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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO Thiego Moreira de Oliveira TUTELA COLETIVA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS E O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS: Demandas seriais em perspectiva. NATAL/RN 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

Thiego Moreira de Oliveira

TUTELA COLETIVA DE DIREITOS INDIVIDUAIS

HOMOGÊNEOS E O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE

DEMANDAS REPETITIVAS: Demandas seriais em perspectiva.

NATAL/RN 2014

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THIEGO MOREIRA DE OLIVEIRA

TUTELA COLETIVA DE DIREITOS INDIVIDUAIS

HOMOGÊNEOS E O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE

DEMANDAS REPETITIVAS: Demandas seriais em perspectiva.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito básico necessário à obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Profº. Me. Francisco Barros Dias

NATAL/RN 2014

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Catalogação da Publicação na Fonte.

UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Oliveira, Thiego Moreira de.

Tutela coletiva de direitos individuais homogêneos e o incidente de

resolução de demandas repetitivas: demandas seriais em perspectiva/

Thiego Moreira de Oliveira. - Natal, RN, 2014. 103f.

Orientador: Profº. M. Sc. Francisco Barros Dias.

Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de

Direito.

1. Direitos individuais - Monografia. 2. Tutela coletiva - Monografia. 3.

Demandas repetitivas - Monografia. 4. Código de processo civil –

Monografia. I. Dias, Francisco Barros. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 342.7

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THIEGO MOREIRA DE OLIVEIRA

TUTELA COLETIVA DE DIREITOS INDIVIDUAIS

HOMOGÊNEOS E O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE

DEMANDAS REPETITIVAS: Demandas seriais em perspectiva.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito básico necessário à obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Aprovado em: ___/___/___.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________ Prof. Me. Francisco Barros Dias - UFRN

Presidente

____________________________________ Prof. Dr. Marcus Aurélio de Freitas Barros - UFRN

____________________________________ Prof. Esp. Herbert Pereira Bezerra - UNP

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RESUMO

O objetivo da presente Monografia é investigar o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, instituto criado pelo projeto do Novo Código de Processo Civil (PL n.º 8.046/10), relacionando-o com a tutela coletiva em matéria de direitos individuais homogêneos, a fim de comparar as formas e caminhos de evitar a multiplicação de demandas seriais e contribuir para a redução do volume de processos no Poder Judiciário. O crescimento no número de processo e a reconhecida incapacidade de prestar o serviço “justiça” de forma célere e efetiva têm levado os juristas a buscar soluções e novos instrumentos processuais para contornar esse quadro, em especial aproveitando o ensejo da confecção do novo diploma legal que irá reger o processo civil brasileiro. Sendo constatada que a nossa sociedade de massa conduz ao “demandismo” de massa e a repetição de processos idênticos, o incidente de resolução de demandas repetitivas trabalha ideia da tanto prevenir a multiplicação como enfrentá-la. Todavia, por seu turno, a tutela coletiva desde seu nascedouro possibilitou a redução das demandas isomórficas conjugando o conflito num só processo e apresentando resolução uniformizada da lide. Assim, é inarredável a necessidade de comparar as soluções propostas por esses mecanismos. Para tanto se utilizou da metodologia documental para subsidiar as conclusões e reflexões formuladas, ora para afastar ora para tecer algumas aproximações entre ambos, inclusive sobre direito comparado. No tocante ao processo coletivo, parte-se da análise histórica da tutela coletiva de direitos individuais, no direito norte americano e no brasileiro, para em seguida se debruçar sobre as espécies de direitos coletivos (direitos difusos, direitos coletivos em sentido estrito e direitos individuais homogêneos). Na segunda parte aborda-se o incidente em comento, apresentado sua inspiração alemã, o seu objeto e dinâmica de processamento. Na terceira e última parte são feitas algumas aproximações teóricas e análise comparativa relativa à(s)(ao) (i) aproximações culturais e objetivos em comum; (ii) suspensão dos processos individuais; (iii) vinculação ao julgado e (iv) objeto material do incidente. Como resultado do estudo, verificou-se a grande importância do tema, seja pela perspectiva jurídica, seja pela visão social, pois possibilita a prestação jurisdicional mais efetiva e adequada à sociedade. Sendo assim, se concluiu que tanto o processo coletivo quanto o incidente de resolução de demandas repetitivas poderão conviver juntamente no ordenamento brasileiro, muito embora partam de pontos diversos, cada qual apresentando vantagens e desvantagens, mas que podem se complementar a fim de promover a tutela de direitos individuais homogêneos com máxima eficiência e adequação. Palavras-chave: Tutela Coletiva de Direitos Individuais. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Musterverfahren. Direitos Individuais Homogêneos. Novo Código de Processo Civil.

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ABSTRACT

The purpose of this monograph is to investigate the Resolution of Repetitive Demands Incident, institute created by the New Code of Civil Procedure (PL n.º 8.046/10) project , linking it to the collective custody regarding homogeneous individual rights, in order to compare shapes and paths to avoid the proliferation of serial demands and help reduce the number of cases in the judiciary. The growth in the number of process and its recognized inability to provide the "justice" service swiftly and effectively have led jurists to seek solutions and new legal instruments to circumvent this situation , in particular by taking the opportunity of making a new statute which will conduct the brazilian civil procedure. Knowing that our mass society leads to mass litigation and the repetition of identical processes, the Resolution of Repetitive Demands Incident works with the idea of both preventing the multiplication and fighting it. On the other hand, collective custody, since its origin, has allowed the reduction of isomorphic demands combining the conflict in one process and providing uniform resolution of the dispute. Thus, it is unwavering the need to compare the solutions proposed by these mechanisms. To this end, the documentary methodology was used to support the conclusions and reflections made, to separate or to find some similarities between them, including on comparative law. Regarding the collective process, we start from the historical analysis of the collective protection of individual rights in the north american and brazilian law, then we continue to look into the types of collective rights (diffuse rights, strict collective rights and homogeneous individual rights). The second part covers up the incident under discussion, presenting its german inspiration, its object and processing dynamics. In the third and final part, certain theoretical approaches and comparative analysis are performed, which are related to (i) cultural similarities and common goals; (ii) suspension of individual cases; (iii) linking to the one judged and (iv) material object of the incident. As a result of the study, it was proved the great importance of the subject, either by legal perspective or the social vision, because it allows a more effective and appropriate adjudication for the society. Therefore, it was concluded that both the collective process and the Resolution of Repetitive Demands Incident may live together in the brazilian legal system. Although departing from various points, each one with its advantages and disadvantages, they can complement each other in order to promote the protection of homogeneous individual rights with maximum efficiency and suitability. Keywords: Collective Protection of Individual Rights. Resolution of Repetitive Demands Incident. Musterverfahren. Homogeneous Individual Rights. New Code of Civil Procedure.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CDC – Código de Defesa do Consumidor

CPC – Código de Processo Civil

CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

EI – Estatuto do Idoso

IRDR – Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas

LACP – Lei da Ação Civil Pública

NCPC – Novo Código de Processo Civil

PL n.º 5.139/2009 – Projeto de Lei da Nova Ação Civil Pública, de 2009

PL n.º 8.046/2010 – Projeto de Lei n.º 8.046, de 2010

REsp – Recurso Especial

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

TJ – Tribunal de Justiça

TRF – Tribunal Regional Federal

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9

2 NASCIMENTO E EVOLUÇÃO DO PROCESSO COLETIVO E DA TUTELA COLETIVA DE DIREITOS INDIVIDUAIS .......................................................................... 13

2.1 A TUTELA COLETIVA DE DIREITOS INDIVIDUAIS E AS CLASS ACTIONS FOR DAMAGES DO DIREITO NORTE AMERICANO ............................................................... 14

2.2 A EVOLUÇÃO DO PROCESSO COLETIVO EM DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS NO BRASIL ..................................................................... 19

2.3 OBJETO DO PROCESSO COLETIVO ........................................................................... 26

2.3.1 Direitos metaindividuais: os direitos difusos e os direitos coletivos em sentido estrito. Tutela de direitos coletivos .................................................................................................. 27

2.3.2 Direitos individuais homogêneos. Tutela coletiva de direitos .................................... 31

2.3.2.1 A origem comum ................................................................................................. 33

2.3.2.2 Repercussão social ou coletiva .......................................................................... 39

2.3.2.3 Distinção entre direitos individuais indisponíveis e direitos individuais homogêneos .................................................................................................................... 41

3. O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ....................................................................... 44

3.1 DEMANDAS SERIAIS OU REPETITIVAS ................................................................... 48

3.2 A INSPIRAÇÃO ALEMÃ. MUSTERVERFAHREN (PROCEDIMENTO-MODELO) ... 51

3.3 QUESTÃO DE DIREITO OU DE DIREITO E DE FATO .............................................. 55

3.4 CARÁTER REPRESSIVO E PREVENTIVO .................................................................. 58

3.5 ADMISSIBILIDADE E SUSPENSÃO DE DEMANDAS INDIVIDUAIS ..................... 59

3.6 APLICAÇÃO DA TESE JURÍDICA GERAL AO PROCESSO INDIVIDUAL ............. 61

3.7 REPARTIÇÃO DA ATIVIDADE COGNITIVA ............................................................. 67

4 APROXIMAÇÕES E PERSPECTIVAS ENTRE O PROCESSO COLETIVO E O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS ............................... 69

4.1 APROXIMAÇÕES CULTURAIS E OBJETIVOS GERAIS EM COMUM ................... 69

4.2 A SUSPENSÃO DOS PROCESSOS INDIVIDUAIS ...................................................... 73

4.3 VINCULAÇÃO AO JULGADO ...................................................................................... 78

4.4 OBJETO MATERIAL DO INCIDENTE ......................................................................... 85

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 88

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 94

ANEXO........................................................................................................................................99

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1. INTRODUÇÃO

O fenômeno de massificação das relações sociais tem chamado a atenção dos

juristas para conflitos que passam a envolver grande número de pessoas e que geram a

proliferação de processos judiciais com fundamentos fáticos e/ou jurídicos idênticos.

É comum identificar no cotidiano forense a multiplicação de ações

relacionadas à exposição de toda uma massa de cidadãos a um dano causado por

produto ou serviço; aos reflexos negativos dos planos econômicos Bresser, Collor I e II

e Verão; à ilegalidade ou inconstitucionalidade de tributos; à cobrança indevida de taxa

ou tarifas abusivas por parte de instituições financeiras, só para citar alguns exemplos.

Essa proliferação de demandas repetitivas contribui, em grande medida, para a

morosidade da máquina judiciária, uma vez que cada processo reclama atuação

individualizada do Estado-juiz. Por outro lado, acabam por receber a mesma decisão já

aplicada aos casos semelhantes anteriormente julgados, mudando-se, às vezes, somente

o nome da parte e outros dados pessoais de menor importância.

A primeira tentativa de enfrentar concretamente esse problema de repetição de

processos oriundos de situações de fato e de direito comuns veio com a concepção do

processo coletivo para tutela de direitos individuais homogêneos. Esse propôs a

concentração do conflito em uma única ação, qualificada de coletiva.

A sua essência é de postular em nome de todos aqueles que normalmente

estariam obrigados a demandar solitariamente, e assim, ampliar os efeitos da decisão

jurídica para alcançar todos que compartilham da mesma situação de fato ou de direito,

reduzindo o volume de processos idênticos nos foros.

Em que pese a previsão legal no final da década de oitenta (Lei de Defesa dos

Investidores de Mercado de Valores Imobiliários - Lei n.º 7.913/89) e o início da década

de noventa, por obra do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), após

pouco mais de vinte anos de existência, tem-se levantado vozes no sentido da ineficácia

das ações coletivas no trato das demandas repetitivas, que continuavam a existir.

Por outro lado, as reformas no Código de Processo Civil também não deram

conta de cessar aos deletérios efeitos da morosidade na prestação jurisdicional, e por

consequência, de apresentar uma solução aos processos repetitivos.

Ainda que com a instituição de súmula vinculante, repercussão geral, novo

regime para recursos excepcionais repetitivos (art. 543-B e 543-C, CPC), súmula

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impeditiva de recursos (art. 518, §1º, CPC), julgamento imediato de improcedência de

demandas repetitivas (art. 285-A, CPC), ou mesmo a atribuição de poderes ao relator

para, de pronto, dar provimento ou não ao recurso a depender da observância a súmula

ou jurisprudência dominante (art. 557, caput, e §1º-A, CPC), todos esses mecanismos

jurídicos não conseguiram dar vazão ao volume de processos que assoberba o

Judiciário.

Algumas consequências desse fenômeno de massificação e demandas

repetitivas podem, ainda hoje, ser sentidas no dia a dia forense, fortemente marcado por

uma “cultura do modelo”: a petição modelo, a decisão modelo, recurso modelo, acórdão

modelo etc.

No momento em que se aplica uma mesma decisão em ações judiciais

praticamente idênticas; se utilizada a mesma petição para ingressar em juízo, pois é “a

mesma causa” já enfrentada por outro indivíduo; se utiliza do mesmo precedente

firmado em ações nas quais pessoas na mesma situação fática e jurídica foram

contempladas, fica mais fácil perceber que a Justiça tem se deparado com lesões

massificadas e compartilhadas por um sem número de indivíduos. Mas a questão que

fica é: deverá insistir-se na estratégia de postulação individual dos danos a gerar

centenas ou mesmo milhares de ações repetitivas?

A deficiência da ciência jurídica processual no trato de lides multitudinárias

anunciava a iminência de se buscar o novo. Não se mostrava suficiente a prestação

jurisdicional individualizada, sob fundamentos jurídicos e fáticos decorrentes de

situação ilícita semelhante e compartilhada por toda uma coletividade afetada.

Por sua vez, o projeto do Novo Código de Processo Civil atentou à necessidade

de criar mecanismos processuais novos para desafiar o problema das ações repetitivas.

É bem verdade que foi concebido sob vários fundamentos e perspectivas, mas a

necessidade de superar a morosidade na prestação jurisdicional foi uma constante.

Com efeito, o reconhecimento do sobrecarregamento de processos pendentes

não impunha outra solução senão a racionalização da atividade jurisdicional, a começar

pelo trato das demandas repetitivas, umas das grandes responsáveis pelo abarrotamento

de processos nos foros.

Contudo, não passou despercebido que a nomeação da Comissão de Juristas

responsáveis pela elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil

(30.09.2009), seguiu-se um ano após a nomeação de Comissão Especial que elaborou o

anteprojeto da Nova Lei da Ação Civil Pública (PL n.º 5.139/09).

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Até mesmo pela proximidade temporal, as discussões dos juristas não foram

alheias à necessidade de resolução de demandas seriais, em especial da convivência

entre as ações coletivas e as ações individuais em paralelo. O projeto da Nova Lei de

Ação Civil Pública, porém, não saiu do papel e, após ser rejeitado por pequena

diferença de votos, aguarda deliberação da mesa da Câmara dos Deputados acerca de

recurso interposto, sem grandes perspectivas de aprovação em curto espaço de tempo.

Ademais disso, a doutrina e jurisprudência, por sua vez, passaram a abordar

com maior interesse a temática da tutela coletiva de diretos, em especial pelo amplo

alcance social que possui, mas sem dúvida, impulsionados pela sua função de

concentrar os litígios individuais e espraiar efeitos benéficos através de seu julgado.

É nesse contexto de massificação das relações sociais, lides multitudinárias e

fortalecimento da tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, que vem à tona o

Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, mecanismo destinado a evitar a

multiplicação de ações isomórficas.

Cumpre, portanto, investigar se este novo instituto será capaz de atingir o seu

propósito e de que forma se propõe a tanto, partindo de uma comparação com as ações

coletivas em matéria de direitos individuais homogêneos.

Procura-se, portanto, examinar quais dentre os citados instrumentos

processuais são capazes de promover a justiça coletiva e, ainda que não sejam o

remédio para toda a doença, proporcionar uma maior racionalização ao sistema de

justiça no trato das “causas repetitivas”.

Assim, na primeira parte do estudo, serão apresentados os referenciais

históricos do processo coletivo e da tutela coletiva de direitos individuais, e as

subespécies de direitos coletivos, apontando de que forma enfrenta-se as demandas

repetitivas no plano das ações coletivas.

Em seguida, será abordado o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas,

discorrendo sobre o que se entende por demandas ou ações repetitivas, sobre a origem

do incidente e a conformação legal projetada, segundo a atual proposta de redação dos

dispositivos onde o incidente é disciplinado (arts. 988 e ss. do Projeto do Novo Código

de Processo Civil).

Por fim, será realizado um estudo de aproximações e comparações entre o

processo coletivo na defesa de direitos individuais homogêneos e o incidente referido.

Pelos limites do estudo, porém, debruçou-se sobre quatro vertentes principais: a)

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aproximações culturais e objetivos gerais em comum; b) suspensão dos processos

individuais; c) vinculação ao julgado e d) objeto material do incidente.

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2. NASCIMENTO E EVOLUÇÃO DO PROCESSO COLETIVO E DA TUTELA COLETIVA DE DIREITOS INDIVIDUAIS

A tutela de direitos coletivos e a tutela de coletiva de direitos individuais, como

fenômenos distintos (ZAVASCKI, 2014), têm origens e perspectivas históricas

diferentes.

Embora paire alguma imprecisão na doutrina, entende-se que a tutela de

direitos essencialmente coletivos finca sua origem mais remota no direito romano

clássico. Através da ação popular romana, um único cidadão, em defesa da res publica,

demandava em defesa de bens e valores não seus, mas de toda a comunidade (LEONEL,

2011, p. 38-41). Todavia, outros estudiosos vislumbram as primeiras notícias de

substituição processual na Inglaterra medieval, no século XII. (YAZELL, 1986 apud

RODRIGUES, 2013, p. 44).

De outra ponta, é assente pela franca maioria dos doutrinadores que a tutela

coletiva de direitos individuais tem origem junto às class actions, do direito norte-

americano (ARAÚJO FILHO, 2000, p. 16; RODRIGUES, 2013, p. 44).1

Também chamadas de “class suits”, as class actions remontam ao direito

inglês e aos chamados Tribunais de Equidade (Coutrs of Equity ou Courts of Chancery).

No âmbito desses tribunais concebeu-se o Bill of Peace, com o intuito de afastar as

dificuldades decorrentes de reunião de todos os interessados no processo (NEVES,

2013, p. 02-03), reunião esta, até então imposta pelo sistema de intervenção

compulsória (compulsory jointer ou necessary parties rule) (COSTA, 2010, p. 56).

Assim, a inconveniência de lidar com um feito com expressivo número de

litisconsortes, inicialmente obrigatório, não tardou a mostrar-se um verdadeiro

desserviço á justiça, entravando o andamento do processo e o julgamento da questão.

A solução encampada com o Bill of Peace, como visto, foi a de criar ações

representativas, e por isso é apontado como origem das class actions e das ações

coletivas de defesa de direitos individuais homogêneos (NEVES, 2013, p. 03).

Dessa análise, importante é guardar que as ações coletivas em defesa coletiva

de direitos individuais foram instrumentos criados, historicamente, a partir da

1 Essa, por ser uma das bases teóricas deste estudo, mereceu um aprofundamento maior do que ao processo coletivo que se destina à tutela de direitos tipicamente coletivos, e que assim, não se confunde com a tutela coletiva de direitos a ser pautada. Ademais, a diferenciação referenciada entre tutela coletiva de direitos e tutela de direitos coletivos será abordada adiante com mais vagar.

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preocupação com a grande massa de interessados e a inconveniência de sua presença ou

intervenção direta no feito.

Todavia, além do número de interessados, como aponta Araújo Filho (2000, p.

17), o Bill of Peace era admitido “quando a parte tinha um direito que podia ser

controvertido por várias pessoas, em ocasiões diferentes, e por diversas ações”.

Ou seja, é possível vislumbrar, nesse ponto, outra preocupação fundamental da

tutela coletiva, pois a origem histórica das class actions, com substrato no Bill of Peace,

também voltou sua atenção para as várias ações que poderiam ser intentadas com o

mesmo objeto, ações repetitivas, portanto.

Exposta a maneira como o Bill of Peace serviu à tutela coletiva das demandas

repetitivas, cumpre investigar uma categoria ou tipo class action, em específico, a saber,

a class actions for damages, que foi responsável por influenciar a contemporânea ação

civil coletiva do direito consumerista brasileiro.

2.1 A TUTELA COLETIVA DE DIREITOS INDIVIDUAIS E AS CLASS ACTIONS FOR DAMAGES DO DIREITO NORTE AMERICANO

Em 1938, nos EUA, deu-se a promulgação das Federal Rules of Civil

Procedure,2 dentre as quais estava a Rule 23, esta especificamente destinada a delinear

os contornos das class actions ou class suits.

Conforme explica Araújo Filho, (2000, p. 20-21), as regras instituídas por este

sistema de 1938, na redação originária da Rule 23, propiciaram uma grande controvérsia

jurisprudencial e desencontros doutrinários ao dividir as class actions em três categorias

(true, hybrid e spurious).

Nada obstante, o doutrinador segue lembrando que o problema se tornou ainda

mais grave, pois não bastasse a incerteza que assolava a doutrina e os próprios tribunais

quanto à classificação ou distinção entre as três categorias, deu-se tratamento distinto

para cada uma delas a respeito da extensão da coisa julgada aos membros da classe

ausentes.

2 Verdadeiro conjunto de regras oferecidas pela Suprema Corte, através de delegação do próprio Poder Legislativo, com algumas limitações, porém (COSTA, 2010, p. 58).

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Então, preocupante situação surgia com possibilidade de vinculação ou não da

coisa julgada, a depender da classificação que seria dada a determinada de class action,

o que era bastante impreciso e discutível.

Em tempo, sobreveio a reforma da Rule 23, no ano de 1966, cuja redação não

sofreu relevantes modificações até os dias de hoje (RODRIGUES, 2013, p. 44). A

reforma trouxe mudanças importantes.

Primeiramente traçou uma única forma de operacionalizar os efeitos da coisa

julgada, passando a independer do resultado do processo (ARAÚJO FILHO, 2000, p.

22).

Em segundo lugar, criou o regime jurídico da class action for damages, ação

coletiva destinada reparação de danos individualmente sofridos (b3), esta, nas palavras

de Grinover (2011, p. 127), “podendo ser considerada a grande novidade das Federal

Rules de 1966”.

Além disso, trouxe contornos especiais acerca da “admissão e manutenção da

ação de classe” e a “discricionariedade do juiz na condução do processo” (ARAÚJO

FILHO, 2000, p. 22).

Consoante essa nova disciplina legal, os pressupostos para a admissão para

qualquer ação de classe estão prescritos na Rule 23 (a)3 e necessitam ser cumulativos,

ou seja, devem ser fazer presentes todos eles, sem exceção.

Naquele diploma abre-se a possibilidade de um ou mais membros do grupo

ingressarem em juízo como verdadeiros representantes dos interesses comuns a todos,

desde que fosse impraticável ou impossível a formação do litisconsórcio (como havia já

a época do Bill of Peace, como dito anteriormente) e também existisse questão de fato

ou de direito comuns. São alguns dos requisitos que devem necessariamente estar

preenchidos para a admissão de qualquer que fosse o tipo da class action (ROQUE,

2013, p. 109).

Após esse primeiro exame dos requisitos gerais de admissibilidade, é

necessário que a class action se amolde a umas das hipóteses de cabimento previstas na

3 “(a) Pressupostos de uma Class Action. Um ou mais membros de uma classe podem processar, ou ser processados, como partes representantes, em nome de todos, apenas se (1) a classe for tão numerosa que a reunião (joinder, o “litisconsóricio”) de todos os membros se mostre impraticável, (2) houver questão de direito ou fatos comuns à classe, (3) os pedidos ou defesas das partes representantes forem típicos pedidos ou defesas da classe, e (4) as partes representantes protegerem eficaz e adequadamente os interesses da classe.” (ARAÚJO FILHO, 2000, p. 22-23).

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subseção (b), da Rule 23, as quais são aferidas não cumulativamente, bastando a

satisfação de apenas uma para superar essa fase de exame de cabimento da class action,

e identificar qual tipo ou categoria de ação coletiva correspondente (ROQUE, 2013, p.

158).

Dentre as categorias das class actions, interessa ao presente estudo a “common

question class actions (ações baseadas em questões comuns) ou class actions for

damages (ações coletivas indenizatórias)”, previstas na Rule 23 (b)(3) (ROQUE, 2013,

p. 159).

Isso porque já na década de noventa, a class action for damages ganhou

notável repercussão social e jurídica, pois apresentaram vantagens no seu

processamento como a racionalização da atividade jurisdicional e contenção de

demandas repetitivas:

A partir dos anos 90, porém, explodiram os processos fundados em responsabilidade civil por danos causados em um número massivo de pessoas (mass tourt suits). Nos primeiros anos, enfrentou-se certa resistência na jurisprudência, mas a necessidade de prestar jurisdição e preservar recursos da máquina judiciária, evitando inúmeras demandas individuais idênticas, conduziu ao crescimento das class actions admitidas na categoria (b)(3), que hoje respondem pela maior parte dos litígios coletivos nos Estados Unidos. (ROQUE, 2013, p. 159, grifo acrescido).

Dessa forma, percebe-se que as class actions for damages, claramente, se

inserem no contexto dos litígios de massa, notadamente em casos de reparação civil.4

Consoante a exposição acima, não lhes escapa o propósito de desestimular “demandas

individuais idênticas” ou isomórficas, baseadas em questões de direito ou de fato

comuns aos membros da classe - Rule 23 (b)(3).

No tocante a possibilidade de conter demandas repetitivas, é imprescindível

anotar que o sistema americano de ações coletivas adota um mecanismo que propicia a

resolução da questão no plano coletivo, através da vinculação dos membros da classe

aos efeitos do julgado, seja ele procedente ou improcedente.

A dinâmica das class actions for damages propõe uma eficácia maior do

julgado coletivo, através da vinculação aos efeitos coisa julgada sobre os representados.

Contudo, essa vinculação sofre algumas limitações, pois litigante individual poderá

4 Muito embora não sejam restritas a esse tipo de pretensão (ROQUE, 2013, p. 159 e 183).

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optar por não se atingido pelo julgado, após notificação sobre existência de ação

coletiva relativa a seu direito individual.5

A vinculação se opera da seguinte forma: a notificação é destinada a todos os

membros que, dentro das circunstâncias, “poderem ser identificados com razoável

esforço”. Após a notificação, que não é senão promover a ampla publicidade da ação

coletiva, os titulares dos direitos individuais afetados poderão requerer no sentido da

exclusão pessoal aos efeitos do julgamento coletivo – right to open out ou right to opt

out, ou seja, podem requerer não ser atingidos, nem pela procedência tampouco pela

improcedência da ação coletiva. Em outras palavras, a extensão da coisa julgada, em

sentido favorável ou não para o grupo, somente alcança àqueles que não requereram a

exclusão (ARAÚJO FILHO, 2000, p. 30).

Dessa feita, em certa medida, as demandas repetitivas são refreadas, pois “a

coisa julgada impede a propositura de ações individuais por parte dos membros do

grupo (salvo eventual possibilidade de auto-exclusão)” (GIDI, 2007, p. 73).

Essas características influenciam, em maior ou menor medida, o efeito do

julgado coletivo sobre as vítimas, que compartilham da commum questions. Veja-se que

a vinculação do julgamento da class action for damages pode alcançar todos os

membros da classe, ainda que seja desfavorável aos seus interesses, impedido a

propositura de ações individuais, e, a rigor, repetitivas, sobre a matéria.

Esse sistema, além de contar com a notificação e o direito de autoexclusão para

atenuar os efeitos da vinculação da coisa julgada sobre “terceiros” ou ausentes, também

se vale do controle da “representação adequada”. Isto é, como é impraticável a

intervenção de todos os interessados no processo, em homenagem ao devido processo

legal, aqueles que não são “participantes do processo na qualidade de partes formais,

podem estar vinculados ao julgamento desde que representados adequadamente”

(ROQUE, 2013, p. 132), através daquele que intenta a class action em nome do grupo.

A necessidade dessa série de mecanismos processuais se dá porque, se a ação

coletiva, por um lado, poderá por fim, definitivamente, ao conflito, impedindo a

rediscussão da questão em ações individuais, por outro ângulo, porém, oferece o risco

de abranger/atingir pessoas ausentes do processo, que nunca estiveram lá diretamente,

senão representados por uma “‘porta-voz’ dos interesses do grupo” (GIDI, 2007, p.

100).

5 Naquela ocasião, coletivamente postulado através da class action.

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Esse é o motivo pelo qual exige-se a “representação adequada” ou como

prescreve a melhor doutrina, adequada atuação (DONIZETTI; CERQUEIRA, 2010, p.

102-103), a fim de que os membros ausentes ao processo “possam ser vinculados pela

coisa julgada produzida na ação coletiva” (GIDI, 2007, 99), e assim seja dada a máxima

eficácia à tutela coletiva dos direitos individuais.

Em suma, se pudéssemos enaltecer alguns pontos aqui apresentados pelo

sistema americano de tutela coletiva de direitos individuais, certamente despontam os

seguintes: a flagrante preocupação com a atuação adequada do representante do grupo

ou classe, motivo pelo se lançou mão de outro fator importantíssimo que é justamente a

ampla divulgação e publicidade através de notificações6, tendo em vista a fiscalização

do representante do grupo pelos interessados ausentes ou dispersos na sociedade; diante

da ampla publicidade e notificação, a livre iniciativa daquele que queira ser excluído

dos efeitos da decisão (de procedência ou improcedência) da ação coletiva (regime opt

out); e por fim, a vinculação ao julgamento coletivo sobre terceiros, ou melhor, aqueles

que não intervieram no feito diretamente e não exerceram o right to opt out,

independentemente do resultado lhes ter sido favorável ou não (pro et contra) (GIDI,

2007).

A adequada representação, a ampla notificação e o direito de autoexclusão,

portanto, fazem parte da dinâmica das class actions for damages, no intuito de

promover a máxima legitimação da tutela coletiva, priorizando a resolução do conflito

através da ação coletiva e não de ações individuais múltiplas.

Nessa perspectiva, as class actions for damages evitam a proliferação de ações

repetitivas, tornando-se interessante a apresentá-las, ainda que sumariamente, nesse

ponto do estudo, em especial, se referindo às técnicas de representação adequada,

regime de auto-exclusão, promoção da notificação/divulgação acerca de sua existência e

vinculação ao julgado coletivo.

Apresentadas as características históricas e básicas das class actions for

damages, é necessário investigar, historicamente, como as ações coletivas no Brasil

enfrentaram a matéria da tutela coletiva de direitos individuais, em especial porque é

sabido por todos da influência das class actions sobre o sistema processual civil coletivo

brasileiro (GRINOVER, 2011, p.132).

6 Não a todos os indivíduos da massa afetada, mas daqueles que razoavelmente se espera ter conhecimento e que poderem ser identificados, após razoável esforço (GIDI, 2007, p. 217).

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2.2 A EVOLUÇÃO DO PROCESSO COLETIVO EM DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS NO BRASIL

No Brasil, a temática dos interesses coletivos foi introduzida e abordada de

forma pioneira pelo inestimável mestre José Carlos Barbosa Moreira (1988 apud

ARAÚJO FILHO, 2000, p. 49), aos idos de 1979, ao tratar da ação popular, aquela

época já regulamentada, e da tutela dos direitos difusos no direito brasileiro.

Os interesses difusos e coletivos foram objeto de várias produções legislativas,

como por exemplo, a própria Lei da Ação Popular (Lei n.º 4.717/65), o revogado

Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n.º 4.215/63), a Lei da Ação Civil

Pública (Lei n.º 7.347/85), Lei de Defesa da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 7.853/89),

Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), Lei de Improbidade

Administrativa (Lei n.º 8.428/92), Constituição Federal de 1988, Estatuto da Criança e

do Adolescente (Lei n.º 8.069/90), Lei Antitruste (Lei n.º 8.884/94), Estatuto da Cidade

(Lei n.º 10.257/2001), Estatuto do Idoso (Lei n.º 10.741/2003), Estatuto do Torcedor

(Lei n.º 10.671/2003), Lei do Mandado de Segurança Individual e Coletivo (Lei n.º

12.016/2009).

Todos esses regramentos legais, com exceção da Lei de Mandado de

Segurança, do CDC e da Lei da Ação Popular, trouxeram a previsão da ação civil

pública para defesa do direito material difuso e coletivo, sem descurar dos individuais

homogêneos e individuais indisponíveis.

A Carta Magna de 1988, por seu turno, além de ampliar o campo de incidência

da Ação Popular (art. 5º, LXXIII, CRFB/88) (agora também em defesa do direito difuso

ao meio ambiente sadio), alçou a Ação Civil Pública ao status de Ação Constitucional,

verdadeiro instrumento processual de defesa ampla de “outros direito difusos e

coletivos”, que não o meio ambiente e o patrimônio público e social (art. 129, III, da

CRFB/88). Além disso, estipulou a legitimação sindicatos e associações para defesa de

direitos coletivos e individuais dos associados ou da categoria, judicial ou

extrajudicialmente (art. 5º, XXI e 8º, III, da CRFB/88).

Apesar da considerável gama de diplomas legais, fundamentalmente, o sistema

processual coletivo não tardou a girar em torno da Lei da Ação Civil Pública e o Código

de Defesa do Consumidor. Estes, em conjunto, perfazem o sistema processual civil

coletivo, o que a doutrina denomina de microssistema de processo coletivo

(DONIZETTI; CERQUEIRA, 2010, p. 28 e ss.).

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Voltando-se mais precisamente ao objeto do estudo, a tutela coletiva de direitos

individuais, no Brasil, se deu com a possibilidade de ação coletiva em defesa dos

direitos individuais homogêneos.

Esses, nominados dessa mesma forma (individuais homogêneos) somente

foram consagrados em 1990, com a edição do Código de Defesa do Consumidor.

Contudo, Grinover (2011, p.133) adverte que “a primeira class action for damages do

sistema brasileiro”, ou seja, a primeira ação coletiva em tutela de direitos individuais

homogêneos adveio de outra legislação: a Lei de Defesa dos Investidores de Mercado

de Valores Imobiliários (Lei n.º 7.913/89).

Almeida (2011, p. 63), assevera que esse diploma legal, já em 1989,

disciplinou a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores

no mercado de valores imobiliário. Dessa mesma forma, aponta Dinamarco (2001, p.

58) que criou-se uma exceção, possibilitando a utilização da ação civil pública para

defesa de direitos individuais homogêneos.

Essa constatação é confirmada também por Zavascki (2014). Este, ao tratar da

legitimidade do Ministério Público em face da Lei n.º 7.913/89, aduz que tratar-se “de

legitimação para atuar em busca de tutela preventiva e reparatória de direitos

individuais, divisíveis e disponíveis, decorrentes de origem comum, vale dizer, de

típicos direitos individuais homogêneos” (ZAVASCKI, 2014, p. 211).

Fica claro, então, que, para a corrente doutrinária majoritária, a defesa dos

direitos individuais homogêneos no Brasil, na verdade, foi antecipadamente prevista na

Lei de Defesa dos Investidores de Mercado de Valores Imobiliários (Lei n.º 7.913/89),

no final da década de 80 (NEVES, 2013, p. 24). O que fez o Código de Defesa do

Consumidor (Lei n.º 8.078/90) foi, apenas, expressamente denominá-los de direito

individuais homogêneos (art. 81, parágrafo único, III7) (LEONEL, 2011, p. 117).

Seguindo entendimento diverso, Serrano Júnior (2011, p. 17 e ss.) descreve que

o primeiro mecanismo processual legislado no Brasil para a tutela coletiva de direitos

individuais homogêneos veio com a Lei n.º 1.134, de 1950, ainda hoje vigente, a qual

7 “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: (...) III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”

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prevê a legitimidade às associações de classe para promover a tutela coletiva de direitos

individuais de seus associados.8

Aberta a divergência, nos filiamos ao entendimento majoritário de que a tutela

coletiva de direitos individuais homogêneos, realmente, somente veio com a Lei de

Defesa dos Investidores de Mercado Imobiliária.

A um, porque essa modalidade de tutela, na via coletiva de ações

representativas, não parece ter sido adotada pela Lei n.º 1.134/50, que mais parece ter

atribuído legitimidade para as associações de classe postulassem não direitos

individuais homogêneos, mas direito individuais puros de seus associados, e ainda não

necessariamente através de através de ação coletiva.

A dois, porque a doutrina que aponta tal diploma legal, para tratar da história

das ações coletivas, faz referência da sua importância para a defesa de interesses

coletivos ou metaindividuais, em sentido amplo, e não em relação aos direitos

individuais homogêneos em específico, como por exemplo, Dinamarco (2001, p. 36).

Seja como for, não parece de grande valia precisar exatamente a origem da

tutela de direitos individuais homogêneos, mas a conformação histórica dada pela

legislação processual.

Veja-se que seria possível até mesmo referir ao litisconsórcio facultativo, do

CPC vigente, como primeira sede de defesa desses direitos, estipulado já em 1973,

tomando como pressuposto doutrinário alguns entendimentos de que vêm os direitos

individuais homogêneos apenas como de direitos comuns ou afins, outrora processados

em litisconsórcio (ZAVASCKI, 2014, p. 35). Mas o que realmente importa é saber da

efetividade proporcionada pelo trato coletivo desses direitos.

Feitas estas considerações, segue-se os passos da história ao encontro do

Código de Processo Civil, de 1973. Este, como adiantado, trouxe o instituto do

litisconsórcio como veículo processual de cumulação de demandas (litisconsórcio ativo

facultativo – art. 46).

O instrumento, todavia, foi marcadamente proposto para um contexto social

diverso do atual modelo de sociedade massificada, e se mostrou bastante limitado para

oferecer a pacificação de macroconflitos ou de demandas repetitivas; sobretudo porque

8 “Art. 1º Às associações de classes existentes na data da publicação desta Lei, sem nenhum caráter político, fundadas nos têrmos do Código Civil e enquadradas nos dispositivos constitucionais, que congreguem funcionários ou empregados de emprêsas industriais da União, administradas ou não por ela, dos Estados, dos Municípios e de entidades autárquicas, de modo geral, é facultada a representação coletiva ou individual de seus associados, perante as autoridades administrativas e a justiça ordinária.”

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torna obrigatório o conhecimento e julgamento de todas as questões, de todas as ações

sobrepostas em conexão, e não somente as questões comuns como ocorre nas ações

coletivas modernamente (SERRANO JÚNIOR, 2011, p. 48).

O seu espectro de alcance subjetivo é bastante limitado, razão, aliás, pela qual

estabeleceu-se a possibilidade de limitação do número de litisconsortes (art. 46,

parágrafo único).

Além disso, o litisconsórcio, tal como previsto no CPC, objetiva, meramente, a

cumulação subjetiva de ações num mesmo processo, ou seja, há cognição integral,

apreciando todas as questões controvertidas, sejam elas coletivas ou individuais.

Portanto, distancia-se das ações coletivas que, por sua vez, somente resolvem a questão

em comum aos membros do grupo, não abordando situações individuais (técnica da

repartição da atividade cognitiva) (ZAVASCKI, 2014, p. 151-152).

Posteriormente, na década de 80, entra em vigor a Lei da Ação Civil Pública.

Como assevera Zavascki (2014), a ação civil pública foi “marco principal do intenso e

significativo movimento em busca de instrumentos processuais para a tutela dos

chamados direitos e interesses difusos e coletivos”. Todavia, pelo menos inicialmente,

não teve por objeto a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos

(DINAMARCO, 2001, p. 58).

Foi o Código de Defesa do Consumidor, em 1990, que possibilitou o

incremento da tutela coletiva de interesses individuais, pois além de distinguir e

conceituar (ainda que laconicamente) o que seriam direitos individuais homogêneos

(art. 81, III), reservou lhe inteiramente o Capítulo II, do Título III que tratou da Defesa

do Consumidor em Juízo, além de explicitar as suas nuances em relação aos efeitos da

coisa julgada9, litispendência, sistema de convivência perante as ações individuais (v.

arts. 103 e 104) e a liquidação e execução individualizada das vitimas ou sucessores

(art. 97 e ss.).

9 Tecnicamente, a expressão “efeitos da coisa julgada” padece de grande impropriedade. Os efeitos a que se remete o legislador são efeitos verdadeiramente da sentença e não da coisa julgada, que é apenas qualidade daquela (sentença). Concordamos, aqui, com os doutrinadores que não deixam passar despercebida tal equívoco do legislador, também repetido pelas propostas de codificação do processo coletivo no Brasil. Como bem assentou Macedo (2012, p. 218), “(...) os textos legislativos preexistentes e os constantes das propostas em debate no cenário jurídico nacional pecam, reiterada e teimosamente, por utilizarem-se da expressão ‘... a sentença fará coisa julgada...”, reproduzindo implicitamente o conceito do CPC de 1973, quando de há muito a doutrina nacional, especialmente a partir de Liebman, superou a tese de que a coisa julgada é efeito da sentença, para reconhecer que a estabilidade alcançada pela coisa julgada é qualidade que se agrega à sentença.”

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O Código de Defesa do Consumidor, sem dúvidas, é a legislação brasileira

fundamental em se tratando de direitos individuais homogêneos. Para melhor apreciação

dessa importância, suas contribuições podem ser vislumbradas sob duas perspectivas: a

social e a jurídica. Primeiramente, a social.

A sociedade de massa em que vivemos é protagonizada pela globalização e

consequente “formalização de negócios jurídicos de massa” (MARQUES, 2007, p. 89).

A partir desse fenômeno de abrangência planetária, o influxo de relações comerciais e

sociais, firmadas diariamente e em curto espaço de tempo, propicia o estabelecimento

de relações jurídicas diversas, e as principais delas, objetivo político da globalização em

substancia, são relações comerciais, decorrentes da abertura social para um mercado

consumidor mundial.

Sociedade pós-industrial; incentivo incessante ao consumismo, produção e

prestação de serviços em escala; aumento do poder aquisitivo da população (AMARAL,

2012); várias pessoas usufruindo de um mesmo serviço ou bem, fornecidos, não raras

vezes, por pujantes corporações e empresas multinacionais, tudo isso, sem sombra de

dúvida, está a projetar a importância social da defesa do consumidor perante o Estado

(art. 5º, XXXII, CRFB/88) e diante da ordem econômica nacional, tal como previsto

pela Carta Política de 1988 (art. 170, V, da CRFB/88).10

Para que fique registrada a preocupação constitucional pelo direito do

consumidor, a época da promulgação da Carta Maior, em 1988, o art. 48 do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias, de pronto, incumbiu ao Congresso Nacional

da responsabilidade de elaboração do CDC.11

Daí a inarredável conclusão de que as lesões ou ameaças de lesões que se

propagam em larga escala, através da distribuição de produtos ou serviços

potencialmente noviços à saúde, por exemplo, a um sem número de pessoas, grupos e

10 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; (...) Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V - defesa do consumidor;” 11 “Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.”

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coletividades, sugerem que fosse a legislação consumerista pioneira em dar vazão a esse

anseio social por defesa do consumidor numa perspectiva de macrolide, pois é certo que

um produto nocivo à saúde ou a divulgação de propaganda enganosa, na sociedade de

massa, não vem a lesionar ou ameaçar a esfera jurídica de só um indivíduo, mas, antes,

é de alcance negativo sobre a esfera jurídica dos efetivos consumidores ou mesmo de

consumidores em potencial.

Enfim, esses exemplos denotam que as relações de consumo dentro do

contexto da sociedade de massa favorecem ou são propícias a gerar situações de lesões

também em massa (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2013, p. 35), o que, sem dúvida,

instigou o legislador brasileiro a repensar o papel do processo na sociedade

contemporânea e conceber, no CDC, instrumentos processuais alinhados com essa

realidade.

Por outro enfoque, juridicamente, o Código de Defesa do Consumidor

igualmente logrou êxito ao se integrar à Lei da Ação Civil Pública e formar o

microssistema de processo coletivo (art. 21, da LACP). Com esse mesmo dispositivo,

também possibilitou a defesa dos direitos individuais homogêneos através de Ação Civil

Pública (LEONEL, 2011, p.112).

Para finalizar a análise sobre a tutela coletiva de direitos individuais no Brasil,

foca-se nas disposições da Lei da Ação Civil Públicas e os entraves legais que

propiciam a multiplicação de ações individuais, em detrimento da tutela coletivizada.

A amplitude e poder político da Ação Civil Pública e do processo coletivo

como um todo foi alvo da atenta observação por parte do Poder Executivo. Ora, é

cediço, o Poder Público é o campeão de demandas, seja como parte ré como seja autora,

é o maior litigante do país, e, portanto extremamente interessado na regulação daquele,

então, novo instrumento de proteção de interesses e direitos coletivos e compartilhados

por enorme quantidade de cidadãos.

Como se seguiu, a LACP foi vitimada desmedidamente por meio de sucessivas

Medidas Provisórias ao passo em que o Poder Executivo vislumbrou da força social e

alcance coletivo da norma adjetiva, que não raras vezes põe o Poder Público como parte

ré.

Através da Medida Provisória n.º 2.180-35/2001, que incluiu o parágrafo único

ao art. 1º, da LACP, rechaçou-se a vontade do original do legislador de deduzir-se,

amplamente, qualquer tipo de matéria jurídica coletivamente, sem qualquer restrição

legal.

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A partir de então, não poderia ser objeto de ação civil pública matéria relativa a

“tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço -

FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser

individualmente determinados” (art. 1º, parágrafo único, da LACP).

Não somente a doutrina processual especializada apontou o verdadeiro

atentado e clara inconstitucionalidade dessas investidas (ALMEIDA, 2003), como

também a doutrina das matérias jurídicas atingidas pela nefasta restrição. Com efeito,

Machado (2012), eminente tributarista brasileiro, expôs sua opinião entendendo pela

flagrante inconstitucionalidade do dispositivo.

A MPv nº 1.570-5, de 1997, posteriormente convertida na Lei n.º 9.494/97, por

sua vez, foi responsável por confinar a tutela coletiva aos limites da competência

territorial do órgão julgador (art. 16, da LACP) 12 . Igualmente, o entendimento

doutrinário majoritário é pela inconstitucionalidade do dispositivo (VENTURI, 2007, p.

426 e ss.).

A combinação dessas disposições, inseridas no ordenamento pelo expediente

das Medidas Provisórias, inibem a tutela coletiva de direitos individuais e favorecem a

lógica de multiplicação de demandas idênticas.

Não há como se negar que a matérias expressamente escoimadas do trato

coletivo molecular (art. 1º, parágrafo único, da LACP) têm aptidão de se projetar sobre

um sem número de cidadãos brasileiros; são matérias plenamente veiculáveis em

processos coletivos para reparação individualizada de danos ocasionados pela conduta

ilícita da Administração Pública, contudo, legalmente não autorizadas a serem

veiculadas em ação coletiva de direitos individuais.

A limitação é inconstitucional, pois não se afina com o princípio da “não-

taxatividade da ação coletiva” (ALMEIDA, 2003, p. 575), além de que praticamente

impõe a todos os lesados acionar o Estado-juiz individualmente, por consequência,

gerando perniciosa proliferação de ações repetitivas.

Por outro lado, a limitação territorial que se impôs à tutela coletiva favoreceu a

propositura de demandas repetitivas, individuais ou mesmo coletivas. A lógica é de

12 “Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (Redação dada pela Lei nº 9.494, de 10.9.1997)”

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atingir a força política das ações coletivas, e retroceder aos tempos de litigiosidade

tipicamente individualizada e atomizada (DONIZETTI; CERQUEIRA, 2010, p. 211).

Tome-se, como exemplo, que em caso de dano regional, seriam necessárias

tantas ações coletivas quanto o número de estados-membros envolvidos; sem contar

com as ações individuais que poderiam se intentadas livremente, de acordo com o

microssistema processual coletivo. Tudo agravado, ainda mais, pela possibilidade de

serem proferidas decisões antagônicas (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2013, p. 149).

Esse escorço histórico, que se aporta até os dias de hoje, é apenas uma pequena

demonstração dos contornos que os direitos individuais homogêneos assumiram e

assumem na sociedade contemporânea, e seu escopo de proporcionar o trato coletivo de

demandas que, não fossem por esta via, restariam fadadas ao tratamento individualizado

e repetitivo nos Tribunais.

Não deixe de se atentar para que o desenvolvimento histórico traçado nessa

primeira abordagem se projetou à análise mais detida sobre os interesses individuais

homogêneos tutelados através de ações coletivas representativas (class action for

damages, ação civil pública ou, como preferem alguns, ação civil coletiva), mas para

melhor apreciação, até em termos didáticos, serão abordados os demais direitos ou

interesses tuteláveis via processo coletivo, a saber, os direitos difusos e os coletivos lato

sensu, pois formam, em conjunto com aquele primeiro, o objeto do processo coletivo,

partindo-se, em seguida, para análise específica dos direitos individuais homogêneos e

seus elementos.

2.3 OBJETO DO PROCESSO COLETIVO

O processo coletivo brasileiro tem por objeto três espécies de direitos, a saber,

os direitos difusos, os direitos coletivos em sentido estrito e os direitos individuais

homogêneos.

Primeiramente, cumpre deixar claro que a divisão em três subespécies de

direitos ou interesses tuteláveis através do processo coletivo, baseada que é na

disposição de três incisos, do art. 81, parágrafo único, do CDC, não consigna a melhor

aproximação teórica para enfrentamento da matéria.

A conceituação de direitos coletivos, num primeiro momento, antes de

remetermos a uma análise normativa do tema, merece uma visão mais panorâmica de

tratamento e estudo.

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De fato, o que interessa, desde já, é sistematizar a apresentação dos direitos

coletivos latu senso como gênero, verdadeiro eixo do qual se originam, de um lado os

direitos essencialmente ou ontologicamente coletivos, os também denominados

supraindividuais ou metaindividuais, que são os direitos difusos e os direitos coletivos

em sentido estrito; e de outro lado os direitos acidentalmente coletivos ou direitos

individuais homogêneos (ZAVASCKI, 2014).

Não é por outra razão que o louvável doutrinador Zavascki (2014) deixou

claramente firmada essa divisão conceitual já no título de sua obra “Processo Coletivo:

Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos”, indicando nesta a forma de

proteção jurídica processual dos direitos individuais homogêneos e naquela, dos direitos

difusos e coletivos stricto sensu.

Antes de adentrar ao tema em específico, faz-se a advertência de que, como se

revela mais afeto aos objetivos desse trabalho tratar dos direitos individuais

homogêneos ou acidentalmente coletivos, aqueles outros (difuso e coletivo em sentido

estrito), de inegável significação social e científica, não serão abordados como o mesmo

grau de profundidade, o que não importa dizer que serão apresentados de maneira

desinteressada, longe disso, os seus elementos fundamentais e caracterizadores serão

satisfatoriamente explicitados, até mesmo porque imprescindíveis para a diferenciação

entre uns e outros.

Tecidas essas breves considerações iniciais, passa-se a para a abordagem

individualizada das espécies de direitos coletivos lato sensu.

2.3.1 Direitos metaindividuais: os direitos difusos e os direitos coletivos em sentido estrito. Tutela de direitos coletivos

Os direitos metaindividuais são os direitos difusos e direitos coletivos em

sentido estrito, também denominados direitos essencialmente coletivos, para se utilizar

a feliz expressão de José Carlos Barbosa Moreira (1984 apud DIDIER JR.; ZANETI

JR., 2013, p. 77).

Possuem marcantes traços distintivos, a saber, a titularidade indeterminada ou

indeterminável, a indivisibilidade ou incindibilidade e a natureza jurídica dos direitos.

Essas peculiaridades distanciam os direitos supraindividuais / metaindividuais

dos chamados direitos individuais homogêneos, pois estes possuem titularidade

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individual; são direito divisíveis; e sua natureza não se distancia da tradicionalmente

referenciada nos direitos subjetivos individuais.

Primeiramente, no tocante aos direitos difusos há o que Zavascki (2014, p. 36)

denomina de “absoluta indeterminação dos titulares”. Veja-se que a titularidade do

direito ao ar puro, preservação das espécies, por exemplo, é de uma coletividade não

determinável de pessoas.

Ainda que a lesão se dê em prejuízo de um ecossistema aquático e interfira

diretamente apenas o cotidiano de comunidades ribeirinhas, ainda assim, o interesse na

recomposição, recuperação e responsabilização pelo impacto ambiental é de toda a

coletividade humana, expressando a máxima da solidariedade que é inerente ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, enquanto direito fundamental de terceira geração.

(BULOS, 2011). Mesmo que se afirme ter o dano ambiental afetado somente

coletividade de uma determinada cidade, estado federado ou região do país, ainda

assim, permanece o traço da absoluta indeterminação de seus titulares

(transindividualidade).

A titularidade transindividual ou indeterminada é, portanto, a característica

fundamental dos direitos coletivos classificados como difusos.

Ademais, como dispõe o Código de Defesa do Consumidor, além de

transindividuais, os direitos difusos são aqueles de “natureza indivisível, de que sejam

titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (art. 81, parágrafo

único, I).

A natureza indivisível está diretamente relacionada à ideia da titularidade

indeterminada e compartilhada pela sociedade, pois quando se fala em indivisibilidade

que dizer que não se concebe a apropriação individual do direito tido como difuso.

Isso pode ser facilmente vislumbrado ao se tomar como exemplo o

tradicionalmente referenciado direito difuso ao meio ambiente sadio e ecologicamente

equilibrado, pois, como ensina Leonel (2011, p. 91), em se tratando de direitos difusos,

o “objeto de seu interesse é indivisível, pois não se pode repartir o proveito, e tampouco

o prejuízo, visto que a lesão atinge a todos indiscriminadamente, assim como a

preservação a todos aproveita”.

Prossegue o doutrinador, para assentar que, a indivisibilidade significa dizer

que “a satisfação de um só implica, por força, a satisfação de todos, assim como a lesão

de um só implica a lesão à inteira coletividade” (LEONEL, 2011, p. 92).

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Por fim, resta anotar que em relação os interesses difusos, as pessoas vitimadas

pela lesão são unidas em função do que o art. 81, parágrafo único, I, do CDC, diz ser

“circunstância de fato”, como, por exemplo, “o fato de residirem em determinado local

ou região.” A relação de titularidade, como se percebe, é firmada por um vínculo

bastante fluido e mutável, pois meramente fático (LEONEL, 2011, p. 91).

Não há entre eles qualquer vínculo jurídico anterior ao evento danoso (não há

relação jurídica base), e lhe é ausente certo grau de organicidade (LEONEL, 2011, p.

92), justamente o que, somado ao critério da titularidade absolutamente indeterminada,

os aparta da outra subespécie de direito coletivo, os direitos coletivos em sentido estrito.

A intensa litigiosidade (LEONEL, 2011, p. 95) também figura como

característica dos direitos difusos, a medida de que é do interesse de todos

indeterminadamente, está disponível a todos em igual. Por vezes a sua exploração

econômica não pode parecer mais acertada se vistas por outros olhos, adentrando a uma

órbita de disputa de interesses sociais, econômicos e políticos.

Citando alguns exemplos de direitos difusos, Serrano Júnior (2011, p. 33)

elenca: (...) o direito ao meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado, à proteção dos espaços naturais e da paisagem, à preservação das espécies animais e vegetais, à manutenção do equilíbrio biológico contra todas as causas de degradação, o direito a respirar ar puro, a beber água potável, à conservação do patrimônio histórico e cultural, o direito à saúde pública, o direito à segurança pública, o direito ao cumprimento do direito social da cidade, o direito de todos os consumidores de não serem atingidos por propaganda enganosa e abusiva, o direito à gestão proba do erário, entre outros exemplos.

Por seu turno, os direitos coletivos stricto sensu são bastante parecidos com os

difusos, guardando poucas diferenças, dentre as quais desponta a questão da

titularidade, que aqui é indeterminada, mas determinável, cingida a um grupo, categoria

ou classe de pessoas relacionadas por uma relação jurídica-base.

Mesmo assim, são transindividuais e guarnecem a característica da

indivisibilidade (sua satisfação, lesão ou ameaça de lesão se opera de forma unânime

entre seus possíveis titulares) (ZAVASCKI, 2014, p. 33-34).

O CDC dispõe que são direitos coletivos em sentido estrito “os

transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de

pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base" (art. 81,

parágrafo único, II).

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A titularidade dos direitos coletivos em sentido estrito se caracteriza pela

(in)determinação relativa de seus titulares. Esse grau de relatividade quer significar que,

dentre todos os cidadãos que compartilham a vida em sociedade, alguns deles,

vinculados por uma dada “relação jurídica base”, se distinguem dos demais, podendo

ser distinguidos enquanto grupo, categoria ou classe. A titularidade, novamente, não é

individual, contudo é restrita ao grupo, categoria ou classe respectiva (ZAVASCKI,

2014, p. 36).

Seriam eles determináveis, partindo do vínculo jurídico que lhes formam a

base, contudo a satisfação ou lesão do direito que lhes é comum só pode ocorrer

afetando a todos por igual (LEONEL, 2011, p. 96) (nota de indivisibilidade, semelhante

aos direitos difusos).

Além da determinação relativa dos titulares, outra peculiaridade distingue os

direitos coletivos em sentido estrito dos direitos difusos: a relação jurídica básica

presente naqueles (art. 81, parágrafo único, II, CDC).

Como leciona Neves (2013, p. 118), essa relação jurídica base pode se

apresentar sob duas formas: ou “entre os próprios sujeitos que compõe o grupo, classe

ou categoria” ou então “desses sujeitos com um sujeito comum que viole ou ameace de

violação o direito da comunidade”.

Há relação jurídica base entre os membros, por exemplo, no caso de um

sindicato de uma categoria de trabalhadores defendendo a manutenção de jornada de

trabalho favorável, advogados inscritos na OAB pretendendo a que não sejam adotadas

restrições ilegais ao acesso aos autos em dias e horários predeterminados (LEONEL,

2011, p. 96-97).

Já no caso de relação jurídica base com a parte contrária, contribuintes de certo

imposto tido por ilegal e ligados ao ente tributante (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2013, p.

78-79), alunos de determinada rede de ensino pleiteando a manutenção da grade

curricular (LEONEL, 2011, p. 97), empregados que exigem melhores condições de

segurança e meio ambiente de trabalho em abatedouros.

As notas identificadoras dos direitos coletivos em sentido estrito são:

(...) mínimo de organização, a fim de que tenham a coesão e a identificação necessárias; a afetação destes interesses a grupos determinados ou determináveis, que são os seus portadores (ente esponenzialli); vínculo jurídico básico, comum a todos os integrantes do grupo, que lhes confere situação jurídica diferenciada (LEONEL, 2011, p. 99)

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Apresentadas as características principais dos direitos metaindividuais, passa-

se ao exame da terceira modalidade de direito que podem ser tutelados através de ações

coletivas no direito brasileiro, os direitos individuais homogêneos.

2.3.2 Direitos individuais homogêneos. Tutela coletiva de direitos

Essa espécie de direitos coletivos é, sem dúvidas, a maior fonte de discussões

doutrinariamente e socialmente relevantes dentro da tutela coletiva. De pronto, importa

destacar que o legislador brasileiro traçou uma modalidade de direito, inspirado

claramente nas class actions of damages, do direito norte-americano (GRINOVER,

2011, p. 77 e 136).

Como dizem alguns doutrinadores, não se tratou propriamente de criar uma

nova modalidade de direito, eis que são simplesmente direitos subjetivos individuais,

recebendo um novo “rótulo”, como entende Torres (2013).

Em verdade, acredita-se que mais que um novo “rótulo”, os direitos individuais

homogêneos mantiveram as suas condições de direitos subjetivos individuais

(ZAVASCKI, 2014, p. 35) e receberam, antes de tudo, uma nova maneira de serem

postulados em juízo, sem as inconveniências do litisconsórcio multitudinário; revelam

uma nova modalidade de tutela, esta sim a verdadeira novidade; exatamente como

preconizada por Zavascki (2014), uma tutela coletiva de direitos.

É dizer, um tratamento “molecularizado” (WATANABE, 1992 apud DIDIER

JR.; ZANETI JR., 2013, p. 34-35), pois a estes direitos é dado um trato processualmente

coletivo, diante de que derivam de um mesmo fundamento ou que tem relação de

afinidade, alicerçadas numa origem comum (TORRES, 2013).

Rodrigues (2012, p. 384) aponta que José Carlos Barbosa Moreira foi o jurista

que, além de pioneiramente expressar que tais direitos são “acidentalmente coletivos”,

cunhou também a expressão “individuais homogêneos”, exatamente ao se debruçar

sobre as class actions for damages.

E a constatação é importante. Ao referir-se “acidentalmente coletivos” ou

“individuais homogêneos”, a doutrina francamente majoritária no tema sugere que tal

espécie de direito não são “originalmente coletivos” 13, mas em virtude de se originarem

13 Registre-se, contudo, entendimento doutrinário minoritário, que reconhece os direitos individuais homogêneos como direitos coletivos, propriamente falando, mas com uma nota diferenciadora. Seriam

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de uma questão de fato ou de direito comum a uma enorme quantidade de indivíduos, se

tonam passíveis de tutela numa forma coletiva, por uma questão de política legislativa

(LEONEL, 2011, p. 98).

Ao tratar de direito individuais homogêneos, deve-se primeiramente, se

debruçar sobre dois principais pontos que os diferenciam dos direitos metaindividuais,

anteriormente analisados: a) sua titularidade e b) divisibilidade.

A primeira característica que aqui merece ser realçada é a questão da

titularidade, pois esta é diferente nos direitos ontologicamente coletivos. A titularidade

dos direitos individuais homogêneos é determinada, em outros termos, claramente

determinável, permitindo a perfeita identificação dos sujeitos, dos grupos, categorias ou

classes que compartilham prejuízos divisíveis e de origem comum (LEONEL, 2011, p.

98).14

Seguindo as diferenças, os direitos individuais homogêneos são direitos

divisíveis, é dizer, podem ser lesionados ou exercidos de maneira diferenciada e

individualizada, não havendo se falar de lesão a implicar uma lesão ao todo ou em

benefício concedido a um a beneficiar a todos, como sói ocorrer nos direitos difusos e

coletivos em sentido estrito.

Essa natureza divisível dos direitos individuais homogêneos se revela no

momento da liquidação e execução individual da condenação genérica, consoante os art.

95 e 97, do CDC, oportunidade em que, de acordo com as peculiaridades que

envolveram a lesão de cada titular do direito individual, as vítimas ou seus sucessores

reclamam o pagamento recompensatório a que fazem jus pelos danos pessoais sofridos.

São, ainda, transmissíveis, suscetíveis de renúncia e transação, pois fazem parte

do patrimônio individual de seu titular (ZAVASCKI, 2014, p. 36-37).

Como se pode perceber, os direitos individuais homogêneos são aqueles

direitos tipicamente individuais, contudo processualmente postulados em conjunto, por

decorrerem de fatos ou direitos semelhantes; são direitos individuais coletivizados para

fins de tutela, por razões de economia processual e afinidade; são, portanto, direitos

inicialmente dispostos à postulação em ações individuais, mas que por uma questão de

política judiciária ou economia processual podem ser postulados em conjunto em uma

esses direitos, para estes doutrinadores, “indivisíveis para fins de tutela, mas individualizáveis em sede de execução ou cumprimento” (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2013, p. 84-86). 14 Contra, não entendendo correta a atribuição da titularidade de direitos individuais homogêneos a grupos, categorias ou classes, Elton Venturi (2007, p. 67).

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ação coletiva, e nesse sentido, desestimulando a proliferação de demandas repetitivas -

por conjugar, numa só ação, a lide comum a vários indivíduos determinados

(titularidade) e capaz de beneficiar a todos, em sua respectiva proporção, em caso de

procedência (divisibilidade).

Por esse motivo, é que o processo coletivo em defesa dos direitos individuais

homogêneos é de suma importância para o presente estudo, na medida em que se propõe

“resolver molecularmente as causas denominadas de repetitivas” e reduzir o número de

processos individualmente submetidos ao Poder Judiciário (MENDES, 2012, p. 221).

Sendo assim, cumpre investigar mais detidamente algumas características dos

direitos individuais homogêneos, a saber, a necessidade da “origem comum” e

repercussão social ou coletiva, além de diferenciá-los dos direitos individuais

indisponíveis.

2.3.2.1 A origem comum

Destacados os pontos propedêuticos de consubstanciação dos direitos

individuais homogêneos, cabe investigar o que se concebe por origem comum, ou seja,

as “situações de fato e de direito equivalentes” (DONIZETTI; CERQUEIRA, p. 50),

que os particularizam no universo do processo coletivo.

O Código de Defesa do Consumidor estabelece que são: "interesses ou direitos

individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum"(art. 81,

parágrafo único, III).

A lacunosa definição legal impulsiona interpretações mil que se podem fazer

do conceito de “origem comum”. Então, cabe inicialmente precisar o que pretendeu o

legislador consumerista a indicar tal requisito.

Os direitos individuais homogêneos têm entre si gênese ou precedência comum

decorrente, em geral, de “conduta comissiva ou omissiva da parte contrária”, ou seja,

são direitos “nascidos em consequência da própria lesão, ou mais raramente, ameaça de

lesão” (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2013, p. 80-81).

A origem comum, segundo Grinover (2011, p. 76), poderá ser relativa a

questão de fato ou de direito, todavia não exige uma “unidade factual ou temporal”.

Portanto, não importa que derivem de um só fato ocorrido num só momento, pois o que

é realmente necessário verificar é se são “situações equivalentes no plano jurídico, ainda

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que concretizadas de modo distinto e/ou em ocasiões diversas” (DONIZETTI;

CERQUEIRA, 2010, p. 50).

O exemplo sempre lembrado pela doutrina sobre publicidade enganosa lança

luzes sobre a “origem comum”. Com efeito, não importa que seja os consumidores

atingidos em horários ou dias diferentes, ou que seja que tenham visto na internet ou em

jornal impresso, pois ainda assim há origem comum dos direitos e poderão ser tratados

coletivamente, em homenagem à “eficácia, conveniência e segurança jurídica”

(DONIZETTI; CERQUEIRA, 2010, p. 49 e 51).

Mas, parte da doutrina tem exigido outros requisitos, ainda que de lege

ferenda, para que seja admitida certa situação jurídica coletiva como tutelável pela via

dos direitos individuais homogêneos, não bastando a sua origem comum.

Mancuso (2012, p. 88), com pertinente adendo, faz a constatação que não basta

o referencial de direitos “decorrentes de origem comum”.

Este critério se mostra insuficiente, segue dizendo o doutrinador, uma vez que

“o litisconsórcio facultativo (jurisdição singular) também poderia derivar de um

‘mesmo fundamento de fato e de direito’, ou de questões afins ‘por um ponto comum de

fato e de direito’” como prescrevem os incisos II e IV do art. 46 do CPC.

Continua o jurista para elencar como “quesitos adicionais: a predominância da

dimensão coletiva sobre a individual, aliada à superioridade, em termos de eficácia, da

tutela coletiva sobre o individual” (MANCUSO, 2012, p. 88) (grifos do original).

Esses critérios postos por Mancuso (2012) são exatamente alguns dos

requisitos de admissibilidade das class action for damages, a saber, a) prevalência das

questões de direito e fato comuns sobre as questões de direito ou de fato individuais e b)

superioridade da tutela coletiva sobre a individual, em termos de justiça e eficácia da

sentença, ambos presentes na Regra nº 23, (b)(3), das Federal Rules de 1966, como

apontado por Grinover (2011, p. 128).

A prevalência remete a uma análise do requisito da homogeneidade, que não se

fazendo presente, impede a admissão da tutela coletiva. Segundo aduz Grinover (2011,

p. 133-134), essa condição de admissibilidade das class actions é também presente no

direito brasileiro.“Prevalecendo as questões individuais sobre as comuns, os direitos

individuais seriam heterogêneos e o pedido de tutela coletiva se tornaria juridicamente

impossível.”

A prevalência, então, quer significar a existência de situações homogêneas que,

de fato, não fiquem acobertadas ou sombreadas pelas peculiaridades das situações

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jurídicas cada titular. Enfim, que o núcleo de homogeneidade, como descrito por

Zavascki (2014, p.146), seja preponderante sobre a margem de heterogeneidade.15

A superioridade, por outro lado, evidencia-se quando a efetividade da tutela

dos direitos homogêneos fica ou não comprometida pela complexidade na fase de

liquidação e execução individual do julgado coletivo, pelos titulares individualmente

considerados.

Nessa fase de liquidação e execução, como é cediço, as vítimas ou sucessores

se habilitam para comprovar em juízo o dano pessoal experimentado e nexo de

causalidade entre este e aquele reconhecido na sentença genérica (arts. 95 e 97, do

CDC).

Ocorre que, consoante aquele entendimento, se a prova do nexo causal for de

tal modo tão complexa que além de inutilizar a sentença genérica, seria mais facilmente

demonstrada numa ação ordinária e individualmente proposta, não estará presente a

superioridade, desaconselhando a tutela coletiva.

Como bem descreve a processualista paulista, se de uma ação civil pública em

defesa dos direitos individuais homogêneos sobrevier uma decisão judicial não tão útil

ou eficaz daquela “que derivaria de ações individuais, a ação coletiva não se

demonstraria útil à tutela dos referidos interesses” (GRINOVER, 2011, p. 134).

Assim, em suma, para essa corrente doutrinária, que encampa entendimento

majoritário, não basta a verificação da origem comum para se abrir a possibilidade de

promover ação coletiva em defesa de direitos individuais homogêneos, pois, para tanto,

é necessária a satisfação de dois outros requisitos, quais sejam, o da prevalência e o da

superioridade, por nítida influência do direito norte americano que impôs exatamente

essas duas condições para que fosse admitida a chamada a class action for damages.

Dissentindo desse posicionamento majoritário, Donizetti e Cerqueira (2010, p.

52 e ss) não concordam com a transposição desses requisitos de prevalência e

superioridade, importados do direito americano e relativos ao cabimento das class

actions for damages - Rule 23 (b).

Aduzem, os doutrinadores, que o legislador infraconstitucional brasileiro, ao

conceber o conceito dos direitos individuais homogêneos, afirmou bastar a origem

comum do evento danoso como requisito de sua consubstanciação, “não fazendo

qualquer ressalva quanto ao grau de homogeneidade”. No mesmo sentido, Venturi

15 Aproximação teórica que julgamos facilitar a compreensão.

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(2007, p. 74-75), entende pela suficiência do requisito da origem comum, desde que

haja “conexão quanto à causa de pedir próxima ou remota”.

Além disso, a alegada inefetividade da tutela coletiva diante de suposta

complexidade na fase de comprovação do dano pessoal e nexo de causalidade (critério

da superioridade), embora presente, não reduzem a importância e utilidade da sentença

genérica ao reconhecer a responsabilidade do agente que deu causa ao dano

experimentado pela massa de indivíduos (DONIZETTI; CERQUEIRA, 2010).

Para corroborar com o seu posicionamento, estes últimos doutrinadores trazem

à baila o precedente do Superior Tribunal de Justiça, REsp n. 866.636/SP, no qual foi

confirmada a responsabilidade civil do fornecedor (laboratório de medicamentos

Schering) pela comercialização das chamadas “pílulas de farinha”, anticoncepcionais

sem o princípio ativo e que, consequentemente, não afastavam a possibilidade de

gravidez indesejada, frustrando o planejamento familiar de um grande número de

consumidoras.16

16 “CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO PROCON E PELO ESTADO DE SÃO PAULO. ANTICONCEPCIONAL MICROVLAR. ACONTECIMENTOS QUE SE NOTABILIZARAM COMO O 'CASO DAS PÍLULAS DE FARINHA'. CARTELAS DE COMPRIMIDOS SEM PRINCÍPIO ATIVO, UTILIZADAS PARA TESTE DE MAQUINÁRIO, QUE ACABARAM ATINGINDO CONSUMIDORAS E NÃO IMPEDIRAM A GRAVIDEZ INDESEJADA. PEDIDO DE CONDENAÇÃO GENÉRICA, PERMITINDO FUTURA LIQUIDAÇÃO INDIVIDUAL POR PARTE DAS CONSUMIDORAS LESADAS. DISCUSSÃO VINCULADA À NECESSIDADE DE RESPEITO À SEGURANÇA DO CONSUMIDOR, AO DIREITO DE INFORMAÇÃO E À COMPENSAÇÃO PELOS DANOS MORAIS SOFRIDOS. - Nos termos de precedentes, associações possuem legitimidade ativa para propositura de ação relativa a direitos individuais homogêneos. - Como o mesmo fato pode ensejar ofensa tanto a direitos difusos, quanto a coletivos e individuais, dependendo apenas da ótica com que se examina a questão, não há qualquer estranheza em se ter uma ação civil pública concomitante com ações individuais, quando perfeitamente delimitadas as matérias cognitivas em cada hipótese. - A ação civil pública demanda atividade probatória congruente com a discussão que ela veicula; na presente hipótese, analisou-se a colocação ou não das consumidoras em risco e responsabilidade decorrente do desrespeito ao dever de informação. - Quanto às circunstâncias que envolvem a hipótese, o TJ/SP entendeu que não houve descarte eficaz do produto-teste, de forma que a empresa permitiu, de algum modo, que tais pílulas atingissem as consumidoras. Quanto a esse 'modo', verificou-se que a empresa não mantinha o mínimo controle sobre pelo menos quatro aspectos essenciais de sua atividade produtiva, quais sejam: a) sobre os funcionários, pois a estes era permitido entrar e sair da fábrica com o que bem entendessem; b) sobre o setor de descarga de produtos usados e/ou inservíveis, pois há depoimentos no sentido de que era possível encontrar medicamentos no 'lixão' da empresa; c) sobre o transporte dos resíduos; e d) sobre a incineração dos resíduos. E isso acontecia no mesmo instante em que a empresa se dedicava a manufaturar produto com potencialidade extremamente lesiva aos consumidores. - Em nada socorre a empresa, assim, a alegação de que, até hoje, não foi possível verificar exatamente de que forma as pílulas-teste chegaram às mãos das consumidoras. O panorama fático adotado pelo acórdão recorrido mostra que tal demonstração talvez seja mesmo impossível, porque eram tantos e tão graves os erros e descuidos na linha de produção e descarte de medicamentos, que não seria hipótese infundada afirmar-se que os placebos atingiram as consumidoras de diversas formas ao mesmo tempo.

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Anotam Donizetti e Cerqueira (2010) a importância do precedente para os

demandantes individuais, até mesmo diante da dificuldade da comprovação da postura

da empresa (disponibilização do produto viciado no mercado de consumo), caminho

tortuoso que fatalmente seria trilhado em cada ação individualmente proposta, não fosse

a condenação genérica assentada por aquela Corte Superior, bastando-se na exigência da

origem comum do dano.

Concorda-se com esse posicionamento, pois o atendimento aos critérios da

prevalência ou superioridade, como no caso, pode-se mostrar bastante discutível, e em

última análise, manter indesejável desequilíbrio processual entre os demandantes

individuais e a empresa ré, na condição de litigantes eventuais e habitual

(CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 25-26), respectivamente, situação atenuada com a

propositura e procedência da ação coletiva em comento.

Comunga-se desse posicionamento, data máxima vênia, divergindo da

eminente professora Grinover (2011), pois exatamente em situações como a que foi

descrita no supracitado precedente, fica evidente que é evitada a fragmentação da tutela

coletiva em múltiplas demandas individuais e dota-se o julgamento de procedência de

um “peso político” convergente para a necessidade da tutela coletiva em casos desse

jaez, típicos da sociedade de massa e, sobretudo, de risco, como diria o sociólogo

alemão Beck (2010).

- A responsabilidade da fornecedora não está condicionada à introdução consciente e voluntária do produto lesivo no mercado consumidor. Tal idéia fomentaria uma terrível discrepância entre o nível dos riscos assumidos pela empresa em sua atividade comercial e o padrão de cuidados que a fornecedora deve ser obrigada a manter. Na hipótese, o objeto da lide é delimitar a responsabilidade da empresa quanto à falta de cuidados eficazes para garantir que, uma vez tendo produzido manufatura perigosa, tal produto fosse afastado das consumidoras. - A alegada culpa exclusiva dos farmacêuticos na comercialização dos placebos parte de premissa fática que é inadmissível e que, de qualquer modo, não teria o alcance desejado no sentido de excluir totalmente a responsabilidade do fornecedor. - A empresa fornecedora descumpre o dever de informação quando deixa de divulgar, imediatamente, notícia sobre riscos envolvendo seu produto, em face de juízo de valor a respeito da conveniência, para sua própria imagem, da divulgação ou não do problema, Ocorreu, no caso, uma curiosa inversão da relação entre interesses das consumidoras e interesses da fornecedora: esta alega ser lícito causar danos por falta, ou seja, permitir que as consumidoras sejam lesionadas na hipótese de existir uma pretensa dúvida sobre um risco real que posteriormente se concretiza, e não ser lícito agir por excesso, ou seja, tomar medidas de precaução ao primeiro sinal de risco. - O dever de compensar danos morais, na hipótese, não fica afastado com a alegação de que a gravidez resultante da ineficácia do anticoncepcional trouxe, necessariamente, sentimentos positivos pelo surgimento de uma nova vida, porque o objeto dos autos não é discutir o dom da maternidade. Ao contrário, o produto em questão é um anticoncepcional, cuja única utilidade é a de evitar uma gravidez. A mulher que toma tal medicamento tem a intenção de utilizá-lo como meio a possibilitar sua escolha quanto ao momento de ter filhos, e a falha do remédio, ao frustrar a opção da mulher, dá ensejo à obrigação de compensação pelos danos morais, em liquidação posterior. Recurso especial não conhecido. (REsp 866636/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 29/11/2007, DJ 06/12/2007, p. 312)

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É necessário registrar, nada obstante, que a própria processualista paulista

atenta dizer que o critério da superioridade - o qual leva em consideração a

complexidade a ser enfrentada na liquidação e execução individual - nem sempre se

mostra oportuno, pois, segundo a mesma, ainda que essa complexidade se faça mais

presente em ações coletivas por danos pessoalmente sofridos (class actions for

damages), em algumas delas, a prova desse nexo causal pode se revelar simples

(GRINOVER, 2011, p. 133).

Interessante anotar, por fim, que os requisitos da prevalência e da superioridade

do direito norte americano foram referenciados por alguns doutrinadores brasileiros,

antes de tudo, porque aqui há de se estar presente a dita “origem comum”, especificada

no art. 81, parágrafo único, inciso III, do CDC, em paralelo ao que o direito norte

americano se tem por common questions, ventiladas nas class actions for damages.

Todavia, mesmo não aderindo ao posicionamento favorável à utilização dos

critérios da prevalência e superioridade, é de se concordar que são interessantes as

lições do direito norte americano sobre as common questions, facilitando a compreensão

do requisito semelhante que é a origem comum, do direito processual coletivo

brasileiro.

Assim como se apresenta em face das class actions, a questão comum não

necessariamente quer implicar exatamente que as mesmas situações individuais sejam

compartilhadas por todo o grupo. Não se trata disso. Na verdade, deve haver, mesmo

em meio à diversidade de situações, um núcleo comum envolvendo a controvérsia, e

assim, pois, é “esse núcleo que constitui a questão comum a ser julgada na sentença

coletiva” (GIDI, 2007, p. 84).

Não exige-se a lesão ou a conduta ilícita exatamente igual a atingir a todos os

membros do grupo, satisfazendo-se com condutas, embora diferentes, semelhantes, a

figurar um núcleo comum na conduta da parte ré (GIDI, 2007, p. 84-85).

Ademais, essas “questões comuns”, lá, e cá a “origem comum”, traçam uma

mesma linha de se pretender ver comungadas, entre os membros da coletividade

vitimada, questões de fato ou de direito que oportunizam o julgamento em conjunto,

através de ação coletiva em defesa de interesses individuais homogêneos.

Contudo, há de se ter cautela com a comum confusão entre origem comum e

homogeneidade. Origem comum e homogeneidade são características distintas, ou que

querem designar requisitos distintos (GRINOVER, 2011, p. 76). De maneira didática,

para a corrente doutrinária que não vê como suficiente a verificação da “origem

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comum”, poderíamos dizer que a homogeneidade é a característica que qualifica a

origem comum e lhe possibilita a tutela jurídica coletiva.

Por fim, não poderia deixar de fazer alusão aos direitos individuais puros. Estes

não são tuteláveis pelo microssistema processual coletivo e diferenciam-se dos direitos

individuais homogêneos, pois não carregam a marca da homogeneidade e da origem

comum (ALMEIDA, 2003, p. 495), ainda que compartilhem da natureza de direitos

subjetivos individuais. Somente os direitos individuais homogêneos comportam a tutela

pela via coletiva, restando aos individuais puros o processamento seguindo os ditames

do Código de Processo Civil.

Portanto, até onde se viu, como requisitos básicos para a configuração dos

direitos individuais homogêneos, merece ser investigada a origem comum dos direitos

individuais, e a depender da corrente doutrinária adotada, analisar também o

atendimento aos critérios de superioridade e prevalência. Estando satisfeitos esses

pressupostos, abre-se a via da tutela coletivizada de direitos individuais prevenindo a

multiplicação de demandas seriais.

Contudo, a jurisprudência do STJ, não satisfeita com esses requisitos legais,

tem exigido a repercussão social ou coletiva para permitir a propositura da ação coletiva

sobre uma dada matéria. É o tema que se verá a seguir.

2.3.2.2 Repercussão social ou coletiva

Como adiantado, para a configuração do direito individual homogêneo, o

Superior Tribunal de Justiça tem exigido a existência de repercussão social da ação

coletiva, que se expressa muitas vezes quando a resolução do conflito interessa a um

número expressivo de pessoas. Esse entendimento tem sido acolhido pela doutrina

(NEVES, 2013). Novamente, não se contenta com a disposição lacônica da existência

“origem comum”.

Neves (2013, p. 121-122) demonstra-se inquietante preocupação com a

consideração de que não se deve tutelar coletivamente a simples “soma de direitos

individuais, ainda que de origem comum ou homogêneos.” Segue dizendo que “para

justificar a tutela coletiva deve a violação do direito ter repercussão coletiva, atingindo

um número razoável de indivíduos”.

Nesse mesmo sentido, o jurista expõe que tal entendimento obteve acolhida no

âmbito do Superior Tribunal de Justiça (Informativo 491/STJ), o que parece ser um

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caminho razoável a ser perseguido, até mesmo porque guarda sintonia com pressuposto

estipulado para as class actions - conhecida inspiração da doutrina brasileira para a

confecção da tutela coletiva de direitos - previsto na Rule 23(a)(1), a saber, a “existência

de grupo tão numeroso que impossibilite a formação do litisconsórcio”.

Ora, ao momento em que uma mesma controvérsia comum interessa a uma

expressiva quantidade de indivíduos e a estes não é possibilitada a propositura de ação

com formação de litisconsórcio (fatalmente multitudinário) ou intervenção de todos

num só processo, revela-se mais razoável a propositura de ação coletiva para

enfrentamento da questão ou do núcleo comum da controvérsia, seja de fato ou seja de

direito.

Ocorre que, a rigor, não há dúvida sobre a repercussão social quando é

expressivo o número de pessoas envolvidas. Todavia a questão se põe é saber quantas,

ao mínimo, sugerem a existência de repercussão social a justificar o processamento da

tutela coletiva?

É certo que para tratamento coletivo não depende tão somente da “verificação

quantitativa” da repercussão social da lide, mas antes, da consideração de vários outros

fatores presentes no caso concreto.

Enfrentando essa celeuma, Gidi (2007, p. 75-76) identificou alguns fatores a

serem ponderados pelo operador do direito ao se defrontar com a controvérsia, e sem a

pretensão de esgotar o tema, até para não escapar aos meandros do presente estudo, cita-

se alguns desses fatores elencados pelo doutrinador: a) a posição de vulnerabilidade em

que se encontram alguns sujeitos como “crianças, portadores de deficiências físicas,

mentais, intelectuais, culturais ou financeiras”; b) o “reduzido valor das pretensões

individuais dos membros do grupo”, pois, é cediço, que não recomendam o ingresso em

juízo, haja vista que a custas judiciárias podem superar o retorno financeiro projetado

pela decisão favorável, situação essa que, não fosse a ação coletiva, restaria

economicamente viável a manutenção da situação ilegal e violadora dos direitos da

massa; c) a complexidade de identificação, localização, ou mesmo a “dispersão

geográfica” dos interessados; d) a retaliação do réu, em face a relações jurídicas

continuativas, como na relação de emprego; e) e a possibilidade de que outras pessoas,

além daqueles em pequeno número atualmente afetado, venham a ser vitimadas pela

situação mesma situação comum de ilegalidade no futuro (future members).

A repercussão social do conflito, portanto, vem a ser outro requisito de

consubstanciação do direito individual homogêneo.

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O número de pessoas envolvidas ou afetadas pelo fato ilícito sugere a

necessidade do trato coletivo do conflito de direitos individuais, se precavendo da

multiplicação de demandas individuais idênticas e ressaltando a importância da

resolução da lide de forma equânime, em homenagem ao postulado da isonomia e da

segurança jurídica.

2.3.2.3 – Distinção entre direitos individuais indisponíveis e direitos individuais homogêneos

Para terminar a análise dos direitos individuais homogêneos, analisa-se a

confusão que tem ocorrido entre estes e os direitos individuais indisponíveis.

Em face de alguma imprecisão teórica que se tem verificado no trato da

matéria, muitas vezes depara-se com a equiparação errônea de direitos individuais

homogêneos como direitos individuais indisponíveis. Os direitos individuais

homogêneos, em definitivo, não se confundem com os direitos individuais indisponíveis

(NEVES, 2013).

Quanto a estes, a Lei Maior referendou defesa e proteção pelo Ministério

Público, na forma do art. 127, da CRFB/8817. Acontece que daí não se pode depreender

remissão constitucional para defesa coletiva dos direitos individuais homogêneos, pois o

microssistema processual coletivo, quando se presta a tutelar direitos individuais, o faz

em expressa referência aos “direitos individuais homogêneos” e não em relação a

“direitos individuais indisponíveis”, como posto no texto constitucional. Se essa fosse a

intenção do legislador teria expressamente empregado a expressão “direitos individuais

indisponíveis” quando da redação do art. 81, III, do CDC, segundo entende-se, na

mesma linha de Neves (2013).

Assim, em tese, não se mostra juridicamente defensável direito individual

indisponível por meio de ação coletiva, ressalvando-se situações em que a lesão sobre

direito individual indisponível ser compartilhada por um razoável número de titulares, o

que justificaria a postulação através de um processo coletivo, muito embora essa

constatação não tenha sido feita pela doutrina consultada. Veja-se um exemplo.

17 “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”

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Em caso de falta reiterada e contundente no fornecimento gratuito de

medicamentos básicos, certo cidadão é vitimado e tem seu quadro médico bastante

prejudicado por não ter acesso ao medicamento, seja por falta do Poder Público, seja por

não ter condições financeiras de arcar com o seu elevado custo. Ora, a saúde do usuário

é um direito individual indisponível e a lesão a este direito reclama a propositura de

uma ação, que não precisa ser uma ação coletiva, bastando uma ação ordinária

individual para pleitear a concessão do medicamento ao cidadão lesionado. Situação

diferente é a de que a falta daquele medicamento assume uma lesão a direitos

individuais indisponíveis de várias pessoas que necessitam dele para se recuperar. Nesse

último caso, a repercussão coletiva e a origem comum sugerem a viabilidade da

propositura de uma ação coletiva em defesa de direitos individuais indisponíveis.

Apesar de alguns diplomas legais, como por exemplo o Estatuto da Criança e

do Adolescente (Lei n.º 8.069/90) e o Estatuto do Idoso (Lei n.º 10.741/2003),

referendarem a possibilidade de uso da ação civil pública para defesa dos interesses e

direitos individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e juventude (art. 201, V,

ECA) 18 ou ao idoso (art. 74, I, EI)19, o melhor entendimento descreve ser mais acertado

empregar modelo processual de tutela de direitos individuais (ação individual) e não

uma ação coletiva para defesa de direito individual indisponível relativo uma só pessoa

(NEVES, 2013, p. 125).

Relacionado essas conclusões com o objeto do presente estudo tem-se que, a

rigor, as demandas seriais não incluem a defesa de direitos individuais indisponíveis,

mas de pretensões individuais homogêneas. Isso porque são os direitos individuais

homogêneos aqueles decorrentes do fenômeno social de massificação e que

desencadeiam a multiplicação de processos idênticos e repetitivos (RODRIGUES,

2013).

Não parece correta, portanto, a premissa de que os direitos individuais

indisponíveis favorecem à proliferação de demandas repetitivas, a não ser que esses

direitos assumam uma dimensão coletiva, como no exemplo anteriormente citado da

falta de medicamentos na rede pública de saúde, pelo que foi importante apartar essas

18 “Art. 201 (...) V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal.” 19 “Art. 74 (...) I – instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso;”

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duas modalidades de direitos individuais, a fim da melhor compreensão da matéria em

estudo.

Finalizando a apresentação dos direitos que constituem objeto do processo

coletivo brasileiro, com foco nos direitos individuais homogêneos, segue-se para a

segunda parte da pesquisa que terá como cerne o Incidente de Resolução de Demandas

Repetitivas, mecanismo de enfrentamento de ações seriais criado pelo Projeto do Novo

Código de Processo Civil (PL n.º 8.046/2010).

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3. O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O Projeto do Novo Código de Processo Civil (NCPC), PL n.º 8.046/2010, trará

uma grande novidade para o ordenamento jurídico brasileiro ao conceber o Incidente de

Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), confessadamente inspirado no direito

alemão.

No NCPC tal instituto está disciplinado nos arts. 988 a 1.000, no Livro III (Dos

Processos nos Tribunais e Dos Meios de Impugnação Das Decisões Judiciais), Título I

(Da Ordem Dos Processos e Dos Processos de Competência Originária Dos Tribunais),

Capítulo VI, de acordo com a redação do projeto aprovado pela Câmara de Deputados

em 26 de março de 2014 e que seguiu para o Senado Federal.20

Como se pode depreender da Exposição de Motivos 21 , o IRDR é um

mecanismo processual que pretende racionalizar a atividade do Poder Judiciário através

da pacificação de questão comum deduzida em um grande número de processos,

prestigiando a uniformização da jurisprudência e isonomia entre os jurisdicionados.

20 Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/redacao-final-aprovada-camara.pdf>. Acesso em 10 abr. 2014. Segue, na íntegra, em anexo, o capítulo IV, que tratou especificamente do novo instituto. 21 Envolto de várias considerações, na Exposição de Motivos foram levantadas as premissas maiores do incidente em questão, qual seja a busca de técnica de julgamento em bloco, preocupação com a estabilização do entendimento jurisprudencial, tratamento isonômico dos jurisdicionados e a necessidade de conter o enorme volume de processos judiciais. “Criou-se o incidente de julgamento conjunto de demandas repetitivas, a que adiante se fará referência. Por enquanto, é oportuno ressaltar que levam a um processo mais célere as medidas cujo objetivo seja o julgamento conjunto de demandas que gravitam em torno da mesma questão de direito, por dois ângulos: a) o relativo àqueles processos, em si mesmos considerados, que, serão decididos conjuntamente; b) no que concerne à atenuação do excesso de carga de trabalho do Poder Judiciário – já que o tempo usado para decidir aqueles processos poderá ser mais eficazmente aproveitado em todos os outros, em cujo trâmite serão evidentemente menores os ditos “tempos mortos” (= períodos em que nada acontece no processo). Por outro lado, haver, indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas, tenham de submeter-se a regras de conduta diferentes, ditadas por decisões judiciais emanadas de tribunais diversos. Esse fenômeno fragmenta o sistema, gera intranqüilidade e, por vezes, verdadeira perplexidade na sociedade. Prestigiou-se, seguindo-se direção já abertamente seguida pelo ordenamento jurídico brasileiro, expressado na criação da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) e do regime de julgamento conjunto de recursos especiais e extraordinários repetitivos (que foi mantido e aperfeiçoado) tendência a criar estímulos para que a jurisprudência se uniformize, à luz do que venham a decidir tribunais superiores e até de segundo grau, e se estabilize. (...) Com os mesmos objetivos, criou-se, com inspiração no direito alemão, o já referido incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta. O incidente de resolução de demandas repetitivas é admissível quando identificada, em primeiro grau, controvérsia com potencial de gerar multiplicação expressiva de demandas e o correlato risco da coexistência de decisões conflitantes.” Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf> Acesso em 10 maio 2014.

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Segundo Wambier (2011, p. 725-726), o referido incidente possui duas

finalidades principais, quais sejam concretizar os “princípios da legalidade e da

isonomia, interpretados e compreendidos em conjunto” e “diminuir a carga de trabalho

dos tribunais, o que por si só, já é capaz de gerar processos mais rápidos” (grifos do

original).

Nesse diapasão, a proposta do IRDR de tratamento coletivo das questões

comuns tem por escopo a uniformização de tratamento da questão, evitando decisões

antagônicas a respeito das ações individualmente apreciadas, consolidando um

tratamento jurisdicional isonômico e estabilizando a jurisprudência, em nome da

segurança jurídica, além de se harmonizar com o princípio da economia processual e da

celeridade, poupando a carga de trabalho do Poder Judiciário e consequentemente

recursos humanos, materiais e financeiros.

Como será visto adiante, através do IRDR, as instâncias superiores, a saber, os

tribunais de segunda instância, estaduais ou federais e os tribunais superiores, em

processos de sua competência originária, serão provocados a apreciar a controvérsia

repetitiva sobre questão comum a ser delimitada nesse incidente instaurado, seja dentro

de um processo individual, seja dentro de um processo coletivo, sobrestando já na

primeira ou segunda instância os processos cuja controvérsia seja a mesma versada no

incidente. Ao final, será proferida decisão paradigma, uma decisão-padrão responsável

por fixar tese jurídica a ser aplicada a todos os processos sobrestados, obrigatoriamente,

ou seja, com declarado efeito vinculativo.

Inicialmente, o referido incidente continha nomenclatura diversa, chamava-se

Incidente de Coletivização de Demandas (SILVA, 2011, p. 93), e mais, sua hipótese de

cabimento era restrita a questão exclusivamente de direito, não como hoje está previsto,

questão de direito ou de direito e fato.

Essas alterações foram bastante importantes para a análise científica da

matéria. Em primeiro lugar, porque ainda remanesceu, além desse incidente, outro

destinado exclusivamente à coletivização, disciplinado nos art. 334 do NCPC,

consoante a atual redação da matéria.22

22 “Art. 334. Atendidos os pressupostos da relevância social e da dificuldade de formação do litisconsórcio, o juiz, a requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública ou de outro legitimado para a condução do processo coletivo, poderá converter em coletiva a ação individual que veicule pedido que: I – tenha alcance coletivo, em razão da tutela de bem jurídico coletivo e indivisível, cuja ofensa afete, a um só tempo, as esferas jurídicas do indivíduo e da coletividade;

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O incidente de conversão de ações individuais em ações coletivas tem

pretensão diversa daquela do incidente de resolução de demandas repetitivas. No

primeiro, prima-se pela tutela de interesses essencialmente ou ontologicamente

coletivos, vedando-se expressamente o seu cabimento para a tutela de interesses

individuais homogêneos (art. 334, §1º23), enquanto que o segundo abre as portas para

essa espécie de direito ao permitir a veiculação de demanda sobre questões comuns

exclusivamente de direito ou de direito e fato.

Observe-se. Segundo entende-se, naquelas ações individuais que darão ensejo

para a pretendida conversão em ação coletiva, há, em verdade, apenas a “aparência de

tutela de direito individual”, exatamente como se refere a doutrina ao tratar das “ações

pseudoindividuais” (NEVES, 2013, p. 66-67). Por esse motivo, perfilha-se a tese de que

a conversão de ações individuais em coletivas encontrará reverberação no trato das

ações pseudoindividuais, é dizer, “ações promovidas por indivíduos que envolvam

pretensão de alcance coletivo, ante a indivisibilidade do direito (difuso ou coletivo em

sentido estrito) objeto da demanda” (DONIZETTI; CERQUEIRA, 2010, p. 67).

Continuando, entende-se que, em segundo lugar, com a alteração da hipótese

de cabimento do IRDR para tratar não somente matéria de direito, mas também matéria

de fato e de direito comuns, o IRDR praticamente iguala seu objeto com o do processo

coletivo em defesa dos direitos individuais homogêneos.

Veja-se que, em matéria de processo coletivo, por direitos individuais

homogêneos se entende aqueles de “origem comum, de fato ou de direito, que

recomendam a tutela conjunta” (art. 2, III, do Projeto de Lei da Nova Ação Civil

Pública – PL n.º 5.139/2009). Ora, é inegável a aproximação dos objetos desses dois

mecanismos processuais, ainda mais quando constatado que ambos têm por objetivo

evitar a proliferação de demandas repetitivas fundadas em matéria de fato e direito

semelhantes, consoante já exposto.

É interessante observar que a inicial previsão de instauração do incidente,

apenas para debater questões estritamente de direito, o afastava do modelo alemão que o

inspirou, pois neste as controvérsias comuns também poderiam versar exclusivamente

sobre matéria fática (MENDES, 2012).

II – tenha por objetivo a solução de conflito de interesse relativo a uma mesma relação jurídica plurilateral, cuja solução, pela sua natureza ou por disposição de lei, deva ser necessariamente uniforme, assegurando-se tratamento isonômico para todos os membros do grupo.” 23 “Art. 334 (...) § 1º A conversão não pode implicar a formação de um processo coletivo para a tutela de direitos individuais homogêneos.”

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Ainda sob a redação original, limitando-o ao trato de questões estritamente de

direito repetitivas, a doutrina nacional mostrava-se favorável para a ampliação da

hipótese de cabimento também para envolver questões fáticas (MENDES;

RODRIGUES, 2012, p. 194).

Essas considerações só reforçam a tese aqui sustentada de que, com a

ampliação do objeto do IRDR, tal como previsto no art. 988 atual24, este poderá vir a

somar esforços na proteção de direitos individuais homogêneos, juntamente às ações

coletivas em defesa de direitos individuais homogêneos.

Aproveitando o ensejo, coloca-se outra interessante observação, agora de

índole mais sociológica do que propriamente jurídica. Muito embora doutrinadores

como Rosa (2010) e Silva (2011, p. 108) manifestem entendimento diverso, encara-se a

iniciativa do NCPC como expressão do fenômeno de coletivização de que opera no

direito processual tradicional, marcadamente individualista e afeto a lide entre

personalidades individuais abstratas (Caio vs. Tício).

É cediço que tal modelo processual não é mais condizente com a nova

realidade de formações sociais coletivas (CAPPELLETTI, 1977) e, em especial desafeto

à resolução de macrolides que se deflagram na sociedade de massa.

As lesões massificadas são, em grande medida, responsáveis pela enxurrada de

causas ou demandas seriais, repetitivas que chegam às portas do Poder Judiciário

(RODRIGUES, 2013) e por isso, é bastante pertinente a investigação do Incidente de

resolução de Demandas Repetitivas em paralelo às ações coletivas em tutela de direitos

individuais homogêneos.

Ainda mais porque as ações coletivas, conforme já assinalado, também se

prestam para a judicialização desses tipos de demandas, com a vantagem de concentrar

o conflito numa única ação (molecularização) (WATANABE, 1992 apud DIDIER JR.;

ZANETI JR., 2013, p. 34-35). Mas por outro lado, o IRDR trabalha com outra

perspectiva de solução para conflitos coletivos, a saber, com uma abordagem de

valorização da uniformização jurisprudencial e aplicação vinculada da tese jurídica que

prevalecer perante os tribunais de segundo grau e superiores.

Após esses rápidos e pertinentes apontamentos, segue-se a necessária

investigação científica processual sobre o expediente, as inspirações jurídicas que

24 “Art. 988. É admissível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando, estando presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, houver efetiva ou potencial repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito ou de direito e de fato.”

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justificaram a criação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e os seus

contornos dados pela legislação projetada, para ao final do estudo suscitar algumas

aproximações e perspectivas em face das ações coletivas em matéria de direitos

individuais homogêneos.

3.1 DEMANDAS SERIAIS OU REPETITIVAS

Antes de tratar especificamente do novo instituto, recomenda-se suscitar alguns

questionamentos. O que seriam demandas repetitivas também chamadas de demandas

seriais, massificadas, isomórficas? Elas têm alguma ligação com os direitos individuais

homogêneos?

Para Rodrigues (2013, p. 22-23), demandas repetitivas podem ser entendidas

como “aquelas ações que versem sobre a mesma questão de direito ou de fato

controvertida em inúmeros processos semelhantes e que prescindam de maior dilação

probatória”.

O doutrinador segue para identificar alguns exemplos de demandas repetitivas

em relações jurídicas firmadas por grande quantidade de consumidores em contratos de

telefonia, planos de saúde, ou na relação jurídico tributária entre Estado e o contribuinte,

bem como em relações fáticas comuns como as decorrentes da distribuição de

medicamento defeituoso ou acidente aéreo (RODRIGUES, 2013, p. 22-23).

Segundo esse jurista, demandas repetitivas compartilham a ideia da questão

comum, de fato e/ou de direito, projetadas sobre um amplo espectro de pessoas, o que, a

toda evidência, as deixa muito próximo do conceito de direitos individuais homogêneos,

aliás, alguns dos exemplos citados são exatamente iguais aos expostos pela doutrina,

como a hipótese do acidente aéreo e a cobrança tributária ilícita.25

De fato, a doutrina tem recorrido à característica da homogeneidade para

constatar a existência de demandas repetitivas. Segundo Cunha (2011, p. 258), as

“demandas repetitivas caracterizam-se por veicularem, em larga escala, situações

jurídicas homogêneas”.

25 Como citado por Miragem, Benjamin e Marques (2014, p. 1553) e Venturi (2007, p. 76), respectivamente.

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Nada obstante, há corrente doutrinária que defende a não identificação entre

direitos individuais homogêneos, definidos no art. 81, parágrafo único, I, do CDC, e os

direitos tutelados em ações repetitivas.

Para os defensores dessa tese, nas demandas repetitivas se postam direitos cuja

característica da homogeneidade está presente apenas superficialmente, e não há de se

falar em origem comum, o que os afasta do conceito de direitos individuais homogêneos

(ROSA, 2010).

Nesse mesma linha, se posiciona Baltazar Rodrigues (2011, p. 95), para quem

as demandas repetitivas não se confundem com as demandas de massa (sejam elas

baseadas em direitos difusos, direitos coletivos em sentido estrito ou direitos individuais

homogêneos).

Data venia, nos filiamos a corrente capitaneada por Mendes e Rodrigues

(2012, p. 195), que vê possível, com máxima ou superficial homogeneidade, a tutela

destes direitos como verdadeiros direitos individuais homogêneos. Até mesmo porque

os exemplos utilizados por Rosa (2010) para referendar o seu posicionamento não se

afastaram do requisito da origem comum, e demonstraram grau de homogeneidade

capaz de abrir-se à via tutela coletiva de direitos individuais homogêneos.

Esse também é o entendimento de Rodrigues (2013) e Rossoni (2010). Para

eles, as ações repetitivas veiculam pretensões que podem ser classificadas como

relativas a direitos individuais homogêneos. Essa é a corrente doutrinária a que filia-se

para conclui que as demandas repetitivas veiculam pretensões típicas de direitos

individuais homogêneos.

Para finalizar esse tópico, ressalta-se a interessante observação feita por Cunha

(2011, p. 258). O doutrinador, com acerto, aponta que não somente ocorre a repetição

em relação a ações individuais. As ações coletivas também podem ser consideradas

causas repetitivas. A questão que brota é a de conceber o IRDR dentro de uma ação

coletiva. Seria isso possível? Suscitar o incidente num processo coletivo?

Primeiramente, a resposta seria um tanto restritiva, no seguinte sentido: não

deverá ser instaurado em qualquer processo coletivo, pois deverá ter como objeto direito

individual homogêneo, ou seja, não poderá tratar de direitos difusos ou coletivos em

sentido estrito.

Contudo, se analisado com mais cautela, outra parece ser a melhor solução.

Veja-se que há a possibilidade de que, em se tratando de questão comum de direito,

possa uma ação coletiva em defesa do meio ambiente (direito difuso) vir a ser suspensa

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50

ou nela ser instaurado o incidente, pois a questão repetitiva e comum é versada tanto em

processos individuais quanto em processos coletivos. A questão de direito, sendo

comum às demandas coletivizadas ou individualizadas autoriza, em tese, a instauração

do incidente.

Se a resposta é positiva tomando como referência a repetição de ações coletivas

e individuais sobre questões comuns, muito mais interessante a projeção de repetição de

várias ações coletivas. Não somente a repetição de ações coletivas e individuais dá

margem à instauração do incidente, mas também a repetição de várias ações coletivas

sobre o mesmo objeto.

Essa constatação é ainda mais pertinente quando se tem em vista a disposição

do art. 16, da LACP. Como já levantado, a aplicação do dispositivo leva a incongruente

prática de propositura de ações coletivas com idêntico objeto, e, portanto, repetitivas,

cada qual limitada a produzir efeitos no território de competência de cada órgão

julgador. Nesses termos, é provável a existência de ações coletivas versando sobre a

mesma matéria de direitos individuais homogêneos. Serão como demandas repetitivas e

passíveis de serem tomadas como o processo piloto no Incidente de Resolução de

Demandas Repetitivas trazido pelo NCPC, e assim, além do efeito erga omnes da

sentença coletiva, a aplicação vinculante da tese jurídica fixada no incidente tornará a

solução coletiva mais eficiente do ponto de vista de racionalização da prestação

jurisdicional e economia processual.

Mas daí surge outro problema jurídico. Como suscitar o Incidente de

Resolução de Demandas Repetitivas em casos como esses? Quais seus efeitos sobre os

processos individuais? A rigor, a cada tribunal deveria ser requerida a instauração do

incidente, mas limitados a produzir efeitos somente em um estado membro ou região, a

depender se for suscitado perante Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais.

A solução parece descompassada com a necessidade de celeridade, isonomia e

pacificação da jurisprudência, motivo pelo qual se aponta crítica e possível alternativa a

situações desse jaez, no capítulo final desse estudo, quando se aproxima os deletérios

efeitos do art. 16, da LACP e essa limitação territorial dos efeitos do IRDR.

Apresentadas essas considerações sobre o que se entende por demandas

repetitivas, inclusive para abranger demandas individuais ou coletivas repetitivas,

segue-se em busca da inspiração do instituto, com análise do direito alemão e do

procedimento-modelo, lá denominado de Musterverfahren.

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51

3.2 A INSPIRAÇÃO ALEMÃ. MUSTERVERFAHREN (PROCEDIMENTO-MODELO)

Do teor da Exposição de Motivos é clara a referência ao direito alemão como

fonte de inspiração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas no Projeto do

Novo Código de Processo Civil26.

Porém, faz-se a ressalva do entendimento de Leonel (2012) para quem o

referido incidente se inspirou, igualmente, em outra fonte jurídica alienígena, qual seja

no direito inglês. Contudo, esse estudo tratará apenas da inspiração germânica.

O nome do instituto alemão é Musterverfahren, também chamado de

procedimento-modelo.

Segundo Mendes (2012) este instrumento seria uma espécie das ações-modelo

ou test-claims, embora outros doutrinadores como Cabral (2007) e Rodrigues (2013)

parecem sugerir que sejam instrumentos distintos.

Mas o que realmente importa é que todos são unânimes em constatar que eles

compartilham da mesma lógica, qual seja, nas palavras de Rodrigues (2013, p. 168), “a

resolução de questões comuns a todas as ações isomórficas a partir de um processo

individual tomado como paradigma”. Ou seja, o Musterverfahren é o procedimento-

padrão criado na Alemanha para enfrentar uma declarada lide multitudinária a partir do

julgamento de um processo individual, através de verdadeiro método de “decisão em

bloco” (CABRAL, 2007, p. 128).

O seu primeiro registro é de 1991, no Estatuto da Justiça Administrativa

(Verwaltungsgerichtsordnung), mas a sua importante contribuição veio com a

introdução na lei que tratou dos conflitos jurídicos no âmbito dos mercados de capitais,

de 2005 (Gesetz über Musterverfahren in kapitalmarktrechlichen Streitigkeiten -

KapMuG).

Essa legislação em que foi previsto o instituto, interessante anotar, fixou um

prazo para a sua validade, e até onde se sabe a sua prorrogação manteve-se até o ano de

2012 (MENDES, 2012, p. 121).

Em que pese o procedimento modelo tudesco denominado Musterverfahren

também ser utilizado no âmbito da Jurisdição Administrativa e pelo Poder Judiciário

26 “Com os mesmos objetivos, criou-se, com inspiração no direito alemão, o já referido incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta.” Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf> Acesso em 10 maio 2014.

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envolvendo questões sobre previdência e assistência social, a inspiração dos juristas

brasileiros se deu em relação ao processo-modelo relacionado ao mercado de capitais

(KapMuG) (MENDES, 2012, p. 122).

Nesse, em resumo, propõe-se o julgamento do um caso-piloto, a envolver

questões fáticas ou jurídicas comuns, de modo que “o julgamento do caso-modelo

servirá como paradigma para o julgamento dos processos individuais, que

permaneceriam suspensos durante o processamento e julgamento” daquele (MENDES,

2012, p. 123).

O procedimento-padrão germânico pode ser resumido em três fases: 1) a

primeira fase diz respeito ao requerimento de instauração, endereçado ao órgão de

primeiro grau, para decidir sobre a admissibilidade ou não. Em caso de deferimento,

haverá a promoção da publicidade; 2) na segunda fase haverá o “processamento e

julgamento do caso-piloto pelo tribunal de segundo grau” e, ao final 3) aos processos

individuais será aplicada o entendimento que sagrar-se vitorioso no processo paradigma

(MENDES, 2012, p. 123).

É certo que o processamento do incidente no direito alemão guarda

semelhanças com a atual conformação dada pelo NCPC, contudo há notáveis pontos

que divergem e circunstâncias especiais, as quais se reserva para apresentá-las ao

momento em que se aprecia o IRDR, tal como previsto nos art. 988 e ss., da codificação

projetada.

Após referendar a sua origem alemã, Mendes (2012, p. 281) também aponta,

como o que se concorda inteiramente, que, de certa maneira, o IRDR também se

inspirou na sistemática de processamento de recursos especiais e extraordinários

repetitivos, inserida no CPC vigente, mormente através dos arts. 543-B e 543-C.

Ora, é evidente que ambos os dispositivos se destinaram, aqui no Brasil, à

resolução de questões estritamente de direito, como não deixa mentir o caput do art.

543-C27, até mesmo porque em se tratando de recursos extraordinários (gênero), não é

possível o reexame fático-probatório, mas tão somente discute-se o direito objetivo (v.

súmulas 279 e 07, do STF e STJ, respectivamente)28.

27 “Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.” 28 “Súmula 279, STF: Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário. Súmula 07, STJ: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”

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Diante da redação atual do art. 988, há de ser feita a diferenciação. Aos

recursos excepcionais, aplica-se a conhecida lição: “não é possível a interposição de

recurso excepcional para a revisão de matéria de fato.”(DIDIER JR.; CUNHA, 2011, p.

256). Ocorre que com a ampliação do objeto do IRDR para abarcar também questões

fáticas, outros horizontes estão abertos ao novo instituto.

Noutra banda, ainda cabe outra importante diferenciação. Enquanto nos

recursos repetitivos a intenção foi de reduzir o número daqueles recursos

extraordinários (gênero) em tramitação no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo

Tribunal Federal, o incidente projetado no NCPC tem objetivos mais amplos, qual seja

o da diminuição da carga de processos “nos tribunais de segundo grau e a suspensão dos

processos [já] em primeiro grau, propiciando, economia, mas também uniformidade e

segurança na prestação jurisdicional.” (MENDES, 2012, p. 281).

Observe-se, aqui, a magnitude do instituto projetado, pois pretende frear o

processamento de ações repetitivas propostas já em primeiro grau de jurisdição,

diferentemente do que o atual regime dos recursos repetitivos (CPC/73) prevê,

preocupado tão somente com o número exponencial de recursos extraordinários

(gênero).

Sendo assim, e se na prática ocorrer de ser instaurado um incidente e estarem

em curso recursos excepcionais repetitivos? O NCPC trouxe importante regra de

convivência para situações como essas. O art. 988, § 8º, estipulou que o incidente de

resolução de demandas repetitivas não será admitido quando um dos tribunais

superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para

definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva. A afetação

do recuso excepcional tornaria, então, incabível a instauração do incidente.

Então, isso implicará dizer que julgado esse recurso afetado, não haverá de se

falar no efeito vinculante do precedente, assim como se daria se o julgamento fosse do

incidente? De fato, consoante o regramento dado pelo NCPC aos recursos excepcionais

repetitivos, muito embora os juízes (primeiro grau de jurisdição) estejam expressamente

vinculados, devendo aplicar a tese fixada no recurso paradigma 29, aos tribunais se

29 “Art. 1.050. O presidente ou vice-presidente do tribunal de origem selecionará recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, e determinará a suspensão do processamento dos demais recursos interpostos tempestivamente, até o pronunciamento definitivo do tribunal superior. (...)

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referendou a hipótese de manter a divergência 30 , desde que se trate de “situação

particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor

solução jurídica diversa.”31

Com efeito, não se fala em efeito vinculativo de recursos excepcionais, pelo

menos, não na mesma extensão que se propõe ver no Incidente de Demandas

Repetitivas. Haverá para aqueles uma medida vinculativa em menor amplitude,

decorrente do primado que tem dado o NCPC aos precedentes judiciais (v. art. 520 e

ss.).32

§ 4º Os processos em que se discute idêntica controvérsia de direito e que estiverem em primeiro grau de jurisdição ficam suspensos por período não superior a um ano, salvo decisão fundamentada do relator. (...) Art. 1.054. Sobrevindo, durante a suspensão dos processos, decisão da instância superior a respeito do mérito da controvérsia, o juiz proferirá sentença e aplicará a tese firmada.” 30 “Art. 1.053 (...) § 1º Para fundamentar a decisão de manutenção do acórdão divergente, o tribunal de origem demonstrará a existência de distinção, nos termos do art. 521, § 10.” Remissão legal ao art. 520, §10 é equivocada, devendo-se lê art. 520, § 9º. “Art. 520 (...) § 9º O precedente ou jurisprudência dotado do efeito previsto nos incisos do caput deste artigo poderá não ser seguido, quando o órgão jurisdicional distinguir o caso sob julgamento, demonstrando fundamentadamente se tratar de situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor solução jurídica diversa.” 31 Portanto, deve o tribunal, para sustentar a divergência, recorre à técnica que a doutrina denomina distinguishing ou overruling (DIDIER JR.; CUNHA, 2011). 32 “Art. 520. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável. Parágrafo único. Na forma e segundo as condições fixadas no regimento interno, os tribunais devem editar enunciados correspondentes à súmula da jurisprudência dominante. Art. 521. Para dar efetividade ao disposto no art. 520 e aos princípios da legalidade, da segurança jurídica, da duração razoável do processo, da proteção da confiança e da isonomia, as disposições seguintes devem ser observadas: I – os juízes e tribunais seguirão as decisões e os precedentes do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os juízes e tribunais seguirão os enunciados de súmula vinculante e os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; III – os juízes e tribunais seguirão os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, e dos tribunais aos quais estiverem vinculados, nesta ordem; IV – não havendo enunciado de súmula da jurisprudência dominante, os juízes e tribunais seguirão os precedentes: a) do plenário do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional; b) da Corte Especial ou das Seções do Superior Tribunal de Justiça, nesta ordem, em matéria infraconstitucional; V – não havendo precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, os juízes e órgãos fracionários de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal seguirão os precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo, nesta ordem; VI – os juízes e órgãos fracionários de tribunal de justiça seguirão, em matéria de direito local, os precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo, nesta ordem. § 1º A modificação de entendimento sedimentado poderá realizar-se: I – por meio do procedimento previsto na Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, quando tratar-se de enunciado de súmula vinculante; II – por meio do procedimento previsto no regimento interno do tribunal respectivo, quando tratar-se de enunciado de súmula da jurisprudência dominante;

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Feitos os comentários básicos acerca da origem do incidente, passa-se a

analisar a hipótese de sua admissibilidade, mais especificamente existência de questões

de direito e/ou de fato que possam se revelar presentes em processos repetitivos.

3.3 QUESTÃO DE DIREITO OU DE DIREITO E DE FATO

Segundo dispõe o art. 988, do NCPC, o incidente será admitido, quando

“estando presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, houver efetiva ou

potencial repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de

direito ou de direito e de fato.”

O alcance do instituto está sobremaneira vinculado aos requisitos que

autorizam a sua instauração e juízo positivo de admissibilidade. Vê-se que para ser

admitido o incidente, deverá estar presente, necessariamente, questão comum de direito,

veiculadas em processos repetitivos ou com a potencialidade de se tornarem repetitivos.

Portanto, a premissa maior de sua existência é a constatação de questões

comuns a um dado número de processos repetitivos, e que estas questões sejam relativas

III – incidentalmente, no julgamento de recurso, na remessa necessária ou na causa de competência originária do tribunal, nas demais hipóteses dos incisos II a VI do caput deste artigo. § 2º A modificação de entendimento sedimentado poderá fundar-se, entre outras alegações, na revogação ou modificação de norma em que se fundou a tese ou em alteração econômica, política ou social referente à matéria decidida. § 3º A decisão sobre a modificação de entendimento sedimentado poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 4º O órgão jurisdicional que tiver firmado a tese a ser rediscutida será preferencialmente competente para a revisão do precedente formado em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas, ou em julgamento de recursos extraordinários e especiais repetitivos. § 5º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante, sumulada ou não, ou de precedente, o tribunal poderá modular os efeitos da decisão que supera o entendimento anterior, limitando sua retroatividade ou lhe atribuindo efeitos prospectivos. § 6º A modificação de entendimento sedimentado, sumulado ou não, observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 7º O efeito previsto nos incisos do caput deste artigo decorre dos fundamentos determinantes adotados pela maioria dos membros do colegiado, cujo entendimento tenha ou não sido sumulado. § 8º Não possuem o efeito previsto nos incisos do caput deste artigo os fundamentos: I – prescindíveis para o alcance do resultado fixado em seu dispositivo, ainda que presentes no acórdão; II – não adotados ou referendados pela maioria dos membros do órgão julgador, ainda que relevantes e contidos no acórdão. § 9º O precedente ou jurisprudência dotado do efeito previsto nos incisos do caput deste artigo poderá não ser seguido, quando o órgão jurisdicional distinguir o caso sob julgamento, demonstrando fundamentadamente se tratar de situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor solução jurídica diversa. § 10. Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.“

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necessariamente à matéria de direito ou de direito e fato. Ou seja, não haverá como ver

admitido incidente baseado tão somente em questão de fato comum. Deve, conforme a

redação atual em análise, necessariamente envolver questões de direito, ou

exclusivamente, ou juntamente com questões de fato.

Como já adiantado, essa característica o afasta do Musterverfahren, do direito

alemão, pois, segundo aduz Cabral (2007), a finalidade deste é “fixar posicionamento

sobre supostos fáticos ou jurídicos de pretensões repetitivas” (grifo acrescido).

Perceba-se: no procedimento alemão não há qualquer limitação sobre a matéria

fática, em outras palavras, aquele procedimento modelo expressamente permite que a

matéria comum controvertida em processos repetitivos verse exclusivamente sobre

questões fáticas (MENDES, 2012, p. 123), diferentemente da conformação dada pelo

código projetado brasileiro, que estipulou ser inexorável requisito presença de questão

de direito, isoladamente ou em companhia de questões fáticas comuns e repetitivas.

A diferenciação da questão de fato ou de direito, aqui, em última análise, pode trazer problemas hermenêuticos, como aponta Streck (2007), citado por Silva (2011, p. 110) e, na pior das hipóteses, tornar bastante restrita a aplicação do instituto.

Em relação ao modelo alemão, Cabral (2007, p. 133) comenta que a

possibilidade de discutir tanto questões de fato como de direitos evita o “artificialismo

da decisão”, isto é, a sua ineficácia, pois a diferenciação entre as questões fáticas e

jurídicas pode ser bastante tormentosa, em especial quando intrinsecamente

correlacionadas. Um mau presságio ao IRDR, do direito brasileiro.

Nada obstante, a mais recente redação a que se teve acesso traz uma alternativa

ao problema ao prever que o “incidente pode ser instaurado quando houver decisões

conflitantes sobre mesma questão de fato” (art. 988, § 9º).33

Com tal previsão, resguarda-se não somente o tratamento uniforme da questão

de direito comum, mas também a questão de fato comum, mesmo que não admitindo o

incidente exclusivamente calcado em matéria fática. Veja-se: não refoge de sua tutela

eventual tratamento díspar que o Poder Judiciário proponha a mesma situação fática,

compartilhada por uma dada coletividade de indivíduos.34

33 “Art. 988 (...)§ 9º O incidente pode ser instaurado quando houver decisões conflitantes sobre mesma questão de fato.” 34 Ainda que em aparente contradição, vê-se com bons olhos a nova hipótese de cabimento do incidente, pois que se coaduna com seu escopo de uniformizar o tratamento jurisdicional e privilegiar a isonomia as situações semelhantes, fática e jurídicas, portanto.

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Ademais, há determinação legal para que a solução da questão fática seja

aplicada a “todos os processos em que essa questão seja relevante para resolução da

causa.” (art.995, § 6º).35

Ousa-se afirmar que esta timidez da legislação projetada em limitar o incidente,

inicialmente a questões de direito, e somente agora ter abrangido também questões

fáticas, pode ser explicada, de certa maneira, porque os mecanismos processuais de

resolução de causas repetitivas do atual CPC/73, como os recursos excepcionais

repetitivos (arts. 543-B e 543-C) e a súmula vinculante (art. 103-A, CRFB/88), somente

admitem o tratamento de questão de direito.

A todos esses mecanismos processuais de contenção de demandas repetitivas é

comum a menção à multiplicação de processos (ou recursos), sempre transmitindo a

ideia de que o trato da questão de direito em comum objetiva a uniformização da

matéria sobre casos repetitivos (BULOS, 2011 e DIDIER JR.; CUNHA, 2011).

Não poderia deixar de mencionar que as ações coletivas em matéria de direitos

individuais homogêneos também partem dessa premissa de resolução de questões

comuns, sendo indiferente a exclusividade fática ou estritamente jurídica da questão. A

razão disso é que às ações coletivas o que realmente interessa é a verificação do núcleo

de homogeneidade, ou seja, a similitude, afinidade ou semelhança entre os direitos

materiais, seja ela oriunda da mesma causa fática ou de causa jurídica (ZAVASCKI,

2014, p. 146).

Como pode-se concluir, enquanto as ações coletivas em matéria de direitos

individuais homogêneos livremente veiculam matéria de fato ou de direito, o IRDR tem

passado por algumas mudanças na redação ou conformação e somente com a atual

redação, permitiu-se tratar de questões de direito e, indiretamente, sobre questões

fáticas. A aproximação entre os citados mecanismos processuais é bastante clara nesse

ponto.

Pois bem. Seguindo o procedimento do IRDR, após a verificação das questões

de direito ou de direito de fato comuns, efetiva ou potencialmente veiculadas em

processos repetitivos, o exame de admissibilidade determinará a suspensão ou não

desses processos, a depender do cabimento ou não do incidente.

35 “Art. 995(...)§ 6º Julgado o incidente na hipótese do art. 988, § 9º, a solução da questão fática será aplicada a todos os processos em que essa questão seja relevante para resolução da causa.”

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Todavia, o pressuposto de admissibilidade não é somente a existência de vários

processos repetitivos, versando sobre questões comuns. Se num só processo for

constatada questão que tem a potencialidade de ensejar multiplicação de demandas,

poderá ser admitido o incidente, como que se antecipando ao aparecimento de ações

repetitivas. Trata-se, respectivamente, do caráter repressivo ou preventivo, o que passa a

ser abordado.

3.4 CARÁTER REPRESSIVO E PREVENTIVO

Ao estipular os requisitos de admissibilidade do incidente, o código projetado

exige “efetiva ou potencial repetição de processos” sobre a mesma questão comum (art.

988). Verifica-se, então, um duplo caráter que pode assumir o incidente.

Primeiramente, um caráter repressivo, é dizer, poderá ser instaurado quando já

existirem ações repetitivas, em segundo ou primeiro grau de jurisdição.

Em segundo lugar, há o caráter preventivo do incidente, instaurado pela

simples potencialidade de repetição da controvérsia sobre a mesma questão comum.

Há vozes na doutrina que não consideram válido o caráter preventivo do

incidente. Nessa linha, propõem que somente fosse possível instaurar o incidente

somente após ser levantada certa controvérsia de tratamento da questão (CUNHA,

2011).

Sob esse ponto de vista, somente o caráter repressivo subsistiria. Recorde-se

que esta opção parece se alinhar com a disciplina do instituto no direito alemão, pois,

neste, exige-se a existência de mais nove requerimentos de instauração do incidente, a

dar conta da controvérsia da matéria (RODRIGUES, 2013, p. 172).

Nada obstante, a melhor doutrina entende salutar o caráter preventivo atribuído

ao incidente, pois ao se antecipar a resolução da controvérsia jurídica que possa dar

ensejo a futuras ações repetitivas, garante-se, desde logo, a uniformidade de tratamento

jurídico, atingindo-se o escopo da uniformização da jurisprudência, da economia

processual e isonomia, poupando o ingresso de ações fundadas na mesma questão e

tramitação inútil por diversas instâncias do Judiciário, como sói ocorrer com os recursos

excepcionais repetitivos (RODRIGUES, 2013, p. 197).

Entende-se mais acertado o entendimento doutrinário favorável a previsão do

caráter preventivo do incidente. Atente-se que, até mesmo por uma questão de

segurança jurídica, o caráter preventivo do incidente desponta como fundamental,

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poupando-se das incongruências geradas por decisões conflitantes e consequente

descrédito do Poder Judiciário.

Mais congruente seria entender pela correta aplicação do instituto, de notável

alcance social e jurídico, e não pretender a sua limitação fundada no argumento de má

aplicação pelos operadores do direito, segundo acertadamente sustentam Mendes e

Rodrigues (2012).

Finalmente, tratadas as questões comuns que podem estar relacionadas aos

processos repetitivos e o duplo caráter do IRDR, segue-se ao exame da admissibilidade

e da suspensão dos processos individuais repetitivos sobre a matéria.

3.5 ADMISSIBILIDADE E SUSPENSÃO DE DEMANDAS INDIVIDUAIS

O requerimento de instauração do IRDR, dirigido aos Tribunais de Justiça ou

Tribunais Regionais Federais, dependerá da iniciativa das partes, do Ministério Público,

da Defensoria Pública, da pessoa jurídica de direito público ou por associação civil, por

petição ou ainda, do relator ou órgão colegiado, de ofício (art. 988, §3º, I, II).

O exame de admissibilidade do incidente, portanto, também envolve a

legitimidade do requerente. Não há muita dificuldade quando é suscitado por iniciativa

das partes, mas, a aferição da legitimidade do Ministério Público e da Defensoria

Pública, em especial, merece ser realçada.

Ainda que não expressamente, tem-se referido a algumas limitações a

legitimidade do Ministério Público e da Defensoria Pública para suscitar o incidente.

A doutrina tem apontado a necessidade de que a legitimidade desses entes seja

exercida de acordo com as suas respectivas funções institucionais, não se exigindo que

sejam partes no processo (MENDES, 2012, p. 283).

Em análise mais detida da matéria, além da função institucional, Cunha (2011)

assevera que legitimidade, nesses casos, de certa maneira, se relaciona com a

legitimação para a propositura de ação civil pública, notadamente em defesa de direitos

individuais homogêneos.

Partindo dessa premissa, quanto a Defensoria Pública, entende necessário que a

causa envolva “interesses de necessitados” ou versem “sobre tema que a eles esteja

relacionado” (CUNHA, 2011, p. 266).

Contudo, tal entendimento não se mostra de todo acertado. Isso porque, se

tomadas as premissas de legitimação do processo coletivo, a melhor doutrina,

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encampada pelos professores Didier Jr. e Zaneti Jr. (2013, p. 221 e ss.), salienta que não

é razoável legitimar a Defensoria Pública somente para a “tutela coletiva dos

necessitados”. Assim, a melhor solução é referendar que há legitimidade da Defensoria

Pública ainda nos casos em que coletividade não seja composta, exclusivamente, por

pessoas necessitadas, até porque “a decisão poderá beneficiar a todos, indistintamente,

necessitados ou não.”

Quanto ao Ministério Público, Cunha (2011, p. 265) assevera, com acerto, que

a sua legitimidade deve ser aferida “concretamente, somente sendo reconhecida, se

transparecer, no caso, relevante interesse social”. O Ministério Público, inclusive,

deverá intervir obrigatoriamente e ainda deverá assumir a titularidade do incidente, em

caso de desistência ou abandono (art. 988, § 6º).

Suscitado o incidente por algum dos legitimados, o principal efeito que decorre

do juízo de admissibilidade positivo é a imposição automática de suspensão de todos os

processos que versem sobre matéria controvertida e estejam no âmbito da competência

jurisdicional do órgão julgador, ou seja, do Tribunal de Justiça (estado) ou do Tribunal

Regional Federal (região) (art. 990, § 1º, I)36.

Notadamente, a possibilidade de interposição de recurso especial ou

extraordinário, após o julgamento do mérito da demanda, autoriza a suspensão a nível

nacional dos processos que dependam da resolução do incidente. Nessa hipótese a tese

jurídica fixada após o julgamento do Tribunal Superior (STJ ou STF) será aplicada a

todos os processos que tramitam no país (art. 995,§ 5º).37

Cogita-se que mesmo antes do julgamento do mérito de eventual recurso

excepcional, há possibilidade de suspensão nacional, após requerimento endereçado ao

Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça, segundo pode-se

depreender do art. 997.38 Esse entendimento é perfilhado por Mendes (2012, p. 285).

36 “Art. 990. Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 988. § 1º Admitido o incidente, o relator: I – suspenderá os processos pendentes que tramitam no estado ou na região, conforme o caso;” 37 “Art. 995 (...) § 5º Se houver recurso e a matéria for apreciada, em seu mérito, pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, a tese jurídica firmada será aplicada a todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem no território nacional.” 38 “Art. 997. Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 988, § 3º, inciso II, poderá requerer ao tribunal competente para conhecer de recurso extraordinário ou recurso especial a suspensão de todos os processos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado.”

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A suspensão, que como visto, poderá se operar a nível estadual, regional ou

nacional, tem um prazo temporal de eficácia. Há o prazo de um ano para suspensão, no

decorrer do qual serão mantidos sobrestados os processos individuais até o julgamento

do incidente, o qual, por sua vez terá preferência sobre os demais feitos (art. 996),

contudo tal prazo pode ser alargado, por prazo não expressamente limitado, após

decisão fundamentada do relator (art. 996, caput e §1º).39

O lapso temporal da suspensão, como é evidente, poderá causar danos

irreparáveis ao demandante no processo individual sobrestado, pois lhe impõe uma

desarrazoada demora na prestação jurisdicional, quando, por exemplo, se requer

urgência na prestação jurisdicional, ferindo a garantia constitucional da duração

razoável do processo (art. 5º, LXXIII, da CRFB/88).

Por esta razão, foi estabelecida a possibilidade de concessão de medidas de

urgência (art. 900, § 3º), além de abrir ao demandante individual uma expressa

autorização para demonstrar a impertinência da suspensão processual que lhe afetou, e

sustentar a distinção do seu processo em relação àquele caso sob julgamento (art. 990, §

4º c/c art. 520, § 9º).40

Admitido o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e havendo a

suspensão dos processos repetitivos, segue o julgamento do incidente pelo tribunal de

segunda instância (TJ ou TRF), ou por analogia, o STJ, em hipótese de competência

originária das cortes estaduais ou federais.

Após o trânsito em julgado, segue-se para último passo, qual seja, a aplicação

da tese jurídica firmada no respectivo incidente, que se passa a abordar.

3.6 APLICAÇÃO DA TESE JURÍDICA GERAL AO PROCESSO INDIVIDUAL

Com o julgamento do IRDR, a tese jurídica fixada deverá ser aplicada a todos

os processos suspensos e também aos processos futuros que venham a tramitar na área

39 “Art. 996. O incidente será julgado no prazo de um ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. § 1º Superado o prazo previsto no caput, cessa a suspensão dos processos prevista no art. 990, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário.” 40 Apesar da remissão textual do art. 990, § 4º seja ao art. 520, § 10º, não é correta, pois inteligível tal remissão.

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de jurisdição do órgão julgador, desde que versem sobre matéria de direito ou de direito

e fato idênticas (art. 995, §1º).41

Como já exposto quando se tratou da suspensão, se o IRDR for julgado em

última instância pelo STF ou STJ, a tese nele fixada será aplicada a todos os processos

do país (art. 995, § 6º). Se for decidido por Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional

Federal, será aplicada a tese somente aos processos que se encontrem nos limites da

competência territorial dessas cortes (art. 995, § 1º) (MENDES, 2012, p. 286).

Há uma vinculação ou obrigatoriedade da adoção da tese jurídica vencedora

sobre os processos individuais (RODRIGUES, 2013).

Assim, os esforços jurisdicionais se voltam aos processos individuais42, antes

sobrestados. Tomando por base a decisão-modelo, juízes e tribunais seguirão aquela

solução jurídica geral, “sem se furtar, no entanto, de analisar todos os demais aspectos e

peculiaridades ínsitos a cada processo individual” (RODRIGUES, 2013, p. 201-202).

Veja-se, portanto, que no IRDR há uma cisão da atividade cognitiva.

Primeiramente se julga a questão comum e repetitiva, para, em seguida, aplicar a

questão comum a todos os demais processos (RODRIGUES, 2013, p. 212).

Apresentada a ideia geral da aplicação da tese jurídica aos processos

individuais, passa-se a análise de questões mais controvertidas.

A primeira diz respeito ao efeito do julgado sobre processos futuros (art. 995,

§1º) e a segunda, ao instrumento da reclamação como veículo garantidor da preservação

do entendimento fixado no incidente (art. 1.000).

Pois bem. O primeiro ponto a ser destacado, é a essa possibilidade de atingir

processos futuros, que se chama de “efeito prospectivo” do julgado, esta característica

não está presente no procedimento-modelo germânico, que alcança somente os

processos pendentes no momento de sua instauração (RODRIGUES, 2013, p. 199-200).

É uma interessante inovação, pois aproxima os efeitos da decisão ao de uma

norma jurídica, dotada de abstração, generalidade e impessoalidade, já que amplamente

aplicável aos processos futuros sobre a mesma matéria. Com efeito, existe um “caráter

41 “Art. 995. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada a todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal. § 1º A tese jurídica será aplicada, também, aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do respectivo tribunal, até que esse mesmo tribunal a revise.” 42 Ou o processo coletivo repetitivo, como esposado por Cunha (2011).

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normativo abstrato da decisão resolutiva do incidente”, como sustenta Gonçalves (2013,

p. 226).

Há doutrinadores que veem tal efeito prospectivo, e mesmo a natureza

vinculativa do incidente, como inconstitucional, notadamente porque, segundo

defendem, o Poder Judiciário se transmudaria em típico legislador, afrontando o

postulado da separação dos poderes (SARLET; Ingo Wolfgang; TESHEINER, José

Maria Rosa; FERNANDES, Juliano Gianechini, 2013).

Por outro lado, ao que parece tal efeito prospectivo do julgado se baseia na

ideia de estabilidade e uniformização da jurisprudência, verdadeira tendência da

legislação projetada, segundo a própria Exposição de Motivos do Anteprojeto43.

Não pode deixar de fazer menção, aliás, a que a tese jurídica fixada será

aplicável até que a orientação jurisprudencial seja alterada ou revisada (art. 995, § 1º).

O segundo ponto importante é a consequência jurídica da não aplicação da tese

ou da má aplicação da mesma.

Em caso de não ser adotada a tese jurídica fixada ao processo suspenso, há

previsão de cabimento da Reclamação diretamente ao tribunal julgador.

Certamente é cabível a Reclamação Constitucional perante o Supremo Tribunal

Federal e o Superior Tribunal de Justiça, tendo por fundamento a garantia da autoridade

das decisões (art. 102, I, l e art. 105, I, f, da CRFB/88), na hipótese de não acatamento

ou aplicação da tese jurídica sobre determinada questão de direito ou de direito e de fato

decidida no incidente. Aqui, a Reclamação detém fundamento constitucional direto.

Adverte-se, que conforme o atual regramento do CPC/73, a reclamação

constitucional não se revela cabível para “assegurar o repeito a entendimento

jurisprudencial” (DIDIER JR.; CUNHA, 2011, p. 473).

43 Veja-se a manifestação da preocupação com a estabilização da jurisprudência, quando na Exposição de Motivos é a abordado a dispersão de entendimentos dos tribunais. “Por outro lado, haver, indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas, tenham de submeter-se a regras de conduta diferentes, ditadas por decisões judiciais emanadas de tribunais diversos. Esse fenômeno fragmenta o sistema, gera intranqüilidade e, por vezes, verdadeira perplexidade na sociedade. Prestigiou-se, seguindo-se direção já abertamente seguida pelo ordenamento jurídico brasileiro, expressado na criação da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) e do regime de julgamento conjunto de recursos especiais e extraordinários repetitivos (que foi mantido e aperfeiçoado) tendência a criar estímulos para que a jurisprudência se uniformize, à luz do que venham a decidir tribunais superiores e até de segundo grau, e se estabilize.” Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf> Acesso em 10 maio 2014.

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Todavia, vê-se, com nítida clareza, que o efeito pretendido pelo julgamento do

IRDR é vinculativo assim como atualmente se opera em relação às súmulas vinculantes

(RODRIGUES, 2013). Então é razoável concluir que a ratio que legitimou o cabimento

de reclamação contra ato judicial contrário à súmula vinculante, igualmente autoriza o

manejo desse instrumento para garantir o cumprimento da tese jurídica fixada, pois este

e súmula vinculante mantém em comum o efeito vinculativo dos seus conteúdos perante

os órgãos judiciários de instância inferior.

A previsão constitucional da Reclamação facilitará seu uso perante os tribunais

superiores (STF e STJ). Contudo, quanto aos tribunais de segundo grau (TJ e TRF) é

ausente qualquer referência de utilização desse instituto, com fundamento constitucional

direto.

Aliás, surge aqui outro complicador, pois, como bem aborda Didier Jr. e Cunha

(2011, p. 469-471), com julgamento da ADI n.º 2.212-1, o Supremo Tribunal Federal

referendou a constitucionalidade da previsão, em Constituição Estadual, de Reclamação

para preservação da competência e garantia da autoridade das decisões do respectivo

Tribunal de Justiça, todavia, não se abriu essa possibilidade em relação aos Tribunais

Regionais Federais. O que fazer, então, em caso de inobservância da tese fixada por um

dos Tribunais Regionais Federais?

Interessante, então, que logo após a regulamentação do IRDR, o NCPC tratou

de disciplinar o instituto da Reclamação, com expressa previsão de sua utilização

perante qualquer tribunal (obviamente a incluir os TRFs e superando aquele problema

antes referido) para garantir a observância de tese firmada em julgamento de demandas

repetitivas (art. 1.001).44

A complicação referida quanto aos tribunais de segundo grau parece ter

recebido a devida atenção no NCPC. A previsão da Reclamação perante o STF e STJ

repousa seu fundamento no texto constitucional, e a Reclamação perante os demais

44 “Art. 1.001. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: I – preservar a competência do tribunal; II – garantir a autoridade das decisões do tribunal; III – garantir a observância de súmula vinculante e de tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou de incidente de assunção de competência; § 1º A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou autoridade se pretenda garantir. § 2º A reclamação deverá ser instruída com prova documental e dirigida ao presidente do tribunal; assim que recebida, será autuada e distribuída ao relator da causa principal, sempre que possível. § 3º As hipóteses do inciso III compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e a sua não-aplicação aos casos que a ela correspondam.”

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tribunais, na legislação federal infraconstitucional projetada, que por sua vez, ao que

tudo indica, retira seu fundamento constitucional de validade na competência da União

de legislar sobre direito processual (art. 22, I, da CRFB/88).

Nessa linha, partindo da premissa da interpretação pela Constituição Federal, a

instituição de Reclamação para garantir a observância da tese jurídica também pelos

Tribunais de Justiças e Tribunais Regionais Federais é constitucional.

Não se olvida anunciar, na prática, a reduzida propositura de reclamações

perante os tribunais de segundo grau, vez que dada a dimensão sócio-jurídico do

incidente, sempre será interessante aos legitimados o esgotamento das vias recursais,

levando a controvérsia ao STJ e ao STF, de forma que serão raras as teses definidas em

último caso pelos tribunais de segunda instância (TJ ou TRF), e por consequência,

também raras serão as reclamações direcionadas a tais cortes. Bom que se diga, houve

certa facilitação para que esse incidente seja apreciado pelos tribunais superiores, pois

se presume a existência de repercussão geral acerca da matéria e mantém o efeito

suspensivo (art. 988)45 (RODRIGUES, 2013).

Após a exposição desses dois pontos fundamentais que são os efeitos

prospectivos da decisão do IRDR e o cabimento de reclamação em caso de não

aplicação ou aplicação incorreta da tese jurídica fixada, seguimos a doutrina de Cunha

(2011) sobre algumas considerações importantes acerca das consequências do

julgamento do incidente.

Pois bem. Expomos até agora o seguinte: após o seu julgamento, a tese firmada

será aplicada obrigatoriamente sobre todos os processos que versem sobre questão

idêntica e estejam em tramitação dentro dos limites geográficos de competência do

tribunal, cabendo reclamação em caso de não observância da tese jurídica.

Além disso, e aqui uma notável inovação processual, Cunha (2011) defende

que o efeito vinculativo do incidente poderá ser utilizado pelo juiz para julgar

liminarmente improcedente o pedido e pelo relator, no tribunal, para negar seguimento

ou dar provimento imediato a recurso, dependendo de que se fundamente na tese

jurídica firmada na incidente ou não.

Os apontamentos do doutrinador são importantes, a tendência da legislação

projetada com enfoque na uniformização jurisprudencial parece ter se fundido aos

45 “Art. 998. O recurso especial ou extraordinário interposto contra a decisão proferida no incidente tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional discutida.”

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mecanismos processuais ainda vigentes no CPC/73, a saber, o julgamento liminar de

improcedência (285-A) 46 e os poderes conferidos ao relator para resguardar a

jurisprudência (art. 557) 47 , em prol do aproveitamento máximo dos entendimentos

consolidados nas cortes de justiça. É clara essa percepção quando vislumbradas as

disposições do NCPC sobre a improcedência liminar do pedido (art. 333, III)48 e sobre o

relator (art. 945, IV, “c” e V, “c”).49

46 “Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. (Incluído pela Lei nº 11.277, de 2006)” 47 “Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998) § 1o-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998) § 1o Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998) § 2o Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)” 48 “Art. 333. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que: I – contrariar súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II – contrariar acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III – contrariar entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV – for manifestamente improcedente por contrariar o ordenamento jurídico; V – contrariar enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.” 49 “Art. 945. Incumbe ao relator: I – dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à produção de prova; II – apreciar o pedido de tutela antecipada nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal; III – negar seguimento a recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida; IV – negar provimento a recurso que for contrário a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência. V – depois de facultada, quando for o caso, a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência. VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando este for instaurado originariamente perante o tribunal;

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Como se vê, é bastante inovadora a lógica de vinculação da decisão do

incidente aos casos concretos. Após certo período sobrestados, os processos individuais

seguem seu curso normal, sendo aplicada a tese jurídica geral e analisadas pelo juízo de

primeiro grau as questões secundárias não comuns ou não repetitivas.

Há, como se vê, duas fases de julgamento do incidente. Uma essencialmente

destinada a resolver a questão de direito ou de direito e fato controvertida, perante os

tribunais de instância superior, e outra de aplicação da tese ao processo individualmente

considerado. Essa é outra marca fundamental do Incidente de Resolução de Demandas

Repetitivas, que se passa a analisar.

3.7 REPARTIÇÃO DA ATIVIDADE COGNITIVA

Após o julgamento do incidente, os processos sobrestados seguirão seu curso

normalmente, para apreciação das questões periféricas e aplicação da tese jurídica geral

(WAMBIER, 2011, p. 726).

Como se pode depreender, no IRDR também ocorre a repartição da atividade

cognitiva, em semelhança ao processo coletivo em defesa de direitos individuais

homogêneos.

A primeira fase corresponde ao julgamento das questões comuns (de direito ou

de direito e de fato) que efetivamente ensejaram ou potencialmente poderia ensejar a

propositura de ações repetitivas.

Nessa primeira parte da cognição, o incidente assume verdadeira natureza de

processo objetivo, pois o seu processamento se move em nome do interesse público pela

definição da tese jurídica a ser aplicável às ações repetitivas, interesse esse que se

sobrepõe aos direitos individuais das partes no processo no qual foi instaurado o

incidente (RODRIGUES, 2013, p. 207).

A segunda fase, por sua vez, consubstancia-se com a cessação da suspensão

geral e aplicação da tese jurídica central aos processos individuais, presentes e futuros.

Importa dizer, nesse tópico, que o já mencionado “efeito prospectivo” do julgamento do

IRDR é clara opção do NCPC (art. 995, §1º).

VII – determinar a intimação do Ministério Público, quando for o caso; VIII – exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.”

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A tese jurídica é aplicada aos processos que versem sobre a questão comum,

que no momento da admissão do incidente estavam sobrestados, mas também sobre os

eventuais processos ajuizados após o julgamento, desde que, em ambas as situações,

tramitem ou venham a tramitar na área de jurisdição do tribunal julgador.

Levantadas todas essas considerações, impende destacar que em vários

momentos da análise do IRDR pode-se verificar algumas características em comum

entre ele e o processo coletivo em matéria de direitos individuais homogêneos. Por esse

motivo, sem o objetivo de esgotar a temática, diga-se de passagem, será realizada uma

aproximação teórica entre o expediente e a ação coletiva, focando em seus objetivos e

técnicas de enfrentamento da litigiosidade de massa e das demandas repetitivas, no

capítulo seguinte.

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4. APROXIMAÇÕES E PERSPECTIVAS ENTRE O PROCESSO COLETIVO E O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

Como abordado ao longo desse estudo, o Processo Coletivo e o Incidente de

Demandas Repetitivas possuem o objetivo comum de lidar com demandas repetitivas,

evitando ou atenuando os seus efeitos deletérios.

Nessa fase final do estudo, mais voltado a uma análise comparativa,

inicialmente, será feita uma rápida abordagem da questão cultural em que se inserem

esses mecanismos processuais de enfrentamento das ações repetitivas, apontados seus

objetivos em comum e a lógica jurídica subjacente a cada qual.

Em seguida será feita abordagem mais estritamente jurídica, que se afunilará a

três pontos que nos pareceram centrais ao processo coletivo e se relacionam com o

Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, a saber, a suspensão dos processos

individuais; a vinculação aos efeitos do julgado coletivo e o objeto material do

incidente.

4.1 APROXIMAÇÕES CULTURAIS E OBJETIVOS GERAIS EM COMUM

É assente que os processualistas e demais estudiosos do tema tracem objetivos

comuns entre a ação coletiva em defesa de direitos individuais homogêneos e o referido

incidente, a saber, economia processual, racionalização da prestação jurisdicional,

promoção da segurança jurídica e tratamento isonômico entre os indivíduos por meio da

uniformização dos julgamentos.

Vejam-se as lições de Didier Jr. e Zaneti Jr. (2013, p. 35-36). Os referidos

juristas elegem algumas motivações políticas e sociais das ações coletivas, dentre os

quais a “uniformização dos julgados, com consequente harmonização social, evitação de

decisões contraditórias”, o “princípio da economia processual”, “redução de custos

materiais e econômicos na prestação jurisdicional”.

São ainda mais precisas as considerações de Mendes (2012, p. 220-221) sobre

os objetivos das ações coletivas em matéria de direitos individuais homogêneos:

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A defesa coletiva de direitos individuais atende aos ditames da economia processual; representa medida necessária para desafogar o Poder Judiciário, para que possa cumprir com qualidade e em tempo hábil as suas funções; permite e amplia o acesso à justiça, principalmente para conflitos em que o valor diminuto do benefício pretendido significa manifesto desestímulo para a formação da demanda; e, salvaguarda o princípio da igualdade da lei, ao resolver molecularmente as causas denominadas de repetitivas, que estariam fadadas a julgamentos de teor variado, se apreciadas de modo singular. (grifos do original)

Na mesma linha, a Exposição de Motivos do Anteprojeto, anteriormente citada

quando se tratou do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, destaca a

celeridade possibilitada pelo julgamento em bloco das questões comuns, uniformização

da jurisprudência, em especial partindo da premissa da função dos tribunais superiores

de prestarem coerência e uniformidade da ordem jurídica, de sorte a alcançar a

segurança jurídica e tratamento isonômico dos jurisdicionados.

Esses apontamentos permitem, claramente, vislumbrar que o processo coletivo

e o incidente comungam de escopos semelhantes, a fim da resolução de demandas

massificadas e comuns a um sem número de indivíduos.

Esse sintoma deriva do fenômeno de massificação das relações sociais

(AMARAL, 2012) que é premissa social da existência desses mecanismos processuais.

Todavia, cada um, a sua maneira, propõe soluções diversas aos conflitos massificados.

O processo coletivo parte do pressuposto da “molecularização” da lide, na

expressão o mestre Kazuo Watanabe, e isso desde já, no primeiro grau de jurisdição, um

representante adequado se apresente para defender os interesses individuais

homogêneos do grupo.

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, ao seu turno, lança mão da

técnica de julgamento em bloco, afastando-se das “ficções jurídicas” representativas, a

fim de figurar como espécie de “class action, sem classe” (CABRAL, 2007, p. 128).

Essa diferença no tratamento das demandas repetitivas tem origem cultural.

Perceba-se que enquanto nas ações coletivas, a inspiração do direito brasileiro foi a

class action norte-americana, quanto ao incidente, os juristas elaboradores do projeto do

NCPC se espelharam no procedimento-modelo germânio (Musterverfahren).

Enquanto o primeiro é afeto a técnica de tutela coletiva de direitos individuais

através de ações representativas (ações de classe) a fim de promover a responsabilização

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civil e obtenção de reparações indenizatórias, o segundo não desenvolveu culturalmente

a ideia de tutela coletiva com fulcro na reparação por danos individualmente sofridos

(CABRAL, 2007).

As diferenças culturais e jurídicas entre o modelo norte americano e o

germânico (STÜNER, 2011) reverberaram os diferentes direcionamentos no trato das

demandas coletivas e repetitivas. E isso tudo, influenciou e continua a influir no sistema

processual brasileiro.

Conforme aponta a doutrina acerca do direito processual coletivo comparado, a

Alemanha não possui uma cultura jurídica voltada para a tutela coletiva de direitos

individuais como se deu aqui no Brasil, após a edição do Código de Defesa do

Consumidor em 1990 (seguindo o mandamento constitucional, art. 48, do ADCT, da

CRFB/88), motivo pelo qual suplantou a dificuldade de enfrentar demandas repetitivas

criando o procedimento-modelo, isto é, resolução de questões comuns partindo de um

processo individual como paradigma, aplicando o entendimento firmado nele aos

demais casos semelhantes, às ações repetitivas (RODRIGUES, 2013, p. 167-168).

Ao analisar as ações coletivas sob a perspectiva do direito comparado, Mendes

(2012, p. 114 e ss.) aduz que, na Alemanha, desponta na tutela judicial coletiva a

utilização das ações associativas (Verbandsklagen), cuja disciplina legal é dispersa em

vários diplomas.

Em que pese o emprego dessas ações associativas para a defesa de interesses

individuais, estas não se prestam “para a persecução de indenizações decorrentes de

perdas e danos” (MENDES, 2012, p. 115), ou seja, não realizam a tutela coletiva de

direitos individuais; não há naquele país uma ação equivalente à ação civil coletiva em

defesa dos direitos individuais homogêneos, como é da realidade brasileira,

notadamente, por obra do legislador consumerista na década de 90.

Como aponta o respeitado doutrinador, na Alemanha pode-se notar

“claramente a falta de instrumentos coletivos hábeis para as demais espécies de

providências jurisdicionais pretendidas, marcadamente para a persecução de

indenizações por danos causados” (MENDES, 2012, p. 117).

Exatamente por esta razão que foi criado o Musterverfahren (inspiração do

IRDR), no âmbito do mercado de capitais (KapMuG), ao se deparar com a crise

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judiciária após a explosão de demandas individuais intentadas em desfavor da empresa

Deutsche Telekom, fundadas na mesma situação jurídica, como bem descreve o

professor da UERJ:

A edição da KapMuG decorreu da grande quantidade de demandas individuais que foram ajuizadas na Alemanha, especialmente em Frankfurt, em face da empresa Deutsche Telekom, que possui cerca de três milhões de acionistas, sob o fundamento de que a demandada teria produzido, nos anos de 1999 e 2000, prospectos com informações incorretas, gerando prejuízos aos investidores. O número elevado de processos, aproximadamente doze mil apenas no Landesgericht [Tribunal] de Frankfurt, ensejou demora nos julgamentos e reclamações que chegaram até a Corte Constitucional alemã, sob a alegação de denegação de justiça, tendo a Corte Suprema, já em 2004, apontado para os órgãos judiciais envolvidos que deveriam adotar outros procedimentos como o julgamento de casos-modelo para a prestação jurisdicional. (MENDES, 2012, p. 121).

Como se percebe, está claro que a instituição do procedimento-modelo alemão

se deu pela própria deficiência do sistema jurídico alemão, quando se viu diante do

exorbitante número de processos relativos às fraudes praticadas no mercado mobiliário.

Tanto o é que o procedimento-modelo germânico foi implantado com prazo de validade,

revelando a excepcionalidade do emprego do sistema de tutela coletiva de direitos

individuais, este, aqui em terrae brasilis, bastante desenvolvido, por sinal.

Após esses substanciais apontamentos sobre o direito comparado, é de se

questionar os motivos de se importar um instituto de um país que não têm tradição

comparável, ao menos com a nossa, para resolver os problemas das lides de massa.

Há doutrinadores, contudo, que veem no procedimento-modelo alemão uma

alternativa aos problemas teóricos e de efetividade das ações coletivas brasileiras, como

é o caso do eminente Cabral (2007), este levantando a discussão sobre incidentes de

coletivização, ainda quando em debate o Código de Processo Coletivo.

Concorda-se, desde que, evidentemente, não se tenha essa alternativa como um

substituto da ação coletiva, o que não é de se cogitar. Se por um lado, a doutrina

(CABRAL, 2007) aponta praticamente uma falência do modelo das ações coletivas

representativas ou sua inefetividade para resolução de demandas de massa ou repetitivas

(ROQUE, 2013), outros juristas entendem que nem mesmo o Incidente de Resolução de

Demandas Repetitivas poderá atingir os efeitos esperados (ARENHART, 2013, p. 19),

pois o que há é a má aplicação das ações coletivas, como sustenta Rossi (2012):

(...) o IRDR é um retrocesso ao sistema das ações coletivas por anos mal aplicadas e indevidamente utilizadas no Brasil, quer em razão do

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desconhecimento técnico-jurídico do processo coletivo, quer por ausência de implementação de políticas públicas que o incentivem (ROSSI, 2012, p. 236).

Pois bem. Há doutrinadores que enobrecem as ações coletivas e há outros que

apostam na busca de outro sistema como o do IRDR, mas é certo que se ambos têm por

objetivo comum a resolução de demandas seriais, melhor é considerá-los sistemas que

se complementam nesse intento. Defende-se, portanto, a coexistência do processo

coletivo e do referido incidente à brasileira, nos filiando a doutrina de Leonel (2012, p.

176-177).

Feitas essas considerações sobre aspectos culturais e objetivos comuns de

enfrentamento de demandas seriais, parte-se agora, para a análise mais propriamente

jurídica do tema, em comparação das ações coletivas e o incidente em comento, no

tocante à suspensão das demandas individuais.

4.2 A SUSPENSÃO DOS PROCESSOS INDIVIDUAIS

A instituição da suspensão de demandas individuais no processo coletivo e no

Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas apresenta-se como a primeira

manifestação da necessidade de contenção das demandas repetitivas.

No processo coletivo, Venturi (2007, p. 359) identifica que são escopos da

suspensão a economia processual, “ao evitar a multiplicação de demandas individuais

com o mesmo objeto”, e também “evitar-se, tanto quanto possível, a contradição entre

julgados coletivos e individuais”. A sua importância no contexto de ações repetitivas é

fundamental.

Já que não há de se cogitar de litispendência ou conexão entre as ações

individuais e a ação coletiva em matéria de direitos individuais homogêneos (LEONEL,

2011), a suspensão é o único meio de ser imediatamente refreado o andamento de

processo individual para dar preferência à resolução do litígio pela ação coletiva. Mas,

pelo sistema legal brasileiro, somente ao autor da demanda individual caberá decidir

pela suspensão ou não o processo individual (regime opt in).

Sendo ajuizadas várias demandas individuais versando sobre a mesma matéria

de ação coletiva em defesa de direitos individuais homogêneos, a suspensão somente

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vai se realizar por iniciativa do litigante individual, segundo prevê o art. 104, do CDC50,

após tomar ciência da existência do processo coletivo.

Não há qualquer impeditivo a que a demanda coletiva corra em paralelo à

individual, se o autor não optar pela suspensão. Há o que Zavascki (2014, p. 158) chama

de “princípio da integral liberdade de adesão ou não ao processo coletivo”, que se

manifesta, em especial, na “liberdade de promover ou de prosseguir a ação individual,

simultânea à ação coletiva.”

Esse quadro normativo, que reflete uma “opção de política legislativa”

(ZAVASCKI, 2014), favorece a multiplicação de demandas repetitivas, pois inverte a

ordem da mencionada “molecularização” do conflito, em favor das ações

individualmente propostas.

Não deixa passar despercebida a preferência ou mesmo um claro incentivo à

postulação individual do direito - a propositura de demandas individuais em descrédito

da ação coletiva (ARENHART, 2013).

Caso pretenda ser beneficiado por eventual procedência da ação coletiva,

suspende-se a demanda individual, e aguarda-se o desfecho da controvérsia. Contudo,

não querendo, o autor individual simplesmente prossegue com sua ação, ainda que

tenha por objeto a mesma lide que deu origem a ação coletiva para tutela de direitos

individuais homogêneos.

São (virtualmente) duas ações, uma coletiva e outra individual deduzindo o

mesmo conflito sociológico, a mesma lide. Diz-se virtualmente porque, ora, podem ser

inúmeros os autores individuais que pretendam não verem suspensas suas ações. Daí a

repetição das ações inutilmente (demandas repetitivas), sem privilégio daquela coletiva

que tem por objetivo a solução unificada da lide.

Por outro lado, o regime de suspensão diverso do brasileiro, chamado de opt

out, encampa outra solução legislativa e é acolhido no direito norte americano (class

action). Nesse, a extensão dos efeitos da sentença coletiva não dependerá da iniciativa

50 “Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.”

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do litigante individual; de pronto, após a instauração e ampla publicidade da ação

coletiva, todos os processos individuais são suspensos, automaticamente, aguardando-se

o desfecho da lide coletiva; o litigante interessado no seu prosseguimento normal é

quem deve ter a iniciativa de buscar a exclusão, renegando os benefícios da

procedência.

A lógica dos sistemas é invertida. No regime opt in, a eficácia e amplitude da

ação coletiva dependem do litigante individual, de optar por suspender ou não a

demanda, muitas vezes demandas repetitivas. No regime opt out, o litigante individual é

induzido a tomar a iniciativa, se realmente quiser se opor a suspensão de sua ação,

então, nesse regime, utiliza-se da “força da inércia em favor da tutela coletiva”

(ROQUE, 2013, p. 583).

Assim, fica fácil compreender a crítica do professor Arenhart (2013, p. 49) no

sentido de que o sistema adotado pelo legislador brasileiro (opt in) é um “incentivo à

litigiosidade”. Ora, no sistema brasileiro o centro gravitacional de defesa dos direitos é a

ação individual. Sendo ela proposta, de pouca importância é a propositura da ação

coletiva, pois não lhe afeta (não suspende) e não vincula o resultado daquela em caso de

improcedência desta (somente a procedência pode lhe atingir e para beneficiar,

obviamente). O carro-chefe da tutela jurisdicional é a ação individual. A ação coletiva é

um mero plus (GIDI, 2007 p. 73).51

Todo esse contexto de deficiência das ações coletivas, baseada nas disposições

do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), inspirou a jurisprudência do

Superior Tribunal de Justiça a buscar em outros mecanismos processuais a suspensão de

demandas repetitivas.

Essa inspiração jurisprudencial adveio exatamente da lógica de julgamento em

bloco, de casos-pilotos, disciplinadas nos arts. 543-B e 543-C, do CPC, incluídos pela

Lei de Recursos Repetitivos (Lei n.º 11.672/08).

A disciplina dos recursos especiais repetitivos tem por pressuposto a

“multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito” (art. 543-

C). Claramente, essa profusão de recursos idênticos é fruto de ações igualmente

repetitivas as quais não foi dado o tratamento “molecular” através de ação coletiva, mas

51 Embora a crítica seja direcionada mais especificamente ao regime de coisa julgada no processo coletivo brasileiro.

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que seguiram individualmente toda a tramitação processual até chegarem a Corte

Superior.

Conforme a disposição legal, a suspensão dos recursos repetitivos se dará

depois de admitido recurso especial representativo da controvérsia. Assim, serão

“suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior

Tribunal de Justiça” (art. 543-C, §1º).

A suspensão dos processos individuais, que no processo coletivo se subordina

ao escrutínio do litigante individual, pela lógica dos recursos repetitivos, fica suprimida

por determinação legal expressa.

Contudo, essa regulação dos recursos excepcionais somente a eles serviam, em

outras palavras, somente eram suspensos recursos excepcionais, mas as ações em

primeiro grau continuavam a se proliferar nos gabinetes dos magistrados.

Segue-se, então, a criação jurisprudencial por parte do Superior Tribunal de

Justiça, através do REsp n. 1.110.549/RS52, de relatoria do ministro Sidnei Beneti. No

caso concreto estava em discussão controvérsia sobre aos planos econômicos

brasileiros, típico exemplo de demanda de massa, como apontado por Amaral (2012, p.

243-244).

A grande contribuição do precedente se dá em razão de que inverte a lógica do

CDC de oferecer somente ao litigante individual a faculdade de optar pela suspensão ou

não de sua ação, quando em curso ação coletiva sobre a mesma matéria.

Com efeito, em se tratando da “macro-lide” veiculada em ação coletiva, o

entendimento foi de que ao Poder Judiciário será transmitido o juízo de oportunidade da

suspensão ou não da ação individual. Como se pode ver: (...) a faculdade de suspensão, nos casos multitudinários abre-se ao Juízo, em atenção ao interesse público de preservação da efetividade da Justiça, que se frustra se estrangulada por processos individuais multitudinários, contendo a mesma e única lide, de modo que válida a determinação de suspensão do

52 RECURSO REPETITIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. MACRO-LIDE. CORREÇÃO DE SALDOS DE CADERNETAS DE POUPANÇA. SUSTAÇÃO DE ANDAMENTO DE AÇÕES INDIVIDUAIS. POSSIBILIDADE. 1.- Ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva. 2.- Entendimento que não nega vigência aos aos arts. 51, IV e § 1º, 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor; 122 e 166 do Código Civil; e 2º e 6º do Código de Processo Civil, com os quais se harmoniza, atualizando-lhes a interpretação extraída da potencialidade desses dispositivos legais ante a diretriz legal resultante do disposto no art. 543-C do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672, de 8.5.2008). 3.- Recurso Especial improvido. (REsp 1110549/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 14/12/2009)

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processo individual, no aguardo do julgamento da macro-lide trazida no processo de ação coletiva. 53

Essa interpretação jurisprudencial foi aplaudida por doutrinadores como

Donizetti e Cerqueira (2010), Didier Jr. e Zaneti Jr. (2012) e Leonel (2011), por colocar

a tutela coletiva em seu local de privilégio sobre a tutela individualizada.

Atente-se que houve nítida manifestação da vontade pela não concordância

com a suspensão do feito individual, contudo, mesmo assim, prevaleceu o interesse

público pela manutenção do sobrestamento.

Essa linha teórica se aproxima da já mencionada tendência do processo

coletivo de tratar a lide de maneira global, “molecularizada”, na feliz expressão do

mestre Kazuo Watabane, várias vezes mencionada nesse estudo.

No julgado, ficou assentado, ainda, o entendimento de que seria de pouca valia

se sobrestados somente os recursos repetitivos, por isso, ficou decidido a validade da

suspensão dos processos já em primeiro grau de jurisdição. Vejamos as palavras do

ministro relator condutor do voto vencedor: Note-se que não bastaria, no caso, a utilização apenas parcial do sistema da Lei dos Processos Repetitivos, com o bloqueio de subida dos Recursos ao Tribunal Superior, restando a multidão de processos, contudo, a girar, desgastante e inutilmente, por toda a máquina jurisdicional em 1º Grau e perante o Tribunal de Justiça competente, inclusive até a interposição, no caso, do Recurso Especial. Seria, convenha-se, longo e custoso caminho desnecessário, de cujo inútil trilhar os órgãos judiciários e as próprias partes conscientes concordarão em poupar-se, inclusive, repita-se, em atenção ao interesse público de preservar a viabilidade do próprio sistema judiciário ante as demandas multitudinárias decorrentes de macro-lides. 54

Com esse julgado, ao processo coletivo abriu a possibilidade da suspensão dos

processos individuais se tornar mais efetiva e não somente ficar a cargo do litigante

individual. Essa orientação foi expressamente adotada pelo Projeto de Lei da Nova

Ação Civil Pública (Lei n.º 5.913/2009), em seu art. 37.55

Contudo, há algumas críticas ao precedente, duas em especial que merecem

análise nesse estudo. Como sustentam Donizetti e Cerqueira (2010, p. 239-240), há a

53 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200900070092&dt_publicacao=14/12/2009>. Acesso em: 10 abr. 2014. 54 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200900070092&dt_publicacao=14/12/2009>. Acesso em: 10 abr. 2014. 55 “Art. 37. O ajuizamento de ações coletivas não induz litispendência para as ações individuais que tenham objeto correspondente, mas haverá a suspensão destas, até o julgamento da demanda coletiva em primeiro grau de jurisdição.”

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necessidade de se possibilitar a concessão de medidas de urgência na ação individual e

também de fixação de um prazo razoável de validade da suspensão, sob pena de não ser

assegurado o direito fundamental à duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII,

CRFB/88).56

De outra ponta, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas parece

“agradar gregos e troianos”. Primeiro, porque possibilita a determinação de suspensão

de todos os processos que se encontrem dentro da competência territorial do tribunal

julgador (art. 990, §1º, I), não havendo consulta prévia aos litigantes individuais. Além

disso, abre a possibilidade de concessão de medidas de urgência e de requerimento para

solicitar o prosseguimento da ação individual sobrestada indevidamente (art. 990, §§ 3º

e 4º), bem como prevê o prazo de um ano, prorrogável por decisão fundamentada, de

suspensão dos processos em aguardo do julgamento do incidente.

Nesse ponto, a suspensão, que como visto, poderá ser a nível nacional, regional

ou estadual, coloca o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas em posição de

superioridade ao processo coletivo no trato de ações isomórficas, dado que, à

semelhança do que ocorre no regime opt out, a inércia do litigante favorece a eficácia da

suspensão.

Acredita-se, inclusive, que a suspensão poderá atingir a processos futuros que

versem sobre a mesma matéria, até porque se não for assim não há sentido na regra que

determina a aplicação da tese jurídica do incidente para os casos futuros (art. 995, § 1º).

Analisada essa primeira providência comum de suspensão dos processos

individuais, na tentativa de conter a multiplicação de demandas isomórficas, passa-se ao

tema em comum da vinculação ao julgado.

4.3 VINCULAÇÃO AO JULGADO

A vinculação ao julgado é tema da maior relevância em se tratando de

demandas repetitivas. O maior alcance dos efeitos do julgado encontra tendência

proporcional de maior dificuldade de sua legitimação e preservação de garantias

constitucionais de caráter tipicamente individual.

56 “Art. 5º (...) LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

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O processo coletivo utiliza-se de vários mecanismos aptos à vinculação ao

conteúdo do julgado, contudo é alvo de ácidas críticas doutrinárias.

Um verdadeiro óbice à efetividade e pacificação social almejada da tutela

coletiva de direitos individuais diz respeito aos efeitos da decisão sobre a esfera

individual, em caso da procedência ou da improcedência da ação coletiva. Ou seja, a

vinculação ao julgado coletivo.

Como visto, a eficácia do julgado, primeiramente, está fortemente subordinada

ao crivo do litigante individual, que pode optar ser beneficiado (opt in e suspensão da

ação individual) aproveitando-se da eventual procedência, ou optar não ser beneficiado

(opt out e não suspensão da ação individual), prosseguindo com a lide individualizada

em paralelo com a ação coletiva.

Todavia, a preferência da tutela individual sobre a coletiva manifestada pelo

ordenamento jurídico brasileiro vai além. A coisa julgada no processo coletivo de tutela

de direitos individuais homogêneos se opera somente para beneficiar os particulares,

nunca para denegar-lhes direitos em decorrência da eventual improcedência do pleito

coletivo. É a dinâmica da coisa julgada secundum eventum litis. Julga-se somente para

beneficiar, nunca para prejudicar.

Como assenta Violin (2010, online), “a extensão dos efeitos da sentença

coletiva ao plano individual é limitada pelo CDC à hipótese de procedência da ação.”

Mesmo na improcedência da demanda coletiva, é sempre aberta a via da ação

individual de postulação daquele mesmo direito individual, coletivamente apresentado,

pois a coisa julgada não atinge nem vincula os particulares (art. 103, §2º do CDC).57

A “decisão contrária aos representados será absolutamente ineficaz no plano

individual” (VIOLIN, 2010, online), ressalvada, a hipótese de litisconsórcio do

particular com substituto processual que propõe a ação coletiva, pois, como participa do

contraditório, a coisa julgada se impõe também sobre ele (LEONEL, 2011, p. 293).

Nesse sentido, Antônio Gidi (2008, apud VIOLIN, 2010) faz a ressalva de que,

sendo improcedente a ação coletiva em defesa de direitos individuais homogêneos, a

57 “Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: (...) III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. (...) § 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.”

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coisa julgada se faz pro et contra, impedindo aos legitimados coletivos a repropositura

da ação, ou seja, com a improcedência fecha-se a via coletiva de defesa desses direitos.

Ou seja, para os “legitimados coletivos haverá sempre coisa julgada material”

(LEONEL, 2011, p. 292).

Contudo, o titular individual que queira ainda discutir em juízo a sua situação

particular poderá propor sua demanda, pois não foi vinculado pela coisa julgada, é dizer,

a via individual permanece intocável e aberta para acionar Estado-juiz.

Um franco contrassenso teórico, pois põe a tutela individual em condição de

superioridade e resguardo em detrimento da tutela coletiva, além de abrir possibilidade

para decisões contraditórias, por exemplo, com a improcedência da ação coletiva e a

procedência de ação individual. Se for assim, de que serviu a ação coletiva? De que

serve discuti-la e negar procedência e, em seguida, permitir o acionamento

individualizado da justiça?

Analisando a questão, Rodrigues (2013, p. 67) destaca que o regime de coisa

julgada secundum eventum litis concorre para a “baixa efetividade, ou mesmo

verdadeira inutilidade, do processo coletivo nas hipóteses em que seu pedido é julgado

improcedente”, exatamente por não resolver o litígio e deixar a via aberta para

ajuizamento de ações individuais.

O regime da suspensão da ação individual e da coisa julgada adotada pela

legislação brasileira, notadamente, o Código de Defesa de Consumidor (arts. 103 e 104)

se apresenta como verdadeiro entrave à efetividade máxima da tutela coletiva, pois o

julgado coletivo não impede de maneira eficaz a multiplicação de demandas individuais

sobre a mesma questão comum compartilhada por um sem número de pessoas, seja

porque a suspensão se opera exclusivamente por iniciativa do litigante individual

(regime opt in), seja porque os efeitos negativos do julgado coletivo (a improcedência)

não lhe alcança (coisa julgada secundum eventum litis).

O regime opt in adotado no direito brasileiro confia tão somente ao litigante

individual a suspensão ou não de sua ação. E ainda que haja a suspensão por iniciativa

do particular, com a improcedência da ação coletiva, não ficará prejudicada a ação

individual suspensa (LEONEL, 2011, p. 293), que retomará seu curso como se nada

houvesse acontecido, como se sua situação (comum em relação à coletividade de

atingidos pelo dano) não tivesse sido analisada pelo Poder Judiciário, e mais, “podendo

ainda o autor ver acolhida sua demanda individual”, graças à coisa julgada secundum

eventum litis (GRINOVER, 2011, p. 213).

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Essa inadequação da legislação processual coletiva (art. 103 e 104 do CDC)

para resolver as demandas repetitivas tem impulsionado a doutrina a buscar soluções no

direito comparado, notadamente no direito norte americano, vez que naquele não há

coisa julgada secundum eventum litis, mas a coisa julgada pro et contra.

Esta modalidade de coisa julgada privilegia a segurança jurídica definindo o

conflito de uma vez por todas, pois a improcedência da ação coletiva vincula aos

particulares a este resultado (ROQUE, 2013, p. 591).

Ademais, promove maior eficácia da ação coletiva e a economia processual,

como aduzem, irretocavelmente, Donizetti e Cerqueira (2010, p. 368): Um dos fundamentos ou objetivos da ação coletiva consiste na economia processual, visto que a eficaz tutela dos direitos coletivos importa, inevitavelmente, na redução da quantidade de ações ajuizadas individualmente e, por consequência, do número de processos nos tribunais com a mesma matéria a ser decidida. Economizam-se gastos inerentes à prestação jurisdicional, evitam-se julgamentos contraditórios e contribui-se, assim, para o melhor funcionamento e para a harmonia do sistema jurídico. A extensão da coisa julgada conforme o resultado da lide [secundum eventum litis], porém, desprestigia a economia processual e a própria eficácia da tutela coletiva, ao permitir que, após julgado improcedente o pedido formulado em ação coletiva suficientemente instruída e adequadamente litigada, sejam utilizadas ações individuais para reverter, no plano individual, o resultado negativo da demanda coletiva.

Todavia, a mudança do regime de coisa julgada para pro et contra somente

poderá ser feita acompanhada da translado e boa aplicação do instituto da representação

ou atuação adequada, da ampla notificação, e possibilitar ao particular requerer a

exclusão dos efeitos do julgado (DONIZETTI; CERQUEIRA, 2010, p. 365). Além do

que, a opção pelo regime da coisa julgada consubstancia uma “questão de política

legislativa” (LEONEL, 2011, p. 292) ou também dita de “política judiciária”

(DONIZETTI; CERQUEIRA, 2010, p. 370)

Seguindo o modelo adotado pelo ordenamento brasileiro e sua opção política

pela coisa julgada secundum eventum litis, em caso de improcedência da ação coletiva,

não prejudicando ou atingindo os particulares, a única “utilidade” que restará àquela é a

de servir de precedente desfavorável à procedência da ação individual (ARENHART,

2013, p. 366).

Por outro lado, há de se falar ainda na coisa julgada in utilibus. Desta, decorre

o aproveitamento da procedência de ação coletiva em matéria de direitos difusos ou

coletivos (LEONEL, 2011). Servirá ao particular valer-se do julgado coletivo como

ação de conhecimento, partindo diretamente para a fase de liquidação e execução

individual (GRINOVER, 2011, p. 205).

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Contudo, o aproveitamento do julgado coletivo pelo titular individual somente

opera em caso de procedência dos pedidos da ação coletiva. Pode-se perceber, que esse

regime de coisa julgada é um excelente instrumento para prevenir demandas seriais,

pois a situação mais cômoda ao litigante individual será a de esperar o resultado da ação

coletiva, e somente em caso de improcedência, intentar a ação individual (DONIZETTI,

CERQUEIRA, 2010, p. 362).

Por outro lado, por força do regime secundum eventum litis, a improcedência

das ações coletivas não impedem a rediscussão da mesma matéria de fato e de direito

em ações individuais, e a coisa julgada in utilibus só tem lugar quando se presta a

beneficiar e não denegar direito aos titulares individualmente considerados. Assim, resta

aberta a possibilidade de proliferação de demandas seriais.

No processo coletivo, em suma, a vinculação aos efeitos do julgado somente

existe para beneficiar os particulares, e a improcedência da ação coletiva não impede a

propositura de ações individuais (coisa julgada secundum eventum litis), e assim, cria-se

condições para a multiplicação de processos repetitivos. Noutra banda, a coisa julgada

in utilibus oferece a possibilidade do titular de direito individual de aproveitar a

sentença coletiva de procedência em seu favor, evitando a proliferação de ações

isomórficas enquanto sabido do trânsito em julgado ou mesmo do ajuizamento de ação

coletiva em matéria de direitos difusos e coletivos.

A vinculação ao julgado coletivo, em sede de ações coletivas, portanto, não

alcança o efeito esperado de controlar a multiplicação de demandas seriais.

Situação bastante diferente ocorre segundo a disciplina atual do Incidente de

Resolução de Demandas Repetitivas. Como já foi demonstrado, nesse, segue-se uma

lógica mais incisiva que no processo coletivo, pois que a tese jurídica vencedora no

incidente será aplicada obrigatoriamente aos processos sobrestados e os futuramente

intentados. Mendes e Rodrigues (2012, p. 193) e Amaral (2012) chegam sugerir que no

IRDR a decisão produz eficácia pro et contra.

É bem verdade que os efeitos da decisão do IRDR sobre o plano individual

chega a ser mais amplo que do que ocorre no processo coletivo, mesmo considerando o

trânsito em julgado de ação coletiva e a coisa julgada in utilibus a atingir processos

individuais futuros.

O IRDR goza de certa superioridade nesse quesito porque a sua

correspondência a um verdadeiro precedente ou súmula vinculante (RODRIGUES,

2013) supera, sem dificuldade, a questão má resolvida do processo coletivo com a coisa

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julgada secundum eventum litis, que não impede a propositura de ações individuais e

repetitivas após a improcedência do pedido. Ora, fixando-se a tese jurídica em sentido a

denegar o direito pleiteado em uma plêiade de ações semelhantes, essas, a rigor, estarão

fadadas à improcedência, e mais ainda, os processos futuramente instaurados sobre o

mesmo tema (art. 995, § 1º).

Aproveitando a deixa sobre os mecanismos de vinculação utilizados, ainda

cumpre fazer comentário acerca da limitação dos efeitos vinculativos do julgado do

incidente, é dizer, a limitação à aplicação da tese geral somente aos processos que

tramitem ou venha a tramitar na área de jurisdição do órgão julgador (art. 995 caput e

§1º).

A limitação é ilegítima. Assemelha-se aquela vindicada pelo art. 16, da LACP,

em sede de processo coletivo confinando a tutela coletiva de direitos individuais.

Imagine-se não haverá problema quando o incidente estiver sob a jurisdição do STJ ou

do STF, mas em relação aos tribunais de segunda instância poderá surgir situações em

que leve a ser admitidos vários incidentes sobre a mesma matéria em mais de um

tribunal.

Lesões decorrentes de compras coletivas ou publicidade enganosa, veiculadas

geralmente pela internet ou defeito de série em veículos podem facilmente vir a

acarretar danos em mais de um estado-membro (TJ) ou em mais de uma região (TRF),

de sorte que não é razoável que o julgamento do incidente somente tenha aplicabilidade

dentre os limites geográficos da jurisdição de tribunais de segundo grau, sob pena de ser

repetido o equívoco do art. 16, LACP.

Equívoco que, por sinal, ao limitar o alcance do incidente poderá sofrer dos

mesmos malefícios que o art. 16, LACP trouxe ao processo coletivo, ao contribuir para

“a multiplicação de processos, a sobrecarregarem os tribunais, exigindo múltiplas

respostas jurisdicionais quando uma só poderia ser suficiente.” (GRINOVER, 1999

apud ALMEIDA, 2011, p. 229).

Nesse sentido, Rodrigues (2011, p. 105), embora não faça menção ou

correlação à limitação do art. 16, da LACP, aduz que a codificação projetada poderá

suscitar grave problema com a “possibilidade de uma série de decisões conflitantes caso

exista, incidentes suscitados em diferentes Estados da Federação acerca de uma mesma

questão jurídica (p. ex. sobre matéria processual).” Essa preocupação doutrinária reforça

a impropriedade da limitação territorial de eficácia do incidente.

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ... · direitos coletivos em sentido estrito e direitos individuais homogêneos). Na segunda parte aborda-se o incidente em comento,

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Em sendo questões comuns de “repercussão nacional”, como solução à

instauração de vários Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas em Tribunais de

segundo grau, entende-se ponderada a previsão de suscitar o Incidente de Resolução de

Demandas Repetitivas diretamente perante o Superior Tribunal de Justiça, para que os

efeitos do julgado, igualmente, possua repercussão nacional, como ventilado por

Rodrigues (2013, p. 211), embora não especificamente como solução para a

problemática aqui levantada.

Ainda nesse tópico, há de se ter em mente que, a fim de promover a vinculação

ao julgado, é comum ao processo coletivo e ao Incidente de Resolução de Demandas

Repetitivas, fixação de uma tese jurídica a ser aplicada aos casos individuais. Além

disso, ambos utilizam-se da técnica da cisão da atividade cognitiva.

A doutrina especializada de Araújo Filho (2000, p. 114) aponta que

“caracteriza-se a ação coletiva por interesses individuais homogêneos exatamente

porque a pretensão do legitimado concentra-se no acolhimento de uma tese jurídica

geral, referente a determinados fatos, que pode aproveitar a muitas pessoas.” (grifo

acrescido).

Ademais, fixada a tese, que nada mais é do que o entendimento ou

interpretação sobre a controvérsia comum, parte-se, no processo coletivo, para uma

segunda fase, que corresponde a liquidação e execução individual. Ou seja, existe

repartição da atividade cognitiva, inclusive esta é uma característica fundamental das

ações coletivas em defesa de direitos individuais homogêneos (ZAVASCKI, 2014, p.

151-152).

Rodrigues (2013), por várias vezes aduz que, no IRDR, o objetivo primordial é

a formulação de uma tese jurídica, por obra dos Tribunais de 2ª grau de jurisdição ou

Tribunais Superiores, se for o caso (quando houver a interposição de recursos

excepcionais, por exemplo). Esse será o primeiro momento do equacionamento jurídico

da controvérsia repetitiva, pois em seguida será determinada aos magistrados de

primeira instância aplicar a tese ao processo individual que esteve sobrestado e julgar

demais pontos controvertidos periféricos, quando houver (WAMBIER, 2011, p. 726).

Ou seja, aqui também há a confecção da tese jurídica, bem como o emprego da técnica

de “cisão da cognição judicial” ou “cognição judicial segmentada”, segundo aduzem

Mendes e Rodrigues (2012, p. 205-206).

É, portanto, comparação bastante interessante entre os dois mecanismos

processuais, a investigação da forma de vinculação das ações individuais ao resultado

Page 86: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ... · direitos coletivos em sentido estrito e direitos individuais homogêneos). Na segunda parte aborda-se o incidente em comento,

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das decisões em processos coletivos e no IRDR, em especial porque aproximam-se

bastante as técnicas e fórmulas de julgamento das demandas seriais.

Examinadas as formas de vinculação aos julgados no processo coletivo em

matéria de direitos individuais homogêneos e no Incidente de Resolução de Demandas

Repetitivas, segue-se ao ponto final de análise do objeto material do incidente.

4.4 OBJETO MATERIAL DO INCIDENTE

O que se busca, nesse ponto, é destacar quais entre as subespécies de direitos

coletivos lato sensu podem ser objeto do Incidente de Resolução de Demandas

Repetitivas, ou mesmo investigar se não seriam outras espécies de direitos que são

veiculadas através do referido expediente.

Consoante as lições doutrinárias colhidas e apresentadas ao longo desse estudo,

é fácil perceber que no referido incidente e nas demandas repetitivas em geral desponta

a figura do direito individual homogêneo como direito acidentalmente coletivo tutelado

via processo coletivo ou via o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.

Muito embora juristas como Rosa (2010) e Baltazar Rodrigues (2011) não

entendam que o IRDR veicula pretensão relativa a direitos individuais homogêneos,

discorda-se desse entendimento, como já explicitado em linhas anteriores, somando-se a

corrente doutrinária de Mendes e Rodrigues (2012, p. 195), Rossoni (2010) e Serrano

Júnior (2011, p. 58) que entendem que são veiculados, através do referido incidente,

direitos individuais homogêneos.

Então, é inarredável a conclusão de que o IRDR e o processo coletivo em

matéria de direitos individuais homogêneos, ambos com objetivos comuns de fortalecer

o enfrentamento das demandas seriais, com a vigência do NCPC, caminharão na mesma

direção e poderão vir a somar as técnicas processuais de resolução de conflitos jurídicos

processuais massificados, seja porque ambos podem tratar de direitos individuais

homogêneos, seja porque são constituídos para tratar de questões de fato e de direito

comuns a uma coletividade.

Não se concorda com o posicionamento de alguns juristas que veem a ações

coletivas como técnica processual invariavelmente superada pelo IRDR, como sustenta

Rodrigues (2013). Para este jurista, o processo coletivo em defesa de direitos

individuais homogêneos somente terá utilidade quando o caso envolver enorme número

de microlesões individuais, que somente ganham repercussão quando consideradas

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globalmente e passam justificar a tutela coletiva, ou seja, somente despontará alguma

importância da ação civil coletiva em casos de “danos de bagatela” (RODRIGUES,

2013, p. 217).

Segundo entende-se, a questão do uso ou maior utilização da ação coletiva ou

do IRDR deve caminhar para um campo de exame da oportunidade e conveniência, de

estratégia processual.

Veja-se o exemplo que de há uma ação individual já em curso no segundo grau

de jurisdição, tratando de matéria repetitiva ou passível de gerar a multiplicação de

processos, pois que envolve direito individual homogêneo, o Ministério Público poderá

pretender já suscitar o IRDR e não propor uma ação coletiva versando sobre aquele

mesmo tema, por uma questão de estratégia processual.

Se, por acaso, não houver ação judicial versando sobre aquela situação

homogênea, ou havendo ainda processos estes tragam muitas particularidades do titular

do direito individual, em tese, será mais eficaz a propositura de uma ação coletiva,

acompanhada de todo o conjunto de provas colhidas durante a tramitação de inquérito

civil, sendo ainda de se cogitar de suscitar o incidente dentro desta ação coletiva a fim

de pretender o efeito vinculativo sobre todas as ações posteriormente intentadas com o

mesmo objeto.

Ou ainda, em caso de não ser possível a propositura de ação coletiva em face

da vedação legal (inconstitucional) do leque de matérias tuteláveis coletivamente, como

ocorre por obra do art. 1º, parágrafo único, da LACP 58, o IRDR poderá suprir tal

dificuldade e ser suscitado perante os Tribunais de segunda instância para veicular

coletivamente pretensão sobre aquelas matérias vedadas à ação coletiva, já que quanto a

ele não ocorre qualquer restrição do seu objeto material.

Com efeito, é oportuno destacar que, enquanto o processo coletivo sofre de

algumas limitações inconstitucionais quanto ao direito material que pode ser tutelado

(art. 1º, parágrafo único, LACP) (ALMEIDA, 2003), o Incidente de Resolução de

Demandas Repetitivas não sobre limitação dessa natureza, podendo discutir qualquer

litígio que apresente caráter coletivo, independente do direito material.

58 “Art. 1º (...) Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)”

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Nesse quesito, com acertado posicionamento, melhor doutrina sugere que o

incidente poderá colmatar essa verdadeira lacuna ou empecilho ilegítimo à máxima

eficácia da tutela coletiva, abrindo-se a solução massificada de questões que envolvam

contribuições previdenciárias, FGTS e tributos, por exemplo (ROSSONI, 2010).

Contudo, para que seja possível a sua utilização, faz-se o adendo, há

necessidade de que seja ou potencialmente sejam tratados em processos repetitivos ou

potencialmente repetitivos, devendo-se tratar de questão de direito, afastada qualquer

possibilidade de discussão de matéria estritamente fática (art. 988), ressalvada a

hipótese do art. 988, §9º.

Interessante destacar que o Musterverfahren (procedimento-modelo alemão)

foi criado para ser aplicado tão somente em conflito atinente ao mercado de capitais

(MENDES, 2012). Sobre o IRDR, no entanto, não há qualquer limitação temática, a não

ser, obviamente a restrição ao campo cível, podendo ser transladado para área

processual trabalhista, por exemplo.

Sendo assim, pode-se perceber que o objeto material comum ao IRDR e ao

processo coletivo é a subespécie de direito coletivo, o direito individual homogêneo, os

ditos acidentalmente coletivos. Por fim, quanto aos demais direitos, os essencialmente

coletivos (direitos difusos e coletivos em sentido estrito), segundo entende-se

encontram, no NCPC, sua sede de tutela na conversão de processo individual em

coletivo (art. 334 e ss.), além é claro, de também serem pleiteados por meio de ação

coletiva.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atualidade do fenômeno de massificação permite observar que as grandes

estruturas econômicas e administrativas regem a vida dos indivíduos de modo a não

mais influenciar a vida de um único sujeito, isoladamente considerado.

As condutas ilícitas desses sujeitos possuem aptidão de irradiar-se

negativamente sobre a esfera jurídica de expressivo número de pessoas e desencadear

uma “corrida processual” individualizada e a consequente multiplicação de demandas

seriais ou repetitivas.

São exemplos dessa paradigmática transformação social danos decorrentes de:

publicidade enganosa, cobrança ilícita de tributos, distribuição de produtos nocivos à

saúde, corte de salários de uma categoria de obreiros, diferenças provocadas pela

aplicação dos índices econômicos definidos pelo governo nos planos Cruzado, Bresser,

Collor I e II e Verão, dentre outros.

Certamente, a tutela coletiva de direitos individuais tem a finalidade resolver

demandas repetitivas, decorrentes de uma origem comum e marcada pela

homogeneidade, motivo pelo qual o estudo dos direitos individuais homogêneos se faz

imprescindível àqueles que pretendam operar institutos processuais modernos como o é

o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, reforçando as aproximações

comparativas.

Partindo da evolução do processo coletivo, observou-se que a necessidade de

conter demandas seriais ou de massa sempre foi almejada, seja pela impossibilidade

prática de comparecerem todos os interessados em juízo, seja porque a mesma questão

controvertida poderia ensejar a propositura de várias ações individuais. Daí porque o

surgimento do antecedente histórico das class action, o chamado Bill of Peace.

De outra ponta, no direito norte americano, a modalidade das class actions

(class actions for damages) que inspirou a ação civil coletiva para defesa dos direitos

individuais homogêneos manteve essa preocupação com as ações repetitivas. Para tanto

se serviu de um modelo processual que privilegia a ação coletiva (representativa) em

face das centenas ou milhões de ações individuais, fazendo uso de técnicas como o right

to opt out (direito de exclusão), ampla notificação/publicidade da ação coletiva e o

regime de vinculação ao julgado coletivo (coisa julgada pro et contra). Desse modo, o

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89

sistema norte americano também pautou as ações coletivas como elemento de contenção

de demandas repetitivas.

No Brasil, como visto, a tutela coletiva de direitos individuais teve seus

primeiros resquícios na Lei 7.913/89 (Lei de Defesa dos Investidores de Mercado de

Valores Imobiliários), mas foi o Código de Defesa do Consumidor que trouxe a

disciplina legal mais completa, com a definição (ainda que lacônica) de direito

individual homogêneo e a conformação da coisa julgada (secundum eventum litis) e

direito de autoexclusão (right to opt in).

Essas duas verdadeiras opções políticas pelos regimes de coisa julgada e

suspensão de ações individuais são tidas como grandes entraves à efetividade das ações

coletivas no direito brasileiro, pois não promovem a resolução da lide de maneira

definitiva, sempre permanecendo ao particular a opção de intentar a sua ação individual,

independentemente da solução que tenha dado a ação coletiva, tornado sempre aberta a

via para reprodução massificada de processos idênticos ou fundados em matéria de fato

ou de direito comuns.

Noutro giro, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, inspirado no

procedimento modelo alemão (Musterverfahren), buscou refrear as demandas

isomórficas através da aplicação vinculativa da tese jurídica fixada por tribunal de

segunda instância ou tribunal superior, em um dado processo individual ou coletivo

tomado como paradigma e representativo da controvérsia comum à massa de indivíduos

interessados.

As demandas repetitivas ou seriais, para serem solucionadas através do IRDR,

devem ter gerado ou potencialmente ensejar a propositura de processos repetitivos sobre

a mesma matéria de direito ou de direito e de fato (art. 988), ou, por exceção,

exclusivamente sobre a mesma matéria fática (art. 988, §9º).

Com o IRDR, poder-se-ia, desde logo, solucionar os vários processos

isomórficos já em curso (caráter repressivo), mas também, antecipar-se a proliferação

de ações individuais (caráter preventivo), fixando a tese jurídica sobre a matéria

controvertida e repetitiva, a ser aplicada inclusive sobre processos futuramente

intentados.

Além disso, o IRDR compartilha outra característica com as ações coletivas,

pois utiliza a técnica da repartição da atividade cognitiva, elemento fulcral das ações

coletivas em matéria de direitos individuais homogêneos.

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90

Como síntese do capítulo final, concluiu-se, fundamentalmente, que os

mecanismos processuais comparados partem de técnicas de julgamento diversas para o

enfrentamento das demandas seriais.

Enquanto o processo coletivo parte da premissa de conjugação do conflito

sociológico em uma única ação (molecularização da lide), o Incidente de Resolução de

Demandas Repetitivas almeja o julgamento paradigmático, a decisão geral ou tese

jurídica a ser aplicada a todos os demais processos que envolverem a mesma

controvérsia jurídica.

Técnicas processuais diversas, sem dúvida, mas que podem conviver em

harmonia no ordenamento jurídico brasileiro.

As aproximações culturais permitem a visualização de que Projeto do Novo

Código de Processo Civil (NCPC), PL n.º 8.046/2010, lançou mão de um instituto do

ordenamento jurídico germânico, que não tem afinidade com a tutela coletiva de direitos

individuais, na modalidade de reparação de danos pessoais e responsabilização civil.

Aliás, se inspirou em uma indumentária jurídica criada em regime de urgência

para lidar com os vários processos relativos a uma típica lide massificada (fraude no

mercado de valores imobiliários) e com prazo de vigência expressamente previsto.

Além dessas constatações sócio-jurídicas, partiu-se para uma análise mais

técnica de aproximação do IRDR ao processo coletivo. Vislumbrou-se, primeiramente,

a questão da suspensão das demandas individuais.

Observou-se que a técnica em comum da suspensão dos processos individuais,

no processo coletivo, carece de maior eficácia, pois confere a prerrogativa de escolha da

suspensão ao litigante individual e por sua exclusiva iniciativa, o que não desencorajava

ou não impede o prosseguimento de centenas ou milhares de ações individuais em

paralelo com a ação coletiva.

Essa solução legislativa de suspensão no processo coletivo foi o que, aliás,

encorajou o Superior Tribunal de Justiça a firmar o entendimento de que ao juízo

também se abre a oportunidade de deliberar acerca do prosseguimento ou não de ações

individuais em paralelo com ações coletivas (REsp n. 1.110.549/RS), exatamente por

vislumbrar a necessidade de contenção da tramitação infrutífera de várias ações

isomórficas.

Diferentemente, a suspensão relativa ao incidente em questão ocorre como

consequência imediata do exame de admissibilidade positivo, impondo ao litigante

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91

individual a iniciativa de procurar desfazer o sobrestamento e ainda prevendo um prazo

de eficácia da determinação de suspensão dos processos individuais.

Assim, em relação ao processo coletivo, o IRDR possuiu um regime de

suspensão de demandas repetitivas de melhor técnica, pois independe do litigante

individual para a suspensão operar seus efeitos, e se beneficia com inércia daquele,

mantendo sobrestadas as ações repetitivas.

O outro ponto fulcral diz respeito à vinculação ao julgado, no processo coletivo

e no IRDR. Inicialmente, foi apresentada a dificuldade enfrentada com a não

vinculação, em hipótese de improcedência de ação coletiva em defesa dos direitos

individuais homogêneos (coisa julgada secundum eventum litis), o que favorece a

multiplicação de processos sobre a matéria idêntica e torna a ação coletiva um

mecanismo de pacificação social ineficaz.

Quanto ao Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, vislumbrou-se

uma maior eficácia do julgado, pois o efeito vinculante da tese jurídica fixada possui

natureza bastante parecida com a súmula vinculante (art. 103-A, CRFB/88), alcançando

inclusive processos futuros, não abrindo espaço para a repetição de ações individuais.

Por derradeiro, analisou-se quais das espécies dos direitos coletivos poderiam

ser tutelados pelo incidente em questão, chegando a conclusão de que somente os

direitos individuais homogêneos podem ser tutelados, e mais interessante ainda, sem

qualquer limitação de direito material, como soí ocorrer no processo coletivo em relação

às matérias vedadas pelo art. 1º, parágrafo único da LACP.

Todavia, ainda é criticável a limitação territorial imposta ao IRDR (limites da

competência do tribunal), podendo-se trazer os mesmos deletérios efeitos que o art. 16,

LACP, trouxe á eficácia da ação coletiva.

Sendo assim, percebe-se que muitos pontos complexos ou imperfeitos das

ações coletivas são tratados no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas de

forma mais satisfatória, seja por este prescrever um sistema de suspensão e vinculação

ao julgado mais incisivo, seja por falta mesmo de uma dedicação maior a temática das

ações coletivas em matéria de direitos individuais homogêneos.

Contudo, faz-se o registro de que a instituição ou busca por mecanismos como

o incidente em questão denota o reconhecimento tardio da importância de promover

maior investigação científica e prática da tutela coletiva de direitos individuais.

Com efeito, após a análise pormenorizada do tema, depara-se com a seguinte

conclusão: o IRDR não tem por objetivo primeiro a resolução de ações seriais, mas,

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sim, a estabilização ou uniformização do entendimento dos tribunais acerca de questões

repetitivas, ou seja, busca, primeiramente, a promoção da segurança jurídica e isonomia

através da uniformização da jurisprudência.

Somente se constata a redução das demandas repetitivas como uma

consequência secundária à pretensão de estabilização dos posicionamentos

jurisprudenciais. Por exemplo, com o estabelecimento de uma tese jurídica geral sobre

determinada matéria jurídica, serão desestimuladas aventuras judiciais em busca da

reversão daquele entendimento acolhido no IRDR. Pode-se, então, afirmar que refrear a

propositura de demandas repetitivas é um objetivo pro futuro do incidente, obviamente

após a pacificação jurisprudencial sobre aquela temática repetitiva.

Por outro lado, sem sombra de dúvidas, tal expediente proporcionará uma

maior celeridade na prestação jurisdicional. Ora, tendo sido fixada a tese jurídica, com o

ingresso de ação judicial versando sobre aquela matéria já apreciada, de pronto, terá o

aplicador do direito a oportunidade de beneficiar-se dela ou ver-se prejudicado o seu

direito material, seguindo-se o processo ao fim próximo de uma pacificação ou

resolução jurídica da lide.

Ademais, não se poder deixar de registrar que o referido incidente, além de

possibilitar a defesa de direitos individuais homogêneos, se inserirá dentro do contexto

de outros mecanismos judiciais, que, em conjunto, formam o regime processual de

causas repetitivas, ladeando a súmula vinculante, o incidente de uniformização de

jurisprudência, o julgamento liminar de improcedência (art. 285-A, CPC/73) e o

julgamento por amostragem de recursos repetitivos excepcionais (art.s 543-B e 543-C,

do CPC/73), dentre outros na busca pela resolução de demandas seriais.

Seja como for, espera-se que quando vier à tona o Novo Código de Processo

Civil estejam os juristas preparados para lidar com essa nova dinâmica de coletivização

do processo, pois de nada adianta a melhor das técnicas desacompanhada do jurista-

aplicador devidamente instruído para tirar-lhe o máximo proveito.

Com efeito, fenômeno de massificação das relações jurídicas e sociais impõe

ao jurista um novo desafio, qual seja prestar o serviço “justiça” de forma mais célere,

sem perder a qualidade da prestação jurisdicional. Pesquisar novos caminhos de

efetivação das garantias processuais do devido processo legal, duração razoável do

processo, tratamento isonômico entre os jurisdicionados e promoção da segurança

jurídica.

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Acredita-se que a criação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas

pelo Novo Código de Processo Civil virá a somar às técnicas de enfrentamento de

demandas seriais que, em grande medida, contribuem para a morosidade do sistema

judicial, ladeando a ação coletiva em defesa de direitos individuais homogêneos, e não

vindo a tomar o seu lugar ou afastar a sua utilização, mas promovendo a ampliação do

rol de mecanismos processuais mais consentâneos com a realidade os foros e com as

necessidades da sociedade de massa.

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ANEXO

PROJETO DE LEI N.º 8.046, DE 2010

Livro IV – Dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais

Título I – Dos processos nos tribunais

CAPÍTULO VIII – DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

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Art. 987. O direito de propor ação rescisória se extingue em dois anos contados do trânsito em julgado da decisão.

§ 1º Prorroga-se até o primeiro dia útil imediatamente subsequente o prazo a que se refere o caput, quando expirar durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente forense.

§ 2º Se fundada a ação no inciso VII do art. 978, o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova.

§ 3º Na hipótese de colusão das partes, o prazo começa a contar para o Ministério Público, quando não houve sua intervenção no processo, a partir do momento em que tem ciência da fraude.

§ 4º No caso de decisão que resolva parcela do mérito, o prazo conta-se do respectivo trânsito em julgado.

§ 5º No caso de recurso parcial, nos termos do art. 1.015, o prazo conta-se do trânsito em julgado do capítulo não impugnado.

CAPÍTULO VI DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

Art. 988. É admissível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando, estando presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, houver efetiva ou potencial repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito ou de direito e de fato.

§ 1º O incidente pode ser suscitado perante Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal.

§ 2º O incidente somente pode ser suscitado na pendência de qualquer causa de competência do tribunal.

§ 3º O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente do tribunal:

I – pelo relator ou órgão colegiado, por ofício;

II – pelas partes, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela pessoa jurídica de direito público ou por associação civil, por petição.

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§ 4º O ofício ou a petição a que se refere o § 3º será instruído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente.

§ 5º A desistência ou o abandono da causa não impedem o exame do mérito do incidente.

§ 6º Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e poderá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono.

§ 7º A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez presente o pressuposto antes considerado inexistente, seja o incidente novamente suscitado.

§ 8º É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

§ 9º O incidente pode ser instaurado quando houver decisões conflitantes sobre mesma questão de fato.

Art. 989. A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça.

§ 1º Os tribunais manterão banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao Conselho Nacional de Justiça para inclusão no cadastro.

§ 2º Para possibilitar a identificação das causas abrangidas pela decisão do incidente, o registro eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados.

§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo ao julgamento de recursos repetitivos e da repercussão geral em recurso extraordinário.

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Art. 990. Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 988.

§ 1º Admitido o incidente, o relator:

I – suspenderá os processos pendentes que tramitam no estado ou na região, conforme o caso;

II – poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de quinze dias;

III – intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de quinze dias.

§ 2º A suspensão de que trata o inciso I do § 1º será comunicada aos juízes diretores dos fóruns de cada comarca ou seção judiciária, por ofício.

§ 3º Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso.

§ 4º O interessado pode requerer o prosseguimento do seu processo, demonstrando a distinção do seu caso, nos termos do § 10 do art. 521. O requerimento deve ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso. A decisão que negar o requerimento é impugnável por agravo de instrumento.

§ 5º Admitido o incidente, suspender-se-á a prescrição das pretensões nos casos em que se repete a questão de direito.

Art. 991. O julgamento do incidente caberá ao órgão do tribunal que o regimento interno indicar.

§ 1º O órgão indicado deve possuir competência para uniformização de jurisprudência dentre suas atribuições.

§ 2º Sempre que possível, o órgão competente deverá ser integrado, em sua maioria, por desembargadores que componham órgãos colegiados com competência para o julgamento da matéria discutida no incidente.

§ 3º A competência será do plenário ou do órgão especial do tribunal quando ocorrer a hipótese do art. 960 no julgamento do incidente.

Art. 992. O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, que, no

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prazo comum de quinze dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida; em seguida, no mesmo prazo, manifestar-se-á o Ministério Público.

Parágrafo único. Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria.

Art. 993. Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente.

Art. 994. O incidente será julgado com a observância das regras previstas neste artigo.

§ 1º Feita a exposição do objeto do incidente pelo relator, o

presidente dará a palavra, sucessivamente, ao autor e ao réu do processo

originário, e ao Ministério Público, pelo prazo de trinta minutos, para sustentar

suas razões. Considerando o número de inscritos, o órgão julgador poderá aumentar o prazo para sustentação oral.

§ 2º Em seguida, os demais interessados poderão manifestar-se no prazo de trinta minutos, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com dois dias de antecedência. Havendo muitos interessados, o prazo poderá ser ampliado, a critério do órgão julgador.

§ 3º O conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários.

Art. 995. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada a todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal.

§ 1º A tese jurídica será aplicada, também, aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do respectivo tribunal, até que esse mesmo tribunal a revise.

§ 2º Se o incidente tiver por objeto questão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão ou à agência reguladora competente para fiscalização do efetivo cumprimento da decisão por parte dos entes sujeitos a regulação.

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§ 3º O tribunal, de ofício, e os legitimados mencionados no art. 988, § 3º, inciso II poderão pleitear a revisão da tese jurídica, observando-se, no que couber, o disposto no art. 508, §§ 1º e 2.º.

§ 4º Contra a decisão que julgar o incidente caberá recurso especial ou recurso extraordinário, conforme o caso.

§ 5º Se houver recurso e a matéria for apreciada, em seu mérito, pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, a tese jurídica firmada será aplicada a todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem no território nacional.

§ 6º Julgado o incidente na hipótese do art. 988, § 9º, a solução da questão fática será aplicada a todos os processos em que essa questão seja relevante para resolução da causa.

Art. 996. O incidente será julgado no prazo de um ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.

§ 1º Superado o prazo previsto no caput, cessa a suspensão dos processos prevista no art. 990, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se, no que couber, à hipótese do art. 997.

Art. 997. Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer

legitimado mencionado no art. 988, § 3º, inciso II, poderá requerer ao tribunal

competente para conhecer de recurso extraordinário ou recurso especial a

suspensão de todos os processos em curso no território nacional que versem

sobre a questão objeto do incidente já instaurado.

§ 1º independentemente dos limites da competência territorial, a parte em processo em curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer a providência prevista no caput.

§ 2º Cessa a suspensão a que se refere o caput se não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente.

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Art. 998. O recurso especial ou extraordinário interposto contra a decisão proferida no incidente tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional discutida.

Art. 999. Interposto recurso especial ou extraordinário, os autos serão remetidos ao tribunal competente, independentemente da realização de juízo de admissibilidade na origem.

Art. 1.000. Não observada a tese adotada pela decisão proferida no incidente, caberá reclamação para o tribunal competente.