Voz Passiva Sintética

R Voz Reflexiva

Page 131: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

108

7 Posição do clítico p Próclise

e Ênclise

m Mesóclise

x Não se aplica (não há clítico)

a Clítico entre o verbo auxiliar e o verbo

principal gerundivo

8 Referência adverbial

a Referência TEMPORAL ANTES da forma

nominal (na mesma oração)

d Referência TEMPORAL DEPOIS da forma

nominal (na mesma oração)

m Referência TEMPORAL NO MEIO da

perífrase verbal (entre o verbo auxiliar e o

verbo principal na forma nominal)

l (L) Referência TEMPORAL ANTES da forma

nominal (em outra oração)

+ Referência TEMPORAL DEPOIS da forma

nominal (em outra oração)

o Referência adverbial de MODO ou LUGAR

NO MEIO da locução (entre o verbo auxiliar e

o verbo principal)

b Referência adverbial de MODO ou LUGAR

ANTES da forma nominal (na mesma oração)

v Referência adverbial de MODO ou LUGAR

DEPOIS da forma nominal (na mesma oração)

x Não se aplica (não há referência adverbial)

9 Interpolação de item

lexical (diferente de

advérbio) entre o verbo

auxiliar e o verbo

principal

i HÁ interpolação de item lexical (diferente de

advérbio) entre o verbo auxiliar e o principal

x NÃO HÁ interpolação de item lexical

(diferente de advérbio) entre o verbo auxiliar e

o principal ou a estrutura é sintética

10 Tipo sintático de oração

a Absoluta (independente)

i Coordenada SINDÉTICA

d Coordenada ASSINDÉTICA

p Oração principal

l (L) Relativa RESTRITIVA (geral)

z Relativa EXPLICATIVA (geral)

u Relativa do tipo: ACUSATIVO + FORMA

NOMINAL (regido por verbo de “sentido” ou

com significado de “encontrar”)

Ex.: E aí dei com ele a vasculhar /

vasculhando minha gaveta.

x Relativa na COMPARAÇÃO

Ex. “Era como um coração a bater / batendo,

como uma pedra preciosa que respirava”.

Page 132: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

109

w Relativa do tipo: COM + SUBSTANTIVO +

FORMA NOMINAL

Ex. “Não me sinto bem com todo mundo a

olhar / olhando para mim.”

g Substantiva APOSITIVA

e Substantiva COMPLETIVA NOMINAL

b Substantivas OBJETIVAS (direta ou indireta)

r Substantiva PREDICATIVA

s Substantiva SUBJETIVA

c Adverbial CAUSAL

o Adverbial COMPARATIVA

v Adverbial CONCESSIVA

n Adverbial CONDICIONAL

k Adverbial CONFORMATIVA

q Adverbial CONSECUTIVA

f Adverbial FINAL

m Adverbial MODAL

h Adverbial PROPORCIONAL

t Adverbial TEMPORAL

j “Subordinada aditiva” (Azeredo: 2001)

11 Tipo semântico de

oração

(aplica-se SOMENTE às

orações adverbiais)

D Gerúndio narrativo de posterioridade

A Gerúndio narrativo de anterioridade

S Gerúndio de sobreposição (ou paralelismo)

temporal

Q Gerúndio de sobre-enquadramento

T Gerúndio de subenquadramento

E Gerúndio de elaboração

M Gerúndio de modo

I Gerúndio instrumental (ou de meio)

C Gerúndio causal

R Gerúndio resultativo

N Gerúndio condicional

V Gerúndio concessivo ou adversativo

O Gerúndio opositivo

U Gerúndio neutro

X Não se aplica

(a oração gerundiva não é adverbial)

12 Posição da oração

gerundial no período

(em relação à oração

principal)

I Inicial

M Medial (intercalada)

F Final

P A gerundiva é a principal

A Não se aplica (oração absoluta ou coordenada)

Page 133: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

110

13 Tipo semântico do verbo f Processos materiais (processos de fazer)

s Processos mentais (processos de sentir)

r Processos relacionais (processos de ser)

c Processos comportamentais

v Processos verbais

e Processos existenciais

m Processos meteorológicos

14 Cambialidade S Perfeitamente cambiável, sempre com ideia

gerundial

R Cambiável, mas com leitura ambígua, podendo

o “A” ser apenas a preposição exigida pela

regência do verbo.

(Ex.: Começou a fazer, continuou a cantar...).

A Cambiável, mas com leitura ambígua, podendo

o “A” ser equivalente a uma preposição não

esvaziada semanticamente (com sentido de

“para”, por exemplo).

(Ex.: Estava ali a fazer bolinhos para o

almoço.).

Quadro 11: Grupos de fatores para análise variacionista dos dados

A seguir, são explicitadas as motivações subjacentes à criação de cada grupo de

fatores.

3.2.1. Variável dependente

Como o próprio nome sugere, trata-se da variável dependente, ou seja, aquela em

função da qual o cálculo de pesos relativos será feito pelo programa estatístico. Opõe nossas

variantes em análise: gerúndio x infinitivo gerundivo.

3.2.2. Região geográfica

Grupo de controle diatópico, que opõe as cinco regiões de Portugal Continental

descritas no item 3.1: Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve, além do arquipélago de

Açores, que se faz presente através de edições do periódico Diário dos Açores, oriundo da

ilha de São Miguel, a capital desta região autônoma, que concentra o maior número de

habitantes e a situação socioeconômica mais desenvolvida dentre as nove ilhas que compõem

Page 134: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

111

o arquipélago. Esse grupo é de controle básico em uma pesquisa que visa a contrastar as

variantes de diferentes regiões de Portugal com o objetivo de verificar se alguma dessas áreas

ainda se mantém mais conservadora quanto ao uso do gerúndio, ao menos na amostra de

dados do corpus, considerando ser isto o que se costuma afirmar a respeito do uso da língua

no Alentejo, no Algarve e nos Açores. Conforme já mencionamos, nossa hipótese é de que tal

distinção regional já não exista (ou, ao menos, que seja cada vez menor) no PE conforme se

costuma afirmar na literatura, o que pretendemos mostrar ao alcance dos nossos dados.

Vale destacar, nesta seção, as cidades de onde vêm os jornais que constituem o corpus.

Maiores detalhes sobre cada periódico em questão poderão ser vistos no capítulo 4 deste

trabalho.

Norte

Todo o corpus da região Norte foi composto a partir do jornal O Comércio do Porto,

uma vez que este foi publicado ao longo de todo o século XX – período que pretendemos

investigar –, desde junho de 1854 até julho de 2005. O jornal é proveniente da cidade do

Porto, a segunda maior cidade do país e pertence a uma região considerada inovadora quanto

ao uso de infinitivo gerundivo, privilegiando essa forma em detrimento do gerúndio. Trata-se

de um jornal de abrangência nacional e, portanto, espera-se que tenha um padrão linguístico

semelhante ao da capital, Lisboa.

Centro

O corpus da região Centro é formado por dois jornais: O Jornal d’ Estarreja e Diário

de Coimbra, ambos publicados nas cidades que lhes dão título, respectivamente. O Diário de

Coimbra foi o primeiro periódico dessa região a ser levantado como fonte primária desta

pesquisa e, como começou a ser publicado somente em 1930, foi preciso procurar outra

publicação para complementar o corpus da região Centro com as décadas do século XX

anteriores a de 1930. A partir de novas buscas, chegou-se a O Jornal d’Estarreja, que

começou a ser publicado em 1883 e está em circulação até hoje.

Ambos são jornais de abrangência regional. No capítulo 4, serão pormenorizadas as

principais características dos jornais regionais de Portugal, mas, por ora, adiantamos que,

como a própria classificação sinaliza (regionais), se tratam de periódicos mais voltados para o

Page 135: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

112

público local e também geralmente produzidos – conforme mencionado anteriormente – por

redatores locais. Sendo assim, é possível que a língua utilizada nesses veículos receba menos

influência de tentativas conscientes de padronização com “a língua de Lisboa”, a capital.

Assim, por serem os únicos jornais regionais do corpus deste trabalho pertencentes a uma

região apontada como mais inovadora quanto ao uso de infinitivo gerundivo, pretende-se, em

algumas das rodadas estatísticas, contrapor exclusivamente os dados dessa região aos dados

das regiões apontadas como conservadoras quanto ao uso das formas nominais estudadas:

Alentejo, Algarve e Açores, cujos corpora são igualmente constituídos por jornais regionais.

Lisboa

A região de Lisboa possui cerca de 75% de seu corpus levantado a partir de fontes

inéditas provenientes do jornal de abrangência nacional de maior circulação no país: o Diário

de Notícias, publicado desde 1864. Os demais 25% são oriundos do corpus do Projeto

VARPORT, disponível na internet no site http://www.letras.ufrj.br/varport/. Além de também

possuir material do próprio Diário de Notícias, o Projeto VARPORT apresenta em seu corpus

dados colhidos das seguintes publicações e respectivos períodos de tempo: O Século (1901 a

1977), Diário Popular (1942 a 1991), Público (1991 a 2000) e Expresso (1973 a 2000).

O diário O Século, fundado em 08 de junho de 1880, foi um periódico de referência

em Portugal e era o principal concorrente do Diário de Notícias durante o período em que

esteve em atividade, isto é, até 12 de fevereiro de 1977. O Diário Popular, já extinto, foi

publicado entre os anos de 1942 e 1991 e alcançou maior sucesso durante as décadas de 1950

a 1970. O Público é o periódico mais novo dentre os que compõem o corpus, tendo sido

fundado em 1990. É um jornal diário, voltado principalmente para as classes A e B, em

circulação ainda hoje. Atualmente, é o líder de vendas do seu segmento, sendo o principal

concorrente do Diário de Notícias. Fundado em 06 de janeiro de 1973, o Expresso é um

semanário de abrangência nacional, mas com a maior parte de seus leitores na Grande Lisboa.

Ainda em circulação, também é voltado para as classes A e B.

Alentejo

Page 136: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

113

Assim como ocorreu com a região Centro, o corpus da região do Alentejo também

precisou ser constituído a partir de dois títulos, ambos de abrangência regional. Inicialmente,

tivemos acesso ao arquivo privado do jornal Diário do Alentejo, publicado em Beja, desde

1932, até hoje. Era então necessário buscar outro periódico para complementar o material da

região no século XX. Na Biblioteca Nacional de Portugal encontramos as edições do

semanário regional A Folha do Sul, publicado na pequena cidade de Montemór-o-Novo, de

1897 até 1946. O corpus levantado desse jornal compreendeu o período de 1901 a 1930.

Algarve

Assim como na região Norte, na região algarvia, também foi possível levantar os

dados integralmente a partir do semanário independente de abrangência regional O Algarve,

da capital do distrito, Faro, fundado em 1908 e em circulação até 12 de abril de 2013.

Infelizmente a imprensa regional em Portugal, assim como vários outros setores da economia

do país, tem passado por uma grande crise e, por isso, vários periódicos têm fechado as portas

nos últimos anos. Foi o que ocorreu com o centenário jornal O Algarve, que encerrou suas

atividades durante o período de coleta de dados in loco para esta pesquisa.

Açores

O corpus do arquipélago dos Açores é o menor deste trabalho e foi formado

inteiramente a partir de exemplares do jornal Diário dos Açores, que é publicado na capital da

região autônoma, a cidade de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, desde 05 de fevereiro de

1870, até os dias de hoje.

Conforme mencionado acima, cada um dos periódicos citados será descrito mais

profundamente no capítulo 4, adiante. Com esse grupo, pretende-se verificar se, de fato, ao

menos ao alcance dos nossos dados – nunca é bastante lembrar –, as regiões do Algarve, dos

Açores e, especialmente, a do Alentejo permanecem mais conservadoras quanto ao uso do

gerúndio como se costuma afirmar. A nossa hipótese é que o avanço do infinitivo gerundivo

no país esteja ocorrendo, diferentemente do que supõem o senso comum e a literatura, de

maneira indistinta por todo o território luso, ao menos em determinados contextos.

Page 137: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

114

3.2.3. Tempo

O grupo tempo diz respeito à própria divisão em células do corpus. O objetivo é

observar a evolução e o comportamento diacrônicos da construção infinitivo gerundivo e do

gerúndio no corpus do Português Europeu deste trabalho ao longo de cada década do século

XX. As fases desse grupo de fatores são:

0)1901 – 1910;

1)1911 – 1920;

2)1921 – 1930;

3)1931 – 1940;

4)1941 – 1950;

5)1951 – 1960;

6)1961 – 1970;

7)1971 – 1980;

8)1981 – 1990;

9)1991 – 2000.

Pretende-se, com esse grupo de fatores, observar o avanço do infinitivo gerundivo em

maior detalhe ao longo do século XX nos nossos dados, analisando se o aumento das taxas de

uso foi constante e gradativo, se houve períodos em que o aumento foi mais abrupto e se

tende a continuar em ascensão.

3.2.4. Tipo de Texto (Sequência textual)

Assim como em Mothé (2007, p. 123), a definição que usamos nesta pesquisa para

tipo textual é a de Marcuschi (2007):

Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de sequência

teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais,

sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Em geral, os tipos textuais abrangem

cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação,

exposição, descrição, injunção. (MARCUSCHI, 2007, p. 22)

Page 138: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

115

Esse grupo tem por objetivo controlar, em nossos dados, se há maior uso de infinitivo

gerundivo em algum dos tipos textuais estudados. Dentre os cinco tipos textuais citados por

Marcuschi no excerto acima, contemplamos neste grupo de fatores os tipos: narrativo,

descritivo e injuntivo. Os tipos argumentativo e expositivo juntamos em um único fator, a que

chamamos expositivo-argumentativo, visto que, para este trabalho, com vista a observar o

fenômeno em foco, não julgamos relevantes as diferenças existentes entre essas duas

tipologias textuais. Conforme se poderá ver no quadro abaixo, existem muitas semelhanças –

tanto estruturais quanto temáticas – entre esses dois tipos, o que também justifica a junção.

Sabemos que os gêneros textuais se diferenciam, principalmente, por sua função social

e também por um determinado conjunto de características, dentre elas o tipo de texto

predominante. Sendo assim, as notícias, gênero textual utilizado para constituição de nosso

corpus, apresentam-se, majoritariamente, sob forma de texto narrativo ao relatarem um fato

ocorrido no passado recente. Se as notícias fossem sempre pertencentes ao gênero narrativo,

porém, não haveria necessidade de criar um grupo de fatores específico para controlar a

tipologia textual. Mas não é o que ocorre na prática. Muitas vezes, as notícias do nosso corpus

apareciam num formato muito semelhante a de um anúncio não comercial, um aviso, uma

mera informação que se participava ao público. Nesse caso, era muito mais apropriado rotular

tal texto como expositivo-argumentativo, uma vez que os textos eminentemente informativos

são, em geral, expositivos. Com efeito, os tipos textuais mais produtivos em nosso corpus

composto por notícias foram justamente o narrativo e o expositivo-argumentativo.

É necessário destacar que, em se tratando de tipologia textual, a classificação se dá

com base na PREDOMINÂNCIA ao longo do texto. Frequentemente, nos deparamos com

“tipos híbridos”, como ocorria, por exemplo, com algumas notícias de um determinado evento

que, de repente, tinha sua narrativa interrompida pela descrição de uma cena do crime ou dos

criminosos, ou por algum discurso expositivo de alguém presente na situação narrada. A esse

respeito, Marcuschi (2007, p. 25-27) afirma:

É evidente que em todos estes gêneros também se está realizando tipos textuais,

podendo ocorrer que o mesmo gênero realize dois ou mais tipos. Assim, um texto é

em geral tipologicamente variado (heterogêneo). Veja-se o caso da carta pessoal,

que pode conter uma sequência narrativa (contar uma historinha), uma

argumentação (argumenta em função de algo), uma descrição (descreve uma

situação) e assim por diante. [...] Portanto, entre as características básicas dos tipos

textuais está o fato de eles serem definidos por seus traços linguísticos

predominantes. Por isso, um tipo textual é dado por um conjunto de traços que

formam uma sequência e não um texto. [...] Quando se nomeia um certo texto como

Page 139: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

116

“narrativo”, “descritivo” ou “argumentativo”, não se está nomeando o gênero e sim

o predomínio de um tipo de sequência de base.

No trecho acima, observa-se que Marcuschi (2007) prevê a heterogeneidade dos

gêneros quanto à sua tipologia e, no final, deixa um indicativo de que um texto deve ser

nomeado como representante de um certo “tipo de texto” quando existe a predominância de

uma determinada “sequência base”. Pode-se dizer, então, que “sequência textual” é sinônimo

de “tipo textual”, mas dizemos que um texto pertence a um determinado tipo pelo seu “todo”,

pela predominância de uma certa sequência, ao passo que a sequência textual, como a própria

nomenclatura faz supor, refere-se somente a um fragmento x de um texto que apresente

características de um dado tipo. Ou seja, embora um texto possa ser majoritariamente

narrativo, como é o caso da maioria das notícias do corpus, um dado trecho desse texto – uma

sequência textual – pode ser descritivo ou expositivo-argumentativo, por exemplo.

Assim, optamos por privilegiar nesse grupo de fatores as sequências narrativas de cada

dado, sem deixar, obviamente, de considerar o contexto e/ou o tipo textual em que cada texto

analisado se insere. Dentre as inúmeras possibilidades de classificação tipológica/sequencial

de textos, optamos por utilizar a classificação de Marcuschi (2007). Reproduziremos a seguir

um quadro simplificado e didático dos tipos textuais segundo Marcuschi elaborado por

Santos; Richie; Teixeira (2012, p. 36-37).

CARACTERÍSTICAS

DAS TIPOLOGIAS OBJETIVO E TEMÁTICA MARCAS LINGUÍSTICAS DE

DESTAQUE

Descrição

Identificar, localizar e

qualificar seres, objetos,

lugares, apresentando

características físicas ou

“psicológicas”.

Substantivos, adjetivos e advérbios

(modo e intensidade, principalmente);

verbos no presente ou pretérito

imperfeito do indicativo.

Narração

Relatar fatos, acontecimentos,

ações, numa sequência

temporal.

Verbos, advérbios e conjunções

(tempo, lugar...); verbos no presente

ou no pretérito perfeito do indicativo.

Exposição

Discutir, informar ou expor um

tema, numa organização

lógica, mostrando relações de

causa/efeito, contraposição etc.

Operadores discursivos (conjunções,

preposições e expressões denotativas),

modalizadores (ex.: talvez, sem

dúvida, provavelmente etc.), verbos

no presente do indicativo.

Argumentação

Defender ponto de vista,

opinião, por meio de

argumentos, numa organização

lógica, mostrando relações de

causa/efeito, contraposição.

Operadores discursivos (conjunções,

preposições e expressões denotativas),

modalizadores (ex.: talvez, sem

dúvida, provavelmente etc.), verbos

no presente do indicativo.

Page 140: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

117

Injunção

Dar ordens, apresentar regras e

procedimentos a serem

seguidos.

Verbos com valor imperativo (mesmo

que não estejam no modo imperativo,

mas no infinitivo, por exemplo),

pronomes (você, vocês).

Quadro 12: Tipologia textual: nomenclatura simplificada e adaptada, segundo Santos, Riche & Teixeira

(2012, p. 36-37)

Expomos abaixo alguns exemplos dos tipos textuais que ocorreram no corpus.

Narrativo

1)INAUGURAÇÃO DA LUZ ELECTRICA EM CALDAS DE

MONCHIQUE. [...] No passado domingo foi inaugurada a luz

electrica, lançando jorror de claridade que encheu de satisfação

todos os que ali se encontravam.

(Dado 140 Algarve, 06 set 1931)

2)INJURIOU O CHEFE DE ESTAÇÃO. [...] Cerca das 19.30 de

anteontem, quando o réu chegou à Estação da Trindade vindo da

Póvoa de Varzim, foi surpreendido pelo chefe da estação a tentar

vender um bilhete que, segundo Avelino Augusto, tinha encontrado

numa carruagem do comboio em que se fez transportar.

(Dado 569 Norte, 22 jun 1983)

Expositivo-argumentativo

3)A FALTA DE POLÍCIA. Vae por ahi, por esta linda villa

alemtejana, um justificado clamor contra a falta de policia para a

extinção de cães vadios que enxameiam as ruas de Montemór,

equiparando-nos aos povos mais atrasados e dando tão tristes

resultados como o de há dias, em que um cão derramado mordeu 6

creanças, seis inocentinhos que na distração procuravam aliviar-se

do incommodo frio a que temos estados sujeitos.

(Dados 122 e 123 do Alentejo, 03 jun 1911)

4)Num país onde a macroeconomia vai tão bem, com a inflação

estável e rasteirinha como há muito não se via, com o desemprego a

descer, a taxa de câmbio segura e a taxa de juro serena e a baixar

lentamente, não deixa de ser motivo de alguma perplexidade que os

maiores problemas do Governo sejam económicos.

(Dado 502 Lisboa – VARPORT, 09 jul 1997)

Page 141: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

118

Descritivo

5)NOTICIÁRIO. COMMUNHÃO DOS MENINOS EM SALREU. [...]

As creanças da Sagrada Communhão, trajando belamente, com

retratos santos e <<bouquets>> de flores, tinham uma presença

graciosa, agradável, suavíssima!

(Dado 004 Centro, 12 jun 1902)

6)NA RIBEIRA, JUNTO DA PONTE DE LUÍS I CAIU AO RIO UMA

CAMINHETA DE CARGA NÃO HAVENDO, FELIZMENTE,

DESASTRES PESSOAIS A LAMENTAR. [...] Há barcos que chegam e

barcos que partem, carros de mão e caminhetas a carregar e a

descarregar, gente humilde disposta para o trabalho, párias a espera

do que lhe dão, vendedeiras de fruta, peixeiras e um sem número de

típicos personagens, que formam o conjunto mais heterogéneo e

expressivo.

(Dado 326 Norte, 03 jul 1945)

Injuntivo

7)DESAPARECEU UM AUTOMÓVEL QUE FORA ABANDONADO

NA FRONTEIRA. Qualquer entidade, pessoal ou colectiva,

proprietária de garagem ou oficina onde o carro possa estar

recolhido, tendo procedido ou não ao seu reboque, deverá do mesmo

modo dar conhecimento desse facto na aludida 4ª Secção da Polícia

Judiciária desta cidade, sob pena de incorrer em responsabilidade

criminal se o não fizer.

(Dado 488 Norte, 11 abr 1965)

O exemplo acima foi o único dado do tipo de texto injuntivo com o qual nos

deparamos em todo o corpus da pesquisa. Trata-se de uma notícia intitulada “Desapareceu um

automóvel que fora abandonado na fronteira”. Depois de narrar o furto, o redator dá

instruções sobre como se deve proceder caso algum leitor encontre o veículo desaparecido.

Estamos, portanto, claramente diante de um trecho injuntivo no meio da notícia narrativa.

Como o programa de cálculo de pesos relativos não permite que exista entre os dados algum

fator em que não haja variação (no caso, o fator injuntivo só apresenta um dado de gerúndio,

nenhum de infinitivo), ao recodificar o dado em questão, inicialmente, o incluímos no

conjunto de dados narrativos, considerando que a sequência predominante do texto pertencia a

esse tipo textual. Posteriormente, porém, percebemos que o dado acima precisaria, na

Page 142: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

119

verdade, de ser excluído definitivamente do total de dados, devido a uma outra característica

sua, conforme será visto no item 3.2.5, referente ao grupo estrutura verbal. Sendo assim,

acabamos por ficar sem qualquer dado do tipo de texto injuntivo, embora o mesmo tivesse

sido previsto como fator neste grupo.

A motivação inicial desse grupo de fatores, tipo de texto / sequência textual, presente

desde a pesquisa anterior a esta, durante o curso de mestrado (MOTHÉ, 2007), foi o fato de

Barbosa (1999) ter encontrado em seu corpus uma grande frequência do que ele chamou de

“gerúndio narrativo” e também devido a Cunha & Cintra (2001) e Bechara (2001) fazerem

menção à estrutura de infinitivo de narração, conforme já mencionamos no capítulo anterior.

Isso nos levou, em Mothé (2007), a querer observar se a frequência de uso de gerúndio ou de

infinitivo gerundivo teria sido maior em textos narrativos do que nos demais. Contrariamente

ao esperado, porém, segundo os resultados obtidos naquela pesquisa, embora esse grupo tenha

sido selecionado poucas vezes pelo programa de cálculo de pesos relativos, quando isso

ocorreu – justamente na rodada feita a partir exclusivamente de dados de língua escrita do

Português Europeu, assim como a amostra que temos agora –, os resultados apontavam que os

tipos descritivo e expositivo eram aqueles que mais favoreciam o uso de do infinitivo

gerundivo, respectivamente com .66 e .65 de peso relativo, em oposição a .31 do tipo

narrativo e .28 do argumentativo. Observaremos agora se, com mais dados, recortes no tempo

mais detalhados e diferentes regiões, os resultados refletem comportamento linguístico

semelhante.

3.2.5. Estrutura Verbal (sintética x perifrástica)

Esse grupo de fatores é fundamental na presente pesquisa. Ele já estava presente em

Mothé (2007) e foi selecionado naquele trabalho como relevante na variação entre as

variantes em foco em algumas rodadas de cálculo de peso relativo. Para alguns autores, a

principal distinção entre o Português Brasileiro e o Europeu quanto ao uso de gerúndio x

infinitivo gerundivo ocorre especialmente em um contexto que costuma ser chamado

simplesmente de progressivo, que envolve justamente estruturas perifrásticas. Sendo assim,

torna-se imperativo verificar o padrão de uso de infinitivo gerundivo em um grupo que

opusesse formas analíticas (ou perifrásticas) (com verbo auxiliar) à forma sintética (com

Page 143: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

120

verbo pleno). Para ilustrar tais ocorrências, mostramos os seguintes dados extraídos de nosso

corpus de análise:

Forma analítica com gerúndio (com auxiliar estar)

8)COMEMORAÇÕES DO 5º CENTENÁRIO DE MONCARAPACHO.

O espectáculo, aguardado com grande interesse pelo meio

moncarapachente, rico de tradições do melhor amadorismo teatral,

efectua-se no salão-teatro da Casa do Povo de Moncarapacho e está

despertando grande interesse mesmo em outros meios algarvios.

(Dado 278 Algarve, 23 jan 1972)

Forma analítica com infinitivo gerundivo (com auxiliar estar)

9)GNR DETÉM INDIVÍDUO POR POSSE DE ARMA E HEROÍNA.

RUSGA NAS CANCELAS NEGRAS. A fonte revelou que um total de

20 toxicodependentes estavam a trabalhar naquele local em troca das

suas doses diárias de estupefacientes.

(Dado 621 Norte, 10 jun 1995).

Forma sintética com gerúndio

10)NA BIBLIOTECA DO LICEU. O CONCERTO DA PIANISTA

MARGARIDA MAGALHÃES DE SOUSA. [...] Se é dificil pôr em

relevo qualquer destes compositores, porque em todos a interpretação

esteve à altura da brilhante inteligência musical de que é possuidora,

apreendendo com facilidade os mais diversos estilos e transmitindo-

os ao publico com invulgar maleabilidade, seja-nos licito destacar os

três Improvisos de Schubert, que deliciaram a assistência e

suscitaram as mais calorosas ovações, e na segunda parte a Dança de

Pack de Debussy, de sonoridades maravilhosas, o empolgante

Prelúdio de Rachmaninoff e a célebre <<Bourrée Fontarque>>, de

Chabrier, peça dificílima, de que a pianista soube tirar todos os

efeitos, mercê da técnica impecável que possui e a todo o momento

aperfeiçoa.

(Dado 117 Açores, 28 jan 1961)

Page 144: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

121

Forma sintética com infinitivo gerundivo

11)O MECÂNICO PREVIU TUDO MENOS O LOCAL E A HORA DE

UMA OPERAÇÃO “STOP”. [...] Diversas infracções foram

detectadas, entre as quais três indivíduos a conduzir ilegalmente, um

por a carta haver caducado, dois, por não possuírem carta de

habilitação.

(Dado 446 Lisboa, 03 dez 1971)

Sobre o chamado progressivo, no artigo intitulado “Construções com gerúndio”

(BORGES NETO & FOLTRAN, 2001), os autores afirmam, na seção dedicada às

construções com gerúndio no PE: “Constatamos que, no caso do progressivo e de outras

perífrases verbais que no PB apresentam gerúndio, o PE, na maioria dos dados, vai usar o

infinitivo [...]” (BORGES NETO & FOLTRAN, 2001, p. 730, grifos nossos). Isso mostra que,

para eles, ser “progressivo” subentende ser uma perífrase verbal, no caso do texto deles, com

o auxiliar estar. Os autores dividem sua descrição das construções com gerúndio no PB e no

PE em: “1.1.1 O Progressivo”, “1.1.2. Predicados secundários” e “1.1.3. Orações reduzidas de

gerúndio”, sinalizando que possivelmente as construções perifrásticas que compõem o

chamado progressivo se comportem de maneira diferente das outras estruturas gerundivas

analisadas por eles.

Já no artigo “Sobre a distribuição geográfica de construções sintácticas não-padrão em

português europeu” (CARRILHO & PEREIRA, 2011), as autoras declaram:

A sequência de verbo aspectual (como estar, ficar, andar) seguido de gerúndio,

comum no português brasileiro, ocorre em certas variedades do PE como alternativa

a sequência do verbo aspectual seguido de a e infinitivo, com uma interpretação

equivalente (cf. Gonçalves, 1996). As duas possibilidades podem assim ser

entendidas, no essencial, como variantes.

Neste trabalho foram apenas consideradas as ocorrências de gerúndio a seguir ao

verbo aspectual estar, tomadas como representativas da construção, pela mais alta

frequência deste verbo face aos outro aspectuais. (CARRILHO & PEREIRA, 2011,

p. 130)

Pelo exposto, percebe-se que as autoras consideram que a estrutura de estar +

gerúndio / a + infinitivo é tão mais frequente que as demais construções com gerúndio /

infinitivo gerundivo, que pode servir, inclusive, como exemplo representativo dessa variação.

Page 145: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

122

Também (MÓIA & VIOTTI, 2004), em seu artigo chamado “Differences and

similarities between European and Brazilian Portuguese in the use of <<gerúndio>>”, já

mencionado no capítulo 2, os dois autores dividem a descrição das estruturas gerundivas em i.

Gerúndio independente (independent <<gerúndio>>); ii. Gerúndio argumental (argumental

<<gerúndio>>); iii. <<Gerúndio>> perifrástico (periphrastic <<gerúndio>>); iv.

<<Gerúndio>> adnominal (adnominal <<gerúndio>>); e v. Gerúndio adverbial (adverbial

<<gerúndio>>) (grifo nosso). Na seção iii., exclusivamente para tratar do gerúndio

perifrástico, os autores afirmam: “Em um dos seus usos mais comuns, o <<gerúndio>> ocorre

juntamente com os (assim chamados) verbos auxiliares – tipicamente verbos aspectuais, como

estar, continuar e vir.” (MÓIA & VIOTTI, 2004, p. 113, tradução nossa).64

Depois de enunciar várias estruturas perifrásticas descrevendo-as como costumam

ocorrer no Português Brasileiro comparado ao Português Europeu, os autores concluem que

não encontraram motivação semântica e/ou sintática que influencie na variação entre gerúndio

e infinitivo gerundivo nas duas variantes da Língua Portuguesa, ou seja, não chegam a

formular hipóteses a respeito de fatores que possivelmente influenciem na variação entre as

duas formas.

Até onde podemos ver a partir da descrição que acabamos de fazer, parece não haver

regularidade semântica clara na distribuição do gerúndio perifrástico e da forma

infinitiva em competição com ela no português, uma vez que os verbos auxiliares da

mesma família semântica e sintática aparentemente se comportam de formas

diferentes. (MÓIA & VIOTTI, 2004, tradução nossa)65

.

A nossa expectativa é a de conseguir encontrar alguma regularidade nessa variação de

estruturas perifrásticas no nosso corpus do Português Europeu a partir do controle estatístico

das variáveis.

Mas, para falarmos em estruturas perifrásticas, é mandatório falarmos,

necessariamente, sobre verbos auxiliares. Em Mothé (2007, p. 89-100) mostramos o quão

difícil e variável é o conceito de verbo auxiliar nas gramáticas. Os autores costumam adotar

critérios diferenciados para classificar determinado verbo como auxiliar ou principal,

especialmente no que diz respeito a verbos com características “híbridas”, ora de verbo pleno,

64

In one of its most common uses, the <<gerúndio>> co-occurs with (so-called) auxiliary verbs – typically

aspectual verbs, like estar (“be”), continuar (“continue”) or vir (“come”) (MÓIA & VIOTTI, 2004, p. 113).

65

As far as we can see from the description just made, there seems to be no clear semantic regularity in the

distribution of the perifrastic <<gerúndio>> and the competing infinitive form, in Portuguese, since auxiliary

verbs of the same semantic and syntactic family seem to behave differently. (MÓIA & VIOTTI, 2004)

Page 146: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

123

ora de verbo auxiliar. A questão persiste, mas, da mesma forma como ocorreu naquele

trabalho, foi preciso, apesar das várias classificações, optar por uma delas para atribuir um

padrão uniforme à codificação dos dados do corpus.

Para chegarmos a uma definição, contrastamos, basicamente, as classificações de

cinco obras: Mateus et alii (2003), Rocha Lima (2002), Cunha & Cintra (2001), Bechara

(2001) e Bosque & Demonte (1999), além de consultarmos a descrição das perífrases

aspectuais de Costa (2002). Dentre esses, Rocha Lima (2002, p. 134) e Cunha & Cintra (2001,

p. 397) apresentaram análises, em nosso entendimento, bastante superficiais sobre a definição

de verbos auxiliares e de perífrases verbais como um todo. Sendo assim, da mesma forma

como fizemos em Mothé (2007), construímos os fatores do grupo estrutura verbal

essencialmente a partir da classificação de Mateus et alii (2003) acrescida de algumas

sugestões de Bechara (2001), como se verá a seguir.

Antes, porém, é curioso destacar uma particularidade da Gramática Descriptiva de la

Lengua Española (BOSQUE & DEMONTE, 1999). Enquanto todas as obras acima

mencionadas (exceto a referida gramática) definem a priori o que são verbos auxiliares para,

depois disso, determinarem o que são as perífrases verbais (basicamente aquelas construções

onde há verbo auxiliar conforme critérios pré-estabelecidos), Bosque & Demonte fazem

exatamente o contrário disso. Eles definem primeiro as características e critérios de

reconhecimento de uma perífrase verbal e, somente após isso, explicam o que seriam os

verbos auxiliares. E, para eles, pode ser um verbo auxiliar qualquer verbo que preencha os

requisitos de formação de uma perífrase verbal. Assim, os autores defendem a ideia de que

não existem verbos essencialmente auxiliares, mas sim “usos auxiliares de determinados

verbos”.

Definir o conceito de perífrase / locução verbal é de suma importância em um

fenômeno que envolve formas nominais, visto que estas frequentemente aparecem associadas

a outros verbos. Os autores listam uma série de critérios para identificar uma perífrase

verbal66

. Nesse sentido, entendem que uma dada construção pode atender a mais ou menos

dois critérios de identificação de perífrases e, por isso, entendem o fenômeno perifrástico

como algo gradual. Consequentemente, para os autores, não faz sentido tentar determinar

66

Neste trabalho, usamos indistintamente as nomenclaturas perífrase verbal, locução verbal, complexo verbal,

construções, estrutura com verbo auxiliar + verbo principal/pleno/auxiliado, embora cientes de que vários

autores prefiram esta ou aquela nomenclatura por diferentes motivações teóricas.

Page 147: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

124

com exatidão o momento em que uma determinada construção começa a ser considerada

como perífrase.

Segundo eles, ainda, as perífrases verbais, diferentemente dos tempos compostos,

permitem a intercalação de elementos como advérbios, locuções adverbiais ou sequências

nominais entre os verbos auxiliar e principal, mostrando que a maioria das perífrases possui

um grau de conexão mais fraco do que os tempos compostos (à exceção de algumas perífrases

que possuem o auxiliar fortemente gramaticalizado junto ao verbo principal). Como veremos

adiante, construímos também três grupos de fatores voltados para controlar a existência ou

não de intercalação de itens entre o verbo auxiliar e o principal. Oportunamente detalharemos

cada um deles.

De acordo com os autores, assim como o conceito de auxiliaridade, o conceito de

perífrase verbal apresenta, em certas ocasiões, um caráter claramente contextual. Bosque &

Demonte (1999) definem perífrase verbal no fragmento abaixo:

Uma perífrase verbal é a união de dois ou mais verbos que constituem um só

‘núcleo’ do predicado. O primeiro verbo, chamado ‘auxiliar’, comporta as

informações morfológicas de número e pessoa, e se conjuga em todas (ou em parte

de) as formas ou tempos da conjugação. O segundo verbo, chamado ‘principal’ ou

‘auxiliado’, deve aparecer no infinitivo, gerúndio ou particípio, ou seja, em uma

forma impessoal. (1999, p. 3325, tradução nossa)67

68

Essa definição das perífrases verbais do castelhano também pode ser aplicada às

perífrases verbais da Língua Portuguesa. Os autores destacam, ainda, o fato de que, como as

perífrases compõem um predicado simples – e não complexo –, nenhum dos verbos

desempenha função argumental ou coordenadora com relação ao outro.

Isto posto, aí sim Bosque & Demonte (1999) definem verbo auxiliar. Para eles, um

verbo auxiliar:

67

Una perífrasis verbal es la unión de dos o más verbos que constituyen un solo ‘núcleo’ del predicado. El

premier verbo, llamado ‘auxiliar’, comporta las informaciones morfológicas de número y persona, y se conjuga

en todas (o en parte de) las formas o tiempos de la conjugación. El segundo verbo, llamado ‘principal’ o

‘auxiliado’, debe aparecer en infinitivo, gerundio o participio, es decir, en una forma no personal. (1999, p.

3325)

68

Vale ressaltar que, para os autores, perífrase verbal não é sinônimo de locução verbal, embora algumas

locuções verbais possam ter sido formadas por usos lexicalizados de perífrases verbais.

Algumas diferenças entre as duas construções são: as locuções são formadas por várias palavras e possuem como

centro um único verbo; são unidades léxicas fixas e, por isso, seus componentes não podem ser substituídos.

Além disso, o primeiro verbo da locução não é um auxiliar, e sim um verbo pleno; o primeiro verbo da locução

não carrega valores modais, nem aspectuais, nem temporais nem expressivos; e, em geral, a expressão toda

equivale a um verbo simples. (BOSQUE & DEMONTE, 1999, p. 3342-3343).

Page 148: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

125

[...] é aquele que forma parte de uma perífrase verbal como verbo conjugado, quer

dizer, com os morfemas que carregam informação modal, temporal, aspectual, de

pessoa e de número e que se encontra incapaz de selecionar sujeitos e

complementos, pois sua função é meramente de ser uma ferramenta morfossintática.

(BOSQUE & DEMONTE, 1999, p. 3345, tradução nossa).69

Semelhantemente, Bechara (2001) faz uma observação a respeito da importância do

contexto para a decisão de considerar dois verbos como perífrase ou não. Ele afirma que “nem

sempre a aproximação de dois ou mais verbos constitui uma locução verbal; a intenção da

pessoa que fala ou escreve é que determinará a existência ou inexistência da locução.” (2001,

p. 233). E complementa com um trecho de Oiticica:

Só o sentido pode indicar se se trata de expressão verbal. Por exemplo, na frase

Queríamos colher rosas, os verbos queríamos colher constituirão expressão verbal

se pretendo dizer que queríamos colher rosas e não outra flor, sendo rosas o objeto

da declaração. Se, porém, pretendo dizer que o que nós queríamos era colher rosas e

não fazer outra cousa, o objeto da declaração é colher rosas e a declaração principal

se contém incompletamente em queríamos. (Oiticica, 1945, p. 202-203)

Depois de analisar as obras acima, podemos dizer que as duas características básicas

que permitem a identificação de uma perífrase verbal são:

a) A formal impessoal deve possuir carga exclusivamente verbal e não nominal;

b) Não deve haver sujeitos distintos para cada verbo da construção.

Além dessas características primordiais, os autores mencionam ainda outras

“estratégias” que podem ajudar a identificar uma perífrase verbal, mas – independentemente

de como se chegue a essa conclusão –, para que uma estrutura com dois ou mais verbos seja

considerada perífrase verbal, os dois parâmetros acima precisam ser respeitados.

Tais observações da Gramática Despriptiva de la Lengua Española (1999) e da

Moderna Gramática Portuguesa (2001) associadas ao exposto no estudo acerca de perífrases

verbais de Squartini (1998) – já mencionado no capítulo 2 – vêm a ser bastante interessantes

para esta pesquisa visto que, em diversos momentos, ficamos em dúvida sobre se um

determinado verbo que pode estar funcionando como auxiliar o é realmente ou se está

69

[...] es aquel que forma de una perífrasis verbal como verbo conjugado, es decir, con los morfemas que aportan

información modal, temporal, aspectual, de persona y de número, y que se encuentra inhabilitado para

seleccionar sujetos y complementos, pues su misión es la de ser un mero útil morfosintáctico. (BOSQUE;

DEMONTE, 1999, p. 3345).

Page 149: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

126

desempenhando um papel de verbo principal, mantendo seu conteúdo semântico e demais

características de verbo pleno. É o que ocorre nos exemplos:

12)PELA GUARDA REPUBLICANA. Foram autoados pelas

patrulhas da Guarda Republicana, na freguesia da Salvada, José

Feira, Fabrício Baião, Antonio Gedinho e João Antonio Verissimo

por andarem cantando pelas ruas, transgredindo o edital do Governo

Civil de Beja.

(Dado 185 Alentejo, 03 jun 1932)

13)FEIRA DA LADRA. Uma numerosa comissão de feirantes do

Mercado de Santa Clara (Feira da Ladra), esteve ontem no Ministerio

das Finanças a pedir para não serem sobrecarregados com mais

impostos, pois é já com grande dificuldade que conseguem pagar as

actuais contribuições.

(Dado 249 Lisboa, 10 fev 1931)

14)A CIDADE. UM TELEGRAMA PARA LONDRES. [...] Aquela

senhora, entretanto, dirigiu-se na terça-feira, á estação de Sintra dos

C. T. T. para expedir novo telegrama, desta vez com a morada da

filha em vez de telefone, e, ontem, esteve na secção de Inforcações

(sic) e Reclamações, a apresentar o caso e a tentar reaver os 28$00

do primeiro telegrama enviado e não entregue.

(Dado 453 Lisboa, 03 dez 1971)

Nos exemplos acima, os verbos andar e estar parecem conservar ainda seus

respectivos conteúdos semânticos, mas é inegável a possibilidade de também funcionarem

como auxiliares nesses contextos. Conforme observamos anteriormente, segundo Bosque &

Demonte (1999), os dois exemplos com construções perifrásticas supostamente compostas

pelo verbo auxiliar estar + verbo pleno, talvez por apresentarem, nos dois casos, adjuntos

adverbiais de tempo e/ou lugar entre o verbo estar e o verbo principal, parecem possuir um

grau de conexão entre si mais fraco do que no exemplo com o auxiliar andar 12). A dúvida

sobre um verbo exercer função de auxiliar ou pleno num determinado contexto é bastante

frequente em exemplos da língua em uso. Como se viu acima, há autores que defendem que a

auxiliaridade muitas vezes deve ser definida pelo contexto. Na língua falada, os aspectos

pragmáticos (contexto, situação, entonação...) são, em geral, suficientes para evitar a

ambiguidade. Mas, em nossos dados de língua escrita (em especial, os de sincronias

passadas), tal determinação costuma ser bastante complexa. E, por isso mesmo, em

consonância com Bosque & Demonte (1999), entendemos que não haja limites claros e

Page 150: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

127

estanques entre as fronteiras que definem a natureza perifrástica ou não das orações. Trata-se

de uma noção gradiente.

Ademais, sabemos que alguns verbos hoje tidos como auxiliares antes foram verbos

significativos (ou plenos) e, ao longo da evolução linguística, passaram a ocupar posições em

contextos ambíguos, nos quais pareciam ainda manter seu conteúdo semântico, mas, ao

mesmo tempo, aparentando ser em certa medida, um verbo auxiliar; até, enfim, aparecerem

claramente como auxiliares. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o famoso caso de

gramaticalização por que passou o verbo ir para indicar futuro, que gradualmente foi

perdendo seu conteúdo semântico indicando “deslocamento no espaço” e se tornando cada

vez mais gramatical, sendo usado como verbo auxiliar para formação de “futuro do presente

composto”, até chegar a aparecer em construções do tipo “Eu vou ir lá amanhã”. Ora, o

falante só usa o verbo ir duas vezes seguidas em frases assim justamente porque não percebe

– e isso é um processo inconsciente, é claro – a primeira ocorrência do verbo ir como

veiculadora da informação “deslocar-se para algum lugar”.

Todavia, mesmo concordando com a posição que defende não existirem limites claros

entre um verbo ser ou não auxiliar, cientes dessas fronteiras muitas vezes nebulosas sobre a

condição perifrástica ou não de uma construção, para a leitura dos dados pelo programa

estatístico, precisamos atribuir um código a todas as ocorrências. A decisão a ser tomada

trata-se de mais uma questão de natureza metodológica. Para casos assim, optamos por

considerar tais estruturas como perifrásticas, com os verbos andar e estar (ou algum outro

que aparecesse em contexto semelhante) como auxiliares, de modo a não “perder” a

informação de que existe a possibilidade de que sejam interpretadas como estruturas

perifrásticas, o que aconteceria se fossem classificados indistintamente como verbos plenos

em estruturas sintéticas.

Outra situação complexa imposta pelas ocorrências dos dados de língua real, retirados

do nosso corpus diz respeito ao caso de perífrases verbais compostas por mais de dois verbos.

Em situações desse tipo, lançamos mão igualmente da definição de verbo auxiliar de Bosque

& Demonte (1999), considerando como verbo auxiliar, basicamente, aquele que carrega as

funções morfossintáticas da perífrase verbal.

Quando a perífrase verbal possui mais de dois verbos, diz-se que há, no âmbito

sintático, “orações simples segmentáveis em um auxiliar (toda a cadeia) e um principal

(auxiliado)” (BOSQUE & DEMONTE, 1999). Nesses casos, apenas o primeiro auxiliar

permite flexão de pessoa. Sendo assim, nos exemplos abaixo:

Page 151: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

128

15)E’ a sua festa de homenagem, que brevemente se deve realizar

com um programa sensacional de concerto e variedades e que está

sendo elaborado com o maior carinho e meticulosidade.

(Dado 135 Algarve, 06 set 1931)

16)O julgamento foi rodeado de rigorosas medidas de segurança

dado o alto índice e perigosidade dos réus, especialmente do

<<Alentejano>> que, entre seus crimes, já consta o assassinato de

um agente da PSP, um assalto a mão armada aos CTT de Caxias e

fuga duma sala de audiências, em Fevereiro de 1980, quando estava a

ser julgado.

(Dado 485 Lisboa, 10 jun 1981)

optamos por considerar como verbo auxiliar o primeiro verbo da perífrase verbal, aquele que

carrega as informações gramaticais da mesma. Nos exemplos acima, trata-se do auxiliar estar.

Quase a totalidade dos casos desse tipo aconteceu com orações na voz passiva analítica, em

que havia o auxiliar com as informações morfossintáticas seguido do auxiliar ser, responsável

por indicar a voz passiva analítica. Sendo assim, marcávamos a existência de ambos os verbos

auxiliares. O primeiro deles, no grupo estrutura verbal, tratado nesta seção. O outro – o verbo

ser – acabava também sendo sinalizado – ainda que indiretamente – no grupo de fatores voz

verbal, onde, através da codificação para voz passiva analítica, também se registrava a

existência do verbo formador dessa estrutura.

Resta-nos, agora, explicitar quais foram os verbos considerados como auxiliares neste

trabalho, que seguiu os mesmos padrões de Mothé (2007), a saber: baseados em Mateus et alii

(2003) e em Bechara (2001).

De acordo com Mateus et alii (2003), existem três grandes subclasses de verbos: os

principais, os copulativos e os auxiliares. Os verbos principais (também chamados

de verbos plenos) são o núcleo semântico de uma oração. Os copulativos são aqueles

também chamados de predicativos, de cópula ou de ligação pela tradição

gramatical. E os verbos auxiliares, que nos interessam mais de perto neste estudo,

são aqueles presentes em orações que possuem, pelo menos, dois verbos: um

auxiliar e um auxiliado (= verbo principal). (MOTHÉ, 2007, p. 89)

Assim como visto em Bosque & Demonte (1999), para Mateus et alii (2003), os

verbos auxiliares também não têm significado lexical. Para as autoras, as construções que

possuem dois verbos podem ser constituídas por:

Page 152: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

129

verbo auxiliar + verbo principal (que formam uma unidade sintática, um sintagma

verbal único. Trata-se, portanto, das estruturas que aqui expomos), ou

verbo principal + verbo principal (que mantêm uma relação de complementação

verbal de natureza frásica, como em Tentei fazer um bolo., em que fazer um bolo é argumento

do tipo objeto direto do verbo fazer.).

Ao contrário de Bosque & Demonte (1999), as autoras apresentam seus “critérios”

para a identificação de um verbo auxiliar (2003, p. 404-409) para só em seguida deduzirem o

que seriam as perífrases. Depois de explicitarem os critérios de identificação, concluem que,

para elas, só existem oito verbos que preenchem todos os critérios de típicos verbos

auxiliares:

Ter e haver: seguidos de particípio (auxiliares de tempos compostos);

Andar, estar, ficar, ir e vir: seguidos de gerúndio (auxiliares aspectuais);

Ser: seguido de particípio passado (auxiliar da voz passiva).

Entre os verbos principais e os verbos auxiliares, porém, as autoras afirmam existirem

outros dois tipos de verbos: os leves (que também podem ser chamados de verbo operador ou

de verbo suporte) e os semiauxiliares. Ambos têm em comum o fato de formarem um

predicado complexo (diferentemente dos “verdadeiros” auxiliares). Reproduzimos abaixo um

quadro de Mothé (2007, p. 92-93) que compara os dois tipos de estrutura segundo Mateus et

alii (2003, p. 311-316):

VERBOS LEVES VERBOS SEMIAUXILIARES

Geralmente, são classificados como

principais, mas não se comportam como

tais em certas construções.

Geralmente, são classificados como

auxiliares, mas não respondem

afirmativamente a todos os critérios de

auxiliaridade.

Sofreram um processo de gramaticalização

por esvaziamento lexical.

São esvaziados de significado lexical e não

selecionam argumentos.

O centro semântico da frase passa a ser

uma expressão nominal (e não um verbo)

que, frequentemente, pode ser substituída

por verbos principais de significado

equivalente.

Tal expressão nominal funciona como um

argumento do verbo leve.

Os semiauxiliares mais próximos dos

“verdadeiros auxiliares” são:

- Ir + infinitivo (indicando futuro)

- Verbos aspectuais construídos pela

preposição a + infinitivo do verbo

principal (= infinitivo gerundivo).

Page 153: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

130

Exemplos: dar uma contribuição x

contribuir; fazer queixas x queixar-se, ter

influência x influenciar.

Exemplos de semiauxiliares aspectuais:

chegar, começar, continuar, tornar, estar,

acabar.

Quadro 13: Verbos leves x verbos semiauxiliares, segundo Mateus et alii (2003)

Já na Moderna Gramática do Português (2001), Bechara divide os verbos em

“conjuntos” de auxiliares de acordo com seu uso. Assim, para ele, além dos auxiliares

formadores de tempos compostos (ter, haver e ser) e dos formadores de voz passiva (ser,

estar e ficar), também existem:

1) os auxiliares acurativos, que são aqueles que se combinam com o infinitivo ou com

o gerúndio do verbo principal para indicar nuances de aspecto que não podem ser expressas

apenas pelos tempos passado, presente e futuro. Referem-se, basicamente, aos casos que

Mateus et alii (2003) chamam de auxiliares aspectuais. Exemplos:

a- início de ação (começar a + infinitivo, pôr-se a + infinitivo etc.)

b- iminência de ação (estar para/por + infinitivo etc.)

c- continuidade da ação (continuar + gerúndio / infinitivo gerundivo70

)

d- desenvolvimento gradual da ação, duração (estar + a + infinitivo, andar +

gerúndio, vir + gerúndio, ir + gerúndio)

e- repetição de ação

f- término de ação

2) auxiliares modais: são aqueles que se unem ao infinitivo ou ao gerúndio do verbo

principal para indicar o modo como se realiza uma ação verbal.

a- necessidade, obrigação, dever (ter de, dever, precisar etc. + infinitivo)

b- possibilidade ou capacidade (poder, dever etc. + infinitivo)

c- vontade ou desejo (querer, desejar, odiar etc. + infinitivo)

d- tentativa ou esforço (buscar, pretender, tentar, atrever-se a + infinitivo)

e- consecução (conseguir, lograr + infinitivo etc.)

f- aparência, dúvida (parecer + infinitivo etc.)

g- movimento para realizar um intento futuro (ir + infinitivo etc.)

70

Bechara destaca nesse ponto de seu texto que a forma com gerúndio é a mais antiga no idioma. Em nota, o

autor aponta que a construção com gerúndio é a preferida no Brasil, ao passo que, em Portugal, a forma em

infinitivo é a mais usual, apesar de não ser a única.

Page 154: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

131

h- resultado (vir a, chegar a + infinitivo etc.)

3) auxiliares causativos e sensitivos: são aqueles que, combinados com infinitivo ou

com gerúndio, se comportam sintaticamente como locuções verbais, embora não o sejam de

fato. Exemplos de causativos: deixar, mandar, fazer e sinônimos; exemplos de sensitivos: ver,

ouvir, sentir e sinônimos.

Como se pode observar, Bechara amplia muito a lista dos auxiliares em relação aos

demais autores, assim como fazem, para o castelhano, Bosque & Demonte (1999) que citam

muitas perífrases constituídas por verbos que não costumam ser considerados auxiliares, mas,

conforme já constatado acima, isso se deve ao fato de os autores considerarem primordial a

definição de perífrase verbal e, consequentemente, toda e qualquer construção verbal que

atenda a seus critérios é, portanto, formada por um verbo auxiliar (seja ele qual for) + um

verbo pleno.

Além dessas obras já citadas, convém mencionar os auxiliares aspectuais mostrados

por Costa (2002) em sua obra específica sobre aspecto. Conforme já explicitamos no capítulo

2 deste trabalho, a autora afirma que uma das realizações possíveis do aspecto em língua

portuguesa é através de formas verbais. Ela relaciona uma série de possibilidades para essa

concretização, das quais mencionamos aqui a seção que ela denomina “O aspecto verbal em

perífrases”. A autora abre a seção afirmando:

[...] os verbos que são tradicionalmente chamados “de ligação” ou “copulativos”,

quando associados às formas nominais Gerúndio ou Particípio, constroem perífrases

que expressam Aspecto e Voz, além, naturalmente, da marca da categoria de Tempo

também presente através do morfema Modo-temporal acrescido ao primeiro verbo.

Assim, nessas perífrases com Gerúndio temos a expressão de Aspecto imperfectivo

em curso (processo) e Voz ativa [...]. (COSTA, 2002, p. 51)

E, em seguida, dedica-se a determinar quais seriam esses verbos que – sendo em geral

classificados como “de ligação ou copulativos” – costumam constituir as perífrases aspectuais

com as formas nominais. Utilizam como referência para esse fim justamente a definição da

primeira gramática de Mateus et alii, publicada em 1983 e optam, seguindo a mesma

nomenclatura da referida gramática, por chamar tais verbos de estativos. São eles: ser, estar,

ficar, permanecer, andar, continuar (excluem apenas o verbo parecer da série de verbos

listados como estativos em Mateus et alii).

Page 155: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

132

Dentre esses, elas afirmam que o verbo ser é o único que constitui perífrases

aspectuais perfectivas e, mais que isso, afirmam que o mesmo não é capaz de formar

perífrases imperfectivas, uma vez que expressa um estado permanente, não faseável. Sendo

assim, ele seria um forte candidato a não ser considerado como verbo auxiliar em nossa

pesquisa, que pressupõe construções imperfectivas que expressam ação em curso, conforme

vimos no capítulo 2. Mas, ainda assim, por ser um dos verbos auxiliares aspectuais,

inicialmente optamos por codificar as ocorrências de construções ser + gerúndio / infinitivo

gerundivo, embora tenhamos nos deparado com uma peculiaridade nessas construções que

será mencionada adiante.

Após essas observações, a autora conclui que as perífrases aspectuais imperfectivas

são constituídas pelos seguintes auxiliares aspectuais: estar, ficar, permanecer (que funciona

como ficar e assemelha-se a continuar) e andar. Desses, chamamos os verbos estar, ficar e

andar como os auxiliares aspectuais “clássicos”, por serem os principais formadores de

perífrases de aspecto progressivo quando juntos a um verbo pleno em gerúndio ou no

infinitivo precedido da preposição a.

Assim, a partir da análise das obras supracitadas, chegamos às estruturas que, além dos

verbos plenos, foram contempladas como fatores do grupo estrutura verbal na presente

pesquisa. São eles, conforme já explicitados no Quadro 11, acima:

Estrutura analítica com auxiliar ANDAR;

Estrutura analítica com auxiliar FICAR;

Estrutura analítica com auxiliar IR;

Estrutura analítica com auxiliar VIR;

Estrutura analítica com auxiliar SER;

Estrutura analítica com semiauxiliar CONTINUAR;

Estrutura analítica com outros semiauxiliares (auxiliares acidentais);

Estrutura analítica com VERBOS LEVES;

Estrutura analítica com VERBOS MODAIS;

Estrutura analítica com a forma nominal (gerúndio ou a + infinitivo) no verbo

auxiliar

Page 156: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

133

Seguem os exemplos de cada uma dessas construções para que sejam observadas

como ocorrem com gerúndio e com infinitivo gerundivo. (Não voltamos a fornecer exemplos

com estrutura sintética e com estrutura analítica com verbo auxiliar estar, visto que esses já

foram fornecidos na abertura desta seção).

Estrutura analítica com auxiliar ANDAR

17)CANELLAS. Passados alguns mezes depois do crime, foram

encontradas as pelles dos ditos animaes por dois homens que

andavam desocupando um curral d’estrume em casa d’um dos

gatunos e onde as ovelhas foram comidas.

(Dado 066 Centro, 29 abr 1911)

18)DUAS RAPOSAS CAPTURADAS VIVAS. No lugar da Carregosa

andavam a arrancar cepos, numa propriedade, os trabalhadores

António Simão e Manuel Augusto Justino, ambos do concelho de

Cantanhede, quando viram entrar, numa toca próximo do local onde

trabalhavam, duas raposas.

(Dado 267 Centro, 06 jan 1961)

Estrutura analítica com auxiliar FICAR

19)DIA DE FINADOS. A PIEDOSA COMEMORAÇÃO DOS FIEIS

DEFUNTOS. Flores, muitas flores ficaram juncando os campos

sagrados, mais frescos e mais perfumados quando cobriam a jazida

minuscula de alguma criança, talvez porque lagrimas de mãe as

tivessem regado, ou porque as acariciasse brandamente a alminha

tambem em flor do pequenino morto.

(Dado 195 Lisboa, 03 nov 1924)

20)CASOS DE POLÍCIA. [...] DESEMBARCOU E FOI ROUBADO.

O Lucilio esperou largo tempo e como o outro não aparecesse,

desconfiou e pediu o auxilio da Policia, que prendeu o outro

individuo, que lhe ficara a fazer companhia.

(Dado 339 Lisboa, 02 set 1951)

Page 157: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

134

Estrutura analítica com auxiliar IR

As perífrases gerundiais com os auxiliares ir e vir (abaixo) são sempre questionáveis

quanto à possibilidade de alternância gerúndio x infinitivo gerundivo, visto que muitos

autores afirmam que, com esses auxiliares, não é possível o uso de infinitivo gerundivo,

mesmo em Portugal. Entretanto, conforme já explicitado no capítulo 1, se cremos que o

infinitivo gerundivo tem avançado a ponto de passar a aparecer em contextos não previstos,

cremos que – ao menos inicialmente – isso justificasse a seleção de dados com esses

auxiliares.

Há poucas ocorrências de construções com esses dois auxiliares, considerando o total

de dados (apenas 51 dados com auxiliar ir e 20 dados com auxiliar vir, de um total de 2649

dados, ou seja, cerca de 2,6% do total). Desses 71 dados, há apenas dois com infinitivo

gerundivo, sendo ambos com o auxiliar ir, ou seja, não há dados de infinitivo gerundivo com

o auxiliar vir em nosso corpus atual. Além disso, um outro problema é que, nas duas

ocorrências, existe margem para que se questionem, respectivamente, como se verá, a

auxiliaridade do verbo ir e o aspecto progressivo do a + infinitivo. Mas o fato de haver

poucos, embora aparentemente pouco relevante do ponto de vista quantitativo, possui grande

valor qualitativo para uma análise linguística, mostrando que, além de não ser “agramatical”

como muitas vezes se considera, talvez – com as mudanças inerentes às línguas, que nunca

param – um dia a frequência de uso de infinitivo gerundivo com esses auxiliares pode passar a

ser maior. No corpus de nossa pesquisa anterior, Mothé (2007), havia mais dados (do século

XIX e que, portanto, ficaram de fora do corpus atual) de construções com os auxiliares ir e vir

com leitura mais claramente gerundial do que as que obtivemos agora, por exemplo. Abaixo

podemos ver um exemplo de estrutura analítica com o verbo auxiliar ir seguida dos dois

únicos casos de verbo ir + (a + infinitivo).

21)A CONSTRUÇAO DO SANATÓRIO DO MONTE ALTO. [...]

Destes três departamentos projectados foi-se erguendo o último, dada

a necessidade de tratamento continuado dos doentes susceptíveis de

cura.

(Dado 345 Norte, 03 jul 1945)

22)PELO DISTRICTO. Em Arada d’Ovar, realisou-se, nos últimos

sabbado, domingo e segunda-feira, a grande festa a Nossa Senhora

do Desterro, que é uma das romarias mais importantes do Districto,

Page 158: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

135

onde vão milhares de devotos de muitas terras, a agradecer á Senhora

benefícios recebidos.

(Dado 016 Centro, 14 abr 1904)

23)CAMPANHA ELEITORAL CAUSA <<DORES DE CABEÇA>>

AO GOVERNO CIVIL. [...] Todas as urnas e câmaras de voto já

foram distribuídas e vão começar a ser entregues, hoje, os boletins de

voto pelas respectivas Câmaras.

(Dado 524 Norte, 11 abr 1975)

Como se pode observar, o exemplo 22), acima, trata-se de um caso em que não fica

claro se o verbo ir é pleno ou se serve como auxiliar de “a agradecer”. O fato de existir um

sintagma nominal entre o suposto verbo auxiliar e o verbo principal favorece a leitura do

verbo ir como pleno. Entretanto, também é verdade ser possível a leitura:

“[...] é uma das romarias mais importantes do Distrito, onde milhares de devotos de muitas

terras vão a agradecer á Senhora benefícios recebidos.”

Ainda mais questionável é o exemplo 23), em que “a ser” muito provavelmente é

complemento do semiauxiliar começar, sem valor gerundivo. Mas, ainda assim, também é

possível a substituição de “a ser” por “sendo”, com gerúndio, sem alteração semântica no

enunciado.

“Todas as urnas e câmaras de voto foram distribuídas e vão começar sendo entregues, hoje,

os boletins de voto pelas respectivas Câmaras.”

Squartini (1998) menciona que existem peculiaridades referentes ao emprego de ir e

vir com na estrutura chamada de “progressiva”, majoritariamente representada por meio da

construção estar + gerúndio / infinitivo gerundivo. Mas o autor não afirma serem impossíveis:

Em meio às construções gerundiais também podemos encontrar a forma

“progressiva” das línguas ibero-românicas e do italiano, que é formada pelo verbo

stare, oriundo do latim. Essa forma receberá atenção especial neste trabalho e seu

papel semântico também será contrastado com outras formas gerundivas, em

particular aquelas formadas por verbos de movimento tais como ‘ir’ e ‘vir’ que

podem aparecer nos mesmos contextos que o Progressivo, mas em geral são

muito menos frequentes e possuem algumas restrições idiossincráticas. (SQUARTINI, 1998, p. 27, tradução e grifos nossos)

71

71

Among gerundial constructions we can also find the “progressive” form of the Ibero-Romance languages and

Italian, which is formed with the descendant of the Latin verb stare. This form will be given particular attention

Page 159: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

136

O autor menciona esse trecho imediatamente após afirmar que no Português Europeu

predomina a construção gerundiva com infinitivo precedido de a no lugar do gerúndio. Ou

seja, ao dizer que as construções com auxiliares ir e vir ocorrem nos mesmos contextos em

que ocorre a construção estar + gerúndio, entendemos que isso significa dizer que tais

construções também podem veicular informação de aspecto progressivo, apesar de serem

muito menos frequentes e de apresentarem – como o autor diz – algumas restrições nesse uso.

Além disso, Móia & Viotti (2004) também consideram a possibilidade de variação

entre gerúndio e a + infinitivo em construções com o verbo auxiliar vir:

Em segundo lugar, existe o caso em que tanto o gerúndio quanto o infinitivo são

comuns no PE (enquanto o PB geralmente emprega apenas o gerúndio). Isso

acontece, pelo menos, com o verbo VIR, que indica mudança gradual no tempo

relevante das situações. O uso desse verbo auxiliar apresenta algumas

idiossincrasias, com diferenças no uso das formas simples x formas compostas.

(segundo sabemos, ainda não comentadas na literatura)

Em estruturas com a forma simples do verbo auxiliar vir, o PE prefere claramente o

uso de gerúndio (embora alguns exemplos com o infinitivo – ligeiramente estranhos

para alguns falantes do PE – estejam registrados no corpus); o PB usa apenas o

gerúndio: […]. (MÓIA & VIOTTI, 2004, p. 118, tradução nossa, grifos dos

autores)72

.

Como podemos observar, embora afirmem que, no PE, a preferência é pelo uso do

gerúndio em construções com a forma simples do auxiliar vir, os autores mencionam terem

registrado em seu corpus do PE casos em que ocorre o infinitivo no lugar do gerúndio (ainda

que tais dados soem “estranhos” a alguns informantes do PE, como eles atestam).

De uma forma ou de outra, por serem poucos e – em certa medida – categóricos (se

não considerarmos os dois exemplos acima gerundiais), achamos mais adequado excluir

definitivamente os dados com auxiliares ir e vir da análise quantitativa.

in the present work, and its semantic role will be also contrasted with the other gerundial forms and in particular

with those formed with motion verbs such as ‘go’ and ‘come’ that can occur in the same contexts as Progressive

but are in general much less frequent and present more idiosyncratic restrictions. (SQUARTINI, 1998, p. 27) 72

Secondly, there is the case where the «gerúndio» and the infinitive are both common in EP (while BP

normally only resorts to the «gerúndio»). This happens at least with the verb VIR (“come”), which indicates

gradual change in time of the relevant state-of-affairs. The use of this auxiliary verb reveals some idiosyncrasies,

with differences arising from the use of the simple vs. the compound forms (unnoticed in the literature, to our

knowledge).

In structures with the simple forms of the auxiliary verb vir, EP clearly favours the use of the «gerúndio»

(though a few instances with the infinitive – slightly odd to some EP speakers – are registered in the corpus); BP

only uses the «gerúndio»: […]. (MÓIA & VIOTTI, 2004, p. 118)

Page 160: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

137

Estrutura analítica com auxiliar VIR

Abaixo, um exemplo para ilustrar as ocorrências de perífrases com auxiliar vir do

corpus, como mencionado antes, sempre seguido da forma nominal gerúndio.

24)OUTRA SEARA CEIFADA GRATUITAMENTE A UM

LAVRADOR ALENTEJANO. No passado domingo coube a vez ao

povo desta localidade de seguir o exemplo dado pelos rurais de

Baleizão e Ervidel, e, num gesto de reconhecimento, ceifou uma

<<folha>> de trigo do lavrador sr. Mariano António Marujo,

projecto que os trabalhadores sambrissenses vinham alimentando

desde há muito.

(Dado 355 Alentejo, 06 jun 1963)

Estrutura analítica com auxiliar SER

Embora tenhamos criado um fator para as construções com verbo auxiliar ser, todas as

suas ocorrências são como auxiliar de voz passiva, acompanhando o verbo principal no

particípio e sempre se apresentando com a forma nominal gerúndio, nunca com a + infinitivo.

Sendo assim, os dados foram igualmente excluídos da análise quantitativa deste trabalho.

Segue, abaixo, um exemplo desse tipo de dado:

25)INCENDIO. [...] O incendio, que teve começo na carvoeira da

cozinha, causou prejuizos em portas, tetos e alizares, sendo extinto

com o emprego de uma agulheta pelos Sapadores Bombeiros.

(Dado 294 Lisboa, 15 mai 1941)

Estrutura analítica com semiauxiliar CONTINUAR

Conforme mencionado anteriormente, Mateus et alii (2003) consideram o verbo

continuar como um semiauxiliar quando presente em construções perifrásticas. Mas, em vez

de classificá-lo com o rótulo genérico de semiauxiliares – como foi feito com os demais

verbos que se enquadram nessa classificação segundo Mateus et alii (2003), conforme

descrito adiante –, optamos por codificá-lo à parte, assim como fizemos com os verbos

auxiliares, codificados separadamente uns dos outros. Bechara (2001) chega a considerar o

Page 161: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

138

verbo continuar como auxiliar, inclusive. Tomamos essa decisão devido ao fato de essas

construções serem muito produtivas tanto com gerúndio quanto com a + infinitivo, o que, a

nosso ver, justifica analisar tais construções separadamente dos demais semiauxiliares

agrupados em um só fator.

Além disso, separá-los dos demais dados de semiauxiliares também nos pareceu

relevante para poder analisar em maior detalhe essas construções, já que muitas vezes é

possível questionar se a preposição a em estruturas do tipo “verbo continuar + a + infinitvo”

indica realmente infinitivo gerundivo ou se, na verdade, não seria meramente o complemento

exigido pela regência do verbo continuar. Isto é: a leitura adequada seria “[verbo continuar +

a] + infinitvo” (não gerundivo) ou “verbo continuar + [a + infinitvo] (gerundivo)”? De fato, a

interpretação, nesses casos, é dúbia e, no grupo de fatores cambialidade – que

pormenorizaremos mais à frente –, esses dados foram classificados como ambíguos.

Conforme já mencionamos no capítulo 2, Móia & Viotti (2004) chegam a afirmar que

as construções gerundivas com o verbo auxiliar continuar variam “livremente” no PB,

podendo aparecer tanto com gerúndio quanto com infinitivo (embora – segundo eles – o PE

prefira, como sua tendência geral, o uso do infinitivo). Mas reiteramos o questionamento: até

que ponto existe, de fato, a “preferência pelo infinitivo” simplesmente por ser a estrutura mais

usada no PE hoje? Tal uso, nessa construção específica, não seria meramente a influência da

regência do verbo continuar? Apesar disso, porém, é inegável a possibilidade de alternância

entre gerúndio e a + infinitivo em construções com verbo continuar, como se pode verificar

no exemplo abaixo:

26)SENADO MONTEMORENSE. Na segunda feira e hontem

continuou reunindo o nosso Senado, e a tratar de assumptos que se

dizem – de interesse para Montemór.

(Dados 127 e 128 Alentejo, 21 jan 1914)

Como se pode ver, temos acima um caso em que, no mesmo período, o verbo

continuar serve como auxiliar de “reunindo”, no gerúndio, e de “a tratar”, com infinitivo. É

possível interpretar a preposição “a” como regência do verbo continuar (elíptico, nessa

oração), mas, da mesma forma, também é possível enxergar a expressão “a + infinitivo

(tratar)” como infinitivo gerundivo, semelhante e em paralelismo com “reunindo”, na oração

anterior. Sendo assim, entendemos que as ocorrências desse complexo verbal “continuar + a

+ infinitivo” permitem uma leitura gerundial, especialmente pela natureza semântica do verbo

Page 162: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

139

continuar, que pressupõe uma ação durativa. Seguem exemplos com gerúndio e com a +

infinitivo.

27)A companhia do Theatro Lisbonense continua trabalhando com

agrado no theatro barraca do Rocio.

(Dado 049 Alentejo, 09 ago 1902)

28)PELA CIDADE. UMA SIMPLES E INOFENSIVA PARTIDA DE

BILHAR ORIGINOU UMA DESORDEM ENTRE DOIS CASAIS.O

dono do estabelecimento pô-los fora da porta, onde eles continuaram

a brigar.

(Dado 404 Norte, 01 mar 1955)

Estrutura analítica com demais semiauxiliares (ou auxiliares acidentais)

As ocorrências com esses semiauxiliares são semelhantes às construções com

semiauxiliar continuar. A maioria dos semiauxiliares é regida pela preposição a, o que torna

ambígua a interpretação do complemento infinitivo como aspecto progressivo ou não.

Sabemos, até pelas ocorrências com gerúndio, tais como o exemplo 29), abaixo, ser possível

nessas construções a alternância entre as duas variantes aqui estudadas. Entretanto, tomamos

o cuidado de incluir no corpus somente ocorrências em que de fato exista a possibilidade de

leitura gerundiva da oração e não qualquer ocorrência de “semiauxiliar x + a + infinitivo”,

que muitas vezes é claramente não alternável por gerúndio.

29)POLICIAIS DIGNOS DE LOUVOR. PRISÃO DO ASSASSINO

FRANCISCO LEAL, QUE ASSASSINOU HORROROSAMENTE O

JOSÉ ALLEMÃO NO LUGAR DA RAINHA. [...] Uma vez ali

começaram procurando, sem dados, o assassino Francisco Leal, não

lhes tendo ali dado ninguém relação d’ele.

(Dado 115 Lisboa, 01 ago 1913)

30)O ÚLTIMO DIA DAS FESTAS DA ALAMEDA PROMOVIDAS

PELO SPORTING C. FARENSE. Berta Cardoso, que se exibiu na

noite anterior, assistiu ás festas e só não voltou a cantar por se

encontrar bastante adoentada.

(Dado 212 Algarve, 13 ago 1944)

Page 163: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

140

No dado 030, acima, a interpretação é efetivamente ambígua. A notícia reporta sobre

as festas da cidade e menciona uma cantora que já tinha se apresentado na noite anterior. Ora,

a construção “voltou a cantar” poderia, portanto, de fato, indicar que ela simplesmente não

voltou a cantar por estar doente (ideia não durativa, sendo o a meramente a preposição da

regência de voltar) ou poderia indicar que a cantora até voltou à festa no dia seguinte apesar

de adoentada, mas não voltou cantando (ideia durativa).

De qualquer forma, mesmo com essa dupla possibilidade de leitura, fizemos rodadas

estatísticas com e sem esses tipos de dados, para verificar se sua presença ou não no corpus

influencia de alguma maneira os resultados.

Estrutura analítica com verbos leves

31)TRÊS PESSOAS FERIDAS NUM INVULGAR ACIDENTE. [...]

Em dado momento, a roda da frente do veículo soltou-se, dando

origem a que o ciclista fosse projectado à distância, com tanta

infelicidade, que foi de encontro a Maria Luísa Vaz Lourenço Costa,

de 44 anos, casada, doméstica, e sua filha Maria Luísa Lourenço

Costa, de 17 anos, solteira, empregada de escritório, residentes na

Rua de Delfim Lima, 3537, Canelas, também do concelho de Vila

Nova de Gaia, e que se encontravam na berma da estrada, a fim de ali

aguardarem uma caminheta de passageiros que as transportasse à

sua residência.

(Dado 481 Norte, 11 abr 1965)

32)COMBATE À DROGA PASSA PELA FORMAÇÃO. Formação

específica para pais e professores, a ter início em Março próximo, foi

a resolução acordada na reunião efectuada ontem à tarde nas

instalações da Junta de Freguesia de Sines, pelas entidades ligadas à

Comissão de Combate à Droga.

(Dado 435 Alentejo, 31 jan 1992)

Conforme se pode observar, as construções com verbos leves, embora, de certa

maneira, sejam analíticas, por serem compostas por mais de uma palavra, não são exatamente

locuções verbais, por não serem compostas por verbo auxiliar + verbo principal. Elas são, na

verdade, construções com um só verbo + nome. Com efeito, o único dado do nosso corpus em

que uma construção com verbo leve apareceu com infinitivo gerundivo foi o exemplo 32),

acima. Sendo assim, por serem poucos dados, na maioria das rodadas, esses casos foram

Page 164: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

141

amalgamados com as ocorrências com verbos plenos, sendo considerados como estruturas

sintéticas.

Estrutura analítica com verbos modais

33)Não ha ligação nenhuma, mas os dissidentes estiveram na camara ao lado dos republicanos e d’outras opposições, em tudo quanto era

justo e liberal, e assim como em todos os paizes, e ainda agora na

Allemanha, há a união de elementos políticos antagônicos, não teria

duvida, apesar de monarchicos, de entrar n’um entendimento eleitoral

e parlamentar; devendo accrescentar que o não há: que nem os

republicanos nem os dissidentes o propozeram ou pediram.

(Dado 059 Açores, 13 mai 1907)

34)PESSOAL DA EXPLORAÇÃO DO PORTO DE LISBOA. [...] Nele

vem lavrado um protesto contra os últimos acontecimentos,

lamentando a prisão dos consócios, fazendo sciente a todos os

associados de que espera, de todos os que estejam dispostos a

coadjuvarem e conservarem a boa união entre a classe, a aprovação

deste protesto, a fim de que esta direcção, dentro da lei, da ordem, do

método e da disciplina, factores imprescindíveis no seio da

colectividade, possa continuar a desempenhar o mandato de que foi

incumbida, o qual terá de declinar no caso de não merecer a

confiança que nela foi depositada quando da sua eleição ou de lhe

faltar a cooperação de todos os interessados na existência legal da

associação.

(Dado 152 Lisboa, 03 ago 1913)

As ocorrências de construções com verbos modais foram poucas no corpus: 39 ao

todo, sendo 36 com gerúndio (apresentando o gerúndio no próprio verbo modal, como no

exemplo 33)) e apenas três com infinitivo gerundivo. Todas as três ocorrências com infinitivo

gerundivo incluem o semiauxiliar continuar, conforme o exemplo 34) acima. Sendo assim,

pelas mesmas razões que apresentamos a respeito das construções com semiauxiliar

continuar, também excluímos de algumas rodadas os dados com verbos modais, por

questionarmos se há efetivamente o aspecto progressivo nesses contextos e por questionarmos

a possibilidade de variação das ocorrências com gerúndio no verbo modal por infinitivo

gerundivo (que geraria, no caso do exemplo 33), uma estrutura do tipo “a dever acrescentar”),

já que nenhuma ocorrência desse tipo apareceu em nossos dados.

Page 165: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

142

Estrutura analítica com a forma nominal (gerúndio ou a + infinitivo) no verbo

auxiliar

Por fim, criamos um fator para contemplar os dados em que o gerúndio não era, como

de costume, o verbo principal da perífrase verbal. Como visto acima, em uma perífrase verbal,

o verbo principal é quase sempre uma das formas nominais do verbo, responsável por seu

núcleo semântico. Entretanto, em alguns casos, o complexo verbal é constituído por duas

formas nominais, uma funcionando como auxiliar e outra como principal. Os dados

classificados como pertencentes a esse fator acabaram por ser excluídos da análise. Isso

porque todas as suas ocorrências – que foram bastantes, 327 ao todo – foram com a forma

nominal gerúndio, indicando que muito provavelmente não admitem variação com infinitivo

gerundivo, mesmo no Português Europeu. São, majoritariamente, dados em que o gerúndio

aparece no verbo auxiliar ter ou haver seguido de verbo principal no particípio passado, ou

seja, os já referidos casos de gerúndio composto, como no dado abaixo:

35)FESTAS DO CARMO REVESTIRAM ÊSTE ANO GRANDE

BRILHANTISMO E TIVERAM LARGA CONCORRÊNCIA. Não

ficaram a perder de vista aos anos anteriores, tendo revestido aquele

luzimento que lhes é tradicional, as festas realizadas nesta cidade em

honra de Nossa Senhora do Monte do Carmo e que tiveram por fulcro

o formoso templo da sua invocação.

(Dado 174 Algarve, 24 jul 1938)

Mas também podem ser casos com outro tipo de construção em que o gerúndio

estivesse no verbo auxiliar, como em:

36)O MECÂNICO PREVIU TUDO MENOS O LOCAL E A HORA DE

UMA OPERAÇÃO “STOP”. [...] O mecânico foi preso, estando

agora a Polícia a investigar todas as suas actividades.

(Dado 448 Lisboa, 03 dez 1971)

37)O PREÇO DO CAFÉ. PROVOCOU ONTEM Á NOITE, NA

BRASILEIRA, DO ROSSIO, UM GRANDE MOTIM. [...] Por esse

motivo foi requisitada a intervenção da policia que evacuou o

Page 166: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

143

estabelecimento que, em seguida, foi encerrado, ficando a guardá-lo

alguns civicos.

(Dado 189 Lisboa, 02 nov 1924)

38)EM LISBOA. DESASTRE NO TRABALHO. José Joaquim Junior,

morador na rua do Marquez de Sá da Bandeira, 20, loja, andando a

trabalhar nos carris de ferro, no Campo Grande, fez um ferimento

com a picareta no pe direito.

(Dado Lisboa, 12 abr 1904)

Nesses casos, inicialmente sinalizamos haver dois dados: o primeiro analisado sob o

ponto de vista de uma estrutura formada por gerúndio no auxiliar (estar, em 37), ficar, em 38)

e andar, em 39)) e o segundo sendo uma estrutura de infinitivo gerundivo (a investigar, a

guardar, a trabalhar) com seus respectivos auxiliares. Em situações como essa, foi

descartado apenas o dado de “gerúndio no auxiliar”, sendo mantido o dado de infinitivo

gerundivo.

Entretanto, optamos por excluir definitivamente as ocorrências de gerúndio no auxiliar

de toda a análise. Relataremos seus quantitativos apenas percentualmente, na rodada inicial de

dados, antes de termos feito as exclusões desses dados que se mostraram, desde o início,

categóricos – como se costuma chamar na nomenclatura sociolinguística –, ou seja, não

passíveis de variação. Tais resultados ratificam o que Móia & Viotti (2004) afirmam em seu

artigo “Differences and Similarities between European and Brazilian Portuguese in the use of

<<gerúndio>>”:

Com relação às restrições aspectuais, devemos notar que, na sequência a INF, o

verbo no infinitivo representa tipicamente atividades básicas ou derivadas (ou, em

alguns poucos casos excepcionais, estados, especialmente aqueles compatíveis com

estar a). Consequentemente, a INF não se alterna com <<gerúndio>> em

estruturas que envolvem outras classes aspectuais, em especial estados regulares (ou

seja, incluindo aqueles com o <<gerúndio>> composto – tendo PARTICÍPIO).

Trata-se exatamente do caso de sentenças com três tipos de <<gerúndio>>: gerúndio

de sobre-enquadramento, gerúndio de elaboração (uma vez que eles ocorrem

tipicamente com <<gerúndio>> composto, que representa situações estáticas), e o

gerúndio neutro (que ocorre tipicamente com estados): [...] (MÓIA & VIOTTI,

2004, p. 134, tradução e grifos nossos)73

73

As for aspectual restrictions, we must note that, in the sequence a INF, the infinitive verb typically represents

basic or derived activities (or, in a few exceptional cases, states, incidentally those that are compatible with estar

a). Consequently, a INF does not alternate with the «gerúndio» in structures that involve other aspectual classes,

in particular regular states (including those with the compound «gerúndio» – tendo PP). This is namely the case

of sentences with three types of «gerúndio»: backgrounded «gerúndio» and elaborative «gerúndio» (as they

typically occur with the compound «gerúndio», which represents stative eventualities), and the neuter

«gerúndio» (as it typically occurs with states): (…) (MÓIA & VIOTTI, 2004, p. 134)

Page 167: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

144

E, a seguir, os autores fornecem exemplos dos três tipos de gerúndio citados, de

acordo com a classificação semântica das orações adverbiais gerundivas que propõem

(conforme veremos, em maior detalhe, no item 3.2.11deste capítulo):

- Gerúndio de sobre-enquadramento:

A Ana passeou horas pela praia, {tendo / *a ter} encontrado uma moeda de ouro

muito antiga.

- Gerúndio de elaboração:

A Ana remodelou toda a casa, {tendo / *a ter} pintado a sala de azul.

- Gerúndio neutro:

Os juros serão pagos anualmente, {sendo / * a ser} o BPA quem efectua o pagamento.

Conforme se pode observar, dois dos três tipos de gerúndio mencionados pelos autores

como não alternáveis com infinitivo gerundivo envolvem a estrutura com verbo ter no

gerúndio seguido de verbo principal no particípio. Como mencionamos, os “tipos de

gerúndio” enunciados acima serão mais detalhados na seção 3.2.11 deste capítulo, quando

tratarmos do grupo de fatores referente à classificação dos tipos semânticos das orações

gerundiais. Por enquanto, basta mostrarmos esses exemplos, que confirmam nossa decisão

metodológica de excluir esses dados por entendermos não serem cambiáveis por infinitivo

gerundivo.

Assim, compararemos, na tabela abaixo, o número anterior de ocorrências com

gerúndio e com infinitivo gerundivo e o número de dados após as exclusões mencionadas.

Page 168: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

145

CORPUS ► PORTUGAL

CONTINENTAL AÇORES TOTAL TOTAL

ESTRUTURA VERBAL

NÚMERO

PRELIMINAR

DE DADOS

NÚMERO

PRELIMINAR

DE DADOS

NÚMERO

PRELIMINAR

DE DADOS

NÚMERO

FINAL

DE DADOS

Estrutura sintética 1611 156 1767 1767

Auxiliar ESTAR 173 06 179 179

Auxiliar ANDAR 25 01 26 26

Auxiliar FICAR 26 01 27 27

Auxiliar IR 48 01 49 0

Auxiliar VIR 20 01 21 0

Auxiliar SER 96 10 106 0

Semiaux CONTINUAR 57 03 60 60

Demais semiauxiliares 37 04 41 41

Verbos leves 77 04 81 81

Verbos modais 39 05 44 44

Gerúndio no v. auxiliar 237 11 248 0

TOTAL GERAL 2446 203 2.649 2.225

Tabela 5: Distribuição das ocorrências de gerúndio e de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de

estrutura verbal do corpus

Conforme se vê, excluímos do total inicial de 2.649 dados todos os complexos verbais

com auxiliares ir e vir, ser e com gerúndio no auxiliar. Com isso, ao todo, foram excluídos

424 dados, o que nos deixa agora com 2.225 dados no total, sendo 2.045 de Portugal

Continental e 180 da região autônoma dos Açores.

Para finalizar esta seção do capítulo, é pertinente apresentar uma nova tabela com o

quantitativo total de dados após a eliminação desses fatores que se mostraram categóricos,

revisando a Tabela 3, apresentada anteriormente.

LOCALIDADE NÚMERO DE

PALAVRAS

NÚMERO PRELIMINAR

DE DADOS

NÚMERO FINAL

DE DADOS

Norte 40.689 644 523

Centro 41.585 435 366

Lisboa 40.693 548 460

Alentejo 41.123 470 384

Algarve 40.930 349 312

Page 169: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

146

Açores 16.417 203 180

TOTAL GERAL 221.437 2.649 2.225

Tabela 6: Número FINAL de dados por célula de região

É com esse total de dados que faremos as rodadas estatísticas que serão apresentadas

no capitulo 5 deste trabalho.

3.2.6. Voz Verbal

Esse grupo tem por objetivo controlar se há mudança nas taxas de uso de infinitivo

gerundivo dependendo da voz do verbo na oração onde aparecem as variantes. Para este

grupo, não existe propriamente uma hipótese. Trata-se, portanto, de um grupo de fatores

experimental com o objetivo de verificar se a voz em que se encontra o verbo principal da

oração tem alguma relevância para a seleção de gerúndio ou de infinitivo gerúndio na

formulação de sentenças de nosso corpus do PE. Seguem os exemplos abaixo:

Voz Ativa

39)Lá andam os vivos curvados sobre as humidas edespresadas (sic)

campas – terra sagrada – ceifando o enorme ervaçal e pisando restos

dossos queo (sic) descuido dum coveiro a quem a Junta não paga nem

manda, deixou ao acaso, por enterrar.

(Dados 107 e 108 Centro, 02 jul 1922)

40)CABRELLA, 29. Decorrem animadíssimas as eleições n’esta villa;

o povo cheio de alegria e satisfação corria á urna a deitar a sua lista

nos candidatos republicanos.

(Dado 109 Alentejo, 31 mai 1911)

Voz Passiva Analítica

41)PELAS BEIRAS. DE CONDEIXA. MARCO DO CORREIO. [...]

Condeixa está sendo extraordinariamente visitada, quer por nativos,

Page 170: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

147

quer por estrangeiros – altas individualidades – que aqui acorrem

atraídos pelas inumeráveis preciosidades estilístico-arqueológicas.

(Dado 210 Centro, 07 fev 1941)

42)CASOS DOS HOSPITAIS DA UNIVERSIDADE. VÍTIMA DE

ACIDENTE COM ARMA DE FOGO. Com graves ferimentos no pé

esquerdo, foi conduzido a estes hospitais, onde ficou internado, o

estudante, António Jorge Moreira Gomes, de 20 anos, solteiro,

residente no Bairro de S. João, Selá, que ao pegar numa espingarda

que estava a ser limpa por um caçador, inadvertidamente disparou-a,

desconhecendo que ela se encontrava carregada.

(Dado 316 Centro, 01 jan 1971)

Voz Passiva Sintética

43)PELOS ARCHIPELAGOS. TERCEIRA. [...] Pelo sr. Baptista Leal

foi recitada a poesia de João de Lemos <<Voz do soldado>>,

representando-se o drama em 3 actos <<Segredo do pescador>> e a

comedia em 1 acto <<Por causa de um clarinete>>.

(Dado 028 Açores, 04 mai 1907)

44)PELA PROVÍNCIA. MORTO POR UMA BARREIRA QUE

DESABOU. Nas obras que estão a fazer-se no campo de futebol,

desta vila, deu-se, ontem, ao fim da tarde, o desabamento duma

barreira que soterrou o trabalhador José Vasconcelos, guarda-fiscal

reformado, da freguesia da Bela, que era casado e contava 52 anos.

(Dado 356 Norte, 04 jul 1945)

Voz Reflexiva

45)A ROSA E O MANUEL. A Policia prendeu Manuel Maria Gomes,

de 36 anos, maritimo, e Rosa Rodrigues, de 36 anos, residentes na rua

de S. Miguel, por se haverem envolvido em desordem, agredindo-se

mutuamente.

(Dado 295 Lisboa, 15 mai 1941)

46)SE CALHAR ANDA A TREINAR-SE PARA A <<VOLTA A

PORTUGAL>> [...] Na 16ª esquadra da P. S. P. apresentou-se o sr.

Domingos Francisco, da Rua da Vilarinha, 1806, a queixar-se contra

Page 171: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

148

determinado indivíduo, que indicou, o qual lhe alugou, em 28 de

Fevereiro último, uma bicicleta a pedal, para dar umas voltas.

(Dado 496 Norte, 11 abr 1965)

3.2.7. Posição do clítico

O grupo de fatores posição do clítico, juntamente com outros dois grupos de fatores

que veremos a seguir, tem um objetivo principal: verificar a possibilidade ou não de, nas

estruturas analíticas, haver intercalação de elementos entre o verbo auxiliar e o verbo

principal nas formas nominais em foco. Isso visa a observar o quão forte é a ligação entre o

auxiliar e a forma nominal gerundiva. Em especial, pretende-se verificar a possibilidade de

intercalação de elementos entre a preposição a e o verbo no infinitivo (nesse caso, apenas para

as construções com o infinitivo gerundivo, evidentemente). A possibilidade ou não de

intercalação de elementos entre a preposição e o verbo pode, por exemplo, nos sinalizar se

esta está mais ligada ao verbo que a antecede (o auxiliar) ou ao verbo que a sucede (o

principal). Ou seja, queremos verificar se, inconscientemente, as estruturas de verbo auxiliar

+ a + infinitivo são analisadas pelo informante como:

a) [verbo auxiliar + a] + infinitivo

ou como

b) verbo auxiliar + [a + infinitivo].

Dependendo dos resultados encontrados, pode-se, verificar, em certa medida, se o

possível processo de gramaticalização da preposição a junto ao infinitivo para indicar aspecto

progressivo está cumprindo ou não uma de suas etapas rumo à gramaticalização (MOTHÉ,

2007, p. 208-227), apresentando-se mais ligada ao verbo no infinitivo ou não. Se existirem

muitos dados em que haja palavras entre o a e o infinitivo, por exemplo, isso pode indicar que

a estrutura provavelmente é analisada como em a), com a preposição formando uma unidade

com o item que a antecede, o verbo auxiliar, e não com o verbo principal no infinitivo.

A nossa hipótese, porém, é de que isso não venha a ocorrer e de que o mais provável

seja a estrutura estar sendo analisada como em b), isto é, mais ligada ao verbo principal no

infinitivo, que a sucede. Em seu texto “Complementos Infinitivos Preposicionados e outras

Construções Temporalmente Defectivas em Português Europeu” (1992), Inês Duarte chama a

Page 172: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

149

preposição a no infinitivo gerundivo como um “morfema descontínuo a –r” com valor

aspectual [+dur] (durativo). E afirma: “[...] estou a sugerir que esta construção, historicamente

de natureza preposicional, sofreu uma reanálise que fixou a sequência preposição–morfema

infinitivo como uma unidade sintática.” (DUARTE, 1992, p. 152).

Se, de fato, como propõe Duarte (1992), a preposição a tiver sofrido uma reanálise e

estiver cada vez mais funcionando como um morfema indicativo de aspecto

progressivo/durativo, significa que cada vez mais ela assume um papel mais gramatical na

construção a + infinitivo e menos lexical, conforme já sugeria Mothé (2007). Logo, essa

construção provavelmente estaria em processo de gramaticalização, entendendo este

fenômeno como:

[…] a maneira através da qual formas gramaticais surgem e se desenvolvem no

tempo e no espaço, e explicar por que elas são estruturadas da forma que são.

Define-se gramaticalização como um processo que, em hipótese, é essencialmente

unidirecional.

[…] o processo não é restrito ao desenvolvimento de itens lexicais; mesmo as

formas gramaticais podem dar origem a formas ainda mais gramaticais, o que ocorre

bastante frequentemente. (HEINE, 2003, p. 575, tradução e grifo nossos)74

Sendo assim, a preposição a, que já é um item gramatical (e não lexical), ao funcionar

como um “morfema descontínuo”, estaria se tornando ainda mais gramatical, perdendo, cada

vez mais, seu sentido primordial de preposição e funcionando quase como um afixo indicativo

de aspecto progressivo.

Em suma, o que se pretende ao criar este grupo de fatores é verificar o quão ligada é a

preposição a aos verbos que a antecedem e que a sucedem nas construções com infinitivo

gerundivo. Quanto maior a ligação entre a preposição a e o verbo principal no infinitivo,

menor a possibilidade de haver qualquer outro tipo de palavra entre eles. Assim, para tentar

controlar a ocorrência ou não de palavras entre o verbo auxiliar e o verbo principal, bem como

entre a preposição a e o verbo principal, criamos três grupos de fatores distintos, de acordo

com a natureza da palavra que pode se interpor entre eles: clíticos, referências adverbiais e

outros itens lexicais diferentes de advérbios. Cada um desses elementos será explicitado nas

descrições de grupos de fatores criados para os controlarem, conforme será visto adiante nos

itens 3.2.8 e 3.2.9.

74

[…] the way grammatical forms arise and develop through space and time, and to explain why they are

structured the way they are. Grammaticalization is defined as a process which is hypothesized to be essentially

unidirectional.

[…] the process is not confined to the development of lexical forms; rather, grammatical forms themselves can,

and frequently do, give rise to even more grammatical forms. (HEINE, 2003, p. 575)

Page 173: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

150

Neste grupo, apresentamos exemplos da possibilidade de ocorrência de clíticos nas

construções gerundivas. Embora o foco principal fosse controlar a possibilidade de

interpolação dessas palavras entre o auxiliar e o verbo principal ou entre a preposição e o

verbo principal, uma vez que codificaríamos os dados para esses grupos, acabamos por

marcar outras possibilidades de aparecimento dessas palavras, ou seja, além de marcar

somente a interpolação, também sinalizamos quando havia clíticos antes ou depois das

estruturas perifrásticas em análise. Assim:

Próclise

47)O funeral, que se realizou hoje para o cemitério de Travanca de

Lagos, foi concorridíssimo, nele se incorporando a Irmandade de S.

Pedro.

(Dado 243 Centro, 07 jan 1951)

48)TURISTAS APANHADOS DE SURPRESA PELO S. JOÃO. É

ESTA A CIDADE DO <<PORT WINE>>? [...] Muitos deles não

faziam ideia do que se estava a passar.

(Dado 595 Norte, 24 jun 1983)

Ênclise

49)A sala do sul será ajardinada e destinada ao serviço de restaurant,

dançando-se unicamente na do norte.

(Dado 013 Alentejo, 19 jun 1902)

50)PIRITES ALENTEJANAS PARAM POR SEIS MESES. [...] <<A

concretizar-se a aplicação da <<lay-off>> e se entretanto as

cotações do zinco no mercado internacional melhorarem, a empresa

pode ser financiada>>, disse Manuel Baltazar, dirigente sindical,

acrescentando que se acontecer o contrário o prazo terá de ser

prorrogado por igual período, findo o qual tem de ser tomada uma

decisão definitiva.

(Dado 451 Alentejo, 16 a 22 abr 1993)

Page 174: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

151

Clítico entre o verbo auxiliar e o verbo principal, gerundivo

51)A SARDINHA. Tem batido em quantidade na costa algarvia depois

dos temporaes; com esta abundancia os fabricantes e os seus

operarios estão se regalando no mais activo e productivo trabalho.

(Dado 093 Algarve, 28 fev 1915)

52)DESPISTE DE VIATURA PROVOCA DOIS FERIDOS. [...] De

acordo com fonte hospitalar, António Lage encontrava-se a receber

tratamento na Urgência, enquanto José Sousa ficou internado em

Cirurgia 3.

(Dado 634 Norte, 11 jun 1995)

Nesse grupo, também previmos a ocorrência de mesóclise, mas nenhum dado

apresentou o clítico em mesóclise.

Quanto à possibilidade de ocorrência de clíticos entre a preposição a e o verbo

principal no infinitivo, também possuíamos um fator exclusivamente para codificar dados

desse tipo que viessem a aparecer no corpus. Esperávamos encontrar casos como, por

exemplo, adaptando o exemplo 51), em que ocorresse:

“Tem batido em quantidade na costa algarvia depois dos temporaes; com esta abundancia os

fabricantes e os seus operarios estão a se regalar no mais activo e productivo trabalho.”.

Apesar dessa expectativa, não houve dados desse tipo no corpus analisado e, portanto,

o fator deixou de existir por ser vazio. A não ocorrência de dados desse tipo já nos sinaliza o

forte grau de ligação entre a preposição a e o infinitivo, reforçando a hipótese de que a

construção se comporte como um “morfema descontínuo”, como apontou Duarte (1992).

Todos os demais dados, nos quais não havia qualquer clítico, eram codificados com o

símbolo referente a “não se aplica / não há clíticos”. Estes foram, na verdade, a grande

maioria dos dados, conforme se verá no capítulo 5, relativo aos resultados.

Page 175: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

152

3.2.8. Referência adverbial

Conforme já explicitado na seção 3.2.7, o objetivo essencial também deste grupo de

fatores é controlar a ocorrência de palavras – aqui, no caso, de referências adverbiais – entre o

verbo auxiliar e o verbo principal e entre a preposição a e o verbo principal para observar o

grau de ligação entre os elementos da construção verbo auxiliar + a + infintivo. Da mesma

forma que no grupo de fatores anterior (posição do clítico), nossa hipótese, aqui, é a de que,

ao longo do tempo, cada vez mais a preposição a esteja ligada ao verbo no infinitivo, como

parte do processo de gramaticalização do “morfema descontínuo a + -r”, segundo proposta de

Duarte (1992). Caso nossa hipótese se confirme, esperamos ver pouca intercalação de

elementos (sejam clíticos ou referências adverbais ou demais itens lexicais, em geral) entre a

preposição a e o infinitivo que a segue na construção de infinitivo gerundivo.

Codificamos somente as referências adverbiais relacionadas a tempo, modo e lugar,

dando maior atenção e codificando separadamente das demais as de tempo, por entendermos

que, em um fenômeno envolvendo aspecto progressivo (durativo), as referências às

circunstâncias de tempo tendem a ser mais relevantes do que as de modo e lugar. Assim como

no grupo de fatores relativo aos clíticos, controlamos também aqui o aparecimento de

referências adverbiais antes ou depois da forma nominal gerundiva.

Metodologicamente, quando algum dado apresentava mais de uma referência

adverbial, em posições diferentes ou de naturezas diferentes (de tempo e/ou modo e/ou lugar,

no mesmo dado), assinalávamos aquela mais próxima, com maior relação de relevância no

contexto, da estrutura gerundial em análise. Seguem os exemplos:

Referência TEMPORAL ANTES da forma nominal (NA MESMA ORAÇÃO)

53)ACTO HERÓICO DE UM SOLDADO EM MOÇAMBIQUE.

TRANSPORTOU ÀS COSTAS UM OFICIAL FERIDO E SALVOU-

LHE A VIDA. [...] Após o combate, o heroico soldado Manuel de

Sousa permaneceu toda a noite junto do seu superior, nunca o

abandonando e protegendo-o sempre, acabando por o transportar às

costas durante várias horas até lhe arranjar um esconderijo seguro.

(Dado 141 Açores, 07 abr 1965)

Page 176: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

153

54)A PARTIR DA PRÓXIMA QUARTA-FEIRA. GREVE DE

ENFERMEIROS E MÉDICOS PARALISA INSTITUTO DE

ONCOLOGIA. [...] O Instituto desde a sua criação, em 19 de Abril de

1974, está a ser administrado por uma comissão instaladora o que

origina que a carreira de enfermagem definida por decreto-lei em

1981 não seja aplicada.

(Dado 578 Norte, 22 jun 1983)

Referência TEMPORAL DEPOIS da forma nominal (NA MESMA ORAÇÃO)

55)ACTO HERÓICO DE UM SOLDADO EM MOÇAMBIQUE.

TRANSPORTOU ÀS COSTAS UM OFICIAL FERIDO E SALVOU-

LHE A VIDA. [...] Após o combate, o heroico soldado Manuel de

Sousa permaneceu toda a noite junto do seu superior, nunca o

abandonando e protegendo-o sempre, acabando por o transportar às

costas durante várias horas até lhe arranjar um esconderijo seguro.

(Dado 142 Açores, 07 abr 1965)

56)Isto, a continuar por muito tempo, causará um grande mal a

muitas classes que vivem do Jornalismo.

(Dado 030 Centro, 21 abr 1904)

Referência TEMPORAL NO MEIO da perífrase verbal (entre o verbo auxiliar e

o verbo principal na forma nominal)

57)Foram concedidos 10 dias de licença ao sr. dr. António Pires

Machado, meretíssimo juiz da nossa comarca, que esteve durante

alguns meses desempenhando uma importante comissão de serviço

no Ministério das Finanças.

(Dado 201 Centro, 07 fev 1941)

58)Ignoram-se, por enquanto, as causas que originaram o incêndio,

que ficou extinto cerca das 10 horas e meia da manhã, hora a que as

corporações de bombeiros retiraram, ficando, ainda, a trabalhar no

rescaldo um piquete dos Municipais, que retirou ao meio-dia.

(Dado 275 Norte, 04 abr 1935)

Referência TEMPORAL ANTES da forma nominal (EM OUTRA ORAÇÃO)

Page 177: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

154

59)O JULGAMENTO DO 1º TENENTE MOREIRA RATO. [...] Em

seguida, o juiz auditor, sr. Dr. Teixeira de Sampaio, interrogou o

accusado, que relatou os factos dados até ao dia da agressão, dizendo

não poder reconstituir o que então se passou.

(Dado 004 Açores, 03 mai 1907)

60)CONFLITOS SOCIAIS QUE SE AGUDIZAM NO CHAMADO

BAIRRO ALTO EM VALADARES. [...] Mas a Câmara Municipal,

depois da visita do seu presidente da Comissão Administrativa há

meses, mais nada disse da sua justiça e as autoridades locais, sem

campo de manobras que lhe permitam tomar iniciativas de maior

alcance, quedam-se quase inertes, a aguardar notícias, enquanto que

os moradores, também sem bem saberem do seu destino, vão, à

medida que os dias passam, complicando quase inconscientemente um

sistema que já poderia ter sido há muito posto em prática.

(Dado 508 Norte, 10 abr 1975)

Referência TEMPORAL DEPOIS da forma nominal (EM OUTRA ORAÇÃO)

61)BEJA. A ESTRADA É SANGUE. FERIDOS NUM ACIDENTE DE

AUTOCARRO EM ÉVORA. [...] Dominado o pânico inicial, os

passageiros conseguiram sair do veículo, verificando-se que sete

deles apresentavam ferimentos, pelo que foram conduzidos

imediatamente ao posto médico de <<A Pátria>>, de onde

transitaram para o hospital da Misericórdia.

(Dado 387 Alentejo, 07 jan 1972)

62)NOTAS CITADINAS. [...] Motivo, mais um, de atração turística,

este bem antigo, do tempo em que o Algarve (então região distante e

pouco acessível e que muitos supunham paredes-meias com

Marrocos...) apenas era conhecido pelas suas amendoeiras floridas,

ele aí está, a preparar-se para atingir a plenitude dentro de poucos

dias – e a chamar, desde já, a atenção dos turistas, nacionais e

estrangeiros, que se extasiam ante o tradicional e incomparável

espetáculo da <<neve vegetal>>, que cobre a <<terra morena>>

desde a planície ribeirinha às encostas da serra, de Vila Real de

Santo António ao Promontório Sacro.

(Dado 292 Algarve, 06 fev 1972)

Page 178: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

155

Referência de MODO ou LUGAR ANTES da forma nominal (NA MESMA

ORAÇÃO)

- LUGAR

63)NA NOVA ESTRADA DE QUELUZ UMA CAMIONETA

DESPEDAÇOU UM AUTOMOVEL EMBATEU COM DUAS

ARVORES E DESPENHOU-SE POR UMA RIBANCEIRA DE 15

METROS DE ALTURA. [...] Depois do violentíssimo abalroamento a

camioneta foi embater contra uma arvore, na berma do passeio,

percorreu aos ziguezagues alguns metros para chocar com outra

arvore distante daquela 40 metros, deixando ali o eixo e rodas da

frente, e, por fim, despenhou-se por uma ribanceira de 15 metros de

altura, ali ficando tombada.

(Dado 331 Lisboa, 02 set 1951)

64)COMEÇA DEPOIS DE AMANHÃ PROLONGANDO-SE ATÉ AO

DIA 29, NA ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL PORTUGUESA, UM

SEMINÁRIO SOBRE «A ORGANIZAÇÃO DA HIGIENE E DA

SEGURANÇA NA EMPRESA». [...] Uma lápida em ferro fundido, no

exterior dos edíficios fabris ficou a assinalar a inauguração, após o

que foram benzidas as instalações pelo vigário - geral da diocese.

(Dado 402 Lisboa – VARPORT, 25 nov 1972)

- MODO

65)NA HERDADE DOS ALPENDRES. DECORREU MUITO

ANIMADA A <<TENTA>>, DE NOVILHAS DO LAVRADOS SR.

CABRAL D’ASCENÇÃO. [...] Que nos desculpe o sr. Cabral

d’Ascensão, se ferimos a sua comprovada modéstia, mas, como

verdadeiro aficionado, não podíamos deixar de prestar justiça a quem

tao dedicada e inteligentemente está trabalhando para o

engrandecimento e prestigio da Festa Brava.

(Dado 288 Alentejo, 06 jun 1953)

Não houve dados com referência adverbial de modo com infinitivo gerundivo.

Page 179: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

156

Referência de MODO ou LUGAR DEPOIS da forma nominal (NA MESMA

ORAÇÃO)

- LUGAR

66)PRISÃO ARBITRÁRIA. Domingo ultimo o sub-chefe das oficinas da empreza da Mina de S. Domingos, Mr. Arthur Brown, procedendo

a umas experiências com a Draga na embocadura da ribeira Chança,

junto a Pomarão, teve que passar a margem espanhola afim de lançar

os cabos (amarras) para ali atracar a Draga quando,

inesperadamente, se vê cercado pelos carabineiros (guarda fiscal

espanhola) que lhe dão voz de prisão.

(Dado 044 Algarve, 11 jan 1914)

67)O FUTURO DO ALENTEJO DEPENDE DE “ALQUEVA”. [...] É

com estas palavras e com a razão que lhes assiste, que está a correr

em todo o Alentejo, uma petição pública, dirigida à Assembleia da

República, requerendo, nos termos do art.o 52º da Constituição, a

realização de um debate em Plenário e a adopção de medidas que

garantam a viabilização da construção de Alqueva, provada que está

a sua importante contribuição para o desenvolvimento generalizado

de toda esta região.

(Dado 441 Alentejo, 07 a 13 fev 1992)

- MODO

68)O JULGAMENTO DO 1º TENENTE MOREIRA RATO. [...]

Terminado o discurso de defeza do sr. dr. Luciano Monteiro, foi

suspensa a audiência, reunindo se secretamente o conselho, para

responder aos quesitos e lavrar a sentença que absolveu por

unanimidade o sr. 1º tenente Moreira Rato.

(Dado 010 Açores, 03 mai 1907)

69)POVOAÇÕES ISOLADAS NA PARTE ALTA DO CONCELHO DE

VALE DE CAMBRA. [...] O trânsito está a fazer-se com grandes

dificuldades.

(Dado 364 Centro, 05 jan 1971)

Page 180: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

157

Referência de MODO ou LUGAR NO MEIO da perífrase verbal (entre o verbo

auxiliar e o verbo principal na forma nominal)

- LUGAR

70)Quem não conseguiu meio de transporte, ficou pela berma da

estrada saudando os que, em automóveis, camionetas, atrelados a

tractores e motorizadas, se empolgavam com as palavras de ordem

pela Paz e contra a guerra.

(Dado 408 Alentejo, 17 a 23 jun 1983)

71)DEZENAS DE CARROS RETIDOS EM CELORICO DA BEIRA.

[...] Entretanto muitas delas andaram de porta em porta a pedir um

quarto para pernoitarem, independente do preço.

(Dado 366 Centro, 05 jan 1971)

- MODO

72)PELAS BEIRAS. DE CONDEIXA. MARCO DO CORREIO. [...]

Condeixa está sendo extraordinariamente visitada, quer por nativos,

quer por estrangeiros – altas individualidades – que aqui acorrem

atraídos pelas inumeráveis preciosidades estilístico-arqueológicas.

(Dado 210 Centro, 07 fev 1941)

73)DE MOIMENTA DA BEIRA. O QUE É DEMAIS... – MOLMENTA

DA BEIRA, 28 – Na noite do Natal e devido, talvez (pois de outra

forma não se pode conceber) aos fumos do alcool (sic) serem em

excessiva quantidade, um grupo de rapazes de baixo quilate, mas com

pretensões a creaturas educadas (o que, francamente, não provaram)

andaram em devaneios noctívagos a percorrerem as ruas desta villa

em grandes algazarras e cometendo as maiores tropellas.

(Dado 152 Centro, 01 jan 1931)

Não se aplica (Não há referências adverbiais de tempo, nem de modo ou lugar)

74)ECCOS DA SEMANA. OS OVOS. Não haja duvida de que, em

vista da crise por que o paiz está passando, é esta uma medida de

grande alcance.

(Dado 73 Algarve, 28 fev 1915)

Page 181: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

158

75)ASCENDE A VINTE E SETE O NÚMERO DE PESSOAS QUE

COMERAM PÃO-DE-LÓ E ADOECERAM. São conhecidos mais

casos de intoxicação provocados por pães-de-ló, assunto que as

autoridades sanitárias estão a deslindar a fim de determinarem as

verdadeiras causas da doença pela qual, ao que se conhece, foram

atacadas vinte e sete pessoas.

(Dado 367 Lisboa, 01 ago 1961)

Inicialmente, também codificamos separadamente as ocorrências de advérbio de

negação, mas a quantificação inicial mostrou haver poucos dados e sempre em gerúndio,

nunca com infinitivo gerundivo. Assim, resolvemos considerar apenas as referências

adverbiais de tempo, modo e lugar, desconsiderando os advérbios de negação e amalgamando

esse fator com o fator “não se aplica”.

3.2.9. Interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal

Temos aqui o último grupo de fatores que visa a observar a presença ou não de

palavras entre o verbo auxiliar e o verbo principal da construção gerundiva ou entre a

preposição a e o verbo com infinitivo nas estruturas com infinitivo gerundivo. Neste grupo,

opusemos como fatores a presença ou ausência de itens lexicais quaisquer (diferentes de

clíticos e advérbios, analisados em outros grupos de fatores já descritos acima) entre o auxiliar

e o verbo principal gerundial. Novamente, não houve sequer um dado com itens lexicais entre

a preposição a e o verbo no infinitivo, havendo, portanto, somente casos com palavras entre o

verbo auxiliar e o gerúndio ou o infinitivo gerundivo.

COM intercalação de item lexical diferente de advérbio entre o verbo auxiliar e o

verbo principal

76)MONUMENTO DA GUERRA PENINSULAR. Acaba de ser

contratada com a Cooperativa dos Pedreiros Portuenses a

construcção do monumento da guerra peninsular a erigir na praça de

Mousinho de Albuquerque, devendo os trabalhos tomar o maior

desenvolvimento em breves dias.

(Dado 116 Norte, 10 abr 1915)

Page 182: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

159

77)Para tal, está aquela organização sindical a efectuar contatos com

diversos organismos da região, tendo em vista troca de dados,

informações e estudos.

(Dado 432 Centro, 04 jan 1991)

Os casos sem interpolação são, obviamente, aqueles que apresentam gerúndio ou

infinitivo gerundivo em estruturas sintéticas (ou seja, sem verbo auxiliar) bem como aqueles

que, em estruturas analíticas, como se tem visto ao longo dos exemplos já citados, não

apresentam qualquer item lexical entre o verbo auxiliar e o principal.

A quantidade de dados em que houve interpolação de palavras (diferentes de clíticos e

advérbios de tempo, modo e lugar) entre o verbo auxiliar e o verbo pleno foi de apenas 28 (14

com gerúndio e 14 com infinitivo gerundivo). Nos casos com gerúndio, quase sempre as

ocorrências eram com estruturas com verbos modais, reforçando o questionamento sobre se

essas estruturas, na verdade, não apresentariam padrão semelhante às estruturas com

“gerúndio no auxiliar” – conforme já pontuamos no item 3.2.5, na parte relativa às

construções com verbos modais – o que justificaria sua exclusão do total de dados. Mas,

como já mencionado naquela seção, optamos por mantê-los no quantitativo de dados de

algumas rodadas estatísticas visto que, diferentemente dos dados excluídos, de “gerúndio no

auxiliar”, as estruturas perifrásticas com verbos modais não se apresentaram categoricamente

com gerúndio, havendo alguns, ainda que poucos, dados com infinitivo gerundivo.

3.2.10.Tipo sintático de oração

No grupo Tipo sintático de oração, já presente em Mothé (2007), mantivemos os

mesmos critérios de classificação sintática daquele trabalho. Codificamos os dados em

diferentes tipos de oração (absolutas, relativas, adverbiais e completivas e suas respectivas

subdivisões), com o objetivo de verificar se algum desses tipos de oração favorecia o uso de

alguma das variantes em foco neste estudo. Se algum tipo de construção sintática se

apresentar como favorecedora de uma das variantes, isso pode indicar – dependendo do

quantitativo – a tendência à formação de uma frequência de tipo (type frequency) (BYBEE,

2003) de uma dada estrutura, o que pode ser relevante na avaliação do processo de

gramaticalização da estrutura a + infinitivo como indicadora de aspecto progressivo

(MOTHÉ, 2007). Embora, diferentemente de em Mothé (2007), não tratemos do processo de

Page 183: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

160

gramaticalização nesta pesquisa, verificar a distribuição das estruturas gerundivas nos

diferentes tipos oracionais pode servir a investigações futuras com esse fim.

Para o controle dos tipos sintáticos de oração gerundial, ativemo-nos, basicamente, à

classificação da gramática tradicional, conjugando a visão de vários autores. Assim como em

Mothé (2007), acrescentamos alguns tipos sintáticos ao conjunto de orações previsto pela

Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) devido a algumas especificidades do nosso

corpus. Além das orações previstas pela NGB, adicionamos à nossa classificação as orações

subordinadas adverbiais modais, só mencionadas – dentre as gramáticas que nos serviram de

referência – em Rocha Lima (2002) e Kury (2004), indispensáveis em um fenômeno que

envolve aspecto verbal, e as chamadas orações subordinadas aditivas, segundo proposta de

Azeredo (2001), conforme descreveremos oportunamente.

Além de, conforme mencionado, deixar registrada a distribuição de construções

gerundiais nos diferentes tipos sintáticos de oração para investigações posteriores sobre o

processo de gramaticalização da estrutura a + infinitivo como formadora de aspecto

progressivo, o objetivo, ao investigar esse grupo é, na verdade, confirmar os resultados

obtidos por Barbosa (1999), que encontrou, nas cartas de comércio do século XVIII, a

predominância de infinitivo gerundivo nas adverbiais temporais, condicionais e modais.

Ademais, pretendemos comparar nossos resultados aos resultados de Mothé (2007), segundo

os quais, diferentemente de Barbosa (1999), as temporais e as modais não se mostraram

relevantes para a variação em análise e somente as condicionais, as comparativas, as finais, as

principais, as relativas do tipo com + substantivo + forma nominal e as objetivas se

revelaram favorecedoras da construção de infinitivo gerundivo. A seguir, apresentamos

exemplos de cada um desses tipos sintáticos de oração e, sempre que julgarmos pertinente,

faremos observações referentes a cada uma delas.

Oração absoluta

78)O PROGRAMA NAVAL. CHEGARAM ONTEM A LISBOA OS

MODELOS DOS NAVIOS QUE AS CASAS ITALIANAS SE

PROPÕEM CONSTRUIR. [...] Entre outros oficiais, estiveram

admirando os modelos os srs. contra-almirante Tito de Morais e

capitão-tenente Nunes Ribeiro, director dos Serviços Redio-

Telegraficos da Armada.

(Dado 259 Lisboa, 11 fev 1931)

Page 184: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

161

79)POVOAÇÕES ISOLADAS NA PARTE ALTA DO CONCELHO DE

VALE DE CAMBRA. [...] Por outro lado, o mau tempo está a causar

graves prejuízos nas culturas, especialmente nas pastagens dos

animais.

(Dado 365 Centro, 05 jan 1971)

Oração coordenada assindética

80)O SERVIÇO SOCIAL É DOS MAIS EFICIENTES. [...] O

Secretariado de Assistência Social tem atendido muitíssimos casos de

miséria, salvando os filhos, tratando ou colocando os pais.

(Dados 340 e 341 Norte, 03 jul 1945)

81)A DESORDEM NA RUA DA PRATA. AVERIGUAÇÕES DA

POLÍCIA – PRISÃO DO FAQUISTA. [...] Todos os demais

continuaram a ser testemunhas mudas e quedas da segunda

desordem, e o Marques ia descarregando no outro sucessivas

pancadas com a bengala, chegando o Custodio a dizer ao Palhano

que estranhava que ele não o defendesse.

(Dado 025 Lisboa, 03 jan 1902)

Oração coordenada sindética

82)DIA A DIA. Tem estado recolhido a casa, devido a uma canelada

que deu, o distincto clinico sr. dr. Bruno Tavares Carreiro,

experimentando, porém, algumas melhoras.

(Dado 051 Açores, 11 mai 1907)

83)TRINTA CENTÍMETROS DE ESPESSURA NA REGIÃO DO

CARAMULO. Os trabalhadores agrícolas estão paralisados há mais

de dez dias e os rebanhos estão a sofrer com a falta de alimentos, o

que preocupa as populações da região.

(Dado 363 Centro, 05 jan 1971)

Oração principal

Page 185: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

162

84)MONUMENTO A GUILHERME FERNANDES. A commissão

executiva do monumento ao glorioso bombeiro Guilherme Gomes

Fernandes está empregando todos os esforços para que a festa

inaugural do monumento, no dia 1 de maio, revista o maior

brilhantismo possível.

(Dado 117 Norte, 10 abr 1915)

85)CHAMA-SE MONICA A PRIMEIRA CRIANÇA NASCIDA ESTE

ANO EM COIMBRA. [...] Ficamos a saber, desde logo, um dado

importante e que aqui merece ser realçado e que se prende com uma

decisão do casal quanto ao nascimento da pequerrucha.

(Dado 373 Centro, 03 jan 1981)

Oração relativa restritiva

86)Tem sido assignada pela quasi totalidade dos habitantes de Faro

uma representação recomendando o dr. Francisco Honorato de

Souza Vaz para o provimento de um logar do partido medico d'este

municipio que se acha a concurso.

(Dado 003 Algarve, 29 mar 1908)

87)EXPO’98. OCEANOGRAFIA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL.

<<Aprender a gostar dos Oceanos>> é o título de uma campanha

que a Expo’98 está a levar a cabo por todo o país, abrangendo

também o arquipélago dos Açores.

(Dado 162 Açores, 21 abr 1997)

Oração relativa explicativa

88)Interrogada hontem na 1ª secção judiciaria, a arguida, que se

apresentou alli voluntariamente, tendo vindo de Arouca, onde está

vivendo em companhia de sua mãe, protestou energicamente contra

similhante accusação, atribuindo-a a uma vingança de seu ex-patrão.

(Dado 074 Norte, 27 jan 1905)

89)UMA CRIANÇA AFOGADA. Há poucos dias, em Cuba, seis

rapazinhos, que andavam a apanhar erva para os coelhos,

resolveram ir tomar banho a uma pedreira que se encontrava perto e

cheia de água.

(Dado 239 Alentejo, 12 jun 1943)

Page 186: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

163

Oração relativa do tipo ACUSATIVO + forma nominal (regido por verbo de

“sentido” ou com significado de “encontrar”)

Esse subtipo de oração relativa e os próximos dois fatores, abaixo, embora não

previstos pelas gramáticas tradicionais, foram assim codificados, separados dos demais dados

de orações relativas “tradicionais” por terem sido citados por Maler (1972) como sendo muito

produtivos em construções gerundiais no português moderno. Ao contrário dos resultados do

autor, porém, encontramos poucos dados desses tipos em nosso corpus e, consequentemente,

devido à sua pequena quantidade, acabamos por juntá-los aos dados de relativas restritivas

para o cálculo de pesos relativos. Ainda assim, apresentamos abaixo exemplos dessas

ocorrências:

90)NOTÍCIAS DE TODA PARTE. DO CONCELHO. MURTOSA, 9-7-

912. [...] Estimamos que este nosso amigo, que tantas provas de

estima e dedicação nos tem consagrado, chegasse ao seu torrão natal

rejubilante de saúde e alegria, e encontrasse sua Ex.ma

esposa e

querido filhinho Rodrigo compartilhando da mesma saúde e alegria.

(Dado 067 Centro, 13 jul 1912)

Só há um dado, o que está acima, com gerúndio.

Oração relativa em comparação

91)CRIME HORROROSO. DOIS ASSASSINATOS. [...] Mas os maus

instinctos não ficaram por alli; como no alto da escada houvesse um

pau, servindo de travessa, tentou enlaçar a corda no pau e

dependurar a pobre velha, fazendo assim crêr que ella própria se

matou por meio de enforcamento, mas o pau que não pôde com o

peso, quebrou a tempo e a pobre velha ficou cahida, entalada quasi

sentada entre trez pernas d'um banco, como que dormindo.

(Dado 195 Norte, 21 abr 1925)

Não há dados com infinitivo gerundivo. Só há um dado, o que está acima, com

gerúndio.

Page 187: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

164

Oração relativa do tipo COM + substantivo + forma nominal

92)Com queimaduras na face e nas mãos, por ter sido atingido por

uma frigideira com azeite a ferver, quando com sua mãe, fritava

filhós, foi conduzido a este estabelecimento hospitalar, onde ficou

internado, o servente de pedreiro, Rui Abrantes Pires da Cruz, de 15

anos, residente no lugar do Bordalo, Santa Clara.

(Dado 341 Centro, 03 jan 1971)

Não há dados com gerúndio. Só há três dados (o que está acima e mais dois), todos

com infinitivo gerundivo. Sendo assim, da mesma forma que os demais dados desses subtipos

de relativas propostos por Maler (1972), esses dados foram amalgamados aos de relativas

restritivas e, portanto, não poderão ser apontados individualmente como relevantes para o uso

de infinitivo gerundivo, diferentemente dos resultados de Mothé (2007).

Oração substantiva apositiva

Assim como aconteceu com os subtipos de orações relativas, a maioria das orações

substantivas (completivas) ocorreu em número bastante reduzido, embora nunca categórico,

em uma das variantes quando a rodada incluía o corpus total do trabalho. Mas, dependendo do

recorte de dados de algumas rodadas estatísticas, algumas delas chegavam a aparecer como

categóricas positivas ou negativas, ou seja, com todos os dados em infinitivo gerundivo ou em

gerúndio, respectivamente, já que nosso valor de aplicação foi o infinitivo gerundivo. Sendo

assim, em algumas rodadas estatísticas, os dados referentes às orações substantivas foram

amalgamados em um só fator correspondente a todas as orações desse tipo. Seguem os

exemplos:

93)CERCA DE 53 MIL LEITORES REGISTROU A BIBLIOTECA

NACIONAL. [...] A Biblioteca Municipal cumpriu também uma das

suas principais funções: a informação, prestando em grande número

os mais díspares esclarecimentos sobre temas para que foi

consultada.

(Dado 328 Centro, 03 jan 1971)

Page 188: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

165

94)VINTE E NOVE PAÍSES REPRESENTADOS NUM FESTIVAL DE

<<CURTA METRAGEM>> NA ALEMANHA. [...] Causou certa

surpresa a circunstância de o tema da solidão, também das pessoas

idosas, ter sido versado em vários filmes: projectou-se toda uma serie

de filmes deste género, a começar pela <<Manhã de um senhor

idoso>> do regisseur Peter Pewas e a terminar pela contribuição

americana <<Momento of Hapiness>>.

(Dado 344 Alentejo, 04 jun 1962)

Oração substantiva completiva nominal

95)TENTATIVA DE ACTOS DE TERRORISMO CONTRA FÁTIMA.

[...] Felizmente a reação natural e imediata de todos os portugueses

dignos desse nome veio ser a prova eloquente, inequívoca de que

Fátima continua a ser para a Nação, o grande magnífico e

esplendoroso milagre que está na base do nosso Renascimento.

(Dado 246 Algarve, 28 mai 1961)

96)INAUGURAÇÃO DA NOVA ESTAÇÃO TELEGRAFO-POSTAL

DE LOULÉ. [...] Por ultimo falou o sr. governador civil substituto,

que em nome do chefe do distrito disse que se encontrava satisfeito

por ter assistido á inauguração da nova estação dos correios, fazendo

votos para que o Estado Novo continue concedendo a Loulé os

benefícios a que tem legitimo direito e terminando por saudar o chefe

do Estado e seu presidente de Conselho, ministro das Obras Publicas

e o povo de Loulé.

(Dado 171 Algarve, 17 jul 1938)

Orações substantivas objetivas (direta ou indireta)

97)AVANCA. Certo individuo d’aqui disse-nos que andava

satisfazendo uma promessa, indo todos os dias accender uma luz em

umas alminhas denominadas <<Almas do Deserto>> e uma quinta-

feira foi encontrar os vidros do lampeão em cacos.

(Dado 055 Centro, 22 abr 1911)

98)GNR DETÉM INDIVÍDUO POR POSSE DE ARMA E HEROÍNA.

RUSGA NAS CANCELAS NEGRAS. [...] A fonte revelou que um total

de 20 toxicodependentes estavam a trabalhar naquele local em troca

das suas doses diárias de estupefacientes.

(Dado 621 Norte, 10 jun 1995)

Page 189: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

166

Oração substantiva predicativa

99)DR. AFONSO COSTA. [...] E' o que a policia anda averiguando.

(Dado 083 Algarve, 28 fev 1915)

100)PONTOS SENSÍVEIS DE ALCOUTIM. [...] Quanto ao projecto

da estrada marginal e aproveitamento turístico do Guadiana parece

já estar a despertaro interesse de alguns investidores.

(Dado 301 Algarve, 23 set 1981)

Oração substantiva subjetiva

101)CASA DO POVO. Consta-nos que a Direcção da Casa do Povo

está empregando os seus melhores esforços no sentido de adquirir

uma sede própria onde possa instalar-se convenientemente, visto as

dependências que hoje possue serem insuficientes para o enorme

movimento associativo que a mesma tem.

(Dado 198 Centro, 07 fev 1941)

102)PELO DISTRITO. ALDEIA NOVA DE SÃO BENTO. É para

lastimar que depois de casos destes, as pestilentes lagôas e as

pútridas estrumeiras, circundando esta terra, comtinuem (sic) a

ameaçar a saúde de todos.

(Dado 215 Alentejo, 06 jun 1932)

Oração adverbial causal

Semelhantemente ao que ocorreu com as relativas e com as substantivas, alguns

subtipos de orações adverbiais (circunstanciais) se apresentaram somente com gerúndio ou

somente com infinitivo gerundivo e/ou em pouca quantidade em relação ao total de dados

(embora nem sempre categóricos). Os números serão expostos no capítulo 5, dedicado à

análise quantitativa dos dados. Por isso, em algumas rodadas também amalgamamos alguns

dos subtipos de orações adverbiais. Em geral, opúnhamos temporais x modais x [todos os

demais tipos de orações adverbiais em um só fator]. Abaixo, seguem os exemplos:

Page 190: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

167

103)DESORDEM ENTRE MALTEZES - TIROS E PAULADAS. [...]

Vendo-se ambos feridos dirigiram-se ao hospital de S. José e para

isso vieram a pé até á estação de Sacavem, onde tomaram o comboio

com destino a Lisboa.

(Dado 005 Lisboa – VARPORT, 04 fev 1910)

104)2ª FASE DO PIDDEV. APRESENTADA A INSTITUIÇÕES DA

CEE. BRUCE MILAN CONVIDADO A VISITAR ÉVORA. [...] Foi-

nos ainda dito que o timing era correcto na medida em que estão a

dar os primeiros passos para a elaboração de um novo PDR que

estará aprovado no primeiro semestre de 93, para ser aplicado a

partir de Janeiro de 94.

(Dado 439 Alentejo, 07 a 13 de fev 1992)

Oração adverbial comparativa

105)Do ponto de vista financeiro, acrescenta Helena Torres Marques,

o facto do escudo se manter com uma cotação elevada, o mesmo

acontecendo com as taxas reais de juros, teve efeitos negativos

inesperados, o mesmo acontecendo com os efeitos da seca que

obrigaram a uma nova captação e condução de água, investimento

não previsto inicialmente, obrigando a despesas adicionais.

(Dados 458 e 459 Alentejo, 16 a 22 abr 1993)

Não há dados de orações adverbiais comparativas com infinitivo gerundivo. Só há

quatro dados, os dois que estão acima e mais dois, todos com gerúndio.

Oração adverbial concessiva

106)RIBEIRINHO NO TEATRO AVENIDA. [...] Embora

representando uma peça que fez rir a bandeiras despregadas, pode

afirmar-se- e isso é o que importa fazer – que a companhia é séria.

(Dado 263 Centro, 06 jan 1961)

107)ÚLTIMAS NOTÍCIAS. O DESTINO DOS PASSAGEIROS E

TRIPULANTES DO "SANTA MARIA" À MERCÊ DO BANDO

INTERNACIONAL DE MERCENÁRIOS PREOCUPA TODO O

MUNDO CIVILIZADO. Embora as informações continuem a ser

Page 191: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

168

confusas sobre o verdadeiro destino do <<Santa Maria>>, sabe-se

que o paquete se mantém relativamente próximo das águas

territoriais brasileiras e do porto do Recife.

(Dado 126 Açores, 28 jan 1961)

Oração adverbial condicional

108)LIGA NAVAL. [...] Procedendo assim congrega sympathias,

attrairá adeptos e verá os seus esforços coroados de exito.

(Dado 035 Algarve, 17 mai 1908)

109)PIRITES ALENTEJANAS PARAM POR SEIS MESES. [...] <<A

concretizar-se a aplicação da <<lay-off>> e se entretanto as

cotações do zinco no mercado internacional melhorarem, a empresa

pode ser financiada>>, disse Manuel Baltazar, dirigente sindical,

acrescentando que se acontecer o contrário o prazo terá de ser

prorrogado por igual período, findo o qual tem de ser tomada uma

decisão definitiva.

(Dado 451 Alentejo, 16 a 22 abr 1993)

Oração adverbial conformativa

110)CONTRA O IMPOSTO CAMARARIO. [...] Essa leva apenas, como

se está vendo, á miseria negra, aos prejuizos incalculaveis e á ruina

economica das regiões onde se dá.

(Dado 175 Lisboa – VARPORT, 03 set 1922)

Não há dados com infinitivo gerundivo. Há apenas três dados de orações

conformativas, todos com gerúndio.

Oração adverbial consecutiva

111)DESASTRES. NA LINHA FERREA. Fel-o, porém, tão

desastradamente, que foi colhido por um dos vagões, ficando o infeliz

com ambas as pernas esmagadas pelo terço inferior.

(Dado 119 Norte, 10 abr 1915)

Page 192: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

169

112)A CONSTRUÇÃO DO HOTEL DA EVA EM FARO. [...] Assim, a

EVA vai adjudicar desde já a sua construção, e Faro será dotada de

um magnífico estabelecimento hoteleiro com 131 quartos, ficando a

ser o melhor Hotel do sul do País.

(Dado 256 Algarve, 03 jun 1962)

Oração adverbial final

113)NOTICIÁRIO. A LEI DO DESCANÇO (SIC). Uma parte dos

comerciantes d’este concelho, dirigiu-se, na ultima quarta-feira, á

Camara Municipal pedindo providencias sobre o facto de muitos

negociantes d’este concelho, especialmente da Murtoza e Veiros, não

cumprirem a lei do encerramento, advertindo também que concelhos

visinhos como Aveiro, Azemeis e Ovar ainda não tinham em vigor

essa lei, o que prejudicava bastante os negociantes das freguesias

circunvizinhas e da área do concelho d’Estarreja.

(Dado 063 Centro, 29 abr 1911)

114)CABRELLA, 7. Retirou para as Caldas da Rainha a fazer uso das

aguas o nosso amigo sr. Carlos Pedro.

(Dado 051 Alentejo, 09 ago 1902)

Oração adverbial modal

115)LIONS. POST GOVERNADORES REÚNEM EM PONTA

DELGADA. Os Lions são homens e mulheres que dedicam o seu

tempo livre a causas humanitárias na comunidade local e global.

Realizando projectos e levantando fundos, os Lions procuram ajudar

os necessitados sempre que aparece uma necessidade.

(Dado 181 Açores, 21 abr 1997)

116)O FUTURO DA NAÇÃO E DO REGIME. PODE SER

ENCARADO COM INTEIRA CONFIANÇA - AFIRMOU O

CONSELHEIRO ALBINO DOS REIS NA SESSÃO ELEITORAL

REALIZADA ONTEM EM LISBOA. [...] E foi a vitoriar o nome de

Salazar que o publico se exprimiu, antes ainda de se constituir a mesa

de honra.

(Dado 321 Lisboa, 25 nov 1972)

Page 193: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

170

Oração adverbial proporcional

117)A medida que a imprensa internacional vai reconstituindo as

biografias dos comparsas de Henrique Galvão no assalto ao paquete

<<Santa Maria>>, as tentativas para o explicar politicamente

tornam-se ridículas e o crime aparece na sua trágica realidade.

(Dado 125 Açores, 28 jan 1961)

118)PORTO / METRÓPOLE. MAIS DE 700 MIL CONTOS EM

ARRANJOS EXTERIORES E INFRA-ESTRUTURAS. PORTO

INVESTE NOS BAIRROS SOCIAIS. [...] A autarquia não se conforma

com esta atitude até porque <<há gente, que vive em barracos, que

vem à Câmara quase mendigar uma casa e até garante – e nós

sabemos que é verdade – que cuidará das habitações como se dela

fosse, enquanto alguns bairros estão a ser estragados pelos próprios

habitantes>>.

(Dado 624 Norte, 10 jun 1995)

Oração adverbial temporal

119)EM LISBOA. DESASTRE NA ESTAÇÃO DE SACAVEM. Adriano

da Costa, de 22 annos, carregador, morador na estação de Sacavem,

filho de João da Costa, agulheiro ali mesmo, e de Maria José,

andando á 1 hora da tarde em manobras com uns vagons, foi colhido

por um destes quando pretendia calçal-o com um bocado de madeira.

(Dado 049 Lisboa, 10 abr 1904)

120)CAPTURADA UMA MULHER QUE FURTOU DUAS CAMISAS

DE HOMEM. O guarda nº 874, da 1ª esquadra da P. S. P., desta

cidade, capturou na Rua Gomes Freire, ao fim da noite de anteontem,

Maria de Fátima Oliveira Pereira, de 27 anos, casada, doméstica,

residente na Rua da Corticeira, 15, casa 4, a qual havia furtado duas

camisas de homem à srª Maria Adelaide das Dores, da Rua de S.

Vítor, 76, casa 11, quando as mesmas estavam a secar.

(Dado 490 Norte, 11 abr 1965)

Page 194: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

171

Oração “subordinada aditiva”

O último fator deste grupo diz respeito a um tipo de oração – muito produtivo em

nosso corpus – que, conforme já mencionamos, não aparece em nenhuma das gramáticas

tradicionais que serviram de base para este trabalho ou para Mothé (2007), que afirmou:

A observação dos dados que se nos apresentavam nos deixava muitas vezes em

dúvida quanto à sua classificação sintática. Em muitos casos, a oração gerundial

parecia possuir uma semântica de coordenação, com uma ideia aditiva, porém com

encaixe de subordinação. Muitas vezes ficávamos entre a classificação de

coordenada assindética e subordinada adverbial modal, por exemplo, já que parece

ser inerente ao próprio gerúndio o sentido de modo, maneira. (MOTHÉ, 2007, p. 86)

Observemos os seguintes dados:

121)O JULGAMENTO DO 1º TENENTE MOREIRA RATO. [...] O

réu vestia a farda de 1º tenente, sem espada nem condecorações,

apresentando bom aspecto.

(Dado 003 Açores, 03 mai 1907)

122)Foram estes que, terminada a busca que fizeram a toda a casa,

abrindo e despejando gavetas (deixaram tudo num completo reboliço,

saíram primeiro da casa, ficando o «chefe» a vigiar a vítima, que

estava deitada na cama, atada com os lençóis e com um pijama do

marido, uma gravata e, até, com a sua própria camisa de dormir, que

os gatunos lhe despiram para a amarrarem melhor.

(Dado 399 Lisboa - VARPORT, 01 jan 1971)

Nos exemplos acima, “apresentando” e “ficando <<o chefe>> a vigiar” poderiam ser

interpretados, respectivamente, como o modo como o réu foi apresentado e o modo como o

chefe ficou, mas, ao mesmo tempo, também podem ser compreendidos como uma

informação adicional, ou seja, “o réu vestia farda de 1º tenente E apresentava bom aspecto”

e “saíram primeiro da casa E ficou <<o chefe>> a vigiar”.

Casos desse tipo nos levaram, já desde nosso trabalho anterior, a buscar em outras

obras, não tradicionais, alguma classificação que pudesse melhor descrevê-los. Azeredo

(2001) afirma sobre a distinção entre coordenação e subordinação:

Procurou-se formular a distinção subordinação / coordenação em seu aspecto básico

e em função de exemplos suficientemente claros e simples. Como muitas distinções

Page 195: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

172

feitas a propósito dos fatos das línguas, porém, subordinação e coordenação não

correspondem sempre a conceitos claros e inconfundíveis. Tradicionalmente, é

comum identificar unidades coordenadas com unidades independentes e unidades

subordinadas com unidades dependentes. Esta identificação nada esclarece até que

se defina a natureza dessa dependência, que para uns é puramente sintática, mas para

outros deve dizer respeito antes ao sentido. (AZEREDO, 2001, p. 50-51)

O fragmento acima reflete que, para o autor, em alguns casos de língua em uso (e não

de língua hipotética e ideal das quais costumam lançar mão as gramáticas tradicionais), a

diferenciação entre coordenação e subordinação é, de fato, dúbia e depende do tipo de

critérios utilizados para a classificação. Não é o objetivo deste trabalho discutir

profundamente teorias acerca desses critérios. Procuramos, então, desde Mothé (2007),

analisar a proposta de Azeredo e verificar a possibilidade de aplicá-la aos dados de nosso

corpus.

Na obra Iniciação à sintaxe do português, na seção que trata da sintaxe das

construções gerundiais, Azeredo (2001) afirma que os sintagmas adverbiais cuja base é um

gerúndio podem ocorrer como “circunstancializadores”, modificando orações ou predicados.

Assim, para o autor, há os que costumam anteceder a oração que modificam, denotando as

ideias de tempo, causa, concessão, condição ou meio; e há os que costumam suceder o verbo

da oração principal, exprimindo as ideias de oposição, adição, consequência e modo.

Prosseguindo a análise, ao observarmos os exemplos fornecidos pelo autor para os

“circunstancializadores” que indicam adição, percebemos que estávamos diante de casos

muito semelhantes aos que nos causavam dúvida em nosso corpus de análise. Logo, em

“Os demais conjurados desfilavam, agrilhoados, desaparecendo pela saída dos fundos.”

(SABINO, 1979, p. 72 apud AZEREDO, 2001, p. 108)

também fica implícita uma ideia de adição, nesse caso, confundida com as noções

circunstanciais de resultado, consequência, ou seja, “os demais conjurados desfilavam ATÉ

QUE desapareciam pela saída dos fundos”.

E, a respeito da possibilidade de dupla interpretação das orações, o autor afirma:

É natural que às vezes não se distingam com toda a clareza as noções de causa e

condição, causa e tempo, adição e consequência, meio e modo. Na expressão da

anterioridade de um fato a outro, o contexto ou o conhecimento da realidade pode

‘recomendar’ uma interpretação causal, condicional ou temporal; da mesma forma,

a concomitância dos fatos pode privilegiar uma interpretação modal ou de meio, e a

Page 196: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

173

subsequência de um fato a outro permite que nessa relação se perceba uma simples

adição ou uma consequência. (AZEREDO, 2001, p. 108)

Portanto, como Azeredo apresentou essa possibilidade de interpretação para os dados

que mencionamos, optamos por adotar sua classificação chamando as orações desse tipo de

subordinadas aditivas, para não corrermos o risco de rotulá-las como coordenadas

juntamente com as “coordenadas clássicas” e nem como algum dos tipos “clássicos” de

orações adverbiais.

Para terminar a descrição deste grupo de fatores que diz respeito à sintaxe, convém

mostrar dois dados que nos chamaram a atenção em nosso corpus. São eles:

123)INCÊNDIO NUMA FÁBRICA. A hora de entrar na machina o

nosso jornal de hontem tivemos noticia de estar ardendo uma fabrica

na rua de Santa Martha e ampliando esta noticia da <<ultima

hora>> temos a accrescentar o seguinte: [...]

(Dado 38 Lisboa, 05 jan 1902)

124)EM LISBOA. FURTO. [...] Antonia Dianhas, natural da Galliza,

freguezia de Granada, de 27 annos, solteira, moradora na rua de

Santa Martha, 26, 1º, foi presa pelo guarda 1.393, Antonio Bernardes,

na rua de S. Francisco de Paula, a pedido de Francisco Carlos,

morador na barraca nº 13 do becco da Galheia, que a acusa de,

aproveitando a ocasião de estar em sua casa e elle a dormir, lhe

furtou de uma caixa de madeira a quantia de 3$000 réis e 1$135 réis

da algibeira do collete.

(Dado 044 Lisboa, 10 abr 1904)

Os dados acima não nos pareceram se enquadrar adequadamente em nenhuma das

classificações sintáticas disponíveis. Ambas pareceram-nos desempenhar uma função

semelhante ao que, na análise do período simples, chamamos de adjuntos adnominais,

acompanhando e modificando um nome. No exemplo 123), acima, a oração “de estar ardendo

uma fabrica na rua de Santa Martha” parece referir-se à palavra “notícia”, assim como, no

exemplo 124), a oração “de estar em sua casa e elle a dormir” parece modificar o nome

“ocasião”.

Sabemos, entretanto, não haver na proposta de classificação sintática tradicional um

tipo de oração equivalente ao que poderia ser chamado de “orações adjuntivas adnominais”.

No período composto, as orações que desempenham função equivalente à de um adjunto

adnominal costumam ser rotuladas como relativas / adjetivas. Diferentemente, porém, das

Page 197: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

174

adverbiais modais e das “subordinadas aditivas”, em que fomos buscar classificações

“alternativas”, fora da NGB, para dar conta de um grande número de dados, essas orações

desempenhando função semelhante à de adjuntos adnominais foram muito pouco produtivas

no corpus. Na verdade, essas foram as duas únicas ocorrências do tipo. Assim, julgamos que

não se justificaria criar um novo rótulo ou buscar outros autores que porventura possam dar

conta de casos semelhantes. Ao contrário, optamos por destacá-los dos demais dados,

mostrando-os aqui, para que qualitativamente não sejam perdidos. Mas, de forma quantitativa,

codificamos sintaticamente tais dados como orações relativas restritivas, por ser a

classificação tradicional mais próxima da função que desempenham: modificadores de nomes.

É importante, ainda, destacar que deixamos de fora de nossa análise, ocorrências de

gerúndio/infinitivo gerundivo em que ficasse configurado um marcador discursivo ou uma

expressão fixa, ou seja, uma “não oração”. Entendemos que casos desse tipo não são

variáveis, por representarem estruturas cristalizadas da forma nominal. São casos como

“tendo em vista”, “tendo em conta”, “sendo que”. Ao todo, foram dez ocorrências desses

casos no corpus, mas que não foram considerados como dados para a análise quantitativa.

3.2.11. Tipo semântico de oração

No texto “Sobre a semântica das orações gerundivas adverbiais” (MÓIA & VIOTTI,

2004b), os autores defendem a hipótese de que as orações gerundivas adverbiais exercem a

função de operadores gramaticais que devem ser investigadas essencialmente no âmbito da

semântica do discurso. Eles questionam a hipótese assumida – direta ou indiretamente – pela

maioria das gramáticas tradicionais, segundo a qual “o gerúndio é um operador

semanticamente polivalente, podendo veicular valores interproposicionais de diferentes

tipos.” (MÓIA & VIOTTI, 2004b, p. 716). Segundo os autores, tal hipótese é dificilmente

sustentável devido a, pelo menos, três argumentos que apresentam em seu texto:

Em primeiro lugar, verifica-se que o gerúndio pode surgir em orações com valores

contrários, como anterioridade e posterioridade, causa e efeito, ou meio e resultado.

Assim, se os valores em causa fossem directamente marcados pelo morfema de

gerúndio, estaríamos perante um caso – inédito e, no mínimo, bastante exótico – de

homonímia antonímica, isto é, uma situação em que a mesma forma gramatical

representa valores opostos. [...]

Em segundo lugar, os valores interproposicionais em causa podem ser não

morfologicamente marcados, emergindo de igual modo em sequências de frases

Page 198: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

175

simplesmente justapostas, por processos discursivos bem conhecidos da literatura

sobre “relações discursivas”. Por outras palavras, os valores semânticos relevantes

estão presentes, mesmo quando o gerúndio está ausente. [...]

Em terceiro lugar, certos valores semânticos podem ser marcados com operadores

explícitos (em posição adverbial na gerundiva), sem que se gere qualquer sensação

de redundância: “A Ana assomou-se à janela, gritando {em seguida / depois} lá para

fora: ‘Venham!’ [...]” (MÓIA & VIOTTI, 2004b, p. 718)

A partir dessas considerações, os autores concluem que o gerúndio é semanticamente

nulo, neutro, não possuindo em si nenhum valor intrínseco, dependendo, sempre, do discurso,

do contexto para que seu sentido seja inferido. Segundo eles, “o morfema do gerúndio é um

marcador meramente sintáctico de conexão proposicional, isto é, um morfema

semanticamente nulo (como são, por exemplo, as conjunções integrantes)” (MÓIA &

VIOTTI, 2004b, p. 719)

Com efeito, desde nossos trabalhos anteriores com orações gerundivas, percebemos

frequentemente ser muito difícil – às vezes impossível mesmo – determinar com exatidão, por

exemplo, a classificação sintática das orações. Por serem, na maioria das vezes, orações

reduzidas, sem conectivos, torna-se complexa a tarefa de identificar o valor semântico dessas

orações e, portanto, também seu valor sintático. Isso porque, como se sabe, muitas vezes a

classificação sintática das orações baseia-se exclusivamente no tipo de conectivo empregado

e, por estarmos diante de orações sem conectivos (as chamadas reduzidas de gerúndio), a

classificação sintática acaba sendo respaldada por um critério semântico. Consequentemente,

é exigido muito mais dos elementos contextuais, discursivos da oração na tentativa de acertar

qual teria sido a intenção do produtor do texto, o que muitas vezes é impossível, mesmo nas

orações amplamente contextualizadas e muito mais naquelas com poucos elementos externos

a ela. Verifiquemos alguns exemplos dessa dificuldade de classificação retirados de nosso

corpus:

125)Tem passado bastante incommodado, estando retido em casa, o

sr. Manuel Joaquim Ferreira de Almeida, digno agente do Banco de

Portugal n'esta cidade.

(Dado 004 Algarve, 29 mar 1908)

No exemplo acima, temos uma adverbial CAUSAL ou uma adverbial

CONSECUTIVA? Ou ainda uma subordinada ADITIVA? O sr. Manuel Joaquim está

incomodado porque está em casa ou tem ficado em casa porque está incomodado? Ou ainda

tem estado incomodado E fica em casa?

Page 199: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

176

126)NAS RUAS. O povo, aproveitando a belleza do dia, concorreu em

grande numero, formando alas nas ruas do transito, para dar maior

luzimento a esta festa nacional.

(Dado 016 Lisboa, 03 jan 1902)

O dado supracitado trata-se de uma adverbial FINAL (o povo foi para as ruas para

aproveitar a beleza do dia)? Ou teríamos uma adverbial TEMPORAL (Ao aproveitar a beleza

do dia o povo saiu)? Ou seria, ainda, o caso de uma oração RELATIVA EXPLICATIVA (O

povo, que aproveitou a beleza do dia, concorreu em grande número...).

127)Sentindo um violento estampido no mar, perto do farol, saíu, e

munindo-se de uma lanterna, porque a noite estava muito escura,

tratou de prestar os socorros que podia, até á chegada dos barcos

referidos e do material dos bombeiros.

(Dado 104 Lisboa – VARPOT, 1917)

O exemplo acima configura uma adverbial CAUSAL ou uma adverbial TEMPORAL?

Saiu porque sentiu ou saiu assim que / ao sentir"?

Como se pode observar, apenas a partir da análise do período em si, nem sempre é

possível precisar o valor dessas orações. Baseávamo-nos no contexto e, algumas vezes, nem

assim era possível afirmar com certeza a classificação das orações adverbiais. Por isso,

julgamos pertinente acrescentar em nossa pesquisa os critérios propostos por Móia & Viotti

(2004 e 2004b) para uma classificação semântica das orações adverbiais gerundivas. Os

autores deixam claro que se trata de um trabalho de caráter preliminar, que visa estabelecer

um ponto de partida para análises futuras de maior amplitude. Desse modo, sempre que

julgarmos pertinente, faremos algumas observações acerca dessa proposta.

Antes da exposição dos fatores do grupo, nominalmente, cada um dos 14 rótulos

semânticos usados pelos autores, convém fazer uma primeira ressalva. Como a classificação

se propõe semântica – e não sintática – acreditamos que seria interessante se a mesma pudesse

ser atribuída a outros tipos de oração além das adverbiais. Isso porque existem muitas orações

com valores semânticos semelhantes que se diferenciam apenas pelo tipo de encaixamento

(coordenação x subordinação) e respectivas conjunções. Assim, é comum haver confusão

entre adverbiais causais e coordenadas explicativas, por exemplo. Observemos os exemplos

abaixo.

Page 200: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

177

128)Sobre a ordem falou o sr. Firmo Rocha que leu á assembleia a

correspondencia trocada entre a comissão de estudo e defesa dos

revendedores de tabacos e o sr. dr. Eduardo Burnay e o resultado das

conferencias realizadas, donde se conclue que nada foi possivel fazer

em prol das classes interessadas, ficando pois interrompidas todas as

negociações.

(Dado 222 Lisboa, 05 nov 1924)

A coordenada sindética conclusiva tem claramente um sentido resultativo, que é um

dos valores semânticos previstos por Móia & Viotti (2004b).

129)O filho do casal, que acorrera em auxilio da mãe e que ficou

gravemente ferido, continua em estado melindroso, havendo, porém,

esperanças de que se salve.

(Dado 239 Lisboa – VARPORT, 1935)

Da mesma forma, a coordenada sindética adversativa tem claramente um sentido

concessivo aqui, outro tipo semântico proposto pelos autores.

Inicialmente, víamos a proposta de classificação semântica como uma solução para

esse problema. Seria perfeito poder unir em um só grupo orações que sintaticamente se

organizam de formas diferentes (codificadas como tal no grupo tipo sintático de oração), mas

que veiculam valores semânticos próximos. A proposta dos autores, porém, não prevê a

classificação de orações coordenadas. Contemplam-se somente as orações subordinadas

adverbiais. Respeitamos esse critério neste trabalho, embora discordemos do mesmo devido a

ocorrências como as citadas acima. Optamos por seguir exatamente a proposta dos autores

apesar de discordarmos dela em alguns aspectos, pois, como este é, aparentemente, o primeiro

trabalho em Sociolinguística a usar a classificação semântica de orações gerundiais de Móia

& Viotti, pretendemos observar o comportamento dos dados segundo tal proposta conforme a

mesma foi concebida por eles. De acordo com os resultados obtidos, porém, pretendemos, em

trabalhos posteriores a este, propor sugestões para seu aperfeiçoamento.

A seguir, veremos cada uma das 14 classificações semânticas propostas em Móia &

Viotti (2004 e 2004b), explicitando a definição fornecida pelos autores e oferecendo exemplos

das mesmas a partir dos exemplos dos textos-base e/ou de nosso corpus.

Page 201: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

178

Gerúndio (narrativo) de posterioridade

Nesse tipo de oração gerundiva, a situação expressa por ela ocorre depois da situação

explícita pela oração principal. “Estabelece-se uma Relação Discursiva de Narração” em que

a oração gerundiva marca a situação posterior.

130)POR FÓRA. EVORA, 6. [...] Exausta a creança, já sem roupa, com o corpo queimado, cahiu no chão, revolvendo-se em uma poça

d’agua suja, sendo afinal conduzida ao hospital civil, onde faleceu.

(Dado 041 Alentejo, 09 ago 1902)

131)CHAMA-SE MONICA A PRIMEIRA CRIANÇA NASCIDA ESTE

ANO EM COIMBRA. [...] Para já a Maria Helena, aguarda com

paciência a saída da maternidade e, depois, ficará durante um ano,

aproximadamente, a residir em Coimbra (no Chão do Bispo), para

com aqueles carinhos próprios de mãe envolver, neste período de

tempo, a Mónica Alexandra.

(Dado 377 Centro, 03 jan 1981)

Gerúndio (narrativo) de anterioridade

Ao contrário do tipo acima, aqui, a oração gerundiva indica uma situação que ocorre

antes da situação exposta na oração principal. Existe também uma Relação Discursiva de

Narração, mas, dessa vez, a oração gerundiva marca a situação anterior. Também é chamada

de relação de Retronarração.

132)POLICIAL. MÁQUINAS E RELÓGIOS FURTADOS DE

ESTABELECIMENTO EM LISBOA. [...] Remexendo nas gavetas dos

móveis, os assaltantes apanharam todos os objetos de ouro.

(Dado 491 Lisboa, 10 jul 1981)

133)NOTÍCIAS DIVERSAS. LUGARES VAGOS E A CONCURSO.

Acha-se aberto concurso, por 30 dias, a contar de 6, para o

provimento de lugares de secretários e finanças de 2ª classe do

quadro da Direcção Geral de Contribuições e Impostos.

(Dado 254 Centro, 10 jan 1951)

Page 202: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

179

Gerúndio de sobreposição (ou paralelismo) temporal

O gerúndio de sobreposição, como o nome indica, sugere uma situação concomitante

com a situação expressa na oração principal. A Relação Discursiva é de Paralelismo

temporal.

134)NA CURIA AS GRANDES FESTAS DAS VINDIMAS. [...] Durante algumas horas as senhoras vindimaram encantadas da vida,

saboreando os belos cachos, enquanto os afamados gaiteiros de

Lameira de S. Pedro e de Sepins, punham uma nota de alegria e

regionalismo no ambiente.

(Dado 227 Algarve, 26 set 1954)

135)DOIS GRUPOS DE RAPAZOLAS, A JOGAR A BOLA ÁS SETE

HORAS DA TARDE, EM PONTO CENTRAL DA CIDADE, FERIRAM

UMA SENHORA QUE PASSAVA. [...] E daí resultou que um dos

grupos, no momento em que desaustinado, como é próprio do jogo,

corria a aparar um <<passe>> doutro companheiro, foi de encontro

à senhora, atirando-a, pesadamente, ao chão.

(Dado 446 Norte, 22 abr 1955)

Gerúndio de sobre-enquadramento

No gerúndio de sobre-enquadramento, a oração gerundiva – tipicamente atélica,

segundo os autores – serve como “cenário” para a situação expressa pela oração principal.

Estabelece-se uma “Relação Discursiva de Enquadramento” (Background).

136)OS ACONTECIMENTOS DA MADRUGADA DE 20 DE JULHO.

O ASSASSINO DA SENTINELA DO MUSEU DAS JANELAS

VERDES. [...] Estando um dia de serviço ao banco do hospital de S.

José, foi procurado por um agente da judiciária que lhe disse que

sabia que ele, medico, estava tratando dum ferido com arma de fogo,

e que a policia sabia toda a historia, mas desejava o agente que o

medico o informasse do local onde era o ferimento, ao que ele se

negou declarar.

(Dado 145 Lisboa, 03 ago 1913)

137)DO CONCELHO. CANELAS. Quando no dia 23 andavam uns

homens a cortar uns pinheiros na mata da Ribeira, limite desta

Page 203: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

180

freguesia, um caiu sobre uma junta de bois, matando um dos animais

e ferindo outro.

(Dado 120 Centro, 28 jan 1923)

Gerúndio de subenquadramento

Trata da situação inversa ao gerúndio de sobre-enquadramento. Aqui, a oração

principal é que faz o papel de “cenário” da situação expressa pela oração gerundiva. A

Relação Discursiva também é a de Enquadramento.

138)No observatório Astronomico de Lisboa, na Tapada da Ajuda, o

sr. dr. Manuel Peres, seu ilustre director, observou atentamente todas

as fases do eclipse, anotando a hora rigorosa do seu inicio e termo,

este verificado ás 14 e 29.

(Dado 333, 02 set 1951)

Não encontramos, em nosso corpus, dados de orações gerundivas de

subenquadramento com infinitivo gerundivo. Dessa forma, unimos este fator às orações

gerundivas de sobre-enquadramento no cálculo de pesos relativos, uma vez que ambas se

referem à mesma relação discursiva, a de enquadramento.

Cabe aqui uma observação sobre as orações gerundivas de subenquadramento.

Segundo os autores, estas se apresentam tipicamente sob a forma de gerúndio composto

(tendo + particípio do verbo principal). O exemplo que eles fornecem para esse tipo

semântico é:

A Ana esteve deitada na praia toda a tarde, tendo visto vários iates de luxo.

Entretanto, dados como o exemplo 138), acima, nos levam a crer ser possível a

ocorrência de gerúndio de subenquadramento com outras estruturas de gerúndio.

Classificamos tais casos como tal, embora em desacordo com a descrição de Móia & Viotti

(2004b).

Page 204: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

181

Gerúndio de elaboração (ou mereológico)

Segundo o dicionário Novo Aurélio Século XXI, mereologia é “A lógica da relação

entre as partes do todo” (FERREIRA, 1999, p. 1320). Assim, a oração gerundiva de

elaboração (ou mereológica) identifica uma subsituação, uma parte do evento expresso pela

oração principal. A Relação Discursiva é de Elaboração. Da mesma forma que para o

gerúndio de subenquadramento, as gerundivas de elaboração, de acordo com os autores,

também assumem tipicamente a forma de gerúndio composto. Os exemplos fornecidos por

eles são:

O Pedro renovou o jardim, tendo colocado cercas de madeira em todos os canteiros.

A câmara construiu a ponte, tendo um arquiteto francês desenhado os planos.

Semelhante a esses, encontramos em nosso corpus dados como:

139)O CASO DO ROUBO DE 30 CONTOS. [...] Acontece que, sendo

o caso confiado á policia judiciária, esta não acreditou muito na

veracidade da queixa e dirigiu as primeiras diligencias n’esse sentido,

vindo a saber que o snr. Marques se encontrava há dias no Porto,

tendo-se hospedado em mais de que um hotel, e que por vezes

recomendava aos porteiros que, se alguém o procurasse, lhe

respondessem que já se havia ausentado.

(Dado 81 Norte, 01 abr 1915)

Não encontramos dados de gerúndio de elaboração com infinitivo gerundivo no

corpus. Há apenas nove dados ao todo desse tipo semântico de oração gerundiva. Todos com

gerúndio, sendo que, destes, três foram eliminados do quantitativo de dados por serem do tipo

“auxiliar no gerúndio” (gerúndio + particípio), assim como os autores preveem. Os seis que

restaram no corpus são em estruturas sintéticas, como o dado abaixo:

140)O FISCO E A POLICIA CIVIL. MORTE DO GUARDA CIVIL –

INVESTIGAÇÕES POLICIAIS. [...] A polícia judiciária,

prosseguindo nas suas investigações, conseguiu tomar algumas

declarações ante-hontem ao pobre guarda, apesar do gravíssimo

estado em que então se encontrava.

(Dado 126 Norte, 24 abr 1915)

Page 205: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

182

Como se vê, “ter conseguido tomar algumas declarações” (informação expressa pela

oração principal) é, no nosso entendimento, parte do evento de “ter prosseguido nas

investigações” (informação da oração gerundiva), configurando, portanto, o chamado

gerúndio de elaboração.

Gerúndio de modo

Tais quais as orações classificadas sintaticamente como adverbiais modais, as orações

desse tipo semântico indicam a maneira como a ação expressa pela oração principal é feita.

141)PELAS BEIRAS. DE CONDEIXA. MARCO DO CORREIO.

Porque não se substituir a inestética caixa, pendurada numa das

colunas da entrada do majestoso edifício do Hospital, colocando em

seu lugar o marco a que aludimos?

(Dado 208 Centro, 07 fev 1941)

142)PORTO / METRÓPOLE. MILÍCIAS DE S. TOMÉ INSISTEM EM

LIMPAR A <<PODRIDÃO>> DO BAIRRO. HOMENS DE NOITE...

MULHERES DE DIA....[...] A revolta vai <<direitinha>> para os

traficantes: <<Nós temos que andar uma vida a trabalhar para

ganhar 50 contos por mês e eles num dia ganham isso e muito mais. É

só carros bons a estacionar e a passar e elas andam carregadas de

jóias!>>.

(Dado 638 Norte, 11 jun 1995)

Gerúndio instrumental (ou de meio)

O gerúndio instrumental diz respeito ao “meio ou instrumento mediante o qual se

chega à situação expressa na oração principal”.

143)ASSALTO A RESIDÊNCIA NA NOITE DE FIM-DE-ANO. [...]

Usando uma chave falsa, os larápios aproveitaram o sono dos

proprietários da casa para roubarem 80 contos em dinheiro e dois

relógios no valor de 45 contos, informou a PSP.

(Dado 411 Centro, 03 jan 1991)

Page 206: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

183

Não há dados de infinitivo gerundivo. Houve apenas 11 dados, todos com a forma

nominal gerúndio. Assim, no cálculo de pesos relativos, amalgamamos este fator com o das

gerundivas de modo, por entendermos apresentarem certa semelhança semântica, apesar de os

autores considerarem-na mais próximas das causais, que descreveremos abaixo.

Gerúndio causal

As orações gerundivas causais também têm uma relação quase unívoca com as orações

sintaticamente classificadas como adverbiais causais. A Relação Discursiva é de Explicação.

144)DO CONCELHO. SALREU. [...] Os cabos, confiando no

<<gajo>>, deixaram-no ir para de traz d'um muro e ficaram na

estrada. Esperaram, esperaram, e vendo que o figurão se demorava,

foram vêr ao sitio para onde elle tinha ido e... quem te viu?...

(Dados 075 e 076 Centro, 27 jul 1912)

145)PORTO / METRÓPOLE. MILÍCIAS DE S. TOMÉ INSISTEM EM

LIMPAR A <<PODRIDÃO>> DO BAIRRO. HOMENS DE NOITE...

MULHERES DE DIA....[...] É que é preciso manter afastados <<os

que são maus exemplos para as crianças>>, uma vez que – apesar da

presença de agentes do Corpo de Intervenção da PSP – os

<<negócios continuam a fazer-se à vista de todos>>.

(Dado 635 Norte, 11 jun 1995)

Gerúndio resultativo

Como podemos inferir a partir de seu nome, as orações com gerúndio resultativo

identificam uma situação que é consequência ou resultado do que é expresso na oração

principal. A Relação Discursiva é de Resultado.

146)PELO DISTRICTO. [...] Quando, há dias, se dirigiam do Braçal

para a Foz, n’um wagonete, este, a certo ponto, sem se saber porquê,

descarrilou, arremessando os sympathicos empregados a uma grande

distancia, com o que ficaram muito feridos.

(Dado 024 Centro, 21 abr 1904)

Page 207: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

184

147)O ESPETÁCULO DO ORFEÃO DE TAVIRA FOI UM ÊXITO.

[...] Pela disciplina, escolha e afinação de vozes e naipes, pela

regência, vibrante e subtil, todos os números saíram certos, a

despertar os mais insensiveis e a provocar um derretimento

memorável (p. 04) do gelo que é normalmente a plateia de Faro.

(Dado 238 Algarve, 05 jun 1955)

Gerúndio condicional

Eis mais uma classificação semântica que possui pontos de contato com a classificação

sintática tradicional das orações adverbiais gerundiais. Conforme a nomenclatura sugere, é

concernente às orações com valor condicional em relação à oração principal.

148)ADÃO E EVA. [...] Temos essa esperança, pois que só dando-se

esse caso conseguiremos andar á moda.

(Dado 232 Alentejo, 05 abr 1933)

149)PELA EGREJA. [...] E se s. ex.a continuar a verberar o mal,

como o fez na noite de domingo, creia que conquistará adeptos e

prestará um bom serviço á sociedade, transviada do caminho da

honra e do dever.

(Dado 171 Alentejo, 12 jul 1922)

Gerúndio concessivo ou adversativo

O gerúndio concessivo (ou adversativo) estabelece uma “Relação Discursiva de

Contraste (com ‘violação de expectativa’)”, de acordo com Asher e Lascarides (2003)75

apud

Móia & Viotti (2004b).

150) EMPREGADO INFIEL. [...] Interrogado pelo agente captor o

Teixeira negou a principio que tivesse commettido o furto, mas como

entre os colchões da cama em que dormia tivessem sido encontradas

varias quantias, conessou ter effectivamente defraudado a seu patrão

por diferentes vezes, não podendo precisar em quanto, avaliando,

todavia, os furtos em quantia que varia entre nove ou dez mil reis.

75

ASHER, Nicholas; LACARIDES, Alex. Logics of Conversation. Cambridge: Cambridge University Press,

2003.

Page 208: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

185

(Dado 062 Lisboa, 12 abr 1904)

151)ÚLTIMAS NOTÍCIAS. O DESTINO DOS PASSAGEIROS E

TRIPULANTES DO "SANTA MARIA" À MERCÊ DO BANDO

INTERNACIONAL DE MERCENÁRIOS PREOCUPA TODO O

MUNDO CIVILIZADO. Embora as informações continuem a ser

confusas sobre o verdadeiro destino do <<Santa Maria>>, sabe-se

que o paquete se mantém relativamente próximo das águas

territoriais brasileiras e do porto do Recife.

(Dado 126 Açores, 28 jan 1961)

Deve-se registrar que, nos dados de Portugal Continental, não houve nenhuma

ocorrência de gerúndio concessivo com infinitivo gerundivo, ou seja, todos os 26 dados desse

fator foram com a forma nominal gerúndio. Sendo assim, nas rodadas estatísticas envolvendo

unicamente dados de Portugal Continental, amalgamávamos esses dados com o fator gerúndio

opositivo, que será descrito abaixo e apresenta a mesma relação discursiva que o gerúndio

concessivo.

Gerúndio opositivo

Diferentemente do gerúndio concessivo, o gerúndio opositivo apresenta na oração

adverbial gerundiva uma situação que meramente contrasta com a situação presente na oração

principal. A Relação Discursiva, nesse caso, também é de Contraste, mas “sem violação de

expectativa” segundo Asher e Lascarides (2003) apud Móia & Viotti (2004b).

152)GUIMARÃES. SANTA CATARINA DA SERRA. CAÇADORES

VIMARANENSES FESTEJARAM A PADROEIRA. [...] Augusto

Monteiro referir-se-ia depois ao momentoso problema da lei da caça:

<<Querem uma lei da caça feita nas costas dos caçadores e contra os

nossos interesses, pois vem prejudicar 90 por cento dos caçadores das

classes pobre e média, beneficiando apenas meia-dúzia de ricos>>.

(Dado 603 Norte, 24 junho 1983)

153)VIOLENTO INCENDIO. [...] Ignoram-se, por enquanto, as

causas que originaram o incêndio, que ficou extinto cerca das 10

horas e meia da manhã, hora a que as corporações de bombeiros

retiraram, ficando, ainda, a trabalhar no rescaldo um piquete dos

Municipais, que retirou ao meio-dia.

(Dado 275 Norte, 04 abr 1935)

Page 209: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

186

Gerúndio neutro

O último tipo semântico proposto pelos autores parece não ter uma definição clara. De

fato, pelo caráter preliminar do trabalho em questão, Móia & Viotti (2004b) afirmam que,

provisoriamente, adotaram a definição do chamado gerúndio neutro “pela negativa”:

[...] a oração gerundiva identifica uma situação que nem se relaciona temporalmente

de modo definido com a situação expressa na oração principal nem envolve

implicação ou contraste. [...] – e.g. a gerundiva constitui um comentário, um aparte,

uma informação suplementar sobre um tópico comum, etc. (MÓIA & VIOTTI,

2004b, p. 724)

O exemplo fornecido pelos autores é:

A Índia está dividida em 28 estados e 7 territórios, possuindo mais de mil milhões de

habitantes.

Ou seja, o fato de a Índia possuir mais de um bilhão de habitantes é uma informação

adicional, suplementar que não se relaciona – nem temporalmente, nem com nenhum outro

tipo de relação discursiva dentre as citadas – com o fato de o país estar dividido em 28 estados

e 7 territórios. Dessa forma, sempre que a oração gerundiva adverbial não parecia se

enquadrar em algum dos tipos semânticos acima, era o código deste fator que ela recebia.

Seguem exemplos do corpus:

154)Dando esta agradável noticia aos nossos leitores, fazemos votos

para que outros melhoramentos se não façam demorar,

especializando a construção da rede urbana, que se impõe como

urgente necessidade ao progresso e bom nome da Cidade.

(Dado 194 Alentejo, 03 jun 1932)

155)NA HERDADE DOS ALPENDRES. DECORREU MUITO

ANIMADA A <<TENTA>>, DE NOVILHAS DO LAVRADOS SR.

CABRAL D’ASCENÇÃO. [...] É justo que se ponha desde já, em

devido relevo a grande <<aficion>> perseverança e inteligência do

lavrador sr. Cabral d’Ascenção, pois iniciando somente há cerca de

quatro anos a sua ganadaria, esta conta presentemente com mais de

duas centenas de cabeças, sendo a maior parte cuidadosamente

selecionadas e das quais, mais de uma centena são vacas de ventre.

Page 210: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

187

(Dado 286 Alentejo, 06 jun 1953)

156)O trabalho é suspenso a partir de 1 de Maio, com pagamento de

dois terços dos ordenados a cerca de 400 trabalhadores, ficando a

trabalhar cerca de 10 por cento do total.

(Dado 450 Alentejo, 16 a 22 abr 1993)

Para terminar, é pertinente comentar que, algumas vezes, julgamos limitada a proposta

de classificação semântica dos autores. O caso mais frequente de que sentimos falta na

proposta é referente às orações classificadas sintaticamente como adverbiais finais, ou seja,

com sentido de finalidade, que não encontram paralelo na classificação deles, como se pode

ver nos dados abaixo:

157)MONUMENTO A JOÃO DE DEUS. [...] O sr. governador civil

vae oficiar ao sr. ministro da instrucção pedindo que a comissão seja

oficialmente reconhecida.

(Dado 119 Algarve, 15 fev 1925)

158)ECOS DA SEMANA. NOSSA SENHORA DO CARMO. [...] Do

espaçoso e dominante terraço da Egreja de Nossa Senhora do Carmo

vê-se todo esse mar imenso que umas vezes reflete como uma

esperança o azul dos céos e outras vezes ostenta como uma ameaça o

esverdeado tom de misteriosas iras; esse mar sobre o qual um povo

rude, mas cheio de confiança nos seus destinos, partiu há

quatrocentos anos iluminado pela Fé e tendo como insígnia a Cruz, a

escrever a maior epopeia do mundo!

(Dado 101 Algarve, 03 jul 1921)

Casos como esses foram sintaticamente classificados como adverbiais finais. Mas,

para a classificação semântica, de fato, conforme a proposta dos autores, foi preciso analisá-

los segundo um contexto mais abrangente. Por carecermos de uma classificação semântica

final, orações assim ora foram classificadas como resultativas, ora como causais, na maioria

das vezes.

Lembramos, ainda, que a todos os dados de orações não adverbiais foi atribuído um

código indicando “não se aplica”, uma vez que a proposta de classificação semântica de

orações de Móia & Viotti (2004) e Móia & Viotti (2004b) diz respeito apenas às orações

subordinadas adverbiais.

Page 211: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

188

3.2.12. Posição da oração gerundial no período (em relação à oração principal)

Este grupo de fatores surgiu, assim como o anterior, a partir da leitura do artigo “Sobre

a semântica das orações gerundivas adverbiais” (MÓIA & VIOTTI, 2004b, p. 715-729), em

que os autores relacionam alguns valores semânticos das orações gerundiais a outros fatores,

na tentativa de descrever sistematicamente algumas restrições de natureza sintático-

semânticas que influenciam no uso dessas orações. Segundo os autores: “[...] há múltiplos

factores linguísticos que condicionam a ocorrência de algumas gerundivas [...]” (MÓIA &

VIOTTI, 2004b, p. 715) e se propõem, no artigo, a tratar seis dos tais “factores linguísticos”

que julgam relevantes para a ocorrência das orações gerundivas. Um desses fatores é o que

eles analisam na seção 4, “Perspectivando uma análise semântica mais fina”, subdividindo a

seção em mais seis partes (A - F). Uma delas, o item D, trata da “Posição da gerundiva

(relativamente à frase matriz)”. Aqui, o que os autores denominam como “frase matriz” é o

que chamamos de oração principal.

Este grupo de fatores está, na verdade, diretamente ligado ao grupo de fatores que

vimos acima, no item 3.2.11, que trata do tipo semântico das orações gerundivas adverbiais,

também criado, como foi visto, com base no mesmo artigo dos autores. Embora eles não

detalhem pormenorizadamente as implicações semânticas da mudança de posição das orações

gerundivas em relação à sua respectiva oração principal, afirmam, por exemplo, que “As

gerundivas que marcam Meio (e bem assim as que marcam Causa) podem surgir quer em

posição inicial quer em posição final; mas as que marcam Resultado surgem sistematicamente

em posição final.” (MÓIA & VIOTTI, 2004b, p. 727). Ou seja, segundo os autores, algumas

orações que veiculam um determinado valor semântico se restringem a certas posições dentro

do período em relação à sua respectiva “oração matriz” (ou principal).

Assim, almejamos verificar se isso de fato ocorre em nossos dados de língua real,

contrapondo os fatores deste grupo aos fatores do grupo Tipo semântico de oração, descrito

acima, em análises do tipo crosstab no programa Goldvarb.

Vale ressaltar que foram classificadas para este fim somente as orações gerundivas

subordinadas, por serem as únicas que possuem, evidentemente, uma respectiva oração

principal correspondente. Sendo assim, os dados de orações gerundivas em período simples

(absolutas), bem como as orações coordenadas e até mesmo as principais foram codificadas à

parte, sem indicativo de posição no período. Vejamos os exemplos:

Page 212: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

189

Inicial

159)Respondendo e agradecendo novamente todos os actos da

carinhosa recepção que lhe faziam, o Sr. Bispo teve phrases de terno

reconhecimento que a todos captivou, seguindo se a distribuição do

bôdo.

(Dado 012 Algarve, 05 abr 1908)

160)PELA CIDADE. UMA COOPERATIVA QUE FOI

CONSIDERADA ESTABELECIMENTO COMERCIAL E COMO TAL

AUTUADA. A responder pela transgressão que consistiu no facto de

ter à venda carne de porco sem a vistoria dos serviços competentes da

Camara do Porto, compareceu, ontem, no Tribunal de Policia, o sr.

José da Silva Costa, na qualidade de sócio-gerente da Cooperativa

dos Funcionários Publicos.

(Dado 438 Norte, 22 abr 1955)

Medial

161)NECKAR. [...] Já hontem tambem passaram por aqui,

percorrendo a cidade, cerca de 300 delegados americanos que

seguiam com o mesmo fim.

(Dado 041 Açores, 04 mai 1907)

162)DOIS GRUPOS DE RAPAZOLAS, A JOGAR A BOLA ÁS SETE

HORAS DA TARDE, EM PONTO CENTRAL DA CIDADE, FERIRAM

UMA SENHORA QUE PASSAVA. [...]

(Dado 446 Norte, 22 abr 1955)

Final

163)II CONGRESSO NACIONAL DE RELIGIOSOS [...] Em seguida,

e depois da exposição do Santíssimo entoou-se o cântico <<Vem

Creator>>, terminando a expressiva cerimónia com a antífona

<<Regina Coeli Laetare>>.

(Dado 380 Lisboa, 01 abr 1964)

Page 213: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

190

164)REGIONAL. 8ª SEMANA INFANTIL. CRIANÇAS DÃO “COR” A

PONTA DELGADA. [...] Ali, foram visitados os ateliers de exposição

e espaços de animação, e estavam previstas actuações das escolas,

com um mini-concerto pela Banda Juvenil Lira da Saúde, um

espectáculo do Palhaço Pézinho, espaço de marionetas, e o coro

infantil do Colégio de S. Francisco Xavier, a terminar estas

cerimônias de encerramento.

(Dado 193 Açores, 06 jun 1997)

A oração gerundial é a oração principal do período

165)ASSAMBARCADORES E ESPECULADORES. As brigadas da

fiscalização contra assambarcadores e especuladores, que percorrem

a província, estão processando os talhos e salsicharias que vendem

carne por preços superiores aos tabelados.

(Dado 187 Algarve, 04 mai 1941)

166)DUAS RAPOSAS CAPTURADAS VIVAS. No lugar da Carregosa

andavam a arrancar cepos, numa propriedade, os trabalhadores

António Simão e Manuel Augusto Justino, ambos do concelho de

Cantanhede, quando viram entrar, numa toca próximo do local onde

trabalhavam, duas raposas.

(Dado 267 Centro, 06 jan 1961)

Oração absoluta ou coordenada (não se aplica)

167)CÃO DERRAMADO. No sábado á noite um rafeiro, derramado,

atacou para aí os animais da mesma espécie e originando por isso

uma larga mortalidade, a tiros de espingarda, das victimas do

perigoso ataque de raiva.

(Dado 157 Alentejo, 05 jul 1922)

168)MANTÊM-SE AS TEMPERATURAS NEGATIVAS NA REGIÃO

DA COVILHÃ. [...] As nevadas continuadas e as geadas

endurecedoras estão a causar graves prejuízos na vida agrícola,

nomeadamente na pecuária.

(Dado 360 Centro, 05 jan 1971)

Page 214: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

191

3.2.13. Tipo semântico do verbo

Esse grupo de fatores, que também envolve traços semânticos, diferentemente do

grupo de fatores descrito no item 3.2.11, Tipo semântico de oração, já estava presente desde

nossa pesquisa anterior, em Mothé (2007). Aqui, em vez de analisarmos a semântica de toda

a oração, visamos a classificar os tipos semânticos dos verbos plenos presentes tanto nas

estruturas sintéticas como nos verbos principais das estruturas perifrásticas de gerúndio ou de

“a + infinitivo”, para verificar se algum grupo semântico possa ter favorecido o uso de um ou

outro tipo de construção gerundial em nossos dados.

O presente grupo de fatores se baseia em algumas pesquisas de Brenda Laca (em

especial, LACA, 2002), que apontam o tipo semântico dos verbos como relevante para o uso

de uma determinada variante de perífrase aspectual em italiano. Assim como ela, Squartini

(1998) também menciona pesquisas segundo as quais o critério semântico seria relevante para

o uso de gerúndio ou de infinitivo em construções gerundivas, como podemos observar no

trecho:

Dietrich (1984)76

propôs que, também em português, a distinção entre as formas

com gerúndio e com infinitivo esteja no âmbito semântico e que não meramente

estilístico, geográfico ou diacrônico, conforme defendido por Böckle (1980)77

, entre

outros. De acordo com Dietrich, a forma com gerúndio expressa “partialisierende

Winckelschau” (algo semelhante à progressividade, veja 3.7) enquanto a forma com

infinitivo, menos gramaticalizada, expressa uma relação entre duas situações

diferentes, uma denotada pelo verbo estar e outra pelo verbo no infinitivo (Dietrich,

1984, p. 143), que apenas contextualmente pode admitir o mesmo valor de

“partialisierende Winckelschau”. (SQUARTINI, 1998, p. 133, tradução nossa)78

Apesar da menção ao trabalho de Dietrich, para Squartini (1998), tal distinção baseada

na semântica das construções com gerúndio e com infinitivo no Português só se aplicaria ao

76

DIETRICH, Wolf. Zum Typ estar cantando und estar a cantar im Portugiesischen. In HOLTUS, Günter;

RADTKE, Edgar (eds.). Umgangssprache in der Iberoromania. Festschrift für Heinz Kröll. Tübigen: Narr,

1984. p. 137-145.

77

BÖCKLE, Klaus. Zum Diasystem der portugiesischen Verbalperiphrasen mit dem <<gerundialen Infinitiv>>.

In: POLZIN-HAUMANN, Claudia; SCHWEICKARD, Wolfgang. Zeitschrift für romanische Philologie 96.

Saarbrücken: Saarbrücken University, 1980. p. 333-354.

78

Dietrich (1984) has proposed that in Portuguese too the distinction between the gerundial and the infinitival

form is based on semantic grounds and it is not merely a stylistic, geographical or diachronic difference, as

maintained among others by Böckle (1980). According to Dietrich the gerundial form expresses “partialisierende

Winckelschau” (something similar to progressivity, see 3.7) while the infinitival form is still less

grammaticalized expressing a relationship between two different situations, one denoted by the verb estar and

one by the infinitival form (Dietrich, 1984, p. 143) which can only contextually assume the same semantic value

of “partialisierende Winckelschau”. (SQUARTINI, 1998, p. 133)

Page 215: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

192

PB e não ao PE, visto que, segundo o autor, em Portugal a estrutura com infinitivo é muito

mais comum em contextos que expressam o aspecto “progressivo puro” e o aspecto durativo

não progressivo. Sendo assim, no PE, a construção estar + a + infinitivo não pode ser

considerada menos gramaticalizada do que a construção com gerúndio. Nesse sentido,

segundo o autor, a hipótese de Dietrich provavelmente faça sentido apenas para o PB, onde,

de fato, o emprego da construção infinitiva é menos frequente, parecendo menos

gramaticalizada.

De qualquer forma, percebemos que alguns autores levantam a hipótese de diferentes

contextos semânticos influenciarem no uso de uma ou de outra construção nas línguas

românicas. Assim, por também ser uma língua românica, entendemos que existe a

possibilidade de o português apresentar padrão semelhante em contextos similares, isto é, em

nossas perífrases aspectuais. O que influencia uma determinada língua também pode

influenciar outra(s) língua(s) da mesma família, como ocorre em diversos fenômenos

linguísticos estudados nos últimos anos e como mencionamos brevemente no capítulo 2, na

seção que tratou da questão do aspecto nas línguas românicas. Com efeito, a configuração das

línguas românicas apresenta convergências e divergências funcionais para estruturas

semelhantes, ou seja, pode ser que o português se comporte de maneira parecida com o

italiano, verificado por Laca (2002), ou não. Para constatar isso, é válido realizar, nesta

pesquisa, o controle desses fatores. Além disso, através deste grupo, também poderemos

analisar se houve aumento no quantitativo de ocorrências de perífrases gerundivas nos

diferentes contextos semânticos em diacronia.

Existem muitos autores que ressaltam o fato de os verbos poderem ser agrupados não

apenas quanto às suas diferentes estruturas argumentais, ou ao seu caráter de verbo principal

ou auxiliar ou ainda à sua morfologia regular ou irregular, como a maioria das gramáticas

tradicionais costuma fazer. Esses autores defendem que o verbo, além de ser classificado

quanto a esses parâmetros, também deve ser agrupado de acordo com seu significado. Em

Mothé (2007, p. 109-123), apresentamos quatro propostas de classificação: Neves (2000),

Mateus et alii. (2003), Halliday (1994) e Oiticica (1945) e optamos por utilizar na codificação

dos dados uma delas.

Seguiremos, aqui, a mesma proposta daquele trabalho. Constatamos naquela pesquisa

que, dentre essas quatro abordagens semânticas, Mateus et alii (2003) e Oiticica (1945)

propunham classificações demasiadamente detalhistas e Neves (2000) apresentava uma

Page 216: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

193

proposta bastante reducionista. Ora havia tipos semânticos demais (o que, além de gerar um

grupo de fatores com um número muito grande de variáveis, ainda, possivelmente, haveria

células com um número muito pequeno – ou nulo – de dados, o que dificultaria a leitura a ser

feita pelo programa estatístico, gerando provavelmente muitos “knockouts”, como são

chamadas pelo programa as células sem variação, categóricas); ora havia tipos semânticos de

menos, o que provavelmente não nos ajudaria a chegar a algum tipo de conclusão sobre a

semântica desses verbos, agrupando sob o mesmo rótulo verbos que possivelmente poderiam

ser bastante diferentes. A escolha entre as propostas, porém, foi mais prática que teórica, na

medida em que, a exceção de Oiticica, que se afasta muito das demais propostas, as outras

apresentam vários pontos de contato.

Dessa forma, acabamos por escolher a classificação semântica proposta por Halliday

(1994), que não é nem tão detalhista nem tão abrangente, dividida no que o autor chama de

processos verbais. Para rotular um verbo como representante de um ou outro dos processos a

seguir, o autor destaca que é necessário analisar o processo em si, os participantes dos

processos e, quando há, as circunstâncias associadas ao processo. Isso significa que a

classificação está estreitamente ligada à teoria dos papéis temáticos, a qual não detalharemos

por não considerarmos relevante para esta pesquisa.

Iremos nos ater a explicitar, abaixo (cf. Mothé 2007, p. 114-116), os tipos semânticos

propostos por Halliday (1994) – os mesmos que aplicamos em nossa codificação de dados –

seguidos de exemplos do nosso corpus.

Inicialmente, o autor apresenta os três principais grupos de processos verbais, que são:

Processos materiais (processos de fazer)

São aqueles relacionados ao mundo físico. Expressam a ideia de que “algo/alguém”

(ator) “faz” alguma coisa para “algo/alguém” (alvo). Exemplos: matar, pegar, acariciar.

169)EXERCITO E MARINHA [...] O sr. comandante Magalhães

Correia está trabalhando no sentido de obter os fundos, necessarios

para adquirir alguns navios. Tambem encarregou aquele organismo

de escolher o tipo de uma ou duas canhoeiras para substituir a

canhoeira «Patria», em Macau, em consequencia daquele navio ter

de ser abatido ao efectivo da marinha, visto o seu estado não permitir

novos e dispendiosos fabricos.

(Dado 177 Lisboa – VARPORT, 1930)

Page 217: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

194

170)CAIU DUM 6º ANDAR E NÃO MORREU. Ontem, quando

andava a trabalhar num edifício em construção na Rua João de Deus,

em Vila Nova de Gaia, desequilibrou-se e caiu da altura do 6º andar

para a rua, o operário sr. Armando de Oliveira Santos, de 25 anos,

solteiro, residente em Suzão, Valongo.

(Dado 546 Norte, 11 abr 1975)

Processos mentais (processos de sentir)

Estão relacionados à experiência interior do indivíduo, a seus sentimentos (affection),

pensamentos (cognition) e percepções (perception). Segundo nomenclatura de Halliday, os

envolvidos nesse tipo de processo são o “experienciador” (senser), aquele que “sente”,

“pensa”, “percebe” e o fenômeno (phenomenon), aquilo que é “sentido”, “pensado”,

“percebido”. Exemplos: gostar, contentar-se, considerar.

171)MOVIMENTO DE SOLIDARIEDADE NACIONAL. [...] Estas

instituições começaram a recolher, de toda a parte, importantes

donativos, lembranças para todos os portugueses que nas terras do

Malabar, lutando e sofrendo, defendem a honra e a integridade da

Nação Portuguesa.

(Dado 220 Algarve, 19 set 1954)

172)MANTÊM-SE AS TEMPERATURAS NEGATIVAS NA REGIÃO

DA COVILHÃ.TRINTA CENTÍMETROS DE ESPESSURA NA

REGIÃO DO CARAMULO. [...] Os trabalhadores agrícolas estão

paralisados há mais de dez dias e os rebanhos estão a sofrer com a

falta de alimentos, o que preocupa as populações da região.

(Dado 363 Centro, 05 jan 1971)

Processos relacionais (processos de ser)

Dizem respeito ao mundo das abstrações. São processos que estabelecem relação entre

duas entidades distintas, podendo ser essa relação de atribuição de algo de uma à outra ou de

identificação de uma pela outra. Segundo o autor, para o inglês, por exemplo, as construções

possíveis nesse tipo de processo são:

Page 218: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

195

Intensiva (equativa): x é/está y.

Circunstancial: x está em/com/sobre/dentro... y.

Possessiva: x tem/possui y.

173)A C. P. INAUGUROU UM NOVO APEADEIRO EM VILA R. S.TO

ANTÓNIO. Este apeadeiro, que fica sendo o terminus da linha do Sul,

passou desde quinta-feira a ser utilizado pela C. P., que ali faz chegar

todos os comboios de passageiros.

(Dado 215 Algarve, 27 jan 1952)

174)A CONSTRUÇÃO DO HOTEL DA EVA EM FARO. [...] Assim, a

EVA vai adjudicar desde já a sua construção, e Faro será dotada de

um magnífico estabelecimento hoteleiro com 131 quartos, ficando a

ser o melhor Hotel do sul do País.

(Dado 256 Algarve, 03 jul 1962)

Em seguida, para além desses três tipos primordiais de processos, Halliday cita, ainda,

outros tipos secundários de processo:

Processos comportamentais

São concernentes aos processos acerca dos estados fisiológicos e de consciência de um

indivíduo (geralmente humano). Encontram-se “na fronteira” entre os processos materiais e os

processos mentais. Exemplos: sorrir, sonhar, respirar, tossir.

175)CRIME HORROROSO. DOIS ASSASSINATOS. [...] Mas os maus

instinctos não ficaram por alli; como no alto da escada houvesse um

pau, servindo de travessa, tentou enlaçar a corda no pau e

dependurar a pobre velha, fazendo assim crêr que ella própria se

matou por meio de enforcamento, mas o pau que não pôde com o

peso, quebrou a tempo e a pobre velha ficou cahida, entalada quasi

sentada entre trez pernas d'um banco, como que dormindo.

(Dado 195 Norte, 21 abr 1925)

176)A CIDADE. DOIS ATREVIDOS GATUNOS CAPTURADOS

QUANDO ASSISTIAM A UMA SESSÃO DE CINEMA. [...] Os dois

arguidos não negam o facto, mas afirmam que a carteira em causa

havia momentos antes sido furtada pelo próprio denunciante a um

Page 219: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

196

desconhecido, que estava a dormir num banco da Avenida da

Liberdade.

(Dado 410 Lisboa, 01 dez 1971)

Processos verbais

Referem-se aos processos de “dizer”. Indicam ações constituídas através da

linguagem. Halliday denomina o participante desse processo de “sayer” (aquele que diz),

sendo humano, ou não. Outros possíveis participantes são: “receiver” (para o que/quem se diz

algo), “verbiage” (o que é dito) e “target” (sobre o que/quem se diz algo). Exemplos: dizer,

elogiar, declarar.

177)PARTIDO REPUBLICANO. AS ELEIÇÕES. [...] Fechou o

comício o sr. Albino Pimenta de Aguiar, que agradeceu aos seus

patrícios e correligionários a apresentação da sua candidatura,

dizendo que no parlamento havia de pugnar pelo bem do Paiz e de

Montemor.

(Dado 075 Alentejo, 24 mai 1911)

178)SEMANA DE ESTUDOS... AULAS DE PORTUGUÊS

BANHADAS DE ÁGUA. [...] <<Na preia-mar... (sic) ouve-se o mar a

dizer: - Bom dia!... navego sem rumo, eu abraço a minha ilha..., com

a preia-mar (sic) respiro a aventura o amor não pára de me rodear...,

o mundo fica alegre... da Preia-Mar (sic) recebo ondas de

esplendor>>.

(Dado 161 Açores, 21 abr 1997)

Processos existenciais

Estão relacionados à existência ou ao acontecimento de algo. O elemento que se diz

“existir” é chamado “existent” e pode ser qualquer tipo de fenômeno, coisa, pessoa, abstração

etc. Exemplos: haver, existir, surgir, aparecer.

179)CRUZ VERMELHA. A FESTA DA FLOR. [...] Nas ruas, nos

electricos, nos estabelecimentos commerciaes, nos jardins - por toda

a parte a flor era distribuida e por toda a parte essas senhoras eram

recebidas meigamente pelos portugueses e forasteiros, apparecendo

Page 220: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

197

aqui e alli senhoras e cavalheiros e até creanças por assim, dizer,

cobertas de flores que obtiveram generosamente para contribuir para

a Cruz Vermelha e Maternidade.

(Dado 211 Norte, 24 jun 1925)

180)EM MARTIM LONGO. ESTUDOS ATÉ O 9º ANO. A Aldeia de

Martim Longo, no Concelho de Alcoutim, poderá vir a chispar em

breve de uma Escola 1+2+3, o que, de acordo com a lei de bases do

sistema educativo, permitirá a frequência desde a 1ª Classe até ao 9º

ano, para isso, estão bem encaminhadas as negociações que estão a

decorrer entre a Câmara e o Ministério da Educação, através da

Direcção Regional de Educação do Algarve.

(Dado 320 Algarve, 18 jul 1991)

O autor menciona, ainda, o que seria um “sétimo” tipo de processo (embora não o

enumere como tal). São os processos meteorológicos, que, segundo ele, estariam no limite

entre os processos existenciais e os materiais. Halliday não os considera como mais uma das

categorias por afirmar que eles podem ser construídos de diversas maneiras dentre as já

citadas. Assim, por exemplo, em O vento está soprando, existe um processo material; já em

Houve uma tempestade, um processo existencial; e em Está frio, um relacional. Também pode

haver processos meteorológicos constituídos apenas pelo processo, sem participantes (Está

chovendo.). A princípio, tínhamos criado um código para os processos meteorológicos, mas,

no total de nossos dados, só houve duas ocorrências, que expomos abaixo. Sendo assim,

optamos por excluir o fator e amalgamar esses dados com os de processos materiais.

181)INÚMEROS ACIDENTES NAS ESTRADAS DE CASTELO

BRANCO. [...] Pela manhã, caíram alguns flocos de neve que depois

gelando as vias rodoviárias, deram ensejo a que o trânsito começasse

a fazer-se com muita dificuldade.

(Dado 353 Centro, 05 jan 1971)

182)QUASE DEZ HORAS A NEVAR EM SEIA.

(Dado 370 Centro, 05 jan 1971)

Os processos verbais de Halliday citados acima são ilustrados no seguinte esquema:

Page 221: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

198

Figura 3: Esquema de classificação semântica dos verbos, segundo Halliday (1994)

Em Mothé (2007), o grupo de fatores que controlava o tipo semântico dos verbos não

foi selecionado em muitas rodadas como relevante para a variação entre gerúndio e infinitivo

gerundivo. Nas rodadas com Português Europeu escrito, com as quais podemos estabelecer

um paralelo com nossos resultados, o grupo foi selecionado no cálculo de pesos relativos, de

maneira geral, mostrando os verbos que indicavam processos existenciais, materiais, verbais

e mentais e como moderadamente favorecedores do uso de infinitivo gerundivo; os processos

comportamentais como neutros para a variação; e os verbos que indicavam processos

relacionais como desfavorecedores do uso dessa variante. Verificaremos se esses resultados

irão se confirmar ou não com o novo corpus.

3.2.14. Cambialidade

Assim como em Mothé (2007), mantivemos este “grupo de fatores” na presente

pesquisa mesmo não sendo um “grupo de fatores” propriamente dito, uma vez que não

participará do cálculo de pesos relativos no programa Goldvarb. Isto é, diferentemente dos

demais grupos, este não será observado como possível “condicionador” do uso de uma ou de

outra variante. Apesar disso, consideramos pertinente incluir aqui a discussão acerca da

Page 222: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

199

cambialidade, ou seja, da possibilidade de alternância com gerúndio, dos dados de infinitivo

gerundivo.

Da mesma forma que em nossa pesquisa anterior, alguns dados de infinitivo gerundivo

pareciam permitir uma leitura ambígua, ora permitindo uma interpretação gerundial para a

estrutura a + infinitivo, ora mantendo resquícios semânticos da preposição a, que poderia ser

interpretada como finalidade, por exemplo. Além disso, ainda tínhamos de lidar com as

ocorrências – já citadas – em que a preposição a poderia, sim, ser parte da estrutura chamada

de infinitivo gerundivo, indicando aspecto progressivo, mas também poderia ser meramente a

preposição exigida pela regência de um determinado verbo, como continuar, por exemplo.

Julgamos adequado, então, separar as ocorrências em três diferentes tipos de dados no

que tangia à possibilidade de comutação entre gerúndio e a + infinitivo. A isto demos o nome

de “cambialidade”. Essa classificação foi gerada a partir da própria disposição em que os

dados que continham gerúndio ou “a + infinitivo” apareceram em nosso corpus. Seguem

exemplos dos três “fatores” deste “grupo”:

Cambiável, unicamente com valor de aspecto progressivo

Todos os dados da forma nominal gerúndio do corpus foram incluídos neste fator. Já

que defendemos a hipótese de que o infinitivo gerundivo em Portugal possa estar avançando

em uma proporção capaz de possivelmente ocupar contextos antes considerados redutos da

forma nominal gerúndio, entendemos que todo gerúndio pode ser considerado um “infinitivo

gerundivo em potencial”. Assim, excetuando-se as ocorrências que verificamos se

apresentarem categóricas quanto ao uso de gerúndio no corpus – e que, portanto, já foram

excluídas de nossa análise por, de fato, não parecerem ser variáveis, tais como, gerúndio no

auxiliar, expressões fixas, marcadores discursivos etc. – todas as demais ocorrências de

gerúndio foram consideradas “cambiáveis” por infinitivo gerundivo.

Quanto às formas de infinitivo gerundivo, apenas aquelas que sem sombras de dúvidas

pudessem ser alternáveis por gerúndio receberam o código referente a este fator, como os

exemplos abaixo.

183)MULHER QUEIMADA COM ÁGUA FERVENTE. A sra. Maria

Emília Ferreira, casada, residente no lugar de Santa Cristina, desta

freguesia, quando se encontrava á lareira, foi atingida por uma

panela de água a ferver, que se voltou e lhe produziu graves

queimaduras.

Page 223: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

200

(Dado 256 Centro, 10 jan 1951)

184)DOIS INCÊNDIOS. [...] Na serra do Carregal, entre Monforte da

Beira e Malpica do Teja, as chamas estão a lavrar numa zona densa

de oliveiras, pinheiros e mato, onde o acesso é difícil.

(Dado 470 Lisboa – VARPORT, 1987)

Cambiável, mas com leitura ambígua: aspecto progressivo x regência?

As ocorrências que compõem este fator são, basicamente, aquelas constituídas pelos

verbos semiauxiliares já mencionadas na seção 3.2.5, ao tratarmos sobre o grupo de fatores

estrutura verbal, ou seja, aquelas cujo verbo semiauxiliar também é regido pela preposição a,

deixando, portanto, uma dúvida sobre se, na estrutura “semiauxiliar + a + infinitivo”, a

preposição está associada ao semiauxiliar ou ao infinitivo, formando o infinitivo gerundivo. A

existência de dados com os mesmos verbos semiauxiliares – isto é, no mesmo contexto –

com gerúndio no lugar de “a + infinitivo” nos permite considerar tais estruturas cambiáveis.

Mas, por rigor metodológico, decidimos codificá-los diferentemente dos demais. Voltamos a

mostrar, abaixo, o dado 26), já mencionado, que parece apresentar o verbo continuar como

semiauxiliar de duas orações paralelas, tendo a primeira o verbo principal no gerúndio e a

segunda, com a + infinitivo, o que deixa clara a possibilidade de alternância entre as duas

formas gerundiais.

026) SENADO MONTEMORENSE. Na segunda feira e hontem

continuou reunindo o nosso Senado, e a tratar de assumptos que se

dizem – de interesse para Montemór.

(Dado 128 Alentejo, 21 jan 1914)

E, a seguir, mais dois exemplos do corpus tendo o verbo continuar como auxiliar do

mesmo verbo principal (chegar), também reforçando a possibilidade de tanto uma quanto

outra forma nominal ser utilizada em estruturas como essa.

185)NAS OBRAS da barragem do Cabril. (Zezere). TRABALHAM JÁ

CERCA DE 400 PESSOAS@b. PEDROGÃO GRANDE, 28 –[...] A

esta vila, onde vêm fixar residencia, continuam a chegar engenheiros

e outro pessoal superior para dirigir esta importante obra que

contribuirá para o engrandecimento da Nação.

(Dado 314 Lisboa - VARPORT, 1951)

Page 224: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

201

186)ARMAÇÃO DE PERA. Continuam chegando a esta encantadora

praia, bastantes banhistas.

(Dado 205 Algarve, 06 ago 1944)

Cambiável, mas com leitura ambígua: aspecto progressivo x preposição não

esvaziada semanticamente?

Por fim, separamos, ainda, em outro fator, as ocorrências com infinitivo gerundivo em

que a estrutura, apesar de também permitir a leitura de aspecto progressivo, parecia apresentar

uma segunda interpretação possível na qual a preposição a, diferentemente do que ocorre na

estrutura de infinitivo gerundivo, não está semanticamente esvaziada. Antes, ela pode possuir

outro sentido, na maioria das vezes indicando finalidade. Eis os exemplos:

187)DE VILA DO CONDE. BARCOS EM PERIGO, UMA LONGA

HORA DE EMOÇÃO E ANSIEDADE. [...] E ao largo, já em frente a

Cachina, com o mar cada vez mais em fúria e alteroso, que ameaça

despedaçar aquele ousado barco e engulir toda a sua heroica

tripulação, que intemerata e sem medo, vai prescutando ao longe a

ver se há barco em perigo, sempre ousado e sem receio, ora

cavalgando sobre o enorme dorso de indomáveis vagalhões, que, por

vezes, traiçoeiros, procuram falsear, despedaçando-se e envolvendo o

intemerato barco e seus tripulantes.

(Dado 251 Norte, 13 mar 1935)

188)VIOLENTO INCÊNDIO. [...] Ignoram-se, por enquanto, as

causas que originaram o incêndio, que ficou extinto cerca das 10

horas e meia da manhã, hora a que as corporações de bombeiros

retiraram, ficando, ainda, a trabalhar no rescaldo um piquete dos

Municipais, que retirou ao meio-dia.

(Dado 275 Norte, 04 abr 1935)

Os dois exemplos acima permitem, como se pode ver, a alternância com gerúndio, em

uma leitura durativa ou então uma leitura de finalidade da ação descrita pelo verbo. Em 187),

o contexto permite perfeitamente inferir que a ação do verbo “ver” está sendo feita com certa

continuidade. O agente “... vai perscrutando ao longe vendo se há barco em perigo...”, ou

seja, VENDO indica um ato com duração não pontual, progressiva, pois o agente tem o

objetivo de examinar, verificar com cuidado, se há, ao redor, barcos em perigo. Entretanto,

Page 225: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

202

também é possível fazer uma leitura como “... vai perscrutando ao longe PARA VER se há

barco em perigo...”, segundo a qual, a ver estaria apenas indicando a finalidade da ação de

perscrutar. Da mesma forma, no exemplo 188), pode-se fazer a leitura gerundial “...os

bombeiros ficaram trabalhando...”, ou a leitura de finalidade “...os bombeiros ficaram para

trabalhar...”. Dados como esses acima foram os que motivaram a criação deste grupo de

fatores.

Como se pode perceber, todos os dados considerados “ambíguos” quanto à

cambialidade são com a variante infinitivo gerundivo, pois, conforme já mencionamos, todas

as ocorrências com a forma nominal gerúndio foram consideradas perfeitamente cambiáveis,

sem possibilidade de leitura ambígua. Sendo assim, o programa de cálculo de pesos relativos

não permitiria a leitura deste grupo de fatores, sinalizando “knockout” (ocorrências sem

possibilidade de variação, categóricas) para os dois fatores de cambialidade ambígua. Por

isso, fizemos a leitura dos resultados deste grupo na fase quantitativa de cálculo dos valores

percentuais e absolutos, excluindo o grupo da fase “Varbrul”, que calcula os pesos relativos

de cada grupo para a variação.

Convém ressaltar que, apesar de o nome do grupo ser “cambialidade”, fazendo parecer

que nem todos os dados permitem alternância entre gerúndio e a + infinitivo com o mesmo

valor de verdade, o que não condiria com os princípios da Sociolinguística laboviana, como

mostramos acima, todos os dados recolhidos para compor o corpus, mesmo os de

“cambialidade ambígua”, permitem – ao menos em uma das possibilidades de leitura – a

interpretação como aspecto progressivo / durativo, o que justifica sua permanência no corpus.

Apenas tomamos o cuidado de codificá-los de maneira diferente para que não houvesse

mistura de dados de naturezas distintas, o que poderia levar à má interpretação dos resultados

e para que essas observações de teor qualitativo pudessem ser feitas.

No próximo capítulo, faremos a descrição mais pormenorizada dos jornais que

compõem o corpus desta pesquisa e, depois, veremos os resultados quantitativos das rodadas

estatísticas.

Page 226: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

4. OS PERIÓDICOS PORTUGUESES QUE COMPÕEM O CORPUS

Neste capítulo, conforme já mencionamos anteriormente, o objetivo é descrever as

principais características dos periódicos usados para a constituição do corpus desta pesquisa,

somando-se a isso mencionar algumas informações sobre o contexto sociocultural em torno

da imprensa lusa ao longo do século XX. Além disso, mostraremos alguns contrastes entre a

imprensa de abrangência nacional versus a imprensa de abrangência regional em Portugal.

Nossa fonte de dados da língua em uso são periódicos portugueses do século XX. O

maior nome da historiografia da imprensa em Portugal é José Tengarrinha, que publicou, em

1965 (com reimpressão em 1989), a principal obra de referência acerca da história dessas

publicações. O mesmo autor recém-lançou, em 2013, uma Nova História da Imprensa

Portuguesa. É dele a definição do termo imprensa abaixo:

Originariamente, imprensa dizia respeito à “máquina de imprimir caracteres

tipográficos em papel, ou em qualquer outra matéria”. Passou a designar, depois, o

estabelecimento onde trabalham essas máquinas e outras com elas relacionadas, isto

é, a tipografia. Por extensão, o instrumento acabou por confundir-se com o produto e

passou a designar, também, os próprios impressos. (TENGARRINHA, 2013)

Já em uma publicação da ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social),

responsável pela regulamentação da atividade de Comunicação em Portugal, vemos a

definição de Imprensa segundo a chamada Lei de Imprensa (Lei nº 2/99, de 13 de janeiro,

artigos 9º e 12º), em vigor em Portugal desde 1999:

[...] todas as reproduções impressas de textos ou imagens, disponíveis ao público,

quaisquer que sejam os processos de impressão e reprodução e o modo de

distribuição utilizado, sendo consideradas publicações periódicas as editadas em

série contínua, sem limite definido de duração, sob o mesmo título e abrangendo

períodos determinados de tempo. (MARTINS & GONÇALVES, 2010, p. 31, grifos

dos autores)

É desses impressos que muitas pesquisas de sociolinguística histórica se valem para

colher dados de língua em uso, conforme já mencionamos no capítulo anterior. A partir do

século XIX, os jornais passam a desempenhar uma importante função influenciando (e

também sendo influenciado por) diferentes aspectos da sociedade portuguesa, constituindo

uma rica fonte para conhecimento de seu tempo. Através dos jornais que circulam em uma

sociedade, conhecemos a evolução de suas ideias políticas, da ciência, da tecnologia, da vida

Page 227: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

204

social e cultural e, consequentemente, por também fazer parte da sociedade, conhecemos sua

língua ou, ao menos, algumas faces dela. Essa “influência recíproca” entre os jornais e a

sociedade, citada por Tengarrinha (2013, p. 13), fica clara no trecho do livro Norma e

Variação, de Mateus & Cardeira (2007):

[...] Embora a literatura sirva a fixação da norma e a encontremos nos livros

escolares como modelo, ela é apenas uma das utilizações da língua. Aliás, a

literatura parece pesar cada vez menos na elaboração da norma do Português,

cedendo lugar a meios de comunicação mais imediatos e acessíveis.

[...]

Contudo, a língua tendencialmente uniforme desse pequeno círculo [dos meios de

comunicação] não é independente da totalidade e, expostas às influências externas,

vai sendo gradualmente transformada. [...]

Na elaboração da norma escrita, o processo é semelhante: um círculo estreito de

textos [...] é reconhecido como modelo a seguir. Se bem que a norma escrita seja

mais definida, mais rígida e mais conservadora, não está, ainda assim, imune às

transformações gerais da língua. (2007, p. 22-23, grifos nossos)

Assim, percebemos que a língua utilizada nos meios de comunicação influencia a

sociedade ao mesmo tempo em que é influenciada por ela. Esse tipo de amostra de língua foi

nossa fonte de dados. É esse material que descreveremos a seguir.

Ademais, em contato direto com fontes inéditas (enquanto objeto de pesquisa) de

jornais lusos, entendemos ser bastante relevante descrever esse material, já que alguns desses

jornais já foram extintos e merecem ser registrados como parte da história de suas épocas.

Mesmo porque, apesar de alguns serem de abrangência apenas regional, sendo pouco

conhecidos e/ou estudados, podem vir a servir de fonte de informações a outras pesquisas,

sejam elas da área de linguística ou não. Tengarrinha defende a relevância dos jornais para o

bom entendimento de uma sociedade, sinalizando quão ricos podem ser os periódicos para

conhecê-la:

Foi um longo percurso até se considerar que o estudo da imprensa periódica é um

dos meios mais valiosos para o conhecimento de uma sociedade nos seus múltiplos

aspectos, devendo ser focado tendo em conta a sua especificidade, mas não a sua

marginalidade, isto é, numa visão socialmente integrada.

Nunca será de mais encarecer o seu valor como instrumento e meio de cultura. Não

subalternizada em relação à literatura e a qualquer forma de expressão artística, a

imprensa periódica (particularmente a partir do seu grande surto na época liberal) é

um poderoso veículo de transmissão de informações, de difusão de ideias, um amplo

repositório dos conhecimentos e das sensibilidades do seu tempo, daí, um dos mais

expressivos avaliadores das atitudes mentais e das correntes de ideias na sociedade,

para além dos círculos restritos. O que nos conduz à necessidade de avaliação da

esfera e grau de influência dos jornais na consciência pública e nos acontecimentos

políticos, económicos e culturais. [...] Mais recentemente, veio a admitir-se que o

jornalismo é uma das mais ricas fontes históricas de que se pode dispor não só para

o estudo de acontecimentos relevantes, mas igualmente para o conhecimento de

factos menores, que no seu conjunto constituem o tecido da vida quotidiana das

Page 228: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

205

sociedades, contribuindo, desta maneira, para caracterizar um período histórico na

sua espessura social. (TENGARRINHA, 2013, p. 17-18)

O autor admite que várias são as possibilidades de periodização da história da

imprensa. As divisões sempre dependerão dos critérios adotados (ora acontecimentos

políticos, ora correntes culturais importantes, ora forma e conteúdo dos jornais, ora pelo tipo

de técnica jornalística etc.). Segundo ele, sua periodização segue o seguinte critério:

A nosso ver, a demarcação dos períodos e subperíodos da história da imprensa

inserida na evolução histórica geral deverá ter como um dos pontos de partida a

identificação dos diferentes sistemas de comunicação. Neste caso, a análise estará

em estreita articulação com a história política, na medida em que os períodos ou

subperíodos normalmente correspondem a situações históricas fraturantes que têm

tradução na legislação da imprensa, isto é, na relação entre a natureza sistémica da

comunicação e o poder político. (TENGARRINHA, 2013, p. 18)

Após essas considerações, percebemos que, para Tengarrinha, a periodização da

imprensa está totalmente relacionada aos movimentos políticos em Portugal que

influenciaram – direta ou indiretamente – no funcionamento da imprensa. Na História da

Imprensa Periódica Portuguesa (1989), o autor delimita três diferentes fases nesse processo.

Já em sua obra mais recente, Nova História da Imprensa Portuguesa (2013), existem quatro

fases, que são:

1) “Os Primórdios” da imprensa periódica em Portugal (da Gazeta de 1641 até a

Revolução de 1820);

2) A imprensa romântica ou “de Opinião” (da Revolução de 1820 até o

estabelecimento definitivo da monarquia constitucional, em 1834);

3) A fase que Tengarrinha chama “Liberais contra Liberais” (que vai do fim da

guerra civil até a Regeneração);

4) A fase da “Regeneração Pacificadora”, que começa em 1851 até a

organização industrial da imprensa, iniciada, basicamente, em 1865, com a

fundação do jornal Diário de Notícias e que se estende até os dias de hoje.

A fase 1 é idêntica nas duas obras do autor. A fase 2, entretanto, em Tengarrinha

(1989) englobava as fases 2 e 3 citadas acima, indo desde a Revolução de 1820 até a fundação

do jornal Diário de Notícias (DN), já na segunda metade do século XIX. Naquela obra, a fase

3 iniciava-se justamente com a organização industrial da Imprensa, estendendo-se até os dias

de hoje.

Page 229: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

206

Seja como for, nosso trabalho concentra-se nessa última fase da periodização de

Tengarrinha (1989), visto que todos os periódicos que constituem nosso corpus pertencem ao

século XX, quando estes já eram produzidos em caráter industrial. Apesar de existir imprensa

em Portugal desde 1640, segundo Tengarrinha, até 1822 não havia publicação de jornais em

nenhuma outra localidade do país além de Lisboa, Coimbra e Porto. O primeiro periódico do

Porto, o Zodíaco Lusitânico, data de 1749, mas durou apenas três meses. Depois dele e até

1808, os periódicos existentes eram exclusivamente publicados em Lisboa. Nesse ano,

Coimbra inaugura seu primeiro periódico (Minerva Lusitana) e, depois disso, outros surgiram,

mas, ainda assim, em número muito menor que em Lisboa. De 1808 até 1875, Coimbra teve

130 jornais (uma média de dois por ano), enquanto em Lisboa abriam, em média, 30

periódicos por ano no mesmo período. É mesmo somente no último quartel do século XIX,

justamente já na última fase da história cronológica da Imprensa, segundo Tengarrinha, que

passam a existir, de maneira expressiva, publicações de periódicos fora da capital Lisboa.

Já no século XIX é que começa a haver, segundo ele, uma diferença considerável entre

“estilo literário” x “estilo jornalístico” de escrita.

O que começa a caracterizar o estilo jornalístico é a sua maior agilidade e vibração,

a construção fácil, permitindo uma leitura corrente, por vezes o intencional

desequilíbrio e imperfeições formais, visando um maior poder de comunicabilidade,

o sentido agudo da oportunidade que, não raro, sacrifica a perfeição à rapidez, um

pendor mais emocional [...]. (TENGARRINHA, 1989, p. 192, grifos do autor).

Essas afirmações reforçam nossa hipótese de que, nos jornais, podemos encontrar

amostras de língua escrita mais próximas do uso corrente (ainda que culto) do que as

encontradas nos textos literários, que serviram de corpus a Maler (1972) e Menon (2004) para

o estudo da variação do fenômeno a que visamos analisar. Ao estudarmos uma língua,

especialmente um fenômeno variável, é importante, conforme já mencionamos, que vários

gêneros textuais, de diferentes fontes e registros sejam pesquisados. Assim, é fundamental a

contribuição de trabalhos anteriores com fontes literárias. Entretanto, considerando apenas os

textos escritos que resistiram ao tempo e estão disponíveis aos linguistas para realização de

suas pesquisas, certamente, um texto jornalístico, que pretende, pela sua natureza, comunicar

ao maior número possível de leitores sem a extrema preocupação com a “perfeição” e com a

correção, típicas dos textos literários em geral (ao menos dos anteriores ao século XX,

anteriores ao Modernismo), apresentará uma linguagem mais próxima da língua “em uso” que

desejamos analisar.

Page 230: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

207

Em 01 de janeiro de 1865, foi lançado o Diário de Notícias, “jornal popular, de preço

(10 réis) e estilo parisiense, essencialmente noticioso e sem filiação partidária.”

(TENGARRINHA, 1989, p. 215). O jornal era considerado popular não só por sua linguagem

acessível, mas especialmente por seu preço, pois enquanto ele era vendido por 10 réis, a

maioria dos jornais da época custava, em média, 40 réis. O próprio DN anunciava em sua

edição de pré-lançamento, segundo Tengarrinha (1989) que: “[o jornal pretende] interessar a

todas as classes, ser acessível a todas as bolsas e compreensível a todas as inteligências.”.

Assim, em 1865, com a fundação do Diário de Notícias, a Imprensa passava a ser

predominantemente NOTICIOSA, em vez de predominantemente DE OPINIÃO, como vinha

sendo até então. São essas ainda as bases do jornalismo contemporâneo: a INFORMAÇÃO (e

não a opinião) como principal objetivo. Por isso, para Tengarrinha, a última fase da história

da Imprensa tem início quando nasce o Diário de Notícias e dura até os dias de hoje, pois, na

essência, o objetivo dos periódicos hoje ainda é o mesmo.

Até a segunda metade do século XIX, a notícia era um elemento secundário nos

jornais de maneira geral, não só em Portugal, mas no mundo. Isso devido ao tempo que

demorava para a transmissão das notícias, o que fazia com que sempre soassem

“desatualizadas”, conforme comentado no fragmento abaixo:

[...] concluímos que o noticiário internacional, que então era exclusivamente

recolhido nos periódicos estrangeiros, demorava, em média, os seguintes dias (desde

a inserção nas folhas estrangeiras até a publicação nas portuguesas): Espanha, 6;

França, 13; Inglaterra, 13; Itália, 27; Prússia, 26; Estados Unidos da América, 35. As

notícias nacionais oriundas de locais afastados do País (Vila Real de Santo António,

Guimarães etc.) eram publicadas em Lisboa com atrasos que variavam entre 10 e 15

dias. [...] Essa falta de actualidade do noticiário era, de resto característica de toda a

Imprensa mundial e só a partir de 28 de Maio de 1856, com o aparecimento do

Figaro, o cuidado da actualidade e da informação completa se tornou a lei suprema

do jornalismo moderno. (TENGARRINHA, 1989, p. 216)

Até então, as fontes das notícias eram, basicamente:

1) Correspondentes na província (quase sempre restritos às capitais de distrito);

2) Leitores que escreviam para o jornal para contar qualquer fato interessante,

em geral, de natureza política;

3) Edições de jornais de outros centros nacionais e estrangeiros.

Mas, a partir da segunda metade do século XIX, com os avanços dos meios de

comunicação e de transporte, os jornais passaram a utilizar processos cada vez mais rápidos e

seguros para obter notícias e, então, as principais fontes dos jornais passaram a ser:

Page 231: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

208

1) O telégrafo (para o noticiário do exterior);

2) O repórter (para o noticiário local).

É, ainda, nesse mesmo período que surgem as agências de notícias, sobre as quais

Tengarrinha afirma:

Desenvolvem-se então as grandes agências noticiosas que, mediante um contrato, se

encarregam de fornecer aos jornais notícias de várias partes do mundo; a primeira

nasceu em França: Havas, que saíra da Correspondance Garnier, criada em Paris por

volta de 1832, e que adoptou logo o telégrafo eléctrico; na Alemanha fundaram-se

depois as duas outras grandes agências europeias: a Reuter e a Wolff.79

(1989, p.

217)

Vale lembrar que, conforme já mencionamos no capítulo anterior, um dos critérios

metodológicos que utilizamos para a seleção dos textos que compõem nosso corpus foi

justamente não usar notícias cuja fonte era uma agência. Isso porque, apesar de confiáveis no

quesito “veracidade da informação”, procurávamos minimizar as chances de ter no corpus

textos que não tenham sido originariamente escritos por um redator local. Assim, notícias que

configurassem traduções ou que fossem explicitamente oriundas de agências não foram

incluídas no corpus.

Nesse contexto de expansão dos jornais com foco noticioso, o público começa a

despertar um interesse cada vez maior pelas notícias e menor pelos editoriais e artigos de

opinião:

Prefere-se cada vez mais a informação objectiva à discussão e à opinião, as notícias

sensacionais aos editoriais reflectidos. Na necessidade de encontrar em público mais

largo, o jornal procura manter uma atitude imparcialmente objectiva, dirigindo-se

assim a todos, e não a um grupo de leitores ideologicamente afins, necessariamente

muito mais restrito. (TENGARRINHA, 1989, p. 219)

O processo de “popularização” dos jornais teve como consequência uma certa

descaracterização ideológica dos periódicos, que passaram, então, a tentar “agradar” ao maior

número possível de leitores visando aumentar as vendas. Tengarrinha define, em um

parágrafo, o que parece resumir a Imprensa de massa até os dias de hoje:

79

A agência HAVAS pertencia a Charles-Louis Havas. Ainda no séc XIX, a Havas se tornou a Agence France-

Presse (AFP), em atividade até hoje.

Em 1851, um sócio da Havas se desligou dela e fundou sua própria agência, a Reuters, que existe até hoje e é

uma das mais importantes fontes de notícias do mundo.

A Wolff foi fundada em 1849 e deu origem à atual Deutsche Presse-Agentur (DPA).

Já no século XX, foram fundadas as americanas Associated Press e United Press, que, em uma fusão,

posteriormente formaram United Press International (UPI), ainda em funcionamento.

Page 232: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

209

Agora, é o jornal que tem de procurar o público, descer ao seu nível, adivinhar-lhe

os gostos e apetites, mesmo os mais baixos, ir ao encontro da sua mentalidade.

Perde, assim, quase completamente o seu valor formativo. Com efeito, na medida

em que os jornais deixavam de apoiar-se em facções políticas, para serem,

sobretudo, mantidos por grupos financeiros, a Imprensa transformou-se numa

indústria como a de sapatos ou mobílias. O que lhe interessava era vender, vender o

mais possível, sacrificando tudo a isso. O jornal passa a ser, portanto, uma

mercadoria: embora mercadoria essencialmente transitória, apenas com valor

durante algumas horas. (1989, p. 220, grifo do autor).

Todas essas características que passaram a configurar o ambiente jornalístico

colaboraram para que se instaurasse verdadeiramente uma indústria do gênero em Portugal,

com avanço do movimento jornalístico para as províncias. Depois do lançamento do DN,

muitos jornais foram criados em todo o país tomando-o como modelo tanto no estilo quanto

no preço e até no título. Em 1880, Eduardo Coelho, fundador do Diário de Notícias, avaliou

em 200 o número de periódicos em circulação em Portugal e colônias, com uma tiragem

média total de 100.000 exemplares por dia. Em 1894, quatorze anos mais tarde, o jornalista,

escritor e bibliógrafo Brito Aranha, que assumira a função de redator principal do DN em

1889, após a morte de Eduardo Coelho, calculou que o número de periódicos fosse de 389 no

continente e nas províncias, com elevação também na tiragem média.

Com isso, no último decênio do século XIX, já havia periódicos em todo o país, o que

foi favorecido tanto pela redução das taxas de analfabetismo das populações rurais quanto

pela melhoria das vias de comunicação e de transporte (as relações postais). Tengarrinha

mostra, então, um gráfico onde podemos verificar a quantidade de jornais em circulação nos

distritos de Portugal entre 1894 e 1900:

DISTRITO Nº DISTRITO Nº DISTRITO Nº

Aveiro 21 Faro 10 Viana do Castelo 21

Beja 07 Guarda 10 Vila Real 17

Braga 46 Leiria 13 Viseu 23

Bragança 06 Lisboa 188 Angra do Heroísmo 16

Castelo Branco 08 Portalegre 12 Funchal 07

Coimbra 32 Porto 91 Horta 14

Évora 12 Santarém 14 Ponta Delgada 23

Quadro 14: Jornais em circulação em Portugal entre 1894 e 1900, segundo Tengarrinha (1989, p. 232)

Page 233: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

210

Em 1900, Brito Aranha publicou um estudo80

em que expôs a média de títulos de

periódicos por número de habitantes de vários países desenvolvidos do mundo. Os resultados

são:

PAÍS Nº DE HABITANTES POR

TÍTULO DE PERIÓDICO PAÍS

Nº DE HABITANTES POR

TÍTULO DE PERIÓDICO

EUA 7.000 Itália 44.000

Suiça 8.000 Áustria 105.000

Bélgica 15.000 Turquia 300.000

Holanda 16.000 Rússia 350.000

França e Inglaterra 23.000 Portugal 6.500

Alemanha 26.000 - -

Quadro 15: Periódicos por nº de habitantes na última déc. do século XIX, segundo Brito Aranha (1900)

Ou seja, segundo sua conclusão, proporcionalmente ao número de habitantes, havia

em Portugal, no fim do século XIX, mais publicações periódicas do que em qualquer um dos

principais países desenvolvidos do mundo, com um jornal para cada 6.500 habitantes apenas;

enquanto, na França e na Inglaterra, por exemplo, havia um jornal para cada 23.000

habitantes. É evidente que o número de títulos não significa, necessariamente, que a

população esteja em contato direto com os periódicos. A comparação com outros países seria

mais próxima do real “índice de leitura” se fosse baseada na tiragem das publicações e não na

quantidade de títulos. Mas, de qualquer forma, não deixam de ser dados relevantes,

especialmente nesse período em que, conforme vimos, os jornais passaram a praticamente

depender das vendas. Assim, se havia tantos títulos, é porque havia público para eles ou, de

outra sorte, os periódicos teriam falido.

Os anos de 1889 até 1908 foram o mais duro período quanto às liberdades públicas e,

portanto, também para a Imprensa em Portugal. Isso se deveu à instabilidade política vivida

no país naquele período de fortes críticas à monarquia e fortalecimento dos movimentos

republicanos.

A reorganização do Partido Republicano e o impulso revolucionário que este tomou

mais alertaram a atenção das autoridades. Na madrugada de 11 de Abril de 1904

foram assaltadas pela polícia as tipografias de O Século, O Mundo, A Vanguarda e

O Progresso. Estabelece-se violentamente a censura prévia, ficando toda a imprensa

coacta. Em Fevereiro de 1906 são apreendidos os jornais adversos do governo e as

80

ARANHA, Pedro Venceslau de Brito. Mouvement de la Presse Périodique em Portugal de 1894 a 1899.

Lisboa: Lisbonne Impremiere Nationale, 1900.

Page 234: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

211

tipografias dos periódicos oposicionistas são vigiadas dia e noite pela polícia.

(TENGARRINHA, 1989, p. 255)

Até a queda da Monarquia e a instauração da República em Portugal, em 05 de

outubro de 1910, inúmeros jornais foram suspensos, com “multas” de 30 ou 60 dias. O Diário

de Notícias foi um dos poucos que não foram suspensos. Depois de instaurada a República,

porém, restituiu-se o direito de livre expressão do pensamento através do jornalismo, o que

era considerado um dos mais sólidos alicerces do novo regime. A censura prévia, entretanto,

voltaria a ser legalmente instituída no país pelo Decreto nº 22.469, de 11 de abril de 1933,

quando – por meio da nova Constituição – teve início o Estado Novo em Portugal, sob

governo ditatorial de Salazar. A ditadura – e, com ela, a censura – permaneceu em vigor em

Portugal até 25 de abril de 1974, quando a chamada Revolução dos Cravos pôs fim ao regime

ditatorial. Tal foi o contexto histórico-social em Portugal, tal foi o clima de tensão em que se

encontravam os jornais lusitanos durante a maior parte (cerca de seis dentre as dez décadas)

do século XX, período que nos propusemos a investigar.

Além da divisão cronológica que já mencionamos acima, outra possibilidade de

classificação dos periódicos, segundo Tengarrinha, leva em consideração outros aspectos, tais

como:

ASPECTO CARACTERIZAÇÃO

Geográfico Jornais nacionais versus jornais regionais, rurais, urbanos. As

relações entre a imprensa lisboeta e a imprensa da província.

Relações com os

poderes públicos e

religiosos

Imprensa legal e clandestina; imprensa oficial ou de instituições

oficiosamente reconhecidas e imprensa particular; órgãos de

poderes religiosos.

Orientação

Jornais independentes ou que pretendem apresentar-se como tal;

jornais orientados: políticos (representantes de partidos, de facções

ou até apenas de personalidades), religiosos ou anticlericais.

Matéria

Jornais políticos; predominantemente noticiosos; divulgadores de

conhecimentos úteis, bem como das conquistas das ciências e das

técnicas; de letras, artes, filosofia; enciclopédicos; biográficos etc.;

de legislação e jurisprudência; militares; históricos; comerciais,

agrícolas, industriais ou sobre assuntos económicos de uma maneira

geral; humorísticos, de diversão e variedades; sobre modas;

musicais e teatrais; ilustrados; só de anúncios.

Periodicidade e

gênero

Diários, bi ou trissemanais, semanários, mensários, anuários etc.;

revistas, boletins, arquivos, anais ou efemérides; os casos dos

números únicos (ou, mais propriamente, das publicações avulsas ou

comemorativas) ou suplementares.

Quadro 16: Possibilidades de classificação dos periódicos, segundo Tengarrinha (1989)

Page 235: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

212

Além desses, também devem ser levados em consideração para a análise de periódicos

outros aspectos, concernentes à estrutura interna da elaboração dos jornais, de sua redação e

redatores que a compõem. São aspectos como:

ASPECTO CARACTERIZAÇÃO

Redação

Constituição da redação; hierarquias e divisão do trabalho; redatores;

informadores e correspondentes; o repórter; folhetinistas e críticos de

espetáculos; informação do estrangeiro; evolução da importância

relativa do noticiário nacional e internacional; evolução da técnica da

reportagem e da notícia; títulos; revisão; a participação do leitor na

seção de “cartas ao redator”; o anonimato e a assinatura dos artigos; as

relações entre o jornalista e o leitor. A informação do jornalista. Fontes

de informação: nacionais; do estrangeiro. As agências noticiosas; A

evolução das técnicas de transmissão de notícias.

Direção Influência na vida do jornal; relações com a redação; o diretor; o editor

e o redator-principal, redator-responsável e chefe da redação.

Administração

Constituição e influência no jornal; relações com a direção e a redação;

ligações com os grupos políticos ou financeiros que sustentam o jornal.

Custos de produção, preço de venda ao público. A vida econômica e

financeira da empresa jornalística.

Publicidade A influência dos anúncios na vida financeira dos jornais; o problema

da sujeição dos jornais aos anúncios; tipo e evolução dos anúncios.

Distribuição

Venda ambulante e pontos de venda; sistema de transportes;

assinaturas; distribuição domiciliária e por correio. Os problemas das

relações postais, entre as quais, os portes de correio.

Apetrechamento

tipográfico

Tipos e composição; estampa e gravura; paginação e evolução do

aspecto gráfico ou apresentação; máquinas de impressão e tintas.

Pessoal da tipografia; associacionismo e movimentos reivindicativos

dos tipógrafos.

Papel Qualidade e preço do papel, formato etc.

Quadro 17: Aspectos da elaboração dos jornais a serem considerados em análises de periódicos, segundo

Tengarrinha (1989)

Cabe aqui, ainda, mencionar uma lista dos jornais mais importantes da virada do

século XIX para o XX, com suas características físicas, segundo Tengarrinha:

Ao dobrar o século, os jornais mais antigos e de maior prestígio eram: em Lisboa, o

Jornal do Comércio (com 47 anos), o Diário de Notícias (com 36 anos) e O Século

(com 19 anos); no Porto, o Comércio do Porto (fundado em 1854) e O Primeiro de

Janeiro (em 1869); O Conimbricense, de Coimbra, e O Instituto, da mesma cidade,

Page 236: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

213

que tinham, respectivamente, 47 e 53 anos de existência; mas o mais velho era O

Açoriano Oriental, da ilha de São Miguel, fundado em 1835, ainda hoje existente.

Os jornais políticos noticiosos, tanto em Lisboa como na província, têm em

geral os seguintes formatos: 48 cm de altura por 34 cm de largura; 51 cm por

35 cm; ou 58 cm por 42 cm. A esta última categoria pertencem, designadamente, O

Popular, A Nação e A Vanguarda. A folha de maior formato impressa então na

capital era o Jornal do Comércio, que tinha 74 cm de altura por 56 cm de largura. O

formato do Diário do Governo (jornal oficial) era de 47 cm de altura por 33 cm de

largura. O Diário de Notícias, com um quadro elástico, utilizava folhas maiores

ou menores, tanto num como no outro sentido, de acordo com a importância e a

extensão dos documentos ou das notícias e o afluxo de publicidade. No Porto, o

jornal de maior formato, bem como impresso e como a bom papel, era então O

Comércio do Porto, com as medidas de 72 cm de altura por 51 cm de largura.

No resto da província, o jornal de maior formato era O Campeão das Províncias, de

Aveiro. Os jornais literários e as revistas ou magazines especiais, boletins etc.,

utilizavam formatos e paginações muito variados: quer o in octavo, quer o in quarto

ou o in folio81

, grande ou pequeno, sendo o número de páginas também muito

irregular, mesmo de cada publicação. (TENGARRINHA, 1989, p. 234, grifos em

itálico do autor; em negrito, nossos).

Destacamos do excerto acima as referências a jornais que constituem parte de nosso

corpus. Não por acaso, constam nessa lista dos “jornais mais importantes” da virada do século

somente os dois únicos periódicos não regionais de nosso corpus: o Diário de Notícias e O

Comércio do Porto. O DN está em plena atividade e é um dos jornais mais influentes no país

ainda hoje; já O Comércio do Porto deixou de ser publicado em 30 de julho de 2005, mas,

durante todo o século XX, foi uma das mais importantes publicações de Portugal, enfrentando

declínio somente a partir da década de 1990. Os demais periódicos de nosso corpus são todos

de abrangência regional, sobre os quais daremos mais informações adiante.

Com relação às características expostas nos quadros acima, referentes à forma, ao

conteúdo, à composição da redação, à orientação política, à periodicidade etc., procuraremos

explicitá-las, sempre que possível, no que tange aos periódicos que nos serviram para

constituição do corpus desta pesquisa.

Tengarrinha afirma que essas são algumas das coordenadas que poderiam orientar um

estudo mais aprofundado sobre os jornais e suas características. Ele acredita que um estudo

com esse nível de detalhamento seria riquíssimo para servir de base para inúmeras pesquisas

nas mais variadas áreas. E sobre as possíveis pesquisas que podem surgir a partir dos jornais,

o autor destaca dois diferentes tipos de trabalho a fazer:

1) Fazer a história da Imprensa;

2) Utilizar a Imprensa como fonte histórica e instrumento;

81

O in-fólio (ou bifólio), do latim in folium (“na folha”), é o tipo de impressão na qual uma folha é dobrada uma

vez, ao meio, obtendo-se cadernos com quatro páginas (duas de cada lado); o in-quarto é aquele em que a folha

impressa é dobrada duas vezes, resultando em um caderno de oito páginas (ou quatro folhas); e o in-octavo é a

impressão em que a folha é dobrada três vezes, resultando em um caderno com 16 páginas (ou oito folhas).

Page 237: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

214

O trabalho de Tengarrinha corresponde ao tipo 1). Já o foco de nossa presente

pesquisa enquadra-se melhor no tipo 2).

Embora obras como as de Tengarrinha nos forneçam muitos dados acerca dos

periódicos portugueses, muitas informações não se encontram explícitas em textos sobre a

história da imprensa e podem ser observadas somente a partir da leitura dos próprios

periódicos coevos. São tais observações que tivemos a partir do trabalho direto com essas

fontes que pretendemos noticiar neste capítulo.

Antes de nos voltarmos para a descrição dos periódicos em si, cabem, aqui, ainda,

algumas notas sobre a atividade da Imprensa hoje no país, especialmente a Imprensa

Regional.

Conforme mencionamos acima, atualmente, a atividade da Imprensa em Portugal é

regulamentada e supervisionada pela ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social),

em funcionamento desde 17 de fevereiro de 2006, criada a partir da Lei 53/2005, de 08 de

novembro de 2005.

Dentre os periódicos que compõem nosso corpus, apenas dois, como citamos acima,

são classificados como “publicações de âmbito nacional”: O Comércio do Porto, fonte das

notícias da região Norte, e o Diário de Notícias, fonte dos dados da região de Lisboa. Todos

os demais periódicos que constituem o corpus são classificados pela Lei de Imprensa como

“publicações de âmbito regional”, ou seja, aquelas “que, pelo seu conteúdo e distribuição, se

destinem predominantemente às comunidades regionais e locais.”82

.

Em um extenso estudo intitulado A Imprensa Local e Regional em Portugal, publicado

em 2010 pela ERC, J. A. Azeredo Lopes, presidente do Conselho Regulador, define o status

da Imprensa Regional na primeira década do século XXI:

Com efeito, desde o início do mandato do Conselho Regulador verifiquei como era

frequente a referência genérica à Imprensa (nacional, regional e local), como um

todo. Mas também acontecia a sua apresentação em compartimentação rígida, tendo,

de uma banda, a Imprensa de expansão nacional e, de outra (quantas vezes sob a

forma de amálgama), a Imprensa regional e local. Não foi também incomum, ao

longo destes anos de mandato, ouvir menções à Imprensa regional e local como

“típica” (uma espécie de folclore ultrapassado da página impressa), anacrónica,

subsídio-dependente (vindo sempre à liça a questão do porte pago), nada

preparadas para a evolução, sujeita às mais variadas influências e alegados

caciquismos – e, até, destinadas a uma extinção certa, sem poder resistir às

82

Cf. Artigo 14º da Lei da Imprensa.

Page 238: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

215

maravilhas tecnológicas e às novas plataformas, como dinossauro comunicacional

que apenas ficaria na memória dos menos novos. (p. 15)

[...]

Antes de concluir. A imprensa regional, pude comprová-lo se dúvidas tivesse,

desempenha um papel notável de reforço de um conceito rico de cidadania. Cultiva

a proximidade, é útil para quem a lê, estimula ou, pelo menos, conserva, laços

identitários, culturais e históricos da maior importância – e muitos concretos

conheci. Acarinha o particular, numa altura em que só se prega o global.

Cultiva a língua portuguesa, num plano cada vez mais raro na Imprensa em

geral. É por isso e não só por isso, fascinante, e justifica, plenamente, que, sempre

que possível, os poderes públicos – na ponderação de decisões – tenham estes

aspectos presentes, a pesar favoravelmente num dos pratos da balança. (MARTINS

& GONÇALVES, 2010, p. 15 e 18, grifos nossos)

Como se vê, mesmo em pleno século XXI, a Imprensa Regional e Local em Portugal é

vista como “típica” e busca se identificar com seus leitores por meio de uma série de

características peculiares à região de onde provém, marcando sua diferença em relação à

Imprensa de âmbito nacional, inclusive por meio do uso da língua, conforme afirma o autor.

O estudo citado toma por base os dados da Unidade de Registro da ERC entre os anos

de 2006 a 2008 nos 18 distritos de Portugal Continental e nas regiões Autônomas. Nesse

período, segundo tal fonte, havia 2.942 publicações periódicas com registro ativo em

Portugal. Dessas, 728 se enquadram na classificação de “publicação de âmbito local e

regional”. Apenas 18 (2,5%) desses periódicos regionais são diários. A maioria das

publicações regionais possui periodicidade mensal (273 títulos, ou 37,5%), como se pode ver

no quadro abaixo:

PERIODICIDADE QUANTIDADE DE PUBLICAÇÕES

Diários 18 títulos (2,5%)

Semanários 214 títulos (29,4%)

Mensários 273 títulos (37,5%)

Quinzenários / Bimensais 174 títulos (23,9%)

Bissemanal / trissemanal / ou trimensal 18 títulos (2,5%)

Apenas on-line 31 títulos (4,3%)

Quadro 18: Periodicidade das publicações regionais em Portugal em 2009, segundo Martins & Gonçalves

(2010)

Dentre os seis jornais regionais que nos serviram de fontes de dados, quatro estão em

atividade ainda hoje. Desses quatro, três são diários (Diário de Coimbra, Diário do Alentejo e

Diário dos Açores) e um é semanal (Jornal d’ Estarreja). O jornal O Algarve encerrou suas

atividades em abril de 2013 e era de periodicidade semanal até então.

Page 239: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

216

Outra característica da Imprensa Regional, que a nós é particularmente interessante,

diz respeito aos recursos humanos desses periódicos. A parte II do estudo publicado pela ERC

descreve os encontros realizados pela instituição com os representantes dos jornais de cada

distrito. Sobre o encontro no distrito de Évora, por exemplo, destacam o seguinte:

O vice-diretor de um quinzenário da região começou por afirmar que não é

jornalista profissional, nem o é o próprio diretor. É professor e está há cerca de

20 anos na direção do jornal. A publicação conta com 4 profissionais e um leque

de 3 a 4 colaboradores a título gracioso. (MARTINS & GONÇALVES, 2010, p.

68, grifos nossos)

Relatos semelhantes aparecem ao longo do texto. Isso mostra que a imprensa regional

em Portugal, mesmo já no século XXI, possui um alto índice de não profissionalização,

contando muitas vezes com a colaboração voluntária de moradores locais para a redação do

periódico. É o que fica evidente no seguinte resumo estatístico dos recursos humanos do

estudo:

A vastidão e profundidade dos dados obtidos tornam difícil qualquer tentativa de

síntese. Contudo, alguns elementos podem ser destacados, entre os quais os relativos

aos recursos humanos que mostram que mais de metade das publicações da

amostra conta com menos de 5 trabalhadores (52,1%) ou entre 5 a 8 (18,5%)

trabalhadores afectos a produção do título. Uma percentagem mais residual de

inquiridos declara ter mais de 8 trabalhadores (12,4%) e 14,4% não tem qualquer

trabalhador afecto a produção da publicação. Quanto a jornalistas, quase metade

das publicações da amostra conta com menos de 3 jornalistas (49,1%) ou entre 3

a 5 (22,9%) afectos a produção do titulo. Uma percentagem mais residual de

inquiridos declara ter mais do que 5 jornalistas e 18,5% dos inquiridos não têm

qualquer jornalista afecto à produção da publicação. (MARTINS &

GONÇALVES, 2010, p. 25, grifos nossos)

Se mesmo no século XXI essa é a realidade dos jornais regionais, embora não

tenhamos encontrado dados concretos em relação a essa informação para os jornais do século

XX, supomos que o cenário não tenha sido muito diferente naquele tempo. Talvez fosse até

mais precário. Sobre o próprio senhor diretor do jornal de Évora citado acima, se em 2009 já

era diretor do jornal em questão há 20 anos, significa que, ao menos na última década do

século XX (período englobado por nosso corpus), tal publicação estava sob comando de um

“não jornalista”. O que representa um problema para as publicações regionais é, por outro

lado, bom para a constituição de nosso corpus, pois aumenta as chances de encontrarmos nos

jornais que nos serviram de fonte de dados textos escritos por pessoas nascidas e criadas

naquela determinada região, que têm uma forte relação com sua terra a ponto de quererem

contribuir para o jornal local e que, além de tudo, não são jornalistas profissionais. Quanto

Page 240: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

217

menos “profissionais” forem nossos redatores, melhor. Os jornalistas formados, além de, em

geral, a fim de estudar, terem de se deslocar para os grandes centros urbanos (e acadêmicos)

de Portugal – Lisboa, Coimbra e Porto – acabam não somente recebendo influência de outros

falares, mas também instruções acerca do uso de uma linguagem padrão nos textos

jornalísticos que vierem a produzir na carreira. Por isso, poder contar com a possibilidade de

termos redatores com o mínimo de influência possível de outras variantes linguísticas é

bastante positivo para uma pesquisa como a nossa, em que se pretende observar a variação

diatópica em Portugal.

Com relação aos textos que compõem os periódicos regionais, também verificamos na

publicação que, em 2009, sua constituição era basicamente a seguinte:

Informação: domina mais da metade da área impressa de três quartos das

publicações (75,5%);

Opinião: ocupa cerca de 20% da área impressa em 75% dos jornais;

Entretenimento / lazer: ocupa menos de 10% da superfície impressa em

58,4% das publicações e estava ausente em 37% dos títulos analisados;

Publicidade (comercial e “institucional”): cerca de dois terços apresentam

entre 10% e 30% de sua área impressa preenchida por publicidade: em 32,1%

a publicidade ocupa entre 10% e 20% e em 31,8% dos casos, preenche 20% a

30% da área. Um total de 5,5% sequer apresenta conteúdo publicitário.

Não é feita menção à nomenclatura gênero textual, mas, a partir dos dados acima,

podemos inferir que, ao mencionarem “informação”, referem-se, basicamente, às notícias,

indicando que mais da metade da área impressa na maioria dos jornais regionais é composta

por esse gênero textual.

O estudo aponta, ainda, uma série de problemas vividos pela Imprensa Regional em

Portugal hoje. A maior parte dos problemas está relacionada a questões financeiras, tais como

a escassez de investimento publicitário, a diminuição do porte pago, os critérios da

publicidade institucional, a concorrência com outras publicações locais e regionais ou com

publicações nacionais ou ainda com rádios regionais ou com a TV.

Tais dificuldades fazem com que o setor seja extremamente instável, com centenas de

publicações sendo inauguradas e extintas a cada ano no país. Em 2009, por exemplo, houve o

registro de 230 novas publicações e o encerramento das atividades de 430 delas. O Porto é o

distrito que, àquela altura, contava com o maior número de publicações regionais, com 85

Page 241: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

218

títulos (11,7% do total); ao passo que Beja era o distrito com menos publicações regionais –

apenas 09, ao todo (1,2% do total). Uma dessas nove publicações regionais em atividade

ainda hoje no distrito de Beja foi nossa principal fonte de dados para a região do Alentejo: o

Diário do Alentejo, fundado em 1932, cujo diretor, gentilmente nos recebeu no arquivo

privado do jornal para levantamento de nossos dados.

Em consequência desses inúmeros fatores que dificultam o funcionamento da

Imprensa Regional em Portugal, raros são os títulos em atividade até o ano de 2009 (quando

foi realizada a pesquisa) que sejam longevos. Dentre os 411 periódicos avaliados no estudo,

apenas 20% deles tinham sido fundados antes de 1970. Destes, apenas sete títulos foram

fundados ainda no século XIX. Todos os demais iniciaram suas atividades após a década de

1980, muitos deles já no século XXI.

Apesar dessas dificuldades, a pesquisa realizada pelo ERC mostra que, fora dos

grandes centros urbanos de Lisboa, Porto e Faro, o público português tem preferência pela

leitura de jornais regionais, conforme se pode verificar na tabela abaixo, publicada em

Martins & Gonçalves (2010):

DISTRITO ÂMBITO

REGIONAL (%) NACIONAL (%)

Aveiro 64,2 60,1

Beja 52,9 53,1

Braga 63,6 62,8

Bragança 44,2 43,6

Castelo branco 71,3 55,4

Coimbra 68,8 58,4

Évora 61,1 59,2

Faro 48,9 70,1

Guarda 63,2 58,8

Leiria 69,2 62,1

Lisboa 31,8 72,1

Portalegre 64,1 62,5

Porto 36,7 75,1

Santarém 64,8 61,3

Setúbal 52,4 71,2

Viana do Castelo 57,2 61,6

Vila Real 50,9 50,8

Viseu 50,4 46,0

Quadro 19: Hábitos de leitura por distrito, segundo Martins & Gonçalves (2010)

Page 242: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

219

Como se pode observar, na maioria dos distritos, leem-se mais ou menos na mesma

proporção os jornais de âmbito regional e os de âmbito nacional. Em Lisboa, Porto, Faro e

Setúbal (que, em certa medida, se pode dizer que faz parte da “Grande Lisboa”), porém,

privilegia-se a leitura de jornais de âmbito nacional. Isso mostra que, embora enfrente muitas

dificuldades, o jornal regional ainda ocupa um lugar de destaque nos hábitos de leitura da

população do país, de maneira geral.

A partir das informações mencionadas, cremos ter proporcionado um panorama geral

dos jornais em Portugal. Isto feito, iremos nos concentrar, agora, nos títulos que compuseram

as fontes de onde extraímos os dados de nosso corpus, distribuídos por região.

Ao fim deste trabalho, o leitor poderá encontrar um apêndice onde constam todas as

edições dos jornais levantados como fonte para esta pesquisa.

4.1 Região Norte

Conforme mencionamos no capítulo anterior, todo o corpus da região Norte foi

composto a partir do jornal O Comércio do Porto, proveniente da cidade do Porto, a segunda

maior cidade do país. O jornal foi publicado pela primeira vez em 02 de junho de 1854, tendo

sido, até encerrar suas atividades, em 30 de julho de 2005, o segundo jornal mais antigo de

Portugal83

.

Foi fundado por Manuel Sousa Carqueja e Henrique Carlos Miranda e seu último

diretor foi Rogério Gomes. António Matos, na época de seu fechamento, era o representante

do grupo empresarial espanhol Prensa Ibérica (ao qual o jornal pertencia desde 2001). Foi ele

que determinou o encerramento, ao mesmo tempo, de dois de seus jornais alegando problemas

financeiros: A Capital e O Comércio do Porto. De acordo com a APCT, em 2004 (ano que

antecedeu seu fechamento), O Comércio do Porto teve queda de 3,7% nas vendas, com

tiragem média de 3.800 exemplares diários. Na ocasião de seu fechamento, o jornal contava

com cerca de 80 funcionários. O fato gerou bastante repercussão e várias empresas cogitaram

comprar o jornal e impedir seu encerramento, mas as negociações não avançaram e o

83

O mais antigo jornal português (e um dos dez mais antigos do mundo) chama-se Açoriano Oriental, cuja

primeira edição data de 18 de abril de 1835. Trata-se de um jornal diário proveniente da ilha de São Miguel em

atividade ainda hoje, com tiragem aproximada de 2.500 exemplares por mês em 2013, segundo a APCT

(ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PARA CONTROLO DE TIRAGEM E CIRCULAÇÃO, 2014).

Page 243: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

220

periódico não voltou a ser publicado. O espólio do jornal atualmente pertence ao Arquivo da

Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, cidade vizinha ao Porto.

O Comércio do Porto foi um jornal de abrangência nacional, mas que procurava

concentrar seus textos nos assuntos relativos à região Norte do país. Conforme vimos,

segundo Tengarrinha (1989), foi uma das publicações mais influentes no país durante o século

XX. À época de sua fundação, ainda no século XIX, havia onze jornais vinculados a partidos

políticos na cidade do Porto. O jornal, porém, anunciava na primeira página de seu número

inaugural que seria um periódico “alternativo, livre e inovador”.

Após o falecimento de Manuel Carqueja, em 1884, a direção do jornal passou para seu

sobrinho, Bento de Sousa Carqueja, tendo este permanecido nessa função até seu falecimento,

em 1935. Na edição de aniversário de 80 anos do jornal, Bento Carqueja publicou um texto

em que narrou as principais etapas da história do periódico e expôs os ideais e objetivos que

nortearam sua atividade à frente do jornal:

Por um conjunto de circunstâncias, O Comércio do Porto representa hoje uma

instituição intimamente ligada à tradição da cidade do Porto, em quase metade do

século XIX e em mais do que o primeiro quartel do século XX. Tem procurado

servir a causa da Pátria, com bastante dedicação e suficiente desejo de lhe ser

prestimoso.

Tenho acompanhado a vida do jornal, nos últimos cinquenta anos. Recebi dos seus

fundadores informação oral sobre os esforços que empregaram e os sacrifícios

heroicos que se impuseram para fazer vingar a sua iniciativa. Com a minha morte

desaparecerá, pois, a única fonte directa de tradição oral, relativa aos primeiros anos

do jornal.

[...]

Tem querido mantê-lo paladino da Liberdade, começando por adoptar o lema de

Chateaubriand: “Não se conhece governo representativo sem liberdade de

imprensa”. Tem-se esforçado por o manter independente de pressões e sugestões de

qualquer ordem, venham elas de onde vierem. Tem diligenciado fazer intervir o

jornal na solução dos grandes problemas nacionais, sem preocupação de política

partidária; apenas dessa política resumida na mais pura noção do Bem e da

Pátria. Tem procurado que O Comércio do Porto, actualizado, dia a dia, e

constantemente vivificado com novos elementos intelectuais e morais, seja um valor

na Imprensa portuguesa.

Morrerei contente, se conseguir deixar a grande obra jornalística, por mim herdada,

tão pura nos seus processos, tão alevantada nas suas aspirações, tão vinculada ao

Bem da minha Pátria, como a recebi dos seus fundadores e como tenho procurado

conservá-la – QUERIDA JOIA DE FAMÍLIA!" (CARQUEJA, 1934, grifos nossos)

O jornal contou com a colaboração de ilustres escritores, tendo publicado, em primeira

mão, por exemplo, folhetins de Camilo Castelo Branco. Seguem, abaixo, alguns dados acerca

do jornal durante os anos que nos serviram de fonte de dados do corpus:

Page 244: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

221

ANO PROPRIETÁRIO DIRETOR EDITOR TIPOGRAFIA PREÇO

1905 Bento Sousa

Carqueja F. S. Carqueja

84 -

Fábrica do

Caima $20

85

1915 Bento Sousa

Carqueja

Bento Sousa

Carqueja

Bento Sousa

Carqueja

Fábrica do

Caima $20

1925 Bento Sousa

Carqueja

Bento Sousa

Carqueja

Bento Sousa

Carqueja Própria $200

1935 Bento Sousa

Carqueja86

Bento Sousa

Carqueja

Bento Sousa

Carqueja Própria $0,30

1945 Fortunato Seara

Cardoso87

Fortunato Seara

Cardoso

Fortunato

Seara Cardoso Própria $0,50

1955 Fortunato Seara

Cardoso

Fortunato Seara

Cardoso

Fortunato

Seara Cardoso Própria $0,80

1965 -88

Fortunato Seara

Cardoso

Fortunato

Seara Cardoso Própria 1$00

1975 - José Miguel

Seara Cardoso89

- Própria 4$00

1985 - Manuel Teixeira - Própria 40$00

1995 - Luís de Carvalho - Própria 120$00

Quadro 20: Informações acerca de O Comércio do Porto nas edições do corpus

84

Todas as edições de que dispomos trazem no cabeçalho, logo abaixo dos nomes dos fundadores do jornal, a

informação: ADMINISTRADOR: F. S. CARQUEJA. Não conseguimos identificar quem seria esse

“administrador”, visto que suas iniciais não coincidem nem com a de um dos fundadores (Manuel de Sousa

Carqueja) nem com a de seu sobrinho que herdou o jornal (Bento Sousa Carqueja). Sabemos, pelo sobrenome,

ser algum membro da mesma família, mas não sabemos quem exatamente. Nas edições da década de 1910, esse

nome passou a aparecer ao lado dos nomes dos outros dois fundadores, da seguinte forma: “FUNDADORES: H.

C. DE MIRANDA – M. S. CARQUEJA – F. S. CARQUEJA”.

85

As capas das edições das décadas de 1900 e 1910 trazem a seguinte informação acerca do preço avulso dos

exemplares: “20 réis no próprio dia e 40 réis depois”.

86

Conforme mencionamos, Bento de Sousa Carqueja faleceu em agosto de 1935 e se manteve como diretor,

editor e proprietário do jornal até sua morte. As edições de 1935 do nosso corpus são dos meses de abril e maio;

sendo assim, a essa altura o jornalista ainda era vivo e se mantinha como o responsável pela publicação.

87

Nas edições das décadas de 1940 e 1950, consta no cabeçalho a informação de que Fortunato Seara Cardoso é

o proprietário, o diretor e o editor do jornal, sendo Hugo Rocha o chefe da Redação. Fortunato Seara Cardoso era

genro de Bento de Sousa Carqueja, casado com a filha deste, Sra. Maria Paulina Carqueja, indicando que a

empresa continuava a ser, a essa altura, um negócio da mesma família de seus fundadores.

88

Nas edições da década de 1960, o cabeçalho informa que F. Seara Cardoso é o diretor e editor do jornal, não

trazendo mais qualquer informação acerca da propriedade do periódico.

89

Nas edições da década de 1970, o nome de José Miguel [Carqueja] Seara Cardoso, filho de Fortunato Seara

Cardoso, aparece como diretor interino do jornal. Não há qualquer referência a quem é o proprietário e o editor

do periódico nem nessa década nem nas seguintes (1980 e 1990), durante as quais os diretores aparentemente

não pertencem mais à família Carqueja / Seara.

Page 245: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

222

No quadro abaixo, pode-se ter uma ideia da evolução gráfica do jornal ao longo do

século XX:

1900 1910 1920

1930 1940 1950

1960 1970 1980

Page 246: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

223

1990 2005 -

-

Quadro 21: Capas de O Comércio do Porto por década

Como se pode observar, nas três primeiras décadas, a publicação possuía muito texto

escrito na capa com pouquíssima ou nenhuma imagem (conforme era comum na época,

devido aos altos custos de impressão). Tal tendência começou a mudar a partir da década de

1930. A partir da década de 1970, a capa passou a ser composta predominantemente com

imagens e pouco texto escrito, restringindo-os, quase que exclusivamente, às manchetes.

Também é notável a manutenção do mesmo logotipo e tipo de letra (fonte) do título do

jornal, em padrão “gótico”, em seu cabeçalho ao longo de todo o século XX. De fato, o

periódico manteve sua imagem – especialmente no que tange seu nome, mas também no

conteúdo do periódico como um todo – durante o século XX, motivo pelo qual o público

estranhou a mudança sofrida pelo jornal no ano de 2004, quando o grupo Prensa Ibérica

reformulou a imagem do mesmo (podemos ter uma ideia dessa reformulação a partir da capa

de 2005, exposta acima, apesar de não fazer parte de nosso corpus).

Conforme já constatamos pelos relatos de Tengarrinha (1989) acerca da constituição

morfológica dos periódicos da virada do século XIX para o XX, a folha de O Comércio do

Porto no início do século XX era uma das maiores (em dimensões) entre os periódicos do

país. De fato, tratava-se de um jornal de grande tamanho de folha, com fonte extremamente

pequena e densos textos distribuídos pelas oito colunas da página.

As edições das décadas de 1900, 1910 e 1920 do corpus apresentavam forma e

conteúdo muito semelhantes. Em 1905, as edições possuíam entre três e cinco páginas (sendo

quatro a quantidade mais frequente). Em 1915, todas as edições do corpus possuíam seis

páginas. Em 1925, a maioria das edições também apresentava seis páginas, embora haja uma

Page 247: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

224

edição com duas e outra com oito. A diferença básica entre as edições com quatro e com seis

ou oito páginas era o número de notícias. As páginas “a mais” traziam mais notícias. Mas a

estrutura básica e as seções eram praticamente as mesmas.

Quase sempre havia um folhetim90

no rodapé da capa, como é possível verificar nas

respectivas imagens do quadro acima. As duas (ou quatro) primeiras páginas apresentavam

notícias variadas a respeito de temas diversos, além de um artigo de opinião, frequentemente

assinado, ocupando a primeira (e às vezes também a segunda) coluna da capa do jornal. As

seções mais frequentes que constavam nessas páginas eram: Noticiário, Pelo Paiz, Interior,

Arredores, Mundanismo, Sport, Estrangeiro, Bibliographia, Espectáculo, Ensino,

Aphorismos. As duas últimas páginas eram – na maioria das vezes – integralmente reservadas

aos anúncios, comunicados oficiais / institucionais, propagandas, obituários e afins. O jornal

também frequentemente apresentava informações acerca de leilões, assim como tabelas de

preços e índices econômicos diversos, geralmente associados à economia típica da região

Norte, ou seja, agricultura, comércio e indústria, assuntos priorizados pelo periódico desde a

sua inauguração.

Em 1935, o jornal passa a ter entre oito e 12 páginas. Passam a existir mais fotografias

pelo jornal, sobretudo na capa. O folhetim ainda existe, mas passa a ocupar a página 2 ou 3 da

publicação. Também aumenta o número de anúncios, propagandas e avisos, que passam a

ocupar as três últimas páginas no jornal. Entre as páginas 2 e 5 (ou entre 2 e 9, no caso das

edições com 12 páginas), há notícias variadas com seções específicas para cada região de

onde provém a notícia, tais como Pelo País, Pela Cidade, Pela Província, além de subseções

voltadas para localidades da região norte, como De Vila do Conde, De Bragança, De Vila

Nova de Gaia. Ademais, também é possível verificar nessas páginas partes de publicações de

outros distritos, sob o título de Diário de Braga, Diário de Viana, Diário de Lisboa, por

exemplo. Nossos dados eram colhidos, preferencialmente, da seção Pela Cidade, que ainda

permaneceu no periódico nas décadas seguintes.

Todas as edições de 1945 do nosso corpus possuem oito páginas. A maioria das de

1955 também, embora algumas dessa fase também apresentassem 10 ou 12 páginas. Já as de

1965 possuem 14 ou 16 páginas. Mas as seções das edições dessas três décadas continuam

sendo praticamente as mesmas das citadas acima. A diferença é um maior destaque ao Diário

90

Os folhetins aos quais nos referimos aqui, embora estejam literalmente situados no rodapé da página

(conforme seu sentido original, segundo o jornalista Émile Girardin, que cunhou o termo feuilleton, na década de

1830), correspondem não somente à localização espacial do texto no jornal, mas ao gênero textual que se

convencionou chamar folhetim, muito comum nos jornais do fim do século XIX e início do século XX, que diz

respeito aos romances publicados “em partes”, “em capítulos” nos jornais desse período. (LIMA, 2010, p. 67-68)

Page 248: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

225

de Lisboa, que agora ocupa boa parte de uma das páginas centrais do periódico. Além disso,

também se tornam maiores as seções dedicadas aos desportos que, agora, costumam ocupar

toda a última página do jornal. O Noticiário Estrangeiro passa a ser constante e aparece em

destaque em mais de uma página das edições. É bastante comum que uma das últimas páginas

(em geral, a página antes da antepenúltima, ou seja, a página 5 ou 9, dependendo do número

total de páginas) concentre diversas “sobras de notícias”. Notícias que provavelmente “não

couberam” por inteiro na capa ou em outras páginas de destaque e que tiveram de ser

concluídas em outro local. Os anúncios e propagandas agora se espalham por todo o jornal,

embora estejam concentrados, majoritariamente, na antepenúltima e na penúltima páginas.

As edições da década de 1970 têm, todas, 14 ou 16 páginas. Ainda encontram-se

folhetins mesmo nessa década já avançada do século XX. Até as edições de 1965, os textos

ainda possuem fonte muito pequena e as letras são muito unidas umas às outras. Já nas

edições de 1975, o layout do jornal muda um pouco, ganhando mais “espaços em branco”

entre os textos, além de fonte um pouco maior. A capa passa a apresentar bem menos texto

escrito e mais imagens seguidas das manchetes. Nessa década, saem da capa os textos

opinativos que, agora, costumam aparecer na página 02. Além disso, é também nessa década

que as páginas internas do jornal ganham um cabeçalho diferente, passando a conter o título

da principal seção da página (antes eram apresentados somente o título do jornal e a data). As

seções direcionadas a notícias da região Norte continuam a existir, mas mais bem divididas,

com títulos mais evidentes. Passa a existir uma página exclusiva para Espectáculos, onde são

anunciadas as programações do rádio, da TV e dos teatros e cinemas. Nas edições do corpus,

publicadas originalmente no mês de abril, havia também uma página dedicada à campanha

eleitoral do país. A última página continua a ser voltada para os desportos.

As edições das décadas de 1980 e 1990 já possuem, em sua maioria, 48 páginas. Há

inúmeras seções. Ainda há folhetins, usando esse mesmo rótulo, inclusive nas edições de

1995. A diferença é que, agora, eles não estão mais nos rodapés, mas em páginas

especificamente voltadas para o entretenimento, contendo, além das narrativas, variedades

como passatempos, palavras cruzadas, tirinhas, horóscopo etc.

As seções do jornal nas edições dessas décadas são, basicamente: Capa, Ideias e

Comentários, Nacional (no lugar de Pelo País), Economia / Trabalho, Educação, Porto /

Metrópole (que substituiu Pela Cidade e ocupa, em média, três páginas), Especial (com

reportagens, entrevistas e afins), Regiões (em vez de Pela Província, mas ainda é uma grande

seção, ocupando cerca de seis páginas, com as subseções referentes a cada uma das

localidades ou distritos, em geral, da região Norte), Estrangeiro (em vez de Noticiário

Page 249: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

226

Estrangeiro), Sufrágios / Diversos (onde encontram-se, em sua maioria, os obituários),

Motivações (seção de aproximadamente oito páginas onde há os classificados / anúncios),

Publicações / Avisos / Editais (ocupando cerca de três páginas), Espectáculos / Muito Útil (é a

referida seção de entretenimento) e, finalizando, Desporto (com cerca de seis páginas).

Foi na década de 1990 que, como mencionamos, o jornal começou a ver sua receita ser

reduzida, culminando com sua venda ao grupo espanhol Prensa Ibérica, em 2001 e, por fim,

com o encerramento de suas atividades em 2005, conforme podemos observar na última capa

do quadro acima, de sua edição de despedida.

4.2 Região Central

Na região central, o corpus foi composto por dois jornais de maneira complementar: O

Jornal d’Estarreja (nas décadas de 1900 a 1920) e o Diário de Coimbra (nas décadas de 1930

a 1900), oriundos das cidades respectivamente homônimas.

Vejamos, a seguir, a descrição de cada um deles:

4.2.1. O Jornal d’Estarreja

O Jornal d’ Estarreja (ou Jornal de Estarreja, como seu título costuma ser publicado

atualmente) é um dos jornais regionais mais antigos em atividade ainda hoje em Portugal. Na

verdade, o próprio jornal chega a se intitular, em seu perfil em uma rede social, “o segundo

mais antigo do país”. Já citamos que, segundo estudo da ERC, em 2009, havia apenas sete

jornais regionais em atividade cuja fundação datava do século XIX. O Jornal de Estarreja é

um deles. Trata-se de um semanário fundado por José Mortágoa em 12 de abril de 1883.

Estarreja situa-se no distrito de Aveiro (que faz fronteira, ao sul, com o distrito de

Coimbra), região central de Portugal e só foi elevada a cidade em dezembro de 2004.

Embora seja publicado até hoje, nosso corpus da região central do país não é

composto integralmente por esse periódico porque, de início, já dispúnhamos das edições do

Diário de Coimbra, que foi fundado na década de 1930. Sendo assim, buscávamos uma

publicação que pudesse complementar o corpus já existente com edições das três primeiras

décadas do século XX.

Seguem abaixo as informações básicas acerca do jornal no período em que nos serviu

de fonte de dados:

Page 250: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

227

ANO PROPRIETÁRIO DIRETOR EDITOR TIPOGRAFIA PREÇO91

1902

-

1905

José Mortágoa - José Mortágoa Própria92

-93

1911

-

1913

Carlos Alberto

da Costa94

Carlos

Alberto da

Costa

José Rodrigues da

Costa (1911) / Annibal

d’Almeida Gouveia

(1912) / Francisco da

Silva Miranda (1913)

Própria -

1922

-

1926

Carlos Alberto

da Costa

Carlos

Alberto da

Costa

Antonio Baptista

Pinheiro Própria $0,60

Quadro 22: Informações acerca de O Jornal d’Estarreja nas edições do corpus

Vejamos, abaixo, amostras das capas do periódico em cada uma das décadas que

compuseram nosso corpus:

1900 1910 1920

Quadro 23: Capas do Jornal d’ Estarreja por década

91

A edição avulsa do Jornal de Estarreja custa, hoje, €0,60.

92

Na capa de todas as edições consta a informação “Redação, administração e tipografia: Praça do Peixe”,

indicando o endereço do jornal, que, como se vê, é o responsável pela impressão dos exemplares.

93

Não encontramos na capa nem no interior do jornal informações acerca de seu preço nas edições das décadas

de 1900 e 1910.

94

Não encontramos maiores informações sobre o fundador do jornal, José Mortágoa. Já a respeito de Carlos

Alberto da Costa, há nos registros das Bibliotecas Municipais do Porto a informação de que ele e seu filho,

Eduardo Alberto da Costa, foram diretores e proprietários de outro semanário regionalista, o Jornal de Cambra,

também publicado em Estarreja, entre os anos de 1931 e 1987. Carlos Alberto da Costa nasceu em 1878 e

morreu em 1956.

Page 251: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

228

Percebemos, a partir das imagens acima, que o logotipo (tipo, tamanho e posição) do

título do jornal em seu cabeçalho de capa mudou em todas as três décadas do corpus (e

também é bem diferente atualmente, embora não tenhamos mostrado a capa atual, por não

fazer parte do corpus). Todas as edições do semanário no nosso material, nas três décadas

estudadas, possuem apenas quatro páginas (com uma única exceção: a edição do dia 14 de

janeiro de 1923, que apresenta oito páginas). As folhas apresentam pequenas dimensões, em

especial se compararmos às de O Comércio do Porto, sobre o qual acabamos de comentar. As

edições da década de 1900 apresentam, em geral, apenas quatro colunas por página e as

edições das décadas de 1910 e 1920 apresentam cinco colunas em cada página. As folhas

parecem, na maioria das vezes, páginas de livros e não de jornal. Não há muita preocupação

com diagramação, com espaços em branco e nem mesmo com títulos de seções com fonte em

destaque.

Além disso, quase todas as edições de todas as três décadas do nosso material do

jornal carecem de fotos. Há uma ou outra – raríssima – ilustração, desenhada, em preto-e-

branco em poucas capas da primeira década do século. Fora isso, a ÚNICA exceção em todo

o corpus de que dispomos do jornal são duas fotos, também em preto-e-branco, publicadas na

capa da edição do dia 01 de agosto de 1926. A capa é totalmente dedicada a Dom Manoel

Corrêa de Bastos Pina, o Bispo-Conde de Coimbra, já falecido desde 1913. Além da

fotografia do bispo, a capa traz uma fotografia do Santuário de Nossa Senhora de Lourdes,

por ocasião da romaria feita ao templo, instituída anos antes pelo mesmo bispo.

A composição básica das páginas do jornal é: na página 1 (capa), a edição geralmente

é iniciada por um texto (de uma ou duas colunas) assinado pelo jornal ou simplesmente “R.”

(seria de “Redação”?), direcionado ao leitor, com frequência comentando algum fato da

sociedade. Também se encontram nela notícias variadas (Noticiário). A página 2 costuma

apresentar alguns anúncios e mais notícias. Na página 3, constam: obituário, informações

sobre o câmbio / ágio, propagandas e outras notícias. A página 4 costuma abrigar uma seção

chamada Reclamos e, ainda, outras notícias. Todas essas notícias distribuídas pelo jornal

costumam aparecer agrupadas por rótulos discretos em que se lê: Pelo Concelho, Pelo

Distrito, Pelo Paiz, Pela Agricultura, Pelo Estrangeiro etc.

Outras duas seções constantes no periódico chamam-se Instrução e Carteira. A

primeira parece um tipo de “recomendação”, uma espécie de resenha a respeito de algum

produto, serviço ou espetáculo que o jornal recomenda aos leitores. A segunda diz respeito a

chegadas e partidas de moradores locais de e para lugares distantes.

Page 252: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

229

Há, igualmente, bastantes cartas no periódico. Cartas de e para outras localidades.

Tais “cartas”, apesar do rótulo dado pelo jornal à seção, ora aparentam ser, na verdade,

notícias enviadas por correspondentes de fora de Estarreja, ora parecem ser, de fato,

correspondências de leitores endereçadas para o jornal comentando assuntos variados ou,

ainda, cartas pessoais de um indivíduo para outro que “resolveu” usar o jornal como meio de

comunicação para suas questões pessoais. Os destinos e origens mais frequentes das cartas

são justamente as freguesias de Estarreja: Avanca, Veiros (hoje chamada “Beduído e

Veiros”), Canellas (hoje chamada “Canelas e Fermelã”), Pardilhó e Salréu, além de Cácia

(que igualmente pertence ao distrito de Aveiro). Além disso, também verificamos cartas

assinadas pelo próprio jornal, endereçadas a devedores, pessoas que eventualmente fizeram

algum anúncio nas edições do jornal e não saldaram suas dívidas junto ao periódico.

Quase sempre há folhetins nas edições da década de 1900. A princípio, na capa;

depois, na última página. Já nas edições da década de 1910, eles se tornam mais escassos e,

quando aparecem, não estão em sua “posição original”, no rodapé. Ao contrário, são

encontrados no topo da página. As edições da década de 1920 não apresentam folhetim

algum. Na edição do dia 12 de junho de 1902, lê-se no canto inferior da capa: “FOLHETIM –

Por falta d’espaço não publicamos hoje folhetim, da qual falta involuntária pedimos desculpa

ao nosso intelligente e generoso collaborador <<Salero>>.”. Nessa mesma edição, há, porém,

na primeira coluna da página 2, dois poemas, marcando a presença de um texto de caráter

mais “literário” apesar da ausência do folhetim.

Ainda nessa edição, ocorre um dado curioso: na última página do jornal, há uma seção

chamada “PROSAS” e com subtítulo “PÁGINAS ÍNTIMAS”. Nela, há uma carta

aparentemente pessoal, com o título “Cartas ao meu amigo primo Eleutherio Valente

d’Almeida” e assinada “Saudades do teu A. C.”. Em seguida, há outros dois textos (“O Dia da

Primeira Communhão” e “Perfis XXXV”) também assinados por A. C. Três edições depois,

no dia 03 de julho, A. C. volta a assinar dois textos com os mesmos títulos, sendo agora as

“cartas” seguidas do numeral II e os perfis XXXVII, como se fossem sequências dos textos

publicados três semanas antes. Essa característica assemelharia tais textos a folhetins, não em

seu sentido original, como “texto para entretenimento publicado no rodapé da folha do

periódico”, mas em uma de suas outras acepções, segundo a qual esses textos voltados para o

entretenimento deveriam ser publicados “aos pedaços”, “em capítulos”, conforme já

mencionamos (LIMA, 2010, p. 67 e 68). Diferentemente da maioria dos textos desse tipo,

porém, não temos, nesse caso, romances, mas sim textos que simulam cartas pessoais

Page 253: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

230

A seção Prosas volta a aparecer em outras edições do hebdomadário, mesmo quando

há folhetins, sempre com algum texto que aparenta ser ficcional e / ou para entretenimento.

Na edição de 19 de junho de 1902, há, igualmente, uma carta que parece ser pessoal, assinada

por outra pessoa. O título da carta é “INDELÉVEIS RECORDAÇÕES (Ao meu amigo J. N.

Nunes)” e é assinada por O. M.

Essas características básicas são, de certa forma, mais ou menos constantes em todas

as edições das três décadas de que dispomos em nosso material.

Em um artigo intitulado “O Cerco ideológico do Estado Novo à Imprensa” (2005), a

pesquisadora Júlia Barros faz um levantamento, por distrito, dos jornais regionalistas que se

posicionaram contra, a favor ou neutros em relação ao novo regime instituído pela

constituição de 1933. Segundo sua pesquisa, o Jornal de Estarreja foi listado como um

periódico politicamente neutro nos anos de 1933 e 1934.

O Jornal de Estarreja é publicado ainda hoje com periodicidade semanal e tiragem

aproximada de 4.000 exemplares por mês (ou 12.000 por trimestre) em 2013, segundo o site

do próprio periódico. Seu diretor é Artur Castro Tavares. O jornal é de propriedade da Ediesta

– Editorial Estarrejense, LTDA., empresa com vários sócios. Segundo o estudo Marktest,

divulgado no site do periódico, a publicação é o jornal regional mais lido do concelho de

Estarreja e o 12º mais lido no distrito de Aveiro.

4.2.2. O Diário de Coimbra

O Diário de Coimbra foi fundado em 24 de maio de 1930 por Adriano Viegas da

Cunha Lucas e continua pertencendo a e sob administração da mesma família ainda hoje95

. É

o mais antigo jornal de Portugal a ainda pertencer à família de seu fundador e um dos mais

antigos da Europa nessa condição, visto que muitos jornais que constituíam “negócios de

família” não resistiram às dificuldades econômicas da II Guerra Mundial. O jornal foi alvo de

muitas pressões políticas desde sua fundação. Já no fim da década de 1980, em 1989, partidos

95

Adriano Viegas da Cunha Lucas (1883-1950) foi o fundador do jornal Diário de Coimbra (1930). Faleceu em

1951 e seu filho, Adriano Lucas Filho (1925 – 2011), assumiu a direção do jornal em seu lugar, permanecendo

na função praticamente até sua morte, em 2011. Adriano Lucas Filho também fundou o Diário de Leiria (1985),

distrito que faz fronteira com Coimbra ao sul, o Diário de Aveiro (1987), que faz divisa com Coimbra ao norte, e

o Diário de Viseu (1997), distrito também vizinho de Coimbra, todos eles da região Central do país. Atualmente,

os quatro jornais ainda são publicados e todos são dirigidos por Adriano Callé Lucas (1954-.***), filho de

Adriano Lucas Filho e, portanto, neto do fundador do jornal. Há links nos sites dos quatro jornais direcionando

uns aos outros como “diários parceiros”. A rua onde hoje se encontra a redação do Diário de Coimbra se chama

Rua Adriano Lucas.

Page 254: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

231

políticos chegaram a tentar comprá-lo para controlá-lo, mas Adriano Lucas recusou a

proposta. O diretor atual, Adriano Callé Lucas, é neto do fundador.

Segundo o Estatuto Editorial do jornal, disponível em sua página na internet, o Diário

de Coimbra pode ser definido como:

O Diário de Coimbra, fundado em 24 de Maio de 1930 por Adriano Viegas da

Cunha Lucas (1883-1950), é um jornal diário generalista que tem como missão

principal levar ao leitor a informação do que de mais relevante se passa em Coimbra,

na Região das Beiras, em Portugal, na Europa e no Mundo, com verdade, seriedade

e rigor.

O Diário de Coimbra é, desde a sua fundação, um “Jornal Republicano” e

“Órgão Regionalista das Beiras”, como ostenta na primeira página. É um

diário independente, de orientação liberal, defensor da democracia pluralista, da

Liberdade de Imprensa, da total independência da imprensa e dos órgãos de

comunicação social face aos poderes políticos e aos poderes económicos

monopolistas. O Diário de Coimbra defende a Liberdade individual, a Fraternidade e

a Solidariedade e opõe-se a quaisquer ideologias colectivistas, totalitárias, fascistas,

comunistas ou outras, que alienam os seres humanos, bem como ao centralismo do

Estado, às práticas monopolistas e a todos os abusos do poder. O Diário de Coimbra

pauta a sua acção pela defesa do cidadão e das minorias, da valorização de Coimbra,

da Região das Beiras e das suas gentes, da livre iniciativa privada, da economia de

mercado e da sã concorrência, bem como da plena integração europeia, de uma

Europa dos Cidadãos e das Regiões. Como “Órgão Regionalista das Beiras”, o

Diário de Coimbra defende a criação da Região das Beiras e a regionalização do

país, enquanto processo de efectiva descentralização e transferência de poderes e

competências para as várias regiões, para que cada comunidade local e regional

possa decidir sobre o que mais directamente lhe diz respeito.

O Diário de Coimbra respeita os princípios deontológicos da imprensa e do

jornalismo, a ética profissional dos jornalistas, assim como a boa fé dos leitores, a

quem o jornal se destina e que são a sua razão de ser. (DIÁRIO DE COIMBRA,

2013)

Nas edições da década de 1930, era possível ler junto ao título do jornal: “O diário

mais antigo de Coimbra, o de maior circulação nas Beiras, o de maior e melhor informação”.

Em seu subtítulo lia-se “Jornal regionalista da manhã, defensor dos interesses das Beiras”. A

orientação republicana mencionada no estatuto editorial do jornal podia ser explicitamente

constatada a partir das edições da década de 1940, nas quais se podia ler no cabeçalho: “Jornal

republicano, órgão do movimento regionalista das Beiras”. Esse subtítulo encontra-se em

todas as edições do jornal até os dias de hoje.

Além disso, de 1941 até 1961 também se lia: “O único quotidiano (em 1941) / diário

(de 1951 a 1961) que se publica no Centro do país”, o que nos indica que, durante esse

período, era o único jornal proveniente da região central, uma das maiores do país, composta

pelos distritos de Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria, Santarém e Viseu,

conforme podemos verificar no Mapa 3.

Page 255: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

232

Nas edições de 1931 até 1971 o jornal passava por censura e isto vinha explícito no

cabeçalho do jornal ou em alguma outra observação ao longo das páginas do mesmo (às vezes

no rodapé), que dizia “VISADO PELA COMISSÃO DE CENSURA”. O Diário de Coimbra

chegou a ficar suspenso durante todo o ano de 1945 devido à publicação de um texto sobre

um artista de circo que a Censura julgou fazer referência ao então reitor da Universidade de

Coimbra. A Censura exigiu a substituição do diretor do jornal e recusou sucessivas vezes os

novos nomes propostos pelo proprietário, Adriano Lucas, mantendo, então o jornal fechado

por um período de 1 ano. Com isso, o Diário de Coimbra tornou-se o jornal português a

sofrer mais grave sanção imposta pela Censura (AVEIRO, 2013).

Na tabela abaixo, podemos verificar a relação de proprietários, diretor, editor,

tipografia e preço do periódico ao longo do século XX:

ANO PROPRIETÁRIO DIRETOR EDITOR TIPOGRAFIA PREÇO96

1931 Empresa Diário

de Coimbra97

José de Souza Varela

José de Souza

Varela - $0,30

1941 Adriano Lucas98

Dr. Vergílio Correia Joaquim Lopes

Morgado

A Tipográfica

de Coimbra $0,40

1951 Tipografia das

Beiras LDA

Alvaro dos Santos

Madeira

Adriano Lucas,

Filho

Tipográfica

das Beiras $0,60

1961 Tipografia das

Beiras LDA

Alvaro dos Santos

Madeira Adriano Lucas

Tipográfica

das Beiras $0,80

1971 A Tipográfica

das Beiras LDA

Alvaro dos Santos

Madeira Adriano Lucas

Tipográfica

das Beiras $1,50

1981 A Tipográfica

das Beiras LDA

Adriano Lucas

(Dir. adj.: Lino Vinhal) -

Tipográfica

das Beiras $15,00

1991 A Tipográfica

das Beiras LDA

Adriano Lucas

(Diretor adj.: Lino

Vinhal)

- FIG99

$75,00

Quadro 24: Informações acerca do Diário de Coimbra nas edições do corpus

96

A título de curiosidade, hoje a edição avulsa do Diário de Coimbra custa €0,80.

97

Conforme consta no cabeçalho das edições do jornal no ano em questão.

98

Nas edições dos dias 09 e 10 de janeiro de 1951, são publicadas na p. 02, na seção “Revista da Imprensa das

Beiras”, notícias, de outros jornais, citando o falecimento de Adriano Lucas, aos 67 anos. As notícias, dentre

outras coisas, qualificam Adriano Viegas da Cunha Lucas como “um republicano idealista, de fé ardente,

militando sempre no partido conservador da República.”. Citam ainda que ele foi vereador da Câmara Municipa l

por várias vezes e também fez parte do Senado, da Associação Comercial e outras agremiações, delegado da

Casa das Beiras e proprietário do Diário de Coimbra. Seu filho, Adriano Lucas, assumiu a direção do jornal em

seu lugar, aos 25 anos de idade.

99

A gráfica FIG (Fotocomposição e Indústrias Gráficas) também foi fundada pela e pertence à família Lucas,

proprietária do jornal.

Page 256: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

233

Pelo que pudemos perceber a partir de suas edições, aparentemente, o jornal possuía

alguma relação / parceria com o Diário de Notícias, de Lisboa. Na 2ª página da edição de 01

de janeiro de 1931, há um relato sobre uma festa promovida pelo DN em sua filial de Castelo

Branco. Na notícia, enaltecem bastante o periódico da capital. Posteriormente, o jornal O

Século, também de Lisboa, é igualmente enaltecido pelo Diário de Coimbra. Isso ocorre mais

de uma vez no material do corpus. Frequentemente são citadas, nas notícias e nos editoriais

do Diário de Coimbra, matérias, notícias, reportagens, iniciativas etc. do Diário de Notícias.

Sempre de forma elogiosa, como se fossem “jornais amigos / parceiros”.

Outros jornais mencionados nas páginas do Diário de Coimbra, referenciados como

jornais “das Beiras”, são: Jornal do Fundão (de Castelo Branco), Notícias da Figueira, Eco

de Pombal, Gazeta de Cantanhede, O Figueirense (de Figueira da Foz), a Voz da Figueira.

O jornal aparentemente utiliza e cita textos provenientes de agências de notícias

internacionais. As mais comuns são a Reuters (R.), A. N. I. e a F. P.100

. Em geral, essas

notícias aparecem na última página do jornal, dedicada às notícias internacionais. Já na seção

Vida Regional, várias notícias são assinadas simplesmente por “C.”, indicando,

aparentemente, terem sido produzidas pelo próprio (Diário de) Coimbra.

Abaixo, podemos verificar a evolução gráfica da capa do periódico ao longo das

décadas usadas como fontes de dados e, apenas para servir de comparação, incluímos,

também, a capa de um exemplar da presente década:

1930 1940 1950

100

Não encontramos referências à agência “F.P.”, mas é possível que esta seja a AFP (Agence France-Press).

Page 257: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

234

1960 1970 1980

1990 2010

-

Quadro 25: Capas do Diário de Coimbra por década

Como se pode verificar, o logotipo do jornal passou por algumas alterações ao longo

das décadas. Uma grande mudança ocorreu na década de 1950 e o mesmo modelo

permaneceu pela década de 1960. Depois, voltou a mudar na década de 1980 e continuou com

o mesmo padrão na década de 1990. A partir da década de 1960, também observamos a maior

presença de fotografias na capa do jornal.

No início de sua publicação, o periódico apresentava um volume muito grande de

textos escritos desde a capa, como era comum nesse período. Em suas duas primeiras décadas

de existência, as edições do jornal continham, majoritariamente, quatro páginas. A capa

(página 01) possuía artigos de opinião e notícias diversas, frequentemente ligadas à política.

Nenhum editorial encontrado é “canônico”, do tipo redigido e assinado pelo editor do jornal

ou contendo rótulo próprio. Por vezes eles vinham sem assinatura (o que parece sinalizar

maior indício de ser “A” opinião do jornal), por vezes eles traziam a assinatura de alguém

identificado como “amigo” do jornal. A página 2 era composta, em geral, por notícias

Page 258: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

235

regionais e locais, muitas vezes sob o título Pelas Beiras ou De Várias Terras ou ainda Notas

Da Sociedade. Sempre havia um folhetim no rodapé dessa página 02 (embora, muito

raramente, aparecesse na página 03). A página 3 possuía somente anúncios e avisos. Vez ou

outra uma única empresa publicava um grande anúncio que ocupava uma página inteira.

Ainda assim, era possível encontrar pequenos anúncios avulsos por todo o jornal. A última

página sempre vinha com o título Últimas Notícias, sendo a maioria delas breves notícias

variadas, geralmente assim agrupadas: Pela Cidade, De Lisboa, Do Pôrto e Estrangeiro.

Já na década de 1950, as edições do jornal passam a ter oito páginas. Na capa, há

pequenas notícias, geralmente com o texto fragmentado, que continua em alguma das páginas

seguintes. A página 02 geralmente traz o título de Vida Regional, com pequenas notícias de

várias cidades da região central do país. Ainda na página 02, há sempre um box intitulado

Revista da Imprensa das Beiras, em que expõem um texto de algum outro jornal das Beiras.

Entre as páginas 03 a 05 encontram-se notícias variadas. Geralmente, há notícias ligadas a

esportes na página 3 (seção Desportos) e, na página 04, há uma seção intitulada Notícias

Diversas. A página 05 costuma trazer continuação de textos da capa. A página 06 traz

anúncios, agora já mais elaborados. Passa a haver uma seção de Compra, Venda e Aluguel

(como nos atuais “classificados”) e, abaixo, anúncios de produtos e serviços em geral

(propagandas). Na página 07, ora há mais anúncios, ora há mais notícias esparsas e / ou outras

continuações de textos da capa. A página 08 também traz notícias variadas, com o título de

Notícias do País e do Estrangeiro, a maioria delas parece ser traduções de notícias da agência

Reuters, pois estas sempre vêm assinadas com um (R.).

Todas as edições do corpus de 1950 carecem de cartas de leitores. Não há uma sequer.

Também não há editoriais “explícitos”. Os textos de opinião são assinados por autores

variados, que não indicam representar, necessariamente, o posicionamento do jornal acerca de

um assunto ou notícia em voga à época da publicação.

Na década de 1960, o jornal varia o número de páginas de cada edição. Habitualmente

dez, mas algumas das edições do corpus possuem oito e a de domingo, 12 páginas. A

configuração básica da década de 1950 é mantida quando o jornal possui oito páginas,

entretanto, há algumas variações de seções que aparentemente só são publicadas em

determinados dias da semana. A capa ainda traz notícias variadas. A página 02 ainda

apresenta a seção Vida Regional (embora não apareça em todos os dias da semana), em que

são agrupadas notícias de diferentes cidades vizinhas, das Beiras, geralmente diagramadas na

página de acordo com a cidade de origem. Desaparece a seção Revista da Imprensa das

Beiras. A página 03 ainda traz a seção Desportos, além de outras notícias variadas. A página

Page 259: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

236

04 ainda abriga a seção Notícias Diversas, além de uma seção chamada A Cidade, com

notícias locais. A página 05 ainda traz continuação de textos da capa e mais notícias

pequenas. A página 06 continua reservada aos anúncios (classificados e propagandas), bem

como parte da página 07, que, além disso, agora também apresenta o Boletim do Dia, com a

programação do rádio e da televisão. A página 08 possui em seu cabeçalho o título Notícias

do País e do Estrangeiro, com pequenas notícias, quase todas assinadas por “F. P.”.

Na edição do dia 09 de janeiro de 1961, aparece, pela primeira vez no jornal, a seção

Diga O Que Pensa, voltada para carta de leitores e onde se lê o seguinte convite do jornal:

“Reclame e sugira – Esta secção é de todos os leitores – Diário de Coimbra será o porta-voz

das suas aspirações”.

Nas edições de 10 páginas, a página 05 dá lugar a uma seção de Horóscopo, além de

algumas notícias. A página 06, que, em geral, abriga anúncios (tanto classificados quanto

propagandas), aparece nessas edições com dois grandes textos (informes oficiais) ocupando

mais da metade da página. O espaço restante é ocupado por poucos anúncios em tamanho

grande. O conteúdo de anúncios, que costumam estar na página 06, passa a aparecer na página

08. A página 09 traz o Boletim do Dia e mais alguns textos variados (notícia, anúncios etc.).

Nas edições de 12 páginas, há, no meio do jornal, duas páginas (06 e 07) que exibem o

seguinte cabeçalho: “Ciência e curiosidades para todos – páginas centrais de Diário de

Coimbra – Assuntos coligidos para os nossos leitores”. Nelas, há anúncios e artigos de teor

basicamente científico, sobre pesquisas, descobertas etc. Há nessas edições mais anúncios que

o habitual (04 páginas praticamente inteiras: 03, 05, 08 e 10).

Nas edições da década de 1970, o Diário de Coimbra oscila, em geral, entre 10 e 12

páginas. A edição de domingo presente no corpus é a única que possui 14 páginas. Quanto à

configuração do jornal, a capa continua apresentando notícias variadas. A página 02 ainda é

dedicada às notícias da região das Beiras, agora numa seção chamada Vida e Aspectos

Regionais. Na página 04, estão as seções A Cidade e Notícias Diversas. As páginas 05 e 06

trazem uma seção chamada Vida Agrícola, que não existia até então e apresenta um conteúdo

relacionado a conselhos para o homem do campo. Os anúncios – agora mais do que nunca –

são muitos e, normalmente, dispersos por todo o jornal, embora haja sempre uma página

(geralmente a antepenúltima – 08 ou 10) reservada integralmente a eles. O Boletim do Dia,

com a programação do rádio, TV e teatros do dia, costuma vir na penúltima página (09 ou 11)

e compartilha espaço com as informações sobre o câmbio das moedas e alguns anúncios,

assim como na década anterior. A última página (10 ou 12) costuma ser destinada à seção

Notícias do País e do Estrangeiro.

Page 260: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

237

Na edição de domingo do corpus (03 de janeiro) há, pela primeira vez, um suplemento

em página diferente das demais do jornal, que chamam de 2º Caderno, com o título de

Ciência e Curiosidade para Todos, que já aparecia nas edições de 1961, porém não como um

caderno especial. Há, ainda, outro suplemento chamado O Mundo e Seus Problemas, com

matérias variadas de teor internacional.

Todas as edições do jornal que compõem o corpus da década de 1980 possuem 12

páginas. Sua configuração básica é a seguinte: a capa continua com notícias variadas. A

página 02, agora, além das notícias regionais, das cidades das Beiras (como habitual desde sua

fundação), traz também o expediente do jornal em um box no canto inferior à esquerda. A

página 03 parece uma continuação de notícias das cidades vizinhas. As páginas 04 e 05 têm

conteúdos variados, como notícias, crônicas, uma carta aberta... Na página 06, há um grande

box intitulado Opinião e, nele, vemos artigos assinados por diferentes autores, que não têm,

necessariamente, um vínculo com o jornal.

Na capa da edição de 01 de janeiro de 1981, o jornal informa que seu preço aumentou

para 15$00 “a semelhança dos restantes jornais diários do País”. Eles justificam dizendo que

“Este aumento é determinado pela constante subida dos custos de produção que há muito vêm

afligindo a imprensa portuguesa em geral e os jornais regionais em particular, os quais (apesar

das repetidas afirmações da importância que desempenham) continuam a ser preteridos pelas

entidades responsáveis no contexto da imprensa portuguesa”. Esse anúncio demonstra que: 1-

o jornal se vê explicitamente como um jornal regionalista; 2- a imprensa portuguesa – como

um todo – parece enfrentar problemas econômicos; 3- parece haver algum tipo de

“preconceito” com relação aos periódicos regionalistas.

Os exemplares do corpus da década de 1990 apresentam-se em edições de 16 ou 20

páginas. Há agora um 2º Caderno com quatro páginas, onde se acham os classificados

(anúncios), algumas notícias e jogos (passatempos).

Não existe mais a seção Vida e Aspectos Regionais. Em vez disso, por volta das

páginas 07 e 08, vê-se Região das Beiras no cabeçalho da folha onde se leem notícias sobre as

cidades no entorno de Coimbra ou então, no mesmo lugar, lê-se Diário da Cidade X (Viseu,

Figueira da Foz etc...).

Há um anúncio curioso na p. I do 2º caderno da edição do dia 04 de janeiro de 1991

convidando anunciantes para publicarem anúncios nos “jornais regionais”, que são: Diário de

Aveiro, Diário de Coimbra, Domingo, Diário de Leiria, Diário do Minho, Diário do Sul,

Correio do Minho, Notícias d’Évora, Comércio e Anúncios, O Desporto das Beiras. Não fica

claro se seriam todos sócios economicamente falando ou se resolveram formar um grupo de

Page 261: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

238

jornais regionais de diferentes partes do país com o objetivo de se ajudarem mutuamente

convocando anunciantes uns para os outros.

Conforme já informamos, o Diário de Coimbra se publica ainda hoje, com tiragem

média, em 2013, de 4.500 exemplares por mês de acordo com os dados da APCT.

(ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PARA CONTROLO DE TIRAGEM E CIRCULAÇÃO,

2014).

4.3 Lisboa

Conforme já mencionamos antes, o corpus concernente à região de Lisboa foi

levantado de modo a complementar o que já havia no corpus do Projeto VARPORT. Cerca de

25% do corpus de Lisboa é proveniente de diversos periódicos que circularam na região ao

longo do século XX (alguns deles ainda em circulação). Esses títulos, que compõem o corpus

do Projeto VARPORT, tiveram suas características básicas brevemente citadas no capítulo 3.

Os demais 75% do corpus foram por nós levantados nos arquivos da Biblioteca

Nacional de Portugal a partir de exemplares do tradicional jornal de abrangência nacional

Diário de Notícias (DN), um dos mais lidos no país há mais de um século.

Acerca da fundação do Diário de Notícias, Tengarrinha afirma que este foi concebido

segundo a nova lógica do mercado periodístico:

[...] se a tiragem aumentar, as despesas gerais conservam-se sensivelmente as

mesmas e, portanto, o preço de custo de cada exemplar será menos elevado; com

maior tiragem haverá mais anúncios e podem ser pagos mais caros; de modo que,

para auferir maiores lucros, bastaria baixar o preço e dirigi-lo a uma mais vasta

camada de leitores, não como um jornal de opinião, mas meramente noticioso.

(TENGARRINHA, 1989, p. 214-215)

Ou seja, em um tempo em que os jornais buscavam obter seu lucro a partir das vendas

/ assinaturas, os fundadores do DN entenderam que o lucro deveria ser obtido a partir dos

anúncios. Baratearam o preço do exemplar avulso, impulsionando as vendas. Com mais

leitores, haveria mais argumentos para “fisgar” anunciantes e, assim, o jornal garantiria sua

receita.

Além disso, desde sua fundação, o Diário de Notícias contava com vendas feitas por

ambulantes, que fizeram aumentar exponencialmente as vendas. Com apenas dois meses de

publicação, havia 30 ambulantes vendendo DN por 10 réis o exemplar, obtendo um lucro de

Page 262: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

239

200, 300 e até 400 réis por dia. Ao fim de seis meses, eles já eram 100. Em 1887, já havia

uma associação da classe de ambulantes.

Os ambulantes e a baixa dos preços representaram para o DN um valioso incremento

nas vendas de jornais. Durante muitos anos, O Comércio do Porto, por exemplo, só era

vendido diretamente em seus escritórios, por 40 réis. Em 1887, o jornal baixou o preço para

30 réis e adquiriu um aparelho automático para venda ao público. Somente mais tarde

“aderiu” aos ambulantes.

O Diário de Notícias foi fundado em 1864 pelo jornalista e escritor Eduardo Coelho e

pelo industrial tipográfico Tomás Quintino Antunes. Em 1886, Eduardo Coelho afastou-se da

direção do jornal por motivo de doença e, em 1889, após seu falecimento, o periódico passou

a ser dirigido por seu genro, Alfredo da Cunha. O novo diretor foi alvo de sucessivas questões

políticas, tendo sofrido, inclusive, censura. Devido a essas pressões, a partir de 1907, Alfredo

Cunha retira seu nome do cabeçalho do jornal. Em 1919, o DN deixa de pertencer à família

que o fundou, tendo sido vendido a uma empresa portuguesa ligada ao ramo de moinhos, a

Companhia Industrial de Portugal e Colónias. A partir de então, o periódico passa a ser uma

sociedade anônima, chamada Empresa do Diário de Notícias. O novo diretor, Augusto de

Castro, amigo pessoal de Alfredo da Cunha, traçou um perfil mais voltado aos assuntos

políticos no jornal por ser, ele mesmo, bastante ligado à política.

Após a instauração do Estado Novo, Augusto de Castro foi enviado a Londres como

embaixador de Portugal. Por isso, entre 1924 e 1939, o DN esteve sob direção de Eduardo

Schwalbach. Augusto de Castro voltou a assumir a direção do jornal em 1939 e permaneceu

no cargo até 1971, sendo todo esse tempo caracterizado pelo regime ditatorial de Salazar em

Portugal. Devido a suas ligações políticas e econômicas, o Diário de Notícias muitas vezes é

apontado como o jornal que, durante esse período, menos confrontou o regime ditatorial.

Com a Revolução dos Cravos, que, em 25 de abril de 1974, pôs fim ao Estado Novo, o

DN foi estatizado, tendo continuado a ser uma empresa pública até 1991, quando foi

novamente privatizado. O grupo empresarial que adquiriu o periódico, Grupo Lusomundo,

promoveu, em 1992, um novo projeto gráfico para o jornal, com profundas reformulações em

sua imagem. É esse o grupo que detém o jornal até o fim do século XX, nosso recorte

temporal de dados.

Em 2005, porém, o Grupo Lusomundo foi comprado pelo Grupo Controlinvest, que é

proprietário do jornal até hoje. Há de se mencionar que, além do Diário de Notícias, o Grupo

Controlinvest também é dono de outros periódicos do país, tais como o Jornal de Notícias

(fundado em 1888, no Porto), o esportivo O Jogo, o semanário regionalista Jornal do Fundão,

Page 263: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

240

o Diário de Notícias da Madeira e o Açoriano Oriental, jornal que, conforme já

mencionamos aqui, é o mais antigo de Portugal.

Vejamos, abaixo, os dados referentes à propriedade, direção etc. do DN ao longo do

século XX:

ANO PROPRIETÁRIO DIRETOR EDITOR TIPOGRAFIA PREÇO101

1902

e

1904

Alfredo da

Cunha

Alfredo da

Cunha

(1902 e 1904)

João Baptista

Borges (1902) /

Joaquim L. de

S. Fraga Pery

(1904)

Própria 10$

1911

e

1913

Alfredo da

Cunha

Alfredo da

Cunha

(1911 e 1913)

Joaquim L. de

S. Fraga Pery

(1911 e 1913)

Typographia

Universal 10$

1921

e

1924

-

Augusto de

Castro (1921) /

Ed. Schwalbach

(1925)

Acúrcio Pereira

(1921) / A.

Saturnino

(1924)

Própria 300$

1931

e

1933

Empresa

Nacional de

Publicidade

Eduardo

Schwalbach

(1931 e 1933)

Ariosto

Saturnino

(1933)

Própria 30$

1941

e

1944

Empresa

Nacional de

Publicidade

Augusto de

Castro

(1941 e 1944)

Ariosto

Saturnino

(1944)

Própria

40$

(1941) /

50$

(1944)

1951

e

1954

Empresa

Nacional de

Publicidade

Augusto de

Castro

(1951 e 1954)

Ariosto

Saturnino (1951

e 1954)

Própria 80$

1961

e

1964

Empresa

Nacional de

Publicidade

Augusto de

Castro

(1961 e 1964)

Alberto

Ramires dos

Reis

(1961 e 1964)

Própria 1$00

1971

e

1974

Empresa

Nacional de

Publicidade

Fernando

Fragoso (1971) /

José Ribeiro dos

Santos (1974)

Fernando

Fragoso (1971)

/ 102

Própria

1$50

(1971) /

2$50

(1974)

1981

e

1983

- Mário Mesquita

(1981 e 1983) - Própria

15$00

(1981) /

20$00

(1983)

101

A edição avulsa do Diário de Notícias custa, hoje, €1,50.

102

Não consta informação sobre o editor responsável nas edições de 1974.

Page 264: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

241

1991

e

1996

Diário de

Notícias S.A.

(Grupo

Lusomundo)

Dinis Abreu

(1991) / Mário

Bettencourt

Resende (1996)

Fernando Pires

(1991) /

Ricardo de

Saavedra

(1996)

Interpress

(1991) /

Lisgráfica

(Lisboa) e

Naveprinter

(Porto) (1996)

75$

(1991) /

120$

(1996)

Quadro 26: Informações acerca do Diário de Notícias nas edições do corpus

Vejamos, abaixo, algumas capas das edições desse periódico que compõem nosso

corpus de jornais lusos do século XX e uma do século XXI apenas para comparação:

1900 1910 1920

1930 1940 1950

Page 265: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

242

1960 1970 1980

1990 2010

-

Quadro 27: Capas do Diário de Notícias por década

Não faremos a descrição morfológica detalhada do DN nos moldes que temos feito dos

demais jornais até então, pois, além de haver em nosso corpus um número muito maior de

edições e de páginas do DN em relação aos outros periódicos que compõem nosso material103

,

entendemos que o Diário de Notícias é um dos jornais com maior número de publicações a

seu respeito em Portugal. Sua história, sua estrutura, sua influência, seu legado têm sido

amplamente estudados por diversos pesquisadores ligados, sobretudo, à Comunicação Social

103

Contamos com 206 edições do DN ao longo do século XX em nosso corpus, totalizando 2.262 imagens /

páginas do jornal.

Page 266: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

243

no país104

. Ademais, diferentemente dos outros títulos que compõem nosso corpus, o DN é o

único que conta com todo o seu acervo já digitalizado e / ou microfilmado pela Biblioteca

Nacional de Portugal, estando, portanto, mais acessível a eventuais estudos posteriores.

Dentre os jornais diários de informação geral (chamados generalistas) não gratuitos, o

Diário de Notícias encontra-se como o 4º mais vendido em Portugal, quase empatado com o

Público. Segundo a Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação, no ano

de 2013, o ranking de vendas desses jornais em Portugal era:

# JORNAL ANO DE

FUNDAÇÃO

TIRAGEM MÉDIA EM

2013 / TRIMESTRE

PREÇO ATUAL DE

CAPA

Semana Domingo

1 Correio da Manhã 1979 150.000 exemplares105

€1,25 €1,35

2 Jornal de Notícias 1888 90.000 exemplares €1,30 €1,40

3 Público 1990 42.000 exemplares €1,60 €1,60

4 Diário de Notícias 1864 37.000 exemplares €1,50 €1,50

5 Jornal i 2009 14.000 exemplares €1,00 €1,00106

Quadro 28: Ranking de vendas de jornais generalistas não gratuitos de âmbito nacional em Portugal em

2013, segundo a APCT

Conforme podemos constatar, o Diário de Notícias foi o 4º mais vendido em Portugal

no ano de 2013, com pouca diferença no quantitativo de vendas em relação a seu concorrente

direto, o jornal Público.

104

É possível citar, dentre outros, algumas dessas obras, tais como:

Os Saneamentos Políticos no Diário de Notícias no Verão Quente de 1975, por Pedro Marques Gomes (2013).

Meus 50 anos no Diário de Notícias, por Fernando Pires (2012).

Diário de Notícias: Primeira Página, 1864-1994, publicado pela Editorial Notícias (1994)

A História do Diário de Notícias em Banda Desenhada, de José Ruy (1984).

O “Diário de Notícias” e o século XIX, por Luís Teixeira (1940)

O Diário de Notícias: da sua fundação às suas bodas de Diamante: escôrco da sua história e das suas

efemérides, de João Paulo Freire (1939)

O Diário de Notícias: a sua fundação e os seus fundadores: alguns factos para a história do jornalismo

português, por Alfredo da Cunha (1914).

105

Convém ressaltar que, apesar de ser o campeão de vendas dentre os jornais diários não gratuitos, o Correio da

Manhã não é concorrente direto do jornal Diário de Notícias. Antes, é voltado para um público-alvo mais

popular, equivalente às classes C e D. O concorrente direto do DN, voltado para o mesmo perfil de leitor, no

contexto atual, seria o jornal Público.

106

O Jornal i não é publicado aos domingos, mas publica uma edição de “fim de semana” no sábado,

comercializada pelo mesmo preço de durante a semana: €1,00.

Page 267: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

244

Embora não seja líder de vendas hoje, o Diário de Notícias ainda é um jornal de alto

conceito e influência em Portugal, sendo o periódico voltado para as classes A e B mais

antigo em circulação atualmente.

4.4 Alentejo

Do mesmo modo como aconteceu em relação à região Centro, o corpus da região do

Alentejo também foi constituído a partir de exemplares de dois jornais, ambos de abrangência

regional. A princípio, visitamos o arquivo particular do jornal Diário do Alentejo, cuja

redação fica na cidade de Beja. A primeira edição desse periódico é de 1932; portanto, foi

preciso buscar outra publicação para complementar o material da região nas três primeiras

décadas do século XX. Na Biblioteca Nacional de Portugal, encontramos as edições do

semanário regional A Folha do Sul, publicado na pequena cidade de Montemór-o-Novo, de

1897 até 1946. O corpus levantado desse jornal compreendeu o período entre 1901 e 1930.

4.4.1. A Folha do Sul

Quase nada é encontrado nos arquivos acerca do periódico A Folha do Sul. Na

verdade, sabemos que existiram alguns jornais homônimos a ele, pois encontramos algumas

referências nesse sentido. Em uma seção da página on-line da Hemeroteca de Évora, por

exemplo, há a menção a A Folha do Sul como um dos periódicos que entrou mais vezes em

conflito com outra publicação coeva chamada Distrito de Évora (1867), na qual Eça de

Queirós iniciou sua carreira jornalística como diretor e redator. Acredita-se que o autor tenha

usado pseudônimos para escrever textos sarcásticos sobre a vida provinciana nesse periódico,

criando debates entre diversas publicações regionais da época, sobretudo com A Folha do Sul.

Contudo, sabemos não se tratar da mesma A Folha do Sul porque tais discussões teriam

ocorrido durante o ano de 1867 e o jornal de nosso corpus surgiu em 1897.

Devido à escassez de fontes a respeito dessa publicação, a maior parte das informações

mencionada aqui sobre o periódico foi o que pudemos depreender a partir do próprio

manuseio das edições levantadas para o corpus. De acordo com o catálogo da Biblioteca

Nacional de Portugal e com os respectivos arquivos encontrados no local, a “nossa” A Folha

do Sul foi um semanário publicado entre os anos de 1897 e 1946, fundado em 07 de agosto de

Page 268: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

245

1897 por Pedro José dos Santos, que, conforme observamos, permaneceu na direção e edição

do jornal, pelo menos, até 1923, último ano de que dispomos no material levantado.

Nas edições de 1901 até 1904, o jornal é publicado como semanário e traz tal

informação no cabeçalho, logo abaixo do título. A partir de 1911, porém, e até 1923 (de

quando data a última edição que possuímos), o periódico passa a ser bissemanário, sendo

publicado às quartas-feiras e aos sábados.

Acerca do posicionamento político do periódico, em Barros (2005), em relação ao

distrito de Évora, onde fica Montemór-o-Novo, verificamos que:

É desolador o estado da imprensa na província no referente à propaganda da

Situação. Em Évora, cidade importante, não existe imprensa da Situação

absolutamente nenhuma. A maior parte dos jornais do concelho são neutrais. O

único jornal no distrito de Évora que se pode considerar simpatizante com a

Situação é a Folha do Sul de Montemór-o-Novo. E mesmo esse não defende os

princípios políticos e sociais do Estado Novo, limitando-se a relatar os factos.

(BARROS, 2005, p. 284, grifos nossos)

Não possuímos edições da década de 1930 dessa publicação, mas, pelo exposto,

podemos inferir que o jornal deva ter seguido uma linha editorial de posicionamento político

moderado, sem se manifestar fervorosamente contra ou a favor a respeito de questões

relativas ao assunto.

Segue, abaixo, o quadro com o resumo das informações básicas da publicação durante

os anos que usamos para constituir parte de nosso corpus:

ANO PROPRIETÁRIO DIRETOR EDITOR TIPOGRAFIA PREÇO

1901,

1902 e

1904

-107

- Pedro José

dos Santos Própria

108 60 réis

1911 e

1914

Pedro José dos

Santos

Pedro José dos

Santos109

Pedro José

dos Santos

Typographia

Santos110

1$440 /

ano111

107

Nas edições da primeira década do século XX de que dispomos, não consta informação acerca da propriedade

e da direção do jornal. Há apenas o nome de Pedro José dos Santos, como editor, e os nomes de António

Romeiras (administrador) e José Bento Rosado (secretário).

108

Em todas as capas das edições da década de 1900 que possuímos, existe a informação: REDAÇÃO,

ADMINISTRAÇÃO E TYPOGRAPHYA – Rua das Continhas, 1, indicando que o jornal é redigido,

administrado e impresso em suas próprias dependências.

109

Pedro José dos Santos aparece como proprietário, diretor e editor nas edições de 1911. Já nas edições de

1914, ele aparece somente como proprietário e editor, e constam as informações de que o redator principal é

Armando Ribeiro e o administrador é António Romeiras. Tais informações permanecem as mesmas em todas as

edições que possuímos da década de 1920.

Page 269: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

246

1921 a

1923

Pedro José dos

Santos -

Pedro José

dos Santos Própria -

Quadro 29: Informações acerca de A Folha do Sul nas edições do corpus

A seguir, vemos algumas das capas das edições que compõem nosso corpus:

1900 1910 1920

Quadro 30: Capas de A Folha do Sul por década

Durante as duas primeiras décadas de nosso corpus, 1900 e 1910, o jornal era

publicado em edições de quatro paginas. Já na década de 1920, suas edições possuíam apenas

duas páginas e frequentemente encontramos nos textos a menção à escassez de papel.

Associado a isso ou não, esse foi justamente um período em que o jornal se mostrava mais

confrontador em relação ao governo.

O jornal possuía folhas de dimensões medianas, cerca de 45 centímetros de altura,

com cinco colunas na capa. A única edição da década de 1900 que possui uma fotografia é o

número 345, de 03 de setembro de 1904, por ocasião a uma homenagem ao toureiro Manuel

Augusto d’Azevedo “pelos muitos triunfos que obteve”. Nas edições de 1910, também

constatamos apenas uma edição com fotografias, a de número 868, de 27 de maio de 1911,

110

No cabeçalhos das capas das edições de 1911, consta um endereço para a redação e a administração do jornal

e outro para a tipografia Santos, responsável pela impressão. Já nas edições de 1914, voltamos a ver, a exemplo

do que ocorreu em todas as edições da década de 1900, a informação: REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E

TYPOGRAFIA – Rua Parreira, 9 e 11, sinalizando que a impressão teria voltado a ser realizada nas próprias

dependências do jornal, embora fosse em endereço diferente do indicado nas edições da década de 1900 (cf.

citado na nota acima).

111

Não há dados acerca do preço avulso das edições em nossos exemplares de 1914 em diante.

Page 270: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

247

com três pequenas imagens na capa. As edições da década de 1920 não contêm uma

fotografia ou ilustração sequer, muito provavelmente devido à referida escassez de papel que

mencionamos acima.

A configuração básica da estrutura do jornal não muda muito no decorrer das edições

das três décadas do corpus. Em todas as edições, a primeira coluna continha um texto – não

assinado – através do qual o jornal se direcionava ao público. Com frequência, esse texto

comentava algum acontecimento social, prestava homenagens a personalidades etc. Poucas

são as seções do jornal com títulos específicos. As notícias espalham-se pelas páginas do

periódico identificadas, quase sempre, a partir de seu próprio título e não por estarem

agrupadas em um local próprio para elas. Em geral, há folhetins, sempre no rodapé das

páginas, com o título da seção Folhetins da Folha do Sul. Nas edições das décadas de 1900 e

1910, eles aparecem na página 2 e/ou na página 3. Nas edições de 1920, que, como dissemos,

possuíam apenas duas páginas, o folhetim aparece no rodapé das duas ou três primeiras

colunas da capa.

Outras seções constantes eram Por Fóra, onde eram publicadas notícias dos arredores

de Montemór-o-Novo (os locais mais comuns eram Évora e Vendas Novas), geralmente

assinadas por “correspondente”. Havia também uma seção de Communicados, onde

eventualmente era possível ver alguma carta direcionada ao redator do jornal. Alguns poemas

eram encontrados muitas vezes nas páginas do jornal. Nas edições com quatro páginas, a

última – e quase metade da penúltima – sempre era dedicada aos anúncios e propagandas. Nas

edições com apenas duas páginas, os anúncios igualmente se concentravam na última página.

4.4.2. O Diário do Alentejo.

O periódico que compõe a maior parte de nossos dados da região do Alentejo chama-

se Diário do Alentejo e foi fundado em 01 de junho de 1932 (edição que possuímos em nosso

corpus) e se publica até hoje. Desde sua fundação, o jornal, também chamado de DA, se

intitulava um “porta-voz regionalista”.

Recém-lançado à altura da instauração do Estado Novo em Portugal, em 1933,

segundo Barros (2005), entre os anos de 1933 e 1934, o Diário do Alentejo se apresentava

politicamente como um jornal antissituacionista. Durante as décadas de 1930 até 1960, logo

abaixo do título do jornal aparecia apenas a inscrição “Porta-voz regionalista”. A partir das

edições da década de 1970, contudo, aparecia “Jornal regionalista independente”, indicando

Page 271: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

248

seu posicionamento (ou falta dele, na verdade) a essa altura. A publicação manteve esse

“subtítulo” de “Jornal regionalista independente” até as edições da década de 2000.

O jornal foi fundado em 01 de junho de 1932 por Carlos Augusto das Dores Marques e

Manuel António Engana. Constava no cabeçalho do periódico apenas que o jornal pertencia a

Carlos Marques e Cª Lda

. e que seu administrador e editor era J. J. Corôa. Já nas edições da

década de 1940, a publicação continua a constar como de propriedade da mesma empresa,

mas com direção e administração de M. A. Engana. É somente nas edições de 1957 que

passam a figurar no cabeçalho da capa os nomes de Carlos Augusto das Dôres Marques e

Manuel António Engana como fundadores do jornal.

Na primeira coluna de sua edição inaugural, lê-se:

REPAROS

DIÁRIO DO ALENTEJO

Um grupo de alentejanos, devotadamente amigos da terra que lhes foi berço, vinham desde

longa data, acalentando a ideia de lançarem um jornal dotado dos meios de acção

necessários para atingir um ideal que os tentava: animar e pôr em marcha um movimento

consciente, com o supremo objetivo de promover o progresso, o prestígio e a fortuna da

Província onde nasceram.

[...]

Os homens que conceberam e agora realizam o plano da criação de um órgão que se propõe

ser o porta-voz, na Imprensa, das justas aspirações, coletivas, que, debalde, algumas boas

vontades, dispersas não têm logrado, até hoje, efectivar, não trazem para êste campo nem

intenções reservadas, nem ambições pessoais.

E’ uma obra de intuitos generosos que pretende juntar á volta de si todas as boas vontades

dos que se orgulham de ser alentejanos castiços, sem desdenhar o concurso dos que vivem e

labutam nesta hospitaleira terra à qual, voluntariamente, ligaram os seus destinos.

(Diário do Alentejo, Ano I, nº 1, 01 de junho de 1932)

Não fica claro a partir de quando houve (se é que houve) algum tipo de cisão entre as

famílias de Carlos Marques e de Manuel António Engana. O fato é que, como dissemos, nas

duas primeiras décadas do jornal, constava que este pertencia à empresa Carlos Marques Cª.

Lda.

, mas era dirigido por M. A. Engana. A partir de 1972, consta que o jornal pertence aos

herdeiros de Manuel António Engana e a editora seria uma das herdeiras, Bárbara [Amélia

Magalhães] Serra Engana. Mas, ainda na década de 1970, nas edições de 1974, o nome da

Sra. Bárbara Engana já não aparece nas páginas do periódico e é informado que este é de

Page 272: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

249

propriedade da empresa Carlos Marques – Indústrias Gráficas, S. A. R. L, visivelmente ligada

à família do outro fundador do jornal.

Em 23 de janeiro de 1981, foi constituída a Associação de Municípios do Distrito de

Beja (AMDB), que adquiriu o patrimônio da empresa Carlos Marques – Indústrias Gráficas,

incluindo, entre outros bens, o jornal Diário do Alentejo. A AMDB é a associação de

municípios mais antiga de Portugal e, em 2005, passou a ser chamada AMBAAL (Associação

de Municípios do Beixo Alentejo e Alentejo Litoral), que congrega um total de 18 municípios

(14 do distrito de Beja e quatro do Distrito de Setúbal) (ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS

DO BAIXO ALENTEJO E ALENTEJO LITORAL, 2014).

Atualmente, o diretor é o jornalista Paulo Barriga, eleito para o cargo em novembro de

2010, por unanimidade, por possuir o melhor projeto para jornal a longo prazo. A votação foi

promovida pela AMBAAL, proprietária do periódico até hoje. Foi ele quem gentilmente abriu

os arquivos privados do jornal para que pudéssemos fazer o levantamento de nosso corpus.

Além da publicação impressa e do site do jornal, o Diário do Alentejo também possui,

hoje, uma página de vídeos, à qual chama Diário do Alentejo TV.

Seguem abaixo, as informações básicas acerca do jornal:

ANO PROPRIETÁRIO DIRETOR EDITOR TIPOGRAFIA PREÇO112

1932

1933

Carlos Marques &

Cª Lda

. - J. J. Corôa

Minerva

Comercial113

$30

1943

e

1948

Carlos Marques &

Cª Lda

.

Manuel António

Engana

Manuel

António

Engana

Minerva

Comercial

7$50

(1943) /

10$00

(1948) /

mês

1952

1958

Manuel António

Engana

Manuel António

Engana

Manuel

António

Engana

Minerva

Comercial $80

1962,

1963

e

1967

Manuel António

Engana

Manuel António

Engana

Manuel

António

Engana

Minerva

Comercial

$80

(1962) /

1$00

(1967)

112

A edição avulsa do Diário do Alentejo custa atualmente €0,90.

113

A Minerva Comercial – Beja, “livraria, papelaria, tipografia e encadernação”, pertencia, na verdade, à mesma

empresa proprietária do jornal (Carlos Marques & Cª. Lda

.), que sempre fazia anúncios da tipografia nas páginas

do periódico.

Page 273: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

250

1972

1974

Herdeiros de

Manuel António

Engana (1972) /

Carlos Marques

Indústrias Gráficas,

S. A. R. L (1974)

Melo Garrido114

Bárbara

Serra

Engana

(1972)

Alengrafa 1$50

1983,

1984

e

1987

Associação de

Municípios do

Distrito de Beja

(AMDB)

Jorge Guedes

Campos (1983) /

João Paulo Velez

(1987)

-

Beja Codex

(Tipografia

da AMDB)

12$50

(1983) /

25$00

(1987)

1992

-

1998

Associação de

Municípios do

Distrito de Beja

(AMDB)

António

Alexandre

Raposo (1992 e

1993) / Carlos

Pereira115

(1997)

- Beja Codex

110$00

(1993) /

130$00

(1997)

Quadro 31: Informações acerca do Diário do Alentejo por década

Em seguida, podemos verificar algumas das capas do Diário do Alentejo ao longo do

século XX e, para comparação, também expomos, ao fim do quadro, a capa de uma edição já

do século XXI:

1930 1940 1950

114

Manuel Inácio Lopes de Melo Garrido (1916-1989) foi um notável jornalista e escritor do distrito de Beja,

especialmente ligado ao jornalismo desportivo. Além de ter dirigido o Diário do Alentejo durante os anos de

1961 e 1975, também esteve à frente do Alentejo Ilustrado e, de 1975 a 1976, do Jornal da Costa do Sol.

Escreveu Catarina Eufémia – A Grande Dúvida de um Drama, O Assalto ao Quartel de Beja e a História do

Desporto no Distrito de Beja, em que registra os feitos esportivos do distrito entre os anos de 1904 e 1956.

Também foi colaborador do famoso periódico esportivo lusitano A Bola.

115

Carlos [Lopes] Pereira aparece em nosso corpus pela primeira vez como diretor do DA na edição de 13-19 de

fevereiro de 1998, mas, desde a edição de 12 a 22 de abril de 1993, seu nome já constava como chefe de redação

do jornal. Nessa mesma edição de 1993 foi também a primeira vez em que o nome de Paulo Barriga – atual

diretor do Diário do Alentejo – aparece entre os redatores do jornal.

Page 274: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

251

1960 1970 1980

1990 2010 -

-

Quadro 32: Capas do Diário do Alentejo por década

Conforme podemos observar, a fonte usada para grafar o nome do jornal é a mesma

desde sua fundação, sendo a única modificação mais relevante a que deu cores ao título a

partir da década de 1990.

As edições das décadas de 1930 até 1960 que compõem nosso corpus possuem, todas,

quatro páginas. A única exceção ao longo dessas quatro décadas foi a edição do dia 24 de

junho de 1958, em comemoração aos 26 anos do periódico, em que havia um tipo de

homenagem a diversas cidades de Portugal, tais como Lisboa, Coimbra, Porto, Caldas da

Rainha, Portimão, Faro etc. mostrando as melhores qualidades de cada uma delas. Com isso,

tal edição perfez um total de 30 páginas nesse dia. Durante a década de 1970, o jornal

apresentava oito páginas. Já nas edições da década de 1980, a quantidade de páginas oscilava

entre 16 e 28. Por fim, as edições da década de 1990 de nosso corpus apresentam entre 24 e

32 páginas.

Page 275: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

252

Na década de 1930, as edições são iniciadas por uma seção intitulada Reparos, onde,

em geral, encontramos um texto opinativo do jornal, não assinado, direcionado aos leitores.

Outro texto opinativo também frequente na capa costumava aparecer na seção Ideias e

Factos. Já na página 2, encontrava-se a seção Merenda, com algum texto literário, na maioria

das vezes. Além disso, também encontrávamos nessa página informações sobre cinema, às

vezes sobre esportes e, no rodapé, um folhetim. A seção Pelo Distrito era flutuante nas

edições, bem como algumas cartas. Na página 3, sempre se encontravam os anúncios e

propagandas. E, na 4ª e última página, viam-se notícias diversas, e as seções Chronica de

Lisboa, Última Hora e Últimas Notícias.

Já nas edições da década de 1940 vimos surgirem várias seções que perdurariam no

jornal pelas próximas décadas, tais como: Beja Dia-a-dia, com noticiário local, Notícias

pessoais (informando, basicamente, chegadas e partidas de pessoas ilustres), Ecos, Nota do

Dia (em geral, no início da capa das edições) e Informação Desportiva. Os folhetins

continuam nos rodapés na página 2; os anúncios, ocupando toda a página 3. Algumas seções

aparecem eventualmente, tais como Lutuosa e Curiosidades. Uma inovação dessa década é a

presença constante de uma página especificamente dedicada ao público feminino, chamada

Página da Mulher, única do gênero dentre todos os periódicos que compõem nosso corpus,

em uma época quando a mulher ainda não tinha a maioria dos direitos que possui hoje.

Tal é também a configuração básica das edições das décadas de 1950 e 1960. A única

inovação que surgiu na década de 1950 – e que permaneceu na de 1960 – foi a seção Teatros

e Cinemas, onde se encontravam notícias, programação e resenhas de peças e filmes da época.

Nas edições da década de 1970 vemos algumas mudanças significativas em relação às

décadas anteriores. A capa passa a ser composta essencialmente por notícias, muitas com

fotografias. Além disso, essas notícias, agora, costumam ser diagramadas em boxes cujas

bordas, em geral, são coloridas. A página 2 é intitulada Opinião e, nela, há subseções de

acordo com a abrangência do assunto do texto opinativo: Regional, Nacional, Internacional.

Na parte inferior dessa página sempre há um box com a ficha técnica do jornal. A página 3 é

denominada Alentejo Dia-a-dia e, nela, veem-se notícias de diferentes localidades da região:

Évora, Campo Maior, Elvas, Portalegre, Beja, Cuba etc. As páginas 4 e 5 costumam trazer

reportagens mais aprofundadas acerca de algum assunto, muitas vezes ocupando

horizontalmente as duas páginas, como se fossem uma só. A página 6, em geral, apresenta

continuações de notícias da capa e a 7, a agenda do dia e a necrologia. Na 8ª e última página,

há a seção Notícias em poucas linhas e algumas notícias pequenas, dispersas. As propagandas

espalham-se por toda a edição, sem uma seção fixa e específica para elas.

Page 276: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

253

As edições das décadas de 1980 e de 1990 apresentam uma peculiaridade que merece

ser comentada: embora seja, desde o próprio título, efetivamente uma publicação diária, o

Diário do Alentejo passa a fazer apenas edições semanais ao longo dessas décadas,

provavelmente por dificuldades financeiras e / ou de recursos humanos. As edições do DA só

voltariam a ser diárias a partir da primeira década do século XXI e assim permanecem até

hoje. Apesar de serem edições com um número muito maior de páginas – na maioria das

vezes, acima de 20 páginas (ainda que o tamanho das folhas em si tenha diminuído

consideravelmente dado seu novo projeto gráfico) –, mesmo assim verificamos nas décadas

de 1980 e 1990 uma descaracterização de sua intenção em ser um periódico diário. De

qualquer forma, é nessa fase que as páginas se tornam coloridas, bem diagramadas, mais

agradáveis aos olhos do leitor.

Nas edições da década de 1980, as seções são identificadas por títulos no cabeçalho

das páginas. A capa passa a ter ainda menos textos escritos, apresentando grandes fotografias

e resumos de poucas notícias de maior destaque na semana. As páginas 2 e 3 apresentam uma

seção chamada Local, com notícias de Beja, além de um box contendo a ficha técnica do

periódico. Na página 4, há a seção Opinião, onde encontramos, dentre outros textos

opinativos, o editorial do jornal, assinado. Por volta das páginas 5 e 10, encontram-se notícias

regionais de todo o Alentejo, na seção nomeada Região. Entre as páginas 11 e 13 (e, às vezes,

ainda, sob forma de um suplemento à parte), há a seção dedicada à cultura, com notícias

relacionadas a entretenimento e, esporadicamente, com alguns passatempos e tirinhas. As

páginas 14 e 15 costumam apresentar a seção Desporto, que, vez ou outra, também aparece

como um caderno à parte. Na última página, encontramos algumas últimas notícias variadas.

Existem, ainda, duas seções que apareceram em algumas das edições desse período:

Publicidade e Geral, que costumam conter avisos, anúncios, editais, propagandas etc.

Na maior parte das edições da década de 1990, verificamos, grosso modo, as mesmas

seções que havia nas da década de 1980, apenas com algumas alterações de ordem das seções

dentro do jornal e de quantidade de páginas das mesmas. Nas edições de 1998, porém, o

layout do jornal mudou de forma considerável, bem como os títulos de algumas seções. O

texto opinativo de autoria do jornal passa a aparecer na página 2 encabeçado pelo título A

Abrir. Surgem também novas seções, tais como Vida, Política, Actual, Em Foco, Agenda e

Utilidades, Televisão, Entrevista e Reportagem. Algumas páginas também apresentam como

título nomes de cidades do Alentejo, apontando haver, ali, notícias relativas a essas

localidades, tais como Beja, Évora e Portalegre. Além disso, passa a haver, com maior

Page 277: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

254

frequência, cadernos e suplementos à parte relativos à cultura e esportes. Quanto ao mais,

mantêm-se os assuntos básicos das seções das edições da década de 1980.

É do Diário do Alentejo que tiramos um mero exemplo – dentre vários que poderiam

ser citados – sobre o modo como a imprensa regional da época conseguia muitas de suas

notícias:

ALDEIA NOVA DE SÃO BENTO. Pessoa que nos merece todo

crédito informa-nos que, na pitoresca Aldeia Nova de São Bento,

grassa há bastante tempo uma epidemia de sarampo, que degenerou

em tuberculose infantil, atacando perto de oitenta creanças, algumas

das quais já faleceram.

(Dado 183, 03 jun 1932)

No texto acima, vemos um exemplar do tipo de notícia mais frequente em nosso

corpus: um fato ocorrido em uma aldeia do interior do Alentejo, comunicado ao jornal por

uma “pessoa comum”, não repórter, não jornalista, apenas uma “pessoa de confiança”.

Acontecimentos quotidianos, pequenas tragédias e alegrias do dia-a-dia provinciano, festas e

celebrações locais. Tal é o principal conteúdo das notícias de nosso corpus, sempre, conforme

já mencionamos, buscando selecionar as notícias o mais locais possível no sentido de

minimizar a possibilidade de recolher um texto que seja tradução de algum jornal

internacional ou reprodução de notícia de algum jornal de âmbito nacional.

4.5 Algarve

No Algarve, os dados foram integralmente levantados a partir do semanário

independente de abrangência regional O Algarve. O jornal é oriundo da capital do distrito,

Faro, e foi fundado em 29 de março de 1908 por Artur Águedo de Miranda, Luís Sepúlveda

Pimentel Mascarenhas e José Ferreira da Silva. A edição inaugural faz parte de nosso corpus.

Nas primeiras colunas do número de abertura do periódico, os fundadores se dirigem

ao público através de um texto intitulado NÓS, no qual afirmam:

Page 278: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

255

Mais um humilde combatente n’este pelejar do interesse publico, em que se debatem

tantos campeões, assenta hoje inscripção a denominação <<O Algarve>>, perante os nossos

comprovincianos, a quem dedicamos, e só a eles, o trabalho que vamos empreender.

O nosso título, simples e modesto, vae como símbolo da missão, que tomamos sobre

nossos hombros!

Para a nossa querida província, tão linda, tão ubérrima na pujança dos valores

materiaes e Moraes que, contem, tão digna de incentivos e auxílios, trabalhadora, honesta e

gloriosa na historia do paiz, nunca póde haver desperdícios d’esforços dos seus filhos, para

que venha como uma invalidade a nossa collaboração na sua aspiração de progresso!

Nenhuns enraizamentos trazemos de nossas antigas origens partidarias e despegámo-

nos por completo d’essas ligações pelo reconhecimento da vetutez dos partidos e por nos

havermos convencido que as suas bandeiras já não se desfraldam sôbre o sopro quente e

fervoroso do sentimento patriótico [...]

[...]

Pelo Algarve e seus interesses principaes é a nossa divisa!

[...]

E assim julgamos que havemos de merecer a consideração dos nossos

comprovincianos a quem vai dedicado o nosso semanário O ALGARVE.

E assim nascia o autodenominado semanário independente da região algarvia, fazendo

questão de ressaltar ser absolutamente livre de quaisquer amarras políticas de seu tempo.

Tempo este que, lembramos, fervilhava em agitações republicanas, apenas dois anos antes da

instauração da República no país. Além disso, o jornal inaugurou a 29 de março de 1908, dois

meses depois do assassinato do rei D. Carlos e de seu príncipe herdeiro, Luís Filipe, a 1 de

fevereiro. Nesse contexto, raros eram os jornais realmente apartidários. Mas assim O Algarve

procurou manter-se, ao menos explicitamente, durante a maior parte de seus longos anos. A

esse respeito, comentou em um artigo intitulado a “Imprensa Republicana no Algarve” o

Professor José Carlos Vilhena Mesquita, da Universidade do Algarve e autor de História da

Imprensa do Algarve:

Relativamente a <<O Algarve>> - actual decano da imprensa algarvia, fundado em

29-3-1908, que teve em Artur Águedo de Miranda e Luís Mascarenhas, os principais

obreiros do republicanismo na capital algarvia – importa dizer que apareceu a

público como semanário independente, cuja única bandeira eram os interesses e

anseios da região. Foi, por conseguinte, um fervoroso regionalista na vertente

propagandista das diversas potencialidades do Algarve, lutando contra a existência

dos privilégios e das prepotências que o regime monárquico persistia em manter,

apontando como principais pecadilhos do regime a corrupção, o nepotismo e a

partidarite, isto é, a exclusão dos seus adversários políticos. Aderiu à República,

logo após o 5 de Outubro de 1910, mas em 1914 retornou à sua posição inicial

de independente, que aliás não mais largaria até hoje. Creio que o segredo da

sua longevidade terá residido precisamente na sua isenção política [...].

(MESQUITA, 2010, p. 132, grifos nossos).

Page 279: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

256

Segundo o autor, portanto, os fundadores do jornal não eram exatamente

“apartidários”. Artur Águedo de Miranda e Luís Sepúlveda Pimentel Mascarenhas eram

republicanos. Já José Ferreira da Silva, era politicamente conservador e parecia simpático às

ideias monárquicas, embora nunca tenha se pronunciado publicamente contrário ao novo

regime que veio a se instaurar a partir de 05 de outubro de 1910. A esse propósito, Mesquita

(1989) também destaca que, embora tenha sido lançado como um “Semanário Independente”,

O Algarve mudou seu subtítulo logo após o início da República, em 16 de outubro de 1910,

para “Semanário Republicano”. Quatro anos depois, porém, em 06 de dezembro de 1914, o

jornal voltou a denominar-se “Semanário Indepentente” e tal informação permaneceu em seu

cabeçalho, logo abaixo do título, até o século XXI.

O jornal se manteve praticamente ao longo de todo o século XX nas mãos da mesma

família de um de seus fundadores. José Ferreira da Silva, nascido em Loulé, em 1870, dedicou

mais de quatro décadas de sua vida ao jornal, desde sua fundação, em 1908, passando pelo

momento em que efetivamente assumiu a administração do hebdomadário, em fevereiro de

1920, e até sua morte, em janeiro de 1949. Ao morrer, deixou o jornal como herança a seu

filho Artur Serrão e Silva, que, a exemplo de seu pai, dedicou praticamente toda a sua vida a

O Algarve. Pai e filho não mediram esforços para que o periódico nunca deixasse de ir às

ruas, chegando a vender bens pessoais para custear as despesas da publicação. Artur Serrão e

Silva faleceu em dezembro de 1980 e quem herdou, então, o jornal foi sua irmã, Sra. Basilisa

Conceição Serrão e Silva. Esta, logo em seguida, “vendeu a propriedade do jornal a José do

Carmo Lopes Martins com a promessa de nunca suspender a publicação do jornal”, segundo

Mesquita (2010).

Por uma infeliz coincidência, o semanário encerrou suas atividades em 12 de abril de

2013, enquanto estávamos justamente construindo o corpus desta pesquisa. Testemunhamos,

assim, um caso concreto das dificuldades por que tem passado a imprensa regional em

Portugal, conforme mencionamos no início deste capítulo.

O periódico, então centenário, anunciou seu término por meio de suas próprias

páginas, em uma edição de encerramento, e também em sua página na internet, como

podemos ver na capa da edição do dia 12 de abril de 2013:

Page 280: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

257

Figura 4: Edição de despedida do semanário O Algarve

Toda a edição foi repleta de um tom de despedida, apesar do “Volto já” anunciado na

capa. Em uma das páginas, encontramos um texto intitulado “A Imprensa Regional e Local”,

do deputado Mendes Bota, do PSD, em defesa do patrimônio cultural que a imprensa regional

representa para o país. Nele, afirma:

“Poucos saberão que existem neste rectângulo vinte e um jornais regionais com mais de cem

anos de existência ininterrupta, um recorde mundial, património imaterial do povo

português. Ver a imprensa regional cair a pique em passo acelerado corta o coração de

quem nela publicou primeiro poema de amor, croniquetas de política caseira, ou nela deu

passos na escadaria da evidência pública. No Algarve, tem sido grande a razia, que promete

não ficar por aí. [...] Problemas mil, neste mês de abril, clamam por um plano de emergência

que acuda a quem já só tem como objetivo manter as páginas abertas por um mês, três meses,

que um ano já está longe e o olhar já não enxerga.”

Também havia um texto de despedida do diretor de O Algarve, Mário Lino, intitulado

“Até já ou até logo”, onde se lia:

Page 281: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

258

“Quando em 2012 assumi as funções de director do semanário O Algarve sabia que a

tarefa não ia ser fácil. Senão, vejamos: assim que entrei, no primeiro dia de fecho, cortaram

a electricidade por falta de pagamento. Mesmo assim, sem luz, conseguimos fazer a edição,

com recurso a uma bateria (UPS) e um computador portátil. [...] No passado recente,

parecia haver sinais de retoma e confiança de um novo elemento na administração, António

Vazquez. Ainda assim, a entrada de novos “players” para a direcção da ACRAL acabou por

precipitar algo que tinha vindo a ser adiado: a suspensão (ou fecho, caso não se encontre

investidores [sic]) do título mais antigo do Algarve. São 105 anos de história que agora ficam

congelados, à espera de alguém que acredite que é possível construir um projecto isento,

importante e irreverente no Algarve. [...].”.

Por fim, também há um comunicado oficial da ACRAL, Associação do Comércio e

Serviços da Região do Algarve, que, pouco antes, tinha comprado o título:

COMUNICADO: SUSPENSÃO DO JORNAL O ALGARVE.

A nova Direcção da ACRAL deparou-se com dívidas acumuladas na empresa

proprietária do jornal O Algarve que ascendem a 103.640,98, apesar do investimento de

261.731,86 que a Associação fez no jornal nos últimos dois anos.

Em face da ausência de rentabilidade do jornal O ALGARVE revelada por esta

situação, particularmente agravada pela actual conjunctura de crise do mercado

publicitário, a nova Direcção da ACRAL entendeu suspender a publicação do jornal como

forma de não agravar os prejuízos até que seja encontrada solução que viabilize a

publicação.

A ACRAL, enquanto proprietária da empresa responsável pelo jornal, encontra-se a

estudar a melhor forma de a Canalalgarve, Lda liquidar todos os seus compromissos perante

terceiros.

Faro, 11 de abril de 2013.

A Direcção.

Tal é a situação da imprensa regional no país, que, conforme já tínhamos mencionado

no início deste capítulo, tem se mostrado bastante instável já há alguns anos, segundo estudo

da ERC, publicado em 2010.

De qualquer forma, iremos nos ater a comentários acerca das edições que compõem

nosso corpus, ou seja, as do século XX. Seguem as informações básicas do jornal:

Page 282: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

259

ANO PROPRIETÁRIO DIRETOR EDITOR TIPOGRAFIA PREÇO116

1908 e

1909

“Propriedade da

empresa O

Algarve”

Arthur

Águedo117

-118

Própria -119

1914 –

1916

“Propriedade da

empresa O

Algarve”

Arthur

Águedo

Luiz

Mascarenhas120

Própria -

1921 e

1925

“Propriedade da

empresa O

Algarve”

Ferreira da

Silva

Ferreira da

Silva Própria $20

1931,

1933 e

1938

Ferreira da Silva121

Ferreira da

Silva

Ferreira da

Silva Própria $30

1941,

1943 e

1944

Ferreira da Silva Ferreira da

Silva

Ferreira da

Silva Própria

30$

(1941) /

40$

(1943)

1952,

1954 e

1955

“Herdeiros de

Ferreira da Silva”122

Arthur

Serrão e

Silva

(interino)

Arthur Serrão e

Silva (interino) Própria $80

116

Na ocasião de seu encerramento, em abril de 2013, a edição avulsa de O Algarve custava €1,00.

117

Segundo Mesquita, Artur Águedo de Miranda (Albufeira, 15-07-1867 – Faro, 23-08-1936), advogado

formado pela Universidade de Coimbra, se manteve na direção de O Algarve até março de 1917, quando

precisou deixar o país para ser magistrado na África. Mesmo após deixar o jornal, continuou contribuindo como

colaborador esporadicamente. Faleceu aos 69 anos em 23 de agosto de 1936.

118

Nas edições da década de 1900, não há menção explícita a um editor, mas o nome de Luiz Mascarenhas

aparece no cabeçalho como REDACTOR CHEFE, cargo que só existiu explicitamente no jornal durante seus

dois primeiros anos (1908-1910). A primeira vez que o cargo EDITOR foi mencionado no periódico foi na

edição de 06 de novembro de 1910 (nº 137), ocupado inicialmente por Artur Águedo e, em seguida, a partir de

08 de abril de 1917, por Luís Mascarenhas.

119

Não é mencionado no jornal o preço da edição avulsa, mas existe a informação de que a assinatura trimestral

custa 400 réis. Segundo Mesquita (1988, p. 111), o preço do jornal avulso era 10$.

120

Embora antes aparecesse como redator chefe e, agora, figure no cabeçalho das edições do jornal “apenas”

como editor, de acordo com o artigo “A Imprensa Republicana no Algarve”, Luís Mascarenhas teria sido, na

verdade, cofundador de O Algarve, juntamente com o Dr. Artur Águedo de Miranda e o Sr. José Ferreira da

Silva, conforme citamos acima. Antes de fundar o jornal, teria sido ferrenho militante do Partido Progressista e

um dos principais envolvidos com os jornais abertamente republicanos Progresso do Algarve (1880-1889) e

Progresso do Sul (1889-1906). Faleceu aos 73 anos, em 29 de janeiro de 1920.

121

José Ferreira da Silva assumiu a propriedade de O Algarve a partir da edição de nº 953, de 11 de julho de

1926, e permaneceu como dono da empresa até sua morte, em 22 de janeiro de 1949.

122

No cabeçalho do jornal, consta o nome de Arthur Serrão e Silva como diretor-editor interino, e existe a

informação de que o jornal é de propriedade dos herdeiros do Sr. Ferreira da Silva. Arthur Serrão e Silva, filho

de José Ferreira da Silva, assumiu o periódico logo após o falecimento do pai, em 22 de janeiro de 1949, e

continuou em seu comando até a morte, em 31 de dezembro de 1981.

Page 283: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

260

1961,

1962 e

1963

“Herdeiros de

Ferreira da Silva”

Arthur

Serrão e

Silva

(interino)

Arthur Serrão e

Silva (interino) Própria 1$00

1972 e

1973

“Herdeiros de

Ferreira da Silva”

Arthur

Serrão e

Silva

(interino)

Arthur Serrão e

Silva (interino) Própria 1$50

1981

Propriedade da

herdeira de Artur

Serrão e Silva123

Joaquim

Magalhães124

Lopes Martins

Gráfica

Almondina125

7$50

1991 e

1993

José do Carmo

Lopes Martins

J. C. Lopes

Martins -

Gráfica

Almondina 75$00

Quadro 33: Informações acerca de O Algarve nas edições do corpus

Abaixo, podemos conferir algumas amostras de capas das edições que constituem

nosso corpus desse periódico:

1900 1910 1920

123

Na última edição de 1981, em vez de “propriedade da herdeira de Artur Serrão e Silva”, consta que o jornal é

de propriedade de Basilisa da Conceição Serrão e Silva, que, conforme vimos, era sua irmã e veio a vender o

jornal logo depois de tê-lo herdado.

124

Joaquim [da Rocha Peixoto] Magalhães recebeu a direção do jornal de Basilisa ConceiçãoSerrão e Silva em

14 de janeiro de 1981, logo após ter herdado O Algarve devido ao falecimento de seu irmão, Artur Serrão e

Silva, em 31 de dezembro de 1981.

125

A tipografia responsável pela impressão de O Algarve deixou de ser própria em 08 de abril de 1981.

Page 284: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

261

1930 1940 1950

1960 1970 1980

1990

- -

Quadro 34: Capas de O Algarve por década

Page 285: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

262

Como podemos perceber a partir da visualização das capas acima, o jornal, fundado na

primeira década do século XX, manteve seu nome grafado, basicamente, da mesma forma ao

longo de todo o período analisado. Apenas no século XXI é que veio a mudança no layout do

jornal, que fez com que sua aparência fosse fortemente alterada, conforme pudemos constatar

através da figura 4, acima, onde vimos a capa da edição de encerramento do jornal, em abril

de 2013, bastante diferente das capas do quadro acima.

Entre as décadas de 1900 e 1960, a publicação apresentava, predominantemente,

quatro páginas nas edições de nosso corpus. Dentre as 79 edições desse período, apenas 21

não possuíam quatro páginas e, dessas 21, 16 concentram-se na década de 1920, período em

que o jornal apresentava-se quase sempre com apenas duas páginas. Ou seja, à exceção da

década de 1920, entre as décadas de 1900 até 1960, podemos dizer que houve apenas cinco

edições que não possuíam quatro páginas.

Nas edições da década de 1970, os exemplares continham entre seis e oito páginas, ao

passo que, nas edições de 1980, havia, em sua maioria, 10 páginas. As seis edições da década

de 1990 apresentavam quantidade de páginas variável: 20, 16, 17, 10, 12 e 12.

Nas edições de 1900 e de 1920, não há qualquer tipo de ilustração. Já dentre as 11

edições de 1910, verificamos três edições com uma fotografia em preto-e-branco, em duas

delas, na capa. Nas edições das décadas seguintes, 1930, 1940 e 1950, as ilustrações

permanecem raras, geralmente restritas a uma fotografia de capa (quando há) ou a alguma

figura em forma de desenho, com frequência associada a uma propaganda. É apenas na

década de 1960 que elas passam a ser um pouco mais presentes no periódico. Mas é na década

de 1970 que elas são realmente abundantes e é também quando constatamos um projeto

gráfico diferenciado no jornal. A capa passa a ser quase integralmente constituída por

fotografias e pequenos textos escritos. Nas décadas de 1980 e 1990, porém, curiosamente as

imagens voltam a ser escassas, mas ainda predomina o padrão mais “limpo” das páginas do

jornal, com menos textos escritos, mais áreas em branco, com espaçamento maior entre os

textos, melhor diagramação etc.

A composição básica das edições das décadas de 1900 até 1960 – tempo em que a

publicação apresentava quatro páginas – era bem semelhante. Na capa, as duas primeiras

colunas apresentavam algum texto do próprio jornal direcionado aos leitores, como era hábito

nos jornais da época, conforme temos observado. Havia notícias variadas por todo o jornal,

além de poemas, avisos e editais. Quase não havia seções fixas e com um título próprio. Uma

das poucas seções, sempre presente, chamava-se Correspondências, a qual era essencialmente

usada para comunicados, cobranças comerciais de dívidas etc. Outra era Ecos da Semana,

Page 286: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

263

onde se publicava um resumo dos principais acontecimentos da semana, em geral,

acompanhado de alguma nota crítica acerca dos mesmos. As propagandas concentravam-se na

última página, embora também aparecessem vez ou outra na penúltima. O jornal também era

usado, com frequência, para publicação de avisos e editais.

Na década de 1930, em especial, surgem algumas seções, um pouco mais fixas, como

Mundanismo (que viria a permanecer na publicação pelas décadas seguintes). Além disso,

também era publicada quinzenalmente uma página de Finanças, Comércio, Indústria e

Agricultura. Já na década de 1960, as principais inovações dizem respeito à criação ou ao

maior destaque dado a algumas seções, tais como O Algarve Desportivo, Os 7 Dias da

Semana (em substituição à seção Ecos da Semana) e a denominação específica da seção de

Anúncios.

Nas edições da década de 1970, já com seis ou oito páginas e um projeto gráfico

diferenciado, três seções passam a ser constantes no periódico: Vida Desportiva, Notas

Citadinas, especificamente voltada para as notícias de Faro, e a Necrologia, que,

curiosamente, ganha um grande destaque na publicação.

As dez edições da década de 1980 têm entre oito e doze páginas, possuindo,

majoritariamente, oito. Os textos opinativos têm imenso destaque no jornal. Uma seção

intitulada Editorial, assinada pelo diretor ou pelo subdiretor, passa a aparecer sempre na capa,

ocupando cerca de 60% da área impressa desta. Além do editorial, também encontramos a

ficha técnica do jornal em um box na capa. Outro texto de caráter opinativo, sempre presente

nas edições de 1980, aparece em um box em uma das páginas do interior do jornal, em uma

seção chamada Ponto Um, na qual o editor Lopes Martins costuma se pronunciar acerca dos

assuntos em voga na ocasião.

Com relação às edições da década de 1990, que possuem entre 12 e 20 páginas, vemos

o estabelecimento de outras seções fixas: Notícias ao correr da pena (que ocupa uma página

inteira) e O Algarve Desportivo. A página 2 sempre apresenta a agenda semanal da TV, além

da ficha técnica do periódico em um box. A página 3 costuma apresentar diversos textos de

opinião. Nessas edições, há muitas publicações oficiais de avisos e editais, além de vários

textos relacionados ao Rotary Club, agrupados em uma seção chamada Vida Rotária.

4.6 Açores

Page 287: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

264

Os dados de português insular – que, aqui, também consideramos como um dos

dialetos do português europeu, tal qual costuma ser tratado nas pesquisas lusas de

dialectologia, por ser um território autônomo de Portugal e fazer parte da União Europeia na

qualidade de região ultraperiférica – foram levantados no também centenário Diário dos

Açores, publicado em Ponta Delgada, capital da ilha de São Miguel, a mais desenvolvida

dentre as nove ilhas que compõem o arquipélago dos Açores. O corpus açoriano é o menor

deste trabalho, visto que colhemos amostras de gerúndio e de infinitivo gerundivo de apenas

quatro das dez décadas do século XX nesse material (embora tenhamos edições de

praticamente todas as décadas do século XX do periódico, exceto da década de 1940). O

Diário dos Açores foi fundado em 05 de fevereiro de 1870 e continua em circulação até hoje.

De acordo com a história do jornal, disponível em sua página na internet, seu

fundador, Manuel Augusto Tavares de Resende, dirigiu o jornal até a morte, em 1892. M. A.

Tavares Resende teria se inspirado no lançamento do Diário de Notícias, em 1864, e almejou

proporcionar aos micaelenses informação oriunda de toda a parte. Ainda hoje, o arquipélago

dos Açores é um ambiente essencialmente rural, cuja economia subsiste, sobretudo, da

pecuária, da pesca e, nos últimos anos, do turismo. Se assim é hoje, já na segunda década do

século XXI, é possível imaginar o contexto sociocultural enfrentado por Tavares Resende

ainda no século XIX. O arquipélago possuía àquela época altos índices de analfabetismo e

carecia de maquinário gráfico para a impressão de periódicos em larga escala, além de ainda

contar com um concorrente já em atividade naquele tempo: o Açoriano Oriental, fundado em

1835, também da ilha de São Miguel.

Mesmo com essas dificuldades de ordem técnica e cultural, Tavares Resende manteve

seu projeto, ainda que lançando mão de promoções e ofertas para angariar assinantes. Por seu

empenho, o Diário dos Açores se estabeleceu no mercado periodístico da época e se destacou

por ser considerado inovador no seu tempo tanto pelo estilo quanto pelo formato, não

buscando tratar exclusivamente de assuntos relativos à terra açoriana.

Após o falecimento de Tavares Resende, em 1892, seu sobrinho, Manuel Resende

Carreiro, assume o comando do jornal, posição que manteve durante 47 anos, até morrer. É

dele, portanto, a direção do jornal nas primeiras décadas do século XX, já parte do nosso

corpus. Depois de sua morte, o periódico continua como um negócio da família, tendo-o

herdado seus dois filhos: Manuel e Carlos Carreiro.

Os irmãos Carreiro foram os responsáveis pela maioria dos avanços técnicos

alcançados pelo jornal em meados do século XX. Nos nossos exemplares da década de 1970,

Page 288: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

265

após o falecimento dos irmãos Carlos e Manuel Carreiro, passa a constar como diretor do

jornal o nome de Carlos da Silva Resende Carreiro. Já nas edições das décadas de 1980 e

1990, a diretora era Maria Isabel Carreiro M. Costa, também membro da família. Embora a

família Resende-Carreiro tenha estado à frente do Diário dos Açores desde sua fundação,

como podemos observar, o periódico sempre trouxe em seu cabeçalho a informação

“Propriedade da Empresa Diário dos Açores Lta.”. Atualmente, o jornal continua pertencendo

à mesma empresa, mas esta, por sua vez, aparentemente não é mais propriedade da família.

Seguem, abaixo, algumas das informações básicas da publicação constantes nos

exemplares que compõem nosso corpus:

ANO PROPRIETÁRIO DIRETOR EDITOR TIPOGRAFIA PREÇO126

1907 Empresa Diário

dos Açores Lda.

M. Pereira de

Lacerda127

M. Pereira de

Lacerda Própria

25$ (no

dia) / 50$

(depois)

1937

e

1938

Empresa Diário

dos Açores Lda.

Manuel Rezende

Carreiro

Manuel

Rezende

Carreiro

Própria 7$50128

1961

e

1965

Empresa Diário

dos Açores Lda.

Carlos e Manuel

Carreiro

Carlos

Carreiro Própria 15$00

129

1997 Empresa Diário

dos Açores Lda.

Maria Isabel

Carreiro M.

Costa

- Própria 100$00

Quadro 35: Informações acerca de o Diário dos Açores nas edições do corpus

Além dessas informações, também podemos observar algumas das capas das edições

do nosso corpus, abaixo:

126

A edição avulsa do Diário dos Açores custa, hoje, €0,55 durante a semana e €0,60 aos fins de semana.

127

No cabeçalho dos jornais desse período, encontramos os seguintes nomes: Fundador: Tavares de Rezende /

Redactor-principal: M. Victor Cabral / Secretário-gerente: M. Rezende Carreiro / Diretor e editor: Manuel

Pereira de Lacerda.

128

O valor de 7$50 diz respeito à assinatura mensal. Não consta nas páginas do jornal informação sobre seu

preço avulso.

129

O valor de 15$00 diz respeito à assinatura mensal. Não consta nas páginas do jornal informação sobre seu

preço avulso.

Page 289: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

266

1900 1930

1960 1990

Quadro 36: Capas do Diário dos Açores por década

As quatro edições que possuímos da década de 1900 do Diário dos Açores apresentam

quatro páginas. Na década de 1930, elas têm entre três e cinco páginas. Na década de 1960, as

edições são formadas por duas a cinco páginas e, por fim, as três edições da década de 1990

têm 16 páginas.

Embora pequenas, as edições de 1900 apresentavam, todas, seções constantes. A

localização das mesmas nem sempre era fixa, mas, na maioria das vezes, sim. Na capa, as

duas primeiras colunas eram dedicadas a um texto opinativo não assinado. Além disso,

também havia a seção Pelo Mundo – Pequenas Notícias – Extrangeiro, Casos e Notas (com

notícias variadas), a Revista Militar e o Dia-a-dia. Sempre havia um folhetim no rodapé da

página 2 e, também nessa página, encontrávamos Annuncios, uma Seção Metereológica,

Secção Telegraphica (com algum recado emitido pela agência Havas) e Pelos Archipelagos,

Page 290: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

267

com notícias a respeito das outras ilhas que constituem os Açores. As páginas 3 (de forma

predominante) e 4 (integralmente) eram dedicadas aos avisos e propagandas.

Nas edições da década de 1930, encontramos uma capa mais “livre” de seções, com

notícias variadas, muitas vezes associadas a fotografias. Na página 2, sempre havia três seções

específicas: Rádios do Continente (com notícias de Portugal Continental), à esquerda, Rádios

do Estranjeiro, à direita, e Diário Desportivo, no centro. Algumas propagandas e/ou notícias

pequenas também apareciam nessa página eventualmente. Nas páginas 3 e 4 havia, em sua

maioria, anúncios e propagandas. Em uma das edições, encontrava-se um folhetim no rodapé

da página 4. Em outra, ainda, a última página constituía praticamente um caderno à parte, com

um grande cabeçalho onde se lia Diário Desportivo.

Com relação às edições da década de 1960, vemos sempre, na capa, algum texto

opinativo apontando a posição do jornal acerca de variados assuntos da sociedade, além de

diversas notícias esparsas. A única seção sempre presente nas capas dessas edições chama-se

Últimas Notícias, geralmente ocupando as duas últimas colunas da mesma. Nas páginas que

seguem não há muita sistematicidade, mas as seções mais habituais são: Diário dos Açores de

Século, relembrando notícias publicadas no jornal 25, 50 e 75 anos antes, naqueles mesmos

dia e mês, Pela Polícia, Dia-a-dia, anúncios, propagandas, falecimentos e o Diário

Desportivo, que ora aparecia como seção, ora como um tipo de caderno, em uma página

exclusiva à parte. Além disso, uma das edições apresenta um folhetim no rodapé da penúltima

página.

As edições da década de 1990, já com 16 páginas cada e organização gráfica bastante

diferenciada, apresentam uma capa com poucas notícias, fotografias grandes e pouco texto

escrito. Além disso, na página 2 das edições, existe um tipo de sumário, onde constam todas

as seções disponíveis na edição e suas respectivas páginas. As seções costumam, nessa fase,

ocupar páginas inteiras e são as seguintes: Regional, Nacional, Internacional, Opinião,

Desporto, Religião, Saúde, Sociedade, Publicidade, Entrevista, Dia-a-dia e Televisões, com a

programação da TV. Essas seções são, basicamente, as mesmas que costumam constituir os

jornais modernos, inclusive no Brasil.

Atualmente, o diretor do Diário dos Açores é Paulo Hugo Viveiros e sua tiragem

média por edição é de 3.600 exemplares, de acordo com seu próprio site.

Este capítulo não teve a pretensão de esgotar a história de cada um dos periódicos

citados. Pelo contrário. Muito há ainda que se pesquisar e narrar a respeito desses valiosos

instrumentos de comunicação que, para muito além de seu objetivo primeiro: informar com o

Page 291: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

268

máximo de atualidade possível, também contribuem para – através de suas páginas –

entendermos a própria sociedade em que circularam. Parte dessa sociedade é sua língua;

língua esta a qual buscamos investigar neste trabalho. No próximo capítulo, veremos os

resultados da análise quantitativa dos dados de nosso corpus.

Lembramos que, ao fim do trabalho, se encontra um apêndice com as edições dos

jornais que levantamos dos arquivos portugueses. Nesse apêndice, os jornais estão

distribuídos em uma tabela, divididos por região, com respectivo título de cada publicação,

período inicial e final em que circulou no país, período de quando extraímos amostras para o

corpus, edições (por data) e quantidade de imagens / arquivos por edição.

Algumas edições estão disponíveis em arquivos no formato PDF, outras, em JPG. De

uma forma ou de outra, cada página da referida edição constitui uma “imagem” do arquivo.

Assim, uma edição de uma data x possui 04 “imagens”, conforme informação da tabela no

apêndice, porque possui originariamente 04 páginas. Tal apêndice pode servir a pesquisadores

interessados em um período específico de um determinado jornal que, eventualmente, possa já

ter sido digitalizado por nós a partir dos arquivos de bibliotecas e redações de jornais lusos.

Encerramos este capítulo com uma citação que deve ser a aspiração dessas publicações

– os jornais – que nos proporcionaram os preciosos dados de língua em uso ao longo de todo

o século XX para investigação do fenômeno em foco nesta pesquisa:

A vida dum jornal não segue a evolução fatal da vida humana.

Caminha até num sentido precisamente oposto. O tempo não a

desgasta, não lhe rouba energias, não a aproxima do fim. Um dia a

mais não é um dia a menos, mas, antes, um novo estímulo que se

recebeu, uma nova força criadora que se constituiu, a caminho duma

meta que se deseja nunca mais tenha termo.

(Diário do Alentejo, Ano XXVII, nº 7971, 24 de junho de 1958).

Page 292: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

5. ANÁLISE DOS DADOS QUANTITATIVOS E RESULTADOS

Neste capítulo, apresentaremos os resultados quantitativos das rodadas estatísticas

realizadas mediante o uso do pacote de programas Goldvarb, conforme explicitado no

capítulo 3, em que expusemos a metodologia deste trabalho.

Foram realizadas 21 rodadas, com diferentes combinações dos 2.225 dados do

corpus, com objetivos diversos, de acordo as hipóteses gerais e específicas desta pesquisa.

A seguir, apresentaremos os resultados, partindo das rodadas mais abrangentes para as

mais restritas a certos recortes de dados. Detalharemos as características e hipóteses que

nortearam cada uma das rodadas à medida que apresentarmos seus respectivos resultados

no capítulo.

5.1 Dados de Portugal Continental

Nas rodadas de dados que veremos nesta seção, o objetivo era ter uma ideia geral da

distribuição das formas nominais em análise por todos os 2.045 dados do nosso corpus de

Portugal Continental (Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve) em diacronia, ao longo

do século XX e em sincronia, vendo o século XX como um todo, como um recorte no

tempo. Além de querer observar os fatores que possivelmente influenciaram no avanço do

uso do infinitivo gerundivo – nosso valor de aplicação no programa Goldvarb, a partir do

qual os pesos relativos de cada fator serão calculados –, almejamos, ainda, constatar se em

alguma dessas rodadas o grupo região é selecionado como relevante para a variação. O

objetivo é, então, verificar se, com os dados de nosso corpus, ou seja, notícias de

periódicos portugueses do século XX, o programa estatístico aponta algum tipo de

tendência a maior ou menor uso de infinitivo gerundivo nas regiões de Portugal

Continental consideradas conservadoras quanto ao uso de gerúndio, isto é, no Alentejo

e/ou no Algarve. De acordo com nossa hipótese inicial, tal grupo não deve ser selecionado,

uma vez que acreditamos que as regiões antes apontadas como conservadoras também têm

apresentado padrão inovador quanto ao uso de infinitivo gerundivo.

Page 293: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

270

5.1.1. TODOS os dados do corpus de Portugal Continental

Nessa primeira rodada estatística, dispusemos do total de dados, 2.045, para a

visualização de sua distribuição. Os números absolutos e percentuais de uso de gerúndio e

de infinitivo gerundivo no nosso corpus nas cinco regiões de Portugal Continental ao longo

do século XX estão expostos na tabela abaixo:

REGIÕES ► NORTE CENTRO LISBOA ALENTEJO ALGARVE TOTAL

FASES

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

1901 - 1910 02/64 3 05/35 14 04/72 6 04/53 8 03/33 9 18/257 7

1911 - 1920 01/56 2 03/37 8 03/62 5 07/50 14 01/54 2 15/259 6

1921 - 1930 01/77 1 01/49 2 01/55 2 05/38 13 03/35 9 11/254 4

1931 – 1940 04/61 7 07/43 16 05/38 13 06/45 13 06/44 14 28/231 12

1941 - 1950 10/78 17 03/20 15 05/32 16 05/28 18 06/33 18 29/172 17

1951 – 1960 10/59 14 04/32 12 08/30 27 06/49 12 08/25 32 32/179 18

1961 - 1970 06/43 16 08/48 15 11/43 26 09/30 30 08/23 35 42/189 22

1971 – 1980 07/45 37 16/51 31 14/52 27 04/26 15 06/20 30 57/195 29

1981 - 1990 17/46 36 06/19 32 12/41 29 08/31 26 06/16 38 48/152 32

1991 - 2000 10/27 37 07/32 22 14/35 40 09/34 26 07/29 24 47/157 30

TOTAL 74/523 14 60/366 16 77/460 17 63/384 16 54/312 17 328/

2045 16

Tabela 7: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX nas cinco regiões de Portugal

Continental

Como se pode observar, os números percentuais de uso de infinitivo gerundivo

foram mais ou menos equivalentes em todas as cinco regiões analisadas tanto quando

analisamos os dados diacrônica quanto sincronicamente. Isto é, observando o avanço

diacrônico do infinitivo gerundivo em CADA região separadamente, verificamos que o

padrão de aumento do uso dessa construção é semelhante em todas elas. Da mesma forma,

esse padrão se confirma sincronicamente, ao analisarmos a última linha da tabela e

Page 294: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

271

constatarmos que os percentuais totais das localidades são muito próximos. Ao lermos essa

última linha da tabela, que oferece os valores totais no TEMPO, é como se estivéssemos

analisando o século XX sincronicamente, ou seja, ao vermos o TOTAL de dados de cada

região desse corpus nesse “ponto” no tempo (o século XX), chegamos à conclusão de que

as taxas de uso de infinitivo gerundivo nas diferentes regiões de Portugal Continental são

muito parecidas, oscilando entre 14 e 17%.

Os resultados da última linha da tabela, em que vemos as taxas percentuais totais de

uso de infinitivo gerundivo por região sincronicamente, no século XX, gerariam o seguinte

gráfico:

Gráfico 1: Percentual de uso de infinitivo gerundivo no séc. XX (em sincronia) nas cinco regiões de

Portugal Continental

Isso significa que – ao menos para o nosso corpus, de notícias de jornais

portugueses –, aparentemente, a variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo é

equivalente nas cinco regiões pesquisadas nas diferentes fases do século XX. Convém

destacar que a semelhança no padrão de uso de infinitivo gerundivo nas cinco regiões de

Portugal Continental é perceptível desde o início do século. Ora, se nossa hipótese para

este trabalho é de que o infinitivo gerundivo iria avançar nas regiões consideradas

conservadores ao longo do século XX, pressupõe-se que, em algum momento no início

desse século, o Alentejo e o Algarve, considerados conservadores, mantinham taxas de uso

de infinitivo gerundivo menores do que as demais regiões, consideradas inovadoras. Isso,

0

5

10

15

20

Norte Centro Lisboa Alentejo Algarve

14 16 17 16 17

Infinitivo Gerundivo nas cinco regiões de

Portugal Continental no Século XX

Infinitivo Gerundivo em Portugal Continental no Século XX

Page 295: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

272

porém, não é o que se observa na tabela acima, na qual vemos taxas de uso de a +

infinitivo bastante semelhantes nas cinco regiões de Portugal Continental desde o início do

século.

Curiosamente, inclusive, a menor taxa de uso de infinitivo gerundivo – embora com

uma diferença bem pequena em relação às demais regiões – é justamente na região Norte,

que costuma ser apontada como inovadora, ou seja, onde se esperava ver maior taxa de uso

de infinitivo gerundivo. Na verdade, já em Mothé (2007), em que também investigamos

esse fenômeno em textos jornalísticos, o infinitivo gerundivo mostrou avanço mais

significativo a partir do segundo quartel do século XX, por volta de 1925. Ou seja, é

possível que, também aqui, nesses dados da atual pesquisa, os percentuais de uso de a +

infinitivo sejam tão parecidos no início do século nas diferentes regiões porque, a essa

altura, a variante inovadora pode ainda não ter despontado como preferencial nem mesmo

nas regiões consideradas inovadoras, como o Norte e o Centro.

Uma outra explicação para tais resultados seria a de que a variação diatópica entre

gerúndio e infinitivo gerundivo pode não ser perceptível em um corpus constituído por

notícias de jornais de diferentes regiões de Portugal. Ao analisarmos os percentuais de usos

e infinitivo gerundivo nas cinco regiões ao longo do tempo, percebemos variação. As

oscilações nos valores da tabela nas diferentes regiões podem, porém, tornar difusa a

interpretação da evolução diacrônica do fenômeno ao longo do século XX e, nesse sentido,

será interessante realizar algumas rodadas estatísticas com foco no fator tempo, dividindo

os dados, por exemplo, em apenas duas ou três fases no século.

Assim, além da aparente “ausência de diferenças” diatópicas, convém destacar a

diacronia. Outra informação interessante que podemos extrair a partir da análise da tabela

acima diz respeito ao avanço diacrônico da variante inovadora. Ao analisarmos a última

coluna da tabela, vemos os resultados gerais da soma de todas as regiões analisadas, ou

seja, a última coluna reflete o status do avanço do infinitivo gerundivo nas notícias do

Português Europeu ao longo do século XX, vendo a variação não diatopicamente, mas as

regiões somadas como um todo. Ao observarmos tal coluna, desconsiderando as diferentes

regiões, percebemos um claro aumento do uso de infinitivo gerundivo (nosso valor de

aplicação) ao longo do século XX, com valores que se dividem, basicamente em três fases:

1901 – 1930: com o uso de infinitivo gerundivo entre 4 e 7%;

1931 – 1960: com o uso de infinitivo gerundivo entre 12 e 18%;

1961 – 2000: com o uso de infinitivo gerundivo entre 22 e 30%;

Page 296: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

273

Outro fator que também pode colaborar para que a visualização da variação

diatópica não esteja tão clara nessa rodada diz respeito ao tipo de dados. Aqui, como

mencionamos no início desta seção, temos TODOS os dados, analíticos e sintéticos. Em

rodadas posteriores, porém, em que separamos estes daqueles, verificaremos que o avanço

da construção a + infinitivo foi bem mais sensível nas construções perifrásticas, o típico

ambiente chamado de progressivo na literatura. Continuaremos a observar o

comportamento diatópico do fenômeno, especialmente nas rodadas em que analisarmos os

dados analíticos.

De qualquer forma, com os resultados da presente rodada, é bastante provável que o

grupo região não seja selecionado como relevante para a variação em nosso corpus,

embora a ponderação entre os fatores – procedimento feito pelo programa de cálculo de

pesos relativos, Ivarb – possa revelar algo que não consigamos visualizar apenas com os

números absolutos e percentuais. Posteriormente, voltaremos a mencionar o grupo de

fatores região nas rodadas que faremos, analisando seu comportamento.

Após a rodada estatística com demonstração dos números absolutos e percentuais

dos dados, procedeu-se ao cálculo de pesos relativos, fase denominada de Ivarb (ou

Varbrul) pelo programa Goldvarb. Sete grupos de fatores foram selecionados como

relevantes para a variação entre as formas nominais analisadas nessa rodada. São eles, em

ordem de seleção:

GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS

NA RODADA COM TODOS OS DADOS DO CORPUS DE PORTUGAL CONTINENTAL

1 Estrutura verbal

2 Tempo

3 Tipo sintático de oração

4 Tipo semântico de verbo

5 Referência adverbial

6 Posição do clítico

7 Tipo semântico de oração

Input = 0.044 / p = 0,035

Tabela 8: Grupos de fatores selecionados na rodada com TODOS os dados de Portugal Continental

Page 297: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

274

Conforme esperávamos, constatamos que o grupo região não foi selecionado como

relevante para a variação. Apesar disso, entendemos ser interessante mostrar os números

concernentes à variação nesse grupo, uma vez que esses resultados – ainda que restritos ao

âmbito do nosso corpus – estão diretamente ligados a uma das hipóteses centrais deste

trabalho, segundo a qual o infinitivo gerundivo provavelmente esteja avançando

indistintamente no território português, não sendo mais, como se costuma pensar, as

regiões do Alentejo e do Algarve conservadoras em relação à forma nominal gerúndio.

Para isso, utilizamos os pesos relativos do chamado stepping-up nível 1, que aponta

o peso relativo dos grupos de fatores em análise isoladamente, sem a ponderação com

outros grupos. Nem sempre se costumam apresentar resultados de nível 1 em pesquisas

sociolinguísticas, mas fazemos isso agora visto que o grupo região não foi selecionado em

ponderação com os demais na melhor combinação de grupos considerados relevantes.

REGIÃO Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL PESO RELATIVO

Norte 74 / 523 14% .46

Centro 59 / 366 16% .50

Lisboa 77 / 460 16% .51

Alentejo 63 / 384 16% .50

Algarve 54 / 312 17% .52

TOTAL 327 / 2045 15% -

Tabela 9: Distribuição de infinitivo gerundivo no séc. XX (em sincronia) nas cinco regiões de Portugal

Continental

De acordo com os pesos relativos verificados na tabela acima, percebemos que o

avanço da variante inovadora foi equilibrado em nosso corpus, ou seja, nas notícias dos

jornais portugueses das cinco regiões em análise. Assim como já mencionamos em outras

seções deste trabalho, não podemos generalizar os resultados para todo o Português

Europeu, nem mesmo para todo o Português Europeu escrito. Esses resultados, entretanto,

podem indicar que tal padrão possivelmente confirme uma tendência geral dos jornais de

resistir a certos fenômenos linguísticos, ou seja, uma possível tendência de conservação

como atitude geral dos textos impressos. É inegável, porém, o fato de que o fenômeno

avança ao longo do tempo, como pudemos ver na Tabela 7, acima, e como veremos mais

claramente no Gráfico 2, abaixo. Mas, apesar do avanço, aparentemente o aumento de

Page 298: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

275

infinitivo gerundivo tem sido equilibrado no gênero textual notícia das diferentes regiões

de Portugal Continental. Esse, provavelmente, foi o motivo pelo qual o grupo região, em

ponderação com outros grupos, não se revelou significativo para a variação, com todos os

pesos relativos bastante próximos da neutralidade (.50) e variação de apenas 6 pontos entre

o fator com menor peso relativo (Norte, .46) e o fator com maior peso relativo (Algarve,

.52). O fato de o programa não o ter selecionado como relevante e também de os pesos

relativos das regiões serem tão próximos uns dos outros reforçam a ideia de que o uso de

infinitivo gerundivo esteja crescendo indiscriminadamente por todo o território luso e,

portanto, não se pode dizer que – aos menos nas notícias do nosso corpus – Alentejo e

Algarve sejam conservadores.

Além do mais, embora seja uma diferença pequena, também há de se ressaltar o

fato de que o menor peso relativo dentre todas as regiões da tabela acima é justamente o

referente à região Norte, considerada inovadora quanto ao emprego de infinitivo

gerundivo. Ou seja, a região que esperávamos figurar entre as mais favorecedoras ao uso

de a + infinitivo mostrou comportamento oposto ao esperado.

Veremos a seguir, mais detalhadamente, cada um desses grupos selecionados, bem

como tomaremos essa seleção como base de comparação com as demais rodadas realizadas

depois.

Acerca do grupo de fatores estrutura verbal, primeiro a ser selecionado nessa

rodada de dados, pode-se perceber, pela tabela abaixo, que os pesos relativos mais altos

são os das estruturas perifrásticas com verbos auxiliares e semiauxiliares.

ESTRUTURA VERBAL Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

PESO

RELATIVO

Estrutura sintética 117 / 1611 07% .40

Auxiliar ESTAR 98 / 173 56% .85

Auxiliar ANDAR 15 / 25 60% .90

Auxiliar FICAR 14 / 26 53% .89

Semiauxiliar CONTINUAR 49 / 57 85% .97

Outros semiauxiliares 30 / 37 81% .97

Construções com Verbos leves 01 / 77 1% .11

Construções com Verbos modais 03 / 39 07% .49

TOTAL GERAL 327 / 2045 13% -

Tabela 10: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal

Page 299: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

276

Corroborando nossa metodologia de separar as estruturas com verbos leves das

demais, vemos que essas se mostram bastante desfavorecedoras para o uso de infinitivo

gerundivo, com peso relativo .11. Além disso, conforme já mencionamos no item 3.2.5, no

capítulo 3, existe apenas um dado com infinitivo gerundivo em construções com verbos

leves. Trata-se de um dado do Alentejo, do ano de 1992, identificado nesta tese como o

exemplo de número 32) reproduzido novamente a seguir:

32) COMBATE À DROGA PASSA PELA FORMAÇÃO. Formação

específica para pais e professores, a ter início em Março próximo,

foi a resolução acordada na reunião efectuada ontem à tarde nas

instalações da Junta de Freguesia de Sines, pelas entidades ligadas

à Comissão de Combate à Droga.

(Dado 435 Alentejo, 31 jan 1992)

Embora os verbos leves componham uma estrutura perifrástica, segundo

comentamos anteriormente, esta não é formada por verbo auxiliar + verbo principal, mas

sim por um só verbo seguido de um nome. Talvez por isso o peso relativo dessa estrutura

tenha aparecido tão diferenciado do das demais estruturas perifrásticas.

As estruturas sintéticas, com peso relativo de .40, como se pode observar, se

apresentam como levemente desfavorecedoras para o uso de infinitivo gerundivo. Já as

estruturas com verbos modais, com .49, revelam-se neutras para a variação, com peso

relativo bastante próximo de .50. As grandes favorecedoras do uso de infinitivo gerundivo

em Portugal Continental, de acordo com nosso corpus, são as estruturas perifrásticas, com

pesos relativos acima de .85, como é o caso do auxiliar estar, assim como as estruturas

com verbos auxiliares andar e ficar (respectivamente com .90 e .89 de pesos relativos,

favorecendo o uso de a + infinitivo) e ainda mais próximo do uso categórico de a +

infinitivo em estruturas com semiauxiliares de maneira geral, com .97 de relevância.

Como se pode observar na tabela acima, as construções com o semiauxiliar

continuar são aquelas que apresentam o maior índice de uso de infinitivo gerundivo dentre

todos os demais tipos de construção (85%). Isso significa que em apenas 15% dos dados

com o semiauxiliar continuar se usa a forma nominal gerúndio. Esse resultado ratifica

nossa hipótese de que, provavelmente, a regência do verbo continuar, que exige a

preposição a no seu complemento, favoreça sobremaneira o emprego de a + infinitivo.

Page 300: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

277

Ademais, esse resultado também põe em xeque a afirmação de Móia & Viotti (2004),

segundo a qual, em construções perifrásticas com o verbo continuar, a variação entre

infinitivo gerundivo e gerúndio no PE seria “livre” (conforme mostramos no Quadro 9, do

item 2.5 do capítulo 2 desta tese). O grande predomínio de uso de a + infinitivo em

estruturas com continuar em relação às demais também parece responder parcialmente ao

questionamento que levantamos no item 3.2.5, no capítulo 3, sobre o mesm assunto.

Para confirmar, porém, se o emprego de a + infinitivo em estruturas perifrásticas

com o verbo continuar é, de fato, relacionado ao grande avanço do infinitivo gerundivo no

século XX no PE ou se é, basicamente, devido à regência do verbo, convém contrastar

esses resultados com outros em que o mesmo fenômeno seja analisado, por exemplo, no

PB, variedade do português em que o uso da construção infinitivo gerundivo é bastante

menor que o uso de gerúndio na maioria dos contextos. Em Mothé (2007), parte de nosso

corpus era formado por jornais do PB conforme já mencionamos anteriormente. Na rodada

estatística que realizamos, naquela pesquisa, apenas com dados do PB escrito, encontramos

80% de emprego de a + infinitivo em estruturas com o semiauxiliar continuar, enquanto,

depois desses casos, a estrutura com maior percentual de uso de a + infinitivo era a com

auxiliar ser: 12%. A taxa percentual total de emprego de a + infinitivo na referida rodada

estatística de dados do PB daquela pesquisa foi de apenas 05% (MOTHÉ, 2007, p. 147 e

148).

Assim, podemos perceber nitidamente que o uso de a + infinitivo em estruturas

perifrásticas com o verbo semiauxiliar continuar, diferentemente do que afirmaram Móia e

Viotti (2004), não apresenta “livre variação” entre gerúndio e a + infinitivo. Ao contrário,

aparentemente se emprega mais a estrutura a + infinitivo nesses casos devido à regência do

verbo continuar exigir a preposição a, conforme suspeitávamos.

De qualquer forma, para tornar esses resultados ainda mais claros, nas rodadas

posteriores, conforme veremos, eliminaremos os dados com estruturas formadas por verbos

semiauxiliares bem como faremos rodadas também sem as estruturas sintéticas

(constituídas somente por verbos plenos), e/ou as estruturas com verbos leves e modais.

Cada rodada possui um fim específico, que veremos adiante.

O percentual de uso de infinitivo gerundivo ao longo do tempo já parecia um

indício de que o grupo seria selecionado como relevante para a variação (embora nem

sempre os valores percentuais reflitam os pesos relativos de um grupo quando combinado

Page 301: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

278

com os demais grupos da análise). Observemos a tabela abaixo, que reproduz as duas

últimas colunas da Tabela 7, acima, e acrescenta as informações referentes ao cálculo do

peso relativo de cada década do século XX. Convém lembrar que os valores referentes às

taxas de uso de infinitivo gerundivo dizem respeito aos valores TOTAIS das cinco regiões

em análise, ou seja, nos resultados abaixo, vemos a distribuição da construção a +

infinitivo de uma maneira geral, sem considerar a variação diatópica, nos dados de notícias

de todo o território de Portugal Continental.

TEMPO Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL PESO RELATIVO

Fase 0 (1901 – 1910) 18 / 257 7% .24

Fase 1 (1911 – 1920) 15 / 259 5% .25

Fase 2 (1921 – 1930) 11 / 254 4% .22

Fase 3 (1931 – 1940) 28 / 231 12% .44

Fase 4 (1941 – 1950) 29 / 172 16% .51

Fase 5 (1951 – 1960) 32 / 179 17% .67

Fase 6 (1961 – 1970) 42 / 189 22% .71

Fase 7 (1971 – 1980) 57 / 195 29% .75

Fase 8 (1981 – 1990) 48 / 152 31% .78

Fase 9 (1991 – 2000) 47 / 157 30% .80

TOTAL 327 / 2045 16% -

Tabela 11: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX em Portugal Continental

De acordo com a tabela acima, tanto nos valores percentuais quanto nos pesos

relativos, o avanço do infinitivo gerundivo nos dados parece se dividir, claramente, em três

fases distintas: uma que vai do início do século até a década de 1920; outra que engloba o

período entre a década de 1930 e a década de 1960; e, por fim, outra fase a partir da década

de 1960. É nos limites dessas fases que existe um aumento mais acentuado no uso do

infinitivo gerundivo. Além disso, o padrão ascendente referente ao aumento do uso de

infinitivo gerundivo (nosso valor de aplicação) em nossos dados é perceptível tanto nos

valores percentuais quanto nos pesos relativos. Observando os números percentuais em um

gráfico, podemos perceber de forma ainda mais evidente o padrão ascendente do mesmo:

Page 302: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

279

Gráfico 2: Percentual de uso de infinitivo gerundivo ao longo do século XX em Portugal Continental

Como essa foi a primeira rodada de dados realizada, é pertinente termos feito essa

observação sobre o padrão de avanço no tempo da forma infinitivo gerundivo para

verificarmos se o padrão se ratifica nas demais rodadas, com diferentes recortes de dados

do corpus.

Outro grupo de fatores selecionado como relevante para a variação que analisamos

diz respeito ao tipo sintático de oração.

Antes da análise dos resultados, expostos na tabela abaixo, convém lembrar que

buscávamos contrastar os resultados a serem obtidos aqui com os resultados de Barbosa

(1999), que trabalhou com um corpus constituído por cartas de comércio do século XVIII,

e com os resultados de Mothé (2007), que analisou a distribuição de orações gerundivas

em anúncios, editoriais e notícias dos séculos XIX e XX, ou seja, textos jornalísticos assim

como os de nosso corpus atual. Segundo Barbosa (1999), as orações adverbiais temporais,

as condicionais e as modais se revelaram favorecedoras ao uso de infinitivo gerundivo. Já

no corpus de Mothé (2007), as temporais e as modais não se mostraram favorecedoras do

uso de infinitivo gerundivo. Para esse fim, a análise das orações adverbiais reduzidas de

gerúndio é a que mais nos interessa e, sendo assim, os padrões de conservação x inovação

do fenômeno nessas orações poderão ser mais bem verificados na rodada em que

analisarmos apenas os dados de construções sintéticas, que são justamente aqueles onde se

0

5

10

15

20

25

30

35

1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990

7 5 4

12

16 17

22

29 31 30

Infinitivo Gerundivo em

Portugal Continental ao longo do Século XX

Infinitivo Gerundivo em Portugal Continental ao longo do séc. XX

Page 303: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

280

concentram as orações reduzidas. Mas, ainda assim, observaremos nessa rodada preliminar

a distribuição de todos os dados gerundiais pelos diferentes tipos sintáticos controlados no

corpus.

Vejamos a tabela abaixo:

TIPO SINTÁTICO DE ORAÇÃO Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

PESO

RELATIVO

Absoluta 26 / 39 66% .79

Coordenada SINDÉTICA 22 / 177 12% .49

Coordenada ASSINDÉTICA 03 / 52 5% .24

Oração principal 81 / 106 76% .74

Relativa RESTRITIVA (geral) 36 / 144 25% .74

Relativa EXPLICATIVA (geral) 31 / 143 21% .57

Relativa do tipo: ACUSATIVO +

FORMA NOMINAL - - -

Relativa na COMPARAÇÃO - - -

Relativa do tipo: COM +

SUBSTANTIVO + FORMA

NOMINAL

- - -

Substantivas 28 / 56 50% .67

Adverbial CAUSAL - - -

Adverbial COMPARATIVA - - -

Adverbial CONCESSIVA - - -

Adverbial CONDICIONAL 04 / 28 14% .73

Adverbial CONFORMATIVA - - -

Adverbial CONSECUTIVA - - -

Adverbial FINAL - - -

Adverbial MODAL 18 / 274 6% .61

Adverbial PROPORCIONAL - - -

Adverbial TEMPORAL 26 / 131 19% .68

OUTRAS adverbiais 448 / 336 13% .73

“Subordinada aditiva” 8 / 559 1% .15

TOTAL GERAL 327 / 2045 15% -

Tabela 12: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo Sintático de Oração

Na rodada em questão nesta seção da pesquisa, podemos dizer que os nossos

resultados se aproximam parcialmente tanto dos de Barbosa (1999) quanto dos de Mothé

(2007). Aproximam-se dos de Barbosa (1999) na medida em que as orações temporais e

Page 304: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

281

bem como as modais aparecem aqui como favorecedoras ao uso de infinitivo gerundivo,

respectivamente com .67 e .61 de pesos relativos. Em Mothé (2007), ao contrário, essas

orações não tinham se revelado como favorecedoras ao aparecimento de infinitivo

gerundivo. Já com relação às orações condicionais, tanto aqui quanto em Barbosa (1999) e

também em Mothé (2007), verificamos que se apresentam igualmente como favorecedoras

ao emprego de a + infinitivo, com peso relativo de .73. De qualquer forma, voltaremos a

observar se esse padrão se confirma na rodada de dados sintéticos.

As demais orações adverbiais precisaram ser amalgamadas com outras orações

adverbiais para o cálculo de pesos relativos, visto que seus respectivos números de

ocorrências eram, em geral, bastante reduzidos. Para ilustrar esse fato, vejamos, na tabela

abaixo, as ocorrências das orações adverbiais do corpus antes do processo de recodificação

/ amalgamação de fatores para o Ivarb:

TIPO SINTÁTICO DE ORAÇÃO =

ADVERBIAIS

Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

Adverbial CAUSAL 04 / 72 5%

Adverbial COMPARATIVA 00 / 03 0%

Adverbial CONCESSIVA 00 / 24 0%

Adverbial CONDICIONAL 04 / 28 14%

Adverbial CONFORMATIVA 00 / 03 0%

Adverbial CONSECUTIVA 01 / 150 0%

Adverbial FINAL 37 / 82 45%

Adverbial MODAL 18 / 280 6%

Adverbial PROPORCIONAL 02 / 02 100%

Adverbial TEMPORAL 26 / 131 19%

TOTAL de orações adverbiais no corpus 92 / 775 12%

Tabela 13: Distribuição de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Orações Adverbiais

Conforme se pode ver na tabela acima, o quantitativo de ocorrências dos subtipos

de orações adverbiais foi muito baixo, especialmente das que destacamos em vermelho.

Dentre os dez tipos de orações adverbiais, três deles chegaram a apresentar resultados

categóricos, ou seja, com 100% das ocorrências em uma das duas variantes; logo, eles

sequer seriam aceitos pelo programa de cálculo de pesos relativos, que os consideraria

invariáveis. Entendemos, porém, que as orações em questão são, sim, passíveis de variação

quanto ao uso gerundivo, mas, por serem mais “raras” em relação aos demais tipos

Page 305: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

282

sintáticos de oração, simplesmente não apareceram em nosso corpus. Assim, em vez de

eliminá-las da análise, resolvemos reuni-las em um só fator, desconsiderando os subtipos e

enxergando-as meramente como “adverbiais”.

Outros tipos de oração, embora não categóricos, apresentaram um número muito

pequeno de ocorrências, mesmo nessa rodada com todos os dados do corpus de Portugal

Continental, ou seja, nosso maior recorte de dados. Significa, então, que, em outras

rodadas posteriores, com menos dados, a probabilidade de haver mais “knockouts” (fatores

categóricos) seria ainda maior. Sendo assim, optamos por manter separados os fatores

referentes às orações adverbiais condicionais, às adverbiais modais e às adverbiais

temporais e por amalgamar todas as demais orações adverbiais em um só fator. É por isso

que os resultados da tabela 12, acima, não mostram os números referentes a diversos tipos

de orações adverbiais.

Nas tabelas referentes ao grupo tipo sintático de oração, verificamos os resultados

relativos à reunião de todas as demais orações adverbiais amalgamadas na linha onde se lê

OUTRAS Adverbiais. Na tabela acima, constatamos que esse fator revelou-se favorecedor

ao uso de infinitivo gerundivo, com peso relativo de .73. Ou seja, podemos dizer que, de

certa forma, em nosso corpus, as orações adverbiais, como um todo, independentemente de

seus subtipos, são ambientes favorecedores ao emprego de infinitivo gerundivo, visto que,

em todos os fatores referentes a orações adverbiais, os pesos relativos foram superiores a

.61.

Da mesma forma, por também apresentarem poucas ocorrências, reunimos todas as

orações substantivas em um fator, bem como as relativas em apenas dois. Apresentamos,

abaixo, os números absolutos e os percentuais dessas orações antes das amalgamações e

seus respectivos resultados após terem sido reunidas em único fator.

TIPO SINTÁTICO DE ORAÇÃO =

SUBSTANTIVAS

Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

Substantiva Apositiva 02 / 07 28%

Substantiva Completiva Nominal 03 / 08 37%

Substantivas Objetivas (Direta e Indireta) 20 / 35 57%

Substantiva Predicativa 02 / 03 66%

Substantiva Subjetiva 01 / 03 33%

Tabela 14: Distribuição de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Orações Substantivas

Page 306: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

283

Após terem sido agrupadas em um só fator, as orações substantivas mostraram-se

favorecedoras ao uso de infinitivo gerundivo, com peso relativo de .68, conforme

verificado na tabela 12, acima.

A respeito das orações relativas, conforme já mencionado, estas foram

subdivididas em fatores referentes a mais três categorias, que não existem na classificação

de orações relativas das gramáticas tradicionais. Isso porque Maler (1972) encontrou em

seu corpus de textos literários brasileiros e portugueses dos séculos XVI, XVII e XVIII um

tipo de oração relativa muito produtivo para ocorrências de infinitivo gerundivo naquele

material, a saber, as relativas do tipo ACUSATIVO + FORMA NOMINAL. Em Barbosa

(1999) e em Mothé (2007), as relativas do tipo COM + SUBSTANTIVO + FORMA

NOMINAL também se apresentaram como favorecedoras ao uso dessa variante. Assim,

inicialmente optamos por codificá-las separadamente das demais. Os números foram os

que seguem:

TIPO SINTÁTICO DE ORAÇÃO =

RELATIVAS

Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

Relativa RESTRITIVA (geral) 34 / 140 24%

Relativa EXPLICATIVA (geral) 31 / 143 21%

Relativa do tipo: ACUSATIVO + FORMA

NOMINAL 00 / 01 0%

Relativa na COMPARAÇÃO 00 / 01 0%

Relativa do tipo: COM + SUBSTANTIVO +

FORMA NOMINAL 02 / 02 100%

Tabela 15: Distribuição de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Orações Relativas

Todos esses subtipos de orações relativas, porém, como se pode observar, tiveram

ocorrências categóricas no corpus da presente pesquisa. Assim, unimos tais dados às

ocorrências de orações relativas restritivas, que se revelaram favorecedoras ao uso da

variante a + infinitivo, com .74 de peso relativo. Já as orações relativas explicativas

apareceram como moderadamente favorecedoras, com .57 de peso relativo, como

constatamos na tabela 12.

Para além das orações adverbiais, substantivas e relativas, já citadas acima, vale

mencionar também que as orações absolutas e as orações principais se mostraram

Page 307: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

284

favorecedoras ao uso da variante gerundial inovadora, ou seja, o infinitivo gerundivo,

tendo respectivos pesos relativos de .79 e .74.

As orações coordenadas assindéticas e as subordinadas aditivas, por sua vez, nessa

rodada, se apresentaram desfavorecedoras ao uso de a + infinitivo, com pesos relativos .25

e .14, respectivamente. Já as coordenadas sindéticas parecem indiferentes para a variação,

com peso relativo de .49. Verificaremos nas demais rodadas se esses resultados

concernentes aos tipos sintáticos de oração se confirmam. Conforme mencionamos no

início dos comentários acerca do grupo tipo sintático de oração nesta seção, na presente

rodada, com todos os dados, o objetivo era apenas mapear a distribuição das construções

gerundiais nos diferentes ambientes sintáticos. A análise desse grupo de fatores se fará

mais pertinente na rodada que reúne somente dados sintéticos, em geral mais

conservadores quanto ao uso de gerúndio (como se pôde constatar na tabela 10, acima) e

onde pretendemos verificar se o infinitivo gerundivo tem encontrado maior espaço para

avanço em determinado tipo de construção sintáica.

O grupo de fatores tipo semântico de verbo já tinha sido sinalizado como relevante

para a variação em análise em Mothé (2007).

Naquela pesquisa, nas rodadas com Português Europeu escrito, conforme já

mencionamos, os processos existenciais, materiais, verbais e mentais foram apontados

como moderadamente favorecedores do uso de infinitivo gerundivo; os processos

comportamentais como neutros; e os processos relacionais como desfavorecedores do uso

dessa variante inovadora. Vejamos a tabela abaixo com os resultados da rodada estatística

aqui relatada:

TIPO SEMÂNTICO DO VERBO Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

PESO

RELATIVO

Processos materiais 223 / 1109 20% .57

Processos mentais 15 / 177 8% .21

Processos relacionais 28 / 293 9% .32

Processos comportamentais 17 / 102 16% .50

Processos verbais 38 / 304 12% .56

Processos existenciais 06 / 60 10% .54

TOTAL GERAL 327 / 2045 15% -

Tabela 16: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo Semântico de Verbo

Page 308: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

285

Como se pode verificar, nessa rodada, os verbos que expressam processos verbais,

materiais e existenciais, assim como em Mothé (2007), também apareceram como

favorecedores ao emprego de infinitivo gerundivo, com pesos relativos medianos: .56, .57

e .54, respectivamente. Os processos comportamentais, tanto em Mothé (2007) como aqui,

aparecem como neutros para a variação em análise, com exatamente .50 de peso relativo.

Da mesma forma, os processos relacionais, lá apontados como desfavorecedores, aqui

também assim se revelaram, com .32 de peso relativo.

A única diferença registrada por essa rodada entre nossos atuais resultados e os

resultados de Mothé (2007) para seu corpus de Português Europeu escrito diz respeito aos

processos mentais, lá apontados como favorecedores (.60) e aqui como desfavorecedores

(.21). Vejamos, na tabela abaixo, a comparação entre os pesos relativos alcançados nas

duas pesquisas:

TIPO SEMÂNTICO DO VERBO MOTHÉ

(2007)

MOTHÉ

(S.D)130

Processos materiais .67 .57

Processos mentais .60 .21

Processos relacionais .10 .32

Processos comportamentais .55 .50

Processos verbais .64 .56

Processos existenciais .75 .54

Tabela 17: Mothé (2007) x Mothé (s. d.) quanto aos resultados do grupo de fatores Tipo Semântico dos

Verbos

Conforme se pode observar, exceto pelos verbos que indicam processos mentais, os

demais tipos semânticos de verbo apresentaram, nas duas pesquisas, padrões de

comportamento semelhantes, o que verificaremos se permanecerá a ocorrer nas próximas

rodadas estatísticas de dados que descreveremos a seguir.

Outro grupo selecionado como relevante para a variação aqui analisada foi o que

marcava a presença de referência adverbial em torno da forma gerundiva.

130

Os dados da coluna Mothé (s.d.) dizem respeito aos dados da presente pesquisa, ainda inédita.

Page 309: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

286

Como se pode ver na tabela a seguir, o fato de não haver referência adverbial de

tempo nem de modo ou de lugar na oração gerundial (fator não se aplica) é indiferente

para a variação em foco, com .48 de peso relativo. Os fatores que marcavam a presença de

alguma referência temporal em outra oração (não a gerundiva) do mesmo período também

se mostraram neutros (.50 para referência adverbial em outra oração ANTES) ou

desfavorecedores (.36 para referência adverbial em outra oração DEPOIS).

Com relação aos fatores que marcavam a presença de referências adverbiais

DEPOIS da forma gerundial, na mesma oração, esses também se apresentaram pouco

relevantes para a variação, sendo o peso relativo das referências adverbiais de TEMPO na

mesma oração depois da forma gerundial de .58 e o das referências adverbiais de MODO e

LUGAR no mesmo contexto, ou seja, depois da forma gerundial, na mesma oração, .45.

Isto é, uma foi ligeiramente favorecedora e a outra, ligeiramente desfavorecedora, o que

julgamos melhor considerar como influência neutra sobre a variação estudada.

Já as referências adverbiais ANTES (seja de tempo ou de modo e lugar), na mesma

oração da estrutura gerundial, revelaram-se como favorecedoras do uso de infinitivo

gerundivo, tendo pesos relativos de .80 (tempo) e .71 (modo e lugar).

Finalmente, devemos ressaltar as altas taxas de peso relativo das ocorrências de

referência adverbial no MEIO da perífrase verbal, ou seja, entre o verbo auxiliar e o verbo

principal. Os dois fatores que marcam essa posição de referências adverbiais tiveram

valores altos de pesos relativos, mostrando-se ambos favorecedores ao aparecimento de

infinitivo gerundivo nesse corpus: .71 para referências adverbiais de MODO e LUGAR e

.89 para referências de TEMPO. Observemos a tabela abaixo:

REFERÊNCIA ADVERBIAL Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

PESO

RELATIVO

Referência TEMPORAL ANTES da

forma nominal (na mesma oração) 28 / 48 58% .80

Referência TEMPORAL DEPOIS da

forma nominal (na mesma oração) 17 / 158 10% .58

Referência TEMPORAL NO MEIO da

perífrase verbal (entre o verbo

auxiliar e o verbo principal na forma

nominal)

14 / 23 60% .89

Referência TEMPORAL ANTES da

forma nominal (em outra oração) 61 / 537 11% .50

Page 310: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

287

Referência TEMPORAL DEPOIS da

forma nominal (em outra oração) 21 / 144 14% .36

Referência adverbial de MODO ou

LUGAR NO MEIO da locução (entre

o verbo auxiliar e o verbo principal)

07 / 11 63% .71

Referência adverbial de MODO ou

LUGAR ANTES da forma nominal

(na mesma oração)

15 / 28 53% .71

Referência adverbial de MODO ou

LUGAR DEPOIS da forma nominal

(na mesma oração)

48 / 288 16% .45

Não se aplica (não há ref. adverbial) 116 / 808 14% .48

TOTAL GERAL 327 / 2045 15% -

Tabela 18: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Referência Adverbial

O grupo posição do clítico, embora tenha sido selecionado nesta rodada, apresentou

pesos relativos bastante próximos da neutralidade (.50) em dois de seus quatro fatores. Os

fatores próclise e clítico entre o auxiliar e o verbo principal se mostraram bastante

desfavorecedores ao uso de infinitivo gerundivo, com pesos relativos .15 e .09,

respectivamente, como pode ser observado na tabela abaixo:

POSIÇÃO DO CLÍTICO Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

PESO

RELATIVO

Próclise 06 / 40 15% .14

Ênclise 36 / 382 9% .49

Clítico entre o auxiliar e o verbo

principal 02 / 15 13% .09

Não se aplica / Não há clítico 283 / 1608 17% .51

TOTAL GERAL 327 / 2045 15% -

Tabela 19: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Posição do Clítico

Conforme mencionamos no item 3.2.7, do capítulo 3, o grupo posição do clítico,

assim como o grupo analisado acima, referencia adverbial, tinha como objetivo primordial

verificar a possibilidade ou não de haver, nas estruturas perifrásticas, intercalação de

elementos entre o verbo auxiliar e o verbo principal nas construções gerundiais. A nossa

hipótese é que, se a preposição a estiver em processo de gramaticalização, fixando-se cada

vez mais na estrutura a + infinitivo a ponto de formar o que Duarte (1992) chama de

Page 311: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

288

“morfema descontínuo a –r”, esperamos que haja cada vez menos elementos entre a

preposição e o verbo principal ou mesmo entre o verbo auxiliar e o verbo principal, se

considerarmos que toda a construção perifrástica, usualmente chamada de progressivo,

quando formada pelos auxiliares estar, andar e ficar, pode estar sofrendo gramaticalização.

Segundo mostramos no capítulo 3, não houve nenhum caso em nosso corpus com clíticos

entre a preposição e o verbo principal. Já entre o verbo auxiliar e o verbo principal, houve

17 ocorrências de clíticos. Duas delas, com a variante inovadora. Um deles já foi mostrado

neste trabalho, no capítulo 3, na seção 3.2.7, relativa à descrição do grupo de fatores.

Trata-se do exemplo de número 52, reproduzido novamente abaixo. O outro dado segue

adiante:

52) De acordo com fonte hospitalar, António Lage encontrava-se a

receber tratamento na Urgência, enquanto José Sousa ficou

internado em Cirurgia 3.

(Dado 634 Norte, 11 jun 1995)

189)Nela tomaram também parte os alunos do Seminário de Évora

que, encontrando-se a veranear na quinta de Marim, quiseram

demonstrar desta forma a sua muita devoção por Nossa Senhora, e

as autoridades civis, além de muitas outras pessoas de todas as

categorias sociais.

(Dado 179 Algarve, 24 jul 1938)

Como se pode verificar acima, tanto o exemplo 52) quanto o exemplo 189)

apresentam a construção a + infinitivo como complemento da forma pronominal do verbo

encontrar, que, em contextos como esses, assume o significado de “estar em determinado

lugar, situação ou estado; achar-se, localizar-se” (HOUAISS; VILLAR, 2009). Não

controlamos em nenhum grupo de fatores a associação das variantes gerundivas a itens

lexicais específicos, como seria o caso do verbo encontrar-se. Mas o fato de haver somente

dois dados de clítico entre o verbo e a estrutura a + infinitivo nos fez buscar novas

ocorrências desse verbo com a forma gerundial. O que verificamos em nossos dados é que

a maioria das vezes em que o verbo encontrar-se aparece é como verbo pleno e tendo uma

circunstância locativa como complemento, tal como em:

190)Pelo contrário, declara, na noite de 3 de Julho,

ENCONTRAVA-SE no largo das Lages, nos Olivais,

Page 312: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

289

acompanhado de um tio, de nome Manuel Barbosa, quando

apareceu o Matos a provocar este, com quem andava de rixa.

(Dado 342 Lisboa, 02 set 1951)

Já quanto às ocorrências do verbo especificamente acompanhado de construções

gerundivas, as quais consideramos construções com um verbo “auxiliar acidental”

(encontrar-se + [a + inf / ger]), nos deparamos tanto com outros casos com infinitivo

gerundivo (com ou sem palavra atratora do pronome se), como em:

191)CABELEIREIRO DE SENHORAS. Luís Monteiro, participa a

toda a sua Ex.ma

clientela, que já SE ENCONTRA a funcionar o

novo aparelho de ondulação permanente <<Eugéne>>.

(Dado 160 Centro, 04 jan 1931)

192)Seguidamente, falou o padre Armando Monteiro, da Comissão

Executiva do Congresso, que começou por saudar as entidades

oficiais presentes, congratulando-se por SE ENCONTRAR a

presidir àquela sessão o Cardeal-Patriarca de Lisboa após tão

prolongada doença.

(Dado 386 Lisboa, 01 abr 1964)

Bem como com casos seguidos de gerúndio, tal qual em:

193)MILITAR MORTO NA GUINÉ. Faleceu, vítima de doença, o

soldado César dos Santos Rebelo, que SE ENCONTRAVA

prestando serviço na Guiné.

(Dado 361 Alentejo, 10/11 abr 1965)

E, ainda, também verificamos ocorrências do verbo com o gerúndio no próprio item

lexical encontrar-se, como em:

194)Entretanto, no final de Outubro estavam a receber subsídio de

desemprego 2 883 trabalhadores desempregados, valor que é de

cerca de 30,6% do volume dos que procuram novo emprego,

ENCONTRANDO-SE entre os subsidiados 903 desalojados das

ex-colónias.

(Dado 313 Algarve, 30 dez 1981)

Portanto, embora não tenhamos quantificado essas ocorrências, percebemos que

existem dados do verbo encontrar-se apresentando o pronome se em diferentes posições,

tanto de infinitivo gerundivo quanto de gerúndio. Sendo assim, apesar da aparente

Page 313: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

290

coincidência de as duas únicas ocorrências em nosso corpus de colocação pronominal entre

o verbo auxiliar e a estrutura gerundiva serem justamente com esse verbo, nada indica que

sua ocorrência favoreça o uso de infinitivo gerundivo.

De qualquer forma, observaremos se o grupo continuará a ser selecionado em

outras rodadas, especialmente nas rodadas que opuserem somente os dados analíticos.

Com relação ao grupo tipo semântico de oração, selecionado nessa rodada, embora

seja um grupo com 15 fatores, apenas um deles apresentou peso relativo superior a .70,

mostrando-se mais favorecedor ao uso de infinitivo gerundivo. Trata-se do chamado

gerúndio de sobreposição, com peso relativo de .75, como pode ser observado na tabela

abaixo.

Além desse, mais três tipos semânticos de oração parecem favorecer a variante

inovadora, embora com pesos relativos menos expressivos: gerúndio narrativo de

posterioridade (.59), gerúndio de sobre-enquadramento (.57) e o gerúndio causal (.67).

Convém ressaltar que os tipos gerúndio de subenquadramento e gerúndio de

elaboração mostraram-se categóricos, sendo todas as suas ocorrências com a forma

nominal gerúndio (respectivamente 45 e seis casos). Por isso, amalgamamos esses fatores

ao tipo semântico gerúndio de sobre-enquadramento, uma vez que refletem relações

discursivas semelhantes (Enquadramento). Logo, o fator gerúndio de sobre-

enquadramento, citado acima como favorecedor ao uso de infinitivo gerundivo,

corresponde, na verdade, aos três fatores amalgamados.

Para mais detalhes sobre o grupo tipo semântico de oração, observemos a Tabela

20, abaixo:

TIPO SEMÂNTICO DE ORAÇÃO Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

PESO

RELATIVO

Gerúndio narrativo de

posterioridade 06 / 214 2% .59

Gerúndio narrativo de

anterioridade (ou retro narração) 02 / 48 4% .25

Gerúndio de sobreposição

(ou paralelismo temporal) 08 / 40 20% .75

Page 314: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

291

Gerúndio de sobre-

enquadramento131

19 / 127 14% .57

Gerúndio de subenquadramento - - -

Gerúndio de elaboração - - -

Gerúndio de modo 15 / 255 5% .42

Gerúndio instrumental (ou de

meio) - - -

Gerúndio causal 34 / 138 24% .67

Gerúndio resultativo 05 / 221 2% .14

Gerúndio condicional 04 / 28 14% .50

Gerúndio concessivo / adversativo - - -

Gerúndio opositivo 03 / 38 7% .37

Gerúndio neutro 04 / 223 1% .46

Não se aplica

(a or. gerundiva não é adverbial) 227 / 713 31% .60

TOTAL GERAL 327 / 2045 15% -

Tabela 20: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo Semântico de Oração

De acordo com os resultados expostos, podemos observar que o fator

correspondente a não se aplica mostrou-se favorecedor ao uso de a + infinitivo. Conforme

já mencionamos antes, sabemos que apenas as orações adverbiais foram classificadas

semanticamente. Todos os demais tipos sintáticos de oração receberam o código do fator

não se aplica. Como já vimos na Tabela 12, acima, embora os ambientes sintáticos mais

favorecedores ao uso da variante inovadora sejam as orações adverbiais, alguns tipos

sintáticos não adverbiais foram apontados pelo programa Goldvarb como favorecedores ao

uso de infinitivo gerundivo: as orações absolutas, as orações principais, as orações relativas

e até mesmo as orações substantivas, observadas como um todo. No grupo de fatores aqui

analisado, porém, esses dados compuseram um único fator, juntamente com estruturas

sintáticas desfavorecedoras ao uso de infinitivo gerundivo, tais como as orações

coordenadas. Assim, é possível que, por reunir todos esses tipos sintáticos, o fator não se

aplica esteja aparecendo como moderadamente favorecedor ao uso dessa variante, com

peso relativo .60.

131

O fator gerúndio de sobre-enquadramento, aqui apontado como favorecedor ao uso de infinitivo

gerundivo, reúne, na verdade, três fatores desse grupo: além do próprio gerúndio de sobre-enquadramento,

também se encontram nesse fator os dados de gerúndio de subenquadramento e de gerúndio de elaboração,

todos relacionados à Relação Discursiva de Enquadramento, conforme citado anteriormente.

Page 315: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

292

Quatro fatores foram apontados como desfavorecedores ao uso da variante

inovadora: gerúndio resultativo (.14), gerúndio narrativo de anterioridade (.25), gerúndio

opositivo (.37) e gerúndio de modo (.42). É pertinente citarmos que o gerúndio opositivo e

o gerúndio de instrumento / meio estão amalgamados, respectivamente, com os fatores

gerúndio concessivo e gerúndio de modo, visto que seus resultados, em números absolutos

e percentuais, foram categóricos, conforme podemos verificar nos itens em vermelho da

tabela abaixo:

TIPO SEMÂNTICO DE ORAÇÃO Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

Gerúndio narrativo de posterioridade 06 / 214 2%

Gerúndio narrativo de anterioridade 02 / 48 4%

Gerúndio de sobreposição 08 / 40 20%

Gerúndio de sobre-enquadramento 19 / 76 25%

Gerúndio de subenquadramento 00 / 45 0%

Gerúndio de elaboração 00 / 06 0%

Gerúndio de modo 15 / 245 6%

Gerúndio instrumental (ou de meio) 00 / 10 0%

Gerúndio causal 34 / 138 24%

Gerúndio resultativo 05 / 221 2%

Gerúndio condicional 04 / 28 14%

Gerúndio concessivo / adversativo 00 / 23 0%

Gerúndio opositivo 03 / 15 20%

Gerúndio neutro 04 / 223 1%

Não se aplica

(a or. gerundiva não é adverbial) 227 / 713 31%

Tabela 21: Distribuição de infinitivo gerundivo nos diferentes Tipos Semânticos de Oração

Sendo assim, optamos por uni-los aos tipos semânticos que mais se assemelhassem

com esses quanto às relações discursivas retratadas.

Outra observação que é possível fazermos a partir da Tabela 20 e da Tabela 21,

acima, diz respeito ao baixo quantitativo de infinitivo gerundivo nas orações adverbiais do

corpus. Se todos os tipos semânticos acima correspondem a orações adverbiais,

verificamos que, em todos os casos, o índice de uso de infinitivo gerundivo é inferior a

25%. Em mais da metade dos tipos semânticos de oração (dez dentre 14), as ocorrências de

a + infinitivo foram, inclusive, inferiores a 7%, sendo que em quatro deles não houve

Page 316: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

293

sequer um dado de infinitivo gerundivo, o que nos levou a amalgamá-los com outros

fatores dentro do grupo. Do nosso total de 2.045 dados, menos da metade deles (713) não

são orações adverbais (o que, aqui, se constata no fator não se aplica). Dentre essas, o uso

de infinitivo gerundivo é de 31%. Observaremos com maior detalhe essa diferença de

comportamento dos dados nas rodadas exclusivas com dados sintéticos ou com dados

analíticos.

Ainda comentando os resultados referentes ao grupo tipo semântico de oração, dois

fatores apresentaram-se quase irrelevantes para a variação em foco. São os tipos gerúndio

condicional e gerúndio neutro, com pesos relativos .50 e .46, respectivamente. O gerúndio

condicional apresentou peso relativo exato em .50 e o gerúndio neutro mostrou-se

levemente desfavorecedor ao uso de a + infinitivo, porém com valor também próximo do

.50.

Por fim, antes de passarmos a outras rodadas estatísticas realizadas, é importante

relatar aqui as ocorrências referentes ao grupo cambialidade. Trata-se de um grupo de

fatores que – conforme já mencionamos no capítulo de metodologia – foi excluído do

cálculo de pesos relativos. O registro de seus resultados absolutos e percentuais, porém,

faz-se indispensável – ao menos nessa rodada mais geral – de modo que possamos

observar se a distribuição de infinitivo gerundivo mudou ao longo do tempo em relação a

dados indiscutivelmente alternáveis entre gerúndio e a + infinitivo ou se teve maior avanço

com dados com cambialidade ambígua. Seguem os números:

CAMBIALIDADE Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

Unicamente com valor de aspecto progressivo 153 / 1871 8%

Ambíguo: aspecto progressivo x regência? 75 / 75 100%

Ambíguo: aspecto progressivo x preposição

não esvaziada semanticamente? 99 / 99 100%

TOTAL GERAL 327 / 2045 15%

Tabela 22: Distribuição de infinitivo gerundivo nos fatores relativos à Cambialidade

Como sabemos, todas as ocorrências denominadas “ambíguas” dizem respeito a

dados com a + infinitivo, justamente porque a ambiguidade se dá relacionada à

interpretação da construção a + infinitivo e não aos dados com a forma nominal gerúndio.

Page 317: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

294

Por isso, o percentual dessas ocorrências aparece como 100% dos casos desses respectivos

fatores. É conveniente, então, destacarmos o percentual desses fatores considerando o total

de dados. O fator relativo à ambiguidade inerente à interpretação da preposição a como

regência ou como parte do infinitivo gerundivo corresponde a 3% do total de dados,

enquanto os dados em que a mesma preposição pode não estar esvaziada semanticamente

abrangem 4% do total de dados.

Vejamos, a seguir, a distribuição desses dados ao longo do tempo em nosso corpus:

CAMBIALIDADE

Unicamente com

valor de aspecto

progressivo

Ambíguo:

aspecto progressivo

x regência?

Ambíguo: aspecto

progressivo x

preposição não

esvaziada

semanticamente?

TEMPO

de o

corrên

cias

de i

nf.

ger. /

tota

l

Perce

ntu

al

de o

corrên

cias

de i

nf.

ger. /

tota

l

Perce

ntu

al

de o

corrên

cias

de i

nf.

ger. /

tota

l

Perce

ntu

al

1901 - 1910 07/246 3% 05/05 100% 06/06 100%

1911 - 1920 02/246 1% 03/03 100% 10/10 100%

1921 - 1930 02/245 1% 03/03 100% 06/06 100%

1931 - 1940 06/209 3% 10/10 100% 12/12 100%

1941 - 1950 13/156 8% 08/08 100% 08/08 100%

1951 - 1960 14/161 9% 08/08 100% 10/10 100%

1961 - 1970 22/169 13% 10/10 100% 10/10 100%

1971 -1980 33/171 19% 06/06 100% 18/18 100%

1981 - 1990 27/131 21% 10/10 100% 12/12 100%

1991 - 2000 27/137 20% 11/11 100% 08/08 100%

TOTAL 153/1871 8% 75/75 100% 99/99 100%

Tabela 23: Distribuição de infinitivo gerundivo nos quanto à Cambialidade ao longo do séc. XX

O que pretendemos chamar à atenção na tabela acima é o fato de o número absoluto

de ocorrências de interpretação unicamente cambiável estar aumentando ao longo do

tempo, diferentemente dos demais tipos de dados – de cambialidade ambígua – cujo

número absoluto de ocorrências parece consideravelmente estável ao longo das décadas. O

aumento no número de dados de a + infinitivo indubitavelmente cambiáveis por gerúndio

Page 318: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

295

sinaliza, de certa forma, que o avanço dessa construção tem crescido – ao menos nos dados

de nosso corpus – justamente nos casos em que, sem dúvida, há aspecto progressivo. Além

dessa observação, outro fato que convém ser mencionado é que, se aumentam as

ocorrências de dados inegavelmente cambiáveis, consequentemente, diminuem as chances

de ocorrências de cambialidade ambígua estarem enviesando a leitura dos dados pelo

programa Goldvarb. Tais resultados serão ratificados – ou não – quando fizermos rodadas

excluindo os dados relativos a estruturas analíticas com semiauxiliares e modais (que, em

sua grande maioria, são de natureza ambígua, por exigirem a preposição a em sua

regência). Caso essa tendência se confirme, será mais um indício de que a forma infinitivo

gerundivo – perfeitamente cambiável pela forma nominal gerúndio – esteja avançando

cada vez mais ao longo do tempo em Portugal.

Vejamos, a seguir, se esses mesmos grupos também serão selecionados nas demais

rodadas e se se comportam da mesma maneira com diferentes recortes de dados do corpus.

5.1.2. Estruturas Sintéticas x Estruturas Analíticas

Nessa rodada, amalgamamos os dados com verbos leves aos dados de estrutura

sintética, inicialmente composta somente por verbos plenos. Como já mencionamos,

embora os dados com verbos leves constituam – de certa forma – um tipo de estrutura

perifrástica, entendemos que eles não sejam exatamente da mesma natureza que as demais

estruturas perifrásticas do trabalho, que são formadas por verbo auxiliar + verbo principal.

As estruturas com verbos leves apresentam um só verbo, mas aparentemente com menos

carga semântica, carecendo de um nome para que veiculem plenamente sua informação.

Assim, por não ser formado por verbo auxiliar + verbo principal, mas sim por apenas um

verbo, cogitamos a possibilidade de fazer uma rodada estatística unindo esses dados às

ocorrências de estrutura sintética, que apresentam, também, apenas um verbo, pleno. O

objetivo era verificar se essa união geraria algum tipo de mudança nos resultados de pesos

relativos. Nesta rodada, oito grupos foram selecionados como relevantes para a variação.

São eles, na seguinte ordem:

Page 319: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

296

GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS NA RODADA QUE OPÕE

ESTRUTURAS SINTÉTICAS X ESTRUTURAS PERIFRÁSTICAS (TODAS)

DO CORPUS DE PORTUGAL CONTINENTAL

1 Estrutura verbal

2 Tempo

3 Tipo sintático de oração

4 Tipo semântico de verbo

5 Referência adverbial

6 Posição do clítico

7 Tipo semântico de oração

8 Interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal

Input = 0.044 / p = 0,05

Tabela 24: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe ESTRUTURAS SINTÉTICAS (verbos

plenos + leves) x ESTRUTURAS ANALÍTICAS (todas) em Portugal Continental

Conforme podemos observar na Tabela 24, acima, e contrastando-a com a Tabela 8,

verificamos que os grupos de fatores selecionados como relevantes foram, basicamente, os

mesmos – inclusive na mesma ordem. A única diferença foi que, aqui, houve um grupo

selecionado a mais, em relação à rodada anterior: Interpolação de item lexical entre o

verbo auxiliar e o verbo principal. Vejamos os valores referentes a esse grupo de fatores

na rodada:

INTERPOLAÇÃO DE ITEM LEXICAL Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

PESO

RELATIVO

HÁ interpolação de itens lexicais 14 / 28 50% .79

NÃO há interpolação de itens

lexicais 313 / 2017 15% .49

TOTAL GERAL 327 / 2045 15% -

Tabela 25: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Interpolação de item lexical

De acordo com a tabela acima, a existência de itens lexicais entre o verbo auxiliar e

o verbo principal parece favorecer o uso de infinitivo gerundivo, com .79 de peso relativo.

Segundo já expusemos no capítulo de metodologia e reiteramos na seção anterior relativa à

outra rodada estatística de dados, informamos que há, neste trabalho, três grupos de fatores

cujo objetivo primordial é verificar a relevância da interpolação de elementos entre o verbo

auxiliar e o verbo principal de uma perífrase verbal para a ocorrência de infinitivo

Page 320: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

297

gerundivo em detrimento do gerúndio. Esses três grupos são: posição do clítico, referência

adverbial, interpolação de itens lexicais. Embora controlem palavras de naturezas

diferentes, a intenção é observar a tendência – ou não – ao uso de vocábulos entre o verbo

auxiliar e a construção a + infinitivo nas perífrases verbais. Dois desses grupos (posição do

clítico e referência adverbial) já tinham sido selecionados na rodada anterior, conforme já

comentamos. Além desses, agora também o grupo Interpolação de item lexical entre o

verbo auxiliar e o verbo principal foi selecionado como relevante. Como dissemos, na

rodada anterior, as construções com verbos leves eram analisadas separadamente. Agora,

ao juntarmos essas ocorrências às estruturas sintéticas compostas por verbos plenos, é

possível que o programa computacional tenha “enxergado” com maior clareza a diferença

entre estruturas sintéticas como um todo x estruturas analíticas como um todo, apontando

como relevante para o uso de infinitivo gerundivo a existência de interpolação de

elementos entre o verbo auxiliar e o verbo principal, quando ela é possível, evidentemente

(ou seja, somente em estruturas analíticas).

Trata-se de uma seleção que precisa continuar sendo observada nas demais rodadas,

mesmo porque, comparando o presente resultado com os resultados dos grupos Referência

Adverbial e Posição do Clítico, também selecionados tanto na rodada anterior quanto

nesta, percebemos que nem toda ocorrência de vocábulos entre o verbo auxiliar e o verbo

principal parece favorecer o emprego de infinitivo gerundivo. Enquanto por um lado a

presença de referências adverbiais de tempo (.90) e de modo ou lugar (.71) entre o verbo

auxiliar e o verbo principal favorece o uso de a + infinitivo (assim como ocorre com os

demais tipos de itens lexicais nessa posição, conforme vimos na Tabela 25, acima, com .79

de peso relativo); por outro lado, a presença de clíticos no mesmo contexto, ou seja, no

meio da locução verbal, é apontada como extremamente desfavorecedora ao uso da

variante inovadora, com .09 de peso relativo.

Todos os demais grupos de fatores selecionados na rodada anterior também foram

selecionados aqui e também apresentaram valores percentuais e relativos praticamente

idênticos. Sendo assim, não julgamos pertinente praticamente repetir as tabelas e gráficos

dos resultados da rodada precedente a esta. Passemos às demais rodadas realizadas.

Page 321: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

298

5.1.3.Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas com “auxiliares clássicos”

Nessa rodada, opusemos somente os dados com verbos plenos (as estruturas

sintéticas “clássicas”, sem as construções com verbos leves) às estruturas analíticas

igualmente “clássicas”, ou seja, com os auxiliares estar, andar e ficar. Chamamos aqui

esses verbos de “auxiliares clássicos” por serem tradicionalmente associados, como vimos

no capítulo 2, ao infinitivo gerundivo no Português Europeu, à construção chamada de

progressivo por vários autores. Isso significa que excluímos dessa rodada todos os dados

com verbos leves, verbos modais e estruturas com semiauxiliares. O princípio que regeu

esse procedimento foi o questionamento que se faz – justificável, a propósito – a respeito

da pertinência de manter no corpus dados de cambialidade “ambígua”, a saber: os dados

em que o a da construção a + infinitivo pode ser meramente a preposição exigida pela

regência do verbo semiauxiliar da perífrase.

Como vimos nas rodadas anteriores, que incluíam os verbos semiauxiliares, esses

apresentaram .97 de peso relativo, mostrando-se extremamente favorecedores ao uso de

infinitivo gerundivo nesse corpus. Mas é possível questionarmos tal resultado imaginando

que, embora até possam ser cambiáveis por gerúndio, esses dados podem aparecer tão

frequentemente realizados com a estrutura a + infinitivo devido à sua regência, conforme

já explanamos na seção 3.2.5 do capítulo de metodologia, especialmente nos exemplos 26)

a 30) e 185) e 186). Da mesma forma, também já citamos que os dados com construções

com verbos modais somente apresentaram a + infinitivo com verbos semiauxiliares na

perífrase, como no exemplo 34), visto anteriormente, o que também poderia gerar dúvidas

quanto à possibilidade de alternância entre as duas formas gerundivas em foco nas

estruturas com verbos modais.

Assim, optamos por realizar algumas rodadas estatísticas opondo somente aqueles

dados indubitavelmente “cambiáveis”, excluindo da análise os dados com verbos

semiauxiliares, verbos modais e verbos leves. Mantivemos, portanto, as construções

sintéticas com verbos plenos e as opusemos às construções analíticas do chamado

progressivo (BORGES NETO e FOLTRAN, 2001), ou seja, as estruturas perifrásticas

constituídas pelos verbos auxiliares estar, andar ou ficar, usualmente apontados como os

contextos de maior avanço do infinitivo gerundivo em terras lusas.

Nessa rodada, oito grupos de fatores foram selecionados como relevantes para a

variação. São eles, na seguinte ordem:

Page 322: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

299

GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS NA RODADA QUE OPÕE

ESTRUTURA SINTÉTICA X

ESTRUTURAS ANALÍTICAS COM AUXILIARES ESTAR, ANDAR E FICAR

DO CORPUS DE PORTUGAL CONTINENTAL

1 Estrutura verbal

2 Tempo

3 Tipo semântico de verbo

4 Tipo sintático de oração

5 Referência adverbial

6 Posição do clítico

7 Interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal

8 Tipo semântico de oração

Input = 0,037 / p = 0.037

Tabela 26: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe ESTRUTURA SINTÉTICA x

ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR em Portugal Continental

Como se pode verificar, os grupos selecionados aqui foram exatamente os mesmos

– e com pouca variação na ordem de seleção – dos grupos de fatores selecionados na

rodada anterior, que opunha verbos plenos a todas as construções perifrásticas (inclusive

com modais e semiauxiliares). Os valores dos pesos relativos nos grupos selecionados

também foram bastante parecidos nas três rodadas já mencionadas até aqui.

Apesar da semelhança, porém, visto que o objetivo dessa rodada era verificar o

comportamento dos dados com verbos plenos em contraste com as estruturas analíticas

com os verbos auxiliares “clássicos” (estar, andar e ficar), exporemos, abaixo, a tabela

com os resultados obtidos para o grupo estrutura verbal:

ESTRUTURA VERBAL Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

PESO

RELATIVO

Estrutura sintética 117 / 1611 7% .43

Auxiliar ESTAR 98 / 173 56% .86

Auxiliar ANDAR 15 / 25 60% .89

Auxiliar FICAR 14 / 26 53% .89

TOTAL GERAL 244 / 1835 13% -

Tabela 27: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal

Page 323: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

300

Mais uma vez, fica explícita a grande diferença entre dados sintéticos e dados

analíticos, mostrando que, nestes, a taxa de uso de infinitivo gerundivo é cerca de oito

vezes maior do que naqueles. Esses padrões tão diferentes justificam que sejam realizadas

rodadas estatísticas separadas para dados sintéticos e para dados analíticos, conforme

faremos a seguir.

Ao compararmos esses resultados aos das rodadas anteriores, podemos constatar

que o peso relativo não sofre alteração significativa. Vejamos:

ESTRUTURA VERBAL

PESO

RELATIVO

TODOS OS

DADOS

PESO RELATIVO

PLENOS + LEVES

X

AUXILIARES

(TODOS)

PESO RELATIVO

PLENOS

“CLÁSSICOS”

X

AUXILIARES

“CLÁSSICOS”

Estrutura sintética .40 .39 .43

Auxiliar ESTAR .85 .85 .86

Auxiliar ANDAR .90 .89 .89

Auxiliar FICAR .90 .88 .89

Semiauxiliar CONTINUAR .97 .97 -

Outros semiauxiliares .97 .97 -

Construções com Verbos leves .09 - -

Construções com Verbos modais .48 .45 -

Tabela 28: Pesos relativos do uso de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal em

diferentes rodadas

Observando a tabela acima, constatamos que, de fato, ter eliminado da análise os

dados com verbos semiauxiliares, leves e modais não influenciou de maneira significativa

o peso relativo de cada uma das demais construções em relação ao uso de infinitivo

gerundivo. Apesar disso, mais adiante, faremos mais algumas observações acerca dos

resultados referentes ao tipo de estrutura verbal na rodada em questão, detalhando-os em

uma tabela e um gráfico.

O mesmo padrão de equivalência foi constatado nos pesos relativos dos demais

grupos selecionados. Não houve diferenças significativas entre as rodadas. Ainda assim,

convém ressaltar alguns resultados que se acentuaram nessa última rodada de dados em

relação às demais:

Page 324: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

301

Enquanto na rodada anterior o peso relativo do fator referente à presença de

interpolação no grupo Interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo

principal foi de .79 (cf. Tabela 25), agora, foi ainda maior: .94, aparecendo, portanto,

como muito mais favorecedor ao uso de infinitivo gerundivo nos dados com os auxiliares

“clássicos”.

No grupo tipo sintático de oração, as orações substantivas e as coordenadas

assindéticas também tiveram grande aumento de seus pesos relativos. Nas duas rodadas

anteriores a esta, na rodada com todos os dados do corpus e na rodada que unia dados com

verbos plenos a dados com verbos leves, o peso relativo das coordenadas assindéticas foi

de .24; e, agora, na rodada opondo dados com verbos plenos a estruturas perifrásticas com

“auxiliares clássicos”, apresentou peso relativo de .40, mostrando-se menos desfavorecedor

que antes ao uso do infinitivo gerundivo. Por outro lado, as orações substantivas, que na

primeira rodada tiveram peso relativo .67, passaram a .69 na rodada seguinte e, agora, têm

.79, tendo aumentado sua relevância na variação, nesses contextos.

Os demais resultados apresentaram-se semelhantes nas três rodadas até agora

analisadas, com pequenas variações de .01 ou .02 para cima ou para baixo no peso relativo

dos fatores.

Antes de analisarmos outras rodadas, porém, cabe aqui uma observação a respeito

do padrão do avanço do infinitivo gerundivo nas cinco regiões que compõem o corpus

dessa rodada, que é a que mais claramente deveria mostrar a existência de tendências à

inovação ou à conservação em regiões diferentes, visto que é a rodada que opõe apenas

dados indubitavelmente cambiáveis. Voltamos a lembrar que nossa hipótese geral prevê

que o infinitivo gerundivo esteja, de fato, crescendo (ao menos quase) indistintamente por

todo o território nacional português. Acreditamos, como já dissemos, que o padrão

conservador do Alentejo e do Algarve não se mantenha, ao menos nos recortes de tempo

mais recentes, mesmo em materiais mais resistentes às variações linguísticas, como é o

caso do nosso corpus composto por notícias.

Assim, mostraremos, no gráfico abaixo, que o avanço da variante inovadora nesse

recorte de dados ocorreu de maneira razoavelmente equivalente nas cinco regiões

analisadas aqui.

Page 325: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

302

Gráfico 3: O avanço do infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX nas cinco regiões de Portugal

Continental

A partir do gráfico acima, pode-se perceber que, embora com valores percentuais

diferentes, o padrão do avanço foi semelhante na maior parte do tempo, na maior parte das

cinco regiões em questão, motivo pelo qual, muito provavelmente, o grupo região não

tenha sido, ao menos até então, selecionado como relevante para a variação em nosso

corpus de notícias do século XX de periódicos lusos.

0 5 10 15 20 25 30 35 40

1990

1980

1970

1960

1950

1940

1930

1920

1910

1900

33

33

37

12

10

16

7

1

2

2

14

25

33

14

11

7

17

2

6

7

33

26

26

15

22

16

12

2

4

5

13

15

15

26

12

17

5

9

14

6

24

25

22

25

26

10

3

6

2

10

Avanço do Infinitivo Gerundivo

ao longo do século XX

nas cinco regiões de Portugal Continental

Algarve Alentejo Lisboa Centro Norte

Page 326: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

303

Existem, porém, alguns fatos interessantes nesses resultados que precisam ser

comentados. Assim como, na primeira rodada de dados aqui analisada (a rodada com todos

os dados de Portugal Continental), a região Norte, tida como inovadora, apresentou-se

como um pouco mais conservadora do que as demais regiões, o que contrariou nossas

expectativas, aqui, outros fatos nos chamaram a atenção:

1) Nas primeiras três décadas do século XX, enquanto as regiões consideradas

mais inovadoras para o fenômeno que estudamos registram percentuais de uso de infinitivo

gerundivo variando entre 1 e 7% (o Norte, inclusive, oscila apenas entre 1 e 2%), o

Algarve e o Alentejo – apontados como mais conservadores – apresentam as mais altas

taxas de uso de infinitivo gerundivo, chegando o Algarve a registrar 10% na primeira

década do século e o Alentejo, 14% na terceira década, o dobro do máximo percentual

apresentado nas demais regiões, frequentemente consideradas mais inovadoras.

2) Nas décadas de 1920 e de 1960, os valores percentuais apontam justamente o

Algarve e o Alentejo com índices mais altos de uso de infinitivo gerundivo do que todas as

demais regiões de Portugal, o inverso do que afirmam alguns autores sobre o padrão

conservador para o uso de gerúndio desses dialetos centro-meridionais do país.

3) A partir da década de 1950, o Algarve apresenta índices de uso de infinitivo

gerundivo sempre superiores a 22%, sendo seus valores percentuais de uso da variante

inovadora, em algumas décadas, superiores aos percentuais vistos em regiões como o

Centro, o Norte e Lisboa. É apenas a partir da década de 1970 que as taxas de uso de

infinitivo gerundivo em Lisboa e no Norte passam a se apresentar sempre superiores aos

percentuais do Algarve.

4) Apesar dos resultados das três primeiras décadas e do resultado isolado de alto

índice de uso de infinitivo gerundivo na década de 1960, pelo que percebemos, a partir da

década de 1940, as taxas de emprego de infinitivo gerundivo na região do Alentejo

estabilizam-se, apresentando uma variação pequena, entre os 12 e os 17%, ao passo que,

nas demais regiões do país, as taxas de uso da variante inovadora começam a subir

sensivelmente.

Page 327: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

304

5) Além disso, apesar de nas três primeiras décadas do século Lisboa e Norte

apresentarem percentuais de uso da variante inovadora inferiores aos percentuais do

Alentejo e do Algarve, após esse período, as taxas de emprego de a + infinitivo nas duas

regiões só crescem, chegando à faixa dos 30% nas três últimas décadas do século,

enquanto o Alentejo mantém-se na faixa dos 15%, ou seja, cerca da metade dos valores do

Norte e de Lisboa.

Segundo esses resultados, portanto, podemos vislumbrar uma tendência

conservadora nas notícias da região do Alentejo. Verificaremos se esse padrão se mantém

nas rodadas apenas com dados da forma chamada de progressivo (estruturas perifrásticas

com os auxiliares estar, andar e ficar) e também na rodada somente com estrutura

sintética, para observar se, talvez, a junção de dados de estruturas diferentes não esteja

gerando um maior avanço no Norte e em Lisboa em relação ao Alentejo.

Para análise mais detalhada dos números dessa rodada de dados, segue a tabela

abaixo:

REGIÃO ► NORTE CENTRO LISBOA ALENTEJO ALGARVE

TEMPO ▼

de

oco

rrên

cia

s d

e

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l

de

oco

rrên

cia

s d

e

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l

de

oco

rrên

cia

s d

e

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l

de

oco

rrên

cia

s d

e

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l

de

oco

rrên

cia

s d

e

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l

1901 - 1910 01 / 59 2% 02 / 30 7% 03 / 65 5% 03 / 48 6% 03 / 31 10%

1911 - 1920 01 / 46 2% 02 / 35 6% 02 / 57 4% 06 / 43 14% 01 / 49 2%

1921 - 1930 01 / 71 1% 01 / 46 2% 01 / 54 2% 03 / 32 9% 02 / 31 6%

1931 - 1940 04 / 60 7% 06 / 35 17% 04 / 34 12% 02 / 39 5% 01 / 34 3%

1941 - 1950 09 / 56 16% 01 / 15 7% 05 / 31 16% 04 / 24 17% 03 / 29 10%

1951 - 1960 04 / 39 10% 03 / 28 11% 06 / 27 22% 05 / 41 12% 06 / 23 26%

1961 - 1970 05 / 41 12% 06 / 44 14% 06 / 39 15% 07 / 27 26% 05 / 20 25%

1971 -1980 15 / 41 37% 15 / 46 33% 13 / 50 26% 04 / 26 15% 04 / 18 22%

1981 - 1990 14 / 42 33% 04 / 16 25% 10 / 38 26% 04 / 27 15% 03 / 12 25%

1991 - 2000 08 / 24 33% 04 / 28 14% 10 / 30 33% 04 / 30 13% 07 / 29 24%

TOTAL 62 /

479 13%

44 /

323 14%

60 /

425 14%

42 /

337 12%

35 /

276 13%

Tabela 29: Distribuição de infinitivo gerundivo por região ao longo do séc. XX em Portugal

Continental

Page 328: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

305

Como se vê, ao observarmos os valores totais, na última linha da tabela, temos a

impressão de que a taxa de uso de infinitivo gerundivo é praticamente igual em todas as

regiões, variando entre 12 a 14% apenas. Esta seria, portanto, a taxa de uso de infinitivo

gerundivo em um corpus de notícias do século XX do Português Europeu Continental

como um todo. Entretanto, ao olharmos para as colunas de percentuais individualmente, de

cada região, verificamos que os valores apresentam bastante variação tanto no tempo

quanto no espaço.

Outra análise que podemos fazer tendo como base os resultados dessa rodada que

opunha estrutura sintética a estruturas analíticas com auxiliares estar, andar e ficar diz

respeito justamente ao avanço do infinitivo gerundivo nesses diferentes tipos de estrutura,

segundo já mencionamos. Na tabela abaixo, poderemos observar a distribuição do

infinitivo gerundivo nesses contextos ao longo do tempo:

ESTRUTURA

VERBAL ►

ESTRUTURA

SINTÉTICA

ESTRUTURA

ANALÍTICA

COM AUX.

ESTAR

ESTRUTURA

ANALÍTICA

COM AUX.

ANDAR

ESTRUTURA

ANALÍTICA

COM AUX.

FICAR

TEMPO ▼ N

º d

e

ocorrên

cias

de

inf.

ger. /

tota

l

Perce

ntu

al

de

ocorrên

cias

de

inf.

ger. /

tota

l

Perce

ntu

al

de

ocorrên

cias

de

inf.

ger. /

tota

l

Perce

ntu

al

de

ocorrên

cias

de

inf.

ger. /

tota

l

Perce

ntu

al

1901 - 1910 07/210 3 02/18 11 03/05 60 00/00 -

1911 - 1920 10/202 5 00/19 0 01/05 20 01/04 25

1921 - 1930 05/216 2 01/13 8 01/02 50 01/02 50

1931 – 1940 11/183 6 03/11 27 01/03 33 02/04 50

1941 - 1950 10/131 8 09/20 45 02/03 67 01/01 100

1951 – 1960 16/144 11 07/09 78 00/00 - 01/05 20

1961 - 1970 13/152 9 12/14 86 04/04 100 01/01 100

1971 – 1980 17/141 12 28/33 85 02/02 100 04/05 80

1981 - 1990 15/113 13 18/18 100 00/00 - 02/03 67

1991 - 2000 13/119 11 18/18 100 01/01 100 01/01 100

TOTAL 117/1611 7 98/173 57 15/25 60 14/26 54

Tabela 30: Distribuição de infinitivo gerundivo por Estrutura Verbal ao longo do séc. XX

Page 329: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

306

É bem verdade, como podemos observar na tabela acima, que o número de dados

em estruturas sintéticas (1611) é muito superior ao número de dados com estruturas

analíticas (224), correspondendo aquelas a cerca de 88% dos dados. Entretanto, embora

sejam em menor quantidade – havendo, inclusive, células “vazias”, sem qualquer dado –, o

percentual de uso de infinitivo gerundivo em relação ao uso de gerúndio é

proporcionalmente muito maior nas estruturas analíticas do que na sintética. Analisando o

século XX sincronicamente, por exemplo, percebemos que as estruturas analíticas

apresentam um percentual de uso de infinitivo gerundivo em torno de 54 a 60%, enquanto

a estrutura sintética tem taxa de uso dessa variante de apenas 7%. O padrão do avanço do

infinitivo gerundivo nessas estruturas pode ser mais claramente observado no gráfico

abaixo:

Gráfico 4: Percentuais de uso de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Estrutura Verbal ao longo

do séc. XX em Portugal Continental

Conforme se pode observar, o percentual de uso de infinitivo gerundivo nas

estruturas sintéticas se mantém relativamente estável ao longo do tempo no nosso corpus,

ao passo que as estruturas analíticas, além de possuírem números percentuais muito

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990

3 5 2 6 8 11 9 12 13 11 11

0 8

27

45

78 86 85

100 100

60

20

50

33

67

0

100 100

0

100

0

25

50 50

100

20

100

80

67

100

Infinitivo Gerundivo ao longo do Século XX -

Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas

Plenos Auxiliar ESTAR Auxiliar ANDAR Auxiliar FICAR

Page 330: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

307

maiores, ainda apresentam uma tendência ascendente em relação ao emprego da variante

inovadora. Esses resultados apontam as estruturas analíticas como um contexto mais

favorável ao avanço dessa variante, mesmo no corpus de textos jornalísticos, em especial

de notícias, em geral menos “permeáveis” às variações linguísticas – mesmo com um

fenômeno que não sofre, necessariamente, avaliação negativa dos falantes. Considerando

que o grupo estrutura verbal tem sido constantemente selecionado como relevante para a

variação, apontando justamente as estruturas perifrásticas como mais propícias ao uso de a

+ infinitivo, faremos novas rodadas estatísticas de dados, somente com essas ocorrências.

5.1.4. Estruturas Analíticas (todas)

Com o objetivo de analisar as estruturas perifrásticas em maior detalhe, nesta

rodada excluímos os dados com verbos plenos e os dados com verbos leves. Com efeito, as

rodadas feitas somente com dados de gerúndio x infinitivo gerundivo somente em

estruturas perifrásticas são aquelas cujo objetivo primordial é verificar o avanço da

variante inovadora em seu ambiente mais típico: o chamado progressivo. Mantivemos,

portanto, todas as estruturas perifrásticas com verbos auxiliares e semiauxiliares, bem

como as estruturas com verbos modais. Quatro grupos foram selecionados como relevantes

para a variação aqui estudada. São eles, na seguinte ordem:

GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS NA RODADA QUE OPÕE AS DIFERENTES

ESTRUTURAS ANALÍTICAS (TODAS) NO CORPUS DE PORTUGAL CONTINENTAL

1 Tempo

2 Estrutura verbal

3 Posição do clítico

4 Tipo de Texto / Sequência Textual

Input da rodada: 0,644 / p = 0,042

Tabela 31: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe as diferentes ESTRUTURAS

ANALÍTICAS (TODAS) em Portugal Continental

Na rodada analisada nesta seção, verificamos que os três primeiros grupos de

fatores selecionados em todas as rodadas anteriores voltaram a ser selecionados. As

novidades ficam por conta do número de grupos selecionados (somente quatro, cerca da

Page 331: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

308

metade das demais rodadas) e também pela presença do grupo tipo de texto / sequência

textual, que não tinha sido selecionado até então. Os valores dos pesos relativos também se

revelaram, em geral, mais acentuados. Comparando esta rodada com a rodada que

analisava todos os dados, os fatores que, antes, se mostraram desfavorecedores ao uso de

infinitivo gerundivo, estão, agora, ainda mais desfavorecedores. O mesmo vale para os

fatores favorecedores, que, agora, são mais favorecedores ao emprego de a + infinitivo,

conforme verificamos na tabela abaixo:

TEMPO

Nº DE

OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. /

TOTAL

PERCENTUAL

PESO RELATIVO

(RODADA COM

ESTRUTURAS

ANALÍTICAS)

PESO

RELATIVO

(RODADA COM

TODOS)

Fase 0 (1901-1910) 11 / 38 28% .09 .24

Fase 1 (1911-1920) 05 / 43 11% .05 .24

Fase 2 (1921-1930) 06 / 25 24% .09 .22

Fase 3 (1931-1940) 17 / 37 45% .31 .44

Fase 4 (1941-1950) 19 / 33 57% .38 .51

Fase 5 (1951-1960) 16 / 25 64% .52 .65

Fase 6 (1961-1970) 29 / 33 87% .83 .71

Fase 7 (1971-1980) 40 / 52 76% .72 .75

Fase 8 (1981-1990) 33 / 36 91% .89 .78

Fase 9 (1991-2000) 33 / 35 94% .97 .80

TOTAL 209 / 357 58% - -

Tabela 32: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX

Mediante observação da tabela acima, verificamos que o padrão referente aos três

diferentes períodos já identificados nas rodadas anteriores se mantém. As taxas de uso de

infinitivo gerundivo têm avanços mais bruscos no início da década de 1930 e, depois, no

início da de 1960, dividindo o século em três fases claras em nosso corpus.

Os pesos relativos da primeira parte do século XX, porém, se mostram como muito

mais desfavorecedores ao uso de infinitivo gerundivo nas estruturas analíticas do que

quando considerávamos o total de dados, nas rodadas anteriores, tendo pesos relativos

iguais a .09, .05 e .09, respectivamente a cada uma das três primeiras décadas do século.

Da mesma maneira, os pesos relativos no final do século também são mais

expressivos nessa rodada, mostrando-se maiores aqui em relação às anteriores, com pesos

Page 332: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

309

relativos de .72, .89 e .97 nas três últimas décadas do século, sinalizando haver ainda mais

tendência ao uso de infinitivo gerundivo nessas estruturas do que nas demais. Tais

resultados, em se tratando de um grupo de fatores relacionado à passagem do tempo,

indicam que o uso de infinitivo gerundivo nessas estruturas, analíticas, se torna cada vez

mais contundente conforme avançamos no tempo.

Em seguida, analisaremos o grupo estrutura verbal, que também foi selecionado

como relevante nessa rodada de dados.

ESTRUTURA VERBAL Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

PESO

RELATIVO

Estrutura sintética - - -

Auxiliar ESTAR 98 / 173 56% .45

Auxiliar ANDAR 15 / 25 60% .72

Auxiliar FICAR 14 / 26 53% .38

Semiauxiliar CONTINUAR 49 / 57 85% .89

Outros semiauxiliares 30 / 37 81% .85

Construções com Verbos leves - - -

Construções com Verbos modais 03 / 39 7% .01

TOTAL GERAL 209 / 357 58% -

Tabela 33: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal

Como se pode observar na tabela acima, os resultados de pesos relativos dessa

rodada também indicam as construções analíticas com verbos semiauxiliares como as

maiores favorecedoras ao uso de a + infinitivo. A presença de tais dados nesse recorte do

corpus pode ter provocado uma queda no peso relativo dos “auxiliares clássicos”, que

costumam compor o chamado “progressivo”, sempre apontado como principal contexto de

avanço do infinitivo gerundivo no Português Europeu. Isso provavelmente tenha ocorrido

porque, de maneira geral, a presença de a + infinitivo nas construções com semiauxiliares é

muito mais frequente do que a de gerúndio, talvez devido à regência de esses

semiauxiliares exigir a preposição a, conforme já cogitamos antes. Portanto, em relação às

construções com semiauxiliares, as construções com “auxiliares clássicos” acabaram por

parecer ambientes menos favoráveis ao uso de a + infinitivo que aquelas.

A diminuição do peso relativo dos “auxiliares clássicos” foi tal que as construções

com os verbos auxiliares estar e ficar – tão característicos do emprego do infinitivo

Page 333: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

310

gerundivo – chegaram a aparecer como desfavorecedoras ao uso de infinitivo gerundivo

nessa rodada, com pesos relativos de .45 e .38, respectivamente. A possibilidade de essa

ser a razão de termos tido pesos relativos tão baixos para esses fatores é grande, visto que,

conforme já observamos nas rodadas com estruturas sintéticas, as construções analíticas

com os auxiliares estar, andar e ficar sempre têm aparecido como bastante favorecedoras

ao emprego de infinitivo gerundivo. Para verificar se, de fato, foi esse o caso, na rodada

que apresentaremos a seguir, também analisaremos os resultados com um recorte no

corpus formado exclusivamente pelas construções perifrásticas, mas, dessa vez,

compreendendo apenas as constituídas pelos “auxiliares clássicos”.

Já o grupo posição do clítico, também selecionado em todas as rodadas anteriores a

esta, se apresentou, de maneira geral, semelhante às demais rodadas, mas com uma

diferença. Observemos a tabela abaixo:

POSIÇÃO DO CLÍTICO

Nº DE

OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. /

TOTAL

PERCENTUAL

PESO

RELATIVO

(RODADA

COM EST.

ANALÍTICAS)

PESO

RELATIVO

(RODADA

COM

TODOS)

Próclise 06 / 24 25% .21 .15

Ênclise 21 / 28 75% .89 .49

Clítico entre o verbo

aux. e o principal 02 / 11 18% .04 .09

Não se aplica / Não há

clítico 180 / 294 61% .50 .51

TOTAL GERAL 209 / 357 58% - -

Tabela 34: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Posição do Clítico

Ao analisarmos as duas últimas colunas da tabela acima, podemos perceber que os

pesos relativos se mantiveram parecidos nas duas rodadas, na maioria dos casos, exceto

para as ocorrências de ênclise, que, antes, se revelaram favorecedoras ao uso de a +

infinitivo, com .89 de peso relativo e, agora, apareceram como “neutras”, praticamente

irrelevantes para a variação, com .49 de peso relativo.

Quanto ao fator clítico entre o verbo auxiliar e o principal, que desejávamos

observar nas rodadas exclusivamente realizadas com dados analíticos, constatamos que o

Page 334: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

311

padrão desfavorecedor ao emprego de infinitivo gerundivo se manteve nesse contexto

semelhante ao resultado apresentado na rodada geral inicial.

Por fim, o último grupo de fatores selecionado nessa rodada foi o grupo tipo de

texto, que ainda não tinha sido selecionado em nenhuma das rodadas anteriores. Os

resultados foram:

TIPO DE TEXTO Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

PESO

RELATIVO

Narrativo 111 / 172 64% .60

Dissertativo-argumentativo 96 / 179 53% .39

Descritivo 02 / 06 33% .69

TOTAL GERAL 209 / 357 58% -

Tabela 35: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo de Texto

De acordo com a tabela acima, o tipo de texto dissertativo-argumentativo revelou-

se desfavorecedor ao uso da variante inovadora (.39), ao passo que os tipos narrativo e

descritivo mostraram-se favorecedores, com pesos relativos de .60 e .69, respectivamente.

Conforme já mencionado no capítulo de metodologia, em Mothé (2007), o tipo descritivo

também foi apontado como favorecedor ao uso de infinitivo gerundivo, com peso relativo

.66, semelhante ao presente resultado. Já o tipo narrativo apareceu como desfavorecedor

naquela pesquisa, com peso relativo .31, enquanto, aqui, aparece como favorecedor, com

.60. O tipo dissertativo-argumentativo aqui se revelou desfavorecedor, com peso relativo

.39. Em Mothé (2007), esse tipo era subdividido em dois: dissertativo, com .65 e

argumentativo, com .28. Lembramos que, em nossa pesquisa anterior, o grupo foi

selecionado na rodada com todos os dados de língua escrita do Português Europeu, ao

passo que aqui foi selecionado, por enquanto, somente na rodada apenas com estruturas

analíticas. Vejamos se nas próximas rodadas o grupo voltará a ser selecionado.

5.1.5. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”)

De acordo com o que mencionamos na seção anterior, decidimos verificar a

variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo analisando somente os dados com estruturas

Page 335: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

312

perifrásticas formadas pelos verbos estar, andar e ficar. Isso significa que a diferença entre

esta e a rodada anterior é o fato de, aqui, terem sido excluídos todos os dados com

perífrases formadas por semiauxiliares e/ou verbos modais. Dessa vez, também apenas

quatro grupos foram selecionados como relevantes para a variação, mas um dos grupos foi

diferente em relação à rodada anterior. Os quatro grupos selecionados se encontram na

tabela abaixo, na seguinte ordem:

GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS NA RODADA QUE OPÕE AS DIFERENTES

ESTRUTURAS ANALÍTICAS COM “AUXILIARES CLÁSSICOS”

NO CORPUS DE PORTUGAL CONTINENTAL

1 Tempo

2 Tipo de Texto / Sequência Textual

3 Interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal

4 Posição do clítico

Input da rodada: 0,655 / p = 0,001

Tabela 36: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe SOMENTE as diferentes

ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR em Portugal Continental

Como se pode verificar, a diferença entre esta rodada e a anterior diz respeito ao

grupo estrutura verbal, que não foi selecionado aqui, e ao grupo interpolação de item

lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal, selecionado nesta e não naquela rodada.

O grupo tempo foi o primeiro a ser selecionado no cálculo de pesos relativos e com

números bastante significativos na diacronia do século XX. Essa rodada manteve o mesmo

padrão de avanço que as outras, com maior destaque para o aumento nas três diferentes

fases já mencionadas ao longo do período pesquisado.

Além do cálculo de pesos relativos, nessa rodada que contrasta a variação entre

gerúndio e infinitivo gerundivo no contexto mais típico de avanço da variante inovadora,

consideramos também pertinente analisarmos os números referentes à distribuição desta

nas diferentes regiões aqui estudadas, apesar de o grupo de fatores região não ter sido

selecionado como relevante para a variação nesse recorte de dados (da mesma forma como

nos demais até então). Assim, expomos abaixo uma tabela análoga à Tabela 7, com a

distribuição do infinitivo gerundivo em cada uma das regiões ao longo do século XX, mas,

agora, restringindo os resultados aos dados de estruturas perifrásticas constituídas por

verbos auxiliares estar, andar e ficar.

Page 336: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

313

REGIÕES ► NORTE CENTRO LISBOA ALENTEJO ALGARVE TOTAL

FASES

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

1901 - 1910 01/06 17 00/02 0 01/05 20 00/04 0 03/06 50 05/23 22

1911 - 1920 00/03 0 00/05 0 01/07 14 00/00 - 01/13 8 02/28 7

1921 - 1930 00/04 0 01/03 33 01/08 12 01/01 100 00/01 0 03/17 18

1931 - 1940 01/01 100 01/05 20 02/04 50 01/03 33 01/05 20 06/18 33

1941 - 1950 06/06 100 00/04 0 01/04 25 03/05 60 02/05 40 12/24 50

1951 - 1960 01/01 100 00/00 - 01/04 25 03/04 75 03/05 60 08/14 57

1961 - 1970 03/03 100 07/07 100 04/05 80 02/02 100 02/02 100 18/19 95

1971 -1980 11/11 100 11/11 100 08/08 100 04/04 100 00/06 0 34/40 85

1981 - 1990 09/09 100 02/02 100 07/07 100 00/01 0 02/02 100 20/21 95

1991 - 2000 04/04 100 04/04 100 05/05 100 03/03 100 04/04 100 20/20 100

TOTAL 36/48 75 26/43 60 31/57 54 17/27 63 18/49 37 127 /

224 57

Tabela 37: Distribuição de infinitivo gerundivo em estruturas perifrásticas por região ao longo do séc.

XX

A análise da tabela acima deixa explícito o claro aumento no uso do infinitivo

gerundivo em estruturas perifrásticas com os verbos auxiliares estar, andar e ficar em

nosso corpus, tanto analisando os dados do PE como um todo, quanto analisando as

regiões separadamente. Apesar da pouca quantidade de dados em números absolutos, é

importante ressaltar que, a partir da década de 1960, 17 dentre as 20 células de dados de

todas as regiões apresentam 100% dos dados com a variante inovadora. Ademais, nesse

recorte de dados, a região Norte surge com a maior taxa percentual de uso de infinitivo

gerundivo, 75%, ao passo que o Algarve apresenta a menor taxa, 37%, aparentemente

confirmando, para esse tipo de construção, em nosso corpus, um padrão inovador no Norte

e conservador no sul quanto ao uso de infinitivo gerundivo. As outras três regiões do país,

Centro, Lisboa e Alentejo, apresentam percentuais próximos uns dos outros, oscilando

entre 54% e 63%. Convém, porém, destacar que, dentre esses, o maior índice de uso de a +

infinitivo, 63%, é no Alentejo.

Page 337: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

314

Também é pertinente destacar que, nas três últimas décadas do século (1971 a

2000), de um total de 71 dados (40 na década de 1970; 21 na década de 1980; e 20 na

década de 1990), conforme se pode verificar na última coluna da tabela, houve apenas sete

dados com gerúndio, todos eles nas duas regiões apontadas como conservadoras: Alentejo

(um dado na década de 1980) e Algarve (seis dados na década de 1970). Todos os outros

64 dados desse período foram com infinitivo gerundivo, em todas as regiões. A evidente

predominância do uso de infinitivo gerundivo nas construções perifrásticas em nossos

dados nessas últimas quatro décadas do século XX é tão grande, que posteriormente

faremos rodadas estatísticas unindo determinadas fases do século para verificar a variação

nesses períodos de tempo nos quais houve maiores avanços de a + infinitivo.

A partir da última coluna de resultados, onde se verifica a taxa de emprego de

infinitivo gerundivo somando os dados de todas as regiões, ou seja, desconsiderando as

diferenças diatópicas, podemos chegar ao seguinte gráfico, que nos permite ver com maior

clareza o avanço do uso de infinitivo gerundivo nas notícias de nosso corpus ao longo do

século nas construções com auxiliares clássicos:

Gráfico 5: Percentual de uso de infinitivo gerundivo em estruturas analíticas com auxiliares ESTAR,

ANDAR e FICAR ao longo do séc. XX em Portugal Continental

0

20

40

60

80

100

1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990

22

7

18

33

50 57

95

85

95 100

Infinitivo Gerundivo em

Portugal Continental no Século XX Estruturas Analíticas com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR

Infinitivo Gerundivo

Page 338: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

315

Os resultados mostram que 100% dos dados de estruturas analíticas com os

auxiliares estar, andar e ficar ocorreram com infinitivo gerundivo na década de 1990 em

nosso corpus. Embora sejam poucos dados em números absolutos, o resultado não deixa de

ser bastante significativo, uma vez que indica que, na última década do século XX, em

TODAS as regiões de Portugal Continental houve emprego categórico da variante

inovadora em nossos dados, oriundos de notícias. Tal resultado extraído a partir dos dados

de notícias do século XX confirma a hipótese desta tese, segundo a qual a estrutura de

infinitivo gerundivo, especialmente nos dados de progressivo, com estruturas analíticas,

estaria avançando indistintamente por todas as regiões de Portugal, ou seja, mesmo

naquelas consideradas conservadoras, como o Alentejo e o Algarve.

Além disso, esses resultados também são semelhantes aos de Móia & Viotti (2004),

que encontraram, em uma amostra de 6,3 milhões de palavras de jornais recentes do PE (o

corpus Natura-Público, constituído por jornais da década de 1990), apenas 1% de dados de

gerúndio em construções com o auxiliar estar (somente 27 dados versus 4.231 com

infinitivo gerundivo, conforme já tínhamos comentado no item 2.5 do capítulo 2 desta

tese). Com base no mesmo corpus, os autores também afirmam que o PE prefere o uso de

a + infinitivo (em relação ao gerúndio) em construções formadas pelos auxiliares andar e

ficar (conforme explicitamos no Quadro 9: Gerúndio perifrástico no PB e no PE, segundo

Móia & Viotti (2004), no mesmo item do capítulo 2 deste trabalho), o que igualmente é

endossado pelos nossos resultados mostrados acima.

O grupo tipo de texto, embora também tenha sido selecionado na rodada anterior,

apresentou, aqui, resultados diferentes dos de lá. Vejamos:

TIPO DE TEXTO

Nº DE

OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. /

TOTAL

PERCENTUAL

PESO

RELATIVO

(RODADA

COM AUX.

CLÁSSICOS)

PESO

RELATIVO

(RODADA

COM

TODOS)

Narrativo 80 / 112 71% .69 .60

Dissertativo-argumentativo 47 / 108 43% .30 .39

Descritivo 01 / 04 25% .30 .69

TOTAL GERAL 127 / 224 56% - -

Tabela 38: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo de Texto

Page 339: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

316

De acordo com a tabela, o tipo narrativo mostrou-se ainda mais favorecedor ao uso

do infinitivo gerundivo do que na rodada anterior, passando de .60 a .68. O tipo

dissertativo-argumentativo por sua vez, foi ainda mais desfavorecedor (de .39 para .30). O

tipo descritivo, entretanto, demonstrou comportamento oposto à rodada anterior, passando

de um peso relativo interpretado como favorecedor à ocorrência de infinitivo gerundivo

(.60) a um peso relativo desfavorecedor, de .30.

O grupo posição do clítico também foi selecionado na rodada que ora comentamos.

POSIÇÃO DO

CLÍTICO

Nº DE

OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. /

TOTAL

PERCENTUAL

PESO

RELATIVO

(RODADA C/

ANALÍTICOS

“CLÁSSICOS”)

PESO

RELATIVO

(RODADA C/

AS TODAS

ANALÍTICAS)

PESO

RELATIVO

(RODADA

COM

TODOS)

Próclise 02 / 19 10% .08 .21 .15

Ênclise 10 / 15 66% .76 .89 .49

Clítico entre

o verbo aux.

e o principal

- - - .04 .09

Não se

aplica / Não

há clítico

116 / 190 61% .53 .50 .51

TOTAL

GERAL 128 / 224 57% - - -

Tabela 39: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Posição do clítico

De acordo com a tabela acima, é possível perceber que os mesmos padrões das

rodadas anteriores se mantiveram: a variação entre gerúndio x a + infinitivo é praticamente

neutra nos dados em que não há clíticos (não se aplica); os dados em próclise

desfavorecem o emprego de infinitivo gerundivo (.08); e os dados em ênclise favorecem o

emprego da variante inovadora (.76).

Convém mencionar que, nessa rodada, o fator relativo à presença do clítico entre o

verbo auxiliar e o principal apresentou apenas cinco dados, todos eles com a forma

nominal gerúndio. Da mesma forma, houve dentre o total de 224 dados dessa rodada, dez

ocorrências de ênclise, todas elas com infinitivo gerundivo. Ou seja, dois dos fatores

Page 340: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

317

apresentaram-se categóricos: um com gerúndio e o outro com infinitivo. Sendo assim,

amalgamamos esses dois fatores na fase de Ivarb.

O fato de não haver qualquer dado de clítico entre o verbo auxiliar e o verbo

principal com infinitivo gerundivo reforça nossa intuição já mencionada, segundo a qual a

estrutura verbo auxiliar + a + infinitivo estaria sofrendo processo de gramaticalização para

indicar aspecto progressivo no PE. Por isso, ao menos nas notícias dos jornais lusos do

século XX que constituem nosso corpus, estaríamos vendo pouca possibilidade de

interpolação de elementos entre o verbo auxiliar e o verbo principal, pois a construção

possivelmente esteja se fixando cada vez mais como estrutura de aspecto progressivo.

Vale ressaltar que, dentre todas as rodadas realizadas até então, esta foi a única que

não selecionou como relevante para a variação o grupo estrutura verbal. Os pesos relativos

dos três fatores apresentaram-se próximos da neutralidade no nível 1 do stepping up do

cálculo de pesos relativos (estar = .50, andar = .52 e ficar = .46). Esse resultado era

esperado, pois demonstra que todas as estruturas analíticas com auxiliares “clássicos” se

comportam de maneira semelhante umas em relação às outras na evolução da variante

inovadora em nosso corpus. Isso quer dizer que não há diferenças significativas quanto ao

padrão de avanço do infinitivo gerundivo em estruturas com os auxiliares estar, andar e

ficar nas notícias de jornais lusitanos.

5.1.6. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”) em três fases do

século XX

Observando as rodadas realizadas até então, é possível perceber, conforme já

comentamos, que o avanço do infinitivo gerundivo foi mais significativo em dois

momentos do século XX: na virada da década de 1920 para a década de 1930; e na virada

da década de 1960 para a de 1970. Com isso, é como se, para esse fenômeno linguístico,

nas notícias dos jornais lusos que constituem o corpus, a variação estivesse dividida em

três fases: 1- 1901 a 1930; 2- 1931 a 1960; e 3- 1961 até o fim do século. Sendo assim,

optamos por realizar algumas rodadas estatísticas nas quais pudéssemos analisar a variação

nesses recortes temporais e não somente por década, como temos feito até então.

Page 341: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

318

Como a rodada em que mais se pode observar o avanço da construção chamada de

progressivo é aquela que contrasta exclusivamente os dados perifrásticos, fizemos com tais

estrututras a análise estatística com esse novo recorte temporal. Os grupos selecionados

como relevantes para a variação foram:

GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS NA RODADA QUE OPÕE AS DIFERENTES

ESTRUTURAS ANALÍTICAS COM “AUXILIARES CLÁSSICOS”

EM TRÊS FASES CRONOLÓGICAS DO CORPUS DE PORTUGAL CONTINENTAL

1 Tempo

2 Tipo de Texto / Sequência Textual

3 Posição do clítico

4 Interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal

Input da rodada: 0,630 / p = 0,014

Tabela 40: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe SOMENTE as diferentes

ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR em Portugal Continental em

três fases do séc. XX

Como se pode verificar, os grupos selecionados são exatamente os mesmos da

rodada anterior (que continha o mesmo recorte de dados). A diferença é observarmos,

agora, a distribuição dos dados ao longo do tempo em outros recortes cronológicos. A

distribuição dos dados, agora, passa a ser a seguinte:

REGIÕES

► NORTE CENTRO LISBOA ALENTEJO ALGARVE TOTAL

FASES

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

1901 - 1930 01/13 08 01/10 10 03/20 15 01/05 20 04/20 20 10/68 15

1931 -1960 08/08 100 01/09 11 04/12 33 07/12 58 06/15 40 26/56 46

1961 - 2000 27/27 100 24/24 100 24/25 96 09/10 90 08/14 57 92/100 92

TOTAL 36/48 75 26/43 60 31/57 54 17/27 63 18/49 37 127 /

224 57

Tabela 41: Distribuição de infinitivo gerundivo em estruturas perifrásticas “clássicas” por região em

três fases do séc. XX

Page 342: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

319

A tabela acima nos deixa claro o avanço do infinitivo gerundivo nas três fases que

analisamos nessa rodada. Enquanto, na fase A (1901 a 1930), a taxa de uso de infinitivo

gerundivo não passou de 20%, na última fase, ela se mostra quase categórica em quatro

dentre as cinco regiões do corpus de análise. A única região com taxa de uso de infinitivo

gerundivo abaixo dos 90% é o Algarve, que apresentou 57% de uso da variante inovadora,

o que confirmaria seu padrão mais conservador geralmente apontado pelos autores. Apesar

de ser a mais conservadora das cinco regiões no corpus que analisamos, ainda assim o

infinitivo gerundivo tem aumentado no Algarve ao longo das três fases, com percentuais de

20, 40 e 57%. Já o Alentejo, ao contrário do que se costuma afirmar, apresentou taxa de

90% de uso de a + infinitivo, mostrando-se inovador para o fenômeno, com percentuais

bastante semelhantes às taxas de uso de a + infinitivo nas demais regiões usualmente

apontadas como inovadoras.

Na fase B (1931 a 1960), a variação mostrou-se bastante instável diatopicamente. A

região Norte, a mais inovadora delas segundo a literatura, já apresentou desde então uso

categórico de infinitivo gerundivo. Já as demais regiões oscilaram entre 11 e 58% de uso

da construção gerundiva com infinitivo.

Como se pode observar, na penúltima coluna da tabela acima, existem apenas dez

dados de infinitivo gerundivo na fase A desse recorte de dados. Dentre esses dez dados,

cinco são com o auxiliar andar, três com ao auxiliar estar e dois com o auxiliar ficar. Por

serem poucos, voltamos aos nossos arquivos de dados para analisar se havia alguma

peculiaridade acerca desses dados de infinitivo gerundivo despontando nas notícias lusas

do início do século XX de nosso corpus. Ao fazer isso, constatamos que, dentre esses dez

dados, cinco correspondem a dados cujo tipo de estrutura também pode ser interpretado

como sintético. Trata-se de casos em que os verbos estar, andar ou ficar ainda estão num

meio termo entre verbo pleno ou verbo auxiliar. Alguns desses dados já tinham aparecido

neste trabalho. Para esses dados mantivemos a mesma numeração anterior dos exemplos e

acrescentamos numeração sequencial dos exemplos àqueles que aparecem nesta tese pela

primeira vez. São os seguintes dados:

037) O PREÇO DO CAFÉ. PROVOCOU ONTEM Á NOITE, NA

BRASILEIRA, DO ROSSIO, UM GRANDE MOTIM. [...] Por esse

motivo foi requisitada a intervenção da policia que evacuou o

Page 343: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

320

estabelecimento que, em seguida, foi encerrado, ficando a guardá-

lo alguns civicos.

(Dado 190 Lisboa, 02 nov 1924)

137) DO CONCELHO. CANELAS. Quando no dia 23 andavam uns

homens a cortar uns pinheiros na mata da Ribeira, limite desta

freguesia, um caiu sobre uma junta de bois, matando um dos

animais e ferindo outro.

(Dado 120 Centro, 28 jan 1923)

195)DESASTRE NO TRABALHO. COM UMA MÃO ESMAGADA.

[...] Ontem, tendo saído o encarregado da fabrica, ficou ele a

substitui-lo, a fim de dar o sinal para largar o trabalho.

(Dado 126 Lisboa, 02 ago 1913)

196)COMÍCIOS REPUBLICANOS. [...] Ali estivemos a ouvil-o e

colher as impressões, que nos deixam estes bemaventurados da

palavra, que sabem envolvel-a de brilhos rutilantes nas formas

mais caprichosas da arte.

(Dado 019 Algarve, 05 abr 1908)

197)Estiveram em Faro, na segunda feira, a cumprimentar o novo

Prelado, o reverendo Marreiros Netto, prior em Alte e seu irmão

dr. Diogo Marreiros Netto, distincto advogado em Loulé.

(Dado 026 Algarve, 26 abr 1908)

A partir dos exemplos expostos acima, podemos perceber que, a depender da

interpretação dada aos verbos estar, andar e ficar, tais construções poderiam ter sido

consideradas como sintéticas, não constituindo exemplos do chamado progressivo, que

pressupõe o emprego de gerúndio ou de infinitivo gerundivo tendo um desses verbos como

verbo auxiliar. Foram casos como esses que discutimos na seção 3.2.5. deste trabalho, na

qual enunciamos os critérios de codificação dos dados para o grupo estrutura verbal. Na

referida seção, apresentamos os questionamentos de Bosque & Demonte (1999) e de

Squartini (1999) acerca da classificação de um verbo como auxiliar ou pleno. Através dos

exemplos 12), 13) e 14), admitimos haver dados limítrofes nos quais paira a dúvida sobre o

status auxiliar ou pleno dos verbos. Verificamos haver a possibilidade de dupla

interpretação de verbos desse tipo e, naquele momento, indicamos que iríamos codificar

tais dados como perífrásticos justamente para não os “perdermos de vista”, para não

“corrermos o risco” de ignorar sua natureza ambígua, em processo de gramaticalização,

como ocorreria se os tivéssemos rotulado apenas como “plenos”.

Page 344: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

321

No dado 037), acima, por exemplo, o verbo ficar pode representar um verbo

auxiliar de guardar, bem como pode ser visto com seu conteúdo semântico primordial,

segundo o qual os “cívicos” “ficaram”, “permaneceram” no estabelecimento. O mesmo

vale para o exemplo 137), no qual podemos interpretar o verbo andar como auxiliar de

cortar, com sentido de “hábito”, “costume”, mas também podemos ver nele, ainda, seu

conteúdo semântico original, com sentido de caminhar. Essa dupla possibilidade de

interpretação também ocorre nos demais exemplos acima, nos quais verbos foram

classificados como auxiliares apesar de permitirem uma leitura como verbos plenos, o que

se intensifica nos casos do verbo estar (exemplos 197) e 198)), em que estes aparecem

acompanhados por adjuntos adverbiais de lugar, reforçando a possibilidade de

interpretação desses verbos com o sentido de ficar, permanecer, estar em um determinado

lugar.

Caso esses dados constituam exemplos de estruturas sintéticas (e não perifrásticas),

em vez de dez, teríamos apenas cinco dados de progressivo com infinitivo gerundivo nos

dados de jornais portugueses do início do século XX que constituem nosso corpus. Se

assim for, menor ainda seria a taxa de uso de infinitivo gerundivo no PE de nossa amostra

de dados no início do século, confirmando que o avanço da variante inovadora seria um

fenômeno típico do século XX, nos dados escritos desses jornais lusos, confirmando nossa

hipótese diacrônica para este trabalho.

Com relação à última fase dessa rodada, a situação se inverte: dentre 100

ocorrências de estruturas gerundiais perifrásticas, apenas oito dados são com gerúndio, ao

passo que 92 são com infinitivo gerundivo. Do mesmo modo que fizemos em relação à

fase A, buscamos investigar que dados seriam esses oito que ainda conservam o uso de

gerúndio apesar da elevadíssima taxa de emprego de a + infinitivo nesse período de nosso

corpus. Vale destacar, conforme se verifica na tabela acima, que, dentre esses oito dados,

nenhum deles é nas regiões Norte e Centro, o que ratifica seu reconhecido padrão inovador

para esse fenômeno linguístico. Um dado é na região de Lisboa; um dado, no Alentejo; e

os demais seis dados são todos no Algarve, região considerada conservadora quanto ao

emprego de gerúndio.

Na fase que, aqui, chamamos de C, correspondente ao período de 1961 a 2000,

existem, ao todo, 14 dados de progressivo na região do Algarve: seis com gerúndio e oito

com infinitivo gerundivo. É interessante notar que, todos os seis dados com gerúndio

Page 345: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

322

pertencem à década de 1970, ao passo que, nas décadas de 1980 e 1990, todas as

ocorrências gerundiais são com inifitivo gerundivo: duas na década de 1980 e quatro na

década de 1990. Isso poderia sinalizar um avanço da construção inovadora mesmo nessa

região, se analisarmos as décadas separadamente.

Dentre os oito dados com gerúndio nessa última fase da rodada estatística que

comentamos aqui, seis são com o auxiliar estar (cinco na região do Algarve e um em

Lisboa) e dois com o auxiliar ficar (no Alentejo). Nenhum dos dados possui o verbo andar

como auxiliar. Dentre eles, o único que nos chamou a atenção, podendo não ser

perifrástico de acordo com a interpretação dada, foi o do Alentejo, com o auxiliar ficar:

70) VIATURAS NO IMPONENTE DESFILE ATÉ O

CRUZAMENTO PARA A BASE. [...] Quem não conseguiu meio de

transporte, ficou pela berma da estrada saudando os que, em

automóveis, camionetas, atrelados a tractores e motorizadas, se

empolgavam com as palavras de ordem pela Paz e contra a guerra.

(Dado 408 Alentejo, 17/23 jun 1983)

O dado acima, que já tinha sido citado na seção 3.2.8 desta tese, quando

exemplificávamos o fator referência adverbial de modo ou lugar no meio da locução

verbal, permite uma interpretação ambígua do verbo ficar, que pode ser considerado

auxiliar do verbo principal saudar ou pode ser considerado verbo pleno, com sentido de

“permanecer em algum lugar” (interpretação esta que, no caso, é favorecida pela presença

da locução locativa “pela berma da estrada”). Se assim for, a região do Alentejo passa a ser

mais uma sem um dado sequer de gerúndio na construção chamada de progressivo nas

últimas quatro décadas do século XX na amostra de dados que analisamos nesta pesquisa,

o que reforçaria nossa hipótese de que o infinitivo gerundivo estaria avançando mesmo nas

regiões geográficas consideradas conservadoras, tal qual o Alentejo.

Os demais dados com gerúndio nessa última fase do século são, de fato, dados

“clássicos” de progressivo, indubitavelmente constituídos por auxiliar estar + gerúndio (e

um dado com auxiliar ficar). São casos como:

198)II CONGRESSO NACIONAL DE RELIGIOSOS [...] Mais

adiante, disse que foi por ocasião do I Congresso Internacional

das Vocações Reliigiosas efectuado em Roma em 1961, que nasceu

e amadureceu a ideia que naquele momento se estava

concretizando.

(Dado 389 Lisboa, 01 abr 1964)

Page 346: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

323

199)NOTAS CITADINAS [...] A Praça Ferreira de Almeida está

passando por algumas modificações, embora, ao que supomos,

provisórias, com a colocação de uma placa no local onde

recentemente foram demolidos alguns prédios.

(Dado 287 Algarve, 30 jan 1972)

200)Ficamos aguardando, ansiosamente, as soluções definitivas.

(Dado 289 Algarve, 30 jan 1972)

201)NOTAS CITADINAS. A lenda das amendoeiras, que ficou por

contar no apreciado e educativo programa da televisão do dr.

Hermano Saraiva, está ressurgindo, mais uma vez, no Algarve, que

se cobre de <<neve>> mercê das belas e pequenas flores brancas

que estão aparecendo por toda a parte (não obstante o mau tempo

que tem feito) e lhe dão aspecto diferente, mais acolhedor – de

infinita beleza espectacular.

(Dados 290 e 291 Algarve, 06 fev 1972)

Nenhum dos exemplos acima já tinha sido citado neste trabalho e, como se vê, são

exemplos de que, mesmo no Português Europeu do final do século XX, ainda se encontram

dados de progressivo com verbo auxiliar estar + gerúndio, por mais avançado que esteja o

emprego do infinitivo gerundivo nessa variedade do português, o que contraria algumas

afirmações que mencionamos no capítulo 1 deste trabalho, tais como a de Bagno (2005) e a

de Vasconcelos & Segatto (1999), na matéria da Revista Época.

Se desconsiderarmos a variação diatópica, observando apenas a última coluna da

Tabela 41, na qual verificamos os valores totais da variação em todo o corpus, poderíamos

formar o gráfico abaixo:

Page 347: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

324

Gráfico 6: Percentual de uso de infinitivo gerundivo em estruturas analíticas com auxiliares ESTAR,

ANDAR e FICAR três fases do séc. XX em Portugal Continental

O gráfico mostra claro avanço da variante inovadora no corpus nas três fases

analisadas nessa rodada de dados. A grande relevância do tempo para o fenômeno estudado

fica também bastante evidente ao analisarmos os pesos relativos dos fatores nessa rodada:

TEMPO Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL PESO RELATIVO

Fase A (1901 – 1930) 10 / 68 14% .06

Fase B (1931 – 1960) 26 / 56 46% .32

Fase C (1961 – 1930) 92 / 100 92% .89

TOTAL 128 / 224 57% -

Tabela 42: Distribuição de infinitivo gerundivo em três fases do séc. XX em Portugal Continental

Tais resultados confirmam a hipótese segundo a qual a variante inovadora esteja

avançando ao longo do século XX no PE, o que fica evidente, inclusive, no nosso corpus,

constituído por notícias dos jornais que nos serviram de fontes de dados. Um corpus

jornalístico, em geral, seria considerado menos suscetível à maioria das variações

linguísticas, mas, para o fenômeno que estudamos, tem apresentado clara variação.

Já acerca da distribuição dos dados nessas três fases em relação aos verbos

auxiliares de cada construção, podemos observar o seguinte gráfico:

0

20

40

60

80

100

1901 - 1930 1931 - 1960 1961 - 2000

15

46

92

Infinitivo Gerundivo em

Portugal Continental em três fases do Século XX Estruturas Analíticas com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR

Infinitivo Gerundivo

Page 348: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

325

Gráfico 7: Percentuais de uso de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Estrutura Analítica em três

fases do séc. XX em Portugal Continental

Como se vê, o aumento do uso de infinitivo gerundivo com cada verbo auxiliar foi

relativamente equilibrado ao longo das três fases do século. A única grande discrepância

diz respeito às construções com verbo auxiliar estar nas primeiras três décadas do século,

que apresentou taxa de uso de infinitivo gerundivo bastante menor (06%) que as

construções com os auxiliares andar e ficar (respectivamente, 42% e 33%).

Quanto aos outros três grupos de fatores selecionados (todos também selecionados

na rodada estatística da seção anterior), os números absolutos e percentuais foram

exatamente os mesmos da rodada anterior (afinal, trata-se dos mesmos dados). Além disso,

com relação aos pesos relativos do uso de infinitivo gerundivo nos grupos tipo de texto /

sequência textual, posição do clítico e interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e

o verbo principal, os valores foram bastante próximos nas duas rodadas, variando, em

geral, em apenas um ou dois pontos para cima ou para baixo. Esse resultado era esperado,

visto que a única diferença entre esta rodada e aquela diz respeito à divisão cronológica

dos dados.

Sendo assim, passemos a outro tipo de análise dos dados gerundiais de nosso

corpus: as estruturas sintéticas.

0

20

40

60

80

100

1901 - 1929 1930 - 1959 1960 - 2000

6

48

93

42 50

100

33 40

80

Infinitivo Gerundivo em três fases do Século XX -

Estruturas Analíticas com auxiliares

ESTAR, ANDAR e FICAR

Auxiliar ESTAR Auxiliar ANDAR Auxiliar FICAR

Page 349: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

326

5.1.7. Estrutura Sintética (somente com verbos plenos)

A rodada feita somente com os dados de estruturas sintéticas tinha como objetivo

principal comparar os resultados de pesquisas anteriores (especialmente a de Barbosa

(1999) e a de Mothé (2007)) com os resultados desse novo corpus de análise quanto ao

emprego das duas variantes nas chamadas orações reduzidas de gerúndio (em especial, as

adverbiais). Sabemos que construções sintéticas como essas constituem ambientes, em

geral, apontados como mais conservadores em relação a diversos fenômenos linguísticos.

Sendo assim, o avanço da variante inovadora nesses contextos teria sido bem mais modesto

do que nas construções perifrásticas, o que já constatamos nas primeiras rodadas

estatísticas realizadas, nas quais pudemos observar o quão menos acentuado é o avanço de

infinitivo gerundivo em estruturas sintéticas (conforme vimos no Gráfico 4, apresentado

anteriormente).

Os dados gerundiais sintéticos representam, em sua maioria, orações adverbiais

reduzidas de gerúndio, ou seja, são dados de natureza diferente da natureza dos dados

perifrásticos, que, em geral, se encontram em orações desenvolvidas, com nexos

conjuncionais. Isso significa que, grosso modo, é como se estivéssemos tratando, nesta

pesquisa, de dois fenômenos diferentes: em um deles, avaliamos a variação gerúndio

versus infinitivo gerundivo nas referidas construções sintéticas; no outro, investigamos a

mesma variação, mas em construções perifrásticas, aquelas frequentemente constituídas

pelos auxiliares estar, andar ou ficar + gerúndio / a + infinitivo e a qual costuma ser

identificada como típica do PE (a construção chamada de progressivo, à qual já nos

referimos neste trabalho). O progressivo costuma ser usado para expressar o aspecto

progressivo na língua portuguesa e, sendo assim, os ambientes sintáticos em que ocorre são

os mais variados, visto que, conforme afirmamos acima, tais construções aparecem

acompanhadas de conjuções responsáveis pela ligação sintático-semântica entre as orações

do período. Por outro lado, os dados de estrutura gerundial sintética, na grande maioria dos

casos, conforme mencionamos, correspondem a orações gerundiais reduzidas, sem

conjunções. Isso significa que, nesses dados, a interpretação semântica da oração gerundial

carece quase sempre do contexto linguístico e mesmo extralinguístico para sua

compreensão.

Além disso, com frequência, os fenômenos linguísticos encontram ambiente mais

propício à variação e à consequente mudança em estruturas perifrásticas (que, por sua vez,

Page 350: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

327

também são mais características da fala, contextos em que também existe mais

probabilidade de variação e mudança). Sendo assim, para fenômenos em que há

possibilidade de alternância de uso entre estruturas perifrásticas versus estruturas

sintéticas, em geral, as estruturas sintéticas são apontadas como mais conservadoras.

Assim, em relação aos dados sintéticos de nosso corpus, estamos cientes de que,

além de não estarmos diante de dados de progressivo propriamente dizendo (construção

que viu avançar sensivelmente o uso de infinitivo gerundivo ao longo do século XX,

conforme temos mostrado até aqui), também sabemos que, pelo simples fato de serem

sintéticos, esses casos são considerados redutos da forma nominal gerúndio, mesmo no

Português Europeu. Desse modo, almejamos verificar em que medida a variante inovadora

tem avançado nesse tipo de construção em um corpus escrito, pois, se mesmo nesse

contexto o infinitivo gerundivo mostrar aumento significativo, isso pode sinalizar quão

difundida já estaria a variante inovadora em outros contextos da língua considerados

menos conservadores do que os textos escritos (em especial em jornais).

Vejamos, abaixo, a tabela que mostra os números referentes a tal distribuição:

REGIÕES ► NORTE CENTRO LISBOA ALENTEJO ALGARVE TOTAL

FASES

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

1901 - 1910 00/53 0 02/28 7 02/60 3 03/44 7 00/25 0 07/210 3

1911 - 1920 01/43 2 02/30 7 01/50 2 06/43 14 00/36 0 10/202 4

1921 - 1930 01/67 1 00/43 0 00/45 0 02/31 6 02/30 7 05/216 2

1931 – 1940 03/58 5 05/30 17 02/30 7 01/36 3 00/29 0 11/183 6

1941 - 1950 03/50 6 01/11 9 04/27 15 01/19 5 01/24 4 10/131 7

1951 – 1960 03/38 8 03/28 11 05/23 22 02/37 5 03/18 17 16/144 11

1961 - 1970 02/38 5 00/37 0 03/34 9 05/25 20 03/18 17 13/152 8

1971 – 1980 04/30 13 04/35 11 05/42 12 00/22 0 04/12 33 17/141 12

1981 - 1990 05/33 15 02/14 14 03/31 10 04/25 16 01/10 10 15/113 13

1991 - 2000 04/20 20 00/23 0 05/25 20 01/26 4 03/25 12 13/119 10

TOTAL 26/430 6 19/279 6 30/367 8 25/308 8 17/227 7 117/1611 7

Tabela 43: Distribuição de infinitivo gerundivo em estruturas sintéticas por região ao longo do séc. XX

Page 351: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

328

Conforme esperávamos e de acordo com a observação da tabela acima, as

estruturas sintéticas aparentemente são mais resistentes ao avanço de infinitivo gerundivo

do que as estruturas perifrásticas, ao menos nesse corpus constituído por notícias, assim

como já tinha ficado claro no Gráfico 4, no item 5.1.3, acima. Enquanto a variação entre

gerúndio e infinitivo gerundivo nas estruturas analíticas ficou em torno de 55 a 60%, nas

estruturas sintéticas, a média percentual foi de 7%.

Para fazermos um paralelo com dados de língua falada, menos conservadora, vale

mencionar os resultados de Mothé (2007), que avaliou a variação gerúndio x infinitivo

gerundivo no corpus oral do PE do Projeto VARPORT, constituído por textos das décadas

de 1970 e 1990. Naquela pesquisa, a taxa de uso de infinitivo gerundivo nas estruturas

sintéticas de língua falada foi de 59%, considerando essas duas décadas somadas. Esse

valor, como se vê, é bem abaixo do percentual de uso de infinitivo gerundivo de estruturas

perifrásticas do nosso corpus, escrito, que apresenta 85% de uso de a + infinitivo na

década de 1970 e 100% de uso dessa variante na década de 1990 (cf. Tabela 37 e Gráfico

5). Entretanto, mesmo sendo bem menor que o emprego de infinitivo gerundivo nas

estruturas perifrásticas de textos escritos (85%), ainda assim o percentual de uso de

infinitivo gerundivo nas estruturas sintéticas na língua falada daquele corpus (59%) é bem

maior (cerca de cinco vezes maior) do que o percentual de emprego de infinitvo gerundivo

nas estruturas sintéticas do nosso corpus, escrito (7%). Isso mostra que, apesar de mais

conservadoras, as estruturas sintéticas também apresentam sinais de inovação, ainda que

em menores proporções.

Se construirmos um gráfico a partir da evolução do infinitivo gerundivo nos dados

de tipo sintático sintético do corpus de Portugal Continental de nossa presente pesquisa

como um todo, desconsiderando as diferentes regiões (ou seja, a partir da última coluna da

tabela acima), contrastando tais dados àqueles que foram fornecidos no Gráfico 5 acerca

das estruturas analíticas “clássicas”, teremos a seguinte imagem:

Page 352: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

329

Gráfico 8: Percentual de uso de infinitivo gerundivo em estruturas analíticas com auxiliares ESTAR,

ANDAR e FICAR x estruturas sintéticas ao longo do séc. XX em Portugal Continental

Conforme se pode verificar, as taxas de uso de infinitivo gerundivo com estruturas

perifrásticas são bastante maiores que as taxas com estruturas sintéticas, mostrando que

estas são mais conservadoras que aquelas em nosso corpus de notícias. Contudo, apesar

dessa diferença, o padrão ascendente também pode ser constatado nas estruturas sintéticas

que, no início do século XX, apresentavam cerca de 3% de uso de infinitivo gerundivo e,

ao fim, em torno de 11%. Ou seja, ainda que com avanço mais discreto, o infinitivo

gerundivo também avança nas construções sintéticas, em geral vistas como conservadoras.

Para tentar tornar mais clara a variação no tempo quanto ao uso de a + infinitivo

nas estruturas sintéticas, calculamos as taxas de emprego da variante inovadora em três

fases do século XX, a semelhança do que fizemos, acima, na rodada descrita na seção 5.1.6

deste trabalho. Para isso, unimos as décadas de 1900, 1910 e 1920 em uma fase que

chamamos de A; as décadas de 1930, 1940 e 1950 em uma fase B; e as décadas de 1960,

1970, 1980 e 1990 em uma fase que denominamos C. O resultado foi o seguinte:

0

20

40

60

80

100

1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990

22

7

18

33

50 57

89 85

95 100

3 4 2 6 7

11 8 12 13 10

Infinitivo Gerundivo em

Portugal Continental no Século XX Estruturas Analíticas "Clássicas" x Estruturas Sintéticas

Estruturas Analíticas "Clássicas" Estruturas Sintéticas

Page 353: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

330

Gráfico 9: Percentual de uso de infinitivo gerundivo em estruturas analíticas com auxiliares ESTAR,

ANDAR e FICAR x estruturas sintéticas em três fases do séc. XX em Portugal Continental

O Gráfico 9 ratifica o que temos mostrado: apesar de menos impactante, a variante

inovadora também avança nas construções sintéticas ao longo do século XX.

Procedemos à fase de cálculo de pesos relativos para identificar os fatores que

eventualmente favoreçam o uso de infinitivo gerundivo nas construções sintéticas das

notícias de nosso corpus e os resultados que obtivemos foram os seguintes:

GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS NA RODADA QUE OPÕE DADOS DE

ESTRUTURA SINTÉTICA “CLÁSSICA” DO CORPUS DE PORTUGAL CONTINENTAL

1 Tipo semântico de oração

2 Tipo semântico de verbo

3 Tipo sintático de oracao

4 Tempo

5 Referência adverbial

Input da rodada: 0,012 / p = 0,019

Tabela 44: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe SOMENTE as ESTRUTURAS

SINTÉTICAS “CLÁSSICAS” em Portugal Continental ao longo do séc. XX

Como se pode perceber, mesmo nessa rodada de dados considerados mais

conservadores quanto ao uso de gerúndio, o grupo tempo foi selecionado como relevante

0

50

100

1901 - 1930 1931 - 1960 1961 - 2000

15

46

92

3 8 11

Infinitivo Gerundivo em

Portugal Continental em três fases do Século XX Estruturas Analíticas x Estruturas Sintéticas

Estruturas Analíticas Estrutura Sintética

Page 354: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

331

para a variação. Na verdade, os grupos selecionados como relevantes para a variação nessa

rodada são bastante semelhantes aos grupos selecionados na rodada com todos os dados de

Portugal, como se pode verificar na tabela abaixo:

PORTUGAL CONTINENTAL

SOMENTE ESTRUTURA SINTÉTICA

PORTUGAL CONTINENTAL

TODOS OS DADOS

1 Tipo semântico de oração Estrutura verbal

2 Tipo semântico de verbo Tempo

3 Tipo sintático de oracao Tipo sintático de oração

4 Tempo Referência adverbial

5 Referência adverbial Tipo semântico de verbo

6 - Posição do clítico

7 - Tipo semântico de oração

Input = 0,012 / p = 0,019 Input = 0,044 / p = 0,035

Tabela 45: Grupos de fatores selecionados nas rodadas com TODOS os dados x dados sintéticos do

corpus de Portugal Continental

Dentre os sete grupos selecionados como relevantes para a variação na rodada com

todos os dados, apenas dois não foram também selecionados nesta rodada: o grupo

estrutura verbal (que sequer existia na presente rodada, já que só havia nela dados

sintéticos) e o grupo posição do clítico. Tal semelhança nos resultados parece apontar para

o fato de que, mesmo mais conservadores, os dados sintéticos também apresentam

aumento da variante inovadora. Seguem, abaixo, os valores referentes ao grupo tempo:

TEMPO Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL PESO RELATIVO

Fase 0 (1901 – 1910) 07 / 210 3 % .27

Fase 1 (1911 – 1920) 10 / 202 4 % .43

Fase 2 (1921 – 1930) 05 / 216 2 % .23

Fase 3 (1931 – 1940) 11 / 183 6 % .47

Fase 4 (1941 – 1950) 10 / 131 7 % .53

Fase 5 (1951 – 1960) 16 / 144 11 % .72

Fase 6 (1961 – 1970) 13 / 152 8 % .60

Fase 7 (1971 – 1980) 17 / 141 12 % .70

Fase 8 (1981 – 1990) 15 / 113 13 % .72

Fase 9 (1991 – 2000) 13 / 119 10 % .65

TOTAL 117 / 1611 7 % -

Page 355: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

332

Tabela 46: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX nas estruturas sintéticas de

Portugal Continental

Embora os padrões de favorecimento e desforecimento da variante inovadora nesta

rodada sejam semelhantes aos da rodada com todos os dados (analíticos e sintéticos), por

se tratar de um grupo de grande relevância para os dados sintéticos, majoritariamente

constituídos por orações gerundiais reduzidas, optamos por explicitar os resultados

referentes ao tipo sintático de oração:

TIPO SINTÁTICO DE ORAÇÃO Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

PESO

RELATIVO

Absoluta 07 / 09 77 % .79

Coordenada SINDÉTICA 08 / 145 05 % .74

Coordenada ASSINDÉTICA 01 / 43 02 % .61

Oração principal 02 / 03 66 % .99

Relativa RESTRITIVA (geral) 20 / 103 19 % .94

Relativa EXPLICATIVA (geral) 09 / 94 09 % .86

Substantivas 04 / 10 40 % .97

Adverbial CONDICIONAL 03 / 26 11 % .93

Adverbial MODAL 14 / 260 05 % .70

Adverbial TEMPORAL 14 / 112 12 % .70

OUTRAS adverbiais 34 / 305 11 % .85

“Subordinada aditiva” 01 / 501 0 % .03

TOTAL GERAL 117 / 1611 07 % -

Tabela 47: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo Sintático de Oração nas

estruturas sintéticas

Como se pode observar, com exceção das chamadas “subordinadas aditivas”, todos

os demais contextos sintáticos parecem favorecer o uso de a + infinitivo nas estruturas

sintéticas, inclusive as orações adverbiais modais, as temporais e as condicionais, já

apontadas por Barbosa (1999) como favorecedoras da variante inovadora nesse tipo de

estrutura. Quatro delas, entretanto, se mostraram ainda mais favorecedoras que as outras,

apresentando pesos relativos acima de .90 de relevância para a variação. Trata-se das

orações principais, das substantivas, das relativas restritivas e das adverbiais

condicionais, com os seguintes respectivos pesos relativos: .99, .97, .94 e .93. Esses

resultados mostram que, de fato, a sintaxe das orações em que existe a possibilidade de

Page 356: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

333

variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo realmente influencia no uso de uma das

variantes, favorecendo, na grande maioria dos casos, a construção a + infinitivo na nossa

amostra de dados de PE.

Há de se comentar o único tipo sintático apontado como desfavorecedor ao

emprego de infinitivo gerundivo: as chamadas subordinadas aditivas. Como se pode

verificar, nesse recorte do corpus, em um total de 501 orações desse tipo, apenas uma delas

é com a variante inovadora. Também é interessante perceber que, na rodada com todos os

dados (analíticos e sintéticos), havia 559 dados de orações subordinadas aditivas. Dentre

esses, 08 dados eram com infinitivo gerundivo (cf. Tabela 12, no item 5.1.1, acima). Ou

seja, se antes de excluirmos os dados analíticos havia 559 dados desse fator, significa que

apenas 58 dados eram com estruturas analíticas, ou seja, cerca de 10% do total de

ocorrências de subordinadas aditivas. Isso mostra que, na grande maioria das vezes em

que esse tipo sintático ocorreu, foi justamente com dados sintéticos, sem verbos auxiliares.

Voltando à presente rodada, o único dado de infinitivo gerundivo em estrutura

sintática sintética codificado como oração subordinada aditiva foi o seguinte:

202)NOTAS CITADINAS. Motivo, mais um, de atração turística,

este bem antigo, do tempo em que o Algarve (então região distante

e pouco acessível e que muitos supunham paredes-meias com

Marrocos...) apenas era conhecido pelas suas amendoeiras

floridas, ele aí está, a preparar-se para atingir a plenitude dentro

de poucos dias – e a chamar, desde já, a atenção dos turistas,

nacionais e estrangeiros, que se extasiam ante o tradicional e

incomparável espetáculo da <<neve vegetal>>, que cobre a

<<terra morena>> desde a planície ribeirinha às encostas da

serra, de Vila Real de Santo António ao Promontório Sacro.

(Dado 292 Algarve, 06 fev 1972)

O dado acima, como se pode observar, encontra-se em um período composto por

subordinação e coordenação. Consideramos a oração em destaque como subordinada

aditiva em relação à principal “[...] ele aí está”, mas coordenada assindética em relação à

coordenada sindética (com o conectivo e) “[...] e a chamar, desde já, a atenção dos

turistas nacionais e estrangeiros”. Em relação à oração que consideramos principal “[...]

ele está aí”, a oração gerundial “[...] a preparar-se [...]” parece ser um dos casos do que

Barbosa (1999) chama de gerúndio narrativo, que já comentamos neste trabalho, ou seja,

“uma ou mais orações iniciadas por gerúndio, sem qualquer valor circunstancial ou

Page 357: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

334

relativo, mas sim em uma estrutura em coordenação funcionando como um encadeador

discursivo” (BARBOSA, 1999, p. 216). Foi essa ideia de narração, como que adicionando

fatos ao que estava sendo narrado, sem um valor circunstancial ou relativo, que nos fez

classificar tal dado como subordinada aditiva.

Todavia, uma outra possibilidade de classificação seria rotulá-la como coordenada

assindética em relação à oração posterior a ela, conforme mencionamos acima. Se assim

tivéssemos procedido, por exemplo, o fator subordinada aditiva teria se apresentado

categoricamente com a forma normal gerúndio. Talvez a dupla possibilidade de

classificação sintática do único dado de a + infintivo desse fator seja a razão pela qual ele

se apresente tão desfavorecedor ao emprego de a + infinitivo.

Os demais grupos selecionados nesta rodada (tipo semântico de oração, tipo

semântico de verbo e referência adverbial) apresentaram os mesmos padrões de

favorecimento e desfavorecimento já observados nas rodadas anteriores, especialmente na

rodada com todos os dados, já citada acima.

A seguir, analisaremos praticamente as mesmas combinações de dados realizadas

acima, mas com o acréscimo do corpus de notícias proveniente do arquipélago dos Açores.

5.2 Dados de Portugal Continental + Açores

Nesse novo recorte de dados, os princípios que nortearam as rodadas foram os

mesmos dos das rodadas com o corpus exclusivo de Portugal Continental. A diferença é

que, aqui, acrescentamos ao corpus os dados oriundos da região autônoma dos Açores,

também considerada conservadora quanto ao uso do gerúndio. O corpus da região dos

Açores não é constituído por dados de todas as décadas do século XX como são os corpora

das cinco regiões de Portugal Continental. Em vez disso, possuímos apenas amostras de

quatro recortes no tempo: década de 1900, década de 1930, década de 1960 e década de

1990, totalizando 1.014 dados considerando essas quatro décadas das seis regiões somadas.

Trata-se, portanto, exatamente das fases em que observamos maiores saltos nas taxas de

uso de infinitivo gerundivo no corpus das regiões de Portugal Continental, servindo, assim,

para compararmos os resultados obtidos até agora nas rodadas estatísticas já realizadas.

Page 358: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

335

5.2.1. TODOS os dados do corpus de Portugal Continental + Açores

Nessa rodada de dados, vemos o comportamento dos dados ao acrescentarmos o

fator referente à região autônoma dos Açores, também usualmente apontada como

conservadora quanto ao uso do gerúndio. Vejamos, abaixo, a tabela com a distribuição dos

1.014 dados desse recorte do corpus.

REGIÕES

► NORTE CENTRO LISBOA ALENTEJO ALGARVE AÇORES

FASES

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s

de

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

1901-1910 02/64 3 05/35 14 04/72 6 04/53 8 03/33 9 01/70 1

1931-1940 04/61 7 07/43 16 05/38 13 06/45 13 06/45 14 03/32 9

1961-1970 07/45 16 07/48 15 10/43 23 09/30 30 09/30 35 07/38 18

1991-2000 10/27 37 07/32 22 14/35 40 09/34 26 09/34 24 08/40 20

TOTAL 23/197 12 26/158 16 33/188 18 28/162 17 24/129 19 19/180 11

Tabela 48: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX em Portugal Continental + Açores

Assim como fizemos na rodada exclusivamente com os dados de Portugal

Continental, nos propusemos, agora, com o acréscimo dos dados de Portugal Insular dos

Açores, a representar por meio de um gráfico os resultados referentes à última linha da

tabela acima, indicando os percentuais totais do uso de infinitivo gerundivo em cada uma

das regiões em análise. A linha de TOTAL, conforme explicitado na descrição da Tabela 7,

demonstra as taxas de uso de infinitivo gerundivo ao considerarmos o século XX

sincronicamente, isto é, como um ponto na história. Ou seja, trata-se das taxas de uso do

infinitivo gerundivo NO século XX e NÃO AO LONGO dele. Dessa forma, temos o

seguinte gráfico:

Page 359: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

336

Gráfico 10: Percentual de uso de infinitivo gerundivo no séc. XX (em sincronia) em Portugal

Continental + Açores

Como podemos verificar, se compararmos o gráfico acima – que compreende os

dados das décadas de 1900, 1930, 1960 e 1990 – com o Gráfico 1, observamos que ocorre

uma pequena variação nos percentuais de uso de infinitivo gerundivo de cada região.

Afirmamos ser pequena, visto que, naquela rodada, os valores oscilaram entre 14% e 17%

e, aqui, entre 11% e 19%, ou seja, mesmo que a distância entre os dois extremos tenha

aumentado, ainda assim, entendemos que esses valores não indicam, necessariamente, que

alguma das regiões em questão seja mais ou menos conservadora em relação às demais no

nosso corpus constituído por notícias de jornais portugueses do século XX. As diferenças

nos valores percentuais na observação sincrônica desses dados não são tão significativas a

ponto de nos permitir tirar esse tipo de conclusão. Da mesma forma como fizemos nas

rodadas anteriores, observaremos esses resultados em outras combinações de dados do

corpus.

Vale mencionar, também, que a região Norte, a exemplo do que ocorreu na rodada

de dados exclusivamente do continente, mostrou percentual de uso de infinitivo gerundivo

menor que as demais regiões de Portugal Continental. Somente a região dos Açores

apresentou percentual menor que o Norte, com 11% de uso de infinitivo gerundivo. O

Algarve, por sua vez, tido como mais conservador, novamente aparece com o maior índice

de uso de a + infinitivo: 19%.

A cada uma das próximas subseções deste trabalho referentes a novas rodadas de

dados com esse recorte no corpus, apresentaremos os grupos de fatores selecionados aqui

0

10

20

Norte Centro Lisboa Alentejo Algarve Açores

12 16

18 17 19

11

Infinitivo Gerundivo em

Portugal Continental + Açores no Século XX

Infinitivo Gerundivo em Portugal Continental + Açores no Século XX

Page 360: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

337

comparados aos grupos selecionados nas rodadas análogas no recorte anterior de dados,

procurando opor os resultados do corpus de Portugal Continental aos resultados destes

dados somados aos de Portugal Insular.

A primeira rodada com os dados dos Açores selecionou quatro grupos de fatores

como relevantes para a variação. Os grupos selecionados nessa rodada, comparada à

anterior, foram os seguintes:

PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES

TODOS OS DADOS

PORTUGAL CONTINENTAL

TODOS OS DADOS

1 Estrutura verbal Estrutura verbal

2 Tempo Tempo

3 Tipo sintático de oração Tipo sintático de oração

4 Referência adverbial Referência adverbial

5 - Tipo semântico de verbo

6 - Posição do clítico

7 - Tipo semântico de oração

Input = 0,035 / p = 0,027 Input = 0,044 / p = 0,035

Tabela 49: Grupos de fatores selecionados nas rodadas com TODOS os dados dos corpora de Portugal

Continental + Açores x Portugal Continental

De acordo com a tabela acima, constatamos que a rodada aqui em foco selecionou

apenas quatro grupos de fatores como relevantes para a variação, diferentemente da rodada

anterior, que selecionou sete. Apesar dessa diferença, é notável o fato de que esses quatro

grupos selecionados são exatamente os mesmos primeiros quatro grupos selecionados na

rodada anterior (na mesma ordem de seleção, inclusive).

Os valores de peso relativo se mostraram bastante semelhantes nos quatro grupos

de fatores selecionados nas duas rodadas. Os fatores antes apontados como favorecedores

ou como desfavorecedores se mantiveram da mesma forma aqui.

Explicitaremos, a seguir, os dados relativos ao grupo de fatores tempo para

observarmos a evolução diacrônica dos dados de infinitivo gerundivo nesse recorte de

dados:

Page 361: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

338

TEMPO

Nº DE

OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. /

TOTAL

PERCENTUAL

PESO

RELATIVO

CONTINENTE +

AÇORES

PESO

RELATIVO

CONTINENTE

1901 – 1910 19 / 327 5% .22 .24

1931 – 1940 31 / 263 11% .40 .44

1961 – 1970 48 / 227 21% .70 .71

1991 – 2000 55 / 197 27% .82 .80

TOTAL 153 / 1014 15% - -

Tabela 50: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX em Portugal Continental + Açores

Fica patente na tabela acima a semelhança entre os pesos relativos nas rodadas com

ou sem os dados dos Açores, confirmando os resultados anteriores. Os valores percentuais

da tabela acima gerariam o seguinte gráfico de distribuição dos dados ao longo do tempo:

Gráfico 11: Percentual de uso de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX em Portugal Continental +

Açores

O gráfico acima ratifica o padrão ascendente nos percentuais de uso de infinitivo

gerundivo, conforme já mostrado no Gráfico 2, referente ao corpus somente de Portugal

Continental. O mesmo ocorre com todos os demais grupos de fatores selecionados nessa

rodada, que apresentaram percentuais e pesos relativos bastante próximos aos da rodada

anterior. Semelhantemente, o grupo de fatores região, não selecionado como relevante para

0

10

20

30

1900 1930 1960 1990

5 11

21 27

Infinitivo Gerundivo em

Portugal Continental + Açores

ao longo do Século XX

Infinitivo Gerundivo em Portugal Continental + Açores no Século XX

Page 362: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

339

a variação nessa rodada, também teve valores equivalentes aos da rodada do corpus

anterior, sem os dados dos Açores.

Abaixo, explicitaremos os valores referentes ao peso relativo na fase de stepping-up

nível 1, somente para mostrar, assim como fizemos com o corpus anterior, o quão

equivalentes quanto ao uso de infinitivo gerundivo parecem ser as seis regiões contrastadas

aqui no que tange aos textos que compõem nosso corpus:

LUGAR Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

PESO

RELATIVO

CONTINENTE +

AÇORES

PESO

RELATIVO

CONTINENTE

Norte 23 / 197 11% .43 .46

Centro 26 / 158 16% .53 .50

Lisboa 33 / 188 17% .55 .51

Alentejo 28 / 162 17% .54 .50

Algarve 24 / 129 18% .56 .52

Açores 19 /180 10% .40 -

TOTAL 153 / 1014 15% -

Tabela 51: Percentual de uso de infinitivo gerundivo no séc. XX (em sincronia)

Podemos ver, na tabela acima, que as regiões analisadas apresentam pesos relativos

semelhantes, o que indica um comportamento análogo entre elas nas duas rodadas que

estão sendo aqui comparadas. Provavelmente, por isso, também aqui o grupo região não

foi selecionado relevante nessa rodada, demonstrando mais uma vez que, para os dados

desse gênero textual jornalístico – notícias – o uso do infinitivo gerundivo parece ter

avançado indistintamente pelo território português.

Como os padrões se mantêm nas duas rodadas para todos os demais dados,

julgamos desnecessária a representação visual em gráficos ou em tabelas dos demais

resultados e passaremos à análise das demais rodadas realizadas com o corpus dos Açores

como objetivo de compará-las às rodadas feitas somente com o corpus de Portugal

Continental.

Page 363: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

340

5.2.2. Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas com “auxiliares clássicos”

Essa rodada é análoga à explicitada no item 5.1.3 deste capítulo. O objetivo é

contrastar os resultados de rodadas com e sem os dados dos Açores. Os grupos de fatores

selecionados nas duas rodadas são expostos na tabela abaixo:

PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES

SINTÉTICAS X

ANALÍTICAS CLÁSSICAS

PORTUGAL CONTINENTAL

SINTÉTICAS X

ANALÍTICAS CLÁSSICAS

1 Tipo semântico de oração Estrutura verbal

2 Estrutura verbal Tempo

3 Tempo Tipo semântico de verbo

4 Referência adverbial Tipo sintático de oração

5 Tipo sintático de oração Referência adverbial

6 - Posição do clítico

7 -

Interpolação de item lexical entre o

verbo auxiliar e o verbo principal

8 - Tipo semântico de oração

Input = 0,005 / p = 0,017 Input = 0,044 / p = 0,037

Tabela 52: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem dados com ESTRUTURA

SINTÉTICA x ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR – Portugal

Continental + Açores x Portugal Continental

De acordo com a tabela acima, verificamos que, dentre os oito grupos selecionados

na rodada com dados somente de Portugal Continental, apenas cinco foram selecionados

na rodada com o acréscimo dos dados de Português Insular. Os grupos tipo semântico do

verbo e posição do clítico não foram selecionados na rodada aqui analisada. O grupo

interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal não poderia ter

sido selecionado nessa rodada, pois o mesmo foi excluído dessa análise, uma vez que se

apresentou categórico no fator que indicava haver interpolação. Havia apenas dois dados

nesse fator e ambos com infinitivo gerundivo. Ao pedirmos para que o programa “não

lesse” esses dados, o grupo se tornaria um grupo de apenas um fator, “NÃO HÁ

interpolação” (o que o programa chama de singletone group, não permitido na fase de

cálculo de pesos relativos). Assim, excluímos o grupo referente à interpolação desta

rodada.

Page 364: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

341

Nesta rodada, cujo foco está na diferença de comportamento entre estruturas

sintéticas e estruturas analíticas, convém demonstrar os valores referentes ao grupo

estrutura verbal, comparando-os aos da rodada anterior com dados de Portugal

Continental.

ESTRUTURA

VERBAL

OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. /

TOTAL

PERCENTUAL

PESO RELATIVO

CONTINENTE +

AÇORES

PESO

RELATIVO

CONTINENTE

Estrutura

sintética 51 / 820 6% .44 .43

Auxiliar ESTAR 40 / 67 59% .87 .86

Auxiliar ANDAR 10 / 14 71% .96 .89

Auxiliar FICAR 04 / 07 57% .85 .89

TOTAL 105 / 908 11% - -

Tabela 53: Percentual de uso de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX

A tabela acima mostra que, efetivamente, o grupo estrutura verbal comportou-se de

forma semelhante nas duas rodadas, mantendo taxas de peso relativo bastante próximas em

ambas. Ainda acerca desse grupo de fatores, mostraremos a seguir a distribuição dos dados

de infinitivo gerundivo ao longo do tempo e nas diferentes regiões do corpus – as duas

variáveis extralinguísticas em maior foco nesta pesquisa.

REGIÕES ► NORTE CENTRO LISBOA ALENTEJO ALGARVE AÇORES

ESTRUTURA

VERBAL

▼ Nº

de

oco

rrên

cia

s d

e

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s d

e

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s d

e

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s d

e

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s d

e

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

de

oco

rrên

cia

s d

e

inf.

ger

. /

tota

l

Per

cen

tua

l (%

)

Estrutura

sintética 09/

169 5

07/

118 6

11

/149 7

10/

131 8

06 /

97 6

08/

156 5

Auxiliar

ESTAR 04/08 50 08/14 57 11/17 65 05/09 56 07/13 54 05/06 83

Auxiliar

ANDAR 04/05 80 03/03 100 01/02 50 00/02 0 01/01 100 01/01 100

Auxiliar

FICAR 01/01 100 00/01 0 - - 01/01 100 02/03 67 00/01 0

TOTAL 18 /

183 10

18 /

136 13

23 /

168 14

16 /

143 11

16 /

114 14

14 /

164 9

Tabela 54: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal

Page 365: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

342

Como se pode observar, por serem poucos os dados com estruturas analíticas com

auxiliares clássicos por região, a interpretação dos resultados não se faz de maneira muito

clara, pois parece um pouco contraditório que uma dada estrutura – como é o caso da

estrutura com o verbo auxiliar ficar, por exemplo, apresente 100% de ocorrências com a +

infinitivo no Norte e no Alentejo, e 0% de ocorrências no Centro e nos Açores, ao passo

que não apresenta nem sequer um dado em Lisboa. Sendo assim, vejamos a distribuição da

construção a + infinitivo nesses dados ao longo do tempo:

ESTRUTURA

VERBAL ►

ESTRUTURA

SINTÉTICA

ESTRUTURA

ANALÍTICA

COM AUX.

ESTAR

ESTRUTURA

ANALÍTICA

COM AUX.

ANDAR

ESTRUTURA

ANALÍTICA

COM AUX.

FICAR

TEMPO ▼ N

º d

e

ocorrên

cias

de

inf.

ger. /

tota

l

Perce

ntu

al

de

ocorrên

cias

de

inf.

ger. /

tota

l

Perce

ntu

al

de

ocorrên

cias

de

inf.

ger. /

tota

l

Perce

ntu

al

de

ocorrên

cia

s d

e

inf.

ger. /

tota

l

Perce

ntu

al

1901 - 1910 07/273 3 02/18 11 03/05 60 - -

1931 – 1940 11/209 5 04/12 33 02/04 50 02/05 40

1961 - 1970 13/181 7 15/18 83 04/04 100 01/01 100

1991 - 2000 20/157 13 19/19 100 01/01 100 01/01 100

TOTAL 51/820 6 40/67 60 10/14 71 04/07 57

Tabela 55: Distribuição de infinitivo gerundivo por Estrutura Verbal ao longo do séc. XX

Já na tabela acima, apesar da pouca quantidade de dados, podemos perceber que,

em praticamente todas as fases e para todos os tipos de estrutura verbal, as taxas de uso de

infinitivo gerundivo sempre sobem. Os resultados podem ser mais bem visualizados no

gráfico abaixo:

Page 366: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

343

Gráfico 12: Percentuais de uso de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Estrutura Verbal ao longo

do séc. XX

À semelhança do que ocorre no Gráfico 4, o gráfico acima demonstra que os

percentuais de uso de infinitivo gerundivo sempre foram – ao longo do século XX, em

nosso corpus – superiores nas estruturas analíticas em relação à estrutura sintética. Além

disso, também percebemos que, apesar de ter tido aumento maior – proporcionalmente –

nas estruturas analíticas, a variante inovadora avançou ao longo do tempo em todos os

tipos de estrutura, inclusive nas sintéticas. Assim, concluímos que, para o gênero textual

notícias, tanto considerando apenas Portugal Continental quanto também o arquipélago de

Açores, o infinitivo gerundivo demonstrou avanço nítido ao longo do século XX nos

diferentes tipos de estrutura verbal.

Cabem também, aqui, algumas observações acerca do grupo tipo semântico de

oração. É curioso perceber a inversão de sua seleção, pois, na rodada anterior, esse grupo

foi o último a ser selecionado e, nesta, foi o primeiro. O grupo também apresentou um tipo

semântico de oração com tendência inversa à rodada anterior. O gerúndio de modo antes se

mostrou levemente desfavorecedor ao uso de infinitivo gerundivo, com .42 de peso

relativo, ao passo que, agora, apareceu como favorecedor ao emprego da variante

inovadora, com .67 de peso relativo. Além disso, um tipo semântico não teve seu peso

registrado aqui, pois apresentou todas as ocorrências com a forma nominal gerúndio, tendo

sido, portanto, amalgamado a outro fator para o cálculo de pesos relativos. Trata-se do

0

50

100

1900 1930 1960 1990

3 5 7 13 11

33

83

100

60 50

100 100

0

40

100 100

Infinitivo Gerundivo

Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas no

corpus Portugal Continental + Açores

Plenos Auxiliar ESTAR Auxiliar ANDAR Auxiliar FICAR

Page 367: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

344

fator gerúndio narrativo de anterioridade, que amalgamamos ao gerúndio narrativo de

posterioridade, uma vez que ambos dizem respeito à Relação Discursiva de Narração.

Com relação aos grupos referência adverbial e tipo sintático de oração, também

selecionados como relevantes nessa rodada, não se registrou nenhuma alteração quanto aos

pesos relativos. Os valores mudaram, evidentemente, mas sempre confirmando as

tendências da rodada anterior. Os fatores favorecedores ao uso de infinitivo gerundivo

permaneceram favorecedores nessa nova rodada, bem como os fatores desfavorecedores

permaneceram como tal, pelo que dispensaremos o detalhamento desses grupos nesta seção

e passaremos adiante.

5.2.3. Estruturas Analíticas (todas)

Nesta rodada de dados, analisamos, assim como na rodada descrita em 5.1.4,

somente os dados de estruturas analíticas (todas elas). A diferença é que, aqui, temos

também os dados dos Açores, como nas demais rodadas desta seção. Compararemos os

resultados obtidos em ambas. Os grupos de fatores selecionados nas duas rodadas foram:

PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES

ESTRUTURAS ANALÍTICAS

PORTUGAL CONTINENTAL

ESTRUTURAS ANALÍTICAS

1 Tempo Tempo

2 Estrutura verbal Estrutura verbal

3 Posição da oração gerundial no período Posição do clítico

4 Posição do clítico Tipo de texto

Input = 0,769 / p = 0,039 Input = 0,644 / p = 0,042

Tabela 56: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem dados com ESTRUTURAS

ANALÍTICAS (TODAS) em Portugal Continental + Açores x Portugal Continental

De acordo com a tabela acima, podemos constatar que, nas duas rodadas, houve

quatro grupos de fatores selecionados. Três deles foram os mesmos nas duas rodadas:

tempo, estrutura verbal e posição do clítico. Os pesos relativos de cada um dos fatores

desses três grupos foram bastante parecidos nas duas rodadas. Houve diferenças nos

valores em si, mas as tendências ao favorecimento ou ao desfavorecimento nas duas

Page 368: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

345

rodadas foram mantidas, pelo que optamos por não detalharmos esses resultados com o

intuito de evitarmos sermos repetitivos na apreciação dos resultados.

O grupo tipo de texto, antes selecionado, não apareceu como relevante para a

variação aqui. É importante mencionar que um dos fatores desse grupo, na rodada que

reunia os dados do Português Insular comentada nesta seção, teve de ser ignorado pelo

programa de cálculo de pesos relativos, pois apresentou apenas um dado (sendo esse único

dado com a variante gerúndio). Trata-se do fator tipo de texto descritivo, que, na rodada

anterior, tinha se mostrado favorecedor ao uso de infinitivo gerundivo, com peso relativo

.69. Tivemos na presente rodada, portanto, somente dois fatores desse grupo: tipo de texto

narrativo x tipo de texto dissertativo-argumentativo, com pesos relativos .53 e .46,

respectivamente, no nível 1 do stepping up da rodada.

Finalmente, faz-se necessário comentarmos a seleção do grupo posição da oração

gerundial no período na rodada aqui analisada. Esse grupo não tinha sido selecionado em

nenhuma das rodadas até então realizadas. Seguem os resultados:

POSIÇÃO DA ORAÇÃO GERUNDIAL

Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. /

TOTAL

PERCENTUAL PESO

RELATIVO

Inicial 06 / 07 85% .85

Medial 08 / 13 61% .71

Final 35 / 72 48% .22

Oração principal do período 36 / 43 83% .73

Oração absoluta ou coordenada

(não se aplica) 16 / 28 57% .68

TOTAL GERAL 101 / 163 61% -

Tabela 57: Distribuição de infinitivo gerundivo por grupo de fatores Posição Da Oração Gerundial no

Período

Podemos perceber que todos os fatores do grupo acima se apresentaram como

favorecedores ao uso de infinitivo gerundivo, exceto o fator referente ao aparecimento da

oração gerundiva na posição final do período, que se mostrou desfavorecedor dessa

variante, com .22 de peso relativo. Já que esse resultado é único até então, preferiremos

observar se o mesmo se repete nas rodadas posteriores para verificarmos se alguma

Page 369: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

346

característica específica desse recorte de dados possa ter gerado a seleção do grupo como

relevante para a variação em foco.

5.2.4. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”)

Para concluir as rodadas realizadas com o todo o corpus de Portugal Continental

somado a todo o corpus dos Açores, analisamos, aqui, somente os dados com as estruturas

analíticas constituídas pelos auxiliares estar, andar e ficar, ou seja, os que temos chamado

de “auxiliares clássicos”, que formam a construção chamada de progressivo. A tabela

abaixo compara os grupos selecionados nas rodadas com esse recorte de dados com e sem

os dados dos Açores.

PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES

“ANALÍTICAS CLÁSSICAS”

PORTUGAL CONTINENTAL

“ANALÍTICAS CLÁSSICAS”

1 Tempo Tempo

2 Voz verbal Tipo de texto

3 -

Interpolação de item lexical entre o

verbo auxiliar e o verbo principal

Input = 0,717 / p = 0,012 Input = 0,649 / p = 0,001

Tabela 58: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem dados com ESTRUTURAS

ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR – Portugal Continental + Açores versus

Portugal Continental

Ao observarmos a tabela acima, constatamos que o grupo tempo é o único dos

grupos de fatores a ser apontado como relevante para a variação em absolutamente todas as

rodadas realizadas até então. Tal resultado indica que o uso da variante inovadora

aumentou efetivamente nas notícias dos jornais portugueses ao longo dos anos do século

XX. Nesta rodada específica, cabe ressaltar que – assim como ocorreu na rodada apenas

com dados do Continente – na última fase do século XX, o uso de infinitivo gerundivo foi

categórico em estruturas perifrásticas com os auxiliares estar, andar e ficar, isto é, todos os

21 dados da década de 1990 apresentaram a + infinitivo, de modo que amalgamamos essa

última fase à anterior a ela. Os pesos relativos de cada fase foram: .08 na década de 1900,

.19 na década de 1930 e .87 na última fase, que compreendia as décadas de 1960 e 1990.

Page 370: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

347

Ao contrário do grupo tempo, o gupo voz verbal foi selecionado como relevante

para a variação pela primeira vez dentre as rodadas já realizadas. Os resultados estatísticos

foram os seguintes, conforme se vê na tabela abaixo:

VOZ VERBAL Nº DE OCORRÊNCIAS

DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL

PESO

RELATIVO

Voz Ativa 48 / 70 68% .61

Voz Passiva 03 / 13 23% .09

Voz Reflexiva 03 / 05 60% .32

TOTAL GERAL 54 / 88 61% -

Tabela 59: Distribuição de infinitivo gerundivo por Voz Verbal

O grupo voz verbal era inicialmente dividido em quatro fatores: voz ativa, voz

passiva analítica, voz passiva sintética e voz reflexiva. O fator voz passiva sintética,

entretanto, revelou-se categórico, com todos os cinco dados do corpus ocorrendo com a

forma nominal gerúndio. Sendo assim, optamos por amalgamá-lo ao fator voz passiva

analítica, uma vez que ambos configuram voz passiva. Os resultados são os que podem ser

vistos acima, isto é, as construções com voz passiva e com voz reflexiva revelaram-se

desfavorecedoras ao emprego de infinitivo gerundivo nas estruturas analíticas com verbos

auxiliares estar, andar e ficar em notícias de periódicos do século XX em Portugal, tendo

pesos relativos respectivamente iguais a .09 e .32.

Pelo que pudemos observar em todas as rodadas realizadas até aqui, constatamos

que – salvo em algumas poucas exceções – de uma maneira geral, os resultados não

mostraram grandes diferenças entre as rodadas com ou sem o corpus da região autônoma

dos Açores. Em todas elas, o grupo tempo foi selecionado; em quase todas elas (exceto nas

duas rodadas envolvendo somente os dados com os auxiliares estar, andar e ficar), o grupo

estrutura verbal também foi apontado como relevante para a variação em análise,

indicando as estruturas perifrásticas como grandes favorecedoras do emprego da forma a +

infinitivo. Alguns outros grupos de fatores mostraram-se favorecedores ao uso da variante

inovadora em um ou outro recorte de dados. E, além disso, um outro fato precisa ser

destacado: em nenhuma das rodadas o grupo região apresentou-se relevante para a

variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo. Nas rodadas de que daremos notícias a

Page 371: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

348

seguir, buscaremos alguns diferentes recortes de dados para verificar se o grupo região

será selecionado em alguma delas.

5.3 Dados provenientes de jornais regionais

Nas rodadas que descreveremos a seguir, procuramos opor somente os dados recolhidos

dos jornais de circulação regional. Conforme mencionamos no capítulo anterior, sabemos

que, dentre as seis regiões que constituem o corpus desta pesquisa, quatro delas tiveram

como fontes de dados jornais de abrangência regional: Centro, Alentejo, Algarve e Açores.

Dessas quatro regiões, três são comumente consideradas conservadoras quanto ao uso do

gerúndio (Alentejo, Algarve e Açores) e uma costuma ser apontada como inovadora,

privilegiando o uso de infinitivo gerundivo (Centro).

Nossa hipótese, ao fazermos rodadas somente com dados de jornais regionais – de

acordo com o que vimos no capítulo 4, onde descrevemos as características dos periódicos

do nosso corpus –, é de que, justamente por serem de caráter local, estes apresentem um

modelo de língua menos “preocupado” em seguir os padrões da capital, Lisboa e – quem

sabe – talvez até almejem marcar diferença em relação à língua de Lisboa ressaltando

determinados traços regionais de seus dialetos locais. Assim, é possível que o uso do

gerúndio, marca tida como típica da região do Alentejo e a qual alguns alentejanos chegam

a ter orgulho de usar, venha a aparecer mais claramente ao contrastarmos somente dados

de jornais de abrangência regional. Se até agora as rodadas realizadas não sinalizaram o

grupo de fatores região como relevante para a variação, esperamos que, se de fato ainda há

(como se costuma supor) um padrão conservador quanto ao uso de gerúndio no Alentejo,

no Algarve e nos Açores, tal padrão se revele nas rodadas a seguir. Se assim for,

esperamos ver, por exemplo, o fator região Centro sendo apontado como favorecedor ao

uso de infinitivo gerundivo, em detrimento das demais regiões, supostamente mais

conservadoras.

Com esse fim, portanto, realizaremos seis rodadas de dados: três somente com

dados de Portugal Continental (Centro, Alentejo e Algarve) e três com Portugal

Continental + Açores (Centro, Alentejo, Algarve e Açores). As três rodadas de cada recorte

de dados do corpus oporão: 1- todos os dados; 2- dados de estruturas sintéticas x dados de

estruturas analíticas com auxiliares estar, andar e ficar; 3- somente dados com estruturas

Page 372: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

349

analíticas com auxiliares estar, andar e ficar. Por já termos descrito várias rodadas

anteriores pormenorizadamente, nas rodadas que se seguirão, faremos comentários mais

breves, basicamente nos restringindo aos resultados que se mostrarem muito diferenciados

das rodadas anteriores e, principalmente, se o grupo região for selecionado em alguma

delas como relevante para a variação.

5.3.1. TODOS os dados de jornais regionais de Portugal Continental

Nesta rodada, os grupos selecionados como relevantes para a variação foram

praticamente os mesmos dos selecionados nas rodadas com todos os dados (ou seja,

incluindo os corpora do Norte e de Lisboa). O único grupo selecionado lá e não aqui foi o

grupo referência adverbial. Vejamos a tabela abaixo comparando os grupos selecionados

nas duas rodadas:

PORTUGAL CONTINENTAL

JORNAIS REGIONAIS

PORTUGAL CONTINENTAL

TODO O CORPUS

1 Estrutura verbal Estrutura verbal

2 Tipo semântico de oração Tempo

3 Tempo Tipo sintático de oração

4 Posição do clítico Tipo semântico de verbo

5 Tipo semântico de verbo Referência Adverbial

6 Tipo sintático de oração Posição do clítico

7 - Tipo semântico de oração

Input = 0,048 / p = 0,040 Input = / p = 0,035

Tabela 60: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe TODOS os dados de JORNAIS

REGIONAIS de Portugal Continental

Não houve diferença significativa nos valores de pesos relativos de cinco dentre os

seis grupos aqui selecionados em relação à rodada com todos os dados. A única diferença

entre essas duas rodadas diz respeito a um único fator do grupo tipo semântico de oração.

O fator referente ao gerúndio narrativo de anterioridade que, aqui, mostrou-se favorecedor

ao emprego de infinitivo gerundivo, com .79 de peso relativo e, lá, foi apontado como

desfavorecedor, com .25.

Page 373: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

350

O grupo região continuou não sendo selecionado como relevante para a variação.

5.3.2. Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas com “auxiliares clássicos”

Assim como na rodada anterior, todos os grupos selecionados nessa rodada somente

com dados de jornais regionais também já tinham sido selecionados na rodada com todo o

corpus de Portugal Continental.

PORTUGAL CONTINENTAL

JORNAIS REGIONAIS

PORTUGAL CONTINENTAL

TODO O CORPUS

1 Tipo semântico de oração Estrutura verbal

2 Tipo sintático de oração Tempo

3 Estrutura verbal Tipo semântico de verbo

4 Tempo Tipo sintático de oração

5 Tipo semântico de verbo Referência adverbial

6 - Posição do clítico

7 -

Interpolação de item lexical entre o

verbo auxiliar e o verbo principal

8 - Tipo semântico de oração

Input = 0,041 / p = 0,020 Input = 0,044 / p = 0,037

Tabela 61: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem ESTRUTURA SINTÉTICA x

ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR – TODO o corpus de

JORNAIS REGIONAIS de Portugal Continental x TODO o corpus de Portugal Continental

Os três grupos selecionados na rodada com todo o corpus e que não foram

considerados relevantes para o fenômeno nesse recorte de dados foram: referência

adverbial, posição do clítico e interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo

principal, ou seja, exatamente os três grupos que dizem respeito ao controle de

interpolação de vocábulos entre o verbo auxiliar e o verbo principal. Nos cinco grupos

selecionados em ambas as rodadas, porém, os valores de pesos relativos foram basicamente

próximos uns dos outros.

Novamente, a diferença mais brusca ficou ao encargo do fator gerúndio narrativo

de anterioridade, do grupo tipo semântico de oração. Assim como na rodada anterior, com

todos os dados dos jornais regionais, aqui o fator também se apresentou como favorecedor

ao emprego de infinitivo gerundivo, com .79 de peso relativo, ao passo que na rodada que

Page 374: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

351

incluía os dados do Norte e de Lisboa ele foi apontado como desfavorecedor, com .25.

Como o resultado permaneceu equivalente nas duas rodadas analisadas nesta seção, é

provável que os elementos que faziam com que o fator fosse apontado como

desfavorecedor estejam justamente nos dados dos corpora do Norte e/ou Lisboa.

Mais uma vez, registramos que o grupo região não foi selecionado como relevante

para a variação.

5.3.3. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”)

Nesta última rodada restrita ao corpus de jornais regionais de Portugal Continental,

opusemos somente as estruturas analíticas com os auxiliares estar, andar e ficar. O número

de dados foi bastante reduzido, somando apenas 119 dados. Mas foi possível chegar à fase

de Ivarb, que selecionou os seguintes grupos de fatores como relevantes para a variação

entre gerúndio e infinitivo gerundivo:

PORTUGAL CONTINENTAL

JORNAIS REGIONAIS

PORTUGAL CONTINENTAL

TODO O CORPUS

1 Tempo Tempo

2 Estrutura verbal Tipo de Texto

3 -

Interpolação de item lexical entre o

verbo auxiliar e o verbo principal

Input = 0,500 / p = 0,017 Input = 0,649 / p = 0,001

Tabela 62: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe as diferentes ESTRUTURAS

ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR no corpus de JORNAIS REGIONAIS de

Portugal Continental

Nesta rodada, apenas dois grupos de fatores foram selecionados, justamente os

grupos tempo e estrutura verbal, que, conforme temos visto ao longo deste trabalho, têm

sido apontados como significativos para a variação em praticamente todas as rodadas

estatísticas até então. Há apenas uma observação a ser feita: a presente rodada foi a única

somente com dados de estruturas analíticas com auxiliares clássicos a ter o grupo estrutura

verbal selecionado. Em geral, o programa aparentemente tem “visto” nesse tipo de recorte

de dados uma semelhança grande no emprego de infinitivo gerundivo com os auxiliares

estar, andar e ficar e, por isso, o grupo acaba não sendo selecionado. Aqui, entretanto, o

Page 375: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

352

grupo foi selecionado, pois possivelmente o programa entendeu que, neste recorte de

dados, um auxiliar revelou-se mais propício ao uso de a + infinitivo que os outros dois. O

auxiliar estar apareceu com .43 de peso relativo, ao passo que o auxiliar andar registrou

.83 e o auxiliar ficar .19, ou seja, segundo o Varbrul, neste recorte do corpus, o auxiliar

andar mostrou-se mais favorecedor ao uso da variante inovadora que os demais “verbos

auxiliares clássicos”.

5.3.4. TODOS os dados de jornais regionais de Portugal Continental + Açores

Agora, somando ao recorte anterior de dados as ocorrências do corpus dos Açores –

e excluindo os dados das décadas de 1910, 1920, 1940, 1950, 1970 e 1990, chegamos a um

total de 745 dados. Os grupos selecionados nesta rodada, comparados aos grupos

selecionados no corpus como um todo (incluindo Norte e Lisboa) foram:

PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES

JORNAIS REGIONAIS

PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES

TODOS OS DADOS

1 Estrutura verbal Estrutura verbal

2 Tempo Tempo

3 Tipo semântico de oração Tipo sintático de oração

4 Tipo sintático de oração Referência adverbial

5 Referência adverbial -

Input = 0,019 / p = 0,009 Input = 0,035 / p = 0,027

Tabela 63: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe TODOS os dados do corpus de

JORNAIS REGIONAIS de Portugal Continental + Açores

A tabela indica que os grupos selecionados foram praticamente os mesmos. A única

diferença foi que, agora, também foi selecionado o grupo tipo semântico de oração, que

apresentou os tipos semânticos de gerúndio neutro (.85) e gerúndio modal (.83) como

favorecedores ao emprego de a + infinitivo e os tipos gerúndio resultativo (.01), gerúndio

concessivo/opositivo (.01), gerúndio condicional (.09) e gerúndio causal (.22), como

desfavorecedores do aparecimento da forma gerundiva com infinitivo. Nos demais grupos

os pesos relativos dos fatores foram similares. O grupo região permanece não tendo sido

considerado relevante para a variação.

Page 376: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

353

5.3.5. Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas com “auxiliares clássicos”

Nesta rodada, contrastamos novamente as estruturas sintéticas e as estruturas

analíticas com os auxiliares estar, andar e ficar, mas, dessa vez, somente com dados dos

corpora provenientes de jornais regionais de Portugal Continental e dos Açores.

PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES

JORNAIS REGIONAIS

PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES

TODOS OS DADOS

1 Tipo semântico de oração Tipo semântico de oração

2 Estrutura verbal Estrutura verbal

3 Tempo Tempo

4 Referência adverbial Referência adverbial

5 Tipo sintático de oração Tipo sintático de oração

Input = 0,017 / p = 0,023 Input = 0,005 / p = 0,017

Tabela 64: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe ESTRUTURAS SINTÉTICAS x

ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR em JORNAIS REGIONAIS

de Portugal Continental + Açores

A partir da observação da tabela acima, percebemos que os grupos selecionados

agora foram exatamente os mesmos – na mesma ordem de seleção – dos grupos

selecionados na rodada com o recorte nos dados que incluía as regiões Norte e Lisboa.

Houve, contudo, algumas poucas diferenças nos valores dos pesos relativos indicando

comportamentos contrários nas duas rodadas em análise.

No grupo tipo sintático de oração, as adverbiais modais, antes favorecedoras ao

emprego de a + infinitivo, com .79, agora apareceram como desfavorecedoras, com .17.

Semelhantemente, as coordenadas assindéticas, antes com .77, agora se revelaram

irrelevantes para a variação, com .51 de peso relativo.

Já no grupo tipo semântico de oração, os tipos semânticos gerúndio neutro, antes

extremamente desfavorecedor, com .01 de peso relativo e gerúndio de enquadramento,

com .43, agora apresentam-se como muito favorecedores à ocorrência de a + infinitivo,

com pesos relativos de .86 e .87, respectivamente.

É fato que a mudança no recorte do corpus gerou essa alteração de leitura do grau

de relevância desses fatores por parte do programa estatístico. Não temos, porém, a essa

Page 377: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

354

altura da pesquisa, hipóteses que deem conta de explicar esses resultados contraditórios.

Seria preciso mais investigações acerca da natureza semântica das orações gerundiais,

trabalho ainda em fase inicial, segundo seus próprios formuladores (MÓIA & VIOTTI,

2004b).

5.3.6. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”)

Por fim, analisaremos, aqui, somente as estruturas analíticas com auxiliares estar,

andar e ficar entre si, nos corpora de jornais regionais de Portugal Continental e Insular.

PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES

JORNAIS REGIONAIS

PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES

TODOS OS DADOS

1 Tempo Tempo

2 - Voz verbal

Input = 0,683 / p = 0,000 Input = 0,717 / p = 0,012

Tabela 65: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe as diferentes ESTRUTURAS

ANALÍTICAS com AUXILIARES ESTAR, ANDAR e FICAR em JORNAIS REGIONAIS de Portugal

Continental + Açores

Os resultados acima mostram que essa rodada selecionou somente o grupo de

fatores tempo como relevante para o fenômeno em análise. Devido ao recorte no corpus

para essa rodada ser muito específico, havia apenas 55 dados no total, o que certamente

restringe bastante as possibilidades de leitura estatística. Em todo caso, é interessante

observar que, mesmo com tão poucos dados, o grupo tempo ainda surgiu como relevante,

mostrando que até com poucos dados é possível para o programa computacional

“perceber” o avanço do infinitivo gerundivo ao longo do tempo.

Como constatamos, o grupo região também não foi selecionado como relevante em

nenhuma das seis rodadas estatísticas com dados de jornais regionais.

Page 378: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

355

5.4 Contrastes regionais

Para terminar os recortes diferenciados de dados que temos proposto em nosso

corpus, concluímos por testar a possível seleção do grupo região contrastando os dados

somente da região do Alentejo (a que costuma ser apontada como a mais conservadora de

todas as regiões de Portugal quanto ao uso de gerúndio) com dados de Lisboa e do Norte,

regiões que usualmente são apontadas como inovadoras e cujos corpora, além disso, são

constituídos por jornais de âmbito nacional. Primeiramente oporemos Lisboa x Alentejo e,

em seguida, Norte x Alentejo.

5.4.1. Lisboa x Alentejo

Nas rodadas aqui em foco, opusemos amostras de língua de um jornal regional do

Alentejo – região que geralmente é vista como principal reduto da forma nominal gerúndio

no território português, conforme mostramos no capítulo 1 deste trabalho – a amostras de

língua de Lisboa, capital do país, região notadamente inovadora quanto ao uso de infinitivo

gerundivo. Os dados da região de Lisboa provêm essencialmente do Diário de Notícias,

periódico de grande circulação nacional há mais de um século e que costuma ser apontado

como exemplar da norma culta padrão do Português Europeu escrito. Ao opor diretamente

apenas duas regiões, esperamos “facilitar” a interpretação dos dados com possíveis

diferentes comportamentos em termos diatópicos feita pelo Goldvarb.

Duas rodadas de dados foram feitas com esse recorte no corpus: uma com todos os

dados de gerúndio e infinitivo gerundivo de Lisboa e do Alentejo e outra opondo somente

os dados de estruturas sintéticas (com verbos plenos) e estruturas analíticas com os

auxiliares estar, andar e ficar. Nessa segunda rodada, excluímos, portanto, todos os dados

com semiauxiliares, construções com verbos modais e construções com verbos leves.

Page 379: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

356

LISBOA X ALENTEJO

TODOS OS DADOS

LISBOA X ALENTEJO

PLENOS X AUX. CLÁSSICOS

1 Estrutura verbal Estrutura verbal

2 Tipo semântico de oração Tipo semântico de oração

3 Tempo Tempo

4 Tipo semântico de verbo Tipo semântico de verbo

Input = 0,061 / p = 0,000 Input = 0,058 / p = 0,000

Tabela 66: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem os corpora de Lisboa x Alentejo

Como podemos perceber, as duas rodadas apresentaram exatamente os mesmos

grupos de fatores selecionados como relevantes para a variação, inclusive com a mesma

ordem de seleção. Os valores dos pesos relativos de cada um dos fatores dos grupos

selecionados também foi equivalente nas duas rodadas.

Os grupos tempo e estrutura verbal mantiveram o mesmo padrão que têm tido em

praticamente todas as rodadas de dados, nada apresentando de diferente. O grupo tempo

demonstrou pesos relativos cada vez maiores ao longo do século e o grupo estrutura verbal

registra, novamente, as estruturas perifrásticas com auxiliares estar, andar e ficar como

grandes favorecedores ao emprego de infinitivo gerundivo.

O grupo tipo semântico de verbo, além de apresentar verbos que indicam processos

mentais e relacionais como desfavorecedores ao uso de infinitivo gerundivo – como

ocorreu nas demais rodadas em que foi selecionado –, apresentou uma alteração em relação

às demais rodadas: os processos existenciais se mostraram favorecedores ao uso da forma

a + infinitivo.

5.4.2. Norte x Alentejo

Na rodada que opõe dados do Norte e dados do Alentejo, procuramos contrastar

duas regiões com comportamento geralmente considerado oposto quanto ao uso de

gerúndio, sendo, respectivamente, uma inovadora e a outra conservadora. Além dessa

diferença, os dados dessas duas regiões são provenientes de periódicos de naturezas

distintas: o do Norte, de abrangência nacional; o do Alentejo, regional. Trata-se de mais

um fator que possivelmente marque oposição entre os dois corpora em questão.

Verificaremos, pois, se tais diferenças se fazem presentes no uso das variantes de aspecto

progressivo em competição.

Page 380: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

357

NORTE X ALENTEJO

TODOS OS DADOS

NORTE X ALENTEJO

PLENOS X AUX. CLÁSSICOS

1 Estrutura verbal Estrutura verbal

2 Tempo Tipo semântico de oração

3 Tipo semântico de oração Tempo

4 Tipo semântico de verbo Tipo semântico de verbo

Input = 0,037 / p = 0,000 Input = 0,031 / p = 0,000

Tabela 67: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem os corpora de Norte x Alentejo

Assim como nas duas rodadas que opuseram Lisboa x Alentejo, aqui também essas

duas rodadas selecionaram os mesmos grupos de fatores. Ou seja, nas quatro rodadas de

dados: Lisboa x Alentejo (todos os dados e plenos x auxiliares clássicos) e Norte x Alentejo

(todos os dados e plenos x auxiliares clássicos), exatamente os mesmos grupos foram

considerados pelo programa estatístico como relevantes para a variação entre gerúndio e

infinitivo gerundivo.

Basicamente, não há novidades sobre os grupos tempo e estrutura verbal. O grupo

tipo semântico de oração, entretanto, revelou uma peculiaridade nessas quatro rodadas.

Em todas as rodadas anteriores, o tipo semântico relativo a gerúndio narrativo de

posterioridade mostrou-se bastante favorecedor ao emprego de a + infinitivo. Mas, nessas

quatro últimas rodadas, ao contrário, o fator foi apontado como desfavorecedor à

ocorrência da variante nova, sempre com pesos relativos abaixo de .30.

Finalmente, podemos afirmar que, apesar dos vários recortes de dados, o grupo

região realmente não foi considerado relevante para a variação gerúndio x infinitivo

gerundivo quando combinado a todos os demais grupos de fatores controlados em nosso

corpus composto por notícias de jornais portugueses do século XX.

Depois de 21 rodadas realizadas e comentadas individualmente, ainda que em

comparação com rodadas análogas por semelhanças no recorte de dados, torna-se um

pouco complexo perceber quais grupos de fatores se revelaram efetivamente relevantes

para a variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo em nosso corpus. Assim, com o

objetivo de sistematizar os resultados das rodadas feitas, apresentamos a seguir um quadro

indicando todas as 21 rodadas e os respectivos grupos de fatores selecionados como

relevantes em cada uma delas.

Page 381: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

358

RODADAS DE

DADOS R

EG

IÃO

TE

MP

O

TIP

O D

E T

EX

TO

ES

TR

UT

UR

A V

ER

BA

L

VO

Z V

ER

BA

L

PO

SIÇ

ÃO

DO

CL

ÍTIC

O

RE

FE

NC

IA A

DV

ER

BIA

L

INT

ER

PO

LA

ÇÃ

O

TIP

O S

INT

ÁT

ICO

DE

OR

ÃO

TIP

O S

EM

ÂN

TIC

O D

E

OR

ÃO

PO

SIÇ

ÃO

DA

OR

ÃO

GE

RU

ND

IAL

TIP

O S

EM

ÂN

TIC

O D

O

VE

RB

O

Portugal

Continental - - - - - - - - - - - -

TODOS os

dados

132 133

Estruturas

sintéticas x

analíticas

(todas)

Estruturas

sintéticas x

Perífrases

“com

auxiliares

clássicos”

Somente

Estruturas

Analíticas

(todas)

Somente

Estruturas

Analíticas

com “Aux.

Clássicos”

Somente

Estruturas

Analíticas

com “Aux.

Clássicos”em

três fases do

séc. XX

Estruturas

sintéticas

132

Grupo não selecionado nesta rodada de dados.

133

Grupo selecionado nesta rodada de dados.

Page 382: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

359

Portugal

Continental

+ Açores

- - - - - - - - - - - -

TODOS os

dados

Estruturas

sintéticas x

Perífrases

“com

auxiliares

clássicos”

Somente

Estruturas

Analíticas

(todas)

Somente

Estruturas

Analíticas

com “Aux.

Clássicos”

Jornais

Regionais –

Portugal

Continental

- - - - - - - - - - - -

TODOS os

dados

Estruturas

sintéticas x

Perífrases

“com

auxiliares

clássicos”

Somente

Estruturas

Analíticas

com “Aux.

Clássicos”

Jornais

Regionais –

Port.

Continental

+ Açores

- - - - - - - - - - - -

TODOS os

dados

Estruturas

sintéticas x

Page 383: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

360

Perífrases

“com

auxiliares

clássicos”

Somente

Estruturas

Analíticas

com “Aux.

Clássicos”

Lisboa x

Alentejo - - - - - - - - - - - -

TODOS os

dados

Estruturas

sintéticas x

Perífrases

“com

auxiliares

clássicos”

Norte x

Alentejo - - - - - - - - - - - -

TODOS os

dados

Estruturas

sintéticas x

Perífrases

“com

auxiliares

clássicos”

TOTAL de

vezes

selecionado

00/

21

21/

21

03/

21

16/

21

01/

21

08/

21

08/

21

04/

21

10/

21

13/

21

01/

21

10/

21

Quadro 37: Quadro comparativo de grupos selecionados como relevantes para a variação entre

gerúndio x infinitivo gerundivo nas diferentes rodadas realizadas

A partir da análise do quadro acima, podemos perceber que, dentre os 12 grupos de

fatores que serviram de controle das variáveis dependentes nesta pesquisa, um deles foi

selecionado como relevante para a variação em todas as 21 rodadas estatísticas com o

programa Goldvarb: o grupo tempo. O avanço da construção de infinitivo gerundivo nas

notícias de diferentes periódicos portugueses, oriundos de diferentes regiões do país, ao

longo do século XX, ficou bastante evidente em todos os resultados aqui obtidos. É nítido

o aumento das taxas de uso da variante inovadora em dois momentos do século XX: a

virada da década de 1930 e a virada para a década de 1960. Assim, a variação gerúndio x

Page 384: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

361

infinitivo gerundivo, nos dados das notícias dos jornais portugueses de nosso corpus,

apresenta-se, basicamente, em três fases distintas do século: a primeira de 1900 a 1930, a

segunda de 1931 a 1960 e a terceira de 1961 em diante. O grupo foi selecionado como

relevante em todos os recortes de dados realizados, inclusive na rodada que continha

apenas dados sintéticos, que, em geral, são mais resistentes à varição. Esse é um resultado

a ser pontuado como marcante em nossa pesquisa.

Além do grupo tempo, outro grupo que se mostrou bastante relevante para a

variação em foco foi o grupo estrutura verbal, tendo sido selecionado em 16 das 21

rodadas estatísticas, o que equivale a cerca de 84% do total de rodadas realizadas. Em

todas essas 16 rodadas, o resultado era o mesmo: o aumento de infinitivo gerundivo foi

privilegiado pelas construções analíticas. Nas rodadas onde havia os dados de construções

com semiauxiliares, estes se mostravam bastante favorecedores ao uso de a + infinitivo;

em todas elas, os chamados “auxiliares clássicos” (estar, andar e ficar) também apareciam

como favorecedores ao emprego de infinitivo gerundivo. As construções sintéticas,

embora também registrem percentualmente aumento nas taxas de uso de infinitivo

gerundivo, conforme vimos nos gráficos, ainda são, em geral, mais conservadoras quanto

ao uso de gerúndio, apresentando pesos relativos abaixo de .50 para o uso da variante

inovadora. As construções com verbos modais e com verbos leves, nas rodadas em que

estiveram presentes, se revelaram desfavorecedoras ao emprego de a + infinitivo. O grupo

estrutura verbal só não foi selecionado como relevante em cinco rodadas estatísticas: na

rodada que possuía justamente apenas dados sintéticos (na qual, inclusive, o grupo

estrutura verbal foi inteiramente excluído da análise) e nas rodadas que abrangiam apenas

dados de estruturas analíticas com os verbos auxiliares estar, andar e ficar, o que

demonstra que, considerando somente essas estruturas, o avanço do infinitivo gerundivo

foi equivalente.

Quatro dentre os 12 grupos de fatores foram selecionados apenas de uma a quatro

vezes. São eles:

Tipo de texto, selecionado em três das 21 rodadas (apresentando, em todas, as

sequências dissertativo-argumentativas como desfavorecedoras e as sequências

narrativas como favorecedoras ao uso de infinitivo gerundivo);

Page 385: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

362

Voz verbal, selecionado em apenas uma das 21 rodadas (mostrando as construções

em voz passiva e em voz reflexiva como desfavorecedoras ao emprego de a +

infinitivo);

Posição da oração gerundial no período, selecionado em apenas uma das 21

rodadas (revelando a posição final da oração gerundial como desfavorecedora ao

uso de infinitivo gerundivo);

Interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal,

selecionado em quatro das 21 rodadas (sendo em todas elas a presença de elemento

lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal considerada favorecedora ao

emprego de infinitivo gerundivo e a “não presença” considerada irrelevante para a

variação).

Devido à pouca quantidade de vezes que foram selecionados, julgamos não ser

pertinente fazer qualquer tipo de generalização acerca do comportamento das variantes em

nosso corpus em relação a esses grupos de fatores. Ficam registrados, porém, esses

resultados, uma vez que controlamos os grupos em nossa análise quantitativa.

Além desses resultados quase categóricos, entre os grupos que foram quase sempre

selecionados e aqueles que quase nunca o foram, existem aqueles que foram selecionados

como relevantes para a variação em uma quantidade mediana de rodadas estatísticas.

Foram seis os grupos de fatores nessa situação:

Posição do clítico, selecionado em oito das 21 rodadas;

Referência adverbial, selecionado em oito das 21 rodadas;

Tipo sintático de oração, selecionado em dez das 21 rodadas;

Tipo semântico de oração, selecionado em 13 das 21 rodadas;

Page 386: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

363

Tipo semântico de verbo, selecionado em dez das 21 rodadas.

A seguir, observaremos alguns quadros com um resumo dos resultados desses

grupos.

POSIÇÃO DO CLÍTICO

FATORES ►

RODADAS

Próclise Ênclise

Clítico entre o

Verbo Aux. e

o Verbo

Principal

Não se aplica

(Não há

clítico)

Portugal Continental –

TODOS os dados .15 .49 .09 .51

Portugal Continental -

Estruturas sintéticas x

analíticas (todas)

.15 .49 .10 .51

Portugal Continental -

Estruturas sintéticas x

Perífrases “com auxiliares

clássicos”

.07 .47 - .52

Portugal Continental - Somente

Estruturas Analíticas (todas) .21 .89 .04 .50

Portugal Continental - Somente

Estruturas analíticas

“clássicas”

.08 .76 - .53

Portugal Continental - Somente

Estruturas analíticas

“clássicas” em três fases do

século XX

.10 .74 - .53

Portugal Continental + Açores -

TODOS os dados .28 .91 .03 .50

Jornais Regionais de Portugal

Continental - TODOS os dados .08 .54 .03 .51

Tabela 68: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo Posição do

Clítico

Observando a tabela acima, percebemos que, considerando o grupo posição do

clítico, os contextos em que o clítico aparece em próclise ou entre o verbo auxiliar e o

verbo principal mostraram-se sempre desfavorecedores ao emprego de infinitivo

gerundivo, ao passo que os contextos sem qualquer clítico revelaram-se neutros para a

Page 387: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

364

ocorrência de a + infinitivo. Já o fator ênclise apresentou pesos relativos ora neutros (em

quatro rodadas), ora elevados (nas outras quatro rodadas em que o grupo foi selecionado,

aparentando favorecer o uso de infinitivo gerundivo nas notícias do corpus. Como foram

apenas duas rodadas em que esse resultado apareceu, consideramos prudente não afirmar

que esse seja um padrão nos contextos de ênclise.

Vejamos o comportamento do grupo referência adverbial na tabela a seguir:

REFERÊNCIA ADVERBIAL

FATORES ►

RODADAS

TE

MP

O a

nte

s

(na

mes

ma

ora

ção

)

TE

MP

O d

epo

is

(na

mes

ma

ora

ção

)

TE

MP

O n

o m

eio

TE

MP

O a

nte

s

(em

ou

tra

ora

ção

)

TE

MP

O d

epo

is

(em

ou

tra

ora

ção

)

MO

DO

ou

LU

GA

R

no

mei

o d

a l

ocu

ção

MO

DO

ou

LU

GA

R

an

tes

MO

DO

ou

LU

GA

R

dep

ois

o s

e a

pli

ca

Portugal Continental

– TODOS os dados .79 .57 .90 .49 .36 .71 .71 .44 .48

Portugal Continental -

Estruturas sintéticas x

analíticas (todas)

.79 .56 .86 .50 .37 .61 .71 .45 .48

Portugal Continental -

Estruturas sintéticas x

Perífrases “com

auxiliares clássicos”

.81 .56 .54 .50 .36 .49 .79 .47 .48

Portugal Continental -

Somente Estruturas

sintéticas “clássicas”

.85 .59 -134

.46 .45 -134

.86 .49 .49

Portugal Continental .75 .56 .96135

.41 .40 -135

.78 .36 .55

134

As referências adverbiais no meio, entre o verbo auxiliar e o verbo principal, tanto de tempo quanto de

modo e lugar apresentaram-se categoricamente sob forma de infinitivo gerundivo, tendo sido excluídas do

cálculo de pesos relativos nesta rodada.

135

Os fatores que indicam referência adverbial de modo ou lugar no meio, entre o verbo auxiliar e o verbo

principal apresentaram-se categoricamente sob forma de infinitivo gerundivo nessas rodadas. Mas,

diferentemente do que fizemos nas rodadas assinaladas pela nota de rodapé anterior a esta (134), não

excluímos esses dados da rodada estatística. Como, nessas rodadas indicadas pela nota 135, houve alguns

dados de referência adverbial de tempo no meio da locução adverbial, entre o verbo auxiliar e o verbo

principal, em vez de excluirmos os dados categóricos de referências de modo e lugar, optamos por

amalgamá-los no fator relacionado ao tempo no meio da locução adverbial. Assim, nessas rodadas, o fator

assinalado pela nota 135 representa qualquer referência adverbial no meio da locução verbal, seja de tempo,

de modo ou de lugar.

Page 388: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

365

+ Açores –

TODOS os dados

Portugal Continental

+ Açores - Estruturas

sintéticas x Perífrases

“com aux. clássicos”

.73 .54 1.0135

.40 .32 -135

.76 .34 .53

Jornais Regionais de

Portugal Continental

+ Açores –

TODOS os dados

.88 .72 .83135

.49 .14 -135

.69 .31 .54

Jornais Regionais de

Portugal Continental

+ Açores –

Estruturas sintéticas x

Perífrases “com aux.

clássicos”

.89 .67 -134

.48 .14 -134

.70 .36 .56

Tabela 69: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo Referência

Adverbial

A partir da análise da tabela, verificamos que, de maneira geral, o fator que parece

favorecer o uso de infinitivo gerundivo é a presença de referência adverbial – seja ela de

tempo ou de modo ou lugar – ANTES da forma gerundial, sendo na mesma oração desta,

ou NO MEIO da locução verbal, aparecendo entre o verbo auxiliar e o verbo principal. As

demais possibilidades de aparecimento (ou mesmo a não existência) de referência

adverbial em torno da forma gerundial apresentam-se, em sua maioria, indiferentes para a

variação ou, em alguns poucos casos, levemente favorecedoras ou desfavorecedoras da

variante inovadora, dependendo do recorte de dados da rodada estatística.

O próximo grupo de fatores a analisarmos é o referente ao tipo sintático de oração.

Page 389: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

366

TIPO SINTÁTICO DE ORAÇÃO

FATORES ►

RODADAS

Ab

solu

tas

Coord

en

ad

as

Ass

ind

éti

cas

Coord

en

ad

as

Sin

déti

cas

Prin

cip

ais

Rela

tivas

Rest

rit

ivas

Rela

tivas

Exp

licati

vas

Su

bst

an

tivas

Ad

verb

iais

Tem

porais

Ad

verb

iais

Mod

ais

Ad

verb

iais

Con

dic

ion

ais

Ad

verb

iais

(ou

tras)

Su

bord

ina

das

Ad

itiv

as

Portugal Continental

TODOS os dados

.79 .24 .49 .74 .74 .57 .67 .67 .61 .73 .73 .14

Portugal Continental

- Estruturas

sintéticas x analíticas

(todas)

.80 .24 .52 .76 .76 .60 .69 .66 .53 - .80 .13

Portugal Continental

- Estruturas

sintéticas x

Perífrases “com

auxiliares clássicos”

.84 .40 .54 .77 .80 .65 .79 .68 .54 - .80 .10

Portugal Continental

+ Açores –

TODOS os dados

.93 .58 .59 .87 .86 .73 .79 .76 .58 - .75 .06

Portugal Continental

+ Açores - Estruturas

sintéticas x

Perífrases “com aux.

clássicos”

.96 .65 .77 .93 .94 .84 .95 .76 .79 - .97 .00

Jornais Regionais de

Portugal Continental

TODOS os dados

.94 .12 .66 .89 .81 .78 .76 .66 .53 - .76 .06

Jornais Regionais de

Portugal Continental

Estruturas sintéticas

x Perífrases “com

aux. clássicos”

.97 .52 .67 .91 .84 .81 .81 .64 .51 - .73 .06

Portugal Continental

- Somente Estruturas

sintéticas “clássicas”

.99 .61 .74 .99 .94 .86 .97 .70 .70 .93 .85 .03

Jornais Regionais de

Portugal Continental

+ Açores –

TODOS os dados

.96 .54 .40 .93 .90 .82 .88 .66 .16 - .66 .02

Page 390: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

367

Jornais Regionais de

Portugal Continental

+ Açores –

Estruturas sintéticas

x Perífrases “com

aux. clássicos”

.97 .62 .51 .93 .94 .84 .97 .53 .17 - .97 .03

Tabela 70: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo Tipo Sintático de

Oração

Conforme se pode observar, o grupo tipo sintático de oração mostrou-se relevante

para a variação somente em rodadas onde havia os dados com estruturas sintéticas, não

tendo sido selecionado em nenhuma das rodadas em que havia somente estruturas

perifrásticas. Analisando os resultados, vemos que as orações absolutas, as orações

principais, as relativas (tanto as restritivas quanto as explicativas), as substantivas, as

adverbiais temporais e o fator que reunia a maior parte das outras orações adverbiais

parecem ser contextos propícios ao aparecimento de infinitivo gerundivo. Por outro lado,

as subordinadas aditivas parecem desfavorecer a ocorrência da variante gerundiva

inovadora. Os demais tipos sintáticos de oração, a saber, as coordenadas (assindéticas e

sindéticas) e as orações adverbiais modais, apresentaram-se relativamente neutras para a

variação na maioria das rodadas, embora em alguns casos isolados também tenham se

revelado ora moderadamente favorecedoras, ora desfavorecedoras ao emprego de a +

infinitivo.

Outro grupo de fatores que foi selecionado em várias rodadas foi o grupo tipo

semântico de oração. Vejamos a tabela abaixo:

Page 391: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

368

TIPO SEMÂNTICO DE ORAÇÃO

FATORES ►

RODADAS

Post

erio

rid

ad

e

An

terio

rid

ad

e

Sob

rep

osi

ção

En

qu

ad

ram

en

to1

36

Mod

o /

Inst

ru

men

to1

37

Cau

sal

Resu

ltati

vo

Con

dic

ion

al

Con

cess

ivo /

Op

osi

tivo

13

8

Gerú

nd

io N

eu

tro

Não s

e a

pli

ca

Portugal Continental – TODOS os dados

.59 .25 .75 .57 .42 .67 .14 .50 .37 .46 .60

Portugal Continental -

Estruturas sintéticas x

analíticas (todas)

.60 .27 .75 .58 .43 .67 .13 .50 .35 .46 .60

Portugal Continental -

Estruturas sintéticas x

Perífrases “com

auxiliares clássicos”

.66 .25 .76 .56 .41 .67 .13 .49 .34 .58 .56

Portugal Continental +

Açores - Estruturas

sintéticas x Perífrases

“com aux. clássicos”

.88 - .78 .87 .67 .51 .06 .27 .15 .01 .74

Jornais Regionais de

Portugal Continental –

TODOS os dados

.77 .79 .64 .48 .21 .74 .25 .49 -139

.58 .49

Jornais Regionais de

Portugal Continental –

Estruturas sintéticas x

Perífrases “com aux.

clássicos”

.80 .79 .69 .48 .21 .77 .28 .56 -139

.67 .43

136

Lembramos que, na fase de cálculo de pesos relativos, os fatores gerúndio de sobreenquadramento,

gerúndio de subenquadramento e gerúndio de elaboração eram amalgamados em um só fator, a que

chamamos aqui de enquadramento, por ser a relação discursiva presente basicamente em todos esses três

tipos semânticos de gerúndio.

137

Os fatores gerúndio de modo e gerúndio de instrumento/meio foram amalgamados em um só para o

cálculo de pesos relativos, visto que todas as 11 ocorrências de gerúndio de instrumento eram na forma de

gerúndio, sendo este, portanto, categórico, o que não é aceito pelo programa Goldvarb.

138

Os fatores gerúndio concessivo / adversativo e gerúndio opositivo foram amalgamados em um só para o

cálculo de pesos relativos, visto que, devido ao seu reduzido quantitativo absoluto de dados, frequentemente

um deles apresentava ocorrências categóricas de uma das duas variantes.

139

Os tipos semânticos referentes ao gerúndio concessivo/adversativo e ao gerúndio opositivo foram

eliminados do cálculo de pesos relativos nesta rodada, pois, mesmo amalgamados, se apresentaram

categoricamente na forma nominal gerúndio. Como eram poucos dados (respectivamente, 08 e 07) e por

aparentemente não se assemelharem a nenhum outro tipo semântico, em vez de amalgamarmos esses tipos a

outro(s), optamos por excluir sua leitura nessa rodada.

Page 392: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

369

Portugal Continental -

Somente Estruturas

sintéticas “clássicas”

.82 .36 .62 .73 .42 .74 .13 .45 -139

- .46

Jornais Regionais de

Portugal Continental +

Açores –

TODOS os dados

.65 -140

-140

.47 .83 .22 .01 .09 .01 .85 .52

Jornais Regionais de

Portugal Continental +

Açores –

Estruturas sintéticas x

Perífrases “com aux.

clássicos”

.76 -140

-140

.43 .81 .28 .02 .15 -143

.86 .40

Lisboa x Alentejo –

TODOS os dados .27 -

141 .85 .62 .42 .89 .21 .62 .36 .28 .64

Lisboa x Alentejo –

Estruturas sintéticas x

Perífrases “com aux.

clássicos”

.28 -141

.83 .60 .42 .88 .22 .57 .34 .33 .65

Norte x Alentejo –

TODOS os dados .24 -

141 .96 .66 .44 .91 .23 .71 .48 .08 .69

Norte x Alentejo –

Estruturas sintéticas x

Perífrases “com aux.

clássicos”

.24 -141

.97 .64 .44 .91 .24 .72 .49 .08 .70

Tabela 71: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo Tipo Semântico

de Oração

Como podemos verificar, o grupo tipo semântico de oração apresentou resultados

muitas vezes, de certa maneira, conflitantes, dificultando a interpretação do padrão de

comportamento dos diferentes tipos semânticos em questão. Os poucos tipos semânticos de

oração que mantiveram pesos relativos com o mesmo padrão nas várias rodadas em que foi

140

Nesta rodada de dados, tanto o tipo semântico gerúndio de anterioridade quanto o tipo semântico

gerúndio de sobreposição apresentaram “knockouts”. O gerúndio de anterioridade apresentou 10 dados com

gerúndio e nenhum com infinitivo gerundivo e o gerúndio de sobreposição apresentou 12 dados na mesma

situação. Por ambas fazerem referência à Relação Discursiva de Narração (com a semântica envolvendo

tempo), juntamos esses fatores ao fator gerúndio de posterioridade, que também expressa o mesmo tipo de

relação discursiva. Como provável consequência, esse fator viu seu peso relativo sofrer uma leve baixa

devido a isso (Embora não tão baixa quanto nas rodadas seguintes, com dados de Lisboa x Alentejo e Norte x

Alentejo. A maior queda nessas rodadas seguintes possivelmente ocorreu porque apenas o gerúndio de

anterioridade foi amalgamado ao de posterioridade – não o de sobreposição).

141

O tipo semântico oracional referente a gerúndio de anterioridade foi amalgamado ao gerúndio de

posterioridade tanto nas rodadas de dados opondo Lisboa ao Alentejo quanto nas rodadas opondo o Norte ao

Alentejo. Embora tenham aparentemente sentidos opostos, ambos veiculam a Relação Discursiva de

Narração e, por isso, foram reunidos em um só fator.

Page 393: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

370

selecionado foram os que indicam gerúndio resultativo e gerúndio concessivo /

adversativo / opositivo. De acordo com os resultados, esses são tipos semânticos

desfavorecedores à ocorrência de a + infinitivo, com pesos relativos bastante baixos.

O fator que chamamos de gerúndio de enquadramento, que reunia os tipos

semânticos gerúndio de sobre-enquadramento, gerúndio de subenquadramento e gerúndio

de elaboração, apresentou-se, na maioria das rodadas, como indiferente para a variação,

assim como o gerúndio de modo e o fator referente ao “não se aplica”, que englobava

todas as orações não adverbiais (já que classificamos semanticamente apenas as orações

adverbiais, segundo proposta de Móia & Viotti (2004)).

Além desses, os demais tipos semânticos oracionais apresentaram-se ora como

favorecedores, ora como desfavorecedores ao uso de infinitivo gerundivo, a depender do

recorte de dados e/ou das amalgamações realizadas, como foi o caso dos tipos semânticos

envolvendo a Relação Discursiva de Narração: gerúndio de posterioridade, geralmente

favorecedor ao emprego de a + infinitivo nas rodadas em que apareceu sem ser

amalgamado a outros fatores; gerúndio de anterioridade, em geral desfavorecedor ao uso

de infinitivo gerundivo quando analisado como um fator independente; e o gerúndio de

sobreposição, que, na maioria das vezes, se apresentou como favorecedor ao uso de

infinitivo gerundivo, quando não teve de ser reunido a outro fator.

Além do tipo semântico de oração, o grupo que controlava a variação nos

diferentes tipos semânticos de verbo também foi diversas vezes selecionado, como pode

ser verificado na tabela abaixo:

Page 394: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

371

TIPO SEMÂNTICO DE VERBO

FATORES ►

RODADAS

Process

os

Mate

ria

is

Process

os

Men

tais

Process

os

Rela

cio

nais

Process

os

Co

mp

ort

am

enta

is

Process

os

Verb

ais

Process

os

Exis

ten

cia

is

Portugal Continental –

TODOS os dados .57 .21 .31 .50 .58 .55

Portugal Continental -

Estruturas sintéticas x analíticas

(todas)

.57 .21 .32 .50 .58 .52

Portugal Continental -

Estruturas sintéticas x

Perífrases “com auxiliares

clássicos”

.59 .19 .28 .41 .60 .47

Portugal Continental - Somente

Estruturas sintéticas “clássicas” .66 .13 .09 .56 .65 .69

Jornais Regionais de Portugal

Continental - TODOS os dados .55 .30 .28 .57 .57 .63

Jornais Regionais de Portugal

Continental - Estruturas

sintéticas x Perífrases “com

auxiliares clássicos”

.57 .30 .22 .49 .57 .56

Lisboa x Alentejo –

TODOS os dados .60 .04 .40 .47 .47 .76

Lisboa x Alentejo –

Estruturas sintéticas x

Perífrases “com aux. clássicos”

.60 -142

.35 .14 .60 .66

Norte x Alentejo –

TODOS os dados .60 .11 .19 .66 .56 .86

Norte x Alentejo –

Estruturas sintéticas x

Perífrases “com aux. clássicos”

.64 .09 .11 .68 .60 .81

Tabela 72: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo Tipo Semântico

de Verbo

142

O fator referente aos verbos que indicam processos mentais, nesta rodada, apresentou-se categoricamente

na forma de gerúndio. Por isso, amalgamamos esse fator ao que indica processos comportamentais, por

serem estes, segundo Halliday (1994) uma fronteira entre os processos mentais e os materiais. É provável que

tal medida tenha feito o peso relativo dos processos comportamentais (geralmente mais altos) baixar, por

terem recebido os dados de um fator que frequentemente apresentava baixos pesos relativos.

Page 395: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

372

Percebe-se, a partir da tabela acima, que o grupo tipo semântico do verbo, assim

como os grupos tipo sintático de oração e tipo semântico de oração, só foi selecionado em

rodadas que incluíam os dados de estruturas sintéticas. Ademais, esse grupo também só foi

selecionado em rodadas com dados de Portugal Continental, ou seja, aquelas que não

incluíram os dados do português insular, do arquipélago dos Açores. Ainda observando a

tabela, constatamos que os tipos semânticos de verbos que indicam processos mentais e

processos relacionais se revelaram, em todas as rodadas, como contextos não propícios à

ocorrência de infinitivo gerundivo, desfavorecedores da variante inovadora. Os demais

tipos semânticos de verbo apresentaram taxas de peso relativo moderadas, próximas de .50,

parecendo ser indiferentes para a variação em foco. A exceção a esse padrão diz respeito

ao tipo semântico que indica processos existenciais, que, em todas as quatro rodadas de

contraste regional (Lisboa x Alentejo e Norte x Alentejo), se apresentou como favorecedor

ao emprego de a + infinitivo.

Os pesos relativos referentes à rodada que incluía apenas dados sintéticos

“clássicos” foram um pouco mais significativos, apontando os processos materiais, os

verbais e os existenciais como favorecedores ao emprego de infinitivo gerundivo, com,

respectivamente, .66, .65 e .69 de pesos relativos em relação aos demais fatores do grupo.

Talvez esse seja um grupo que tenha influência mais preponderante sobre os dados

sintéticos e o fato de essa rodada ser exclusivamente constituída por dados desse tipo, pode

ter “ajudado” o programa computacional a “enxergar melhor” os fatores relevantes para a

variação em foco.

Por fim, o grupo região foi o único a não ser selecionado em nenhuma das rodadas

realizadas. Assim como é importante registrar o fato de um grupo ter sido selecionado

como relevante para a variação em todas as rodadas de dados, como foi o caso do grupo

tempo, também é de extrema importância destacar um grupo que não foi selecionado em

nenhuma das rodadas, como o que aconteceu com o grupo região, especialmente porque

este diz respeito a uma das hipóteses centrais do presente trabalho.

O fato de o grupo região não ter sido selecionado em nenhuma das 21 rodadas

estatísticas de dados desta pesquisa pode sinalizar algumas tendências: pode indicar que o

avanço do infinitivo gerundivo tenha sido equilibrado nas notícias dos periódicos

portugueses independentemente da região de onde provêm as ocorrências – o que pode ou

não ter ocorrido em outros gêneros textuais; pode apontar para uma tendência geral dos

Page 396: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

373

impressos, sejam eles de abrangência nacional ou regional, buscando seguir o padrão

modelar da capital, inovadora ao apagar eventuais marcas linguísticas regionais, como é o

caso do gerúndio; ou pode, ainda, indicar justamente o contrário: que, de uma maneira

geral, os textos jornalísticos, em especial as notícias, que aqui nos serviram de corpus,

resistem aos avanços de um fenômeno que aparentemente não sofre avaliação negativa dos

falantes, registrando taxas de uso de infinitivo gerundivo mais baixas do que possa ter

ocorrido em outros gêneros textuais.

Page 397: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

CONCLUSÕES

Alguns objetivos e hipóteses nortearam nossa pesquisa. Ao fim deste trabalho,

vemos respondidas as principais questões sobre as quais nos debruçamos nesse percurso. É

evidente que a pesquisa em Sociolinguística Histórica nunca se dá por concluída. Um

mesmo fenômeno pode apresentar comportamentos diferentes a depender de inúmeros

fatores, tais como o recorte de dados, o tempo, o gênero textual etc. Apesar disso, a partir

de nossos resultados confrontados com nossas hipóteses e objetivos, podemos afirmar, ao

alcance dos nossos dados extraídos de notícias de jornais portugueses do século XX, que:

a. O infinitivo gerundivo, de acordo com nosso corpus, teve avanço mais

significativo no Português Europeu em dois momentos do século XX: na virada da

década de 1920 para a de 1930; e, depois, na virada da década de 1950 para a de

1960. Com isso, pode-se dizer que o padrão da variação gerúndio x infinitivo

gerundivo nas notícias de jornais portugueses do século XX apresenta três fases: de

1901 a 1930; de 1931 a 1960; e de 1961 a 2000. Nessa última fase do século XX, chega

a haver uso categórico de infinitivo gerundivo em alguns recortes de dados realizados.

Esse resultado confirma nossa hipótese diacrônica, segundo a qual o avanço do

infinitivo gerundivo no PE teria sido gradual ao longo do século XX.

b. Semelhantemente, ratificamos, com esse novo corpus, alguns resultados de

Mothé (2007): as construções perifrásticas (verbo auxiliar + verbo principal),

especialmente as constituídas pelos auxiliares estar, andar, ficar (que formam o

chamado progressivo) e continuar, são as que mais favorecem o uso de infinitivo

gerundivo. Os resultados mostram, contudo, que o infinitivo gerundivo tem avançado

inclusive nas estruturas sintéticas, mas de maneira bem menos proeminente que nas

estruturas analíticas.

c. Ainda de acordo com os resultados obtidos a partir de nossos dados,

verificamos que a existência de referências adverbiais de tempo, modo ou lugar antes

da estrutura gerundiva ou no meio da perífrase verbal (entre o verbo auxiliar e o

verbo principal) configura um contexto bastante favorecedor ao emprego de infinitvo

gerundivo.

Page 398: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

375

d. Outro resultado que podemos mencionar diz respeito ao emprego de

infinitivo gerundivo em contextos em que havia clíticos. Em nosso corpus, a próclise

ou a presença de clítico entre o verbo auxiliar e o verbo principal nas perífrases

mostraram ser ambientes desfavorecedores ao uso de a + infinitivo.

e. Quanto aos tipos sintáticos de oração, verificamos que, dentre as orações não

adverbiais, as que favorecem o uso da variante inovadora, o infinitivo gerundivo, são:

as absolutas, as principais, as relativas e as substantivas. Entre as orações adverbiais,

as condicionais, as modais e as temporais se mostraram favorecedoras ao emprego de

a + infinitivo, assim como os resultados obtidos por Barbosa (1999). As demais

orações adverbiais foram amalgamadas em um só fator, que se mostrou favorecedor

ao emprego de infinitivo gerundivo. Além dos tipos sintáticos citados, convém

mencionar que as chamadas subordinadas aditivas se revelaram desfavorecedoras ao

uso da variante inovadora em nossos dados e as orações coordenadas apareceram

como irrelevantes para o fenômeno analisado em nosso corpus.

f. Relativamente aos tipos semânticos de oração, observamos apenas que dois

fatores se mostraram desfavorecedores ao emprego de a + infinitivo: o das orações

com gerúndio resultativo e o fator no qual constavam amalgamados os dados de

gerúndio concessivo, adversativo e opositivo. Pesquisas posteriores deverão, porém,

propor ajustes nessa classificação semântica das orações ou, ainda, elaborar uma

nova classificação, visto que, em nosso entendimento, outros tipos sintáticos de oração

além das adverbiais podem igualmente ser analisadas quanto à sua semântica, em

oposição ao que propõem Móia & Viotti (2004).

g. Com relação ao tipo semântico do verbo, registramos somente que os

processos mentais e os relacionais – este último, assim como em Mothé (2007) – se

mostraram desfavorecedores ao uso de a + infinitivo. De qualquer forma, o fato de os

grupos de fatores concernentes à semântica (oracional ou verbal) terem sido

selecionados como relevantes para a variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo em

nosso corpus indica que os contextos semânticos aparentemente estão bastante ligados

ao fenômeno, merecendo maior atenção e outras estratégias de tratamento de dados

Page 399: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

376

nas próximas pesquisas. Um possível caminho, por exemplo, pode vir a ser uma

classificação semântica com base em valores aspectuais, conforme algumas das

propostas que vimos no capítulo 2 desta obra.

h. Alguns grupos de fatores não foram considerados relevantes para esse

fenômeno em nosso corpus, fato que também necessita ficar registrado para pesquisas

posteriores. São eles: o tipo de texto (ou sequência textual), a voz verbal, a posição da

oração gerundial no período e a interpolação de itens lexicais entre o verbo auxiliar e

o verbo principal. Dentre esses grupos, porém, convém destacar um dado importante

acerca do tipo de texto / sequência textual. Embora esse grupo tenha sido selecionado

em apenas três rodadas estatísticas de dados, todas elas incluíam na amostra somente

dados de construções perifrásticas. Nelas, os textos narrativos foram apontados como

favorecedores ao emprego de a + infinitivo, ao passo que os textos dissertativos-

argumentativos se revelaram desfavorecedores ao uso da variante inovadora. Isso

pode indicar que, para esse tipo de construção, o tipo de texto ou a sequência textual

seja um elemento relevante para a variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo.

i. Por fim, confirmando uma de nossas principais hipóteses, nossos resultados

mostraram que, de acordo com nossos dados, no gênero textual notícias, o infinitivo

gerundivo aparentemente tem avançado ao longo do tempo de forma indistinta em

todo o território luso, contrariando alguns autores e o senso comum, que costumam

afirmar que o Alentejo e o Algarve seriam redutos conservadores da forma nominal

gerúndio.

De maneira geral, nossos resultados revelam que o fenômeno avança no tempo

independentemente da região, inclusive nas notícias, gêneros jornalísticos escritos, em

geral, mais conservadores linguisticamente. Algumas rodadas chegaram a apontar a região

Norte como mais conservadora que as demais, mesmo sendo ela vista com frequência

como inovadora. É possível que tal resultado esteja associado a um padrão mais

conservador dos jornais de maneira geral, sobretudo por sabermos que nossos dados do

Norte provêm de O Comércio do Porto, um periódico de âmbito nacional, bastante

tradicional e respeitado ao longo do século XX.

Page 400: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

377

Apesar disso, só será possível avaliar se o infinitivo gerundivo avança nas notícias

em maior ou menor grau do que acontece em outros gêneros textuais, em pesquisas

ulteriores que incluam outros gêneros jornalísticos e, eventualmente, outros gêneros

textuais não jornalísticos ao longo do tempo, como cartas pessoais ou peças teatrais, por

exemplo. O fato é que, se realmente o avanço do infinitivo gerundivo tem ocorrido em

todo o território luso indistintamente, conforme temos por hipótese, isso foi confirmado em

nosso corpus de notícias do século XX. Apesar disso, como já mencionamos, não podemos

de maneira alguma generalizar esses resultados para a língua como um todo. Afirmações

cada vez mais abrangentes poderão ser feitas à medida que outros contextos, outros

gêneros textuais sejam analisados em pesquisas futuras.

Além disso, cabe ressaltar, conforme fizemos em Mothé (2007) que, apesar do

claro avanço do infinitivo gerundivo, nossos dados confirmaram haver ainda determinados

contextos em que o gerúndio é usado em Portugal tanto na forma sintética quanto na forma

analítica (como é o caso das construções perifrásticas com auxiliares ir e vir, por exemplo).

Isso mostra quão infundadas são afirmações como as que vimos, do tipo “não existe

gerúndio em Portugal”. Os dados de língua em uso mostram o contrário disso.

Concluindo, ainda é pertinente mencionar que, para além dos resultados

quantitativos, nossa pesquisa deixa a outros pesquisadores, da área de Linguística ou não,

considerações acerca da história e do perfil de alguns periódicos portugueses em circulação

ao longo do século XX. Um grande volume de material jornalístico da imprensa lusitana de

âmbito nacional e regional foi levantado junto aos arquivos portugueses e estará à

disposição de futuras pesquisas que desejem editá-los, estudá-los, esmiuçá-los, com os

mais variados fins.

Page 401: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

BIBLIOGRAFIA

ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS DO BAIXO ALENTEJO E ALENTEJO LITORAL

(AMBAAL). Disponível em: <<http://www.ambaal.pt/>>. Acesso em: 13 de janeiro de

2014.

ARRUDA, Lígia. Gramática de Português Língua Não Materna. Porto: Porto Editora,

2008.

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PARA CONTROLO DE TIRAGEM E CIRCULAÇÃO

(APCT). Disponível em: << http://www.apct.pt/>>. Acesso em: 13 de janeiro de 2014.

AZEREDO, José Carlos. Iniciação à sintaxe do português. 7ª ed. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Ed., 2001.

__________. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. 3ª ed. São Paulo: Publifolha,

2010.

AZEREDO, M. Olga.; PINTO, M. Isabel Freitas M.; LOPES, M. Carmo Azeredo. Da

Comunicação à Expressão – Gramática Prática de Português: 3º Ciclo do Ensino Básico e

Ensino Secundário. Lisboa: Lisboa Editora, 2011.

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico. O que é, como se faz. 36ª ed. São Paulo:

Loyola, 2005.

BARBOSA, Afranio Gonçalves. Para uma História do Português Colonial: Aspectos

Linguísticos em Cartas de Comércio. Tese de doutoramento. Rio de Janeiro: UFRJ,

Faculdade de Letras, 1999.

__________. Reflexões e propostas para o ensino de língua portuguesa: as formas

nominais do verbo. In: VIEIRA, Silvia Rodrigues.; BRANDÃO, Silvia Figueiredo.

Morfossintaxe e ensino de Português: reflexões e propostas. Rio de Janeiro: Faculdade de

Letras, UFRJ, 2004. p. 97-112.

__________. Tratamento dos Corpora de sincronias passadas da língua portuguesa no

Brasil: recortes grafológicos e linguísticos. In: LOPES, Célia Regina dos Santos. (org.). A

Norma Brasileira em Construção: fatos linguísticos em cartas pessoais do século XIX. Rio

de Janeiro: UFRJ, Pós-Graduação em Letras Vernáculas / FAPERJ, 2005. p. 25-43.

__________. Saberes gramaticais na escola. In: VIEIRA, Silvia Rodrigues.; BRANDÃO,

Silvia Figueiredo. (orgs.). Ensino de Gramática: descrição e uso. Rio de Janeiro: Contexto,

2007. p. 31-54.

BARBOSA, Afranio.; LOPES Célia Regina dos Santos.; CALLOU, Dinah. Organização

dos corpora diacrônicos do PHPB-RJ na rede mundial de computadores. In: DUARTE,

Maria Eugênia Lamoglia.; CALLOU, Dinah (org.). Para a história do português

brasileiro, Vol. IV – Notícias de corpora e outros estudos. Rio de janeiro: UFRJ,

Faculdade de Letras/FAPERJ, 2002. p. 29-37.

Page 402: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

379

BARBOSA, Jerônimo Soares. Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza – ou

Principios da Grammatica Geral aplicados á nossa linguagem. Lisboa: Typographia da

Academia das Sciencias, 1822.

BARBOSA, Pilar P. Barbosa.; COCHOFEL, Fátima. O infinitivo preposicionado em PE.

In: Actas do XX Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística. Lisboa:

APL, 2004. p. 387 - 400.

BARROS, Júlia Leitão de. O Cerco Ideológico do Estado Novo à Imprensa. In:

MESQUITA, Mário. Caleidoscópio – Revista de Comunicação e Cultura. n. 5/6.

Territórios do Jornalismo. Lisboa: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

(ULHT), 2005. p. 265-300.

BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª ed. Rio de Janeiro: Editora

Lucerna, 2001.

BORGES NETO, José. A incomensurabilidade e a “compatibilização” de teorias. In:

BORGES NETO, José. Ensaios de filosofia da Linguística. Cap. 8. São Paulo: Parábola

Editorial, 2004. p. 195-216.

BORGES NETO, José.; FOLTRAN, Maria José. Construções com gerúndio. In: Actas do

XVI Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística. Lisboa: APL, 2001. p.

725 – 735.

BOSQUE, Ignácio.; DEMONTE, Violeta (eds.). Gramática Descriptiva de la Lengua

Española. Madrid: Espasa Calpe, 1999.

BRANDÃO, Sílvia Figueiredo.; MOTA, Maria Antónia Ramos Coellho da. et alii. Projeto

de Cooperação Internacional Brasil Portugal CAPES / ICCTI nº 63/00

www.letras.ufrj.br/varport, 2002.

BYBEE, Joan. Mechanisms of Change in Grammaticalization: The Role of Frequency. In:

Brian D. Joseph and Richard D. Janda (eds.). The Handbook of Historical Linguistics.

Blackwell Publishing, 2003.

CAMACHO, Roberto Gomes. O formal e o funcional na teoria variacionista. In:

RONCARATI, Cláudia.; ABRAÇADO, Jussara. (orgs.). Português brasileiro – contato

linguístico, heterogeneidade e história. Rio de Janeiro: 7 Letras, p. 55-65. 2003.

CAMARA JR., Joaquim Mattoso. Dicionário de Linguística e Gramática. 23ª ed.

Petrópolis: Editora Vozes, 2002.

CAMPOS, Odette G. L. Altmann de Souza. Gerúndio no português: um estudo histórico-

descritivo. Tese de doutoramento. São Paulo: FFLCH / USP, 1972.

CARNEIRO, Agostinho Dias. Redação em construção: a escritura do texto. São Paulo:

Moderna, 1993.

Page 403: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

380

CARQUEJA, Bento. O Comércio do Porto ao completar 80 anos. Notas para a sua história.

In: O COMÉRCIO DO PORTO. Porto: 02 de junho de 1934

CARRILHO, Ernestina.; LOBO, Maria. Contribuition à l'étudie de la varitation syntaxique

dans le domaine ibéro-roman. In: M. OLIVIÉRI, G. BRUN-TRIGAUD, Ph. DEL

GIUDICE (eds.). La Leçon des Dialectes: Hommages à Jean-Philippe Dalbera.

Alessandria: Edizioni dell’Orso, 2012. p. 323 – 336.

CARRILHO, Ernestina; PEREIRA, Sandra. Sobre a distribuição de construções sintácticas

não-padrão em Português Europeu. In: Textos Selecionados do XXVI Encontro Nacional

da Associação Portuguesa de Linguística. CD-ROM. Lisboa: APL, 2011. p. 125 – 139.

__________. Variação sintática no português: três fenómenos em duas fontes. In:

WEDISYN’S FOURTH WORKSHOP ON SYNTACTIC VARIATION, 2013. Santiago

de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela, 2013.

CASTILHO, Ataliba T. de. Introdução ao estudo do aspecto verbal na língua portuguesa.

Tese de doutorado. São Paulo: USP, Faculdade de Letras, 1966.

__________. Gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010.

CEZÁRIO, Maria Maura. Padrões de frequência nas construções com cláusulas

completivas. In: Língua(gem). Vol. 1. Número 1. Macapá: ILAPEC, 2004.

COMRIE, Bernard. Aspect: An introduction to the study of verbal aspect and related

problems. Cambridge: Cambridge University Press, 1976.

COSTA, João (ed.) Gramática Moderna da Língua Portuguesa. 2ª ed. Lisboa: Escolar

Editora, 2012.

COSTA, Sônia Bastos Borba. O Aspecto em Português. 3ª ed. Coleção Repensando a

Língua Portuguesa. São Paulo: Contexto, 2002.

CRISTÓFARO-SILVA, Thaïs; ALMEIDA, Leonardo; GUEDRI, Christine. Perda da

marca de plural no português brasileiro: contribuições da Fonologia. In: Revista de Estudos

da Linguagem, v. 15, n. 2, 2008. p. 207-228.

CUESTA, Pilar Vázquez; LUZ, Maria Albertina Mendes da. Gramática da Língua

Portuguesa. Coleção Lexis. Lisboa: Edições 70. 1971.

CUNHA, Celso. Uma política do idioma. Coleção Diagrama. 4ª ed. atualizada. Rio de

Janeiro: Tempo brasileiro, 1976.

__________. A questão da norma culta brasileira. Coleção Diagrama. Rio de Janeiro:

Tempo brasileiro, 1985.

__________. Conservação e Inovação no Português do Brasil. In: O Eixo e a Roda:

revista da literatura brasileira. 5 v. Belo Horizonte: Publicação do Departamento de Letras

Vernáculas, Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, 1986. p. 199-232.

Page 404: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

381

__________. Língua Portuguêsa e realidade brasileira. Coleção Temas de todo tempo -

13. 9ª ed. atualizada. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1986b.

CUNHA, Celso; CINTRA, Luís F. Lindley. Nova Gramática do Português

Contemporâneo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

CUNHA, Maria Angélica Furtado da.; OLIVEIRA, Mariângela Rios de.; MARTELOTTA,

Mário Eduardo. (orgs.). Linguística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A,

2003.

DECAT, Maria Beatriz Nascimento.; SARAIVA, Maria Elizabeth Fonseca.;

BITTENCOURT, Vanda de Oliveira.; LIBERATO, Yara Goulart. A Articulação hipotática

adverbial no português em uso. Aspectos da Gramática do Português – uma abordagem

funcionalista. Coleção “Ideias sobre Linguagem”. São Paulo: Mercado de Letras, 2001.

DIÁRIO DE COIMBRA. Disponível em: <<http://www.diariocoimbra.pt/>>. Acesso em:

14 de junho de 2013.

DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Disponível em: <<http://www.dn.pt/inicio/default.aspx>>.

Acesso em: 14 de junho de 2013.

DIÁRIO DO ALENTEJO. Disponível em: <<http://da.ambaal.pt/index/ >>. Acesso em: 14

de junho de 2013.

DIÁRIO DOS AÇORES. Disponível em: <<http://www.diariodosacores.pt/>>. Acesso em:

14 de junho de 2013.

DIAS, Augusto Epiphanio da Silva. Syntaxe Historica Portuguesa. Lisboa: Livraria

Clássica Portuguesa, 1918.

Dicionário mobile da Língua Portuguesa. Porto: Porto Editora, 2011. Aplicativo para

Android.

DUARTE, Inês. Complementos infinitivos preposicionados e outras construções

temporalmente defectivas em Português Europeu. In: Actas do VIII Encontro da

Associação Portuguesa de Linguística, Lisboa: APL, 1992. p. 145 - 158.

ENTIDADE REGULADORA PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL (ERC). Disponível

em: <<http://www.erc.pt/>>. Acesso em: 02 de março de 2013.

FERREIRA, António Gomes.; FIGUEIREDO, J. Nunes de. Compêndio de Gramática

Portuguesa: 3o Ciclo / Ensino Secundário. Porto: Porto Editora, 2006.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da

língua portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

Page 405: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

382

FIÉIS, Alexandra; LOBO, Maria. Propriedades de gerúndios e infinitivos em português

antigo. In: Textos Selecionados do XXVI Encontro Nacional da Associação Portuguesa de

Linguística. Lisboa: APL, 2011. p. 256 – 265.

__________. Aspectos da sintaxe das orações gerundivas no Português Medieval e no

Português Europeu Contemporâneo. In: Textos Selecionados do XXV Encontro Nacional

da Associação Portuguesa de Linguística. Porto: APL, 2010. p. 419 – 434.

GONÇALVES VIANA, Aniceto dos Reis. Emprêgo dos verbos auxiliares estar, ir, vir,

seguidos de jerundio. In: Revista lusitana II. Porto: Livraria Portuense, 1890-1892. p. 76-

77.

GUY, Gregory Riordan; ZILLES, Ana Stahl. Sociolinguística Quantitativa. – instrumental

de análise. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

HALLIDAY, Michael Alexander Kirkwood. An Introduction to Functional Grammar. 2ª

ed. London: Arnold, 1994.

HEINE, Bernd. Grammaticalization. In: JOSEPH, Brian D.; JANDA, Richard D.. (eds.)

The Handbook of Historical Linguistics. Oxford, UK: Blackwell Publishing, 2003. p. 575-

601.

HOPPER, Paul John; TRAUGOTT, Elizabeth Closs. Gramaticalization. Cambridge:

University Press, 1993.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua

Portuguesa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. CD-ROM.

HYMES, Dell. The Scope of Sociolinguistics. In: COUPLAND, Nikolas.; JAWORSKI,

Adam. (eds.). Sociolinguistics: a reader and coursebook. New York: St. Martin’s Press,

1997.

ILARI, Rodolfo. Linguística Românica. São Paulo: Editora Ática, 1997.

IMPRENSA REGIONAL. Disponível em:

<<http://www.imprensaregional.com.pt/portal/>>. Acesso em: 02 de março de 2013.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA (Portugal). CENSO 2011: XV

recenseamento geral da população / V recenseamento geral da habitação. 2011. Disponível

em: http://censos.ine.pt/xportal/xmain?xpid=CENSOS&xpgid=censos2011_apresentacao.

Acesso em: 04 de janeiro de 2013.

JORNAL D’ ESTARREJA. Disponível em: <<http://www.jornalestarreja.com/>>. Acesso

em: 14 de junho de 2013.

KURY, Adriano da Gama. Novas lições de Português pela análise sintática. 9ª ed. São

Paulo: Ática, 2004.

LABOV, William. Sociolinguistics patterns. Oxford: Basil Blackwell, 1972.

Page 406: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

383

__________. Building on empirical foundations. In: LEHMANN, Winfred P.; MALKIEL,

Yakov. (eds.). Directions in Historical Linguistics. Amsterdam / Philadelphia: John

Benjamins Publishing Company, 1982. p. 17-92.

__________. Principles of linguistic change. Oxford, Cambridge: Blackwell, 1994.

__________. Some sociolinguistic principles. In: PAULSTON, C. B.; TUCKER, G. R.

(eds.). Sociolinguistics: the essential readings. Oxford: Blackwell, 2003. p. 235-250.

LACA, Brenda. Aspect – Périphrase – Grammaticalisation. A propos du “Progressif” dans

lês langues ibero-romanes. In : DAHMEN, Wolfgang; HOLTUS, Gunter; KRAMER,

Johannes; METZELTIN, Michael; SCHWEICKARD, Wolfgang; WINKELMANN, Otto.

(orgs.). Neuere Beschreibungsmethoden der Syntax romanischer Sprachen.

Romanistisches Kolloquium XI. Gunter Narr Verlag Tubingen, 1998. p. 207-225

__________. Spanish “Aspectual” Periphrases: Ordering Constraints and the Distinction

Between Situation and Viewpoint Aspect. In: J. GUTIÉRREZ-REXACH (ed.). From

words to discourse. Trends in Spanish Semantics and Pragmatics. Oxford: Elsevier, 2002.

__________. La variation interlinguistique dans le domaine des périphrases aspectuelles

des langues romanes. In: CARREIRA, Maria Helena Araújo. Instabilités dans les langues

romanes : Travaux et Documents 16. Paris: Vincennes / Saint Denis /Université Paris 8, p.

39-51, 2002b.

__________. Progressive, pluractionals and the domains of aspect. In: O. CROUZET; H.

DEMIDACHE; S. WAUQUIER (eds.). Domain(e)s, Proceedings of the Journée de

Linguistique de Nantes, 2004. p. 87-92.

__________. Indefinites, Quantifiers and Pluractionals: What Scope Effects Tell Us about

Event Pluralities. In: VOGELEER, Svetlana; TASMOWSKI, Liliane (eds.). Non-

definiteness and Plurality. Amsterdam / Philadelphia: John Benjamins Publishing

Company, 2006.

LAPA, Manuel Rodrigues. Estilística da Língua Portuguesa. 11ª ed. São Paulo: Martins

Fontes, 1982.

LAVANDERA, Beatriz. Where does the sociolinguistic variable stop? In: Language in

society (7). 1978. p. 171-182.

LEITE, Yonne.; CALLOU, Dinah. Como falam os brasileiros. Coleção Descobrindo o

Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.

LIMA, Alexandre Xavier. Crítica textual e corpora para a Linguística Histórica: padrões

ortográficos oitocentistas em folhetins (crônicas) de França Júnior. Dissertação de

Mestrado. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 2010.

LIPSKI, John M. Os primeiros contatos afro-portugueses: implicações para a expansão da

língua. The Pennsylvania State University. Disponível em:

Page 407: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

384

<<http://www.personal.psu.edu/jml34/contatos.pdf>>. 2008. Acesso em: 13 de janeiro de

2013.

LOBO, Maria. Dependências temporais: a sintaxe das orações subordinadas gerundivas do

português. In: Veredas 10 (1-2). UFJF, 2006.

__________. Variação Morfo-sintáctica em dialetos do Português Europeu: o gerúndio

flexionado. In: BARBOSA, Pilar. Revista Diacrítica: Revista do Centro de Estudos

Humanísticos. nº 22.1. Lisboa, 2008. p. 25 - 55.

LUFT, Celso Pedro. Gramática Resumida. Porto Alegre, Globo, 1978.

MALER, Bertil. L’infinitif gérondival portugais: quelques notes sur la propagation. In:

Studier i modern språkvetenskap (New Series). [Stockholm Studies in Modern Philology. 4

v]. Stockholm: Stockholms Universitet. Sep., 1972. p. 250-268.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In:

DIONÍSIO, Ângela Paiva; Anna Rachel MACHADO; Maria Auxiliadora BEZERRA

(orgs.). Gêneros textuais e ensino. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.

MARTELOTTA, Mário; VOTRE, Sebastião; CEZÁRIO, Maria Maura (orgs.).

Gramaticalização no português do Brasil: uma abordagem funcional. Rio de Janeiro:

Tempo brasileiro, 1996.

MARTINS, Carla; GONÇALVES, Telmo. (coord.). Imprensa Local e Regional em

Portugal. Lisboa: Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), 2010.

MATEUS, Maria Helena Mira et alii. Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa:

Caminho, 2003.

MATEUS, Maria Helena Mira; CARDEIRA, Esperança. Norma e Variação. Lisboa:

Caminho, 2007.

MENON, Odete Pereira da Silva. Gerundismo?. In: Lingua(gem). v. 1. nº 2. Macapá:

ILAPEC, 2004. p. 191-236.

MESQUITA, José Carlos Vilhena. História da Imprensa do Algarve. v. I. Faro: Comissão

de Coordenação da Região do Algarve, 1988.

__________. A Imprensa Republicana no Algarve. In: LOULÉ. CÂMARA MUNICIPAL

(org.). José Mendes Cabeçadas Júnior e a Primeira República no Algarve. Loulé: Câmara

Municipal de Loulé, 2010. p. 122-145.

MÓIA, Telmo.; VIOTTI, Evani. Differences and similarities between European and

Brazilian Portuguese in the use of the <<gerúndio>>. In: Journal of Portuguese

Linguistics, 3. Lisboa: Association of Editors of the Journal of Portuguese Linguistics,

2004. p. 111-139.

Page 408: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

385

__________. Sobre a semântica das orações gerundivas adverbiais. In: Actas do XX

Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística. Lisboa: APL, 2004b. p. 715

- 729.

MOLLICA, Maria Cecília. (org.) et alii. Introdução à Sociolinguística Variacionista.

Cadernos Didáticos nº 4. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 1992.

MOLLICA, Maria Cecília.; BRAGA, Maria Luiza (orgs). Introdução à sociolinguística: o

tratamento da variação. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2004.

MONTEIRO, José Lemos. Para compreender Labov. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2000.

MOREIRA, Julio. Estudos da Língua Portuguesa. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1907.

MOREIRA, Vasco.; PIMENTA, Hilário. Gramática de Português: 3o Ciclo do Ensino

Básico / Ensino Secundário. Porto: Porto Editora, 2010.

MOTHÉ, Nubia Graciella Mendes. A Variação Histórica entre a Forma Nominal Gerúndio

e o Infinitivo Gerundivo: o Português Brasileiro e o Português Europeu em Contraste. In:

Revista Inicia. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras / UFRJ, 2004.

__________. Variação e mudança aquém e além mar: gerúndio versus infinitivo

gerundivo no Português dos séculos XIX e XX. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro:

Faculdade de Letras/UFRJ, 2007.

MOURA, José de Almeida. Gramática do Português Actual: Ensino Secundário. Lisboa:

Lisboa Editora, 2006.

MURCHO, Desidério. Patriotismo linguístico. In: Blog da crítica. 2010. Disponível em:

<<http://blog.criticanarede.com/2010/04/patriotismo-linguistico.html>>. Acesso em: 13

janeiro 2014.

NARO, Anthony Julius. A Study on the origins of pidginization. In: Language. n. 54. v. 2.

New York: 1978. p. 314-347.

__________. Modelos quantitativos e tratamento estatístico. In: MOLLICA, Maria

Cecília.; BRAGA, Maria Luiza. (orgs). Introdução à sociolinguística: o tratamento da

variação. 2ª ed. São Paulo: Contexto. Cap. 2, 2004. p. 15-25.

NEVES, Maria Helena Moura. Gramática de Usos do Português. São Paulo: Editora

UNESP, 2000.

O COMÉRCIO DO PORTO. In: Arquivo Municipal Sophia De Mello Breyner. Câmara

Municipal De Vila Nova De Gaia. Disponível em: <<http://arquivo.cm-

gaia.pt/creators/13983/>>. Acesso em: 16 de junho de 2013.

__________. In: Infopedia. [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. Disponível em:

<<http://www.infopedia.pt/$o-comercio-do-porto>>. Acesso em: 16 de junho de 2013.

Page 409: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

386

OITICICA, José. Manual de Análise (léxica e sintática). 3ª ed. Rio de Janeiro: Livraria

Francisco Alves, 1945.

OLIVEIRA, Fátima, CUNHA, Luís Filipe e MATOS, Sérgio. Alguns operadores

aspectuais em Português Europeu e Brasileiro. In: Actas do XVI Encontro Nacional da

Associação Portuguesa de Linguística. Lisboa: APL, 2001. p. 737-749.

ORLANDI, Eni Puccilelli. Língua e conhecimento linguístico: para uma história das ideias

no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.

PAGOTTO, Emílio Gozze. Norma e condescendência; ciência e pureza. In:

GUIMARÃES, Eduardo; ORLANDI, Eni. Línguas e Instrumentos Linguísticos. Campinas:

Pontes Editores, 1999.

PERINI, Mário A. Gramática descritiva do Português. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora

Ática, 2002.

PETRY, André. Acusando, culpando e errando. Revista Veja. São Paulo, ed. 2032, ano 40,

no 43, p. 104-106, 31/10/2007.

PORTAL D’AVEIRO. A todas as pressões disse: NÃO!. Disponível em:

<<http://www.aveiro.co.pt/imprimir_noticia.aspx?id=90492>>. Acesso em: 16 de junho de

2013.

PORTUGUÊS EUROPEU. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikipedia

Foundation, 2013. Disponível em:

<<http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Portugu%C3%AAs_europeu&oldid=37807528>.>>

Acesso em: 28 de janeiro de 2014.

REGIÕES DE PORTUGAL. Disponível em:

<<http://portugal.veraki.pt/regioes/regioes.php>>. Acesso em: 04 de janeiro de 2013.

ROBINSON, J. S.; LAWRENCE, H. R.; TAGLIAMONTE, S. A. GOLDVARB 2001: a

multivariate analysis application for Windows. 2001.

ROCHA LIMA, C. H. da. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. 42ª ed. Rio de

Janeiro: José Olympio, 2002.

SANKOFF, David.; TAGLIAMONTE, Sali.; SMITH, Eric. Goldvarb X: a variable rule

application for Macintosh and Windows. Toronto: Department of Linguistics, University

of Toronto, 2005.

SANTOS, Leonor Werneck; RICHIE, Rosa Cuba; TEIXEIRA, Claudia Souza. Análise e

produção de textos. São Paulo: Contexto, 2012.

SCHERRE, Marta M. P. Aspectos da concordância de número no português do Brasil. In:

Revista Internacional de Língua Portuguesa (RILP) – Norma e Variação do Português.

Associação das Universidades de Língua Portuguesa 12. dez. de 1994. p. 37-49.

Page 410: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

387

SCHERRE, Marta M. P.; NARO, Anthony J. Sobre a concordância de número no

português falado do Brasil. In: RUFFINO, Giovanni (org.). Dialectologia, geolinguística,

sociolinguística. Atti del XXI Congresso Internazionale di Linguistica e Filologia

Romanza. Centro di Studi Filologici e Linguistici Siciliani, Universitá di Palermo.

Tübingen: Mas Niemeyer Verlag. n. 5, 1998. p. 509-523

SERGEI. Os Compadres. Disponível em: << http://os-compadres-cartoons.jimdo.com/>>.

Acesso em: 28 janeiro 2013.

SILVA, Rosa Virgínia Mattos e. Reflexões e questionamentos sobre a constituição de

corpora para o Projeto Para a história do português brasileiro. In: DUARTE, Maria

Eugênia Lamoglia e CALLOU, Dinah Callou (orgs.). Para a história do português

brasileiro, Vol. IV – Notícias de corpora e outros estudos. Rio de janeiro: UFRJ,

Faculdade de Letras/FAPERJ, 2002.

SIMÕES, José da Silva. Sintaticização, discursivização e semanticização das orações de

gerúndio no português brasileiro. Tese de doutoramento. São Paulo: USP, Faculdade de

letras, 2007.

SOUSA, Otília da Costa e. Perífrases aspectuais: estar a / andar a + infinitivo. In: Actas do

XXII Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística. Lisboa: APL, 2007. p.

637-648.

SQUARTINI, Mario. Verbal Periphrases in Romance. Aspect, Actionality and

Grammaticalization. Berlin / New York: Mouton de Gruyter, 1998.

STEN, Holger. L' infinitivo Impessoal et l' Infinitivo Pessoal en Portugais Moderne. In:

Boletim de Filologia. Tomo XIII. Lisboa: Centro de Estudos Filológicos, 1952. p. 83-143

SUBDIVISÕES DE PORTUGAL. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida:

Wikipedia Foundation, 2013. Disponível em:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Regi%C3%B5es_administrativas_de_Portugal. Acesso em: 04

de janeiro de 2013.

TAMIA. Alentejano de Portugal. In: Sotaques.blogspot. 2006. Disponível em:

<<http://sotaques.blogspot.com.br/2006/01/alentejano-de-portugal.html>>. Acesso em: 13

de janeiro de 2014.

TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. 7ª ed. São Paulo: Ática, 2001.

TENGARRINHA, José. História da Imprensa Periódica Portuguesa. 2ª ed. revista e

aumentada. Lisboa: Caminho, 1989.

__________. Nova História da Imprensa Portuguesa: das Origens a 1865. Lisboa: Temas

e Debates / Círculo de Leitores, 2013.

TRAUGOTT, Elizabeth Closs; HEINE, Bernd. Approaches to grammaticalization Vol 1:

Focus on theoretical and methodological issues. Amsterdam / Philadelphia: John

Benjamins Company, 1991.

Page 411: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

388

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática Ensino Plural. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2007.

VASCONCELOS, José Leite de. Dialectos alemtejanos: contribuições para o estudo da

Dialectologia Portuguesa. In: Revista lusitana II. Porto, Livraria Portuense, 1890-1892. p.

15-45

VASCONCELOS, Yuri.; SEGATTO, Cristiane. O jovem tem a palavra. Revista Época.

Rio de Janeiro, ed. 56, p. 80, 14/06/1999.

VIEIRA, Silvia Rodrigues; BRANDÃO, Silvia Figueiredo (orgs.). Morfossintaxe e ensino

de Português: reflexões e propostas. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras / UFRJ, 2004.

__________. Ensino de Gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007.

WEINREICH, Uriel; LABOV, William; HERZOG, Marvin. Empirical Foundations for a

theory of language change. In: LEHMANN, W. P.; MALKIEL, Yakov. (eds.). Directions

for historical linguistics. Austin: University of Texas Press. p. 97-195. 1968.

__________. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística. Trad.

Marcos Bagno. Coleção Lingua[gem] 18. 2ª ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

Page 412: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

389

APÊNDICE

LISTA DE EDIÇÕES DE JORNAIS

QUE FORAM LEVANTADAS PARA O CORPUS DA PESQUISA

Page 413: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

390

JORNAIS

REGIÃO JORNAL PUBLICAÇÃO FASE EDIÇÕES N

O DE

IMAGENS

Norte

O Commércio

do Porto

(Período de

coleta de

dados:

1905 – 2000)

TOTAL DE

43 EDIÇÕES

E 528

IMAGENS.

Desde 02 de

junho de 1854

até 30 de julho

de 2005

0 - 1901 –

1910

(07 edições)

04 jan 1905 03

05 jan 1905 04

15 jan 1905 05

17 jan 1905 04

26 jan 1905 04

27 jan 1905 04

28 jan 1905 03

1 - 1911 –

1920

(07 edições)

01 abr 1915 06

06 abr 1915 06

07 abr 1915 06

10 abr 1915 06

24 abr 1915 06

18 mai 1915 06

26 jun 1915 06

2 - 1921 –

1930

(06 edições)

20 abr 1925 02

21 abr 1925 08

22 abr 1925 06

15 mai 1925 06

16 jun 1925 06

24 abr 1925 06

3 - 1931 –

1940

(04 edições)

13 mai 1935 10

04 abr 1935 12

05 abr 1935 12

06 abr 1935 08

4 - 1941 –

1950

(04 edições)

03 jul 1945 08

04 jul 1945 08

05 jul 1945 08

06 jul 1945 08

5 - 1951 –

1960

(04 edições)

01 mar 1955 08

02 mar 1955 08

21 abr 1955 12

22 abr 1955 10

6 - 1961 –

1970

(03 edições)

10 abr 1965 14

11 abr 1965 16

12 abr 1965 16

7 - 1971 –

1980

10 abr 1975 14

11 abr 1975 14

Page 414: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

391

(03 edições) 12 abr 1975 16

8 - 1981 –

1990

(02 edições)

22 jun 1985 48

24 jun 1985 39

9 - 1991 –

2000

(03 edições)

10 jun 1995 48

11 jun 1995 40

24 jun 2000 48

Centro

O Jornal

d’Estarreja

(Período de

coleta de

dados:

1902 – 1925)

TOTAL DE 31

EDIÇÕES

E 128

IMAGENS.

Desde 12 de

abril de 1883

até HOJE

0 - 1901 –

1910

(11 edições)

05 jun 1902 04

12 jun 1902 04

19 jun 1902 04

26 jun 1902 04

03 jul 1902 04

14 abr 1904 04

21 abr 1904 04

28 abr 1904 04

05 mai 1904 04

23 nov 1905 04

30 nov 1905 04

1 - 1911 –

1920

(10 edições)

13 abr 1911 04

22 abr 1911 04

29 abr 1911 04

06 mai 1911 04

13 jul 1912 04

27 jul 1912 04

05 ago 1912 04

16 nov 1913 04

25 nov 1913 04

30 nov 1913 04

2 - 1921 –

1930

(10 edições)

17 jun 1922 04

25 jun 1922 04

02 jul 1922 04

31 dez 1922 04

14 jan 1923 08

21 jan 1923 04

28 jan 1923 04

01 ago 1926 04

08 ago 1926 04

15 ago 1926 04

Diário de

Coimbra

Desde 24 de

maio de 1930

até HOJE

3 - 1931 –

1940

(10 edições)

01 jan 1931 08

03 jan 1931 04

04 jan 1931 04

Page 415: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

392

(Período de

coleta de

dados:

1931 – 1991)

TOTAL DE 55

EDIÇÕES

E 491

IMAGENS.

05 jan 1931 04

06 jan 1931 04

07 jan 1931 04

08 jan 1931 04

09 jan 1931 04

10 jan 1931 04

11 jan 1931 04

4 - 1941 –

1950

(09 edições)

07 fev 1941 04

08 fev 1941 04

09 fev 1941 04

10 fev 1941 04

11 fev 1941 04

12 fev 1941 04

13 fev 1941 04

14 fev 1941 04

15 fev 1941 04

5 - 1951 –

1960

(08 edições)

06 jan 1951 08

07 jan 1951 08

08 jan 1951 08

09 jan 1951 08

10 jan 1951 08

11 jan 1951 08

12 jan 1951 08

13 jan 1951 08

6 - 1961 –

1970

(08 edições)

06 jan 1961 08

07 jan 1961 10

08 jan 1961 12

09 jan 1961 10

10 jan 1961 10

11 jan 1961 08

12 jan 1961 10

13 jan 1961 08

7 - 1971 –

1980

(08 edições)

01 jan 1971 12

03 jan 1971 16

04 jan 1971 09

05 jan 1971 12

06 jan 1971 10

07 jan 1971 12

08 jan 1971 10

09 jan 1971 10

Page 416: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

393

8 - 1981 –

1990

(06 edições)

01 jan 1981 12

03 jan 1981 12

05 jan 1981 12

06 jan 1981 12

07 jan 1981 12

08 jan 1981 12

9 - 1991 –

2000

(06 edições)

01 jan 1991 16

03 jan 1991 20

04 jan 1991 16

05 jan 1991 16

07 jan 1991 20

08 jan 1991 20

Lisboa

Diário de

Notícias

(Período de

coleta de

dados:

1902 – 1996)

TOTAL DE

206 EDIÇÕES

E 2262

IMAGENS.

De 29 de

dezembro de

1864 até HOJE

0 - 1901 –

1910

(50 edições)

03 jan 1902 04

04 jan 1902 04

05 jan 1902 04

06 jan 1902 04

07 jan 1902 04

08 jan 1902 04

09 jan 1902 04

10 jan 1902 04

11 jan 1902 04

12 jan 1902 04

13 jan 1902 04

14 jan 1902 04

15 jan 1902 04

16 jan 1902 04

17 jan 1902 04

18 jan 1902 04

19 jan 1902 04

20 jan 1902 04

21 jan 1902 04

22 jan 1902 04

23 jan 1902 04

24 jan 1902 04

25 jan 1902 04

26 jan 1902 04

27 jan 1902 04

28 jan 1902 04

03 abr 1904 08

04 abr 1904 04

Page 417: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

394

05 abr 1904 06

06 abr 1904 06

07 abr 1904 06

08 abr 1904 06

09 abr 1904 06

10 abr 1904 08

11 abr 1904 04

12 abr 1904 06

13 abr 1904 06

14 abr 1904 06

15 abr 1904 06

16 abr 1904 06

17 abr 1904 08

18 abr 1904 06

26 abr 1904 06

1 - 1911 –

1920

(31 edições)

03 jan 1911 08

04 jan 1911 06

05 jan 1911 08

06 jan 1911 06

07 jan 1911 06

08 jan 1911 08

09 jan 1911 06

10 jan 1911 08

11 jan 1911 06

12 jan 1911 06

13 jan 1911 06

14 jan 1911 06

15 jan 1911 08

16 jan 1911 06

17 jan 1911 06

18 jan 1911 06

01 ago 1913 06

02 ago 1913 08

03 ago 1913 08

04 ago 1913 06

05 ago 1913 07

06 ago 1913 06

07 ago 1913 08

08 ago 1913 06

09 ago 1913 06

Page 418: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

395

10 ago 1913 08

11 ago 1913 06

12 ago 1913 08

13 ago 1913 06

14 ago 1913 08

15 ago 1913 06

2 - 1921 –

1930

(30 edições)

15 jun 1921 06

16 jun 1921 08

17 jun 1921 06

18 jun 1921 06

19 jun 1921 08

20 jun 1921 06

21 jun 1921 06

22 jun 1921 06

23 jun 1921 08

24 jun 1921 06

25 jun 1921 06

26 jun 1921 08

27 jun 1921 06

28 jun 1921 06

29 jun 1921 06

30 jun 1921 08

02 nov 1924 10

03 nov 1924 06

04 nov 1924 08

05 nov 1924 06

06 nov 1924 08

07 nov 1924 08

08 nov 1924 08

09 nov 1924 08

10 nov 1924 06

11 nov 1924 08

12 nov 1924 08

13 nov 1924 08

14 nov 1924 08

15 nov 1924 08

3 - 1931 –

1940

(20 edições)

10 fev 1931 12

11 fev 1931 10

12 fev 1931 12

13 fev 1931 10

Page 419: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

396

14 fev 1931 12

15 fev 1931 12

16 fev 1931 06

17 fev 1931 10

19 fev 1931 14

02 out 1933 08

03 out 1933 08

04 out 1933 08

05 out 1933 12

07 out 1933 12

08 out 1933 16

09 out 1933 08

10 out 1933 08

11 out 1933 08

12 out 1933 12

13 out 1933 08

4 - 1941 –

1950

(29 edições)

10 mai 1941 06

11 mai 1941 10

12 mai 1941 08

13 mai 1941 06

14 mai 1941 08

15 mai 1941 08

16 mai 1941 06

17 mai 1941 06

18 mai 1941 10

19 mai 1941 08

20 mai 1941 06

21 mai 1941 08

22 mai 1941 08

23 mai 1941 06

12 jun 1944 06

13 jun 1944 06

14 jun 1944 06

15 jun 1944 08

16 jun 1944 06

17 jun 1944 08

18 jun 1944 10

19 jun 1944 06

20 jun 1944 06

21 jun 1944 06

Page 420: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

397

22 jun 1944 08

23 jun 1944 06

24 jun 1944 06

25 jun 1944 10

26 jun 1944 06

5 - 1951 –

1960

(21 edições)

01 set 1951 08

02 set 1951 12

03 set 1951 10

04 set 1951 08

05 set 1951 08

06 set 1951 10

07 set 1951 08

08 set 1951 08

09 set 1951 10

10 set 1951 08

11 set 1951 08

12 set 1951 10

04 mar 1954 14

05 mar 1954 10

06 mar 1954 12

07 mar 1954 14

08 mar 1954 12

09 mar 1954 12

10 mar 1954 10

11 mar 1954 12

12 mar 1954 10

6 - 1961 –

1970

(13 edições)

01 ago 1961 14

02 ago 1961 14

03 ago 1961 16

04 ago 1961 14

05 ago 1961 14

06 ago 1961 18

07 ago 1961 14

01 abr 1964 18

02 abr 1964 20

03 abr 1964 18

04 abr 1964 18

05 abr 1964 26

06 abr 1964 18

7 - 1971 – 01 dez 1971 30

Page 421: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

398

1980

(09 edições)

03 dez 1971 32

04 dez 1971 32

05 dez 1971 32

01 nov 1974 24

02 nov 1974 28

04 nov 1974 25

05 nov 1974 24

06 nov 1974 24

8 - 1981 –

1990

(07 edições)

08 jul 1981 24

09 jul 1981 28

10 jul 1981 28

11 jul 1981 40

22 jun 1983 38

23 jun1983 44

24 jun 1983 44

9 - 1991 –

2000

(03 edições)

11 fev 1991 96

12 fev 1991 60

15 abr 1996 128

Alentejo

A Folha do

Sul

(Período de

coleta de

dados:

1901 – 1923)

TOTAL DE 37

EDIÇÕES E

110

IMAGENS.

Desde 07 de

agosto de 1897

até 14 de

dezembro de

1946

0 - 1901 –

1910

(10 edições)

19 jan 1901 04

26 jan 1901 04

02 fev 1901 04

09 ago 1902 04

15 ago 1902 04

23 ago 1902 04

13 ago 1904 04

20 ago 1904 04

27 ago 1904 04

03 set 1904 04

1 - 1911 –

1920

(07 edições)

24 mai 1911 04

27 mai 1911 04

31 mai 1911 04

03 jun 1911 04

14 jan 1914 04

17 jan 1914 04

21 jan 1914 06

2 - 1921 –

1930

(20 edições)

22 jan 1921 02

26 jan 1921 02

29 jan 1921 02

02 fev 1921 02

05 fev 1921 02

Page 422: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

399

12 fev 1921 02

05 jul 1922 02

08 jul 1922 02

12 jul 1922 02

15 jul 1922 02

19 jul 1922 02

22 jul 1922 02

07 mar 1923 02

10 mar 1923 02

14 mar 1923 02

17 mar 1923 02

13 out 1923 02

17 out 1923 02

20 out 1923 02

24 out 1923 02

Diário do

Alentejo

(Período de

coleta de

dados:

1932 – 1998)

TOTAL DE 68

EDIÇÕES E

663

IMAGENS.

De 01 de junho

de 1932 até

HOJE

3 - 1931 –

1940

(10 edições)

01 jun 1932 04

02 jun 1932 04

03 jun 1932 04

04 jun 1932 04

06 jun 1932 04

24 jun 1932 04

04 abr 1933 04

05 abr 1933 04

06 abr 1933 04

07 abr 1933 04

4 - 1941 –

1950

(11 edições)

12 jun 1943 04

14 jun 1943 04

15 jun 1943 04

16 jun 1943 04

17 jun 1943 04

23 set 1947 04

31 mar 1948 04

20 abr 1948 04

21 abr 1948 04

23 abr 1948 04

10 jul 1950 04

5 - 1951 –

1960

(11 edições)

09 jun 1952 04

11 jun 1952 04

06 jun 1953 04

08 jun 1953 04

Page 423: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

400

09 jun 1953 04

21 abr 1955 04

06 jun 1957 04

07 jun 1957 04

24 jun 1958 30

25 jun 1958 04

26 jun 1958 04

6 - 1961 –

1970

(11 edições)

02 jun 1962 04

04 jun 1962 04

04 jun 1963 04

05 jun 1963 04

06 jun 1963 04

10/11 jun

1963

04

16 fev 1967 04

17 fev 1967 03

18/19 fev

1967

04

20 fev 1967 04

21 fev 1967 04

7 - 1971 –

1980

(09 edições)

06 jan 1972 08

07 jan 1972 08

11 jan 1972 08

12 jan 1972 08

13 jan 1972 08

29 nov 1973 08

30 nov 1973 08

17 dez 1974 08

18 dez 1974 08

8 - 1981 –

1990

(08 edições)

17-23 jun

1983

16

24-30 jun

1983

28

01-07 jul 1983 18

08-14 jul 1983 16

03-09 abr

1987

20

05-11 jun

1987

24

11-17 mar

1988

20

Page 424: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

401

18-24 mar

1988

24

9 - 1991 –

2000

(08 edições)

31jan-05fev

1992

24

07-13 fev

1992

24

16-22 abr

1993

28

23-29 abr

1993

28

28fev-06mar

1997

28

07-13 mar

1997

32

13-19 fev

1998

32

20-26 fev

1998

32

Algarve

O Algarve

(Período de

coleta de

dados:

1908 - 1993)

TOTAL DE

105 EDIÇÕES

E 549

IMAGENS.

De 29 de março

de 1908 até

abril de 2013

0 - 1901 –

1910

(11 edições)

29 mar 1908 04

05 abr 1908 04

12 abr 1908 04

26 abr 1908 04

10 mai 1908 04

17 mai 1908 06

24 mai 1908 04

16 mai 1909 06

23 mai 1909 06

30 mai 1909 06

06 jun 1909 04

1 - 1911 –

1920

(10 edições)

04 jan 1914 04

11 jan 1914 04

18 jan 1914 04

28 jan 1915 04

07 fev 1915 04

14 mar 1915 04

21 mar 1915 04

24 set 1916 04

01 out 1916 04

08 out 1916 04

2 - 1921 –

1930

(18 edições)

05 jun 1921 04

12 jun 1921 02

03 jul 1921 02

Page 425: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

402

10 jul 1921 02

17 jul 1921 02

24 jul 1921 02

08 fev 1925 02

15 fev 1925 02

22 fev 1925 02

01 mar 1925 02

08 mar 1925 02

15 mar 1925 02

22 mar 1925 02

29 mar 1925 04

05 abr 1925 02

12 abr 1925 02

19 abr 1925 02

26 abr 1925 02

3 - 1931 –

1940

(10 edições)

30 ago 1931 04

06 set 1931 04

13 set 1931 04

19 mar 1933 04

26 mar 1933 04

02 abr 1933 06

09 abr 1933 04

10 jul 1938 04

17 jul 1938 04

24 jul 1938 04

4 - 1941 –

1950

(10 edições)

27 abr 1941 04

04 mai 1941 04

`11 mai 1941 04

17 out 1943 04

24 out 1943 04

31 out 1943 04

07 nov 1943 04

05 mar 1944 04

06 ago 1944 04

13 ago 1944 04

5 - 1951 –

1960

(10 edições)

27 jan 1952 04

03 fev 1952 04

10 fev 1952 04

10 jan 1954 04

17 jan 1954 04

Page 426: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

403

19 set 1954 04

26 set 1954 04

05 jun 1955 04

12 jun 1955 04

26 jun 1955 04

6 - 1961 –

1970

(10 edições)

14 mai 1961 04

21 mai 1961 04

28 mai 1961 04

03 jun 1962 04

10 jun 1962 04

17 jun 1962 04

24 mar 1963 04

31 mar 1963 04

07 abr 1963 04

14 abr 1963 04

7 - 1971 –

1980

(10 edições)

16 jan 1972 06

23 jan 1972 06

30 jan 1972 06

06 fev 1972 06

13 fev 1972 06

01 abr 1973 08

08 abr 1973 08

15 abr 1973 08

14 out 1973 06

21 out 1973 08

8 - 1981 –

1990

(10 edições)

08 abr 1981 12

15 abr 1981 10

22 abr 1981 10

29 abr 1981 10

23 set 1981 10

30 set 1981 10

07 out 1981 08

09 dez 1981 10

23 dez 1981 10

30 dez 1981 10

9 - 1991 –

2000

(06 edições)

11 jul 1991 20

18 jul 1991 16

25 jul 1991 17

11 mar 1993 10

18 mar 1993 12

Page 427: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

404

25 mar 1993 12

Açores

Diário dos

Açores

(Período de

coleta de

dados:

1907 – 1997)

TOTAL DE 40

EDIÇÕES E

181

IMAGENS

De 05 de

fevereiro de

1870 até HOJE

0 - 1901 –

1910

(04 edições)

03 mai 1907 04

04 mai 1907 04

11 mai 1907 04

13 mai 1907 04

1 - 1911 –

1920

(04 edições)

12 jan 1918 02

28 jan 1918 02

07 fev 1918 02

10 abr 1918 02

2 - 1921 –

1930

(05 edições)

02 jan 1928 10

28 jan 1928 02

30 jan 1928 02

30 mar 1928 02

10 abr 1928 02

3 - 1931 –

1940

(04 edições)

11 nov 1937 03

12 nov 1937 04

28 jan 1938 05

29 jan 1938 05

4 - 1941 –

1950

(não há)

(Não há.) -

5 - 1951 –

1960

(04 edições)

04 abr 1950 04

08 jul 1950 04

10 jul 1950 04

11 jul 1950 04

6 - 1961 –

1970

(06 edições)

26 mar 1960 05

28 mar 1960 02

13 jan 1961 02

28 jan 1961 04

07 abr 1965 02

15 abr 1965 04

7 - 1971 –

1980

(04 edições)

07 abr 1975 04

10 arb 1975 04

21 abr 1975 04

24 jun 1975 04

8 - 1981 –

1990

(03 edições)

07 abr 1987 08

10 abr 1987 07

06 jun 1987 08

9 - 1991 –

2000

(06 edições)

21 abr 1997 16

06 jun 1997 16

24 jun 1997 16

Page 428: Universidade Federal do Rio de Janeiro N A · Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados. Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente

405

LOCALIDADE NÚMERO DE EDIÇÓES NÚMERO DE PÁGINAS /

IMAGENS

NORTE 43 528

CENTRO 86 619

LISBOA 206 2262

ALENTEJO 105 773

ALGARVE 105 549

AÇORES 40 181

TOTAL GERAL 585 4912