UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS VERNÁCULAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS - LÍNGUA PORTUGUESA
MULTIFUNCIONALIDADE E DESGARRAMENTO DE ONDE: UMA
ABORDAGEM FUNCIONALISTA
GUSTAVO BENEVENUTI MACHADO
Rio de Janeiro
2017
Multifuncionalidade e Desgarramento de Onde: uma abordagem funcionalista
GUSTAVO BENEVENUTI MACHADO
Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de
Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua
Portuguesa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua
Portuguesa).
Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia
Rodrigues
Rio de Janeiro
2017
Multifuncionalidade e Desgarramento de Onde: uma abordagem funcionalista
Gustavo Benevenuti Machado
Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários
para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Examinada por:
______________________________________________________________________
Presidente, Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues - UFRJ
______________________________________________________________________
Professora Doutora Monica Tavares Orsini – UFRJ
______________________________________________________________________
Professor Doutor Ivo da Costa do Rosário – UFF
______________________________________________________________________
Professora Doutora Karen Sampaio Braga Alonso – UFRJ (Suplente)
______________________________________________________________________
Professor Doutor Marcos Luiz Wiedemer – FFP/UERJ – (Suplente)
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2017
SINOPSE
Análise e descrição dos usos do articulador de cláusula
onde na Língua Portuguesa, segundo a perspectiva
funcionalista. Descrição dos usos de onde em contextos
oracionais, a partir das noções de sequência textual e do
continuum fala-escrita. Análise sincrônica do emprego
de onde por falantes da língua portuguesa após seu
estágio de gramaticalização.
MACHADO, Gustavo Benevenuti. Multifuncionalidade e Desgarramento de Onde: uma
abordagem funcionalista. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2017. p. 120, mimeo.
Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.
Multifuncionalidade e Desgarramento de Onde: uma abordagem funcionalista
Gustavo Benevenuti Machado
Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues
RESUMO
O item onde apresenta duas acepções nos dicionários de língua portuguesa – ora é descrito
como advérbio locativo ora como pronome indicativo de lugar equivalente a em que. Na
articulação entre orações, nas gramáticas normativas, pode introduzir orações subordinadas
adjetivas, desde que se refira a um antecedente nominal locativo. Entretanto, há casos em
que este item aparece sem antecedente expresso, o que gera divergências de análise a
depender da gramática consultada. Em contextos reais de interação comunicativa, onde
parece assumir funções diferentes daquelas que propõe a tradição gramatical. Neste estudo,
partimos da hipótese de que onde é tão multifuncional quanto o conector que em língua
portuguesa, levando em conta situações reais de interação. Assim, onde funciona como
introdutor de orações adjetivas, substantivas e adverbiais, além de veicular conteúdos
semânticos de tempo, causa e nocional. Além disso, um dos aspectos mais inovadores em
termos de seu(s) uso(s) a ser considerado é o desgarramento. Com base na teoria
funcionalista, que considera a função comunicativo-interacional da linguagem, ou seja, a
relação gramatical das línguas e seus contextos de interação, valorizando o uso efetivo do
falante, analisamos, de forma qualitativa, os usos de onde como articulador de orações
substantivas, adjetivas e adverbiais, não desconsiderando o fato de que todas elas podem se
desgarrar. Os dados analisados provêm do corpus roteiro de cinema, corpus misto, por
apresentar tanto características da fala, quanto da escrita. Por isso, foram monitorados os
fragmentos inerentemente de fala e de escrita, além da sequência textual (narrativa,
descritiva, expositiva, argumentativa e injuntiva) em que as cláusulas introduzidas por
onde se inserem, a fim de verificar se esses contextos poderiam ou não interferir nos usos
de onde investigados. Foram analisados, para esta investigação, 20 roteiros e encontrados
388 dados de onde como articulador de cláusulas completivas, cláusulas relativas e
cláusulas hipotáticas, sendo apenas 11 deles dados desgarrados.
Palavras-chave: onde, multifuncionalidade, desgarramento, funcionalismo.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2017
Multifuncionalidade e Desgarramento de Onde: uma abordagem funcionalista
Gustavo Benevenuti Machado
Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues
ABSTRACT The item 'where' has two meanings in the Portuguese dictionaries - first, it is described as
locative adverb; second, it is considered an indicative pronoun of place equivalent to
where. Considering clauses articulation, in traditional grammars, it can introduce relative
clauses, as long as it refers to a nominal locative antecedent. However, there are cases in
which this item appears without an express antecedent, which generates differences of
analysis depending on the grammar consulted. In real contexts of communicative
interaction, 'where' seems to assume different functions from those proposed by the
grammatical tradition. In this study, we argue that 'where' is as multifunctional as the
connector 'that' in Portuguese language, taking into account real situations of interaction.
Thus, 'where' functions as an linker of relative, noun and adverbial clauses, besides
carrying semantic contents of time, cause and notional. In addition, one of the most
innovative aspects in terms of its use(s) to be considered is 'tearing'. Based on Functionalist
theory, which considers the communicative-interactional function of language, in other
words, the grammatical relation of languages and their contexts of interaction, valuing the
effective use of the speaker, we qualitatively analyze the uses of 'where' as conjunction of
noun, relative and adverbial clauses, not disregarding the fact that they can all 'tear' apart.
The analyzed data come from the cinema script corpus, a mixed corpus that present
characteristics of oral and writing speech. Therefore, in order to verify if these contexts
could or could not interfere in the uses of 'where' which we are investigating, some
fragments of speech and writing were monitored, as well as the textual sequence
(narrative, descriptive, expository, argumentative and injunctive) in which the clauses
introduced by 'where'. For this dissertation, we analyzed 20 scripts. In those scripts, we
found 388 data from 'where' as articulator of completive clauses, relative clauses and
hypothetical clauses, with only 11 of them being 'torn'.
Key-words: where, multifunctionality, „tearing‟, functionalism.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2017
Esta pesquisa foi integralmente financiada pelo CNPq.
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo [...]
(PESSOA, Fernando. Tabacaria. In: Presença nº 39, 1933).
AGRADECIMENTO
À minha mãe pelo amor e amizade incondicionais em todos os momentos da
minha vida. É graças a ela que sou o homem que eu sou. Agradeço também ao Vinícius
por ser protagonista dos melhores momentos da minha vida nos últimos anos. A meu pai e
às minhas avós por, cada um do seu jeito, torcerem pelo meu sucesso.
À professora Violeta Rodrigues, orientadora e amiga, por todos os ensinamentos
(não foram poucos) ao longo desses cinco anos de um ótimo convívio. Foi com você,
Violeta, que aprendi o que é amar, verdadeiramente, a nossa profissão. Obrigado por
acreditar em mim.
Ao professor Ivo do Rosário, atual professor da UFF e ex-colega de grupo de
pesquisa, a quem tenho admiração, por aceitar participar da banca examinadora de meu
trabalho.
À professora Monica Orsini, por, além de participar desta banca, ter sido
fundamental em minha formação profissional, estando ao meu lado em muitos momentos,
sempre me dando força para seguir em frente. Você não poderia faltar em mais esta etapa,
professora. Obrigado por todos os ensinamentos.
Aos professores Marcos Luiz Wiedemer e Karen Alonso por terem aceitado,
prontamente, o convite para comporem a banca desta dissertação.
À professora Monica Nobre pela contribuição ao longo de minha iniciação
científica.
Às amigas Adriana e Rachel por estarem ao meu lado nos momentos mais
complicados. Sem vocês, tudo teria sido muito mais difícil. Obrigado de todo meu coração.
Aos amigos de grupo de pesquisa mais antigos Anderson Godinho, Felippe Tota,
Heloise Thompson e Vanessa Relvas. Obrigado por terem sido especiais em muitos
momentos.
Aos atuais amigos de grupo de pesquisa Gesieny, Aline, Karen, Andressa e Luiz
Herculano.
À Nathalia Viana, Luciana Mota, Antônio Marques, Davidson Alves e Juliano
Leandro, amigos queridos, da Faculdade de Letras para vida. Com vocês, tenho as
melhores lembranças do período de graduação.
Ao CNPq por ter contribuído financeiramente durante todo o período de mestrado.
A todos os docentes da Faculdade de Letras da UFRJ que contribuíram para
minha formação e para o profissional que tenho me tornado.
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SINAIS
NGB - Nomenclatura Gramatical Brasileira
SV – Sintagma Verbal
SN – Sintagma Nominal
GT – Gramática Tradicional
ABAP - Associação Brasileira de Agência de Publicidade
R.P – Relativa Padrão
R.N – Relativa Não Padrão
C.C – Cláusula Completiva
C.H - Cláusula Hipotática
I.SI – Intermediário Sintático
I. SE – Intermediário Semântico
LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros
Lista de quadros, gráficos, imagens e continua
Quadro 1..........................................................................................................................28
Quadro 2..........................................................................................................................54
Quadro 3..........................................................................................................................56
Quadro 4..........................................................................................................................61
Quadro 5..........................................................................................................................63
Quadro 6..........................................................................................................................94
Quadro 7..........................................................................................................................97
Quadro 8..........................................................................................................................98
Quadro 9..........................................................................................................................98
Quadro 10........................................................................................................................104
Gráfico 1..........................................................................................................................35
Gráfico 2..........................................................................................................................36
Gráfico 3..........................................................................................................................95
Gráfico 4..........................................................................................................................96
Gráfico 5..........................................................................................................................99
Gráfico 6..........................................................................................................................100
Gráfico 7..........................................................................................................................101
Gráfico 8..........................................................................................................................102
Gráfico 9..........................................................................................................................103
Imagem 1.........................................................................................................................64
Imagem 2.........................................................................................................................86
Imagem 3.........................................................................................................................87
Imagem 4.........................................................................................................................88
Imagem 5.........................................................................................................................91
Continuum 1....................................................................................................................55
Continuum 2....................................................................................................................62
Continuum 3....................................................................................................................105
Continuum 4....................................................................................................................106
Continuum 5....................................................................................................................106
SUMÁRIO
1. Introdução: apresentação do tema.................................................................................14
2. Onde: objeto de estudo..................................................................................................17
2.1 Onde na perspectiva etimológica...........................................................................21
2.2 Onde na perspectiva tradicional............................................................................22
2.3 Onde em outras abordagens..................................................................................24
2.4 Onde: justificativas, hipóteses, objetivos e corpus...............................................26
3. Pressupostos teórico-metodológicos.............................................................................30
3.1 Da fala para a escrita: a constituição do corpus...................................................31
3.1.1 O continuum fala-escrita: uma breve revisão..............................................33
3.1.2 O continuum fala-escrita: a descrição do corpus........................................36
3.2. Língua e texto: noções relevantes.........................................................................40
3.2.1. Tipos e gêneros textuais: breves reflexões..................................................42
3.2.2. Sequências textuais: uma escolha metodológica........................................44
3.3. O funcionalismo: definições e contribuições........................................................47
3.4. A proposta de análise funcionalista......................................................................52
3.4.1. Cláusulas Completivas...............................................................................56
3.4.2. Cláusulas Relativas....................................................................................57
3.4.3. Cláusulas Hipotáticas................................................................................58
3.4.4. Cláusulas Desgarradas..............................................................................59
4. A análise dos dados.................................................................................................66
4.1. A multifuncionalidade de onde...........................................................................67
4.1.1. Onde com função de articulador de cláusulas completivas......................67
4.1.2. Onde com função de articulador de cláusulas relativas............................69
4.1.3. Onde com função de articulador de cláusulas hipotáticas........................72
4.1.4. Onde em contextos sintaticamente intermediários....................................74
4.1.5. Onde em contextos semanticamente intermediários.................................75
4.2. Os usos desgarrados............................................................................................79
4.2.1. O desgarramento de onde em cláusulas completivas................................79
4.2.2. O desgarramento de onde em cláusulas relativas......................................81
4.2.3. O desgarramento de onde em cláusulas hipotáticas..................................83
4.2.4. O desgarramento de onde em outros corpora...........................................85
5. Os resultados da análise...............................................................................................93
5.1. Os continua dos usos de onde.............................................................................105
6. Considerações finais......................................................................................................108
7. Bibliografia....................................................................................................................113
14
1. Introdução: apresentação do tema
Este capítulo de introdução tem por objetivo apresentar as
partes que compõem esta dissertação, bem como desenvolver
brevemente parte do tema que será abordado ao longo deste
trabalho.
15
Em dados recentes da língua portuguesa, tanto na modalidade oral quanto na
modalidade escrita, podemos encontrar usos de onde funcionando como articulador de
diferentes orações, apresentando outros conteúdos semânticos, além do locativo,
tradicionalmente descrito. No entanto, alguns desses usos ainda não estão em
conformidade com o uso considerado padrão e, por isso, não são contemplados pela
maioria das gramáticas normativas.
Esta dissertação tem, então, como principal objetivo descrever os usos do
articulador onde, em contextos oracionais, a fim de demonstrar que esse item pode ser
tão multifuncional quanto o que. Para isso, este estudo foi organizado em sete capítulos.
No capítulo 2, destinado a estabelecer considerações sobre o objeto de estudo,
isto é, o articulador onde, revisitamos alguns trabalhos acerca de seus usos, começando
pela descrição etimológica, retirada dos principais dicionários etimológicos disponíveis,
seguido de uma breve revisão do tratamento tradicional atribuído ao onde, para, então,
chegarmos aos estudos em outras abordagens linguísticas, em que revisamos trabalhos
anteriores sobre esse articulador. Na seção 2.4, encerrando o capítulo 2, apresentamos
nossos objetivos, justificativas para este trabalho, bem como o corpus analisado.
No capítulo 3, estão nossos pressupostos teórico-metodológicos, em que
traçamos um paralelo entre a noção do continuum fala-escrita com a descrição de nosso
corpus: o roteiro de cinema. Isso porque o roteiro, por ser considerado um gênero misto,
isto é, um texto escrito com a finalidade de ser encenado, contendo, assim,
características da fala e da escrita, servirá para descrevermos os usos de onde em
contextos inerentes à fala e à escrita, objetivando identificar se a modalidade linguística
em que se insere poderá ou não interferir em seus usos. Além da noção de fala e escrita,
neste capítulo, foi feita também a revisão das noções de gênero e tipo textual, além da
noção de sequência textual, que é adotada por nós, a fim verificar se, do mesmo modo
que as noções de fala e escrita, a sequência textual poderá ou não interferir nos usos de
onde. Encerrando o capítulo 3, na seção 3.3, apresentam-se alguns dos pressupostos do
funcionalismo, teoria que norteia esta investigação e embasa a nossa análise dos dados
(cf. seção 4).
No capítulo 4, analisamos os nossos dados recolhidos do corpus roteiro de
cinema. Na seção 4.1, descrevemos os usos multifuncionais de onde, ao passo que na
seção 4.2, descrevemos os usos desgarrados de onde. Assim, espera-se comprovar, por
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meio dessas análises, levando-se em conta alguns pressupostos funcionalistas, bem
como as noções de fala e escrita e de sequência textual, que o articulador de cláusulas
onde tem se comportado de maneira tão multifuncional quanto o conector universal que.
No capítulo 5, são apresentados nossos resultados, demonstrando qual(is) do(s)
nosso(s) critério(s) de análise se fizeram mais relevantes em relação aos usos de onde
desgarrados e não desgarrados encontrados no corpus roteiro. Na seção 5.1, traçamos
três continua: o primeiro, funcional-discursivo, em que fazemos um contraste entre os
estágios de menor esvaziamento semântico até o estágio de maior esvaziamento
semântico de onde. Os outros dois continua, de cunho pragmático, demonstram os usos
mais ou menos frequentes em relação aos fragmentos inerentes à fala e à escrita,
configurando os usos de onde nessas duas modalidades.
No capítulo 6, explicitam-se nossas conclusões, retomando os usos de onde
descritos ao longo deste trabalho e alguns aspectos da teoria utilizada, a fim de
comprovar os objetivos e as justificativas apontadas nesta dissertação.
Por fim, no capítulo 7, indicam-se as fontes bibliográficas que, direta ou
indiretamente, nortearam esta investigação.
17
2. Onde: objeto de estudo
Este capítulo destina-se a apresentar o tema, os objetivos do
estudo, suas hipóteses e justificativas. Para isso, partiremos da
revisão bibliográfica do item onde, buscando referências na
etimologia, na tradição gramatical e em estudos linguísticos de
outras naturezas sobre o tema. Além disso, busca-se também
explicitar as motivações para esta investigação, as justificativas
e as possíveis contribuições para a análise linguística.
18
Embora a multifuncionalidade do conector onde já tenha sido objeto de
pesquisa em vários trabalhos, compreendemos que este tema não parece estar esgotado,
principalmente, se levarmos em consideração alguns aspectos teórico-metodológicos.
Trabalhos como os de Braga e Manfili (2004) e Manfili (2007) investigam, dentre
outras coisas, a remissão anafórica do item em contextos não locativos e locativos em
textos jornalísticos, sob a perspectiva da sociolinguística. Em Silva (2008), encontramos
uma análise diacrônica e quantitativa, em que a autora traça a trajetória da
gramaticalização deste conector. Esses trabalhos citados já demonstram a complexidade
de usos que envolvem o conector onde. No entanto, apesar dos trabalhos mencionados
apresentarem uma descrição bastante relevante sobre o item em análise, este trabalho se
difere dos demais pelo (i) aporte teórico-metodológico utilizado, (ii) pelo corpus
analisado e (iii) pelos usos de onde descritos na atual sincronia, destacando-se, por
exemplo, seu uso desgarrado.
Em análises preliminares (cf. período de IC, de 2011 a 20131), investigamos
dados recentes da língua portuguesa no corpus roteiro de cinema, gênero considerado
misto, isto é, gênero prototipicamente escrito, porém com intenção de reproduzir a fala
em determinados contextos, o que nos permitiu traçar um continuum dos usos de onde,
com base em contextos mais próximos à fala e em contextos mais próximos da escrita.
No corpus supracitado, encontram-se usos de onde como articulador em diferentes
contextos oracionais, podendo este, inclusive, veicular outros valores semânticos, além
do prototípico locativo, como atestam os dados que se seguem.
(1) Vários bombeiros e motoristas estão ali, em silêncio, aguardando uma
emergência. Som de pernilongo no ar. Um dos bombeiros caminha em direção
ao portão, onde apoia-se e acende um cigarro, quando, de repente, o silêncio é
interrompido pelo SOM DO TELEFONE, que toca. Bombeiro-chefe atende o
telefone. (É proibido fumar)
1 Trabalho de iniciação científica inserido e desenvolvido no âmbito do projeto de pesquisa Uso(s) de
conjunções e combinação hipotática de cláusulas. Atualmente, o tema desta dissertação se insere no
âmbito do projeto de pesquisa Cláusulas Hipotáticas: interface sintaxe & prosódia. Ambos os projetos
supracitados são coordenados pela Profª. Drª. Violeta Virginia Rodrigues.
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(2) Daniel chega na escola, para a bicicleta, desce, vê Mim encostada numa
coluna, na entrada da escola, entre um bando de outros COLEGAS que vão
chegando. Daniel dá as costas para ela, fica botando a tranca na sua bicicleta.
Daniel dá um tempo, respira fundo. Então se vira para onde Mim estava. Mas
ela já foi. (Antes que o mundo acabe)
(3) Eu não tenho pra onde ir, Baby. Eu não tenho pra onde ir... Max pega na
mão de Baby e beija. (É proibido fumar)
Com base, então, na leitura dos exemplos anteriores, retirados do corpus
roteiro de cinema, encontram-se dados de onde introduzindo, para usar os rótulos
tradicionais, (i) orações adjetivas, (ii) orações adverbiais e (iii) orações substantivas,
respectivamente. Em (1), há o uso padrão, isto é, aquele previsto pela tradição
gramatical, já que a oração introduzida por onde retoma o antecedente nominal locativo
antes expresso “portão”. No entanto, como veremos na seção correspondente à análise
dos dados (cf. seção 4), observamos que, em seu uso como pronome relativo, onde pode
veicular outros valores semânticos, além do de lugar. Já em (2), encontramos o uso de
onde como um introdutor de orações adverbiais, isso porque, além de apresentar
conteúdo circunstancial, característica desse tipo de oração, também não apresenta o
antecedente nominal expresso, além de apresentar mobilidade entre as orações, como se
verifica na paráfrase em (2‟), em que a oração principal [se vira] pode vir posposta à
oração adverbial introduzida por onde [para onde Mim estava].
(2‟) Daniel chega na escola, para a bicicleta, desce, vê Mim encostada numa
coluna, na entrada da escola, entre um bando de outros COLEGAS que vão
chegando. Daniel dá as costas para ela, fica botando a tranca na sua bicicleta.
Daniel dá um tempo, respira fundo. Então [para onde Mim estava], [se vira].
Mas ela já foi. (Antes que o mundo acabe)
No exemplo (3), no entanto, encontramos o uso de onde como um introdutor de
orações substantivas, isto é, seu uso como uma conjunção integrante, estágio de maior
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esvaziamento semântico do item. É nesse contexto, que a oração introduzida por onde
[para onde ir] parece se encaixar sintaticamente ao sintagma verbal da oração principal
[Eu não tenho]. No que se refere a esse dado, por exemplo, cabe destacar que a leitura
como uma conjunção subordinativa, isto é, como um introdutor de orações adverbiais
também se faz possível pelos mesmos critérios verificados em (2). Na seção
correspondente à análise dos dados (cf. seção 4), trataremos esse tipo de dado como um
contexto sintaticamente intermediário, por apresentar duas possibilidades de
interpretação sintática.
Tendo em vista os usos descritos anteriormente, sabe-se que muitos deles,
apesar de amplamente usados pelo falante da língua portuguesa, em contextos mais ou
menos formais, ainda não são contemplados pela tradição gramatical, passíveis ainda de
correção no ambiente escolar, por exemplo, ou em textos avaliativos para o ENEM,
principal mecanismo de ingresso para universidades federais na atualidade. É nesse
sentido, com o intuito de demonstrar que esses usos já fazem parte de uma gramática
“brasileira”, isto é, os usos de onde fazem parte da gramática internalizada do falante no
português brasileiro, que surgiu o desejo de ainda se pesquisar sobre seu
comportamento em contextos reais de interação.
O objetivo, pois, desta dissertação, é descrever os usos de onde em contextos
oracionais, já que, em situações reais de interação, onde introduz, utilizando-se os
rótulos tradicionais, (i) orações adjetivas (funcionando como pronome relativo,
conforme prevê a tradição gramatical, podendo, no entanto, exprimir outros valores
semânticos, além do locativo), (ii) orações substantivas (funcionando, nesse contexto,
como uma conjunção integrante, já que introduziria uma oração com maior vínculo de
encaixamento em relação ao sintagma verbal da oração principal) e (iii) orações
adverbiais (funcionando como uma conjunção subordinativa, apresentando, além da
leitura circunstancial, maior mobilidade no período, sem retomar um antecedente
nominal). Ainda em relação a esses contextos, onde também pode introduzir as
chamadas orações subordinadas que se manifestam de forma solta e isolada
sintaticamente, através de um sinal de pontuação que, grosso modo, desfaz o vínculo
sintático entre a oração principal e a subordinada. A essas orações, Decat (2011)
denomina desgarradas, conforme se vê no exemplo (4) a seguir.
21
(4) Com o aperto no prazo do edital, entreguei as 52 páginas da primeira
versão do roteiro em 11 dias. O script seria, claro, muito modificado durante as
filmagens pelo diretor e também pelos cacos dos atores. Quando o telefilme foi
ao ar no fim do ano seguinte, a gente já estava pensando na criação de uma
série Carro de Paulista. Onde os personagens mostrariam ainda mais nuanças
de personalidade e possibilidades de ação. (Carro de Paulista)
(4) é um exemplo de onde introduzindo uma oração desgarrada. No entanto,
utilizaremos a noção prevista em Rodrigues (no prelo), que entende esse caso de
desgarramento, como um caso não prototípico. Isso porque o desgarramento
prototípico, para a teórica, corresponde à oração adverbial que viria completamente
isolada de uma principal como ocorre no exemplo retirado de Decat (2011, p. 25) “Se eu
ganhasse na Sena!”, em que a oração subordinada analisada não possui sua principal
correspondente. Esse seria, então, um caso de desgarramento prototípico,
diferentemente do que ocorre em (4), um desgarramento não prototípico, já que a
oração desgarrada possui, apesar de separada por um sinal de pontuação (o ponto), sua
oração principal. Uma melhor diferenciação entre desgarramento prototípico e não
prototípico será feita na seção 3.4.4, correspondente à fundamentação teórica e análise
dos dados em desgarramento.
A investigação desses contextos tem, portanto, por objetivo, estabelecer o
continnum entre esses usos, a fim de descrevermos os usos do item de acordo com
situações comunicativas dos falantes em língua portuguesa.
2.1. Onde na perspectiva etimológica
Com o objetivo de tentar explicar alguns dos usos de onde na atual sincronia, a
busca por sua etimologia pareceu-nos indispensável. Levando isso em consideração,
consultaram-se dois dicionários etimológicos. O “Dicionário etimológico da língua
portuguesa,” de Machado (1969), em que o autor afirma que onde é um advérbio
advindo da forma latina unde. O autor ainda chama a atenção para o fato de a forma
unde, no latim, ter assumido o lugar da forma ubi. Em relação a esse aspecto, é
interessante destacar que Barreto (1999), em sua análise sobre a trajetória das
22
conjunções do latim ao português, observa que a forma ubi no latim também já era
multifuncional, uma vez que, segundo ela, ubi podia exercer as funções de (i) pronome
interrogativo, (ii) pronome relativo, além de assumir a função de (iii) conjunção
subordinativa temporal. A autora chama ainda a atenção para a gramaticalização
(advérbio – conjunção) no português arcaico pela qual passou a forma hu ~ u, advérbio
que corresponderia à forma onde no português contemporâneo. É nesse sentido, pois,
que se leva em conta o princípio do uniformitarismo, proposto por Labov (1994), que
prevê as mudanças linguísticas de forma cíclica, ou seja, em que se busca o passado
para explicar o presente e também o presente para entender o passado das formas
linguísticas. É assim que esperamos que a etimologia de onde possa nos auxiliar, já que
formas equivalentes a esse item, na passagem do latim ao português, já demonstravam
comportamento multifuncional. O “Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua
portuguesa,” de Cunha (1982), não difere muito do tratamento tradicional que
encontramos hoje, já que se atribui ao item o funcionamento como advérbio e/ou
pronome relativo, cujo antecedente nominal deverá ser locativo.
2.2. Onde na perspectiva tradicional
Tradicionalmente, os gramáticos não contemplam ainda onde em sua lista de
conjunções nem subordinativas e nem integrantes, considerando somente seu uso como
pronome relativo e/ou como advérbio locativo/relativo. Para isso, recorremos a
gramáticas de cunho tradicional, tais como Bechara (2009), Cunha & Cintra (2008),
Luft (1978) e Cegalla (1978). Além disso, analisamos a gramática histórica de Said Ali
(1964), que muito nos auxiliou em nossas investigações.
Bechara (2009) afirma que onde é um pronome relativo e, como tal,
normalmente se refere a um termo anterior, o antecedente (locativo). No entanto, o autor
é o único, dentre os gramáticos revisitados, a admitir a possibilidade de alguns
pronomes relativos não apresentarem antecedente, como atesta o exemplo “Moro onde
mais me agrada” (Bechara, 2009, p. 172). Para ele, o antecedente, então, estaria
implícito, como na paráfrase “Moro no lugar onde mais me agrada”. Todavia, para nós,
a oração introduzida por onde “onde mais me agrada” apresentaria leitura
23
circunstancial, a semelhança de um complemento circunstancial2, sendo, portanto, um
introdutor de oração adverbial. Além disso, consideramos que a estratégia de
subentender o antecedente [lugar] nessas orações modifica o uso real produzido pelo
falante. É nesse sentido que acreditamos que uma análise sintática, como é a que ocorre
no caso, deve ser pautada em como o usuário da língua realizou determinadas orações,
ou seja, é indispensável descrevermos a língua de modo a analisar as proposições tais
como são de fato e não modificá-las para dar conta de nossas análises.
Já Cunha & Cintra (2008, p. 365) seguirão o mesmo raciocínio proposto em
Bechara (2009), admitindo somente a possibilidade de onde funcionar como um
advérbio e/ou pronome relativo ou “advérbio relativo”, para usar o rótulo dos
gramáticos, sempre com antecedente locativo. Para exemplificar suas análises, os
gramáticos recorrem ao seguinte exemplo “Ainda não sei mesmo onde vou buscar as
flores”, em que onde não apresenta antecedente nominal e, a semelhança do que ocorre
em Bechara (2009), onde, nesse cotexto, também não atenderia aos nossos critérios de
análise, uma vez que, para nós, onde estaria funcionando como um introdutor de
orações substantivas, devido a seu vínculo com o sintagma verbal [sei], presente na
oração principal. Para ir mais além, o exemplo de Cunha & Cintra (2008) supracitado
seria semelhante ao dado em (3), descrito na seção anterior como introdutor de orações
substantivas, com possibilidade de ser analisado como um introdutor de orações
adverbiais, isto é, um dado em contexto sintaticamente intermediário.
Luft (1978, p. 122), ao ilustrar o uso de onde como pronome relativo
“precedido de palavra de lugar”, apresenta o seguinte exemplo retirado de Machado de
Assis “Onde me espetam, fico”. O período apontado pelo autor é, na verdade, um contra
exemplo ao conceito que ele propõe. Isso porque, nesse contexto, onde parece introduzir
uma oração subordinada adverbial, já que, dentre outras coisas, não apresenta
antecedente nominal, como aponta a conceituação do gramático, além de a oração
inserida por ele estar em ordem inversa, o que nos indica uma maior mobilidade no
período, um dos aspectos usados por diversos autores para distinguir as adverbiais das
demais subordinadas.
2 Rocha Lima (2011) considera o complemento circunstancial um complemento de natureza adverbial, ou
seja, um termo circunstancial que estaria vinculado, por uma relação de complementação, ao verbo. Para
o autor, o complemento circunstancial tem natureza tão indispensável ao verbo quanto os demais tipos de
complemento.
24
Cegalla (1978, p. 117) afirma que “onde, como pronome relativo, tem sempre
antecedente e equivale a em que: A casa onde (= em que) moro foi de meu avô”. Apesar
de exemplificar onde retomando um antecedente locativo, o autor, em sua descrição,
não menciona a retomada locativa, comparando o item ao que, conectivo universal. Isso
pode ser um indício, ainda que restrito, acerca da multifuncionalidade do item,
sobretudo no que se refere aos aspectos semânticos em seu funcionamento como
pronome relativo.
Para Said Ali (1964), onde é equivalente ao que e, por isso, poderá se referir a
um nome locativo ou que indique coisa. É nesse momento que compreendemos a visão
do gramático ao perceber que o item em análise pode ocorrer em contextos mais
esvaziados de sentido, isto é, ao admitir a possibilidade de retomar uma “coisa”, o
estudioso atesta, ainda que indiretamente, a multifuncionalidade de onde, tal como
ocorre em relação ao conector que. Ao admitir ainda a retomada por uma “coisa”, o
gramático parece descrever onde funcionando como um pronome relativo, cujo
antecedente nominal poderá apresentar o valor nocional, isto é, contextos em que o
usuário da língua parece expandir/alargar a noção de lugar, tornando-a mais abstrata.
Levando-se em conta as propostas tradicional e histórica antes explicitadas,
percebe-se que muitas dessas gramáticas parecem também não entrar em um consenso,
no que se refere aos usos de onde. Essa ausência de um consenso entre os gramáticos
não parece inviabilizar nossa análise, pelo contrário, parece reforçá-la. Isso porque esses
gramáticos parecem perceber exatamente o mesmo que percebemos, isto é, onde
funcionando em contextos oracionais diversos, com ou sem antecedente (locativo e não
locativo). Assim, a abordagem não consensual entre eles nos ajuda a defender a
multifuncionalidade do item, que parece se comportar de forma tão universal quanto o
conector que.
2.3. Onde em outras abordagens
Fora do âmbito tradicional, as orações introduzidas por onde têm sido bastante
estudadas à luz de diversas teorias, como nos trabalhos de Braga & Manfili (2004),
Manfili (2007), Siqueira (2009) e Silva (2008) só para citar alguns. Silva (2008), por
exemplo, por meio de uma análise diacrônica, de natureza quantitativa, utilizando
25
corpus do português arcaico e contemporâneo, demonstra que o item onde passa de uma
função lexical (advérbio locativo) para uma função gramatical (pronome relativo), além
de apresentar também seus usos como conjunção “intersentencial”. Muitos destes
trabalhos, como se vê, já apontam não só a gramaticalização desse conector como
também se preocupam em investigar os contextos de retomada anafórica de onde, como
é o caso de Braga & Manfili (2004). No entanto, todos esses estudos supracitados
diferem-se do nosso pelo aporte teórico-metodológico e/ou pelo corpus a ser analisado.
Souza (2009), em seu trabalho sobre as cláusulas relativas, chama a atenção
para o uso do relativo onde, contestando a prescrição gramatical que estabelece que o
item deva retomar somente antecedente com significação espacial (de lugar), ainda que
já seja de conhecimento seu emprego mais amplo em textos mais ou menos formais. A
autora propõe ainda que a fronteira semântica entre espaço físico e espaço nocional, a
abstratização da noção de lugar pelo usuário da língua, é tênue. Isso, então, é o que
levaria os falantes da língua a generalizarem as duas categorias como noções de espaço,
empregando, assim, o onde em construções não canônicas. A preocupação da
pesquisadora era investigar somente as cláusulas relativas e seus respectivos relativos,
por isso não há qualquer menção aos outros usos não canônicos de onde.
Como a multifuncionalidade do item parece ser incontestável, nossas
observações, a partir deste momento, baseiam-se em estudos funcionalista, perspectiva
teórica adotada nessa pesquisa e que será mais bem descrita na seção 3.3.
Castilho (2010), ao tratar das orações adjetivas e dos pronomes relativos,
especificamente em relação ao onde, cita Braga & Manfili (2004), chamando atenção
para o fato de as autoras admitirem a possibilidade de retomada a termos locativos e
temporais. Além disso, o linguista admite também a ideia de que onde tem seu
funcionamento semelhante a em que. Ao diferenciar onde de aonde (relativo
preposicionado), o autor observa que, para Braga & Manfili (2004), essa diferença
ocorre devido à função como adjunto, que favorece a ocorrência de onde, e como
argumento, que favorece a ocorrência do relativo preposicionado. Em nosso corpus e
com base em pesquisas passadas como em Machado (2011 e 2012), no entanto,
verificamos que os usos de onde e seus respectivos usos preposicionados (aonde, para
onde etc.) parecem não apresentar significativa diferença, isto é, esses usos parecem ser
equivalentes. Isso se verifica nos dados, como em (3) na seção 2 anterior, já que, como
26
explicado anteriormente, pode ser considerado como um contexto sintaticamente
intermediário.
Neves (2011, p. 372), por sua vez, aborda muito pouco a temática da
multifuncionalidade de onde. A pesquisadora nota que onde em funcionamento como
pronome relativo, nunca se refere à pessoa, mas somente a lugar. No entanto, a teórica
utiliza-se do exemplo “Ramsey observou que onde há fumaça, há fogo”, em que onde
não parece ter seu funcionamento como pronome relativo, mas, na verdade, como um
introdutor de uma oração adverbial. Entretanto, a linguista não assume essa leitura,
admitindo, na verdade, a possibilidade de onde, ao se referir a lugar, poder se apresentar
como um pronome relativo com ou sem antecedente, tal como propõe Bechara (2009).
Apesar de serem funcionalistas, os teóricos citados anteriormente parecem não
dar conta, em suas descrições, dos usos efetivos que os falantes produzem em relação à
multifuncionalidade de onde. Azeredo (2008), que não é funcionalista, no entanto,
admite a possibilidade de, além de exercer a função de pronome relativo, pode onde
funcionar também como conjunção locativa, isto é, como um introdutor de uma oração
adverbial.
2.4. Onde: justificativas, hipótese, objetivos e apresentação do corpus
Após essa breve revisão sobre os usos de onde sob diferentes enfoques teóricos
e metodológicos, tradicionais ou não, pode-se dizer que nos interessamos um pouco
mais sobre alguns aspectos que envolvem os seus usos. Também foi possível perceber
que, apesar do item já ter sido bastante investigado, esse tema ainda não parece ter se
esgotado, do mesmo modo que não parece haver ainda nenhum consenso acerca de seu
comportamento. Assim, o presente trabalho se justifica, já que tem como intenção,
descrever os usos de onde encontrados em situações de interação comunicativa por meio
de dados coletados em roteiros cinematográficos. Para esta análise, utilizaremos como
pressupostos teóricos, dentre outras teorias, o funcionalismo, que visa a contemplar as
funções discursivas em âmbito textual e interacional, privilegiando os contextos reais de
interação. Nesse sentido, Neves (1997) aponta que considerar o estudo linguístico sob a
ótica da gramática funcional é reconhecer a capacidade do indivíduo de codificar,
refletir e empregar expressões de forma satisfatória. Sendo assim, o emprego do aporte
27
teórico funcionalista, neste estudo, justifica a escolha do corpus utilizado, bem como a
análise dos dados, a partir das intenções comunicativas delimitadas pela
contextualização. Trataremos um pouco mais sobre a proposta funcionalista no item 3.3.
Partindo-se, portanto, da premissa de que onde já passou por seu processo de
gramaticalização, pretende-se agora verificar em qual estágio o item se encontra após
gramaticalizar-se. A hipótese inicial é de que onde parece assumir os mesmos valores
semânticos e sintáticos que o conectivo universal que. Nesse sentido, onde seria, pois,
tão multifuncional quanto o que. Para isso, serão controladas a sequência textual em que
o item se encontra, a modalidade (se escrita ou fala, nesse momento levaremos em
consideração a premissa de que o roteiro de cinema, por ser um gênero misto,
apresentaria características das duas modalidades da língua), além de outros aspectos de
análise, a fim de verificar em qual(is) contexto(s) determinado(s) usos de onde são mais
ou menos recorrentes ou, ainda, verificar se essas noções influenciam ou não no
funcionamento do item, uma vez que, por já ter seu uso disseminado na língua, essas
noções podem não mais interferir em seu funcionamento. Além disso, controlar a
sequência textual, bem como o registro linguístico, associada ao grau de
monitoramento, pode contribuir para a identificação se muitos desses usos de onde são
ainda (ou não) estigmatizados pelos usuários da língua.
No que se referem aos dados analisados, todos foram extraídos de 20 (vinte)
roteiros de cinema, totalizando 388 orações introduzidas por onde, como mostra o
quadro 1 a seguir.
28
Roteiros
Analisados
Ano de
Publicação
Número de Dados
Feliz ano velho 1982 59
Dores e amores 1999 17
Tolerância 2000 15
O circo das qualidades humanas 2000 13
Memórias Póstumas 2001 21
A selva 2002 21
O homem que copiava 2003 09
Jogo subterrâneo 2005 41
Quanto vale ou é por quilo? 2005 28
Se eu fosse você 2006 05
Zuzu Angel 2006 13
Não por acaso 2007 17
Os 12 trabalhos 2007 22
3 Efes 2007 02
Fim da linha 2008 18
É proibido fumar 2009 14
Antes que o mundo acabe 2009 19
Carro de Paulista 2009 16
Olhos Azuis 2010 32
As melhores coisas do mundo 2010 06
TOTAL: 388
Quadro 1: número de ocorrências de onde por roteiro analisado.
29
Embora não tenha sido nosso objetivo, se compararmos os dados de onde nos
roteiros mais antigos em relação aos mais atuais, uma significativa diferença é
percebida, já que foi no roteiro Feliz Ano Velho (1982) em que se observou o maior
número de ocorrências onde introduzindo orações diversas. No entanto, essa
constatação precisa ser relativizada, uma vez que não nos preocupamos em organizar os
roteiros por épocas diferentes, isto é, esse não foi um critério para a escolha dos roteiros
a serem analisados. Essa escolha se deu, tão somente, pela ordem em que os roteiros
estavam disponíveis no site (http://www.roteirodecinema.com.br/roteiros/longas.htm),
ou seja, em ordem cronológica. Além disso, buscou-se privilegiar os roteiros mais
próximos da atual realidade.
Com base nessa análise do corpus, espera-se, portanto, contribuir para
descrição da língua portuguesa, no que se refere ao uso(s) de onde em contextos
oracionais, a fim de, quem sabe, ajudar na configuração de uma gramática que possa
refletir usos reais dos falantes.
Após a revisão do tratamento de onde em diferentes abordagens e da breve
descrição dos nossos objetivos e de nossas justificativas, apresentam-se, na seção 3
seguinte, os nossos pressupostos teórico-metodológicos, em que abordamos, além das
questões funcionalistas, perspectiva teórica que fundamenta esta dissertação, o
continuum fala-escrita, para descrever o corpus em análise, e a noção de sequência
textual, escolha metodológica, no que se refere à análise das porções textuais coletadas.
30
3. Pressupostos teórico-metodológicos
Este capítulo explicita os pressupostos teórico-
metodológicos que permearão nossas análises. Assim,
revisaremos os conceitos de fala e escrita, bem como a noção de
continuum entre essas modalidades linguísticas. Resgataremos
também as noções de gênero e tipo textual e a noção de
sequência textual, eleita, nesta dissertação, como um dos
critérios de análise. Por fim, apresentaremos, ainda que de forma
breve, as noções básicas do funcionalismo, corrente teórica a
que se filia este trabalho.
31
Nesta seção, para que possamos analisar e descrever os dados de onde e traçar
seus continua, fizemos um breve histórico de alguns preceitos funcionalistas que
norteiam essa investigação e que servem de base para o entendimento do funcionamento
do item como um conectivo universal/multifuncional, além de outras questões teóricas
que nos auxiliarão em nossas análises, tais como (i) o continuum fala-escrita, (ii) a
noção de sequência textual, (iii) a proposta funcionalista de análise dos dados, (iv) a
noção de desgarramento e unidade informacional, abordadas por Decat (2011) e Chafe
(1980), respectivamente, dentre outras coisas.
3.1 Da fala para a escrita: a constituição do corpus
Leech (1997 apud Hoffnagel, 2003), na tentativa de conceituar corpus,
estabelece que, tradicionalmente, os linguistas usam esse termo para designar um corpo
de dados linguísticos autênticos, isto é, que ocorrem de modo espontâneo, podendo ser
usado como base para a pesquisa linguística. No entanto, o autor destaca que um corpus
não é meramente uma coleção de textos, pelo contrário, ele procura representar uma
língua ou alguma parte de uma língua. Assim, compreende-se que, na verdade, o corpus
ideal é aquele que atende às expectativas daquilo que se pretende. É nesse sentido que
optamos por eleger como corpus o roteiro de cinema, afinal, além de representar uma
língua espontânea e conter dados que refletem o uso real, trata-se de um gênero misto,
isto é, escrito, porém com finalidade de ser encenado e falado.
Pensando assim, como um de nossos objetivos é, além de descrever os usos do
item em análise, estabelecer um continuum entre a fala e a escrita, com base nos usos de
onde, a escolha do corpus roteiro de cinema nos pareceu indispensável, por apresentar
sequências inerentemente orais e outras inerentemente escritas. Cabe destacar, no
entanto, que a respeito do roteiro, consideramos como sequências inerentes à escrita
aquelas que tratam da localização da cena, descrição de lugares e/ou personagens,
apresentação do roteiro e/ou de como surgiu a ideia do roteiro etc. Por sua vez,
consideramos como fragmentos inerentes à fala aqueles que reproduzem o diálogo entre
personagens, já que, é neste momento, que o roteiro é escrito com a finalidade de ser
encenado, ou seja, podendo se aproximar mais da modalidade oral da língua.
32
Ainda em relação aos nossos objetivos, abordamos a noção de sequência
textual, a fim de compreender se o contexto textual em que onde ocorre pode ou não
influenciar no seu comportamento. Esperamos também, através dessa noção,
compreender os contextos mais e menos formais em que onde se insere, para assim,
verificarmos se parte desses usos é ou não ainda estigmatizada pelos falantes. Além
disso, adotar o conceito de sequência textual nos possibilita analisar melhor os roteiros,
já que, a depender da intenção e propósito comunicativo, alguns roteiros podem ser de
tamanhos díspares. Nesse sentido, então, através da verificação da sequência textual,
não analisaremos a estrutura macrotextual, mas sim a estrutura microtextual em que
onde se insere, sem, no entanto, desconsiderar o contexto.
Para a melhor descrição do gênero roteiro de cinema e sua justificativa no que
se refere aos aspectos textuais, levamos em conta a noção de gênero textual, que,
segundo Marcuschi (2008), são formas textuais concretamente realizadas, isto é, formas
textuais materializadas histórica e socialmente. Assim, a definição de gênero textual não
é linguística, mas pragmática, ou seja, sócio-comunicativa. No entanto, vale destacar
que tratar dos gêneros textuais para justificar a escolha do corpus não parece ser
suficiente. Isso porque os gêneros textuais são relativamente estáveis, já que, conforme
a sociedade evolui, alguns gêneros podem cair em desuso para dar lugar a outros. Além
disso, diferentemente do tipo textual, os gêneros compõem uma listagem aberta, isto é,
de difícil categorização. Por isso, não sabemos quantos gêneros existem.
Pensando assim, recorremos à noção de sequência textual, em que as noções
sobre gênero textual, principalmente no que se refere ao roteiro de cinema, e a noção de
tipos textuais, sobretudo aqueles envolvidos em nossas análises, se tornaram
indispensáveis.
Antes de abordarmos as noções de gêneros textuais, tipos textuais e sequências
textuais, faremos uma breve sistematização acerca das duas modalidades da língua: fala
e escrita, por entender ser esse também um ponto importante para descrevermos o
corpus utilizado.
33
3.1.1 O continuum fala-escrita: uma breve revisão
Para Marcuschi (2010), partindo-se da premissa de que são os usos que fundam
a língua e não o contrário, falar ou escrever bem não é ser capaz de adequar-se às regras
gramaticais da língua, mas é, na verdade, usar adequadamente a língua para produzir um
efeito de sentido pretendido em uma determinada situação comunicativa. Portanto,
nesse sentido, o autor propõe que a intenção comunicativa é que fundamenta uma língua
e não seus aspectos morfológicos e/ou sintáticos.
Segundo esse raciocínio, Marcuschi (2010, p. 16) afirma que
não serão primeiramente as regras da língua nem a morfologia os
merecedores de nossa atenção, mas os usos da língua, pois o que
determina a variação linguística em todas as suas manifestações são os
usos que fazemos da língua. São as formas que se adéquam aos usos e
não o inverso. Pouco importa que a faculdade da linguagem seja um
fenômeno inato, universal e igual para todos [...] o que importa é o
que fazemos com esta capacidade.
É assim que Marcuschi (2010) estabelece que as noções de fala e escrita não
devem ser tratadas de maneira estanque ou dicotômica, em que a primeira seria
descontextualizada e não planejada, isto é, o lugar do erro e do caos gramatical,
enquanto que a segunda seria o lugar da contextualização e do planejamento, ou seja, o
texto socialmente projetado como o ideal. Essa é, de acordo com o linguista, uma visão
seguramente a ser rejeitada, ainda que impere no ambiente escolar. Para o teórico,
então, fala e escrita estão dispostas em um continuum, que vai desde o nível mais
informal ao nível mais formal, passando por graus intermediários. Nesse sentido, fala e
escrita podem ser entendidas como duas práticas sociais e não duas propriedades de
sociedades diversas, isto é, elas constituem duas modalidades de uma mesma língua e
não modalidades de línguas diversas, embora, no entanto, as proximidades entre fala e
escrita nem sempre sejam estreitas. Para comprovar que fala e escrita não constituem
modalidades estanques, podemos utilizar como exemplo o próprio gênero roteiro, já que
nele encontramos uma mescla ou fusão entre ambas as modalidades linguísticas.
Diferentemente do continuum fala-escrita proposto por Marcuschi (2010) e por
Paiva e Gomes (2015), ainda é comum encontrarmos situações em que a escrita é
considerada formal e em que fala seria considerada informal. Isso se justifica porque os
usos da escrita têm maior prestígio social que os da fala.
34
Para Marcuschi (2010, p. 27), essa é certamente uma visão a ser criticada. Para
o autor, essa visão dicotômica se fundamenta na gramática tradicional, uma vez que
numa perspectiva mais restrita da língua, levando-se em conta a prescrição gramatical,
elegeu-se uma única norma linguística tida como padrão. É dessa forma que se distingue
fala e escrita em dois blocos antagônicos, atribuindo-lhes propriedades específicas. A
língua, no entanto, seja em sua modalidade oral ou escrita, reflete a organização da
sociedade.
Seguindo esse raciocínio, para o linguista, as diferenças entre fala e escrita se
dão dentro de “um continuum tipológico das práticas sociais de produção textual”
(Marcuschi, 2010, p. 37-38).
Sobre os gêneros orais, Carvalho (2010, p. 1) destaca que o primeiro ponto a se
pensar é a compreensão da base oral na maioria dos textos produzidos nas dinâmicas
sociais, porque falamos mais do que escrevemos. Assim, somos seres eminentemente da
oralidade. A maior parte das relações verbais, estabelecidas nas atividades cotidianas,
depende da mediação da fala. Além disso, o estudioso destaca, ainda, que tanto a
atividade escrita como a oral apresentam mais semelhanças do que diferenças, visto que
se constituem de mesmo sistema linguístico e compartilham de gêneros textuais que
intercambiam procedimentos similares na estruturação do funcionamento discursivo.
Desse modo, o continuum fala-escrita leva o aprendiz a refletir sobre a diversidade de
gêneros e suas sobreposições em relação às marcas de modalidade.
É também pensando em um continuum fala-escrita dos gêneros textuais, que
Marcuschi (2010, p. 41) propõe o seguinte gráfico:
35
Gráfico 1: representação do contínuo dos gêneros textuais, retirado de Marcuschi (2010, p. 41)
sobre o continuum dos gêneros textuais.
Considerando o gráfico 1, podemos refletir sobre a composição do roteiro,
corpus utilizado nesta pesquisa, já que, embora seja um gênero de concepção escrita, é,
porém, de reprodução oral.
36
Gráfico 2: meio de reprodução e concepção discursiva, retirado de Marcuschi (2010, p. 39) sobre meio de
produção e concepção discursiva.
Com base no gráfico 2, pode-se afirmar que o corpus roteiro de cinema,
utilizado por nós, pode, na verdade, ser considerado como um gênero misto e não
híbrido. Isso porque o roteiro mescla características das duas modalidades da língua
(fala e escrita) sendo, portanto, um gênero concebido pela escrita, porém com
reprodução oral. Já o hibridismo se configura, na realidade, como uma mescla de
características de diferentes gêneros textuais, o que não ocorre em relação ao roteiro.
Partindo-se dessa premissa, compreendemos que, de acordo com o exposto,
podemos traçar, com base nos usos de onde, um continuum fala-escrita, mesmo fazendo
uso de um texto, grosso modo, de escrita.
3.1.2 O continuum fala-escrita: a descrição do corpus
Preti (2004), ao estabelecer uma analogia dos diálogos de ficção e a realidade
linguística, afirma que a literatura já serviu como corpus para inúmeras pesquisas
37
linguísticas. Tanto a prosa quanto a poesia forneceram amplo material, objetivando
descrever normas de evolução histórica da língua, na sintaxe, na morfologia e no léxico.
O autor atesta que os textos de base literária supriram, durante muito tempo, a falta de
documentação gravada, isto é, que não existia, para registrar variantes da modalidade
oral da língua, servindo, desse modo, como um testemunho por escrito de como as
pessoas falariam em determinados contextos reais de interação comunicativa. Nesse
sentido, narradores e personagens assumem o lugar de falantes reais, reproduzindo uma
determinada realidade linguística que se pretende investigar.
Preti (2004) ressalta, no entanto, que não se pode dizer que a utilização de um
corpus literário retrata fielmente as situações reais de interação, mas que podemos, sim,
afirmar que em todos os momentos da literatura, encontramos escritores que se deixam
influenciar pela oralidade. É nesse sentido que justificamos a utilização de nosso
corpus: o roteiro de cinema. Embora seja ele um corpus de características literárias e,
por isso, conforme proposto, não seria a representação ideal da realidade linguística,
atende aos nossos propósitos, uma vez que, diferentemente dos textos literários
clássicos a que Preti (2004) faz referência ao trazer essa teorização, os roteiros
utilizados por nós possuem a intenção comunicativa de representar, de fato, a oralidade.
Isso porque eles têm por finalidade serem encenados, sendo, portanto, uma
representação da fala. Exatamente por se tratar de uma representação da oralidade é que
não chamaremos as porções textuais analisadas de sequências ou fragmentos de fala ou
escrita, mas, sim, de sequências ou fragmentos inerentemente da fala e inerentemente da
escrita. Tal opção metodológica, além de justificar a crítica feita por Preti (2004),
possibilita que adotemos, conforme Marcuchi (2010), o continuum fala e escrita, pelo
qual o gênero roteiro pode ser considerado um gênero misto, no que tange a essas duas
modalidades.
Justificando nossa escolha e confirmando a separação entre o que seria um
fragmento inerente à fala e um fragmento inerente à escrita, vale resgatar a assertiva de
Preti (2004, p. 120):
se podemos afirmar que existe na Linguística, em todo mundo, nas
últimas décadas, uma valorização dos estudos de língua oral [...] que
nos dão conta da importância do ato conversacional e da ação de
fatores internos e externos que o influenciam, também podemos dizer
que, na literatura, há uma tendência para aceitar melhor a contribuição
38
da língua oral, no sentido de caracterizar, dar um tom mais realista às
vozes das personagens (e do narrador de primeira pessoa).
Levando-se em consideração o exposto pelo linguista, pode-se afirmar que as
passagens inerentes à fala (aquelas que representam a fala de personagens e seus
diálogos, por exemplo) podem ser utilizadas como um instrumento de investigação, uma
vez que, para retratar uma fala mais próxima à realidade, o autor fará uso de construções
tipicamente orais, a fim de se adequar a situações reais de interação.
Preti (2004, p. 121) chama a atenção também para o fato de, em se tratando de
um corpus literário, duas possibilidades de análise sejam possíveis: (i) a “macroanálise
da conversação literária”, que, para o teórico, é uma análise que levará em conta
aspectos extralinguísticos que poderão influenciá-la, tais como o grau de escolaridade, a
profissão, a posição social, a faixa etária e o sexo desses personagens, ou seja, aspectos
sociolingüísticos; (ii) a “microanálise da conversação literária”, isto é, uma análise que
se centraria nas informações trazidas pela situação interacional, compreendendo todos
os elementos pragmáticos que acompanham as falas, além das estratégias
conversacionais empregadas pelos interlocutores durante os diálogos. Em nossa
descrição, privilegiamos a “microanálise da conversação” por entender ser essa a que
melhor reflete nossos objetivos.
Preti (2004) retoma a ideia de que não se deve pensar na fala como uma
modalidade desorganizada, como costuma(va)-se afirmar. Além disso, o autor propõe
que a língua falada teria uma gramática diferente da língua escrita. Essa gramática da
fala é aquela que os falantes aprenderiam em seus usos diários e cujas categorias de
análises diferem da gramática da língua escrita. Nesse sentido, o linguista chama a
atenção para, na organização textual e interacional da fala, haver marcadores
conversacionais, repetições, correções, paráfrases etc. Na sintaxe, para Preti (2004),
predomina períodos sintáticos curtos, tais como a justaposição, e a baixa ocorrência de
estruturas de subordinação. No entanto, essas diferenças, que seriam mais evidentes em
textos prototípicos de fala e de escrita, não valem para o nosso corpus roteiro de
cinema, já que, nesse caso, não estamos diante de um texto prototipicamente
oral/escrito, mas, sim, diante de um texto misto, isto é, escrito, porém com finalidade de
ser reproduzido oralmente e, por isso, algumas marcas da oralidade podem se fazer
presentes em sua construção por escrito.
39
Nesse sentido, Preti (2004) afirma que no continuum fala-escrita existe, a rigor,
uma tipificação textual, que iria desde a conversa distensa do dia a dia, até a exposição
científica tensa ou o pronunciamento oficial de uma autoridade, no caso da língua
falada; e desde a informalidade de uma carta pessoal até a elaboração de um texto
literário ou de um artigo científico, no caso da língua escrita. Todavia, ao observarmos
quaisquer desses textos, em que se notam diferenças e semelhanças entre a escrita e a
oralidade, seria pouco provável afirmar que existe uma perfeita correspondência entre
eles, uma vez que a linguagem informal escrita de uma carta familiar não corresponde à
linguagem informal oral de uma conversa do dia a dia. Assim, recuperando a ideia de
Marcuschi (2010), a escrita, levando-se em conta a situação de comunicação entre
autor/leitor e falante/ouvinte, não poderia ser uma reprodução fiel e absoluta da fala.
Contudo, Preti (2004, p. 121) afirma que é possível chegar ao leitor a “ilusão
de uma realidade oral, desde que tal atitude decorra de um hábil processo de elaboração,
privilégio do texto literário”. Assim, devido às marcas de oralidade empregadas pelo
autor em sua escrita, que tenta, de certo modo, se aproximar e reproduzir a fala, é que o
leitor pode reconhecer no texto a realidade linguística que se habituou a ouvir ou que,
pelo menos, já ouviu alguma vez na vida e que internalizou. Logo, de acordo com Preti
(2004, p. 126), isso remete às “estruturas de expectativa”, ou seja, a aquilo que o
ouvinte/leitor espera que o falante/escritor fale ou escreva e em que tipo de linguagem o
faça.
É nesse sentido que Preti (2004) afirma que, ao pensarmos nos diálogos
literários, a reprodução da fala, certamente, representaria as marcas do uso linguístico
de sua época, considerando-se a microanálise e seus contextos pragmáticos comentados
anteriormente. Além disso, o autor propõe ainda que, diferentemente dos diálogos, que
melhor representam as marcas de oralidade, os narradores, bem como suas passagens,
representam as marcas de escrita. A partir disso, confirmamos nossa divisão, comentada
anteriormente, em fragmentos inerentemente de fala (os diálogos entre personagens) e
os fragmentos inerentemente de escrita (passagens de narrador, além de localização da
cena e/ou sua apresentação). O linguista afirma, no entanto, que a estratégia ficcional
sempre encontrou sérios problemas para elaborar a língua falada e, na maioria das
vezes, o vocabulário é a única marca mais próxima à oralidade.
40
Assim, por tudo o que foi exposto sobre o continuum fala-escrita e a respeito
da relação entre a oralidade e os textos literários, parece ter ficado clara a nossa intenção
ao optar por analisar um corpus misto.
Após, então, a descrição no que tange à constituição e à descrição do corpus
em análise, explicitam-se a seguir as noções de gêneros e tipos textuais, objetivando
retomar conceitos que justifiquem nossa escolha pela noção de sequência textual, já que
esta noção é um dos critérios utilizados, além do conceito de fala e escrita, para a nossa
análise dos dados.
3.2. Língua e texto: noções relevantes
Partindo-se da perspectiva sociointerativa, Marcuschi (2008), ao traçar as
diferenças entre texto e discurso, afirma que essa distinção é cada vez mais complexa, já
que, em certos casos, tais distinções são vistas como intercambiáveis. Para o
pesquisador, a tendência é ver o texto no plano das formas linguísticas e de sua
organização, ao passo que o discurso seria compreendido através do plano do
funcionamento enunciativo, isto é, o plano da enunciação e efeitos de sentido na sua
circulação sociointerativa e discursiva, envolvendo outros aspectos. O autor chama a
atenção para o fato de as noções de texto e discurso não distinguirem fala e escrita e
nem serem compreendidas de forma dicotômica. Isso porque essas noções são maneiras
complementares de enfocar a produção linguística em funcionamento.
Marcuschi (2008, p. 58), preocupado em refinar a definição de discurso,
destaca que essa noção é vista como uma “prática e não um objeto ou artefato
empírico”, isto é, para ele, discurso é a noção que permitirá abordar os fenômenos
extralinguísticos “sem cair no subjetivismo”.
Ao delimitar a noção de língua que serve de aporte para suas análises textuais,
o linguista afirma que esta deve ser compreendida como uma atividade sociointerativa
situada, ou seja, considerando os aspectos sociointeracionais e os relacionando aos
aspectos históricos e discursivos. Assim, o autor não deixa de admitir que a língua seja
sistemática e constituída por um conjunto de símbolos ordenados, mas se leva em conta
também o fato dela ser compreendida como uma atividade sociointerativa, que se
41
desenvolve em contextos comunicativos historicamente situados. Nesse sentido, a
língua é vista por ele como um conjunto de práticas sociais e cognitivas historicamente
situadas. Desse mesmo modo, podemos relacionar a definição de língua adotada pelo
autor com a definição de texto.
Marcuschi (2008, p. 72), em uma breve revisão, relembra o fato de que a
comunicação linguística não se dá por meio de unidades isoladas, tais como fonema,
morfema ou palavras soltas, mas, sim, por meio de unidades maiores: os textos. Os
textos são, a rigor, para ele, o único material linguístico observável, ou seja, um
fenômeno linguístico de caráter enunciativo e que, por isso, constitui uma unidade de
sentido. O texto pode ser considerado, então, como um “tecido estruturado”, para usar o
termo do autor, isto é, uma entidade significativa e comunicativa, de base sócio-
histórica. Desse modo, o texto pode ser considerado, como propõe Beaugrande (1997),
como um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e
cognitivas.
A respeito de uma gramática de texto, Marcuschi (2008), ao criticar essa visão,
explica que, ao se pensar numa gramática de texto, o que se pensaria, na realidade, é na
possibilidade de identificar um conjunto de regras para atender a boa formação textual.
No entanto, o linguista ressalta que isso seria impossível e pouco provável, já que texto
não é meramente uma unidade formal que poderia ser definida e compreendida como
um conjunto de regras formais. O autor, portanto, questiona a dificuldade que seria
propor regras para todos os gêneros textuais, por exemplo, tendo em vista que são
compostos por uma listagem em aberto, além de serem construídos socialmente.
Logo, partilhamos da visão de que texto é, na realidade, uma interação
comunicativa entre autor/leitor, no texto escrito, e locutor/interlocutor, no texto oral.
Pensando assim, adotamos como corpus o roteiro de cinema, por entender que, apesar
de ser um texto literário, ele parece refletir essa interação entre os usuários da língua.
Assim, consideramos indispensável para nossa análise, diferenciar as noções de tipos,
gêneros textuais e sequências textuais, para justificar nossa escolha metodológica pela
análise das sequências textuais.
42
3.2.1. Tipos e gêneros textuais: breves reflexões
Bronckart (2010, p. 168), ao revisar as teorias dos textos, afirma que, de um
modo geral, essas teorias de organização dos textos são oriundas de duas tradições
diferentes. A primeira, que estaria centrada na estruturação, ou seja, em sua organização
interna. Esse tratamento é, para o autor, “ascendente, isto é, parte de unidades mais
simples, como as palavras ou os signos, que se organizam em frases ou proposições, de
acordo com as regras da microssintaxe”, que se organizam em macroproposições, de
acordo com as regras da “macrossintaxe”. É nessa abordagem que se identificam
diferentes superestruturas, como as sequências textuais. A segunda tradição das teorias
sobre texto centra-se na relação existente entre os textos e as atividades humanas,
levando em conta a função comunicativa e social dos textos. Para Bronckart (2010),
essa segunda tradição recebe um tratamento “descendente”, isto é, partindo-se primeiro
da análise das interações sociais, seguida da análise dos gêneros de textos produzidos no
quadro dessas interações, para, enfim, chegar a analisar as unidades e estruturas
linguísticas no interior desses gêneros. A proposta de visão “ascendente” faria o
caminho inverso, de acordo com o autor.
Com base no reconhecimento dessas tradições teóricas, deixamos de lado a
cultura de analisar somente os gêneros considerados “nobres”, ou seja, aqueles que eram
reconhecidos como tendo valor literário (romance, novela, epopéia, tragédia etc.), e
considerados como os únicos dignos de serem ensinados, para analisar, de acordo com a
proposta dos gêneros textuais, todas as espécies de textos produzidos por membros de
uma comunidade verbal. No entanto, embora a análise de textos se dê de forma ampla
na atualidade, Brandão (1999) afirma que ainda impera a ideia de que o texto é
compreendido como fonte ou pretexto para exploração das formas gramaticais,
desconsiderando-se, desse modo, sua realidade pragmático-discursiva.
Marcuschi (2008) assim como Brandão (1999), ao tratar da noção de gênero
textual, afirma que o fato social, isto é, aquilo que se acredita ser uma verdade
socialmente construída, é, na verdade, uma realidade construída por um discurso
situado. Segundo esse aspecto, a noção de gênero textual leva em conta as motivações
socialmente construídas. Marcuschi (2008) afirma ainda que os gêneros textuais
43
possuem propósitos comunicativos bastante claros e isso é o que determina suas esferas
de circulação. O linguista esclarece também que todo gênero textual apresenta uma
forma e uma função delimitadas, mas que sua determinação se dá tão somente por meio
da sua função comunicativa, e não por meio de sua forma. Portanto, os gêneros não
devem ser concebidos como modelos estanques nem como estruturas rígidas, pelo
contrário, os gêneros são, para ele, formas culturais e cognitivas de ação social. É nesse
aspecto que, para Marcuschi (2008), a noção de gênero textual se diferencia da noção de
tipo textual.
Marcuschi (2008) chama a atenção para o fato dos gêneros serem considerados
como uma lista aberta e difusa, isto é, estamos submetidos a uma variedade de gêneros
textuais. No entanto, para o estudioso, cabe destacar que uma lista aberta não significa
uma listagem infinita. Isso porque a apropriação dos gêneros textuais se dá por meio da
socialização, isto é, eles estão situados em uma relação social, histórica e cultural. Nesse
sentido, para o autor, os gêneros são textos materializados em situações comunicativas
recorrentes. Em contraposição aos tipos textuais, os gêneros são construídos em
situações comunicativas, podendo expressar designações diversas, além de constituírem
uma listagem aberta, em princípio.
Marcuschi (2008) afirma que os tipos correspondem a uma espécie de
construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição. Para o teórico,
os tipos correspondem mais a sequências linguísticas que a textos materializados, na
verdade. São, a rigor, modos de organização textual, que, para ele, são divididos em
categorias diferentes, tais como: narração, argumentação, exposição, descrição,
injunção. O conjunto de tipos textuais é, diferentemente dos gêneros, limitado e
corresponde a uma lista fechada, isto é, sem tendência a aumentar. Ao analisar um tipo
textual, analisa-se, na verdade, o modo de organização que predomina em um dado
texto. Nesse sentido, o corpus utilizado por nós, do gênero roteiro, apresenta tipologia
predominantemente narrativa. No entanto, considerando-se a noção de sequência
textual, que será mais bem descrita adiante, é possível analisarmos outras tipologias
presentes em partes menores dos roteiros.
Marcuschi (2008) ressalta a importância de se analisar a sequência textual,
porque, para o autor, é através do estudo dela que é possível se comprovar que, embora
se faça a distinção, as noções de gêneros e tipos textuais não são dicotômicas, na
44
verdade, são complementares e estão também dispostas em um continuum. Isso porque
gêneros e tipos não estão isolados um do outro, pelo contrário, são formas que
constituem um texto em funcionamento. É por concordar com a noção de Marcuschi
(2008) que, em nosso trabalho, adotamos a noção de sequência textual, descrita na seção
3.2.2 seguinte.
3.2.2 Sequências textuais: uma escolha metodológica
Tomando por base os aspectos linguísticos e, portanto, uma visão
“ascendente”, de acordo com a proposta de Bronckart (2010), Adam (1992), focado
nessa visão teórica, apesar de também considerar alguns aspectos da segunda vertente,
argumenta que as sequências textuais organizam as frases de um texto ou o modo como
esses textos serão tipificados, isto é, o autor postula que os tipos textuais podem se
diferenciar através do tipo de sequência específica que os organiza. É nesse mesmo
sentido que Marcuschi (2008) também considera a importância das sequências textuais.
Assim, Adam (1992) distingue os textos em narrativos, descritivos, argumentativos,
explicativos e dialógicos. No entanto, para Bronckart (2010), as sequências textuais são
formas de planificação possíveis, mas não necessárias para distinguir os tipos textuais.
Adam (2008) declara ainda que as sequências textuais representam um tipo de operação
textual, isto é, uma estrutura composicional de natureza linguística, mas que sofre
interferências das práticas discursivas. Nesse sentido, a noção de sequência textual
representa, como propõe Sousa (2012), uma contrapartida à noção de tipo textual.
Cavalcante (2013), ao tratar da noção de sequência textual, afirma que todo
texto é constituído por sequências e que essas sequências são unidades estruturais,
relativamente autônomas e organizadas em frases. Nesse sentido, as sequências textuais
podem se constituir com funções específicas, podendo ser a de narrar (narrativa),
descrever (descritiva), orientar (injuntiva), argumentar (argumentativa), explicar
(expositiva) e apresentar uma conversa (dialogal). Em geral, a autora afirma o mesmo
que Marcuschi (2008), propondo que um mesmo texto poderá apresentar diferentes
sequências textuais, confirmando a tese de que as noções textuais (tipos, gêneros e
sequências) não são dispostas de modo estanque.
45
A noção de sequência textual tem, na verdade, origem na proposta de Adam
(1992) e, por isso, a breve revisão sobre sua visão teórica. No entanto, esse trabalho se
centrará na perspectiva de Marcuschi (2008), por entender ser a proposta desse autor a
que melhor atende às nossas expectativas.
Diferentemente de Adam (1992), que propõe as sequências narrativa,
descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal, como antes mencionado, Marcuschi
(2008) propõe como sequências tipológicas a sequência descritiva, a narrativa, a
expositiva, a argumentativa e a sequência injuntiva. É essa proposta de Marcuschi
(2008) que adotamos em nossas análises, por compreender ser ela a mais adequada à
nossa realidade linguística, uma vez que temos a intenção de investigar e compreender
se as sequências tipológicas serão ou não um aspecto relevante na investigação dos usos
de onde. Para isso, utilizaremos os critérios propostos por Marcuschi (2005) para
caracterizar e diferenciar as diferentes sequências tipológicas, a saber:
i. Sequência descritiva: tipo de sequência textual que pode apresentar verbo estático
no presente ou no imperfeito, além de uma indicação de lugar. Em se tratando do corpus
roteiro de cinema, ela poderá estar presente em descrição de cenas, personagens e/ou
lugares, conforme atesta a sequência textual a seguir, retirada do roteiro É proibido
fumar.
Exemplo: “Apartamento idêntico ao de Baby, mas vazio, sem móveis e espelhado. Por
ele caminham um corretor de imóveis, 35 anos, com calça e camisa social e capanga
embaixo do braço. e Mikaela, a sua cliente, uma mulher jovem, com ar determinado.
Ele abre a janela, onde está pregado um anúncio onde se lê: Imobiliária RODRIGUES
– ALUGA-SE. Ela olha tudo, em silêncio.” (É proibido fumar)
ii. Sequência narrativa: tipo de sequência textual que pode apresentar verbo de
mudança no passado. Trata-se de um fragmento de texto que indica a ação ou o diálogo
entre personagens, como mostra a sequência textual seguinte, coletada do roteiro Feliz
ano velho.
46
Exemplo: “Comecei pesquisando a questão clínica: Marcelo me descreveu todo seu
cotidiano de tetraplégico e me levou à instituição onde havia feito o trabalho de
reabilitação. Tive contato com sua fisioterapeuta e outros que participaram do
processo.” (Feliz ano velho)
iii. Sequência expositiva: tipo de sequência que tem por finalidade informar, esclarecer
e/ou explicar determinadas ações, sem que haja o intuito de opinar. Essas sequências
poderão ser de dois tipos: sintética ou analítica, cujos propósitos serão, basicamente,
identificar fenômenos e interligar esses fenômenos, respectivamente, conforme se vê na
sequência textual seguinte, extraída do roteiro Dores e amores.
Exemplo: “As ideias continuavam a surgir: procurar as locações nos bairros
cariocas onde houvesse um legado arquitetônico português, fossem casas coloniais ou
construções da época imperial, em contraste com o Rio de Janeiro modernista e
turístico.” (Dores e amores)
iv. Sequência argumentativa: sequência textual cuja forma verbal pode aparecer no
presente. Trata-se de um fragmento de texto avaliativo, isto é, de atribuição de
qualidade e opinião, como se nota pela sequência textual seguinte, coletada do roteiro
Antes que o mundo acabe.
Exemplo: “Sabe que no Islã é permitida a poligamia? Deve ser estranho ser mulher
numa sociedade onde é permitido ao homem ter quantas mulheres quiser e puder
sustentar. Mas imagina o contrário. Uma sociedade onde é a mulher que pode ter
quantos maridos quiser?” (Antes que o mundo acabe)
v. Sequência injuntiva: sequência representada por verbo no imperativo, ou verbos que,
embora não estejam nesse modo verbal, tenham a mesma intenção comunicativa de
ordenar, aconselhar e/ou pedir. São sequências que, de certo modo, incitam às ações dos
personagens, como se vê na sequência textual seguinte, coletada do roteiro Carro de
paulista.
47
Exemplo: “Ó a piranha aqui! Xispa daqui, seus bostinhas! Volta pro mato de onde
vocês vieram!” (Carro de paulista).
Explicitados os procedimentos metodológicos adotados: continuum fala-
escrita, a diferenciação entre gêneros e tipos textuais, a escolha da noção de sequência
textual, além da revisão dos conceitos de língua e texto, na seção 3.3, ressaltam-se
alguns aspectos da teoria que fundamenta este estudo: a teoria funcionalista.
3.3 O funcionalismo: definições e contribuições
Para esta pesquisa, utilizamos os pressupostos teóricos funcionalistas, que
consideram a linguagem em seu uso real, servindo à função comunicativo-interacional
da linguagem, ou seja, visando, dentre outras coisas, a relação gramatical das línguas e
seus contextos de interação, valorizando o uso que o falante faz dessas estruturas. Por
isso, Neves (1997) explicita que, ao se afirmar que a gramática funcional considera a
competência comunicativa, significa dizer que o que ela considera é a capacidade que os
indivíduos têm não apenas de codificar e decodificar expressões, mas também de
interpretá-las de forma interacionalmente satisfatória. Neves (1997) aponta ainda que se
entende por gramática funcional a organização gramatical das línguas naturais, que
procura integrar-se em uma teoria global da interação social. Trata-se, portanto, de uma
teoria que considera as relações entre as unidades e as funções das unidades têm
prioridade sobre seus limites e sobre sua posição. A teoria funcionalista entende, então,
a gramática como acessível às pressões do uso. Ainda com base nesta perspectiva, Dik
(1989) aponta que, em um paradigma funcional, a língua é concebida como um
instrumento de interação social entre os seres humanos, usada com o objetivo principal
de estabelecer relações comunicativas entre os usuários. Esta teoria preza, então, pelo
estudo das estruturas linguísticas dentro de seu contexto de uso, reforçando a ideia de
que discurso e gramática interferem um no outro.
Nesse sentido, para os funcionalistas, a gramática de uma dada língua é
formada não só a partir de pressões internas a seu sistema, mas também de pressões
externas a ele. Sendo assim, a gramática é concebida como um sistema adaptativo, que
48
está em constante reformulação por meio dos usos que os falantes fazem da língua em
situações comunicativas reais.
Sabendo que a língua é um organismo vivo e se encontra em constante
reformulação, podemos entender melhor o surgimento de novas estruturas linguísticas a
partir de uma visão funcionalista da língua. O surgimento de estruturas novas em um
sistema linguístico não envolve elementos totalmente novos, pelo contrário, apresenta
elementos já disponíveis no sistema com uma funcionalidade diferenciada. Desse modo,
parece ser recurso recorrente nas línguas o uso de estruturas velhas com finalidades
novas. Não é rara, portanto, a utilização de itens e construções lexicais com finalidades
mais gramaticais. Esse processo é conhecido por gramaticalização.
No que se refere à gramaticalização, Meillet (1948 [1912]) define esse
processo como uma mudança de categoria, em que uma palavra autônoma passa a ter
um caráter mais gramatical. Para o autor, essa mudança está associada a um
esvaziamento semântico e formal, em consequência da frequência de uso de
determinadas formas.
Seguindo os pressupostos de Castilho (2010), a língua, para a proposta
funcionalista, é um instrumento de interação social, cujo correlato psicológico é a
competência comunicativa, ou seja, a capacidade de se manter a interação por meio da
linguagem. Para Castilho (2010), diferentemente da sintaxe formal, que contextualiza a
língua nela mesma, isto é, leva em consideração as propriedades internas e as relações
estabelecidas entre seus constituintes e seus significados, a sintaxe funcional
contextualiza a língua na situação interacional a que as estruturas se correlacionam,
dedicando-se mais ao modo como ela se gramaticaliza, ou seja, ao modo como ela
representa as categorias sociais e cognitivas em sua estrutura gramatical. Castilho
(2010) afirma ainda que as diferentes tendências da sintaxe funcionalista possuem em
comum a eleição do discurso e da semântica como sendo os componentes centrais da
língua e, consequentemente, seu ponto de partida.
Apesar de expor diferenças entre o funcionalismo e o formalismo, Castilho
(2010) destaca que, embora o funcionalismo seja mais recente, as duas vertentes
apresentam pontos de convergência. Isso porque, segundo o linguista, o gerativismo faz
menção à semântica ao tratar das subcategorias dos papeis temáticos, enquanto que o
49
funcionalismo, apesar de levar em consideração o caráter social, não poderia deixar de
considerar as regularidades da estrutura da língua.
Neves (1997, p. 5), ao tratar das funções da linguagem, afirma que função, para
o funcionalismo, apresenta algumas possibilidades de variedades. São elas:
i. o valor de “papel” ou de “utilidade de um objeto ou de um comportamento”;
ii. o valor de “papel de uma palavra em uma oração”, acrescentado ao sentido que uma
palavra tem em um determinado contexto;
iii. o valor matemático de “grandeza dependente de uma ou de diversas variáveis”.
No entanto, Martinet (1994) afirma que o termo função tem sentido, para os
linguistas, de papel que a língua pode desempenhar na comunicação entre seus usuários.
Nesse sentido, no que se refere à linguagem, a significação de função, levando-se em
conta seu sentido matemático, não será pertinente. Para explicar a difícil conceituação
dos termos função e funcional, recorrentes na produção linguística da escola de Praga,
Neves (1997) explicita cinco diferentes motivos para essa dificuldade de conceituação,
que são:
i. há nas produções linguísticas muito poucas tentativas de definição dos termos
usados;
ii. o conceito é aplicado a variados domínios e fenômenos da linguagem e, por isso,
sofre muitas modificações, aparecendo com variações nocionais;
iii. há diferenças e vacilações entre os diferentes autores;
iv. o termo funcional é usado, em alguns casos, em sentido vago, como uma espécie de
rótulo;
v. os termos função e funcional não são os únicos relevantes para uma abordagem de
cunho funcionalista.
Nesse sentido, para Neves (1997), a função de uma entidade linguística é
constituída pelo papel que ela desempenha no processo comunicativo, ou seja, para
maioria dos autores, o termo função é usado como o propósito que os componentes
gramaticais desempenham. Halliday (1985) afirma que a noção de função não se refere
50
aos papeis que desempenham as classes de palavras ou os sintagmas dentro da estrutura
maior, mas ao papel que a linguagem desempenha na vida dos indivíduos, servindo aos
muitos e variados tipo de demanda. Assim, o termo função, em relação à linguagem,
tanto pode se referir ao propósito de uso quanto ou papel ou efeito de uso. Nesse
sentido, em se tratando dos usos de onde, função terá o sentido de efeito de uso, isto é,
onde podendo funcionar como (i) conjunção integrante, (ii) conjunção subordinativa e
(iii) pronome relativo (retomando outros valores semânticos além do de lugar).
Para Halliday (1985), a gramática funcional é essencialmente uma gramática
natural, no sentido de que tudo nela pode ser explicado, com referência a como a língua
é usada. Desse modo, cada elemento numa língua é explicado por sua função no sistema
linguístico. Assim, a gramática funcional é aquela que constrói todas as unidades de
uma língua como configurações orgânicas de funções. Nesse sentido, o autor explicita
dois pontos básicos: (i) a unidade maior de funcionamento é o texto e (ii) os itens são
multifuncionais.
Nessa concepção de que a maior unidade de funcionamento é o texto, a língua
é concebida como um sistema de produção de sentidos através de enunciados
linguísticos. É a gramática, então, que codifica o significado. Para Halliday (1985), o
estudo da multifuncionalidade prevê, entre outras coisas, (i) a investigação de diferentes
funções e (ii) a investigação do funcionamento de um determinado item de acordo com
os limites linguísticos, desde os sintagmas menores até as porções textuais. Assim, a
investigação da multifuncionalidade de onde prioriza a função desse item e seus níveis
de análise.
Ao estabelecer a noção de multifuncionalidade, recorremos à noção de
gramaticalização, que, segundo Gonçalvez et al (2007), dentre os vários processos de
mudança linguística, é considerada uma das mais comuns que se tem observado nas
línguas. Isso porque a constante renovação do sistema linguístico, que é percebida,
principalmente, pelo surgimento de novas funções para formas já existentes, traz a
noção de gramática emergente. Para alguns autores, a gramaticalização pode ser
considerada um processo ou um paradigma, podendo ser um fenômeno diacrônico ou
sincrônico.
A gramaticalização pode, então, ser considerada de dois modos: (i) como um
processo, ao se deter na identificação e análise de itens que se tornam mais gramaticais
51
e (ii) como um paradigma, caso observada como um estudo que se preocupa em
focalizar a maneira como formas gramaticais e construções surgem e como são usadas.
O estudo da gramaticalização pode ainda ser diacrônico, se a preocupação estiver
voltada para a explicação de como as formas gramaticais surgem e se desenvolvem na
língua, como os trabalhos de Barreto (1999) e Poggio (1999) sobre, respectivamente, a
gramaticalização das conjunções e das preposições no português, ou o estudo da
gramaticalização pode ser sincrônico, se a preocupação estiver voltada para a
identificação de graus de gramaticalidade que uma forma linguística desenvolve a partir
dos deslizamentos funcionais que pode sofrer a partir dos usos linguísticos. Este estudo
se filia ao estudo sincrônico da gramaticalização, compreendendo-a como um processo.
A gramaticalização prevê, então, que à medida que as propriedades de uma
unidade linguística vão se alterando, ela vai se tornando membro de novas categorias
em razão de uma reanálise categorial, o que permite enquadrar uma mesma forma em
diversas outras categorias.
Apresentamos o processo de gramaticalização de forma sucinta, por
considerarmos, em nossas análises, que o item onde já se gramaticalizou, como atestam
os trabalhos expostos na seção 2.3 (“Onde em outras abordagens”). Portanto, o objetivo
dessa dissertação, é investigar e descrever os usos desse item após seu processo de
gramaticalização. Sendo assim, da teoria da gramaticalização, utilizamos, tão somente,
para justificar as mudanças ocorridas e que ainda podem ocorrer com o onde, as noções
de (i) alta frequência, ou seja, o enfraquecimento semântico de uma dada forma devido
à habitualidade e (ii) o princípio da persistência, proposto por Hopper (1991), que prevê
a manutenção de alguns traços semânticos da forma-fonte na forma gramaticalizada, o
que poderá causar certas restrições semânticas para o uso da forma gramaticalizada.
Essas noções serão mais comentadas na seção 3.4 seguinte, em que se aplica a proposta
funcionalista na análise dos dados.
52
3.4 A proposta de análise funcionalista
Segundos os pressupostos da tradição gramatical, no que tange ao tratamento
das orações complexas (ou o período composto, para se utilizar os rótulos tradicionais),
Carvalho (2004) afirma que a ausência de consistência teórica na formulação desses
conceitos é que tem motivado diversas investigações na área. Isso porque essa
inconsistência surge em decorrência do fato de a tradição considerar somente os
processos sintáticos da coordenação e da subordinação para tratar das possibilidades de
articulação de orações diversas.
É nesse sentido que recorremos aos estudos funcionalistas sobre articulação de
cláusulas, por compreender serem eles os que melhor se adéquam às nossas
necessidades. Para isso, analisamos nossos dados sob a perspectiva de Castilho (2010),
Matthiessen e Thompson (1988), Hopper e Traugott (1993), Decat (2011) entre outros.
Isso porque esses teóricos têm se preocupado, em suas investigações, em postular outros
procedimentos de organização sintática, além dos processos coordenação –
subordinação. A tríade subordinação – hipotaxe – parataxe, proposta por Matthiessen
e Thompson (1988) e a proposta discursiva-pragmática do desgarramento de Decat
(2011) evidenciam essas novas formas de se pensar a articulação de cláusulas.
Além de rever a insuficiência na dicotomia coordenação – subordinação,
adotando a tríade proposta por Matthiessen e Thompson (1988) e a proposta de
desgarramento de Decat (2011), em nossa descrição, para atender a uma análise
funcionalista dos dados, adotamos alguns aspectos e nomenclaturas específicas desta
teoria. A noção de cláusula, por exemplo, para o funcionalismo, que não é,
necessariamente, sinônima de oração. Nesta corrente teórica, a noção de cláusula
envolveria aspectos não só gramaticais, como propõe o rótulo tradicional, mas também
aspectos discursivos. Decat (2011) afirma que o que importa não é classificar uma
cláusula, mas reconhecer a capacidade que elas têm de se combinarem umas com as
outras. Em nossos dados, no entanto, cláusula corresponde à oração. Castilho (2010)
afirma que a polarização coordenação/subordinação é bastante antiga na reflexão
gramatical. Para o autor, esses dois procedimentos sintáticos representam expansões de
uma sentença simples. Nesse sentido, enquanto que na coordenação a função do
elemento acrescentado é idêntica à função dos elementos preexistentes, na subordinação
53
os elementos subordinados teriam natureza sintática distinta. Assim, a coordenação seria
um procedimento combinatório sintático de termos equivalentes, ou seja, de um mesmo
estatuto hierárquico. Contrário a isso, a subordinação seria um procedimento
hierárquico do ponto de vista sintático. É por isso que, para Castilho (2010), as orações
subordinadas podem ser focalizadas por clivagem, já que funcionam como constituintes
integrados em sentenças hierarquicamente mais altas, ao passo que as orações
coordenadas não possuem essa propriedade.
O linguista, seguindo a ideia de que essa dicotomia não é suficiente para
analisar as diversas possibilidades de combinação de cláusulas em contextos reais de
interação, afirma que, embora as subordinadas sejam tratadas como dependentes
sintaticamente, os tipos de subordinadas (substantivas, adjetivas e adverbais) possuem
propriedades sintáticas diferentes. Para ele, ao passo que as substantivas teriam caráter
argumental, as adjetivas e as adverbiais apresentariam caráter adjuncional. Além disso,
Castilho (2010), assim como Rodrigues (2007), compreendem a correlação como sendo
um procedimento sintático diferente dos tradicionalmente descritos (a coordenação e a
subordinação), isto é, para os autores, a correlação seria um terceiro tipo de relação
intersentencial, cuja característica principal seria a interdependência sintática, relação
materializada por meio de expressões correlatas. No entanto, no que se refere à
justaposição, Castilho (2010) não a considera como um procedimento sintático, mas, na
verdade, como um artifício para justificar o procedimento sintático da coordenação. A
coordenação, a correlação e a justaposição, no entanto, não serão levadas em
consideração em nossas análises, já que o fenômeno em tela não ocorre em nenhum
desses contextos. Focalizaremos, então, os procedimentos que envolvem a subordinação
e a hipotaxe.
Nesse sentido, adotando a proposta funcionalista, a fim de associarmos os
aspectos gramaticais aos aspectos discursivos, consideramos (i) cláusulas
completivas/encaixadas; (ii) cláusulas relativas restritivas e (iii) cláusulas hipotáticas,
para designar, respectivamente, o que tradicionalmente seria chamado de orações
substantivas, orações adjetivas restritivas e orações adverbiais e adjetivas
explicativas/apositivas, respectivamente (cf. quadro 2 a seguir).
54
Quadro 2: a proposta de análise funcionalista.
Sobre o quadro 2, vale explicitar que, segundo o funcionalismo, a noção de
subordinação não corresponde à visão tradicional. No âmbito funcionalista,
subordinação pressupõe encaixamento, relação de constituência entre elementos. Por
esse motivo, só podemos falar de subordinação, seguindo esta proposta, para o caso das
completivas (substantivas da tradição) e relativas restritivas (adjetivas restritivas da
tradição) – as primeiras encaixadas ao sintagma verbal (SV) e as segundas encaixadas
ao sintagma nominal (SN). No caso da hipotaxe, uma cláusula não estabelece relação de
constituência com outra, mas contribui para expandir/realçar seu conteúdo como
acontece com as hipotáticas - adverbiais da tradição e as relativas apositivas (adjetivas
explicativas da tradição). As paratáticas, além de não serem constituintes de outra
cláusula, são sintaticamente independentes (cf. MATTHIESSEN e THOMPSON,
1988). A adoção da tríade subordinação, hipotaxe e parataxe permite que repensemos
Gramática Tradicional (GT)
A Visão Funcionalista
Subordinadas Substantivas
Cláusulas Completivas/encaixadas
Subordinadas Adjetivas Restritivas
Cláusulas Relativas
Subordinadas Adjetivas Explicativas
Subordinadas Adverbiais
Cláusulas Hipotáticas
55
as relações entre as orações no âmbito da tradição gramatical, conforme visualizado no
continuum a seguir:
Continuum 1: a tríade proposta por Hopper e Traugott (1993, p. 171).
As estruturas de parataxe são, então, caracterizadas, como se pode atestar no
continuum 1, como estruturas sem vínculo sintático e sem encaixamento entre as
cláusulas. Já as estruturas de hipotaxe e subordinação apresentam um ponto em comum:
a noção de dependência. No entanto, diferenciam-se em relação ao encaixamento. Isso
porque as estruturas de hipotaxe, contrapondo-se às de subordinação, não apresentam
níveis de encaixamento.
Halliday (1985) analisa as orações complexas segundo duas dimensões:
relações semântico-funcionais e relações de dependência. Matthiessen e Thompson
(1988), recuperando a ideia de Halliday (1985), diferenciam as estruturas de hipotaxe
(cláusulas hipotáticas e cláusulas relativas explicativas) das estruturas de parataxe
(cláusulas coordenadas) por meio de dois tipos de relações semântico-funcionais: a
projeção (parataxe) e a expansão/realce (hipotaxe). Ao diferenciar as estruturas de
encaixamento, os autores levam em consideração o fato das cláusulas encaixadas
(cláusulas completivas e cláusulas relativas restritivas) representarem cláusulas que
funcionem como constituinte de outra, seja vinculada ao sintagma verbal (SV), no caso
das cláusulas completivas, seja vinculada ao sintagma nominal (SN), no caso das
cláusulas relativas restritivas. As estruturas de hipotaxe (ou adverbiais), por sua vez, não
constituem uma subordinação, por estarem privadas do traço de encaixamento.
Em nossas análises, trataremos nossos dados conforme descrito a seguir:
56
Eixo da Subordinação/ Encaixamento
Eixo da Hipotaxe/Estruturas de
Realce
Cláusulas Completivas
Cláusulas Relativas Explicativas3
Cláusulas Relativas Restritivas
Cláusulas Hipotáticas
Quadro 3: a proposta de divisão dos dados analisados4 5.
Após essa breve revisão sobre a teoria funcionalista no que tange à articulação
de cláusulas, faz-se, em seguida, uma breve sistematização sobre os contextos sintáticos
em que onde pode se inserir, ou seja, em cláusulas desgarradas e não desgarradas, para
demonstrar como se deu a análise efetiva dos dados para esta pesquisa.
3.4.1 Cláusulas Completivas
Gonçalvez, Sousa e Casseb-Galvão (2016) afirmam que o rótulo subordinação
tem servido para identificar não somente a relação de dependência entre as cláusulas,
mas também outras relações de constituência, como a dependência entre um núcleo
3 As Cláusulas Relativas Explicativas não foram encontradas em nosso corpus. Por isso, não serão
mencionadas na seção correspondente à análise dos dados. 4A proposta de análise e organização dos dados analisados surgiu a partir da ideia de Matheus et al
(2003). Além disso, é das mesmas autoras a justificativa para nossa interpretação de onde como (i)
articulador de cláusulas completivas, (ii) articulador de cláusulas relativas e (iii) articulador de cláusulas
hipotáticas, já que, para as teóricas, a posição do conector é um dos critérios para essas análises. 5 Os usos descritos no quadro 3 podem ocorrer ou não sob a forma de desgarramento.
57
lexical e os adjuntos e/ou modificadores dele dependentes. No entanto, abordaremos
somente as relações entre cláusulas. Nesse sentido, o termo subordinação é usado para
identificar o ambiente sintático entre as cláusulas, já que uma funciona como um
constituinte argumental de outra. Assim, os termos cláusulas subordinadas, encaixadas
e/ou completivas são adotados como sinônimos e, ao longo de nosso texto, podem ser
intercambiáveis. Muito embora, privilegiaremos o termo cláusulas completivas quando
nos referirmos às cláusulas com maior nível de encaixamento.
As cláusulas encaixadas para nós são aquelas que apresentam o maior grau de
dependência sintática e encaixamento com um termo de outra cláusula.
Tradicionalmente correspondem às substantivas, que ocorrem vinculadas por uma
hierarquia sintática ao sintagma verbal (SV) da cláusula núcleo (ou a oração principal,
ainda no rótulo tradicional). Além disso, são as cláusulas completivas que podem
assumir posição sintática, equiparando-se a um sintagma nominal. O fato das
completivas serem encaixadas ao sintagma verbal (SV) e poderem assumir posição
sintática é o principal critério para nossa identificação. Por assumirem posição sintática
e serem equivalentes a um sintagma nominal é que são tradicionalmente denominadas
como substantivas. Em termos de uso, essas cláusulas podem ser consideradas
argumentos de um predicado (verbal ou nominal) se ocorrerem em posição argumental
semelhante à de um termo simples. É por isso que, para Gonçalvez, Sousa e Casseb-
Galvão (2016), as cláusulas completivas podem assumir a função de um sintagma
nominal.
Podemos corroborar essas noções na seção 4.1.1, que se destina a descrever os
dados analisados.
3.4.2 Cláusulas Relativas
As cláusulas relativas, tradicionalmente descritas como adjetivas, poderão
pertencer ao eixo da subordinação, no caso das relativas restritivas, ou pertencer ao eixo
da hipotaxe, no caso das relativas não restritivas (ou explicativas). As relativas não
restritivas têm a função, de acordo com a proposta de Souza (2009), de expandir as
cláusulas núcleo, ou seja, oferecendo um maior detalhamento das informações ou
58
fornecendo comentários a respeito do antecedente nominal. Do ponto de vista sintático,
ela não funciona como constituinte da cláusula núcleo. É por isso, então, que são
consideradas como cláusulas pertencentes ao eixo hipotático. As relativas restritivas,
por sua vez, também podem expandir a informação da cláusula núcleo. No entanto,
diferenciam-se das cláusulas relativas não restritivas pelo fato de poderem assumir a
função de um constituinte da cláusula núcleo, sendo, portanto, do eixo da
subordinação/encaixamento.
As cláusulas relativas, restritivas e não restritivas, têm como principal critério
de análise o fato de retomarem o antecedente nominal, principal função de um pronome
relativo, conector prototípico desse tipo de cláusula. Além disso, as cláusulas relativas
podem assumir, a depender do contexto em que estiverem inseridas, leituras
circunstanciais diversas. É nesse ponto que daremos ênfase ao uso de onde como
pronome relativo, uma vez que, tradicionalmente, essa função do item já é descrita. No
entanto, onde funcionando como pronome relativo é, de acordo com a tradição,
estritamente locativo, ou seja, veicula somente valor semântico de lugar. Contrariando a
perspectiva tradicional, em nossos dados, onde como pronome relativo, introduz
cláusulas, retomando, além do valor locativo, outros valores semânticos, que são
descritos no item 4.1.2.
3.4.3 Cláusulas Hipotáticas
Rodrigues (2010), no que se refere às cláusulas hipotáticas, afirma que, no
âmbito tradicional, essas cláusulas correspondem às orações subordinadas adverbiais,
caracterizando-se, normalmente, por serem equivalentes a um advérbio ou a um adjunto
adverbial de uma oração principal. Além disso, a autora enumera ainda outros critérios
que nos permitem refletir acerca das definições e caracterizações apresentadas pela
tradição gramatical, como o fato de algumas adverbiais não serem contempladas pela
Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), a exemplo das locativas, que é um dos usos
de onde rastreados por nós nesse trabalho. Outro aspecto comentado por ela é o de que,
embora as adverbiais sejam reconhecidas pela mobilidade, algumas, tratadas como
correlatas, não apresentariam essa possibilidade. No entanto, isso não se verificará em
59
nossos dados, já que em todos os casos de onde funcionando como articulador de
cláusulas hipotáticas (ou adverbiais), a mobilidade das cláusulas é possível.
É nesse sentido que, nessa investigação, tratamos como critérios para
identificação de uma cláusula hipotática, sua leitura circunstancial (locativa, por
exemplo), além de sua mobilidade em relação à cláusula núcleo.
Ainda em relação às adverbiais locativas (isso para usar o rótulo tradicional),
Kury (2002) afirma que essas orações assemelham-se a um complemento adverbial de
lugar, sob a forma desenvolvida, mas sem a presença de uma conjunção. Isso porque,
para o autor, o conector onde, que introduz essas orações, não é reconhecido como uma
conjunção. É nesse ponto que discordamos da abordagem tradicional.
3.4.4 Cláusulas Desgarradas
Decat (2011) afirma que o desgarramento envolve estruturas analisadas como
subordinadas (adverbiais e adjetivas explicativas) e, obviamente, tidas como
dependentes pela Gramática Tradicional, mas que vêm ocorrendo, tanto no português
escrito quanto no falado, sintaticamente independente da cláusula núcleo, ou seja, de
forma solta, isolada, como um enunciado independente.
A partir desta afirmação, o presente trabalho analisará e descreverá também os
casos em que onde aparece na forma desgarrada no corpus analisado. Vale ressaltar
que, para uma melhor análise desses dados, o ideal seria submetê-los a um tratamento
prosódico, isto é, por meio da interface sintaxe-prosódia. Assim, seria possível verificar
se, além da estrutura sintática, há algum comportamento prosódico, como a pausa ou a
curva entoacional, que indique o seu desgarramento, comprovando, portanto, a
afirmação da autora de que este fenômeno vem ocorrendo não só na escrita, mas
também na fala. No entanto, esta dissertação limitar-se-á a descrever, conforme
proposto, os usos de onde, em contextos oracionais, incluindo seu provável
desgarramento, sem, no entanto, submeter os dados ao tratamento prosódico/acústico.
Decat (2011) propõe que a noção de “unidade de informação” pode ser um
instrumento importante para o estudo e análise da (in)dependência entre as cláusulas.
Segundo a autora, poder ou não constituir uma única unidade de informação é uma
60
distinção fundamental entre estruturas de encaixamento e estruturas de hipotaxe. Chafe
(1980) propõe a noção de idea unit, traduzida como “unidade de informação” (ou
“unidade informacional”). Esta noção designa, segundo o autor, um “jato de linguagem”
que contém toda a informação manipulada pelo falante em um único estado de
consciência. Isso, para Decat (2011, p. 28), “quer dizer que há um limite de informação
que a atenção do falante pode focalizar de uma única vez, ou seja, a unidade de
informação expressa o que está na „memória de curto termo‟”. Segundo considerações
da autora, cláusulas menos dependentes (as tradicionalmente chamadas de adjetivas
explicativas e, principalmente, as adverbiais), ou seja, aquelas que não podem ser
constituintes de um elemento de outra e que, portanto, podem formar uma unidade de
informação à parte, estariam propensas ao desgarramento, ou seja, poderiam ocorrer,
sintaticamente, independentes na língua.
Ainda sobre a noção de unidade informacional, Decat (2011, p. 43) afirma que
a noção de „unidade de informação‟ está correlacionada com a
ocorrência isolada de cláusulas subordinadas. Caracterizando-se como
opções do discurso, servindo a objetivos comunicativo-interacionais,
tais cláusulas desgarram-se porque constituem unidades de
informação à parte, o que as reveste de um menor grau de
dependência, tanto formal quanto semântica, chegando mesmo a se
identificarem como cláusulas tidas como independentes, à maneira de
alguns tipos de coordenadas. A dependência que se estabelece, nesses
casos, será pragmático-discursiva.
Assim, para Decat (2011), as tradicionais adjetivas explicativas e as adverbiais,
isto é, as cláusulas hipotáticas estão mais propensas ao desgarramento. Isso porque
essas cláusulas são as mais periféricas, ou seja, essas cláusulas estabelecem relações
semânticas mais frouxas, constituindo um único ato de fala ou, como propõe Chafe
(1980), uma unidade de informação à parte. Com base nisso, abordaremos os casos de
onde introduzindo cláusulas desgarradas da seguinte maneira:
61
Usos Multifuncionais
Usos Desgarrados
Cláusulas Hipotáticas
Cláusulas Hipotáticas Desgarradas
Cláusulas Relativas
Cláusulas Relativas Desgarradas
Cláusulas Completivas
Cláusulas Completivas Desgarradas
Quadro 4: usos de onde desgarrados e não desgarrados.
A análise dos dados de onde contempla, conforme previsto no quadro 4
anterior, os casos desgarrados e não desgarrados. No entanto, conforme prevê Decat
(2011), as cláusulas hipotáticas, relativas e completivas não se desgarram do mesmo
modo, isto é, umas são mais propensas que as outras, conforme antes comentado. Isso
porque quanto maior for o nível de encaixamento entre as cláusulas, menor será a
probabilidade de essa cláusula ocorrer de modo desgarrado. Assim, segundo o
continuum 2, pode-se estabelecer uma gradiência entre as cláusulas mais propensas ao
desgarramento e entre as cláusulas menos propensas ao desgarramento:
62
Continuum 2: o desgarramento
Com base no continnum 2, observa-se que se indica por [+] as cláusulas
prototipicamente mais desgarradas e por [-] as cláusulas menos prototipicamente
desgarradas. Assim, estamos diante de um continuum que vai das cláusulas mais
propensas ao desgarramento, no topo da seta, até as cláusulas menos propensas ao
desgarramento, na base da seta. Dito isso, é possível afirmar que as cláusulas em
análise não constituem um mesmo contexto de desgarramento. Diferentemente do que
propõe Decat (2011), em nossas análises separamos os tipos de desgarramento
existentes, uma vez que a autora não parece fazer nenhuma diferenciação em relação às
diferentes possibilidades de desgarramento. Assim, vejamos o quadro 5 a seguir:
63
Tipos de desgarramento
(i) Desgarramento inerentemente pragmático
(ii) Desgarramento cotextual
(iii) Desgarramento contextual
Quadro 5: tipos de desgarramento
Decat (2011), ao estabelecer a noção de desgarramento, como mencionamos
antes, não faz nenhuma diferenciação entre os tipos de dados desgarrados, além da
diferenciação sintática entre eles. No entanto, percebe-se que alguns dos dados
desgarrados apresentados, inclusive, pela autora, se organizam de modo diferente um
dos outros. É pensando nisso e, em relação ao tratamento dado em Rodrigues (no prelo),
que adotamos as nomenclaturas propostas no quadro 5, que se destina a caracterizar os
tipos de desgarramento. Todavia, antes de explicarmos as noções do quadro 5 anterior,
vale ressaltar que, no que se refere às orações subordinadas (no tratamento tradicional),
Decat (2011) estabelece que as orações adverbiais e as orações adjetivas explicativas,
que possuem um menor grau de integração sintática, seriam as mais
propensas/prototípicas ao desgarramento, porque, além de não constituírem argumentos
das orações principais, já que estabelecem uma relação de adjunção, podem ser
consideradas unidades de informação à parte (cf. Chafe, 1980). Contudo, Decat (2011)
afirma ainda que as orações com maior integração sintática e/ou encaixamento, isto é, as
tradicionais substantivas, também podem se desgarrar, porém com uma ressalva: essas
orações só podem se desgarrar se antes uma oração estruturalmente equivalente já vier
sob a forma não desgarrada em relação à oração principal. Em nossos dados, há apenas
uma ocorrência de cláusulas completivas desgarradas, nesses moldes (cf. seção 4.2.1).
Assim, recorremos a exemplos de outros corpora, como o que segue:
64
(5)
Imagem 1: conversa pessoal de whatsapp.
O exemplo (5), ilustrado anteriormente, é fruto de uma conversa pessoal entre
amigos no aplicativo whatsapp, em que se falava sobre o filme O silêncio do céu
(2016), cuja temática gira em torno de um grande trauma por parte da personagem
principal, Diana (Carolina Dieckmann). Vítima de um estupro dentro de sua própria
casa, a personagem tenta esconder o caso e não conta a ninguém sobre o ocorrido,
apesar de saber quem é o estuprador e onde ele mora e trabalha. É a partir dessa
informação que o interlocutor da conversa pessoal no exemplo (5) constrói “Vc [você]
sabe onde o estuprador está. Onde ele trabalha.”, em que a segunda cláusula
introduzida por onde [.Onde ele trabalha] é considerada como uma cláusula completiva
desgarrada. Nesse exemplo, ocorre o que propõe Decat (2011): a cláusula completiva
só está desgarrada, porque antes uma cláusula de mesma estrutura sintática [onde o
estuprador está] ocorreu de modo não desgarrado. Assim, a cláusula desgarrada
funciona como uma reiteração em relação à cláusula não desgarrada.
65
Após a explicação do exemplo (5), voltemos ao quadro 5, que se destina a
classificar os tipos de desgarramento. Consideramos como desgarramento
inerentemente pragmático, aqueles casos de desgarramento em que a cláusula
desgarrada aparece completamente independente sintaticamente. Isso porque essa
cláusula ocorre sem a presença de uma principal (no rótulo tradicional) ou uma cláusula
núcleo, para utilizarmos o rótulo funcional. A exemplo do que propõe Decat (2011, p.
25) na cláusula “Se eu ganhasse na Sena!”, já comentado brevemente na seção 2. Esse
seria, então, o desgarramento considerado prototípico em nossas análises. O
desgarramento cotextual é aquele caso de desgarramento, cujo referente está expresso e
explícito, a exemplo do que ocorre no dado (4), descrito na seção 2. O desgarramento
contextual é aquele cujo referente está mais distante no contexto, ou aquele que se
refere a uma porção de texto maior, ou seja, não há um referente explícito ou facilmente
recuperável no nível sentencial. O desgarramento cotextual tem se mostrado ser o mais
frequente em relação aos usos de onde desgarrados encontrados em nosso corpus. Na
seção 4, que se refere à análise dos dados, serão mostrados os usos de onde introduzindo
cláusulas desses três tipos de desgarramento caracterizados por nós, com base na
proposta de Rodrigues (no prelo).
Feita a revisão do tratamento funcional que norteou nossa descrição e justifica a
análise dos dados descritos, na seção 4 seguinte, apresenta-se a análise dos dados de
onde em contextos oracionais diversos, descrevendo seus usos desgarrados e não
desgarrados. Iniciamos a análise pelos usos de onde em cláusulas não desgarradas,
seção 4.1, que chamaremos de “a multifuncionalidade de onde”.
66
4. A análise dos dados
Neste capítulo faz-se a análise dos dados, que será dividida da
seguinte forma: primeiro descrevem-se os usos de onde
multifuncionais analisados no corpus roteiro de cinema, em
seguida descrevem-se seus usos desgarrados, também
recolhidos desse mesmo corpus. Ao término dessas descrições,
apresenta-se o desgarramento de onde em outros corpora, a fim
de demonstrar outros contextos em que esse uso tem ocorrido.
67
Nesta seção, apresentamos as nossas análises. Para isso, foram selecionados
alguns exemplos para cada tipo de funcionamento de onde, em contexto oracional,
encontrados nos roteiros analisados. Primeiro, descrevemos os casos de onde
multifuncionais, isto é, onde como um articulador de cláusulas completivas, onde como
um articulador de cláusulas relativas e onde como um articulador de cláusulas
hipotáticas. Após a descrição da multifuncionalidade do item, faz-se a descrição de seus
usos desgarrados, também em cláusulas completivas, relativas e hipotáticas. Na seção
4.2, correspondente aos usos desgarrados de onde, além dos dados encontrados nos
roteiros analisados, descrevemos outros dados de outros corpora, como propagandas e
textos do facebook. Esses dados, no entanto, não serão contabilizados na seção 5, que se
destina aos resultados da pesquisa com base no corpus dos roteiros. Eles são, portanto,
uma forma que encontramos para ilustrarmos que o desgarramento de onde não parece
restrito a um único gênero textual.
4.1. A multifuncionalidade de onde
Os usos multifuncionais de onde identificados no corpus foram: (i) articulador
de cláusulas completivas, (ii) articulador de cláusulas relativas, (iii) articulador de
cláusulas hipotáticas, (iv) onde em contextos sintaticamente intermediários e, por fim,
(v) onde em contextos semanticamente intermediários.
4.1.1. Onde com função de articulador de cláusulas completivas
Como já dito anteriormente, onde tem sido empregado pelo falante em
contextos oracionais diversos, explicitando, assim, sua multifuncionalidade. Um de seus
usos que se destacam é o funcionamento como um articulador de cláusulas completivas,
isto é, a cláusula introduzida por onde possui maior nível de integração sintática, ou
melhor, maior nível de encaixamento em relação à cláusula núcleo. Os exemplos que se
seguem, retirados e analisados do corpus roteiro de cinema, indicam essa relação.
68
(6) O que você viu nesse cara? O que ele tem que eu não tenho? Poxa, se
você pelo menos me contasse onde foi que eu errei, quem sabe eu pudesse
corrigir e a gente começasse tudo de novo? (Dores e Amores)
(7) Agora ela me mandou ir pra casa. E eu não tenho a menor idéia de onde tá
meu primo! Sem o Raio, eu nem volto mais! (Carro de paulista)
(8) Alberto dorme encostado à sua mala de viagem. Tem o chapéu pousado
na cara, tentando cortar o sol forte que o ilumina sem piedade. É acordado
pelos salpicos de água dos marinheiros que, com maus modos, baldeiam e
esfregam o convés. Durante alguns momentos fica baralhado, esfregando
os olhos e tentando perceber onde está. (A selva)
Em (6), (7) e (8) há exemplos de onde introduzindo cláusulas completivas. Em
(6), fragmento inerentemente de fala e de sequência textual argumentativa, a cláusula
introduzida por onde [onde foi que eu errei] está encaixada, isto é, dependente
sintaticamente, em relação ao sintagma verbal [contasse] da cláusula núcleo [Poxa, se
você pelo menos me contasse]. A cláusula introduzida por onde assume, então, função
sintática de um objeto direto no contexto em que se insere.
Em (7), fragmento inerentemente de fala e de sequência textual narrativa,
ilustra-se onde funcionando como um articulador de cláusulas completivas. Neste caso,
no entanto, a relação de encaixamento não se dá em relação ao verbo da cláusula núcleo
[E eu não tenho a menor ideia], mas, sim, em relação ao sintagma nominal [menor
ideia]. Assim, a cláusula introduzida por onde [de onde tá meu primo!] assume a função
sintática de um complemento nominal.
Em (8), fragmento inerentemente de escrita e de sequência textual descritiva,
há também onde em seu funcionamento como um articulador de cláusulas completivas.
Diferentemente do que ocorre em (7), agora a integração sintática da cláusula
introduzida por onde [onde está.] se encaixa ao sintagma verbal [tentando perceber] da
cláusula núcleo [Durante alguns momentos fica baralhado, esfregando os olhos e
tentando perceber], assumindo a função sintática de um objeto direto.
69
Em relação ao funcionamento de onde como articulador de cláusulas
completivas, cabe salientar que, embora alguns gramáticos normativos (cf. Bechara,
2009) admitam a existência de orações substantivas introduzidas por pronomes ou
advérbios interrogativos, quando estão na forma de uma oração interrogativa indireta,
isto não inviabiliza nossa análise. Muito pelo contrário, a reforça, porque, os gramáticos
que assim o fazem, percebem exatamente o mesmo que percebemos, isto é, onde
funcionando como se fora uma conjunção integrante. Não podemos nos esquecer,
também, de que tal abordagem não é consensual entre eles, o que nos ajuda a defender a
ideia de que não é, portanto, o uso prototípico do item.
4.1.2 Onde com função de articulador de cláusulas relativas
Ainda em relação à multifuncionalidade de onde, um de seus usos que mais
têm se destacado em trabalhos diversos, como os citados na seção 2.3, é o uso como um
articulador de cláusulas relativas. O grande interesse por esse funcionamento se dá,
exclusivamente, pelas diversas possibilidades de leitura que o item pode assumir, uma
vez que é sabido que as cláusulas relativas podem assumir leituras hipotáticas diversas
(cf. Sousa, 2009). Com o onde, nesse contexto, não é diferente. Os exemplos a seguir
atestam as possibilidades de leitura encontradas no corpus analisado.
(9) Vários bombeiros e motoristas estão ali, em silêncio, aguardando uma
emergência. Som de pernilongo no ar. Um dos bombeiros caminha em
direção ao portão, onde apoia-se e acende um cigarro, quando, de repente,
o silêncio é interrompido pelo som do telefone, que toca. Bombeiro-chefe
atende o telefone. (É proibido fumar)
(10) Apartamento idêntico ao de Baby, mas vazio, sem móveis e espelhado.
Por ele caminham um corretor de imóveis, 35 anos, com calça e camisa
social e capanga embaixo do braço. e Mikaela, a sua cliente, uma mulher
jovem, com ar determinado. Ele abre a janela, onde está pregado um
70
anúncio onde se lê: Imobiliária Rodrigues – Aluga-se. Ela olha tudo, em
silêncio. (É proibido fumar)
(11) Nesse marco, a influência dos EUA é notória, onde são recrutados
alguns dos melhores alunos das grandes universidades. Graças a esse
recrutamento, muitas ONGs dispõem assim de quadros qualificados, que
trabalham nessas associações, tornando-se parceiros críticos das empresas
multinacionais e dos Estados – como relata o artigo de Yves Dezalay e
Bryant Garth, autores de La Mondialisation des guerres de palais. (Quanto
vale ou é por quilo?)
(12) Mário desliga as luzes de seu quarto e dirige seu olhar para a tela branca
onde, depois de instantes, aparecem as primeiras imagens do filme nas quais
ele se encontra deitado na cama de hospital, iluminado pela luz azulada da
televisão. (Feliz ano velho)
Em (9), fragmento inerentemente de escrita e de sequência textual narrativa,
retomando o que propõe a tradição gramatical, onde funciona como um articulador de
cláusulas relativas, cujo antecedente nominal assume valor semântico de lugar. Esse uso
passa ser, então, o único considerado por nós como um uso padrão. Isso porque é esse o
funcionamento de onde, em contextos oracionais, licenciado pela gramática tradicional.
Assim, a cláusula introduzida por onde [onde apoia-se e acende um cigarro] retoma o
antecedente nominal locativo [ao portão], inserido na cláusula núcleo [Um dos
bombeiros caminha em direção ao portão].
Em (10), fragmento inerentemente de escrita e de sequência textual descritiva,
há duas cláusulas introduzidas por onde, a primeira, tal como ocorre em (9), de uso
padrão locativo [onde está pregado um anúncio], retomando a ideia de lugar expressa
pelo antecedente nominal [janela], presente na cláusula núcleo [Ele abre a janela]. A
segunda cláusula introduzida por onde, no entanto, assume o valor nocional, isto é, não
se trata mais de um lugar físico. O falante, nesse sentido, expande a noção de lugar,
alargando-a. Assim, compreende-se que há uma noção de lugar e não propriamente um
lugar físico. A cláusula [onde se lê: Imobiliária Rodrigues – Aluga-se.] é uma relativa,
71
cujo antecedente nocional é [um anúncio] inserido na cláusula núcleo [onde está
pregado um anúncio].
Em (11), ainda em seu funcionamento como um articulador de cláusulas
relativas, onde não parece mais veicular a noção de lugar. Nesse exemplo,
inerentemente de escrita e de sequência textual argumentativa, a cláusula introduzida
por onde [onde são recrutados alguns dos melhores alunos das grandes universidades.]
parece apresentar leitura circunstancial de causa, em relação ao sintagma nominal [a
influência dos EUA] inserido na cláusula núcleo [Nesse marco, a influência dos EUA é
notória,]. A leitura causal fica mais evidente por meio da paráfrase (11`) a seguir:
(11`) Nesse marco, a influência dos EUA é notória, onde [porque] são
recrutados alguns dos melhores alunos das grandes universidades. Graças a
esse recrutamento, muitas ONGs dispõem assim de quadros qualificados, que
trabalham nessas associações, tornando-se parceiros críticos das empresas
multinacionais e dos Estados – como relata o artigo de Yves Dezalay e Bryant
Garth, autores de La Mondialisation des guerres de palais. (Paráfrase do
exemplo 11)
Por meio da paráfrase anterior, é possível compreendermos que o que justifica a
influência dos EUA é o fato de serem recrutados os melhores alunos das grandes
universidades.
Em (12), fragmento inerentemente de escrita e de sequência textual descritiva,
há outra leitura circunstancial presente na cláusula introduzida por onde [onde, depois
de instantes, aparecem as primeiras imagens do filme nas quais ele se encontra deitado
na cama de hospital, iluminado pela luz azulada da televisão.] parece assumir valor
temporal em relação à cláusula núcleo [Mário desliga as luzes de seu quarto e dirige seu
olhar para a tela branca]. O conteúdo semântico de tempo fica ainda mais evidente por
meio da leitura da paráfrase em (12`) a seguir:
(12`) Mário desliga as luzes de seu quarto e dirige seu olhar para a tela branca
onde [quando], depois de instantes, aparecem as primeiras imagens do filme
72
nas quais ele se encontra deitado na cama de hospital, iluminado pela luz
azulada da televisão. (Paráfrase do exemplo 12)
Nesse sentido, por meio da descrição dos usos em (9), (10), (11) e (12), foi
possível compreender como onde, em seu funcionamento como pronome relativo, pode
assumir outros valores semânticos, além do tradicional locativo.
4.1.3. Onde com função de articulador de cláusulas hipotáticas
Além dos usos já descritos, outro uso também multifuncional de onde é seu
funcionamento como um articulador de cláusulas hipotáticas. Nesse contexto, além do
conteúdo circunstancial de lugar, presente na cláusula em que onde se insere, a
mobilidade entre as cláusulas, que indica menor integração sintática entre elas também
foi um critério de análise. Nesse funcionamento, não há, portanto, relação de
encaixamento ou complementação, a relação aqui é de adjunção. Os exemplos a seguir
atestam essas características.
(13) Ênio se surpreende com o comentário.
ÊNIO - É aí que começa a ficar interessante. Tem que tomar cuidado pra isso
não acontecer muito. É essa a negociação.
BIA - Mas pra alguém pegar mais luzes verdes, alguém tem que pegar mais
vermelhas?
ÊNIO - Onde alguém ganha, alguém tem que perder. Silêncio.
Ênio volta-se para Bia. (Não por acaso)
(14) Em Angola, Daniel, vi escolas onde poucas crianças tinham as duas
pernas. Todas as outras tinham as pernas amputadas por uma mina. Daquelas
que explodem quando a gente pisa. E que podem estar em qualquer lugar. Que
você acha disso? Você vai jogar bola, vai ao supermercado comprar leite, ou
73
vai na casa da namorada e dá azar, pisa onde não devia. (Antes que o mundo
acabe)
(15) Não é grana o problema, Jorginho. É que... Ah, quer saber, eu fiquei de
saco cheio! A gente sai do nosso pedaço, vem até onde todo mundo diz que
tem as minas mais bacanas e volta de mão abanando!!! Pô, que merda!!!
(Carro de paulista)
Em (13), fragmento inerentemente de fala e de sequência textual narrativa,
onde funciona como um articulador de cláusulas hipotáticas, em que a cláusula
introduzida por onde [Onde alguém ganha,] se relaciona por adjunção à cláusula núcleo
[alguém tem que perder.], em que a mobilidade entre essas cláusulas se faz possível,
evidenciando o menor grau de integração sintática entre elas, uma vez que a cláusula
hipotática já se apresenta em ordem inversa em relação à cláusula núcleo. Além do
mais, o item onde, nesse contexto, não parece veicular conteúdo semântico de lugar,
transmitindo, na verdade, conteúdo circunstancial de tempo, conforme a paráfrase (13´):
(13`) Ênio se surpreende com o comentário.
ÊNIO - É aí que começa a ficar interessante. Tem que tomar cuidado pra isso
não acontecer muito. É essa a negociação.
BIA - Mas pra alguém pegar mais luzes verdes, alguém tem que pegar mais
vermelhas?
ÊNIO – Onde [Quando] alguém ganha, alguém tem que perder. Silêncio.
Ênio volta-se para Bia. (Não por acaso)
Nesse sentido, onde funcionando como um articulador de cláusulas hipotáticas
não funcionar somente em cláusulas do tipo locativas, como também em cláusulas
temporais.
Em (14), fragmento inerentemente de fala e de sequência narrativa, há dois
usos de onde: o primeiro, já descrito por nós como um articulador de cláusula relativa, e
o segundo, como um articulador de cláusula hipotática. Como já descrevemos os usos
74
de onde como relativo, nos centraremos agora em seu segundo funcionamento presente
no exemplo em questão. A cláusula em que onde se insere [onde não devia.] assume
relação de adjunção no que se refere à cláusula núcleo [pisa]. Semelhante a esse
funcionamento, é o que ocorre no exemplo (15), fragmento inerentemente de fala e de
sequência textual narrativa, em que a cláusula introduzida por onde [até onde todo
mundo diz que tem as minas mais bacanas e volta de mão abanando] assume relação de
adjunção no que tange à cláusula núcleo [vem].
Nesses exemplos, em que foi possível compreender a multifuncionalidade de
onde, no que se refere a seu uso como um articulador de cláusulas hipotáticas, além da
mobilidade, critério que indica o menor grau de integração sintática, a ausência de
antecedente nominal expresso, como ocorre nos exemplos (13), (14) e (15), inviabiliza a
análise de onde como um relativo.
Os usos citados nos exemplos de (6) a (15) demonstram que onde pode ser
considerado como um articulador multifuncional e universal. No entanto, onde não
aparece somente em contextos com características prototípicas. Há ainda seus contextos
sintaticamente e semanticamente intermediários, como atestam os exemplos nas seções
4.1.4 e 4.1.5, respectivamente.
4.1.4. Onde em contextos sintaticamente intermediários
No que se refere aos usos de onde em contextos sintaticamente intermediários,
os exemplos (16) e (17) transcritos a seguir, podem veicular a leitura de onde como um
articulador de cláusulas completivas ou como um articulador de cláusulas hipotáticas.
Vejamos:
(16) Pô, que chato. Justo hoje que minha mãe me deu um monte de grana, eu
não tenho onde gastar. (Carro de paulista)
(17) Eu até poderia contar onde é que você errou... Mas isso não adiantaria
absolutamente nada. (Dores e amores)
75
Em (16), fragmento inerentemente de fala e de sequência narrativa, há as duas
possibilidades de análise. Isso porque a cláusula introduzida por onde [onde gastar.]
pode tanto ser compreendida como uma complementação ao sintagma verbal da
cláusula núcleo [tenho], indicando maior integração sintática, isto é, maior nível de
encaixamento. Podendo, assim, ser analisada como uma cláusula completiva. Esse
mesmo exemplo, por meio do critério da mobilidade, entre as cláusulas [eu não tenho] e
[onde gastar.] também pode ser analisada como uma cláusula hipotática. Análise
semelhante ocorre no exemplo (17), fragmento inerentemente de fala e de sequência
argumentativa, em que a cláusula introduzida por onde [onde é que você errou] pode
tanto ser entendida como complementação ao sintagma verbal da cláusula núcleo
[poderia contar] como, por conta da mobilidade entre essas cláusulas, ser compreendida
como uma relação de adjunção. Assim, podem ser tanto classificadas como cláusulas
completivas ou como cláusulas hipotáticas.
É nesse sentido que estamos diante de casos de onde introduzindo cláusulas
sintaticamente (completivas ou hipotáticas) intermediárias. Vale destacar ainda que o
critério da mobilidade para analisarmos as cláusulas como hipotáticas é válido, uma vez
que as cláusulas completivas prototípicas não possuem essa característica, salvo àquelas
com função de sujeito, tradicionalmente chamadas de subjetivas, o que não ocorre nos
exemplos (16) e (17) e em nenhum outro analisado por nós como um contexto
sintaticamente intermediário. No entanto, os contextos intermediários não se esgotam na
questão sintática, já que, no que se refere ao contexto semântico, essas relações
intermediárias também se fazem presentes nas cláusulas introduzidas por onde,
conforme notado nos exemplos da seção seguinte.
4.1.5. Onde em contextos semanticamente intermediários
Para finalizarmos a seção que se refere à multifuncionalidade de onde,
analisaremos agora os contextos semanticamente intermediários, isto é, usos de onde
como articulador de cláusulas relativas, assumindo mais de uma possibilidade de
interpretação semântica, conforme demonstram os exemplos que se seguem:
76
(18) Uma carta é virada e aparece a Torre.
PAULA - (off) Torre!
HELENA (ansiosa) - É bom ou ruim?
PAULA - A Torre significa uma grande transformação. Uma transformação
violenta onde muita coisa pode ser destruída. Você tem idéia do que possa ser?
HELENA - A campanha. Paula olha para ela interrogativamente.
HELENA - Eu vou mexer na campanha do Cláudio. (Se eu fosse você)
(19) Corta para plano geral onde se vê o carro sendo rebocado por um
guincho da cet tendo ao fundo o prédio do detran. entram os créditos finais.
(Carro de paulista)
(20) Klauss vira-se e vai até a parede em frente à cama de Mário, de onde
retira o calendário lá pendurado, colocando o pôster em seu lugar. Só então
podemos ver a foto. Nela, os dois amigos estão cantando enquadrados de forma
que lembra os pôsteres dos grandes ídolos de rock. (Feliz ano velho)
Em (18), fragmento inerentemente de fala e de sequência textual narrativa, há
duas possibilidades de leitura em relação ao funcionamento de onde como um
articulador de cláusula relativa. Isso porque a cláusula introduzida por onde [onde muita
coisa pode ser destruída.] pode assumir, em relação à cláusula núcleo, [Uma
transformação violenta,] a ideia nocional, interpretada como a expansão da noção de
lugar e a ideia causal, já que se trata de uma forma de justificar o porquê de a Torre
(carta retirada) ser considerada uma “transformação violenta”. A leitura causal fica
ainda mais evidente por meio da paráfrase em (18`) a seguir:
(18`) Uma carta é virada e aparece a Torre.
77
PAULA - (off) Torre!
HELENA (ansiosa) - É bom ou ruim?
PAULA - A Torre significa uma grande transformação. Uma transformação
violenta, onde [já que] muita coisa pode ser destruída. Você tem idéia do que
possa ser?
HELENA - A campanha. Paula olha para ela interrogativamente.
HELENA - Eu vou mexer na campanha do Cláudio. (Paráfrase do exemplo 18)
Em (19), fragmento inerentemente de escrita e de sequência textual descritiva,
as duas possibilidades interpretativas são: nocional e temporal. Nocional pelos mesmos
critérios já adotados anteriormente, trata-se da expansão da noção de lugar do
antecedente nominal [plano geral]. Temporal porque a cláusula introduzida por onde
[onde se vê o carro sendo rebocado por um guincho da cet tendo ao fundo o prédio do
detran.] pode ser considerada como a noção de tempo em relação à cláusula núcleo
[corta para plano geral]. Isso porque podemos compreender que, no momento em que se
corta a ação para o plano geral, ocorre a ação de ver o carro sendo rebocado. Neste caso,
também utilizamos o recurso da paráfrase.
(19`) Corta para plano geral onde [quando/ no momento em que] se vê o
carro sendo rebocado por um guincho da CET tendo ao fundo o prédio do
detran. Entram os créditos finais. (Paráfrase do exemplo 19)
Em (20), fragmento inerentemente de escrita e de sequência descritiva, também
um caso de onde introduzindo cláusulas relativas, cujo conteúdo semântico pode ser
considerado ambíguo, uma vez que a cláusula introduzida por onde [de onde retira o
calendário lá pendurado, colocando o pôster em seu lugar.] pode ser considerada como
uma cláusula, cujo antecedente nominal é locativo, já que retoma o sintagma nominal [a
parede em frente à cama de Mário] presente na cláusula núcleo ou pode ser considerada
como uma cláusula, cujo conteúdo semântico é final. Isso porque a cláusula introduzida
por onde pode ser entendida como a finalidade ou o propósito com que o personagem
Klauss vira-se e vai até a parede. Para esta leitura, recorremos à seguinte paráfrase:
78
(20`) Klauss vira-se e vai até a parede em frente à cama de Mário, de onde
[para] retira[r] o calendário lá pendurado, colocando o pôster em seu lugar. Só
então podemos ver a foto. Nela, os dois amigos estão cantando enquadrados de
forma que lembra os pôsteres dos grandes ídolos de rock. (Paráfrase do
exemplo 20)
Muito embora algumas leituras sejam mais proeminentes que outras, como o
próprio exemplo (20), em que a noção de lugar se manifesta de forma mais evidente que
a noção de finalidade, não podemos, no entanto, descartar as possibilidades
interpretativas mais periféricas. Para justificarmos esse tratamento recorremos às
leituras de Hopper (1991) e seu critério da persistência. O autor afirma que, em uma
forma que parece passar por seu processo de gramaticalização, é comum que as
características da forma fonte ainda permaneçam na forma gramaticalizada. Isso parece
ocorrer no exemplo (20), que não será considerado por nós como um exemplo de uso
prototípico. Isso porque, embora veicule o valor tradicional de lugar, essa não é a única
possibilidade de leitura, mesmo que seja mais a proeminente.
No entanto, por já considerarmos onde como um item gramaticalizado, sendo,
portanto, nosso objetivo principal descrever e identificar os usos desse item após o seu
processo de gramaticalização, recorremos a outro autor, Kortmann (1996), uma vez que
não há em seus postulados a preocupação com o processo de gramaticalização. Assim,
Kortmann (1996) afirma que, no que se refere às relações de lugar, os marcadores das
relações locativas e modais também apresentam uso como subordinadores temporais.
Além disso, o autor afirma ainda que, em sua investigação sobre as relações de lugar, o
marcador locativo prototípico do inglês (where) cobre todas as noções resultantes de
lugar (correspondendo no português a de onde, para onde, onde quer que), de forma
semelhante que o marcador prototípico temporal do inglês (when) cobre as relações
temporais. É nesse sentido que o linguista afirma que há relação de semelhança entre
essas noções semânticas, justificando nossos dados semanticamente intermediários.
Após a descrição dos usos multifuncionais de onde encontrados no corpus
roteiro de cinema, descrevemos a seguir os usos desgarrados de onde. Primeiro,
fazemos a descrição dos usos encontrados no corpus analisado. Depois, com o intuito de
79
demonstrar outros contextos em que onde desgarrado pode aparecer, analisamos outros
dados, recolhidos de outros corpora.
4.2. Os usos desgarrados
Seguindo a mesma divisão proposta na análise sintática, apresentaremos agora
os usos desgarrados de onde: primeiro apresentaremos os usos desgarrados
completivos, em seguida os usos desgarrados relativos e, por fim, os usos desgarrados
hipotáticos. Ao final, na seção 4.2.4, faremos uma breve apresentação de outros
exemplos de onde desgarrado, recolhidos no facebook, em propagandas e em textos
diversos, a fim, tão somente, de ilustrar outros casos desse uso. A motivação para
apresentarmos outros casos de desgarramento em outros corpora se deu pelo fato de, no
corpus roteiro de cinema, poucos dados de onde em desgarramento terem sido
encontrados. Com um total de 388 dados de onde introduzindo cláusulas diversas, 11
apenas eram casos de onde em cláusulas desgarradas. Sendo que desses 11 casos, 5
casos de onde introduzindo cláusulas relativas desgarradas, 5 casos de onde
introduzindo cláusulas hipotáticas desgarradas e apenas 1 caso de onde introduzindo
uma cláusula completiva desgarrada. É por essa distribuição de dados desgarrados que
o número de exemplos de onde apresentados a seguir em cláusulas relativas
desgarradas, cláusulas hipotáticas desgarradas e cláusulas completivas desgarradas
será diferente.
4.2.1. O desgarramento de onde em cláusulas completivas
Esta seção refere-se aos usos desgarrados de onde em cláusulas completivas,
isto é, cláusulas como as descritas na seção 4.1 sobre os usos multifuncionais de onde,
que aparecem sintaticamente desvinculadas de suas cláusulas núcleo, por meio de algum
sinal de pontuação (o ponto final, normalmente). No entanto, embora o termo
desgarramento pressuponha um agarramento prévio, Decat (2011) afirma que isso não
se verifica em relação às cláusulas desgarradas, que já nascem assim, isto é, são
80
construídas desse modo pelos usuários da língua. Para a teórica, as cláusulas
desgarradas são, na realidade, as orações subordinadas tradicionais que podem
constituir uma unidade de informação à parte, isto é, não necessitam de uma oração
principal, materializando-se, assim, desvinculadas sintaticamente dessas. Decat (2011)
afirma que o procedimento do desgarramento não se dá de forma aleatória ou por um
simples desvio de pontuação, pelo contrário, para a autora, o desgarramento é, na
verdade, uma forma de tornar a porção de texto em desgarramento mais enfática e/ou
argumentativa, como uma espécie de focalização da informação contida na cláusula
desgarrada. O desgarramento seria, então, uma estratégia de focalização tal qual se
verifica nos processos de clivagem e topicalização, embora estes sejam estruturalmente
diferentes do desgarramento.
Após essa retomada do conceito de desgarramento, descrevemos agora seus
usos. Primeiro, faremos isso em relação ao uso de onde introduzindo cláusulas
completivas desgarradas, conforme o exemplo (21) a seguir:
(21) FEITOSA
Você acha que eu sou otário?
ANDRÉ
Você acha que eu vou fugir? Você sabe onde eu moro, onde minha mãe mora.
FEITOSA
Onde a sua amiga mora.
ANDRÉ
Pois é. Eu não vou fugir. Te dou o dinheiro amanhã. (O homem que copiava)
Em (21), fragmento inerentemente de fala e de sequência narrativa,
encontramos onde introduzindo uma cláusula completiva desgarrada. De modo
semelhante ao que ocorre no exemplo (5), na seção 3.4.4, que se destina a descrever o
fenômeno do desgarramento. Há lá o exemplo de desgarramento de uma cláusula
completiva, como propõe Decat (2011), que afirma que esta cláusula por ser a mais
81
integrada/encaixada sintaticamente à cláusula núcleo, só pode se desgarrar quando uma
mesma cláusula também completiva já vier agarrada à cláusula núcleo. É o que ocorre
em (21), uma vez que à cláusula núcleo [Você sabe], na fala do personagem André,
integra-se às cláusulas completivas não desgarradas [onde eu moro,] e [onde minha
mãe mora]. Só a partir disso, é que a cláusula completiva desgarrada, escrita na fala de
Feitosa, [Onde a sua amiga mora.] ocorre, constituindo, portanto, uma enumeração, que
reforça a ideia de que o desgarramento não é um mero caso de desvio da norma padrão.
Nesse sentido, confirma-se o que Decat (2011) estabelece: as cláusulas completivas não
constituem por si só uma única unidade de informação. Na verdade, uma cláusula
completiva integra parte de uma unidade de informação que é constituída pela cláusula
núcleo e a cláusula completiva.
4.2.2. O desgarramento de onde em cláusulas relativas
Após a descrição do único dado encontrado no corpus em análise de onde
introduzindo uma cláusula completiva desgarrada, descrevemos a seguir os casos
desgarrados de onde em cláusulas relativas que, segundo afirma Decat (2011), são as
mais propensas, juntamente com as hipotáticas, ao desgarramento, conforme
demonstram os exemplos a seguir:
(22) Na dialética das imagens, fica claro que o dinheiro é o motor histórico
deste país. Mas a montagem também comprova que o tempo parece. Quanto
vale miolo novo. Estático, único. Onde passado e presente são como espelhos
a refletir, um no outro, a mesma situação, que é nada menos que horripilante,
com homens devorando-se. (Quanto vale ou é por quilo?)
(23) Silêncio. O alemão termina de traduzir. Silêncio. Nogueira faz um olhar
de estranhamento para Ênio.
Nogueira:
82
Vamos subir agora e conhecer a engenharia. Onde se planeja os ciclos.
Nogueira sai. Ênio senta em sua bancada. Liga um monitor. Vê-se a livraria de
Mônica. Nesse exato momento, Jaime e Bia estão saindo de carro. Bia traz uma
mala. Ênio espanta-se e sai apressado. (Não por acaso)
(24) ANDRÉ (VS)
Da janela do meu quarto eu vejo um clube, o Gondoleiros...
(Narrador) Uma festa no salão do clube, casais dançando
...onde tem umas festas. No teto do prédio tem uma gôndola. Não sei se em
Porto Alegre já teve alguma gôndola. (O homem que copiava)
Sendo consideradas as cláusulas mais facilmente desgarráveis, uma vez que
podem se constituir em uma unidade de informação à parte, justamente porque podem
assumir leituras circunstanciais, os exemplos (22), (23) e (24) são exemplos de
cláusulas relativas desgarradas.
Em (22), fragmento inerentemente de escrita e de sequência textual
argumentativa, há o caso de um desgarramento contextual, uma vez que não parece
haver um referente explícito, sendo, portanto, a cláusula relativa desgarrada introduzida
por onde [Onde passado e presente são como espelhos a refletir, um no outro, a mesma
situação, que é nada menos que horripilante, com homens devorando-se.] um
desgarramento que se refere à porção de texto anterior, sem que haja um único
antecedente explícito.
Em (23), fragmento inerentemente de fala e de sequência narrativa, há também
um desgarramento de uma cláusula relativa, em que a cláusula desgarrada [Onde se
planeja os ciclos.] retoma o sintagma nominal [engenharia] da cláusula anterior [Vamos
subir agora e conhecer a engenharia.]. Sendo, portanto, um exemplo de desgarramento
cotextual. Isso porque, embora esteja separada por um ponto, seu antecedente é
recuperável na sentença anterior à cláusula desgarrada. Nesse sentido, o desgarramento
cotextual está mais para o nível sentencial, ao passo que o desgarramento contextual
está mais para o nível textual.
83
Em (24), fragmento inerentemente de fala e de sequência textual descritiva, a
cláusula [...onde tem umas festas.] parece estar desgarrada, uma vez que se liga ao
sintagma nominal [o Gondoleiros...] inserido na cláusula [Da janela do meu quarto eu
vejo um clube, o Gondoleiros...]. Essas duas cláusulas, no entanto, são separadas por
uma informação de localização da cena [Uma festa no salão do clube, casais dançando].
Nesse sentido, a cláusula introduzida por onde parece estar desgarrada em relação à
cláusula núcleo. Por haver a retomada do sintagma nominal, esse seria um
desgarramento cotextual. Para comprovar esse desgarramento de fato, somente um
tratamento acústico, com o áudio original do filme, a fim de verificar como o ator
interpretou essa desvinculação sintática na escrita. No entanto, é interessante ressaltar
que a cláusula desgarrada e a cláusula núcleo, embora estejam separadas por uma
informação de cena, pertencem a uma mesma fala de um mesmo personagem.
4.2.3. O desgarramento de onde em cláusulas hipotáticas
Com base na descrição feita dos demais contextos sintáticos do desgarramento,
faremos agora a análise de outro contexto mais favorável ao desgarramento. Isso
porque as cláusulas hipotáticas, por apresentarem leitura circunstancial e serem mais
periféricas, estando sintaticamente à margem da sentença, podem constituir-se, por si
só, unidades de informação à parte, favorecendo, desse modo, o desgarramento. Os
exemplos (25) e (26) a seguir ilustram isso:
(25) BRÁS - Tens coragem?
VIRGÍLIA - De quê?
BRÁS - De fugir. Iremos aonde nos for mais cômodo. Uma casa pequena ou
grande, na roça, na cidade ou na Europa. Onde te parecer melhor. Onde
ninguém te aborreça e não haja perigos para ti. (Memórias Póstumas)
84
(26) MARSHALL - Você me leva?
BEATRIZ - Porra, gringo... isso não estava nos planos... Ir à Petrolina? É longe
pra caralho...
MARSHALL - Eu pago.
BEATRIZ - Onde é que eu fui amarrar a minha égua. Tá bom, vamos. Mas
trate de alugar um carro que eu não vou despencar pra Petrolina num ônibus
pé-duro, não. E ó, o carro tem que ter ar-refrigerado, que faz um calor danado
na estrada... ah, outra coisa. Tô com duas mensalidades atrasadas na faculdade?
Dá pra você quebrar o meu galho? (Olhos Azuis)
Em (25), fragmento inerentemente de fala e de sequência textual
argumentativa, encontramos o desgarramento de onde em cláusulas hipotáticas, as mais
facilmente desgarráveis juntamente com as relativas apositivas. O desgarramento em
(25) deixa claro que as estruturas desgarradas não podem ser consideradas meros
desvios, no que se refere às regras de pontuação. Isso porque as cláusulas desgarradas
estão inseridas em uma enumeração, uma vez que uma cláusula hipotática [aonde nos
for mais cômodo.] aparece não desgarrada da cláusula núcleo [Iremos]. Só a partir
disso, é que as cláusulas hipotáticas desgarradas introduzidas por onde [Onde te
parecer melhor.] e [Onde ninguém te aborreça e não haja perigos para ti.] ocorrem. Essa
enumeração, constituída por uma cláusula introduzida por aonde, uso equivalente, em
nosso corpus, ao uso de onde, seguida de duas cláusulas hipotáticas desgarradas
também introduzidas por onde, confirma o fato do desgarramento poder ser
interpretado como uma estratégia textual que contribui para a ênfase e/ou argumentação
do texto. Essa argumentação fica ainda mais evidente se analisarmos o contexto, uma
vez que as cláusulas desgarradas são, na verdade, argumentos utilizados como uma
forma de convencimento para a fuga, assunto da conversa entre os personagens.
Em (26), fragmento inerentemente de fala e de sequência textual narrativa, há
um exemplo do desgarramento prototípico, descrito como o desgarramento
inerentemente pragmático. Isso porque a cláusula hipotática desgarrada introduzida por
onde [Onde é que eu fui amarrar a minha égua.] não se relaciona a nenhuma outra que
seria sua suposta cláusula núcleo ou principal e nem tampouco ao constituinte verbal
dentro dela, mas, tão somente, ao contexto como um todo, isto é, à porção de texto em
85
que o exemplo se insere. Assim, essa cláusula não se relaciona sintaticamente a
nenhuma outra, sendo, portanto, completamente independente sintaticamente de outras
cláusulas, fator preponderante para considerarmos esse desgarramento como o
prototípico, isto é, como um desgarramento inerentemente pragmático.
Após a descrição dos casos de onde desgarrados encontrados no corpus roteiro
de cinema, passamos agora a análise desse fenômeno em outros corpora, a fim de
demonstrarmos que o desgarramento de onde não se restringe ao gênero roteiro na
sincronia atual. Para isso, recorremos a textos do facebook, propagandas e um exemplo
diacrônico. Esses dados, no entanto, não serão contabilizados na seção 5, que se refere
aos resultados da análise de nossos dados no corpus. Constituem, portanto, apenas uma
forma de confirmar aquilo que acreditamos acerca do nosso objeto de estudo: a
descrição dos usos de onde não parece ter se esgotado, pelo contrário, constituem um
campo fértil para novas pesquisas linguísticas.
4.2.4. O desgarramento de onde em outros corpora
Os dados a seguir provêm de textos retirados do facebook, através do
compartilhamento entre amigos na rede social, de uma propaganda, encontrada no site
da ABAP (Associação Brasileira de Agências Publicitárias) e de um dado do século
XIII, retirado de Barreto (1999), em que a autora objetiva descrever a evolução das
conjunções portuguesas do Latim até a atual sincronia. A apresentação desses dados
desgarrados seguirá a ordem dos tipos de desgarramento descrito por nós no quadro 5,
na seção 3.4.4.
86
(i) Desgarramento inerentemente pragmático.
(27)
Imagem 2: facebook/igrejadesantacher.
O desgarramento de onde presente em (27) [Onde os feios não tem vez] pode
ser considerado como um desgarramento prototípico, uma vez que não se integra
sintaticamente a nenhuma outra cláusula, isto é, não há, em relação a esse exemplo,
nenhuma oração principal, para usar o rótulo tradicional. O desgarramento em questão
se referia, na postagem original do facebook, a uma crítica aos hábitos de alguns
membros da comunidade LGBT (principalmente os gays, o “G”, portanto, já que a
postagem se dirigia a eles) em que padrões de beleza são, normalmente, ostentados e
supervalorizados. A esse grupo que supervaloriza o culto ao corpo é que se refere a
construção “A elite do gueto” e o desgarramento “Onde os feios não tem vez”,
indicando que, esse grupo de pessoas seria a elite dentro de um grupo de minorias e, a
esse grupo, os feios não poderiam pertencer. Cabe ressaltar que a postagem original não
continha nenhum teor homofóbico. Pelo contrário, trata-se de uma página gay no
facebook que defende os direitos da comunidade LGBT, independente de padrões
estéticos, socialmente construídos.
87
(ii) Desgarramento cotextual
O desgarramento cotextual parece ser o mais produtivo em nossa análise e, por
isso, apresentamos mais exemplos desse caso dos corpora antes mencionados em
conjunto. Logo, esse parece ser o tipo mais frequente, em termos de uso, em relação ao
desgarramento de onde.
(28)
Imagem 3: faceboook/otediomeama
88
(29)
Imagem 4: abap.com.br/
(30)
Porque os homees sabhiã e entendã quaes preytos se possam demandar
per accusaçõ ou quaes per querella, queremos os departir per esta lee.
Onde dizemos que se algue fezer algua cousa que seya contra pessõa
del rey ou perdimento de seu reyno ou de mingameto de seu senhorio ou
matar ou chagar ou der heruas ou poçonha por mal fazer ou se fezer falsa
moeda ou outra falsidade ou adulterio ou forçar molher ou a leuar per
força ou fur[t]ar ou for herege ou que lexe a fe catholica ou que fezer outra
cousa qualquer desguisada per que deua a receber morte ou pea de seu
corpo ou perda de seu auer assy como mandã as leys e os dereytos a cada
huu d‟ataes cousas como estas possansse demãdar per accusaçoes. E se
for preyto de uenda qualquer ou de conpra ou de lauar alguu que á de
89
fazer ou de qual cousa quer per que nõ deue auer justiça no corpo, ne
deytameto da terre ne permimeto d‟auer, estas se possã demandar
per querelhas e nõ per outras accusaçoes.
(FR, liv. IV, l. 989-1005, séc. XIII. In: Barreto: 1999, p. 445)
Em (28), há o desgarramento de onde também em uma enumeração, tal como
ocorre nos exemplos (21) e (25), respectivamente em cláusulas completivas e cláusulas
hipotáticas, só que agora em cláusulas relativas. As cláusulas relativas desgarradas
introduzidas por onde [Onde morrem pessoas por não terem vagas em hospitais.] e
[Onde políticos desviam dinheiro e nada acontece.] referem-se ao sintagma nominal
locativo [um país] inserido na cláusula núcleo [Estou de luto por viver em um país].
Vinculada sintaticamente a essa cláusula núcleo, está a cláusula relativa não desgarrada
[onde bandido tem mais dinheiro que cidadão], constituindo, desse modo, a enumeração
que reforça o conteúdo enfático/argumentativo do desgarramento. Além disso, esse
desgarramento ocorre em uma cláusula relativa padrão, já que retoma, como
antecedente nominal, a ideia de lugar.
Em (29), do gênero textual propaganda, cuja intenção comunicativa é a de
convencer o interlocutor sobre a ida ao outlet, lugar onde roupas são vendidas por um
preço mais barato, a cláusula relativa desgarrada [Onde o desconto está sempre na
moda.] retoma o antecedente [off outlet], inserido na cláusula núcleo [Venha para o off
outlet]. O contexto em que se insere esse desgarramento também favorece a análise de
um conteúdo enfático e/ou argumentativo, uma vez que o desgarramento, em questão,
constitui parte do slogan da propaganda, que se destina a convencer o interlocutor a
frequentar o lugar Off Outlet. Nesse sentido, a cláusula relativa desgarrada não parece
ser um simples desvio gramatical, mas, na verdade, uma porção de texto em ênfase, uma
vez que a informação contida na cláusula desgarrada constitui um argumento em
relação à cláusula núcleo.
Em (30), texto do século XIII, diacrônico, retirado de Barreto (1999), há
também um caso de onde introduzindo uma cláusula relativa desgarrada. Isso porque a
cláusula [Onde dizemos que se algue fezer algua cousa que seya contra pessõa del
rey ou perdimento de seu reyno ou de mingameto de seu senhorio ou matar ou chagar
90
(...) e os dereytos a cada huu d‟ataes cousas como estas possansse demãdar per
accusaçoes.] retoma o sintagma nominal [esta lee] inserido na cláusula núcleo [Porque
os homees sabhiã e entendã quaes preytos se possam demandar per accusaçõ ou quaes
per querella, queremos os departir per esta lee.]. Vale destacar ainda que, nesse
exemplo, onde não ocorre em seu uso prototípico, uma vez que, além de configurar um
caso de desgarramento, já que vem, sintaticamente isolado de sua principal por conta do
sinal de pontuação, também não retoma um antecedente nominal locativo, mas, na
verdade, recupera um antecedente de valor nocional. Destaque-se ainda que o exemplo
(30), retirado de Barreto (1999, p. 445), está inserido na seção 4.8.3.3, que se destina a
descrever a conjunção correlata ou...ou, não, sendo, portanto, o item onde objeto de
análise para a autora. Assim, nenhuma menção ao uso de onde, seja em seu conteúdo
nocional, seja em seu desgarramento, é traçada. Esse exemplo, portanto, pode ser um
indício de que o fenômeno do desgarramento pode não ser exclusividade da atual
sincronia do português.
(iii) Desgarramento contextual
O desgarramento contextual, aquele que envolve a macroestrutura textual,
pode ser verificado no exemplo (31) a seguir, em que a imagem da propaganda tem um
papel preponderante na compreensão do uso desgarrado da cláusula introduzida por
onde:
(31)
91
Imagem 5: facebook.com/catracalivre
O desgarramento presente em (31) ocorre na legenda para uma postagem de
uma página do facebook, em que a cláusula desgarrada iniciada por onde [Onde eu
gostaria de estar agora...] não se vincula a uma cláusula núcleo explícita, já que, no
contexto da propaganda, a imagem é que parece fazer esse papel. Assim, não estamos
considerando esse caso como um desgarramento inerentemente pragmático, uma vez
que a cláusula em desgarramento refere-se à foto da postagem. Isso porque se trata de
um texto multimodal, isto é, um texto que, de acordo com Dionísio e Vasconcelos
(2011), é produzido para ser lido pelos nossos sentidos, uma vez que um ambiente
multimodal é aquele em que se inserem palavras, imagens, sons, cores, músicas,
movimentos variados, texturas, formas diversas que se misturam e formam um grande
mosaico multissemiótico. O desgarramento em textos multimodais não ocorre só com o
exemplo (31), mas também com os exemplos (27), (28) e (29), descritos anteriormente.
Após a descrição dos dados analisados no corpus roteiro de cinema, em que se
buscou apresentar os usos multifuncionais e os usos desgarrados de onde, bem como a
descrição do desgarramento em outros corpora, a fim de demonstrar que, sobre esse
fenômeno, há muito para se fazer ainda, a seguir, na seção 5, por meio da quantificação
92
dos dados, explicitaremos os critérios de análise mais relevantes em nossa interpretação
dos dados.
93
5. Os resultados da análise
Este capítulo pretende apresentar os resultados da
análise descrita no capítulo anterior. Discriminaremos agora os
resultados em fragmentos inerentes à fala e à escrita, além dos
resultados encontrados em cada sequência textual analisada, a
fim de demonstrar qual(is) fator(es) parece(m) ter influenciado
nos usos de onde, em contextos desgarrados e não desgarrados.
Ao final, propomos três continua de usos de onde: um de cunho
funcional-discursivo, em que levamos em consideração o maior
ou menor esvaziamento semântico do item, e o segundo e o
terceiro, de cunho pragmático, já que levamos em conta a maior
ou a menor ocorrência de dados em fragmentos inerentes à fala e
à escrita, respectivamente.
94
Após a descrição da análise dos dados na seção anterior, apresenta-se a seguir a
descrição dos resultados dessa análise, a fim de demonstrar quais critérios foram
condicionantes no que se refere à multifuncionalidade e ao desgarramento de onde no
corpus roteiro de cinema. Após a apreciação dos resultados, três continua desses usos
serão propostos: (i) o continuum dos usos de onde encontrados no corpus, (ii) o
continuum dos usos de onde nos fragmentos inerentemente de escrita e, por fim, (iii) o
continuum dos usos de onde nos fragmentos inerentemente de fala.
Em relação aos dados multifuncionais de onde analisados no roteiro de cinema,
a seguinte configuração foi encontrada:
Usos de onde Número de dados
Cláusula Relativa Padrão 207
Cláusula Relativa não
Padrão
57
Cláusula Intermediária
Sintática
46
Cláusula Hipotática 31
Cláusula Completiva 18
Cláusula Intermediária
Semântica
18
TOTAL: 377
Quadro 6: distribuição de usos multifuncionais de onde no corpus roteiro de cinema.
Em um total de 377 usos multifuncionais de onde, foram analisados 207 usos
de onde como articulador de cláusulas relativas padrão, ou seja, seu uso como pronome
relativo, cujo antecedente nominal é estritamente locativo, seguido do uso de onde
também como um relativo, admitindo, no entanto, outras possibilidades semânticas,
além da tradicional locativa. Foram analisados ainda 46 casos em que esse item
funciona como articulador de cláusulas sintaticamente intermediárias, 18 casos de onde
funcionando como articulador de cláusulas completivas e 18 casos de onde funcionando
95
como articulador de cláusulas semanticamente intermediárias. Nesse sentido, pode-se
considerar que os usos de onde como articulador de cláusulas relativas (retomando ou
não a noção de lugar) parecem ser o mais prototípico em relação a seus usos
multifuncionais.
Após, então, a distribuição total dos usos multifuncionais de onde, explicitam-
se, a seguir, a distribuição desses usos em fragmentos inerentes à fala e à escrita,
objetivando descrever como parte dos usos de onde se comporta em relação às
modalidades da língua.
Apesar de considerarmos fala e escrita como modalidades dispostas em um
continuum, é sabido, no entanto, que a escrita prototípica, normalmente, se comporta
como sendo o contexto mais conservador em relação à fala. Foi pensando nisso e, com o
intuito de verificar se a configuração semelhante ocorre com os usos de onde, que
recorremos a essa diferenciação. No que se refere aos dados dos fragmentos
inerentemente de fala, os seguintes resultados foram encontrados:
Gráfico 3: distribuição de usos multifuncionais de onde em fragmento inerentemente de fala.
O gráfico 3 refere-se à distribuição dos 99 usos multifuncionais de onde
encontrados no corpus em fragmentos inerentemente de fala, em que 34 casos de onde
representam seu funcionamento como articulador de cláusulas sintaticamente
intermediárias (I.SI), isto é, cláusulas que podem apresentar comportamento sintático de
96
uma cláusula completiva e/ou de uma cláusula hipotática, seguido de 33 casos em que
onde funciona como articulador de cláusulas relativas padrão (R.P), retomando um
antecedente nominal locativo, 15 casos de onde funcionando como articulador de
cláusulas hipotáticas (C.H), 10 casos de onde funcionando como um articulador de
cláusulas completivas (C.C) e, por fim, 7 casos de onde (sendo 5 casos com valor
semântico nocional e 2 casos com valor semântico causal) funcionando como um
articulador de cláusulas relativas não padrão (R.N), isto é, onde funcionando como um
pronome relativo, porém veiculando outros valores semânticos além do tradicional
locativo. Nenhum dos 99 dados analisados em fragmento inerentemente de fala
funcionou como articulador de cláusulas semanticamente intermediárias.
Após a descrição do gráfico 3, a respeito dos usos multifuncionais de onde em
fragmentos inerentemente de fala, segue a distribuição dos dados multifuncionais em
fragmentos inerentemente de escrita.
Gráfico 4: distribuição de usos multifuncionais de onde em fragmento inerentemente de escrita.
O gráfico 4 revela a distribuição dos 278 usos multifuncionais de onde em
fragmentos inerentemente de escrita. Sendo 174 desses usos de onde em seu
funcionamento como articulador de cláusulas relativas padrão (R.P), seguido por 50
casos de onde em seu funcionamento como articulador de cláusulas relativas não padrão
(R.N), 18 casos de onde em seu funcionamento como articulador de cláusulas
semanticamente intermediárias (I.SE), 16 casos de onde como articulador de cláusulas
97
hipotáticas (C.H), 12 casos de onde funcionando como articulador de cláusulas
sintaticamente intermediárias (I.SI) e apenas 8 casos de onde funcionando como
articulador de cláusulas completivas (C.C).
No que se refere a seus usos como articulador de cláusulas relativas não
padrão, isto é, onde introduzindo cláusulas que retomam outros valores semânticos,
além do locativo, em fragmentos inerentemente de escrita, nota-se a seguinte
distribuição:
Valores semânticos Número de dados
Nocional 36 dados
Causal 9 dados
Final 3 dados
Temporal 2 dados
Quadro 7: valores semânticos de onde relativo em fragmento inerentemente de escrita.
Assim, é evidente que o uso mais prototípico de onde é seu funcionamento
como articulador de cláusulas relativas, seja em seu uso padrão, retomando a ideia de
lugar, seja em seu uso não padrão, retomando outros valores semânticos, além do
locativo. No entanto, em se tratando de seu funcionamento como relativo não padrão,
seu uso mais frequente é aquele em que onde retoma o antecedente com valor nocional.
Nesse sentido, nota-se que os usos mais prototípicos de onde são aqueles que retomam a
noção de lugar ou que mais se aproximam desse valor semântico (o valor nocional).
Com base na distribuição dos dados multifuncionais de onde em fragmentos
inerentemente de fala e de escrita, é possível percebermos que, em se tratando da fala,
foram contabilizados 33 dados de onde em seu funcionamento tradicional (pronome
relativo, cujo antecedente nominal expressa a noção de lugar) e 66 dados de onde em
funcionamento diferente do tradicionalmente descrito (outros valores semânticos além
do de lugar em seu funcionamento como pronome relativo, além de seu funcionamento
como articulador de cláusulas completivas e hipotáticas e seus contextos sintaticamente
98
e semanticamente intermediários). Já em fragmentos inerentemente de escrita, foram
analisados 174 casos de onde em seu funcionamento tradicional contra 104 dados de
onde em funcionamentos distintos do descrito pela tradição. Nesse sentido, a fala, que
apresenta o dobro do número de dados de onde não descritos pela tradição gramatical,
parece, de fato, ser um contexto mais inovador que a escrita, uma vez que, em
fragmentos inerentes à escrita, o número de usos tradicionais de onde supera o número
de usos não previstos pela descrição tradicional da língua portuguesa, pautada num ideal
linguístico e coercitivo. Assim, os fragmentos inerentes à escrita, no que se refere aos
usos de onde, parecem ser um contexto mais conservador que os fragmentos inerentes à
fala.
Após a distribuição de dados multifuncionais de onde em fragmentos
inerentemente de fala e de escrita, mostraremos a seguir a distribuição dos 11 dados
desgarrados de onde encontrados no corpus roteiro de cinema.
Cláusulas desgarradas Número de dados
Hipotática desgarrada 5 dados
Relativa desgarrada 2 dados
Completiva desgarrada 1 dado
Quadro 8: dados de onde em cláusulas desgarradas em fragmentos inerentemente de fala.
Vejamos agora a distribuição do desgarramento de onde em fragmentos
inerentemente de escrita:
Cláusula desgarrada Número de dados
Relativa desgarrada 3 dados
Quadro 9: dados de onde em cláusulas desgarradas em fragmentos inerentemente de escrita.
99
Em relação aos 11 dados encontrados de usos de desgarramento de onde, é
possível percebermos que, embora o desgarramento seja um procedimento prototípico
da escrita, no corpus analisado, pareceu ser mais recorrente em fragmentos
inerentemente de fala, uma vez que foi, nesse contexto, que houve a ocorrência do
desgarramento em três estruturas sintáticas diferentes, sendo 5 dados em cláusulas
hipotáticas desgarradas, 2 dados em cláusulas relativas desgarradas e apenas 1 dado
em cláusulas completivas desgarradas, confirmando, portanto, a ideia proposta por
Decat (2011), de que as cláusulas relativas apositivas e hipotáticas seriam as mais
propensas ao desgarramento, uma vez que constituem uma unidade de informação à
parte. Em se tratando de fragmentos inerentemente de escrita, somente 3 dados em
cláusulas relativas desgarradas ocorreram, não, sendo, portanto, encontrado nenhum
dado em cláusulas hipotáticas e completivas desgarradas. Assim, compreende-se que,
em se tratando do desgarramento, a fala também parece ser um contexto mais favorável
a esse fenômeno do que a escrita. No entanto, em relação aos fragmentos inerentemente
de escrita, tido como os mais conversadores, o desgarramento mais produtivo parece
ser aquele em que onde assume sua função mais próxima daquela descrita pela tradição:
como pronome relativo, cujo antecedente é locativo.
Após, então, a descrição dos dados multifuncionais e desgarrados de onde em
fragmentos inerentemente de fala e de escrita, explicitamos a seguir a distribuição
desses dados em relação à sequência textual em que se encontram.
Gráfico 5: usos multifuncionais de onde em sequência textual narrativa.
100
Em um total de 119 sequências textuais narrativas, foram analisados 55 dados
de onde como articulador de cláusulas relativas padrão (R.P), cujo antecedente nominal
é locativo, seguido de 30 dados de onde funcionando como articulador de cláusulas
sintaticamente intermediárias (I.SI), 14 dados de onde funcionando como articulador de
cláusulas hipotáticas (C.H), 11 dados de onde funcionando como articulador de
cláusulas completivas (C.C), 6 dados de onde funcionando como articulador de
cláusulas relativas não padrão (R.N), veiculando outros valores semânticos além do
locativo, e, por fim, 3 dados de onde funcionando como articulador de cláusulas
semanticamente intermediárias (I.SE). Nesse sentido, a sequência textual narrativa
parece favorecer o funcionamento de onde como articulador de cláusulas relativas
locativas (seu uso descrito tradicionalmente) e como articulador de cláusulas
sintaticamente intermediárias.
Vejamos a seguir a distribuição de dados em relação à sequência textual
descritiva:
Gráfico 6: usos multifuncionais de onde em sequência textual descritiva.
No gráfico 6, em que 211 sequências textuais descritivas foram analisadas, 136
delas eram de onde introduzindo cláusulas relativas locativas (seu uso padrão) (R.P),
seguido de 35 casos de onde em funcionamento como articulador de cláusulas relativas,
porém retomando outros valores semânticos, além do tradicional locativo (R.N). Além
desses usos, foram também encontrados, 16 casos de onde funcionando como
101
articulador de cláusulas hipotáticas (C.H), 10 casos de onde funcionando como
articulador de cláusulas sintaticamente intermediárias (I.SI), 9 casos de onde
funcionando como articulador de cláusulas semanticamente intermediárias (I.SE) e, por
fim, 5 casos de onde funcionando como articulador de cláusulas completivas (C.C).
Assim, compreende-se que as sequências descritivas parecem possibilitar o
funcionamento de onde como um articulador de cláusulas relativas, seja antecedendo a
ideia de lugar ou não.
Vejamos a seguir a distribuição de dados em relação à sequência textual
expositiva:
Gráfico 7: usos multifuncionais de onde em sequência textual expositiva.
No gráfico 7, que se destina a descrever os dados de onde na sequência textual
expositiva, em que foram analisadas 18 sequências desse tipo, há 7 dados de onde
funcionando como um articulador de cláusulas relativas locativas (R.P), 5 casos de onde
funcionando como um articulador de cláusulas relativas, retomando outros valores
semânticos (R.N), 5 casos de onde funcionando como articulador de cláusulas
semanticamente intermediárias (I.SE) e apenas 1 caso de onde funcionando como
articulador de cláusulas completivas (C.C). Em relação a essa sequência textual,
destaca-se o fato de os funcionamentos de onde como articulador de cláusula hipotática
e articulador de cláusulas sintaticamente intermediárias não terem sido encontrados.
No gráfico 8 a seguir, há a distribuição de dados multifuncionais de onde na
sequência textual argumentativa.
102
Gráfico 8: usos multifuncionais de onde em sequência textual argumentativa.
No que tange à sequência textual argumentativa, em que foram analisadas 25
sequências desse tipo, há a ocorrência de 10 casos de onde funcionando como
articulador de cláusulas relativas não padrão (R.N), retomando outros valores
semânticos além do locativo, seguido de 7 casos de onde funcionando como articulador
de cláusulas relativas locativas (R.P), 5 casos de onde funcionando como articulador de
cláusulas sintaticamente intermediárias (I.SI), 1 caso de onde funcionando como
articulador de cláusulas hipotáticas (C.H), 1 caso como articulador de cláusulas
semanticamente intermediárias (I.SE) e 1 caso de onde funcionando como articulador de
cláusulas completivas (C.C).
A seguir, a distribuição dos usos multifuncionais de onde em sequência textual
injuntiva:
103
Gráfico 9: usos multifuncionais de onde em sequência textual injuntiva.
O gráfico 9 apresenta a distribuição de dados nas 4 sequências textuais
injuntivas encontradas no corpus. Nessa sequência textual, só três funcionamentos de
onde foram identificados: 2 casos de onde funcionando como articulador de cláusulas
relativas locativas (R.P), 1 caso de onde funcionando como articulador de cláusulas
relativas, retomando outros conteúdos semânticos, além do locativo (R.N) e, por fim, 1
caso de onde como articulador de cláusulas sintaticamente intermediárias (I.SI).
Todavia, não foram verificadas ocorrências, em sequências injuntivas, dos
funcionamentos de onde como articulador de cláusulas completivas, hipotáticas e em
contextos semanticamente intermediários.
Com base na observação dos usos de onde nas sequências textuais, não se pode
afirmar que estas interfiram na frequência maior ou menor de usos de onde. No entanto,
podemos dizer que, de um modo geral, as sequências narrativas e descritivas foram as
mais prototípicas em relação ao gênero roteiro, o que já era de se esperar. Foi possível
perceber, então, que os funcionamentos padrão (como um relativo locativo) e mais
próximo ao que descreve o padrão (relativo, porém com outros conteúdos semânticos)
foram os mais produtivos em todas as sequências analisadas, ocorrendo, em maior
número nas sequências narrativas e descritivas. Em relação aos usos mais inovadores
(onde em cláusulas completivas, hipotáticas e nos contextos sintaticamente ou
semanticamente intermediários), o maior número de ocorrências também foi nas
sequências narrativas e descritivas, indicando que as sequências argumentativas,
104
expositiva e, até mesmo, injuntivas, por serem, teoricamente, mais formais (no que se
refere às sequências argumentativas e expositivas), apresentaram uma menor frequência
em relação aos usos mais inovadores.
Em relação aos usos desgarrados de onde, as sequências textuais também
parecem não interferir, conforme demonstram os resultados do quadro 9 a seguir:
Quadro 10: distribuição de dados de onde desgarrados por sequência textual.
Segundo, então, demonstra o quadro 10, anteriormente apresentado, o
desgarramento também ocorre em maior número em sequências narrativas. Assim,
compreendemos que os usos de onde, seja em sua multifuncionalidade, seja em seu
desgarramento, parecem ainda não serem amplamente usados em todas as sequências
textuais.
Após a análise dos usos de onde em contextos inerentes de fala e inerentes de
escrita e em relação às sequências textuais, apresentam-se a seguir os continua dos usos
de onde.
Sequência
textual
Relativa
desgarrada
Hipotática
desgarrada
Completiva
desgarrada
Narrativa 3 dados 2 dados 1 dado
Descritiva 1 dado -- --
Expositiva -- 2 dados --
Argumentativa 1 dado 1 dado --
Injuntiva -- -- --
105
5.1. Os continua dos usos de onde
Com base na distribuição de dados feita na seção 5 anterior, traçamos aqui três
continua dos usos de onde. O primeiro, em que adotamos como critério o esvaziamento
semântico, isto é, partimos dos usos mais canônicos em que o antecedente é mais
locativo e o contrastamos com seus usos mais esvaziados de sentido, isto é, seu
funcionamento como conjunção subordinativa e integrante. Em relação ao segundo e ao
terceiro continuum adotamos como critério os usos mais frequentes nos fragmentos
inerentes de fala e de escrita, respectivamente.
Vejamos, então, o continuum 1, a respeito dos usos de onde:
Continuum 3: usos de onde.
De acordo com o continuum 3, partimos do funcionamento de onde mais
canônico/prototípico até seu estágio de maior esvaziamento semântico: onde 1,
funcionamento de onde como articulador de cláusulas relativas, passando a onde 2, seu
estágio intermediário semanticamente, seguindo de onde 3, uso como articulador de
cláusulas hipotáticas, passando a onde 4, como articulador de cláusulas sintaticamente
intermediárias, onde 5, seu estágio de maior esvaziamento semântico, isto é, como
articulador de cláusulas completivas, até chegar a onde 6, seu desgarramento, que se
apresenta em uma configuração diferente, uma vez que as estruturas de onde 1 a onde 5
podem ou não estar sob a forma de cláusulas desgarradas. Assim, através desse
continuum, conseguimos compreender qual pode ser a trajetória do item, em relação ao
seu maior ou menor estágio de esvaziamento semântico.
106
Os continua a seguir foram pensados em relação ao número de dados
multifuncionais de onde, isto é, os continua partem dos funcionamentos de onde com
maior número de ocorrência até seu funcionamento com menor número de ocorrência
em fragmentos inerentes à fala e à escrita.
Continuum 4: usos multifuncionais de onde em fragmentos inerentes à fala.
O continuum 4 organiza os usos multifuncionais de onde em uma gradação do
mais recorrente ao menos recorrente em fragmentos inerentes à fala. Nesse sentido,
então, agora onde 1 passa a representar o funcionamento do item como um articulador
de cláusulas relativas locativas, onde 2 passa a representar o funcionamento como o do
contexto sintaticamente intermediário, onde 3, o funcionamento como articulador de
cláusulas hipotáticas, onde 4, o funcionamento como articulador de cláusulas
completivas, chegando a onde 5, funcionamento de onde como articulador de cláusulas
relativas, retomando outros valores semânticos, além do de lugar e, por fim, onde 6, o
funcionamento em um contexto semanticamente intermediário.
Já em relação aos fragmentos inerentes à escrita, o seguinte continuum com os
usos multifuncionais de onde pode ser estabelecido:
Continuum 5: usos multifuncionais de onde em fragmento inerentes à escrita.
Em relação ao continuum 5, sobre os usos multifuncionais de onde em
fragmentos inerentemente de escrita, é possível perceber uma disposição dos usos de
onde semelhante ao continuum 3, que se destina a organizar esses funcionamentos do
107
estágio mais ou menos esvaziado de sentido. Assim, no continuum 5, onde 1
corresponderia ao funcionamento de onde em cláusulas relativas locativas, passando a
onde 2, seu funcionamento como cláusulas relativas, retomando outros valores
semânticos, onde 3, seu funcionamento em contextos semanticamente intermediários,
onde 4, seu funcionamento como articulador de cláusulas hipotáticas, chegando a onde
5, seu funcionamento em contexto sintaticamente intermediários e, por fim, onde 6,
correspondendo ao seu funcionamento como articulador de cláusulas completivas.
Após a análise dos dados e a configuração dos continua a partir dos usos
multifuncionais de onde, em que, além de verificar sua mudança, no que se refere a seu
deslizamento semântico, foi possível também constatar como o usuário da língua, em
contextos reais de interação, faz uso do conectivo onde, tanto em fragmentos inerentes à
fala como em fragmentos inerentes à escrita. É importante ressaltar que os usos
desgarrados de onde não entraram nos continua 4 e 5, a respeito dos usos do item nos
fragmentos inerentes à fala e à escrita, uma vez que o número de dados recolhidos no
corpus roteiro de cinema foi baixo. Nesse sentido, o desgarramento de onde, em nosso
corpus, parece ainda ser pouco usado pelo falante dos roteiros em contextos reais de
interação comunicativa por eles reproduzidos/veiculados.
A guisa de sistematização dos resultados encontrados e da análise realizada
durante nossa pesquisa, a seguir apresentamos nossas considerações finais, a fim de
compreender e reorganizar as ideias apresentadas e discutidas ao longo desta
dissertação.
108
6. Considerações finais
Este capítulo retoma o tema apresentado, bem como as
hipóteses e os objetivos, além dos critérios analisados, a fim de
propor conclusões a respeito da análise e da teoria demonstradas
nos capítulos anteriores, procurando responder aos
questionamentos e reflexões apontados ao longo desta
investigação.
109
Com este trabalho, pretendeu-se, no que tange ao articulador de cláusulas onde,
demonstrar seus usos efetivos em situações reais de interação comunicativa, buscando
descrever seus usos mais inovadores e, consequentemente, não descritos e licenciados
pela tradição gramatical. No entanto, ainda que com propósitos distintos dos nossos,
parte desses usos já haviam sido elucidados em estudos anteriores, como os propostos
na seção 2, que se preocupou em traçar a revisão do item nas abordagens tradicional e
etimológica, bem como em abordagens de outras vertentes linguísticas. Nesse sentido,
procurou-se a partir do corpus roteiro de cinema, corpus analisado por nós como sendo
misto, já que se trata de um texto escrito, com a finalidade de ser reproduzido
oralmente, podendo, assim, conter características tanto da escrita quando da oralidade,
verificar o comportamento desse item em cláusulas diversas, desgarradas e não
desgarradas, a fim de constatar como o falante da língua tende a usar onde após seu
estágio de gramaticalização.
Em seu uso como articulador de cláusulas relativas, embora a tradição
gramatical afirme que onde em função de pronome relativo só deve retomar a ideia de
lugar, outros valores semânticos foram encontrados ao longo de nossas análises, tais
como: (i) nocional, em que o falante expande a noção de lugar, tornando-a mais
abstrata, (ii) causal, em que onde parece introduzir uma cláusula com ideia de causa
e/ou justificativa, (iii) temporal, em que onde parece introduzir a ideia de tempo e, por
fim, (iv) final, em que onde parece introduzir uma cláusula com conteúdo semântico de
finalidade ou propósito.
Além de seu funcionamento como articulador de cláusulas relativas, outros
dois funcionamentos foram descritos: (i) onde em função de articulador de cláusulas
hipotáticas, descritas como as que possuem um menor grau de integração sintática, além
da leitura hipotática e (ii) onde em função de articulador de cláusulas completivas,
estágio de maior esvaziamento semântico do item, introduzindo cláusulas com maior
nível de encaixamento sintático.
No entanto, os usos previstos anteriormente ainda não dão conta da descrição
completa acerca das funções que onde desempenha em contextos reais de comunicação.
Isso porque nem sempre os contextos em que o item se insere parecem prototípicos,
110
havendo, portanto, os casos intermediários, sintaticamente e semanticamente, também
descritos por nós.
É sabido ainda que os contextos de onde descritos podem ocorrer ou não sob a
forma do desgarramento. Assim, em nosso corpus, as cláusulas que se apresentaram
desgarradas foram as cláusulas relativas, com 5 casos em desgarramento, seguido das
cláusulas hipotáticas, também com 5 dados desgarrados e, por último, as cláusulas
completivas, com apenas 1 dado em desgarramento. Assim, a partir desses resultados,
confirmou-se a proposta de Decat (2011), de serem as cláusulas relativas e hipotáticas
mais favoráveis ao contexto do desgarramento, uma vez que, por apresentarem um
menor nível de integração sintática, além da possibilidade de leitura circunstancial,
podem constituir unidades de informação à parte. Já as cláusulas completivas, por
apresentarem maior nível de encaixamento, só se desgarrarão em contextos específicos,
formando, por exemplo, uma enumeração, em que outras cláusulas completivas já
tenham ocorrido sob a forma não desgarrada.
Ainda em relação ao desgarramento de onde, com base no quadro 5, na seção
3.4.4, foi possível perceber que nem toda cláusula introduzida por onde constitui um
desgarramento prototípico (desgarramento inerentemente pragmático), uma vez que
nem sempre essas cláusulas formam uma unidade de informação à parte, já que o item,
em alguns contextos, ainda não se apresenta totalmente esvaziado de sentido. Nesse
sentido, onde se assemelha ao que nas possibilidades de funcionamento. No entanto,
que, por se apresentar de forma mais esvaziada de sentido, pode ser mais propenso ao
desgarramento prototípico que onde. Assim, os desgarramentos cotextual e contextual
foram os mais produtivos em relação às cláusulas introduzidas por onde.
Para essas análises, recorremos ao funcionalismo, por acreditarmos ser essa a
vertente teórica que melhor iria atender às nossas expectativas. Além disso, recorremos
também ao continuum fala-escrita (cf. seção 3.1.1), já que analisamos um corpus misto.
Assim, conseguimos compreender que, embora os usos inovadores de onde sejam mais
produtivos em fragmentos inerentes à fala, eles também ocorreram em fragmentos
inerentes à escrita, demonstrando que, parte desses usos, não podem não sofrer mais
estigma por parte do falante da língua portuguesa. Ainda em relação à nossas análises,
adotamos também, após uma breve revisão sobre os conceitos de gênero e tipos
textuais, a noção de sequência textual para minimizar as especificidades peculiares sob
111
as partes dos roteiros analisados e, ainda, procurar descrever se esse contexto pode ou
não influenciar nos usos de onde, o que não se confirmou, uma vez que os usos de onde,
embora ocorram mais em sequências narrativas e descritivas, também ocorrem em
sequências textuais de outros tipos. Além disso, o elevado número de ocorrências de
onde em sequências narrativas e descritivas se dá, inclusive, por essas serem as mais
prototípicas e as mais encontradas no corpus analisado. Assim, não parece ser um
aspecto determinante nos usos de onde nos contextos rastreados por nós.
Após a análise desses dados, procuramos apresentar três continua de onde. O
primeiro (continuum 3), um continuum funcional-discursivo, em que procuramos
apresentar o nível de esvaziamento semântico sofrido pelo item durante a mudança
linguística. Em sua gramaticalização, onde passa, usando os rótulos tradicionais, de seu
funcionamento como pronome relativo, estágio de menor esvaziamento semântico,
chegando a seu funcionamento como conjunção subordinativa, até chegar ao nível de
maior esvaziamento semântico: conjunção integrante. Entre esses níveis há ainda os
contextos semanticamente e sintaticamente intermediários. No entanto, cabe destacar
ainda que o item onde não chegou ainda ao seu maior nível de esvaziamento semântico,
mesmo funcionando como uma conjunção integrante, uma vez que, ainda que em menor
grau, onde, nesse contexto sintático, veicula ainda leituras hipotáticas, sobretudo a
prototípica locativa, embora mais abstratizada, muitas vezes.
Esse fato, bem como os usos sintaticamente e semanticamente intermediários
do item, atestam que a mudança pela qual passou onde parece ainda não ter sido
concluída, evidenciando, portanto, que os estudos acerca deste articulador de cláusulas
parecem estar longe de chegar ao fim, sobretudo em relação a seu desgarramento. Os
outros dois continua (4 e 5) traçados são de cunho pragmático, uma vez que levam em
conta a organização, em fragmentos inerentes à fala e à escrita, dos usos mais ou menos
frequentes em relação aos usos efetivamente produzidos pelos falantes. Nesse sentido,
nesses dois últimos continua esboçamos os usos mais recorrentes e os usos menos
recorrentes de onde nos contextos inerentes à fala e à escrita analisados.
Nesse sentido, conseguimos atingir nosso intento: descrever e organizar os
usos de onde de acordo com o uso efetivo dos falantes em língua portuguesa,
procurando demonstrar como o usuário da língua tem interpretado os usos desse item
em contexto reais de interação comunicativa. Além disso, alcançamos comprovar um
112
dos objetivos propostos em nossa introdução: onde, no que tange a seus usos efetivos,
faz parte da lista de itens multifuncionais, podendo, portanto, ser considerado um item
tão multifuncional e universal quanto o que, mesmo que com nível de esvaziamento
semântico diferente. Com base no Princípio do Uniformatarismo proposto por Labov
(1994), é possível afirmarmos que onde poderá atingir os mesmo níveis de
esvaziamento semântico que o que, sendo, nesse sentido, um exemplo de item
multifuncional e universal em contextos oracionais.
É assim, então, que, por ora, damos por encerrada essa pesquisa, esperando que
ela possa contribuir para a revisão da abordagem dos conectores no português, além, é
claro, de auxiliar professores e alunos no que se refere ao ensino e descrição da língua.
Embora o ensino não tenha sido o fio condutor deste trabalho, não há como, nós,
professores, não fazermos tal associação, uma vez que grande parte desses usos são
amplamente utilizados por alunos não só do nível médio, mas também por escritores,
como vimos em nosso corpus. Nesse sentido, este estudo espera contribuir, em termos
de ensino da língua escrita, principalmente, no âmbito da revisão textual, para a
conscientização da necessidade de uma correção mais relativizada dos textos dos
aprendizes, no que se refere aos usos de onde, no ambiente escolar, uma vez que essa
correção é pautada, na maioria das vezes, na descrição da tradição gramatical, que
privilegia o ideal linguístico em detrimento dos usos que intuitivamente os falantes
utilizam e que são empregados por ele para reforçar, enfatizar estruturas que não
promoveriam o mesmo efeito de sentido, caso se pautasse apenas no que prevê a norma
considerada padrão.
113
7. Bibliografia
Neste capítulo, estão listadas as nossas fontes bibliográficas,
leituras que, direta ou indiretamente, contribuíram para o estudo
desenvolvido ao longo dessas páginas e ainda os sites dos
respectivos corpora utilizados.
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