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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL Tâmara Gabriela de Loiola Leite O Processo de Privatização da Saúde no Brasil: uma análise da implantação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) no Hospital Universitário Ana Bezerra (HUAB) Natal/RN 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

Tâmara Gabriela de Loiola Leite

O Processo de Privatização da Saúde no Brasil: uma análise da

implantação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) no

Hospital Universitário Ana Bezerra (HUAB)

Natal/RN

2017

Tâmara Gabriela de Loiola Leite

O Processo de Privatização da Saúde no Brasil: uma análise da

implantação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) no

Hospital Universitário Ana Bezerra (HUAB)

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao Curso de Serviço

Social da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte como requisito

parcial para obtenção do título de

Bacharel em Serviço Social.

Orientadora Prof.ª Dr.ª Carla

Montefusco de Oliveira.

NATAL/RN

Junho/2017

Catalogação da Publicação na Fonte.

UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Leite, Tâmara Gabriela de Loiola.

O Processo de Privatização da Saúde no Brasil: uma análise da implantação da Empresa Brasileira de

Serviços Hospitalares (EBSERH) no Hospital Universitário Ana Bezerra (HUAB) / Tâmara Gabriela de

Loiola Leite. - Natal, RN, 2017.

57 f.

Orientadora: Profa. Dra. Carla Montefusco de Oliveira.

Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de

Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Serviço Social.

1. Privatização da Saúde - Brasil - Monografia. 2. EBSERH - Monografia. 3. Contrarreforma do Estado -

Monografia. I. Oliveira, Carla Montefusco de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 351:61(81)

Aos meus amores, Raphael, Joaquim, Leo, minha família e meus amigos.

AGRADECIMENTOS

Depois de tanta espera, finalmente, este dia chegou. Ao ingressar no

curso de Serviço Social na UFRN pela primeira vez em 2005, eu jamais

imaginei que tanta coisa aconteceria até o dia de hoje. Ao longo dos anos,

acumulei não apenas conhecimento ou maturidade, mas colecionei estórias e

vivenciei momentos que me moldaram para viver à intensidade desse

momento. Doze anos depois, um filho (e outro à caminho), um marido, uma

graduação internacional em Psicologia e muitas aventuras a mais, realizo meu

grande sonho em me formar em Serviço Social.

Hoje, gratidão é palavra de ordem. O primeiro e maior agradecimento

que faço é a Deus, que me deu a dádiva da vida e me proporcionou momentos

de grande aprendizado, de imensa felicidade e a oportunidade de fazer à

diferença no mundo. Ele, com toda sua misericórdia, Deu-me saúde para

perseverar e continuar meus caminhos, me segurou pelos braços quando quis

fraquejar e iluminou meus caminhos quando eu já acreditava não haver mais

luz. Ao olhar minha trajetória, percebo a necessidade de cada dificuldade que

passei para hoje me tornar quem sou e me projetar aonde eu cheguei.

Agradeço também à minha mãe, Telma Lúcia de Loiola, ser incrível que

sempre me coloca mais perto de Deus em suas orações. Além de agradecer

por todo carinho e cuidado ao longo da minha vida, preciso também agradecer

por ela ser exemplo de força, perseverança e amor; pois por causa dela eu

sempre busco ser uma melhor versão de mim. Aos meus Irmãos, Gabriel e

Júnior, obrigado por serem tão amorosos e sempre me fazerem rir quando

mais precisei. Agradeço às minhas cunhadas aqui também, Christiane Cyrne e

Maria Eduarda Cyrne, por sempre estarem dispostas a cuidar de Joaquim

quando era impossível para ele me acompanhar nas aulas.

Ao meu esposo, amigo e companheiro, Raphael Cyrne, que ao longo

desses sete anos sempre me incentivou e me encorajou em todos os desafios

pelos quais já passei. A ele, que nunca duvidou um instante da minha

capacidade de chegar onde cheguei, devo minha gratidão e minha admiração,

pois reconheço as dificuldades que passamos nesses últimos dias para que

este trabalho fosse concluído. Muito, muito obrigada.

Provavelmente um dos agradecimentos mais especiais deste trabalho

seja este: obrigada, Joaquim Cyrne! Ele literalmente nasceu durante o meu

retorno ao curso de Serviço Social em 2014 e me fez enxergar a vida por uma

nova perspectiva. Joaquim me acompanhou ao longo dessa trajetória final do

curso, tanto em casa enquanto eu produzia (ou tentava produzir) trabalhos ou

artigos como na própria Universidade, frequentando aulas e reuniões de

orientação deste mesmo TCC. Sempre muito educado, carinhoso e afetivo, me

deu forças e mais motivos para seguir em frente na minha jornada acadêmica.

Obrigada, Quinzão!

Agradeço também às companheiras de curso, que me acompanham

desde o primeiro ingresso à UFRN até os dias de hoje. Em especial, agradeço

Ana Karine Fechine, que foi minha dupla de estágio no HLA e sempre foi fonte

de inspiração por sua dedicação aos estudos e à profissão. Minha admiração

por ela só cresce com o passar dos anos e com os resultados de seu trabalho.

Também agradeço aos meus colegas de trabalho, que foram pacientes comigo

e me ajudaram nessa reta final, sempre solícitos a me ouvir quando eu precisei

discutir algum dos temas deste mesmo trabalho. Thank you, guys.

A minha orientadora, provavelmente a mulher mais paciente e

compreensiva que já conheci em toda minha vida: Profª Drª Carla Montefusco.

Ela talvez não saiba, mas o seu apoio, compreensão e orientação quando foi

minha professora na disciplina de Pesquisa em Serviço Social II foi

determinante para a conclusão do curso. Desde então, passei a admirá-la não

somente como professora, mas também como mulher, profissional e como ser

humano. Sempre acolhedora, detentora de conhecimento e pontual em sua

fala, Carla foi capaz de renovar a minha paixão pelo Serviço Social. Por todo

carinho, toda atenção, todo zelo e cuidado (inclusive com Joaquim,

frequentador assíduo das orientações) minha eterna gratidão; com você,

aprendi coisas que vão além da profissão e carregarei comigo pro resto da

minha vida.

Agradeço também aos professores do curso de Serviço Social que

tiveram grande impacto em minha formação: professora Dalva Horácio, que

despertou em mim a curiosidade sobre a EBSERH e toda a trajetória da saúde

em nosso país; Ilka de Lima Souza, por seu empenho sem limites no meu

retorno para o curso quanto ao reaproveitamento de tantas disciplinas; e

Professor Fernando Teixeira, por ter sido tão compreensivo comigo, desde à

primeira graduação até hoje, como meu supervisor. Às minhas orientadoras de

estágio Tamara Simone e Anna Catharina, que me acolheram e tanto me

ensinaram nos campos de estágio - HLA e Complexo Penal João Chaves,

respectivamente. A vocês, meu muito obrigada!

Para finalizar, agradeço a todos que, de certa forma, contribuíram para a

minha chegada até aqui. Tenho plena consciência que a participação de todos,

direta ou indiretamente, foi fundamental para a construção da minha história

em Serviço Social. Encerro aqui o primeiro de muitos capítulos nesta história,

pois ela acabou de começar. Muito, muito obrigada!

Tâmara Gabriela de Loiola Leite

“Eu vejo o futuro repetir o passado

Eu vejo um museu de grandes novidades

O tempo não pára”

Cazuza/Arnaldo Brandão

Resumo

A história da saúde do Brasil é perpassada por aspectos de múltiplas

contradições, sendo marcada por avanços e desafios. A partir dos anos de

1990, apesar das conquistas trazidas pelo SUS - Sistema Único de Saúde, a

introdução da política neoliberal no Brasil traz inúmeros retrocessos para a

realidade da saúde no país. As estratégias neoliberais de privatização e

terceirização trouxera marcas quase que irreparáveis para as políticas públicas

do país. Diante disso, o presente trabalho visou analisar o modelo de gestão

pública implantado pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares –

EBSERH no Hospital Universitário Ana Bezerra – HUAB. O interesse pelo tema

surgiu quando, ao retornar para o curso de Serviço Social após quase dez anos

longe da área, a EBSERH tornara-se uma realidade incompreendida e de muita

potencialidade no que diz respeito ao fazer profissional do Assistente Social.

Para alcance do objetivo proposto foram realizadas pesquisas de cunho

bibliográfico e documental. Como resultado principal identifica-se que os

processos de gestão da saúde brasileira têm sido perpassados por conjuntos

de estratégias privatistas, o que acaba por comprometer o acesso ao direito à

saúde pelos cidadãos. Outro fator importante captado com a pesquisa foi o

desmonte da máquina pública, desresponsabilização do Estado no que se

refere à política de saúde fazendo com que o mercado usasse essa

prerrogativa para subsidiar seus interesses. Sendo assim, os processos de

contrarreforma do Estado brasileiro, juntamente com a criação da EBSERH,

impossibilitam a concretização dos princípios da Constituição de 1988, assim

como os princípios do SUS, ambos frutos de uma grande mobilização popular

oriundas de diferentes classes sociais em prol de um bem maior: a saúde para

todos garantida pelo Estado.

Palavras-Chave: EBSERH; Privatização da Saúde Pública; Contrarreforma do

Estado.

Abstract

Brazil Health's History has been written by multiple contraditory aspects, been

scarred by progress and challenges. Since 1990s, despite of achievements

brought by SUS - Unified Health System, the introduction of Neoliberalism in

Brazil's politics brought many withdrawal to health's reality in the country. The

Neoliberal strategies of privatization and subcontracting had brought irreparable

consequences to public policy in our country. According to this, the present

TCC tries to analyze the new model of health public administration set by The

Brazilian Company of Hospital Services - EBSERH at University Hospital Ana

Bezerra - HUAB. The topic became interesting when, coming back to Social

Work major after almost ten years away from the field, EBSERH had become a

potential ground breaker to the field of Social Work. To achieve proposed goals,

a bibliographical and documental research was done. As a main result, it was

identified that the Neoliberal strategies of health policy managment could

jeopardize the civil rights of Health policy access. Another result from the

research is that the Public respnsability decreased as the privatization and

subcontracting got bigger and stronger in our economy; the market started to

use public competency to increase its profits. With that being said, it became

clear that the new perspective of managment, along with the upbringing of

EBSERH, made impossible to materialize the proposition of 1988 Constituition,

as well as the proposition of SUS, both advancement of popular mobilization,

fighting together as one on order to claim a bigger goal: Heath care for all

provided by the Government.

Key words: EBSERH; Public Health Privatization; Counter-Reform of the State

Lista de Siglas

ANS – Agência Nacional de Saúde

CEME – Central de Medicamentos

CF – Constituição Federal

CFESS – Conselho Federal de Serviço Social

CRESS – Conselho Regional de Serviço Social

CLT – Consolidação das Leis de Trabalho

CNS – Conselho Nacional de Saúde

EBSERH – Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares

FEDPs – Fundações Estatais de Direito Privado

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FMI – Fundo Monetário Internacional

FUNRURAL – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

HLA – Hospital Luis Antônio

HUF – Hospital Universitário Federal

HUAB – Hospital Universitário Ana Bezerra

HUOL – Hospital Universitário Onofre Lopes

INAMPS – Instituto Nacional de Medicina e Previdência Social

INPS – Instituto Nacional de Previdência Social

LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social

MARE – Ministério da Administração e da Reforma do Estado

NOB – Norma Operacional Básica

ONGs – Organizações Não Governamentais

OS – Organização Social

OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

PDRE – Plano Diretor da Reforma do Estado

PIB – Produto Interno Bruto

PPA – Plano de Pronta Ação

PPP – Parceria Público Privado

REHUF – Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários

Federais

RN – Rio Grande do Norte

SPNS – Simpósio de Política Nacional de Saúde

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO................................................................................................15

2. Discutindo a realidade da Saúde Pública no Brasil: um breve panorama

histórico.............................................................................................................19

2.1 A saúde no Brasil: uma história de avanços e

retrocessos........................19

2.2 O Movimento de Reforma Sanitária: avanços, retrocessos e

repercussões.....................................................................................................33

3. Privatização da saúde pública: o estado gerencial no Brasil..................39

3.1 Contrarreforma do Estado Brasileiro: algumas reflexões............................39

3.2 A EBSERH - realidade no Brasil e particularidade do HUAB: uma análise

crítica.................................................................................................................44

3.2.1 O significado da EBSERH para os profissionais do HUAB:

particularidades do Serviço

Social.................................................................................................................47

4. Considerações finais...................................................................................51

5. Referências...................................................................................................55

15

1. INTRODUÇÃO

Ao falarmos em saúde pública na realidade brasileira, a Constituição

Federal (CF) de 1988 traz mudanças na visão do que era ser saudável, bem

como na noção do direito à saúde como direito universal. Saúde deixava de ser

simples ausência de doenças, mas tornara-se um complexo conjunto de

determinações sociais, que englobam alimentação, qualidade de vida, trabalho

e, principalmente, acesso à rede pública de atendimento. Ou seja, a partir

daquele momento o Estado tornava-se responsável pela manutenção desta

área e seria detentor das obrigações para com o bem-estar da população

brasileira.

Dentre as conquistas da Constituição de 1988, portanto, destacamos a

criação do Sistema Único de Saúde (SUS), já em 1990, um esboço delineado

pelas lutas do movimento de Reforma Sanitária que buscava uma maior

responsabilização do Estado com a saúde do país, pretendendo que o

atendimento fosse igualitário, universal e integral, guiando a saúde para um

novo modelo organizacional e gerencial.

Todavia, vale destacar que ao ser regulamentado em 1990, como um

processo de ampla conquista, o SUS já sofre o impacto das políticas

neoliberais adotadas naquele período pelo Estado brasileiro. Os ajustes

neoliberais voltados para a redução da intervenção do Estado e favorecimento

do mercado trouxeram vários danos à política de saúde no país, bem como às

demais políticas sociais.

Na particularidade da saúde, um dos maiores prejuízos foram os

obstáculos a não concretização da implementação do SUS, e o que é ainda

pior: o delineamento de parcerias público-privadas com a justificativa de

melhorar a administração das políticas de saúde, enfraquecendo ainda mais

tais políticas. Esse novo modelo de gestão permitiu que novas organizações

fossem criadas e agregadas à manutenção das políticas de saúde, dando

abertura à criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH

já em 2011.

Diante desse cenário e ao ingressar no curso de Serviço Social, pouco

mais de dez anos atrás, o trabalho do assistente social na política de saúde foi

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- e continua sendo - um ponto de grande interesse pessoal, além de

acadêmico. Naquela época, especificamente em 2007, ao escolher o campo de

estágio, optamos pelo Hospital Luis Antônio (HLA), onde desenvolvemos um

projeto de intervenção voltado aos direitos sociais dos pacientes daquela

instituição. Após um ano de estágio, obtivemos nossas primeiras impressões

do trabalho do assistente social na saúde assim como da dinâmica de trabalho

e desafios à profissão.

Naquele período do primeiro contato com prática profissional, a carga

horária do profissional não tinha sido determinada por lei; o Programa Nacional

de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF) não existia;

e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) não era uma

realidade. Ainda assim já era possível observar as dificuldades de consolidação

das perspectivas de saúde preconizadas pelo SUS.

Alguns anos depois, em 2014, ao reingressar na Universidade Federal

do Rio Grande do Norte (UFRN) no mesmo curso, o Programa REHUF era

uma realidade assim como a EBSERH, o que exigiu um maior aprofundamento

quanto a nova estratégia administrativa aplicada aos Hospitais Universitários

Federais (HUFs). Em busca de conhecimento e renovação através de

pesquisas realizadas nas disciplinas de Serviço Social e Saúde e Pesquisa em

Serviço Social II, pudemos ter uma ideia (embora ainda limitada) do que havia

se tornado a administração à partir da EBSERH, assim como a dinâmica de

trabalho do assistente social nessas instituições.

No decorrer da disciplina de Pesquisa em Serviço Social II, buscamos

refletir sobre a administração da EBSERH e a prática do Assistente Social em

uma das unidades geridas pela empresa, o Hospital Ana Bezerra (HUAB), com

o intuito de identificar até que ponto a inserção da empresa influencia na

atuação do profissional de Serviço Social. Nesse percurso inicial de pesquisa

foi possível perceber, sobretudo, as diferenças entre os profissionais ligados à

EBSERH e os profissionais apenas subordinados ao gerenciamento da

empresa.

A partir desses estudos e experiências anteriores e considerando o

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cenário de agravamento da expressões da questão social1

contemporaneamente no país, sentimos a necessidade de aprofundar os

estudos quanto à nova prática administrativa dos HUFs. A princípio, a ideia da

pesquisa era de entrevistar professores da graduação de Serviço Social na

UFRN para avaliar as influências da administração privada nos hospitais

universitários. Porém, por motivos de limitação de tempo e conflito de horários

dentro da Universidade, mudamos o norte do TCC. Assim, o presente TCC tem

como objetivo geral analisar o modelo de gestão pública implantado pela

Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH no Hospital

Universitário Ana Bezerra- HUAB. Especificamente objetivamos, analisar o

contexto político-social do Estado brasileiro e as novas formas de gestão

pública; apreender historicamente as estratégias de gestão da saúde pública

adotadas pelo governo brasileiro; e traçar um panorama comparativo entre a

gestão pública no Hospital Ana Bezerra antes e depois da implementação da

EBSERH.

A investigação ora apresentada, se assenta na perspectiva

epistemológica do método crítico-dialético, pois a partir dele acreditamos ser

possível compreender as contradições, assim como as articulações dos

acontecimentos ao longo dos anos, sempre levando em consideração os

diferentes aspectos que tornam essa dinâmica um retrato da realidade, como

os aspectos políticos, sociais, econômicos e ideológicos.

Partindo das premissas críticas do campo do materialismo histórico-

dialético, a pesquisa apresenta caráter qualitativo, e utiliza como estratégias

metodológicas a pesquisa bibliográfica e documental, já que,

Ao tratar da pesquisa bibliográfica, é importante destacar que ela é sempre realizada para fundamentar teoricamente o objeto de estudo, contribuindo com elementos que subsidiam a análise futura dos dados obtidos. Portanto, difere da revisão bibliográfica uma vez que vai além da simples observação de dados contidos nas fontes pesquisadas, pois imprime sobre eles a teoria, a compreensão crítica do significado neles

1 Segundo Iamamoto (1998, p.27) “A Questão Social é apreendida como um conjunto

das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade”.

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existente. (LIMA; MIOTO, 2007, p. 44)

Como referências bibliográficas centrais utilizamos Bertolli (2002);

Iamamoto (1998); (2014); Behring (2007), Paiva e Teixeira (2014); Correia e

Dantas (2013) e Fechine (2015); Para efetivação da pesquisa documental

foram analisadas as legislações pertinentes à EBSERH, a Constituição Federal

de 1988 e as legislações pertinentes ao SUS assim como os documentos

contratuais da EBSERH com os Hospitais Universitários no Rio Grande do

Norte.

Os dados coletados foram categorizados, tomando por base a técnica

da análise de conteúdo, e estão aqui organizados da seguinte forma: no

capítulo 2 trazemos uma discussão acerca da realidade da Saúde Pública no

Brasil, procurando analisar criticamente os principais fatos que constroem a

história da saúde pública no país. Trazemos ainda nesse capítulo reflexões em

torno do Movimento de Reforma de Sanitária, apontando-o como o maior

marco de mudanças na saúde no país, bem como sua relevância para a luta de

classes no Brasil.

Em seguida no capítulo 3 trazemos uma análise acerca do processo de

privatização da saúde pública no Brasil, trazendo uma amostra daquilo que

aconteceu no país desde a política privatista neoliberal, assim como

apontamos as consequências da contrarreforma para as políticas públicas no

Brasil. Traçamos ainda nesse capítulo reflexões acerca do surgimento da

EBSERH - Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares e a particularidade

desta no HUAB - Hospital Universitário Ana Bezerra. Apontamos, para finalizar

esse capítulo, as particularidades do trabalho do Serviço Social no contexto do

HUAB a partir da implantação da EBSERH.

Dessa maneira, o presente trabalho trata sobre um tema atual e de

extrema importância não apenas para a política de saúde em si, mas também

para o Serviço Social, uma vez que a área da saúde constitui um amplo espaço

sócio-ocupacional para a atuação profissional. Além disso, a administração da

EBSERH, em seus princípios gerenciais, não coaduna com o preconizado pelo

Projeto Ético-Político da profissão, indo de encontro a toda uma história de

lutas e conquistas do Serviço Social.

19

Capítulo 2 - Discutindo a realidade da Saúde Pública no Brasil: uma breve

panorama histórico

2.1. A saúde no Brasil: uma história de avanços e retrocessos

Antes de falarmos de possíveis avanços ou retrocessos da EBSERH,

precisamos explorar um pouco da história da saúde no Brasil, a qual por si só

está repleta de reviravoltas ao longo dos anos. Em toda sua trajetória, desde o

período da colonização até os dias atuais, o Brasil sempre enfrentou dilemas

quanto à saúde da sua população e dificuldades quanto a implementação de

políticas de saúde.

Esses altos e baixos que ocorreram ao longo da história influenciam

diretamente os dilemas atuais. Em determinados momentos da história, os

avanços e retrocessos se intercalam, confundem ou até mesmo coexistem.

Tomaremos a Era Vargas (1934 - 1945) como ponto de partida para podermos

analisar e tentar compreender o porquê a saúde no Brasil vivenciar contínuos

períodos de crise.

Uma das primeiras ações de Vargas ao chegar ao poder pela Revolução

de 1930 foi a de eliminar o poder político das oligarquias regionais através da

promoção de uma ampla reforma política e administrativa. Dessa maneira, ele

passou a governar por decretos até que em 1934 o Congresso Constituinte

aprovou uma nova Constituição. Apesar disso, Vargas ainda encontrava

dificuldades para governar o país, e foi assim que instituiu-se o Estado Novo;

Junto com ele, Vargas criou o Populismo. A ideia de que o Estado era

“mediador” e que sabia identificar aquilo que a sociedade precisava – como

20

também aquilo que não precisava – trazia a ideia de um Estado indispensável

ao cidadão. A estratégia, que a princípio parecia libertadora, mostrou-se cada

vez mais autoritária. (BERTOLLI FILHO, 2002)

Uma das manobras feitas por Vagas na área sanitária foi a de

compartilhar um Ministério com a Educação. A ideia principal dessa reforma

era a de garantir o controle dos serviços prestados pelo Estado. A medida

pareceu um avanço na área para as cidades mais periféricas onde havia pouca

ou nenhuma assistência; já para os estados mais ricos e desenvolvidos, a

medida mostrou-se centralizadora, limitadora e desnecessária. Tomemos por

exemplo a cidade de São Paulo. Naquela época, a cidade já tinha uma

faculdade de medicina e tinha outra para ser inaugurada em 1933; desde o

início da República as verbas foram destinadas para um sistema de saúde

pública descentralizado e voltado para as particularidades de cada região.

Segundo Bertolli Filho (2002):

[…] os centros de saúde atendiam e orientavam enfermos, além de funcionarem também como porta de entrada para internamento hospitalar. As reformas varguistas em São Paulo simplesmente decretaram o fim dessa experiência descentralizadora. Em lugar do atendimento ágil e voltado para a população, os interventores sanitários optaram pela organização centralizada dos serviços. Estes foram orientados para o tratamento de enfermidades específicas (…) sem contudo atender as necessidades impostas pelas demais moléstias que atingiam a região, como a tuberculose e as doenças da infância. (BERTOLLI, 2002)

Tais condições foram repassadas a todos os estados brasileiros. A partir

dessa reforma, as decisões sanitárias não eram mais feitas por médicos e sim

por políticos, os quais não entendiam absolutamente nada sobre saúde e

questões sanitárias; os médicos não concordavam com as mudanças mas as

críticas ao governo não eram bem vindas, pois eram consideradas “tendência

comunistas”.

Apesar das críticas e retrocessos causados na área da saúde, Vargas

ainda era tido como “o pai dos pobres” pois sua política voltou-se para a

população urbana, na época empregada no setor industrial e comercial. Para

manter a imagem de "protetor da população", ele precisou criar estratégias

para obter apoio social e político. Assim, Vargas ampliou o modelo adotado

21

pela Lei Elói Chaves2 para outras categorias profissionais, então denominadas

de caixas de aposentadoria e pensões e os institutos de previdência. Foi a

partir dessa mudança, aliada a adição de outros benefícios (salário mínimo,

licença remunerada, etc) que foi estabelecida a Consolidação das Leis do

Trabalho (CLT) e começou a estruturação do setor previdenciário, o qual

cresceu no decorrer dos anos tornando-se umas das principais fontes de

assistência médica para a população trabalhadora.

Apesar da prática ineficaz, do serviço irregular e de pouca cobertura, a

expansão da Lei Elói Chaves para outras categorias profissionais significou um

avanço no campo da saúde em relação ao período anterior. Para muitos

autores, a Lei Elói Chaves foi o berço da Previdência Social no país. Mesmo

que muitos trabalhadores continuassem sem acesso aos serviços de saúde

que não pela filantropia, Vargas aumentava sua popularidade e ganhava ainda

mais apoio político.

Outra estratégia adotada na era Vargas foi a de educação em saúde.

Uma vez que ambas (educação e saúde) encontravam-se num mesmo

ministério, a ideia era a de mudar os hábitos da população em prol da

promoção de saúde e prevenção de doenças, principalmente as doenças

infectocontagiosas. No início das campanhas, a maior parte da propaganda

era feita por panfletagem, o que não atingia muita gente pois grande parte da

população (média de 52%)3 era analfabeta. Percebendo a ineficácia dos

panfletos, outras estratégias foram abordadas pelo Ministério da Saúde e

Educação, como mensagens higienistas através do rádio, panfletagem com

melhores ilustrações e formação de enfermeiras sanitárias (cuja função era a

de percorrer os bairros e ensinar as comunidades condições básicas de

higiene). Apesar da busca pela melhoria da divulgação dos conceitos de

higiene pessoal, muitos desses conselhos ainda eram baseados nos

conselhos usados pela República Velha. Enquanto a política de promoção à

2 Lei Elói Chaves: com o DECRETO Nº. 4.682, de 24 de janeiro de 1923 Cria, em cada

uma das empresas de estradas de ferro existentes no país, uma caixa de aposentadoria e pensões para os respectivos empregados. Fonte: http://www.jornalolince.com.br/2011/arquivos/focus-eloy-chaves-edicao040.pdf (acesso em 01/06/2017 às 00:23) 3 Fonte: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/artigos/EleVoltou/Educacao

(acesso em 02/06/2017 às 10:30)

22

saúde avançava, o retrocesso existia na propagação da ideia de que a raça

era determinante quanto ao desenvolvimento de doenças. Segundo as

cartilhas, de inspiração fascista e nazista, a chegada do homem branco era de

grande importância pois "limparia" o sangue "impuro" dos habitantes locais:

negros e pardos. (BERTOLLI FILHO, 2002)

A saúde teve esse caráter racista até meados de 1942, quando Vargas

juntou-se aos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Pressionado pelos Estados

Unidos, o setor sanitário brasileiro passou a adotar o estilo de vida do

americano como exemplo de saúde e não mais os alemães. Apesar das

mudanças, a propaganda feita era sempre atrelada a empresas norte

americanas que vendiam produtos como hambúrguer e iogurte, o que não

necessariamente era saudável ou até mesmo acessível para a população.

Em um dos capítulos de seu livro, Bertolli Filho chama o Brasil de "a

Sociedade dos homens doentes", pois apesar da expansão da cobertura

médico-hospitalar e das campanhas de educação sanitária, o Brasil

permanecia como um dos países com maior número de enfermos da América

Latina. Esse dado ficou mais evidente quando, em 1942, uma média de cem

mil homens foram examinados física e psicologicamente para fazerem parte da

Força Expedicionária Brasileira. Os resultados dos exames foram alarmantes:

Grande parte dos homens não estava apto para tal missão pois estavam com

a saúde comprometida. Tais dados foram divulgados pela mídia, o que gerou

críticas ao governo. Todas as críticas e protestos não surtiram efeito para

novas medidas quanto à saúde no país: não houve maiores investimentos e,

aqueles que se colocavam contra o governo, eram tidos como subversores e

inimigos do país.

O próximo capítulo da saúde no Brasil vem cheio de mudanças, tanto no

âmbito político quanto na área da saúde. O chamado período de

redemocratização é um pouco intrigante, uma vez que períodos anteriores de

democratização não foram exatamente democráticos. Independente de

nomenclatura, o Brasil vivia um período de maior abertura para a imprensa,

elaboração de uma constituição democrática, eleições diretas para os

principais cargos políticos além de criação de agremiações políticas e

23

sindicatos. Embora os subsequentes presidentes ainda acreditassem que a

ideia de "pai do povo" de Vargas fosse ideal para ganhar popularidade, a

população estava mais consciente da sua potencialidade quanto às exigências

para que o governo cumprisse suas promessas de melhores condições para o

povo.

Durante esse período, que vai de 1945 a 1964 (ano do golpe militar) o

Brasil teve diversos presidentes: Getúlio Vargas (que depois de 45 foi eleito

pelo povo por eleições diretas em 1951), José Linhares, Eurico Gaspar Dutra,

Café Filho, Carlos Luz, Nereu Ramos, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e

João Goulart. Cada um desses presidentes deu alguma contribuição para o

país no que se refere ao quadro de mudanças econômicas e sociais no Brasil.

Na área da saúde, apesar dos esforços do presidente Eurico Gaspar

Dutra, não houve mudanças significativas até o segundo governo de Vargas, já

em 1953. Nesse período, foi criado o Ministério da Saúde. Embora houvesse

um ministério destinado apenas para a saúde, o que em teoria deveria

melhorar a situação deste setor no país, os investimentos na área ainda eram

abaixo do necessário, reafirmando a ideia de que o avanço e o retrocesso

coexistiam num mesmo determinado período. A falta de verbas fomentava a

falta de material, falta de equipamento, falta de pessoal qualificado e, acima de

tudo, a ausência de políticas de saúde. Ao invés de criar alternativas de

melhorias, o Ministério da saúde não conseguia sair do ciclo de produção de

burocracia, o que aumentava os gastos para fornecer o pagamento a

funcionários e, consequentemente, diminuía a verba que deveria ser destinada

à projetos para a população, como saneamento ou melhorias estruturais na

rede de saúde. No interior, ações que pretendiam combater doenças como a

malária e a doença de Chagas foram feitas, mas os resultados não foram tão

significantes. (BERTOLLI FILHO, 2002)

Outro fator importante que ocorreu durante este período que prejudicou

o processo de melhorias da saúde no país foi o Clientelismo. De acordo com

Bertolli Filho (2002), "Os partidos ou líderes políticos trocavam ambulâncias,

leitos hospitalares, profissionais da saúde e vacinas - muitas vezes em

números bem superiores à demanda de uma região - por votos e apoio nas

24

épocas eleitorais." Como consequência, projetos de saneamento eram

interrompidos e a população era penalizada.

Um dos fatos mais chocantes que podemos destacar desse período é o

de que, independente do fato de estar nos anos 1950, a expectativa de vida do

brasileiro era extremamente baixa. Entre 1940 e 1960, a expectativa de vida

no País passou de 42,7 anos em 1940 para 52,4 em 1960. Em meados dos

anos 50, a expectativa de vida no sul era de 51 anos enquanto no nordeste

(especificamente em Recife) era de apenas 37 anos. No início do século, a

expectativa era de 28 anos, o que nos mostra que as melhorias na expectativa

de vida dos brasileiros em 50 anos foram muito pequenas. No campo, a

situação era ainda pior: a expectativa de vida do brasileiro nos anos 50 não

ultrapassavam os 30 anos. Para termos um parâmetro, em 1900 a expectativa

de vida do norte americano já era de 46 anos4.

Se pararmos para analisar o período em que o Brasil estava e a

expectativa de vida do cidadão brasileiro, podemos constatar que o país

continuava vivendo um caos na saúde - além de em outras áreas - nos anos

1950. Mudanças eram extremamente necessárias para que a situação fosse

revertida. Os atendimentos médicos nas áreas rurais eram administrados pelo

Ministério da Saúde, o qual já constatamos que não tinha muita autonomia ou

preparo para tal; os trabalhadores na área urbana tinham cobertura nas

clínicas e hospitais conveniados aos institutos de pensões e aposentadorias, o

que não garantia qualidade ou eficácia no atendimento. Independente dos

esforços feitos pelos sindicatos naquela época (como a ampliação do número

de trabalhadores e familiares atendidos e aumento de salários), a prestação de

serviços médico-hospitalares continuava precária além de cara: custava

praticamente metade do arrecadado no ano. (BERTOLLI FILHO, 2002)

Em meio ao caos, um setor viu na ineficiência da saúde pública uma

4http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/29092003estatisticasecxxht

ml.shtm acesso em 24/03/2017 às 09:00hs

https://www.elderweb.com/book/appendix/1900-2000-changes-life-expectancy-united-states/ (dados dos EUA) acesso em 24/03/2017 às 10:00hs

25

oportunidade de crescer: O setor privado da medicina. A proposta é bem

familiar nos dias atuais, mas ela já foi realidade há mais de 50 anos atrás. A

ideia era a transferência de investimentos do setor público de saúde para o

setor privado. Sim, a ideia era doar, emprestar (com baixa taxa de juros),

investir e fazer com que o setor privado trouxesse as tão sonhadas melhorias

para o setor da saúde. Para justificar a transferência de investimentos, o setor

privado de saúde venderia seus serviços à população, institutos de

aposentadoria como também para o próprio governo. Apesar da ideia parecer

não ter lógica - do ponto de vista da economia brasileira - ela foi adotada e os

resultados são semelhantes aos que temos hoje: O governo não recebeu o

prometido retorno do setor; apenas pacientes capazes de pagar pelas

consultas médicas tinham acesso ao atendimento; e a população continuava

sofrendo com um sistema precário e insuficiente. Além de não avançar, a

saúde tornou-se um grande polo de investimento político: à medida que o

governo transferia investimentos para o setor privado, grupos políticos se

beneficiavam com a transferência de verbas. Muitos políticos na época eram

sócios de clínicas e hospitais; as verbas que deveriam ser investidas na área

médica e hospitalar não chegavam ao seu destino final, ficando nas mãos de

deputados e raramente chegavam aos hospitais ou clínicas.

Percebendo a ineficiência do gerenciamento dos institutos e a crescente

quantidade de queixas dos trabalhadores, o Estado compreendeu que

precisava reorganizar a administração de tais serviços. Foi quando, em 1960,

o governo federal sancionou a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS).

Segundo Poliginano,

Em 1960 foi promulgada a lei 3.807, denominada Lei Orgânica da Previdência Social, que veio estabelecer a unificação do regime geral da previdência social, destinado a abranger todos os trabalhadores sujeitos ao regime da CLT, excluídos os trabalhadores rurais, os empregados domésticos e naturalmente os servidores públicos e de autarquias e que tivessem regimes próprios de previdência. Os trabalhadores rurais só viriam a ser incorporados ao sistema 3 anos mais 13 tarde, quando foi promulgada a lei 4.214 de 2/3/63 que instituiu o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL). A lei previa uma contribuição tríplice com a participação do empregado, empregador e a União. O governo federal nunca cumpriu a sua parte, o que evidentemente comprometeu seriamente a

26

estabilidade do sistema (POSSAS apud POLIGNANO, 1981).

Infelizmente, de nada adiantaria mudanças estruturais no âmbito da

saúde caso outros fatores não obtivessem mudanças drásticas. Já em 1950

era compreendido que saúde não se restringia apenas à cura ou ao tratamento

de doenças infectocontagiosas, ia além. Foi constatado que para garantir o

bem-estar da sociedade, era necessário ir além da cura ou tratamento de

doenças: era preciso também ter água tratada e um sistema de coleta de

esgoto. Independente de já existir, continuava insuficiente para a população, a

qual sofria com a mortalidade infantil na época (tão alta quanto em países

como El salvador e Índia). Os cuidados com as crianças eram naquela época,

como tantas outras coisas, uma valiosa moeda de troca para políticos e não

passava de mais um "ato de bondade" dos políticos. (BERTOLLI FILHO, 2002)

Além da mortalidade infantil e da falta de saneamento básico, a fome

assolava o país. Nestas condições, era impossível manter o cidadão apto ao

trabalho. A fome e a miséria viraram tópicos ligados à saúde, cabendo ao

governo garantir as condições básicas para a manutenção da saúde dos

trabalhadores. Dentre vários nomes, Bertolli Filho destaca Josué de Castro e

Francisco Julião. De acordo com o autor,

O médico pernambucano Josué de Castro foi um dos principais incentivadores dos debates sobre a fome, tema do qual se tornara especialista de renome internacional. Como deputado federal no período de 1955 a 1963, ele dizia que o Estado não devia simplesmente doar comida à população carente; Devia assegurar condições de trabalho e salário que permitissem a todo brasileiro garantir a própria alimentação e a da família. (...) As críticas ao governo ganharam maior intensidade a partir de 1955, com a criação no nordeste das Ligas Camponesas lideradas por Francisco Julião. Com o objetivo de lutar pela melhoria das condições de vida do povo, essa organização assumiu a bandeira contra a fome, a doença e a exploração imposta pelos latifundiários da região." (2002, p. 46- 47)

Apesar da potencialidade das Ligas camponesas, estas eram fortemente

combatidas por defenderem a reforma agrária e ideais comunistas. Neste

momento da história, podemos observar que tivemos a oportunidade de

27

crescer e de melhorar as condições de vida da população brasileira, mas as

preocupações políticas e individuais, mais uma vez, interrompem o progresso e

a possibilidade dessas melhorias. O então presidente João Goulart, encontrou

dificuldades entre atender as reivindicações da classe trabalhadora e as

exigências dos grupos latifundiários o que culminou no desmonte da

democracia.

De acordo com Alexsandro M. Medeiros, "Democracia é uma palavra de

origem grega que pode ser definida como governo (kratos) do povo (demo).

Dessa forma, a democracia pode ser entendida como um regime de governo

onde o povo (cidadão) é quem deve tomar as decisões políticas e de poder."

(fonte: http://www.portalconscienciapolitica.com.br/ciber-

democracia/democracia/ acesso em 26/04/2017 às 18:30hs)

Já Em seu texto, Cristiana Gomes (S/A) aprofunda e simplifica o pensamento

sobre a democracia:

É o governo do povo, para o povo, pelo povo. “Governo do povo” quer dizer governo com um sentido popular; “para o povo” significa que o objetivo é o bem do povo; “pelo povo” quer dizer realizado pelo próprio povo. Na democracia é o povo quem toma as decisões políticas importantes (direta ou indiretamente por meio de representantes eleitos). (Fonte: http://www.infoescola.com/sociologia/democracia/ acesso em 08/06/17 às 22:30hs)

Independentemente do tipo de democracia que vivia-se no Brasil até os

anos 1950, nenhuma delas chegava perto de atender as necessidades da

sociedade ou até mesmo os pressupostos do que é efetivamente uma

democracia. Diante disso, as lutas de classes se intensificaram. Como a

história brasileira é feita de avanços e retrocessos, em 1964 tivemos mais uma

arquétipo de que alternativas foram buscadas para a melhoria do país, mas

que essas alternativas nem sempre refletiam o que se denominava de

progresso da nação. Em seu texto, Bertolli Filho afirma que

Sob o pretexto de combater o avanço do comunismo e da corrupção e garantir a segurança nacional, os militares impuseram ao país um regime ditatorial e puniram todos os indivíduos e instituições que se mostraram contrários ao movimento autoproclamado de Revolução de 64. (BERTOLLI FILHO, 2002)

28

Uma das medidas adotadas pelo novo regime foi perseguir líderes

políticos, estudantis, religiosos, sindicais ou qualquer um que "comprometesse

a ordem e a segurança nacional". Em outras palavras, líderes que estivessem

dispostos a lutar por melhorias das condições de saúde e de vida da população

eram considerados agentes do comunismo internacional. Dentre esses

"agentes" podemos destacar Josué de Castro e Francisco Julião, os quais

tiveram seus direitos políticos cassados. Além de cassar direitos políticos, o

regime militar extinguiu os partidos políticos substituindo-os por apenas dois

partidos: a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático

Brasileiro (MDB). Esta medida foi tomada pelo Ato Institucional n°2. Os Atos

institucionais foram normas elaboradas no período de 1964 a 1969, durante o

regime militar; uma manobra para mudar as leis existentes de modo que as

novas "normas" beneficiassem as propostas e ideias do regime militar. Outra

mudança significativa foi a centralização do poder e o domínio da burocracia

governamental pelos tecnocratas. (BERTOLLI FILHO, 2002; FERREIRA JR e

BITAR, 2008)

Tecnocracia, Segundo Camila Betoni (S/A), seria "um sistema social em

que o poder político e a gestão da sociedade, em seus diversos aspectos,

encontra-se na mão de especialistas, técnicos e cientistas." A ideia parece boa,

porém a execução não necessariamente acompanha o raciocínio da proposta.

Apesar de tecnocratas transparecerem conhecimento em uma área, a análise

deles era restritamente baseada em critérios técnicos e econômicos, deixando

de lado aspectos sociais e políticos. A partir do momento que tais critérios se

sobrepuseram às necessidades da população, houve uma ruptura daquilo que

já tinha sido feito pela sociedade e para a sociedade.

(Fonte: http://www.infoescola.com/politica/tecnocracia/ acesso em 02/06/2017

às 19:30hs)

É preciso ter bastante cautela com tudo o que aconteceu e toda a

informação que foi passada durante essa época no país, pois um dos Atos

Institucionais limitava o acesso à informação e mesmo a liberdade de

expressão. Além disso, nem tudo o que era transmitido pelo regime militar

refletia a realidade vivida no país. Apesar do período ter sido marcado pelo

29

milagre econômico5, esse termo não necessariamente significa que a situação

financeira do trabalhador melhorou ou que a vida do brasileiro prosperou.

De fato houveram mudanças no quadro econômico no país, como o

aumento da taxa do Produto Interno Bruto (PIB). O aumento dessa taxa não

necessariamente refletiu no crescimento econômico de todas as classes, mas

sim no investimento - além de empréstimos - estrangeiro na modernização e

desenvolvimento do capitalismo no país. Aliado a essa injeção de dinheiro e

modernização do país, houve também uma inibição às conquistas salariais

obtidas em anos anteriores. Ou seja, o poder de compra do brasileiro caíra com

o passar dos anos enquanto grandes empresários (fossem eles brasileiros ou

investidores internacionais) acumulavam riquezas durante o regime militar.

Com o objetivo de garantir aprovação pública, o regime militar apropriou-

se de conquistas que em nada se relacionavam com a forma de governo, mas

que, de certa forma, agradavam a opinião geral do país. A conquista do Tri

campeonato mundial de futebol (1970) e o primeiro transplante de coração são

exemplos de sucessos no país durante o regime militar que foram apropriados

pela ditadura.

Uma das mudanças mais trágicas feitas pelo regime foi a redução de

verbas destinada à saúde pública. Como vimos anteriormente, as verbas para

o Ministério da Saúde já não eram suficientes; com o regime militar, elas

ficaram ainda mais enxutas, limitando ainda mais a atuação do Ministério. Para

termos uma ideia melhor, a participação do Ministério da saúde no orçamento

da união chegou a míseros 1,11% em 1970. (BERTOLLI FILHO, 2002)

Dessa maneira, o ministério da Saúde limitou-se à elaboração de

projetos e programas e campanhas de vacinação. Outros Ministérios (como o

de Agricultura e Educação, por exemplo) dividiram as responsabilidades quanto

às tarefas de caráter sanitário, como distribuição de água tratada e coleta de

5 O período 1968-1973 é conhecido como "milagre" econômico brasileiro, em função

das extraordinárias taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) então verificadas, de 11,1% ao ano (a.a.). Uma característica notável do "milagre" é que o rápido crescimento veio acompanhado de inflação declinante e relativamente baixa para os padrões brasileiros, além de superávits no balanço de pagamentos. (Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71402008000200006 acesso em 15/06/2017 às 23:30hs)

30

esgotos, fundamentais para a manutenção da saúde. A nova linha de atuação

do Ministério, considerando a saúde como caráter individual e não mais

coletivo, fez com que grande parte da verba fosse destinada ao pagamento de

serviços prestados por hospitais particulares para tratamento de doentes

pobres - aqueles que não tinham como contribuir para a previdência.

Claramente tal medida não trouxe nenhum benefício ao sistema de saúde do

país, pois doenças como dengue e malária tornavam-se, mais uma vez,

epidêmicas no país além dos gastos crescerem com os hospitais particulares.

Apesar das epidemias, a população brasileira não tinha muito acesso às

informações sobre a real situação do país, pois os militares conseguiam manter

tais dados em sigilo na tentativa de "conter pânico desnecessário" da

população. Foi somente em 1974 com um surto de meningite se alastrando

pelo país que o governo militar admitiu a epidemia, embora até então não

saibamos o número exato de casos ou óbitos causados pela meningite. Apesar

da omissão dos dados reais quanto aos casos de meningite, o governo federal

destinou verbas para campanhas de vacinação contra a meningite. (Fonte:

https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/pedagogia/regime-militar-

historico-da-saude-publica/34823 acesso em 15/06/2017 às 23:50hs)

A bandeira do regime autoritário era a de ser agente regulador capaz de

controlar toda e qualquer esfera do Estado. Para tal, o regime militar usou da

fragilidade das antigas caixas de aposentadoria e pensões e criou o Instituto

Nacional de Previdência Social (INPS) em 1966, unificando todos os órgãos

anteriores. O INPS era subordinado ao Ministério do Trabalho (posteriormente

vinculado ao Ministério da Previdência e Assistência Social) e administrado por

técnicos e políticos vinculados ao regime. Segundo Bertolli Filho (2002), “O

INPS deveria tratar dos doentes individualmente, enquanto o Ministério da

Saúde deveria, pelo menos em teoria, elaborar e executar programas sanitários

e assistir a população durante as epidemias.” (BERTOLLI FILHO, 2002. p. 54-

55)

Outro marco do governo militar foi o investimento e apoio às atividades

privadas. Ao contrário do que já vimos, O Estado passaria a complementar os

serviços prestados pela medicina privada. Ou seja, o setor privado tornou-se

31

responsável pelo atendimento médico dos trabalhadores e familiares no Brasil

e não mais seria uma complementação do serviço do Estado. Neste momento

da história, os papéis de Estado e setor privado se inverteram quanto às

responsabilidades para com à população.

Não precisamos nos aprofundar nas leituras para saber qual a

consequência de tal investimento no setor privado. O mesmo que acontece nos

dias atuais, aconteceu 50 anos atrás: fraudes e atrasos. De um lado, o

Governo atrasava e (ou) diminuía o repasse das verbas do INPS para as

entidades conveniadas; do outro lado, hospitais e clínicas faziam todas as

manobras possíveis para tirar o máximo de dinheiro do Estado. Entre tais

manobras podemos incluir “Guias de internação falsificadas, cirurgias

desnecessárias e a prática de cesariana em vez de parto normal.” Os serviços

médico-hospitalares iam degradando-se com tais práticas, tornando-se caras

demais aos cofres públicos e para os trabalhadores. (BERTOLLI FILHO, 2002,

p. 55)

Como o valor pago pelas empresas, aparentemente, era muito alto,

surgiram na década de 1970 contratos entre grupos médicos e empresas

(Medicina de Grupo) no intuito de oferecer melhor atendimento aos

trabalhadores e, em troca, os empresários deixavam de pagar suas cotas

previdenciárias ao governo. Além disso, as empresas ainda recebiam subsídio

do próprio governo para tal prática. De acordo com Escorel,

Outra modalidade sustentada pela previdência social foi a dos convênios com empresas, a medicina de grupo. Nesses convênios, a empresa assumia a assistência médica aos seus empregados e deixava de contribuir ao INPS. Os serviços eram prestados por empresa médica (medicina de grupo) contratada, que recebia um valor fixo por trabalhador, a cada mês. Dessa forma, quanto menos atendesse, maior seria o seu lucro. Entretanto, os casos mais complexos ou que exigissem mais tempo de internação continuavam a ser atendidos pela previdência social. Com os baixos orçamentos que recebia o MS (menos de 2% do PIB), a saúde pública tornou‐ se uma máquina ineficiente e conservadora, cuja atuação restringia‐ se a campanhas de baixa eficácia. (ESCOREL, 2008)

Entre outras palavras, o setor privado arranjou meios para diminuir seus

32

custos aumentando os custos do Estado. Se colocarmos tudo em uma

calculadora, fica claro que o valor saindo dos cofres do governo eram bem

maiores do que o valor que entrava; além disso, o retorno dessa saída absurda

de verba era mínimo, enquanto os lucros do setor médico privado só

aumentavam. Não demorou muito para perceber que o INPS tornara-se um

sistema frágil e incapaz de atender as demandas nacionais de gerenciamento

do sistema previdenciário.

Foi quando, em 1974, com a criação do Ministério da Previdência e

Assistência Social (MPAS) o INPS ganhou um sopro de vida pois livraria-se

das imposições do Ministério do Trabalho. Outras estratégias voltadas para as

melhorias do sistema - além da tentativa de diminuir as críticas ao governo em

regime - surgiram o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural

(FUNRURAL) e o Plano de Pronta Ação (PPA6). Além disso, foi criado o

Sistema Nacional de Saúde pela Lei Nº 6. 229 de 17 de julho de 1975

(posteriormente revogada pela Lei 8.080) com a finalidade de superar todas as

deficiências do setor, como barateamento de custos, aumento de eficácia nas

ações de saúde em todo o país.

Outro fator crucial para a saúde no período do regime militar foi a

introdução de capital estrangeiro com as companhias de seguro-saúde. Toda a

contextualização e propaganda de “milagre econômico” influenciou a classe

média a “investir” em tais seguros para usufruir de uma melhor estrutura e

atendimento médico hospitalar. Grupos nacionais lucravam com a venda de

planos de saúde assim como os grupos internacionais também conseguiram

lucrar bastante com a entrada no país.

Não só empresas que vendiam seguro de saúde lucravam no país. As

empresas farmacêuticas internacionais também buscavam investir e lucrar no

Brasil. Empresas nacionais eram vendidas para grupos internacionais que

passaram a controlar o mercado farmacêutico no Brasil. Apesar da existência

da Central de Medicamentos, CEME (que tinha como objetivo produzir,

contratar e distribuir remédios para à população de baixa renda) o governo viu-

6o PPA pretendia acelerar o atendimento médico emergenciais, ficando o Ministério da

Previdência e Assistência Social encarregados pelo pagamento dos hospitais, independente de serem conveniados ou não.

33

se impossibilitado de competir com as grandes empresas farmacêuticas. Havia

também um alarmante número de medicamentos considerados supérfluos

vendidos no país, e apesar dos esforços do governo em controlar as vendas de

tais medicamentos, às empresas continuavam a venda destes medicamentos.

Mais uma vez, o sistema privado toma conta daquilo que deveria ser controlado

pelo Estado, mostrando a ineficácia do controle do Estado.

A saúde ainda não estava nem perto do que deveria ser. Apesar de

alguns avanços (diminuição do índice de mortalidade geral e o aumento da

expectativa de vida - 63 anos), o Brasil continuava como um dos países mais

enfermos da América Latina neste período. O mais triste é que, nos anos

seguintes, à situação da saúde do país torna-se cada vez pior e repetimos os

mesmo erros do passado.

2.2 O Movimento de Reforma de Sanitária: avanços, retrocessos e

repercussões

A crise no país não limitava-se à crise na saúde. A crise econômica que

assolava o país no fim da década de 1970 era entendida como um resultado do

término do regime militar. Porém, devemos ser cautelosos e não podemos

esquecer que a crise que assolou o país nada mais foi do que uma

consequência do governo militar. Todas as medidas tomadas pelo regime

militar para impulsionar o “milagre econômico” durante a ditadura resultaram na

desastrosa crise econômica.

Apesar da volta da liberdade política, sindical e da imprensa ter se

livrado da censura, o país estava assolado numa eterna política econômica

recessiva. Segundo Bertolli, a taxa anual de inflação chegou aos 2.000% em

1993. Uma das medidas da época para amenizar a crise foi a limitação de

investimentos, redução de salários (os quais se igualaram aos salários da

década de 40) e diminuição de verbas para setores sociais. Claro que a saúde

foi afetada por causa da crise econômica. (BERTOLLI FILHO, 2002)

Para termos uma ideia do que a crise dos anos de 1980 causou na

saúde, podemos destacar surtos de cólera e dengue, doenças epidêmicas

entre os anos 1930 e 1940, ou seja, 40 anos antes do período em questão.

34

Podemos comentar também sobre os altos índices de tuberculose, tracoma,

doença de Chagas e doenças mentais, revelando a fragilidade da saúde. Uma

das justificativas da ineficiência dos serviços era a ausência de planejamento e

a descontinuidade de programas desenvolvidos pelo Ministério da Saúde além

da crônica falta de investimentos. Alguns projetos como o Prev-saúde, Conasp

e AIS buscavam “reorganizar de forma racional as atividades de proteção e

tratamento da saúde individual e coletiva, evitar as fraudes e lutar contra o

monopólio das empresas particulares de saúde.” (BERTOLLI FILHO, 2002.

pág. 61)

Independente dos esforços de tais programas, eles esbarravam nos

interesses dos empresários de saúde. Afinal, quando uma população está

saudável ela não precisa comprar remédios; consequentemente, essa mesma

população não traz lucros para as empresas farmacêuticas. Estas, por sua vez,

criaram lobbies7 para atuar no Congresso Nacional e nas Assembléias

Legislativas para defender os interesses da iniciativa privada.

Quando colocamos tudo em uma balança, nós temos uma elite

extremamente rica buscando ampliar seus benefícios; uma população sem

recursos e sem estrutura mas que, ainda assim, busca por melhorias nas

condições de saúde; e um Governo que se diz solidário aos interesses de

ambos. Porém, a política (assim como os políticos) não conseguem se

beneficiar dos movimentos populares, mas conseguem grandes lucros ao

atender os interesses da iniciativa privada.

Dessa maneira, as propostas do Governo para a reorganização do

sistema de saúde são tão frágeis quanto à própria saúde da população

brasileira em si, uma vez que o presidente da época (José Sarney) e as

lideranças partidárias, segundo Bertolli “reforçaram a presença das empresas

de saúde como elemento mais importante da prestação de assistência

médica(...)” (BERTOLLI FILHO, 2002. pág. 62)

Depois da abertura política, movimentos populares ganharam força e

7 grupo se caracteriza como uma atividade de exercer pressão sobre algum poder da

esfera política para influenciar na tomada de decisões do poder público em prol de alguma causa ou apoio. (fonte: http://www.politize.com.br/lobby-politico-o-que-e/ acesso em 16/06/2017 às 2:40hs)

35

apoio, sendo então assessorados por padres e médicos sanitários (eram

chamados de Conselhos Populares de Saúde). Não apenas a população mais

leiga uniu-se para reivindicar seus direitos, mas a classe média também voltou-

se contra o governo para demonstrar seu descontentamento com as condições

de trabalho que lhe eram impostas. Todo aquele investimentos em faculdades

particulares de medicina aumentou -e muito- o número de médicos em todo

país. Com a grande oferta, os valores salariais dos médicos baixaram, assim

como o repasse das empresas de seguro de saúde.

Talvez pela primeira vez na história do país, diferentes classes sociais

uniram-se em prol de um objetivo em comum: a luta por melhorias na saúde da

população assim como melhores condições de trabalho para os profissionais

da área. Enquanto as lutas sociais divergiam, as classes não adquiriam força

suficiente para enfrentar nem o Estado nem a iniciativa privada. O mercado

continuava ganhado espaço e o Estado abstinha-se de sua responsabilidade.

Porém, neste momento da história do país, à constante do mercado crescente

e do Estado ausente estava prestes a mudar. Naquele momento, o Movimento

Sanitarista estava prestes a surgir e mudar o rumo da saúde do país.

É importante salientar que o Movimento Sanitarista não foi formado da

noite para o dia, mas é uma construção histórica de idealizações e constante

busca de soluções para os dilemas da política de saúde nacional. As

mudanças políticas alteraram o cenário de lutas sociais no país mas isso não

significa dizer que as reivindicações foram esquecidas. Talvez, tenha ficado em

um estado “latente”, esperando o momento certo para se manifestar, mas

jamais ficou no esquecimento. De acordo com Paiva e Teixeira,

As narrativas em torno da reforma sanitária brasileira localizam, como regra, a origem do movimento no contexto da segunda metade dos anos 1970, período que coincide com a criação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), em 1976; e, três anos depois, a criação da Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) (Escorel, 1999; Rodriguez Neto, 1997; Paim, 2008). No entanto, o processo de formação de atores e instituições identificados com mudanças radicais no sistema de saúde então vigente também relaciona-se com um conjunto de aspectos que vão do desenvolvimento dos cursos de medicina preventiva a partir da década de 1950 ao fortalecimento de uma visão contrária ao regime

36

autoritário que via, na sua derrocada, a única forma de construção de um sistema de saúde eficiente e democrático. (PAIVA E TEIXEIRA, 2014, p. 21)

Em 1979, ocorreu o primeiro Simpósio de Política Nacional de Saúde,

evento que reuniu várias lideranças do movimento para discutir suas principais

reivindicações. Também de acordo com Paiva e Teixeira,

O documento aprovado no primeiro Simpósio de Política Nacional de Saúde estabelecia princípios centrais que seriam adotados pela reforma sanitária, como o direito universal à saúde; o caráter intersetorial dos determinantes da saúde; o papel regulador do Estado em relação ao mercado de saúde; a descentralização, regionalização e hierarquização do sistema; a participação popular; o controle democrático e, fundamentalmente, a necessidade de integração entre saúde previdenciária e saúde pública (Cebes, 1980). (PAIVA E TEIXEIRA, 2014, p. 21)

Quando pensamos nas frases “saúde é direito do cidadão e dever do Estado”

ou “direito universal à saúde” não podemos imaginar o impacto que estas

mesmas frases tiveram ao serem apresentadas no primeiro Simpósio de

Política Nacional de Saúde (SPNS), uma vez que buscavam quebrar toda uma

construção capitalista, voltada para a responsabilização da iniciativa privada

quanto à saúde da população, onde o Estado era mínimo, desviando-se do

seu papel de provedor de saúde e bem-estar da população. A saúde, até então

tratada como um “problema individual” com algumas poucas intervenções

coletivas, passava por um processo de construção de identidade para chegar

na concepção de saúde coletiva.

Em seu texto, Paiva e Teixeira afirmam que

No lugar de uma perspectiva autoritária, a Abrasco e o Cebes defenderam participação social; no lugar de políticas de controle das doenças, notadamente transmissíveis, a promoção da saúde e melhoria da qualidade geral de vida; no lugar de um setor dividido entre saúde pública e medicina previdenciária, um sistema unificado e universal. (PAIVA E TEIXEIRA, 2014, p. 22)

A partir desse momento na história do país, a comunidade poderia participar da

administração das unidades locais assim como os serviços de saúde deveriam

estar integrados, tanto da rede pública como da rede particular à partir de uma

rede hierarquizada e regionalizada. Assim, surgiu o Sistema Unificado e

Descentralizado de Saúde (Suds), com a responsabilidade de fazer tudo isso

37

acontecer. Dessa maneira, o papel auxiliar no funcionamento da saúde pública

tornava-se papel da iniciativa privada. Depois de muita luta, o Estado

finalmente começava a assumir sua responsabilidade para com a sociedade.

Claro que esta transição gerou desconforto, tanto da iniciativa privada, que se

negava a fazer parte do novo sistema unificado; assim como alguns políticos,

que viam à unificação como uma barreira para a corrupção. Mas as mudanças,

juntamente com a força popular, tornavam-se cada vez mais próximas e mais

tangíveis.

O país passava por um momento de transição de políticas públicas no

país e precisava, gradualmente, se adaptar à nova realidade que estava sendo

proposta. O governo precisava criar estratégias para que as propostas fossem

atendidas. O Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

(INAMPS), autarquia federal, foi criado em 1977 como uma política pública

responsável pela assistência médica aos trabalhadores que contribuíam com a

previdência social. (Fonte: http://www.epsjv.fiocruz.br/instituto-nacional-de-

assistencia-medica-da-previdencia-social-inamps acesso em 08/06/2017 às

1:15hs)

Outro marco na saúde do país foi à 8ª Conferência Nacional de Saúde

(CNS) e por vários motivos. A 8ª CNS foi a primeira da história a contar com

participação popular, além de símbolo na luta pela universalização da saúde no

país. Legitimou-se a ideia de Reforma Sanitária e foi ampliado o conceito de

saúde, que deixava de ser à ausência de doença apenas mas tornava-se

qualidade de vida. Saúde passava a ser um conjunto de fatores para a

manutenção do bem-estar do indivíduo, baseada na promoção, proteção e

recuperação da saúde. Além disso, a 8ª CNS aprovou a criação do Sistema

Único de Saúde8 (SUS), sistema pelo qual - pelo menos em tese - serviços de

saúde seriam promovidos apenas pelo Estado, rompendo de vez com a

iniciativa privada.

8 Apesar de ter a aprovação na 8ª Conferência Nacional de Saúde, o SUS “foi criado

pela Constituição Federal de 1988 e regulamentando pelas Leis nº 8080/90 (Lei Orgânica da Saúde) e nº 8142/90, com a finalidade de alterar a situação de desigualdade na assistência à saúde da população, tornando obrigatório o atendimento público a qualquer cidadão, sendo proibidas cobranças de dinheiro sob qualquer pretexto.” (Fonte: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAjX4AA/sistema-unico-saude acesso em 08/06/2017 às 2:00hs)

38

Depois de tantas reviravoltas na política, economia e saúde do país, a

constituição de 1988 trouxe ares de esperança por dias melhores e a sensação

de que o país estava trilhando o caminho da justiça social e responsabilidade

política. Foi um dos maiores avanços que tivemos em diferentes áreas no país

desde a Era Vargas.

Quando falamos em saúde, a 8ª Conferência Nacional de saúde foi um

marco não apenas pelas propostas que trouxe, mas também no exercício da

própria democracia em si, pois foi a primeira Conferência a ter vários atores

sociais participando, incluindo a sociedade civil. Segundo LUZ (2000: 302) “a

intensa movimentação da sociedade civil teve um papel muito importante para

a aceitação, na política oficial, das propostas da VIII Conferência Nacional de

Saúde, em grande parte consubstanciadas no SUS”.

(Fonte:

http://www.epsjv.fiocruz.br/pdtsp/nav.php?s_livro_id=6&capitulo_id=14&autor_i

d=&sub_capitulo_id=127&arquivo=ver_pop_up acesso em 09/06/2017 às 22hs)

Porém, como estamos tratando de avanços e retrocessos, a

implementação do SUS assim como a nova constituição não trouxeram

melhorias instantâneas ao país. Na realidade, a criação do SUS abriu portas

trouxe uma nova oportunidade de reproduzir algo que já existiu no passado do

país: a privatização da saúde.

39

Capítulo 3 - Privatização da saúde pública: o estado gerencial no Brasil

3.1 Contrarreforma9 do Estado Brasileiro: algumas reflexões

Conforme apontamos no capítulo anterior, já a partir dos anos de 1990,

instaura-se na realidade brasileira um conjunto de medidas de cunho neoliberal

que trazem modificações para os formatos de gestão das políticas públicas.

Nessa direção, se delineia um novo modelo estrutural da saúde no país que

necessitava de novos padrões de controle.

Traçando um retrospecto histórico, até os anos de 1970 a população

era dividida em três grupos de usuários: os que usavam a rede particular, os

que usavam a rede pública pois eram segurados pela previdência social e os

que não possuíam nenhum acesso aos serviços de saúde, os quais tinham que

buscar às redes filantrópicas para conseguir alguma assistência. No período

anterior ao SUS, o setor privado buscava ganhar mais espaço no controle do

setor público enquanto o Estado restringia-se de suas responsabilidades.

9 Adotaremos o termo contrarreforma às mudanças Neoliberais e privatistas do Estado

brasileiro, por acreditarmos que tais mudanças repercutiram em grande retrocesso social. Partindo das reflexões de Behring, a Reforma do Estado traz “processos regressivos” jamais podendo ser caracterizado como um reflexo do progresso. Contudo, quando falamos em Reforma ao longo deste trabalho, estamos nos referindo aos documentos oficiais do Estado mantendo a denominação utilizada por esses e não reproduzindo a ideia de que tais mudanças trouxeram benefícios e avanços para o país.

40

Com o advento do SUS instala-se a promessa de que todos,

igualitariamente, teriam acesso à rede pública de saúde e que a saúde seria

direito do povo e dever do Estado. Porém, toda a conjuntura política,

econômica e até mesmo geográfica (dada as diferenças regionais no país)

contribuíram para que o SUS caminhasse a passos curtos e lentos, fazendo

com que o sonho de um Estado democrático de direito fosse efetivamente

capaz de construir e gerir o SUS sucumbisse aos interesses econômicos de

alguns grupos de interesse privado.

Desde a 8ª CNS até a regulamentação do SUS, o país passou por uma

série de mudanças no cenário econômico e político que resultaram no

enfraquecimento do novo sistema de saúde. Este enfraquecimento da saúde se

dava pelo fato do Estado ter adotado uma política que reduzia a sua ação para

com a sociedade e, em contrapartida, uma política que aumentava a

responsabilidade da iniciativa privada. Em outras palavras, houve um

desmembramento do Estado. A “Reforma do Estado”,10 segundo Paiva e

Teixeira, foi “um momento em que a concepção de Estado mínimo, ditada pelo

neoliberalismo em ascensão na Europa e nos EUA, propunha restringir a ação

do Estado na regulação da vida social.” (2014, p. 12)

A política de Bem-Estar Social já mostrava sua decadência no país

desde meados da década de 1970, quando havia uma grande disparidade na

produção e distribuição de riquezas e ineficiência administrativa do Estado

(SILVA, 2004, p. 140) Vivíamos então, uma ampliação do Welfare Mix11

juntamente a expansão da política neoliberal, o que diminuía cada vez mais a

intervenção estatal e transferia, gradativamente, a responsabilidade do Estado.

10 Para maiores informações sobre a Reforma do Estado, acessar

http://www.bresserpereira.org.br/documents/mare/planodiretor/planodiretor.pdf Acesso em 15/06/2017 às 09:45hs 11 Este novo esquema de atendimento às demandas sociais parte do pressuposto da

divisão de responsabilidades entre Estado, Terceiro Setor e mercado, onde a ação se dá de forma compartilhada entre as três esferas. O Estado não mais se coloca como principal responsável pela proteção social, havendo a distribuição entre os setores não-governamentais com sustentáculo na idéia de solidariedade social. O Welfare Mix (...) reafirma o desmantelamento da cidadania, da democracia e da defesa dos interesses coletivos da sociedade conquistados no âmbito da luta de classes, e retraindo as possibilidades de construção do espaço público. (Fonte: http://anais.sepex.ufsc.br/anais_4/trabalhos/1092.html acesso em 15/06/2017 às 06:30hs)

41

Em outras palavras, a gestão social estava cada vez mais alheia ao Estado.

A Reforma do Estado sugeriu fugir de tudo aquilo que foi pregado na

Constituição de 1988. No próprio texto da Reforma, um dos capítulos fala sobre

o “Retrocesso de 1988”, quando na verdade a Constituição de 1988 foi vista

como uma marco na evolução da democracia no país. O deslocamento da

gerência social do Estado para o privado buscou parcerias para a

administração. Segundo Silva,

Sob a preocupação de estabelecer um marco legal e regulador - compatível com o Plano de Reforma do Estado - das ações entre Estado e organizações da sociedade civil prestadoras de serviços sociais, foram promulgadas, em 1998 e 1999, leis voltadas para três modalidades de organizações: Organizações Sociais, Organizações filantrópicas e Organizações da Sociedade Civil de Interesse público (OSCIP), o chamado terceiro setor.” (SILVA, 2004, p. 141)

É importante destacar que toda e qualquer ação do mercado, mesmo

que com caráter de responsabilidade social, continua tendo como objetivo

favorecer o capital. Assim sendo, fica praticamente impossível imaginar que a

divisão administrativa de políticas sociais pudesse trazer algum benefício para

a sociedade.

Nesse sentido, a responsabilização da sociedade civil não

necessariamente traria melhorias para a população em si. Logo, aquilo que a

Reforma do Estado defendia, nada mais era do que um novo capítulo de

retrocessos vividos pelo nosso país. A saúde, área da política social que

buscamos destacar neste trabalho, sofreu mais uma vez com as novas

parcerias firmadas pelo Estado com o intuito de “otimizar” os serviços da área.

Mais uma vez na história do país, podemos perceber o setor privado

sendo favorecido a partir da redução da intervenção estatal, uma vez que lhe

era proporcionado poder suficiente para determinar estratégias de ações; a

diferença é que de acordo com a Reforma do Estado, a iniciativa privada

estaria agindo dentro e de acordo com a lei por melhorias em prol da

sociedade. O Estado tornara-se, mais uma vez, mínimo para os pobres à

medida que deixava o mercado crescer. Um outro marco da Reforma foi a

abertura à privatização, um verdadeiro desmonte da nação.

42

Não restavam dúvidas de que era necessária uma Reforma no Estado

uma vez que a nova Constituição precisava de um novo modelo administrativo.

Porém, a Reforma apresentada não foi, de longe, aquilo que a nação

precisava. Segundo Silva,

(...) a reforma do Estado é necessária e urgente, no sentido de convertê-lo em moderno, ágil, e transparente instrumento de justiça social. Outra coisa é um projeto de reforma pelo qual se desmonta à nação, entregando o patrimônio público à “compradores” privados, desobrigando o poder público quanto às políticas sociais e submetendo os serviços sociais - competitivos e não exclusivos do Estado, assim concebidos - à lógica mercantil. (Silva, 2004, p. 168)

Já Paiva e Teixeira trazem um esboço daquilo que o SUS enfrentaria à

partir das mudanças trazidas com a Reforma do Estado no seguinte trecho:

(...)reforçando as tendências de adoção de políticas de abertura da economia e de ajuste estrutural, com ênfase, a partir de 1994, na estabilização da moeda; privatização de empresas estatais; adoção de reformas institucionais fortemente orientadas para a redução do tamanho e das capacidades do Estado. O SUS encontraria, nesse contexto, seu estrutural cenário de crise. (Paiva; Teixeira, 2014, p. 12)

Esse Estado gerencial, fundamentado na participação de mais esferas

na administração do país através de parcerias, inclusive com a participação de

organizações da sociedade civil, traveste-se numa falácia de envolver esses

agentes no desenvolvimento das políticas públicas. Porém, a grande maioria

dos parceiros (com real poder de mudança e influência nesse novo sistema)

era de cunho privado.

Caracterizada como uma democratização da administração pública, a

Reforma do Estado trouxe a ideia de que o indivíduo tornara-se responsável

por ele mesmo, esquivando o Estado de sua responsabilidade social, no qual a

única democracia está entre as camadas mais altas da sociedade, não

atingindo toda a nação. As parcerias firmadas nesta época (Organizações

sociais, OSCIPs, terceiro setor) deram abertura para novas formas

administrativas voltadas a diferentes áreas além de saúde e proteção social

como parte de um plano estratégico de privatização do SUS. Foi nesta

conjuntura que, em dezembro de 2011, foi criada a Ebserh, de acordo com o

projeto de Lei Nº 12.550. (Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-

43

2014/2011/Lei/L12550.htmacesso em 15/06/2017 às 10:30hs)

Ficou evidente que todo esse processo acima citado constitui-se na

verdade em um conjunto de contrarreformas que expressam mais uma vitória

do capital sobre a classe trabalhadora. O constante desmonte de políticas

públicas conquistadas através de muitas batalhas é justificado pela busca

incessável do mercado pelo acúmulo de lucro. Sob o respaldo do Estado, o

mercado tornou-se capaz, mais uma vez, de controlar áreas das políticas

públicas que jamais deveriam sair do poder do Estado, pois o principal objetivo

das políticas deveria ser a manutenção da democracia e dos direitos e não a

lucratividade e crescimento de empresas particulares. A liberdade do mercado

ultrapassava (e ainda ultrapassa) o limite de atuação que, segundo Behring e

Boschetti (2009) deveria existir: “o papel do Estado (...) resume-se a fornecer à

base legal com à qual o mercado pode melhor maximizar os “benefícios do

homem.” (BEHRING & BOSCHETTI, 2009, p. 56)

Ao analisarmos a Contra-Reforma assim como a história política e

econômica do país, percebemos que o aparelho estatal parece estar sempre

trabalhando (ou se isentando de seu dever) com o objetivo de garantir os

interesses do mercado. Ao invés de trazer os sugeridos benefícios à população

com a “Reforma do Estado”, as mudanças trouxeram apenas a perda de

direitos, a focalização e seletivização de serviços. Conforme Nogueira (1998)

[...] A orientação mais geral, porém, continua tingida pelas cores do neoliberalismo: descentralizar a gestão, transferir atribuições para a sociedade e para o terceiro setor, reduzir o déficit público. Fala-se pouco, por exemplo, sobre o padrão de regulação e coordenação estatal que acompanhará a reforma do Estado. A reconstrução do Estado tem sido sobretudo desconstrução, fazendo com que perspectivas indicadas pelo governo fiquem suspensas no ar e atravessadas por uma certa ambigüidade. (Nogueira, 1998, p. 174)

De acordo com Machado (2014) quando falamos em desestatização e

privatização “Não há uniformidade no que concerne ao conceito e à utilização

destas expressões.” Porém, o autor tece uma série de ações que podem ser

caracterizadas como produtos da privatização:

Transferência acionária de entidades da administração indireta a particulares, concessão de serviços públicos,

44

concessão de uso de bem público, doações, celebração de termos de parceria, contratos de gestão ou convênios com entidades não-estatais, tudo isso é visto como privatização, sempre prejudicial ao interesse público, por conta do nefasto imiscuimento entre esferas que deveriam permanecer sempre separadas. (Machado, 2014, p. 10)

Logo, é notável a ineficácia do sistema de privatizações para o Estado e

para a população, uma vez que os serviços públicos passam a ser controlados

por grupos cujo principal objetivo não é a prestação de serviços de qualidade

tampouco a equidade nos serviços, mas apenas sua própria lucratividade.

3.2 A EBSERH - realidade no Brasil e particularidade do HUAB: uma

análise crítica

A privatização da saúde sempre foi um desafio enfrentado por todos

aqueles que lutam pela consolidação do acesso à saúde, pela garantia dos

direitos dos usuários como também dos profissionais da área. Durante o

processo de mudanças políticas e econômicas correntes no país nos últimos

10 anos, a inserção da EBSERH na administração de hospitais universitários

causou grandes transformações nas relações de trabalho como também no

atendimento e acesso aos direitos de saúde. De acordo com o portal do MEC,

a EBSERH

é uma empresa pública de direito privado, criada pela Lei Federal nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011 com estatuto social aprovado pelo Decreto nº 7.661, de 28 de dezembro de 2011.

A EBSERH tem por finalidade a prestação de serviços gratuitos de assistência médico-hospitalar, ambulatorial e de apoio diagnóstico e terapêutico à comunidade, assim como a prestação às instituições públicas federais de ensino ou instituições congêneres de serviços de apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão, ao ensino-aprendizagem e à formação de pessoas no campo da saúde pública, observada, nos termos do art. 207 da Constituição Federal, a autonomia universitária. As atividades de prestação de serviços de assistência à saúde

45

estão inseridas integral e exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). No desenvolvimento de suas atividades de assistência à saúde, a EBSERH observará as diretrizes e políticas estabelecidas pelo Ministério da Saúde." (fonte: http://portal.mec.gov.br/ebserh--empresa-brasileira-de-servicos-hospitalares acesso em 12/03/2016 às 19:30hs)

A empresa foi criada com o intuito de dar continuidade ao processo de

recuperação dos hospitais universitários federais iniciado pelo Programa

Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais12(Rehuf).

Vinculada ao Ministério da Educação, vem se tornando responsável pela

gestão de hospitais universitários federais. Independente de ser uma empresa

de caráter público, a EBSERH traz com ela toda a perspectiva de privatização

do sistema de saúde, desestruturando toda uma construção política, histórica e

social da Reforma Sanitária, comprovando, mais uma vez, a existência de

retrocessos na política de saúde do país.

De acordo com Correia e Dantas, a inserção da EBSERH no cenário da

saúde pública trata-se de um processo de privatização do setor além de

também ser um ataque aos direitos, tanto sociais quanto trabalhistas, conforme

afirmação que se segue,

Está em curso um processo de privatização do setor público e um ataque aos direitos sociais e trabalhistas, historicamente conquistados. As alternativas de modalidades de gestão propostas pelos governos, desde a segunda metade da década de 1990, estão baseadas no repasse da gerência e da gestão de serviços e de pessoal do setor saúde para grupos privados, através de “Contratos de Gestão” e de “Termos de Parcerias”, mediante transferências de recursos públicos. Isto significa transferência da gestão das atividades das políticas públicas para o setor privado mediante repasse de recursos, de instalações públicas e de pessoal. A isto se denomina privatização do público, ou seja, apropriação por um grupo privado (denominado “não estatal”) do que é público (Correia, 2011). Trata-se do repasse crescente do Fundo Público para o setor privado concretizando-se o processo de privatização dos serviços públicos através dos denominados “novos modelos de

12 Criado pelo Decreto nº 7.082, o Rehuf englobava “medidas que contemplam a

reestruturação física e tecnológica das unidades, como a modernização do parque tecnológico; a revisão do financiamento da rede, aumento progressivo do orçamento destinado às instituições; a melhoria dos processos de gestão; a recuperação do quadro de recursos humanos dos hospitais e o aprimoramento das atividades hospitalares vinculadas ao ensino, pesquisa e extensão, bem como à assistência à saúde.” (Fonte: http://www.ebserh.gov.br/web/portal-ebserh/historia acesso em 15/06/17 às 17hs)

46

gestão”: Organizações Sociais (OSs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), Fundações Estatais de Direito Privado (FEDPs) e EBSERH. (Correia e Dantas, 2013).

Atualmente, a EBSERH atua em 39 Hospitais Universitários Federais

(HUFs) em todo país. Após dois anos de sua implementação, a Ebserh é

contratada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em

2013 para administrar e reformular estratégias de ação nas seguintes

unidades: Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), Maternidade Escola

Januário Cicco (MEJC) e Hospital Universitário Ana Bezerra (HUAB). Para o

desenvolvimento deste TCC, vamos nos concentrar em uma das unidades com

a finalidade de delinear a trajetória da implementação da EBSERH na

especificidade do Hospital Universitário Ana Bezerra - HUAB. (Fonte:

http://www.ebserh.gov.br acesso em 15/06/2017 às 19hs)

O Hospital Universitário Ana Bezerra, localizado no município de Santa

Cruz - RN, foi criado em 1952 como maternidade e apenas em 1966 vinculou-

se à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) tornando-se HUAB.

Assim como outros hospitais universitários, o HUAB tem o compromisso com o

ensino, pesquisa e extensão. Lá, são desenvolvidos diversos projetos em todas

as áreas de atendimento: Enfermagem, nutrição, Serviço Social, medicina,

entre outros. (Fonte: http://www.ebserh.gov.br/pt/web/huab-ufrn/projetos-de-

ensino-e-pesquisa accesso em maio de 2016).

Um fator importante a ser destacado diz respeito à autonomia

universitária. Segundo o artigo 207 da Constituição, "As universidades gozam

de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e

patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino,

pesquisa e extensão." (Constituição Federal, 1988) Logo, pela lei, A EBSERH

não teria direito de atuar da maneira que atua em determinados hospitais

universitários, especificamente no HUAB. Este é o argumento de PEREIRA e

AMARAL,

Para que a universidade possa, realmente, desempenhar

47

com autonomia didático-científica as suas funções constitucionais que lhe corporificam como tal, mister se faz que a mesma se encontre amparada por uma boa equipe de profissionais, com formação nas mais diversas áreas do conhecimento científico, que integre o quadro permanente da própria universidade, pois, somente dessa forma, o ensino, a pesquisa e a extensão, em especial na área de saúde, poderão ser realizados com a dignidade que o cidadão-contribuinte merece e exige do Estado brasileiro." (PEREIRA E AMARAL, 2011)

Existe ainda uma série de pesquisas indicando que a EBSERH é,

na verdade, inconstitucional, pois descumpre leis pré estabelecidas à sua

criação. Independente da legalidade ou não da EBSERH, ela é uma realidade

está cada vez mais presente no nosso cotidiano. Nessa lógica, voltamos para a

mesma discussão de quase 20 anos atrás, quando a privatização da saúde

parecia ser a solução - para algumas pessoas interessadas nos resultados

dessa privatização - ao invés da responsabilização Estatal quanto a garantia do

direito à saúde.

Sobre essa conjuntura, Machado transcreve um trecho do manifesto de

um dos professores da Universidade Federal do Ceará contra a EBSERH. O

trecho diz:

Ao contrário de buscar a promoção do desenvolvimento nacional (CF, art. 2º, II), de proteger a nossa soberania (CF, art. 1º, I), e de dar à Administração pública a necessária eficiência (CF, art. 37), o Presidente preferiu satisfazer os interesses dos especuladores internacionais (pagando religiosamente os abusivos juros da dívida externa) e privatizar, sem contrapartidas adequadas, as empresas distribuidoras de energia. E ainda cogita de fazer o mesmo com as próprias fontes geradoras, riqueza nacional inalienável. Se é este o „novo Estado‟, de magreza orgânica famélica e destinado apenas a regular atividades que lhe são e devem ser ínsitas, talvez o projeto calhe bem para países já desenvolvidos social e economicamente. Não para o nosso. (...) Resta-nos, talvez, uma desesperada opção: a de promover um „apagão‟ da atual Presidência, seja por „impeachment‟, imediato, seja nas próximas eleições. (MACHADO, 2014, p. 109)

Essa constante contraposição entre benefícios da Reforma Sanitária

versus o Projeto privatista nos faz refletir como o Neoliberalismo busca novas

maneiras de inserir o seu processo privatista no meio de políticas de saúde

pertencentes ao Estado.

48

3.2.1 O significado da EBSERH para os profissionais do HUAB:

particularidades do Serviço Social

Em 2013, assim como os demais hospitais ligados à UFRN, o HUAB

vinculou-se à EBSERH, mudando o quadro de funcionários do hospital, que

passou a ser dividido entre aqueles que já estavam no hospital, ou seja,

servidores públicos estatutários da UFRN, e aqueles que fizeram concurso

para a EBSERH diretamente e que são regidos pelo sistema da CLT -

Consolidação das Leis Trabalhistas.

Para exemplificarmos essa realidade, podemos adentrar brevemente na

realidade dos profissionais de Serviço Social, que não tiveram suas atribuições

necessariamente modificadas pela inserção da EBSERH, contudo, as rotinas

de trabalho foram alteradas. Já que a partir do momento que a EBSERH é

contratada, há uma série de mudanças estruturais, tanto no quadro profissional

quanto no quadro estratégico de funcionamento e planejamento do Hospital

Universitário.

A instituição recebe acadêmicos (estagiários de graduação e residentes

multiprofissionais em saúde de enfermagem, nutrição, psicologia, fisioterapia,

farmácia, serviço social, odontologia e medicina). Assim como outras

profissões, o Serviço Social também conta com um quadro de estagiários,

mesmo considerando toda a sobrecarga de trabalho que o profissional já tem.

Vale ressaltar ainda que, segundo FECHINE,

Por ser um dos hospitais universitários da UFRN, só pode oferecer campo de estágio em Serviço Social para alunos que são oriundos dessa Instituição e esse fato dificulta bastante o recebimento de estagiários da graduação porque o curso de Serviço Social da UFRN se concentra em Natal e há dificuldade do aluno em se deslocar para uma cidade do interior para realizar o seu estágio durante um ano. (FECHINE, 2015. página 62)

Antes da gestão da empresa, o Serviço Social no HUAB contava

apenas com uma profissional para responder a demanda de todo o hospital.

Obviamente, 30 horas semanais não eram suficientes para atender a demanda

da instituição. Com a entrada da empresa, o número de assistentes sociais

subiu de 1 para 7 profissionais, as quais "todas lotadas na Unidade

49

Psicossocial dentro do organograma da EBSERH. Deste número, apenas uma

é pertencente ao quadro da UFRN e as demais são pertencentes à empresa."

(FECHINE, 2015).

No entanto, esse crescimento quantitativo de profissionais vem

carregado de outros problemas, tais como, em um lugar onde antes trabalhava

uma profissional, passaram a trabalhar 3 (além das residentes que variam de 2

a 4, dependendo do dia) (FECHINE, 2015). O número elevado de profissionais

torna a prática profissional inviável (levando em consideração as diretrizes da

prática) pois limita a atuação da assistente social que, de acordo com os

artigos 2º, 3º e 4º da resolução CFESS nº493/2006, preconiza que

Art. 2º - O local de atendimento destinado ao assistente social deve ser dotado de espaço suficiente, para abordagens individuais ou coletivas, conforme as características dos serviços prestados, e deve possuir e garantir as seguintes características físicas: a- iluminação adequada ao trabalho diurno e noturno, conforme a organização institucional; b- recursos que garantam a privacidade do usuário naquilo que for revelado durante o processo de intervenção profissional; c- ventilação adequada a atendimentos breves ou demorados e com portas fechadas d- espaço adequado para colocação de arquivos para a adequada guarda de material técnico de caráter reservado. Art. 3º - O atendimento efetuado pelo assistente social deve ser feito com portas fechadas, de forma a garantir o sigilo. Art. 4º - O material técnico utilizado e produzido no atendimento é de caráter reservado, sendo seu uso e acesso restrito aos assistentes sociais." (fonte:http://www.cfess.org.br/arquivos/Resolucao_493-06.pdf acesso em maio de 2016)

Além das mudanças sócio-ocupacionais estruturais, outras mudanças

importantes para o desenvolvimento do trabalho do Serviço Social

aconteceram desde a inserção da EBSERH na gestão do HUAB, conforme

entrevista13 com profissional que fez parte do quadro de funcionários do

hospital no período da implementação da EBSERH,

Há uma questão de contenção de despesas, contenção de impressão, quantidade limitada de folhas por profissional, o que causa desconforto entre os profissionais. Ainda houve uma redução de incentivo à participação dos profissionais em congressos e eventos de Serviço Social com a entrada

13 Tal entrevista faz parte de artigo produzido em 2016 com objetivo de analisar o fazer

profissional do Assistente Social para desenvolvido como parte do programa da disciplina de Pesquisa em Serviço Social II.

50

da empresa. (Coleta direta de dados, 2016)

A partir de tal relato e de informações acerca à implementação da EBSERH no

HUAB, fica claro perceber o quão prejudicial ela pode ser para a prestação de

serviços e para o desmonte das políticas públicas. Vale destacar, que a

diferenciação entre os vínculos de trabalho, bem como as diferentes visões

profissionais podem ocasionar o enfraquecimento e a desconstrução histórica

das lutas pela qualidade do fazer profissional em Serviço Social e do acesso

universal ao direito à saúde.

É necessário, portanto, não culpabilizar os profissionais pelas escolhas e

formas de trabalho, já que é fundamental considerar a conjuntura socio-

histórica. Porém, cabe refletirmos que é fundamental à perspectiva do Projeto

Ético-Político Profissional, a construção de estratégias e mecanismos de

trabalho que possam guiar-se pela compreensão crítica dos ditames do

mercado e pela história de lutas e conquistas da profissão na direção dos

princípios da Reforma Sanitária.

51

4. Considerações Finais

Ao analisar a construção histórica da saúde no Brasil, podemos

perceber que ela foi pautada entre avanços e retrocessos, sempre num entrave

de lutas entre as necessidades da população e as exigências do mercado. Em

meio a essa disputa, o Estado buscou, em algumas ocasiões, atender as

necessidades de ambas as partes ao mesmo tempo. Como existia uma disputa

de forças nessas lutas, o capital vem conseguindo, historicamente, alcançar

seus objetivos para com o Estado, independente da necessidade da sociedade

em geral.

A partir da Reforma Sanitária e da abertura política vivida no país no fim

da década de 1970, as lutas pelas melhorias nas políticas de saúde tomaram

maiores proporções, chegando a Conferência Nacional de Saúde com a

participação popular e, logo depois, conseguiram seu lugar de destaque na

Constituição de 1988. Tal constituição foi um marco na consolidação dos

direitos da sociedade civil e das obrigações do Estado, assim como foi o

surgimento do SUS, que teve sua implementação nos anos 1990. Pela primeira

vez na história do país o Estado assumia seu compromisso com a sociedade

de forma integral.

52

Porém, na medida em que a abertura política se intensificou, a gestão

das políticas sociais tomaram uma forma completamente diferente daquela

ditada pela Constituição. A consolidação dos ditames neoliberais, que se

centram no fortalecimento das políticas de privatização e terceirização,

coordenaram um verdadeiro desmonte do processo de construção dos

princípios do SUS.

Assim como outros modelos de gestão da saúde, a EBSERH é

combatida, desde as suas proposições mais iniciais, por aqueles que defendem

uma saúde pública de qualidade, igualitária e autônoma. Considerando a

Constituição de 1988, a existência da EBSERH, assim como sua proposta

administrativa, se coloca como inconstitucional, uma vez que fere as diretrizes

da CF de 1988. A partir do momento em que as propostas para o

gerenciamento das políticas públicas envolvem terceirização, privatização e

desresponsabilização do Estado, toda a construção histórica de lutas em busca

de uma prestação de serviços que atendesse toda a sociedade igualitariamente

sofre um desmantelamento sem precedentes. Em outras palavras, é notória a

ineficiência do projeto privatista no que diz respeito às respostas dos

problemas enfrentados na gestão de políticas públicas. Além de não solucionar

os problemas de gestão, a privatização trouxe outros problemas para a saúde

além do gerencial.

No caso específico dos Hospitais Universitários, a maior perda que

podemos destacar é a da autonomia, o que pode provocar a precarização das

relações de trabalho assim como enfraquecer a própria efetivação dos

princípios do SUS, defendidas pelos HUFs. Nesse mesmo paradigma,

encontra-se o HUAB, que, segundo a pesquisa, também sofreu com as

mudanças aplicadas pela entrada da EBSERH na instituição e,

consequentemente, sofreu mudanças no atendimento dos usuários.

Não menos importante, a preocupação com a efetivação dos direitos

sociais, que está diretamente ligada ao fortalecimento do SUS e inversamente

proporcional ao sistema privatista pregado pelo regime da contrarreforma do

Estado. Independente da política social que analisarmos dentro do regime

privatista, o seu gerenciamento estará subordinado à macroeconomia,

53

favorecendo sempre o mercado e não necessariamente à sociedade em geral.

O desfavorecimento da sociedade civil só comprova a ineficiência do projeto

político da contrarreforma do Estado. Mudanças que deveriam servir para a

garantia dos direitos do cidadão, tornam-se em uma máquina de favorecimento

ao mercado sem responsabilização do Estado quanto às consequências para a

sociedade.

É válido salientar que a preocupação quanto a privatização e

terceirização está na probabilidade prática de atingir outras áreas de políticas

sociais. A saúde e a educação já estão servindo de palco para tais mudanças;

não necessariamente estamos vendo os frutos positivos de tais mudanças na

gestão das políticas públicas. Corremos o risco de, no futuro, não termos mais

entidades públicas, e sim termos locais onde o mercado pode oferecer políticas

públicas, uma vez que financiado pelo Estado na condição de aumento

constante de seus lucros. Com a disseminação da privatização, perdemos à

garantia de direitos e mais importante, perdemos a regulamentação da

democracia.

Diante do exposto, percebemos a necessidade de mais estudos quanto

à EBSERH, sua implementação, participação efetiva nas decisões burocráticas

dos HUFs assim como uma maior fiscalização de tais ações. Tais medidas

precisam ser passadas para a sociedade como um todo, no intuito de haja uma

reflexão coletiva das consequências da nova gestão para o país e o que isso

implica na vida do cidadão. É preciso ainda que a análise seja estendida para

outras áreas de políticas sociais, assim como para outras profissões envolvidas

no conjunto de mudanças da EBSERH.

Ainda no pressuposto da necessidade de maiores estudos quanto à

implementação e fiscalização da EBSERH, acreditamos que seja necessária

tornar mais claro o posicionamento e visão daqueles trabalhadores que por ela

são contratados através de mais estudos e pesquisas. Afirmamos a

importância deste estudo pois, para a manutenção da democracia e

funcionamento de políticas públicas, é preciso que o quadro de funcionários de

uma instituição esteja focado nessa missão. A possibilidade de uma dicotomia

de interesses dentre os trabalhadores pode gerar uma série de graves

54

consequências negativas, tanto no âmbito de classe trabalhadora, gerando o

enfraquecimento de classes, como no cumprimento de políticas públicas.

Embora alguns autores, políticos e parte da sociedade civil acreditem

nos avanços trazidos pela EBSERH, a realidade tem nos mostrado resultados

diferentes. A existência de tal empresa apenas confirma o histórico de avanços

e retrocessos que passamos ao longo dos anos no Brasil. Quando finalmente

conseguimos a união de diferentes classes sociais em prol de um bem maior

(democracia e garantia de direitos), surge a proposta de retroceder nas

políticas sociais transferindo as responsabilidades do Estado para um setor que

não tem o mínimo interesse no bem estar social, mas sim no bem estar próprio.

Acreditamos na necessidade de uma Reforma, mas descartamos as

bases da contrarreforma do Estado como diretrizes para uma gestão

democrática. Se a privatização é vista como um avanço, precisamos então

retroceder. Quando falamos retroceder nos referimos a cultivar novamente a

ideia de que o Estado deve ser responsável pelas políticas públicas, assim

como as HUFs tem o direito de retomar sua autonomia.

Sim, temos plena consciência de que uma possível saída da EBSERH

do quadro administrativo de várias HUFs (mesmo que gradativa) traz uma série

de entraves e problemáticas; é preciso, antes de tudo, ter em mente que para

qualquer mudança no nosso cenário político atual, necessitamos mais uma vez

da força da união das classes subalternas, exatamente como aconteceu na

década de 1980. Precisaríamos, mais uma vez, da organização e articulação

do movimento da reforma sanitária num projeto em busca da conscientização e

reconstrução do Estado.

55

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