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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE Mara Lúcia Rodrigues Costa CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE DE ESTUDANTES DE LICENCIATURA EM BIOLOGIA EM UM CURSO A DISTÂNCIA Rio de Janeiro 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E

SAÚDE

Mara Lúcia Rodrigues Costa

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE DE ESTUDANTES DE

LICENCIATURA EM BIOLOGIA EM UM CURSO A DISTÂNCIA

Rio de Janeiro

2014

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Mara Lúcia Rodrigues Costa

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE DE ESTUDANTES DE LICENCIATURA

EM BIOLOGIA EM UM CURSO A DISTÂNCIA

Tese de Doutorado apresentada ao Programa

de Pós-Graduação Educação em Ciências e

Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional

para a Saúde, Universidade Federal do Rio de

Janeiro, como requisito parcial à obtenção do

Título de Doutor em Educação em Ciências e

Saúde.

Orientadora: Profª. Drª. Flavia Rezende Valle dos Santos

Rio de Janeiro

2014

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C837c Costa, Mara Lúcia Rodrigues.

Construção da identidade docente de estudantes de licenciatura em Biologia em um

curso a distância / Mara Lúcia Rodrigues Costa.– Rio de Janeiro : NUTES, 2014.

xvi 189 f. : il. ; 31 cm.

Orientadora: Flavia Rezende Valle dos Santos.

Tese (Doutorado) -- Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia

Educacional para a Saúde, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde,

Rio de Janeiro, 2014.

Referências bibliográficas: f. 173-178.

1. Identidade docente. 2. Educação à Distância. 3. Tecnologia educacional para a saúde

– Teses. I. Santos, Flavia Rezende Valle dos. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro -

Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde. III. Título.

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Mara Lúcia Rodrigues Costa

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE DE ESTUDANTES DE LICENCIATURA

EM BIOLOGIA EM UM CURSO A DISTÂNCIA

Tese de Doutorado apresentada ao Programa

de Pós-Graduação Educação em Ciências e

Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional

para a Saúde, Universidade Federal do Rio de

Janeiro, como requisito parcial à obtenção do

Título de Doutor em Educação em Ciências e

Saúde.

Aprovado em: 29/07/2014

______________________________________________________

Profa. Dra. Flavia Rezende Valle dos Santos - UFRJ

______________________________________________________

Profa. Dra. Andreia Guerra de Moraes - CEFET/RJ

______________________________________________________

Profa. Dra. Glória Regina Pessôa Campello Queiroz - UERJ

______________________________________________________

Profa. Dra. Simone Rocha Salomão - UFF

______________________________________________________

Profa. Dra. Guaracira Gouvêa de Sousa - UFRJ

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Dedico este estudo

A meus pais,

pelo carinho e por mostrar que a educação é uma das

coisas mais importantes que podemos ter na vida.

Aos meus amores Felipe e Letícia,

motivadores do meu percurso

E a todos que se dedicam

a arte da docência

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AGRADEÇO ...

Até a conclusão dessa tese, quatro anos de intenso trabalho se passaram. Hoje,

olhando para o que passou, é possível fazer um balanço desse tempo repleto de dias de

alegria, de cansaço e de esforço. Por ora, é preciso reconhecer que esse percurso não seria

possível sem apoio, sem companheirismo. Nessa caminhada, recebi ajuda e experimentei a

sensação de não estar só. Muitos foram aqueles que me deram a mão, que me ampararam. A

todos o meu reconhecimento e sinceros agradecimentos.

A meus pais, João e Amélia, pessoas simples, amorosas e dedicadas à família, que não

pouparam esforços para educar todos os filhos.

Aos meus irmãos João Marcílio, Margerte, Zilene e Marcelo, pelo apoio, força, compreensão

sempre constantes na minha vida.

A Getúlio, amor da minha vida, pelo carinho, paciência em todas as ausências e por

compreender a importância da minha qualificação. A minha orientadora e coautora desse trabalho, Profa. Flavia Rezende, pela orientação

constante por compartilhar seus saberes e ideias. Aos colegas com quem pude dividir o meu espaço de formação, Mônica, Angélica, Heloisa,

Inácio, Ekaterine, Wagner, Simone, Roberta, Fernando, Aroaldo, Gleice e Lusiane, pelas

trocas, apoio e auxílio durante essa construção. A minha querida amiga e companheira de jornada, Ana Beja, pelo apoio, carinho e por sua

presença sempre constante em todos os momentos desse trabalho.

Aos meus queridos alunos, razão desse estudo, que muito contribuíram para a construção da

minha identidade docente. Às professoras Guaracira Gouvêa e Simone Salomão pela contribuição no exame de

qualificação e por estarem presentes novamente na finalização desse trabalho. Aos professores Andreia Guerra, Glória Queiroz, Alexandre Bonfim e Luiz Rezende, por

aceitarem participar da final desse estudo. As minhas companheiras de jornada na educação a distância, Bethânia, Elenice, Leandra,

Adriana, Edna, Maricarmem e Anderson pelo apoio sempre constante. A minha amiga Ana Maria Belo, pela presença, pelo colo e conselhos cheios de carinho e

razão. Aos professores do programa, por terem compartilhado seus saberes acadêmicos e de prática,

o que muito contribuiu também para a construção da minha identidade docente. A Rosemara por ter sido a companheira que muito contribuiu para a conclusão desse trabalho.

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Por fim, gostaria de fazer um agradecimento e uma homenagem especial para minha Avó,

Tereza Pereira de Souza, um dos maiores exemplos de integridade que alguém pode ter. Ela se

foi e nos deixou muita saudade e também maravilhosas lições de vida.

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RESUMO

COSTA, Mara Lúcia Rodrigues. Construção da identidade docente de estudantes de

licenciatura em biologia em um curso a distância. 2014. 192 f. Tese (Doutorado em

Educação em Ciências e Saúde)− Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

O presente estudo teve como objetivo investigar a construção discursiva da identidade

docente de licenciandos de um curso de licenciatura em Ciências Biológicas a distância,

entendendo a identidade como entrelaçada aos processos de socialização e às interações

verbais em um dado contexto social, constituída nas relações dialógicas com discursos

associados ao contexto formativo e/ou a outros contextos sociais. O corpus analisado resultou

de entrevistas semiestruturadas com quatro licenciandos de uma instituição privada do interior

de Minas Gerais que estavam na última etapa do curso. Também foi utilizado um questionário

para levantar o perfil socioeconômico e cultural do conjunto de licenciandos que compõem a

turma. O arcabouço teórico-metodológico que fundamentou essa pesquisa foi a abordagem

sociocultural, a partir de uma articulação entre conceitos de Stuart Hall, Tomaz Tadeu da Siva

e Mikhail Bakhtin. Para analisar as entrevistas, foi utilizado um dispositivo analítico

bakhtiniano do discurso. A partir do quadro teórico adotado e da problematização da educação

a distância, procuramos discutir as seguintes questões: 1) É possível observar sinais de que a

identidade docente esteja sendo construída discursivamente por meio de processos de

identificação com a proposta pedagógica do curso? 2) É possível relacionar esses sinais ou a

ausência deles a características deste curso e ao processo formativo a distância? A partir da

análise dos enunciados dos licenciandos, percebemos que o curso teve pouco impacto na

construção discursiva da identidade docente dos estudantes, o que pode estar relacionado a

vários fatores. O primeiro deles parece relacionar-se à opção pelo curso, que é feita,

essencialmente, por permitir a conciliação com atividades profissionais e/ou outras já em

curso, ou pela afinidade pela disciplina de Biologia, mas nunca pela escolha de abraçar a

carreira docente. Os aspectos mais destacados como significativos, relacionados à formação a

distância, referem-se às atividades presenciais, o que depõe contra a relevância das interações

mediadas pelo ambiente virtual no curso. No tocante à avaliação dos aspectos curriculares, a

análise evidenciou tanto uma crítica à organização das disciplinas do curso como apreciações

positivas, embora sucintas, sem evidenciar como elas contribuíram. Com relação a avaliação

ao conteúdo do curso, o que pareceu mais significativo foi a articulação entre teoria e prática

viabilizada pelo estágio, uma atividade presencial. De uma maneira geral, as perspectivas dos

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licenciandos dialogaram mais com o senso comum do que com discursos que estivessem

associados ao currículo do curso, a alguma disciplina, a algum autor em particular e tampouco

com a prática docente vivenciada no momento do estágio. Nesse diálogo, a análise evidenciou

algumas representações da profissão docente, como a do heroísmo, a de uma questão

vocacional, e àquela relacionada ao dom de transmitir conhecimentos.

Palavras-chave: Educação a distância. Formação de professores de biologia. Identidade

docente. Análise bakhtiniana do discurso.

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COSTA, Mara Lúcia Rodrigues. Construção da identidade docente de estudantes de

licenciatura em biologia em um curso a distância. 2014. 192 f. Tese (Doutorado em

Educação em Ciências e Saúde)− Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

The present study aimed to investigate the construction of teacher identity of

undergraduate students from a pre-service teachers distance education course in Biological

Sciences, understanding identity as intertwined to processes of socialization and verbal

interactions in a given social context, constituted in dialogic relations with discourses

associated with the formation context and/or other social contexts. The analyzed corpus

resulted from semi-structured interviews with four undergraduate students from a private

institution in Minas Gerais who were in the last semester of the course. We also used a

questionnaire to raise the socioeconomic and cultural profile of the group of the students that

comprise the class. The theoretical and methodological framework of this research was the

sociocultural perspective delineated from a joint between Stuart Hall, Tomaz Tadeu da Siva e

Mikhail Bakhtin concepts. To analyze the interviews, a Bakhtinian discourse analytical device

was used. From the theoretical framework adopted and the discussion of distance education,

we seeked to discuss the following questions: 1) Is it possible to observe signs that teacher

identity is being discursively constructed through processes of identification with pedagogical

proposal of the course? 2) Is it possible to relate these signals or the lack of them to features

of this course? 3) To the distance education process? From the analysis of the students’

statements, we observed that the course had little impact on the students’ discursive

construction of teacher identity, which can be related to several factors. The first of them

seems to be related to the choice of the course, which is essentially made for allowing

reconciliation with professional and/or other activities already in progress, or the affinity for

the discipline of Biology, but never by the choice of embracing teaching career activities. The

most prominent aspects considered significant, related to distance education, refer to

classroom activities, which deposed against the relevance of interactions mediated by the

virtual environment in the course. Regarding the evaluation of the curricular aspects, the

analysis showed both a critical to the organization of the course subjects and positive

testimonials, although succinct, not showing how the disciplines contributed. With respect to

evaluation of the content delivered in the course, what seemed most significant was the

articulation between theory and practice made possible in the traineeship, a classroom

activity. In general, the students’ perspectives dialogued more with common sense than with

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discourses associated with the course curriculum, with some discipline, some particular author

nor with experienced teaching practice at the time of traineeship. In this dialogue, the analysis

showed some representations of teaching profession, as the one of heroism; of a vocational

profession; and the one related to the gift of transmitting knowledge.

Key-words: Distance education. Training teachers of biology. Teacher identity. Bakhtin's

discourse analysis.

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 Artigos selecionados a partir dos descritores, nos

periódicos da área de ensino de ciências no período de

2001 a 2013

42

QUADRO 2 Teses selecionadas a partir dos descritores, no banco de

teses e dissertações da Capes

50

QUADRO 3 Dissertações selecionadas a partir dos descritores, no

banco de teses e dissertações da Capes

51

QUADRO 4 Teses selecionadas a partir dos descritores no BDTD 52

QUADRO 5 Lista de dissertações selecionadas a partir dos

descritores no BDTD

52

QUADRO 6 Informações profissionais dos estudantes entrevistados 86

QUADRO 7 Aspectos significativos extraídos da análise do

discurso dos licenciandos

162

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AVA Ambiente Virtual de Aprendizagem

BDTD Biblioteca Digital de Tese e Dissertações

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNE Conselho Nacional de Educação

EaD Educação a Distância

EMATER Empresa de Assistências Técnica e Extensão Rural

MEC Ministério da Educação

PPP Projeto Político Pedagógico

TDIC Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação

TIC Tecnologia de Informação e Comunicação

UAB Universidade Aberta do Brasil

UNIUBE Universidade de Uberaba

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 16

2 PROBLEMATIZANDO A FORMAÇÃO DOCENTE A DISTÂNCIA 22

2.1 A EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO BRASIL 22

2.2 PROBLEMATIZANDO AS BASES PEDAGÓGICAS DA FORMAÇÃO

DOCENTE À DISTÂNCIA

28

3 A FORMAÇÃO E A IDENTIDADE DOCENTE: UMA REVISÃO DA

LITERATURA

41

3.1 A FORMAÇÃO E IDENTIDADE DOCENTE NA LITERATURA 41

3.1.1 Revisão Bibliográfica em periódicos 41

3.1.1.1. Formação de professores de Biologia 42

3.1.1.2 Identidade docente 44

3.1.2 Revisão bibliográfica nos bancos de teses e dissertações 49

3.1.2.1 Formação de professores de Biologia 53

3.1.2.2 Identidade docente

56

4 QUADRO TEÓRICO 64

4. 1 CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE 64

4.1.1 Conceituando identidade 64

4.1.2 A construção da identidade docente 68

4.2 CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NAS INTERAÇÕES VERBAIS

72

5 PERCURSO METODOLÓGICO 81

5.1 CONTEXTO DE ESTUDO 81

5.1.1 A instituição 81

5.1. 2 O curso 82

5. 3 OBJETIVO DA PESQUISA 85

5. 4 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 85

5. 5 QUESTÕES DE ESTUDO 86

5.6 SUJEITOS DO ESTUDO 86

5.7 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 87

5.7.1 O enquadramento investigativo 87

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5.7.2 Elaboração e aplicação dos instrumentos de pesquisa

88

6 ANÁLISE DOS ENUNCIADOS 98

6.1 ENTREVISTA COM AUGUSTO 98

6.1.1-Identificação dos enunciados 98

6.1.2 Leitura preliminar dos enunciados 98

6.1.3Contexto extraverbal comum 99

6.1.4 Contexto extraverbal individual 100

6.1.5 Análise dos Enunciados 100

6.2 ENTREVISTA COM MAYANA 115

6.2.1 Leitura preliminar dos enunciados 115

6.2.2 Contexto extraverbal individual 125

6.2.3 Análise dos Enunciados 125

6. 3 ENTREVISTA COM BERTHA 124

6.3.1 Leitura preliminar dos enunciados 124

6.3.2 Contexto extraverbal individual 125

6.3.3. Análise dos Enunciados 125

6. 4 ENTREVISTA COM PAULO 136

6.4.1 Leitura preliminar dos enunciados 136

6.4.2 Contexto extraverbal individual 137

6.4.3 Análise dos Enunciados

137

7 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS 153

7.1 SÍNTESE DAS ENTREVISTAS REALIZADAS 153

7.1.1 Síntese entrevista com Augusto 153

7.1.2 Síntese entrevista com Mayana 155

7.1.3 Síntese entrevista com Bertha 157

7.1.4 Síntese entrevista com Paulo 159

7.2 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 164

7.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES

171

8 REFERÊNCIAS

173

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ANEXOS E APÊNDICES 179

ANEXO I - MATRIZ CURRICULAR E CARGA HORÁRIA 179

ANEXO II - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 182

APÊNDICE I- PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS LICENCIANDOS DO

ÚLTIMO PERÍODO DO CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS

BIOLÓGICAS

183

APÊNDICE II- PROTOCOLO DA ENTREVISTA 188

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1 INTRODUÇÃO

Procuro despir-me do que aprendi,

Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,

E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos.

Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras

Desembrulhar-me, ser eu.

(Fernando Pessoa)

O interesse pela compreensão do processo de construção da identidade do professor de

Biologia que tem sua formação inicial na modalidade a distância advém de minha experiência

como preceptora e professora de um curso de licenciatura em Ciência Biológicas a distância,

em uma instituição privada, numa cidade do interior de Minas Gerais.

Atuando, inicialmente, como preceptora e depois como professora nessa modalidade

de ensino há mais de seis anos, percebi uma nova realidade que se configurava na formação

dos professores, manifestada na organização e dinâmica do curso. Isso me fez refletir sobre a

formação desses sujeitos que, até iniciarem o curso superior, passaram pelo ensino presencial

em que tiveram contato com uma cultura escolar na qual a figura do professor era essencial,

uma vez que cabia ao docente a transmissão de conteúdos, a administração do tempo

necessário para ministrá-los, a responsabilidade pela avaliação, além do gerenciamento das

interações na sala de aula, a disciplina e a motivação.

No ensino a distância, o cenário que se apresenta é bem diferente. A relação professor,

aluno e conteúdo se configuram por meio de uma estrutura que supõe uma convivência

articulada e em rede com outros atores como o tutor ou preceptor, professor gestor, professor

especialista e professor tutor. Não quero dizer, com isso, que o professor seja uma figura

apartada dos demais agentes que fazem parte do ambiente escolar, mas sim que as relações

que se estabelecem no processo ou ato de ensinar configuram-se de forma externa à sala de

aula. O professor especialista é o responsável pela preparação do material que será utilizado

pelo estudante e por preparar e corrige as atividades avaliativas que serão colocadas no

Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). Cabe ao tutor a motivação para que as atividades

no AVA sejam executadas, alertando para os seus prazos de encerramento, dentre outras

atribuições. Já o professor gestor prepara as pautas dos conteúdos que serão ministrados nos

encontros presenciais e organiza o calendário com as datas dos encontros e das avaliações. O

professor tutor prepara as aulas de acordo com a pauta. Por conta dessas constatações,

comecei a me questionar: será que essa nova configuração de ensino que esses sujeitos estão

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experimentando na sua formação inicial propicia uma mudança na imagem e concepção do

que é ser professor?

Nas conversas com os estudantes, durante os encontros presenciais, comecei a

conhecer os motivos pelos quais alguns deles haviam feito a opção pelo curso a distância e,

consequentemente, isso propiciou também conhecimento sobre quem eram esses sujeitos. O

primeiro e principal motivo da opção pelo curso a distância, apontado por eles, estava

relacionado à flexibilidade do tempo. A maioria deles são mulheres que, além da função de

dona de casa, trabalham e, em muitos casos, são as responsáveis pelo sustento da família.

Outros já tinham uma graduação concluída e queriam ampliar sua área de atuação no

magistério, pois devido à carência de professores de Ciências e Biologia em suas cidades,

estavam lecionando essas disciplinas e necessitavam regularizar sua situação nas instituição

onde trabalhavam.

Havia também um mito, que se desfazia logo nos primeiros encontros, de que o ensino

a distância era “fácil”. Isso ocorria muito em virtude de propagandas veiculadas pela mídia,

que focalizavam a questão da flexibilidade do tempo, já que os horários de estudo podem ser

programados de acordo com a disponibilidade.

Os estudantes, já no primeiro encontro presencial, após a apresentação do curso, de

sua dinâmica e o primeiro contato com o AVA, assustavam-se, e muitos não voltavam nos

encontros seguintes. Eles ficavam visivelmente impactados, quando descobriam que os prazos

seriam rigorosamente cumpridos e que, caso não conseguissem realizar as atividades no

ambiente virtual em tempo hábil, não haveria como repeti-las, pois o “sistema” não o

permitiria.

Outro fator que causou apreensão foram as avaliações. Quando há algum problema,

como por exemplo, com as notas, existe um caminho muito burocrático, que se inicia com o

requerimento do estudante para o preceptor, o qual o encaminha para o setor das Tecnologias

Digitais de Informação e Comunicação (TDIC); este, por sua vez, entra em contato com o

professor gestor e, depois, todo esse percurso é feito ao inverso para encaminhar a solução

para o estudante. Isso leva tempo e provoca uma grande ansiedade, percebida somente por nós

que estamos em contato com o estudante. Muito diferente do que ocorre no ensino presencial,

pois neste, o professor responsável pela disciplina também é quem administra as avaliações e

essa resposta, via de regra, costuma ser rápida.

Eles também estranharam o fato de o professor tutor, no caso eu, ser o responsável

somente por preparar as aulas dos encontros presenciais e, às vezes, também, pela correção de

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um componente curricular no AVA, não cabendo, porém, a mim desempenhar as funções que

eles vivenciaram no ensino presencial. Essa dificuldade em entender a função do professor

tutor se traduzia na materialidade de seus discursos e nas suas palavras “eu tinha contato com

eles, conhecia cada um, e sabia o que tinha sido visto em cada encontro” remetendo-se ao

formato do ensino presencial. Aos poucos, com a vivência no curso, conseguiam vencer o

hábito de fazer comparações e adaptavam-se ao novo formato de ensino a que estavam

expostos.

Pouco antes do início da etapa, ou período, os estudantes recebiam o material

pedagógico, que é preparado por uma equipe de professores especialistas – também

responsáveis pela preparação das atividades no AVA, pelas avaliações presenciais e correção

destas. O contato com esses docentes ocorria unicamente no ambiente virtual, o que gerava

alguns problemas, como o não entendimento de um baixo desempenho nas avaliações, isto é,

os alunos não entendiam as notas atribuídas as suas respostas e onde estava o erro. Cabia,

muitas vezes, a nós, professor tutor e preceptor, desatar o nó.

Outro fator complicador para os estudantes dizia respeito ao fato de eles terem que

aprender a desenvolver autonomia em relação a seus estudos. Do início até à metade do curso,

eles se sentiam muito inseguros e com grandes dificuldades de adequação a esse novo modo

de aprendizado, já que competia-lhes a elaboração de sua rotina de estudo; isso incluía

visitar o AVA todos os dias, pesquisar e resolver suas dificuldades no tocante às atividades,

além de estar atento aos prazos de envio. Não compreendiam que o material pedagógico

precisava ser explorado antes de cada encontro presencial, pois o intuito deste é o

esclarecimento de dúvidas e a dissolução de algumas dificuldades encontradas durante seus

estudos. Os alunos chegavam querendo uma aula como a que tinham no ensino presencial, do

qual a própria sequência dos conteúdos não obedecia à mesma lógica.

No curso presencial, os conteúdos das grandes áreas temáticas da Biologia são

divididos em disciplinas como Zoologia, Botânica, Biologia Geral, etc. Já no curso a distância

no qual foi realizado esse trabalho, elas são vistas, não de forma segmentada, mas dentro de

eixos temáticos como, por exemplo, o componente Unidade da Vida, em que são abordadas

disciplinas como Química, Física, e Biológica Geral, de forma que os seus conteúdos

dialogam entre si, ou seja, de maneira interdisciplinar. Concomitantemente, os estudantes

também são apresentados ao conteúdo pedagógico. Assim, uma parte do tempo do encontro

presencial é destinada à apresentação dos conteúdos específicos, e outra, à parte pedagógica

que também segue o mesmo esquema daqueles. Trabalhamos, por exemplo, o componente

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pedagógico denominado Escola e Sociedade, no qual são abordados os seguintes temas:

Paradigmas Educacionais e Concepções de Educação.

Outro obstáculo que precisava ser vencido dizia respeito ao uso do computador.

Muitos, senão a maioria, tinham um contato restrito com essa ferramenta, alguns sequer

possuíam uma. Além disso, tinham pouco ou nenhum contato com a internet em suas

residências, pois eram provenientes de cidades muito pequenas e/ou moravam em zona rural,

cujo acesso à internet não existe ou é muito precário.

Havia, ainda, outro empecilho: os estudantes também tinham muita dificuldade com a

leitura e interpretação dos textos, tanto do material pedagógico que recebiam quanto o que era

disponibilizado no AVA.

Portanto eram muitos as barreiras a serem transpostas pelos estudantes para que

pudessem ter uma formação adequada. Não quero dizer com isso que, no ensino presencial,

algumas dessas dificuldades também não ocorrem; no entanto, no contexto da educação a

distância, por conta de uma nova configuração no modo de lidar com o ensino, uma vez que

há a mediação do processo de ensino e aprendizagem pela introdução da tecnologia, esses

óbices colocavam em xeque algumas crenças construídas ao longo da trajetória escolar a

respeito da relação entre professor, estudante e conteúdo. E cabia a nós, a mim e ao preceptor,

pois lidamos diretamente com os estudantes, seja pessoalmente, pelo celular, ou pelo AVA,

procurar, da melhor forma possível, auxiliar na transposição dessas dificuldades. Todas essas

constatações despertaram em mim um questionamento a respeito da representação do que é

ser professor para esses discentes. Seria possível que essa nova configuração de ensino iria

causar-lhes algum impacto na concepção que eles possuem do que é ser professor?

A relação que desenvolvemos com os estudantes chamou minha atenção, pois, apesar

da mediação via computador, celular, e presencialmente a cada dois meses, não percebi a

distância física imposta devido à mediação tecnológica como um impedimento para o

desenvolvimento de uma relação amistosa. Muito pelo contrário, ao comparar com o que

vivencio no ensino presencial, avalio que conheço muito mais meus alunos do curso a

distância que os do presencial. Essa é uma questão instigante para todos os envolvidos nesse

processo educacional: a intensidade das relações que vivenciamos com os estudantes e eles

conosco em detrimento do contato diário. Assim, comecei a me questionar sobre o que nos

levava a desenvolver essa intimidade.

Tão logo fui apropriando-me do modus operandi da EaD na instituição onde trabalho,

outra questão começou a intrigar-me: o motivo pelo qual minha cidade, que é ainda pequena

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e, sob certos aspectos, tão provinciana, abriga um polo de EaD de uma instituição de grande

porte. Uma das respostas era evidente: o advento da informática, o desenvolvimento das

telecomunicações e as facilidades cada vez maiores de aquisição do computador. Mas seria

essa a única explicação?

Quando comecei a lecionar na educação a distância, já tinha experiência em cursos de

formação de professores na modalidade presencial e por essa razão surgiram minhas

inquietações. Contudo não dispunha de recurso teórico para compreender e refletir sobre essas

questões, apesar de ser licenciada em Ciências Biológicas, minha formação de pós-graduação

deu-se em uma área técnica. Iniciei minha carreira no magistério superior assim que concluí

meu mestrado. Comecei a lecionar uma disciplina relacionada à área de ciências naturais para

o curso de Pedagogia de uma instituição particular. Também ministrei a disciplina Prática de

Ensino para o curso de licenciatura em Ciências Biológicas em uma instituição pública

federal, onde tive o primeiro contato com as ideias de Bakhtin, por causa de um projeto

interdisciplinar desenvolvido pelo departamento a que estava vinculada.

Assim, devido a minha trajetória profissional, guiada para a formação de professores,

e também à busca de respostas para minhas indagações sobre o que vivencio em um curso de

formação de professores na modalidade EaD, ingressei no Programa de Pós-graduação do

Núcleo de Tecnologia Educacional para Saúde e passei a fazer parte do grupo de pesquisa

coordenado pela professora Dra. Flavia Rezende. O contato com a abordagem sociocultural,

as ideias de Wertsch, Bakhtin, o que vivenciei nas disciplinas cursadas e os projetos e

pesquisas desenvolvidos pelo grupo aguçaram ainda mais meu interesse sobre a EaD. Por

meio das leituras desses autores, comecei a vislumbrar a possibilidade de compreender

algumas questões que me inquietavam e também a emoldurar os problemas de acordo com

novos quadros teórico-metodológicos.

No contato com as leituras sobre a abordagem sociocultural, tive a possibilidade de

perceber a formação inicial a distância como processo complexo, entrelaçado ao contexto

social e cultural dos sujeitos. Por ser, também, um processo construído pessoal e

coletivamente, pois é constituído por meio das interações discursivas que cada sujeito

vivencia em seu percurso, que implica pensar na relação do sujeito com a sociedade e, por

conseguinte, no processo de interações discursivas que acabam por mediar as trocas entre os

sujeitos.

Assim, além de estar ciente de que, no processo educacional a distância, as trocas são

mediadas pelas tecnologias que, por sua vez, medeiam outro formato de interação entre os

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sujeitos envolvidos nesse processo – uma vez que a interação na EaD não privilegia as formas

de interação primária e que a relação professor, aluno e conteúdo apresenta um formato

diferenciado daquele vivido no ensino presencial, que pode se configurar num problema para

muitos indivíduos que se inserem nesse processo − tornei-me consciente de que tudo isso

estava inserido em um contexto social, econômico, político e cultural que compelia o

indivíduo a fazer escolhas entre essa ou aquela formação e modalidade de ensino. O contato

com a literatura recente sobre a formação de professores apontou para a relevância das

interações sociais e discursivas nesse processo e para a formação da construção da identidade

docente. Tudo isso me impulsionou a investigar a construção identitária de sujeitos que

experimentam esse processo.

Esse estudo emerge das minhas inquietações profissionais e das discussões e leituras

no grupo de pesquisa que, aos poucos, possiblitaram-me vislumbrar uma investigação que tem

como objeto o processo de construção identitária dos sujeitos cuja formação inicial é por meio

do ensino a distância.

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2 PROBLEMATIZANDO A FORMAÇÃO DOCENTE A DISTÂNCIA

Investigar a EaD a partir de suas raízes socioculturais exige enxergá-la inserida em um

momento específico vivenciado em nosso país. Inicio, assim esse capítulo procurando

contextualizar o estudo no período recente de expansão da EaD no Brasil, apontando alguns

aspectos políticos, econômicos e sociais envolvidos nessa extensão, pois não há como estudar

um fenômeno educacional sem compreender as circunstâncias no qual ele está inserido e se

desenvolve. Ao mesmo tempo, também, preocupamo-nos em problematizar as bases

pedagógicas sobre as quais esse processo – principalmente a formação docente – está

assentado, a partir das perspectivas de alguns autores, que representam visões distintas. Essa

discussão tangenciou a construção da identidade docente. Buscamos aprofundar esse tema a

partir da produção acadêmica sobre a formação de professores e sobre a construção da

identidade docente.

A EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO BRASIL

Com o intuito de situar o presente estudo no contexto da expansão da Educação a

distância (EaD) em nosso país, partimos de uma pesquisa bibliográfica de trabalhos sobre ela

que não se restringissem à discussão pedagógica, mais recorrente na literatura, e buscassem ir

além, propondo análises dos aspectos socioculturais da educação a distância. Elegemos como

ponto de partida estudos que contemplam esses aspectos por entender que o que se vivencia

hoje em termos de EaD on-line em nosso país está entrelaçado a questões econômicas,

políticas e sociais que regem o modus operandi desse tipo de oferta educacional, tão

disseminado atualmente. Compreender as raízes socioculturais desse processo possibilita ir

além da situação que se apresenta, procurando a origem material das necessidades e interesses

inerentes às relações econômicas de produção, que acabam por beneficiar as classes sociais

dominantes. Compor este cenário imbricado por relações de poder pode ajudar-nos a

compreender o percurso que fez com que hoje seja possível termos um curso de licenciatura

em Ciências Biológicas a distância oferecido por uma instituição privada numa cidade do

interior de Minas Gerais e que atende um número considerável de pessoas.

Em linhas gerais, a expansão dos cursos à distância está relacionada às mudanças no

cenário econômico da globalização, que, ao refletir na educação, gerou a necessidade de

formação de mão de obra qualificada para atender à demanda do mercado de trabalho. Para

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Petri (1998) e Silva Jr (2003), essa demanda veio tentar equilibrar a crise do capital,

promovendo o ajuste estrutural dos países com dívidas externas, ao lado de outras medidas

como a flexibilização do processo produtivo, a desregulação do mercado e o fortalecimento

do Estado Mínimo. Todas essas ações representam a possibilidade de um ajuste econômico

mundial decorrente da universalização do capitalismo tanto no campo geográfico como no

social. De acordo com Silva Jr (2003), tal ajuste teve origem nos diagnósticos e nas pesquisas

dos intelectuais da economia central em âmbito planetário, com o predomínio dos Estados

Unidos da América, e também nas reformas educacionais propostas por organismos

internacionais como o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico.

Para a consolidação dessas mudanças econômicas e atendimento às exigências de um

mercado cada vez mais competitivo, era necessário, dentre outros aspectos, a formação de

mão de obra qualificada. Nesse cenário, as autoridades públicas brasileiras, nos termos de

acordos dirigidos pela Organização Mundial do Comércio e pelas iniciativas da Organização

das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, em prol de uma maior

internacionalização dos serviços educacionais, iniciaram uma mudança nas políticas públicas

desse setor, procurando seguir as recomendações desses organismos internacionais, que

atribuem à educação um lugar de destaque como condição para que os países periféricos

possam superar suas desigualdades econômicas se tornando mais competitivos no mercado

internacional (BARRETO, 2008).

Dessa forma, o Brasil assumiu, por conseguinte, o compromisso, em sua agenda

econômica e política, de seguir outros numerosos compromissos na esfera social,

particularmente na área educacional, preconizados pela Declaração Mundial da Educação para

Todos de Jomtien e pela Declaração de Nova Delhi, nos quais estão contidas as primeiras

expressões do movimento reformista mundial na esfera da educação. Seguindo as orientações

desses documentos, o Brasil elaborou, no âmbito político, o Plano Decenal de Educação, e no

executivo, o Planejamento Estratégico do Ministério da Educação 1995/1998, tornado público

em 1995. A configuração dos cursos superiores, em especial de formação de professores,

procurou responder, no setor das reformas do Estado, ao modelo de expansão do ensino

superior implementado na década de 1990, subordinado às recomendações dos organismos

internacionais.

Os cursos de formação de professores passaram a se caracterizar pela diversificação e

flexibilização da oferta, originando cursos como Normal Superior, Pedagogia, licenciaturas a

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distância, de modo a atender à crescente demanda. Entretanto, de acordo como os dados do

Conselho Técnico Científico da Educação Básica de 2008, para atender a todas as áreas do

conhecimento, ainda faltariam 246 mil professores no ensino médio. A falta de professores é

mais crítica nas disciplinas de Física, Química e Matemática. Dados1 da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior mostram que, nos últimos 15 anos, as

universidades formaram 110 mil professores de Matemática, mas apenas 43 mil estão no

magistério; no caso da Física, nos últimos 15 anos, as instituições formaram 13 mil, mas

atuam apenas 6.106. Outro aspecto apontado para a carência de professores está relacionado

aos altos índices de evasão que constituem problema nessas licenciaturas. Dos que

ingressaram na faculdade de Física, nos últimos cinco anos, 41% terminaram o curso. Dos que

iniciaram o curso de Matemática, apenas 65,5% conseguiram concluir.

Também não é possível pensar que somente a qualificação de mão de obra para

atender ao mercado de trabalho seja o único fator que explica a crescente expansão do ensino

a distância no país. Bohadana e Valle (2009) apontam também a boa receptividade e

incentivos com que as autoridades públicas brasileiras acolheram essa nova possibilidade de

atuação educativa em larga escala. Para as autoras, a acolhida do Poder Público também está

atrelada ao desenvolvimento da informática, e este forneceu um solo fértil para a adesão às

políticas educacionais preconizadas pelos organismos internacionais, que veem, no uso das

Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), uma oportunidade de ampliar o

acesso à educação. Assim, segundo Bohadana e Valle “a EaD em curto espaço de tempo

passou de recurso marginal e pouco frequente a menina dos olhos das políticas públicas e das

ações empresariais” (2009, p. 552).

O uso das TDIC, uma vez que possibilita a virtualização da comunicação e interação

entre as pessoas, acarretou uma mudança na concepção clássica de tempo e espaço, por

engendrar múltiplas possibilidades de troca (BOHADANA e VALLE, idem). Essa nova

compreensão gerou novos ritmos de trabalho e de vida, nova linguagem, e novos

instrumentos, o que, de certa forma, determinou também o aparecimento de novas

competências relacionadas à comunicação e novos modos de se estar informado. Entretanto,

para essas autoras, a crença de que os meios tecnológicos autorizam um novo começo em prol

de mudanças que visam ao progresso e desenvolvimento reintroduz a EaD na forma on-line

1Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_context&tak=view&id=9885.

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como objetivo imediato de adequar a educação escolar ao contexto atual do desenvolvimento

capitalista. Esse pensamento segue o princípio da administração empresarial de que a escola

deve acompanhar o ritmo imposto pelo setor produtivo e pelo mercado, procurando atender às

novas demandas, que se traduzem em trabalhadores polivalentes, cada vez mais criativos,

eficientes e produtivos, que tenham iniciativa na resolução de problemas e no

desenvolvimento de novos produtos (MANFRÉ, 2009).

Assim, é possível pensar que uma série de fatores, como o fenômeno da globalização,

o desenvolvimento da informática, a demanda por mão de obra qualificada e a confiança na

virtualidade foram primordiais para o crescimento da EaD no Brasil como uma forma de

viabilizar o desenvolvimento do país, possibilitando maior acesso à educação e contribuindo

para sanar desigualdades sociais historicamente vivenciadas pela população. Nessa

perspectiva, as autoridades públicas têm investido, desde a década de 1990, em infraestrutura

administrativa e na criação de programas que pudessem ampliar a incorporação do uso das

TDIC na Educação e permitir o avanço de iniciativas de EaD. Alguns exemplos são: a criação

da Secretaria de Educação a Distância no MEC em 1995; a TV Escola em 1996; o Programa

Nacional de Informática na Educação em 1997; o Programa de Apoio à Pesquisa em

Educação a Distância, em 1997, em parceria com a CAPES.

Com as iniciativas do governo que visavam à incorporação da TDIC na educação, a

EaD on-line surgiu como integrante do sistema formal de ensino e é referendada como uma

das modalidades de oferta de Educação no sistema educacional. Do ponto de vista legal, a

modalidade da EaD foi legitimada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -

LDBEN - no 9.394/1996 e regulamentada pelo Decreto n

o 5.622/2005 e pela Portaria

Ministerial no 4.361/2004. No período de implantação da LDBEN, várias universidades

(preponderantemente públicas) começaram a desenvolver projetos de curso de graduação a

distância ou semipresenciais, voltados principalmente para a certificação de professores de

Ensino Fundamental, como o Centro de Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro em

2008 e o Projeto Veredas, em 2002, no Estado de Minas Gerais, como resultado de uma lógica

expansionista adotada pelo governo (SEGENREICH, 2009).

Hoje, no Brasil, a EaD apresenta aumento substancial e notório associado ao

credenciamento de instituições privadas para oferta de cursos superiores nessa modalidade

devido a abertura dada pela legislação brasileira, que possibilitou a atuação das instituições

privadas na EaD, contribuindo, em parte, para um aumento exponencial de matrículas no

ensino a distância, quando comparado com o presencial.

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De acordo com Giolo (2008), o processo de expansão da EaD, desencadeado pela

LDB de 1996, foi inicialmente conduzido pelas instituições públicas, passando, a partir de

2002, a ter a participação do setor privado, que em pouco tempo conferiu a ele um perfil bem

distinto do de atividade complementar à educação presencial, como imaginado pela legislação

e praticado pelas instituições públicas. A educação a distância tornou-se objeto de disputa do

mercado educacional, voltando-se, prioritariamente, para os cursos de graduação de fácil

oferta, dominando o cenário em número de cursos e matrículas. O autor traz os dados do

Censo da Educação Superior do INEP para mostrar que, no período de 2001 a 2006, o

aumento percentual da EaD na área de Educação (considerando os cursos de Pedagogia,

Normal Superior e outros cursos de licenciatura) foi muito maior que nas demais áreas. Em

2006, 72,3% da oferta em EaD se concentrava nessa área, sendo 76,4% das matrículas dos

cursos de Pedagogia e Normal Superior vinculadas a instituições privadas.

O autor avalia positivamente o projeto do governo, de proporcionar, com a EaD,

formação regular e continuada aos professores em exercício (os professores leigos), porém

condena a disputa de mercado entre a EaD e a educação presencial que se sucedeu a partir de

2001. Em 2006, enquanto o percentual das matrículas no curso de licenciatura presencial

experimentava um decréscimo, o dos cursos de licenciatura a distância é de 90,6%. Naquele

momento, o autor interpretou esses dados como uma tendência da oferta a distância substituir

a presencial. Ele passou, portanto, a questionar a qualidade da formação docente que estava

sendo oferecida.

A tendência de substituição da formação docente presencial pela formação a distância

vem se mantendo, já que em 2010 (BRASIL, 2011), 45,8% das matrículas em cursos de

graduação a distância foram feitas em cursos de licenciatura, enquanto a escolha por esse

curso na modalidade presencial representou somente 17,0% das matrículas. Em 2011,

(BRASIL, 2013) verificou-se decréscimo de 0,2% nas matrículas em cursos presenciais de

licenciatura e um aumento de 0,8% nas de cursos de licenciatura a distância, mantendo-se

assim, a mesma tendência verificada no ano anterior.

De acordo com o Censo EAD.Br (2010) − relatório analítico da aprendizagem a

distância no Brasil, organizado pela Associação Brasileira de Educação a Distância− os cursos

voltados para a formação de professores ainda são o maior grupo (31,5%), seguidos pelos de

gestão e/ou administração (19%) e dos que envolvem tecnologia e informática (6,7%). Outro

dado apontado é o avanço da Educação Superior privada sobre a pública na modalidade a

distância. A série histórica dos números referentes ao nível de graduação no ano de 2005

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mostra que o número de alunos na rede privada superou, pela primeira vez, o número de

alunos da rede pública, e desde então, esse quadro vem se mantendo, apontando para a

prevalência do ensino a distância da rede particular sobre a pública.

O censo também aponta a distribuição desigual dos cursos EaD nas regiões brasileiras.

De acordo com o levantamento, as regiões Sudeste e Sul concentram a maior parte das

instituições credenciadas (68,7%) e ainda a maior parte do número de alunos (84%), com

destaque para a região Sudeste (38% das instituições e 42% dos alunos). Devido a grande

concentração de estudantes nessas regiões, elas são as que mais atraem projetos privados.

Nessas duas regiões, as instituições privadas somam mais que o dobro das públicas, ao

contrário do que acontece, por exemplo, nas regiões Norte e Nordeste, onde as iniciativas

públicas prevalecem.

Como conseqüência disso, em 2006, foi criado, pelo governo brasileiro, o Sistema

Universidade Aberta do Brasil (UAB), visando ao “desenvolvimento da modalidade de

educação à distância, com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos e

programas de educação superior no País” (BRASIL, 2006). Trata-se de um sistema integrado

por universidades públicas, o qual oferece cursos de nível superior para camadas da

população que têm dificuldade de acesso à formação universitária, por meio do uso da

metodologia da educação a distância. O atendimento é prestado ao público em geral, porém a

prioridade é dada à formação de professores que atuam na educação básica, seguidos dos

dirigentes, gestores e trabalhadores do mesmo setor dos estados, municípios e do Distrito

Federal.

De acordo com o discurso oficial, a UAB incentiva a colaboração entre a união, os

estados e municípios com o intuito de estimular a criação de centros de formação de

professores. Esses centros são polos de apoio presencial, criados nos municípios com baixos

Índices de Desenvolvimento Humano e Índice de Desenvolvimento da Educação Básica para

“a universalização do acesso ao ensino superior e para a requalificação do professor em outras

disciplinas, fortalecendo a escola no interior do Brasil, minimizando a concentração de oferta

de cursos de graduação nos grandes centros urbanos e evitando o fluxo migratório para as

grandes cidades2”.

2Informação disponível em www.uab.capes.gov.br.

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O programa UAB, segundo a Secretaria de Educação a Distância do MEC, representou

uma alternativa para viabilizar a formação universitária de 30% dos estudantes brasileiros até

2011. Ele se distingue pela parceria entre os consórcios públicos dos três níveis

governamentais (federal, estadual e municipal), as universidades públicas e demais

interessadas. As prefeituras que desejarem aderir-se precisarão se associar à Secretaria de

Educação de seus respectivos estados e/ou Distrito Federal para a organização da

infraestrutura e do pessoal de apoio dos chamados polos presenciais. Esses foram concebidos

como “estrutura para a execução descentralizada de algumas das funções didático-

administrativas de curso, consórcio, rede ou sistema de EaD, geralmente organizada com o

concurso de diversas instituições, bem como com o apoio dos governos municipais e

estaduais” (ZUIN, 2006, p.943). Eles são fundamentais para atender aos estudantes dos cursos

superiores a distância, pois contam com biblioteca e laboratório de informática com internet, o

que possibilita o acesso aos módulos dos cursos que são oferecidos, além de salas para

realização dos encontros presenciais, para a secretaria acadêmica, para a coordenação

pedagógica, para os tutores e uma sala de reunião e de professores (ZUIN, 2006).

Em síntese, a expansão da EaD no Brasil está relacionada aos imperativos da

globalização, à crise do capital e às reformas educacionais, que viram a necessidade de

qualificar jovens e adultos para a um mercado de trabalho mais exigente. Esses fatores,

aliados ao incentivo das autoridades públicas brasileiras para a expansão e incorporação dessa

modalidade de ensino no sistema educacional, propiciaram uma reconfiguração da educação

superior, apoiada na crença de que as TDIC, devido às ilimitadas possibilidades de troca que

proporcionam, possam dar conta de levar conhecimento a um maior número de pessoas.

1.2 PROBLEMATIZANDO AS BASES PEDAGÓGICAS DA FORMAÇÃO

DOCENTE A DISTÂNCIA

O processo educacional a distância necessita do uso de tecnologias, uma vez que não

ocorre o contato diário entre professores e alunos, o que exige, portanto, a introdução de

ferramentas que possibilitem a viabilização, mesmo que minimamente, desse contato. Com

isso, a EaD acaba por constituir-se em um conjunto de práticas que se materializam na

reconfiguração do ensino e do trabalho docente, em que as funções tradicionalmente

atribuídas ao professor, como transmissão do conteúdo, gestão de interações em sala de aula e

avaliação passam a ser mediadas por comunicação secundária viabilizada por tecnologias que

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se modificam ao longo do tempo e moldam os processos de interlocução entre professores e

estudantes, influenciando também sua organização. Inicialmente, eram usados textos escritos

que eram enviados pelo correio para os alunos. Em meados dos anos de 1960, as tecnologias

utilizadas para medir a formação educacional eram a televisão e o rádio. Mais recentemente,

em razão da acessibilidade a computadores pessoais, ao desenvolvimento da internet, das

telecomunicações que possibilitaram, o rompimento da relação entre espaço e tempo, as TDIC

passaram a fazer parte da EaD, sendo denominada de EaD on-line. Dada a predominância do

uso das TDIC na EaD, a literatura consultada remete à discussão pedagógica de processos

educativos que incorporam esses meios.

Barreto (2004, 2006, 2008, 2010) tem criticado a inserção das TDIC na educação e

seus efeitos sobre a formação docente a distância. Barreto (2004) analisou a

recontextualização dessas tecnologias nos processos de EaD, focalizando as construções

teóricas e ideológicas sobre a precarização do trabalho e formação docente tendo como base

os discursos que sustentam as políticas públicas em educação a distância. O trabalho de

Barreto et al. (2006) analisa as tendências de utilização das TDIC na formação inicial e

continuada de professores, com base em um recorte acerca do estado de conhecimento em

educação e tecnologia produzidos a partir de 331 documentos (242 dissertações, 47 tese e 42

artigos) elaborados entre 1996 e 2002. Barreto (2008) discute aspectos relacionados à

inscrição das TDIC na política nacional de formação de professores: a recontextualização, a

contradição expansão versus redução do ensino a distância analisada em termos de políticas

educacionais e a concepção e condições de trabalho do tutor. Barreto (2010) abordou as

circunstâncias concretas do modo de produção das TDIC no Brasil, focalizando os marcos

regulatórios de sua implementação, destacando as relações entre as dimensões políticas e

técnicas na configuração do trabalho e formação docente.

Os estudos de Barreto atentam para o fato de que a designação “tecnologias de

informação e comunicação” não pertence à área educacional, pois elas foram produzidas em

outros contextos, com finalidades distintas, ou seja, as TDIC não se referem às chamadas

“tecnologias educacionais, produzidas visando à sua utilização em situações concretas de

ensino-aprendizagem” (BARRETO, 2010, p. 34). Esse processo da recontextualização das

TDIC na educação aponta, segundo a autora, para dois sentidos: um que faz o deslocamento

de um campo social em direção a outro, não somente na lógica da comunicação e informação

relacionada à educação, mas também da lógica de negócios para essa área, uma vez que há o

deslocamento para o setor de serviços, quando da internacionalização dos serviços

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educacionais acordados por instituições como a Organização Mundial do Comércio e a

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. O outro está

relacionado às formulações das organizações globais que são especialmente endereçadas aos

países periféricos. Para a autora, os dois são fundamentais em se tratando de formação de

professores a distância, porque no discurso dos organismos internacionais, como os

supracitados, há uma atmosfera “salvacionista de democratização de acesso ao conhecimento

ao mesmo tempo em que defendem interesses mercadológicos [...]” (BARRETO, 2010, p.

35).

Ela também aponta a inscrição das TDIC na política de formação de professores,

ressaltando que, em nosso país, as propostas de utilização dessas tecnologias na educação são

utilizadas como estratégias de substituição tecnológica, cuja ênfase está atrelada à formação

de professores a distância, com o intuito de promover uma certificação, denominada por ela

de “certificação em massa”, além da “quebra da unidade ensino-aprendizagem”, quando há o

deslocamento para aprendizagem em detrimento do ensino, ao contrário do que ocorre em

países desenvolvidos ou também chamados do Norte, que veem nelas uma tentativa de

agregar novas possibilidades aos processos pedagógicos (BARRETO, 2004).

De acordo com Barreto (2004), a proposta de formação inicial a distância, sob o lema

da superação das distâncias geográficas e desigualdades sociais e da quebra da unidade

ensino-aprendizagem, concorre para um claro processo de massificação de formação de

professores. Esse sistema tem sido relacionado à democratização e circunscrito à

racionalidade instrumental, porém com destaque para sua viabilidade econômica, ou seja: “o

que está em questão é o barateamento desta formação, nos seus diferentes sentidos”

(BARRETO, 2008, p. 930). Dessa forma, a autora também demonstra sua preocupação com a

qualidade da formação docente a distância.

Buscando as tendências de utilização das TDIC na formação inicial e continuada de

professores, Barreto et. al. (2006) analisou teses e dissertações produzidas sobre o estado do

conhecimento em educação e tecnologia no período de 1996 a 2002. O estudo mostrou que a

maioria dos trabalhos analisados tinham como objeto de investigação cursos de formação

inicial de professores na modalidade a distância. A partir da análise dos pressupostos,

abordagens, conclusões e recomendações neles contidas, as autoras mapearam duas

trajetórias, que segundo elas, demarcam polos opostos. A primeira parte do pressuposto de

que a educação a distância, desde que tecnicamente bem elaborada, pode apoiar o

desenvolvimento de “programas de capacitação” economicamente mais exequíveis que os

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presenciais, o que possibilita o crescimento exponencial do número de formados, capacitados,

qualificados, atualizados e/ou treinados. Os trabalhos dessa linha sugerem que a EaD seja uma

alternativa metodológica viável para a formação continuada e em menor escala para a inicial.

A trajetória oposta parte da conjectura de que a EaD reduz a formação de professores à

capacitação, qualificação, atualização a ao treinamento, sendo considerada insatisfatória. Suas

teses e dissertações, em número inferior às da outra, apresentam argumentos políticos em

nível macro, como a concepção dos programas de EaD no contexto de uma proposta de

‘globalização’ excludente e do atendimento às exigências do mercado. As conclusões

destacam que, ante as múltiplas dimensões da formação de professores– tanto inicial quanto

continuada– não há como reduzir essa modalidade de ensino apenas a estratégias

metodológicas, explicitando que o alvo deve ser a formação do professor propriamente dita e

que esta não seja reduzida à capacitação, significando apenas uma certificação. Sugerem,

também, maior investimento na formação inicial e apontam para o sentido de superação da

razão instrumental e tecnicista no trabalho com as TDIC.

As recomendações que constam nesse segundo conjunto de trabalhos podem ser

sintetizadas em duas críticas: a primeira diz respeito à ausência de recursos alocados na

formação inicial presencial, impedindo que os professores formados se apropriem das TDIC

ou mesmo que tenham acesso a elas; a outra, sobre as simplificações que têm marcado a

formação a distância, seja a inicial ou a continuada, valorizando a presença das TDIC como

um fim em si mesmo.

O processo da apropriação das TDIC pela educação também tem se configurado na

materialidade discursiva pela utilização recorrente de expressões como ‘atividades’ e ‘tarefas

docentes’ referindo-se ao trabalho docente, o que representa uma materialização discursiva do

esvaziamento desse trabalho, uma vez que há uma restrição do professor quanto à escolha do

material didático utilizado nas aulas e uso destes pelos estudantes com os quais ele tem

contato. Além disso, ocorre a designação de professor, que tem cedido espaço para termos

como facilitador, tutor, monitor, apontando para uma imagem de precarização do trabalho

docente, trazendo implicações sobre a sua posição no ensino a distância, uma vez que o

significado dicionarizado da palavra monitor, por exemplo, refere-se àquele que dá conselhos,

lições e auxilia o docente na elucidação de uma matéria (BARRETO, 2004). Barreto et al.

(2006) também delimitam duas tendências de uso das TDIC no ensino virtual e presencial:

uma propõe o redimensionamento deste, sem, contudo aludir a outro lugar ou modalidade que

não sejam as instituições educativas regulares; que vê um maior investimento na interação

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professor-aluno, tanto do ponto de vista afetivo quanto do compartilhamento da objetividade

social e o fortalecimento do binômio ensino-aprendizagem. A outra tendência, a da

virtualização, aponta para o deslocamento da dimensão presencial para a virtual, de uma nova

relação educativa dessa comunidade, que rompe com a assimetria presente na escola e a

quebra do binômio ensino-aprendizagem, privilegiando apenas o segundo elemento do par.

O fato de se privilegiar a aprendizagem em detrimento do ensino na EaD também é

apontado por Zuin (2006) como um dos imperativos dessa modalidade educativa, uma vez

que o seu eixo norteador são os recursos midiáticos, que facilitarão o trabalho de docentes e

alunos, os quais se tornarão mestres em aprender a aprender. Nessa perspectiva, o autor

adverte que o professor passa a ser visto como um recurso do aluno, pois seu trabalho será

facilitado pelo uso dessas tecnologias. A sua figura passa a ser a de um prestador de serviços,

evidenciando um processo de coisificação e uma relação humana fragmentada Já os

estudantes terão que desenvolver uma autonomia em relação ao aprendizado. Se um dos

protagonistas é minimizado no processo, o binômio ensino-aprendizagem fica comprometido.

Daí a necessidade de fornecer condições para que o professor se torne presente no ensino a

distância, não que a presença física garanta por si só o ensino de boa qualidade, mas há um

jogo dos sentidos que ocorre na relação que se estabelece entre ele e o estudante durante

processo educacional, que se traduz na sua maneira de se expressar, seja no olhar, na fala,

contribuindo para a formação tanto no que tange a forma como os conteúdos que são

transmitidos como também sobre os juízos morais; isso só é possível quando se estabelece

uma comunicação sem a presença de aparelhos para mediá-la, privilegiando as relações

intersubjetivas essenciais e mediadoras das demais, como as instrumentais, por exemplo

(ZUIN, 2006).

Zuin (2006) e Giolo (2008) problematizam a virtualização do processo de ensino e

aprendizagem e a consequente privação das relações intersubjetivas entre professor e

estudante. Giolo (idem) lembra que, no ensino presencial, o conjunto de atividades

desempenhadas pelo professor, o ambiente onde as coisas acontecem e a natureza das relações

que são construídas são elementos constitutivos do processo formativo, portanto decisivos

para a formação docente. O autor chama nossa atenção para o conjunto de espaços de

socialização que estão imersos na instituição educativa, habitat das atividades docentes, em

que as pessoas vivenciam uma cultura específica, experimentando-se “no que sabem e no que

podem vir a saber, no que são e no que podem vir a ser” (p. 1228), ou seja, na formação de

sua identidade e de sua identidade docente. Para o autor, desconsiderar esse lócus como “parte

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fundamental da formação dos jovens, especialmente dos que pretendem se preparar para a

atividade docente, é um erro colossal” (GIOLO, idem, p. 1228).

Para Zuin (2006), a comunicação virtualizada se concretiza em um fetiche de que esta

tornou-se hegemônica em relação à presencial. Apoia-se nas ideias de Turcke (apud Zuin,

2006) para defender que a proximidade possibilitada pelas TDIC não se confunde com

proximidade humana no sentido “da participação mútua e da identificação, que só podem ser

gradativamente construídas ao longo do convívio mútuo e da troca de experiências. E para

isto necessita-se, o mais urgentemente possível, daquilo que as novas tecnologias desejam

economizar ao máximo: tempo” (Turcke apud Zuin, idem, p. 941). Zuin (idem) chega a

considerar que a EaD contém uma contradição imanente na medida que um processo

formativo deveria proporcionar condições favoráveis à aproximação e não ao distanciamento

entre professores e alunos, o que o leva a desconfiar das condições de possibilidade, tanto de

tal processo quanto de construção de uma identidade docente.

Devido à hegemonia da comunicação online, a virtualização do processo de ensino e

aprendizagem acaba por causar uma privação das relações intersubjetivas entre professor e

estudante.

Resultados de pesquisa mostram como essa privação molda negativamente a interação

virtual entre tutor e alunos. Barbosa e Rezende (2006), quando investigaram os processos

educativos a distância em um curso de Formação Pedagógica em Educação Profissional na

área de Enfermagem, revelaram, entre as principais dificuldades enfrentadas pelo tutor, a

interação virtual, vista por eles como um obstáculo à qualidade da formação por ser

considerada fria e não permitir o “olho no olho”. Muitas atividades que o tutor e o aluno

desempenham no seu cotidiano são difíceis para ambos, acarretando dificuldades tanto

cognitivas (como, por exemplo, não dominar “o processo de internet” ou “entender o processo

de EaD”), quanto operacionais (como “a falta de comunicação com aqueles que não têm e-

mail”). Por tudo isso, os dados permitiram inferir, segundo as autoras, que a modalidade de

EaD ainda não tinha sido culturalmente assimilada pelos tutores do referido curso. Uma

solução encontrada para mitigar essa situação é possibilitar a presença do professor junto aos

estudantes, por meio de encontros presenciais,

Para Giolo (2008), as relações interpessoais presenciais construídas no processo

formativo são elementos constitutivos desse processo, portanto decisivos na formação

docente. As pessoas simplesmente não se realizam, nem se satisfazem e tampouco passam

pelo processo formativo tendo como base relações mediadas por instrumentos.

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Não que estas não sejam importantes, mas de modo algum são suficientes. Não se

pode esquecer que a atividade docente, na sua longa trajetória presencial, construiu uma

cultura. A escola, a academia e a universidade foram concebidas e constituídas como espaço e

tempos específicos para o exercício do ensinar e do aprender. Laboratórios e bibliotecas

conjugam-se como espaços coletivos para selecionar, sequenciar e disseminar os elementos

essenciais do saber tanto prático como teórico produzido pela humanidade. Esses espaços são

de socialização e de confluência de muitas expectativas. Considerar que esse lócus possa ser

desprezado como parte fundamental da formação das pessoas, especialmente as que

pretendem se preparar para a atividade docente pode ser um erro uma vez que os futuros

professores estão sendo preparados para o exercício da docência no ensino presencial

(GIOLO, 2008). Estes irão atuar no ensino fundamental e médio, ou seja, no ensino

presencial, espaços que se constituem primordialmente por relações entre vários sujeitos,

mediadas pela comunicação denominada, por Zuin (2006), de primária. Se há uma privação

de vivência desse tipo de relação, isso nos leva a pensar que a formação a distância em

relação à presencial, pelo menos sob esse aspecto, é falha. Giolo (2008) lembra que

Os pedagogos irão enfrentar uma turma de alunos, vivos e presentes, reunidos numa

escola, e, nesse ambiente, não serão exigidos apenas os conhecimentos adquiridos,

mas um conjunto de saberes e habilidades (método adequado, equilíbrio emocional,

comportamento ético, estratégias de domínio de classe, desinibição, liderança,

paciência etc.), coisas que se aprendem nos livros e, principalmente, na prática da

convivência, na experimentação, nas cobranças mútuas, nos laboratórios, nos

seminários, nas palestras, nos debates temáticos, nas apresentações culturais, nos

estágios supervisionados, nas falas de sala de aula, dos corredores, do restaurante

universitário etc. (p. 18). Outro ponto que encontramos sobre a presença das TDIC na educação está relacionado

à precária inclusão digital da nossa sociedade. Sobre essa questão, Bohadana e Valle (2009)

complexificam o problema da EaD, criticando aqueles que veem nela uma possibilidade de

sanar as desigualdades sociais, ou seja, uma resposta à proposta de “fazer mais para quem

pode menos” (p. 552). Segundo as autoras, particularmente no caso do Brasil, a apropriação

das TDIC para fins educacionais é bem mais complexa, não se resumindo a simples

treinamento para manipular uma plataforma, exigindo bem mais do que o domínio da

linguagem digital.

As autoras salientam, também, que os aspectos técnicos não podem ter prioridade

sobre os sociais e assim, “a interrogação sobre o ‘que’ não pode vir separada de analisar sobre

o ‘quem’” (idem, p. 553). Esse “quem” se remete àquele que está tendo sua formação de nível

superior nessa modalidade. Quem é de fato esse que se pretende incluir? De acordo com as

autoras, a resposta pronta e entusiástica é “a todos”. Contudo elas advertem que, muitas vezes,

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as condições prévias para esse projeto de universalização do ensino não vem sendo

devidamente avaliada. Assim, o primeiro aspecto social a se prestar atenção relaciona-se com

as desigualdades sociais que historicamente fizeram da leitura, da escrita e da compreensão de

textos um privilégio e tendem a agravar-se caso sejam ignoradas as novas exigências

decorrentes das TDIC. Elas lembram, também, que “é preciso indagar qual o grau de

familiaridade e de amadurecimento no domínio das potencialidades expressivas e reflexivas

da língua se estará disposto a definir como o mínimo necessário para a inclusão no 3o grau on-

line” (p. 553).

Outro aspecto acerca da indagação sobre o “quem” da EaD on-line diz respeito à

formação dos profissionais para essa modalidade. Para as autoras, além das questões técnicas

relacionadas ao treinamento no uso dos recursos informáticos e relativos à comunicação, é

preciso questionar se há exigências próprias à formação do educador a distância. Ou o

entendimento é que, colocadas à parte essas habilidades técnicas e metodológicas, não há

diferença de vulto que se deve exigir da formação do educador em ambas as modalidades de

ensino, presencial e a distância?

Wertsch (2002) lembra que a introdução de uma nova ferramenta cultural no fluxo da

ação humana deve nos levar a esperar por uma transformação qualitativa daquela ação e não

pelo mero incremento na eficiência. Seria, portanto, natural esperar por propriedades novas da

comunicação social e dos processos mentais, o que não significa que essas ferramentas sejam

inerentemente boas ou más. Pensando a evolução destas, Wertsch (1999) considera que,

mesmo quando um novo instrumento cultural nos libera de alguma limitação anterior,

introduz novas limitações que lhe são próprias. Assim, se por um lado, a possibilidade de

interações on-line (síncronas e assíncronas) passou a representar um grande potencial para

projetos de Educação a Distância com o objetivo de viabilizar a comunicação entre

professores e alunos entre si, por outro, características próprias dessas ferramentas como, por

exemplo, a focalização linguística, a produção de enunciados por escrito, o discurso menos

linear, o maior tempo que o participante dispõe para produzir enunciados e a possibilidade de

consulta modelam aquelas interações e o modo como elas se cruzam com os objetivos

educacionais.

Além disso, a preocupação com a licenciatura se complexifica e toma vulto a cada dia,

não só pelo processo formativo dos professores, mas também pelos problemas relacionados às

aprendizagens escolares, pelas condições de trabalho do professorado nas escolas -

principalmente na educação básica e ainda pelos planos de carreira e salários. Todos esses

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aspectos são importantes e estão ligados, tanto ao trabalho docente como à identidade

profissional em sua dimensão política, que está relacionada ao processo de inclusão, valor e

reconhecimento social (GATTI, 2010).

Os embaraços da formação docente a distância, abordados criticamente pelos autores

pesquisados, foram trazidos com o objetivo de problematizar a expansão desenfreada de

cursos dessa modalidade e a possível falta de qualidade que pode estar acompanhando esse

processo. No entanto, ao alertarmos para as suas limitações, não queremos sugerir que a EaD

resulte sempre em processos formativos aligeirados e sem qualidade, o que é, inclusive,

admitido mais recentemente por Zuin (2010), quando considera que “não é possível afirmar,

categoricamente, que os professores que ministram suas aulas por meio do uso de recursos

tecnológicos nunca irão desenvolver tal elo [elo pedagógico], justamente porque se encontram

fisicamente afastados de seus alunos” (p. 973).

Já para Silva (2008), o fato de as relações serem virtuais, mediadas pelas TDIC, não

significa que haja privação das relações intersubjetivas, mas apenas que estas se modificam

em alguns aspectos. De acordo com o autor, os botões acionados por cliques no mouse, toques

na tela ou combinação de teclas abrem possibilidades de interatividade no chat, fórum, lista,

blog e portfólio, que podem estar reunidos como convergência de interfaces no ambiente on-

line de aprendizagem para engendrar espaços de co-criação da comunicação e da

aprendizagem capazes de favorecer a expressão do diálogo, do compartilhamento e da autoria

colaborativa.

O autor argumenta que a tela do computador on-line não é um meio de transmissão de

informação como, por exemplo, a televisão, porque nela podem, além, de manipular,

modificar os conteúdos presentes na tela do computador, interagir realizando

compartilhamentos e encontros de colaboração, tanto de forma síncrona como assíncrona.

Visto por esse prisma, “o computador online renova a relação do sujeito com a imagem, com

o texto, com o som, com o registro, com o conhecimento” (p.70), permitindo o

redimensionamento da mensagem, da emissão e da recepção, pela comunicação interativa. Se

a mensagem pode ser modificada e reorganizada pela intervenção dos participantes, ela tem

seu significado alterado sob a intervenção do receptor que, de certa maneira, torna-se criador.

Dessa forma, o esquema clássico da informação que se baseava numa ligação unilateral

emissor-mensagem-receptor se acha agora modificado pela interatividade, pois esta permite

que a informação não seja mais domínio do emissor.

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Esses fundamentos, segundo o autor, podem inspirar o rompimento com a lógica da

transmissão abrindo espaço para o exercício de uma participação mais genuína dos integrantes

de cursos on-line. Para ele, é preciso potencializar a comunicação e aprendizagem em cursos

via web, uma vez que a tela do computador on-line pode integrar várias linguagens, sons e

imagens, além de reunir um conjunto de elementos destinados a favorecer aos estudantes

sentimento de pertença, trocas, críticas, autocríticas, discussões temáticas, elaboração

colaborativa, exploração, experimentação, simulação e descoberta, e assim garantir a

qualidade de um curso via web.

Assim, é preciso que os professores compreendam que, na comunicação interativa, a

separação da emissão e recepção não é mais possível, o que favorece a uma montagem de

conexões em rede, a qual permite a conectividade, o diálogo e a participação. Isso implica

perceber que, mais que pôr em circulação lições, eles devem ser formuladores de

questionamentos, coordenadores de equipe, sistematizadores de experiências. Dessa forma,

precisarão construir uma mediação interativa e, para isso, é necessário propiciar

oportunidades de múltiplas experimentações e expressões; disponibilizar uma montagem de

conexões em rede que permita diversas ocorrências; provocar situações de inquietação

criadora; arquitetar, de forma colaborativa, percursos hipertextuais e mobilizar a experiência

do conhecimento.

Para operacionalizar essa docência interativa, Silva (2008) alerta que o professor

deverá garantir atitudes comunicacionais específicas, como por exemplo, a participação-

intervenção do receptor, oferecimento de informações em redes de conexão que permitam a

este ampla liberdade de associações e significações e planejamento de atividades que

estimulem a cooperação entre alunos e professor. A partir desses requisitos comunicacionais

da geração digital, o professor terá que modificar sua velha postura; no lugar da memorização

e da transmissão ele deverá propor uma aprendizagem que modele os domínios do

conhecimento com espaços abertos à navegação, à colaboração e à criação, permitindo que os

estudantes conduzam suas explorações e, com isso, possam promover uma modificação

paradigmática e qualitativa na sua docência e na aprendizagem. Caso o professor não perceba

a nova “ambiência comunicacional” que emerge com a cibercultura, ele tenderá a manter em

seus cursos via web, o mesmo modelo de ensino, nos quais os conteúdos são distribuídos em

sites estáticos e centrados na transmissão de dados, desprovidos de mecanismos de

interatividade e de criação coletiva.

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Lapa e Belloni (2012) apresentam uma reflexão sobre a formação de professores pela

EaD a partir do referencial teórico e metodológico da mídia-educação, que trata da integração

das TDIC aos processos de ensino e de aprendizagem. A mídia-educação é uma proposta que

tem uma perspectiva metodológica que se baseia em uma concepção construtivista

transcendendo o domínio da técnica, pois ela trata de uma educação com as mídias, para e por

meio delas. As autoras compreendem que as TDIC oferecem um potencial transformador para

a educação, seja ela presencial ou na modalidade a distância. Caso ele seja ignorado, é

possível utilizá-las para reproduzir práticas tradicionais, típicas de uma concepção de

educação como transmissão de conhecimentos. Para mudar esse cenário, é preciso passar da

lógica da transmissão para a lógica da interatividade, criando condições de usos horizontais,

propiciando uma comunicação bidirecional e em rede que favoreça a participação ativa dos

estudantes, fazendo da tecnologia apenas um vetor da mudança. Assim, é possível aproximar

a mídia-educação da comunicação interativa proposta por Silva (2008).

A formação de professores pela EaD, se feita com mídia-educação, levaria o professor

a conhecer e dominar a operação das tecnologias digitais de informação e comunicação e ser

um usuário crítico e criativo e, consequentemente, estar mais preparado para ensinar com

TDIC. Se além disso, a formação também propiciar uma apropriação crítica e criativa, o

professor poderá estar mais preparado para lidar com os novos mundos sociais e culturais do

século XXI. Ele será um sujeito que não estará mais solitário no espaço da sala de aula, mas

assumirá funções mais complexas e diversificadas, modificando as representações sobre sua

própria atuação, pois será convocado a mudar de uma postura transmissiva do conhecimento

para outra cuja proposta é moldada pela investigação, colaboração e criação. É fácil perceber

que todo esse processo estaria afetando a construção da identidade docente.

Contudo, para que isso seja possível, Lapa e Belloni (2012) afirmam que os cursos de

formação precisam ofertar programas, currículos e metodologias de ensino adequadas à

demanda e que assegurem uma alta qualidade de ensino com uma concepção própria ao uso

das TDIC, fundamentada na pesquisa, na autonomia do estudante e na construção do

conhecimento. Isso significa, para elas, formar pessoas que sejam capazes de ensinar com

essas tecnologias; conhecer e compreender como estas aprendem, para que esse conhecimento

seja efetivamente incorporado na formação dos professores.

As autoras, assim como Silva (2008), argumentam que as TDIC permitem uma

comunicação bidirecional e em rede, e isso possibilita ao estudante assumir outros papéis

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como o de autor e protagonista de sua aprendizagem, além de fornecer aos professores novas

formas de comunicação com eles.

As perspectivas sobre a EaD e, especificamente sobre a formação docente a distância

levantadas, tangenciam, a partir de argumentos diferentes, a questão da construção da

identidade do professor. Giolo (2008) enfatiza a impossibilidade de se desconsiderar o lócus

formativo (presencial) e a cultura específica na construção dessa identidade, enquanto Zuin

(2006) aponta a necessária proximidade entre os sujeitos para que, por meio da troca de

experiências e do convívio (presencial), sejam vivenciados processos de identificação. Barreto

(2008) refere-se ao empobrecimento da formação docente nos processos a distância. Já Silva

(2008) e Lapa e Belloni (2012) defendem os processos formativos a distância, chamando

atenção para o papel da tecnologia como propiciadora de mudanças que podem afetar

positivamente a qualidade da formação e, consequentemente, a identidade docente.

Os docentes constroem a sua identidade profissional a partir de inúmeras referências,

que possuem raízes no início da formação escolar elementar e nas relações estabelecidas com

diferentes professores. Para Pimenta (2000), é ao longo da trajetória escolar, nas experiências

vivenciadas como alunos, que começa a se construir o conceito de “ser professor”. Essa ideia

inicial sobre o trabalho docente vai contribuir para a construção da identidade profissional

tanto quanto as experiências vividas ao longo de sua trajetória como professor. No entanto a

autora salienta a importância dos cursos de formação inicial como lócus privilegiado de

construção e fortalecimento da identidade, por possibilitarem a reflexão e a análise crítica das

variadas representações construídas e praticadas historicamente no desenvolvimento da

profissão. Neste processo, são fundamentais os conhecimentos, os saberes, as habilidades, os

posicionamentos e o comprometimento profissional. Pimenta (2000) complementa, afirmando

que a construção da identidade do professor ocorre:

a partir da significação social da profissão; da revisão constante dos significados

sociais da profissão; da revisão das tradições. Mas também da reafirmação de

práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que

resistem a inovações porque prenhes de saberes válidos às necessidades da

realidade. Do confronto entre as teorias e as práticas, da análise sistemática das

práticas à luz das teorias existentes, da construção de novas teorias (p. 19). Para além das referências à prática e à teoria, a autora reconhece que a identidade

docente é construída na relação com aspectos individuais: “a partir de seus valores, de seu

modo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas angústias e anseios, do sentido

que tem em sua vida o ‘ser professor’” (p. 19) e a rede de relações com outros professores nos

diversos espaços.

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Também Nóvoa (2007) concebe a construção da identidade profissional do professor

como um processo de construção social, complexo e dinâmico, constituído de aspectos e

posturas engendradas individual e coletivamente, durante a trajetória de cada um, nas

interações sociais. É nessa relação do sujeito com a sociedade, na mediação entre o pessoal e

o coletivo, que o processo de formação da identidade ocorre.

Assim, entende-se que a formação da identidade docente está entrelaçada aos

processos de socialização e às interações sociais nos diversos contextos nos quais o sujeito

está inserido. Também que o processo da construção identitária é marcado por múltiplos

fatores em interação e, como resultado, tem-se uma série de representações que os docentes

fazem de si mesmos, fruto do diálogo entre o mundo subjetivo e objetivo do indivíduo. Pela

abrangência do conceito de identidade docente e por sua complexidade, julgamos que seria

um desafio e uma contribuição importante envolvê-lo em um estudo da formação docente em

processos formativos a distância. Com o intuito de mapear o estado da arte desse tema,tanto

na área de Educação como na área de ensino de ciências, propomo-nos a realizar um

levantamento bibliográfico, descrito no próximo capítulo.

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3 A FORMAÇÃO E A IDENTIDADE DOCENTE: UMA REVISÃO DA LITERATURA

Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma

primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente,

voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma

molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e

mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas

dependuram a roupa lavada na corda ou no varal para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma

coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.

(Graciliano Ramos)

3.1 A FORMAÇÃO E A IDENTIDADE DOCENTE NA LITERATURA

Neste capítulo, descreveremos um levantamento da produção científica nas áreas de

Educação e de Ensino de Ciências, realizado em periódicos e em bancos de teses e

dissertações, abrangendo o período de 2001 a 2013. Decidimos por uma busca mais ampla,

que abrangesse a formação docente, supondo que o tema específico identidade docente na

modalidade a distância seja ainda restrito na literatura. Nas seções seguintes, passaremos a

descrever os trabalhos encontrados, chamando atenção para aspectos que julgamos de

interesse para compreender melhor ou problematizar o processo de construção da identidade

docente.

3.1.1 Revisão Bibliográfica em periódicos

A pesquisa foi realizada a partir dos descritores “identidade docente”, “formação de

professores”, “formação docente”, “formação inicial” e “educação a distância” ligados pelo

conectivo “ou” nos campos “Título”, “Resumo”, “Assunto” e “Palavras-chave” (quando

existiam), nos periódicos nacionais de ensino de ciências, classificados como A1 e A2 na área

de Ensino, no sistema Qualis-CAPES. Com essa configuração de busca, encontramos 62

trabalhos na revista Ciência & Educação, nove na revista Ensaio Pesquisa em Educação em

Ciências, 44 na Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências e 30 na revista

Investigações em Ensino de Ciências. O resultado por ano de publicação está sintetizado no

Quadro 1.

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Quadro 1 Artigos selecionados a partir dos descritores, nos periódicos da área de ensino de ciências no período

de 2001 a 2013

Título

do Periódico

2001

2002

2003

2004 2005

2006

2007 2008 2009

2010

2011

2012

2013 Total

Ciência & Educação 3 1 4 4 3 2 1 4 4 6 10 11 9 62

Ensaio-Pesq em Educ em

Ciências

* * * * 1 0 1 2 2 0 1 1 1 9

Revista Bras de Pesq em Educ

Ciên

12 0 3 5 1 0 0 4 3 5 9 2 0 44

Investigações em Ens de Ciências

0 2 0 0 0 1 2 4 6 4 6 3 2 30

Total 15 3 7 9 4 3 4 14 15 15 25 16 12 145

A segunda etapa deste levantamento consistiu em selecionar, pela leitura dos resumos

dos 145 artigos, dois conjuntos de trabalhos: no primeiro, aqueles que tratavam

especificamente da formação inicial de professores de Biologia, incluindo os processos

formativos presenciais e a distância, por supormos que, se restringíssemos à modalidade a

distância, muito poucos seriam selecionados. De fato, nesse conjunto, descrito na seção

seguinte, encontramos dois trabalhos que tinham como contexto processos formativos

presenciais e nenhum na modalidade a distância.

No segundo conjunto, selecionamos os trabalhos que tinham como objeto a questão

da identidade docente, mesmo que não tivessem sido desenvolvidos no contexto formativo de

Biologia, supondo que, se restringíssemos a esse conteúdo, poucos trabalhos seriam

localizados. Encontramos cinco, sendo três de Biologia, um de Química e outro sem

determinação da disciplina, os quais estão descritos na seção subsequente.

3.1.1.1 Formação de professores de Biologia

Os trabalhos agrupados nesta seção trazem reflexões sobre a formação do professor de

Biologia, apresentando discussões a respeito de atividades desenvolvidas nos cursos de

licenciatura e a perspectiva dos estudantes sobre sua importância para o processo formativo.

O trabalho de Rosa et al. (2012) trata da contribuição do estágio curricular para a

formação profissional de 46 estudantes do 7o

e 9o período do curso de licenciatura em

Ciências Biológicas de uma instituição pública. As autoras analisaram entrevistas,

questionários, narrativas e diários de campo dos licenciandos com o objetivo de investigar a

forma com que o estágio supervisionado afeta a formação profissional do futuro docente.

Inicialmente, as autoras levantaram que 73% dos licenciandos não tinham a

licenciatura como primeira opção de curso e não pretendiam dar aulas depois de se formarem.

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Perceberam, assim, que muitos alunos não se veem como futuros professores, mesmo estando

estudando para tal.

Os dados mostraram também que os entrevistados sentem-se incomodados com a

organização do curso. A maioria acredita que o currículo deveria ser revisto e reformulado e

que o curso não forma professores bem preparados para ministrar aulas no Ensino

Fundamental e Médio. A esse respeito, os entrevistados queixam-se de que o curso tem como

preocupação primordial a formação de biólogos, sendo a docente deixada em segundo plano,

como ênfase do Curso de Ciências Biológicas. Entretanto, o estudo mostrou que os

licenciandos dão importância à formação do professor para a realização de uma boa prática

pedagógica, não sendo esta determinada pelo dom ou pelo domínio do conteúdo, e sim pela

capacidade de aquele transformar um conteúdo teórico em algo que os alunos compreendam.

Com relação ao estágio, os dados revelaram que os licenciandos estão conscientes de

sua importância para a sua formação docente, sendo esta entendida como o eixo central,

responsável por aproximá-los do cotidiano escolar. Contudo, de acordo com os dados obtidos,

foi possível perceber a ocorrência de um choque entre a realidade dos licenciandos e a escolar.

Para as autoras, esse fato denuncia que o currículo ainda é precário quanto à preparação do

futuro professor e que existem aqueles que procuram o curso de licenciatura sem, na verdade,

desejarem ser professores. Elas também constataram que o currículo do curso se baseava na

dicotomia entre teoria e prática, transformando o professor em um especialista da profissão de

biólogo.

A pesquisa de Diniz e Campos (2011) investigou as contribuições das disciplinas de

Prática de Ensino e Psicologia da Educação para a formação dos saberes profissionais de 22

licenciandos do último ano de um curso de licenciatura em Ciências Biológicas.

Os autores definiram a organização das atividades, que contava com: aulas conjuntas

dos professores de Prática de Ensino e Psicologia da Educação; aulas específicas de cada

disciplina, realizadas individualmente; e estágio, envolvendo observação, planejamento e

execução de aulas para o ensino Fundamental e Médio. Ao final de cada semestre, foi

solicitado aos alunos um relatório, no qual apresentassem uma síntese das atividades

realizadas por eles nas escolas de ensino Fundamental e Médio, bem como respondessem a

um conjunto de questões que buscassem sintetizar as principais idéias discutidas durante as

aulas e os seminários.

A análise dos dados revelou que a pesquisa conseguiu desenvolver a compreensão

questionadora e reflexiva do trabalho docente no âmbito da sala de aula. Os autores

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reconhecem que dimensões mais amplas, como o professor na sua profissão, sua relação com

a escola e com seus colegas de profissão não foram suficientemente contempladas.

Verificaram a relevância da experiência prática dos licenciandos, pois o estágio foi percebido

por todos como um momento privilegiado que alimentava as demais atividades e possibilitava

aos alunos o contato com situações reais e a análise destas. Contudo afirmam que a tarefa de

formar professores não pode ser responsabilidade apenas de uma das etapas do processo de

formação, mas que esta deve ser assumida pelos cursos como um todo.

De modo geral, foi possível identificar, nesses trabalhos, um avanço em direção ao

desenvolvimento de práticas docentes, que permitiram aos futuros professores serem mais

críticos e reflexivos sobre a formação recebida, uma vez que lhes possibilitaram realizar a

integração entre teoria e prática.

3.1.1.2 Identidade docente

Os trabalhos agrupados nessa seção trazem reflexões a respeito da construção da

identidade docente, investigada por meio das narrativas produzidas pelos estudantes sobre seu

processo formativo. Tais reflexões foram produzidas a partir da análise de atividades

desenvolvidas em cursos de licenciatura na modalidade presencial, em disciplinas e no estágio

curricular.

O trabalho de Freitas (2011) descreve uma pesquisa narrativa, na qual a autora, a partir

da análise dos relatos produzidos na disciplina Docência do Ensino Fundamental de um curso

de licenciatura em Biologia, avalia a construção de sua própria identidade docente. Para isso,

ela se deterá em três eixos temáticos: a diversidade e a diferença, a fixidez e a reinvenção de

professoralidades, o dado e o histórico.

No primeiro eixo, a autora deixa claro que identidade e diferença são elementos que

não podem ser compreendidos fora de um processo de produção simbólica e discursiva, não

existindo de forma natural ou fixa, mas como produtos construídos social e historicamente

pelo discurso, e que a sua desconstrução ocorre de forma não pacífica. A partir desse

entendimento, ela começa a suspeitar de seu modo de ver o discurso biológico e científico

usado como “ferramenta de naturalização e manutenção de determinadas identidades,

tornando-as normais” (p. 34). Para ela, questionar o discurso biológico se torna relevante, à

medida que as descrições científicas naturalizam características e produzem discursivamente

diferenças e também identidades.

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No segundo eixo, ela utiliza a concepção de professoralidades (Pereira et al., citado

por Freitas, 2011), que seria uma marca produzida no sujeito, na superfície de sua

subjetividade, que interfere naquilo em que ele irá se transformar e que, ao deixar de ser

questionada, ganha status de verdade.

E por fim, no eixo o dado e o histórico, ela discute a questão do currículo, entendendo-

o não apenas como um mero instrumento de transmissão dos saberes acadêmicos, mas por

saberes historicamente construídos. A partir desse ponto de vista, ela argumenta que é possível

questionar o lugar que algumas disciplinas adquirem no currículo, pois isso possibilita “tomar

aquilo que não é problemático, que é tradicional, e analisar por que essas formas de

conhecimento são privilegiadas nas relações sociais e em relações de poder” (p. 39). As

disciplinas não informam apenas conhecimento, mas uma maneira de conhecer, compreender

e interpretar o mundo em geral e sobre o nosso eu nesse mundo.

Suas narrativas foram um importante instrumento, já que lhe permitiram envolver-se

nas discussões sobre a fabricação de sua identidade docente e também refletir sobre as

relações de poder em que estão imersos os saberes científicos e curriculares. Para a autora, é

necessário utilizar essa metodologia de pesquisa com os licenciandos para que eles percebam

que há outras possibilidades de ser professor.

A pesquisa de Gianotto e Diniz (2010) foi realizada com 16 estudantes de um curso de

licenciatura em Ciências Biológicas. O objeto de análise foram as ações e falas, os

depoimentos e diálogos, assim como as reflexões dos estudantes sobre atividades mediadas

pelo computador em uma aula de Biologia ministrada no Ensino Médio. Para os autores, a

formação inicial de professores caracteriza-se como um desafio, já que os estudantes resistem

às mudanças, reproduzindo concepções e atitudes vivenciadas anteriormente e,

consequentemente, ensinando como seus professores. Essa problemática foi levantada e

constatada já no início das atividades com os participantes. Ficou evidente, pelos discursos

dos estudantes, uma contradição entre o que foi apresentado e discutido em sala de aula com

eles a respeito da importância do planejamento de aula e do uso do computador no ensino de

Biologia e as concepções que demonstraram ao desenvolverem efetivamente o planejamento

da aula.

Para Gianotto e Diniz (2010), essa contradição se explica visto que dificuldades para

alterar o papel do professor apresentam-se além da vontade própria, pois advêm de uma

bagagem formativa que não autoriza inovações. Para mudar esse cenário, é necessário tempo

e esforço para estimular a reflexão, principalmente se esta for em conjunto. Assim, os futuros

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professores poderão desenvolver novas atitudes e concepções sobre o ensino, se seus

professores também o fizerem.

A partir de um processo reflexivo conjunto, os autores perceberam que os estudantes

formularam novos conceitos de ensinar e aprender e concordaram em planejar uma aula de

Biologia usando as ferramentas computacionais de forma colaborativa, incorporando no seu

discurso termos como: construção do conhecimento, mediação, compartilhamento, situação

de aprendizagem, discussão, troca de ideias, reflexão, dentre outras. Paralelamente à

elaboração desses conceitos, eles mencionam que os licenciandos atribuíram ao professor o

papel de organizador de situações de aprendizagem e não mais de transmissor de verdades

prontas e acabadas e vislumbraram, nessa atribuição, o esboço de um novo perfil de professor:

o de mediador.

Eles consideram que, a partir desse processo crítico-reflexivo conjunto sobre o que,

como e por que faziam, os licenciandos passaram por um processo de mudança na concepção

do que é ser professor e vislumbraram uma possível nova identidade, uma vez que

desenvolveram elementos formativos importantes para a docência, tais como formulação de

novos conceitos, atitudes e habilidades, assim também como a atribuição de novos papéis ao

professor e ao aluno, identificando e assumindo a mediação como fator relevante no processo

de ensino-aprendizagem. Embora reconheçam a impossibilidade de afirmar se e como os

conhecimentos e as habilidades formativas adquiridas serão utilizadas e/ou aplicadas em

situações de ensino e aprendizagem futuras, enfatizam que a formação do professor é um

processo cujo início ocorre antes da preparação formal, prossegue ao longo desta e continua

durante toda a prática profissional vivenciada.

O trabalho de Brando e Caldeira (2009) investigaram a identidade profissional de

alunos de um curso de licenciatura em Ciências Biológicas de uma universidade pública.

Nessa pesquisa, as autoras verificaram que o curso de licenciatura pesquisado pouco

contribuiu para a construção de uma identificação dos estudantes com a profissão de professor

de Biologia e ou de Ciências. Apesar de constituir-se em curso de licenciatura, as autoras

verificaram que este privilegiava a construção da imagem do cientista-pesquisador nas áreas

básicas da Biologia. Perceberam também, que mesmo estudantes que pretendem trabalhar

com pesquisa em suas futuras atuações profissionais, quando se referiam à função docente,

evidenciavam sentimentos como a concepção de cuidado e ajuda ao próximo.

Elas também notaram que, quando eles estabeleceram relações entre suas vivências

pessoais e experiências adquiridas no ambiente acadêmico, apesar de não apresentarem

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afinidade com a atividade docente, manifestavam o desejo de desenvolvê-la, desde que

pudessem conciliá-la com outras atividades, tais como pesquisa em laboratório ou de campo.

Outros comentaram a possibilidade de atuarem como docentes caso fosse necessário. Segundo

as autoras, na palavra “necessário” havia a ideia de ajuda financeira, seja como atividade

complementar, ou como um primeiro emprego, quando terminassem o curso. Houve ainda

aqueles que não demonstraram afinidade pela docência, e apontaram fatores como timidez e

medo de se expor diante de outras pessoas como obstáculos para seguirem essa carreira. As

falas dos estudantes também indicaram uma visão reducionista sobre os saberes inerentes ela,

sobretudo aqueles relacionados às Ciências da Educação e à ação pedagógica.

Para Brando e Caldeira (2009), foi possível verificar que as concepções iniciais que os

estudantes possuíam sobre a profissão docente influenciaram a construção de sua identidade

profissional, que, segundo a percepção das autoras, não foi favorecida no curso de licenciatura

em Ciências Biológicas. Elas apontam alguns aspectos do curso que corroboram essa

afirmação, tais como: (a) introdução precoce dos estudantes em atividades de laboratório; (b)

a estrutura curricular que não articula área específica com pedagógica; (c) influência de

alguns professores da área de conhecimento específico que reforçam a ideia de cientista

especialista, uma vez que valorizam somente a construção de conceitos em detrimento do seu

compartilhamento com a sociedade como um todo e com outras instâncias da educação, como

por exemplo, a educação formal.

A pesquisa de Quadros et al. (2005) investigou a influência de professores na

formação profissional de 36 licenciandos em Química, por meio de entrevistas, com o

objetivo de explicitar relações desses sujeitos com seus professores e o significado dessas

relações na formação da identidade profissional. Os autores lembram que, quando se focaliza

a prática de um professor em sala de aula, vem-nos à memória os professores que já tivemos e

a atuação de cada um deles. Há uma peculiaridade na formação do professor, que tem seu

mundo de trabalho no mesmo “espaço” no qual foi formado, ou seja, a sala de aula. Tal

peculiaridade favorece que ele assuma, depois de formado, não só a posição física de seus

professores, mas também a postura, atitudes, formas de ensinar etc., como um efeito

“espelho”. Diante disso, os autores analisaram as entrevistas com o intuito de responder a

algumas questões: Por que alguns alunos, apesar de discutirem teorias de ensino e

aprendizagem, acabam, na maioria das vezes, usando o modelo de transmissão/recepção?

Essa prática de sala de aula é influenciada pela prática dos professores que tiveram? A

graduação é decisiva para a formação da identidade de professor?

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De acordo com os autores do total de entrevistados, 34 afirmaram lembrar de algum

professor de maneira especial. Os mais lembrados atuaram na educação básica. Outro dado

que a análise evidenciou está relacionado à influencia dos professores evocados na escolha do

curso superior: 48% declararem explicitamente a influência de um professor da disciplina de

Ciências e Química na escolha do curso. Os resultados também revelaram que, entre as três

características levantadas sobre os professores lembrados − afetiva, de conhecimento e

pedagogia − esta última foi a mais citada pelos entrevistados, seguida pela afetiva.

A respeito da possibilidade de as características dos professores lembrados

influenciarem no tipo de professor que os entrevistados são/serão − e portanto, em suas

identidades docentes − os autores verificaram que, de maneira geral, eles citaram algumas

delas que lhes foram incorporadas, como: a forma de explicar/metodologia; a amizade; a

exigência; o bom humor; o diálogo constante; a atenção e a contextualização do

conhecimento. Este resultado confirmou a relação entre a memória que os licenciandos têm de

outros professores e a formação da identidade docente. Os autores concluíram que cada

pessoa carrega uma imagem ou modelo de professor que é formado durante todo o período de

escolarização e que, com o acréscimo de outros saberes obtidos na licenciatura ou

incorporados pela própria prática, auxiliam na construção da identidade profissional.

O trabalho de Loguercio e Pino (2003) é teórico e propõe uma discussão a respeito da

identidade docente questionando-a a partir da relação que os professores mantêm com os

saberes que constituem a sua prática. Os saberes de formação, segundo os autores, são

constituídos em instâncias nas quais os professores não têm acesso como produtores, sendo,

portanto impostos por quem os produz: os cientistas, os governos, etc. Assim, os professores

são desautorizados para selecioná-los e agem como meros transmissores ou técnicos pelas

instituições formativas para perpetuarem alguns conhecimentos selecionados na cultura.

Contudo, na sua prática docente, os professores utilizam, além dos saberes de formação, os de

experiência, que, de acordo com os autores, apresentam pouca relação entre si, pois quando

são questionados, os docentes percebem a limitação dos saberes de formação, o que gera

rejeição à formação recebida.

Segundo os autores, durante a formação dos futuros professores, há uma discussão

sobre as práticas desatualizadas dos que estão em exercício, os conhecimentos estáticos e as

probabilidades de melhorias do ensino. São discutidas também as novas possibilidades

didáticas e os modos de aprendizagem dos estudantes, que os futuros professores devem

conhecer e entender. Preparam esses licenciandos para serem professores ideais, melhores que

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os que eles conheceram, mas raramente ou nunca problematizam a existência de uma cultura

escolar que possa desestabilizar os seus conhecimentos, capaz de destruir suas ilusões, de

resistir com seus discursos perante os discursos acadêmicos.

Dessa forma, segundo os autores, tem-se um ciclo, no qual o professor é desautorizado

pelos saberes produzidos externamente à escola que, por sua vez, desprestigia esse

conhecimento pela sua prática, porém não rompe com eles, uma vez que não expõe o saber

construído na escola, não luta pela legitimação dos seus saberes e, com isso, autoriza o saber

instituído e o ciclo recomeça. Dessa maneira o discurso acadêmico e social sobre a

passividade e a desatualização docente estabelece um sentido e uma prática de aprendizagem

do que é ‘ser professor’.

O professor vivencia, segundo os autores, uma prática laboriosa e, muitas vezes,

frustrante, pois defronta-se com um sistema que não foi pensado para atender as suas

necessidades nem a dos alunos, somente as demandas do mercado de trabalho; dedica muitas

horas programando atividades e explorando mais a sua disciplina com o objetivo de ser um

professor diferente, como aqueles que o estágio e a didática disseram ser possível. Isso, sem

considerar outras questões como as raciais, sexuais e sociais, presentes nos discursos

escolares sobre regras e comportamentos dos professores que devem portar-se como

apolíticos, assexuados e sem corpo. Assim, eles enfatizam a necessidade de pensar como está

sendo narrado, subjetivado e identificado o ‘ser professor’ e o quanto é importante conhecer

as suas narrativas, pois a forma como a identidade docente é relatada e interpretada reflete

uma dinâmica em que resistir ou acolher significa seguir regras e por elas ser coordenado.

Pela análise desse conjunto de trabalhos, foi possível perceber avanços a respeito da

investigação da construção identitária dos professores. As pesquisas analisadas mostraram que

o processo de construção da identidade profissional é complexo e dinâmico e que acolher ou

contestar significa participar do processo de constituição das identidades. Além disso,

evidenciou a necessidade de que, durante o processo formativo, sejam exploradas atividades

que permitam aos estudantes exporem suas opiniões frente ao processo que estão vivenciando.

As narrativas parecem ser um caminho promissor nesse sentido, pois quem tem o poder de

relatar, além de repensar seu percurso, fornece pistas para a melhoria da qualidade da

formação recebida.

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3.1.2 Revisão bibliográfica nos bancos de teses e dissertações

Foram pesquisados os resumos indexados no banco de teses e dissertações da CAPES

e no banco de dados da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), empregando-se os

mesmos descritores da pesquisa feita nos periódicos e utilizando-se o conectivo “ou” no

campo “assunto”.

No levantamento do banco de teses e dissertações da CAPES, retornaram 215

trabalhos. A partir da leitura dos títulos, selecionamos 13 teses e 16 dissertações da área de

Educação ou da área de Ensino de Ciências (Quadros 2 e 3).

Quadro 2 Teses selecionadas a partir dos descritores, no banco de teses e dissertações da CAPES

Levantamento Portal

Capes/Teses

Título Autor Ano

1- RESSIGNIFICAÇÃO DO PAPEL DA PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO CONTINUADA

DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS E

MATEMÁTICA.

INÊS MARIA ZANFORLIN PIRES DE ALMEIDA

2001

2 FORMAÇÃO E DOCÊNCIA A CONSTRUÇÃO DE

UM CONHECIMENTO INTEGRADO NO CURSO

DE PEDAGOGIA: MOBILIZANDO SABERES E

EXPERIMENTANDO INCERTEZAS .

YÁRA CHRISTINA CESARIO

PEREIRA

2004

3 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR PESQUISADOR

NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA DOS ENCONTROS

NACIONAIS DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO: (1994-2000)

SILVANA VENTORIM 2005

4 UM ESTUDO DA AUTONOMIA DOCENTE NO

CONTEXTO DO ENSINO DE CIÊNCIAS NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

MARCO AURÉLIO ALVARENGA

MONTEIRO

2006

5 IDENTIDADES E CULTURA AFRO-BRASILEIRA:

A FORMAÇÃO DE PROFESSORAS NA ESCOLA E

NA UNIVERSIDADE.

MARIA NAZARÉ MOTA DE

LIMA

2007

6 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE

IDENTIDADES INDIVIDUAIS E COLETIVAS DO

SER-TUTOR NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, HOJE.

MARINILSON BARBOSA DA

SILVA.

2008

7 FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE

BIOLOGIA E O USO DE COMPUTADORES:

ANÁLISE DE UMA PROPOSTA DE PRÁTICA COLABORATIVA

DULCINÉIA ESTER PAGANI

GIANOTTO

2008

8 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO DE CIÊNCIAS

BIOLÓGICAS: APROXIMAÇÕES ENTRE O LEGAL E O REAL.

NEUSA ELISA CARIGNATO

SPOSITO

2009

9 A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL INTEGRADA AO

ENSINO MÉDIO NO PARANÁ: AVANÇOS E

DASAFIOS

SANDRA REGINA DE OLIVEIRA

GARCIA

2009

10 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE

SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO SEXUAL: UM

ESTUDO COM PROFESSORES DA REDE PÚBLICA DE ENSINO DE CUIABÁ-MT - 2005-2009

RITA APARECIDA PEREIRA DE

OLIVEIRA

2009

11 AS INTERFACES E FRONTEIRAS NO AUTORAR:

TEXTOS DE PROFESSORES APRESENTADOS EM EVNTOS DE ENSINO DE BIOLOGIA

MARIA CRISTINA RIBEIRO

COHEN

2010

12 DOCÊNCIA A DISTÂNCIA NO ENSINO DA UAB:

IDENTIDADES AMBIVALENTES.

PAULO RICARDO TAVARES DA

SILVEIRA

2011

13 OS PROJETOS PEDAGÓGICOS DE CURSOS DE LICENCIATURA EM QUÍMICA NO ESTADO DE

GOIÁS: DO CONHECER AO CONSTRUIR

NYUARA ARAÚJO DA SILVA MESQUITA

2010

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Quadro 3 Dissertações selecionadas a partir dos descritores, no banco de teses e dissertações da CAPES

Levantamento Portal

Capes/ Dissertações

Título Autor Ano

1 O ENSINO DE BIOLOGIA EM QUESTÃO: OS

VAZIOS E AS REFERÊNCIAS DA GRADUAÇÃO

NA ATUAÇÃO DOCENTE NA VOZ DE EGRESSOS

MARIA HELOISA DA SILVA

PANDOLPHO

2006

2 A IDENTIFICAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DA

IDENTIDADE DOCENTE NA FORMAÇÃO INICIAL

DE PROFESSORES DE BIOLOGIA

FRANCISCA MICHELLI LOPES 2007

3 ENSINO DE CIÊNCIAS EM CABINDA/ANGOLA:

CONDIÇÕES DA PRÁTICA DOCENTE, IDÉIAS DE

PROFESSORES E DESAFIOS.

JULIANA LANDO CANGA

BUZA

2007

4 PROFISSÃO DOCENTE: VISÕES DE LICENCIANDOS DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS EM

DIFERENTES CONTEXTOS

FERNANDA REIS DE PINHO TAVARES

2007

5 A RELAÇÃO COM O SABER E A RELAÇÃO COM O ENSINAR NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM

BIOLOGIA

ELIANA DE MELLO 2007

6 A UNIVERSIDADE E AS APRENDIZAGENS

SIGNIFICATIVAS: CONTRIBUIÇÕES POSSÍVEIS

ELIANE DE LOURDES FELDEN 2009

7 A CONTRIBUIÇÃO DOS ESTUDOS DE GÊNERO À

FORMAÇÃO DOCENTE: UMA PROPOSTA DE

INTERVENÇÃO

FABIANE FREIRE FRANÇA 2009

8 GÊNERO EM BIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE DE LIVROS DIDÄTICOS E

DISCURSO DOCENTE

MARIA JOSË SOUZA PUNHO 2009

9 SABERES DOCENTES DE LICENCIANDOS E A BUSCA DA IDENTIDADE PROFISSIONAL

MARIANA DOS SANTOS 2009

10 CARTOGRAFIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

NAS PÓS-GRADUAÇÕES STRICTO SENSU

BRASILEIRAS (2003-2007): ÊNFASE NA PESQUISA DAS ÁREAS DE EDUCAÇÃO E ENSINO DE

CIÊNCIAS SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

DANIELE CRISTINA DE SOUZA 2010

11 (MEIO) AMBIENTE: ROMPENDO PARADIGMAS

NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA E NO ENSINO DA

GEOGRAFIA E DA BIOLOGIA

FERNANDO FREDERICO

BERNARDES

2010

12 AS REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO NA

FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS

XERENTE E EXPRESSÃO DA VIOLÊNCIA

MARIA SANTANA FERREIRA

DOS SANTOS MILHOMEM

2010

13 UM ESTUDO SOBRE A EPISTEMOLOGIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS:

INDÍCIOS DA CONSTITUIÇÃO DE IDENTIDADES

CAMILA ITIKAWA GIMENES 2011

14 FORMAÇÃO INICIAL E ÁREAS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL DE EGRESSOS DO CURSO DE

LICENCIATURA PLENA EM CIÊNCIAS

BIOLÓGICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO PERÍODO DE 2004-2009.

EDNA REGINA ULIANA 2011

15 DETERMINISMO BIOLÓGICO E IDENTIDADES

DE GÊNERO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE

PROFESSORES DE BIOLOGIA DO ENSINO MÉDIO

FRANCISCO LEAL DE

ANDRADE

2011

16 A COR NA UNIVERSIDADE:UM ESTUDO SOBRE

A IDENTIDADE ÉTNICA E RACIAL DE

PROFESSORES/AS NEGROS/AS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO NO

CAMPUS DO BACANGA

RAIMUNDO NONATO SILVA

JÚNIOR

2011

No levantamento do banco de dados BDTD, retornaram 620 trabalhos. Utilizando o

mesmo procedimento de seleção dos trabalhos do banco de teses e dissertações da CAPES,

encontramos 10 teses e seis dissertações da área de Educação ou da área de Ensino de

Ciências, listadas nos Quadros 4 e 5, respectivamente.

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Quadro 4 Teses selecionadas a partir dos descritores na BDTD

Levantamento das

Teses na BDTD

Título Autor Ano

1 HABITUS, REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DOS

PROFESSORES DE MARACANAÚ

LIA MATOS BRITO DE ALBUQUERQUE

2005

2 IDENTIDADES DE PROFESSORES E REDE DE SIGNIFICAÇÕES : CONFIGURAÇÕES QUE

CONSTITUEM O "NÓS, PROFESSORES"

HELOISA SALLES GENTIL 2005

3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM NIVEL

SUPERIOR NO ESTADO DE SANTA CATARINA (1960-2002) : CONTROLE E DESONERAÇÃO

MARIA DE FATIMA

RODRIGUES PEREIRA

2007

4 NO FIO DA HISTÓRIA : UMA ANÁLISE DA

(RE)CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DOS

PROFESSORES : ENTRECRUZANDO TEMPOS,

MEMÓRIAS E ESPAÇOS

GILSON DE ALMEIDA PEREIRA 2007

6 TORNAR-SE PROFESSOR: A FORMAÇÃO

DESENVOLVIDA NOS CURSOS DE FÍSICA, MATEMÁTICA E QUÍMICA DA UNIVERSIDADE

FEDERAL DE UBERLÂNDIA

GEOVANA FERREIRA MELO 2007

7 DE VOCAÇÃO PARA PROFISSÃO: ORGANIZAÇÃO SINDICAL DOCENTE E

IDENTIDADE DO PROFESSOR

ERLANDO DA SILVA RÊSES

2008

8 A PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO DE

PROFESSORES E MULTICULTURALISMO NO BRASIL: TENDÊNCIAS E DESAFIOS

ANDRÉ LUIZ SENA MARIANO 2009

9 NARRATIVA AUTOBIOGRÁFICA COMO PRÁTICA

DE FORMAÇÃO E DE ATUALIZAÇÃO DE SI : OS GRUPOS REFERÊNCIA E O GRUPO REFLEXIVO

NA MEDIAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

IDENTITÁRIA DOCENTE

GILVETE DE LIMA GABRIEL 2009

10 CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA A

DISTÂNCIA : O ENTRELAÇAR DOS FIOS NA

(RE)CONSTRUÇÃO DO SER PROFESSOR.

CRISNA DANIELA KRAUSE

BIERHALZ

2012

Quadro 5 Lista das dissertações selecionadas a partir dos descritores na BDTD Levantamento das

dissertações do BDTD,

Título Autor Ano

1 PROFORMAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DA

IDENTIDADE PROFISSIONAL DOCENTE

MARINEUZA CALDEIRA DE

SOUSA 2008

2 NARRATIVAS DA FORMAÇÃO ACADÊMICA: QUANDO AS ALUNAS SÃO PROFESSORAS

CINERI FACHIN MORAES 2009

3 DAS MEMORIAS HUMANAS A MEMORIA

VIRTUAL COLETIVA : UMA CONSTRUÇÃO A

PARTIR DA HISTORIA DE VIDA UTILIZANDO AVA

BEATRIZ SANZ VAZQUEZ 2009

4 A AÇÃO COMUNICATIVA NA FORMAÇÃO DE

PROFESSORES DA MODALIDADE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (EAD)

DENIZE DA SILVEIRA FOLETTO 2010

5 A JORNADA DO HERÓI: A NARRATIVA

AUTOBIOGRÁFICA NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE PROFISSIONAL

DO PROFESSOR

NEUSA TERESINHA BOHNEN 2011

6 OLHARES E VOZES DE TUTORES SOBRE

O “SER TUTOR”

ERICA ALVES BARBOSA

MEDEIROS TAVARES

2011

A partir do resultado encontrado (Quadros 2, 3, 4 e 5), passamos à leitura dos resumos,

agrupando os trabalhos em dois conjuntos: no primeiro, aqueles que tratavam especificamente

da formação inicial de professores de Biologia, incluindo os processos formativos presenciais

e a distância. Nesse conjunto, foram selecionados quatro trabalhos, descritos na seção

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seguinte, que tinham como contextos de pesquisa processos formativos presenciais e nenhum

na modalidade a distância.

No segundo conjunto, foram classificados os trabalhos que tinham como objeto a

questão da identidade docente, mesmo que não tivessem sido realizados no contexto

formativo de Biologia. Foram encontrados cinco trabalhos, sendo um relacionado às

licenciaturas de Física, Matemática e Química, um à de Biologia, dois que não especificam as

áreas das licenciaturas e um de Matemática na modalidade a distância. Estes trabalhos estão

descritos na seção posterior. Esclarecemos que alguns trabalhos foram desconsiderados

porque, apesar de tangenciarem a questão da identidade docente, se voltavam para temas ou

para sujeitos de pesquisa que escapavam ao nosso interesse ou por não terem relação direta

com a área de ciências. Apenas para exemplificar, podemos citar: questões multiculturais e de

gênero; a construção identitária dos formadores; o processo de construção identitária a partir

das experiências dos professores da Educação Básica; a identidade social do professor na

ótica do sindicalismo; a formação continuada de professores da Educação Básica; os saberes

produzidos por professores universitários em sua ação pedagógica.

3.1.2.1 Formação de professores de Biologia

Nesta seção, apresentamos a tese de Gianotto (2008) e as dissertações de Tavares

(2007), Mello (2007) e Santos (2009), que trazem reflexões a respeito da interação entre

teoria e prática no processo formativo e suas possíveis relações com a identificação com a

profissão docente.

O trabalho de Gianotto (2008) analisou o processo formativo inicial de 16 estudantes

do curso de licenciatura em Ciências Biológicas de uma instituição pública, a partir da

descrição e interpretação de uma experiência didática realizada na disciplina Prática de

Ensino de Ciências e Biologia II. Tal prática se pautou na metodologia colaborativa para o uso

do computador como recurso pedagógico. Os dados dessa pesquisa foram produzidos a partir

dos questionários, textos, falas e documentos do desenvolvimento das diversas ações

pedagógicas realizadas com os estudantes.

Tais ações, segundo a autora, proporcionaram aos licenciandos, além de uma

fundamentação teórica necessária, a oportunidade de estabelecer um diálogo com a realidade,

quando da observação e análise de aulas de Biologia, com o uso de ferramentas

computacionais na perspectiva colaborativa.

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A análise dos resultados evidencia que os estudantes, ao serem estimulados a emergir

num processo crítico-reflexivo sobre o que, como e por que os professores desenvolvem suas

atividades docentes, parecem ter construído uma nova identidade de professor, quando:

elaboraram pensamentos críticos e autônomos (aprendendo a ser professor); desempenharam,

com competência e habilidade, a função de professores mediadores (a fazer como

professores); desenvolveram elementos formativos para a docência por meio da elaboração e

compreensão de novos conceitos de ensinar e aprender e construíram saber pedagógico ao

trabalharem de forma colaborativa com os alunos. Assim, vislumbraram a atribuição de novos

papéis ao professor, como o organizador de situações de aprendizagem e do aluno como

agente ativo na produção e assimilação de novos conhecimentos, identificando a importância

da mediação dentro do processo de ensino e aprendizagem.

O trabalho de Tavares (2007) preocupou-se em caracterizar as visões de quatro

licenciandos em Ciências Biológicas sobre a profissão e o trabalho docente em dois contextos

distintos: na sala de aula de uma disciplina de estágio curricular − por ser esta a primeira

experiência “formal” de contato com o contexto escolar no curso− e por meio de entrevistas

individuais − que tinham como objetivo contrastar as concepções dos estudantes sobre a

profissão e o trabalho docente com aquelas construídas em contextos “externos” à sala de

aula, por meio do mapeamento e descrição das ideias centrais apresentadas em um episódio.

Os dados coletados foram analisados e organizados de acordo com suas características

relevantes, após o mapeamento de descrição das ideias centrais obtidas no material de fonte.

Assim, foram identificadas caracterizações sobre o trabalho docente: o professor tem que

saber sobre as relações humanas, pois o saber científico não basta para saber ensinar; não é

tão importante dominar os conhecimentos da área e da educação para ser um bom professor. A

análise revelou também a visão da docência como um dom.

Segundo a autora, os licenciandos identificaram o professor como alguém que sabe

alguma coisa, porém o saber relacionado ao conhecimento do contexto foi o enfatizado por

eles, ficando os de conteúdo e pedagógico em segundo plano. Para ela uma explicação

plausível para isso pode estar relacionada ao contexto atual de ensino encontrado nas escolas,

que exige que o professor reflita sobre seu papel. Ele precisa lançar mão de estratégias

diversificadas para atingir o aluno, ganhar sua confiança e, só então ensinar. Apesar de esses

serem aspectos externos à formação inicial, eles, para a autora, estão atrelados a ela de tal

forma que acabam por influenciar a identidade docente e a formação profissional.

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Com relação à docência como um dom, a autora analisa que essa visão pode estar

relacionada à desvalorização na qual o profissional docente vem sendo submetido, pois a

imagem do professor como alguém que tem vocação ou é portador de um dom para o ensino é

uma forma de justificar vários aspectos relativos à desvalorização docente.

A pesquisa de Mello (2007) procurou compreender como os futuros professores de

Biologia, no momento de transição de alunos aprendizes para professores, estabelecem

relação com o ensinar, constituem-se profissionalmente e como elaboram ou reelaboram os

conhecimentos adquiridos durante a formação inicial na sua prática docente. Os sujeitos

investigados foram oito estudantes do último ano de graduação de um curso de licenciatura

em Ciências Físicas e Biológicas de uma instituição particular. A fonte de dados analisada

foram os textos resultantes das transcrições das entrevistas semiestruturadas respondidas pelos

estagiários.

A análise dos dados revelou, segundo a autora, claros indícios de descontentamento e

desânimo com a profissão docente; dificuldade de relacionar teoria e prática nas situações

cotidianas desta; que a opção pela profissão nãofoi feita porque eles queriam ser professores,

por acaso, pois alguns pensavam estar num curso voltado para a área de laboratório e outros

por influência familiar. A respeito da questão da escolha da profissão, a autora infere que o

fato de ela se dar por opção ou não, não determina, a priori, o desempenho ou a identificação

com ela, uma vez que a identidade é um processo e, portanto, passível de mudanças.

A respeito da relação com o saber ensinar, a autora depreende que esta é construída a

partir de múltiplos fatores que vão sendo incorporados à prática da sala de aula, na qual cada

indivíduo vai moldando-se, criando seu estilo próprio, aprendendo com sua vivência. Assim, a

relação com o ensinar, com o saber e a construção dos saberes docentes, analisados nesta

pesquisa, apontam que a escola e as instituições formadoras podem e devem contribuir de

maneira a estabelecer uma interação entre teoria e prática, visando à melhoria da formação

docente.

De acordo com a autora, o que se percebe é que através da prática alimentada pela

teoria, esta adquire um novo significado, uma vez que o estágio é um momento em que o

estagiário tem a oportunidade de construir saberes ligados à prática do professor, que

contribuem para a construção de uma identidade própria.

A pesquisa de Santos (2009) procurou identificar e interpretar os saberes sobre a

docência construídos por seis licenciandos de um curso de Ciências Biológicas, durante suas

primeiras experiências realizadas no estágio e o papel destas na identificação com a profissão

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docente. Foram utilizados, como fonte de pesquisa os diários de campo, as narrativas de

histórias de vida e depoimentos de cada um deles.

Pela análise dos dados, foi possível averiguar que o momento do estágio foi percebido

pelos licenciandos como crucial por ser um espaço de formação na prática e permitir uma

maior mobilização dos saberes e, como consequência, a construção de novos conhecimentos.

Com relação aos saberes acadêmicos e a sua relação com a prática, os sujeitos pesquisados

conseguiram, de uma maneira geral, atribuir sentido ao conteúdo teórico, pedagógico e

disciplinar durante a realização do estágio. Até esse momento, os licenciandos não percebiam

a importância da teoria que haviam estudado. Eles também mencionaram os saberes da

prática, os quais foram construídos por eles mesmos no momento em que se encontravam em

sala de aula, frente a um obstáculo que se apresentava.

Sobre a construção de uma identificação com a profissão, foi possível perceber que

eles construíram algumas marcas e se fixaram em alguns parâmetros, que futuramente irão

desenhar o perfil desse professor. Uns se preocupam mais com o conteúdo, alguns com o

método de ensino e outros, com os alunos. Os dados também mostraram que a escolha pela

profissão sofreu influência dos contextos familiar e escolar, sendo os professores os principais

influenciadores desta escolha.

Os trabalhos resenhados nessa seção apontam para importância da interação entre

teoria e prática. Nessa perspectiva, o estágio é compreendido como o momento relevante no

processo de formação docente, uma vez que coloca o futuro professor em contato com as

vivências da escola. Neste momento, os saberes (teóricos) aprendidos nas licenciaturas são

confrontados com os da prática. A relação entre esses conhecimentos é um dos caminhos que

poderá ser útil para compreendermos o impacto da formação na construção da identidade

docente.

3.1.2.2 Identidade docente

Nesta seção, apresentamos as cinco teses e uma dissertação que problematizavam a

questão da identidade docente, chamando atenção para os principais resultados. Os trabalhos

investigam a construção da identidade docente no contexto da formação inicial, procurando

compreender os significados que são atribuídos a ela.

O trabalho de Gimenes (2011) investigou os processos identitários docentes que são

constituídos no contexto da formação inicial de professores de Ciências e Biologia. Para tal,

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foram analisadas entrevistas realizadas com 13 docentes (da área específica quanto da

pedagógica) e com 22 formandos de um curso de licenciatura e Bacharelado de Ciências

Biológicas. Após a análise das entrevistas dos professores e dos formandos, a autora observou

que, dentre os docentes entrevistados responsáveis por disciplinas específicas, a tendência

mais influente é a epistemologia da atividade teórica e, para os das disciplinas pedagógicas, é

da atividade prática. Já para os alunos, o curso é fundamentalmente estruturado na

epistemologia da atividade teórica, caracterizado pela tendência à valorização do

conhecimento específico e teórico, desvalorização dos saberes pedagógicos, organização em

aulas expositivas e uma dicotomia entre os saberes das ciências naturais e pedagógicos.

Para ela, o processo formativo, percorrido por esses futuros professores ao longo da

formação inicial aponta para a construção de processos identitários precários, em que o

licenciando sente pouca vontade de exercer a profissão docente, pois não há uma reflexão

teoricamente fundamentada que seja significativa e que aponte para novas possibilidades para

esse futuro docente, o que leva a constituição de um profissional marcado pelo bacharelado e

por um ‘não ser professor’.

O estudo de Lopes (2007) investigou a formação inicial de professores de Biologia e

Ciências com o intuito de distinguir elementos que pudessem auxiliar na compreensão da

construção da identidade profissional. Os sujeitos participantes dessa pesquisa foram seis

estagiários que cursavam o quarto ano do curso de licenciatura em Ciências Biológicas. Os

dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas que os inquiriam sobre os

momentos vivenciados durante o estágio e o contato inicial com a sala de aula. Como a

pesquisa pretendia identificar os saberes que foram elaborados durante o estágio e, com isso

tentar compreender a construção da identidade docente, a autora buscou, por meio da análise

discursiva textual nos textos produzidos pelas entrevistas, perceber de que maneira cada

estagiário elabora os seus saberes necessários à docência, quais os fatores que contribuem

para isso e se de alguma forma essa experiência proporcionou um desenvolvimento de uma

identidade própria.

Guiada por esses objetivos, a autora percebeu que o Estágio Supervisionado pode

propiciar ao estudante a possibilidade da construção de vários saberes docentes. Pode ser a

oportunidade de o estudante construir um saber teórico, um saber fazer e, principalmente, um

saber ser professor, que é o seu saber pessoal e subjetivo, o qual não pode ser ensinado, mas é

preciso ser aprendido. A posição do estagiário é uma posição dúbia, intermediária, pois ora é

aluno, ora professor. Nessa etapa da formação, a identidade docente oscila entre o ser aluno e

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o tornar-se professor. Ele parece olhar para os professores que há ao seu redor e procura

encontrar um modelo que faça o seu estilo. Ela assinala que a modelagem é o principal meio

pelo qual são dados os primeiros passos na construção do ser professor.

Para a autora, a identidade docente é construída a partir da experiência prévia como

aluno, o que influencia a escolha da profissão. O estágio é um espaço de identificações

pessoais, é a sua fonte de saberes práticos. Assim, a identidade profissional dos professores

pode ser entendida como uma construção pessoal e social marcada por múltiplos fatores,

resultando numa série de representações que o futuro professor tem de si mesmo, da escola,

dos alunos e da sua profissão.

O trabalho de Gentil (2005) objetivou compreender como se constituem as identidades

dos docentes e de que significados elas são portadoras. Apesar de os sujeitos analisados nessa

pesquisa terem sido professores em serviço, julgamos que esse trabalho deveria ser incluído

em nosso conjunto pelo fato de que os sujeitos estudados estavam inseridos na formação de

docentes. Foram entrevistados sete professores e nove recém egressos de cursos de

licenciatura. No intuito de compreender a constituição de significações de sua identidade, a

autora buscou entender os processos de formação desse profissional, como isso tem se

configurado historicamente no Brasil e também se debruçou sobre a história local da região

onde a pesquisa foi realizada, para entender seus processos específicos.

Os resultados apontam que não é possível homogeneizar os sujeitos professores

descrevendo-os como um todo e que os processos de significação de identidades se

constituem na tangência entre os indivíduos e as sociedades, tendo, portanto, caráter pessoal e

coletivo simultaneamente. Para a autora, é possível depreender desse estudo que as

identidades são múltiplas e que o processo de sua construção se constitui por meio de uma

rede de significações. O trabalho docente é o elo inicial das identidades de professores, que

ganham significações em cada território, na relação com as histórias pessoais e coletivas, com

os processos formativos, enfim, nas práticas sociais histórica e geograficamente situadas.

Estando circunscritas em um território, não é mais possível falar de identidade no singular,

mas sim em identidades, especialmente quando se quer marcar o posicionamento de um grupo

em contraposição a outro, ou se quer diferenciá-los.

A tese de Melo (2007) discute a formação de professores a partir da ótica dos alunos,

professores e coordenadores dos cursos de Física, Matemática e Química de uma instituição

pública. Para tal, foi feita uma análise documental e dos discursos dos professores formadores

e licenciandos, sobre as principais dificuldades enfrentadas no decorrer do processo formativo

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oferecido nos referidos cursos e a identificação dos saberes docentes produzidos, assimilados

e utilizados na prática cotidiana pelos estudantes ao assumirem a docência no período de

estágio.

Os resultados, segundo a autora, enfatizam a importância dos saberes disciplinares (os

específicos do curso), dada tanto pelos professores como pelos licenciandos no processo

formativo dos três cursos investigados. Essa característica acaba sendo um traço marcante na

identidade profissional destes. Isso fica evidente nos discursos discentes, porque mesmo

reclamando, eles se rendem à necessidade de “dominar o conteúdo”, de “saber o máximo para

poder ensinar” e de “que a gente saiba muito conteúdo”.

A pouca ênfase dada à formação pedagógica, admitida pelos professores e

licenciandos, dificulta, segundo a autora, o aprendizado da profissão; isso fica evidente nos

depoimentos dos alunos quando se referem a sua formação para a docência: “Temos que

correr atrás, a gente aprende mesmo é fazendo” (p.124).

A autora evidencia alguns aspectos que são comuns aos cursos estudados, que

dificultam o desenvolvimento da identidade profissional: a insegurança sentida pelos alunos

ao assumirem a docência no período de estágio, principalmente com relação ao domínio dos

saberes pedagógicos; práticas formativas que pouco contribuem para o investimento na

profissão e a distância entre os conteúdos acadêmicos e os escolares.

O objetivo de Bierhalz (2012) foi compreender os aspectos relacionados à formação da

identidade docente de licenciandos de um curso de graduação de Matemática na modalidade a

distância. Para isso, a autora procurou desvelar qual a concepção dos alunos sobre o que é ‘ser

professor’ e como a identidade em um curso a distância é construída uma vez que as atitudes,

os modos de pensamentos e valores dos sujeitos que vivenciam este tipo de formação estão

ligados a um imaginário tecnológico. Os cursos de licenciatura nessa modalidade, segundo a

autora, centralizam e reforçam o discurso tecnológico, inovando ou criando diferentes formas

de compreender os valores que constituem os sujeitos que passam por esse tipo de formação.

A pesquisa, de caráter qualitativo, envolveu setenta e oito estudantes e dois professores

do curso. Para a análise dos dados, foi utilizada a análise textual discursiva das interações

entre os sujeitos que participaram de atividades desenvolvidas por meio de blog e fórum, bem

como as narrativas e relatórios de estágio.

A análise dos dados evidenciou, segundo a autora, a concepção que os estudantes

construíram durante sua trajetória no curso, de que é preciso estar aberto ao novo e aprender

sempre. Também revelou que a utilização da ferramenta blog foi avaliada positivamente pelos

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estudantes; para eles este é um espaço rico, pois todos têm voz e oportunidade para se

expressar livremente, partilhando ideias, críticas e reflexões, o que possibilita uma prática

comunicativa inovadora e de criação intersubjetiva. Outro aspecto apontado pela autora

relaciona-se à resistência à participação no blog. Para ela, esse obstáculo está ligado à

dificuldade de expressar-se, de lidar com a ferramenta e também à falta de contribuição do

tutor do polo para motivar, tirar dúvidas e até mesmo informar à sede acerca desses

empecilhos. Os estudantes destacaram a importância do curso de uma forma geral e

ressaltaram a do polo como um espaço que viabilizou aquele devido à disponibilidade da

tecnologia para aqueles que não possuem computador ou internet em suas residências. Eles

também ressaltaram a necessidade que sentem da presença do professor uma vez que a

distância acaba aumentando o grau de dificuldade, principalmente de organização das tarefas.

A análise do fórum intitulado ‘Ser professor’, discutiu o significado desse tema para os

estudantes e também procurou averiguar suas considerações deles a respeito da docência.

Segundo a autora, constatou-se uma forte relação com a concepção de professor transmissor

de conteúdo. Os textos escritos pelos estudantes nos fóruns analisados são um desafio à

experimentação de outros modos de expressão, de comunicação e de aprendizagem, diferentes

das formas comunicativas tradicionais aprendidas na escola. Ele permite que todos expressem

sua opinião em um espaço democrático no qual é preciso aprender a “ouvir”, aceitar as

opiniões.

As narrativas, produzidas sem o uso do computador, revelaram a dimensão pessoal dos

processos formativos na constituição da identidade docente. A autora considerou que conhecer

a dimensão pessoal, afetiva e as experiências desses sujeitos possibilitou a compreensão de

como a trajetória de vida influencia na escolha do curso e da profissão.

A respeito do estágio supervisionado, a análise dos relatórios revelou a grande

preocupação com a transmissão do conteúdo, pois as expressões transmitir, abstrair e

assimilar são recorrentes nos depoimentos dos estudantes. Essa é uma característica da

identidade docente dos alunos desse curso e é permeada pela concepção de ensino passivo, no

qual o professor tem o domínio do conteúdo e precisa repassar-lhes. Tal característica também

apareceu na análise dos fóruns, sendo considerada pela autora como uma categoria emergente.

No que se refere aos processos identitários dos sujeitos investigados nesta pesquisa, a

autora evidencia que os eles estão expostos às mais diferentes concepções do ser profissional.

A constituição das identidades profissionais envolve a construção de estratégias de

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identificação com a atividade a ser exercida e coloca em perspectiva a figura de si, suas

próprias aptidões e capacidades, bem como a capacidade de realizar seus desejos.

Também chama atenção para os diversos discursos que estão em disputa tentando, de

alguma forma, delinear características sobre o trabalho docente. As práticas pedagógicas e as

identidades, de acordo com a autora, são construídas a partir de intensas negociações, por

meio das quais os estudantes têm a possibilidade de negar ou afirmar marcas em meio aos

discursos e modelos apresentados a respeito da docência. Ela conclui a pesquisa confirmando

a tese de que a identidade, neste contexto de estudo, é uma construção marcada por múltiplos

fatores que integram entre si as representações que os sujeitos fazem, consciente ou

inconscientemente de si mesmos e de sua função.

Incluímos nesta revisão, um trabalho desenvolvido por duas integrantes do nosso

grupo de pesquisa, o qual tem como objeto de estudo a identidade docente. Embora não tenha

sido realizado no contexto de formação de Biologia, o estudo também teve como base teórica

aportes que concebem a construção da identidade – e, por conseguinte, da identidade docente

– na e pela linguagem, nas interações com o outro, de forma relacional e sempre motivada

pela diferença.

Beja e Rezende (2014) investigaram como a identidade docente vem sendo construída

por quatro licenciandas (Marie, Irène, Ada e Dorothy) do 3o período do curso de Química do

IFRJ. O corpus analisado foi constituído por narrativas produzidas por elas em dois momentos

da trajetória formativa. Tomando as narrativas como enunciados, foi realizada a análise

bakhtiniana procurado-se relacionar os conceitos bakhtinianos ao objetivo do estudo.

Conforme as autoras, pela análise da construção discursiva e identitária das

licenciandas, foi possível desvendar nos enunciados de Marie e de Irène, o diálogo com

conhecimentos teóricos presentes no curso e a identificação do professor com o papel de

mediador; e nos enunciados de Ada e de Dorothy, o diálogo com representações sociais

formadas nas experiências escolares que identificam o professor com o papel de guia e

missionário. Assim, Ada e Dorothy, diferentemente de Marie e Irène, não articulam os

conhecimentos pedagógicos trabalhados no curso com a compreensão que têm do “ser

professor”, que de fato, se distancia do que é proposto no curso. Elas dialogam

fundamentalmente com a prática de docentes reais para refletirem sobre o que é ser professor

e não rompem com seus processos de identificação anteriores ao curso de formação. Foi

notadp que essas duas licenciandas apresentam enunciados mais extensos e narrativas mais

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livres, baseadas no senso comum e impregnadas de história pessoal, indicando que, talvez por

isso, sejam reflexões mais genuínas e menos comprometidas teoricamente.

A ênfase no conhecimento técnico que tradicionalmente vem marcando a instituição e

que permanece no discurso dos professores das disciplinas específicas parece ter sido

superada nos enunciados de Marie e Irène e possivelmente ter sido evocada nos enunciados de

Ada e Dorothy, quando elas significam a prática pedagógica como doação de conhecimentos

ao aluno e apostam na ineficácia dos conhecimentos pedagógicos diante das dificuldades

enfrentadas na realidade escolar. Nesse contexto, as autoras verificaram que a formação de

licenciandos em Química continua ocorrendo em meio a diferentes discursos, validados por

professores especialistas em Química e pelos da área pedagógica contribuindo de forma

diferenciada para a constituição do ser professor.

Consideramos que o presente levantamento nos auxilia a problematizar a construção

da identidade docente em cursos de licenciatura em Ciências Biológicas na modalidade a

distância trazendo resultados de estudo que apontam para uma variedade de fatores

importantes tanto para a discussão da formação, quanto da construção da identidade docente.

Em relação à formação, destacamos: as perspectivas dos licenciandos sobre a profissão

e trabalho docente e como aspectos externos à formação inicial influenciam a identidade e a

formação profissional (TAVARES, 2007); a importância do desenvolvimento de atividades

durante o processo formativo que propiciem aos licenciandos uma reflexão a respeito do que é

‘ser professor’ (GIANOTTO, 2008, GIANOTTO e DINIZ, 2010); a relação do estágio com os

saberes docentes na identificação com a identidade profissional; a contribuição da experiência

prática (estágio) percebida como um momento privilegiado que possibilita o contato com

situações reais (DINIZ e CAMPOS, 2004); (ROSA et al., 2012); a dificuldade do licenciando

para relacionar teoria e prática, e construção da relação com o saber ensinar a partir de

múltiplos fatores incorporados à prática, na qual cria-se um estilo próprio (MELLO, 2007); o

papel do estágio como possibilidade de atribuição de sentido ao conteúdo teórico, pedagógico

e disciplinar (SANTOS, 2009).

Em relação à construção da identidade docente, destacamos: a relação entre os

discursos produtores da identidade dos professores e os saberes que constituem a sua prática

(LOGUERCIO e PINO, 2003); a influência das concepções iniciais dos estudantes sobre a

profissão frente àquelas propiciadas pelo curso de licenciatura para essa construção

(BRANDO e CALDEIRA, 2009); a influência dos professores que tivemos na formação da

identidade docente (QUADROS, et al, 2005); o papel central da cultura e dos discursos como

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responsáveis por moldar o mundo que nos cerca e as imagens que construímos da profissão

docente (FREITAS, 2011); a sólida formação da área específica enquanto fator preponderante

de identificação com a carreira docente (MELO, 2007; GIMENES, 2011); a identidade

docente sendo influenciada pelo ambiente escolar e familiar (LOPES, 2007); a significação

adquirida pela identidade na relação com as histórias pessoais e coletivas, com os processos

formativos, nas práticas sociais histórica e geograficamente situadas, a onde vão se

constituindo (GENTIL, 2005); o processo de construção da identidade docente envolve a

construção de estratégias de identificação com a atividade exercida e engloba também a

compreensão das próprias aptidões e capacidades, bem como a capacidade de realizar seus

desejos (BIERHALZ, 2012). Observando os aspectos destacados, é possível constatar, por um

lado, a relação esperada entre formação e construção da identidade docente. Por outro, quando

é relatado que as representações externas e anteriores à formação – como, por exemplo, as da

família (LOPES, 2007), as de professores anteriores (QUADROS, et al., 2005), histórias

pessoais (GENTIL, 2005) e concepções iniciais sobre a profissão docente (BRANDO e

CALDEIRA, 2009) – ficou evidente a influência das representações formadas desde a

infância, nas experiências escolares, sobre a construção da identidade docente. Ficou patente

também a importância da relação entre teoria e prática desenvolvida no estágio

supervisionado. Entretanto, enquanto Mello (2007) e Rosa et al. (2012) destacam a

dificuldade de integrá-las, Diniz e Campos (2004) e Santos (2009) acreditam que essa relação

é estabelecida pelos licenciandos no estágio e dá sentido ao conteúdo teórico e pedagógico,

compondo a identidade docente. Outros acreditam na importância do desenvolvimento de

atividades nos cursos de licenciatura que podem propiciar o desenvolvimento de elementos

formativos importantes para a docência e que isso pode contribuir de forma significativa para

a atribuição de novos papéis ao professor (GIANOTTO (2008) e GIANOTTO e DINIZ

(2010)).

Do ponto de vista teórico, foi observado tal ecletismo que optamos por não detalhar os

quadros teóricos ao longo das sínteses. Mesmo que tenhamos observado grande diversidade

teórica, foi possível extrair uma tendência metodológica no que diz respeito ao predomínio da

utilização de métodos qualitativos que envolvem dados linguísticos, coletados por meio de

entrevistas, interações discursivas, narrativas, textos escritos para investigar o processo

formativo e identitário.

Todos estes elementos e relações serão importantes para construir um pano de fundo

que servirá para discussão dos resultados do presente estudo.

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4 QUADRO TEÓRICO

Nínguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quarto horas da tarde. Ninguém nasce educador ou

marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma, como educador, permanentemente, na

prática e na reflexão sobre a prática. (Paulo Friere)

Neste capítulo, apresentaremos o referencial teórico que nos possibilitará a refletxão a

respeito da construção da identidade docente dos licenciandos que investigaremos. Partimos

de uma visão geral que classifica os processos identitários (Hall, 2011) até chegar à identidade

na contemporaneidade; em seguida, buscamos, em autores ligados à formação de professores,

a compreensão os processos de construção da identidade docente. Finalmente, discutimos as

relações entre identidade e discurso com base em Hall (2011) e Silva (2011), compondo o

quadro teórico com a perspectiva bakhtiniana da enunciação.

4. 1 CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE

4.1.1 Conceituando identidade

A temática da identidade é muito complexa, e seu estudo envolve aspectos individuais

e sociais, os quais, segundo Guimarães (apud Pimenta e Lima, 2011) tem um caráter

interdisciplinar e pode atribuir significados diferentes de acordo com os campos que a

investigam. Assim, a Psicologia Social, por exemplo, analisa-a em sua dimensão política,

considerando a atividade produtiva de cada indivíduo e as condições sociais e institucionais

em que esta ocorre. Já a Sociologia destaca a importância das experiências e a história pessoal

dos indivíduos na construção identitária (PIMENTA e LIMA, 2011). Outro aspecto que não

podemos deixar de mencionar, quando se discute a identidade, é a cultura, uma vez que a sua

constituição se dá no interior desta (LOPES e MACEDO, 2011).

Além da complexidade que envolve esse tema, é possível depreender que há um

dinamismo implícito na sua construção, pois ao longo de sua trajetória de vida, os sujeitos

passam por inúmeros processos de socialização que estão imersos em determinados contextos

sociais e culturais. Como a discussão sobre identidade envolve vários aspectos, torna-se

necessário circunscrever que, nesse trabalho, trataremos da identidade docente.

Para ajudar na compreensão dessa temática, vamos partir da noção de identidade

apresentada por Hall (2011), que inicia a discussão do tema perfazendo uma retrospectiva de

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movimentos importantes os quais revolucionaram o pensamento e a cultura ocidentais na

Modernidade e contribuíram para a mudança da concepção da identidade. Nesse percurso, foi

possível delinear três identidades distintas: a do sujeito no iluminismo, do sujeito sociológico

e do sujeito pós-moderno.

A identidade do sujeito no iluminismo é caracterizada como algo inexorável, que

emerge quando ele nasce, com ele se desenvolve, e permanece essencialmente a mesma ao

longo da sua existência. Essa noção era baseada na ideia de um ser humano autônomo, único,

centrado, coerente, na qual os homens eram dotados de razão. O pensamento de Descartes

(apud HALL, 2011) é a principal fonte dessa concepção de sujeito. Para o filósofo, o mundo é

dividido em duas substâncias distintas − a espacial (matéria) e a pensante (mente) − dualismo

que tem afligido a filosofia e tem tido consequências sobre o conceito de identidade desde sua

época.

A visão de identidade racional que definia o sujeito desde o nascimento foi abalada no

final do século XIX, à medida que as sociedades modernas se tornavam mais complexas e

adquiriam uma forma mais coletiva e social. Com a industrialização, as leis da economia

política, da propriedade, do controle e troca tinham que atuar entre as grandes formações de

classe do capitalismo moderno. O cidadão individual ficou, dessa forma, atado à máquina

burocrática e administrativa do estado moderno. Nesse cenário, emergiu uma concepção mais

social do sujeito. Nas palavras do autor, “o indivíduo passou a ser visto como mais localizado

e ‘definido’ no interior dessas grandes estruturas e formações sustentadoras da sociedade

moderna” (HALL, 2011, p. 30).

Os eventos que contribuíram para isso foram a biologia darwiniana, em que o sujeito

foi ‘biologizado’ e o surgimento das novas ciências sociais as quais preconizam que os

indivíduos são formados subjetivamente através de sua participação em relações sociais mais

amplas, e que os processos e as estruturas são sustentados pelos papéis que os indivíduos

desempenham nelas. Assim, nessa concepção do sujeito sociológico, a identidade “é formada

na interação entre o eu e a sociedade” (HALL, 2011, p.11). O sujeito tem um núcleo interior

que é o eu, mas este é formado e modificado num contínuo diálogo com o mundo exterior. Há

uma projeção da identidade à proporçao que são internalizados os significados e valores do

mundo objetivo com os sentimentos subjetivos, ou seja, há uma costura do eu interior com os

lugares objetivos que o sujeito ocupa no mundo social e cultural em que vive. Esse processo

acaba por fazer com que a identidade do sujeito ser determinada pela posição que ele ocupa

na estrutura social.

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Na contemporaneidade, a costura entre o sujeito e a estrutura, ou entre o mundo

público e o mundo pessoal está sendo alterada. O sujeito com uma identidade estável e

unificada comoo sujeito sociológico está “se tornando fragmentado: composto não de uma

única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas” (HALL

2011, p. 12). O autor atribui a fragmentação da identidade do sujeito contemporâneo a

mudanças estruturais e institucionais que interferem no mundo exterior e, consequentemente,

alteram a “sutura” entre aquele e a estrutura. Chama atenção para o fato de que, à proporção

que “os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados

por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma

das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente” (idem, p. 13). Neste

cenário, a identidade se torna um produto cultural e passa a oferecer muitas possibilidades de

representações que acabam por compelir o sujeito em suas escolhas.

A cultura atua na produção da identidade ao dar sentido à experiência quando

possibilita a escolha entre as várias identidades possíveis. Ela também oferece uma gama de

possibilidades que geram uma variedade de representações simbólicas, as quais acabam por

constranger o indivíduo em suas preferências. Dessa forma, a identidade emerge, não de um

centro interior, de um “eu verdadeiro e único”, mas do diálogo entre os conceitos e definições

representados pelos discursos de uma cultura e pelo desejo (consciente ou inconsciente) de

responder aos apelos feitos pelos significados.

Assim, é possível depreender que o processo de identificação passa a ser um produto

cultural com múltiplas representações e sistemas de significação, em decorrência de

mudanças estruturais e institucionais, que têm afetado o processo de identificação, ou

identitário. Não é mais possível pensar em um sujeito unificado, cuja identidade está

estabilizada, alinhando o mundo público e pessoal, mas sim naquele cuja identidade está

sendo alterada, descentrada muito em função das mudanças estruturais que estão ocorrendo, e

que Hall (2011) denomina de modernidade tardia.

As identidades culturais são, a cada dia, mais objeto de atenção também no campo do

Currículo (Lopes e Macedo, 2011), na qual pode-se ver a sua presença ppela que está ligada

ao que se denominam políticas de identidade. Isso porque as políticas, segundo as autoras,

denunciam a monoculturalidade dos currículos baseados numa cultura geral e cujas

alternativas oferecidas aos sujeitos são calcadas no pertencimento destes a um determinado

grupo cultural. O foco de discussão das autoras são as tensões que apontam, de um lado, para

a manifestação de identidades mestras e, de outro, para uma pluralidade infinita de

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pertencimentos. Essas tensões, emergem no momento em que as trocas culturais se

intensificam e alguns marcadores identitários considerados estáveis como, por exemplo, o

gênero, tem se tornado difuso. Essa é uma leitura pós-estrutural e discursiva assumida pelas

autoras.

Além da cultura como sistema simbólico, as práticas de significação produzem

significados na forma de representações. As autoras deslocam o foco para o currículo como

sistema de representação e significado com o intuito de compreender como as identidades são

por ele geradas.

De acordo com Lopes e Macedo (2011), as identidades estão em eterno movimento,

pois surgem em momentos históricos particulares, entram em crise, colapsam, ressurgem

renegociadas. Contudo, elas ressaltam que isso não impede que uma identidade preferencial

possa emergir e sobrepor-se às demais. Isso ocorre porque há mecanismos sociais discursivos

de estabilização das identidades que dificultam, porém não a impedem a percepção de que

houve alguma alteração, pois nenhum controle sobre as formas de significar é total. Em

alguns momentos, o escape delas torna-se mais intenso; são os períodos denominados de

crise. Esse parece ser um desses momentos, vivemos na contemporaneidade, em relação às

identidades culturais.

As autoras também discutem que, no ato de nomear o sujeito, não se utiliza a

linguagem para descrever o que efetivamente existe no mundo físico. Ao designar alguém,

pressupõe-se que há algo real e específico dele que é expresso pela nomeação. Isso é uma

representação fantasiosa entre o termo e a coisa. As abordagens discursivas advogam que os

termos empregados para indicar os sujeitos atribuindo-lhes uma marca identitária nada

significam em si, mas é pela diferença em relação a outros termos que a identidade é definida

e não por algo que lhe é próprio. Assim, por exemplo, ser mulher só tem sentido pela oposição

ao ser homem. Sendo então definidas, as identidades recebem marcadores simbólicos que

fazem com que sejam vistas como essenciais.

Afirmam que, as identidades são resultado de um processo no qual os indivíduos se

subjetivam dentro dos discursos culturais. Assim, como não há uma total regulação dos

sistemas simbólicos e há sempre sentidos que escapam às identidades, talvez pudessem ser

mais bem descritas como fixação de identificações contingentes dos sujeitos, que ocorrem em

circunstâncias muitos peculiares.

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4.1.2 A construção da identidade docente

De acordo com Pimenta e Lima (2011), a identidade docente é construída na trajetória

do sujeito como profissional do magistério, contudo é no processo de sua formação que as

opções e intenções acerca da profissão começam a ser consolidadas. Além da formação para a

docência, alguns autores como Pimenta (2000) e Nóvoa (2007) destacam que a construção da

identidade docente tem raízes no início da formação escolar elementar, nas relações

estabelecidas com diferentes professores. É ao longo da trajetória escolar, nas experiências

vivenciadas como alunos, que começa a se forjar o conceito de ‘ser professor’.

Pimenta e Lima (2011) consideram que estudos sobre a profissão docente que

contemplem aspectos sobre a carreira profissional, como, qualificação, possibilidades de

emprego e ética profissional devem ser trabalhados na formação inicial, tendo como objetivo

a construção dessa identidade, além, é claro, das análises das práticas pedagógicas que

ocorrem na escola à luz dos conhecimentos e disciplinas dessa área. As autoras também

percebem como importante considerar os aspectos subjetivos da profissão, como por exemplo,

os relacionados à identificação e adesão dos indivíduos a ela, pois dessa forma, os que

pretendem segui-la, poderão dizer para si porque querem ser professores. Veem, ainda, como

preponderante, no processo de construção da identidade docente, o significado social que os

professores atribuem a sua profissão e à educação escolar. Essa construção se faz no embate

entre a teoria e a prática, no exame sistemático das práticas desenvolvidas à luz das teorias e

na elaboração e reelaboração destas.

Pimenta já admitia, há tempos atrás, que a construção da identidade profissional se dá

a partir da significação social da profissão, da revisão constante dos significados sociais desta,

da revisão das tradições, da reafirmação de práticas consagradas culturalmente e que

permanecem significativas (Pimenta, 2000). No caso específico dos professores, ocorre a

partir do significado que cada um confere à atividade docente no seu cotidiano, de seus

valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas representações e

saberes, de suas angústias e anseios e do sentido que tem em sua vida o ser professor.

Além desses aspectos, Pimenta (2000) aponta que outro passo importante no processo

de construção da identidade docente se constitui pelos saberes da docência. Estes englobam

aqueles que os estudantes, quando chegam ao curso de formação inicial, já têm sobre o que é

ser professor: os saberes pedagógicos, além, é claro, dos saberes específicos nos quais são

especialistas.

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Libâneo e Pimenta (1999) consideram que a docência constitui um campo específico

de intervenção profissional na prática social e apontam duas dimensões da identidade docente.

A primeira está relacionada com o desenvolvimento da profissão abrangendo a formação

inicial e continuada. A segunda dimensão reconhece a docência como campo de conhecimento

específico disposto em quatro conjuntos de conteúdos: o que engloba as ciências humanas e

naturais, da cultura e das artes; o relacionado ao campo da prática profissional; o do campo

teórico da prática educacional e os conteúdos ligados à explicitação do sentido da existência

humana.

Também não há como desconsiderar que a identidade do professor, que é uma pessoa,

se constrói em circunstâncias sociais que não se separam da vida pessoal. Nóvoa (2007) nos

ajuda a pensar essa relação, quando admite que trata-se de elaborar um conhecimento pessoal

no interior do conhecimento profissional e assim captar o sentido de uma profissão que está

no cerne da identidade profissional docente. A formação deve estimular uma perspectiva

crítico-reflexiva, que dê subsídios para o desenvolvimento de um pensamento autônomo e

propicie para que ela seja participativa, pois estar em formação implica investimento pessoal,

que pressupõe um trabalho livre e criativo sobre o próprio percurso, com vistas à construção

de uma identidade profissional. Ele esclarece que o processo de formação é dependente do

percurso educativo, mas não se deixa controlar unicamente por ele; em outras palavras, os

seus saberes se relacionam com os de experiência que se encontram no âmago da identidade

pessoal. Fica claro, nessa relação, que as identidades pessoal e docente são distintas, porém

estão entrelaçadas.

A identidade não é um dado adquirido, propriedade ou produto. É um lugar de lutas e

conflitos, de esforço de construção de maneiras de ser e estar numa profissão. Portanto um

processo dinâmico, que necessita de tempo para acomodar inovações, assimilar mudanças e

que caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor. A construção da

identidade é sempre um processo complexo (NÓVOA, 2007).

Para o autor, existem três aspectos que sustentam o processo identitário do professor:

Adesão, porque ser professor implica sempre aderir-se a princípios e valores, à adaptação de

projetos, a um investimento nas potencialidades das crianças e dos jovens. Ação, que é a

escolha das melhores maneiras de agir, já que ou insucesso de certas experiências “marcam” a

nossa postura pedagógica, fazendo-nos sentir bem ou mal, com este ou aquele modo de

trabalhar em sala de aula. E, por fim, a autoconsciência, tudo que se decide no processo de

reflexão, que acaba por influir sobre a ação do professor.

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Para Guimarães (2005), a identidade profissional do professor está ligada à maneira

como a profissão docente é representada, construída e mantida socialmente. Ela é estruturada

individual e coletivamente pelos professores e está intimamente ligada à representação da

profissão. Assim, há uma interdependência entre as características que a formação docente foi

adquirindo historicamente e as formas objetivas que contribuíram para que elas se formassem.

Os cursos de formação podem exercer influência na construção da identidade profissional do

professor, à medida que possibilitem a reflexão e uma análise crítica a respeito das diversas

representações sociais construídas historicamente sobre a profissão. Será nesse confronto

entre as representações e as demandas sociais que haverá o reconhecimento da identidade

construída durante o processo de formação.

Entretanto alguns autores fazem alusão a uma ‘crise da identidade’ na profissão

docente (NÓVOA, 2007 e GUIMARÃES, 2005). Essa crise, para Nóvoa (2007), é

consequência do processo de descaracterização dessa profissão. Houve uma mudança na área

de formação de professores que passou a dar mais atenção a investigações sobre o ensino para

além do trabalho docente, desprestigiando o saber pedagógico e reduzindo aquele a um

conjunto de competências técnicas; em outras palavras, houve uma mudança de postura do

âmbito científico para o institucional. Isso contribuiu para um deslocamento sobre controle da

atividade docente que passou a ser maior e, como consequência, favoreceu o processo de

descaracterização da profissão.

O trabalho de Campos (2008) pareceu-nos uma referência fundamental para pensar a

identidade docente, especialmente quando se tem como sujeitos, professores pertencentes a

um universo sociocultural carente. O autor objetivou a compreensão da representação social

da docência de um grupo de 74 professores da educação infantil e do ensino fundamental do

município de Queimadas na Paraíba, partindo do princípio de que as representações permitem

ao professor nomear a sua profissão e agir em relação a ela. Essas representações seriam

produto de regularidades que se expressam na forma de um habitus, matriz geradora de ação e

percepção, que tem suas raízes nas experiências e trajetórias de vida social e profissional do

grupo investigado.

Os dados coletados através de questionários de práticas e significados, entrevistas em

profundidade e relatos de experiência categorizadas em unidades temáticas de significação

apontaram para um duplo movimento para o ato das escolhas profissionais, uma vez que

foram identificados dois núcleos de significados: a escolha por vocação e pelo acaso. Foram

detectadas quatro dimensões representacionais que comporiam a identidade docente dos

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professores investigados: a dimensão do amor e do cuidado; a da ajuda e da doação; a do

ensinar e do aprender; e a do sofrimento e da esperança. Elas estão ancoradas nos esquemas

de percepção e ação do grupo e em elementos do imaginário social e cultural circulantes no

grupo investigado. A dimensão do amor e cuidado está relacionada à representação de

relações parentais e condições de gênero. Na dimensão da ajuda e doação, a docência é

representada como uma missão, uma espécie de altruísmo que implica sacrifício. Para a do

ensinar e aprender, o professor é um transmissor de conhecimento, mas também é aquele que

aprende, que incorpora novos conhecimentos. Finalmente, para a dimensão do sofrimento e

esperança, a docência é vista como sacrifício, sofrimento, e o professor, como um herói.

Guimarães (2005) alerta para as mudanças pelas quais os diversos setores da atividade

humana passam e que se materializam no processo identitário. Ressalta o fato de elas

atingirem, de forma significativa, a formação de professores, uma vez que, em seu

entendimento, além dos aspectos do conhecimento, há também os éticos, que põem em xeque

compreensões, crenças e posturas que constituem o processo de formação. É justamente por

se encontrar em crise que as investigações sobre a identidade docente têm conquistado cada

vez mais espaço nos debates acadêmicos.

Moreira e Cunha (2008) ressaltam que existem pontos de tensões e desafios que

precisam ser enfrentados na formação inicial de professores e que podem contribuir para a

construção da identidade e formação docente. Para os autores, uma abordagem da identidade

durante o processo formativo, que centre o processo de sua construção na sala de aula é muito

profícuo, pois essa perspectiva permite que se compreenda melhor como a interação

específica dos contextos institucionais escolares contribuem para que os estudantes aprendam

a se constituir como seres sociais. Outro aspecto destacado diz respeito ao favorecimento de

uma visão de identidade descentrada e mutável a ser implementada na formação de

professores, o que pode colaborar para uma ação docente que estimule uma construção mais

livre das identidades dos estudantes. Estes devem ser estimulados a escolhê-las livremente e a

se responsabilizar pela suas opções. O terceiro ponto que os autores enfatizam é a necessidade

de se compreender a tensão entre o universal e o particular na construção da identidade

docente. A vantagem que essa perspectiva traz para o trabalho do professor é a não

preservação de núcleos essenciais no âmago da identidade.

Retomando a discussão da identidade exposta na primeira subseção, vemos como

interessante pensar a relação entre a construção da identidade docente (Pimenta e Nóvoa,

principalmente) e os processos de formação das identidades, discutindo se há compatibilidade

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entre a identidade docente e os tipos de identidade classificados por Hall. Também

compreender como a formação inicial pode exercer influência na construção da identidade

profissional do professor, quando esta possibilita, não somente conhecimentos específicos e

pedagógicos, mas também uma análise crítica a respeito das diversas representações sociais

construídas historicamente sobre a profissão docente.

Entendendo que a formação da identidade docente está entrelaçada aos processos de

socialização nos diversos contextos nos quais o sujeito está inserido, mas que hoje também

sofre efeitos de constantes mudanças estruturais e institucionais que interferem no mundo

exterior (HALL, 2011), propomos a ampliação desse pressuposto, articulando-o à abordagem

teórica da produção da identidade cultural (HALL, 2011; SILVA, 2011), que ressalta, nesse

processo, a relação constitutiva desses processos com a linguagem (HALL, 2011, SILVA,

2011). A partir desse percurso, compomos um quadro teórico incorporando conceitos da

filosofia da linguagem (BAKHTIN, 1981; 1995; 1997) que contribuirão para a

operacionalização de um dispositivo analítico.

4.2 CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NAS INTERAÇÕES VERBAIS

O papel das interações discursivas no processo de construção da identidade é

destacado por Hall (2011) e Silva (2011), pois é mediado pelos signos, pelas trocas e pela

comunicação entre os indivíduos. O significado surge a partir dos jogos de linguagem e dos

sistemas de classificação nos quais as coisas estão inseridas; nesse sentido, aquilo que é

considerado um fato natural é também um fenômeno discursivo. Quando um determinado fato

ou fenômeno é caracterizado dentro de um sistema classificatório, o significado atribuído a

ele é resultado não de sua essência natural, mas de seu caráter discursivo. Dessa forma, é

possível depreender que os processos sociais nos quais estamos imersos são subordinados ao

significado e, consequentemente influenciam nossa maneira de viver, portanto têm que ser

compreendidos como práticas culturais e discursivas. Nessa perspectiva, toda prática social

tem relação com o significado e dela depende, ou seja, tem o seu caráter discursivo (HALL,

1997).

Assim, é possível pensar na importância das produções discursivas como forma de

interpelar as identificações que os sujeitos fazem de si mesmos e de suas escolhas, uma vez

que isso se faz por meio da linguagem.

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De acordo com Hall (2011), as identidades são construídas nas narrativas pessoais e é

justamente por serem constiruídas dentro e não fora do discurso que necessitam ser

compreendidas como produzidas em espaços “históricos e institucionais específicos, no

interior de formações e práticas discursivas específicas, por estratégias e iniciativas

específicas” (p. 109). O autor salienta, ainda, que elas emergem em meio aos jogos de poder, e

por isso mesmo, são marcadas pela diferença e pela exclusão muito mais do que por uma

unidade idêntica, como no seu significado tradicional.

Assim, a construção da identidade é um processo forjado na diferença ou por meio

dela e reelaborado pelos processos de exclusão/diferenciação. Isso implica o reconhecimento

de que é apenas por meio da relação com a aquilo que não é, com o que falta e com o outro,

que a identidade pode ser construída. A homogeneidade interna, a unidade, que o termo

‘identidade’ toma para si, não é uma forma natural, mas tem como base a necessidade daquilo

que falta a ela. Isso, segundo o autor, mostra que as identidades são construídas no interior do

jogo do poder e da exclusão. O sentimento de pertença também está envolvido nessa

construção da identidade, pois o fazer parte ou não de um determinado grupo ou classe está

relacionado com a questão de quem é ou não incluído. Assim, as identidades podem funcionar

como pontos de identificação e apego unicamente por causa de sua capacidade para excluir,

para transformar o diferente em desprezível.

Para Silva (2011), identidade e diferença possuem uma relação de estreita

dependência, são inseparáveis e partilham uma característica importante: ambas são fruto de

atos de criação linguística e, portanto, produzidas pelo universo cultural e social. Por ser um

ato linguístico, elas estão sujeitas a determinadas características da linguagem em geral. Dessa

forma, não podem ser analisadas destacadas dos sistemas de significação nos quais ganham

sentido e são assim governadas pela estrutura da linguagem. No entanto, o autor afirma que

essa estrutura é caracterizada pela indeterminação e pela instabilidade, o que torna a

identidade e a diferença igualmente indeterminadas e instáveis.

A indeterminação da linguagem decorre da característica fundamental do signo de não

coincidir com a coisa ou conceito. O signo é uma marca, um sinal que está no lugar de outra

coisa, que pode ser um objeto concreto, um conceito ligado ao objeto, ou um conceito

abstrato. Porém o autor esclarece que a natureza da linguagem é tal que não podemos deixar

de ter a ilusão de ver no signo a presença do referente: a coisa ou o conceito. Isso é necessário

para que ele funcione, pois está no lugar de alguma coisa, mas é justamente a impossibilidade

dessa presença que o obriga a depender do processo de diferenciação.

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O adiamento indefinido do significado é fruto do processo de significação, que é

fundamentalmente indeterminado, incerto e vacilante. Isso serve para nos mostrar que, se de

certa forma somos governados pela estrutura da linguagem, ela não é muito segura e estável e

por sua vez o processo de diferenciação também não o é. Essa característica da linguagem tem

consequências importantes para a questão da diferença e da identidade culturais, pois à

medida que são definidas por ela, não podem deixar de ser marcadas, também, pela

indeterminação e instabilidade. A identidade não pode ser compreendida fora do processo de

produção simbólico e discursivo, visto que não há nenhum referente natural, fixo ou absoluto

que exista anteriormente à linguagem e fora dela. Ela só tem sentido se relacionada a uma

cadeia de significação, construída por outras identidades que, por sua vez, tampouco são fixas,

naturais ou predeterminadas (SILVA, 2011).

Nessa perspectiva, portanto, identidade e diferença podem ser consideradas como

invenções sociais e produções discursivas, pois são fruto de uma prática de significações, que

define, posiciona e atribui sentidos, sendo também indeterminada e instável.

Outro aspecto apontado por Hall (2012) e por Silva (2011) sobre identidade e

diferença é que sua definição – discursiva e linguística− está sujeita às relações de poder. Elas

são impostas e não convivem lado a lado, sem hierarquias, mas são disputadas.

Para Silva (2011), não se trata apenas do fato de que a definição da identidade e da

diferença seja objeto de litígio entre grupos sociais assimetricamente situados. Na disputa pela

identidade, outros recursos simbólicos e materiais da sociedade estão envolvidos. Segundo o

autor, a diferenciação é o processo central pelo qual identidade e diferença são produzidas. Há

uma série de marcas da presença do poder que guardam relação estrita com o processo de

diferenciação: excluir/incluir (este pertence e aquele não); demarcação de fronteiras (nós e

eles); classificação (bons e maus) e a normalização (nós somos normais e eles não o são).

A demarcação da identidade e da diferença implica, sempre, as operações de incluir e

excluir, ou seja, traduzem-se, segundo Silva (idem), em declarações sobre quem pertence ou

não, demarcando fronteiras e fazendo distinções entre quem fica dentro ou está fora; isso

implica afirmar e reafirmar relações de poder. Os pronomes que utilizamos para demarcar

essas fronteiras "nós” e “eles”, não são simplesmente categorias gramaticais, mas indicadores

das posições do sujeito marcadas por relações de poder. Também é uma forma de

classificação, que é um processo central na vida social.

Conforme o processo de produção da identidade oscila entre dois movimentos: os que

tendem a fixar e estabilizá-la e outro, cuja tendência é de subverter, de desestabilizá-la. Esse

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processo é semelhante ao que ocorre com os mecanismos discursivos e linguísticos os quais

balizam a produção da identidade. Assim como a linguagem, ela tende para a fixação e está

sempre escapando.

Uma vez que nos definimos, considerando o outro e a coletividade por meio da

palavra, é justamente através desta que podemos perceber as construções identitárias. A partir

dessa relação constitutiva da identidade com a linguagem, aproximamos o processo de

formação da identidade − e da identidade docente − à formação discursiva do sujeito,

completando o quadro teórico com conceitos da filosofia da linguagem. Bakhtin (1995) e seu

círculo colocam o sujeito como um agente constituído sócio-historicamente, que não pode ser

o resultado de um determinismo mecânico da estrutura, tampouco fruto de uma

individualidade autoconsciente e livre de coerções. A constituição dos sujeitos ocorre no

sentido do social para o individual, pela incorporação de disposições originadas através de

regularidades objetivas, situadas na lógica de um determinado campo (família, classe social,

ciência, religião, ...) e que, ao mesmo tempo, são redimensionadas de acordo com a trajetória

do indivíduo, bem como da posição que ele ocupa no campo.

Para Bakhtin (1995), tudo que é ideológico é um signo, e possui significado. Ele

afirma que o signo é fenômeno do mundo exterior, é “criado por uma função ideológica e

permanece inseparável dela (p. 37)”. No seu domínio, existem profundas diferenças, pois este

é o domínio das representações. Sendo assim, cada campo tem o seu próprio modo de

orientação da realidade e também a refrata a sua própria maneira. Comenta que a existência

do signo é a materialização da comunicação social, mas esta liga-se à linguagem. O signo só

emerge do processo de interação entre uma consciência individual e outra. A consciência só se

torna consciência quando é impregnada de conteúdo ideológico. É somente no processo de

interação social que esta se materializa e o faz por meio da interação verbal. Por isso, é

justamente no meio ambiente dos atos de fala (as conversas de corredor, as trocas de opinião,

as diferentes reuniões sociais), que se acham submersos todos os aspectos de criação

ideológica. As formas de interação verbal estão, assim, fortemente atreladas ao contexto

social dado, e “reagem de maneira muito sensível a todas as flutuações da atmosfera social”

(p. 42). Podemos perceber que a linguagem está ligada a um grupo social e se remete ao seu

contexto.

Segundo Bakhtin (1995), “cada época e cada grupo social têm seu repertório de

formas de discurso na comunicação sócio-ideológica. A cada grupo de formas pertencentes ao

mesmo gênero, isto é, a cada forma de discurso social, corresponde um grupo de temas” (p.

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43). Para o autor, entre as formas de comunicação, existe uma determinada forma de

enunciação e um tema, formando uma unidade orgânica que, em sua perspectiva, é

indestrutível: “eis porque a classificação das formas de enunciação deve apoiar-se sobre uma

classificação das formas de comunicação verbal (p. 43)”. Acrescenta que essas formas são

“determinadas pelas relações de produção e pela estrutura sócio-política (idem, p.43)”.

Assim, entre as formas de comunicação há uma relação entre as formas de enunciação

e o contexto desta. Em suas palavras, “no processo de interação verbal, a influência poderosa

que exerce a organização hierarquizada das relações sociais sobre a forma de enunciação tem

uma importância imensa no processo de explicitação dos principais modos de comportamento

(BAKHTIN, 1995, p. 43)”. Em sua visão, os temas e as formas da criação ideológica crescem

juntos. O processo de integração da realidade na ideologia, “o nascimento dos temas e das

formas, se tornam mais facilmente observáveis no plano da palavra (p. 46)”. Ela será sempre

o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, é capaz de registrar as suas fases

transitórias mais íntimas e efêmeras. De acordo com o autor, a realidade da palavra, assim

como a de qualquer outro signo, é resultado do consenso entre os indivíduos.

Ao apresentar o conceito de enunciado, Bakhtin (1997), o faz a partir da sua

concepção de linguagem. Para ele, os enunciados são construções dialógicas como as que

ocorrem em situações cotidianas, em que há alternância entre os interlocutores. Ele estende

essa concepção para outras formas de comunicação – por exemplo, peças de teatro, livros, que

seriam partes de um diálogo − uma vez que são como respostas a outros enunciados. Quando

detalha esse conceito, Bakhtin (1997), além de estabelecer uma relação clara com o diálogo

real, apresenta seis características relacionadas ao enunciado: estilo, construção

composicional, unidade temática, relação com o falante/outros participantes, conclusibilidade

e alternância dos interlocutores.

O estilo, a construção composicional e unidade temática são elementos que têm

relação com as orações, períodos e palavras, ou seja, com as unidades convencionais da

comunicação. As outras características são as que diferenciam os enunciados dessas unidades.

Para Bakhtin (1997), o enunciado reflete as condições específicas e as finalidades da

atividade humana e da utilização da língua “não só por seu conteúdo (temático) e por seu

estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais,

fraseológicos e gramaticais –, mas também, e, sobretudo, por sua construção composicional”

(p. 279). Esses três elementos estão integrados de forma indissociável no “todo” do

enunciado, e “são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação” (idem, p.

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279). Qualquer enunciado considerado isoladamente é, sem dúvida, individual, “mas cada

esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo

isso que denominamos gêneros do discurso” (idem, p. 279).

Segundo Bakhtin (idem), há uma diversidade de gêneros do discurso, pois existem

infinitas possibilidades de atividade humana, e cada uma comporta seu próprio repertório, que

se diferencia e amplia à medida que as esferas da atividade humana se tornam mais

complexas.

Se os parágrafos anteriores mostram relações constitutivas entre o enunciado e o

contexto social onde está inserido, o que poderia limitar as ideias de Bakhtin à concepção

sociológica de identidade, essas relações são ampliadas quando consideramos outros

conceitos de sua obra, como dialogismo e hibridismo.

O conceito de dialogia (Bakhtin, 1981), compreendido como a condição

interdiscursiva da linguagem, pode ser aproximado da construção discursiva da identidade

uma vez que está relacionado ao diálogo permanente com o outro. Dessa forma os enunciados

podem ser vistos como diálogos nos quais são travados embates ideológicos e confrontos com

visões de mundo. De acordo com Brait (2005), o dialogismo refere-se a um permanente

diálogo nem sempre simétrico e harmonioso entre os diferentes discursos que representam

uma comunidade, cultura e sociedade; diz respeito às relações que se estabelecem entre o eu e

o outro nos processos discursivos instaurados historicamente pelos sujeitos, que são, por sua

vez, estabelecidos por esses discursos.

Segundo Freitas (2010), a noção de dialogia afina-se com a concepção de identidade

cultural de Hall (2011), pois os sujeitos participam do “simpósio universal” que rege o

funcionamento da língua, tornando possível que a identidade seja produzida na enunciação

uma vez que ela não está definida a priori, mas é sempre declarada a partir da diferença, em

uma situação dialógica.

A produção discursiva – e dialógica – da identidade busca a fixação, mas assim como

acontece com a linguagem, tende a escapar, passando por processos que a complicam e

subvertem. Tais processos são caracterizados, segundo Silva (2011), pela mistura, combinação

ou diálogo entre diferentes grupos, gerando uma identidade “que não é mais integralmente

nenhuma das identidades originais, embora guarde traços delas” (p. 87). O conceito de

hibridismo (Bakhtin, 1981) tem sido usado por autores dos estudos culturais para

compreender a construção identitária. Por esse conceito, Bakhtin (idem) designa um

enunciado de acento e estilo duplo que pertence a um só falante, mas que de fato “contém

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misturados dentro dele dois enunciados, duas formas de fala, dois estilos, ‘duas linguagens’,

dois sistemas semânticos e axiológicos” (p. 304, tradução nossa).

Segundo Silva (2011), na perspectiva da teoria cultural contemporânea, o hibridismo,

o intercurso entre diferentes nacionalidades e etnias coloca em xeque os processos que tendem

a conceber a identidade como essencialmente segregada. O processo de hibridização confunde

a pressuposta pureza dos grupos que se reúnem sob as diferentes identidades, sejam elas

nacionais ou étnicas. A identidade que se forma por meio do hibridismo não é nenhuma das

que deram origem a ela, muito embora guarde traços desta. O autor ressalta que a

hibridização, ao confundir a estabilidade e estabilização das identidades, de alguma forma

afeta o poder.

Compreendemos, com Hall (1997), que a cultura não é nada mais que o somatório de

diferentes sistemas de classificação e formações discursivas, aos quais a língua recorre com o

objetivo de dar significado às coisas, e que o discurso se refere a uma série de afirmações, que

fornece uma linguagem para poder falar sobre um assunto, produz conhecimento e o modo

como este é institucionalizado, modelando práticas sociais e colocando em funcionamento

novas práticas. Como afirma Bakhtin (1995), a comunicação tem um vínculo com os

processos de produção, e a palavra é o material privilegiado da comunicação que acompanha

e comenta todo ato social. Sendo a identidade construída no interior da representação, através

da cultura, vimos a possibilidade de fazer uma aproximação do processo de formação

identitário com o processo de interação verbal.

A aproximação entre a visão pós-estruturalista e conceitos bakhtinianos já vem sendo

construída por outros autores. Um exemplo muito citado é a aproximação entre o conceito de

hibridismo de Bakhtin ao de cultura como fluxo, de Homi Bhabha (apud Lopes e Macedo,

2011), mas tantas outras têm sido propostas.

Também ousamos contribuir para essas aproximações, quando nos voltamos para

como Bakhtin (1981) descreve um dado momento da existência histórica da língua como

sendo heteroglóssica de cima a baixo. A língua representa, assim, a coexistência de

contradições sócio-ideológicas entre presente e passado, entre diferentes épocas do passado,

entre diferentes grupos socioideológicos no presente, entre tendências, escolas, círculos e

assim por diante, e cada uma dessas “línguas” assume uma forma corporal. Além de

coexistirem, elas se intersectam umas às outras em uma variedade de formas, tipificando

socialmente novas “línguas”. Cada uma delas se distingue pelos princípios de marcação de

diferenças (para algumas, o princípio é funcional, para outras, é o tema e conteúdo). Portanto,

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para Bakhtin (1981), elas não se excluem entre si, mas intersectam com cada outra em uma

variedade de maneiras a ponto de a palavra “língua” perder todo o sentido nesse processo –

por aparentemente não existir um plano singular sobre o qual todas elas pudessem ser

justapostas umas às outras.

Essa descrição da existência histórica da língua pode ser aproximada à descrição da

sociedade globalizada de hoje e à influência das culturas que cria novas línguas e identidades

culturais. Chamamos atenção, não somente pela concomitância, que pode ter sempre existido,

mas para o movimento de interseção entre as variedades de “línguas” concebidas por Bakhtin

(1981), o que dá margem para pensar o descentramento do sujeito pós-moderno.

Outro ponto de aproximação à visão contemporânea de linguagem e de identidade

pode ser captado quando Bakhtin (1981) se refere ao dialogismo interno da palavra que

penetra sua estrutura inteira, toda a sua semântica e camadas expressivas. O autor representa

essa ideia com a analogia da palavra sobre um objeto como se fosse um raio de luz que

constrói sua imagem por meio de uma dispersão espectral em uma atmosfera repleta de

vocábulos alheios, julgamentos de valor e acentos através dos quais o raio passa em seu

caminho para o objeto. Aproximamos esta ideia a um dos descentramentos examinados por

Hall (2011), com base em Derrida (apud Hall, 2011), que vem conformando à sociedade

contemporânea. Esse autor afirma que o falante individual não pode nunca fixar o significado

de uma forma final (incluindo o significado de sua identidade), já que as palavras carregam

ecos de outros significados que elas colocam em movimento. Apesar da consciência sobre o

que dizemos, nossas afirmações seriam conduzidas na corrente sanguínea de nossa língua,

pois tudo que dizemos tem um “antes” e um “depois”. Essa afirmativa de Derrida se

assemelha ao conceito de dialogia de Bakhtin e a sua ideia famosa de que cada enunciado de

um falante é um elo na cadeia de enunciados que compõem o discurso sobre um objeto.

A partir desse quadro teórico, buscamos investigar a construção discursiva da

identidade docente de quatro licenciandos do último semestre de um curso a distância de

licenciatura em Ciências Biológicas. A visão bakhtiniana de que o enunciado tem uma

natureza social e que os gêneros do discurso estão atrelados às atividades humanas irá nos

auxiliar a compreender a construção da identidade docente, considerando que esse processo

está submetido tanto às forças de socialização da formação inicial quanto às de

descentramento e hibridismo identitário, característicos da contemporaneidade. Para tal, será

interessante perceber indícios de relações dialógicas com discursos associados ao contexto

formativo e a outros contextos sociais.

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5 PERCURSO METODOLÓGICO

Iniciamos o presente capítulo apresentando o contexto do estudo, no qual iremos

caracterizar a instituição e o curso, expondo o cenário que serviu como base para a construção

desse trabalho. Em seguida, exporemos os objetivos e as questões de pesquisa que norteiam

essa investigação, além de caracterizar os sujeitos investigados. Finalmente, explanaremos os

procedimentos metodológicos adotados nesse trabalho.

5.5.1 CONTEXTO DO ESTUDO

5.1.1 A instituição

A pesquisa foi realizada no polo de Barbacena/MG, no qual existe o curso de

licenciatura em Ciências Biológicas na modalidade EaD, oferecido por uma instituição

particular do estado de Minas Gerais. Nesta seção, pretendemos apresentar um breve histórico

dessa instituição, procurando enfatizar a sua estruturação. As informações aqui apresentadas

baseiam-se em consultas ao Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso e ao site da própria

universidade.

A instituição à qual o curso está vinculado é uma universidade particular, cuja sede

está situada em Uberaba, um dos 10 municípios mais populosos do Estado de Minas Gerais.

Desde 1947, apenas cursos presenciais eram oferecidos, tendo sido implantado, em 2000, o

Programa de Educação a Distância, que compreendia cursos de especialização lato sensu. A

partir de 2002, começaram-se a oferecer cursos de licenciatura a distância em Ciências

Biológicas, Geografia, História, Letras, Matemática e Química. Assim, a oferta de cursos de

graduação a distância passou por um rápido crescimento desde sua implantação, passando de

um curso de Pedagogia para 15 cursos, abrangendo áreas das Ciências Exatas e Humanas. Em

junho de 2005, a instituição foi credenciada pelo Ministério da Educação (MEC) para oferecer

formação superior a distância.

Funcionando, inicialmente, com dois polos de apoio presencial, atualmente conta com

39 no total, situados em oito estados brasileiros, distribuídos por todas as regiões do país,

sendo a região sudeste a de maior concentração. Em 2007, foi implantado o polo de apoio

presencial na cidade de Barbacena (MG), cuja população é de 121.571 habitantes (IBGE,

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2010). Todo este crescimento da EaD levou a instituição a descontinuar o curso de

Licenciatura em Ciências Biológicas na modalidade presencial em 2006.

Assim, tendo como contexto do estudo um curso de licenciatura a distância oferecido

por uma universidade privada, esta tese insere-se no contexto mais amplo de expansão da EaD

e de privatização dos cursos de licenciatura vivido no país, o que é problematizado no

capítulo 1.

5.1. 2 O curso

Nesta seção, apresentaremos a organização e as concepções pedagógicas que norteiam

o curso de licenciatura de Ciências Biológicas onde foi realizada a pesquisa, descrevendo

também quem são os sujeitos que elaboram aulas e corrigem tarefas e o processo de gestão,

indispensável para o funcionamento do curso.

A proposta de organização curricular do referido curso observa o disposto na Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394, de 1996), as metas do Plano Nacional

de Educação formuladas pelo MEC para o ensino superior, as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica em nível superior, de maio de

2001 (Parecer no CNE/CP 009/2000); e a Portaria n

o 301 de 1998, que normatiza

procedimentos de credenciamento para a oferta de cursos de graduação e educação

profissional e tecnológica a distância, dentre outros documentos oficiais. A organização

curricular descrita pretende evitar a fragmentação de conteúdos em disciplinas isoladas e

especializadas e voltar as discussões para situações mais globais, que privilegiem a

transdisciplinaridade. Para atingir esse objetivo foi escolhido “a vida” como tema para nortear

as atividades e discussões e os conteúdos trabalhados foram organizados em eixos temáticos.

A proposta pedagógica do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, de acordo

com o PPP, está baseada numa concepção humanista de Educação e numa perspectiva

multiculturalista crítica, comprometida com o desenvolvimento humano.

A concepção de conhecimento adotada é de uma construção dinâmica, contínua e

progressiva da prática social, como um meio de promover o desenvolvimento humano em

todas as suas dimensões, de maneira a tornar pertinente e significativa a complexa e plural

realidade em que vivemos.

O curso tem duração de seis semestres e está estruturado em três eixos temáticos: o

primeiro é A Organização e Funcionamento dos Seres Vivos, que é subdivido em duas

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unidades temáticas, A Sustentação da Vida e A Unidade da Vida. O segundo, Os Seres Vivos e

suas Relações com o Meio Ambiente, desenvolvido pela unidade temática Tempo e

Diversidade e Biotecnologia, Ética e Saúde. O último, O Desenvolvimento Humano e os

Contextos da Aprendizagem, trabalhado simultaneamente com os eixos anteriores e engloba

os conteúdos específicos a sua prática pedagógica, unindo a Prática de Ensino, o Estágio

Supervisionado e os Estudos Independentes procurando aproximar a teoria à prática docente.

De acordo com o PPP, a carga horária total deste curso é de 2960 horas, das quais 400

referem-se ao Estágio Supervisionado, que se inicia no quarto período e estende-se até o

sexto. A Prática de Ensino também tem uma carga horária de 400 horas, que são distribuídas

ao longo de todo o curso, sendo 70 horas do primeiro ao quarto período e 60 horas do quinto

ao sexto período (ANEXO I).

A primeira turma de licenciatura em Ciências Biológicas do polo onde foi feita esta

pesquisa ingressou no curso em 2007. Até o momento atual, quatro turmas já se formaram e

outras três estão em andamento. Ao longo desse período, muitas adaptações foram realizadas,

devido às exigências de novas normas do governo federal.

A turma na qual coletamos os dados desta pesquisa passou pela primeira adaptação

realizada no curso. Quando ingressaram nele, os estudantes recebiam material impresso, os

roteiros de estudo. Eram 18 fascículos acompanhados de um CD-ROM, que continham um

texto didático-científico que introduzia os temas abordados nas unidades, os roteiros de leitura

para o estudos dos textos básicos, orientações sobre a Prática de Ensino, Estágio

Supervisionado, Trabalho de Construção de Aprendizagem, Trabalho de Conclusão de Curso,

procedimentos de estudo e cronograma de atividades e avaliações

Os encontros presenciais ocorriam a cada dois meses, em um final de semana, com

duração de 16 horas (sábado e domingo); no total eram dois encontros por semestre,

perfazendo um total de 32 horas, nos quais, os estudantes tinham aulas com os professores

que vinham da sede para ministrar o conteúdo e também faziam a avaliação presencial

(provas). Esse processo ocorreu até a metade do curso. Após uma avaliação feita pela

comissão do MEC, o curso passou por uma reformulação: foi implantado um ambiente virtual

de aprendizagem (AVA), no qual os estudantes passaram a ter acesso às atividades de

aprendizagem; o roteiro de estudos foi substituído por livros e passou a existir a figura do

professor-tutor presencial. Quanto aos encontros presenciais, não houve alteração.

A partir dessa reformulação, o curso de licenciatura em Ciências Biológicas ficou

estruturado da seguinte forma: na sede existe uma equipe docente – os professores

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especialistas − que são os responsáveis pela elaboração do material didático impresso (livros),

do material audiovisual, dos guias de estudo das disciplinas, da avaliação continuada a

distância das atividades de aprendizagem, e das provas presenciais e sua correção, das

avaliações a distância, das atividades de aprendizagem, e pela tutoria on-line. O professor

coordenador (ou gestor) é o responsável pelo planejamento dos encontros presenciais e pelas

orientações aos preceptores, professores especialistas e tutores.

O AVA do curso representa a sala de aula. Da mesma forma que no ensino presencial,

dentro desta estão os recursos necessários para que o professor ministre sua aula, o ambiente

virtual concentra, também, todo o material necessário para a sua realização. É nele que os

professores disponibilizam os materiais que serão visualizados pelos estudantes, como

atividades, exercícios e orientações de estudo, além de ser, ainda, o ambiente no qual os

professores e os estudantes interagem durante todo o processo, devido à existência de

ferramentas como blogs, fóruns, correio eletrônico.

Coordenadores, professores, preceptores e estudantes quando ingressam no curso

participam de um curso de capacitação, para se familiarizarem com os procedimentos e as

ferramentas de uso contínuo dentro do AVA; para isso, cria-se uma conta de e-mail e o perfil

de quem o utiliza.

Os conteúdos de cada etapa são trabalhados por quinzena e estão disponibilizados no

AVA. Para cada um deles há uma sala de aula, na qual o estudante encontra as orientações de

estudo; a agenda; as atividades de aprendizagem; as avaliações continuadas de questões

fechadas e abertas; o fórum; a central de mensagem e a biblioteca do curso. As atividades e

avaliações devem ser realizadas dentro do período estipulado.

No polo de apoio presencial, encontram-se os preceptores e os professores tutores. De

acordo com o PPP do curso, o preceptor tem como principal função motivar os estudantes

para o trabalho cooperativo, auxiliá-los na organização dos estudos e manter os professores da

sede informados sobre o que ocorre no polo. Além de organizar o processo de aprendizagem

com os estudantes, ele é o responsável pelo intercâmbio de informações entre o polo e a sede.

Devido a isso a comunicação entre esses agentes deve ser bem estruturada, pois o preceptor é

a primeira pessoa a quem o estudante recorre quando tem dificuldades com relação a questões

acadêmicas. Ele é o principal responsável pela mediação entre conteúdo e estudante, é o que

mais o conhece, pois tem contato diário com ele, uma vez que acompanha no polo, o

desenvolvimento das disciplinas.

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O professor-tutor presencial é o responsável por ministrar os conteúdos nos encontros

presenciais. Também cabe a ele a correção de algumas atividades de aprendizagem, bem

como procurar sanar dúvidas dos estudantes. Sobre esse aspecto é preciso ressaltar que ele

não pode se restringir às discussões de sua área específica de formação, uma vez que está

disponível para plantões de atendimento presencial e on-line. Assim, os estudantes podem

necessitar de sua orientação a respeito de uma área que não é dele, e sua recusa em auxiliá-los

pode causar uma desmotivação em relação ao curso.

É importante ressaltar que é preciso que preceptor e professor-tutor desenvolvam um

trabalho colaborativo e tenham uma boa interlocução entre si e com a equipe da sede, pois

ambos trabalham diretamente com os estudantes, acompanhando-lhes o desempenho. Assim, é

importante saber como eles compreendem os papéis desempenhados por cada um, pois isso

poderá influenciar na construção identitária dos licenciandos.

Os estudantes dessa turma tiveram que se adequar a uma nova configuração do curso,

o que gerou muito desconforto e insegurança. Eles e a equipe de profissionais do polo (o

preceptor e o professor-tutor, nesse caso a autora desse trabalho) estávamos experimentando

essas mudanças e sentimo-nos aturdidos. As reclamações eram constantes e direcionadas aos

professores especialistas, aqueles que corrigiam as provas e as atividades de aprendizagem,

pois como era um processo novo para todos, havia muitos problemas, principalmente com a

comunicação entre eles e os estudantes.

Com relação à organização do polo, há uma equipe formada por um coordenador

pedagógico, que é licenciado em Pedagogia, com experiência em supervisão pedagógica. Ele

acompanha todas as atividades presenciais, orienta os preceptores e professores tutores, além

de auxiliar os estudantes a solucionar problemas a respeito das avaliações, com os professores

e preceptores, por exemplo. Em síntese, ele é o responsável pela imediata intervenção

presencial com os estudantes, organizando o processo de aprendizagem e acompanhando o

seu desempenho destes. Há também o administrador do polo, que é responsável pela sua

infraestrutura e manutenção.

O polo permite acesso aos estudantes todos os dias das 08 até às 22 horas, o que possibilita

aos estudantes utilizarem-no para ler, estudar, resolver exercícios e usar os computadores para

baixar e assistir aulas. Como alguns estudantes moram muito distante ou enfrentam outras

dificuldades que impedem seu acesso a ele, acabam por utilizar sua infraestrutura somente no

dia dos encontros presenciais.

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5. 3 OBJETIVO DA PESQUISA

O objetivo desse estudo foi investigar a construção da identidade docente de

licenciandos do último semestre do curso de licenciatura em Ciências Biológicas a distância

descrito, entendendo a identidade como entrelaçada aos processos de socialização e às

interações verbais em um dado contexto social, constituída nas relações dialógicas com

discursos associados ao contexto formativo e/ou a outros contextos sociais.

5. 4 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Visando a uma melhor compreensão sobre a formação da identidade docente dos

licenciandos de Ciências Biológicas a distância do curso descrito anteriormente, pretendeu-se

neste trabalho:

● Fazer um levantamento do perfil socioeconômico e cultural dos licenciandos.

● Analisar o discurso dos estudantes em situação de entrevista de modo a captar traços

da identidade docente relacionados ao contexto formativo e/ou a outros contextos

sociais

5. 5 QUESTÕES DE ESTUDO

Dado o interesse desta pesquisa, que era investigar a construção da identidade do

professor de Biologia que está sendo formado em um curso de Licenciatura à distância,

levantamos o seguinte questionamento:

É possível observar sinais de que a identidade docente esteja sendo construída

discursivamente por meio de processos de identificação com a proposta pedagógica do curso?

É possível relacionar esses sinais ou a ausência deles a características deste curso ou ao

processo formativo a distância?

5.6. SUJEITOS DO ESTUDO

O estudo foi realizado com estudantes de uma turma do último semestre do curso de

licenciatura em Ciências Biológicas na modalidade a distância. Foram aplicados questionários

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referentes ao levantamento do perfil socioeconômico e educacional para todos os 24

licenciandos que compõem a turma, que informaram que a maioria (80%) dos licenciandos

são do sexo feminino, 29% têm mais de 31 anos, 88% trabalham, 63% não têm outra

graduação, quase a totalidade mora com os pais ou com o cônjuge, os pais têm baixa

escolaridade e 33% têm renda de 2 a 4 salários mínimos.

Logo após a aplicação dos questionários referentes ao levantamento do perfil

socioeconômico e educacional, foram realizadas as entrevistas. pois os estudantes moram em

locais muito distantes do polo e não teríamos outra oportunidade para sua realização. A

professora-tutora solicitou voluntários que não poderiam ter cursado outra graduação, pois

com esse critério, pretendia-se buscar gêneros discursivos relativos à identidade docente

construída naquele curso. Assim, dos 15 estudantes que não tinham cursado outra graduação,

apenas quatro se prontificarm a participar da pesquisa. No Quadro 6 apresentamos as

informações pessoais e profissionais destes estudantes, cujos nomes são fictícios.

Quadro 6 – Informações profissionais dos estudantes entrevistados

Entrevistado Sexo Idade

(anos)

Profissão Tempo de

Trabalho

Instituição Carga

Horária de

trabalho

semanal

(horas)

Augusto Masc 33 Extensionista

Rural

10 anos EMATER/MG 40

Mayana Fem 33 Professora de inglês

e alemão

4 anos Escola de

Idiomas Wizard

20

Bertha Fem 36 Professora das

Series Iniciais do

Ensino

Fundamental

3 anos Escola

Municipal Tita

Tafuri

20

Paulo Masc 45 Investigador da

Polícia Civil

10 anos Policia Civil do

Estado de

Minas Gerais

40

5.7 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

5.7.1 O enquadramento investigativo

Em linhas gerais, os estudos que se debruçam sobre a temática “identidade”, objeto

desse trabalho, são muito complexos e envolvem aspectos individuais e sociais, pois ao longo

de sua trajetória de vida, os sujeitos passam por inúmeros processos de socialização que estão

imersos em determinados contextos socioculturais. Dessa forma, além de complexos, eles têm

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um caráter interdisciplinar, sendo, portanto repletos de significados diversos, que estão

relacionados às áreas que a investigam.

Nesse caso, é preciso que o pesquisador estabeleça o referencial teórico-

metodológico, pois de acordo com Duarte (2004), o caráter de uma pesquisa está diretamente

relacionado a ele, pois é em função dele que será construído o objeto de pesquisa e analisado

o material coletado. Este estudo procura investigar a construção da identidade docente na

formação inicial dento do atual contexto de expansão da EaD no Brasil e toma como

fundamentais as interações sociais e discursivas nesse processo. Dessa forma, elegemos como

referencial teórico a abordagem sociocultural, a partir de uma articulação entre conceitos de

Hall, Silva e Bakhtin.

Assim, utilizamos, como instrumento de coleta de dados, as entrevistas, pois segundo

Duarte (2004), elas são fundamentais quando se deseja mapear crenças, valores de universos

sociais específicos mais ou menos bem definidos, em que os conflitos e contradições não

estejam claramente explicitados. Também porque elas são uma forma de interação social que

valoriza o uso da palavra, as quais permitem aos atores sociais a construção dos sentidos em

torno da realidade que os cerca. Elas permitem ao pesquisador fazer uma espécie de imersão,

reunindo indícios sobre os modos como cada sujeito percebe e significa sua realidade,

buscando informações consistentes que lhe propiciem descrever e compreender a lógica que

rege as relações que se estabelecem no interior do grupo pesquisado, o que, em geral, é mais

difícil obter com outros instrumentos de coleta de dados.

De acordo com Ludke e André (1986), as entrevistas são um importante instrumento

de coleta de dados da pesquisa qualitativa, a qual apresenta algumas características: tem o

ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento;

os dados coletados são predominantemente descritivos; a preocupação com o processo é

muito maior do que com produto; o significado que as pessoas dão às coisas e a sua vida são o

foco de atenção especial pelo pesquisador e, finalmente, a análise dos dados tende a seguir um

processo indutivo. Dessa forma, do ponto de vista teórico, esse trabalho está dentro de uma

abordagem predominantemente qualitativa.

De acordo com Freitas (2002), nas ciências humanas, o pesquisador trabalha com a

interpretação das estruturas simbólicas, pois encontra-se perante um sujeito que tem voz, com

o qual tem que estabelecer um diálogo. Assim, investigador e investigado são dois sujeitos em

interação, já que ele não é apenas objeto de uma explicação, produto de uma só consciência;

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ele deve ser compreendido dentro de um processo que supõe duas consciências, dois sujeitos,

sendo, portanto, dialógico.

5.7.2 Elaboração e aplicação dos instrumentos de pesquisa

Com o intuito de investigar a formação da identidade docente no contexto descrito

anteriormente, realizamos uma entrevista semiestruturada com os estudantes e aplicamos um

questionário relativo às características socioeconômicas e culturais do estudante para

podermos compor o contexto extraverbal.

a) Elaboração do questionário

Produzimos um questionário (APÊNDICE I) composto por perguntas fechadas

relativas às características socioeconômicas e culturais dos estudantes, inspirado no estudo de

Gatti (2010). O interesse nestas se justifica pelo fato de estarmos investigando a formação da

identidade docente, entendendo-a como entrelaçada à identidade sociocultural. Consideramos

que dados do mundo social e cultural dos sujeitos podem nos ajudar a compreender como a

formação da identidade docente está sendo atravessada por esses processos identitários.

Também podem ser informações que ajudarão a compreender os enunciados e farão perceber

quão intensos podem ser os processos nos campos sociais como, por exemplo, na classe social

ou no curso, corroborando a concepção de um sujeito sociológico e, também, dentro de uma

diversidade de representações que permitem que ele se posicione no interior de definições que

os discursos culturais fornecem configurando um sujeito pós-moderno;

b) Elaboração do protocolo e realização das entrevistas

Elaboramos um protocolo de entrevista composto por dez perguntas sobre a formação

vivenciada no curso e sobre a identidade docente (APÊNDICE II). Sendo uma entrevista

semiestruturada, as perguntas são colocadas apenas como eixos condutores do discurso do

entrevistado. Algumas questões são explicadas para que ele possa expor com mais

objetividade o seu pensamento, além de ser informado acerca da liberdade que lhe é conferida

para falar sobre cada tema.

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Antes do início da entrevista, o estudante é informado sobre o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO II). É-lhe explicado, ainda, que suas respostas

serão gravadas para posterior transcrição e análise. Também foi-lhe esclarecido que ele não

precisaria se preocupar com o tempo e ainda sugerido a ele que se sentisse à vontade para se

expressar.

Nas transcrições, os estudantes entrevistados foram identificados por Augusto,

Mayana, Bertha e Paulo e as linhas dos enunciados foram numeradas com o objetivo de

auxiliar na recorrência ao longo das análises.

Após a leitura preliminar da entrevista, verificamos que alguns aspectos relacionados

ao uso da TDIC, a organização do curso e o papel do precepetor na formação não tinham sido

mencionados pelo entrevistado. Optamos por formular mais algumas perguntas (perguntas 6,

7, 8, 9 e 10) que foram enviadas por e-mail para que eles as respondessem.

Embora não pretendamos generalizar os resultados desse estudo, consideramos que

seja possível encontrar, nessas entrevistas, enunciados comuns aos de outros estudantes do

curso, tendo em vista que eles compartilhavam o mesmo contexto enunciativo. Nessas

circunstâncias, supomos poder haver, conforme sugerem os estudos de caso (MERRIAN,

citado por ANDRÉ, 2005), aproximações entre os processos de construção da identidade

docente.

c) Dispositivo analítico

a análise dos enunciados dos estudantes entrevistados teve como ponto de partida a

concepção bakhtiniana de que a unidade real da comunicação verbal é o enunciado, e este

sempre moldará o discurso. Sendo uma unidade real da comunicação verbal, ele apresenta

características estruturais, como fronteiras claramente delimitadas (BAKHTIN, 1997, p. 293),

as quais são determinadas pela alternância dos sujeitos falantes, ou locutores. Segundo

Bakhtin (1997), todo enunciado

[..]seja uma breve réplica (monolexemática) até um romance ou o tratado científico

comporta um começo absoluto e um fim absoluto. O locutor termina seu enunciado

para passar a palavra a outro ou para dar lugar à compreensão responsiva do outro

(p. 294). Uma das particularidades do enunciado diz respeito ao seu acabamento específico. De

certo modo, segundo Bakhtin (1997), esse aspecto está atrelado à alternância dos sujeitos

falantes. Isso ocorre “porque o locutor disse (ou escreveu) tudo o que queria dizer num

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preciso momento e em condições precisas. Ao ouvir ou ler, sentimos claramente o fim de um

enunciado” (BAKHTIN, p. 299). Assim, o acabamento do enunciado ocorre tanto na fala

quanta na escrita

quando o locutor disse (ou escreveu) tudo o que queria dizer num preciso momento

e em condições precisas. Ao ouvir ou ler, sentimos claramente o fim de um

enunciado, como se ouvíssemos o “dixi” conclusivo do locutor. É um acabamento

totalmente específico e que pode ser determinado por meio de critérios particulares

(p. 299). A noção de acabamento expressa uma relação entre autor, personagem (herói) e sua

criação. Nessa perspectiva, podemos pensá-la como um ato estético, ou seja, que o

acabamento está relacionado ao agir do sujeito imerso no meio social e histórico. Esse ato

estético é uma reflexão elaborada, portanto com acabamento, acerca da ação ética realizada

por ele e também reflete a concepção de mundo deste, pois essa concepção ou visão de mundo

é transfigurada na construção do seu discurso. Também nos remete às relações dialógicas

entre o autor e o herói, possibilitando o desenvolvimento do conceito de exotopia e da ideia de

excedente de visão. A extopia, de acordo com Bakhtin (1997), está relacionada a não

coincidência do nosso olhar sobre o outro, com olhar que este tem de si mesmo, ou seja,

somente posso ver a mim mesmo pelo olhar do outro. A visão que tenho de nós é dada pelos

olhos alheios, portanto o que vemos no espelho é apenas um reflexo do nosso exterior e não

de nós mesmos. Nessa perspectiva, Bakhtin (idem) diz que nós só podemos nos ver pelo olhar

do outro e este é quem nos dá o acabamento.

Já a ideia de excedente de visão nada mais é que a possibilidade que o sujeito tem de

ver mais de outro sujeito, do que de si próprio. Isso é condicionado “pelo lugar que sou o

único a ocupar no mundo: neste lugar, neste instante preciso, num conjunto de dadas

circunstâncias – todos os outros se situam fora de mim” (BAKHTIN, 1997, p. 43).

Essa possibilidade de olhar o outro de um lugar, de um tempo, e ver nele mais do que

ele próprio consegue ver, evidencia que não conseguimos nos ver por inteiro e que precisamos

do outro para nos completar.

O excedente de visão permite ao outro completar-se naquilo que sua individualidade

não conseguiria sozinho, pois eu não posso realizar um acabamento de mim uma vez que não

acesso todos os elementos que compõem o meu horizonte. Estamos inseridos num meio

social, numa relação que se estabelece com o outro.

O sujeito se constitui e também se altera nessa integração com o outro, em um

processo contínuo, por meio das interações, dos signos, das palavras, etc. É por meio do outro

que nossa constituição e transformação vão se processando. Bakhtin (1997) assinala que não

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há como alguém justificar, sustentar sua posição sem estabelecer uma relação com outras

posições. Não há como não considerar essas noções quando refletimos sobre a construção da

identidade do sujeito, pois “apenas o outro pode, de maneira convincente, no plano estético (e

ético), fazer-me viver o finito humano, sua materialidade empírica delimitada” (BAKHTIN,

1997, p. 55).

O acabamento é específico e pode ser determinado por critérios particulares. O

primeiro e mais importante é a possibilidade de responder, ou de adotar uma atitude

responsiva. Esse acabamento é necessário para tornar possível uma reação ao enunciado,

proporcionando uma possibilidade de resposta e é determinado por três fatores indissociáveis

atrelados ao todo orgânico do enunciado: “(1) o tratamento exaustivo do objeto do sentido; (2)

o intuito, o querer-dizer do locutor; (3) as formas típicas de estruturação do gênero do

acabamento” (BAKHTIN, 1997, p.299).

Esse acabamento ou tratamento exaustivo do enunciado varia de acordo com as esferas

da comunicação verbal e pode ser quase total em certas esferas, por exemplo, na vida

cotidiana, onde são comuns perguntas factuais que suscitam respostas factuais, na vida

prática, na vida militar, na vida profissional, enfim, nas esferas nas quais os gêneros do

discurso são padronizados. Já nas criativas como, por exemplo, no caso da ciência, esse

tratamento exaustivo é mais relativo, ou seja, um mínimo de acabamento capaz de suscitar

uma atitude responsiva (BAKHTIN, 1997).

O segundo fator relacionado ao acabamento do enunciado é o intuito, o querer-dizer.

Bakhtin (1997) assinala “que o intuito é um elemento subjetivo do enunciado, que está

relacionado com o objeto de sentido (o objetivo), formando uma unidade indissociável, que

limita e vincula à situação concreta da comunicação verbal” (p. 300).

Segundo Bakhtin,

É por isso que os parceiros diretamente envolvidos numa comunicação,

conhecedores da situação e dos enunciados anteriores, captam com facilidade e

prontidão o intuito discursivo, o querer-dizer do locutor, e, às primeiras palavras do

discurso, percebem o todo de um enunciado em processo de desenvolvimento (p.

301). O terceiro fator a respeito ao acabamento do enunicado diz respeito às formas estáveis

do gênero deste. Segundo Bakhtin,

O quer-dizer do locutor se realiza acima de tudo na escolha de um “gênero do

discurso”. Essa escolha é determinada em função da especificidade de uma dada

esfera da comunicação verbal, das necessidades de uma temática, do conjunto

constituído de parceiros, etc. (p. 301).

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Nas palavras de Bakhtin,

Para falar, utilizamo-nos sempre dos gêneros do discurso, em outras palavras, todos

os nossos enunciados dispõem de uma forma padrão e relativamente estável de

estruturação de um todo. Possuímos um rico repertório dos gêneros do discurso

orais (e escritos). Na prática, usamo-los com segurança e destreza, mas podemos

ignorar totalmente a sua existência teórica (p. 301). Tomando as respostas dos estudantes entrevistados como enunciados, usamos um

dispositivo para análise Bakhtiniana do discurso (VENEU, 2012; FERRAZ, 2012) a partir da

metodologia de estudo da língua proposta por Bakhtin (1995). O dispositivo compreende

quatro etapas: identificação do enunciado, a leitura preliminar do enunciado, a descrição do

contexto extraverbal e a análise do enunciado.

Identificação do enunciado: a própria alternância entre os sujeitos falantes já é

suficiente para identificar o enunciado, ou seja, ele inicia-se no momento em que o falante

toma a palavra para si e finaliza-se no momento em que este termina o que gostaria de dizer,

permitindo que o outro também fale.

Leitura preliminar do enunciado: o objetivo dessa etapa é o primeiro contato com os

enunciados com o objetivo de: identificar preliminarmente seus elementos linguísticos (itens

lexicais, estilo, construção composicional, unidade temática, relação com o falante e outros

participantes, conclusibilidade) e fazer uma articulação prévia entre o material linguístico, o

objetivo da pesquisa e os conceitos bakhtinianos.

Descrição do contexto extraverbal: a partir da leitura preliminar e da articulação

prévia das questões de pesquisa aos conceitos bakhtinianos, é realizada uma investigação do

contexto extraverbal para identificar, dentre os vários elementos, aqueles que mais

contribuirão para a análise. Esses elementos são então descritos e articulados com vistas a

estabelecer o horizonte espacial comum dos interlocutores, seu conhecimento, compreensão e

avaliação comum da situação, o momento social e histórico em que esta ocorre, a rede de

enunciados a que se relaciona e são complementados com elementos do contexto extraverbal

individual.

O contexto extraverbal do enunciado remete-se à condição espacial concreta em que os

interlocutores se encontram no ato de enunciação. No texto “Discurso na vida discurso na

arte” de 1926, escrito por Volochinov, encontramos uma explicação do que é o contexto

extraverbal do enunciado. Segundo o autor, ele “compreende três fatores: (a) o horizonte

espacial comum aos interlocutores é o visível; (b) o conhecimento e compreensão da situação

comum no qual estão os interlocutores e (c) a avaliação dos interlocutores sobre a situação em

que estão inseridos” (VOLOCHINOV, 1976, p. 5). O conhecimento do horizonte espacial e

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ideacional compartilhado pelos interlocutores auxilia na compreensão do sentido global do

enunciado, por que “o enunciado concreto une os participantes da situação comum”

(VOLOCHINOV, 1976, p. 6). Em outras palavras, os falantes conhecem, entendem, avaliam

a situação de maneira igual. Esse complemento material do enunciado dá-lhes expressão e

desenvolvimento ideológico comuns.

Segundo Volochinov,

[...] a situação se integra ao enunciado como uma parte constitutiva essencial da

estrutura de sua significação. Consequentemente, um enunciado concreto como um

todo significativo compreende duas partes: (l) a parte percebida ou realizada em

palavras e (2) a parte presumida. É nesse sentido que o enunciado concreto pode ser

comparado ao entimema. Contudo, é um entimema de um tipo especial. O próprio

termo entimema (literalmente traduzido do grego, “alguma coisa localizada no

coração ou na mente”) soa um tanto psicológico. Poderia nos levar a pensar na

situação como alguma coisa na mente do falante, um ato físico-subjetivo (um

pensamento, uma ideia, um sentimento). Mas não é o caso. O individual e o

subjetivo têm por trás, aqui, o social e o objetivo (VOLOCHINOV, 1976, p. 6). Somente aquilo que é compartilhado pelos interlocutores, ou seja, aquilo que eles

respeitam, valorizam, conhecem, sabem, amam, pode se tornar a parte presumida de um

enunciado,a qual é um fenômeno social e objetivo e “consiste sobretudo da unidade material

que entra no horizonte dos falantes,..e da unidade das condições reais de vida”

(VOLOCHINOV, 1976, p.6).

De acordo com o autor, os enunciados concretos estabelecem uma infinidade de

conexões com o contexto extraverbal da vida e, se separados desses contextos, acabam por

perder a sua significação, “uma pessoa ignorante do contexto pragmático imediato não

compreenderá estes enunciados” (VOLOCHINOV, 1976, p. 6).

Será identificada a situação extraverbal das entrevistas. Para isso iremos identificar o

horizonte espacial comum aos interlocutores, pelo conhecimento e avaliação comum da

situação na qual estão envolvidos entrevistador e entrevistado.

Nessa etapa também serão trazidos os contextos individuais dos licenciandos –

formação, tempo de magistério, idade, região e perfil socioeconômico e cultural – na tentativa

de trazer outros elementos que poderão melhor compor o entendimento dos enunciados.

Análise do enunciado: Consiste em articular os elementos linguísticos (estilo,

construção composicional, unidade temática, relação com o falante/outros participantes,

conclusibilidade), o contexto extraverbal e os conceitos Bakhtinianos envolvidos para

alcançar o objetivo da pesquisa.

Nesta etapa examinaremos, em cada enunciação, o conteúdo semântico, a estrutura

composicional, gênero textual, o endereçamento do enunciado (destinatário real e imaginário)

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e o posicionamento dos licenciandos em relação ao conteúdo semântico do enunciado-

pergunta, o qual foi o ponto de partida para a construção das respostas.

Ao fazer uma análise das vozes do texto, Amorim (2002) alude à voz do destinatário.

Para ela,

o destinatário em Bakhtin é uma instância interior ao enunciado, a tal ponto que ele

é considerado um coautor do enunciado;isso traz uma consequência decisiva para o

trabalho identitário do discurso pois sua própria estrutura se organiza em razão de

sua destinação,o que conduz ao princípio maior do dialogismo, que é o princípio da

não coincidência consigo mesmo: do ponto de vista discursivo, “A” não é nunca

idêntico a “A”(idem, p. 9). Ainda é preciso considerar duas outras vozes que falam no interior de um enunciado.

Segundo a autora, é preciso distinguir o destinatário suposto e o destinatário real. O

destinatário suposto está relacionado com as imagens que este faz de si e do outro. O real é o

que lê efetivamente o texto.

Nas palavras de Amorim (2002), o “destinatário suposto é uma instância posterior à

escrita, mas participa da construção do sentido, pois o trabalho de interpretação constitui um

segundo texto em relação ao qual o primeiro poderá fazer sentido”(idem, p. 9). Para a autora,

uma vez que todo texto demanda alguém que o leia e alguém que dele se ocupe, o destinatário

suposto é uma instância posterior, mas igualmente interior ao enunciado.

A autora aponta para uma terceira voz na destinação de um texto: a voz do

sobredestinatário. Para ela,

Este se distingue do destinatário suposto em relação à temporalidade e à

espacialização do texto. O destinatário suposto faz ouvir a voz do contexto de

origem do texto; ele faz que um texto seja sempre um texto de seu tempo e de seu

meio. O sobredestinatário, ao contrário, libera o texto das limitações de seu

contexto, projetando-o naquilo que Bakhtin nomeia grande temporalidade: um

tempo futuro, desconhecido e imprevisível em que o texto poderá ser acolhido e, ao

mesmo tempo, reconstruído de outro modo. Acredito poder dizer que o destinatário

suposto remete a uma dimensão histórica e única do texto, enquanto o

sobredestinatário atesta seu trabalho em direção a uma dimensão universalizante.

(AMORIM, 200, p. 9-10). Outra questão que não podemos deixar de mencionar sobre a análise do enunciado diz

respeito ao estilo linguístico.

Segundo Bakhtin (1997), o estilo está atrelado ao enunciado e as suas formas típicas,

isto é, aos gêneros do discurso. O estilo linguístico, segundo o autor, nada mais é que um

gênero peculiar de uma dada esfera da atividade e da comunicação humana. Está

indissociavelmente ligado a unidades temáticas determinadas e também a unidades

composicionais, tais como: tipo de estruturação e conclusão de um todo, tipo de relação entre

o locutor e seus parceiros de comunicação verbal, como o ouvinte, ou leitor, com o discurso

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do outro, por exemplo. “O estilo entra como elemento de unidade do gênero de um

enunciado” (BAKHTIN, 1997, p. 284).

Para Bakhtin (idem), quando escolhemos uma determinada oração, não a escolhemos

somente em função do que queremos expressar com ela. Essa escolha se remete devido ao

todo do enunciado. Este todo está relacionado a nossa imaginação verbal e, por conseguinte,

determina a nossa opção ou escolha por um determinado tipo de oração, “A ideia que temos

da forma do nosso enunciado, isto é, de um gênero preciso do discurso, dirige-nos em nosso

processo discursivo” (BAKTHIN, 1997, p. 305).

Ele assinala que o estilo e composição dos enunciados são determinados pelo objeto

de sentido e pela expressividade, isto é, pela relação valorativa que o locutor estabelece com

ele. A expressividade de um enunciado é sempre uma resposta que manifesta não só sua

própria relação com objeto do enunciado, mas também a relação do locutor com o enunciado

do outro. Bakhtin advoga que o locutor com sua visão de mundo, seu juízo de valor, o objeto

de seu discurso e os recursos linguísticos definem um enunciado. O enunciado concreto é um

elo na cadeia da comunicação verbal, portanto não são indiferentes a outros enunciados nem

autossuficientes.

Segundo Bakhtin (idem), “o enunciado está repleto dos ecos e lembranças de outros

enunciados, aos quais está vinculado no interior de uma esfera comum da comunicação

verbal. O enunciado deve ser considerado acima de tudo como uma resposta a enunciados

anteriores dentro de uma esfera” (p. 316).

A expressividade de um enunciado nunca poderá ser compreendida e explicada em sua

totalidade caso seja julgado somente o conteúdo do objeto do sentido. Ela manifesta não só a

relação com objeto do enunciado, mas também a relação do locutor com os enunciados de

outros (BAHTIN, 1997).

O enunciado não se relaciona somente aos elos que o precedem, mas também aos que

lhe sucedem na cadeia da comunicação verbal. Os outros para os quais o pensamento se torna,

pela primeira vez, um pensamento real, não são ouvintes passivos, mas participantes ativos da

comunicação oral. Assim o locutor espera sempre uma compreensão responsiva ativa, ou seja,

todo enunciado é elaborado com o intuito de obter uma resposta. Assim, um enunciado está

sempre voltado para um destinatário, ou seja, dirige-se a alguém. As formas de concepção

deste são determinadas pela área de atividade humana e cotidiana a que se reporta um

determinado enunciado. Para Bakhtin (1997), saber a quem se dirige o enunciado, como o

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locutor ou escritor percebe ou imagina seu destinatário, qual a força da influência deste sobre

o enunciado, depende da composição e do estilo deste.

O autor salienta que o locutor, ao elaborar sua fala, sempre considera o grau

apreciativo sobre qual a fala será recebida pelo destinatário; para isso, é preciso conhecer o

grau de informação da pessoa a quem se destina o enunciado, seus conhecimentos específicos

na área de determinada comunicação cultural, suas opiniões e convicções, seus preconceitos,

seus pontos de vistas, etc., pois é isso que condicionará a compreensão responsiva de um

enunciado. Esses fatores são determinantes na escolha do seu gênero, dos seus procedimentos

composicionais e na escolha dos seus recursos linguísticos (pronomes pessoais, formas

pessoais dos verbos, formas gramaticais e lexicais).

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6 ANÁLISE DOS ENUNCIADOS

Os cientistas dizem que somos feitos de átomos, mas a mim um passarinho contou-me que somos feitos de

história (Eduardo Galeano)

Neste capítulo, descreveremos os resultados da análise das entrevistas realizadas com

os quatro licenciandos da instituição onde foi realizada a pesquisa, conforme os

procedimentos que compõem o dispositivo analítico utilizado. Assim, para cada um dos

entrevistados, identificaremos os enunciados que serão analisados, apresentaremos aspectos

levantados em sua leitura preliminar, uma descrição do contexto extraverbal (aspectos mais

amplos, comuns a todos os licenciandos e aspectos específicos, relacionados a cada um) no

qual foram produzidos os enunciados e, finalmente, a análise destes.

6.1 ENTREVISTA COM AUGUSTO3

6.1.1 Identificação dos enunciados

Sendo os enunciados produzidos a partir de perguntas da entrevistadora, a alternância

dos sujeitos falantes é bem clara: a pesquisadora faz a pergunta e o estudante a responde.

Assim, cada resposta do estudante é considerada um enunciado, uma vez que estes inicia-se

no momento em que o falante toma a palavra para si e finaliza-a no momento em que termina

o que gostaria de dizer, permitindo que se inicie a próxima pergunta. A partir desse critério, os

enunciados dos quatro licenciandos foram identificados e transcritos após cada pergunta feita

pela pesquisadora.

6 1.2 Leitura Preliminar dos Enunciados

A primeira característica que chamou atenção diz respeito às dúvidas recorrentes

quando o estudante expressa suas perspectivas, iniciando sentenças com a expressão “Não

3Essa análise foi objeto do seguinte artigo: Costa, M. L. R. e Rezende, F. Construção da identidade docente de

um estudante de licenciatura em Ciências Biológicas em um curso a distância: um caso de hibridismo. Ensaio. v.

16, no 0, p 149-169. 2014.

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sei”. Quando faz qualquer justificativa a respeito de suas escolhas, Augusto sempre se pauta

na sua experiência de vida. A construção de seus enunciados também se utiliza muito de

diálogos imaginários, trazendo citações diretas para compô-los e para contrapor às suas

concepções.

Também é possível perceber, quando ele faz menção à imagem que tem dos estudantes

com os quais lida no estágio, uma ideia de excedente de visão, pois ao fazer a análise de como

estes encaram a questão da aprendizagem, faz uma comparação entre sua visão de

aprendizagem e a deles, evidenciando que não há como alguém justificar sua posição sem

estabelecer uma relação com outras posições. Essas relações estão em sintonia com a ideia de

que a construção da identidade do sujeito se dá a partir de sua alteridade.

Também notamos que as respostas às perguntas 6, 7, 8, 9 e 10, respondidas por escrito,

são bem mais curtas do que as demais.

Nos enunciados em que se tecem considerações sobre o que é necessário para formar

um professor e o que é “ser professor”, Augusto dialoga com sua experiência profissional

como extensionista rural e procura semelhanças entre esta e a atividade docente. É possível

perceber uma mistura de palavras retiradas de contextos diferentes.

6.1.3 Contexto extraverbal comum

O momento social e histórico em que ocorreu a interação verbal com os licenciandos

era marcado pela expansão da EaD, principalmente como modalidade de formação de

professores por instituições privadas. Os entrevistados pertenciam a uma turma de 24

licenciandos do último semestre do curso a distância de licenciatura em Ciências Biológicas

oferecido pela UNIUBE. Esse curso é constituído de seis semestres e abrange componentes

curriculares específicos e pedagógicos concomitantemente, em disciplinas a distância,

complementadas por encontros presenciais. Essa turma, excepcionalmente, passou por uma

reformulação do curso, tendo em vista as alterações exigidas pelo Ministério da Educação, a

partir do terceiro semestre. Até então, os estudantes recebiam os roteiros de estudo impressos

e em CDs, nos quais constavam os conteúdos e atividades referentes à etapa. Os encontros

presenciais ocorriam mensalmente, em um final de semana, alternando entre um mais longo,

com duração de 16 horas e ministrado por professores especialistas e outro mais curto, com

duração de 08 horas, administrado pelo preceptor. A comunicação professor-alunos entre esses

encontros era feita por telefone ou e-mail.

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A partir do terceiro semestre, o curso passou a contar com um ambiente virtual de

aprendizagem em que estudantes tinham acesso às atividades de que precisavam desenvolver

em cada etapa, a serem corrigidas pelos professores-especialistas; além disso, podiam

participar de fóruns de discussão, acessar o calendário e a agenda do curso, a biblioteca

virtual, visualizar suas notas e enviar mensagens aos professores, professor-tutor e preceptor

para esclarecimento de dúvidas. Em função dessas alterações, surgiu a figura do professor-

tutor, nesse caso, a autora desse trabalho, responsável por ministrar aulas de revisão do

conteúdo nos encontros presenciais e corrigir algumas das atividades disponíveis no ambiente

virtual. Nesses encontros, também havia um preceptor que auxiliava o professor exercendo

atividades administrativas. As avaliações presenciais, elaboradas e corrigidas pelos

professores especialistas, eram realizadas no terceiro e quinto encontros de cada etapa.

A entrevista, realizada pela autora deste trabalho, ocorreu no último encontro

presencial do curso, entre as atividades programadas. Os estudantes sabiam que, dentro do

planejamento proposto para esse encontro, haveria um momento com a professora-tutora e

outro com a preceptora. Também estavam cientes de que, ao final, os estudantes seriam

entrevistados pela professora-tutora e que esta a professora-tutora era estudante de doutorado

em uma instituição pública federal, no Estado do Rio de Janeiro. Portanto, conheciam o seu

interlocutor e já tinham uma relação estabelecida com ele. Também tinham ciênca de que o

objetivo da entrevista era investigar a formação da identidade docente de sujeitos que tiveram

sua formação inicial na modalidade a distância e identificar aspectos dessa formação. Isso

seria feito por meio da análise das respostas à entrevista que iria se seguir. Por estar em

contato com o ambiente universitário, os entrevistados valorizavam a qualificação acadêmica

tanto para o seu próprio processo de aprendizagem como para obtenção de certificados e a

consequente valorização profissional. Reconheciam, ainda, a importância da pesquisa para a

construção do conhecimento acadêmico.

6.1.4 Contexto extraverbal individual

Augusto tem trinta e três anos, possui o curso técnico de Agropecuária e o curso

técnico Pós-médio em Meio Ambiente, compatíveis com sua atividade de extensionista rural.

Sua renda familiar está em torno de um a três salários mínimos. Sempre estudou e trabalhou.

Sua carga horária de trabalho é de quarenta horas semanais. É o principal responsável pela

renda familiar. Cursou o ensino básico em escola pública e o ensino médio foi feito

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concomitantemente com um curso técnico. Após concluí-lo, houve uma interrupção dos

estudos. Seu pai tem formação superior incompleta e sua mãe tem o ensino fundamental

incompleto.

6.1.5 Análise dos Enunciados

Pergunta 1: O que fez você optar pelo ensino a distância?

Enunciado 1

1 Primeiro foi a facilidade. Conciliando aqui, assim, o ensino a distância não dificultou

2 o exercício da minha profissão. Mesmo tendo um horário fixo o desempenho de

3 algumas atividades acaba tendo, provocando uma certa flexibilidade do horário de

4 trabalhar, até à noite às vezes. Primeiro eu acredito, pensando que poderia ter essa

5 flexibilidade fazendo meu próprio turno de estudo. Em segundo lugar, talvez pela

6 modalidade de ensino que vem de encontro do que tava mais com afinidade, a

7 profissão que eu exerço também.

O estudante justifica a opção pela EaD, alegando que essa modalidade não era um

empecilho para o exercício de sua atual profissão. Utiliza o substantivo “facilidade” e o verbo

“conciliar” (linha 1) para explicar as vantagens proporcionadas por ela, e também o

substantivo “flexibilidade”e o verbo “acreditar” para se referir à adequação dos horários de

trabalho com o estudo para reforçar sua crença de que essa modalidade ensino seria vantajosa

para ele. Quando expõe sua segunda explicação, utiliza o advérbio “talvez” (linha 5) para

expressar como justificativa, a “afinidade” (linha 6) entre o conteúdo do curso e o de sua atual

profissão.

Pergunta 2: Qual o motivo de optar pelo curso de licenciatura em Ciências Biológicas?

Enunciado 2

1 Até conforme eu estava falando antes, realmente, assim, é, eu estava mais próximo da

2 minha atividade. Se eu fosse falar assim, justificar os motivos. A minha formação

3 acadêmica como é na área de ensino técnico em Ciências Agrárias, cheguei até fazer

4 curso de Meio Ambiente. Isso tudo foi inclinando, porque meu desejo, no início era tá

5 cursando talvez um curso de Zootecnia ou Agronomia. Pensei em Medicina

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6 Veterinária. E por já tá num emprego fixo e não ter talvez a possibilidade de tá fazendo

7 um curso desse, não existe essa modalidade, Ciências Agrárias a distância. Eu optei

8 por Biológicas, pelo fato de ter essa proximidade, tá relacionado e com isso eu tô me

9 apropriando de conhecimentos que tão melhorando ainda mais meu desempenho

10 profissional.

O estudante se remete ao final do enunciado anterior, utilizando o advérbio de tempo

“antes” (linha 1), indicando continuidade. Ele justifica a opção pelo curso fazendo referência

à sua atividade profissional (linha 2) e, logo em seguida, faz alusão à sua formação técnica em

Ciências Agrárias e em Meio ambiente (linhas 2, 3 e 4), utilizando o verbo “inclinar” (linha 4)

para justificar certa aproximação. Percebe-se que sua opção não está diretamente ligada à

docência da Biologia, mas à possível convergência do conteúdo do curso com sua ocupação

técnica.

Na sequência de sua fala, Augusto esclarece que o seu real interesse era fazer um curso

superior na área de Ciências Agrárias, apesar de não expressar certeza, já que usa o advérbio

de dúvida “talvez” (linha 5). Justifica sua opção pelo curso a distância de licenciatura em

Ciências Biológicas devido ao fato de ter um emprego fixo e à inexistência de cursos a

distância na área de Ciências Agrárias.

Na parte final do enunciado, reforça ter feito a opção pelo curso “pelo fato de ter essa

proximidade” (linha 8). O uso do pronome “essa” indica o que já foi dito no discurso e a

palavra “proximidade” indica vizinhança que, no caso, refere-se à relação do curso de

Ciências Biológicas à Área das Ciências Agrárias, já apontada antes. Em seguida, utiliza o

pronome “isso” novamente fazendo referência ao que já foi dito, no caso, ter feito opção pelo

curso de licenciatura em Ciências Biológicas, e deixa transparecer que tal escolha está sendo

vantajosa para o seu desempenho profissional, quando usa o verbo “melhorar” (linha 9).

Pergunta 3: Quando optou pelo ensino a distância, o que sabia sobre essa modalidade

de ensino?

Enunciado 3

1 Olha, sabia que era uma modalidade que exigia um certo nível de comprometimento dos

2 estudantes, apesar da facilidade de você tá todo dia em casa. Mas eu olhei também esse

3 aspecto ta dentro do conforto do meu lar, de minha casa e até tá podendo também

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4 conciliar com estudos. Esse item foi até mais exigente do que eu tava esperando, mas

5 consegui ,tô conseguindo, assim ,ampliar minhas habilidades. E eu conhecer esse lado

6 meu como educador, apesar de trabalhar na área como extensionista rural, tem a sua

7 didática. Existe certo dinamismo na instrução de várias pessoas, de várias faixas

8 etárias, várias faixas econômicas, e diferentes situações. O curso de licenciatura me

9 ampliou, me deu essa possibilidade de tá enxergando isso por um outro ponto.

Novamente Augusto se refere à possibilidade de conciliar trabalho e estudo (linhas 1 e

2). Quando menciona o “comprometimento” (linha 1), a palavra vem modulada com o

adjetivo “certo” (linha 1), o que indica que não foi visto por ele como um comprometimento

importante. Na linha 4 ele inicia a frase dizendo “Esse item foi até mais exigente do que eu

tava esperando”. O uso do pronome “esse” indica que ele está se referindo aos estudos, que

esperava que fossem menos exigentes. Pode estar embutida, até aqui, uma concepção de EaD

como uma alternativa educacional mais fácil do que a presencial. Ainda nessa construção,

utiliza a conjunção adversativa “mas” (linha 4), indicando que está conseguindo ampliar suas

habilidades, mesmo não sendo fácil como esperava. É possível observar que as habilidades a

que ele está se referindo são as de extensionista rural, que teriam uma interface com a

docência, como se percebe na alusão ao termo “didática” (linha 7), típico do campo da

educação. Assim, novamente faz alusão à sua profissão, apontando que está se beneficiando

das habilidades pedagógicas que adquiriu no curso para lidar, como extensionista rural, com

um público diversificado e em situações distintas. Menciona que adquiriu essas habilidades no

curso de licenciatura, associando-as à situação de estar “enxergando isso por um outro ponto”

(linha 9), apesar de não explicitar qual seria este ponto.

Pergunta 4: Como eram desenvolvidas as atividades nos encontros presenciais e no

ambiente virtual durante o curso?

Enunciado 4

1 As atividades? Primeiro eram nos encontros presenciais através da didática com o

2 preceptor que passava os exercícios, e ora debates de determinados assuntos que

3 estavam sendo desenvolvidos num dado momento. Em relação ao AVA, eram exercícios

4 conciliados com os temas propostos em cada etapa cursando, que estava em curso.

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O estudante descreve, de forma sucinta, as atividades sem esboçar muita reflexão ou

um julgamento de valor sobre o tema da questão. Sua atitude pode estar relacionada à

interlocução com o destinatário real, assumido como representante do curso.

Pergunta 5: Foi possível articular as disciplinas teóricas com o estágio?

Enunciado 5

1 Sim. Principalmente no aspecto pedagógico de ensino. Por que tá na sala de aula é um

2 pouco diferente, pois tá tudo bem, a teoria tá lá no papel, explicando bonitinho. Mas na

3 hora que você tá na sala de aula, teve momentos que eu me deparei e deparo ainda, to

4 finalizando a questão do estágio, são com alunos inscritos no EJA. Então, não é uma

5 pessoa como um jovem, um adolescente, a criança, que tá com aquele propósito apenas

6 de estudar, são pessoas assim, que já têm família, trabalho, e tudo isso chega na sala

7 de aula à noite. Por um lado é bom do aspecto do ensino, você vê que às vezes a

8 pessoa, percebi que muitas vezes não tá preocupada em aprender, ela tá preocupada

9 em cumprir o horário dela e obter o reconhecimento de que ela estudou. Mas ela não

10 consegue entender o aspecto de ampliar a habilidade dela, como pessoa, como

11 cidadão e com isso agregar ainda mais a sua capacidade de trabalho. Não consegue

12 enxergar isso. E a teoria, o estudo dentro da faculdade me ensinou isso. Eu consegui

13 enxergar isso ainda mais. Assim, eu procuro dentro ver de uma forma holística,

14 o ser humano, o ser. Assim, além disso, eu consegui conciliar também o que

15 foi proposto inclusive no TCC essa questão do trabalho de Educação Ambiental.

16 Tem muita coisa para ser mostrada, mas infelizmente, acho, eu não sei se é o tempo

17 ou a situação que a gente fica enfrentando às vezes, não permite relatar.

18 E foi outro pecado que eu encontrei não relatar aquilo que eu to vivenciando,

19 nem sempre. Por que quando você ta no estágio, você tá ali direcionado naquilo,

20 preso em cima daquilo. Tá porque tem a carga horária a cumprir em cima daquelas

21 temáticas, que tá sendo proposta. Agora, no trabalho, no cotidiano, no dia-a-dia,

22 o registro é fundamental isso é pecado, não é feito.

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Ele inicia respondendo que foi possível articular o que viu nas disciplinas teóricas com

o estágio por meio do advérbio “sim” (linha 1). Entretanto, em seguida, seu relato indica que a

prática vivenciada no estágio parece não ter dialogado com a teoria que aprendeu no curso

(linhas 1, 2 e 3). Pela primeira vez, é possível perceber uma referência, ainda que tênue, ao

conteúdo teórico ensinado no curso (“a teoria tá lá no papel”). Na sequência, faz uma

comparação entre os estudantes da EJA, com quem lida no estágio, e os estudantes mais

jovens (linhas 4, 5 e 6). Ao fazer essa comparação, fala de sua percepção a respeito do

objetivo dos estudantes que frequentam a EJA (linhas 7, 8, 9, 10 e 11),e, em seguida, declara

que sua visão em relação ao estudo se opõe à dos estudantes da EJA, que segundo ele, estão lá

apenas para obterem uma certificação sem valorizar seu crescimento intelectual e como

cidadão; atribui o seu melhor entendimento desses sujeitos ao “estudo dentro da faculdade”

(linhas 12 e 13). Novamente se refere ao que foi vivenciado no curso. Ele “denuncia” certo

artificialismo do estágio e a não integração com o trabalho real (linhas 20, 21 e 22).

Pergunta 6: Como você avalia o uso das TIC no curso?

Enunciado 6

1 Agilizam o processo de ensino, ou seja, reduz a distância ou até eliminam a distância

2 entre elementos constituintes do processo de ensino.

O estudante utiliza o verbo “agilizar” (linha 1) para se referir a uma característica do

processo de ensino virtual vivenciado no curso. Na sequência, utiliza a expressão explicativa

“ou seja” (linha 1) dando a entender que irá dizer o mesmo com outras palavras. Entretanto

ele passa a se remeter ao aspecto espacial, citando a diminuição ou eliminação da distância

entre os elementos constituintes do processo de ensino. Também notamos, pelo uso do

presente do indicativo, a produção de um enunciado atemporal, que se compromete pouco

com o contexto específico do curso.

Pergunta 7: Como você avalia sua interação por meio das TIC com os professores,

preceptor e os seus colegas?

Enunciado 7

1 Poderia ter sido mais intensa, pois sustentei minha participação somente naquilo que

2 fui induzido a participar.

Ao usar o futuro do pretérito, o estudante indica que as interações mediadas pelas TIC

com os outros sujeitos não foram intensas como poderiam ser. Complementa a sua fala

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explicando que sua interação foi restrita “somente” (linha 1) àquilo que foi levado a participar

e parece assumir que isso ocorreu devido a sua própria decisão de participar dela

exclusivamente para realizar o que era solicitado no curso.

Pela análise desses dois enunciados, que dizem respeito ao desenvolvimento das

atividades nos encontros presenciais e no ambiente virtual de aprendizagem e também à

possibilidade de articulação entre as disciplinas teóricas com o estágio, foi possível perceber

que Augusto não esboçou nenhum sinal de que a mediação tecnológica vivenciada no curso

tenha influenciado, de alguma forma, a sua percepção. Contudo, na resposta à questão sobre a

articulação entre as disciplinas teóricas e o estágio, conseguimos perceber minimamente uma

possível influência do que foi vivenciado no curso, ainda que não dissesse respeito à

mediação tecnológica.

Pergunta 8: Como você avalia sua formação docente na modalidade a distância tendo

como referência o ensino presencial?

Enunciado 8

1 Boa, pois os momentos dedicados ao estágio permitiram o contato com a realidade

2 porém, entendendo que a habilidade em ser docente é algo que é feito constantemente.

A formação docente recebida é avaliada positivamente pelo Estudante, ao utilizar o

adjetivo “boa” referindo-se unicamente ao estágio. Justifica sua avaliação assinalando o

quanto este permitiu “o contato com a realidade”. Contudo utiliza a conjunção “porém” (linha

2), fazendo uma restrição ao que foi dito anteriormente, explicitando que, em sua concepção,

a formação docente não se restringiria apenas àqueles momentos, ocorrendo “constantemente”

(linha 2).

Pergunta 9: Como você avalia o papel do preceptor na sua formação?

Enunciado 9

1 Excelente, nunca deixa a peteca cair. Está sempre ao lado para ajudar no que lhe compete.

Augusto qualifica o papel do preceptor na sua formação utilizando o adjetivo

‘Excelente’ e, em seguida, a metáfora ‘nunca deixa a peteca cair’ para justificar sua

qualificação. Essa expressão parece sinalizar que o preceptor exerce um papel na relação

como estudante que se remete a um jogo em que ambas as partes precisam estar afinadas, e

coordenadas para vencer os obstáculos. Caso isso não aconteça, “a peteca cai”, ou seja, falta

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coordenação. Diz que o preceptor “está sempre ao lado”, sinalizando que é alguém cuja

presença é constante e está ligada a algum tipo de assistência “no que lhe compete”. Embora

não especifique qual seria essa competência, o que é destacado pelo estudante é a presença do

preceptor oposta à distância vivenciada em outros momentos do curso. Esse silêncio em

relação à competência do preceptor e os elogios expressos pelo estudante podem estar

relacionados ao destinatário real, assumido como representante do curso.

Pergunta 10: Como você avalia a organização das disciplinas?

Enunciado 10

1 Precisa melhorar. E muito! Ciências Biológicas requer do profissional visão

2 holística tanto do ponto de vista técnico quanto nas relações humanas.

A mudança quanto à organização das disciplinas é considerada necessária pelo

estudante quando responde que a organização “precisa melhorar” (linha 1). Para reforçar essa

necessidade, utiliza o advérbio de intensidade “muito” (linha 1). Ao referir-se ao curso apenas

pela denominação de seu conteúdo, elesinaliza que é solicitado do profissional, que está sendo

formado, uma “visão holística”, expressão utilizada em Ecologia, que preconiza o

entendimento integral dos fenômenos em oposição a procedimentos analíticos nos quais os

componentes do sistema são estudados isoladamente. Ao apontar a necessidade desta visão,

logo após exprimir sua avaliação de que o curso precisa melhorar, ele indica, provavelmente,

que o curso não contempla a integração dos conteúdos específicos às relações humanas.

Embora ele não tenha especificado o que denomina de relações humanas, sua crítica parece

apontar para a falta de diálogo entre as disciplinas específicas da área biológica e da

pedagógica.

Pergunta 11: Como você avalia a formação recebida no curso, ou o processo formativo

pelo qual passou diante da tarefa de lecionar Ciências e Biologia?

Enunciado 11

1 Até brinco, já brinquei né. Eu acho que o curso só vai começar só quando a gente

2 termina. Não sei se é porque eu sou fruto de um ensino médio e técnico que eu

3 conciliava. Quando eu formei já tava no curso profissionalizante, eu percebi que

4 achando que já sabia alguma coisa, mas fui me deparar só quando iniciei o meu

5 trabalho, né, que realmente exercendo a profissão é que eu estava começando a

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6 aprender. Então, assim a escola ela mostra os caminhos, mas quem faz a escola é o

7 aluno. Então eu tô me sentindo nessa posição. Ela me mostrou o básico, ela vem

8 mostrando o básico. Não sei se é da minha pessoa, ou dentro da, dessa concepção de

9 ensino que eu recebi dentro da universidade, a formação não acaba com a formatura.

10 A formação, o próprio nome fala formar em ação, você tá sempre em ação, se

11 autoformando de acordo com as concepções os conceitos, por que isso tudo é

12 permanente a mudança disso. Então nessa parte eu vejo assim, que eu nunca vou

13 parar de aprender. Eu falo que só depois que eu formar realmente que eu vou tá

14 começando o verdadeiro curso e exercer com plenitude, mas independente disso ou

15 não o conteúdo que eu me aproprio hoje tem significância sim, no que eu estou.

Augusto explicita sua concepção a respeito do processo formativo: “o curso só vai

começar só quando agente termina” (linhas 1 e 2). Para justificar essa ideia, expressa, ainda

que com dúvida (“não sei”, linha 2), sua perspectiva e dialoga com sua experiência anterior no

ensino médio (linhas 2, 3, 4, 5 e 6). Reconhece o aprendizado que a escola (e a faculdade)

proporcionaram (“Ela me mostrou o básico, ela vem me mostrando o básico”, linha 7),

entretanto deixa explícito que é do aluno a responsabilidade pelo processo de aprendizagem

(linhas 6 e 7). Esboça dúvida a respeito da origem dessa concepção, sem saber distinguir se

ela vem de sua experiência de vida ou do que vivenciou no curso (linhas 8 e 9). Para ilustrar

seu ponto de vista, inventa uma justificativa etimológica, explicando o significado da palavra

“formação” como sendo “formar em ação” (linha 10). Defende que o estudante é formado no

trabalho, após a sua graduação e, com isso, esquiva-se de avaliar a formação recebida no

curso (linha 13, 14 e 15). O fato de evitar fazer a avaliação de sua formação pode estar

relacionado a sua imagem da pesquisadora (professora-tutora do curso) como a de alguém que

não fosse receptiva à crítica.

12: Por que é importante ensinar conteúdo de ciências biológicas para crianças e

adolescentes?

Enunciado 12

1 A Biologia tem um aspecto um pouco, é engraçado até falar por que quando eu

2 terminei o ensino técnico eu tava muito focalizado em fazer curso na área de Ciências

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3 Agrárias, tanto que tentei vestibular em Lavras, Viçosa, e meu pai disse: não, meu filho,

4 você tem que tentar o que der certo. Ele falou assim: tenta em São João del Rei, por

5 que lá tem curso noturno. Falei mexer com Biologia ah! Não dá. Eu tava com a visão

6 entorpecida, um olhar bem viciado naquilo, até por questão de orgulho e realização

7 mais por ego, que eu fiquei. Eu não tive essa frieza, essa razão, não observei com

8 razão. Aí com o tempo eu acho, que essa é que a saída, eu acho que isso não é o plano

9 B, é o plano D ou E, sabe lá até o Z. Parti pra isso sim, tava passando da hora. Como

10 eu já tive uma vivência com alguns biólogos acompanhando alguns trabalhos de

11 Educação Ambiental e levantamento de composição de fauna, flora, perdão, e depois

12 fauna acompanhei um pouco ainda. Uma pessoa me ajudou muito, Marcus Magalhães,

13 por que assim, me influenciou muito. E eu sempre tive uma intimidade muito boa com a

14 Botânica, só que eu aprendi a ver a Biologia sob uma interface ecológica, que aqui,eu

15 acho que tive uma contribuição do curso técnico em Meio Ambiente, que eu fiz. Formei

16 em 2004. Eu consigo enxergar isso também desse ponto de vista. Então, assim, por esse

17 ponto eu vejo que pra educar um aluno na área de ciências biológicas tem um pouco de

18 fascínio, mas também tem o aspecto da importância por que é o básico que eu aprendi.

19 Porque todo mundo pergunta assim, o que o biólogo faz? Falo, oh! O biólogo faz,

20 estuda o que tem vida. Oh legal! Não, mas o que interage e o que não tem vida, o que ta

21 misturado com isso. Então estuda tudo? E aí falo oh, estuda isso e mais um pouco, aí

22 diz, que saco. É uma coisa assim fascinante, por isso, e por eu tentar ter essa visão

23 holística, você consegue ter uma visão do todo. Eu não sei por que, é o curso, ou o jeito

24 de ver a coisa. Então, acho que assim, deixar de estudar a Biologia é negar a própria

25 existência, eu não sei.

A sua experiência de vida é, mais uma vez, mencionada pelo estudante ao dialogar

com seu pai a respeito da escolha do curso (linhas 3, 4, 5, 6, 7 e 8). Ele aponta o tempo e sua

experiência profissional para explicar e justificar a sua opçãp (linhas 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15,

16 e 17). Nas linhas 20, 21 e 22, é possível observar um diálogo imaginário no qual ele

contrapõe sua opinião sobre a Biologia com a opinião do senso comum (linhas 23 e 24),

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deixando transparecer que sua visão dessa disciplina é mais ampla à medida que a considera

como ciência sob uma interface ecológica, que lida não apenas com os organismos, mas com

a relação destes e o ambiente, em contraposição ao senso comum que a percebe como uma

ciência que se preocupa unicamente com os organismos. Mais uma vez explicita a dúvida

sobre a origem de sua perspectiva (linhas 24, 25 e 26).

Observamos que o estudante não responde propriamente apergunta uma vez que não

se refere às crianças e adolescentes na construção de seu enunciado, discorrendo sobre sua

própria apreciação pela Biologia. É possível interpretar que seu silêncio esteja relacionado ao

seu próprio distanciamento em relação ao exercício da docência que foi observado no

enunciado 2, quando alega que optou pelo curso de Licenciatura em Ciências Biológicas pelo

fato de esse curso estar mais próximo das Ciências Agrárias, o qual, de fato, queria cursar.

Pergunta 13: Como você avalia o conteúdo de ciências biológicas que foi oferecido no

curso?

Enunciado 13

1 Como eu já tô no final, posso falar o seguinte, não foi muito aprofundado em alguns

2 pontos. Mas se eu for tentar me prender ao que eu justifico com essa formação

3 continuada, que eu tenho ciência que eu preciso ter ela sempre ao longo da minha vida.

4 A formação continuada do educador ou do profissional em si é ela me deu uma base.

5 Eu tenho certeza, eu percebo, como muitos dos meus colegas que também é superficial.

6 Mas como tenho essa ciência, a minha pessoa, eu me atrevo a falar que eu acredito que

7 é só o pontapé inicial. Por já ter passado por um curso profissionalizante, foi a mesma

8 situação, é muito superficial. Eu lido com muitos estagiários. Eu me remeto há quinze

9 anos atrás na mesma situação, e eles às vezes ficam assustados com o conteúdo que

10 dominamos e, pensando assim, ah gente, tem hora que não consigo, eu não, nunca

11 consegui mensurar isso, se não tivesse o contato com quem ta lá no ensino técnico

12 ainda, e às vezes até acadêmico no futuro, talvez podendo relatar. Eu vejo como seu

13 caso, e da Adriana, o domínio que tem nossa mãe!Caramba!É uma coisa absurda,

14 como é que pode? Fala, mais é aquela questão se você tá praticando, exercendo, aquilo

15 é uma musculatura trabalhando. Então, assim resumindo foi superficial sim, isso eu

16 não nego, mas eu tinha certeza que o mínimo que foi passado, ou que foi visto nos

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17 transmite essa compreensão, foi fundamental. Aliás, nem fundamental, foi essencial

18 porque sem isso você não consegue ampliar o seu domínio.

Segundo Augusto, o conteúdo do curso “não foi muito aprofundado em alguns pontos”

(linhas 1 e 2), mas seu enunciado não esclarece quais seriam estes pontos. Em seguida, ao se

referir ao curso de licenciatura como “essa formação continuada” (linhas 2 e 3),

descaracteriza a finalidade do curso e dilui sua identidade, dando-lhe um status acessório. De

forma objetiva, reafirma categoricamente que o conteúdo de ciências biológicas oferecido no

curso foi “superficial” (linha 5), embora o considere apenas como “pontapé inicial” (linha 7).

Justifica a sua opinião sobre essa superficialidade dialogando com sua experiência no “curso

profissionalizante” (linha 7). Compara o conteúdo que ele domina com o dos estagiários com

quem lida no seu ambiente de trabalho, sendo que o seu é maior. Também faz esse mesmo

tipo de comparação com profissionais de maior graduação, sendo que, neste caso, o domínio

do conteúdo do outro é maior. Para exemplificar essa ideia, remete-se à entrevistadora (linha

13), faz uso de interjeições mostrando uma comparação entre o conteúdo dominado por ele e

o conteúdo dos professores do curso, sendo que o dos professores é muito maior. Expõe sua

concepção de que a prática é que forma e não a formação teórica, quando a compara a “uma

musculatura trabalhando” (linha 15). Apesar de afirmar e reafirmar que os conteúdos do curso

foram oferecidos de forma superficial, no final, ele os considera fundamentais e até

essenciais. Essa contradição pode estar relacionada a um processo de autocensura, quando se

dá conta de que estava falando para a professora-tutora do curso.

Pergunta 14: Em sua opinião, que aspectos são necessários para formar um professor?

Enunciado 14

1 Olha, eu vou tentar falar do jeito que eu tento enxergar. Acho que primeiro é valorizar

2 a pessoa como ser humano, porque educar não é um simples fato de instruir, ou apenas

3 ampliar, ou aperfeiçoar habilidades do educando. Acho que é muito mais do que isso.

4 O salário, sim, sou a favor, se olhar por esse ponto econômico, o salário tem que ser

5 um salário bom, excelente. Por que o educador ele tem que ser referenciado, como um

6 elemento importante, não num aspecto que o pai, os pais, terceirizem ao professor aos

7 professores a formação do filho, não é nesse ponto. Mas a passagem dele na vida do

8 aluno é que amplia. Eu pelo menos, eu consigo, graças, não sei se foi dentro de casa, a

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9 onde que eu fui adquirindo isso, a realmente enxergar aquele que te ensina. Eu

10 considero hoje ex-professores meus como chamo eles, de professores. Falo esse aí, é

11 meu professor até hoje. Encontro com muitos e falo esse aí é meu professor, pelo

12 respeito com que eles me ensinaram, não sei se é pelo amor. Esses que me fizeram que

13 me passaram isso, eu noto que realmente eles quando ensinam, não usam a mente usam

14 o coração. O coração é que é o transmissor, o que intermedia, parece que é aquela

15 transpiração que tá muitas vezes no domínio do conteúdo. Ah! Interessante falar nisso,

16 porque no meu trabalho eu uso isso às vezes, eu não tenho quase que domínio nenhum

17 do conteúdo, mas parece que a emoção quando se articula com conteúdo, você vai

18 extraindo o conteúdo da pessoa, o saber ali constrói, aqui, você vai ganha uma

19 confiança, vem uma sintonia, sinergia que seria a palavra, aí, é interessante. Então,

20 assim pro educador o que que é importante é ser valorizado. O salário sim tem que ter,

21 mas ele também tem que gostar do que faz, não é pra qualquer um não. Eu acho que ele

22 tem que realmente sentir emoção, sentir prazer. Acredito que não é fácil, porque

23 dependendo, talvez se você tentar nivelar o perfil de uma classe dependendo da

24 situação, não é brincadeira. Acho que vai muito mais além, porque a escola necessita

25 por professores, colocar professores na escola, no campo, no espaço onde ele vai

26 trabalhar, mas antes de ensinar tem o saber prévio. Às vezes uma comunidade tá

27 trabalhando, quais são os problemas, os anseios, as particularidades, por isso que eu

28 falo que é difícil num grupo você tentar, no aspecto macro atingir o micro. Cada

29 elemento daquele ali,é a questão dá, acho, que é a saúde na sala de aula, que eu falo

30 da qualidade do ensino, que eles tanto primam, não é isso? Eu aprendi com o tempo na

31 minha vida, antes mesmo de iniciar a faculdade, que às vezes a gente precisa saber

32 valorizar os heróis locais, ao invés de certos elementos da história considerados heróis,

33 que talvez cabe ao tempo provar se é ou não. Mas existem verdadeiros heróis locais.

34 Eu falo que certos elementos da comunidade, educadores, se o professor, ou aqueles

35 educadores natos, que não entram na sala de aula, mas eles sabem educar promover a

36 educação, são esses os verdadeiros heróis. É isso que a sociedade, a comunidade tem

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37 que tentar construir. Não é fácil, é difícil, mas acho que vai é disso.

Augusto enfatiza sua perspectiva individual (linha 1) e passa a descrever vários

aspectos que, em sua opinião, são importantes para ser professor, sendo que o primeiro

aspecto diz respeito à valorização da pessoa como ser humano (linha 2), o que seria muito

mais do que instruir. Afirma (sem muita certeza, pelo uso do verbo achar) que educar “é muito

mais que isso” (linha 3), mas não completa seu raciocínio, não defende sua perspectiva. O

segundo aspecto apontado por ele é “o salário” (linha 4). O terceiro diz respeito à importância

da figura do educador, que não sabe se foi aprendida em casa ou em outro lugar qualquer. Ele

menciona os ex-professores para mostrar a influência que tiveram na sua vida (linhas 10, 11,

12 e 13). Faz uma generalização quando se refere ao domínio de conteúdo por parte do

professor afirmando que isso está relacionado ao aspecto emocional: “o coração é que é o

transmissor” (linhas 14). Mostra como ele se apropriou do conhecimento que eles lhe

transmitiram e como ele utiliza isso na sua prática de extensionista rural (linhas 16, 17, 18 e

19). Aponta o que é ser professor quando diz que este tem que “gostar do que faz” (linha 21) e

quando expressa sem muita certeza: “eu acho que ele tem que realmente sentir emoção, sentir

prazer” (linha 22). Neste trecho, volta a responder à pergunta, parecendo remeter–se ao

“professor” genericamente, não mais relacionando-se a sua atividade de extensionista.

Daí em diante, para expor a dificuldade da atividade de extensionista rural, Augusto

traz expressões como “nivelar o perfil de uma classe” (linha 23), “escola” (linha 24), “saber

prévio” (linha 26), “sala de aula” (linha 29), “qualidade de ensino” (linha 30), as quais,

provavelmente, dialogam com conteúdos da Educação e que, possivelmente, foram usadas no

curso de licenciatura, misturando-as a outras expressões que remetem, provavelmente, à sua

atividade de extensionista rural, como, por exemplo, “campo” (linha 25), “comunidade” (26),

“espaço onde vai trabalhar” (linhas 25 e 26). Reafirma sua perspectiva individual construída

sobre sua experiência profissional quando declara: “eu aprendi com o tempo na minha vida,

antes mesmo de iniciar a faculdade” (linhas 30 e 31). Afirma o que é ser professor na sua

concepção e associa a imagem deste à figura de um herói (linhas 34, 35 e 36). Percebemos aí

a representação do professor como herói (Campos, 2008) e que este caráter pode ser algo pré-

determinado, à medida que o professor (herói) pode ser um educador nato. Ao mesmo tempo,

contraditoriamente, ele considera que seja possível a construção de um tal professor pela

comunidade.

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Pergunta 15: O que é ser professor?

Enunciado 15

1 Eu acho que ser professor é saber e ter prazer em ensinar, independente da situação

2 que ele ta. Acho que é um ser humano também, que tem suas fraquezas, mas é o que a

3 gente precisa. Ser professor é isso, é coração, gostar do que faz senão...é ser valorizado

4 também em todos os aspectos. Às vezes uma pessoa que estava com certas frustrações eu

5 noto, a gente percebe isso, então você tem que às vezes eu noto assim, pois tem dia que

6 eu vou trabalhar dar um curso, montar, e é difícil, porque você trabalha com pessoas

7 com diferentes graus de estudo, às vezes pra aplicar um curso numa área técnica, e tem

8 dia você fica assim, nossa meu, isso vai dar tudo errado, não calma. Ás vezes eu chego

9 e penso não vou pra eles porque eu não to bem não, senão eles vão ficar preocupados.

10 Aí eu respiro fundo, começo a falar tento ficar calmo. Quando eu assusto, tem certos

11 assuntos que eu tenho que eu trato, que até fico meio arrepiado, não sei vai dando

12 aquela emoção, uma coisa boa. Eu saio de lá assim, esgotado, cansado. Mas eu falo

13 assim, oh! Caramba! A cabecinha no travesseiro agora fica tranqüila, que pelo menos

14 a minha parte eu fiz. Eu não sei até onde isso ta dando. E acho que é isso que é o

15 “tchan” dele, do professor. Sabe? É mostrar pro aluno, às vezes, que não é decorar

16 aquele conteúdo é tentar entender, pelo menos até ensinar isso. A essência daquilo,

17 mostrar assim, a importância. Muitas vezes, meu caso, me colocando não talvez com

18 educador, um educador em formação, fazendo analogias daquilo que tem dentro dela,

19 se apropriando do saber prévio da pessoa, é difícil até mensurar esse resultado, mas

20 quando você adquire a confiança da pessoa, eu acho que isso é o maior termômetro

21 que pode provar essa relação ensino-aprendizagem, dessa interação professor-aluno,

22 aluno-professor. É quando as barreiras acho que se rompem e você não sabe distinguir

23 quem é professor, quem é aluno. Naquele momento o que importa é a construção

24 coletiva do conhecimento, é o que eles chamam de sabedoria, pelo menos eu tento

25 entender isso.

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Quando Augusto afirma que ser professor “é saber e ter prazer em ensinar,

independente da situação que ele tá” (linhas 1 e 2) foi possível perceber a dimensão do

heroísmo associada à figura do professor, o que o entrevistado já insinuava no final do

enunciado anterior. Em seguida, faz generalizações a respeito da função docente com base no

seu cotidiano como extensionista rural (linhas 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 12), para chamar atenção para a

dificuldade da relação pedagógica e para o heroísmo dessa atividade: “Eu saio de lá assim,

esgotado, cansado” (linha 12). Assemelha, mais uma vez, sua experiência profissional à

atividade de um professor quando conclui: “E acho que é isso que é o ‘tchan’ dele, do

professor” (linha 14).

Ao final, a partir de sua experiência profissional (“meu caso”, linha 17), esboça sua

concepção da relação professor-aluno: “É quando as barreiras, acho, que se rompem, e você

não sabe distinguir quem é professor, quem é aluno. Naquele momento o que importa é a

construção coletiva do conhecimento, é o que eles chamam de sabedoria”(linhas 22, 23, 24 e

25). Assim, mistura expressões de cunho pedagógico à descrição de sua experiência como

extensionista rural que seria assemelhada, no discurso, à experiência de um professor.

6.2 ENTREVISTA COM MAYANA

6.2.1 Leitura Preliminar dos Enunciados

Um primeiro aspecto que chama atenção nos enunciados de Mayana diz respeito à

avaliação positiva de seu processo formativo, o que pode ser percebido nos enunciados 7, 8,

10, 11 e 13, pois usa expressões como “muito satisfatória”; “bastante satisfatória”; “muito

boa”; “muito bom” e o adjetivo “boa”. Por outro lado, não se notam referências específicas

dessa formação no seu discurso, mas representações que estão em circulação sobre a

docência, uma diversidade de formas identitárias que são resultado de processos de

socialização vivenciados pelos professores, nos quais ocorrem negociações entre uma

identidade que o sujeito atribui a si mesmo em um embate entre o real e o imaginário e aquela

que a cultura e a sociedade lhe atribuem. Por outro lado, na construção de seus enunciados,

utiliza muito o pronome “eu” e “me”, indicando uma perspectiva pessoal. Utiliza verbos no

pretérito imperfeito do indicativo, o que parece demonstrar a rotina que seguia durante o

curso. Utiliza muito o pronome “tudo”, o que pode estar relacionado a uma dificuldade de

expressão.

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A respeito dos aspectos que são necessários para formar um professor, Mayana faz

referência à consciência sobre o exercício da profissão, a inclinação, a vocação e a afinidade.

Sobre o que é ser professor, além das características mencionadas anteriormente, Mayana

declara-se como professora e remete-se, logo após, à lembrança dos professores que passaram

por sua vida. Quando faz alusão à importância do docente na vida dos alunos, novamente,

deixa claro que já atua como tal.

62.2 Contexto extraverbal individual

Mayana tem trinta e três anos, cursou o ensino fundamental em escola pública, e o

médio, em escola privada e nunca interrompeu os estudos.Sempre estudou e trabalhou, sendo

a principal responsável pela renda familiar, a qual está em torno de quatro a sete salários

mínimos. Sua carga horária de trabalho é de vinte horas semanais. Seus pais têm curso

superior. Sobre seus hábitos culturais, diz manter-se atualizada sobre os acontecimentos do

mundo e do país através da TV, dos jornais e pela internet. Tem por hábito ler outros livros

além dos escolares − mais de dois por ano. Sua atividade cultural preferida é cinema.

6.2.3 Análise dos Enunciados

Pergunta 1: O que fez você optar pelo ensino a distância?

Enunciado 1

1 Por trabalhar, já ter filho. Isso tudo. Para poder ter mais tempo para estudar.

Quando explicita sua opção pela EaD, Mayana dialoga exclusivamente com sua

condição de vida, resumida pela expressão “isso tudo” (linha 1) e de forma implícita, expressa

a possibilidade, percebida pelo uso do verbo “poder” (linha 1), que essa modalidade de ensino

lhe ofereceu a de conciliação do estudo com as outras funções que desempenha na vida.

Pergunta 2: Qual o motivo de optar pelo curso de licenciatura em Ciências Biológicas?

Enunciado 2

1 Ah! A matéria que sempre me interessou, um tema assim, que sempre

2 me chamou a atenção. Uma oportunidade que eu vi para fazer agora.

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Para justificar sua opção pelo curso, Mayana expõe repetidamente uma afinidade de

muito tempo pela disciplina de Biologia; para isso utiliza os o substantivos “matéria”, a

forma verbal “interessou” e o advérbio “sempre” (linha 1), Na repetição substitui “interessou”

por “chamou atenção” (linha 2) . Em seguida, dialoga com seu momento de vida atual

(“agora”, linha 2). O uso da palavra “oportunidade” também pode estar relacionado

especificamente ao curso a distância, visto que sua realidade atual é preenchida por outras

atividades, como trabalhar e ser mãe.

Pergunta 3: Quando optou pelo ensino a distância, o que sabia sobre essa modalidade

de ensino?

Enunciado 3

1 Sabia muita coisa, não. Fui descobrindo aqui.

2 Eu tinha ideia que tinha alguns encontros presenciais. Não sabia quantos,

3 mas eu sabia, sim que prova tem que ser presencial, essas coisas básicas, assim.

4 Só depois que a gente entra, vê mesmo como que funciona.

Mayana deixa claro, no início de seu enunciado, que seu conhecimento sobre a EaD

era pouco, operando a negação da expressão “muita coisa” através do advérbio “não” (linha

1). Diz que foi conhecer essa modalidade de ensino quando começou o curso, o que pode ser

percebido pelo uso do verbo “descobrir” e do advérbio “aqui” (linha 1). Em seguida, ressalta

os encontros presenciais e a prova, também presencial, como coisas “básicas” que ela

conhecia sobre a EaD (linhas 2 e 3). Interessante notar que essas coisas não são a distância,

mas presenciais. Quando finaliza o enunciado, declara, novamente, que foi no curso que

passou a entender seu funcionamento (linha 4).

Pergunta 4: Como eram desenvolvidas as atividades nos encontros presenciais e no

AVA durante o curso?

Enunciado 4

1 Com livros, com as apostilas, pesquisa na internet, o que tivesse à disposição.

2 Quando tinha as aulas, dava para aproveitar também para trocar ideias

3 com as pessoas, que é o momento que a gente tem também, a maioria

4 mora longe. É o momento que a gente tem com a turma e vê o que cada

5 um aprendeu, se tem ideia diferente, diferente da nossa. Nas oficinas,

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6 ocorria da mesma forma. No AVA fazia tudo por conta própria.

7 Entrava, via primeiro o que era para fazer. Prefiro fazer no papel primeiro.

8 Fazer com mais calma. Depois passava tudo para internet. Prefiro fazer

9 dessa forma, para ter mais tempo para pesquisar. Prefiro o livro que a

10 Internet, ai fazia tudo no papel, quando tava tudo pronto colocava lá.

Ao explicar como eram desenvolvidas as atividades presenciais e no ambiente virtual,

Mayana enumera alguns materiais utilizados (linha 1). Em seguida passa a falar dos encontros

presenciais, que ela denomina de “aula” (linha 2) e traz a ideia de inclusão, quando utiliza o

advérbio “também”, indicando que os encontros presenciais eram meios para desenvolver

atividades, assim como o uso dos materiais citados. Desses encontros, ela destaca a interação

com os colegas da turma para troca de conhecimentos e compartilhamento de ideias (linhas 2,

3, 4, 5 e 6), o que também acontecia nas oficinas. Separa esses momentos de interação das

atividades no ambiente virtual, as quais fazia sozinha (linha 6). Depois explicita sua

metodologia de desenvolvimento das atividades no AVA, declarando os motivos de sua

escolha pelo método que utiliza. Isso pode ser percebido pela utilização do verbo “preferir”

(linha 8) através do qual fica também evidente sua escolha pelo material impresso (linhas 9 e

10).

É interessante notar que nesta justificativa, Mayana descreve uma rotina de trabalho

impregnada de atividades não virtuais, com lápis e papel e livro, num estilo anterior às

tecnologias digitais.

Pergunta 5: Foi possível articular as disciplinas teóricas com o estágio?

Enunciado 5

1 Com certeza. Tudo, tudo que é aprendido aqui, por que a gente entra no

2 estágio sem saber de nada, sem saber como agir e a gente pode

3 aproveitar bastante também dentro da sala de aula. Fora o conteúdo,

4 a gente aprende aqui, como é dar aula. Né?

5 Assim, porque eu, pelo menos, não tinha dado aula antes. E foi aí que vi

6 assim, pela parte pedagógica, não só a parte de ciências aprendida, a

7 parte pedagógica também, como lidar com as crianças, adolescentes,

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8 isso tudo foi importante. Isso eu pude aproveitar bastante lá. O que vi

9 no curso usei lá.

Quando se expressa sobre a existência de articulação entre as disciplinas teóricas e o

estágio, Mayana mostra convicção utilizando a locução adverbial “com certeza” (linha 1). Em

seguida, faz menção a uma totalidade, utilizando, para isso, o pronome “tudo” repetidamente,

associando-o ao verbo “aprender” (linha 1). Ao mencionar o estágio, ela declara, de forma

generalizada, pois utiliza a expressão “a gente” (linha 2), que quando começa essa atividade,

os estudantes não têm conhecimento de como proceder em sala de aula, onde a vivência pode

ajudá-los bastante. Ela demarca em sua fala seguinte, que é no estágio (“aqui”, linha 4) que se

aprende “como é dar aula” (linha 4). Subentende-se que o conteúdo se aprende em outro

espaço, já que ela o exclui deste processo (“fora o conteúdo”, p. 3). Interessante observar que

ela se remete ao seu destinatário, procurando uma confirmação sobre seu comentário anterior,

através da interjeição “Né?”.

Manifesta, de forma direta, que nunca teve experiência em sala de aula, o que pode ser

percebido pelo uso do pronome “eu” (linha 5). Pela expressão “pelo menos”, subentende-se

que ela se separa dos colegas que, possivelmente, já tenham dado aulas. Faz menção,

novamente, ao que viu no curso e como isso a auxiliou no estágio, mas agora explicita a

importância da contribuição do conhecimento pedagógico, dizendo qual foi o suporte que este

ofereceu: “como lidar com as crianças e adolescentes” (linha 7). Resume, explicitando pelo

uso do pronome “tudo”, o que vivenciou no curso, considerando esse conteúdo importante. A

relação entre este e a prática fica clara quando utiliza o verbo “aproveitar” e o advérbio

“bastante” (linha, 8) associados ao advérbio de lugar “lá”, que indica o estágio. Finaliza seu

enunciado confirmando que o aprendizado propiciado pelo curso foi utilizado no estágio.

Pergunta 6: Como você avalia o uso das TIC no curso?

Enunciado 6

1 Elas são importantes no ensino a distância, pois se tornaram a nossa principal ferramenta

2 de trabalho, sendo práticas também no sentido de estudo, pesquisas, etc.

Na avaliação do uso das TIC no curso, Mayana é muito sucinta em sua resposta.

Declara que elas são importantes no ensino a distância de forma geral. Entretanto, quando usa

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o pronome “nossa” para qualificá-la como “principal ferramentas de trabalho” (linhas 1 e 2),

ela particulariza o uso destas, referindo-se ao seu uso específico no curso. Classificando esta

ferramenta de principal, atribui às TIC um papel muito importante no curso. Ela também as

percebe como úteis no desenvolvimento de atividades privadas, como “estudo, pesquisa, etc.”

(linha 2).

Pergunta 7- Como você avalia sua interação (por meio das TIC) com os professores,

preceptor e os seus colegas no curso?

Enunciado 7

1 A interação é muito satisfatória, a partir do momento que todos os envolvidos procuram ter

2 acesso diário a esses meios tornando-os a forma mais prática e rápida de comunicação,

3 principalmente para aqueles que moram mais distantes do polo.

Quando faz a avaliação da interação por meio da TIC com os outros sujeitos que

fazem parte do curso, Mayana responde à questão de maneira ambígua. Seu enunciado se

limita a declarar que ela é “muito satisfatória” (linha 1), quando existe o acesso diário dos

sujeitos envolvidos, indicando, que talvez, isso não tenha ocorrido na sua turma. Ela também

declara utilizando o substantivo “meios” que as TIC facilitam a comunicação. Pelo uso do

advérbio “principalmente” observamos que essa facilidade é vista como mais relevante para

aqueles que moram longe do polo, o que daria mais sentido ao seu uso.

Pergunta 8: Como você avalia sua formação docente na modalidade a distância tendo

como referência o ensino presencial?

Enunciado 8

1 Avalio como sendo boa, pois sabendo tirar proveito dos encontros presenciais, seminários e

2 oficinas, assim como do estágio supervisionado, pode-se adquirir o mesmo conhecimento que

3 poderíamos adquirir no ensino presencial, dependendo mais do esforço e do interesse de cada.

4 um.

Em sua avaliação sobre a formação docente recebida na modalidade a distância em

relação à presencial, Mayana a avalia positivamente pelo uso do adjetivo “boa”. Mostra,

utilizando o verbo “adquirir” e o pronome demonstrativo “mesmo” que o conhecimento

proporcionado pela EaD pode ser igual ao adquirido presencialmente. Chama atenção o fato

de a estudante justificar sua avaliação positiva da formação a distância exclusivamente com as

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atividades presenciais do curso. É como se estas fossem o necessário para praticamente

equiparar as duas modalidades de ensino. Não as equipara totalmente uma vez que ainda

aponta o esforço individual, portanto, uma circunstância subjetiva, como o ingrediente capaz

de realmente equalizá-las.

Pergunta 9: Como você avalia o papel do preceptor na sua formação?

Enunciado 9

1 Eles são peças fundamentais na formação docente na modalidade a distância, nos

2 podendo passar a teoria de uma prática já adquirida por eles, sendo também importante

3 intermediário entre o alunos e a faculdade/polo.

Ao avaliar o papel do preceptor na sua formação, Mayana utiliza o pronome “eles”.

Isso parece indicar que ela talvez tenha convivido com outros preceptores além daquele

específico do seu curso. Declara que eles são muito importantes na EaD, através do adjetivo

“fundamentais”. Quando utiliza o substantivo “peças” parece apontar que eles fazem parte de

um todo. Explica que eles são fundamentais “por passarem a teoria de uma prática já

adquirida por eles”, o que parece remeter ao conteúdo, sem, no entanto, ser possível afirmar

se se trata da Biologia ou do conteúdo pedagógico. Também aponta o mérito deles pelo fato

de serem os mediadores entre os estudantes e a instituição.

Pergunta 10: Como você avalia a organização das disciplinas do curso?

Enunciado 10

1 Bastante satisfatória, elas nos oferecem tudo que é necessário para a formação docente.

Mayana avalia a organização do curso como “bastante satisfatória”. Em seguida, passa

a se referir às disciplinas (“elas”), no lugar da sua organização. Utiliza o verbo “oferecer”, o

pronome “tudo” e o substantivo “necessário” para indicar que elas foram capazes de suprir o

todo da formação. Observamos um desequilíbrio entre sua justificativa e a expressão

“bastante satisfatória”, pois se as disciplinas deram conta de tudo o que é necessário para a

formação, deveriam ter merecido uma avaliação mais detalhada.

Pergunta 11: Como você avalia a formação recebida no curso, ou o processo formativo

pelo qual passou diante da tarefa de lecionar ciências biológicas?

Enunciado 11

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1 A formação foi muito boa. A gente recebeu apoio. A teoria foi toda aqui e a prática eu

2 coloquei em prática lá, mas a teoria foi toda daqui mesmo.

Novamente Mayana avalia a formação recebida de forma positiva (“muito boa”).

Justifica a avaliação com alguns elementos. Inicialmente, declara, de maneira generalizada,

utilizando a expressão “a gente”, que houve apoio, o que em sua opinião, parece ter sido um

fator importante no seu processo formativo. Faz alusão à teoria, explicitando que o

conhecimento teórico foi adquirido no curso (“aqui”), que foi colocado em prática “lá”, que

pode estar remetendo-se ao estágio.

Pergunta 12: Por que é importante ensinar conteúdo de Ciências Biológicas para

crianças e adolescentes?

Enunciado 12

1 Conteúdo de Ciências Biológicas faz parte da vida, tudo, tudo que rodeia a gente, faz parte

2 da vida. Né? A vida, em geral, como a gente. Os trabalhos que fiz em relação ao meio

3 ambiente, lixo, muitos outros assuntos relacionados ao dia a dia, as crianças podem ver

4 também. Acho que é aí que começa a aproveitar essa idade, essa faixa etária, pra começar

5 a colocar na cabeça das crianças que as coisas são importantes também em outro sentido

6 com relação à ciência.

Quando explana sua opinião sobre a importância de ensinar ciências biológicas para

crianças e adolescentes, Mayana menciona a relação desse conteúdo com a vida; na segunda

frase, ao ampliar o sentido da primeira para “tudo que rodeia a gente faz parte da vida” (linha

1), indica a ideia de que tudo que faz parte da vida se resumiria à Biologia e procura uma

confirmação desse pensamento com sua interlocutora (“Né?”, linha 2). Para embasar sua

opinião, ela dialoga com sua experiência, sem mencionar onde esta foi realizada (linha 2). Ao

expor a sua noção de que o conteúdo de ciências biológicas pode ser trabalhado a partir da

utilização dos fatos ou fenômenos do cotidiano, ela a esboça, sem muita certeza, pois declara

“acho que é aí” (linha 4), referindo-se ao público específico, de uma certa faixa etária, que

presume-se que seja a das crianças, já que, na continuidade da frase, elas são mencionadas “na

cabeça das crianças” (linha 5). No final de seu enunciado, a estudante estabelece uma relação

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entre os assuntos do dia a dia que seriam ensinados e a ciência, classificando essa relação

como “um outro sentido” (linha 6).

Pergunta 13: Como você avalia o conteúdo de ciências biológicas que foi oferecido no

curso?

Enunciado 13

1 Muito bom. Porque tem tudo que eu esperava. Foi completo, não senti falta de nada.

2 Tanto a parte pedagógica, quanto o conteúdo específico também.

Mais uma vez sua avaliação sobre o conteúdo oferecido no curso é positiva. Justifica

sua avaliação declarando que o que esperava do curso foi oferecido. Foi interessante perceber

que a estudante incluiu o conteúdo pedagógico em sua resposta, quando a pergunta dizia

respeito apenas ao conteúdo específico.

Pergunta 14: Em sua opinião, que aspectos são necessários para formar um professor?

Enunciado 14

1 Primeiramente consciência daquilo que tá fazendo. Gostar do que tá fazendo, também

2 porque lida com essas faixas etárias, criança, adolescente, a pessoa tem que ter aquela

3 vocação para isso. E também para ensinar aquela matéria tem que ter aquela afinidade,

4 que a pessoa gosta. Então eu acho que tudo isso é importante, é a base, começa aí.

Mayana declara, em primeiro lugar, que é preciso ter consciência daquilo que se está

fazendo, mas não explica mais especificamente o que quer dizer isso. Talvez esteja se

referindo à formação profissional, que ofereceria os conhecimentos necessários para ser

professor. Em seguida, inclui a apreciação pela profissão, com o verbo “gostar” (linha 1).

Esse segundo aspecto, apontado por ela, está relacionado ao público com quem o professor

trabalha, porque relaciona o gostar com o “lidar com essas faixas etárias” (linha 2). À frase

anterior, acrescenta a expressão “ter aquela vocação para isso”, ou seja, para lidar com

crianças. Inclui também a afinidade que está relacionada à disciplina que o professor ensina.

Finaliza, sem esboçar muita certeza, pelo uso da expressão “eu acho”, que esses aspectos,

para ela, são os importantes, “a base” para a formação do professor. Percebemos que os

aspectos listados por Mayana não trazem marcas explícitas de sua formação, podendo ser

considerados quase como senco comum.

Pergunta 15: O que é ser professor?

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Enunciado 15

1 É uma coisa satisfatória. Você ta fazendo parte da vida daqueles alunos. Né? É como hoje,

2 eu vejo como adulto, como professora, vejo muitas coisas que marcaram a minha infância e.

3 adolescência. Ah gente! Tive muita coisa e me lembro de muitas coisas dos professores de

4 antigamente. Então eu acho que a gente é importante na vida dos alunos. Acho que marca

5 de duas formas, tanto positiva como negativa. Então, por isso é importante a pessoa saber

6 como lidar. Por isso, que eu disse antes, a pessoa tem que ter vocação mesmo.

7 Porque senão tá lá na frente ensinando uma matéria qualquer. Tem que fazer aquilo que

8 gosta. Acho que é um conjunto, um processo de tudo. A pessoa tem que ser profissional

9 acima de tudo, mas tem que saber lidar com a parte emocional, a parte sentimental. Isso,

10 envolve, principalmente, quando tem criança e adolescente. É isso.

Mayana parece expressar, no início de seu enunciado, um sentimento de realização. Na

sequência, quando diz “Você tá fazendo parte da vida daqueles alunos” parece relacionar esse

sentimento ao papel que o professor desempenha. O uso do pronome “você” aqui é ambíguo:

tanto pode incluir a referência a ela mesma (autora criadora) como pode ser uma

generalização que se remete a qualquer um. Utilizando a interjeição “Né?” procura uma

confirmação de sua ideia com a entrevistadora. Dando continuidade a sua justificativa a

respeito da importância do professor na vida dos estudantes, dialoga com suas lembranças,

utilizando a forma verbal “vejo” e colocando-se como professora (linhas 2 e 3). Continua esse

diálogo, demonstrando certo saudosismo, percebido pelo uso da expressão “Ah gente!” (linha

3). Declara, de forma genérica, que se lembra dos antigos professores e de “muitas coisas”

deles. Não especifica um professor em especial nem deixa claro de que coisas ela se lembra.

Quando utiliza a conjunção conclusiva “Então” (linha 4), parece querer deduzir de sua

experiência pessoal, a ideia sobre a importância dos professores na vida dos estudantes, mas

não está muito convicta disso, pois utiliza a expressão “eu acho” (linha 4).

A estudante chama atenção para o fato de que os professores podem deixar uma marca

nos estudantes, mas que esta pode ser “tanto positiva como negativa” (linha 5). Novamente

utiliza a conjunção conclusiva “Então” (linha 5) para deduzir da frase anterior, a ideia de que

para exercer a profissão docente é preciso saber ser professor. Para mostrar isso, utiliza a

expressão “saber como lidar” (linhas 5 e 6). Referindo-se ao que disse anteriormente sobre os

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aspectos que são necessários para formar um professor, no enunciado 14, ela destaca que o e

ele tem que ter vocação. Para enfatizar esse elemento da formação, usa a expressão “vocação

mesmo” (linha 6). Ao explicitar o motivo pelo qual vê a vocação como uma condição

importante, parece que associa a isso algo mais que ensinar, já que, do contrário, ou seja,

quando não se tem vocação, o professor “tá lá na frente ensinando uma matéria qualquer”

(linha 7). Indica, em seguida, pela frase “Tem que fazer aquilo que gosta” (linhas 7 e 8), que é

preciso sentir prazer, gostar de exercer a atividade docente. Parece referir-se à profissão

docente e não ao professor quando diz: “Acho que é um conjunto, um processo de tudo”. Na

parte final do enunciado, remete-se, mais uma vez, ao profissionalismo daquele e de uma

maneira mais enfática, pois diz “ser profissional acima de tudo”, aspecto apontado na análise

do enunciado 14. Contudo pelo emprego da conjunção “mas” (linha 9), introduz outro

elemento, o da afetividade, pois diz que o professor “tem que saber lidar com a parte

emocional, a parte sentimental” (linha 9). Declara que esse aspecto é essencial quando os

sujeitos com quem ele trabalha são crianças e adolescentes (linha 10). E explicita que

concluiu o que queria dizer, o que pode ser percebido pela expressão “É isso” (linha 10).

6. 3 ENTREVISTA COM BERTHA

6.3.1 Leitura Preliminar dos Enunciados

Bertha dialoga com sua trajetória, trazendo elementos que remetem ao seu passado e

ao seu momento atual de vida. Outro aspecto que chama atenção nos seus enunciados diz

respeito à avaliação positiva que faz de seu processo formativo (enunciados 6, 7, 8, 10, 11 e

13), por meio dos adjetivos “satisfatória”; “ótimo”; “boa”; “excelente”. Entretanto, parece

assumir que também houve aspectos negativos, sendo estes sempre relacionados a sua pouca

dedicação aos estudos, atribuída, por ela, à falta de tempo (enunciados 2, 10 e 13).

Na construção de alguns enunciados, utiliza a interjeição “né”, sugerindo a

aquiescência do seu interlocutor sobre aquilo que estava explanando o que pode denotar certa

insegurança para se posicionar acerca das questões.

Traz também outros personagens para dentro de seu discurso, como seu esposo e sua

vizinha.

Há um silêncio em relação à interação com os professores do curso e também sobre a

utilização das TIC neste. Notamos, ainda, que as respostas às perguntas 6, 7, 8, 9 e 10, que

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foram respondidas por escrito, são bem mais curtas do que as demais.

Em sua explanação sobre o que é ser professor, refere-se à atividade docente dizendo o

quanto ela é difícil e todo seu enunciado demonstra essa concepção. É possível perceber uma

ideia de excedente de visão, pois ao fazer sua análise traz marcas de um discurso avaliativo

que ela ouve de outras pessoas.

6.3.2 Contexto extraverbal individual

Bertha tem trinta e seis anos, cursou o ensino fundamental e médio em escola pública,

sendo que neste fez a formação pedagógica (curso normal). Sempre trabalhou e estudou.

Iniciou o curso de Geografia, mas precisou interromper os estudos. Sua carga horária semanal

de trabalho é de vinte horas. Ela não é o principal responsável pelo sustento da família, mas

contribui para a renda familiar, que está na faixa de um a três salários mínimos. Seus pais

cursaram apenas as séries iniciais do ensino fundamental. Mantém-se atualizada sobre os

acontecimentos do mundo e do país através da TV e internet. Não costuma ler nenhum livro

além dos escolares. Sobre sua atividade cultural preferida declarou não ter nenhuma, pois na

cidade onde reside não existe cinema, teatro, etc.

6.3.3 Análise dos Enunciados

Pergunta 1: O que fez você optar pelo ensino a distância?

Enunciado 1

1 Ah! Eu acho Biologia lindo. Sabe eu, nossa, desde, desde quando era pequenininha,

2 quando eu via passar na televisão, porque não tinha muita informação, que eu morava

3 na roça, né? E passava as paisagens, bicho eu ficava encantada. Aí, me formei né, comecei a

4 fazer geografia parei, mas foi muito bom ter parado, porque não era o curso, né, que eu me

5 identificava. Aí comecei Biologia, então, eu amei o curso mesmo, sabe? Pena! Preciso dedicar

6 ao curso porque, não dedico tanto por falta de tempo, mas eu acho Biologia maravilhosa.

7 Gostei tanto que to fazendo.

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Bertha dialoga com sua condição de vida para expor o motivo pelo qual optou pela

EaD. Sua justificativa relaciona, primeiramente, a EaD com a facilidade que lhe proporciona

para acomodar o seu trabalho. Em seguida, Utiliza novamente a forma verbal “facilitaria”

para remeter-se a sua necessidade de conciliar família e estudo. Deixa transparecer que sua

opção por essa modalidade está relacionada exclusivamente com a facilidade de comparecer

no curso apenas uma vez por mês e assim poder conciliar o estudo e suas obrigações com a

família.

Pergunta 2: Qual o motivo de optar pelo curso de licenciatura em Ciências

Biológicas?

Enunciado 2

Ao expor sua explicação sobre a opção pelo curso, Bertha enfatiza a beleza que

enxerga nessa área da ciência. Isso fica evidente quando responde à pergunta com a expressão

“Eu acho Biologia lindo!” (linha 1). Busca provas de seu encantamento na infância, quando

assistia, na TV, aos programas sobre “paisagens, bicho” (linha 3). Assim, dialoga com seu

passado, chamando atenção para outro aspecto de sua condição de vida: seu pouco acesso à

informação. Relaciona esta dificuldade a sua origem: “eu morava na roça” (linhas 2 e 3).

Afirma que, em seguida, formou-se, considerando, assim, a finalização do ensino médio como

conclusão de uma etapa. Deu continuidade à sua formação, tendo iniciado um curso de

graduação em Geografia, ao qual não se ajustou, indicando que esta falta de adaptação

relacionava-se a sua identidade: “por que não era o curso, né, que eu me identificava” (linhas

3, 4 e 5). Assim, considerando o início do seu enunciado, percebe-se que implicitamente, esse

comentário reforça sua identificação com a Biologia. A construção da sentença seguinte

mostra seu compromisso maior com a disciplina do que com o curso. Primeiramente, porque

refere-se ao curso pelo nome da disciplina (“Aí comecei Biologia”, linha 5) e, logo em

1 Ah! Eu acho Biologia lindo. Sabe eu, nossa, desde, desde quando era pequenininha,

2 quando eu via passar na televisão, porque não tinha muita informação, que eu morava

3 na roça, né? E passava as paisagens, bicho eu ficava encantada. Aí, me formei né, comecei a

4 fazer geografia parei, mas foi muito bom ter parado, porque não era o curso, né, que eu me

5 identificava. Aí comecei Biologia, então, eu amei o curso mesmo, sabe? Pena! Preciso dedicar

6 ao curso porque, não dedico tanto por falta de tempo, mas eu acho Biologia maravilhosa.

7 Gostei tanto que to fazendo.

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seguida, a expressão “então, eu amei o curso” (linha 5), indica que sua escolha (para além da

EaD, que foi o que propiciou a viabilidade para que ela estudasse naquele momento,

conforme expresso nos enunciados anteriores) se deu pela disciplina e depois pelo curso, o

que notamos pelo uso do conectivo de conclusão “então”, indicando algo que vem depois

(“então, eu amei o curso mesmo”, linha 5). O advérbio de afirmação “mesmo” também

confirma que sua escolha foi pela disciplina e que o curso veio em segundo plano. Com essa

construção, Bertha acaba por deixar a atividade docente, identificada com o curso de

licenciatura, ausente de suas justificativas. Em seguida declara, utilizando a interjeição

“Pena!” para expressar certo desgosto por não conseguir se dedicar aos estudos como

desejava: “não dedico tanto por falta de tempo” (linha 6). Finaliza seu enunciado, reafirmando

sua admiração pela disciplina: “eu acho Biologia maravilhosa” (linha 6). Interessante frisar

que novamente se refere à área e não ao curso, tomando a parte pelo todo. Em seguida,

acomoda as duas coisas e finaliza o enunciado com uma frase que mistura sua referência à

Biologia com a referência ao curso: “Gostei tanto que tô fazendo” (linha 7).

Pergunta 3: Quando optou pelo ensino a distância, o que sabia sobre essa modalidade

de ensino?

Enunciado 3

1 Ai, Mara, eu sinceramente, eu assim, no primeiro dia que eu vim aqui para universidade,

2 pro polo UNIUBE, que fiquei aérea porque, falava “a distância”, eu não sei se foi muita

3 informação ao mesmo tempo e como eu estava muito tempo parada, a minha cabeça

4 ficou bem assim coisa, bem confusa. Sabe? Mas eu não tinha muita assim, pra

5 mim foi tudo novo, o curso a distância, né, a modalidade, para mim foi tudo novo.

6 Entrevistadora: Então você não tinha nenhuma informação sobre o ensino a distância?

7 Foi assim, a minha vizinha que estava fazendo

8 e eu precisava de fazer um curso superior, porque já estava passando da hora, aí ela

9 que me informou. Deu ótimas referências, né. Vim gostei e fiquei. E aconselho outras

10 pessoas, né vir fazer

11 Entrevistadora: quais as informações foram dadas pela vizinha?

12 Que o curso era bom, que os professores eram bons, passavam a matéria direitinho, né.

13 Explicava direito, né? E, assim, a gente tinha que dedicar bem ao curso, que não era só vir

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Bertha inicia seu enunciado remetendo-se à entrevistadora por meio da expressão “Ai,

Mara” parecendo que não sabia o que dizer sobre a EaD (linha 1). Assim, não responde à

pergunta neste momento e procura expressar o que sentiu de maneira franca, pois utiliza o

adverbio “sinceramente” (linha 1). Explicita que, no seu primeiro contato com o curso, que foi

no polo, ela ficou “aérea” (linha 2). Tenta justificar o seu estado, sem muita certeza, pois diz

“eu não sei” (linha 3), atribuindo-o a dois fatores: a muita informação que, subtende-se, tenha

recebido no dia em que iniciou o curso; o outro, ao fato de estar “parada” (linha 3) há muito

tempo. Tudo isso teria gerado, de acordo com a entrevistada, um sentimento de confusão.

Parece procurar um sinal de concordância da entrevistadora para o que está expressando, com

a pergunta retórica “Sabe?” (linha 4). Em seguida, procura expressar algo, mas não completa

seu raciocínio: “eu não tinha muita assim...” (linha 4). Declara que tudo foi novo para ela e

define esse “tudo”: “curso a distância, né, a modalidade” (linha 5). Reafirma que foi tudo

novo. Bertha, repetidamente, dá a entender que não possuía conhecimento a respeito da

modalidade de ensino antes da opção.

Diante de nova pergunta da entrevistadora (linha 6), ela contou que a primeira

informação que obteve sobre a modalidade de ensino foi dada pela “vizinha que estava

fazendo” (linha 7). Subentende-se que a vizinha fazia um curso superior no polo. Bertha,

então, declara sua necessidade de fazer um curso superior (“eu precisava”, linha 8) e talvez

sua urgência, pois “já estava passando da hora” (linha 8), mas não explicita o porquê dessa

necessidade. Relata que as informações dadas pela vizinha foram boas e parece que, devido a

isso, Bertha foi ao polo para obter mais informações, pois declara: “Vim gostei e fiquei”

(linha 9). Aconselha outras pessoas a “vir fazer” (linha 10). Subentende-se que recomendaria

cursos semelhantes, Sem mencionar explicitamente se poderiam ser na mesma instituição ou a

nessa modalidade.

Nova pergunta foi colocada pela entrevistadora (linha 11) sobre as informações que a

vizinha tinha prestado. A estudante respondeu se referindo ao curso e aos professores e não ao

processo de ensino a distância. Estes passavam a “matéria direitinho” e “explicava direito”

(linhas 12 e 13). Dando continuidade ao seu relato das informações supostamente dadas pela

vizinha, refere-se ao processo de ensino a distância: “a gente tinha que dedicar bem o curso,

14 aqui, a gente tinha o horário para estudar em casa. Ela passou essas informações.

15 É isso, Mara.

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que não era só vir aqui, a gente tinha o horário para estudar em casa” (linha 13 e 14). Parece

que com esta construção, ela declara tudo o que sabia sobre a EaD, pois explicita que concluiu

o que queria dizer, o que pode ser percebido pela expressão “É isso, Mara”.

Pergunta 4: Como eram desenvolvidas as atividades nos encontros presenciais e no

AVA durante o curso?

Enunciado 4

Bertha relata como as atividades eram realizadas, inicialmente, no curso. e aponta

como ocorre no momento atual. Para isso, utiliza o advérbio “agora” e informa que as

atividades, denominadas por ela, de “coisa” e depois de “exercício” são feitas no AVA (linha

2). Ao fazer isso, destaca a oportunidade de corrigir o exercício entregue. É interessante notar

que todas as atividades realizadas no AVA são reduzidas, por Bertha, ao envio e correção do

exercício virtualmente, silenciando outras tantas possíveis, como por exemplo, interações on-

line com professores, com colegas, consultas a materiais, entre tantas outras..

Em sua descrição dos encontros presenciais, destaca a troca e o diálogo, resumidos

pelo substantivo “interação” (linha 4). Explicitando que esta acontecia no seminário, na

medida em que as professoras “davam liberdade da gente participar” (linha 5), deixa

transparecer sua concepção de detenção de poder por parte do professor nesse contexto. Em

seguida, chamando o seminário de “aula”, reafirma o que mencionou anteriormente,

qualificando-a de “bem dialogada” (linha 6). Para mostrar o que, em sua opinião, parece ter

sido um problema, atribuído em especial a ela, sobre a questão da participação dos estudantes

naquele momento, explica que não usufruía muito deles por que é “tímida” (linha 6 e 7).

Termina seu enunciado reafirmando a ideia do diálogo que ocorria nos momentos presenciais:

“Era uma troca na sala de aula” (linha 8).

1 No início era entregue. As atividades realizadas eram entregue impressas, a gente fazia e

2 e entregava o impresso. Agora não, o cê resolve, né, a coisa no AVA, exercício no AVA, né.

3 Aí, se caso você erre alguma atividade você tem a oportunidade de fazer o reestudo, né.

4 E dá mais uma oportunidade da gente acertar. Nos encontros presenciais havia interação.

5 As professoras que sempre vinham fazer o seminário davam liberdade da gente participar,

6 né. Era uma aula bem dialogada, quem não participava, porque igual no meu caso, eu não

7 participava porque era tímida, era não, sou, mas as pessoas que têm mais facilidade

8 sempre, né participou. Era uma troca na sala de aula.

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Pergunta 5: Foi possível articular as disciplinas teóricas com o estágio?

Enunciado 5

Bertha responde à pergunta categoricamente: “Foi” (linha 1). Remetendo-se

nominalmente à entrevistadora, comenta o modo como aquilo ocorreu, o que pode ser

percebido pelo uso do advérbio “assim” (linha 1). Repete que, com as matérias que aprendeu

no curso e com as explicações que recebeu, pôde planejar aulas no estágio. Declara, ainda, no

final do enunciado, que os livros didáticos também foram instrumentos que a auxiliaram. A

inclusão destes como material que deu subsídios para planejar aulas no estágio nos leva a

depreender que a matéria e as explicações recebidas no curso tenham o mesmo caráter, ou

seja, referem-se ao conteúdo de Biologia. Aceita essa interpretação, é possível dizer que a

estudante prioriza, em seu enunciado, o conteúdo específico em relação a conhecimentos

pedagógicos e outros conhecimentos relacionados à escola ou aos alunos.

Pergunta 6: Como você avalia o uso das TIC no curso?

Enunciado 6

Bertha limita-se a dizer que houve uma contribuição “satisfatória” das TIC, sem

esclarecer qual teria sido. Conclui seu enunciado reconhecendo que estas são necessárias na

atualidade, ou até mesmo que não é possível viver sem elas, pelo uso do adjetivo

“imprescindível”. Pela extensão mínima de sua avaliação, depreende-se que tinha muito

pouco a dizer sobre o uso das TIC nesse curso, seja porque sua utilização tenha sido reduzida

ou porque prefere não falar do assunto, por outro motivo alheio ã entrevista.

Pergunta 7: Como você avalia sua interação (por meio das TIC) com os professores,

preceptor e os colegas do curso?

Enunciado 7

1 Foi. Ai, Mara, assim, as matérias que eu vi aqui, como o estágio que eu fiz no ensino

2 do sexto ao nono ano, assim, eu pude elaborar planos com a matéria

3 que eu vi aqui, com as explicações eu pude fazer os planos de acordo com que eu aprendi

4 aqui, e apoiada nos livros didáticos.

1 Contribuiu de forma satisfatória e nos dias atuais é imprescindível.

1 Houve uma ótima interação, pois o preceptor é bem capacitado e atende a toda a hora

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Declara que a interação foi “ótima” (linha 1) e a relaciona com a figura do preceptor,

que é “bem capacitado” (linha 1) e está sempre disponível. Comenta também que os colegas

são “unidos” (linha 2). O sentido de “unidos” não está explicitamente nem exclusivamente

relacionado à interação virtual, deixando em aberto o papel das TIC nesta referência.

obviamente, a interação por meio das TIC ficou limitada à relação com o preceptor. Entretanto

é importante notar que a menção da interação virtual com a preceptora pode ter sofrido forte

influência do seu destinatário suposto (e real), que tinha a função de professor-tutor. Sendo

assim, Bertha silenciou-se acerca da interação com os professores por meio das TIC, o que

pode confirmar também seu silêncio sobre a avaliação do uso das TIC no curso, no enunciado

6.

Pergunta 8: Como você avalia sua formação docente na modalidade a distância tendo

como referência o ensino presencial?

Enunciado 8

Bertha avalia sua formação como “boa” (linha 1) e justifica esta avaliação positiva

exclusivamente porque vem ao polo uma vez por mês, confirmando assim, a razão de sua

escolha pelo curso (enunciado 1). Ao ressaltar apenas esse aspecto do curso, deixa claro que

todo o resto, incluindo o conteúdo de Biologia, o conteúdo pedagógico, a preparação para a

atividade docente, o conhecimento geral, o contato com outras pessoas e tantos outros, foram

excluídos como critérios de avaliação.

Pergunta 9: Como você avalia o papel do preceptor na sua formação?

Enunciado 9

A entrevistada limita-se a fazer uma avaliação boa do preceptor, dizendo que o papel

que ele representa é “muito importante” (linha 1), compreendendo sua função como a de

incentivar os estudantes nos momentos de dificuldades. Esse enunciado também pode ter sido

altamente influenciado pelo destinatário suposto (e real) que era a professora tutora do curso.

2 que precisa. Os colegas são todos unidos.

1 Foi boa, pois para mim vir uma vez por mês é melhor que todos os dias.

1 O papel do preceptor é muito importante, pois ele incentiva a turma na hora das dificuldades.

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Pergunta 10: Como você avalia a organização das disciplinas do curso?

Enunciado 10

Bertha faz uma avaliação positiva da organização das disciplinas do curso, utilizando,

para isso, o adjetivo “boa” (linha 1). Lamenta, como no enunciado 2, por meio do substantivo

“pena”, o seu pouco tempo de dedicação aos estudos. Considerando que a pergunta não

solicita esse tipo de reflexão, parece que ela quer expressar, com este comentário, seu

desapontamento por não ter podido aproveitar a qualidade do curso devido a sua pouca

disponibilidade de tempo. Também nota-se que, apesar de positiva, sua avaliação do currículo

é extremamente sucinta e superficial, sem apresentar justificativa que apontasse alguma razão

pertinente e consistente.

Pergunta 11: Como você avalia a formação recebida no curso, ou o processo formativo

pelo qual passou diante da tarefa de lecionar ciências e biologia?

Enunciado 11

A entrevistada começa seu enunciado remetendo-se à entrevistadora, “Olha, Mara” e

expressa dúvida dizendo: “não sei se vou conseguir responder essa pergunta” (linha 1).

Declara, em seguida, sua avaliação do curso como “excelente” (linha 2). Entretanto, ao iniciar

a sentença seguinte com conectivo adversativo “Só que” (linha 2), sinaliza que há uma brecha

do curso a ser resolvida. Na sequência, parece demonstrar que não se sente muito segura para

“lecionar”, o que parece estar ligado a certo despreparo, quando diz que para isso tem que se

“preparar bem” (linha 2). Novamente, referindo-se à sala de aula, pois diz: “Para eu ir para lá”

1 Uma boa organização, pena que o meu tempo é pouco para dedicar aos estudos.

1 Olha, Mara, não sei se vou conseguir responder essa pergunta. Eu avalio o curso excelente.

2 Só que para eu lecionar, para eu entrar numa sala de aula, eu tenho que me preparar bem.

3 Para eu ir pra lá. Porque não adianta nada eu ir hoje, eu ir e falar “eu me formei em

4 Ciências Biológicas”, mas se eu não tiver, chega lá o menino me faz uma pergunta

5 e eu não vou saber . Eu acho o curso aqui excelente. Aprendi muita coisa, ontem mesmo eu

6 tava estudando e ainda falei com o meu marido,” nó! como é bom a gente aprender as coisas,”

7 mas só que eu preciso mais para mim atuar na sala de aula como professora de ciências eu

8 tenho que me aprimorar muito para passar os conteúdos para os meninos.

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(linha 3), parece expressar que não adianta chegar à sala de aula e declarar que terminou o

curso, pois isso por si só não lhe garante que ela conseguirá exercer bem a atividade docente,

que esteja convicta do conhecimento que tem (linha 3, 4 e 5). Nesses trechos do enunciado é

possível depreender que ela não se sente preparada, apesar de estar chegando ao final do

curso. Sua insegurança fica evidente, quando declara “chega lá o menino me faz pergunta e eu

não vou saber” (linhas 4 e 5). Apesar de estar relatando sua insegurança em relação ao

conteúdo do curso, reafirma que este é “excelente” e que adquiriu conhecimento por meio

dele. Menciona um acontecimento recente, pois utiliza o advérbio “ontem” (linha 5) relatando

que estava ocupada com o estudo. Nesse momento, chama uma terceira pessoa: “e ainda falei

com o meu marido” (linha 6) e introduz um diálogo imaginário: “nó! como é bom a gente

aprender as coisas” (linha 6), embora não nomeie o tipo de coisa, que teria aprendido.

Entretanto, utilizando a conjunção adversativa “mas”, reafirma que necessita de mais

conhecimento, evidenciando novamente, certo despreparo para trabalhar em sala de aula.

Deixa claro que essa falta de preparo está relacionada ao conteúdo da área das Ciências

Biológicas, quando declara ter que se aprimorar muito para passar “o conteúdo para os

meninos” (linha 8). Até aqui é importante notar a sua visão conteudista de ensino, priorizando

apenas a formação em Biologia e a aprendizagem desta para os alunos. Nada mais é

incorporado por Bertha nessa imagem que ela faz de si, como professora de ciências. Também

é interessante observar que, mesmo parecendo insegura ao trabalhar os conteúdos de ciências

em sala de aula, avalia o curso como excelente. Provavelmente essa aparente contradição se

deve à interlocução com o destinatário real, assumido aqui como o representante do curso.

Pergunta 12: Por que é importante ensinar conteúdos de ciências biológicas para

crianças e adolescentes?

Enunciado 12

Ao explicar por que é importante ensinar conteúdos de ciências biológicas para

crianças e adolescentes, Bertha declara que “ciência é vida”. Ao continuar a explicação,

parece referir-se ao estudante, pelo uso do pronome “ele”. Esboçando a importância desse

conhecimento, faz menção à relação do aluno “com as outras pessoas, com os seres vivos,

com tudo o que o rodeia” (linhas 1 e 2) e parece que, com essas relações, estaria

1 Porque ciência é vida, né? Então ele tem que aprender a se relacionar com as outras

2 pessoas, com os seres vivos, com tudo que o rodeia. Por isso que é importante.

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contemplando todo o conteúdo de ciências biológicas. Finaliza seu enunciado indicando, com

a expressão conclusiva “Por isso” (linha 2), o que já foi mencionado antes sobre a importância

de ensinar ciências para as crianças e jovens. Subentende-se nesse enunciado, uma visão

ingênua das ciências biológicas como algo que se equipara com a vida e com tudo o que está

presente na vida, ou seja, uma visão idealizada, romantizada, de uma ciência onisciente.

Pergunta 13: Como você avalia o conteúdo de ciências biológicas que foi oferecido no

curso?

Enunciado 13

Novamente sua avaliação é positiva, pois utiliza a expressão “Muito bom” quando se

refere ao conteúdo de ciências biológicas que foi oferecido no curso. Mais uma vez declara,

utilizando o substantivo “Pena” (linha 1) para expressar certo desgosto por não conseguir se

dedicar aos estudos como desejava. Interessante notar que Bertha faz uma avaliação positiva

do curso e parece assumir que o que não foi bom, ou faltou na sua formação está relacionado

a sua pouca dedicação aos estudos, atribuído, por ela, à falta de tempo. Este tipo de

construção é reforçada neste enunciado, pois já aparecera nos enunciados 2 e 10.

Pergunta 14: Em sua opinião, que aspectos são necessários para formar um professor?

Enunciado 14

Bertha usa o advérbio “primeiro” para enfatizar que o aspecto mais importante para

formar um professor, em sua opinião, é gostar do que faz, iniciando e terminando seu

enunciado com essa afirmação. Declara que também é necessário “correr, estudar e aprimorar

seus conhecimentos” (linhas 1 e 2). Pelos enunciados anteriores, é possível depreender que ela

está se referindo aos conhecimentos de Biologia, o que reafirma sua concepção conteudista de

educação. A ênfase no “gostar” faz ressoar em seu enunciado uma visão do senso comum, que

se encontra em muitas pessoas ligadas ou não à atividade educacional. Ao privilegiar o

conteúdo e o senso comum, ela deixa de se apropriar de aspectos pedagógicos que

provavelmente foram objeto de reflexão no curso, ligados à atividade docente, ao papel do

professor na sociedade e tantos outros pontos essenciais à formação deste.

1 Muito bom. Pena eu não ter tempo para me dedicar.

1 Primeiro gostar daquilo que faz. Primeira coisa, né? E correr, estudar, aprimorar seus

2 conhecimentos, né? Primeira coisa eu acho que é gostar daquilo que faz.

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Pergunta 15: O que é ser professor?

Enunciado 15

A estudante inicia seu enunciado referindo-se ao trabalho docente, pois utiliza o

substantivo “tarefa” (linha 1), qualificando-a de “difícil” (linha 1). Para abordar a

desvalorização do professor, traz para o enunciado vozes de outras pessoas (“a gente ouve

falar mal”, linha 1) e visões (negativas) que elas têm do professor (“professor isso, professor

aquilo”, linhas 1 e 2). Utilizando o pronome demonstrativo “isso” remete-se a essas visões,

explicando esse discurso, qualificando-o de não valorização (o professor). Enfatiza essa ideia,

pedindo a concordância da entrevistadora: “Não tem valor, né?” (linha 2). Novamente parece

se referir à visão de outros sobre a profissão docente, expressa de maneira implícita, já que

não menciona diretamente o professor, e que os indivíduos não se lembram de que, ao se

preparam para exercer determinada atividade, precisaram de passar por esse profissional.

Contudo, isso fica subtendido pela entrevistadora, pois ela não termina o pensamento: “E

esquece que todas as outras profissões que existe tem que passar, né” (linha 3).

Na sequência, com o uso do conector de conclusão “então” Bertha conclui seu

pensamento declarando, a partir do que foi dito imediatamente antes, que a profissão docente

é “árdua” (linha 3). Ainda dando sequência ao mesmo pensamento, usando mais uma vez o

conector “Então”, declara que, (por isso), é preciso “gostar, amar o que faz” (linha 4) e parece

remeter-se ao que foi dito no enunciado 14. Parecendo dar continuidade ao rol de dificuldades

da profissão docente, declara que o professor tem que exercer os papéis de pai e mãe na sala

de aula e lidar com as diferenças. Esses dois aspectos levantados por ela podem estar

1 É uma tarefa difícil, porque sempre a gente ouve falar mal do professor. Professor isso,

2 professor aquilo. Isso não é valorização. Não tem valor, né? E esquece que todas as outras

3 profissões que existem tem que passar, né, então é uma tarefa muito árdua. Então tem que

4 gostar, amar o que faz pra continuar na profissão. Você tem que ser pai e mãe na sala de

5 aula, né? Saber lidar com todas as diferenças, né? E às vezes você passa por situações que às

6 vezes naquele momento você não estava preparado pra lidar, né? Então eu acho que nessa

7 parte aí, né! Porque às vezes o pai manda o aluno para escola, manda pra lá, a professora

8 é que tem que se virar, né! É dá tudo, ensinar, dá educação saber respeitar os outros, né?

9 É por isso que eu acho muito difícil.

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refletindo um diálogo com o senso comum sobre a educação atual. Essa ideia de que o

professor tem sido cobrado pela educação que o aluno deveria receber na família tem estado

bastante presente na mídia, na qual também está a questão da diversidade e também nas

legislações educacionais recentes.

Continua a explicar por que ela pensa que o exercício da profissão é difícil. Remete-se

a “situações” (linha 5), sem especificar uma em particular, assinalando uma falta de preparo

do professor para resolvê-las. Em seguida, reforça essa ideia: “Então eu acho que nessa parte

aí, né” (linha 5, 6 e 7) e exemplifica o que havia mencionado antes sobre a necessidade de ele

exercer papéis de pai e mãe: “dar educação saber respeitar os outros, né?” (linha 8). Finaliza o

seu enunciado concluindo (“É por isso que..”, linha 9), por que considera “muito difícil”

(linha 9) ser professor.

6. 4 ENTREVISTA COM PAULO

6.4.1 Leitura Preliminar dos Enunciados

Um primeiro aspecto que chama atenção nos enunciados de Paulo diz respeito à

avaliação de seu processo formativo: ele se esquiva de fazer isso, o que pode ser percebido

nos enunciados 7, 8, 10 e 11. De uma maneira geral, ele menciona como era o processo em

vez de avaliá-lo, pois usa palavras e expressões como “materiais”; “trabalho”; “estágios

presenciais”; “disciplinas formas organizadas”; “desafio” e “planejar”. Esta tentativa de

escapar à avaliação pode estar relacionada ao seu destinatário real, que desempenhava o papel

de professor-tutor e, portanto, representante do curso.

A construção de seus enunciados é marcada pela interrupção do pensamento, como por

exemplo: “Você tem que fazer uma correlação, mas na verdade sim, não é tudo exatamente

igual”; “Primeiramente, desde o ensino, perdão, a criança deve aprender a questão, primeiro,

algumas matérias...” “... o ensino a distância eh, eu conheci primeiro através da publicidade na

internet...” É possível que essa interrupção dos pensamentos seja uma marca da sua profissão,

(investigador de polícia civil), pois parece que trava um embate entre aspectos subjetivos e

objetivos de suas respostas, tentando conciliá-los em busca de imparcialidade. Utiliza muito a

expressão “eh” nos enunciados, o que pode se interpretado como uma pausa para pensar e

completar seu pensamento, indicando certa insegurança.

Ainda que a pergunta esteja sendo lhe dirigida, sugerindo uma resposta pessoal, ele,

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muitas vezes, generaliza seu pensamento usando os pronomes “você” e a variante “a gente”,

além dos verbos na terceira pessoa, o que sugere impessoalidade: “...Você aprende

principalmente com o uso da internet...” ! “... Depois a gente vai acostumando...” “... Até

então ninguém tinha uma noção exata do que é o ensino a distância...” Este tipo de construção

tem impacto sobre a construção da identidade e da identidade docente, que não são assumidas.

Notamos que as respostas às perguntas 6, 7, 8, 9 e 10, que foram respondidas por escrito, são

bem mais curtas do que as demais. Percebemos, em algumas delas, menos espontaneidade do

entrevistado, sendo que no caso da questão 6, sobre a avaliação do uso das TIC no curso, o

texto parecia ter sido copiado de outro.

A respeito dos aspectos necessários para a formação de um professor e sobre o ser

professor, Paulo parece dialogar com concepções do senso comum, como por exemplo, a

questão do dom, dando um sentido próprio ao que ouviu, pois a palavra é carregada de vários

sentidos, assim como também de outras vozes que antecedem esse ato de fala específico e que

são refletidas nas palavras do falante.

6.4.2 Contexto extraverbal individual

Paulo tem quarenta e cinco anos, cursou o ensino fundamental e médio em escola

pública, sendo que neste fez a formação geral. Sempre trabalhou e estudou e foi preciso

interromper os estudos. Sua carga horária de trabalho é de quarenta horas semanais. É o

principal responsável pelo sustento da família e a renda familiar está em torno de quatro a sete

salários mínimos. Seus pais têm o Ensino Fundamental completo. Com relação à maneira

como se mantém atualizado a respeito dos acontecimentos do mundo e do país, declara que é

pela leitura de jornais, pela televisão e internet. Além dos livros escolares, costuma ler outros

livros, entre um e dois livros por ano. Sua atividade cultural preferida é show artístico.

6.4.3 Análise dos Enunciados

Pergunta 1: O que fez você optar pelo ensino a distância?

Enunciado 1

1 Tá bom, o ensino a distância eh! eu conheci primeiro através da publicidade na internet.

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2 E eu procurei saber como que funcionava o ensino a distância, a modalidade de

3 ensino a distância. No início eu achei um pouco estranho, como é que alguém pode fazer

4 um ensino a distância e adquirir algum conhecimento? Depois eu descobri que realmente depende

5 de cada um, de cada aluno ter uma disciplina, ser disciplinado para poder acompanhar as

6 atividades postas, porque na verdade o ensino não é só sala de aula, contempla, eu descobri

7 que o ensino é também fora da sala de aula. Você aprende até na sua própria casa.

8 Você aprende principalmente com o uso da internet com os meios de comunicação atualmente, não

9 só com livro, né? E a sala de aula passou a ser uma ferramenta, onde, na verdade, de orientação.

10 Lógico que nós tivemos aulas que foram lecionadas na sala de aula. Mais orientação.

11 Então, acho que depende muito de cada um. Então, acho que o ensino na modalidade a distância

12 é muito válido, desde que exista disciplina, que o aluno seja muito disciplinado.

13 Então, eu achei muito interessante.

Paulo, inicialmente, declara como conheceu o ensino a distância: “ensino a distância

eh! eu conheci primeiro através da publicidade na internet” (linha 1). Em seguida explicita

que procurou saber acerca do funcionamento dessa modalidade de ensino, no entanto não

indica como isso aconteceu. Declara que a EaD, para ele, era algo diferente daquilo com que

estava acostumado, ao utilizar a expressão “eu achei um pouco estranho” (linha 3). Esclarece

que tal estranheza estava relacionada à compatibilidade entre a distância e a obtenção de

conhecimento, indicando a impossibilidade da conciliação das duas coisas, o que pode ser

percebido pela expressão “como é que alguém pode fazer um ensino a distância e adquirir

algum conhecimento?” (linhas 3 e 4).

O entrevistado relata, em seguida, utilizando a expressão verbal “descobri” (linha 4),

mas sem mencionar como ou onde, que o sucesso do ensino a distância está relacionado com

a questão da observância de um comportamento em relação aos estudos por parte dos

estudantes, quando diz: “depende de cada um, de cada aluno ter uma disciplina, eh! ser

disciplinado” (linhas 4 e 5). Completa sua ideia indicando que isso está diretamente ligado ao

acompanhamento das atividades desenvolvidas em outro espaço que não a sala de aula,

quando declara: “para poder acompanhar as atividades postas” (linhas 5 e 6), que

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possibilitariam a aprendizagem. Parece que tudo isso ocorreu no curso, pois diz: “ser

disciplinado para poder acompanhar as atividades postas”. Em seguida, explicita novamente a

ideia de que o ensino e a aprendizagem ocorrem em espaços externos à sala de aula, quando

declara que “o ensino é também fora da sala de aula. Você aprende até na sua própria casa”

(linha 7). Reconhece o papel das TIC na aprendizagem, sem, contudo desconsiderar outras

tecnologias convencionais como os livros, ao declarar nas linhas 8 e 9: “Você aprende

principalmente com o uso da internet com os meios de comunicação atualmente, não só com

os livros, né!”.

Parece esboçar uma ideia sobre uma possível mudança em relação ao papel da sala de

aula, pois utiliza a expressão “passou a ser” e, referindo-se a essa transformação, declara que

ela, a sala de aula, seria uma “ferramenta” que, em seu julgamento, seria utilizada para

“orientação” (linha 9). Nesse momento, parece que se dá conta de seu destinatário real, pois a

entrevistadora é também sua professora-tutora e, devido a isso, esclarece que os estudantes do

curso tiveram aulas. Contudo, reafirma que tiveram “mais orientação” (linha 10). Ao utilizar o

conectivo de conclusão “Então” (linha 11) traz a ideia do que foi mencionado anteriormente

sobre a observância de um comportamento em relação aos estudos por parte dos estudantes.

Declara ter a impressão, pois utiliza a expressão “acho” (linha 11) duas vezes, que o ensino a

distância tem valor, ao dizer: “é muito válido” (linha 12). Em seguida, esboça que há uma

condição para isso: “desde que exista disciplina, que o aluno seja disciplinado” (linha 12).

Finaliza seu enunciado concluindo sua avaliação do ensino a distância: “Então, eu achei muito

interessante”. A análise do enunciado permite concluir que Paulo responde indiretamente à

questão colocada. Ele se apropria da pergunta como se fosse solicitado a avaliar o ensino a

distância. Subentende-se assim, que, sendo sua avaliação final positiva, tenha sido este o

motivo de optar pela EaD.

Pergunta 2: Qual o motivo de optar pelo curso de licenciatura em Ciências

Biológicas?

Enunciado 2

1 Eu senti um certo interesse nessa área Ciência Biológicas, eh!. No inicio eu senti um pouco de

2 dificuldade. Eu achei que fiquei um pouco perdido no início do curso, realmente não vai dar pra

3 pegar. Eu fiquei muito tempo parado, né! Depois a gente vai acostumando. A gente vê que

4 não é um bicho de sete cabeças e vai descobrindo como que são as coisas que, às vezes, passa

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5 despercebido no dia a dia, na vida da gente e você começa a observar com mais naturalidade e

6 começa a observar como a Biologia e o meio ambiente tá presente no dia dia da gente. Então,

7 na verdade, o interesse foi surgindo com o decorrer do curso; eu já tinha um pouco de interesse,

8 mas foi no decorrer do curso.

9 Entrevistadora: Explica melhor esse interesse pela Biologia, quando se remete ao dia a dia.

10 Ah, tá! Em termos profissionais, no setor que eu trabalho, tem a área de perícia, perícia de

11 meio ambiente, né! Eu fui inclusive convidado para fazer parte da perícia do meio ambiente.

12 Então, também no meu setor de trabalho seria de muita importância eu conseguir conciliar uma

13 coisa com a outra.

Paulo inicia o enunciado declarando seu interesse relativo no curso de licenciatura em

Ciências Biológicas, demonstrada pela expressão “um certo interesse” (linha 1). De acordo

com sua resposta, seu interesse é na área (de conteúdo) das ciências Biológicas e não no curso

de licenciatura em ciências Biológicas. Parece remeter-se ao curso quando explicita que “No

início eu senti um pouco de dificuldade” (linhas 1 e 2), o que é confirmado logo a seguir,

quando declara sua impressão: “Eu achei que fiquei um pouco perdido no início do curso”

(linha 2). Explicita que via a possibilidade de não se sair bem (linhas 2 e 3). Alega que isso se

deve ao tempo que ficara afastado dos estudos (linha 3). Porém, logo em seguida, declara, de

forma generalizada, pois utiliza a expressão “a gente” (linha 3) duas vezes, que as pessoas

habituam-se, utilizando para demonstrar isso a forma verbal “acostumando” (linha 3).

Fazendo uso da expressão popular “não é um bicho de sete cabeças” (linha 4), parece querer

dizer que aquilo que muitos encaravam como muito difícil, um obstáculo instransponível, de

fato não o é. Em seguida, ao dizer “e vai descobrindo como que são as coisas que, às vezes,

passa desapercebido no dia a dia, na vida da gente e você começa a observar com mais

naturalidade. E começa a observar como a Biologia e o meio ambiente tá presente no dia a dia

da gente.” (linhas 4, 5 e 6), parece remeter-se ao que foi aprendido no curso (a que se referiu

antes como “bicho de sete cabeças) e como isso mudou seu olhar sobre os fatos ou fenômenos

que acontecem no cotidiano. Em seguida, conclui sua percepção, com uso do conectivo

“Então” (linha 6), assumindo que foi o curso que mostrou a utilidade da Biologia, quando

afirma que “o interesse foi surgindo com o decorrer do curso” (linha 7).

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Diante da nova pergunta da entrevistadora (linha 9), explicita que a ligação entre o seu

interesse e o dia a dia está relacionada com sua atividade profissional. Deixa transparecer que

seu atrativo particular nessa área está relacionado ao “meio ambiente” (linha 11), uma subárea

da Biologia. Quando afirma que foi “inclusive convidado” (linha 11) para fazer parte da

perícia de meio ambiente, fica subentendido que sua participação no curso teria ensejado o

convite. Quando utiliza a expressão “seria de muita importância” (linha 12), parece

demonstrar a necessidade e certa expectativa de conseguir aliar o curso às possibilidades que

estão surgindo no trabalho.

Pergunta 3: Quando optou pelo ensino a distância, o que sabia sobre essa modalidade

de ensino?

Enunciado 3

1 Eu sabia quase nada. Eu lembro quando surgiu, eles falavam curso a distância, era aquele

2 Instituto Universal Brasileiro, que existia. O pessoal mandava, eles mandavam as provas

3 para a casa da pessoa, as apostilas, depois devolvia aquilo pelo correio. Até então ninguém tinha

4 uma noção exata do que é o ensino a distância. Eu não conhecia exatamente nada.

5 Eu lembro quando tinha esse curso por correspondência e não era nem autorizado praticamente

6 pelo MEC. Então, hoje a gente vê que o ensino a distância é uma realidade.

7 Entrevistadora: Mas você disse, ao responder a pergunta 1 (por que optou pelo ensino a distância)

8 que já tinha ouvido falar alguma coisa sobre o ensino a distância. O que você ouviu falar?

9 Do ensino a distância, bom eu, ouvi falar na imprensa sobre a situação do ensino a distância,

10 que estava sendo criado o ensino a distância e que era uma nova modalidade e que já tinha várias

11 turmas formadas com vários cursos, também formados, todos reconhecidos pelo MEC.

12 Também isso despertou a curiosidade de conhecer o ensino a distância.

A respeito do que sabia da EaD, quando fez a opção pelo curso, Paulo declara que a

conhecia muito pouco. Cita o Instituto Universal Brasileiro, instituição que foi uma das

pioneiras da EaD no país, deixando transparecer que ela não existe mais, pois utiliza a forma

verbal “existia” (linha 2). Em seguida, descreve o que ele conhecia sobre a forma como se

processava esse ensino a distância (linhas 2 e 3). Quando declara “Até então ninguém tinha

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noção exata do que é ensino a distância” (linhas 3 e 4) é possível compreender que, para

Paulo, a EaD, naquela época, era uma incógnita, e generaliza isso utilizando o pronome

indefinido “ninguém” (linha 3). Afirma, categoricamente, logo em seguida, que não tinha

conhecimento algum sobre o ensino a distância, utilizando a expressão “exatamente nada”

(linha 4). Novamente traz a recordação dos cursos por correspondência e menciona que estes

não tinham permissão oficial para funcionar. Ao declarar que, no dias atuais, pois utiliza o

advérbio “hoje” (linha 6), a EaD “é uma realidade” (linha 6), parece remeter-se ao seu

reconhecimento por parte dos órgãos governamentais, embora isso não esteja explícito, e

também a uma situação totalmente diferente da que descrevera antes.

Quando questionado pela entrevistadora (linhas 7 e 8), Paulo declara que ouvira falar

na mídia sobre a “a situação da EaD” (linha 9). Ao mencionar que “estava sendo criado o

ensino a distância e que era uma nova modalidade” (linha 10), vai de encontro a sua

afirmação anterior de que ela era uma “realidade” (linha 6) e com a declaração de “que já

tinha várias turmas formadas com vários cursos, também formados” (linhas 10 e 11). Ao

mesmo tempo, quando diz “todos reconhecidos pelo MEC”, parece corroborar a nossa

interpretação de que o ensino a distância ao ser uma realidade, está associado ao

reconhecimento por parte do governo. Finaliza seu enunciado indicando que o que o fez optar

pela EaD foi a sua legitimação, quando afirma que “Também isso” (linha 12) despertou sua

curiosidade pela EaD.

Pergunta 4: Como eram desenvolvidas as atividades nos encontros presenciais e no

AVA durante o curso?

Enunciado 4

1 Bom! Nós tivemos é nos seminários, né! Nós estudamos a apostila. Tivemos aulas práticas,

2 aulas em laboratório. Tivemos aula de campo, que foi na Borda do Campo, dentro da nossa

3 área, né! E tivemos trabalho, alguma coisa de trabalho em equipe também. As atividades no AVA

4 foram textos, que foram propostos para atividades e exercícios, né! Os textos foram

5 postados também para que fossem estudados. Então, a gente consegue conciliar, na verdade é um

6 conjunto, né! As aulas dos seminários com o AVA, né!. Na verdade o ambiente virtual mesmo, né!

7 A gente se sente na sala de aula, sem ter que necessariamente se deslocar para lá.

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Quando relata como eram desenvolvidas as atividades no curso, Paulo inicia o

enunciado remetendo-se ao que foi vivido presencialmente (os “seminários”, a “apostila”, as

“aulas práticas em laboratório”, “aulas de campo” e os “trabalhos em equipe”, linhas 1, 2 e 3).

Com relação às atividades no AVA, refere-se aos textos que serviam de base ao

desenvolvimento dos exercícios e estudos. Ele parece reconhecer, ainda, de forma

generalizada, pois diz “a gente” (linha 5), que foi possível conciliar as atividades presenciais e

a distância, por meio da frase “consegue conciliar, na verdade é um conjunto, né! As aulas dos

seminários com o AVA, né!” (linhas 5 e 6). No final de seu enunciado, declara e generaliza

que, no ambiente virtual, “a gente se sente na sala de aula” (linha 7) e parece ver algo de bom

nisso, que tem a ver com a praticidade: “sem ter que necessariamente se deslocar para lá”.

Pergunta 5: Foi possível articular as disciplinas teóricas com o estágio?

Enunciado 5

1 Sim. Você tem que fazer uma correlação, mas na verdade sim, não é tudo exatamente igual

2 você tem que adaptar, cê vai adaptando à necessidade de cada escola. Cada escola funciona

3 de uma maneira diferente, né! Então, seria, eh! não seria verdade se eu dissesse que foi exata-

4 mente igual não. Cada escola tem uma proposta diferente e a gente consegue adequar. Só que

5 a gente consegue visualizar o que a gente, nós aprendemos na sala de aula e no AVA, para a

6 escola. Então a gente adapta para a realidade da escola, o que cada escola propõe como

7 metodologia de ensino.

Paulo declara que foi possível articular as disciplinas teóricas com o estágio,

utilizando o advérbio “Sim” (linha 1). Continua seu enunciado, indicando que é preciso

estabelecer uma correspondência sem especificar qual seria: “Você tem que fazer uma

correlação” (linha 1). Novamente afirma que foi possível fazer a articulação, porém faz uma

ressalva dizendo: “não é tudo exatamente igual” (linha 1), parecendo indicar com isso, que

houve algum desencontro entre o que viu no curso e o que vivenciou no estágio. Declara sem

especificar, quem, pois utiliza o pronome de tratamento “Você”, que é preciso “adaptar” (linha

2). Explicita que esse ajuste está relacionado à exigência de cada instituição de ensino, pois

declara: “a necessidade de cada escola” (linha 2) e explica que cada instituição tem uma

forma variada de trabalhar. Volta a sua ideia anterior sobre algum possível desencontro entre o

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que viu no curso e o que vivenciou no estágio, quando diz: “não seria verdade se eu dissesse

que foi exatamente igual não” (linhas 3 e 4) e novamente faz alusão à questão do ajuste e

peculiaridades das instituições de ensino. Entretanto, quando declara que “a gente consegue

visualizar o que a gente, nós aprendemos na sala de aula e no AVA, para a escola” parece

querer dizer que foi possível aplicar os conhecimentos teóricos no estágio (linhas 5 e 6).

Finaliza seu enunciado voltando à ideia de ajuste que os estudantes, no momento do estágio,

fizeram em relação àquilo que foi aprendido e a necessidade de cada instituição, deixando

claro que se referia à metodologia de ensino.

Interessante notar que Paulo parece ter percebido algum desencontro, mas se esquiva

de explicitá-lo e assim seu enunciado é permeado pela ambigüidade, pois, de alguma forma,

reconhece que houve problemas, mas por outro lado tenta disfarçar isso, o que, talvez possa

estar relacionado com o destinatário real: a entrevistadora, assumida como representante do

curso.

Pergunta 6: Como você avalia o uso das TIC no curso?

Enunciado 6

1 A utilização das Técnicas de Informação e Comunicação no curso de Ciências Biológicas

2 da Universidade de Uberaba foi abordada de forma clara e objetiva com a finalidade

3 de facilitar o conhecimento, onde o professor e preceptor assumem o papel fundamental de

4 mediador no processo tecnológico de aprendizagem.

Percebe-se um tom de formalidade no início deste enunciado, pelo fato de Paulo fazer

questão de incluir o título do curso em sua resposta. Na tentativa de reprodução do título,

aparecem dois aspectos importantes para esta análise: a revelação de um possível

desconhecimento a respeito da diferença entre tecnologias e técnicas, pontuando o uso destas

no curso e na instituição (linha 1) e o fato de deixar de fora do título do curso o termo

Licenciatura (linha 1). Qualifica, de forma concisa, o uso das TIC por meio das palavras

“clara” e “objetiva” (linha 2) e ressalta também que as TIC atingem o objetivo “de facilitar o

conhecimento” (linhas 2 e 3). Salienta ainda o papel do professor e preceptor, os quais

medeiam a aplicação das tecnologias no processo de aprendizagem (linhas 3 e 4).

Pergunta 7: Como você avalia sua interação (por meio das TIC) com os professores,

preceptor e os seus colegas no curso?

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Enunciado 7

1 Através do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), interagimos com professores,

2 preceptores, colegas de curso, materiais, diversos trabalhos como avaliações e

3 participações em fóruns onde os alunos puderam expor sua opiniões sobre assuntos

4 abordados no curso.

Paulo responde à pergunta furtando-se propriamente de avaliar a interação entre os

participantes do curso por meio das TIC. Em vez disso, ele descreve os agentes que

interagem, os materiais e ferramentas usados nas interações.

Pergunta 8: Como você avalia sua formação docente na modalidade a distância tendo

como referência o ensino presencial?

Enunciado 8

1 A formação docente requer, em ambas modalidades, determinação, que deve estar além

2 da sala de aula. No ensino a distância, tivemos dificuldades iniciais por não fazer um

3 bom planejamento de aprendizado, o que foi revertido ao perceber que a liberdade do

4 tempo em estudar em casa, sem estar necessariamente na sala de aula, exigiria maior

5 determinação na dinâmica do curso. Nas duas formações os estágios são presenciais,

6 onde aprendemos a fazer plano de aula e a convivência diária em uma escola.

Inicia o enunciado equiparando as modalidades presencial e a distância no que diz

respeito à “determinação” (linha 1), necessária à formação docente, que deve ultrapassar o

espaço escolar. Paulo não dá sentido ao que quer dizer com essa palavra, imediatamente, mas

é possível perceber o que queria dizer, ao longo do enunciado. Ao declarar que “tivemos

dificuldades iniciais” (linha 2) relacionados à falta de planejamento dos estudantes, ele as

generaliza para toda a turma com o uso do verbo na 1a pessoa do plural. Quando, logo em

seguida, enuncia que elas foram revertidas “ao perceber” que o ensino a distância exigiria

“maior determinação” (linhas 4 e 5), percebemos dois subentendidos: o primeiro, com o uso

da expressão “ao perceber” (linha 3), que parece se referir somente a ele e não mais à turma

toda, como anteriormente. E o segundo, com o uso da expressão “maior determinação” (linhas

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4 e 5) deixa implícita uma comparação com o ensino presencial, que exigiria menor

determinação. Sua explicação deixa transparecer que a causa da dificuldade foi o equívoco

gerado pela crença de que a EaD, ao não exigir a presença física, também não exigiria que o

tempo livre do aluno fosse gasto com o curso. Ressalta, no final, que há algo comum nas duas

modalidades de ensino que são os “estágios presenciais”, nos quais é possível a “convivência

diária na escola” (linhas 5 e 6).

Pergunta 9: Como você avalia o papel do preceptor na sua formação?

Enunciado 9

1 Fundamental o preceptor na minha formação, no curso a distância ele é o interlocutor, a

2 referência exata da modalidade presencial e a distância.

Paulo responde à pergunta sucintamente, avaliando o papel do preceptor apenas com o

uso do vocábulo “Fundamental” (linha 1). Passa a generalizar dizendo que este é “o

interlocutor” (linha 1). Com esta palavra, ele pode estar se referindo ao papel exercido pelo

preceptor de facilitar a interação e promover a conexão entre o estudante e instituição. Ao

referir-se a “modalidade presencial e a distância” (linha 2) ele parece considerar os momentos

em que está desenvolvendo atividades presenciais e a distância, ao longo do curso, e

reconhecer a importância do preceptor em ambos os momentos, com a expressão “referência

exata” (linha 2), atribuída a este.

Pergunta 10: Como você avalia a organização das disciplinas do curso?

Enunciado 10

1 As disciplinas foram organizadas de maneira a facilitar o aprendizado, utilizando, a

2 partir da segunda etapa, o AVA, importante ferramenta de auxílio no ensino aprendizagem.

Ao invés de avaliar a organização, Paulo apenas responde como foi feita, ressaltando o

seu objetivo e o que AVA foi utilizado para atingi-lo. Ressalta a relevância do ambiente virtual

para o ensino, quando o identifica como “importante ferramenta de auxílio no ensino e

aprendizagem” (linha 2).

Pergunta 11: Como você avalia a formação recebida no curso, ou o processo formativo

pelo qual passou diante da tarefa de lecionar ciências biológicas?

Enunciado 11

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1 É! Isso aí é um grande desafio. Na verdade é um grande desafio porque eu acredito assim, que

2 todos, assim que saem do curso, de qualquer curso, eh! existe um receio do que, como vai ser o

3 amanhã lá na sala de aula. Mas eu acredito que me deu uma condição de eu fazer um

4 planejamento, tá! Eu aprendi a planejar. Eu acho que uma das vantagens da modalidade

5 a distância é isso, aprender com o tempo a planejar e depois, fica, você estranha um pouco isso.

6 Você aprende a planejar. Eu acho que isso também é importante, você aprende a fazer

7 um planejamento em sala de aula. E os conteúdos aqui repassados, que foi aprendido e eu

8 poder traduzir isso para a sala de aula. Então, é um desafio. É um desafio que nós temos, acho

9 que todos que estão saindo de um curso de Licenciatura em Ciências Biológicas têm esse desafio,

10 poder repassar de uma maneira clara e objetiva para os alunos.

Paulo inicia seu enunciado referindo-se ao final da pergunta, relacionando a tarefa de

lecionar ciências biológicas à expressão “grande desafio” (linha 1). Além de se referir ao

desafio de lecionar, ele menciona e generaliza para “todos” (linha 2) que saem do curso, “um

receio” (linha 2) do “amanhã lá na sala de aula” (linha 3). Parece reconhecer que uma

contribuição significativa não só para atividade docente, mas também para a vida é a

habilidade de planejar (“Eu aprendi a planejar”, linha 4) e que isso foi proporcionado pela

modalidade a distância. Essa relação não ficou muito explicita, não está claro se ele se refere

ao curso de licenciatura em ciências biológicas na modalidade a distância ou à modalidade a

distância simplesmente, o que seria algo difícil de admitir. Também não há muita clareza

sobre a afirmação que ele relaciona ao planejamento como “você estranha um pouco isso”

(linha 5). Na parte final do enunciado, ele ressalta a importância do planejamento na atividade

docente, o qual lhe possibilitará atuar melhor por meio de aulas preparadas com antecedência.

Nessa parte também vem à tona sua visão conteudista de educação, seja quando se refere ao

processo de aprendizagem no curso de licenciatura (“conteúdos aqui repassados”, linha 7) ou

em relação à escola quando se refere ao desafio de todos os licenciandos de “poder repassar

de uma maneira clara e objetiva para os alunos” (linha 10). Ao utilizar os verbos “traduzir”

(linha 8) e “repassar” (linha 10) é possível depreender que Paulo tem uma visão do professor

como um transmissor de conteúdo e que concebe o professor como um técnico.

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Pergunta 12: Por que é importante ensinar conteúdo de Ciências Biológicas para

crianças e adolescentes?

Enunciado 12

1 Primeiramente, desde o ensino, perdão, a criança deve aprender a questão, primeiro, algumas

2 matérias, por exemplo, a questão do meio ambiente, a preservação da vida, da natureza,

3 do conhecimento, o que é a ciência, a origem da vida. Então são pequenos passos que você vai

4 mostrando, vai despertando o interesse da criança. Então eu acho que lecionar Biologia deve-se

5 começar nos primeiros anos de uma criança na escola. Você vai ensinar para ela, primeiro a

6 questão dela aprender a preservar o meio ambiente, a natureza, e aí você vai despertando

7 a criança nos outros temas e aos poucos ela vai adquirindo essa curiosidade.

O estudante responde, por meio de uma lista de “matérias” (linha 2) de Biologia,

deixando transparecer que é importante que a criança aprenda conteúdos de ciências

biológicas. Logo após a listagem de conteúdos, ele ressalta que “lecionar Biologia deve se

começar nos primeiros anos de uma criança na escola” (linhas 4 e 5) de modo a despertar seu

interesse. Em seguida, aponta uma relação entre o ensino da biologia e a atitude da criança,

quando se refere que ela vai aprender “a preservar o meio ambiente, a natureza” (linha 6).

Esse acréscimo, pode ser visto como a importância que ele atribui a ensinar conteúdos de

ciências biológicas para crianças e adolescentes. Finaliza o enunciado com a perspectiva de

que esse mesmo processo pode se dar com outros temas.

Pergunta 13: Como você avalia o conteúdo de ciências biológicas que foi oferecido no

curso?

Enunciado 13

1 O conteúdo do curso foi muito bom. O curso foi bem abordado e, outra coisa, às vezes algum

2 material didático que nós tínhamos algumas dúvidas, nós procuramos fazer também pela

3 internet, a consulta em outros livros, pela internet nos aprimorar e rapidamente sanar algumas

4 dúvidas. Inclusive com os preceptores que nos apoiavam para que fossem sanadas algumas

5 dúvidas também.

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Paulo faz uma avaliação respondendo ao que foi questionado. Ele classifica o

conteúdo do curso como “muito bom” (linha 1). Frisa novamente essa ideia e menciona

pesquisas e consultas a outros materiais para sanar dificuldades que, por vezes, surgiam em

relação ao material didático. Faz questão de ressaltar a atuação dos preceptores nesses

momentos pelo uso da palavra denotativa de inclusão “inclusive” (linha 4). Tal atitude pode

estar ligada à presença do seu destinatário real, que era professora tutora do curso.

Pergunta 14: Em sua opinião, que aspectos são necessários para formar um professor?

Enunciado 14

1 Vejo que um professor eh! um pouco do professor, realmente é o dom. Alguns professores

2 realmente têm o dom de lecionar. Têm a facilidade de se comunicar, têm o interesse

3 primordial de repassar os seus conhecimentos para o aluno. Então o importante para que

4 forme o professor, é o aluno, eh, o futuro professor querer de fato ter uma vocação de lecionar,

5 até porque se for analisar apenas a questão de remunerarão nós estamos vendo hoje que

6 existe um descaso, principalmente, por parte dos governantes, com relação à classe dos

7 professores. Então, mais do que nunca a questão de ser professor é ter um dom. É querer ensinar,

8 mesmo sabendo que para isso ele não é devidamente recompensado financeiramente, mas,

9 a questão é ele se sentir, se sentir eh satisfeito, um vencedor por ter feito por ter conduzido

10 aquela mensagem, repassar de forma clara o que ele aprendeu para os alunos.

11 Entrevistadora: Então na sua opinião a característica é ter dom? É só isso?

12 Não, tem que ter dom, tem que querer. Não só ter dom, tem que querer. Você pode até despertar no

13 aluno a possibilidade se ser um futuro professor, mesmo que ele não tenha dom. Você pode

14 despertar nele. Ah! Eu não nasci com o dom para ser professor. Não, você pode despertar nele

15 o interesse pela matéria, pela disciplina. Ele tem uma atenção pela disciplina de tal forma

16 que eu quero repassar o que eu aprendi. A gente aprende, eu acho, eu imagino que o

17 que o futuro professor ele aprende realmente para repassar os conhecimentos. Ninguém é o dono

18 do saber, mas o saber tem que ser compartilhado. Então eu acho que é isso, não necessariamente

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19 precisa disso, mas o dom é muito importante, que você tenha ele, que você tenha o dom

20 de saber isso.

Ao responder ao questionamento, Paulo parece remeter-se ao que é ser professor, pois

associa isso ao fato de ter dom e não aos aspectos necessários para formá-lo, ao dizer “um

pouco do professor, realmente é dom” (linha 1). Repete essa ideia e dá continuidade à frase

explicitando alguns aspectos que facilitam o ato de lecionar, como a facilidade de

comunicação e o interesse de repassar conhecimentos. Nessa construção, é possível

estabelecer uma relação entre estes aspectos e o dom. Menciona também que para se formar

um professor é preciso que, antes, ele tenha o desejo de sê-lo, uma vez que isso acontece, o

professor pode vencer possíveis dificuldades como a remuneração, (“até porque se for analisar

a questão de remuneração nós estamos vendo hoje que existe um descaso” (linhas 5 e 6).

Ressalta outra vez a questão do dom. Reforça seu pensamento anterior sobre a questão da

remuneração, contudo, traz um novo elemento que é a satisfação pessoal, quando diz: “a

questão é ele se sentir eh satisfeito, um vencedor” (linha 9).

Ao responder a outro questionamento da entrevistadora (linha 11), Paulo

aparentemente afirma que não é somente o dom e aponta outro fator: “tem que querer” (linha

12). Ele também explicita que é possível despertar esse desejo de ser professor no estudante,

ainda que este não tenha o dom (linhas 12, 13 e 14), pelo desejo de transmitir os

conhecimentos que aprendeu, uma vez, que ele deseja que seja compartilhado (linhas 16, 17 e

18).

Interessante notar que ele parece recorrer a um diálogo imaginário tentando reafirmar

a ideia de que é possível despertar a vontade de ser professor, o que acontece mediante a ação

de um outro professor que, ao lecionar uma determinada disciplina,tenha lhe servido de

referência. Isso pode ser percebido pelas frases: “Ah! Eu não nasci com o dom de ser

professor. Não, você pode despertar nele o interesse pela matéria, pela disciplina. Ele tem uma

atenção pela disciplina de tal forma que eu quero repassar o que eu aprendi” (linha 14, 15 e

16). Paulo parece querer dizer que, mesmo que o sujeito pense que não tenha habilidade para

ser professor, ele pode aventar essa possibilidade e que isso está atrelado à afinidade do

sujeito por determinada disciplina. Em outras palavras, o indivíduo gostou tanto do que

aprendeu que sente necessidade de ensinar esse conteúdo. Pode-se presumir que, nesse caso,

esse processo de identificação serviria de base para a construção da identidade docente.

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Outra vez o uso do verbo “repassar”, em “o futuro professor ele aprende realmente

para repassar os conhecimentos” (linhas 17 e 18) nos remete à concepção do professor como

transmissor, já esboçada no enunciado 11. No final, volta a reafirmar que o dom “é muito

importante” (linha 19) e conclui o enunciado com a frase “que você tenha o dom de saber

isso” (linhas 19 e 20). O pronome demonstrativo “isso” pode estar se referindo a um possível

autoconhecimento para saber discernir se se tem ou não o dom e assim, a habilidade para ser

professor.

Pergunta 15: O que é ser professor?

Enunciado 15

1 Ser professor é saber lidar no dia a dia com a individualidade de cada um, é saber respeitar

2 as deficiências de cada um. Se você é um professor, muitas vezes, você não deve se achar que

3 você é o sabedor, apenas por estar acima dos outros, né! Você quer compartilhar, você quer, você

4 tem que saber lidar coma as dificuldades de uma aluno, as necessidades de cada um. Saber

5 compreender o dia a dia de cada um. Muitas vezes, você está indo para uma escola,

6 cê tá com alguns problemas em casa, em família, você acaba tendo que deixar de lado para não

7 repassar aquela situação para seus alunos. A expectativa de um professor é muito grande em

8 relação aos alunos e os alunos esperam muito do professor. Então, essa interação ser professor

9 é saber interagir e repassar seus conhecimentos.

Paulo enumera uma série de características para esboçar sua ideia sobre o que é ser

professor: “lidar”, “respeitar”, “compreender” e “interagir”. Essas ações estão antecedidas

pelo verbo “saber” o que parece indicar uma habilidade, um jeito para desempenhar a função

docente (linhas 1, 4, 5 e 9). Chama atenção a necessidade que ele tem de reforçar que o

professor precisa ter habilidade para trabalhar com as lacunas dos alunos, ao dizer: “Ser

professor é saber lidar no dia a dia com a individualidade” (linha 1), “respeitar as deficiências

de cada um” (linhas 1 e 2) e também “lidar com as dificuldades de um aluno, as necessidades

de cada um. Saber compreender o dia a dia de cada um” (linhas 4 e 5). É possível supor que

ele talvez tenha encontrado, em sua experiência escolar, um professor ou professores pelos

quais ele não se sentiu respeitado, quando diz: “você não deve se achar que você é o sabedor,

apenas por estar acima dos outros” (linha 3). Traz a concepção de que é possível haver uma

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dicotomia entre a vida pessoal e profissional e que uma não deve interferir na outra (linhas 5,

6 e 7). Afirma que tanto professores e alunos esperam alguma coisa um do outro, sem,

contudo especificar o quê. Isso fica evidente quando diz: “A expectativa de um professor é

muito grande em relação aos alunos e os alunos esperam muito do professor” (linhas 8 e 9).

Ao finalizar o enunciado parece referir-se ao que disse anteriormente sobre a expectativa entre

professores e estudante, entretanto, denomina isso de “interação” e diz que “ser professor é

saber interagir e repassar seus conhecimentos” (linha 9). Mais uma vez a utilização do verbo

“repassar” nos parece indicar a concepção do professor enquanto transmissor de

conhecimentos, já esboçada nos enunciados 11 e 14. É possível estabelecer uma relação entre

alguns pontos que ele ressalta no “ser professor” e a questão do dom, enfatizada no enunciado

anterior, já que alguns aspectos que facilitam o ato de lecionar, como a facilidade de

comunicação e interesse de repassar conhecimentos se devem ao dom (linhas 2 e 3).

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7 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, procuramos sintetizar, na primeira seção, as análises das entrevistas,

extraindo aspectos que podem contribuir mais claramente para a compreensão da construção

da identidade docente dos licenciandos pesquisados e para a discussão, na segunda seção, das

seguintes questões de estudo: é possível observar sinais de que a identidade docente esteja

sendo construída discursivamente por meio de processos de identificação com a proposta

pedagógica do curso? É possível relacionar esses sinais ou a ausência deles às características

deste curso e também ao processo formativo a distância? Na terceira seção, tecemos as

considerações finais e algumas implicações deste estudo para a formação docente a distância.

7.1 SÍNTESES DAS ENTREVISTAS REALIZADAS

As sínteses foram elaboradas a partir de fragmentos das análises dos enunciados

agrupados em quatro eixos temáticos: no primeiro, dá-se destaque à justificativa apresentada

pelos licenciandos para cursarem a licenciatura em Ciências Biológicas a distância; no

segundo e terceiro, sintetizamos os principais aspectos da avaliação que eles fizeram dos

vários aspectos que caracterizam o curso; e no quarto, o que compreendem sobre a formação

docente e o “ser professor”.

7.1.1 Síntese da entrevista com Augusto

Por que a Licenciatura em ciências biológicas a distância?

Augusto justifica seu ingresso no curso de licenciatura em Ciências Biológicas a

distância pela facilidade e flexibilidade que este lhe oferecia para manter sua atual atividade

profissional e pela conciliação que percebia entre o conteúdo do curso e o de sua profissão,

deixando claro, também, que sua escolha representou apenas uma alternativa viável diante de

seu real interesse, que seria o de fazer um curso na área de Ciências Agrárias. De um modo

geral, a perspectiva individual e um gênero do discurso marcado por sua identidade

profissional de extensionista rural foram preponderantes em todas as justificativas, inclusive

quando considera que temse beneficiado das habilidades didáticas aprendidas no curso no

desempenho de sua profissão.

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Avaliação do processo formativo: aspectos da EaD

É possível depreender do discurso de Augusto que os aspectos temporais e espaciais

da EAD destacados nas atividades a distância são vistos como vantajosos, tanto quanto

aspectos como facilidade e flexibilidade, já mencionadas nas suas justificativas anteriores

para buscar um curso a distância. Já as interações mediadas pelas TIC com os outros

participantes, o licenciando as vê negativamente, por não terem sido intensas como desejado.

Augusto destaca o estágio para avaliar positivamente a formação docente a distância.

Assim, parece reconhecê-lo como atividade marcante e positiva no seu processo de formação

e como o elo com a realidade escolar. O fato de ele ter tomado o estágio, que é uma atividade

presencial, pelo todo (o processo formativo a distância) é significativo, pois silencia todo o

restante do curso realizado a distância, como por exemplo, as disciplinas, a relação destas com

o seu processo formativo, a interação com os professores e com os outros estudantes. É

possível supor que as atividades presenciais tenham tido mais impacto sobre sua formação do

que as realizadas a distância.

O entrevistado sinaliza que o preceptor esteve sempre presente e que essa presença

estava ligada a algum tipo de assistência. Embora não deixe claro em que esta consista, um

aspecto chama atenção: ela se dava presencialmente. Mais uma vez as atividades presenciais

são ligadas à qualidade do curso.

Avaliação dos aspectos curriculares e formativos

Conseguimos perceber, ainda que minimamente, uma possível referência a conteúdos

ensinados no curso, quando Augusto descreve a situação dos alunos do EJA. Ele também

menciona o conteúdo do curso quando declara ter conseguido conciliar a Educação Ambiental

com seu tema de TCC.

Augusto critica a organização das disciplinas do curso, apontando que o currículo não

contempla a integração dos conteúdos específicos com as relações humanas. Ele defende que

o aluno é formado no trabalho, após a sua formação universitária, e com isso se esquiva de

apresentar sua avaliação da formação recebida no curso. Quando justifica por que é

importante ensinar conteúdos de Biologia para crianças e adolescentes, não responde

propriamente à pergunta, e sim discorre sobre sua apreciação pela Biologia. Esse silencio

pode estar relacionado ao seu distanciamento em relação à atividade docente.

O estudante declara que o conteúdo do curso não foi muito aprofundado e, ao referir-

se à licenciatura como formação continuada, ele descaracteriza a finalidade própria do curso e

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dissolve sua identidade. Esse trecho de seu enunciado tem consequência direta e evidente

sobre a não formação de sua identidade docente.

A formação docente e o “ser professor”

Os ex-professores são evocados pelo estudante para mostrar a influência que tiveram

na sua vida, evidenciando sua perspectiva individual para justificar as características que são

necessárias para a formação de um professor. Faz uma generalização quando se refere ao

domínio de conteúdo por parte deste, o que é relacionado com o aspecto emocional. Ao

ressaltar que o docente tem que gostar do que faz e que isso suplantaria qualquer outra

condição real de trabalho, Augusto insinua a dimensão heroica da profissão e acaba

sintetizando suas ideias assemelhando explicitamente sua concepção de professor à figura de

um herói. Quando discorre sobre o que é ser professor, o estudante traz mais uma vez sua

experiência como extensionista rural para expressar sua concepção, na qual também se

percebe a dimensão do heroísmo.

7.1.2 Síntese da entrevista com Mayana

Por que a Licenciatura em ciências biológicas a distância?

Mayana justifica que optou pelo curso devido à possibilidade de conciliar estudo com

outras atividades e também pela afinidade com a disciplina de Biologia. A entrevistada

declara que tinha pouco conhecimento sobre EaD, mas quando explicita o que sabia, refere-se

às atividades presenciais.

Avaliação do processo formativo: aspectos da EaD

Quando se refere às atividades desenvolvidas no curso, Mayana discorre sobre os

encontros presenciais e destaca as interações com os colegas da turma. Entretanto, explicita

que, no ambiente virtual, não existia essa interação, uma vez que fazia as atividades a

distância sozinha. Em sua justificativa, evidencia sua preferência pelo material impresso e

uma rotina de trabalho impregnada de atividades não virtuais.

Contudo ela avalia o uso das TIC no curso como importante e percebe sua utilidade no

desenvolvimento de outras atividades. Considera que sua interação mediada pelas TIC com os

outros participantes do curso foi satisfatória, porém essa avaliação está condicionada à

existência de acesso diário dos usuários, o que deixa transparecer que talvez isso não tenha

ocorrido. De qualquer modo, essa interação é vista como mais importante para os sujeitos que

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residem distante do polo. É possível depreender que Mayana dá preferência à interação

presencial, viabilizada no polo.

A estudante avalia positivamente a formação docente recebida na modalidade a

distância. Explicita que o conhecimento proporcionado pelo ensino a distância pode ser o

mesmo que o presencial. Entretanto, ao construir essa comparação, ela cita, entre as atividades

a distância do curso, exclusivamente aquelas realizadas presencialmente. Há, portanto, se não

uma contradição, um silêncio em relação às atividades realizadas a distância e à interação com

os professores. É possível interpretar que, na sua percepção, as atividades realizadas

presencialmente tenham contribuído mais significativamente para a sua formação.

A entrevistada faz uma apreciação dos preceptores, não se remetendo ao preceptor do

seu curso, individualmente. Ela percebe que eles são importantes no processo formativo a

distância e expõe algumas de suas atribuições para justificar sua concepção.

Avaliação dos aspectos curriculares e formativos

Mayana reconhece que o aprendizado proporcionado pelo curso auxiliou no estágio e

que o conhecimento pedagógico auxiliou no trabalho com os sujeitos com quem ela lidou

naquela fase. Também percebe que houve uma articulação entre a teoria e a prática no

momento do estágio.

Ela considera bastante satisfatória a organização das disciplinas do curso, as quais

ofereceram o que era necessário para sua formação. Contudo não esclarece como estas

contribuíram para isso. Em outro enunciado, a estudante faz uma avaliação positiva e sucinta

da formação recebida. Relaciona a sua apreciação com o apoio recebido no curso e menciona

a teoria oferecida neste a qual colocou em prática no momento do estágio.

Em relação ao ensino do conteúdo de Biologia para crianças e adolescentes, a

entrevistada menciona a relação existente entre esse conteúdo, a vida e o cotidiano dos alunos,

esboçando a ideia de que tudo que faz parte da vida se resumiria ao conteúdo da Biologia.

Mayana declara que o conteúdo específico oferecido no curso foi muito bom,

incluindo, em sua avaliação, o conteúdo pedagógico.

A formação docente e o “ser professor”

Ao expor os aspectos importantes para a formação do professor, Mayana faz alusão à

consciência do exercício da profissão, talvez se remetendo ao profissionalismo, à apreciação

por ela, a vocação − que em sua visão está relacionada ao trabalho com as crianças e

adolescentes− e à afinidade pela disciplina lecionada.

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Ao expor sua concepção sobre o que é ser professor, a entrevistada expressa um

sentimento de realização que parece relacionado ao papel que o professor desempenha na vida

dos estudantes. Também traz a lembrança de seus antigos professores de forma generalizada,

pois não especifica um em especial e menciona que estes podem deixar marcas tanto positivas

quanto negativas na vida de seus estudantes. Retomando o que declarou anteriormente, ela

reafirma a vocação como uma condição fundamental para ser professor e a necessidadeda

apreciação pela atividade docente, mas introduz um novo elemento: a afetividade, que está

relacionada ao trabalho com as crianças e adolescentes.

7.1.3 Síntese da entrevista com Bertha

Por que a Licenciatura em ciências biológicas a distância?

A entrevistada justifica que sua opção está relacionada à facilidade que a EaD

proporciona para conciliar trabalho, estudo e família. Com relação ao interesse pelo curso, ela

o justifica pela afinidade que sempre teve pela Biologia, descrita em termos estéticos e por

meio de memórias da infância. A construção de seu enunciado indica que sua escolha foi pela

disciplina e que o curso veio em segundo plano. Assim, Bertha acaba por deixar a atividade

docente, identificada com o curso de licenciatura, ausente de suas justificativas, o que é

confirmado pelo fato de que sempre se refere ao curso pelo nome da disciplina (Biologia) e

nunca como licenciatura em Ciências Biológicas.

Bertha deixa transparecer, inicialmente, que não possuía nenhum conhecimento sobre

EaD, parecendo que sua grande motivação foi a necessidade de fazer um curso superior.As

informações que obteve, fornecidas por uma vizinha, referiam-se mais ao curso e ao trabalho

(presencial) dos professores do que ao processo de ensino a distância.

Avaliação do processo formativo: aspectos da EaD

A estudante explicita como as atividades a distância eram realizadas no início do curso

e, depois passa a mencionar como são no momento atual, no ambiente virtual. Ela limita as

atividades virtuais à entrega e correção de exercícios, não indicando nenhuma outra das

diversas possibilidades que esse recurso proporciona, como por exemplo, as interações entre

os estudantes e professores. Em compensação, ela ressalta a troca e o diálogo que ocorriam

presencialmente entre os professores do curso e os estudantes.

Sua avaliação sobre o uso das TIC no curso é muito sucinta, considerando sua

contribuição apenas “satisfatória”. Pelo pouco que diz e pela superficialidade de seu

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enunciado, é possível presumir que ela fazia pouco uso das TIC, o que parece ter certa

coerência com sua declaração de que usava o ambiente virtual apenas para entrega e correção

de exercícios.

Ela considera que a interação virtual com os outros participantes do curso foi boa,

porém essa avaliação positiva está limitada à interação com o preceptor. Apesar de declarar

que há uma união entre os colegas, não fica evidente a mediação desta pelas TIC. Da mesma

forma também há um silêncio no que se refere à interação virtual com os professores do

curso.

Bertha avalia positivamente a formação docente a distância e relaciona isso

unicamente a um aspecto do curso: ter de ir ao polo apenas uma vez por mês. Ao mesmo

tempo que seu enunciado destaca apenas um aspecto pragmático, relacionado à pouca

frequência presencial, silencia a respeito de todos os outros aspectos como, por exemplo, o

conteúdo ensinado, as atividades desenvolvidas, o contato com os sujeitos que fazem parte

desse processo, dentre outros. A avaliação de sua formação fica, deste modo, comprometida

pela pouca consistência de seu discurso.

A entrevistada faz uma apreciação positiva do preceptor e reconhece a importância

deste nos momentos de dificuldade vivenciados no curso.

Avaliação dos aspectos curriculares e formativos

Segundo Bertha, houve articulação entre disciplinas teóricas e o estágio. Relata que,

com as explicações e o aprendizado que teve no curso, foi possível planejar as aulas no

estágio. Contudo, menciona também o apoio do livro didático, o que nos leva a pensar que as

explicações a que ela se refere talvez tenham sido apenas sobre conteúdos específicos

silenciando assim, outros conteúdos relacionados aos conhecimentos pedagógicos, à escola ou

aos alunos. Juntamente com a ênfase no conteúdo específico, pode-se perceber o papel de

transmissor de conteúdos atribuído ao professor.

A estudante limita-se a fazer uma apreciação positiva da organização das disciplinas

do curso, porém sucinta e superficial, sem apresentar qualquer justificativa consistente para

isso. Lamenta o pouco tempo que tinha para se dedicar aos estudos, provavelmente assumindo

para si qualquer falha em sua formação.

Ao avaliar a formação recebida no curso, ela declara inicialmente que foi excelente.

Entretanto, no desenrolar de seu enunciado, é possível observar que se sente insegura para

atuar na sala de aula e que esse sentimento está relacionado ao seu despreparo em relação aos

conteúdos de Biologia. Neste momento nota-se sua visão conteudista de ensino, priorizando

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apenas a aprendizagem de Biologia dos alunos sem nada mais ter sido incorporado por ela

nessa imagem que faz de si, como professora de ciências e Biologia. Essa visão tanto pode

estar dialogando com o curso ou com o senso comum, não fica evidente.

Bertha esboça a importância da Biologia para o aluno mencionando a relação desse

conteúdo com a vida dos estudantes. Ao desenvolver essa ideia, ela aproxima-se de uma visão

ingênua das ciências biológicas como algo que se equipara com a vida e com tudo o que está

presente na vida, ou seja, uma visão idealizada, romantizada, de uma ciência onisciente.

Ela avalia como “muito bom” o conteúdo oferecido no curso, e novamente lamenta

não conseguir se dedicar tanto aos estudos, assumindo mais uma vez qualquer falha em sua

formação.

A formação docente e o “ser professor”

Ao discorrer sobre os aspectos que são necessários para a formação de um professor, a

entrevistada enfatiza a apreciação pela atividade docente (“gostar daquilo que faz”). Também

ressalta a importância da educação continuada, sendo que, quando se refere a isso, ela parece

fazer alusão ao conteúdo específico. Dessa forma, novamente silencia os aspectos

pedagógicos subjacentes à atividade docente e reafirma sua concepção conteudista de

educação. A ênfase no “gostar” faz ressoar em seu enunciado uma visão do senso comum, que

se encontra em muitas pessoas ligadas ou não à atividade educacional.

Quando expressa sua concepção sobre o que é ser professor, a estudante faz menção ao

trabalho docente e o qualifica de árduo. Aborda a desvalorização desse profissional e a falta

de reconhecimento do professor de maneira enfática, utilizando, para explicitá-la, vozes e

visões negativas de outras pessoas. Aponta dificuldades enfrentadas por ele para assumir os

papéis de pai e mãe na sala de aula e de lidar com diferentes demandas muito disseminadas

atualmente na mídia e nos ambientes educacionais. Cita também a falta de preparo deste para

resolver determinadas situações, sem, contudo, especificar alguma. Bertha caracteriza o “ser

professor” remetendo-se, fundamentalmente, às dificuldades enfrentadas pelos docentes, o

que se aproxima da representação do professor como herói.

7.1.4 Síntese da entrevista com Paulo

Por que a Licenciatura em ciências biológicas a distância?

Paulo explicita que conheceu a modalidade da EaD através da publicidade na internet

e relata que procurou saber como era seu funcionamento. Ao discorrer sobre esse último

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aspecto, menciona que o ensino a distância parecia-lhe algo muito estranho e deixa claro que

isso estava relacionado, em sua opinião, com a impossibilidade de adquirir conhecimento a

distância. Essa estranheza se desfaz quando ele “descobre” também que o estudo nessa

modalidade de ensino depende de uma questão comportamental do estudante para

acompanhar as atividades em outro espaço que não a sala de aula. A partir dessa descoberta,

Paulo passa a avaliar positivamente a EaD.

O entrevistado reconhece o papel das TIC na aprendizagem e não desconsidera as

tecnologias convencionais, como, por exemplo, o livro. Esboça uma ideia sobre a possível

mudança do papel da sala de aula que, em sua visão, passou a ser um lugar onde os estudantes

recebem (apenas) orientação.

Quanto aos motivos que o fizeram optar pelo curso, o estudante explicita que tinha

interesse na área de Biologia, excluindo, assim, a licenciatura em Ciências Biológicas.

Declara que sentiu dificuldade no início do curso e que isso estava relacionado ao tempo em

que esteve afastado dos estudos. Seu atrativo pela disciplina vinha de um interesse particular

pela subárea de meio ambiente, devido à relação com sua atividade profissional atual. Ao

desenvolver essa ideia, demonstra certa expectativa de conseguir, com o curso, ascender

profissionalmente.

A respeito da EaD, o entrevistado considera que, na atualidade, essa modalidade de

ensino é uma realidade, e parece associar essa ideia ao seu reconhecimento pelas instituições

públicas.

Avaliação do processo formativo: aspectos da EaD

No que diz respeito às atividades desenvolvidas no curso, Paulo, primeiramente,

refere-se às atividades presenciais: seminários, aulas práticas em laboratório e aulas de

campo, por exemplo. Em relação às atividades desenvolvidas a distância, ele menciona os

textos que serviam de base para o desenvolvimento dos estudos. Reconhece a possibilidade de

conciliação entre as atividades presenciais e a distância e explicita que o ambiente virtual

parece uma sala de aula, o que é visto por ele como algo positivo.

Ele considera que uso das TIC no curso foi claro e objetivo e salienta o papel do

professor e do preceptor na mediação e aplicação dessas tecnologias no processo de

aprendizagem.

Furta-se de avaliar a interação com os participantes do curso por meio das TIC,

limitando-se a fazer uma breve descrição dos agentes que interagem, dos materiais e das

ferramentas usadas para isso.

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Ao avaliar a formação docente a distância em relação à presencial, o entrevistado

equipara as duas modalidades apontando a determinação do sujeito para “além da sala de aula,

como fundamental para a formação docente. Menciona uma dificuldade inicial, relacionada à

falta de planejamento dos estudantes para realizar as atividades propostas no curso, que foi

sanada quando perceberam que para tal, seria necessário maior determinação do que em

cursos presenciais. Seu enunciado evidencia que essa dificuldade estava relacionada a uma

crença de que a EaD, por não exigir a presença física, também não exigiria que o tempo livre

do aluno fosse gasto com o curso.

Avaliação dos aspectos curriculares e formativos

Paulo afirma que houve articulação entre teoria e prática no estágio, porém faz uma

ressalva explicitando que foi preciso fazer adequações no que se refere à metodologia de

ensino, uma vez que cada instituição tem suas peculiaridades.

Ao invés de avaliar a organização das disciplinas, ele explicita, de forma sucinta, a

relevância do ambiente virtual para o ensino.

Segundo ele é um grande desafio a tarefa de lecionar Ciências Biológicas. Afirma

também, de forma generalizada, que os que terminam o curso sentem temor quando vão

iniciar a atividade docente. Reconhece que a habilidade de planejar é importante não só para a

docência, mas para a vida e que isso parece ter sido propiciado pela EaD, embora essa relação

não esteja muito clara no seu discurso. É possível perceber sua visão conteudista de educação

e do professor como sendo um técnico transmissor de conteúdos, seja quando se refere ao

processo de aprendizagem no curso ou aos desafios dos licenciandos no momento de atuar

como professores.

Ele julga importante ensinar os conteúdos de Ciências Biológicas para crianças e

adolescentes e lista algumas matérias que, em sua visão, são relevantes para despertar o

interesse destes. Faz menção também à relação entre o ensino de Biologia e a formação de

atitudes nas crianças, relacionadas ao meio ambiente.

Conforme sua avaliação o conteúdo do curso foi muito bom. Ressalta que as

dificuldades que surgiram foram sanadas por meio de outros materiais. Além disso, faz

questão de citar a atuação dos preceptores nesses momentos.

A formação docente e o “ser professor”

Ao discorrer sobre os aspectos que são necessários para formar um professor, Paulo os

associa ao fato de ter dom, concepção que aparece em todo o enunciado. Reafirma essa ideia e

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salienta que alguns aspectos que facilitam o ato de lecionar, como a comunicação e o interesse

de repassar conhecimentos devem-se ao dom.

Refere-se ao desejo que a pessoa tem de ser um professor como um aspecto necessário

na formação e esboça a ideia de que, devido a isso, o sujeito pode vencer possíveis

dificuldades, como a baixa remuneração. Ao reforçar essa concepção, traz um novo elemento:

a satisfação pessoal. Aponta que é possível despertar o desejo de querer ser professor no

estudante ainda que este não tenha dom. Isso seria possível desde que lhe fosse despertado o

interesse pela disciplina. Ao reafirmar essa ideia, ele parece recorrer a um diálogo imaginário,

esboçando que isso é possível mediante a atuação de outro professor que serviu de referência

para o estudante. É possível supor que, para Paulo, um processo de identificação com a

disciplina serviria de base para a construção da identidade docente.

Quando expressa sua concepção sobre o que é ser professor, Paulo enumera uma série

de habilidades, como saber lidar, respeitar, compreender e interagir. Ao fazer menção a elas,

ele parece indicar uma maneira de desempenhar a atividade docente. Aideia de que o

professor precisa ter habilidade para transmitir também é reforçada, evocando a concepção do

professor como transmissor, já apontada antes.

Registramos, no Quadro 7, os aspectos que consideramos mais significativos da

análise do discurso dos licenciandos, para subsidiar a discussão dos resultados, desenvolvida

na próxima seção.

Quadro 7. Aspectos significativos extraídos da análise do discurso dos licenciandos

Augusto Mayana Bertha Paulo

Justificativa de

escolha do

curso

Possibilidade de

conciliar estudo

e outras

atividades

Convergência

entre curso e

atividade

profissional atual

Possibilidade de

conciliar estudo

e outras

atividades

Afinidade com a

disciplina

Possibilidade de

conciliar estudo

e outras

atividades

Afinidade com a

disciplina

Convergência

entre curso e

atividade

profissional atual

Interesse pela

disciplina

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163

Avaliação do

processo

formativo a

distância

Destaca a

atividade

presencial

(estágio)

Critica a pouca

intensidade das

interações a

distância

Destaca as

atividades

presenciais

(seminários e

oficinas)

Destaca as

interações

presenciais com

os colegas

Destaca as

interações

presenciais com

os colegas

Destaca as

atividades

presenciais e a

distância

Avaliação dos

aspectos

curriculares e

formativos

Critica a

organização das

disciplinas e o

conteúdo do

curso

Destaca a

relação entre a

teoria e a prática

vivenciada no

estágio

Destaca a

relação entre a

teoria e a prática

vivenciada no

estágio

Destaca a relação

entre a teoria e a

prática

vivenciada no

estágio

Formação e

construção da

identidade

docente

Destaca a

dimensão heroica

do professor

Destaca a

consciência,

apreciação pela

profissão, a

vocação e a

afinidade pela

disciplina.

Destaca a

apreciação pela

profissão

esilencia

aspectos

pedagógicos

Destaca o dom, o

interesse de

repassar

conhecimento e a

satisfação

pessoal

Ensino de

Biologia

Destaca aspectos

da Biologia

Relação da

Biologia com a

vida e com o

cotidiano do

aluno

Relação da

Biologia com a

vida do aluno

Relação da

Biologia com

formação de

atitudes

Representação

de professor

Dialoga com

concepções

individuais

Representação

do professor

como herói

Dialoga com

concepções do

senso comum

Representação

vocacional do

professor

Dialoga com

concepções do

senso comum

Representação

do professor

como herói

Dialoga com

concepções do

senso comum

Representação

do professor

como

transmissor

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164

7. 2 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os sujeitos desta pesquisa têm em comum características que os colocam em um

grupo social que, segundo Petri (1998) e Belloni (2005), procuram pela EaD como uma

alternativa que corresponda a sua realidade de trabalho, bem como às expectativas e

necessidades individuais. Esses aspectos são apontados por três dos quatro entrevistados:

Augusto, Mayana e Bertha que, em seus discursos, ao justificar a opção pela EaD, são

unânimes em declarar a facilidade que representou a flexibilidade de tempo de um curso a

distância, pois precisavam conciliar o estudo com as atividades que desempenhavam. Já Paulo

aponta como justificativa de opção a avaliação positiva que fez quando procurou informar-se

sobre a EaD, referindo-se à modalidade de ensino.

Assim, a opção pelo curso e modalidade de ensino podem ser influenciadas por vários

fatores, muitas vezes relacionados aos contextos de vida dos indivíduos. No caso da escolha

pela licenciatura em Ciências Biológicas, Santos (2009) aponta que ela pode ser influenciada

pelos contextos familiar e escolar, sendo que neste último os principais agentes

influenciadores são professores. Já para Mello (2007), além da família, fatores como o acaso

ou a possibilidade do curso ser voltado para a área de laboratório também são igualemente

preponderantes na escolha. Bierhalz (2012) também afirma que a trajetória de vida também

infuencia na escolha da profissão e do curso.

Em nosso estudo, a escolha pelo curso foi devido à aproximação entre o seu conteúdoe

o da profissão, caso de Augusto. Já para Mayana e Bertha, à afinidade pela disciplina de

Biologia. Paulo também explicita, em seu discurso, que seu interesse era pela área (Biologia)

e não pelo curso de licenciatura, contudo esclarece que sua intenção estava voltada pela

subárea meio ambiente devido à relação desta com a sua atividade profissional. Assim, os

licenciandos não tinham como primeira opção de escolha pelo curso a licenciatura e também

não explicitaram o desejo de serem professores, fato também obeservado por Rosa et al.

(2012). No entanto, Mello (2007) comenta que isso não significa, a princípio, que os aspectos

que inpulsionam os licenciandos a optar pelo curso possam determinar o desempenho ou a

identificação pela profissão, pois a identidade é um processo e, portanto, passível de

mudanças.

Procuramos, em nosso estudo, investigar o discurso de licenciandos sobre aspectos

formativos e curriculares de um curso de licenciatura em Ciências Biológicas a distância com

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o intuito de observar sinais de que a identidade docente tenha sido construída discursivamente

por meio de processos de identificação com a proposta pedagógica do curso e relacionar a

presença ou ausência desses indícios a características desse curso.

Percebemos, pela análise dos discursos dos licenciandos, que os aspectos mais

destacados como significativos relacionados à formação a distância se referem às atividades

presenciais. Observamos que eles reconhecem a importância do preceptor na sua formação,

mas que seu papel deste está relacionado com os momentos presenciais. Também ficou

evidente o silêncio em relação à interação mediada pelas TIC com os professores e também à

quase inexistência delas entre os participantes do curso. Esses sinais nos levaram a considerar

que as atividades presenciais parecem ter sido mais relevantes para os estudantes do que as

interações a distância. Esse desequilíbrio pode estar confirmando a tese de que são as relações

intersubjetivas presenciais, o convívio e a cultura do lócus de formação que contam para a

construção da identidade (ZUIN, 2006) e da identidade docente (GIOLO, 2008, 2010).

Esse resultado também pode estar relacionado com as mudanças ocorridas durante o

curso. Essa turma, como já mencionado e, inclusive evocado no discurso de Bertha, realizava

suas atividades, como a entrega e correção de exercícios, presencialmente. A interação com o

preceptor ocorria nos momentos em que os estudantes iam ao polo para entregá-las e sanar

suas dúvidas. Não existia, no polo de apoio presencial, um professor específico do curso, pois

eles vinham da sede, no momento dos encontros presencias, para ministrar conteúdos e depois

retornavam. O celular era um meio muito utilizado para contactar o polo e o preceptor, já que

muitos não tinham em suas residências e cidades, acesso a internet e alguns nem dispunham

de computador.

Assim, quando o ambiente virtual passou a fazer parte do curso, uma nova dinâmica

ocorreu na vida acadêmica desses estudantes e dos que trabalhavam com eles. Nem eles, nem

o preceptor e professor-tutor, figura que passou a existir no curso após as modificações

exigidas pelo MEC, não estavam familiarizados com esse novo formato do curso. Foi preciso

tempo, paciência e muito diálogo para que os estudantes pudessem começar a entender a nova

metodologia e também nossa adaptação a ela. Dessa forma, é possível compreender por que

Bertha tenha reduzido as atividades no ambiente virtual à entrega e correção de exercício; que

Mayana tenha sentido falta do acesso diário dos outros participantes; que Augusto tenha

explicitado que as interações não tenham sido tão intensas como gostaria que fossem e que

Paulo tenha se furtado de avaliá-las, e, ainda, que eles tenham se silenciado a respeito da

interação com os outros professores do curso. Tudo isso parece evidenciar que houve uma

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falta de comunicação e interatividade entre professores, preceptor e estudantes no

desenvolvimento das atividades a distância e, talvez por causa disso, os entrevistados tenham

destacado como positivas as atividades presenciais.

Esses resultados parecem coadunar com o que Bierhalz (2012) aponta como um dos

problemas que professores e estudantes em um curso de licenciatura em Matemática a

distância investigado por ela, enfrentam: a falta de comunicação. De acordo com a autora, os

professores envolvidos com a EaD precisam, ao organizar as atividades a distância, de que

estas sejam bem executadas. Isso requer planejamento, dedicação, comunicação e avaliação

feitas de forma a garantir um ambiente motivador, pois caso contrário os estudantes se

desmotivam. A principal queixa dos alunos investigados foi a falta de comunicação com os

professores e tutor.

Também Silva (2008) alerta que o professor precisa promover atitudes

comunicacionais específicas, como, por exemplo, a participação-intervenção do receptor,

propiciando a este uma conexão que permita ampla liberdade de associações e significações,

além de planejar atividades que estimulem a cooperação entre os estudantes e professores.

Para o autor, caso o professor não perceba esse novo formato de comunicação que emerge

com a cibercultura, ele tende a manter os cursos via web no mesmo modelo de ensino, nos

quais os conteúdos são distribuídos em sites estáticos e centrados na transmissão de

informação, desprovidos de mecanismos de interatividade e de criação coletiva.

Provavelmente, essa dificuldade, embora não apontada de forma direta pelos licenciandos

investigados no presente estudo, nos discursos sobre a formação pela EaD, tenha contribuído

para que a qualidade do curso e o trabalho do preceptor estivessem sempre relacionados às

atividades presenciais.

No tocante à avaliação dos aspectos curriculares e formativos, Augusto critica a

organização das disciplinas do curso, pois em sua opinião elas não contemplam a integração

dos conteúdos específicos com as relações humanas. Esse aspecto destacado por ele foi

encontrado no trabalho de Tavares (2007), que identificou algumas características a respeito

do trabalho docente esboçada por licenciandos do curso de Ciências Biológicas, os quais

comentam que o professor tem que conhecer a respeito das relações humanas, pois o saber

científico não basta para saber ensinar. Por outro lado, Mayana e Bertha fizeram uma

apreciação positiva, embora sucinta, da organização das disciplinas sem, contudo, evidenciar

como estas contribuíram para isso. Já Paulo ressalta de forma sucinta a relevância do

ambiente virtual para o ensino.

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Para Augusto, o conteúdo do curso não foi muito aprofundado; para Mayana, foi muito

bom ea auxiliou no estágio, sendo que ela evidencia a importância do conteúdo pedagógico e

admite que houve articulação entre teoria e prática. Bertha e Paulo também fizeram uma

avaliação positiva do conteúdo oferecido, destacando a articulação entre as disciplina teóricas

e o estágio. Porém, de que forma suas percepções se expressam na construção da identidade

docente?

Augusto não parece se identificar com a profissão docente, considerando que ele

refere-se à licenciatura como formação continuada. Já Mayana indica uma afinidade pela

docência, pois não só reconhece como avalia de forma positiva o conteúdo pedagógico,

indicando uma preocupação com os alunos. Bertha deixa transparecer em seu discurso a

relevância do conteúdo específico e uma visão conteudista que prioriza apenas a

aprendizagem de Biologia e também o papel do professor como transmissor de conteúdos.

Paulo também parece evidenciar a imagem visão desse um professor transmissor de

conteúdos, quando se refere ao processo de aprendizagem no curso e aos desafios dos

licenciandos no momento de atuar comodocente.

A percepção da relação entre o conhecimento acadêmico e prática no momento do

estágio, assim como algumas marcas que podem fazer parte do perfil dos futuros professores,

foram evidenciadas por Santos (2009). Segundo o autor, os licenciandos investigados por ele,

de maneira geral, atribuíram significado ao conteúdo teórico, pedagógico e disciplinar durante

a realização do estágio. Também relata que foi possível perceber algumas marcas que,

futuramente, iram desenhar o perfil desse professor. Alguns se preocupavam mais com o

conteúdo, outros com o método de ensino, outros com os alunos.

Por outro lado, Melo (2007) argumenta que a pouca ênfase dada à formação

pedagógica dificulta o aprendizado da profissão. Segundo a autora, isso ficou evidente nos

depoimentos dos alunos quando questionados sobre a formação para a docência. Ela

identificou também em seu estudo alguns aspectos que dificultam o desenvolvimento da

identidade profissional, como, práticas formativas que pouco contribuem para o investimento

na profissão e a insegurança sentida pelos alunos ao assumirem a docência no período de

estágio. Talvez isso possa ter ocorrido no curso, pois mesmo avaliando de forma positiva a

formação recebida e até reconhecendo a importância do conteúdo pedagógico, como Mayana,

observamos que Bertha, apesar de avaliá-la como satisfatória, demonstrou insegurança para

atuar na sala de aula e que houve um silêncio a respeito dos conteúdos relacionados aos

conhecimentos pedagógicos, à escola e aos alunos, evidenciados nos discursos dos estudantes,

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o que pode estar apontando para uma deficiência no curso em relação a esse aspecto.

Também precisamos lembrar que estas inconsistências podem estar relacionadas ao fato de

que a entrevistadora, destinatário real e suposto dos entrevistados, representava o curso.

Percebemos, pelas análises dos enunciados dos licenciandos, que, de uma maneira

geral, as suas perspectivas dialogam mais com o senso comum do que com discursos que

estejam associados ao currículo do curso, a alguma disciplina, a algum autor em particular e

tampouco à prática docente vivenciada no momento do estágio, por exemplo. Parece que os

licenciandos, apesar de estarem no final do último semestre, não romperam com seus

processos de identificação/diferenciação construídos bem antes do ingresso no curso. Trazem

marcas de suas vivências, como Augusto, que avalia a formação docente e dá significado ao

“ser professor” assemelhando a sua experiência de extensionista rural à atividade de um

professor, dialogando com sua experiência profissional e produzindo enunciados híbridos nos

quais é possível perceber, ao mesmo tempo, dois acentos, duas perspectivas que misturam

palavras retiradas de contextos diferentes.

Já o discurso de Mayana parece evidenciar que a construção da identidade docente é

um processo que começa nas experiências vivenciadas como estudante e também está ligado

ao significado social que os professores atribuem a sua profissão e à educação escolar, como

apontado por Pimenta e Lima (2011). Contudo percebe-se, nos aspectos do “ser professor”

listados por ela, diálogos estabelecidos com o senso comum. Assim, Mayana, Bertha e Paulo

dialogam com uma rede de concepções do senso comum, trazendo representações sobre a

profissão docente que são colocadas em circulação por meio de discursos que disputam o

modo de ser e agir docentes.

Observando os aspectos mais significativos da análise podemos tentar estabelecer

algumas aproximações e diferenças. Augusto, assim como Mayana, evoca ex-professores para

mostrar a influência deles na sua vida − caso de Augusto − e na vida dos alunos, para Mayana.

Eles também ressaltam a apreciação pela profissão assim como Bertha. No tocante, há uma

diferença de sentido atribuída por Augusto e Mayana quando expressam esse atributo. Para

Augusto, o “gostar do que faz” auxilia a suplantar qualquer outra condição real de trabalho,

equiparando sua concepção de professor à figura de um herói. Mayana relaciona essa

apreciação ao trabalho com crianças e adolescentes e também à vocação. Da mesma forma

Bertha enfatiza a apreciação pela profissão, entretanto, é possível depreender que isso está

ligado a uma visão do senso comum e à concepção conteudista de educação. Já Paulo

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menciona o dom e o desejo como aspectos necessários para a formação docente e esboça a

concepção do professor transmissor.

Podemos depreender dessa análise que há uma série de significações atribuídas à

profissão docente que estão embutidas na representação do que é “ser professor” e que,

consequentemente, influenciam o processo de construção identitária dos licenciandos.

Quadros et al. (2005) e Gimenes (2011) comentam que as pessoas carregam uma imagem ou

modelo de professor que é formada durante todo o período de escolarização, sendo este o

principal meio pelo qual se dão os primeiros passos na construção da identidade docente.

Entretanto, Quadros (idem) argumenta que o acréscimo de outros saberes obtidos na

licenciatura, ou incorporados pela própria prática, auxiliam na construção da identidade

profissional. Loguercio e Pino (2003) explicitam que os cursos procuram preparar os

licenciandos para serem professores melhores que o que eles conhecem, porém nunca ou

raramente problematizam a existência de uma cultura escolar que seja capaz de desestabilizar

seus conhecimentos, suas ilusões e seus discursos perante os discursos acadêmicos.

Os sujeitos investigados são pessoas com mais de 25 anos que trabalham como

extensionista rural (Augusto), professora de inglês e alemão (Mayana), professora das séries

iniciais do Ensino Fudamental (Bertha) e como policial civil (Paulo). Augusto e Bertha

residem em pequenas cidades do interior de Minas Gerais, as quais não dispõem de estrutura e

condições para que eles possam ter acesso a aparelhos culturais, como teatros, cinemas,

museus, biblioteca e apresentações musicais. Seu poder aquisitivo é baixo, o que também

dificulta o acesso a essas atividasdes culturais devido aos custos que elas geram. Já Mayana e

Paulo moram em uma cidade maior, na qual está localizado o polo de apoio presencial do

curso, que dispõe de mais aparelhos culturais, além de terem um poder aquisitivo superior aos

outros, o que lhes dá mais condições de acesso a esses bens culturais.

Conhecer os contextos nos quais os sujeitos estão imersos pode auxiliar na

compreensão da suas escolhas e concepções, pois de acordo com Hall (2011), a cultura atua

na produção da identidade ao dar sentido à experiência quando possibilita a opção entre as

várias identidades possíveis. Ela também oferece uma gama de possibilidades que geram uma

variedade de representações simbólicas, as quais acabam por constranger o indivíduo em suas

escolhas. Assim, a identidade emerge, não de um centro interior, de um “eu verdadeiro e

único”, mas do diálogo entre os conceitos e definições representados pelos discursos de uma

cultura e pelo desejo (consciente ou inconsciente) de responder aos apelos feitos pelos

significados.

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Dessa maneira, a construção da identidade profissional é feita a partir de inúmeras

referências e vai se constituindo no dialogo entre sujeito e sociedade, portanto são construídas

por meio de negociações. Isso possibilita, no caso da identidade docente, que os licenciandos

possam optar entre os discursos e imagens que circulam do que é “ser professor”.

As representações de herói, de professor vocacional e de transmissor embutidas na

concepção do “ser professor” nas construções discursivas dos licenciandos investigados estão

associadas, segundo Campos (2008), à trajetória escolar e de vida dos licenciandos. Assim

como em nosso estudo, os estudantes investigados por este autor são oriundos de classes

populares, cujas famílias têm baixo poder aquisitivo e pouca escolaridade. Do mesmo modo

que os nossos licenciandos, os que Campos (idem) investigou conseguiram construir

estratégias que lhes permitiram o ingresso em curso superior, o que está em consonância com

o discurso dos nossos sujeitos. No caso de Augusto e de Bertha, o curso escolhido não era o

objeto do desejo, mas ingressar no curso superior sim. Paulo e Mayana tinham interesse no

curso de Biologia e não na licenciatura. Percebemos assim, semelhanças com os processos de

construção identitária de nossos sujeitos, que vão além da identificação com uma profissão

em particular, mas que viabilizam um outro desejo, certamente condicionado pelo contexto

sociocultural que os circundam.

Considerando a aproximação entre suportes teóricos e metodológicos, parece

conveniente uma comparação entre os nossos resultados e os resultados da análise da

construção discursiva e identitária de quatro licenciandas em Química, realizada por Beja e

Rezende (2014). Naquele estudo, as autoras perceberam, no discurso de duas licenciandas, o

diálogo com conhecimentos teóricos presentes no curso e a identificação do professor com o

papel de mediador enquanto nos enunciados das outras duas, o diálogo com representações

sociais formadas nas experiências escolares que identificam o professor com o papel de guia e

missionário. No presente estudo, a construção discursiva da identidade docente dos quatro

licenciandos se assemelharam ao dessas duas licenciandas. Estudos futuros poderiam ser

realizados para se obter uma melhor compreensão das semelhanças e diferenças entre esses

resultados que, certamente, passarão pela caracterização dos contextos institucionais e

socioculturais dos licenciandos.

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7. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES

Concluímos que o curso teve pouco impacto na construção da identidade docente dos

estudantes, o que pode estar relacionado a vários fatores. O primeiro deles parece se

relacionar à opção pelo curso, que é feita, primeiramente, por permitir a conciliação com

atividades profissionais e/ou outras atividades já em curso ou pela afinidade pela disciplina,

todavia nunca pela escolha de abraçar a carreira docente. É claro que essa situação se deve às

condições socioculturais que contornam o fenômeno da formação docente a distância.

No caso de Augusto e Paulo, o compromisso com a atividade profissional atual, ainda

que sejam cargos técnicos, justifica-se pela estabilidade econômica e social que representam,

no cenário social brasileiro. A profissão docente, restrita ao ensino básico, ocupa o lugar

oposto na sociedade, sem prestígio social, sem remuneração adequada e sem atenção

suficiente dos governantes. Em um cenário como este, não é difícil compreender por que, não

só Augusto e Paulo, mas também Mayana e Bertha, ainda que já atuantes na área de ensino,

tenham hesitado em se apropriar da identidade docente.

O curso de licenciatura, no contexto de desvalorização e precarização do trabalho

docente em nosso país, não tem conseguido atrair os jovens para essa profissão e (Gatti,

2010), menos ainda, consegue alterar a situação profissional anterior dos licenciandos quando

já são profissionais de outras áreas, mas que ainda não possuem cursos de nível superior e

buscam nesses cursos apenas uma certificação para conquistar níveis mais altos na profissão

original. Esse quadro parece se acentuar quando se trata de cursos de licenciatura a distância

oferecidos por instituições privadas, em geral, para um público essencialmente de idade

avançada para cursar a primeira graduação e que veem como maior atrativo, como foi o caso

de nossos sujeitos, a facilidade que representa a flexibilidade de tempo oferecida pela EaD e a

realização de um desejo social de ter um curso de nível superior.

Este estudo lança luz sobre a problemática da licenciatura vivenciada hoje no país, e

um alerta, especificamente em relação a EaD, para a formação docente. Ainda que não

possamos generalizar nossos resultados, o perfil dos estudantes investigados e do restante da

turma a que pertenciam pode ser representativo de alunos de cursos de licenciatura a

distância: 80% são do sexo feminino, trabalham, têm nível socioeconômico baixo, idade

superior à faixa etária de jovens entre 18 e 24 anos, podem ter trajetória de vida e experiências

profissionais técnicas e identidades profissionais consolidadas ou simplesmente desejam

ascender socialmente, por meio de um curso superior. Foi possível mostrar como esse perfil

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poderá comprometer a construção de uma identidade docente, ou melhor, levar a uma

identidade docente formada pelo senso comum, como a de qualquer outra pessoa que passou

pela escola e assiste à TV e a outras mídias.

Aliado a possíveis lacunas do curso de licenciatura, contexto do presente estudo, que

possam estar envolvidas em nossos resultados, esse conjunto de circunstâncias socioculturais

pode colocar em xeque as políticas de formação docente para suprir a falta de professores de

ciências de nível médio, uma vez que os formandos simplesmente não venham a abraçar a

carreira docente ou que venham a fazê-lo sem referências mais robustas para enfrentar a

realidade atual do ensino público.

Pensando em aspectos mais específicos dos resultados, consideramos que a relevância

do estudo realizado consiste no fato de se ter buscado ouvir os estudantes para compreender o

fenômeno formativo, sempre complexo, e ter podido mostrar como representações e crenças

trazidas por eles concorrem com discursos produzidos no curso para forjar a identidade

profissional. Neste sentido, destacamos a grande influência do senso comum nas perspectivas

de nossos entrevistados sobre a formação docente e o significado de “ser professor”.

Fatores levantados na análise, como o fato da opção dos entrevistados pelo curso

exaltar a facilidade e a flexibilidade de tempo e,quando muito, a afinidade com a disciplina de

Biologia, o possível empobrecimento das relações intersubjetivas nas interações a distância e

as críticas feitas aos conteúdos oferecidos no curso podem ter contribuído para a permanência

de representações construídas ao longo da trajetória de vida e baseadas no senso comum.

Neste conjunto de representações, também é importante destacar a visão de ciência, que

apareceu em vários enunciados como um conteúdo pronto e acabado ou algo belo e capaz de

explicar todo o mundo a nossa volta!

Assim, julgamos importante implicação deste estudo propor que representações de

professor já levantadas na literatura (por exemplo, CAMPOS, 2008, LEITE et al., 2010,

COSTA et al., 2011) e tantas outras que circulam na mídia e no senso comum sejam objeto de

discussão nos cursos de licenciatura presenciais ou a distância. Outros fatores levantados

nesta análise também devem ser contemplados, como a opção do estudante pelo curso, o

papel das relações intersubjetivas e a avaliação dos conteúdos.

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ANEXOS e APÊNDICES

ANEXO I- MATRIZ CURRICULAR E CARGA HORÁRIA DO CURSO

1a Etapa

Componente Carga Horária

A sustentação da vida 225

Escola e sociedade 90

Seminários de Integração 32

Oficinas de apoio à aprendizagem 32

Prática de ensino 70

Trabalho de construção de aprendizagem 10

Carga horária total 459

2a Etapa

A sustentação da vida 225

Escola e sociedade 90

Seminários de integração 32

Oficinas de apoio à aprendizagem 32

Prática de Ensino 70

Trabalho de conclusão de curso 10

Carga horária total 459

3a Etapa

A unidade da vida 225

Espaço pedagógico da sala de aula 75

Seminário de integração 32

Oficinas de apoio à aprendizagem 32

Prática de ensino 70

Trabalho de construção da aprendizagem 10

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Carga horária total 444

4a Etapa

A unidade da vida 210

Espaço pedagógico da sala de aula 75

Seminário de integração 32

Oficinas de apoio à aprendizagem 32

Prática de ensino 70

Estágio supervisionado 130

Trabalho de construção da aprendizagem 10

Carga horária total 559

5a Etapa

Tempo e diversidade 195

Ensino-aprendizagem de Ciências

Biológicas em sala de aula

60

Seminários de integração 32

Oficinas de apoio à aprendizagem 32

Prática de ensino 60

Estágio Curricular Supervisionado 130

Trabalho de construção de aprendizagem 10

Carga horária total 519

6a Etapa

A biotecnologia, ética e saúde 195

Ensino-aprendizagem de Ciências

Biológicas em sala de aula

45

Seminário de integração 32

Oficinas de apoio à aprendizagem 32

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Prática de Ensino 60

Estágio curricular supervisionado 140

Trabalho de Conclusão de Curso 16

Carga horária total 520

Carga horária total do curso 2960

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ANEXO II

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Eu, _________________________________________, após receber explicações orais da

pesquisadora do Programa de Pós-graduação do Núcleo de Tecnologia Educacional para a

Saúde em Educação em Ciências e Saúde (NUTES/UFRJ), estou ciente do(s): 1. Objetivo da pesquisa Esta pesquisa tem como finalidade analisar o discurso de licenciados em Ciências Biológicas

que cursaram a graduação em cursos de Licenciatura à distância a partir da perspectiva

sociocultural de Bakhtin e da sociologia da prática de Bourdieu. 2. Procedimentos a. A coleta de dados da pesquisa será realizada por meio de uma entrevista.

b. Para o registro das entrevistas será utilizado um gravador MP3, cujas gravações em áudio

serão posteriormente transcritas por esta pesquisadora.

c. Como foi informado pelo pesquisador, no início das atividades todos os sujeitos envolvidos

na pesquisa terão garantia de que sua identidade será mantida em total sigilo. 3. Riscos e desconforto Esta pesquisa não traz nenhum risco nem desconforto aos seus participantes, na medida em

que não há possibilidade de danos a qualquer dimensão do ser humano (item II.8 e II.9, da

resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde), pois os procedimentos acima descritos

asseguram a confidencialidade e a privacidade, a proteção da imagem e a não estigmatização

dos sujeitos de pesquisa, dando garantia a estes sujeitos de que sua identidade será mantida

em total sigilo durante todo o processo, tendo somente sua condição de estudante de

Licenciatura do Curso de Ciências Biológicas mencionado nos textos que divulgarão os

resultados da pesquisa. 4. Garantia de recusa Caso eu não queira participar de qualquer parte da pesquisa comunicarei aos pesquisadores do

meu desejo de não participar e este será respeitado. 5. Garantia de acesso aos dados, resultados e ao grupo de pesquisadores Sempre que considerar necessário tirar dúvidas, acessar dados e resultados, recorrerei à

pesquisadora do (NUTES/UFRJ) pelo endereço eletrônico [email protected] ou pelo

telefone: (21) 25626345 ou (21) 25626614. Sendo assim, consinto participar da pesquisa como está explicado neste documento.

______________________________________

Local e data

Assinaturas:

________________________________________

Participante __________________________________________

Coordenação do Projeto

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APÊNDICE I

PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS LICENCIANDOS DO ÚLTIMO PERÍODO DO

CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS.

Perfil

1. Sexo:

Sexo Feminino Masculino Total

19 5 24

Porcentagem 79,17% 20,83% 100%

2. Faixa etária

Faixa

Etária

Número correspondente de

estudantes

Porcentagem

Até 24 anos 3

12,5%

De 25 a 30

anos

3 12,5%

De 31 a 35

anos

7 29,17%

De 36 a 40

anos

7 29,17%

De 41 a 45

anos.

3 12,5%

De 46 a 50

anos

1 4,16%

Total 24 100%

3. Tem outra graduação?

Sim 9 37,50%

Não 15 62,50%

Total 24 100%

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184

4. Você mora:

Com os pais 7 29,17%

Com esposo(a) e/ ou filhos 16 66,67%

Com parentes 1 4,16%

Em república

Em pensionato

Sozinho

Outra situação

Total 24 100%

5. Qual a escolaridade de seu pai?

Nunca frequentou a escola 3 12, %

Ensino Fundamental

incompleto

12 50%

Ensino Fundamental completo 1 4,17%

Ensino Médio incompleto 1 4,17%

Ensino Médio completo 2 8,33%

Ensino superior incompleto 3 12,5%

Ensino superior completo 2 8,33%

Não sei

Total 24 100%

6. Qual a profissão de seu pai?

Profissão

Advogado 1 4,14%

Aposentado 5 20,83%

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185

Médico 1 4,17%

Não responderam 3 12,5%

Lavrador 5 20,83%

Pecuarista 1 4,17%

Pedreiro 2 8,33%

Falecido 1 4,17%

Motorista 1 4,17%

Eletricista 1 4,17%

Funcionário Público 1 4,17%

Representante de vendas 1 4,17%

Total 24 100%

7. Qual a escolaridade de sua mãe?

Nunca frequentou a escola 4 16,67%

Ensino Fundamental

incompleto

11 45,83%

Ensino Fundamental completo 3 12,5%

Ensino Médio incompleto 1 4,17%

Ensino Médio completo 2 8,33%

Ensino superior incompleto

Ensino superior completo 3 12,5%

Não sei

Total 24 100%

8. Qual a profissão de sua mãe?

Do Lar 9 37,9%

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Empregada doméstica 5 20,83%

Aposentada 3 12,5%

Serviços gerais 1 4,17%

Professora 3 12,5

Falecida 1 12,5%

Advogada 1 4,17%

Gerente de Padaria 1 4,17%

Total 24 100%

9. Qual a renda total mensal de sua família?

Até um salário mínimo 1 4,17%

De um a dois salários

mínimos

7 29,1%

De doís a quatro salários

mínimos

8 33.33%

De quatro a seis salários

mínimos

4 16,67%

De seis a oito salários

mínimos

2 8,33%

Acima de oito salários 1 4,17%

Total 24 100%

10. Você trabalha?

Não trabalho 3 12,5%

Trabalho mas dependo do

dinheiro da minha família

8 33,33%

Trabalho e não dependo do

dinheiro da minha família

4 16,67%

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187

Trabalho e sustento outras

pessoas

9 37,5%

Total 24 100%

11. Há quanto tempo você trabalha?

Há menos de 2 anos 1 4,17%

De 2 a 5 anos 5 20,83%

De 6 a 10 anos 3 12,5%

De 11 a 15 anos 5 20,83%

De 16 a 20 anos 5 20,83%

Há mais de 21 anos 2 8,33%

Não responderam 3 8,335

Total 24 1005

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APÊNDICE II

PROTOCOLO DA ENTREVISTA:

Nome:_________________________________________________________________

Instituição:_____________________________________________________________

Idade:_____________anos 1

a Parte: Características socioeconômicas e culturais (questionário)

1- Renda familiar. Você diria que a sua renda familiar está entorno de:

a)- 1 a 3 salários mínimos b)- 4 a 7 salários mínimos c)- 8 a 10 salários mínimos

d)- acima de 10 salários mínimos e)- outros________________________________

2- Ao longo do curso, você:

a)- sempre trabalhou e estudou b)-somente estudou c)- outros_________________

3- Sua carga horária de trabalho é (era):

a)- 40 horas semanais b)- 20 horas semanais c)- Outros______________

4- Com relação a sua participação no orçamento familiar, você:

a)- contribui para o sustento familiar b)- é o principal responsável pelo sustento da família

c)- outros____________________________________________________

5- Com relação ao grau de escolaridade de seus pais,eles cursaram:

a)- somente as séries inicias do ensino fundamental. b)- o ensino fundamental completo

c) – ensino médio d)- ensino médio incompleto e)- ensino superior f)- ensino

superior incompleto

g)- outros___________________________________________________

6- Com relação aos seus estudos anteriores, você cursou:

a) Ensino fundamental em escola pública b) Ensino fundamental em escola privada

c) Ensino médio em escola pública d) Ensino médio em escola privada

7- E cursou o quê?

a)- ensino médio formação geral b)- ensino técnico c)- médio e técnico

d)- formação pedagógica (curso normal) e)- outros______________________________

8- Na sua trajetória escolar, você precisou interromper seus estudos?

a)- sim b)-não

9- Como você se mantém atualizado em relação aos acontecimentos do mundo e do país?

a)- lendo jornais b)- pela televisão c)- pela internet

d)- outros___________________________________________________________

10- Livros: quantos você costuma ler por ano, excluindo os escolares?

a)- 2 livros b)- mais de 2 livros c)- nenhum

11- Qual a sua atividade cultural preferida?

a)- cinema b)- teatro

c)- outra____________________________________________

2a Parte: Formação docente (entrevista)

Razões para a escolha do curso: 1- O que fez você optar pelo ensino à distância?

2- Qual o motivo de optar pelo curso de licenciatura em Ciências Biológicas?

3- Quando optou pelo ensino a distância, o que sabia sobre essa modalidade de ensino?

Sobre o curso:

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4- Como eram desenvolvidas as atividades nos encontros presenciais e no AVA durante o

curso?

5- Foi possível articular as disciplinas teóricas com o estágio?

Avaliação do curso:

11- Como você avalia a formação recebida no curso,ou o processo formativo pelo qual passou

diante do desafio de lecionar ciências e biologia?

12- Por que é importante ensinar conteúdos de ciências biológicas para crianças e

adolescentes?

13- Como você avalia o conteúdo de ciências biológicas que foi oferecido no curso?

Identidade:

14-Em sua opinião, que aspectos são necessários para formar um professor?

15- O que é ser professor?

Perguntas enviadas por e-mail

6-Como você avalia o uso das TIC no curso?

7- Como você avalia sua interação (por meio das TIC) com os professores, preceptor e os seus

colegas no curso?

8- Como você avalia sua formação docente na modalidade a distância tendo como referência

o ensino presencial?

9- Como você avalia o papel do preceptor na sua formação? 10- Como você avalia a

organização das disciplinas do curso?