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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
ESCOLA DE SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE E SOCIEDADE
MESTRADO PROFISSIONAL EM PRÁTICAS DE SAÚDE E EDUCAÇÃO
DAYSE ALEIXO BEZERRA
AFFORDANCES MOTORAS NO AMBIENTE DOMICILIAR DE CRIANÇAS COM
MICROCEFALIA E O DESEMPENHO COGNITIVO
NATAL/RN
2019
DAYSE ALEIXO BEZERRA
AFFORDANCES MOTORAS NO AMBIENTE DOMICILIAR DE CRIANÇAS COM
MICROCEFALIA E O DESEMPENHO COGNITIVO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Saúde e Sociedade, do Mestrado
Profissional em Práticas de Saúde e Educação,
da Escola de Saúde da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, para obtenção do
título de Mestre em práticas de saúde e
educação.
Orientador: Profa. Dra. Jovanka Bittencourt
Leite de Carvalho.
NATAL/RN
2019
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede
Bezerra, Dayse Aleixo.
Affordances motoras no ambiente domiciliar de crianças com
microcefalia e o desempenho cognitivo / Dayse Aleixo Bezerra. -
Natal, 2019.
102 f.: il.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Programa de pós-graduação em Saúde e Sociedade, Escola de
Saúde, Natal, RN, 2019. Orientadora: Dra. Jovanka Bittencourt Leite de Carvalho.
1. Microcefalia - Dissertação. 2. Cognição - Dissertação. 3.
Destreza motora - Dissertação. 4. Desenvolvimento infantil -
Dissertação. I. Carvalho, Jovanka Bittencourt Leite de. II.
Título.
RN/UF/BCZM CDU 6:165.171
Elaborado por Raimundo Muniz de Oliveira - CRB-15/429
AFFORDANCES MOTORAS NO AMBIENTE DOMICILIAR DE CRIANCAS COM
MICROCEFALIA E O DESEMPENHO COGNITIVO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Saúde e Sociedade, do Mestrado
Profissional em Práticas de Saúde e Educação, da Escola de Saúde da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, para obtenção do título de Mestre em práticas de saúde e educação.
Aprovada em: __ de ___________ de 2019, pela banca examinadora.
PRESIDENTE DA BANCA:
_______________________________________________
Profa. Dra. Jovanka Bittencourt Leite de Carvalho
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN)
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
Dra. Andrea Baraldi Cunha
(University of Delaware)
_______________________________________________
Dra. Angélica Teresa Nascimento de Medeiros
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN)
_______________________________________________
Dra. Izaura Luzia Silverio Freire
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN)
_______________________________________________
Dr. Klayton Galante Sousa
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN)
AGRADECIMENTO
Agradeço a Deus em primeiro lugar, pelo seu infinito amor e por estar presente em todos os
momentos de minha vida, principalmente naqueles mais difíceis, nos quais duvido se irei
conseguir superar as dificuldades da vida. Sem o Senhor, nada seria possível!
À minha mãe querida, Odete, amor da minha vida e a pessoa que mais me incentiva na vida e
nunca deixa que eu desista. Você é meu exemplo de vida e a razão da minha felicidade!
À minha orientadora Jovanka e meu coorientador Klayton, por toda a ajuda e incentivo para a
conclusão desse estudo, por todo o apoio e ensinamentos para a vida e por aguentar minhas
crises de ansiedade.
A todos os professores do programa de pós-graduação saúde e sociedade e a toda a equipe
administrativa da Escola de Saúde da UFRN. Vocês são exemplos de dedicação e
compromisso com a educação e contribuem enormemente para a excelência dos serviços
prestados pela UFRN.
Aos amigos do mestrado. Vocês foram uma grande surpresa! Deixaram mais prazeroso o
caminho a ser percorrido para a conclusão desse sonho. Muito obrigada!
Ao Centro de Reabilitação Infantil (CRI) e às amigas e amigos do CRI, pois, sem vocês o
sonho de ser mestre não seria possível. Serei eternamente grata por todo o apoio que recebi
para cursar as disciplinas do mestrado e realizar a pesquisa e por todo carinho que recebi e
recebo nesta instituição que também foi um lar para mim. Vocês contribuíram para meu
crescimento como pessoa.
Aos amigos da vida, por todo amor, apoio e incentivo. Jeovane, Luciana e Raissa, obrigado
por existirem e serem presentes em minha vida.
Aos amigos e amigas da FACISA. Agradeço por me receberem tão bem e me fazerem sentir
em casa novamente. Vocês transformam meus dias de trabalho em dias de alegria e me
ajudam todo dia a crescer tanto na vida quanto na academia.
A todas as crianças e famílias participantes desse estudo. Vocês são exemplos de dedicação e
superação.
À banca de qualificação e defesa pelas suas contribuições para melhorar essa pesquisa.
RESUMO
A microcefalia consiste em uma má formação congênita caracterizada por um perímetro
cefálico inferior a dois desvios-padrão ou mais da média esperada para a idade e sexo, com
presença de alterações motoras e cognitivas que variam de acordo com o grau de
acometimento cerebral. Considera-se que um ambiente domiciliar rico em oportunidades de
estimulação motora tem um impacto positivo no desempenho motor e cognitivo das crianças
precocemente expostas a esses estímulos. Objetivou-se avaliar affordances motoras no
ambiente domiciliar de crianças com microcefalia e o desempenho cognitivo destas. Tratou-
se de estudo exploratório-descritivo, com delineamento transversal, de abordagem
quantitativa, realizado no Centro de Reabilitação Infantil e na Clínica Escola de Fisioterapia.
A amostra foi composta por 30 crianças com microcefalia, entre 18 e 42 meses de idade, e
suas famílias. Utilizou-se como instrumentos de coleta de dados o Affordances in the Home
Environment for Motor Development (AHEMD) e a escala cognitiva das Bayley Scales of
Infant and Toddler Development III (BSITD-III). Após a aprovação do estudo pelo Comitê de
Ética em Pesquisa por meio do parecer n° 2.765.621. Observou-se que havia o mesmo
percentual de crianças do sexo masculino e feminino e que 50% delas apresentavam escore Z
de perímetro cefálico de -3 ao nascer, com média da idade gestacional de 38,44 semanas e a
média de peso ao nascer de 2.798,67 gramas. A maior parte (56,67%) realizava terapia até
duas vezes na semana. Sobre as características da família, observou-se que na maioria das
residências existiam até dois adultos (70,00%), sendo que a metade tinha somente uma
criança e a outra metade apresentava duas ou mais crianças. A maioria das crianças (96,67%)
nunca frequentou creche ou escola e moravam em uma casa (96,67%). Os pais e mães tinha
escolaridade entre quinta a oitava série, com 51,72% e 46,67%, respectivamente. A maior
parte tinha rendimento familiar acima de um salário mínimo (56,67%), com classificação
socioeconômica D. No que se refere às affordances motoras no ambiente domiciliar, a maioria
das residências apresentou espaço físico exterior com rendimento fraco (53,33%) e o interior
muito bom (70,00%), variedade de estimulação com rendimento muito fraco (50,00%) e
brinquedos e materiais existentes na habitação muito fraco (100,00%). Portanto, a maioria das
crianças (73,33%) vivia em lares com baixas affordances motoras, com média de 8,47 (±1,72)
pontos no escore padronizado total do AHEMD. A maioria das crianças apresentou
desempenho cognitivo extremamente baixo (96,67%). Como produto da pesquisa, foi
elaborado um guia destinado aos pais e familiares com orientações sobre estimulação e
ampliação de affordances no ambiente domiciliar a fim de que as crianças alcancem o
máximo de seus potenciais. Logo, concluiu-se que a maioria das crianças com microcefalia
era de famílias com vulnerabilidade socioeconômica, apresentou poucas oportunidades de
estimulação motora em seus lares e severo comprometimento cognitivo. Ademais, sugeriu-se
a promoção de um ambiente domiciliar rico em affordances motoras, uma vez que um
ambiente estimulante parece favorecer o desenvolvimento infantil das crianças.
Palavras-chave: Microcefalia. Cognição. Destreza motora. Desenvolvimento infantil.
Ambiente.
ABSTRACT
Microcephaly is a congenital malformation characterized by a reduction of the cephalic
perimeter in at least two standard deviations of the expected mean for age and sex, presenting
motor and cognitive alterations that vary according to the degree of cerebral involvement. It is
considered that a home environment rich in opportunities for motor stimulation has a positive
impact on the motor and cognitive performance of children who are early exposed to these
stimuli. The objective was to evaluate motor affordances in the home environment of children
with microcephaly and their cognitive performance. This was an exploratory-descriptive
study, with a cross-sectional, quantitative approach, carried out at the Child Rehabilitation
Center and the Clinical School of Physiotherapy. The sample consisted of 30 children with
microcephaly, between 18 and 42 months of age, and their families. The Affordances in the
Home Environment for Motor Development (AHEMD) and the cognitive scale of the Bayley
Scales of Infant and Toddler Development III (BSITD-III) were used as instruments of data
collection. The study was approved by the Research Ethics Committee under opinion No.
2,765,621. It was observed that there were the same percentage of male and female children
and that 50% had a Z score of head circumference of -3 at birth, with a mean gestational age
of 38.44 weeks and the mean birth weight of 2,798.67 grams. The majority (56.67%)
underwent therapy up to twice weekly. Considering characteristics of the family, it was
observed that there were up to two adults (70.00%), with half having only one child and the
other half presenting two or more children in the majority of the residences. Most of the
children (96.67%) have never been attended nursery or school and lived in a house (96.67%).
The fathers and mothers had scholar education between fifth and eighth grade, with 51.72%
and 46.67%, respectively. Most households had a family income above a minimum wage
(56.67%), with socioeconomic status D. Regarding motor affordances in the home
environment, the majority of households had a weak physical income (53.33%) and very good
interior (70.00%), stimulation variety with very low yield (50.00%) and toys and materials in
the very weak housing (100.00%). Therefore, the majority of the children (73.33%) lived in
homes with low motor affordances, with a mean of 8.47 (± 1.72) points in the total
standardized AHEMD score. Most children presented extremely low cognitive performance
(96.67%). As a research product, a guide for parents and family with guidelines on
stimulating and expanding affordances in the home environment has been developed to help
children reach their full potential. Therefore, it was concluded that the majority of children
with microcephaly were from families with socioeconomic vulnerability, presented few
opportunities for motor stimulation in their homes and severe cognitive impairment. In
addition, it was suggested the promotion of a home environment rich in motor affordances,
since a stimulating environment seems to favor children's development.
Keywords: Microcephaly. Cognition. Motor skills. Child development. Environment.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Questões e pontuação máxima do AHEMD-IS........................................... 29
Tabela 2 - Categorias qualitativas de desempenho cognitivo – BSITD-III.................. 30
Tabela 3 - Classificação socioeconômica das famílias. Natal/RN, Brasil, 2019.......... 30
Tabela 4 - Características gerais e perfil sociodemográfico e econômico das crianças
com microcefalia e suas famílias. Natal/RN, Brasil, 2019........................................... 37
Tabela 5 - Affordances motoras presentes no ambiente domiciliar das crianças.
Natal/RN, Brasil, 2019.................................................................................................. 39
Tabela 6 - Classificação qualitativa das affordances motoras no ambiente domiciliar
e do desempenho cognitivo das crianças com microcefalia. Natal/RN, Brasil, 2019... 40
LISTA DE SIGLAS
ABEP Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa
AHEMD Affordances in the Home Environment for Motor Development
BSITD - III Bayley Scales of Infant and Toddler Development III
CER Centro Especializado em Reabilitação
CRI Centro de Reabilitação Infantil
ESPII Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional
ESPIN Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional
FACISA Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi
MS Ministério da Saúde
SAME Serviço Atendimento Médico Estatístico
SESAP Secretaria de Saúde Pública
SINASC Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos
SNC Sistema Nervoso Central
SUS Serviço Único de Saúde
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 12
2 OBJETIVOS....................................................................................................... 15
2.1 Objetivo geral..................................................................................................... 15
2.2 Objetivos específicos.......................................................................................... 15
3 REVISÃO DE LITERATURA......................................................................... 16
3.1 Crescimento e desenvolvimento infantil........................................................... 16
3.1.1 Desenvolvimento Motor....................................................................................... 16
3.1.2 Desenvolvimento Cognitivo................................................................................. 18
3.1.3 Relação entre o Desenvolvimento Motor e o Cognitivo...................................... 19
3.2 Microcefalia........................................................................................................ 20
3.3 Estimulação precoce e a fisioterapia................................................................. 22
3.4 Teoria ecológica de Gibson................................................................................ 23
4 MÉTODO.................................................................................................................... 25
4.1 Tipo de estudo..................................................................................................... 25
4.2 Local de estudo................................................................................................... 25
4.3 População e amostra.......................................................................................... 27
4.4 Instrumento de coleta de dados........................................................................ 29
4.4.1 Affordances in the Home Environment for Motor Development
(AHEMD)............................................................................................................. 29
4.4.2 Escala cognitiva das Bayley Scales of Infant and Toddler Development iii
(BSITD- III)…………………………………………………………………………… 30
4.4.3 Critério de classificação econômica da associação brasileira de empresas de
pesquisa (ABEP).................................................................................................. 31
4.5 Variáveis de interesse para o estudo........................................... 32
4.5.1 Variáveis de caracterização das crianças com microcefalia e de seus
familiares.............................................................................................................. 32
4.5.2 Variáveis de caracterização das affordances motoras presentes no ambiente
domiciliar de crianças com microcefalia.............................................................. 34
4.5.3 Variáveis de caracterização do desempenho cognitivo de crianças com
microcefalia.......................................................................................................... 35
4.6 Procedimentos de coleta de dados..................................................................... 36
4.7 Análise de dados ................................................................................................ 36
5 ASPECTOS ÉTICOS......................................................................................... 38
6 RESULTADOS................................................................................................... 39
7 DISCUSSÃO....................................................................................................... 70
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 73
REFERÊNCIAS................................................................................................. 75
ANEXO A - Questionário AHEMD – versão 18 a 42 meses ..................... 81
ANEXO B - Escala Cognitiva BSITD – III ..................................................... 92
12
1 INTRODUÇÃO
A microcefalia consiste em uma má formação congênita em que o perímetro cefálico se
apresenta inferior a dois desvios-padrão ou mais da média esperada para a idade e sexo em
virtude do cérebro não se desenvolver adequadamente. As crianças acometidas por essa afecção
apresentam alterações motoras e cognitivas que variam de acordo com o grau de acometimento
encefálico, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e, em alguns casos comprometimento
das funções sensoriais, tais como: audição e visão (BARBIER, 2013; BRASIL, 2016a).
No Brasil, em meados do segundo semestre de 2015, detectou-se um aumento nas
notificações de recém-nascidos com microcefalia na região Nordeste e ao final do referido ano,
pesquisas demonstraram evidências que esse aumento estava associado à infecção congênita pelo
vírus Zika (NUNES et al.., 2016; OLIVEIRA; VASCONCELOS, 2016; SOUZA, 2016;
VENTURA et al.., 2016).
No Estado brasileiro do Rio Grande do Norte, os registros do Sistema de Informação sobre
Nascidos Vivos (SINASC) da Secretaria de Saúde Pública (SESAP/RN), no período de janeiro a
dezembro de 2015, caracterizaram elevação da quantidade de casos de microcefalia, com dois em
2010, para 140 casos em 2015, sendo a maioria dos casos concentrados nos meses de agosto a
dezembro (RIO GRANDE DO NORTE, 2016).
Frente a esse evento inusitado, o Ministério da Saúde (MS) declarou o surto de microcefalia
no Brasil como Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional. Segundo relatório de
março de 2017 da Organização Mundial de Saúde, 31 países e territórios relataram 2.635 casos de
crianças com microcefalia secundária a infecção congênita pelo vírus Zika em todo o mundo. Até
a semana epidemiológica 40 de 2018, foram confirmados no Brasil, excetuando-se os óbitos,
2.812 casos de microcefalia e/ou alteração do Sistema Nervoso Central (SNC) sugestivos de
infecção congênita pelo Zika vírus, sendo que 151 destes casos estavam no Rio Grande do Norte
(CENTRO DE OPERAÇÕES DE EMERGÊNCIAS EM SAÚDE PÚBLICA SOBRE
MICROCEFALIAS, 2016; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2018; OLIVEIRA; VASCONCELOS
2016; WHO, 2017a; 2017b).
Esse cenário revela um aumento nos casos de pessoas com deficiência e que deverão ser
incluídas no Serviço Único de Saúde (SUS). O MS dispõe, desde 2002, da Política Nacional de
Saúde da Pessoa Portadora de deficiência, com o objetivo de garantir a reabilitação e a proteção
13
da saúde dessa pessoa mediante ações articuladas entre os diversos setores da sociedade. Para o
alcance desse propósito, estabelece algumas diretrizes orientadoras para os planos, programas e
projetos voltados para a execução dessa política, dentre elas a assistência integral à saúde da
pessoa com deficiência e a organização e funcionamento dos serviços de atenção à pessoa
portadora de deficiência (BRASIL, 2002).
Além disso, o decreto n° 7612/11, instituiu o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com
deficiência – Plano Viver sem Limites, que tem como finalidade “promover, por meio da
integração e articulação de políticas, programas e ações, o exercício pleno e equitativo dos
direitos das pessoas com deficiência” e traz a ampliação e qualificação dos serviços de
habilitação e reabilitação como uma de suas diretrizes (BRASIL, 2011).
Em virtude do impacto desse problema na saúde da população brasileira, ações de
enfrentamento às consequências da microcefalia passaram a ser divulgadas por meio de
protocolos com o objetivo de orientar as famílias e profissionais quanto à estimulação do
desenvolvimento global dessas crianças. Estudos recentes apontam o ambiente domiciliar como
forte influenciador do desenvolvimento infantil, destacando-se que a interação com os pais,
características físicas da casa, variabilidade de estímulos e a disponibilidade de brinquedos e
materiais estimulantes são considerados fatores críticos para a qualidade do ambiente domiciliar
(DEFILIPO et al.., 2012; MIQUELOTE, 2011).
Ademais, pesquisas também encontraram uma forte relação entre status socioeconômico e
desempenho motor. Crianças socialmente desfavorecidas apresentaram menor desempenho motor
do que crianças com nível socioeconômico mais alto. Um estudo de base populacional realizado
em lactentes do município de Juiz de Fora, Minas Gerais, concluiu que a união estável dos pais,
maior escolaridade materna e paterna e maior nível econômico foram associados às melhores
affordances motoras (DEFILIPO et al.., 2012; MORLEY et al.., 2015).
Desse modo, as affordances, objeto do presente estudo, são definidas como oportunidades
de ação que são oferecidas pelo ambiente ao agente e que favorecem a aprendizagem e/ou o
desenvolvimento de uma habilidade. Variam desde um espaço amplo para vivenciar experiências
motoras diversas, como ter acesso à materiais estimulantes que motivem a execução de
movimentos e ações. Este conceito está baseado na teoria ecológica de Gibson que propõe a
existência de forte relação entre agente e o ambiente. Logo, o ambiente é entendido como agente
desencadeador de comportamentos e ações (ADOLPH; KRETCH, 2015; OLIVEIRA;
14
RODRIGUES, 2006). Ultimamente, estudos tem sugerido que affordances motoras podem
repercutir positivamente no desempenho motor e cognitivo de crianças precocemente expostas a
esses estímulos (CAÇOLA et al.., 2015; MIQUELOTE, 2011).
Baseando-se que o desenvolvimento motor, crucial no comportamento infantil e moldado
por fatores ambientais, fisiológicos e genéticos, vem sendo associado com a função cognitiva e
sócio emocional da criança, terapias e programas destinados à saúde infantil, devem estar
voltados para o contexto em que a criança vive, visto que promover um ambiente de estimulação
adequado e mudanças na interação cuidador-criança poderá influenciar e melhorar o
desenvolvimento infantil e os resultados da prática clínica. Contudo, existem lacunas no
conhecimento acerca dos efeitos das affordances no ambiente domiciliar para o desenvolvimento
motor primário, principalmente em crianças com múltiplas deficiências (CAÇOLA et al.., 2015).
Diante do que foi apresentado, elaborou-se as seguintes questões de pesquisa: Como são as
affordances motoras no ambiente domiciliar de crianças com microcefalia? Qual o desempenho
cognitivo destas crianças?
No decorrer das atividades profissionais no Centro de Reabilitação Infantil e na Clínica
Escola de Fisioterapia da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi, foi possível observar um
período de incertezas, quando crianças com microcefalia chegaram ao centro para serem
acompanhadas e atendidas. Muitas destas crianças apresentavam características peculiares, bem
mais graves do que as crianças com microcefalia anteriormente atendidas. Isso suscitou
questionamentos acerca das oportunidades de estimulação presentes no ambiente domiciliar da
criança, pois a terapia baseada no contexto e os programas domiciliares possuem alto grau de
evidência científica e recomendação na literatura.
Diante da magnitude da temática abordada, realizar estudos sobre esta é de suma
importância, pois possibilitará aos terapeutas traçar planos individuais de tratamento com base no
contexto; orientará pais e familiares como proporcionar ambientes estimulantes para essas
crianças e deste modo, favorecer o desenvolvimento delas e alcance de seus potenciais máximos,
como também, servirá de subsídios para outros estudos, pois fornece informações importantes
sobre um tema relevante e inovador em uma população de estudo ainda pouco explorada na
literatura atual.
15
2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo geral
Verificar affordances motoras no ambiente domiciliar de crianças com microcefalia e
o desempenho cognitivo.
2.2 Objetivos específicos
Descrever o perfil sóciodemográfico e econômico das famílias das crianças com
microcefalia;
Identificar as affordances motoras presentes no ambiente domiciliar de crianças com
microcefalia;
Verificar o desempenho cognitivo de crianças com microcefalia;
Construir um guia prático com orientações à família de crianças com microcefalia.
16
3 REVISÃO DE LITERATURA
3. 1 Crescimento e desenvolvimento infantil
3.1.1 Desenvolvimento Motor
Entende-se por desenvolvimento motor o conjunto de características em constante evolução
que permite que um bebê que possui atividade motora essencialmente reflexa ao nascimento,
evolua para a motricidade voluntária e realize movimentos complexos e coordenados, tais como a
deambulação, a corrida e os movimentos finos manuais. O conhecimento do desenvolvimento
típico permite identificar e intervir precocemente em situações de desenvolvimento atípico. Ele
serve como guia e parâmetro para que se avalie a alteração e a disfunção do Sistema Nervoso
Central (SNC) que a criança com distúrbio neurológico pode apresentar (CASTILHO-
WEINERT; FORT-BELLENI, 2011).
As mudanças no comportamento motor durante o primeiro ano de vida são as mais
importantes, pois se processam os “maiores saltos evolutivos em curtos períodos de tempo”. No
primeiro ano, a criança passa da posição horizontal para a vertical, quando aprende a se mover
contra a gravidade. Também é nessa fase que se encontram a maior parte das crianças que
possuem atrasos motores, devido à permanência dos reflexos tônicos. Em que pese, a sequência
do desenvolvimento típico seja um consenso entre a maioria dos autores, o desenvolvimento
motor depende de questões neuromaturacionais, genéticas e ambientais. Qualquer fator que
interfira nas questões orgânicas e ambientais da criança pode repercutir na motricidade
(CASTILHO-WEINERT; FORT-BELLENI, 2011).
De acordo com Brasil (2016b), o recém-nascido apresenta predominantemente o tônus
flexor. A influência dos reflexos primitivos nessa fase é grande. Quando em supino, apresenta a
cabeça lateralizada, membros superiores fletidos, com movimentos ativos limitados e membros
inferiores com boa movimentação espontânea, alternando movimentos de flexão e extensão. Em
prono, pode levantar a cabeça ocasionalmente.
Ao final do primeiro trimestre, espera-se que a criança apresente um bom controle cervical,
descarga de peso em cotovelo e antebraço, movimentos de olhos e cabeça simultâneos e
17
coordenados e que reaja a estímulos sonoros parando de se mover e virando para a fonte geradora
(BRASIL, 2016b).
No segundo trimestre, o bebê melhora a medialização da cabeça e dos membros, devido à
diminuição da influência do Reflexo Tônico Cervical Assimétrico. Em prono, o bebê é capaz de
pivotear e em supino, inicia o rolar em bloco para prono. Ao final desse trimestre, tem domínio
sobre o rolar, é capaz de sentar sozinho e permanecer nessa postura, porém necessita de
supervisão, pois pode cair para trás e para os lados uma vez que só apresenta reações de proteção
para frente (BRASIL, 2016b).
O terceiro trimestre é caracterizado por ser um período de exploração intensa, em que a
criança possui controle nos três planos de movimento (sagital, coronal e transverso). Observa-se
ótima estabilidade na postura sentada e ao final desse período, o bebê consegue realizar várias
mudanças posturais, tais como: fazer a transferência da postura sentada para a postura de gatas,
então para a postura ajoelhada, semiajoelhada e tracionar-se para de pé (BRASIL, 2016b).
O quarto trimestre é marcado pelo desenvolvimento da postura ortostática, iniciando com a
marcha lateral e posteriormente com a marcha anterior. Nessa fase inicial da deambulação, a
criança apresenta base de suporte alargada, abdução dos braços e fixação do tronco superior.
Após esse período de grandes aquisições motoras, a criança irá aprimorar e refinar essas
habilidades (BRASIL, 2016b).
Já o desenvolvimento motor atípico resulta da lesão no SNC, acarretando em alterações do
comportamento motor e prejudicando o desenvolvimento global infantil. É caracterizado pela
permanência de reflexos primitivos; insuficiência de reações de proteção e de equilíbrio;
alteração de tônus; presença de reflexos tônicos; movimentos estereotipados, pobres e sem
seletividade; dificuldade no desempenho das habilidades motoras e não aquisição de algumas
destas; padrões compensatórios e alterações músculo esqueléticas (CASTILHO-WEINERT;
FORT-BELLENI, 2011).
Em geral, o comportamento motor da criança atípica no primeiro trimestre se assemelha ao
da criança típica, pois há intenso predomínio de atividade reflexa e posturas assimétricas nessa
fase. Contudo, no segundo trimestre ficam mais evidentes as alterações causadas pela lesão no
SNC ou o atraso no desenvolvimento, porque ocorrem importantes aquisições motoras como:
reações posturais, transferências de peso e rotações de tronco. A criança atípica tem dificuldade
18
de ultrapassar esse período. Geralmente seu desenvolvimento fica parado no primeiro trimestre
do desenvolvimento típico (CASTILHO-WEINERT; FORT-BELLENI, 2011).
3.1.2 Desenvolvimento Cognitivo
Entende-se por desenvolvimento cognitivo o padrão de mudanças nas habilidades mentais
que levam indivíduos adquirirem conhecimento sobre o mundo circundante e sobre si próprios no
decorrer dos ciclos de vida, sendo compostos por habilidades como: aprendizagem, raciocínio,
linguagem, pensamento, memória e criatividade (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005;
PAPALIA; FELDMAN,2013).
Desde estágios iniciais, como nas primeiras semanas de um recém-nascido, a capacidade de
aprender e lembrar já estão presentes. Por conseguinte, muitos teóricos buscaram compreender
como a cognição se desenvolve, dentre eles Piaget, o qual foi um dos primeiros a desenvolver
uma teoria sobre o desenvolvimento cognitivo. Na abordagem Piagetiana, o desenvolvimento
cognitivo acontece em estágios progressivos, qualitativamente diferentes, no qual a criança
precisa passar por todos os estágios numa mesma ordem, pois ele ligava desenvolvimento
cognitivo ao desenvolvimento biológico (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005; PAPALIA;
FELDMAN, 2013).
O primeiro estágio da teoria Piaget é o sensório-motor, no qual os bebês aprendem sobre o
mundo através do movimento e dos sentidos. O segundo estágio é o pré-operacional, em que as
crianças pensam simbolicamente sobre os objetos, porém sem base na lógica. Já o terceiro estágio
é o operacional concreto, no qual as crianças passam a pensar logicamente sobre objetos e
eventos. E o último estágio é denominado de operacional formal no qual o indivíduo é capaz de
pensar abstrativamente e de testar hipóteses (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005; PAPALIA;
FELDMAN, 2013).
Apesar das atuais críticas dos teóricos á abordagem de Piaget, é consenso que a
aprendizagem na primeira infância está intimamente ligada à intensa atividade sensório-motora
(GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005; PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Desta forma, o estágio sensório-motor de Piaget se trata de um período crítico para o
desenvolvimento, no qual grandes saltos evolutivos se processam. Inicialmente, os
comportamentos do bebê são essencialmente reflexos, evoluindo para a reprodução de eventos ou
19
ações que geram sensações agradáveis e que são descobertas ao acaso, focados no próprio corpo.
Entre 4 a 8 meses, seguem aumentando o interesse pelo ambiente e logo as ações passam a serem
intencionais. Por volta dos 8 a 12 meses, a criança passa a apresentar comportamento proposital e
orientado para uma meta. Já entre 12 e 18 meses, a criança passa a variar suas ações para ver os
resultados, demonstrando curiosidade e experimentação. Aumentam a exploração do ambiente
em busca de novidades e a aprendizagem acontece por meio de tentativa e erro (GAZZANIGA;
HEATHERTON, 2005; PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Ao final desse estágio, em torno dos dois anos, a aprendizagem evolui da experimentação
direta para o uso do pensamento simbólico. Essa habilidade de pensamento conceitual permitirá a
criança a experimentar soluções mentalmente (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005;
PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Habilidades cognitivas importantes se desenvolvem nesse estágio, tais como: a capacidade
de imitação, a qual permitirá a criança expandir seu tempo de atenção e capacidade mnemônica; a
permanência do objeto, percepção de que uma pessoa ou objeto existe apesar de está fora do
campo visual; pensamento simbólico, capacidade de interpretar símbolos (representações
intencionais da realidade); categorização, ou seja, capacidade de dividir o mundo em categorias,
fundamental para a linguagem, memória, raciocínio e resolução de problemas; causalidade,
entendimento de que os eventos têm causas identificáveis permitindo, desta forma, antecipar
consequências (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005; PAPALIA; FELDMAN,2013).
3.1.3 Relação entre o Desenvolvimento Motor e o Cognitivo
Há alguns anos, muitos pesquisadores tem investigado a relação entre desenvolvimento
motor e cognitivo e a influência que oportunidades de ação associadas a objetos podem ter na
cognição. Os achados sugerem que o processamento cognitivo é resultado da ativação dos
sistemas sensório-motor envolvidos no processo percepção-ação, o que vem a corroborar com
algumas teorias do desenvolvimento cognitivo, tais como a teoria gibsoniana (GUERARD,
2015).
Estudos anteriores destinados a avaliar as características gerais do ambiente doméstico e a
relação com o comportamento posterior fornecem evidências consistentes que apontam um
20
ambiente estimulante como um preditor de comportamento cognitivo futuro (MIQUELOTE,
2012).
Murray (2006) realizou um estudo de coorte que buscou investigar se a idade de aquisição
dos marcos do desenvolvimento motor está associada à função executiva adulta e encontrou que
o desenvolvimento inicial da motricidade grossa (ficar de pé) está associado a uma melhor função
executiva do adulto em testes de categorização.
Ademais, Miquelote (2012) encontrou uma associação positiva entre desempenho cognitivo
e motricidade fina e sugeriu que affordances motoras podem ter impacto positivo no
comportamento cognitivo posterior de lactentes.
Outra pesquisa buscou investigar se affordances motoras desempenham algum papel na
memória de curto e longo prazo de objetos. Os resultados alcançados sugerem que o sistema
motor tem ação na memória imediata de objetos, pois a supressão deste interferiu no
reconhecimento de objetos ao utilizar uma tarefa de memória imediata (GUERARD et al., 2015).
Logo, acredita-se que essa forte associação entre motricidade e cognição se deve a ativação
simultânea de várias áreas cerebrais durante tarefas motoras e cognitivas, sendo uma influenciada
pela outra (BORBA, 2017).
3.2 Microcefalia
A microcefalia é uma condição neurológica em que perímetro cefálico se apresenta inferior
a dois desvios-padrão ou mais da média esperada para a idade e sexo em virtude do cérebro que
não se desenvolve adequadamente. Dependendo de sua etiologia, pode ser primária, associada à
malformações estruturais do cérebro ou ser secundária a causas diversas, tais como: hipóxia;
alterações vasculares; desordens sistêmicas e metabólicas; exposição a drogas, álcool e certos
produtos químicos na gravidez, desnutrição grave na gestação (desnutrição intraútero),
fenilcetonúria materna, infecções do sistema nervoso central no período pré-natal, perinatal e
pós-natal (rubéola, toxoplasmose, zika e citomegalovírus). (BARBIER, 2013; BRASIL, 2016a ;
FAHEEM, 2015; RIO GRANDE DO NORTE, 2016).
Crianças com perímetro cefálico abaixo da média podem ser cognitivamente e
motoramente normais. Contudo, a maioria dos casos de microcefalia é acompanhada de
alterações motoras e cognitivas que variam de acordo com o grau de acometimento cerebral,
21
causando grande impacto na vida dessas crianças e suas famílias, levando, inclusive, à
ressignificação de projetos de vida (BRASIL, 2016a).
No ano de 2015, em meio a uma crise política e econômica que culminou num
impeachment presidencial, o Brasil enfrentou uma grave situação de saúde pública, que culminou
em declarações de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e Internacional, por
parte do governo brasileiro e da Organização Mundial de Saúde (OMS), representada pela
disseminação do vírus Zika e o aumento das ocorrências de microcefalia congênita. Em março de
2016, o Brasil adotou a medida do perímetro cefálico ao nascer de 31,5 cm para meninas e 31,9
cm para meninos como base para a investigação de casos de microcefalia, considerando como
referência as crianças nascidas a termo (37-42 semanas) (BRASIL, 2017a; BRASIL, 2017b).
Após vários estudos, foi confirmada a relação entre microcefalia e a infecção congênita
pelo vírus Zika, sendo a presença de microcefalia o principal achado na Síndrome causada por
esse vírus. Ela vem geralmente associada a outros achados clínicos, tais como: artrogripose;
calcificações cerebrais (cortical e subcortical); irritabilidade/hiperexcitabilidade; anormalidades
auditivas e oculares; sequelas neurológicas; atraso do desenvolvimento; problemas de deglutição;
espasticidade; epilepsia, lisencefalia; ventriculomegalia e hipoplasia de tronco cerebral e cerebelo
(ALVES et al.., 2016; MATOS et al.., 2016).
Nesse cenário, tornou-se de fundamental importância para o sucesso no enfrentamento do
vírus Zika e suas graves consequências estratégias de gestão, de articulação e de mobilização
política e social, com destaque para a integralidade da atenção em saúde ofertada às crianças
acometidas e suas famílias e a intersetorialidade de ações (BRASIL, 2017b).
O setor saúde sozinho não teve como resolver a diversidade de fatores que favorecem a
proliferação do vetor e, por conseguinte, das arboviroses. O controle vetorial é responsabilidade
coletiva, portanto, foram necessárias ações intersetoriais no seu combate. Por isso, fez-se
necessária uma abordagem sócio-sanitária, seja com diagnósticos situacionais, planejamento de
ações e monitoramento de processos e resultados, seja com enfoque na organização dos serviços
e arranjos tecnológicos para uma resposta sanitária mais geral (AYRES, 2004; BRASIL, 2017b).
Nesse intuito, o Grupo Executivo Interministerial de Emergências em Saúde Pública de
Importância Nacional e Internacional (GEI-ESPII) elaborou um Plano Nacional de
Enfrentamento à Microcefalia (PNEM) que posteriormente passou a ser denominado de Plano de
Enfrentamento ao Aedes e suas consequências. Este foi organizado em três eixos: “Mobilização e
22
combate ao mosquito”, “Atendimento às pessoas” e “Desenvolvimento tecnológico, Educação e
Pesquisa” (BRASIL, 2017b).
Algumas das principais medidas adotadas por esse plano foram: a articulação
interministerial e intersetorial de resposta à crise; a garantia de operacionalização das decisões
tomadas nos fóruns existentes; ações de combate ao vetor; ações na dimensão do cuidado e
acolhimento (prevenção, diagnóstico, tratamento e acolhimento das famílias); ações na área da
ciência, tecnologia e inovação (entendimento da patologia); ações de controle e monitoramento
(acompanhamento de indicadores, divulgação de relatórios e boletins, processo de coleta e
análise de dados) (BRASIL, 2017b).
3.3 Estimulação precoce e a fisioterapia
A estimulação precoce é uma abordagem de caráter sistemática e sequencial, que utiliza
técnicas e recursos terapêuticos capazes de estimular todos os domínios que interferem na
maturação da criança, favorecendo o desenvolvimento motor, cognitivo, sensorial, linguístico e
social, evitando ou amenizando eventuais prejuízos (BRASIL, 2016b).
Essa estimulação é mais eficaz nos primeiros anos de vida, pois esse é o período no qual o
cérebro é mais acessível a mudanças. Esse período crítico pode criar janelas de oportunidades
para intervenções neuromodulatórias que repercutirão positivamente nos resultados clínicos, pois
nessa fase tem-se a neuroplasticidade mais ativa. Ela corresponde à capacidade biológica do SNC
de sofrer maturação e mudar, estruturalmente e funcionalmente, em resposta ao ambiente e à
tarefa. Essa maleabilidade é conseguida modulando mecanismos genéticos, moleculares e
celulares que influenciam a dinâmica de conexões sinápticas e a formação de circuitos neurais,
alcançando ganho ou perda de comportamento e função (ISMAIL et al., 2017).
A estimulação precoce tem como meta aproveitar o período crítico para ampliar as
competências da criança tendo como referência os marcos do desenvolvimento típico. A
intervenção deve ser uma ação coordenada, organizada, interdisciplinar e precocemente instituída
que vise à aquisição de habilidades e proporcione o maior grau de independência funcional
possível (BRASIL, 2016b; NAMUMIA, 2010).
23
O foco da avaliação fisioterapêutica é coletar dados que demonstrem o nível de
funcionalidade do paciente. Portanto, ela identifica, através da observação, os aspectos
quantitativos e qualitativos do comportamento motor da criança (NAMUMIA et al., 2010).
Cada vez mais o uso de medidas de avaliação padronizadas tem sido utilizado na prática do
fisioterapeuta, possibilitando-o uniformizar condutas, guiar o planejamento do tratamento, medir
a evolução da funcionalidade e do quadro motor do paciente com a intervenção, estimar o
prognóstico, comparar técnicas e abordagens de tratamento, como também controlar a qualidade
do serviço prestado (NAMUMIA et al., 2010).
O planejamento e os objetivos do tratamento devem ser traçados em conjunto com a família
e este deve ser direcionado para metas funcionais realísticas, condizentes com o prognóstico. Por
conseguinte, um programa individual de tratamento será elaborado (NAMUMIA et al., 2010).
O programa de tratamento deve ter como metas: maximizar o potencial de cada criança;
potencializar a contribuição dos pais ou responsáveis no plano de tratamento e oferecer
orientações a estes; promover um ambiente favorável para o desempenho de atividades e que
forneça a vivência de um maior número de experiências; e promover um modelo de atuação
multiprofissional e interdisciplinar (BRASIL, 2016b).
3.4 Teoria ecológica de Gibson
James J Gibson foi um importante psicólogo americano que contribuiu no campo do
desenvolvimento infantil, com o desenvolvimento da Teoria Ecológica da Percepção Visual e o
conceito de affordances (ADOLPH; KRETCH, 2015; OLIVEIRA; RODRIGUES, 2006).
Esta teoria se baseia na premissa de que o meio ambiente e o agente são inseparáveis. Logo,
existe uma reciprocidade entre agente e ambiente, um agindo sobre o outro e por isso estão
estruturalmente e funcionalmente ligados. Destarte, a compreensão da aquisição de uma
habilidade dependerá do entendimento da interação agente-ambiente (ADOLPH; KRETCH,
2015; OLIVEIRA.; RODRIGUES, 2006).
A partir dessa teoria, desenvolveu-se o conceito de affordances, segundo o qual
possibilidades de ação são oferecidas pelo ambiente ao agente. Por exemplo: superfícies
possibilitam locomoção; objetos possibilitam variados comportamentos, tais como: como agarrar,
24
levantar e manusear; outras pessoas possibilitam interações sociais (ADOLPH; KRETCH, 2015;
OLIVEIRA; RODRIGUES, 2006).
Para Gibson, as affordances que um objeto fornece são mais importantes do que as
propriedades deste, tais como: cor, textura, forma e tamanho, ou seja, é mais fácil para um
individuo perceber as oportunidades de ação de um objeto do que suas qualidades particulares
(ADOLPH; KRETCH, 2015; OLIVEIRA; RODRIGUES, 2006).
Essa percepção dependerá da capacidade de ação do agente, portanto, dependerá de
características como escala corporal e do reconhecimento daquilo que o agente pode fazer
corporalmente com tal affordance. Exemplo: a altura de uma criança é diferente da altura de um
adulto. Logo, uma criança pode perceber uma cadeira não como uma possibilidade de sentar e
sim como uma mesa para pintar ou uma oportunidade para subir e pular ou pendurar (ADOLPH;
KRETCH, 2015; OLIVEIRA; RODRIGUES, 2006).
Diante disto, o desenvolvimento motor apresenta uma relação significativa com as
oportunidades que o ambiente doméstico fornece, por isso é necessário incluir uma variedade de
estímulos (atividades diárias) e brinquedos para crianças, principalmente na primeira infância e
com risco de atrasos motores. Portanto, o acesso ou a falta de acesso a um ambiente domiciliar
estimulante é um fator importante para o desenvolvimento motor de crianças (ADOLPH;
KRETCH, 2015; CUNHA et al., 2018; OLIVEIRA; RODRIGUES, 2006).
25
4 MÉTODO
4.1 Tipo de estudo
Estudo exploratório e descritivo, com delineamento transversal e abordagem quantitativa.
No tocante a pesquisa descritiva, ela descreve “um fenômeno ou situação mediante um
estudo realizado em determinado espaço-tempo” (MARCONI; LAKATOS, 2011).
Conceitua-se estudo transversal como pesquisa que “se caracteriza pela observação direta
de determinada quantidade planejada de indivíduos em uma única oportunidade” e está bastante
ligado à necessidade de conhecer o modo como certas características ou variáveis se distribuem
em uma população determinada (MEDRONHO et al., 2006).
No tocante a abordagem quantitativa, o processo de pesquisa é sequencial e comprobatório.
Logo, “utiliza a coleta de dados para testar hipóteses, baseando-se na medição numérica e na
análise estatística para estabelecer padrões e comprovar teorias” (SAMPIERE et al., 2013).
4.2 Local do estudo
O estudo foi realizado no Centro de Reabilitação Infantil (CRI) e na Clínica Escola de
Fisioterapia da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (FACISA), locais em que a
pesquisadora responsável pelo estudo trabalhou e para onde as crianças com microcefalia foram
encaminhadas para tratamento.
O CRI, fundado em 1990, é uma unidade de saúde vinculada a Secretaria de Saúde Pública
do estado do Rio Grande do Norte (SESAP-RN), instalado em uma área de 5.546m2. Fica
localizado na cidade de Natal/RN, no bairro de Tirol. Foi habilitado como CER III pela portaria
496/2013 do Ministério da Saúde (BRASIL, 2013).
O CRI é um dos pontos da rede de atenção à Saúde da Pessoa com Deficiência para onde os
usuários com suspeita de microcefalia foram referenciados para investigação. Ele é referência em
reabilitação em todo o estado do Rio Grande do Norte e possui competência para atender pessoas
com deficiências física, auditiva, intelectual, bem como as que possuem múltiplas deficiências.
A unidade conta com cerca de 20.000 (vinte mil) usuários cadastrados, sendo 12.000 (doze
mil) ativos, oriundos dos 167 (cento e sessenta e sete) municípios que compõem o Estado do Rio
26
Grande do Norte, realizando em média 6.000 (seis mil) atendimentos/mês, gerando em torno de
18.000 (dezoito mil) procedimentos/mês.
A equipe técnica especializada é composta por: assistente social, biólogo, bioquímico,
odontólogo, educador físico, fisioterapeuta, enfermeiro, farmacêutico, fonoaudiólogo, terapeuta
ocupacional; nutricionista, psicólogo, psicopedagogo, médico ortopedista, geneticista,
neuropediatra, oftalmologista, dermatologista e otorrinolaringologista.
São prestados serviços de média e alta complexidade na área de reabilitação, tais como:
atendimento médico especializado; estimulação precoce; fisioterapia motora e respiratória;
terapia ocupacional; acompanhamento psicossocial, acompanhamento fonoaudiológico; avaliação
audiológica/diagnóstica; prescrição, avaliação, dispensação e acompanhamento de órtese, prótese
e meios auxiliares de locomoção (OPM); laboratório de análises clínicas especializado;
aconselhamento genético; odontologia especializada; farmácia especializada; exame de
eletroencefalograma; acompanhamento de enfermagem e vacinação; e acompanhamento
nutricional e dietético.
Para ser atendido no serviço, o usuário ou responsável deve procurar o setor de regulação
da Secretaria Municipal de Saúde do seu município de origem portando os seguintes documentos:
ficha de referência, CPF e RG do usuário, cartão do SUS, certidão de nascimento e cartão de
vacina. Dando prosseguimento ao processo, a central de regulação deste município deverá enviar
para o email [email protected] as seguintes informações: identificação do
paciente (nome, data de nascimento, nome da mãe, ou responsável, situação atual do paciente,
hipótese diagnóstica, telefone e/ou email para contato) e identificação do município (nome,
região de saúde, telefone para contato e email). Então, será agendada uma primeira avaliação
global com a criança. Esta é a porta de entrada para o serviço. Ela é composta por uma equipe
interdisciplinar e corresponde ao setor de triagem onde é feito o acolhimento e é definido se o
paciente é elegível ou não para atendimento no Centro. Caso seja elegível, o usuário é
encaminhado ao Serviço de Atendimento Médico Estatístico (SAME) para abertura de
prontuário, e para os demais serviços (RIO GRANDE DO NORTE, 2018).
Sobre a Clínica Escola de Fisioterapia, está localizada na Faculdade de Ciências da Saúde
do Trairi (FACISA) e conta com uma estrutura que contém um ginásio terapêutico, sete box de
atendimento individual, uma sala de estimulação lúdica, três consultórios, uma sala de utilidades
(expurgo/minialmoxarifado), uma piscina aquecida, uma sala de atendimento em grupo, uma sala
27
de coordenação da clínica e uma recepção. Ela é o setor de práticas para os alunos da graduação
em fisioterapia. Presta serviços de fisioterapia à comunidade, servidores e discentes nas áreas de
saúde da criança, saúde da mulher, cardiologia, pneumologia, angiologia, ortopedia, reumatologia
e neurologia.
A FACISA é um campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
localizado na cidade de Santa Cruz, que visa cumprir a meta de expansão da universidade. Tem
como objetivo geral desenvolver o ensino, a pesquisa e a extensão na Área da Saúde mediante a
oferta dos cursos de Graduação em Enfermagem, Fisioterapia, Nutrição e Psicologia e, deste
modo, consolidar a inserção da UFRN na região do Trairi/RN, como também contribuir para o
desenvolvimento regional através da inserção dos jovens ao ensino de nível superior.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/2018), a população
do município de Santa Cruz é de 39667 habitantes e possui um IDH de 0,635. Este apresenta uma
área de 624 m2 e integra a região do Trairi que é representada por 11 municípios. A região do
Trairi se localiza na mesorregião do Agreste Potiguar e na microrregião da Borborema Potiguar,
que compreende, além de Santa Cruz, os municípios de São Tomé, Ruy Barbosa, Barcelona,
Lagoa de Velhos, Campo Redondo, Jaçanã, Coronel Ezequiel, Japi, Lajes Pintadas, São Bento do
Trairi, Sítio Novo e Tangará, com uma população total estimada em 110.430 habitantes.
4.3 População e amostra
A população do estudo constituiu-se por cento e cinquenta e uma (151) crianças com casos
confirmados de microcefalia no Estado do Rio Grande do Norte até a semana epidemiológica 40
de 2018 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2018).
O estudo foi composto por amostra não probabilística por conveniência, constituídas por
crianças com microcefalia, entre 18 e 42 meses, que foram convidadas a participar do estudo por
meio de busca ativa.
Existiam nos serviços 82 crianças cadastradas para acompanhamento terapêutico, entretanto
apenas 30 delas fizeram parte da amostra final.
Critérios de inclusão:
Perímetro cefálico abaixo de dois desvios-padrão da média esperada para idade e
sexo;
28
Crianças com idade entre 18 e 42 meses;
Familiar que possa se responsabilizar pela autorização ou não da pesquisa, por meio
da assinatura do Termo de Consentimento Livre e esclarecido.
Critérios de exclusão:
Doença física e/ou mental do responsável pela criança que interferissem nos cuidados
com a criança, como também prejudicasse o entendimento, pelos responsáveis, das
perguntas contidas nos instrumentos de coleta de dados;
Condições de saúde que prejudicassem a avaliação da criança durante o estudo.
A figura 1 mostra o fluxograma de recrutamento dos sujeitos para participação na pesquisa.
Figura 1 – Fluxograma de recrutamento dos sujeitos para o estudo
Casos confirmados de microcefalia no RN (n = 151)
Pacientes com microcefalia atendidos no Centro de Reabilitação
Infantil (n = 75)
Participantes do estudo (n=24)
Perdas (n=1)
Excluídos:
recusa em participar (n=6)
não comparecimento na data prevista
(n=11)
crianças com idade < 18 meses e > 42
meses (n=11)
contato errado (n=22)
Pacientes com microcefalia atendidos na Clínica Escola de
Fisioterapia (n=7)
Participantes do estudo (n=6)
Excluídos
Motivo:
criança com idade < 18 meses (n=1)
Amostra final
(n=30)
29
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
4.4 Instrumentos de coleta de dados
4.4.1 Affordances in the Home Environment for Motor Development (AHEMD)
Para a avaliação das oportunidades presentes no ambiente domiciliar que proporcionam o
desenvolvimento motor foi utilizado o instrumento Affordances in the Home Environment for
Motor Development (AHEMD) (anexo 1). Desenvolvido por um grupo de pesquisadores da
Texas A&M University em parceria com a Universidade Metodista de Piracicaba, ele é válido e
confiável para esse fim e possui duas versões, uma para avaliar crianças de 3 a 18 meses de idade
(Affordances no Ambiente Domiciliar para o Desenvolvimento Motor – Escala Bebê) (CAÇOLA
et al., 2015) e outra para avaliar crianças de 18 a 42 meses de idade (Affordances in the Home
Environment for Motor Development) (RODRIGUES et al., 2005), ambas já validadas.
No presente estudo, será utilizada a versão AHEMD - 18 a 42 meses que contempla 67
itens, divididos em quatro seções, sendo a primeira sobre as características da criança e da família
(7 itens), e as três seguintes que avaliam o espaço físico da residência (16 itens), as atividades
diárias (17 itens) e os brinquedos e materiais existentes na habitação (27 itens).
Este questionário utiliza questões do tipo dicotômicas simples (sim/não); em formato
Likert, com quatro níveis de respostas (quase nunca, pouco tempo, muito tempo, quase sempre) e
questões descritivas através de ilustrações como exemplos dos diferentes tipos de brinquedos).
Para calcular os resultados, é fornecida uma calculadora on-line disponível no endereço
<http://www.ese.ipvc.pt/dmh/AHEMD/pt/ahemd_5pt.htm>, em que os escores totais são
expressos em pontuação bruta e padronizada, como também divididos em cinco subescalas
(espaço interno, espaço externo, variedade de estimulação, material de motricidade fina e
material de motricidade grossa) (ver tabela 1). O escore bruto de cada subescala é calculado pela
soma dos pontos obtidos para todas as questões dentro de cada uma delas e o escore padronizado
total é obtido pela soma dos escores das cinco subescalas (GABBARD et al., 2008).
As pontuações brutas totais variam entre 0 e 210 pontos (ver tabela 1). A pontuação
padronizada de cada subescala varia entre 1-4, onde um (1) corresponde a rendimento muito
fraco, dois (2) rendimento fraco, três (3) rendimento bom e quatro (4) rendimento muito bom. O
30
valor padronizado total do AHEMD-IS varia entre 5 e 20, em que valores menores que 9 são
categorizados como affordances baixas, entre 9 a 16 são affordances médias e maiores que 16
são affordances altas (NOBRE, 2009).
Tabela 1 – Questões e pontuação máxima do AHEMD
Seções/subescalas Questões do
AHEMD-IS
Pontuação máxima Pontuação
padronizada
Caracterização familiar 1-7
Espaço Físico 8-23 25
Espaço externo 8-14 6 4
Espaço interno 15-23 19 4
Atividades diárias 24-39 20 4
Brinquedos 40-67 140
Motricidade fina 4
Motricidade grossa 4
Escore total 210 20
Fonte: < http://www.ese.ipvc.pt/dmh/AHEMD/pt/ahemd_5pt.htm>.
4.4.2 Escala Cognitiva das Bayley Scales of Infant and Toddler Development III (BSITD- III)
O instrumento de avaliação Bayley Scales of Infant and Toddler Development III (BSITD-
III) é composto por cinco escalas (cognitiva, linguagem, motora, sócio emocional e
comportamento adaptativo) que avaliam diferentes aspectos do desenvolvimento infantil de
crianças de um até 42 meses de idade. Para a avaliação do desempenho cognitivo das crianças
avaliadas no presente estudo foi utilizada a Escala Cognitiva. Ela contém 91 itens que avaliam a
forma como a criança aprende e reage sobre o seu mundo e inclui aspectos como
desenvolvimento sensório-motor, exploração, manipulação, pensamento conceitual, permanência
de objetos e memória (ALBERS; GRIEVE, 2007).
Esse instrumento utiliza questões dicotômicas simples (1/0) e a criança precisa obter um
ponto nos três primeiros itens consecutivos do começo de qualquer faixa etária para dar início ao
teste. O teste será encerrado quando a criança pontuar zero em cinco itens consecutivos.
31
Para a análise dos resultados, os valores são expressos em scaled score, o qual varia de 1-
19 pontos, com média de 10±3 e o Composite Score, o qual varia de 40-160 pontos, com média
100±15 e possibilita saber como está o desempenho cognitivo da criança (MIQUELOTE, 2012;
2017). A tabela 2 mostra as categorias qualitativas do desempenho cognitivo.
Tabela 2 - Categorias qualitativas de desempenho cognitivo – BSITD-III
Desempenho Cognitivo Composite score
Muito superior 130 ou acima
Superior 120-129
Médio alto 110-119
Médio 90-109
Médio baixo 80-89
Limítrofe 70-79
Extremamente baixo 69 ou mais
Fonte: BAYLEY (2006)
4.4.3 Critério de classificação econômica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa
(ABEP)
Por meio da aplicação do questionário da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa
(ABEP) – Critério 2018, foi possível classificar a família pela capacidade de consumo de bens e
serviços e classificar os domicílios, em estratos socioeconômicos resultantes da aplicação do
Critério Brasil (ABEP, 2018).
Tabela 3 - Classificação socioeconômica das famílias. Natal/RN, Brasil, 2019
CLASSE PONTOS
A 45-100
B1 38-44
B2 29-37
C1 23-28
C2 17-22
Continua
32
Conclusão
CLASSE PONTOS
D 11-16
E 1-10
Fonte: ABEP (2018).
4.5 Variáveis de interesse para o estudo
4.5.1 Variáveis de caracterização das crianças com microcefalia e de seus familiares.
Quadro 1 - Variáveis de caracterização das crianças e de seus familiares. Natal/RN, Brasil, 2019
Variáveis Escalas/critérios
Características das crianças
Sexo Masculino (0) Feminino (1)
Escore Z do perímetro cefálico -3 (0) -2 (1) -1 (2) 0 (3) +1 (4) +2 (5) +3 (6)
Faixa etária Até 33 meses (0)
Acima de 33 meses (1)
Idade gestacional Até 36 meses (0)
Acima de 36 meses (1)
Perímetro cefálico ao nascer Média + desvio padrão
Peso ao nascer Média + desvio padrão
Quantidade de terapias realizadas durante a
semana, incluindo fonoaudiologia,
fisioterapia e terapia ocupacional
Até 2 vezes (0)
Mais de duas vezes (1)
Frequência em creche ou escola Sim (0) Não (1)
Características das famílias
Número de adultos que vivem na residência Até 2 (0)
Acima de 2 (1)
Continua
33
Conclusão
Características das famílias
Número de crianças que vivem na residência Somente 1 (0)
2 ou mais (1)
Tipo de residência Casa (0) apartamento (1)
Tempo que reside no mesmo local < 6 meses (0)
6 a 12 meses (1)
Acima de 12 meses (2)
Escolaridade do pai 1° a 4° série (0) 5° a 8° série (1)
Ensino médio (2) Ensino superior (3)
Escolaridade da mãe 1° a 4° série (0)
5° a 8° série (1)
Ensino médio (2)
Ensino superior (3)
Rendimento familiar Abaixo de um salário mínimo (1)
Acima de um salário mínimo (2)
Classificação socioeconômica 45 a 100 (A)
38 a 44 (B1)
29 a 37 (B2)
23 a 28 (C1)
17 a 22 (C2)
11 a 16 (D)
1 a 10 (E)
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
Para termos de elucidação, entende-se por escore Z ou escore padrão o quanto uma medida
se afasta da média em termos de desvio padrão. Seus valores oscilam entre -3 e +3. Quando
positivo, indica que o dado está acima da média. Quando negativo, indica que o dado está abaixo
da média. Os escores Z do perímetro cefálico das crianças avaliadas foram calculados através das
34
tabelas da OMS e gráficos da intergrowth obtidos no site do MS (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2019).
4.5.2 Variáveis de caracterização das affordances motoras presentes no ambiente domiciliar de
crianças com microcefalia
Quadro 2 - Variáveis de caracterização das oportunidades para o desenvolvimento motor
presentes no ambiente domiciliar de crianças com microcefalia. Natal/RN, Brasil, 2019
Variáveis Critérios
AHEMD – Pontuação padronizada total 0 a 9 – baixa 9 a 16 – média >16 – alta
1. Espaço físico da residência
1.1 Espaço interior 1 – Muito fraco
2 – Fraco
3 – Bom
4 – Muito bom
1.2 Espaço exterior 1 – Muito fraco
2 – Fraco
3 – Bom
4 – Muito bom
2. Atividades diárias
2. 1. Variedade de estimulação 1 – Muito fraco
2 – Fraco
3 – Bom
4 – Muito bom
3. Brinquedos e materiais existente na habitação
3.1 Materiais de motricidade fina 1 – Muito fraco
2 – Fraco
3 – Bom
4 – Muito bom
Continua
35
Conclusão
Variáveis Critérios
3.2 Materiais de motricidade grossa 1 – Muito fraco
2 – Fraco
3 – Bom
4 – Muito bom
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
4.5.2 Variáveis de caracterização do desempenho cognitivo de crianças com microcefalia.
Quadro 3 - Variáveis de caracterização do desempenho cognitivo de crianças com microcefalia.
Natal/RN, Brasil, 2019
Variáveis Critérios
Scaled score BSITD-III 1 a 19
Composite score BSITD-III 40 a 160
40 /45 / 50 / 55 / 60 /65 /70 / 75 /80 / 85 / 90
/95 /100 / 105 /110 /115 /120/125/ 130 / 135
/140 / 145 / 150 / 155 / 160
Categorias qualitativas BSITD-III 130 ou acima - Muito superior
120-129 - Superior
110-119 - Médio alto
90-109 - Médio
80-89 - Médio baixo
70-79 - Limítrofe
69 ou mais - Extremamente baixo
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
36
4.6 Procedimento de coleta de dados
O recrutamento dos sujeitos participantes da pesquisa foi realizado no mês de julho e as
coletas de dados no período entre agosto e setembro de 2018. Num primeiro momento, foi
realizada uma busca nos prontuários do Centro de Reabilitação Infantil e da Clínica Escola de
Fisioterapia da FACISA para identificar os participantes que atendessem aos critérios de inclusão
do estudo. Posteriormente, os responsáveis pela criança foram informados da pesquisa pelo
serviço, e aqueles que manifestaram desejo de participar foram abordados pela pesquisadora por
meio do telefone ou no próprio local de atendimento para ratificar o interesse em participar da
pesquisa e autorizar o uso de informações. Então, foi programado o agendamento da avaliação
nessas instituições de reabilitação, de preferência no dia de atendimento a fim de evitar a
necessidade de deslocamento apenas para esse fim. A avaliação foi realizada em uma das salas
do ginásio de fisioterapia do CRI ou na Clínica Escola de Fisioterapia da FACISA, nos turnos
matutinos ou vespertinos, em ambiente calmo, privativo e agradável.
No dia da avaliação, aos pais ou responsáveis pelos indivíduos participantes da pesquisa,
foram explicados o conteúdo e objetivos da mesma, bem como foi assegurada a confiabilidade
das informações coletadas e do seu anonimato e estes assinaram o termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE). Em seguida, os pais responderam o AHEMD–IS (18-42 meses) e o
instrumento de avaliação socioeconômica da ABEP, no formato entrevista. Na sequência, as
crianças foram avaliadas utilizando a escala cognitiva das BSITD- III. As avaliações duraram em
média de 30 a 40 minutos.
Também foi solicitado que as famílias trouxessem no dia da avaliação a Caderneta de
Saúde da Criança para a coleta dos dados neonatais. Os dados que não constassem na caderneta
(idade gestacional e perímetro cefálico ao nascer) foram coletados diretamente com a mãe ou no
prontuário.
4.7 Análise dos dados
Foi realizada uma análise descritiva das variáveis quantitativas avaliadas no estudo e os
valores foram expressos em medidas de tendência e de dispersão dos dados, como por exemplo:
37
média e desvio padrão. Enquanto nas variáveis qualitativas, realizou-se análise descritiva por
meio de distribuições de frequências absolutas e relativas (%).
O banco de dados foi construído em formato EXCEL, VERSÃO 2017 e a análise dos dados
foi realizada através do programa IBM® SPSS Statistics® 25.0 e foi adotado nível de
significância de 5% para todos os testes estatísticos.
38
5 ASPECTOS ÉTICOS
O conteúdo e os objetivos da pesquisa foram explicados aos pais ou responsáveis pelos
indivíduos participantes da mesma, bem como foi assegurada a confiabilidade das informações
coletadas. Foi garantido o anonimato das informações coletadas, o direito de não responder as
questões e a interrupção de sua participação a qualquer momento sem que tenha nenhum prejuízo
na sua assistência e tratamento. Eles assinaram o termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
conforme o que preconiza a resolução 466/12 que trata sobre as pesquisas envolvendo seres
humanos, do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Para tanto, este projeto foi submetido ao
Comitê de Ética existente no Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFRN, sendo aprovado
através do parecer n° 2.765.621. Por fim, tanto o orientador quanto o orientando assinaram um
termo de compromisso assumindo cumprir fielmente as diretrizes regulamentadoras emanadas da
Resolução nº 466/12, assegurando os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade
científica, ao(s) sujeito(s) da pesquisa e ao Estado.
39
6 RESULTADOS
A Tabela 4 apresenta as características gerais e o perfil sociodemográfico e econômico das
crianças e de suas famílias, observando-se que havia o mesmo percentual de crianças do sexo
feminino e masculino com 50,00% de cada, com média das idades de 33,08 meses (±5,95),
variando de 18,70 a 42,10 meses. Sobre o perímetro cefálico, metade das crianças (50,00%)
apresentou escore Z de -3 ao nascer, com média de 30,72 cm, mínima de 27 e máxima de 33,10
cm. A média da idade gestacional foi de 38,44 semanas, com mínima de 35,40 e máxima de 42
semanas. A média do peso ao nascer foi de 2.798,67 gramas, com mínima de 1.750 gramas e
máxima de 3.890 gramas. A maior parte das crianças (56,67%) realizavam terapias até duas vezes
na semana.
Sobre as características das famílias, observou-se que existiam até dois adultos na
residência (70,00%), com somente uma criança (50,00%) ou duas ou mais (50,00%). A maioria
das crianças (96,67%) nunca frequentou creche ou escola, moravam em uma casa (96,67%), com
tempo que residia no mesmo local acima de 12 meses (60,00%), os pais e mães tinham
escolaridade entre quinta a oitava série, com 51,72% e 46,67%, respectivamente. A maior parte
tinha rendimento familiar acima de um salário mínimo (56,67%), com classificação
socioeconômica D (63,33%).
Tabela 4 - Características gerais e perfil sociodemográfico e econômico das crianças com
microcefalia e suas famílias. Natal/RN, Brasil, 2019
Características das crianças
Sexo Masculino = 50,00%
Feminino = 50,00%
Escore Z (perímetro cefálico)
-3 = 50,00%
-2 = 20,00%
-1= 23,33%
0 = 3,33%
1 = 3,33%
Faixa etária (em meses) Até 33 meses = 30,00%
Acima de 33 meses = 70,00%
Idade gestacional (em meses) Até 36 meses = 80,00%
Acima de 36 meses = 20,00%
Continua
40
Conclusão
Características das crianças
Quantidade de terapias realizadas durante
a semana (fonoaudiologia, fisioterapia e
Terapia Ocupacional)
Até 2 vezes = 56,67%
Acima de 2 vezes = 43,33%
Características das famílias
Número de adultos que vivem na
residência
Até 2 = 70,00%
Acima de 2 = 30,00 %
Número de crianças que vivem na
residência
Somente 1 = 50,00%
2 ou mais = 50,00%
Frequenta creche ou escola
Não = 96,67 %
Sim = 3,33 %
Tipo de residência Casa = 96,67%
Apartamento = 3,33%
Tempo que reside no mesmo local
< 6 meses = 30,00%
6 a 12 meses = 10,00%
Acima de 12 meses = 60,00%
Escolaridade do pai*
1º a 4ª série = 6,90%
5º a 8ª série = 51,72%
Ensino médio = 37,93%
Ensino superior = 3,45%
Escolaridade da mãe
1º a 4ª série = 10,00%
5º a 8ª série = 46,67%
Ensino médio = 40,00%
Ensino superior = 3,33%
Rendimento familiar Abaixo de um salário mínimo = 43,33%
Acima de um salário mínimo = 56,67%
Classificação socioeconômica
B2 = 6,67%
C2 = 13,33%
D = 63,33%
E=16,67%
* Dados ausentes.
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
:
41
Na tabela 5 estão dispostos os dados referentes as affordances motoras no ambiente
domiciliar das crianças com microcefalia, portanto, nesse momento, foi observado o ambiente
domiciliar quanto ao espaço físico (externo e interno), atividades diárias (variedade de
estimulação) e brinquedos e materiais existentes na habitação (motricidade fina e grossa).
Quanto ao espaço físico, no exterior ocorreu predomínio de rendimento fraco (53,33%), no
interior havia maior percentual de rendimento muito bom (70,00%). Quanto a variedade de
estimulação, ocorreu maior percentual de rendimento muito fraco (50,00%). Em relação aos
brinquedos e materiais, considerou-se o rendimento muito fraco em 100% das residências. O
valor total da AHEMD apresentou máximo de 11 pontos e mínimo de 5 pontos, com média de
8,47 pontos.
Tabela 5 – Affordances motoras presentes no ambiente domiciliar das crianças. Natal/RN, Brasil,
2019
Variável Muito fraco Fraco Bom Muito bom
Espaço exterior valor
padronizado
40,00% 53,33% 3,33% 3,33%
Espaço interior valor
padronizado
6,66% 6,66% 16,66% 70,00%
Variedade de
estimulação valor
padronizado
50,00% 26,00% 6,66% 16,66%
Brinquedos/materiais
motricidade fina
100,00% 0,00% 0,00% 0,00%
Brinquedos/materiais
motricidade grossa
100,00% 0,00% 0,00% 0,00%
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
Quanto a avaliação do desempenho cognitivo, o scaled score variou de máximo de 5 e
mínimo de 1 ponto, com mediana de 1 ponto. Já o composite score variou de máximo de 75 e
mínimo de 55 pontos, com mediana de 55 pontos.
42
A tabela 6 ilustra os dados referentes a classificação qualitativa das affordances motoras
presentes no domicílio das crianças avaliadas, como também o desempenho cognitivo. Observou-
se que a maioria da s crianças (73,33%) apresentou baixas oportunidades de estimulação motora
em seus domicílios. Enquanto na avaliação do desempenho cognitivo, encontrou-se que a maioria
das crianças (96,67%) apresentou desempenho extremamente baixo.
Tabela 6 – Classificação qualitativa das affordances motoras no ambiente domiciliar e do
desempenho cognitivo das crianças com microcefalia. Natal/RN, Brasil, 2019
Avaliação Frequência %
AHEMD
Baixa 22 73,33
Média 8 26,67
BAYLEY
Extremamente baixo
29 96,67
Limítrofe 1 3,33
Total 30 100,00
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
Ademais, como produto do presente estudo, foi desenvolvido um guia prático destinado aos
pais e familiares com orientações sobre estimulação do desenvolvimento infantil e ampliação das
affordances motoras domiciliares a fim de que sirva de material de apoio para que estes ajudem
suas crianças a alcançar o máximo dos seus potenciais.
70
7 DISCUSSÃO
Este estudo descreveu o perfil sociodemográfico e socioeconômico de 30 crianças com
microcefalia e suas famílias e verificou que a maioria delas pertencia as classes D e E na
classificação socioeconômica. Estudos anteriores afirmaram que menores condições
socioeconômicas são fatores de risco para o desenvolvimento infantil (DIFILIPO, 2012;
MORLEY, 2015).
Entretanto, Nobre et al. (2009), ao avaliar as affordances motoras em ambientes domésticos
de diferentes níveis socioeconômicos no Estado do Ceará, encontrou uma melhor classificação no
item variedade de estimulação no grupo com menor classificação socioeconômica. Como
explicação para esse achado, ele sugeriu que nas casas com rendas maiores ambos os pais
trabalham fora e isso restringe o tempo, a quantidade e a qualidade de estimulação que a criança é
exposta. Logo, condições socioeconômicas desfavoráveis não necessariamente implicariam em
atraso no desenvolvimento infantil, pois apesar das crianças não terem acesso a uma grande
variedade de brinquedos, a interação com os pais e a variabilidade de estímulos proporcionados
por estes poderiam compensar o déficit de materiais estimulantes.
Ratificando a explicação levantada por Nobre et al. (2009), Borba et al. (2017), ao
pesquisar a interferência de fatores ambientais e do cotidiano no desenvolvimento infantil de
crianças filhas de mães adolescentes, encontrou como fator preditor positivo do desenvolvimento
motor a mãe não trabalhar fora de casa.
Portanto, maior flexibilização dos horários de expediente das mães trabalhadoras deve fazer
parte das políticas públicas destinadas às crianças com microcefalia e outras deficiências graves.
No serviço público federal, a lei 13.370 de 2016 estende o direito a horário especial ao servidor
público federal que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência de qualquer natureza e
revoga a exigência de compensação de horário (BRASIL, 2016c).
No que diz respeito a escolaridade materna e paterna, encontrou-se que a maioria dos pais
cursaram apenas o ensino fundamental. Estudos anteriores verificaram que escolaridade materna
e paterna mais altas estavam ligadas a melhores oportunidade de desenvolvimento motor
(DIFILIPO, 2012; SOARES, 2015).
Outro resultado relevante encontrado no estudo foi que cerca de 96,67% das crianças nunca
frequentaram creche ou escola, corroborando com os achados de Nobre et al. (2009) e França et
71
al. (2018). Logo, recomenda-se ampliação do acesso à creches e escolas e políticas de inclusão
dessas crianças nestes ambientes.
Este estudo também analisou o domicílio de crianças com microcefalia e verificou que o
ambiente domiciliar da maioria destas crianças (73,33%) proporcionava poucas oportunidades
para o desenvolvimento motor. Araújo et al. (2017), ao avaliar crianças com risco de deficiência
auditiva e compará-las com crianças típicas, encontrou que apenas 29,9% das residências de
crianças com risco para deficiência auditiva apresentaram affordances adequadas a excelentes,
em contraponto a percentuais mais altos encontrados nos domicílios das crianças típicas, 49,4%.
Deste modo, levanta-se a hipótese de que crianças que apresentam fatores de risco ao
desenvolvimento apresentam lares que pouco favorecem ao desenvolvimento motor. Esse achado
é importante, pois justamente as crianças com injúrias cerebrais deveriam ser aquelas a receber e
experimentar maiores quantidades de estimulação, sob o risco de terem seus quadros clínicos
agravados quando isso não acontece (NOVAK, 2017).
O estudo também revelou que o componente das affordances motoras com melhor
resultado foi o espaço domiciliar interior. Resultados semelhantes foram encontrados em outro
estudo, o qual mostrou que o ambiente domiciliar interno e externo é fator preditor do
desenvolvimento motor. Acredita-se que pelo fato da maioria das crianças morar em casas e por
estar em condição de vulnerabilidade econômica, o ambiente externo deve ser restrito e oferecer
poucas possibilidades de ações, por isso a melhor pontuação no componente interno (BORBA,
2017).
A presente pesquisa também buscou verificar o desempenho cognitivo das crianças com
microcefalia e revelou que 96,67% das crianças avaliadas apresentaram desempenho
extremamente baixo. O alto comprometimento do desenvolvimento cognitivo pode estar
relacionado com a severidade da microcefalia, principalmente quando ela é resultado da infecção
congênita pelo Zika Vírus.
Resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos com crianças com
microcefalia. França et al. (2018) e Ferreira et al. (2018) encontraram um amplo
comprometimento cognitivo neste público. Destarte, devido à magnitude da incapacidade desta
função, ressalta-se a necessidade de protocolos de estimulação precoce incorporarem aos seus
programas ações que visem o desenvolvimento motor, cognitivo e a da linguagem nestes
pacientes.
72
Salientando a importância do ambiente para o desenvolvimento infantil, como produto
desta pesquisa foi elaborado um guia prático contendo orientações sobre estimulação do
desenvolvimento infantil e ampliação das affordances motoras no ambiente domiciliar destinado
aos pais e familiares de crianças com microcefalia. Ele contempla informações sobre o
desenvolvimento infantil, o desenvolvimento motor e o desenvolvimento cognitivo. Também
fornece orientações e dicas sobre estimulação cognitiva, visual, de motricidade fina e grossa.
Cunha et al. (2018) encontrou que a ampliação das affordances motoras no ambiente
doméstico pode ser uma estratégia de intervenção precoce eficiente e de baixo custo para
otimizar o desenvolvimento motor de crianças com riscos ambientais. Já Miquelote (2017), ao
avaliar os efeitos da ampliação de affordances motoras em um grupo de lactentes após um
programa de estimulação orientado aos pais, composto de atividades e brinquedos a serem
incluídos na rotina familiar, encontrou que após o enriquecimento do ambiente familiar as
crianças apresentaram melhora no desempenho cognitivo.
Acredita-se que a ampliação das affordances motoras favorece tanto o desenvolvimento
motor quanto o desenvolvimento cognitivo. Borba et al. (2017), Van Der Fels et al. (2015) e
Houwen (2016) verificaram forte associação entre habilidades motoras e cognição em estudos
sobre desenvolvimento infantil.
Uma das limitações do presente estudo é o tamanho da amostra, não sendo possível
generalizar os resultados. Contudo, retratam características ambientais domiciliares e o retardo no
desenvolvimento cognitivo de crianças com microcefalia, os quais podem ser encontrados em
grupos com características semelhantes.
Outra limitação foi a não inclusão sobre dados clínicos referentes à função visual. Durante
a pesquisa foi perceptível grandes prejuízos na interação das crianças com o meio ambiente e
com as pessoas devido à deficiência visual. Estudos posteriores deveriam investigar a possível
relação entre deficiência visual e déficit cognitivo em crianças com microcefalia.
73
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
De maneira geral, os resultados desse estudo permitiram descrever o perfil
sociodemográfico e econômico das crianças com microcefalia e de suas famílias, verificar o
desempenho cognitivo, identificar as affordances motoras presentes no ambiente domiciliar e
construir um guia prático com orientações aos pais e familiares.
Com relação ao perfil das crianças com microcefalia, observou-se que havia o mesmo
percentual de crianças do sexo masculino e feminino. O estudo revelou também que a metade das
crianças apresentou escore Z do perímetro cefálico de -3 ao nascer. A média da idade gestacional
foi de 38,44 semanas e a média do peso ao nascer foi de 2.798,67 gramas. A maior parte das
crianças realizavam terapias até duas vezes na semana.
Sobre as características da família, observou-se que na maioria das residências existiam até
dois adultos, sendo que a metade tinha somente uma criança e a outra metade apresentava duas
ou mais crianças. A maioria das crianças nunca frequentou creche ou escola, moravam em uma
casa, com tempo de residência acima de 12 meses, os pais e mães tinha escolaridade entre quinta
a oitava série. A maior parte tinha rendimento familiar acima de um salário mínimo, com
classificação socioeconômica D.
No que se refere às affordances motoras no ambiente domiciliar das crianças com
microcefalia, a maioria das residências apresentou espaço físico exterior fraco e o interior muito
bom. Quanto a variedade de estimulação, as residências apresentavam rendimento muito fraco.
Em relação aos brinquedos e materiais existentes na habitação, os rendimentos foram muito
fracos. O valor total da AHEMD considerou que as residências das crianças com microcefalia
apresentavam affordances motoras baixas.
Quanto a avaliação do desempenho cognitivo, encontrou-se que a maioria das crianças
apresentou desempenho extremamente baixo.
Ademais, como produto do presente estudo, foi desenvolvido um guia prático destinado aos
pais e familiares com orientações sobre estimulação do desenvolvimento infantil e ampliação das
affordances motoras domiciliares a fim de que sirva de material de apoio para que estes ajudem
suas crianças a alcançar o máximo dos seus potenciais, ressaltando a importância do ambiente no
desenvolvimento infantil.
74
Desta forma, identificou-se a necessidade de políticas públicas que promovam a
estimulação precoce e o desenvolvimento infantil dessas crianças, ampliem a quantidade e a
qualidades dos estímulos no ambiente familiar, aumentem o acesso delas às creches e escolas e
proporcionem orientação aos pais e cuidadores.
75
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