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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE ODONTOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA ADRIANA TORQUATO DA SILVA RINGEISEN MEDIACÃO DE CONFLITOS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: VISÕES E PRÁTICAS DE UMA EXPERIÊNCIA NO MUNICIPIO DE NATAL/RN. NATAL/RN 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

DEPARTAMENTO DE ODONTOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

ADRIANA TORQUATO DA SILVA RINGEISEN

MEDIACÃO DE CONFLITOS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: VISÕES E

PRÁTICAS DE UMA EXPERIÊNCIA NO MUNICIPIO DE NATAL/RN.

NATAL/RN 2016

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ADRIANA TORQUATO DA SILVA RINGEISEN

MEDIACÃO DE CONFLITOS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: VISÕES E

PRÁTICAS DE UMA EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos para obtenção do título de mestre em saúde coletiva.

Orientadora: Dra. Elizabethe Cristina Fagundes de Souza

NATAL/RN

2016

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Catalogação na Fonte. UFRN/ Departamento de Odontologia

Biblioteca Setorial de Odontologia “Profº Alberto Moreira Campos”.

Ringeisen, Adriana Torquato da Silva.

Mediação de conflitos no Sistema Único de Saúde: visões e práticas de uma

experiência no município de Natal/RN / Adriana Torquato da Silva Rengeisen. –

Natal, RN, 2016.

161 f. : il.

Orientadora: Profa Dra. Elizabethe Cristina Fagundes de Souza.

Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. Centro de Ciências da Saúde. Programa de Pós-Graduação em

Saúde Coletiva.

1. Sistema Único de Saúde - Dissertação. 2. Decisões Judiciais - Dissertação. 3.

Negociação - Dissertação. 4. Direito à Saúde – Dissertação. 5. Poder Judiciário –

Dissertação. I. Souza, Elizabethe Cristina Fagundes de. II. Título.

RN/UF/BSO Black D585

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Adriana Torquato da Silva Ringeisen

MEDIACÃO DE CONFLITOS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: VISÕES E

PRÁTICAS DE UMA EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos para obtenção do título de mestre em saúde coletiva.

Data de defesa: / /

BANCA EXAMINADORA

ALBA MARIA PINHO DE CARVALHO UFC

JOÃO BOSCO FILHO (suplente) UERN

ELIANA COSTA GUERRA UFRN

ROSANA LÚCIA ALVES DE VILAR (suplente) UFRN

ELIZABETHE CRISTINA FAGUNDES DE SOUZA (orientadora) UFRN

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DEDICATÓRIA

Aos bravos sanitaristas que lutaram pela defesa do direito à saúde.

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AGRADECIMENTOS

Ao bondoso Deus, pela graça da perseverança, à professora Elizabethe

Fagundes de Souza, pela orientação deste trabalho, a Vitor França e

Andrezza Lima, “anjos da guarda”.

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EPÍGRÁFE

Gosto de discutir sobre isto porque vivo assim. Enquanto vivo, porém, não

vejo. Agora, sim, observo como vivo.

Mulher simples do povo, em um círculo de cultura promovida por Paulo Freire.

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RESUMO

No Brasil do século XXI, vinte e sete anos após a promulgação da

Constituição Federal, ainda é desafio a concretização dos direitos fundamentais

sociais onde, por excelência, encontra-se o direito à saúde. A crescente busca do

cidadão pela atenção integral em saúde, prometida pela Constituição de 1988,

evidenciou as dificuldades encontradas entre a promessa constitucional e a

capacidade política, administrativa e financeira do Estado brasileiro em cumpri-la.

Os cidadãos que não encontram nas redes de atenção resposta para suas

necessidades de ações e serviços de saúde buscam, através da intervenção do

Poder Judiciário, a solução para o seu problema, o que tem resultado em

fenômeno, denominado de Judicialização da Saúde. Paralelo a esse fenômeno

outra situação se confirmou: as dificuldades próprias do sistema de justiça em lidar

com os direitos sociais. O modelo de justiça apresenta-se incompatível com a

natureza de urgência que envolve as ações judiciais em saúde, desafiando a

criatividade dos operadores do direito, profissionais de saúde e gestores, na busca

de soluções alternativas para lidar com a complexidade do tema. Esta pesquisa

teve o objetivo de analisar a tecnologia social da mediação aplicada ao fenômeno

da judicialização da saúde como solução extrajudicial de conflitos, a partir da

experiência do Programa SUS MEDIADO NATAL. A pesquisa, de abordagem

qualitativa, realizou análise documental dos registros do Programa e entrevistas

com atores envolvidos no mesmo – operadores do Direito, representantes da

Magistratura, técnicos colaboradores do Programa e gestores do SUS, das esferas

municipal e estadual. O período do estudo incluiu os anos de 2012 a 2014. Foi

realizado um perfil da demanda e encaminhamentos realizados, no período estudado em

relação aos quantitativos de atendimentos, acordos, ações propostas pela DPE,

encaminhamentos de ações à DPU, índice de resolutividade e índice de demandas não

ajuizadas contra estado e município e percepções sobre as práticas vivenciadas pelos

atores envolvidos. Os resultados demonstraram que as percepções dos atores

ligados ao Direito e à Saúde são contraditórias quanto ao fenômeno da

judicialização da saúde, entre aspectos negativos e positivos. No que se refere à

criação e desenvolvimento do Programa SUS MEDIADO em Natal, houve consenso

de que o mesmo ajudou a concretizar o direito à saúde. Quanto à mediação, foram

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identificadas visões semelhantes, considerando que é uma ferramenta adequada

para se lidar com a judicialização, pois reduz o número de ações propostas no

Judiciário, direciona melhor as competências aos entes federativos, enquanto

busca a solução administrativa dos casos. Foi observado que os problemas que

permeiam a mediação são praticamente os mesmos identificados no

funcionamento do Sistema de Saúde: insuficiência de ofertas, dificuldade do acesso

a novas tecnologias, déficit e necessidade de uma melhor capacitação de recursos

humanos, dificuldades na organização dos processos de trabalho. Conclui-se que,

para essas questões, nem a judicialização, nem a mediação se apresentarão como

resposta resolutiva. Considera-se, por fim, o potencial educativo da mediação como

importante contribuição do Programa, na medida em que o diálogo sobre questões

do sistema de saúde permite uma orientação ao usuário e, ao mesmo tempo,

divulga positivamente o SUS junto ao cidadão, reconciliando-o com o sistema de

saúde. Essa comunicação é cara ao SUS e poderá contribuir simultaneamente na

otimização da Justiça e da Gestão da Saúde e em avanços na cidadania e na

efetivação de direitos sociais.

Palavras-chave: Sistema único de saúde. Decisões judiciais. Negociação. Direito

à saúde. Poder Judiciário.

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ABSTRACT

In Brazil of the twenty-first century, twenty seven years after the promulgation

of the Constitution, the achievement of fundamental social rights it is challenging,

where par excellence, is the right to health. The growing demand of citizens to full

health care promised by the Constitution of 1988, highlighted by the difficulties

between the constitutional promised and the political, administrative and financial

capacity of the Brazilian State to fulfill it. Citizens who do not find the answer to your

attention needs actions and health services networks seek, through the judiciary

intervention, the solution to your problem, which has resulted in a phenomenon

called "Legalization of Health." Parallel to this phenomenon other situation was

confirmed: the difficulties of the justice system in dealing with social rights. The

model of justice shows to be incompatible with the urgent nature involving lawsuits

in Health, challenging the creativity of legal professionals, health professionals and

managers in the search for alternative solutions to deal with the complexity of the

issue. This research aimed to analyze the social technology of mediation applied to

the phenomenon of legalization of health as an extrajudicial settlement of conflicts,

from the experience of SUS MEDIATED NATAL Program. The research, in its

qualitative approach, accomplished documentary analysis of the Program records

and interviews with people involved in the same - Law operators, representatives of

the Magistracy, technical colaborators and SUS program managers, the municipal

and state sphere. The study period included the years 2012 to 2014. This was a

profile and referrals made during the period studied, in relation to quantitative

consultations, agreements, actions proposed by the DPE, referrals actions to DPU,

resoluteness index and demands index not filed against state and county, and

perceptions about the practices experienced by the people involved. The results

showed that the perceptions of people linked to the field of Law and Health are

contradictory as to the legalization of health phenomenon, between negative and

positive aspects. In regards to the creation and development of the program SUS

MEDIATED NATAL, there was a consensus that it helped to realize the rights to

health. As far as the mediation, similar views were identified considering that it is an

appropriate tool to deal with the legalization, because it reduces the number of

actions proposed in the Judiciary, directs better the competence of the federative

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while searching the administrative resolution of the cases. It was noted that the

problems that pervade the mediation are much the same identified in the operation

of the Health System: insufficient offers, difficulty of access to new technologies,

deficit and need for better training of human resources, difficulties in the organization

of work processes. It is concluded that for these issues neither the legalization nor

mediation will provide a resolute response. It is considered, finally, the educational

potential of mediation as an important contribution of the Program, as the dialogue

on the health system issues allow the user orientation and at the same time,

positively discloses SUS to the citizen, reconciling it with the health system. This

communication is expensive to SUS and can contribute simultaneously to the

optimization of Justice and Health Management, and advances in citizenship and

the affecteviness of social rights.

Keywords: Health Care System (SUS). judicial decisions. Negotiation. Right to

health. Judicial power.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Quantitativo de atendimentos realizados no SUS Mediado –

Natal em 2012

114

Gráfico 2 - Quantitativo de atendimentos realizados no SUS Mediado –

Natal em 2013

114

Gráfico 3 - Quantitativo de atendimentos realizados no SUS Mediado –

Natal em 2013

115

Gráfico 4 - Comparativo entre dados sobre atendimentos realizados no

SUS Mediado - Natal de 2012 – 2014

115

Gráfico 5 - Índice de resolutividade (Atendimentos/Acordos) 117

Gráfico 6 - Medicamentos mais solicitados em 2012 119

Gráfico 7 - Insumos mais solicitados em 2012 121

Gráfico 8 - Exames e Cirurgias mais solicitados em 2012 121

Gráfico 9 - Medicamentos mais solicitados em 2013 122

Gráfico 10 - Insumos mais solicitados em 2013 125

Gráfico 11 - Exames e Cirurgias mais solicitados em 2013 127

Gráfico 12 - Medicamentos mais solicitados 2014 129

Gráfico 13 - Insumos mais solicitados 2014 131

Gráfico 14 - Exames ou Cirurgias mais solicitados em 2014 132

Gráfico 15 - Medicamentos mais encaminhados à DPU 2013 135

Gráfico 16 - Medicamentos mais encaminhados à DPE 2013 135

Gráfico 17 - Insumos mais encaminhados à DPU 2013 via SUS

Mediados

136

Gráfico 18 - Insumos mais encaminhados à DPE 2013 via SUS

Mediados

136

Gráfico 19 - Medicamentos mais encaminhados à DPU 2014 137

Gráfico 20 - Medicamentos mais encaminhados à DPE 2014 138

Gráfico 21 - Insumos mais encaminhados à DPE e à DPU via SUS

Mediado em 2014

138

Gráfico 22 - Exames ou cirurgias mais encaminhadas à DPE e à DPU

via SUS Mediado em 2014

139

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LISTA DE ILUSTRAÇÃO

Quadro 1 - Diferenças entre CIRADS e SUS Mediado 24

Fluxograma - Fluxo de atendimento no programa SUS Mediado 33

Quadro 2 – Síntese Do SUS Mediado no período de 2012-2014 116

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO……………………………………………………………. 14

2 MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO ALTERNATIVA À

JUDICIALIZAÇÃO: POR QUE PESQUISAR A EXPERIÊNCIA DO

SUS MEDIADO – NATAL/RN?.......................................................... 24

2.1 FLUXO DE ATENDIMENTO NO PROGRAMA SUS MEDIADO

NATAL.............................................................................................. 32

3 CIDADANIA, DIREITOS SOCIAIS, ESTADO DO BEM ESTAR

SOCIAL............................................................................................... 34

3.1 A CONSTRUCÃO DOS ESTADOS DO BEM ESTAR SOCIAL

(WELFARE STATE). ALEMANHA – INGLATERRA-BRASIL............... 40

3.2 O ESTADO DO BEM ESTAR SOCIAL E A CLASSE MÉDIA............... 45

3.3 O ESTADO DO BEM ESTAR SOCIAL E A SUA RELAÇÃO COM O

MERCADO (INGLATERRA)................................................................ 47

3.4 A SOCIEDADE AFLUENTE OU DE CONSUMO (O ESTADO DO

BEM-ESTAR INDIVIDUAL)................................................................. 51

3.5 ESTADO DE BEM ESTAR SOCIAL NO BRASIL.................................. 54

4 O DIREITO À SAÚDE E O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO:

DESAFIOS CONFORME AS VIVÊNCIAS DOS ATORES

ENTREVISTADOS.............................................................................. 64

4.1 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO RIO GRANDE DO NORTE E O

PROGRAMA SUS MEDIADO EM NATAL/RN: PRÁTICAS E VISÕES. 70

4.2 A LEI 12.401/2011 E A ASSISTÊNCIA TERAPÊUTICA INTEGRAL.... 83

4.3 A INTEGRALIDADE SOB O OLHAR DOS TRIBUNAIS

SUPERIORES................................................................................... 87

5 A EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA SUS MEDIADO EM NATAL

PERFIL DA DEMANDA E ENCAMINHAMENTOS REALIZADOS..... 94

5.1 A REINVENÇÃO DA MEDIAÇÃO COMO INSTITUTO

ALTERNATIVO A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS EM SAÚDE........... 109

5.2 PERFIL DA DEMANDA E ENCAMINHAMENTOS REALIZADOS NO 113

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SUS MEDIADO NATAL/RN..................................................................

5.3 MEDICAMENTOS, INSUMOS, CIRURGIAS E EXAMES MAIS

SOLICITADOS NO SUS MEDIADO EM 2012...................................... 118

5.4 MEDICAMENTOS, INSUMOS, CIRURGIAS E EXAMES MAIS

SOLICITADOS NO SUS MEDIADO EM 2013..................................... 122

5.5 MEDICAMENTOS, INSUMOS E CIRURGIAS E EXAMES MAIS

SOLICITADOS NO SUS MEDIADO EM 2014...................................... 128

5.6 MEDICAMENTOS, INSUMOS, CIRURGIAS E EXAMES MAIS

ENCAMINHAMENTOS À DPE E À DUP VIA SUS MEDIADO EM

2012 E 2013...................................................................................... 134

5.6.1 Exames e Cirurgias mais encaminhados à DPE e à DPU via SUS

Mediado Em 2013......................................................................... 136

5.7 MEDICAMENTOS, INSUMOS, CIRURGIAS E EXAMES MAIS

ENCAMINHADOS À DPE E À DPU VIA SUS...................................... 137

5.8 POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES DO PROGRAMAS................... 139

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 148

REFERÊNCIAS…………………………………………………………….. 156

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1 INTRODUÇÃO

Sábias eram as palavras de um dos grandes líderes do movimento sanitário, o

médico Euletério Rodriguez Neto, citado por Paim (2008, p. 149), quando afirmou:

“Com a promulgação da Constituição e a aprovação da Lei Orgânica da Saúde, o

movimento sanitário parecia ter considerado que ‘ganhou a guerra’ em relação à

implantação do SUS, esquecendo-se de que tinha sido apenas uma batalha”.

Com a lucidez desse pensamento e com o olhar debruçado na sociedade em

que vivia, o sanitarista intuiria sobre as grandes dificuldades que surgiriam a partir

dali para que o direito à saúde fosse uma presença na realidade brasileira. A partir

dessa afirmação, poderíamos deduzir que a concretização da cidadania sanitária

seria algo tão complexo de ser realizado quanto a sua própria conquista.

Na percepção do sanitarista Jairnilson da Silva Paim (2008), o Brasil possuía

como características um país de perfil “capitalista”, “autoritário”, “privatizado” e

“patrimonialista”; tais traços, em muito, dificultariam a real conquista da saúde como

qualidade de vida em um Estado de bem-estar social. As contradições da cultura

brasileira no setor saúde já seriam, também, percebidas no próprio texto

constitucional, onde conviviam normativamente o Sistema Único de Saúde Estatal e

a Saúde Suplementar de iniciativa privada (MÂNICA, 2009).

Se por um lado a revolução da informação que, desde o final do século XIX,

provocou transformações em todos os ramos do conhecimento humano,

instaurando mudanças radicais com novas descobertas e influenciando nos

aspectos institucionais, econômicos e culturais nos sistemas de saúde, por outro, o

Estado brasileiro não possuía uma estrutura administrativa jurídica e financeira

adequada para receber a grandiosidade social da mudança jurídica constitucional,

com a entrada do cidadão neste sistema que apresentava um novo modelo de

saúde: universal, integral, eminentemente preventivo e focado na qualidade de

vida. Essa mudança estrutural, contemporânea da revolução tecnológica que

desencadeou o fenômeno da globalização, consequentemente gerou efeitos em

todas as tecnologias, sobremaneira as de saúde (DINIZ, 2015).

Para piorar a situação, o Estado do bem-estar social brasileiro desencontrou-

se historicamente com o melhor momento internacional do welfare state, a golden

age ou anos dourados (1945-1975) - um período de crescimento econômico que

caracterizou o pós-guerra e sustentou o consenso político do estado de bem estar,

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entrando em crise nos anos 70, em razão do choque do petróleo e seus reflexos

econômicos, contribuindo para reduzir a atividade econômica e colocando vários

países em recessão e níveis de desemprego inéditos no pós-guerra

(KERSTENETZKY, 2012ª)

Nesse momento, a própria sociedade desenvolvida nas primeiras horas do

estado de bem-estar social, nos países centrais, e por ele responsável pelos seus

grandes avanços sociais e econômicos, já daria sinais de transformação ideológica.

O SUS, no momento de sua criação, encontrava-se nessa “encruzilhada” histórica.

A década de 1980 ficou conhecida mundialmente como a “década perdida”, embora

para o Brasil tenha sido um decênio de enormes avanços sociais, devido à

redemocratização e à promulgação da Constituição Federal de 1988.

Para a maioria dos países, essa década é sinônimo de crises econômicas, volatilidade de mercados, problemas de solvência externa e baixo crescimento do PIB; no caso do Brasil, houve inclusive queda. Era o momento do neoliberalismo, doutrina desenvolvida a partir da década de 1970, que defende a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, só devendo esta ocorrer em setores imprescindíveis e, ainda assim, em um grau mínimo, impor- se como ideologia, doutrina, pensamento único, e ‘quase uma religião’. (PAIM, 2008, p.183)

No ano de 1989, há um momento de inflexão da Guerra Fria, simbolizado

pela queda do Muro de Berlim, com o redirecionamento das relações políticas

internacionais; muda-se o conflito ideológico entre socialismo e liberalismo,

trazendo uma clara supremacia do pensamento neoliberal, de defesa do mercado e

de suas políticas decorrentes (PAIM, 2008).

Nesse contexto, o destaque pode ser dado para a redução da presença do

Estado na condução das políticas sociais e as consequentes transformações em

políticas residuais compensatórias, promovidas por um Estado mínimo e dito

regulador de um mercado soberano e liberalizado. No Brasil, depois da

redemocratização, assume o primeiro presidente eleito por eleições diretas,

Fernando Collor. O “Brasil da era Collor foi tributário de primeira hora dessas novas

condições internacionais” (PAIM, 2008, p.183-184), mas era só o princípio. Em

seguida, a nova configuração geopolítica anunciava uma crise estrutural do capital

internacional no século XXI, que influenciaria a concretização dos direitos sociais,

transformando e estado do bem-estar social prometido pela Constituição num

estado ajustador, exigido pelo contexto internacional ligado ao capital (CARVALHO;

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GUERRA, 2015).

As forças sociais, contrárias ao postulado do movimento sanitário por projeto

democrático de saúde e de sociedade, passam a ter força no jogo político, com

perspectivas que lhes eram favoráveis, decorrentes da conjuntura neoliberal

radicalizada na década de 1990.

Consequentemente, a luta do movimento sanitário tomaria novos rumos

(PAIM, 2008), dificultando a construção do SUS em um formato típico dos países

de configuração de Estado do bem-estar social democrata com bases

universalistas.

Como “herança” de todos esses fatores, muitas “sequelas” ficaram

impregnadas na gênese do SUS, embora a sua capacidade de resistência seja

inimaginável. A pior de todas diz respeito à “autoestima” do sistema, diferente do

“orgulhoso” sentimento dos ingleses em relação ao seu sistema de saúde, o

National Helth Service ou Serviço Nacional de Saúde. Nesse sentido, é grande o

sentimento de descrença no SUS pela população, existindo uma enorme

desconfiança sobre a sua eficiência, e um sentimento temerário de necessitar dos

serviços de saúde e não os ter à medida das suas necessidades.

Tal crença permanece ainda atualmente, amplamente alimentada pela força

midiática através da “operação descrédito do SUS”, na expressão de Jairnilson

Paim (2008), sugestionando o sentimento negativo da população de condenação

prévia do sistema, induzindo-a a buscar outras soluções nas suas necessidades de

saúde, fora do SUS.

Somados a esses motivos, vemos também outras questões de difícil

equação nesta problemática, tais como: a instabilidade do financiamento à saúde

(MENDES; MARQUES, 2009); a falta de participação popular (COELHO, 2012); a

transição epidemiológica; o envelhecimento da população; as inovações

tecnológicas (BRASIL, 2011c); o desconhecimento da população, das autoridades

e dos atores sanitários e jurídicos sobre a realidade do sistema (BRASIL, 2006); as

dificuldades de estabelecer uma relação intersetorial (PAIM, 2008) na saúde. Esses

são apenas alguns dos diversos fatores biológicos, geográficos, políticos, sociais,

econômicos e culturais imbricados na concretização do direito à saúde e que, por

muitas vezes, geram conflitos, tensões e dificuldades no avanço célere desse

processo.

No Brasil do século XXI, vinte e sete anos após a promulgação da

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Constituição Federal de 1988, um desafio está posto: a realização concreta dos

direitos fundamentais sociais, dentre os quais está o direito à saúde.

A crescente busca do cidadão pela atenção integral à saúde, prometida pela

Constituição de 1988, evidenciou, por um lado, as dificuldades existentes entre a

promessa constitucional e a capacidade política, administrativa e financeira do

Estado brasileiro em cumpri-la; e, por outro, o aumento de cidadãos em buscar no

Poder Judiciário a resolução de dificuldades de acesso a ações e serviços de

saúde, gerando um fenômeno denominado “judicialização da saúde”.

No entanto, a judicialização da saúde está articulada a um fenômeno de

dimensão social mais ampla, designado de judicialização da política (TEIXEIRA,

2001).

Em um momento inicial, o fenômeno nacional, ocorrido depois de 1988, da

busca dos cidadãos ao Poder Judiciário para resolver os problemas ligados à

prestação de serviços e bens de saúde, conhecido como a “judicialização da

saúde”, apresentou-se como uma “tábua de salvação” para a nação. Um remédio

para uma doença crônica brasileira: a falta de prioridade para o setor saúde. Para

alguns, o fenômeno apresentou-se de forma errática, excessiva e prejudicial ao

sistema (BARROSO, 2007). Para outros, atualmente, o fenômeno pode “salvar” o

SUS (FLEURY, 2012).

Longe de ser um fenômeno simples, a “judicialização da saúde” envolve

aspectos políticos, sociais éticos, jurídicos e sanitários; por isso sua compreensão

envolve, necessariamente, um olhar multidisciplinar (PANDOLFO; DELDUQUE;

AMARAL, 2012). O olhar da judicialização precisa ser mais sensível, individualizado e

dialogado; portanto, interdisciplinar.

Tanto a cidadania política quanto a social representam um avanço

democrático, pois a primeira permite a participação dos cidadãos nos

procedimentos que levam à formulação da lei, e a segunda fornece a esses mesmo

cidadãos a possibilidade de reivindicarem judicialmente a aplicação da lei.

Porém, sendo a cidadania um estado/status, não é tarefa simples defini-la,

sobretudo na complexidade da sociedade moderna. Segundo, Jaime Pinsky e Carla

Bassaneli Pinsky (2008, p.12), é “um processo, um movimento lento, não linear, mas

perceptível, que parte da inexistência total de direitos para a existência de direitos

cada vez mais amplos, que tem construção histórica e que varia no tempo e no

espaço”.

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Segundo Machado (2008), o termo judicialização ganhou corpo a partir da

publicação do trabalho dos norte-americanos Tate e Vallinder, The Global

Expansion of Judicial Power (1995), no qual defendem a tese de que a judicialização

envolve essencialmente tomar algo sob a forma de processo jurídico, tanto em

termos de transferência das decisões sobre direitos da legislatura, do gabinete, do

serviço civil para as cortes, como em termos da disseminação dos métodos e

decisões judicias para além da esfera judicial propriamente.

No artigo Contribuições ao Debate da Judicialização da Saúde no Brasil,

Machado (2008) cita Vianna e colaboradores que discutem a judicialização da

política e das relações sociais no Brasil a partir de dois eixos interpretativos. O

primeiro, o eixo procedimentalista, representado por Habermas e Garapon, que

afirmam a contribuição desse fenômeno como a diminuição ou (privatização) da

cidadania. Na interpretação de Machado (2008), a judicialização da política e do

social seria, então, um mero indicador de que a Justiça se teria tornado um último

refúgio de um ideal democrático desencantado. Da mesma forma, a judicialização

da sociedade desinstitucionaria a democracia, marginalizando as instituições de

mediação, as associações e os partidos políticos.

No segundo eixo, o substancialista, representado por Cappelletti e Dworkin a

judicialização é tratada diferentemente do eixo anterior, como uma extensão da

democracia e uma ampliação da cidadania. Para Cappelletti, segundo Machado

(2008), o Poder Judiciário pode contribuir para o aumento da capacidade de

incorporação do sistema político, garantindo a grupos que estão à margem da

sociedade, destituídos de meios para acessar as ferramentas político-

democráticas, uma oportunidade para a vocalização de suas expectativas de

direito. Numa perspectiva mais ampla, a política judicializa-se a fim de viabilizar o

encontro da comunidade com os propósitos declarados formalmente na

Constituição (MACHADO, 2008).

Explica ainda Machado (2008) que, a fim de ampliar a perspectiva adotada

nesse segundo eixo de interpretação, convém resgatar a ideia de cidadania

complexa, na qual estão presentes, tanto a clássica concepção de cidadania

política, representada formalmente pelos ritos eleitorais, como uma cidadania

“social”.

Sobre a cidadania complexa, Machado (2008) explica a sua importância por

agregar características de uma representatividade política e judicial, não diminuindo

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a participação e a influência da sociedade no processo político, mas, ao contrário,

expandiria suas possibilidades de influência e de inserção na condução da política,

contribuindo para concretizar a própria supremacia do povo soberano sobre os

poderes que são exercidos em seu nome, dado que o povo somente pode exercer

controle sobre seus representantes por meio de outra representação.

Considerando esse contexto complexo e desafiador do fenômeno da

judicialização na saúde, este trabalho buscou compreender como se dá a solução

extrajudicial dos conflitos gerados por demandas judiciais no setor saúde, por meio

de uma tecnologia social, denominada mediação, tendo a experiência do Programa

SUS MEDIADO, no município de Natal/RN, como o foco da análise.

O estudo teve o propósito de analisar o Programa SUS Mediado no contexto

da judicialização da saúde no município de Natal/RN, a partir de registros

documentais e de das percepções de atores diretamente envolvidos no referido

Programa. Para tanto, definiu os seguintes objetivos específicos:

Elaborar e analisar o perfil da demanda e dos encaminhamentos

realizados no SUS Mediado no município de Natal/RN.

Conhecer e analisar as percepções de atores envolvidos no Programa

SUS Mediado no município de Natal/RN quanto à: resolução de conflitos

potencialmente judiciais na área de saúde; satisfação com os resultados obtidos na

mediação.

Identificar os desafios, fragilidades e potencialidades.

O texto está apresentado em cinco seguimentos. No primeiro investigamos

as razões que nos levaram a investigar a mediação de conflitos como alternativa à

judicialização e a experiência do SUS Mediado em Natal, anterior ao programa e

suas diferenças, a forma de seu funcionamento (fluxograma), o catching up de

outros estados da federação interessados em conhecer apresentação do programa

em eventos ligados ao Direito Sanitário e descrevemos a metodologia desenvolvida.

No segundo seguimento, fizemos uma abordagem histórica, utilizando a

revisão de literatura, com o intuito de produzir diálogo entre temas como cidadania,

direitos sociais, e construção do estado do bem-estar social na Inglaterra,

Alemanha e Brasil, integrando a discussão ao atual contexto da judicialização e às

peculiaridades históricas, econômicas, culturais e sociais desses países, com o

intuito de ampliar a compreensão sobre o tema.

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20

No terceiro, iniciou-se a apresentação dos resultados da pesquisa, a partir da

análise documental e das entrevistas, articulando-os a uma discussão, aos desafios

que estão presentes na judicialização.

No quarto seguimento, fez-se uma descrição da implantação da mediação no

Brasil e do programa SUS Mediado em Natal, sua fundamentação legal, seus

parceiros, sua operacionalização e seus principais desafios com a “encruzilhada”

normativa; ou seja, uma série de dificuldades normativas e jurisprudenciais

existentes no cotidiano dessa questão. Em seguida, apresenta-se a descrição da

produção do Programa para evidenciar as demandas e as resoluções de conflitos

realizadas no período do estudo, 2012-2014. Por fim, no quinto seguimento, foram

identificadas as potencialidades e fragilidades do programa.

Em todo o corpus do trabalho, buscou-se o diálogo entre o Direito e a Saúde

Coletiva na fala dos atores envolvidos com a problemática, nos documentos

analisados e, por conseguinte, na literatura revisada, a partir da identificação de

estudiosos das diversas áreas - Saúde Coletiva, Ciências Sociais e Direito, entre os

quais: Sérgio Arouca, Jairnilson da Silva Paim, Thomas Humphrey Marshall, Niklas

Luhmann, Luiz Roberto Barroso, Fabio Mazza, Áquilas Mendes, entre outros.

O estudo desenvolvido tem abordagem de natureza qualitativa, com caráter

exploratório e descritivo; analisa a experiência do Programa SUS MEDIADO em

Natal/RN e a sua contribuição no contexto da judicialização da saúde; identifica

seus desafios, fragilidades e potencialidades através da percepção dos atores

envolvidos.

O SUS Mediado constitui um mecanismo extrajudicial para evitar a

judicialização, ao passo que atende ao usuário do SUS, visando garantir a

concretização do direito fundamental à saúde, a redução de custos administrativos

nessa área e promover a educação em saúde coletiva. (Diário Oficial do Estado do

Rio Grande do Norte, 2015b).

O período do estudo compreendeu o intervalo entre fevereiro de 2012 a

dezembro de 2014, justificado pelo início do referido Programa, até a última

compilação dos dados de produção.

1.1. ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS E IMPLICAÇÕES DA

PESQUISADORA.

As estratégias metodológicas foram a pesquisa documental e entrevistas

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com atores envolvidos no desenvolvimento do SUS MEDIADO em Natal, no

período do estudo.

Na pesquisa documental, foram identificados e analisados documentos

institucionais, arquivados na Defensoria Pública do Estado no município de Natal.

Foram analisados os seguintes documentos: o Termo de Cooperação Técnica entre

os atores (documento que deu início ao programa), relatório geral do SUS Mediado,

relatórios de atendimentos do SUS Mediado.

A análise documental buscou traçar um perfil da demanda e dos

encaminhamentos realizados no SUS MEDIADO no município de Natal/RN no

período de 2012-2014, em que se fez uma descrição quantitativa da produção do

Programa para se obter um perfil da demanda atendida e dos casos mediados, bem

como buscou criar ilustrações (gráficos, quadros e fluxograma) que facilitassem a

compreensão da operacionalização desse.

As entrevistas com os atores implicados foram realizadas a partir de um

roteiro semiestruturado com itens gerais para todas as pessoas entrevistadas e

itens específicos para cada entrevistado, conforme sua inserção nas ações do

Programa.

As questões gerais abordam os seguintes aspectos: conhecimento sobre

judicialização anterior à participação no Programa SUS Mediado; opinião sobre

esse fenômeno; contribuição para a concretização do direito à saúde; fragilidades

do programa; possibilidades de avanço do programa. Quanto aos aspectos

específicos, foram abordados os seguintes pontos: a repercussão na rotina das

ações judiciais em saúde, promovidas perante o poder judiciário e a gestão nas

esferas municipal e estadual.

A escolha dos entrevistados se deu de forma intencional e qualificada, tendo

em vista a contribuição de cada um desde a implantação do SUS MEDIADO. Como

critérios de inclusão foram adotados:

Aceitar participar da pesquisa e assinar o TCLE.

Ter tido envolvimento direto ou indireto com o referido programa durante

o período de 2012-2014.

Como critérios de exclusão foram considerados:

• Não aceitar participar da pesquisa nem assinar o TCLE.

Não ter tido envolvimento direto ou indireto com o referido programa

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durante o período de 2012-2014.

Na elaboração do projeto, foram identificadas algumas pessoas a serem

entrevistadas conforme os critérios acima estabelecidos. São elas:

Os técnicos mediadores do programa: uma assistente social (técnica da

Secretaria Estadual de Saúde), uma farmacêutica (técnica da Secretaria Estadual

de Saúde).

A defensora pública estadual (uma das idealizadoras do programa).

Os gestores que exerceram a função durante o período do estudo: o

gestor estadual em saúde do período de 2013-2014, os gestores municipais em

saúde do período de 2012-2014; quatro gerentes estaduais em saúde do período

de 2012-2014 (ligadas à gestão, dispensação farmacêutica e regulação de

procedimentos).

Duas magistradas vinculados ao Poder Judiciário e que possuem

competência para julgamento das ações em saúde no período de 2012-2014.

As entrevistas foram gravadas e, em seguida, transcritas. Os relatos

extraídos das mesmas foram sistematizados e analisados pela técnica de análise

de conteúdo de Bardin (2011), que adota procedimentos sistemáticos e objetivos

de descrição do conteúdo das mensagens que permitem a inferência de

conhecimentos.

Na organização da análise de conteúdo, foi realizada a pré-análise

(preparação do material/entrevistas transcritas) e exploração do material (definição

das categorias e codificação, tratamento dos resultados, inferência e interpretação).

Para a preservação da identidade dos atores, conforme o projeto aprovado pelo

Comitê de Ética, não foi feita a identificação de gêneros ou de sub-categorias

profissionais, utilizando-se apenas a classificação entre gestores, operadores de

direito e técnicos.

Destaca-se aqui a implicação da pesquisadora com o Programa SUS

Mediado na dupla condição de ser operadora de direito e de sujeito ativo na criação

do referido programa. Tal implicação traz sempre o risco de a narrativa vir a ser

enviesada pela subjetividade. Foi usado o recurso de transcrições diretas das

entrevistas como forma de abrandar essa possibilidade. Relatar fatos de maneira

inevitavelmente distorcida é um grande risco ao pesquisador que participa do fato

em questão (MARTINS FILHO; NARVAI, 2013).

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Portanto, prevaleceu a noção sentida pelos articulistas acima citados de que

a realidade não é um processo fechado e autocontido, mas um processo fluido em

permanente desdobramento, um universo aberto, sempre afetado e moldado pelas

ações e crenças do indivíduo que está sempre e necessariamente envolvido na

realidade, ao mesmo tempo transformando-a e sendo transformado por ela.

O ser humano é um agente materializado que age e julga num contexto que

jamais pode ser totalmente transformado em objeto, com orientações e motivações

que jamais podem ser totalmente apreendidas ou controladas. O sujeito consciente

jamais está separado do corpo ou do mundo, que constituem o pano de fundo e a

condição de todo o cognitivo (TARNAS apud MARTINS FILHO; NARVAI, 2013).

No que diz respeito às questões éticas, o desenvolvimento do estudo seguiu as bases

éticas que regem a Pesquisa estabelecidas pela resolução 466/2012. Para tanto, o projeto

foi submetido à análise do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte – UFRN – CAAE46957115.90000.5292 e foi aprovado com o parecer nº

1268455.

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2 MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO ALTERNATIVA À

JUDICIALIZAÇÃO: POR QUE PESQUISAR A EXPERIÊNCIA DO SUS MEDIADO

– NATAL/RN?

Anterior ao programa SUS Mediado, houve em Natal/RN a experiência do

Comitê Interinstitucional de Resolução Administrativa de Demandas da Saúde -

CIRADS - que também visava resolver administrativamente as demandas

envolvendo o cidadão e o SUS. (RIO GRANDE DO NORTE, 2009)

Todavia, no CIRADS algumas questões não eram discutidas, como

demandas que estivessem fora das padronizações do SUS (políticas públicas), no

caso das tecnologias que ainda não tinham sido incorporadas ao sistema e também

as competências interfederativas que são uma das questões de maior repercussão

no contexto da judicialização. Além disso, não havia o contato direto com os atores

do processo (autor da ação, operador do direito, profissional de saúde). A análise

era feita apenas através dos processos já judicializados. A seguir, descreveremos

as principais diferenças entre CIRADS e o SUS Mediado:

Quadro 1 – Diferenças entre CIRADS e SUS Mediado

SUS MEDIADO CIRADS

Questões já judicializadas Não alcançam o programa Havia possibilidades de

resolução

Mediadores Técnicos da SESAP e da SMS Defensores Públicos da União

e do Estado

Análise prévia do caso

realizado

DPE DPU

Acolhimento ao cidadão Pessoalmente Não havia

Formas de acordo Mediação Conciliação

Envio de questionário

ao Médico-

acompanhante

Mediante solicitação do

Técnico-atendente ao defensor

Após a aprovação de todos os

participantes

Periodicidade das atividades Semanal Mensal

Objeto de análise Qualquer demanda relativa à

saúde (dentro ou fora da

política)

Somente o que estava nas

políticas públicas voltadas à

saúde

Isonomia entre atores Plena Restrita

Fonte: Autoral, com base no Termo de Cooperação do CIRADS e Termo de referência do SUS Mediado.

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A experiência da resolução extrajudicial de conflitos em saúde é também

observada em outros estados, porém com formatos diferentes. No Distrito Federal,

foi implantada uma Câmara Permanente Distrital de Mediação em Saúde

(CAMEDIS), que favorece o diálogo entre os atores, promove agilidade no

atendimento ao cidadão, evita ações judiciais e propõe a conciliação nos processos

em curso (QUEIROZ, 2013).

Já no município de São Paulo, os usuários são diretamente encaminhados

para uma farmácia pública, onde o fármaco de baixo custo possa ser obtido sem

burocracia. Já no caso dos medicamentos de alto custo, o município se

compromete a realizar a dispensação administrativa e concede um prazo de trinta

dias para o fornecimento pela Secretaria Estadual de Saúde (QUEIROZ, 2013)

No município do Rio de Janeiro, utiliza-se um software e dois farmacêuticos

para gerir os medicamentos disponíveis na Secretaria Municipal de Saúde, a partir

do encaminhamento de oficio da Central Única de Recebimento de Mandados

Judiciais e realização de acordos extrajudiciais na Defensoria Pública (QUEIROZ,

2013).

A experiência do Programa SUS MEDIADO NATAL tem despertado a

curiosidade de outros estados da federação, interessados em melhor conhecer a

tecnologia social aplicada, por integrar a mediação dos conflitos à judicialização da

saúde. Em razão disso, já recebeu pedidos de informações e visitas de vários

representantes de outros Estados da federação, motivados em conhecer a

experiência, para adaptá-la às suas realidades, tais como: Minas Gerais, Ceará,

Maranhão, Pernambuco, Tocantins, Brasília, Roraima, Rondônia e Bahia (RIO

GRANDE DO NORTE, 2015a). Essa troca de experiências pode configurar o que

Kerttenetzky (2012a) denomina de “Catching up social”, que significa o aprendizado

com as experiências mais bem-sucedidas de forma criativa e não mecânica,

beneficiando-se dessa tecnologia social, sem ter que necessariamente percorrer

toda a trajetória até chegar a ela, adaptando a sua realidade local (KERTENETZKY,

2012a).

Em maio de 2014, a experiência do SUS MEDIADO foi apresentada durante o

II Seminário de Direito à Saúde, evento direcionado aos profissionais de saúde e do

direito, no auditório da Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte – ESMARN,

em Natal. (RIO GRANDE DO NORTE, 2014)

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No início de 2015, o programa chamou a atenção da Universidade Federal

do Maranhão e da Fundação Fiocruz, através da sua representante, a professora e

pesquisadora Edith Maria Barbosa Ramos que, em entrevista à assessoria de

Imprensa da Secretaria de Saúde e Defensoria Pública, após conhecer o programa,

declarou-se surpresa com o seu funcionamento e apontou que o Programa poderia

servir de modelo para outras localidades, dando a seguinte declaração: “A

mediação é um dos principais instrumentos para reduzir a judicialização. Ficamos

surpresas com o programa e tenho certeza de que ele pode ser uma referência

nacional. O RN está à frente dos demais nessa questão da mediação”

(UNIVERSIDADE FEDERAL MARANHÃO, 2015).

O procurador adjunto geral do Estado do Ceará visitou a Defensoria Pública

em meados de julho de 2014 e afirmou em entrevista à assessoria de imprensa

daquela instituição que os resultados alcançados pelo programa no Rio Grande do

Norte despertaram o interesse do Governo Cearense. “Nós chegamos ao

entendimento de que algo precisa ser feito. A ideia dessa visita hoje é conhecer o

programa, levar esse formato para o Ceará e adaptá-lo à nossa realidade para que

a gente consiga os resultados, explicou (ASCOM/DEFENSORIA, 2016).

Ainda segundo aquela autoridade, a Defensoria Pública do Estado e a

Defensoria Pública União do Ceará também demonstraram interesse no

desenvolvimento de um programa de mediação nos conflitos relacionados à Saúde.

“Nós estamos buscando soluções para os problemas da Saúde. A DPE e a DPU já

deixaram claro que o que eles querem é solucionar essa questão da melhor forma

e não necessariamente judicializar, completou. ” (ASCOM/DEFENSORIA, 2016).

Durante essa visita, o procurador foi acompanhado pelas coordenadoras do

programa, que lhe mostraram como funciona na prática, sua estrutura e toda

documentação referente aos acordos de cooperação firmados com o Governo do

Estado, as Prefeituras e a Defensoria Pública da União, parceiros na execução do

SUS Mediado.

Em 11 de setembro de 2015, o SUS MEDIADO recebeu a visita de

representantes da Defensoria Pública da Bahia e autoridades ligadas à área de

Saúde daquele estado, quando foram apresentados o funcionamento, os detalhes

e os números do programa.

Em entrevista, o Defensor Público-Geral Baiano, Cleriston Macedo, lembrou

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que os números do SUS Mediado chamaram-lhe a atenção, mesmo antes de se

tornar Defensor Geral.

Em minha atuação na área de família, sempre trabalhei com a mediação. Quando me tornei Defensor Geral, logo surgiu a ideia da troca de experiências e interação dessa prática exitosa. Os resultados que vocês alcançaram me deixaram bastante feliz. (BAHIA, 2015)

Também falando à imprensa, o Procurador Geral da Bahia, Paulo Moreno,

parabenizou a iniciativa dos potiguares. "Uma iniciativa como essa nos traz grande

alento, pois atualmente tudo caminha para a mediação dos conflitos. Precisamos

pensar na nossa obrigação social de efetivar as políticas públicas através de uma

articulação interinstitucional e nós, do estado da Bahia, estamos muito focados

nessa percepção", afirmou (BAHIA, 2015).

O estudo do Direito Sanitário e Constitucional tem destacado a considerável

insuficiência do tradicional modelo científico positivista que, influenciado pela Teoria

Pura do Direito de Hans Kelsen – importante jurista e filósofo austríaco – acabou

por condicionar, não só o seu estudo, como o próprio campo de aplicação do direito

a um demasiado grau de formalismo em abstração, insuficiente para sua explicação

enquanto parte do fenômeno social. A teoria sistêmica de Luhmann faz o

contraponto ao positivismo jurídico de Kelsen e seria o arcabouço indispensável

para o reposicionamento do direito (CORREIA; CRUZ, 2007).

Para Fleury (2012, p.160), “a judicialização da saúde no Brasil foi vista até

agora como uma interferência indevida sobre a capacidade de planejamento e ação

do Executivo e também como uma ameaça à ação dos gestores locais”. No entanto,

afirma com ênfase a cientista: “Creio que esta fase está sendo superada e defendo

que a judicialização é, hoje, a maior aliada ao SUS” (FLEURY, 2012, p.160). Essa

mudança de comportamento de um Poder Judiciário mais preocupado com as

questões técnicas do caso é o que se observa nas falas das entrevistas da

advogada atuante na gestão municipal de saúde e na da magistrada.

Porque antigamente, o judiciário, ele só, realmente, o que que ele fazia: chegava uma decisão, chegava uma liminar. Decidia contra os gestores, contra o ente municipal, federal, estadual, no sentido de determinar, seja de que forma fosse. Hoje a figura, ela torna-se um pouco diferente. Hoje o judiciário, ele procura, né, não são todos porque ainda precisa melhorar, eles procuram entender a parte da gestão (OPERADOR DE DIREITO 4).

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Todos somos atores, estamos inovando e criando esse processo e ao mesmo tempo somos vítimas no sentido de que somos levados/obrigados a nos adaptar a essa realidade e a dar resposta cada um a seu modo, cada um a sua forma e o jurisdicionado posto, que o cidadão postula. Como a senhora mesmo gosta de dizer, também acho que nessa fase que a gente está, de vários anos de judicialização, estamos, graças a Deus, entrando numa fase de racionalização da judicialização, predominando a consciência de que há a necessidade de se avaliar realmente o direito da parte através de provas técnicas científicas a determinados tratamentos, a determinados serviços em saúde, abandonando-se aquela postura inicial, deixando-se de lado aquela postura inicial do judiciário. Hoje se procura, com uma decisão mais racional, mais técnica. Buscando realmente aplicar a justiça no caso concreto, dando a quem tem direito o acesso à medida postulada e negando naqueles casos em que realmente se verifica a prescindibilidade do tratamento ou a existência de vias adequadas ao cuidado do paciente, já protocolizada e já contemplada pelo Sistema Único de Saúde (OPERADOR DE DIREITO 1).

Sônia Fleury (Fleury, 2012) se apoia em Abramovich e Courtis (2012) para

destacar que o parâmetro para a ação virtuosa dos vários poderes no campo da

saúde deve ser decorrente da própria natureza dos direitos sociais, que envolvem

a equiparação frente às desigualdades, o respeito, o reconhecimento das

diferenças e a progressividade nas fontes de financiamento e na redistribuição dos

recursos.

Nesse pensamento, a cientista defende que a judicialização afirma as

obrigações estatais de respeito aos direitos e garantias de sua satisfação e à

proteção contra a ação de terceiros e que a redução sistemática da contribuição da

União para o SUS faz parte desse problema.

Recentemente desponta a tendência de buscar soluções pactuadas,

caracterizadas pela procura da defesa dos direitos de uma forma conjunta entre os

poderes; ouvidos também a população e especialistas; que os juristas atualmente

se dedicam ao aprofundamento do tema saúde, proliferando iniciativas como as

audiências públicas no Supremo Tribunal Federal (STF), a Comissão de Saúde no

Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a sessão especial no Conselho de Defesa

dos Direitos da Pessoa Humana, a especialização de operadores de direito que

atuam em saúde, a formação universitária em direito sanitário, as comissões e

câmaras técnicas em vários Estados, envolvendo o pessoal do Executivo e do

Judiciário.

Essa tendência é percebida também no movimento da judicialização da

saúde no estado do Rio Grande do Norte, com a criação de instâncias mediadoras

de conflitos. Em 30 de março de 2010, foi criado o Comitê de Demandas da Saúde

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no Rio Grande do Norte, através da recomendação nº 031 e da Resolução nº 107,

de 06 de abril de 2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Já em 2014, por

meio do Termo de Cooperação Técnica n. º 08/2014, foi firmado em 9 de dezembro,

entre o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (TJRN), o Estado do

Rio Grande do Norte, o Município de Natal e o Hospital Universitário Onofre Lopes

(HUOL), a criação da Câmara Técnica de consulta prévia do Poder Judiciário

sobre questões eminentemente técnico-sanitários, sucessivos seminários e

capacitações de direito à saúde (Diário de Justiça do Rio Grande do Norte. 2015).

Também a necessidade de um maior apoio técnico aos magistrados se expressa

na fala de uma das magistradas entrevistadas:

Eu acho que passa muito pelo apoio técnico, o magistrado realmente necessita de um apoio técnico para lhe ajudar coma lide, com a judicialização da saúde. E, claro, um apoio técnico e a questão da ponderação dos valores, principalmente na saúde pública. Que é universal, que é garantida a todos os brasileiros. Então, o magistrado tem de enfrentar essa complexidade, esse caráter dúplice da tecnicidade da decisão, porque são decisões que necessitam de um certo conhecimento e também da ponderação de valores, desse princípio da universalidade, da limitação de recursos para atender todo mundo (OPERADOR DE DIREITO 2).

Houve ainda, nos anos de 2011 e 2014, o I e II Seminário de Direito à Saúde

– SUS: possibilidades e limites, respectivamente e, no momento ainda da

realização desta pesquisa, estão sendo realizadas oito Oficinas temáticas de Direito

à Saúde, tendo como público alvo Operadores do Direito e Profissionais da Saúde,

todas em Natal/RN.

Tais iniciativas demonstram mudança no comportamento do Poder

Judiciário, com aproximação maior das Ciências do Direito e da Saúde, em que se

estabelece a participação dos profissionais de saúde no contexto judiciário da

capacitação dos operadores de direito na área sanitária e da busca por outros

meios de solução destes conflitos fora da seara judicial.

Os reflexos dessas mudanças de comportamento já são percebidos no

conteúdo de decisões judiciais que, atualmente, em alguns casos, não estão mais

voltadas apenas ao texto constitucional de forma abstrata, mas, aos aspectos

técnico-sanitários das lides, com maior exequibilidade no seu cumprimento e

menos trauma na gestão. São exemplos, as decisões disponíveis virtualmente

para consulta pública:

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O entendimento jurisprudencial firmado nos Tribunais Superiores é no sentido de que a solidariedade entre a União, o s Estados e os Municípios na prestação dos serviços de saúde no âmbito do SUS podendo os usuários que não receber a prestação a adequada dos serviços públicos ajuizar a ação contra qualquer um deles ou contra todos. Entretanto, acredito que essa solidariedade está presente quando houver sua incorporação pelo Sistema Único de Saúde. Observo, no entanto que o provimento médico pleiteado nos atos oxigenoterapia hiperbárica ainda não consta nas listas de procedimentos médicos fornecidos pelo SUS. Entrevejo, ainda que o tratamento não tem eficácia comprovada pelo órgão gestor responsável pela aprovação e inserção de tratamento médico na política nacional de saúde pública o qual somente é feito através de estudos técnico-científicos da CONITEC - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Processo 0800201-37.2015.8.20.5001. p.1-2, grifo nosso).

E na página 1 do processo eletrônico nº 0800207-44.2015.8.20.5001:

Não há dúvidas que o entendimento judicial nos Tribunais Superiores é no sentido de que a solidariedade entre a União, os Estados e os Municípios na prestação dos serviços de saúde, no âmbito do SUS podendo o usuário que não receber a prestação adequada dos serviços públicos ajuizar a ação contra qualquer um deles ou contra todos. Inobstante a responsabilidade de promover a política pública de saúde ser comum aos entes públicos esta deve estar de acordo com a divisão de competência estabelecida pelo Sistema Único de Saúde, conforme previsão da Lei 8080/90. Todavia, se o tratamento consistente em sessões de oxigenoterapia hiperbárica, tratamento disponível apenas em uma clínica médica privada, não está integrado nos protocolos e diretrizes do SUS, não há que se falar em solidariedade pura e simples, posto que o único órgão competente para a inclusão ou avaliação do tratamento no rol da saúde pública é o próprio Ministério da Saúde, o qual tem condão de traçar as diretrizes do Sistema a serem seguidas por aqueles que dele fazem parte.

E nas páginas 1 e 2 da decisão interlocutória (identificador:

4058400.1189352) do processo nº 0800533-08.2016.4.05.8400S:

8. Não há, porém, direito absoluto à saúde e à dignidade da pessoa humana, donde se cogitar princípios constitucionais igualmente importantes (tripartição de funções, finitude de recursos, prévia dotação orçamentária, isonomia, dentre outros), num juízo de colisão (aparente ou não) de direitos fundamentais que será aferido pelo julgador no caso concreto. De fato, a calibração entre a realização de políticas públicas sob compelimento judicial e a reserva do possível é equação sem resposta absoluta. Tanto que inclusive ensejou a Recomendação CNJ 31/2010, com parâmetros e orientações em matéria tão sensível como esta. [...] III. Dispositivo 13. Ante o exposto, defiro, parcialmente, o pedido de tutela para determinar à Central de Regulação de Vagas do Estado do Rio Grande do Norte que tome as providências cabíveis no sentido de incluir a Autora na lista para transferência a leito de UTI, com maior brevidade possível, observando-se a ordem e os critérios técnicos pertinentes.

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14. Comunique-se, imediatamente, à Central de Regulação de Vagas o teor da presente decisão. Após, distribuam-se os autos.

Os exemplos destacados corroboram as posições de Sonia Fleury, quando

alerta que, ao invés de se combater a judicialização, deve-se buscar evitar que ela

se transforme em fonte adicional de iniquidade, parâmetro que sustenta o direito e

administração pública. Nesse sentido, o momento atual é bastante diferente da sua

fase inicial, orientada exclusivamente pelo princípio do direito subjetivo, de caráter

individual e pela Constituição, cujo acesso maculava a universalidade do direito à

saúde e impedia a racionalização das práticas administrativas (FLEURY, 2012).

São também relevantes no equacionamento da judicialização as dificuldades

próprias sofridas no Sistema de Justiça com a lida das questões sociais sanitárias,

tais como a morosidade e a burocracia, incompatíveis com as condições de

urgência, e até mesmo as emergenciais, que envolvem as ações judiciais em

saúde; a natureza interdisciplinar dos aspectos técnico-sanitários; as recorrentes

intervenções nos orçamentos públicos desafiando a criatividade dos operadores de

direito, profissionais de saúde e os gestores públicos envolvidos com essas causas

(MAZZA, 2013).

Com essa aproximação entre o direito e a saúde, a judicialização inova,

provoca e desafia qualquer posição simplista e radical sobre o assunto, sinalizando

que as Ciências do Direito e da Saúde precisam e podem muito bem caminhar

juntas, porém reinventando-se, criando novos valores e novas formar de trabalhar.

Concorda-se com Lopes (2005, p.136), na afirmação de que “o judiciário, quando

provocado adequadamente, pode ser um poderoso instrumento de formação de

políticas públicas, pois, pela sua natureza, o debate judicial permite o avanço da

democracia, ao permitir discussões de temas relevantes”.

Contudo, ainda são preocupantes as crescentes demandas judiciais em

políticas sanitárias, os elevados custos que tais demandas geram para a

Administração Pública e as próprias dificuldades operacionais de respondê-las

judicialmente. Nesse sentido, reconhece-se a importância de estudar o fenômeno

da judicialização e as propostas de alternativas mediadoras para amenizar tais

problemas.

Considerando a importância da mediação como alternativa ou atenuante aos

processos de judicialização na saúde, a proposta de analisar a experiência do

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Programa SUS Mediado no município de Natal/RN poderá trazer contribuições para

o seu aperfeiçoamento. Ao mesmo tempo, analisar as percepções dos atores

envolvidos poderá identificar questões que elucidem aspectos contraditórios que

compõem o caráter interdisciplinar do Programa e de suas demandas e, ao mesmo

tempo, possa potencializar relações dialógicas e ações ágeis no enfrentamento de

conflitos para efetivação do direito à saúde aos cidadãos, respeitando os princípios

da integralidade, universalidade e equidade.

2.1 FLUXO DE ATENDIMENTO NO PROGRAMA SUS MEDIADO NATAL

O cidadão, ao procurar a defensoria pública para judicializar uma demanda

em saúde, ao invés de um ambiente que estimulará a litigiosidade da questão,

encontrará uma estrutura montada, que tentará encontrar soluções administrativas

e pactuadas para o seu problema, que seguirá um rito, demonstrado a seguir.

Constata-se que, logo de início, o cidadão é atendido pela equipe

multidisciplinar da Defensoria Pública do Estado. Percebida a possibilidade de

mediar o conflito, há o direcionamento do cidadão ao “órgão-disponibilizador”. Em

se tratando de medicamentos, se disponível no SUS, o cidadão é direcionado à

Unidade Central de Agentes Terapêuticos (UNICAT). Se não disponível, ele é

encaminhado à Defensoria Pública do Estado (DPE) - em caso de

desabastecimento da UNICAT - ou da União (DPU) - se ausente no SUS.

Em se tratando de insumos, cirurgias e exames, se disponíveis, serão

devidamente agendados e informados ao cidadão. Se indisponíveis, ele é

encaminhado à DPE, estando tal recurso disponível no SUS, ou à DPU se ausente

no SUS.

Por fim, é válido mencionar que tanto os medicamentos quanto os insumos,

cirurgias e exames requeridos, quando forem substituíveis, será enviado um ofício

subscrito pelo Defensor Público para o médico acompanhante do cidadão. No caso

de serem insubstituíveis, o médico deverá indicar as razões em laudo

circunstanciado, com respostas aos quesitos elaborados pelo defensor. Segue

adiante o fluxograma do Programa SUS MEDIADO NATAL.

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Fluxograma 1 – Fluxo de atendimento no programa SUS MEDIADO

Fonte: Autoral, com base na observação do atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN

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3 CIDADANIA, DIREITOS SOCIAIS E ESTADO DO BEM ESTAR SOCIAL

Este capítulo tem como objetivo nos aproximar das ideias e momentos

históricos fundamentais que antecederam a temporalidade da judicialização da

política de saúde no Brasil. Introduzimos a discussão com as ideias sobre

cidadania, direitos sociais e estado do bem-estar social.

Utilizamos as referências do sociólogo britânico Thomas Humprey Marshall,

com a sua abordagem inicial do estudo sobre a cidadania, traduzidos na evolução

dos direitos civis, políticos e sociais e a sua intransigente defesa deste último como

uma ferramenta de transformação e redutor das desigualdades sociais.

Em seguida, investigaremos a construção do Estado que mediou o conflito

entre os direitos sociais, forma capitalista de produção, o Welfare State, ou estado

do bem-estar social, sua construção na Inglaterra, Alemanha e Brasil, bem como

seu arrefecimento diante dos paradigmas que iluminaram o mundo entre meados

da década de setenta até os dias atuais, peculiaridades históricas, culturais,

econômicas e sociais.

A discussão se coloca com a intenção de rastrear o território geopolítico que

virá a seguir e que sugere que os reflexos destas realidades históricas, políticas,

culturais e econômicas contribuíram para criar um desafio da contemporaneidade

nacional: a judicialização das políticas de saúde.

O sociólogo britânico Marshall foi um dos precursores na defesa da garantia

dos direitos sociais. Para ele, esta nova geração de direito representaria um

desafio à ordem jurídica existente, em contraposição com os direitos civis e

políticos. Esses novos direitos reconheciam como legítima a participação de todos

os cidadãos na riqueza social.

Essa ideia ficou conhecida principalmente por seus ensaios, entre os quais

se destaca Citizenshipand Social Class (Cidadania e Classe Social), publicado em

1950, a partir de uma conferência proferida no ano anterior (MARSHALL, 1967).

Porém só foi publicado no Brasil em 1967.

Marshall analisou o desenvolvimento da cidadania como desenvolvimento

dos direitos civis, seguidos pelos direitos políticos e sociais, nos séculos XVIII, XIX

e XX, respectivamente, e introduziu o conceito de direitos sociais, sustentando que

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a cidadania só é plena se dotada de todos os três tipos de direito e esta condição

estava ligada diretamente à classe social.

Entendia aquele estudioso que a cidadania impactava diretamente na

desigualdade social; por isto empenhou-se tanto em estudá-la e compreendê-la.

No seu entender, o desenvolvimento da educação primária pública durante o

século XIX na Inglaterra constituiu o primeiro passo decisivo em prol do

restabelecimento dos direitos sociais da cidadania no século XX.

Este conceito diferenciava-se totalmente da condição existente no período

medieval (concebido pela herança ou classe), pois tratava-se da titularidade dos

direitos que pode ser alterada a qualquer momento, dadas as condições dos títulos

de direito de cada cidadão (MARSHALL, 1967).

Os direitos civis, segundo Marshall, são aqueles necessários à liberdade

individual de ir e vir, de imprensa, de pensamento, de religião, de propriedade.

Trata-se do direito que concebe os contratos sociais e o direito à justiça. Este

último se difere aos dois outros, pois é o direito de defesa a afirmação de todos os

direitos em termos de igualdade, especialmente processual; a instituição que mais

o representa são os tribunais de justiça (MARSHALL, 1967).

Os direitos políticos são aqueles que garantem o direito à participação na

vida política. Corresponde a esses direitos: o direito de associar-se, além da

constituição e participação nos parlamentos e conselhos dos governos nacionais.

Já os direitos sociais são aqueles que abarcam o direito mínimo de bem-

estar econômico, de segurança, de participação na herança social, de garantias de

convivência e de padrões de vida das pessoas inseridas na dinâmica social

(MARSHALL, 1967).

De acordo com Marshall (1967), as principais instituições voltadas à garantia

destes direitos seriam o sistema educacional e o sistema de serviço social das

nações. Desse modo, cada direito teria uma instituição que o representaria,

respectivamente: os Tribunais de Justiça para os direitos civis; o Parlamento e os

Conselhos para os direitos políticos; o Sistema educacional e os Serviços sociais,

para os direitos sociais.

Nessa concepção, de nada valeriam os direitos civis e políticos sem o

exercício dos direitos sociais, pois, sem esses, o cidadão não saberia usar os

anteriores com a liberdade que lhes é inerente. Ou seja, a titularidade dos direitos,

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isto é, a cidadania só teria validade se abarcada por lei e por instituições capazes

de garanti-la e regulá-la e por direitos sociais que a antecedessem, dotando os

cidadãos de liberdade nas escolhas. Marshall (1967) assegurava firmemente que,

sem a afirmação dos direitos sociais, os civis e políticos jamais seriam exercidos

com liberdade; daí o seu caráter transformador:

[...] os direitos civis deram poderes legais cujo uso foi drasticamente prejudicado por preconceito de classe e falta de oportunidade econômica. Os direitos políticos deram poder potencial cujo exercício exigia experiência, organização e uma mudança de ideias quanto às funções próprias do governo. Os direitos sociais compreendiam um mínimo e não faziam parte do conceito de cidadania. A finalidade comum das tentativas voluntárias e legais era diminuir o ônus da pobreza sem alterar o padrão de desigualdade do qual a pobreza era, obviamente, a consequência mais desagradável (MARSHALL, 1967, p. 88).

Por um lado, o que havia de mais inovador no estudo de Marshall (1967) era

a conclusão de que a cidadania causava impacto sobre a desigualdade social.

Para o autor, a cidadania é um status concedido àqueles que são membros

integrais de uma comunidade e todos aqueles que possuem esse status são iguais

com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao referido status. Ademais, a

classe social era um sistema de desigualdade e esse, portanto, como a cidadania,

podia estar baseado num conjunto de ideias, crenças e valores.

Torna-se compreensível que o impacto da cidadania sobre a classe social

tomasse a forma de um conflito entre princípios opostos. Afirmava também o

sociólogo inglês que, se a cidadania tinha sido uma instituição em

desenvolvimento na Inglaterra, pelo menos desde a segunda metade do século

XVIII, então se observa que o desenvolvimento da cidadania coincide com o

desenvolvimento do capitalismo que, no seu entender, era um sistema de

desigualdade.

Identifica-se que Marshall, já na sua época, se deparava com questões

ainda não totalmente respondidas:

[...] como é possível que estes dois princípios postos possam crescer e florescer no mesmo solo? O que fez com que eles se reconciliassem e se tornassem ao menos por algum tempo aliados ao invés de antagonistas? A questão é pertinente, pois não há dúvida de que no século XX, a cidadania e o sistema de classe capitalista estão em guerra (MARSHALL, 1967, p. 76).

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Nessa concepção, os direitos sociais eram algo libertador, que libertava a

sociedade dos grandes traços de desigualdade impostos pelo desenho estrutural

de classes sociais. A classe se assentava numa hierarquia de status e expressava

a diferença de direitos legais e costumes estabelecidos. Tal sistema divide uma

sociedade numa série de espécie humanas. A classe era, por assim dizer, uma

instituição em seu próprio direito.

Marshall (1967, p. 77), ainda destaca:

O impacto da cidadania sobre esse sistema estava condenado a ser profundamente perturbador. Os direitos dos quais o status geral da cidadania estava imbuído foram extraídos do sistema hierárquico de status da classe social, privando-o de sua substancia essencial. A igualdade implícita no conceito de cidadania, embora limitada em conteúdo, minava a desigualdade do sistema de classe que era em principio uma desigualdade total. (grifo nosso).

Entretanto essas desigualdades gritantes não eram devidas a falhas nos

direitos civis, mas à falta de direitos sociais; esses, nos meados do século XIX, na

Inglaterra, não tinham expressão. A Poor Law – Lei dos Pobres - implantada na

Inglaterra, compreendia uma série de medidas legais vigentes desde o início do

século XVI, até a promulgação da Poor Law Act, em 1834, e pode ser entendida

como um conjunto de políticas de combate à pobreza, administradas de forma

descentralizada pelas paróquias, as quais eram as principais unidades

administrativas locais (BENEVIDES, 2011). Segundo Marshall (1967), essas

medidas constituíam-se num auxilio, e não numa ameaça ao capitalismo.

No olhar de Marshall, a Poor Law constituía-se em um divórcio entre o

direito social e o status da cidadania.

A Poor Law tratava as reivindicações dos pobres não como uma parte integrante de seus direitos de cidadãos. Pois os indigentes abriam mão, na prática, do direito civil da liberdade pessoal devido ao internamento na casa de trabalho, e eram obrigados por lei a abrir mão de quaisquer direitos políticos que possuíssem. O estigma associado à assistência aos pobres exprimia os sentimentos profundos de um povo que entendia que aqueles que aceitavam assistência deviam cruzar a estrada que separava a comunidade de cidadãos da companhia de indigentes (MARSHAL,

1967. p. 72).

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Tais semelhanças serão encontradas na história do direito à saúde no

Brasil. Quando a saúde pública era voltada aos indigentes, por meio da caridade,

no sentido de acomodá-los e não de transformá-los, tais ações iam de encontro ao

perfil transformador do atual conceito de cidadania e da moderna defesa da

dignidade da pessoa humana como princípio universal.

Nesse sentido, Marshall assinala também que:

Direitos políticos da cidadania ao contrário dos civis estavam repletos de ameaça potencial ao sistema capitalista, embora aqueles que estavam

estendendo de modo cauteloso tais direitos as classes menos favorecidas provavelmente não tivessem plena consciência da magnitude de tal ameaça não seria razoável esperar que fossem capazes de prever as mudanças significativas que poderiam ser acarretadas pelo uso pacífico do poder político sem uma revolução violenta e sangrenta a sociedade organizada e o estado de bem estar social ainda não haviam surgido no horizonte nem chegado ao alcance da visão do político (MARSHALL, 1967, p. 85, grifo nosso).

A percepção defendida pelo estudioso britânico era a de que a cidadania

tinha características diferente de tudo o que já se tinha feito em prol da pobreza,

pois aquela poderia operar transformações sociais. A cidadania tinha um vínculo

de natureza diferente, pois estava baseada em um sentimento de lealdade e de

participação de uma comunidade num patrimônio comum, que era a civilização de

todos. Portanto o seu desenvolvimento era estimulado, tanto na luta para adquirir

direitos, quanto, uma vez adquiridos, gozá-los; e o seu método de aquisição era o

exercício do poder político, pois os direitos sociais pressupunham um direito

absoluto a um determinado padrão de civilização que dependia apenas do

cumprimento das obrigações gerais da cidadania (MARSHALL,1967).

Os direitos sociais objetivavam a diminuição das diferenças de classes, mas

depois passaram a modificar o padrão total de desigualdade e não apenas “o ônus

evidente que representa a pobreza nos níveis mais baixos da sociedade, mas

assumia um aspecto de ação, modificando o padrão total da desigualdade”

(MARSHALL, 1967, p.88).

A obrigação do Estado passara a ser para sociedade como um todo, e não

apenas para algumas classes, cujo recurso no caso de não cumprimento residiria

no Parlamento ou conselhos locais, e não através de cidadãos individuais. “A

manutenção de um equilíbrio razoável entre esses elementos coletivos e

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individuais dos direitos sociais é uma questão de importância vital para o estado

socialista democrático” (MARSHALL, 1967, p. 97).

Posteriormente, com mais cautela, Marshall refletia sobre a sua própria

afirmação, sem lhe tirar o brilho:

Afirmei, anteriormente, que a cidadania e o sistema de classes capitalista tem estado em guerra no século XX. Talvez a frase seja um tanto exagerada, mas não há dúvida de que a cidadania impôs modificações no referido sistema de classes. Mas não teríamos razão para admitir que, embora o status seja um princípio que esteja em conflito com o contrato, o sistema de status estratificado que esta penetrando a cidadania seja um elemento estranho no mundo econômico externo. Os direitos sociais, em sua forma moderna, implicam numa invasão de contrato pelo status, na subordinação do preço de mercado à justiça social, na substituição da barganha livre por uma declaração de direitos (MARSHALL, 1967 p. 103).

A hipótese defendida por Marshall era de que os recursos mundiais e a

produtividade eram suficientes para fornecer as bases materiais necessárias para

capacitar cada homem a tornar-se um “cavalheiro”, ou seja, uma pessoa que

gozasse da herança social. Tal teoria foi feita a partir de uma hipótese sociológica

e um cálculo econômico (MARSHAL, 1967).

Pode-se discordar de quaisquer posições radicais diante de um tema tão

complexo, porém de uma coisa não se pode duvidar nessas afirmações: a

hipótese de Marshall de que a cidadania reduziria as desigualdades sociais mais

tarde seria confirmada pela história.

A leitura crítica de Boschetti e Behring (2010) sobre o raciocínio de Marshall

identifica que o seu esquema referenciou um amplo debate que se dá até os dias

de hoje e que traz a discussão sobre a política social para o centro do debate

político, econômico e sociológico, mas que não passou sem críticas, em que pese

a sua importância para a projeção de um novo patamar civilizatório nos marcos do

capitalismo, no qual haveria uma singular combinação entre acumulação e

equidade. Nessa perspectiva, percebia-se que Marshall situava a experiência do

welfare state como uma espécie de fim humanista da história, criando uma medida

de civilidade centrada na experiência europeia, a despeito da história concreta de

cada país.

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3.1 A CONSTRUCÃO DOS ESTADOS DO BEM ESTAR SOCIAL (WELFARE STATE). ALEMANHA, INGLATERRA E BRASIL.

A afirmação dos direitos sociais faz parte de um processo civilizatório. Mas

qual seria o modelo de Estado capaz de acolher esse avanço?

São muitas as expressões que definem o que significa o Welfare State ou

estado do bem-estar social na literatura. Talvez seja melhor ficarmos inicialmente

com o sentido do termo cunhado pelo cientista político britânico Sir Alfred Zimmern

nos anos de 1930. O estudioso observaria que o welfare se caracterizaria pelo

predomínio da lei sobre o poder, da responsabilidade sobre a força, da Constituição

sobre a revolução, do consenso sobre o comando, da difusão do poder sobre sua

concentração, da democracia sobre a demagogia. Nessa acepção, um welfare state

não se distinguiria muito de um estado democrático de direito, comenta a cientista

política Celia Lessa Kerstenetzky. (KERSTENETZKY, 2012a).

Depois da Segunda Guerra Mundial, o termo passou a denotar, na Inglaterra,

e de modo nem sempre abonador, a provisão de vários serviços pelo Estado de

uma maneira centralmente coordenada e centralizada, explica a cientista

(KERSTENETZKY, 2012a).

A ideia de um Estado que acomodasse a aspiração econômica

desenvolvimentista em harmonia com o acolhimento das necessidades sociais do

cidadão pelo seu bem-estar é a base do Estado do bem-estar social. Entretanto a

filosofia e os custos do Estado do bem-estar social estavam longe de ser uma

unanimidade ou possuir um único modelo, passando também a ser construção,

conformada com a história política, social e econômica dos países que assim os

escolheram (FIORI, 1997).

Um grande desafio para a história e para os defensores desta modalidade de

Estado é saber que bem-estar social é este. Pois não existe um único modelo de

estado de bem-estar social. A história de cada país e a correlação de forças

políticas seriam as mãos que desenhariam os modelos de Estado de bem-estar

social.

Richard Titmmus, ativo colaborador britânico do pós-guerra, estabeleceu os

fundamentos sociológicos e normativos para o welfare state. Uma das suas

contribuições mais importantes foi o conceito de necessidades sociais, como

aquelas oriundas da interdependência social (KERTENETZK, 2012a, p. 28).

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Theodor H. Marshall e Richard Titmmus assumiram o protagonismo do

campo teórico do Welfare State. Para eles, bem-estar social equivaleria à garantia

dos direitos sociais de cidadania, em uma concepção universalista, garantidor das

necessidades sociais dos cidadãos.

Para Marshall (1967), o reconhecimento dos direitos sociais seria um

desdobramento inevitável da ideia de cidadania. O status de cidadania se

assentaria na noção de igualdade entre cidadãos. Este paradigma era a base da

inovação social transformadora e iconoclasta do conceito de cidadania.

A quebra do poder hierárquico da classe social era uma ideia revolucionária,

porém pacífica; por essa ideia haveria reais mudanças na sociedade. Os que

gozassem do direito de cidadania passariam a ter acesso a uma série de benefícios

sociais, equilibrando a sociedade pela diminuição das suas desigualdades naturais

e sociais, expandindo benefícios que até então eram privilégios apenas de uma

classe.

Inicialmente, este novo tipo de intervenção pública surgiu na Alemanha

conservadora da virada do século XIX para o século XX e, décadas depois, surge

também na Inglaterra do pós-segunda guerra mundial.

Essa ideia se insere num experimento de unificação e construção de um

estado nacional, liderado por Otto von Bismarck - estadista da Alemanha no século

XIX. Coube a ele lançar as bases do Segundo Império, conhecido como o 2º Reich,

que levou os países germânicos a conhecer pela primeira vez na sua história a

existência de um Estado Nacional Único. Já na Inglaterra, iniciou-se com o esforço

de uma revisão crítica da lei dos pobres e na reconstrução nacional do pós-guerra

(KERSTENETZKY, 2012a).

Na Alemanha, a nova linha de ação comprometia o Estado com a proteção

da sociedade, em especial, dos trabalhadores assalariados, contra certos riscos

associados à participação em uma economia de mercado. Encontraremos tais

características posteriormente na história do Brasil, na fase populista do governo do

presidente Getúlio Vargas.

Inicialmente a literatura identifica duas fases no desenvolvimento do estado

do bem-estar. A fase formativa de fins do século XIX, até o final da primeira Grande

Guerra e o período de franca expansão, conhecido como “anos dourados”, que se

deu no final dos anos quarenta a meados dos anos 1970.

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O estado do bem-estar como seguro social se origina, pois, na Alemanha de

Bismarck, com o primeiro programa de compensações por acidente de trabalho

(1871) e o primeiro programa de seguro saúde para os trabalhadores (1830),

seguidos pelas aposentadorias para os trabalhadores idosos e permanentemente

deficientes (1889). A iniciativa alemã é marcadamente autoritária e conservadora,

além de corporativa, uma vez que o acesso aos benefícios se baseia no status

ocupacional (KERSTENETZKY, 2012a).

O modelo alemão se enraizava no contrato de trabalho. Ele inaugurava o

seguro nacional compulsório, organizado por categorias profissionais, contra o risco

de perda de capacidade de gerar renda por acidente, doença, invalidez ou idade. O

seguro era financiado por contribuições de empregados, empregadores e pelo

próprio Estado (KERSTENETZKY, 2012a).

Já o modelo inglês se funda no status de cidadania e estabelece o direito a

um padrão de vida mínimo para todos, financiado com recursos tributários, que se

convencionou chamar seguridade social. Consistiu em um serviço de saúde pública

e na previdência à assistência social nacional estabelecida no imediato pós-guerra

pelo governo trabalhista, com a abolição das leis dos pobres e a reforma da

proteção social preexistente. Segue parcialmente as recomendações do relatório de

Willian Beveridge, economista reformista social britânico que, em 1942, durante a

segunda guerra mundial, lançou o “Reporton Social Insuranceand Allied Services”,

conhecido como Plano Beveridge. Visando libertar o homem da necessidade

(KERSTENETZKY, 2012a). Tal modelo inspiraria no Brasil as inovações trazidas

pela atual Constituição.

No sistema beveridgiano, os direitos sociais passaram a ter caráter universal,

destinados incondicionalmente a todos os cidadãos, a fim de garantir a todos os que

se encontravam em condições de necessidade os mínimos sociais (DINIZ, 2015).

A partir daí a ideia da contribuição para o aferimento dos benefícios sociais

teriam um contraponto de força com a ideia da universalidade dos serviços. Em

outras palavras, a prestação de bens e serviços sociais não dependeriam mais

somente da necessidade, fase da caridade ou dá contribuição no processo

produtivo de cada trabalhador. No sistema de seguridade social inspirado na política

beveridgiana da universalidade, vencia a ideia de que cada cidadão se beneficiaria

dos serviços sociais de acordo com sua base contributiva na produtividade.

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Na Inglaterra, a promoção ou mesmo a simples proteção do bem-estar dos

pobres não era nem o objetivo nem a razão de ser da intervenção. A compreensão

era de que ações com esses propósitos acabariam por somar as causas da própria

pobreza ao aprofundar a dependência dos pobres à assistência. As noções de

proteção e promoção do bem-estar dos pobres seriam aspectos distintos de um

estado do bem-estar fundado em outras percepções e crenças sobre as causas da

pobreza.

Muitas dessas novas crenças vieram a público quando da publicação do

“Relatório da Minoria sobre as Leis dos Pobres” (Minority Report non the Poor Law

and Relief of Distress, coordenado por Beatrice Webb da Comissão Real Britanica

tinha sido criada com a incumbência de avaliar as razões do fracasso dessas leis e

reformas (KERSTENETZKY, 2012a).

Em desacordo com os fundamentos doutrinários da política social inglesa de

então, o relatório da minoria julgou que as causas da pobreza na Inglaterra não

seriam exclusivamente individuais, mas também sociais. O diagnóstico identificou

como causas econômicas e sociais as frequentes flutuações na demanda por

trabalho e a tendência das economias de mercado de gerar desemprego duradouro

e baixos salários, em combinação com os fatores ligados ao ciclo de vida, à falta de

nutrição e à educação insuficiente na infância (KERSTENETZKY, 2012a).

Essas circunstâncias individualmente inevitáveis e certamente indesejadas,

não apenas inviabilizava a almejada independência econômica dos trabalhadores

pobres, como prejudicavam sua inserção em longo prazo no mercado de trabalho.

Ainda segundo o relatório, a pobreza era agravada pela própria política social que

contribuía para a estigmatização dos pobres, afetando sua capacidade de iniciativa

e realização, ao insistir na responsabilidade individual e não incidir sobre as causas

reais (KERSTENETZKY, 2012a).

O diagnóstico da pobreza como fenômeno estrutural então articulado pelos

autores do relatório, Beatrice Webb e Sidney Webb, se tornaria o motivo do

movimento socialista Fabiano das primeiras décadas do século XX inglês e

acabaria por influenciar a política social britânica nos anos 1940 (KERSTENETZKY,

2012a).

O Plano Beveridge objetivava a estruturação de um novo sistema de seguro

social, que possuísse cobertura compulsória e universal, com gestão nacional

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pública. Naquele momento, inicia-se a ideia de um sistema único de proteção que

integraria a um só tempo à seguridade social da assistência e o seguro social em

uma mesma instituição.

Na obra “O Estado do bem-estar Social na idade da razão” a cientista social,

Celia Lessa Kerstenetzky, conceitua o Estado do bem-estar social como um

conjunto histórico e institucionalmente moldado de intervenções públicas, visando à

promoção do bem-estar e envolvendo a redistribuição. Discorre a cientista que o

pensamento de alivio a situações de destituição se perdeu no tempo

(KERSTENETZKY, 2012a).

Algumas dessas intervenções tinham inclusive um caráter coercitivo,

manifestando-se através da repressão à mendicância e à compulsão ao trabalho

dos fisicamente capazes, e de seletividade e condicionalidades na provisão de

assistência pública aos incapacitados, fruto da consequência lógica do diagnóstico

da época em que a pobreza era o resultado de decisões equivocadas, quando não

do mau comportamento dos próprios pobres, eram denominados os “pobres

meritórios” (KERSTENETZKY, 2012a).

Das conclusões do Relatório da Pobreza de Beatrice Webb, em junção das

crenças defendidas por Marshall, que advogava radicalmente a defesa dos direitos

sociais, de reconhecimento como legitima a participação de todos os cidadãos na

riqueza social e na ponderação de Richard Titmmus, sobre as necessidades sociais

é que germinaria a ideia apresentada, pelo relatório de Wiliian Beveridge, de 1942,

de um estado de bem estar universalista, rompendo com a tradição “pauperista” da

política social inglesa (KERSTENETZKY, 2012a).

Contribui para isso uma mudança decisiva que já vinha se operando nos

anos 1940 no paradigma internacional da política social em direção à advocacia de

direitos sociais, influenciada por orientações normativas, como a Carta do Atlântico

(Atlantic Charter), que estabeleceu uma visão mais pacífica Pós-Segunda Guerra

Mundial - celebrada por Churchill e Roosevelt em 1941 - o Discurso sobre o Estado

da União (State of the Union Address), relatório que apresentava as condições em

que o país se encontrava, bem como a proposta legislativa do presidente e suas

prioridades nacionais, de Roosevelt – em 1941 -, a Declaração da Philadelphia

(Philadelphia Declaration), que inspirou a Organização Internacional do Trabalho

(OIT), e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que delineia os direitos

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humanos básicos e foi adotada pela Organização das Nações Unidas - em 1948

(KERSTENETZKY, 2012a).

O imediato pós-guerra testemunhou a reconstrução de muitos países; o

estado do bem-estar contribui com esforços de reconstrução e deles tirou proveito.

Sua expansão se beneficiou de elevadas taxas de crescimento e participação no

mercado de trabalho e níveis diminutos de desemprego e inflação. Vários países

empreenderam reformas em suas políticas sociais. Tendo adotado políticas para

assegurar o pleno emprego e o crescimento econômico, viabilizaram

financeiramente o incremento de benefícios e, particularmente, serviços sociais

públicos. Tais políticas se baseavam na teoria econômica consolidada pelo

economista John Maynard Keynes em seu livro ‘Teoria geral do emprego, do juro e

da moeda’ – que consistia numa organização político-econômica oposta às

concepções liberais (KERSTENETZKY, 2012a).

A expansão dos anos dourados é atribuída a fatores diversos: demográfico (não apenas o aumento no número de aposentados, mas o aumento na proporção de idosos na população, usuários intensivos dos serviços de saúde); a prosperidade material que gerou recursos necessários aos incrementos dos programas; a mobilização trabalhista, de partidos socialistas e outras manifestações, como o movimento dos direitos civis nos EUA, ao papel do gasto social na acomodação entre capital e trabalho no consenso de interesse em prol de interesses seccionais dentro do estado do bem estar social, as crescentes taxas de urbanização e provisão educacional facilitadora de mobilização social e política. Na Inglaterra, o estado do bem-estar social cresceu para além dos pobres e das clássicas clientelas do seguro social. (PIERSON 1998, apud KERSTENETZKY, 2012a, p.19, grifo nosso).

São estas as razões pelas quais um grande número de estudiosos credita ao

estado de bem-estar social a reinvenção do capitalismo pós-guerra, como um dos

responsáveis pela sua manutenção e sobrevivência.

3.2 O ESTADO DO BEM ESTAR SOCIAL E A CLASSE MÉDIA.

Um outro aspecto interessante na análise do estado do bem-estar social nos

países centrais é o seu impacto na expansão da classe média. Segundo

Kerstenetzky (2012a), a classe média não se tornou apenas uma vigorosa

consumidora dos serviços universais, mas também uma grande provedora, já que

se beneficiou das crescentes oportunidades de emprego profissional no setor

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público. É possível mesmo afirmar que a classe média tenha sido a principal

beneficiaria direta dos gastos do estado do bem-estar social (KERSTENETZKY,

2012a).

É bastante provável, entretanto, que o próprio Estado do bem-estar tenha

contribuído para a ampliação numérica da classe média, especialmente em sua

função de empregador (KERSTENETZKY, 2012a).

De fato, o Estado e o seu segmento de bem-estar social se tornaram os maiores empregadores isolados em vários países. O National Health Service, inglês, tornou-se, por exemplo, o maior empregador da Europa Ocidental, e mesmo em 1985, em plena desaceleração econômica e pressão por retração de 11 % do Emprego na Alemanha e 26% na Suécia se concentravam no estado de bem-estar (Pierson,1998). As consequências desse avanço sobre o emprego foram significativas, sobretudo para as mulheres (KERSTENETZKY, p.20, 2012a).

Ao analisar os estudos de Simom Kuznets, Kerstenetzky (2012a) aferiu que

os 30 anos do pós-guerra testemunharam a queda das desigualdades econômicas

e sociais e das taxas de pobreza, pois houve uma melhora em conjunto, tanto na

estrutura dos empregos (públicos) quanto na dos serviços.

Diferente do ocorrido no Brasil, esse modelo, do ponto de vista da integração

e estratificação social, se deu “por dentro” da classe média e não à margem da

mesma. Um outro efeito, igualmente poderoso, foi a construção de um forte

obstáculo político que suportasse as futuras investidas de retrocesso, quando várias

foram as tentativas do seu desmonte, anunciadas nas décadas de 1980 e 1990,

quando o comportamento da economia mundial se retraiu, produzindo a redução da

atividade econômica, desemprego e inflação (KERSTENETZK, 2012a). Os modelos

de estado de bem-estar social que foram marcantes como afirmação desta aliança

entre o capital e o social foram o modelo de contrato e de status preconizado pela

Alemanha e Inglaterra. Afirmava Marshall (1967) nesse sentido que o primeiro

preservaria cada segurado pelo seu valor de mercado; no segundo, o nexo

contratual seria substituído pelo conceito da cidadania, na medida em que cada

cidadão valia o mesmo que os demais, independentemente de sua contribuição a

um seguro específico.

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3.3 O ESTADO DO BEM ESTAR SOCIAL E A SUA RELAÇÃO COM O MERCADO (INGLATERRA)

Pelas afirmações de Marshall (1967), cidadania e capitalismo estavam em

guerra desde o século XX. Portanto compreender as relações entre o welfare com o

mercado, no país que criou o National Helth Service (NHS), um dos modelos

universais que inspirou o SUS, nos dará pistas para entender a atualidade dos

conflitos com estas duas institucionalidades.

Em uma compreensão mais atual, Benevides (2011) percebe o welfare para

além da questão de direitos e deveres marcantes no conceito de cidadania,

concluindo que o estado de bem-estar social repercutiria também os seus efeitos na

forma pela qual as atividades estatais do serviço se imbricariam com o papel do

mercado e das famílias, em termos de provisão social; seria necessário pensar o

welfare state menos como concretização de programas sociais, oriundo do pós-

guerra, e mais como um importante elemento estrutural das economias

contemporâneas. Por esta perspectiva, o próprio conceito do welfare state seria

repensado, tirando um pouco a concepção idealizada das primeiras versões

(BENEVIDES, 2011).

Como contrapartida ao direito dos indivíduos, Estado e Mercado se

articulariam para regulamentar um conjunto de garantias aos cidadãos em situação

de fragilidade e infortúnio social.

De acordo com Benevides, o estudioso Esping-Andersen nomeou o welfare

state em três Regimes: Modelo Liberal (Anglo-Saxão), Modelo Conservador

(Continental) e Modelo Social Democrata (Nórdico). Esses três modelos possuiriam

características que os distinguiriam um do outro. O grau de ‘desmercantilização’; a

mistura de provisão de bem-estar através de famílias, mercado e Estado; a

capacidade de mudança da estratificação social (BENEVIDES, 2011).

A mercantilização do welfare significa quando o sistema é dependente do

mercado. Nessa proposta do autor, quanto maior o grau de ‘desmercantilização’,

maior o grau de autonomia proporcionada pelas políticas de proteção (BENEVIDES,

2011).

Para o estudioso, um outro aspecto seria que a provisão de bem-estar não

dependeria somente do estado e do mercado; haveria um terceiro mecanismo

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provedor, que seria a família. Cada regime estaria articulado nesses três fatores:

Estado, mercado e família (BENEVIDES, 2011).

A contribuição deste estudioso reside principalmente em mensurar que os

programas de renda e de provisão de serviços permitem uma compreensão do

papel, a mais abrangente do Estado, na economia para além dos seus

consequentes impactos do bem-estar (BENEVIDES, 2011).

Com base nos estudos de Briggs e Boettcher, Kerstenetzky (2012a), abre-se

o debate, trazendo o olhar destes estudiosos de que o estado de bem-estar social

funcionaria como poder organizado e deliberado para modificar o jogo do mercado

em três direções: subsistência, segurança e serviços sociais; este terceiro,

diferenciara-se dos demais, por não almejar apenas o mínimo, mas um grau de

excelência superior à do mercado.

Já o estado de bem-estar social ultrapassaria o mercado em algumas

medidas, usando todos os seus mecanismos para interferir ou ultrapassar o livre

jogo das forças do mercado no interesse do bem-estar social (BENEVIDES, 2011).

Segundo Kerstenetzky (2012b), o que serviu de proteção como barreira às

inúmeras investidas das políticas conservadoras restritivas de gastos sociais na

Inglaterra foi o sentimento de orgulho que os ingleses têm do seu National Health

Service, como um serviço que mais se aproxima do Estado do bem-estar social, do

que qualquer outro.

O interessante, segundo Kerstenetzky (2012b), é observar que, no caso do

NHS, mesmo com sua origem destinada aos indigentes, preconizado por uma

doutrina que pregava que a assistência aos pobres deveria ter lugar fora do

mercado, de maneira que não interferisse em seu funcionamento, o Estado de bem-

estar social britânico representou a própria antítese dessa concepção; é por causa

desse perfil que sua personalidade se tornou tão marcante, influenciando inclusive

no Brasil, na criação do SUS. Tal característica seria materializada no NHS, que

fugiria dos estigmas e se identificaria “muito mais com a luta da humanidade contra

os males naturais, como a medicina sempre fez, suprimindo o mercado e

substituindo-o por um cálculo de necessidades para todos, pelo conhecimento e

habilidade profissional” (KERSTENETZKY, 2012b, p.150).

O modelo de estado de bem-estar social inglês foi muito diferente do da

Alemanha. Naquele, a solidariedade cresceu, sem uma solução de continuidade,

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durante a guerra e os primeiros anos de paz. O Relatório Beveredige foi um

sucesso, porque foi uma resposta ao povo britânico, aos motivos pelos quais a

nação estava em luta. Os objetivos de guerra britânicos eram expressos em termos

de justiça social. O Estado do bem-estar social nasceu num mundo de austeridade

– de racionamento, controle de preços, aluguéis tabelados e casas requisitadas

para dar abrigo aos desabrigados (KERSTENETZKY, 2012b).

O sentimento de austeridade, somado ao de solidariedade, e o desejo pela

justiça social, conformou a legislação do estado de bem-estar social, que visava a

uma participação justa e a uma redistribuição de renda que não poderia se apoiar

apenas nas forças de um mercado competitivo, onde cada um tinha o direito de

tomar para si o quanto pudesse. Porém, estranhamente, tal sentimento mudaria

quando o welfare passou a mostrar os seus frutos positivos (KERSTENETZKY,

2012a).

Relata Kerstenetzky (2012b) que, pelos meados da década de 1950, a

sociedade de austeridade tinha desaparecido, e outra sociedade tomava seu lugar.

Removeram-se as restrições ao auto-enriquecimento e ao consumo competitivo, e

contaram-se histórias sensacionais de salários astronômicos, ajudas de custo

ilimitadas e ganhos especulativos fabulosos no ramo imobiliário e outros. Os preços

subiram, as reivindicações salariais se tornaram um acontecimento anual e a

inflação privou alguns dos benefícios do bem-estar de seu valor original. Foi nessas

circunstâncias que os princípios fundamentais do Estado do bem-estar Social

ficaram sujeitos a ataques. Os principais objetivos desses eram o princípio da

universalidade no seguro social e as disposições de determinados serviços

assistenciais grátis para todos os ingleses.

Argumentou-se que os gastos para este tipo de estado poderiam ser

justificados em tempos de escassez, mas, em época de prosperidade, a

produtividade crescente deveria capacitar quase todos a atender às suas

necessidades de seu próprio bolso e através do mecanismo do mercado, reduzindo,

assim, os serviços de bem-estar social grátis ou subsidiados, uma vez mais ao nível

de uma atividade periférica (KERSTENETZKY, 2012a).

Para Boschetti e Behring (2010) o keynesianismo e o fordismo, associados,

constituíram os pilares do processo de acumulação acelerada de capital no pós -

1945, com forte expansão da demanda efetiva, altas taxas de lucros, elevação do

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padrão de vida das massas no capital central e um alto grau de internacionalização

do capital, sob o comando da economia norte americana, que sai da guerra sem

grandes perdas físicas e com imensa capacidade de investimento e compra de

matérias primas, bem como de dominação militar.

Houve, naquele momento, uma melhoria efetiva das condições de vida dos

trabalhadores fora da fábrica, com acesso ao consumo e ao lazer que não existiam

em outros tempos, bem como uma sensação de estabilidade no emprego, em

contexto de pleno emprego keynesiano, diluindo a radicalidade das lutas e levando

a crer na possibilidade de combinar acumulação e certos níveis de desigualdade

(BOSCHETTI E BEHRING, 2010).

A condução desses pactos pelos grandes partidos sociais democratas,

construídos no final do século XIX, deslocaram o foco da luta para o projeto de

reforma do capitalismo e não de revolução, tendo-se também o isolamento dos

defensores desse último, sobretudo com a Guerra Fria e após a descoberta dos

crimes de Stalin, em 1956, capitulando as lideranças operárias e fragilizando o

projeto socialista. Essas derrotas históricas e a capacidade de regeneração do

capitalismo com base no acordo do keynesianismo-fordismo constituem os

processos que dão folego aos “anos de ouro” do capital. Contudo, estes tiveram

duração limitada e foram processos historicamente situados, cujo esgotamento viria

a partir da segunda metade dos anos 1960. Resultando desse conjunto de

determinações a possibilidade política econômica e histórica do welfare state.

(BOSCHETTI E BEHRING, 2010)

Neste momento, idos de 1960, na Inglaterra, muitos eram os

questionamentos vindos do Partido Conservador Inglês quanto à continuidade do

modelo preconizado pelo Relatório Beveridge, tendo em vista uma mudança visível

na própria sociedade inglesa. Assim a ideia consensual do modelo de estado do

bem-estar social do pós-guerra, conhecida e reconhecida pelos idos de 1940,

estaria sendo questionada por um modelo de uma nova sociedade que foi gerada a

partir da sua criação (KERSTENETZKY, 2012a). A criatura voltava-se contra o

criador.

Assim, no final dos anos de 1960 os anos dourados, o capitalismo regulado

começa a se exaurir (HOBSBAWM,1995 apud BOSCHETTI; BEHRING, 2010). As

taxas de crescimento e a capacidade do Estado de exercer suas funções

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mediadoras civilizadoras cada vez mais amplas, a absorção das novas gerações no

mercado de trabalho restrito, já naquele momento, pelas tecnologias poupadoras de

mão de obra, não são as mesmas, contrariando as expectativas de pleno emprego

– base fundamental daquela experiência. O crescimento das dívidas pública e

privada, a explosão da juventude em 1968, em todo o mundo, e a primeira grande

recessão ocasionada pela alta do preço do petróleo em 1973-1974 foram os sinais

de que o sonho do pleno emprego e da cidadania ligada às políticas sociais estava

prestes a ruir no capitalismo central e comprometido na sua periferia.

As elites político-econômicas então, começaram a questionar e a

responsabilizar pela crise a atuação agigantada do Estado mediador e civilizador,

especialmente naqueles setores que não revertiam diretamente em favor de seus

interesses, onde se incluiriam as políticas sociais (BOSCHETTI; BEHRING, 2010).

Todavia, mesmo com a chegada de Margaret Thatcher ao poder na Inglaterra, em

1979, pelo partido conservador britânico, defensora do modelo liberal, inspirada nos

moldes aplicados nos Estado Unidos pelo então presidente Ronald Reagan, que

quebrou o consenso existente desde o pós-guerra, relacionado à promoção da

equidade social através de benefícios e serviços sociais associados às políticas,

objetivando o pleno emprego, não se derrubaram totalmente, naquele país, os

avanços sociais já construídos, como é o caso do NHS.

3.4 A SOCIEDADE AFLUENTE OU DE CONSUMO (O ESTADO DO BEM-ESTAR INDIVIDUAL)

Na obra “A Sociedade Afluente”, John Kenneth Galbraith dá conta de um

novo modelo de sociedade que, tendo conseguido uma grande melhoria no padrão

individual de vida através da prosperidade e da transferência do poder político para

uma classe, negligenciou socialmente as questões coletivas. É de Galbraith o

seguinte texto, escrito nos anos oitenta.

Por qualquer parâmetro, o equilíbrio entre o nosso consumo particular e nossos serviços públicos é muito pior hoje do que há trinta anos. As condições das grandes metrópoles são um caso constrangedor. Os padrões de vida individuais continuaram a melhorar, tendo atingido níveis sem precedentes para um número sem precedentes de pessoas. Boa parte do esforço intelectual contemporâneo e uma parcela dos conselhos arcanos dos profissionais é dedicada a tornar o consumo dos afluentes visível e propriamente distinto. Em contraste, os serviços públicos se deterioram continuamente (GALBRAITH,1987, p. 21).

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“A Sociedade afluente”, denominação dada por Galbraith, tinha como

característica central o sistema de produção em massa, sustentado por uma

procura em massa, num alto e sempre crescente nível (GALBRAITH, 1987).

Como características típicas desta sociedade, ter-se-iam: utilização completa

de mão de obra ativa; propaganda de alta pressão; forças sociais exigindo um

consumo cada vez maior em competição com nossos vizinhos.

O caráter imperfeito da sociedade afluente também afetaria os problemas da

pobreza e os serviços sociais. Dois exemplos óbvios seriam o dano causado ao

seguro social pela inflação e a rápida expansão de planos de bem-estar

ocupacionais e privados, especialmente com respeito a aposentadorias.

Uma vez que a sociedade afluente era uma sociedade democrática livre, com

uma ampla diferenciação de rendas e uma hierarquia de status social, ao passo que

a sociedade do bem-estar social era, de modo geral, ordeira e cumpridora da lei e

atendia, através de serviços públicos, às necessidades dos economicamente

frustrados ou necessitados, as diferenças externas e visíveis entre suas respectivas

condições de vida podiam parecer diminutas. Mas acredita- se que as diferenças

entre suas filosofias de vida eram grandes e significativas (KERSTENETZKY,

2012a). E são essas as diferenças entre as filosofias do Estado do Bem-estar Social

e a da Sociedade Afluente:

Não se pode dizer que o Estado do Bem-estar Social jamais possa ser afluente ou que a sociedade afluente não oferece serviços previdenciários. O que é verdadeiramente problemático é quando tenta se casar as duas filosofias sociais em um a mesma sociedade, quando metade dela e considerada afluente e a outra de bem-estar social, quando na verdade não conseguem ser nem uma coisa e nem outra. (KERSTENETZKY. 2012, pag. 189)

Tal contraste será encontrado, mais tarde, por ocasião do direito à saúde na

Constituição de 1988, quando os artigos tipicamente característicos do Estado do

bem estar social (Artigos 196 a 200), tais como universalidade e integralidade na

atenção à saúde, encontrar-se-ão com a possibilidade de prestação de serviços de

saúde, financiada de modo suplementar pela iniciativa privada e junto a isso existirá

também o desejo em consumir novas tecnologias em saúde, ou em ter uma

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assistência à saúde mais confiável e atualizada, iniciando o caminho das

contradições filosóficas, políticas e econômicas da judicialização.

Marshall (1967) afirmava que o estado do bem-estar social era o princípio do

individualismo; os benefícios monetários que oferecia eram reivindicados pelo

direito individual, e em serviços de educação e saúde fez o possível para dar a cada

um o que cada um necessitava para atender às suas necessidades individuais.

Segundo Kerstenetzky (2012a), qualquer sistema que servisse a uma nação

inteira estaria sujeito a conter muito daquilo que se inclinava para a outra direção,

mas o princípio deveria ser suficientemente forte para superar essa inclinação. Na

sociedade “afluente”, percebiam-se uma vez mais duas tendências opostas. Nessa

ideia, a comunicação de massa tinha uma grande influência na consciência das

pessoas, desvirtuando os princípios do estado de bem-estar social para a

sociedade de consumo.

Mantendo o seu olhar sobre o perfil dessa sociedade, a autora observa que

havia também aspirações individuais e familiares de igualar ou ultrapassar os

vizinhos na sua capacidade de consumo. E Marhsall faria uma pergunta

fundamental no dilema entre o welfare state e a sociedade afluente: “Qual será o

equilíbrio final entre essas forças diferentes? Esse pode, muito bem, ser um dos

mais importantes problemas para uma sociedade democrática nos meados do

século XX” (MARSHALL,1967, p.220).

Segundo Galbraith (1987), devido à crescente afluência, o movimento político

do estado do bem-estar social liquidou-se a si mesmo. Pois, com a difusão do

conforto e do bem-estar individual, mais e mais pessoas passaram a gozar de uma

satisfação íntima com sua própria posição econômica. Era a mudança do estado do

bem-estar social de natureza coletiva para o estado do bem-estar individual. Essa

postura ganhou corpo e foi uma das responsáveis pelo declínio do welfare, pois,

além do consumo, o poder político se concentraria nas mãos de quem mais

pudesse consumir, deixando de lado a luta pela redução das desigualdades sociais.

Era um pressuposto implícito dos liberais, dos democratas sociais e de todos os outros, que os novos afluentes – os operários com salário de classe média, a nova e extremamente ampliada classe de profissionais autônomos, a burocracia moderna e relativamente bem remunerada dos funcionários de escritórios e os que doravante estariam protegidos das amarguras do desemprego, da velhice e da doença, em gratidão defenderiam atitudes políticas diferentes da antiga classe afluente. O mesmo, presumivelmente, se daria com sua progênie mais afortunada.

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Mas foi uma esperança irreal e infrutífera. Aqueles que idealizaram os modelos de segurança econômica e de afluência do mundo moderno estavam preparando a sua própria derrocada política (GALBRAITH, 1987, p. 25 e 26).

A ideia de combate ao modelo de estado de bem-estar social pela sociedade

que diretamente auferiu seus maiores benefícios através da sua reconstrução no

pós-guerra nos mostrou um lado incoerente e contraditório dessa mesma

sociedade, bem diferente do que seria esperado. Pode-se pensar que houve uma

inversão radical de pensamentos e de valores e que essas ideias se espalhariam

pelo mundo, abrindo espaços para outros modelos de estado de bem-estar social

diferente da sua forma tradicional.

3.5 ESTADO DE BEM ESTAR SOCIAL NO BRASIL

Com características muito diferentes das observadas nos países pioneiros na

implantação do estado de bem-estar social, como a Alemanha e Inglaterra, o

Estado do bem-estar brasileiro se forma a partir das peculiaridades históricas,

políticas, culturais e econômicas do país.

Naqueles países, o welfare se destaca basicamente pelo aumento do

consumo das famílias e pelos gastos sociais do governo (MEDEIROS, 2001). No

Brasil, o questionamento não seria a inexistência do welfare brasileiro, mas as suas

características e tendências diversas dos modelos de estado do bem-estar

contemporâneos mais efetivos (KERTENETZKY, 2012ª).

Segundo Boschetti e Behring (2010), o estado brasileiro nasceu sob o signo

de forte ambiguidade entre um liberalismo formal como fundamento e o

patrimonialismo como prática no sentido de privilégios das classes dominantes. O

desenvolvimento da política social, entre nós, acompanha as fricções e

dissonâncias e a dinâmica própria da conformação do Estado. Daí decorre que a

política social no

Brasil, país da periferia do mundo capitalista, se constitui com as marcas dessa

particularidade histórica.

Que marcas são essas? Refletem as autoras Boschetti e Behring (2010): a

colonização no Brasil, a partir da intrincada e complexa articulação da dinâmica do

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mercado mundial, com os movimentos internos da economia e o peso do

escravismo na sociedade brasileira, marcam de forma deletéria a cultura, os

valores, as ideias, a ética, a estética e os ritmos de mudança econômica e social do

país. O Brasil moderno seria, então, um “presente impregnado de vários passados”

em função dessa nossa via não clássica de transição para o capitalismo.

Boschetti e Behring (2010) citam Fernandes (1987), que destaca que as

marcas da formação social do Brasil em que pese o fato de alguns pilares do

capitalismo terem sido introduzidos no país no contexto do estatuto social, só são

realmente impulsionados com a criação do Estado Nacional. E daí vem a

importância da Independência, em 1822, pois tal processo foi decisivo como ruptura

com a homogeneidade da aristocracia agrária ao lado do surgimento de novos

agentes econômicos na direção da construção de uma nova sociedade nacional.

Contudo, esse movimento é marcado pela ausência de compromisso com

qualquer defesa mais contundente dos direitos do cidadão por parte das elites

econômicas, o que é uma marca indelével da nossa formação, fato que é

fundamental para pensar a configuração da política social no Brasil.

No novo setor urbano, cada vez mais diferenciado, cresceu a insatisfação

com a situação do pais, com críticas dirigidas à escravidão. Por seu perfil capitalista

mais típico, esses segmentos tinham condições, ainda que limitadas, de se libertar

da estagnação estrutural do setor agrário exportador, impulsionando a

modernização econômica.

Todavia o lento avanço da constituição de um setor novo evidenciou entraves

que os poderes público e social da aristocracia agrária impunham ao processo de

modernização. Entre uma visão de modernização mais acelerada e os interesses

senhoriais prevaleceu uma acomodação intermediária, na qual se barganhava certa

contenção nos níveis econômicos e técnicos, ao lado de uma contenção do

mercado interno moderno, neutralizando as vantagens econômicas da criação de

um Estado Nacional. Dessa forma, garantia-se o controle do ritmo da

modernização, segundo os interesses dos antigos senhores (BOSCHETT;

BEHRING, 2010). Percebe-se claramente a extrema ambiguidade desse processo.

A transição pouco ortodoxa para o capitalismo no Brasil é marcada, então, por uma

visão estreita do dinamismo de mercado interno e destina-se a impedir qualquer

crescimento a partir de dentro. Prevaleceram os interesses do setor agroexportador

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e o ímpeto modernizador não teve forças suficientes para engendrar um rumo

diferente, ao promover mudanças com a aristocracia agrária e não contra ela.

Qualquer semelhança com os desdobramentos ulteriores do capitalismo brasileiro

não seriam, portanto, mera coincidência. (BEHRING; BOSCHETTI, 2010)

Behring e Boschetti (2010) entendem ainda que o fundamental nesse

processo é compreender que o liberalismo à brasileira não comportava a questão

dos direitos sociais, que foram incorporados sob pressão dos trabalhadores e com

fortes dificuldades para sua implementação e garantia efetiva. Essa situação

começa a alterar-se a partir dos anos vinte, com a aprovação da Lei Eloy Chaves

(1923), que institui a obrigatoriedade de criação de Caixas de Aposentadoria e

pensão para algumas categorias estratégicas de trabalhadores.

Entre os anos de 1930 e 1970, o Brasil buscava ser moderno, tentando se

impor como uma economia com base industrial e urbana, ao mesmo tempo em que

ampliava as regulações do Estado, tentando abandonar o seu passado agrário,

baseado em exportações de bens primários característicos das primeiras décadas

do século. Todavia a efetividade desse regime não fez diminuir a grande

desigualdade social do país, demonstrada pelos indicadores (BENEVIDES, 2011).

Diante da experiência de sucesso na redução da desigualdade dos países nórdicos

e de essa ser um dos maiores problemas brasileiros, o Brasil tenta aproveitar o

“catching up social”, ou seja, aprender com as experiências mais bem-sucedidas,

sem ter que necessariamente percorrer toda a trajetória daqueles países para

alcançar o grau de efetividade social que estes alcançaram (KERSTENETZKY,

2012a).

Segundo Benevides (2011), o sistema de proteção social brasileiro começa a

se estruturar a partir de 1930, sob o governo de Getúlio Vargas. Nesse primeiro

momento, seu objetivo era a mediação das relações entre os capitalistas e os

trabalhadores, baseando suas ações principalmente no campo previdenciário, de

modo a antecipar as reivindicações trabalhistas. O acesso à provisão das políticas

era geralmente associado à inserção do trabalho. Esse modelo se identificava mais

com o modelo de estado de bem-estar social implementado na Alemanha.

A partir de 1964, o conjunto de políticas sociais foi estendido a uma parcela

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da população que não tinha sua cobertura. Todavia, tal expansão não foi suficiente

para que as desigualdades sociais parassem de crescer (BENEVIDES, 2011) com

uma intensa precarização dos serviços diante de uma crescente clientela.

Para Faleiros (2000), apud Boschetti e Behring (2010), no contexto de perdas

das liberdades democráticas, de censura, prisão e tortura para as vozes

dissonantes, o bloco militar tecnocrático empresarial buscou adesão e legitimidade

por meio da expansão e modernização de políticas sociais.

Contudo, no mesmo passo em que se impulsionavam políticas públicas

mesmo restritas quanto ao acesso, como estratégia de busca e legitimidade, a

ditadura militar abria espaços para a saúde, a previdência e a educação privadas,

configurando um sistema dual de acesso às políticas sociais: para quem pode e

para quem não pode pagar. Essa é uma das principais heranças do regime militar

para a política social e que nos aproxima mais do sistema norte-americano de

proteção social do que o welfare state europeu (BOSCHETTI; BEHRING, 2010).

A ditadura militar expandiu benefícios para um contingente considerável de

pessoas que estavam excluídas, mas nivelou a segurança social em níveis baixos,

o que acabou por deslocar do sistema público a grande maioria da classe média

assalariada. Substituiu um modelo mais relacionado ao implantado por Bismarck na

Alemanha por outro mais residual, próximo ao americano.

Consequentemente, estabeleceu-se um sistema de proteção social que, em

teoria, cobria toda a população, mas, na realidade, foi se especializando cada vez

mais no atendimento precário dos mais pobres, enquanto que a provisão privada de

bem-estar conquistava adeptos entre a classe média (VIANNA, 1998 apud

BENEVIDES, 2011), havendo uma espécie de americanização perversa da

proteção social brasileira, que seria mais evidente na saúde, mas que poderia ser

observada em quase todas as áreas de intervenção pública na vida social (VIANNA

1998 apud BENEVIDES, 2011).

Nos anos setenta, começam a transparecer as primeiras fissuras do projeto

tecnocrático, conservador, do regime militar em função dos impactos da economia

internacional, restringindo o fluxo de capitais e também dos limites internos. O

sonho do “milagre brasileiro” começa a ruir, e os trabalhadores começam a

perceber que os seus frutos não seriam redistribuídos, como lhes fora prometido.

Inicia-se uma abertura lenta e gradual do regime, num processo de transição para a

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democracia que, em muito, se dirigirá para as orientações conservadoras. Esse

processo foi controlado pelas elites para que se evitasse a constituição de uma

vontade popular diante das demandas reprisadas e neoliberais (BOSCHETTI;

BEHRING, 2010).

Os anos 1980 são conhecidos como a década perdida, do ponto de vista

econômico, ainda que também sejam lembrados como período de conquistas

democráticas, em função das lutas sociais e da Constituição de 1988. O

recrudescimento do endividamento externo e suas consequências são dados

fundamentais para entender o ocaso da ditadura e nosso passaporte para a crise

econômica crônica daqueles anos, após o curto tempo virtuoso do milagre.

Com o início da Nova República, período marcado pela conquista da

Constituição Cidadã de 1988, vieram também os avanços na área política e o

aumento da participação da população no processo eleitoral. Até as reformas

ocorridas na década de 1980, o welfare state brasileiro tinha uma característica de

forte centralização política e financeira em nível federal, fragmentação institucional e

uso clientelístico das políticas sociais, o que reduzia a capacidade do

funcionamento dessas políticas como mecanismos redistributivos. (DRAIBE, 1993

apud BENEVIDES, 2011).

De forma tardia em relação às outras nações que já tinham dado a largada

para inclusão de princípios universalistas em suas Cartas Magnas, preconizadas

pela Declaração dos Direitos Humanos de 1948, é pela da Constituição de 1988,

quarenta anos depois, que vimos a incorporação de um conjunto de direitos,

inclusive o direito dos cidadãos e cidadãs à proteção social. Importante lembrar que

esses direitos inscritos na lei fizeram parte de debates e embates que mobilizaram

pessoas no mundo todo por parâmetros mais justos e mais igualitários da vida em

sociedade.

A partir daquele momento histórico, o sistema de proteção social brasileiro

passou a incluir as garantias de direito à saúde, previdência e assistência social.

Esse foi um marco para os direitos sociais no Brasil. O direito social foi visto como o

fundamento da política, com um comprometimento do governo com o sistema de

proteção, projetando um acentuado grau de provisão do Estado, cabendo ao setor

privado um papel complementar. (BOSCHETTI; BEHRING, 2010).

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Todavia o atual estado do bem-estar social brasileiro tem um histórico

marcado pela tradição e pelo conservadorismo. Somente com a Constituição de

1988 é que a proteção social passou a ser vista sob a perspectiva da cidadania e

este modelo de welfare incluiria os programas e medidas necessários ao

reconhecimento, implementação e exercício dos direitos sociais reconhecidos em

uma dada sociedade como incluídos na condição de cidadania, gerando, por

conseguinte, uma pauta de direitos e deveres. Essa relação jurídica de

reciprocidade inclui, além dos direitos sociais, direitos civis e políticos, ainda que

cada um destes tenha tido um desenvolvimento histórico diverso, atualmente estão

relacionados e vinculados à noção de cidadania (BOSCHETTI; BEHRING, 2010).

Todavia, se por um lado a Constituição enunciava uma importante reforma

democrática do estado brasileiro e da política social, desenhando um formato

socialdemocrata com mais de quarenta anos de atraso, as condições econômicas

internas e internacionais eram extremamente desfavoráveis.

Por conseguinte, diante de um contexto histórico e político sempre muito

conflituoso, as concretizações destes direitos estão cada vez mais difíceis, seja por

antigos dilemas, seja pelos desafios atuais da contemporaneidade, como

observamos pelas reflexões da cientista social Vera Telles (1996), quando

questiona sobre os direitos sociais: “Mas, que direitos sociais são estes? Afinal, de

que se trata? ”, provocando a reflexão:

(...) falar dos direitos sociais significa falar os dilemas mais cruciais no Brasil (e do mundo) contemporâneo. (...) pergunta que não é de hoje, certamente. Mas que ganha uma especial urgência diante da convergência problemática entre uma longa história de desigualdades e exclusões, as novas clivagens e diferenciações produzidas pela reestruturação produtiva e que desafiam a agenda clássica universalização de direitos, e os efeitos ainda não inteiramente conhecidos do atual desmantelamento dos (no Brasil) desde sempre precários serviços públicos, mas que nesses tempos de neoliberalismo vitorioso ao mesmo tempo em que leva ao agravamento da situação social das maiorias, vem se traduzindo em um estreitamento do horizonte de legitimidade de direitos e isso em uma espécie de operação ideológica pela qual a falência dos serviços públicos é mobilizada como prova de verdade de um discurso que opera proposições implicadoras associando Estado, atraso e anacronismo de um lado e, de outro, modernidade e mercado. Operação insidiosa que elide a questão da responsabilidade pública. E descaracteriza a própria noção de direitos, desvinculando-se do parâmetro da justiça e da igualdade, fazendo-os deslizar em um campo semântico no qual passam a ser associados a custo e ônus que obstam a potência modernizadora do mercado, ou então a privilégios corporativos que carregam anacronismos que precisam ser superados para que o país possa se integrar nos circuitos globalizados da economia (TELLES, 1996, p.1).

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60

Vera Telles expõe e antecipa a fragilidade do território onde hoje estão

fincadas as sementes do Estado do Bem Estar Social brasileiro, em uma

democracia, ainda em construção, a encontrar-se com princípios ferozmente

defendidos pelos liberais, e assumidos pelo Estado capitalista, que pregava a

negação do social sob a égide de um Estado mínimo, com o predomínio do

individualismo sobre o bem estar coletivo, da liberdade e da competitividade, da

naturalização da miséria, do predomínio da lei da necessidade e a ideia de que

políticas sociais estimulavam o ócio e o desperdício e que deveriam ser apenas

paliativas.

Todavia alerta Boschetti e Behring (2010) que não existe polarização

irreconciliável entre o Estado liberal e o Estado social, ou, de outro modo, que não

houve ruptura radical entre o Estado liberal predominante no século XIX e o Estado

social capitalista do século XX. Houve, sim, uma mudança estrutural profunda na

perspectiva do Estado, que abrandou seus princípios liberais e incorporou

orientações social-democratas num novo contexto socioeconômico e da luta de

classes, assumindo um caráter mais social, com investimentos em políticas sociais.

Reconhecendo direitos sem pôr em xeque os fundamentos do capitalismo.

O contexto atual é marcado por uma outra temporalidade ditada pela crise

estrutural do capital e pelas novas configurações geopolíticas do século XXI

adaptada às especificidades do modelo político brasileiro e às complexidades da

sua vida social (CARVALHO; GUERRA. 2015).

Explicam as articulistas acima citadas que atualmente se vive um novo tempo

na civilização do Capital, marcado pelas mudanças da configuração do capitalismo,

com redefinição de estratégias de avanço conservador, com emergências de novas

direitas, a expressarem o ódio de classe, sem pudor nem limites, marcha da

intolerância em nível mundial, retorno com força do neoliberalismo, após a crise

econômica de 2007-2009, impondo uma agenda política de ajustes aos Estados,

com expressões da luta de classes em um contexto de sublevações com

insurgências de revoltas populares, mutações e reviravoltas sócio-políticas e

culturais, a colocar em xeque partidos, governos, esquerdas e toda uma tradição

política militante. Porém é visível a todos os descompassos entre os avanços

tecnológicos e os sociais nos últimos quinze anos (CARVALHO; GUERRA. 2015).

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Continuam a explicar as articulistas que essas mudanças traduzem também

uma nova temporalidade do Capital, caracterizada pela sua expansão incontrolável,

pela exacerbação da liquidez, da instabilidade e da insegurança a explicitarem com

intensa e dramática visibilidade a crise do Capital que irrompe no cenário mundial

dos anos finais da primeira década do século XXI.

Adaptando esta realidade à brasileira, o capitalismo tornou-se financeirizado,

ou seja, influenciado pela especulação financeira atrelada ao Consenso de

Washington, iniciado no governo Collor de Melo, e ganhou densidade com

Fernando Henrique Cardoso, com o Plano Real, a garantir a estabilização

monetária e os ajustes da estrutura estatal via privatizações.

Traduzindo Napoleon Galarza, Carvalho e Guerra (2015, p. 43-44) elucidam

os circuitos da geopolítica da crise estrutural do capital internacional no século XXI:

Depois da crise hipotecária de 2008, o capital financeiro global se move em quatro direções combinadas: (i) produz desvalorizações sistêmicas de capital fictício, com a transferência de custos para toda periferia europeia; (ii) projeta o imperialismo aberto respaldado pela força militar norte- americana com guerras sobre todo o Oriente Médio pelo controle dos recursos estratégicos e a contenção da expansão do eixo Leste-Oeste, encabeçado pelos BRICS [...]; (iii) desloca o capital rentista para novos terrenos, já não somente a renda tradicional da terra, a exploração dos recursos naturais, mas agora em combinação com a renda do conhecimento; e (iv) reforça as formas de acumulação por espoliação em torno da energia/hibrocarburetos, construção/infraestrutura, agricultura transgênica/agrocombustíveis.

Explica ainda, Carvalho e Guerra (2015, p.43), pelos estudos de Galarza que:

Na primeira década do século XXI, a América Latina torna-se especialmente atraente para o sistema do Capital em um duplo movimento: como detentora de recursos naturais a serem expropriados por centros capitalistas hegemônicos, inclusive a China, no processo analisado por David Harvey (2004) como acumulação por espoliação; como espaço de destinação do capital financeiro a deslocar-se para regiões consideradas periféricas. Assim, nesta primeira década do século XXI, tem-se um ciclo de crescimento dos países latino-americanos, nos marcos de uma acumulação rentista-extrativista. Trata-se da materialização do movimento

do capital financeiro global, nos circuitos da crise, no sentido de reforçar as formas de acumulação por espoliação em torno da energia/hibrocarburetos, construção/infraestrutura, agricultura transgênica/agrocombustíveis. Desse modo, a América Latina deflagra um período de crescimento anticíclico da Região, alcançando índices em torno

de 5% ao ano, enquanto os países do centro suportam situação de crise. Tal arranjo permite ao Estado impulsionar políticas redistributivas e de assistência social, que contribuem para um amplo respaldo aos governos.

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Esse período é o primeiro momento da configuração geopolítica da crise

anunciada. Já na segunda década do século XXI, mais precisamente nos anos de

2012-2013, esse ciclo de crescimento dos países latino-americanos dá amostras

de esgotamento, revelando-se, então, a crise do Capital que finalmente chega à

América Latina (CARVALHO; GUERRA. 2015).

A cúpula ibero-americana de 2014 considera o fim de um ciclo da América

Latina com o término de uma época de crescimento regional de 5%, priorizando em

sua agenda de discussões a busca de um novo modelo de crescimento econômico

(CARVALHO; GUERRA. 2015).

Ainda no mesmo sentido, as referidas autoras acreditam que tal decisão ficou

bem demonstrada na afirmação da titular da Secretaria Geral Ibero-Americana,

Rebeca Grynspan, de que, para voltar ao crescimento, teríamos que entrar em uma

segunda geração de políticas públicas com uma revolução de produtividade e

explosão da inovação.

Um outro ponto que precisa ser considerado é a importância dos meios

midiáticos de massa como ofensiva neoliberal, forjando a cultura da crise, que dá

novos formatos à seguridade social na contemporaneidade (BOSCHETTI;

BEHRING, 2010).

Trata-se da dominância do Estado Ajustador, a conviver com a

institucionalização do Estado Democrático de Direito, nos marcos de uma

democracia formal, institucional, restrita, subordinada à lógica de expansão do

capital, em meio a tensões de movimentos sociais e lutas pela afirmação de uma

cultura política democrática que atravessa toda a década de 1990 e o limiar dos

anos 2000, materializando o que pode ser considerado um primeiro ciclo de ajustes

com governos que adotam de forma disciplinada o discurso e a prática neoliberais

(CARVALHO; GUERRA. 2015).

A exigência do Estado Ajustador gera restrições recorrentes nos

investimentos públicos, atingindo em cheio o financiamento das políticas sociais e a

realização do estado de bem-estar social no Brasil. No jogo desequilibrado entre a

política econômica e os direitos sociais, o último sai perdendo.

Afirma ainda Boschetti e Behring (2010) que o último período da história da

humanidade tratou de desfazer a ilusão de Marshall (1967) para quem as conquistas

da cidadania poderiam se sobrepor à desigualdade, porém o neoliberalismo

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e a sua atual saída belicista mostraram que houve uma espécie de revanche da

desigualdade sobre a cidadania. O que paradoxalmente atribui uma radicalidade

inusitada em defesa da cidadania, na qual se incluem os direitos sociais e humanas.

Particularmente, no que diz respeito ao Brasil, as estudiosas entendem que

para um país com as tradições político-econômicas e socioculturais delineadas

anteriormente, e que, a partir da Constituição de 1988, passa a ter perspectiva a

construção de um padrão público universal de proteção social, colocado em um

quadro de grande complexidade, aridez e hostilidade para a implementação dos

direitos sociais, prevalece o consenso de que a introdução da seguridade social na

Carta Magna constituiu um dos mais importantes avanços na política social

brasileira, com possibilidade de estruturação tardia de um sistema amplo de

proteção social, mas que não se materializou, permanecendo inconclusa. É a partir

daí que tentaremos entender o movimento da judicialização da saúde.

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4 O DIREITO À SAÚDE E O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO

A saúde é o primeiro e primordial direito social. Premissa maior da vida e,

consequentemente, do exercício da cidadania. Sempre na história, a saúde foi

preocupação dos que pensaram a humanidade, encontrando guarida jurídica na

doutrina dos Direitos Humanos e remontando a sua origem ainda ao cristianismo.

Essa preocupação com a proteção e promoção da dignidade humana ressurge

após o término da Segunda Guerra Mundial, em resposta às brutalidades e

degradações cometidas contra a pessoa. A consagração da necessidade de

respeito à dignidade humana tem início no campo internacional, sendo inaugurada

com a Carta das Nações Unidas de 1945, seguida pela Declaração Universal dos

Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 1948.

Em 1946 com a criação da Organização Mundial de Saúde, começa a se falar em um novo conceito de saúde, extrapolando os limites do binômio saúde/doença, e tornando o conceito de saúde um direito complexo, porque agrupa uma série de condicionantes e determinantes sociais, assim a saúde, torna-se também um bem coletivo, exigindo a participação da sociedade e do estado na sua promoção, conforme bem realçado na Constituição da Organização Mundial da Saúde (DINIZ, 2015, p.2).

O conceito da OMS de saúde é marco importantíssimo no avanço deste

tema, pois retira a ideia de que saúde é apenas a ausência de doença; porém, mais

tarde, o conceito seria ainda mais ampliado pela discussão de Alma Ata em 1978, e

adotado pela Constituição Brasileira de 1988, de forma ampliada, apresentando

aspectos exteriores à saúde em si e que influenciarão a sua existência, dando a

noção da sua complexidade e indissociabilidade das condições de vida e trabalho

das pessoas, demonstrando a um só tempo o seu caráter individual e coletivo e a

necessária participação da comunidade na cobrança da sua garantia pelo Estado e

pela sociedade. Tal ambiguidade, no contexto da judicialização da saúde, produz

inúmeras angústias no dia a dia da saúde coletiva, sobretudo na execução deste

direito, tarefa dedicada principalmente aos gestores de saúde.

A amplitude do texto da OMS e a ideia de uma saúde total, somadas à

ausência de um viés subjetivo fazem parte também de algumas das críticas

atualmente lançadas sobre esse conceito. Para Anon (2009), este conceito é

positivo:

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Apesar de todos os inconvenientes, o conceito de saúde da OMS tem, frente as concepções anteriores de saúde, a vantagem de enfatizar determinados aspectos que não devem ser esquecidos, apresentando a novidade do abandono da visão puramente “medicamentalizada”: a proteção e a promoção da saúde não são unicamente uma questão médica e tampouco limitada a assistência sanitária, uma vez que há outros esforços e políticas públicas que podem contribuir em grande medida com este objetivo. Assim, essa concepção integra a proteção da saúde em um marco geral, reconhecendo seu duplo caráter individual e social (isto é, ainda que em última instancia a saúde se refira a saúde dos indivíduos, existem fatores que são sócias – e o que talvez seja o mais importante, modificáveis – que incidem na mesma. Com isto entende-se que a saúde implica também a existência de condições para o desenvolvimento das pessoas, sendo inseparável da paz, da eliminação da pobreza, da redução do desemprego, da preservação do meio ambiente, etc. Significa a existência de uma correlação entre saúde das pessoas e o desenvolvimento socioeconômico. Esta concepção se opõe a que se baseia na oposição saúde/enfermidade. E, além disso, neste sentido, parece frisar a possibilidade de ser guiada por estratégias meramente curativas, mas também por estratégias amplas de promoção da saúde. (ANON, 2009; apud DINIZ 2015, p.23).

Leonardo Boff sempre questionou a ideia de uma saúde total e classificada

como estado, preconizado pela OMS, por entendê-la demasiadamente irreal, pois

parte de uma suposição falsa, de que é impossível uma existência sem dor e sem

morte (BOFF, 1999).

Essa compreensão não é realista, pois parte de uma suposição, de que é possível uma existência sem dor e sem morte. É também inumana porque não recolhe a concretude da vida que é mortal. Não descobre dentro de si a morte e seus acompanhantes, os achaques, as fraquezas, as enfermidades, a agonia e a despedida final. Acresce ainda que a saúde não é um estado, mas um processo permanente de busca de equilíbrio dinâmico de todos os fatores que compõe a vida humana (BOFF,1999, p. 144, grifo nosso).

Corroboram esta posição Segre e Ferraz (1997), afirmando que, apesar de o

conceito de saúde ter sido um avanço para a época em que foi construído no

momento é irreal, ultrapassado e unilateral.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem transformou-se numa

espécie de horizonte moral da humanidade, um código de princípios e valores

universais, revigorando e reforçando a ideia de universalidade dos direitos

humanos como direitos de toda a pessoa (DALLARI, 2012).

Assim sendo, os direitos humanos são inerentes à nossa condição humana e

buscam perspectivas melhores de sobrevivência aos homens. Os direitos humanos

são um marco para o avanço social, iniciado a menos de sete décadas (DALLARI,

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2012).

Os direitos humanos constituem um conjunto mínimo de direitos necessários

para assegurar a vida do ser humano, baseados na liberdade, igualdade e na

dignidade. Sua essencialidade e finalidade diferenciam-nos dos demais direitos

subjetivos, possuindo hierarquia normativa superior. Do ponto de vista formal, os

direitos humanos são expressos ou garantidos pelas normas superiores do

ordenamento jurídico determinado, essenciais para a existência ou para o conteúdo

de outros ramos do direito (RAMOS, 2008).

Os direitos humanos estão, em geral, inseridos nas Constituições ou nos

Tratados Internacionais, compondo obrigações internacionais que devem ser

cumpridas pelos Estados (RAMOS, 2008).

Inspirada na consciência dos povos para atender à necessidade urgente de

evitar a repetição dos horrores cometidos durante a Segunda Guerra Mundial,

emanação superior e inalienável da pessoa humana, os direitos humanos

consagraram a racionalidade e os valores espirituais do ser humano (RAMOS,

2008).

A Declaração foi aprovada em Resolução da III Sessão Ordinária da

Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. Dentre seus

30 artigos, destacamos:

Artigo I – Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação, uns com os outros, com espírito de fraternidade. (...) Artigo VII – Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação (DECLARAÇÂO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANO, 1948, p. 2 e 3).

Na Declaração Universal dos Direitos do Homem já se percebia a

preocupação da garantia ao Direito à Saúde, consorciada com a disponibilidade

financeira estatal.

Artigo XI – Toda pessoa tem direito a que sua saúde seja resguardada por medidas sanitárias e sociais relativas à alimentação, roupas, habitação e cuidados médicos correspondentes ao nível permitido pelos recursos públicos e os da coletividade (DECLARAÇÂO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANO, 1948, p. 3).

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A saúde é um fator redistributivo mais importante do que as transferências

sociais e de educação, pois ela tem uma influência direta nos planos de vida das

pessoas (ANON, 2009 apud DINIZ, 2015).

A lógica antes da Constituição Cidadã era de uma assistência médica

individual, eminentemente curativa, incorporada através de programas específicos

como programa materno-infantil, programa de assistência à mulher e de saúde do

trabalhador, programa de erradicação da tuberculose.

A percepção humanista influenciou um movimento que revolucionaria

profundamente, não apenas o conceito técnico-médico-educativo de uma geração,

mas toda a história político-sanitária do Brasil (AROUCA, 1975).

A partir da década de 1960, o filósofo francês Michel Foucault (1963)

transportou os ensinamentos dos médicos franceses do século XVIII, os quais

entendiam que o ser humano é biológico e social. Sérgio Arouca destaca que se

iniciava, assim, um processo de desmistificação do modelo hegemônico da

medicina flexneriana, que se distinguia por se concentrar no saber individual do

médico como a única possibilidade de tratamento. Formava-se, assim, uma

geração de intelectuais que pensariam as ciências médicas para além da biologia

(AROUCA, 1975).

A visão holística ampliou ainda mais os horizontes da medicina social,

estendendo as possibilidades de tratamentos e consagrando a multidisciplinaridade

como peça fundamental do saber médico. A partir dessa filosofia, a medicina deixa

de ser uma ciência positivada, fragmentada, reducionista e exata (AROUCA, 1975).

O ideário histórico e filosófico das ciências médicas foi discutido pelo movimento

sanitário na VIII Conferência Nacional de Saúde, sendo, posteriormente, levado à

Assembleia Nacional Constituinte e, finalmente, à Constituição da República

Federativa do Brasil, em páginas que definiriam o direito constitucional à saúde

(PAIM, 2008).

Compreende-se melhor o significado do direito à saúde na Constituição

Federal de 1988, conhecendo-se a história do movimento sanitário e o seu

propósito na história da saúde pública e da redemocratização do país.

De acordo com Paim (2008), mais que redefinir um novo modelo de medicina e

saúde pública, o movimento sanitário tinha uma proposta avançada, a de mudança

do estado brasileiro para o do bem-estar social.

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Dentro de um movimento por um novo modelo de estado, que fugisse do

autoritarismo e da centralização dominante na época, o movimento sanitário, na

figura dos seus líderes, ampliaria o conceito eminentemente biológico de saúde,

abrangendo os aspectos político, econômico, educativo e jurídico. Inicia-se o

diálogo entre saúde e doença como um fenômeno de contexto também social,

elegendo o cuidar como um valor máximo a ser preservado pelo Estado (AROUCA,

1975).

O movimento sanitário buscava modificar a lógica da assistência à saúde no

Brasil, tendo como parte de suas metas a rejeição à ideia de uma saúde pública

centralizada e de exclusão que prevalecia no regime político anterior ao

democrático, o regime militar (PAIM, 2008).

A reforma sanitária brasileira de 1988 aproximou-se de uma reforma de tipo

big-bang por sua coincidência com uma janela histórica representada pelo fim do

regime militar e pela profundidade das mudanças propostas. Ademais, distancia-se

desse conceito por ter sido politicamente construída e por ter sido negociada

durante longo tempo com vários atores sociais relevantes na arena sanitária

(BRASIL, 2006).

O movimento sanitário apresentava quatro proposições para debate: a saúde

é um direito de todo cidadão, independente de contribuição ou qualquer outro critério

de discriminação; as ações de saúde devem estar integradas num único sistema,

garantido o acesso de toda a população a todos os serviços e ações de saúde,

sejam de cunho preventivo ou curativo; a gestão administrativa e financeira das

ações de saúde deve ser descentralizada para Estados e Municípios; o Estado deve

promover a participação e o controle das ações de saúde.

Com a redemocratização, intensificou-se o debate nacional sobre a

universalização dos serviços públicos de saúde. O momento culminante do

movimento sanitarista foi a Assembleia Constituinte, em que se deu a criação do

Sistema Único de Saúde.

Em 1987, teve início a Assembleia Nacional Constituinte e foi criado o

Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS). Ele surgiu como uma

estratégia-ponte para a efetivação do SUS, estabelecendo políticas de transição

entre um sistema dividido nas ações do Ministério da Saúde e do INAMPS e

centralizado no âmbito do governo federal (BRASIL, 2006).

Universal, integral, solidário e descentralizado, o Sistema Único de Saúde é

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o maior sistema de saúde pública mundial; teve na Constituição de 1988 o seu

redentor e berço, padecendo, ainda que precocemente, dos defeitos das suas

qualidades, como um jovem que, desde os seus primeiros anos de vida, foi

obrigado a assumir integralmente todas as responsabilidades da vida adulta antes

do seu total amadurecimento.

O sistema foi pensado para atingir toda a população, dos agravos mais

simples, como a atenção básica, até os que exigem demandas com tecnologias

altamente sofisticadas, como os procedimentos de alta e média complexidade,

além dos programas de saúde estratégicos (controle de endemias), dispensação

farmacêutica excepcional, transplantes, tratamento oncológico, hemodiálise,

tratamento fora do domicílio, dentre outros benefícios.

O que viria após a Constituição seria uma sucessão de derrotas da saúde no

embate do ideário social com o econômico, capitaneado por grupos político-

ideológicos que se opunham aos princípios da reforma sanitária dentro da

constituinte e que seriam os condutores da nova democracia brasileira (PAIM,

2008).

Era o momento de o neoliberalismo dar as cartas e do avanço das políticas

restritivas dos direitos sociais, antagônicas aos preceitos constitucionais. Apesar da

universalidade e da integralidade terem sido preconizadas pela Constituição

Federal de 1998, como princípios estruturantes da saúde pública, e condutores de

uma sociedade mais justa, sob o aspecto sanitário, em um ambiente institucional,

marcadamente desigual.

Em 1990, “mesmo com muitos obstáculos” (PAIM, 2008, p.186) a Lei

Orgânica da Saúde (Lei n° 8080/90) foi aprovada com o objetivo de regulamentar o

SUS, definindo os objetivos, atribuições, regras gerais para a participação popular e

financiamento do sistema. As leis seguiram os princípios gerais já definidos na

Carta Constitucional de 1988 e avançaram na construção das bases legais para a

implementação da política. Além dessas, outras leis, portarias ministeriais e normas

regulam os rumos da política de saúde no Brasil. “O presidente Collor sacrificaria o

texto original com nove vetos totais e cinco parciais, posteriormente

complementado pela lei 8142/90” (PAIM, 2008, p. 187).

Mesmo assim, o SUS, com vinte e sete anos de existência, tem sido capaz

de estruturar e consolidar um sistema público de saúde de enorme relevância e que

apresenta resultados inquestionáveis para a população brasileira.

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Pelos resultados alcançados, são inegáveis os avanços do SUS, mas

persistem problemas a serem enfrentados para consolidá-lo como um sistema

público universal que possa prestar serviços de qualidade a toda a população

brasileira.

4.1 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO RIO GRANDE DO NORTE E O

PROGRAMA SUS MEDIADO EM NATAL/RN: PRÁTICAS E VISÕES

O estado do Rio Grande do Norte caracteriza-se como a 16ª unidade da

federação brasileira mais populosa e a décima mais povoada. Possui 167

municípios, sendo a capital Natal, e Mossoró, o município mais desenvolvido após

a capital.

Em 2015, o Tribunal de Contas da União realizou auditoria que objetivou

identificar o perfil, o volume e o impacto das ações judiciais na área de saúde no

Rio Grande do Norte. A equipe de auditoria realizou entrevistas com as seguintes

entidades: Justiça Federal do Rio Grande do Norte (JFRN), em Natal e Mossoró;

Defensoria Pública da União (DPU), em Natal e em Mossoró; Procuradoria-Geral

do Estado do Rio Grande do Norte (PGE), em Natal e em Mossoró; Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) em Natal e em Mossoró; Comitê Executivo

de Demandas Judiciais; Advocacia-Geral da União; Secretaria Estadual de Saúde

no Rio Grande do Norte (Sesap/RN) – Setor de Demandas Judiciais e Unidade

Central de Agentes Terapêuticos (Unicat); Ministério Público Federal – Procuradoria

da República; Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (MPRN); e

Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte (DPE), em Natal e em

Mossoró.

A partir das páginas 15-17 do Relatório Preliminar de Fiscalização 295/2015,

gerado nessa auditoria, os atores ouvidos indicaram diversas causas ao aumento

das demandas judiciais de saúde no Rio Grande do Norte. Foram destacadas as

seguintes razões para judicialização:

a) População cada vez mais consciente dos seus direitos (cidadania), e poder público cada vez mais omisso diante das demandas; b) Conhecimento por parte da população de que pedidos ajuizados são deferidos liminarmente, de maneira rápida e fácil; c) Falta de confiança da sociedade no SUS, que seria ruim e de má qualidade, segundo usuários. Isso ocorre por causa da desorganização e de falhas estruturantes (vazios existenciais), tendo em vista a ausência de

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legitimidade sistêmica perante a população; d) Crescimento do número e intensidade das patologias, que levam a população a exigir mais exames, de maior complexidade, com novas tecnologias e custos elevados; e) Demora do SUS para incorporar novas tecnologias; f) Lobby da indústria farmacêutica, de laboratórios e clínicas, para induzir a comercialização de novos procedimentos, medicamentos e tratamentos, ainda não protocolizados pelo SUS; g) Existência de demandas em larga escala, estimuladas pelos laboratórios ou pelo poder da indústria farmacêutica de convencer o cidadão a litigar contra o SUS; h) Inconformismo pelo agravo, com a doença, não considerada mais como algo natural; i) Desinformação do usuário sobre como ser atendido perante o SUS; j) Criação de Juizados Especiais, onde se postula de forma gratuita, sem pagamento de custas e sem a necessidade de constituição de advogado, ampliando e facilitando o acesso à Justiça; k) Mudança de percepção sobre o direito à saúde, que antes era considerado programático, ou seja, poderia ser efetivado ao longo do tempo, na medida do possível. Entre 2000 e 2010, entretanto, o STF e o STJ modificaram o posicionamento, no sentido de que o direito à saúde é um direito reconhecido e plenamente implementado pela Constituição Federal; não depende de norma programática, ou seja, reconheceram que é um direito constitucional efetivo que deve ser cumprido de imediato; l) Fortalecimento das defensorias públicas estadual e federal (DPE e DPU), o que facilitou o acesso da população à Justiça; m) Existência de advogados especializados em causas de saúde, sugerindo inclusive a formação de um grupo organizado e antiético de advogados e médicos que incentivam a judicialização por novos tratamentos; n) Divulgação entre usuários do SUS do sucesso em demandas via DPU e DPE; o) Existência de médicos que direcionam o usuário diretamente à DPU; p) Ausência de conhecimento aprofundado das políticas públicas de saúde no meio judiciário, fazendo com que, via de regra, toda e qualquer ação de saúde seja procedente, prevista ou não nos protocolos do sistema; q) Estímulo de maior volume de demandas, em função do excesso de paternalismo do Poder Judiciário. Parte das liminares são concedidas sem fundamentação em parâmetros e pareceres das autoridades de saúde. Pedidos não previstos em protocolos são autorizados, chegando-se até, em casos extremos, à autorização de tratamentos no exterior; r) Ineficácia das políticas de saúde permanentes e ineficiência da gestão do estado; s) Subfinanciamento da política da saúde e defasagem da Tabela SUS; t) Limites orçamentários insuficientes;

u) Desinformação e/ou má vontade de parte de gestores públicos de saúde e de profissionais de saúde que prescrevem novos tratamentos desnecessariamente, não têm o conhecimento adequado sobre o SUS, não possuem visão sistêmica, e não fazem a adequação de medicamento em função da disponibilidade; v) Negligência no exercício de competências do SUS, compartilhada entre os 3 entes (União, estados e municípios); w) Dificuldades de gerenciar os recursos financeiros; x) Desabastecimento de material básico, como fraldas, e até de medicamentos que estão na RENAME (Relação Nacional de Medicamentos); y) Número insuficiente de prestadores de serviços; z) Inobservância, pelos entes estatais, de políticas públicas estabelecidas, com disponibilização à população de ações de saúde já

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objeto dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT do SUS. aa) Tentativa do usuário de burlar a fila do SUS; bb) Número insuficiente de leitos de UTIs; cc) Crise de ética do profissional de saúde, corporativismo, descumprimento da jornada de trabalho pela categoria médica e falta de compromisso; dd) Relação de trabalho mal compreendida pelo profissional médico que ignora ser servidor público, mas atua como se fosse regido pela iniciativa privada; ee) Existência de fraudes em larga escala, com profissionais e clínicas envolvidas (ex.: reportagem veiculada no programa Fantástico recentemente sobre fraudes na distribuição de órteses e próteses);

ff) Omissão de órgãos de controle da classe médica, como CFM – Conselho Federal de Medicina, que não apuram adequadamente as notícias denúncias de irregularidades.

Muitos dos aspectos destacados no relatório da auditoria do TCU foram

também identificados nas entrevistas realizadas na presente pesquisa, ao

indagarmos os entrevistados envolvidos no Programa SUS MEDIADO.

A seguir, apresentamos alguns temas selecionados na análise do conteúdo

das entrevistas.

a) Avanços do acesso à Justiça. A Constituição de 1988 outorgou ao Estado brasileiro grandes avanços no

campo dos direitos sociais, dentre os quais, o Direito à Saúde, que tem no SUS -

Sistema Único de Saúde, a sua expressão maior de democracia sanitária (CF, art.

6º, 196 a 200). Prevalece a ideia da importância da conquista constitucional, bem

como que a judicialização da saúde se dá a partir da promulgação da CF/88 e dos

progressos sociais, é o que pensa o OPERADOR DE DIREITO 4 atuante na

judicialização: “Então eu acho que a judicialização é sempre uma demanda

crescente, em razão de cada vez mais a população conhecer os seus direitos e

tentar efetivá-los”. Tal pensamento é compartilhado por vários outros atores da

Saúde e do Jurídico, embora com percepções diferentes:

Que eu acho assim, que é fruto de conquistas de direitos sociais que temos hoje na constituição, (...). (...) da conscientização da população com relação aos seus direitos. A judicialização da saúde é uma realidade ditada por diversos fatores ao meu sentir: uma facilidade maior de acesso à justiça, seja em vista o aumento dos juizados especiais, da justiça gratuita, do fortalecimento das defensorias públicas da União e do Estado, como também de uma maior consciência da população acerca de seus direitos sociais. E das vias para a busca de satisfação dos seus direitos. É um processo que não tem retorno, não tem volta. É uma realidade que a gente

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tem de aceitar, que demanda de cada órgão que trabalha, de cada órgão do administrativo, do jurisdicional. De todas as entidades envolvidas, de todos os entes envolvidos partem medidas de adaptação a esse fenômeno (MAGISTRADA 1, 2015).

Nos arts. 6° e 196º da Constituição Federal 1988 foi estabelecido, que a

saúde “é direito de todos e dever do estado”, instituindo o acesso universal e

igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação; tal

postulado, por vezes, enseja dúvidas sobre a sua justiça:

No meu entendimento, a judicialização da saúde bate de frente com o

princípio da isonomia porque, tudo bem, o direito, o acesso à justiça é um

direito de todos, direito à saúde é um direito de todos. Só que nem todos

têm o acesso à justiça, nem todos sequer sabem como chegar até à justiça

(TÉCNICO 3).

(...) saúde é um direito de todos e dever do estado? Sim! Mas até que ponto o SUS é único? Até que ponto o SUS pode dar tudo a todo mundo? Né? Será que o sus, a gente não poderia definir uma linha de cuidado do sus? O SUS tem condições de dar tudo né? De forma igualitária? Impossível! O recurso que o sus tem é finito (TÉCNICO 2).

b) Predominância do interesse individual sobre coletivo. Um outro ponto objeto de muita angústia, principalmente por parte dos

gestores, atores diretamente implicados na execução do direito à saúde são os

limites da judicialização entre o individual e o coletivo. Tal angústia está bem

marcada na fala de um dos gestores entrevistados:

Uma saúde que não tem limites? Uma saúde em que você poderia priorizar o individual sobre o coletivo? Uma saúde em que toda a incorporação de novas tecnologias deveria sem estudo prévio, sem relação de custo/efetividade, sem evidência médica – apenas pelo querer de alguns profissionais ou pelo desejar do usuário? (GESTOR 1).

Ainda nesse sentido, o OPERADOR DE DIREITO 4 entrevistado afirma:

“Acho que hoje é um grande problema para os gestores. E a gente percebe que

essa judicialização crescente, ela se deu ao acesso ao judiciário, que depois da

Constituição de 1988 ficou mais abrangente esse acesso”.

c) Desejo pelo cuidado Mesmo dentro de um ambiente jurídico-administrativo e não em um local

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tradicionalmente voltado para a promoção ou assistência em saúde, observa-se a

presença do cuidado, seja pela sua inexistência, seja pelo desejo de obtê-lo.

Algumas vezes, percebe-se que os que procuram a judicialização não vêm

apenas por uma necessidade de saúde, mas, também para serem acolhidos.

Sendo o cuidado algo vivo e humano, é necessário cuidar tanto dos cidadãos que

procuram a judicialização, quanto dos que lidam com ela. É o que expressa a fala

do TÉCNICO4: “A gente consegue atender o usuário numa forma mais completa.

Muitas vezes, ele não vem só para uma necessidade de saúde. Ele vem para ser

acolhido” E complementa:

A judicialização em si, eu já vejo mais como uma coisa, como uma questão que precisa ser, cada vez mais repensada, cada vez mais cuidada, temos de ter um cuidado, um olhar cada vez mais sobre essa questão. Porque se não agente realmente deixa de resolver situações que poderiam ser resolvidas para 300 pessoas, a gente acaba não atendendo 300 pessoas para atender uma pessoa só (TÉCNICO 4).

Cuidado remete à palavra latina cura ou coera, que significa exatamente

cuidar ou tratar. Para Leonardo Boff, esse movimento vai além do gesto pessoal,

expandindo-se ao social, e faz do outro uma realidade preciosa sem a qual o ser

humano não sobreviveria como espécie, pois não realizaria seu estar no mundo. A

ética do cuidado completa a ética da justiça (BOFF, 2012). Para nós, na

judicialização da saúde, o cuidado também se faz presente, apesar de seguir

caminhos burocráticos e administrativos diversos do que seria uma assistência

sanitária tradicional.

d) Distorções e abusos na Judicialização Carvalho (2006) afirma que o princípio da integralidade possui duas

dimensões: horizontal e vertical. A primeira exige que haja a interligação de

serviços de prevenção e tratamento, em âmbito individual e coletivo, devendo ser

prestados em todos os níveis de complexidade. Já a dimensão vertical está

relacionada ao conceito amplo de saúde, pressupondo um olhar holístico para as

questões que envolvem o afetivo, o biológico, o espiritual, o sociocultural, entre

outros.

Identifica-se que esse princípio provoca inúmeros equívocos de interpretação

na judicialização pelo distanciamento entre as Ciências do Direito e da Saúde,

resultando para alguns operadores do direito a tendência de interpretar a

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integralidade da saúde como uma totalidade de ofertas oferecidas pelo mercado da

saúde. Nas entrevistas com os envolvidos com o SUS Mediado, identifica-se essa

situação em algumas falas.

Existe um certo abuso – não sei se a palavra é essa. Mas existe um certo exagero no que se judicializa hoje, na qualidade do que se judicializa hoje e eu vejo com muita preocupação porque eu acho que o judiciário precisa se aproximar mais dos gestores, né? Até pra conhecer, pra saber. Eu também compreendo que eu recebo uma demanda de um leito de UTI, o juiz que tá lá, ele não sabe o tamanho da urgência e da necessidade disso, então ele vai e demanda sim contra (TÉCNICO 2).

Então, que tipo de saúde pública nós estamos falando que vamos conceder ao nosso paciente, que nós vamos conceder ao usuário do SUS e de onde virá o dinheiro para esse financiamento? A promoção e a prevenção em saúde, que são a base, é, o cerne de uma saúde pública eficaz, ao modo que existe na Inglaterra e em outros países vai ser colocada em cheque, ou vai ser colocada em detrimento da assistência, ou seja, nós vamos focar a fase aguda de pacientes de um país que padece de doenças crônicas, como a hipertensão, como a diabetes, como a epidemia, como obesidade. Então, quando o fenômeno da judicialização, que tem ficado cada vez mais evidente, vem muito dessa falta de clareza: de que saúde pública nós estamos falando? (GESTOR 1).

A descentralização é uma diretriz que impulsiona a operacionalização do

princípio da equidade dentro do sistema com propósito de superar a centralização

dominante no modelo anterior, tornando democráticas as decisões, por se

encontrarem os gestores locais mais próximos das realidades social e

epidemiológica de cada município, embora grandes sejam as dificuldades de uma

simetria nesta questão. Segundo Arretche (1996, p. 16):

Nesta medida, as feições do sistema descentralizado tornam-se crescentemente heterogêneas no território nacional, dadas as diferentes possibilidades financeiras e administrativas e as distintas disposições políticas de governadores e prefeitos: em algumas regiões onde os recursos são mais escassos e as demandas são mais agudas, o sistema dá sinais evidentes de falência; em outras regiões, com maiores recursos, os municípios demonstram capacidade de gestão praticamente autônoma de seus sistemas de saúde. O paradoxo aparente: descentralização e necessidade de fortalecimento do governo central.

Tal contradição também impacta na judicialização diante da dificuldade dos

municípios de darem as respostas na proporção e velocidade do anseio popular, e

da identificação maior do munícipe com as gestões municipais do que as demais

instâncias do SUS. É o que se vê na fala do GESTOR 1 sobre a judicialização e a

divisão de competências no SUS, colocando a judicialização da saúde como

necessária reflexão para a gestão do sistema:

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E aí eu ao longo desse tempo, tanto na secretaria de estado como na secretaria do município, eu procurei entender isso não com um tom raivoso, com o tom ressentido, mas com o tom reflexivo. Então, hoje se judicializa tudo: aquilo que não tá previsto, mas em especial aquilo que tá previsto e na hora que se busca judicialmente aquilo que tá previsto, que não tá sendo observado, isso merece uma reflexão por parte da gestão pública que provavelmente, e aí certamente, nós não estamos sendo eficazes naquilo que nós nos propomos a fazer (GESTOR 1).

Uma das estratégias em vários estados brasileiros para efetivar a diretriz da

descentralização é o investimento na regionalização, de forma a tornar o sistema

mais funcional, através da circunscrição territorial, considerando o dinamismo e a

complexidade dos perfis epidemiológicos locais. E o princípio da hierarquização

indica a necessidade de organizar o sistema por graus crescentes de incorporação

de densidade tecnológica das ações e serviços de saúde: primário (pequena

complexidade – consultas e curativos) secundário (média complexidade – ex:

pequenas cirurgias) e terciário – (alta complexidade - ex: cirurgias mais complexas,

várias).

A Regionalização está regulamentada no Decreto 7.508/2011, que dispõe

sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a

assistência à saúde e a articulação interfederativa.

O SUS também tem muita dificuldade em se comunicar com a sociedade

brasileira. É grande e desleal a concorrência com programas de grande audiência

nacional, como Fantástico e Jornal Nacional, que divulgam só acontecimentos

trágicos, envolvendo o sistema e pontos de extrema fragilidade, ignorando seus

pontos fortes. Os avanços inegáveis, alcançados em sua existência, são

amortecidos por significações de senso comum, assumidos pela grande mídia e

verberados como “o fracasso da saúde pública brasileira” (PAIM, 2008).

O nível de conhecimento acerca do SUS na população, em geral, é muito

pequeno. Uma pesquisa de opinião mostrou que apenas 35% dos brasileiros

souberam citar, espontaneamente e com precisão, o que significa SUS (BRASIL,

2006).

Dessa forma, vai se construindo na sociedade um sentimento difuso de que

há muitos recursos públicos para a saúde, mas que são muito mal gastos, sem a

contrapartida de uma informação mais qualificada que esclareça o que tem sido

possível fazer com esses recursos; e a interpretação inadequada dos princípios do

SUS contribui para gerar um sentimento negativo de que o direito à saúde não

passa de uma promessa utópica (FERRAZ, 2007).

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Às vezes as pessoas buscam o judiciário sem tão pouco ao menos ter buscado realmente a gestão pública: saber porque não tem aquele medicamento. Ou buscou esclarecimentos no que tange a se ele judicializou um medicamento que não estava incorporado ao sistema do sus. Ou até se esse medicamento é de competência do município, do estado, se ele não está incorporado por que ele não fica para a União. Então, isso aí o judiciário tá começando a observar agora. É um tema que precisa ser muito visto e muito trabalhado. Nós temos hoje, juízes muito comprometidos com a judicialização: que nos perguntam, nos ligam. Realmente tem se importado com a gestão da saúde, com esse problema, com esse fenômeno da judicialização da saúde (OPERADOR DE DIREITO 4).

e) Financiamento insuficiente e deficiências na divisão de

competências no SUS

Um outro ponto de difícil equilíbrio no SUS é o que diz respeito à divisão de

competências e ao financiamento da saúde. A judicialização, no atual momento,

sinaliza uma tendência de melhor direcionar a responsabilidade dos entes

federativos, mas ainda é preocupante a falta de solução para o seu financiamento,

que não foi bem equacionado pela lei complementar 141. É o que expressa a fala

dos dois gestores entrevistados:

Então, hoje se judicializa tudo: aquilo que não tá previsto, mas em especial aquilo que tá previsto e na hora que se busca judicialmente aquilo que tá previsto, que não tá sendo observado, isso merece uma reflexão por parte da gestão pública que provavelmente, e aí certamente, nós não estamos sendo eficazes naquilo que nós nos propomos a fazer. (...) a questão do financiamento, tão discutida desde 2002 através da emenda constitucional 29, hoje lei nº 141, e que permanece ainda controversa, porque está estabelecida para estados e municípios e continua aberta pra União que é o ente detentor da maior fatia do bolo, vamos chamar assim, da maior fatia de impostos, e consequentemente, é o percentual que mais impacta nessa questão de financiamento à saúde

(GESTOR 1). Nós tivemos, relatos disso e contato com essa realidade. Inclusive vivenciando os processos de gestão do SUS. Então são dimensões contraditórias do fenômeno. Se por um lado, viabiliza a possibilidade do acesso ao direito, trás também todos esses riscos e com um agravante de que os recursos são limitados e o judiciário não cria orçamento, ele finda, ao sequestrar recursos e alocar recursos para determinadas decisões, são situações que subtraem recursos que poderão faltar para outros. Disso se conclui que apesar de ser um fenômeno que ele melhor precisa ser analisado. Nos entendemos que o caminho mais efetivo de você ter uma distribuição equitativa do direito de acesso aos serviços, é o caminho da política para que você possa efetivamente fazer com que o estado se aparelhe e realmente se qualifique para assegurar o direito. Seja através dos seus serviços próprios, seja através dos serviços contratados e nisso temos um debate que eu acho que é mais do que contemporâneo, que é o

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debate do financiamento da saúde, da seguridade social, esse é um problema crítico no Brasil, não tem sido equacionado, mas também do mundo, porque mesmo os países de primeiro mundo que tiveram avanços importantes no pós-guerra com a ideia do estado de bem estar social, tem enfrentado restrições orçamentárias e limitações de acesso a bens e serviços coletivos, inclusiva na área de saúde, que de certa forma compromete esse acesso (GESTOR 2).

Em relação às competências na área de saúde, a CF de 1988 estabeleceu

que todos os entes passaram a ter competência em matéria de defesa da saúde,

sendo a competência material e privativa exclusiva da União (arts. 21 e 22). Já em

matéria de competência concorrente, a Constituição atribuiu competência para

legislar sobre proteção e defesa da saúde a União, Estados e Municípios (art. 24,

inciso XII, e art. 30, inciso II) (BRASIL, 2015a), como se observa na fala do

OPERADOR DE DIREITO 5:

Realmente é um fenômeno, mas tem coisas também pertinentes nessa judicialização; (...) eu acho que a judicialização é um fenômeno que aconteceu... fez com que os estados, a própria União e os Municípios começassem a refletir realmente o seu papel.

À União cabe o estabelecimento de normas gerais; aos Estados,

suplementar a legislação federal; aos Municípios, legislar sobre os assuntos de

interesse local, podendo igualmente suplementar a legislação federal e a estadual

no que couber (BRASIL, 2015a).

No que tange ao aspecto administrativo, a possibilidade de formular e

executar políticas públicas de saúde, a Constituição atribui competência comum à

União, aos Estados e aos Municípios (artigo 23, II). Esses três entes que compõem a

federação brasileira podem formular e executar políticas de saúde (BRASIL,

2015a).

Todavia os estados e os municípios são os entes da federação com os quais o

cidadão mais se identifica, em razão da proximidade com a política sanitária local,

desenvolvida nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e da dispensação de

medicamentos excepcionais por parte dos estados, através do Componente

Especial de Assistência Farmacêutica – CEAF (MESSEDER; OSORIO-DE-

CASTRO; LUIZA, 2005).

Tais determinações constitucionais conferem grandes responsabilidades aos

entes subnacionais que não possuem a mesma capacidade arrecadatória e

legislativa da União, gerando grandes iniquidades na questão da solidariedade

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tripartite do SUS.

Faz-se importante não se perder de vista que o SUS é acima de tudo uma

grande política de inclusão social num país com problemas federativos, onde nem

todos os entes possuem a mesma capacidade financeira e política de responder

aos problemas que o Poder Público se propôs a resolver. E esta questão das

competências concorrentes não está harmonizada com a importante discussão

sobre o financiamento da saúde, que passa por gravíssimas questões econômicas e

federativas.

Tal fato, a nosso olhar, está diretamente relacionado à concretização do

direito social, onde o financiamento da saúde está fortemente marcado pela

arrecadação tributária dos estados e municípios, diferente da União, que tem a sua

participação baseada do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com os dispositivos

da Lei Complementar nº 141, que regulamentou o § 3º do artigo 198 da CF/88,

estipulando os valores mínimos a serem aplicados na saúde, de 13 de janeiro de

2012, nos artigos 5º, 6º e 7º (BRASIL, 2012).

Art. 5o A União aplicará, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, o montante correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior, apurado nos termos desta Lei Complementar, acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual. (...) § 2ºEm caso de variação negativa do PIB, o valor de que trata o caput não poderá ser reduzido, em termos nominais, de um exercício financeiro para o outro. (...) Art. 6º Os Estados e o Distrito Federal aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 12% (doze por cento) da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155e dos recursos de que tratam o art. 157, a alínea “a” do inciso I e o inciso II do caput do art. 159, todos da Constituição Federal, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios. (...) Art. 7º Os Municípios e o Distrito Federal aplicarão anualmente em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 15% (quinze por cento) da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156e dos recursos de que tratam o art. 158e a alínea “b” do inciso I do caput e o § 3º do art. 159, todos da Constituição Federal (BRASIL, 2012).

Nesse sentido é preocupante a existência no Congresso Nacional do projeto

de emenda constitucional 143 (PEC 143/2015) que aumenta a desvinculação da

receita da União e cria desvinculação de receita para Estado e Municípios. Caso

seja aprovada, tal medida deteriorará mais ainda as condições materiais de

atendimento à saúde da população pela redução da capacidade de financiamento,

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segundo afirmou o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Ronaldo Ferreira

dos Santos. (CARVALHO. 2016a)

Essa PEC contraria frontalmente a PEC 01/2015 que teve sua origem no

projeto de lei de iniciativa popular com mais de 2,2 milhões de assinaturas pela

vinculação de 10% da receita corrente bruta da União para o financiamento da

Saúde (CARVALHO. 2016a), tal debate já existia no momento da regulamentação

da Emenda Constitucional 029/00, todavia essa importante medida não foi

contemplada na promulgação da lei complementar 141/12 que regulamentou essa

emenda.

Por outro lado, a competência concorrente prevista no art. 23, inciso II, da

CF/88, que fundamenta o federalismo cooperativo do SUS, ainda carece de

legislação complementar, como prevista em seu parágrafo único, para sua

regulamentação, o que deixa a solidariedade a ser regulamentada por legislação

ordinária e portarias.

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; (...) Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional (BRASIL, 2015a)

A propósito, em 13 de janeiro de 2012, foi publicada a Lei Complementar nº

141, de 13 de janeiro de 2012, que regulamenta o § 3º do art. 198 da Constituição

Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela

União, Estados, Distrito Federal e municípios em ações e serviços públicos de

saúde. A aludida norma estabelece os critérios de rateio dos recursos de

transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das

despesas com saúde nas três esferas de governo.

A norma legal aludida determina a aplicação, pela União, em ações e

serviços públicos de saúde, do valor empenhado no exercício financeiro anterior,

com acréscimo de percentual correspondente à variação nominal do Produto

Interno Bruto (PIB), ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual.

Quanto aos estados e ao distrito federal, a Lei Complementar previu a

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aplicação anual de 12% (doze por cento) da arrecadação dos impostos estaduais

previstos no art. 155 da Constituição Federal, quais sejam: Imposto de Transmissão

Causa Mortis e Doação de quaisquer bens ou direitos – ITCMD; Imposto de

operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de

transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS e Imposto de

Propriedade de Veículos Automotores – IPVA.

Além disso, devem os estados e o distrito federal aplicar o mesmo percentual

sobre os recursos do produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e

proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a

qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e

mantiverem, bem como o valor correspondente a 20% (vinte por cento) do produto

da arrecadação do imposto, que a União instituir no exercício da competência que

lhe é atribuída pelo art. 154, I (outros impostos instituídos pela União por Lei

complementar, e impostos extraordinários, instituídos na iminência ou no caso de

guerra externa).

Em relação aos municípios (e o distrito federal nas atribuições municipais), a

Lei Complementar 141/2012 determina o direcionamento para as ações e serviços

de saúde de, no mínimo, 15% (quinze por cento) da arrecadação dos impostos

municipais relacionados no art. 156 da Constituição Federal (SANTOS, 2009).

O percentual de 15% previsto na LC deve ser aplicado, ainda, sobre os

recursos de que tratam o art. 158, I, b e o art. 159, § 3º, todos da Constituição

Federal. Essa distribuição de competências é criticada pela cientista política Marta

Arretche, conforme se lê no trecho reproduzido a seguir:

Esta distribuição de competências é propícia para produzir os efeitos esperados pela literatura sobre o federalismo e políticas públicas: superposição de ações; desigualdades territoriais na provisão de serviços; e mínimos denominadores comuns nas políticas sociais. Na distribuição intergovernamental de funções, a União está encarregada do financiamento e formulação da política nacional de saúde, bem como da coordenação das ações intergovernamentais. Isto significa que o governo federal – isto é o Ministério da Saúde - tem autoridade para tomar as decisões mais importantes nesta política setorial. Neste caso, as políticas implementadas pelos governos locais são fortemente dependentes das transferências federais e das regras definidas pelo Ministério da Saúde. Em outras palavras, o governo federal dispõe de recursos institucionais para influenciar as escolhas dos governos locais, afetando sua agenda de governo (ARRETCHE, 2009, p. 22).

Tais assimetrias são também fortemente observadas através do fenômeno da

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judicialização da saúde, onde estados e municípios, são prejudicados por muitas

iniquidades criadas por alguns desencontros do processo judicial e a divisão das

competências no SUS.

f) Dificuldades ao acesso às novas tecnologias em saúde Na tentativa de conter os gastos com a judicialização da saúde, a Lei

12.401/11, que trata da incorporação de novas tecnologias ao Sistema Único de

Saúde (SUS), define o que é assistência terapêutica integral em saúde, vinculando-a

à existência de protocolos clínicos terapêuticos. É sabido da enorme dificuldade do

sistema em acompanhar os avanços tecnológicos em saúde - tal percepção foi

recorrente entre alguns dos atores entrevistados, o que gera muita judicialização.

O fato é que a tecnologia médica, ela cresce numa proporção geométrica, enquanto a capacidade que o SUS tem de absorção dessas tecnologias, principalmente por uma questão financeira, não é se quer na progressão aritmética (GESTOR 1). Então a gente tem observado que as pessoas, elas costumam judicializar, muitas vezes, medicamentos e materiais que não estão ainda previstos no SUS. Não estão previstos ainda na tabela do SUS. O SUS, ele não acompanha essa tecnologia. Não acompanha. Seja de medicamento, seja de procedimentos. Ele ainda não acompanha. E também, agora, a gente tem observado que o judiciário ele deteve de outro olhar junto com os gestores públicos da judicialização. Porque, como eu falei: ainda precisa ter um olhar, o SUS não acompanha a tecnologia, né? As indústrias farmacêuticas estão aí. Então, o que acontece, se ela lança um novo tipo de insulina, um novo tipo de medicamento, quem manda no mercado é ela. Então os médicos, seja quem for, começa a passar os medicamentos. E vai dizendo para os pacientes: olha, tem essa aqui, vai ser melhor, essa aqui tal, tal, tal, tal. E as vezes, faz o mesmo efeito, tem a mesma função, mas que é deferido. Eu tenho observado muito nas decisões atuais, que os juízes, não são todos, a maioria, eles têm perguntado, realmente, as gestões estaduais e municipais, se a gente tem, e até questionado o próprio paciente, o médico prescritor, se aquele medicamento, se aquele procedimento, se o do SUS não se enquadraria e por que não faria efeito naquele paciente (OPERADOR DE DIREITO 4). (…) nós nem acompanhamos o avanço tecnológico, nós nem sequer conseguimos acompanhar esse avanço tecnológico e existem coisas que estão no mercado aí há anos e a gente sequer consegue colocar na tabela do SUS (TÉCNICO 2).

No entanto, a nova legislação sofreu vetos importantes na sua aprovação,

comprometendo o crédito de sua constitucionalidade e alertando juristas sobre os

cuidados em relação à proteção do direito fundamental à saúde.

Observa-se que esse paradigma normativo ainda não impactou

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integralmente a jurisprudência dos Tribunais Superiores, trazendo grandes

prejuízos aos estados e municípios, o que provoca iniquidade na divisão de

responsabilidades das três esferas de governo e na aplicação dos recursos.

4. 2 A LEI 12.401/2011 E A ASSISTÊNCIA TERAPÊUTICA INTEGRAL Em 28 de abril de 2011, foi publicada a Lei nº 12.401, que estabeleceu regras a

respeito de assistência terapêutica e incorporação de tecnologia em saúde no

âmbito do Sistema Única de Saúde – SUS. A lei aprovada teve como base o Projeto

de Lei (PL) nº 7445/10, tendo sido o resultado da fusão de duas propostas distintas e

oriundas no Senado Federal: o PL nº 219, apresentado pelo Senador Tião Viana, e o

PL nº 338 apresentado pelo Senador Flávio Arns.

A justificativa apresentada no PL 219/07 visava alterar a Lei Orgânica de

Saúde, para estabelecer que a obrigatoriedade do SUS de prestar assistência

terapêutica restrinja-se à dispensação de medicamentos registrados pelo órgão

competente - no caso a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) - à

oferta de procedimentos ambulatoriais e hospitalares realizados no território

nacional e às tabelas elaboradas pelo Ministério da Saúde. As alterações

determinavam ainda que a dispensação dar-se-ia mediante o cumprimento de

protocolos clínicos, segundo as diretrizes nele estabelecidas. Na falta desses

protocolos, a dispensação limitar-se-ia aos medicamentos das relações elaboradas

pelo Ministério da Saúde, quais sejam: a Relação Nacional de Medicamentos

Essenciais (RENAME) e o Componente de Medicamentos de Dispensação

Excepcional (SOARES, 2009).

A justificativa do PL 338 fundamentava-se na necessidade da sociedade civil

de buscar soluções para o tratamento de suas doenças em não terem seus

medicamentos excepcionais contemplados nas tabelas do Ministério da Saúde,

sendo obrigados a buscar tutela judicial para a sua obtenção. A Lei Nacional nº

12.401/11 trouxe balizas importantes para a assistência terapêutica e a

incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, que

impactam na judicialização, tais como: o estabelecimento de definições legais para

conceitos que eram regulados por meio de instrumentos infralegais; a definição de

assistência terapêutica; a definição de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas

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(MENDES; MARQUES, 2009).

Ademais, a citada lei estabeleceu os critérios e procedimentos para a

incorporação, exclusão ou alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos

ou procedimentos, relacionando expressamente as vedações à dispensação de

medicamentos.

Outra importante inovação da norma legal foi ter dado notoriedade à

Comissão Nacional de Incorporação de Novas Tecnologias – CONITEC,

responsável por assessorar o Ministério da Saúde quando da incorporação, da

exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos e, também procedimentos

pelo SUS, bem como, quando houver a constituição ou a alteração de protocolo

clínico ou de diretriz terapêutica. Nesse contexto, a CONITEC funciona como

resposta à judicialização no processo de incorporação de novas tecnologias,

tentando equilibrar o SUS às novas tecnologias:

Então, assim, são vários fatores. E também, claro, não podemos esquecer da questão da indústria farmacêutica, da indústria médica – que também tem um certo interesse nessa judicialização. Eu acredito que são vários fatores que ocorrem e que provocam essa judicialização da saúde. E aí nós precisamos o que? Nós precisamos cada vez mais termos conhecimento desse fenômeno e saber lidar com ele (OPERADOR DE DIREITO 2). O fato é que a tecnologia médica, ela cresce numa proporção geométrica, enquanto a capacidade que o SUS tem de absorção dessas tecnologias, principalmente por uma questão financeira, não é sequer na progressão aritmética. Então, só para você ter ideia, o custo da inflação médica ela é no mínimo o dobro da inflação corrente anual. Eu sempre falo aonde eu vou que quando, eu tenho 39 anos, que quando eu era criança, quando eu era pequeno, o exame mais complexo que eu fiz na minha vida foi um Raio-x, que tem o custo hoje de R$ 0,15, R$ 0,30 – dependendo do Raio-x. Hoje, os exames que se pedem são tomografias, ressonâncias nucleares magnéticas, pet-scan, São exames que tem custo de 5, 6, 7, 8 mil reais. Hoje você tem procedimentos médicos como a ureterorrenolitotripsia flexível à laser que custa 27 mil. Você tem próteses de porcelana, próteses de titânio, que chegam a custar, cada prótese, R$ 200 mil (GESTOR 1).

Em razão da importância do estudo sobre a integralidade, é importante trazer à

baila o conceito legal de protocolo clínico e diretriz terapêutica inserto no inciso II do

art.19-N da já citada norma legal.

Art. 19-N II - Protocolo clínico e diretriz terapêutica: documento que estabelece critérios para o diagnóstico da doença ou do agravo à saúde; o tratamento preconizado, com os medicamentos e demais produtos apropriados, quando couber; as posologias recomendadas; os mecanismos de controle clínico; e o acompanhamento e a verificação dos resultados terapêuticos, a serem seguidos pelos gestores do SUS

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(BRASIL, 2011a).

Registre-se que os protocolos buscam sistematizar o conhecimento

disponível e oferecer um padrão de manejo clínico mais seguro e consistente, do

ponto de vista científico, para determinado problema de saúde. O protocolo clínico

é também a garantia de que a política será para todos e deverá estar estabelecida

nas portarias, demonstrando, assim, uma feição positivista do direito à saúde, como

demonstra a opinião abaixo:

Eu não concordo com a judicialização. Eu acho que, principalmente de coisas que o SUS não contempla. O que consta em portaria, se falta, aí eu concordo do juiz chegar e dizer: - Estado, dê! Município, dê! União, dê! Agora, o que não consta em portaria, o que sequer tem registro no Brasil, na Anvisa, medicamento experimental e outras e outras coisas que a gente ver chegar, com essas coisas eu não concordo (TÉCNICO 3).

Para construção do protocolo, vários fatores devem ser levados em

consideração: a experiência clínica com as melhores evidências científicas; a

expectativa do paciente e o recurso disponível (BRASIL, 2011c).

No tocante às evidências científicas, é de registrar que o Sistema Único de

Saúde - SUS filiou-se à corrente da Medicina Baseada em Evidências (MBE), que

devem ser vistas como a capacidade de analisar e aplicar racionalmente a

informação científica ao cuidar de pacientes. Segundo essa linha de pensamento, a

aplicação de métodos e estratégias para fortalecer o alicerce científico do médico

não devem desprezar os valores humanitários da profissão. O objetivo desta

doutrina é contribuir para a melhoria da qualidade da assistência médica que é

oferecida no Brasil (LOPES, 2005).

Na Lei Nacional nº 12.401, de 28 de abril de 2011, o legislador definiu o que

era assistência terapêutica integral em saúde, vinculando-a à existência de

protocolos clínicos terapêuticos. Segundo a norma, a assistência terapêutica

consiste em:

Art.19M: I - Dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P; II - oferta de procedimentos terapêuticos, em regime domiciliar, ambulatorial e hospitalar, constantes de tabelas elaboradas pelo gestor federal do Sistema Único de Saúde - SUS, realizados no território nacional por serviço próprio, conveniado ou contratado (BRASIL, 2011a, p.7).

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É inegável a repercussão da definição legal da integralidade, sendo

importante discutir os efeitos da lei na administração pública e no próprio poder

judiciário. As falhas administrativas não estarão isentas do controle judicial.

Por fim, interessante destacar um dos vetos realizados ao projeto de lei, no

que toca ao impacto econômico da incorporação de medicamento, produto ou

procedimento, e às tabelas do SUS. Analise-se:

Art. 19 – S: O impacto econômico da incorporação de medicamento, produto ou procedimento às tabelas do SUS não poderá motivar o indeferimento da sua incorporação ou deferimento da sua exclusão das tabelas, salvo quando a doença ou o agravo à saúde para cuja promoção, proteção ou recuperação o medicamento, o produto ou procedimento se destinar estiver plena e expressamente contemplada em protocolo clínico e em diretrizes terapêuticas específicas (BRASIL, 2011a, p.7).

O dispositivo legal vetado privilegiava a incorporação de novos

medicamentos, produtos e procedimentos das tabelas do SUS, deixando em

segundo plano o impacto econômico resultante dessa incorporação. Tanto é assim,

que proibiu que a motivação do indeferimento administrativo fosse apenas a

questão econômica. Esse preceito, caso fosse aprovado, priorizaria a incorporação

de novas tecnologias em protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas do SUS,

renovando com mais celeridade a lista existente, e diminuindo o distanciamento

observado pelos próprios gestores do SUS.

Da análise do veto, pode-se extrair a possibilidade de indeferimento de

incorporação de novos medicamentos, com fundamento no impacto econômico, o

que pode dificultar a atualização dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas.

Ao justificar o veto, o Executivo indica que a relação custo-efetividade, juntamente

com os critérios da eficácia, segurança e efetividade são os fatores levados em

consideração no momento da análise de um medicamento que se pretende

incorporar. E, segundo se expõe, a exclusão da análise do custo-efetividade pode

acarretar prejuízo ao atendimento da população.

Além disso, nas razões de veto, argumentou-se que tal exclusão também

inviabilizaria a negociação com fornecedores para reduzir os custos, o que poderia

interferir na melhor utilização dos recursos públicos. Outra regra prevista pela lei diz

respeito à ausência de protocolo clínico ou diretriz terapêutica para fins de

dispensação de medicamento e produtos. Nesse caso, previu-se que a

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dispensação dos medicamentos será realizada com base na relação de

medicamentos instituídos pelo gestor federal do SUS, observadas as competências

estabelecidas bem como a responsabilidade pelo fornecimento do medicamento.

A lei inovou o ordenamento legal, ao prever a dispensação dos

medicamentos, de forma suplementar, pelos estados e Distrito Federal. A

consequência disso é a possibilidade de se repartirem os custos da saúde pelos

três entes da federação, quando o Ministério da Saúde, gestor federal do SUS, não

tiver previsto o medicamento na relação nacional de medicamentos. Essa

disposição baseia-se na competência concorrente prevista no art. 23, II, da

Constituição Federal de 1988, que fundamenta o federalismo cooperativo do SUS.

Todavia, o financiamento da saúde nos estados e municípios possui critério

diferenciado da União. Aqueles fortemente, marcados pela arrecadação tributária,

estão com a sua participação baseada na variação positiva do Produto Interno

Bruto (PIB) (MENDES; MARQUES, 2009).

4.3 A INTEGRALIDADE SOB O OLHAR DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

A Audiência Pública, chamada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal

(STF), Ministro Gilmar Mendes, escutou 50 especialistas (advogados, defensores

públicos, promotores e procuradores de justiça, magistrados, professores, médicos,

técnicos de saúde, gestores e usuários do sistema único de saúde) nos dias 27, 28 e

29 de abril, e 4, 6 e 7 de maio de 2009. Foi um marco na história da judicialização da

saúde no Brasil.

Naquela ocasião, surgiriam diretrizes que norteariam essa questão e

passariam a ser seguidas pelo STF e demais integrantes do Judiciário, tais como: a

recomendação 031 do CNJ que recomendou que os Tribunais criassem meios que

auxiliassem os juízes e demais operadores do direito a afirmar a eficiência nas

demandas judiciais na área da saúde, deixando clara a interdisciplinaridade do

direito com a saúde, a necessidade da comunicação com as outras ciências da

saúde e a rejeição ao conceito restritivo, envolvendo o princípio da integralidade.

A limitação da integralidade aos protocolos foi rechaçada pelo jurista, ao

julgar a Suspensão de Tutela Antecipada nº 175, que motivou essa audiência.

Consonante com o voto do Ministro Gilmar Mendes, o primeiro dado a ser

considerado nas demandas judiciais de saúde seria a existência ou não de política

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estatal que abrangesse a prestação de saúde pleiteada pela parte.

Quando não houvesse previsão nas políticas públicas, dever-se-ia examinar

se a ausência de prestação de saúde ocorreu em razão de uma omissão -

legislativa ou administrativa - e de uma decisão administrativa de não fornecer o

fármaco ou de uma vedação legal à sua dispensação.

Deve-se analisar, ademais, se existiu motivação para a ausência de

fornecimento de medicamento pelo SUS, sendo certo que a própria Administração

pode ter decidido não custear o medicamento, por entender inexistentes as

evidências científicas suficientes para autorizar a sua inclusão.

Quando isso acontece, vislumbra-se uma das duas situações: o SUS fornece

tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente ou o SUS não

tem nenhum tratamento específico para determinada patologia. Na primeira

hipótese, o paciente terá que justificar, mediante atestado médico, os motivos da

resistência à alternativa fornecida pelo SUS. Em contrapartida, no segundo caso, a

administração pública deverá indicar os motivos da rejeição ao tratamento

solicitado pelo autor, fazendo prova da ineficácia do medicamento.

Assim é que, quando não houver sido comprovada a ineficácia ou a

impropriedade da política pública existente, a ideia é privilegiar o tratamento

fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sendo

que tal conclusão não inviabiliza o Poder Judiciário ou a própria administração de

decidir de forma diversa, caso haja comprovação por determinada pessoa que por

razões específicas do seu organismo o tratamento oferecido não é eficaz.

A conclusão a que chegou o ministro Gilmar Mendes é a de que se deve

priorizar o tratamento fornecido pelo SUS, sem desmerecer tratamento de saúde

diferenciado caso o paciente comprove que o tratamento oferecido não é eficaz.

Em síntese, o ministro esclareceu que a inexistência de protocolo clínico no

SUS não pode significar violação ao princípio da integralidade do sistema, nem

justificar a diferença entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as

disponíveis aos usuários da rede privada. Na contramão desse pensamento, a Lei

nº 12.401/2011 restringiu o conceito de integralidade, vinculando-o à existência de

protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas. Nesse dilema entre a jurisprudência do

STF e as restrições de uma legislação questionável quanto a sua

constitucionalidade, permanece o problema da judicialização como demonstra o

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depoimento abaixo:

Agora, vejo com muita preocupação, por um lado, existe um certo abuso, um certo exagero das demandas judiciais hoje vivenciadas que se apresentam pra nós. Em contrapartida, vejo uma luz no fim do túnel, né? Porque eu acho que o próprio judiciário, sentindo isso, né? Sentindo que ele, de uma forma – não sei nem lhe explicar aqui a forma, mas uma forma – meio troncha ele começa a perceber, né? Que ele precisa conhecer, que ele precisa se apropriar e que ele precisa chegar mais pra poder julgar melhor, né? Como é essa forma troncha? Explique pra gente como é essa forma troncha. É assim, quando eu digo que me preocupo, que eu vejo com preocupação, eu vejo hoje, né? Alguns viverem exclusivamente das ações judiciais do SUS, né? A gente tem casos de um único advogado ter 70, 80 ações contra o SUS. Especialista em direito sanitário ou nem é especialista em direito sanitário, mas se apropria disso. Quando eu falo de forma troncha, é de forma meio torta, um pouco distorcida (…) (TÉCNICO 2).

No contexto da judicialização da saúde, as ações judiciais são voltadas,

eminentemente, para ações assistenciais como pedidos por medicamentos,

tratamentos, insumos, procedimentos que estão dentro das ofertas do Sistema de

Saúde Pública, quando há desabastecimento ou indisponibilidade de leitos e

procedimentos; e também, por solicitações que estão fora das ofertas das políticas

oficiais; por exemplo, no caso de medicamentos e procedimentos ainda não

incorporados ao sistema de saúde.

Ressalta-se que, naquilo que se tem de conhecido e divulgado sobre a

judicialização na saúde, não há registro desse fenômeno em solicitações relativas a

ações de promoção da saúde com impacto na qualidade de vida, nem tampouco

em ações intersetoriais que interferem nas condições de saúde, mas que estão no

escopo de outras políticas públicas, como trata o artigo 3º da lei 8.080/90 que

“Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a

organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras

providências.”

Art. 3o Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais (BRASIL, 2013).

A incorporação de novas tecnologias é ainda um assunto bastante

complexo, pois a sua concessão se assenta primordialmente na construção de uma

necessidade do demandado pelo profissional de saúde, ou seja, na subjetividade

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do próprio médico, muitas vezes um profissional que está distante da realidade do

SUS (BRASIL, 2011c).

O fenômeno da judicialização evidenciou a problemática em outro sistema

do Estado de Direito: o sistema de justiça.

Segundo Lopes (2005), desde muito tempo, a teoria do direito ocidental

estava fundamentada sobre uma categoria: o direito subjetivo. De fato, se a prática

jurídica fosse a dos tribunais, dos advogados, dos legisladores, dos

administradores públicos, do homem comum em geral, consagrava a ideia de

direito subjetivo. Tenho direito de fazer isto? Tenho direito de fazer aquilo? –

Questiona Lopes (2005). No seu entender, estava sempre diante da ideia de um

direito subjetivo. Todavia, explica o articulista: há aproximadamente sete décadas,

começava a surgir a classe dos direitos sociais que compõem grande parte da

estrutura constitucional atual. São direitos sociais pela Constituição Federal de

1988: a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a

proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.

Lopes (2005) reflete que, do ponto de vista prático, os direitos sociais são de

uma relevância extraordinária para os profissionais de Direito, pois hoje uma

enorme série de questões discutidas em tribunais, em órgãos administrativos e

legislativos dizem respeito aos direitos sociais.

Todavia o ambiente jurídico nacional se habituara a lidar apenas com

questões que envolviam os direitos individuais, civis e políticos, causando

inicialmente às ações de saúde muito estranhamento e desconforto para os

operadores do direito, por se tratarem de um universo absolutamente desconhecido

na área jurídica, sobremaneira, a saúde coletiva.

Nesse contexto, o poder judiciário viu-se, de um momento para o outro,

invadido com um número inimaginável de ações, diferente do que estava habituado,

fundamentadas no direito social à saúde, sofrendo grandes pressões da sociedade,

no sentido de dar respostas a um problema cuja complexidade fugia ao seu

alcance, criando verdadeiramente um clima de tensão e desespero, envolvendo os

operadores do direito.

Tal sentimento ficou estampado em um artigo do Ministro do STF, Luís

Roberto Barroso:

O sistema, no entanto, começa a apresentar sintomas graves de que pode morrer

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da cura, vítima do excesso de ambição, da falta de critérios e de voluntarismos diversos. Por um lado, proliferam decisões extravagantes ou emocionais, que condenam a Administração ao custeio de tratamentos irrazoáveis – seja por inacessíveis, seja por destituídos de essencialidade-, bem como de medicamentos experimentais ou de eficácia duvidosa, associados a terapias alternativas. Por outro lado, não há um critério firme para a aferição de qual entidade estatal – União, Estado e Municípios – deve ser responsabilizado pela entrega de cada tipo de medicamento. Diante disso, nos processos terminam por acarretar superposição de esforços e de defesas, envolvendo diferentes entidades federativas e mobilizando grande quantidade de agentes públicos, aí incluídos procuradores e servidores administrativos. Desnecessário enfatizar que tudo isso representa gastos, imprevisibilidade e disfuncionalidade da prestação jurisdicional (BARROSO, 2007, p.104, grifo nosso).

Na verdade, explica a cientista política Sonia Fleury (2012): desde que a

saúde se transformou em um direito universal e um dever do Estado (Art. 196 da

CF/88), a dimensão jurídica da cidadania passou a ser progressivamente

incorporada ao setor que antes se orientava apenas por pressupostos técnico-

científicos e administrativos, na forma de organização e oferta dos serviços. O fato

de a Constituição assegurar a integralidade do atendimento, mesmo que com

prioridade para as atividades preventivas (Art. 198), tornou-se o principal

argumento para que as necessidades insatisfeitas dos usuários do Sistema Único

de Saúde (SUS) se transformassem em demandas judiciais.

Explica ainda a cientista sobre as dificuldades do SUS e o seu custeio que,

ao assumir a saúde como direito universal de cidadania, sem requisitos de

contribuição prévia ou prova de incapacidade, o exercício do sistema passa a

depender das necessidades dos indivíduos e das condições asseguradas pelo

Estado para que o direito na lei se transforme em direito em exercício. Entretanto

estas condições dependem das relações entre as forças sociais presentes na

conjuntura.

Para Fleury (2012), o fato de o SUS ter sido implantado em condições

financeiras adversas, até hoje não superadas, certamente impede a distribuição

igualitária de serviços de qualidade de forma que a população se sinta segura no

usufruto desse direito. Esta contradição entre o texto legal e a realidade institucional é

responsável pela chamada judicialização da política.

Se antes a arena da política de saúde incluía apenas o Executivo e o

Legislativo pelo lado do Governo, cada vez mais o Judiciário passa a ser atuante

nesse campo. A judicialização das políticas diz respeito ao uso do recurso judicial

como forma de exigibilidade do direito, denegado na prática das instituições

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responsáveis. A tutela judicial pode ser tanto de caráter individual para acesso a

bens e serviços (interposta por advogados particulares ou defensoria pública)

quanto com tutela coletiva, pelo Ministério Público, dos direitos sociais não

individualizáveis.

A melhor parte da contribuição dessa cientista é que ela traz argumentos de

equilíbrio a esse debate, já pensados pelos teóricos Cappelletti e Dworkin, retirando

da judicialização o lugar comum de “vilã”. Equalizam-se pontos de vista positivos e

negativos fundamentais para a compreensão correta do tema. São válidas estas

ponderações feitas por ela:

Não há dúvidas que a judicialização decorre do aumento da democracia e da inclusão social, representados pela positivação dos direitos sociais e pela difusão da informação e da consciência cidadã. No entanto, também é fruto das debilidades do Legislativo, ao manter a indefinição do arcabouço legal, e do Executivo, pela responsabilidade que possui pela precariedade das instituições responsáveis para dar conta da saúde pública (FLEURY, 2012, p. 159).

A discussão sobre a possibilidade de que o deslocamento deste conflito da

representação política para o judiciário comprometa a democracia está baseada em

dois argumentos. Por um lado, está a separação de poderes como cláusula pétrea

do funcionamento ideal do Governo; por outro, a suposição de que no Legislativo

os conflitos possam ser transacionados, enquanto no Judiciário serão tratados por

meio de uma sentença (RUIVO, 1994, apud, FLEURY, 2012).

Esses argumentos, de acordo com Fleury (2012), têm com oposição a

corrente teórica, que vê como democratização a etapa atual, na qual a pluralidade

de pontos de vista e a circularidade entre os poderes introduziram novos canais de

comunicação e negociação.

Um dos precursores dessa ideia foi o sociólogo Niklas Luhmann, alemão,

criador da Teoria dos Sistemas (1997), ao considerar que a realidade social

assume um grau crescente de complexidade e de acirramento dos conflitos sociais,

caracterizada por uma quantidade indeterminada de ações, atividades, seleção de

sentido e relações de poder, que tendem a aumentar no decorrer da história;

portanto diferentes lógicas, tais como a política, a sanitária, a econômica, a jurídica e

a psíquica, devem ser consideradas na análise dos conflitos. Portanto, a principal

função do sistema jurídico é tentar organizar parte dessa complexidade, o curso

desse processo histórico, e reduzir a contingência presente (CORREIA; CRUZ,

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2007).

Segundo Correia e Cruz (2007), nesse contexto, destaca-se o descompasso

entre a racionalidade positivista-legalista do direito e as expectativas antagônicas

dos demais sistemas sociais e da sociedade como um todo, em relação ao

funcionamento do sistema jurídico.

Assim a compreensão interdisciplinar do direito à saúde harmoniza o sistema

jurídico e sanitário. A visão sistêmica como autopoiética do direito é tida como

alternativa para o impasse cientifico que tem dominado as teorias jurídicas divididas

entre a consideração do sistema normativo fechado (CORREIA; CRUZ, 2007).

O extremo formalismo, tanto teórico quanto prático a que foi renegado o

direito, em grande parte pelo positivismo científico, levou-o a ser um compartimento

num espaço artificialmente construído e isolado da própria realidade. A teoria dos

sistemas de Niklas Luhmann foi desenvolvida no campo da ciência social como

sistema de alto referencial de comunicação, entendida como extensão do

pensamento sistêmico originado em outras áreas cientificas, mas especificamente

no domínio da biologia, a partir dos estudos do processo em cognição e da ênfase

da concepção dos organismos vivos como totalidade integrada, tendo por expoente

os estudos neurofisiológicos de Maturana e Varela no livro “A árvore do

Conhecimento” (CORREIA; CRUZ, 2007).

Para Correia e Cruz (2007), destaca-se o descompasso entre a

racionalidade positivista-legalista do direito e as expectativas antagônicas dos

demais sistemas sociais e da sociedade como um todo, em relação ao

funcionamento do sistema jurídico. Assim, a compreensão interdisciplinar do direito

à saúde harmoniza o sistema jurídico e sanitário. A visão sistêmica como

autopoiética do direito é tida como alternativa para o impasse científico que tem

dominado as teorias jurídicas, divididas entre a consideração do sistema normativo

fechado. Essa maneira de interpretar o fenômeno da judicialização em muito pode

contribuir para um problema de solução tão complexa quanto a que estudamos.

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5 A EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA SUS MEDIADO EM NATAL PERFIL DA

DEMANDA E ENCAMINHAMENTOS REALIZADOS.

O SUS MEDIADO é uma tecnologia social envolvendo os campos das

ciências sociais e do direito através do trabalho com as políticas públicas de saúde

e a advocacia. Nasceu sob a forma de um programa público de mediação, dentro

da problemática da judicialização da saúde, no universo de cinco órgãos jurídicos

e sanitários (Defensoria Pública Estadual, Defensoria Pública da União,

Procuradoria Geral do Estado, Secretaria Estadual de Saúde e Secretaria Municipal

de Saúde), em um ambiente judicial e administrativo pouco preparado para a lide

diária das questões decorrentes desse fenômeno, com grande desgaste físico e

emocional por parte dos atores administrativos, judiciais e sanitários, marcado pelo

desconhecimento das questões sanitárias e jurídicas, altos custos administrativos

e pouca resolutividade.

Esse programa público que tem como objetivo a criação de mecanismos

extrajudiciais de resolução de conflitos em ações de saúde, como garantia de

concretização do direito fundamental à saúde, preconizado nos artigos 6º, 196 e

198 da Constituição federal para cidadãos hipossuficientes (RIO GRANDE DO

NORTE, 2015b).

Seu objetivo é o estabelecimento de ampla cooperação entre os participes,

intercâmbio de ações e difusão de informações, visando garantir maior efetividade

às políticas públicas de saúde no Estado do Rio Grande do Norte, evitar demandas

judiciais e assegurar o acesso dos usuários hipossuficientes do SUS à

medicamentos e procedimentos médicos de responsabilidade do estado do Rio

Grande do Norte e dos municípios a ele vinculados previstos no SUS.

Inicialmente, a ideia de um programa que prevenisse todas essas questões

foi muito bem-vinda, como demonstram as falas de alguns atores diretos e indiretos

do programa:

É... eu creio que nesse sentido foi pioneiro no sentido de buscar através da negociação, da mediação entre as partes, a possibilidade de assegurar esse direito sem o congestionamento do poder judiciário, trazendo as partes demandantes e, principalmente, eu acho que à gestão como explora a possibilidade de atender a essas demandas sem precisar de recurso ao judiciário, né? E nesse sentido ela é extremamente positiva né? E ela ta alinhada com toda a tônica que vem sendo trabalhada pelo próprio poder judiciário, pela legislação mais recente, de estimular a

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negociação e a resolução de conflitos entre as partes, né. (...) nos precisamos que a comunicação, que a informação, sobre aquilo que

esta regulamentado como direito, possa ser acessível e utilizado como

referencia pelos profissionais, para a população tomar conhecimento do

custo/beneficio, porque nenhum sistema de saúde do mundo rico mesmo

consegue garantir tudo a todos de forma sem descriminação. Então eu

acho que esse é um aprendizado também que o processo de mediação

pode levar. Creio que as instituições que fazem a gestão precisam cada

vez mais investir em recursos técnicos qualificados para participar desse

processo.

(GESTOR 2).

[...] eu acho importante o programa SUS mediado. Essa integração entre

os entes e essa mediação realmente qualifica a demanda. Ele não vem só

para garantir o direito do cidadão a ter sua saúde, ele qualifica a demanda,

ele qualifica o judiciário de forma indireta porque o judiciário não faz parte

do programa, mas, querendo ou não, essa demanda já entra, quando ela

não consegue ser resolvida na mediação, ela já entra no judiciário de uma

maneira bem mais equilibrada, bem mais coerente. Ele é muito mais

amplo do que um programa de mediação; É um programa social, é um

direito de cidadania. A pessoa vai se sentir muito melhor acolhida pelas

instituições que estão envolvidas nesse processo. Eu acho ele bem mais

amplo do que uma resolução para a judicialização (OPERADOR DE

DIREITO 5).

Olhe, a ideia primordial do SUS mediado, como a gente sabe é tentar resolver administrativamente essas questões que chegam até à defensoria pública, né? Primeiramente é isso. Então vamos lá. Com relação a medicamento, no decorrer desse tempo todo, o que eu percebo é que a gente tem conseguido resolver poucas coisas, porque o que chega na Defensoria são situações onde o medicamento ta em falta na UNICAT. Agora, um outro ponto que ocorreu e que para isso o SUS mediado contribuiu muito foi para equacionar melhor essas demandas de saúde (TÉCNICO 3).

Ele é um programa preventivo, né? Porque previne a demanda e ele tem

um índice muito alto de acordos, né? E ele é muito importante para o

cidadão, por que? Porque a demanda judicial é uma demanda que

demora... É uma demanda que é desgastante... E se o cidadão pode

resolver seu problema administrativamente antes, pra que não possa

judicializar, daí a importância do SUS mediado. É... Eu estou tendo o ponto

de vista do judiciário. O SUS mediado do ponto de vista do judiciário.

Vocês possuem outra visão de gestores, a defensoria deve ter o ponto de

vista dela. Mas assim, a meu ver é um programa bastante positivo

(OPERADOR DE DIREITO 2).

Junto a essa visão positiva, alguns riscos foram lembrados, como, o de o

programa privilegiar alguns grupos em detrimento de toda a população. Veja-se

depoimento de um dos gestores entrevistados:

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Quais são esses riscos: um deles tem a ver com a assimetria de informações e de recursos para o acesso à justiça, teoricamente a justiça se necessita a todos, sendo esse mecanismo que possibilita esse acesso da população mais pobre, mas nós sabemos que essa igualdade, ela não é real, né? E com isso, você pode facilitar que os grupos que tem maior acesso a recursos e possibilidades. Não só recursos e possibilidades, mas outras formas também de acesso ao judiciário, remuneração do advogado, poder realmente ter benefícios que muitos dos cidadãos demorariam muito mais a ter. (...) Tem também ai o risco, e isso também ta presente na judicialização, na mediação isso também está presente, na judicialização e na mediação eu acredito também venha a comprometer e é que você tem uma oferta insuficiente em função de uma demanda bem mais significativa e você vai priorizar os casos judicializados, os casos que demandaram a mediação, e as vezes aqueles que não chegam a esses espaços ficam sendo relegados (GESTOR 2).

O fenômeno da judicialização da saúde, além dos transtornos gerados aos

setores sanitários da Administração, gerou também perturbação no sistema judicial,

devido à complexidade que perpassa as questões envolvendo o Direito e a Saúde,

como bem expressa o depoimento a seguir:

É uma demanda ‘sui generis’, que tem suas peculiaridades, suas dificuldades, tanto na apreciação do direito material quanto na execução das medidas adotadas de grande repercussão social. Dessas ações emanam decisões que tem repercussões nas políticas públicas não só de saúde, mas nas políticas públicas me geral. Até porque o direcionamento de recursos para as demandas judiciais impede, prejudica, dificulta a realização, às vezes, de outra política pública do ente que foi objeto da decisão. Então, é um fenômeno complexo que demanda uma realidade que não tem volta, que a gente tem de encarar, procurar a melhor solução possível, ciente da repercussão dessas ações. Da responsabilidade de cada parte que ao cabo, ao meu sentir, é ator e vítima do processo ao mesmo tempo (OPERADOR DE DIREITO 1).

Além desse estranhamento com as questões específicas do Sistema de

Saúde, o processo judicial sanitário, por mais simples que seja o seu objeto, tem

um custo alto para o aparelho judicial do Estado, pois precisa de instrumentalização

que deverá ser precedida de uma indústria (confecção de capas, formatação do

processos, magistrados e serventuários).

No caso da judicialização da saúde, em especial, por possuir o SUS um

funcionamento tripartite, com a participação da União, dos Estados e dos

Municípios, a confecção de peças jurídicas (petições iniciais, contestações,

recursos, ofícios, decisões judiciais, participação em audiências) leva tempo e tem

custo financeiro para todos os que nela atuam. Nesse caso, o desgaste é triplo,

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pois envolverá os atores judiciais e administrativos das três esferas.

O programa demonstra várias potencialidades, como: ajudar a reduzir o

número de ações judiciais, dar maior resolutividade e celeridade em ações e

antecipar o cumprimento in natura do direito. É o que se percebe em depoimentos

abaixo:

Sem o SUS mediado, o número de ações, que já é muito grande, ia ser maior ainda e com certeza eu acredito que as questões que são resolvidas nessa seara extrajudicial acabam se resolvendo, (...). (...) o alcance do direito é mais rápido do que a tutela jurisdicional por causa do trâmite inerente a: ajuizamento da ação, instrução, decisão, prazo do cumprimento de.... Enfim são vários procedimentos. E em demandas de saúde, o que importa é o atendimento do seu direito. A demanda em saúde ela não se satisfaz com a condenação de um agente público ao pagamento de multa, o que interessa é o cumprimento do direito in natura é a prestação da tutela específica da obrigação – o que se está realmente postulado. Então, o que o judiciário se está realmente postulando são os meios para satisfazer aquela tutela específica. Os meios coercitivos de impulsionar não funcionam tanto quanto em outros tipos de demanda, na saúde do cidadão, muitas vezes, a questão realmente é urgente e para que ela seja atendida a tempo e modo é necessária essa concentração de esforços para que a tutela específica seja prestada. Então com o SUS mediado, a meu ver, isso é um dos casos em que se alcança esse objetivo de que é possível conciliar, que é possível acordar (OPERADOR DE DIREITO 1).

Pois é, mas são 35% de processos a menos na justiça, que já está abarrotada de processos. Então, é fantástico. Eu sou muito a favor do programa. E sem falar que quando a defensoria propõe a demanda, eu já fico mais segura. Porque eu sei que já tentaram a mediação (OPERADOR DE DIREITO 2)

O Programa surgiu em Natal em 2012, antes mesmo da positivação da

mediação como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de

conflitos no âmbito da administração pública (Lei 13.140, de 26 de junho de 2015),

porém com uma ampla previsão constitucional (artigos 6º, 196 a 200), Lei Orgânica

da Saúde (Lei 8080/90, alterada pela lei 12.401 de 23 de abril de 2011), Lei 13.140,

de 26 de junho de 2015, termo de cooperação técnica e os enunciados 07, 08, 12

da I Jornada em Direito à saúde do CNJ e tem como parceiros a Defensoria

Pública Estadual (DPE), a Defensoria Pública da União (DPU), a Procuradoria

Geral do Estado (PGE), a Procuradoria Geral do Município (PGM), a Secretaria

Estadual e Municipal de Saúde.

O programa foi criado para enfrentar os desafios do dia a dia jurídico-

sanitário. A vida como ela é, na judicialização da saúde, cheia de contradições e

frustrações. Na opinião de um entrevistado que atuou no programa, a judicialização

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precisa ser “cuidada” e repensada, pois, sem a criação dessas ferramentas

estratégicas, a mediação passa a ser cruel, como relata em seu depoimento:

Sem a mediação a judicialização passa a ser cruel. Infelizmente é uma frase até forte, mas sem a mediação, a judicialização se torna cruel. Repensar, sem dúvida nenhuma, através de mediações. Através também de maior conhecimento do judiciário a área de saúde. Ser juiz, trabalhando as questões de saúde, sem conhecer o SUS, sem conhecer as questões de saúde que permeiam por situações em que se não houver um conhecimento, há distorções incríveis da judicialização – eu só consigo ver dessa forma. Ou agente amplia os conhecimentos das pessoas que trabalham com judicialização, os conhecimentos da área de saúde e traz a mediação pra esse campo ou se torna cruel, a judicialização. É tanto que antes, agente, antigamente, éramos quase que inimigos (TÉCNICO 4).

No contexto da judicialização da saúde em Natal, cada instituição sofria com

problemas específicos advindos da operacionalização desse fenômeno, com

muitos gastos no seu custeio e pouca resolutividade, pois o processo judicial por

mais simples que seja, tem um custo alto.

De acordo com os números do programa “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Justiça brasileira (Federal, do Trabalho e Justiça estadual) – recebeu, no ano de 2009, 25,5 milhões de novos processos, 1,28% a mais do que em 2008. Somando-se ao estoque de ações ajuizadas em anos anteriores, tramitaram 86,6 milhões de processos nos três ramos da Justiça em 2009. De acordo com o programa, existem 16,1 mil magistrados e 312,5 mil servidores no judiciário brasileiro e, a taxa de congestionamento foi de 71% em 2009, este percentual vem se mantendo desde 2004, o resíduo chega a 71% dos processos não foram solucionados. Na Justiça do Trabalho, a taxa de congestionamento cai para 49%. Na média geral, em 2009 foi de 3.993 processos por 100 mil habitantes, taxa que sobe para 8.944 na Justiça comum. Na Justiça Federal são 1.613 processos por 100 mil habitantes, e na do Trabalho, 1.422. Em 2009, o Judiciário custou R$ 37,3 bilhões, 9% acima de 2008. Mais da metade do valor é aplicado pela Justiça dos estados. Na Justiça Federal a arrecadação em ações de execução e custas supera em 51% as despesas (PINHO, 2012).

Recentemente ficou demonstrado pelo Conselho Nacional de Justiça, ao

divulgar em seu programa Justiça em Números 2015 (ano base 2014), que o TJRN

tem o maior custo, cerca de R$ 693.791.203,00, e o terceiro menor índice de

produtividade (67,7%) dentre os 12 tribunais de pequeno porte do Brasil (CNJ.

2015)

Além disso, o custeio dos operadores de direito (defensores, magistrados,

procuradores) para lidar com situações para as quais eles não estavam preparados;

o deslocamento dos profissionais de saúde, retirados dos seus serviços de

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promover a assistência à população, para prestar depoimentos e informações em

audiências; o gasto com combustível e a insuficiência de motoristas e transportes

para levar os operadores de direito às audiências, somados à pouca resolutividade

e enorme desgaste físico e emocional de todos era motivo de angústia e frustração

para todos os atores, assim como o grande desconhecimento do sistema jurídico

em relação ao sistema sanitário. É o que se compreendeu das falas abaixo:

Porque é muito difícil para o juiz que chega e recebe, para o magistrado, né? Que chega e recebe a sua mão o pedido, as vezes com antecipação de tutela, o que quer que seja, evocando ali um princípio de direito à vida ou possibilidade fática de uma irreparabilidade de um dano e ele decidir sozinho, às vezes, sem o conhecimento técnico para tal. Então, na hora em que a saúde se aproxima do judiciário, do SUS, do SUS mediado, com câmara técnica, e aceita ele também ser um subsiador de informações, né? Aceita ele também buscar alternativas em que não careça tão somente de uma obediência fria a uma liminar de um juiz, demonstra a boa vontade, essa vinculação mais próxima, esse estar mais próxima ele minimiza de forma muito drástica transtornos (GESTOR 1).

Muitas vezes por desconhecimento do próprio advogado, e das defensorias, da rede de assistência à saúde. Então, o SUS mediado é de suma importância porque permite esse filtro, essa solução pela política nacional de conciliação do CNJ adequar o conflito à solução extrajudicial que passa, circunda, tangencia a intervenção jurisdicional do litígio, mas acaba por encontrar a solução adequada pelas partes e que atende o reclamo do cidadão de forma mais rápida, de forma mais célere, sem toda a dificuldade ou burocracia inerente a todo o trâmite processual (OPERADOR DE DIREITO 1).

Na realidade das defensorias públicas, o cotidiano era marcado por falta de

informações específicas da área administrativa e técnica da saúde; falta de diálogo

com as instituições; demora no cumprimento das decisões judiciais; pedidos

recorrentes de bloqueios, multas e sequestros judiciais. O programa contribui para

um maior compartilhamento de informações sobre as políticas de saúde e,

consequentemente, para uma melhor operacionalização do SUS e aproximação

dos atores envolvidos, aperfeiçoando a atuação das instituições com a

judicialização da saúde, como demonstram os depoimentos abaixo:

Outro ponto positivo: a questão das informações, né? Como nós estamos dentro da Defensoria, para o usuário isso ficou interessante porque evitou uma quantidade enorme de ofícios vinham para cá pra gente dizer se o medicamento era da política ou não era, se tinha, se não tinha. Essa informação a gente já dá lá dentro da própria Defensoria (TÉCNICO 3).

Então, a defensoria cresceu muito com a instituição do programa, porque é um programa que tem muita credibilidade perante a população. Nos dias de atendimento do sus mediado aqui, o nosso atendimento ele chega a duplicar, triplicar, em razão do conhecimento que a população vem tendo.

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E eu acho que serviu muito de aproximação: o gestor, o procurador, o defensor. E a gente vê também que o próprio judiciário, ele passa a ver as demandas de uma maneira diferenciada porque a demanda teve uma tentativa prévia de resolução e não sendo possível é que será judicializado (OPERADOR DE DIREITO 3).

Já na realidade das Procuradorias, os problemas eram de condenações

recorrentes ao erário; curto tempo para dar cumprimento às decisões judiciais;

excesso de burocracia; dificuldades no diálogo interinstitucional com os

procuradores, encarregados de fazer a defesa das ações e os setores técnico-

administrativos sanitários; multas pessoais aos gestores; bloqueios e sequestros à

conta única do estado do RN, como confirma o próximo depoimento:

Acho que em alguma medida nossa, as atitudes que a gestão tomou no sentido de enfrentar alguns problemas, ela tinha em conta seja a pressão do Ministério Público sobre problemas não equacionados e, acho que quando assumi a questão, tinham uns 300 inquéritos do Ministério Público sobre questões não respondidas, sejam questões sobre a judicialização, seja as próprias questões do sistema de mediação. (GESTOR 2)

Para os gestores de saúde, há também problemas em relação ao

desconhecimento dos SUS pela população, como expresso no depoimento a

seguir:

Nós precisamos que a comunicação, que a informação, sobre aquilo que está regulamentado como direito, possa ser acessível e utilizado como referência pelos profissionais, para a população tomar conhecimento do custo/benefício, porque nenhum sistema de saúde do mundo rico mesmo consegue garantir tudo a todos de forma sem descriminação. Então eu acho que esse é um aprendizado também que o processo de mediação pode levar. Creio que as instituições que fazem a gestão precisam cada vez mais investir em recursos técnicos qualificados para participar desse processo (GESTOR 2).

Um outro enorme desafio nesta questão são as encruzilhadas normativas e

processuais. Trata-se de uma série de conflitos dentro da própria lei e

jurisprudência na operacionalização do processo judicial de saúde, que dificultam

a operacionalização do princípio da solidariedade no SUS, causando prejuízo ao

próprio sistema. A primeira delas é o entendimento jurisprudencial majoritário do

STF, que entende caber ao autor a escolha do ente que será acionado – essa é

uma das interpretações dadas pelo Supremo Tribunal Federal em relação à divisão

de competências e que tem como fundamento o princípio da solidariedade no SUS,

sem enfrentar o enorme problema federativo nas divisões de competências do

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SUS, deixando, em muitas das ações, de ser formado o tripé que compõe o SUS

(União, Estado e Município).

Tal entendimento não se harmoniza com o disposto no artigo 109 da

Constituição federal, quando preconiza:

Aos juízes federais compete processar e julgar: I – As causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas a Justiça Eleitoral e a Justiça do trabalho.

Não é difícil de perceber, pela leitura desse artigo, que, em todas as causas

judiciais em que a União estiver presente, sobretudo em relação às demandas de

saúde coletiva, dada a sua presença fundamental na estrutura do Sistema Único

de Saúde, como principal financiadora, gestora e fiscalizadora dos recursos, a sua

participação, a competência para julgamento dessas ações será a da Justiça

Federal.

Outro desafio que se observa é a proibição da lei dos Juizados Especiais (lei

9099/95) quanto à intervenção de terceiros na ação, como está no artigo 10 da

referida lei: “Não se admitirá, no processo, qualquer forma de intervenção de

terceiro...”. Na linguagem do direito processual, intervenção de terceiros é a

atuação de pessoas estranhas ao processo judicial que está em curso, sejam elas

físicas ou jurídicas, nem de assistência, que ocorre quando o terceiro ingressa nos

autos do processo para auxiliar um dos demandantes, pois ele tem interesse

jurídico na vitória de um deles. “Admitir-se-á o litis consórcio” que se caracteriza

pela pluralidade de sujeitos em um dos polos da ação (vários autores ou vários

réus).

Ou seja, especialmente em se tratando do Sistema Único de Saúde, caso

alguém ingresse com uma ação equivocadamente contra um ente que, apesar da

responsabilidade solidária, não possui competência legal, nem recursos financeiros

para cumprir determinada obrigação, não poderá a sua defesa chamar

judicialmente aos autos o ente responsável, pois a lei dos juizados Especiais proíbe

esse chamamento.

A lei do Juizados Especiais inspira-se em preceitos alinhados à Common

Law. Nesse sistema, a rapidez do trâmite processual é um valor a ser perseguido.

(FUX. 1997)

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Desse modo, a lei desses juizados especiais possui princípios diferentes da

lei processual ordinária, tendo na celeridade e simplicidade os seus grandes

postulados. A lei que criou os juizados especiais compreende que chamar um outro

ente ao processo retardaria o seu andamento. Como preconiza Ricardo Campos

Sampaio: “A simplicidade da causa e a celeridade do rito são pilares dos juizados

especiais e, por esse motivo, as Leis 10.259/01 e 9.099/95 impedem intervenção

de terceiros após a propositura da lide” (SAMPAIO, 2014, p.10).

Essa restrição vem ao encontro dos princípios do Juizado. O objetivo é evitar

a proliferação de pretensões dentro de um mesmo processo, com o aumento da

complexidade da lide e a morosidade do processo, exatamente o que o Juizado

pretende evitar (SAMPAIO, 2014). Tal disposição produz uma grande iniquidade na

judicialização da saúde, condenando entes estatais a assumirem obrigações que

nem sempre estão na sua competência normativa, e que não dispõem também de

aptidão administrativa, política e financeira para cumprir aquela tarefa ou função. É

o que se percebe no relato de um gestor em relação às dificuldades frente aos

parâmetros na responsabilidade de cada ente:

O segundo é que nós precisamos estabelecer parâmetros de forma muito clara entre a responsabilidade de cada um dos entes, essa pactuação interfederativa começa com a transferência de recursos e termia com o estabelecer do limite de responsabilidade de cada ente precisa ficar muito claro. A outra grande dificuldade, que eu percebo, não é do programa, mas ela é uma consequência da falta de autonomia da gestão em resolver o problema. Quando se fala em mediação do SUS, essa mediação judicial, a mediação só faz sentido se a parte que está sendo mediada, no caso, a gestão pública do SUS tivesse a autonomia de resolver, dada a condição e dada a possibilidade, ela pudesse resolver, mas do ponto de vista administrativo-financeiro a gestão pública do sus não tem a autonomia sobre seus recursos, principalmente aquilo que advém do estado e do próprio município que são o orçamento geral do estado e o orçamento geral do município que não é a parte do recurso-sus, o recurso-sus ele é muito ínfimo, ele corresponde a 30% do total de recursos administrados pela pasta da saúde, o restante vem do estado e do município. Então, às vezes, o gestor da pasta, no caso, do município, ele é um mero solicitador de recursos, ele é uma pessoa que só faz a solicitação de recursos, então, ele não tem a discricionariedade da resolução de problemas, que poderiam ser feitos até numa mediação, tomar a decisão de resolver, e muitas vezes ele vai negociar, vai estabelecer uma possibilidade de mediação e não vai ter a autonomia de resolução sem a efetiva chancela ou a liminar do juiz. (...) Hoje, acaba a justiça estabelecendo a responsabilidade para aquele ente que está mais perto, que tá mais próximo, aonde a resposta seja mais rápida. Mas também percebo que a própria possibilidade do SUS Mediado vem provocando uma reviravolta disso que era tão contumaz, né? Hoje você já consegue perceber os juízes, os magistrados, deferindo em desfavor da União – que sempre foi muito confortável pela distância que

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tá, normalmente as decisões acabavam sendo contra o município e o Estado por uma questão de proximidade e hoje você já começa a perceber por esse trabalho que vem sendo desenvolvido a percepção de que a União não pode ficar à margem desse processo, embora essa ainda não seja a tônica diária, essa é uma dificuldade (GESTOR 1).

Um outro conflito legislativo observado também é a operacionalização da lei

8080/90, alterada pela Lei 12.401 de 23 de abril de 2011 em seu Artigo 19-Q:

Artigo 19-Q: A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS”. A lei estabeleceu os critérios e procedimentos para a incorporação, exclusão ou alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos ou procedimentos, relacionando expressamente as vedações à dispensação de medicamentos. Outra importante inovação da norma legal foi ter dado notoriedade à Comissão Nacional de Incorporação de Novas Tecnologias – CONITEC, responsável por assessorar o Ministério da Saúde quando da incorporação, da exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos e, também procedimentos pelo SUS, bem como, quando houver a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica.

Com essa inovação legislativa, fica clara a imprescindibilidade da

participação da União, ente que representa o Ministério da Saúde nas ações cuja

causa de pedir estejam no escopo das tecnologias que ainda não foram

incorporadas ao SUS, que representam uma significativa quantia no número das

ações judiciais. Mas, pelas “encruzilhadas” normativas e jurisprudenciais, terminam

por ficar de fora do processo.

Porém, dentro do contexto da judicialização da saúde, essas limitações,

quer sejam de ordem administrativa, processual, legislativa ou jurisprudencial,

terminam por provocar grandes iniquidades e perversidades em relação à divisão

de competências no SUS, induzindo à condenação sobre o Estado e Município,

deixando de fora a União quando se tratar de justiça estadual, sobrecarregando os

erários estaduais e municipais e, o que é pior, dificultando a concretização do

princípio da solidariedade do SUS e o financiamento tripartite previsto

constitucionalmente. A CF/88 preconiza em seu artigo 198:

Artigo 198 – As ações e serviços de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado com as seguintes diretrizes: Parágrafo único – O sistema único de saúde será financiado, nos termos do artigo 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos estados, do distrito federal e dos municípios, além de outras fontes.

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O entendimento jurisprudencial dominante conformou uma iniquidade em

matéria de divisão de competências do SUS na esfera judicial, sendo responsável

pelas diárias situações que promovem um sentimento de injustiça e revolta por

parte das gestões estaduais e municipais. Tal sentimento está expresso no

depoimento dos gestores que vivenciaram essas situações produzidas pela

judicialização da saúde, como sentimos no depoimento abaixo:

Então, na hora em que a saúde se aproxima do judiciário, do SUS, do sus mediado, com câmara técnica, e aceita ele também ser um subsiador de informações, né? Aceita ele também buscar alternativas em que não careça tão somente de uma obediência fria a uma liminar de um juiz, demonstra a boa vontade, essa vinculação mais próxima, esse estar mais próxima ele minimiza de forma muito drástica transtornos. Transtornos que eu tive a oportunidade de ver, de chegar assim, ao final do mês, de estar precisando, assim, de dois, três milhões de reais para fechar o mês do ponto de vista administrativo e, de repente, um bloqueio de uma conta que você não esperava, as vezes de contas de convênio, né? Que são feitas, que depois é um dinheiro que você tem de repor caso contrário os recursos desse convenio não continuarão a cair. Então, a minha impressão, na verdade é mais do que isso, a minha convicção da efetividade do sus mediado, ela já está mais do que comprovada. A gente precisa estimular, isso precisa chegar a mais cidades do estado, uma vez que a gente tem um estado que tem 167 cidades que tem gestão plena da saúde e, infelizmente, as vezes pelo tamanho, às vezes pela dimensão desses municípios, muitos desses municípios transferem ou pra capital ou pras cidades maiores ou até mesmo pro estado responsabilidades que por legislação são suas (GESTOR 1).

Foi a partir da identificação de todas essas dificuldades que se idealizou a

criação do Programa SUS Mediado, pretendendo vir a ser uma alternativa para

melhor equacionar todas essas questões; que reunisse todos os atores

interessados e tentasse diminuir o número de ações de saúde, resolvendo-as, sem

que fosse necessário passar pelo Judiciário, envolvendo a gestão da saúde e a

advocacia pública como protagonistas e não como antagonistas; também que

tivesse um custo razoável para a Administração. Tal intenção é reconhecidas no

depoimento a seguir:

Essa questão da gestão ter esse olhar e dizer assim: vamos procurar ver,

vamos conversar com o judiciário pra poder tentar resolver, porque ele

não pode ser nosso inimigo, ele tem de ser nosso parceiro, a gente tem

de mediar, tem que conversar. Nós tivemos uma decisão muito importante

que a senhora participou, que foi aquela dos 500 mil reais, daquele

procedimento que até enfim ia ficar 30 mil e que no final não conseguiu

nem abrir. Então, se a gente não tivesse chegado para o juiz e

conversado: olhe, não é assim. De uma forma que o juiz possa

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compreender a máquina e compreender como realmente é feito pra poder

ter esse contato com o judiciário (OPERADOR DE DIREITO 4).

A ideia do programa SUS MEDIADO com o objetivo de reduzir o desgaste

físico e emocional do assistido e dos operadores de direito; promover a diminuição

do custo financeiro da judicialização para a Administração Pública e para o Poder

Judiciário; controlar o efeito nefasto da indústria farmacêutica; garantir a

privacidade e o sigilo dos jurisdicionados; reduzir o tempo do processo e da

reincidência de litígios; evitar a intervenção do poder judiciário na execução do

orçamento público; facilitar a comunicação entre o cidadão e a gestão; auxiliar na

formulação de políticas públicas processo; e evitar a reincidência de litígios.

O programa visa garantir, não só a concretização do direito fundamental à

saúde, como também atua na “redução de danos” da judicialização (termo que

tomamos emprestado da atenção à saúde), na integração dos entes federativos e

na qualificação da demanda:

A redução de danos caracteriza-se como uma abordagem ao fenômeno das drogas que visa minimizar danos sociais e à saúde associados ao uso de substâncias psicoativas. O início destas intervenções foi marcado por ações no campo da saúde, que hoje tem se ampliado da esfera do direito à saúde para a do direito à cidadania e dos Direitos Humanos. As práticas de redução de danos buscam a socialização política de usuários de drogas de maneira crítica, no sentido de tornarem-se protagonistas, de promoverem o autocuidado com a saúde e a busca por direitos, p e l a discussão de políticas governamentais e políticas de estado, numa perspectiva que passa pelo individual e também pelo coletivo.

No programa SUS Mediado, tentar-se-á inserir ou reintegrar o assistido à

rede de atenção à saúde, fazendo-o protagonista das suas necessidades em

saúde, frente à política pública, retirando-o da dependência da atividade

jurisdicional e reduzindo os custos administrativos nessa área, através do

fornecimento do fármaco ou da realização do procedimento, sem a necessidade de

qualquer medida judicial, buscando minimizar os impactos negativos decorrentes

da judicialização das demandas de saúde, além de produzir uma resposta bem

mais próxima do que seria a esperada em uma demanda judicial tradicional,

conforme o relato do TÉCNICO 4 atuante no programa:

Acolhimento e direcionamento para as questões pontuais, onde realmente existe a resposta. Até bem mais rápida. A resposta você dá mais rápida com um processo judicial que tem que tramitar, querendo ou não,

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burocraticamente. Tem a burocracia, tem o tramite que precisa correr. E quando você consegue resolver situações que não leva nem metade do tempo que levaria sem que fosse judicializado. E antes de mais nada, que eu já falei aqui e quero citar, é a questão do acolhimento. Porque, quando você acolhe aquela pessoa que está ali já fragilizada, buscando judicializar um direito seu, é toda uma situação que quando ela é bem acolhida, aquilo já traz saúde pra essa pessoa que vem debilitada, não tem como. Isso é comprovado! (TÉCNICO 4).

Com a participação das referidas instituições públicas, o SUS MEDIADO

vem aproximando o cidadão do Poder Público e das políticas de saúde, informando,

desburocratizando e atendendo ao usuário do SUS, ao passo que, racionaliza o

fornecimento de bens e serviços do SUS (medicamentos, cirurgias, exames

médicos, insumos etc.), evitando assim a propositura de novas ações,

funcionando como um ‘filtro’ das demandas judiciais: “A judicialização da saúde

tem representado um marco, tendo em vista o filtro, a possibilidade de solução

de conflitos extrajudicialmente, antes da judicialização” (OPERADOR DE DIREITO

1).

Devido à natureza multidisciplinar do direito sanitário, para o programa

acontecer, o apoio operacional de técnicos da SESAP aos defensores públicos e

procuradores de estado é de fundamental importância, para a aplicação regular das

políticas públicas de saúde, bem como para facilitar o fluxo de atendimento aos

usuários do Sistema Único de Saúde: “Eu vejo o programa SUS MEDIADO como

mais um dispositivo, mais uma forma que a gente tem de aproximar mais, né? ”

(TÉCNICO 2). O programa também atua de forma educativa.

A partir do termo de cooperação que formalizou o programa, foi elaborada

uma das etapas identificadas como fluxograma do atendimento prestado ao

cidadão atendido no programa.

O primeiro passo do programa é a análise do perfil socioeconômico do

usuário – tendo em vista que à Defensoria Pública do Rio Grande do Norte é

destinada por lei a assistir juridicamente à população necessitada. Segundo o

artigo 4º da lei complementar 251/2003, necessitado é:

(...) aquele cuja insuficiência de recursos não lhe permita arcar com as despesas processuais e os honorários advocatícios, sem prejuízo do sustento próprio e de sua família, especialmente nos seguintes casos: I - tenha renda pessoal mensal inferior a dois salários mínimos; II - pertença à entidade familiar cuja média de renda “per capita” ou mensal não ultrapasse a metade do valor referido no inciso anterior. (RIO GRANDE DO NORTE, P. 2, 2003)

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Isso provoca questionamentos quanto a natureza do programa e o limite ao

acesso à justiça:

A Defensoria, por exemplo, a Defensoria só atende, só assiste pessoas que ganham até dois salários mínimos e aqueles que ganham um pouquinho mais, três ou quatro salários mínimos, que não vai poder ser assistido pela Defensoria, mas que também não tem condições de pagar um advogado. Isso acontece e é fato. Essas pessoas não têm acesso à Justiça. Elas vão precisar do medicamento, o SUS não disponibiliza ou consta em portaria, mas está faltando por alguma razão e ela vai ficar sem o medicamento porque ela nem tem a renda suficiente para contratar um advogado e nem entra no perfil da Defensoria. Então, essas pessoas já estão de fora! Elas não vão ter o acesso, né? Então assim, que tem o acesso à justiça, vai conseguir determinadas coisas e quem não tem, não vai conseguir. Então aí você já fere, o tratamento tá sendo diferenciado (TÉCNICO 3).

Em seguida, é feita uma análise da adequação do laudo médico por equipe

de assistentes sociais e psicólogos. Tal prática, que já era feita desde o início do

programa, foi ratificada atualmente pelo enunciado nº 12, aprovada na I Jornada de

Direito da Saúde do Conselho Nacional De Justiça em 15 de maio de 2014 – São

Paulo/SP 12 do CNJ. Esse evento faz parte das ações do Fórum Nacional do

Judiciário para a Saúde, criado em 2010 pelo CNJ para o monitoramento e a

resolução das demandas de assistência à saúde:

ENUNCIADO Nº 12.

A inefetividade do tratamento oferecido pelo SUS, no caso concreto, deve ser demonstrada por relatório médico que a indique e descreva as normas éticas, sanitárias, farmacológicas (princípio ativo segundo a Denominação Comum Brasileira) e que estabeleça o diagnóstico da doença (Classificação Internacional de Doenças), tratamento e periodicidade, medicamentos, doses e fazendo referência ainda sobre a situação do registro na Anvisa - AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. (ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA OAB/SC. 2015)

Em um terceiro momento, há o encaminhamento do usuário do programa às

equipes das secretarias de saúde Estadual ou Municipal. Tal prática também foi

confirmada pelo enunciado nº 8 do CNJ: “Nas condenações judiciais sobre ações

e serviços de saúde devem ser observadas, quando possível, as regras

administrativas de repartição de competência entre os gestores”.

No caso de resolução extrajudicial, o assistido (usuário do programa) é

encaminhado ao setor responsável para a entrega do medicamento ou autorização

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108

para realização do procedimento.

Uma outra possibilidade do programa é a substituição do fármaco ou material

cirúrgico por outro que integre uma das políticas públicas estabelecidas pelo SUS.

Tal possibilidade é instrumentalizada através de oficio da Defensoria Pública ao

médico prescritor do medicamento ou procedimento que esteja fora do escopo das

políticas públicas. Tal prática passa longe de forçar o usuário a substituir o

procedimento solicitado pelo oferecido no SUS; o objetivo dessa iniciativa é

possibilitar uma discussão clínica através de uma segunda opinião dentro do

escopo das alternativas disponíveis, o que demanda um maior reforço técnico da

gestão para propor alternativas. Essa percepção está também presente na próxima

fala:

De forma que mesmo nessas demandas que dizem respeito à ações de saúde fora da política pública, eu acredito que o SUS mediado poderia atuar positivamente, desde reforçado, porque para se chegar a esse ponto de conversa, tem que se ter respaldo técnico, tem de se ter respaldo de médicos, farmacêuticos, profissionais que possam oferecer as alternativas e talvez, até, participação dos médicos assistentes porque o médico prescreve e muitas vezes ele não está lá para discutir uma questão dessa de alternativa (OPERADOR DE DIREITO 1).

Em não existindo a possibilidade de substituição do fármaco ou material

cirúrgico por outro que integre uma das políticas públicas estabelecidas pelo SUS,

é formalizado um termo de encaminhamento da demanda para a Defensoria

Pública Estadual ou da União, com a indicação dos motivos que impossibilitaram a

resolução extrajudicial.

Em relação aos processos administrativos com pedidos de medicamentos

para tratamento de câncer, de elevado custo, esses são encaminhados à DPU com

a finalidade maior de que seja determinada a incursão nas listas do SUS, com base

no enunciado 07 do CNJ.

ENUNCIADO N. º 7

Sem prejuízo dos casos urgentes, visando respeitar as competências do SUS definidas em lei para o atendimento universal às demandas do setor de saúde, recomenda-se nas demandas contra o poder público nas quais se pleiteia dispensação de medicamentos ou tratamentos para o câncer, caso atendidos por médicos particulares, que os juízes determinem a inclusão no cadastro, o acompanhamento e o tratamento junto a uma unidade CACON/UNACO.

Vale salientar que o programa inicialmente implantado no município do Natal

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109

foi ampliado posteriormente para outros municípios, como Mossoró, Caicó e

Parnamirim, estando hoje em funcionamento apenas Natal, Caicó e Parnamirim.

5.1 A REINVENÇÃO DA MEDIAÇÃO COMO INSTITUTO ALTERNATIVO À

RESOLUÇÃO DE CONFLITOS EM SAÚDE.

A perder de vista é a ideia da mediação como um dos métodos identificados

como alternativa para resolução de conflitos. Possui suas origens em tempos

antigos, através das culturas judaicas, cristãos, islâmicas, hinduístas, budistas,

confucionistas e indígenas. É uma prática antiga identificada já no Velho

Testamento, apesar de atualmente estar sendo apresentada como um novo

paradigma (BRAGA NETO, 2007).

Na obra “O acesso à justiça” Cappeletti e Garth (1988) classificam como a

terceira onda as mediações, dando uma ideia de um movimento pelo qual passou

acesso à justiça, desde a sua criação nos Estados liberais burgueses. A primeira

onda ou a primeira solução de acesso à justiça seria o assessoramento jurídico, ou

seja, a ajuda legal aos mais pobres; a segunda se caracterizaria pelas reformas,

cujo objetivo seria o de dar representação legal aos interesses difusos. Apesar de

já existirem desde a Revolução Francesa, no Brasil é recente, pois, como a maioria

dos direitos, só chegaram com a Constituição Federal de 1988, como é o caso do

direito à saúde. E mais recentemente, a terceira onda é a que se propõe ao enfoque

do acesso à justiça de uma forma mais articulada e completa, fora do circuito

judicial, no caso a mediação (DELDUQUE, CASTRO, 2015).

Para se adaptar aos tempos modernos, a mediação passou por algumas

adequações, recebendo uma nova fundamentação teórica. Atualmente constitui o

fruto de uma tendência liberal em escala mundial, com a retirada cada vez maior

do Estado nos assuntos afetos aos interesses dos particulares. Resulta do

reconhecimento da plenitude do cidadão como objeto de deveres e direitos, que,

por si só, poderá melhor administrar, transformar ou resolver seus próprios

conflitos. E é decorrente da constatação de que fórmulas tradicionais formais de

resolução de controvérsias não mais satisfazem os usuários do sistema que, cada

vez mais, se envolvem em conflitos de distintas naturezas e formas diante da

complexidade das inúmeras inter-relações existentes nos tempos pós-modernos

(BRAGA NETO, 2007).

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Segundo a justificativa do Projeto de Lei nº 505, que instituiu a

recomendação de incentivo à mediação familiar na regulação dos efeitos da

separação e divórcio, a mediação funda-se teoricamente na ideia da humanização

do acesso à justiça e na linguagem ternária, regida pela conjunção e, ao invés de

ou, linguagem binária, comportando possiblidades de acordo com os recursos

pessoais dos litigantes e do mediador. Trata-se da dinâmica da intersubjetividade.

A linguagem ternária representa a concretude da filosofia da discussão de

Habermas, em que tudo se constrói pela comunicação, pela necessidade do

diálogo, pela humanidade, pela ética da discussão (ALMEIDA; PANTOJA;

PANTOJA. 2015).

A filosofia da discussão de Jürgen Habermas é uma teoria atinente à filosofia

jurídica, que pode ser considerada em prol da integração social e, como

consequência, da democracia e da cidadania. Essa teoria que possibilitaria a

resolução dos conflitos vigentes na sociedade, não como uma simples solução,

mas como a melhor solução, aquela que é resultado do consentimento de todos os

interessados.

Sua maior relevância está, indubitavelmente, em pretender o fim da

arbitrariedade e da coerção nas questões que circundam toda a comunidade,

propondo uma maneira de haver uma participação mais ativa e igualitária de os

cidadãos, nos litígios que os envolvem e, concomitantemente, obterem a tão

almejada justiça. Essa forma defendida por Habermas é o agir comunicativo que se

ramifica na ação comunicativa e no discurso (NOGUEIRA, 2016).

A Constituição de 1988 elegeu a jurisdição como monopólio do Estado, mas

não impediu outras formas de solução de conflitos. Desse modo, têm as três formas

de resolver os conflitos: a) as resoluções estatais - ou heterocomposição dos

conflitos, como são hoje conhecidas as decisões judicias; b) as resoluções estatais

negociadas com as partes – ou autocomposição -, realizadas no âmbito

jurisdicional, prévia ao início do processo ou no âmbito de órgãos auxiliares da

justiça; e c) a resolução dos conflitos ou a sua autocomposição em âmbitos

extrajudiciais, privados ou não.

Nos últimos vinte anos, cresceu no Brasil o interesse pelos métodos

autocompositivos de conflitos. Em um primeiro momento, ainda em 1990, foi

apresentado o primeiro projeto de lei de mediação, pela então deputada Zulaiê

Cobra, que lançou as primeiras ideias sobre o conceito de mediação e o seu

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tratamento.

O conceito de mediação, segundo a Diretiva 2008/52, da Comunidade

Europeia é: um procedimento estruturado, seja qual for seu nome ou denominação,

em que duas ou mais partes em litígio tentam voluntariamente alcançar, por si

mesmas, um acordo sobre a resolução de um litígio com a ajuda de um mediador.

No ano de 2010, foi editada a Resolução 125, pelo Conselho Nacional de Justiça,

que organizou o desenvolvimento e uso dos meios adequados para a

resolução de conflitos, tendo como premissa o acesso à Justiça, ou seja, o próprio

CNJ passou a estimular o uso de meios alternativos, a fim de preservar o eficiente

acesso à justiça, enterrando de vez a ideia de que o conceito de justiça deveria

necessariamente estar atrelado a uma decisão proferida pelo Poder Judiciário

(ALMEIDA; PANTOJA, 2015).

Na mediação deve haver dialogo qualificado, o que ocorre quando se chega

além das fronteiras do conflito. É preciso compreender as razões que estimulam a

conduta da outra parte. Deve haver ética no sentido de a compreensão ampliada

do outro, a diferença, a pluralidade, inspirarem e se deixarem inspirar pela

tolerância. Deve haver compreensão do que é o melhor para todas as partes do

conflito. O mediador não é a pessoa que decide, não tendo autoridade sobre o

conflito mais do que as partes (CARDOSO, 2012).

Diante das dificuldades da implementação do Estado do bem-estar social,

como preconiza a Constituição, e dentro do rol de garantias do acesso à justiça, o

Poder Judiciário busca adaptar-se e reinventar-se, moldando-se também à

conjuntura neoliberal contemporânea, que defende a ideia de autocomposição

como resolução alternativa de conflitos, inspirada nos moldes da commom law.

Atualmente, diante de mais de 100 milhões de processos que existem

tramitando no Poder Judiciário (GANEM, 2015), decorrentes das complexidades da

vida moderna e do descompasso entre o avanço dos direitos sociais e do

investimento nas políticas públicas, a ideia serve como uma tentativa de

desafogamento dos processos judiciais, consequentemente diminuindo o tempo de

duração para o julgamento dos processos, uma das maiores queixas da sociedade

àquela instituição.

O excesso de judicialização gera grande desgaste ao Poder Judiciário,

sobretudo pela ideia de que esse é moroso. Assim, hoje essa instituição é uma das

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grandes estimuladoras das formas autocompositivas de resolução de conflitos,

dentro os quais a mediação como forma de aliviar o grande peso que paira sobre

os seus ombros.

Tal percepção está bem registrada no discurso de posse do atual presidente

do Supremos Tribunal Federal, Ministro Ricardo Lewandowski, quando declarou:

Procuraremos, igualmente, estimular formas alternativas de solução de conflitos, compartilhando, na medida do possível, com a própria sociedade, a responsabilidade pela recomposição da ordem jurídica rompida, que afinal é de todos os seus integrantes. Referimo-nos a intensificação do uso da conciliação, da mediação e da arbitragem, procedimentos que se mostram particularmente apropriados para a resolução de litígios que envolvam direitos disponíveis, empregáveis, com vantagens, no âmbito extrajudicial (LEWANDOWSKI, 2014, p.5).

Em 26 de junho de 2015 foi promulgada a lei que dispõe sobre a mediação

entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a

autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, positivando uma

tendência que já estava estabelecida e elegendo como princípios norteadores a

imparcialidade do mediador, a isonomia entre as partes, a oralidade, a

informalidade, a autonomia da vontade, a busca do consenso, a confidencialidade

e a boa-fé.

As mediações sanitárias são uma forma de enfrentamento para a

judicialização das políticas de saúde. Sobre o complexo contexto da judicialização

da saúde, opina a pesquisadora Maria Célia Delduque (2015):

O fato é que os conflitos envolvendo direitos difusos têm chegado ao judiciário esbarrado em julgadores que não contam com uma tradição legal, porque o direito difuso é um direito novo. Tampouco contam com farta bibliografia, pois ainda há pouca produção intelectual sobre o tema, e, muito menos, com precedentes de decisões dos tribunais superiores que representam um pensamento jurídico novo, fazendo com que as decisões aconteçam em uma seara absolutamente recente e não consensual.

Conclui Delduque que, por vezes, a jurisdição não é capaz de dar solução

adequada a certos tipos de conflito, por desconhecer o campo do conhecimento do

tema posto ao seu julgamento e, por muitas vezes, como tem a obrigação de aplicar

a lei ao caso concreto, afirmar-se na função substitutiva do sistema político.

Cabe perguntar: o sistema político conseguiu dar conta dos comandos

constitucionais? Como se vê, a questão da judicialização das políticas de saúde

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não é merecedora de reflexões simples. Porém um ponto é exato: a judicialização

da saúde não é razoável, nem para o sistema sanitário, nem tampouco para o

sistema de justiça.

O controle judicial das políticas públicas prejudica o pleno exercício da

cidadania, pois torna o indivíduo dependente do Estado, e o poder judiciário seu

fornecedor de serviços. Trata-se de um enfrentamento social que ganhou

proporções epidêmicas. Os mecanismos clássicos de resolução dos conflitos

acabaram por produzir externalidades negativas ao SUS, já debilitado por razões

diversas (CASTRO; DELDUQUE, 2015).

Explica ainda a pesquisadora que a mediação sanitária é um modelo

alternativo de resolução de conflitos na área da saúde e que as relações em saúde

transcendem a ótica bilateral do médico com o paciente, para envolver muitos

outros atores presentes em um sistema de saúde, advém, daí, conflitos de toda

ordem, internos e externos ao sistema, criando condições para a judicialização; é

necessária uma nova postura da sociedade brasileira para uma nova necessidade

social, especialmente na saúde, de resolver conflitos e afastar de vez esse abismal

modelo tradicional de julgar por meio dos clássicos tribunais e juízes. É preciso

adotar a mediação nos conflitos de saúde, conclui a estudiosa. Todavia, é claro

também que haverá um limite na resolutividade dessa tecnologia, em razão da

profundidade de muitas questões envolvendo o tema saúde coletiva, cujo direito

ou mesmo técnicas alternativas não serão suficientes como resposta a

problemática.

5.2 PERFIL DA DEMANDA E ENCAMINHAMENTOS REALIZADOS NO SUS

MEDIADO NATAL/RN

A seguir, apresentamos uma síntese do total de atendimentos realizados

pelo Programa no período de 2012 - 2014, em relação aos quantitativos de

atendimentos, ao número de acordos, ao número de ações propostas pela DPE,

ao número de encaminhamentos de ações à DPU, ao índice de resolutividade e

índice de demandas não ajuizadas contra o estado e o município.

Em 2012, de acordo com gráfico 1, foram realizados 823 atendimentos, nos

quais 330 foram realizados acordos, dessa forma totalizando um percentual 40,09%

de resolutividade. Já os encaminhamentos à DPU somaram um total de 162. E no

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que tange à judicialização, 331 encaminhamentos.

Gráfico 1 - Quantitativo de atendimentos realizados no SUS Mediado – Natal em 2012.

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

Em 2013, existiram 1123 atendimentos no programa, sendo 374 acordos,

326 encaminhamentos à DPE, 423 à DPU, configurando uma resolutividade de

33,30%. Isso representa demandas não ajuizadas contra o Estado do Rio Grande

do Norte e contra o Município de Natal de 61,34%. Segue o gráfico 2

apresentando tais valores.

Gráfico 2 - Quantitativo de atendimentos realizados no SUS Mediado – Natal em 2013.

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

Verifica-se no gráfico 3 que, em 2014, existiram 1139 atendimentos no

programa, sendo 416 acordos, 358 encaminhamentos à DPE, 389 à DPU.

Configura-se uma resolutividade de 33,57%, representando demandas não

ajuizadas contra o Estado do Rio Grande do Norte e contra o Município de Natal

Encaminhamentos à DPU; 423

Acordos; 374

Ações Judicias; 326

Encaminhamentos à DPU; 162

Acordos; 330

Ações

Judiciais; 331

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de 64,96%.

Gráfico 3 - Quantitativo de atendimentos realizados no SUS Mediado – Natal em 2014.

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

Observa-se que, durante os três primeiros anos do Programa SUS Mediado,

no gráfico 4, houve um crescimento de acordos e encaminhamentos à DPU; no que

se referem às ações de judicializações na DPE em 2014, houve um decréscimo

quando comparado a 2012; todavia, em 2014, houve um aumento de ações.

Gráfico 4 –Comparativo entre dados sobre atendimentos realizados no SUS Mediado - Natal

de 2012 - 2014

416

374

358

389

330 331 326 315

162

2012

2013

2014

389 416

358

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ACORDOS AÇÕES JUDICIAIS (DPE) ENCAMINHADOS À DPU

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN

Quadro2– Síntese do SUS Mediado no período de 2012-2014

2012 823 330 331 162 40,09% 60,58%

2013 1123 374 326 315 33,30% 61,34%

2014 1239 416 358 389 33,57% 64,96%

Fonte: Defensoria Pública do Estado/RN, 2015.

Constata-se pelos números apresentados pela DPE no quadro síntese acima

a seguinte estatística: em 2012 existiram 823 atendimentos no programa, sendo

330 acordos, 331 encaminhamentos à DPE, 162 à DPU. Configura-se uma

resolutividade (nº de atendimentos dividido pelo número de acordos) de 40,09%.

Sendo válido ainda comentar que isso representa um índice de demandas não

ajuizadas contra o Estado do Rio Grande do Norte e contra o Município de Natal

(porcentagem de encaminhamentos à DPU somados à Resolutividade) de 60,58%.

Em relação ao índice de resolutividade do período avaliado (2012-2014) como

descreve o gráfico 5, identificamos os seguintes números: em 2012, o índice foi de 40,09%;

em 2013, houve uma queda de 6,79% e o índice passou a ser 33,3%. Já em 2014, manteve-

se praticamente constante, com um aumento de 0,24%, resultando em 33,57% de

resolutividade extrajudicial das demandas de conflitos envolvendo o fornecimento de

medicamentos, a realização de consultas, exames ou procedimentos cirúrgicos através da

técnica de mediação entre as secretarias estaduais e municipais de saúde e os usuários,

com intermédio da advocacia pública. É válido comentar que houve uma redução nesse

percentual entre de 2012 a 2013, em razão do aumento de 94% em encaminhamentos à

DPU; esse aumento supriu o número de atendimentos ocorridos em 2013 e que poderiam

vir a se tornar acordos – que é um dos elementos utilizados para se calcular esse índice de

resolutividade.

me

ro d

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117

Gráfico 5 -Índice de resolutividade (Atendimentos/Acordos)

0,4009

2012 2013 2014

Fonte: Defensoria Pública do Estado/RN, 2015.

De acordo os dados acima informados, verifica-se que a mediação

evidencia ser uma ferramenta adequada para se lidar com a judicialização, pois

reduz o número de ações propostas no judiciário, direciona melhor as

competências aos entes federativos, enquanto busca a solução administrativa dos

casos. Isso também é confirmado em depoimento de um dos atores entrevistados:

Essa mediação a partir de 2012, ela começou a dar uma virada nessa conta. Porque com mediação, a gente começava a... na Defensoria Pública, nós começamos a identificar quem era o ente federativo que realmente deveria estar à frente daquela despesa, entendeu? E fazendo com isso uma diferenciação ao que estava dentro SUS e ao que não estava dentro do Sistema Único de Saúde. E também, o que eu observava muito na judicialização, esse fenômeno cavalar, era o desencontro de obrigações ao que era da política. A gente tinha, demandas judiciais de ‘A.S.’ vindo pro estado e demandas judiciais de ‘atorvastatina’, que a competência é do estado, indo pro município, ‘somatropina’ indo para o município. Então a gente verificava uma... um certo desequilíbrio nesse entendimento de quem é a responsabilidade de fato dentro da política, onde é que tava essa falha, né? A falha não ter agente pra disponibilizar para a população está aonde? Tá no município. Então, se o município não ta dando conta disso, então, se essa demanda se tiver de ser realmente acionada, que ela vá município. Ou seja, não ta tendo... se ta tendo algum problema gerencial na compra ou então até mesmo financeiro. Então a gente ve que é um fenômeno que vem aumentando, porém era extremamente desorganizado, né? Então ia para qualquer lugar essa demanda, majorando entes que em outros momentos, financeiramente, ele não ia mais dar conta nem do que tá na política e nem do que tá no judiciário e chegou num ponto que algumas demandas judiciais baixas e até mesmo pelo desinteresse dos fornecedores, o que é que aconteceram: os bloqueios judiciais começaram a ser bem mais representativos, né? Pra

0,333 0,3357

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118

que esse indivíduo, único, ele possa adquirir aquele medicamento ou material que ele esteja lá necessitando (TÉCNICO 1).

É possível também identificar na fala dos entrevistados outras dimensões do

programa, além da clássica redução da judicialização e resolução administrativa do

conflito. O Programa possui também um viés educativo, tanto atuando nas

questões interfederativas, representadas pela divisão de competências, quanto na

disciplina do uso racional de tecnologias, que contribui para uma melhor

organização, como a do SUS e, consequentemente, seu fortalecimento; esse viés

também foi observado nas entrevistas:

Então essa educação dos profissionais para o uso racional das tecnologias é outro caminho fundamental que, se você não trabalhar, não há mediação, judicialização que dê conta, é preso por mudanças de paradigmas. Por exemplo, agora nessa epidemia sanitária que a gente ta vivendo: dengue, chikungunya e zica, a maioria das condutas que preveniria um agravamento, risco de morte, com uma boa clínica você conseguiria ter um diagnóstico, né? probabilístico mais seguro e as condutas mais adequadas, até a orientação do paciente para as situações de risco e procurar outro serviço de saúde. Quer dizer, como isso não é feito adequadamente, todo o paciente vai lá, pede exame, exame, que o sistema não consegue dar conta os serviços de urgências que também vai prejudicar se uma pessoa grave chegar e não conseguir ter acesso oportuno. (GESTOR 2)

Entende-se que a dimensão educativa do programa equilibra o viés assistencialista e deixa um saldo positivo no fortalecimento do SUS em relação a sua comunicação com a sociedade.

5.3 MEDICAMENTOS, INSUMOS, CIRURGIAS E EXAMES MAIS SOLICITADOS NO SUS MEDIADO EM 2012

Neste momento, serão apresentados os medicamentos, insumos, cirurgias

e exames mais solicitados em 2012. Logo se observa a existência de judicialização,

tanto naquilo que é escopo do SUS, quanto naquilo que o SUS não abrange.

Observa-se no gráfico que, em 2012, os medicamentos mais solicitados no

programa foram: Somatropina, hormônio do crescimento. Este medicamente está

no escopo do SUS e faz parte do Componente Especializado da Assistência

Farmacêutica (CEAF), com 21 solicitações, seguido de Leuprorrelina (Nome

Comercial: Lupron) com 19 solicitações, também previsto no CEAF, partindo para

a Enoxaparina (Nome Comercial: Clexane), com 18 solicitações, que não está

enquadrado na política de assistência farmacêutica preconizada pelo SUS, nem

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119

tampouco os seguintes: Teriparatida (Nome Comercial: Fortéo), com 15

solicitações, Ácido Zoledrônico (Nome Comercial: Aclasta), com 12 solicitações,

Insulina Glargina (Nome Comercial: Insulina Lantus) e Pramipexol (Nome

Comercial: Sifrol) cada um com 11 solicitações e Bevacizumabe (Nome Comercial:

Avastin), com 10 solicitações.

Gráfico 6 – Medicamentos mais solicitados em 2012

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

Em 2012, os medicamentos mais solicitados no programa foram da classe

dos Hormônio do Crescimento (21 solicitações), Agonistas de Longa Ação do

Hormônio Liberador de Gonadotrofinas - GnRH (19 solicitações) e Anticoagulante

(18 solicitações), seguido dos Agentes Formadores de Ossos (15 solicitações),

Bisfosfonatos (12 solicitações) e dos Análogo de Insulina, Agonistas

Dopaminérgicos (11 solicitações) e anticorpo monoclonal anti-VEGF humanizado

(10 solicitações). Ao relacionar os medicamentos informados nesse ano, pode-se

agrupar qual a competência dos entes federativos na sua aquisição e

financiamento, como também os fármacos que não estão contemplados na Relação

Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME).

Acerca dos medicamentos não padronizados na RENAME, atualmente,

temos: Enoxaparina, Teriparatida, Ácido Zoledrônico, Insulina Glargina e

Bevacizumabe. Em 2012 a teriparatida estava contemplada na Portaria Estadual

252/2010, a qual foi revogada após atualização do Protocolo Ministerial e a insulina

glargina é contemplada no Protocolo da Secretaria Municipal de Natal. Também

21

18 19

15

12 10 11 11

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120

aparecem na judicialização.

Já os medicamentos contemplados pela RENAME e classificados no Grupo

1A do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) de acordo

com a Portaria Nº 1.554, de 30 de julho de 2013: Pramipexol. Em 2012 o pramipexol

pertencia ao Grupo 1B do CEAF.

Os medicamentos contemplados da RENAME e classificados no Grupo 1B

do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF), de acordo

com a Portaria Nº 1.554, de 30 de julho de 2013: Somatropina e Leuprorrelina.

GRUPO 1A: Medicamentos com aquisição centralizada pelo Ministério da

Saúde para tratamento das doenças contempladas no Componente

Especializado da Assistência Farmacêutica.

GRUPO 1B: Medicamentos financiados com transferência de recursos

financeiros pelo Ministério da Saúde para tratamento das doenças

contempladas no Componente Especializado da Assistência Farmacêutica.

No que se refere à judicialização de medicamentos que estão dentro do

escopo do SUS, muitas são as variáveis que determinam à sua existência, mas um

dos seus estopins é o problema dos desabastecimento ocasionado por inúmeras

dificuldades na gestão: problemas em relação a sua compra, devido a dívidas com

fornecedores, que não aceitam entregar novos medicamentos à gestão enquanto

as débitos antigos não forem pagos; dificuldades operacionais nos setores

encarregados de promover as licitações públicas. Tais circunstâncias fogem do

tradicional entendimento de que o seu desabastecimento é ocasionado apenas pela

falta de um bom planejamento. Esse entendimento foi confirmado no discurso de

uma das entrevistas realizadas:

É... O fenômeno da judicialização, o que é que a gente vem, né... identificando ao longo dos tempos: que esse fenômeno, ele tem o estopim do desabastecimento, então no momento em que a unidade começa a ficar fragilizada por diversos problemas administrativos e financeiros. Esse administrativo, quando a gente fala no sistema único de saúde a gente vem embasado na aquisição e essa aquisição é por meio de uma lei, da 8.666, você tem que atender a todos esses pré-requisitos e quando você não consegue licitar, você não consegue empenhar, você começa a desabastecer. Então, o desabastecimento vem a causar a judicialização. Esse é um ponto. Em 2012 nós tínhamos um desabastecimento de quase 50% do componente especializado que é aquilo onde nós temos um... o estado tem uma grande força de atender em torno de 25 mil usuários. Então eu tinha 45% da minha padronização desabastecida, então, o que é que isso gerava? Muita judicialização do que estava dentro da política

(TÉCNICO 1).

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121

Identifica-se, no gráfico 7, que, em 2012, os insumos mais solicitados no

programa: Fraldas Geriátricas (com 24 solicitações), seguido de Agulhas para

Insulina (com 07 solicitações), partindo para Fraldas normais e Lancetas cada um

com 06 solicitações e Tiras com 05 solicitações.

Gráfico 7 – Insumos mais solicitados em 2012

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

Observa-se no gráfico 8 que, em 2012, os exames e cirurgias mais

solicitados no programa: colonoscopia (11 solicitações), seguido de cirurgias de

hérnia, de vesícula, de consultas para cirurgião geral e de retirada de cateter duplo-

J (cada uma com 08 solicitações), ecocardiograma (com 06 solicitações), cirurgia

de joelho, cirurgia de próstata e RM da Coluna com 05 solicitações cada e biópsia

de próstata, RM de Crânio e US abdominal total com 04 solicitações cada um.

Gráfico 8– Exames e Cirurgias mais solicitados em 2012

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

24

7 6 6 5

Agulhas (insulina) Fraldas Fraldas Geriátricas

Lancetas Tiras

11

8 8 8 8 8

4 5 5

6 5

4 4

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122

5.4 MEDICAMENTOS, INSUMOS, CIRURGIAS E EXAMES MAIS SOLICITADOS NO SUS MEDIADO EM 2013

Observa-se no gráfico 8 que, em 2013, os medicamentos mais solicitados

no programa: Enoxaparina (Nome Comercial: Clexane) com 41 solicitações;

seguido de Teriparatida (Nome Comercial: Fortéo) com 18 solicitações; partindo

para o Paricaltitol (Nome Comercial: Zemplar) com 15 solicitações; Insulina

Glargina (Nome Comercial: Insulina Lantus), Ácido Zoledrônico (Nome Comercial:

Aclasta) e Bevacizumabe (Nome Comercial: Avastin) com 12 solicitações cada;

Azatioprina e Insulina com 08 solicitações cada; Formoterol + Budesonida (Nome

Comercial: Alenia), Rituximabe (Nome Comercial: Mabthera) e Micofenolato de

Mofetila com 07 solicitações cada; Vildagliptina + Cloridrato de Metformina (Nome

Comercial: GalvusMet) e Tacrolimo (Nome Comercial: Protopic Creme) com 06

solicitações cada; Leflunomida (Nome Comercial: Arava), Pancreatina (Nome

Comercial: Creon), Gabapentina e DabigatranoEtexilato (Nome Comercial:

Pradaxa) com 05 solicitações cada.

Gráfico 9 – Medicamentos mais solicitados em 2013

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

É interessante ressaltar exemplos como o medicamento Forteo, o segundo

mais demandado em 2012, que foi submetido à análise da Comissão Nacional de

41

18 15

12 12 12

7 8 8 5 5 5 6 7 7

5 6

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123

Incorporação de Novas Tecnologias – CONITEC, criada pela lei 12.401, para cuidar

da avaliação e inclusão de novos medicamentos ao sistema; baseado em critérios

científicos, teve o seu parecer pelo indeferimento confirmando. A percepção de

quem teve experiências com a gestão atesta que a judicialização de muitas

demandas judiciais por medicamentos não respeita critérios científicos de eficácia

e segurança do paciente onerando o sistema de saúde, prejudicando os próprios

usuários.

Vale salientar que a luta pela equidade e integralidade vão além do simples

consumo ou acesso a determinados serviços e nos remetem ao campo da

micropolítica em saúde e suas articulações, fluxos e circuitos que configuram uma

macropolítica, que convencionamos chamar sistema de saúde (CECILIO, 2001) e

que as tecnologias leves, tais como acolhimento, vínculo, autonomização,

responsabilização e gestão são também um tipo de recurso que precisa ser mais

bem explorado nesse contexto.

A fala de um dos entrevistados é ilustrativa de tal argumento:

E da mesma forma, os agentes que operam o direito ou que operam a atenção à saúde, também ter essa consciência de que recursos públicos sempre têm limitações e que eles precisam ser utilizados de forma mais adequada e que uma correta atenção a saúde conta com recursos que muitas vezes ta ai disponíveis na interação entre profissional e usuário, o recurso do saber, da interação, do diálogo e do uso dos instrumentos mais simples, das tecnologias mais simples de poder equacionar problemas, e cada vez mais nos sabemos que as doenças no mundo associadas ao psico-afetivo são cada vez maiores e a escuta, o diálogo e a proposição de ações, as vezes tem um bom, boas soluções. Lógico que precisamos fazer com que os recursos de maior tecnologia tenham um acesso mais racionalizado, através do processo de regulação, e pra isso a gestão do estado precisa melhorar muito. (GESTOR 2)

Em 2013, os medicamentos mais solicitados no programa foram da classe

dos Anticoagulante (41 solicitações), Agentes Formadores de Ossos (18

solicitações), análoga de vitamina D (ativador seletivo de receptores de vitamina D)

(15 solicitações); Análogo de Insulina, Bisfosfonatos e anticorpo monoclonal anti-

VEGF humanizado (12 solicitações cada); Imunossupressor e Insulina (08

solicitações cada); Broncodilatador + Glicocorticóide, Antineoplásico e

Imunossupressor (07 solicitações cada); Antidiabéticos orais da classe do

(inibidores da DPP-4 e biguanidas) e Agente Imunomodulador (06 solicitações

cada); Agente Anti-reumático, Enzimas Pancreáticas, Anticonvulsivantes e

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124

Antitrombótico (05 solicitações cada).

Nesse caso, foi a vez das insulinas análogas, cuja introdução no sistema a

CONITEC não recomendou, afirmando que estas não teriam uma superioridade

em relação às outras que justificasse seu custo mais elevado. No entanto elas

continuam a se judicializadas.

Os medicamentos informados relacionam-se à competência dos entes

federativos na sua aquisição e financiamento, como também os fármacos que não

estão contemplados na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)

atualmente:

Medicamentos não padronizados na RENAME atualmente: Enoxaparina,

Teriparatida, Paricaltitol, Ácido Zoledrônico, Insulina Glargina, Bevacizumabe,

Vildagliptina + Cloridrato de Metformina, Tacrolimo e Dabigatrano Etexilato.

Em 2013, a teriparatida estava contemplada na Portaria Estadual 252/2010,

a qual foi revogada após atualização do Protocolo Ministerial e a insulina glargina,

contemplada em um Protocolo elaborado pela Secretaria Municipal de Natal.

Os medicamentos contemplados da RENAME e classificados no Grupo 1A

do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) de acordo com

a Portaria Nº 1.554 de 30 de julho de 2013: Rituximabe e Micofenolato de Mofetila.

No que tange aos medicamentos contemplados da RENAME e classificados

no Grupo 1B do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF)

de acordo com a Portaria Nº 1.554 de 30 de julho de 2013, tem-se: Azatioprina,

Leflunomida e Pancreatina.

Já os medicamentos contemplados pela RENAME e classificados no Grupo

2 do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF), de acordo

com a Portaria Nº 1.554 de 30 de julho de 2013 são: Formoterol + Budesonida e

Gabapentina. A insulina não foi classificada, tendo em vista que não houve

informação qual o tipo da insulina.

GRUPO 1A: Medicamentos com aquisição centralizada pelo Ministério da

Saúde para tratamento das doenças contempladas no Componente Especializado

da Assistência Farmacêutica.

GRUPO 1B: Medicamentos financiados com transferência de recursos

financeiros pelo Ministério da Saúde para tratamento das doenças contempladas

no Componente Especializado da Assistência Farmacêutica.

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GRUPO 2: Medicamentos financiados pelas Secretarias de Estado da Saúde

para tratamento das doenças contempladas no Componente Especializado da

Assistência Farmacêutica.

Através do gráfico 10, nota-se que, em 2013 os insumos mais solicitados no

programa: Fraldas (com 58 solicitações); seguido de Fraldas Geriátricas (com 34

solicitações); partindo para o glicosímetro (com 12 solicitações); o IsosourceSoya

com 10 solicitações; fitas, nutrisonenergy e nutrisonsoya com 09 solicitações cada;

lancetas e seringas com 07 solicitações cada; agulhas e nutrenactive com 06

solicitações cada; gases, sonda uretral e suplementação alimentar com 05

solicitações cada.

Gráfico 10 – Insumos mais solicitados em 2013

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

No caso das demandas solicitando insumos ligados à nutrição, percebe-se

uma grande variedade. Observa-se que não havia, no período em que foi feita a

pesquisa, 2012 a 2014, nenhuma política pública voltada para a nutrição, com

exceção nos casos de internação hospitalar, o que pode justificar alto número de

pedidos, dificultando a resolução de forma administrativa. Quando não há

alternativas dentro do próprio sistema de saúde, a mediação torna-se impotente,

pois não haverá a possibilidade dentro do seu escopo de buscar respostas.

Ademais, a indústria farmacêutica que, no ano de 2013, alcançou a sexta

posição no mercado brasileiro nos últimos anos vem passando por mudanças

INSUMOS

58

34

6 9 12 5

10 7 6 9 9 7 5 5

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126

importantes no perfil de demanda, nas competências tecnológicas requeridas e no

cenário competitivo. Essas mudanças motivaram as empresas do setor a adotar

novas estratégias. Apesar de se caracterizar como uma indústria baseada em

inovação de produtos, observa-se maior dificuldade das empresas líderes para

lançar medicamentos de alto impacto no mercado, em razão do tempo e do custo

ter crescido muito e aumentado a incerteza em relação ao investimento, armando-

se de estratégias cada vez mais agressivas de convencimento e conquista de

mercados, sendo o SUS o seu pagador institucional mais relevante (GOMES et al.,

2014). O que gera grandes questionamentos dos números da judicialização é a

influência da indústria farmacêutica também nesses processos.

Essa possibilidade de influência de interesses econômicos é sempre

lembrada pelos que trabalham com a gestão, como vemos pelo depoimento,

abaixo:

E uma outra crítica bastante já discutida é que não teria sentido assegurar esse direito a um quando o Estado não está assegurando ao coletivo, né? Essa individualização da perspectiva na garantia do direito. São alguns dos aspectos que a gente, vamos dizer assim, tem havido discussão, além da... do risco da influência dos interesses econômicos. Que isso também já tem se manifestado, seja por parte dos usuários que são emulados pelos laboratórios, produtores de tecnologia a cobrar do estado a implementação a adoção de recursos bem mais caros as vezes sem uma eficácia comprovada, ou ainda a possibilidade de você ter corporações que se utilizam do seu poder também impor ao Estado preços exorbitantes diante de decisões judiciais (GESTOR 2).

Observa-se no gráfico 11 que, em 2013, os exames e cirurgias mais

solicitados no programa foram: colonoscopia (21 solicitações); seguido de cirurgias

geral (com 17 solicitações); R.M. de coluna lombar (com 13 solicitações); cirurgia

de joelho com 11 solicitações; eletroencefalograma e endoscopia digestiva alta com

10 solicitações cada; USG transvaginal com 09 solicitações; e RM de Crânio com

08 solicitações.

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Gráfico 11 - Exames e Cirurgias mais solicitados em 2013

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

Em relação ao número de exames e de cirurgias solicitados através da

mediação, identificou-se em um dos depoimentos gravados que as suas razões

podem se dar, tanto pela descontinuidade dos recursos da União, pelas

dificuldades da gestão em organizar esses serviços e pelas condutas médicas, o

que termina por ocasionar insuficiência de oferta à população; é o que se observa

pelos relatos seguintes:

E o Brasil que não chegou a ter acesso a esse estado de bem-estar social, essa construção de recursos, essa ação ela é mais danosa. Nos últimos anos, tivemos uma expansão significativa de serviços, se for pensar: na estratégia da saúde em família que mais do que dobrou o número de equipes, na expansão na rede de urgências com as UPAs que hoje está presente em inúmeros municípios do Brasil, o próprio SAMU ou Brasil Sorridente. Só que nessa expansão, o Brasil não teve um acompanhamento dos recursos, da União, principalmente, e consequentemente, ela começa a achar gargalos para a continuidade desses serviços e a manutenção da qualidade. (...) mas esbarra muitas vezes naquele limite da oferta: pegar concretamente um caso de cirurgias eletivas em Natal e no Rio Grande do Norte. Hoje, não tem mediação, não tem judicialização que dê conta, porque você tem uma demanda talvez cinco vezes acima da capacidade porque os mecanismos de remuneração, os mecanismos da gestão e da oferta pública desses procedimentos, não têm assegurado uma oferta regular de procedimentos e cirurgias eletiva. E aí, sempre que vai... eu vejo a judicialização e a mediação atender uns números, o outros vão ficar quietos na espera, e nem sempre você tem segurança naqueles que estão mais necessitados. (...)

Então, você tem situações de carência de ofertas e consultas especializadas em muitas áreas, aí você chega no hospital universitário,

21

17

13 11

10 10 8

9

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128

que é um grande ofertante, um 100% SUS, e você tem dados na época, pelo menos, que 50% alta concorrência que você tinha 10 exames marcados e vinham 3 pessoas. Quer dizer então que, se não melhorar os processos de gestão do cuidado, da atenção e dos serviços pra utilizar com mais eficácia os recursos mais eficientes. Quer dizer, a mediação vai ta tentando forçar um pouco situações que, digamos assim, não tão tendo o devido equacionamento. Então, melhorar esses processos regulatórios, melhorar a disposição dos recursos disponíveis e viabilizar o aumento de oferta onde for mais necessária, é uma condição fundamental, é a racionalização de recursos, inclusive, na questão das condutas médicas (GESTOR 2).

Observa-se também a importância dos condutores no processo de mediação

no sentido de que os usuários do sistema possam escolher outras alternativas

possíveis para a resolução do problema, o que remete à discussão do uso racional

das tecnologias em saúde, mercado e modelo biomédico de saúde, ponto este

levantado nas entrevistas.

E o debate sobre a garantia de uma saúde assentada na qualidade de vida, mas também na responsabilidade individual de mudanças de hábitos e na questão do coletivo, do ambiente, do trabalho, eu acho que é isso que precisa ser retomado com muita força. Porque você tem caído muito nessa vertente curativa que foi criticada desde os fundamentos da reforma sanitária, mas ela continua hegemônica exatamente porque o mercado sobre a saúde é um setor altamente lucrativo, hoje representa quase 10% do PIB e a disputa de interesses aí é muito grande esses interesses influenciam a política do estado, influenciam as decisões judiciais, influenciam todo o processo, né? Então, é um debate muito ampliado e que a sociedade e todos os sujeitos envolvidos precisam ter muita consciência para não estar apenas atendendo interesses de grupos. (...) Tanto no setor público quanto no setor privado. Você tem uma pratica em que se preconiza, ou onde predomina, melhor dizendo, o atendimento, diagnóstico e a prescrição terapêutica, mas sem pensar num cuidado mais integral e mudanças de hábitos e condutas do sujeito, de ele assumir mais o protagonismo da sua saúde. Então, assim são questões, que, digamos assim, finda caindo em processos judiciais porque o sistema, como ele ta organizado, não consegue responder a essas demandas do momento sanitário que a gente vive no Brasil e em parte no mundo também. (GESTOR 2).

Uma outra questão é ainda a cultura predominante de atendimento,

diagnóstico e prescrição terapêutica sem que sejam trabalhadas mudanças de

hábitos e condutas do sujeito em assumir o protagonismo da sua saúde como

preconizado pelos idealizadores da reforma sanitária.

5.5 MEDICAMENTOS, INSUMOS E CIRURGIAS E EXAMES MAIS SOLICITADOS NO SUS MEDIADO EM 2014

Observa-se que, em 2014, través do gráfico 12, os medicamentos mais

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solicitados no programa: Enoxaparina (Nome Comercial: Clexane) com 29

solicitações; seguido de Tiotrópio (Nome Comercial: spirivarespimat) com 17

solicitações; partindo para Somatropina com 10 solicitações; Teriparatida (Nome

Comercial: Fortéo) e Micofenolato de Mofetila com 09 solicitações; Denosumab

(Nome Comercial: Prolia) e Rivaroxabano (Nome Comercial: xarelto) com 08

solicitações; Bevacizumabe (Nome Comercial: Avastin) e Temozolomida (Nome

Comercial: Temodal) com 07 solicitações; Risperidona e Paricaltitol (Nome

Comercial: Zemplar) com 06 solicitações; Formoterol + Budesonida (Nome

Comercial: Alenia), Doxazosina, Infliximabe, Insulina, Rituximabe (Nome

Comercial: Mabthera), Bortezomibe (Nome Comercial: Velcade) e Vigabatrina cada

um com 05 solicitações.

Gráfico 12 – Medicamentos mais solicitados 2014

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

Os medicamentos mais solicitados em 2014 no programa foram da classe

dos Anticoagulante (29 solicitações), Broncodilatador anticolinérgico (17

solicitações); Hormônio do Crescimento (10 solicitações); Agentes Formadores de

Ossos e Imunossupressor (09 solicitações); Anticorpo IgG2 Monoclonal Humano e

Agente Antitombótico (08 solicitações); Anticorpo Monoclonal anti-VEGF

Humanizado e Agentes antineoplásicos (07 solicitações); Antipsicótico e Análoga

de Vitamina D (ativador seletivo de receptores de vitamina D) (06 solicitações);

MEDICAMENTOS

29

17

9 9 8 10

8 5

7 5 5 5 6 5

7 5 5 6

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Broncodilatador + Glicocorticóide, Anti-hipertensivo, Anticorpo Monoclonal IgG1,

Insulina, Antineoplásico, Inibidor do Proteassoma e Anticonvulsivante (cada um

com 05 solicitações). Seguindo a sequência da classificação, defini-se qual a

competência dos entes federativos na sua aquisição e financiamento como também

os fármacos que não estão contemplados na Relação Nacional de Medicamentos

Essenciais (RENAME) atualmente:

Os medicamentos não padronizados na RENAME atualmente: Enoxaparina,

Tiotrópio, Teriparatida, Denosumab, Rivaroxabano, Bevacizumabe,

Temozolomida, Paricaltitol e Bortezomibe. Em 2014, a Portaria Estadual 252/2010

foi revogada.

Medicamentos contemplados da RENAME e classificados no Grupo 1A do

Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) de acordo com a

Portaria Nº 1.554 de 30 de julho de 2013: Infliximabe, Rituximabe e Micofenolato

de Mofetila.

Medicamentos contemplados da RENAME e classificados no Grupo 1B do

Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF), de acordo com a

Portaria Nº 1.554, de 30 de julho de 2013: Somatropina e Risperidona.

Medicamentos contemplados da RENAME e classificados no Grupo 2 do

Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF), de acordo com a

Portaria Nº 1.554, de 30 de julho de 2013: Formoterol + Budesonida e Vigabatrina.

Medicamentos contemplados da RENAME e classificados no Grupo 3 do

Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF), de acordo com a

Portaria Nº 1.554, de 30 de julho de 2013: Doxazosina. A insulina não foi

Classificada, tendo em vista que não houve informação qual o tipo da insulina.

GRUPO 1A: Medicamentos com aquisição centralizada pelo Ministério da

Saúde para tratamento das doenças contempladas no Componente

Especializado da Assistência Farmacêutica.

GRUPO 1B: Medicamentos financiados com transferência de recursos

financeiros pelo Ministério da Saúde para tratamento das doenças

contempladas no Componente Especializado da Assistência

Farmacêutica.

GRUPO 2: Medicamentos financiados pelas Secretarias de Estado da

Saúde para tratamento das doenças contempladas no Componente

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131

INSUMOS 76

6 4 4 4 5 5 10 6

Especializado da Assistência Farmacêutica.

GRUPO 3: Medicamentos cuja dispensação é de responsabilidade dos

municípios e Distrito Federal para tratamento das doenças contempladas

no Componente Especializado da Assistência Farmacêutica

O gráfico 13 apresenta que, em 2014, os insumos mais solicitados no

programa foram: Fraldas (com 76 solicitações); seguido de nutrison soya (com

10 solicitações); partindo para as agulhas e as sondas (com 06 solicitações

cada); o isosource soya e o nutrison energy com 05 solicitações cada; fiber

mais, gazes e glutamina sachê com 04 solicitações cada.

Gráfico 13 – Insumos mais solicitados 2014

Agulhas Fiber Mais Fraldas Gazes Glutamina Isosource Nutrison Nutrison Sondas

sachê Soya Energy soya

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

Observa-se que, em 2014, segundo o gráfico 14, os exames e cirurgias

mais solicitados no programa foram: cirurgia geral (46 solicitações); seguido de

colonoscopia (com 26 solicitações); implante de cateter duplo J (com 25

solicitações); cateterismo com 11 solicitações; PET-SCAN oncológico com 21

solicitações cada; ureterorenolitotripsia com 16 solicitações; artroplastia total do

quadril e consulta com cardiologista com 15 solicitações cada; nefrolitotripsia

percutânea com 14 solicitações cada; artroplastia total do joelho

e eletroneuromiografia com 11 solicitações cada; RM coluna lombar sacra com

10 solicitações.

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132

46

26 25 21

16

Gráfico 14 – Exames ou Cirurgias mais solicitados em 2014

24

15 15

11 11 14 10

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

Compreende também um dos gestores entrevistados que a melhora da

regulação do acesso a esses serviços pode ser um instrumento importante para

facilitar a inclusão dos usuários no sistema de saúde e diminuir o represamento

de ofertas de procedimento, assim como o aumento da oferta. Faz-se

necessária uma mudança de paradigma no que concerne à educação para o

uso das tecnologias, no diz respeito ás condutas médica, pois, muitas vezes,

essas solicitações são feitas em cima de pressões do usuário, o que acaba

congestionando todo o sistema. Se essa educação para o uso racional dos

recursos não for mais bem trabalhada, não haverá judicialização, nem

mediação que deem conta.

Um dos entrevistados também destaca que, ao lado da escassez de

oferta, há outras questões que carecem de uma melhor qualificação da

organização dos serviços, tais como o absenteísmo do usuário que prejudica o

sistema, carecendo de uma melhor gestão da organização do serviço; que

essas situações, terminam se transformando em ações judiciais, pois o sistema,

como está organizando, não consegue responder às demandas do momento

sanitário em que se vive, nem prestar uma atenção integral de forma

longitudinal.

Ao analisar os dados referentes aos medicamentos mais solicitados em

2012, 2013 e 2014 pode-se verificar que o número de solicitações para

medicamentos que não estão comtemplados nas políticas públicas do SUS é

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133

crescente:

Em 2012, observam-se 66 (sessenta e seis) solicitações com 5 (cinco) tipos

de fármacos que não são contemplados no âmbito do SUS através da RENAME e,

por outro lado, verifica-se que 51 (cinquenta e uma) solicitações foram realizadas

para medicamentos que estão padronizados no SUS para três medicamentos

apenas: Lupron, Sifrol e Somatropina.

Já em 2013, foram 135 (cento e trinta e cinco) solicitações em 10 (dez) itens

não padronizados no SUS e 44 (quarenta e quatro) solicitações para 7 (sete) itens

contemplados na RENAME. Porém 2 (dois) medicamentos (mabthera e

micofenolato) com 14 (quatorze) solicitações possivelmente foram solicitados

devido à incompatibilidade de CID com os Protocolos Clínicos e Diretrizes

Terapêuticas (PCDTs), o que aumentaria os índices de medicamentos com

indicação clínica não contemplada no SUS para 149 solicitações.

E em 2014, foram 101 (cento e uma) solicitações contemplando 10 (dez)

medicamentos não padronizados contra 50 (cinquenta) solicitações, em 8 (oito)

fármacos padronizados no SUS, da mesma forma que, em 2013, detectamos 3 três

fármacos (rituximabe, micofenolato e infliximabe) contemplados no SUS que

possivelmente tiveram suas solicitações para outras indicações clínicas, o que

aumentaria para 120 solicitações de medicamentos não padronizados no SUS.

Ao longo dos anos, a CONITEC vem apresentando relatórios e atualizando

os PCDTs, incorporando ou não as solicitações de novas tecnologias, pode-se

exemplificar o caso da não incorporação do fortéo (teriparatida) e aclasta (ácido

zolendrônico), através da PORTARIA Nº 451, DE 9 DE JUNHO DE 2014 (*) que

aprovou o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Osteoporose:

O Teriparatida não demonstrou superioridade em desfechos clínicos

comparativamente aos bifosfonatos antes relacionados, sua duração máxima de

uso estabelecida pelo fabricante é de 18 meses, devido a dúvidas sobre segurança

em longo prazo. A necessidade de aplicações subcutâneas diárias e os cuidados

de conservação são fatores limitantes que podem reduzir a efetividade.

Ácido zoledrônico, avaliado e não aprovado pela Comissão de Incorporação

de Tecnologias (CITEC), por insuficiência de evidências de superioridade frente

aos demais bifosfonatos (comparação com placebo); pela disponibilidade de

opções terapêuticas eficazes; pelo risco de migração de tratamentos seguros e de

menor custo para outro, de alto custo; pela não recomendação em pacientes com

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134

insuficiência renal e portadores de periodontite (pelo risco de desenvolverem

osteonecrose mandibular), situações de saúde muito frequentes em idosos,

população de maior incidência e prevalência da osteoporose; pela disponibilidade

de alternativa terapêutica para pacientes com problemas de deglutição ou

intolerantes aos bifosfonatos orais, com eficácia semelhante e de muito menor

custo. Um melhor manejo de informações técnicas, a melhora da oferta e a

interação entre os atores da mediação e a CONITEC foi sugerido por um ator

ligado a gestão.

Veja bem, eu acho assim, que o avanço maior, seria ele estar mais disseminado no âmbito do conjunto das regiões de saúde, porque você ainda tendo muita coisa que vem pra Natal porque não é resolvido em outras regiões, pra que esse processo seja resolvido o mais próximo possível de onde os residentes moram, mas eu acho que também essa informação técnica ser mais desmobilizada, lembro aqui a existência da CONITEC, comissão nacional de avaliação e incorporação tecnológica em saúde, tanto pelos órgãos como pelos usuários terem conhecimento disso, os órgãos e os profissionais se utilizarem disso e a gente ter uma fundamentação mais técnicas a essas decisões e consequentemente a comunicação, mas também, a gestão ta mais informada desses processos, analisando as demandas que chegam na mediação para se antecipar aos fatos e buscar melhorar a oferta onde tem mais gargalo, porque se não você não vai ter, digamos assim, uma solução só dentro do processo de mediação se você não conseguir melhorar a oferta (GESTOR 2).

Portanto verifica-se que é imperativa a legitimação da CONITEC como

ferramenta fundamental aos profissionais de saúde que atuam na gestão, mediação

ou judicialização, como bem confirmou a impressão de um dos entrevistados acima.

5.6 MEDICAMENTOS, INSUMOS, CIRURGIAS E EXAMES MAIS ENCAMINHAMENTOS À DPE E À DUP VIA SUS MEDIADO EM 2012 e 2013.

Em 2012, os relatórios de atendimento ainda não descriminavam para onde

era encaminhado cada caso concreto.

Observa-se que, em 2013, os medicamentos mais solicitados à DPU via SUS

Mediado foram: fortéo (18 solicitações); seguido de zemplar (com 15 solicitações);

partindo para aclasta, avastin e insulina lantus (com 12 solicitações cada);

azatioprina com 08 solicitações; micofenolato de mofetila com 07 solicitações;

creon, gabapentina e pradaxa com 05 solicitações. Como mostra o gráfico 15.

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135

Gráfico 15 – Medicamentos mais encaminhados à DPU 2013

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

Observa-se que em 2013, os medicamentos mais solicitados à DPE via

SUS Mediado foram: somatropina (25 solicitações); seguido de espiramicina e

sandostatin (com 04 solicitações); partindo para vigabatrina (com 03

solicitações) e mesalazina 02 solicitações.

É válido comentar que, ainda em 2013, nos relatórios de atendimento do

SUS MEDIADO não é tão ampla a orientação de direcionamentos à DPE.

Segue abaixo o gráfico 16.

Gráfico 16 – Medicamentos mais encaminhados à DPE 2013

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

Observa-se no gráfico 17 que, em 2013, os insumos mais solicitados à

DPU via SUS Mediado foram: o Isosource Soya (com 10 solicitações);

nutrisonsoya (com 09 solicitações); nutrenactive (com 06 solicitações);

suplementação alimentar com 05 solicitações; e nutren júnior, renalmax e tiras

18 15

12 12 12

8 7 5 5 5 6

Aclasta Avastin Azatiopri

Micofen

na Creon Fortéo

Gabapen Insulina olato de Pradaxa

Protopic Zemplar

tina Lantus creme

12 12 8 5 18 5

mofetila

12 7 5 6 15

25

4 4 2

3

Espiramicina Mesalazina Sandostatin Somatropina Vigabatrina

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136

5 5

Dispositivo para incontinência urinária

Gases Sonda Uretral

de verificação (com 04 solicitações cada).

Gráfico 17 – Insumos mais encaminhados à DPU 2013 via SUS Mediados

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

Em 2013, os insumos mais solicitados à DPE via SUS Mediado foram: gases

e sonda uretral (cada um com 5 solicitações); e dispositivo para incontinência

urinária (com 02 solicitações). Como demonstra o gráfico 18 abaixo.

Gráfico 18 – Insumos mais encaminhados à DPE 2013 via SUS Mediados

2

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

É válido reiterar que, ainda em 2013, nos relatórios de atendimento do SUS

MEDIADO, não é tão ampla a orientação de direcionamentos à DPE.

5.6.1 Exames e Cirurgias mais encaminhados à DPE e à DPU via SUS Mediado

em 2013.

Neste momento, os relatórios, além de não serem claros em sua orientação

quanto ao direcionamento à DPE e à DPU, as solicitações de exames e cirurgias

Isosource Nutren Soya Active

Nutren Júnior

Nutrison Soya

Pediasure Renalmax

10 6 4 9 4 4

Suplementa Tiras ção (verificação

Alimentar )

5 4

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137

não passam de uma em todo o ano para cada órgão. Ou seja, existem poucos

dados que informam para onde a solicitação foi feita e dentre os que existem não

passam de uma solicitação ao ano; por isso não foi possível trazê-los em gráfico, já

que a proposta aqui é mostrar os exames e cirurgias mais solicitados.

5.7 MEDICAMENTOS, INSUMOS, CIRURGIAS E EXAMES MAIS ENCMINHADOS À DPE E À DPU VIA SUS

Observa-se que, em 2014, os medicamentos mais solicitados à DPU via SUS

Mediado foram: seguido de spiriva respimat (com 17 solicitações); partindo para

enoxaparina sódica (com 11 solicitações); somatropina (com 10 solicitações); fórteo

e micofenolato de mofetila com 09 solicitações; prolia com 08 solicitações; avastim

e temodal com 07 solicitações; alenia, infliximabe, rituximabe, velcade e vigabatrina

cada um com 05 solicitações. Como segue baixo no gráfico 19.

Gráfico 19 – Medicamentos mais encaminhados à DPU 2014

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

Verifica-se que, em 2014, os medicamentos mais solicitados à DPE via

SUS Mediado foram: Tarfic (com 03 solicitações); e carvedilol, espironolactona,

evista, lumigan colírio, riluzol e timolol colírio (com 02 solicitações cada). Como

demonstra gráfico 20.

Alenia Avasti

m

Enoxap irina

Sódica Fórteo

Inflixim abe

5

Micofe nolato

de Mofetil

a

9

Prolia Rituxim Somatr

Respim Temod Velcad Vigabat

Spiriva

abe opina at

al e rina

5 7 11 9 8 5 10 17 7 5 5

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138

3

10

Isosource Soya Nutrison Energy Nutrison soya

Gráfico 20 – Medicamentos mais encaminhados à DPE 2014

2 2 2 2 2 2

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

É válido ressaltar que, ainda em 2014, nos relatórios de atendimento do

SUS Mediado, não é tão ampla a orientação de direcionamentos à DPE; por

isso a quantidade de encaminhamentos solicitadas via SUS Mediado à DPE é

baixa.

Ao observar o gráfico 21, percebe-se que, em 2014, os insumos mais

solicitados à DPU via SUS Mediado foram: o nutrison soya (com 10

solicitações); e nutrison energy e isosource soya (com 05 solicitações cada).

Gráfico 21 – Insumos mais encaminhados à DPE e à DPU via SUS Mediado em 2014

5 5

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

É interessante reiterar que, pela primeira vez, já em 2014, os relatórios de

atendimento do SUS MEDIADO não são claros na orientação de direcionamentos à

DPU; por isso a quantidade de encaminhamentos solicitadas via SUS Mediado à

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DPU foi baixa.

É válido ainda lembrar que, neste momento, os relatórios, além de não

serem claros em sua orientação quanto ao direcionamento à DPE e à DPU, os

insumos não passam de 01 (um) em todo o ano para a DPE. Ou seja, existem

poucos dados que informam para onde a solicitação foi feita e dentre os que

existem não passam de 01 solicitação ao ano; por isso não foi possível trazê-los

em gráfico, já que a proposta aqui é mostrar os exames e cirurgias mais solicitados.

Observa-se que, em 2014, os exames ou cirurgias mais solicitadas à DPU

via SUS Mediado foram: cateterismo (com 24 solicitações); artroplastia total do

quadril (com 15 solicitações); pieloplastia (com 08 solicitações); doppler MMII (com

06 solicitações); e cirurgia de escoliose e EAD com 05 solicitações cada. Como

aponta o gráfico 22 abaixo.

Gráfico 22 – Exames ou cirurgias mais encaminhadas à DPE e à DPU via SUS Mediado em

2014

Fonte: Autoral, com base nos relatórios de atendimento do SUS Mediado na Defensoria Pública do Estado/RN.

5.8 POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES DO PROGRAMAS

Em junho de 2015, conforme Ata da Primeira Reunião Ordinária do

Programa SUS MEDIADO, foi realizada a primeira reunião de gestão com todos os

técnicos que participam efetivamente das mediações e todos os coordenadores do

programa, a fim de apontar os problemas enfrentados e as soluções. Alguns

técnicos já participavam do programa desde a sua criação, enquanto outros

24

15

8

5 6

5

Artroplastia Cateterismo total do quadril

Cirurgia de escoliose

Doppler MMII EAD Pieloplastia

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estavam lá há pouco mais de três meses.

Primeiramente, foi identificada a necessidade de formular um calendário

permanente de reuniões – tendo em vista esta ser a primeira reunião geral com

todos os atores envolvidos após 3 anos de criação do programa, o que gerou

críticas sobre a demora sistemática dos encontros, mesmo com a previsão

periódica no termo de cooperação técnica, o que foi compreendido pela dificuldade

de todos os participantes do programa em acumular as atribuições desenvolvidas

no programa com a acumulação de atribuições habituais que cada ator tem no

serviço público.

O déficit de pessoal em todas as suas esferas foi citado de forma recorrente

por alguns dos atores entrevistados, principalmente os que estão mais próximos da

gestão, como a maior fragilidade do programa e um dos grandes riscos à sua

sustentabilidade. Uma das sugestões foi que houvesse, neste ponto, uma maior

sinergia com o judiciário, possibilitando assim uma ampliação do programa,

através, por exemplo, de cessões de servidores do poder judiciário para o poder

executivo. É o que demonstra o depoimento de vários atores entrevistados:

A principal fragilidade do SUS mediado que eu vejo hoje é de pessoal. É questão de remuneração, porque isso aqui é um trabalho extra. E é um trabalho de muita responsabilidade, porque assim, quando eu saio para ir pro SUS Mediado, o meu trabalho aqui para e acumula. Não tem alguém que venha fazer o meu trabalho para eu ir fazer o SUS mediado. Então eu tenho dois trabalhos. É uma sobreposição de tarefas (TÉCNICO 3).

É uma fragilidade que eu vejo que tem em todas as esferas e todos os entes. É um problema relacionado a pessoal; A maior fragilidade, a maior deficiência é de pessoal; Não, porque todas as outras fragilidades estão inerentes a esse déficit; Eu vou atender uma quantidade de usuário bem menor... os dias se restringem a um único dia. Então, assim eu acho que tudo está muito relacionado, na minha percepção, ao déficit. Se a gente pudesse melhorar e garantir essa parte estrutural também... de pessoal e de estrutura física, como um todo (OPERADOR DE DIREITO 5).

É... eu acho que isso careceria porque, na verdade, essa falta de recursos humanos, ela é um problema endêmico no país. Se diz que o estado é gigantesco, que ele é gerido de forma ineficaz, a gente tá sempre buscando mais concurso público, ampliação de um estado que já se sabe gigantesco e que quanto mais se aumenta, mesmo assim aparece mais déficit de pessoas. Especificamente esse programa, que é um programa novo e com uma relevância significativa, inclusive do ponto de vista financeiro, acredito que deveria haver uma sinergia entre o judiciário e o próprio poder público, né? De forma sinérgica. Se pra ambos há dificuldades, solidariamente a resposta poderia ser mais eficaz do que solitariamente. (...) eu acredito, Adriana, que hoje a saúde seja sozinha, isoladamente, quem mais demanda pela justiça. É um número tão gigantesco de processos que tomam tempo dos magistrados, que tomam

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tempo da parte administrativa, que consome recurso público pra se resolver sempre da forma pontual, sempre da forma pontual, e nunca de forma global, ampla, pra que se resolvesse o problema de uma forma mais definitiva e que depois isso pudesse ter um impacto na diminuição da necessidade da judicialização (GESTOR 1).

A equipe que faz parte do SUS mediado ela é tipo assim, quase que uns voluntários. É quase que uns voluntários que se tem na área de saúde, é como se fosse um voluntariado. Eu acho que isso precisa estar mais definido como um programa, que já é, e com a importância que tem. Então essas pessoas têm de estar definidas e reconhecidas como um serviço, como uma prestação de serviço ao judiciário, de tremenda importância. E não como um voluntariado. Até, às vezes, para ser liberado para um programa como esse, encontra-se entraves para ser liberado uma pessoa da área de saúde para ser liberado para o programa de tamanha importância como é o programa SUS mediado! (TÉCNICO 4).

Eu sinto uma fragilidade muito grande na qualidade técnica do que se envia. Envia um muito bom, mas uma que não é muito boa porque não tem conhecimento e pra viver o SUS Mediado tem de conhecer o SUS. Tem de conhecer o SUS à fundo. E quando eu digo o SUS, não é a lei, a portaria, a 8080, a 8142 ou a 141 não. Tem de conhecer as unidades de saúde, onde é que é feito os serviços, né? Quais são os serviços que se oferece. Eu vejo muito por essa ótica, é pratica, é vivencia, não é teoria. E capacitar melhor não é só com curso e seminário não, é prática mesmo, é prática, sabe? Vamos levar essas pessoas: o que você conhece dos serviços do SUS? O que é que você sabe? Onde é que faz um exame tal? Como é que feita essa cirurgia? Você sabe o que é gestão plena? Por exemplo, você sabe por que a gestão é plena? Você sabe que eu tenho a gestão e você tem a gerência? Até que ponto um interfere na vida do outro? É uma coisa bem prática! Eu acho que se a gente pudesse capacitar essas pessoas trazendo pra uma forma prática, fácil, uma linguagem fácil, sem ser rebuscado, sem ser a fala jurídica, a fala do sus mesmo, a fala da prática do sus, eu acho que a gente ia dar uma melhorada muito grande. Eu acho que a gente nunca perguntou a essas pessoas: qual a sua maior dificuldade? Quando essas pessoas foram para o sus mediado, eu to falando sus mediado, mas poderia ser qualquer lugar, quando a gente encaminha essas pessoas pros serviços, (...) (TÉCNICO 1).

Outro item apontado foi no que tange à divisão de atribuições tripartites no

SUS. Há uma necessidade de se observar qual ente detém a responsabilidade

pleiteada, e o programa ajudou a dar um melhor direcionamento nas demandas. É

o que expressa a fala de uma operadora de direito envolvida com o programa.

O programa, ele foi extremamente positivo, sobretudo no âmbito da defensoria pública porque acho que nós passamos a direcionar melhor as demandas, muito embora o artigo 23 da Constituição estabeleça a questão da solidariedade, mas os defensores, com o auxílio dos técnicos do programa que passaram a compreender melhor a questão de quem recebe o financiamento para aquela determinada política pública de saúde e sobretudo a questão da aproximação do jurisdicionado com os técnicos da secretaria de saúde (OPERADOR DE DIREITO 3).

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142

Frisou-se também a necessidade de incluir no laudo médico a indicação de

medicamento substituto disponível nas políticas públicas através dos protocolos do

Ministério da Saúde. Isso que representa um maior investimento do programa em

acesso a informações técnicas por parte dos mediadores para buscar alternativas

no SUS, em relação às novas tecnologias, tornando-se essa uma das mais difíceis

de equacionamento dentro do programa, como observamos nos depoimentos

abaixo:

O que eu observo, é que quando é dentro da política, quando o pedido da parte diz respeito a uma ação de serviço de saúde que já está prevista na política pública de saúde, é mais fácil de se resolver no âmbito do SUS mediado. Quando é algo que está fora da política, fica mais difícil. Mas eu acho que mesmo esses casos, quando estão fora da política, é possível discutir e resolver isso extrajudicialmente, por exemplo, oferecendo alternativas aquele tratamento e conversando sobre aquela alternativa (OPERADOR DE DIREITO 1).

(...) é porque eu ia falar dos bancos de dados, (...). Seria até para ter aqui,

porque na hora, tem coisas que não tem como pesquisar lá na hora. Mas

aí, pronto: eu acho que isso: acesso à informação, a esses bancos de

dados, é uma coisa que seria interessante. Essa questão de pessoal.

Realmente, focar nisso, porque sem pessoa a gente não tem como

trabalhar e, assim, melhorar a conversação entre os órgãos (TÉCNICO 3).

Principalmente na qualidade dos técnicos que a gente envia pra vocês. Eu

não sei se é porque a gente tem muita dificuldade de recursos humanos e

os poucos recursos humanos que nós temos, que são realmente

capacitados e preparados, a gente disputa à tapa entre nós.

E capacitar melhor não é só com curso e seminário não, é prática mesmo,

é prática, sabe? Vamos levar essas pessoas: o que você conhece dos

serviços do sus? O que é que você sabe? Onde é que faz um exame tal?

Como é que feita essa cirurgia? Você sabe o que é gestão plena? Por

exemplo, você sabe por que a gestão é plena? Você sabe que eu tenho a

gestão e você tem a gerência? Até que ponto um interfere na vida do

outro? É uma coisa bem prática! Eu acho que se a gente pudesse

capacitar essas pessoas trazendo pra uma forma prática, fácil, uma

linguagem fácil, sem ser rebuscado, sem ser a fala jurídica, a fala do sus

mesmo, a fala da prática do SUS, eu acho que a gente ia dar uma

melhorada muito grande. Eu acho que a gente nunca perguntou a essas

pessoas: qual a sua maior dificuldade? Quando essas pessoas foram para

o SUS Mediado, eu to falando SUS Mediado, mas poderia ser qualquer

lugar, quando a gente encaminha essas pessoas pros serviços, (...)

(TÉCNICO 2).

Em relação às demandas de natureza oncológica, foi observado a

necessidade de adoção de todos os mecanismos extrajudiciais para a solução do

programa, lembrando-se também a importância de se terem todos os registros e a

compilação de dados que servirão para subsidiar as políticas públicas.

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143

Outra sugestão é que haja maior apoio dos técnicos da Central de Regulação

estadual. Relatou-se também a necessidade de que a prescrição de certos

medicamentos ou procedimentos médicos fosse encaminhada à DPU com o laudo

médico completo, incluindo o encaminhamento do SUS Mediado.

Um dos técnicos entrevistados ainda observou que a falta de abastecimento

de medicamentos e insumos na SMS/Natal é um dos motivos que aumentam as

demandas na saúde:

Olhe, a ideia primordial do SUS mediado, como a gente sabe é tentar resolver administrativamente essas questões que chegam até a defensoria pública, né? Primeiramente é isso. Então vamos lá. Com relação a medicamento, no decorrer desse tempo todo, o que eu percebo é que a gente tem conseguido resolver poucas coisas, porque o que chega na Defensoria são situações onde o medicamento ta em falta na UNICAT (TÉCNICO 3).

Houve ainda quem lembrasse que os dados apresentados pelo programa

embasassem melhor as políticas públicas na área da saúde, a exemplo da

transformação da ficha de atendimento (hoje em papel) em um programa

informatizado, que tornasse o acesso a esses dados mais rápido.

A Defensoria Pública da União colocou em pauta a indisponibilidade das

defensorias públicas em recursos humanos especializados em saúde, fazendo com

que os técnicos do programa funcionassem como suporte àqueles, nessas

demandas. Um dos técnicos da SESAP ainda pleiteou uma compensação

financeira ou em carga horária aos mediadores do programa, haja vista que essa

participação é extraordinária às suas funções habituais.

Outra sugestão dada foi convidar representantes do Hospital Universitário

Onofre Lopes (HUOL), para participar de seções do SUS Mediado, pois, sendo um

hospital universitário, poderia contribuir na busca de alternativas dentro do SUS,

para substituir as tecnologias solicitadas nas demandas judiciais. É o que acredita

o OPERADOR DE DIREITO 1, entrevistado: “Ter uma dedicação maior no sentido

de fazer essas alternativas, de apresentar as alternativas àquele tratamento

postulado, aquele serviço de saúde postulado. ” E também o TÉCNICO 3: “Que é

aqui do programa. Então assim, da gente ter acesso a esses bancos de dados.

Isso são convênios, parece que a instituição faz com esse banco de dados. A

UFRN tem! São bibliotecas virtuais. Pra eu dizer se tem alternativa. Eu tenho de

ter acesso a informação né? ”. Houve ainda a indicação da criação de um grupo

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144

em uma plataforma virtual (WhatsApp) no intuito de melhor efetivar a comunicação

entre os atores envolvidos.

Por fim, a mesa diretora propôs: a criação de um calendário anual com

reuniões trimestrais entre os partícipes; padronização do fluxo de atendimentos

setoriais na SMS e na SESAP; elaboração de um sistema informatizado de

atendimento para o SUS Mediado; convites direcionados aos representantes do

HUOL; criação de um grupo de estudos aos técnicos do programa e integração da

equipe técnica do programa com profissionais de oncologia.

O programa carece de melhores instalações físicas, pois há infiltrações e

rachaduras, provocando desconforto físico aos que dele participam. Nesse

momento (setembro/2015), todos os que lá trabalhavam foram acomodados em

outra sede, haja vista aquele prédio ter entrado em reforma. Todavia a opinião de

alguns entrevistados é que deveria haver uma estrutura física própria que abrigasse

o programa.

Se a gente pudesse melhorar e garantir essa parte estrutural também...

de pessoal e de estrutura física, como um todo; A central única, do

exemplo que temos do Rio de Janeiro; Porque nossa central única iria

existir o SUS mediado, a mediação previa, para depois ter uma

judicialização. O que que isso ajuda na judicialização? Porque a gente vai

evitar alguns prejuízos que a judicialização é... que vem com a

judicialização para os entes. Com essa central única, estando estado e

município juntos, evitaríamos duplicidade no atendimento das

demandas... a questão do “racionalizar o recurso público”; A gente com a

central iria possibilitar uma cobrança das ações que a União deveria

repassar o dinheiro para os estados e municípios. Eu acho que a gente

poderia inserir sim, mesmo ela sendo distante, poderia fazer parte; Na

União, tem um setor específico, que também atende judicialização. Então

esses setores, a gente poderia fazer um link com a central única nossa.

(...) acho que deveria ser criado um espaço que ali possam funcionar

conjuntamente as gestões estaduais, municipais, as defensorias públicas

estadual e da união, o ministério público. Com profissionais capacitados e

que sejam bem remunerados pra que possam exercer um trabalho cada

vez mais, vamos dizer assim, grandioso, não é? Com profissionais com

uma estrutura pra receber os usuários, tentando ali resolver todos os

conflitos. Então, eu acho que deveria ter uma estrutura melhor, maior, para

que pudesse ser resolvido e que tanto a defensoria pública união estivesse

conjuntamente com a do estado. Porque, aí, a partir do momento em que

o usuário tá aí resolvendo, o próprio defensor diz: não, aqui não é estado

vou mandar para a União, e não precise se descolar para outro local, não!

Ele ta aqui, ele vai ali na defensoria pública da união que resolve os

conflitos. Então, ele liga todos num espaço só (OPERADOR DE DIREITO

4).

A falta de registro na metodologia do atendimento fez com que se perdessem

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145

algumas informações importantes; por exemplo, em 2012, os relatórios não

especificavam por onde as ações que não conseguiram resolução administrativa,

seriam ajuizadas; se pela DPE, ou pela DPU. Tal problema está sendo equacionado

com a criação de um software para registrar todos os dados produzidos e assim

possibilitar a construção de indicadores, como se verifica na percepção da

TÉCNICO 2: “A construção de um software que possa emitir relatórios...”

O fornecimento de material de apoio ao programa e maquinários, tais como

impressoras, linhas telefônicas, é feito de forma lenta, em razão da burocracia e

insuficiência de recursos envolvendo compras estatais.

Em relação aos aspectos interpessoais, ocasionalmente, aparecem também

dificuldades na comunicação entre os técnicos do programa e os servidores da

defensoria, gerando algum desconforto e constrangimento. Porém, quando tais

situações surgem, os coordenadores entram em contato com os envolvidos, no

sentido de esclarecer as dúvidas e devolver o equilíbrio à situação.

Todavia um dos pontos fortes do programa é que o diálogo institucional entre

os parceiros é marcado pela respeitabilidade, divisão de competências e autonomia

das instituições. Porém percebe-se pelo depoimento de vários atores que o

programa tem muito ainda que avançar, como: a ampliação da sua atenção e da

cobertura, ampliação do diálogo entre os atores, uma maior institucionalização do

programa, estruturar o programa para outras regiões do estado e maior capacitação

dos mediadores, falta de avanços tecnológicos e autonomia das gestões para as

mediações:

Ter uma dedicação maior no sentido de fazer essas alternativas, de

apresentar as alternativas àquele tratamento postulado, aquele serviço de

saúde postulado.

Outro ponto que eu vejo também nas causas de psiquiatria, de internação

compulsória. Eu não tenho o conhecimento se elas passam, se todas elas

passam, pelo SUS mediado. Mas, através de ações judiciais a gente teve

informações de que os hospitais psiquiátricos do estado teriam condições

de fazer procedimentos de internações compulsórias, (...) (OPERADOR

DE DIREITO 1).

Então, eu acho que é hora da gente amadurecer essa conversa, de

repente e tentar montar uma estratégia em que a gente pudesse capacitar

tanto na teoria quanto na prática.

(…) até uma mesa dialogada com essas pessoas uma vez na vida em que

os problemas pudessem vir à tona. Porque é no ouvir do dia a dia que a

gente vai aprendendo as coisas.

Mas que acho que a gente teve, no SUS mediado a gente teve um boom

e a gente teve uma queda nessa qualidade (TÉCNICO 2).

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Agora, é importante que as pessoas que estejam no SUS mediado tenham

a característica de saber acolher. Além do conhecimento na área de saúde

ela TEM de ter essa característica do acolhimento. É de acolher no sentido

de ouvir e de tentar buscar uma resposta pra essa pessoa. É você se

preocupar em dar a resposta e antes de tudo ouvir (TÉCNICO 4).

Um outro problema é a disfuncionalidade do Estado do Direito que se

direcionou para o Estado Controlista, tornando a gestão pública uma seara de difícil

realização das políticas públicas pelos óbices criados para a garantia dos meios,

seja contratar pessoal pelo limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, seja melhorar

a gestão através da aquisição de insumos e medicamentos pelos limites da lei

8.666, ou construção e reparos de imóveis onde funcionam os serviços. Todas

essas circunstâncias também dificultam as iniciativas que tentem promover a

concretização do direito à saúde e fortalecer o Sistema Único de Saúde como um

sistema universal, integral e equânime com os preceitos da Constituição. Este é um

sentimento confirmado pelos que vivenciam as gestões de saúde, conforme lemos

no depoimento abaixo:

Eu tenho uma avaliação crítica a partir da minha experiência, de que o Estado-controlista que a gente foi configurando, talvez nem seja essa a intenção, mas foi se configurando, ele hoje torna a gestão-pública uma, se não inviável, de difícil realização das políticas pelos óbices para você garantir os meios, seja você contratar pessoal pelo limite da lei de responsabilidade fiscal, seja melhorar a gestão de pessoal para melhorar o rendimento, seja para a aquisição de insumos, construção, reparo – uma cadeia infinita que compromete o resultado. Isso não tem aparecido muito no debate, então é achar que a norma vai se impor e resolver o problema. Conciliar o mundo da norma com o mundo da vida real, no contexto de um país como o Brasil, é fundamental pra que a gente possa ter assegurado o direito e eu acho que o enfrentamento desses gargalos e impasses que o Estado brasileiro, na esfera municipal, na esfera nacional enfrenta, incluindo a questão do financiamento é, pra mim, decisivo para você ter uma garantia do direito à saúde e isso pressupõe aumentar o debate na sociedade. Porque muitas vezes, nós temos, que nos envolvemos na construção do SUS, na defesa da saúde como direito, de que toda a população, na verdade, legitima o SUS, mas isso não é bem verdade (GESTOR 2).

Todavia a maior qualidade percebida no programa é colocar o direito à saúde

como protagonista e trazer à tona os principais conflitos envolvidos no sistema de

saúde e justiça. Com a suspeita de que, para avançarmos nestas duas expressões

da cidadania, o acesso à justiça e à saúde teremos que retomar debates importantes

e ultrapassar limites, atualmente configurados pelas normas, criando uma

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convivência mais apropriada a lidar com problemáticas que envolvem essas duas

questões, de racionalidades e temporalidades diversas, em uma conciliação entre o

mundo da norma, representado pelo direito, e o mundo da vida real, representado

pela saúde.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que, para compreender a atual existência do fenômeno da

judicialização na saúde, faz-se importante destacar a historicidade das

conformações políticas, econômicas e sociais do Brasil, sobretudo no que concerne à

formação do seu povo e à sua difícil luta por cidadania. Reconhecemos que, em

todos os momentos históricos, há marcas na construção dos direitos sociais, desde o

escravagismo do Brasil Colônia, até a particular transição deste modelo para o

liberalismo, sempre em evidência o descompromisso com as grandes questões

sociais, através da não intervenção para a redução das desigualdades, fomentadas

pelos modelos econômicos de cada época, ou vinculando-as a interesses diversos

do social.

Nessa sequência, é grande a atenção que devemos dar, principalmente para o

momento histórico que antecedeu a promulgação da Constituição Federal,

representado pela redemocratização e pela confluência contraditória de

movimentos políticos antagônicos que marcaram a entrada dos direitos sociais no

Brasil, com o viés da cidadania. A Constituição Federal de 1988 instituiu o direito à

saúde, acompanhado com os princípios da universalidade, integralidade e

equidade, inspirado pelo que havia de mais moderno em termos de seguridade

social. Todavia, os que defendiam um novo modelo de Estado democrático e de

sistema de saúde tinham a noção muito clara de que a batalha tinha sido ganha,

mas não a guerra. Tal percepção se confirma até os dias atuais.

Nesse contexto, é imperativo visitar o tema da seguridade social com

paradigmas universalistas e o seu investimento com base nos fundos públicos

como forma de dar sua sustentabilidade aos avanços previstos na Constituição e às

exigências da nova configuração geopolítica imposta no século XXI, capitaneada

pela economia internacional que determinaram a limitação do Estado, na ampliação

de políticas que concretizariam os direitos sociais. Necessário é um retorno à

história política, econômica e social do país, no sentido de se compreender onde

ficaram os gargalos e como esses se representam através do fenômeno estudado.

Uma simples leitura da Constituição Federal não mostra os reais motivos da

judicialização das políticas de saúde. Apenas deixa os operadores do direito

profundamente confusos diante de conceitos como cidadania, direitos sociais e

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estado de bem-estar social, aplicados a uma realidade cheia de conflitos e

contradições como a nossa.

Foi por esta razão que iniciamos o percurso desta pesquisa, a partir de uma

revisão histórica sobre a evolução da cidadania, baseada inicialmente nos estudos

de T. H. Marshall, na construção dos direitos sociais e sua efetivação através do

Estado de Bem-Estar Social, estudando o modelo desse estado na Alemanha,

Inglaterra e Brasil, investigando as particularidades desses países na implantação

do Welfare State.

Vencida essa etapa obrigatória, não nos espantou a profunda complexidade

política envolvida no tema estudado, nem as correntes que se identificaram com

este tema, representado pelos dois eixos interpretativos: o procedimentalista,

contra o fenômeno, por acreditar que ele diminui a cidadania e desloca para a

justiça o ideal democrático, marginalizando as instituições de mediação, as

associações e os partidos políticos, e o substancialista, que entende que este

ampliou a cidadania, tornando-a mais completa, garantindo a grupos que estão à

margem da sociedade, destituídos de meios para acessar as ferramentas político-

democráticas, uma oportunidade para a vocalização da sua expectativa

identificamos a cidadania como algo complexo em que se imbricam os direitos

individuais, políticos e sociais.

Outro aspecto importante neste debate é o Direito à Saúde como ramo do

conhecimento, que necessita de outras lógicas para a sua compreensão, dada a

sua multidisciplinaridade e interdisciplinaridade científica. Tal característica

perturbou e provocou o sistema de justiça, como ficou demonstrado por todo o

trabalho.

Considera-se que a população atualmente está mais consciente dos seus

direitos e somado às múltiplas variáveis que fortalecem a ideia de fragilidade do

SUS (divulgação de que na justiça as ações de saúde eram concedidas com mais

facilidade do que nos serviços de saúde; demora do SUS para incorporar novos

medicamentos; subfinanciamento; o lobby da indústria farmacêutica; falta de leitos

de UTI; tentativa de usuários de burlar as filas; divulgação massiva pelos meios de

comunicação das dificuldades do SUS, entre outras), houve uma corrida ao

judiciário para se buscarem os meios de solução para as suas necessidades em

saúde, legítimas ou não, haja vista esse conceito ser também de difícil mediação,

alinhado a construções humanas e históricas.

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Nesse momento, a judicialização foi entendida como uma “tábua de

salvação”, tornando-se um grande problema para as gestões e, em seguida,

também para o Poder Judiciário, que se viu responsável por dar respostas a uma

questão cuja complexidade transcende a esfera jurídica, denunciando a

insuficiência do Direito como solução para o problema e as dificuldades dos dois

sistemas em administrar esse conflito. Tanto o sistema de saúde, em adaptar-se ao

direito à saúde constitucional, integral e equânime, com foco na qualidade de vida,

quanto ao sistema de justiça, em equacionar problemas envolvendo os direitos

sociais, novidade trazida pela Constituição de 1988.

A pesquisa buscou investigar uma outra maneira de se enfrentar este

tensionamento, experimentada pelo programa SUS MEDIADO, que utilizou a

tecnologia social da mediação para a solução extrajudicial destes conflitos, nos

anos de 2012-2014. O programa enquadrou-se numa zona limítrofe entre a

assistência social e o direito.

É fato que, a partir de 2015, a mediação foi contemplada dentro do sistema

jurídico vigente, como forma de equacionar o grande número de processos

existentes atualmente, na esperança de contribuir para a humanização do acesso

ao judiciário e a uma diminuição no tempo de julgamento desses processos.

Todavia a experiência estudada nesta pesquisa teve início em 2012.

Inicialmente, começamos a investigar o Programa a partir das diferenças

existentes entre esse e outro, na cidade do Natal, criado em 2009 e denominado

Comitê Interinstitucional de Resolução Administrativas de Demandas da Saúde –

CIRADS. Apesar de esse, também ter se preocupado com a resolução

administrativa dos conflitos e ter representado um avanço da advocacia pública e

da gestão na forma de lidar com esse problema e com a promoção do diálogo

interinstitucional dos atores, grandes são as diferenças entre os dois modelos, tanto

de forma (o primeiro, conciliatório, ocupava-se com processos já promovidos e o

segundo, mediatório, focado na prevenção dos conflitos) quanto nas questões de

conteúdo, sobremaneira, no que concerne à divisão das competências, matéria

especialmente cara ao SUS na judicilização da saúde; haja vista a falta do

enfrentamento dos Tribunais Superiores quanto ao problema federativo, transverso

às questões sanitárias e à incorporação de novas tecnologias, pontos estes que

não eram contemplados na pauta resolutiva do CIRADS e que foram assumidos no

SUS MEDIADO.

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No quarto, quinto e sexto capítulos, deu-se o diálogo entre o conteúdo

extraído das entrevistas realizadas com onze atores, entre operadores de direito

(magistrados, defensores, advogados) e da saúde (gestores, gerentes, médicos,

enfermeiros, farmacêuticos, assistentes sociais), envolvidos com o Programa SUS

Mediado, tendo como destaque suas visões sobre a judicialização da saúde e a

experiência de atuar no programa, articulando as falas com a revisão da literatura

sobre o tema. Nisso, nos deparamos com material de grande riqueza empírica,

através dos depoimentos em entrevistas gravadas e transcritas.

O resultado demonstrou olhares diferentes para o mesmo fenômeno, de

acordo com a vivência e com a posição assumida nesse contexto. Os atores

operadores de Direito demonstraram ter uma visão mais positiva e positivista do

fenômeno, identificando-o como fruto de conquistas sociais, conscientização da

população sobre os seus direitos, aumento de acesso ao judiciário e as defensorias

públicas, embora relacionem o fenômeno também à falta de efetividade das

políticas públicas, ao descompasso tecnológico entre SUS e mercado e ao lobby

das indústrias farmacêuticas. Já os atores ligados à magistratura ressaltaram a

necessidade de um apoio técnico para a construção dos seus julgados,

demonstrando um interesse em uma maior racionalização sobre a matéria, o que,

por si, já denota uma mudança de postura, alteração essa também sentida por

atores ligados à gestão de saúde.

Um entrevistado afirmou que achava que todas as partes envolvidas nesse

processo eram “atores e vítimas”, por todos estarem obrigados a se adaptar a uma

realidade e a ter que dar resposta, cada um do seu modo, ao passo que tais

demandas eram “sui generis”, com repercussões políticas. Tal opinião, demonstrou

um avanço em relação ao fenômeno, fugindo da percepção inicial de

responsabilização completa dos gestores em relação às dificuldades sanitárias,

sem um maior questionamento. O que se compreende como um amadurecimento

nessa questão.

Já os atores ligados à gestão identificaram o fenômeno com mais

negatividade, definindo-o como cavalar, preocupante, cruel, abusivo, distorcido, que

quebrava o princípio da isonomia e nele havia a existência de riscos de assimetria

de informações, interesses econômicos e de grupos, superioridade da dimensão

individual sobre a coletiva e desconhecimento do SUS por parte do Poder Judiciário.

Uma das entrevistadas, ligada à gestão, identificou que o fenômeno foi positivo no

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sentido de impactar a responsabilidade dos entes federativos no programa; já outra

afirmou que a judicialização precisaria também ser mais cuidada. As visões dos

atores ligados ao direito e à saúde nos informam dimensões contraditórias do

fenômeno e nos convidam a refletir sobre elas.

Ao serem questionados sobre se o programa SUS MEDIADO ajudou a

concretizar o Direito à Saúde, tanto os atores entrevistados, ligados ao direito, como à

saúde, demonstraram percepções positivas em relação ao programa, respondendo

que o mesmo serviu para aproximá-los e empoderá-los; ajudou a solucionar de

forma mais completa as necessidades de saúde do cidadão; ajudou a sensibilizar o

judiciário a atuar mais amplamente, integrando e qualificando a demanda;

promoveu uma melhor compreensão do SUS, acolhendo o usuário e direcionando-

o para onde realmente existiam as respostas; capacitou os atores na teoria e

prática do SUS, e diminuiu os transtornos com o poder judiciário. Conclui- se,

portanto, que houve uma unanimidade nas respostas positivas, no que concerte à

contribuição do programa para a concretização do direito à saúde.

Em relação às fragilidades do Programa identifica-se uma percepção

recorrente em muitos atores ligados a gestão no sentido de identificar inúmeras

deficiências quanto aos recursos humanos, tanto no aspecto quantitativo, por haver

déficit no número de profissionais de saúde trabalhando para o SUS, e, neste

sentido, foi sugerida uma maior sinergia com o poder judiciário, com este

assumindo também algumas contraprestações em relação ao programa, como por

exemplo, a cessão de servidores, por esse ter como um dos objetivos a redução do

número de ações judiciais, o que beneficiaria também o sistema de justiça quanto

às deficiências nos aspectos qualitativos, já que esses profissionais precisariam ter

domínio de conhecimento teórico e prático sobre o SUS. Foram identificadas

também deficiências na parte estrutural, tais como: computadores, telefones e

internet. Um dos entrevistados destacou que o programa carecia de mais

profissionalização, já que constatava um sentimento de voluntariado nas equipes.

No que diz respeito a como o programa poderia avançar, foi sugerida a

elaboração de um software onde se pudesse ter uma noção maior de quais os

procedimentos mais procurados e os medicamentos, para que os gestores

pudessem implementar as políticas públicas e evitar a judicialização; que o

programa fosse expandido para outras comarcas do Estado e a criação de um

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ambiente em que todos os problemas da judicialização fossem resolvidos em um só

lugar, inclusive as mediações.

O perfil da demanda e encaminhamento realizados no programa no período

de 2012 – 2014 demonstrou uma descrição quantitativa de atendimentos, número

de acordos, número de ações propostas pela DPE, número de encaminhamentos

de ações à DPU, índice de resolutividade e índice de demandas não ajuizadas

contra estado e município.

No ano de 2012, foram realizados 823 atendimentos entre os quais 330

foram realizados acordos, dessa forma totalizando um percentual 40,09% de

resolutividade. Já os encaminhamentos à DPU somaram-se um total de 162. E no

que tange à judicialização, 331 encaminhamentos. Constata-se pelos números

apresentados pela DPE que: em 2012, existiram 823 atendimentos no programa,

sendo 330 acordos, 331 encaminhamentos à DPE, 162 à DPU. Configurando uma

resolutividade (nº de atendimentos dividido pelo número de acordos) de 40,09%.

Sendo válido ainda comentar que isso representou um índice de demandas

não ajuizadas contra o Estado do Rio Grande do Norte e contra o Município de

Natal (porcentagem de encaminhamentos à DPU somados à Resolutividade) de

60,58%. Em relação ao índice de resolutividade do período avaliado (2012-2014),

identificamos os seguintes números: em 2012, o índice foi de 40,09%; em 2013,

houve uma queda de 6,79% e o índice passou a ser 33,3%; já em 2014, manteve-

se praticamente constante, com um aumento de 0,24% e resultando em 33,57% de

resolutividade na resolução extrajudicial das demandas de conflitos envolvendo o

fornecimento de medicamentos, a realização de consultas, exames ou

procedimentos cirúrgicos através da técnica de mediação entre os as secretarias

estaduais e municipais de saúde e os usuários, com intermédio da advocacia

pública.

É válido comentar que houve uma redução nesse percentual, entre 2012 e

2013, em razão do aumento de 94% em encaminhamentos à DPU. Esse aumento

supriu o número de atendimentos ocorridos em 2013 e que poderiam vir a se tornar

acordos – que foi um dos elementos utilizados para se calcular esse índice de

resolutividade.

De acordo com os dados encontrados verificamos que a mediação é uma

ferramenta adequada para se lidar com a judicialização, pois reduz o número de

ações propostas no judiciário, direciona melhor as competências aos entes

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federativos, enquanto busca a solução administrativa dos casos. Além dos

números, essa percepção foi confirmada nas entrevistas com os atores

entrevistados.

Uma outra percepção identificada foi a do ressentimento por parte dos

gestores com o excesso de controle estatal que afeta negativamente o

desenvolvimento do trabalho da gestão. Em um dos depoimentos, um dos

entrevistados manifestou a sua insatisfação sobre o controle exagerado, afirmando

ainda que o estado de direito desvirtuado torna a gestão pública uma seara de difícil

realização das políticas públicas pelos óbices criados para a garantia dos meios,

seja contratar pessoal pelo limite da lei de Responsabilidade Fiscal, seja melhorar a

gestão através da aquisição de insumos e medicamentos pelos limites da lei 8.666

ou construção e reparos de imóveis onde funcionam os serviços.

Essas circunstâncias dificultam quaisquer iniciativas que tentem promover a

concretização do Direito à Saúde e fortalecer o Sistema Único de Saúde como um

sistema universal, integral e equânime com os preceitos da Constituição e,

fatalmente, também dificultará o avanço de experiências alternativas de solução de

conflitos em saúde, como é o caso da mediação promovida pelo programa SUS

MEDIADO.

Observou-se que os problemas que permeiam as mediações são

praticamente os mesmos que permeiam o funcionamento do SUS: insuficiência de

ofertas, dificuldade do acesso as novas tecnologias, déficit e necessidade de uma

melhor capacitação de recursos humanos, dificuldades na organização dos

processos de trabalho de recursos. Consideramos que para tais questões nem a

judicialização, nem a mediação se apresentarão como solução.

Por fim consideramos que o aspecto mais positivo de toda a contribuição do

Programa é o seu potencial educativo. A orientação e a divulgação do SUS educam e

reconciliam o cidadão com o sistema de saúde através do diálogo promovido nas

questões sanitárias. Essa comunicação é cara ao SUS e pode ajudar,

simultaneamente, na otimização da justiça e da gestão da saúde, nos avanços da

cidadania e dos direitos sociais colocando o direito à saúde como protagonista e

trazendo à tona alguns dos conflitos envolvidos no sistema de saúde e justiça.

Os aspectos destacados até aqui fazem a diferença do programa e retira-lhe o

risco de tornar-se apenas mais uma ferramenta de assistencialismo jurídico na

busca por remédios e exames para a população, alinhando-o definitivamente aos

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propósitos da Constituição e da Reforma Sanitária. O fortalecimento desse diálogo, a

despeito das enormes necessidades em saúde pela qual clama a população,

apresenta-se como o maior de todos os desafios e carece, cada vez mais, no

contexto atual, de permanentes mediações com a sociedade.

Nossas considerações findam aqui, com a suspeita de que para avançarmos

nessas duas expressões da cidadania - o direito à saúde e o acesso à justiça -,

teremos que retomar importantes debates, ultrapassar os limites do convencional

na lida com essas áreas, utilizando formas criativas, dinâmicas e atuais, buscando

convivência mais apropriada para lidar com a problemática que envolve duas

ciências de enormes complexidades técnicas e humanas e com racionalidades e

temporalidades diversas para a mediar o mundo da norma representado pelo

Direito e o mundo da vida representado pela Saúde, fazendo o uso da educação

permanente para o SUS e para a cidadania como uma ferramenta necessária.

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