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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DO JANEIRO
CONSTRUÇÕES CAUSATIVAS ANALÍTICAS EM PORTUGUÊS E EM FRANCÊS: UM
ESTUDO SOB A PERSPECTIVA DOS MODELOS BASEADOS NO USO
LUANA GOMES PEREIRA
2018
LUANA GOMES PEREIRA
Tese de Doutorado submetida ao Programa de
Pós-Graduação em Linguística da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte
dos requisitos necessários para a obtenção do
título de Doutor em Linguística
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria da Conceição A.
de Paiva
Rio de Janeiro
Agosto de 2018
CONSTRUÇÕES CAUSATIVAS ANALÍTICAS EM PORTUGUÊS E
EM FRANCÊS: UM ESTUDO SOB A PERSPECTIVA DOS
MODELOS BASEADOS NO USO
CONSTRUÇÕES CAUSATIVAS ANALÍTICAS EM PORTUGUÊS E EM FRANCÊS: UM
ESTUDO SOB A PERSPECTIVA DOS MODELOS BASEADOS NO USO
LUANA GOMES PEREIRA
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Linguística da Faculdade de
Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessários
para a obtenção do título de Doutor em Linguística.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________
Maria da Conceição Auxiliadora de Paiva – Dept° de Linguística (UFRJ)
______________________________________________________
Roberto Gomes Camacho - UNESP- SJRP
______________________________________________________
Karen Sampaio Braga Alonso- Dept° de Linguística (UFRJ)
______________________________________________________
Marcia dos Santos Machado Vieira- Dept° de letras Vernáculas (UFRJ)
______________________________________________________
Maria Maura da C. Cezario - Dept° de Linguística (UFRJ)
______________________________________________________
Maria Luiza Braga- Dept° de Linguística (UFRJ)
______________________________________________________
Diego Leite de Oliveira- Dept° de Letras Orientais e Eslavas (UFRJ)
Rio de Janeiro
Agosto de 2018
À minha mãe, dedico.
AGRADECIMENTOS
A minha orientadora, Conceição Paiva. Agradeço pela paciência, pelo suporte para as
discussões teóricas surgidas ao longo do curso. Sem você esta tese não existiria.
Aos professores que aceitaram participar da banca examinadora: Prof. Roberto Gomes
Camacho, Marcia Machado Vieira, Maria Maura Cezario, Karen Sampaio Alonso, Maria
Luiza Braga e Diego Leite de Oliveira. Agradeço às professoras Márcia e Maura pelas
contribuições no Exame de Qualificação, que fizeram esta tese ter um novo percurso teórico.
À Malu (Maria Luiza Braga), que me convidou para a iniciação científica a qual deu
início a minha pesquisa em Linguística. Obrigada, minha querida!
Aos amigos do PEUL e de orientação: Cassiano Santos, Diego Leite, Marcelo Melo,
Manuela Oliveira, Priscila Thaiss, Rubens Lacerda. Obrigada pela amizade, pelo apoio, pelas
catarses e pelas palavras de que, no fim, tudo dá certo.
Aos amigos de fora da UFRJ que, conhecendo ou não as aventuras da vida acadêmica
na pós-graduação, deram apoio ao longo da jornada: Andreia, Bianca, Edilene, Isis, Karinna,
Mariana, Mel, Rafael e Suelen, por suas palavras de apoio e compreensão quanto às minhas
ausências.
Aos amigos do trabalho: Camila, Cristina, Elza, Francisco, Gisele, e em especial aos
meus ex-chefes Alcides e Alessandro, que entenderam a importância da minha formação e
apoiaram administrativamente minha decisão.
A Marília Fonseca, a pessoa mais lúcida e amável que conheci na Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro.
Aos professores do Ensino Fundamental e Médio que sempre me incentivaram,
especialmente os de Língua Portuguesa: Isabel, Lúcia e Cilas Peixoto.
A todos os colegas e professores da UFRJ que estiveram comigo desde a graduação.
Ao Alexandre, que compreendeu o meu momento desde a sua chegada, e durante todo
o tempo me apoiou, incentivou e ainda ofereceu ajuda técnica com as figuras.
A minha mãe, pela existência e apoio incondicional.
Car le mot, qu’on le sache, est un être vivant. La main
du songeur vibre et tremble en l’écrivant.
Victor Hugo
PEREIRA, Luana Gomes. Construções causativas analíticas em português e em francês: um
estudo sob a perspectiva dos Modelos Baseados no Uso. Rio de Janeiro: 2018. Tese
(Doutorado em Linguística). Programa de Pós-Graduação em Linguística, Faculdade de
Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
RESUMO
Construções causativas analíticas em português e em francês: um estudo sob a
perspectiva dos Modelos Baseados no Uso
Esta tese propõe uma análise das construções causativas analíticas em português e em
francês. São investigadas as microconstruções esquematizadas como [SN1 [V1 SN2 V2INF]],
[SN1 [V1 Conec SN2 V2FIN]] e [SN1 [V1 NOMefeito (SPrep)Oblíquo]] em que a posição V1 é
preenchida pelos verbos fazer, obrigar, mandar, levar, deixar e permitir no português, e faire,
obliger, demander, amener, laisser e permettre, no francês. Tomando como base
pressupostos dos Modelos Baseados no Uso, em especial dos da Gramática de Construções
Cognitiva (GOLDBERG, 1995, 2006; CROFT, 2001), buscamos investigar as propriedades
da construção causativa analítica a partir de da análise das propriedades dos elementos que as
constituem. Para a consecução deste objetivo, analisamos uma amostra constituída de textos
de diversos gêneros do domínio jornalístico (artigo de opinião, crônica, editorial e notícia)
extraídos dos jornais O Globo, Jornal do Brasil, Extra e Povo, para o português e dos jornais
Le Monde, Le Figaro e Le Parisien, para o francês. A hipótese central que norteia o estudo é
a de que as microconstruções causativas em francês apresentam um maior grau de
indissociablidade entre os participantes da causação, refletindo um nível mais alto de
chunking. Além disso, acreditamos haver uma gradação entre as microconstruções causativas
de cada língua, de forma que uma microconstrução pode ser considerada um membro mais
central de uma categoria de evento causativo. Nossos resultados demonstram paralelismos
entre português e francês quanto à predominância de microconstruções causativas no
subesquema com complemento na forma não finita e a maior frequência dos V1 fazer e faire,
no grupo dos causativos e de permitir e permettre no grupo dos permissivos. No entanto, as
duas línguas se distinguem quanto ao domínio da causatividade: enquanto as
microconstruções causativas do português apresentam mais propriedades de configuração
gatilho ou prompt, as microconstruções causativas do francês apresentam características da
configuração manipulativa.
Palavras-chave: construções causativas, rede construcional, configurações causativas
PEREIRA, Luana Gomes. Analytic causative constructions in Portuguese and French: a study
from the perspective of Use Based Models. Rio de Janeiro: 2018. Thesis (Doctorate in
Linguistics). Programa de Pós-Graduação em Linguística, Faculdade de Letras, Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
ABSTRACT
Analytic causative constructions in Portuguese and French: a study from the perspective
of Use Based Models
This thesis proposes an analysis of analytical causative constructs in Portuguese and French.
The analytical causative micro-constructs schematized as [SN1 [V1 SN2 V2INF]], [SN1 [V1
Conec SN2 VFIN]] e [SN1 [V1 NOM (SPrep)Oblique]], in which the position investigated as V1
is filled by the verbs fazer obrigar, mandar, levar, deixar and permitir in Portuguese, and
faire, obliger, demander, amener, laisser and permettre, in French. Based on the Usage-Based
Models, in particular the Cognitive Construct Grammar (GOLDBERG, 1995, 2006; CROFT,
2001), we aim to investigate the properties of the analytic causative constructions’ elements.
In order to achieve the objectives explained above, we analyze samples composed of texts
from different genres of the journalistic domain (opinion’s article, chronicle, editorial and
news) extracted from the newspapers O Globo, Jornal do Brasil, Extra and Povo, for
Portuguese and the newspapers Le Monde, Le Figaro and Le Parisien, for French. The central
hypothesis that guides the study is that the causative microconstructions in French present a
greater degree of indissociability among the participants of the causation, reflecting a higher
level of chunking. In addition, we believe there is a gradation between the causative
microconstructions of each language, so that a microconstruction can be considered a more
central member of a causative event category. Our results demonstrate parallelism between
Portuguese and French according to the predominance of causative microconstructions in the
subschema with non finite complements and the higher frequency of the V1 fazer and faire in
the causative group and of permitir and permettre in the permissive group. However, the two
languages differ in the domain of causality: while the causative microconstructions of
Portuguese have more properties of trigger or prompt configuration, the causative
microconstructions of French have characteristics of the manipulate configuration.
Key-words: causative constructions, constructional network, causative configuration
LISTA DE DIAGRAMAS
Diagrama 1 - Construção resultativa (Fonte: Goldberb, 1995, p. 77) ...................................... 54
Diagrama 2 - Construção permissiva (Fonte: Goldberb, 1995, p. 77)...................................... 55
Diagrama 3 - Construção de movimento causado (Reproduzido de GOLDBERG, 1995) ...... 56
Diagrama 4 - Construções causativas analíticas (Traduzido de Stefanowitsch, 2001:75) ....... 57
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Produtividade baseado em Barðdal (2006, p. 468) ................................................. 30
Figura 2 - Representação esquemática de uma construção (Fonte: CROFT, 2001, p. 18) ....... 33
Figura 3 - Rede taxonômica da oração (Fonte: CROFT, 2001, p. 24) ..................................... 37
Figura 4 - Causação direta e indireta (Reproduzido de Vesterinen, 2008, p.33)...................... 42
Figura 5 - Representação das microconstruções causativas analíticas ..................................... 62
Figura 6 - Página de busca na base de dados NILC ................................................................. 87
Figura 7 - Pesquisa na Amostra NILC para o verbo deixar...................................................... 88
Figura 8 - Apresentação do modo de pesquisa do ScienQuest ................................................. 88
Figura 9 - Página de busca pela forma laisser .......................................................................... 89
Figura 10 - Representação esquemática microconstruções causativas analíticas em português
.................................................................................................................................................. 99
Figura 11 - Processos do sistema de transitividade adaptado de Halliday & Mathiessen (2004,
p. 172) ..................................................................................................................................... 123
Figura 12 - Rede das microconstruções causativas analíticas em português de acordo com o
tipo de causação ...................................................................................................................... 136
Figura 13 - Representação esquemática das microconstruções causativas analíticas em francês
................................................................................................................................................ 148
Figura 14 - Rede das microconstruções causativas analíticas em francês de acordo com o tipo
de causação ............................................................................................................................. 177
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Distribuição das microconstruções causativas em português ................................ 91
Gráfico 2 - Distribuição das micronstruções causativas em francês ...................................... 139
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Total de palavras por gênero da amostra do português .......................................... 83
Quadro 2 - Total de palavras por gênero da amostra do francês .............................................. 84
Quadro 3 - Representação das modalidades deônticas na transferência de forças (SALOMÃO,
2008, p. 99) ............................................................................................................................. 107
Quadro 4 - Síntese das propriedades das microconstruções causativas do português............ 126
Quadro 5 - Configurações da microconstrução com fazer ..................................................... 127
Quadro 6 - Configurações da microconstrução com obrigar ................................................. 129
Quadro 7 - Configuração da microconstrução com levar....................................................... 131
Quadro 8 - Configuração da microconstrução com mandar .................................................. 133
Quadro 9 - Configuração das microconstruções com permitir .............................................. 133
Quadro 10 - Configuração da microconstrução com deixar................................................... 135
Quadro 11 - Síntese das propriedades das microconstruções causativas do francês .............. 168
Quadro 12 - Configurações da microconstrução com faire .................................................... 169
Quadro 13 - Configuração da microconstrução com obliger ................................................. 170
Quadro 14 - Configurações da microconstrução com amener ............................................... 172
Quadro 15 - Configuração da microconstrução com demander ............................................. 173
Quadro 16 - Configurações da microconstrução com permettre ............................................ 174
Quadro 17 - Configurações da microconstrução com laisser ................................................ 175
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Frequência type e token das microconstruções causativas na amostra do português
.................................................................................................................................................. 90
Tabela 2 - Frequência das microconstruções causativas no corpus NILC ............................... 92
Tabela 3 - Distribuição das microconstruções causativas por gênero textual em português ... 93
Tabela 4 - Realização do complemento das microconstruções causativas em português ........ 96
Tabela 5 - Papel temático do SN causador em português ...................................................... 103
Tabela 6 - Intencionalidade do causador nas microconstruções causativas do português ..... 109
Tabela 7 - Forma de realização do causado nas microconstruções causativas do português . 111
Tabela 8 - Posição do constituinte causado nas microconstruções causativas do português . 115
Tabela 9 - Animacidade do causado nas microconstruções causativas em português ........... 118
Tabela 10 - Combinação entre os traços de animacidade do causador e do causado nas
microconstruções causativas do português. ............................................................................ 119
Tabela 11 - Tipo de processo verbal do V2 nas microconstruções causativas do português .. 124
Tabela 12 - Frequência type e token das micronstruções causativas na amostra em francês . 138
Tabela 13 - Frequência das microconstruções na amostra Est Républicain ........................... 140
Tabela 14 - Distribuição das microonstruções causativas por gênero textual em francês ..... 143
Tabela 15 - Realização do complemento nas microconstruções causativas do francês ......... 145
Tabela 16 - Papel temático do SN causador em francês......................................................... 150
Tabela 17 - Intencionalidade do causador nas microconstruções causativas do francês........ 153
Tabela 18 - Forma de realização do causado nas microconstruções causativas do francês ... 156
Tabela 19 - Posição do constituinte causado nas microconstruções causativas do francês ... 158
Tabela 20 - Animacidade do causado nas microconstruções causativas do francês .............. 162
Tabela 21 - Combinação entre os traços de animacidade do causador e do causado nas
microconstruções causativas do francês ................................................................................. 163
Tabela 22 - Tipo de processo verbal do V2 nas microconstruções causativas do francês ...... 166
LISTA DE ABREVIATURAS
A=argumento interno
Conec=conectivo
INF=infitivo (não finito)
NOM=nominalização
O=argumento interno
Obj=objeto
Obl=oblíquo
Pred. Dep.=predicado dependente
RG=relações gramaticais
SN=sintagma nominal
SPrep=sintagma preposicionado
SUBJ=subjuntivo (finito)
Suj=sujeito
V=verbo
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 18
2- PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ............................................................................................ 22
2.1 A perspectiva teórica dos Modelos Baseados no Uso (MBU) ........................................ 22
2.2. O papel da frequência .................................................................................................... 27
2.3 A língua como uma rede de construções ........................................................................ 32
3 CAUSATIVIDADE E CONSTRUÇÕES CAUSATIVAS ................................................... 40
3.1 A noção de causatividade ............................................................................................... 40
3.2 Construções causativas analíticas ................................................................................... 47
3.3 Uma perspectiva construcional das causativas analíticas ............................................... 53
3.4 O V1 em português .......................................................................................................... 63
3.5 O V1 em francês .............................................................................................................. 68
4 OBJETIVOS, HIPÓTESES E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ......................... 77
4.1 Objetivos e hipóteses ...................................................................................................... 77
4.2 Amostras e procedimentos metodológicos ..................................................................... 80
4.3 Levantamento complementar .......................................................................................... 86
5 CONSTRUÇÕES CAUSATIVAS NO PORTUGUÊS: ASPECTOS SEMÂNTICOS E
SINTÁTICOS ........................................................................................................................... 90
5.1 Frequência das microconstruções causativas .................................................................. 90
5.2 Forma de realização do predicado dependente ............................................................... 95
5.3 Propriedades do SN causador ......................................................................................... 99
5.3.1 Papel temático do causador .................................................................................... 100
5.3.2 Intencionalidade do causador ................................................................................. 105
5.4 Propriedades do constituinte causado ........................................................................... 110
5.4.1 Forma de realização do constituinte causado ......................................................... 110
5.4.2 Posição do constituinte causado ............................................................................. 113
5.4.3 Animacidade do constituinte causado .................................................................... 116
5.5 Propriedades do V2 ....................................................................................................... 120
5.6 Padrões de causatividade nas microconstruções causativas analíticas do português ... 125
6 CONSTRUÇÕES CAUSATIVAS NO FRANCÊS: ASPECTOS SEMÂNTICOS E
SINTÁTICOS ......................................................................................................................... 138
6.1 Frequência das microconstruções causativas do francês .............................................. 138
6.2 Forma de realização do predicado dependente ............................................................. 144
6.3 Propriedades do SN causador ....................................................................................... 147
6.3.1 Papel temático do causador .................................................................................... 148
6.3.2 Intencionalidade do causador ................................................................................. 152
6.4 Propriedades do constituinte causado ........................................................................... 154
6.4.1 Forma de realização do causado............................................................................. 154
6.4.2 Posição do constituinte causado ............................................................................. 157
6.4.3- Traço de animacidade do constituinte causado ..................................................... 160
6.5 Propriedades do V2 ....................................................................................................... 163
6.6 Tipos de eventos causais nas microconstruções causativas do francês ........................ 167
7 CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS FUTURAS ............................................................... 179
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 185
18
1 INTRODUÇÃO
A noção de causatividade, como destacam Lakoff & Johnson (1980, p. 69) é “um
conceito humano básico”. Trata-se de uma relação elementar na forma como os seres
humanos organizam e interpretam a realidade e constitui um mecanismo usual de
argumentação. Essa noção pode ser expressa por diferentes estruturas linguísticas,
destacando-se, dentre elas, as construções causativas analíticas, entendidas como aquelas que
codificam uma situação em que A manipula B, para a obtenção de um resultado, que pode ser
esquematizada de forma mais geral como por [[SN1 V1 SN2 V2] ↔ [causação]], em que SN1 é
o constituinte causador, SN2 é o constituinte causado e V2 é um predicado dependente. O
exemplo (1) é emblemático.
(1) Maria fez Pedro correr.
em que Maria exerce pressão (fez) sobre uma ação realizada por Pedro (correr).
Embora a relação de causatividade já tenha sido amplamente focalizada, sob diferentes
perspectivas teóricas, as construções causativas analíticas têm recebido menor atenção na
literatura linguística, especialmente se comparadas com as causativas lexicais ou
morfológicas. Na opinião de Comrie (1989), tal “desinteresse” pode ser creditado à frequência
relativamente baixa dessas construções nas diversas línguas naturais. No português e no
francês, no entanto, pode ser encontrado um número considerável de construções analíticas,
com diferentes formas verbais que podem ocupar a posição V1, tanto na fala como na escrita.
Nesta tese, nossa atenção se volta mais especificamente para o uso das construções causativas
com fazer, obrigar, mandar, levar, deixar e permitir no português, e com os V1 faire, obliger,
demander, amener, laisser e permettre, no francês, na modalidade escrita das duas
línguas.1Com base em pressupostos dos Modelos Baseados no Uso (MBU), o nosso objetivo
central é identificar as similaridades e diferenças entre as duas línguas no uso dessas
construções causativas, a partir da análise dos traços do constituinte causador, do constituinte
causado e do resultado.
Na perspectiva dos modelos baseados no uso (MBU), os padrões que constituem o
sistema linguístico são derivados das instâncias de uso experienciadas pelos falantes de uma
1 Entendemos microconstrução como o terceito nível de um esquema construcional que mostra os
graus de generalidade e abstração nas construções (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 17). Este
nível é materializado na forma de construtos.
19
língua. A generalização de padrões é vista como consequência da ação de processos
cognitivos de domínio geral, tais como categorização, chunking, memória rica, analogia
associação transmodal, que atuam em diversas formas de comportamento humano e ajudam a
explicar os processos específicos da língua (BYBEE, 2010, 2015). Nessa proposta de
integração entre estrutura e uso, a frequência de ocorrência de uma construção desempenha
um papel fundamental. A repetição de instâncias semelhantes leva à formação de padrões
mais gerais, mais abstratos (abordagem bottom-up) (cf. LANGACKER, 1987; CROFT, 1995;
BYBEE, 2010).
Central para os MBU, é a proposta de que a língua é um conjunto estruturado de
construções, entendidas como pareamentos de forma e função, ligadas entre si por diferentes
tipos de links. As construções se organizam numa rede de diferentes níveis de abstração,
pressupondo-se que construções de nível mais baixo se ligam às de nível mais alto por
relações de herança. Um ponto de partida assumido neste estudo é o de que a construção
causativa herda propriedades da Construção de Movimento Causado (GOLDBERG, 1995)
tanto no português como no francês. Podemos presumir, no entanto, que as duas línguas se
distinguem no grau de aproximação das microconstruções causativas em relação à Construção
de Movimento Causado. Esta hipótese implica a de que algumas microconstruções causativas
do francês apresentam um nível mais alto de entrenchment, ou seja maior rotinização
cognitiva, do que suas correspondentes em português.
De acordo com os pressupostos teóricos assumidos neste estudo, as construções
causativas do português e do francês estão organizadas em uma rede construcional que, de
uma perspectiva formal, envolve a forma de realização do resultado, assumidos neste estudo
como subesquemas distintos: complemento não finito [SN1 [V1 SN2 V2INF]], complemento
finito [SN1 [V1 Conec SN2 V2FIN]] e complemento na forma de nominalização [SN1 [V1 NOM
(SPrep)oblíquo]].
Numa perspectiva semântica, as relações entre as construções causativas envolvem o
tipo de evento causal que instanciam. Como já mostraram vários estudos (ACHARD, 2000;
ARAÚJO, 2009; BITTENCOURT, 2001; CARVALHO, 2004; GILQUIN, 2010; KEMMER
& VERHAGEN, 1994; MÖESCHLER, 2009; SILVA, 2007, STEFANOWITSCH, 2001).
Stefanowitsch (op. cit.) propõe a distinção entre diferentes configurações de eventos causais
determinadas a partir do traço do traço de animacidade e afetamento do constituinte causado
assim como do tipo de resultado visado/obtido, – configuração manipulativa, configuração
gatilho e configuração prompt. Baseando-nos nessa proposta, procuramos identificar as
configurações instanciadas pelas diferentes microconstruções e a forma como elas se
20
organizam em uma rede. Partimos da hipótese de que algumas delas são mais polissêmicas,
podendo constituir membro central de uma configuração e mais periférico de outras.
Para a verificação das hipóteses colocadas neste estudo, analisamos uma amostra
constituída de textos de diversos gêneros do domínio jornalístico (artigo de opinião, crônica,
editorial e notícia). Para o português, utilizamos a Amostra do Discurso Midiático, organizada
pelos pesquisadores do PEUL, formada por textos dos jornais O Globo, Jornal do Brasil,
Extra e Povo, e para o francês, uma amostra de textos extraídos dos jornais Le Monde, Le
Figaro e Le Parisien. Conjugamos a essa análise, um levantamento complementar das
causativas com fazer, deixar, levar, mandar, permitir e obrigar, em português, e faire, laisser,
demander, permettre, obliger e amener em outras amostras, mais extensas: a Amostra NILC
São Carlos, parte do acervo da base de dados Linguateca, para o português, e o corpus Est
Républicain, do programa ScienQuest, para o francês.
As ocorrências das microconstruções em foco são analisadas sob o prisma das
características do constituinte causador, do constituinte causado e do resultado que constituem
a situação causativa. Partindo dessas propriedades, observamos a polissemia que a
microconstrução pode apresentar, a depender dos V1, que, apesar de apresentarem
semelhanças entre si, codificam diferentes situações causativas. Quanto ao constituinte
causador (causer), investigamos o papel temático do sujeito, relacionados a sua animacidade e
intencionalidade. Para o constituinte causado (causee), verificamos a forma sintática como
são realizados, a animacidade do referente que codificam e sua posição em relação aos dois
verbos da construção causativa. Para o efeito ou resultado da causação (V2) observamos as
propriedades relativas ao tipo de processo verbal de acordo com a tipologia de transitividade
de Halliday e Matthiessen (2004). Atentamos, também, para as especificidades semânticas do
V2 e às possíveis restrições nas combinações entre V1 e V2. Entendemos que tais fatores se
relacionam à integração dos itens na construção causativa analítica, que podem exibir maior
ou menor perda de composicionalidade levando à criação de microconstruções substantivas,
automatizadas em expressões idiomáticas.
Além disso, consideramos o gênero textual como uma variável que pode influenciar a
frequência de uso das microconstruções causativas. Acreditamos que o gênero notícia pode
ser mais propício à ocorrência de construções causativas analíticas nas duas línguas, pelo fato
de que sua organização é favorável a maior recorrência de sequências narrativas.
Considerando a delimitação do fenômeno estudado, organizamos este trabalho nas
seguintes partes: no capítulo 2, retomamos alguns pressupostos teóricos assumidos como base
para o desenvolvimento deste estudo e destacamos o papel da frequência. Apresentamos uma
21
visão geral dos Modelos Baseados no Uso, detendo-nos mais particularmente na abordagem
da Gramática de Construções Cognitiva.
No Capítulo 3, retomamos estudos já realizados sobre o fenômeno investigado,
destacando aspectos de maior interesse para este estudo. Discutimos a noção de causatividade
e de construções causativas, destacando a forma como estas construções podem ser tratadas
sob uma perspectiva construcional. Em seguida, discutimos a estrutura e o significado das
construções causativas analíticas, focalizando cada uma das formas que ocupa a posição V1
em português e em francês.
No Capítulo 4, detalhamos a amostra utilizada neste estudo e a metodologia aplicada
na análise dos dados. Especificamos, ainda, as amostras utilizadas no levantamento
complementar sobre as construções causativas nas duas línguas. Além disso, mostramos as
hipóteses relativas a cada um desses grupos de fatores, declarando qual o resultado esperado
para a análise de cada língua e das duas línguas, comparativamente.
Nos capítulos seguintes, apresentamos os resultados obtidos na análise das
microconstruções causativas analíticas que constituem o objeto de estudo desta tese. No
capítulo 5, focalizamos os aspectos semânticos e sintáticos das construções causativas
analíticas em português. Iniciamos pela distribuição geral dos dados para, a seguir, discutir os
resultados para a forma de realização do predicado dependente, das propriedades dos
constituintes causador, constituinte causado e do V2. Ao fim, apresentamos um quadro geral
comparativo entre as microconstruções quanto às configurações dos eventos causativos que
elas realizam.
No capítulo 6, discutimos as construções causativas analíticas do francês, a partir de
uma análise detalhada das microconstruções selecionadas neste estudo. De forma semelhante
ao procedimento adotado no capítulo 5, apresentamos a distribuição geral dos dados para, em
seguida, discutir os resultados pertinentes a cada grupo de fatores relacionados aos diferentes
constituintes da construção causativa. Um resumo comparativo entre as microconstruções em
francês, mostrando sua distribuição dentro dos tipos de configuração causativa e sua
disposição em rede, comparados aos resultados obtidos na amostra para o português, finaliza
o capítulo.
No Capítulo 7, destacamos as conclusões mais relevantes deste estudo. Retomamos as
hipóteses apresentadas em capítulos anteriores à luz dos resultados discutidos nos capítulos 5
e 6 e sugerimos vias de abordagem futura das diferenças e similaridades atestadas no uso das
microconstruções causativas no português e no francês.
22
2- PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Neste capítulo, discutimos os principais pressupostos teóricos que norteiam este
estudo, quais sejam os dos Modelos Baseados no Uso (MBU). Focalizamos inicialmente,
algumas questões que ocuparam um espaço central nos estudos da linguagem sobre essa
perspectiva, mais particularmente a relação entre sistema e uso linguístico. A seguir,
focalizamos de forma mais detalhada a importância dos processos cognitivos gerais na forma
de estruturação da língua, na forma como proposto por Bybee (2010), ressaltando,
principalmente, o papel central da frequência. Tomando como base a perspectiva de que a
construção é a unidade básica da língua, apresentamos os fundamentos centrais da Gramática
de Construções Baseada no Uso (GCBU), como proposta mais recentemente por Goldberg
(1995, 2006), Bybee (2010) e Croft (2001), salientando a forma como esses fundamentos
podem ser aplicados à análise das construções causativas do português e do francês.
2.1 A perspectiva teórica dos Modelos Baseados no Uso (MBU)
O pressuposto central dos modelos baseados no uso (MBU), termo inicialmente
cunhado por Langacker (1987) e retomado por diferentes autores (BYBEE 2010, CROFT,
2001; HILPERT & KOOPS, 2009; TRAUGOTT & TROUSDDALE, 2013, DIESSEL, 2015,
entre outros)2, é o de que estrutura e uso linguístico são indissociáveis e de que as formas
linguísticas variam em diferentes situações comunicativas. Esta forma de entendimento do
sistema linguístico se opõe a propostas mais formalistas, como a de Saussure (1916), para
quem o sistema linguístico é auto-contido (self-contained), autônomo, isto é, independente da
influência de fatores externos e arbitrário, ou a de Chomsky (1970), que concebe a língua
como um conjunto de regras abstratas. Como destacam Kemmer e Barlow (2000), modelos
baseados no uso dão continuidade, por um lado, a tradições como a Firthiana, que enfatiza a
importância do contexto, considerando também os aspectos sociais, e, por outro, à da
linguística enunciativa, como a inaugurada por Benveniste (1971). Assim, os modelos
baseados no uso ratificam muitos dos pressupostos que sustentam algumas teorias
funcionalistas, principalmente as desenvolvidas por estudiosos da costa oeste americana,
resumidos em Butler (2013). Dentre eles, destacam-se:
2 É importante ressaltar que há linguistas que utilizam diferentes termos para descrever tais
modelos, como Teoria Baseada no Uso (Bybee, 2010) e Linguística Funcional Centrada no
Uso (Martelotta, 2003).
23
• a negação de que o sistema linguístico seja arbitrário e autossuficiente, e a assunção de
que explicações funcionais que considerem fatores cognitivos, fisiológicos,
socioculturais e diacrônicos têm maior poder descritivo;
• A língua é concebida como meio de comunicação em contextos sociais e psicológicos;
• a semântica e pragmática são entendidas como componentes centrais e interligados, e
a sintaxe como meio de expressão de significados;
• a ênfase no caráter não discreto das categorias linguísticas e na importância da
cognição;
• a preocupação com textos e contextos de uso;
Alinhando-se com posições como as já defendidas por Croft (1995), Givón (1972),
Haiman (1985) e Buttler (op.cit), por exemplo, os Modelos Baseados no Uso assumem como
ponto de partida que o sistema linguístico do falante não é autônomo na medida em que é
fundamentalmente baseado em “eventos de uso”, instâncias de produção e compreensão da
língua pelo indivíduo. Tanto a produção como a compreensão são partes integrais, e não
periféricas, do sistema linguístico, ou seja, a habilidade linguística do falante é constituída de
regularidades no processamento mental da linguagem. Além disso, esses modelos valorizam o
papel da aprendizagem e da experiência na aquisição da linguagem.
Na perspectiva dos MBU, tanto a produção como o processamento são consequência
da atuação de processos cognitivos mais gerais que atuam na regularização/abstratização de
experiências linguísticas (cf. BYBEE, 2003, 2010, 2015, DIESSEL, 2015). Bybee (2010)
apresenta uma sistematização dos processos de domínio geral responsáveis pela criação das
gramáticas das línguas, sua variação e seu processamento. Embora sejam diferentes entre si,
as línguas resultam da ação dos seguintes processos cognitivos mais gerais:
1- categorização - processo a partir do qual entidades semelhantes percebidas no uso
linguístico se agrupam por associação em categorias mais gerais e abstratas. As
categorias que surgem desta ligação fundamentam o sistema linguístico, sejam
fonemas, morfemas, palavras, frases ou construções. A categorização não é específica
da linguagem, constituindo a base de diversas formas de organização da nossa
experiência com o mundo.
2- chunking (encadeamento): formação de unidades complexas e autônomas pela
rotinização do vínculo de seus constituintes e da sua associação com um significado.
Esse processo subjaz à formação de sequências pré-fabricadas, como “chutar o balde”,
“dar um gelo” ou de sequências maiores como provérbios, por exemplo. Isso acontece
24
pela repetição, ou seja, se dois chunks ocorrem juntos com uma certa frequência, um
chunk maior é formado. Chunk é uma unidade de organização da memória e influencia
todos os sistemas cognitivos.
3- memória enriquecida: estocagem mental de detalhes da experiência linguística, que
envolve conhecimento gramatical, semântico e pragmático. As experiências com a
língua impactam as representações cognitivas. O papel da memória enriquecida
encontra uma formalização mais explícita na representação por exemplares
4- analogia: criação de novos enunciados a partir de outros já existentes, produzidos em
experiências discursivas anteriores, que são tomadas como modelo;
5- associação transmodal: associações cognitivas de experiências coocorrentes. É a
ligação entre forma e significado.
Como já destacado, o foco dos MBU está na relação entre estrutura linguística e
instâncias de uso da língua. As representações linguísticas são estreitamente ligadas aos
eventos de uso de três maneiras: em primeiro lugar, tais instâncias são a base da formação do
sistema linguístico, a experiência da qual tal sistema é abstraído, numa relação botton-up. Em
segundo lugar, a relação entre a representação mais abstrata na gramática do falante e os
eventos de uso são específicos por natureza, de forma que qualquer expressão linguística tem
conteúdo lexical e o foco se desloca para os mecanismos cognitivos envolvidos nesta
dinamicidade das línguas. Qualquer representação geral que emerge de uma operação do
sistema é ativada por instâncias específicas desses padrões e, como consequência, as unidades
linguísticas (de fonemas a construções de extensão diversificada) são dinâmicas, sujeitas à
extensão criativa e reformulação com o uso. Como resultado dessa dinamicidade, os eventos
de uso são essenciais para a contínua estruturação e operação do sistema linguístico. Sendo
assim, a produção linguística não é somente produto do sistema do falante, mas também
fornece input para os sistemas dos outros falantes, não apenas na aquisição inicial, mas por
toda sua vida. Nessa perspectiva, unidades linguísticas são vistas como rotinas cognitivas, ou
seja, padrões recorrentes de ativação mental e, como destacam Kemmer e Barlow (2000, p.
xii), essas unidades não são estocadas de forma fixa.
Em terceiro lugar, para Bybee (2010), a complexidade do sistema linguístico se deve à
sua variação em todos os níveis e gradiência de unidades e categorias classicamente
consideradas. Essas propriedades são uma consequência natural de mudanças graduais que
movem elementos de uma categoria para outra, geram polissemias, obscurecem a relação
forma-função através da emergência de novas construções e reorganizam as redes de
25
construções ao longo do tempo (cf. também BYBEE, 2015, DIESSEL, 2015, TRAUGOTT E
TROUSDALE, 2013). Na perspectiva dos modelos baseados no uso, instâncias específicas
são extremante significantes para o curso da mudança linguística.
Numa perspectiva de gradiência, categorias linguísticas se dispõem ao longo de um
continuum, como já enfatizado pelos estudos de gramaticalização que trouxeram evidências
para colocar em causa a distinção entre item lexical e item gramatical (HOPPER &
TRAUGOTT, 1993; HIMMELMANN, 2004). Como assumido por Aarts (2004, p. 100)
gradiência é “uma propriedade inegável de qualquer sistema de categorização, incluindo
descrições gramaticais”3. O autor propõe a distinção entre gradiência subsectiva e gradiência
intersectiva (cf. também DIESSEL, 2015, OLIVEIRA, 2017). A primeira dá conta do fato de
que membros de uma mesma categoria apresentam propriedades de sua classe em graus
variados. É o que observamos na distinção entre verbos plenos e auxiliares, por exemplo. A
gradiência intersectiva, por sua vez, diz respeito à fluidez das fronteiras entre categorias, pelo
fato de possuírem elementos que apresentam características comuns as duas categorias.
Definir o grau de pertencimento de uma unidade a uma classe exige considerar, antes de mais
nada, quais propriedades são relevantes para considerar um elemento como membro de um
grupo, ou seja, quais atributos estão associados a uma categoria específica (TRAUGOTT &
TROUSDALE, op.cit.).
Os aspectos destacados acima conduzem a questões sobre a forma como os falantes de
uma língua procedem a generalizações/abstrações, partindo de tokens concretos. Uma
proposta de modelização desse processo está na teoria de exemplares, defendida por Bybee
(2010), Johnson (1997) e Pierrehumbert (2001), que dá conta, inclusive, da forma como a
gramática pode incorporar variação e gradiência. Para Bybee (2010), cada instância de uso,
com todas as suas propriedades formais, semânticas e contextuais, constitui um exemplar e
tem um impacto na representação de uma unidade ou de uma categoria e na forma como ela
se fixa na memória do falante. Tokens da experiência linguística se combinam com tokens
similares, de acordo com suas propriedades, já armazenados na memória como exemplares.
Segundo a autora:
Exemplares são categorias formadas a partir de ocorrências na experiência que são
consideradas idênticas (Pierrehumbert 2001). Há exemplares linguísticos de diferente
tamanho, constituídos de um único segmento, como uma vogal, até parágrafos
completos, tal como the Pledge of Allegiance. Exemplares são agrupados por
3 “an undeniable property of any categorical subject, including grammatical descriptions”.
26
similaridade.4
Assim, cada experiência nova vai sendo acrescentada no repertório do indivíduo, o que
explica que representações/categorias são dinâmicas, constantemente emergentes, o que
permite a gradiência entre estruturas e mudança gradual. Nos termos da autora: “já que cada
instância de uso linguístico impacta a representação, variação e gradiência têm uma
representação direta no sistema linguístico do usuário da língua. Em um modelo de
exemplares, todas as variantes são representadas na memória como clusters de exemplares”.5
Dentro dessa perspectiva, alguns membros - instâncias de uso - podem ser
considerados mais centrais e outros mais periféricos, dependendo da quantidade de
propriedades que compartilham. Um ponto central desta proposta é o papel da frequência no
processo de categorização. Langacker (1987) já afirmava que o acúmulo de um conjunto de
exemplos na memória é um pré-requisito para a generalização. Para Bybee (op. cit), no
entanto, a frequência serve como catalisador para que alguns exemplares se tornem centrais.
Enquanto itens menos frequentes dependem das características de sua classe para serem
acessados, tendo pouca autonomia, exemplares com alta frequência serão mais
recorrentemente reforçados do que aqueles de baixa frequência e mais rapidamente acessíveis
na produção e podem apresentar efeitos de protótipos.
Um exemplar pode adquirir efeitos de protótipo, tornando-se um representante mais
central, como exposto na definição de Rosch (1975). Tais efeitos ocorrem na língua
(LAKOFF, 1987; TAYLOR, 1995), na medida em que os exemplares mais centrais
compartilham um número maior de características do que exemplares mais periféricos. Além
disso, um mesmo membro pode possuir propriedades de diversas categorias, e constituir um
membro central de uma categoria e se situar nas margens de uma outra categoria.
Se considerarmos que as categorias linguísticas possuem efeitos prototípicos, temos
que levar em conta também que pode haver distinções pouco discretas entre um exemplar e
outro. Como afirma Bybee (2010), não é fácil distinguir fronteiras, pois há gradiência em
4 Exemplars are categories formed from tokens of experience that are judged to be the same
(Pierrehumbert 2001). Linguistic exemplars come in a variety of sizes, ranging from a single
segment, such as a vowel, to whole paragraphs, such as the Pledge of Allegiance. The
exemplars themselves are grouped together by similarity. 5 Because each instance of language use impacts representation, variation and gradience have
a direct representation in the language-user’s system. In an exemplar model, all variants are
represented in memory as exemplar clusters.
27
todos os domínios. Assim, no que se refere aos causativos focalizados neste estudo, trabalhos
anteriores já mostraram que as diferentes formas verbais que podem ocupar o slot V1 se
distinguem por realizarem diferentes formas de causatividade.
Um outro pressuposto dos MBU é o papel crucial do contexto na operação do sistema
linguístico. As línguas não convencionam significado “per se”, mas fornecem pistas para a
construção de significado no contexto em que se realiza a interação. Em uma situação de
comunicação, sempre há uma interação complexa entre representações cognitivas e fatores
contextuais. Como já destacado acima, na perspectiva dos MBU, padrões linguísticos e não
linguísticos são processados e aprendidos de modo integrado e fazem parte das
representações.
Visto que o sistema linguístico é construído a partir do uso, a descrição dos sistemas
linguísticos e a construção de uma teoria da linguagem devem se basear na observação de
dados de uso real. Assim, o objeto primário de estudo é o que as pessoas realmente produzem
e entendem e o uso da língua é a melhor evidência para determinar a natureza e a organização
dos sistemas linguísticos. Considerando esses aspectos, entendemos que uma proposta de
análise que considere níveis mais baixos de abstração do que o proposto pela linguista se
mostra mais adequado para o estudo das construções causativas, tal como propõe Perek
(2014).
2.2. O papel da frequência
Como já mencionamos na seção anterior, a concepção de estruturas como padrões
recorrentes de uso conduz à ênfase na frequência de ocorrência das formas linguísticas,
principalmente, em propostas como a do modelo de exemplares, brevemente retomada na
seção anterior. Como as representações e abstrações são guiadas pela experiência, a
frequência é um fator primordial não apenas na forma como o sistema se organiza mas
também na forma como é operacionalizado em situações comunicativas e adquirido pelos
falantes de uma língua. A alta frequência de uma unidade ou modelo resulta em um alto grau
de rotinização cognitiva (entrenchment) de construções, afetando sua produção e seu
processamento. Para Bybee (2010), na operação do sistema intersectam dois tipos de
frequência: a frequência type (frequência de tipo) e a frequência token (frequência de
ocorrência).
Como destacado na seção anterior, a frequência token, ou seja, a frequência de
ocorrência de uma dada forma linguística em uma amostra, desempenha um papel
fundamental no fortalecimento de exemplares ou conjunto de exemplares. A frequência token
28
permite à criação de rotinas cognitivas, ou seja, à ativação automática de pareamentos forma-
significado, tornando-os mais disponíveis à produção e mais facilmente processáveis pelo
interlocutor.
É a frequência token que está na base da formação de chunkings de variado grau de
extensão e complexidade, inclusive, nas construções. É necessário esclarecer que Bybee
(2010) restringe o termo construção a sequências que podem variar em composicionalidade,
mas que possuem ao menos uma posição esquemática (slot), que pode ser preenchida por
vários exemplares que formam categorias. (cf. BYBEE, 2010). Para que uma construção seja
convencionalizada é necessária sua repetição por uma determinada comunidade. A repetição
frequente, não necessariamente extremante alta, de determinadas construções conduz à sua
automatização. Quanto mais uma construção é convencionalizada, mais é internalizada e,
consequentemente, mais disponível na produção. Numa perspectiva da análise colostrucional
(collostructional analysis),6 podemos dizer que determinadas “collocations” são reforçadas
pela sua alta frequência de uso (STEFANOWITSCH, 2000; STEFANOWITSCH & GRIES,
2003; GILQUIN, 2010, 2015).7
Construções de alta frequência token podem sofrer perda de composicionalidade e de
analisabilidade. Composicionalidade é tomada aqui como um critério semântico que se refere
ao grau de previsibilidade do significado do todo ao considerar as partes que o formam. Em
outras palavras, a composicionalidade se refere ao grau de transparência entre a forma e o
significado. Perda de composicionalidade pode ser atestada, por exemplo, em muitas
combinações com o verbo deixar, em português, e laisser, em francês, formas de alta
frequência nas construções causativas. Assim, por exemplo, a construção laisser tomber,
expressão cristalizada em francês com o significado de “deixa pra lá” ou “não importa”, o
verbo laisser se afasta de forma acentuada do seu significado na estrutura causativa ao se
combinar com tomber (cair), adquirindo um sentido inteiramente não previsível. A
analisabilidade, por sua vez, pode ser definida como o reconhecimento das palavras ou
morfemas individuais de uma expressão, assim como sua estrutura morfossintática. Tanto a
composicionalidade quanto a analisabilidade constituem um continuum.
6 Gries & Stefanowitsch (2004) chamam de “collostructional analysis” uma série de métodos que
medem o grau de atração ou repulsão de um lema para um slot de uma determinada construção: -
análise de colexema, - análise de colexemas distintiva, análise de colexema covariante. 7 De uma forma geral, podemos definir “collocations” como sequências de palavras
convencionalizadas.
29
Ao longo do tempo, a relação do significado do todo com o significado das partes
pode ser completamente obscurecida com o uso sem que, necessariamente, ocorra perda das
propriedades morfossintáticas de cada um de seus componentes, não pelo menos, de forma
imediata. Um exemplo bastante prototípico é o do sufixo mente, cujo significado na
construção Adjetivo+mente se afasta inteiramente do seu significado original, nas suas mais
diferentes instâncias. (MARTELOTTA, 2006; CAMPOS, 2016). Entretanto, em algumas
instâncias da construção, ainda é possível reconhecer suas partes, como nas palavras
felizmente e rapidamente, dentre várias outras. No entanto, no caso da palavra somente,
parece haver ainda maior esvaziamento semântico das partes, pois os falantes não distinguem
mais o adjetivo só do sufixo -mente, o que caracteriza perda de analisabilidade. Um outro
argumento da autora para distinguir entre analisabilidade e composicionalidade é o de que
itens individuais de um chunk, mais frequentemente, mantém ligação (link) com outras
ocorrências desse mesmo elemento em outros contextos linguísticos (cf. BYBEE, 2013, p.
54).
Construções com alta frequência de uso, além de perderem em composicionalidade e
analisabilidade são mais suscetíveis a processos de generalização semântica, que diminuem a
força expressiva inicial de uma construção8. Para a autora (op, cit.), a redução fonética é um
resultado do chunking: conforme as sequências são repetidas, os gestos articulatórios tendem
a se reduzir.
Como já destacamos na seção 2.1, padrões estruturais mais gerais são abstraídos a
partir de instâncias de uso. De acordo com Bybee (op. cit.), a frequência de uso (token) é o
fator principal para a emergência de novas construções, pois quanto mais uma sequência é
reforçada pelo uso, maior a sua chance de dar origem a padrões mais abstratos, que podem,
por sua vez, ganhar produtividade, ou seja, aumentar sua frequência type. Como especificado
por Bybee (2010, p. 59, 2015), aplicada a construções, frequência type “counts how many
different items occur in the schematic slots of constructions”. De acordo com a autora:
A importância de representar a frequência type na representação de uma construção é
que a frequência type se relaciona diretamente à produtividade. Em geral, quanto mais
alta a frequência type de uma construção, mais ela tende a ocorrer com um novo item.”
(BYBEE, 2013, p. 62)9
8 Na perspectiva de Bybee (2010), construções já existentes assumem um novo significado via
metáfora, metonímia ou hipérbole e podem sofrer redução fonética. 9 The importance of representing type frequency in the representation of a construction is that type
frequency relates directly to productivity. In general, the higher the type frequency of a construction,
the more likely it is to occur with a novel item.
30
Dois fatores que explicam a correlação entre alta frequência type e produtividade são:
i- quanto maior o número de types, maior também será o número de bases para a criação de
novas analogias baseadas no item; ii- a baixa frequência de ocorrências reforça as
construções. Quando as instâncias são muito frequentes, o processamento não exige a
ativação da construção (BYBEE, 2013).
Do que vimos até aqui, produtividade pode ser entendida, portanto, em termos de
extensibilidade, aproximando-se da expansão da classe hospedeira (host expansion,
Himmelmann, 2004), ou seja, possibilidade de se utilizar novos elementos, mesmo que sejam
membros periféricos para o preenchimento de um slot. É necessário destacar, porém, que,
para Bybee (1995, 2010), produtividade/extensibilidade envolve não apenas frequência type
como também “consistência interna” e há uma correlação inversamente proporcional entre as
duas. Se considerarmos uma categoria ou um padrão com alta frequência type, é necessário
um nível baixo de consistência interna para ocorrer a extensão. Uma categoria com baixa
frequência type, por outro lado, precisa ter um alto grau de consistência interna entre seus
itens para ser estendida a outros types.
Baseada em Bybee (1995), Barðdal (2008) discute o conceito de produtividade,
assumindo sua interrelação com outros como generalidade e regularidade. Um argumento da
autora é que esses processos se interrelacionam seja por implicação, seja por coocorrência,
como mostra a figura 1, adaptada da autora.
Figura 1 - Produtividade baseado em Barðdal (2006, p. 468)
A implicação entre generalidade e extensibilidade é bem ilustrada, segundo a autora,
pelo uso do sufixo –ed indicador de tempo passado no inglês. O padrão -ed é regular, não
31
possui muitas restrições semânticas, morfológicas ou fonológicas. Além disso, essa formação
é estendida para a maioria dos novos verbos.
As construções apresentam diferentes graus de esquematicidade em um continuum que
vai da esquematicidade à lexicalidade. O nível mais baixo consiste em instâncias concretas,
preenchidas. O nível mais alto é mais abstrato.10 A alta frequência type preserva o esquema
mais alto. Alta frequência token preserva os esquemas mais baixos. Assim, alta frequência
type está ligada a maior produtividade.
Uma primeira explicação para o aumento de produtividade de uma construção envolve
o processo de analogia: novos itens são licenciados para preenchimento de um slot
esquemático por apresentarem similaridade semântica com itens já existentes na construção.
Nos termos de Bybee (2010, p. 26) “construções são utilizadas com novos itens lexicais e em
novas formas pelo referenciamento por analogia de exemplares previamente
experienciados”11. Uma outra explicação para aumento da produtividade de uma construção é
pela ação de um princípio de coerção (Hilpert, 2007). De acordo com esse princípio, o
significado de um item lexical se adapta ao significado da estrutura na qual se encaixa
(TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p.204), isto é, o significado construcional se impõe
sobre o significado do item lexical.”.
Diversos estudos mostram que à medida que uma construção se gramaticaliza, ela tende
a ampliar suas possibilidades combinatórias (“collocations”). Himmelmann (2004), defende
que além da expansão da classe hospedeira, duas outras formas de expansão operam nesse
processo: a- expansão sintática, com a mudança do contexto sintático, permitindo a
ocorrência de novas formas em um número maior de estruturas sintáticas e b- expansão
semântico-pragmática, permitindo maior generalização do significado de uma construção.
Numa perspectiva um pouco distinta, o modelo de análise collostructional propõe que no
processo de criação de collocations, as collocates são licenciadas em grupos específicos, que
podem, gradualmente, se expandir. Isso se diferencia da proposta de Bybee (2010), que trata a
expansão como um processo analógico que opera item por item.
Na próxima seção, buscaremos situar a forma como o conceito de construção e a
perspectiva da Gramática de Construções permitem uma análise mais integrada das estruturas
10 Trousdale (comunicação oral, 2017), distingue a frequência type da frequência token considerando
que tokens são individuais, contextuais e armazenáveis, enquanto types são generalizações, não-
contextuais e não-armazenáveis. 11 “Constructions are used with novel lexical items and in novel ways through referencing by analogy
previously experienced exemplars of the construction.”
32
causativas analíticas., uma vez que a abordagem se relaciona à investigação do uso de dados
da língua.
2.3 A língua como uma rede de construções
A proposta de que o sistema linguístico constitui uma rede de construções interligadas
de diferentes formas vem sendo difundida desde os anos 80 (LAKOFF, 1987; DIESSEL,
2015; CROFT, 2001, CROFT & CRUSE, 2004), tendo ganhado maior impulso após a
publicação dos trabalhos de Croft (2001), Goldberg (1995, 2006). Essa perspectiva, como
lembra Goldberg (1995) se sustenta na necessidade de distinguir a semântica de uma estrutura
argumental dos verbos que a instanciam, de forma que os verbos sejam associados com
frames semânticos que possam dar conta de seus novos usos em construções específicas. De
acordo com Perek (2014), o conhecimento da estrutura argumental não é simplesmente a
quantidade de informação armazenada no nível dos verbos individualmente. O significado
esquemático é independente e vai além de cada verbo (GOLDBERG, 1995, 2006). Por
exemplo, em uma construção ditransitiva como “Ele passou o sal.”12 há um pareamento do
modelo sintático de duplo objeto com o significado de “causar uma transferência de posse”.
(GOLDBERG, 1995, PEREK, 2015, p. 80). Tais construções se associam a estruturas
semânticas que refletem a experiência humana.
No centro da proposta da gramática de construções baseada no uso está o conceito de
construção, unidade associada a estruturas semânticas que refletem a experiência humana.
Para Goldberg (1995), construção é uma associação convencional e simbólica entre forma e
significado que possui pelo menos uma propriedade não previsível de outra construção já
existente na gramática. Nos termos da autora:
“C é uma construção se e somente se C é um par forma-significado <F1,S1> tal que
algum aspecto de F1 ou algum aspecto de S1 não é previsível das partes componentes de
C ou de outras construções previamente estabelecidas ” 13
Um aspecto a destacar é que o termo significado ultrapassa a separação entre
semântica e pragmática na medida em que os aspectos convencionalizados na construção
incluem não apenas propriedades referenciais, mas também situacionais, discursivas e
12 He passed the salt. 13 No original: “C is a CONSTRUCTION iff and only if C is a form-meaning pair <F1, S1> such that
some aspect of F1 or some aspect of S1 is not strictly predictable from C’s component parts or from
other previously stablished constructions” (Goldberg, 1995:4)
33
pragmáticas associados a uma forma linguística. Tal posição se justifica pelo fato de que o
significado de uma construção se refere tipicamente a algum background específico, um
frame que define o significado.
Essa integração fica mais explícita no esquema proposto por Croft (2001), reproduzido
na figura 2:
Figura 2 - Representação esquemática de uma construção (Fonte: CROFT, 2001, p. 18)
Um outro ponto importante é que a definição de construção de Goldberg (op. cit) está
baseada unicamente na não previsibilidade do significado do todo a partir de suas partes, um
critério que não impede que muitos padrões linguísticos, embora composicionais, sejam
interpretados como construções (Cf. HILPERT, 2014). Em Goldberg (2006) a definição de
construção é reformulada no sentido de admitir que “os padrões são armazenados como
construções, mesmo que sejam totalmente previsíveis, desde que ocorram com frequência
suficiente”14
Dentro desta perspectiva de língua como um inventário de construções, não há
distinção entre componente lexical e componente gramatical: tanto palavras, no seu sentido
mais clássico, como sequências maiores são representadas como pareamentos
convencionalizados entre forma e significado. Dessa forma, o termo construção não se
identifica, inteiramente com o termo signo, embora também envolva convencionalização.
Como destaca Diessel (2015), na visão saussuriana, a noção de signo se aplica apenas a itens
lexicais; o termo construção, por sua vez, se refere tanto a unidades maiores (construção
14 No original: “Patterns are stored as constructions even if they are fully predictable as long
as they occur with sufficient frequency’ (GOLDBERG, 2006, p. 5).
34
passiva, por exemplo) como morfemas ou palavras. Construções podem se distinguir em três
dimensões:
a) tamanho: atômica, quando são monomorfêmicas; complexa, quando são formadas
de chunks analisáveis ou intermediária, quando parte da construção pode ser
analisável;
b) especificidade: substantiva, que é completamente especificada fonologicamente;
esquemática, quando se trata de uma completa abstração ou intermediária, quando
apresenta algum grau de esquematicidade;
c) conceito: lexical, quando possui conteúdo que pode ser utilizado referencialmente;
gramatical ou procedural, associada a categorias esquemáticas ou intermediário.
As construções causativas em foco neste estudo têm seu próprio significado, seu
significado construcional, e são esquemáticas, com alguma dependência dos itens que as
compõem – um sujeito causador, um verbo que indique causa e um elemento afetado. A
esquematicidade da construção é o que permite que diferentes formas verbais, dentre elas as
consideradas neste estudo, sejam sancionadas na posição que codifica a causa.
Um princípio central para a perspectiva de um modelo construcional, é o de não
sinonímica, proposto por Goldberg (1995, p. 67-68) nos seguintes termos:
se duas construções são sintaticamente distintas, devem também ser distintas
semântica ou pragmaticamente. Aspectos pragmáticos de construções envolvem
particularidades de estrutura informacional, como tópico e foco, além de aspectos
estilísticos da construção, como o registro;
Corolário A: se duas construções são sintaticamente distintas e semanticamente
sinônimas, então elas devem ser pragmaticamente sinônimas.
Corolário B: se duas construções são sintaticamente distintas e pragmaticamente
sinônimas então devem ser semanticamente distintas.15
15 If two constructions are syntactically distinct, they must b semantically or pragmatically distinct (cf.
Bolinger 1968; Haiman 1985a; Clark 1987; MacWhinney 1989). Pragmatic aspects of constructions
involve particulars of information structure, including topic and focus, and additionally stylistic
aspects of the construction such as register (cf. discussion in section 1.1).
Corollary A: If two constructions are syntactically distinct and S(emantically)-synonymous, then they
must not be P(ragmatically)-synonymous.
Corollary B: If two constructions are syntactically distinct and P-synonymous, then they must not be
S-synonymous.
35
Pelo princípio da não-sinonímia podemos assumir que as diferentes microconstruções
causativas do português e do francês apresentam diferenças, de ordem semântico-pragmáticas,
dentre elas a possibilidade de representarem diferentemente a situação causativa como
discutiremos mais detalhadamente nos capítulos 5 e 6.
O princípio de não sinonímia retoma, de certa forma, a hipótese de motivação,
segundo a qual diferenças sintáticas refletem diferenças semânticas (HAIMAN, 1980, 1983),
ou seja, o de que não existe sinonímia perfeita. Para o autor, sempre haverá diferenças
comunicativas, o que conduz o autor ao postulado de isomorfismo entre forma e significado.
O Princípio de isomorfismo, já proposto por Bolinger (1977) prevê relação um a um, ou seja,
uma forma com um significado e cada significado codificado em uma forma. Segundo a
hipótese do isomorfismo, cada forma teria uma função comunicativa. Qualquer relação que
não seja biunívoca, isto é, que seja do tipo “um para muitos”, “muitos para um”, “um para
zero” ou “zero para um” viola o princípio do isomorfismo, e se referem aos conceitos de
sinonímia, hominímia, morfema vazio e morfema zero, nesta ordem.
O princípio de não sinonímia, por sua vez, não nega a possibilidade de polissemia de
uma mesma construção. Para exemplificar que nem sempre há correspondência biunívoca
entre significante e significado, Diessel (2015) cita o exemplo de head, em inglês, que é
associada a significados diversos como parte do corpo (cabeça), head of department (chefe de
departamento) e head of the table (cabeceira da mesa). No capítulo 3 e, principalmente, nos
capítulos 5 e 6, será retomada essa questão, a partir da análise das construções causativas.
As construções formam um inventário estruturado do conhecimento linguístico do
falante (LANGACKER, 1987). Esse inventário é entendido como uma rede taxonômica, em
que cada construção constitui um nó relacionado a outros nós por diferentes tipos de elos. A
relação taxonômica constitui uma modelização acerca da relação entre diferentes níveis de
esquematicidade e generalidade entre duas ou mais construções. Cada construção com
propriedades morfológicas, sintáticas, lexicais, semânticas, pragmáticas e discursivas únicas é
considerada um nó independente na rede construcional.
As redes construcionais se submetem a princípios psicológicos mais gerais. Além do
já citado princípio de não-sinonímia, são organizadas segundo:
- o princípio de motivação maximizada: se duas construções são formalmente relacionadas,
apresentam também alguma relação semântica.
- o princípio da expressividade maximizada: o inventário de construções deve ser
maximizado de acordo com propósitos comunicativos;
36
- o princípio da economia maximizada: o número de construções de uma língua é o mínimo
possível estabelecido pelo princípio da não sinonímia.
Construções são convencionalizadas em vários graus de esquematicidade. Como
destaca Boyland (2009), conforme os falantes vão utilizando a língua, vão também criando
novas representações de unidades que se distinguem em tamanho e graus de granularidade.
Construções variam em grau de esquematicidade, de acordo com os níveis de generalidade ou
especificidade que apresentam, além do quanto cada parte da rede é rica em detalhes
(Langacker, 2009).
As construções são entendidas como representações esquemáticas das múltiplas
instâncias com o que o falante está em contato no uso linguístico. A esquematicidade é uma
propriedade de categorização que envolve uma abstração: o esquema. Esquemas linguísticos
são generalizações de categorias, sejam elas linguísticas ou não que agrupam construções
lexicais ou gramaticais que apresentam similaridades formais e semânticas, reconhecíveis
pelos falantes. Para Langacker (2000, p. 25), uma vez que um esquema mais abstrato é
derivado com base em semelhanças entre esquemas em níveis mais baixos, tal esquema não
deve ser descartado por não ser um elemento considerado prototípico. De acordo com o
linguista, generalizações em níveis mais baixos podem ser mais relevantes para que os
falantes desenvolvam um conhecimento operacional da gramática, pois captura mais
subregularidades (cf. também Boas, 2008).
A relação taxonômica entre as construções constitui um continuum que parte de
construções mais concretas para construções mais abstratas (cf. CROFT, 2001; GOLDBERG,
1995, 2006; TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013; DIESSEL, 2015). Essa organização
taxonômica é bem ilustrada na figura 3, retomada de Croft (2001, p. 24):16.
16 Diessel (2015) mostra que os modelos de rede são muito utilizados na linguística cognitiva – alguns
deles teóricos, outros computacionais. Todos eles consittuem modelos que permitem processar dados a
partiir da experiência, sendo, portanto, baseados no uso.
37
Figura 3 - Rede taxonômica da oração (Fonte: CROFT, 2001, p. 24)
Na base da hierarquia se encontram construções mais específicas, em grande parte
lexicalmente especificadas (Subj kick the bucket) que constituem um nó independente na rede,
por serem inteiramente não composicionais. No nível acima, se encontra a construção
transitiva, menos especificada (Subj kick Obj) que licencia outras construções com a mesma
forma verbal to kick (chutar). No ponto mais alto da escala se situa a construção totalmente
abstrata (Subj Verb Obj), um nó de maior esquematicidade, que sanciona as diversas
possibilidades de uso da construção transitiva.
Como bem mostra a figura 3, há vários graus de e esquematicidade, de acordo com os
níveis de generalidade ou especificidade que apresentam, além do quanto cada parte da rede é
rica em detalhes (Langacker, 2009). Quanto mais esquemática for uma construção, mais alta e
mais abstrata será na hierarquia construcional. Buscando dar conta dos diferentes níveis dessa
hierarquização, Traugott e Trousdale (op. Cit.) propõem que os padrões linguísticos mais
abstratos são instanciados por subesquemas (menos abstratos) e, em níveis mais baixos, por
microconstruções. Os subesquemas abstraem muitas microconstruções (types), nós em níveis
mais baixos na rede, que podem sancionar diversos construtos, instâncias concretas
produzidas e processadas no uso linguístico.17 As causativas analíticas com os verbos fazer,
deixar, permitir, obrigar, mandar e levar, em português, bem como as causativas com faire,
laisser, obliger, permettre e demander podem ser consideradas microconstruções por estarem
em um nível mais baixo de esquematização e manterem relações de herança com o nível do
subesquema. Essa interpretação será mais claramente desenvolvida no capítulo 3.
17 Uma observação importante é que as representações esquemáticas geralmente apresentam uma das
faces do pareamento: ora privilegiam a representação sintática, ora a representação semântica. No
entanto, não se desconsidera que a construção é o resultado da interação entre forma e significado.
38
Essa forma de organização estabelece uma relação de herança entre os diversos
níveis: as construções localizadas em pontos mais baixos da hierarquia herdam propriedades
das construções que estão no nível mais alto (cf. CROFT, 2001; GOLDBERG, 2006;
TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013). Segundo Croft (2001), que cunhou o termo, relação de
herança engloba propriedades formais, semânticas e pragmáticas compartilhadas, em maior
ou menor grau, por diferentes construções18. A respeito da relação de herança, Leite de
Oliveira (2017), afirma:
trata-se de um conceito para orientação de objetos em que um objeto ou classe
é baseado em outro objeto ou classe. As relações entre objetos e classes
permitem o surgimento de uma hierarquia. Ela pode ser usada, portanto, com
vistas a encontrar generalizações nas quais uma construção se baseia, em
alguma medida, nas propriedades semânticas e/ou formais de outra construção.
Como será discutido no capítulo 3, entendemos que a construção causativa (X causa Y
tornar-se Z) está relacionada à Construção de Movimento Causado, da qual herda algumas
propriedades, por um elo de extensão metafórica.
Dado o dinamismo das línguas, esquemas, subesquemas e novas microconstruções
podem se perder ou podem se desenvolver ao longo do tempo. Mesmo uma instância
inteiramente composicional – com uma perfeita correspondência entre a semântica do verbo e
a semântica construcional – pode ter clusters adicionais em seu esquema, periféricos a esse
sentido central. Para Traugott e Trousdale (2013), é normal que os falantes estendam as
fronteiras de uma construção, gerando inovação e possível mudança linguística. Subesquemas
constituem rotinas cognitivas que podem sancionar novas microconstruções, restringindo ou
especificando sua formação. A mudança construcional surge quando novas associações entre
construtos e construções emergem, ou seja, quando tokens replicados levam a categorizações
que ainda não estão disponíveis para os falantes, levando a criação de novos esquemas. O
construto é onde a inovação acontece e a sua convencionalização requer propagação, ou seja,
adoção pelos falantes.
Dentro dessa perspectiva, a produtividade, um parâmetro gradiente como já vimos,
pertence ao nível de subesquemas e concerne a sua extensibilidade, ou seja, a extensão com
que sanciona outras construções menos esquemáticas – e a sua restrição. Quando novas
construções se formam, são geralmente difundidas pelo aumento da sua frequência de uso,
isto é, sua frequência token.
18 Para Goldberg (1995, 2006), relações de herança podem ser simples ou múltiplas.
39
No seu modelo construcional, Goldberg (1995, 2006) defende que uma rede se define
principalmente pelas ligações (links) de herança. As relações de herança podem se dar através
de links polissêmicos, links de instâncias, links de subparte e de extensão metafórica. Nos
links polissêmicos, a mesma forma pode ser pareada com diferentes sentidos, que se
correlacionam; nos links de instâncias, temos links taxonômicos; um link de subparte indica
que uma construção é subparte de uma outra; por último, no link de extensão metafórica, as
construções apresentam um mapeamento metafórico similar.
Além dos elos taxonômicos, Diessel (2015) defende a necessidade de considerar
outras formas de relação entre construções:
• Links horizontais: são estabelecidos entre construções que se encontram num
mesmo nível de abstração. Se há efeitos de priming entre as construções
semântica ou estruturalmente relacionadas, é possível que estruturas com
forma e função similares estejam associadas uma a outra como expressões
lexicais com traços fonéticos e semânticos similares no léxico mental.
• Links sintáticos: categorias sintáticas são emergentes da experiência linguística
com construções. Para Croft (2001, p. 45-46), “construções, não categorias e
relações, são as unidades básicas, primitivas, da representação sintática.19 Se as
construções são a unidade básica, podemos entender as categorias como
generalizações de partes que são recorrentes nas construções.
• Links lexicais: esta ligação se refere à relação entre as construções -
esquemáticas e as expressões gramaticais – concretas. As construções possuem
posições abertas (“open slots”), as quais são associadas a palavras.
Neste capítulo, discutimos uma concepção segundo a qual o sistema linguístico e o uso
linguístico estão interrealacionados. No próximo capítulo, abordamos o conceito de
causatividade e sua realização em construções analíticas. Além disso, detalhamos as
microconstruções causativas que constituem objeto deste estudo e sua possível organização
numa rede construcional.
19No original. “’Constructions, not categories and relations, are the basic, primitive units of syntactic
representation.”
40
3 CAUSATIVIDADE E CONSTRUÇÕES CAUSATIVAS
Estabelecer conexões entre eventos e participantes é uma das principais formas de
estruturamos nossa experiência no mundo: para entender um evento buscamos compreender
sua causa. Para tanto, as línguas dispõem de várias formas e estruturas, tanto morfológicas
como sintáticas. Neste capítulo retomamos alguns pressupostos subjacentes à noção de
causatividade. A seguir, consideramos mais especificamente as construções causativas
denominadas analíticas, destacando suas particularidades e uma possibilidade de tratamento
dessas construções numa perspectiva construcionista. Por fim, consideramos as formas
verbais focalizadas neste estudo, sob o prisma de algumas das suas propriedades sintáticas e
semânticas já destacadas em trabalhos anteriores.
.
3.1 A noção de causatividade
A causatividade é uma noção que desperta o interesse tanto da linguística como da
filosofia. Um mecanismo básico de argumentação, a causatividade pode ser entendida, de
forma mais geral, como uma relação de causa e efeito: a causação implica que um fator A
pode fazer variar um fator B, ou seja, a relação entre um estado de coisas causador e um
estado de coisas causado20. Givón (1972) e Shibatani (1976), por exemplo, definem “situação
causativa” como a relação entre dois eventos dependentes em que um deles é o ponto de
partida. Subjaz a essa definição de causatividade uma relação temporal, pois em geral o
estado de coisas causador precede o estado de coisas causado.
Numa perspectiva cognitivista, causatividade não envolve uma relação entre os fatos
na realidade. Constitui um “construal”, ou seja, envolve a percepção do falante acerca da
relação possível entre os fatos (cf. LANGACKER, 1993; PAIVA, 1996, STEFANOWITSCH,
2001). Nas palavras de Shibatani (op. cit.), essa relação deve satisfazer às seguintes
condições:
Dois eventos podem ser entendidos como constituintes de uma situação causativa se se
aplicarem as condições seguintes:
a. a relação entre dois eventos nos quais o falante acredita que a ocorrência de um
evento, o “evento causado”, foi realizado em t2, que é posterior a t1, o tempo do
“evento causador”.
20 Apesar de muitos teóricos utilizarem o termo evento para tratar da situação causativa (GIVON,
1991; ACHARD, 2001; STEFANOWITSCH, 2001), preferimos utilizar o termo estado de coisas, a
fim de evitar ambiguidade com a referência de evento para apenas um tipo de estado de coisas.
41
b. A relação entre os eventos causador e causado é tal que o falante acredita que a
ocorrência do evento causado é completamente dependente da ocorrência do evento
causador; a dependência entre dois eventos aqui pode ser de uma extensão que leve o
falante à inferência contrafactual de que o evento causado não poderia ter acontecido
naquele momento em particular se o evento causador não tivesse ocorrido, desde que
tudo o mais permaneça igual.21
Essa visão é compartilhada por Stefanowitsch (2001, p. 12), para quem a relação
causal entre dois fatos é conceptualizada pelos seres humanos com base na sua “conjunção
constante” em nossa experiência, isto é, “instâncias recorrentes de sucessão temporal e
contiguidade temporal e espacial”22.
Dois outros conceitos envolvidos na noção de situação causativa são os de
intencionalidade e controle, pressupondo, portanto, a afetação do objeto da situação causativa.
Nos termos de Dixon (1998), causação direta pode ser entendida como a ocorrência de um
evento sem ser impedido. No entanto, Givón (1990), por exemplo, distingue, com base no
traço de controle, verbos causativos implicativos ou factivos e não implicativos. Os
implicativos pressupõem que o resultado pretendido foi alcançado (causação bem sucedida);
nos verbos causativos não implicativos não é possível precisar se a realização do evento ou
mudança de estado codificada pelo verbo da predicação dependente foi obtida ou não
(causação pretendida).
Uma distinção frequente na literatura sobre causatividade envolve a relação entre o
causador e o causado com causação direta ou indireta. Causação direta está relacionada à
manipulação física com um alto grau de controle sobre o elemento afetado. Por outro lado,
causação indireta diz respeito a causa mental, do tipo indução ou permissão. Para Shibatani
(1976) e Shibatani e Pardeshi (2002), a primeira reflete uma situação em que o causado é
paciente e na segunda, em que o causado é mais volitivo, ou seja, agentivo. Além disso, para
muitos autores, enquanto a causação direta codifica um único evento; na causação indireta,
são codificados dois eventos relacionados entre si. (COMRIE, 1989; VERSTERINEN, 2008;
21 Two events can be said to constitute a causative situation if the following two conditions hold:
a. the relation between two events in such that the speaker believes that the occurrence of one event,
the “caused event”, has been realized at t2, which is after t1, the time of the “causing event.” b. the
relation between the causing and the caused events is such that the speaker believes that the
occurrence of the caused event is wholly dependent on the occurrence of the causing event; the
dependency of the two events here must be to the extent that it allows the speaker to entertain a
counterfactual inference that the caused event would not have taken place at that particular time if the
causing event had not taken place, provided that all else had remained the same (p. 00)
22 “constant conjunction” in our experience, i.e., recurrent instances of temporal succession and
temporal or spatial contiguity”.
42
KEMMER & VERHAGEN, 1994). Vesterinen (2008), resume as diferenças entre os dois
tipos de causação da seguinte forma:
Além de ser discutível, a distinção entre causa direta e indireta pode ser estabelecida a
partir de parâmetros distintos. Um parâmetro envolve a diferença entre manipulação física e
manipulação mental. De certa forma, causação indireta pode ser entendida como “mental
causation”, estando mais ligada a indução, permissão ou capacitação (SHIBATANI, 2002,
SHIBATANI e PARDESHI, 2002). No entanto, como destacam Verhagen e Kemmer (1997,
p. 71) o próprio conceito de causa mental pode ser discutido. Segundo os autores, ninguém
pode entrar na mente de uma pessoa e, indiretamente, levá-la a sentir ou pensar alguma coisa.
Como os autores destacam, ainda, verbos perceptivos, por exemplo, podem ser
conceptualizados como ação direta, porque não podemos evitar a percepção.
Além disso, numa situação causativa direta estão pressupostas i) simultaneidade
espacial, o causador e o causado ocupam o mesmo espaço físico; ii) o causador possui
controle sobre o resultado e a intenção de provocá-lo (VESTERINEN, 2008, COMRIE, 1989,
GIVON, 1991; PAYNE, 1997). Para alguns autores, a causação direta envolve, ainda, iii)
contiguidade temporal entre os dois eventos relacionados (cf. FODOR, 1979; WIERZBICKA,
1975). Numa situação causativa indireta, por sua vez, causador e causado se situam em
espaços físicos e temporais distintos e o causador pode não conseguir o resultado pretendido.
Necessariamente, causação direta e indireta se relacionam com o papel temático dos
constituintes da oração. Givón (1972) e Croft (2012), por exemplo, entendem que a relação
causativa está implícita em papeis semânticos como agente e paciente. Na causação direta, o
causador, normalmente o sujeito da oração matriz é agentivo, tem controle sobre a
ação/estado e a intenção de praticá-la. Em outros termos, o referente codificado pelo sujeito
possui poder sobre o causado, o que permite que o resultado seja obtido. Por outro lado, na
causação indireta, podemos ter um causador não agentivo, associado à realização do evento
Direta: manipulação física, causado paciente, intencional, controle
Causação
Indireta: manipulação mental (indutiva, permissiva), causado
agentivo, não intencional, sem controle
Figura 4 - Causação direta e indireta (Reproduzido de Vesterinen, 2008, p.33)
43
(fonte ou instrumento), que não pode ser responsabilizado pelo estado de coisas resultante.
Dessa forma, como assumido por Shibatanti e Pardeshi (2002, p. 89), a causação direta está
associada a situações em que o causado é paciente (patientive); na causação indireta, por sua
vez, o causador é agentivo (agentive).
Vesterinen (2008) destaca a necessidade de considerar que, embora em muitos casos, a
intenção de alcançar um resultado fique evidente, em muitos outros, a intencionalidade pode
ser apenas pressuposta e, muitas vezes, negada. Assim em um exemplo como “O filho fez a
mãe chorar”, seria possível cancelar a intencionalidade (O filho fez a mãe chorar sem querer).
Além disso, é difícil afirmar que causa mental implica não controle do agente, uma questão
que ganha maior importância principalmente no caso dos permissivos. Portanto, tudo indica
que a diferença entre causa direta e indireta não pode ser tomada como absoluta, mas sim
como um reflexo de efeitos prototípicos (cf. VESTERINEN, op. cit).
Os aspectos discutidos até este ponto se situam numa perspectiva mais clássica da
causatividade como relação entre eventos. Se nos situarmos na perspectiva da predicação
como transmissão de força (force-dynamic relations nos termos de Talmy, 1976, 1988, 2000),
causatividade pode ser entendida em termos de interação entre entidades em que “um único
causador físico, específico, transmite energia a um único causado físico, específico, que pode
absorver a energia ou transmiti-la a um único outro paciente, físico e específico”.23
(LANGACKER, 1991, p.13). Na perspectiva de Gilquin, numa cadeia de ações, uma entidade
nuclear, que é a fonte da energia, afeta uma outra entidade através de contato físico. Colocada
em movimento, essa segunda entidade transmite a energia recebida para uma outra entidade
até o seu esgotamento. Nos termos de Langacker (op.cit), essa definição está fortemente
associada ao conceito de cadeia de cadeia de ações (billiard ball causation) e pode ser
entendida como uma causação prototípica.
Baseado nessa perspectiva de “force-dynamics”, Talmy (1972, 1976) propõe a distinção
entre quatro tipos de causação:
a- Causação física – um objeto físico atua sobre um outro objeto físico24
b- Causação volitiva - Volitional causation: uma entidade volitiva
intencionalmente atua sobre um objeto físico25.
23 “a single, specific, physical causer transmits energy to a single, specific, physical causee, which can
absorb the energy or transmit it further to a single, specific physical patient”. 24 Physical causation: a physical object acts on another physical object.
44
c- Causação afetiva - um objeto físico atua sobre uma entidade que possui
capacidade mental e afeta seu estado mental26.
d- Causação indutiva – uma entidade volitiva intencionalmente atua sobre uma
entidade com capacidade mental, afetando-a27.
Causação física se situa no extremo de maior força e pode ser considerada a
representação mais prototípica de causatividade. Nessa visão mais prototípica, causatividade
envolve a relação entre participantes (cf. LANGACKER, op.cit) e manipulação direta,
definida por Gilquin (2006) como: “um único causador, definido e humano, manipula um
causado único, distinto do causador, para produzir um efeito volicional e material, o qual pode
afetar ou não um paciente específico único e definido”.28
Na perspectiva de Lakoff (1987), manipulação direta conjuga diferentes propriedades
ligadas aos diversos participantes da situação causativa: agentividade, intencionalidade,
afetamento do paciente, simultaneidade dos eventos, compartilhamento espacial dos
participantes e transferência de energia do agente para o paciente. Um agente humano,
volitivo e único transfere energia para um paciente único, através de suas mãos, corpo ou
algum tipo de instrumento. Além disso, uma parte da ação do agente precede a mudança de
estado de coisas, o paciente está no campo de visão do agente que percebe a mudança de
estado. Instâncias mais próximas deste conglomerado de propriedades podem ser
consideradas mais prototípicas, como em Brutus matou César. (cf. também Lakoff & Johnson
1980). Como veremos ao longo deste estudo, as construções causativas analíticas podem se
afastar em maior ou menor grau desta caracterização, a depender, inclusive, do verbo que
preenche o slot V1.
Como já dissemos, as línguas humanas dispõem de maneiras diversas para expressar
causação (causativas sintéticas ou lexicais, recursos morfológicos, justaposição, coordenação,
25 Volitional causation a volitional entity intentionally acts on a physical Object 26 Affective causation: a physical object acts on an entity with mental capacity, affecting its
mental state 27 Inducive causation: a volitional entity intentionally acts on an entity with mental capacity,
affecting its mental state. 28 […] a single, definite, human causer manipulates a single, definite, human causee, distinct
from the causer, into producing a volitional and material effect, which can affect, or not, a
single, definite and distinct patient”.
45
conjunções causais, causativas analíticas). Algumas línguas podem se valer ainda da própria
ordem de palavras para indicar uma relação entre dois eventos ou dois participantes. Pode-se
questionar em que medida diferentes formas de causatividade correspondem a diferentes
estruturas linguísticas. Vista por um ângulo funcionalista, essa questão pode ser respondida
em termos de motivação entre forma e significado. Segundo a hipótese de Haiman (1985, p.
20), “dadas duas formas minimamente contrastantes, com significado intimamente
relacionado, a diferença em seu significado corresponderá a uma diferença em sua forma.”29.
Desse modo, o autor pressupõe uma relação icônica entre a forma linguística e representação
conceptual, ou seja, cada parte de um diagrama representa um conceito ou uma parte de uma
conceptualização. Assim, qualquer diferença na forma corresponde a uma diferença de
significado.
Tal proposta se coaduna bastante bem com o princípio de não sinonímia, proposto por
Goldberg (1995, 2006), já discutido no capítulo 2. No caso das construções causativas, essa
relação icônica é discutida a partir da diferença entre as causativas sintéticas e as causativas
analíticas: enquanto as primeiras codificam causa direta e um evento único, as segundas
realizam causa indireta e dois eventos separados. No entanto, essa associação pode ser
discutida, se considerarmos que, tanto do ponto de vista semântico como sintático, as
construções causativas constituem um continuum. A partir de dados tipológicos, Comrie
(1989, p. 172) propõe uma gradação entre diferentes estruturas causativas distribuídas ao
longo dos pólos causação direta e causação indireta:
analítica -------------------------- morfológica -------------------------------- lexical
- causação direta----------------------------------------------------------------------- + causa direta
Para Givón (1980,1990) e Givón e Young (2002) relação icônica entre a forma de
conceptualização da causação e estrutura linguística é ainda mais complexa e só pode ser vista
como uma escala mais fina de maior ou menor condensação, como a reproduzida abaixo:
29 (…) given two minimally contrasting forms with closely related meaning, the difference in
their meaning will correspond to the difference in their form.
46
causativa lexical
causativa morfológica
co-lexicalização
oração não finita
oração no subjuntivo. (Reproduzido de GIVÓN e YOUNG, 2002, p. 52)
As construções causativas no topo da escala estão associadas à causação mais direta e,
na medida em que decresce o grau de integração entre o estado de coisas causador e o estado
de coisas causado, as construções codificam causa menos direta. Nessa mesma perspectiva de
gradiência, na mesma direção, Lakoff & Johnson (1987), consideram que há uma correlação
entre distância formal e distância conceptual em construções causativas como:
(2) a. Sam killed Harry.
Sam matou Harry.
b. Sam made Harry die.
Sam fez Harry morrer.
c. Sam caused Harry to die.
?Sam causou Harry morrer.
d. Sam brought it about that Harry died.
?Sam trouxe isso que Harry morreu. (Exemplos reproduzidos de Lakoff e
Johnson,1980, p. 20)
Para o autor, a maior quantidade de material fonológico e maior distância entre
causador e causado no exemplo (2d) corresponde à apresentação de uma relação causal mais
difusa do que a representada em (2b), mais próxima da representação prototípica de
causalidade, que leva a concluir, inclusive, contato físico. Para Givón e Young (op. cit.) essa
correlação entre um continuum formal e um continuum semântico pode ser traduzida em dois
princípios:
a- Quanto mais alta a construção causativa no continnum, mais tende a ser utilizada
para a causação sobre um causado inanimado, do tipo paciente.
47
b- Quanto mais baixa a construção causativa está no continnum, mais tende a retratar
a causação sobre um causado humano, do tipo agentivo, isto é, manipulação
interpessoal.30
Podemos observar, inclusive, que tanto Gívón como Langacker distinguem analíticas
finitas e não finitas como diferentes graus de integração. Na seção seguinte, essa questão é
retomada, a partir de uma discussão mais detalhada das denominadas construções causativas
analíticas.
3.2 Construções causativas analíticas
As construções focalizadas neste estudo são tratadas, classicamente, como formas
analíticas (ou perifrásticas) de expressão de causatividade, ou predicações complexas, isto é,
aquelas em que a causação é codificada através de uma sequência de um verbo transitivo, que
requer um complemento oracional, como no exemplo (3).
(3) A mãe fez o filho lavar os pratos.
São estas as estruturas que correspondem aos predicados com verbos causativos, em
que, de acordo com Croft e Young (2012), uma oração que delimita a fase causadora ou a
força motriz está associada a uma oração complemento que especifica a fase causada. No
exemplo (3), o verbo fazer é o núcleo da oração que especifica a fase causadora e o verbo
lavar indica o efeito na oração encaixada. Há uma relação de estreita dependência entre as
duas formas verbais.
Dentro dessa perspectiva, a descrição das construções causativas ou deu mais
relevância à forma de complementização e, consequentemente, ao grau de integração entre as
orações ou concentrou-se mais nas propriedades do verbo causativo, que constitui o núcleo da
matriz. (cf. GIVÓN, 1991, 1994, BITTENCOURT, CARVALHO, 2004; SANTANNA,
2013). Segundo Givón (1991), por exemplo, é grande a dependência das propriedades
temporais, aspectuais e de modo (sistema TAM) entre as duas orações da construção
causativa analítica como no exemplo (3), citado acima, pois o resultado solicitado pelo verbo
da matriz (fazer) se completa na ação indicada pelo verbo encaixado – o ato de lavar os
30 a. The higher a causative construction is on continuum, the more likely it is to be used to depict
causation over an inanimate, patient-like causee.
b. The lower a causative construction on continuum, the more likely it is to depict causation over a
human, agent-like causee, i.e., interpersonal manipulation
48
pratos. Do ponto de vista das propriedades dos verbos da matriz, as discussões se
concentraram na sua natureza como predicador ou semi-auxiliar (VIEIRA, 2003; LOBATO,
1975).
De acordo com Gilquin (2006, p. 160), do ponto de vista semântico, as construções
causativas analíticas envolvem um elemento causador (CAUSER), um elemento causado
(CAUSEE), um efeito e, opcionalmente, um paciente. Segundo essa caracterização, no
exemplo (1), a mãe constitui o ponto inicial ou força (o causador) que influencia o filho
(causado) na realização de um estado de coisas (o efeito), no caso lavar os pratos. Uma
peculiaridade da construção analítica é que o constituinte que codifica o causado assume o
duplo papel de paciente em relação ao verbo da matriz e de agente em relação ao verbo da
subordinada.
À primeira vista, as causativas analíticas partilham muitas características das
causativas sintéticas (cf. STEFANOWITSCH, 2001). No entanto, se particularizam na forma
de conceptualização da relação causativa: enquanto uma causativa sintética constrói a relação
de causa-efeito como um único evento, a construção analítica codifica essa relação como dois
eventos separados, o que permite, inclusive, que eles não tenham simultaneidade temporal e
de lugar. (cf. LANGACKER, 2002).
Conjugando propriedades sintáticas e semânticas, Stefanowitsch (2001, p.35),
acompanhando autores como Comrie (1989) e Kemmer e Verhagen (1994), define as
construções causativas analíticas da seguinte forma: possuem um verbo matriz finito que
expressa um evento causador não específico (verbo causador) que tem como argumentos um
sujeito, um objeto e uma oração encaixada que se refere a um evento resultante (verbo de
resultado). O sujeito da construção causativa analítica (o causador) geralmente codifica o
papel de agente da causação, e o objeto (causado, ou afetado) é o participante do evento
resultante (p.36). Diferentemente das causativas sintéticas, as causativas analíticas tratam a
causa e do resultado como eventos distintos.
Uma outra diferença importante se refere ao papel do agente nas causativas analíticas.
Diferentemente do que ocorre nas construções sintéticas, que normalmente envolvem contato
entre agente e paciente, nas construções analíticas, esse contato é opcional. Como destaca
Gilquin (1996, p. 68), o papel do agente é o de instigar um processo (o evento causado).
Segundo a autora, “a cabeça (objeto inicial) da cadeia usa sua energia, não para afetar a cauda
(objeto final) diretamente, mas para iniciar um processo que a afetará e no qual este não está
49
diretamente envolvido”.31 Ou seja, há uma cadeia de ações com sucessiva transferência de
energia.
Uma outra distinção entre construções causativas sintéticas e analíticas é que as
últimas admitem maior diversidade de tipos de verbos: intransitivos, transitivos diretos ou bi-
transitivos. No caso de verbos intransitivos, mais frequentemente, o SN sujeito assume o
papel de objeto da construção transitiva (DIXON, 2000, p. 45). Para o autor, a complexidade
estrutural vem acompanhada de um aumento de valência, isto é, da inclusão de um argumento
(o causador) em uma oração matriz; este argumento se refere a um indivíduo, evento ou
estado que inicia ou controla a realização de um estado de coisas.
Estas diferenças podem explicar muitas das limitações de alternância entre construções
sintéticas e analíticas, como mostra, por exemplo, Arrais (1985). O autor defende que, com o
auxílio de verbos causativos, como causar e fazer, por exemplo, predicações
monoargumentais podem se tornar biargumentais ou mesmo tri-argumentais como no
exemplo reproduzido do autor (p.47):
(4) a. O livro caiu.
b. O aluno fez o livro cair.
c. O aluno causou a queda do livro.
d. O aluno derrubou o livro.
Uma particularidade importante das construções analíticas diz respeito à possibilidade
de diferentes formas de complementação do verbo causativo: forma verbal não finita, forma
verbal finita ou nominalização, a depender não apenas das características tipológicas de uma
língua, como também de propriedades inerentes a cada um dos denominados verbos
causativos. Os exemplos (5) a (7) ilustram essas possibilidades:
(5) A facilidade do triunfo de Toscano Fighter, que mesmo sendo acometido de
hemorragia pulmonar Grau I, distanciou seus adversários (ganhou por sete
corpos) na estréia aqui na Gávea, faz acreditar que, nada de anormal
acontecendo, vá conquistar o segundo triunfo aqui. -Povo, 05/05/03, Pules boas
podem acontecer
(6) No dia 31 de março de 1964, a elite burguesa se recolheu à sombra e deixou
que as fileiras dos militares insatisfeitos se deslocassem de Minas Gerais
31 the head of the chain uses its energy, not to affect the tail directly, but to initiate a process
that will affect the tail and in which it is not directly involved.
50
rumo ao Rio de Janeiro para desafiar o poder constituído e o comando militar
a quem deveriam obedecer, e cujo comandante em chefe era o presidente da
República. Vitória garantida, saiu às ruas em estrondosa comemoração. -JB,
04/03/04, Os ipês e a ideologia do golpe,)
(7) Há municípios onde a legalização dos terrenos da periferia pode ser conseguida
com a simples boa vontade da prefeitura e dos poderes do lugar. Se o governo
federal organizar uma pequena estrutura em meia dúzia de municípios
pequenos e médios, em um ano cria uma base que poderá permitir a entrada
do projeto em grandes cidades. Basta inverter a equação. Em vez de
apresentar o projeto como se fosse a obra, começa a obra e depois fatura o
projeto. -O Globo, 26/03/03, A tradição petista é um caminho)
Essas diferentes possibilidades podem ser entendidas como diferentes graus de
integração, como considera, por exemplo, Bittencourt (2001) que distingue as de infinitivo
como semi-analíticas. Para muitos autores, essas diferentes possibilidades são iconicamente
motivadas: complementos em forma não finita codificam causação direta e um único evento
complexo. Por outro lado, complementos em forma finita codificam causa indireta, ou seja,
dois estados de coisas interrelacionados mas distintos. A causação indireta, mais complexa
em número de eventos, motivaria o uso de formas finitas na codificação do estado de coisas
causado. Desta forma, complementos com conjunção + complemento finito apresentam maior
complexidade formal do que os complementos não finitos. Além disso, a presença da
conjunção que/com que ou de uma preposição aumenta a distância formal entre os dois
eventos relacionados. Essas diferenças são exemplificadas pelos trechos (8) e (9).
(8) O Congresso pode, sem dificuldades, fazer tramitar mais de uma proposta de
mudança constitucional ao mesmo tempo. Como cada projeto fica numa
comissão, é possível ganhar tempo nas urgentes alterações na Constituição
requeridas pelo país. (O globo, 01/02/04, sem desculpas)
(9) Abel Braga já tinha desistido da Taça Rio, depois do jogo de sábado, em que o
Flamengo foi derrotado pelo Olaria por 1 a O. No dia seguinte, antes do
clássico no Maracanã, o técnico se dizia disposto a aproveitar os três jogos
restantes do segundo turno para fazei experiências. A goleada de 4 a O do
Vasco sobre o Fluminense fez com que ele refizesse os planos. (JB,09/03/04,
Fla volta a ter esperança.)
Para Vesterinen (2008), uma equação entre complemento finito e complemento não
finitivo e causa direta e indireta, respectivamente, é discutível. Para o autor, na verdade,
muitos casos de causativa com complemento não finito e causativas com complemento finito
podem ser interpretadas como causação direta e causação indireta, em razão da própria
51
semântica do infinitivo e do subjuntivo. A falta do traço modo-temporal não permite à forma
de infinitivo estabelecer uma relação temporal entre os eventos resultados e seu ponto de
partida e colabora para uma interpretação nominal e holística do estado de coisas. Por outro
lado, como o subjuntivo apresenta flexão modo-temporal, ainda que dependente de condições
impostas pelo verbo matriz, cria uma conexão entre os eventos distintos.
Para o autor, a correspondência não finita = causa direta e finita = causa indireta se
explica também pelo fato de que os complementos infinitivos mais frequentemente descrevem
eventos que podem ser vistos no mundo real. Nos termos de Sweetser (1990), codificam causa
no domínio referencial, ou seja, relacionam fatos. Os complementos finitos, por outro lado,
tendem a codificar causação mental, entendida como casos em que “(...) o causado é induzido
a desempenhar uma certa ação ou passa por um processo mental que leva a um estado final”.32
(cf. VESTERINEN, 2008, p. 42). O ponto mais relevante para o autor é que, no caso de causa
indireta, a relação causal é inferida pelo falante, como no exemplo (10), retomado do autor:
(10) As magníficas condições naturais do concelho de Lagos fizeram com
que desde cedo fosse povoado” (Reproduzido de VESTERINEN, 2008, p.
42).
O conteúdo da primeira oração (As magníficas condicões naturais do concelho de
Lagos), uma constatação acerca da realidade é tomada como uma evidência que permite que o
falante conclua ser esta a razão para que a região tenha sido povoada cedo.
Causação inferencial é construída pelo locutor, envolvendo, portanto, uma avaliação
acerca das relações entre fatos ou fatos e participantes. Segundo o autor:
A causalidade designada pela estrutura com um complemento finito é baseada em uma
descrição interna e avaliativa das relações causais. Assim, a estrutura verbo principal +
complemento finito descreve a opinião subjetiva e pessoal do falante sobre as relações
causais no mundo exterior.33
32 (…) the causee is induced to carry out a certain action or goes through a mental process that
leads to a final state. 33 The causation designated by the structure with a finite complement is based in an internal
and evaluative description of causal relations. Thus, the structure main verb + finite
complement describes the speaker’s subjective and personal opinion about causal relations in
the outside world.
52
Na relação inferencial ou indutiva, poderíamos dizer que o objetivo do causador é
mudar a visão de mundo do causado, embora não possamos saber exatamente quando o efeito
almejado será concretizado. Segundo o autor, causação indireta pode ser interpretada em
termos de subjetivização, na forma como entendida por Traugott (2003, 2009), de que
sentidos mais objetivos podem dar origem a significados mais subjetivos, baseados nas
crenças do falante e na sua experiência das relações possíveis entre os fatos.
A dificuldade de aplicação do conceito de causa direta e indireta na análise de
construções causativas analíticas é discutida também por Stefanowitsch (2001). A partir da
análise dos usos do causativo inglês make, o autor propõe a necessidade de considerar três
tipos de configuração do evento causal: a configuração manipulativa (manipulate
configuration), a configuração gatilho (trigger configuration) e a configuração de decisão
(prompt configuration)34. Nos termos do autor, cada um desses tipos de causalidade constitui
uma forma distinta de construal da nossa experiência com a relação entre eventos e
participantes. (cf. STEFANOWITSCH, 2001, p. 85),
A configuração manipulativa é aquela em que um causador X pretende que uma
atividade Z aconteça e deseja que Y realize essa ação. Assim, o causador mostra sua intenção
ao causado, evocando algum tipo de autoridade para que o último desempenhe esta ação, a
qual não realizaria por conta própria.
Na configuração gatilho (trigger configuration), o resultado é involuntário, ou seja,
não pode ser controlado. Devido à natureza do causado e do evento causador, o causador não
tem controle sobre a causação, pois geralmente é representado por um evento (ou agente +
evento) ou entidade inanimada (instrumento ou fonte). Se há agente, é não intencional, e
quando envolve humanos, o processo é preferencialmente mental, uma emoção ou processo
corporal.
Neste caso, o causador faz algo que dispara uma emoção ou estado mental no causado,
porém sem essa intenção. O causador é, de fato, um estímulo para que o resultado aconteça. É
o que acontece, por exemplo, quando um livro ou filme desperta uma emoção em sua
audiência. Aproxima-se da noção de subjetivização (Langacker, 1991), pois o causado não se
envolve em nenhum resultado além da percepção mental do participante.
Na configuração de decisão (prompt configuration), temos um causador que é um
evento e o resultado é uma ação/atividade. Essa configuração compartilha propriedades com a
34 Apesar de a tradução usual de prompt ser “imediato, rápido”, escolhemos por traduzir para
“decisão” para conhecimento do leitor. No entanto, preferimos seguir utilizando a expressão prompt
em inglês.
53
configuração manipulativa e a de gatilho. Por um lado, o causador é eventivo (gatilho),
descrito como um estímulo que pode ter ou não um agente intencional implícito, que busca
um resultado; por outro lado, o resultado é uma atividade, assim como na configuração
manipulativa. (Stefanowitsch, 2001, p. 119). O que a distingue das outras configurações é
que o resultado não é automaticamente provocado pela causação, mas sim por uma decisão do
causado por realizá-lo.
Resumidamente, a configuração manipulativa se caracteriza pela presença de um
causador intencional e um causado com controle sobre sua ação; a configuração gatilho possui
um efeito ou resultado involuntário e a configuração de decisão apresenta um evento como
causador e uma atividade como resultado35.
Para o autor, essas configurações constituem conglomerados de propriedades que
representam “chunks rotinizados de experiências.” Essa proposta é retomada nos capítulos 5 e
6 de forma mais detalhada, a partir da análise das causativas analíticas do português e do
francês e tomada como base para uma possível organização em rede das construções
causativas das duas línguas.
Nesta seção, discutimos alguns aspectos centrais das causativas analíticas a partir de
uma perspectiva mais tradicional. No entanto, como pudemos perceber muitos autores já
destacaram que as causativas analíticas conjugam diferentes componentes, mas possuem elas
mesmas um significado próprio. Na seção seguinte, buscamos mostrar que uma perspectiva
construcionista pode dar conta de modo mais integrado da forma como as causativas
analíticas estão relacionadas entre si e a outras construções.
3.3 Uma perspectiva construcional das causativas analíticas
Como já discutido no capítulo 2, construções, entendidas como pareamentos forma-
significado, constituem a unidade básica das gramáticas de construções baseadas no uso, e
estão ligadas entre si por diferentes tipos de elos (links). De acordo com a proposta da
Gramática de Construções Cognitiva, defendida por Goldberg (1995, 2006) e Goldberg e
Jackendoff (2004), as causativas analíticas objeto deste estudo estão incluídas em um
35 O autor propõe uma quarta configuração, que seria uma variante da configuração gatilho ou
da configuração de decisão: a configuração provocativa. Esta configuração codifica um
resultado da atividade em vez de um processo involuntário; constrói a atividade como se fosse
um processo e o causado tem menos poder de decisão do que no tipo prompt. Não entraremos
em detalhes sobre esta configuração, pois nos parece que as três configurações básicas
propostas podem permitir uma análise mais acurada das causativas..
54
conjunto mais amplo de construções, as resultativas, que realizam uma cena do tipo X causar
Y a Z. Seguindo a proposta de Goldberg (1995), a construção resultativa (cause result) pode
ser representada como:
Diagrama 1 - Construção resultativa (Fonte: Goldberb, 1995, p. 77)
Considerando o português, essa representação dá conta de exemplos como em (11):
(11) a. Terry wiped the table clean.
Terry deixou a mesa limpa.
b. The river froze solid.
O rio congelou.
c. Peter broke the glass into pieces.
Pedro quebrou o vidro em pedaços.
Goldberg (op.cit.) propõe, ainda, a construção Cause-enable, que, por sua vez, indica
uma permissão, como exemplificado em (12) e pode ser representada como no diagrama 2:
55
Diagrama 2 - Construção permissiva (Fonte: Goldberb, 1995, p. 77)
(12) Sam allowed Bill out the room.36
Sam permitiu que Bill saísse da sala.
Na proposta da autora, as duas construções estão ligadas à construção de movimento
causado tanto do ponto de vista formal como do seu significado. A autora propõe para a
construção de movimento causado o padrão esquemático [Suj Vnão estativo Obj Obldirecional], que
conceptualiza a cena ‘X causa Y mover-se para Z’, a qual pode ser realizada por diferentes
formas verbais, dentre elas pelo verbo chutar (kick) como no seguinte exemplo, reproduzido
de Goldberg (1995, p. 153):
(13) Joe kicked the dog into the bathroom.
Joe chutou o cachorro para dentro do banheiro.
A construção de movimento causado pode apresentar verbos com um, dois ou três
participantes, referir-se a uma instância do evento requerido pelo participante ou codificar um
meio para que este se realize. Assim, vários verbos podem ser enquadrados numa
classificação de construção de movimento causado, que pode ser representada no seguinte
diagrama:
36 Este tipo de estrutura não é usual em português.
56
Diagrama 3 - Construção de movimento causado (Reproduzido de GOLDBERG, 1995)
Na perspectiva da autora, estabelece-se entre as construções de movimento causado e
as construções resultativas uma relação de herança por ligação de subparte e por extensão
metafórica com base em uma metáfora mais geral: “mudança é movimento”. Nos termos de
Goldberg (1995, p. 83), “a metáfora necessária é uma metáfora sistemática geral que envolve
a compreensão da mudança de estado como um movimento para uma nova locação.37 (cf.
também Croft, 1991). O mapeamento envolvido é simplesmente este: movimento mudança /
locação, estado. Dessa forma, enquanto nas Construções de Movimento Causado, ocorre
transferência física de um tema de um ponto X para um ponto Y, nas construções resultativas,
uma característica resultante do subevento é atribuída ao tema. (cf. também Leite, 2003).
Na proposta de Goldberg (1995) a construção resultativa apresenta as seguintes
propriedades semânticas, grande parte delas herdadas da construção de movimento causado:
a) O causador é um agente, instrumento ou força da natureza;
b) Não há decisão cognitiva mediando o evento causado e o resultado (movimento para
um resultado ou ao longo do caminho);
c) O caminho percorrido pelo tema é determinado pelo evento causador.
Essas propriedades encontram correspondência mais clara nas causativas sintéticas.
Considerando as peculiaridades da construção causativa analítica, já discutidas na seção
anterior, Stefanowitsch (2001, p.75) propõe um esquema que pressupõe um predicado
complexo, como representado no diagrama 4:
37 The necessary metaphor is a general systematic metaphor that involves understanding a change of
state in terms of movement to a new location.
57
Diagrama 4 - Construções causativas analíticas (Traduzido de Stefanowitsch, 2001:75)
Segundo o diagrama 4, a construção causativa analítica constitui uma predicação
complexa em que “causar” significa “agir, performar”, associado a um causador (CAUSER),
um causado (CAUSEE) e um resultado. Como uma estrutura de dois argumentos, a
construção mapeia o causador como argumento interno A, o causado como argumento externo
O, e o resultado como predicado dependente PRED. DEP. Esta caracterização vai ao encontro
da posição de diversos autores (cf., por exemplo, Comrie, 1981), para quem a estrutura
analítica apresenta predicados separados para a causação e para o efeito. Para Stefanowitsch
(op. cit.), essa formalização tem a vantagem de deixar claro que não há simplesmente uma
fusão entre o resultado e o verbo causativo.
De acordo com a proposta de Stefanowitsch (op. cit), de forma geral, o padrão
sintático das causativas analíticas pode ser esquematizado como:
[SN1 [V1 SN2 V2] ↔[ causação]], em que:
SN1 = sujeito da oração matriz
V1 = verbo causativo da oração matriz
SN2 = sujeito da oração encaixada/objeto da oração matriz
V2 = verbo da oração encaixada
Esse esquema mais abstrato licencia diferentes microconstruções dentre elas as
focalizadas neste estudo. É necessário considerar, no entanto, que as causativas analíticas
tanto do português como do francês podem ter diferentes formas de realização do constituinte
efeito: complemento finito, não-finito ou nominalização. Sendo assim, esse padrão mais geral
se desdobra nas seguintes possibilidades, ou seja, três subesquemas distintos:
58
a) [SN1 [V1 SN2 V2INF]]
b) [SN1 [V1 CONEC SN2 V2FIN]]
c) [SN1 [V1 NOM (SPrep)oblíquo]]
A forma de realização do complemento dependente é motivada não só da semântica do
verbo como também das propriedades da complementação. Em princípio, cada um desses
subesquemas pode sancionar diferentes microconstruções. O subesquema a ([SN1 [V1 SN2
V2INF]], ou complementos não finitos, exemplificado em (14) com o verbo fazer e em (15),
com faire pode ser encontrado com todos os verbos focalizados, tanto no português como no
francês e, como será discutido nos capítulos 5 e 6, constitui o padrão menos marcado nas
duas línguas.
(14) O Congresso pode, sem dificuldades, fazer tramitar mais de uma
proposta de mudança constitucional ao mesmo tempo. Como cada projeto
fica numa comissão, é possível ganhar tempo nas urgentes alterações na
Constituição requeridas pelo país. (O Globo, Sem desculpas)
(15) Dans l’écrin intimiste de l’Opéra de Lille, Emmanuelle Haïm n’a
aucune peine à faire crépiter les instruments du Concert d’Astrée (ah, ces
basses grondantes que l’on n’entendait pas avenue Montaigne !). Son
orchestre vrombit et respire, un régal. Constats similaires avec les voix.
(Castor et Pollux, Le Fig, 21/10/14)
No ambiente íntimo da Ópera de Lille, Emmanuelle Haïm não teve
nenhuma dificuldade em fazer crepitar os instrumentos do Concerto de
Astrée (ah, esses baixos estrondosos que não se ouviam na avenida
Montaigne!) Sua orquestra ruge e respira, uma festa. Resultados similares
com as vozes.
Enquanto os complementos em forma finita se caracterizam pela presença do
complementizador, as não finitas geralmente não requerem um elemento de conexão. No
entanto, como destacam Mira Mateus et al (2003), elas podem, a depender do verbo, exigir
uma preposição como no exemplo (16), retomado da autora:
(16) Os jornalistas pediram ao chefe de redacção [para mandar um repórter
ao Médio Oriente]. (Fonte: MIRA MATEUS et al, 2003:601)
59
Segundo Mira Mateus et al (op. cit.), os verbos causativos podem selecionar verbos
infinitivos na completiva, pois o sujeito da segunda oração está em caso acusativo e a ordem
de palavras é SVO. Há, porém, a possibilidade de formas causativas com causado oblíquo
(dativo ou não), na forma de SN ou de um pronome oblíquo, como nos exemplos (17) e (18):
(17) O pai fez ver ao filho os malefícios da droga. (Reproduzido de
BITTENCOURT 2001:48)
(18) O pai fê-los ver os malefícios da droga.
Aparentemente mais restrita em português, a possibilidade de causado oblíquo é mais
frequente em francês, como no exemplo (19)
(19) L’homme peut bien conspirer contre la vie. La technique le lui permet.
(Le Figaro, 14/12/2014, Droit de vivre).
O homem pode muito bem conspirar contra a vida. A técnica lhe permite
isso.
Problemas mais específicos de atribuição de caso envolvem os casos com pronomes
reflexivos como no exemplo (20):
(20) A população mais pobre, ainda quando aparentemente se deixa
enganar, sabe que existe um mundo, vizinho do seu, onde esgoto não corre
a céu aberto, onde água de torneira não é privilégio, onde um simples prato
de comida não é luxo, e onde o direito à vida, a salvo do crime e da
doença, é apenas mais um entre tantos predicados que decorrem da
cidadania. (JB, 05/10/2002, Visão realista)
Em (20), o pronome se, referente à população mais pobre, é um argumento tanto para
o verbo causativo da oração principal (deixar) quanto para o verbo da oração encaixada
(enganar).
Uma característica mais particular do português é a possibilidade de flexão do
infinitivo, ratificando que o sujeito da oração encaixada é controlado pelo sujeito da oração
matriz. Segundo Mira Mateus (2003, p. 625), a flexão ou não do infinitivo nesses casos
60
depende de dois fatores: i) a ocorrência da oração encaixada num contexto de marcação
excepcional de caso38 e ii) o estatuto temporal da oração não finita39 como em (21):
(21) O governo de Luiz Inácio Lula da Silva beneficia-se do fato de que
muito já se discutiu sobre a legalidade dessa reforma. Inclusive no
Supremo, cuja interpretação do alcance da idéia do direito adquirido, no
caso da Previdência, permite a Lula e equipe negociarem politicamente as
mudanças no Congresso com a certeza de estarem pisando em terreno
firme do ponto de vista jurídico e constitucional. (O Globo, 17/01/03, Base
legal)
O subesquema b ([SN1 [V1 CONEC SN2 V2FIN]]), em que a fase causada é realizada por
uma oração ligada à sua matriz por um conector (subordinador ou preposição) é mais
limitado a alguns verbos, principalmente aos permissivos. Particularmente com o V1 fazer do
português, esse esquema requer a ocorrência da preposição com juntamente com o
subordinador que, como em (22):
(22) Sei de casos de pessoas que fazem de tais doações um grande meio de
ganhar "um qualquer" negociando as fantasias no varejo. Em
compensação em outras escolas existem esquemas organizados que
fazem com que tais fantasias cheguem direitinho às mãos do povo
comunitário. (Povo, 17/01/04, Comunidades)
Em francês, no entanto, tal possibilidade é, no mínimo, mais restrita, mesmo na
modalidade escrita. Uma explicação possível para essa limitação é o estágio mais avançado de
perda das formas de subjuntivo nessa língua, necessárias neste caso.40
O esquema [SN1 [V1 NOM (SPrep)]] é igualmente restrito a determinados tipos de
verbo, principalmente aos causativos com valor permissivo, como nos exemplos (23), do
português e (24), do francês:
38 Na marcação excepcional de caso (exceptional case marking, ou ECM), o sujeito da oração
encaixada recebe caso acusativo, diferentemente do esperado segundo a marcação canônica, ou seja, o
nominativo.
39 Gonçalves (1999), Trannin (2010) e Andrade (2015), consideram, no entanto, que no caso
de infinitivo flexionado, tem-se uma outra construção causativa, distinta tanto das de
infinitivo não flexionado como das de marcação excepcional de caso.39 Em direção
semelhante, Soares (2004) distingue três construções de infinitivo, com base na posição do
que o autor denomina o sujeito lógico da infinitiva: VSV VOV e VV. 40 No francês, há uma clara preferência pela forma infinitiva em variados contextos de uso (cf.
Dreer, 2007; Poplack, 2012).
61
(23) É de se notar também a ausência do Juizado de Menores, tão ágil e
preocupado quando se trata de intervir em desfiles de moda e programas de
televisão. Como é possível permitir a permanência na rua de crianças de
todas as idades, frequentemente maltratadas pelos maiores que as utilizam?
(O Globo, 21/01/03, Desordem urbana)
(24) Il était poursuivi pour avoir mis à la disposition du public
un logiciel manifestement destiné à la diffusion non autorisée d’œuvres
protégées. En clair, un logiciel permettant le piratage de films et de
musique. (Le Parisien, 24/10/15, Très cher téléchargement illegal)
Ele foi processado por ter colocado à disposição do público um programa
claramente destinado à difusão não autorizada de obras protegidas por
direitos autorais. Claramente, um software que permite a pirataria de filmes
e música.
As nominalizações possuem estrutura argumental, ainda que seus argumentos não
sejam claramente especificados e tenham que ser recuperados na base verbal da qual elas se
originaram. (cf., por exemplo, CAMACHO, 2009; SANTANA, 2013). No caso, portanto, do
esquema [SN1 [V1 NOM (SPrep)]] são os traços verbais guardados pela nominalização que
indicam a fase causada, ou seja, a ação ou estado pretendido ou possibilitado pelo causador. O
causado, quando presente na construção causativa, se apresenta como um sintagma
preposicional. Como defende Camacho (op. cit.), a nominalização partilha com as orações
infinitivas e participiais o fato de poderem constituir o núcleo de uma construção encaixada,
além de poderem ser uma predicação fechada ou aberta, a depender da natureza – específica
ou não – da estrutura argumental em que se inserem (p. 115).
Neste estudo resolvemos considerar as construções com complementos nominalizados,
pois entendemos que, numa perspectiva que compreende a estrutura causativa analítica como
uma predicação complexa, a nominalização constitui um argumento da oração matriz.
Para muitos autores, causativas com o complemento na forma de uma nominalização
se localizam no extremo oposto de um continuum que vai das orações plenamente
desenvolvidas às nominalizadas. Para muitos autores, no caso de complementos
nominalizados tem-se uma única oração (cf. GIVÓN, 1991; SHIBATANI, 1972). A hipótese
de maior integração dos complementos nominalizados foi explorada, em estudos sobre o
português, como o de Santana (2010). Sob a perspectiva da Gramática Discursivo-Funcional
(GDF), a autora propõe que, teríamos em um extremo as completivas plenamente
desenvolvidas, com predicados finitos, e no outro extremo estariam as construções mais
62
nominalizadas. Para a autora, esta gradação reflete o fato de que “quanto maior o grau de
compartilhamento entre os eventos da oração matriz e da completiva, tanto maior o grau de
integração semântica e, consequentemente, de integração morfossintática” (p.251). Necessário
destacar, no entanto, que a maior integração no caso de complementação por nominalização
pode resultar do fato de que, nesse caso, a relação temporal é dependente ou determinada
pelos traços da oração matriz.
Tomando como ponto de partida a distinção de organização hierárquica proposta por
Traugott e Trousdale (esquema, subesquema e microconstrução) e considerando a relação
entre o significado da construção causativa (X causa Y a Z) e a sua forma, podemos
considerar as causativas analíticas focalizadas neste estudo como microconstruções,
sancionadas pelos três subesquemas discutidos, como mostra a figura 5.
A figura 5 sugere que um esquema mais abstrato de causação licencia três
subesquemas que, por sua vez, podem sancionar diferentes microconstruções causativas,
dentre elas, as que constituem o foco deste estudo.
De acordo com pressupostos já discutidos no capítulo 2 e a conceptualização de
causatividade discutida na seção 3.1, assumimos que V1 isoladamente não codifica a
semântica da construção causativa. No entanto, a idiossincrasia de cada verbo pode ser motivo
de restrições presentes na construção de distinções semânticas mais finas no domínio da
causatividade. Além disso, algumas combinações podem ser bloqueadas no uso, levando a
[SN1[V1 SN2 V2]] causação
[SN1 [V1 Conec SN2
V2fin]]
Microconstrução 1, 2, 3, 4, 5, 6...
[SN1 [V1 SN2 V2inf]] ]
Microconstrução 1, 2, 3, 4, 5, 6...
[SN V1 NOM (SPrep
oblíquo]]
Microconstrução 1, 2, 3, 4, 5, 6...
Figura 5 - Representação das microconstruções causativas analíticas
63
que os subesquemas postulados apresentem diferente produtividade. Assim na seção seguinte,
focalizamos especificidades das formas verbais causativas selecionadas para este estudo.
3.4 O V1 em português
No português, a posição V1 da construção causativa pode ser preenchida por diferentes
formas verbais. Neste estudo, nos restringimos aos verbos fazer, obrigar, levar, deixar,
permitir e mandar, do português, e faire, obliger, laisser, permettre, demander e amener, do
francês. Embora todas possam ser englobadas num conjunto mais amplo de construções
resultativas, as três primeiras são consideradas mais frequentemente como causativas stricto
sensu e as três últimas como permissivas. (cause-enable, segundo GOLDBERG, 1995). Nas
causativas propriamente, Y (o causado) não tem escolha quanto à realização do evento, que é
concluído independentemente de sua vontade; na construção permissiva, a obtenção do
resultado depende da vontade do causado, ou seja, não há garantias de que a manipulação será
bem sucedida. De acordo com Goldberg (1995, p.162), construções com verbos de permissão
implicam que o agente torne possível que a transferência ocorra, não a evitando, e não
necessariamente que o agente cause a transferência.
Para a maioria das gramáticas do português, e também para estudos mais recentes, os
verbos fazer e deixar constituem os causativos prototípicos do português (BECHARA 2009,
CUNHA & CINTRA, 2001, CEZARIO 2001, MACHADO VIEIRA 2001, BITTENCOURT
2001, CARVALHO 2010, CEZARIO 2000, CARVALHO 2010, PAZ &SILVA 2009). Dessa
forma, têm recebido maior atenção sob a perspectiva de diferentes modelos teóricos.
Como já discutido por Vieira (2003), fazer é uma forma verbal multifuncional, vista
pela autora, em termos de um continuum de gramaticalização que vai de verbo predicador a
verbo funcional. Num ponto mais próximo do funcional, se destaca o emprego causativo,
como no exemplo (25).
(25) Luma nos faz ver que não é só o nosso Hino que é bonito. A pátria
também. Mas é complicada a nossa pátria. É só olhar para ela! Amazônia?
O inferno é verde, como sabemos. E não há dinheiro para comprar aviões
que cuidem daquelas fronteiras! A modelo e atriz exalava confiança:
"Tenham calma porque as mudanças vão acontecer, mas não
imediatamente". (JB 09/03/074, Luma, a pátria de biquíni e blusinha)
Através de um estudo diacrônico em que compara as formas mandar, fazer e deixar,
Trannin (2010), mostra que o verbo fazer é o causativo predominante desde o século XVIII,
64
embora esta forma já seja atestada no português medieval, como mostra também Andrade
(2015). Segundo Bittencourt (2000), de fato, já desde o Latim fazer apresentava valores mais
neutros, podendo ser usado como verbo suporte.
Como causativo, o verbo fazer indica, em princípio, um alto grau de controle sobre a
realização do estado de coisas codificado na oração encaixada, ou sua ausência em caso de
negação (cf. CARVALHO, 2004). No entanto, a partir da análise de dados da fala, a autora
conclui que não é muito fácil especificar as particularidades semânticas de fazer e atribui a
essa forma uma acepção mais neutra ou mais ampla do que a de outros causativos, como
mandar e deixar. Ainda segundo a autora, fazer pode significar “causar, ocasionar, alcançar
(por esforço ou influência)”. Fazer pode ocorrer com sujeitos animados ou inanimados e
seleciona complementos que podem ser realizados tanto em forma finita quanto não finita,
mas não admitem complemento na forma de nominalização.
Uma caracterização de deixar como causativo também coloca alguns problemas, pois
esta forma pode igualmente expressar múltiplas nuances ligadas ao domínio da causatividade.
Cezario (2001), por exemplo, distingue usos de deixar como permitir/consentir,
aguardar/esperar do uso mais estritamente causal. Silva (2012), por sua vez, agrupa os usos de
deixar em dois significados mais amplos: a) não evitar um evento existente (em contextos
com sujeito não ativo); b) permitir tendência intrínseca (status deôntico, com sujeito ativo).41
De certa forma, estes dois valores especificariam o verbo deixar muito mais no domínio da
permissão do que no da causalidade, propriamente, como mostra o exemplo (26) .
(26) Que diabo, vamos deixar o presidente Fernando Henrique saborear até
a última gota o gostinho afrodisíaco do poder e adoçado com o sucesso da
transição que encanta o mundo e que, pelo visto, em toque mágico,
enterrou a derrota de José Serra na parceria da vitória de Lula. (JB,
01/11/02, Está na hora de viajar)
Como permissivo, deixar, assim como permitir, por exemplo, presume, mas não
implica, necessariamente, a autoridade do sujeito para permitir ou proibir, com um desejo
implícito de ocorrência, mas nenhuma garantia de realização do evento. Diferentemente de
fazer, deixar seria, então, um verbo causativo não implicativo, nos termos de Givón (1972).
Subjacente à distinção entre diferentes “sentidos causativos” de deixar está a questão
de controle ou não do estado de coisas pelo agente. Nos contextos em que assume o
significado de “permitir”, deixar é utilizado em forma reflexiva, e, ainda que não totalmente,
41Além destes, a autora arrola ainda usos de deixar como evitar e parar ou terminar.
65
há maior controle do sujeito quanto ao resultado da ação. Além disso, as instâncias de deixar
tendem a possuir sujeito animado e o resultado pode ser realizado com verbo não finito.
Segundo alguns autores (CARVALHO, 2004; SILVA, 2007), com o significado de “causar”
deixar admite sujeito inanimado, com menos controle e complemento na forma de oração não
finita. Ambos os usos indicam uma integração semântica forte, ainda que em graus distintos.
Com base no traço de controle, Carvalho (2004), propõe uma distinção mais fina de
diversas nuances de sentido do valor permissivo de deixar, na modalidade falada. Segundo a
autora (p.145), podem ser identificados usos como:
“deixar1 - ‘permitir ou não que outro sujeito faça algo’;
deixar2 - ‘permitir ou não ser controlado por um outro sujeito’;
deixar3 - ‘permitir que algo aconteça voluntariamente ou não’;
deixar4 - ‘aguardar/esperar’.42
Para Silva (2012), a polissemia do verbo deixar resultou de um processo de
desagentivização que levou o verbo deixar do sentido de “não interferência para usos mais
causativos do que permissivos.
As diferenças entre fazer e deixar parecem remontar a períodos anteriores do
português. Numa análise de usos dos usos de fazer e deixar nos períodos medieval e clássico
do português, Andrade (2015), apresenta evidências de que, já naquele período, essas duas
formas dificilmente poderiam ser intercambiáveis. Segundo o autor, o verbo fazer possui
maior topicalidade ou agentividade sobre o estado de coisas causado: quando o causado está
na posição entre verbos há uma relação direta entre causador e causado; quando o causado é
pós-verbal, o causador se relaciona diretamente ao evento. Já o verbo deixar apresenta menor
agentividade, o que implica menor coerção, facultando ao causado a realização ou não da
ação.
Adotando uma perspectiva cognitiva, Silva (2004), estabelece a distinção entre fazer e
deixar em termos de dinâmica de forças (Talmy, 1998, 2000). Segundo o autor:
(...) com fazer, a entidade mais forte, o causador, aplica uma força contrária à
tendência da segunda entidade (o causado), ao passo que com deixar, o causador
abstém-se de exercer uma força que interfira na disposição do causado.
Consequentemente, o resultado da oposição de forças para o causado é contrário à
sua tendência de força em fazer (p. 866).
42Deixar também pode ser utilizado como marcador conversacional, como em “Deixa eu ver”.
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Os demais causativos focalizados neste trabalho têm recebido menor atenção. Apenas
mandar foi objeto de estudo mais detalhado, como em Cezario (2001) e Carvalho (2004).
Segundo definição de dicionários, em seu uso causativo mandar significa “determinar, exigir
que se faça” (Houaiss, 2015, p.1830). Carvalho (2004) caracteriza mandar em seu uso
causativo com o sentido de “ordenar”, como no exemplo (27):
(27) Dei umas risadinhas amarelas etc. e tal, contei umas duas piadas de
médico, ele me mandou calar a boca e respirar na máscara - minhas
não sei das quantas de oxigenação estavam inferiores às da superfície da
Lua. (O Globo, 03/11/02, Voltando, mas sem muita convicção)
No seu uso causativo, mandar requer sujeito animado, e segundo Cezario (2001, p.
156-158), se associa mais frequentemente a um causado animado. No entanto, o causador não
possui total controle sobre a realização do estado de coisas (ação/ evento ou estado) visado.
Assim, diferentemente de fazer, essa forma não pressupõe que o resultado seja obtido. A
obtenção do que está sendo ordenado vai depender de múltiplos fatores, o principal deles, a
relação de poder entre causador e causado. Quanto maior o poder/autoridade do causador,
maior a chance de que o resultado seja obtido. Do ponto de vista formal, mandar admite que
o segmento causado seja realizado com formas finitas ou não finitas. Para a autora, mandar é
uma forma causativa menos gramaticalizada que deixar, embora nos casos de omissão do
sujeito no predicado dependente, se observe um aumento no grau de integração entre as duas
predicações.
Além das formas verbais brevemente caracterizadas até aqui, focalizamos, ainda, os
verbos obrigar, levar e permitir, que têm sido menos estudados como formas de realização da
causatividade. Silva (2000) compara o uso de levar ao de obrigar e forçar no português. Em
uma escala de força, obrigar se situa no ponto máximo da coerção, visto que não há
possibilidade de reação do causado em relação ao pretendido pelo causador. Assim como
fazer, obrigar implica um exercício de força contrário à vontade do causado. Para Houaiss
(2015, p. 2043), por exemplo, obrigar significa “sujeitar, submeter a (imposição legal ou
moral)” ou, ainda, impor-se pela força, por pressão moral ou necessidade, de forma que X é
coagido a fazer ou não fazer algo. O verbo obrigar admite complemento não finito, finito ou
reflexivo e, ainda, complementos nominalizados, como no exemplo (28).
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(28) É um passo mais modesto, mas mesmo assim indispensável. Quer
tornar o sistema partidário mais sólido, obrigando os políticos a um
investimento maior nas agremiações, no seu programa, na defesa de suas
políticas, na sua disciplina parlamentar, se querem progredir na própria
carreira política. É o que esperamos obter com a introdução do voto em
lista, preordenada pelas convenções partidárias. A campanha eleitoral será
a do partido, não a do candidato individual, e centrar-se-¬á, por força, na
discussão programática, no debate das políticas que o partido propugna.
(JB, 09/03/04, Por que reforma política?)
Um aspecto a destacar que, mesmo com complementos não finitos, obrigar é
necessariamente regido pela preposição a.
Assim como fazer e deixar, a forma levar goza de acentuada polissemia no português
(cf. PAZ E SILVA, 2009). Admite um uso causativo, reconhecido, por exemplo, por Borba
(2002), quando seguido da preposição a. Nesse uso causativo, levar pode ser parafraseado por
induzir, influenciar ou tornar possível um estado de coisas e admite complementação na
forma de uma oração não finita, finita e nominalização. Admite tanto sujeito humano como
não humano, agentivo ou não agentivo, como no exemplo (29).
(29) Com esse crescimento esperado para a safra de 2003, a projeção de que
o agronegócio contribuirá com mais de US$ 21 bilhões de saldo para a
balança comercial vai se tornando cada vez mais factível. Assim, a
estimativa de que o superávit comercial como um todo aumentará para a
casa de US$ 15 bilhões é bem realista, o que levará o país a depender
menos de capitais externos. Caso esses números se concretizem, o déficit
em conta corrente (mercadoria e serviços) do balanço de pagamentos não
passará de 1,5% do PIB (já superou os 5%). -O Globo, Resposta agrícola,
25/10/02)
O verbo permitir, por sua vez, parece não ter despertado ainda maior atenção por parte
dos interessados na diversidade de formas que podem realizar a causação. É descrito pelos
dicionários como “consentir, dar liberdade, poder ou licença para que um estado de coisas se
realize. (Houaiss, op. cit, p. 2092). Tem, portanto, um valor permissivo, ou seja, favorece a
realização de um estado de coisas, ação ou mudança de estado, como mostra o exemplo (30):
(30) Uma parceria entre a iniciativa privada e a prefeitura permitirá que um
projeto idealizado há um ano e meio saia do papel. O prefeito César Maia
assinou ontem um convênio com empresários, que financiarão parte das
obras de implantação de uma alça que interligará as avenidas Ayrton Senna
68
e Abelardo Bueno, na Barra da Tijuca. (O Globo, 24/10/02, Barra e
Recreio ganham pacote de obras)
Assim como algumas das outras formas causativas, permitir admite diversas
possibilidades de realização do segmento causado: forma verbal finita e não finita e, ainda, a
nominalização.
As formas verbais causativas consideradas neste estudo têm sido analisadas
principalmente sob o prisma do seu estatuto categorial. Embora Bechara (2009), por exemplo,
inclua várias delas na categoria de verbos auxiliares (como deixar, fazer e mandar), a maioria
dos estudos realizados apontam argumentos para situá-los num ponto intermediário entre mais
lexical e mais gramatical, denominado por alguns autores como semi-auxiliares (LOBATO,
1975; CARVALHO, 2004).
Mais especificamente em relação a fazer, Vieira (2003, p. 900) adota uma visão
semelhante, concluindo que se trata de uma forma “fracamente decategorizada” do uso dessa
forma como predicador. Com relação a levar, Paz e Silva (2009) considera que no seu uso
causativo, essa forma constitui um semi-auxiliar. Esta classificação se baseia no fato de que,
no seu uso como causativo, levar não satisfaz aos seguintes critérios: impossibilidade de
possuir uma completiva finita, negação frásica única antecedendo o verbo auxiliar, não admite
que um único advérbio temporal incida sobre os verbos da matriz e da subordinada e não pode
atrair o clítico para o seu domínio. Com relação a mandar, Carvalho (op.cit, p. 234) conclui
que se trata da forma menos complexa no continuum, enquanto deixar é o que apresenta
maior diversidade semântica.
O uso das formas causativas tratadas nesta seção em textos do domínio jornalístico
será retomado no capítulo 5, numa perspectiva que procura identificar o conjunto de
propriedades associado a cada uma delas. Na seção seguinte, discorremos sobre as formas
causativas do francês, procurando já destacar algumas particularidades das construções
causativas do francês em relação às do português.
3.5 O V1 em francês
Assim como o português, o francês dispõe de estruturas sintéticas e analíticas para a
expressão da causatividade. Dentre, as últimas, os verbos faire, como no exemplo (31) e
laisser (exemplo 32), que, em muitos contextos, são equivalentes a fazer e deixar em
português, são igualmente considerados como os causativos prototípicos do francês.
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(31) Le Jeunesse de France, une partie de ma famille a disparu dans la Shoah
et les nazis m'ont fait douter de l'idée d'universel. Je n'ai d'autre ultime
rêve que celui des Palestiniens vivant en paix à côté d'Israël. (Le Monde,
22/07/14, Conflit Israelo-palestinien: refuson la mécanique de la haine)
Juventude francesa, uma parte da minha família desapareceu na Shoah e os
nazistas me fizeram duvidar da ideia de universal. Eu não tenho outro sonho
que não aquele de que os palestinos vivam em paz ao lado de Israel.
(32) La vérité est que cette réforme, née dans l’esprit tourmenté et
calculateur d’Arnaud Montebourg, est avant tout teintée d’idéologie. Même
si tel n’est plus l’état d’esprit d’Emmanuel Macron, elle consiste, pour la
gauche, à jeter en pâture à l’opinion de supposés « rentiers », qui ne sont
pourtant bien souvent pas les nantis que l’on décrit, travaillent sans
compter leurs heures et paient beaucoup d’impôts. C’est en tout cas leur
faire beaucoup d’honneur que de laisser penser qu’il suffira de les mettre
cul par-dessus tête pour redresser la France. (Le Figaro, 06/12/14, Question
de priorité)
A verdade é que esta reforma, nascida do espírito atormentado e calculista
de Arnaud Montebourg, é antes de tudo ideológica. Mesmo que este não seja
mais o estado de espírito de Emmanuel Macron, para a esquerda, ela permite
execrar supostos “investidores” que não são, na maioria das vezes, os
favorecidos descritos, trabalham sem contar as horas e pagam muitos
impostos. Seja como for, é uma honra deixá-los acreditar que basta inverter
as coisas para reformar a França.
No exemplo (31), o verbo faire ocorre em um contexto em que um causador (les nazis)
suscitam no locutor uma mudança de estado (a dúvida sobre a ideia de universal) e a
construção pode ser considerada resultativa. Neste caso, o constituinte que codifica o
elemento afetado se apresenta na forma de um clítico (me). Uma característica marcante dos
construtos causativos com faire é a ausência de material entre o verbo finito e o verbo não
finito, sinalizando maior entrechment da construção, um aspecto que será mais bem discutido
no capítulo 6.
Estas duas formas, principalmente faire têm sido objeto de numerosos estudos
(ACHARD, 2000; ARAUJO, 2010, ANDRADE, 2000; GILQUIN, 2006, 2015; MOLINIER,
2005). Como mostra Goffic (1993), em sua Grammaire de La Phrase Fançaise, embora tanto
laisser como faire introduzam a causa de uma situação, diferem no que concerne à posição do
sujeito da oração infinitiva: enquanto faire se faz seguir imediatamente pelo verbo predicador
(não finito), laisser admite a inserção do constituinte que codifica o afetado entre os dois
verbos da construção (ou entre V1 e V2). Esta diferença sintática entre as duas formas é
exemplificada em (33) e (34):
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(33) a) Il a fait pleurer son amie.
Ele fez chorar sua amiga.
b) *Il a fait son amie pleurer.
Ele fez sua amiga chorar.
(34) a) Il a laissé partir son amie.
Ele deixou partir sua amiga.
b) Il a laissé son amie partir.
Ele deixou sua amiga partir.
Essas restrições dependem das propriedades sintáticas de V2. Se o verbo não finito é
intransitivo, ou regido por complementos preposicionados, o sujeito aparece sem mudança de
forma imediatamente à direita do verbo43:
(35) a. On fera parler Jean de son dernier voyage.
Nós faremos falar Jean de sua última viagem.
Faremos Jean falar de sua última viagem.
b. Il faisait tirer les soldats sur les criminels.
Ele fazia os soldados atirarem nos criminosos.
Por outro lado, se o predicado dependente contém um NP objeto não preposicionado,
o sujeito pós-verbal é precedido pela preposição a.
(36) Il fera boire un peu de vin à son enfant.
Ele fará beber um pouco de vinho a seu filho
Ele fará ao seu filho beber um pouco de vinho.
(37) Elle a fait signer la declaration à son mari.
Ela fez assinar a declaração a seu marido.
Ela fez a seu marido assinar a declaração.
43 Os exemplos serão acompanhados de glosa, quando a tradução para o português admitir diferenças de léxico e
ordenação.
71
No entanto, o acréscimo da preposição é impossível se o verbo no infinitivo não
requer complemento:
(38) * Il a fait partir à son amie.
Ele fez partir a sua amiga.
Ele fez a sua amiga partir
(39) *Cela fera rire à tout le monde.
Isto fará rir a todo mundo.
Isto fará todo mundo rir.
Essas particularidades de faire envolvem interação entre funções semânticas e
sintáticas e a marcação de caso dos complementos realizados como pronomes clíticos, como
mostram Gross (1984), Bailard (1970), Molinier (2005). Segundo Bailard (1970), apesar de
ser possível explicar, em termos semânticos, o uso de clíticos dativos e acusativos antes de
faire + infinitivo, as regras sintáticas necessárias para se entender a relação entre as sentenças
ativas simples e as sentenças causativas correspondentes devem fazer referência tanto às
funções semânticas quanto sintáticas das formas verbais não finitas que entram nessas
construções.
Se o verbo da encaixada é intransitivo, o seu sujeito ocorre como objeto direto (Elle a
fait marcher Jean). Se o verbo da encaixada é transitivo direto, o sujeito é objeto indireto (Elle
a fait nettoyer les toilettes au général). Se o verbo é transitivo direto e indireto, o sujeito da
oração complemento será um sintagma adverbial (Elle a fait envoyer une lettre au client par la
secrétaire) (BAILARD, 1970, p.51).
No entanto, se o sujeito e o objeto direto do verbo da oração não finita são clíticos, o
clítico objeto pode se situar imediatamente antes desse verbo ou ser alçado para o verbo da
oração matriz, com o clítico se referindo ao sujeito da encaixada, como em (40):
(40) a- Elle a fait ranger sa chambre à son fils.
Ela fez arrumar seu quarto a seu filho.
Ela fez o filho arrumar o quarto.
b- “Elle la lui a fait ranger”.
Ela o lhe fez arrumar
72
Se o clítico não é alçado, tanto o sujeito quanto o objeto ficam na forma acusativa. Se
o constituinte for alçado à posição anterior ao verbo faire, o clítico referente ao sujeito deve
estar no caso dativo (lui). Segundo Goffic (1993, p, 52), essas particularidades derivam do
fato de que o francês não permite objeto direto ou sujeito duplos.
Além desses fatores estruturais, o significado do verbo encaixado é igualmente
relevante para determinar o caso atribuído ao clítico. Se um verbo encaixado transitivo direto
é um verbo de ação, então tanto o acusativo quanto o dativo são aceitos, como nos exemplos
“et le fait dévorer le dompteur” e “...et lui fit dévorer le dompteur”, retomado de Bailard
(1970, p. 52 e 59). Por outro lado, se for um verbo de experiência, ou seja, um processo
mental (assim como apreciar, esquecer), somente o dativo é aceitável, como em Je lui faite
apprécier la rue provinciale (Eu o fiz apreciar a rua da província).
A agentividade é um traço relevante nessa distinção, pois o constituinte com papel
sintático de acusativo se torna o sujeito da encaixada com o papel temático de experienciador,
enquanto o dativo marca tanto um beneficiário quanto um experenciador. Ainda segundo
Baillard (op. cit.), “a presença de acusativo se correlaciona com alta kinesis e, para o francês,
“o acusativo é associado ao papel típico de paciente” (op.cit, p.60)44. Dessa forma, os
diferentes papeis temáticos que recebe o constituinte sujeito da infinitiva estão relacionados
ao tipo de causação realizada: o acusativo implica causação direta e, possivelmente, o uso de
força ou pressão, enquanto o dativo se correlaciona à causação indireta.
Um outro aspecto a destacar quanto ao causativo faire é a sua particularidade com o
pronome reflexivo de terceira pessoa se. A construção faire + reflexivo em francês se
distingue de suas correlatas em português (fazer-se) e do espanhol (hacerse), que apenas
desenvolveram um valor agentivo e volitivo, como em Ela se fez cortar os cabelos por um
grande cabelereiro. No francês, se algumas construções com o reflexivo se são mais próximas
de uma construção ativa, outras são mais próximas de uma construção passiva, como no
exemplo (41):
(41) Il s´était fait ouvir la porte.
Ele se fez abrir a porta.
Como mostra Araújo (2013), em ocorrências como (41), o sujeito é colocado como um
participante da ação pela qual é afetado, o que leva a uma ambiguidade quanto ao seu papel
44 (...) the presence of the accusative correlates with higher kinesis, and for French the
accusative is the case associated with the typical patient.
73
como objeto direto ou objeto indireto. Pelo uso reflexivo, o sujeito adquire um valor agentivo
que o torna, de certa forma, responsável pelo que lhe acontece. Em outros termos, elas levam
a uma dupla interpretação em que o sujeito afetado pode ser visto como beneficiário ou
prejudicado (paciente).
Assim como em português, laisser e faire se particularizam, como aponta o já citado
estudo de Andrade (2015). Segundo o autor, a mesma diferença entre fazer e deixar no
português antigo e clássico, podia ser percebida entre faire e laisser do francês. Assim como
fazer, faire pode possuir maior topicalidade ou centralidade no causado do que laisser.
Laisser, assim como deixar, possui propriedades mais lexicais, o que explicaria a
possibilidade de que o causado possa se situar imediatamente após o V1.
Como vimos nesta seção, as diversas restrições que operam sobre o uso causativo de
faire no francês contemporâneo permitem questionar a sua equivalência com fazer, em
português. Andrade (2015) mostra que pelo menos no período antigo e clássico das duas
línguas os causativos laisser e faire, no francês, e deixar e fazer, no português, apresentavam
características bastante semelhantes. Considerando dados do francês contemporâneo, Araújo
(2009), mostra que, embora o francês e o português partilhem de forma geral os recursos de
expressão da causatividade, as duas línguas se especificam quanto a restrições
morfossintáticas, semânticas e discursivas. Essas diferenças são particularmente salientes no
que se refere ao uso de faire + infinitivo e fazer + infinitivo. Com base na comparação entre
as versões francesa e portuguesa do “Le monde diplomatique”, a autora destaca as diferentes
estratégias utilizadas pelo tradutor na transposição de estruturas com faire + infinitivo. Uma
das mais recorrentes é a substituição da construção analítica por uma forma verbal simples,
como nos exemplos abaixo:
(42a) Faites bouillir juste la quantité d’eau nécessaire pour votre thé. Si tous les
Européens faisaient ainsi et évitaient donc de faire bouillir inutilement 1 litre
d’eau chaque jour, l’énergie économisée permettrait de couvrir un tiers des
besoins en électricité pour l’éclairage public em Europe.
Ferva apenas a quantidade de água necessária para o seu chá. Se todos os
europeus fizerem dessa forma e evitassem de ferver inutilmente 1 litro de água
por dia, a energia economizada permitiria garantir um terço das necessidades
em eletricidade para a iluminação pública na Europa. Se ferver apenas a água
suficiente para o seu chá, pode ajudar a poupar muita energia.
(42b) Je me suis fait teindre les cheveux en blond platine.
Eu me fiz pintar os cabelos de louro platinado
74
Pintei o cabelo de louro platinado
Outros recursos de transposição de faire + infinitivo para o português consistem na
substituição da construção analítica por um outro verbo causativo, por exemplo, obrigar ou
mandar, por uma nominalização ou por uma estrutura S1 que S2. Segundo a autora, para
expressar o valor causativo da construção causativa com faire+INF, o português apela para
“outros meios lexicais ou construções sintáticas menos grammaticalizadas que em francês
45(ARAUJO, 2009, p. 22). Tomando por base a escala de compactação de Dixon (2000) que
para as formas de realização da causatividade em línguas tipologicamente distintas, a autora
conclui que, enquanto faire + infinitivo constitui um predicado complexo, fazer + infinitivo
constitui uma construção perifrástica com dois predicados.46
Uma questão não considerada por Araújo é a formação de expressões fixas (figées)
com o verbo faire. Segundo Molinier (2005), dicionários e glossários relacionam mais de 130
expressões com faire que, em maior ou menor grau, sofreram perda de composicionalidade,
tornando-se construções substantivas ou quase substantivas. Dentre elas, o autor, inclui faire
bouillir, como no exemplo (42a). Segundo o autor:
Dentre essas frases consideradas globalmente, pode-se observar a cristalização de todo
o grupo verbal no infinitivo com o verbo faire, como em Léa fait bouillir la marmite
ou Marie fait danser l’anse du panier, seja a cristalização de apenas uma parte do
grupo verbal no infinitivo com o verbo faire, a única posição de complemento, ou uma
das posições de complemento, ficando livre, como em Max fait marcher Léa e Max a
fait entendre raison à Léa. (MOLINIER, 2005, p. 3)47
Ainda de acordo com Molinier (op.cit.), nas construções faire+infinitivo fixas, não há
possibilidade de o causado se situar entre os dois verbos (Il a fait chanter Louis = Ele
chantageou Luis), mas não é possível *Il a fait Louis chanter, sinalizando, portanto, que o
causativo e o infinitivo constituem uma unidade indissolúvel. Para a realização deste estudo,
45 ’autres moyens lexicaux ou constructions syntaxiques moins grammaticalisées qu’en français. 46 A escala de Dixon (2000) distingue os seguintes níveis de compactação das causativas:
lexical, morfológico, predicados complexos, causativa faire, construções perifrásticas com
dois verbos.
. 47 (...) dans ces phrases considérées globalement, on peut observer soit le figement de tout le
groupe verbal à l’infinitif avec le verbe faire, comme dans Léa fait bouillir la marmite ou
Marie fait danser l’anse du panier, soit le figement d’une partie seulement du groupe verbal à
l’infinitif avec le verbe faire, la position unique de complément, ou l’une des positions de
complément, restant libre, comme dans Max fait marcher Léa et Max a fait entendre raison à
Léa. (MOLINIER, 2005, p. 3)
75
foram desconsideramos as construções idiomatizadas, que podem ser consideradas
construções lexicais.
O uso causativo de laisser também tem sido objeto de diferentes estudos (ANDRADE,
2010, JANČÍK, 2015; ZAENEN & DALRYMPLE, 1996). Pavlisková (2002), numa
comparação entre laisser e faire com significação permissiva e factiva, respectivamente,
conclui que a microconstrução com laisser é escolhida como causativa quando a iniciativa da
ação está centrada no objeto (elemento afetado). A autora afirma que “je l’ai laissé venir” tem
significado próximo a “j’ai permis” ou “je l’ai autorisé” (p.19). Assim, laisser, em geral, se
comporta como permissivo quando a entidade causadora não é a iniciadora da ação; o sujeito
permite que qualquer coisa aconteça e é o objeto agentivo que decide quanto à realização da
ação.
Ainda segundo Pavlisková (op. cit.), a microconstrução com obliger seguido da
preposição à (obliger à) é de natureza factiva, como ilustrado em (43).
(43) Un arrêté du ministre du 1er juillet 1998 l’oblige en effet à se
soumeettre au plan d’elimination du varron pour un traitement
systématique de ses bovins (LP, 1381,47)
Um decreto do ministro, datado de 1º de julho o obriga, de fato, a se submeter
ao plano de eliminação do parasita para um tratamento sistemático de seu gado.
O verbo demander é considerado causativo quando significa, como descrito no
Dicionário de francês Larousse48(DEMANDER, 2017), “mostrar a alguém o que se que obter
(dele).49Para o uso causativo do verbo demander, Comrie (1989, p.169) destaca que a pessoa
solicitada a desempenhar a ação é invariavelmente um objeto indireto (um sintagma
preposicional com a preposição à), requerido pela regência do verbo. Além disso, numa
grande parte das suas ocorrências, demander requer a preposição de.
Não há na literatura muitos trabalhos sobre o uso de permettre. No entanto,
encontramos em Rooryck (1988), em um artigo sobre verbos de controle metafórico, a defesa
de que permettre apresenta diferenças formais – e, consequentemente, semânticas- quanto à
animacidade dos participantes da afetação. O autor oferece os exemplos exibidos em (44):
(44) a. Le plastique troué a permis à l’eau de s’echapper.
48 Disponível em www.larousse.fr. 49 Faire savoir à quelqu’un ce que l’on veut obtenir (de lui).
76
O plástico furado permitiu que a água vazasse.
b. La comtesse a permis au jardinier de tondre la pelouse.
A condessa permitiu ao jardineiro cortar o gramado.
No exemplo (44a) temos sujeitos inanimados e o verbo é utilizado em um sentido
físico. Já em (44b) os participantes são animados e a afetação é tida com um sentido
psicológico. Para o autor, no segundo caso, o verbo permettre, em seu uso metafórico, se
aproxima do significado de laisser (op.cit, p.4).
O verbo amener é considerado causativo quando significa “ter por consequência um
estado, um evento; provocar, conduzir”50, como visto no Dicionário Larousse online
(AMENER, 2017). Quando seguido da preposição a tem significado factivo pode ser
considerado um semi-causativo (cf. JANČÍK, 2015). Segundo Pavlisková (2002, p. 48), essa
forma introduz ainda uma nuance de movimento. Como mostraremos no capítulo 6, essa é a
forma de menor recorrência nos textos da mídia jornalística francesa.
Como vimos até este ponto, embora haja algumas equivalências entre as
microconstruções causativas do português e do francês, não há evidências claras de
paralelismo entre elas. Um objetivo central deste estudo é o de identificar as similaridades e
diferenças na organização dessas construções nas duas línguas. No próximo capítulo, além de
especificar os objetivos deste estudo, caracterizamos os corpora utilizados e os procedimentos
metodológicos adotados no desenvolvimento da análise.
50 Avoir pour conséquence um état, un événement ; provoquer, entraîner.
77
4 OBJETIVOS, HIPÓTESES E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Neste capítulo, apresentamos os objetivos e as hipóteses que direcionam este estudo
acerca das microcontruções causativas já discutidas no capítulo 3. Dados os pressupostos
teóricos assumidos, principalmente o de que o sistema linguístico é organizado a partir das
experiências do falante com múltiplas instâncias de uso, conduzimos nossa análise a partir de
dados efetivamente atestados no uso. A verificação das hipóteses colocadas neste estudo se
faz, então, a partir da análise de corpora da modalidade escrita do português e do francês,
representada por textos da mídia jornalístisca, buscando, sobretudo, identificar as
propriedades das microconstruções causativas em análise.
4.1 Objetivos e hipóteses
O objetivo geral deste estudo é depreender as propriedades das microconstruções
causativas com os verbos fazer, obrigar, deixar, levar, permitir e mandar no português
brasileiro e faire, obliger, laisser, permettre, demander e amener no francês. Buscamos
identificar a interrelação entre elas, a partir da comparação dos seus diferentes usos.
Considerando as propriedades inerentes a cada um dos itens lexicais que preenche a posição
Vcausa, podemos presumir que, apesar de formalmente semelhantes, as microconstruções
causativas em análise apresentem sutis diferenças semânticas e pragmáticas. Admitimos como
hipótese de partida que há uma gradação entre essas microconstruções causativas, de acordo
com o tipo de causatividade que colocam em cena, ou seja, de uma causação mais prototípica
para uma causação menos prototípica.
De acordo com o proposto por Goldberg (1995, 2006) construções podem variar de
língua para língua. Uma pergunta central deste estudo se refere às possíveis semelhanças e
divergências entre as micronstruções causativas do português e do francês. Elas codificam
diferentes tipos de evento causativo? Partimos da hipótese de que as microconstruções
causativas do francês, principalmente a microconstrução com faire, se caracterizam por maior
grau de indissociabilidade entre o causador e o causado, situando-se, portanto, em um nível
mais alto de entrechment e de chunking. Considerando uma disposição em rede dessas
construções, entendemos que as causativas analíticas apresentam diferenças sutis entre as
duas línguas, com algumas microconstruções mais polissêmicas que outras.
Os verbos que ocupam a posição V1 no esquema [SN1 [V1 SN2 V2]] são transitivos e
requerem, portanto, a presença de um complemento que constitui o efeito, ou resultado obtido
78
ou pretendido. Como já abordado no capítulo 3, esse complemento pode ser realizado de
diferentes formas, a depender das propriedades do V1 com que se ligam: pode ser uma oração
não finita, oração finita de subjuntivo ou uma nominalização. Como propusemos no capítulo
3, cada uma dessas possibilidades pode ser considerada um subesquema de um esquema mais
geral. Uma pergunta deste estudo envolve a produtividade desses subesquemas em cada uma
das línguas: a- qual delas é mais produtivo? b- eles licenciam as mesmas microconstruções no
português e no francês?
Para identificar as regularidades e possíveis diferenças entre as microconstruções em
foco, entendemos ser necessário depreender as propriedades dos constituintes da construção
causativa, observando suas propriedades sintático-semânticas, além dos traços da construção
causativa como um todo. Em outros termos, investigamos os traços do SN1, o sujeito
causador, do SN2, ou seja, o sujeito/objeto afetado e do resultado codificado no predicado
dependente. Dessa forma, buscamos identificar a conjugação de traços que pode caracterizar
diferentes usos da mesma microconstrução, Foi considerada, ainda, a possível correlação
entre o uso dessas construções e a variável gênero discursivo, utilizada como parâmetro para a
constituição da amostra, como mostraremos na seção seguinte.
Com relação ao SN1, são considerados principalmente os seus traços semânticos, uma
vez que na função de sujeito, este constituinte delimita o elemento que provoca ou é
responsável pelo evento causativo. Neste estudo são analisados o papel temático do sujeito, a
animacidade e a intencionalidade do sujeito na realização do estado de coisas pretendido.
Quanto ao papel temático, classificamos o sujeito causador como agente, instrumento ou
fonte. Para os sujeitos agentivos, distinguimos o agente individuado e o agente coletivo
humano (grupo de indivíduos, instituições, etc.). Como já discutido no capítulo 3, a
resultatividade prototípica implica um sujeito causador de natureza agentiva, ou seja, há
necessidade de um argumento instigador animado para a realização do estado de coisas
visado, isto é, o afetamento de um paciente. Dessa forma, podemos presumir que quanto
maior a recorrência de sujeitos agentivos, mais prototípica a causatividade realizada pela
microconstrução. Nesse sentido, podemos esperar que o sujeito das microconstruções que não
implicam um resultado realizado admitam mais facilmente sujeitos não agentivos.
Um outro traço envolvido na relação de causatividade é o de animacidade,
estreitamente ligado ao de agentividade. Essa correlação nos conduz à relevância de um outro
traço envolvido na relação de causatividade, qual seja, a a intencionalidade do sujeito
causador. De forma distinta do que alguns estudiosos declaram (Croft, 2001; Goldberg;
1995), entendemos que, mesmo no caso de sujeitos agentivos, pode não haver
79
intencionalidade do elemento causador, ainda que ele possa ser responsabilizado por uma
mudança de estado ou por um evento. Assim, distinguimos entre sujeitos intencionais ou não
intencionais. Nossa hipótese é de que o sujeito causador seja mais frequentemente intencional,
em paralelo a uma maior agentividade, presente nas microconstruções propriamente
causativas, ou seja, que implicam a realização do efeito pretendido. Em alguns casos, pode
haver coerção externa para a realização do estado de coisas causado. Para verificar essa
hipótese, consideramos tanto a autoridade relativa ao causador como a possibilidade de reação
do causado.
Com relação ao SN2, o elemento afetado da construção causativa, verificamos a forma
de realização, o traço de animacidade e a sua posição em relação às formas verbais da oração
matriz e do predicado dependente. Esperamos que o referente do constituinte afetado das
construções causativas sejam majoritariamente animados, exigência para que possam executar
a ação pretendida, à exceção das construções com complemento nominalizado, que faz
referência a eventos.
A posição do SN2 é um indicador importante do grau de chunking de cada uma das
microconstruções em análise. A posposição desse constiuinte a V2 resulta em contiguidade
entre V1 e V2, o que fornece indícios de maior integração entre os constituintes da construção,
ou seja, formação de chunks mais coesos e, consequentemente, maior integração entre os
estados de coisas. Esses casos são susceptíveis de maior perda de composicionalidade, ou
mesmo formação de construções independentes e rotinizadas como as idiomatizações.
Considerando as restrições inerentes a cada uma das línguas, como discutidas no capítulo 3, a
hipótese que orienta a análise deste aspecto é a de que, em português, o SN2 seja
predominantemente posposto a V1, independentemente da microconstrução considerada,
mantendo assim maior coesão sintagmática entre o verbo causativo e o objeto afetado. No
francês, por outro lado, podemos esperar maior posposição do SN sujeito/objeto ao V2, dadas
as indicações de maior integração entre V1 e V2 no francês.
Com relação ao verbo que preenche o slot que codifica o resultado pretendido/obtido,
é considerada principalmente sua classe sintático-semântica e suas propriedades lexicais.
Com base na tipologia proposta por Halliday (2004), consideramos seis tipos de processos:
materiais, mentais, comportamentais, relacionais, verbais e existenciais. Nossa hipótese é a de
que existem restrições quanto aos verbos que podem coocorrer com cada um dos V1,
essencialmente atreladas às noções de ação/atividade ou processo, refletindo, provavelmente
as relações de herança da construção causativa com a construção de movimento causado.
Como cada tipo de processo pode abrigar diferentes formas verbais, procuramos identificar
80
possíveis especificidades lexicais que possam culminar na maior frequência de determinados
collocates.
Para alcançar os objetivos e verificar as hipóteses colocadas até aqui entendemos que é
necessário identificar os padrões de comportamento das diferentes instâncias de uso de cada
uma das microconstruções causativas, através da utilização de corpora de dados comparáveis
do português e do francês. Na próxima seção, detalhamos a forma de constituição dessas
amostras e os procedimentos metodológicos adotados na análise.
4.2 Amostras e procedimentos metodológicos
Como já especificado na introdução, este estudo se concentra no uso de diferentes
microconstruções causativas na modalidade escrita do português e do francês, representada
por textos veiculados na mídia jornalística. A escolha por dados do domínio jornalístico deve-
se a duas razões: a primeira delas se deve à maior facilidade de acesso a esses textos, pela
disponibilização de arquivos digitais; a segunda, e mais importante, é que possibilita a
consideração de gêneros discursivos diferenciados, fornecendo, assim, um material mais
controlado para a análise da distribuição das construções causativas de acordo com objetivos
sócio-comunicativos distintos. Para o português, utilizamos a “Amostra do Discurso
Midiático”, organizada pelos pesquisadores do grupo PEUL, formada por textos extraídos de
jornais de grande veiculação em língua portuguesa, O Globo, Jornal do Brasil, Extra e
Povo, publicados no período de 2000 a 200451. Para o francês, um corpus foi constituído
especificamente para este trabalho, com textos em versão digital extraídos dos
jornais franceses Le Monde, Le Figaro e Le Parisien, publicados entre 2014 e
2016.52 Destacamos que as versões digitais utilizadas são idênticas às versões impressas.
Os jornais selecionados tanto para o português como para o francês são direcionados a
público-alvo distinto, pertencente, em princípio, a diferentes grupos sociais. Os três jornais
franceses são de grande circulação no país, de posição ideológica centro-conservadora, mais
particularmente Le Figaro. Os jornais brasileiros, todos eles publicados no Rio de Janeiro, são
de posicionamento de centro-direita.
Selecionamos para este trabalho textos pertencentes a gêneros textuais distintos:
crônica, notícia, opinião e editorial, tomando como base a classificação de gêneros já
estabelecida na organização da “Amostra do Discurso Midiático”. A escolha por estes gêneros
51 A amostra está disponível em www.letras.ufrj.br/peul/amostras. 52 Os jornais podem ser acessados mediante assinatura nos seguintes endereços eletrônicos:
www.lemonde.fr, www.lefigaro.fr e www.leparisien.fr.
81
se deve ao fato de constituírem, em geral, textos mais extensos, com maior número de orações
complexas, embora se distingam quanto ao seu conteúdo temático, seu estilo e sua construção
composicional. Segundo Bakhtin (2000), o conteúdo temático apresenta a esfera de atividade
em que o gênero atua – o equivalente a “domínio discursivo” (Marcuschi,
2000). O estilo define as configurações estilístico-composicionais do texto, ou seja, refere-se
a características individuais, de autoria. A construção composicional refere-se às sequências
textuais características de um determinado gênero. A breve caracterização que se segue
mostra que os gêneros selecionados para este estudo cumprem funções sócio-comunicativas
distintas53:
- Editorial: o gênero editorial se caracteriza por apresentar a opinião do jornal. Como
afirma Melo (1985), “expressa a opinião oficial da empresa diante dos fatos de maior
repercussão no momento. O editor escreve o texto de acordo com os valores do jornal. Sendo
assim, apresenta um posicionamento quanto aos fatos, com a proposta de “aconselhar e dirigir
a opinião dos leitores” (BELTRÃO, 1980, p.60). Por isso, constitui-se de um texto opinativo
que trata de um fato polêmico. Tende a ser formal, com autor nem sempre identificado –
podendo ter assinatura coletiva.
As principais características do gênero, de acordo com Melo (op.cit.) são a
impessoalidade, pois tende a ser escrito na terceira pessoa (voz da organização);
topicalidade, por tratar de uma questão específica, expressando sua opinião de forma
objetiva; condensabilidade, com texto curto e claro e plasticidade, pela própria natureza dos
periódicos, que abordam assuntos, conforme estes vão surgindo e se desdobrando.
- Artigo de opinião: o objetivo dos artigos de opinião é a exposição de um ponto de
vista, normalmente de um autor especialista no assunto tratado, em que se apresentam
argumentos sobre um tema polêmico, atual, seja de ordem social, politica, cultural ou
econômica. Segundo Boff et al (2009), o artigo de opinião “se vale da argumentação para
analisar, avaliar e responder a uma questão controversa”. São textos predominantemente
argumentativos, em que, segundo Costa (2008, p. 34), um autor apresenta “uma opinião sobre
o assunto, com um desfecho conclusivo, a partir da exposição de ideias ou da
argumentação/refutação construídas”. Nos artigos de opinião, o autor busca convencer o leitor
sobre uma determinada ideia, usando da sua autoridade e conhecimento o que lhe permite
53 Cf. MARCUSCHI, 2000; BAZERMAN, 2006.
82
apresentar dados, justificativas e provas para sustentar seu argumento (cf. BOFF et al, p. 4).
Podem também referenciar autores renomados ou outras autoridades no assunto.
Geralmente os artigos de opinião são textos assinados que apresentam uma certa
periodicidade no jornal (semanal, mensal) e não refletem, necessariamente, a opinião do órgão
que o publica. Em geral, são escritos por diferentes articulistas. Alguns jornais possuem um
grupo de articulistas específico responsável em elaborar esses textos para a publicação, outros
jornais e/ou revistas aceitam artigos de seus leitores, que escrevem e enviam seus textos para
possível publicação, Ainda há aqueles órgãos que recorrem a profissionais de área afim
àquela referente ao assunto do momento para solicitar que deem sua opinião em forma de
artigo.
Do ponto de vista formal, costumam apresentar parágrafos com períodos mais longos
e podem ser produzidos em linguagem comum ou específica do tema tratado. Tendem a ser
escritos no presente do indicativo, na primeira ou terceira pessoa, a critério do autor.
- Notícia: para Lé (2012), o gênero notícia/reportagem constitui o “carro-chefe” da
redação jornalística, o gênero em que se baseia a maior parte do jornal. Costa (2008),
caracteriza a notícia como um relato de fatos e acontecimentos que ocorreram mais
recentemente e, em princípio, escritos em discurso mais referencial, ou seja, menos
argumentativo. Esses textos são mais frequentemente escritos na terceira pessoa e visam a
informar os leitores com neutralidade e fidedignidade. No entanto, Cunha (2000, p. 173)
afirma que a notícia possui um caráter dialogal. A autora afirma que “apesar de a notícia ter o
objetivo de fazer saber um fato novo, ela tem caráter apreciativo, revelado em seu
funcionamento dialógico”. Logo, o tratamento da notícia está condicionado ao estilo do autor
e ao posicionamento do jornal, o que, de certa forma, contraria uma pretensa imparcialidade.
Normalmente, as notícias apresentam conteúdo temático bastante variado, podendo
tratar de assuntos da esfera política, econômica, social e cultural. Caracterizam-se pela
centração temática, ou seja, discorrem sobre um assunto, e possuem estilo semiformal ou
formal. Em relação ao conteúdo temático, as notícias/reportagens da Amostra Midiática do
PEUL se restringem a notícias da cidade do Rio de Janeiro. Além disso, observamos que nem
todas as notícias são assinadas. Em contrapartida, as notícias dos jornais franceses são mais
frequentemente assinadas e tratam de assuntos de atualidade no país.
83
Os textos de notícias são majoritariamente escritos com sequências narrativas e
expositivas.54 Outro traço de estilo que pode aparecer em notícias é o uso de discurso citado
(indireto) e/ou a inserção do discurso de outrem.
- Crônica: o gênero crônica pode ser considerado um híbrido dos domínios
jornalístico e literário. Geralmente escrita por um cronista específico do jornal ou escritor
renomado, a crônica tem por finalidade apresentar uma reflexão sobre um tema do cotidiano.
Como mostra Reis (2010, p. 66), “os temas abordados nas crônicas são bastante variados
relacionando-se às atividades culturais, políticas, econômicas, desportivas e até de divulgação
científica. Abordam, algumas vezes, o noticiário social e mundano”. Seus autores costumam
fazer comentários e críticas relacionados ao tema tratado pelo texto.
As crônicas são textos curtos, com estilo breve, simples e de interlocução direta com o
leitor. São escritas em prosa, contêm título curto e, quase sempre, são escritas em discurso
indireto. Apresentam características de narração, e, em muitos casos, tendem a uma
linguagem mais informal. Muito frequentemente podem ser escritas em primeira pessoa.
Tanto para o português como para o francês, a amostra é composta da seguinte forma:
100 textos para os gêneros artigo de opinião, editorial e notícia; 75 textos para o gênero
crônica. O total de palavras da amostra para o português é mostrado no quadro 1 e para o
francês no quadro 2:
54 A sequência narrativa apresenta uma sucessão de eventos, geralmente em ordem cronológica linear
e uma história sustentada, denominada de intriga.
Gênero textual Total de palavras
Crônicas 32.510
Editoriais 24.987
Notícias 33.936
Artigos de opinião 55.752
Total 147.185
Quadro 1 - Total de palavras por gênero da amostra do português
84
Quadro 2 - Total de palavras por gênero da amostra do francês
Neste trabalho, consideramos o gênero textual como uma variável que pode
influenciar a recorrência da causatividade devido as suas características pragmático-
discursivas. As diferenças na forma de organização assim como os distintos objetivos
comunicativos dos gêneros brevemente caracterizados acima podem criar condições mais ou
menos favoráveis ao uso de cada uma das microconstruções causativas em análise. Podemos
esperar maior incidência de construções causativas mais prototípicas em gêneros mais
narrativos, nos quais a relação causa-efeito constitui um eixo de organização. Por outro lado,
microconstruções com grau menor de implicação causativa devem ser favorecidas em textos
mais marcados pela argumentatividade e pela subjetividade.
Os dados levantados na amostra acima caracterizada foram analisados de acordo com
procedimentos necessários para a verificação de hipóteses relativas à importância da
frequência no uso das construções causativas. São consideradas, portanto, todas as
ocorrências das diferentes microconstruções em análise. No entanto, a polifuncionalidade de
algumas formas verbais, principalmente de fazer/faire e deixar/laisser, impôs a necessidade
de exclusão das ocorrências não causativas, de forma a selecionar apenas as ocorrências
relevantes para o estudo. Assim, foram excluídos usos de fazer e de faire em que esses verbos
entram na constituição de expressões cristalizadas, construções substantivas, tais como faire
face, faire des histories, faire part, em francês, ou fazer fita, fazer festa, em português.
De forma semelhante foram excluídas ocorrências de laisser em construções como
laisser faire, laisser aller, laisser tomber. Para o português, foram excluídos igualmente os
casos de deixar em expressões como deixe estar, deixar na mão, deixar no vácuo, deixa eu
ver.
Gênero textual Total de palavras
Crônicas 23.852
Editoriais 35.077
Notícias 35.383
Artigos de opinião 74.543
Total 168.855
85
Para o francês, foram consideradas, no entanto, as ocorrências de faire acompanhado
de um pronome reflexivo se (se faire), contexto em que, como já mostrado no capítulo 3, faire
adquire uma interpretação passiva, ou seja, em que uma ação ocorre de forma independente
do sujeito/elemento afetado, como no exemplo (45):
(45) Plus grave, la percée des anti-européens risque surtout de se faire sentir
dans les capitales, au point de limiter les marges de manoeuvres des
gouvernements en place. C'est déjà le cas au Royaume-Uni, où David
Cameron court en vain après les positions de Nigel Farage sans reprendre
le contrôle du débat européen. (Le Monde, 09/07/14, La vraie victoire des
eurosceptiques)
Mais grave, o avanço dos antieuropeistas provavelmente será sentido em
capitais, a ponto de limitar as margens de manobra dos governos em vigor.
Este já é o caso do Reino Unido, onde David Cameron corre em vão após
as posições de Nigel Farage sem recuperar o controle do debate europeu.
Além disso, mantivemos, para o francês, os dados da construção negativa “ne faire
que + infinitif”, como no exemplo (46), que indicam seja a continuação de uma atividade
recorrente ou uma restrição de ação, mantendo, no entanto, o valor de causação de faire.
(46) À l’inverse, si on libéralise le droit de licenciement sans soutenir le
retour à l’emploi des chômeurs, on ne fera qu’accroître le chômage. (Le
Figaro, 15/12/14, Les hommes politiques)
Ao contrário, se se libera o direito de demissão sem obter o retorno dos
desempregados ao emprego, não se fará mais do que aumentar o desemprego.
Os dados selecionados foram submetidos a uma análise estatística, realizada com o
auxílio dos programas GOLDVARB X (Sankoff et al., 2010). O GoldVarb X é um conjunto
de programas computacionais de análise multivariada, geralmente utilizado em estudos de
variação sociolinguística. Tal ferramenta permite realizar diferentes operações estatísticas que
identificam as correlações mais relevantes e mensurar os efeitos de múltiplas variáveis
independentes sobre uma variável dependente.
Os recursos possibilitados pelo GoldVarb foram utilizados para identificar a
distribuição dos dados de acordo com os fatores de cada um dos grupos apresentados na seção
4.1. Dessa forma, buscamos identificar o conjunto de propriedades de cada uma das
86
microconstruções causativas em análise, o que nos permite depreender as possíveis diferenças
entre elas.
4.3 Levantamento complementar
Como veremos nos capítulos 5 e 6, a amostra de textos jornalísticos nos forneceu um
número bastante baixo de dados. Dessa forma, procedemos a um levantamento complementar
das microconstruções com fazer, obrigar, deixar, levar, permitir e mandar no português
brasileiro e faire, obliger, laisser, permettre, demander , e amener no francês, em outras
amostras de escrita. O objetivo deste levantamento foi o de realizar uma verificação
independente da frequência de cada uma dessas construções, o que permite neutralizar a
possível influência da amostra nas distribuições observadas.
Para o português, esse levantamento foi feito na base de dados NILC/São Carlos
(Núcleo Interinstitucional de Linguística Computacional da Universidade de São Paulo – São
Carlos, parte do acervo Linguateca.55 Essa base, contendo um total de 35.699.765 palavras,
reúne versões digitais e anotadas de textos do português brasileiro, representativos dos
domínios jornalístico e didático. A amostra conta com dados do jornal Folha de São Paulo, no
ano de 1994, retirados dos cadernos AgroFolha, Brasil, Caderno Especial, Cotidiano,
Dinheiro, Empregos, Esporte, Folha Ciência, Folhateen, Folhinha, Fovest, Ilustrada, Mais!,
Mundo, Opinião, Revista Folha, Tudo, Turismo e Veículos.
Para o francês, a pesquisa foi feita na plataforma do projeto ScienQuest, do qual
selecionamos o corpus escrito Est Républicain, uma base de dados com um total de
15.668.642 palavras.56. Essa base é constituída por textos oriundos de 58 números da seção
“quotidien regional” do referido jornal, no período de 1999 a 2003. Esta amostra possui um
número menor de palavras do que a amostra independente para o português, porém é o corpus
disponível para consulta em francês que mais se aproxima dos corpora estudados.
Tanto o NILC quanto o Est Républicain são corpora anotados e etiquetados, ou seja,
todos os textos possuem informações morfossintáticas associadas a cada elemento. Desta
forma, foi possível realizar uma busca a partir de palavras-chave e de sequências
combinatórias, que geram listas de ocorrências de uma determinada forma. No corpus do
português, a busca foi realizada utilizando a raiz verbal como entrada, como mostra a figura 1.
55 O Linguateca pode ser encontrado no endereço www.linguateca.pt. 56 A amostra está disponível no endereço www.scienquest.com
87
Figura 6 - Página de busca na base de dados NILC
Para a localização dos dados visados, utilizamos mecanismos de busca automática,
através da localização pela expressão [lema=”verbo”]
[pos!=”V.*”]@[temcagr=”INF”&func=”.*#ICL\-<ACC.*”]. Através dessa expressão de
busca, apenas substituímos a variável V1 pelos verbos selecionados na pesquisa. Na figura
7, vemos como os resultados são apresentados:
88
Figura 7 - Pesquisa na Amostra NILC para o verbo deixar
Para o francês, utilizamos um critério de busca semelhante, mas partindo apenas do
verbo na forma infinitiva, pois há a opção de listagem de itens flexionados, como mostra a
figura 8.
Figura 8 - Apresentação do modo de pesquisa do ScienQuest
89
Figura 9 - Página de busca pela forma laisser
´ Nos capítulos 5 e 6, compararemos os valores obtidos neste levantamento aos que
foram atestados nas amostras de textos jornalísticos, considerando a frequência de ocorrência
de cada microconstrução, a fim de assegurar as tendências identificadas na amostra de jornais
selecionada para este estudo.
Neste capítulo, apresentamos os objetivos e hipóteses mais que norteiam este estudo
assim como as hipóteses mais específicas para cada um dos grupos de fatores analisados neste
estudo de construções causativas analíticas no português e no francês. No capítulo 5,
iniciamos a análise dos dados propriamente, focalizando os resultados para as
microconstruções com fazer, obrigar, deixar, levar, permitir e mandar no português
brasileiro. No francês, fazer, obrigar, levar, , deixar, permitir e mandar para o português. No
capítulo 6, discutiremos os resultados obtidos para as construções com faire, obliger, laisser,
permettre, demander e emmener no francês, comparando-os com os que foram obtidos para o
português.
90
5 CONSTRUÇÕES CAUSATIVAS NO PORTUGUÊS: ASPECTOS SEMÂNTICOS E
SINTÁTICOS
Neste capítulo, discutiremos os resultados encontrados na análise das
microconstruções causativas com os verbos fazer, obrigar, deixar, permitir, mandar e levar
do português nos três esquemas causativos propostos: [SN1 [V1 SN2 V2INF]], [SN1 [V1 Conec
SN2 V2FIN]] e [SN1 [V1 NOM (SPrep)Oblíquo]]. Inicialmente, apresentamos a distribuição geral
dos dados, discutimos a produtividade dos subesquemas propostos para as construções
causativas e sua frequência token de acordo com o V1. Na sequência, discutiremos os
resultados para cada microconstrução, de acordo com os grupos de fatores investigados,
destacando não só o conjunto de propriedades associadas a cada microconstrução como
também as peculiaridades de cada uma delas. Por último, apresentamos uma proposta de
organização em rede dessas construções.
5.1 Frequência das microconstruções causativas
Embora este estudo se concentre num conjunto mais específico de microconstruções
causativas do português, foi feito previamente um levantamento de todas as formas verbais
que podem ocupar (ou são licenciadas) na posição V1 do esquema [SN1 [V1SN2 V2]], na
amostra de textos jornalísticos. A tabela 1 apresenta a relação das formas encontradas assim
como o número de tokens de cada uma delas.
Verbo Ocorrências
Verbo Ocorrências
FAZER 23 resultar 3
LEVAR 21 provocar 2
PERMITIR 18 compelir 1
OBRIGAR 13 convencer 1
DEIXAR 8 autorizar 1
MANDAR 5 induzir 1
impedir 5 causar 1
proibir 4 ameaçar 1
favorecer 3 pressionar 1
Total Types = 18 Tokens = 113
Tabela 1 - Frequência type e token das microconstruções causativas na amostra do português
91
Segundo os resultados da tabela 1, a frequência type da construção causativa é bastante
ampla (18), mesmo em uma amostra pequena. Há um número significativo de possibilidades
que podem preencher o slot V1.
Podemos perceber também que há diferentes tipos de verbos instanciados por essas
microconstruções, indo de formas verbais mais estritamente causativas (fazer, levar, obrigar,
impedir, resultar, provocar, compelir, convencer, induzir, causar), que implicam que o
resultado desejado é alcançado, para mais permissivos (permitir, deixar, mandar, proibir,
favorecer, autorizar, ameaçar, pressionar), que presumem a autoridade do sujeito para
permitir ou proibir, com um desejo implícito de afetar o causado, mas que não implicam,
obrigatoriamente, a realização do evento ou estado de coisas pelo causado.57
Como vemos na tabela 1, valores mais expressivos de tokens são observados para as
construções causativas focalizadas neste estudo: fazer, levar, permitir, obrigar, deixar,
mandar. No gráfico 1, em que consideramos apenas o total dessas construções, destaca-se a
predominância das microconstruções com permitir, fazer e levar.
Gráfico 1 - Distribuição das microconstruções causativas em português
O baixo índice de microconstruções causativas na amostra analisada (88 tokens) pode
ser uma consequência da própria amostra, que engloba apenas textos escritos. Como já
57Para Sweetser (1990), verbos como deixar e permitir configuram mais possibilidade do que
causação. Em algumas línguas, derivam da possibilidade ou do senso de possibilidade epistêmica, com
um significado próximo de “tornar possível”.
26,1
14,8
23,9
20,4
9,1
5,7
Fazer
obrigar
levar
permitir
deixar
mandar
92
mostraram outros autores, construções causativas tendem a ser mais frequentes no discurso
oral (cf. GILQUIN, 2006).
O gráfico 1 deixa evidente a frequência equivalente das microconstruções com os
verbos fazer (26,1%), levar (23,9%) e permitir (20,4%). As microconstruções com deixar e
obrigar apresentam, respectivamente, 14,8% e 9,1%. A microconstrução com mandar, por
sua vez, corresponde a apenas 5.7% dos dados do português. A menor recorrência de obrigar
e principalmente de mandar pode ser uma consequência do seu valor de imposição (deôntico)
inerente (MOURA NEVES, 1996, p. 163), o que impõe condições contextuais mais restritas,
requerendo, por exemplo, maior assimetria entre causador e causado. Considerando
unicamente o critério de frequência, há alguma evidência da centralidade da microconstrução
com fazer, no grupo das resultativas, e da microconstrução com permitir no grupo das
permissivas.
O baixo número de dados atestados na amostra impôs a necessidade de uma
verificação independente da frequência das microcontruções causativas. O levantamento dos
dados da amostra NILC, composta de textos jornalísticos, permite constatar que a distribuição
das microconstruções causativas analíticas consideradas é bastante similar à que foi atestada
na amostra midiática do PEUL, embora haja algumas diferenças, como mostra a tabela 2.
VERBO Número de tokens Frequência de
ocorrência
Frequência absoluta
de V no corpus
fazer 5081 38,85% 65009
permitir 2328 17,80% 5335
levar 1969 15,05% 12863
deixar 1829 13,98% 12549
mandar 1370 10,47% 2021
obrigar 501 3,83% 3038
Total 13078 100815
Tabela 2 - Frequência das microconstruções causativas no corpus NILC
As microconstruções com fazer, permitir e levar apresentaram maior frequência token,
como observado na amostra organizada para este estudo, embora de uma forma mais
gradiente. No entanto, diferentemente do observado na “Amostra do Discurso Midiático”,
microconstrução com fazer destaca-se com frequência significativamente maior (38,5%) do
93
que as duas outras microconstruções. Além disso, a microconstrução com mandar apresenta
um índice de ocorrências muito mais expressivo do que aquela com obrigar, com índice de
apenas 3,83%. Essas pequenas diferenças de distribuição conduzem a crer que características
inerentes à nossa amostra possam ter influenciado de alguma forma os resultados encontrados.
Antes de mais nada, é necessário considerar que a distribuição das construções em
foco é bastante diferenciada por gênero textual, como mostra a tabela 3:
microconstrução crônica art. opinião editorial notícia
N % N % N % N %
deixar 3 25 1 8,3 2 10,5 2 4,4
fazer 3 25 3 25 4 21,1 13 28,9
levar 0 0 1 8,3 5 26,3 15 33,4
mandar 2 16,7 2 16,7 0 0 1 2,2
obrigar 1 8,3 2 16,7 6 31,6 4 8,8
permitir 3 25 3 25 2 10,5 10 22,2
Total 12 12 19 45
Tabela 3 - Distribuição das microconstruções causativas por gênero textual em português
Qualquer interpretação dos resultados da tabela 3 exige cautela, considerando o baixo
número de dados por célula. Destaca-se, no entanto, que o gênero notícia é o que detém a
maioria das construções causativas analíticas (51%), distinguindo-se significativamente dos
demais. Nesse gênero é registrada a maior frequência das microconstruções com fazer, levar e
permitir. A microconstrução com obrigar, por outro lado, é mais recorrente nos editoriais,
enquanto a microconstrução com deixar é um pouco mais recorrente nas crônicas. A
microconstrução com a forma mandar, por sua vez, se distribui de forma mais equilibrada nas
crônicas, e artigo de opinião e está ausente dos editoriais.
Em certa medida, a distribuição acima destacada pode ser explicada em relação a
algumas características composicionais e de estilo dos gêneros considerados. Assim, uma das
características das notícias, como já vimos no capítulo 4, é a maior frequência de sequências
94
narrativas. Segundo a caracterização de Adam (1992), a sequência58 narrativa apresenta uma
sucessão de eventos, geralmente em ordem cronológica linear e sua história é sustentada pelo
que Bronckart (1999) denomina intriga. Uma das relações semânticas inerentes à organização
de sequências textuais narrativas é a de causa-efeito. Se admitimos que as microconstruções
com fazer e levar, pelo menos em princípio, conceptualizam relações causais mais
prototípicas, os textos de notícias seriam o locus mais favorável.
A microconstrução com obrigar, por sua vez, foi mais recorrente em editoriais, o que
pode ser devido não só à natureza mais argumentativa deste gênero como também por
características das microconstruções com obrigar, como mostraremos um pouco mais à
frente. Para a microconstrução com mandar, os dados se distribuem entre crônicas e artigos
de opinião, que frequentemente são escritos em primeira pessoa.
Um ponto central a considerar envolve a relação entre o significado da construção, o
do V1 e a frequência relativa de cada microconstrução. A nosso ver, a motivação do
significado da construção causativa não resulta apenas da relação entre os elementos causador
e causado. Como admite Stefanowitsch (2001), o significado da causação pode ser motivado
também pelo significado do verbo que ocupa a posição V1. A frequência de ocorrência de
cada microconstrução reflete também a frequência dos itens verbais considerados
isoladamente; desta forma, os verbos deixar, fazer e permitir são abundantes nos corpora em
vários contextos de uso, e também o foram para as construções causativas. Para Lakoff
(1987), os verbos causativos se relacionam com sua forma lexical por meio de links
metafóricos baseados em modelos mais gerais, os quais exprimem a estrutura de estados de
coisas que origina a representação das construções causativas.
Como já discutimos no capítulo 3, as formas sancionadas pelo esquema
[SN1[V1SN2V2]], embora apresentem um componente comum de significado, apresentam
particularidades sintáticas e semânticas. Assim, as microconstruções em análise neste estudo,
embora se afastem de sua origem lexical, podem manter algumas de suas propriedades, como
é o caso do verbo fazer, que preserva o traço de dinamicidade. A possível relação entre a
construção e o item lexical será retomada nas seções seguintes dedicadas às propriedades do
constituinte causador, do constituinte causado e do resultado visado/obtido.
58Segundo Adam (1992), a sequência é um mecanismo de textualização formado por um
conjunto de proposições psicológicas que se estabilizam e compõem os variados gêneros. (cf.
também Bonini, 2005)
95
Um outro aspecto importante a considerar é que, embora todas as formas causativas
em foco sejam licenciadas pelo esquema mais abstrato [SN1 [V1 SN2 V2]], elas se concretizam
em subesquemas distintos, de acordo com a forma como se realiza o predicado dependente.
Essas possibilidades são abordadas na próxima seção.
5.2 Forma de realização do predicado dependente
Como já adiantado no capítulo 3, o predicado dependente da maior parte das
microconstruções causativas do português pode ser realizado em forma finita, não finita ou
como nominalização, como é o caso dos usos do verbo permitir, exemplificados em (47), (48)
e (49), respectivamente:
(47) A reforma previdenciária é outra demanda urgente, de modo
aimplementar finalmente um sistema de capitalização no qual o benefício
de cada servidor seja proporcional às contribuições por ele efetuadas ao
longo da vida profissional. Uma previdência racional é o caminho para a
geração de maior poupança interna, que permita reduzir taxas de juros e
dependência de recursos externos. Só assim o país poderá praticar
taxasde investimento compatíveis com as necessidades de suaeconomia. (O
Globo, 28/10/02, Brasil: um novo desafio)
(48) Uma parceria entre a iniciativa privada e a prefeitura permitirá que
um projeto idealizado há um ano e meio saia do papel. O prefeito
César Maia assinou ontem um convênio com empresários, que finan-
ciarão parte dasobras de implantação de uma alça que interligará as
avenidas Ayrton Senna eAbelardo Bueno, na Barra da Tijuca. (O
Globo, 24/10/02, Barra e Recreio ganham pacote de obras).
(49) Há municípios onde a legalização dos terrenos da periferia pode ser
conseguida com a simples boa vontade da prefeitura e dos poderes do
lugar. Se o governo federal organizar uma pequena estrutura em meia dúzia
de municípios pequenos e médios, em um ano cria uma base que poderá
permitir a entrada do projeto em grandes cidades. Basta inverter a
equação. Em vez de apresentar o projeto como se fossea obra, começa a
obra e depois fatura o projeto. (O Globo, 26/03/03, A tradição petista é um
caminho)
As três possibilidades exemplificadas acima estão sujeitas a restrições lexicais:
nominalizações são possíveis com obrigar, levar e permitir, mas não com fazer, mandar e
deixar que admitem apenas complementos oracionais. Como já colocado no capítulo 3, cada
uma dessas possibilidades é considerada neste estudo como um subesquema possível da
construção mais abstrata [SN1 [V1SN2 V2]]↔[ causação]]. Para muitos autores, elas
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constituem diferentes graus de integração entre as orações da construção causativa (cf.
Givón, 1991). Esta diferença formal estaria relacionada, por sua vez, com causação direta ou
indireta: a causação direta seria refletida em complementos em forma não finita, pois é
semanticamente motivada. A causação indireta, mais complexa em número de eventos,
motivaria o uso de formas finitas na codificação do evento causado.
Como mostram os resultados da tabela 4, claramente, o esquema [SN1[V1SN2V2]] é o
de maior frequência type, ou seja, o que licencia o maior número de microconstruções.
Complemento fazer levar obrigar mandar permitir deixar Total
N % N % N % N % N % N %
Não finito 17 73,9 14 66,7 12 85,7 5 100 7 38,9 6 75 61
Finito 6 26,1 0 0 - 7 38,9 2 25 15
Nominalização - 7 33,3 1 14,3 0 4 22,2 - 12
Total 23 21 13 5 18 8 88
Tabela 4 - Realização do complemento das microconstruções causativas em português
Como mostra a tabela 4, todos os V1 considerados nesta análise apresentam
complementos em forma não finita. Essa forma de realização do resultado é predominante nas
microconstruções com os verbos deixar (75%), exemplificada em (50), e fazer (73,9%), levar
(66,7%), que não apresenta complemento finito, e é categórica, na microconstrução com
mandar, exemplificada em (51):
(50) Quem é o prefeito empreendedor? Aquele que respeita a Lei de
Responsabilidade Fiscal e entende ser necessário deixar a sociedade
desenvolver os seus próprios negócios. O que cria o ambiente adequado
para os pequenos negócios florescerem e fortalece as micro e pequenas
empresas já existentes. Aquele que desburocratiza e facilita a abertura de
empresas, reduzindo especialmente impostos que dificultam a produção. O
que estimulao empreendedorismo nas escolas públicas e privadas, no corpo
docente e discente. E ainda aquele que institucionaliza o microcrédito, com
taxas de juros abaixo da média do mercado, e proporciona fácil acesso ao
novo empreendedor. (JB, 02/06/03. O empreendedorismo e as prefeituras)
(51) Dei umas risadinhas amarelas etc. e tal, contei umas duas piadas de mé-
dico, ele me mandou calar a boca e respirar na máscara - minhas não
sei das quantas de oxigenação estavam inferiores às da superfície da Lua.
(O Globo, 03/11/02. Voltando, mas sem muita convicção).
97
A predominância de complementos não finitos com ou sem flexão nas construções
causativas confirma a conclusão de Bittencourt (1995), de que essa é a forma de estruturação
preferencial das construções causativas. Destacamos que dentre os dados analisados,
encontramos apenas um caso de infinitivo flexionado, transcrito no exemplo (52):
(52) O governo de Luiz Inácio Lula da Silva beneficia-se do fato de que
muito já se discutiu sobre a legalidade dessa reforma. Inclusive no
Supremo, cuja interpretação do alcance da idéia do direito adquirido, no
caso da Previdência, permite a Lula e equipe negociarem politicamente
as mudanças no Congresso com a certeza de estarem pisando em terreno
firme do ponto de vista jurídico e constitucional. (O Globo, 17/01/03. Base
legal)
Complementos na forma de orações finitas ou nominalizações são claramente menos
utilizados, com apenas 15 ocorrências para não-finitas e 13 para nominalizações, e mais
restritas a alguns V1. Apenas as microconstruções com os verbos deixar, fazer e permitir
ocorreram com orações expandidas, com forma verbal no subjuntivo, como em (53):
(53) Minha maior preocupação é alertar os jogadores porque nada foi
conquistado até agora. Nos últimos dias, todos vêm sendo procurados com
mais insistência pela imprensa, mas isso não deve atrapalhar o nosso
trabalho. Estamos muito próximos do nosso objetivo e não vamos deixar
que isso seja prejudicado pela vaidade - diz Roy, que admitiu que o
friozinho na barriga é inevitável e previa uma noite mal dormida para ele e
todo o grupo. (O Globo, encontro de líderes na Serra)
A instanciação de permitir com complementos finitos obtém frequência um pouco
mais significativa com um percentual de 38,9% e com fazer alcançam uma média de
aproximadamente 26%. Complementos finitos de fazer são precedidos pela preposição com,
como já destacado por Bittencourt (1995) e Cezario (2000), resultando em maior
distanciamento entre o causador e o causado, como no exemplo (54).
(54) Abel Braga já tinha desistido da Taça Rio, depois do jogo de sábado,
em que o Flamengo foi derrotado pelo Olaria por 1 a O. No dia seguinte,
antes do clássico no Maracanã, o técnico se dizia disposto a aproveitar os
três jogos restantes do segundo turno para fazei experiências. A goleada de
4 a O do Vasco sobre o Fluminense fez com que ele refizesse os planos.
(JB,09/03/04, Fla volta a ter esperança)
98
A baixa ocorrência de V2 em forma finita pode estar ligada, pelo menos em parte, ao
fato de que complementos finitos de verbos causativos requerem a forma de subjuntivo, o que
imprime à construção menor grau de certeza, ou seja, o estado de coisas é apresentado como
uma possibilidade (cf. BECHARA, 2009, MIRA MATEUS ET AL., 2004, ALMEIDA,
2010). Sobre o mesmo tema, Matheus et al. (2004) declara que o subjuntivo trata de um
estado de coisas possível, que ocorre em contextos de dúvida, volição, necessidade subjetiva,
obrigação, ordem, permissão e proibição. Com isso, seria o uso obrigatório em estruturas
causativas como as que estudamos aqui. No entanto, podemos notar que complementos na
forma finita são significativamente mais raros na construção causativa em estudo. Tal redução
pode estar relacionada a um processo mais amplo de redução no uso de formas de subjuntivo
no português, como mostra, por exemplo, Almeida (2010). De acordo, com a autora,
frequentemente o valor de incerteza e/ou possibilidade expresso pelo subjuntivo vem se
reduzindo, dando lugar a outros mecanismos linguísticos, tais como a modalidade da
proposição ou o uso de negação. (cf. também CALLOU E ALMEIDA, 2009; CALLOU,
2012)
Complementos nominalizados em que, ao que tudo indica, caracterizados por uma
desagentivização do causado, são igualmente mais restritos a algumas microconstruções,
ocorrendo apenas com levar e permitir, com frequência, respectivamente de 33,3% e 22.2%,
usos exemplificados em (55) e (56).
(55) É de se notar também a ausência do Juizado de Menores, tão ágil e
preocupado quando se trata de intervir em desfiles de moda e programas de
televisão. Como é possível permitira permanência na rua de crianças de
todas as idades, frequentemente maltratadas pelos maiores que as
utilizam? (O Globo, 21/01/03, Desordem urbana)
(56) Já no discurso de ontem, falando agora mais diretamente para o povo,
Lula reconheceu que apesar das restrições orçamentárias para 2003, ainda
há espaço para uma atuação que leve à geração de empregos e de
oportunidades de educação para as camadas de baixa renda. Além de ter
prometido um combate mais duro contra a fome. (JB, 29/10/02,
Expectativa e Sensatez)
Embora a microconstrução com obrigar admita complementos na forma de
nominalização, encontramos apenas um dado deste tipo, com o verbo matriz no gerúndio,
mostrado no exemplo (57):
99
(57) É um passo mais modesto, mas mesmo assim indispensável. Quer
tornar o sistema partidário mais sólido, obrigando os políticos a um
investimento maior nas agremiações, no seu programa, na defesa de suas
políticas, na sua disciplina parlamentar, se querem progredir na própria
carreira política. É o que esperamos obter com a introdução do voto em
lista, preordenada pelas convenções partidárias. A campanha eleitoral será
a do partido, não a do candidato individual, e centrar-se-¬á, por força, na
discussão programática, no debate das políticas que o partido propugna.
(JB,Por que reforma política, 09/03/04)
Retomando o esquema apresentado na figura 5, proposto no capítulo 3, podemos
distribuir as microconstruções em análise da seguinte forma:
Figura 10 - Representação esquemática microconstruções causativas analíticas em português
Ao longo das seções seguintes, quando discutimos os resultados para propriedades
sintáticas e semânticas dos diversos constituintes da situação causativa, essas diferentes
formas de realização do resultado serão retomadas, com o objetivo de identificar as
propriedades de cada um dos subesquemas.
5.3 Propriedades do SN causador
No capítulo 3, já destacamos a importância das propriedades ligadas ao constituinte
causador na forma como se instaura a relação de causatividade. Nesta seção destacamos as
diferenças atestadas no uso das construções causativas nos textos jornalísticos quanto ao papel
temático do sujeito causador, sua agentividade e controle do estado de coisas causado.
100
5.3.1 Papel temático do causador
Para muitos autores, o papel temático do sujeito é, em grande parte, motivado pela
semântica verbal, já que, como defende Chafe (1979, p.97), ela se estende sobre os
participantes que o acompanham, determinando sua escolha. Assim, por exemplo, os
denominados verbos prototipicamente dinâmicos, como os de ação-processo selecionam, mais
frequentemente, um sintagma nominal com semântica de agente, animado, e outro de paciente
animado ou não. De forma semelhante, Givón (1991) propõe que a estrutura transitiva
prototípica apresenta três propriedades na sua representação semântica: i) agentividade, ou
seja, um sujeito como um agente ativo, intencional, responsável pelo evento; ii) afetação: um
objeto que é um paciente afetado, não intencional e iii) perfectividade: evento não durável,
completo, que ocorre em tempo real. (cf. também, OLIVEIRA, 2000).
De forma um pouco diferente, Mira Mateus (2003) e Moura Neves (2010) admitem
que, em razão da sua dinamicidade inerente, eventos e processos exigem, pelo menos, uma
entidade que realiza ou sofre um “fazer”, que pode mudar de lugar ou estado59, mas podem
não necessariamente requerer um elemento afetado.
As construções causativas, conforme exposto no capítulo 3, se aproximam das
construções transitivas, selecionando, pelo menos, dois argumentos, sendo um deles um
argumento externo, o causador, e um elemento afetado, o causado e um evento de
afetamento (cf. OLIVEIRA, op. cit). O causador protípico é um agente do evento de
afetamento, como no exemplo (58).
(58) Acordava com o coração aos pulos. Achava que o monstro já tinha me
pegado. Um dia meu pai me obrigou a abrir a porta e constatar que eram
apenas folhas e abacates. Graças a isso, hoje interajo com fantasmas e
almas penadas, numa boa. (O Globo, 21/10/02, Amedrontado)
No entanto, em muitos casos, o causador pode não ser efetivamente um agente, mas
sim a fonte ou o instrumento que desencadeia ou torna possível uma ação ou uma mudança de
estado indicada pelo verbo causativo. Numa perspectiva de dinâmica de força, o causador
constitui o ponto inicial de uma cadeia de causas e efeitos, como nos exemplos (59) e (60).
59Para a linguista, os predicadores de evento indicam um“fazer”, enquanto os predicadores de processo
mostram um “tornar-se”, ou seja, os eventos indicam uma alteração de estado e os processos
exprimem um fazer entre dois eventos, delimitados no tempo.
101
(59) Nessa brevíssima panorâmica do direito adquirido na história do Direito
Constitucional brasileiro se deve registrar, para elevar-lhe a irrecusável
transcendência, que a sua unânime aceitação permitiu que fosse tratado ao
tempo em que entrava em vigor o monumental Código Civil de 1916, nas
palavras, sempre judiciosas, de Clovis Bevilacqua. (JB 02/06/03, Declínio
da Constituição)
(60) O prefeito Cesar Maia vetou integralmente, ontem, o Projeto de Lei
Complementar, aprovado pela Câmara Municipal em novembro e que
autorizaria a regularização de obras de construção, modificação e
acréscimos realizados sem a devida legalização, os chamados
"puxadinhos". O prefeito justifica em seu veto, respaldado em parecer da
Procuradoria Geral do Município, que a lei permitiria “aos mais
aquinhoados economicamente a perpetuação das irregularidades, o que não
se coaduna com o princípio constitucional de observância do prévio
ordenamento urbano”. (Povo, 19/12/03, Puxadinhos são vetados)
Embora possamos dizer que a relação de causatividade está presente nos três exemplos
considerados, o constituinte causador apresenta características bastante distintas.
Tradicionalmente, o sujeito agentivo está associado às propriedades de manipulação e volição,
ou seja, o agente é manipulador e volitivo, enquanto a fonte é não manipuladora e não volitiva
e o instrumento é manipulador e não volitivo (IGNÁCIO, 2006). Para Langacker (1991) quem
encabeça a rede de ações é o agente, que inicia uma transmissão de energia. No caso de
sujeito instrumental, este não tem força por si mesmo, mas transmite a energia herdada de um
agente para um paciente.
O traço volitivo está diretamente relacionado ao de animacidade. Como já propunha
Fillmore (1971), o papel de agente é desempenhado por um argumento animado e intencional,
e sua vontade é responsável pela ação descrita. No papel temático de fonte ou origem, o
sujeito é tipicamente não animado. Pode-se ponderar, porém, como propõe Cançado (1995, p.
102), que
de fato, na atribuição de agentividade, sempre se pode mostrar que um certo evento
foi causado pela ação de um agente. Observe-se que a noção de causalidade
envolvida nessa descrição é a relação que se estabelece entre dois eventos: o que o
agente fez e o que resultou de sua ação. Mas nem todo evento que se atribui a um
agente pode ser explicado como causado por outro evento.
É importante ressaltar, ainda, que, nas construções causativas, tanto agentividade
quanto volição envolvem aspectos discursivo-pragmáticos que ultrapassam a semântica verbal
(cf. MOURA NEVES, 2010). Em algumas construções, a agentividade do sujeito da oração
102
principal se dá pelo exercício de coerção e controle externo para que o objeto da oração
realize, efetivamente, a ação solicitada. Em muitos exemplos das microconstruções
causativas, parece haver uma força superior ao agente que o faz tomar uma atitude, ou ainda,
casos em que a causação parece acidental. No exemplo (61), não se pode atribuir volição ao
ponto inicial da cadeia de força.
(61) Preferi ver Friburguense e Vasco. Não acreditava no Valdir nem no
Beto, que voltou menos mal do que se poderia imaginar. Minha
curiosidade estava no time serrano. Só o tinha visto uma vez e me deixara
boa impressão. Muito me fazia lembrar o São Caetano, quando apareceu e
surpreendeu, nos tempos iniciais de Jair Picerni. (Extra, 1103/04, O time de
Abedí)
Em (61), o time Friburguense não tem a intenção de provocar memórias no jornalista e
não realizou seu trabalho prevendo este fim, porém indiretamente se torna um agente
provocador que faz o autor do texto se lembrar de outro time de futebol.
No exemplo (62), por sua vez, o agente acaba por realizar uma ação que provoca um
evento inadequado, após um erro de arbitragem:
(62) Nunca vi a justiça virar tão rápido contra o feiticeiro como aconteceu,
ontem, com o juiz Edílson Soares da Silva. Marcou contra o América um
pênalti de nítida bola na mão. Minutos depois, foi levado a assinalar um
outro, dessa vez contra o Vasco. Detalhe: o jogador estava de costas para a
bola. (Extra, 05/03/04, olha a poeira,)
Como podemos notar, o árbitro parece ser, ao mesmo tempo, agente e paciente da ação.
Embora possa ser responsabilizado pela marcação do pênalti, alguma força independente da
sua vontade o conduziu a avaliar o lance de forma equivocada, o que fica claro com o uso da
passiva.
Em uma oração com sujeito fonte, subentende-se que há uma força que desencadeia a
ação ou reação. Essa força pode ser física, concreta ou abstrata, mas não se pode dizer que o
sujeito possua um papel de desencadeador do resultado, apesar de dar origem a ele, como
vemos no exemplo (63):
(63) Impulsionado por um amplo desejo de mudança, o presidente eleito
ontem assumirá em Brasília, no dia 1º de janeiro, para enfrentar grandes
desafios. E para vencê-los, terá de demonstrar a mesma persistência que
fez um retirante nordestino sobreviver no ABC paulista, ajudar a
103
organizar um movimento sindical moderno e fundar o Partido dos
Trabalhadores, outro símbolo do avanço da organização social no país. (O
Globo, 28/10/02, os desafios)
Uma situação semelhante se coloca no caso de sujeito instrumental. No exemplo (64),
a “lâmpada” não exerce a atividade de manipulação causativa diretamente, mas sim se torna
um meio para a mudança de estado emocional no objeto afetado (Rosa). Neste caso, a
lâmpada é um elemento concreto inanimado, ao qual não se pode atribuir volição.
(64) Ao despertar e antes de deitar-se, Rosa ajoelha-se diante do sacrário
para dialogar com seu Senhor. A lâmpada vermelha que "denuncia" a
presença real e misteriosa atrai seu olhar e a faz sentir que ali está seu
último refúgio, que é também abrigo dos refugiados com quem trabalha.
(JB, 08/03/04, Umas e outras)
Esperávamos uma maior frequência de sujeito agentivo, uma vez que a noção
prototípica de causatividade presume o significado de que há uma coerção imposta por
alguém para que seja realizada uma ação ou mudança de estado, e entendemos que há o
exercício de coerção para que se concretize o resultado (GIVÓN, 1991; GOLDBERG, 1995;
TAYLOR, 1989). No entanto, de acordo com os resultados da tabela 5, a maior parte dos
dados se refere a causadores inanimados, como instrumento ou fonte, embora essa
distribuição varie de forma importante de acordo com o V1.
Complemento fazer levar obrigar mandar permitir deixar Total
N % N % N % N % N % N %
Agente
coletivo 2 8,7 0 1 7,7 2 40 1 5,6 4 50
10
Agente
individualizado 5 21,7 2 9,5 3 23,1 3 60 0 4 50
17
Instrumento 7 30,4 1 4,8 7 53,8 - 12 66,7 - 27
Fonte 9 39,1 18 85,7 2 15,4 5 27,8 - 34
Total 23 21 13 5 18 8 88
Tabela 5 - Papel temático do SN causador em português
104
Segundo os resultados da tabela 5, apenas nas microconstruções com mandar e deixar
ocorrem apenas sujeitos agentivos (humano individuado ou coletivo), como nos exemplos
(65) e (66):
(65) Anteontem a polícia já adotara solução parecida para outra provocação,
mandando cobrir com tinta branca as iniciais TC pichadas na parede do
quartel. Já a sigla CV continuava à vista de todos até o fim da tarde de
ontem. (O Globo, 25/09/02,o mural do trafico no Batalhao da PM)
(66) No dia 31 de março de 1964, a elite burguesa se recolheu à sombra e
deixou que as fileiras dos militares insatisfeitos se deslocassem de Minas
Gerais rumo ao Rio de Janeiro para desafiar o poder constituído e o
comando militar a quem deveriam obedecer, e cujo comandante em chefe
era o presidente da República. Vitória garantida, saiu às ruas em estrondosa
comemoração. (JB, 04/03/04, Os ipês e a ideologia do golpe)
A associação categórica da microconstrução com mandar e sujeito agentivo exemplifica
bastante bem a questão levantada acima acerca da importância dos traços do V1. O ato de
“mandar” (ordenar) configura uma relação hierárquica obrigatória entre quem ordena e aquele
que é ordenado, ou seja, entre o causador e o afetado. Em muitos casos, a possibilidade de dar
ordens pode estar atrelada à intenção de afirmar a posição de poder de quem ordena. No caso
de (67), a polícia tenta reforçar seu poder e autoridade ao ordenar que as paredes sejam
pintadas, revertendo a ação provocativa do grupo Terceiro Comando (TC).
A causativa com o verbo permitir, embora admita maior variedade de papel temático
do sujeito, coocorre, predominantemente, com um sujeito instrumento (66,7%), como no
exemplo (67):
(67) Com o fim das obras, serão eliminados sinais luminosos de retorno para
a Avenida Abelardo Bueno que provocam engarrafamentos na Avenida
Ayrton Senna, sobretudo em dias de praia. A alça permitirá que o
motorista que venha da Barra passe sob o viaduto da Ayrton Senna para ter
acesso à Abelardo Bueno. Os procedentes da Abelardo Bueno também
passarão embaixo da Ayrton Senna para alcançá-la em direção a
Jacarepaguá e à Linha Amarela. (O Globo, 24/10/02, Barra e Recreio
ganham pacote de obras)
Nas microconstruções com obrigar e fazer observa-se maior variabilidade de tipos de
sujeito, mas, para as duas construções, de forma diferenciada. Na microconstrução com
obrigar predominam sujeitos do tipo instrumento (53,8%). Na microconstrução com fazer,
por outro lado, o índice para sujeitos do tipo fonte é mais alto (39,1), mas o índice de sujeitos
105
animados, considerados conjuntamente, é bastante elevado (30,4%). Essa distribuição vai ao
encontro da conclusão de Vieira (2003) de que com o verbo fazer, a construção causativa
conceptualiza um processo de mudança, acarretado seja por um referente animado seja por
um referente não animado. Silva (2007) em seu estudo para o verbo deixar, afirma que o uso
de sujeito não-animado é mais periférico nessa microconstrução, o que também foi verificado
em nossa amostra, na qual não foram atestadas instâncias para deixar com sujeito não-
animado.
É na microconstrução com o verbo levar que se observa a maior recorrência de
sujeitos do tipo fonte (85,7%) e menor ocorrência de sujeitos agentivos. A microconstrução
mantém uma ideia de movimento, com um estímulo que provoca um resultado, ainda que não
haja causação física. Há indicações, portanto, de polissemia mais acentuada das formas fazer
e levar, com maior frequência de usos que se afastam de uma causatividade prototípica.
Como se pode esperar, as tendências depreendidas acima para papel temático do
sujeito, com base na análise das microconstruções separadamente, são espelhadas nas
diferentes formas de realização do segmento dependente, ou seja, nos subesquemas
postulados: [SN1 [V1 SN2 V2INF]], [SN1 [V1 Conec SN2 V1FIN]] e [SN1 [V1 NOM
(SPrep)oblíquo]]. Embora o papel temático do sujeito não chegue a particularizar inteiramente
esses subesquemas, eles permitem identificar que o esquema correspondente à forma verbal
finita tende a ser não agentivo (apenas 3 ocorrências), com predominância de sujeitos fonte ou
instrumento (12 casos = 80%).
Como mostraremos, na seção seguinte, os resultados discutidos nesta seção se
refletem, necessariamente, na propriedade de intencionalidade/controle do sujeito da situação
causativa.
5.3.2 Intencionalidade do causador
Numa concepção mais estrita de causalidade, como discutido no capítulo 3 e adiantado
na seção anterior, entendemos que o sujeito agentivo possui de forma inerente a intenção de
realizar uma ação. Em outros termos, a intencionalidade está relacionada à vontade do
causador de provocar uma mudança de estado ou uma ação pelo causado. No entanto, é
possível verificar que, em muitos casos, não está claro que haja intencionalidade deste agente.
Além disso, a possibilidade de causação mais indireta com sujeitos do tipo instrumento ou
fonte é uma forte evidência contrária à interrelação entre causatividade e
volição/intencionalidade. Como já mostramos no capítulo 3, mesmo para situações em que a
intencionalidade parece ser inerente à construção, ela pode ser cancelada, como, por exemplo,
106
em “O marido fez a esposa sofrer sem querer”, em que não se pode atribuir a responsabilidade
do sofrimento ao marido, mas a uma agente ou a uma situação externa, independente da
vontade do marido.
A questão da agentividade/intencionalidade na construção causativa pode ser mais
bem entendida na perspectiva de dinâmica de forças, proposta por Talmy (1988), em seu
trabalho “Force dynamics in Language and Cognition”. O autor propõe um modelo sobre o
modo como as entidades interagem no que se refere à categoria força, que engloba conceitos
como o exercício da força, a resistência e a superação da coerção, o bloqueio da força ou sua
remoção, dentre outros aspectos. Assim, o conceito de dinâmica de força (force-dynamics) é
uma generalização da noção de causatividade, pois considera os primitivos envolvidos no
conceito de causa.
Para Talmy, força envolve movimento (Lei de Newton). O autor propõe esquemas em
que os componentes do movimento são descritos como figura, fundo, caminho e modo/causa.
Neste trabalho consideramos a perspectiva de que a construção causativa está ligada à
construção de movimento causado, o que permite entender essas diferentes formas de
expressão de força como metaforicamente motivadas.
Os esquemas de Talmy partem da proposição de que existe um agonista, que se refere
à entidade que exerce a força, e um antagonista, que se opõe a esta força. Dentro dessa
perspectiva, Talmy considera que elementos no domínio da modalidade deôntica codificam
um exercício da força por um antagonista, consciente, sobre um agonista, que é “habilitado a
agir, obrigado a agir, impedido de agir ou licenciado a agir” (SALOMÃO, 2008, p. 98).
Salomão apresenta o seguinte quadro para a caracterização de diversas formas de expressão
da modalidade deôntica na transferência de forças, de acordo com Talmy (2000):
107
Quadro 3 - Representação das modalidades deônticas na transferência de forças (SALOMÃO, 2008, p.
99)
Como vemos no Quadro 3, a Força do Antagonista é sempre superior à do Agonista:
há duas situações de imposição de Força Direta contrariando a disposição do Agonista (a
saber, as situações representadas por obrigar e proibir). Já no caso de permitir e deixar, o
Antagonista suspende o obstáculo à manifestação da disposição do Agonista e, no caso de
capacitar/habilitar, o Antagonista transfere ao Agonista a Força que é necessária para que este
realize a ação ou mudança de estado visada.
A proposta de Talmy (op.cit.) nos ajuda a entender os diferentes graus de
causatividade nas microconstruções, considerando principalmente o papel do sujeito causador
sobre o elemento causado. A agentividade tem um papel importante no processo de causação,
uma vez que indica de que maneira o causador pode interferir na escolha do causado em
desempenhar ou não a ação pretendida. A agentividade e animacidade colocam a relação de
causatividade em um nível intersubjetivo, em que podemos considerar uma relação de força
ou dominância: quanto maior a agentividade, maior o poder sobre o causado e o resultado.
O sujeito causador pode ser realizado de diversas maneiras, seja como uma entidade
animada e intencional (a), SN causador mais prototípico, não animada e não intencional (b)
ou animada e não intencional (c). Podemos identificar o modelo a como aquele em que temos
uma ação desempenhada e um objetivo/resultado alcançado. Nesses casos, a influência de X
108
pode ser realizada por meio de força física ou coerção por autoridade (TALMY, 1988). O
exemplo (68) ilustra o modelo a.
(68) Se alguém com ascendência sobre José Alencar não fizer ver a ele que
sua função é exatamente delimitada pelo exercício da contenção verbal e
gestual, hoje são os juros, mas amanhã o vice poderá se valer da ocupação
temporária da cadeira presidencial para desautorizar outras posições do
titular do cargo. Trata-se de um filme já visto, com roteiro de turbulências
e final nada feliz. (JB, 03/06/03, Bem pior que a encomenda)
Apesar da negação, no exemplo (68), a proposição é a de que o causador (alguém)
embora indefinido, através de um ato comunicativo, levaria o causado a desempenhar uma
mudança de estado, que geraria um resultado. O sujeito alguém é, possivelmente, um
indivíduo com autoridade política e/ou intelectual sobre o então vice-presidente e a ação
desencadeada pelo sujeito é intencional, uma ação deliberada com o objetivo de obter o
resultado desejado, que é fazer com que José Alencar entenda as restrições de sua função.
De acordo com o modelo b, o causador não tem a intenção de provocar um resultado,
mas sim atua como um motivador de uma ação ou um processo. O dado (69) enquadra-se
neste modelo:
(69) "Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de
ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a
funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser
humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e
tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que
daqui para diante vai ser diferente!" (Carlos Drummond de Andrade)".
(Extra, 02/01/04, Saindo do buraco)
No modelo c podemos ter um causador animado ou não, e o resultado da causação é
uma atividade que decorre da ação do causador, que é um agente provocador desta ação,
como no exemplo (70), em que o sistema de homocinética pode ser entendido como o ponto
de partida (o acionador) da dificuldade em manter a direção do veículo.
(70) O motorista do Tempra, que seguia para o trabalho em companhia da
esposa, disse que seu carro perdeu o sistema de homocinética, fazendo
com que ele não conseguisse manter a direção do veículo. (Povo, 07/01/04,
Acidentes ferem 35).
109
O elemento provocador leva à “não-ação” do motorista, que deveria conseguir dirigir
com segurança, porém foi impedido devido à falha mecânica de seu automóvel. Tipicamente,
neste modelo, o resultado é representado por uma emoção, um processo mental ou um
processo físico, como descreve Stefanowitsch (2001).
A hipótese adiantada no capítulo 4 previa maior ocorrência de sujeito intencional nas
construções causativas. No entanto, como mostram os resultados da tabela 6, predominam, de
forma geral, sujeito não intencional, ainda que haja um número considerável de sujeitos
intencionais.
SN1
fazer levar obrigar mandar permitir deixar Total
N % N % N % N % N % N %
Intencional 5 21,7 2 9,5 6 46,2 5 100 6 33,3 6 75 30
Não
intencional 18 78,3 19 90,5 7 53,8 - 12 66,7 2 25
58
Total 23 21 13 5 18 8 88
Tabela 6 - Intencionalidade do causador nas microconstruções causativas do português
É necessário considerar, porém que as microconstruções causativas em análise se
distinguem de forma acentuada quanto à sua associação com o traço de
intencionalidade/controle.
Nas microconstruções com fazer, levar e permitir é significativamente mais elevada a
ocorrência de sujeito não intencional, com 78,3%, para a primeira, 90,5% para a segunda e
66,7%, para a última. Na construção com obrigar, observa-se menor diferença entre sujeito
intencional e não intencional com o primeiro tipo a 46,2%. Para a microconstrução com
deixar, por outro lado, observa-se a predominância de sujeito intencional (75%) e a
microconstrução com mandar é a única que ocorre apenas com sujeito intencional, como no
exemplo (71), pois não há como dar ordens sem a intenção de ter o pedido atendido:
(71) Era"hilário"assistir ao seu Juvenal chegar à antiga quadra da
Visconde de Niterói e pedindo ao então tesoureiro Cícero dos Santos:
"Cícero. Mande comprar os ovos de Santa Clara, pois está ameaçando
chuva."(Povo, 20/04/04, Seu Juvenal,)
110
Tendo em vista os resultados obtidos, há indicações de que, pelo menos do ponto de
vista de propriedades do constituinte causador, a maior parte das construções causativas em
análise se afasta de uma causatividade prototípica, o que permite considerá-las, em princípio,
como polissêmicas. Esta questão será retomada no final deste capítulo, após a discussão de
propriedades relacionadas ao constituinte causado e ao estado de coisas resultado.
Considerando os subesquemas com os padrões sintáticos das construções causativas
analíticas, vemos que os três tipos apresentam, em sua maioria, sujeitos não intencionais. Há
uma distribuição mais equilibrada no subesquema [SN1[V1Conec SN2 V2FIN]]. Não há
diferença significativa entre as formas finitas e não finitas: em ambas predominam sujeito sem
controle sobre o resultado (67%), ainda que haja mais variação nos possíveis sujeitos
controladores nas instâncias com complemento finito. Nos casos dos dados com
nominalização, a presença de sujeitos não intencionais é quase categórica (90%).
Na seção seguinte, passamos à consideração dos traços do constituinte causado.
5.4 Propriedades do constituinte causado
Como já adiantamos no capítulo 3, o tipo de causação expressa pela construção
causativa está associado também a propriedades do causado, o constituinte que codifica o
referente afetado. Nesta seção, focalizamos a forma de realização sintática deste constituinte,
sua posição em relação a V1 e a animacidade do referente que ele codifica.
5.4.1 Forma de realização do constituinte causado
Nesta seção, focalizamos a forma de realização desse constituinte, sua posição na
construção causal e o traço de animacidade. Consideremos, primeiramente, a forma de
realização do constituinte afetado/causado.
Em decorrência das próprias características do português, o paciente da situação
causativa pode ser realizado como um SN, um pronome ou uma anáfora zero, como mostram
os exemplos (72), (73) e (74), respectivamente.
(72) Dois concursos públicos realizados este ano dão bem a mostra da
situação do desemprego no País. O primeiro, da Comlurb, atraiu mais de
130 mil candidatos para um número de vagas não divulgado na ocasião das
inscrições e um salário que não justificava tamanha procura. O outro foi o
da prefeitura de Rio das Ostras, que atraiu um número de candidatos
superior ao total de habitantes do município, obrigando os organizadores
a recorrer a uma verdadeira operação de guerra para realização das provas
em meados de janeiro. (Povo, 30/12/03, O retrato do desemprego)
111
(73) Hoje percebo que o que me fazia dar a impressão de pertencer era a
materialização da busca de mim mesma que se refletia no grupo, além do
afeto. (JB, 01/11/02, Quebra-cabeças)
(74) A facilidade do triunfo de Toscano Fighter, que mesmo sendo
acometido de hemorragia pulmonar Grau I, distanciou seus adversários
(ganhou por sete corpos) na estréia aqui na Gávea, faz acreditar que, nada
de anormal acontecendo, vá conquistar o segundo triunfo aqui. (Povo,
05/05/03, Pules boas podem acontecer)
Os exemplos acima mostram que, pelo menos do ponto de vista da variação na forma
de realização do constituinte afetado, as construções causativas se comportam como diversas
outras construções do português, admitindo variação entre sujeito explicito (SN ou pronome)
ou anáfora zero. (KOCH, 1990; PAREDES E SILVA, 1993, 2007). No entanto, algumas
particularidades merecem maior atenção. A primeira delas se refere à possibilidade de um
sujeito na forma de anáfora zero. De acordo com o esquema tomado como ponto de partida
para o estudo da construção analítica, o SN de uma construção causativa pode desempenhar
dupla função: objeto do verbo da oração matriz e sujeito da predicação dependente. Dada essa
duplicidade funcional, esse constituinte introduz, na maioria das vezes, informação nova e
apenas sob condições específicas pode ser correferente ao sujeito codificado no constituinte
causador. Como se observa no exemplo (75), já citado, tal possibilidade se apresenta quando
se trata de um sujeito não definido, genérico: em (75) faz acreditar pode ser interpretado
como “fazer acreditar a todos”. Assim, quando o causado é omitido, verificamos um foco
maior no efeito da causação.
Considerando os aspectos destacados acima, a hipótese mais natural é a de que o
elemento afetado em português seja realizado principalmente por um SN, o que se confirma
nos resultados da tabela 7.
Microconstrução fazer levar obrigar mandar permitir deixar Total
N % N % N % N % N % N %
SN 13 56,5 15 71,4 8 61,5 1 20 15 83,3 5 62,5 57
Anáfora Zero 2 8,7 2 9,5 1 7,7 3 60 1 5,5 1 12,5 10
Pronome 8 34,7 4 19,1 4 30,7 1 20 2 11,1 2 25 21
Total 23 21 13 5 18 8 88
Tabela 7 - Forma de realização do causado nas microconstruções causativas do português
112
É importante ressaltar que não ocorrem sujeitos pronominais ou categoria vazia em
complementos finitos ou nominais. Assim, os resultados para essas duas possibilidades se
limitam aos complementos não finitos. Constituinte realizado na forma de sintagma nominal
prevalece em todas as microconstruções, à exceção daquela com o verbo mandar para a qual
três das cinco ocorrências correspondem à anafóra zero (60% dados). Constituinte afetado
pronominal, por sua vez, ocorre principalmente nas microconstruções com fazer (34,7%) e
obrigar (30,7%), como no exemplo (61), retomado como (75), e no exemplo (76).
(75) Preferi ver Friburguense e Vasco. Não acreditava no Valdir nem no
Beto, que voltou menos mal do que se poderia imaginar. Minha
curiosidade estava no time serrano. Só o tinha visto uma vez e me deixara
boa impressão. Muito me fazia lembrar o São Caetano, quando apareceu e
surpreendeu, nos tempos iniciais de Jair Picerni. (Extra, 1103/04, O time de
Abedí)
(76) O presidente do Vasco, Eurico Miranda, afirmou que, se Edmundo
sente-sedesempregado, foi ele quem quis isso. E disse mais: não pode
obrigá-lo a jogar pelo clube cruzmaltino se essa não for a vontade do
craque. - O Edmundo tem que saber o que está falando. Se ele se sente
assim, o que eu posso fazer? Ninguém do Vasco o desempregou ou
demitiu, então isso é problema dele. (Povo, 19/12/02, Edmundo rompe
com o Vasco)
A maioria dos casos de referentes afetados em forma pronominal corresponde a
pronomes clíticos acusativos (16 ocorrências do total de 21), como nos exemplos (75) e (76)
acima. Dentre os 16 casos de afetado em forma de pronome clítico, 6 (37,5%) ocorrem na
microconstrução causativa com fazer e 4, com a micronstrução com obrigar.
Diferentemente do que propõe Silva (2007), para quem o objeto da microconstrução
com deixar não pode ser pronominal, verificamos a recorrência do clítico reflexivo de terceira
pessoa, exemplificado em (77).
(77) A população mais pobre, ainda quando aparentemente se deixa
enganar, sabe que existe um mundo, vizinho do seu, onde esgoto não corre
a céu aberto, onde água de torneira não é privilégio, onde um simples prato
de comida não é luxo, e onde o direito à vida, a salvo do crime e da doença,
é apenas mais um entre tantos predicados que decorrem da cidadania. (JB,
05/10/02, Visão realista)
113
Como se pode esperar, a microconstrução com permitir, em razão da sua grade
argumental (permitir X a Y), fica restrita a complementos na função dativa, ou seja, no papel
temático de beneficiário, como no já citado exemplo (52), aqui retomado como (78):
(78) O governo de Luiz Inácio Lula da Silva beneficia-se do fato de que
muito já se discutiu sobre a legalidade dessa reforma. Inclusive no
Supremo, cuja interpretação do alcance da ideia do direito adquirido, no
caso da Previdência, permite a Lula e equipe negociarem politicamente as
mudanças no Congresso com a certeza de estarem pisando em terreno
firme do ponto de vista jurídico e constitucional. (O Globo, 17/01/03, Base
legal)
Na próxima seção, discutimos a variação na posição dos pronomes e sintagmas
nominais que codificam o referente afetado na construção causativa.
5.4.2 Posição do constituinte causado
Alguns aspectos relativos à posição do constituinte causado (SN2) já foram discutidos
no capítulo 3. Resumidamente, podemos dizer que, em línguas românicas, predomina a ordem
SVO60; o que permitiria esperar que, na construção causativa, o constituinte causado seja mais
frequentemente posposto ao V1. No entanto, esta não é a única configuração possível para as
construções causativas analíticas do português, particularmente naquelas com complementos
não finitos.
Nas construções causativas não finitas foram atestadas três posições possíveis para o
constituinte que codifica o elemento afetado: anteposto a V1, como em (79), posposto ao V1,
como em (80) e posposto ao V2 que codifica o resultado, como em (81).
(79) Se queremos que a Terra reencontre seu equilíbrio, devemos começar
por nós mesmos: fazer tudo sem estresse, com mais serenidade, com mais
amor, que é uma energia essencialmente harmonizadora. Para isso importa
termos coragem de ser anticultura dominante, que nos obriga a ser cada
vez mais competitivos e efetivos. Precisamos respirar juntos com a Terra,
para conspirar com ela pela paz. (JB,05/03/04, Ressonância Schumann)
(80) Em Oswaldo Cruz, região de Nova Alta Paulista, o prefeito Valter Luiz
Martins fez, em sete anos, a arrecadação municipal aumentar 207% em
termos reais.. A cidade, que foi grande produtora de café e mantinha os
velhos galpões abandonados, agora abriga três indústrias que proporcionam
trabalho e renda a mais de 150 pessoas. Ele aplicou recursos em saúde,
saneamento e educação. O resultado foi rápido: o orçamento do município
60 Comrie (1976).
114
passou de R$ 7 milhões, em 1996, para R$ 21 milhões, em 2002. (JB,
02/06/03, O empreendedorismo e as prefeituras)
(81) O Congresso pode, sem dificuldades, fazer tramitar mais de uma
proposta de mudança constitucional ao mesmo tempo. Como cada
projeto fica numa comissão, é possível ganhar tempo nas urgentes
alterações na Constituição requeridas pelo país. (O Globo, 22/01/03, Sem
desculpas)
No esquema com orações finitas, e nos casos de complemento nominalizado, o
constituinte afetado tende a ocupar posição fixa. No caso das causativas finitas, a posição de
sujeito da predicação dependente é categórica e segue a tendência SVO. No caso de
complemento nominalizado, o esquema menos produtivo, categoricamente o elemento afetado
se apresenta na forma de um SPrep com função oblíqua, como no exemplo (82).
(82) Com a pretendida reforma da Previdência, o quadro da pesquisa
nacional, que há muito apresenta situação crônica de falta de recursos, mas
de muito idealismo e abnegação, tende a se agravar, com a corrida à
aposentadoria de cerca de 1 mil e 500 pesquisadores bolsistas de estágio
mais avançado do CNPq, conforme adverte a cientista GlaciZancan,
presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. O número
tende a crescer se considerarmos pesquisadores na faixa de 50 anos de
idade que trabalham em instituições congêneres. A debandada pode
alcançar ainda até 13% dos 42 mil professores das universidades federais,
levandoà aposentadoria pesquisadores na faixa de 55 anos,
extremamente produtivos, o que vai criar um vazio de difícil reposição.
(JB, 02/06/03, Debandada de cérebros)
Em apenas dois dados da microconstrução com permitir, foi constatada a possibilidade
de deslocamento do Sprep para a posição contígua ao Vcausa, como em (83)
(83) O prefeito Cesar Maia vetou integralmente, ontem, o Projeto de Lei
Complementar, aprovado pela Câmara Municipal em novembro e que
autorizaria a regularização de obras de construção, modificação e
acréscimos realizados sem a devida legalização, os chamados
"puxadinhos". O prefeito justifica em seu veto, respaldado em parecer da
Procuradoria Geral do Município, que a lei permitiria “aos mais
aquinhoados economicamente a perpetuação das irregularidades, o que
não se coaduna com o princípio constitucional de observância do prévio
ordenamento urbano”. (Povo, 19/12/03. Puxadinhos são vetados)
115
Considerando apenas os predicados dependentes em forma não finita, os resultados da
tabela 8 mostram que, na grande maioria das microconstruções analisadas, o elemento afetado
se situa à esquerda ou à direita de V1 e, mais raramente, na adjacência direita do V2.
Posição do
afetado
fazer levar obrigar mandar permitir deixar Total
N % N % N % N % N % N %
Anteposto a.
V1 8 53,3 10 71,4 4 36,4 3 75 2 28,6 2 33,3
29
Posposto aV1 2 13,3 4 28,6 6 54,6 0 3 42,9 3 50 18
Posposto a
V2 5 33,3 - 1 9,0 1 25 2 28,6 1 16,7
10
Total 15 14 11 4 7 6 57
Tabela 8 - Posição do constituinte causado nas microconstruções causativas do português
A anteposição do constituinte afetado a V1 é mais saliente para as microconstruções
com levar (71.4%) e fazer (53,3%) e mais restrita a casos em que o afetado é representado por
um pronome clítico, como no exemplo (84).
(84) Hoje percebo que o que me fazia dar a impressão de pertencer era a
materialização da busca de mim mesma que se refletia no grupo, além do
afeto. (JB, 01/11/02, Quebra-cabeças)
Dos 23 casos de afetado anteposto a V1, 16 correspondem a clíticos acusativos, como
no exemplo (84). As demais ocorrências dizem respeito a estruturas passivas com obrigar, em
que o SN sujeito é o próprio paciente da situação causativa e o agente, na maioria dos casos,
não é explicitado, embora possa ser inferido do contexto, como ilustrado em (85).
(85) Como o déficit de R$ 70 bilhões dos dois sistemas (servidores públicos
e assalariados do setor privado) já representa o segundo item de despesa do
poder público - superado apenas pelos juros da dívida interna - haverá um
momento em que não sobrará recursos para quaisquer outros gastos. Seja
na educação, na saúde, na segurança. Claro que, antes disso, teremos o
retorno da inflação, porque o Estado será obrigado a emitir moeda. (O
Globo, 17/01/03, Base legal)
A posposição do constituinte afetado ao V1 é mais saliente comas microconstruções
com obrigar (54,6%), permitir (42,0%),e deixar (50%), como no exemplo (86):
116
(86) Quem é o prefeito empreendedor? Aquele que respeita a Lei de
Responsabilidade Fiscal e entende ser necessário deixar a sociedade
desenvolver os seus próprios negócios. O que cria o ambiente adequado
para os pequenos negócios florescerem e fortalece as micro e pequenas
empresas já existentes. (JB, 02/06/03, O empreendedorismo e as
prefeituras)
A posposição do constituinte afetado a V2 parece ser a opção menos recorrente para as
causativas do português, com apenas 10 ocorrências. Podemos observar na tabela 8 que esta
possibilidade é um pouco mais frequente principalmente na microconstrução com fazer
(33,3%), como no exemplo (87)
(87) A instituição nasceu com um único objetivo: derrubar o recém-
empossado governo de Jango, para em seu lugar fazer florir uma nova
"democracia. (JB, 04/03/04, os ipês e a ideologia do golpe)
Até certo ponto, muitas dos resultados discutidos nesta seção se correlacionam com o
traço de animacidade do referente causado, como mostramos na seção seguinte.
5.4.3 Animacidade do constituinte causado
Num modelo da construção causativa prototípica, entendida em termos de causação
direta, o objeto causado é animado e humano, de forma que, embora conceptualizado como
aquele que performa a ação pretendida, pode resistir a ela.
Mais frequentemente, este constituinte da construção causativa tende a ser humano e
individuado, como no exemplo (58), já citado, ou coletivo como no exemplo (88).
(88) Mas o melhor de toda a campanha é a publicidade na televisão. Não há
muitos países (para dizer a verdade, não conheço nenhum outro país) com
uma lei que obriga as emissoras de televisão a veicular dois blocos diários
de propaganda eleitoral gratuita de cinqüenta minutos de cada vez. Imagino
que esses spots publicitários podem ser muito aborrecidos para um
brasileiro que tem de vê-los duas vezes por dia durante seis semanas. Mas
para um estrangeiro, podem ser muito charmosos - sobretudo a propaganda
dos candidatos desconhecidos, dos partidos pequenos. (O Globo, 04/10/02,
Um gringo vê as eleições)
No trecho em (88), o elemento afetado é codificado por um SN, “as emissoras de
televisão”, que remete a um grupo de referentes humanos, ou seja, o conjunto dos indivíduos
117
responsáveis pela administração das redes de televisão. Apesar de não haver um causador
prototípico, humano e volitivo, a situação causativa é apresentada de forma a implicar que o
causado não tem outra opção a não ser fazer o que está expresso no efeito da causação
(veicular a propaganda eleitoral), já que se trata de uma exigência externa, uma imposição da
lei. Em outros termos, o estado de coisas é apresentado de forma a impossibilitar resistência
do afetado.
No entanto, é possível também a ocorrência de constituintes afetados não animados,
como no exemplo (89).
(89) Sei de casos de pessoas que fazem de tais doações um grande meio de
ganhar "um qualquer" negociando as fantasias no varejo. Em com-
pensação, em outras escolas existem esquemas organizados que fazem
com que tais fantasias cheguem direitinho às mãos do povo comunitário.
(Povo, 17/01/04, comunidades,)
Outro exemplo de ocorrência de constituinte afetado inanimado em (90).
(90) O Congresso pode, sem dificuldades, fazer tramitar mais de uma
proposta de mudança constitucional ao mesmo tempo. Como cada
projeto fica numa comissão, é possível ganhar tempo nas urgentes
alterações na Constituição requeridas pelo país. (O globo, DATA, Sem
desculpas)
Em muitos casos, o afetado não é propriamente um referente, mas sim um estado de
coisas, mais frequentemente um evento que pode ser motivado por um referente ou por um
outro estado de coisas, como no em (91)
(91) Em Oswaldo Cruz, região de Nova Alta Paulista, o prefeito Valter Luiz
Martins fez, em sete anos, a arrecadação municipal aumentar 207% em
termos reais. A cidade, que foi grande produtora de café e mantinha os
velhos galpões abandonados, agora abriga três indústrias que proporcionam
trabalho e renda a mais de 150 pessoas. Ele aplicou recursos em saúde,
saneamento e educação. O resultado foi rápido: o orçamento do município
passou de R$ 7 milhões, em 1996, para R$ 21 milhões, em 2002. (JB,
02/06/03, O empreendedorismo e as prefeituras)
Neste exemplo, a arrecadação municipal é o constituinte não animado afetado pela
ação do causador, animado e intencional (o prefeito), que provoca o seu aumento.
A análise da distribuição das construções causativas de acordo com o traço de
animacidade do afetado permite confirmar a hipótese de predominância de afetados animados.
118
Traço de
animacidade
fazer levar obrigar mandar permitir deixar Total
N % N % N % N % N % N %
Humano 14 60,8 14 73,7 12 92,3 3 75 9 47,4 7 87,5 59
Coletivo
Humano 2 8,7 2 10,5 1 7,7 0 2 10,5 0
7
Não animado 2 8,7 0 0 1 25 0 0 3
Evento 5 21,7 3 15,8 0 - 8 42,1 1 12,5 17
Total 23 19 13 4 19 8 86
Tabela 9 - Animacidade do causado nas microconstruções causativas em português
Praticamente em todas as microconstruções causativas consideradas, predomina
constituinte afetado humano. Destacam-se, no entanto, as microconstruções com obrigar
(92.3%), deixar (87,5%) e levar (73,7%). Apenas para as microconstruções com fazer (60,8%)
e, principalmente, com permitir (42,1%), observa-se maior variação, com frequência mais
expressiva de constituinte afetado na forma de um evento ou de um nome abstrato.
Como já foi discutido no capítulo 3, os traços de animacidade do constituinte causador
e do constituinte causado determinam, em grande parte, a força como a situação causativa é
conceptualizada. Talmy (1976), por exemplo, distingue quatro tipos de eventos causativos
(causação indutiva, causação volitiva, causação afetiva e causação física) a depender do traço
de animacidade do causador e do causado.
Uma análise mais detalhada das combinações entre o traço de animacidade do
causador e do causado nas microconstruções em análise permite distinguir com mais clareza,
algumas diferenças entre elas. Os resultados para esse cruzamento estão resumidos na tabela
10.
119
Animac.
do
sujeito
Animac.
do
paciente
fazer levar obrigar mandar permitir deixar Total
N % N % N % N % N % N %
+ + 5 21,8 1 4,8 5 38,5 3 60,0 1 5,6 7 87,5 22
+ - 3 13 0 0 2 40,0 0 1 12,5 6
- + 12 52,2 15 71,4 7 53,8 0 5 27,8 0 39
- - 3 13 5 23,8 1 7,7 0 12 66,7 0 21
Total 23 21 13 5 18 8 88
Tabela 10 - Combinação entre os traços de animacidade do causador e do causado nas
microconstruções causativas do português.
Dado o valor coercitivo associado a fazer, poderíamos esperar alta frequência dessa
microconstrução com sujeito e afetados animados (causador e causado). No entanto, é
atestada a predominância de combinação entre sujeito não animado com objeto animado
(52,1%), embora ocorra maior dispersão entre diferentes possibilidades de combinação entre
os traços de animacidade do sujeito e do objeto. A combinação entre SN causador animado e
SN causado animado é significativamente menos recorrente (21,8%). Esta mesma tendência
pode ser observada na microconstrução com obrigar que também apresentou uma frequência
ligeiramente maior de sujeito causador não animado combinado a um elemento afetado
animado (53,8%). Nos dados do V1 levar verificamos o mais alto índice dessa combinação
(71,4%). De acordo com a proposta de Talmy (op. cit.), podemos dizer que as três
configurações caracterizam uma causação afetiva, na qual o sujeito causador provoca
involuntariamente um resultado no elemento causado.
A microconstrução com deixar é aquela em que mais se destaca a combinação de
sujeitos animados (individuado ou coletivo) com constituinte afetado também animado.
(87,5%), Somente uma ocorrência apresentou sujeito animado e elemento afetado não
animado. A causação ocorre ou pela omissão do causador – que não evita uma situação
existente- ou pela permissão para que algo aconteça. No segundo caso, podemos dizer que o
sujeito tem uma atitude ativa em relação à situação causativa.
A microconstrução com mandar apresenta categoricamente um sujeito causador
animado, o que parece reforçar seu caráter volitivo e de indução sobre o resultado da
causação. Por outro lado, a microconstrução com permitir apresenta sujeitos não animados,
120
fonte ou instrumento, relacionados a objetos não animado em 66,7% dos dados. Nesse caso,
há uma combinação entre dois eventos ou estado de coisas que podem ser materializados.
Como se pode esperar, os resultados acima se refletem, pelo menos parcialmente, nas
propriedades dos subesquemas propostos. A análise permite depreender correlações distintas
principalmente para o padrão construcional com orações não finitas em relação ao padrão com
orações finitas. No primeiro, predomina a associação entre causado animado e humano com
sujeito causador não animado (51/60=85%). No padrão finito, por sua vez, contamos nove
dados (sobre um total de 15=60%) com causados não animados ou eventivos. Como essas
correlações não são categóricas, uma afirmação acerca de uma relação icônica entre forma e
significado, no sentido de finitas=causa indireta e não finitas=causa direta não é possível.
Na próxima seção, abordaremos as propriedades referentes ao slot V2, que apresenta o
resultado pretendido da situação causativa.
5.5 Propriedades do V2
Na situação causativa, o slot representado pelo V2 apresenta o efeito/resultado
pretendido pelo causador, obtido ou que pode ser obtido. O efeito/resultado juntamente com o
elemento causado constitui a predicação dependente. Em princípio, qualquer verbo pode
ocupar a posição de V2 na construção causativa analítica. No entanto, como já mostraram
outros estudos (cf. GILQUIN, 2006; STEFANOWITSCH, 2001, WIERZBICKA, 1998), de
acordo com as especificidades do verbo causador e o tipo de causação conceptualizada,
alguns tipos de verbos podem ser “candidatos” mais naturais a essa posição. Um aspecto
relevante para a compreensão das possíveis restrições de combinação entre V1 e V2 é a classe
sintático-semântica como também as propriedades lexicais da forma verbal que ocupa o slot
V2.
Para a análise da classe semântica da forma verbal, tomamos como base a tipologia
proposta por Halliday (1985) e Halliday e Matthiessen (2004). A classificação dos autores se
insere em uma perspectiva funcional que vê a língua como um modo de reflexão e de
organização da infinita variação e fluxo de eventos (cf, HALLIDAY, 1985, p. 106). Essa
organização se realiza no sistema gramatical através da transitividade, ou seja, a construção de
inúmeras formas de representação através de um número limitado de processos. Cada
processo envolve o verbo seus participantes, ou seja, seus argumentos e, em muitos casos,
também os circunstanciais. Halliday distingue um conjunto de seis processos: materiais,
mentais, comportamentais, relacionais, verbais e existenciais, retomados brevemente a seguir
e ilustrados com as microconstruções em análise.
121
Processos materiais estão relacionados ao mundo exterior, ao fazer ou agir.
Expressam, mais frequentemente, a noção de que alguma entidade “faz” intencionalmente
alguma coisa (agente) que tem um alvo, explícito ou não, que é afetado pela ação do agente,
como no exemplo (92). Em alguns casos, podem codificar também o que Halliday denomina
o tema. Os processos materiais, relacionados ao fazer, são os responsáveis pela criação de
ações concretas no mundo físico, relacionadas à criação de um evento ou sua transformação.
Dada a ocorrência de um ator prioritariamente animado, temos uma ação performada pelo
objeto da causação, que é também sujeito da ação deste verbo material, como em (92).
(92) O conhecimento de que a divulgação de suicídios aumenta a
probabilidade de novas ocorrências fatais levou vários países, apoiados em
sua iniciativa pela Organização Mundial de Saúde, a implementar
recomendações à mídia, entre eles Alemanha, Austrália, Áustria, Canadá,
Estados Unidos, Japão, Nova Zelândia, Suíça. Os resultados foram bons:
na Áustria, por exemplo, os suicídios tiveram uma diminuição de 20% nos
quatro anos seguintes à implementação das diretrizes. (O Globo, 01/06/03,
Midias e suicídios)
Os processos mentais estão relacionados ao sentir, pensar e perceber. Distinguem-se
dos materiais por se relacionarem ao mundo interno, àquilo que experienciamos no mundo da
consciência, representando nosso fluxo de pensamento. Envolvem não propriamente um
agente, mas sim um experienciador (senser, na terminologia de Halliday) que experiencia um
Phenomenon. Neste grupo, o autor distingue quatro subtipos: os verbos cognitivos, os
perceptivos, os volitivos e os verbos de emoção. Em seu uso, o agente provocador do
processo mental não necessita ser obrigatoriamente uma entidade animada, podendo ser
representada por outra entidade, até mesmo um objeto abstrato. Por outro lado, apenas seres
animados são capazes de “sentir” e “pensar”, propriedades mais frequentemente associadas a
pacientes humanos:
(93) Abel Braga já tinha desistido da Taça Rio, depois do jogo de sábado,
em que o Flamengo foi derrotado pelo Olaria por 1 a O. No dia seguinte,
antes do clássico no Maracanã, o técnico se dizia disposto a aproveitar os
três jogos restantes do segundo turno para fazer experiências. A goleada de
4 a O do Vasco sobre o Fluminense fez com que ele refizesse os planos.
(JB,09/03/04, Fla volta a ter esperança)
No exemplo (93), a construção “refazer os planos” pode ser interpretada como refletir
sobre algo ou repensar uma decisão. Logo, trata-se de uma experiência mental vivida pelo
122
causado (o técnico Abel Braga) após o resultado da partida entre Flamengo e Olaria, que
provocou a mudança de expectativa do treinador.
Os processos relacionais são ligados ao ser e ao ter. Classificam e identificam
entidades do mundo real ou do mundo interno. Distinguindo-se dos processos materiais e
mentais, que possuem apenas um participante/argumento inerente, as orações com processos
relacionais requerem dois participantes (be-ers) que são relacionados entre si.
(94) Sei que alguns desses militantes são profissionais. Mas parece que
muitos deles se identificam muito bem com o seu trabalho - e, além disso, a
gente na rua que homenageia um candidato sem dúvida não é paga. É a
espontaneidade do povo brasileiro que faz com que a campanha eleitoral
no Brasil seja tão viva, tão caótica, tão colorida - em resumo: tão
interessante. (O Globo, 04/10/02, um gringo vê as eleições)
Os processos comportamentais dizem respeito à manifestação externa de processos de
consciência ou estados fisiológicos, como sorrir; tremer, cantar, dançar. Situam-se na
fronteira entre processos materiais e mentais e, normalmente, estão associados a um sujeito
(“behaver”). É necessário destacar que, embora possível, como no exemplo criado/hipotético,
não foi atestado nenhum caso de V2 comportamental na amostra analisada.
(95) O cheiro do cigarro fez a criança espirrar.
Os processos verbais, também chamados dicendi, apresentam as relações simbólicas
da consciência humana manifestadas na linguagem, ao “dizer” e “significar”. Remetem ao
discurso de outro, seja de forma direta ou indireta.
(96) Os membros do Ministério Público passaram a ter uma imensa
responsabilidade, como agentes provocadores do Judiciário, promovendo
ações penais públicas, inquéritos e ações civis destinados à proteção do
patrimônio público, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos. Além disso, o procurador-geral da República tem legimitidade
para propor ações de inconstitucionalidade e é obrigado a opinar em
todas essas ações, assim como nos demais processos de competência do
Supremo Tribunal Federal. (JB, 07/06/03, Contra o pecado)
Os processos existenciais, por sua vez, reconhecem a existência, o acontecer. Em
princípio, qualquer ação ou evento pode “acontecer” ou “existir”. No exemplo (97), temos o
processo nascer em que há apenas um participante implicado – aquele que nasce:
123
(97) acompanhava o Santo Padre no helicóptero que o levou ao Riocentro,
nessa manhã. Sem dúvida, a beleza do panorama fez nascer, no espírito do
Romano Pontífice, essa declaração de tão grande riqueza. (O Globo,
02/11/02, Lembrando uma visita)
Esses processos se aproximam uns dos outros por suas características semânticas e são
representados por Halliday (op.cit) em um espaço semiótico que deixa clara a dificuldade de
traçar fronteiras nítidas entre eles, comoreproduzimos na Figura 11, adaptada de Halliday e
Matthiessen (2004).
Figura 11 - Processos do sistema de transitividade adaptado de Halliday & Mathiessen (2004, p. 172)
De acordo com os autores, o verbo, juntamente com os outros elementos que
constituem a predicação são selecionados a partir da intenção do falante no momento do
evento de uso, quando o indivíduo concretiza linguisticamente sua experiência com o mundo
real atrelada ao seu conhecimento internalizado (Halliday, 2004).
Considerando as características das construções causativas, acreditamos que o V2
tende a ocorrer com mais frequência com processos materiais, pois a causatividade está, mais
estritamente, associada a ações/atividades, como já destacado em trabalhos anteriores, como
os de Chafe (1972), Moura Neves (2010), Gilquin (2006) ou Stefanowitsch (2001). A
distribuição mostrada na tabela 11 confirma nossa expectativa.
124
Tipo fazer levar obrigar mandar permitir deixar Total
N % N % N % N % N % N %
material 9 39,1 13 61,9 9 69,2 3 60 12 66,7 3 37,5 49
mental 8 34,8 5 23,8 1 7,7 1 20 3 16,6 3 37,5 21
relacional 4 17,4 1 4,7 2 15,4 0 1 5,5 - 8
verbal 0 2 9,5 1 7,7 1 20 2 11,1 2 25 8
existencial 2 8,7 0 0 0 0 0 2
Total 23 21 13 5 18 8 88
Tabela 11 - Tipo de processo verbal do V2 nas microconstruções causativas do português
A predominância de V2 que codifica processos materiais pôde ser constatada nas
microcontruções com levar (61,9%), mandar (60%) e, principalmente com obrigar (69,23%).
Para a microconstrução com deixar, verifica-se distribuição equilibrada entre processos
materiais e mentais, com 37,5%, de cada tipo e na microconstrução com fazer não chega a
haver diferença entre os índices para material (39,1%) e mental (34,8). São mais esporádicas
as ocorrências das microconstruções causativas com outros tipos de processo, principalmente
os existenciais, mais restritos à microconstrução com fazer. Ressaltemos que no grupo dos
relacionais, também mais limitados à microconstrução com fazer, foi constatada apenas a
ocorrência de ser. Um outro aspecto a ser destacado é que a microconstrução com mandar
parece sofrer maiores restrições, ocorrendo apenas com três classes sintático-semânticas de V2
(material, mental ou relacional).
A maior recorrência de processos materiais parece contradizer o que já vimos para
papel temático e traço de animacidade do sujeito causador. Processos materiais, ainda que
admitam também um sujeito tema, requerem prioritariamente um sujeito agentivo.
Contatamos, no entanto, maior frequência de sujeitos não agentivos.
Embora constituam classes sintático-semânticas coerentes, os processos considerados
nesta seção englobam formas verbais com características semânticas um pouco distintas. Um
levantamento dos itens lexicais licenciados no slot V2, permite identificar algumas
especificidades das microconstruções de acordo com o tipo de verbo material que predomina.
A microconstrução com fazer, para a qual foram constatadas 19 formas verbais diferentes
admite V2 material de natureza semântica distinta: verbos materiais que implicam controle
(manter, deixar, empreender, tramitar) como também com verbos materiais que não
125
implicam controle (funcionar, perder). Na microconstrução com obrigar, por sua vez, são
atestados principalmente verbos materiais que requerem controle, estão ligados a movimento
físico (chegar, abrir, cerrar, jogar). Essa tendência pôde ser observada também para a
microconstrução com permitir, com maior recorrência de verbos ou nominalizações no campo
de ações físicas (entrar, sair, vir, fazer, amarrar). Uma distribuição semelhante pode ser
observada para a microconstrução com mandar para a qual se observam V2 como calar,
cobrir, comprar. Processos materiais associados à microconstrução com levar, por outro lado,
configuram-se como iniciadores de atividades (gerar, criar, implantar).
Há uma regularidade mais evidente nos processos mentais que preenchem V2,
predominantes com deixar, fazer e permitir. Prevalecem verbos psicológicos ou cognitivos
(lembrar, sentir, conhecer, crer, decidir) ou o verbo de percepção (ver).
Se generalizarmos os resultados discutidos até este ponto, podemos perceber, de forma
geral, maior diversidade de tipos de processos no subesquema com orações não finitas, o que
pode ser explicado pela frequência mais alta deste padrão. Em todos os subesquemas
predominam processos materiais, porém a correlação com processos materiais é mais
expressiva no caso das nominalizações. Nesse subesquema ocorre apenas um caso de
processo mental na posição V2. 61
Até este ponto, focalizamos separadamente as propriedades de cada uma das
microconstruções causativas em análise, considerando características do causador, do causado
e do resultado. Na próxima seção, discutimos a associação (cluster) de traços para cada uma
delas, com o objetivo de identificar as diferentes formas de causatividade que elas podem
realizar a forma como se organizam em rede.
5.6 Padrões de causatividade nas microconstruções causativas analíticas do
português
No capítulo 3, discutimos brevemente a forma como diferentes combinações de
propriedades se associam a diferentes formas de conceptualização da situação causativa.
Embora possamos pressupor uma associação entre a configuração sintático-semântica de cada
microconstrução e diferentes formas de causação, mostraremos, ao longo desta seção, que elas
61Moura Neves (2002, p. 348) destaca que há grande combinação de construções
nominalizadas com verbos de atividade mental, que requerem complementos não-oracionais.
É possível que os complementos nominais devem ser mais frequentes em construções
monoclausais do que em estruturas mais complexas.
126
se interligam através de elos polissêmicos. Para a análise desses elos polissêmicos, nos
apoiamos na classificação de eventos causativos defendida por Stefanowitsch (2001). Como
já adiantado no capítulo 3, Stefanowitsch propõe, com base na análide do V1 make do inglês,
pela necessidade de distinguir o domínio mais amplo da causatividade, a configuração
manipulativa (manipulate), a configuração gatilho (trigger) e a configuração de decisão
(prompt).
Considerando as construções com forma não finita, o subesquema ([SN1 [V1 SN2
V2INF]], as mais frequentes nos dados analisados, agrupamos no quadro 4 as propriedades
ligadas ao constituinte causador, ao constituinte causado e ao resultado para as micronstruções
com fazer, obrigar, levar, mandar, permitir, deixar.
MICROCONTRUÇÃO CAUSADOR CAUSADO RESULTADO
[SN1fazerSN2V2]
não humano (fonte
instrumento
agente
não intencional
animado
humano
não animado
anteposto a V1
material (atividade)
mental
obtido
[SN1obrigarSN2V2]
não humano
(instrumento)
intencional/intencional
animado
humano
posposto ao V1
material
relacional
obtido
[SN1levarSN2V2] não humano
não intencional
animado
humano
anteposto a V1
material
mental (cognitivos)
obtido
[SN1 mandarSN2V2] humano animado
intencional
animado
afetado/não
afetado
anteposto a V1
material
obtido/não obtido
[SN1 permitirSN2V2]
não animado
(instrumento
não intencional
animado/não
animado
afetado/não
afetado
posposto a V1
material
obtido/não obtido
[SN1deixarSN2V2] humano animado
não intencional
animado/não
animado
afetado/não
afetado
posposto a V1
material ou mental
obtido/não obtido
Quadro 4 - Síntese das propriedades das microconstruções causativas do português
127
De acordo com a síntese do quadro 4, cada uma das microconstruções em análise
pode, pelo menos, em princípio, instanciar diferentes formas de causatividade, ou seja, são
polissêmicas. Consideremos inicialmente a microconstrução com fazer, cujas configurações
são mostradas no quadro 5.
manipulativo gatilho prompt
Dois participantes X e Y
X quer que Y faça Z
Y sofre influencia de Z
Y executa Z
Y pode controlar a
mudança
Dois participantes(X e Y)
Um evento X acontece
Uma entidade Y é afetada
por X
X provoca uma mudança Z
em Y
Y pode controlar a
mudança.
Dois participantes X e Y
X realiza um evento X’
Y percebe X’
Y reage a X’ fazendo Z
Y pode controlar a
mudança
Quadro 5 - Configurações da microconstrução com fazer
Ainda que não seja possível estabelecer uma relação isomórfica, há evidências para
associar essas três combinações de traços a diferentes configurações do evento causativo. A
primeira forma de combinação de traços atestada em usos de fazer pode ser esquematizada
como[Sujeito intencional FAZER Objeto animado/voluntário [predicação dependente atividade]]] e é a que
mais se aproxima da causação prototípica, embora não implique, necessariamente contato
físico entre o causador e o causado. O exemplo (98) é ilustrativo:
(98) Uma proposta tentadora do Japão, no entanto, acabou fazendo Ramon
deixar o clube novamente no final do ano passado. (Povo, 29/12/03,
Ramon dá sinais de que voltará ao Vasco)
A configuração do evento causativo em (98) é mais próxima do que Stefanowitsch
denomina configuração manipulativa: há dois participantes envolvidos na situação causativa,
em que o causador (o Japão) deseja que o causado (o jogador) realize uma ação (mudar de
time). O causador se vale da sua influência/poder (apresenta uma proposta tentadora) para
garantir que o seu objetivo seja alcançado. Embora o causado (Ramon) tenha a possibilidade
de recusar a proposta, ou seja, reagir à manipulação pretendida, o resultado visado é
128
efetivamente alcançado (Ramon deixou o time novamente). Um aspecto a destacar é que,
considerando que o causador é codificado como uma nominalização (uma proposta), a
agentividade do causador é minimizada, mas não anulada, visto que uma proposta é
apresentada por alguém.
Um segundo padrão de usos da microconstrução com fazer pode ser esquematizado
como [Sujeitoevento FAZER Objeto direto PREDICADO involuntário], uma configuração gatilho
em que o resultado obtido pode decorrer da ação de um agente, mas não diretamente do
agente. Segundo Stefanowitsch (2001, p. 111), a realização mais prototípica desta
configuração causativa é aquela em que o causador faz alguma coisa que desencadeia uma
emoção ou estado mental no causado62. O exemplo (99) ilustra esta configuração
(99) Preferi ver Friburguense e Vasco. Não acreditava no Valdir nem no
Beto, que voltou menos mal do que se poderia imaginar. Minha
curiosidade estava no time serrano. Só o tinha visto uma vez e me deixara
boa impressão. Muito me fazia lembrar o São Caetano, quando apareceu e
surpreendeu, nos tempos iniciais de Jair Picerni. (Extra, 11/03/04, O time
de Abedí)
Em (99), é a atuação do time que levou o afetado, no caso o cronista, a se lembrar de
um outro time de futebol que conhecera em época anterior. Ainda que se possa dizer que a
atuação do time é o evento que aciona o estado mental do cronista e que eventos são, mais
protopicamente, acionados por agentes, não se pode atribuir aos jogadores a intenção de afetar
o causado, ao reavivar suas lembranças.
A terceira conjugação de traços de fazer se aproxima do que Stefanowitsch caracteriza
como configuração prompt, que denominamos configuração de decisão. Assim como no caso
da configuração gatilho, nessa configuração tem-se mais um estímulo do que a ação
intencional de um agente. Este estímulo é dado por um evento, que pode ter ou não um
agente, o que leva o falante a tomar uma decisão traduzida em uma atividade. Essa
possibilidade é formalizada por Stefanowitsch (2001) como
[SUJeventoFAZEROBJPred.Dependenteatividade], como é o caso em (100).
(100) O caso Waldomiro Diniz, ao escancarar a relação com a contravenção
no financiamento da campanha petista (envolvendo aparentemente o PSB)
e o tráfico de influências, fez com que o governo e o PT empreendessem
uma operação abafa sem precedentes. De tão afoitos, eles estão
mostrando o quanto têm a esconder. Assim, as justificativas de ministros e
62 (…)the causer does something triggers na emotion or mental state in the causee.
129
líderes partidários são pérolas que deveriam ser apreciadas. (O Globo,
23/04/03, Bolchevismo tupiniquim)
No contexto acima, não há oposição do causado e a construção causativa tem uma
interpretação mais próxima de “tornar possível” ou “favorecer”, aproximando-se mais do
grupo dos permissivos.
A microconstrução com obrigar apresenta maior restrição de configurações possíveis
como mostra o quadro 6.
manipulativo gatilho
Dois participantes
X e Y são diferentes
X tem controle sobre Y realizar Z
Y não deseja realizar Z
Y realiza Z
Dois participantes
X é um evento
X tem força sobre Y realizar Z
X limita as opções de Y
Y não deseja realizar Z
Y realiza Z
Quadro 6 - Configurações da microconstrução com obrigar
Diferentemente de fazer, o V1 obrigar se associa, quase exclusivamente a um causado
animado, mais frequentemente, um coletivo humano e o sujeito codifica forças externas,
como leis, regras ou acontecimentos inteiramente independentes da vontade de um agente,
como no exemplo (101):
(101) A demonstração de força dada pelo tráfico – segunda-feira, no Rio, e
quarta-feira em um bairro, de Osasco, São Paulo, onde também obrigou o
comércio a cerrar as portas - serve de alerta aos governantes que
começama ser ungidos no próximo fim de semana. Será preciso tratar de
forma coordenada a grave crise de segurança pública enfrentada pelas
maiores cidades brasileiras. (OGlobo- 04/10/02, Contra o medo)
Em (101), fica evidente a demonstração de força do tráfico de drogas, que decide
sobre o funcionamento ou não do comércio (afetado animado, coletivo). Este, por sua vez,
não tem outra opção a não ser acatar a decisão do causador, dado seu poder sobre o causado,
que se vê forçado a realizar o resultado ordenado pelo sujeito, sob pena de sofrer sanções, ou
mesmo violências e não se submeter.
130
Na microconstrução com obrigar, uma conjuntura é tomada como ponto inicial para a
imposição de um resultado, o único possível. Este resultado é uma atividade ou um estado de
coisas ou evento. Uma vez que é necessário utilizar de poder ou força para que um resultado
seja alcançado, pressupõe-se haver também resistência do causado quanto à realização do
proposto. O elemento afetado tem, até certo ponto, uma agentividade que o faz resistir e o
leva a coerção. Geralmente é pressuposto um intervalo temporal entre o ato de obrigar e a
realização do resultado, o que já foi destacado por Goldberg (1995) e Shibatani (2002). Esta
propriedade é considerada por muitos autores como um indicador de causação indireta,
reforçada pela presença da preposição a separando o causado do resultado, pressupondo-se
que a distância formal é indicadora de distância conceitual.
Em muitos casos, no entanto, a imposição realizada pela microconstrução com obrigar
está apoiada em conjunturas externas independentes de um agente específico (leis, regras mais
gerais), que acarreta a realização do estado de coisas proposto. Há, de fato, uma relação de
força que vai além da vontade tanto do elemento causador como do elemento afetado, que se
impõe como um elemento mais forte que eles63. Essa entidade pode ser representada por
regras, leis ou seus representantes, que tem mais poder do que um indivíduo específico. O uso
da força não ocorre na esfera física, mas sim como uma restrição ou uma ameaça psicológica.
Considerando as instâncias da microconstrução com obrigar, podemos dizer que ela
partilha algumas das propriedades da configuração manipulativa, que podemos esquematizar
como [SujeitointencionalOBRIGAR ObjetoanimadoPred.Dependenteatividade]. No entanto, muitos dos
seus usos, são compatíveis também com características da configuração gatilho, isto é,
[SujeitonãointencionalOBRIGAR Objetoanimado[Pred.Dependenteevento]].
Na microconstrução com o verbo levar, atestamos dois comportamentos distintos: uma
causação material, que tem como resultado uma ação e uma causação mental, ou seja uma
mudança de estado cognitivo, esquematizados no quadro 7.
63Pode haver causação reflexiva, como em “Eu me obriguei a comer verduras”, porém não
encontramos dados deste tipo. No exemplo, fica evidente a falta de vontade do sujeito de realizar a
ação.
131
prompt gatilho
Dois participantes
X e Y são diferentes
X é animado ou não animado
X é não intencional
Y é animado ou não
X não tem controle sobre Y
Y realiza Z
Um evento X
Y é afetado por X
X exerce força sobre Y
X provoca mudança em Y
Quadro 7 - Configuração da microconstrução com levar
A maioria das ocorrências da microconstrução com levar se enquadram na
configuração prompt quando estão relacionados a verbos materiais no slot Vefeito. O causado,
por sua própria vontade, reage a um estímulo apresentado na forma de evento, baseado em seu
conhecimento de mundo e considerações pessoais. O resultado não é necessariamente algo
inevitável para o causado, mas fruto de um conjunto de situações que fazem com que o
causado realize o efeito final. A maioria das microconstruções possui sujeito causador não-
agentivo. Em síntese, o V1 provoca o causado a tomar uma decisão, que culmina no resultado
pretendido, como em (102).
(102) Firmeza na defesa da tese e rigor na ação política levaram José Dirceu a
restaurar a função política inerente à Casa Civil, para livrar o presidente de
desgastes políticos.
No exemplo (102), é a firmeza e rigor das ações políticas de José Dirceu que tornaram
possível a restauração da função política da casa civil. Considerando as nominalizações que
constituem o sujeito causador do evento causativo, nesse caso, o agente do resultado
restaurar pode ser entendido como o próprio causado (José Dirceu), ou seja, as qualidades
que lhe possibilitaram fazer as mudanças no papel da Casa Civil.
Em algumas instâncias da microconstrução com levar não está excluído que o
causador procure claramente obter o resultado, e o causado realize processo mental e
concretize o que considera razoável. Neste caso, parece-nos haver uma configuração do tipo
gatilho, com o V2 associado a verbos mentais e com resultado não programado, como em
(103):
132
(103) O embuste cometido pelo senador sergipano Almeida Lima, do
PDT, na última terça-feira, é não apenas de lamentar, mas leva a constatar
que já não se fazem senadores como antigamente. A irresponsabilidade
com que manipulou a mídia e seus pares, derrubando bolsa, elevando dólar
e risco Brasil e acuando o governo, para não dizer nada mereceria, no
mínimo, uma advertência da Mesa do Senado. Só o ridículo em que caiu, é
pouco. (JB, 06/03/04, Pra onde mesmo?)
Neste exemplo, a microconstrução com levar codifica uma situação em que o causado,
(um causado não definido que inclui, inclusive, o autor do texto) não realizado
explicitamente) voluntariamente responde a um evento (a manipulação cometida pelo
senador) que serve como estímulo/motivação para que ele altere sua visão acerca dos
senadores. Nesse uso, como a maior parte dos sujeitos é não agentivo, a responsabilidade do
resultado recai sobre o elemento causado, pois o causador não tem influência direta sobre ele,
o que, na opinião de Stefanowitsch, (2001, p. 242) remete a uma relação entre o valor de
movimento presente na origem lexical de levar e seu uso causativo (ver, p. 242). Dessa forma,
podemos falar em uma relação metafórica em que a causação é o movimento forçado pelo
causador. Sendo assim, há uma motivação nas microconstruções com levar em relação à
agentividade e à intencionalidade entre causador e causado.
Com base nessas evidências, podemos representar a microconstrução causativa com
levar no esquema [SujeitoeventoLEVAR a Objetoanimado[Pred.Dependenteevento]] na
configuração gatilho e [SujeitoeventoLEVAR a Objetoanimado[Pred.Dependenteatividade]] na
configuração prompt.
Para a microconstrução causativa com mandar, reconhecemos apenas a configuração
manipulativa como possível, conforme destacamos no quadro 8.
133
manipulativo
Dois participantes
X e Y são diferentes
X é animado
Y é animado
X deseja que Y realize Z
X comunica seu desejo a Y
X tem autoridade sobre Y
Y pode ou não realizar Z
Quadro 8 - Configuração da microconstrução com mandar
As instâncias da microconstrução com mandar podem ser consideradas como casos de
configuração manipulativa, pois apresentam, obrigatoriamente, sujeitos agentivos e um
causador intencional, ou seja, correspondem ao esquema [SujeitointencionalMANDAR a
Objetoanimado[Pred.Dependenteatividade]]. Mesmo nos casos em que há categoria vazia na
posição de causado, é possível depreender que o realizador da atividade proposta em V2 é, se
não humano, ao menos animado, o que pode ser uma persistência de traços característicos da
forma lexical mandar. Além disso, mandar se situa em um ponto de maior obrigatoriedade, se
não de fato, pelo menos, pressuposta, uma vez que o estado de coisas é apresentado de forma
que implica a realização do resultado. Essa realização é, pelo menos parcialmente,
“assegurada” pela autoridade do causador, investido do poder de manipular o comportamento
de outro.
Consideremos, a seguir, o conjunto de traços associados às instâncias da
microconstrução com permitir, resumidos no quadro 9.
manipulativo prompt
Dois participantes
X e Y são diferentes
X é animado
Y é animado
X deseja que Y realize Z
X comunica seu desejo a Y
Y pode ou não realizar Z
Dois participantes
X e Y são diferentes
X e Y não são animados
X torna possível que Y realize Z
Y pode ou não realizar Z
Quadro 9 - Configuração das microconstruções com permitir
134
O quadro 9 fornece evidências para afirmar que a microconstrução com permitir
realiza dois tipos de eventos causativos: manipulativo. [Sujeitonão intencional PERMITIR
Objetoanimado[Pred.Dependenteatividade]] e prompt [SujeitoeventoPERMITIR
Objetoanimado[Pred.Dependenteatividade]].Na configuração prompt, permitir é usado em
contextos em que um evento cria as condições ou torna possível que uma ação se realize,
como no exemplo (104):
(104) Uma parceria entre a iniciativa privada e a prefeitura permitirá
que um projeto idealizado há um ano e meio saia do papel. O prefeito
César Maia assinou ontem um convênio com empresários, que financiarão
parte das obras de implantação de uma alça que interligará as avenidas
Ayrton Senna e Abelardo Bueno, na Barra da Tijuca. (O Globo, 24/10/02,
Barra e Recreio ganham pacote de obras)
Em (104), é a parceria entre a iniciativa privada e a prefeitura, um sujeito
sujeitoeventivo, ao qual não se pode atribuir responsabilidade ou intenção, estabelece as
condições necessárias para que seja possível iniciar (sair do papel) um projeto de obra na
Barra da Tijuca. Observemos que, neste caso, não só o causador como também o causado são
desprovidos de agentividade, embora, necessariamente, o projeto tenha sido idealizado por
agentes animados.
Na configuração manipulativa, temos um sujeito animado que possibilita a realização
da atividade pelo causado. Ilustrada no exemplo (105), esta configuração apresenta um sujeito
– neste caso, o Congresso e a Justiça, consideradas as casas onde se criam e executam as leis,
respectivamente – e uma atividade que é o resultado almejado – a revogação de projeções
sobre o aumento de custos previdenciários.
(105) E em que dimensão, Congresso e Justiça podem se contrapor a tal
ofensiva? Em nada. Porque serão elas as autoras e executoras da legislação
permitindo que tais proteções sejam revogadas. E o farão através do voto
de parlamentares “informados” e , convencidos, pelo conjunto da mídia
conservadora, de que não existe outra saída, tendo em vista os “sufocantes
custos previdenciários” ora compulsórios. (JB, 31/08/04, Onde está a
democracia?)
O conjunto de propriedades depreendidas no uso da microconstrução com deixar é
resumido no quadro 10.
135
manipulativo
Dois participantes
X e Y podem ser iguais ou diferentes
X pode ser intencional ou não
X não tem controle sobre Y realizar Z
Y pode ou não realizar Z
Quadro 10 - Configuração da microconstrução com deixar
O esquema 10 indica que a microconstrução com deixar é mais restrita quanto às
configurações de eventos causativos que conceptualiza. Na amostra de jornais examinada,
atestamos apenas instâncias que podem ser classificadas como casos de causação
manipulativa, ou seja, se inserem no esquema [SujeitoagentivoDEIXAR Objetoanimado[Pred.
Dependenteatividade]]. No entanto, existem nuances em relação ao sujeito causador que o torna
um pouco diferente da manipulação prototípica exemplificada, por exemplo, por instâncias da
microconstrução com fazer.
Como já destacado por Silva (2007), a manipulação pode ocorrer por ação ou por
omissão, a depender da dinamicidade explicitada pelo contexto. Em (106), temos um caso em
que o sujeito causador (Bonner) é volitivo, possui o poder de decidir ou permitir que algo
aconteça ou de impedir que um estado de coisas (falar sobre características físicas dos
candidatos durante um debate televisionado) ocorra. Em (107), ao contrário, o sujeito
população não é voluntário nem consciente do que acontece, e não possui o poder de
influenciar na ocorrência ou não do resultado, no caso, um estado mental.
(106) Bonner continuou guiando, orientando, permitindo, proibindo,
advertindo – olhem, senhores futuros, não vou mais deixar dizer que
Garotinho está um pouco mais magro, Serra muito gordo. Isso é difamação.
E lembrar que Ciro está mais calvo merece imediato direito de resposta.
(JB, sem título, Millor, 05/10/02)
(107) A população mais pobre, ainda quando aparentemente se deixa
enganar, sabe que existe um mundo, vizinho do seu, onde esgoto não corre
a céu aberto, onde água de torneira não é privilégio, onde um simples prato
de comida não é luxo, e onde o direito à vida, a salvo do crime e da doença,
é apenas mais um entre tantos predicados que decorrem da cidadania. -JB
05/10/02 visão realista
136
Um outro aspecto a destacar é a predominância de referência temporal futura, ou de
presente genérico nas instâncias da microconstrução com deixar, o que cria um afastamento
entre a causação e o seu resultado, mais característica da causação indireta.
Retomando um dos princípios que norteiam esta tese, consideramos que a gramática é
um inventário estruturado de “unidades simbólicas” (LANGACKER, 1987, p.57), que se
organizam em uma rede de nós relacionados entre si por diferentes tipos de links. Levando em
conta que as microconstruções causativas são polissêmicas, operando na expressão de
diferentes tipos de eventos causais, é possível propor uma organização em rede de acordo com
os três tipos de configuração causativa discutidos (manipulativa, gatilho e prompt), as quais
representam diferentes domínios de causatividade, conforme mostra a figura 12.
Figura 12 - Rede das microconstruções causativas analíticas em português de acordo com o tipo de
causação
De acordo com a figura 3, a microconstrução com fazer apresenta maior polissemia,
tendo como uso mais central a configuração gatilho. Pela sua alta frequência, a
microconstrução com fazer pode ter se tornado mais acessível aos falante, generalizando-se
para diferentes domínios da causatividade. A microconstrução com obrigar é central na
configuração manipulativa, devido ao seu caráter coercitivo e mais marginal na configuração
gatilho. A microconstrução com levar, por sua vez,é mais central na configuração prompt,
com mais autonomia do causado, e apresenta uso periférico na configuração gatilho. Há,
evidências de que microconstruções com deixar e mandar são mais estritamente
manipulativas.
137
No próximo capítulo, discutimos os resultados para as microconstruções causativas do
francês, analisadas sob o prisma dos mesmos parâmetros.
138
6 CONSTRUÇÕES CAUSATIVAS NO FRANCÊS: ASPECTOS SEMÂNTICOS E
SINTÁTICOS
Neste capítulo, discutimos as propriedades das microconstruções causativas com faire,
laisser, demander, permettre, obliger e amener como forma de preenchimento do slot V1 do
esquema [SN1 [V1 SN2 V2]], no francês. Seguindo a mesma organização adotada para o
português, apresentamos inicialmente a distribuição geral dos dados e por gênero discursivo.
Em seguida, discutimos os resultados para os grupos de fatores investigados, considerando
primeiramente as propriedades do constituinte causador, do constituinte causado e do
constituinte resultado. Por fim, discutiremos sobre os padrões dessas microconstruções
causativas sob o prisma do tipo de configuração causativa que realizam, comparando-os com
os depreendidos para as causativas do português.
6.1 Frequência das microconstruções causativas do francês
Como foi apresentado no capítulo 4, a análise das microconstruções causativas do
francês foi feita com base em um corpus formado por textos escritos dos jornais Le Monde,
Le Parisien e Le Figaro. Inicialmente, levantamos todas as ocorrências causativas analíticas,
conforme a tabela 1. Coincidentemente, obtivemos o mesmo número de types que em
português (18), embora a frequência token (241 ocorrências) seja significativamente maior do
que a observada em português, como mostra a tabela 12.
Verbo Ocorrências
Verbo Ocorrências
FAIRE 91 AMENER 3
PERMETTRE 69 engendre 1
LAISSER 23 favoriser 1
OBLIGER 12 resulter 1
DEMANDER 12 éviter 1
imposer 7 interdire 1
autoriser 6 mener 1
provoquer 5 déclencher 1
convencre 5 sanctionner 1
Total Types = 18 Tokens = 241
Tabela 12 - Frequência type e token das micronstruções causativas na amostra em francês
139
Assim como no português, observa-se no francês uma grande quantidade de itens
lexicais que podem preencher o slot V1, tanto do grupo dos causativos propriamente como no
grupo dos permissivos. Selecionamos para análise, em função da sua frequência mais alta, os
verbos destacados em negrito na tabela. Apesar de amener não ser uma das formas causativas
mais frequentes do francês, ela foi mantida na análise para efeitos de comparação com o
causativo português levar. À exceção da forma amener, a distribuição das microconstruções
causativas do francês é bastante similar à do português, com predominância das formas faire,
permettre e laisser.
Considerando apenas as formas em análise, observamos a proeminência da
microconstrução com faire (43%), seguida da microconstrução com permettre (32,8%). A
microconstrução com laisser é menos recorrente, com 11% dos dados e as demais
apresentaram baixa ocorrência: obliger, com 5.7, e amener, com apenas 1,4%.
Gráfico 2 - Distribuição das micronstruções causativas em francês
Apesar da distribuição semelhante das construções causativas no francês e no
português, algumas diferenças merecem destaque: em português, os V1 permitir, levar e fazer
apresentam valores muito próximos em português; em francês, faire se destaca nitidamente
em relação às demais, correspondendo a quase metade dos dados (43,33%) seguido de
permettre (32.88%).
Como já explicitado no capítulo 4, a fim de validar os resultados obtidos em nossa
amostra de textos do domínio jornalístico, fizemos um levantamento na base de dados Est
Républicain. Os resultados desse levantamento são mostrados na tabela 13.
43,33
32,88
11
5,71
1,42
5,71faire
permetttre
laisser
demander
amener
obliger
140
causativo Token Freq. de
ocorrência
Freq.
absoluta de
V no corpus
faire 8119 59,69% 37429
obliger 292 2,14% 982
amener 8 0,05% 757
laisser 1150 8,45% 4070
permettre 3850 28,30% 8101
demander 181 1,33% 4188
TOTAL 13600 55527
Tabela 13 - Frequência das microconstruções na amostra Est Républicain
De acordo com os resultados da tabela 13, se destacam vários paralelismos entre a
Amostra do Est Républicain e a amostra de jornais utilizada neste estudo. O primeiro deles é
a frequência mais saliente da microconstrução com faire, como no exemplo (108), assim
como constatado no gráfico 2.
(108) Ensuite, Ségolène Royal envisageait la piste d’une vignette, mais que…
pour les poids lourds étrangers. Elle souhaitait obliger les camions
étrangers à prendre l’autoroute avec une taxe sur les sociétés d’autoroute et
leur faire payer une vignette à la frontière. (Le Figaro, 10/10/14,
Undispositif sans cesse repoussé, remanié et affadi)
Em seguida, Sègolène Royal considerava a possibilidade de criar uma
vinheta mas apenas para os caminhões de carga estrangeiros. Ela desejava
obrigar os caminhões estrangeiros a pegar as estradas com uma taxa
aplicada às concessionárias de auto-estradas e fazê-los pagar uma vinheta
na fronteira.
A microconstrução com permettre (exemplo 109) é a segunda mais recorrente também
no Est Est Républicain, com 28,30%.
(109) Encore faudrait-il que des solutions soient proposées pour permettre
que les populations civiles soient épargnées tout en éradiquant les actions
terroristes. Le choix de se dissimuler dans les populations civiles ne semble
pas faire l'objet de beaucoup de critiques. Il n'en reste pas moins que
l'émotion doit pouvoir être exprimée, car tout refoulement ne peut que
conduire à des réactions intolérables et tragiques. (Le monde, 12/08/14, La
discussion de la Ligue de défense).
141
Seria também necessário que soluções sejam propostas para permitir que as
populações civis sejam poupadas, sem deixar de erradicar ações terroristas. A
escolha de se esconder no meio das populações civis parece não ser muito
criticada. No entanto, deve ser possível expressar emoção, porque qualquer
repressão só pode levar a reações intoleráveis e trágicas.
Confirma-se também na base do Est Républicain, a baixa frequência de amener
(exemplo 110), com apenas oito ocorrências (0,04).
(110) Depuis le début des « printemps arabes », l'action diplomatique
française s'est caractérisée par une grande incohérence. Les déclarations et
les décisions prises concernant la stratégie à adopter à l'égard des
soubresauts révolutionnaires qui ont secoué le monde arabe depuis 2011
ont souvent été le résultat de calculs de court-terme et d'un certain
sentiment de culpabilité lié aux relations nouées avec les régimes conspués.
La France y fut amenée à pratiquer le grand écart plutôt que la «
position d'équilibre ». (Le Monde, 13/08/14, Une diplomatie française
vacillante au Moyent Orient).
Desde o início das “primaveras árabes”, a ação diplomática francesa se
caracterizou por uma grande incoerência. As declarações e as decisões
tomadas quanto à estratégia a ser adotada em relação dos sobressaltos
revolucionários que sacudiram o mundo árabe desde 2011 foram
frequentemente o resultado de cálculos de curto termo e de um certo
sentimento de culpa ligado às relações com os regimes criticados. A França
foi levada a praticar ali a grande separação ao invés da posição de
equilíbrio.
Um aspecto a considerar em relação a amener é que esta forma é menos usual na
língua escrita, o que pode, a nosso ver, ser um reflexo de que esta forma não está no mesmo
ponto de gramaticalização de sua contraparte levar em português, em que apresentou uma
frequência mais importante e bastante próxima de fazer.
A diferença quantitativa mais importante se refere ao uso das microconstruções com
obliger e demander. Na nossa amostra, essas duas construções causativas apresentam
frequência idêntica (5,71). Na amostra do Est Républicain, por sua vez, a microconstrução
com laisser, (exemplo (111), se distingue das demais com 8.43%.
(111) La semaine dernière, l’incroyable détermination des Kurdes a même
fini par pousser les Américains, d’abord peu intéressés par Kobané, à leur
parachuter des armes. La Turquie s’est pour sa part résignée à accepter
142
de laisser passer 200 pechmergas kurdes par sa frontière. Elle vient
également d’annoncer le renfort de 1 300 hommes de l’Armée syrienne
libre (ASL). (Le Figaro, 27/10/14, A l’ombre de Komban)
Na semana passada, a incrível determinação dos curdos acabou por empurrar os
americanos, inicialmente desinteressados em Kobane, a fornecer-lhes armas. A
Turquia, por sua vez, se resignou a aceitar que 200 pechsmas curdos passassem
por sua fronteira. Ela anunciou também o reforço de 1.300 homens do Exército
Livre Sírio (ASL).
A microconstrução com obliger (exemplo (112), por sua vez, também é menos
expressiva no Est Républicain, com um percentual de apenas 2.14%.
(112) Anne-Laure Leclerc, praticienne au service de néphrologie de l’hôpital
Femme-Mère-Enfant de Bron (Rhône), déclare pour sa part avoir été très
déstabilisée quand elle a appris, début mai, que le père d’une Kosovare de
17 ans qu’elle suivait depuis l’été 2011 avait reçu une obligation de quitter
le territoire. Une décision qui obligerait de facto la jeune fille à le
suivre. (Le Monde, 04/08/14, A Lyon)
Anne-Laure Leclerc, médica no serviço de nefrologia do hospital Mulher-mãe-
Criança de Bron (Rhône), declara por sua parte ter ficado muito desestabilizada
quando tomou conhecimento, no início de maio, de que o pai de um Kosovar
de 17 anos que ela acompanhava desde o verão de 2011, tinha recebido uma
ordem de deixar o território. Uma decisão que obrigaria realmente a jovem a
segui-lo.
A microconstrução com demander (1,33%), por sua vez apresenta um índice um
pouco mais baixo. Como já destacamos no capítulo 3, ao que tudo indica, a forma demander
está associada a outras construções, com o significado de “perguntar”. Aparentemente, o uso
de demander em microconstruções causativas é mais restrito do que seu uso lexical, o que
pode indicar um processo de mudança mais incipiente. Empregada com o significado de
ordenar, demander adquire, em muitos contextos, um valor injuntivo, ou seja, constitui uma
ordem para que X realize Z, como no exemplo (113).
(113) À vingt-cinq ans d’intervalle, Najat Vallaud-Bel-kacem choisit
la même attitude et commet la même erreur que Lionel Jospin, estime
Albert-Jean Mougin, vice-président du syndicat national des lycées et
collèges (Snalc). Ce ne sera pas tenable. L’État ne peut demander à ses
agents d’incarner à eux seuls et selon les circonstances le principe, devenu
variable, de la laïcité. » (Le Figaro, 29/10/14, École : les mères voilées
pourront accompagner les sorties)
143
Com vinte e cinco anos de intervalo, Najat Vallaud-Bel-kacem escolheu a
mesma atitude e cometeu o mesmo erro que Lionel Jospin, acredita Albert- Jean
Mougin, vice-presidente da união nacional de escolas secundárias e faculdades
(Snalc). Isto não será sustentável. O Estado não pode pedir aos seus agentes que
encarnem sozinhos e, de acordo com as circunstâncias, o princípio da laicididade,
que se tornou variável.
Diferentemente de mandar em português, demander, como no exemplo (113), está
fortemente associado a atos de fala implícitos, em contextos que implicam maior exercício de
poder do causador sobre o causado e implicaturas necessárias para que o valor de ordem se
sobreponha ao de perguntar. É preciso destacar, ainda, que, no seu uso injuntivo, demander é
igualmente uma forma mais recorrente na fala, o que pode explicar sua baixa recorrência em
textos escritos.
De forma semelhante ao que foi observado para o português, a distribuição das
microconstruções causativas consideradas é bastante diferenciada de acordo com os gêneros
discursivos que constituem nossa amostra.
Verbo Crônica Art. Opinião Editorial Notícia
N % N % N % N %
amener 1 2,9 1 1,4 0
1 1,6
demander 1 2,9 4 5,7 3 6,9 4 6,3
faire 19 55,8 34 48,5 11 25,5 27 42,8
laisser 1 2,9 9 12,8 11 25,5 2 3,1
obliger 2 5,9 3 4,2 3 6,9 4 6,3
permettre 10 29,4 19 27,1 15 34,9 25 39,8
Total 34
70
43 63
Tabela 14 - Distribuição das microonstruções causativas por gênero textual em francês
Assim, difetrentemente do português, o gênero artigo de opinião foi o que apresentou
o maior número de tokens das causativas analíticas em francês, seguido de perto pelo gênero
notícia. A microconstrução com faire foi mais frequente no gênero artigo de opinião e nas
crônicas. Nas notícias, não chega a haver diferença significativa na frequência de faire
(42,8%) e permettre (39,85). Essa última é predominante nos editorais. A microconstrução
144
com laisser predomina no gênero editorial e a microconstrução com obrigar, por sua vez,
apresenta índices bastante aproximados em todos os gêneros. As poucas ocorrências de
amener se distribuíram nos gêneros crônica, artigo de opinião e notícia (um dado para cada
gênero). Os aspectos discutidos até este ponto levantam um problema já colocado por
Achard (2000). Segundo o autor, as construções causativas mostram a ecologia do francês, na
medida em que expressões específicas (verbos, preposições, formas de complemento) são
recrutadas para evidenciar contrastes na cena causativa codificada. Nos termos de Talmy
(1988), cada microconstrução consistiria em um tipo particular de coerção. Ao final deste
capítulo, esta questão será retomada a partir da discussão dos resultados para as propriedades
do constituinte causador, do constituinte causado e do resultado.
Na seção seguinte, mostramos que uma primeira diferença importante entre as
micronstruções causativas do francês diz respeito à forma de realização do constituinte que
codifica o resultado da causação.
6.2 Forma de realização do predicado dependente
Assim como em português, o predicado dependente na construção causativa pode ser
realizado por uma oração não finita (exemplo 114), finita (exemplo 115) ou nominalização
(exemplo 116).
(114) Mais il oublie deux ou trois choses. L’Europe est un club fondé sur des
principes et des règles librement acceptés. La raison d’être de la
Commission est de faire respecter les traités, pas de les rédiger. (Le
Figaro, 27/10/14, Deux ou trois leçons de Bruxelles,)
Mas ele esquece duas ou três coisas. A Europa é um clube baseado em
princípios e regras livremente aceitos. A razão de ser da Comissão é fazer
respeitar os tratados, não de redigi-los.
(115) M. Cazeneuve a cependant déclaré que la volonté de la France est
d'abord de permettre que les minorités puissent continuer à vivre en
Irak, « d'où le déploiement d'initiatives humanitaires (...) et diplomatiques
» dans la région. ( Le Monde, 13/08/2014, Irak : la France a reçu
« plusieurs centaines des demandes » d’asile, selon Cazeneuve)
No entanto, o Sr. Cazeneuve declarou que a vontade da França é, antes de
mais nada, permitir que as minorias possam continuar a viver no Iraque.
Por isso, a implantação de iniciativas humanitárias (...) e diplomáticas na
região.
(116) L’ancien chef de l’État rebat les cartes et oblige l’UMP à un débat
de fond. C’est une bonne nouvelle puisque - espérons-le - on parlera enfin
145
Rue de Vaugirard des idées et des immenses défis que doit affronter la
France, vieux pays plongé dans un monde nouveau. (Le Figaro, 22/09/14,
La droitelamoins bete du monde,)
O ex-chefe de Estado modifica as coisas e obriga o UMP a um debate
substancial. Esta é uma boa notícia, pois- esperemos – finalmente, a Rua
Vaugirard, falará sobre ideias e sobre os imensos desafios que a França,
velho país imerso em um novo mundo, deve enfrentar.
Os resultados da tabela 15 deixam evidente a predominância do subesquema [SN1 [V1[
SN2 V2INF]] para a conceptualização de eventos causativos no francês.
Complemento faire amener obliger demander permettre laisser Total
N % N % N % N % N % N %
Finito 0 0 0 0 2 2,9 0 2
Não finito 91 100 3 100 10 83,3 9 75 56 81,2 23 100 192
Nominalização 0 0 2 16,7 3 25 11 15,9 0 16
Total 91 3 12 12 69 23 210
Tabela 15 - Realização do complemento nas microconstruções causativas do francês
Complementos na forma não finita são categóricos nas microconstruções com faire,
amener e laisser e constitui a opção predominante com as demais microconstruções.
O subesquema [SN1 [V1 NOM SPrep Oblíquo]] é o segundo mais recorrente (16 dados),
mas restrito às microconstruções com obliger (16,75%), demander (25%) e permettre
(15,9%). O subesquema [SN1 [V1 SN2 conec V2FIN]], por sua vez, é o de menor frequência
com apenas dois dados, e limitado à microconstrução com permettre.
A maior produtividade e predominância quantitativa de predicados dependentes em
forma não finita reflete, sem dúvida, características estruturais do francês. A construção com
faire + V2 tem merecido a atenção de diversos estudiosos, pelas particularidades que
apresenta, sendo mesmo considerada uma construção causativa distinta – a construção . faire-
infinitif, denominada causativa românica (ARAUJO, 2009; GILQUIN, 2015; GOFFIC, 1993;
MIRA MATEUS, 2003). Faire + infinitif caracteriza-se por um forte chunking entre o verbo
indicador de causa e o verbo indicador de efeito, que se traduz na contiguidade desses dois
constituintes da construção causal. Essa dependência entre V1 e o V2 faire é tomada como uma
indicação de ocorrência forçada do evento sem considerar o papel do causado, ou seja, maior
responsabilidade do causador, independentemente de este ser animado ou não. Assim, as
146
microconstruções com faire apresentam uma maior possibilidade de integração da situação
causativa, o que se reflete, inclusive, na posição fixa do elemento afetado como será discutido
na seção 6.4.2.
Um caso especial a considerar são os complementos não finitos precedidos de
preposição nas microconstruções com obliger, e permetttre e amener, como ilustrado em
(117), com permettre.
(117) L’Armée israélienne fera valoir qu’elle a détruit une partie de l’arsenal
de roquettes du mouvement islamiste palestinien. Plus important encore : elle a
mis au jour, et partiellement neutralisé, un réseau de tunnels destiné à
permettre au Hamas de multiplier les infiltrations en territoire israélien. Ce
n’est pas rien. Cela explique aussi le soutien massif que l’opinion israélienne
accorde au gouvernement de Benyamin Nétanyahou dans ce conflit.(Le
Monde, 28/07/14, A Gaza, l’indispensable compromis)
O exército israelense garantirá que destruiu uma parte do arsenal de foguetes
do movimento islamista palestino. Mais importante ainda: descobriu, e
parcialmente neutralizou, uma rede de túneis que permitiria ao Hamas
multiplicar as infiltrações em território israelense. Isto não é pouco e explica
também o apoio massivo da população israelense ao governo de Benjamin
Netanyahou neste conflito.
Nas estruturas com essa intermediação entre V1 e o resultado visado, pode-se dizer
que, apesar de “autorizado” ou “obrigado”, o causado pode não iniciar propriamente a ação,
opondo resistência à intenção manipulativa do causador. Essa resistência indica uma mudança
de trajetória na intenção do causador, como resultado de eventos externos que os provocam.
Para alguns autores (ACHARD, 2002; BAILARD, 1970; JANČIK, 2015), a presença da
preposição explicita o caminho que leva o causado à realização do efeito. Esta intermediação
pela preposição acarreta um distanciamento entre a causa e o efeito esperado e a ênfase recai
no resultado. Maiores imposições se colocam no uso de infinitivo precedido da preposição à,
(amener à e obliger à) que, segundo Achard (2002) exige causados volitivos, conscientes,
caso em que a oposição de resistência pode ser maior.
Assim como em português, pode ser observada no francês a baixa frequência do
esquema com complementos finitos, embora, essa restrição seja muito mais evidente no
francês. É necessário destacar que processos de mudança que culminaram em fortes restrições
no uso das formas de subjuntivo são fortemente atuantes nessa língua. De forma geral, as
formas de subjuntivo são restritas a determinados verbos (demander, permettre, por exemplo),
determinadas locuções conjuntivas (à moins que, bien que, malgré que) em relativas que
147
exprimem estados de coisas não concretizados ou naquelas que dependem de um superlativo.
No entanto, como destaca mesmo um gramático como Grevisse (1986), numa grande parte
desses contextos, o uso do indicativo é possível, e, em alguns casos, mesmo obrigatório como
após a locução temporal “après que”. De fato, o uso de formas de subjuntivo é dependente do
tempo verbal da oração matriz. No francês escrito, as regras de concordância de tempo entre o
verbo da matriz e o verbo encaixado não finito envolvem apenas o tempo passado ou o
presente. Na língua falada, como mostra Poplack (1990, 1992), o uso das formas de
subjuntivo fica limitado basicamente ao tempo presente. Ainda de acordo com Poplack, o
número de verbos que requerem forma verbal de subjuntivo é cada vez mais restrito64, pela
larga extensão das formas de indicativo. Segundo Poplack 1990, p. 28): “o exame de dados de
performance mostra claramente que, de fato, há relativamente poucos contextos onde se possa
verificar o vigor do subjuntivo” 65
Nas seções seguintes, discutiremos os resultados para propriedades sintáticas e
semânticas dos diversos constituintes da situação causativa.
6.3 Propriedades do SN causador
No capítulo 5, já destacamos a importância das propriedades ligadas ao constituinte
causador na forma como se instaura a relação de causatividade no português. Nesta seção,
mostramos que as diferenças atestadas no uso das construções causativas no francês também
estão, em grande parte, relacionada ao papel temático do sujeito, sua agentividade e à
possibilidade de controle do estado de coisas causado.
Uma distribuição das microconstruções do francês de acordo com os subesquemas
postulados torna mais claras as diferenças na produtividade de cada um deles em relação ao
português.
64 Segundo a autora, a maior parte das formas de subjuntivas em orações completivas, diz
respeito ao verbo falloir (Il faut que tu viennes chez moi.) 65 “l'examen de données de performance montre donc clairement qu'il existe en fait
relativement peu de contextes où la vigueur du subjonctif puisse être vérifiée.
148
Figura 13 - Representação esquemática das microconstruções causativas analíticas em francês
Observando a configuração dos esquemas sintáticos das construções causativas
analíticas do francês, confirmamos que o uso de estruturas finitas é consideravelmente mais
restrito para esta língua do que para o português. Apenas a microconstrução com permettre
admitiu este subesquema, e ainda assim foram encontrados poucos dados. O uso de
nominalização também é menos produtivo do que o do infinitivo, sendo encontrado apenas
em microconstruções com demander, permettre e obliger. Assim como em português, o
esquema que se mostra mais produtivo em francês é o de complemento no infinitivo ([SN1
[V1 SN2 V2INF]]), que abarca todas as microconstruções estudadas.
6.3.1 Papel temático do causador
Para Goldberg (1995), a resultatividade somente se aplica na presença de argumentos
que facilitem uma mudança de estado, pois essa é um produto de uma ação solicitada pelo
verbo causador. Para isso, faz-se necessário um agente volitivo, ou que seja, pelo menos
animado. Nas causativas do francês, essa propriedade se aplica, por exemplo, à instância da
microconstrução causativa com faire ilustrada em (118).
(118) Vladimir Poutine a réalisé une performance peu commune : le président
russe a poussé l'Europe à prendre une décision forte en politique étrangère.
Il est ainsi à l'origine d'une sorte de première dans l'histoire de l'Union
européenne (UE). Il a fait bouger Bruxelles, laissant entrevoir la possibilité
149
qu'a l'UE d'être, si elle le veut, un acteur sur la scène internationale. (Le
Monde, 31/07/14, Grâce a Poutine, l”Europe se fâche)
Vladimir Poutine teve uma performance pouco comum: o presidente russo levou
a Europa a tomar uma decisão forte em política estrangeira. Ele está na origem de
uma inovação na comunidade europeia (EU). Ele fez Bruxelas reagir, permitinfo
à UE ser, se deseja, um ator na cena internacional.
Em (118), Vladimir Poutine, um agente animado humano, que está na origem de uma
mudança de posição do Parlamento Europeu, em Bruxelas.
No exemplo (119), por outro lado, o sujeito, embora possa ser tomado como o ponto
de partida de uma situação causativa, é não humano e não volitivo. Pode ser considerado mais
como o instrumento necessário para alcançar um resultado.
(119) Seconde tendance, toute aussi minoritaire et toute aussi motivée, les
adversaires absolus de toute évolution en cette matière qui risquerait, à
leurs yeux, de « ruiner l’édifice de foi de l’Église catholique » et donc sa «
crédibilité ». Enfin, « courant majoritaire » parmi les 253 participants de ce
synode : « une volonté forte de trouver des solutions qui sans mettre en
cause l’indissolubilité du mariage, ni ouvrir à la communion, puissent
permettre un accueil miséricordieux à des couples en situation de
souffrance », résume Romilda Ferrauto, porte-parole pour le monde
francophone. (Le Figaro, 14/10/14, Divorciés remarriés)
Numa segunda tendência, igualmente minoritária e igualmente motivada,
estão os adversários absolutos de qualquer evolução deste assunto que, na
sua opinião, poderia "arruinar o edifício da fé da Igreja Católica" e,
portanto, sua "credibilidade". Finalmente, na “corrente majoritária”, entre
os 253 participantes deste sínodo: "há um forte desejo de encontrar
soluções que, sem questionar a indissolubilidade do casamento, nem incluir
os casos de casais não legalizados, possam permitir uma acolhida
misericordiosa aos casais em situação de sofrimento " resume Romilda
Ferrauto, porta-voz do mundo francófono)
No exemplo acima, o sujeito causador é abstrato (soluções), embora, necessariamente,
o resultado do “desejo forte” de seres animados, no caso, uma parte dos participantes do
sínodo. São as soluções que esse grupo possa propor que tornaria possível alteração da
postura da Igreja no que diz respeito aos casamentos não oficiais. Mais do que retratar a
vontade de cada um dos participantes do sínodo, o sujeito expressa o resultado de um
pensamento coletivo acerca de uma possível “evolução” da religião no que tange à vida
social. O sujeito causador é instrumento, pois “soluções” implica a existência de pessoas que
queiram operar a mudança.
150
Em outros usos das causativas, podemos observar a presença de sujeito causador com
o papel temático de fonte, como em (120):
(120) Dans le ciel brille un croissant de lune. Cela permet de se laisser
aller aux sentiments, d’oublier ses préjugés, de préférer de gentilles
escroqueries aux vérités plus terre à terre. Le héros ne va quand même
pas abandonner la délicieuse, l’exquise Sophie au richissime héritier de la
maison. Celui-ci joue du ukulélé pour la séduire. Quel nigaud. S’il pense
qu’elle va succomber à ses gratouillis sur une guitare miniature. Cela crée
de déplorables malentendus. (Le Figaro, 22/10/14, Cocquin de sort)
No céu brilha uma lua crescente. Ela permite que a gente se deixe levar
pelos sentimentos, esqueça seus preconceitos, prefira mentiras sinceras às
verdades nuas e cruas. O herói ainda não vai abandonar a linda, requintada
Sophie ao riquíssimo herdeiro da casa. Este toca ukelele para seduzi-la.
Que idiota. Se ele acredita que ela vai sucumbir aos seus acordes que
provocam comichões sob uma viola em miniatura. Isso cria mal entendidos
deploráveis.
No trecho (120), a lua crescente, um fenômeno da natureza, é o que dá origem aos
sentimentos. Apesar de não ser um elemento animado e não possuir controle sobre a ação,
pode ser considerado o ponto de partida para que tal aconteça. No caso, o resultado é
voluntário e constituído por verbos do tipo cognitivo (laisser aller aux sentiments, oublier,
préferer)
Os resultados da tabela 16 apontam de forma um pouco diferente do observado para
o português, que a correlação com o traço de agentividade é predominante para quase todas as
microconstruções do francês.
Papel temático
do suj.
faire amener Obliger demander permettre laisser Total
N % N % N % N % N % N %
Agente
coletivo 16 17,6 1 33,3 2 16,7 3 25 11 15,9 9 39,1
42
Agente
individualizado 31 34,1 1 33,3 5 41,7 6 50 11 15,9 8 34,8
62
Instrumento 20 22 1 33,3 1 8,3 2 16,7 40 58 5 21,7 69
Fonte 24 26,4 0 4 33,3 1 8,3 7 10,2 1 4,3 37
Total 91 3 12 12 69 23 210
Tabela 16 - Papel temático do SN causador em francês
151
Na tabela 16 destaca-se, em primeiro lugar, que, à exceção de amener, todas as
microconstruções admitem todos os diferentes tipos de sujeito. Além disso, podemos dizer
que, até certo ponto, as construções causativas atestadas nos textos jornalísticos se ajustam
melhor ao modelo prototípico de causação, com sujeito animado (CROFT, 2010;
GOLDBERG, 1995; TAYLOR, 1988), seja ele individuado ou coletivo. As microconstruções
com faire (34,1%), demander (50%), e obliger (41,7%) são mais frequentes com agente
individuado, enquanto as microconstruções com laisser e amener, variam de forma mais clara
entre as duas possibilidades. A microconstrução com permettre, por sua vez, se particulariza
pela sua coocorrência predominantemente com sujeitos do tipo instrumento (58%), como
ilustra (121).
(121) La proposition du premier ministre israélien Benyamin Nétanyahou de
l'arrêt de l'opération " Bordure protectrice " en échange d'un retour au
calme ne suffit pas. Il faut sortir de l'équation mortifère agression-
représailles, qui scande la vie des Gazaouis depuis le retrait israélien de
2005. Seules des négociations sur le blocus de Gaza permettront de
changer les paramètres de ce cycle infernal en donnant aux habitants de
l'enclave palestinienne des raisons de se consacrer à leur développement
plutôt que de haïr ceux qui l'empêchent. (Le Monde, 07/08/14-Il faut lever
les blocus de Gaza)
A proposta do primeiro ministro de Israel Benjamin Netanyahou de parar a
operação « Limite de proteção » em troca de uma volta à calma não é
bastante. É necessário acabar com a equação mortífera agressão-represálias,
qui marca a vida dos moradores de Gaza desde a retirada israelense em
2005.Apenas negociações sobre o bloqueio de Gaza permitirão mudar les
parâmetros deste ciclo infernal, dando aos habitantes do enclave palestino
razões para se dedicarem ao seu desenvolvimento ao invés de odiar aquelas
que o impedem.
A destacar, no entanto, que a microconstrução com faire apresenta um número não
negligenciável de sujeito com papel temático de fonte (26,4%), como observado também em
português, e de instrumento (22%), como nos exemplos (116) e (117). Considerando
conjuntamente as ocorrências de sujeito instrumento e sujeito fonte (um total de 44
ocorrências), podemos afirmar que a essa é a micronstrução que mais admite variabilidade
quanto ao traço de agentividade do sujeito.
Como já mostramos para o português, as tendências identificadas para o traço de
agentividade se refletem, pelo menos parcialmente, no traço de intencionalidade do sujeito,
aspecto discutido na seção seguinte.
152
6.3.2 Intencionalidade do causador
A intencionalidade está relacionada à vontade de causadores animados de provocar a
mudança de estado ou uma ação pelo causado e está, pelo menos por hipótese, relacionada à
causação direta, como proposto por Givón (1972) e Croft (2012). O sujeito não intencional,
diferentemente, parece mais distanciado da cena de causação. O sujeito causador é, nesse
caso, um intermediário para a obtenção do resultado. Embora intencionalidade possa estar
relacionada até certo ponto com contato físico, Gilquin (2006) destaca que o contato do
agente causador com o elemento causado é opcional, ou seja, o SN causador pode ter um
papel de acionador/favorecedor da ação, sem necessariamente ter a intenção de provocá-la.
Pelo menos até certo ponto, o traço de intencionalidade pode ser inerente à semântica
do próprio V1. Assim, no caso das microconstruções com faire e obliger, está pressuposto que
o causador age voluntariamente, com o objetivo de obter um resultado e que este resultado
será obtido. Nas microconstruções com laisser e demander, por outro lado, mesmo havendo
intencionalidade e uma posição de autoridade por parte do causador, não é possível
reconhecer se o causado irá obedecer ou não à ordem do causador. Comparemos os exemplos
(122) e (123), respectivamente com sujeito intencional e sujeito não intencional.
(122) Que s’est-il passé pour que ce dossier pourtant emblématique d’une
nouvelle politique énergétique se soit ainsi perdu en chemin ? Certes,
l’accord sur Fessenheim a été ficelé sur un coin de table : à ce moment-là, à
quelques semaines des élections présidentielles, François Hollande voulait
faire définitivement basculer les Verts de son côté. Et l’arrêt définitif
d’une centrale nucléaire constituait un gage significatif. (Le Figaro,
15/10/14, Fessenheim : une fermeture plus hypothétique que jamais)
O que aconteceu para que esse dossiê emblemático de uma nova política de
energia se tenha perdido no meio do caminho? Sem dúvida, o acordo
Fesseiheim ficou parado num canto de mesa: naquele momento, a apenas
algumas semanas de eleição presidencial, François Hollande queria colocar
os verdes do seu lado. E a desativação completa de uma central nuclear
constituía uma garantia significativa.
(123) Une stratégie d'ensemble est-elle possible au-delà des
programmes d'action engagés ici et là en faveur de la jeunesse et de
l'emploi dans tel ou tel pays ? Ne faudrait-il pas se concentrer sur quelques
petits Etats pour en faire un laboratoire de développement et mettre
méthodiquement en oeuvre tout ce qu'évoque le communiqué de la
Maison-Blanche ? Cela impliquerait un encadrement extérieur qu'aucun
chef d'Etat africain n'accepterait sans doute. Mais sans avancée décisive en
matière de gouvernance, ce sommet américain peut-il accomplir beaucoup
plus que les autres grandes réunions régionales ? Le sommet de l'Union
africaine prévu en septembre 2014 au Burkina Faso fournira quelque
153
indication. Quant au président Obama, qui promet une réédition du sommet
de Washington, sa politique depuis 2009 laisse penser qu'il ne se fait guère
d'illusion. (Le Monde, 14/08/14, Obama et le mirage africain,)
Uma estratégia mais global é possível além dos programas de ação
engajados aqui e ali em favor da juventude e do emprego em um ou outro
país? Não seria necessário se concentrar em alguns Estados pequenos,
fazendo deles um laborário, para transformá-los em um laboratório de um
laboratório de desenvolvimento e implementar metodicamente tudo o que é
lembrado no comunicado da Casa Branca? Isso implicaria um controle
externo que, sem dúvida, nenhum chefe de Estado africano aceitaria. Mas
sem um progresso decisivo na forma de governo, essa cúpula americana
poderá realizar muito mais do que outras grandes reuniões regionais já o
fizeram? A cúpula da União Africana prevista para setembro de 2014 no
Burkina Faso fornecerá alguma indicação. Quanto ao presidente Obama, que
promete uma reedição da cúpula de Washington, a política por ele adotada
desde 2009 permite supor que ele não tem nenhuma ilusão.
Em (122), o presidente François Hollande claramente tenta fazer com que integrantes
do Partido Verde o apoiem e, por isso, interfere no prosseguimento da proposta de uma nova
política de energia, que não agrada a estes políticos. Sua ação é pensada para conseguir um
objetivo. Por outro lado, no exemplo (123), a política proposta por Obama leva o autor do
texto a pensar, porém o sujeito causador (a política conduzida por Obama) não possui essa
intenção.
A tabela 17, que considera apenas os dados de sujeitos animados, indica que as
microconstruções causativas atestadas na amostra de textos jornalísticos do francês estão
predominantemente associadas a sujeitos intencionais, embora essa correlação varie de acordo
com a microconstrução.
Intencionalidade
do causador
faire amener obliger demander permettre laisser Total
N % N % N % N % N % N %
Intencional 32 68 0 0 7 100 8 88,8 7 31,8 5 29,4 59
Não intencional 15 32 2 100 0 0 1 10,2 15 68,2 12 70,6 45
Total 47 2 7 9 22 17 104
Tabela 17 - Intencionalidade do causador nas microconstruções causativas do francês
Na microconstrução com obliger em análise, sujeitos animados intencionais são
categóricos e atingem índices expressivos nas microconstruções com demander (88,8%) e
154
com faire, com 68%. Sujeitos não intencionais são mais frequentes com amener (100%,
categórico), permettre (68,25) e laisser (70,6%). A microconstrução com faire é a que admite
maior variabilidade.
De acordo com os resultados da tabela, podemos dizer que as microconstruções
causativas do francês são mais fortemente associadas ao traço de intencionalidade do sujeito
causador do que em português.
Como já vimos na seção 6.2, nos textos dos jornais franceses, o predicado dependente
na forma de oração não finita é praticamente categórico. Portanto, os resultados discutidos até
este ponto, refletem, necessariamente, propriedades do esquema [SN1 [V1 SN2 V2INF]], que
licencia quase todas as microconstruções. Uma análise em que agrupamos as instâncias das
microconstruções de acordo com o tipo de realização do complemento mostra uma situação
distinta para o esquema com orações não finitas. Nesse caso, predominam sujeitos com papel
temático de instrumento, (6/15), portanto não intencionais e não capazes de controlar a
realização de um estado de coisas.
Na próxima seção, destacaremos a importância de traços do constituinte causado na
distinção entre as microconstruções causativas do francês.
6.4 Propriedades do constituinte causado
Na análise das microconstruções causativas do português já pudemos constatar a
importância das características do constituinte causado na forma de configuração do evento
causativo no português. Nesta seção, mostramos que as microconstruções causativas do
francês se submetem a restrições mais específicas no que diz respeito principalmente à forma
de realização e posição do constituinte causado.
6.4.1 Forma de realização do causado
Em francês, o elemento causado pode ser realizado como um sintagma nominal no
exemplo (124), pronome (125), anáfora zero (126) e sintagma preposicional (exemplo 127).
(124) Doit-on vraiment redouter, comme le fait un certain Olivier V., que « la
presse française, le monde politique, et la référence journalistique qu’était
Le Monde nous amènent tout droit vers un mouvement populiste inquiétant
» ? Casser le thermomètre n’a jamais fait baisser la fièvre, vous le savez
bien chers lecteurs. Et avec un personnage hors normes comme celui dont
on parle ici, difficile de faire l’impasse pour ce journal que vous qualifiez
vous-mêmes « de référence » – fût-ce à l’imparfait… (Le Monde,
15/07/14, Trop de Sarkozy ?)
155
Devemos realmente temer, assim como um certo Olivier V, que "a
imprensa francesa, o mundo político e a referência jornalística que era Le
Monde nos levem diretamente a um movimento populista perturbador"?
Quebrar o termômetro nunca fez baixar a febre, como vocês sabem,
prezados leitores. E com um personagem não padrão como aquele de que
estamos falando aqui, é difícil ignorar este jornal, que vocês mesmos
chamam de "referência" - mesmo que isso seja dito no pretérito imperfeito...
(125) Le seul sujet d’étonnement est ce découpage systématique en séquences
thématiques, devenu le mode d’expression des dirigeants politiques sans
exception. François Hollande a voulu avoir sa séquence d’explication avec
les « vrais gens » -émission TV du 6 novembre, qui le faisait converser
avec quatre Français « de base » (Le Fig, 15/12/14,Les hommes
politiques)
A única surpresa é este corte sistemático em sequências temáticas, que se
tornou o modo de expressão dos dirigentes políticos sem exceção. François
Hollande quis ter sua sequência de explicação com « pessoas verdadeiras » -
programa televisivo de 6 de novembro, que lhe permitia conversar com
quatro franceses de base.
(126) Les réactions politiques étaient nombreuses lundi. L’ancienne ministre
de l’Écologie, Delphine Batho, tout comme la députée écologiste Cécile
Duflot ont demandé l’arrêt des travaux à Sivens. (Le Figaro, 28/10/14-
Barrage de Sivens)
Segunda-feira, as reações políticas eram numerosas. A antiga ministra da
Ecologia, Delphine Batho, assim como a deputada ecologista Cécile Duflot
pediram a interrupção dos trabalhos à Sivens.
(127) « C’est une véritable fabrique à simplifier qui est en marche pour les
trois prochaines années », écrivaient de manière un peu présomptueuse
Mandon et Poitrinal en avril. La fabrique, comme beaucoup d’usines
françaises, semble être à l’arrêt. Faute de volonté, faute d’imagination,
faute de capacité à faire comprendre à toute l’administration que le
problème est avant tout culturel. (Le Figaro, 15/10/14, Le choc de
simplification accouche d’une souris)
É uma verdadeira fábrica de simplificação que está em curso pelos próximos
três anos. » escrevia de forma um pouco presunçosa Mandon e Poitrinal en
abril. A fábrica, como muitas outras usinas francesas, parece estar parada.
Falta de vontade, falta de imaginação, falta de capacidade de fazer a
administração compreender que o problema é antes de tudo cultural.
Como mostram os resultados da tabela 18, a distribuição geral das microconstruções
é bastante semelhante à observada para o português, com 106 ocorrências (sobre um total de
210), de constituintes afetados na forma de sintagma nominal.
156
microconstru
ção
faire amener obliger demander permettre laisser Total
N % N % N % N % N % N %
SN 54 59,3 2 66,7 9 75 5 41,7 24 34,8 12 52,2 106
Anáfora Zero 15 16,5 0 0 0 0 5 41,7 25 36,2 9 39,1 54
Pronome 18 19,8 1 33,3 3 25 1 1,2 11 15,9 2 8,7 36
SPrep 4 4,4 0 0 0 0 1 1,2 9 13 0 0 14
Total 91 3 12 12 69 23 210
Tabela 18 - Forma de realização do causado nas microconstruções causativas do francês
De acordo com os resultados da tabela 18, verificamos que o constituinte afetado ocorre
majoritariamente na forma de sintagma nominal, com índice mais expressivo na
microconstrução com obliger (75%). Apenas na microconstrução com demander, observa-se
um equilíbrio entre afetados na forma de sintagma nominal e como anáfora zero. Ainda que
mantenha a predominância de afetados na forma de SN, a microconstrução com faire se
destaca pela maior diversidade de formas de realização do constituinte afetado. Segue-se a
microconstrução com laisser, para a qual não é possível um SPrep no papel de causado.
Ainda que o seu baixo número de dados não autorize conclusões definitivas, a
microconstrução com amener parece ser a que impõe maior restrição à forma de realização
deste constituinte da construção causal.
A realização na forma de uma categoria vazia é a segunda possibilidade mais recorrente,
com 54 ocorrências. Nas microconstruções com demander e permettre há diferença entre
causado na forma de SN e de categoria vazia e na microconstrução com laisser, a categoria
vazia atinge frequência expressiva (39,1%).
A realização de afetado na forma de sintagmas preposicionais é a menos recorrente e
mais restrita à forma permettre, com 13,04%. A realização do causado em forma pronominal
envolve principalmente pronomes clíticos em função acusativa como no já citado exemplo
(126), correspondendo a 70,9%. No entanto, não é negligenciável a ocorrência de pronomes
em função de dativo, principalmente na microconstrução com permettre, o que decorre,
necessariamente, da própria grade argumental dessa forma verbal. Com maior variação, a
157
construção com faire destaca-se igualmente pela incidência de pronomes em função dativa,
caso do exemplo (128).
(128) D’après les résultats des différents scrutins, deux politiques voient le
jour. D’une part, la branche conservatrice de la société se politise autour de
deux premiers facteurs de la « perception de démocratisation ». Cet
élément permet à Recep Tayyip Erdogan de se maintenir au pouvoir et lui
fait remporter les élections. (Le Monde, 11/08/14, Erdogan, une machine
à gagner les élections,)
Como explicamos no Capítulo 3, na microconstrução com faire, quando o constituinte
causado está sob a forma de um pronome clítico, será anteposto ao V1 e utilizado no caso
dativo, devido às restrições de uso do objeto direto ou sujeito duplo em francês.
Como veremos na seção seguinte, essa maior variação no papel temático do
constituinte que codifica o afetado se reflete, inclusive na sua posição na construção
causativa.
6.4.2 Posição do constituinte causado
Assim como em português, em francês, o constituinte causado pode ser anteposto a V1
(exemplo (129), posposto a V1 (exemplo 130) ou posposto a V2 (exemplo 131).
(129) Lorsqu’il l’avait fait réinscrire au rôle, il avait indiqué au tribunal de
proximité qu’il n’assurerait plus la défense de son client, leur « relation de
confiance » étant rompue, et que celui-ci devrait désigner un nouveau
représentant. Pierre Dupont s’était abstenu et, faute d’arguments en
défense, avait été condamné. (Le monde, 10/07/14, Abus d’aide
juridictionaire,)
Quando ele o fez se recandidatar ao cargo, ele já havia indicado ao tribunal
de proximidade que não asseguraria mais a defesa de seu cliente, que « já
que sua relação de confiança estava rompida, ele deveria designar um novo
representante.
(130) François Hollande souhaitait également faire baisser le taux de
change de l'euro. L'euro cher est certes un facteur majeur de déflation
puisque les prix des produits importés tendent à diminuer. (Le Monde,
14/08/14, Politique économique)
Também François Hollande queria abaixar a taxa de câmbio do euro. O
euro caro é, sem dúvida, um fator maior de deflação, pois os preços dos
produtos tendem a cair.
158
(131) Le Comité D’accueil anarchiste a fait reculer la police. Les
visages encagoulés, munies de bâtons, environ quarante personnes se
sont opposées à une intervention policière mercredi à Tarnac, ce petit
village de Corrèze devenu quartier général de Julien Coupat. (Le
Parisien, 31/10/15, La police fait demi-tour)
A Comissão de Boas Vindas anarquista fez a polícia recuar. Os rostos
cobertos, equipadas com porretes, cerca de quarenta pessoas se opuseram a
uma intervenção da polícia quarta-feira em Tarnac, uma pequena aldeia de
Corrèze que se tornou o quartel de Julien Coupat.
A tabela 19, em que foram desconsiderados os dados de categoria vazia, aponta
tendências um pouco diferentes das que foram constatadas para as causativas do português.
Posição do
causado
faire amener obliger demander permettre laisser Total
N % N % N % N % N % N %
Antep. a V1 17 21,5 1 50 5 41,7 0 0 8 21,6 3 23,1 34
Posp. a V1 - - 1 50 7 58,3 5 83,3 21 56,8 6 46,2 40
Posp. a V2 62 78,5 0 0 0 0 1 16,7 8 21,6 4 30,8 75
Total 79 2 12 6 37 13 149
Tabela 19 - Posição do constituinte causado nas microconstruções causativas do francês
Nas microconstruções com obliger (58,3%), demander (83,3%), permettre (56,8%) e
laisser (46,2%), observa-se a predominância de elemento afetado posposto a V1, mais
expressivamente com demander. A segunda posição mais explorada por diferentes
microconstruções é a que situa o constituinte causado antes de V1, à exceção da
microconstrução com demander.
As microconstruções com laisser e faire são as que admitem maior variabilidade de
posição. No entanto, a microconstrução com faire se particulariza pela posição do elemento
afetado, mais frequentemente posposto a V2 (78,5%), uma posição atestada também nas
microconstruções com permettre, demander e laisser.
Os resultados destacados acima fornecem algumas evidências para a discussão do grau
de ligação entre o V1 e o V2 das microconstruções causativas em francês. Para muitos autores,
a ligação entre V1 e V2 é forte em francês. A contiguidade entre V1 e V2 seria um forte indício
159
da maior coesão entre esses dois constituintes e se reflete, por exemplo, na posição dos
clíticos acusativos e dativos que se referem ao V2: os clíticos são posicionados antes do
cluster verbal, o que se confirma nesta análise da escrita jornalística. Apenas afetados
realizados como clíticos são categoricamente antepostos a V1, como no exemplo (132)
(132) Dans le box, assommé par les médicaments, Jordan a le regard vide.
Murielle Lénisa balaye les explications de Jordan : « Les propos que lui
tenaitmon mari, c’était pour le faire réagir, pourl’inciter à travailler. Pas
pour l’humilier. (Le Parisien, 08/10/15, Il aimait plus l’argent que sa propre
famille)
No box, atordoado pelos medicamentos, o olhar de Jordan está vazio.
Murille Lénissa descarta as explicações de Jordan: “O comportamento de
seu marido em relação a ela eram para fazê-la reagir, para incitá-la a
trabalhar.
Para Achard (2002), as evidências fornecidas pelas restrições na colocação dos clíticos
levam a concluir que, no caso de verbos contíguos, ou seja, com constituinte afetado posposto
a V2, como no exemplo (132), há uma estrutura mais condensada, monoclausal, com a
codificação de um único evento. A nosso ver, é necessário considerar, no entanto, as
particularidades de cada uma das microconstruções causativas.
As especificidades mais evidentes, como já era esperado, se referem às
microconstruções com faire. Como já destacamos na seção 6.2, a “faire construction” ou
“faire-infinitif” é considerada uma construção particular (ACHARD, 2000; GILQUIN, 2015;
KEMMER; VERHAGEN, 1994), na qual a ordem VV é obrigatória, o que restringe a
mudança de posição do elemento causado: esse constituinte só pode ser anteposto a V1 ou
posposto a V2, de forma a não romper a sequência entre causa e o resultado visado. Essa
restrição se confirma neste estudo, não tendo sido atestada na nossa amostra nenhum caso de
inserção do constituinte afetado entre V1 e V2 nas instâncias da microconstrução com faire.
Assim, podemos dizer que em “faire infinitif’ o causador se relaciona diretamente ao evento,
resultando em um predicado complexo.
Um outro argumento para a maior integração entre V1 e V2 na micronstrução com
faire é a quase total ausência de inserção de qualquer outro tipo de constituinte linguístico
entre os dois verbos. Na nossa amostra, foram atestados apenas 2 casos com inserção de um
elemento adverbial nessa posição, como no exemplo (133).
(133) En arrêt cardio-respiratoire, l'enfant meurt peu avant 9 heures. En raison
de la brutalité de son décès, l'hôpital fait aussitôt pratiquer une autopsie,
160
dont les résultats définitifs ne seront pas connus avant plusieurs semaines.
(Le Monde, 08/08/14, Enquetes judiciaires)
Com uma parada cardio-respiratória, a criança morre um pouco antes de 9
horas. Em razão da brutalidade da sua morte, o hospital mandou
imediatamente praticar uma autópsia, cujos resultados definitivos só serão
conhecidos em várias semanas.
Há indicações, portanto de elevado grau de chunking entre faire e o verbo infinitivo
que o segue, o que se reflete numa gradiência de composicionalidade dessa microconstrução,
reforçada, provavelmente, pela sua alta frequência, como destacado na seção 6.1.
A maior ocorrência de objeto/sujeito afetado entre V1 e V2 nas microconstruçõs com
obliger, demander e permitir também pode ser explicada em termos de algumas restrições
estruturais. Como já destacamos no capítulo 3, em todas elas, há a exigência de uma
preposição ligando elementos constituintes da construção causativa (Obliger X a Y,
demander a X de Y e permettre a X de Y). Ao que tudo indica, podem ser consideradas formas
mais indiretas com maior topicalidade no causado.
Como veremos na seção seguinte, alguns aspectos destacados nesta seção estão
correlacionados, pelo menos em parte, com o traço de animacidade do constituinte causado.
6.4.3- Traço de animacidade do constituinte causado
No capítulo 5, já destacamos que uma parte considerável das particularidades das
microconstruções causativas do português pode ser explicada a partir da combinação do traço
de animacidade do causado com traços do causador. Nesta seção, apresentamos os ressultados
que mostram uma situação similar para o francês.
De forma semelhante ao português, o constituinte que codifica o causado nas
construções causativas do francês, pode codificar um referente humano, coletivo humano, não
animado ou evento/abstrato, como mostram os exemplos (134) a (137).
Humano individuado
(134) De façon insidieuse, et pour partie indicible, le projet nous oblige à
nous confronter à une combinatoire locale-globale qui questionne deux
tensions fondatrices du politique : l'ouverture des territoires et la frontière
entre le public et le privé. (Le Monde, 05/08/2014, Treizerégionspour une
action)
De forma insidiosa, e em parte indizível, o projeto nos obriga à nos
confrontarmos a uma combinação local-global que permite questionar duas
tensões fundadoras da política: a abertura dos territórios e a fronteira entre o
público e o privado.
161
Coletivo humano
(135) Ce « mouchard », d'habitude scellé sur les motos ou scooters, a été
retrouvé dans une bouche d'égout de l'agglomération toulousaine. L'analyse
de ce tracker devrait permettre à la police de retracer les déplacements
du deux-roues, et les géolocaliser (Le monde, 25/07/14, Le mouchard du
scooter de Mohammed Merah retrouvé)
Este dispositivo de localização, normalmente preso em motos ou scooters,
foi encontrado num bueiro em Toulouse. A análise deste “perseguidor”
deveria permitir à polícia retraçar os deslocamentos das motos e
localizá-las.
Não animado
(136) Dans l’écrin intimiste de l’Opéra de Lille, Emmanuelle Haïm n’a
aucune peine à faire crépiter les instruments du Concert d’Astrée (ah,
ces basses grondantes que l’on n’entendait pas avenue Montaigne !). (Le
Figaro, 21/10/14, Castor et Pollux)
Na caixa intimista da Ópera de Lille, Emmanuelle Haim não tem
dificuldade para fazer soarem os instrumentos do Concerto d Astrée (ah,
esses baixos tonitroantes que não eram ouvidos na Avenue Montaigne .
Evento/abstrato
(137) L'ensemble se déroule sur fond de vide politique abyssal. Le
gouvernement de droite de Benyamin Nétanyahou a fait capoter les
négociations de paix menées depuis quelques mois sous l'égide des Etats-
Unis. (Le Monde, 05/07/14, Praxe Orient)
O conjunto acontece em um vazio político abissal. O governo de direita de
Benyamin Netanyahu fez fracassarem as negociações de paz que estão
acontecendo há alguns meses sob os auspícios dos Estados Unidos.
De forma semelhante ao que já observamos para o português, os resultados da tabela
20 mostram a predominância de afetados humanos em quase todas as microconstruções
causativas do francês.
Causado faire amener obliger demander permettre laisser Total
162
N % N % N % N % N % N %
Humano 33 42,3 2 100 8 66,7 4 66,7 25 65,8 5 38,5 77
Coletivo
Humano 7 8,9 0 0 2 16,7 1 16,7 2 5,3 2 15,4
14
Não animado 16 20,5 0 0 0 0 0 0 2 5,3 1 7,69 19
Evento 22 28,2 0 0 2 16,7 1 16,7 9 23,7 5 38,5 39
Total 78
2
12
6
38
13
149
Tabela 20 - Animacidade do causado nas microconstruções causativas do francês
De acordo com os resultados da tabela 20, afetado humano individuado são
categóricos na microconstrução com amener e significativamente mais frequentes com
obliger (66,7%) demander (66,7) e permettre (65,8%). Se considerarmos conjuntamente os
resultados para humano e coletivo humano a correlação das microconstruções causativas do
francês com o traço animado e humano se torna ainda mais expressiva, tornando-se
predominante também nas microconstruções com fazer e laisser.
Constituintes afetados do tipo evento ou nomes abstratos são mais recorrentes com
faire ( 28,2%) permettre (23,7%) e, principalmente, laisser (38,5%). Afetados não animados
são os menos recorrentes com todos os V1, apresentando índice um pouco mais alto apenas
com faire.
Comparativamente ao português, é a microconstrução com laisser que mais se
distingue, visto que a forma deixar em português parece ser mais restritiva quanto ao traço de
animacidade do constituinte afetado. Por outro lado, as tendências observadas para faire e
permettre são bastante aproximadas das que foram observadas para as formas fazer e permitir
do português.
Em princípio, a predominância de objeto afetado animado pode ser tomada como um
indicativo de que a função mais frequente dessas microconstruções é a expressão de causa
mais direta, mais prototípica. No entanto, como já mostramos para as microconstruções
causativas do português, afirmações mais seguras sobre o tipo de causação requerem
considerar conjuntamente traços semânticos do sujeito causador e do objeto afetado. O
cruzamento entre essas duas variáveis permite identificar de forma geral uma configuração
com sujeito causador animado + objeto afetado animado, como mostram os resultados da
tabela 21.
163
Anima
. do
sujeito
Anima.
do
pacient
e
faire amener obliger demande
r
permettr
e laisser
Tota
l
N % N % N % N % N % N %
+ + 24 30 2 100 5 41,7 5 83,3 11 28,9 6 46,2 53
+ - 17 21,3 0 0 2 16,7 0 0,0 13 34,2 4 30,6 36
- + 25 31,3 0 0 3 25 0 0,0 12 31,6 1 7,7 41
- - 14 17,5 0 0 2 16,7 1 16,6 2 5,3 2 15,4 21
Total 80 2 12 6 38 13 151
Tabela 21 - Combinação entre os traços de animacidade do causador e do causado nas
microconstruções causativas do francês
Segundo os resultados da tabela 21, a correlação entre sujeito animado e objeto
animado, predominantemente humano, é categórica na microconstrução com amener, e mais
expressiva nas microconstruções com demander (83,3%), obliger (75%) e na microconstrução
com laisser (46,2%). Nesta última, destaca-se também o índice de sujeito causador animado
relacionado a objeto causado não animado (30,6%).
Para a microconstrução com faire não há diferença entre a combinação causador
animado + afetado animado (30%) e causador não animado + afetado animado (31,3%). Na
microconstrução com permettre, aproximam-se os índices para sujeito animado relacionado a
objeto não animado (34,2%), sujeito não animado e objeto animado (31,6%) e também para
causador animado relacionado a afetado animado (28,9%).
Na seção seguinte, consideramos aspectos ligados ao resultado, ou seja, aos verbos
que ocupam a posição V2.
6.5 Propriedades do V2
De forma similar ao português, diferentes tipos sintático-semânticos de verbos podem
ocupar o slot V2 nas microconstruções causativas do francês. Com base na tipologia de
Halliday (1984), elas podem ocorrer com processos materiais, mentais, relacionais,
comportamentais, verbais e existenciais. (138) ilustra V2 do tipo material.
(138) Ces derniers (les couches modestes) ne payent souvent pas cet impôt,
alors que la plupart sont redevables de la CSG. La mobilisation de 5
milliards d’euros au total au service de la mise en œuvre d’un barème
progressif permettrait de diminuer les prélèvements sur les moins
favorisés sans augmenter ceux qui pèsent sur les classes moyennes. (Le
164
Monde, 15/08/2014, Non, la décision du Conseil constitutionnel n’interdit
pas la CSG progressive)
Esses últimos (as camadas mais pobres) frequentemente não pagam este
imposto, enquanto a maioria está obrigada a pagar a CSG. A mobilização de
um total de 5 bilhões de euros para implementar uma escala progressiva
permitiria reduzir as taxas impostas aos menos favorecidos sem aumentar
aqueles que já pesam sobre as classes médias.
Neste exemplo, o V2 é representado pelo verbo de ação diminuer, indicando uma
atividade que seria possível a partir da nova medida. Em (139), por sua vez, temos um
exemplo de verbo relacional (être), referindo-se a uma característica ou atributo dos
elementos causados (ser descomplexado).
(139) Décomplexés, les électeurs de droite le sont, et depuis beaucoup plus
longtemps qu’on croit. Ils demandent à Nicolas Sarkozy, à François Fillon
et à Alain Juppé de l’être aussi. C’est à cette aune qu’ils les départageront.
(Le Fig, 22/09/14, La droite la moins bete du monde)
Sem complexos, os eleitores da direita são, e há muito mais tempo do que
pensamos. Eles pedem a Nicolas Sarkozy, François Fillon e Alain Juppé para o
serem também. É com base nisso que eles irão distingui-los.
Em (140), está ilustrado um processo mental (croire), ou seja, um estado de
consciência provocado pela proposta de criação do imposto.
(140) Elle est d’abord démagogique : « Cette proposition, sous couvert
d’équité, laisse croire qu’il s’agit de faire payer les riches, s’insurge Jean-
Pierre Osenat, président du Syndicat National des maisons de ventes aux
enchères volontaires (Symev). (Le Figaro, 14/10/14, ISF sur les oeuvres)
Ela (a criação de um imposto sobre obras de arte) é, antes de mais nada,
demagógica. « Esta proposição, disfarçada de igualdade, leva a crer que se
trata de fazer os ricos pagarem » - critica Jean-Pierre Osenat, presidente do
Sindicato das casas de leilão voluntárias.
No exemplo (141), faire se combina com o verbo rever (sonhar), um processo material
que indica a manifestação de um fenômeno neuro-fisiológico.
(141) L’argent n’a pas d’odeur, jugeait Vespasien, sauf cette coupure,
précédée de tenaces relents de soufre. Objet de toutes les suspicions de «
faux », ce « mal-aimé qui fait rêver », dit-on dans la banque, est quasi
systématiquement refusé par les commerçants, les hôtels, restaurants et
165
grandes surfaces, occasionnant de véritables esclandres, scènes
d’humiliation et parfois même d’excès judiciaires, comme l’a récemment
illustré l’actualité. (Le Fig, 28/10/14, 500 euros, ce billet qui sent le soufre)
O dinheiro não tem cheiro, era a opinião de Vespasiano, exceto essa nota
precedida de tenazes eflúvios de enxofre. Objeto de todas as suspeitas de
"falso", este mal amado que faz sonhar, como dizem no banco, é quase
sistematicamente recusado pelos comerciantes, hotéis, restaurantes e
supermercados, causando verdadeiros escândalos, cenas de humilhação e
até mesmo excessos judiciais, como foi recentemente ilustrado pelos
acontecimentos.
O processo verbal inclui os verbos relacionados a atos de fala. No caso do exemplo
(142), temos o verbo demander em seu uso como verbo dicendi, com o significado de
perguntar. Neste uso, exterioriza, via linguagem, uma representação da mente.
(142) Ce site se présente comme le « seul site communautaire dédié à la prise
d’une décision » et « permet de demander ou de donner un avis sur des
situations que chacun d’entre nous rencontrera aucours de sa vie ». (Le
Monde, 04/07/14, Au choix)
Este site é apresentado como o « único site comunitário dedicado à tomada
de uma decisão » e permite pedir ou dar uma opinião sobre situações que
cada um de nós encontrará no curso de sua vida.
Em (143), temos um processo que se encontra na fronteira entre os processos
material e relacional. O verbo naître (nascer) utilizado na posição V2 representa um
acontecimento (o nascimento da esperança).
(143) Après les déclarations de la ministre de l’Éducation, les parties
concernées par l’affaireré clament plus que jamais deséclaircissements. Du
côté des mères voilées d’abord, ces déclarations ont fait naître « un
espoir». (Le Figaro, 29/10/14, École : les mères voilées pourront
accompagner les sorties)
Após as declarações da ministra da Educação, as partes envolvidas no problema
mais do que nunca reclamam esclarecimentos. No que se refere às mães que
usam véu, essas declarações permitiram o nascimento de uma esperança.
Assim como em português, a posição V2 das construções causativas do francês são
mais frequentemente preenchidas por verbos materiais e mentais, como mostra a tabela 22.
166
Tipo faire amener obliger demander permettre laisser Total
N % N % N % N % N % N %
material 58 63,7 3 100 7 58,3 8 66,7 58 84,1 13 56,5 147
mental 14 15,4 0 0 4 33,3 0 0 4 5,8 8 34,8 30
comportamental 8 8,8 0 0 0 0,0 1 8,33 2 2,9 1 4,34 12
relacional 2 2,2 0 0 0 0,0 1 8,33 2 2,9 0 0 5
verbal 5 5,5 0 0 1 8,3 1 8,33 1 1,4 0 0 8
existencial 4 4,4 0 0 0 0,0 1 8,33 2 2,9 1 4,34 8
Total 91 3 12 12 69 23 210
Tabela 22 - Tipo de processo verbal do V2 nas microconstruções causativas do francês
Com excecão das microconstruções com obliger e amener (este último com número de
dados é muito baixo para permitir qualquer conclusão), todos os demais V1 podem se
combinar com todos os tipos de processo. Como já vimos no capítulo 5, apesar de possível,
não foi atestada nenhuma ocorrência de construção causativa com processo comportamental.
A distribuição dos demais tipos de V2 foi similar à observada para as
microconstruções causativas do português, com pequenas diferenças. Na microconstrução
com amener ocorrem apenas V2 do tipo material. Ainda segundo a tabela 22, o segundo tipo
de processo mais recorrente é a classe dos mentais, principalmente nas microconstruções com
laisser (34,8%) e obliger (33,3%).
Em português, apenas a microconstrução com fazer apresentou processo existencial.
Em francês, embora com baixa frequência, verificamos a presença de processos existenciais
nas microconstruções com faire, demander, permettre e laisser. É necessário destacar, no
entanto, que a possibilidade de processos existenciais é um pouco mais recorrente (4 dados)
na microconstrução com faire. Este resultado não era esperado, visto que, por natureza, essa
microconstrução favoreceria o uso de verbos mais dinâmicos.
Processos do tipo verbal são também mais limitados, ocorrendo, principalmente, com
o V2 faire. Maior limitação é observada também para os processos relacionais, mais limitados
a faire, permettre e demander.
Seguindo o mesmo procedimento adotado na análise das microconstruções causativas
do português, fizemos o levantamento dos itens lexicais que preenchem a posição V2, com o
objetivo de verificar possível preferência de collocates em cada microconstrução. Como já se
167
podia esperar, a microconstrução com faire é a que apresenta o maior número e diversidade
de itens lexicais distintos na posição de V2, num total de 77 formas distintas. Para essa
microconstrução, observa-se, ainda, maior variação com verbos materiais que indicam
principalmente movimentos físicos (capoter, crépiter, payer, reagir). Nas instâncias com
laisser e permettre, é necessário destacar a ocorrência de estados cognitivos (penser, croire,
craindre), o que parece situar esta microconstrução mais no domínio epistêmico. Um outro
aspecto a destacar é a frequência de obliger com formas verbais que implicam uma atitude
psicológica do interlocutor, como affronter (afrontar), penser (pensar), reconnaitre
(reconhecer), tenir compte (levar em conta, considerar).
Do que discutimos até este ponto, foi possível depreender algumas características mais
gerais das microconstruções causativas do francês e algumas diferenças entre elas. Na seção
seguinte, sintetizamos as tendências verificadas, buscando associá-las com o tipo de causação
que realizam.
6.6 Tipos de eventos causais nas microconstruções causativas do francês
As construções causativas do francês são retomadas neste ponto, a partir da
conjugação das propriedades depreendidas para o constituinte causador, o constituinte
causado e o resultado da situação causativa. o mais frequente, como já vimos. A seguir,
associamos o conjunto de traços de cada micronstrução com as formas de evento causativo
que podem realizar. Considerando o subesquema predominante do francês ([SN1 [V1SN2
V2inf]]), podemos resumir as tendências depreendidas para as microconstruções causativas do
francês no quadro 11.
168
MICROCONTRUÇÃO CAUSADOR CAUSADO RESULTADO
[SN1 faire SN2 V2]
humano/animado
intencional
evento
SN
humano
posposto a vefeito
afetado
material/mental
obtido
[SN1 permettre SN2 V2]
Instrumento
não intencional
SN/anáfora
humano
posposto vcausa
não afetado
material
obtido/não obtido
[SN1 obliger SN2 V2]
humano
intencional
SN
humano
posposto ou
anteposto a
vcausa
afetado
material/mental
obtido
[SN1 laisser SN2 V2]
animado/humano
intencional
SN
evento/humano
posposto a vcausa
não afetado
material
obtido/não obtido
[SN1 demander SN2 V2] intencional
animado
SN/anáfora
humano
posposto vcausa
não afetado
material
obtido/não obtido
[SN1 amener SN2 V2] não intencional
animado
SN
humano
posposto vcausa
afetado
material/mental
obtido/não obtido
Quadro 11 - Síntese das propriedades das microconstruções causativas do francês
Comparativamente ao português fazer, as instâncias de faire se diferenciam em relação
ao papel temático do causador: enquanto em português vemos uma presença maior de
causadores no papel de fonte, em francês tendem a apresentar características mais agentivas,
em maior parte com sujeito humano, individuado. O participante causado em português vem
posposto ao Vcausa, já no francês surge posposto ao Vefeito, evidenciando a unidade formada
pelos dois verbos da situação causativa, sinalizando maior perda de composicionalidade da
microconstrução com faire. Em relação ao resultado da causação, ambos indicam maior
frequência de V2 de processos materiais e mentais, com obtenção da ação pretendida.
Na microconstrução com obliger, também observamos maior agentividade no sujeito
causador do que nos dados com obrigar, o que acarreta diferença na volição dos participantes.
O constituinte causado é animado nas duas línguas, especialmente humano. Em português
169
encontramos V2 com processo relacional, em francês obliger é acompanhado de verbos em
sua maioria dos tipos material e mental.
As microconstruções com demander e mandar apresentam constituintes causadores
animados e intencionais, ainda que não haja certeza de que o efeito pretendido será alcançado.
Também observamos aqui maior frequência de processos materiais.
A partir da síntese do quadro 11, é possível identificar diferentes formas de evento
causal realizadas pela microconstrução com faire, de acordo com as configurações
especificadas no quadro 12:
manipulativa gatilho prompt
Dois participantes X e Y
X quer que Y faça Z
Y sofre influencia de Z
Y executa Z
Y pode controlar a
mudança
Dois participantes (X e Y)
Um evento X acontece
Uma entidade Y é afetada
por X
X provoca uma mudança Z
em Y
Y pode controlar a
mudança.
Dois participantes X e Y
X realiza um evento X’
Y percebe X’
Y reage a X’ fazendo Z
Y pode controlar a
mudança
Quadro 12 - Configurações da microconstrução com faire
Assim como a microconstrução com fazer, a microconstrução com faire pode
instanciar as três configurações causativas propostas por Stefanowitsch (2001). No entanto,
diferentemente do português, notamos que o padrão mais prototípico desta microconstrução
corresponde ao da configuração manipulativa, ou seja [Sujeito intencional FAIRE Objeto animado
[predicação dependente atividade], como no exemplo (145).
(144) Sur scène, Colin Firth fait disparaître un éléphant. On est magicien ou
on ne l’est pas. Dans les années 1920, cette profession exigeait de se vêtir
en tunique de satin doré, de porter un patronyme chinois et des moustaches
d’un kilomètre. (Le Figaro, 22/10/14, Cocquin de sort)
No palco, Colin Firth faz desaparecer um elefante. Ou se é mágico ou não é.
Nos anos de 1920, esta profissão exigia se vestir em túnica de cetim
dourado, portar um patronímico chinês e bigodes de um quilômetro.
170
No entanto, podem ser identificados usos que correspondem mais a uma configuração
gatilho [Sujeito evento FAIRE Objeto animado [predicação dependente involuntário] como no
exemplo (145) ou à configuração prompt [Sujeito evento FAIRE Objeto animado [predicação
dependente atividade], como em (146).
(145) La première contradiction, la plus manifeste, est que « la loi Macron »
va faire baisser les prix juste au moment où on redoute à cor et à cri un
risque de déflation. Aucun économiste privé ou public n’a tenté de chiffrer
ce phénomène. (Le Figaro, 15/12/14, La Loi Macron)
A primeira contradição, a mais manifesta, é que “a lei Macron” vai fazer
baixar os preços justamente no momento em que se teme um risco de
deflação. Nenhum economista privado ou público tentou quantificar esse
fenômeno.
(146) Le dessein initial est passé à la trappe, sans autre forme de procès.
Certes, l’objectif de fond figure toujours - faire reculer la part du
nucléaire dans la production d’électricité en France de 75 à 50 % d’ici à
2025 - mais les moyens pour y parvenir restent flous. (Le Figaro, 15/10/14,
Fessenheim: une fermeture plus hypothétique que jamais)
O projeto inicial caiu numa armadilha, sem qualquer outra forma de
processo. É certo que o objetivo ainda continua no centro - reduzir a
participação da energia nuclear na produção de eletricidade na França de 75
para 50% até 2025 -, mas os meios para alcançar isso ainda não estão claros.
O conjunto de propriedades de obliger, sistematizado no quadro 13, indica maior
restrição desta microconstrução.
manipulativa
Dois participantes
X e Y são diferentes
X tem controle sobre Y realizar Z
Y não deseja realizar Z
Y realiza Z
Quadro 13 - Configuração da microconstrução com obliger
171
A maioria das ocorrências da microconstrução com obliger apresentou comportamento
idêntico ao da microconstrução com obrigar no português, com uma conjugação de traços
mais característica da configuração manipulativa ([Sujeito intencional OBLIGER a Objetoanimado
[predicação dependente atividade]]. Verificamos, porém, que em francês, o evento causativo com
obliger implica maior recorrência de causadores intencionais, como no exemplo (147).
(147) Sur Facebook, la communauté des « clowns kidnappeurs » revendique
plus de 75 000 mentions j’aime. Les vidéos représentant les « farces » les
plus populaires atteignent plus de 5 millions de vues. « Une vraie traînée de
poudre ! Tout cela est déplorable », réagit Jean-Claude Delage, le
secrétaire général d’Alliance. Selon ce syndicaliste policier, « il est temps
que la justice réprime ces débordements par des sanctions exemplaires,
pour dissuader les éventuels perturbateurs qui obligent la police à se
détourner de ses missions prioritaires ». (Le Figaro, 28/10/14, Les allertes
aux clowns agressifs)
No Facebook, a comunidade dos “palhaços sequestradores” possui mais de
75000 likes. Os vídeos representando as piadas mais populares atingem mais
de 5 milhões de visualizações. “Expandiu-se muito rapidamente! Tudo isso é
deplorável!” reage Jean-Claude Delage, o secretário geral da Aliança. De
acordo com o policial sindicalista, “está na hora da polícia reprimir esses
exageros através de sanções exemplares, para dissuadir os eventuais
perturbadores que obrigam a polícia a se desviar das suas missões
prioritárias.
No exemplo (147), há, sem dúvida, a ação de forças externas para a realização do
efeito (sanções exemplares), porém o autor explicita o agente que seria responsável por
aplicar essas sanções (a justiça). Nesse caso, a coerção sobre o constituinte causado (os
eventuais perturbadores) é o resultado da ação de um causador intencional. É preciso destacar,
no entanto, que a exigência da preposição a na ligação entre o causado e o resultado, o que
aumenta a distância temporal entre o evento causativo e o resultado da causação. Dessa
forma, o evento causativo, embora manipulativo, se afasta de certa forma da causação direta.
Como vimos ao longo deste capítulo, a microconstrução com amener é a menos
recorrente dentre todas as microconstruções causativas em análise. O conjunto de
propriedades depreendido para o V1 amener é resumido no quadro 14.
172
gatilho prompt
Dois participantes
X e Y são diferentes
X é animado ou não animado
X é não intencional
Y é animado ou não
X não tem controle sobre Y
Y realiza Z
Um evento X
X provoca que Y faça Z
Y sofre influencia de Z
Y executa Z
Y não pode controlar a mudança
Quadro 14 - Configurações da microconstrução com amener
Os dados são excessivamente escassos para assegurar qualquer conclusão. As três
ocorrências atestadas na amostra realizam seja a configuração gatilho, seja a configuração
prompt. Diferentemente do português, a microconstrução com amener a apresentou a
configuração gatilho com V2 do tipo material, apresentado em (148).
(148) Une autre ramification du réseau a amené les enquêteurs à saisir
ensuite près de 300 kg de résine en Belgique lors d'une opération
distincte. Les policiers ont procédé à plusieurs interpellations lors de ces
opérations. Les convoyeurs arrêtés près de Toulouse ont été mis en examen
et écroués.
Uma outra ramificação da rede levou os investigadores a apreender perto de
300kg de resina na Bélgica, durante uma outra operação. Os policiais
procederam a várias interpelações por ocasião dessas operações. Os
atravessadores presos perto de Toulouse foram levados para exames e
detidos.
Desta forma, podemos representar esquematicamente a microconstrução com amener
por [Sujeito não intencional AMENER a Objeto animado [predicação dependente atividade] e [Sujeito
evento AMENER a Objeto animado [predicação dependente atividade].
As ocorrências de causativas analíticas com demander, por sua vez, podem ser
esquematizadas como no quadro 15.
173
manipulativo
Dois participantes
X e Y são diferentes
X é animado
Y é animado
X deseja que Y realize Z
X comunica seu desejo a Y
X tem autoridade sobre Y
Y pode ou não realizar Z
Quadro 15 - Configuração da microconstrução com demander
Assim, como mandar, demander ocorre estritamente na configuração manipulativa
[Sujeitointencional DEMANDER Objetoanimado [predicação dependenteatividade], conceptualizando
uma situação causativa em que um causador animado busca manipular o comportamento de
um outro referente, através de uma ordem para que algo seja executado. Este resultado pode
ou não ser obtido, como no exemplo (149).
(149) « À vingt-cinq ans d’intervalle, Najat Vallaud-Bel-kacem choisit la
même attitude et commet la même erreur que Lionel Jospin, estime Albert-
Jean Mougin, vice-président du syndicat national des lycées et collèges
(Snalc). Ce ne sera pas tenable. L’État ne peut demander à ses agents
d’incarner à eux seuls et selon les circonstances le principe, devenu
variable, de la laïcité. » (Le Figaro, 29/10/14, École : les mères voilées
pourront accompagner les sorties)
Depois de vinte e quatro anos de intervalo, Najat Vallaud-Bel-Kacem
escolhe a mesma atitude e comete o mesmo erro que Lionel Jospin, acredita
Albert-Jean Mougin, vice-presidente do Sindicato Nacional de Escolas e
Colégios (Snalc). Isso não será defensável. O Estado não pode pedir a seus
agentes para incorporar sozinhos e de acordo com as circunstâncias o
princípio, tornado variável, da laicidade.
No exemplo (149), apesar da negação, podemos notar a expectativa do Estado de fazer
com que seus agentes sejam os promotores da laicidade nas escolas. Há um exercício de
autoridade e regulação implícito na ação do sujeito causador (o Estado).
Vejamos, agora, a microconstrução com permettre, a qual realiza dois tipos de eventos
causais de acordo com duas combinações um pouco distintas de traços, como mostra o quadro
16:
174
gatilho prompt
Dois participantes
X e Y são diferentes
X é não intencional (evento)
Y é animado
Y pode ou não realizar Z
Dois participantes X e Y
X quer que Y faça Z
X pode favorecer Y realizar Z
Y pode controlar a mudança
Quadro 16 - Configurações da microconstrução com permettre
Nas ocorrências de permettre, observamos que as instâncias podem ocorrer nas
configurações prompt [Sujeito intencional PERMETTRE Objeto animado [predicação
dependente evento] e gatilho [Sujeito evento PERMETTRE Objeto animado [predicação
dependente involuntário].
O exemplo (150) é o mais prototípico dos usos de permettre: o projeto é o sujeito que
torna possível que as terras do entorno sejam irrigadas. Sendo assim, temos uma configuração
mais próxima de gatilho, porém o efeito não é involuntário.
(150) Le projet de barrage-réservoir d’eau est porté par le conseil général du
Tarn. Ses partisans estiment qu’il va permettre d’irriguer les terres
agricoles alentour. Les opposants dénoncent un projet coûteux qui ne
servira qu’à un petit nombre d’exploitants pratiquant une agriculture
intensive. (Le Figaro, 27/10/14, Tarn, une tensión,).
O projeto de uma barragem-reservatório d´água é proposto pelo conselho
geral do Tarn ; Seus adeptos acreditam que ele permitirá irrigar as terras
agrícolas em volta. Seus opositores denunciam um projeto caro que servirá
apenas a um pequeno número de exploradores que praticam uma agricultura
intensiva.
As características da microconstrução com laisser são resumidas no quadro 17.
175
manipulativo gatilho prompt
Dois participantes
X e Y são diferentes
X é animado
Y é animado
X não se opõe a que Y
realize Z
X manifesta seu desejo a Y
Y pode ou não realizar Z
Dois participantes X e Y
X e Y podem ser iguais ou
diferentes
X torna possível a ocorrência
de X
X não tem controle sobre a
ocorrência de Z
Y pode ou não realizar Z
Dois participantes X e Y
X torna possível que Y
faça Z.
Y sofre influencia de Z
Y executa Z
Y pode controlar a
mudança
Quadro 17 - Configurações da microconstrução com laisser
De acordo com o quadro 17, a microconstrução com laisser realiza a configuração
manipulativa [Sujeitoanimado LAISSER Objetoanimado [predicação dependente atividade/estado], a
configuração gatilho [SujeitoeventoLAISSER Objetoanimado[predicação dependenteatividade/estado]e
a configuração prompt [Sujeitoanimado LAISSER Objetoanimado [predicação dependente evento].
Na configuração manipulativa, laisser ocorre com sujeitos animados que desempenham o
papel de causador, volitivo ou não, com laisser, como vemos em (151):
(151) Car ce n’est pas par hasard si les miliciens séparatistes pro russes de
Donetsk ont fini par accepter, lundi 21 juillet, de remettre les boîtes noires
de l’appareil aux autorités malaisiennes – et non à la Russie, comme elles
l’avaient d’abord laissé entendre. (Le Monde, 22/07/14, La politique du
Kremlin isole)
Porque não é por acaso se as milícias separatistas pró-Rússia de Donetsk
terminaram por aceitar, segunda-feira, 21 de julho, enviar as caixas pretas do
aparelho às autoridades da Malásia – e não à Rússia, como elas haviam
levado a crer antes.
Neste exemplo, o sujeito causador (milícias separatistas) provoca intencionalmente um
estado de coisas (laissé entendre).
O exemplo (152) ilustra a microconstrução com laisser em uma configuração gatilho.
A presença do elemento de negação (ne pas), frequente com essa microconstrução, indica que
o sujeito causador tenta impedir a realização de um estado de coisas pelo afetado.
176
(152) Il faut revenir à l'application de la règle de droit et contraindre Israël à
suivre cette voie, et ne pas laisser les autorités israéliennes déployer leur
propagande sur l'utilisation de la légitime défense : tuer des femmes et des
enfants réfugiés dans une école ne pourra jamais être considéré comme tel
au regard du droit international. (Le Monde, 12/08/14, Gaza impossible de
se taire)
É necessário voltar à aplicação da regra de direito e forçar Israel a seguir
esse caminho, e não deixar que as autoridades israelenses divulguem sua
propaganda sobre o uso da autodefesa: matar mulheres e crianças
refugiadas em uma escola nunca pode ser considerado como tal de acordo
com o direito internacional.
Em (153), temos a configuração prompt, em que o sujeito pretende evitar um
evento – não deixar que ocorra o genocídio:
(153) Emus par ce massacre, Nicolas Sarkozy et Bernard Kouchner avaient, à
l'époque, souhaité promouvoir l'accueil des chrétiens d'Irak en France.
Cette initiative, lancée au nom de la mission historique de la France,
protectrice des chrétiens d'Orient, avait largement irrité à Bagdad, chrétiens
comme musulmans. Elle laissait penser que les chrétiens d'Irak
disposaient d'une seconde patrie et donc n'étaient pas fondés à réclamer le
respect de leurs droits dans leur pays. (Le Monde, 09/08/14, Chretiens
d’Orient)
Emocionado por esse massacre, Nicolas Sarkozy e Bernard Kouchner
tinham, na época, desejado acolher os cristãos do Iraque na França. Esta
iniciativa, lançada em nome da missão histórica da França, protetora dos
cristãos do Oriente, tinha irritado muito Bagdá, tanto os cristãos como os
mulçumanos. Ela (a decisão) levava a pensar que os cristãos do Iraque
dispunham de uma segunda pátria e, portanto, não tinham fundamentos
para reclamar o respeito de seus direitos no seu país.
As considerações feitas até aqui mostram que, do mesmo modo que em português, as
microconstruções causativas do francês estão ligadas entre si por elos de polissemia.
Tomando as configurações causativas discutidas nesta seção como causação em diferentes
domínios, essas diferentes microconstruções podem ser esquematizadas como na figura 14:
177
Figura 14 - Rede das microconstruções causativas analíticas em francês de acordo com o tipo de
causação
De acordo com a figura 14, verificamos que apenas a microconstrução com permettre
não realiza a configuração manipulativa. Para as outras microconstruções, essa configuração,
mas próxima do protótipo de causatividade, é a mais central e permite englobar a maioria das
instâncias atestadas. Podemos dizer, portanto, que este esquema é mais produtivo do que os
demais. De acordo com os resultados depreendidos na análise, as microconstruções com
demander e obliger, ao que tudo indica, se restringem à configuração manipulativa. As
microconstruções com permettre e amener se apresentam nas configurações prompt (mais
central) e gatilho. As ocorrências de faire e laisser, se caracterizam por maior polissemia,
distribuindo-se pelas três configurações consideradas. A maior polissemia dessas
microconstruções não corresponde, necessariamente a maior frequência token: a
microconstrução com faire, como vimos, é a mais recorrente nos dados da modalidade escrita.
A microconstrução com laisser, por sua vez, ocupa a terceira posição numa hierarquia de
frequência.
Podemos notar ainda que as microconstruções causativas analíticas em francês se
distribuem de forma diferente das do português. Os dados em francês mostram maior número
de microconstruções ligadas à configuração manipulativa, com participantes animados que
são induzidos ou obrigados a executarem uma ação. Em português, como vimos no capítulo 5,
a configuração gatilho é a que reúne o maior número de microconstruções. como mais
prototípica, com causadores que serviam de estímulo para a realização de um evento ou
mudança de estado de coisas. No capítulo seguinte, destinado às conclusões, retomaremos
178
mais detalhadamente outros pontos de convergência e de divergência no uso das construções
causativas do francês em relação às do português.
179
7 CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS FUTURAS
Ao longo desta tese, através de uma análise de dados atestados em textos
representativos do discurso jornalístico, foi possível verificar algumas hipóteses relativas ao
uso das microconstruções causativas com fazer, deixar, levar, obrigar, mandar e permitir em
português e faire, laisser, amener, obliger, demander e permettre em francês e sua
organização em rede em cada uma das línguas. O primeiro ponto a destacar é a produtividade
do esquema [SN1[V1SN2V2]]↔[causação], em que a posição correspondente a V1 pode ser
preenchida por um conjunto considerável de itens semanticamente similares. A análise
permitiu verificar a ocorrência dos três subesquemas causativos propostos inicialmente: [SN1
[V1 SN2 V2INF]] para microconstruções com complemento infinitivo, [SN1 [V1 Conec SN2
V2FIN]], para aquelas com forma finita e [SN1 [V1 NOM (SPrep)Oblíquo]] para os
complementos realizados na forma de nominalização.
Confirmamos a hipótese de que o subesquema mais usual é o que apresenta predicado
dependente infinitivo, praticamente categórico para o francês, principalmente com o V1 faire.
Este subesquema licencia todas as microconstruções estudadas. Em português, a
microconstrução com levar não ocorre com predicado dependente na forma finita, e as
microconstruções com fazer e deixar não licenciam o uso de nominalização. Em francês,
devido às restrições estruturais da língua, contabilizamos raras ocorrências de forma finita e
apenas na microconstrução com permettre. A nominalização ficou restrita às instâncias com
demander, permettre e obliger. Considerando os subesquemas, pudemos contatar que o
português admite maior variabilidade de realização do constituinte que codifica o resultado,
embora o subesquema com V2 não finito seja largamente mais produtivo.
Uma hipótese deste estudo envolvia possíveis diferenças de frequência das
microconstruções causativas nas duas línguas. Observando todas as construções causativas
analíticas presentes nos corpora, constatamos que o francês apresentou maior frequência
token, porém a frequência type foi idêntica nas duas línguas, o que indica que não há
diferenças significativas em relação à produtividade da construção
[SN1[V1SN2V2]]↔[causação] nas duas línguas consideradas.
Ainda que o baixo número de dados atestados principalmente na amostra de jornais
brasileiros pudesse comprometer algumas conclusões relativamente à frequência das
microconstruções analisadas, o levantamento em amostras independentes (NILC para o
português e Est Républicain para o francês), confirmou os resultados obtidos em nossas
180
amostras, permitindo conclusões similares para as duas línguas no que se refere à
predominância das microconstruções com fazer e faire. A microconstrução com fazer, em
português, e com faire, em francês apresentaram maior frequência de uso, reiterando o que já
apontaram outros estudos. (cf. por exemplo, ACHARD, 2002; CEZARIO, 2001;
CARVALHO, 2004; MOESCHLER, 2003, GILQUIN, 2015).
No entanto, a correspondência entre frequência e causação prototípica é um tanto
distinta em cada uma das línguas. Numa primeira interpretação, confirmamos que o verbo
faire, em francês, parece ser o causativo prototípico, como já apontado por outros autores (cf.
GILQUIN, 2015;). Em francês, faire se insere em uma configuração manipulativa que
pressupõe necessariamente a obtenção do resultado (ação ou mudança de estado). No entanto,
em português, constatamos um uso da microconstrução causativa com fazer se aproxima mais
do significado de “facilitar” ou “favorecer” que algum resultado aconteça.
A distribuição das demais microconstruções é bastante distinta em cada uma das
línguas: em português, destacam-se levar e permitir com uma frequência de uso muito
próxima da de fazer, seguidos por obrigar deixar e mandar. Em francês, permettre apresenta
frequência significativamente mais alta em relação a obliger e demander. A maior diferença
entre as duas línguas é obseravada para o uso de levar/amener. Há frequência muito mais
significativa de levar em construção causativa no português do que em francês. Como já
destacamos, a baixa ocorrência dessa forma dificulta conclusões mais fundamentadas sobre
essa forma. No entanto, podemos presumir que o uso dessas microconstruções requer
contextos mais específicos que podem ser pouco recorrentes em textos jornalísticos. Assim,
há evidências que ratificam a hipótese de que as duas línguas codificam o evento causativo de
forma diversa, com um modelo mais central de configuração manipulativa em francês e
configuração gatilho para o português.
A análise permitiu mostrar, ainda, que a frequência das microconstruções causativas é
bastante diferenciada de acordo com o gênero textual. De forma geral, verificamos que o
gênero notícia apresentou maior número de ocorrências de construções causativas analíticas
nas duas línguas. No entanto, acreditamos que há outras variáveis que podem interferir nessa
distribuição.
A análise de propriedades dos constituintes da construção causativa, ou seja, o
constituinte causador, o constituinte causado e o resultado da causação permitiram depreender
outras diferenças entre as microconstruções causativas das duas línguas. Em relação ao SN1, o
elemento causador, os resultados indicam, de forma geral, o predomínio nas duas línguas de
sujeitos não animados, com o papel temático de instrumento ou fonte, nas construções
181
causativas analíticas, o que contraria nossa hipótese inicial. À exceção de deixar e mandar em
português, que apresentaram sujeitos categoricamente agentivos, e das microconstruções com
demander e laisser em francês que, ainda que não sejam exclusivos, demonstraram maior
frequência de sujeitos agentivos, nos dados em geral predominam sujeitos não agentivos,
portanto não controladores, nas microconstruções das duas línguas.
Confirmamos também a interrelação entre o traço de intencionalidade e o traço de
agentividade, ou seja, o sujeito causador agentivo tem, implícita ou explicitamente, o desejo
de provocar uma ação ou mudança de estado no elemento causado. Todavia, em português
nos deparamos com sujeitos não intencionais mas, de alguma maneira, implicam-se no
processo de causação. Em francês, observamos mais traços de intencionalidade nas
microconstruções com faire, amener, demander e obliger, o que fornece indícios de que essas
micronstruções instanciam uma causação mais prototípica. Assim, constatamos que, conforme
nossa hipótese, nem todo sujeito agentivo é intencional, ainda que esse traço esteja fortemente
atrelado à agentividade. A ação de forças externas, independentes da vontade do sujeito, da
mesma forma que uma posição de autoridade do próprio sujeito, contribuem para a semântica
da construção.
Quanto ao constituinte causado, confirmamos a expectativa de maior recorrência de
referentes animados nas duas línguas, os quais podem ter ou não autonomia para decidir se
executam a ação pretendida. Tanto em português quanto em francês, prevalece a codificação
do constituinte causado na forma de sintagmas nominais. O uso de sintagmas nominais
plenos, necessariamente não correferentes ao sujeito de V1, conceptualiza um maior
distanciamento entre os eventos de causa e de efeito.
Partimos da hipótese de que o SN2 seria posposto a V1 no português, e posposto a V2,
no francês, que foi apenas parcialmente confirmada pela análise. Segundo os resultados
obtidos em português, constituintes causados, embora possam ser antepostos, ocorrem
antepostos ou, são majoritariamente pospostos a V1, confirmando a hipótese colocada.
Embora essa tendência se verifique igualmente em francês, a microconstrução com faire se
particulariza, com o constituinte causado posposto ao V2.
Nossa hipótese sobre um nível mais alto de entrenchment nas construções causativas
analíticas em francês encontra evidências mais claras na microconstrução com faire. A
particularidade da microconstrução com faire se relaciona a restrições impostas por essa
forma verbal, que atribui casos distintos a complementos clíticos antepostos a V1, e exige uma
maior integração entre V1 e V2. Há indicação, portanto, de que, na microconstrução com faire,
há formação de chunkings mais fortes, o que explica a maior possibilidade de formação de
182
expressões idiomáticas ou collostructions nas sequências faire + infinitivo. A
microconstrução com faire apresenta grau mais alto de conceptualização da relação entre
causador e resultado como um único evento.
Outra característica que implica o afetamento do elemento causado é a sua
animacidade. De acordo com nossa hipótese, constatamos uma frequência de ocorrência
maior com constituintes causados animados. As microconstruções com obrigar em português
e amener em francês admitiram somente causados animados, enquanto a microconstrução
com faire apresentou maior variação entre causados animados e não animados.
O cruzamento entre os traços de animacidade dos constituintes causador e causado
permitiu evidenciar as combinações que indicam diferentes formas de causação. No
português, predomina a combinação em que, pelo menos um dos constituintes, é não
animado; em francês, por sua vez, há mais causação efetiva, com o emprego de mais
constituintes causador e causado animados na construção causativa.
Um outro aspecto relevante depreendio na análise diz respeito à forma lexical que
explicita o resultado. Embora as microconstruções causativas analisadas licenciem diferentes
tipos sintático-semânticos de verbos para a posição V2, predominam os que possuem o traço +
dinâmico. Foi possível verificar, ainda, que dentre os dinâmicos, os processos materiais
constituem a classe sintático-semântica mais recorrente nas microconstruções causativas,
seguidos dos de processos mentais. Confirmando a hipótese de que há restrições no
licenciamento das formas que podem preencher o slot V2. Essa tendência pode ser explicada
pelo fato de que, uma vez que a construção causativa é considerada uma extensão metafórica
da construção de Movimento Causado, ela herda as características relacionadas à realização
de eventos ou mudança de estado, o que é evidenciado com o uso de V2 com transitividade do
tipo ação-processo.
Pelo que destacamos até este ponto, podemos dizer que algumas instâncias das
microconstruções causativas podem exibir efeitos de protótipo, enquanto outras se distanciam
em maior ou menor grau da conceptualização mais prototípica de causatividade. Em outros
termos, confirmamos nossa hipótese inicial de que as microconstruções causativas se
caracterizam por um gradiente que parte de microconstruções mais tipicamente causativas,
como muitas das ocorrências de fazer, obrigar e levar em português e faire, obliger e amener
em francês, para um polo mais permissivo como nas instâncias de permitir, mandar e deixar
em português e permettre, demander e laisser, em francês.
Essa gradiência fica mais clara na análise das diferentes configurações de evento
causativo (STEFANOWITSCH, 2001) que as microconstruções das duas línguas podem
183
instanciar (manipulativa, gatilho e prompt). A análise dos diferentes usos das
microconstruções das duas línguas de acordo com essas configurações forneceu indicações de
que as instâncias com fazer são as que exibem maior polissemia em português, embora com
maior frequência da configuração gatilho, enquanto a microconstrução com obrigar é a mais
central para a configuração manipulativa, devido ao seu caráter coercitivo. Em francês,
verificamos que a configuração manipulativa é preferencial para todas as microconstruções,
exceto na microconstrução com permettre. Vimos também como algumas instâncias de deixar
e laisser ocorreram com pronome reflexivo em 3ª pessoa, de forma bastante periférica dentro
da rede construcional, o que nos leva a pensar que podem ser o início de emergência de
construções mais substantivas.
Os resultados destacados ratificam o princípio da Gramática de Construções de que o
reconhecimento do todo não é igual à soma das partes (GOLDBERG, 2006), e que é preciso
analisar toda a construção causativa para depreender seu significado. Apenas dessa forma, foi
possível verificar aspectos que indicam um comportamento diferente das microconstruções
causativas nas duas línguas: há evidência de que as microconstruções do francês realizam, de
forma mais central, a configuração manipulativa, e em português, com maior frequência, a
configuração gatilho. Além disso, os resultados deste estudo fornecem evidências favoráveis
ao princípio de não sinonímia, ao mostrar que diferenças formais entre as microconstruções
causativas analíticas refletem diferenças no polo do significado/função. As microconstruções
estudadas não podem ser consideradas variantes, pois não são intercambiáveis no uso,
apresentando traços e empregos diversos.
Uma questão importante a retomar neste ponto é a relação de herança entre as
construções resultativas e a Construção de Movimento Causado. A ideia de movimento e de
trajetória para um ponto preciso que caracteriza a Construção de Movimento Causado pode
ser percebida nas microconstruções com levar e amener, codificada, inclusive, na preposição
que necessariamente precede o elemento causado. Em outras microconstruções, essa herança
é mais difusa, embora possa ser interpretada, em termos de extensão metafórica, como uma
transferência psicológica, o que pode se aplicar às microconstruções com deixar e laisser e
mandar e demander, que indicam uma transferência futura. As outras microconstruções estão
um pouco mais afastadas da Construção de Movimento Causado, com uma noção de
movimento pretendido que nem sempre é bem sucedido.
Ao descrever e analisar as microconstruções causativas do português e do francês a
partir de dados empíricos dessas línguas, esta tese permitiu testar hipóteses acerca de um
continuum que vai da causação efetiva, à instigação de um estado de coisas. Contribuiu, dessa
184
forma, para um mapeamento da forma de realização da causação nas construções analíticas,
numa perspectiva do modelo proposto pela Gramática de Construções. No entanto, não esgota
a discussão sobre o tema abordado. Outras questões podem ser exploradas que permitam
contribuir para um debate mais amplo sobre o domínio cognitivo da causatividade. Dentro da
perspectiva dos Modelos Baseados no Uso, muito ainda há que se discutir sobre o efeito da
frequência das construções, bem como sobre a questão da polissemia. Para esta investigação,
seria necessário realizar pesquisas em corpora maiores e estender a análise para as diversas
outras formas de preenchimento de V1.
Uma outra linha de pesquisa possível seria a análise diacrônica de cada
microconstrução, investigando o processo de construcionalização envolvido nas construções
causativas analíticas. Uma alternativa para se pensar neste tema é observar a relação de
complementação dentro das construções (finita, não-finita e nominalização) para averiguar em
que medida algumas restrições observadas no português contemporâneo, se instauraram ao
longo do tempo.
185
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