UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE … · 2019-01-31 · Monografia...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO
ARILANE LIMA DA COSTA
A ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL COMO FERRAMENTA DETERMINANTE PARA A GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO: A REALIDADE DE ALUNAS MÃES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE (UFRN)
NATAL- RN
2017
ARILANE LIMA DA COSTA
A ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL COMO FERRAMENTA DETERMINANTE PARA A GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO: A REALIDADE DE ALUNAS MÃES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE (UFRN)
Monografia apresentada ao Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Miriam de Oliveira Inácio.
NATAL - RN
2017
A todas as mulheres que lutam
diariamente para subverter as
convenções sociais e alçar voos cada vez mais altos.
AGRADECIMENTOS
A rotina de desenvolver uma pesquisa e escrever um trabalho como
esse é sem duvidas desgastante, mas o apoio de familiares e amigos a faz
mais leve. Quero agradecer imensamente a minha orientadora, Miriam Inácio, que foi uma das minhas inspirações para a aproximação com a temática do
gênero e que me guiou como ninguém nessa trajetória, o meu muito obrigada.
Quero expressar minha gratidão aos meus amigos, que desde o meu primeiro
semestre na universidade lidam com a minha ansiedade sobre o final desse
curso e que me apoiaram e me acalmaram durante a elaboração dessa
monografia. Ao meu companheiro pela paciência e carinho com os quais me ajudou a passar por esse momento. À minha mãe, irmãs e sobrinha por serem
a minha motivação diária e o maior exemplo de força e superação que eu
poderia ter, a minha militância feminista não poderia vir de outro lugar se não do esforço e da independência que transborda de vocês.
RESUMO
O objetivo central da pesquisa aqui apresentada é analisar os impactos das políticas de assistência estudantil da UFRN na vida das alunas mães da instituição, principalmente ao que diz respeito à garantia de sua permanência no ensino superior. Busca-se com isso entender as dificuldades enfrentadas pelas alunas que têm filho(a)s e estão no ensino superior; conhecer a política de assistência estudantil, observando especificamente aquelas voltadas para estudantes mães e apreender o papel delas na garantia da permanência desse público na instituição. A pesquisa que aqui se realizou foi de natureza qualitativa e se apoiou no materialismo histórico dialético para observar os impactos e rebatimentos da sociedade capitalista e patriarcal na vida dessas estudantes. Nos debruçamos sobre o debate de gênero, nos atendo as barreiras colocadas pela sociedade patriarcal na vida das mulheres mães dentro da universidade, o que como vimos se faz como um desafio para que essas alunas permaneçam no ensino superior. Ademais, também nos ocupamos de entender os rebatimentos da política neoliberal na contrarreforma da educação e consequentemente as suas implicações para a política de assistência estudantil, que como vimos durante a pesquisa não está contemplando de maneira eficaz as alunas mães. Utilizamos a pesquisa bibliográfica e a aplicação de entrevista e de questionários para entender a realidade das alunas mães matriculadas nos cursos de Pedagogia, Serviço Social e Enfermagem com filho(a)s em idade de creche. Dessa forma, percebemos que mesmo sendo um público considerável dentro da universidade a melhoria da vida dessas alunas dentro da academia não tem sido alvo de debates e que a política de assistência estudantil (compensatória, focalista e seletiva) não atende as necessidades das alunas mães de modo a garantir-lhes a conclusão do curso com qualidade e dentro do prazo padrão. Contatamos nos dados colhidos nos questionários e nas entrevistas que mesmo fazendo parte dos critérios de renda instituídos pela PNAES e pela UFRN, a maioria das entrevistadas não eram beneficiadas pelo auxílio creche e que de forma unanime a opinião dessas alunas sobre essa política é de que o valor ofertado é muito ínfimo e que o ideal para elas seria que a instituição dispusesse de um espaço físico para acolher o(a)s filho(a)s das alunas. Mesmo que as mulheres já somem mais da metade das vagas no ensino superior e mesmo que a faixa etária dos jovens que ingressam na universidade coincida com a idade fértil dos jovens brasileiros a maternidade dentro da academia parece ser um assunto distante, pouco discutido e invisibilizado. É necessário ainda percorrer um longo caminho para se atingir o reconhecimento do campo da educação e dos espaços públicos como pertencentes às mulheres mães.
Palavras-chave: Patriarcado. Feminismo. Maternidade. Ensino Superior. Assistência Estudantil.
ABSTRACT
The main goal of the research here presented is to analyze the impacts of UFRN’s student assistance policies in the lives of the student mothers of the institution, especially concerning the assurance of their staying in higher education. The objectives are the following: to understand the difficulties faced by the students who have children and are in higher education; to be familiar with the student assistance policy, observing specifically those oriented to student mothers; and to apprehend their paper in the assurance of this group staying in the institution. The research made was of a qualitative nature and relied on historical-dialectical materialism to observe the impacts and implications of capitalist patriarchal society on these students’ lives. We elaborate on the debate on gender, limiting ourselves to the barriers put by patriarchal society on the lives of student mothers inside the university, which, as we have seen, constitute a challenge for these students’ staying in higher education. Furthermore, we also take the time to understand the implications of neoliberal policy-making in the education counter-reform and, consequently, their implications to student assistance policy, which, as we saw during research, is not encompassing student mothers in an effective manner. We use bibliographical research and the application of interviews and questionnaire to understand the reality of student mothers enrolled in the Pedagogy, Social Work Studies and Nursing programs with children at childcare age. Thus, we realized that, even though they are a considerable public inside the university, the improvement of these students’ lives inside academia has not been target of debate, and that the student assistance policy (compensatory, focalist and selective) doesn’t attend to the needs of student mothers in order to assure their graduation with quality and in a reasonable timeframe. We observe in the data collected in questionnaires and interviews that, even though they meet the income criteria instituted by the PNAES and the UFRN, most interviewees were not benefitting of childcare aid, and that, in a unanimous manner, these student’s opinion on this aid was that the value offered is too little and that the ideal solution for them was for the institution to arrange a physical space in its premises to accommodate their children. Even though women account for over half of the higher education population, and the age bracket of young people who enter universities coincides with the fertile age bracket of young Brazilians, motherhood inside academia seems to be a distant topic, little discussed and made invisible. It is necessary still to traverse a long path to achieve recognition of the education field and the public spaces as belonging to student mothers.
Keywords: Patriarchy. Feminism. Motherhood. Higher education. Student Assistance.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1 – Idade das entrevistadas..................................................................39
Gráfico 2 – Estado civil das entrevistadas.........................................................40
Gráfico 3 – Parentes encarregados do cuidado das crianças na ausência da
mãe....................................................................................................................42
Gráfico 4 – Forma de ingresso das entrevistadas no ensino superior...............44
Gráfico 5 – Renda das entrevistadas em salários mínimos...............................45
Gráfico 6 – Renda per capita das entrevistadas................................................46
Gráfico 7 – Idade do(a)s filho(a)s das entrevistadas.........................................47
Figura 1 – Organograma da PROAE.................................................................79
LISTA DE SIGLAS
AINDIFES – Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior
BM – Banco Mundial
BENFAM – Sociedade Civil Bem-Estar e Família no Brasil
CAPAP – Coordenadoria de Apoio Pedagógico e Ações de Permanência
CASE– Coordenadoria de Atenção à Saúde do Estudante
CONSAD – Conselho Nacional de Secretário de Estado da Administração
EMEUF – Encontro de Mulheres Estudantes da UFRN
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FONAPRACE – Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis
IFES – Instituições Federais de Ensino Superior
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira
LBT – Lésbicas, Bissexuais e Travestis/Transexuais/Transgênero
LGBT – Lésbicas, GAYS, Bissexuais e Travestis/Transexuais/Transgêneros
MEC – Ministério da Educação
NEI – Núcleo de Educação Infantil
ONU – Organização das Nações Unidas
OVEU – Observatório da Vida do Estudante Universitário
PNAD – Pesquisa Nacional de Amostras em Domicílio
PNAES – Programa Nacional de Assistência Estudantil
PNE – Plano Nacional de Educação
PNDS – Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde
PROAE – Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis
PROUNI – Programa Universidade Para Todos
REUNI – Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades
SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
SIGAA – Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas.
SINASC – Sistema Nacional de Nascidos Vivos
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................1
2. FEMINISMO, PATRIARCADO E MATERNIDADE.........................................5
2.1. AS CONSTRUÇÕES DE GÊNERO E DO IDEAL MATERNO NA SOCIEDADE PATRIARCAL................................................................................5
2.2. OS MOVIMENTOS FEMINISTAS NAS LUTAS PELOS DIREITOS DAS MULHERES E À MATERNIDADE.....................................................................20
3. MULHERES NO ENSINO SUPERIOR: A TRAJETÓRIA DO ACESSO E DA PERMANÊNCIA DAS MULHERES NA UNIVERSIDADE................................32
3.1. A TRAJETÓRIA DO ACESSO DAS MULHERES À EDUCAÇÃO PRIMÁRIA E SUPERIOR NO BRASIL..............................................................32
3.2. ALUNAS E MÃES: CONHECENDO AS MÃES ESTUDANTES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE............................37
3.3. VEZ E VOZ: CONHECENDO A REALIDADE DAS ALUNAS MÃES.........48
4. REFLETINDO SOBRE A HISTÓRIA DAS POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL....................................................................................................67
4.1. ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL E CONTRARREFORMA DA EDUCAÇÃO: OS AVANÇOS DO NEOLIBERALISMO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR.............67
4.2. A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL PARA MÃES ESTUDANTES NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE..............................................................................................................77
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................88
REFERÊNCIAS.................................................................................................91
1
1. INTRODUÇÃO.
Tendo proximidade com a militância nos movimentos feministas e
estudantis e sabendo das dificuldades postas às mulheres em virtude do
machismo não apenas na universidade, mas na sociedade como um todo,
surgiu o interesse pela temática das mulheres mães e da sua realidade no
ensino superior. Nos dias 19 e 20 de maio de 2016 ocorreu na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) o II Encontro de Mulheres Estudantes
da UFRN (EMEUF) que teve como temática “A Cultura Feminista Construindo a
Democracia”. Foram discutidos no evento os problemas enfrentados
cotidianamente pelas alunas mulheres dentro e fora da universidade e como o
feminismo tem se mostrado enquanto alternativa de enfrentamento e
construção de uma nova realidade para as mesmas. Ao final desse encontro
uma carta foi gerada. O documento foi entregue a reitora, aos diretores e
diretoras dos Centros, entre outras autoridades públicas. Nele havia inúmeras
reivindicações que foram apontadas e discutidas pelas estudantes, dentre elas
estavam: assistência estudantil para mulheres mães; investimento em
segurança pública dentro do campus; auxílio permanência e mais vagas na residência universitária para prevenir a evasão das alunas cotistas; disputa dos
espaços, principalmente nos cursos majoritariamente masculinos, como as
ciências exatas e tecnológicas, visando à garantia do respeito e da valorização
das mulheres nessas áreas; valorização da cultura negra e da produção de
conhecimento por esse segmento; mais espaço de discussão das mulheres
lésbicas, bissexuais e transexuais/transgênero (LBT); punição dos casos de racismo, machismo e lesbofobia, homofobia, bifobia, transfobia (LGBTfobia);
incentivo às disciplinas voltadas para discussão de gênero e sexualidade;
entre outras. Observa-se pelo conteúdo das reinvindicações que ser mulher e
universitária não tem sido uma atividade fácil de desempenhar e que ocupar
esse espaço pressupõe vivenciar uma série de opressões e dificuldades a
serem combatidas por meio de muita luta.
Percebemos que todos os itens contidos na carta chamam muita
atenção, mas um em especial se destaca em virtude da gritante invisibilidade e
da urgência da realização do seu debate. A situação das alunas mães é um
2 assunto pouco ou quase nada discutido. Observamos não apenas nas
reinvindicações da Carta sobre a assistência estudantil para as mulheres mães,
mas também na realização de reuniões e rodas de conversa organizadas pelas
estudantes mães ao longo do ano de 2016 na UFRN que a universidade não
possui o mínimo para acolhê-las, a exemplo da falta de fraldários na UFRN,
dos números insuficientes de auxílio creche, da expulsão das residentes que
engravidam, da impossibilidade do acesso das alunas com os(as) filhos(as) ao Restaurante Universitário, entre outros.
Tais situações podem estar sendo acarretadas por uma visão machista
da maternidade, baseado em um ideal irreal daquilo que deve ou não ser, e
daquilo que deve ou não fazer uma mãe. A maternidade é vista
constantemente como um problema individual ou familiar e que deve ser
tratado nesse seio. São poucas as políticas e programas voltados para esse
público, ainda mais dentro da educação. É como se os espaços acadêmicos
não as pertencessem. A partir disso surgem os questionamentos: a
universidade tem pensado em políticas de permanência voltadas para as
estudantes mães? Se não, por quê? Quais os programas que elas podem
acessar? Quais os rebatimentos disso na vida acadêmica dessas mulheres? Na UFRN quais têm sido os impactos das políticas de assistência estudantil na
vida das alunas mães da instituição, principalmente no que diz respeito à
garantia de sua permanência no ensino superior?
Sendo assim, essa pesquisa busca responder tais perguntas e apontar a
educação enquanto campo pertencente às mulheres mães. É importante que
essas alunas ganhem visibilidade, que as instituições de ensino e o Estado possam pensar em políticas que garantam o seu acesso e permanência no
ensino superior, para que as mulheres não precisem optar entre suas carreiras
profissional e acadêmica e o seu direito reprodutivo. Ademais, a temática aqui
abordada se faz fundamental para instituir novos debates em torno do
feminismo, da maternidade e do direito a educação, sendo de grande
importância na construção da identidade das e dos profissionais do Serviço
Social que se inscreve enquanto profissão que possui em seu Projeto Ético-
Político pautas de luta em favor da classe trabalhadora, das minorias e grupos
historicamente excluídos e oprimidos, além de claro, ser composta em grande
3 parte por mulheres e atender de maneira significativa um grupo de usuário(a)s
também composto em sua maioria pelo gênero feminino.
O objetivo central dessa pesquisa é então: analisar os impactos das
políticas de assistência estudantil da UFRN na vida das alunas mães da
instituição, principalmente no que diz respeito à garantia de sua permanência
no ensino superior. Dessa forma, busca-se: entender as dificuldades
enfrentadas pelas alunas que têm filho(a)s e estão no ensino superior, conhecer a política de assistência estudantil do campus – observando a
existência de políticas específicas voltadas para estudantes mães – e
apreender o papel das políticas de assistência estudantil para a permanência
das estudantes mães nas instituições de ensino.
Para isso, a pesquisa realizada foi de natureza qualitativa e se apoiará
no materialismo histórico dialético para observar os impactos e rebatimentos da
sociedade capitalista e patriarcal – que como sabemos dificulta e embarreira a
emancipação e liberdade das mulheres e dessas estudantes. O trabalho de
pesquisa bibliográfica e documental foi dividido em dois momentos. O primeiro
momento consistiu em pesquisa bibliográfica que foi direcionada para
levantamento de informações e apreensão do tema, sendo utilizada a revisão de bibliografias específicas como principal instrumento dessa fase; na pesquisa
documental foram analisados os editais, regimentos e resoluções dos
programas de assistência estudantil existentes na universidade.
A pesquisa de campo faz parte do segundo momento e serviu para
aproximação com a realidade das estudantes mães da UFRN. Os instrumentos
aqui utilizados foram o questionário e a entrevista semiestruturada que foram aplicados com 8 (oito) alunas que estevam cursando a graduação em Serviço
Social, Pedagogia ou Enfermagem e que possuíam filhos(as) com idades entre
0 e 6 anos. A entrevista serviu para coletar relatos e informações sobre esse
processo. As informações desejadas foram sobre as suas experiências como
mães e estudantes da universidade, bem como usuárias da política de
assistência estudantil. O questionário foi outro instrumento que serviu para dar
base à pesquisa, ajudando a traçar um perfil socioeconômico dessas alunas e
auxiliando na análise da realidade. Como não se tem dimensão do número de
alunas mães no campus, nem de sua distribuição entre os cursos e levando em
4 consideração o pouco tempo hábil para esse levantamento, a pesquisa aqui
apresentada realizou-se nos curso de graduação em Serviço Social,
Enfermagem e Pedagogia. Por serem cursos majoritariamente femininos, a
probabilidade de encontrar alunas mães é maior. Isso facilitou a busca, que
pôde ser efetuada nos editais do auxílio creche divulgados na própria página
da universidade, por indicações de pessoas que conheciam alunas nessa
situação ou pela abordagem de alunas na instituição.
O trabalho será dividido então em três partes, a primeira abordará o
debate sobre feminismo, patriarcado e maternidade e analisará as construções
de gênero e do ideal materno na sociedade patriarcal, além de debater sobre
movimentos feministas e a luta pelo direito das mulheres e a maternidade. Na
segunda parte iremos tratar da trajetória das mulheres no ensino superior,
falando sobre o acesso e a permanência delas na universidade. Nesse capítulo
estarão contidos os resultados da pesquisa junto às alunas da UFRN. Em
seguida, na terceira parte, falaremos sobre a política de assistência estudantil
no contexto da contrarreforma da educação e dos avanços do neoliberalismo
no Brasil. Além disso, analisaremos dentro desse ponto as políticas de
assistência estudantil para as mães estudantes da UFRN e a sua eficácia na permanência dessas mulheres. Por fim, serão apresentadas as considerações
finais sobre a pesquisa.
5
2. FEMINISMO, PATRIARCADO E MATERNIDADE.
Este capítulo abordará as discussões sobre os movimentos feministas,
gênero, patriarcado e maternidade. Seu objetivo central é analisar a posição
das mulheres na sociedade e os mecanismos de dominação e exploração aos
quais estão submetidas, bem como mostrar o poder da sua organização na
busca pela igualdade de direitos. O primeiro tópico deve apontar o debate
sobre as construções de gênero e da maternidade na sociedade patriarcal e como essas têm interferido no cotidiano das mulheres e no seu acesso ao
espaço público. No segundo tópico, almeja-se compreender os desafios, limites
e possibilidades da organização dos movimentos feministas, mais
especificamente as pautas sobre os direitos sexuais e reprodutivos.
2.1. AS CONSTRUÇÕES DE GÊNERO NA SOCIEDADE
PATRIARCAL E A MATERNIDADE.
A condição das mulheres no mundo está inteiramente relacionada aos
valores construídos e disseminados pela “ordem patriarcal de gênero”
(SAFFIOTI, 2004). É inevitável na abordagem dessa temática desvelar a
ideologia por trás dessas duas categorias. No livro “Gênero, patriarcado e
violência”, Heleieth Saffioti analisa os dois conceitos à luz do debate sobre a violência contra a mulher. Segundo a autora: o patriarcado pode ser
brevemente definido enquanto o “regime de dominação-exploração das
mulheres pelos homens” e o gênero como “a construção social do masculino e
do feminino” (SAFFIOTI, 2004, p. 44-55). Dessa forma, essas duas categorias
se completam na análise da posição das mulheres na sociedade.
Há várias teorias sobre a origem do patriarcado. A condição de subalternidade que hoje se apresenta às mulheres não é uma condição que se
expandiu ao longo de toda a história da humanidade, mas uma construção
recente datada de aproximadamente seis milênios, segundo aponta Saffioti
(1987). Engels, por exemplo, em sua obra “A origem da família, da
propriedade privada e do Estado”, publicada em 1884, propõe que o
patriarcado tem a sua gênese na mudança das relações sociais durante a
transição entre as sociedades primitivas e as sociedades que têm por base a
propriedade privada. A propriedade privada funda a família monogâmica no
6 intuito de garantir ao Patriarca a segurança da transmissão de sua herança
apenas entre aqueles com os quais possui laços consanguíneos. Sendo
assim, a monogamia é projetada, como afirma Narvaz e Koller (2006) para
exercer o controle sobre o corpo e a sexualidade feminina, que é justamente
como mostra Saffioti (2004, p.49) “um dos elementos nucleares do patriarcado”
que assegura “a fidelidade da esposa a seu marido”.
Engels parte de uma concepção de que nas sociedades de coleta em que o comunismo primitivo se desenvolvia não existia um regime de exploração
e dominação entre homens e mulheres. O autor mostra que nessas sociedades
havia uma divisão de tarefas entre homens e mulheres, mas que essa não era
um pressuposto para valoração das atividades. Dessa forma, por exemplo, os
homens dividiam-se entre as atividades de caça e as mulheres de colheita, e
nem uma atividade ou outra possuía um valor maior diante do grupo. Alambert
(1980) sintetiza que Engels considerava que:
O fim do matriarcado coincidiu com o surgimento da divisão da sociedade em classes e consequentemente exploração do ser humano pelo ser humano e da mulher pelo homem; coincidiu com o surgimento de novos instrumentos de produção e com a família monogâmica. Antes desse momento histórico, as tarefas eram divididas, mas isso não representava privilégio ou desigualdade. A partir do surgimento da sociedade de classes, da propriedade, surgiu uma nova forma de atribuir valor, na qual aqueles que possuem os meios de produção dominam os que não possuem (ALAMBERT, 1980 apud BEZERRA ;VELOZO, 2015, p.37).
Conforme Bezerra; Velozo (2015), Alambert (1980) ressalta que a
análise de Engels possuía determinadas limitações que foram desveladas mais
tarde pela Antropologia, a qual afirma que “a dominação masculina sempre
existiu, e que Engels, provavelmente teria confundido o conceito de
matrilinearidade com o de matriarcado” (BEZERRA; VELOZO, 2015, p.38).
Estudos feitos pela Antropologia argumentam que “a origem da subordinação das mulheres está na divisão de papéis ocorrida ainda na sociedade primitiva
de caçadores-coletores” (SAFFIOTI, 2000 apud BEZERRA; VELOZO, 2015,
p.38). A divisão dos trabalhos baseadas na biologia dos sexos já era expressa
nesse período. As mulheres, em virtude da gravidez e da amamentação, não
eram permitidas à prática da caça, ficavam responsáveis pela colheita e pelos
trabalhos domésticos da tribo. Os homens eram incumbidos das atividades de
7 caça, o que lhes expunha a situações de perigo que eram mais valorizadas
socialmente, ou seja, existia sim uma valoração das atividades compartilhadas
entre homens e mulheres (BEZERRA; VELOZO, 2015).
Bezerra; Velozo (2015) esclarecem que Vaitsman (1989) observa em
sua análise que Engels se referiu “à ‘comunidade primitiva’, como se houvesse
homogeneidade entre as definições desta, o que de fato não havia”
(VAISTMAN, 1989 apud BEZERRA; VELOZO, 2015, p. 42). A autora mostra que o que de fato existiu foram “diversos tipos de comunidade, com modos de
produção diferenciados” (VAITMAN, 1989 apud BEZERRA; VELOZO, 2015, p.
42). Ela argumenta que, diferente do que Engels pensou, a opressão das
mulheres não necessariamente está condicionada ao surgimento da
propriedade privada, podendo ela se estabelecer, para além disso, em
sociedade em que os meios de produção são coletivos. Há hoje o
conhecimento de diversas sociedades desse tipo, onde apesar dos meios de
produção serem socializados, a subordinação das mulheres ainda existe.
Diante disso, Vaistman (1989) considera que:
... se por um lado constatamos a impossibilidade de estabelecer a igualdade entre mulheres e homens sem que se estabeleça um sistema de propriedade social dos meios de produção, o fato de termos uma sociedade desse tipo não garante que a igualdade, automaticamente, acontecerá; ao contrário, temos constatado que, mesmo nas sociedades mais igualitárias, a diferença entre os sexos tem servido para atribuir, poder, status, riqueza (VAISTMAN, 1989 apud BEZERRA; VELOZO, 2015, p.42).
É mais adequado afirmar que o patriarcado e o capitalismo são aliados
no aprofundamento das desigualdades sociais. É de interesse do sistema
capitalista a perpetuação da ordem patriarcal, pois é através da subordinação
da mulher que o capitalismo expande “os níveis de exploração da classe
trabalhadora, composta tanto por homens quanto por mulheres” (BEZERRA;
VELOZO, 2015, p. 44).
Reiterando, o patriarcado está ancorado na opressão das mulheres
pelos homens e se baseia, de acordo com Johnson, “no controle e no medo,
atitude/sentimento que formam um círculo vicioso” (JOHNSON apud SAFFIOTI,
2004, p.21). Narvaz e Koller (2006) baseados em Millet (1970) e Scott (1995)
destacam os princípios básicos que regem o patriarcado: a subordinação da
8 mulher, que em um arranjo hierárquico se encontra em uma posição de poder
menor que a do homem; e na subordinação dos jovens aos homens mais
velhos, que nessa hierarquia estão em um nível de poder mais elevado.
Portanto, no patriarcado a família se baseia nessa hierarquia que dá poder ao
homem sobre o(a)s filho(a)s e a esposa.
Ainda como nos explica Narvaz; Koller (2006) apoiadas em Millet (1970);
Scott (1995) no “patriarcado tradicional1” as filhas mulheres se encontram sobre o poder do pai até que se casem e passem, assim, a obedecer ao
marido. O direito sobre a mulher passa então de um homem ao outro.
Observamos que com a modernização do patriarcado essa dinâmica mudou: o
poder do pai não é mais uma referência, mas o poder conjugal concedido ao
marido ainda é uma prática recorrente e legitimada pela sociedade.
Diferente da categoria patriarcado, o gênero por si só não implica na
desigualdade entre homens e mulheres e permite pressupor a sua coexistência
sem que haja domínio de um sobre o outro (SAFFIOTI, 2004). A categoria
gênero é uma categoria de análise recente. Segundo Scott (1989), o gênero
parece ter surgido primeiro entre as feministas americanas que endossavam
que as distinções feitas entre homens e mulheres baseadas no sexo tinha um caráter fundamentalmente social, ou seja, eram distinções que emergiam de
uma construção social. Além disso, o termo surge como uma reinvindicação
das feministas contemporâneas por um campo de definição que explicasse as
desigualdades persistentes entre homens e mulheres, afirmando o caráter
inadequado das teorias que existiam para explicar esse fato. De maneira geral
o uso da palavra gênero pelas feministas passou a fazer referência à organização social da relação entre os sexos referindo-se “às relações entre
mulheres e homens, mulheres e mulheres, homens e homens” (CAMURÇA;
GOUVEIA, 2004, p.14).
1 Narvaz; Koller (2006) trazem em seu texto o “patriarcado tradicional” como aquele que se configura na transição entre poderes sobre a mulher que passa do pai para o marido, o que hoje não ocorre de maneira expressiva. Tal mudança não significando que as mulheres na contemporaneidade não estão expostas ao Patriarcado, ao contrário, o que as autoras esclarecem é que atualmente a mulher se encontra subordinada a figura do homem, principalmente a do marido, sem que a sua tutela tenha necessariamente sido passada pela figura do pai.
9
Evidencia-se o caráter “neutro” que a categoria gênero pode assumir em
determinados empregos. Scott (1989, p.6) afirma que “o gênero parece
integrar-se na terminologia científica das ciências sociais e, por conseqüência,
dissociar-se da política – (pretensamente escandalosa) – do feminismo”.
Dessa forma, o uso dessa categoria pode não determinar
necessariamente uma posição em relação à situação de desigualdade social
em que as mulheres se encontram em detrimento dos homens. Diferente do termo patriarcado que determina uma posição política em relação à opressão
das mulheres, o “‘gênero’ inclui as mulheres sem as nomear, e parece assim
não se constituir em uma ameaça crítica” (SCOTT, 1989, p.6). Além disso, os
estudos de gênero implicam necessariamente nos estudos tanto dos homens
quanto das mulheres e invalidando a ideia desses dois sujeitos de maneira
isolada, afirmando que “estudar as mulheres de forma separada perpetua o
mito de que uma esfera, a experiência de um sexo, tem muito pouco ou nada a
ver com o outro sexo” (SCOTT, 1989, p.7). Outro ponto, segundo Scott (1989),
reside ainda no fato do termo gênero por si só não responder as questões que
apontam para as razões pelas quais as relações sociais entre feminino e
masculino são construídas da forma que são, como elas funcionam, ou como mudam. O termo isolado não possui “força de análise suficiente para interrogar
(e mudar) os paradigmas históricos existentes” (SCOTT, 1989, p.8).
Contudo, a categoria gênero é um conceito chave para “designar as
relações sociais entre os sexos” (SCOTT, 1989, p.7):
O seu uso rejeita explicitamente as justificativas biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum para várias formas de subordinação no fato de que as mulheres têm filhos e que os homens têm uma força muscular superior. O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as “construções sociais” – a criação inteiramente social das idéias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres (SCOTT, 1989, p.7).
O conceito de gênero nos permite a análise de um período histórico
muito maior que o patriarcado, que pode ser considerado como sendo “um
caso específico de relações de gênero” (SAFFIOTI, 2004, p.119). Os conceitos
e símbolos que envolvem a ideia de feminino e masculino sofrem modificações
o tempo inteiro, pois a categoria gênero não possui um caráter fixo e por isso
10 pode ter várias representações ao longo da história. Em algumas sociedades
antigas, por exemplo, a figura feminina tinha uma posição central2. No período
paleolítico é possível encontrar representações divinas retratadas por meio de
esculturas ou pinturas de mulheres, que como assinala Oliveira (2005), “são
lidas e interpretadas [...] não somente como culto a fertilidade/maternidade,
mas como símbolos dos quais derivam a ideia de criadora do mundo, dona da
vida [...]” (OLIVEIRA, 2005 apud BRAGA et al., 2015, p.196).
Já em nossa sociedade nos deparamos com um desvio dessa
centralidade das mãos das mulheres para as dos homens. O papel de Deus
criador está sob a figura masculina. O homem, que antes desconhecia o seu
papel na reprodução, agora se coloca enquanto uma figura vital para o
processo da gestação. Eles assumem que sem eles as mulheres nada mais
podem fazer.
.... desacreditado o caráter mágico da reprodução feminina e descoberta a possibilidade de este fenômeno poder ser controlado como qualquer outro, estava desfeito o vínculo especial das mulheres com a força da vida universal, podendo os homens se colocar no centro do universo. Como portadores da semente que espalhavam nos passivos úteros das mulheres, os homens passaram a se considerar a fonte da vida (JOHNSON apud SAFFIOTI, 2004, p.121).
Constatamos as diferenças existentes entre uma sociedade primitiva e
uma sociedade moderna. Através desses exemplos a afirmativa anterior sobre
o caráter inconstante da categoria gênero é confirmada. Conforme Camurça,
Gouveia (2004):
Sendo o gênero uma construção social, ele não se apresenta sempre da mesma forma em todas as épocas e lugares, depende dos costumes de cada lugar, da experiência cotidiana das pessoas, variando de acordo com as leis, as religiões, a maneira de organizar a vida familiar, a vida política de cada
2 É significativo evidenciar que tal posição concedida à figura feminina não aponta para uma organização social com base matriarcal – ou seja, uma organização em que as mulheres detêm algum tipo de poder político, como vimos Engels abordar anteriormente – sendo preferível assumir que em tais círculos as mulheres possuíam uma determinada importância, mas que essa não presumia uma posição privilegiada em uma determinada hierarquia. Além disso, é importante ressaltar que não é possível a realização de nenhuma afirmação sobre a existência de qualquer tipo de igualdade de gênero nessas sociedades e que usá-las como exemplo só serve para destacar o caráter mutável dos símbolos atribuídos aos gêneros masculino e feminino.
11
povo, ao longo da história. (CAMURÇA; GOUVEIA, 2004, p.13-14).
Mais do que isso, as relações de gênero são influenciadas pelas
contradições de classe social, questões étnico/racial e aspectos geracionais em
uma mesma sociedade e momento histórico:
As relações e as representações de gênero não variam apenas de um povo para outro, dentro de uma mesma sociedade elas também podem mudar, de acordo com a classe social da pessoa, da raça, da idade. É por isso que a situação das mulheres é muito diferente entre si, mesmo que todas elas compartilhem a vivência da discriminação e opressão. (CAMURÇA; GOUVEIA, 2004, p.13-14).
Sobre a utilização dos termos apresentados anteriormente, queremos
evidenciar a posição de Saffioti (2004), que afirma não defender o uso
exclusivo da categoria gênero em detrimento da categoria patriarcado, mas a
adesão conjunta das duas categorias. Fazendo as seguintes considerações
sobre o seu uso, admite o seguinte:
1. a utilidade do conceito de gênero, mesmo porque ele é muito mais amplo do que o de patriarcado, levando-se em conta os 250 mil anos, no mínimo, da humanidade;
2. o uso simultâneo dos conceitos de gênero e de patriarcado, já que um é genérico e o outro específico dos últimos seis ou sete milênios, o primeiro cobrindo toda a história e o segundo qualificando o primeiro ou, por economia, simplesmente a expressão patriarcado mitigado ou, ainda, meramente patriarcado;
3. a impossibilidade de aceitar, mantendo-se a coerência teórica, a redutora substituição de um conceito por outro, o que tem ocorrido nessa torrente bastante ideológica dos últimos dois decênios, quase três (SAFFIOTI, 2004, p.132).
Diante do que foi exposto sobre as duas categorias e entendendo que
tanto o termo patriarcado quanto o termo gênero possuem características importantes para a análise das opressões vivenciadas por nós mulheres,
adotaremos ao longo desse trabalho o uso de ambas as denominações, nos
referindo, dessa forma, a ordem patriarcal de gênero, conforme defende Saffioti
(2004).
Posto isso, cabe agora à discussão de maneira mais específica sobre
como as relações de gênero vêm sendo pautadas atualmente na sociedade
patriarcal. A construção das identidades de homens e mulheres, em nossa
12 sociedade, desenvolve-se em torno de estereótipos que se baseiam na
subjugação destas por aqueles. É apresentado ainda na infância que meninos
e meninas possuem diferenças físicas, emocionais e intelectuais. Meninos são
fortes. Meninas são frágeis. Meninos são racionais, não demonstram fraqueza,
não choram. Meninas são emotivas, sensíveis. Meninos se dão bem nas áreas
que envolvem ciências, tecnologia, matemática. Meninas estão mais aptas para
atuarem em áreas que envolvam o cuidado, o ensino e que se aproximem das suas funções dentro do lar. Meninas e mulheres não possuem predisposição
para cargos de líderes, pois esses exigem firmeza, equilíbrio, características
consideradas masculinas. É socialmente esperado que as mulheres
enquadradas no padrão de feminilidade sejam afáveis, polidas, gentis,
resignadas, recatadas, que não causem desconforto, confrontem ou
questionem.
Todas essas características que diferem homens e mulheres são
comumente fundamentadas por argumentos baseados na biologia. As
diferenças fisiológicas e hormonais são usadas para legitimar preconceitos
pautados no senso comum, ignorando toda a carga sociocultural envolta
nessas relações. Conforme Camurça; Gouveia (2004):
É a partir da observação e do conhecimento das diferenças sexuais que a sociedade cria idéias sobre o que é um homem, o que é uma mulher, o que é masculino e o que é feminino, ou seja, as chamadas representações de gênero. Com isso, se estabelecem também as idéias de como deve ser a relação entre homem e mulher, a relação entre as mulheres e a relação entre os homens. Ou seja, a sociedade cria as relações de gênero. (CAMURÇA; GOUVEIA, 2004, p.12-13)
Segundo a ordem patriarcal de gênero as mulheres são menores e mais
fracas, possuidoras de menor força física e em virtude do útero e dos
hormônios liberados em seus corpos, são vistas como sujeitas a desequilíbrios
emocionais que as impedem de agir racionalmente. De acordo com esse
argumento, as mulheres devem limitar a sua participação na sociedade às suas
funções biológicas, ou seja, a maternidade. Se aos homens cabem os espaços
públicos e a função de trabalhar para prover o lar, então as mulheres, em
virtude do "dom" da gestação e a fragilidade associada a essa condição, têm
de se resumir às funções domésticas e ao cuidado e educação do(a)s filho(a)s.
13
Como destaca Saffioti (1987) na obra “O poder do macho”, a sociedade
investe na naturalização do ambiente doméstico como atribuição da mulher e
associa tal atividade à maternidade. Assim como é natural para a mulher o
processo da gestação e do nascimento, deve ser natural a ela os afazeres do
lar. A autora ressalta ainda como contra argumento a esse fato a organização
de outras sociedades em torno da maternidade e da paternidade. Em algumas
tribos indígenas brasileiras, por exemplo, após o parto são as mulheres que voltam ao trabalho, enquanto os homens repousam. Percebemos, com isso, o
peso das construções sociais sobre os papéis atribuídos aos homens e
mulheres e a maternidade e paternidade, reforçando o argumento que indica
que aquilo que vemos hoje ser associado à masculinidade e a feminilidade
podem facilmente mudar de acordo com tempo e o lugar que observamos.
Outro discurso usado para reforçar padrões e fundamentar a dominação
masculina sobre as mulheres é o argumento da tradição cristã vinculado ao
pecado original. Eva, a primeira mulher, feita a partir de uma costela do
primeiro homem criado, Adão, induzida pela Serpente convence seu parceiro a
desobedecer às ordens divinas, fazendo-os ser amaldiçoados por Deus e
expulso do paraíso.
E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a dor da tua conceição; em dor darás à luz filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará. E ao homem disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei dizendo: Não comerás dela; maldita é a terra por tua causa; em fadiga comerás dela todos os dias da tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos; e comerás das ervas do campo. Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque dela foste tomado; porquanto és pó, e ao pó tornarás (BÍBLIA, Gênesis, 3, 16-19).
É aqui que surge a ideia de que a mulher é ardilosa, perigosa,
manipuladora e que o homem deve sempre vigiar para não cair nessas
artimanhas. Além disso, como indica Badinter (1985), recai sobre a mulher
características que denunciam a sua fraqueza diante das vaidades e tentações
do mundo, sendo culpada pela infelicidade de seu companheiro. À vista disso
ocorre:
A estigmatização da mulher (como dissimulada, portanto há necessidade de ser tutelada) através de dogmas religiosos reforça sua submissão aos interesses dos homens, limitando-a ao espaço privado, confinada aos trabalhos domésticos e aos
14
cuidados dos filhos, submetida ao poder do pátria (CASTRO; GONÇALVES, 2015, p. 274).
O castigo da mulher é a sua sujeição, devendo permanecer tutelada
sobre a figura do homem e se resignar assumindo posturas que edifiquem a ele
e a sua família. Como oportunidade para se redimir do seu pecado, a mulher
tem como alternativa resignar-se em Maria, tornando-se obediente, casta,
dedicada e serva das vontades alheias a ela própria. As mulheres dividem-se então em pecadoras ou santas. Aquelas que se afastam do domínio dos
homens e se atrevem como Eva a desobedecê-los e agirem por sua vontade
são sumariamente rechaçadas. As que se aproximam do arquétipo de Maria e
cumprem o papel que lhes é imposto, de submeter-se ao poderio masculino,
são ovacionadas e recompensadas.
Assim somos divididas entre mocinhas e vilãs, ou ainda entre “umas” e “outras”. A “outra” é a figura muitas vezes desumanizada que proporciona
prazer ao homem sem qualquer reconhecimento ou vantagem social, ou seja,
não ganha títulos que possam ser exibidos em público como o de esposa ou
companheira como é concedido a “uma”. O que Saffioti (1987) destaca é que
nenhuma das duas desfruta de qualquer vantagem e mesmo a sociedade
querendo mostrar que são diferentes elas não passam de dois iguais que diferem apenas dos homens aos quais se submetem (SAFFIOTI, 1987). No
imaginário social existe o lugar da mulher para casar e o lugar da mulher para
uma noite. A mulher que possui liberdade e autonomia sobre seu corpo e suas
relações é comumente vista como uma mulher com menor valor, pois é
justamente mais difícil para o homem manter seu domínio sobre ela, tendo então que atribuir a essas, características negativas. Percebe-se uma tentativa
da sociedade de gerar uma competição entre as mulheres, fazendo-as achar
que são inimigas na busca pelo reconhecimento dos homens.
Outro ponto importante quando falamos de uma ordem patriarcal de
gênero e do lugar das mulheres e do feminino no mundo é a divisão sexual do
trabalho, no qual todo trabalho que permeia a maternidade e o cuidado do(a)s
filho(a)s é considerado como próprio das mulheres. A característica central
desse conceito é a:
designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a
15
apropriação pelos homens das funções com maior valor social adicionado... (HIRATA; KERGOAT, 2007, p.599).
Além disso, ela se estrutura em dois princípios organizadores: o primeiro
baseado na separação, em que existe o trabalho de homem e o trabalho de
mulher. E o segundo que tem base na hierarquia, em que o trabalho do homem
vale mais do que o trabalho da mulher. Como mostrado anteriormente essa
divisão também encontra bases no argumento construído em torno do sexo biológico em detrimento do gênero, fazendo com que as práticas sociais se
escrevam por meio de papéis que remetem ao destino natural do homem e da
mulher (HIRATA; KERGOAT, 2007).
...torna-se então coletivamente “evidente” que uma enorme massa de trabalho é efetuada gratuitamente pelas mulheres, que esse trabalho é invisível, que é realizado não para elas mesmas, mas para outros, e sempre em nome da natureza, do amor e do dever materno (HIRATA; KERGOAT, 2007, p.598).
Vemos que trabalhos desenvolvidos por mulheres costumam valer
menos do que os mesmos trabalhos desenvolvidos por homens, assim como
profissões ditas masculinas recebem mais do que as que ocupam áreas
consideradas femininas. São exemplos de cursos ditos femininos a Pedagogia, o Serviço Social e a Enfermagem. Já entre os masculinos, o Direito, a
Engenharia e a Medicina. Reparamos igualmente que os cursos que costumam
ter mais prestígio dentro das Universidades tendem a ser predominantemente
ocupados por homens, é o caso das áreas voltadas para a tecnologia e
ciências exatas.
Constatamos uma desvalorização do trabalho feminino. O trabalho
doméstico permanece majoritariamente sendo executado por mulheres, que
mesmo estando presente no mercado de trabalho, continuam a desempenhar
as duas atividades simultaneamente. A sociedade capitalista e patriarcal não
dá o valor devido ao trabalho doméstico e nega o seu lugar de importância
dentro da produção de capital.
É importante destacar que há uma parcela de mulheres que contam com
duplas ou triplas jornadas de trabalho, mas há também as que possuem o
privilégio de delegar as atividades domésticas a outro, ou como é mais comum,
a outra. Normalmente essa delegação de atividade é feita para mulheres em
situação sócio-econômica precária, pois como sabemos, o trabalho doméstico
16 quando pago é uma atividade mal remunerada. Há então uma diferença muito
clara entre a jornada de trabalho das mulheres das classes trabalhadoras e a
jornada de trabalho das mulheres burguesas, da mesma forma, como há uma
diferença dos níveis de opressão que essas mulheres sofrem.
Chegamos, desse modo, à maternidade, parte do trabalho doméstico,
que é delegado exclusivamente às mulheres e que tem peso muito maior do
que o atribuído à paternidade. A maternidade, assim como o gênero, é uma construção, um papel social desempenhado pelas mulheres cujos valores são
atribuídos a partir de uma visão de ordem biológica sobre o que uma mãe deve
ou não ser, deve ou não fazer. Mais do que isso, é um atributo compulsório.
Numa sociedade patriarcal, a maternidade estaria inscrita na essência de todas
as mulheres. De acordo com essa ideologia, todas nós nascemos para sermos
mães e esse aparece como um desejo inerente a nossa condição. Não existe
para nós liberdade reprodutiva. Aquelas que teimam em exercer tal liberdade e
se recusam a cumprir o destino que a natureza as reservou são taxadas de
egoístas, acusadas de estar traindo a sua biologia e pior, se recusando a
aceitar o dom que lhe foi concedido, ignorando a sua predisposição para o
cuidado do(a) outro(a), a subserviência.
É ditado quando devemos ter filho(a)s, quantos devemos ter e como
deve ser a nossa postura enquanto mães. Claro, para a sociedade não basta
que a mulher cumpra o seu papel de reprodutora biológica, de gerar vida,
temos que fazê-lo de acordo com seus ideais. Devemos ser boas mães. Mães
que abdiquem dos seus desejos, das suas vontades em prol do bem-estar
do(a) filho(a). Quem nunca ouviu, ou até mesmo proferiu, a famosa frase: ser mãe é padecer no paraíso? É tecido na cabeça das mulheres que a
maternidade é um sofrimento que traz satisfação, uma dor que se compensa,
pois quem mais possui a capacidade de resignação necessária a essa função
se não nós, mulheres? É apontado que na natureza feminina está contido uma
espécie de amor, que difere de qualquer outro tipo.
O amor materno foi concebido por tanto tempo em termos de instinto que acreditamos facilmente que tal comportamento seja parte da natureza da mulher, seja qual for o tempo ou o meio que a cercam. [...] Sendo a procriação natural, imaginamos que aos fenômenos biológico e fisiológico da
17
gravidez deve corresponder tal atitude maternal (BADINTER, 1985, p.20).
É esse amor imutável, incondicional, altruísta. A mãe ama independente
do que recebe em troca, seu sentimento não se modifica pelo tempo ou pela
distância e existe antes mesmo do nascimento, a partir do momento em que o
bebê ainda feto, se encontra crescendo em seu corpo. Elisabeth Badinter
discorda dessas afirmações; em “Um amor conquistado: o mito do amor materno” a autora rebate os argumentos que insistem em naturalizar o amor
das mães por seus(suas) filho(a)s como algo universal e inerente a todas as
mulheres, independentemente das condições. Com isso ela não quer dizer que
o amor materno não exista, mas que como qualquer outro sentimento precisa
de alguns requisitos para aflorar e que não necessariamente faça parte da
realidade de todas nós.
Quanto a mim, estou convencida de que o amor materno existe desde a origem dos tempos, mas não penso que exista necessariamente em todas as mulheres, nem mesmo que a espécie só sobreviva graças a ele. Primeiro, qualquer pessoa que não a mãe (o pai, a ama, etc.) pode “maternar” uma criança. Segundo, não é só o amor que leva a mulher a cumprir seus “deveres maternais”. A moral, os valores sociais, ou religiosos, podem ser incitadores tão poderosos quanto o desejo da mãe. É certo que a antiga divisão sexual do trabalho pesou muito na atribuição das funções da “maternagem” à mulher, e que, até ontem, esta se afigurava o mais puro produto da natureza. [...] O amor materno é apenas um sentimento humano. E como todo sentimento é incerto, frágil e imperfeito. Contrariamente aos preconceitos, ele talvez não esteja profundamente inscrito na natureza feminina. Observa-se a evolução das atitudes maternas, constata-se que o interesse e a dedicação à criança se manifestam ou não se manifestam (BADINTER, 1985, p.17-22).
Badinter (1985) aborda as mães da sociedade francesa de meados do
século XVIII, onde o hábito de entregar os bebês a amas de leite era
comumente utilizado por mulheres de todas as classes sociais. Nessa tradição,
os bebês logo que nascidos saíam do lado das suas mães para serem
amamentados por amas. As mulheres que possuíam nível social mais alto e
melhores condições financeiras pagavam criadas para ficar a sua disposição
em tempo integral para acompanhar o(a)s filho(a)s e amamentá-lo(a)s em suas
próprias residências. Já aquelas menos abastadas enviavam seus(suas)
filho(a)s para longe para serem amamentado(a)s por completas
desconhecidas. As crianças permaneciam com as amas até atingirem idade
18 entre 4 e 5 anos, isso quando as crianças não morriam em decorrência dos
cuidados precários que recebiam – o que não gerava muita comoção da
família, que não hesitava em enviar o próximo herdeiro novamente para longe.
Mesmo as mães cujo(a)s filho(a)s permaneciam sobre o mesmo teto não
tinham o costume de dedicar-lhes o seu tempo, o que mostra que há uma
nítida diferença da posição das mulheres para com as crianças e daquilo que
era socialmente aceito. Hoje não é possível que uma mulher tome tal posição sem que seja acusada de irresponsável.
A preocupação com a condição da criança transforma-se ao longo dos
anos e ao final do século XVIII e início do século XIX3, já nós deparamos com
outra forma de lidar com esses pequenos indivíduos e suas necessidades.
Como nos mostra Badinter (1985, p.159) a criança muda de condição e
assume um potencial valor mercantil.
Como o senso da previsão e da antecipação se havia desenvolvido nos homens do fim de século, não se via mais na criança o fardo que ela representava a curto prazo, mas a força de produção que encarnava a longo prazo. Ela se transforma num investimento lucrativo para o Estado, que seria tolice e "imprevidência" negligenciar. Essa nova visão do ser humano em termos de mão-de-obra, lucro e riqueza, é a expressão do capitalismo nascente.
Em conjunto com essas transformações temos uma modificação
também da maternidade que ganha outro significado. Nos séculos citados há
uma grande valorização da amamentação, a figura da mãe passa a ter um
papel central na manutenção da vida e da saúde da criança e em sua educação. Dessa maneira:
Enriquecida de novos deveres, ela [a maternidade] se desdobrava além dos nove meses irredutíveis. Não só o trabalho materno não se podia concluir antes que a criança estivesse fisicamente fora de perigo, como logo se descobriu que a mãe devia igualmente assegurar a educação dos filhos e uma parte importante de sua formação intelectual (BADINTER, 1985, p.237).
Simone de Beauvoir na obra “O segundo sexo”, com a célebre frase
“ninguém nasce mulher: torna-se mulher” (BEAUVOIR, 2016, p.11), traz à tona 3 Nos séculos XVIII e XIX é datado o inicio da revolução industrial que tem por base um novo modo de produção de mercadorias que está ancorado na utilização de novas tecnologias em detrimento do manuseio artesanal – esse período inaugura a ascensão do capitalismo e as transformações na condição da criança, a qual Badinter (1985) se refere.
19 o debate sobre a desconstrução do destino biológico atribuído à figura
feminina, argumentando que tudo aquilo que circunscreve o ser mulher é uma
construção da sociedade que baseia a identidade feminina na submissão ao
outro. Podemos afirmar que é através dessa construção e da criação do mito
do instinto materno que se baseia a exclusão das mulheres mães dos espaços
públicos. Como nos mostra Beauvoir (2016, p.277):
É precisamente o filho que, segundo a tradição, deve assegurar à mulher uma autonomia concreta que a dispense de se dedicar a qualquer outro fim. Se como esposa não é um indivíduo completo, ela se torna esse indivíduo como mãe: o filho é sua alegria e sua justificação. É por ele que ela acaba de se realizar sexual e socialmente; é, pois, por ele que a instituição do casamento assume um sentido e atinge seu objetivo.
Dessa forma, a mulher após ter filho(a)s não deve assumir
compromissos que a impeçam de garantir a educação e segurança desse(a)s.
“Não se pode ser mãe e outra coisa. O oficio materno não deixa um segundo
livre à mulher” (BADINTER, 1985, p.254). Aquelas que tentem fugir a isso
encontram no seu caminho barreiras, dificuldades e julgamentos. Não é
oferecido a elas alternativas para conciliarem a vida pública e privada. Por se
tratar de um ideal completamente banalizado, as mulheres mães são
invisibilizadas. Para a sociedade a mulher ainda deve priorizar o(a)s filho(a)s) e
a casa em detrimento de si mesma. É permitido hoje que a mulher ocupe
alguns espaços públicos, mas que não abandone as suas tantas outras
funções dentro do espaço doméstico.
Além disso, o sucesso e o fracasso do(a)s filho(a)s são intimamente
relacionado(a)s às mães. A sociedade as responsabiliza por traumas e
problemas desenvolvidos por esse(a)s.
...o filho será o sinal e o critério da sua virtude ou de seu vício, de sua vitória ou de seu fracasso. A boa mãe será recompensada e a má será punida na pessoa do filho. Uma vez que "o filho vale tanto quanto a mãe" e que a influência desta é absolutamente determinante, só depende dela que seu filho seja um grande homem ou um criminoso (BADINTER, 1985, p. 272).
Mesmo encontrando hoje uma mudança na participação e relação dos
homens com a paternidade a sociedade não atrela a esses a mesma responsabilidade. Badinter (1985) afirma que é bem vista a participação dos
20 homens na criação do(a)s filho(a)s, mas que não é reservado para aqueles que
não fazem essa opção o mesmo julgamento que destinam as mães pouco
dedicadas, pois é ainda concebido que os cuidados com a criança é uma tarefa
destinada à mulher e que o pai é “antes seu colaborador do que seu associado
em igualdade de condições e, finalmente, de que a sua participação é menos
necessária, ou mais acessória” (BADINTER, 1985, p.286). Assim sendo, uma
mulher não pode nunca, sem ser julgada, optar por não ser a protagonista da criação do(a)s filho(a)s.
Diante do exposto, observamos que os obstáculos enfrentados por nós
mulheres para descontruir os símbolos e qualidades atribuídos a nós e
ocuparmos o lugar de protagonistas em nossas próprias vidas têm sido
inúmeros. O patriarcado tem buscado incansavelmente estratégias para nos
manter reclusas aos ambientes domésticos. O capitalismo alia-se a ele na
tentativa de lucrar ainda mais com a exploração de nossa força de trabalho,
tornando invisível todas as atividades aos quais nos dedicamos, como se elas
também não servissem a manutenção de seus interesses. Frente a isso, as
mulheres buscaram historicamente estratégias de combate às opressões e
explorações às quais estão sujeitas, dando forma àquilo que conhecemos por movimentos feministas, que lutam pela liberdade das mulheres e a construção
de novas identidades mais equitativas para todos. É desses movimentos que
trataremos no próximo item desse trabalho, discutindo a trajetória do
feminismo, a construção das lutas pelos direitos das mulheres e à maternidade
e os desafios e possiblidades enfrentados por essas.
2.2. OS MOVIMENTOS FEMINISTAS NAS LUTAS PELOS DIREITOS DAS MULHERES E À MATERNIDADE.
Os movimentos feministas se apresentam historicamente enquanto
alternativa de enfrentamento às desigualdades sofridas por nós, mulheres. São
movimentos sociais emancipatórios, em cuja organização encontramos uma
forma de levantar a nossa voz diante das opressões cotidianas. Ao longo da
história, várias foram aquelas que não se contentaram com a condição que
lhes era imposta e se opuseram contra aqueles que insistiam em cercear sua
liberdade, pagando por esse ato de coragem um preço muito caro (PINTO,
2010). Acusadas de bruxas, algumas foram queimadas, enforcadas e
21 torturadas por transgredir as ordens da igreja e dos homens, provando, dessa
maneira, que a condição de subalternidade que as determinava nunca lhes foi
inata e que muitas mulheres a negaram mesmo que isso as custasse às
próprias vidas.
O termo feminismo em si é novo, o conceito só foi empregado no ano de
1911, nos Estados Unidos, para substituir as “expressões utilizadas no século XIX tais como movimento das mulheres e problemas das mulheres...”
(GARCIA, 2011, p.12, grifos do autor). O feminismo pode ser definido
enquanto:
...a tomada de consciência das mulheres como coletivo humano, da opressão, dominação e exploração de que foram e são objetos por parte do coletivo de homens no seio do patriarcado sob suas diferentes fases históricas, que as move em busca da liberdade de seu sexo e de todas as transformações da sociedade que sejam necessárias para este fim. Partindo desse princípio, o feminismo se articula como filosofia política e, ao mesmo tempo, como movimento social. (GARCIA, 2011, p.13)
Mesmo diante dessa parcela de mulheres que subvertiam a ordem social imposta, a primeira manifestação organizada daquilo que conhecemos
por feminismo aconteceu nas últimas décadas do século XIX, na Inglaterra – ao
que chamamos de primeira onda do feminismo.
A luta pelo sufrágio feminino foi a primeira amostra de reinvindicação de
direitos organizados por mulheres, seu objetivo era estender ao público
feminino o direito ao voto, que até então só era concedido aos homens. “As sufragetes, como ficaram conhecidas, promoveram grandes manifestações em
Londres, foram presas várias vezes, fizeram greves de fome” (PINTO, 2010,
p.15, grifo do autor). Em 1918, 21 anos depois da fundação da União Nacional
pelo Sufrágio Feminino, foi conquistado o direito ao voto no Reino Unido. Como
aponta Garcia (2011) mesmo que o movimento tenha adquirido
reconhecimento na reinvindicação ao voto feminino, a luta das sufragistas ia além e buscava igualdade entre homens e mulheres em todos os aspectos
“apelando à autêntica universalização dos valores democráticos e liberais”
(GARCIA, 2011, p.58). Essas viam no voto um primeiro passo para
modificações mais profundas de sua posição na sociedade, consideravam as
instituições políticas um espaço importante, no qual era imprescindível a
22 ocupação e participação feminina. Ademais, “o voto era um meio de unir as
mulheres de opiniões políticas e classes sociais muito diferentes, já que todas
estavam excluídas por serem mulheres” (GARCIA, 2011, p.58-59).
No Brasil, a luta pelo sufrágio feminino se iniciou com a liderança de
Bertha Lutz e se consolidou em 1932 com a promulgação do direito ao voto
feminino no Novo Código Eleitoral Brasileiro (PINTO, 2010). Outras figuras
também somaram para construção de uma nova realidade para as mulheres. Nísia Floresta, por exemplo, marcou a educação igualitária e chegou a fundar
uma escola em que os currículos eram iguais para ambos os gêneros (BRABO
et. al., 2015). Nísia, anterior a Bertha, foi uma das pioneiras a se posicionar
pelo direito das mulheres.
Em sua segunda onda, o feminismo traz como marco teórico para a sua
nova fase a obra de Simone de Beauvoir, “O segundo sexo” – citada no item
anterior desse trabalho, lançado em 1949, que inicia o debate sobre a
construção social do ser mulher. Nessa segunda fase, na década de 1960, o
feminismo contesta “pela primeira vez [...] a questão das relações de poder
entre homens e mulheres”, (PINTO, 2010, p.16) debatendo um número mais
amplo de questões, tais como: sexualidade, direitos reprodutivos, trabalho, violência sexual e doméstica, entre outros. Observamos que esse momento
difere em muito da primeira onda, que estava inclinada sobre um número mais
reduzido de questões e circulava em torno dos aparatos legais que restringiam
a igualdade entre homens e mulheres.
No Brasil, é na década de 1970, no meio de um regime militar, que
constatamos os primeiros passos do feminismo enquanto movimento político organizado, quando mulheres “saíram às ruas na campanha pela anistia,
contra a violência e contra a carestia” (BRABO et. al., 2015, p.309).
Observamos que diferente de outros países, a conjuntura que as mulheres
encontravam no Brasil não era muito favorável, nem para elas nem para
qualquer movimento libertário, que era visto pelo governo ditador como um
perigo a ordem. Durante esse período algumas das mulheres exiladas do Brasil
pela ditadura se aproximaram do feminismo Europeu, fato que não foi bem
visto por seus companheiros que entendiam essa proximidade como uma
secundarização da pauta pela redemocratização – o que mostra que os
23 homens, mesmo aqueles vinculados a grupos pela emancipação, não
compreendiam a importância e a relação da luta das mulheres com a luta pela
queda da ditadura (PINTO, 2010) Os atos organizados pelas mulheres só se
aprofundaram mais tarde na década seguinte com a queda da ditadura e a
volta da democracia, o que possibilitou a mobilização para o debate da
situação das mulheres brasileiras a fim de levantar demandas para serem
defendidas na construção da Constituinte (BRABO et. al., 2015).
É apenas durante os anos de 1980 que vemos as primeiras expressões
daquilo que seria a segunda onda do feminismo no Brasil (PINTO, 2010).
...o feminismo no Brasil entra em uma fase de grande efervescência na luta pelos direitos das mulheres: há inúmeros grupos e coletivos em todas as regiões tratando de uma gama muito ampla de temas – violência, sexualidade, direito ao trabalho, igualdade no casamento, direito à terra, direito à saúde materno-infantil, luta contra o racismo, opções sexuais (PINTO, 2010, p.17).
Apesar do feminismo mundialmente ter sua origem em grupos de
mulheres de classes mais privilegiadas, no Brasil, esse fato não impediu que os
grupos e coletivos formados aqui tivessem uma aproximação com as classes populares e as suas demandas, o que trouxe para o movimento novas ações,
discursos e percepções para ambos os lados (PINTO, 2010).
Nos anos 1990 nos deparamos com um avanço do Estado ao que diz
respeito às políticas pró-gênero, da criação de instituições e leis especificas
para as mulheres e suas demandas (BRABO et. al., 2015). Conforme nos
explica Brabo et. al. (2015) apoiando-se em Blay (1984), as mulheres
brasileiras se organizaram e passaram a agir contra as decisões do poder que
pudessem afetar suas vidas, se organizaram para construir um novo espaço
público do qual também fazem parte e questionaram as omissões das
instituições e organizações, e as discriminações difundidas e naturalizadas pela
sociedade machista, seja na mídia ou nas instituições de ensino. Nós ganhamos espaço no mercado de trabalho, nas instituições de ensino, já
chegamos a ser maioria nas Universidades e Instituições de Ensino Superior,
os coletivos de jovens feministas ganharam força e as articulações entre as
mulheres para mobilização por direitos cresceram.
24
Apesar desses avanços, os movimentos feministas brasileiros ainda se
deparam com inúmeros desafios. Nós mulheres ainda sofremos
constantemente ataques aos nossos direitos, ainda nos deparamos com
diferenças dos salários entre homens e mulheres que ocupam o mesmo cargo;
nós ainda aparecemos majoritariamente como responsáveis pelas atividades
domésticas e o cuidado com o(a)s filho(a)s, somando, dessa maneira, duplas
ou triplas jornadas; poucas ocupam cargos de chefia e se concentram ainda nas profissões ditas femininas, que culturalmente recebem remunerações mais
baixas; são alvos da violência doméstica e do feminicidio, que possuem
números alarmantes; ainda brigamos para ter o direito ao aborto seguro e legal
para não morrer em camas de clínicas clandestinas. Vemos que todas essas
pautas estavam em questão nos grupos organizados nos anos 1980 e que
hoje, 37 anos depois, ainda nos vemos lutando para garantir esses direitos e,
mais, para não ter outros direitos cerceados. Como exemplo, podemos citar a
avaliação feita na II Conferência Nacional do I Plano Nacional de Políticas para
as Mulheres – realizada em Brasília no ano de 2007 – em que as principais
demandas em relação à institucionalização destas políticas e a sua
implementação foram apontadas por mais de 200 mil mulheres:
i) a inexistência de organismos de políticas para as mulheres em inúmeros governos estaduais e na maioria dos governos municipais; ii) o baixo orçamento para as políticas para as mulheres; iii) a criminalização do aborto; iv) a falta de dados e informações estratégicos para a tomada de decisões; v) a baixa incorporação da transversalidade de gênero nas políticas públicas; vi) a ausência de compartilhamento, entre mulheres e homens, das tarefas do trabalho doméstico e de cuidados; e vii) maior participação das mulheres nos espaços de poder e decisão. (BANDEIRA; MELO, 2010, p.41)
No Brasil contamos ainda com um crescente conservadorismo advindo
dos setores mais religiosos da política que se mobilizam constantemente para
embarreirar direitos e avanços no campo da igualdade de gênero. Ademais, o
avanço do neoliberalismo mina as políticas públicas e torna as ações cada vez
mais precarizadas e pontuais. Nesse sentido, Alvarez (2000) destaca a
ausência de políticas de gênero desenvolvidas pelo Estado.
O Estado muito fala de gênero e pouco faz para empoderar as mulheres [...] Apesar do papel importante das reivindicações feministas, tanto locais quanto globais para a promoção das normas nacionais e internacionais de gênero que indiretamente inspiram esses modernos discursos estatais pró-gênero, a
25
incorporação das mulheres ao desenvolvimento nem sempre se inspirou no feminismo e sim nos pressupostos do capitalismo global. O que podemos constatar, no plano geral, é que os Estados modernos que se dizem receptivos à questão de gênero, ao mesmo tempo, promovem políticas públicas que pouco têm a ver com a equidade e com as demandas feministas (ALVAREZ, 2000, p.7 apud BRABO et. al. 2015, p.306-307).
Para se atingir verdadeiramente a equidade entre homens e mulheres
ainda teremos de trilhar um árduo e longo caminho, pois os desafios que
cercam os movimentos feministas não só no Brasil, mas no mundo, são
inúmeros e perpassam por questões culturais baseadas em valores machistas,
racistas e LGBTfóbicos (lesbofóbicos, homofóbicos, bifóbicos, transfóbicos), delegando para essas “minorias” a ausência de direitos civis, políticos, sociais
e humanos.
No que tange à pauta dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres
temos algumas considerações a fazer. O termo “direitos sexuais e
reprodutivos” foi formalizado, como mostra Diniz (2013) no “I Encontro
Internacional de Saúde da Mulher”, que se passou em Amsterdã, no ano de
1984. De acordo com a ONU (1994, parágrafo 7.3), os direitos sexuais e
reprodutivos estão ancorados:
...no reconhecimento do direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaço e a oportunidade de ter filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução, livre de discriminação, coerção ou violência, conforme expresso em documentos sobre direitos humanos (ONU, 1994, parágrafo 7.3 apud DINIZ 2013, p.158).
Mais tarde essa definição relatada no Programa de Ação de Cairo foi reafirmada na IV Conferência Internacional sobre a Mulher, realizada em 1995,
em Beijing, na China, ratificando a importância da autonomia da mulher sobre
seu corpo e do seu poder de decidir sobre a sua sexualidade e as questões
que a ela se relacionem, bem como a divisão da responsabilização entre
homens e mulheres (ou entre companheiro(a)s ainda que do mesmo
sexo/gênero) pelos comportamentos sexuais e as suas consequências (DINIZ, 2013).
26
O debate sobre o aborto, por exemplo, é uma das pautas de suma
importância para se pensar os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e
um ponto que não conseguimos alcançar ainda. É forte a negação a qualquer
custo do direito a escolha das mulheres de seguir ou não com uma gestação
indesejada. Percebemos o patriarcado agindo sobre a sexualidade feminina e
podando a autonomia das mulheres. Quando uma mulher engravida é vedada
a ela a interrupção da gravidez. Por vezes, a gestação é vista enquanto obrigação, uma responsabilidade adquirida durante a “opção” dessa mulher de
viver e expressar a sua sexualidade, ou seja, de optar ou não por ter relações
sexuais. Se por um lado, a conquista dos métodos contraceptivos inaugurou
uma nova fase da sexualidade feminina e possibilitou a separação da
maternidade da sexualidade, por outro trouxe a responsabilização da mulher
pelo uso desses métodos e suas possíveis falhas; o que hoje em dia se coloca
enquanto uma das pautas do feminismo é a desconstrução dessa
responsabilização e reafirmação da necessidade da legalização do aborto.
As razões práticas invocadas contra o aborto legal não tem nenhum peso; quanto às razões morais, reduzem-se ao velho argumento católico: o feto possui uma alma a que se veda o paraíso, suprimindo-o antes do batismo É de observar que a Igreja autoriza ocasionalmente a morte de homens feitos: nas guerras ou quando se trata de condenados a morte; reserva porém ao feto um humanitarismo intransigente (BEAUVOIR, 2016, p.281).
É notório hoje em dia a permanência dos mesmos traços que a autora
Simone de Beauvoir apresenta em seus argumento no segundo volume de “O segundo sexo” no discurso conservador brasileiro. É comum vermos aqueles
mesmo indivíduos que praguejam sobre a mulher que aborta serem
completamente favoráveis a instituição da pena de morte no país, aplaudirem o
genocídio da população negra nas periferias, a higienização das cidades por
meio do massacre a população de rua ou argumentarem a favor da “justiça”
feita com as próprias mãos quando a população prende e espanca em postes
públicos acusados de violar. Observamos nesse discurso que tais pessoas não
prezam verdadeiramente pela vida, ao contrário, elas prezam pela manutenção
da sujeição da mulher e do seu corpo ao Estado e à Igreja. É ignorado nesses
argumentos o índice de falha dos contraceptivos, o alto número de mulheres
pobres mortas em verdadeiros abatedouros que são as clínicas clandestinas de aborto. Fica claro, como argumenta Faria (2013), que não é garantida a
27 laicidade do Estado e o reconhecimento do “direito das mulheres a decisões
livres e autônomas” (FARIA, 2013, p.185).
A maternidade – tema imprescindível para os pressupostos desse
trabalho – teve o seu debate dentro do feminismo iniciado entre o fim dos anos
1960 e metade dos anos 1980, quando ocorriam mudanças nas sociedades
ocidentais do pós-guerra que passavam pela aceleração da industrialização e
da urbanização, a crescente inserção das mulheres no mercado de trabalho e a possibilidade do controle da fecundidade por meio de contraceptivos, tal como
a pílula (SCAVONE, 2001, p.137).
Todos esses fatores contribuíram para o início da discussão sobre o
papel da maternidade na vida das mulheres, principalmente aqueles que dizem
respeito às novas tecnologias reprodutivas que trouxeram como contribuição
uma mudança no perfil da prática social da maternidade (SCAVONE, 2001).
Durante a segunda onda do feminismo e na emergência do questionamento do
determinismo biológico surgem os primeiros questionamentos sobre a forma
que a maternidade vinha sendo abordada. Como vimos no ponto anterior a
maternidade era vista como destino, um dom divino concedido a todas nós.
Iniciava-se, assim, o questionamento sobre esse determinismo e vinha à tona o caráter social da construção da maternidade. A crítica feminista apontava a
maternidade como um “elemento-chave para explicar a dominação de um sexo
sobre o outro” (SCAVONE, 2001, p.138), era esse elemento que reservava as
mulheres o enclausuramento ao ambiente doméstico. Com o início desse
debate e com a chegada de mecanismos de contracepção como a camisinha, a
pílula e o DIU, inaugura-se a oportunidade de negar a maternidade ou adiá-la o quanto quisermos. Afirmamos que não precisamos mais ser mães para nos
sentir completas ou felizes, que não dependemos mais desse fato para nos
sentirmos mais mulheres.
Como o âmbito dos movimentos feministas não é caracterizado por uma
homogeneidade de correntes ou ideias, mas sim pela pluralidade de
pensamentos sobre um mesmo tema, temos algumas concepções diferentes
sobre a maternidade. Segundo Scavone (2001), na emergência do debate sobre a maternidade temos inicialmente, no campo do movimento feminista
igualitário, o reconhecimento da maternidade enquanto um “handicap” ou
28 “defeito natural”: uma parte da fisiologia feminina que a aprisiona ao ambiente
doméstico e consequentemente condiciona a sua submissão aos homens.
Logo, segundo essa corrente, ao renunciar a maternidade as mulheres
estariam rompendo com aquilo que é imposto pela sociedade patriarcal,
possibilitando para si novos caminhos.
Ainda conforme Scavone (2001), com o passar do impacto que a recusa
da maternidade acarretou, surgiram questionamentos dentro do movimento feminista sobre a validade do apagamento dessa parte da nossa identidade, se
realmente queríamos ser definidas sem a maternidade. Dentro desses
questionamento, surge sob a ótica da corrente do feminismo diferencialista a
negação do “handicap”. A maternidade passa então – ao contrário do que
ocorre dentro da corrente do feminismo igualitário – a ser valorizada e
“considerada como um poder insubstituível, o qual só as mulheres possuem e
os homens invejam” (IRIGARAY, 1981 apud SCAVONE, 2001, p.140).
Há uma tendência dentro dessa concepção, que inclusive vem se
espalhando atualmente, que é a de reconectar a mulher ao seu sagrado
feminino. É enaltecido o útero, os hormônios femininos, os ciclos menstruais e
a sua relação com a natureza. Há uma tentativa de restabelecer uma ligação entre a mulher e a gestação baseada na supervalorização do parto natural, da
amamentação, do vínculo mãe/bebê, entre outras coisas. Entende-se que tais
fatores tenham a sua importância para a criança e para a aceitação da mulher
com o seu corpo, mas que não deve ser abandonada a crítica ao
estabelecimento de novos padrões aos quais as mulheres e as mães têm de se
adequar para ter a sua mulheridade e maternidade reconhecidas.
Depois da afirmação da maternidade enquanto “defeito natural” e da
negação desse “defeito” dentro de algumas correntes do feminismo, temos,
finalmente, no terceiro momento da discussão da maternidade sob a perspectiva dos estudos de gênero, a desconstrução do “handicap”. Esse
terceiro momento mostra como o fato biológico da reprodução não determina a
posição social das mulheres, são as relações de dominação que atribuem um
significado social à maternidade (SCAVONE, 2001).
Apesar da crítica feminista ter partido da constatação da diferença biológica entre os sexos, considerando-a um defeito,
29
ela acaba mostrando que a dominação de um sexo sobre o outro só pode ser explicada social e não biologicamente (FERRAND; LANGEVIN, 1990 apud SCAVONE, 2001, p.141).
É esse fator que queremos afirmar aqui, a maternidade e as práticas que
a circunscrevem nada mais são do que construções sociais que se modificam
constantemente na sociedade, como vimos Badinter (1985) afirmar no item
apresentado anteriormente. É desse pressuposto que partiremos para analisar a figura da mãe na nossa sociedade.
Percebemos que hoje cada vez mais mulheres têm optado por adiar a
maternidade ou até mesmo não ver essa como opção. Em dados da Sociedade
Civil Bem-Estar e Família no Brasil (BENFAM) e da Pesquisa Nacional de
Demografia e Saúde (PNDS) de 1997, Scavone (2001) mostra que entre as
mulheres brasileiras com idade entre 20 e 29 anos aproximadamente 24,3% já passaram por procedimento de esterilização, entre esse número 24% já
possuíam dois filhos e 3% possuíam um filho. Ainda segundo a mesma autora,
em pesquisa realizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
(Fundação SEADE) de 1993, no Estado de São Paulo, as mulheres que têm
filhos entre as idades de 20 e 29 anos chega a 58,4% do número total da
população pesquisada, já as que optam por ter filhos entre os 35 e 39 anos chega a 6,5% dessa mesma população.
O número de filho(a)s também vem mudando, o que antes era expresso
por famílias numerosas chegando a até mais de três crianças, hoje é visto em
famílias pequenas com no máximo dois filho(a)s por casal. Segundo
BANDEIRA; MELO (2010) foi verificada na realidade brasileira uma expressiva
queda da taxa de fecundidade da população que passou de 5,8 filhos/as por
mulher em 1970 para 1,89 em 2008.
Alguns fatores provavelmente vêm interferindo na taxa de fecundidade
das mulheres. A autora DINIZ (2013) argumenta que as variáveis renda e
escolaridade têm sido fundamentais para as modificações dos padrões sexuais
e reprodutivos na vida das mulheres, sendo assim, o crescimento da sua participação no mercado de trabalho e na academia tem lhes ocasionado um
impasse, porque a maternidade torna-se “... um dilema para as mulheres que
querem seguir uma carreira profissional, já que, nas responsabilidades
parentais, ainda são elas as mais sobrecarregadas” (SCAVONE, 2001, p.145).
30 Se uma mulher nutre o desejo de ser mãe e a vontade de ter uma carreira em
qualquer profissão ela se vê profundamente envolvida no dilema de ter que
optar entre uma e outra.
...apesar das inúmeras mudanças ocorridas na situação social das mulheres, a realização da maternidade ainda compromete consideravelmente as mulheres e revela uma face importante da lógica da razão androcêntrica. Com toda a certeza, a maternidade ainda separa as mulheres socialmente dos homens e pode até legitimar, em determinados contextos, a dominação masculina (SCAVONE, 2001, p.149-150).
O Estado se exime da responsabilidade de dar alternativas as mulheres
no que se refere ao seu direito sexual e reprodutivo. O aborto não é legalizado
e, por isso, não se torna uma opção segura para as mulheres. O uso do DIU vem sendo até hoje vedado a grande parte das mulheres, principalmente as
mais novas e sem filho(a)s. Os métodos de esterilização são usados muitas
vezes como estratégia para a higienização social, podando a sexualidade e o
poder de reprodução de mulheres das periferias. O número de creches é
escasso. Os períodos de licença maternidade e paternidade são extremamente
curtos, chegando a no máximo 6 (seis) meses para mulheres e 20 (vinte) dias para homens, variando nos serviço público e privado – podendo ser concedido
para o(a)s empregado(a)s de empresas privadas apenas o mínimo que é de 4
(quatro) meses para mulheres e de 5 (cinco) dias para homens – não sendo,
nem de longe, o suficiente para abarcar as mudanças e as necessidades que
um recém nascido traz consigo. Em resumo, não existem políticas de incentivo
ou de auxílio à maternidade. Além disso, é importante ressaltar que predomina
na sociedade uma cultura moralista patriarcal de responsabilização da mães
pelo estado de bem-estar do(a)s filho(a)s:
A impossibilidade de cumprir com a “maternidade normativa” é atribuída a uma falha individual, descolada do contexto histórico e social que a produziu. Ao depositarem individualmente na figura da mulher-mãe-trabalhadora a responsabilidade por sua condição de pobreza, de abandono e/ou negligência nos cuidados dos filhos e filhas, discursos científicos e sociais isentam os homens, o Estado e a comunidade de sua responsabilidade social (NARVAZ, 2005; SILVA, 1993; STREY, 2000 apud NARVAZ; KOLLER, 2006, p.52).
Dessa maneira, o Estado capitalista, no aprofundamento das políticas
neoliberais, vem se desresponsabilizando dos cuidados com as crianças, o que
31 deveria ser expresso por um conjunto de cuidados coletivamente distribuídos
entre a família, a comunidade e o Estado, mas que acaba se resumindo
apenas a primeira esfera. A estratégia utilizada para isso é, como mostra Costa
(2002), a dissociação entre as esferas privadas e públicas, que nesse contexto:
...separa e opõe o mundo da cultura e da política, tido como masculino, daquele considerado natural, portanto, feminino, doméstico e despolitizado. As práticas de proteção primária, em grande parte a cargo das mulheres, tornadas naturais no âmbito das famílias e grupos de convívio, ficam ocultas (COSTA, 2002, p.302).
Diante do que foi apresentado observamos que as opressões
vivenciadas pelas mulheres são inúmeras e a sua organização por meio dos
movimentos feministas se faz enquanto um caminho vital para o seu enfrentamento. Mesmo esse sendo um movimento plural, heterogêneo, de
muitas cores, idades, formas e identidades, ele concentra o interesse em
comum pelo combate às desigualdades pautadas pelo ser mulher e na
construção de novas alternativas para a autonomia daquelas que foram
historicamente submetidas à dominação de outrem.
32
3. MULHERES NO ENSINO SUPERIOR: A TRAJETÓRIA DO ACESSO E DA PERMANÊNCIA DAS MULHERES NA UNIVERSIDADE.
Esse capítulo objetiva introduzir a(o) leitor(a) a trajetória do acesso e da
permanência das mulheres no ensino superior, ponto importante para se
discutir o objetivo central da nossa pesquisa, que é o direito a educação das
estudantes mães da UFRN. Apresentaremos ao longo de dois tópicos os dados
da pesquisa colhidos a partir da aplicação dos questionários e das entrevistas semiestruturadas com mães estudantes dos cursos de Serviço Social,
Pedagogia e Enfermagem da UFRN. Conheceremos, dessa forma, o curso que
integram, o período a qual pertencem, a forma de ingresso delas na
universidade pública, sua cor/etnia, idade, orientação sexual. Saberemos se
elas trabalham, com o que trabalham, se seu(s) filho(s) faz(em) uso de creches
públicas. Vamos saber se essas mulheres têm feito parte de algum programa
ou projeto da assistência estudantil do campus e se esses programas têm sido
eficazes na garantia de sua permanência. Conheceremos a sua opinião sobre
maternidade e políticas de assistência estudantil, sua experiência com a
gestação durante a graduação, seu cotidiano e rotina na instituição. Dessa
forma, tentaremos entender quem é esse público, que tem tão pouca visibilidade, e nos aproximar daquilo que ele têm vivido na tentativa de
conciliar, nos dias de hoje, a maternidade e o ensino superior.
3.1. A TRAJETÓRIA DO ACESSO DAS MULHERES À EDUCAÇÃO
PRIMÁRIA E SUPERIOR NO BRASIL.
É notório que historicamente nós mulheres temos passado por um
processo de exclusão nos espaços que não dizem respeito ao ambiente doméstico e que o acesso a esses espaços só foi e é possível mediante duas
formas: por meio da mobilização e organização da luta das mulheres ou em
consonância com os interesses da sociedade capitalista patriarcal. Citamos
como exemplo da primeira forma, no tópico anterior sobre movimentos
feministas, o direito ao voto e a participação política. Já sobre o segundo modo,
podemos citar o acesso das mulheres a educação, que ao longo da história se
deu de forma precarizada e baseada no interesse dos homens, da Igreja e do
Estado.
33
Como nos mostra Stamatto (2002) com base em Ribeiro (2000), desde
que os colonizadores chegaram ao Brasil o ensino se concentrou nas mãos da
Igreja. Tanto jesuítas quanto franciscanos se encarregavam de ministrar em
suas missões e nos colégios por eles fundados o ensino voltado à religião
(catequese). As primeiras escolas voltadas para o ensino da leitura e da escrita
eram reservadas exclusivamente para a elite masculina e branca, desta forma
apenas o ensino religioso era permitido às meninas. Ao que parece a primeira reinvindicação para o ingresso de meninas nas escolas de ler e escrever
vieram de índios brasileiros que achando injusta essa exclusão solicitaram ao
Pe. Manoel Nóbrega, jesuíta encarregado da primeira escola, a entrada de
suas filhas no ensino. O Padre chegou a enviar carta para a Rainha de
Portugal, Dona Catarina, mas não obteve sucesso, tendo o pedido negado sob
a alegação de que o acesso das mulheres indígenas à cultura da época
poderia apresentar consequências nefastas para a sociedade.
Ribeiro (2000), citado por Stamatto (2002), explica que na própria
Portugal do século XVI existiam poucas mulheres alfabetizadas e quando
eram, a pouco leitura que dominavam, servia apenas para a leitura de livros de
rezas e coisas relacionadas a religião. Qual seria então a utilidade de deixar mulheres “selvagens” de uma colônia que só servia para gerar lucro aos
portugueses, ter acesso a educação? Fica nítido que esse processo de
exclusão da educação que as mulheres passavam não estava restrito a
realidade do Brasil colônia e que se estendia também a outros países, pois
obviamente o acesso das mulheres a educação não apresentava nenhuma
utilidade, já que, como afirma Stamatto (2002), a sociedade concebia as mulheres apenas para o casamento, para a vida religiosa ou para o trabalho
doméstico/escravo, o que não demandava nenhum tipo de educação escolar.
A primeira legislação criada especificamente para tratar do ensino
primário foi implementada após a independência do Brasil “a lei de 15 de
outubro de 1827, conhecida como Lei Geral, [...] padronizou as escolas de
primeiras letras no país” (STAMATTO, 2002, p.5), mas ela não se reportou a
eliminação de qualquer discriminação da mulher, ao contrário, ela serviu para
reforçar e institucionalizar as desigualdades, dividindo as matérias ensinadas
aos meninos e as matérias ensinadas às meninas. Como indicado na
legislação, as meninas:
34
não aprendiam todas as matérias ensinadas aos meninos, principalmente as consideradas mais racionais como a geometria, e em compensação deveriam aprender as ‘artes do lar’, as prendas domésticas (STAMATTO, 2002, p.5)
Sendo assim, o ensino voltado às mulheres não foi percebido como um
instrumento para inseri-las nos espaços públicos, mas para instrumentalizá-las
para serem donas de casa úteis. Lajolo; Zilberman, (2001) citado por Acordi (2007) explicam que durante o processo de europeização do Brasil – que
ocorria com o desligamento da colônia brasileira com a metrópole portuguesa –
o papel social da mulher sofreu modificações. O padrão para servir a nova elite
brasileira não era mais os das mulheres da casa grande, que como descrevia
alguns viajantes estrangeiros, eram “ignorantes e frívolas, mais violentas que
seus maridos, [...] desenvolviam atividades essencialmente coloniais e domésticas, como dar ordens aos negros, reger as atividades da casa, zelar
pelo bem-estar da família” (LAJOLO; ZILBERMAN, 2001 apud ACORDI, 2007,
p.835). Mesmo se encarregando das atividades domésticas, a maternidade, por
exemplo, era uma atividade que a mulher da casa grande delegava as
escravas negras – o que segundo a nova ordem burguesa que emergia deveria
mudar, pois o filho(a) deveria ser criado(a) junto à mãe, sem qualquer influência do(a)s escravo(a)s. Saindo das casas grandes a nova família
burguesa instalava-se nos sobrados das cidades, além de mudar de espaço
físico, o padrão estético exigido das mulheres também deveria ser outro:
A mulher precisou se transformar, antes pesada, feia de gestos rudes, ela teria de ter então o aspecto doentio idealizado pelo romantismo, cuja leveza e delicadeza dos atos eram imprescindíveis (ACORDI, 2007, p. 834).
Ademais, os costumes sociais se modificaram, a nova elite brasileira se
dedicava a saraus, jantares, festas, não era mais útil ao patriarca uma mulher
ignorante que não soubesse se portar em sociedade. A mulher carecia agora
de aprender bons modos e um pouco de música e literatura. Polida, a mulher
agora passa a apresentar-se como um adereço a ser exibido pelo marido nas
rodas da alta sociedade, sua educação se dará então não para pensar, mas
para não se tornar menos enfadonha.
Diante disso, como reitera Louro (2006), os homens detinham o direito a
frequentar os espaços públicos e a ocupar as instituições de ensino e postos
de trabalho, cabia à mulher apenas o ambiente doméstico. O que, é claro, se
35 configurava de forma diferente entre as trabalhadoras e trabalhadores da
classe proletária e as negras e negros. Esses grupos foram excluídos por ainda
mais tempo do acesso ao ensino e já ocupavam, apesar de precariamente,
alguns postos de trabalho. É apenas sob influência de uma modernização
conservadora que o ingresso das mulheres ao ensino se inicia. A educação
não era voltada para a sua emancipação ou autonomia, muito menos sinalizava
alguma transformação nas bases desiguais das relações sociais de gênero fundadas na sociedade patriarcal. O seu ingresso no ensino mostrava a
necessidade de um novo padrão de mulher que servisse aos interesses dos
homens. Esposas e mães instrumentalizadas para cuidar do lar e educar os(as)
filhos(as). Dessa forma, o ensino regular era voltado para os cuidados
domésticos, sendo parte dos currículos das escolas para meninas matérias que
envolviam costura, culinária, puericultura, entre outras, enquanto a educação
dos meninos era voltada exclusivamente para leitura, escrita, matemática.
As meninas tinham então aulas em turmas separadas dos meninos.
Professoras mulheres lecionavam para as garotas e professores homens
ensinavam aos garotos, com isso, aos poucos, a mulher foi ganhando espaço
no magistério, mas essa atividade possuía inúmeras exigências de retidão na vida particular (STAMATTO, 2002). Algumas dessas exigências eram:
...boa conduta, normalmente atestada pelo pároco, [...] deveria ter uma certa idade, solicitar autorização do pai, ou marido se fosse casada, apresentar certidão de óbito se viúva, e, se separada, justificar sua separação comprovando o comportamento honrado (STAMATTO, 2002, p.6).
Dessa forma, a entrada das mulheres em um campo de trabalho não
apresentou qualquer tipo de indicação de uma maior autonomia ou liberdade,
ao contrário, elas ainda teriam de provar diante do Estado a sua honra e ter
autorização prévia do pai ou marido.
Pouco a pouco, concessões foram feitas às mulheres e transformadas em contingência. Da casa-grande para o sobrado, deste para a escola, em cada lugar a mulher desempenha uma função de retorno garantido ao patriarca e ao Estado (ACORDI, 2007, p. 836).
Com a unificação dos currículos escolares para meninos e meninas –
que como apontado no tópico anterior, teve a sua primeira experiência
desenvolvida por Nísia Floresta na fundação da primeira escola desse tipo –
36 expandiu-se o número de mulheres lecionando. Além disso, como aponta
Louro (2006), o processo de urbanização e industrialização trouxe para os
homens novos campos de trabalho, fazendo-os aos poucos abandonarem a
atividade do magistério. Gradualmente o magistério foi moldando-se segundo
estereótipos que atribuíam à função do ensino a características femininas,
construía-se o discurso da “vocação natural”. As mulheres possuíam de acordo
com as afirmações de médicos, pais, clero e governantes “de mais coração e ternura, qualidades ‘naturais’ para os professores exercerem sua profissão”
(STAMATTO, 2002, p.7).
Na educação superior o acesso das mulheres ao ensino não se
configurou de maneira diferente, desenvolvendo-se também de forma tardia. A
participação feminina nas universidades e faculdades brasileiras só teve início
ao final do século XIX, autorizada por Dom Pedro II, com a Reforma Leôncio de
Carvalho instituída pelo Decreto nº 7.247, de abril de 1879, mas apenas no ano
de 1887, é que a primeira mulher se forma de fato em uma universidade
brasileira, Rita Lobato Velho Lopes, se formando em medicina pela faculdade
de medicina do estado da Bahia (SILVA, 2010).
De maneira expressiva a entrada das mulheres na universidade se deu por volta dos anos 1970, quando as instituições de ensino superior passaram
por um processo de expansão no país (SILVA, 2010), chegando atualmente a
ser maioria entre os alunos matriculados no ensino superior. Em 2005, por
exemplo, como aponta a pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), lançada em 2007 no livro “A
mulher na educação superior brasileira: 1991-2005”, o número de mulheres matriculadas no ensino superior soma 55,9% do(a)s aluno(a)s, contra 44,1%
homens matriculados nos cursos superiores presenciais. Como podemos
observar as mulheres compõe um número considerável no ensino superior
brasileiro e como tal, devem ter suas necessidades, que são diferentes,
obviamente, das do público masculino, entendidas e discutidas no âmbito
acadêmico.
Durante o II EMEUF, que ocorreu entre os dias 19 e 20 de maio de 2016
na própria universidade e teve como tema “A Cultura Feminista Construindo a
Democracia”, algumas dessas necessidades foram discutidas. Em carta,
37 gerada pelas organizadoras do evento, problemas enfrentados cotidianamente
pelas alunas dentro e fora da universidade foram elencados e entregues à
reitora, aos diretores e diretoras dos centros, entre outras autoridades públicas.
Algumas das reinvindicações giravam em torno: da assistência estudantil para
mulheres mães; do investimento em segurança pública dentro do campus; do
auxílio permanência e mais vagas na residência universitária para prevenir a
evasão das alunas cotistas; da disputa dos espaços, principalmente nos cursos majoritariamente masculinos, como as ciências exatas e tecnológicas, visando
à garantia do respeito e da valorização das mulheres nessas áreas; da
valorização da cultura negra e da produção de conhecimento por esse
segmento; de mais espaço de discussão das mulheres lésbicas, bissexuais e
travestis/transexuais/transgênero (LBT); da punição dos casos de racismo,
machismo e lesbofobia, homofobia, bifobia, transfobia (LGBTfobia); do
incentivo às disciplinas voltadas para discussão de gênero e sexualidade;
entre outras.
Observando a organização das alunas mães, ao longo do ano de 2016,
por meio de rodas de conversas, reuniões e encontros, como o citado, e a falta
de estrutura da própria universidade – que barra a entrada de alunas mães com seus filho(a)s no Restaurante Universitário, que não possui fraldários ou
creches para acolhê-las – é que reconhecemos que as suas demandas são
uma necessidade concreta e com pouca visibilidade na academia. Dessa
forma, entendendo a importância de cada uma dessas reclamações é que foi
pensada a pesquisa aqui apresentada e que tem por objetivo analisar os
impactos das políticas de assistência estudantil da UFRN na vida das alunas mães da instituição, principalmente no que diz respeito à garantia de sua
permanência no ensino superior. Buscamos entender as dificuldades
enfrentadas pelas alunas que têm filho(a)s e estão no ensino superior,
conhecer a política de assistência estudantil do campus – observando a
existência de políticas específicas voltadas para estudantes mães – e
apreender o papel das políticas de assistência estudantil para a permanência
das estudantes mães nas instituições de ensino. A seguir seguem os dados
colhidos durante a pesquisa.
3.2. ALUNAS E MÃES: CONHECENDO AS MÃES ESTUDANTES DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE.
38
Para a realização desse trabalho optamos por escolher como público
alvo da nossa amostra as estudantes mães matriculadas nos cursos de
graduação em Pedagogia, Serviço Social4 e Enfermagem5, cursos onde a
presença feminina é majoritária e que por isso as chances de encontrar alunas
com filho(a)s seriam maiores. Inicialmente a ideia era entrevistar 10 alunas com
filho(a)s entre 0 e 3 anos. A busca por essas alunas seria feita através dos editais do auxílio creche, divulgados na própria página eletrônica da
universidade e que contém a lista de alunos concorrentes, além de por
indicações de pessoas que conheçam alunas nessa situação ou pela
abordagem de alunas na UFRN. Ao começar a procura por essas estudantes
percebemos que as crianças que pertenciam ao auxílio creche se encontravam
em uma faixa etária um pouco maior que vai de 0 a 6 anos, dessa forma,
optamos por não excluir as alunas que tivessem filho(a)s com mais de 3 anos e
fizessem parte da lista do auxílio creche. Além disso, as alunas do curso de
enfermagem encontradas na lista pertenciam ao campus de Santa Cruz, o que
impossibilitaria a entrevista. Fora isso, como o edital utilizado foi o do segundo
semestre letivo de 2016 – tendo em vista que esse é o edital mais recente – as alunas que mesmo formadas atualmente, no primeiro semestre de 2017, mas
que pertenciam a essa lista como alunas matriculadas, foram também
consideradas para a pesquisa. De fato ao todo foram entrevistadas 8 alunas,
entre os cursos de Serviço Social e Pedagogia com filho(a)s de 0 a 6 anos. Se
levarmos em consideração o tempo que as alunas mães dispõem já que lidam
com duplas ou até triplas jornadas – para aquelas que além de estudantes, mães, ainda são trabalhadoras – já é um número bastante significativo. Os
instrumentais utilizados foram a entrevista semiestruturada e o questionário –
4 Em dados do Observatório da Vida do Estudante Universitário (OVEU), entre os anos de 2006 e 2013, na análise do perfil do(a)s estudantes que ingressaram na UFRN por meio do vestibular, vemos que nos curso de Serviço Social e Pedagogia, por exemplo, o número de estudantes mulheres chega a 95% e 87% do total, respectivamente, um número muito alto que demonstra que a presença feminina nesses cursos é esmagadora em relação à presença masculina. 5 Em pesquisa realizada pelo INEP e citada anteriormente, observamos que o índice de mulheres nos cursos de Enfermagem e Pedagogia no ano de 2005, por exemplo, chega, respectivamente, a 82% e 91% do(a)s aluno(a)s matriculado(a)s, o que demonstra que apesar da participação feminina no ensino superior ter crescido demasiadamente a nossa sociedade ainda está organizada em torno da divisão sexual do trabalho e de estereótipos que balizam os papéis desempenhados por homes e mulheres. A participação feminina continua pequena nos cursos de engenharia e nas ciências da computação, seguindo resguardadas em profissões que por estarem associadas ao feminino recebem remunerações muito mais baixas.
39 que deu base para a realização do perfil socioeconômico das alunas e que será
analisado nesse tópico.
Das 8 estudantes entrevistadas, 4 são dos curso de Serviço Social e
outras 4 do curso de Pedagogia, entre essas 7 ainda estão matriculadas e
cursando a graduação e 1 se formou no início de 2017. Entre as alunas 4 foram
encontradas no edital de 2016.2 do auxilio creche, sendo 2 beneficiadas com o
auxilio no valor de 100 reais, 1 indeferida e outra desclassificada. As outras 4 não tentaram concorrer ao auxilio e foram encontradas por meio de indicação
de pessoas que conviviam em sala de aula com elas. A idade das
entrevistadas varia entre 20 e 36 anos, como pode ser visto no gráfico 1, sendo
que 50% das entrevistadas tem entre 20 e 25 anos, 25% tem entre 26 e 29 anos e as outras 25% tem entre 30 e 36 anos.
Gráfico 1 – Idade das estudantes entrevistadas.
Fonte: pesquisa de campo realizada pela autora (2017).
Dessa forma, a maioria delas se encontra, segundo a Secretaria
Nacional da Juventude, entre a população jovem Brasileira que vai dos 15 aos 29 anos (BRASIL 2014). Quando a informação se refere ao estado civil das
candidatas podemos observar que a grande maioria se encontra em uma união
estável, 5 das entrevistadas, o que representa 62% do total, somando-se a 2
alunas divorciadas e apenas uma solteira, 38% da amostra, conforme
apresentado no gráfico 2, logo abaixo.
4
2 2
0
1
2
3
4
5
20 a 25 anos 26 a 29 anos 30 a 36 anos
40
Gráfico 2 – Estado civil das estudantes entrevistadas.
Fonte: pesquisa de campo realizada pela autora (2017).
O que se assemelha com os dados divulgados em pesquisa de opinião
pública realizada pela Secretaria Nacional da Juventude, “agenda juventude
2013”, onde cerca de 32% dos jovens brasileiros residem com os companheiros, ou seja, se encontram casados ou em uma união. Além do que,
dentre as mulheres entrevistadas 54% afirmaram ter filho(a)s (BRASIL, 2014),
o que demonstra que o público de mães no Brasil é alto, ainda mais em idade
universitária. A pesquisa realizada pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de
Assuntos Estudantis (FONAPRACE) em conjunto com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), em
2014, que indicava o perfil socioeconômico e cultural do(a)s estudantes da
graduação das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES),
aproximadamente 70% do(a)s estudantes matriculado(a)s nas IFES tem idades
entre 20 e 29 anos. Observamos que esse é um número alto de aluno(a)s em
idade fértil, principalmente de mulheres, já que essas expressam mais da metade dos alunos da graduação. Sobre o número de graduandos com
filho(a)s, sabemos, ainda segundo a mesma pesquisa de 2014, que do total de
939.604 mil estudantes de graduação no Brasil, cerca de 110.659 possuem
filho(a)s, ou seja, aproximadamente 11% da população total dos estudantes.
Desse número, mais da metade, 60.497, são mulheres, sendo a maioria com
idade entre 18 e mais de 25 anos, que como mostramos é a população mais expressiva dentro das IFES. Sobre o estado civil das estudantes mães a
pesquisa indica que 18.745 dessas são solteiras – o que supera muito o
5
2
1
0
1
2
3
4
5
6
União Estável Divorciada Solteira
41 número de homens solteiros, que é de 9.868 –, 25.512 casadas, 10.067 em
uma união estável, 5.479 divorciadas – também maior que o valor de homens
separados que é de 2.966 (FONAPARCE, 2014).
Na pesquisa “Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e
Privado”, da Fundação Perseu Abramo em conjunto com o Serviço Social do
Comércio (SESC), realizada em 2010, destacamos os dados referentes à
saúde reprodutiva e abortamento, que do total de mulheres entrevistadas cerca 71% afirmaram que têm/tiveram filho(a)s naturais, sendo 59% com idades
entre 19 e 30 anos, idades, que como vimos, são muito representativas no
universo de aluno(a)s das IFES (GODINHO; VENTURI, 2013). Dessa forma,
podemos afirmar que o número de alunos que têm ou podem vir a ter filho(a)s
durante o período da graduação se expressa grandemente e que tal fato não
pode ser desconsiderado das discussões acadêmicas, ao contrário, devem ser
incorporados a pautas que envolvam demandas para o desenvolvimento de
projetos e programas voltados para permanência estudantil das alunas mães.
Ainda conforme o FONAPRACE (2014), só no nordeste, cerca de 30.112
graduandos possuem de 1 a mais de 4 filho(a)s, o que representa quase 12%
do número total de estudantes da graduação, um valor muito representativo. Além desse fato, podemos ver também, conforme os dados, que na região
nordeste cerca de 105 alunos usam a creche da universidade, 447 utilizam
creche pública, 1.524 creches privadas, 16.220 recorrem a familiares, 786
deixam o(a)s filho(a)s com babás ou empregadas domésticas, 533 levam o(a)
filho(a) para a universidade e 819 os deixam sozinhos. Sendo assim, boa
partes do(a)s aluno(a)s têm de recorrer à iniciativa privada, a própria família ou a funcionárias remuneradas. É valido ressaltar que boa parte desse(a)s
estudantes, cerca de 49%, têm renda bruta em torno de 0 a 2 salários mínimos
(FONAPRACE, 2014), o que não representa uma renda alta. Dessa forma,
pagar uma creche privada ou um(a) funcionário(a) para cuidar do(a)s filho(a)s
pode comprometer uma grande parte da renda familiar. Dentre o universo de
graduandos com filho(a)s apenas um número pequeno dispõe de creches na
própria universidade ou instituições públicas – lembrando que a UFRN não
dispõe desse dispositivo e não reserva creches da universidade para o(a)s
aluno(a)s. Ademais, muito(a)s outro(a)s têm que levar o(a)s filho(a)s para a
universidade ou deixá-los sozinhos. Esses são números alarmantes que revela
42 a situação a qual inúmeros alunos têm de se expor para continuar na
universidade e conciliar a graduação com a maternidade/paternidade.
Analisando a realidade das alunas mães da UFRN sobre o uso de
creche e aos cuidados de quem fica a criança na ausência da mãe e os
comparando com os dados citados anteriormente, vemos que metade das
entrevistadas faz uso de creches, sendo que apenas 1 faz uso de uma
instituição pública, 2 de instituições privadas e 1 de instituição privada com bolsa A outra metade das entrevistadas recorrem a parentes para ficar com
o(a)s filho(a)s. De maneira geral, esse fato ocorre mesmo entre as mães que
utilizam a creche, já que todas possuem o(a)s filho(a)s matriculados apenas em
tempo parcial, ou seja, durante apenas um período e precisam que durante os
outros turnos alguém olhe as crianças, como pode ser observado no gráfico a
seguir.
Gráfico 3 – Parentes encarregados do cuidado das crianças na ausência da mãe.
Fonte: pesquisa de campo realizada pela autora (2017).
Dentre as entrevistadas algumas possuíam apenas um parente para
incumbir o cuidado do(a)s filho(a)s e outras possuíam até duas pessoas na
qual poderia confiar essa função. 2 deixavam os filho(a)s apenas com o pai da
criança, 2 apenas com a avó materna da criança, 2 com o pai e com a avó
materna da criança, 1 com a avó materna e a avó paterna da criança e 1 com a
bisavó materna da criança.
Sobre os dados socioeconômicos dessas mulheres percebemos que em
sua maioria elas são naturais de Natal, apenas uma é natural de Pernambuco.
2 2 2
1 1
0
1
2
3
Pai Avó materna Pai e Avó materna Avó materna epaterna
Outros
43 Residem desde a zona norte de natal (2 entrevistadas), até a região
metropolitana, como Parnamirim e São Gonçalo (3 entrevistadas), além das
regiões oeste (2 entrevistadas) e sul (1 entrevistada) da capital. De maneira
geral elas são provenientes de bairros distantes da UFRN.
As mulheres entrevistadas se identificam como negras (2) ou pardas (6),
o que inclusive é uma tendência expressiva entre o(a)s graduando(a)s das
IFES na região nordeste onde 49,33% do(a)s estudantes se identificam enquanto pardo(a)s e 12,94% enquanto negro(a)s, um aumento se
comparados aos dados de 2003, onde os números eram de 38,1% para
pardo(a)s e 8,6% para negro(a)s, o que pode expressar um crescimento da
população negra e parda no ensino superior (FONAPRACE, 2014). Esse
crescimento também pode ser observado nos dados disponíveis no OVEU, em
que no curso de Pedagogia da UFRN, por exemplo, dentre o(a)s aluno(a)s
ingressantes pelo vestibular, nos anos entre 2006 e 2013, o número de negros
e pardos chega a 46% e no curso de Serviço Social a 49%. É interessante
ressaltar que o número de estudantes que se consideram pardos é muito
superior ao número de estudantes que se consideram negros, sendo quatro
vezes maior o número daqueles que se consideram pardos.
De maneira mais expressiva as entrevistadas são heterossexuais
(apenas uma entrevistada se afirmou enquanto bissexual). Provenientes de
escolas públicas (6), apenas uma de escola privada e uma que cursou o ensino
médio parte em instituição pública, parte em privada. Como podemos observar
no curso de Serviço Social, que cerca 61% do(a)s estudantes cursaram todo o
ensino médio em escola pública, assim como essa tendência continua no curso de Pedagogia em que os números chegam a 57% (OVEU, de 2006 a 2013).
As formas de ingresso na universidade veriam entre o vestibular e o
Sistema de Seleção Unificada (SISU), 50% das alunas entrevistadas
ingressaram na UFRN por meio do SISU, 38% pelo vestibular e 12% de outras
formas.
44
Gráfico 4 – Forma de ingresso das estudantes entrevistadas no ensino superior.
Fonte: pesquisa de campo realizada pela autora (2017).
Apesar de maneira unânime as entrevistadas se denominarem negras e
pardas e de grande parte delas terem concluído o ensino médio em escolas da
rede pública, fatores que compõe pelo menos um dos critérios para fazer uso
da política de cotas na UFRN, apenas 4 delas fizeram realmente uso desse
mecanismo e se utilizaram das cotas para alunos negros ou pardos,
provenientes de escolas públicas e com renda per capita de até um salário
mínimo e meio. Percebemos que o público que tem ingresso na universidade,
principalmente nos cursos de Pedagogia e Serviço Social, cursos das
entrevistadas, são alunos com um perfil socioeconômico prioritário – segundo as diretrizes da UFRN e do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES)
o(a)s aluno(a)s dentro do perfil socioeconômico indicado como prioritário são
aqueles provenientes de escolas da rede pública de ensino e/ou que possuem
renda per capita de até 1 salário mínimo e meio.
Segundo a renda, podemos perceber conforme o gráfico 5 que grande
parte das entrevistadas (87%) tem a renda familiar em torno de 1 até 2,5
salários mínimos e apenas uma (13%) tem a renda familiar maior do que 3
salários mínimos.
4
3
1
0
1
2
3
4
5
SISU Vestibular Outros
45
Gráfico 5 – Renda das estudantes entrevistadas em salários mínimos.
Fonte: pesquisa de campo realizada pela autora (2017).
Os dados demonstrados não expressam uma renda alta, principalmente
se levarmos em consideração o número de pessoas que compõe o núcleo familiar. Metade das entrevistadas compõe famílias nucleares formadas por
seus companheiros e filho(a)s, já a outra metade pode ser denominada como
uma composição familiar extensa, que vai desde tio(a)s, avó(ô)s e primo(a)s,
até aquelas que não residem com os pais das crianças, mas com os seus
próprios pais e mães, ou as que convivem com ambos. De toda maneira, os
grupos são numerosos, apenas 3 são compostos por três pessoas, outros 3 por quatro pessoas, 1 por 5 pessoas e outro por 6 pessoas. É importante ressaltar
que os grupos com mais pessoas são o que possuem renda bruta menor. Além
disso, nenhuma das entrevistadas tem renda per capita igual a um salário
mínimo, sempre inferior, mesmo que existam aquelas que se aproximem um
pouco. Como podemos ver no gráfico 6, logo abaixo, sobre a renda per capita
das estudantes entrevistas temos 50% com renda per capita entre 150 e 450 reais, 25% entre 550 e 650 e 25% entre 750 à 850.
4
3
1
0
1
2
3
4
5
de 1 a 1,5 SM de 2 a 2,5 SM 3 ou mais de 3 SM
46
Gráfico 6 – Renda per capita das estudantes entrevistadas.
Fonte: pesquisa de campo realizada pela autora (2017).
Renda muito aquém, principalmente para famílias com crianças, que possuem membros que fazem parte do ensino superior e que demandam
gastos extras com transporte, alimentação, material de estudos, entre outros.
Ainda de acordo com os dados do OVEU (de 2006 a 2013), nos cursos de
Pedagogia e Serviço Social juntos cerca de 20% do(a)s ingressantes entre
2006 e 2013, tinha renda familiar de até 1 salário mínimo, e 67% tinha renda
entre 1 e 5 salários. As famílias desses alunos eram numerosas, então mesmo aqueles que se encontram na faixa de 1 até 5 salário podem não
necessariamente representar uma situação financeira confortável. Dessa
forma, 40% do(a)s aluno(a)s moravam com famílias de 4 a 6 membros e 44%
moravam em famílias de 2 a 3 membros.
As entrevistadas possuem em sua maioria um(a) único(a) filho(a), 7 das
8 estudantes entrevistadas, sendo que apenas 1 possui 3. As idades das
crianças variam entre menos de 1 ano e 6 anos. Existem também 2 crianças
maiores, no caso da aluna com 3 filhos, que tem dois meninos com mais de 10
anos e uma menina pequena com apenas 2 anos. Sendo assim, 60% das
crianças têm de 0 a 3 anos, 20% de 4 a 6 anos e os outros 20% com mais de
10 anos.
2 2 2 2
0
1
2
3
de 150 a 250 reais de 350 a 450 reais 550 a 650 reais 750 a 850 reais
47
Gráfico 7 – Idade do(a)s filho(a)s das estudantes entrevistadas.
Fonte: pesquisa de campo realizada pela autora (2017).
Três das mulheres entrevistadas trabalhavam fora do ambiente
doméstico e duas faziam parte da bolsa trabalho da instituição, que na UFRN é
chamada de bolsa de apoio técnico-administrativo. Dessa forma, percebemos
que mais da metade dessas estudantes ajudam a compor a renda familiar e
mesmo na graduação ainda tem que conciliar o(a)s filho(a)s com o trabalho.
Metade das alunas entrevistadas recebem/recebiam de algum tipo de auxilio da
universidade, a outra metade não tem nenhum, mesmo que como vimos, as
alunas se encontrem dentro do perfil socioeconômico indicado como prioritário.
Os auxílios dos quais as alunas fazem parte atualmente são: bolsa alimentação (3 alunas), apoio técnico administrativo (3 alunas). Lembrando que as alunas
podem fazer parte de mais de uma bolsa, então os números indicados levam
em consideração isso.
Como percebemos, mesmo tendo filho(a)s em idade de creche (0 a 6
anos) e estando dentro dos critérios, nenhuma das alunas está sendo
beneficiada pelo auxílio referente à creche no momento6, o que pode estar
influenciando na qualidade e no tempo que essas alunas têm levado para
concluir a graduação. As estudantes estão desde o 2º ao 10º período de curso,
6 Como a lista do auxílio consultada refere-se ao segundo semestre de 2016 e a entrevista foi realizada em maio de 2017 as alunas que por ora faziam parte do auxílio hoje já não fazem mais. Uma das alunas se formou no inicio desse ano e a outra não conseguiu enviar os documentos necessários para a renovação dentro do prazo estipulado pela universidade, perdendo assim o beneficio.
3 3
2 2
0
1
2
3
4
0 a 1 ano de 2 a 3 anos de 4 a 6 anos maiores de 10 anos
48 algumas começando a vida acadêmica agora e outras terminando. A grande
maioria das alunas já trancou o curso e por isso está desnivelada e com a
conclusão atrasada em pelo menos um período, o que demonstra que não tem
sido uma atividade fácil conciliar a maternidade, o trabalho e a academia. No
próximo item, onde observaremos os dados das entrevistas, entenderemos
melhor como tem sido para essas alunas conciliar a graduação com a
maternidade.
3.3. VEZ E VOZ: CONHECENDO A REALIDADE DAS ALUNAS MÃES.
As perguntas que guiaram as entrevistas referem-se de forma mais
direta a relação das estudantes com a maternidade Diferente do questionário,
as alunas puderam contar mais sobre a sua experiência como alunas e mães
dentro e fora da UFRN, como enxergam a maternidade, as dificuldades que
percebem que enfrentam sendo alunas e mães, se fazem parte de programas
de assistência à permanência estudantil e o que pensam sobre esses
programas, quais as suas opiniões sobre a forma que a universidade lida com esse público, entre outras questões.
Sobre a experiência da gestação durante a graduação as respostas
variam, dentre as 8 alunas, 3 tiveram filho(a)s antes de entrar na graduação,
mas quando entraram na universidade as crianças ainda eram muito pequenas
variando entre 8 meses e 2 anos, ou seja, necessitavam de cuidados. 5 engravidaram durante a graduação, sendo que 3 dessas mulheres tiveram
complicações durante a gestação, o que se configura como um agravamento
da sua condição e por consequência das suas necessidade. De maneira geral
para essas mulheres que descobriram a maternidade durante o ensino superior
a gestação não foi uma atividade muito agradável, uma das entrevistadas,
aluna do curso de Pedagogia, que chamaremos por Helena7 inclusive descreve
a gestação durante a graduação como uma experiência traumática e aconselha
– mesmo sabendo que é algo que pode acontecer com qualquer uma, até com
aquelas que se previnem –outras alunas a tentar adiá-la ao máximo para
depois da graduação, pois é algo difícil de conciliar até mesmo para aquelas
que, como ela, teve ajuda dos parentes. Além disso, quando falamos do regime
7 Para preservar a identidade das alunas usaremos nomes fictícios para se referir a cada uma delas.
49 de exercícios domiciliares, contido no Art. 263 do Regulamento dos Cursos
Regulares de Graduação da UFRN, onde tanto alunas mães, quanto outros
alunos passando por algum problema que os impossibilite de participar das
aulas presenciais podem acessar, poucos foram aquelas que obtiveram
informações sobre esse mecanismo e mesmo aquelas que tiveram passaram
por dificuldades, como nos descreve Nísia:
Quando descobri que estava grávida dele eu estava no segundo semestre, [...] eu tive um descolamento de placenta e precisei ficar afastada, o meu médico me deu um laudo e tudo mais e eu poderia ficar nesse EaD, digamos assim, mas ai eu acabei desistindo, porque assim é bem difícil, os professores tem que dar conta de todos os alunos e ainda dar conta de mim, então tem a questão da resposta, do e-mail e tudo mais. Então eu achei que pela qualidade do meu ensino era melhor eu parar e quando eu pudesse eu voltaria... (NÍSIA, PEDAGOGIA)
Além disso, o relato a seguir, é bem interessante e nos mostra que para
algumas alunas engravidar sem concluir a graduação pode ser algo que gera
desconforto e constrangimento, pois existe um novo ideal em nossa sociedade, onde as mulheres devem adiar a maternidade para um momento onde já possuam independência e estabilidade financeira.
...eu consegui esconder por muito tempo [a gravidez], na época eu não queria que ninguém ficasse sabendo, porque na minha concepção era uma coisa muito, tipo assim, não era legal, era errado. Até por influência da minha mãe mesmo ela disse “[...] você tem só que estudar, estudar, estudar e não pense em ter filho” e aconteceu. Eu acabei que fiquei constrangida e escondi, mas quando foi com oito para nove meses, não tinha mais como esconder [...]. Foi uma experiência que assim, como é que eu posso dizer? Foi tranquila entre aspas, entendeu? Tranquila assim para o ambiente no qual eu estava, mas pro meu psicológico não foi tranquilo (ÂNGELA, SERVIÇO SOCIAL).
Segundo Andrée Michel, citado por Badinter (1985, p.351) “quanto mais
jovens, instruídas e ativas são as mulheres, mais experimentam insatisfações
no casamento e menos associam à maternidade o êxito e a felicidade
feminina”. Dessa forma, com o passar dos anos as mulheres vêm se desassociando da obrigação da maternidade quando ainda muito novas,
embora saibamos que ainda é cobrado das mulheres que depois de certa idade
dediquem-se a construir uma família. Vemos que há dois lados nesse fato, é
ótimo ver que cada vez mais a sociedade tem validado o crescimento
50 acadêmico e profissional das mulheres e que aos poucos a figura da mulher
destinada a(o)s filho(a)s e a casa vá se distanciando, mas é importante ter
sempre em foco a liberdade das mulheres para assumir as suas vidas, os seus
corpos e o direito de decidir quando julgam melhor ter ou não ter filho(a)s. É
preciso que a sociedade abra espaço também para acolher as mulheres que
optam pela maternidade, dando-as oportunidade para conciliar cada um dos
interesses e projetos. É preciso que as mulheres possam sim, ser mães e também profissionais bem sucedidas, pesquisadoras, estudantes. A
maternidade não pode continuar sendo vista como um empecilho para a
concretização de outras atividades. Como podemos ver no trecho retirado da revista Elle, nº 1354 e citado por Badinter (1985):
Teoricamente, uma mulher pode fazer tudo. Mas se ela quer criar uma família, deve estar pronta a sacrificar dez anos de sua vida [...]. Não vejo outro meio de ter êxito na educação dos filhos (revista Elle, nº 1354 apud BADINTER, 1985, p.328).
A visão predominante na sociedade é que em beneficio da educação
do(a)s filho(a)s, as mulheres que são mães abdiquem de uma parte de suas
vidas para dedicar-lhes. Como nos explica Badinter (1985) está impregnado no
imaginário social que a presença das mulheres em casa e a sua disponibilidade para os membros da família é o que promove a ordem do lar, sendo assim é pregado que o lugar das mães é junto do(a)s filho(a)s.
Para as alunas que passam por problemas de saúde durante a gravidez
a ida a universidade pode ser um grande desafio, as alunas Simone, do curso
de Pedagogia e Cora, do curso de Serviço Social, relatam que chegavam a
passar mal pelo campus, os enjoos e vômitos eram recorrentes, bem como os
desmaios, obrigando-as a concluir com dificuldade o semestre ou a se afastar.
No caso de Cora, por perder o prazo de trancamento ela teve de permanecer frequentando as aulas mesmo com bastante dificuldade, o que inclusive é uma
crítica dela a universidade, que em sua opinião não enxerga as particularidades
na hora de analisar, por exemplo, uma exceção nesse prazo e acaba não os
ajudando a aproveitar melhor a academia. Sobre o(a)s professore(a)s, ela afirma:
A experiência da gestação foi muito complicada, pela falta de apoio dos professores, a insensibilidade de muitos, mas em contrapartida também tem a humanização de muitos outros, não se pode generalizar, porque cada professor ele tem uma
51
didática, ele tem um comportamento [...] então os professores por muitas vezes me apoiaram, poucos, poucos, me julgaram, me prejudicaram colocando faltas desnecessárias, faltas assim absurdas e assim, foi muito complicado pelo desgaste emocional a minha questão de saúde, que eu não imaginava que seria tão difícil... (CORA, SERVIÇO SOCIAL).
Observamos que a experiência de cada aluna na universidade depende
em muito do acolhimento do ambiente, do(a)s professore(a)s, do(a)s colegas
de sala, do acesso à informação o que pode dificultar ou facilitar um pouco
mais a vida de cada uma. De maneira unânime as entrevistadas responderam que não planejaram a gestação e que foi uma surpresa para elas se depararem
com esse fato, o que se assemelha bastante com o que Badinter (1985), nos
mostra, que cada vez mais mulheres têm adiado a maternidade, priorizando os estudos e o trabalho.
Sobre como essas mulheres vem enxergando a maternidade, temos
respostas bem diversas, mas que encontram um ponto em comum quando elas
afirmam que apesar das dificuldades não se arrependem de serem mães. A
maioria reconhece que a maternidade é uma grande responsabilidade e
inclusive, como podemos ver no depoimento de Cora, ela acabou sendo uma oportunidade de amadurecimento:
...eu não acredito que meu filho chegou em vão, talvez meu filho tenha vindo para me ensinar, para eu aprender, me objetivar na vida, “tipo”, tá na hora de você crescer, assumir responsabilidade e encarar para frente (CORA, SERVIÇO SOCIAL).
Outras observações interessantes podem ser vista na fala de Nísia e
Leila, que reclamam da romantização da maternidade e da pressão e
interferência da sociedade na criação do(a)s filho(a)s:
... assim eu gosto muito de ser mãe, mas eu não curto a maternidade, porque a gente não acerta, tudo que a gente tenta fazer tá errado por um lado ou por outro. Se você tá em casa com seu filho você não está fazendo nada, se você vai trabalhar você abandonou o seu filho, então é uma pressão da sociedade muito grande nessa questão da maternidade. As pessoas ficam interferindo na nossa “maternagem” o tempo inteiro, mas quase nunca tem alguém pra [sic] te oferecer ajuda. Então assim, eu amo ser mãe, mas a maternidade é assim bem cruel (NÍSIA, PEDAGOGIA).
Nossa! Pergunta bem difícil. Eu acho que a maternidade as pessoas romantizam muito ela, mas é uma coisa “mega” complicada, difícil, cansativa [...] porque, sei lá, a pessoa está
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envolvida em um misto de emoções e muita gente às vezes quer se meter e dar palpite, você tenta fazer as coisas do seu jeito, mas as pessoas falam “não, não é assim”... (LEILA, SERVIÇO SOCIAL).
Isso demostra que apesar do que afirma Badinter (1985) sobre as
mudanças nas relações atuais sobre a maternidade, ainda há um ideal imposto pela sociedade que insiste em fiscalizar a conduta de mães “boas” e “más”.
Assim ocorre um julgamento moralista daquelas que se afastam do(a)s
filho(a)s, o que gera inclusive um sentimento de culpa entre essas mulheres, como podemos ver no relato de Simone:
... o meu filho é tudo pra [sic] mim, ter hoje ele do meu lado é maravilhoso, mas se eu tivesse planejado eu não teria passado por tantos problemas e eu me culpo muito por não tá com ele, por ter que tá na bolsa, por ter que tá estudando e esse seria um tempo que eu poderia tá com ele, dando mais atenção. (SIMONE, PEDAGOGIA)
...você entra em crise de existência todo dia, porque você quer tá com ele, ainda mais ele que é pequeninho [...] Do começo, até hoje, eu me sinto uma péssima mãe, porque [...] assim, não sou eu que crio quem cria é a minha mãe e a minha sogra, então às vezes eu começo a chorar porque eu chego em casa e ele não quer ir pra [sic] casa comigo, ele quer ficar com as avós. No começo quando ele começou a falar ele não queria me chamar de mãe e assim é muito complicado, porque eu venho pra cá [sic] e eu fico pensando nele muitas vezes. (SIMONE, PEDAGOGIA)
Ainda sobre isso, mas já entrando na questão sobre as dificuldades que
essas mulheres enfrentam sendo alunas e mães, percebemos que o tempo é
uma das reclamações mais recorrentes das entrevistadas, além de não ter muitas vezes com quem deixar as crianças.
...era muito difícil pra [sic] conseguir fazer meus trabalhos, minhas coisas [...] de madrugada, quando ele ia dormir que eu consiga ler meus textos, fazer minhas coisas, porque é uma atenção integral que você tem que dar. É um trabalho que você não tem intervalo, 24 horas por dia você tá lá responsável por aquela criança, então pra [sic] lidar com tudo foi bem difícil, não sei como eu consegui, mas consegui (NÍSIA, PEDAGOGIA).
Além disso, é na universidade que muitas dessas mulheres enxergam uma possibilidade para dar aos seus filhos e filhas uma vida melhor, como
podemos ver no relato da estudante do curso de Pedagogia, Alexandra:
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...quando eu tenho que escolher entre ela e ter que estudar eu preciso, eu tenho que escolher estudar, porque eu só vou conseguir dar o melhor pra [sic] ela se eu me der bem na faculdade. (ALEXANDRA, PEDAGOGIA)
Dessa forma, a classe trabalhadora tem visto no ensino superior uma
possibilidade de ascensão econômica e estabilidade financeira. Através das
cotas esse público tem conseguido cada vez mais acessar esse ambiente, mas apesar disso, muitos membros dessa classe para se manter dentro da
universidade têm que conciliar os estudos com o trabalho, sendo a condição
financeira também uma das dificuldades das quais as estudantes mães tem
enfrentado para garantir a sua permanência.
...eu estou fazendo o meu TCC, eu iria concluir esse semestre agora, mas eu estou vendo que eu não vou conseguir concluir, porque eu tenho tripla função, né? Eu trabalho, eu estudo, tento fazer o TCC [...] e ainda tenho que ser mãe. Então assim, é [sic] muitas funções que você tem que realizar no prazo de tipo assim, 24 horas, e 24 horas não da pra [sic] fazer tudo ao mesmo tempo, entendeu? (ÂNGELA, SERVIÇO SOCIAL)
...como é que eu vou fazer pra [sic] estudar, trabalhar e cuidar? São três coisas que você tem que tá “ligada” [sic] ao mesmo tempo. (HELENA, PEDAGOGIA)
Observamos que em muitas das respostas ter que se dividir entre mais
de uma função é uma tarefa cansativa e que exige muito dessas mulheres.
Podemos comparar esses fatos aos dados da pesquisa da Doutora em Serviço
Social Cibele Henriques feita na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2016:
...as mães trabalhadoras bolsistas e negras dos cursos de Pedagogia e Serviço Social que conseguem cumprir os prazos têm que sacrificar a vida pessoal, pois, mais do que uma dupla jornada, elas realizam, na verdade, uma tripla jornada para dar conta do “conflito” Trabalho, Educação e Vida Familiar. (HENRIQUES, 2015, p. 75)
Para as alunas que precisam levar os seus filho(a)s para a
universidade há ainda outros empecilhos, tais como o espaço físico da
universidade que não comporta as crianças, ter que dividir a atenção entre as
aulas e o(a)s filho(a)s, duas coisas completamente incompatíveis e lidar com
professore(a)s que muitas vezes não entendem as suas ausências em aula ou
são inflexíveis com prazos de trabalhos e reposições de provas. Além disso, as
alunas que amamentam, por exemplo, passam por dificuldades quando tem
54 que ficar longe do(a)s filho(a)s nos períodos de aulas, porque seus corpos
estão passando por um processo de mudanças que demanda que a criança
fique próximo da mãe, como podemos ver no depoimento de Cora:
...é uma luta assim diária, conseguir me manter no ensino superior. Depois que é mãe é muito difícil acordar cedo vim pra cá [sic]. A principio ele estava com seis meses, em fevereiro, começou a aula e ele só mamava, então o que acontecia? A aula começa às 7 da manhã, eu pago matéria até 12h40, eu ficava até 12h40 sem amamentar e então meu peito inchava, meu peito ficava quente, eu ficava em estado febril, ele lá gritando por mim, então por muito tempo, fevereiro, março eu saia daqui, inúmeras vezes o peito vazando e eu ficava cheia de leite e tinha que ir embora quase que correndo atrás dele. Eu meio que precisava dele perto de mim, entendeu? Pra [sic] ele tirar o leite. E assim muito difícil o inicio dessa separação minha e dele, passar, apesar de ser só um período, mas um período que é assim pra [sic] mim, longo. (CORA, SERVIÇO SOCIAL)
O relato de Leila nos chamou atenção e nos dá uma dimensão do que
pode ser o cotidiano de uma mulher, pertencente da classe trabalhadora, negra e moradora da periferia e os desafios que ela enfrenta ao tentar acessar o
ensino superior:
Quais as dificuldades que eu enfrento? Mulher, são várias, olhe... Primeiro, antes de tudo a gente tem que entender meu contexto. Eu sou uma aluna pobre, de baixa renda, que venho de um contexto familiar bem complicado e eu fui casada, com 18 anos e logo depois que eu casei, com um tempo, eu acho que com uns três, quatro, meses eu engravidei [...] e sabe? Foi aquele choque, porque eu tipo com 18 anos, tinha uma vida toda pela frente e ali lidando com uma gravidez, com cuidar de uma criança, porque eu sempre priorizei os meus estudos, e tipo, como é que eu ia agora estudar, conciliar os meus estudos com uma criança. Ai então nesse momento, nessa fase, eu achei que estava tudo acabado, que eu não ia conseguir nunca fazer uma graduação, entrar na universidade e estudar. [...] No segundo semestre eu consegui entrar aqui na graduação, mas ai vem todo o choque, todos os problemas que a pessoa enfrenta, porque em casa eu não consigo estudar de jeito nenhum. Ai minha estratégia era o que? Eu venho pra [sic] universidade de manhã, estudo, e a tarde vou pra [sic] aula. Ai eu vinha, mas não tinha com quem deixar a minha filha, porque minha mãe era doente, vivia entrando e saindo de hospital, meu ex-marido, na época, era terrível e pra [sic] ele quem tinha cuidar de criança era a mãe [...]. Ele nunca desencorajou, “não vai estudar, não”, mas também ele nunca disse “eu fico com nossa filha pra [sic] você estudar”, nunca [...] sempre foi difícil estudar em casa, pelo fato de que quando eu chego em casa eu não sou só mais uma estudante, quando eu chego em casa eu tenho de fazer as coisas, tinha que lavar roupa, fazer
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comida, cuidar de criança, sozinha, porque meu ex-marido ele dizia “se vira, você que é a dona da casa, você que tem que fazer”. Então eu nunca tinha tempo pra [sic] estudar em casa, não consegui de jeito nenhum, ai meu rendimento acadêmico péssimo, péssimo, péssimo, porque não tinha como, porque meu ex-marido era muito machista, então acabava que eu tinha que fazer tudo e o estudo que se virasse. [...] A maternidade de certa forma, ela atrapalhou os estudos sim, ainda atrapalha, mas, não que eu, tipo assim, esteja dizendo pra [sic] alguém “poxa, eu me arrependo de ter feito”, não, eu amo a minha filha, mas eu acho que eu fui muito precipitada. Tipo assim [sic], eu não esperei o momento certo[...] porque naquela época não tinha uma perspectiva de futuro, porque eu era carente, não tinha um bom estudo, então pessoa que é pobre, que mora em comunidade, quando chega no ensino médio ou abandona os estudos ou sabe, pronto, quando eu concluir, acabou, vou ter que procurar um emprego ou até mesmo já estudar e trabalhar, porque não tem como se virar. A gente que é de periferia, a gente sabe que a gente não consegue entrar numa universidade, que a universidade é tipo uma utopia pra [sic] gente. Então pra [sic] mim naquela época eu achava o que? Não vou conseguir nunca fazer uma graduação, e tal, mas ai quando o jogo virou, tudo mudou, consegui de fato entrar na graduação, ai sim, eu tive que de fato aprender a conciliar maternidade e minha vida com os estudos... (LEILA, SERVIÇO SOCIAL)
Percebemos que essa aluna tinha uma realidade muito distante do
ensino superior, que não acreditava no próprio ingresso na universidade e teve
que criar forçar para lutar contra o machismo do marido, a falta de
oportunidade e as limitações financeiras para aprender conciliar sozinha a
maternidade com a graduação, um desafio sem dúvida imenso e que poderia
ser menos pesado se ela tivesse ao seu dispor ajuda não apenas da família, mas da universidade e do próprio Estado.
Sobre se essas alunas já precisaram faltar aula por causa do(a)s
filho(a)s a resposta é unânime, todas, mesmo aquelas que dispõem de alguma
ajuda dos familiares ou dos pais das crianças, ou que tem acesso a creche
pelo menos em meio período precisaram alguma vez faltar aula. Os motivos
são diversos e vão desde problemas de saúde das crianças, indisponibilidade
do parente que se encarrega dos cuidados da criança na ausência da mãe,
entre outros. Sobre se as alunas já precisaram levar o(a)s filho(a)s para a
universidade as respostas variam, 5 das alunas já precisaram, Cora, inclusive
assume que na única vez que fez isso não conseguiu se concentrar em dar
atenção ao filho e a aula ao mesmo tempo. Outro ponto interessante em seu
56 depoimento é como ela conta que se sentiu acolhida por uma de suas
professoras:
... eu falei que tinha filho e ela disse que quando houver a necessidade ele sempre será bem vindo. Foi um diferencial, porque só ela falou isso. É muito importante que ela falou isso, eu me senti bem acolhida por ela, por ela saber que ser mãe e estudante é difícil e mesmo assim ela dispor da sala dela, né? (CORA, SERVIÇO SOCIAL)
É interessante perceber como algo que parece tão pequeno pode fazer a
diferença para essas mulheres que estão passando pela graduação e pela
maternidade ao mesmo tempo. É importante que elas se sintam acolhidas pelo
ambiente e pelas pessoas, o que nem sempre ocorre, como vemos no
depoimento de Simone que gostaria de trazer o filho, mas se sente desconfortável e com medo da reação de alguns de seus professores:
Entre trazer ele e faltar aula eu prefiro faltar aula, porque assim tem professores que não entendem, no próprio curso de pedagogia já teve uma aluna que segundo ela passou por um constrangimento, o professor rebateu e disse que não foi um constrangimento, mas ele pediu pra [sic] que ela se retirasse com o filho da sala de aula. Então assim, pra [sic] ele não passar por isso eu prefiro faltar aula, levar falta do que trazer ele pra cá [sic], embora as vezes eu tenha muita vontade de trazer pra [sic] ele conhecer, as vezes ele pergunta onde é a minha escolinha, que ele sabe que eu venho pra [sic] escolinha, né? Ele tem curiosidade, às vezes eu tenho vontade de trazer, mas tenho medo de que alguns professores peçam pra [sic] ele sair. (SIMONE, PEDAGOGIA)
Quem compartilha desse sentimento também é a aluna Ângela, que
ficou dividida entre levar a filha para a universidade ou faltar aula e optou pela
segunda alternativa já que presenciou debates sobre o tema em questão e
também entende que podem haver professores que não gostem da presença
de crianças em suas aulas.
Sobre o trancamento do curso, vemos uma tendência entre as alunas,
principalmente as que estão no meio do curso. Dentre as entrevistadas, 5 já
trancaram o curso, seja por complicações durante a gravidez, seja para cuidar
do(a)s filho(a)s durante os primeiros meses, ou por problemas na família que
se somaram a maternidade. As outras 3 alunas que não trancaram confessam que a ideia já passou por suas cabeças e que o trancamento ou atraso do
curso é uma realidade por qual todas passam ou cogitam. Dentre as
57 entrevistadas apenas 1 não está desnivelada, que é Alexandra que entrou no
curso mais recentemente e está apenas no segundo semestre da graduação.
... até hoje passa assim pela minha cabeça, mas tipo trancar o curso seria assim, pra [sic] mim, sinônimo de derrota, entendeu? Eu tento tirar, me motivar diariamente, criar forças dentro de mim pra [sic] que eu consiga concretizar, é...finalizar esse curso, até por uma questão pessoal, mesmo de provar que eu posso, que eu sou capaz, independente de ser mãe ou não (ÂNGELA, SERVIÇO SOCIAL).
Tive que trancar, porque diante da situação não podia conciliar e a maioria das mães teve que trancar [...], então acaba atrasando, acaba o IRA, o rendimento que cai tudo (HELENA, PEDAGOGIA).
Sobre ter passado por situações vexatórias ou inconvenientes na UFRN
por serem alunas e mães as respostas dividem-se: 3 alunas responderam que
sim, 1 respondeu que ainda não, o que dar a entender que ela sabe que não
está isenta de passar por isso, 1 também disse que não passou, mas que já
presenciou e outra (Alexandra )disse que não sentiu que a situação foi
inconveniente, mas que já ouviu algumas “piadas” de colegas de sala, por sua falta de tempo para fazer trabalhos em grupo fora do horário de aula, ou que
inclusive faz com que ela prefira fazer as atividades individualmente. Outras 3
responderam categoricamente que não passaram por nenhum situação. Sobre
as alunas que já passaram por tal situação temos os seguintes depoimentos:
... eu trouxe ela pra [sic] uma aula, precisei trazer porque era um prova, ela já estava grandinha, tinha eu acho que uns 3 anos, ai criança de 3 anos não tem como você dizer “filha, não fala agora não que a gente tá numa prova”, não tem como ela não entende, é pequena. Ai eu trouxe a criança, ela ficou conversando e pintando em sala de aula, ai simplesmente a professora disse “de quem é essa criança?” ai eu disse “é minha, por quê?” ai ela disse “ela está atrapalhando a aula, é melhor você ir lá pra [sic] fora com ela”. Isso durante a prova, e uma professora, ok, né? Ai vim pra [sic] fora com ela, quando as minhas amigas terminaram de fazer a prova, as primeiras que saíram ficaram com ela aqui fora e eu fui terminar de fazer a minha prova, isso uma situação “mega”, “mega” [sic] chata pra [sic] mim e desde esse tempo que eu tentava assistência e não conseguia, sabe? (LEILA, SERVIÇO SOCIAL)
... assim, as pessoas falam muito, entendeu? Mas assim eu nunca ouvi de professor, eu só ouvi uma vez, tipo [sic], eu falei que se eu não pudesse trazer meu filho eu não ia poder vim e ai a professora falou, “ah a gente pode testar pra [sic] ver se ele fica quietinho”, eu, professora, nenhuma criança fica quietinha. Ai eu tipo nem [sic] vim, porque eu me senti meio
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assim, eu senti que não era bem aceita lá naquele espaço e de colegas várias vezes... (NÍSIA, PEDAGOGIA)
A aluna Simone, nos conta duas situações: uma durante a gestação e
outra em seu resguardo:
...eu passei por um problema na gestação eu estava passando mal na sala, minha barriga ainda estava pequena, mas eu já estava com 3 meses e a professora disse que era mentira, que eu não estava gravida, que eu queria ir embora, ai eu comecei a passar mal e vomitei nos pés dela, ai foi que ela acreditou pediu inúmeras desculpas, mas assim, é complicado (SIMONE, PEDAGOGIA).
... a aluna tem direito a fazer trabalhos em casa e uma das professoras fez todo o acompanhamento mandava os trabalhos tudo direitinho e eu consegui concluir a disciplina dela, só que outra [...] ela não me passou o conteúdo. Faltando dois dias pra [sic] encerrar o semestre ela me mandou quatro textos pra [sic] fazer três relatórios, então eu reprovei na disciplina dela, porque eu não tinha condição de em 24h concluir tudo, porque assim, eu estava sozinha, eu passei o meu resguardo sozinha, não tinha como dar conta da criança, da casa, ainda mais ler quatro textos, fazer três relatórios e assim foi uma coisa acordada durante o semestre, inclusive antes de entrar no recesso eu já tinha conversado com ela anteriormente explicando que ia me matricular, mas enfim, eu reprovei, porque não tinha condições, ela só me mandou tudo de última hora mesmo eu tendo conversado com ela anteriormente, ter mando email, ter ligado, mas ela só me mandou nos últimos dias. Eu achei isso muito constrangedor, sendo que era um direito meu (SIMONE, PEDAGOGIA).
Dessa forma, temos uma aluna que teve sua gravidez questionada,
como se alguma mulher fosse mentir sobre uma gestação para não assistir
uma aula e que teve um direito seu violado durante a licença maternidade,
mecanismo que as alunas podem acessar para fazer trabalhos de disciplinas
nas quais se matricula em casa, o que demonstra a falta de preparo do(a)s
professore(a)s para lidar com essas alunas, o que deveria ser mais bem
explorado pela universidade. Sendo assim, além de escutar coisas dos colegas
em sala, que não compreendem as suas situações, essas mulheres ainda se
deparam com professore(a)s que também não são capacitado(a)s, talvez, se o debate sobre a maternidade fosse suscitado de maneira mais presente na
UFRN, as pessoas que compõem a academia começariam a ver as alunas
mães de uma outra maneira, como indivíduos com particularidades que devem
ser levadas em consideração pelo ambiente.
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Felizmente, podemos ver que as mulheres dentro da universidade
também são resistência e se organizam quando tem seus direitos suprimidos,
Helena nos conta que ao presenciar o caso da aluna expulsa de sala de aula
com a filha por um professor do curso de Pedagogia, as alunas não aceitaram
e reivindicaram o seu direito de ser mulher, mãe e estar dentro de uma sala de
aula:
Não, nenhuma. Mas presenciei, graças a deus não foi comigo, porque eu acho que eu não saberia lidar com a situação, mas querendo ou não foi muito constrangedor e todas nós mulheres a gente reenvidou, fomos atrás, a gente não aceitou isso (HELENA, PEDAGOGIA).
Sobre se sentirem excluídas ou privadas de alguma atividade as
respostas foram quase unânimes, exceto Cora, que voltou com o filho há pouco tempo para universidade e afirmou ainda não ter passado por situações
similares, mas que sabe que futuramente podem acontecer atividades das
quais não possa participar. Outras alunas responderam que não, mas logo em
seguida deram exemplos de atividades das quais não participam por terem
filho(a)s:
Não, só intercâmbio mesmo, que não tem como, né? Penso muito em fazer, mas também penso “tenho uma filha”, fora isso não. Eu acho que de fato as atividades que eu me senti privada de fazer, não foram por causa da minha filha, mas sim por causa da renda mesmo, que eu não tinha dinheiro pra [sic] pagar inscrição, não tinha dinheiro pra [sic] pagar o material, foram por causa disso, não por causa da minha filha (LEILA, SERVIÇO SOCIAL).
O que chama atenção no depoimento de Leila, é a afirmação dela sobre
a sua situação financeira que muitas vezes a impediu de participar de
atividades do que a maternidade em si. Com isso percebemos que muitas das
atividades que a academia oferece, não são para todo(a)s e que pessoas,
sejam por sua situação financeira, seja por terem filho(a)s, ou qualquer outro fator, se veem impossibilitadas de participar.
Outras estudantes citaram atividades, tais como de lazer, festas ou
atividades do gênero, manifestações e protestos relacionados a movimentos
sociais e movimentos estudantis, bem como visitas institucionais para fazer
trabalhos, aulas de campo, congressos, eventos, entre outros, justamente por
todo o tempo livre do qual dispõe ser dedicado aos filhos e filhas. Separamos
60 esse relato muito interessante de uma das entrevistadas, sobre como se sente
pressionada quanto aos julgamentos externos e como isso a faz não participar
de determinadas atividades:
O tempo inteiro, até porque mesmo quando você pode fazer, você faz e tem toda aquele julgamento, aquela pressão sobre como e o que uma mãe pode ou não fazer. Até quando recentemente eu voltei a trabalhar, faz três semanas que ele entrou na escolinha e eu voltei a trabalhar e nossa, escutei muita coisa. “Tadinho” é a palavra que eu mais escuto, “tadinho, já tá na escola”, sendo que eu passei um ano inteiro com ele em casa e ninguém vê isso, entendeu? (NÍSIA, PEDAGOGIA)
Temos também aquelas que infelizmente naturalizam essa privação:
Assim, a partir do momento que você é mãe você tem que se privar de determinadas coisas, sejam fatores relacionados ao acadêmico, seja ao pessoal, a questão da liberdade de sair, né?... (ÂNGELA, SERVIÇO SOCIAL)
...às vezes eu quero ir pra [sic] um congresso e não posso, porque são muitos dias que eu vou ter que ficar longe dele, mas tem esse lado que é uma questão de escolha, mas assim, privada não (SIMONE, PEDAGOGIA).
Percebemos que os valores sociais estão impregnados de tal forma, que
muitas mulheres não se dão conta de que se recebessem o apoio devido tanto
do Estado, como da universidade da qual fazem parte – com a oferta de
creches para os seus filhos e filhas – elas não precisariam se privar de
participar de determinadas atividades, sejam elas dentro ou fora da
universidade. A mulher que é mãe não precisa ficar reclusa a casa e aos
cuidados do(a)s filho(a)s e pode muito bem, se for da sua vontade e dispondo
do auxílio necessário, conciliar os seus projetos de vida pessoal, familiar,
profissional e social.
Como podemos ver no relato da estudante Helena, ela passou durante muito tempo da sua graduação sem se dedicar aos eventos, congressos,
publicações e em seu último ano na universidade, quando conseguiu o auxílio
creche e outros auxílios e bolsas ela conseguiu de fato concretizar os seus
projetos acadêmicos:
Sim, congressos, eventos, eu queria muito participar, mas não tinha como por conta dele. É tanto que do último ano pra [sic] cá eu publiquei tanto, tudo que eu não tinha publicado na minha vida acadêmica, que até os professores diziam assim “tá
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bom, Helena, tá bom...”. Eu entrei em todos os eventos, mas era como se eu quisesse, tipo, sugar o máximo que eu não suguei no inicio do curso. Publiquei 17 artigos, participei de vários eventos, suguei todos os auxilio ano passado, auxilio viagem, tudo, viajei por conta própria também, pedi ajuda, como eu era bolsista uma professora me ajudou muito, então assim viajei muito, fiz muita coisa que durante o curso eu não fiz (HELENA, PEDAGOGIA).
Quando a pergunta é sobre se as mães estudantes acham que a
universidade está preparada para recebê-las as respostas são unânimes.
Todas as entrevistadas responderam que a UFRN não está preparada para
acolher mulheres com filho(a)s. Para muitas delas, o despreparo vai desde o
momento da gestação, pois como afirmam, a estrutura física da universidade não foi pensada para gestantes, a UFRN possui uma organização onde o
restaurante universitário, as bibliotecas, os pontos de ônibus, entre outro locais
que ficam longe dos setores de aulas. Os prédios contam com muitas
escadarias. Os estacionamentos ficam distantes e não contam, por exemplo,
com vagas reservadas para grávidas. O circular, ônibus da universidade, está
sempre muito cheio, principalmente nos horários de pico, o(a)s outro(a)s
aluno(a)s, muitas vezes, como afirma Helena não cedem o lugar para as
gestantes. As alunas reclamam da falta de acesso a informações sobre
auxílios, licenças, entre outros benefícios. Para elas as informações são pouco
divulgadas e na maioria das vezes elas não sabem aonde procurar essas
informações e nem encontram pessoas que as passe. Cora inclusive menciona
que durante a sua gestação tentou participar de um curso para mães de primeira viagem que estava sendo promovido pela UFRN, mas quando
procurou orientações para sua participação a mesma foi informada que o curso
estava disponível apenas para funcionário(a)s, o que a estudante entende
como uma exclusão das alunas que também deveriam ser um público alvo
dessas iniciativas. Tal fator pode demonstrar que para a universidade a
gravidez destina-se apenas para as mulheres que já possuam estabilidade, se
encontram empregadas e não para as estudantes. A aluna ainda afirma que
não sente que a universidade apoia as estudantes mães e que inclusive sente
por parte da instituição certa resistência ao acolhimento desse público, como
se a sua permanência no curso não fizesse, em suas palavras, diferença para
a universidade, o que faz com que a sua continuidade na graduação seja um desafio diário. Cora sente um profundo sentimento de abandono e omissão,
62 para ela a UFRN não tem priorizado a qualidade do ensino e que em diversos
momentos quando ela percebeu seu rendimento acadêmico caindo e procurou apoio, só encontrou barreiras diante da burocracia da universidade.
Para as estudantes muitas coisas faltam para a universidade ser um ambiente acolhedor para elas e seus filhos e filhas. A estrutura física da UFRN,
não possui desde fraldários, que é o mínimo para essas mulheres a creches,
que seria na visão da maioria das entrevistadas o ideal para elas. As alunas
reclamam também da postura do(a)s professore(a)s diante de suas particularidades, dentro outras barreiras.
... Não tá preparada de jeito nenhum para atender esse público, mesmo porque quando a gente precisa faltar, que a criança tá doente, ou precisa levar no médico, os professores não tiram lá a sua falta, colocam mesmo, não justificam, então não tem preparo mesmo não (LEILA, SERVIÇO SOCIAL).
Eu acho que não, principalmente por alguns professores que não entendem alguns casos. Teve um caso em que a minha filha ficou doente, avisei ao professor que iria precisar faltar a prova e ele simplesmente ignorou, não leu meu e-mail, então eu fiquei em uma situação que eu tive que fazer reposição, porque não tinha outra forma de fazer ele entender minha situação. Então alguns professores não entendem o caso, fazem pouco caso de você, ignoram, como se você fosse uma coisa de outro mundo, então eu acho que falta algum preparo dos professores (ALEXANDRA, PEDAGOGIA).
No caso apresentado por Alexandra, observamos que segundo a
resolução nº 171 de 2013 do CONSEPE, que aprova o novo regulamento dos
cursos regulares de graduação da UFRN, o(a) estudante tem direito a repor
apenas uma unidade, sendo que a instituição possui o total de 3 unidades para compor a nota final do graduando durante o semestre letivo. De acordo com o
parágrafo 2, do Art. 110 presente na resolução citada:
§ 2º Em caso de não comparecimento a mais de uma avaliação, a avaliação de reposição substituirá a nota de apenas uma das unidades, permanecendo a nota 0 (zero) atribuída às demais avaliações em outras unidades.
Sendo assim, se Alexandra por algum motivo perdesse outra avaliação
ou tirasse uma nota inferior a 3,0 em outra unidade ela teria sido reprovada na
matéria em questão, sendo então prejudicada pelo regulamento.
63
Mais ainda, para as alunas Nísia e Berenice, a universidade pode se
configurar enquanto um espaço elitista e não está preparado para receber
aluna(o)s com filho(a)s, mulheres ou pessoas mais velhas:
Nem um pouco, aqui é um ambiente elitista de muitas maneiras isso tá se desconstruindo, mas até se for parar pra [sic] pensar no horário, quem é que saindo do trabalho consegue chegar aqui 18h45? Se tem alguém que trabalha não consegue chegar aqui 18h45 é impossível, só se tiver carro, enfim essas coisas. Então assim, se você tem seu filho te vira, entendeu? A universidade não é um lugar pra [sic] você (NÍSIA, PEDAGOGIA).
De forma alguma, nem mães, nem mulheres, é difícil. A universidade tá feita pra [sic] aquela pessoa que sai do ensino médio e cai de paraquedas aqui, com tudo fresquinho na cabeça, aquela coisa toda. Gente mais velha, mãe, mulher, por ser mulher assim só, já é bem mais complicado, eu acho que é assim (BERENICE, SERVIÇO SOCIAL).
Percebemos que essas alunas possuem a consciência de que é difícil
para muitos que fazem parte da classe trabalhadora, que são mulheres, que
são negro(a)s, que tem filho(a)s acessar e permanecer no ensino superior; que
não foi um ambiente pensado para receber esse público e que hoje, mesmo
após uma expansão do acesso, as instituições ainda não se ajustaram a
necessidade desse público.
Quando perguntado, mesmo as que não participavam de nenhum auxílio
qual a opinião delas sobre a eficácia desses na permanência do(a)s aluno(a)s, as respostas compartilhavam de muitos pontos em comum. Para todas essas
alunas os auxílios eram bem vindos, eram uma “ajuda” para aquele(a)s que
precisavam, mas estavam muito longe do ideal, principalmente o auxílio
creche:
...100 reais não supre a necessidade nem de uma escola mais simples que seja, entendeu? E tem que aluna bolsista receber isso pra [sic] cuidar de uma criança. Acredito que seria ideal se tivesse na universidade um lugar pra [sic] essas alunas mães deixarem os filhos e pegar no final do dia, seria perfeito, mas claro que também necessitaria de todo um processo de seleção pra [sic] ver, mas que não fosse por sorteio que nem o NEI, que fosse mesmo por entrevista, reunião, que fosse visitar ver a realidade e acredito que cabe as assistentes sociais fazer isso (HELENA, PEDAGOGIA).
... o NEI eu acho que deveria ser uma escola exclusiva para os filhos de alunos, principalmente de mães estudantes que
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precisam vim estudar e muitas vezes não tem com quem deixar. Eu passei um sufoco, porque minha mãe trabalhava na época, minha sogra também trabalhava, ainda trabalha, mas a minha mãe teve que deixar o emprego pra [sic] ficar nesse período de pegar e deixar ele na escola, porque nós não temos condições de pagar o carro pra [sic] deixar e pegar e mesmo que deixe teria que ter alguém pra [sic] ficar com ele até eu chegar (SIMONE, PEDAGOGIA).
... eu acho que deveria ter no mínimo [...] uma vaga em uma creche para a criança, uma vaga assim em tempo integral. Vamos supor, o NEI [...], tem quantas mães aqui na universidade, vamos reservar no mínimo uma cota para essas mães que são alunas e que precisam, mas eles não fazem isso entendeu? Do mesmo jeito que eles não tão nem ai, só querem da no máximo um auxilio, que eu nem sei quanto é, mas eu sei que não é suficiente, não da pra [sic] pagar, porque se não me engano é 150, pouquíssimo, não da pra [sic] pagar uma escola que você precise deixar o seu filho em tempo integral e escola pública a gente sabe que não rola. Eu já tentei ali no NEI [...] na época que eu tentei era muita, muita, gente, você da o nome e eles fazem um sorteio [...] eu acho esse método muito errado, porque ai acaba entrando muita criança que tem condição, que tem como pagar uma escola particular, mas por causa de status quer colocar o filho no NEI [...], poxa, tem tanta gente que precisa, as mães que tem aula aqui. Seria muito mais vantajoso você vim pra [sic] universidade e trazer o filho. Deixa, quando vai embora leva, seria muito melhor pra [sic] essas pessoas, do que pra [sic] quem tem como pagar. E outro critério que eu acho que eles deveriam analisar é a questão da renda mesmo, e eles não fazem uma seleção com base em critérios, eles apenas sorteiam e pronto (LEILA, SERVIÇO SOCIAL).
... primeiro que eu não conheço ninguém daqui que tenha esse auxilio (creche), inclusive, eu já encontrei com outras mães aqui, quando você anda com bebê outras mães vem falar com você e falaram que já tentaram procurar ajuda e tudo mais e tipo bateram porta na cara [...]. É um inicio, né? Pra [sic] gente ter o mínimo de ajuda, mas não é o suficiente, entendeu? A gente precisa, toda mãe, todo pai, precisa de uma rede de apoio e isso vai muito além da assistência no sentido financeiro, isso é uma das coisas que talvez nem se precisasse se a gente tivesse essa rede de apoio, mas como mãe acaba sendo excluída e tipo assim se vira entendeu, eu não tenho que te dar ajuda, é tipo isso (NÍSIA, PEDAGOGIA).
... assim eu entendo a parte da universidade, tem o auxilio creche no valor de 100 reais, mas eu acho que pra [sic] uma mãe que estuda e precisa deixar o filho com alguém pra [sic] vim pra [sic] aula [...] essa assistência não chega a ser pelo menos 50%. E pra [sic] quem estuda a noite é pior, porque não tem creche, tem que ser alguém (ALEXANDRA, PEDAGOGIA).
... ninguém fica com um bebê, uma criança, por 100 reais. Não existe creche de 100 reais. Tudo bem que é um auxilio, mas pra [sic] quem não trabalha? Pra [sic] quem não tem outra
65
forma... isso ai é só um complemento, né? É difícil, se não for à rede pública que é bem difícil de conseguir vaga tem que trazer (BERENICE, SERVIÇO SOCIAL).
Assim, ajuda muito, ajuda bastante, mas eu acho que não é o suficiente. Eu acho que tinha meios, inclusive mais baratos de ajudar as mães aqui dentro da universidade com tanto espaço que tem, com alunos de pedagogia inclusive que podiam, sei lá, fazer um experimento, criar uma escola voltada só pras [sic] alunas que tem filhos, mas assim, eu não vejo investimento nessa parte, eu não vejo força de vontade da própria universidade, eu não vejo que pensam nessa parte, sabe? Da mãe aluna. Eu acho que tinha meios muito mais fáceis e efetivos e mais rentáveis de poder lidar com essa situação. [...] eu sinto falta desse olhar pras [sic] mães. Eu conheço colegas que tem a maior dificuldade, tem uma menina na minha turma que ela tem a maior dificuldade de pagar matéria, porque ela trabalha e tem filho e mora lá na Redinha. Ai o deslocamento, a questão do trabalho, a questão de deixar o bebê dela que é ainda mais novo que o meu filho, eu acho que tem uns 2 anos, tem toda essa dificuldade, sabe? Porque se ela pudesse trazer ele eu acho que facilitava e assim como eu não me culparia tanto, porque eu estaria mais perto do meu filho e seria uma oportunidade das minhas colegas, assim como eu, poder colocar em prática o que a gente aprendeu (SIMONE, PEDAGOGIA).
Dessa forma, para elas o valor disposto pela universidade é muito baixo e o ideal seria que a instituição dispusesse de um espaço interno para acolher
o(a)s filho(a)s do(a)s estudantes. Como relata Helena, se a universidade
estivesse utilizando métodos realmente eficazes para garantir a permanência
das alunas, ela teria terminado o seu curso no prazo estipulado pelo programa,
o que não ocorreu e ela só se formou 1 ano depois, ou seja, o seu curso que
teria duração de 5 anos, levou 6 anos.
Outro fato que chama bastante atenção é o da burocracia pela qual as
estudantes passam para acessar o auxílio creche. Helena, por exemplo, tentou
por 4 semestres, e só conseguiu no seu último período de curso, ou seja,
quando seu filho, que nasceu durante a graduação completou 5 anos. Já
Simone, que recebeu o auxilio durante 1 semestre, quando seu filho já estava com 2 anos, perdeu a renovação do benefício por não conseguir enviar, dentro
dos prazos estipulados pela UFRN os documentos necessários – a aluna que
não possui internet em casa e também não conseguiu acessar pela
universidade perdeu o auxílio. Leila também nos conta como foi indeferida do
auxilio:
66
... é muito complicado pra [sic] conseguir esses auxílios, muita burocracia e as vezes não rola, como é o caso que eu já tinha explicado a você, que eu tentei, mas só pelo fato da minha filha estudar um período na creche pública, eu não consegui, sendo que eu preciso tá aqui na universidade manhã e tarde[...] e não tenho esse respaldo por eles, ai eu fico assim. [...] E tipo assim, naquela época eles disseram “ela já estuda”,[...] sim, mas e os outros períodos que ela também precisa ficar com uma pessoa, que eu estou na universidade e não tem quem fique, só porque ela tá na escola um período você não vai conceder o auxilio? Então são vários fatores e por isso que eu digo que a universidade não tá preparada pra [sic] ajudar essas mães (LEILA, SERVIÇO SOCIAL).
... com relação à assistência sempre que eu ia procurar era muito difícil, melhorou de uns tempos pra cá [sic], porque pediam muitos documentos, ainda pedem, pedem uma bateria de documentos, tipo assim, até o documento da casa da minha avó pediram, se estivesse no nome do meu avô, eu tinha que levar o laudo que pede o óbito dele, entendeu? Então dificulta muito... (HELENA, PEDAGOGIA)
Percebemos que é um desafio para essas mulheres continuarem e
concluírem os seus cursos de graduação, vemos membros de famílias que já
não possuem uma renda familiar alta terem de abdicar do emprego para cuidar
das crianças para que as alunas possam dar continuidade aos seus estudos.
Vemos mulheres sofrendo com o distanciamento do(a)s filho(a)s, com a falta
de tempo para dedicar-lhes e mais do que isso, vemos uma política de permanência que não tem sido eficaz para atender as necessidades dessas
mulheres, o que não se resume a uma realidade da UFRN. Segundo HENRIQUES (2016, p.75):
Na UFRJ, no campo empírico, observou-se que a política de permanência existente para essas mulheres no âmbito educacional é insuficiente e não reduz a sobrecarga da dupla jornada, nem tampouco permite a diplomação dentro do prazo estabelecido. A falta de estudo minucioso sobre as condições de vida, trabalho e moradia das mulheres mães trabalhadoras negras que ousam sair de casa para estudar e trabalhar retarda a construção de políticas de permanência universitária que contemplem as necessidades das mulheres mães trabalhadoras e negras.
É urgente que se discutam políticas que supram verdadeiramente as
necessidades das estudantes mães, é preciso que se priorize o bem estar das
crianças e dessas mulheres, que se escute esse público que tanto tem para
falar e sabe muito bem o que quer, um espaço, dentro da universidade que
67 acolha os seus filhos e filhas em tempo integral enquanto se dedicam a tentar
através dos estudos ascender e darem a ele(a)s um futuro melhor.
68
4. REFLETINDO SOBRE A HISTÓRIA DAS POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL.
Esse capítulo contará no seu primeiro tópico com o debate sobre as
políticas de assistência estudantil no Brasil. O seu objetivo principal é analisar a
história dessa política; entender como o Estado tem tratado a assistência
estudantil e quais têm sido as estratégias para garantir a permanência dos
estudantes no ensino superior. Analisaremos a Contrarreforma do Ensino superior sob a perspectiva do Neoliberalismo e os seus rebatimentos na
Assistência Estudantil – o que ao longo dos anos tem resultado no
sucateamento das políticas de Assistência Estudantil e da Educação Superior,
que se manifesta no crescimento dos investimentos em incentivo a iniciativa
privada e nos ataques aos programas e projetos de assistência observados nos
cortes de números de bolsas e nas condicionalidades e critérios cada vez mais
rígidos. No segundo tópico, buscaremos conhecer a assistência estudantil da
UFRN, mais especificamente quais têm sido os programas e projetos voltados
para a garantia da permanência das mulheres mães na universidade.
Analisaremos pela página da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PROAE), os
regimentos e editais dos programas, as resoluções sobre os serviços oferecidos e as especialidades dos serviços de saúde. Dessa forma, por meio
do relato das estudantes mães e da análise da política de Assistência
Estudantil da universidade será possível traçar uma dimensão do alcance das
ações desenvolvidas pelo campus e a eficiência dessas políticas sobre as
necessidades das mulheres mães da instituição.
4.1. ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL E CONTRARREFORMA DA EDUCAÇÃO: OS AVANÇOS DO NEOLIBERALISMO NA EDUCAÇÃO
SUPERIOR.
Historicamente o acesso ao ensino superior no Brasil foi uma atividade
destinada apenas aos membros da elite. Conforme Silveira (2012) sem
universidades alojadas no país, aqueles que possuíam condições enviavam os
seus filhos para estudarem em terras europeias, mas especificamente em
Portugal e na França. Com a chegada da família Real Portuguesa ao Brasil, em
1808, e com a pressão da elite brasileira é que começaram a aparecer as
primeiras iniciativas daquilo que podemos chamar de ensino superior no Brasil.
69 De acordo com Aranha (2006); Colossi (2001), citados por Silveira (2012),
vários foram os estados que ganharam escolas de ensino superior como a
Escola Politécnica e a Academia Militar. As áreas de atuação eram diversas e
variava entre cursos de engenharia civil, medicina cirúrgica, agricultura,
química, economia, até cursos como matemática, filosofia e desenho. Além
disso, no ano de 1827 foi criado em São Paulo e Olinda os cursos de Ciências
Jurídicas. Ao todo, em 1889, a república desenvolveu cerca de 14 escolas de ensino superior.
Apesar disso, é apenas em 7 de setembro de 1920, com o Decreto nº
14.343, que se instituí a primeira universidade brasileira, localizada no Rio de
Janeiro, que reunia administrativamente essas faculdades profissionais pré-
existentes (SILVEIRA, 2012).
É durante o mandato do governo de Getúlio Vargas, com a reforma
promovida no ensino superior – chamada de Reforma Francisco Campos – ,
em 1931 , que a politica de assistência estudantil para os estudantes
universitários passa a ser reconhecida pelo Estado e é regulamentada pela
primeira vez no Brasil por meio do Decreto nº 19.85/031 (SILVEIRA, 2012). No
mesmo ano o governo estabelece também: o Ministério de Educação e Saúde e o Estatuto das Universidades Brasileiras, instituído pelo Decreto nº 19.851 de
abril de 1931, que “afirmava que a universidade poderia ser oficial, ou seja,
pública (federal, estadual ou municipal) ou livre, isto é, particular” (SOARES,
2002 apud SILVEIRA, 2012, p.30).
A assistência estudantil preconizada até pouco antes da década de 1960
era uma assistência pontual, destinada apenas aos alunos oriundos das classes mais baixas, como forma de dar suporte às suas “carências” e assim
possibilitar um melhor aproveitamento do ensino. Em 1961, com a Lei de
Diretrizes e Bases (LDB) / Lei nº4.024, é que a assistência estudantil passa a
ser vista de outra forma, ou seja, como um direito, inserido na política de
educação, para todos os estudantes que dela necessite e não mais como uma
ajuda. O artigo 168, da Constituição Federal de 1967, traz novamente a
educação como um direito de todos e cita pela primeira vez que ela deverá
assegurar a igualdade de oportunidades. Os anos da ditadura trazem consigo
70 também uma expansão das vagas na universidade8, o que estava longe de
representar uma democratização do acesso no sentido de permitir que a classe
trabalhadora atingisse o ensino superior – especialmente o ensino superior
público – que continuava a se expressar em algo muito mais acessível à
realidade dos homens brancos e burgueses (SILVEIRA, 2012). Além disso,
conforme Silveira (2012) baseado em Lima (2002) a ditatura não apresentava
uma conjuntura favorável à educação e aos estudantes que tinham o seu direito reduzido a praticamente nada.
Dessa forma, as inciativas apresentadas para a assistência estudantil
até meados dos anos 1980 foram marcadas por poucas ações. Tendo em vista
que a educação superior era um privilégio de poucos, as ações de acesso e
permanência recebiam escassa atenção do governo e se resumiam a
intervenções pontuais relacionadas mais para os níveis básico e médio do
ensino (SILVEIRA, 2012).
A partir dos anos 1980, os anos da redemocratização do Brasil, que
libertou o país da ditadura, novas propostas para a política de educação
superior são apresentadas. Foi nessa década que a questão da permanência
universitária começou a ser debatida no meio acadêmico durante os Encontros Nacionais de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis e reuniões
realizadas pela ANDIFES (SILVEIRA, 2012).
Em 1987, no intuito de fortalecer as políticas de assistência estudantil,
houve a criação do FONAPRACE, que em conjunto com o ANDIFES, criado
também na mesma época reivindicavam a integração regional e nacional do
ensino superior, no sentido de:
...garantir a igualdade de oportunidade aos estudantes das IES, na perspectiva do direito social, além de proporcionar aos alunos as condições básicas para sua permanência e conclusão do curso, contribuindo e prevenindo a erradicação, a retenção e a evasão escolar decorrente das dificuldades socioeconômicas dos alunos de baixa condição socioeconômica (SILVEIRA, 2012).
8 Tal expansão, que como afirma Leher (2013), foi muito mais expressiva para as instituições de ensino privado, que teve um crescimento de cerca de 800% do número de vagas, entre os anos de 1960 e 1980, e que contou com um aumento de cerca de 63% do número de matrículas, na década de 1980, em detrimento das instituições públicas de ensino.
71
Todas essas reinvindicações ganharam força com a promulgação da
Constituição Federal de 1988, que visava garantir a efetividade dos direitos
fundamentais e a prevalência dos princípios democráticos, assim como,
contemplava o processo de redemocratização da educação, por meio da
universalização do acesso e da gestão democrática centrada na formação do
cidadão (SILVEIRA, 2012).
Apesar da crítica à ditadura ter colocado em evidência o perverso modelo privado-mercantil, conforme mostra Leher (2013), os lucros do setor
privado, apesar da oferta de cursos, no total sem qualidade, ampliou-se
exponencialmente sob o manto da filantropia, por isso a luta da Constituinte
priorizou a alocação de verbas públicas para escolas públicas. No artigo 207 da
Constituição Federal de 1988 a universidade é consagrada como uma
instituição autônoma e referenciada conforme os princípios de
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, entretanto, o artigo 209,
permite a atividade do ensino à iniciativa privada. Os artigos 150 e 213
consentem o repasse de recursos públicos para as instituições “sem fins
lucrativos”, o que mais tarde viria a mudar, permitindo também o repasse para
instituições com fins lucrativos.
A conjuntura dos anos 1980 em diante não era favorável, como afirma o
Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES)
(2007). O período após a promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe
consigo também as primeiras articulações do governo para atender as
exigências dos organismos internacionais, o que requeria algumas mudanças
na Carta Magna. Tal processo foi retardado em virtude da incapacidade do então presidente Collor de Mello em “liderar a aglutinação de forças políticas
que foi aguçada pela crise que paralisou seu governo até a cassação” (ANDES,
2007, p.11), mas retomado junto com a articulação do Plano Real, liderado por
Fernando Henrique Cardoso (FHC), ministro no governo de Itamar Franco,
tornando possível traçar uma ponte coesa entre as forças conservadoras e a
agenda neoliberal9 em pauta. Empossado presidente em 1995, FHC
9 De acordo com o ANDES (2007), a doutrina neoliberal citada diz respeito à substituição do conceito de “direito social” – previsto na constituição enquanto um direito de todos e dever do Estado – pelo conceito de “serviços sociais e científicos” – dentro desses serviços estão as escolas, universidades, centros de pesquisa científica e tecnologia, creches, hospitais, entre outros – que diferente da constituição não prevê a exclusividade do Estado ao que tange os
72 encaminha a agenda citada e começa um processo de privatização e
terceirização dos serviços de infraestrutura geridos pelo Estado e das
instituições de saúde, educação, cultura, ciência e tecnologia, entre outras
(ANDES, 2007).
Dessa forma, ganha força também o discurso neoliberal de que o
modelo adotado para a educação superior, que tem como base a
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão – e que inclusive não foi totalmente implementado – é muito caro, atrasado e obsoleto (ANDES, 2007).
Sobre isso, vemos como uma das linhas de atuação do Ministério da Educação
(MEC), durante o governo de FHC, a expansão do:
...sistema de ensino superior público por meio da otimização dos recursos disponíveis e da diversificação do atendimento, valorizando alternativas institucionais aos modelos existentes. (Brasil, 1995 p. 26 apud ANDES, 2007, p.14).
Ou seja, temos um alinhamento das propostas do MEC com as diretrizes
do Banco Mundial (BM) para a Reforma do Ensino Superior nos países em
desenvolvimento, como o incentivo das fontes de financiamento das
instituições (ANDES, 2007). Conforme Leher (1999, p.23) O BM “abraçou o
ideário neoliberal e, diante da vulnerabilidade dos países endividados, impôs drásticas reformas liberais (ajustes e reformas estruturais)”. Ainda conforme o
autor, como é o caso do Brasil, durante os anos 1980 o país ainda tentou
resistir ao intervencionismo e à imposição do neoliberalismo, mas logo se
submeteu aos “ditames dos ‘Novos Senhores do Mundo’” (LEHER, 1999, p.24),
principalmente nos governos de Collor e FHC.
Segundo a lógica neoliberal do BM, a educação dos países periféricos deve estar adequada a uma lógica que prioriza o ensino mecanicista,
minimalista e aligeirado, voltado apenas para a formação em massa de
indivíduos capazes de atuar segundo as necessidades do mercado de trabalho
e não para a formação crítica. Dessa forma:
A educação é o maior instrumento para o desenvolvimento econômico e social. Ela é central na estratégia do Banco Mundial para ajudar os países a reduzir a pobreza e promover níveis de vida para o crescimento sustentável e investimento
investimentos na infraestrutura e a execução desses serviços, que deveriam estar no âmago dos direitos sociais.
73
no povo. Essa dupla estratégia requer a promoção do uso produtivo do trabalho (o principal bem do pobre) e proporcionar serviços sociais básicos para o pobre (WORLD BANK, 1990 apud LEHER, 1999, p.25)
Coraggio (1996), citado por Dourado (2002), aponta que os fundamentos
das políticas propostas pelo BM estavam voltados para o “reducionismo
economicista presentes nas proposições para área da educacional, cujo escopo se centra na visão unilateral de custos e benefícios” (CORAGGIO, 1996
apud DOURADO, 2002, p.239). À vista disso, tal noção de política se
estabelece:
...na defesa da descentralização dos sistemas (ênfase no localismo, desarticulação de setores organizados...); no desenvolvimento de capacidades básicas de aprendizagens necessárias às exigências do trabalho flexível; na realocação dos recursos públicos para a educação básica; na ênfase à avaliação e à eficiência, induzindo as instituições à concorrência; na implementação de programas compensatórios (programas de saúde e nutrição, por exemplo), onde se fizerem necessários; na capacitação docente em programas paliativos de formação em serviço, dentre outras orientações (CORAGGIO, 1996 apud DOURADO, 2002, p.239).
Sendo assim, uma das prioridades do BM é redefinir a autonomia das
universidades, o que implica no afastamento do Estado da gerência dessas
instituições (LEHER, 1999), o que vai incidir diretamente também nas políticas
de assistência estudantil, na carreira profissional dos professores das IFES e em suas condições de trabalho, além também no acesso e na permanência da
classe trabalhadora no ensino superior.
Nesse contexto, voltando um pouco para a trajetória da assistência
estudantil temos em 1990, a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB), que traz como perspectiva para assistência estudantil a
“igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (SILVEIRA, 2012, p.59). De acordo com Silveira (2012) citando o FONAPRACE (1997), é
quando o sistema educacional brasileiro passa por um processo de
democratização – expandido o acesso para aluno(a)s oriundo(a)s de famílias
de baixa renda – que o Estado passa a se comprometer com a oferta de
condições concretas para a permanência dos alunos nas instituições de ensino
superior.
74
Surge a compressão de que as instituições não estavam preparadas
ainda para enfrentar esse novo público ingressante e que precisavam pensar
em estímulos a “formação cultural, visando obter, na conclusão do curso, a
minimização de diferenças presentes no início dele, houve a necessidade de
elaborar uma proposta de política de assistência ao estudante” (SILVEIRA,
2012).
Em 2007, o FONAPRACE – depois da realização de inúmeras pesquisas para traçar o perfil socioeconômico dos estudantes das IFES – em conjunto
com o ANDIFES, apresenta um novo Plano de Assistência Estudantil que tem
por objetivo a apresentação de diretrizes que norteiem as definições de
programas e projetos de assistência estudantil. Os princípios que regem o
Plano Nacional de Assistência Estudantil são:
I) a afirmação da educação superior como uma política de Estado; II) a gratuidade do ensino; III) a igualdade de condições para o acesso, a permanência e a conclusão de curso nas IFES; IV) a formação ampliada na sustentação do pleno desenvolvimento integral dos estudantes; V) a garantia da democratização e da qualidade dos serviços prestados à comunidade estudantil; VI) a liberdade de aprender, de ensinar, de pesquisar e de divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; VII) a orientação humanística e a preparação para o exercício pleno da cidadania; VIII) a defesa em favor da justiça social e a eliminação de todas as formas de preconceitos; IX) o pluralismo de ideias e o reconhecimento da liberdade como valor ético central (BRASIL, 2007 apud SILVEIRA, 2012, p.67).
Seus objetivos gerais e específicos:
a) Gerais: Garantir o acesso, a permanência e a conclusão de cursos dos estudantes das IFES, na perspectiva da inclusão social, da formação ampliada, da produção de conhecimento, da melhoria do desempenho acadêmico e da qualidade de vida; Garantir que recursos extra-orçamentários da matriz orçamentária anual do MEC destinadas às IFES sejam exclusivos à assistência estudantil.
b) Específicos: Promover o acesso, a permanência e a conclusão de curso dos estudantes das IFES, na perspectiva da inclusão social e democratização do ensino; Viabilizar a igualdade de oportunidade aos estudantes das IFES, na perspectiva do direito social assegurado pela Carta Magna; Contribuir para aumentar a eficiência e a eficácia do sistema universitário, prevenindo e erradicando a retenção e a evasão; Redimensionar as ações desenvolvidas pelas instituições e consolidar programas e projetos, nas IFES, relacionados ao atendimento às necessidades apontadas nas pesquisas sobre o perfil do estudante de graduação, a partir das áreas
75
estratégicas e linhas temáticas definidas; Adequar os programas e projetos articulados e integrados ao ensino, à pesquisa e à extensão; Assegurar aos estudantes os meios necessários ao pleno desempenho acadêmico; Promover e ampliar a formação integral dos estudantes, estimulando e desenvolvendo a criatividade, a reflexão crítica, as atividades e os intercâmbios: cultural, esportivo, artístico, político, científico e tecnológico; Consolidar a expansão de um sistema de informações sobre assistência estudantil por meio da adoção de indicadores quantitativos e qualitativos para análise das relações entre assistência e evasão, assistência e rendimento acadêmico; Viabilizar por meio das IFES uma estrutura organizacional, em nível de Pró-Reitoria com as finalidades específicas de definir e gerenciar os programas e projetos de assistência estudantil; Desenvolver parcerias com a representação estudantil, a área acadêmica e a sociedade civil, para implantação de projetos (BRASIL, 2007 apud SILVEIRA, 2012, p.67-68).
De acordo com Silveira (2012) baseada no documento do Plano
Nacional de Assistência Estudantil, as áreas estratégias da assistência
estudantil são: a permanência que tem como linha temática a moradia, a
alimentação, a saúde física e mental, o transporte, a creche e as condições
básicas para atender os portadores de necessidades especiais; desempenho
acadêmico que engloba as bolsas, os estágios remunerados, ensino de
línguas, inclusão digital, fomento à participação político-acadêmica e o acompanhamento psicopedagógico; cultura, lazer e esporte, que inclui o
acesso à informação e à difusão das manifestações artísticas e culturais, além
do acesso a ações de educação esportiva, recreativa e de lazer; por último,
temos a área dos assuntos da juventude que acolhe a orientação profissional
sobre o mercado de trabalho, prevenção de fatores de risco, meio ambiente,
política, ética e cidadania, bem como saúde, sexualidade e dependência química.
No mesmo ano que foi elaborado Plano Nacional de Assistência
Estudantil o Programa de Apoio e Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (REUNI) é instituído conforme o Decreto nº 6.096 de
abril de 2007, no governo de Luís Inácio Lula da Silva. (SILVEIRA, 2012) Como
nos mostra Lima (2009) os objetivos do REUNI são:
...elevar a taxa de conclusão dos cursos de graduação para 90%; aumentar o número de estudantes de graduação nas universidades federais; aumentar o número de alunos por professor em cada sala de aula da graduação; diversificar as modalidades dos cursos de graduação, através da
76
flexibilização dos currículos, da criação dos cursos de curta duração e/ou ciclos (básico e profissional) e da educação a distância, incentivando a criação de um novo sistema de títulos e a mobilidade estudantil entre as instituições (públicas e/ou privadas) de ensino (LIMA, 2009, p.3).
Embora tais objetivos a primeira vista e sem uma análise profunda dos
seus impactos possam aparentar melhorias no acesso e na permanência dos
alunos, de fato, não é o que ocorre. Contamos com uma expansão das vagas
na universidade, mas que na verdade, da maneira que é colocado traz mais
prejuízos para formação profissional do que benefícios. Temos a precarização
do trabalho docente, que conta com cada vez mais aluno(a)s em sala de aula,
sem que se priorize a contratação de novo(a)s professore(a)s. Nos deparamos
com uma flexibilização dos currículos que não tem como alvo a excelência na formação profissional, mas sim o aligeiramento da formação e a propagação
das modalidades de ensino a distância, que afastam o(a)s aluno(a)s do
ambiente acadêmico, dos debates e discussões em detrimento de um ensino
mecanicista. Além disso, temos uma maior alocação de recursos públicos nas
instituições de caráter privado, revertidos em bolsas e financiamentos
estudantis que poderiam ser investidos no aprimoramento do acesso e da permanência da classe trabalhadora no ensino superior público e de qualidade.
Dessa forma, como afirma Lima (2009), os objetivos do REUNI estão em
consonância com as diretrizes do BM para os países da periferia do capitalismo. Algumas das prescrições do BM, contidas no documento La
enseñanza superior: las leciones derivadas de la experiência, de 1995, para o
ensino superior são claras, conforme explica Dourado (2002, p. 240), e se
debruçam sobre a:
1) privatização desse nível de ensino, sobretudo em países como o Brasil, que não conseguiram estabelecer políticas de expansão das oportunidades educacionais pautadas pela garantia de acesso e eqüidade ao ensino fundamental, bem como, pela garantia de um padrão de qualidade a esse nível de ensino; 2) estímulo à implementação de novas formas de regulação e gestão das instituições estatais, que permitam alterações e arranjos jurídico-institucionais, visando a busca de novas fontes de recursos junto a iniciativa privada sob o argumento da necessária diversificação das fontes de recursos; 3) aplicação de recursos públicos nas instituições privadas; 4) eliminação de gastos com políticas compensatórias (moradia, alimentação); 5) diversificação do ensino superior, por meio do
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incremento à expansão do número de instituições não-universitárias; entre outras.
Observamos no item 4, como uma das premissas, a
diminuição/eliminação dos gastos com as políticas de assistência estudantil,
realidade com o qual nos deparamos atualmente. As políticas de moradia e
alimentação, por exemplo, estão cada vez mais seletivas com processos e
exigências cada vez mais rígidos. Essas politicas vão dando lugar a uma priorização das bolsas trabalho dentro da universidade – que nada mais é do
que compensar o déficit do número de técnicos-administrativos por meio do
trabalho remunerado de estudantes em meio período. Como afirma Leite
(2012, p.468) “o que realmente salta aos olhos é a ocultação do trabalho sob a
legenda de bolsa”. O Estado une então o útil ao agradável e transforma as
políticas de permanência de mecanismos de defesa do direito a educação em mero aparelho para a validação do sucateamento das IFES.
Ainda no ano de 2007 o Ministério da Educação (MEC), por meio da
Portaria Normativa nº 39 de dezembro de 2007, institui o PNAES, que se
efetiva através “ações de assistência estudantil vinculada ao desenvolvimento
de atividades de ensino, pesquisa e extensão, e destina-se a estudantes
matriculados em cursos de graduação na modalidade presencial” das IFES (SILVEIRA, 2012, p.70). Os objetivos do Programa são:
I – democratizar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal; II – minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão da educação superior; III – reduzir as taxas de retenção e evasão e IV – contribuir para a promoção da inclusão social pela educação (BRASIL, 2010 apud SILVEIRA, 2012, p.71).
O público alvo da PNAES é então prioritariamente os alunos
provenientes das escolas públicas e com renda per capita de até um salário
mínimo e meio. O que não se caracteriza por uma política universal e que
muito menos expressa a inclusão de uma parcela considerável de pessoas que
necessitam da assistência estudantil, já que em nova pesquisa realizada pela
FONAPRACE – encomendada pelo ANDIFES, em 2010 – percebemos que o
número de alunos que teriam direito segundo esses critérios é discrepante do
número de alunos que realmente fazem parte desse atendimento. Nos dados é
mostrado que apenas 12% dos estudantes que se encontram dentro dos
critérios do PNAES são contemplados com os programas estudantis, sendo
78 que o número total desses estudantes chegam a somar 44% dos alunos das
IFES (SILVEIRA, 2012).
Temos assim, desde os anos 1990, aquilo que chamamos de
Contrarreforma do Ensino Superior, que se iniciou nos governos de Collor de
Mello e Fernando Henrique Cardoso e continuou a se aprofundar nos governos
de Lula e Dilma. Tanto o REUNI quanto a PNAES até podem parecer, sem
uma analise cuidadosa e profunda, atender as reinvindicações pautadas na defesa da “universidade pública, gratuita, laica e de qualidade socialmente
referenciada” bem como, na “recuperação/ampliação de políticas estudantis de
acesso e permanência...” (LEITE, 2012, p.456), mas tanto uma quanto outra
não expressa nenhuma mudança nos sentidos citados, ao contrário. O que
percebemos com esse suposto novo modelo de educação, em especial do
ensino superior é: o amoldamento da política educacional as exigências
requisitadas pelo mercado; a transformação das universidades em um grande
negócio global; a instituição de um novo modelo profissional direcionado para o mercado atual; e a imobilização de possíveis resistências ao status quo, na
medida em que retira a crítica e a reflexão do processo educativo, afastando a
instituições de um possível potencial emancipador (LEITE, 2012).
4.2. A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL PARA MÃES
ESTUDANTES NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE.
A Universidade Federal do Rio Grande do Norte, localizada em Natal, no
bairro de Lagoa Nova, segundo o documento UFRN em números, de 2012 a
2015, disponível em seu próprio sítio na internet, é uma instituição de ensino
pública, organizada sob a forma de autarquia de regime especial e mantida pelo Ministério da Educação. A UFRN foi criada em junho de 1958 pela Lei
Estadual nº 2.307 e federalizada em dezembro de 1960 de acordo com a Lei nº
3.849. A universidade, em 2015, possuía cerca de 102 cursos de graduação,
na modalidade presencial, com cerca de 27.865 alunos matriculados e 2.934
estudantes distribuídos entre os 11 cursos de graduação a distância. O corpo
de funcionários da UFRN contava, na época, com cerca 5.474 profissionais,
entre eles docentes permanentes do ensino superior, da educação básica e
técnico-administrativos.
79
Sobre as ações de assistência estudantil do campus, segundo o
Relatório de Gestão (2015) a instituição recebe recursos custeados pelo
Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), instituído por meio do
Decreto de Lei nº 7.234, de 19 de julho de 2010, além de dispor também de
recursos orçamentários próprios. As ações de assistência ao estudante são
administradas pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PROAE), que
conforme o Art. 154. do Regimento da PROAE, está diretamente subordinada a Reitoria e tem por finalidade o planejamento, a coordenação, a supervisão e a
execução das atividades de assistência ao estudante, articuladas com as
ações acadêmicas.
A PROAE, como pode se observar no organograma abaixo, possui entre
a sua estrutura administrativa: o Gabinete do Pró-Reitor; a Assessoria Técnica;
a Comissão de Assuntos Estudantis; a Diretoria de Assistência Estudantil; a
Diretoria de Atividades Estudantis; a Diretoria do Restaurante Universitário; e a
Secretaria Administrativa.
80
Figura 1 – Organograma da PROAE.
Fonte: PROAE
Como se vê, a maioria das diretorias possui determinadas
coordenadorias que, por sua vez, possui determinados setores. A diretoria que
vamos nos ater para analisar a assistência oferecida ao estudante no que
tange a sua permanência no ensino superior é a Diretoria de Assistência Estudantil que possui três coordenadorias: a Coordenadoria de Apoio
Pedagógico e Ações de Permanência (CAPAP), que possui os setores de
orientação pedagógica, controle e avaliação de bolsas e o setor de seleção; a
Coordenadoria de Atenção à Saúde do Estudante (CASE), que conta com o
setor de psicologia e o setor de encaminhamento médico odontológico; e a
Coordenadoria de Gestão das Residências Universitárias. Conforme o Art. 164.
81 da subseção IV, do Regimento da PROAE, tal diretoria tem por finalidade
orientar, organizar e supervisionar os serviços de assistência ao Estudante.
Suas competências segundo o Art. 166, da mesma subseção, são:
I – propor ao Pró-Reitor mecanismos para a promoção de ações afirmativas e de permanência para os alunos de condições sócio-econômicas desfavoráveis; II – observar os critérios de seleção de alunos considerados prioritários, de acordo com a legislação vigente; III – acompanhar o desempenho acadêmico dos alunos beneficiados com a assistência estudantil; IV – supervisionar as demais ações de assistência estudantil desenvolvidas pela Pró-Reitoria.
Ainda na mesma subseção do referido regimento o Art. 167 discorre
sobre as competências da CAPAP e seus setores:
Art. 167. À Coordenadoria de Apoio Pedagógico e Ações de Permanência compete: I – coordenar os setores de orientação pedagógica, de controle e avaliação de bolsas e de seleção; II – propor à Diretoria a atualização de critérios de avaliação e acompanhamento dos alunos beneficiados com programas de assistência; III – propor à Diretoria ações corretivas para os alunos com dificuldades de ordem pessoal e material para conclusão de curso.
§1o Ao Setor de Orientação Pedagógica compete: I – identificar alunos com diferentes graus de dificuldades de permanência e conclusão de curso; II – classificar, de acordo com os diferentes graus de dificuldades, os alunos que necessitam de acompanhamento pedagógico; III – encaminhar os alunos com dificuldades de aprendizado para os procedimentos adequados.
§2o Ao Setor de Controle e Avaliação de Bolsas compete: I – cadastrar nos sistemas de informação e gestão da Universidade os alunos candidatos aos programas de bolsas da UFRN; II – avaliar a situação sócio-econômica de cada aluno e realizar a classificação de acordo com os critérios das resoluções vigentes; III – controlar o quantitativo e a distribuição das bolsas de acordo com o orçamento estipulado pelo Conselho de Administração.
§3o Ao Setor de Seleção compete: I – selecionar os candidatos às bolsas, ouvido o Setor de Controle e Avaliação de Bolsas; II – entrevistar os candidatos para a devida comprovação de renda familiar, quando for o caso; III – encaminhar os bolsistas selecionados para as unidades solicitantes; IV – encaminhar a relação dos bolsistas para o setor de pagamento competente.
Diante disso, o atendimento a(o)s estudantes pelos programas e bolsas
disponíveis na UFRN então condicionados a determinados critérios, entre eles a avaliação socioeconômica dos candidatos, sendo assim, segundo o Relatório
82 de Gestão da UFRN (2015), citando a Resolução 026/2009 do Conselho
Nacional de Secretário de Estado da Administração (CONSAD), de 20 de
agosto de 2009, que dispõe sobre o auxílio a estudantes, a UFRN prioriza a
concessão de bolsas para os alunos considerados por ela em vulnerabilidade
socioeconômica, ou seja, aqueles provenientes de famílias cuja renda per
capita seja igual ou inferior a um salário mínimo oficial. O que é um pouco
menor do que o disposto pela PNAES, em seu Art. 5º, que afirma que os alunos a serem atendidos prioritariamente pelos recursos por ele
disponibilizados, são aqueles preferencialmente oriundos da rede pública de
educação básica e que possuem renda familiar per capita de até um salário
mínimo e meio, mas sem prejuízo, aos requisitos fixados pelas IFES, que como
indica o parágrafo 2º da PNAES, cabe as IFES definirem os critérios e a
metodologia de seleção dos alunos a serem beneficiados.
Além disso, ainda de acordo com o Decreto de Lei nº 7.234, em seu Art.
3º: O PNAES deverá ser executado de maneira articulada com as atividades de
ensino, pesquisa e extensão, objetivando o atendimento de estudantes
regularmente matriculados em cursos de graduação presencial das IFES.
Ademais, as ações de assistência estudantil deverão ser desenvolvidas, conforme o Parágrafo 1º, nas áreas de: moradia estudantil; alimentação;
transporte; atenção à saúde; inclusão digital; cultura; esporte; creche; apoio
pedagógico; e acesso, participação e aprendizagem de estudantes com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e
superdotação.
Na UFRN, de acordo com o Relatório de Gestão de 2015 os programas e as ações voltadas para a assistência estudantil são os seguintes:
o Bolsa alimentação que oferta refeições que incluem café da
manhã10, almoço e/ou jantar aos estudantes que possuem a
necessidade acadêmica de se manter em turnos consecutivos na
instituição. Em Natal (campus central), tal atendimento é feito pelo
Restaurante Universitário (RU), nos campi do CERES (Currais
Novos e Caicó) e da FACISA (Santa Cruz), onde não existe RU,
10 É importante ressaltar que o café da manhã é disponível apenas para os estudantes que residem na universidade, ou seja, aqueles que estão alojados na residência universitária.
83
esse apoio é feito por meio da concessão de dois tipos de bolsa,
uma no valor de R$ 150,00, destinada a estudantes que ou já
recebem bolsa moradia ou residem em cidades próximas e têm
necessidades de permanecer em mais de um turno na Instituição
e outra, no valor de R$ 300,00, que é concedida aos estudantes
moradores das residências. O RU do campus central atende tanto
estudantes bolsistas quanto estudantes pagantes. Dessa forma, atualmente o valor da refeição custa R$ 7,00 reais, para alunos
com renda per capita superior a 3 salários mínimos, R$ 3, 00
reais para alunos com renda per capita entre 1,5 e 3 salários
mínimos, tendo subsidio parcial do valor da refeição e subsidio
total para aqueles com renda per capita inferior a 1,5 salário
(PATRIOTA, 2016).
o Bolsa Moradia que visa assegurar moradia aos estudantes que
são procedentes de cidades/estados diferentes daquelas onde se
localiza os campis da UFRN e que necessitam desta modalidade
de apoio para permanecer e concluir sua formação superior. A universidade tem hoje disponível cerca de 10 residências de
graduação distribuídas entre Natal (10), Currais Novos (1), Caicó
(1) e Santa Cruz (1), totalizando 774 vagas. Além disso, a
instituição conta também com 2 residências de pós-graduação
localizadas em Natal e que são mantidas com recursos próprios
da UFRN, já o PNAES só aloca verbas para atender os alunos da graduação presencial. A universidade conta também com a Bolsa
Residência, ou auxílio moradia, onde os estudantes que não são
contemplados com vagas nas residências recebem um auxílio-
moradia no valor de R$ 250,00.
o Bolsa de Apoio Técnico e Administrativo (Bolsa Trabalho),
utilizada pela UFRN como estratégia de subsidiar alunos na
permanência e conclusão de seu curso. Para isso a instituição
disponibiliza as bolsas por meio dos seus centros acadêmicos,
para ter acesso ao valor de R$ 400,00 reais o aluno necessita, como contrapartida, desenvolver de 12 a 20 horas semanais de
84
atividades de trabalho, estabelecidas de acordo com
especificidade e o objetivo de cada setor.
o Auxílio transporte que conta com o apoio financeiro, na quantia de
R$ 100,00 aos estudantes da UFRN para custeio do transporte no trajeto casa/universidade e universidade/casa.
o Auxílio atleta que tem por objetivo o incentivo à participação de
atletas de alto rendimento esportivo nas seleções da UFRN, para
isso a universidade disponibiliza o valor de R$ 400,00 reais aos bolsistas;
o Bolsa acessibilidade trata de uma ação afirmativa desenvolvida
pela universidade com o objetivo de atender a estudantes com
deficiência física, sensorial, intelectual ou pessoas com
transtornos do espectro autista, com o intuito de ajuda-las com as
despesas referentes ao descolamento, bem como, a aquisição de
instrumentos pessoais que sejam indispensáveis para o apoio a
eles.
o Auxílio óculos que atende a estudantes, em primeira graduação,
que necessitem de subsídio para aquisição de óculos ou lentes
corretivas, por meio da disponibilização de recurso financeiro no
valor de R$ 200,00 (duzentos reais), desde que respeitado o intervalo de no mínimo 12 meses, ou seja, um ano de uma
solicitação a outra.
o Auxílio instrumental acadêmico é um recurso financeiro oferecido
como auxilio aos alunos do curso de odontologia para aquisição
dos instrumentais necessários a sua graduação.
o Apoio para a participação estudantil em eventos científicos,
acadêmicos e culturais que tem por objetivo o apoio a
participação dos estudantes da instituição em eventos regionais,
nacionais e, excepcionalmente, internacionais.
85
o Bolsas acadêmicas que englobam bolsas de pesquisa, extensão,
monitoria e ações associadas (que unem as três modalidades) e
são apoiadas com recursos da assistência estudantil. As bolsas
são repassadas para as pró-reitorias acadêmicas que se
encarregam de distribui-las entre os docentes por meio de editais
de apoio a projetos nas áreas mencionadas. O valor mensal de
cada uma dessas bolsas é também, como na bolsa trabalho, de R$ 400,00.
o Auxílio Creche, que tem por objetivo ajudar aos alunos e alunas
da UFRN, em primeira graduação, com filho(a)s entre 0 a 6 anos de idade e legalmente sob sua responsabilidade, a custear as
despesas referentes a creche e/ou serviço similar. Para isso a
universidade disponibiliza durante os meses que correspondem
ao período acadêmico de aulas o valor de R$ 100,00 reais para
estudantes com um filho e R$ 200,00 reais para estudantes com
dois filhos – sendo que o segundo benefício está condicionado ao atendimento de todos os classificados na seleção, incluindo os
alunos na fila de espera, ou seja o beneficio só será concedido ao
segundo filho (máximo de benefícios) se não houver nenhum
outro aluno a ser contemplado.
Além das bolsas e auxílios citados, a UFRN também oferta um conjunto
de programas e ações contínuas, dentre as quais se destacam: programa de Atenção à Saúde Mental do Estudante; Plantão Psicológico; Grupos de Apoio
Terapêutico; Programa de Aconselhamento em Saúde; Projeto de Extensão
Hábitos de Estudo (PHE).
Há ainda especialidades médicas disponíveis nos serviços de saúde da
UFRN ofertados pela CASE para os estudantes, são elas: clínico geral;
ginecologista; oftalmologista; nutricionista; odontologista; psiquiatra. Bem
como, exames médicos e laboratoriais: raio-x coluna (lombar, dorsal e cervical);
cabeça; membro inferior; membro superior; pé; mão; pescoço; tórax;
ultrassonografia de mama; ultrassonografia transvaginal; mamografia; citologia
oncótica; audiometria; hemograma completo; TGO (transaminase glutâmico-
oxalacética); TGP (transaminase glutâmico pirúvica); PSA (antígeno prostático
86 específico); PSO (pesquisa de sangue oculto nas fezes); triglicerídeos; glicose;
EAS urina; EPF fezes; creatinina; colesterol total;
Lembrando que todos os beneficiados devem estar dentro dos critérios
da universidade. Para ter acesso a atendimento médico e psicológico os
estudantes devem estar cadastrados no Cadastro Único11, disponível no
SIGAA 12 da UFRN. Para concorrer às bolsas e auxílios além de cadastrado os
estudantes devem realizar a inscrição on-line no período disponibilizado, anexar toda a documentação comprobatória exigida nos editais e participar da
entrevista social, também no período agendado. Além disso, há alguns critérios
gerais para concessão e renovação das bolsas na universidade, tais como: ser
aluno em situação de vulnerabilidade social, o que já foi citado; estar
regulamente matriculado em um número de disciplinas que permita o término
do curso dentro do limite máximo estipulado para integralização curricular do
discente; apresentar, a partir da data da concessão do auxílio, desempenho
acadêmico satisfatório; e para quem concorre a modalidade alimentação, é
necessário também, possuir atividades acadêmicas em turnos consecutivos na
UFRN. Todos esses critérios estão de acordo com o disposto na Resolução
022/1991 do CONSAD.
A titulo de informação os documentos gerais necessários para a maioria
das bolsas aqui citadas são, como disposto nos editais do Auxílio Alimentação
e Residência e nos editais do Auxílio Creche, Atleta e Óculos:
Documentos do candidato: RG ou Certidão de Nascimento; Carteira de Trabalho (página de identificação do trabalhador e página contrato de trabalho, mesmo sem registro de vínculo empregatício) ou Protocolo de entrada no documento; Certificado de conclusão ou Histórico Escolar do Ensino Médio ou Diploma de Graduação; Declaração de bolsista, apenas para alunos que desejam solicitar a BOLSA ALIMENTAÇÃO, contendo as seguintes informações: Tipo de bolsa (apoio técnico, pesquisa, extensão, monitoria, etc.), dias e turno em que desenvolve as atividades de bolsistas. (Caso seja Bolsista na UFRN)
Documentos da família: RG ou Certidão de Nascimento de todos os membros da família; Certidão de óbito do pai ou mãe, se for o caso; Certidão de casamento com averbação de divórcio (dos pais ou estudante), se for o caso; Comprovante
11 Trata-se de um instrumento de coleta de dados e informações que tem a função de identificar todas as famílias em situação de vulnerabilidade social. 12 Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas.
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de residência Exemplo: água, luz, telefone, IPTU, prestação do imóvel financiado); Se Imóvel alugado: contrato de aluguel ou último recibo de pagamento do aluguel; Comprovante de renda de todos os membros que trabalham. Podem ser utilizados como comprovação: a) Carteira de Trabalho - cópia das páginas de identificação do trabalhador, último contrato de trabalho e página com registro atualizado do salário referente ao ano de 2015; ou b) Contracheque ou holerite atualizado (outubro ou novembro ou dezembro); ou c) Última declaração de Imposto de Renda completa; d) Extrato de Benefício da Previdência Social atualizado; ou e) Guia de recolhimento do INSS atualizado; ou f) Declaração Comprobatória de Percepção de Rendimentos – DECORE, dos últimos três meses, feita por contador ou técnico contábil inscrito no CRC. Se tiver cargos de direção, apresentar Pró‐Labore; ou g) Declaração de renda informal (“bicos”) contendo a atividade que exerce e a remuneração, com assinatura reconhecida em cartório.
Outros documentos: Em caso de familiar com doença incapacitante ou uso contínuo de medicamentos: a) Laudo médico com CID (Código Internacional de Doenças), quando se tratar de doença crônica ou degenerativa; b) Comprovante de despesa com saúde, em caso de pessoas em tratamento. Em caso de Participação da família em Programas Sociais: a) Cartão do Programa Social em questão (Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada etc); b) Extrato atualizado de recebimento do benefício. (UFRN, 2015)
Uma lista extensa, que demonstra a burocracia enfrentada pelos alunos
para comprovarem a veracidade da sua necessidade. Além disso, há também
documentos específicos para algumas bolsas, como por exemplo, no caso do
auxílio óculos a receita atualizada e emitida por médico oftalmologista no prazo
de até três meses antes da data da entrevista, atestado de quitação de auxílios
financeiros recebidos anteriormente e um termo de compromisso e
responsabilidade de que o auxilio irá para a finalidade que se destina. Para o
auxílio atleta é necessário o currículo desportivo atualizado, comprovante da
federação atestando que o atleta é federado e matriculado em clube filiado,
declaração da divisão de atividades desportivas atestando que o aluno participa das seleções, avaliação médica e termo de compromisso e
responsabilidade. Para o auxílio creche, não seria diferente, é necessário além
da certidão de nascimento da criança uma declaração ou recibo de despesas
com creche, escola, babá ou cuidadora e o termo de responsabilidade.
Além de tudo o aluno tem o prazo de até 30 dias, depois do deposito
bancário, para prestar contas à universidade por meio de nota fiscal com CNPJ
88 e o nome do beneficiário. Aqueles que tiverem despesas em um valor inferior
ao concedido deve inclusive, devolver a diferença.
Observamos no que tange ao auxílio creche, conforme indicado pelo
Relatório de Gestão da UFRN, que foi concedido, em 2015, a 68 estudantes o
benefício a um filho(a) e a 8 estudantes o benefício foi concedido a dois
filho(a)s. Em 2016, 66 alunos foram beneficiados com o auxílio, um pouco
menos do que o previsto em edital, já que a oferta era de bolsa para 100 estudantes com filho(a)s. Dos 100 alunos que concorreram – exatamente o
número limite de bolsas a serem concedidas – 34 foram desclassificados ou
tiveram o pedido indeferido, sendo 22 no primeiro caso e 12 no segundo caso.
É importante ressaltar, que o beneficio se encerra quando a criança completa 6
anos de idade e/ou quando já ocupa vaga em creche do munício ou no Núcleo
de Educação Infantil (NEI) da UFRN, sendo tal vaga integral ou não.
89
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Ao longo dessa pesquisa tínhamos o objetivo de analisar os impactos
das políticas de assistência estudantil da UFRN, na realidade das estudantes
mães da instituição, principalmente no que diz respeito à garantia de sua
permanência no ensino superior. Pretendíamos entender as dificuldades
enfrentadas pelas alunas, ao mesmo tempo em que conhecíamos as políticas
de assistência estudantil que o campus desenvolve para elas, compreendendo o seu papel na garantia da permanência desse público no ensino superior.
Tínhamos a curiosidade de entender e investigar os impactos da
contrarreforma do ensino superior e dos avanços do Estado neoliberal nas
políticas da assistência estudantil das IFES, além dos rebatimentos da
sociedade patriarcal de gênero e dos ideais de maternidade concebidos por
essa mesma sociedade na vida das mulheres mães e estudantes. Para isso,
utilizamos como método o materialismo histórico dialético para apoiar a nossa
pesquisa bibliográfica e análise dos resultados da entrevista semiestruturada e
do questionário que foram aplicados com as mães estudantes matriculadas nos
curso de Enfermagem, Pedagogia e Serviço Social com filho(a)s em idade de
creche, que vai do 0 aos 6 anos.
Percebemos ao longo do trabalho que a sociedade patriarcal de gênero
incide diretamente na vida das mulheres mães dentro da universidade, que a
visão machista de que lugar de mulher é em casa, cuidando do(a)s filho(a)s,
ainda impregna o imaginário social que possui um ideal de maternidade
baseado na abdicação, no sacrifício dos planos pessoais em nome da família.
É cobrada das mulheres mães uma postura onde essas sempre priorizem os filho(a)s em função de qualquer outra vontade e que se sintam culpadas, se as
coisas assim não forem feitas. Dessa forma, o Estado não se dedica a pensar
nas necessidades desse público dentro dos espaços públicos, pois a
concepção que se predomina é que o seu destino é o ambiente doméstico. São
poucas as vagas em creches públicas, são poucos os espaços que possuem
fraldários, isso inclui bancos e instituições públicas e privadas. Essa
negligência, obviamente tem se estendido as instituições de ensino, tanto de
90 nível médio 13 quanto de nível superior, o que resulta muitas vezes na evasão
escolar14 das meninas e mulheres mães. Além de tudo, os programas e
projetos do governo que estão voltados para a assistência estudantil,
infelizmente, não tem obtido êxito e se encarregam mais de burocratizar e
impor condicionalidades ao acesso do que alcançar de fato o atendimento das
necessidades da classe trabalhadora dentro do ensino superior público. Como
vimos, a política neoliberal tem guiado a contrarreforma do ensino superior e se encarregado de velar de expansão o sucateamento da educação. Sendo
assim, constatamos que as políticas de assistência voltadas para as alunas
mães são praticamente inexistentes, além disso, a única bolsa disponível para
elas – o auxílio creche – como as mesmas relataram, tem um valor muito
ínfimo (100 reais), que não se encarrega em apoiar, de fato, financeiramente a
inserção das crianças em creches privadas, nem a subsidiar a contratação de
profissionais que se encarregam de cuidá-las.
Os dados colhidos revelaram que a idade média dos ingressantes da
universidade está de acordo com a média da idade fértil da população jovem
brasileira, ou seja, o(a)s jovens brasileiro(a)s ingressam no ensino superior
justamente quando estão mais propensos a terem filho(a)s. A UFRN, infelizmente, assim como as universidades brasileiras em geral não tem levado
em consideração tal fato e não investe nem na formação profissional, nem na
promoção do debate sobre a maternidade e muito menos em políticas que
possam garantir que esses jovens não abandonem a universidade. Dessa
forma, nos deparamos nos relatos das entrevistadas, com a falta de preparo de
professores e colegas para entender a sua situação que demanda necessidades diferentes e dificuldades para conciliar o tempo com as
atividades da academia, o cuidado do(a)s filho(a)s e da casa e muitas vezes,
também com o trabalho, o que acaba expondo as alunas mães a circunstâncias
que as deixam desconfortáveis. Além disso, percebemos que essas alunas em
sua maioria estão com os seus cursos atrasados. Elas não possuem
informações sobre os programas e mecanismos que podem acessar e mesmo 13 A gravidez na adolescência é uma realidade que assola, segundo dados do Sistema Nacional de Nascidos Vivos – Sinasc, do Ministério da Saúde, citados no relatório da UNICEF, sobre o direito de ser adolescente, em 2009, 290 mil meninas com idades entre 12 e 17 anos. 14 Em matéria publicada pelo G1, em dados expostos pela Pesquisa Nacional de Amostras em Domicílio (Pnad), por exemplo, aproximadamente 75% das adolescentes com filho(as)s se encontravam fora da escola, uma porcentagem muito alta que demonstra que o Estado tem falhado com essas jovens.
91 aquelas que procuram pelas escassas políticas voltadas para as alunas mães
lidam com a burocracia da instituição e despreparo dos profissionais sejam eles
docentes ou servidores.
É muito importante deixar claro que de acordo com o que pudemos
analisar nos depoimentos das alunas mães, elas não se arrependem de serem
mães, elas são felizes tendo o amor dos seus filhos e filhas, mas é inegável
para elas que a tarefa da maternidade seria algo muito mais leve se a sociedade não as cobrasse tanto e se o Estado disponibilizasse creches em
tempo integral. É preciso eliminar de uma vez por todas a concepção de que
mulheres com filhos não são outra coisa além de mães. É preciso enxergar que
a maternidade pode sim vir acompanhada de outras funções, se assim for
desejado, que ela não precisa vir acompanhada de uma dedicação tão
exclusiva que seja necessário abdicar-se inclusive do trabalho, do lazer, dos
estudos. É preciso que a maternidade venha para somar na vida daquelas que
desejam ser mães e não para limitar, para podar. Como podemos perceber é
preciso que a Universidade enxergue as necessidades dessas alunas, é
preciso que as instituições se adaptem tanto fisicamente, melhorando o acesso
para gestantes, disponibilizando fraldários e creches próprias, quanto preparando o quadro de servidores e docentes para entender as peculiaridades
de alunos e alunas que tenham filho(a)s.
Ademais, almeja-se que esse trabalho contribua para a expansão do
debate a cerca do gênero e da desromantização da maternidade não apenas
dentro do curso de Serviço Social, mas em toda a academia. Que os dados
aqui colhidos sirvam como para que a UFRN aprimore as políticas e programas voltados para a assistência estudantil das alunas mães e que o cotidiano
dessas alunas não seja mais levado adiante como uma luta que essas
mulheres têm de travar diariamente para conquistar o seu espaço no mercado
de trabalho.
92 REFERÊNCIAS
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