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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE ODONTOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO SAÚDE COLETIVA NEUMA LÚCIA DE OLIVEIRA PRÁTICAS EDUCATIVAS E INTEGRALIDADE NA SAÚDE DA FAMÍLIA UM ESTUDO ETNOGRÁFICO NATAL/RN 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

DEPARTAMENTO DE ODONTOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO SAÚDE COLETIVA

NEUMA LÚCIA DE OLIVEIRA

PRÁTICAS EDUCATIVAS E INTEGRALIDADE NA SAÚDE DA FAMÍLIA

UM ESTUDO ETNOGRÁFICO

NATAL/RN

2013

2

NEUMA LÚCIA DE OLIVEIRA

PRÁTICAS EDUCATIVAS E INTEGRALIDADE NA SAÚDE DA FAMÍLIA:

UM ESTUDO ETNOGRÁFICO

NATAL

2013

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Saúde Coletiva da

Universidade Federal do Rio Grande do

Norte (PPGSCOL/UFRN), como

requisito parcial para a obtenção do título

de Mestre em Saúde Coletiva.

Orientadora: Profa. Dra. Elizabethe

Cristina Fagundes de Souza.

3

Catalogação na Fonte. UFRN/ Departamento de Odontologia

Biblioteca Setorial de Odontologia “Profº Alberto Moreira Campos”.

Oliveira, Neuma Lúcia de.

Práticas educativas e integralidade na saúde da família: um estudo etnográfico /

Neuma Lúcia de Oliveira. – Natal, RN, 2013.

148 f. : il.

Orientador: Profa. Dra. Elizabethe Cristina Fagundes de Souza.

Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Centro de Ciências da Saúde. Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva.

1. Promoção da Saúde – Dissertação. 2. Etnografia – Dissertação. 3. Saúde da Família. I.

Souza, Elizabethe Cristina Fagundes de. II. Título.

RN/UF/BSO Black D57

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A dissertação “Práticas educativas e integralidade na Saúde da Família: Um estudo

etnográfico”, apresentada por Neuma Lúcia de Oliveira ao Programa de Pós-Graduação

Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, foi aprovada e aceita como

requisito para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva.

Aprovada em: 27/06/2013

_________________________________________

Profa. Dra. Elizabethe Cristina Fagundes de Souza.

UFRN

Orientador

_______________________________

Prof. Dra. Luciane M. Pezzato

PUC/ Campinas

Membro Externo

_______________________________

Profa. Dra. Jacileide Guimarães

UFRN

Membro interno

NATAL/RN

2013

5

DEDICATÓRIA

A minha mãe, Maria Lúcia, a quem devo não só minha existência física, mas também a minha

essência humana.

Aos meus irmãos (Luciano, Eugênio, Leonel e Claudionor) e irmãs (Socorro e Carmelita) pelo

convívio alegre, descontraído e solidário, o que me faz sentir a importância da família na

estruturação do pensamento e da ação humana.

Aos meus queridos filhos Raoni e Cauê, por me proporcionarem a felicidade e a principal

razão de estar neste mundo.

Ao meu amado Kilder, companheiro, amigo, por estar presente em todos os momentos de

minha vida, me proporcionando alegria, felicidade, aprendizagem e a certeza de que a vida é

bela e repleta de bons encontros.

AGRADECIMENTOS

A Deus por estar sempre presente em minha vida, coração e mente. Com essa certeza sigo

uma vida feliz.

A professora Elizabethe, minha amiga Betinha, que prontamente aceitou orientar este

trabalho, e com sua amizade, incentivo, carinho e competência tornou esta caminhada alegre,

leve e enriquecedora.

A equipe da USFC II que de forma solícita e carinhosa me acolheu e que ao longo da pesquisa

de campo me presenteou com suas memórias e vivências de construção/reconstrução do

complexo trabalho em saúde. O meu sincero agradecimento pelo feliz aprendizado.

Mais que especial, o agradecimento a Jaaziel, Meine, Rudnilson, Selma, Clymary, Valdelice e

Maguinólia que foram os profissionais da USFC II que contribuíram mais diretamente com a

pesquisa de campo, com suas informações, suas brilhantes atuações na construção do SUS,

seus conhecimentos e o fraterno carinho. O meu eterno agradecimento por tornarem essa

caminhada feliz e gratificante.

Aos usuários e usuárias da USFC II que de forma calorosa e singular me acolheram e me

presentearam com sua alegria e sentimentos de solidariedade. Meus sinceros agradecimentos

pelos risos soltos, pelas demonstrações de afeto e por terem tornado essa tarefa prazerosa,

leve e enriquecedora.

As minhas colegas e meus colegas de mestrado pela convivência fraterna, alegre e os

conhecimentos compartilhados.

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A Marize, irmã de alma, por nossos maravilhosos papos existenciais e intelectuais, que nos

proporcionam felicidade e crescimento.

As minhas amigas Emiliana, Lavínia, Lygia, Edna, Lucia, Ivana pela presença alegre e

especial em minha vida. Obrigada amigas de sempre.

A Márcia Lucas, amizade conquistada no mestrado. Obrigada, amiga, pela forma carinhosa

que sempre acolheu meus desabafos, angústias e ansiedades inerentes ao exercício do

aprendizado.

As professoras Jacileide Guimarães e Rosana Alves, pelas contribuições no momento da

qualificação do trabalho. Obrigada Jacileide pelos conhecimentos compartilhados na

disciplina Território, Saúde e Cotidiano, ministrada no Programa de Pós- Graduação em

Enfermagem (PPGENF/UFRN) que muito colaborou para as minhas reflexões.

Aos docentes do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva (PPGSCOL/UFRN) pelos

momentos de aprendizado.

A minha equipe (Madalena, Alexsandra, Edilma, Jaíra, Andréa, Luzinete, Janilda e Joilma)

pela compreensão. Obrigada Madalena por seu apoio e incentivo.

A Anailde, Diretora da minha USF, por tornar possível a minha caminhada no mestrado.

Obrigada a toda a equipe da UMFC pela compreensão.

A equipe de saúde bucal da UMFC (Lúcia Régia, Magnólia, Dalvaci, Edilene, Graça, Tereza

João, Michele e Marinísia) pela compreensão e apoio.

A todos os profissionais da Estratégia Saúde da Família que colaboraram com suas

informações no momento do mapeamento das atividades educativas desenvolvidas no

município de Natal. Obrigada Maria do Carmo e Silvana (profissionais do NASF) que

aplicaram alguns formulários em sua área de atuação.

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RESUMO

Na Atenção Primária em Saúde, sobretudo, na Estratégia Saúde da Família, espera-se que

ocorra articulação das ações assistenciais e de promoção da saúde. O Ministério da Saúde

(BRASIL, 2007) define a educação em saúde como uma estratégia potencializadora das ações

de prevenção e promoção, fundamentada em práticas reflexivas, que possibilitem ao usuário

sua condição de sujeito histórico, social e político, sob a visão de uma clínica ampliada por

parte dos profissionais de saúde. Nesse sentido, há diretrizes para que profissionais

desenvolvam ações educativas e que estas possam interferir no processo de saúde-doença da

população, na perspectiva do desenvolvimento de autonomia dos sujeitos. Esta pesquisa teve

como objetivo compreender, à luz da integralidade do cuidado, como se dá a produção das

práticas de educação em saúde, no âmbito da Estratégia Saúde da Família a partir de estudo

etnográfico em uma Unidade de Saúde da Família (USF). O local da pesquisa foi a Unidade

de Saúde Felipe Camarão II, no Distrito Sanitário Oeste, no município de Natal, RN, Brasil,

selecionada a partir de mapeamento preliminar de práticas educativas implantadas nas

unidades de saúde da família deste município, com base em critérios entre os quais tempo de

implantação da USF e sustentabilidade das ações existentes. A imersão em campo constou de

observação participante com registro em diário, realizada durante o período de agosto de 2012

a janeiro de 2013, em que a pesquisadora acompanhou processos de trabalho das equipes em

ações clinico-assistenciais, na própria USF, em domicílios e em ações educativas de caráter

grupal. Os resultados apresentados na descrição etnográfica foram analisados com base nos

eixos propostos por Ayres (2009) para identificação da integralidade nas práticas de saúde: o

eixo das necessidades; o eixo das finalidades; o eixo das articulações; e o eixo das

interações. As evidências descritas a partir da observação apontam presença de cada eixo

acima nas práticas de educação em saúde desenvolvidas pelas equipes, mesmo que de forma

incipiente, quais sejam: articulação e valorização de saberes e práticas da cultura popular com

iniciativas locais (Pastoril do Peixe Boi Encantado, Auto de Natal e Grupo Terapia e Arte);

integração da clínica com as ações de promoção da saúde e articulação de saberes

multiprofissional, com vínculo profissional-usuário (Curso para Gestantes). No entanto,

alguns desafios foram identificados a serem enfrentados para se avançar nessas práticas numa

perspectiva do cuidado integral: necessidade de ruptura com a fragmentação das ações;

fortalecimento do trabalho em equipe; necessidade de maior sustentabilidade política das

ações coletivas; trabalho intersetorial com vistas a uma melhor atuação do Estado no

enfrentamento do processo saúde-doença, somando-a à ação dos indivíduos-sujeitos. A

análise produzida a partir da observação dos processos vivenciados indica haver necessidade

de um melhor reconhecimento por parte dos gestores locais de que ações semelhantes as que

ocorrem na USF Felipe Camarão possibilitam avanços na integralidade à medida que permite

inclusão dos atores implicados nos processos de trabalho em saúde, e estimulam participação

e corresponsabilização no enfrentamento de situações de saúde-doença.

Palavras-chaves: etnografia; cuidado integral; promoção da saúde; atenção primária em

saúde.

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ABSTRACT

Primary Health Care, especially in the family health strategy, it is expected that the joint

assistance and actions of health promotion. The Ministry of health (BRAZIL, 2007) defines

health education as an eyeshadow strategy of prevention and health promotion, based on

reflective practices, which allow the user to their condition of historical, social and political

subject, under the vision of an expanded clinic on the part of health professionals. In this

sense, there are guidelines for it professionals to develop educational activities and that they

can interfere in the health/disease process of the population, with a view to the development

of autonomy of the subject. This research had as objective to understand in the light of the

integrality of the care, as is the production of health education practices, within the framework

of the family health strategy from ethnographic study in a family health unit (USF). The

location of the research was the unit of USF Felipe Camarão II in West Health District, in the

city of Natal, RN, Brazil, selected from preliminary mapping of educational practices

deployed in units of health of the family of this municipality, based on criteria such as time-

to-deployment of USF and sustainability of existing actions. Immersion in the field consisted

of participant observation with journaling, held during the period of August 2012 to January

2013, in which she accompanied team work processes in clinical-welfare actions on the USF,

in households and in educational activities of group character. The results presented in

ethnographic description were analyzed based on the axes proposed by Ayres (2009) for

identification of integrality in health practices:the axis of the needs; the axis of the

purposes; the joint axis; and the axis of the interactionsThe evidence described from

observation point the presence of each axle up health education practices developed by the

teams, even incipient form, namely: articulation and appreciation of knowledge and practices

of popular culture with local initiatives (Pastoril do Peixe Boi Encantado, Auto de Natal e

Grupo Terapia e Arte); Clinical integration with health promotion actions and coordination of

multidisciplinary knowledge, with professional-user link (course for pregnant women).

However, a few challenges were identified to be faced in order to move forward in these

practices in integral care: the need to break with the fragmentation of actions; strengthening

teamwork; need for greater sustainability policy of collective actions; intersectoral work

aimed at a better role of the State in the face of the health-disease process, adding to the action

of individuals.The analysis produced from observation of the processes experienced indicates

the need for a better recognition of local managers that actions similar to those that occur in

the USF Felipe Camarão II enable advances in completeness as allows inclusion of actors

involved in the processes of health work, and stimulate participation and shared responsibility

in the fight for health-disease situations.

Key words: Ethnography; integral care; health promotion; primary health attention.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

SUS – Sistema Único de Saúde

MS – Ministério da Saúde

APS – Atenção Primária em Saúde

ESF – Estratégia Saúde da Família

USF – Unidade de Saúde da Família

UBS – Unidade Básica de Saúde

USFC II – Unidade de Saúde da Família de Felipe Camarão II

UMFC – Unidade Mista de Felipe Camarão

AME – Ambulatórios de Medicina Especializada

UPA – Unidade de Pronto Atendimento

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

PSF – Programa Saúde da Família

ACS – Agentes Comunitários de Saúde

DSO – Distrito Sanitário Oeste

NOAS – Norma Operacional da Assistência à Saúde

GPAB-A – Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada

NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família

PMAQ – Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica

CNES – Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde

ONG – Organização Não Governamental

UNI – Uma Nova Iniciativa na Formação de Profissionais de Saúde em União com a

Comunidade

PDA – Programa de Desenvolvimento de Área

NAM – Núcleo de Amparo ao Menor

PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde

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CD – Crescimento e Desenvolvimento

PNH – Política Nacional de Humanização

PNPIC – Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares

OMS – Organização Mundial de Saúde

PSE – Programa Saúde nas Escolas

PNEPS-SUS – Política Nacional de Educação Popular no Sistema Único de Saúde

ANEPS – Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde

ABRASCO – Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva

SIAB – Sistema de Informação da Atenção Básica

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

ONG – Organização Não Governamental

SMS – Secretaria Municipal de Saúde

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

1. A TRAJETÓRIA METODOLÓGICA 20

1.1 A ESCOLHA DO ESTUDO ETNOGRÁFICO 21

1.2 O CONTEXTO LOCAL DE REALIZAÇÃO DA PESQUISA: O

MUNICÍPIO DE NATAL E A ESF NA REDE DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À

SAÚDE

23

1.3 A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA EM NATAL/RN 25

1.4 TRAÇANDO TRILHAS NO CAMINHO METODOLÓGICO:

MAPEAMENTO DAS ATIVIDADES EDUCATIVAS COLETIVAS

REALIZADAS NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA EM NATAL/RN

27

1.5 A UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA DE FELIPE CAMARÃO II

COMO O LÓCUS DA PESQUISA

33

1.5.1 A escolha da USF 33

1.5.2 O bairro e a Unidade de Saúde da família de Felipe Camarão II 34

2. IMERSÃO ETNOGRÁFICA: O COTIDIANO DO TRABALHO NA

UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA FELIPE CAMARÃO II

44

3. EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO CONTEXTO DA PROMOÇÃO DA

SAÚDE

95

3.1 AS PRÁTICAS COLETIVAS DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO

COTIDIANO DA ESF: UM OLHAR A PARTIR DA INTEGRALIDADE

101

4. LIÇÕES APRENDIDAS 123

5. REFERÊNCIAS 127

ANEXOS 138

APÊNDICES 143

12

INTRODUÇÃO

__________________________________________________________________________________

Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las...

que tristes os caminhos, se não fora a mágica presença das estrelas!

Mário Quintana

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INTRODUÇÃO

As práticas de saúde, ao longo dos anos, têm sido objeto de discussão, críticas e

proposições de renovações. Nesse rol de discussões, ressaltam-se a promoção da saúde, a

vigilância da saúde, a saúde da família e a redução de vulnerabilidades (AYRES, 2004).

A conquista do Sistema Único de Saúde (SUS) na década de 1980 traz como desafio

para sua consolidação a superação de inúmeros obstáculos. Dentre eles destaca-se a herança

da estreita relação que o sistema anterior mantinha com o setor privado conveniados por meio

da compra de serviços. Somam-se a isso as ideias e os valores também herdados do modelo

biomédico que continuam predominantes na sociedade, na formação dos profissionais e,

portanto, nas práticas cotidianas (FEUERWERKER, 2005), como por exemplo, a separação

entre ações clínicas e promocionais no modelo de práticas de atenção à saúde.

A partir da criação do SUS se intensificaram os discursos e as iniciativas para

redirecionamento das práticas na perspectiva da promoção da saúde visando fortalecer a ideia

de autonomia dos sujeitos e dos grupos sociais. Tendo como questão central dessa discussão

qual a concepção de autonomia é efetivamente proposta e construída. Outra questão posta é a

distinção entre os conceitos de prevenção e de promoção. Para Czeresnia (2009), há uma

tendência à manutenção da ideia de prevenção e promoção, baseada na História Natural da

Doença (HND), de Leavell e Clark. A prevenção nessa concepção é tida como uma ação que

se antecipa ao surgimento da doença para que esta não ocorra, com predomínio do

conhecimento epidemiológico, objetivando controlar a transmissão das doenças e a promoção

da saúde, seria uma ampliação da prevenção se referindo às medidas que servem para

aumentar a saúde e melhorar a condição de vida das pessoas. As divergências estão em se

perceber essas concepções reducionistas por não considerarem a experiência subjetiva do

adoecimento, tendo repercussões negativas na formulação das práticas. No dizer da autora, “o

conhecimento científico e a possibilidade operativa das técnicas nas práticas de saúde

deveriam ser empregados sem provocar a desconexão da sensibilidade em relação aos nossos

próprios corpos” (CZERESNIA, 2009, p. 51).

A ideia de promoção envolve a concepção de fortalecimento da capacidade individual e

coletiva para lidar com os múltiplos fatores condicionantes da saúde. Vai além de uma

aplicação de técnicas e normas. Essa concepção converge com a noção de fortalecimento da

saúde através da construção da capacidade de escolha, bem como a utilização do

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conhecimento aliado ao discernimento de atentar para as diferenças e singularidades dos

acontecimentos (CZERESNIA, 2009).

Apesar do debate em torno da promoção da saúde ao longo das conferências

internacionais a partir da Carta de Ottawa, em 1986, no Brasil, a promoção da saúde só foi

proposta como uma política institucional 18 anos após a implantação do SUS. O Ministério da

Saúde (MS), reconhecendo a necessidade de implantação e implementação de diretrizes e

ações para promoção da saúde em consonância com os princípios do Sistema Nacional de

Saúde, lança a Portaria n. 687, em 30 de março de 2006, aprovando a Política Nacional de

Promoção da Saúde (BRASIL, 2006a).

Dentre os cinco campos de ação da promoção da saúde, preconizados pela Carta de

Ottawa, o desenvolvimento de habilidades e atitudes pessoais pertence ao âmbito da educação

em saúde. Esta deve ocorrer no lar, na escola, no trabalho e em qualquer espaço coletivo

(BUSS, 2009).

Considera-se que as ações de educação em saúde estão incluídas no trabalho em saúde,

em caráter de complementaridade, articuladas na perspectiva do cuidado integral, podendo

estar presentes nas atividades individuais, como as consultas de médicos, dentistas ou

enfermeiros, ou em atividades coletivas em programas de acompanhamento ou espaços

comunitários, sobretudo no âmbito da Atenção Primária.

Educação em Saúde definida por Candeias (1997) refere-se a quaisquer combinações de

experiências de aprendizagem que visam combinar múltiplos determinantes do

comportamento humano. É uma atividade sistematicamente planejada, com vistas a facilitar,

predispor, possibilitar e reforçar ações voluntárias conducentes à saúde, sem coerção, e com

plena compreensão e aceitação dos objetivos educativos implícitos e explícitos nas ações

desenvolvidas e recomendadas. A ação é voltada para a adoção de medidas comportamentais

por uma pessoa, grupo ou comunidade para alcançar um efeito intencional sobre a própria

saúde (CANDEIAS, 1997).

A Educação Popular tem sido defendida como o melhor caminho para o

desenvolvimento das práticas de educação em saúde na perspectiva da integralidade.

Constituem-se numa forma dialógica de fazer educação e, por essa razão, é a que mais

possibilita expressar condição de sujeitos individuais e coletivos. Entretanto, estudos

ressaltam a predominância da prática educativa tradicional normativa e a deficiência dos

sistemas locais em incentivar e dar condições para as equipes realizarem essas ações

(ALBUQUERQUE; STOTZ, 2004; ALVES, 2005; HORTA et al., 2009; KANTORSKI et al.,

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2009; CARVALHO, 2009). A manutenção da prática normativa pode ser considerada uma

consequência da educação em saúde desenvolvida no Brasil até a década de 1970, que

consistiu basicamente em iniciativa das elites políticas e econômicas e, portanto, subordinada

aos seus interesses, como nos lembra Vasconcelos (2004).

O Brasil, no entanto, foi pioneiro na constituição da Educação Popular sendo Paulo

Freire o primeiro intelectual a sistematizar o método que teve grande importância na

redefinição de práticas sociais nos mais variados campos do saber (VASCONCELOS, 2004).

Vasconcelos (idem), apropriando-se das concepções de Carlos Rodrigues Brandão,

salienta que a Educação Popular

busca trabalhar pedagogicamente o homem e os grupos envolvidos no processo de participação popular, fomentando formas coletivas de

aprendizado e investigação, de modo a promover o crescimento da

capacidade de análise crítica sobre a realidade e o aperfeiçoamento das estratégias de luta e enfrentamento. É uma estratégia de construção da

participação popular no redirecionamento da vida social (BRANDÃO, 1982

apud VASCONCELOS, 2004, p. 71).

O MS preconiza que todos os profissionais desenvolvam ações educativas que possam

interferir no processo saúde-doença da população, na perspectiva do desenvolvimento de

autonomia, individual e coletiva, na busca por qualidade de vida pelos usuários. Define a

educação em saúde como uma estratégia potencializadora das ações de prevenção e promoção

à saúde, fundamentada em práticas reflexivas, que possibilitem ao usuário sua condição de

sujeito histórico, social e político, sob a visão de uma clínica ampliada por parte dos

profissionais de saúde. Desse modo, adota a educação popular como uma das possibilidades

teóricas e metodológicas para transformar as tradicionais práticas de educação em saúde

(BRASIL, 2007).

Nesse sentido, consideramos que a educação em saúde possa estar presente nas práticas

cotidianas dos serviços de saúde numa perspectiva da integralidade do cuidado.

A integralidade, conforme a Constituição brasileira, é um princípio norteador do SUS,

expresso como “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem

prejuízo dos serviços assistenciais” (BRASIL, 1988, art. 198).

A integralidade do cuidado imputa uma noção de cuidado que extrapole um nível de

atenção do sistema, diferente de um cuidado baseado em procedimentos técnicos

simplificados, e incorpora a ideia do cuidado como valor e fruto de um agir pensado, uma

ação de razão pública da integralidade em saúde e do direito de cidadania (PINHEIRO;

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GUIZARDI, 2008; PINHEIRO, 2011). O ato de cuidar é a alma dos serviços de saúde e deve

ser operado com saberes tecnológicos, de expressão material e não material (MERHY,

2007b). O cuidado é uma dimensão da vida humana e no plano operativo das práticas de

saúde é uma atitude terapêutica na busca ativa do sentido existencial. Para ser efetivo se

estende a populações, sem descuidar dos sujeitos (AYRES, 2004; 2011a).

Na Atenção Primária em Saúde (APS), sobretudo na Estratégia Saúde da Família (ESF),

a articulação das ações de cura, reabilitação e de promoção deve se dar na perspectiva da

integração da clínica com as ações de vigilância e de promoção da saúde. Isso pressupõe uma

nova clínica com a qualificação da escuta das necessidades de saúde, na intenção de superar a

relação oferta/demanda. Nessa perspectiva a integralidade assume o caráter de ação social

resultante da interação democrática dos sujeitos sociais com a tarefa de garantir a vida no seu

sentido mais amplo (CECÍLIO, 2001; PINHEIRO, 2011). A ampliação da clínica é uma

diretriz adotada pelo MS em propostas de políticas específicas como: Política Nacional de

Humanização da atenção (PNH) e da Gestão no SUS; Política de Promoção da Saúde, entre

outras (BRASIL, 2008).

Alguns autores ressaltam o caráter polissêmico do princípio da integralidade e a

defendem como uma imagem objetivo, isto é, na perspectiva de uma bandeira de luta

(MATTOS, 2001, 2004; CECÍLIO, 2001; PINHEIRO; GUIZARDI, 2008; AYRES, 2009).

Estes têm fornecido contribuições importantes para se pensar e reformular as práticas no

cotidiano.

Mattos (2001, 2004) chama a atenção para os vários sentidos da integralidade que vão

se constituindo ao longo de seu processo de construção a partir de críticas e reformulações. O

primeiro conjunto de sentidos refere-se às boas práticas de saúde e estas resultam de uma

redefinição radical dos processos de trabalho. Assim, a integralidade do cuidado não pode se

restringir apenas às competências técnicas, há que se considerar o acolhimento, os vínculos de

intersubjetividades e a escuta dos sujeitos. O segundo conjunto de sentidos diz respeito à

organização dos serviços e das práticas de saúde. Estas deveriam se dar através de uma

melhor articulação com as necessidades da população, de modo mais horizontalizado e

dialógico, buscando romper com os programas verticalizados e cristalizados. E para o último

conjunto de sentidos, o autor destaca as configurações de algumas políticas específicas, as

denominadas políticas especiais, que são formuladas para dar respostas a um problema

específico de saúde ou aos problemas de saúde. É relativo às respostas governamentais. O

autor assinala que os sentidos da integralidade não se esgotam nos ressaltados e que só serão

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aceitáveis se forem balizados pelo direito universal ao atendimento das necessidades de saúde

(MATTOS, 2001).

Para Cecílio (2001), a integralidade deve ser percebida em três dimensões: focalizada,

integralizada e ampliada. Na dimensão focalizada, a integralidade resulta dos vários saberes

de uma equipe multiprofissional no cotidiano dos serviços, seja este um hospital ou uma

Unidade Básica. Nessa dimensão, cabe à equipe acolher o usuário com suas diversas

necessidades e decodificá-las a partir de uma escuta qualificada e uma boa relação

profissional/usuário. Dessa forma, a integralidade se constitui em um princípio norteador das

práticas, no sentido de romper com a fragmentação e o tecnicismo tomando como referência o

acolhimento, o estabelecimento dos vínculos, a intersubjetividade e a escuta dos sujeitos.

Nessa perspectiva, propõe uma análise das práticas a partir de uma taxonomia para ordenar as

necessidades que serão percebidas no cotidiano dos serviços e chama a atenção para a

importância de uma melhor escuta, proporcionando uma tradução das necessidades rumo às

boas práticas de saúde.

Nas dimensões integralizada e ampliada, a integralidade resulta da articulação entre os

serviços de saúde nos diversos níveis de atenção e da articulação entre outros setores externos

ao da saúde, respectivamente. Essas dimensões, segundo o autor, são efetivadas a partir de

uma rede integrada de serviços e ações intersetoriais. Ou seja, uma conformação de rede

resolutiva cuja relação dialógica manteria o usuário acolhido em suas necessidades

(CECÍLIO, 2001).

Ayres (2009) propõe eixos que possibilitem uma melhor identificação das práticas na

perspectiva da integralidade: o eixo das necessidades que diz respeito à qualidade e natureza

da escuta, acolhimento e resposta às demandas de atenção à saúde; o eixo das finalidades que

representa os graus e modos de integração entre as ações de promoção da saúde, prevenção

dos agravos, tratamento de doenças/sofrimentos, recuperação da saúde e reinserção social; o

eixo das articulações que se refere aos graus de modos de composição de saberes

interdisciplinares, equipes multiprofissionais e ações intersetoriais e o eixo das interações

referindo-se à qualidade e natureza das interações intersubjetivas no cotidiano das práticas de

cuidado.

A integralidade, portanto, deve orientar políticas e ações programáticas que respondam

às demandas e necessidades da população no acesso à rede de cuidados em saúde,

considerando a complexidade e as especificidades de diferentes abordagens do processo

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saúde-doença e nas distintas dimensões, biológica, cultural e social do ser cuidado (CECÍLIO,

2001; MATTOS, 2001; 2004; PINHEIRO; LUZ, 2003; PINHEIRO, 2011).

Destacamos que entre os autores (CECÍLIO, 2001; MERHY, 2007b; AYRES, 2011;

PINHEIRO, 2011) há certo consenso quanto à integralidade no que diz respeito ao imperativo

de se repensar, criar, reinventar uma nova forma de organização e de produção das ações de

saúde, considerando-se, sobretudo, o fazer cotidiano e elegendo como elemento central do

cuidado o usuário e suas necessidades de saúde.

Consideramos que a ESF, apesar do seu caráter normativo originário e que ainda tende a

ser predominante em alguns contextos municipais, abre também espaços que estimulam

criação e iniciativas das equipes, o que demanda a construção de relações dialógicas entre

trabalhadores, gestores e usuários nos processos de trabalho e na produção de práticas de

saúde.

A ideia deste estudo partiu de indagações acumuladas na experiência profissional

pessoal na atenção e na gestão da ESF. Nessa perspectiva, chamou-nos a atenção a produção

de práticas de educação em saúde e sua inserção nos processos de trabalho das equipes,

levando-nos a interrogar se estas ocorrem de forma integrada e articulada às demais ações e se

contribuem para produzir cuidado integral.

No município de Natal/RN, estudos referentes às práticas educativas no âmbito da ESF

(UCHÔA, 2009; OLIVEIRA; SOUZA, 2012) mostram que, ao mesmo tempo em que estas

são desenvolvidas na perspectiva da promoção da saúde e da produção do cuidado, é possível

perceber que a maioria das atividades – especialmente aquelas destinadas aos idosos

acometidos de hipertensão e/ou diabetes, às gestantes e às crianças – é desenvolvida na

perspectiva do controle e prevenção de doenças, em uma abordagem tradicional de vigilância

da saúde. As atividades que imprimem ações não convencionais e inovadoras estão presentes

em poucas Unidades de saúde, o que sugere serem iniciativas profissionais locais, com pouco

ou nenhum apoio institucional.

A presente pesquisa pretendeu investigar as práticas de educação em saúde na ESF,

tendo como eixo orientador a integralidade, e para tanto buscou responder às seguintes

questões:

- Como se dão as práticas coletivas de educação em saúde na ESF?

- Qual o lugar que essas práticas ocupam no processo de trabalho em saúde?

- Como essas práticas se produzem na perspectiva da produção do cuidado integral?

19

Para dar respostas a tais questões, definimos como objetivo geral da investigação

compreender como se dá a inserção das práticas de educação em saúde nos processos de

trabalho de equipes da ESF tendo como eixo orientador a integralidade e elegemos uma

Unidade de Saúde da Família (USF) no município de Natal como o locus de nossa

investigação, a partir de mapeamento preliminar das ações de educação em saúde

desenvolvidas na ESF do município de Natal/RN.

A partir desse objetivo geral, definimos os seguintes objetivos específicos:

Identificar como se dá a inserção das práticas de educação em saúde nos processos de

trabalho das equipes de uma USF – a USF Felipe Camarão, Distrito Sanitário Oeste,

Natal/RN.

Analisar a relação entre as ações coletivas de educação em saúde e as práticas clínicas

assistenciais desenvolvidas pelas equipes.

Identificar articulações das ações coletivas desenvolvidas na USF com outros setores

externos ao da Saúde.

Realizar esta pesquisa possibilitou termos um olhar ampliado para as possibilidades da

integralidade como imagem objetivo. Dessa forma, esperamos que seus resultados, aqui

compartilhados, possam contribuir para reflexões sobre a inserção da educação nas práticas de

saúde e para identificação de potencialidades de superação dos problemas e desafios que,

atualmente, dificultam a construção de práticas de promoção da saúde articuladas e integradas

à produção do cuidado.

20

A TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

__________________________________________________________________________________

“Não se pode percorrer duas vezes o mesmo rio [...] por causa da impetuosidade e da

velocidade da mutação, esta se dispersa e se recolhe, vem e vai”.

Heráclito de Éfeso

21

2. A TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

2.1 A ESCOLHA DO ESTUDO ETNOGRÁFICO

No momento que procuramos compreender como se dá a produção das práticas de

educação em saúde desenvolvidas na ESF, à luz da integralidade do cuidado, identificamos na

abordagem qualitativa um caminho metodológico com maior aproximação ao objeto e aos

objetivos da investigação, uma vez que tal abordagem permite lidar com a subjetividade, com

as relações produzidas, com os valores e com as concepções presentes na produção de saúde

no cotidiano do trabalho em saúde.

Optamos por fazer um estudo etnográfico. O método etnográfico define-se, sobretudo,

pela observação participante e pelas técnicas de entrevistas para a coleta de dados na

perspectiva de apreender o fenômeno nos contextos em que ocorrem. Para isso, é preciso uma

sensibilidade aguçada e uma atenção meticulosa a tudo que está relacionado ao objeto de

estudo. Este tipo de pesquisa requer o confronto contínuo do pesquisador com seu horizonte

teórico e o exercício constante de sua autorreflexão e crítica (COSTA; GUALDA, 2010;

ESTEBAN, 2010).

Apesar de ter surgido com o objetivo de estudar aldeias exóticas e distantes, com

interesse na totalidade da vida social, a etnografia é praticada hoje em qualquer situação,

inclusive na própria cultura do pesquisador. “A etnografia é a arte e a ciência de descrever um

grupo humano – suas instituições, seus comportamentos interpessoais, suas produções

materiais e suas crenças” (ANGROSINO, 2009, p. 30).

Nessa perspectiva, optamos por ferramentas metodológicas da antropologia para nos

aproximarmos da dinâmica do grupo social estudado – equipes de saúde da família e usuários

de uma USF – auxiliando na compreensão do sentido das experiências e das estratégias que o

grupo lança mão para enfrentar o cotidiano do trabalho em saúde e, ao mesmo tempo,

possibilitando-nos reflexões.

Corroboramos a afirmação de que é através da cultura que as pessoas expõem suas

visões de mundo, suas estratégias de enfrentamento às adversidades. A etnografia tem como

objetivo compreender o ponto de vista do outro, sua relação com a vida e a visão do seu

próprio mundo (MALINOWSKY, 1984).

Para Laraia (1993) a cultura interfere na satisfação das necessidades fisiológicas

básicas e pode condicionar outros aspectos biológicos, ou até mesmo decidir sobre a vida e a

morte dos membros de um sistema cultural. Todo sistema cultural tem sua própria lógica,

22

portanto a coerência de um hábito cultural só pode ser analisada mediante o sistema a qual

pertença. No entanto, a ciência não depende da dicotomia entre o pensamento mágico e o

científico e sim de instrumentos de observação. Como lembra Levis Strauss citado por Laraia

(1993), o sábio nunca dialoga com a natureza pura, senão com um determinado estado de

relação entre a natureza e a cultura em que vive e a civilização que é a sua e os meios

materiais que dispõem.

Para Geertz (1989) o conceito de cultura diz respeito às teias de significados tecidas

pelo próprio homem e sua análise. Nesse sentido, a etnografia se constitui numa experiência

interpretativa na qual o pesquisador percebe com que, ou por meio de que, ou através de que

seus informantes percebem o fenômeno.

[...] praticar etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes,

transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, e

assim por diante. Mas não são essas coisas, as técnicas e os procedimentos determinados, que definem o empreendimento. O que o define é o tipo de

esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para uma

“descrição densa” [...] (GEERTZ, 1989, p. 15).

A etnografia é um processo conduzido com uma sensibilidade reflexiva, tomando em

conta a própria experiência no campo junto às pessoas com as quais o antropólogo trabalha. O

texto terá grande importância, pois é na forma de texto que ocorre a interpretação e esta, por

sua vez, pode ser múltipla. Todo texto pode ser passível de diferentes interpretações a

depender dos diferentes leitores e de seus pontos de vista, visões e concepções de mundo

(GEERTZ, 1989). Por essa razão, o texto deve ser uma tradução mais fiel possível à

experiência vivida.

A observação participante foi formalizada por Malinowski e se constituiu numa

inovação nas pesquisas de campo, no sentido de captar os significados que permeiam a vida

social investigada. Soma-se a esta o trabalho de coleta sistemática de dados, a interpretação e

integração da vivência empírica de modo a recriar a totalidade vivida e apreendida pela

intuição do pesquisador. Antes de se iniciar um relato etnográfico, é essencial fazer uma

descrição clara e honesta dos métodos utilizados, em que condições foram realizadas o estudo,

os resultados da observação direta, e das declarações e interpretações nativas

(MALINOWSKI, 1984).

No presente estudo, optamos pela observação participante como principal fonte de

coleta de dados que foram registrados em diário de campo. No projeto de pesquisa, previmos

23

a realização de entrevistas com profissionais e usuários. No entanto, no desenvolvimento da

pesquisa, optamos por manter apenas a observação a partir da imersão no campo, em que

ocorreram diversas conversas com profissionais e usuários as quais foram registradas em

diário, tornando desnecessárias as entrevistas com profissionais com roteiro semiestruturado

como havia sido previsto. Realizamos essas entrevistas apenas com usuários. As conversas

com informantes-chave foram sendo realizadas ao longo da observação e, ao final do período

de observação, buscou-se identificar registros a partir da leitura dos prontuários clínicos dos

participantes do grupo de idosos relativos às articulações entre as ações clínicas assistenciais e

as ações de promoção.

Antes de apresentarmos a descrição narrativa de nosso percurso etnográfico,

apresentaremos alguns procedimentos metodológicos que precederam a imersão da

pesquisadora no campo e produção propriamente dita na etnografia.

2.2 O CONTEXTO LOCAL DE REALIZAÇÃO DA PESQUISA: O MUNICÍPIO DE

NATAL E A ESF NA REDE DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

O município de Natal, capital do Estado do Rio Grande do Norte, região Nordeste do

Brasil, fundado em 25 de dezembro de 1599, possui 803.739 habitantes, segundo censo

demográfico de 2010. Deste total, 47% são de habitantes do sexo masculino e 53% do sexo

feminino (NATAL, 2012).

O município está dividido, para fins organizativos dos serviços de saúde, em cinco

distritos sanitários: Norte I e II, Sul, Leste e Oeste, conforme Lei Complementar n.º 061 de

02/06/2005, Decreto n.º 7.642 de 10/06/2005 (NATAL, 2005).

Em 2007, o município contava com sessenta Unidades Básicas de Saúde (UBS) em

sua rede própria de serviços de saúde, das quais trinta e cinco são organizadas através da ESF.

Somando-se aos demais serviços a rede própria totalizava oitenta serviços de saúde (NATAL,

2007). No relatório municipal de saúde do ano de 2003 (NATAL, 2003), a proposta de

expansão da ESF seria para 70% da população de Natal, considerando a população de 2002, o

que totalizaria o quantitativo de 174 equipes. Meta, portanto, não alcançada e foi mantida no

plano municipal com vigência 2006-2009 (NATAL, 2006).

No entanto, no momento de realização desta pesquisa, compreendido entre a

elaboração do projeto que se deu no período de outubro de 2011 a março de 2012 e a imersão

da pesquisadora em campo, no período de agosto de 2012 a janeiro de 2013, o município de

24

Natal vivenciou situação político-governamental caracterizada como de extrema gravidade

produzida pelo abandono das políticas públicas pelo poder público, evidenciado na gestão

municipal que assumiu a Prefeitura no período 2008/2012. Entre os setores atingidos, o

sistema de saúde teve evidência especial, sobretudo, pelo sucateamento da rede de APS. A

situação pode ser identificada em registros da mídia televisiva, impressa e veiculada na

internet, de denúncia da grave crise na saúde e nas demais políticas públicas municipais, com

descaso, adoção de privatização do público, corrupção, o que culminou com intervenção do

Ministério Público e decisão do Poder Judiciário de afastamento de cargo da representante do

Executivo no dia 31 de outubro de 2012 (G1 RN, 31/10/2012). A partir de então, assumiu o

Vice-Prefeito para finalizar o mandato que se encerrou em 31 de dezembro de 2012. O quadro

da situação da cidade naquele momento era de esgotamento do funcionamento dos

equipamentos públicos, acúmulo de lixo nas ruas, interrupção do ano letivo na Rede de

Ensino Municipal e aumento da precariedade das condições de funcionamento das UBS

(FOLHA DE SÃO PAULO, 2012).

Após o pleito eleitoral municipal de 2012, espera-se que a transição governamental

entre a atual e a nova gestão eleita permita amenizar a situação com instalação de força tarefa

local e das demais esferas federadas (Estado e União) para recuperação emergencial da

capacidade de funcionamento dos serviços básicos de educação, saúde, saneamento e

recuperação das vias urbanas.

A presente pesquisa foi produzida nesse contexto político-governamental, caótico e de

desgoverno, que teve repercussões na vida das pessoas e em todos os setores públicos da

cidade. Na rede de serviços de saúde imperou o sucateamento das Unidades existentes com

fechamento de algumas delas por falta de condições estruturais, a omissão da gestão em suas

responsabilidades mínimas para assegurar o funcionamento dos serviços, equipes de saúde da

família incompletas, diminuição da cobertura populacional para menos de 29% da população

(CNES, 2012), terceirização de serviços, desabastecimento da rede básica, sucateamento das

estruturas físicas e dos equipamentos. Algumas Unidades que funcionam em casas alugadas

ficaram em situação de solicitação de despejo por falta de pagamento do aluguel. Soma-se a

tudo isso o descaso com a gestão do trabalho em saúde, refletido na ausência de um

acompanhamento sistemático das equipes, na falta de valorização do fazer dos profissionais e

falta de educação permanente das equipes.

A estruturação de serviços de saúde que se configurou naquele momento distanciou-se

cada vez mais da noção de redes articuladas e coordenadas pela atenção básica. Foram criados

25

os denominados Ambulatórios de Medicina Especializada (AME), que ofertam os mesmos

serviços já realizados nas UBS e policlínicas; as Unidades de Pronto Atendimentos (UPAs)

não têm qualquer articulação com o sistema de serviços municipal. Muitos de seus

atendimentos não são caracterizados como urgência e poderiam ser realizados na rotina

ambulatorial das UBS, desde que estas estivessem bem equipadas e em pleno funcionamento.

Esses novos serviços implantados têm gestão terceirizada e os trabalhadores são vinculados às

empresas contratadas que se credenciaram como Organização Social para gerir serviços

públicos. Em meio ao desgoverno municipal, ocorreu também nesses serviços atraso de

pagamento de vencimentos dos trabalhadores.

Apesar desse contexto desfavorável, que estimula práticas descomprometidas com a

construção do SUS, identifica-se profissionais que buscam formas de resistir e de manter seu

compromisso profissional com os usuários e com a qualificação dos serviços, no sentido de

fazer articulações e mediações frente ao contexto caótico, tentando manter inciativas criativas

e habilidades adquiridas ao longo de suas trajetórias profissionais.

Em mapeamento das atividades coletivas existentes nas Unidades de Saúde do

munícipio de Natal, realizado entre janeiro e março de 2012 (OLIVEIRA; SOUZA, 2012)

identificamos algumas iniciativas que podemos considerar inovadoras e cuja sustentabilidade

se deve à capacidade de resistência e de autonomia das equipes locais em seus processos de

trabalho. Esse mapeamento permitiu aproximarmo-nos do universo da pesquisa e definirmos a

escolha da Unidade de Saúde a ser pesquisada.

2.3 A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA EM NATAL/RN

A ESF no município de Natal-RN foi implantada no ano de 1998, com caráter

programático à semelhança dos demais municípios do Brasil e com a denominação de

Programa Saúde da Família (PSF). Conforme Portaria nº 1886/GM, as Equipes de Saúde da

Família seriam compostas cada uma por um médico, um enfermeiro, dois auxiliares de

enfermagem e cinco Agentes Comunitários de Saúde (ACS) (BRASIL, 1997).

Naquele ano, iniciou-se sua implantação em quatro Unidades de Saúde do Distrito

Sanitário Oeste (DSO), escolhidas por critérios técnico-institucionais, epidemiológicos e

sócio-sanitários (ROCHA, 2000). Segundo essa autora, o processo de implantação do então

PSF, no município de Natal, ocorreu com pouco comprometimento institucional, tendo como

um dos fatores limitantes as sucessivas mudanças de Secretários Municipais de Saúde em

26

curto intervalo de tempo, naquele período, provocando “uma sistemática descontinuidade de

ações” (ROCHA, 2000, p. 42).

No momento da implantação do PSF, Natal já contava com uma rede ambulatorial

com equipes multiprofissionais com a presença de médicos pediatras, ginecologistas e

clínicos gerais, dentistas, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais. O

processo de implantação foi realizado com caráter competitivo, substitutivo e reducionista, no

interior da APS, deixando de fora aqueles profissionais que já estavam em UBS, mas não

faziam parte da composição prevista pelo PSF. A coexistência dos dois modelos em algumas

Unidades, com profissionais percebendo distintos vencimentos e trabalhando em cargas

horárias diferenciadas, parece ter produzido insatisfação e dificultado a operacionalização de

ambos os modelos, além de reforçar a dicotomia entre o PSF e o modelo tradicional no

âmbito da Atenção Básica.

O MS, em 2002, incentivou a condição de gestão plena dos municípios ampliando o

piso da Atenção básica e suas competências através da NOAS-SUS 01/2002 (BRASIL, 2002).

Cinco anos depois, considerando a expansão do PSF no país, lançou a portaria de nº 648,

transformando-o na estratégia prioritária para reorganização da atenção básica no país,

incorporando os princípios e as diretrizes propostas no Pacto pela Saúde 2006 firmado entre

esferas de governo. Neste contexto, propõe a desfragmentação do financiamento da Atenção

Básica (BRASIL, 2006c). O município de Natal assume, então, a condição de Gestão Plena da

Atenção Básica Ampliada (GPAB-A) e passa a considerar a ESF o modelo de reorganização

da atenção básica, propondo 100% de cobertura populacional para os Distritos Norte e Oeste e

parte dos Distritos Leste e Sul. Assim, o município manteria a coexistência dos dois modelos

de organização das práticas: Unidades de Saúde organizadas na lógica da ESF nos distritos

Norte e Oeste e as Unidades Básicas de Saúde tradicionalmente organizadas com equipes

multiprofissionais nos locais em que ainda não fosse possível implantar a ESF (NATAL,

2003).

Em 2010, o município de Natal implantou os Núcleos de Apoio à Saúde da Família

(NASF), o que oportunizou a inserção de outros profissionais na ESF. Contudo, a implantação

desses núcleos está ocorrendo de forma lenta e precária. Foram implantados três NASF, com

o propósito de apoiar oito equipes cada, distribuídos da seguinte forma: 01 (um) no Distrito

Sanitário Norte I; 01(um) no Distrito Sanitário Norte II e 01(um) Distrito Sanitário Oeste.

No momento final da pesquisa de campo, o município contava com 37 USF (uma

temporariamente desativada) com 114 equipes implantadas, distribuídas nos cinco Distritos

27

Sanitários (Quadro 1). Contudo, existe nessas equipes o desfalque de alguns profissionais,

sobretudo, médicos e auxiliares de saúde bucal. Dessas 114 equipes, apenas 31 fizeram

adesão ao Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica

(PMAQ).

O desfalque de profissionais nas equipes promoveu uma redução no índice de

cobertura da ESF no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). No mês de

novembro de 2012 a cobertura da ESF correspondia a menos de 29% da população, com 59

equipes de saúde da família e 44 equipes de saúde bucal (CNES, 2012).

Quadro 1 – Distribuição das Unidades de Saúde no município de Natal por distrito Sanitário,

2011.

DISTRITO NORTE I DISTRITO NORTE II DISTRITO OESTE DISTRITO LESTE DISTRITO SUL

USF Gramoré USF Panatis USF Bom Pastor USF Aparecida USF Planalto**

USF Redinha USF Potengí USF Nazaré* USF Guarita

USF Vista Verde USF Santarém* USF Nova Cidade USF Paço da Pátria

USF África* USF Igapó USF Monte Líbano USF Rocas

USF José Sarney USF Vale Dourado USF Cidade Nova

USF Cidade Praia USF Santa Catarina USF Bairro Nordeste

USF Pompéia USF Soledade I USF Guarapes

USF Nova Natal I USF Soledade II USF km 6

USF Nova Natal II USF Parque dos Coqueiros USF Felipe Camarão I

USF Nordelândia USF Parque Das Mangueiras USF Felipe Camarão II

USF Parque das Dunas USF Felipe Camarão III

Fonte: Quadro elaborado através de consulta ao site da prefeitura (2011).

*funciona também um NASF. **USF temporariamente desativada.

2.4 TRAÇANDO TRILHAS NO CAMINHO METODOLÓGICO: MAPEAMENTO DE

ATIVIDADES EDUCATIVAS COLETIVAS NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA

FAMÍLIA EM NATAL/RN

Com o objetivo de se fazer uma primeira aproximação ao objeto de estudo, durante os

meses de outubro e novembro de 2011, realizou-se um inquérito nas USF, no município de

Natal, por telefone, com o objetivo de identificar as atividades educativas desenvolvidas no

âmbito da ESF, cujo resultado está descrito no Quadro 2 a seguir.

28

Quadro 2 – Atividades educativas coletivas realizadas nas USF do município de Natal,

novembro de 20111

DISTRITO PÚBLICO ALVO ATIVIDADES

DESENVOLVIDAS

PERIODICIDADE PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS

NORTE I

E

NORTE II

Idosos ou hipertensos e

diabéticos.

Gestantes.

Crianças.

Adultos.

Adolescentes.

Fumantes.

Palestras e rodas de

conversa.

Danças folclóricas.

Relaxamento,

Caminhada.

Trabalhos artesanais.

Terapia comunitária.

Tenda do conto.

Mensal e quinzenal na

maioria dos grupos,

com exceção das

caminhadas, que

ocorrem duas a três

vezes por semana.

De acordo com a temática define-se

a participação dos profissionais. Na

coordenação das atividades

predomina a enfermeira.

Nas caminhadas, a participação

efetiva é do profissional de

Educação Física e de ACS.

OESTE Idosos ou hipertensos e

diabéticos.

Gestantes.

Crianças.

Adultos.

Profissionais.

Palestras e rodas de

conversa.

Danças folclóricas.

Relaxamento.

Caminhada.

Trabalhos artesanais.

Meditação.

Práticas integrativas.

Cantos religiosos.

Mensal e quinzenal na

maioria dos grupos,

com exceção das

caminhadas, que

ocorrem duas a três

vezes por semana.

De acordo com a temática define-se

a participação dos profissionais.

Na coordenação das atividades

predomina a enfermeira.

Nas caminhadas, a participação

efetiva é do profissional de

Educação Física,

alunos do PET Saúde.

LESTE Idosos ou hipertensos e

diabéticos.

Gestantes.

Crianças.

Adultos.

Palestras e rodas de

conversa.

Relaxamento.

Caminhada.

Trabalhos artesanais.

Mensal e quinzenal na

maioria dos grupos,

com exceção das

caminhadas, que

ocorrem duas a três

vezes por semana.

Equipes das USF.

Alunos do PET Saúde.

Nutricionista.

Fonte: Quadro elaborado através de inquérito telefônico para mapeamento das atividades educativas

em Unidades da ESF em Natal, RN, 2011.

No mês de janeiro de 2012, com o objetivo de complementar a caracterização das

atividades referidas no inquérito por telefone aplicou-se um formulário de questões nas USF

do município de Natal, conforme Apêndice D.

A aplicação do formulário se deu, em sua maioria, pela própria pesquisadora e, em

cinco Unidades de Saúde, por profissionais do NASF. Nas USF, o primeiro contato da

pesquisadora foi realizado com a enfermeira e caso esta estivesse sem disponibilidade de

tempo ou estivesse ausente, outro profissional participante da atividade seria convidado a

responder o formulário. Responderam ao formulário diretamente com a pesquisadora: 16

1 O Distrito Sul não está no quadro porque só existe uma USF e no momento da pesquisa estava interditada

29

(dezesseis) enfermeiras, 7 (sete) dentistas, 4 (quatro) Agentes Comunitários de Saúde e 3

(três) técnicas de enfermagem.

O conteúdo das questões nos formulários referiu-se ao quantitativo de atividades

coletivas realizadas; ao número de equipes por Unidade e quantas estariam completas; à

periodicidade e quem seria o principal responsável pela atividade; à média de participantes; ao

espaço onde se realizavam as atividades; às dificuldades encontradas na realização das

atividades; ao que seria identificado como inovador; ao que motivaria a criação dos grupos e,

por último, que efeitos seriam identificados na saúde das pessoas mediante a participação nos

grupos.

Foram preenchidos trinta e quatro formulários dos trinta e sete previstos. Três USF

ficaram de fora desse levantamento: duas por estarem com as atividades coletivas paralisadas

e não foi possível falar com o profissional inserido nas atividades e uma que estava desativada

temporariamente. Das 34 Unidades que preencheram os formulários apenas oito apresentaram

todas as equipes completas; cinco funcionavam sem nenhum médico da ESF. Em algumas

delas a equipe contava com médicos contratados temporariamente através de uma

cooperativa. No entanto, esses profissionais trabalhavam em regime de vinte horas e não eram

suficientes para atuar junto à equipe no modelo preconizado pela ESF.

Ao se referirem às dificuldades, em todas as USF os profissionais relataram falta de

apoio da instituição, principalmente logístico. Muitos elencaram falta de espaço e alguns

citaram a adesão do público-alvo e ao pouco envolvimento da equipe.

Quanto ao caráter inovador na atividade realizada, em sua maioria, os profissionais

responderam questões referentes ao próprio desenvolvimento da atividade, o que pode ser

interpretado como não compreensão da questão. No entanto, alguns relatam o envolvimento

da equipe, a parceria com outros setores, a abordagem diferente da tradicional e a

aprendizagem constante.

Quadro 3 – Caracterização das atividades educativas coletivas realizadas nas USF, Natal,

RN, março de 2012.

ATIVIDADE DESCRIÇÃO USF

“HIPERDIA”

(IDOSOS)

Encontros mensais que proporcionam a atualização da medicação. Promovem-se palestras,

rodas de conversas acerca do processo de adoecimento. Geralmente são realizados por

equipe, com a presença da maioria dos profissionais da equipe da área, e ocorrem

mensalmente.

20

A TENDA DO CONTO Atividade que conta com narrativas dos participantes acerca dos mais variados temas

relativos à suas vidas. Constitui-se em um espaço de fala e escuta aberto para todos:

profissionais, usuários, estudantes. A tenda acontece numa perspectiva de tecer redes de

apoio e solidariedade, fortalecer vínculos, trocar experiências e vivências. Há participação

02

30

efetiva de vários profissionais. Ocorre mensalmente.

A TAPERA DA FALAÇÃO Atividade inspirada na “Tenda do Conto” que se diferencia por ter o propósito de fazer as

pessoas sorrirem, e evitam falar de coisas tristes. Convidam artistas locais e realizam

atividades que integram saúde, cultura e lazer. É coordenada por uma técnica de

enfermagem. Ocorre mensalmente.

01

OS CINCO MINUTOS PELO

SUS

Atividade de sala de espera, que conta com um breve relato de um dentista acerca do SUS,

acompanhado pelo som de um violão. Ocorre quase que diariamente.

01

A CALÇADA AMIGA Atividade realizada através de debate com os usuários acerca dos agravos que estejam

acometendo em uma determinada microárea. É realizada pela equipe responsável pela área

em questão. Ocorre de acordo com a ocasião exigida em cada momento/situação.

01

A TERAPIA COMUNITÁRIA Atividade realizada com os usuários que se constitui em um espaço de reflexão do

sofrimento causado por situação estressante, na perspectiva da valorização das histórias de

vida e o resgate das identidades. Ocorre semanalmente.

02

CURSO OU GRUPO DE

GESTANTES

Atividades que em sua maioria se dão na perspectiva da preparação da mulher para o parto

e para facilitar sua adesão ao planejamento familiar. Ocorre semanalmente, ou

quinzenalmente.

18

AS DANÇAS FOLCLÓRICAS O carimbó, o pastoril, a dança da peneira, e outras expressões culturais como o teatro, são

realizados na perspectiva do resgate cultural e de proporcionar momentos de lazer e

descontração. Periodicidade varia conforme a USF.

05

ADOLESCENTE Discussões de assuntos pertinentes à idade. Ocorre mensalmente. 03

O LIAN GONG,

TAI CHI CHUAN, YOGA

Atividades físicas praticadas em algumas Unidades de saúde. Em uma Unidade a yoga é

realizada com os profissionais.A periodicidade varia conforme a USF

02

CANTOS E ORAÇÕES Atividade realizada com os idosos com o propósito de buscar “paz e equilíbrio”. Ocorre

semanalmente.

01

A CAMINHADA Atividade que teve início com a presença de um profissional de educação física nas

Unidades e que foi potencializada pela Política de Promoção da Saúde. Ocorre

semanalmente (2 a 3 vezes por semana).

25

O BEBÊ SORRISO Atividade de prevenção às doenças bucais, destinada a crianças de zero a cinco anos.

Geralmente acontece integrada à atividade de acompanhamento do crescimento e

desenvolvimento da criança (CD). A periodicidade varia conforme a USF.

03

O AUTO DE NATAL Utiliza a ferramenta do teatro trabalhando o lúdico, propondo-se a respeitar a cultura,

promover o exercício da cidadania e a reorientar práticas que incidem sobre as condições e

modos de vida da população. O grupo se prepara durante o ano para se apresentar no

período natalino.

01

VINDO AO MUNDO

ACOLHIDO POR UMA NOVA

ESTRATÉGIA

Atividade realizada pela equipe de saúde bucal com as mães internadas na maternidade de

Felipe Camarão no intuito de complementar as ações de humanização ao parto, existentes

na Unidade. Ocorre diariamente.

01

Fonte: Mapeamento de atividades coletivas de educação em saúde em Unidades da ESF, em Natal, RN

a partir de resposta à formulário, março de 2012.

Conforme identificado no Quadro 3, constatamos que a maioria das USF realiza algum

tipo de atividade de educação em saúde com grupos, principalmente, com idosos acometidos

de hipertensão e/ou diabetes, gestantes, crianças menores de cinco anos e, em um número

bastante reduzido, com adolescentes. O enfoque nas condições crônicas é justificado em

virtude destas serem responsáveis por dois terços da carga de doença e são resultantes das

31

condições agudas, como refere documento do Conselho Nacional de Secretários de Saúde

(BRASIL, 2009). A maioria das ações coletivas é desenvolvida para controle e prevenção de

doenças, na perspectiva da tradicional vigilância da saúde. São atividades realizadas por meio

de palestras ou rodas de conversa.

No entanto, ficou evidente que algumas equipes identificam a necessidade de pensar

novas estratégias e de intervir em condições mais gerais da produção de saúde, papel

fundamental da APS. Neste sentido encontramos algumas Unidades que desenvolvem

atividades que proporcionam momentos de vivências do folclore como as danças do Carimbó,

Pastoril e outras manifestações populares. Outras realizam ações coletivas envolvendo

pessoas desvinculadas de algum agravo como é o caso das atividades com trabalhos manuais,

da “Tenda do Conto”, da “Calçada Amiga”, do “Os Cinco Minutos pelo SUS”. Há outras com

foco mais específico na promoção da saúde como o “Lian Gong”, a caminhada com os idosos,

os grupos de gestantes e a atividade de orientação coletiva às mães no CD (Crescimento e

Desenvolvimento da criança) a qual se insere a orientação à saúde bucal (Bebê Sorriso).

A Tenda do Conto é realizada nas USF de Panatis e Soledade I articulada por

enfermeiras, porém com forte envolvimento da equipe. Teve início nas reuniões com os

idosos e, diante da presença de pessoas mais jovens, a tenda transformou-se em espaço de fala

e escuta aberto a profissionais, usuários, estudantes. Atualmente se constitui em uma atividade

itinerante, passando por outras Unidades pertencentes a outros distritos. Segundo a enfermeira

responsável por sua criação, a tenda acontece numa perspectiva de tecer redes de apoio e

solidariedade, fortalecer vínculos e trocar experiências e vivências.

A USF de Potengi, inspirada na “Tenda do Conto” realiza atividade denominada de

“Tapera da Falação”. Segundo a técnica de enfermagem, profissional responsável pela

atividade, há o diferencial de fazer as pessoas sorrirem e, ao invés de falar de coisas tristes,

convidam artistas locais e realizam atividades que integram saúde, cultura e lazer.

A atividade de sala de espera, denominada “Cinco Minutos pelo SUS”, é realizada na

USF de Panatis e conta com um breve relato de um dentista acerca do SUS, acompanhado

pelo som de um violão.

A Calçada Amiga é realizada na USF de Cidade Nova com a participação da equipe.

Debate-se com os usuários acerca dos agravos que estejam acometendo uma determinada

microárea de atuação das equipes.

A Terapia Comunitária acontece em algumas Unidades de Saúde do Distrito Sanitário

Norte (Cidade Praia, Gramoré), coordenada por uma psicóloga do NASF e conta com a

32

participação da equipe das Unidades. Constitui-se em espaço para reflexão do sofrimento

causado por situação estressante, na perspectiva da valorização das histórias de vida e o

resgate das identidades.

A atividade com as gestantes, em sua maioria coordenada por enfermeiras, acontece na

perspectiva da preparação da mulher para o parto e para facilitar sua adesão ao planejamento

familiar. É realizada em várias Unidades distribuídas em todos os distritos.

As Danças do Carimbó, o Pastoril e outras estão presentes nas USF de Felipe Camarão

II, Potengi e Cidade Praia.

Na USF de Felipe Camarão II, o pastoril recebe a denominação de “Pastoril do Peixe

Boi Encantado” e é composto por pessoas de faixas etárias variadas, dos nove aos setenta e

dois anos, com predomínio do sexo feminino (86%).

Ainda na USF de Felipe Camarão II, a partir da experiência com a comunidade no

pastoril, existe um grupo teatral que encena o Auto de Natal, que se constitui numa

experiência que usa o teatro para trabalhar o lúdico, propondo-se a respeitar a cultura,

promover o exercício da cidadania e a reorientação de práticas que incidem sobre as

condições e modos de vida da população.

A atividade de caminhada realizada com os idosos está presente na maioria das

Unidades de Saúde distribuídas em todos os Distritos. É uma atividade que teve início com a

presença de um profissional de educação física nas Unidades e que foi potencializada com a

política de promoção da saúde. No entanto, ainda se restringe à participação do profissional

de educação física e algum ACS.

O Lian Gong é praticado na USF de Nova Cidade, no Distrito Sanitário Oeste, e na

USF de Potengi, Distrito Sanitário Norte, que também pratica o tai chi chuan. Ainda na USF

de Nova Cidade acontece uma atividade de cantos e orações com os idosos, denominada “Paz

e Equilíbrio”.

O “Bebê Sorriso” é uma atividade de prevenção às doenças bucais, destinada a

crianças de zero a cinco anos, e acontece nas USF de Nova Cidade e Km 6. A mesma

atividade acontece em outras Unidades de forma integrada às ações do CD, como é o caso da

USF de Felipe Camarão II e da USF de Felipe Camarão Mista. Nesta também é desenvolvida

atividade voltada para os cuidados que as mães devem ter com seus recém-nascidos, na

perspectiva de prevenir as doenças da cavidade bucal. É realizada com as mães internadas na

maternidade no intuito de complementar as ações de humanização ao parto, existentes naquela

Unidade.

33

Na USF de Bom Pastor é realizada uma atividade na perspectiva da promoção da

saúde dos profissionais, por uma médica homeopata da própria Unidade, e consiste na

realização da prática de yoga.

2.5 A UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA DE FELIPE CAMARÃO II COMO O

LÓCUS DA PESQUISA

2.5.1 A escolha da USF

Os dados do mapeamento das atividades educativas desenvolvidas no âmbito da ESF

no município de Natal (OLIVEIRA; SOUZA, 2012) balizaram a escolha da Unidade de Saúde

a ser estudada, através de critérios de inclusão descritos a seguir.

Para inclusão consideramos:

- Unidades que realizam atividades coletivas de educação em saúde. Entre as trinta e

sete (37) Unidades de Saúde da Família existentes no município, trinta e quatro (34) foram

incluídas nesse critério. Duas Unidades estavam com as atividades paralisadas por motivo de

reforma e outra estava interditada.

- Unidades com tempo mínimo de dois anos de existência de alguma atividade de

educação em saúde. Vinte e sete (27) Unidades de saúde contemplaram esse critério.

- Unidades com o maior tempo de implantação da ESF no município. Três (03)

Unidades de Saúde incluíram-se nesse critério, todas localizadas no Distrito Sanitário Oeste

(DSO).

Entre as três Unidades selecionadas a partir dos critérios descritos, consideramos a

natureza do estudo e a sua viabilidade operacional para escolha intencional daquela com

melhores condições de viabilidade para realização do estudo. Selecionamos a USF de Felipe

Camarão II porque, além de contemplar todos os critérios de inclusão e estar localizada em

área do DSO, tem o diferencial do acúmulo de experiências ao longo de 14 anos, com

atividades educativas e coletivas de longa duração, o que confere certo grau de

sustentabilidade. Contribuiu ainda para a escolha dessa Unidade de Saúde o fato dela ter a

colaboração do NASF e a adesão de três de suas quatro equipes ao PMAQ. Mediante a

conjuntura de precarização dos serviços, no momento de realização da pesquisa, esses

aspectos constituiriam em uma melhor perspectiva de viabilidade operacional da pesquisa.

34

2.5.2 O bairro e a Unidade de Saúde da família de Felipe Camarão II

Dos cinco Distritos do município de Natal, o DSO é o que possui os mais baixos

indicadores de qualidade de vida: alto índice de analfabetismo, desemprego, precárias

condições de moradia e alto índice de violência. Esse distrito é formado por oito bairros,

sendo um deles o de Felipe Camarão que possui uma população de 50.997, com

predominância do sexo feminino correspondendo a 51,18%. O referido bairro possui grande

extensão territorial e alta densidade demográfica, onde 92,66% dos domicílios são compostos

de casas, com um percentual de 68,79% próprias e 25,94% alugadas. 65,68% da população

estão na faixa economicamente ativa. A renda per capta domiciliar está entre menos de meio

a um salário mínimo e constitui pouco mais de 65,15% da população, segundo dados do

IBGE, 2010 (NATAL, 2012).

Dentre as organizações e equipamentos sociais existentes no bairro de Felipe

Camarão, encontram-se clube de mães, escolas de 1º e 2º graus, Unidades de saúde pública,

igrejas católicas, evangélicas, centros espíritas, creches, feiras públicas, fundação filantrópica

e uma empresa de transportes urbanos (ALCÂNTARA, 2007).

O bairro de Felipe Camarão se localiza distante da região central e antes era uma área

de granjas e terrenos de proprietários privados. A cultura popular se destaca por ter abrigado

dois dos maiores representantes do Rio Grande do Norte: o mamulengueiro2 Chico Daniel e o

Mestre Manoel Marinheiro. Este, responsável pelos ensinamentos e perpetuação da dança

folclórica Boi de Reis (ALCÂNTARA, 2007).

É um bairro que conta com presença significativa de Organização Não Governamental

(ONG), desenvolvendo projetos com propósitos de redução de vulnerabilidades sociais.

Dentre estes, destacou-se, na década de 1990, o projeto UNI3 e, atualmente, os projetos

Conexão Felipe Camarão e o Programa de Desenvolvimento de Área (PDA), respectivamente,

através das ONGs Companhia TerrAmar e Visão Mundial. A conexão Felipe Camarão, desde

2 Também denominado de Calungueiros – arte de fazer o João-Redondo – um teatro rústico de

bonecos que começou nos velhos países do Oriente, China, Turquia. Imigrando para Europa sofreu um processo de ascensão cultural. Trazido para o Brasil, o joão-redondo retornou sua forma rústica e faz

parte do folclore nordestino (GURGEL,1999 apud ALCÂNTARA, 2007).

3 Uma Nova Iniciativa (UNI) na formação e educação de recursos humanos para a saúde em parceria com a

comunidade. Atuou em alguns bairros da cidade. Todos no Distrito Oeste. Fazia parte do Programa UNI, da

Fundação W. K Kellogg, que era constituído de 19 projetos na América Latina e Caribe. Disponível em:

<http://www.ufrn.br/sites/engenhodesonhos/forum/conselho/uninatal/index.html>.

35

2005, trabalha o potencial artístico de crianças e adolescentes do bairro4 e a Visão Mundial

com crianças, famílias e comunidades a fim de que alcancem seu potencial pleno, no

propósito de combater a pobreza5. O bairro conta ainda com a colaboração do Núcleo de

Amparo ao Menor (NAM) que é uma instituição beneficente do terceiro setor, referência no

bairro, que apoia, cria, desenvolve e executa projetos na área de educação, esporte e cultura

para melhoria da qualidade de vida de crianças, adolescentes e jovens há 18 anos6.

A área de abrangência da USF de Felipe Camarão II tem como referência uma

população de aproximadamente 14.800 habitantes, conforme dados do Sistema de Informação

da Atenção Básica (SIAB), acessado na USF em dezembro de 2012. Essa área foi projetada,

inicialmente, para ser um conjunto habitacional denominado Promorar II, onde foram

abrigadas famílias oriundas de favelas de outros locais da cidade. Não existem espaços

destinados a praças, áreas de lazer ou Centros de Convivência (ALCÂNTARA, 2007).

De acordo com as informações adquiridas durante a observação participante na

Unidade e registradas em diário, a ESF foi implantada no ano de 1998. Iniciou com uma

equipe e, logo depois, foi complementada com mais três equipes de saúde da família, ficando

com a seguinte composição: 04 (quatro) médicos; 04 (quatro) enfermeiros; 04 (quatro)

dentistas; 08 (oito) técnicos de enfermagem; 04 (quatro) auxiliares de saúde bucal; 24 (vinte e

quatro) agentes comunitários de saúde. No entanto, em virtude da deficiência existente no

quadro de funcionários do município, no momento da pesquisa a Unidade apresenta o

desfalque de 01 (um) médico; 01 (um) ACS; 01 (um) auxiliar de saúde bucal – que está

afastada por questões de saúde há dois anos. Além dos profissionais da ESF, a USF conta

apenas com um diretor e um arquivista. Para a limpeza, existem 02 (dois) auxiliares de

serviços gerais terceirizados por empresa contratada pela gestão municipal. A faixa de idade

predominante dos profissionais é de 50 (cinquenta) anos e mais, com exceção dos ACS que

apresentam idades predominantes entre 30 (trinta) e 50 (cinquenta) anos, mas existem dois

com 60 (sessenta) anos. O sexo que predomina é o feminino, com a presença de apenas seis

(seis) homens dentre os 50 (cinquenta) funcionários existentes na USF.

A média de permanência dos profissionais nas equipes, inicialmente, era de cinco

anos e mais. No momento de realização da pesquisa, identificamos que tem havido permuta

4 Disponível em: <www.conexaofelipecamarao.org.br/>.

5 Disponível em: <www.visaomundial.org.br/>.

6 Disponível em: <www.nam.org.br/>.

36

de profissionais no próprio município ou alguns profissionais se desvinculam da ESF para

retornar ao seu local de lotação de origem, por decisão própria, em virtude das questões

trabalhistas, ocasionadas pelo processo de municipalização ocorrido nos anos 19907. A USF

conta com a colaboração do NASF que é constituído pelos seguintes profissionais: assistente

social; educador físico; nutricionista; fisioterapeuta, farmacêutico. No momento da pesquisa,

três das quatro equipes existentes na Unidade aderiram ao PMAQ.

Desde sua implantação, a Unidade de Saúde tem sido lugar de muitos projetos e de

pesquisas, funcionando também como cenário de práticas de ensino, pesquisa e extensão para

os cursos da área da saúde, semelhante a outras Unidades do município. À semelhança do que

ocorre no bairro, a Unidade também tem uma história de muitas parcerias com universidades,

ONGs e Organizações Comunitárias. É reconhecida por suas várias experiências inovadoras

que ficaram registradas em anais de congressos e em trabalhos que não foram publicados. Já

foi premiada por algumas experiências e foi protagonista de um livro escrito e organizado por

seus servidores e colaboradores, que por ali passam ao longo de sua existência. O livro

Contos, cantos e encantos de Felipe Camarão: histórias do PSF (OLIVEIRA;

ALCÂNTARA; SILVA, 2010) foi produzido em parceria com a Universidade Federal do Rio

Grande do Norte (UFRN) e tenta traduzir o modo de fazer saúde daquela equipe, com

lançamento na III Mostra Nacional de Saúde da Família, ano de 2008, em Brasília.

Em 2000, foi realizado o “I Seminário de promoção à saúde: Felipe Camarão mostra a

sua cara”, por iniciativa de profissionais, pessoas da comunidade e colaboradores da UFRN e

o UNI/Natal. O evento se constituiu em quatro grupos temáticos: cidadania e qualidade de

vida; meio ambiente e qualidade de vida; violência e qualidade de vida; atenção à saúde e

qualidade de vida8.

Como desdobramento desse evento foi oficializado o “Fórum Permanente Pela

Qualidade de Vida de Felipe Camarão”. Esse teria o propósito de se constituir um espaço

democrático de discussão dos problemas do bairro, de traçar estratégias intersetoriais e

influenciar nas políticas públicas de promoção à saúde. O fórum se propôs, dentre seus

7 Com a municipalização dos serviços de saúde estaduais e federais, os funcionários com vínculo original nessas instituições foram cedidos ao município, mas seus direitos trabalhistas continuam sendo geridos pelos seus

órgãos de origem. Ou seja, aposentam-se apenas com os vencimentos pagos por seus respectivos órgãos

empregadores.

8 Extraído de relatório existente na USF sobre a organização do Fórum Comunitário de Promoção da Saúde e

pela qualidade de vida no Bairro de Felipe Camarão.

37

objetivos, apoiar tecnicamente a realização das atividades de promoção à saúde,

desenvolvidas pelas equipes da Unidade.

No referido seminário surgiu também ideia da adequação de um espaço físico já

existente no bairro para transformá-lo em um centro de convivência para a comunidade, que

até o momento de finalização desta pesquisa não fora construído.

Após a realização desse Seminário, a USF de Felipe Camarão II intensificou as

atividades educativas coletivas através de grupos que foram sendo constituídos desde sua

implantação e formando outros mediante as necessidades percebidas durante o processo de

trabalho. Grupos estes que sofrem descontinuidade em suas ações mediante a instabilidade

política do município.

A seguir, descreveremos os grupos identificados na USF de Felipe Camarão II através

de registros existentes na própria Unidade, assim como através das conversas com os

profissionais durante a observação participante.

a) Conviver para Melhor Viver

Conforme registros na Unidade, o grupo surgiu em 2001 a partir da constatação do

número expressivo que existia de idosos na área e da necessidade que alguns profissionais

perceberam acerca de se trabalhar a promoção à saúde nessa faixa etária. Aproveitou-se um

grupo que já se reunia nas quartas-feiras no conselho comunitário Padre João Maria. No

momento de sua implantação, realizou-se oficina de planejamento em que foram traçados os

objetivos e seu desenvolvimento, incluindo a participação dos profissionais da ESF, membros

do conselho comunitário e estudantes de medicina e de enfermagem da UFRN. Estabeleceu-se

que o grupo teria, dentre seus objetivos, buscar autossustentação, criar subgrupos de arte e

cultura (coral, teatro, folclore, entre outros), e colaborar com a consciência crítica dos direitos

e deveres do cidadão e a promoção do autocuidado. Os encontros seriam constituídos de

dinâmicas de grupo, atividades de relaxamento/alongamento, danças, comemoração de datas

festivas, conversas informais, passeios e atividades educativas relacionadas a hábitos de vida

saudável, prevenção de câncer, discussão do processo saúde-doença, entre outros. O grupo

atualmente se reúne toda segunda-feira à tarde e é destinado a pessoas de qualquer idade, mas

predominam mulheres acima dos 60 anos.

a) Trupe da Fantasia (Tribus de Teatro)

38

Grupo de teatro formado por ACS e moradores do bairro. Foi criado em 1994,

imediatamente à implantação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Tem

o objetivo de levar através do teatro de rua informações sobre saúde-doença à população.

Conforme relato dos dois ACS que coordenam o grupo, o início foi difícil por não receberem

apoio institucional, mas, ao mesmo tempo, era prazeroso porque correspondia a um desejo de

trabalhar com a educação popular, através de atividades lúdicas. A partir do cadastramento

das famílias, os ACS identificaram um alto índice de adoecimento da população e um nível de

desinformação geral. Por ser uma população carente de acesso a nossa própria cultura,

desconheciam o teatro como expressão cultural. Em virtude do alto índice de mortalidade

infantil no bairro, o grupo iniciou com as apresentações sobre essa temática dirigida a grupos

de gestantes, ressaltando a importância do aleitamento materno e a importância da valorização

do serviço de maternidade que existe no bairro, que era considerado como de baixa qualidade

pela própria população.

Nessa fase inicial, os ACS fabricaram os bonecos de Mamulengo e tiveram a iniciativa

de procurar o mestre Manuel Marinheiro que os ensinou a construir os outros instrumentos do

teatro de Mamulengo e os textos. Contaram também com a parceria do projeto UNI/Natal e da

Maternidade Januário Cicco/UFRN. Após a morte do mestre Manuel Marinheiro, seu filho

passou a apoiar o grupo na realização de algumas oficinas que resultaram no primeiro

espetáculo de rua, seguido de outros. Nesses espetáculos são abordados os temas relativos às

atividades desenvolvidas na Unidade de Saúde: aleitamento materno, crescimento e

desenvolvimento da criança (CD), planejamento familiar, imunização. Esses ACS haviam

sido contratados, inicialmente, em virtude da suspeita de epidemia da cólera, então incluíram

esse tema nas apresentações. A partir das apresentações, o grupo começou a ter visibilidade e

foi sendo convidado a participar de programas de saúde na mídia local e em outros bairros.

Em seguida, com a atuação do grupo e com o apoio dos parceiros, começaram a realizar

oficinas para os jovens da comunidade. Dos 20 (vinte) ACS contratados, 11 (onze)

participavam do grupo.

Dentre as apresentações do grupo se destaca o “Pastoril do Peixe Boi Encantado”, que

foi construído a partir de um conjunto de danças folclóricas, denominadas pastoril9 e bumba-

9 A encenação do Pastoril integra o ciclo das festas natalinas do Nordeste, particularmente, em

Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas. O Pastoril é um dos quatro principais espetáculos populares nordestinos, denominados de danças dramáticas por Mário de Andrade

Disponível em: <www.portaledumusicalcp2.mus.br>. Acesso em: 5 junho 2013

39

meu-boi10

. A ideia surgiu quando alguns ACS ficaram sensibilizados com o desejo de uma

idosa do bairro ao lembrar saudosamente do pastoril que dançava quando criança.

Aproveitaram a ideia para trabalhar as ações ligadas à qualidade de vida e ao bem-estar da

população. O pastoril encenado tem suas peculiaridades: é todo construído pelos participantes,

desde a confecção do figurino, do texto à coreografia. Recebe essa denominação por fazer um

entrelaçamento ao final com o bumba-meu-boi nas figuras do Jaraguá, da Burrinha e do Boi.

O grupo é composto por pessoas com faixa etária bastante variada, indo dos nove aos 72 anos,

usuários e profissionais da Unidade de Saúde (ALCÂNTARA, 2006).

O Pastoril foi vencedor do II Prêmio Nacional Sérgio Arouca, no VII Congresso da

Rede Unida realizado no período de 15 a 18 de julho de 2006, na cidade de Curitiba/PR. Os

ensaios do Pastoril são realizados no Conselho Comunitário do bairro, no salão paroquial da

capela e também na própria Unidade de Saúde. Além da ajuda da comunidade, o grupo teve,

desde o início, apoio da UFRN.

Desde sua criação, o “Pastoril do Peixe Boi Encantado” realizou inúmeras apresentações, no

interior do estado e em eventos de repercussão nacional.

No ano de 2005, o grupo participou de um encontro de educadores populares

destinado aos ACS promovido pelo MS no município de Natal, que teve o propósito de

refletir sobre como promover saúde através da arte, numa linguagem abrangente a todos, no

campo lúdico e artístico. Então, o grupo inspirado em sua própria experiência desenvolveu a

ideia de um Auto de Natal, com o intuito de estrear durante as festas natalinas, no bairro. Na

elaboração da peça, os ACS propuseram relatar o nascimento de Jesus relacionando com os

problemas sociais encontrados no bairro.

Conforme registro11

, os espetáculos foram sendo realizados anualmente e os temas

abordados iam sendo selecionados a partir da situação social evidenciada no bairro.

O primeiro espetáculo foi encenado em 2005, abordando o tema o menor

abandonado, utilizando o mote “Se o menino Deus nascesse em Felipe Camarão?” com o

10 O Bumba‐Meu‐Boi é uma dança dramática brasileira, que ocorre principalmente na região Nordeste.

A dança surgiu no século XVIII (dezoito) como forma de crítica à situação social dos negros e índios.

Combina elementos de comédia, drama, sátira e tragédia, tentando demonstrar a fragilidade do homem

e a força bruta de um boi, tendo como tema de fundo a “ressurreição”. Disponível em: <www.portaledumusicalcp2.mus.br>. Acesso em: 5 junho 2013

11

Extraído de ALCÂNTARA et al. Auto do Natal: revelando histórias, promovendo saúde na ESF. 2008. Artigo em pdf (não publicado).

40

título “Felipe Camarão mostra tua cara”. O tema central foi a história de Jesus e como tema

transversal a reflexão sobre os meninos e meninas de rua, presentes nos espaços urbanos das

grandes cidades. Alguns dos atores subiram ao palco pela primeira vez. Foram

proximadamente quarenta pessoas que se empenharam para alcançar o objetivo proposto.

Figurinos, música, atuação, direção e os passos foram divididos entre os integrantes do

elenco, coordenado pelo Grupo de Teatro Trupe da Fantasia. A apresentação se deu num final

de tarde na presença de uma considerável plateia.

O segundo espetáculo, no ano seguinte, abordou a violência contra a mulher,

personagem central de infortúnios de violências físicas e psicológicas. O bairro de Felipe

Camarão tem um dos maiores índices de violência contra a mulher na cidade de Natal.

O Terceiro espetáculo, em 2007, abordou as mortes de adolescentes por violência.

Nesse terceiro ano, algumas inovações no tocante a peça se destacam: a utilização de

multimídia, a presença da dança do Pastoril do Peixe-Boi Encantado e as figuras dos

retirantes, estas em alusão a muitos moradores que nasceram no interior do Estado e migraram

para a cidade grande.

O espetáculo saiu do território de Felipe Camarão chegando até a uma casa de teatro, o

Teatro da Cultura Popular Chico Daniel da Fundação José Augusto, órgão ligado à Secretaria

de Cultura do Rio Grande do Norte, em 2007. Algo inédito para aqueles que nunca haviam

pisado em um palco ou no teatro.

No total das apresentações temáticas, foram encenados sete autos sendo alguns

reencenados e o último ocorreu no ano de 2010 abordando a lei Maria da Penha.

b) Caminhos da Vida

Grupo de caminhada que se reúne semanalmente nos seguintes dias: segunda-feira,

quarta-feira e sexta-feira, às 6h da manhã. Realizam atividade de alongamento/relaxamento,

atividades de desenvolvimento de agilidade e percepção de espaço, atividades de passeios e

recreações. É coordenado por uma educadora física do NASF e conduzido em sua maior parte

do tempo por dois ACS. Participa uma média de 25 pessoas com idade acima de 50 anos. Em

sua maioria são pessoas do sexo feminino.

c) Terapia e Arte

Essa atividade foi relatada pela ACS que idealizou o projeto. Segundo a informante, o

grupo foi criado em 2008, a partir de conversa entre ela e uma usuária sobre a ociosidade das

41

mulheres que moram no bairro. Dessa conversa surgiu a ideia de organizar um grupo que

possibilitasse a troca de saberes acerca de trabalhos manuais. A ACS sabia fazer artesanato e

se dispôs a ensinar. Formaram então um grupo de dezesseis pessoas, das quais 15 mulheres e

um homem. A idealizadora do projeto conta que no início foi muito difícil porque não tinham

matéria-prima. Assim, resolveram iniciar com bordado ponto de cruz que era o mais acessível

com a arrecadação mensal de R$ 5 (cinco reais) por pessoa. Aos poucos foram diversificando

com biscuit e pintura em tecido. A ACS em contato com a ONG Visão Mundial conseguiu

parceria na qual a ONG ofereceu capacitações por meio de oficinas para confecção de

trabalhos manuais, como pedraria em sandálias, pintura em tecido, pintura em tela, entre

outras. Os cursos eram abertos a qualquer pessoa da comunidade. Segundo a informante, a

média de participação foi de 50 pessoas, incluindo as 16 do grupo de terapia e arte da Unidade

de Saúde. Com as capacitações, o grupo adquiriu autonomia e desenvolveu capacidades de

venda dos produtos. Um ano após começar o “Terapia e Arte”, houve exposição da produção

do grupo em feira de artesanato onde os artesãos do bairro de Felipe Camarão puderam

comercializar seus produtos. Deu-se início, então, na Unidade de Saúde a feira que passou a

acontecer de três em três meses sob a coordenação do grupo “Terapia e Arte”. A venda era

revertida em 40% para a compra de material e 60% dividido entre os participantes do grupo.

Inicialmente, o grupo funcionou na sede do conselho comunitário às segundas e sextas-feiras,

à tarde. No entanto, houve problemas na estrutura do local em virtude de chuvas, o que levou

a causar danos no material. Surgiu a ideia de alugar um espaço e dividir a despesa entre o

grupo. Nesse momento, as mulheres já estavam comprando seu próprio material e ficava cada

uma com 95% do que produziam e 5% destinavam à manutenção do espaço. Além disso, cada

pessoa contribuía com R$ 50 (cinquenta reais) para pagar o aluguel. O grupo passou a

funcionar de segunda a sábado e também comercializando o produto nesse período. Porém,

não foi possível manter o espaço e fizeram uma parceria com a UFRN para expor seus

produtos no Centro de Convivência daquela instituição. Atualmente, apenas algumas pessoas

expõem em virtude da falta de recursos e apoio institucional. Quando perguntei se havia

alguma discussão relacionada a saúde, a ACS informou que, quando o grupo estava ativo,

toda sexta-feira havia discussões acerca da situação do grupo e a repercussão dessa atividade

na saúde de cada um. Naquele momento, as mulheres falavam da satisfação de não precisar

mais de antidepressivos e que se sentiam muito bem em participar do grupo. Atualmente,

todas lamentam sua desativação. Entretanto, algumas mulheres continuam fazendo seus

42

trabalhos manuais e comercializando individualmente. A ACS relata que está idealizando

novo projeto no sentido de retomar a atividade incluindo pessoas com deficiência.

d) Curso para gestantes

É um curso destinado às gestantes e a seus companheiros com o propósito de prepará-

los para a gestação, parto e pós-parto. Acontece em 13 encontros semanais a cada semestre.

São dois cursos por semestre. No momento da pesquisa estava sendo realizado o quinto curso.

e) Reunião de “Hiperdia”

São reuniões realizadas por cada equipe e os usuários de suas respectivas áreas, com o

propósito de acompanhar coletivamente as pessoas acometidas das doenças crônicas como a

hipertensão e o diabetes. São realizadas ações educativas com abordagens tradicionais e

renovação de receitas.

f) CD (Crescimento e Desenvolvimento) coletivo

Trata-se de uma ação coletiva voltada para atenção às crianças de 0 (zero) a dois (dois)

anos na qual o diálogo é o instrumento principal, oportunizando vez e voz aos usuários

cuidadores. A ideia é levar em consideração o conhecimento de cada um, a cultura, suas

crenças, hábitos e papéis, e as condições objetivas nas quais as pessoas vivem. Surgiu da

necessidade de romper com o predomínio das consultas individuais, centrado na doença e

pautado em queixas, que reforça o modelo biomédico medicalizante ainda prevalente em

nosso sistema de saúde. Acontece em parceria com a UFRN e é destinado ao público do

programa CD (Crescimento e Desenvolvimento da criança).

A atividade é mensal na qual os cuidadores são envolvidos nas ações de

acompanhamento do CD, buscando assegurar a efetividade do cuidado em saúde infantil. As

facilitadoras (alunas de enfermagem da UFRN) articulam e promovem as discussões sobre

aleitamento materno, vacinações, teste do pezinho, CD da criança e seu seguimento. Ademais,

coordenam e ajudam as mães nas medições antropométricas, nos registros nos cartões, entre

outras atividades do cuidado à criança.

43

g) Bebê Sorrindo

Esta atividade em outras Unidades recebe a denominação de “Bebê sorriso” e consiste

em atividades preventivas e educativas voltadas para crianças de 0 a 5 anos. A demanda é

organizada a partir da participação da criança no CD e através da demanda espontânea.

Segundo relato da dentista, registrado no diário de campo, na USFC II todos os profissionais

de saúde bucal participam. As técnicas em saúde bucal realizam atividades educativas. As

dentistas orientam as mães acerca da higiene bucal das crianças, enfatizando a importância da

inserção desse hábito logo nos primeiros meses de vida. Inicialmente, o projeto era

desenvolvido semanalmente. No momento de realização desta pesquisa, em virtude do não

funcionamento dos equipamentos odontológicos, a equipe aproveitou o tempo disponível para

o projeto funcionar todos os dias da semana.

44

IMERSÃO ETNOGRÁFICA

____________________________________________________________________________

A verdadeira viagem de descobrimento não consiste em

procurar novas paisagens, e sim em ter novos olhos.

Marcel Proust

45

2. IMERSÃO ETNOGRÁFICA: O COTIDIANO DO TRABALHO NA UNIDADE DE

SAÚDE DA FAMÍLIA FELIPE CAMARÃO II

Minhas narrativas aqui apresentadas foram produzidas a partir da imersão em campo e

observações realizadas nos diversos espaços de desenvolvimento dos processos de trabalho da

Unidade de Saúde, durante os meses de agosto a dezembro de 2012 e janeiro de 2013.

Durante esse período, foram realizadas observação das atividades coletivas, das visitas

domiciliares, das consultas médicas e de enfermagem e de algumas reuniões de equipe. Há

também registros de conversas com os profissionais e usuários (informantes-chave), dado que

o interesse da pesquisa é no fazer, no pensar e no sentir desses sujeitos. Parte das conversas

com os informantes-chave já foi utilizada na caracterização das atividades, descritas no

capítulo anterior. Vale salientar que todas as observações e os conteúdos das conversas

constituem o diário de campo.

Cada permanência na USF teve duração de cerca de três a quatro horas, por turno,

matutino ou vespertino, predominando este último. Foram 25 encontros com registro de

observações e das conversas realizadas. Ao final das observações, retornamos à Unidade de

Saúde para realizar leitura de prontuários clínicos dos participantes das atividades coletivas,

no intuito de identificar registros que sinalizassem articulação entre as ações clínicas

assistenciais e as de promoção. Foram selecionados 22 prontuários. Todos do grupo de idosos.

Contudo, não identificamos registro acerca de algum tipo de monitoramento/avaliação

relacionada à participação do usuário na atividade de promoção da saúde. Os registros são

voltados exclusivamente à queixa e sintomas do paciente e ao estabelecimento de prescrição

terapêutica de medicamentos.

Minha primeira visita à Unidade de Saúde, após esta ter sido escolhida para ser

cenário de nossa pesquisa, deu-se no mês de julho, com o intuito de acertar os detalhes

administrativos com o diretor da Unidade. Esse primeiro encontro colocou-me diante de uma

informação que só ao longo das observações faria sentido. A minha primeira tentativa de

aproximação à Unidade foi frustrante, pois o diretor não se encontrava naquele momento na

Unidade. Uma funcionária me informou que a melhor hora de encontrá-lo seria no turno

matutino, após as nove horas. Tento em outro dia, encontro-o e, para minha surpresa, o diretor

prontamente aceitou sem a menor curiosidade de saber do que se tratava, apesar de eu ter

insistido em expor o projeto. Saí daquele encontro refletindo sobre que estratégia utilizaria

para conseguir uma adesão consciente daquele diretor, o que poderia resultar nas condições

46

técnicas e políticas necessárias à viabilização da pesquisa. O que mais tarde, no decorrer de

minhas visitas e observações, fui percebendo que não seria necessário.

A seleção dos informantes-chave ocorreu ao longo das observações, tendo como

primeiro critério uma presença mais sistemática do informante nas atividades de educação em

saúde desenvolvidas na Unidade.

A maioria das conversas aconteceu nos meses de outubro, novembro e dezembro de

2012 e janeiro de 2013, em local reservado nas dependências dos serviços, no caso dos

profissionais, mediante agendamento prévio. No caso dos usuários, além das conversas,

realizamos duas entrevistas que aconteceram em seus domicílios. As mesmas foram

realizadas a partir da temática de interesse da pesquisa, respeitando o interesse do

entrevistado, favorecendo o desenvolvimento das conversas. Em alguns momentos, foram

necessárias algumas intervenções no sentido de resgatar algo pertinente ao assunto. Neste

sentido, recorríamos às questões do roteiro de entrevista (Apêndice E).

TREINANDO O OLHAR: OBSERVAR, SENTIR, ESTRANHAR, OUVIR E

COMPREENDER

o dia 6 de agosto, chego à USF e fico observando sua estrutura física e o

seu entorno. É uma Unidade pequena, porém com bastante espaço externo,

no qual fica localizado o estacionamento e uma árvore que serve de

proteção para os pacientes aguardarem a abertura da USF para o início do

atendimento. Durante meu passeio de reconhecimento da área, observo que

há um salão de múltiplo uso, equipado com uma mesa grande, algumas

cadeiras, uma caixa de som fixa na parede. Esse é o espaço onde são

realizadas as atividades coletivas e que recebeu a denominação pelos funcionários de “Espaço

Cultural”. Ao lado do salão fica o consultório odontológico que há quase três anos está sem

funcionar por problemas na estrutura física. As salas da Unidade de Saúde são todas

gradeadas, o que se justifica pelo alto índice de roubos de equipamentos nas Unidades de

Saúde do município.

Entrar em uma Unidade de Saúde, apesar de trabalhar em uma e já ter sido gestora,

sempre me causou certo estranhamento. Talvez por algumas experiências não muito

acolhedoras em momentos que acompanhava algum parente aos serviços públicos de saúde.

Entro na Unidade e procuro algum profissional que facilite a minha inserção no ambiente.

N

47

Encontro uma enfermeira e uma dentista que estão preenchendo um instrumento do PMAQ.

As duas funcionárias já eram conhecidas e a enfermeira já havia contribuído com a pesquisa,

no momento em que realizei o mapeamento das atividades educativas nas USF do município

de Natal. Deu-me as boas-vindas e ao ouvir minha exposição de motivos sugeriu que eu fosse

participar da reunião do grupo de idosos denominado “Conviver para Melhor Viver”. Esse

grupo se reúne toda segunda-feira à tarde, informa a enfermeira. Dirigi-me, então, ao espaço

onde estava acontecendo a atividade. Apresentei-me ao grupo e falei do meu propósito. A

atividade ainda não havia iniciado e as mulheres que participam do grupo estavam sozinhas

no salão. Aos poucos fui conversando e descobri que algumas faziam parte da área de

abrangência da minha equipe em outra Unidade no mesmo bairro. Elas imediatamente

justificaram a participação no grupo em virtude da falta de médico em nossa equipe. Nesse

dia, o grupo contou com a presença de um médico e três estudantes de medicina, que

conduziram a atividade. O tema abordado foi depressão na terceira idade. Os estudantes

tiveram que realizar a atividade de forma diferente do que haviam planejado em virtude de

alguns problemas de logística. Estando ali presente não poderia me furtar de colaborar com a

viabilização da atividade, propondo outra metodologia (roda de conversa mediada pelas

experiências das mulheres). A falta de apoio logístico institucional foi logo percebida ali.

Apesar das dificuldades, o conteúdo foi discutido de forma dinâmica e contou com a

participação de todas as idosas. Ao final do encontro, o médico solicitou às participantes que

dissessem uma palavra que representasse a avaliação da atividade. As mulheres avaliaram

como bastante proveitoso e alegre. Sinto que minha presença no grupo, de certa forma

proativa, abriu perspectiva de estabelecer vínculos, tanto com o profissional que coordenou o

grupo quanto com as participantes.

Esse meu primeiro contato na condição de pesquisadora colocou-me diante das

primeiras dúvidas. A minha participação no grupo teria sido pertinente? Será que eu me portei

de forma correta? Sinto que preciso me apropriar melhor do método. Retorno às leituras.

A escolha pela observação participante como fonte principal da coleta de dados nos

impõe a condição de estar muito atento ao que Malinowski denominou de imponderáveis da

vida social. É preciso estar atento a como os processos investigados se organizam na prática;

quais as incongruências entre o que se percebe nas falas dos informantes e o que se observa;

como se dão as relações entre os investigados e, por último estar atento aos sinais e símbolos

e seus significados para a pesquisa (MINAYO, 2010). É preciso, portanto, treinar o olhar.

Tornar estranho o conhecido e reconhecer o estranho. Como bem nos lembram Caprara e

48

Landim (2008) ao citarem Banyai (2002) “o fenômeno não pode ser compreendido fora do

seu contexto, por isso o significado emerge da relação com outros signos e, na antropologia, o

significado é sempre construído culturalmente: nada é o que parece ser” (CAPRARA;

LANDIM, 2008, p. 365).

Meus primeiros contatos se deram com profissionais que já eram meus conhecidos, o

que, de certa forma, causou-me sensação de tranquilidade por um lado e, por outro, certa

apreensão de como eu poderia conduzir a pesquisa sem me perder no caminho das

afetividades. Outra questão que me deixava apreensiva era o fato de já ter sido coordenadora

da ESF e de como esse fato poderia interferir na minha inserção no campo. Entretanto, a

maioria dos funcionários era para mim desconhecida. Àqueles que eu ia encontrando pelo

caminho eu falava sobre meu propósito naquela Unidade. Poucos se interessavam, entretanto,

acolheram-me de forma bastante solícita. Um médico, que já era meu conhecido, depois de

me ouvir comentou que achava muito complexo o tema que seria abordado na pesquisa e

prontamente aceitou colaborar.

A construção da identidade do pesquisador pelo grupo vai se forjando nas várias

instâncias de convivência, desde o primeiro contato. Na pesquisa qualitativa, por se tratar de

naturezas semelhantes (objeto/observador), a relação sujeito/objeto se dá mediante um

contexto que, ao mesmo tempo que é transformado, promove a transformação dos sujeitos

(pesquisador/pesquisado). Nesse sentido, a construção de alteridades se faz primordial e exige

a construção de empatias, humildade (MINAYO, 2010).

O pesquisador constrói de sua parte seu objeto, tecnicamente e teoricamente, seleciona

fatos, define conceitos e interpreta seus resultados. Contudo, sua capacidade criadora e sua

experiência são fundamentais para um bom desempenho na pesquisa qualitativa, salientando-

se que essa capacidade criadora é de difícil definição por se tratar de algo oriundo da história

pessoal e da experiência subjetiva. Corresponde à capacidade reflexiva, à memória intelectual

e ao nível de comprometimento do pesquisador com o objeto. No entanto, jamais pode pensar

que o estudo corresponde à totalidade da realidade, pois o conhecimento produzido é um

conhecimento aproximado e inacabado (MINAYO, 2010).

Ciente dessas questões, senti a necessidade de me apresentar para toda a equipe e

expor os meus propósitos durante o tempo que ficaria frequentando aquela Unidade,

observando, perguntando, registrando. Procuro saber se tem alguma reunião geral prevista

para aquele mês. Disseram-me que aconteceria uma no dia 30 do mesmo mês. Programo-me

para participar. Enquanto a reunião não acontecia, continuei fazendo minhas observações.

49

Resolvi acompanhar de forma mais sistemática o grupo “Conviver para Melhor Viver”, por

ser semanal e já ter mais de dez anos, o que me pareceu ter grande sustentabilidade. Portanto,

me programo para estar na Unidade de Saúde de uma forma mais constante no turno

vespertino. Além das atividades coletivas, observaria todo o processo de trabalho no intuito de

explorar melhor outras atividades que estivessem acontecendo e que se relacionasse ao objeto

de estudo. Então, passei a frequentar a Unidade de Saúde durante toda a semana em dias

alternados. Sempre que chegava à Unidade de Saúde, olhava os corredores e estes sempre

estavam com bastantes usuários à espera de algum tipo de atendimento. Saía à procura do que

observar, com quem conversar e descobrir que tipo de atividade se realizaria naquele

momento, como se desenvolvia o processo de trabalho da Unidade. Sempre com o propósito

de estabelecer relações entre as atividades de educação em saúde e as demais; os significados

dessas ações para profissionais e usuários.

A VISITA DOMICILIAR: LOCUS PRIVILEGIADO DAS AÇÕES DE EDUCAÇÃO

EM SAÚDE

24 de agosto, 08:15h.

exta-feira. Ao chegar à Unidade encontro o médico se organizando para ir

fazer suas visitas domiciliares e eu sugiro acompanhá-lo. É o mesmo que

participa do grupo “Conviver para Melhor Viver”. Então, fomos aos

domicílios, previamente agendados pelas três ACS que nos acompanharam.

Também nos acompanhou uma residente de enfermagem. Iniciamos em uma

residência de uma senhora de 84 anos que tinha se submetido a uma

mastectomia. Segundo seu relato, ela já havia sido submetida a uma cirurgia

conservadora na mesma mama, há uns onze anos. O médico pede para ver os exames

laboratoriais e ela não havia feito por dificuldades em agendar no SUS e também na rede

privada. A cuidadora relata que o funcionário do laboratório teve receio em fazer o

procedimento, alegando o estado febril da paciente. No momento da visita ela apresentava

pressão arterial alterada e o médico perguntou se ela estava medicada e ela respondeu que

não. Então, a ACS sugere que ela faça o monitoramento da pressão no posto para fechar o

diagnóstico e ser medicada. O médico orienta sobre a necessidade de fazer os exames. Na

mesma visita, o médico atendeu às solicitações de alguns familiares acerca de fichas de

referências.

S

50

Visitamos outra usuária de 83 anos, lúcida, com problemas articulares crônicos e

diabetes. O médico, sempre iniciando sua abordagem perguntando o motivo da solicitação da

visita, verificou a pressão arterial e constatou alteração. Daí pediu para ver a medicação

prescrita. A usuária mostra o medicamento e se queixa de alguns efeitos colaterais. Então a

conversa é focada na alimentação e nos cuidados que ela poderia ter para dirimir os

desconfortos. A paciente, apesar de já ter recebido diversas orientações acerca do consumo de

açúcar, informa que nem sempre consegue resistir. Pareceu ser uma pessoa esclarecida quanto

aos seus direitos perante o sistema de saúde público, ao se queixar da morosidade nos

agendamentos das fichas de referências. Ao sairmos da casa dela o médico me faz a seguinte

pergunta: você acha que o ACS tem a obrigação de gostar de todos os pacientes que visita? A

pergunta me pegou um pouco de surpresa porque eu havia gostado bastante da postura das

ACS na visita e então respondi: obrigação de gostar nenhum profissional tem, mas, atender

bem, sim. Ele concordou comigo e justificou a pergunta dizendo que a ACS se queixava das

visitas que realizava àquela senhora porque ela tinha sempre uma insatisfação a relatar perante

o acompanhamento da equipe.

Visitamos um acamado diabético de 74 anos, vítima de Acidente Vascular Cerebral

(AVC). A esposa dele informa que, mesmo após o AVC, seu esposo se locomovia, mesmo

com dificuldade, e falava. No entanto, após a última internação, que foi motivada por uma

pneumonia, ele se encontrava em estado de total dependência dela até para mudar de posição

na cama. Ela reclamou do mau atendimento recebido no hospital e afirmou que isso fez com

que ela o trouxesse de volta para casa, fato que gerou críticas dos familiares. Observei que o

usuário apresentava escaras profundas. A residente realizou a higienização e curativos, apesar

de não dispor do material mais indicado para o procedimento. O médico sugeriu a aquisição

de um colchão apropriado e o material para os curativos. Enquanto isso, a ACS conversava

com a esposa do paciente a respeito da saúde dela. A mesma havia tido episódios de desmaios

e responde que não tem mais tempo para se cuidar. A ACS faz algumas orientações acerca do

cuidado da mulher consigo própria para ter condições de cuidar do esposo. O médico me

chama a um canto da sala e sugere que eu converse com a cuidadora para poder ajudá-lo na

abordagem do problema que estava identificando. Na conversa com ela fico sabendo que

moram oito pessoas na casa e sua filha de trinta anos tem deficiência mental. Deu para

perceber durante a conversa o alto nível de estresse da cuidadora, ocasionado pela situação de

adoecimento do esposo e pelo problema gerado no meio familiar. No momento em que

estávamos em sua casa, ela demonstrou, através de atitudes rudes com a filha com deficiência,

51

o quanto estava sofrida e afetada com aquela situação. Ao sairmos dessa visita, o médico

demonstrou sua preocupação com o estado de saúde mental da mulher e se queixou da falta de

apoio dos profissionais da saúde mental e o quanto se sentia impotente diante de uma situação

dessas.

Na residência seguinte, visitamos uma senhora de 72 anos, hipertensa e com

depressão. O médico pergunta se ela está fazendo as caminhadas que ele recomendou e ela

responde que não. Então eu pergunto se ela participa do grupo “Conviver para Melhor Viver”

e ela diz que já participou, mas não participa mais porque tem que cuidar dos netos para os

pais poderem trabalhar. O esposo dela entra na conversa e diz que também não pode

participar porque tem que levar os netos para a escola e para as demais atividades.

Ao entrarmos na quinta residência, encontramos uma mulher acamada parecendo ter

mais de 70 anos e com diagnóstico de Alzheimer há dois anos. Uma situação bastante

delicada no que diz respeito aos cuidados. Ela apresentava escaras extensas e profundas e um

odor fétido. O médico perguntou se ela havia recebido a visita da enfermeira. A cuidadora,

que é uma ex-nora da paciente, responde que não. Uma das ACS faz umas fotografias das

escaras para ilustrar o pedido de material especializado para esse tipo de curativo. O médico

fala para a ACS solicitar a visita do fisioterapeuta do NASF.

Após essas cinco visitas, eu me despeço da equipe e o médico diz que ainda fará mais

duas visitas. Apesar de fazer parte de uma equipe de saúde da família, eu ainda não havia

vivenciado o processo de trabalho do médico, haja vista a minha equipe não ter este

profissional. Essa vivência me aproximou mais ainda do sofrimento das pessoas e me fez

refletir sobre como é frustrante para um profissional consciente de sua responsabilidade social

encarar aquelas situações de sofrimento. O sentimento de impotência mediante uma prática

limitada pela ausência de políticas públicas que apoiem o seu trabalho é muito grande. Saí

daquelas visitas com o coração apertado e a cabeça fervilhando. O médico percebeu que eu

tinha ficado bastante afetada pelas situações encontradas e falou que, apesar dos anos de

trabalho, ainda se sentia bastante incomodado com o que se deparava nas visitas, apesar de

fazer parte de seu cotidiano de trabalho. Falou do quanto era estressante se deparar com

aquelas situações e não poder fazer muita coisa. Aos nossos olhos seriam atitudes paliativas.

A situação observada evidencia uma questão importante para a organização da ESF na

perspectiva do cuidado integral, que é o desafio de perceber a família no seu contexto

biológico, social e cultural. A família deve ser entendida de forma integral e em seu espaço

social, compreendendo seu perfil socioeconômico e cultural, considerando que é nela que

52

ocorrem interações e conflitos que influenciam diretamente a saúde das pessoas (BRASIL,

1997).

Observamos que a visita domiciliar pode provocar uma atuação compartilhada entre

equipe e família no sentido de buscar uma melhor articulação das disciplinas e das políticas

públicas. Sem isso, a visita domiciliar pode se configurar como mais um momento meramente

assistencial. Havendo apenas o deslocamento do espaço físico da Unidade para o domicílio.

Na perspectiva da articulação interdisciplinar das equipes, uma das estratégias

promissoras é o matriciamento a ser realizado pela equipe do NASF, o qual deverá ocorrer

como um suporte técnico-pedagógico na perspectiva da educação permanente e da construção

coletiva de projetos terapêuticos com a população. O apoio matricial deve se dar na lógica da

gestão compartilhada e apoio à coordenação do cuidado, com vistas ao aprendizado coletivo

(BRASIL, 2010).

Nesse sentido, é importante ressaltar o papel do apoio matricial da saúde mental às

ações desenvolvidas pelas equipes de saúde da família. Há que se construir interfaces, entre

saúde mental e atenção básica, a partir de discussões clínicas conjuntas com as equipes ou

mesmo intervenções conjuntas concretas (consultas, visitas domiciliares, entre outras). Dessa

forma, os profissionais de Saúde Mental podem contribuir para o aumento da capacidade

resolutiva das equipes, qualificando-as para a realização de uma clínica ampliada e

contribuindo com a desmedicalização. Através desse apoio torna-se possível distinguir as

situações individuais e sociais, que podem ser acolhidas pela própria equipe de saúde da

família; ou demandas para uma equipe de referência; ou para outros recursos sociais

disponíveis no sistema (FIGUEIREDO; CAMPOS, 2009).

O que vivenciamos nessas visitas domiciliares e os sentimentos expressos na fala do

profissional médico nos fez recordar os primeiros momentos de implantação da ESF.

Naqueles momentos, os profissionais, sobretudo o médico, recebiam treinamento inicial e

algumas capacitações específicas para atender os pacientes, em todos os seus ciclos de vida e

em qualquer situação de adoecimento. Essas capacitações eram justificadas por deficiências

na formação acadêmica e era focada no comprometimento com o humano. Esse enfoque hoje

é reforçado pela Política Nacional da Atenção Básica que traz diretrizes da Política de

educação permanente, e pela Política Nacional de Humanização (PNH). Essas políticas

vinculam os processos de educação permanente à estratégia de apoio institucional na

perspectiva de potencializar o desenvolvimento de competências de gestão e de cuidado na

Atenção Básica, através de um fomento às alternativas para o enfrentamento das dificuldades

53

vivenciadas pelos trabalhadores em seu cotidiano (BRASIL, 2011). No entanto, o que se

observa é um descompasso entre o processo de capacitações e a organização das práticas.

Poderíamos inferir que, em consequência desse descompasso, ocorre o que Bonet denominou

de “tensão estruturante” se referindo à tensão entre o saber (racional, científico) e o sentir

(emocional, psicológico) desenvolvida durante a prática médica (BONET, 2004, p. 126).

É importante perceber a visita domiciliar como um espaço de apreensão dos sentidos

da integralidade realizada por Cecílio (2001). A atitude do médico e dos ACS nas visitas

domiciliares, não se limitando ao indivíduo e à doença em si, mas também percebendo os

conflitos vivenciados na família em virtude do adoecimento de um dos componentes,

demonstra uma ampliação da concepção de saúde por parte dos profissionais e

consequentemente abertura para uma melhor articulação da assistência com a promoção da

saúde. Isto nos leva ao primeiro conjunto de sentidos da integralidade. Esse conjunto de

sentidos se refere às boas práticas de saúde na perspectiva de rechaçar posturas profissionais

reducionistas e avançar na direção da defesa da integralidade como um valor que se expressa

nas boas práticas de saúde.

A observação no campo leva-nos a identificar a visita domiciliar como terreno fértil à

realização do cuidado integral, no entanto, ainda se faz necessário uma boa articulação das

práticas realizadas na atenção básica com as demais práticas existentes na rede de saúde no

sentido de conferir resolutividade, garantindo a longitudinalidade do cuidado, o que nos

convida a refletir sobre outros conjuntos de sentidos da integralidade. Entre estes, aquele que

se refere ao rompimento com a fragmentação das práticas de saúde, através de uma nova

forma de organizar o processo de trabalho tendo como característica principal a busca

contínua de ampliar as possibilidades de apreensão das necessidades de saúde. Nesse

contexto, a priorização da fala da família acerca de suas necessidades é fundamental para

subsidiar o planejamento das ações da equipe na perspectiva da integralidade.

A visita domiciliar deve se constituir, portanto, em um espaço essencial de articulação

entre as ações assistenciais e promocionais, na perspectiva da clínica ampliada e

compartilhada (BRASIL, 2009). Há que se buscar constantemente o diálogo entre os

diferentes sujeitos, respeitando os diferentes modos de ver e sentir as necessidades do usuário

e dos profissionais de saúde, e estruturar as redes de serviços bem articulados entre si, para

que não ocorra descontinuidade do cuidado.

No entanto, para que se avance rumo ao cuidado integral, há que se pensar que

existem problemas que reclamarão respostas governamentais a públicos com necessidades de

54

políticas especiais (MATTOS, 2001). Dessa forma, a visita domiciliar tem a potência de

provocar e fazer emergir as demandas por promoção da saúde, que ampliam a ação dos

profissionais de saúde em busca de parcerias fora do setor saúde para ações intersetoriais que

incidam nos determinantes sociais e que tenham efeitos nas condições concretas de

existências dos usuários do SUS. Nesse sentido, há que também se pensar e desenvolver

estratégias para apoiar os serviços e as ações dos profissionais.

EDUCAÇÃO EM SAÚDE: POSSIBILIDADES DE APRENDER E ENSINAR

27 de agosto, 14h.

egunda-feira. Chego à Unidade e procuro o grupo “Conviver para Melhor

Viver”, mas não o encontro. Aproveito para observar o atendimento dos

alunos do internato de medicina. Percebo que estes reproduzem o modo

convencional de atender pacientes, de forma bastante burocratizada, guiada

pela queixa-conduta ou seguindo o protocolo do “Hiperdia”. A estrutura do

consultório, por sua vez, não propicia boas condições de atendimento, com

um cômodo muito pequeno, uma mesa, duas cadeiras e uma maca com um

lençol bastante encardido, um ventilador barulhento e um armário. Um ambiente por si só frio

e pouco acolhedor. Percebo nesse atendimento também a ausência do incentivo à participação

dos pacientes no grupo “Conviver para Melhor Viver”. Saio e vou procurar novamente o

grupo. Encontro mulheres já reunidas em torno de uma mesa, fazendo trabalhos manuais com

a supervisão de uma servidora pública municipal que participa do grupo ensinando as

mulheres a fazer esse tipo de trabalho. Ao perguntar sobre a presença de algum profissional

da Unidade de saúde, elas me respondem que não sabem se haverá algum e que isso não

inviabiliza o encontro delas.

Hoje compareceram nove mulheres. Enquanto faziam seus trabalhos manuais elas me

indagaram sobre minha profissão e, ao saberem que eu era dentista, foram logo relatando suas

demandas de tratamento odontológico, pois o setor de saúde bucal da Unidade não funciona

há mais de dois anos. Começo a abordá-las quanto a suas condições de saúde e se a

participação no grupo produzia alguma mudança nisso. Todas respondem que a participação

no grupo faz muito bem para a saúde delas e começam a falar sobre a formação do grupo e o

que as motivaram a participar. Recordam de forma saudosista a época das festas e das danças

S

55

e do quanto fazia bem para a saúde delas. Ouvi histórias individuais de perdas, de sofrimentos

e de superações. Elas falam de forma bastante entusiasmada sobre o médico que sempre está

presente no grupo. Falaram de suas participações no grupo de caminhada e dos alongamentos

que o professor ensina. Em seguida, à medida que iam encerrando o que estavam fazendo,

foram se despedindo com o mesmo entusiasmo que chegaram.

Observar esse grupo é um momento singular da imersão no campo de pesquisa, por ser

o que mais se aproxima das inquietações iniciais que geraram a escolha deste estudo. São

questões pertinentes à vivência profissional em constantes reflexões na perspectiva de

contribuições à construção do SUS. Uma vivência profissional de quem já esteve na condição

de sindicalista, ou como facilitadora das oficinas de processos de trabalho, ou na condição de

gestora da ESF. Essas experiências contribuíram para a percepção da importância da

construção do vínculo profissional/usuários/gestores, como elemento central da eficácia do

sistema.

Na condição de dentista da ESF, percebo baixa adesão dos usuários aos tratamentos

individuais de suas doenças crônicas, sobretudo, a hipertensão e o diabetes. Doenças que

comprometem a saúde bucal, ao mesmo tempo que são agravadas pela existência das doenças

bucais, demandando assim uma complementação do momento clínico assistencial com ações

educativas tanto no âmbito individual quanto coletivo. Essas ações, portanto, devem ser

realizadas por uma equipe bem articulada e integrada.

Nessa perspectiva elegemos as práticas de educação em saúde como foco de nossa

observação por compreendermos que, de todo o processo de trabalho em saúde, realizar ações

educativas, seja no âmbito individual ou coletivo, é um dos maiores desafios enfrentados pelo

trabalhador da saúde. É um momento em que o profissional é impulsionado por sua própria

formação, centrada no saber científico, a prescrever dietas e bons hábitos de saúde. No

entanto, quando esse profissional se propõe a refletir sobre sua prática, percebe o quanto essa

forma de fazer educação em saúde é ineficaz. A prática de educação em saúde coloca a

necessidade de saberes fundantes como o de lidar com as adversidades, como reconhecer os

distintos saberes existentes numa comunidade.

Freire (2010) afirma que é preciso o reconhecimento dos sujeitos no processo

educativo e, sobretudo, é preciso compreender que ensinar é diferente de transferir

conhecimento e sim criar oportunidades de produção e de construção de saberes. “Quem

ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 2010, p. 23).

56

Na perspectiva do processo educativo em favor da autonomia dos educandos apontada

por Freire (2010), tem-se a Educação Popular em Saúde como um método promissor para a

realização das práticas educativas na saúde. Tem sido adotado por muitos profissionais que,

insatisfeitos com as práticas mercantilizadas e rotinizadas dos serviços de saúde, tentam

organizar as práticas articuladas com a dinâmica social local (VASCONCELOS, 2004).

Urge, portanto, a necessidade de qualificação dos profissionais na perspectiva de

prepará-los para novas abordagens e novas estratégias que possibilitem aos usuários

perceberem suas experiências de adoecimento como instantes de reflexão e de escolhas,

transformando-as em possibilidades de melhoria de seus modos de andar a vida. Para tanto, é

necessário ampliar a concepção de saúde, concatená-la com as necessidades e potencialidades

de cada indivíduo ou comunidades, mediante um processo dialógico.

O PROFISSiONAL DE ENFERMAGEM NA CONSTRUÇÃO DA INTEGRALIDADE

28 de agosto, 09:15h.

erça-feira. Em virtude do horário que cheguei à Unidade de Saúde, encontro

poucos pacientes na sala de espera e todos os profissionais estavam em

atendimento. Continuo circulando na Unidade e encontro alguns técnicos

fazendo um lanche em uma sala que é usada para esse fim. Uma sala

minúscula, com mesa pequena e duas cadeiras. Fico sabendo que uma

enfermeira está fazendo atendimento clínico e consulto sobre a possibilidade

de observar o seu trabalho. Ela autoriza imediatamente sem nenhum

questionamento. É uma postura que eu percebia em todos que eu abordava e confesso que isso

me deixava um pouco apreensiva, pois não sabia se essa postura dos profissionais era

resultante do grau de confiança na pesquisadora ou se era alguma outra razão que os levariam

a essa disponibilidade. O que ao final da pesquisa, concluo que, em parte, resultava da

confiança que foi estabelecida desde o início.

Passei a manhã observando o processo de trabalho da enfermeira que totalizou em

quatro consultas: a primeira foi de um senhor de 50 anos que havia descoberto, através de

acompanhamento pós-cirurgia, que estava com diabetes e foi fazer o cadastramento no

“Hiperdia”. A enfermeira segue o protocolo de cadastramento ao programa, fazendo as

T

57

perguntas constantes no formulário; a segunda foi de uma moça de 18 anos, que estava

querendo dar continuidade ao uso de contraceptivos. A enfermeira conversa de forma bastante

afetiva com a jovem e faz elogios à forma como ela tem se cuidado perante o risco de contrair

alguma doença sexualmente transmissível. Nesse momento a enfermeira tece considerações

acerca do impacto da prática de educação em saúde desenvolvida no planejamento familiar; a

terceira foi uma senhora de 39 anos com episódios de cansaço e que precisava ser vista pelo

médico e como a equipe está sem este profissional a conduta da enfermeira foi tentar agendar

uma consulta com o médico da outra equipe. Ela conseguiu vaga para dois dias após aquela

data. No entanto, a paciente diz que está com dor de cabeça e a enfermeira sugere que ela

tome analgésicos enquanto aguarda a consulta e, em caso de agravamento do quadro, procure

um pronto-atendimento; a quarta consulta foi de uma criança de 3 anos com um quadro de

infecção viral. A enfermeira orientou a mãe da criança quanto aos cuidados relativos à

hidratação, monitoramento da febre, a utilização de antitérmicos, aplicação de envoltórios e

orientou que, em caso de agravamento do quadro, a mãe procurasse o atendimento de

urgência que funciona em outro bairro. A mãe aproveita a consulta para falar da situação de

saúde do esposo e sua própria situação, apresentando o resultado dos exames que haviam

feito. O caso da mulher era de suspeita de infecção urinária, mas não tinha acusado no exame,

então a enfermeira solicitou uma cultura de urina e um exame de glicemia.

Em conversa com a enfermeira, ela desabafa que é muito difícil atuar de uma forma

melhor diante das dificuldades que ela estava enfrentando por não ter médico em sua equipe.

Percebo que a profissional é bastante comprometida e tem um vínculo fortemente

estabelecido com os usuários que poderia ser melhor aproveitado para uma boa conversa

produtora de saúde. Percebo que o fato de a equipe estar incompleta gera sentimentos de

desconforto, impotência e sobrecarga para a enfermeira que, em algumas situações, tem que

suprir a falta do profissional médico com algum paliativo. Senti falta do estímulo aos

pacientes a participarem das atividades de educação em saúde, ou até mesmo uma conversa

sobre saúde no próprio encontro assistencial.

A crise de identidade vivenciada por parte de enfermeiro (a) pode ser justificada em

virtude das inúmeras atividades que têm desempenhado ao mesmo tempo, o que tem tornado

sua rotina estressante e que não tem significado uma apropriação de espaços (MEDEIROS;

TAVARES, 1997 apud VILAS BÔAS, 2004).

No entanto, é oportuno assinalar que é possível perceber avanços na percepção desse

profissional acerca de sua autonomia que contribuirão de forma significativa com a

58

construção do modelo assistencial proposto para o SUS. A enfermeira expressa que a

construção da autonomia implica na construção do seu saber/fazer e da apropriação do seu

papel dentro da equipe multiprofissional, bem como há reconhecimento da necessidade de

ampliação do conhecimento técnico com a inclusão das dimensões éticas e políticas nas suas

práticas de saúde visando à conquista da autonomia, como mostra o estudo de Vilas Boas

(2004).

A percepção de sua própria autonomia por parte dos profissionais é fundamental na

gestão do processo de trabalho. Não só dos profissionais da enfermagem, assim como de

todos os componentes da equipe. O desafio de se articular práticas na perspectiva da

integralidade perpassa a construção de autonomias. Não esquecendo o papel do apoio

institucional de forma muito clara e determinada no intuito de estimular e contribuir para o

desenvolvimento das boas práticas de saúde.

É fundamental que a integralidade seja percebida como parte de uma imagem objetivo

e que seja reconhecida mediante seus vários sentidos, relacionando-os a um conjunto de

valores correlatos a um ideal de uma sociedade mais justa e mais solidária. Portanto, é

essencial que se estabeleça diferenciações ao que existe e ao que se almeja construir. Essa

perspectiva possibilita as diversas leituras de diversos atores políticos que compartilhem

indignações, críticas e proposições com vistas à transformação da realidade (CECÍLIO, 2001).

Sendo a integralidade o princípio do SUS que mais reclama os valores de justiça

social, concordamos ser essencial a convergência de poderes nessa direção. Merhy (2007)

assinala que a construção da integralidade passa pelos diversos processos de gestão. Significa

dizer que todos governam (gestores de todas as esferas administrativas e gestores dos

processos de trabalho – profissionais e usuários) e que cada ator desenvolve suas

potencialidades mediante as configurações dos processos, cujos poderes devem ser

reconhecidos como potência de aquisição e controle dos recursos essenciais aos projetos em

jogo.

59

CONSTRUINDO RELAÇÕES NA UNIDADE DE SAÚDE NA CONDIÇÃO DE

PESQUISADORA

30 de agosto, 11h.

uinta-feira. Chego à Unidade e procuro saber sobre a reunião agendada com o

NASF e uma das equipes da Unidade. Fico sabendo que não haveria mais a

reunião e sim uma reunião administrativa com toda a equipe. Solicito a

permissão do diretor para me apresentar e falar da minha pesquisa. Naquele

momento reiterei a informação de que não estava ali para avaliar o trabalho da

equipe e sim refletir a partir dele. Fui bem acolhida por toda a equipe e agradeci. Não

permaneci na reunião por considerar que a pauta da reunião era de assuntos administrativos. O

fato de já estar em contato com a equipe há mais de um mês, observando, conversando

informalmente com vários profissionais facilitou a oficialização da pesquisa no coletivo.

Percebi em momentos posteriores que foi muito importante a socialização dos propósitos da

pesquisa para o estreitamento de laços e a construção de relações de cooperações. A equipe

foi se mostrando bastante solícita em repassar informações e indicar informantes-chave

conforme a inserção de cada um nas experiências. Sempre que eu chegava à Unidade aparecia

logo alguém perguntando o que eu iria observar ou fazer naquele dia. Faziam questão de me

comunicar sobre as atividades que iriam acontecer ou me relatavam as que já haviam

ocorrido.

CONHECENDO O PERFIL PROFISSIONAL DA EQUIPE

05 de setembro, 08:30h.

uarta-feira. Chego à Unidade destinada a pegar informações acerca de seu

funcionamento. Uma técnica de enfermagem prontamente me concede várias

informações. Fico sabendo que a implantação da ESF se iniciou com apenas

uma equipe e depois foram implantadas as outras três. Ela me fala do quadro

atual de funcionários, o qual está desfalcado de um médico, um ACS e que

uma auxiliar de saúde bucal se encontra afastada do serviço por questão de saúde há dois

anos. Além dos profissionais que compõem as equipes de Saúde da Família, a Unidade conta

Q

Q

60

apenas com um diretor, um técnico de enfermagem que exerce a função de auxiliar

administrativo e o dois auxiliares de serviços gerais. Quanto ao perfil dos profissionais a ACS

diz que, em sua maioria, os profissionais de nível superior e médio já estão com idade acima

de 50 anos. Entre os ACS a idade varia de 30 a 50 anos. Há um predomínio do sexo feminino

e a média de permanência na Unidade é de mais de cinco anos. Ao todo são 50 funcionários.

Para suprir a falta de servidores, os ACS exercem algumas funções administrativas

como, por exemplo, a função de arquivista, o que se configura em mais uma dificuldade para

esse profissional executar suas ações específicas, que, segundo a Portaria Nacional da

Atenção Básica, são:

trabalhar com adscrição de famílias em base geográfica definida, a

microárea; cadastrar todas as pessoas de sua microárea e manter os cadastros atualizados; orientar as famílias quanto à utilização dos serviços de saúde

disponíveis; realizar atividades programadas e de atenção à demanda

espontânea; acompanhar, por meio de visita domiciliar, todas as famílias e indivíduos sob sua responsabilidade; desenvolver ações que busquem a

integração entre a equipe de saúde e a população adscrita à UBS,

considerando as características e as finalidades do trabalho de

acompanhamento de indivíduos e grupos sociais ou coletividade; desenvolver atividades de promoção da saúde, de prevenção das doenças e

agravos e de vigilância à saúde, por meio de visitas domiciliares e de ações

educativas individuais e coletivas nos domicílios e na comunidade, como por exemplo, combate à Dengue, malária, leishmaniose, entre outras, mantendo

a equipe informada, principalmente a respeito das situações de risco; e estar

em contato permanente com as famílias, desenvolvendo ações educativas, visando à promoção da saúde, à prevenção das doenças, e ao

acompanhamento das pessoas com problemas de saúde, bem como ao

acompanhamento das condicionalidades do Programa Bolsa Família ou de

qualquer outro programa similar de transferência de renda e enfrentamento de vulnerabilidades implantado pelo Governo Federal, estadual e municipal

de acordo com o planejamento da equipe (BRASIL, 2011).

OUVIR, OLHAR E TOCAR: ATITUDES FUNDAMENTAS À PRÁTICA DO

CUIDADO INTEGRAL

12 de setembro, 14h.

uinta-feira. Ao chegar à Unidade de saúde, observo o fluxo de usuários nos

corredores em bastante movimentação. Vou à procura de alguma atividade

educativa e me deparei com um cartaz que anunciava o 5º Curso para

Gestantes a ser desenvolvido no período de 19 de setembro a 12 de

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61

dezembro de 2013, com divulgação da programação completa do curso. Então, agendei-me

para acompanhar o desenvolvimento do curso. Continuo a circular pela Unidade e encontro o

médico que eu havia acompanhado nas visitas domiciliares e no grupo “Conviver para Melhor

Viver”. Ele está atendendo o pessoal da área que não tem médico. Proponho-me a observar

seu atendimento e ele aceita. Durante a observação ele consultou cinco usuários e ainda havia

oito na sala de espera. Todos que observei a consulta eram adultos acima de 50 anos,

acometidos de doenças crônicas e que procuram a Unidade de Saúde para renovar suas

receitas. O médico desabafa dizendo que a demanda é muito alta e empobrece a relação

médico/paciente. Após observar esses atendimentos, saio para a sala de espera e começo a

conversar com os usuários que ainda aguardam atendimento. São todas mulheres e reclamam

da demora no atendimento (acho que minha presença na sala fez com que o médico se

demorasse mais e elas não estavam acostumadas com isso). Pergunto a uma delas se tem

conhecimento do grupo “Conviver para Melhor Viver” e ela diz que sim e que participa deste

e de outro que existe na comunidade. As demais disseram que não participavam e não se

interessaram pelo assunto. Estavam todas ansiosas por serem atendidas e voltarem para casa.

Quando nos propusemos a analisar as práticas de educação em saúde, através da

observação do processo de trabalho, tínhamos em mente as seguintes assertivas: as ações de

educação em saúde na perspectiva da integralidade deveriam estar presentes nos vários

momentos do processo de trabalho em saúde e, ao serem desenvolvidas no âmbito coletivo,

deveriam se dar em caráter de complementaridade às demais ações. Dessa forma, conduzimos

nossa observação e nossas reflexões buscando identificar essa articulação.

É fundamental compreender que qualquer ato de saúde é realizado a partir do encontro

entre sujeitos e que o ideal é que seja um encontro numa perspectiva dialógica e pedagógica.

Nesse sentido, tentaremos problematizar o encontro profissional-usuário no momento

assistencial partindo de algumas questões reflexivas: a queixa exposta pelo usuário no

momento inicial do encontro com o profissional, ou ao procurar os serviços, pode não

representar o que realmente buscam? O que estaria ocorrendo durante o encontro entre

profissionais e usuários para que este último retorne constantemente ao serviço, configurando-

se como os denominados poliqueixosos? Que tipo de encontro tem predominado no cotidiano

dos serviços? Estamos aproveitando esses encontros para desenvolvermos a educação em

saúde?

Consideramos que o profissional necessita de tempo e disposição para ouvir melhor e

decodificar a demanda, sem o que a oferta se limita a responder à queixa principal e, de certa

62

forma, satisfaz o usuário em um primeiro momento. No entanto, não supre sua necessidade e

ele retornará sempre com a mesma ou alguma outra queixa semelhante. O vínculo

estabelecido entre profissional e usuário muitas vezes fica no plano do afeto e este deve ser

também efetivo. Essa reflexão nos convida a retomar a discussão acerca dos sentidos da

integralidade. Retomamos as noções de Mattos (2001) e Cecílio (2001) ao destacarem as boas

práticas de saúde desenvolvidas através da oferta de serviços correspondente às necessidades

de saúde dos usuários. O encontro profissional-usuário deverá se dar na perspectiva da melhor

escuta possível das necessidades de saúde que se apresenta travestida em alguma demanda

específica, o que exige uma decodificação em uma necessidade de saúde para que seja

atendida da melhor forma possível (CECÍLIO, 2001; MATTOS, 2001).

Ayres (2009) chama a atenção para três procedimentos necessários à prática do

cuidado integral: ouvir mais, pois é pelo relato que se constrói um enredo e, ao fazê-lo,

dispõe-se de personagens, tempo, lugares, ações, sentimentos, possibilitando atribuir-se aos

padecimentos e carecimento de cuidados o seu sentido, tornando-o compreensível; ver mais,

no sentido de buscar o que os pacientes nos dizem através do olhar, da postura do corpo, da

respiração e tocar mais, pois muitas vezes é preciso provocar, tocar fisicamente um local

dolorido, a sede de um desconforto, uma área de preocupação para que a narrativa de um

usuário se torne mais fluente e potente no processo diagnóstico e de intervenção. É importante

perceber, sobretudo, que o êxito técnico é uma tradução do sucesso prático e este só se dá a

partir da participação do usuário, considerando o modo como estes percebem a vida e a saúde

em seu cotidiano (AYRES, 2009). Os bons resultados nesse campo vão contribuir para

diminuir a procura dos usuários pela Unidade de Saúde, proporcionando-lhe maior satisfação

com seu autocuidado. Nesse contexto, o profissional poderá identificar quais problemas

necessitam de um trabalho de educação em saúde a ser desenvolvido no âmbito individual ou

coletivo.

Merhy (2007b), ao chamar atenção para a condição de gestores de todos os atores no

processo de trabalho em saúde, lembra-nos que as formas de contratualização se dão

conforme as intencionalidades, subjetividades, correlação de forças expressas entre os atores.

Ao destacar a condição dos usuários no processo, o autor afirma:

Os usuários mesmo sendo os portadores do mundo das necessidades de

saúde, poderão representá-las das mais variadas formas, pois eles não são uma categoria de ator uniforme, bem como todos os outros. Há vários tipos

de usuários, constituídos como sujeitos, como protagonistas marcadores do

universo das necessidades (MERHY, 2007b, p. 17).

63

Nesse sentido, é fundamental que se promova uma ampliação e sensibilização da

escuta respeitando as singularidades inerentes a cada situação.

COMO COORDENAR O PROCESSO DE TRABALHO DE UMA EQUIPE

DESMOTIVADA: ALGUMAS REFLEXÕES

17 de setembro, 14h.

egunda-feira. Cheguei à Unidade com intenção de obter informações acerca

do seu fluxograma. A expectativa era de que este pudesse me ajudar a

compreender melhor a dinâmica do trabalho de modo a evidenciar como se dá

a articulação entre as ações educativas coletivas e as ações clínicas. Encontro

uma enfermeira que estava fazendo o consolidado das planilhas do PMAQ e

ela, prontamente, passa-me os dados das planilhas e informa que vai realizar o

CD coletivo de sua área no dia nove de outubro, convida-me a participar,

mostrando-se interessada em colaborar com a minha pesquisa. Após me repassar todas as

informações, a enfermeira dá um suspiro e desabafa: “Quando iniciamos este PMAQ eu me

sentia motivada. Mas diante de tantas dificuldades e da pouca adesão da equipe estou me

sentindo impotente e desmotivada”. Complementa: “me sinto remando contra a maré”. Depois

fico sabendo que ela está na condição de coordenadora técnica da equipe. Após o desabafo,

ela me pede para aguardá-la enquanto ela vai realizar algumas consultas de planejamento

familiar. Eu digo que ela pode continuar com as informações outro dia e ela concorda em me

fornecer depois o fluxograma da Unidade. Em seguida, fico sozinha e reflito sobre o desafio

que é coordenar processos de trabalho de uma equipe “despotencializada”. Nesse momento

recordo as experiências que vivenciei e das discussões realizadas na condição de apoiadora

institucional. O que nos instiga a recorrer mais uma vez à discussão de Merhy (2007b) acerca

dos desafios colocados para os gestores do SUS, compreendendo que todos os atores

envolvidos na produção de saúde governam e que estes devem ter consciência de seu papel.

O autor afirma que na micropolítica do processo de trabalho não cabe a noção de

impotência, haja vista o processo de trabalho estar sempre aberto à presença do trabalho vivo

em ato. Cabe, portanto, uma nova postura de profissionais e usuários no sentido de estabelecer

redes de conversas com vistas à produção de relações intercessoras (MERHY, 2007a).

S

64

Nesse sentido, o autor chama a atenção para a condição dos trabalhadores como

detentores de um conjunto de saberes e que “a finalidade última de qualquer trabalho em

saúde, em qualquer tipo de serviço, é a responsabilidade em operar com saberes tecnológicos,

de expressão material e não material, a produção do cuidado individual e/ou coletivo, que

promete a cura e a saúde” (MERHY, 2007b, p. 23).

A gestão do trabalho em saúde não pode prescindir do diálogo entre os trabalhadores,

entre trabalhadores e população, entre trabalhadores e administração, promovendo a gestão

participativa, colegiada, e a gestão compartilhada dos cuidados/atenção, como explicita a

PNH (BRASIL, 2008).

Para Teixeira (2003) a substância do trabalho em saúde é a conversa. São muitas as

conversas que circulam nas Unidades de Saúde, sejam individuais ou em grupos. São elas que

dão materialidade aos encontros. O reconhecimento dessa assertiva nos convida a pensar quão

essencial é desenvolver técnicas que estimulem modos de conversar nos serviços visando a

produção de relações que possibilitem tomadas de decisões mais participativas.

Nesse sentido, Teixeira (2003) propõe uma técnica especial de conversa denominada

“acolhimento dialogado” com vistas à reorganização da rede assistencial na perspectiva de

uma “rede de conversações”. O acolhimento constitui o elemento que conecta todas as

conversas, que mantém todos os espaços interligados, oferecendo aos usuários as mais

variadas possibilidades de circulação pela rede. Trata-se, portanto, de um diálogo voltado para

a satisfação das necessidades dos usuários (TEIXEIRA, 2003).

A quem se propõe ou é escolhido a coordenar o trabalho de uma equipe de saúde é

fundamental a habilidade e a sensibilidade de perceber e discutir estratégias com a finalidade

de dirimir dificuldades, sejam elas de ordem pessoal, técnica ou ética no trabalho em saúde;

trabalhar a importância de se resgatar sentimentos de solidariedade, no sentido de enfrentar e

superar conflitos inerentes a todo trabalho em equipe, e, sobretudo, a habilidade de junto à

equipe vislumbrar os resultados do trabalho em decorrência da interação e articulação dos

atores e das ações.

65

A ESCUTA ÀS NECESSIDADES DAS GESTANTES NAS AÇÕES EDUCATIVAS

19 de setembro, 14h.

uarta-feira. Hoje é o dia da abertura do 5º Curso para Gestantes. Dirijo-me ao

espaço cultural e encontro três gestantes aguardando o curso iniciar no espaço

que já está todo decorado, com o projetor de multimídia, o material a ser

exposto e as pastas que seriam entregues às participantes, contendo folder e

programação. A decoração consiste em corações de papel com mensagens

relacionadas à situação de maternidade, tornando o ambiente bastante acolhedor. A dentista

que participa da coordenação do curso me informa que foram distribuídos trinta convites

através dos ACS e elas estavam com boa expectativa quanto à adesão das gestantes. O curso é

organizado e coordenado por duas dentistas e uma enfermeira. Com a implantação da ESF, o

dentista, que só realizava atividade educativa em escolas, foi um dos profissionais que

ampliou seu olhar para o cuidado em saúde, extrapolando os muros do consultório

odontológico e da circunscrição da boca. Aos poucos foram chegando as gestantes, que ao

final totalizaram dez. O curso é iniciado com a fala de aluno de enfermagem que realiza

dinâmica de apresentação, na qual foi identificado que a maioria das mulheres estava em sua

primeira gestação. Durante o levantamento de expectativas referentes à participação no curso,

as gestantes se mostraram interessadas em obter informações acerca da gravidez e aos

cuidados com o bebê. Ao serem questionadas sobre a participação do homem no curso

algumas comentaram que seria importante, mas consideraram que os homens teriam

dificuldades de participar devido ao horário do trabalho. A tarde transcorreu com bastante

entusiasmo por parte das gestantes. São muito comunicativas e interessadas nos assuntos

abordados. A metodologia, que estimula a fala e participação, proporcionou a integração das

mesmas. A enfermeira fala da importância do curso para consolidar as informações fornecidas

no pré-natal e troca de experiências em virtude de ali ser um espaço coletivo. Os assuntos

levantados pelas gestantes foram bastante diversificados: curiosidades da gravidez; cuidados

com o bebê e questões referentes à laqueaduras. Deu para perceber que havia preocupação

forte por parte daquelas que já tinham filhos em realizar laqueadura de trompas. Algumas

eram bem jovens. A enfermeira tenta explicar os critérios para inserção no programa de

laqueadura do SUS, mas não foram muito bem aceitos pelas gestantes. Durante essa discussão

surgiram relatos de mitos em relação à vasectomia e às dificuldades em fazer o planejamento

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66

familiar de forma mais natural. A enfermeira encerra a atividade fazendo um apelo às

mulheres para mobilizarem mais gestantes para participarem do curso.

Foi possível perceber que o desenvolvimento do curso sinaliza para a abordagem da

Educação Popular, mesmo que não estivesse explícito nos materiais impressos ou nas falas

das facilitadoras. O curso se desenvolve possibilitando a participação ativa das mulheres nas

ações de saúde, valorizando o diálogo, favorecendo o reconhecimento das usuárias enquanto

sujeitos portadores de saberes sobre o processo saúde/doença/cuidado e de condições

concretas de vida, em substituição ao monólogo das palestras nas quais se busca transferir

conhecimentos.

ARTICULAÇÕES INTERDISCIPLINARES NO DESENVOLVIMENTO DA

EDUCAÇÃO EM SAÚDE

26 de setembro, 14h.

uarta-feira. Ao chegar na USF, dirijo-me ao espaço cultural, com o objetivo

de continuar a observação do curso para gestantes. A condução da atividade

de hoje está sob a responsabilidade do pessoal do NASF e algumas estagiárias

do curso de serviço social (UFRN). O tema desenvolvido foi a autoestima e o

protagonismo da gestante. A atividade seguiu a mesma metodologia do

encontro anterior, com dinâmicas e discussões em grupo. A educadora física desenvolveu

dinâmicas vivenciais com as gestantes. A assistente social, juntamente com a estagiária,

realizou exposição dialogada sobre os direitos e deveres da gestante. Mais uma vez surge a

discussão sobre o direito à laqueadura e as mulheres não concordam com os critérios

estabelecidos, alegando que elas deveriam ter o direito de decidir. Mais uma vez os

profissionais tentam esclarecer a importância de outros métodos contraceptivos. Nessa tarde,

percebi que as mulheres estavam menos participativas do que na tarde anterior, talvez pelo

fato de não conhecerem as expositoras e nem terem o mesmo vínculo que já vem sendo

estabelecido com as profissionais da Unidade. A atividade é encerrada, como sempre, com um

lanche que vai sendo servido pelas auxiliares. Observo que estas aparecem na atividade

apenas na organização da logística e não participam do desenvolvimento do conteúdo do

curso.

Desde o primeiro dia do curso eu fiquei refletindo sobre a não participação desses

auxiliares no desenvolvimento das atividades educativas e me recordei que o mesmo

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67

acontecia na minha Unidade e que, provavelmente, poderia se repetir nas demais. Seria uma

questão importante para reflexão, haja vista o trabalho na ESF ser realizado em equipe e a

educação em saúde estar no rol de atribuição comum a todos os profissionais (BRASIL 2011).

No entanto, é interessante salientar que essa situação ocorre de forma diferente na ação

educativa em saúde bucal, na qual, o pessoal auxiliar já tinha uma participação bastante

efetiva, mesmo antes da ESF. Eles participam das ações educativas tanto nas escolas como no

consultório odontológico.

A presença do NASF nas ações educativas é muito importante, o que confere

ampliação das trocas de saberes interdisciplinares. Com o apoio efetivo do NASF as ações

coletivas podem se constituir em momentos propícios ao reconhecimento de situações

singulares que demandem planejamento de ações para os públicos prioritários. Conforme o

estabelecido em suas diretrizes, o NASF deve atuar conferindo ação interdisciplinar e

intersetorial; educação permanente em saúde dos profissionais e da população;

desenvolvimento da noção de território; integralidade, participação social, educação popular;

promoção da saúde e humanização (BRASIL, 2010).

27 de setembro, 10:30h.

uinta-feira. Nesse dia eu estava programada para participar de uma reunião do

NASF com uma das equipes da Unidade, porém a reunião foi cancelada.

Então permaneci no espaço observando alguns ACS que estavam preparando

uma apresentação para o restante da equipe. Eles estavam organizando uma

apresentação do que planejaram para o desenvolvimento das práticas

integrativas, em resposta a uma demanda da gestão central da SMS. Eles fizeram um

mapeamento de todas as atividades que já realizam e apontaram algumas sugestões de

melhoria e de ampliação. O planejamento seguia roteiro orientador fornecido na oficina que

eles participaram, com os seguintes itens: a) fazer diagnóstico das atividades existentes; b) o

que podemos fazer; c) o que queremos fazer; d) como fazer. Aos poucos foram chegando

outros profissionais e eles aproveitaram para apresentar o resultado da discussão. De repente

realizou-se ampla discussão com a participação de vários profissionais, cuja intenção era a de

contribuir com o planejamento. Os profissionais concordaram com as propostas que os ACS

fizeram de resgatar as parcerias já existentes na comunidade; discutiu-se a possibilidade de

potencializar o grupo “Conviver para Melhor Viver” no sentido de proporcionar eventos com

Q

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danças e a retomada do uso da Educação Popular (defendida pelos ACS). Eu aproveitei para

falar dos relatos das participantes do grupo “Conviver para Melhor Viver” que convergiam

para as ideias levantadas no planejamento, no sentido de reforçar aquela sugestão. Dentre as

propostas, os ACS haviam sugerido o incentivo ao cultivo de hortas domiciliares e

registraram as contribuições dos colegas. Surgiu também uma proposta de incluir nas

atividades coletivas orações ou algo relacionado à espiritualidade. Participaram dessa

atividade alunos de enfermagem e de medicina, médicos, técnicos, uma professora de

enfermagem que estava acompanhando os alunos e os ACS.

Durante a reunião e ao longo das nossas observações, percebemos que as atividades se

desenvolvem a partir de uma articulação de conhecimentos técnicos que são desenvolvidos à

luz das diversas habilidades e motivações, advindas das diversas subjetividades presentes na

equipe: há um interesse maior dos ACS, por exemplo, nas atividades mais relacionadas ao

envolvimento da comunidade e na perspectiva da Educação Popular, na qual há

aproveitamento da cultura popular local. Para os demais profissionais, a adesão maior é em

atividades mais normativas, como é o caso das reuniões do “Hiperdia” e o projeto “Bebê

Sorrindo”. Entretanto, realizam também algumas atividades que incluem abordagem mais

dialógica como é caso do CD Coletivo e o Curso para Gestante.

Observar esse encontro dos profissionais nos possibilitou compreender como se dá o

planejamento das ações educativas desenvolvidas pela equipe e que a busca da participação de

setores externos ao da saúde se dá quase sempre através de parcerias com as organizações não

governamentais existentes no bairro. A busca pelos setores responsáveis por outras políticas

públicas não apareceu durante as observações e nem naquela reunião de planejamento. Ao

observar a discussão sobre as práticas integrativas, percebemos que foram relacionadas, em

sua maioria, às práticas tradicionais de educação em saúde. O que poderia ser sugestivo de

que há certo desconhecimento da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares

(PNPIC).

A PNPIC destaca como principais práticas integrativas a Acupuntura, a Homeopatia, a

Fitoterapia, entre outras. Foi publicada através das Portarias Ministeriais nº 971 em 03 de

maio de 2006, e nº 1.600, de 17 de julho de 2006, atendendo às recomendações das

Conferências Nacionais de Saúde e da Organização Mundial de Saúde (OMS). Foi uma

política estabelecida a partir de experiências já desenvolvidas nos municípios e estados,

norteada pela ideia de ampliação do acesso à atenção integral (BRASIL, 2006).

69

É importante salientar, portanto, que as práticas ditas integrativas ainda não são de

fácil acesso à população usuária no serviço público, restando aos profissionais reforçarem as

existentes na comunidade. Estas se dão na perspectiva da solidariedade e apoio social. Nesse

cenário, cabe-nos valorizar o modo de organização da sociedade para enfrentar seus

problemas no cotidiano e, nesse rol de atividades, encontram-se os grupos de orações, os

grupos de danças, entre outras. Esses grupos podem ser potencializados no sentido de se

constituírem em valiosos espaços de realização de educação em saúde.

Valla et al. (2008) ao discutirem essa temática ressaltam a importância de se apoiar

essas ações e delas extrair aprendizados. Apoiados no pensamento de Milton Santos que

enfatizava que as classes populares iriam apontar o caminho para a reconstrução do Brasil,

esses autores ressaltam as diversas estratégias que a população lança mão para enfrentar seus

problemas derivados da desigualdade e das iniquidades. Entre tais estratégias, o apoio social

compreende os diversos recursos emocionais, materiais e de informação que os sujeitos

recebem por meio de relações sociais: amigos, familiares, grupos e redes sociais. A teoria do

apoio social trabalha com a ideia de que a origem da doença é emocional e sua resolução

também se dá no campo das emoções, convergindo com a ideia da totalidade corpo/mente. É

nessa discussão do apoio social que há uma ampliação da concepção de saúde-doença para

além do biológico e se abre espaço para se introduzir a discussão do emocional e do cuidado

integral na origem e resolução dos problemas de saúde (VALLA et al., 2008).

A INCLUSÃO DA AVALIAÇÃO DE SITUAÇÃO DE RISCO FAMILIAR NO

TRABALHO DO ACS

04 de outubro, 10:30h.

uinta-feira. Hoje presenciei uma reunião que aconteceu com uma das equipes

e que contou com a participação de dois profissionais do NASF: a assistente

social e a educadora física. Da equipe estavam presentes a enfermeira e os

ACS. A pauta da reunião foi o uso de uma escala de risco das famílias, “a

Escala de Coelho”, que é um instrumento que possibilita uma classificação de

situações de risco familiar com base em dados que já são colhidos pelos ACS, com o objetivo

de potencializar o cuidado às famílias (COELHO; SAVASSI, 2004). A enfermeira inicia a

reunião lendo um artigo sobre o assunto e vai falando quais itens da Ficha-A foram

Q

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selecionados para avaliação do risco, as pontuações, entre outros detalhes. Ao mesmo tempo

em que eu ouvia a enfermeira dava uma espiada no semblante dos ACS e percebi que uma

ACS estava incomodada com a reunião, demonstrando impaciência com as falas. Ao término

da leitura do artigo, a enfermeira se dirige ao grupo e solicita que eles façam adesão à

proposta e nesse momento a ACS que me parecia incomodada posiciona-se contrária à

inclusão do uso da escala nas visitas, alegando que não via motivo em ter esse acréscimo ao

seu trabalho e nem se sentia em condições de fazê-lo. Gerou-se então uma discussão sobre a

importância de se ter um olhar mais qualificado nas visitas, identificando através da “Escala

de Coelho”, as vulnerabilidades familiares. Encerra-se a reunião com a promessa de que todos

vão tentar fazer a atividade.

É interessante ressaltar a importância do diálogo entre profissionais para que ocorra

uma pactuação consciente no processo de trabalho. No caso observado, é possível perceber a

necessidade de uma melhor compreensão por parte da equipe acerca do que significaria

aquele olhar singularizado às famílias a partir de uma classificação de risco. Na maioria das

vezes, as equipes vão implantando os protocolos mediante as demandas institucionais sem

que ocorra um processo reflexivo que resulte em uma aprendizagem individual/coletiva que

impacte positivamente em atos produtores de saúde. Os protocolos vão caindo em desuso e se

configurando em algo ineficaz que necessita ser substituído por algo novo.

VIVÊNCIAS DE UM PROCESSO DIALÓGICO DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE

10 de outubro 14:30h.

uarta-feira. Já passam das 14h e eu aguardo o Curso para gestantes no espaço

cultural. Observo que até esse momento só há um casal aguardando a

atividade iniciar. A sala, como sempre, já está preparada e, ao fundo, toca

uma música instrumental, o que torna o ambiente ainda mais acolhedor. A

coordenadora do curso me informa que o tema a ser abordado seria a

atividade física na gestação. A condução da atividade foi da educadora física do NASF, que

iniciou com algumas vivências de atividades de relaxamento e alongamento. Ao mesmo

tempo que a profissional explicava a atividade, discutia com as gestantes a importância dos

exercícios, suas vantagens, limitações e necessidades. Eu participei das atividades juntamente

com as quatro gestantes, um companheiro de uma gestante e alguns profissionais. Uma das

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gestantes estava sob o risco de abortar, então a profissional sugeriu que ela apenas observasse.

O companheiro da gestante que havia chegado primeiro participou das vivências e das

discussões tirando dúvidas e dando sua contribuição. Surgiram várias dúvidas por parte das

gestantes e relatos sobre alguns mitos acerca da realização da atividade física na gestação,

chás considerados abortivos e atividade sexual nos últimos meses de gestação prejudicando o

desenvolvimento da criança, entre outros. Mitos e informações que foram sendo esclarecidos

pela educadora física e a enfermeira que coordena o grupo. Ao final da vivência, a educadora

física fez uma exposição dialogada sobre as alterações fisiológicas durante a gravidez e outros

assuntos correlatos. As gestantes ficaram tão motivadas com a atividade que solicitaram a

presença da educadora física mais vezes para orientar os exercícios. Ela alegou

impossibilidade em virtude de sua agenda com as outras Unidades que apoia. Mais uma vez

finaliza-se a atividade com um lanche servido pelos auxiliares, que mais uma vez não

participaram da atividade.

CONVIVER PARA MELHOR VIVER: LUGAR DE ENCONTROS DE PESSOAS

CUIDADORAS DE SI E DOS OUTROS

15 de outubro, 14h.

egunda-feira. Chego à Unidade, observo seu interior e nada me chama

atenção, então me dirijo ao espaço cultural onde acontece a reunião do grupo

“Conviver para Melhor Viver”. Considerando que a maioria das atividades

coletivas, com exceção do grupo de caminhada, acontece no período da tarde,

eu priorizei esse horário para visitar a Unidade. Hoje me pareceu que não

haveria encontro do grupo, pois já passavam das 14 horas e só havia uma

mulher a esperar. Então, aproveitei para saber se ela se dispunha a colaborar

na pesquisa como pessoa entrevistada e expliquei meus propósitos. Ela aceitou, porém,

alegando que não seria a pessoa mais indicada por ser muito tímida. Iniciei a entrevista e

percebi que ela sentia necessidade de falar da sua situação atual. Ela me parecia bastante

insatisfeita com a vida que estava levando, do quanto estava cansada em lidar com seu marido

que estava em uma cadeira de rodas há dois anos e que este era um dos motivos que a levava

a participar do grupo. Isso fazia com que ela se afastasse um pouco daquela situação

estressante. Ela falava muito baixinho e o meu gravador não conseguiu captar bem. De

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72

repente fomos interrompidas com a chegada das mulheres do grupo. Elas chegam bem

eufóricas, conversando, trocando notícias umas com as outras. Peço desculpas à mulher que

eu estava entrevistando para interromper a entrevista e percebo que ela se sente bastante

aliviada por não dar continuidade àquela conversa. O grupo de mulheres que chega causa-me

certa inquietação. Apenas três delas se dirigem à mesa para fazer os trabalhos manuais sob a

supervisão da funcionária da prefeitura. As demais continuam conversando e, de repente,

aproximam-se de mim e relatam assuntos pessoais. São questões inerentes às suas

dificuldades com filhos e netos. Uma delas está vivenciando problemas com um neto que

resolveu ir morar com ela e ela se sente incomodada com o fato de ele não trabalhar e ainda

interferir no seu cotidiano. As duas amigas que vieram me abordar sobre o assunto falaram do

quanto tentam ajudá-la e protegê-la dos familiares e me solicitam um posicionamento sobre a

questão. Tento ouvi-las e fazer algumas considerações acerca da importância da amizade

delas e da necessidade de negociação nessas situações. Percebo que elas formam uma rede de

proteção entre si. Aproveito para perguntar por que elas não estão participando dos trabalhos

manuais e elas dizem que já fizeram bastante e não estão mais a fim de fazer esse tipo de

atividade. O médico que está sempre presente no grupo ficou ausente por alguns instantes e

reaparece com dois discos de forró que comprou no próprio bairro com a ajuda de uma das

mulheres que escolheu os CDs. O médico coloca o som e começa a chamá-las para dançar,

envolve todas na dança e eu também entro na roda. Brincamos bastante ao som do forró e as

mulheres faziam questão de mostrar que ainda eram flexíveis, dispostas e animadas.

Naquele momento, eu compreendi o que elas buscam naquele grupo que se reúnem

toda segunda-feira à tarde: fugir da solidão e da rotina de doenças e problemas familiares que,

pelo menos naquele instante, ficam esquecidos e elas se fortalecem para enfrentar seus

problemas no cotidiano. Também compreendi o quanto o nome do grupo faz sentido. Fico

refletindo sobre o pouco envolvimento dos profissionais com aquele grupo que, a meu ver,

apresenta um momento de construção da integralidade. Cada vez que participo do grupo

renovo minhas energias e me sinto cada vez mais implicada com a saúde dos usuários. É um

bom encontro. Uma verdadeira demonstração de um bom modo de andar a vida. Espaços

como esse são ricos de oportunidades para uma boa conversa, uma boa convivência e uma

ótima oportunidade de construção coletiva de saúde.

73

REUNIÕES DE EQUIPE : LUGAR PRIVILEGIADO DE ANÁLISE DOS

PROCESSOS DE TRABALHO E CONSTRUÇÃO DE PROJETOS TERAPÊUTICOS

19 de outubro, 11h.

exta-feira. Chego à Unidade no final do turno da manhã para observar uma

reunião da equipe com o NASF, mas fico sabendo que não irá acontecer. No

entanto, ocorrerá uma reunião geral com a coordenação técnica, segundo

informou uma funcionária. Permaneço na Unidade. A enfermeira, que é a

coordenadora técnica, chega e eu aproveito para conversar sobre a dinâmica

do processo de trabalho da Unidade e ela me disponibiliza os fluxogramas que

a equipe construiu e tenta colocar em funcionamento, o que, segundo ela

afirma, não tem sido fácil em virtude da conjuntura atual de precarização dos serviços,

desfalque de profissionais na equipe e redução de insumos, entre outros.

A referida enfermeira inicia a reunião falando que o propósito é avaliar as campanhas

que estão sendo realizadas: hanseníase, tuberculose e câncer de mama. Um dos médicos (o

mesmo que acompanha o grupo Conviver) pede para fazer uma homenagem ao dia dos

médicos e coloca uma música com uma temática relativa ao dom da cura e pede que todos se

deem as mãos para ouvi-la. Quando a música termina ele fala algumas palavras inspiradas em

Gandhi e diz que o dom da cura não está com os médicos e sim com Deus. A enfermeira

retoma a reunião e faz um balanço de como andam as campanhas, avaliam as dificuldades e

propõem soluções. Ao discutirem as questões inerentes às campanhas, alguns profissionais

demonstraram preocupação com alguns pacientes que não tem dado continuidade aos

tratamentos de tuberculose. Ao finalizar a reunião, a enfermeira parabeniza a equipe por ter

alcançado 100% de cobertura na campanha de imunização.

Observar essa reunião nos possibilitou um olhar mais aproximado do processo de

trabalho desenvolvido na Unidade. Até então, havíamos tido acesso a fragmentos e isso

produzia algumas lacunas na visão do processo. Nesse momento de encontro coletivo

pudemos perceber, por exemplo, a preocupação da equipe em fazer certa articulação do que se

produzia individualmente, com algumas ações de caráter coletivo como é o caso das

campanhas de prevenção. Apesar de ainda serem muito restritas, as interfaces entre promoção,

prevenção, tratamento e reabilitação.

S

74

As reuniões de equipe se constituem em espaço de interação e fortalecimento do

trabalho em equipe, no qual se possibilita a democratização dos saberes. Funciona como

importante ferramenta de aprendizagem no trabalho e, por essa razão, a participação destas é

uma atribuição inerente a todos os profissionais da atenção básica (BRASIL, 2011). É um

momento em que a equipe, quando bem qualificada e com forte apoio institucional, deve

elaborar os projetos terapêuticos cuidadores. São projetos que devem ser elaborados a partir

da integração dos diversos saberes e ações dos profissionais. Podem ser feitos para grupos ou

famílias e não só para indivíduos, com vistas a buscar a singularidade (a diferença) como

elemento central de articulação.

É importante que a equipe esteja consciente de que a elaboração de projetos

terapêuticos para serem cuidadores deve ser centrada no usuário, o que pressupõe uma

mudança de paradigma. Há que se fazer uma inversão nos processos de trabalho mediante

uma inversão no uso das tecnologias do trabalho em saúde, como nos lembra Merhy (2007a,

2007b). A mudança se daria deslocando um processo de trabalho com uma forte presença das

tecnologias duras e leve-duras (atos prescritivos) para um processo centrado nas tecnologias

leves e leve-duras (ação pactuada). Entretanto, é igualmente importante, que se tenha a

compreensão de que essa mudança de paradigma é um processo lento, no qual se conviverá

por certo tempo com os conflitos inerentes à permanência de conceitos e práticas antigas com

as práticas novas. Requer um ambiente favorável a mudanças, sobretudo no que diz respeito à

adesão dos atores sociais. Para tanto, se fazem necessários investimentos na bagagem

intelectual e sensitiva dos profissionais, que são os gestores do processo no plano da

micropolítica, para que estes sejam capazes de elaborar os projetos terapêuticos e de

transformá-los em atos de produção de saúde integral (MERHY, 2007a).

Para a elaboração dos referidos projetos terapêuticos se faz necessário observar os

seguintes eixos fundamentais à construção da clínica ampliada compartilhada: compreensão

ampliada do processo saúde-doença; construção compartilhada dos diagnósticos e

terapêuticas; ampliação do “objeto de trabalho”; a transformação dos “meios” ou instrumentos

de trabalho e suporte para os profissionais de saúde (BRASIL, 2009). O que significa dizer

que o cuidado integral só será efetivo com a integração das ações de promoção, prevenção e

recuperação. Projetos terapêuticos integralizados exigem que a equipe multiprofissional

compartilhe seus múltiplos saberes e práticas.

O trabalho em equipe segundo a tipologia formulada por Peduzzi (2001) pode se

configurar numa equipe agrupamento ou equipe integração. Sendo esta última a idealizada por

75

aqueles que se propõem a realizar o cuidado integral e se constitui em um dos grandes

desafios, pois exige uma construção dos sujeitos que estão no cotidiano do trabalho em saúde.

Requer, sobretudo, a articulação das ações e a interação dos agentes, mediado por um

compromisso ético e respeito com o outro, com cada um e com todos da equipe e acima de

tudo com os usuários.

Para uma equipe estabelecer os projetos terapêuticos cuidadores, é imprescindível

eleger como elemento central o usuário e suas necessidades, o que pressupõe uma nova forma

de definir demandas, extrapolando a concepção pautada pela racionalidade

biomédica/econômica, na qual o sujeito é reduzido pela objetivação da doença,

desconsiderando-se os contextos em que se inserem. Na perspectiva da integralidade, as

demandas em saúde devem ser decodificadas a partir da interação democrática dos sujeitos

em suas práticas no cotidiano da gestão do cuidado. Para tanto, a escuta ativa é imprescindível

no sentido de se reconhecer a legitimidade da alteridade com os usuários, sendo essa escuta

exercida como prática emancipatória dos sujeitos que interagem na produção de saúde. Nesse

sentido, é fundamental se considerar na equipe os aspectos de complementaridade e de

interdependência dos saberes específicos de cada profissional e o saber dos usuários

(MERHY, 2007a; PINHEIRO, 2010; AYRES, 2009; 2012).

É essencial que a equipe, ao elaborar projetos terapêuticos cuidadores, tenha a

compreensão de que as necessidades de saúde são desenhadas em processos sociais e

históricos definidos pelos agentes em ato, como positividades e não, necessariamente, como

carências determinadas de fora para dentro (MERHY, 2007a).

O OLHAR DE UMA USUÁRIA SOBRE O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA

23 de outubro, 10:30h.

erça-feira. Saí mais cedo do meu trabalho e passei na casa de uma das

participantes do grupo “Conviver” para agendar uma entrevista que eu havia

acertado com ela. Chegando lá, encontrei seu esposo, que me recebeu de

forma bastante acolhedora. Ele informa que a esposa saiu para a casa de uma

filha que mora próximo, mas que não costuma demorar. Enquanto a

aguardava, conversamos e ele demonstrou ter uma relação bastante

harmoniosa com ela. Quando ela chegou eu falei do agendamento e ela quis

T

76

fazer a entrevista naquele momento mesmo. Então acertamos a questão do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) da entrevista e a realizamos. A entrevistada tem

64 anos e participa do grupo Conviver para melhor viver. Após a entrevista, saí com a

sensação de que poderia ter explorado melhor o tema. Não consegui aprofundar a conversa

sobre sua participação na atividade educativa, em virtude de sua necessidade de falar sobre

sua concepção de saúde. Apesar de ter elaborado um roteiro, não o segui de forma rígida.

Utilizei-o apenas para dar um direcionamento a nossa conversa. A entrevistada se demonstrou

estar muito à vontade e me pareceu estar gostando de falar sobre o tema abordado. Fez várias

vezes referência ao quanto se sentia bem na vida, atualmente, e demonstrava ter consciência

do que lhe fazia se sentir assim. Quando já havia terminado e guardado o gravador, ela fez

questão de me mostrar os pássaros que mantinha em sua casa e disse que fazia parte de sua

terapia. Ela me fala de um grupo de idosos organizado pela ONG “Lar Fabiano de Cristo” e

eu prometo ir lá conhecer.

Destacamos alguns trechos de sua fala do momento da entrevista que evidenciam

significados que a usuária dá à saúde. Relaciona-os ao seu modo de andar a vida, associa à

sensação de bem-estar individual e reconhece a importância do bom convívio familiar como

fatores produtores de saúde. O que significa dizer que sua concepção de saúde, não negando a

doença, lhe possibilita mobilizar suas próprias estratégias para as situações que levam ao

adoecimento.

Eu caminho... dou caminhada de manhã quase todos os dias..eu saio pra casa da minha fia vou conversar com ela...quando chego vou arrumar minha casa

sastifeita né? muito filiz com esse esposo que deus me deu, vivo muito bem

porque foi quem me tirou de todos pobremas da minha vida foi ele. Minha famia que é uns filho maravilhoso. Me dá apoio a tudo dentro de casa.

(Entrevistada 1).

E o que ela espera de uma boa organização de serviços de saúde é a resolutividade da

atenção, boa qualidade do serviço e um bom acolhimento por parte da equipe de saúde:

Num tem coisa melhor que essa né? E... graças a Deus quando eu ... se eu sentir qualquer coisinha. [...]. Mas se eu sentir qualquer pobrema os telefone

deles tão aqui...qualquer pobrema que eu sentir eu tenho que dar entrada no

pronto socorro de lá e eles me internam e faz inclusive o que precisar

comigo... foi deus que botou ele no meu caminho (se referindo ao médico do PSF que a encaminhou para um cardiologista) primeiramente deus abençoe

muito ele que eu oro por ele e sigundo ele que me butou com doutora [...]

que ela num é médica não é uma santa de boa [...].

77

[...] Mas é uma coisa tão incelente, na limpeza em tudo. As mininas de lá são uma maravilha... as atendente..quando a gente chega lá ..é vovó pra cá, vovó

pra aculá, leva prum canto.faz caminhamento com a gente. Dá o lancho a

gente. Minina é uma maravilha. Aquilo lá num é um hospital não. Aquilo é o

céu de deus que deus deu [...]. (Entrevistada 1)

A fala da entrevistada nos remete à necessidade de reflexões acerca do cuidado em

saúde para que possamos construir com a comunidade novas formas de proporcioná-lo.

Percebe-se na fala da usuária que a sua expectativa de cuidado exige uma atitude de

ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro. Nesse

sentido, recorremos à ideia de Mattos (2008) em sua defesa do cuidado prudente para uma

vida decente. O autor se utiliza do pensamento de Boaventura de Souza Santos relativo ao

conhecimento balizado pela responsabilidade e compromisso ético (prudente) com uma vida

decente. Na ideia de Mattos, o cuidado, por ser uma dimensão da vida humana, ocorre

frequentemente no plano da intersubjetividade e de diversas formas, o que exige repensar o

cuidado centrado exclusivamente no saber científico e reconhecer a contribuição de outros

conhecimentos. Nessa perspectiva, a melhor forma de cuidar seria a que se usa o

conhecimento com responsabilidade, seja ele científico ou não científico, ambos conduzindo a

uma vida decente (MATTOS, 2008).

O cuidado na perspectiva da integralidade se concretiza a partir de práticas e relações

entre sujeitos com o consequentemente reconhecimento da autonomia e da singularidade dos

diversos polos da relação. Ou seja, práticas resultantes da interação cotidiana das ações e

saberes dos sujeitos (PINHEIRO; GUIZZARDI, 2008).

EDUCAÇÃO EM SAÚDE BUCAL E O DESAFIO DO CUIDADO INTEGRAL

24 de outubro, 14h.

uarta-feira. Chego à Unidade e me dirijo ao espaço cultural onde está sendo

realizado o curso para gestantes. O tema abordado hoje foi sobre os cuidados

com a saúde bucal na gravidez e foi conduzido por uma aluna do curso de

Odontologia da UFRN. A metodologia seguiu a mesma dos outros encontros,

constituída de dinâmica, exposição dialogada na qual foram esclarecidas

dúvidas acerca da insegurança por parte das gestantes em se submeter a procedimentos com

anestesia, a desmistificação da perda dentária como fato natural da gestação, entre outros

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78

assuntos correlatos. Ao final, um lanche foi servido pelas auxiliares. Após a exposição do

tema, uma das dentistas da Unidade falou sobre o projeto “Bebê Sorrindo” e da importância

da participação das gestantes no referido programa após o nascimento do bebê. Percebi que

havia algumas crianças no espaço e uma delas disse que era porque não tinha com quem

deixá-las em casa. Isso é muito comum ocorrer nos grupos de gestantes e muitas vezes a

existência de outros filhos se constitui em fator limitante da participação da gestante nas

atividades.

A adoção do conceito ampliado de saúde pelo SUS tem promovido iniciativas de

reorganização dos serviços na perspectiva do cuidado integral. Nesse sentido, vão sendo

incorporadas ações que visam melhorar o sistema como um todo ao longo dos anos, dentre

elas, ações de saúde bucal. Anteriormente ao SUS, a inserção era restrita a ações curativas

com consequências mutiladoras e ações preventivas direcionadas a escolares, portanto,

insuficientes para responder às necessidades da população. No SUS, a ampliação da inserção

da atenção à saúde bucal iniciou-se a partir da ESF, em 2001, promovendo redirecionamento

do isolamento do profissional para a produção de novas relações em equipe, exigindo maior

atuação desses profissionais no campo da saúde. Em 2004, com a implantação da Política

Nacional de Saúde Bucal “Brasil Sorridente” (Brasil, 2004b) traçou-se diretrizes para orientar

a reorganização da atenção em saúde bucal, tendo o conceito do cuidado como eixo de

reorientação do modelo, em consonância com todos os princípios do SUS.

As diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal aliam-se à normatização das ações

de saúde bucal na ESF e promove uma ampliação das ações de educação em saúde bucal, de

modo a extrapolar o âmbito escolar. Dessa forma, essas ações vão sendo inseridas nos grupos

de ações coletivas existentes nas Unidades de Saúde, isto é, nas ações programáticas como a

atenção à mulher, à criança, ao idoso, à saúde do escolar, entre outras. Essas atividades

deverão ser desempenhadas pelos diferentes trabalhadores da Unidade, potencializando a

interdisciplinaridade e a corresponsabilização dos demais membros da ESF com todo o

processo de adoecimento (BRASIL, 2004b).

Na perspectiva da integralidade e do trabalho em equipe, faz-se importante que os

diversos trabalhadores participem dos processos de educação permanente em saúde,

qualificando-os também para desenvolver ações educativas na perspectiva do cuidado integral

e com uma visão emancipatória.

O QUE É ISTO DE INTERSETORIALIDADE?

79

30 de outubro, 13:30h.

erça-feira. Conforme combinei com a usuária que eu havia entrevistado, fui

assistir a reunião do grupo de idosos “Lar Fabiano de Cristo”. Ela havia me

falado que várias idosas que participavam do grupo “Conviver” também

participam desse outro grupo. Chegando lá, procurei a assistente social

responsável e falei sobre meus propósitos. Fui muito bem recebida por todos

os funcionários. Após conversa com a assistente social que repassou algumas

informações acerca do funcionamento da ONG, agendei uma visita ao grupo

na semana seguinte, visto que, naquela semana, seria apenas a distribuição das cestas básicas.

A Assistente Social me falou das dificuldades em programar a participação dos profissionais

de saúde no grupo, o que estaria dificultando a organização da programação anual. Ela me

informou que o grupo, atualmente, tem 44 inscritos e que sempre tem uma lista de espera.

Além dos encontros eles promovem acompanhamento às famílias em situação de

vulnerabilidade social. É um perfil comum a todas às ONGs que desenvolvem trabalhos na

comunidade.

Ao sair de lá passo na Unidade de Saúde e agendo com dois ACS para o dia seguinte

conversarmos sobre o grupo de teatro.

Trabalhar a intersetorialidade é uma das atribuições das equipes na ESF, por se

perceber a saúde como resultante das condições de vida, moradia, acesso à educação, à

alimentação, ao lazer entre outros. A intersetorialidade nas políticas públicas surge como

possibilidade de articulação de estratégias e iniciativas para solução integrada de problemas

do cidadão. Envolver os diversos setores – saúde, educação, trabalho, habitação, meio

ambiente e outras dimensões sociais – é fundamental para a realização da promoção da saúde

e para a efetivação das ações da ESF, haja vista a responsabilização com a melhoria da

qualidade de vida da população.

Entretanto, ainda é muito frequente observar no cotidiano dos serviços certa

desarticulação das ações desenvolvidas pelos vários setores, o que leva, muitas vezes, à

superposição de atividades para um mesmo público. É comum as demais secretarias

desenvolverem projetos que não se articulam com o setor saúde, exceto para contribuir com

dados cadastrais dos condicionantes de saúde como é o caso do Programa Bolsa Família. O

Programa Saúde nas Escolas (PSE), que tem como propósito principal a intersetorialidade, é

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80

desenvolvido com grandes dificuldades no quesito articulação da comunidade escolar com a

equipe de saúde. Observa-se que a pouca compreensão dos papéis de cada ator e a falta de

comunicação entre os gestores das políticas públicas constituem dificuldades que poderiam

ser elencadas como elementos que influenciam o desencontro dos setores.

Entendemos que o desenvolvimento de ações educativas na perspectiva do cuidado

integral implica em estabelecer parcerias com setores externos ao da saúde. Nesse sentido, é

fundamental que se tome conhecimento das políticas públicas e dos programas com ações

voltadas para os determinantes sociais, culturais e econômicos para integrá-los às ações de

saúde na perspectiva de se trabalhar a intersetorialidade.

Ressaltamos a existência de vários programas propostos pelo governo federal e

efetivados em parceria com gestões estaduais e municipais e os setores organizados da

sociedade. São programas a serem desenvolvidos no âmbito da cultura, do desenvolvimento

econômico, urbano e social, do lazer, entre outros. Caberia primeiramente aos gestores fazer a

articulação, no entanto, é igualmente importante que as equipes saibam quais os programas

foram aderidos pela gestão municipal, buscando a sua articulação no planejamento das ações

educativas e de promoção da saúde, o que contribuiria para qualificar a inclusão do usuário

nos programas sociais na perspectiva de produção de autonomia e de cidadania.

ACS E PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE

31 de outubro, 13:45h.

uarta-feira. Conforme havia combinado com os dois ACS que coordenam o

grupo de teatro, chego à Unidade e os procuro para conversarmos. Continuo

com aquela sensação de que o convite não foi muito bem aceito. Sinto que

eles estão se esquivando do nosso encontro. Os ACS chegam, mas alegam

que irão sair juntos (“em alguma visita, talvez”, pensei). Então sugiro

conversarmos em outro momento e eles dizem que seria melhor conversarmos logo. Começo

então nossa conversa pedindo para eles me falarem do processo de criação do grupo, quando,

como e com quem. Eles começaram a relatar todo o processo e aos poucos foram se

emocionando com as memórias, fazendo análises do processo. O tempo todo eles faziam

questão de ressaltar que desde o início havia a intenção de integrar o trabalho de todos os

ACS que atuavam no bairro e que trabalhavam com a educação popular. Falaram das

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81

parcerias estabelecidas com a comunidade e com os projetos existentes, dos quais resultaram

as apresentações do Auto de Natal, a criação do “Fórum de Qualidade de Vida de Felipe

Camarão”, entre outras. Desabafaram pelo fato de se sentirem desestimulados, naquela

conjuntura municipal, cuja falta de apoio institucional é total; comentaram sobre o

crescimento pessoal de cada um e do estreitamento do vínculo com os usuários. Para eles, ao

mesmo tempo que foram momentos difíceis, foram bastante gratificantes ao ponto de

possibilitar que alguns dos participantes fossem beneficiados com a formação teatral,

inclusive, com algumas profissionalizações.

Ao final da conversa, os dois ACS ressaltaram de como foi boa àquela oportunidade

deles falarem e reviverem aqueles momentos de construção do grupo. Os referidos relatos

foram aproveitados para fazer a caracterização das atividades no capítulo anterior.

AÇÕES DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE DESENVOLVIDAS POR SETORES

EXTERNOS AO DA SAÚDE

06 de novembro, 13:35h.

erça-feira. Conforme havia combinado com as funcionárias da ONG Lar

Fabiano de Cristo, chego à instituição e começo a observar o grupo de idosos

que aguardam a atividade que se realiza, semanalmente, terça-feira à tarde.

Observo o espaço físico que é bastante agradável: amplo, arejado e com

algumas salas que são usadas para as mais variadas atividades com a

comunidade do bairro, sejam jovens ou idosos. Os idosos aguardam no pátio,

embaixo de uma mangueira, sentados em cadeiras plásticas. Ao chegar junto

ao grupo, identifiquei várias das idosas que participam do grupo “Conviver” que eu tenho

acompanhado na Unidade de Saúde. Apesar do número de participantes desse grupo ser bem

superior ao da USF, eles se comportam da mesma forma. Chegam animados, conversam sobre

seu cotidiano, fazem brincadeiras entre si. Dirijo-me aos idosos e pergunto qual a atividade

que está programada para o dia. Eles respondem que não sabem, mas que a assistente social

sempre aparece com alguma atividade ou apresenta algum convidado. Uma senhora começa a

contar sobre a participação de uma dentista que ensinou como cuidar da boca e das próteses.

Ela comenta que a maioria já não tem dente natural. Percebo, então, que as mulheres estão

querendo conversar. Há quatro homens no grupo. Observo que eles permanecem silenciosos,

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só ouvindo a conversa. Então pergunto sobre o pastoril – se o grupo tem feito apresentações,

como iniciou e quem participa. Elas disseram que a maioria ali do grupo participa e começam

a apontar cada um dos participantes e destacam que os homens também participam.

Empolgam-se ao contar das suas apresentações e lamentar aquele momento atual que,

segundo informaram, está “meio parado”. Mesmo assim, relatam que fizeram algumas

apresentações nos eventos da instituição. Pergunto sobre o pastoril da Unidade, o “pastoril do

peixe boi encantado”. Elas vão contando a história de cada um dos grupos: o da USF surgiu

por causa de uma das participantes que dançava quando era criança e falava para os ACS de

forma bastante saudosa. Então, a equipe de saúde resolveu organizar um pastoril na USF. Eu

pergunto se existe diferença nas apresentações e elas respondem que no pastoril da USF tem

alguns personagens diferentes: a burrinha, o boi, a borboleta. De repente, uma delas me

pergunta por que não fui para o grupo da Unidade no dia anterior e faz um ar de tristeza e

desabafa: “o grupo está muito fraco, não tem mais quase nenhuma atividade para fazer lá”.

Como a tarde estava se passando e ninguém surgia para conduzir a atividade, uma das

mulheres começa a reclamar e põe-se a cantarolar uma música. Algumas começaram a fazer

os alongamentos que aprenderam no grupo de caminhada. Elas foram estimulando o grupo a

se movimentar enquanto não aparecia ninguém que fosse conduzir a atividade do dia. A

assistente social surge e conduz o grupo para um espaço fechado e apresenta um jovem da

comunidade que já foi contemplado com algumas ações da ONG e que agora é colaborador.

Ele inicia uma atividade de alongamento/relaxamento que teve duração de uns trinta minutos.

Os homens se recusaram a participar. Algumas idosas pararam no meio da atividade, em

virtude de suas condições de saúde. O jovem encerra a atividade, sugerindo uma dinâmica de

abraços. As mulheres se despedem alegres e sorridentes. Hoje compareceram ao grupo trinta e

cinco participantes.

A percepção de que a adesão do grupo tem ocorrido em virtude do assitencialismo a

que se propõe a instituição organizadora, instiga-nos a refletir sobre o cuidado como

mediação de processos simbólicos, afetivos, pedagógicos, políticos na organização das ações

de saúde (MARTINS, 2011). Remete-nos à discussão da importância de se repensar o

discurso do cuidado e da integralidade no sentido de torná-los potentes na construção de uma

ação política mais organizada. Nesse sentido, Ayres (2011) propõe a ideia de reconhecimento

como um novo elemento nessa discussão com o propósito de resgatar a estima, sentimento

que move as pessoas, possibilitando suas próprias escolhas. O reconhecimento percebido

como um constructo moral redefine a perspectiva da saúde pela inclusão do diferente e pela

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promoção da dignidade, independentemente das hierarquias de valorização social

(MARTINS, 2011 p. 40).

Martins (2011) ressalta que a concepção de cuidado como dispositivo de mediação

deslocaria o foco prescritivo da prática profissional para uma prática impulsionadora da

participação solidária do usuário, numa perspectiva de responsabilização deste no

funcionamento do sistema de saúde local.

AÇÕES EDUCATIVAS E CUIDADO INTEGRAL À GESTANTE

07 de novembro, 13:50h.

uarta-feira. Cheguei à Unidade de saúde para observar o Grupo de Gestantes,

mas ainda era cedo e aproveitei para conversar com os profissionais de saúde

bucal que estavam no consultório odontológico, localizado ao lado do espaço

cultural. Elas me informaram sobre o projeto “Bebê Sorrindo”, que, segundo

seus relatos, é uma forma de inserir a ação de saúde bucal nos atendimentos

de CD e pré-natal. Após a conversa, dirijo-me ao espaço cultural e percebo que o curso já

havia começado. O tema abordado era sobre o trabalho de parto, parto e puerpério. Quem

conduziu foi um estudante de enfermagem sob a supervisão da enfermeira da Unidade.

Estiveram presentes dez gestantes. A atividade seguiu a mesma metodologia dos outros

encontros. As gestantes, sempre bastante interessadas no assunto, fazem muitas perguntas e

conversam sobre as experiências vivenciadas. O estudante de enfermagem aproveita bem os

relatos das gestantes e desenvolve debate interessante. Percebo que é uma atividade bem

integrada às ações de Atenção ao Pré-Natal, como um espaço oportunizado às gestantes para

consolidar as informações adquiridas nas consultas. Há bastante troca de saberes

interdisciplinares, entre profissionais/estudantes/usuárias. Percebo maturidade por parte do

grupo que coordena a atividade, no sentido de saber lidar com os vários saberes e grande

disposição em estabelecer relação horizontal no processo educativo.

Q

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A CONCEPÇÃO DE UMA USUÁRIA ACERCA DE SUAS NECESSIDDES DE

SAÚDE

14 de novembro, 15h.

uarta-feira. Conforme havia combinado com uma das participantes do grupo

“Conviver”, vou ao seu domicílio realizar entrevista. É uma participante do

grupo “Conviver para melhor viver” e tem 65 anos. Ao chegar a sua casa, ela

diz que está ansiosa por minha chegada. Antes de iniciarmos a entrevista,

percebi que ela tinha uma necessidade muito grande de conversar. Ela foi

logo falando sobre o que achava do atendimento nos serviços de saúde, falou de suas

experiências com os familiares em casos de doenças. Falou com bastante entusiasmo sobre as

conquistas da filha de 40 anos. Após uns trinta minutos de conversa eu tive que interrompê-la

para iniciar nossa entrevista. Iniciei solicitando que ela me falasse da sua experiência no

grupo, como foi que ficou sabendo, por que e quando resolveu participar.

Percebemos em um momento de sua fala a importância do trabalho do ACS no

acolhimento à comunidade, reconhecendo suas necessidades e fazendo encaminhamentos para

as ações coletivas de educação em saúde:

Há tempo que [...] (ACS) me adiantava essa conversa sabe. Dizia: por que a

senhora não participa? Aí quando foi, faz uns quatro anos, eu comecei ali

[...]. Aí... eu fazia uns curso lá na esperança, que sempre eu faço... aí comecei a participar dali desse. Participo também da ginástica três dias por

semana. Mas às vezes eu só vou os dois porque eu já ando muito durante a

semana e participo também desse negócio aí, né. Aí passei a participar dali

daquela reunião à tarde né? [Entrevistada 2]

Apesar de minhas tentativas de focalizar a entrevista na questão da atividade coletiva,

a necessidade da usuária de falar acerca de suas necessidades de saúde e da forma como eram

atendidas se colocava em plano principal. Então a usuária foi falando sobre suas experiências

de atendimento e suas reivindicações. Percebia as falhas na organização do atendimento na

Unidade de saúde e suas deficiências. Ouvindo-a atentamente, fui percebendo o quanto ainda

estava presente em suas recordações as experiências do modelo de assistência que antecedeu a

ESF. Antes da ESF as UBS eram organizadas com equipes multiprofissionais constituídas de

pediatras, ginecologistas, nutricionistas, psicólogos, entre outros. No entanto, funcionavam

sob a lógica das consultas individuais e desarticuladas umas das outras. As sequelas desse

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85

modelo biomédico com ações fragmentadas existem e resistem, sobretudo, no que se refere à

organização da demanda, a qual ainda mantém a lógica centrada na doença cuja organização

do serviço ainda não conseguiu solucionar. Organizar a demanda segundo os princípios do

acolhimento às necessidades de saúde ainda consiste em um grande desafio para gestores e

trabalhadores. Destacamos a fala da usuária:

Não só eu, mas muita gente que vem lá do pé do morro tarde da noite, né... pra pegar ficha né... acho isso muito errado, né? Era pra ter mais médicos,

né? [...] Ter uma pediatra, ter realmente uma dentista... como alí já teve

dentista... o pessoal ia de meia noite, de madrugada... tinha gente que dormia lá... passava a noite... para tirar uma ficha... tinha gente que vendia ficha

como no INSS ou como no IPE tinha umas pessoas que passava a noite lá e

vendia a ficha por cinco reais, dez reais, né [...] mas ali deveria ter assim...

inclusividade assim... um médico pediatra mesmo pa atender criança, né? Já que tem Doutor [...] era pa ter a de idoso e a pediatra mesmo de criança né?

[...] aí eu acho assim, que ali devia ter mais médico... um atendimento

melhor, né. [Entrevistada 2].

O depoimento da usuária nos remete a pensar em um dos aspectos do Acolhimento

que é a acessibilidade aos serviços de saúde que ela nos traz em forma de insatisfação, pelo

fato do serviço não estar organizado com adequação tecnológica e, consequentemente,

apresentar baixa resolutividade. Isso nos instiga a refletir sobre os inúmeros equívocos

vivenciados no cotidiano dos serviços. Um deles é a redução do sujeito pela objetivação da

doença, o que condiciona a organização da demanda centralizando a doença como a

necessidade de saúde, desconsiderando o contexto ao qual o usuário está inserido e, portanto,

exigindo a soberania do conhecimento técnico-científico na conformação da oferta

(PINHEIRO et al., 2010). Em consequência disso, os serviços ofertam procedimentos

prescritivos, ao invés de produção de atos de saúde, gerando as intermináveis filas para

consultas médicas.

Cecílio (2001) faz um alerta importante para a organização dos serviços de saúde no

tocante à distinção entre demanda e necessidade. A demanda pode ser compreendida como

um pedido explícito e que de certa forma vai sendo modelada pela oferta dos serviços. As

necessidades de saúde podem ser a busca de algum tipo de resposta para qualquer uma das

condições a que são submetidos os usuários.

Para Franco e Merhy (2007) o trabalho em saúde se traduz em encontros entre

trabalhadores e usuários, nos quais se operam processos tecnológicos (trabalho vivo em ato)

que visam a produção de relações de escutas e responsabilizações. Faz-se importante que a

equipe compreenda que todos acolhem e todos serão acolhidos de forma a resignificar o

86

trabalho, proporcionando uma relação prazerosa entre os trabalhadores e os usuários. Nessa

perspectiva, se reorganiza o processo de trabalho, modificando a ideia de demanda trazida

pelo usuário que muitas vezes confunde com a ideia de cuidado, e produzindo intervenções

sobre as necessidades concretas dos usuários. Nesse sentido, os autores propõem

Agir com um acolhimento como um dispositivo que interroga processos

intercessores que constroem “relações clínicas” das práticas de saúde e que

permite escutar “ruídos” do modo como o trabalho vivo é capturado conforme certos modelos de assistência, em todo lugar que há “relações

clínicas” em saúde; além de expor a “rede de petição e compromisso” que há

entre “etapas” de certas linhas de produção constituídas em certos

estabelecimentos de saúde, interrogando centralmente as relações de acessibilidade (FRANCO; MERHY, 2007 p. 39).

Para poder construir esse projeto de acolhimento é preciso analisar o que estamos

produzindo nos nossos encontros cotidianos com os usuários. Sobretudo ouvir os usuários em

suas condições de sujeitos para que possamos buscar caminhos novos, novos coletivos, novas

perspectivas. Abrir-se para ouvir o outro demanda um despojamento das ideias preconcebidas,

demanda responsabilização e compromisso com a fala do outro e, muitas vezes, não estamos

preparados para tal atitude. Acolhimento é atitude ética, educacional e emancipatória.

Apesar das falhas na organização da ESF é possível perceber indícios de mudanças na

forma de fazer dos profissionais, rumo a uma melhor escuta das necessidades de saúde dos

usuários.

Assim, por causa dessas, tipo: isso aí, ginástica é uma terapia, né? Essa,

como é, educação física, né?, é uma terapia e a ocupação da mente com as

coisa do artesenato né? Essas reuniões, tudo é muito bom pra pessoa, né?

inclusive na idade da gente. Sabe aí, aí graças a Deus, esse negócio que me dava... aquela coisa tonta no meu corpo, aí ali eu caía... caí muitas vezes na

hora do banheiro.. .caí duas vezes em cima de fogo [...]... a mudança né,

como a menina lá falou... a mudança de vida, mudança dessas coisas né? A terapia. A física né? La na fundação eu gosto, e a atividade física dos

artesenato ali. Aquela animação ali do posto de saúde, ali da reunião da

gente que era lá do conselho e não é mais... aí mudou e foi melhorando

muito a minha cabeça, tá entendendo? [...] acredito nisso, também... a fé em Deus né, nas correntes...né? tinha mais insônia, hoje em dia num é mais

(Entrevistada 2).

Nesse momento percebe-se que a usuária, semelhante às demais participantes do

grupo, compreende a importância dos encontros proporcionados pela atividade coletiva para

seu processo de enfrentamento ao adoecimento. O que poderíamos inferir que o processo de

87

trabalho desenvolvido naquela Unidade de saúde, apesar de suas fragilidades, tem

proporcionado mudanças na concepção saúde/doença por parte dos usuários.

MUDANÇAS NA CONCEPÇÃO DE SAÚDE E A MELHORIA DA QUALIDADE DE

VIDA DOS USUÁRIOS

03 de dezembro, 5:45h.

egunda-feira. Após uma pausa de duas semanas, coloquei minha roupa de

ginástica e fui participar do grupo “Caminhos da Vida”. Ao chegar, já

encontro 22 pessoas aguardando a atividade que se realiza na quadra de

esportes da escola vizinha à USF. É um espaço muito agradável. Uma ACS já

havia verificado a pressão arterial de todo o grupo. Ela liga o som e inicia uma

sessão de alongamento. Eu entro no círculo e participo da atividade. Quando

inicia a caminhada no próprio espaço, algumas mulheres me reconhecem e

perguntam se eu sou a dentista do outro Posto. Chega um rapaz com alguns equipamentos e

vai organizando-os no meio da quadra. A ACS finaliza os alongamentos e diz: “agora é com o

professor”. Ele inicia uma atividade denominada “circuito” de agilidade e noção espacial. Ele

se aproxima de mim e pergunta se eu preciso de algum dado para a pesquisa (ele me

reconheceu lá da USF). Ele me diz que é um ACS e que está cursando o 5º período do curso

de Educação Física. Aproveito para perguntar sobre a organização do grupo, do

funcionamento e digo que senti falta das mulheres que participam do grupo “Conviver”. Ele

me diz que são poucas que frequentam esse grupo, pois algumas participam do outro que é

desenvolvido na Fundação Bradesco. Ele me diz que a frequência diária é de uma média de 25

pessoas. Dentre estas, apenas dois são homens e, às vezes, ficam três quando o vigia da

Escola participa. Pergunto se ele participa de mais alguma atividade coletiva, ele responde

que não por causa do seu tempo que está bastante preenchido com o trabalho de ACS e o

curso de Educação Física. Ele diz que coordena o grupo nas segundas e quartas-feiras e a

educadora física do NASF coordena na sexta-feira. Permaneço no grupo, mas me afasto um

pouco para observar a realização da atividade.

De repente uma das mulheres sai da roda e eu aproveito para conversar com ela. Diz

que teve um problema intestinal no dia anterior e estava se sentindo muito fraca. Pergunto há

quanto tempo ela participa e ela diz que faz mais de cinco anos e que foi por indicação do

S

88

médico. Durante a conversa, ela fala da experiência negativa do outro grupo na Fundação

Bradesco e diz que não gosta das atitudes do professor de lá. Ressalta que o referido grupo

está muito fraco por este mesmo motivo. Após descansar, volta para a atividade.

Em conversa com mais duas integrantes do grupo, as falas expressaram satisfação com

a atividade e o quanto a participação tem repercutido em suas condições de saúde. Uma delas

que ficou para conversar comigo, ao final, fez o seguinte relato: “antes de participar eu era

toda entrevada, meus ossos doíam até para andar e sentar. Graças a Deus que o médico me

mandou participar, que pena que ele não está mais com a gente” (ela se referiu à saída do

profissional da ESF e que a equipe dela teria ficado sem médico). Ela diz que sua família já

tem predisposição a problemas nos ossos e que por esse motivo nunca mais deixa o grupo. Já

faz mais de dez anos que ela participa. Ela diz que antes sua pressão era altíssima, mesmo

tomando medicamento para controlar. “Agora quando a moça tira minha pressão só dá catorze

por oito ou nove. Nunca mais subiu tanto”. Ela se emociona ao falar dos médicos que haviam

passado pela equipe dela, ressaltando que eram muitos bons, mas iam embora. “Não dizem

que tudo que é bom dura pouco, né?”. Ela tinha um sorriso que traduzia o que ela me falava

sobre sua mudança na qualidade de vida. Ela fazia questão de dizer que hoje é uma pessoa

saudável.

Ao final da atividade, converso novamente com o ACS e ele fala da falta de apoio

institucional e o quanto eles tem que mobilizar recursos próprios ou parceiras com outros

projetos para adquirir os equipamentos necessários. Do material utilizado, apenas os

colchonetes foram adquiridos pela SMS/Natal. Então, eu me lembrei do início desse projeto,

que foi idealizado por um professor de educação física lotado na SMS. Foi uma iniciativa que

depois foi potencializada pelos projetos de promoção da saúde do MS. À época, eles

receberam os colchonetes, os pesos e um som (que já não existe mais).

A vivência de hoje nos possibilitou perceber que os usuários identificam certa

articulação entre as atividades de promoção e de assistência, destacando o reconhecimento do

benefício produzido à saúde nesse tipo de atividade, o que podemos considerar como

ampliação na noção de saúde de usuários e profissionais.

89

A PERCEPÇÃO DOS ATORES ENVOLVIDOS NO CURSO DE GESTANTE

ACERCA DA ARTICULAÇÃO DAS AÇÕES DE SAÚDE

12 de dezembro, 14h.

uarta-feira. As festas natalinas aproximam-se e contagiam as Unidades de

Saúde. O que para alguns é um momento de alegria, para outros, de reflexão.

Foi nesse clima que eu encontrei a USFCII hoje. Encontro o médico que

participa da maioria das atividades que observei conversando com uma

técnica de enfermagem que se queixava do descompromisso dos profissionais

da saúde. Segundo ela, muitos profissionais estariam aproveitando o descaso da gestão para

justificar seu próprio descompromisso. O clima era de ansiedade quanto ao futuro da atenção

básica a partir da mudança da gestão municipal após o pleito eleitoral. Naquele contexto, a

esperança era de que a situação teria que melhorar. No entanto, a técnica faz ressalvas à

questão que considera essencial que é a gestão de pessoas. O médico me informa que haverá

recesso das atividades coletivas. “O grupo ‘Conviver’ encerrou esta semana”, diz o médico.

Encerra-se hoje também o curso para as gestantes.

Sigo, então, para o espaço cultural para assistir ao encerramento do curso para

gestantes. Já haviam iniciado e eu fico observando as falas, as avaliações acerca do curso. As

gestantes afirmam o quão foi positivo participar e justificam a ausência dos companheiros. À

medida que emitem suas opiniões, ressaltam as dúvidas surgidas (o primeiro banho do bebê, o

aleitamento, a sexualidade, alimentação e sua relação com a saúde, entre outras) e que foram

bem abordadas nos encontros. Os estudantes de enfermagem destacam como fator positivo a

troca de conhecimentos, a importância do curso para a formação profissional, o espírito

participativo das gestantes. Como ponto negativo, ressaltam baixa adesão das gestantes do

bairro. Uma das gestantes elogia o trabalho da equipe que conduziu o curso e diz que as

mulheres que não aderiram alegaram indisposições, desinteresse, cansaço. Contudo, ela

enfatiza que a perda seria de quem não participou. Essa gestante já estava esperando seu

terceiro filho e finaliza seu depoimento com a seguinte frase: “achei muito interessante, pois

aprendi muita coisa nova”. A enfermeira faz uma retrospectiva dos assuntos abordados

durante todo o curso de maneira a possibilitar às gestantes a oportunidade de dirimir alguma

dúvida que ainda persistisse.

Q

90

Após o encerramento, aproveito para conversar com algumas pessoas com o propósito

de identificar suas percepções acerca do curso. Percebo através das falas que a ideia de

articular as ações de promoção e assistência está muito clara para profissionais e usuárias.

Uma gestante de primeira vez diz: “o curso ajuda a compreender as informações que

dão pra gente no pré-natal. Muita coisa do pré-natal fica esclarecida aqui. E tem mais: a gente

cresce vendo a irmã ou a mãe fazendo as coisas erradas e eu só vi o que era certo no curso”.

Outra gestante que já esperava seu terceiro filho fala com entusiasmo acerca do curso:

“ah! Eu achei muito interessante, pois aprendi muitas coisas novas. Cada vez que a pessoa

aprende é bom. O curso é um prolongamento do pré-natal e ajuda a entender as informações”.

Ao ser questionada a respeito da importância do curso no pré-natal uma das estudantes

de enfermagem fala o seguinte: “é muito importante, pois os assuntos abordados no curso

facilitam nossa abordagem na assistência. A gente fica sabendo das dificuldades de cada uma

e aproveita para melhorar no atendimento”.

Pergunto à enfermeira se ela acha que o curso contribui para a integralidade do

cuidado. Ela diz: “o curso é multiprofissional, então tem várias profissões envolvidas para ver

as gestantes como um todo, dentro de sua realidade”.

Bonet (2008), ao discutir a temática da educação em saúde, chama a atenção para duas

formas de se realizar essa prática. Pode-se realizar uma atividade guiada por uma ética de

convicção, na qual o profissional tem a convicção de seus conhecimentos e desconsidera os

conhecimentos do paciente ou a comunidade. Em consequência disso, a prática da educação

em saúde constitui um instrumento de dominação e tem como produto a medicalização da

sociedade. A outra forma seria uma atividade guiada pela ética da responsabilidade e balizada

por uma experiência próxima. Nessa modalidade, o profissional consegue atuar de maneira

mais construtiva, possibilitando que os usuários tomem suas próprias decisões. Nessa

abordagem, a prática de educação em saúde teria maior probabilidade de se desenvolver na

perspectiva do cuidado integral.

Consideramos que realizar ações de educação em saúde com gestantes tem um

diferencial que possibilita uma prática mais horizontalizada e mais distante da medicalização,

haja vista estarmos lidando com pessoas que estão vivenciando momentos que, em sua

maioria, se traduzem em boa saúde com necessidades de produção de cuidado. Os anseios

desse público são específicos da situação singular vivenciada, o que provoca o deslocamento

do profissional, acostumado a dar resposta a um corpo doente, para um corpo que inspira

saúde, produção de vida. O bem-estar é voltado para um ser que estar por vir e dessa forma

91

constitui um espaço de exercício de uma escuta menos tensionada por situações de

adoecimento e mais permeada por expectativas de produção de vida. Podemos observar na

postura dos profissionais o sentimento de responsabilização e disponibilidade para uma ação

mais dialógica e construtiva.

ARTICULANDO AS AÇÕES DE SAÚDE NO PLANEJAMENTO LOCAL

03 de janeiro 2013, 10:30h.

uinta- feira. Passado o período festivo de fim de ano, retorno à Unidade de

Saúde para participar de reunião de planejamento local. Os profissionais já

haviam realizado dois momentos do planejamento, dos quais tiraram seis

comissões para trabalhar por eixos temáticos. Na reunião de hoje, estão

presentes três trabalhadores do NASF (assistente social, psicóloga e

fisioterapeuta); dezoito trabalhadores da Unidade entre eles médicos, enfermeiras, técnicos de

enfermagem e ACS. A psicóloga inicia a reunião fazendo breve resgate dos momentos

anteriores, no qual deu para perceber que a discussão foi realizada com alguns profissionais e

que estes organizaram a atividade por eixos temáticos para serem distribuídos em seis

comissões. A psicóloga apresenta aos participantes as comissões e sugere que quem não

participou da reunião anterior faça a adesão à comissão que esteja em conformidade com o

interesse ou afinidade de cada um. As comissões seriam as seguintes: a) nutrição saudável e

práticas corporais (grupo de caminhada, pastoril, terapia e arte, entre outros; b) doenças

crônicas (“Hiperdia”); c) saúde sexual reprodutiva (curso para gestantes e planejamento

familiar); d) saúde da criança (CD individual e coletivo); e) saúde do idoso ou

envelhecimento saudável (grupo conviver) e f) comunicação (compromisso de informar aos

usuários acerca de férias, faltas, atestados, licenças, entre outras ausências, e a elaboração de

uma cartilha a ser utilizada no acolhimento para manter os usuários informados sobre o

funcionamento da Unidade). Além destas, uma comissão para organizar a oficina de

acolhimento. Fico de fora do círculo de profissionais, na condição de observadora. Após a

apresentação das comissões, estas se reuniram em pequenos grupos e iniciaram suas

discussões e proposições.

Aproveito um momento em que a psicóloga fica fora do círculo e pergunto como

chegaram àquelas comissões. Ela diz que iniciaram fazendo uma retrospectiva das atividades

realizadas durante o ano e estabeleceram pontos fracos e fortes. Dessa discussão perceberam

Q

92

que as atividades clínicas, mesmo com a situação caótica em que se encontravam os serviços,

transcorreram sem muito prejuízo. As atividades mais prejudicadas haviam sido as atividades

coletivas, pois muitas delas sofreram descontinuidade. Ela fala das dificuldades que os

profissionais destacaram durante os encontros anteriores relativas às atividades de caráter

coletivo, como por exemplo, o PSE, que tinha ficado restrito à participação da equipe de

saúde bucal; o grupo “Conviver” que estava em declínio e sem participação das equipes; o

curso para gestantes, que teve uma baixa adesão das gestantes; as atitudes profissionais no

tocante ao acolhimento que foi avaliado como iniciativas individuais; a deficiência na

comunicação avaliada como um obstáculo ao bom desenvolvimento do processo de trabalho.

Assim, as comissões fariam discussões e proposições no sentido de melhorar as referidas

ações. Ela retorna ao seu grupo e eu continuo observando os pequenos grupos.

Aproximo-me do grupo que está discutindo as práticas corporais. Eles propõem novas

estratégias para o retorno do grupo de caminhada que será dia 18 de fevereiro. Ao término das

discussões, eu peço para falar com o ACS que acompanha o grupo de caminhada e pergunto

se ele percebe alguma articulação entre a atividade de caminhada e as ações clínicas. Ele

prontamente me responde: “É quase imperceptível. A única articulação hoje é o atestado

médico que é exigido. Não há um acompanhamento sistemático. Até a verificação da pressão

que nós fazemos antes da atividade não serve para uma avaliação de saúde e sim para saber se

a pessoa pode ou não realizar a atividade naquele dia. Por isso estamos propondo algumas

alterações. Se houvesse um acompanhamento sistemático, teríamos condição de avaliar

melhor o impacto da atividade na saúde das pessoas. Hoje, nós só sabemos através de

depoimentos dos próprios usuários e, às vezes, ficamos preocupados com algumas coisas que

eles fazem como, por exemplo, suspender medicações por se sentirem bem e acharem que não

precisam mais. Nós percebemos também uma melhora em seus aspectos físicos, no que se

refere à agilidade e flexibilidade. Mas tudo sem avaliação médica. Nós estamos propondo

uma ficha individual de acompanhamento, em que iremos registrar as pressões e as

avaliações. Antes pensamos em utilizar o próprio prontuário, mas vimos que não seria

possível por causa da rotatividade grande que existe em nosso bairro”.

A fisioterapeuta que estava no grupo complementa:

“Vamos propor uma avaliação metabólica e em alguns casos, se necessário, serão

encaminhados ao serviço de referência. Hoje, o grupo é muito eclético, tem jovens, adultos e

idosos. Precisamos fazer uma avaliação das condições de cada um para planejar melhor as

atividades”.

93

Além dessa proposta foram listados vários eventos a serem realizados com o propósito

de fortalecer os grupos da Unidade e nesse sentido, agendaram reunião para o dia 14 de

janeiro próximo, com objetivo de discutir as propostas com a presença de usuários.

Os grupos retornam para compartilhar a apresentação do resultado das discussões. Há

destaque para a necessidade de resgatar/fortalecer as parcerias com as ONGs e a comunidade.

A psicóloga que coordena a reunião finaliza perguntando se eu tenho algo a dizer para o

grupo. Até então eu só havia observado e conversado individualmente com alguns

profissionais. Aproveitei o momento para agradecê-los pela colaboração à minha pesquisa e

dizer o quanto havia aprendido com o processo de trabalho daquela Unidade. Anunciei que

estava finalizando as observações, mas que, provavelmente iria precisar de algumas

informações complementares.

Ao ouvir os relatos dos grupos tentando encontrar alguma articulação das ações de

educação em saúde com as demais ações, percebemos que esta se dá no planejamento,

contudo ainda de forma fragmentada na prática. Identificamos, por exemplo, ausência de

iniciativas de estabelecimento de projetos singulares a serem desenvolvidos a partir das

necessidades individuais e coletivas. No entanto, esta não é uma ausência apenas nessa USF.

Na Unidade em que trabalho ou nas que acompanhei como apoiadora institucional também há

ausência dessa prática, o que sugere ser uma das questões a serem trabalhadas no sentido de

contribuir para a integralidade do cuidado.

Antes de iniciar a reunião, em conversa com um dos médicos, eu já havia comentado

sobre isso com ele, de uma forma generalizada. Ele falava da dificuldade em se conseguir

romper com o modelo biomédico, em virtude da alta demanda e da forma como estavam

organizados os serviços. Refletimos sobre a necessidade do fortalecimento das equipes

através de apoio institucional que proporcionasse essas discussões, através de processos de

educação permanente cujo propósito primordial fosse uma mudança efetiva no trabalho em

saúde e na organização das práticas e dos serviços, de forma a estimular a escuta qualificada

como um elemento norteador de organização das ofertas na perspectiva do cuidado integral.

As propostas de acolhimento implantadas até os dias de hoje se dão na perspectiva de triagem

que ainda organizam o atendimento ao usuário por ordem de chegada, baseada na queixa

principal. Isso não proporciona ampliação das ofertas no sentido da produção de saúde. Há

que se pensar a educação em saúde presente no leque de ofertas do núcleo do cuidado, de

forma transversal, cuja participação de toda a equipe é fundamental.

94

Entretanto, há indícios de que a equipe tem a intencionalidade em implantar

acolhimento nessa direção, conforme se visualiza no fluxograma do acolhimento da USFFCII

(Anexo A). As questões refletidas a partir dessa reunião e de toda nossa permanência na USF

reforça, cada vez mais, a importância da qualificação da gestão do processo de trabalho para

impulsionar as mudanças necessárias para a realização da promoção da saúde.

95

A EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO CONTEXTO DA PROMOÇÃO DA SAÚDE

_____________________________________________________________________________

O diálogo, como encontro dos homens para a tarefa

comum de saber agir, se rompe, se seus polos (ou

um deles) perdem a humildade.

Paulo Freire

96

3. EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO CONTEXTO DA PROMOÇÃO DA SAÚDE

A promoção da saúde em seu desenvolvimento conceitual converge para uma

concepção que desloca o olhar e a escuta dos profissionais para os sujeitos, reconhecendo-os

em sua potência criativa e buscando a construção de autonomias a partir da produção de

cuidado e de saúde, corroborando a noção ampliada do processo saúde-doença, seus

condicionantes e determinantes, e, consequentemente, exige a intersetorialidade das ações. Na

situação brasileira, em que se observam altos índices de doenças crônicas, situação crescente

de agravos pela violência, envelhecimento populacional, a realização de ações intersetoriais é

estratégica para o enfrentamento de problemas relativos ao meio ambiente, à urbanização, à

segurança alimentar e nutricional, ao desemprego, à moradia, ao uso de drogas lícitas e ilícitas

(BUSS, 2009; CAMPOS et al., 2004).

A intersetorialidade é processo de construção compartilhada na qual devem ser

observados os distintos saberes, linguagens e modos de fazer. Há que se ter abertura para o

diálogo, estabelecendo vínculos de corresponsabilidade e cogestão pela melhoria da qualidade

de vida da população. Apostar na mobilização social como elemento imprescindível para o

exercício da cidadania e o respeito aos direitos constitucionais, respeitando a diversidade

existente nas comunidades, é essencial. O fortalecimento dos movimentos sociais propicia a

construção de autonomias e nos remete a um dos eixos da promoção da saúde que seriam os

modos de viver (CAMPOS et al., 2004).

Campos et al. (2004) destacam a implicação do Estado na implementação da política

de promoção da saúde e na necessidade que se estabeleçam políticas efetivas no âmbito de

todas as esferas da gestão pública.

A definição da saúde como resultado dos modos de organização social da

produção, como efeito da composição de múltiplos fatores, exige que o Estado assuma a responsabilidade por uma política de saúde integrada às

demais políticas sociais e econômicas e garanta a sua efetivação. Ratifica,

também, o engajamento do setor saúde por condições de vida mais dignas e

pelo exercício pleno da cidadania (CAMPOS et al., 2004, p. 746).

Na esfera federal, através do MS, foi aprovada a Política Nacional de Promoção da

Saúde em 2006 com o propósito de apostar na possibilidade de articulação sujeito/coletivo,

público/privado, estado/sociedade, clínica/política, setor sanitário/outros setores, visando

97

romper com a excessiva fragmentação na abordagem do processo saúde-adoecimento e

reduzir a vulnerabilidade, os riscos e os danos que nele se produzem (BRASIL, 2006a).

A Portaria de nº 687/GM/2006, que criou a referida política traz como um de seus

objetivos específicos “ampliar a autonomia e a corresponsabilidade de sujeitos e coletivi-

dades, inclusive o poder público, no cuidado integral à saúde e minimizar e/ou extinguir as

desigualdades de toda e qualquer ordem (étnica, racial, social, regional, de gênero, de

orientação/opção sexual, entre outras)” (BRASIL, 2006a).

É essencial conceber autonomia como uma resultante da construção de capacidades de

análise e de corresponsabilização pelo cuidado consigo, com os outros, com o ambiente, com

a vida e não como um processo de escolhas unicamente individuais, a um exercício de

vontade puro e simples (CAMPOS et al., 2004).

As práticas de educação em saúde, parte integrante das ações de promoção da saúde,

se encontram cada vez mais presentes no cotidiano dos serviços de saúde e pode se constituir

estratégia importante nessa perspectiva. Na Atenção Primária, sobretudo na Estratégia Saúde

da Família (ESF), essas práticas são realizadas nos mais variados espaços e atingem um

número expressivo de pessoas. No entanto, em sua maioria essas atividades são desenvolvidas

com a concepção de que os problemas da falta de saúde derivam da carência de informações

técnico-científicas. Pressupondo-se que há necessidade de alguém com capacidade de ensinar,

orientar e educar como cada indivíduo deve proceder para ter saúde.

Para melhor compreensão do processo de evolução da educação em saúde, com vistas

a reflexões sobre as estratégias de mudança das práticas, é importante que se faça um resgate

histórico desse processo. Não existe uma definição única para educação em saúde e esta

consiste em um processo complexo. Seus conceitos e propósitos adaptaram-se conforme as

mudanças de paradigmas que ocorreram no setor saúde e foram também influenciados pelas

transformações ocorridas nos processos pedagógicos da educação escolar de maneira geral

(MACIEL, 2009).

Segundo Foucault (2011), os direitos e os deveres dos indivíduos relativos à saúde, o

mercado dos cuidados médicos, as intervenções autoritárias na ordem das doenças e higiene e

a institucionalização da relação privada com o médico marcaram a política de saúde do século

XIX. O elemento central foi a família, medicalizada-medicalizante. Os médicos passam a

ensinar regras fundamentais de higiene, de alimentação, ambiente, em benefício da saúde dos

indivíduos. A esse processo o autor denominou de biopolítica. A medicina assume assim um

lugar cada vez mais importante nas estruturas administrativas, ampliando seus poderes

98

médicos. O médico assume cada vez mais sua ascendência política sobre a população, tanto

no que dizia respeito às doenças como às prescrições de comportamento, interferindo na

alimentação, na sexualidade, na fecundidade, na maneira de se vestir, entre outros

(FOUCAULT, 2011).

Illich (1975), ao fazer severas críticas à medicina destaca que a medicalização

perniciosa da saúde é apenas um dos aspectos de um fenômeno generalizado. Nesse

sentido, o autor remete à Medicina a produção de iatrogenias: a iatrogênese clínica,

causada pelos próprios cuidados de Saúde; a iatrogênese social, em decorrência do excessivo

consumo de fármacos pela população, os comportamentos e prescrições feitas pela Medicina

em seus ramos preventivo, curativo, industrial e ambiental, e, por último, a iatrogênese

cultural, que se caracteriza pela destruição do potencial cultural das pessoas e das

comunidades para lidar de forma autônoma com a enfermidade, a dor e a morte. O

poder/saber médico substituiu as práticas tradicionais e o saber espontâneo da população. Esse

processo (com caráter político) o autor denominou de medicalização da vida (ILLICH,

1975).

Tesser et al. (2010) discutem as proposições teóricas dos autores Michel Foucault e

Ivan Illich, destacando que Michel Foucault, ao ressaltar que a medicina é uma prática social,

discute a história da medicalização e afirma que o corpo biológico é socializado através da

estratégia da biopolítica, ou seja, o controle da vida através da Medicina. Entretanto,

diferentemente de Illich, o autor destaca a existência de positividade nessa relação, partindo

do pressuposto de que há produção de subjetividades alimentando uma rede de poderes e, não

necessariamente, a inteira submissão dos indivíduos. Posteriormente, Illich reconhece a

existência da desmedicalização, no entanto, alertando para o fato de haver apenas o

deslocamento da medicalização do campo da medicina para outras áreas como as de estética,

moda, educação física e da saúde pública (TESSER et al., 2010).

A discussão da medicalização tem tido relevância entre autores contemporâneos que

fazem menção à contribuição da prática profissional e dos serviços públicos de saúde para a

medicalização social nos tempos atuais (TESSER, 2010; TESSER et al., 2010; FAVORETO;

PINHEIRO, 2011).

A medicalização social seria um movimento complexo de múltiplas facetas, que vai

desde o nosso cotidiano até abstratas questões epistemológicas, históricas, filosóficas,

políticas, culturais e sociológicas presentes nos acontecimentos do cotidiano, no qual as

pessoas recorrem a um profissional de saúde para aliviar suas dores e incômodos que antes

99

eram resolvidos até mesmo no âmbito familiar. Nesse sentido, transformam-se tristezas,

frustrações e sofrimentos passageiros em problemas de saúde e, consequentemente, em alvo

de medicalização. Por outro lado, os profissionais, a indústria farmacêutica, a mídia e as

tecnologias alimentam cada vez mais esse movimento. Tal processo repercute em quase todos

os aspectos da vida das pessoas, de todas as profissões e atividades profissionais da saúde

(FAVORETO; PINHEIRO, 2011; TESSER, 2010).

A medicalização social se constitui, portanto, em um grande desafio para a saúde

coletiva, para o SUS, para a gestão dos serviços, para a integralidade e a promoção da saúde.

Faz-se presente nas condutas, nos pensamentos, consultas, aulas, acolhimento, de tal forma

que parece ser uma evolução da própria sociedade. É percebida no momento em que essas

práticas se dão de forma prescritiva visando o desenvolvimento de habilidades pessoais

inerentes à adesão ao estilo de vida saudável, em detrimento da determinação social da

doença, por exemplo. A medicalização vai de encontro ao desenvolvimento de práticas de

saúde comprometidas com a liberdade e dificulta a realização de ações intersetoriais,

emancipatórias, coletivas e solidárias (TESSER, 2010).

No Brasil, pode-se dizer que a medicalização teve seu início no século XX, com a

implantação da educação sanitária a partir da necessidade do Estado brasileiro de controlar as

epidemias de doenças infectocontagiosas, que ameaçavam a economia agroexportadora do

país. Nesse período, a população brasileira era atingida por doenças como a varíola, febre

amarela, tuberculose e sífilis. Doenças relacionadas às péssimas condições sanitárias e

socioeconômicas. Nesse contexto, os problemas de saúde pública eram enfrentados por meio

de campanhas sanitárias, desenvolvidas de forma obrigatória, voltadas para combater as

epidemias. Como toda ação gera uma reação, esse não foi um processo passivamente aceito

pela população. Esta por sua vez, resistiu através do movimento que ficou conhecido como a

Revolta da Vacina (POLIGNANO, 2007).

Em meados dos anos 1930, com a criação dos Centros de Saúde, difundem-se as

noções de higiene individual e prevenção de doença infectoparasitária. Contudo, não

repercutiu na melhoria da saúde da população e esta continuava a declinar, começando a

haver nesse período uma valorização da assistência médica individual em detrimento da saúde

pública (MACIEL, 2009).

O modelo hospitalocêntrico, centrado na cura das doenças, predominou até as décadas

de 1950 e 1960. Nesse contexto, surge o desejo de mudanças que culminou com o Movimento

pela Reforma Sanitária e, como uma das consequências desse movimento, articulado aos

100

demais movimentos pela democratização e reformas sociais no país, houve a criação do SUS,

em 1988. O SUS traz em seu arcabouço teórico a organização dos serviços com ênfase na

integralidade, em que se destacam as ações de promoção e prevenção (PAIM, 2009).

É importante ressaltar, no entanto, que a fragmentação das ações na perspectiva do

tratamento das doenças ainda está presente no cotidiano dos serviços de saúde. O que reduz o

indivíduo doente a um objeto sobre o qual várias especialidades precisam intervir. Há que se

ampliar o olhar e deslocá-lo para além das doenças, identificando a existência de problemas

de saúde e, sobretudo, percebendo a existência de sujeitos, pessoas, vivenciando os tais

problemas. Esse olhar ampliado exige uma clínica que também se amplia na perspectiva de

romper com a referida fragmentação (CAMPOS; AMARAL, 2007).

Nessa direção, o desenvolvimento de ações de educação em saúde deve se dar de

forma a promover uma interação das ações de saúde na perspectiva de ampliação do grau de

autonomia do usuário, família e da comunidade rumo ao cuidado integral.

Apesar da inclusão da educação em saúde no SUS, esse ainda é um tema passível de

melhor compreensão no campo do “que fazer”, e do “como fazer”. Discutindo o tema,

Campos e Campos (2006) ressaltam que a Promoção da Saúde tem receitado mudanças no

“estilo de vida” e feito análises de risco com a mesma arrogância da Clínica. As ações

preventivas, educativas e as de promoção da saúde são desenvolvidas mediante a soberania

dos saberes técnicos. Tanto a clínica quanto as ações de saúde coletiva, predominantes, são

ainda restritivas, através de prescrições não negociadas com os usuários e comunidades. As

ações clínicas são balizadas por procedimentos queixa-conduta ou surto-intervenção

(CAMPOS; CAMPOS, 2006).

Entretanto, é oportuno enfatizar que, apesar da predominância da prática educativa

normalizadora no cotidiano dos serviços, existem iniciativas, que tiveram seu início antes

mesmo da criação do SUS e que foram impulsionadas pela necessidade de resistir ao caráter

autoritário do regime militar iniciado em 1964, buscando superar essa prática. Dentre estas,

destaca-se o Movimento da Educação Popular que teve papel essencial na proposição de

organização de ações de saúde integradas à dinâmica social local, com ênfase na participação

social. Através desse movimento, os profissionais de saúde foram aprendendo a se relacionar

com os grupos populares (VASCONCELOS, 2004).

A Educação Popular em Saúde está ancorada nas concepções de Paulo Freire (2010)

acerca da prática educativa, que definem que a educação deve resultar em um agir consciente

sobre a realidade a partir de uma relação dialética entre ação-reflexão-ação.

101

A prática educativa exige planejamento e, sobretudo, postura ética, crítica e

comprometida com a cidadania. Ensinar exige rigor metodológico, pesquisa, respeito aos

saberes do educando, criticidade, bom senso, humildade, tolerância, liberdade e autoridade,

respeito à autonomia do ser do educando, entre tantos outros saberes. Ou seja, “Ensinar é uma

especificidade humana” (FREIRE, 2010 p. 91).

A Educação Popular em Saúde tem como característica romper com a verticalidade da

relação profissional-usuário, valorizando-se as trocas interpessoais, as iniciativas da

população e usuários. Através do diálogo, buscam-se a explicitação e a compreensão do saber

popular. O usuário é reconhecido como sujeito portador de um saber sobre o processo saúde-

doença-cuidado capaz de estabelecer interlocução dialógica com o serviço de saúde e de

desenvolver análise crítica sobre a realidade e o aperfeiçoamento das estratégias de luta e de

enfrentamento (VASCONCELOS, 2004).

Destacamos a iniciativa do MS no sentido de impulsionar mudanças importantes no

modo de fazer Educação em Saúde, numa perspectiva emancipatória. Através do

Departamento de Apoio a Gestão Participativa, o MS publicou o Caderno de Educação

Popular em Saúde com o propósito de qualificar as ações de educação em saúde. A

perspectiva é de se trabalhar a integralidade de saberes e de práticas através do encontro com

outros espaços, com outros agentes e com tecnologias que se colocam em favor da vida, da

dignidade e do respeito ao outro (BRASIL, 2006c; 2011). Consideramos uma estratégia

promissora para a construção da integralidade do cuidado, entretanto, o que se observa no

cotidiano dos serviços é que as ações de educação em saúde, em sua maioria, ainda são

desenvolvidas de forma tradicional, deslocada da clínica, reproduzindo o modelo biomédico

hegemônico.

Para Campos e Amaral (2007), mudanças estruturais e organizacionais têm maior

eficácia quando são acompanhadas também por processos de mudança no modo de ser dos

sujeitos envolvidos, o que exige reforma de estrutura e cultural.

3.1 AS PRÁTICAS COLETIVAS DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO COTIDIANO DA

ESF: UM OLHAR A PARTIR DA INTEGRALIDADE

Consideramos que as ações de educação em saúde, ao serem desenvolvidas com vistas

ao cuidado integral, devem estar articuladas com o momento assistencial mediante uma

abordagem interdisciplinar e de caráter emancipatório.

102

Apresentamos aqui uma análise das práticas coletivas de educação em saúde

desenvolvidas na Unidade de Saúde da Família de Felipe Camarão II, buscando produzir

diálogo entre o conteúdo do relato da imersão etnográfica com o referencial conceitual dos

quatro eixos da integralidade proposto por Ayres (2009; 2012): o eixo das necessidades que

diz respeito à qualidade e natureza da escuta, acolhimento e resposta às demandas de atenção

à saúde; o eixo das finalidades, que representa graus e modos de integração entre as ações de

promoção da saúde, prevenção dos agravos, tratamento de doenças/sofrimentos, recuperação

da saúde e reinserção social; o eixo das articulações, que se refere aos graus de modos de

composição de saberes interdisciplinares, equipes multiprofissionais e ações intersetoriais; e o

eixo das interações referindo-se à qualidade e natureza das interações intersubjetivas no

cotidiano das práticas de cuidado. Os quatro eixos são relacionados entre si e guardam certa

interdependência, embora nenhum deles possa ser completamente reduzido a qualquer um dos

demais (AYRES, 2009, 2012).

O processo de promoção-prevenção-cura-reabilitação é também um processo

pedagógico, cuja troca de conhecimentos pode beneficiar tanto o profissional de saúde quanto

o usuário. Nesse contexto, a forma e os resultados do trabalho em saúde são a transformação

de pacientes em cidadãos, copartícipes do processo de construção da saúde

(ALBUQUERQUE; STOTZ, 2004).

Ayres (2009) ressalta que dos três princípios do SUS: universalização, equidade e

integralidade, este último é o que nos desafia a apreender o “quê” e “como” pode ser realizado

em saúde para responder universalmente às necessidades de cada um.

Tomaremos como ponto de partida de nossa análise, as atividades coletivas que

estavam acontecendo no momento da pesquisa, lócus da observação participante: o grupo de

idosos “Conviver para Melhor Viver”; o curso para gestantes e o grupo de caminhada

“Caminhos da Vida”. Na discussão, consideraremos também as atividades apresentadas

pelos informantes-chave, mesmo que estivessem desativadas no momento da observação em

virtude da conjuntura local de desmotivação geral das equipes: o grupo “Terapia e Arte”; o

“Pastoril do Peixe-boi Encantado” e o Auto do Natal. Entendemos que essas ações têm

grande relevância para o estudo, por se constituírem em atividades que possuem certo grau de

sustentabilidade pelo tempo de existência nas práticas da USF, por terem sido constituídos em

momentos importantes de participação social e por terem aproximação à abordagem

metodológica da Educação Popular em Saúde.

103

A empreitada de articular os eixos com as atividades desenvolvidas na USF nos

proporcionou momentos bastante reflexivos. Dada a natureza da produção dos processos de

trabalho, dinâmica, e em constante transformação, podemos perceber variações de menor ou

maior presença dos eixos e sua interdependência. Durante a imersão ao campo de pesquisa,

foi possível identificar, mesmo que de forma incipiente, sinalizações da presença de cada

eixo. Isso pode indicar mudanças nas concepções de saúde e doença presentes no conteúdo

das práticas de educação em saúde desenvolvidas pelas equipes.

Os quatro quadros que seguem apresentam a articulação do conteúdo dos eixos com as

atividades de educação em saúde analisadas. Na primeira linha está destacado o eixo e nas

colunas estão destacadas as atividades coletivas que foram locus da observação participante,

seguidas das características da atividade observada que estaria relacionada ao eixo proposto,

no sentido de identificar relações entre as caraterísticas da atividade e do eixo.

Quadro 4 – Eixo das necessidades

EIXO DAS NECESSIDADES: Diz respeito à qualidade e natureza da escuta, acolhimento e

resposta às demandas de atenção à saúde; espera-se um desenvolvimento de sensibilidade e

capacidade de resposta a necessidades que não se limitem à prevenção, correção e recuperação de

distúrbios morfológicos ou funcionais do organismo, sem descuidá-las.

“CONVIVER PARA

MELHOR VIVER”

Os idosos trazem a necessidade

de conversar sobre suas histórias

individuais de perdas, de sofrimentos e de superações;

realizar encontros positivos para

a produção de saúde; fugir da

solidão e da rotina de doenças e problemas familiares; estabelecer

redes de solidariedades e

vínculos afetivos.

A equipe responde proporcionando a

busca da autossustentação do grupo;

o espaço de realização dos encontros, os passeios, o lanche e algumas

atividades lúdicas.

Em momentos anteriores, a equipe

proporcionou a criação de subgrupos de arte e cultura (coral, teatro,

folclore, entre outros).

CURSO PARA

GESTANTES

As gestantes trazem a

necessidade de obter informações

acerca da gravidez e sobre os cuidados com o bebê;

sexualidade; discutir mitos;

garantir o direito à escolha do método de planejamento familiar.

A equipe responde com rodas de

conversas, mediadas pelos

conhecimentos prévios das participantes acerca dos assuntos

demandados antes e durante a

atividade, com dinâmicas de descontração, vivências e

proporciona momentos de reflexão

acerca da maternidade. CAMINHADA Os idosos buscam por mais

saúde, melhorias na qualidade de

vida, espaço de lazer.

A equipe responde com a realização de atividade de alongamentos e

mobilidade de forma sistemática e

passeios.

104

Necessidades de saúde são históricas, dinâmicas e tem um componente subjetivo e

individual (STOTZ, 1991 apud CECÍLIO, 2001).

Os encontros dos grupos observados são momentos no trabalho em saúde com

potencialidade para escuta ampliada das necessidades dos usuários. Favoreto e Pinheiro

(2011) analisam a escuta do usuário, partindo de duas perspectivas: uma escuta desprovida de

aspectos subjetivos e outra como uma ferramenta dialógica, relacional e inclusiva de saberes e

práticas entre os atores implicados na integralidade do cuidado. A primeira perspectiva sendo

considerada uma ação medicalizadora e a segunda uma ação ético-política.

A escuta como ação medicalizadora é mediada pela técnica normativa, desprovida de

diálogo e de possibilidades de construções intersubjetivas, prevalecendo o diagnóstico e a

terapêutica. Em consequência desse tipo de escuta, produzem-se serviços desconectados dos

contextos e concepções das coletividades e das pessoas que buscam o cuidado em saúde,

promovendo o que os referidos autores denominaram de “ruídos” nas relações entre

profissionais e usuários (FAVORETO; PINHEIRO, 2011 p. 232).

A escuta como ação ético-política ocorre de forma a reconhecer o protagonismo do

usuário na escolha de suas narrativas acerca de suas expectativas de atenção. O profissional se

reposiciona para percebê-la como o espaço de trocas intersubjetivas entre profissionais e

usuários com vistas a qualificar o encontro (FAVORETO; PINHEIRO, 2011).

Na busca de qualificar a escuta numa perspectiva ético-política com vistas à

integralidade do cuidado, Cecílio e Matsumoto (2006) propõem uma taxonomia das

necessidades que podem orientar a organização das ações clínicas assistenciais, de prevenção

e de promoção:

A necessidade de boas condições de vida, que podem ser entendidas tanto no sentido

mais funcionalista, ao enfatizarem os fatores do ambiente determinando o processo saúde-

doença, como nas formulações marxistas, que enfatizam os diferentes lugares ocupados pelos

indivíduos nos processos produtivos das sociedades capitalistas nas explicações acerca do

processo de adoecimento e morte.

A necessidade de se ter acesso e se poder consumir toda tecnologia de saúde capaz

de melhorar e prolongar a vida. Ou seja, a garantia de que o uso das tecnologias leves, leve-

duras e duras seja definido a partir da necessidade de cada pessoa, em dado momento de sua

vida, sem haver uma hierarquização dessas tecnologias.

105

A necessidade de ter vínculos (a) efetivos com um profissional ou uma equipe de

saúde (sujeitos em relação). Vínculo construído a partir de uma relação de confiança. O

paciente assume a condição de sujeito que fala e julga. Sem essa condição não se estabelece

relação usuário/profissional adequadas.

A necessidade de autonomia e autocuidado na construção do “modo de andar a

vida” (a construção do sujeito). A passividade do paciente ou da comunidade é, em geral,

um grande empecilho ao processo de cura. A autonomia implica a possibilidade de

reconstrução dos sujeitos. É no âmbito desse conjunto de necessidades que se inserem as

práticas de educação em saúde, sejam estas desenvolvidas no momento assistencial ou nos

espaços coletivos. No entanto, deve-se compreender que informação e educação em saúde são

apenas parte do processo de construção da autonomia de cada pessoa.

Merhy (2007b) acrescenta uma quinta necessidade relativa à singularidade de cada

indivíduo: a necessidade de ser alguém singular com direito à diferença, o que demanda

formulação de políticas especiais de inclusão.

Pinheiro (2010) chama a atenção para o fato de que esse conjunto de necessidades

explicita a centralidade do usuário no cuidado e tem-se a informação e a educação em saúde

como campos de compreensão e construção dessas necessidades, reconhecendo as demandas

como aspirações sociais inerentes ao processo de constituição do direito à saúde. Há que se ter

uma prática reflexiva, desenvolvida a partir de relação dialógica entre demandas e

necessidades, com vistas à construção de práticas eficazes de integralidade na produção do

direito à saúde, a partir da constituição de sujeitos (AYRES, 2009; PINHEIRO, 2010).

Faz-se oportuno enfatizar que o desenvolvimento de sensibilidade e capacidade de

resposta reclama uma proposta de educação permanente e um efetivo apoio matricial. A

educação permanente é processo que extrapola a dimensão pedagógica, na perspectiva de

constituir importante estratégia de gestão, com potencial de promover mudanças, cujas ações

devem tentar combinar necessidades e possibilidades com ofertas e processos mais gerais de

uma política proposta para todas as equipes e para todo o município, no cotidiano dos serviços

(BRASIL, 2011).

Quando bem apoiada e com o desenvolvimento de parcerias, a equipe corresponde de

forma bastante satisfatória, como ficou evidenciado nos relatos dos informantes-chave acerca

do desenvolvimento das atividades coletivas que foram paralisadas por falta de apoio

institucional: grupo “Terapia e Arte”; o “Pastoril do Peixe-boi Encantado” e o Auto do Natal.

Essas atividades se aproximavam bastante da discussão do eixo das interações e do eixo das

106

articulações por terem sido atividades mediadas pela participação dos usuários no

planejamento e execução das atividades, pela interação dos diversos saberes, pela articulação

com as organizações comunitárias e ONGs, conferindo intersetorialidade. Se essas atividades

fossem desenvolvidas mediante um processo de educação permanente não ficariam no campo

das ideias individualizadas com posteriores frustrações por não terem garantia de

continuidade. Ao contrário, a partir da análise coletiva dos processos de trabalho, haveria

possibilidade de identificação de nós críticos a serem enfrentados em sua operacionalização,

e, mediante o diálogo entre os atores, de reformulações estratégicas para dar continuidade à

ação.

Realizar ações de educação em saúde na perspectiva da integralidade exige perceber o

indivíduo em sua singularidade e reconhecer suas potencialidades no enfrentamento do

processo saúde-doença, em âmbitos individual e coletivo, isto é, promover redes de apoio a

partir da criação de espaços de trocas intersubjetivas. O reconhecimento do território é um

passo inicial para a caracterização da população e de seus problemas de saúde, bem como

para a avaliação do impacto das ações sobre a saúde dessa população.

A compreensão do caráter polissêmico de território se faz necessária a fim de se evitar

equívocos e para potencializar o agir em saúde numa perspectiva crítico-reflexiva que coloque

a pessoa no centro da atenção, considerando a relação cidadão-sociedade.

O caráter polissêmico de território e de territorialidade é inerente à sua relação com a

espacialidade humana, e promove um debate conceitual além da geografia, que tem sido

travado nos diversos campos de conhecimento. Isso demanda diferentes formas de enfocar o

seu uso, ampliando sua compreensão e tornando-a mais complexa por envolver análise que

considera diversos atores e suas relações sociais (MONKEN et al., 2008; HAESBERT, 2011).

O geógrafo, por exemplo, enfatiza a materialidade do território em suas múltiplas

dimensões; a ciência política enfatiza as relações de poder na construção dos territórios; a

antropologia destaca sua dimensão simbólica; a sociologia o enfoca a partir de sua

intervenção nas relações sociais; e a psicologia enfatiza a construção da subjetividade ou da

identidade pessoal, ampliando-as até a escala do indivíduo (HAESBERT, 2011).

As dimensões econômica, política, cultural e filosófica, presentes no debate conceitual,

podem ser percebidas em diferentes perspectivas teóricas. Na perspectiva materialista, há três

enfoques interrelacionados: o naturalista, que relaciona a territorialidade ao caráter biológico;

o enfoque de base social que privilegia as relações de produção; e o enfoque de base

econômica que entende o território como fonte de recursos. Na perspectiva idealista, o

107

território adquire valor simbólico, considerando-se as relações espirituais como valorização

do ser. Já na perspectiva integradora, também denominada totalizadora, enfatiza-se a

integração da vida em seus aspectos econômico, político e cultural. E na perspectiva

relacional destaca-se a presença de um campo de ação dos trunfos, com conteúdo simbólico

no sentido de dominação/apropriação (HAESBAERT, 2011).

Salienta-se que essas divisões são formas de agrupar as diversas abordagens existentes

que, se tomadas individualmente, tornam-se simplificadoras, pois na realidade são saberes e

práticas que não se restringem a uma única perspectiva.

Na saúde, a noção de território foi adotada na proposta de organização de distritos

sanitários, articulada à estruturação de sistemas locais de saúde. Os distritos sanitários devem

ser compreendidos como processo social de mudança das práticas sanitárias e para tanto

devem ser considerados em suas dimensões política, ideológica e técnica (MENDES, 1995).

É importante conceber o território como um cenário de relações entre atores sociais que

enfrentam problemas de saúde e que cobram soluções. É constituído de um perfil

demográfico, epidemiológico, administrativo, tecnológico, político e social que se caracteriza

por sua permanente construção. Nessa perspectiva, a categoria “território para a

implementação de uma reforma democrática” na saúde resulta em uma relação de

responsabilidade entre os serviços de saúde e a população adscrita (MONKEN et al., 2008;

MENDES, 1995; UNGLER, 1995).

O SUS incorporou a territorialização na implantação da Estratégia Saúde da Família e

utiliza como fonte principal as informações das áreas a serem adscritas às equipes. Os

territórios são denominados conforme sua abrangência: território distrito; território unidade

básica; território microárea de risco (BRASIL, 2004). No entanto, a concepção de

territorialização não está suficientemente esclarecida a todos os envolvidos na produção de

saúde. Ainda é muito forte a ideia restritiva de território enquanto uma delimitação geográfica

correspondente à área de atuação das equipes de saúde. Usar o conceito de territorialização na

organização dos processos de trabalho ainda constitui um desafio na realidade dos saberes e

práticas de saúde.

A experiência territorial nos serviços de saúde coloca os profissionais diante de

diversas iniquidades. Tal realidade produz nesses profissionais sentimentos de impotência.

Entendemos que, para compreender e se fortalecer perante esse cenário, é importante não

perder de vista o tipo de sociedade com a qual se lida no cotidiano, buscando identificar as

vulnerabilidades existentes nas comunidades. Uma situação bastante comum é a apropriação

108

por parte da população de espaços inadequados para a construção de moradias, a destinação

inadequada de dejetos e lixos, que resulta em fator de risco à sua saúde, potencializando seus

determinantes e condicionantes (MONKEN et al., 2008). Por outro lado, perceber as

potencialidades existentes no território abre perspectivas de enfrentamento das dificuldades.

Além disso, a territorialização pode favorecer o desenvolvimento de vínculos entre os

serviços e a população, o que facilita o desenvolvimento da comunicação através do

estabelecimento de laços de confiança.

Na USF pesquisada, observou-se que há uma história de construção de práticas

coletivas, articulando saberes e práticas da cultura popular e desenvolvendo parcerias com a

própria comunidade, possibilitando novos olhares na direção da promoção da saúde. Dessa

forma, constitui um campo fértil à perspectiva de se incorporar de forma efetiva ao

planejamento dessas práticas as noções de territorialidades e cotidiano. Reconhecer que há

diferentes territorialidades existentes no cotidiano dos serviços, indivíduos e coletividades

amplia possibilidades de enfrentamento às desigualdades na saúde geradas pelas iniquidades e

pela exclusão social.

Sendo a saúde uma resultante de políticas públicas voltadas para a melhoria da

qualidade de vida, as ações de promoção à saúde devem se dar na direção da conquista de

cidadania. Nesse sentido, realizar práticas educativas pressupõe apropriar-se do território

buscando compreendê-lo como espaço de possibilidades de transformação da realidade a

partir do exercício de cidadania de forma a não compactuar com a dupla condenação referida

por Milton Santos (2007) de que morar na periferia é condenar-se duas vezes à pobreza.

109

Quadro 5 – Eixo das finalidades

EIXO DAS FINALIDADES: Diz respeito aos graus e modos de integração entre as ações de

promoção da saúde, prevenção de agravos, tratamento de doenças e sofrimentos, e recuperação da saúde/ reinserção social; ou seja, não segmentar as ações, mas, ao contrário, criar sinergismos que

otimizem o desenvolvimento das ações, tanto da perspectiva da racionalização meios/fins como do

conforto e conveniência para indivíduos, famílias e comunidades. “CONVIVER PARA

MELHOR VIVER”

Ação com alta sustentabilidade, todos os profissionais sabem de sua existência, porém com pouca integração com as demais ações.

A adesão do usuário se dá por encaminhamento de alguns profissionais

(médico, ACS). A maioria adere mais pela necessidade sentida do que pelo reforço da

equipe.

CURSO PARA

GESTANTES

Boa integração da ação educativa com a clínica, na perspectiva da

promoção da saúde, propicia conforto às gestantes no tocante à expansão

de seus conhecimentos, prevenindo agravos e promovendo sensação de

segurança no momento do parto.

CAMINHADA A integração com as ações clínicas se restringe aos encaminhamentos e

à exigência de atestado médico. Baixo grau de integração entre a

atividade desenvolvida e o monitoramento da condição de saúde dos

usuários e pouco envolvimento da equipe no desenvolvimento da

atividade.

No curso para gestantes, percebemos que há integração da clínica com as ações de

promoção da saúde e uma melhor articulação de saberes multiprofissionais. Talvez por ser

esta uma atividade direcionada a pessoas que estão vivenciando um momento com

características muito singulares. Suas necessidades estão voltadas, prioritariamente, para

sentimentos de ansiedade e dúvidas com relação às modificações pelas quais cada gestante vai

passar, sobre como está se dando o desenvolvimento da criança, medo em relação ao parto, a

não poder amamentar, entre outros. Sentimentos comuns presentes na gestação e que

interferem no bom desenvolvimento do pré-natal, o que requer dos profissionais a

compreensão da educação em saúde como uma dimensão importante do processo de cuidar.

Embora ainda necessite de uma maior adesão tanto dos profissionais quanto das gestantes,

esses atores consideram a atividade importante e desenvolvida dentro de uma boa articulação

ente as ações promocionais e assistenciais, como identificamos nas falas transcritas do diário.

o curso ajuda a compreender as informações que dão pra gente no pré-natal. Muita

coisa do pré-natal fica esclarecida aqui. E tem mais: a gente cresce vendo a irmã ou

a mãe fazendo as coisas erradas e eu só vi o que era certo no curso (Gestante).

110

Na medida em que as ações são desenvolvidas no curso de gestantes pelos mesmos

profissionais que realizam o pré-natal, vão se configurando as articulações.

é muito importante, pois os assuntos abordados no curso facilitam nossa abordagem

na assistência. A gente fica sabendo das dificuldades de cada uma e aproveita para

melhorar no atendimento. (Estudante) (fala extraída do diário).

o curso é multiprofissional, então tem várias profissões envolvidas para ver as

gestantes como um todo, dentro de sua realidade” (Trabalhador da Saúde).

No entanto, é possível identificar a percepção de alguns profissionais acerca da falta

de articulações na ação da caminhada e certa predisposição e desejo em desenvolvê-las mais

articuladas na perspectiva do cuidado integral.

[...] A única articulação hoje é o atestado médico que é exigido. Não há um

acompanhamento sistemático. Até a verificação da pressão que nós fazemos

antes da atividade não serve para uma avaliação de saúde e sim para saber se

a pessoa pode ou não realizar a atividade naquele dia. Por isto estamos propondo algumas alterações. Se houvesse um acompanhamento sistemático,

teríamos condição de avaliar melhor o impacto da atividade na saúde das

pessoas. Hoje, nós só sabemos através de depoimentos dos próprios usuários e às vezes ficamos preocupados com algumas coisas que eles fazem como,

por exemplo, suspender medicações por se sentirem bem e acharem que não

precisam mais. Nós percebemos também uma melhora em seus aspectos

físicos, no que se refere à agilidade e flexibilidade. Mas tudo sem avaliação médica. Nós propomos uma ficha individual de acompanhamento, onde

vamos registrar as pressões e as avaliações (Trabalhador da Saúde).

Da mesma forma que o grupo de caminhada, o grupo de idosos “Conviver para melhor

viver” demonstra potencialidade para se reconfigurar num espaço de grandes articulações em

virtude de sua capacidade de automobilização. Há compreensão por parte das participantes de

que aquele encontro produz saúde, o que foi bastante enfocado nas conversas durante a

observação de campo e na fala de uma das participantes entrevistada:

[...] Essas reuniões, tudo é muito bom pra pessoa, né? Inclusive na idade da

gente. Sabe, aí, graças a Deus esse negocio que me dava... Aquela coisa

tonta no meu corpo, aí ali eu caía...caí muitas vezes na hora do banheiro...

caí duas vezes em cima de fogo[...]... a mudança né, como a menina lá falou... a mudança de vida, mudança dessas coisas né? A terapia. A física,

né? Lá na Fundação eu gosto, e a atividade física dos artesanato ali. Aquela

animação ali do Posto de Saúde, ali a reunião da gente que era lá do Conselho e não é mais...aí mudou e foi melhorando muito a minha cabeça, tá

entendendo? (...) eu acredito nisso, também... a fé em Deus né, nas

correntes...né? Tinha mais insônia, hoje em dia num é mais, assim não tenho mais...tenho assim, quando me preocupo [...] (Entrevistada 2).

111

A potencialidade do grupo já foi percebida pela equipe e despertou a necessidade de

estimulá-lo a buscar sua autossustentação, criando subgrupos de arte e cultura (coral, teatro,

folclore, entre outros) com o objetivo de colaborar com a consciência crítica dos direitos e

deveres do cidadão e a promoção do autocuidado. No entanto, não se viabilizou por falta de

apoio institucional. Uma estratégia poderia ser desenvolvida na perspectiva de melhorar a

articulação das atividades do grupo com a caminhada já existente.

A fragmentação das ações, no entanto, ainda predomina no cotidiano dos serviços e

constitui um grande desafio na busca pelo cuidado integral. A prática fragmentada nos

processos de trabalho repercute nas ações e, por sua vez, é produzida desde a própria

formação dos profissionais, sendo reforçada e reproduzida na dinâmica, estruturação e

organização dos serviços de saúde. Percebemos quanto no cotidiano essa fragmentação

diminui a potência da capacidade operativa e inventiva dos trabalhadores.

Souza (2011), apoiada em referenciais de autores como Castoriadis, Edgar Morin e

Benevides de Barros acerca do modo dicotômico de pensar e conhecer, construído

historicamente, busca compreender o caráter também dicotômico reproduzido nas práticas de

saúde desde a formação profissional às práticas cotidianas dos serviços de saúde. Para a

autora, a forma de construir o pensamento se reflete nas práticas e se evidencia, sobretudo,

quando se estabelece uma clínica desarticulada dos diversos saberes existentes, entre os quais

o do próprio usuário. Colocam-se em campos opostos ações que, supostamente, seriam

inerentes à saúde coletiva de um lado e à clínica de outro, o que faz parecer que esses campos

seriam impossíveis de interlocução. No entanto, destaca que é possível desfazer polos e

pensar em forças, saberes e práticas que se interpenetram, ressaltando:

O desafio é pensar na processualidade de produção de objetos e sujeitos e

buscarmos intervir nela, conhecendo-a elaborando-a, transformando-a [...] a

clínica, toma-la-emos como transdisciplinar porque se propõe dar escuta e voz aos indivíduos concretos que em sua multiplicidade de existência, estão,

permanentemente, produzindo a si e ao mundo, num tempo e um lugar que

são social e histórico (SOUZA, 2011 p. 203).

Ayres (2009) afirma que o modo como os arranjos tecnológicos se configuram no

cotidiano dos serviços de saúde favorece certo descolamento entre o momento do ato

assistencial e o envolvimento com suas consequências e com os desdobramentos da situação

dos pacientes e comunidades. No sentido de mudar tal realidade, propõe uma recusa aos

modelos pensados com caráter coercitivo e unificador para se pensar um novo modelo que

112

possibilite a criação de novos horizontes discursivos, percebendo a diversidade como sinal de

vitalidade.

Vários autores cuja produção reflete contribuições para mudanças nos modelos

tecnoassistencias convergem no sentido de destacarem a necessidade de se repensar uma nova

forma de organização das ações de saúde em que seja considerado, sobretudo, o fazer

cotidiano e eleger como elemento central o usuário e suas necessidades de saúde (CECÍLIO,

1997; PINHEIRO, 2003; MERHY, 2007b; AYRES, 2009; CAMPOS, 2010).

Para Pinheiro (2003) as dificuldades derivam de modelos pensados com o propósito de

organizar os serviços segundo os recursos materiais, humanos e financeiros e são elaborados

por gerentes ou planejadores que tentam fazê-los acontecer por meios de normas previamente

estabelecidas, sem considerar que as ações planejadas serão cumpridas por diferentes atores e

estes as materializam de diferentes formas.

Cecílio (1997) contesta a hierarquização dos modelos propostos em forma de pirâmide

na qual a base estaria representada pela atenção primária e o cume pela alta complexidade. O

autor reconhece que o modelo defendido pelo movimento da Reforma Sanitária (organizado a

partir da hierarquização) amplia a cobertura através de uma ampla rede de serviços básicos,

racionaliza recursos, facilita o acesso à medida que aproxima o serviço ao local de moradia do

usuário, promove o estabelecimento de vínculos entre a equipe e o usuário, entre outras

vantagens. No entanto, ressalta que na prática a hierarquização tem se dado de forma

invertida, na medida que a atenção básica não tem se constituído na principal porta de entrada

e sim os hospitais e pronto-atendimentos, públicos e privados (CECÍLIO, 1997).

Em contraposição a esse modelo, o autor propõe uma configuração baseada na figura

geométrica conhecida por círculo. Essa conformação de modelo propicia ao usuário diversas

possibilidades de entrada no sistema de saúde. Propõe novos fluxos e circuitos dentro do

sistema, redesenhados sob a ótica dos movimentos feitos pelos usuários, contemplando seus

desejos e necessidades, e a incorporação de novas tecnologias de trabalho e de gestão na

perspectiva da construção de um sistema mais humanizado e comprometido com a vida das

pessoas. Com essa proposta, a referência do modelo passa a ser o usuário e suas necessidades

e não o modelo assistencial a priori. O desafio de se construir a integralidade mediante as

práticas de saúde passa por se articular todas as ações. Há que se ter uma rede articulada de

serviços atuando de forma resolutiva (CECÍLIO, 1997, 2001).

Merhy (2007b) afirma que os modelos de atenção à saúde expressam relações de

contratos, acordos que nem sempre são conhecidos por parte dos atores envolvidos na

113

assistência à saúde. Por isso chama a atenção para a compreensão dos processos políticos que

se apresentam sempre sob a capa do tecnológico. Ao jogarem o jogo os atores negociam seus

poderes a partir do que os definem no processo. Esses poderes devem ser reconhecidos como

potência de aquisição e controle dos recursos essenciais aos projetos em jogo (MERHY,

2007b).

No sentido de superar esses formatos de modelos, Merhy (2007b) propõe uma clínica

enriquecida com novos referenciais, resgatando a dimensão cuidadora e a utilização de

tecnologias leves, relacionais, de modo a ampliar a capacidade dos trabalhadores de lidar com

a subjetividade e com as necessidades de saúde dos usuários. Nesse sentido, ressalta a

importância do estímulo à liberdade e autonomia dos trabalhadores na perspectiva da

construção da integralidade das ações. O autor afirma ainda que o terreno das práticas de

saúde, por se constituir em um permanente campo de disputa, possibilita uma constante

construção no cotidiano das práticas, de diferentes ações, e que a única maneira de enfrentar

essa disputa é fazendo valer os direitos do usuário e, para isto, é necessário o estímulo ao

controle social. Há que se ter a predominância das tecnologias leves no terreno das

micropolíticas, potencializando a capacidade inventiva do trabalhador (MERHY, 2007b).

A contribuição do trabalhador para a mudança do modelo requer a compreensão de

que o processo de trabalho em saúde depende do trabalho vivo em ato. O processo de trabalho

em saúde, segundo Merhy (2007a; 2007b), tem como característica fundamental o

autogoverno, ou seja, é o trabalhador quem comanda seu próprio processo de trabalho. Essa

liberdade lhe confere uma poderosa capacidade de exercer a mudança, a partir do seu lugar

específico de trabalho. Isso significa que as lógicas de produção do cuidado vão depender das

atitudes que o trabalhador tem frente ao usuário, e essa atividade produtiva pode assumir

diferentes perfis. Ela pode ser centrada nos interesses corporativos e pessoais ou no desejo de

tornar o SUS um serviço de qualidade, com acesso universal e solidário. Portanto, a primeira

avaliação que se faz é de que a mudança no processo de trabalho e, por consequência, do

modelo tecnoassistencial, passa pela mudança do sujeito trabalhador muito mais do que em

qualquer dispositivo normativo (MERHY, 2007b).

Campos (2010) ressalta a democracia institucional com a adoção de um sistema de

cogestão e de apoio institucional, que possibilitem o exercício do poder compartilhado entre

gestor e equipe, entre clínico e equipe, entre profissionais e usuários. Há alguns conceitos e

arranjos organizacionais que possibilitam a cogestão do trabalho em saúde, entre eles o

esforço para se combinar graus de autonomia dos profissionais com definição explícita de

114

responsabilidade sanitária. “Segundo essa perspectiva, o planejamento, a avaliação e mesmo

eventuais contratos de metas dever-se-ão realizar de modo participativo e com apoio

institucional” (CAMPOS, 2010, p. 2342).

Ayres (2009) acrescenta que um modelo de atenção deve corresponder à convergência

de horizontes entre os diversos discursos acerca de modos de operar e gerir as tecnologias de

atenção à saúde de indivíduos e populações. Um modelo de práticas humanizadas passa pela

radicalidade democrática do Bem comum (AYRES, 2004; 2009).

Considerando a situação brasileira, ainda carente de necessidades básicas de

sobrevivência e demandante de maiores investimentos na melhoria das condições de vida dos

cidadãos, corroboramos com os autores que chamam a atenção para o caráter reducionista da

Política Nacional de Promoção da Saúde, quando esta dá maior ênfase às ações direcionadas

às dimensões individuais como as práticas de atividade física, alimentação saudável, o

controle do tabagismo, álcool e drogas. Como destacam Porto e Pivetta (2009) isso pode

sugerir que o foco principal da mudança está no controle das pessoas e não nos determinantes

e condições socioambientais (PORTO; PIVETTA, 2009).

Na perspectiva de avançar rumo ao cuidado integral, defende-se a proposta de uma

Política Nacional de Promoção da Saúde em consonância com a melhoria dos modos de vida

apostando na capacidade de autorregulação dos sujeitos, sem que isso signifique a retirada das

responsabilidades do Estado quanto às condições de vida, ao mesmo tempo em que este se

responsabilize pela formulação de legislações que dificultem a exposição às situações de

risco, reduzindo a vulnerabilidade da população. Assim, a autonomia significa a construção de

maiores capacidades de análise e de corresponsabilização pelo cuidado consigo, com os

outros, com o ambiente, ou seja, com a vida (CAMPOS et al., 2004).

115

Quadro 6 – Eixo das articulações

EIXO DAS ARTICULAÇÕES: Diz respeito aos graus e aos modos de composição de saberes

interdisciplinares, equipes multiprofissionais e ações intersetoriais no desenvolvimento das ações e estratégias de atenção à saúde; ou seja, criar as melhores condições para oferecer resposta efetiva às

necessidades de saúde em uma perspectiva ampliada. “CONVIVER PARA

MELHOR VIVER”

No momento da observação, havia uma baixa articulação dos saberes

interdisciplinares em virtude da pouca adesão da equipe, apesar de fazer parte do planejamento local. A operacionalização está centrada em um

profissional (o médico: única referência para as usuárias do grupo), que

em alguns momentos mobiliza alunos para condução da atividade, proporcionando a troca de saberes interdisciplinares e certa articulação

com o setor de educação, de forma ainda assistemática. A presença atual

de ação intersetorial se dá através do apoio da SEMTAS (Secretaria

Municipal do Trabalho e Assistência Social).

CURSO PARA

GESTANTES

Participação de diversos profissionais (enfermeiros, odontólogos,

assistente social, educador físico) e de alunos de diversos cursos de

graduação, conferindo relação ensino/serviço. No entanto, ainda há uma

baixa integração dos membros das equipes. Há uma boa articulação com

os profissionais do NASF, proporcionando uma interação

interdisciplinar de forma sistematizada.

CAMINHADA Baixa articulação de saberes interdisciplinares. Está restrita ao

profissional de educação física do NASF e de alguns ACS. A integração

com outro setor é evidenciada apenas na utilização do espaço físico da

escola e nos momentos dos passeios, através da aquisição de transporte.

A intervenção no processo saúde-doença pressupõe o reconhecimento dos

condicionantes e determinantes sociais de adoecimento o qual exige ações intersetoriais e,

sobretudo, a articulação dos vários saberes interdisciplinares. No entanto, a prática da

intersetorialidade ainda consiste em um desafio às equipes de saúde.

Para Campos et al. (2004) o exercício da intersetorialidade requer abertura para o

diálogo, estabelecendo vínculos de corresponsabilidade e cogestão pela melhoria da qualidade

de vida da população. A aposta na mobilização social como elemento imprescindível para o

exercício da cidadania e o respeito aos direitos constitucionais, respeitando a diversidade

existente nas comunidades.

Ayres (2011) ressalta a importância de refletirmos sobre nossa capacidade de produzir

uma discursividade do cuidado público com potencialidade de instruir uma tomada de

posição, de formar uma vontade política. A noção de cuidado está muito restrita ao setor da

saúde coletiva e precisa ser socializada com a opinião pública do modo mais amplo possível

116

para que se construam, verdadeiramente, as virtudes cuidadoras pelas quais devem se orientar

o cuidado público.

Nesse sentido, é fundamental para o desenvolvimento de atividades de educação em

saúde a compreensão de que as pessoas a que se destinam essas ações vivenciam relações de

copresença, vizinhança, intimidade, emoção, cooperação e socialização com base na

contiguidade que constituem o cotidiano (MONKEN et al., 2008).

A busca por cuidado em saúde é produto do cotidiano da vida das pessoas e os serviços

de saúde como rede social devem se articular com as outras redes sociais sejam elas de

natureza identitária e/ou comunitária. A centralidade do usuário nas redes sociais e as

mediações funcionam como fonte de conhecimento da integralidade do cuidado (PINHEIRO,

2011).

Nessa perspectiva, enfatiza-se a necessidade de criação de espaços que proporcionem

mais laços e lutas como possibilidades de construção da integralidade na saúde. Ressalta-se a

importância de se operar na lógica das redes sociais formadas por indivíduos e grupos em seus

relacionamentos cotidianos como possibilidades dos próprios sujeitos, em suas relações,

sejam elas de parentesco, sociais, políticas, de se organizarem para o enfrentamento de suas

individualidades no coletivo, através de laços de solidariedade e participação popular. Essas

redes agem como potencializadoras de mobilização de ações participativas e devem ser

incentivadas nas práticas de saúde tendo os profissionais de saúde como mediadores sociais

(PINHEIRO, 2011; GERHARDT et al., 2011; LACERDA et al., 2011).

No grupo de idosos “Conviver para Melhor Viver” constatamos que uma das

motivações do grupo é a formação dessas redes de solidariedade que promovem segurança e

confiança nos laços de amizade, extrapolando os familiares. Seria uma oportunidade para os

profissionais exercerem sua função de mediadores sociais e transformar esse momento em um

espaço de acolhimento com vistas a atuar na exequibilidade das necessidades de saúde.

A mediação na saúde pode resultar em formas positivas ou negativas de resolução de

problemas, dependendo do tipo de encontro estabelecido e das concepções de saúde, território

e cotidiano presentes nessa relação que deve ser dialógica. Trata-se de encontros que podem

resultar em construções de espaços diferenciados de definição de sentidos e necessidades

individuais e coletivas (PINHEIRO, 2011; GERHARDT et al., 2011).

As redes sociais são dinâmicas e formam os territórios afetivos ou solidários,

transformando-se em valoroso patrimônio dos distintos grupos sociais. Podem assumir um

grau de importância na vida das pessoas muito maior do que as redes técnicas e podem se

117

constituir em apropriação do território cotidiano dos sujeitos sociais. Desse modo, essas redes

podem ser fundamentais como fator de promoção da saúde e de criação de ambientes

saudáveis (MONKEN et al., 2008).

Reconhecer a importância das redes sociais no desenvolvimento das práticas de

educação em saúde é também uma maneira de desenvolvê-las de forma mais proativa a partir

da interação de saberes interdisciplinares.

Quadro 7 – Eixo das interações

EIXO DAS INTERAÇÕES: Diz respeito à qualidade e natureza das interações intersubjetivas no cotidiano das práticas de cuidado; a motivação das propostas identificadas nesse eixo é a construção

de condições efetivamente dialógicas entre os sujeitos participantes dos encontros relacionados à

atenção à saúde, sejam de pessoa a pessoa, sejam na perspectiva de equipes/comunidades, sem o que

as aspirações dos eixos anteriores não podem ser realizadas. “CONVIVER PARA

MELHOR VIVER”

Relações de afetividade, estreitando vínculos afetivos/efetivos entre

profissional/estudantes e as usuárias.

Pouca ou nenhuma utilização (por parte da equipe) da potencialidade do grupo no tocante à construção de projetos terapêuticos singulares.

Presença forte de construção de intersubjetividades entre as usuárias

constituindo redes de solidariedade.

CURSO PARA

GESTANTES

Presença constante do uso de tecnologias leves, representadas pela dinâmica de escutas, derivadas do vínculo estabelecido entre usuárias e

profissionais. A metodologia desenvolvida possibilita uma relação

horizontal, propiciando as interações intersubjetivas.

CAMINHADA Espaço de construção de vínculo profissional/ usuários pouco valorizado

pelos profissionais. Grande potencialidade para interações

intersubjetivas, ainda pouco perceptíveis na relação usuários/equipe.

Este eixo pressupõe uma prática reflexiva, mediada pela comunicação acima de tudo.

O desafio, portanto, é a realização do trabalho em equipe a partir da construção de vínculos

afetivos e efetivos com os usuários e requer o uso de tecnologias relacionais por se tratar de

sujeitos em relação.

O trabalho em equipe nessa perspectiva pressupõe a construção dos sujeitos que estão

no cotidiano do trabalho e uma constante articulação das ações e a interação dos agentes. Esse

tipo de trabalho requer uma equipe do tipo integração conforme denominada por Peduzzi

(2001), que exige compromisso ético e respeito com o outro, mediado pelo agir-comunicativo,

visto que este pressupõe não somente compartilhar premissas técnicas, mas, sobretudo, um

horizonte ético (PEDUZZI, 2001).

118

A ESF, lócus de nossa investigação, tem como princípio norteador o desenvolvimento

do trabalho em equipe. No entanto, é importante refletirmos que a ESF passa por dificuldades

em sua implementação, entre elas a pouca adesão dos profissionais, sobretudo médicos. Isso

se deve, muitas vezes, à resistência desses profissionais em se adequarem ao processo de

trabalho, o qual exige perfil diferente de sua formação, visto que nesta predomina ainda a

produção de especialistas, em sua maioria, distanciados do perfil profissional para a atenção

básica. A carga horária integral exigida e o incentivo financeiro que, na maioria das vezes, é

percebido através de gratificações, configuram precariedade de vínculos empregatícios,

contribuindo para a alta rotatividade desses profissionais nas equipes, o que dificulta mais

ainda o vínculo com o usuário.

Faz-se importante ressaltar que a ESF traz como diferencial no trabalho

multiprofissional em relação à prática tradicional de saúde a proposta de estabelecimento de

vínculo entre a comunidade e as equipes e nova configuração do trabalho na perspectiva de

equipe-integração, buscando romper com a fragmentação existente no processo de trabalho

dos profissionais (ARAÚJO; ROCHA, 2009).

Há necessidade do reconhecimento por parte dos profissionais acerca de suas

atribuições comuns e específicas no desenvolvimento da ESF com vistas a organizar o

processo de trabalho de modo que considere ponto central da equipe o usuário e suas

necessidades. Para tanto, há que se investir no campo do saber/fazer dos profissionais e na

estruturação dos serviços, com propósito de transformar a escuta tradicional normativa em

uma escuta como ferramenta de diálogo relacional, na perspectiva da construção subjetiva

(MERHY, 2007a; AYRES, 2009).

Na situação encontrada durante nossa imersão no campo de pesquisa, em que

observamos equipes incompletas, sucateamento das estruturas físicas das unidades de saúde,

desarticulação entre os serviços, com consequente descontinuidade do cuidado, ausência de

políticas públicas com vistas à melhoria da qualidade de vida das pessoas, seria correto

afirmar que os encontros ainda estão se dando de forma superficial e mediados pela queixa–

conduta paliativa. Para muitos profissionais tal situação é geradora de adoecimento pelo

trabalho e diminuição de sua capacidade operativa. Nesse contexto, podemos afirmar que há

comprometimento significativo da integralidade, haja vista a APS ter a missão de coordenar o

cuidado integral em saúde.

No entanto, apesar do contexto desfavorável já exposto em capítulo anterior,

percebemos que os profissionais desejam trabalhar em equipe, com evidências na reunião de

119

planejamento da Unidade, cuja preocupação comum foi a avaliação das ações que haviam

sido interrompidas por falta de condições e de engajamento de alguns profissionais com as

atividades coletivas. As sugestões para superação dos obstáculos são propostas que, para

serem efetivadas, dependem da integração da equipe.

O estabelecimento do vínculo afetivo fica bastante evidente em todas as situações

observadas. Nas visitas domiciliares realizadas pela equipe, cujos procedimentos vão além da

queixa principal, pois o profissional não se limita ao atendimento do usuário demandante e

demonstra preocupação com o bem-estar dos cuidadores, poderíamos sinalizar que há uma

predisposição ao eixo das interações e das necessidades proposto por Ayres (2009; 2012) por

se tratar de uma relação dialógica possibilitada pela efetivação do vínculo profissional-

usuário, mediante o uso das tecnologias leves, traduzidas em escuta às suas necessidades.

A visita domiciliar se constitui também em uma estratégia privilegiada para o

exercício da educação em saúde na perspectiva da integralidade a partir da construção de

autonomias e deveria ser realizada por todos os profissionais da ESF. Todavia, muitas vezes,

ocorre numa perspectiva curativista, configurando-se como uma sobreposição da assistência

seguindo a lógica do modelo biomédico, o que é bastante perceptível na prática cotidiana e

evidenciado em pesquisas realizadas no âmbito da ESF (ALBUQUERQUE; BOSI, 2009;

CRUZ; BOURGUET, 2010). Há consenso nesses estudos de que para reverter o modelo

assistencial hegemônico é preciso buscar uma atenção integral, equânime e que garanta a

qualidade de vida e a autonomia dos sujeitos do processo. Portanto, o cuidado exercido no

domicílio deve ser realizado como uma interface de diálogo entre profissionais de saúde, o

indivíduo e sua família (ALBUQUERQUE; BOSI, 2009; CRUZ; BURGUET, 2010).

O cuidado integral exige uma articulação e uma interdependência entre os eixos. Não

seria suficiente ouvir as demandas sem que se tenham respostas efetivas. O que se observa é

que, na relação profissional-usuário ainda existe a necessidade de uma escuta mais qualificada

no sentido de proporcionar a construção de autonomias. Nessa perspectiva, o usuário deve ser

estimulado a falar e o profissional estar pronto para ouvir para que se estabeleça um

verdadeiro encontro de produção de saúde, como nos lembra Merhy (2007a).

Identificamos que há descontinuidade do cuidado proveniente da desarticulação entre

os serviços nas redes de atenção e precária interação de saberes interdisciplinares e dos

fazeres multiprofissionais.

Há necessidade de construir redes de produção de saúde ancorada em arranjos de

gestão que possibilitem o compartilhamento do cuidado e a pactuação de compromissos e

120

responsabilidades entre os diferentes atores envolvidos. As equipes de trabalho devem

funcionar como “nós” que se comunicam entre si, constituindo uma rede dentro de um mesmo

serviço, criando formas democráticas para planejar e avaliar o trabalho. Nessa direção, tem-se

o apoio matricial através dos NASFs atuando na perspectiva da clínica ampliada,

compartilhando com os profissionais saberes e práticas de saúde no cotidiano dos serviços de

cada território, conferindo suas duas dimensões: a assistencial, relacionada ao cuidado direto

aos indivíduos, e a técnico-pedagógica, que diz respeito ao suporte para as equipes, com vistas

à ampliação das possibilidades de intervenção, balizada por um novo olhar respeitando as

singularidades dos estudos de casos compartilhados (BRASIL, 2009c; 2010).

Nessa perspectiva, os serviços também funcionam como “nós” da rede de atenção que

precisam se conectar entre si numa relação de interdependência para cumprir com suas

responsabilidades. Isso implica a necessidade de mapeamento de recursos disponíveis,

pactuação das responsabilidades e cooperação entre os serviços/equipes, numa relação de

flexibilidade e solidariedade. Assim, abrem-se possibilidades de produção de autonomia dos

sujeitos e produz-se sustentabilidade na atenção, com maiores probabilidades de

desenvolvimento, de modos de fazer saúde que promovam maior impacto, melhores

indicadores de saúde, soluções mais criativas e maior satisfação com o Sistema (BRASIL,

2009c).

O acolhimento e as respostas às demandas à saúde pressupõe o estabelecimento de

vínculos que vão além do afetivo. Para tanto, é essencial que o serviço esteja organizado no

sentido de proporcionar uma escuta qualificada, assim como ter capacidade de ofertar uma

clínica ampliada. O profissional precisa ter a seu dispor procedimentos essenciais ao

estabelecimento dos projetos terapêuticos e a garantia da longitudinalidade do cuidado.

O vínculo no contexto analisado foi estabelecido mediante uma relação de confiança

construída ao longo de uma prática profissional, submetida às precárias condições de trabalho.

No entanto, o vínculo, precisa ser balizado por uma maior responsabilização e ser percebido

como a construção de oportunidades de encontros menos ou mais capazes de favorecer

intersubjetividades, que podem ser mais ricas, plurais e produtoras de compartilhamentos

(AYRES, 2009).

É interessante considerar que, em algumas situações, a escuta deixa de ocorrer ou se

dá de forma inadequada por interferências da subjetividade do profissional. Nem sempre é

possível responder às demandas de forma eficaz, sobretudo, se tomarmos saúde como

resultante das condições de vida. Existem momentos em que a equipe tende a evitar contato

121

mais profundo com a demanda dos usuários, evitando se deparar com a sensação de

impotência, o que muitas vezes se constitui fator de seu próprio adoecimento.

A integralidade no dizer de Ayres “é, entre os princípios do SUS, aquele que mais

conduz o desafio de realizar os valores de justiça, democracia e efetividade do acesso à saúde

para a intimidade do núcleo tecnológico das práticas de saúde” (AYRES, 2009, p.14).

Realizar atividades de educação em saúde promovendo interações intersubjetivas

pressupõe a adoção de abordagens que possibilitem a interlocução entre os saberes e as

práticas de saúde. Uma abordagem emancipatória que vise transformar as relações de

acomodação ou de submissão vivenciadas pela população. Nesse sentido, corroboramos a

ideia de que a Educação Popular constitui um método profícuo a ser desenvolvido na Atenção

Básica, sobretudo, na ESF (VASCONCELOS, 2004; ALBUQUERQUE; STOTZ, 2004;

ALVES, 2005; ALVES; AERTS, 2011).

Apesar das iniciativas oficiais do MS ao lançar o Caderno de Educação Popular e de

aprovar a Política Nacional de Educação Popular no Sistema Único de Saúde (PNEPS-SUS),

em que ficaram estabelecidas responsabilidades e atribuições dos entes federativos, pouco se

tem investido na implementação dessa Política de forma a incentivar a ampliação da

participação popular no cotidiano dos serviços. O incentivo às ações educativas participativas

em todo o sistema é fundamental para superar o tradicional modelo autoritário e normativo de

educação em saúde que ainda se mantém dominante. Ao invés da organização de

mobilizações da população para eventos e campanhas de massa ou o desenvolvimento de

ações educativas isoladas, descontextualizadas, as coordenações de educação, comunicação e

promoção da saúde das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde deveriam investir na

reorientação da relação cultural que acontece em cada serviço de saúde (VASCONCELOS,

2004).

As experiências desenvolvidas através do método da Educação Popular em Saúde

encontra terreno fértil no cotidiano dos serviços de saúde e se propagam pelo país. São ações

desenvolvidas na perspectiva da mobilização na qual se responsabilizam os governantes e ao

mesmo tempo se lança mão de recursos locais para a solução dos problemas identificados.

Alternativas como a utilização de rádios, sobretudo as comunitárias, como meio de

comunicação entre os profissionais e a população; ações que proporcionam lazer e interação

social, brinquedotecas, clubes da terceira idade, oficinas de arte, música e dança, exibição de

vídeos, teatros de mamulengo e de rua. São ações que possibilitam estreitar vínculos de

122

confiança, solidariedade entre profissionais e usuários e a demonstração de uma ampliação da

concepção de saúde (GOMES; MERHY, 2011).

Os movimentos já desencadeados por profissionais de saúde e sociedade civil estão

tomando organicidade e podem ser importantes espaços de trocas de experiências e de

transformação das práticas. Nesse sentido, tem-se a Articulação Nacional de Movimentos e

Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS) e a Rede de Estudos sobre Espiritualidade no

Trabalho em Saúde e na Educação. Movimentos desenvolvidos por coletivos de intensa

militância política e social e que são reconhecidos e fortalecidos pelo MS e pela Associação

Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO) (GOMES; MERHY, 2011).

123

LIÇÕES APRENDIDAS

__________________________________________________________________________________

O sábio não é o homem que fornece as verdadeiras

respostas; é quem faz as verdadeiras perguntas.

Claude Lévis Strauss

124

4 LIÇÕES APRENDIDAS

Em nossa intenção de investigar as práticas de educação em saúde desenvolvidas na

ESF vivenciamos um processo singular de experimentação. É como se ausentar e permanecer

observando nossa própria prática. À medida que nos aproximávamos dos processos de

trabalho das equipes, significados e reflexões iam se delineando, dando sentido ao nosso fazer

cotidiano e aflorando desejos cada vez maiores de mudança, ampliando nosso olhar,

conferindo maiores implicações. As inquietações que mobilizaram as reflexões vão se

recriando, renovando-se e cedendo lugar a novos conhecimentos e a novas questões. A cada

mergulho na literatura, descobertas encantadoras e inquietantes.

A ideia mobilizadora do presente estudo de que as ações de educação em saúde devem

se dar em caráter de complementaridade ganhou reforço e nos colocou diante de um grande

desafio. A complementaridade dessas práticas deve se dar numa relação de interdependência

com as ações clínicas assistenciais, de prevenção e de promoção da saúde, rompendo com a

fragmentação que é condição essencial para a construção da integralidade na produção de

saúde. Nesse sentido, reafirmamos que todo ato de saúde deve se dar numa perspectiva

dialógica e pedagógica.

O desafio a que se propõe a ESF em se constituir o eixo estruturante da Atenção

Primária e ser porta principal do sistema, pressupõe ações reflexivas e dialógicas em sua

organização. As ações de promoção, prevenção, cura e recuperação ao serem desenvolvidas

com vistas à integralidade do cuidado devem ser mediadas por uma prática educativa que

estimule a construção de autonomias e de responsabilidades. Portanto, a produção dos atos de

saúde requer uma articulação dos diversos saberes de todos os atores, no sentido de que esses

saberes sejam mediadores dos momentos de produção da saúde. Nesse propósito, reforçamos

a necessidade de permanente formação voltada para os processos de trabalho em saúde que dê

respostas concatenadas às mudanças nas concepções de saúde-doença presentes na sociedade.

O processo de educação permanente pode ser grande impulsionador para a constituição dos

coletivos voltados para o desenvolvimento de atos de saúde responsáveis.

Evidenciamos nas práticas e nas falas dos atores que há mudanças significativas nas

concepções de saúde-doença na perspectiva do conceito ampliado de saúde. É perceptível

certo grau de compreensão de que a saúde resulta de fatores intrínsecos ao modo de vida das

pessoas e da correlação com as políticas públicas, tanto pelos profissionais como pelos

usuários. No entanto, reconhecemos também que a construção de autonomias demanda, além

de conhecimentos, desejo e coragem para mudar o que está instituído.

125

O estudo evidenciou a necessidade de uma melhor articulação das ações de educação

em saúde e as ações clínicas, sobretudo nos grupos de caminhada e no grupo de idosos.

Contudo, essa articulação é bem perceptível no curso de gestantes. Experiência que poderia

servir de referência para as demais atividades por sua atuação de forma horizontalizada e

dialógica.

É importante salientar ainda a necessidade do desenvolvimento de trabalho

intersetorial por iniciativa do setor saúde, no sentido de estimular a construção de cidadania

na busca de respostas para as necessidades sociais em saúde, com vistas à melhoria das

condições de vida, a partir da articulação das políticas públicas. Assim, amplia-se o olhar

sobre o processo saúde-doença, compreendendo e exigindo a atuação do Estado em seu

enfrentamento, somando-a à ação dos indivíduos/sujeitos.

As atividades de educação em saúde analisadas com base nos eixos já descritos

anteriormente evidenciaram que há uma responsabilização com o cuidado integral por parte

da equipe e construção de vínculo equipe-usuário, porém, a sustentabilidade das ações

desenvolvidas exige condições de infraestrutura e de gestão dos processos de trabalhos para

sua incorporação no cotidiano das práticas das equipes.

A análise nos mostrou que há intencionalidade de integração das ações no

planejamento, mesmo que seja ainda incipiente no cotidiano das práticas. Estas ainda se dão

de forma fragmentada e demandam investimentos na qualificação dos atores do processo de

trabalho em saúde (trabalhadores, gestores e usuários) através de educação permanente que

busque qualificar as práticas de gestão e de atenção à saúde, com reorganização dos serviços

de maneira a garantir respostas efetivas às necessidades de saúde dos usuários.

Identificamos a necessidade de investimentos nas ações intersetoriais e de

reconhecimento das redes sociais no enfrentamento dos problemas de saúde. As redes, quando

percebidas pela equipe e consideradas como espaço de produção de saúde, podem ser

potencializadas promovendo-se valorização das diversas expressões culturais locais tal qual

foi constatado no desenvolvimento de atividades como o “Pastoril do Peixe-boi Encantado”

cuja ideia foi aproveitada para trabalhar as ações ligadas à qualidade de vida e ao bem-estar

da população; o Auto de Natal, no qual se aproveita a encenação do nascimento do menino

Jesus correlacionando-o à situação social evidenciada no bairro; e o grupo “Terapia e Arte”,

que surgiu a partir do olhar de uma ACS sobre a ociosidade das mulheres do bairro,

potencializando a troca de saberes acerca de trabalhos manuais.

126

O diálogo desenvolvido com os usuários através das citadas expressões culturais

evidenciou um movimento ao encontro de um novo fazer em saúde respeitando os desejos,

interesses e tradições presentes no território, numa demonstração de respeito ao que é

significativo para os usuários em seus processos de enfrentamento às adversidades da vida.

Ou seja, compreendendo a cultura como um contexto a ser considerado em suas práticas de

educação em saúde, pois é através da cultura que as pessoas expressam suas visões de mundo.

As interações intersubjetivas no cotidiano das práticas de cuidado são evidenciadas no

desenvolvimento do trabalho em equipe a partir da construção de vínculos afetivos com os

usuários, com uma presença significativa do uso de tecnologias relacionais. No entanto,

percebe-se ainda a necessidade de mais investimentos no campo do saber/fazer dos

profissionais no propósito de transformar a escuta tradicional normativa em uma escuta como

ferramenta de diálogo relacional, na perspectiva da construção subjetiva como sugerem

Merhy (2007a) e Ayres (2009).

Desenvolver ações de educação em saúde na perspectiva da integralidade requer uma

proposta educacional que proporcione aos usuários a condição de sujeito, o que implica na

promoção da autonomia. Trata-se de ação que deve ser desenvolvida como parte constituinte

dos projetos terapêuticos, sejam estes individuais ou coletivos.

A Educação Popular, a nosso ver, por proporcionar o reconhecimento da própria

condição social do cidadão, com vistas à transformação social, mediado pela ação-reflexão-

ação, pode propiciar a melhoria das condições de saúde de forma consciente e responsável. Os

elementos aportados anteriormente reafirma a importância da institucionalização das ações de

educação em saúde mediante um processo de educação permanente, promovendo o diálogo

constante entre equipes, usuários e gestores locais, respeitando-se e potencializando-se as

iniciativas locais. Alternativas profícuas nesse propósito seriam oficinas locais mediadas pelo

matriciamento das equipes. Nesse sentido, ressaltamos a importância da implantação de

NASF com discussão junto às equipes acerca das necessidades da população.

A análise produzida a partir da observação dos processos vivenciados neste estudo

aponta a necessidade de um melhor reconhecimento por parte dos gestores locais de que ações

semelhantes as que ocorrem na USF Felipe Camarão II são atividades que apresentam grande

potencialidade na conquista da integralidade ao proporcionarem a todos os atores implicados

no trabalho em saúde – trabalhadores, usuários e gestores - possibilidades de participação e de

corresponsabilização.

127

REFERÊNCIAS

__________________________________________________________________________________

128

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Paulette Cavalcanti de; STOTZ, Eduardo Navarro. A educação popular na

atenção básica à saúde no município: em busca da integralidade. Interface: Comunicação,

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2009. Disponível em: <www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-32832009000200005>. Acesso

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VALLA Victor Vincent, GUIMARÃES Maria Beatriz, LACERDA Alda. Religiosidade,

apoio social e cuidado integral à saúde: uma proposta de investigação voltada para as classes

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VASCONCELOS, Eymard Mourão. Educação Popular: de uma Prática Alternativa a uma

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VILAS BÔAS, Lygia Maria de Figueiredo Melo. O saber/fazer da enfermagem no

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distrito sanitário norte – Natal/RN. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Centro de

Ciências da Saúde, Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, Natal, 2004.

138

ANEXOS

______________________________________________________________________________

139

ANEXO A – Fluxograma I da USF FC II

Fonte: elaborado pela equipe da USF FCII (2011).

140

ANEXO B – Fluxograma II da USF FC II

Fonte: elaborado pela equipe da USF FC II (2011).

141

ANEXO C – Fluxograma III da USF FC II

142

APÊNDICES

__________________________________________________________________________________

143

APÊNDICE A – Parecer Consubstanciado do CEP

144

145

APÊNDICE B – Anuência da Secretaria Municipal de Saúde

146

APÊNDICE C – Anuência do Diretor da USFC II

147

APÊNDICE D – FORMULÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO DAS ATIVIDADES

COLETIVAS NA ESF

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

FORMULÁRIO sobre as atividades coletivas desenvolvidas na ESF – Natal/RN

Distrito Sanitário:

Unidade de Saúde da Família:

Número de equipes: Equipes completas:

1. Existe alguma atividade coletiva? ( ) Sim ( ) Não

Data de

início

Nome do

grupo

Coordenação do

grupo (categoria)

Periodicidade Média de

participantes

Espaço de

realização

2. Quais as dificuldades encontradas?

a) Espaço de realização da atividade ( )

b) Apoio institucional ( )

c) Adesão do público alvo ( )

d) Envolvimento da equipe ( )

e) Outras ( ) _____________________________________________

3. O que você identifica como inovador na atividade desenvolvida?

__________________________________________________________________________________

_________________________________________________________________

4. O que motivou a criação do grupo?

_________________________________________________________________________

5. Que efeitos você identifica que essa atividade produz na saúde das pessoas que dela participam?

__________________________________________________________________________

148

APÊNDICE E – ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA (usuários)

Pesquisa: As práticas de educação em saúde e seu desenvolvimento na perspectiva da

integralidade do cuidado

ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA (usuários)

DADOS GERAIS

Atividade profissional atual: Escolaridade:

Idade: Sexo:

Tempo de residência no bairro:

Tempo de participação nas atividades educativas coletivas:

1. Qual a atividade de grupo que o Srº (ª) participa lá do posto de saúde?

2. Poderia me contar quando e como resolveu participar?

3. Por que o Srº (ª) participa dessa atividade e como se sente participando?

4. O Srº (ª) percebe alguma diferença na sua saúde após participar desta atividade?