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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO RAFAEL CÉSAR COÊLHO DOS SANTOS O MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO NO BRASIL: regulação, desenvolvimento sustentável e indústria do petróleo, gás natural e biocombustíveis à luz da Constituição Federal NATAL-RN 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITO

RAFAEL CÉSAR COÊLHO DOS SANTOS

O MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO NO BRASIL:

regulação, desenvolvimento sustentável e indústria do petróleo, gás natural

e biocombustíveis à luz da Constituição Federal

NATAL-RN

2010

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RAFAEL CÉSAR COÊLHO DOS SANTOS

O MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO NO BRASIL: REGULAÇÃO,

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E INDÚSTRIA DO PETRÓLEO, GÁS

NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientador: Prof. Dr. Jahyr-Philippe Bichara

NATAL - RN

2010

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Santos, Rafael César Coelho dos. O mecanismo de desenvolvimento limpo no Brasil: regulação, desenvolvimento sustentável e indústria do petróleo, gás natural e biocombustíveis à luz da constituição federal / Rafael César Coelho dos Santos. - Natal, RN, 2010. 128 f. Orientador: Prof. Dr. Jahyr-Philipe Bichara. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Direito. Programa de Pós - graduação em Direito. 1. Direito - Dissertação. 2. Direito internacional - Dissertação. 3. Indústria do petróleo - Dissertação. 4. Protocolo de quioto – Dissertação. 5. Mecanismo de desenvolvimento limpo – Regulação jurídica - Dissertação. 6. Mudança climática – Dissertação. I. Bichara, Jahyr-Philipe. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU: 341(043.3)

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Termo de Autorização para Publicação de Teses e Dissertações Eletrônicas (TOE) na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) Na qualidade de titular dos direitos de autor da publicação, autorizo a UFRN a disponibilizar através do site http://bdtd.bczm.ufrn.br/tedesimplificado sem ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei n° 9610/98, o texto integral da obra abaixo citada, conforme permissões assinaladas, para fins de leitura, impressão e/ou download, a título de divulgação da produção científica brasileira, a partir desta data: 14.12.2010 1. Identificação do material informacional: ( ) Tese ( X ) Dissertação 2. Identificação da Tese ou Dissertação:

Autor: Rafael César Coêlho dos Santos____________ CPF 046.287.244-07____

Orientador Jahyr-Philippe Bichara___________________ CPF: _____________ Co-Orientador: ------------------------- CPF: __________________ Membro da Banca: Professora Doutora Emanuelle Urbano Maffioletti CPF: __________________ Membro da Banca: : Professor Doutor Yanko Marcius de Alencar Xavier___CPF: __________________ Data de Defesa: 22 de junho de 2010 Titulação:Mestre em Direito Titulo: O MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO NO BRASIL: regulação, desenvolvimento sustentável e indústria do petróleo, gás natural e biocombustíveis à luz da Constituição Federal________________________________________________________________________________ Instituição de Defesa: Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN CNPJ: 24.365.710/0001-83 Afiliação: (Instituição de vínculo empregatício do autor): _________________________________

_________________________________________________CNPJ: ________________________ Palavras-chave: Mudança climática; Protocolo de Quioto; Mecanismo de Desenvolvimento Limpo ____________________________________________________________________________ --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- _ __

3. Agência de fomento: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)

4. Informação de acesso ao documento:

Liberação para publicação: (x) Total ( ) Parcial

Em caso de publicação parcial, especifique o(s)) arquivo(s) restrito(s):

Arquivo (s) Capitulo (s). Especifique: ______________________________

______________ ___ ________________________ Assinatura do autor Data Havendo concordância com a publicação eletrônica, toma-se imprescindível o envio em formato digital da tese ou dissertação.

Anexo – TERMO DE AUTORIZAÇÃO

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DEDICATÓRIA

Para Júlio César, meu sobrinho, um anjo em minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Eu gostaria de agradecer a todos que colaboraram para concretização deste trabalho,

especialmente a: Deus-Criador, minha família, Anita Coelho da Silva, Raimundo Ribamar da

Rocha, Ricart César Coelho dos Santos, Teresa Lisieux Coelho de Oliveira, Professor Doutor

Yanko Marcius de Alencar Xavier, Professor Doutor Jahyr-Philippe Bichara, Professora

Doutora Emanuelle Urbano Maffioletti, Emanuela Cabrera, Leirson Telles, Professora

Doutora Maria dos Remédios Fontes Silva, Maria Lígia de Campos Pipolo, Professora

Mariana Siqueira, Alicia Violeta Botelho Sgadari Passeggi, Agência Nacional do Petróleo,

Gás Natural e Biocombustíveis, Professor Diogo Pignataro de Oliveira, Direito do Petróleo,

Gás Natural e Biocombustíveis PRH-ANP/MCT nº 36.

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Não posso respirar, não posso mais nadar A terra está morrendo, não dá mais pra plantar Se planta não nasce se nasce não dá Até pinga da boa é difícil de encontrar Cadê a flor que estava aqui? Poluição comeu. E o peixe que é do mar? Poluição comeu E o verde onde que está ? Poluição comeu Nem o Chico Mendes sobreviveu (Xote Ecológico. Luiz Gonzaga)

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RESUMO

A mudança climática é uma das maiores preocupações do mundo atual. Para combatê-la, a

comunidade internacional adotou a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do

Clima (1992) e o Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre

Mudança do Clima (1997). Neste Protocolo, são estabelecidas metas quantificadas de redução

de emissões para os países desenvolvidos e mecanismos que facilitam o cumprimento dessas

metas por esses países. Um desses mecanismos facilitadores é o mecanismo de

desenvolvimento limpo, instituído pelo art. 12 do Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro

das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o qual merece destaque por ser o único que

permite a participação de países em desenvolvimento, como o Brasil. O objetivo do presente

trabalho é estudar a regulação jurídica do mecanismo de desenvolvimento limpo, partindo da

premissa de que o art. 12 do Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas

sobre Mudança do Clima e as decisões internacionais com base nele tomadas não esgotam a

sua disciplina jurídica. Há muitas questões que o direito internacional deixou em aberto para

que os países em desenvolvimento, onde são realizadas as atividades de projeto do

mecanismo, resolvam, a saber: a disciplina das relações contratuais entre os participantes da

atividade de projeto, a titularidade dos créditos de carbono gerados nessas atividades, a

integração do mecanismo com a estratégia de desenvolvimento sustentável nacional e a

tributação incidente sobre o mecanismo. Assim, o presente trabalho estuda a disciplina

jurídica do mecanismo de desenvolvimento limpo, abordando tanto a sua regulação contida no

direito internacional quanto a sua regulação que ficou a cargo dos países em desenvolvimento,

analisando-se, à luz da sua Constituição, as soluções que o Brasil tem encontrado e os

impactos das mesmas sobre a indústria do petróleo, gás natural e biocombustíveis nacional.

Palavras-chave: Mudança climática; Protocolo de Quioto; Mecanismo de Desenvolvimento

Limpo

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ABSTRACT

Climate change is a major concern in today's world. To combat it, the international

community adopted the United Nations Framework Convention on Climate Change (1992)

and the Kyoto Protocol to the United Nations Framework Convention on Climate Change

(1997). This protocol sets quantified targets for reducing emissions for developed countries

and mechanisms that facilitate the achievement of those targets for these countries. One of

these facilitating mechanisms is the clean development mechanism established by art. 12 of

the Kyoto Protocol to the United Nations Framework Convention on Climate Change, which

deserves emphasis because it is the only one that allows the participation of developing

countries, like Brazil. The aim of this study is the legal regulation of the clean development

mechanism, based on the premise that art. 12 of the Kyoto Protocol to the United Nations

Framework Convention on Climate Change and the international decisions taken based on it

do not exhaust its legal discipline. There are many issues that international law has left open

to developing countries, where project activities of the mechanism are carried out, resolve,

namely: the discipline of contractual relations between the participants of the project activity,

the ownership of carbon credits generated in these activities, the integration of the mechanism

with national sustainable development strategy and taxation on the mechanism. Thus, this

paper examines the legal discipline of the clean development mechanism, addressing both its

regulation contained in international law and the regulation that was in charge of developing

countries, analyzing, in the light of its Constitution, the solutions Brazil has found and the

their impact on the oil, natural gas and biofuels national industry.

Key word: Climate change, Kyoto Protocol, Clean Development Mechanism

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SUMÁRIO

Introdução........................................................................................................................14

Primeira Parte

O DIREITO INTERNACIONAL DA MUDANÇA DO CLIMA

Capítulo 1. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (1992)

......................................................................................................................................... 22

1.1 O surgimento da Convenção do Clima.................................................................... 22

1.2 O objetivo final da Convenção do Clima e dos instrumentos jurídicos com ela

relacionados ....25

1.3 Os princípios norteadores da Convenção do

Clima....................................................................................................................... 26

1.3.1 As responsabilidades comuns porém diferenciadas...........................26

1.3.2 Desenvolvimento sustentável.............................................................29

1.3.3 A cooperação internacional................................................................ 32

1.4 Países desenvolvidos e países em desenvolvimento possuem obrigações

diferentes...................................................................................................................34

1.4.1 Obrigações dos países desenvolvidos: metas de redução de emissões..................34

1.4.2 Obrigações dos países em desenvolvimento: compromisso geral de adotar políticas e

medidas para mitigar a mudança do clima ...................................................................... 35

1.5 A Conferência das Partes: órgão supremo da Convenção do Clima.......................... 36

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Capítulo 2. O Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre

Mudança do Clima

(1997).............................................................................................................................. 37

2.1 Compromissos quantificados de limitação e redução de emissões ..........................38

2.2 Os mecanismos de flexibilização para cumprimento dos compromissos .................43

2.2.1 Implementação Conjunta ....................................................................................44

2.2.2 Mecanismo de Desenvolvimento Limpo............................................................ 44

2.2.3 Comércio de Emissões ........................................................................................46

2.3 A demonstração do cumprimento dos compromissos ........................................... 47

2.4 A Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes do Protocolo .......... 51

Segunda Parte

O INSTITUTO DO MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO

Capítulo 3. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo como via de mão-dupla .....53

3.1 O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo: duplo propósito e sua regulação..........57

3.2 A estrutura institucional do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo .....................60

3.2.1 Conferência das Partes ......... .............................................................61

3.2.2 Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes do Protocolo de

Quioto ....................................................................................62

3.2.3 Conselho Executivo ....................................................................63

3.2.4 Entidade Operacional Designada ................................................64

3.2.5 Entidade Nacional Designada .....................................................65

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Capítulo 4. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo como facilitador do cumprimento,

pelos países desenvolvidos, dos compromissos do Protocolo de Quioto e sua regulação

...................................................................................................................................... 68

4.1 Geração das Reduções Certificadas de Emissão ................................................... 68

4.1.1 Critérios de elegibilidade ..................................................................69

A) Voluntariedade da participação ............................................................69

B) Mitigação Efetiva ..................................................................................71

C) Adicionalidade ......................................................................................71

4.1.2 Ciclo da atividade de projeto de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

.....................................................................................................................75

A) Elaboração do documento de concepção do projeto .............................76

B) Validação.................................................................................................79

C) Carta de aprovação..................................................................................81

D) Registro do projeto .................................................................................82

E) Monitoramento ........................................................................................84

F) Verificação e certificação das reduções...................................................85

G) Emissão....................................................................................................88

4.2 Transferência e destino das Reduções Certificadas de Emissão...............................91

A) Distribuição ........................................................................................... 91

B) Uso final ..................................................................................................92

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Capítulo 5. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo como canal de financiamento do

desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento e sua regulação: o Brasil e a

indústria do petróleo, gás natural e biocombustíveis

................................................................................................................................................95

5.1 A integração do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo com a estratégia de

desenvolvimento sustentável brasileira..............................................................................99

5.1.1 O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo na Lei da Política Nacional sobre

Mudança do Clima brasileira..........................................................................99

5.1.2 Os critérios de sustentabilidade da Resolução 01/2003 da Comissão

Interministerial de Mudança Global do Clima: a contribuição para o

desenvolvimento sustentável nacional de atividade de projeto de MDL em que

ocorre a troca do óleo diesel pelo gás natural em plantas

industriais.............................................................................................................101

5.1.3 Adicionalidade versus políticas públicas: os casos do etanol e do biodiesel

no Brasil..............................................................................................................105

5.2 Natureza jurídica das RCEs

..........................................................................................................................................108

5.2.1 As várias concepções acerca da natureza jurídica das RCEs............110

A) A RCE como commodity......................................................................110

B) As RCEs como bens imateriais..............................................................111

C) As RCEs como valores mobiliários ......................................................112

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5.2.2 Uma contribuição ao debate doutrinário: à luz da Constituição Federal, a

definição da natureza jurídica das RCEs, para fins tributários, deve se dar

mediante Lei Complementar..............................................................................113

Conclusão ....................................................................................................................117

Referências...................................................................................................................120

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INTRODUÇÃO

A mudança do clima é uma das maiores preocupações do mundo atual. Há consenso

na comunidade internacional que esse problema é causado pelas emissões antrópicas de gases

do efeito estufa e que, portanto, a solução para o mesmo passa necessariamente pela redução

dessas emissões.

Com o intuito de combater a mudança climática, a comunidade internacional adotou

dois tratados, que formam o arcabouço jurídico internacional básico para o enfrentamento

dessa questão. Primeiramente, no ano de 1992, foi adotada a Convenção-Quadro das Nações

Unidas sobre Mudança do Clima, a qual delineia as diretrizes gerais e as ações básicas que

devem nortear esse enfrentamento. Mais tarde, em 1997, a comunidade internacional,

reconhecendo o caráter muito abstrato e generalista das disposições da Convenção-Quadro,

resolveu dar-lhe um complemento, e adotou o Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro das

Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

O Protocolo de Quioto, como ato normativo internacional cuja criação visou dar

maior efetividade ao combate da mudança climática, tem dois pontos primordiais: de um lado,

o estabelecimento de metas específicas de limitação e redução de emissões de gases de efeito

estufa para os países desenvolvidos, que visam reduzir as emissões totais desses gases

oriundas desses países em, pelo menos, 5 % no período de 2008 a 2012; e, de outro, a

disposição de instrumentos que facilitam o atingimento dessas metas por esses países, a saber,

a implementação conjunta, o comércio de emissões e o mecanismo de desenvolvimento limpo

Dentre esses instrumentos, merece destaque o mecanismo de desenvolvimento limpo,

estabelecido pelo artigo 12 do Protocolo de Quioto, porquanto é o único que admite a

participação de países em desenvolvimento, como o Brasil. O mecanismo de desenvolvimento

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limpo, também conhecido simplesmente pela abreviação MDL, consiste em instrumento de

cooperação internacional que permite que os países ricos financiem atividades que reduzam

emissões em países em desenvolvimento e, em troca, recebam créditos de carbono que os

ajudará no cumprimento de suas metas de redução de emissões. Por sua vez, os países em

desenvolvimento, que diferentemente não possuem metas de emissões definidas pelo

Protocolo de Quioto, se beneficiam com a entrada em seu território dos recursos financeiros e

tecnológicos que viabilizam as atividades de projeto de mecanismo de desenvolvimento

limpo.

Diante do exposto, fica claro, desde logo, que o MDL tem um propósito ou função

diferente para cada grupo de países que se considere: para os países desenvolvidos, serve

como facilitador do cumprimento das metas de redução de emissões; e para os países em

desenvolvimento, como fonte de recursos para o financiamento do seu desenvolvimento

sustentável.

Visto em seu funcionamento, o MDL gera uma dinâmica econômica e ambiental que

produz fluxos de investimentos (dinheiro, tecnologia e know-how) oriundos dos países

desenvolvidos para financiar o desenvolvimento sustentável dos países em desenvolvimento

e, num sentido inverso, fluxos de créditos de carbono para facilitar o atingimento das metas de

redução de emissões pelos países desenvolvidos. Em uma palavra, o MDL consiste numa via

de mão-dupla.

Para os fins deste trabalho, é fundamental assinalar, desde já, que o direito

internacional público, nomeadamente o artigo 12 do Protocolo de Quioto e as decisões com

base nele tomadas, não esgota a disciplina jurídica do MDL. Vários aspectos desse

mecanismo não foram regulados por esse ato normativo internacional, ficando sua regulação a

cargo dos agentes econômicos envolvidos em atividades de projeto mediante contratos e

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também dos países em desenvolvimento que hospedam essas atividades através da sua

legislação interna.

Retomando-se o breve quadro logo acima exposto acerca do seu duplo propósito e da

dinâmica gerada pelo seu funcionamento, fica mais fácil de se entender quais aspectos estão

regulados no direito internacional público e quais não estão.

Os aspectos atinentes ao MDL na sua função de facilitador do atingimento das metas

de redução de redução de emissões pelos países desenvolvidos, ou seja, aqueles que permitem

os fluxos de créditos de carbono dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos

se encontram completamente disciplinados pelo direito internacional.

Já o mesmo não se pode dizer dos aspectos relacionados ao MDL na sua função de

assistir os países em desenvolvimento na consecução do seu desenvolvimento sustentável, isto

é, aqueles que viabilizam os fluxos de investimentos dos países desenvolvidos para os países

em desenvolvimento. Atualmente esses aspectos se encontram reguladas preponderantemente

pelos contratos privados internacionais celebrados entre as empresas do país desenvolvido e

do país em desenvolvimento que participam da atividade de projeto de MDL. Os países em

desenvolvimento, muito embora tenham muito a se beneficiar pelos investimentos em

sustentabilidade ambiental que o MDL possa atrair para seus territórios, em sua maioria ainda

não elaboraram ou, quando muito, se encontram em fase apenas inicial de concepção de

normas que disciplinem os aspectos relacionados aos fluxos de investimentos propiciados por

esse mecanismo, os quais envolvem transferência de dinheiro, tecnologias e know-how.

O presente trabalho tem como objetivo estudar a disciplina jurídica do mecanismo de

desenvolvimento limpo, tendo como norte a percepção de que o direito internacional público,

embora fundamental no estabelecimento desse instrumento de cooperação internacional, não

exaure a regulação jurídica do mesmo. Quando se considera o seu duplo propósito e a

dinâmica que produz, fica claro que o MDL engloba aspectos muito mais amplos que aqueles

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cobertos pelo regime do Protocolo de Quioto. Sem se ter essa noção de totalidade, a

compreensão do arcabouço regulatório que normatiza esse mecanismo fica prejudicada. Para

que se comprove isso, basta se perceber que inúmeras questões regulatórias que afetam a

viabilidade de uma determinada atividade de projeto de MDL num determinado país e são

cuidadosamente pesadas pelos empreendedores quando estudam a implantação da mesma não

estão cobertas pelo artigo 12 do Protocolo e as normas internacionais derivadas deste. Assim,

questões como a inserção do MDL na estratégia maior de desenvolvimento sustentável

nacional, a titularidade dos créditos de carbono gerados no seu território, a relação entre

vendedores e compradores dos créditos e a tributação incidente sobre o mecanismo

necessitam de regulamentação pelo país em desenvolvimento que hospeda a atividade de

projeto.

Tendo em conta a totalidade e a complexidade do MDL, o presente trabalho busca

estudar o arcabouço jurídico do mecanismo e, para tanto, propõe uma abordagem segmentada.

Embora o mecanismo de desenvolvimento limpo seja um só, é possível e conveniente, para

fins didáticos, reparti-lo em dois: (a) o MDL que assiste os países desenvolvidos no alcance

das metas de redução de emissões do Protocolo de Quioto e (b) o MDL que assiste os países

em desenvolvimento no atingimento do seu desenvolvimento sustentável. Como já se

descortinou acima e será visto detalhadamente ao longo deste estudo, pode-se afirmar, sem

receio, que cada um desses “dois MDLs”s possui uma regulação jurídica própria dada a

disparidade das fontes normativas, as questões que demandam disciplina e os objetivos da

normatização existente entre ambos.

Também sobre a abordagem proposta, é importante anotar que, quando for tratar do

(b) MDL que assiste os países em desenvolvimento no atingimento do seu desenvolvimento

sustentável, este estudo se restringirá à análise de um particular país em desenvolvimento,

qual seja, o Brasil. Quais as soluções normativas encontradas pelo Brasil para as questões em

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aberto colocadas pelo MDL (a sua integração na estratégia de desenvolvimento sustentável

nacional, a sua titularidade, a relação entre vendedores e compradores e a sua tributação),

analisadas à luz da sua Constituição, será este o objeto a ser estudado neste ponto do trabalho.

É desnecessário se dizer que, pela sua grande quantidade e pela enorme disparidade existente

entre seus ordenamentos jurídicos, um estudo do conjunto dos países em desenvolvimento ou

mesmo de uma seleção deles – ainda que fosse daqueles mais proeminentes – certamente

desbordaria dos limites de uma dissertação de mestrado.

Sobre o Brasil, aliás, cumpre se anotar que ocupa uma posição de destaque no que

toca ao MDL no contexto mundial. Deveras, foi o governo brasileiro que, quando das

negociações internacionais para a concepção do Protocolo de Quioto, formulou a proposta que

originou esse mecanismo. Foi um projeto brasileiro o primeiro a ser registrado no Conselho

Executivo do MDL1. Encontra-se em operação neste país o Mercado Brasileiro de Redução de

Emissões, uma iniciativa conjunta da BM&FBOVESPA e do Ministério do Desenvolvimento,

Indústria e Comércio Exterior, que permite a comercialização de créditos de carbono

mediante leilão eletrônico, de uma maneira semelhante àquela em que se vendem ações e

outros valores mobiliários em bolsas de valores2. Outrossim, o país possui o terceiro maior

número de atividades de projetos registradas no Conselho Executivo do MDL, ficando atrás

apenas dos gigantes China, em primeiro lugar, e Índia, em segundo3. Ademais, tem o quarto

maior número de créditos de carbono já emitidos também pelo Conselho Executivo do MDL,

1 Trata-se da atividade de projeto intitulada Brazil NovaGerar Landfill Gas to Energy Project, um projeto de aproveitamento do gás resultante da decomposição do lixo para gerar energia elétrica num aterro no Rio de Janeiro, o qual foi registrado em 18 de novembro de 2004. Disponível em; http://cdm.unfccc.int/Projects/projsearch.html Acesso em: 26 nov. 2010. 2 BM&FBOVESPA. O mercado de carbono. Disponível em: http://www.bmfbovespa.com.br/shared/iframe.aspx?altura=700&idioma=pt-br&url=www.bmf.com.br/bmfbovespa/pages/MBRE/conheca.asp Acesso em: 27 abr. 2010. 3 UNFCCC. Registration. Disponível em: http://cdm.unfccc.int/Statistics/Registration/NumOfRegisteredProjByHostPartiesPieChart.html Acesso em 26 abr. 2010.

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ultrapassado apenas por China, em primeiro, Índia, em segundo, e República da Coréia, em

terceiro4.

Ainda a respeito da proposta de abordagem, é necessário assinalar que, ao se versar

sobre a regulação MDL, sempre que possível serão enfocados exemplos e situações relativas à

indústria do petróleo, gás natural e biocombustíveis. Isso porque a produção de energia

consiste, mundialmente, na maior fonte de emissões de gases de efeito5, havendo, portanto,

muito espaço para redução de emissões nessa área da atividade econômica, inclusive através

de atividades de projeto de MDL.

O presente estudo tem a seguinte organização. Ele se divide em duas grandes partes.

Na primeira parte, intitulada “O direito internacional da mudança do clima”, são apresentados

os dois tratados internacionais fundamentais para a problemática da mudança climática, em

dois capítulos: no primeiro capítulo, são destacados os elementos essenciais da Convenção-

Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e, no segundo capítulo, os aspectos mais

importantes do Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança

do Clima. Feito isso o leitor tem uma visão ampla do arcabouço normativo internacional para

enfrentamento da mudança climática, no qual o mecanismo de desenvolvimento limpo é

apenas um dos instrumentos desse enfrentamento. Na segunda parte, intitulada de “O instituto

do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo”, chega-se ao cerne da dissertação: no terceiro

capítulo “O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo como via de mão-dupla” apresenta-se, de

forma detida, a repartição do mecanismo em dois e a fundamentação dessa repartição, o que já

foi apenas delineado nesta introdução; no quarto capítulo “O Mecanismo de Desenvolvimento

Limpo como facilitador do cumprimento, pelos países desenvolvidos, dos compromissos do

Protocolo de Quioto e sua regulação”, seguindo a bipartição do mecanismo exposta

4 UNFCCC. CERS issued by host party. Disponível em: http://cdm.unfccc.int/Statistics/Issuance/CERsIssuedByHostPartyPieChart.html Acesso em: 26 abr. 2010. 5 IPCC. Climate Change 2007: Synthesis Report. Disponível em: http://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar4/syr/ar4_syr.pdf Acesso em: 27 abr. 2010. p. 36

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detalhadamente no capítulo anterior, passa-se a estudar a disciplina jurídica, contida, como já

antecipado, no direito internacional público, do mecanismo de desenvolvimento limpo que

auxilia os países desenvolvidos no atingimento das metas de redução de emissões trazidas

pelo Protocolo de Quioto; por fim, o quinto capítulo “O Mecanismo de Desenvolvimento

Limpo como canal de financiamento do desenvolvimento sustentável nos países em

desenvolvimento e sua regulação: o Brasil e a indústria do petróleo, gás natural e

biocombustíveis”, trata especificamente da disciplina jurídica do mecanismo de

desenvolvimento limpo que auxilia os países em desenvolvimento na consecução do seu

desenvolvimento sustentável, a qual deve ser construída por cada país em desenvolvimento

individualmente, destacando-se, contudo, a realidade de um país específico, qual seja, o

Brasil, e trazendo-se, sempre que possível, exemplos e situações relativas à indústria do

petróleo, gás natural e biocombustíveis, conforme já explicitado.

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21

PRIMEIRA PARTE

O DIREITO INTERNACIONAL DA MUDANÇA DO CLIMA

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22

Capítulo 1. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (1992)

1.1 O surgimento da Convenção do Clima

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Convenção do

Clima) é fruto de um relativamente curto processo de discussões internacionais acerca da

interferência do homem sobre o clima global.

Num breve histórico, pode-se apontar o ano de 1979 como o primeiro momento em

que este específico tópico da questão ambiental, a mudança do clima causada pela ação

antrópica, emergiu na arena internacional. Foi por ocasião da Primeira Conferência

Internacional do Clima.

Na década seguinte, a atenção da opinião pública global sobre o tema da mudança

climática só fez crescer. Como resposta, governos de todo o mundo adotaram, por ocasião da

Assembléia Geral das Nações de 1988, a resolução 43/53, proposta pelo governo de Malta, a

qual reclamava: “... a proteção do clima global para a presente e as futuras gerações”. Nesse

mesmo ano, os órgãos diretores da Organização Metereológica Mundial e do Programa das

Nações Unidas para o Meio Ambiente criaram um novo órgão, a saber, o Painel

Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, com a missão de reunir e avaliar toda a

informação científica sobre o tema.

Já em 1990 o Painel Intergovernamental produzia seu Primeiro Relatório de

Avaliação, o qual confirmava que a mudança climática era uma ameaça real. Nesse ano e com

base nesse documento, a Segunda Conferência Internacional do Clima propôs a criação de um

tratado global sobre o tema. A Assembléia Geral das Nações Unidas, ainda nesse mesmo ano,

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23

respondeu a esse chamado através da resolução 45/212, a qual lançou negociações formais

para uma convenção sobre mudança do clima a ser conduzida pelo Comitê

Intergovernamental de Negociações.

O Comitê Intergovernamental de Negociações iniciou seus trabalhos em 1991, tendo

adotado o texto da Convenção do Clima em 9 de maio de 1992, apenas 15 meses após sua

primeira reunião. Por ocasião da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o

Desenvolvimento, realizada em junho de 1992 na cidade do Rio de Janeiro6, a Convenção foi

aberta para assinatura e, em 21 de março de 1994, ela entrou em vigor7. Trata-se de um dos

tratados internacionais que mais recebeu endosso internacional, tendo colhido, até 18 de

novembro de 2009, 194 instrumentos de ratificação8.

No que diz respeito ao Brasil, o processo de internalização da Convenção do Clima9

deu-se da seguinte maneira: após a assinatura da Convenção do Clima em 09 de maio de

1992, seguiu-se a aprovação da mesma pelo Congresso Nacional por meio do Decreto

Legislativo nº 1, de 03 de fevereiro de 1994; em 28 de fevereiro de 1994, o governo brasileiro

6 A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, de 1992, também conhecida como ECO 92 produziu os seguintes documentos internacionais: (a) duas convenções multilaterais, a Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima e a Convenção sobre Diversidade Biológica; e (b) três documentos fixadores de grandes princípios normativos, a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Agenda 21, e a Declaração de Princípios sobre as Florestas (SOARES, Guido Fernando Silva. Direito Ambiental Internacional. In: PHILIPPI JR, Arlindo; ALVES, Alaôr Caffé (editores). Curso interdisciplinar de direito ambiental. Barueri: Manole. p. 655.

7 UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE. Uniting on climate: a guide to the Climate Convention and the Kyoto Protocol. Disponível em: <http://unfccc.int/resource/docs/publications/unitingonclimate_eng.pdf> Acesso em: 20 out. 2008. p. 11 e 12.

8 Disponível em: http://unfccc.int/essential_background/convention/status_of_ratification/items/2631.php Acesso: 18 nov. de 2009.

9 Para uma breve explanação acerca das etapas para internalização do direito internacional no Brasil, cf. GRAU NETO, Werner. O Protocolo de Quioto e o mecanismo de desenvolvimento limpo – MDL: uma análise crítica do instituto. São Paulo: Fiúza, 2007. p. 93.

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depositou o instrumento de ratificação; por fim, em 1° de julho de 1998, o Presidente da

República promulga o texto da Convenção através do Decreto n° 2.65210.

Nos tópicos seguintes, serão explicados os pontos principais da Convenção do Clima.

10 Disponível em: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/20245.html Acesso em: 18 nov.2009.

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25

1.2 O objetivo final da Convenção do Clima e dos instrumentos jurídicos com ela

relacionados

A Convenção do Clima e os instrumentos jurídicos com ela relacionados, como é o

caso do Protocolo de Quioto, têm por objetivo alcançar a estabilização das concentrações de

gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica

perigosa no sistema climático, em prazo suficiente que permita aos ecossistemas adaptarem-se

naturalmente à mudança do clima, que assegure que a produção de alimentos não seja

ameaçada e que permita o desenvolvimento econômico sustentável (art. 2º da Convenção do

Clima).

É importante ressaltar que, quando menciona gases de efeito estufa, a Convenção do

Clima refere-se a todos os gases de efeito estufa não cobertos pelo Protocolo de Montreal à

Convenção para Proteção da Camada de Ozônio de 198711.

11 UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE. Uniting on climate: a guide to the Climate Convention and the Kyoto Protocol. Disponível em: <http://unfccc.int/resource/docs/publications/unitingonclimate_eng.pdf> Acesso em: 20 out. 2008. p. 8.

Como se verá mais a frente, o Protocolo de Quioto, diferentemente, enfoca apenas seis categorias de gases: dióxido de carbono; metano; óxido nitroso; hidrofluorcarbonos; perfluorcarbonos; e o hexafluoreto de enxofre (SF6).

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26

1.3 Os princípios norteadores da Convenção do Clima

A Convenção do Clima estabelece, em seu artigo 3º, os princípios que devem

orientar as suas Partes na consecução do seu objetivo final e na implementação das suas

disposições. No presente estudo, serão abordados apenas três desses princípios, porquanto

mais atinentes ao mecanismo de desenvolvimento limpo, objeto central desse estudo. São

eles: as responsabilidades comuns porém diferenciadas; a cooperação internacional; e o

desenvolvimento sustentável.

1.3.1 As responsabilidades comuns porém diferenciadas

O princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas12 se encontra

expresso no artigo 3.1 da Convenção do Clima, a saber:

As Partes devem proteger o sistema climático em benefício das gerações

presentes e futuras da humanidade com base na eqüidade e em conformidade

com suas responsabilidades comuns mas diferenciadas e respectivas

12 Este também está expresso no Princípio 7 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992): “Os Estados irão cooperar, em espírito de parceria global, para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre. Considerando as diversas contribuições para a degradação do meio ambiente global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na busca internacional do desenvolvimento sustentável, tendo em vista as pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e as tecnologias e recursos financeiros que controlam.

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capacidades. Em decorrência, as Partes países desenvolvidos devem tomar a

iniciativa no combate à mudança do clima e a seus efeitos.

O princípio em tela busca resolver a questão basilar de quem deve suportar os ônus

decorrentes da mudança climática13. Quem deve custear as medidas de enfrentamento da

mudança do clima tanto para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa quanto para a

adaptação às inevitáveis alterações ambientais decorrentes? A essa indagação o princípio

responde que todos os países – desenvolvidos e em desenvolvimento – são responsáveis pela

mudança climática e devem se mover para enfrentá-la, devendo, contudo, os países

desenvolvidos tomar a dianteira desse esforço.

Esse princípio decorre do reconhecimento de que os países desenvolvidos, em razão

da sua mais antiga e consolidada industrialização, têm uma parcela maior de contribuição nas

emissões de gases de efeito estufa causadoras da mudança climática e, por isso, devem

responder mais intensamente pelos custos do seu combate. Trata-se aqui, portanto, de

evidente aplicação do tradicional princípio do direito ambiental segundo o qual aquele que

causou a poluição deve suportar os custos para sua limpeza – o denominado princípio do

poluidor-pagador.

Nesse sentido, a própria Convenção do Clima, em seu preâmbulo, afirma o seguinte:

13 Para uma discussão teórica acerca dessa problemática que busca mostrar as insuficiências do princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas tal como ele é interpretado correntemente e uma proposta alternativa de resposta a essa questão, cf. SIMON CANEY (2005). Cosmopolitan Justice, Responsibility, and Global Climate Change. Leiden Journal of International Law, 18, pp 747-775 doi:10.1017/S0922156505002992 Disponível em: http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?aid=371031 Acesso através do portal dos Periódicos Capes em: 25 mar. 2009.

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Observando que a maior parcela das emissões globais, históricas e atuais,

de gases de efeito estufa é originária dos países desenvolvidos, que as

emissões per capita dos países em desenvolvimento ainda são relativamente

baixas e que a parcela de emissões globais originárias dos países em

desenvolvimento crescerá para que eles possam satisfazer suas necessidades

sociais e de desenvolvimento,

Ademais, a Convenção do Clima manda que sejam levadas em conta as necessidades

e circunstanciais específicas dos países em desenvolvimento, notadamente daqueles

“particularmente vulneráveis aos efeitos negativos da mudança do clima” e também dos que

“tenham que assumir encargos desproporcionais e anormais sob esta Convenção” (art. 3.2).

Assim, a Convenção busca criar um mecanismo de equalização das condições dos

países diante da problemática de dimensões globais da mudança climática. Isso se dá de duas

formas: (a) pela repartição dos países em duas categorias, tendo em conta seus diferentes

estágios de desenvolvimento – países desenvolvidos, de um lado, e países em

desenvolvimento, de outro; e (b), dentre os países em desenvolvimento, pelo reconhecimento

da que alguns deles são especialmente vulneráveis às mudanças climáticas14 15.

14 GRAU NETO, Werner. O Protocolo de Quioto e o mecanismo de desenvolvimento limpo – MDL: uma análise crítica do instituto. São Paulo: Fiúza, 2007. p. 93.

15 No tópico “1.4 Países desenvolvidos e países em desenvolvimento possuem obrigações diferentes” abaixo, ver-se-á quais as conseqüências práticas dessa diferenciação quando se falar dos compromissos assumidos pelas países-parte de uma e outra categorias.

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1.3.2 Desenvolvimento sustentável

A conciliação entre desenvolvimento econômico e conservação dos recursos

naturais, eis a problemática que o conceito desenvolvimento sustentável busca solucionar.

Trata-se de um conceito surgido no campo da economia e que apenas recentemente entrou na

seara jurídica, por força da sua adoção em documentos internacionais atinentes às questões

ambientais.

Uma definição bastante satisfatória do que seja desenvolvimento sustentável pode ser

encontrada no chamado Informe Brundtland16, estudo de alternativas para o desenvolvimento

e o meio ambiente encomendado pela Assembléia Geral da ONU em 1983: “o

desenvolvimento sustentável pretende satisfazer as necessidades do presente sem

comprometer os recursos equivalentes de que farão uso no futuro outras gerações”.17 18

O conceito de desenvolvimento sustentável aparece em 11 dos 27 princípios

contidos na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Para fins de uma

definição do que seja desenvolvimento sustentável, pode-se destacar, dentre esses 11, os

seguintes princípios:

16 Esse estudo foi elaborado por uma comissão presidida pela ex-ministra da Noruega chamada Brundtland, cujo nome terminou por batizar o trabalho.

17 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 111.

18 No mesmo sentido, a definição de desenvolvimento sustentável contida em documento sobre estratégias do desenvolvimento da World Comission on Environment and Development de 1987 (DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 110).

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Princípio 3. O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a

permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de

desenvolvimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras.

Princípio 4. Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção

ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não

pode ser considerada isoladamente deste.

O desenvolvimento sustentável, portanto, é aquele desenvolvimento econômico que

atende as necessidades materiais da presente geração mediante um uso racional da natureza,

permitindo, por conseqüência, que as gerações futuras também atendam suas necessidades19.

Uma idéia importante subjacente nesse conceito é a de que meio ambiente e

economia são dois elementos necessariamente indissociáveis e que podem ser harmonizados,

superando, de um lado, a concepção de que preservar a natureza significa mantê-la intocada

pelo homem e, de outro, de que o crescimento econômico deve ser mantido a qualquer custo.

O conceito de desenvolvimento sustentável sintetiza, pois, o desafio que o mundo vive

atualmente de colocar o capitalismo – que levou à presente crise ambiental de que a mudança

climática é apenas uma das manifestações – num caminho que não ameace as bases naturais

que permitem a vida na Terra.

Na Convenção do Clima, o princípio do desenvolvimento sustentável está expresso

no art. 3.4, a saber:

19 Refoge ao âmbito do presente estudo uma discussão mais aprofundada acerca do conceito de desenvolvimento sustentável. Para uma análise mais percuciente do tema na literatura jurídica, cf. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Saraiva, 2008, especialmente o tópico 5 do capítulo III intitulado “Factibilidade da teoria do desenvolvimento sustentável para a proteção dos recursos naturais” (p.110 a 132).

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As Partes têm o direito ao desenvolvimento sustentável e devem promovê-lo.

As políticas e medidas para proteger o sistema climático contra mudanças

induzidas pelo homem devem ser adequadas às condições específicas de

cada Parte e devem ser integradas aos programas nacionais de

desenvolvimento, levando em conta que o desenvolvimento econômico é

essencial à adoção de medidas para enfrentar a mudança do clima.

É interessante anotar que o desenvolvimento sustentável deve ser visto não só como

um princípio das políticas e medidas de proteção ambiental, mas também como um direito

dos países e dos seus cidadãos20, como bem exposto no texto da Convenção acima transcrito.

É dizer, existe um verdadeiro direito ao desenvolvimento sustentável, cujos destinatários são

os países e seus cidadãos. Trata-se do tradicional direito ao desenvolvimento, pertencente à

terceira geração de direitos fundamentais – os chamados direitos da fraternidade ou

solidariedade –21, acrescido da nota da sustentabilidade ambiental. Aliás, o direito ao meio

ambiente também faz parte dessa terceira geração de direitos22.

Por fim, cumpre notar que, em razão da dificuldade de se definir precisamente esse

conceito e conseqüentemente o que o realiza concretamente, é que o Protocolo de Quioto

reservou a cada país em desenvolvimento a prerrogativa de definir quais tipos de atividades

20 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 569.

21 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 570.

22 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 569

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realizam o desenvolvimento sustentável dentro da estrutura do mecanismo de

desenvolvimento limpo, conforme se verá adiante23.

1.3.3 A cooperação internacional

A cooperação internacional é imprescindível para o combate à mudança climática. É

que, independentemente de onde ocorram as emissões de gases causadores do efeito estufa –

seja na Coréia do Sul, seja no Canadá ou em Chipre –, o seu impacto para a atmosfera será

igualmente deletério; e os efeitos prejudiciais da mudança climática advindo dessas emissões

serão sentidos indistintamente em vários lugares do globo. Vale dizer, a mudança climática é

um problema global por excelência, tanto nas suas causas (fontes de emissão de gases de

efeito estufa) quanto nas suas conseqüências (impactos sócio-econômicos da mudança do

clima). E, portanto, o enfrentamento desse desafio passa necessariamente por uma estratégia

concertada pela comunidade internacional, que leve em conta necessariamente as diferenças

existentes entre os países.

É importante anotar ainda que a problemática da mudança do clima está

intrinsecamente ligada à dinâmica do sistema econômico mundial. Tendo em vista a

facilidade de mobilidade internacional dos meios de produção atualmente, fica fácil perceber

que de nada adiantaria a edição de normas ambientais restritiva das emissões de gases de

efeito estuda num determinado país se os demais não fizerem o mesmo. É que, nesse caso, as

indústrias poluidoras podem com facilidade driblar essa restrição ambiental através da

23 Dentro do MDL, cada país em desenvolvimento define seus critérios de sustentabilidade em tese e avalia se uma determinada atividade atende a tais critérios na prática. A esse respeito, veja-se o tópico “5.1.2 Os critérios de sustentabilidade da Resolução 01/2003 da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima: a contribuição para o desenvolvimento sustentável nacional de atividade de projeto de MDL em que ocorre a troca do óleo diesel pelo gás natural em plantas industriais”.

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transferência de suas plantas industriais para os países onde as normas de emissão são

inexistentes ou menos rígidas. A própria conclusão de tratados internacionais, como a

Convenção do Clima, é manifestação dessa necessidade de cooperação.

Ademais, é preciso evitar que os países em desenvolvimento sigam o mesmo padrão

de industrialização extremamente poluidor, calcado na queima de combustíveis fósseis, usado

pelos países desenvolvidos, o que pode ocorrer, por exemplo, pela transferência de indústrias

poluidoras mencionada acima. Para isso, os países ricos devem cooperar com os países em

desenvolvimento através da transferência de recursos financeiros e tecnológicos, viabilizando

o desenvolvimento sustentável24 destes.

Exemplo concreto de cooperação internacional pode ser encontrado no mecanismo de

desenvolvimento limpo, em que os países desenvolvidos transferem dinheiro e tecnologias

para os países em desenvolvimento em troca das reduções certificadas de emissões,

popularmente conhecidos como créditos de carbono, como será estudo detalhadamente mais

adiante.

Na Convenção do Clima, o princípio da cooperação internacional está expresso no art.

3.525:

24 Como visto acima o desenvolvimento sustentável, consiste também num direito dos Estados e dos indivíduos que neles habitam, pertencendo esse direito à terceira geração de direitos fundamentais, cujo princípio informador é a solidariedade ou fraternidade. Esse princípio se manifesta atualmente das seguintes formas, segundo Etine-R. Mbaya, formulador do direito ao desenvolvimento: “’1. O dever de todo Estado particular de levar em conta, nos seus atos, os interesses de outros Estados (ou de seus súditos); 2. Ajuda recíproca (bilateral ou multilateral), de caráter financeiro ou de outra natureza, para a superação das dificuldades econômicas (inclusive com auxílio técnico aos países subdesenvolvidos e estabelecimento de preferências de comércio em favor desses países, a fim de liquidar déficits); 3. Uma coordenação sistemática de política econômica” (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 570)

25 Com redação semelhante, veja-se o Princípio 12 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento: “Os Estados devem cooperar na promoção de um sistema econômico internacional aberto e favorável, propício ao crescimento econômico e ao desenvolvimento sustentável em todos os países, de forma a possibilitar o tratamento mais adequado dos problemas da degradação ambiental. As medidas de política comercial para fins ambientais não devem constituir um meio de discriminação arbitrária ou injustificável, ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional. Devem ser evitadas ações unilaterais para o tratamento dos

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As Partes devem cooperar para promover um sistema econômico

internacional favorável e aberto conducente ao crescimento e ao

desenvolvimento econômico sustentáveis de todas as Partes, em especial das

Partes países em desenvolvimento, possibilitando-lhes, assim, melhor

enfrentar os problemas da mudança do clima. As medidas adotadas para

combater a mudança do clima, inclusive as unilaterais, não devem constituir

meio de discriminação arbitrária ou injustificável ou restrição velada ao

comércio internacional.

1.4 Países desenvolvidos e países em desenvolvimento possuem obrigações diferentes

Em consonância com o princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas,

a Convenção do Clima divide os países em dois grandes blocos: (a) aqueles incluídos no seu

Anexo I e (b) os não inseridos no Anexo I.

1.4.1 Obrigações dos países desenvolvidos: metas de redução de emissões

O Anexo I da Convenção sobre Mudança do Clima é composto pelos países

industrializados que eram membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

desafios internacionais fora da jurisdição do país importador. As medidas internacionais relativas a problemas ambientais transfronteiriços ou globais deve, na medida do possível, basear-se no consenso internacional”.

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Econômico (OCDE) em 1992 e pelos países com economias em transição (países

industrializados da antiga União Soviética e do Leste Europeu). 26

Para os países do Anexo I da Convenção, é estabelecida uma obrigação específica de

redução de emissões de gases de efeitos estufa. Com efeito, as Partes do Anexo I deveriam

adotar políticas e medidas com o objetivo de reduzir suas emissões para os níveis de 1990 até

o ano 200027 (art. 4.2, “a”, da Convenção do Clima).

1.4.2 Obrigações dos países em desenvolvimento: compromisso geral de adotar políticas

e medidas para mitigar a mudança do clima

Já os países não incluídos no Anexo I da Convenção – ou simplesmente, as Partes

não-Anexo I –, são, em sua maioria, países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil.

Elas estão vinculadas apenas ao compromisso geral, que é de todas as Partes da Convenção,

de adotar políticas e medidas para mitigar a mudança do clima através do enfrentamento das

suas emissões por fontes e remoção por sumidouros de todos os gases dos efeitos estufa (art.

26 Eis a lista completa dos países do Anexo I: Alemanha, Austrália, Áustria, Belarus a/, Bélgica, Bulgária a/, Canadá, Comunidade Européia, Croácia a/ *, Dinamarca, Eslováquia a/ *, Eslovênia *, Espanha, Estados Unidos da América, Estônia a/, Federação Russa a/, Finlândia, França, Grécia, Hungria a/, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Letônia a/, Liechtenstein *, Lituânia a/, Luxemburgo, Mônaco *, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Polônia a/, Portugal, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, República Tcheca a/ *, Romênia a/, Suécia, Suíça, Turquia, Ucrânia a/. Legenda: a/ Países em processo de transição para uma economia de mercado; * Países que passaram a fazer parte do Anexo I mediante emenda que entrou em vigor no dia 13 de agosto de 1998, em conformidade com a decisão 4/CP.3 adotada na Conferência das Partes na sua 3ª sessão.

27 A Convenção traz ainda um outro anexo. Trata-se do Anexo II, em que estão listados todos os membros do Anexo I que pertencem à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, menos os países com economias em transição. Em breves termos, o Anexo II é composto pelos países desenvolvidos. As Partes do Anexo II têm que prover recursos financeiros para possibilitar que os países em desenvolvimento implementem atividades de redução de emissões e que ajudem estas a se adaptarem aos efeitos adversos da mudança climática. Ademais, devem viabilizar o desenvolvimento e a transferência de tecnologias ambientalmente saudáveis para os países em desenvolvimento e países com economias em transição (UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE. Uniting on climate: a guide to the Climate Convention and the Kyoto Protocol. Disponível em: <http://unfccc.int/resource/docs/publications/unitingonclimate_eng.pdf Acesso em: 20 out. 2008. p. 15). Registre-se que, para os fins deste trabalho, importa destacar apenas a divisão dos países em Partes do Anexo I e Partes não-Anexo I, daí porque não se fará mais menção ao Anexo II da Convenção daqui em diante.

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4.1, “b”). Não há para elas a definição de níveis mais precisos de redução das emissões, como

ocorre, consoante vimos acima, para os países do Anexo I28.

1.5 A Conferência das Partes: órgão supremo da Convenção do Clima

Consoante estabelece o art. 7° da Convenção, a Conferência das Partes (em inglês,

Conference of the Parties – COP) consiste no órgão supremo da mesma. Como o próprio

nome indica, ela é composta por representantes de cada um dos países que adotaram esse

instrumento internacional, ou seja, ela é formada pelas Partes da Convenção.

A COP se reúne anualmente, sendo sua missão supervisionar a implementação da

Convenção, adotar decisões que desenvolvam as regras delineadas na Convenção e negociar

novos compromissos relativos ao enfrentamento da mudança climática29.

28 Dentro do bloco das Partes não-Anexo I, a Convenção define certas categorias de países às quais dá uma atenção especial. É o caso dos países em desenvolvimento especialmente vulneráveis aos efeitos adversos da mudança do clima, como é o caso dos países insulares e com áreas tendentes à desertificação, e daqueles especialmente sensíveis a medidas de resposta à mudança climática, como são os países que dependem fortemente das rendas geradas pela produção e comércio de combustíveis fósseis (art. 4.8, da Convenção). Há ainda, dentro desse grande bloco, 48 países classificados como de menor desenvolvimento relativo, os quais merecem uma atenção diferenciada no que toca a financiamento e transferência de tecnologias tendo em conta sua limitada capacidade de enfrentar a mudança do clima (art. 4.9, da Convenção) (UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE. Uniting on climate: a guide to the Climate Convention and the Kyoto Protocol. Disponível em: <http://unfccc.int/resource/docs/publications/unitingonclimate_eng.pdf> Acesso em: 20 out. 2008. p. 15).

29 Até o presente momento já ocorreram 15 COPs. A última delas, a COP 15, realizada em dezembro de 2009 na cidade de Copenhague na Dinamarca, foi acompanhada com grande interesse pela opinião pública mundial, pois havia expectativa de que ela traria grandes avanços no direito internacional da mudança do clima. Entretanto, essa expectativa foi frustrada, na medida em que essa reunião não produziu qualquer inovação para o regime jurídico internacional da mudança do clima, mas apenas uma acordo meramente político, a saber, o chamado Acordo de Copenhague. Disponível em: http://unfccc.int/resource/docs/2009/cop15/eng/11a01.pdf Acesso em: 2 jun. 2010.

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Capítulo 2. O Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre

Mudança do Clima (1997)

A Convenção do Clima dispõe de metas de redução de emissões de gases do efeito

estufa (GEEs) que logo se mostraram insuficientes para um combate efetivo à mudança do

clima. Assim, já na primeira sessão da Conferência das Partes, as Partes da Convenção

lançaram uma rodada de negociações para discutir compromissos mais firmes e detalhados

para os países industrializados, uma decisão conhecida como Mandato de Berlim30.

Em dezembro de 1997, após dois anos e meio de intensas negociações, uma

substancial extensão da Convenção do Clima foi adotada na terceira sessão da Conferência

das Partes, realizada em Quioto no Japão. Surgia, assim, o Protocolo de Quioto, o qual entrou

em vigor apenas em 16 de fevereiro de 2005.31

No que toca ao Brasil, o Protocolo foi assinado pelo país em 29 de abril de 199832;

aprovado pelo Decreto Legislativo nº 144, de 20 de junho de 200233; e ratificado em 23 de

agosto de 200234.

30 Trata-se da Decisão 1/CP.1, de 7 de abril de 1995. Eis a ementa dessa decisão: The Berlin Mandate: Review of the adequacy of Article 4, paragraph 2 (a) and (b), of the Convention, including proposals related to a protocol and decisions on follow-up

31 De acordo com o seu artigo 25, o Protocolo de Quioto necessitava, para sua entrada em vigor, da ratificação de, pelo menos, 55 Partes da Convenção do Clima, incluindo suficientes países industrializados listados no Anexo I do Protocolo de Quioto que perfizessem, pelo menos, 55 por cento das emissões totais de dióxido de carbono desse grupo no ano de 1990. Essa condição foi suprida com a ratificação da Federação Russa em 18 de novembro de 2004. Com essa ratificação, se iniciou a contagem regressiva de noventa dias, também prevista pelo mencionado artigo 25, para entrada em vigor do Protocolo, o que ocorreu em 16 de fevereiro de 2005.

32 Informação disponível em: http://www.mct.gov.br/upd_blob/0024/24986.pdf Acesso em: 04 dez. 2009

33 Informação disponível em: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/20310.html Acesso em: 04 dez. 2009.

34 Informação disponível em: http://www.mct.gov.br/upd_blob/0024/24986.pdf Acesso em: 04 dez. 2009

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38

A seguir, esse ato normativo internacional será estudado em seus elementos mais

relevantes para o entendimento do tema deste trabalho.

2.1 Compromissos quantificados de limitação e redução de emissões

O Protocolo de Quioto tem o seu ponto central no estabelecimento de compromissos

quantificados de limitação e redução de emissões de gases de efeito estufa (GEEs) para as

Partes pertencentes ao Anexo I da Convenção do Clima35.

Cada Parte incluída no Anexo I da Convenção tem um específico compromisso

quantificado de limitação e redução de emissões de GEEs descrito no Anexo B36 do Protocolo

de Quioto. Esses compromissos variam bastante, indo desde um aumento de 10 % a uma

redução de 8% em relação aos níveis de 199037. No seu conjunto, entretanto, essas metas de

limitação e redução têm o objetivo de reduzir as emissões totais de GEEs oriundas das Partes

35 Consoante visto no tópico “1.4 Países desenvolvidos e países em desenvolvimento possuem obrigações diferentes” do capítulo anterior, compõem o Anexo I da Convenção os países industrializados que eram membros da OCDE em 1992 e os países com economias em transição.

36 Todos os países listados no Anexo I da Convenção do Clima também estão relacionados no Anexo B do Protocolo. As únicas exceções são Belarus e Turquia, que se encontram presentes no Anexo I da Convenção do Clima, mas não no Anexo B do Protocolo.

37 Pode parecer estranho ao leitor menos familiarizado ao direito da mudança do clima como poderia o Protocolo prever metas de aumento das emissões de GEEs, como são os casos da Noruega, que pode aumentar suas emissões em 1%, da Austrália, que pode aumentá-las em até 8 %, e da Islândia, que pode fazê-las crescer em até 10 %. Para desfazer a perplexidade, é preciso esclarecer duas coisas: primeiramente, os aumentos de emissões são exceções, sendo possíveis para apenas os três mencionados países dentro do conjunto de 38 países e a Comunidade Européia, que formam o Anexo B do Protocolo; ademais, note-se que os “aumentos” se referem aos níveis do ano de 1990, ou seja, aos níveis de emissões de quase duas décadas atrás, razão pela qual – a menos que tenham sofrido uma estagnação econômica extraordinária, o que não ocorreu – esses três países também precisam adotar medidas de controle das suas emissões de GEEs.

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39

do Anexo I em, pelo menos, 5 % abaixo dos níveis de 1990 no período de compromisso de

2008 a 201238.

Para um melhor controle do seu cumprimento, os referidos compromissos são

expressos como níveis de emissões permitidas. Cada Parte com compromisso listado no

Anexo B possui um nível de emissões permitidas ou, conforme a linguagem técnica do

Protocolo de Quioto, uma quantidade atribuída (em inglês, assigned amount) de emissões,

que ela pode emitir ao longo do período de compromisso de 2008 a 2012 (arts. 3.1, 3.7 e 3.8).

Essa quantidade atribuída de emissões é repartida em pequenos “blocos” denominados

unidades de quantidade atribuída (em língua inglesa, assigned amount units), cada um deles

igual a uma tonelada de CO2-eq.39

Ao final do período de compromisso (2008-2012), cada Parte com compromisso

listado no Anexo B deve assegurar que as emissões reais dos seis GEEs abrangidos pelo

Protocolo de Quioto ocorridas nesse período não excedam a sua quantidade atribuída. Como

já antecipado acima, a quantidade atribuída, ao assinalar o nível de emissões permitidas para

uma determinada Parte do Anexo I, serve como o limite máximo de emissões que essa Parte

pode produzir sem desobedecer aos ditames do Protocolo de Quioto – conforme se verá no

tópico “2.3 A demonstração do cumprimento dos compromissos” mais adiante, o nível

máximo de emissões inicialmente permitidas pode ser expandido pela aquisição das chamadas

unidades de Quioto através dos mecanismos de flexibilização.

38 Art. 3º do Protocolo de Quioto.

39 A forma como a quantidade atribuída de uma determinada Parte é calculada está prevista no parágrafo 7º, do art. 3º, primeira parte, a saber: “No primeiro período de compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, de 2008 a 2012, a quantidade atribuída para cada Parte incluída no Anexo I deve ser igual à porcentagem descrita no Anexo B de suas emissões antrópicas agregadas, expressas em dióxido de carbono equivalente, dos gases de efeito estufa listados no Anexo A em 1990, ou o ano ou período de base determinado em conformidade com o parágrafo 5 acima, multiplicado por cinco (...)”.

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40

Cabe anotar que o Protocolo de Quioto enfoca apenas seis GEEs: o dióxido de

carbono (CO2), o metano (CH4), o óxido nitroso (N2O), os hidrofluorcarbonos (HFCs), os

perfluorcarbonos (PFCs) e o hexafluoreto de enxofre (SF6)40. Nesse ponto, o Protocolo se

diferencia da Convenção, porquanto esta não se limita a esses seis gases, abrangendo todos os

GEEs não controlados pelo Protocolo de Montreal de 1987 à Convenção das Nações Unidas

para Proteção da Camada de Ozônio41.

Para os objetivos do presente estudo, é importante destacar dois dos GEEs enfocados

pelo Protocolo de Quioto, a saber, o dióxido de carbono e o metano, porquanto são os mais

ligados à produção de energia.

Sobre o dióxido de carbono, registre-se que suas emissões oriundas da queima de

combustíveis fósseis, com contribuições da produção de cimento, são responsáveis por mais

de 75% do aumento na concentração de dióxido de carbono desde a era pré-industrial. O

restante do aumento advém de mudanças no uso da terra dominada pelo desmatamento (e a

queima de biomassa associada) com contribuições da mudança nas práticas agrícolas.42

Quanto ao metano, as atividades humanas que produzem esse gás incluem a

produção de energia a partir do carvão e do gás natural, despejo de dejetos em aterros

40 A lista dos gases de efeito estufa relevantes para o Protocolo de Quioto se encontra no seu Anexo A.

41 UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE. Uniting on climate: a guide to the Climate Convention and the Kyoto Protocol. Disponível em: <http://unfccc.int/resource/docs/publications/unitingonclimate_eng.pdf> Acesso em: 20 out. 2008. p. 08.

42 Denman, K.L., G. Brasseur, A. Chidthaisong, P. Ciais, P.M. Cox, R.E. Dickinson, D. Hauglustaine, C. Heinze, E. Holland, D. Jacob, U. Lohmann, S Ramachandran, P.L. da Silva Dias, S.C. Wofsy and X. Zhang, 2007: Couplings Between Changes in the Climate System and Biogeochemistry. In: Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Solomon, S., D. Qin, M. Manning, Z. Chen, M. Marquis, K.B. Averyt, M.Tignor and H.L. Miller (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA. p. 512.

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41

sanitários, criação de animais ruminantes (por exemplo, gado e ovinos), cultivo do arroz e

queima de biomassa.43

Nesse passo, é preciso explicar que o gás metano tem um Potencial de Aquecimento

Global (GWP, do inglês Global Warming Potentials) 44 21 vezes maior que o gás dióxido de

carbono. Assim, a emissão de uma tonelada de metano na atmosfera equivale, para efeito de

agravar a mudança climática, à emissão de 21 toneladas de dióxido de carbono. Do mesmo

modo, a remoção de uma tonelada de metano da atmosfera é equivalente, para fins de

mitigação da mudança climática, à remoção de 21 toneladas de dióxido de carbono. Em

breves termos, uma tonelada de metano corresponde a 21 toneladas de dióxido de carbono.

Como o Potencial de Aquecimento Global do dióxido de carbono é igual 1, diz-se que uma

tonelada de metano corresponde a 21 toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2-eq.).

Os Potenciais de Aquecimento Global consistem em índices divulgados pelo Painel

Intergovernamental sobre Mudança do Clima (o IPCC, do inglês Intergovernmental Panel on

Climate Change). Têm a função de permitir que quantidades de todos os seis GEEs

abrangidos pelo Protocolo de Quioto45 sejam conversíveis entre si, na medida em que

43 Denman, K.L., G. Brasseur, A. Chidthaisong, P. Ciais, P.M. Cox, R.E. Dickinson, D. Hauglustaine, C. Heinze, E. Holland, D. Jacob, U. Lohmann, S Ramachandran, P.L. da Silva Dias, S.C. Wofsy and X. Zhang, 2007: Couplings Between Changes in the Climate System and Biogeochemistry. In: Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Solomon, S., D. Qin, M. Manning, Z. Chen, M. Marquis, K.B. Averyt, M.Tignor and H.L. Miller (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA. p. 513.

44 Os Potenciais de Aquecimento Global a serem usados para o período de compromisso do Protocolo de Quioto – de 2008 a 2012 – são os divulgados, pelo IPCC, em seu Segundo Relatório de Avaliação (em inglês, Second Assessment Report), de 1995. Assim, manda a Decisão nº 02 da Conferência das Partes em sua terceira sessão (em inglês, Decision 2/CP.3), tomada com base no art. 5.3 do Protocolo de Quioto. É interessante destacar isso, pois o IPCC, em seu Quarto Relatório de Avaliação (Fourth Assessment Report), de 2007, trouxe um novo Potencial de Aquecimento Global para o metano, igual a 25, o qual, entretanto, não deve ser usado para o período de compromisso do Protocolo de Quioto.

45 Embora se tenha mencionado apenas os Potenciais de Aquecimento Global do dióxido carbono e do metano, todos os seis GEEs cobertos pelo Protocolo de Quioto possuem seus respectivos índices. Para uma lista completa dos Potenciais de Aquecimento de todos esses GEEs, cf. <http://unfccc.int/ghg_data/items/3825.php>

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42

viabiliza que qualquer quantidade desses GEEs seja expressa, em termos relativos, através

duma unidade comum, qual seja, o CO2-eq.

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43

2.2 Os mecanismos de flexibilização para cumprimento dos compromissos

Além da estatuição de obrigações quantificadas de limitação e redução de emissões

de GEEs para as Partes do Anexo I, outro ponto de destaque do Protocolo de Quioto reside

nos chamados mecanismos de flexibilização. Trata-se de três inovadores mecanismos

concebidos com o objetivo de favorecer uma melhor relação custo-benefício nos esforços para

a mitigação da mudança climática, porquanto abrem a possibilidade de a Parte do Anexo I

buscar, no exterior, oportunidades de cortes de emissões ou fortalecimento de sumidouros de

GEEs que se apresentem mais baratas do que as oportunidades surgidas dentro do seu próprio

território. A idéia básica sobre a qual se erguem esses mecanismos é a de que, embora os

custos para limitar emissões ou expandir sumidouros de GEEs variem bastante de região para

região do Planeta, o efeito para a atmosfera é o mesmo independentemente de onde a ação

mitigadora ocorra46.

Os mecanismos de flexibilização de que se está falando são: a implementação

conjunta, o comércio de emissões e o mecanismo de desenvolvimento limpo. Logo abaixo,

segue uma apresentação rápida dos mesmos, sendo que o mecanismo de desenvolvimento

limpo, por ser o objeto do presente estudo, continuará a ser analisado com mais detalhamento

ao longo deste trabalho.

46 UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE. Uniting on climate: a guide to the Climate Convention and the Kyoto Protocol. Disponível em: <http://unfccc.int/resource/docs/publications/unitingonclimate_eng.pdf> Acesso em: 20 out. 2008. p. 28.

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44

2.2.1 Implementação Conjunta

A Implementação Conjunta, cujas feições básicas constam do art. 6º do Protocolo de

Quioto, permite que uma Parte do Anexo I realize um projeto que reduza as emissões ou

aumente as remoções de GEEs em outra Parte do Anexo I47. Então, as unidades de redução de

emissões geradas em tais projetos, cada uma equivalente a uma tonelada de CO2-eq., podem

ser usadas, pela Parte do Anexo I investidora, para ajudar a cumprir suas metas de limitação e

redução de emissões. Para Parte do Anexo I em que foi implementado o projeto, esse

mecanismo propicia uma fonte de investimento estrangeiro e de transferência de tecnologia.

Ademais, é importante notar que, para evitar dupla contagem, a Parte Anexo I onde foi

realizado o projeto deve, em contrapartida, subtrair da sua quantidade atribuída tantas

unidades quantas forem as unidades de redução de emissões transferidas48.

2.2.2 Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

Desde logo, importa destacar que o MDL, previsto no art. 12 do Protocolo de Quioto,

é o único dos mecanismos de flexibilização que admite a participação de Partes não incluídas

no Anexo I da Convenção do Clima. Como sabido, as Partes não-Anexo I são, em sua

47 Na prática, os projetos de Implementação Conjunta tendem a ocorrer nos países com economias em transição, onde existe mais espaço para cortes de emissões a baixo custo.

48 UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE. Uniting on climate: a guide to the Climate Convention and the Kyoto Protocol. Disponível em: <http://unfccc.int/resource/docs/publications/unitingonclimate_eng.pdf Acesso em: 20 out. 2008. p. 31. Vide também o seguinte sítio eletrônico: http://unfccc.int/kyoto_protocol/mechanisms/joint_implementation/items/1674.php>

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45

maioria, países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, e se notabilizam pelo fato de o

Protocolo de Quioto não lhes ter estabelecido compromissos quantificados de limitação e

redução de emissões. Em outros termos, diferentemente das Partes do Anexo I, as Partes não-

Anexo I não estão vinculadas às metas de limitação e redução de emissões trazidas pelo

Anexo B do Protocolo de Quioto49.

O MDL permite que uma Parte do Anexo I invista numa atividade de projeto que

reduza emissões de GEEs sediada numa Parte não-Anexo I – eis aqui uma diferença essencial

em relação à Implementação Conjunta, em que o projeto ocorre numa Parte do Anexo I. As

reduções certificadas de emissões (RCEs) ou simplesmente os créditos de carbono do MDL

poderão ser usadas pela Parte do Anexo I investidora para ajudá-la no cumprimento de parte

das suas metas quantificadas de limitação e redução de emissões. Para a Parte não-Anexo I

hospedeira da atividade de projeto, o MDL propicia uma fonte de recursos financeiros e de

transferência de tecnologias para que ela atinja o desenvolvimento sustentável e contribua

para o objetivo final da Convenção50.

49 Não se deve perder de vista, no entanto, que as Partes não-Anexo I, embora desprovidas das metas quantificadas do Protocolo de Quioto, estão sim obrigadas, pela Convenção do Clima, a participar dos esforços para mitigação da mudança climática através, entre outras coisas, de “programas nacionais e, conforme o caso, regionais, que incluam medidas para mitigar a mudança do clima, enfrentando as emissões antrópicas por fontes e remoções por sumidouros de todos os gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal” (art. 4º, parágrafo 1º, “b”).

50 Conforme exposto no tópico “1.2 O objetivo final da Convenção e dos instrumentos jurídicos com ela relacionados”, esse tratado internacional visa à: “estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático” (art. 2º).

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46

2.2.3 Comércio de Emissões

Uma vez sabido que o nível de emissões permitidas está dividido em unidades de

quantidade atribuída, fica fácil entender que o comércio de emissões, previsto no art. 17 do

Protocolo de Quioto, visa justamente permitir que uma Parte do Anexo I do Protocolo de

Quioto possa adquirir essas unidades de quantidade atribuída de outra Parte do Anexo I do

Protocolo de Quioto que é capaz de mais facilmente reduzir emissões.

O comércio de emissões possibilita ainda que outras unidades, todas elas iguais a

uma tonelada de CO2-eq., sejam adquiridas por uma Parte do Anexo I do Protocolo. São

passíveis de aquisição sob o esquema do comércio de emissões, além das já mencionadas

unidades de quantidade atribuída, também as unidades de redução de emissões, oriundas de

projetos de implementação conjunta, e as reduções certificadas de emissões, geradas em

atividades de projeto de MDL. Todas essas unidades juntas podem ser denominadas

genericamente de unidades de Quioto ou simplesmente de créditos de carbono, como

amplamente conhecidos.

Cada unidade de Quioto adquirida por um Parte do Anexo I é adicionada à

quantidade atribuída da mesma, permitindo, com isso, que essa Parte expanda seu nível de

emissões permitidas durante o período de compromisso (2008 a 2012). Em contrapartida, a

Parte do Anexo I que transfere suas unidades de Quioto diminui seu limite de emissões

permitidas, na medida em que as unidades de Quioto transferidas são subtraídas da sua

quantidade atribuída (arts. 3.9, 3.10 e 3.11).51 Essa subtração, contudo, só não ocorre no caso

51 UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE. Kyoto Protocol Reference Manual on Accounting of Emissions and Assigned Amounts – February 2007. Disponível em:

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47

do MDL, porque a parte que transfere suas reduções certificadas de emissão não possui metas

de limitação e redução de emissões.

2.3 A demonstração do cumprimento dos compromissos

Quando terminar o período de compromisso (2008-2012), cada Parte do Anexo I

deverá comprovar o cumprimento do seu compromisso quantificado de limitação e redução de

emissões. Para tanto, compara-se o seu total de emissões dos GEEs listados no Anexo A com

sua quantidade atribuída disponível. A quantidade atribuída disponível de uma Parte do

Anexo I é igual a sua quantidade atribuída inicialmente – que pode ser denominada

simplesmente de quantidade atribuída inicial –, mais qualquer unidades de quioto que a Parte

tenha adquirido de outras Partes através dos mecanismos de flexibilização, menos qualquer

unidades de quioto transferidas através dos mecanismos52.

Se o total de emissões da Parte ao longo do período de compromisso for menor ou

igual a sua quantidade atribuída disponível, a Parte estará em conformidade com seu

compromisso quantificado de limitação e redução de emissões (art. 3.1). Por quantidade

<http://unfccc.int/files/national_reports/accounting_reporting_and_review_under_the_kyoto_protocol/application/pdf/rm_final.pdf> Acesso em: 22 out. 2008. p. 9

52 Há ainda um outro fator que pode alterar a quantidade atribuída disponível: são as atividades de uso do solo, mudança de uso do solo e florestas (em inglês, Land use, Land-use Change and Forestry – LULUCF). Qualquer remoção líquida de GEEs decorrente dessas atividades resulta na emissão de permissões adicionais, chamadas unidades de remoção (removal units – RMU), que a Parte pode adicionar à sua quantidade atribuída inicial; em contrapartida, qualquer emissão líquida advinda desse setor de atividades deve ser contabilizada mediante o correspondente cancelamento de unidades de Quioto (UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE-SECRETARIAT. Kyoto Protocol Reference Manual on Accounting of Emissions and Assigned Amounts. Disponível em: http://unfccc.int/files/national_reports/accounting_reporting_and_review_under_the_kyoto_protocol/application/pdf/rm_final.pdf Acesso em: 24 set. 2008. p.9). As atividades de uso do solo, mudança de uso do solo e florestas foram omitidas para simplificar a explanação desenvolvida neste tópico, tendo em vista que, para o presente trabalho, importa destacar sobretudo os mecanismos de facilitação do adimplemento dos compromissos – entre os quais se encontra o MDL.

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48

atribuída disponível, entenda-se, portanto, o nível máximo de emissões que a Parte do Anexo

I pode atingir sem desobedecer ao Protocolo de Quioto.

Vejam-se estas duas situações fictícias – devidamente ilustradas53 –, para que se

entenda melhor a sistemática de demonstração do cumprimento das metas e o papel que os

mecanismos de flexibilização desempenham nessa sistemática. Tome-se um determinado país,

Parte do Anexo I, que tem emissões projetadas, para o período de 2008 a 2012, de 10

toneladas de CO2 eq. e cuja quantidade atribuída inicial, para o mesmo período, é de 6

toneladas.

53 As figuras a seguir usadas para ilustrar as duas situações fictícias se baseiam na figura contida no UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE-SECRETARIAT. Kyoto Protocol Reference Manual on Accounting of Emissions and Assigned Amounts. Disponível em: http://unfccc.int/files/national_reports/accounting_reporting_and_review_under_the_kyoto_protocol/application/pdf/rm_final.pdf Acesso em: 24 set. 2008. p. 12.

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49

Primeiramente, veja-se como se daria o cumprimento da meta sem a utilização dos

mecanismos de Quioto, valendo-se, portanto, apenas das ações internas. Esse país teria que

fazer um esforço para reduzir em 4 toneladas de CO2 eq. as emissões oriundas das atividades

desenvolvidas em seu território, ficando, assim, dentro do seu limite máximo de emissões

para o período, que é de 6 toneladas54.

54 Tecnicamente, como visto, o limite máximo de emissões é designado quantidade atribuída disponível. Como, neste exemplo, não houve aquisição de unidades de Quioto mediante o uso dos mecanismos de Quioto, a quantidade atribuída disponível é igual a quantidade atribuída inicial.

Ações domésticas

Quantidade atribuída inicial

Lado das emissões

Emissões projetadas (2008-2012)

Total de emissões de GEEs (2008-2012)

Lado da quantidade atribuída

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Por fim, veja-se como ocorreria o cumprimento da meta com o uso dos mecanismos

em conjunto com as ações internas55. Imagine-se que o país em tela adquira, por exemplo,

duas unidades de Quioto. Nesse caso, ele teria que se esforçar para reduzir suas emissões

internas no período em apenas 2 toneladas de CO2 eq. – e não mais em 4 –, o que representa

um substancial alívio para os agentes econômicos instalados em seu território56.

55 É interessante notar que, de acordo com a decisão 15/CP.7, “o uso dos mecanismos deve ser suplementar às ações domésticas” e “ essas ações domésticas devem constituir, assim, um elemento significativo do esforço envidado por cada Parte incluída no Anexo I para atingir seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões”. Embora não traga um limite preciso quanto à utilização dos mecanismos, essa decisão impede que esses mecanismos sejam usados como única forma de cumprimento pelos países desenvolvidos das metas estabelecidas pelo Protocolo de Quioto.

56 Registre-se que o aumento das emissões permitidas no plano interno tem, como contrapartida, a redução das emissões em algum outro país através dos mecanismos de Quioto.

Lado das emissões

Emissões projetadas (2008-2012)

Total de emissões de GEEs (2008-2012)

Ações domésticas

Quantidade atribuída inicial

Unidades de Quioto adquiridas

Lado da quantidade atribuída

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51

2.4 A Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes do Protocolo

Quando trata dos temas concernentes ao Protocolo de Quioto, a Conferência das

Partes recebe a designação de “Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes do

Protocolo” (Conference of the Parties serving as the meeting of the Parties to the Protocol –

COP/MOP) (art. 13.1 do Protocolo). Ela é formada por todos os Estados partes da Convenção

do Clima que também adotaram o Protocolo; os Estados que são partes da Convenção mas

não adotaram o Protocolo apenas podem participar como observadores das (art. 13.2 do

Protocolo).

A COP/MOP se reúne anualmente e em conjunto com a COP (art. 13.6 do

Protocolo)57, sendo sua função supervisionar periodicamente a implementação do Protocolo e

tomar as decisões para implementar efetivamente o mesmo (art. 13.4 do Protocolo).

57 A primeira sessão da COP/MOP ocorreu em 2005 em conjunto com a COP 11.

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SEGUNDA PARTE

O INSTITUTO DO MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO

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53

Capítulo 3. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo como via de mão-dupla

O MDL surgiu de uma proposta brasileira quando se negociava o texto do que viria a

ser o Protocolo de Quioto em 1997. No documento intitulado “Elementos de um protocolo

para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima propostos pelo Brasil

em resposta ao Mandato de Berlim”, o governo brasileiro apresentou a proposta de um fundo

de desenvolvimento limpo. Foi a partir dessa proposta que as negociações internacionais em

curso naquele momento evoluíram até resultarem no artigo 12 do Protocolo de Quioto, que

estabelece o MDL.

Segundo a proposta do Brasil, o objetivo geral do protocolo que então se negociava

seria o de definir um nível futuro de “emissões efetivas” advindas das Partes do Anexo I que

seriam toleradas, com base no impacto previsto dessas emissões nas temperaturas médias da

superfície terrestre. Propunha-se um “teto de emissões efetivas” para as emissões combinadas

de todas as Partes do Anexo I em cada um de quatro períodos de cinco anos de duração,

existentes entre 2001 e 2020. Ademais, seriam alocados tetos de emissões efetivas individuais

e diferenciados para cada uma das Partes do Anexo I.

Para o desenvolvimento do MDL especificamente, o mais importante elemento da

proposta brasileira consistia na introdução de uma “contribuição compulsória” ou multa por

descumprimento, a ser cobrada de cada Parte do Anexo I que tivesse excedido seu específico

teto de emissões efetivas. Essa multa seria destinada para um fundo de desenvolvimento limpo

das Partes não-Anexo I, o qual financiaria projetos de desenvolvimento limpo em países em

desenvolvimento. O valor da multa seria o de 10 dólares americanos por cada tonelada de

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54

CO2 eq. emitido acima do seu teto. A proposta continha ainda um critério objetivo para a

distribuição dos recursos do fundo entre as Partes não-Anexo I.58

Desborda dos objetivos deste estudo uma análise de todo o processo de negociação

que transformou a proposta brasileira original no texto do artigo 12 do Protocolo, que

consagra o MDL59. O que importa destacar aqui é a presença de duas idéias-chave surgidas

durante as negociações que compõem o cerne desse mecanismo. A primeira delas, já presente

na proposta brasileira do fundo de desenvolvimento limpo, é a de que o instituto jurídico que

então se discutia deveria ser um instrumento para o financiamento do desenvolvimento

sustentável ou – para ser mais fiel à terminologia da proposta – do desenvolvimento limpo dos

países em desenvolvimento; e os recursos financeiros para tanto necessários adviriam dos

países desenvolvidos. A segunda idéia-chave, esta diferentemente não constante da proposta

do fundo de desenvolvimento limpo mas sempre presente nas negociações, é a de que o

instituto jurídico em questão deveria facilitar o cumprimento pelos países desenvolvidos das

suas metas de limitação e redução de emissões60.

Reforce-se que a primeira idéia básica acima mencionada reflete o interesse dos

países em desenvolvimento de serem auxiliados pelos países desenvolvidos na obtenção de

recursos financeiros e tecnológicos para aplicarem na consecução do seu desenvolvimento

sustentável, tudo isso em conformidade com o princípio da cooperação internacional61. Por

seu turno, a segunda idéia-chave acima explicitada espelha a preocupação dos países

58 Refoge aos objetivos do presente estudo a análise completa da proposta brasileira, a qual pode ser encontrada na íntegra no sítio eletrônico da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima. Disponível em: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/24917.html Acesso em: 1º mar. 2010. 59 WERKSMAN, Jacob. The Clean Development Mechanism: unwrapping the ‘Kyoto Surprise’. Review of European Community and International Environmental Law. Volume 7, 2ª edição, julho de 1998. Disponível em: http://www3.interscience.wiley.com/cgi-bin/fulltext/119130992/PDFSTART Acesso, através do Portal dos Periódicos Capes, em: 10 mar. 2010. 60 WERKSMAN, Jacob. The Clean Development Mechanism: unwrapping the ‘Kyoto Surprise’. Review of European Community and International Environmental Law. Volume 7, 2ª edição, julho de 1998. p. 151 e 152. Disponível em: http://www3.interscience.wiley.com/cgi-bin/fulltext/119130992/PDFSTART Acesso, através do Portal dos Periódicos Capes, em: 10 mar. 2010. 61 Esse princípio foi estudado no tópico “1.3.3 O princípio da cooperação internacional” supra.

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desenvolvidos com a possibilidade de não conseguirem cumprir apenas no âmbito doméstico

seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões.

É, portanto, a conciliação entre essas duas idéias basilares – expressando os

interesses de países em desenvolvimento, de um lado, e desenvolvidos, do outro – que forma

o centro do MDL, como logo abaixo se perceberá a partir do estudo do artigo 12 do Protocolo.

Eis o texto do dispositivo na íntegra:

ARTIGO 12 1. Fica definido um mecanismo de desenvolvimento limpo. 2. O objetivo do mecanismo de desenvolvimento limpo deve ser assistir às Partes não incluídas no Anexo I para que atinjam o desenvolvimento sustentável e contribuam para o objetivo final da Convenção, e assistir às Partes incluídas no Anexo I para que cumpram seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, assumidos no Artigo 3. 3. Sob o mecanismo de desenvolvimento limpo: (a) As Partes não incluídas no Anexo I beneficiar-se-ão de atividades de projetos que resultem em reduções certificadas de emissões; e (b) As Partes incluídas no Anexo I podem utilizar as reduções certificadas de emissões, resultantes de tais atividades de projetos, para contribuir com o cumprimento de parte de seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, assumidos no Artigo 3, como determinado pela Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo. 4. O mecanismo de desenvolvimento limpo deve sujeitar-se à autoridade e orientação da Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo e à supervisão de um conselho executivo do mecanismo de desenvolvimento limpo. 5. As reduções de emissões resultantes de cada atividade de projeto devem ser certificadas por entidades operacionais a serem designadas pela Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo, com base em: (a) Participação voluntária aprovada por cada Parte envolvida; (b) Benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação da mudança do clima, e (c) Reduções de emissões que sejam adicionais as que ocorreriam na ausência da atividade certificada de projeto. 6. O mecanismo de desenvolvimento limpo deve prestar assistência quanto à obtenção de fundos para atividades certificadas de projetos quando necessário. 7. A Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo deve, em sua primeira sessão, elaborar modalidades e procedimentos com o objetivo de assegurar transparência, eficiência e prestação de contas das atividades de projetos por meio de auditorias e verificações independentes. 8. A Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo deve assegurar que uma fração dos fundos advindos de atividades de projetos certificadas seja utilizada para cobrir despesas administrativas, assim como assistir às Partes países em desenvolvimento que sejam particularmente vulneráveis aos efeitos adversos da mudança do clima para fazer face aos custos de adaptação. 9. A participação no mecanismo de desenvolvimento limpo, incluindo nas atividades mencionadas no parágrafo 3(a) acima e na aquisição de reduções certificadas de emissão, pode envolver entidades privadas e/ou públicas e deve sujeitar-se a qualquer orientação que possa ser dada pelo conselho executivo do mecanismo de desenvolvimento limpo.

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10. Reduções certificadas de emissões obtidas durante o período do ano 2000 até o início do primeiro período de compromisso podem ser utilizadas para auxiliar no cumprimento das responsabilidades relativas ao primeiro período de compromisso.

Desde logo, fique claro que, neste ponto do trabalho, não se comentará cada um dos

parágrafos do artigo 12 do Protocolo de Quioto; a análise deles será feita paulatinamente ao

longo dos próximos capítulos. Por ora, serão enfocados tão-somente os parágrafos 2º e 3º, os

quais contêm o núcleo central do MDL. A partir da compreensão desses dois dispositivos

específicos, fica mais simples se compreender o mecanismo como um todo.

Com efeito, nesses dois parágrafos, estão expressos os dois objetivos do mecanismo:

(a) assistir as Partes não-Anexo I a atingir suas metas e prioridades de desenvolvimento

sustentável através da hospedagem de atividades que concorram para tanto e a contribuir para

o objetivo geral da Convenção, que é a estabilização das concentrações de gases de efeito

estufa na atmosfera em níveis que previnam uma interferência antrópica perigosa no sistema

climático global; e (b) assistir as Partes do Anexo I a atingir as metas de Quioto a um custo

mais baixo, ao permitir o uso de RCEs geradas em atividades de projeto de MDL sediadas em

Partes não-Anexo I para cumprir parcialmente essas metas62.

É facilmente perceptível que esses dois objetivos do MDL, expressos nos parágrafos

2º e 3º ora em análise, guardam uma total relação com as duas idéias básicas presentes no

processo de negociação internacional que produziu o MDL, as quais, por sua vez, não são

senão expressão dos interesses de países desenvolvidos e em desenvolvimento, consoante

visto acima. Deveras, pode-se dizer mesmo que os parágrafos em tela expressam exatamente a

composição, a conciliação, entre os interesses desses dois grupos de países – desenvolvidos e

em desenvolvimento – no texto normativo que consagrou o MDL.

O MDL, em seu funcionamento, gera uma dinâmica econômica e ambiental que pode

ser explicada, em breves termos, da seguinte forma: (a) saindo dos países desenvolvidos e

62 CDM Rulebook. Disponível em http://cdmrulebook.org/805 Acesso em: 8 mar. 2010.

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indo para os países em desenvolvimento, existe um fluxo de capitais e recursos tecnológicos

para financiar o desenvolvimento sustentável; e (b) no sentido contrário, fluindo dos países

em desenvolvimento para os desenvolvidos, têm-se os créditos de carbono – como visto,

chamados tecnicamente de RCEs – para facilitar o atingimento das metas de Quioto. Daí por

que o MDL pode ser visto como uma via de mão-dupla, que liga desenvolvidos e em

desenvolvimento e promove oportunidades para ambos os grupos de países.63

Aprofundado essa linha de análise, pode-se dizer que, no fim das contas, há duas

visões acerca do MDL: (a) segundo a ótica dos países em desenvolvimento, o MDL

representa uma fonte de investimentos para um desenvolvimento econômico verde; (b) sob a

ótica dos desenvolvidos, uma alternativa barata para o atingimento das metas de redução de

emissões. Como se verá a seguir, essa dualidade de visões acerca do mecanismo se reflete

também na disciplina jurídica do mesmo.

3.1 O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo: duplo propósito e sua regulação

Como foi visto acima, o MDL contempla um duplo objetivo, que reflete a

convergência entre os interesses de países desenvolvidos e em desenvolvimento em torno

desse mecanismo. Essa duplicidade de propósitos, por sua vez, gera fluxos de créditos de

carbono, em direção aos países ricos, e de investimentos, em direção aos pobres – daí dizer-se

que o MDL consiste numa via de mão-dupla. E, conseqüentemente, há duas visões distintas

acerca do mecanismo conforme se adotem as óticas de ricos e de pobres.

63 WERKSMAN, Jacob. The Clean Development Mechanism: unwrapping the ‘Kyoto Surprise’. Review of European Community and International Environmental Law. Volume 7, 2ª edição, julho de 1998. p. 147. Disponível em: http://www3.interscience.wiley.com/cgi-bin/fulltext/119130992/PDFSTART Acesso, através do Portal dos Periódicos Capes, em: 10 mar. 2010. No mesmo sentido, DEATHERAGE, Scott D. Taking Advantage of Carbon Offset and Carbon Markets. Disponível em: http://www.tklaw.com/resources/documents/Presentation%203.pdf Acesso em: 9 mar. 2010.

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58

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, o que importa enfocar neste momento é

que essa dualidade se repete na disciplina jurídica do MDL como um todo, ou seja, o MDL

compreendido na totalidade de operações que enseja.

Desde já, fique evidenciado que o artigo 12 do Protocolo de Quioto juntamente com

as decisões internacionais com base nele tomadas não esgotam a disciplina jurídica do MDL.

Basta se ter em mente a complexidade desse mecanismo em termos dos diferentes interesses

de países que envolve, cada um deles contando com sua própria ordem jurídica soberana, e

das relações privadas existentes entre os participantes das atividades de projeto, para se

entender que a compreensão do mecanismo na sua inteireza passa não apenas pelo exame do

direito internacional – exame esse que é sem dúvida basilar, porquanto se encontra aí o

fundamento da existência desse mecanismo de cooperação internacional no campo ambiental

–, mas também dos direitos nacionais dos países envolvidos e dos contratos celebrados entre

os agentes privados.

É possível se empreender um profícuo estudo da disciplina jurídica do MDL, apesar

de toda essa complexidade, mediante a bipartição da mesma, tudo em linha com a dualidade

que se vem explorando.

Assim, no que toca ao MDL assistindo os países desenvolvidos no cumprimento das

metas de redução de emissões, o objeto da disciplina jurídica consiste nas operações relativas

à geração das RCEs nos países em desenvolvimento, a sua transferência para os países

desenvolvidos e o seu uso final também nos países desenvolvidos. A disciplina jurídica dessas

operações se encontra no direito internacional, mais precisamente no artigo 12 do Protocolo

de Quioto e nas decisões com base nesse dispositivo tomadas64, sendo o objetivo fundamental

dessa disciplina assegurar que as RCEs representam uma real redução de emissões de GEEs.

64 Consoante será estudado logo adiante no tópico “3.2 A estrutura institucional do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo”, podem tomar decisões que desenvolvem as linhas básicas do MDL contidas no art. 12 do Protocolo a Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes do Protocolo – competência conferida pelo arts. 12.4 e 12.7 – e o Conselho Executivo – competência dada pelo art. 12.4.

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59

Anote-se ainda um ponto problemático da disciplina jurídica em questão, a saber, a

inexistência de qualquer previsão para o período após 2012, que é quando expira o Protocolo

de Quioto.

Já no que concerne ao MDL assistindo os países em desenvolvimento na consecução

do desenvolvimento sustentável, o objeto de disciplina jurídica consiste nas operações de

transferência de dinheiro, tecnologias e know-how dos países desenvolvidos para os países em

desenvolvimento. O regramento dessas operações não está no direito internacional,

atualmente se encontrando predominantemente nos acordos privados internacionais entre os

participantes das atividades de projeto, acordos esses conhecidos como ERPAs – essa

abreviação vem do inglês Emission Reduction Purchase Agreements e signifca, numa

tradução livre, contratos de aquisição de reduções de emissão. Embora se trate aqui de

transações de seu evidente interesse, a maioria dos países em desenvolvimento não dispõe de

uma disciplina jurídica apropriada para essas inovadoras operações, no que se inclui o Brasil.

Quer por causa da novidade que o MDL ainda representa quer em razão da sua manifesta

transdisciplinaridade, que lhe dificulta o entendimento pelos juristas e legisladores, o fato é

que praticamente todos esses Estados ou carecem totalmente de normas jurídicas que

disciplinem os aspectos do MDL não cobertos pelo direito internacional ou ainda estão em

fase inicial de elaboração das mesmas. É preciso, portanto, que os países em desenvolvimento

supram essa lacuna através da criação de regras específicas para resolver questões que estão

em aberto, como a integração do MDL com a estratégia de desenvolvimento sustentável, a

disciplina da relação entre vendedores e compradores de RCEs (determinação de um preço

mínimo, cláusulas contratais padronizadas, cláusula de transferência de tecnologia),

titularidade das RCEs e tributação incidente sobre o mecanismo. Contudo, na consecução

dessa tarefa legisladora, os Estados têm que superar dois desafios fundamentais: (a) produzir

um direito interno relativo ao MDL que seja compatível com o direito internacional que trata

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60

desse mecanismo – nomeadamente, o artigo 12 do Protocolo e as decisões com fulcro nele

tomadas –, o que implica necessariamente um prévio e consistente conhecimento pelos

estudiosos e autoridades nacionais dos atos normativos internacionais em questão; (b) criar

normas que, resguardando o interesse público, encorajem o investimento pela iniciativa

privada em atividades econômicas que promovam o desenvolvimento sustentável e facilitem o

surgimento de um mercado de créditos de carbono vigoroso e dinâmico.

Esta, aliás, é proposta deste trabalho. Com base no seu duplo propósito, analisar-se

separadamente a disciplina jurídica do MDL (a) quando ele funciona como facilitador do

cumprimento, pelos países desenvolvidos, dos compromissos do Protocolo de Quioto – o que

se fará no capítulo 4 logo abaixo – e (b) quando funciona como canal de financiamento do

desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento – o que será feito mais adiante

no capítulo 5. Registre-se, de antemão, que no capítulo 5 se versará sobre a realidade

brasileira, enfocando-se sua nascente disciplina jurídica concernente ao MDL, porquanto seria

desarrazoado e infrutífero neste trabalho enveredar pelas peculiares ordens jurídicas dos

inúmeros países em desenvolvimento. Ademais, anote-se que, no capítulo 5, serão sempre

abordadas situações da indústria do petróleo, gás natural e biocombustíveis, haja vista que a

indústria energética é a maior fonte de gases de efeito estufa.

3.2 A estrutura institucional do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

Antes de se adentrar, todavia, na análise da disciplina jurídica propriamente dita,

cumpre fazer-se uma explanação acerca das instituições envolvidas no mecanismo65. Com

efeito, o MDL conta com um conjunto de instituições para lhe fazer funcionar. São elas que

criam a regulação do MDL, fiscalizam o cumprimento da mesma, controlam a entrada de

65 A partir daqui já começam a ser analisados os demais dispositivos do art. 12 do Protocolo, que não foram abordados no tópico anterior. Isso porque é no artigo 12 que se encontra o fundamento da competência dos órgãos que compõem a estrutura institucional do MDL, analisados abaixo.

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atividades de projeto no mecanismo e a geração de RCEs. A seguir, serão estudadas essas

instituições envolvidas no MDL, focalizando seu papel no funcionamento do MDL. Esse

estudo é fundamental para a compreensão das disciplinas jurídicas internacional e nacional do

MDL, que serão vistas nos capítulos seguintes.

3.2.1 Conferência das Partes

Consoante visto acima66, a Conferência das Partes (COP) consiste no órgão supremo

da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, ou seja, na sua mais alta

autoridade decisória. Ela cuida do enfretamento à mudança do clima como um todo, não

sendo, portanto, um órgão ligado especificamente ao MDL. Exemplo maior da atuação da

COP na luta contra a mudança climática foi a criação do próprio Protocolo de Quioto, o qual

estabelece, entre outras coisas, o MDL.

Como se verá logo abaixo, as decisões referentes ao MDL cabem, isto sim, à

Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes do Protocolo, porquanto o MDL foi

um dos mecanismos de flexibilização trazidos pelo Protocolo de Quioto. Nada obstante, é

interessante assinalar que, no intuito de facilitar o pronto funcionamento desse mecanismo, a

Conferência das Partes, tomando o lugar da Conferência das Partes na qualidade de reunião

das partes do Protocolo até que o Protocolo de Quioto entrasse em vigor, adotou uma decisão

contendo a regulamentação desse mecanismo. Trata-se da Decisão 17/CP.7, que estabelece

“Modalidades e procedimentos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, conforme

definido no art. 12 do Protocolo de Quioto”67. Mais tarde, essa decisão foi adotada na íntegra

66 Vide tópico “1.5 A Conferência das Partes: órgão supremo da Convenção”

67 A decisão 17/CP.7 foi tomada em 10 de novembro de 2001.

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62

pela Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes do Protocolo em sua primeira

reunião por meio da sua Decisão 3/CMP.1.68 As “Modalidades e procedimentos do

Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, conforme definido no art. 12 do Protocolo de

Quioto” contêm a regulamentação básica do MDL, razão pela qual serão sempre mencionadas

daqui em diante no presente estudo.

3.2.2 Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes do Protocolo de Quioto

Como visto anteriormente69, a Conferência das Partes na qualidade de reunião das

Partes do Protocolo (COP/MOP) consiste na Conferência das Partes quando trata de assuntos

relativos ao Protocolo de Quioto, no que se insere o MDL.

A COP/MOP, pois, é um órgão cujas atribuições vão além dos aspectos relacionados

ao MDL. No que toca especificamente a esse mecanismo, é dever da COP/MOP manter o

MDL sob sua autoridade e sujeito às suas orientações70. Com efeito, afora o próprio art. 12 do

Protocolo de Quioto, que criou o MDL, as decisões da COP/MOP são a fonte normativa

primária desse mecanismo71. Nesse sentido, é dever da COP/MOP, “em sua primeira sessão,

elaborar modalidades e procedimentos com objetivo de assegurar transparência, eficiência e

prestação de contas das atividades de projetos por meio de auditorias e verificação

independentes”72 – como visto no tópico logo acima, essa competência foi exercida pela COP,

para viabilizar o pronto funcionamento do MDL antes da entrada em vigor do Protocolo de

Quioto, tendo a COP/MOP ratificado posteriormente confirmado as decisões que haviam sido

tomadas em seu nome.

68 A decisão 3/CMP.1 foi tomada em 30 de novembro de 2005. 69 Cf. tópico “2.4 A Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes do Protocolo”.

70 Protocolo de Quioto, art. 12.4; Decisão 17 CP.7, art. 2º. 71 Protocolo de Quioto, art. 12.4. 72 Protocolo de Quioto, art. 12.7.

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63

A COP/MOP deve ainda orientar o Conselho Executivo, adotando decisões sobre: (a)

as recomendações feitas pelo Conselho Executivo acerca do regimento interno deste e outros

temas relativos ao mecanismo; (b) a nomeação das entidades operacionais credenciadas pelo

Conselho Executivo e os padrões de credenciamento das mesmas73.

Cabe ainda a COP/MOP rever: (a) os relatórios anuais do Conselho Executivo; (b) a

distribuição regional e sub-regional das Entidades Operacionais Designadas e tomar as

decisões adequadas para promover o credenciamento dessas entidades das Partes países em

desenvolvimento; (c) a distribuição regional e sub-regional das atividades de projetos no

âmbito do MDL, com vistas a identificar as barreiras a uma distribuição eqüitativa das

mesmas e tomar as decisões adequadas para tanto74.

Cumpre, por fim, a COP/MOP auxiliar na obtenção de financiamento para as

atividades de projeto de MDL, conforme necessário75.

3.2.3 Conselho Executivo

O conselho executivo deve supervisionar o MDL, sob a autoridade e a orientação

da COP/MOP, e responder completamente à COP/MOP76. O conselho executivo é

composto por dez membros eleitos advindos de Partes do Protocolo de Quioto, sendo: um

membro de cada um dos cinco grupos regionais das Nações Unidas (África, Ásia, Europa

Ocidental e outros, América Latina e Caribe); dois membros de Partes do Anexo I; dois

membros de Partes não-Anexo I; um membro de pequenos países insulares em

desenvolvimento77.

73 Decisão 17 CP.7, art. 3º. 74 Decisão 17 CP.7, art. 4º. 75 Decisão 17 CP.7, art. 4 º. 76 Protocolo de Quioto, arts. 12.4 e 12.9. Decisão 17 CP.7, art. 5 77 CDM Rulebook. Disponível em http://cdmrulebook.org/65 Acesso em: 22 fev. 2010

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As funções do Conselho Executivo do MDL são as seguintes: (a) fazer

recomendações à COP/MOP sobre modalidades e procedimentos adicionais para o MDL;

(b) aprovar novas metodologias de linhas de base e monitoramento; (c) ser responsável pelo

credenciamento das entidades operacionais; (d) estabelecer e manter uma base de dados

com as regras, procedimentos e metodologias aprovadas; (e) desenvolver e manter o registro

do MDL78.

É importante ressaltar que a lista acima não inclui o poder de tomar decisões

relativas às regras do MDL, o qual pertence à COP/MOP. Assim, os resultados das reuniões

do Conselho Executivo devem ser considerados apenas como “orientação”, devendo estar

sujeitos à aprovação da COP/ MOP79.

3.2.4 Entidade Operacional Designada

A entidade operacional designada consiste numa empresa de auditoria independente

que avalia se a atividade de projeto proposta preenche os critérios de elegibilidade para

adentrar no MDL – processo de validação80 – e se ela de fato alcançou as reduções de

emissões de GEEs pretendidas – processos de verificação e certificação81.82

Cabe notar que a entidade operacional designada, relativamente a uma determinada

atividade de projeto, só pode realizar ou a validação ou a verificação/ certificação. Apenas

excepcionalmente o conselho executivo pode permitir que a mesma entidade realize todas

essas funções para uma única atividade de projeto, como se verá no próximo capítulo83.84

78 CDM Rulebook. Disponível em http://cdmrulebook.org/65 Acesso em: 22 fev. 2010. 79 CDM Rulebook. Disponível em http://cdmrulebook.org/65 Acesso em: 22 fev. 80 Para saber mais sobre validação, vide tópico “(B) Validação” do capítulo 4 abaixo.

81 Para saber mais sobre verificação/certificação, vide tópico “(F) Verificação e certificação das reduções” do capítulo 4 a seguir. 82 CDM Rulebook. Disponível em http://cdmrulebook.org/62 Acesso em: 22 fev. 2010. 83 Vide abaixo tópico “(F) Verificação e certificação das reduções” do capítulo 4. 84 CDM Rulebook. Disponível em http://cdmrulebook.org/62 Acesso em: 22 fev. 2010.

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65

Para se tornar uma entidade operacional designada, a empresa de auditoria,

primeiramente, deve ser acreditada pelo Conselho Executivo e, em seguida, designada pela

COP/MOP85.

3.2.5 Entidade Nacional Designada

A entidade nacional designada consiste no órgão estabelecido pelo governo de uma

Parte do Protocolo de Quioto cuja missão é autorizar e aprovar a participação do país no

MDL, o que se dá através da concessão da sua carta de aprovação. Como se verá mais

adiante, a obtenção das cartas de aprovação dadas pelas entidades nacionais designadas das

Partes envolvidas é uma das etapas pelas quais a atividade de projeto de MDL deve passar

para adentrar no MDL86.

Todo país que queira participar do MDL deve estabelecer uma entidade nacional

designada87. Porém, a sua configuração e os requisitos para seu estabelecimento são deixados

à livre determinação das Partes.88

No Brasil, é a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC) que

exerce a função de autoridade nacional designada brasileira. Esse órgão da administração

pública federal foi criado pelo Decreto de 7 de julho de 1999, sendo composto por membros

de 11 ministérios, a saber: (a) Ministério das Relações Exteriores; (b) Ministério da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento; (c) Ministério dos Transportes; (d) Ministério de

Minas e Energia; (e) Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; (f) Ministério do Meio

Ambiente; (g) Ministério da Ciência e Tecnologia; (h) Ministério do Desenvolvimento,

85 Protocolo de Quioto, art. 12.5; CDM Rulebook. Disponível em http://cdmrulebook.org/62 Acesso em: 22 fev. 2010. 86 Vide tópico “(C) Carta de aprovação” do capítulo 4.

87 Decisão 17 CP.7, art. 29. 88 CDM Rulebook. Disponível em: http://cdmrulebook.org/PageId/64 Acesso em: 24 fev. 2010

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Indústria e Comércio Exterior; (i) Casa Civil da Presidência da República; (j) Ministério das

Cidades; (l) Ministério da Fazenda. Quanto à direção do órgão, tem-se que os Ministros de

Estado da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente serão, respectivamente, o Presidente e o

Vice-Presidente da Comissão89.

As atribuições da CIMGC, o órgão técnico multidisciplinar do governo brasileiro

incumbido de todos os assuntos relacionados ao MDL, são as seguintes: (a) emitir parecer

sobre propostas de políticas setoriais, instrumentos legais e normas que contenham

componente relevante para a mitigação da mudança global do clima e para adaptação do País

aos seus impactos; (b) fornecer subsídios às posições do Governo nas negociações sob a égide

da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e instrumentos

subsidiários de que o Brasil seja parte; (c) definir critérios de elegibilidade adicionais àqueles

considerados pelos Organismos da Convenção, encarregados do Mecanismo de

Desenvolvimento Limpo (MDL), previsto no Artigo 12 do protocolo de Quioto da

Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, conforme estratégias

nacionais de desenvolvimento sustentável; (d) apreciar pareceres sobre projetos que resultem

em redução de emissões e que sejam considerados elegíveis para o Mecanismo de

Desenvolvimento Limpo (MDL), a que se refere o inciso anterior, e aprová-los, se for o caso;

(e) realizar articulação com entidades representativas da sociedade civil, no sentido de

promover as ações dos órgãos governamentais e privados, em cumprimento aos

compromissos assumidos pelo Brasil perante a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre

Mudança do Clima e instrumentos subsidiários de que o Brasil seja parte90.

Dentre as funções acima mencionadas, destaquem-se as de (c) definir critérios de

elegibilidade adicionais para o MDL91 e (d) apreciar pareceres sobre atividades de projeto

89 Decreto de 7 de julho de 1999, art. 2º, alterado pelo Decreto de 10 de janeiro de 2006. . 90 Decreto de 7 de julho de 1999, art. 3º. 91 Vide tópico “5.1.1 Os critérios de sustentabilidade da Res. 01/2003 da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima” abaixo.

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67

consideradas elegíveis para o MDL aprovando-as se for o caso92, porquanto são essas duas

específicas funções que fazem da CIMGC a autoridade nacional designada brasileira.

92 Vide tópico abaixo tópico “(C) Carta de aprovação” do capítulo 4

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Capítulo 4. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo como facilitador do cumprimento,

pelos países desenvolvidos, dos compromissos do Protocolo de Quioto e sua regulação

Consoante a abordagem proposta neste trabalho, embora o MDL seja único, pode-se

afirmar, para os fins de uma melhor compreensão da sua disciplina jurídica, que existem dois

mecanismos, cada um deles contando com uma disciplina própria, a saber: (a) o MDL que

assiste os países desenvolvidos no cumprimento das metas de redução de emissões e (b) o

MDL que assiste os países em desenvolvimento na consecução do desenvolvimento

sustentável.

Neste capítulo 4, será estudada a disciplina jurídica do (a) MDL que assiste os países

desenvolvidos no cumprimento das metas de redução. Consoante já antecipado, aqui estarão

em causa as normas jurídicas do direito internacional que regulam a geração, a transferência e

o uso final das RCEs. Os objetivos maiores dessa disciplina são atestar que as RCEs

consistem num título que representa uma verdadeira redução de emissões de GEEs e controlar

o caminho das RCEs desde quando ocorre sua geração por uma atividade de projeto num país

em desenvolvimento até sua transferência para uma empresa num país desenvolvido e uso

final pela mesma.

Primeiramente, será examinada as normas que cuidam do processo pelo qual as

RCEs são geradas por uma atividade de projeto de MDL; depois, as normas relativas à

transferência e o uso final as RCEs.

4.1 Geração das Reduções Certificadas de Emissão

Nesse ponto do desenrolar do presente estudo, convém ressaltar que, diferentemente

do que muitos acreditam, nem toda atividade que, à primeira vista, reduz emissões é passível

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de ser enquadrada no MDL para gerar RCEs. Para que uma dada atividade seja inserida no

MDL, é preciso que ela preencha certos critérios, os critérios de elegibilidade, e percorra

determinado procedimento, o ciclo da atividade de projeto. São esses dois pontos que serão

abordados a seguir, com base, sobretudo, no próprio artigo 12 do Protocolo e na decisão

17/CP.7 da Conferência das Partes. Ademais, estarão em causa também as decisões do

Conselho Executivo do MDL.

4.1.1 Critérios de elegibilidade

Os critérios de elegibilidade, que uma atividade de projeto de MDL deve obedecer

para poder gerar créditos de carbono, estão previstos no art. 12.5 do Protocolo e são os

seguintes: voluntariedade da participação, mitigação efetiva e adicionalidade.

A) Voluntariedade da participação

Segundo o art. 12.5 (a) do Protocolo de Quioto, “participação voluntária aprovada

por cada Parte envolvida” é um dos critérios de elegibilidade do MDL.

Para que se entenda melhor esse critério, uma advertência se impõe. É preciso se

salientar que as “Partes”, a que se refere o mencionado dispositivo, consistem nos países, e

não nas empresas, públicas ou privadas93, que são quem participam diretamente do MDL.

Estas, as empresas, são chamadas de participantes da atividade de projeto de MDL.

Dito isso, fica fácil perceber que a voluntariedade da participação dos países se refere

ao direito de autodeterminação dos povos e à sua independência em face dos demais países. 93 O Protocolo de Quioto menciona, expressamente, que entidades públicas e privadas podem participar do MDL (art. 12.9).

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Em outros termos, diz respeito esse critério à soberania de cada Estado para decidir se quer ou

não participar do MDL.

Portanto, não pode um país desenvolvido obrigar um país em desenvolvimento a

implementar determinada atividade de projeto de MDL ou vice-versa. No que toca, por sua

vez, aos países desenvolvidos, é interessante ressaltar que eles podem cumprir suas metas de

redução estabelecidas no Protocolo de Quioto internamente, ou seja, sem se utilizar dos

instrumentos de flexibilização, dentre os quais se situa o MDL. Ademais, não estão os países

em desenvolvimento obrigados a firmar instrumentos jurídicos bilaterais para a

implementação coercitiva de atividades de MDL.

Na prática, a comprovação do atendimento ao requisito da voluntariedade ocorre

quando as Partes envolvidas na atividade de projeto – repise-se, por “partes” se entendem os

Estados – emitem a Carta de Aprovação autorizando o envolvimento dos participantes na

atividade – como visto, por “participantes” se denominam as empresas94. É dizer: por mais

que um empreendedor brasileiro, por exemplo, deseje inscrever uma atividade de projeto no

MDL, é preciso também que o Estado brasileiro, segundo suas diretrizes e política de

desenvolvimento sustentável, também o ”deseje”, concedendo, assim, a sua Carta de

Aprovação para a mencionada atividade.

94 KERLAKIAN, Bruno Sabbag. O Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. São Paulo: LTr, 2008. p. 40.

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B) Mitigação Efetiva

Conforme o art. 12.5 (b), um outro critério de elegibilidade do MDL consiste na

existência de “benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação

da mudança do clima”.

Esse requisito se refere à integridade ambiental do mecanismo. Não pode prevalecer

o interesse econômico, que naturalmente impende pela geração do maior número possível de

créditos de carbono, em face do interesse ambiental, que requer que os créditos gerados pelo

MDL correspondam a reduções de emissão de GEEs de fato ocorridas e que contribuam assim

para a efetiva mitigação da mudança do clima.

A integridade ambiental das reduções é garantida através dos processos de

verificação e certificação realizados pela Entidade Operacional Designada e do uso

metodologias aprovadas de linha de base e monitoramento para aferição da adicionalidade95 –

como será visto adiante.

C) Adicionalidade

O art. 12.5 (c) prevê ainda um outro critério de elegibilidade: “reduções que sejam

adicionais as que ocorreriam na ausência da atividade certificada de projeto”.

Trata-se do requisito da adicionalidade, o qual se encontra melhor detalhado no

anexo da decisão 17/CP.7 da Conferência das Partes:

95 KERLAKIAN, Bruno Sabbag. O Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. São Paulo: LTr, 2008. p. 41.

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Art. 43. A atividade de projeto no âmbito do MDL será adicional se

reduzir as emissões antrópicas de gases de efeito estufa por fontes

para níveis inferiores aos que teriam ocorrido na ausência da

atividade de projeto registrada no âmbito do MDL (grifos

adicionados).

Então, para que a atividade de projeto seja adicional, é necessário que suas emissões

de GEEs fiquem abaixo de um determinado patamar, qual seja, as emissões de GEEs que

aconteceriam na falta da atividade de projeto. Esse patamar que serve de parâmetro para a

aferição da adicionalidade de uma dada atividade de projeto consiste na linha de base ou

cenário de referência, conforme também definido no mencionado anexo:

Art. 44. A linha de base de uma atividade de projeto no âmbito do

MDL é o cenário que representa, de forma plausível, as emissões

antrópicas de gases de efeito estufa por fontes que ocorreriam na

ausência da atividade de projeto proposta (grifos adicionados).

Em face do exposto, resta claro que uma atividade de projeto de MDL será adicional

na medida em que sua implementação reduza as emissões de GEEs ocorridas dentro dos seus

limites abaixo da linha de base.

Para uma melhor compreensão dos conceitos de adicionalidade e linha de base,

tome-se o seguinte exemplo: uma indústria pretende inscrever no MDL uma atividade de

projeto em que ocorre a troca do óleo diesel (combustível fóssil, não renovável) que move seu

gerador de eletricidade pelo biodiesel (combustível de origem vegetal, renovável).

Nesse caso, a linha de base consiste nas emissões de GEE advindas da continuidade

do negócio tal como ele tem sido tocado (cenário business-as-usual), ou seja, mantendo-se o

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uso do óleo diesel no gerador. E a atividade de projeto será considerada adicional se

comprovar que o uso do biodiesel resultará num nível de emissões mais baixo do que aquele

resultante da utilização do diesel.

A diferença entre o nível de emissões da linha de base (no exemplo, as emissões

oriundas da queima de diesel) e o nível de emissões da atividade de projeto (no exemplo,

emissões resultantes do biodiesel) consiste na quantidade de emissões que a atividade de

projeto tem o condão de evitar ou, o que é o mesmo, na redução de emissões promovida pela

atividade de projeto. Cada tonelada de CO2 eq. de GEEs que seja reduzida ou evitada pela

atividade de projeto resultará na geração de uma redução certificada de emissões (RCE) ou,

como popularmente conhecido, de um crédito de carbono do MDL.

É razoável supor que os operadores do mercado almejem a geração do maior número

possível de RCEs, havendo uma tendência, portanto, a que busquem a fixação de uma linha

de base a mais alta possível. Para evitar que isso ocorra, a decisão 17/CP.7 determina que a

fixação da linha não deve se dar de forma livre pelo mercado, mas sim que ela deve ser

estabelecida para cada projeto específico pelos seus participantes96 usando uma metodologia

de linha de base devidamente aprovada pelo Conselho Executivo do MDL97.

Embora os conceitos de adicionalidade e linha de base tal como previstos no anexo

da decisão 17/CP.7 pareçam simples, a comprovação do critério da adicionalidade pelo

empreendedor desejoso de inscrever seu projeto no MDL tem se mostra dificultosa na prática.

Como forma de ajudar os empreendedores a superar as dificuldades encontradas na

comprovação do cumprimento do requisito da adicionalidade, o Conselho Executivo do

MDL, em sua 16ª reunião, aprovou a Ferramenta para Demonstração e Avaliação da

96 Decisão 17/CP.7, art. 45 (a) e (c). 97 Decisão 17/CP.7, art. 44, in fine.

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Adicionalidade.98 Trata-se de uma seqüência de etapas que, à maneira de um teste, devem ser

superadas pela atividade de projeto de modo que, ao final, se conclua pela adicionalidade

desta99.

O uso dessa ferramenta, em regra, é facultativo, apenas sendo obrigatório quando se

utiliza uma metodologia de linha de base que exige tal ferramenta. Na prática, essa ressalva

quanto à obrigatoriedade significa a relativização da facultatividade da ferramenta, já que esta

se encontra incorporada nas metodologias já aprovadas pelo Conselho Executivo100. Ademais,

caso o propositor de um projeto pretenda não usar uma metodologia já aprovada, mas sim

desenvolver uma nova metodologia, ele é incentivado a usar a ferramenta em tela para

tanto101.

As etapas estabelecidas pela Ferramenta para Demonstração e Avaliação da

Adicionalidade são as seguintes: (1) identificação de alternativas à atividade de projeto

coerentes com a legislação e regulação vigentes; (2) análise de investimento; (3) análise de

barreiras ao projeto; e (4) análise de práticas comuns; (5) análise do impacto do registro da

atividade como um MDL102.

Refoge do âmbito deste trabalho o estudo de cada uma dessas etapas103. O que

importa destacar aqui é que, de acordo com a mencionada ferramenta104, se a atividade de

98 Em inglês, Tool for demonstration and assessment of additionality. Essa ferramenta vem sofrendo constante atualização; no momento, ela se encontra na versão 5, adotada na 39ª reunião do Conselho Executivo do MDL. 99 Ressalte-se que nem todas as etapas devem necessariamente ser superadas; isso varia de acordo com as disposições da ferramenta (KERLAKIAN, Bruno Sabbag. O Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. São Paulo: LTr, 2008. p. 42). 100 KERLAKIAN, Bruno Sabbag. O Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. São Paulo: LTr, 2008. p. 42. 101 Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. Manual de Capacitação sobre Mudança do Clima e Projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Brasília, DF. 2008. 103 Para uma visão detida das mencionadas etapas, consulte-se o sítio eletrônico CDM Rulebook, disponível em http://cdmrulebook.org/PageId/86 Acesso em: 28 nov. 2008. 104 Note-se que a Ferramenta para Demonstração e Avaliação da Adicionalidade no que toca ponto aqui destacado se encontra em consonância com o art. 20 da decisão 7 da Conferência das Partes servindo como Reunião das Partes do Protocolo, em seu primeiro encontro (Decisão 7/CMP.1). De acordo com esse dispositivo,

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projeto proposta for a única alternativa de cumprimento de legislação interna obrigatória,

legislação essa que goza de obediência generalizada, essa atividade não será adicional105.

Há, contudo, uma hipótese em que uma atividade de projeto que cumpra legislação

interna obrigatória pode ser considerada adicional. É quando a legislação em causa sofre

amplo descumprimento no país onde a atividade de projeto será implementada106.

4.1.2 Ciclo da atividade de projeto de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

Vistos acima os critérios de elegibilidade, que atividade de projeto deve

necessariamente preencher para ser enquadrável no MDL, passa-se agora ao estudo das etapas

que têm que ser percorridas pela mesma para que possa efetivamente fazer parte desse

mecanismo de flexibilização trazido pelo Protocolo de Quioto. Trata-se do procedimento que

deve ser seguido pela atividade de projeto que pleiteia fazer parte do MDL. São sete as fases

que serão a seguir examinadas: (a) elaboração do documento de concepção do projeto; (b)

validação; (c) carta de aprovação; (d) registro do projeto; (e) monitoramento; (f) verificação e

certificação das reduções; e (g) emissão. Todas essas fases estão estabelecidas na decisão

17/CP.7, decisão essa que encontra fundamento no art. 12.7 do Protocolo.

“uma política pública ou padrão local/regional/nacional não podem ser considerados como atividade de projeto de mecanismo de desenvolvimento limpo (...)”. 105 Relatório da 39ª reunião do Conselho Executivo do MDL, Anexo 10. 106 Relatório da 39ª reunião do Conselho Executivo do MDL, Anexo 10.

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A) Elaboração do documento de concepção do projeto

A primeira etapa a ser cumprida é a elaboração do documento de concepção do

projeto (DCP), que deve ser realizada pelos participantes da atividade de projeto. Trata-se,

como o próprio nome indica, da redação de um documento107 contendo uma série de

informações acerca da atividade de projeto que pretende adentrar o MDL. O apêndice B da

decisão 17/CP.7 determina quais as informações que devem figurar no DCP. Seguindo essas

determinações, o Conselho Executivo tem publicado um modelo de DCP, para ajudar os

proponentes de atividades de projeto na composição desse documento108.

Com base no apêndice B da decisão 17/CP.7 e no DCP publicado pelo Conselho

Executivo, serão apresentadas as informações que devem constar num DCP de uma atividade

de projeto que pretenda ser aceita no MDL.

Primeiramente, deve ser feita a descrição geral da atividade de projeto. Nesse

ponto, devem ser apresentados dentre outras coisas: seu título, sua localização, os

participantes, a(s) parte(s) anfitriã(s), categoria da atividade, a tecnologia a ser empregada, a

quantidade estimada de reduções de emissões a ser obtida durante o período de obtenção de

créditos escolhido, a existência ou não de financiamento público109. É aqui, destaque-se, que

deverá ser comprovada a adicionalidade da atividade de projeto

107 O DCP é um dos três documentos requeridos para que uma atividade de projeto seja registrada no MDL. Os outros dois são o relatório de validação, feito pela entidade operacional designada, e a carta de aprovação, concedida pela autoridade nacional designada, conforme se estudará adiante (CDM Rulebook. Disponível em http://cdmrulebook.org/PageId/86 Acesso em: 13 jan. 2009). 108 A mais recente versão do modelo de DCP publicada pelo Conselho Executivo é a terceira, a qual pode ser encontrada, em língua inglesa, no sítio eletrônico http://cdm.unfccc.int/Reference/PDDs_Forms/PDDs/PDD_form04_v03_2.pdf. No Brasil, pode-se encontrar esse mesmo modelo, traduzido para o Português, no seguinte sítio eletrônico: http://www.mct.gov.br/upd_blob/0015/15788.pdf 109 Secção A do Formulário do Documento de Concepção do Projeto (MDL DCP) – Versão 03.1 Disponível em: http://www.mct.gov.br/upd_blob/0015/15788.pdf Acesso em 18 jan. 2010.

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Em seguida, deve ser feita a aplicação de uma metodologia de linha de base e

monitoramento. Trata-se de um passo de grande relevância, porque a quantidade de créditos

de carbono a ser emitida a cada conclusão do ciclo do projeto depende, de forma proporcional

e direta, da linha de base calculada e do processo de monitoramento110. Nesse ponto do

DCP111, devem ser mencionados, entre outros, qual a metodologia escolhida, a razão da sua

escolha e por que ela se aplica à atividade de projeto em questão; descrição das fontes e dos

gases abrangidos pelo projeto; identificação e descrição do cenário de linha de base; descrição

de como as emissões antrópicas de gases de efeito estufa por fontes são reduzidas para níveis

inferiores aos que teriam ocorrido na ausência da atividade de projeto registrada no âmbito do

MDL. Esse último item, que consiste na avaliação e demonstração da adicionalidade, é muito

importante, pois a adicionalidade é o critério de elegibilidade cuja demonstração tem se

mostrado mais dificultosa dentro do MDL112

O próximo passo se refere a duração da atividade de projeto e período de obtenção

de crédito. Neste ponto, deve ser definida a data de início e a vida útil operacional da

atividade de projeto, o que caracteriza a sua duração. Ademais, deve ser escolhido o período

de obtenção de créditos dentre duas opções: (a) um período de sete anos, renovável por duas

vezes (portanto, totalizando um máximo de 21 anos); e (b) um período único de dez anos, não

renovável.113

110 SABBAG, Bruno Kerlakian. Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. São Paulo: LTr, 2008. p. 60. 111 Secção B do Formulário do Documento de Concepção do Projeto (MDL DCP) – Versão 03.1 Disponível em: http://www.mct.gov.br/upd_blob/0015/15788.pdf Acesso em 18 jan. 2010. 112 Segundo Sabbag, “o critério da adicionalidade (...) certamente é o de demonstração mais controversa e desafiadora quando da elaboração do Documento de Concepção do Projeto e requerimento do registro ao Conselho Executivo, sendo o principal motivo pelo qual atividades de projeto costumam ter o seu registro rejeitado pelo Conselho Executivo do MDL” (O Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. São Paulo: LTr, 2008. p. 51) 113 Decisão 17/CP.7, art. 49, (a) e (b). Cabe anotar interessante ponderação de Bruno Kerlakian Sabbag acerca do da escolha do período de obtenção de créditos: “Muito embora uma análise superficial nos remeta à escolha indiscutível do período de sete anos renováveis (somando 21 anos de projeto e, portanto, gerando mais créditos de carbono), esse ponto merece ponderações mais profundas, já que, quando de cada renovação do período de obtenção de créditos, uma Entidade Operacional Designada deverá informar ao Conselho Executivo do MDL se a linha de base utilizada permanece válida ou se deve ser ajustada em razão de novas circunstâncias aplicáveis ao projeto. Dessa forma, caso haja indícios de que a linha de base apresentará níveis mais altos de emissão, em

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A seguir, o DCP deve tratar dos impactos ambientais114. Aqui devem ser analisados

os impactos ambientais do projeto, com destaque para aqueles impactos considerados

significativos pelos participantes do projeto ou pela parte anfitriã, e apresentada toda a

documentação sobre a análise desses impactos – v.g. estudos de impactos ambientais e

licenças ambientais.

Por fim, o DCP contém uma secção sobre comentário dos atores. E quem são esses

atores? São as instituições, de alguma forma, envolvidas, interessadas e/ou afetadas pelo

projeto. Para que fique mais claro, liste-se quem são esses atores que devem ter seus

comentários levados em conta conforme a regulamentação brasileira115: (a) prefeitura e

câmara de vereadores de cada município envolvido; órgãos ambientais estadual e municipal

(is); Fórum Brasileiro de ONG’s e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e

Desenvolvimento; associações comunitárias cujas finalidades guardem relação direta ou

indireta com a atividade de projeto; Ministério Público estadual do estado envolvido ou,

conforme o caso, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; Ministério Público

Federal. Nesse ponto do DCP, é preciso que os participantes da atividade de projeto realizem

uma breve descrição de como foram solicitados e compilados os comentários desse atores

locais, uma síntese dos comentários recebidos e um relatório sobre como foram devidamente

considerados os comentários recebidos.

Cabe ainda anotar que o DCP possui quatro anexos: (a) o primeiro contendo

informações de contato dos participantes da atividade de projeto; (b) o segundo com

informações sobre financiamento público; (c) o terceiro com informações sobre a linha de

base; e (d) o quarto e último, que contém informações sobre monitoramento.

algumas circunstâncias será recomendável optar pelo período de 10 anos não-renovável, sempre mediante análise específica” (O Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. São Paulo: LTr, 2008. p. 60) 114 Secção C do Formulário do Documento de Concepção do Projeto (MDL DCP) – Versão 03.1 Disponível em: http://www.mct.gov.br/upd_blob/0015/15788.pdf Acesso em 18 jan. 2010. 115 Usou-se aqui o exemplo brasileiro para fins ilustrativos. Outros países podem apontar instituições diferentes na sua regulamentação.

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B) Validação

A segunda fase do ciclo é a validação, definida no art. 35 do Anexo da Decisão

17/CP.7 como “o processo de avaliação independente de uma atividade de projeto por uma

Entidade Operacional Designada, no tocante aos requisitos do MDL (...), com base no

documento de concepção do projeto”.

Consiste numa auditoria realizada por uma entidade auditora independente, a

Entidade Operacional Designada116, sobre o documento de concepção da atividade de projeto

para fins de atestar se o projeto cumpre todas as regras internacionais e nacionais aplicáveis.

Feita a análise do documento, a Entidade Operacional Designada emitirá o chamado Relatório

de Validação, ao qual se dará publicidade, concluindo pela aprovação ou não do projeto.

Note-se que, caso a Entidade Operacional Designada não fique convencida da conformidade

do projeto, pode a mesma requerer os esclarecimentos e adequações necessários antes da

emissão do Relatório de Validação.

A função do Relatório de Validação é a de servir como subsídio para que o Conselho

Executivo registre a atividade de projeto como um MDL117. Anote-se que as conclusões

contidas nesse Relatório não vinculam as autoridades do Conselho Executivo, embora gozem

116 O Brasil exige que os projetos a serem aqui instalados sejam validados por Entidade Operacional Designada que esteja plenamente estabelecida no País e tenha a capacidade de assegurar o cumprimento da legislação nacional (art. 4º, II, da Resolução n.01/03, da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima) 117 Cabe anotar uma particularidade brasileira no que toca à função do Relatório de Validação. De acordo com o art. 3º, III, da Resolução 01/03 da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, esse documento tem a função também de subsidiar a emissão da Carta de Aprovação por esse órgão. A exigência da apresentação desse documento pela Autoridade Nacional Designada brasileira, exigência essa que inexiste nas regulamentações da maior parte dos países em desenvolvimento, propicia ao referido órgão o exame de projetos com maior consistência técnica, porquanto já validados, evitando-se, assim, que ela tenha que examinar qualquer idéia que, na opinião do proponente, seria enquadrável no MDL (KERLAKIAN, Bruno Sabbag. O Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. São Paulo: LTr, 2008. p. 64).

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de grande respeitabilidade, porquanto a Entidade Operacional Designada deve estar

devidamente credenciada e conta comumente com profissionais qualificados118.

118 KERLAKIAN, Bruno Sabbag. O Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. São Paulo: LTr, 2008. p. 63 e 64.

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C) Carta de aprovação

O terceiro momento do ciclo é a aprovação119. Para adentrar oficialmente no MDL, o

que se dará pela etapa subseqüente do registro, a atividade de projeto precisa receber

aprovação das Autoridades Nacionais Designadas das Partes envolvidas120.

É importante ressaltar que a aprovação carrega significados distintos para Partes do

Anexo I, de um lado, e Partes não-Anexo I, de outro. Quando concede a carta de aprovação, a

Autoridade Nacional Designada da Parte do Anexo I está apenas confirmando sua

participação voluntária121 na atividade de projeto em questão. Diferentemente, ao conceder a

carta de aprovação, a Autoridade Nacional Designada da Parte não-Anexo I está confirmando

não só sua participação voluntária mas também que a atividade de projeto, que será realizada

no seu território, contribui para o seu desenvolvimento sustentável122. 123

Para que se entenda melhor o que se está explicando, veja-se o seguinte exemplo.

Tome-se uma atividade de projeto de que são participantes uma empresa holandesa, de um

lado, e uma empresa brasileira, do outro. Essa atividade de projeto precisa obter uma carta de

aprovação da Entidade Operacional Designada da Holanda, atestando que este país participa

voluntariamente da referida atividade, e uma outra carta de aprovação da Entidade

Operacional Designada do Brasil, confirmando que este participa de forma voluntária da

atividade em questão e que a mesma contribui para o desenvolvimento sustentável brasileiro.

119 Para uma visão percuciente da etapa da aprovação particularmente no Brasil, veja-se KERLAKIAN, Bruno Sabbag. O Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. São Paulo: LTr, 2008. p. 64. 120 Decisão 17/CP.7, arts. 40 (a) e (f). 121 Como já explicado no tópico 4.1.1 (a) supra, a participação voluntária é um dos critérios de elegibilidade do MDL. 122 Consoante foi visto no tópico “1.3.2 Desenvolvimento sustentável” supra, em razão da dificuldade de definição deste conceito, cada Parte não-Anexo I (país em desenvolvimento) tem a prerrogativa de dizer o que entende por desenvolvimento sustentável e de atestar se uma determinada atividade de projeto o realiza na prática. 123 CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS. Manual de capacitação sobre mudança do clima e projetos de mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL). Brasília, DF: 2008. p. 83.

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D) Registro do projeto

Depois da carta de aprovação, vem a etapa do registro, assim definido no art. 36 da

Decisão 17/CP.7: “O registro é a aceitação formal, pelo Conselho Executivo, de um projeto

validado como atividade de projeto no âmbito do MDL. O registro é o pré-requisito para a

verificação, certificação e emissão das RCEs relativas a essa atividade de projeto”.

Trata-se de uma exigência de índole formal, porém de grande relevância, porquanto

assinala o momento a partir do qual ocorre a oficialização da existência do projeto dentro da

ONU e a declaração da sua consistência no âmbito internacional com o “Sistema de

Quioto”.124 125

Cabe à Entidade Operacional Designada requerer o registro da atividade de projeto

que ela tiver validado.

Antes de requerer o registro, porém, a Entidade Operacional Designada deve tornar

público o Documento de Concepção do Projeto para recebimento, no prazo de 30 dias, dos

comentários das Partes, atores e organizações não-governamentais credenciados pela

Convenção do Clima, sendo que os eventuais comentários recebidos também devem ficar

abertos ao público. Após o fim do prazo para recebimento dos comentários, ela deve

determinar se a atividade de projeto é válida e informar aos participantes do projeto sua

decisão126.

124 KERLAKIAN, Bruno Sabbag. O Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. 2 ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 72 125 Sabbag explica muito bem o significado prático do registro sob a ótica do mercado de carbono: “Verifica-se que o registro do projeto e o conseqüente reconhecimento da sua consistência ambiental e climática permitem que as promessas de crédito de carbono sejam negociadas por um valor maior. Na prática, quanto mais próximo o projeto estiver de concluir o ciclo do projeo de MDL, maior deverá ser o valor pago pela promessa de crédito de carbono (...). Comumente, os créditos de carbono serão negociados em seu valor máximo após sua emissão, ou seja, no âmbito do mercado à vista de carbono. Isso porque, com o registro das atividades de projeto, possíveis investidores e compradores de créditos de carbono poderão ter a segurança jurídica de que o projeto cumpre as normas internacionais aplicáveis ao MDL e de que provavelmente serão gerados os créditos de carbono prometidos” (O Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. 2 ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 73) 126 Decisão 17/CP.7, art. 40 (b) (c) (d).

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Caso determine que a atividade de projeto em questão é válida, a Entidade

Operacional Designada deve submeter uma solicitação de registro na forma de um Relatório

de Validação, acompanhado do Documento de Concepção do Projeto, da Carta de Aprovação

da Parte hospedeira e uma explicação de como procedeu à devida consideração dos

comentários recebidos.

É o Conselho Executivo do MDL quem realiza o registro das atividades de projeto.

Esse registro deve ser considerado final oito semanas após a data de recebimento pelo

Conselho Executivo da solicitação de registro a menos que seja solicitada a revisão da

atividade de projeto proposta. A revisão, realizada pelo Conselho Executivo, deve ser

solicitada por uma Parte envolvida na atividade de projeto ou por, ao menos, três membros do

Conselho; deve versar sobre os requisitos de validação; e deve ser finalizada, no máximo, na

segunda reunião do Conselho após a solicitação de revisão127.

Neste ponto do trabalho, é interessante anotar que nem sempre uma atividade de

projeto de MDL conta com um participante autorizado por um país desenvolvido. É possível

que uma atividade de projeto de MDL seja registrada no Conselho Executivo contando tão-

somente com participante(s) autorizado(s) por um país em desenvolvimento. Tem-se aqui o

chamado Projeto Unilateral de MDL, em que a(s) entidade(s) do país em desenvolvimento

toma(m) a iniciativa do projeto ao passo que a(s) entidade(s) do país desenvolvido

desempenham o papel de mero(s) compradore(s) dos créditos de carbono do MDL128.

127 Decisão 17/CP.7, art. 41. 128 Os projetos unilaterais de MDL consistem numa exceção e, por isso, não serão estudados detalhadamente neste trabalho, mesmo porque guardam poucas diferenças em relação aos projetos bilaterais de MDL. Para saber mais detalhes sobre Projetos Unilaterais de MDL, cf. KERLAKIAN, Bruno Sabbag. O Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. 2 ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 135.

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E) Monitoramento

O monitoramente consiste na medição e análise das emissões de GEEs advindas de

uma atividade de projeto para determinar o volume de reduções de emissões que são

atribuíveis a tal atividade de projeto. O monitoramento é implementado pelos participantes da

atividade de projeto – agindo diretamente ou através de terceiros contratados – com base no

plano de monitoramento, o qual faz parte do documento de concepção de projeto submetido

para registro129.

O plano de monitoramento deve englobar a coleta e o arquivamento de todos os dados

necessários para estimar ou medir os seguintes pontos: (a) as emissões de GEEs advindas de

fontes dentro da atividade de projeto; (b) a linha de base da atividade de projeto; (c) as

emissões advindas de fontes fora do limite do projeto porém atribuíveis à atividade de projeto

(emissões fugitivas)130 131.

O Plano de monitoramento deve se basear numa metodologia de monitoramento

previamente aprovada ou numa nova metodologia que seja determinada por uma Entidade

Operacional Designada, tenha sido aplicada com êxito noutros lugares e reflita uma boa

prática de monitoramento132.

O plano de monitoramento pode ser revisado para melhorar sua precisão e/ou

complementar as informações. Para tanto, é preciso que a sua revisão seja justificada pelos

129 Decisão 17/CP.7, art. 56; CDM Rulebook. Disponível em http://cdmrulebook.org/115 Acesso em: 2 fev 2010. 130 Decisão 17/CP.7, art. 53, “a”, “b” e “c” 131 É interessante anotar que as informações colhidas durante o monitoramento devem ser documentadas com todo o cuidado e zelo de forma a garantir a qualidade dos dados e possibilitar a futura emissão de créditos de carbono. Eventuais inconsistências na coleta, armazenagem e interpretação dessas informações poderão afetar, total ou parcialmente, a futura emissão de créditos de carbono, gerando prejuízos para os participantes de projetos e terceiros (v.g. compradores), nos termos contratuais estabelecidos entre as partes 132 Decisão 17/CP.7, art. 56.

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participantes da atividade de projeto e, assim como o plano original contido no Documento de

Concepção do Projeto, seja submetida a uma Entidade Operacional Designada133.

Findo o processo de monitoramento, os participantes devem calcular as RCEs

resultantes da atividade de projeto e elaborar o relatório de monitoramento, que deverá ser

submetido à Entidade Operacional Designada para fins de verificação e certificação134.

Por fim, cabe explicar que o relatório de monitoramento deve especificar claramente

o período a que as RCEs apuradas se referem. Geralmente, os relatórios de monitoramento

abrangem períodos de um ano. Haverá tantos processos de monitoramento quantas vezes os

períodos escolhidos para monitoramento se repetirem dentro do período de obtenção de

créditos da atividade de projeto135. Para que fique mais claro, veja-se o seguinte o exemplo:

numa atividade de projeto em que o período de obtenção de créditos previsto no Documento

de Concepção de Projeto seja de 10 anos e se escolha fazer monitoramentos relativos a

períodos de 01 ano, o processo de monitoramento se repetirá 10 vezes136.

F) Verificação e certificação das reduções

Após o monitoramento, ocorrem os processos de verificação e certificação137, os

quais se encontram assim definidos pelo art. 61 da Decisão 17/CP.7:

A verificação é a revisão independente periódica e a determinação ex

post, pela Entidade Operacional Designada, das reduções

monitoradas de emissões antrópicas de gases de efeito estufa por 133 Decisão 17/CP.7, art. 57 134 Decisão 17/CP.7, arts. 59 e 60. 135 KERLAKIAN, Bruno Sabbag. O Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. 2 ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 75. 136 Como se verá a seguir, não só o monitoramento, mas sim a parte do ciclo desde o monitoramento até a emissão de RCEs se repetirá várias vezes durante o período de obtenção de créditos – no caso do exemplo exposto, por 10 vezes. 137 Protocolo de Quioto, art. 12.5.

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fontes que tenham ocorrido em conseqüência de uma atividade de

projeto registrada no âmbito do MDL, durante o período de

verificação. A certificação é a garantia por escrito da Entidade

Operacional Designada de que, durante um período de tempo

especificado, uma atividade de projeto obteve as reduções de

emissões antrópicas de gases de efeito estufa por fontes conforme

verificado.

A verificação é realizada pela Entidade Operacional Designada com base no relatório

de monitoramento e consiste, na sua essência, no processo de confirmação da autenticidade

das reduções de emissões de GEEs conseguidas por uma atividade de projeto de MDL. Para

tanto, as reduções de emissão da atividade de projeto, relatadas no relatório de

monitoramento, são revisadas e aferidas. Como resultado do processo de verificação, a

Entidade Operacional Designada produz um relatório de verificação, o qual deve ser tornado

público e fornecido aos participantes da atividade, às Partes envolvidas e ao Conselho

Executivo do MDL138.

Por seu turno, a certificação, também realizada pela Entidade Operacional

Designada, consiste, essencialmente, na confirmação escrita e formal de que as reduções de

emissões estabelecidas no relatório de verificação foram verdadeiramente alcançadas139.

Assim como na validação, aqui também se tem a presença de um auditor externo na

figura da Entidade Operacional Designada atestando a regularidade do trabalho realizado

pelos participantes da atividade de projeto. Na validação, é a regularidade do documento de

138 CDM Rulebook. Disponível em http://cdmrulebook.org/124 Acesso em: 2 fev 2010. 139 CDM Rulebook. Disponível em http://cdmrulebook.org/133 Acesso em: 2 fev 2010.

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concepção de projeto elaborado pelos participantes que está em questão, enquanto que, na

verificação e na certificação, é a regularidade do monitoramento implementado pelos

participantes.

Nesse passo, é importante ressaltar que, em regra, uma determinada Entidade

Operacional Designada não pode realizar a validação e também a verificação e certificação de

uma mesma atividade de projeto. Apenas mediante solicitação justificada, é que o Conselho

Executivo do MDL pode permitir que uma mesma Entidade Operacional Designada realize

todas essas funções relativamente a uma única atividade de projeto140. A possibilidade de uma

mesma Entidade Operacional Designada realizar todas essas tarefas numa única atividade

existe ainda nos casos de atividades de projeto consideradas de pequena escala141.

Dentro dos trabalhos de verificação, a Entidade Operacional Designada pode, dentre

outras coisas, verificar a regularidade da documentação da atividade de projeto, conduzir

inspeções no local, conduzir entrevistas com os envolvidos com o projeto, testar os

equipamentos de medição, rever os resultados do monitoramento, analisar a aplicação da

metodologia de monitoramento, recomendar mudanças na metodologia de monitoramento142.

Como resultado dos trabalhos de verificação, a Entidade Operacional Designada

deve produzir um relatório de verificação, o qual deve ser tornado público e fornecido aos

participantes do projeto, às Partes envolvidas e ao Conselho Executivo143. Sendo o relatório

de verificação favorável à integridade ambiental das reduções de emissão alcançadas pela

atividade de projeto, a Entidade Operacional Designada, com base nesse relatório, deve

certificar por escrito que, durante o período de tempo especificado, a atividade de projeto

obteve a quantidade verificada de redução de GEEs. Imediatamente após a tomada da decisão

140 Decisão 17/CP.7, art. 27 (e) 141 Decisão 4/CMP.1, Anexo II, parágrafo 20. 142 Decisão 17/CP.7, art. 62. 143 Decisão 17/CP.7, art. 62, “h”.

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de certificação, a Entidade Operacional Designada deve comunicá-la aos participantes do

projeto, às partes envolvidas e ao Conselho Executivo144.

O relatório de certificação é sumamente importante, pois serve de subsídio para a

emissão das reduções certificadas de emissão (RCEs) pelo administrador do Registro do MDL

seguindo instruções do Conselho Executivo145, conforme se verá abaixo.

Por fim, cabe anotar que, assim como o monitoramento, a verificação e a certificação

se repetem várias vezes dentro do período de obtenção de créditos de uma atividade de

projeto146.

G) Emissão

O ciclo até aqui estudado chega ao fim com a etapa da emissão das reduções

certificadas de emissão (RCEs) ou créditos de carbono do MDL, objetivo de toda e qualquer

atividade de projeto. A emissão consiste no momento de criação das RCEs equivalentes às

reduções de emissão de GEEs produzidas por uma atividade de projeto e que foram

devidamente verificadas e certificadas147.

144 Decisão 17/CP.7, art. 63. 145 KERLAKIAN, Bruno Sabbag. O Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. 2 ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 75. 146 Retomando-se o exemplo acima – vide tópico “(E) Monitoramento” – , duma atividade de projeto em que o período de obtenção de créditos previsto no Documento de Concepção de Projeto é de 10 anos e se escolhe fazer monitoramentos relativos a períodos de 01 ano, tem-se que a certificação e a verificação se repetirão por 10 vezes. 147 CDM Rulebook. Disponível em http://cdmrulebook.org/139 Acesso em: 9 fev 2010. No mesmo sentido, UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE-SECRETARIAT. Kyoto Protocol Reference Manual on Accounting of Emissions and Assigned Amounts. Disponível em: http://unfccc.int/files/national_reports/accounting_reporting_and_review_under_the_kyoto_protocol/application/pdf/rm_final.pdf Acesso em: 24 set. 2008. p. 59.

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É importante anotar aqui que a RCE não possui existência material, mas sim

eletrônica, ficando inscrita nas contas do sistema internacional de registros do MDL.

O relatório de certificação deve conter uma solicitação para que o Conselho

Executivo emita as RCEs correspondentes às reduções de emissão resultantes da atividade de

projeto148. Recebida a solicitação, a emissão deve ser considerada final num prazo de 15 dias

salvo se houver um pedido de revisão da emissão, que pode ser feito por uma Parte envolvida

ou por ao menos três membros do Conselho Executivo. Essa revisão deve limitar-se a

questões de fraude, malversação ou incompetência das Entidades Operacionais Designadas149.

Não havendo revisão, o Conselho Executivo instrui o Administrador do Registro do

MDL a emitir a quantidade especificada de RCEs para a conta pendente do Conselho

Executivo no Registro do MDL150.

O passo seguinte é distribuição dessas RCEs entre os participantes da atividade de

projeto. Antes disso, há a dedução de parte de parte dessas, à maneira de um tributo em

espécie, para auxiliar nos custos de adaptação151; há ainda, no momento da emissão, a

148 Decisão 17/CP.7, art. 64. 149 Decisão 17/CP.7, art. 65. 150 Decisão 17/CP.7, art. 66 151 Esse verdadeiro tributo em espécie internacional – conhecido em inglês por The Adaptation Share of Proceeds – consiste na dedução de 2% das RCEs geradas por uma atividade de projeto em cada ano para serem usadas para financiar medidas nos países em desenvolvimento de modo a auxiliá-los na adaptação aos efeitos adversos da mudança do clima. Ela é deduzida pelo Conselho Executivo antes da emissão, de tal modo que apenas 98% das RCEs geradas são entregues nas contas dos participantes da atividade (CDM Rulebook. Disponível em: http://cdmrulebook.org/1004 Acesso em: 9 fev. 2010).

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cobrança de uma taxa para cobrir despesas administrativas do MDL152, tudo isso conforme

art. 12.8 do Protocolo de Quioto153.

É interessante repartir o ciclo da atividade de projeto de MDL em duas partes.

Na primeira parte, que vai da elaboração do documento de concepção do projeto ao

registro, o proponente do projeto ainda não desenvolve a atividade de projeto em si. Ele está

buscando o reconhecimento, pelo Conselho Executivo, de que a atividade proposta pode

reduzir as emissões de GEEs e contribuir para o desenvolvimento sustentável da parte anfitriã.

Esse reconhecimento vem através do registro, que assinala o momento a partir do qual a

atividade de projeto passa a ser, de fato e de direito, uma atividade de projeto do MDL.

Já, na segunda parte, que vai do monitoramento até a emissão das RCEs, tem-se a

atividade de projeto de MDL funcionando para produzir reduções de emissões. Essa parte

pode ser chamada de ciclo de verificação – uma alusão ao relatório de verificação – ou ciclo

de emissão de RCEs. Trata-se de um ciclo, em tese, infinito e que se repetirá na freqüência em

que o proponente do projeto quiser obter as RCEs a que tem direito 154. O ciclo ocorrerá

quando o proponente de projeto contratar uma Entidade Operacional Designada para elaborar

o relatório de verificação, quantificando e certificando as reduções de emissão do projeto num

152 Essa taxa – conhecida em inglês como the Administration Share of Proceeds –, incidente sobre a emissão das RCEs, é cobrada da seguinte forma: (a) 0.10 dólares americanos por cada uma RCE emitida pelas primeiras 15.000 toneladas de CO2 equivalente em razão das quais a emissão é solicitada num dado ano calendário; (b) 0.20 dólares americanos por RCE emitida por qualquer quantidade acima de 15.000 toneladas em razão de que a emissão é solicitada num dado ano calendário (Decisão 7/CMP.1, parágrafo 37). Essa taxa é usada para ajudar nos custos administrativos do Conselho Executivo e outros órgãos pertencentes ao Protocolo de Quioto (CDM Rulebook. Disponível em: http://cdmrulebook.org/659 Acesso em: 9 fev. 2010).

153 Art. 12.8 do Protocolo de Quioto: “A Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo deve assegurar que uma fração dos fundos advindos de atividades de projetos certificadas seja utilizada para cobrir despesas administrativas, assim como assistir às Partes países em desenvolvimento que sejam particularmente vulneráveis aos efeitos adversos da mudança do clima para fazer face aos custos de adaptação”. 154 O único limite para a repetição do ciclo de verificação/emissão se encontra no período de obtenção de créditos escolhido para a atividade de projeto. Para que se entenda melhor, retome-se o exemplo acima – vide tópico “(e) monitoramento”: num projeto cujo período de obtenção de créditos escolhido seja de 10 anos, caso se escolha obter RCEs anualmente, o ciclo de verificação/emissão se repetirá obviamente por 10 vezes.

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certo período, e solicitar ao Conselho Executivo a emissão das RCEs a que o projeto faz

jus155.

4.2 Transferência e destino das Reduções Certificadas de Emissão

A) Distribuição

Uma vez realizada a emissão das RCES pelo Administrador do Registro do MDL

para a conta pendente do Conselho Executivo no Registro do MDL, essas RCEs devem ser

distribuídas entre aqueles que realizaram a atividade de projeto de MDL. Trata-se do processo

de distribuição ou alocação, em que os participantes recebem as RCEs geradas pela atividade

de projeto em suas contas do sistema internacional de registros do MDL.

É interessante notar que são os participantes da atividade de projeto que definem

contratualmente a porção de RCEs geradas que cabe a cada um deles. São também eles que

devem instruir o Conselho Executivo a realizar essa distribuição em conformidade com esses

termos contratuais156 157. Não há, contudo, um prazo dentro do qual a instrução ao Conselho

Executivo deve ser dada, de modo que, enquanto não o fizerem, as RCEs continuarão

depositadas na conta pendente do Conselho Executivo no Registro do MDL158.

O sistema internacional de registros do MDL possui o Registro do MDL e os

Registros Nacionais. No Registro do MDL, ficam a conta pendente do Conselho Executivo e

155 CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS. Manual de capacitação sobre mudança do clima e projetos de mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL). Brasília, DF: 2008. p. 85. No mesmo sentido também, KERLAKIAN, Bruno Sabbag. O Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. 2 ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 75. 156 Decisão 17/CP.7, art. 66, (b) 157 A instrução de distribuição das RCEs é dada pelo ponto focal – em inglês, focal point – da atividade de projeto. O ponto focal é o participante designado para realizar toda a comunicação com o Conselho Executivo relativamente a uma dada atividade de projeto, inclusive a comunicação acerca da distribuição de RCEs. Disponível em: <http://cdmrulebook.org/613> Acesso em: 05 set. 2010 158 KERLAKIAN, Bruno Sabbag. O Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. 2 ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 77

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as contas individuais permanentes dos participantes de atividades de projeto autorizados a

participar da atividade de projeto por um país em desenvolvimento, ao passo que, nos

Registros Nacionais, ficam as contas individuais permanentes dos participantes de atividades

de projeto autorizados a participar da atividade por um país desenvolvido. Cada país

desenvolvido deve possuir seu próprio Registro Nacional.

Quando é dada a instrução de distribuição, as RCEs pertencentes ao participante cujo

envolvimento na atividade de projeto foi autorizado por um país em desenvolvimento são

encaminhadas para sua conta individual permanente no Registro do MDL; as RCEs que

cabem ao participante autorizado por um país desenvolvido, por seu turno, são encaminhadas

para sua conta individual permanente no Registro Nacional do país que lhe autorizou a

participação.

Essa distribuição inicial de RCEs diretamente nas contas individuais dos

participantes da atividade de projeto consiste no mercado primário de créditos de carbono do

MDL. Existe ainda o mercado secundário de créditos de carbono do MDL, que movimenta as

RCEs já inicialmente distribuídas. O mercado secundário envolve Partes (ou empresas

sediadas nestas Partes) que sejam países desenvolvidos e se dá mediante a compra e venda de

RCEs entre as suas contas em seus respectivos Registros Nacionais159.

B) Uso final

Como visto detalhadamente no capítulo 2, as Partes do Anexo I – ou seja, os países

desenvolvidos – possuem níveis máximos de emissões de GEEs assinalados pelo Protocolo de

Quioto para o período de compromisso (2008-1012). Trata-se dos compromissos

159 Refoge aos lindes do presente trabalho o estudo do mercado secundário de RCEs. Para saber mais sobre o formidável mercado de carbono, no qual se insere o mercado secundário de RCEs, cf. WORLD BANK, The. State and Trends of the Carbon Market 2009. Washington D.C – May 2008. Disponível em: http://wbcarbonfinance.org/docs/State___Trends_of_the_Carbon_Market_2009-FINAL_26_May09.pdf Acesso em: 7 abr. 2010.

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quantificados de limitação e redução de emissões ou simplesmente metas de Quioto, cujo

cumprimento os países desenvolvidos devem comprovar ao final do período de compromisso

(2008-2012).

O Protocolo de Quioto apenas estabelece as metas para os países desenvolvidos. A

forma como a redução de emissões ocorre internamente em cada um desses países é uma

decisão soberana de seus governos, não havendo qualquer previsão a esse respeito no

Protocolo de Quioto. Com efeito, é o governo de cada país desenvolvido que distribui entre

seus agentes econômicos metas específicas de redução de emissões de GEES através do

chamado plano de alocação nacional – do inglês, national allocation plan160. Em outros

termos, cada governo é soberano para definir o quantum com que cada agente produtivo

situado em seu território deve colaborar no esforço nacional para o atingimento da sua meta

de Quioto.

É justamente a atribuição de metas específicas de redução de emissões de GEEs

pelos seus governos que motiva os agentes econômicos situados nos países desenvolvidos a

participar de atividades de projeto de MDL quando os custos para a redução de emissões em

suas próprias instalações industriais é mais caro do que o financiamento dessas atividades de

projeto161. E as RCEs advindas da participação na atividade de projeto são utilizadas pelas

160 De forma simples, tem-se que o plano de alocação nacional determina a quantidade de permissões para emissão de gases de efeito estufa que cada país concede a suas empresas, as quais podem ser vendidas ou compradas por essas empresas entre si dentro do comércio de emissões. Isso significa que, para cada período de compromisso, cada país define antecipadamente quantas permissões são alocadas no total e quantas permissões cada empresa vai receber individualmente (EUROPEAN COMISSION. Questions and Answers on Emissions Trading and National Allocation Plans for 2008 to 2012. Disponível em: http://ec.europa.eu/environment/climat/pdf/m06_452_en.pdf Acesso em: 6 abr. 2010) Para ver as inúmeras opções que os países podem escolher para alocar as permissões de emissão de GEEs entre suas empresas, cf. PEW CENTER ON GLOBAL CLIMATE CHANGE. Cogressional Policy Brief: Greenhouse Gas Emissions Allowance Allocation. Disponível em: http://www.pewclimate.org/docUploads/Allocation.pdf Acesso em: 7 abr. 2010. E para conhecer os planos de alocação nacionais dos países da União Européia, vide a seguinte página dentro do sítio eletrônico da Comissão Européia: http://ec.europa.eu/environment/climat/emission/2nd_phase_ep.htm Acessado em: 6 abr. 2010. 161 Anote-se aqui que a existência de metas de redução de emissões de GEEs específicas para as empresas impele os empreendedores não só a participar diretamente de projetos de MDL, mas também a adquirir RCEs no mercado secundário – ou seja, comprar de outros empreendedores que tomaram parte numa atividade de projeto de MDL e por isso receberam RCEs no mercado primário – e a participar também dos outros mecanismos de

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empresas para cumprirem seus compromissos individuais de limitação de emissões junto a

seus governos, sujeitando-se a eventuais sanções pelo seu descumprimento também

estabelecidas pelos seus governos.

Para o direito internacional da mudança do clima, o que importa é apenas o

cumprimento das metas de Quioto pelos países desenvolvidos como um todo, sendo

indiferente para esse direito a forma como cada país se organiza internamente para atingi-las,

até porque se trata de uma decisão de política interna desses países.

Assim, as RCEs geradas por atividades de projeto de MDL – assim como todas as

outras unidades de Quioto – têm seu uso final quando o governo do país desenvolvido a

transfere para a conta de aposentadoria existente no seu Registro Nacional. A aferição do

cumprimento dos compromissos quantificados de limitação e redução pelo país desenvolvido,

vista no capítulo 2, será feita tecnicamente comparando-se, de um lado, a quantidade total de

unidades de Quioto – repita-se, dentre as quais se encontra as RCEs – contidas na sua conta

de aposentadoria e, de outro, as suas emissões totais de GEEs ocorridas dentro do período de

compromisso (2008-2012). Ao fim desse período, o país desenvolvido deve assegurar ter

transferido para sua conta de aposentadoria uma quantidade de unidades de Quioto igual a seu

volume total de GEEs emitidos no período162.

flexibilização estabelecidos por Quioto, o que obviamente não será abordado neste trabalho porquanto refoge ao seu tema. 162 UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE-SECRETARIAT. Kyoto Protocol Reference Manual on Accounting of Emissions and Assigned Amounts. Disponível em: http://unfccc.int/files/national_reports/accounting_reporting_and_review_under_the_kyoto_protocol/application/pdf/rm_final.pdf Acesso em: 24 set. 2008. p. 67.

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Capítulo 5. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo como canal de financiamento do

desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento e sua regulação: o Brasil e a

indústria do petróleo, gás natural e biocombustíveis

Uma vez visto no capítulo anterior o arcabouço normativo que regula o MDL que

auxilia os países ricos no atingimento das metas de redução de emissões, passa-se agora ao

estudo da regulação do MDL que funciona como canal de financiamento do desenvolvimento

sustentável nos países em desenvolvimento.163

Conforme já foi antecipado, quando olhado sob a perspectiva dos países em

desenvolvimento, o MDL consiste numa fonte de recursos para viabilizar o desenvolvimento

sustentável desses países.

Surgem, assim, operações de transferência de dinheiro, tecnologias e know-how, em troca das

RCEs, que, ao contrário da geração, transmissão e uso final das RCEs164, não se encontram

regradas pelo direito internacional público. Atualmente a regulação das operações de

transferência de dinheiro, tecnologias e know-how é feita, isto sim, através dos ERPAs –

abreviação que vem do inglês Emission Reduction Purchase Agreements e signifca, numa

tradução livre, contratos de aquisição de reduções de emissão. Trata-se de contratos privados

internacionais celebrados entre os participantes das atividades de projeto e que contêm uma

regulação que obviamente apenas atende aos interesses privados dos celebrantes. Todavia, há

uma série de aspectos suscitados por esses fluxos de dinheiro, tecnologias e know-how que

163 Consoante a proposta deste trabalho, muito embora o MDL seja único, pode-se dizer, para os fins de uma melhor compreensão da sua disciplina jurídica, que há dois mecanismos, cada um deles contando com uma regulação própria, a saber: (a) o MDL que assiste os países desenvolvidos no cumprimento das metas de redução de emissões e (b) o MDL que assiste os países em desenvolvimento na consecução do desenvolvimento sustentável – vide a esse respeito o tópico “3.1 O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo: duplo propósito e sua regulação” acima. 164 Conforme visto no capítulo anterior, a geração das RCEs nos países em desenvolvimento, a transferência das RCEs para os países desenvolvidos e o uso final destas também nos países desenvolvidos encontram sua regulação no artigo 12 do Protocolo de Quioto e decisões com base nele tomadas.

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são de evidente interesse dos Estados anfitriões das atividades de projeto e, obviamente, não

se encontram – e nem poderiam se encontrar, em razão do matiz eminentemente privatístico

destes – devidamente disciplinados nesses contratos. E, entretanto, percebe-se que, de maneira

geral, os países em desenvolvimento ou carecem totalmente ou estão em fase inicial na

concepção de normas internas que regulem esses aspectos, atendendo às especificidades do

MDL165.

É fundamental, portanto, que os países em desenvolvimento preparem seus

ordenamentos jurídicos para a novidade representada pelo MDL, resolvendo questões como:

(a) a integração do MDL com a sua estratégia nacional de desenvolvimento sustentável, ou

seja, que papel esse instrumento jurídico desempenha na busca da sustentabilidade ambiental

e qual sua relação com os outros instrumentos ambientais previstos no ordenamento interno;

(b) a disciplina da relação entre vendedores e compradores de RCEs, o que pode se dar

através do dirigismo contratual do Estado determinando, por exemplo, um preço mínimo para

as RCEs geradas, cláusulas contratuais padronizadas para facilitar as transações, cláusula

contendo a obrigação de o país desenvolvido transferir tecnologias, tudo isso com vistas a

proteger os empreendedores locais contra o poder econômico dos países desenvolvidos,

compradores das RCEs; (c) a titularidade das RCEs – ou seja, as RCEs geradas nas atividades

de projeto ocorridas no país são propriedade estatal ou das empresas participantes? (d) a

tributação incidente sobre o MDL, isto é, como o regime fiscal impacta as atividades de

projeto. Ressalte-se que essa lista não exaure todos os pontos problemáticos que o MDL pode

trazer para os ordenamentos nacionais dos países que hospedam atividades de projeto, sendo

165 UNEP RISO CENTRE ON ENERGY, CLIMATE AND SUSTAINABLE DEVELOPMENT. Legal Issues Guidebook to the Clean Development Mechanism. Disponível em: http://www.cd4cdm.org/Publications/CDM%20Legal%20Issues%20Guidebook.pdf Acesso em: 13 jul. 2008, p. 57.

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apenas um apanhado daquelas questões mais recorrentes e relevantes segundo a doutrina

especializada166.

Explicitadas quais são as principais questões em aberto, é importante destacar que,

na produção desse arcabouço regulatório, cada Estado deve sopesar cuidadosamente dois

fatores: de um lado, a proteção do interesse público nacional em matéria ambiental,

consubstanciado em suma na busca do seu desenvolvimento sustentável; do outro, o interesse

dos agentes econômicos nacionais e internacionais interessados no MDL, consistente na

criação de normas jurídicas que facilitem e encoragem a realização de atividades de projeto e

a comercialização dos créditos de carbono gerados.

Um outro fator que os países em desenvolvimento devem considerar na concepção

do seu arcabouço regulatório atinente ao MDL consiste no próprio direito internacional que

estabelece e regulamenta esse mecanismo. O art. 12 do Protocolo de Quioto e as decisões da

COP/MOP e do Conselho Executivo do MDL devem ser devidamente respeitados pelas

normas do direito nacional que pretendam regular as questões em aberto do MDL, acima

mencionadas, sob pena de essas normas nacionais representarem um sério entrave para o

desenvolvimento desse mecanismo nesses países. Em outras palavras, seguindo a abordagem

proposta pelo presente trabalho, o disciplinamento jurídico do MDL que funciona como canal

de financiamento do desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento deve se

compatibilizar com a disciplina jurídica do MDL que assiste os países desenvolvidos a

atingir as metas de Quioto. Mesmo porque, a despeito de a proposta apresentada neste

trabalho bipartir o mecanismo para facilitar a compreensão da sua regulação, o MDL – repise-

se – é um só. Como já explicitado acima, nunca deve se perder de vista que o MDL consiste

numa via de mão-dupla, em que os fluxos de dinheiro, tecnologias e know-how que fluem dos

166 Nesse sentido, cf. UNEP RISO CENTRE ON ENERGY, CLIMATE AND SUSTAINABLE DEVELOPMENT. Legal Issues Guidebook to the Clean Development Mechanism. Disponível em: http://www.cd4cdm.org/Publications/CDM%20Legal%20Issues%20Guidebook.pdf Acesso em: 13 jul. 2008, especialmente seu tópico “5.5 Domestic Legal Issues Which Impact the CDM”.

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países ricos para os países em desenvolvimento têm como contrapartida fluxos de créditos de

carbono no sentido inverso. Assim, os países em desenvolvimento ao preencherem o vazio

normativo que lhes foi deixado resolvendo as questões jurídicas acima referidas devem

sempre ter em mente o arcabouço regulatório já estabelecido internacionalmente.

É importante deixar claro que a existência de um ordenamento jurídico interno

adequado ao MDL consiste em fator decisivo de atração, pelos países em desenvolvimento de

investimentos, internacionais nessa área, porquanto, no contexto de uma economia

globalizada, o investidor que se depara com um sistema jurídico nacional muito complexo ou

incongruente pode simplesmente deixar de investir nesse país em favor de um outro167. Dito

numa linguagem mercadológica, o chamado risco regulatório é um dos vários riscos que os

investidores pesam quando consideram colocar seu dinheiro numa atividade de projeto de

MDL. Esse risco pode reduzir o valor das RCEs geradas ou mesmo, quando muito relevante,

inviabilizar totalmente a atividade de projeto, prejudicando o país anfitrião na medida em que,

em ambos os casos, acarreta uma redução na entrada de investimentos externos168.

Muito embora a inexistência total ou a existência apenas embrionária de normas

internas que regulem aspectos como a integração do MDL com a sua estratégia nacional de

desenvolvimento sustentável, a disciplina da relação entre vendedores e compradores de

RCEs, a titularidade das RCEs e a tributação sobre o MDL seja algo comum a todos os países

em desenvolvimento, é importante ressaltar que o presente estudo se volta para realidade

brasileira. Com efeito, este estudo versa sobre as respostas que o Brasil tem dado para os

referidos pontos, que se encontram em aberto e demandam uma definição para que o MDL

possa vicejar em todo o seu potencial neste país em desenvolvimento. No que toca à 167 UNEP RISO CENTRE ON ENERGY, CLIMATE AND SUSTAINABLE DEVELOPMENT. Legal Issues Guidebook to the Clean Development Mechanism. Disponível em: http://www.cd4cdm.org/Publications/CDM%20Legal%20Issues%20Guidebook.pdf Acesso em: 13 jul. 2008, p. 57. 168 O risco regulatório é apenas um dos riscos que devem ser mensurados e superados pelos investidores para que seja atingida a viabilidade dos projetos de créditos de carbono. Para uma visão rápida dos outros riscos, cf. ARAÚJO, Antônio Carlos Porto de. Como comercializar créditos de carbono. São Paulo: Trevisan Editora Universitária, 6ª ed. 2008. p. 32.

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construção de um arcabouço regulatório para o MDL, anote-se, desde logo, que o Brasil está

numa boa situação dentro do quadro dos países em desenvolvimento, já contando, no campo

legislativo, com diplomas legais como, por exemplo, a Lei da Política Nacional sobre

Mudança do Clima169 e, no âmbito doutrinário, com uma bibliografia considerável e uma

profícua discussão sobre os referidos pontos problemáticos, explicitados neste trabalho.

Assinala-se ainda, consoante já explicitado na introdução deste trabalho, que, nos

tópicos a seguir, serão enfocados exemplos e situações relativas à indústria do petróleo, gás

natural e biocombustíveis, porquanto a produção de energia consiste na maior fonte de

emissões de gases de efeito do mundo.

5.1 A integração do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo com a estratégia de

desenvolvimento sustentável brasileira

Que papel o MDL desempenha na busca da sustentabilidade ambiental do país? Qual

sua relação com os outros instrumentos previstos na sua ordem jurídica? Eis as questões que

se propõe responder neste tópico do trabalho, que versa sobre a forma de inserção do MDL na

estratégia de desenvolvimento sustentável do Brasil.

5.1.1 O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo na Lei da Política Nacional sobre

Mudança do Clima brasileira

Como foi dito acima, o Brasil está bem posicionado no que toca à construção de um

arcabouço regulatório para o MDL dentro do conjunto geral dos países em desenvolvimento.

Desde 29 de dezembro de 2009, conta com a Lei nº 12.187, a qual institui os princípios,

169 Trata-se da Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima - PNMC e dá outras providências.

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objetivos, diretrizes e instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC)

brasileira. Obviamente, sendo uma lei que trata de uma política pública nacional, ela é

bastante ampla, abordando vários e diferentes aspectos da ação governamental para o

enfrentamento da mudança do clima. Especificamente sobre o MDL, objeto do presente

estudo, cabe destacar que essa lei insere esse mecanismo no rol dos instrumentos da PNMC,

contido no seu art. 6º170, a saber:

Art.6º São instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima: (...) X - os mecanismos financeiros e econômicos referentes à mitigação da mudança do clima e à adaptação aos efeitos da mudança do clima que existam no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e do Protocolo de Quioto;

170 Veja-se a seguir o rol completo dos instrumentos da PNMC, com os quais o MDL convive no Brasil: “Art. 6o São instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima: I - o Plano Nacional sobre Mudança do Clima; II - o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima; III - os Planos de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento nos biomas; IV - a Comunicação Nacional do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, de acordo com os critérios estabelecidos por essa Convenção e por suas Conferências das Partes; V - as resoluções da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima; VI - as medidas fiscais e tributárias destinadas a estimular a redução das emissões e remoção de gases de efeito estufa, incluindo alíquotas diferenciadas, isenções, compensações e incentivos, a serem estabelecidos em lei específica; VII - as linhas de crédito e financiamento específicas de agentes financeiros públicos e privados; VIII - o desenvolvimento de linhas de pesquisa por agências de fomento; IX - as dotações específicas para ações em mudança do clima no orçamento da União; X - os mecanismos financeiros e econômicos referentes à mitigação da mudança do clima e à adaptação aos efeitos da mudança do clima que existam no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e do Protocolo de Quioto; XI - os mecanismos financeiros e econômicos, no âmbito nacional, referentes à mitigação e à adaptação à mudança do clima; XII - as medidas existentes, ou a serem criadas, que estimulem o desenvolvimento de processos e tecnologias, que contribuam para a redução de emissões e remoções de gases de efeito estufa, bem como para a adaptação, dentre as quais o estabelecimento de critérios de preferência nas licitações e concorrências públicas, compreendidas aí as parcerias público-privadas e a autorização, permissão, outorga e concessão para exploração de serviços públicos e recursos naturais, para as propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos; XIII - os registros, inventários, estimativas, avaliações e quaisquer outros estudos de emissões de gases de efeito estufa e de suas fontes, elaborados com base em informações e dados fornecidos por entidades públicas e privadas; XIV - as medidas de divulgação, educação e conscientização; XV - o monitoramento climático nacional; XVI - os indicadores de sustentabilidade; XVII - o estabelecimento de padrões ambientais e de metas, quantificáveis e verificáveis, para a redução de emissões antrópicas por fontes e para as remoções antrópicas por sumidouros de gases de efeito estufa; XVIII - a avaliação de impactos ambientais sobre o microclima e o macroclima.”

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Embora o trecho acima exposto não mencione expressamente o MDL, ele está

evidentemente abrangido por essa dicção legal. É que o MDL consiste num mecanismo

econômico, porquanto se serve da lógica de mercado na medida em que propicia um menor

custo para o cumprimento das metas de redução de emissões, que se refere à mitigação da

mudança climática, visto que suas atividades de projeto resultam em reduções de emissão dos

GEEs, e, por fim, foi estabelecido pelo Protocolo de Quioto.

É importante assinalar, contudo, que a Lei da PNMC pára por aí. Restringe-se a

incluir o MDL na lista dos instrumentos da PNMC sem esclarecer sobre pontos importantes,

tais como a forma como atua no sentido de promover o desenvolvimento sustentável

brasileiro e a sua relação com os outros instrumentos.

5.1.2 Os critérios de sustentabilidade da Resolução 01/2003 da Comissão Interministerial

de Mudança Global do Clima: a contribuição para o desenvolvimento sustentável

nacional de atividade de projeto de MDL em que ocorre a troca do óleo diesel pelo gás

natural em plantas industriais.

Pode-se ter uma visão mais clara da maneira como MDL atua no sentido de

promover o desenvolvimento sustentável no Brasil ao se debruçar sobre os critérios de

sustentabilidade previstos na Resolução nº 1, de 11 de setembro de 2003, da Comissão

Interministerial de Mudança Global do Clima.

Eles são cinco e estão contidos no anexo III da referida resolução. A seguir serão

transcritos na íntegra:

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Anexo III- Contribuição da Atividade de Projeto para o Desenvolvimento Sustentável Os participantes do projeto deverão descrever se e como a atividade de projeto contribuirá para o desenvolvimento sustentável no que diz respeito aos seguintes aspectos: a) Contribuição para a sustentabilidade ambiental local Avalia a mitigação dos impactos ambientais locais (resíduos sólidos, efluentes líquidos, poluentes atmosféricos, dentre outros) propiciada pelo projeto em comparação com os impactos ambientais locais estimados para o cenário de referência. b) Contribuição para o desenvolvimento das condições de trabalho e a geração líquida de empregos Avalia o compromisso do projeto com responsabilidades sociais e trabalhistas, programas de saúde e educação e defesa dos direitos civis. Avalia, também, o incremento no nível qualitativo e quantitativo de empregos (diretos e indiretos) comparando-se o cenário do projeto com o cenário de referência. c) Contribuição para a distribuição de renda Avalia os efeitos diretos e indiretos sobre a qualidade de vida das populações de baixa renda, observando os benefícios socioeconômicos propiciados pelo projeto em relação ao cenário de referência. d) Contribuição para capacitação e desenvolvimento tecnológico Avalia o grau de inovação tecnológica do projeto em relação ao cenário de referência e às tecnologias empregadas em atividades passíveis de comparação com as previstas no projeto. Avalia também a possibilidade de reprodução da tecnologia empregada, observando o seu efeito demonstrativo, avaliando, ainda, a origem dos equipamentos, a existência de royalties e de licenças tecnológicas e a necessidade de assistência técnica internacional. e) Contribuição para a integração regional e a articulação com outros setores A contribuição para o desenvolvimento regional pode ser medida a partir da integração do projeto com outras atividades socioeconômicas na região de sua implantação.

Retomando-se o que foi exposto no tópico “1.3.2 Desenvolvimento sustentável”,

cumpre anotar-se que, em função da dificuldade de se definir precisamente esse conceito e

conseqüentemente o que o realiza concretamente, o Protocolo de Quioto reservou a cada país

em desenvolvimento a prerrogativa de definir quais tipos de atividades de projeto realizam o

desenvolvimento sustentável dentro da estrutura do mecanismo de desenvolvimento limpo.

No Brasil, tal prerrogativa foi exercida mediante o mencionado anexo III da Resolução nº 1,

de 11 de setembro de 2003, da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima.

Acrescente-se que, de acordo com o art. 3º, I, da resolução em tela, o proponente de

atividade de projeto a ser realizada no Brasil deve enviar à Comissão Interministerial de

Mudança Global do Clima, juntamente com o documento de concepção do projeto, uma

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descrição da contribuição da atividade para o desenvolvimento sustentável de acordo com os

critérios de sustentabilidade do anexo III da referida resolução

Neste ponto, é interessante anotar-se que não há necessidade de atendimento a todos

os critérios de sustentabilidade, mas sim de algum(ns), à discricionariedade da própria

Comissão, que pode inclusive requisitar dos participantes da atividade de projeto a tomada de

medidas socioambientais adicionais às propostas para fim de cumprimento do critério de

sustentabilidade171.

Esses documentos serão analisados pela Comissão Interministerial de Mudança

Global do Clima para fins de aprovação da atividade de projeto proposta172. Consoante

explicitado no tópico “3.2.5 Entidade Nacional Designada” acima, a Comissão

Interministerial de Mudança Global do Clima é a Autoridade Nacional Designada do Brasil.

Assim, cabe a ela aprovar as atividades de projeto que pretendam se instalar no território

171 Neste ponto, é interessante trazer observação de Bruno Kerlakian Sabbag: “Ressalte-se que não há necessidade de atendimento a todos os critérios de sustentabilidade, mas sim de algum(s), à discricionariedade da própria Comissão, conforme definido na segunda versão do ‘Manual para Submissão de Projetos do MDL à Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima’, podendo a Comissão requisitar dos participantes do projeto medidas socioambientais adicionais às propostas para fim de cumprimento do critério de sustentabilidade” (SABBAG, Bruno Kerlakian. O Protocolo de Quioto e seus Créditos de Carbono: Manual Jurídico Brasileiro de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. 2 ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 58). No mesmo sentido, cf. CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS. Manual de capacitação sobre mudança do clima e projetos de mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL). Brasília, DF: 2008. p. 69. 172 Há ainda outros documentos que devem ser envidados pelo proponente da atividade de projeto proposta para fins de sua aprovação: “II – as cópias dos convites de comentários enviado pelos proponentes do projeto aos seguintes agentes envolvidos e afetados pelas atividades de projeto de acordo com o alínea b do parágrafo 37 do Anexo I referido no Art. 1º, identificando os destinatários: - Prefeitura e Câmara dos vereadores - Órgãos Ambientais Estadual e Municipal; - Fórum Brasileiro de ONG’s e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento; http://www.fboms.org.br - Associações comunitárias. - Ministério Público; III – o relatório de Entidade Operacional Designada, autorizada a operar no país conforme o art. 4º, de validação da atividade de projeto na forma a ser submetida ao Conselho Executivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e em português. IV – uma declaração assinada por todos os participantes do projeto estipulando o responsável e o modo de comunicação com a secretaria executiva da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima e termo de compromisso do envio de documento de distribuição das unidades de redução certificada de emissões que vierem a ser emitidas a cada verificação das atividades do projeto para certificação; V - os documentos que assegurem a conformidade da atividade de projeto com a legislação ambiental e trabalhista em vigor, quando for o caso”.

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nacional, o que ela faz através da concessão de uma carta de aprovação que atesta que o Brasil

participa voluntariamente dessa atividade e – destaque-se – que a mesma contribui para o

desenvolvimento sustentável do país173.

Para ilustrar melhor o que se está explicando, veja-se um exemplo de documento que

descreve a contribuição para o desenvolvimento sustentável de acordo com os critérios de

sustentabilidade do mencionado anexo III de uma atividade de projeto já aprovada pela

Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima.

Trata-se de exemplo relacionado à indústria do petróleo, gás natural e

biocombustíveis, consistindo especificamente em atividade de projeto em que ocorre a troca

do óleo diesel pelo gás natural em plantas industriais. A atividade de projeto, de propriedade

da Votorantim Cimentos, chama-se “Substituição de óleo combustível por gás natural na

Votorantim Cimentos Cubatão” e está localizada em Cubatão no Estado de São Paulo.

Segundo a empresa proprietária, a atividade de projeto contribui para o desenvolvimento

sustentável da seguinte forma: no que toca ao critério da contribuição para a sustentabilidade

ambiental local, (i) o uso do gás natural como combustível na fábrica reduziu a emissão de

poluentes atmosféricos de efeito local, tais como óxidos de nitrogênio e óxidos de enxofre

oriundos da combustão do óleo diesel; (ii) o uso do gás natural como combustível reduziu a

emissão de gases de efeito estufa, contribuindo para a mitigação da intensificação do efeito

estufa; (iii) o transporte de gás natural até a fábrica é mais seguro do que o transporte de óleo

combustível, visto que este acarreta risco de vazamentos que podem contaminar o solo e a

água ao longo do trajeto de transporte; no que diz respeito ao critério da contribuição para a

integração regional e a articulação com outros setores, a implantação do projeto serviu como

âncora para a disponibilização de gás natural na região do projeto, de modo que outros

173 Vide tópico “(C) Carta de aprovação” do capítulo anterior.

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usuários (empresas, governo e cidadãos) poderão beneficiar-se de uma fonte de energia mais

limpa do que suas alternativas convencionais. Quanto aos outros três critérios (contribuição

para o desenvolvimento das condições de trabalho e a geração líquida de empregos;

contribuição para a distribuição de renda; contribuição para capacitação e desenvolvimento

tecnológico), a empresa não aponta contribuições significativas174.

5.1.3 Adicionalidade versus políticas públicas: os casos do etanol e do biodiesel no Brasil

Consoante se explicou anteriormente, nem toda atividade ou iniciativa que, à

primeira vista, promove a redução de emissões de GEEs pode ser inserida no MDL; para

tanto, ela precisa preencher os critérios de elegibilidade e passar pelo ciclo da atividade de

projeto. Neste ponto do trabalho, interessa retomar um desses critérios de elegibilidade, qual

seja, a adicionalidade.

Ainda conforme dito acima, a atual interpretação dada ao critério da adicionalidade

pelo Conselho Executivo do MDL impede que as atividades de projeto que sejam a única

alternativa de cumprimento de legislação interna obrigatória possam ser enquadradas no

MDL. Em breves termos, atividades desse tipo, segundo essa interpretação, não seriam

adicionais. Haveria apenas uma hipótese em que uma atividade de projeto que cumpra

legislação interna obrigatória poderia ser considerada adicional, a saber: quando a legislação

174 VOTORANTIM CIMENTOS. Anexo III da Resolução nº. 1 da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima. Disponível em: http://www.mct.gov.br/upd_blob/0019/19720.pdf Acesso em: 19 mai. 2010. No sítio eletrônico da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, podem ser encontradas a documentação de todas as atividades de projeto de MDL que foram submetidas a essa Comissão, inclusive os documentos que descrevem a contribuição para o desenvolvimento sustentável de acordo com os critérios de sustentabilidade do anexo III da Resolução nº 1, de 2003, de cada uma dessas atividades. Eis o endereço eletrônico: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/57965.html .

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em causa sofre amplo descumprimento no país onde a atividade de projeto será

implementada175.

Assim, o legislador brasileiro precisa ter em mente que, ao editar uma lei que

estabelece uma certa medida ou padrão ambiental para um determinado setor ou atividade

econômica, pode estar impedindo que se desenvolva atividades de projeto de MDL nos

mesmos. Por mais bem intencionado que esteja, o legislador precisa saber que a existência de

uma política pública que obrigue a adoção de medida ou padrão ambiental pode terminar por

inviabilizar que os empreendedores, incentivados pelos benefícios financeiros advindos do

MDL, adotem essa mesma medida ou padrão através do MDL.

Na indústria brasileira do petróleo, gás natural e biocombustíveis, dois exemplos

ilustram bem o que se está dizendo176. É inegável que a adição do biodiesel ao óleo diesel e a

adição do etanol à gasolina utilizados na frota veicular nacional consistem em políticas

públicas que resultam em redução de emissões de GEEs. Essas adições do biodiesel e do

etanol, ambos combustíveis renováveis de origem vegetal, acarretam uma diminuição na

utilização respectivamente do óleo diesel e da gasolina, esses dois tradicionais derivados do

petróleo. Como sabido, a queima dos derivados de petróleo libera na atmosfera carbono, na

forma de CO2, que se encontrava armazenado no subsolo, contribuindo para o efeito estufa, ao

175 Vide subtópico “4.1.1 Critérios de elegibilidade”, item “C) Adicionalidade”. 176 Para aprofundar a discussão acerca das políticas públicas que entram em choque com a atual interpretação da adicionalidade, inclusive com exemplo de recente exigência pelo Governo Federal de compensação de emissões por usinas termelétricas movidas a óleo diesel e a carvão, cf. BARACUI, Pedro Lehmann; SABBAG, Bruno Kerlakian. Compensações de emissões de gases de efeito estufa no Brasil. Valor Econômico, São Paulo, 11 nov. 2009.

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passo que, na queima dos biocombustíveis, o CO2 liberado é parte daquele carbono que foi

capturado da atmosfera no processo de fotossíntese177.

Assim, à primeira vista, pode parecer ao leigo que se poderia enquadrar como

atividades de MDL esses usos de biodiesel e etanol, que inegavelmente ocasionam redução de

emissões. Todavia, deve se ter em vista que os mesmos resultam de políticas públicas

mandatórias. Ou seja, os usos do etanol e do biodiesel para se misturar à gasolina e ao diesel

consumido nos carros e caminhões brasileiros decorrem de obrigação legal.

Com efeito, a adição do etanol à gasolina, num percentual de 22 %, se encontra

prevista no art. 9º da Lei nº 8723, de 28 de outubro de 1993178. Por sua vez, a adição do

biodiesel a óleo diesel, num percentual de 5%, está prevista no art. 2º da Lei nº 11.097, de 13

de janeiro de 2005179.

177 EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA. MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. Plano nacional de energia 2030. Estudos da oferta – Recursos energéticos: combustíveis líquidos. Disponível em: <http://www.epe.gov.br/PNE/20070625_6.pdf> Acesso em: 20 ago. 2007. 178 Esse mesmo artigo estabelece, em seu parágrafo primeiro, que o Poder Executivo da União pode elevar esse percentual até 25% e reduzi-lo a 20%. 179 O referido artigo estabelece ainda uma forma escalonada para se atingir esse percentual, inclusive com a fixação de prazos e um percentual intermediário, a saber:

“§ 1o O prazo para aplicação do disposto no caput deste artigo é de 8 (oito) anos após a publicação desta Lei, sendo de 3 (três) anos o período, após essa publicação, para se utilizar um percentual mínimo obrigatório intermediário de 2% (dois por cento), em volume. (Regulamento)

§ 2o Os prazos para atendimento do percentual mínimo obrigatório de que trata este artigo podem ser reduzidos em razão de resolução do Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, observados os seguintes critérios: I - a disponibilidade de oferta de matéria-prima e a capacidade industrial para produção de biodiesel; II - a participação da agricultura familiar na oferta de matérias-primas; III - a redução das desigualdades regionais; IV - o desempenho dos motores com a utilização do combustível; V - as políticas industriais e de inovação tecnológica.”

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5.2 Natureza jurídica das RCEs180

Para a maior parte da doutrina brasileira especializada no MDL, a construção de uma

disciplina jurídica para esse mecanismo no Brasil passa necessariamente pela definição da

natureza jurídica das RCEs geradas pelas atividades de projeto181. Segundo esses

doutrinadores, a resposta para, pelo menos, duas das questões deixadas em aberto pela

regulação internacional, quais sejam, a disciplina da relação entre compradores e vendedores

de RCEs e a tributação incidente sobre o mecanismo, demandam, como pressuposto, a

descoberta de em qual categoria jurídica preexistente as RCEs se encaixam. Em outras

palavras, para essa doutrina, uma vez que se defina a categoria jurídica a que pertencem as

RCEs, basta seguir-se, no que toca à relação entre compradores e vendedores de RCEs e à

tributação, a regulação estabelecida para tal categoria.

É lógico que essa abordagem, que busca na definição da natureza jurídica dos créditos

de carbono a chave para a disciplina jurídica do MDL, nasce da inexistência de uma resposta

completa para esse ponto.

Deveras, a partir da regulação internacional do MDL, as únicas informações que se

pode extrair acerca das RCEs, consoante já foi exposto, é que não possuem existência

material, mas apenas eletrônica, ficando inscritas nas contas do sistema internacional de

registros do MDL, e que cada uma delas é igual a uma tonelada métrica de dióxido de

180 Este tópico se baseia no seguinte estudo: SANTOS, Rafael César Coêlho dos. Certified Emission Reductions Trading Market in Brazil: Legal Issues. Trabalho aprovado no 19th World Petroleum Congress, realizado em Madri, Espanha, entre 29 de junho e 3 de julho de 2008.

181 É interessante saber que a discussão acerca da natureza jurídica das RCEs também existe no direito internacional, como pode ser visto no artigo: PETSONK, Annie. The Kyoto protocol and the WTO: integrating greenhouse gas emissions allowance trading into the global marketplace.(World Trade Organization)

"The Kyoto protocol and the WTO: integrating greenhouse gas emissions allowance trading into the global marketplace. " Duke Environmental Law & Policy Forum. 10.1 Disponível em: (Fall 1999): 185. Academic OneFile. Gale. CAPES. 29 Sept. 2008 <http://find.galegroup.com/itx/infomark.do?&contentSet=IAC-Documents&type=retrieve&tabID=T002&prodId=AONE&docId=A66684327&source=gale&srcprod=AONE&userGroupName=capes21&version=1.0>. Acesso em: 20 abr. 2010.

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carbono equivalente que deixa de ser emitida ou é retirada da atmosfera em razão de uma

atividade de projeto. Por sua vez, do ordenamento jurídico nacional, que atualmente apenas dá

os primeiros passos no campo da mudança climática, nada se pode extrair a respeito

especificamente das RCEs.

Embora os doutrinadores estejam em consenso quanto à abordagem da problemática, é

grande o dissenso doutrinário existente acerca de afinal qual a natureza jurídica das RCEs.

Assim, no debate doutrinário brasileiro, é possível se identificar três correntes principais

acerca da natureza jurídica desses créditos: (a) as RCEs são bens incorpóreos, imateriais ou

intangíveis; (b) elas são commodities; (c) são valores mobiliários. Essas correntes serão

analisadas brevemente a seguir:

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110

5.2.1 As várias concepções acerca da natureza jurídica das RCEs

A) A RCE como commodity

Essa concepção deriva da economia. A RCE é considerada uma commodity

ambiental, a qual é comercializada globalmente da mesma maneira que outras tradicionais

commodities, como o petróleo, o aço, a soja, o açúcar, o café. Commodity é palavra da língua

inglesa que significa simplesmente mercadoria em Português.

Do ponto de vista regulatório, se se adotar essa concepção, têm-se duas

conseqüências: (i) a atração do Código Civil para disciplinar os contratos entre vendedores e

compradores de RCEs – como visto, esses contratos chamam-se ERPAs, abreviação do inglês

Emission Reductions Purchase Agreements –; (ii) e, no campo tributário, a inserção das

transações que fazem circular as RCES no campo material de incidência do imposto sobre

circulação de mercadorias e serviços (ICMS), de competência dos Estados da Federação, e

também no campo material do imposto de exportação (IE), de competência da União Federal.

Contudo, essa concepção é inconsistente com o direito brasileiro, que exige que as

commodities – que nada mais são do que mercadorias – sejam bens materiais, enquanto as

RCEs, como sabido, não possuem existência física. Enfim, a concepção que afirma que as

RCEs são commodities não merece acolhida no Brasil.

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B) As RCEs como bens imateriais

Segundo essa concepção, as RCEs são considerados como direitos oriundos da

atividade de projeto de MDL sem existência material, tal como os direitos de propriedade

intelectual – por exemplo, patentes, marcas comerciais, desenhos industriais.

Caso se adote essa regulação, do ponto de vista regulatório, ocorrerão duas

conseqüências: (i) o chamamento do Código Civil para a disciplina dos contratos de compra e

venda de RCEs – neste ponto, portanto, não havendo diferença em relação à concepção vista

no tópico anterior; e, no que toca à tributação das operações envolvendo RCEs, abre a

possibilidade da incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS), de

competência dos municípios. Embora à primeira vista possa parecer desarrazoada a incidência

do ISS, que tributa serviços, sobre essas operações, registre-se que, na lista dos serviços aptos

a ensejar a incidência do ISS, contida na Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003 (LC

116/2003), se encontram negócios jurídicos muito semelhantes à cessão de RCEs182, não

sendo, pois, descabido se imaginar que o legislador complementar possa incluí-la nessa lista.

Essa posição, que enxerga que as RCEs são bens imateriais, é a que prevalece entre

os juristas especializados na temática do MDL. Contudo, a maior parte dos seus adeptos

admitem que a legislação pode estabelecer que as RCEs são valores mobiliários, como se verá

a seguir.

182“Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. (...) 1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação. 3.02 – Cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda. (...) 15.09 – Arrendamento mercantil (leasing) de quaisquer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações, substituição de garantia, alteração, cancelamento e registro de contrato, e demais serviços relacionados ao arrendamento mercantil (leasing)” (grifos acrescidos)

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C) As RCEs como valores mobiliários

Existem, atualmente em tramitação no Congresso Nacional, dois projetos de lei que

visam dar às RCEs a natureza jurídica de valores mobiliários183. O objetivo de ambos os

projetos legislativos é o de, através da atribuição da natureza jurídica de valores mobiliários,

sujeitar as transações com esses certificados à disciplina da Lei 6.385, de 07 de dezembro de

1976 (Lei 6.385/1976), a qual coloca o mercado de valores mobiliários184 sob a competência

administrativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Como visto, a atribuição da natureza jurídica de valores mobiliários coloca as

transações com RCEs sob a competência do órgão regulador do mercado de capitais

brasileiro, qual seja, a CVM. No que toca às relações entre compradores e vendedores de

RCEs, é possível se prever que as principais conseqüências disso consistiriam no controle

pela CVM das ofertas públicas de venda de RCEs para a proteção do investidor – é o caso,

por exemplo, das RCEs ofertadas à venda através do Mercado Brasileiro de Reduções, de que

se falou na introdução --, havendo inclusive a possibilidade de a CVM padronizar os contratos

183 Trata-se do PL 493/2007, da autoria do deputado Eduardo Gomes, do PSDB/TO, e PL 594/2007, do deputado Carlos Souza, do PP/AM. Note-se que o PL 493/2007 é idêntico ao PL 3.552/2004, do deputado Eduardo Paes, PSDB/RJ, que foi arquivado em 31.01.2007. 184 Para o leitor menos afeito à regulação do mercado de valores mobiliários brasileiro, eis a lista dos valores mobiliários da Lei 6.385/1976: Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) I - as ações, debêntures e bônus de subscrição; (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) II - os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II; (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) III - os certificados de depósito de valores mobiliários; (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) IV - as cédulas de debêntures; (Inciso incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos; (Inciso incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) VI - as notas comerciais; (Inciso incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) VII - os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; (Inciso incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) VIII - outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e (Inciso incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros. (Inciso incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001).

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de compra e venda de RCEs – ou seja, a padronização dos ERPAs. No âmbito tributário, uma

vez que se considerem as RCEs valores mobiliários, as suas operações de transferência seriam

oneradas pelo imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou

valores mobiliários (IOF) e também pela taxa pelo exercício do poder de polícia da CVM185.

É interessante anotar que a concepção das RCEs como valores mobiliários segue a

tendência mundial da criação de bolsas para comercialização pública de créditos de carbono,

tendência essa que se expressa no Brasil pela instalação aqui do Mercado Brasileiro de

Redução de Emissões, e a conseqüente necessidade de maior controle pelos Governos dessas

transações.

5.2.2 Uma contribuição ao debate doutrinário: à luz da Constituição Federal, a definição

da natureza jurídica das RCEs, para fins tributários, deve se dar mediante Lei

Complementar.

O presente debate doutrinário, que intenta inserir as RCEs em categorias jurídicas

tradicional -- commodities, bens incorpóreos ou valores mobiliários – para assim definir o seu

regime jurídico, merece um reparo à luz da Constituição Federal brasileira. Consoante visto,

prevalece entre os doutrinadores pátrios a corrente segundo a qual as RCEs são bens

incorpóreos, havendo a possibilidade, no entanto, de a lei lhes atribuir a natureza de valores

mobiliários.

185 Art. 7º, V, da Lei 6385/76.

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Trata-se de uma concepção que não merece nenhuma crítica enquanto se entenda que

a eventual definição, por lei ordinária, das RCEs como valores mobiliários não tem nenhuma

repercussão tributária.

Assim, nada impede que os referidos projetos de lei, que pretendem atribuir às RCEs

a natureza jurídica de valores mobiliários, operem seu objetivo de fazer as transações

envolvendo esses certificados se submeterem à disciplina da Lei 6.385/1976.

O que não se concebe é que tal definição da natureza jurídica das RCEs repercuta no

seu regime tributário, resultando, por exemplo, na inclusão das transações envolvendo esses

certificados no campo material sujeito ao IOF.

Isso porque a Constituição Federal traça uma minuciosa repartição das competências

tributárias para a instituição de tributos. Assim, se a atribuição de determinada qualificação

jurídica a um instituto, pelo legislador ordinário, fosse capaz de implicar na definição dos

tributos a que o mesmo se sujeita, toda essa construção do constituinte seria inútil, porquanto

facilmente contornável.

Ademais, surgiriam inúmeros conflitos entre União, Estados e Municípios, pois

estaria aberto ao legislador ordinário a possibilidade de ampliar as situações materiais sobre as

quais cada um desses entes podem instituir seus tributos, o que, fatalmente, resultaria em

choque de competências. Para que se entenda melhor, basta se tomar os exemplos já

utilizados acima: caso se aceite que as RCEs consistem em commodities, abre-se o caminho

para o ICMS, imposto estadual, incidir sobre as operações por meio das quais circulam; caso

se acate que são valores mobiliários, essas operações saem do campo do ICMS e passam ao

do IOF, imposto federal; ou ainda, caso sejam tidas como bens incorpóreos, a sua cessão pode

vir a ser tributada pelo ISS, imposto municipal...

Ressalte-se que a possibilidade de se travar uma disputa entre os entes federativos em

torno do regime de tributação das operações do mercado de RCEs é bastante factível. Porque

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é razoável supor que esses entes, sobretudo os Estados e os Municípios, buscarão, eles

também, se beneficiar com as atividades de projeto do MDL implantadas em seus territórios;

e o caminho, para carrearem recursos aos seus erários, passa pela tributação das RCEs geradas

por essas atividades de projeto.

Por tudo quanto foi exposto, resta claro que a definição da natureza das RCEs através

de lei ordinária não tem o condão de influenciar no regime tributário aplicável às operações de

circulação desses certificados.

A definição da natureza jurídica só terá relevância no direito tributário se realizada

por lei complementar. É que, de acordo com a CF/88, cabe à lei complementar “dispor sobre

conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e

os Municípios”186 e “estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,

especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos

impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo

e contribuintes”187 .

É de se assinalar que os projetos de lei acerca do MDL em tramitação neste momento

não enfrentam a problemática do regime de tributação da circulação de RCEs. Além dos já

mencionados projetos que tornam esses certificados valores mobiliários, para fins de

sujeitarem-nos à Lei 6.385/1976, existem projetos que dispõe sobre incentivos fiscais às

pessoas que invistam em projetos de MDL e outros que cuidam de políticas públicas acerca da

mudança do clima, sem que, no entanto, nenhum deles busque esclarecer a questão

tormentosa da tributação da transferência de RCEs.

Aliás, é importante remarcar que, na linha da crítica aqui feita, ainda que esses

projetos regulassem explicitamente o regime tributário das operações em tela, o esforço seria

186 Art. 146, I, da Constituição. 187 Art. 146, III, “a”, da Constituição.

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em vão. Porque são projetos de lei ordinária, que não podem versar, validamente, sobre

questão reservada à lei complementar.

Em suma, o que se defende aqui é que, especificamente no que toca à tributação, a

definição do regime tributário a que se submetem as operações de circulação de RCEs

depende da atuação do legislador complementar.

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CONCLUSÃO

Consoante assente na introdução, o presente trabalho teve como objetivo estudar a

disciplina jurídica do MDL como instrumento de cooperação internacional para o combate à

mudança do clima e partiu da percepção basilar de que o direito internacional público, embora

fundamental no estabelecimento desse instrumento, não esgota a regulação jurídica do

mesmo. Há vários aspectos do mecanismo que precisam ser regulados pelos ordenamentos

jurídicos dos países em desenvolvimento, que hospedam as atividades de projeto de MDL,

sendo que, no entanto, a maior parte desses países ainda não erigiram as normas jurídicas

necessárias.

O estudo da disciplina jurídica do MDL se guiou por uma proposta básica. Tendo em

conta o seu duplo objetivo, expresso no próprio artigo 12 do Protocolo de Quioto, o MDL,

que é único, foi repartido em dois: de um lado, “o MDL dos países desenvolvidos” – auxiliar

no cumprimento das metas de Quioto – e, do outro, “o MDL dos países em desenvolvimento”

– canal de financiamento do desenvolvimento sustentável. Com essa repartição, ficou fácil

perceber que cada um desses dois MDLs, no que toca à regulação, possui uma fonte

normativa, pontos que demandam disciplinamento e finalidades da normatização próprios.

Sobre “o MDL dos países desenvolvidos”, é possível se afirmar, em linha de

conclusão, que o mesmo tem uma regulação bastante precisa no art. 12 do Protocolo de

Quioto, nas decisões da COP/MOP e nas decisões do Conselho Executivo do MDL. O único

problema que apresenta é a inexistência de qualquer previsão para o período pós-2012. Aliás,

registre-se, esse problema atinge não só o MDL, mas todo o regime jurídico de combate à

mudança do clima, porquanto em 2012 o Protocolo de Quioto expira e o mundo ainda não

entrou em acordo acerca de um sucessor para ele. A esse respeito, diga-se que a última

reunião da COP, ocorrida em Copenhague, a COP 15, nada alterou nesse quadro de

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indefinição, na medida em que resultou apenas num acordo político – o chamado Acordo de

Copenhague –, verdadeira carta de intenções, sem qualquer efeito jurídico. É dizer, a COP 15

nada alterou no direito internacional da mudança climática como um todo, e portanto também

não no MDL especificamente, nem para o período posterior a 2012 e nem para o momento

presente, razão pela qual as referências a normas internacionais feitas neste trabalho

continuam atualizadas.

Por seu turno, sobre “o MDL dos países em desenvolvimento”, este trabalho

apresentou as questões em aberto que os países em desenvolvimento devem resolver e se

centrou nas respostas que o Brasil tem dado a elas. Com efeito, existe, neste país, uma grande

discussão acerca da natureza jurídica das RCEs – elas são commodities, bens incorpóreos ou

valores mobiliários? – entre os juristas que estudam o MDL. Para esses juristas, à míngua de

regras específicas para o MDL, o seu regime jurídico deve ser buscado através da sua inserção

em categorias já previamente estabelecidas. Seguindo esse raciocínio, uma vez que se encaixe

as RCEs numa dessas categorias jurídicas, bastaria seguir o correspondente regime jurídico.

Assim, ao menos, duas questões que afetam as transações com RCEs seriam resolvidas: a

disciplina das relações contratuais entre compradores e vendedores desses créditos de carbono

e a tributação dessas transações.

Contudo, consoante exposto, esse debate doutrinário merece um reparo. É que, à luz

da Constituição Federal brasileira (art. 146, I e III, “a”), a definição da natureza jurídica das

RCEs, para fins tributários, só pode se dar através de Lei Complementar. Assim, a definição

da natureza jurídica das RCEs por meio de simples lei ordinária só opera seus efeitos no que

toca à disciplina das relações contratuais entre compradores e vendedores desses créditos de

carbono, mas não no que diz respeito à tributação das operações em que os mesmos são

transferidos. Para influir na tributação das operações em que ocorre a sua transferência, a

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definição da natureza jurídica das RCEs – repita-se – tem que vir mediante Lei

Complementar.

Saindo dessa discussão doutrinária, é importante destacar que o ideal seria que o

Brasil criasse regras específicas para reger as operações do MDL, ao invés de se buscar inseri-

las em categorias jurídica tradicionais. Em outras palavras, as operações do MDL devem ser

consideradas em sua especificidade e inovação e, assim, serem criadas no Brasil regras

particulares para elas, que resolvam definitivamente as questões da disciplina entre

compradores e vendedores de RCEs e sua tributação, bem como da sua integração na

estratégia de desenvolvimento sustentável nacional e a titularidade das RCEs geradas.

Ademais, acrescente-se que construir um regime jurídico para o MDL no Brasil tem

uma conseqüência fundamental. Cria um ambiente favorável para a realização de atividades

de projeto no país, mormente na área de energia, onde o Brasil tem um grande potencial.

Embora não seja possível enquadrar no MDL o seu já mundialmente reconhecido programa

de uso do etanol na sua frota veicular e o mais recente programa de uso do biodiesel também

em seus veículos automotores, há ainda oportunidades menos conhecidas. São o caso da

geração de energia elétrica a partir da queima do gás que escapa dos poços de petróleo e a

troca de diesel de petróleo pelo gás natural, menos poluente, nos fornos das grandes indústrias

– esta última mencionada ao longo do trabalho. Todas essas medidas, reconhecidamente

redutoras de emissões de GEEs, podem ser enquadradas como atividades de projeto de MDL

e, assim, a construção de um regime jurídico bem definido para esse mecanismo no Brasil,

por aumentar a segurança jurídica para os investidores, favorece enormemente seu

aproveitamento.

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