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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
NARA DA CUNHA PESSOA
MUSEU VIVO UMA ANÁLISE DO MUSEU CÂMARA CASCUDO
NATAL / RN 2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
MUSEU VIVO UMA ANÁLISE DO MUSEU CÂMARA CASCUDO
NARA DA CUNHA PESSOA
NATAL / RN2009
NARA DA CUNHA PESSOA
MUSEU VIVO UMA ANÁLISE DO MUSEU CÂMARA CASCUDO
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de mestre pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
ORIENTADOR: Professor Doutor Alexsandro Galeno Araújo Dantas
NATAL / RN 2009
Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Pessoa, Nara da Cunha. Museu vivo : uma análise do Museu Câmara Cascudo / Nara da Cunha
Pessoa, 2009. 162 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, Natal, 2009.
Orientador: Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas.
1. Cultura – Museu – Dissertação. 2. Museu Câmara Cascudo – Dissertação. 3. Museologia – Dissertação. 4. Bricolage – Dissertação. I. Dantas, Alexsandro Galeno Araújo (Orient.). II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BSE-CCHLA CDU 316.734:069
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A Dissertação MUSEU VIVO – UMA ANÁLISE DO MUSEU CÂMARA
CASCUDO, foi apresentada por Nara da Cunha Pessoa, foi aprovada e aceita como requisito para obtenção do grau de Mestre em Ciências Sociais.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas
Orientador
______________________________________________Prof. Dr. Luiz Carvalho de Assunção
Examinador
______________________________________________Profª. Drª. Maria Aparecida Lopes Nogueira
Examinadora Externa – UFPE
______________________________________________Profª. Drª. Wani Fernandes Pereira
Suplente
Natal, ___/___/___
AGRADECIMENTOS
À minha mãe, Angélica, por me apoiar de todas as maneiras e em todas
as circunstâncias.
Ao meu marido, Flávio, por participar de forma tão carinhosa de todos os
meus desafios.
Ao Prof. Alex Galeno por ter me orientado e acreditado em mim, sempre.
À Profª. Wani Pereira por ter me “levado” até o Museu Câmara Cascudo e
por ter iluminado questões fundamentais no meu Exame de Qualificação.
Ao Prof. Luiz Assunção pelas aulas instigantes e críticas construtivas no
meu Exame de Qualificação.
Ao Prof. Luiz Guilherme Vergara, da UFF, que na graduação me fez
enxergar a problemática “Museu e Sociedade” e me falou do museu dos objetos
e do museu das experiências.
A toda a equipe do Museu Câmara Cascudo, que sempre me recebeu de
braços abertos e que me ajudou muito: Jailma, Érika, Salete, Silene, Jorginho,
Profª. Sônia, Prof. Jerônimo, Prof. Claude.
À Aline Gurgel Silva que compartilhou comigo todo o seu conhecimento
sobre o Museu e foi fundamental para a realização desta dissertação.
Ao Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da UFRN e a sua
secretaria por sempre me atenderem com presteza.
Ao CNPq, instituição responsável pelo apoio financeiro que contribuiu
para o desenvolvimento e sustentação da pesquisa.
A toda minha família pelo apoio incondicional.
Aos meus grandes amigos, que perto ou distante, estão sempre
presentes nos meus pensamentos.
Aos meus cachorros Talmy, Chauí (in memoriam) e Mila, por tornarem
meus intervalos da escrita muito mais prazerosos e estimulantes.
A todas as pessoas que eu não citei, mas que me ajudaram, me
concederam entrevistas e parte do seu tempo, e se tornaram indispensáveis
para a finalização desta dissertação.
RESUMO
Esta dissertação desenvolveu-se a partir da pesquisa de campo no
Museu Câmara Cascudo (MCC) e da pesquisa teórica em museologia,
aprofundando a idéia de museu como ambiência da cultura. Acreditamos que o
MCC, localizado na cidade do Natal – RN, é uma instituição sócio-cultural de
grande relevância por ser um museu universitário, por ter sido criado dois anos
após a existência da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e por realizar
pesquisas e estudos sobre o homem em seus aspectos físicos e culturais.
Assim, este trabalho é composto por uma reflexão sobre o aspecto transitório e
móvel da cultura – cultura viva – para compreendermos o papel do museu na
sociedade contemporânea. A análise feita no MCC, incluindo sua história, seu
funcionamento, suas principais atividades e suas exposições, ilustram uma parte
da nossa pesquisa. A outra parte é composta por considerações teóricas feitas a
partir da leitura de autores como Bauman, Lévi-Strauss, Morin, Kristeva,
Foucault, Le Goff, entre outros.
Palavras chaves: Cultura, museu, bricolage, sociedade.
ABSTRACT
This work was developed from the research field in the Museu Câmara
Cascudo (MCC) and the theoretical research in Museum Studies, enlarging the
idea of museum while ambience of culture. We believe that the MCC, located in
the city of Natal – RN, is a relevant sociocultural institution because it is a
university museum, because it was created two years after the foundation of the
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, and because it develops
researches and studies about man on his physical and cultural aspects. Thus,
this work is made up by a reflection on the transient and mobile aspect of culture
– living culture – to understand the role of the museum in contemporary society.
The MCC analysis, including its history, its functioning, its main activities, and its
expositions, illustrates one part of our investigation. The other part is composed
by theoretical consideration made from the reading of authors such as Bauman,
Lévi-Strauss, Morin, Kristeva, Foucault, Le Goff, among others.
Keywords: Culture, museum, bricolage, society.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Mamulengo exposto na sala “Mamulengos e João Redondo do
RN”.......................................................................................................................11
Figura 2. Abertura da exposição temporária “Câmara Cascudo, o olhar
etnográfico”..........................................................................................................24
Figura 3. Exposição temporária “Câmara Cascudo, o olhar etnográfico”...........26
Figura 4. Rendeira no Museu..............................................................................30
Figura 5. Coleção de cerâmica do MCC armazenada na Reserva Técnica.......32
Figura 6. Mamulengos expostos na Sala “Mamulengos e João Redondo do
RN”.......................................................................................................................37
Figura 7. Pesquisadores do I.A. em campo........................................................57
Figura 8. Sala “Sítios arqueológicos do RN”......................................................57
Figura 9. Sala “Macrofósseis”.............................................................................59
Figura 10. Vista aérea do Museu........................................................................60
Figura 11. Capa dos Arquivos do Insituto de Antropologia, volume I.................61
Figura 12. Capa dos Arquivos do Instituto de Antropologia, volume II...............63
Figura 13. Fachada atual do Museu Câmara Cascudo......................................64
Figura 14. Sala “Santeiros e Devoções do Rio Grande do Norte”......................74
Figura 15. Visita de escolas ao Museu...............................................................77
Figura 16. Vista do primeiro andar do Museu.....................................................81
Figura 17. Curso de reciclagem para professores do 1º e 2º graus ..................83
Figura 18. Sala “Ciclo da cana-de-açúcar”.........................................................85
Figura 19. “Proposta de criação de Unidade Acadêmica Especializada”...........87
Figura 20. Antiga recepção do Museu com loja de artesanato...........................89
Figura 21. Biblioteca “Veríssimo de Melo”..........................................................94
Figura 22. Sala de higienização da Reserva Técnica ........................................95
Figure 23. Trotamundos Cia. de Arte realizando espetáculo nos fundos do
MCC.....................................................................................................................97
Figura 24. Terreno nos fundos do MCC .............................................................98
Figura 25. Placa de inauguração da Reserva Técnica.....................................100
Figura 26. Antiga exposição de cerâmica portuguesa......................................103
Figura 27. Jardim atrás do Museu, onde estão as salas e laboratórios............106
Figura 28. Baiana no Museu.............................................................................112
Figura 29. Capa do catálogo das obras de Etewaldo.......................................116
Figura 30. Capa do catálogo das obras de Luzia e Ana Dantas.......................116
Figura 31. Máscara em madeira de Luanda – Angola, exposta na Sala “Cultura
afro-brasileira”....................................................................................................118
Figura 32. Máscara em madeira de Luanda – Angola, exposta na Sala “Cultura
afro-brasileira”....................................................................................................135
Figura 33. Depósito contendo o acervo do Museu, anterior a construção da
Reserva Técnica................................................................................................137
Figura 34. Armazenamento do acervo na Reserva Técnica.............................137
Figura 35. Sala da Paleontologia......................................................................138
Figura 36. Sala ”Rio Grande do Norte”.............................................................139
Figura 37. Fiação à mostra na Sala da Mina Brejuí..........................................140
Figura 38. Sala “Pico do Cabugi”......................................................................141
Figura 39. Sala da Paleoecologia.....................................................................142
Figura 40. Reprodução do ambiente pesqueiro................................................142
Figura 41. Museu sem o teto............................................................................143
Figura 42. Teto condenado...............................................................................144
Figura 43. Sambaqui.........................................................................................144
Figura 44. Sala da Zoologia..............................................................................145
Figura 45. Sala “Mamulengos e João Redondo do RN”...................................147
Figura 46. Sala “Cultura Afro-brasileira”...........................................................148
Figura 47. Hall do primeiro andar praticamente inutilizado...............................148
Figura 48. Réplica da Mina Brejuí.....................................................................150
Figura 49. Rendeiras no Museu Câmara Cascudo...........................................151
PRINCIPAIS SIGLAS
ABM – Associação Brasileira de Museus
CNFCP – Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular
CIENTEC – Feira de Tecnologia, Ciência e Extensão
CONSEPE – Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão
CONSUNI – Conselho Universitário
DEMU – Departamento de Museus e Centros Culturais
ENMU – Encontro Nacional de Museus Universitários
FJA – Fundação José Augusto
FPMU – Fórum Permanente de Museus Universitários
FUNARTE – Fundação Nacional de Arte
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
MAE – Museu de Arqueologia e Etnologia
MCC – Museu Câmara Cascudo
MEC – Ministério da Educação
MINC – Ministério da Cultura
PROEX – Pró-reitoria de Extensão
SBM – Sistema Brasileiro de Museus
UFBA – Universidade Federal da Bahia
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
URN – Universidade do Rio Grande do Norte
USP – Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
Resumo.................................................................................................................9
Abstract..............................................................................................................10
Introdução..........................................................................................................11
Capítulo I – Museu, locus da cultura 1.1. O museu enquanto ambiência da cultura.....................................................25
1.2. Fábrica de Ordem, liberdade, criatividade e revolta.....................................28
1.3. A mudança de paradigma dos museus........................................................41
1.4. Políticas culturais no Brasil...........................................................................49
1.5. Os primeiros anos do Museu Câmara Cascudo...........................................55
1.6. Os museus, a fábrica de ordem, a revolta e a criatividade...........................69
Capítulo II – O Museu Câmara Cascudo: crise e resistências 2.1. Primeiros sinais da crise...............................................................................75
2.2. Intensificação da crise..................................................................................83
2.3. Instabilidade e resistências...........................................................................92
2.4. O MCC hoje................................................................................................106
Capítulo III – Questões expográficas 3.1. Passado -> História -> Memória -> Tradição..............................................119
3.2. Os enunciados do/no Museu......................................................................126
3.3. O Museu Exótico.........................................................................................128
3.4. Setor de Exposição e coleções do MCC....................................................132
Considerações Finais......................................................................................151
Referências.......................................................................................................158
Anexos .............................................................................................................163
INTRODUÇÃO
Figura 1. Mamulengo exposto na sala “Mamulengos e João Redondo do RN”, 2008.Foto nossa.
11
O objetivo principal desta dissertação é pensar a instituição museu
enquanto ambiência da cultura. Iniciaremos com a idéia de museus como
espaços de trocas e fluxos de conhecimentos destinados a todas as
comunidades da sociedade para pensarmos nas relações entre cultura, museu
e sociedade. Qual a importância dos museus para a sociedade? Como pensar
essa relação indispensável? E por que ela se faz indispensável?
Este trabalho, enquanto resultado de pesquisa empírica, tem como
objeto de estudo o Museu Câmara Cascudo (MCC), museu universitário da
UFRN, localizado na cidade do Natal, no Rio Grande do Norte. O MCC foi o
primeiro museu universitário do RN e também o primeiro museu do estado a
desenvolver sua atividade diretamente ligada à pesquisa.
O objetivo específico de pesquisar a história e o funcionamento presente
do MCC é buscar reconhecer o significado desse museu para ressaltar sua
importância para a cidade do Natal e para a UFRN. A partir da compreensão
que temos de cultura, que exporemos mais adiante, nos afastaremos dos
antagonismos tradicionais – cultura erudita e cultura popular – para
desenvolvermos o conceito de cultura viva, o qual se refere à dinamicidade que
envolve as construções materiais e imateriais do homem.
Do mesmo processo cognitivo surge a idéia de museu vivo. Se a cultura
viva fala do caráter transitório, inovador e, ao mesmo tempo, conservador e por
isso dúbio, incerto, indeciso, como diria Edgar Morin (1999), o que entendemos
por museu vivo? O museu que é dinâmico, porque se renova constantemente,
porque não é o guardião do passado, mas um produtor de conhecimento sobre
o passado, que dialoga com o presente e que possibilita o processo de
construção e conscientização do futuro. O museu vivo não apenas se renova,
como também oferece fonte de inspiração para que o público se renove a partir
da ampliação do saber, do confronto de idéias, do estímulo à criatividade. São
essas as idéias que caracterizam o conceito de museu vivo. Nesse sentido,
cabe a pergunta: qual a relação entre museu e cultura, sendo ambos vistos a
partir de novas abordagens que não as tradicionais?
O museu, enquanto locus da cultura, revela um papel de produtor de
significados, já que a partir dele novos enunciados são criados
permanentemente. Ali, os signos são revisitados, relembrados, revistos e
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relidos e ganham novos sentidos. É, pois, um lugar de importância fundamental
para o aprendizado, a produção do conhecimento e do saber.
Enquanto pesquisa e reflexão teórica, nos apropriaremos de alguns
conceitos fundamentais para entendermos esse complexo campo que é o da
cultura. Assim, teremos como fio condutor deste trabalho as idéias de Zygmunt
Bauman sobre a cultura como práxis, considerando como pontos fundamentais
a frase “la cultura no puede producir otra cosa que el cambio constante,
aunque no pueda realizar cambios si no es a través del esfuerzo ordenador”1
(BAUMAN, 2002, p. 33) e a metáfora da cultura como fábrica de ordem e como
consumidor cooperativo desenvolvida pelo autor.
Outro conceito importante para nosso trabalho – que não se encontra
tão presente em palavras ao longo do texto quanto está conceitualmente – é
atribuído a Claude Lévi-Strauss. Tomaremos o verbo bricoleur para pensarmos
a cultura enquanto algo não definível por um projeto, mas que “se define
apenas por sua instrumentalidade e, para empregar a própria linguagem do
bricoleur, porque os elementos são recolhidos ou conservados em função do
princípio de que ‘isso sempre pode servir’” (LÉVI-STRAUSS, 1976, p. 33).
Além desses pensadores, idéias vindas de outras cabeças estarão
imbricadas em nossa reflexão, como as de Edgar Morin, Julia Kristeva, Michel
Foucault, só para citar as mais freqüentes, e também muitas contribuições da
museologia e da história, como as de Jacques Le Goff, Letícia Julião, Maurício
Segall, Maria Célia T. Moura Santos, Regina Abreu, Mário Chagas, Maria de
Lourdes Parreiras Horta, Myrian Sepúlveda Santos, Maria Margaret Lopes,
entre muitos outros. Além disso, dois trabalhos acadêmicos nos foram
essenciais: a dissertação de mestrado de Aline Gurgel Silva e a tese de
doutorado de Adriana Mortara Almeida.
Para uma primeira referência ao Museu Câmara Cascudo, é necessário
dizermos que ele está localizado na cidade do Natal, no estado do Rio Grande
do Norte, foi criado em 19602 como Instituto de Antropologia, apenas dois anos
após a abertura da Universidade do Rio Grande do Norte (URN), federalizada
naquele mesmo ano, passando a chamar-se Universidade Federal do Rio
1 “a cultura não pode produzir outra coisa além da mudança constante, ainda que não possarealizar mudanças senão através do esforço ordenador.” (Tradução nossa).2 De acordo com a Lei Estadual nº. 2.694, de 22 novembro de 1960, a qual foi publicada emDiário Oficial.
13
Grande do Norte (UFRN). A criação do Instituto de Antropologia (IA) foi
oficializada um ano depois, no dia 19 de dezembro de 1961, quando, em sua
primeira reunião, ficou traçado o programa de trabalho para o início das
atividades, em 1962.
O IA foi o primeiro departamento de pesquisa da Universidade e reuniu
diferentes áreas, inaugurando seu caráter multidisciplinar. A partir das
pesquisas realizadas pelo IA foram desenvolvidas áreas do conhecimento e do
saber que fazem parte do quadro de ensino atual da UFRN. O IA também
oferecia cursos de extensão universitária nas áreas de antropologia,
arqueologia, etnologia e paleontologia, além de abrigar em suas salas algumas
disciplinas oferecidas pela UFRN. Em 1965, o IA recebe a denominação de
Instituto de Antropologia Câmara Cascudo, em homenagem ao seu primeiro
diretor, Luis da Câmara Cascudo, historiador, folclorista, antropólogo,
advogado e jornalista brasileiro. Em outubro de 1973, com o compromisso de
manter o acervo permanente do Instituto de Antropologia, foi criado o Museu
Câmara Cascudo.
Em virtude dos trabalhos nas áreas de Antropologia, Etnologia,
Arqueologia, Biologia e Paleontologia, realizados no litoral e na região do
Seridó no RN, o MCC foi referência nacional e internacional naquela época. A
grande maioria do acervo contido e exposto no Museu reflete, ainda hoje,
exatamente os resultados das pesquisas então realizadas pela instituição.
Nas décadas de 60 e 70, o MCC era um exemplo de instituição em
plena atividade. A partir da década de 80 o museu entra em um estado de crise
que permanece até hoje. Atualmente, quarenta e oito anos depois, podemos
dizer que o museu se encontra em um ritmo um tanto ou quanto “apático” em
relação à sua fase inicial. Em uma visita ao MCC é notório o estado de
defasagem e carência no qual o museu vive.
Reconhecer a importância do MCC e percebê-lo como uma instituição a
serviço da sociedade, bem como compreender as suas funções como museu,
não se revela algo tão prático quanto a própria definição do que é um museu:
uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço dasociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire,conserva, pesquisa, divulga e expõe, para fins de estudo, educação elazer, testemunhos materiais e imateriais, dos povos e seu ambiente.(Conselho Internacional de Museus – ICOM).
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Compreendemos que os museus são espaços sociais de grande
importância para o desenvolvimento do saber, da cidadania, da consciência
crítica e da criatividade, pois se reconhecemos que esses espaços devem estar
voltados para os sujeitos e suas práticas culturais – suas atividades
relacionadas ao cotidiano: os modos de fazer, de pensar, de sentir, etc. – é
porque acreditamos na dinâmica que envolve a sua funcionalidade, dinâmica
esta que permite que os museus sejam campos de experimentação social.
Portanto, o museu está a serviço da sociedade, possibilitando um processo de
construção dos conhecimentos de que os sujeitos participam e por isso lhe
atribuem significado.
Quando falamos em cultura viva, nos referimos principalmente ao
processo de transformação freqüente nas culturas, que lhes confere caráter
dinâmico, móvel e transitório. Nesse sentido, admitimos a cultura como
processo de bricolage – a partir do entendimento de que podemos atribuir
novos significados, continuamente, a qualquer elemento que tenhamos
próximos de nós, já que os signos é que dão sentido à cultura: os signos criam
os significados, sendo a cultura uma criação imotivada.
A cultura é imotivada porque, a princípio, ela não tem uma função
definida. Os significados são atribuídos a partir do uso que se faz de alguma
coisa, do consumo, da apropriação de algum elemento. Conforme Bauman, o
caráter não instrumental e imotivado dos fenômenos culturais revela-se, pois
“toda cultura (...) está diariamente envolvida naquilo que Lévi-Strauss deu o
nome memorável de bricolage” (BAUMAN, 1998, p. 174).
Na cultura não há uma diretriz estabelecida que determina as ações
para que se chegue a um resultado pré-estabelecido. Os processos culturais se
dão de forma espontânea, entretanto, não acontecem aleatoriamente, já que na
apropriação dos signos há uma rede de imbricações, em que todas as linhas
dessa rede estão conectadas, em maior ou menor grau. Ou seja, embora os
fenômenos culturais não sejam pré-determinados, eles não estão, por essa
razão, necessariamente desvinculados de alguma prática cultural existente ou
que já existiu, há esses desencadeamentos e entrelaçamentos.
Ao analisarmos os conceitos de cultura, nos deparamos com uma
heterogeneidade de noções estabelecidas. Para Morin a cultura é:
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falsa evidência, palavra que parece uma, estável, firme, e, no entanto,é a palavra armadilha, vazia, sonífera, minada, dúbia, traiçoeira.Palavra mito que tem a pretensão de conter em si completa salvação:verdade, sabedoria, bem-viver, liberdade, criatividade... (MORIN,1999, p. 75).
Segundo o autor, “nossa sociedade é policultural: há a cultura das
humanidades, nutriz da cultura ilustrada, a cultura nacional, que alimenta e
exalta a identificação com a nação, as culturas religiosas, as culturas políticas,
a cultura de massas” (MORIN, 1999, p. 79). Afinal, de que cultura estamos
tratando?
Não estamos trabalhando com a noção de cultura como algo
estabelecido e cristalizado, ou a noção de duas culturas antagônicas, havendo
uma melhor e outra pior, uma boa e outra ruim. Ao contrário, consideramos a
cultura como uma força dinâmica em si mesma, uma matriz de permutações
possíveis, na qual a oposição entre continuidade e descontinuidade perde o
seu poder perturbador e a continuidade passa a ser pensada como uma
inacabável cadeia de trocas e inovações (BAUMAN, 2002).
A partir de uma outra abordagem, Bauman sugere a metáfora da fábrica
de ordem para mostrar como a noção de cultura foi difundida e, em muitos
casos, ainda o é. A metáfora se refere ao fato de a cultura, por muito tempo, ter
sido concebida como se nela cada elemento tivesse uma função a cumprir e
nada fosse deixado ao acaso, como se um choque entre os elementos só
pudesse provir de um erro no planejamento, uma deficiência. Pensava-se
cultura como se nela cada elemento devesse desempenhar uma função útil
para a manutenção do modelo de ordem concebido.
Contudo, na cultura, diferentemente do caráter repetitivo que assumiu a
tecnologia moderna, nenhum ato humano é uma reprodução precisa, uma
cópia idêntica do modelo já produzido. Cada vez que algo é reproduzido, este
algo possui características originais, tornando-se uma versão única de tal
coisa. Portanto, os modelos estão em contínua transformação. E não se pode
distinguir o autor do agente, pois espera-se que cada membro seja um pouco
dos dois.
Ao aproximarmos esses pensamentos, compreendemos que é o caráter
dinâmico da cultura, bem como a sua potência de renovação dado o uso ou
desuso de elementos e signos à disposição da humanidade, que nos possibilita
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entendê-la como algo vivo, algo que se “consome”, que se vivencia e que,
dessa forma, está em constante renovação e também manutenção.
Quanto aos museus, devemos primeiramente delinear o que
entendemos por suas funções. Afirmamos anteriormente que reconhecer a
importância dos museus para a sociedade, assim como aplicarmos os
conhecimentos adquiridos na prática museológica, não é algo tão simples
quanto assimilarmos sua definição. Portanto, se faz necessário apreendermos
as novas idéias e visões que surgiram na museologia a partir dos anos 1970,
quando começa a haver uma discussão mais ampla sobre as funções do
museu na sociedade.
A nova museologia despreza o interesse centrado no objeto e dá lugar a
um novo conceito de museu, entendido como um instrumento necessário ao
desenvolvimento da sociedade. Da idéia de objeto como valor artístico,
arqueológico, etnográfico e histórico, chega-se à valorização do objeto como
documento e reflexo de uma sociedade e de uma cultura. Assim, o conceito de
patrimônio se estende além do puramente material, que caracteriza a política
de aquisições dos museus, e inclui os mitos, poesias, canções e danças.
Os museus passam a se distinguir por uma dupla responsabilidade: a de
preservar a integridade do objeto como elemento de nosso patrimônio e a de
contribuir para a evolução da sociedade, trabalho que deve realizar através da
investigação e da missão educativa. O verdadeiro papel do museu na
sociedade atual deve ir muito além de sua coleção, seja ela qual for. De acordo
com alguns autores,
A nova museologia, disciplina aplicada à realidade dos museus,postula a premente necessidade do ingresso não de uma parcela,mas de todos os segmentos da sociedade à atmosfera do museu,bem como a entrada e a proteção do patrimônio, de forma global, emum cenário – museu que extrapola suas portas e busca outrasrealidades. (VERGOLINO, 2006).
Museus orientados por uma política cultural em que educar não éapêndice, mas sim preocupação central e, sobretudo, que essapreocupação esteja dialeticamente inserida na instituição, sem selimitar a uma atividade pedagógica formal (visitas guiadas, cursos,vídeos, etc.), assumindo uma postura sensibilizadora e, portanto,conscientizadora. (SEGALL, 2001, p. 63).
17
Retomando o Museu Câmara Cascudo, é necessário levantarmos a
seguinte questão: como trabalharmos a reflexão teórica para discutirmos as
questões evidenciadas no MCC? Primeiramente, se entendemos a cultura
como processo de bricolage, que não pode ser definido previamente, mas
construído, renovado, ou não, a partir dos meios e dos elementos dos quais se
dispõe no momento da criação, afirmamos que os museus, enquanto artefatos
da cultura, apresentam (ou deveriam apresentar) o mesmo processo de
composição. Portanto, assim como a cultura, os museus devem ser dinâmicos,
renováveis, devem estar vivos; os museus estão em constante processo de
construção e de experimentação, na medida em que são “usados” e na medida
em que seus signos são “consumidos”. Quando não se tem isso em um museu,
podemos apontá-lo como um “museu morto”.
Sendo artefato da cultura imotivada, o museu é o lugar da representação
da memória das culturas, mais do que isso, o museu mantém as memórias
vivas, assim como permite sua re-significação, renovação, atualização e
preservação. O museu seria aqui o bricoleur que, ao contrário do engenheiro
que interroga o universo a partir “de um conjunto pré-determinado de
conhecimentos teóricos e práticos e de meios técnicos que limitam as soluções
possíveis” (LÉVI-STRAUSS, 1976, p. 40), se volta para a produção de novos
olhares, que podem ser renovados sempre, a partir dos elementos que cada
olhar encontrar ou de cada enunciado concebido.
o bricoleur está apto a executar um grande número de tarefasdiversificadas porém, ao contrário do engenheiro, não subordinanenhuma delas à obtenção de matérias-primas e de utensíliosconcebidos e procurados na medida de seu projeto (...). O conjuntode meios do bricoleur não é portanto, definível por um projeto (o quesuporia, aliás, como com o engenheiro, a existência tanto deconjuntos instrumentais quanto de tipos de projeto, pelo menos emteoria). (LÉVI-STRAUSS, 1976, p. 38).
Portanto, os museus induzem o olhar de cada visitante, mas devem, ao
mesmo tempo, instigar a construção do saber, a busca pela criatividade e a
formação da consciência crítica. Para tanto, é necessário primeiramente que o
museu esteja vivo, que ele esteja em pleno funcionamento, realizando
atividades com as comunidades e dialogando com as mesmas.
18
Abre-se, assim, a possibilidade da própria revitalização da memóriaque, de forma generalizada, é a base para a construção dasidentidades, para a consciência do indivíduo, pessoal ecoletivamente, compondo uma das formas mais eficientes para oresgate do passado, ligando-o ao presente e ao futuro.3
(VERGOLINO, 2006).
São diversas as problemáticas que envolvem um museu. Uma
instituição como o Museu Câmara Cascudo, que tem sido instrumento
fundamental para o desenvolvimento da UFRN, bem como já capacitou muitos
profissionais, além de ter sido reconhecido internacionalmente graças ao seu
investimento em pesquisas na área da Antropologia, Etnologia, Paleontologia e
Arqueologia, hoje não recebe atenção nem das autoridades nem da sociedade.
Em que momento podemos perceber a mudança em seu status de instituição
museológica para a sociedade? Como entender essa mudança? Como analisar
suas exposições e sua forma de comunicação com o público? Nos
aprofundaremos nessas questões ao longo desta dissertação.
A pesquisa realizada nos arquivos da biblioteca Veríssimo de Melo –
MCC nos colocou diante de documentos como atas das Assembléias Gerais4 e
das reuniões da Congregação de Professores5, em sua maioria, além de
notícias de jornais da cidade do Natal, ofícios expedidos, relatórios das
atividades anuais, produção científica do antigo Instituto de Antropologia,
regimentos internos, normas administrativas e, ainda, algumas outras
informações que fogem às nomenclaturas das pastas dos arquivos e que são
encontradas ali como que “por acaso”.
Embora tenhamos coletado informações de fontes que vão de 1961 a
2007, nossa pesquisa não abrangeu todo o período de quarenta e sete anos.
Seria impossível dar conta da quantidade de documentos referentes a esse
espaço de tempo, durante os dois anos de mestrado. Através das atas das
assembléias e reuniões – pesquisamos todos os livros de atas de 1961-2007 –
nos foi possível alcançar um panorama geral da instituição. Não nos
aprofundamos em todos os acontecimentos dos anos de origem do Museu,
apenas nos que nos pareceram essenciais para conhecermos o contexto em
que se deu sua criação e seus primeiros anos de funcionamento. Ao mesmo
3 Sobre a revitalização e reciclagem das áreas centrais das cidades e o conseqüente ingressodo homem e do objeto no cenário institucionalizado, o Museu.4 Assembléias compostas pelo diretor, professores e funcionários do MCC.5 Reuniões compostas pelo diretor e professores do MCC.
19
tempo, tínhamos o propósito de perceber as condições em que se começa a
falar da “crise” no MCC e o momento em que tal crise se intensifica.
Queríamos, também, destacar as ações de “resistência” que tinham como
objetivo dinamizar as atividades do Museu, combinando a pesquisa, o ensino e
a extensão, na busca de reverter o quadro de estagnação do mesmo. E,
finalmente, pesquisamos os últimos anos mais a fundo, para que pudéssemos
entender as características atuais do MCC.
Em todas as épocas demos prioridade ao que consideramos
indispensável na história do MCC, isto é, os dados que nos possibilitassem
entender as transformações ocorridas, ao longo dos anos, na forma como a
instituição se comunicou com a UFRN e com a sociedade. Logo, assumimos
que alguns anos são menos ou mais citados do que outros, assim como alguns
acontecimentos são mais bem descritos do que outros.
É essencial dizermos que as histórias do MCC e da UFRN muitas vezes
se confundem. Não podemos nos esquecer de que o IA foi um braço da UFRN,
logo nos primeiros anos da sua criação. Portanto, uma reflexão inevitável nesta
dissertação é: Qual a atual importância do MCC para que ele ainda gere tantas
discordâncias, para que seu barulho ressoe, às vezes ainda tão forte?
Foram realizadas dez entrevistas com pessoas que fizeram ou ainda
fazem parte do MCC: um professor aposentado, três professores em atividade
no Museu, uma professora transferida do MCC para o Departamento de
Educação da UFRN, a atual diretora do MCC, três funcionários e os dois
coordenadores da Trotamundos Companhia de Artes. Além das entrevistas, a
observação e a experiência presencial no ambiente da pesquisa –
acompanhamos eventos comemorativos do MCC, como aniversário,
inauguração de exposição temporária, programação da Semana dos Museus, e
convivemos por algum tempo6 em suas dependências – foram fundamentais
para travarmos diálogos “não oficiais” que nos ajudaram a compreender como
funcionava e como funciona a instituição, nos seus bastidores no dia-a-dia.
Algumas dificuldades vivenciadas e ultrapassadas ao longo da pesquisa
foram também essenciais para o presente formato da dissertação. Tivemos
certa dificuldade em realizar nossa pesquisa nos arquivos da Biblioteca
6 Começamos nossa pesquisa no segundo semestre de 2007 e continuamos por todo o ano de2008.
20
Veríssimo de Melo, no MCC. Primeiro, porque os arquivos não estão ainda
devidamente organizados, e, por essa razão, muitas vezes houve dificuldades
de encontrarmos o documento que procurávamos, algumas vezes foi até
impossível. Logo, abrimos mão de algumas informações que gostaríamos de
incluir nesta dissertação, como por exemplo, a Semana de Informes Científicos
e Culturais do MCC e a vinda da primeira museóloga ao MCC, Regina Furtado.
Outra dificuldade enfrentada foi com relação aos horários de funcionamento da
Biblioteca. Como há apenas um funcionário responsável por esse setor, o qual
não está disponível em horário integral, muitas vezes a conciliação dos nossos
horários foi prejudicada, nos fazendo “perder” muitas idas à Instituição.
Outra dificuldade enfrentada se deu quando nos encaminhamos à Pró-
reitoria de Extensão da UFRN para pesquisar projetos de extensão que haviam
sido realizados pelo MCC nos anos 1980, 1990 e 2000. Embora nos tenham
recebido bem, pudemos comprovar um descaso para com o Museu. Quando
perguntamos se podíamos ter acesso aos documentos que comprovavam a
existência de tais projetos, ouvimos a seguinte resposta: “Ah, lá no Museu eles
não fazem nada, quase não há projetos de extensão.” Logo, não pudemos ter
todas as informação necessárias.
A escolha do tema do trabalho está relacionada às experiências
pessoais, que, desde o período da graduação em Produção Cultural, nos
fizeram questionar as formas de uso dos aparelhos culturais e artísticos pela
sociedade, assim como o seu funcionamento e gestão. Por acreditarmos nos
museus enquanto espaços de vivências, experiências e comunicações entre a
sociedade, nos aprofundamos no assunto. Quanto ao nosso objeto de
pesquisa, o Museu Câmara Cascudo, este foi definido devido a sua importância
como instituição cultural, sobretudo para a cidade do Natal, e por acreditarmos
na relevância da pesquisa, já que não encontramos nenhum trabalho
acadêmico que desse conta do MCC como um todo.7
7 Sobre o MCC apenas encontramos quatro monografias de graduação e uma dissertação demestrado que tratam da sua história e de alguns de seus aspectos estruturais, como suascoleções. São elas: VALE, Nelson Aderaldo Olsen Maia do. Turismo Cultural e Museu: estudode caso no Museu Câmara Cascudo em Natal. Natal, 2006. Monografia (Curso de Turismo) –UERN; PINHEIRO, Marisa de Castro. Museu Câmara Cascudo: Consagração de um IntelectualPotiguar. Natal, 2007. Monografia (Curso de Ciências Sociais) – UFRN; VALE, Nelson AderaldoOlsen Maia do. A Construção do Patrimônio Potiguar e o Museu: estudo de caso do MuseuCâmara Cascudo. Natal, 2007. Monografia (Curso de História) – UFRN; SILVA, AbrahãoSanderson Nunes F. da. Musealização da Arqueologia: Diagnóstico do PatrimônioArqueológico em Museus Potiguares. São Paulo, 2008. Dissertação (Programa de Pós-
21
Esta dissertação está dividida em três capítulos. No primeiro
apresentaremos o museu enquanto um locus da cultura. Para tanto,
discutiremos algumas questões conceituais que permitem entender o que
chamaremos de museu vivo. Abordaremos, também, a mudança de paradigma
dos museus, que teve início na década de 70, quando podemos perceber as
primeiras mudanças na forma de se concebê-los. Portanto, faremos um breve
histórico do surgimento dos museus – de templos sagrados para espaços de
participação voltados para as comunidades –, contextualizando a instituição
dentro das políticas culturais nacionais. Após essa introdução museal,
entraremos nos primeiros anos do MCC, para então refletirmos sobre questões
primordiais desta dissertação, que permeiam a noção de cultura e as questões
museológicas.
No segundo capítulo mergulharemos no MCC, investigando seus
primeiros momentos de crise, as conseqüências e suas resistências ao longo
dos anos 1980, 1990 e 2000, para chegarmos ao momento presente do Museu.
Logo, apresentaremos aspectos do funcionamento atual da instituição, bem
como suas principais dificuldades.
Por último, nos apropriaremos de algumas idéias conceituais sobre
passado, história, memória, enunciado, entre outras, para pensarmos nas
formas de exposição dos museus. Além disso, exploraremos o Setor de
Exposição do MCC, esboçando um mapa virtual do mesmo, para que sua
visualização seja possível.
Não pretendemos, de forma alguma, apresentar um trabalho completo
sobre as questões museais relativas ao MCC, nem tão pouco esgotar a
discussão sobre o museu vivo ou sobre a temática Museu e Sociedade.
Contudo, esperamos contribuir para os novos estudos sobre museus,
sobretudo servir de referência especificamente no que se refere ao MCC e,
ainda, oferecer às ciências humanas mais um degrau para a elevação do
conhecimento, através da transversalidade das áreas que o tema “Cultura,
Museu e Sociedade” abrange.
graduação em Arqueologia) – USP; SILVA, Aline Gurgel. Instituto de Antropologia: História eMemória de um Itinerário Científico-cultural na URN. Natal, 2008. Monografia (Curso deHistória) – UFRN. Outros trabalhos que citam o Museu se referem especificamente às suascoleções e acervo.
22
Figura 2. Abertura da exposição temporária “Câmara Cascudo, o olhar etnográfico”,março/2008. Foto nossa.
1.1. O museu enquanto ambiência da cultura
24
É nosso objetivo pensar o museu enquanto ambiência da cultura,
partindo da idéia de que museus são espaços de trocas de conhecimentos, de
sociabilidades, de oxigenação das idéias, de experimentação, mas também
espaços de ambivalências, de confrontos e de contradições. Os museus são
ambientes de fluxos e de movimentos, e não espaços estagnados no passado,
cristalizadores da história, da cultura e da tradição. Como disse Maurício
Segall, um lugar onde preservar não é um fim em si mesmo: “Preservar não é
‘mumificar’ a cultura, nem é ‘disseminá-la’, ambas formas passivas. Em um
papel ativo, preservar significa pensar mais na ênfase em como usar o
patrimônio preservado do que em o quê preservar.” (SEGALL, 2001, p. 71).
Dentre os diversos conceitos de ‘cultura’ aplicados a diferentes
problemáticas, assumiremos a cultura como “um ousado movimento pela
liberdade”, pela “necessidade” de “criar”, uma “recusa à oferta de uma vida
animal segura” (BAUMAN, 2002, p. 335).
Dessa forma, a idéia de cultura é utilizada como uma motivação para o
crescimento humano, mas a cultura é, ao mesmo tempo, imotivada, por não ser
condicionada, mas espontânea e criativa. Pensaremos na cultura como algo
que está além das regras, normas e modelos dos sistemas sociais. Aqui, a
cultura é “viva”, dinâmica, já que experimenta constantes renovações em seus
processos. Segundo Bauman (2002), os homens alcançam um maior nível de
criatividade quando estão “livres da necessidade de assegurar os meios de
sobrevivência” e “livres da pressão de suas necessidades psicológicas”.
O museu enquanto ambiência da cultura tem sua existência marcada
pela tradição – como algo perpétuo – associada à noção de patrimônio. Ainda
hoje, mesmo tendo a museologia e o museu mergulhado em outras águas,
vindas de fontes distantes da idéia européia inicial de museu, ainda é difícil pôr
em prática os conhecimentos adquiridos.
Nesse sentido, podemos pensar em museus que incorporam a idéia de
tradição como algo imóvel e perpétuo. Dessa maneira, suas coleções são
objetos do patrimônio que devem ser preservados e mantidos intactos. O
resultado disso são exposições sem vida, que contam uma história que não
quer mais ser ouvida seja porque a história não interessa mais aos de hoje,
seja porque a forma como é contada não atrai o outro, seja porque os meios
pelos quais se ouve já não são os mesmos de antes.
25
Se rapidamente extrapolarmos os limites do museu para pensarmos em
qualquer forma de representação que tenha como prioridade existencial a
comunicação com o outro, chegaremos à conclusão de que nenhuma dessas
formas pode estar estacionada nas maneiras de fazer do passado, ou seja,
incomunicável com o presente.
Figura 3. Exposição temporária “Câmara Cascudo, o olhar etnográfico”, março/2008.Foto nossa.
Segundo Gerd A. Bornheim, há uma reciprocidade entre tradição e
ruptura. A oposição de contrários, ao invés de os anular, instaura a
dinamicidade do real. Há uma atração constante entre conceitos como
“continuidade e descontinuidade”, “estaticidade e dinamicidade”, “tradição e
ruptura” (BORNHEIM, 1997, p. 15).
Atração, portanto; mas também repulsa mútua, já que cadatermo só se afirma na medida de seu ser-oposto. A tradição sóparece ser impertubavelmente ela mesma na medida em que afastaqualquer possibilidade de ruptura, ela se quer perene e eterna, semaperceber-se de que a ausência de movimento termina condenando-a à estagnação da morte. A necessidade da ruptura se torna, emconseqüência, imperiosa, para restituir a dinamicidade ao que parecia‘sem vida’. (Idem).
Georges Balandier também se refere às ambivalências e contradições
presentes no conceito de tradição:
26
Na medida que é praticada, descobre seus limites: sua ordemnão mantém tudo, nada pode ser mantido por puro imobilismo; seupróprio dinamismo é alimentado pelo movimento e pela desordem,aos quais ela deve finalmente se subordinar. A tradição não sedissocia daquilo que lhe é contrário. (BALANDIER, 1997, p. 94).
Em âmbito mais geral, porém mantendo laços estreitos com essas
idéias, Bauman diz que assimilar uma postura cultural ou culturológica seria
negar a forma estreita da ciência positivista a qual aponta que seu único critério
de validação do conhecimento é a realidade acessível da maneira em que nos
apropriamos do passado. Para o autor “al englobar también el futuro, entendido
a través de su cualidad única de ser irreductible al pasado, la posición cultural
permite una multiplicidad de realidades.”8 (BAUMAN, 2002, p. 341).
Podemos, portanto, questionar a noção de tradição associada à idéia de
um passado monótono, parado no tempo, que estabelece formas canonizadas
de representação das culturas. O museu, enquanto artefato da cultura, deve
estar em harmonia com propostas que promovam o conhecimento através de
um movimento do pensar, do atribuir sentido, que escapa à alienação das
representações de objetos. “(...) gerar cultura, no caso dos museus, tem a ver
com a sensibilização do indivíduo (...), tem a ver com ‘conscientizar’” (SEGALL,
2001, p. 62). Mas, como pensar nos museus como espaços vivos, onde haja
dinamicidade em seu funcionamento, onde práticas do fazer ultrapassem a
mera passagem do olhar, onde o objeto seja mais do que uma peça do acervo?
(...) Seria preciso ainda ter a coragem de não mitificar o objeto mas,ao contrário, criar condições de releituras sucessivas, ou seja,compreender que seu valor estético estrito freqüentemente não bastapara justificar sua preservação, ou pelo menos sua exibição. Terportanto, a coragem de eliminar seu ‘magnífico’ isolamento,privilegiando seu contexto. (SEGALL, 2001, p. 63).
Apresentaremos, a seguir, idéias sobre a concepção de cultura
enquanto prática social, representação de objetos, consciência crítica e
processo criativo para, em seguida, abordarmos um locus da cultura, o museu.
1.2. Fábrica de ordem, liberdade, criatividade e revolta
8 “ao englobar também o futuro, entendido através de sua qualidade única de ser irredutível aopassado, a posição cultural permite uma multiplicidade de realidades.” (Tradução nossa).
27
Em O Mal-estar da Pós-modernidade, Bauman utilizou o termo fábrica
de ordem para pensar nos aspectos limitados, ordenados e imóveis sobre os
quais a noção de cultura foi criada, assim como todas as invenções modernas:
a fábrica, a prisão, o quartel militar, o asilo, o hospital,
instalações industriais produzindo situações em que a regra substituio acaso e a norma ocupa o lugar da espontaneidade; situações, emque alguns acontecimentos têm elevada probabilidade, enquantooutros são virtualmente impossíveis. (BAUMAN, 1998, p. 162).
Com o passar do tempo, a noção de cultura, que antes era apresentada
no singular, nas medidas do conceito hierárquico, pois se referia a um único
modo existente para satisfazer as necessidades humanas, foi combinada a
outro conceito, o conceito diferencial, que admitia que as necessidades
humanas semelhantes podiam ser satisfeitas de modos diferentes, sem que um
único modo fosse melhor do que os outros, e, portanto, o termo ‘cultura’ pôde
ser empregado no plural.
Segundo Bauman, vivemos a crise desses paradigmas, que se revela
quotidiana. Essa crise pode ter sido ocasionada por três causas conjuntas ou
separadas por lógicas próprias: 1) os fenômenos culturais mudaram tanto
desde que foi criado o conceito de cultura que a antiga noção não se aplica
mais a eles; 2) as nossas maneiras de encarar o mundo de acordo com os
nossos novos interesses e experiências mudaram; 3) houve um colapso do
poder ordenador das noções ortodoxas.
O autor considera que os primeiros sinais da quebra da visão ortodoxa
da cultura surgiram na obra de Claude Lévi-Strauss, especialmente em três
idéias básicas: 1) não existe uma estrutura global da cultura. O que existem
são processos de estruturação contínuos e perpétuos em diversas áreas e
dimensões da prática humana; 2) A cultura não é estacionária, ela é uma
atividade perpétua e sua estrutura, uma constante manipulação de
possibilidades; 3) A cultura não tem necessidades a satisfazer ou sentidos
preestabelecidos a que deve dar expressão. “As necessidades vivem e morrem
juntamente com os usos, os sentidos juntamente com os sinais. (...) A cultura
não serve a nenhum propósito, não é uma função de nada (...)” (BAUMAN,
1998, p. 167).
28
A partir dessa quebra Bauman utilizou o modelo da cooperativa de
consumidores como metáfora para traçar o caminho inquietante e imprevisível
das atividades culturais, idéia completamente distinta do paradigma ortodoxo
da cultura. Primeiramente, a cooperativa de consumidores
cancela ou priva de sentido (exatamente como faz a cultura naprática) as próprias distinções que constituem a espinha dorsal danoção ‘estabelecedora da ordem’ da cultura. (...) Movimentos nãocoordenados encontram-se e vinculam-se em diversas partes daarmação total, apenas para se libertarem de novo de todos os nóspreviamente atados. A espontaneidade aí não exclui, mas aocontrário, exige uma ação organizada e intencional, todavia, essaação não se destina a abrandar, mas a fortalecer a espontaneidadeda iniciativa. (BAUMAN, 1998, p. 169).
Assim, o território da cultura não é minuciosamente administrado e,
tampouco, anárquico, mas um território de autogoverno. A noção de
autogoverno defendida pelo autor diz respeito a um poder policêntrico que
inclui “a exigência de que as fontes de mando devam ser não só plurais e não
hierárquicas como, além disso, móveis. Sua quantidade e localização devem
ser mutáveis.” (BAUMAN, 1998, p. 170).
Na cooperativa de consumidores, assim como na cultura, não se pode
distinguir o autor do agente, pois se espera que cada membro seja um pouco
dos dois. Diferentemente do caráter repetitivo que assumiu a tecnologia
moderna, nenhum ato humano é uma reprodução precisa, uma cópia idêntica
ao modelo já produzido. Cada vez que algo é reproduzido, este algo possui
características originais, tornando-se uma versão única de tal coisa. Portanto,
os modelos estão em contínua transformação.
Contudo, o traço que mais ajusta a cooperativa de consumidores como
metáfora da cultura é uma característica inventada particularmente pelos
Pioneiros de Rochdale9: a parte que cabe a cada membro será calculada de
acordo com o seu consumo e não pela sua contribuição produtiva. Quanto mais
o membro consome, maior a sua parte. Dessa forma, a lógica da atividade da
cooperativa se volta para a distribuição e a apropriação e não para a produção.
9 O autor refere-se à Sociedade de Pioneiros Eqüitativos, que em 1844 inaugurou a suaprimeira loja em Toad Lane, Rochdale. A loja “destinada a ser administrada pelas mesmaspessoas que a utilizavam, foi inventada como um protesto (e um recurso) contra a lógica daarregimentação esmagadora e desalmada, muitíssimo conhecida pela experiência de vida defábrica, que era a forma de os Pioneiros ganharem o sustento diário.” (BAUMAN, 1998, p. 168).
29
Figura 4. Rendeira no Museu, s/d. Foto do arquivo do MCC.
Assim também é no consumo da cultura e nas condições de autor e
agente que o que é cultural adquire sentido. É aí que os signos ganham ou
perdem significados, quando são consumidos, ou não. Por essa razão,
Bauman diz ser útil pensar na cultura tal como no mercado, como um local do
jogo de oferta e procura. Para o seu funcionamento normal o mercado requer
um determinado excesso de oferta sobre a procura existente, a qual somente
no momento da compra satisfaz o potencial da mercadoria. E na cultura há um
excesso de signos
que somente na atividade de seu uso e consumo têm umaprobabilidade de satisfazer o seu potencial significativo, ou seja, detransformar-se em símbolos culturais. Os significados são escolhidospelos sinais, em vez de o contrário. Nessa circunstância, a não-instrumentalidade essencial, o caráter imotivado dos fenômenosculturais revela-se. (BAUMAN, 1998, p. 172).
Toda cultura está diariamente envolvida no processo a que Lévi-Strauss
deu o nome de bricolage: “ela infere continuamente novos signos de qualquer
30
coisa que, por acaso, se ache à mão e verte continuamente novos significados
em tudo o que, por acaso, se ache próximo, à espera de se tornar um signo...”
(BAUMAN, 1998, p. 174).
As raízes da cultura, “seu turbulento, refratário e autopropulsor
dinamismo”, encontram-se nas suas capacidades de estar aberta ao futuro e
de ultrapassar toda situação previamente estabelecida e na convivência entre o
sonho e o horror para atingir a satisfação.
Ao explorar o conceito de imprinting10 cultural, Morin (2002) desenvolve
uma reflexão muito próxima do ponto colocado: a normalização da cultura.
Repressiva e intimidadora, a normalização oprime e silencia as manifestações
do que é diferente, do que não se assemelha a uma noção de verdade ligada à
ordem, quase como uma crença que distingue os modos conforme se “deve”
agir como bons, dos que não são “adequados” para a sociedade, considerados
maus.
O imprinting cultural é o que reproduz o conformismo imposto pela
normalização social, sendo o primeiro inscrito cerebralmente desde a primeira
infância pela “estabilização seletiva das sinapses, inscrições iniciais que
marcarão irreversivelmente o espírito individual no seu modo de conhecer e de
agir.” (MORIN, 2002, p. 30). Posteriormente, o imprinting é combinado à
normalização, a partir da aprendizagem permanente que, conseqüentemente,
elimina outras formas possíveis de apreender as experiências.
Desde então, o imprinting impede de ver diferentemente doque mostra. Mesmo quando se atenua a força do tabu, que proíbe,como nefasta e perversa, toda idéia não conforme, o imprintingcultural determina a desatenção seletiva, que nos faz desconsiderartudo aquilo que não concorde com nossas crenças, e o recalqueeliminatório, que nos faz recusar toda informação inadequada àsnossas convicções, ou toda objeção vinda de fonte considerada má.(Idem).
10 “O Imprinting é um termo que Konrad Lorentz propôs para dar conta da marca incontornávelimposta pelas primeiras experiências do jovem animal” (MORIN, 2002, p. 29).
31
Figura 5. Coleção de cerâmica do MCC armazenada na Reserva Técnica, 2008. Foto nossa.
Logo, o imprinting e a normalização “crescem em paralelo com a
cultura”, e podemos acrescentar que a combinação dos dois se manifesta na
alienação social, em todas as esferas: tolhe os desvios, os processos criativo,
reflexivo e cognitivo, e, em conseqüência, impede as transformações, as
mudanças e o novo.
Quando Bauman (2002) coloca que a cultura é um “ousado movimento
pela liberdade”, pela “necessidade” de “criar”, ele está falando do movimento
de ruptura entre o sujeito e suas práticas reguladas pelo viver em sociedade:
imprinting + normalização. Acrescenta que essa liberdade associada à
autodeterminação pode ser tanto uma benção como uma maldição, pois
estimula os audaciosos e as pessoas com recursos e aterroriza os pobres de
espírito, os débeis e os indecisos. “La libertad es una relación social: para que
algunos sean libres de alcanzar sus objetivos, aquellos que puedan resistirse a
ellos deben perder su libertad.”11 (BAUMAN, 2002, p. 18). Portanto, os
aspectos da criatividade e regulação normativa são ambivalentes e
inseparáveis e estão presentes na idéia composta de cultura.
É nesse sentido, também, que Morin diz que “as idéias movem-se,
mudam, apesar das formidáveis determinações internas e externas que11 “A liberdade é uma relação social: para que alguns sejam livres para alcançar seus objetivos,aqueles que podem resistir a isto devem perder sua liberdade.” (Tradução nossa).
32
inventariamos. O conhecimento evolui, transforma-se, progride, regride.
Crenças e novas teorias nascem enquanto outras antigas morrem.” (MORIN,
2002, p. 32). Desse modo, mesmo na normalização, há um desvio da regra,
falhas na regulação social por onde escapa o diferente, o incomum, o gerador
de mudanças. Essas idéias se aproximam ao tratarem da ambigüidade e
reciprocidade constantes em aspectos da cultura como a invenção e a
preservação, a descontinuidade e a continuidade, a novidade e a tradição, a
rotina e a ruptura de modelos, o seguimento das normas e a sua superação, a
troca e a monotonia da reprodução, o inesperado e o imprevisível (BAUMAN,
2002, p. 22).
No entanto, Bauman identifica que a idéia concebida de cultura foi uma
invenção histórica para que determinados fatos, costumes, práticas, fossem
legitimados ou não, e disseminados na sociedade. O autor diz que quando uma
ordem é produzida, a probabilidade dos acontecimentos é manipulada. Em
conseqüência disso, qualquer ambivalência que desafiasse a lógica, a
coerência e a claridade das coisas era tida como um desafio à razão, como se
a razão só pudesse ser concebida de uma forma, caracterizada por uma
verdade única do mundo.
Morin identifica a organização da cultura sob a perspectiva do veículo
cognitivo da linguagem, “a partir do capital cognitivo coletivo dos
conhecimentos adquiridos, das competências aprendidas, das experiências
vividas, da memória histórica, das crenças míticas de uma sociedade.” E
acrescenta que, dispondo desse capital cognitivo,
a cultura institui as regras/normas que organizam a sociedade egovernam os comportamentos individuais. As regras/normas culturaisgeram processos sociais e regeneram globalmente a complexidadesocial adquirida por essa mesma cultura. (MORIN, 2002, p. 19).
Os estudos dos dois autores compartilham alguns pontos comuns,
principalmente no que se refere à normalização da cultura, decorrente do
conhecimento determinista. Contudo, caminharemos um pouco mais com a
análise de Bauman.
Quando o discurso sociológico adotou o conceito de cultura, este era
usado na mesma medida que o conceito de sistema social ou de civilização: a
33
idéia que se tinha de cultura – principalmente entre os antropólogos norte-
americanos – era que ela apresentava regularidades, era organizada e se
comportava sistematicamente e, por isso, permitia que fosse analisada pelos
métodos da ciência. De acordo com essa visão, a cultura era uma realidade
que precedia à própria ação, pois era modelada e regulada antes mesmo que a
ação acontecesse.
Esse pensamento se fez dominante, principalmente na ciência
positivista, que acreditou que as premissas científicas eram absolutas,
impassíveis de apresentar falhas, lacunas, desvios ou múltiplos olhares. A
mesma ciência que aceitou que o cientista social deveria estar em um patamar
mais baixo que o físico, já que as respostas da física seriam sempre mais
absolutas e cientificamente comprováveis do que as da sociologia.
Para Bauman (BAUMAN, 2002, p. 323), a ciência positivista, por ser
normativa, é o único caminho que pode satisfazer o interesse humano no que
se refere ao domínio da técnica. E, talvez, seu êxito se deva à imortalidade
desse interesse. O autor sugere que o positivismo é a consciência da
sociedade alienada, sendo possível observarmos uma coerência entre o tipo de
vida gerada por esta sociedade e as premissas positivistas fundamentais sobre
a natureza do universo, assim como sobre a origem e a função da linguagem.
La separación de la creación y del control, el corazón de laalienación, subyace en la base de la realidad social y en la imagenmental de la sociedad. El acto de la creación es la única manera deque el hombre pueda controlar su existência en el mundo, a saber, deque consiga culminar el doble proceso de asimilácion y acomodación.Si se desconecta el control del acto de creación y se transplanta a laesfera de lo transcendetal, la relíquia truncada del trabajo humano sepresenta al propio sujeto como un acto totalmente vacío de susignificado original e innato. La propia subjetividad deja de tenersentido, ya que ningún significado obvio y evidente parece llenar laparte del processo vital que se ha reservado como dominio privado.La esfera transcendental de lo público – la sociedad – se haconvertido en la sola morada del control.12 (BAUMAN, 2002, p. 324).
12 “A separação da criação e do controle, o coração da alienação, subjaz na base da realidadesocial e na imagem mental da sociedade. O ato da criação é a única maneira de o homempoder controlar sua existência no mundo, ou seja, de conseguir culminar o duplo processo deassimilação e acomodação. Se se desconecta o controle do ato de criação e se transplanta àesfera do transcedental, a relíquia truncada do trabalho humano se apresenta ao próprio sujeitocomo um ato totalmente vazio de seu significado original e inato. A própria subjetividade deixade ter sentido, já que nenhum significado óbvio e evidente parece satisfazer a parte doprocesso vital que se reservou como domínio privado. A esfera transcedental do público – asociedade – se converteu na morada sozinha do controle.” (Tradução nossa).
34
A sociedade alienada distingue drasticamente a esfera pública da esfera
privada da vida humana. Logo, a sociedade está dividida em duas metades: “la
primera mitad de la esfera privada es la dotación de la persona para su
capacidad de trabajo única; la segunda es la satisfacción de sus necesidades
únicas”13 (Idem). Dessa forma, os processos de criação e de controle perdem
conexão, e o trabalho humano deixa de ter sentido, vira uma mera repetição
maquinal. Conseqüentemente, o processo individual criativo é engessado e
moldado em formas prontas, as regras determinam os atos. O autor acredita
que o esforço contínuo para superar o vazio existente entre as duas metades e
para restaurar uma suposta unidade perdida pode ser compreendido como a
fonte inesgotável da angústia humana.
Essa forma de entender a cultura como um sistema fechado, com
normas previamente estabelecidas, está de acordo com a crença positivista, na
qual não há dúvidas da supremacia do “É” sobre o “Deveria”14, ou seja, do que
está determinado sobre o que poderia ser. De acordo com esse
posicionamento, a realidade é algo concreto que não deveria ser ou não
poderia ser diferente, algo abstrato. É esse o pensamento da sociedade
alienada, que já não questiona ou busca por mudanças, mas se satisfaz com o
que é estabelecido ou entregue pronto.
Bauman, ao criticar o positivismo, fala que, a partir de uma visão
absoluta da ciência, a sociedade tomou como verdade a sua própria realidade,
prejudicando os processos criativos, os processos de mudança e
transformação social. A ciência positivista pouco pode falar de criatividade; o
que ela faz melhor é descrever o real, sendo dessa forma insuficiente ao falar
das possibilidades.
Em uma análise relevante e atual da cultura, Julia Kristeva utiliza o
termo “revolta”, fundamentando-se na raiz polivalente da palavra e
diferenciando-a do sentido estritamente político, com o qual estamos
acostumados a conviver, para falar da necessidade de retomada da noção de
revolta para se pensar a cultura. Para ela, vivemos um momento no qual, por
13 “a primeira metade da esfera privada é o rendimento da pessoa para sua capacidade únicade trabalho; a segunda é a satisfação das suas necessidades únicas” (Tradução nossa).14 Bauman sugere que na atitude científica há um abismo intransponível entre o É “real” e oDeveria “abstrato” e que, em uma realidade alienada, vigora a inflexível supremacia do É sobreo Deveria.
35
um lado, reconhecemos o fracasso das ideologias revoltadas, e, por outro, a
enxurrada da mercadoria.
Kristeva argumenta que a cultura-revolta é algo essencial para as
sociedades, já que a cultura é a nossa consciência crítica:
(...) basta pensar na dúvida cartesiana, no livre pensamento dasLuzes, na negatividade hegeliana, no pensamento de Marx, noinconsciente de Freud, sem falar no eu acuso de Zola, nas revoltasformais – da Bauhaus e do surrealismo, de Artaud e de Stockhausen,de Picasso, de Pollock e de Francis Bacon. Os grandes momentos daarte e da cultura no século XX são momentos de revolta formal emetafísica. (KRISTEVA, 2000, p. 22).
Segundo a autora, na perda dessa força de expressão e da capacidade
crítica do ser humano, seríamos submergidos pela “cultura-show”, pela
“cultura-divertimento” e pela “cultura-performance”, o que ameaçaria de morte a
nossa revolta – nos sentidos de “recusa” e “deslocamento”, assim como em
“cultura como revolta” e “arte como revolta”.
Há uma necessidade dessa cultura-revolta para que as sociedades se
desenvolvam e não se estagnem: “Com efeito, se essa cultura não existisse em
nossa vida, seria o mesmo que deixar essa vida se transformar numa vida de
morte, isto é de violência física e mortal, de barbárie.” (KRISTEVA, 2000, p.
23).
Kristeva buscou na psicanálise o porquê de tal necessidade:
a felicidade só existe ao preço de uma revolta. Nenhum de nós sesatisfaz sem enfrentar um obstáculo, uma proibição, uma autoridade,uma lei que nos permita nos avaliar, autônomos e livres. A revolta quese revela acompanhando a experiência íntima da felicidade é parteintegrante do princípio do prazer. Aliás, no plano social, a ordemnormalizadora está longe de ser perfeita e gera os excluídos: osjovens sem emprego, os suburbanos, os desempregados, osestrangeiros, entre tantos outros. Ora, quando esses excluídos nãotêm cultura-revolta, quando devem se contentar com ideologiasretrógradas, com shows e divertimentos que estão longe de satisfazera exigência de prazer, tornam-se briguentos. (Idem).
Para Bauman, a cultura transcende a lógica da sobrevivência, pois a
humanidade vai além do que ela pode alcançar, do que é estabelecido pelas
normas – o homem sonha, o homem deseja. “Solo las motivaciones de
36
crecimiento, como la cultura, son verdadera y específicamente humanas.”15
(BAUMAN, 2002, p. 335). A revolta entra, então, como um estado de corte com
a realidade dada, com a realidade alienada. Se a ordem social é representada
pela realidade normativa e sedimentada, a cultura se apresenta como
incompleta, inacabada e imperfeita, e, ao expor suas limitações e imperfeições,
desfaz a autoridade suprema do real.
Figura 6. Mamulengos expostos na Sala “Mamulengos e João Redondo do RN”, 2008. Foto nossa.
Em sua reflexão sobre o imprinting cultural, Morin identifica três formas
de falha ou enfraquecimento da normalização: a existência de vida cultural e
intelectual dialógica, o “calor cultural” e a possibilidade de expressão dos
desvios. A dialógica cultural permite a diversidade dos pontos de vista e,
portanto, é característica de sociedades que permitem o encontro, a
comunicação, o debate e o comércio de idéias e de práticas culturais. O “calor
cultural significa intensidade/multiplicidade de trocas, confrontos, polêmicas
entre opiniões, idéias, concepções.” (MORIN, 2002, p. 35). E tanto a dialógica
cultural favorece o “calor cultural”, quanto este favorece aquela e, juntos, geram
a efervescência cultural. Nessas condições, “há uma relação recíproca de
15 “Só as motivações de crescimento, como a cultura, são verdadeira e especificamentehumanas.” (Tradução nossa).
37
causa/efeito entre o enfraquecimento do imprinting/normalização, a atividade
dialógica e a expressão de desvios.” (Idem, p. 37).
Desse modo, Morin assegura que é nas condições de trocas, de
intercâmbios de idéias, pela dialógica cultural e pelo “calor cultural” que
acontecem os desvios da norma. Ao mesmo tempo, é através dos dois
primeiros que os desvios podem ser aceitos e incorporados na sociedade como
tendências, provocando, por sua vez, a dialógica cultural e o “calor cultural”.
Em sua argumentação, Kristeva descreve duas instalações artísticas
que aconteceram na Bienal de Veneza em 1993 para discutir os movimentos
da cultura-revolta que manifestam a angústia causada pela alienação, pela
perda dos alicerces que sustentavam a crença da humanidade em algo maior
do que nós mesmos. Esse algo é muitas vezes transponível para a arte, a
religião, a política, etc. Nesse caso, Kristeva questiona a arte contemporânea e
sugere que ela não faz parte da história do “Belo” proposta nos museus de arte
moderna. “O Belo é ainda e sempre possível? A Beleza ainda existe? (...) então
que beleza observamos nas obras de arte contemporâneas?” (KRISTEVA,
2000, p. 26).
Essas duas instalações, uma do alemão Hans Hacke e a outra do
americano Robert Wilson, expressam, como sugere a autora, o emblema
daquela Bienal e talvez mesmo da arte contemporânea: “o desmoronamento
do alicerce”.
A instalação insólita de Hans Hacke nos faz avançar sobre um chãoque se esquiva, se destrói; a base cai. O chão de Bob Wilson, por suavez, não se corrói, mas se enterra, submerge. Um campo de ruínasde um lado, um chão que afunda, que cede, do outro. O público ficafascinado, transtornado, por esses volumes, como se umainterrogação muito perturbadora os invadisse nesses dois espaços.Perda de uma certeza, perda da memória. Perda política, moral,estética? (KRISTEVA, 2000, p. 27).
O alicerce que se tornou, desde a Bíblia, a pedra angular da sociedade
não existe mais. Os artistas não estão mais no pedestal. A arte não é o vértice.
Vivemos angustiados com a destruição do nosso alicerce, com o nosso
pedestal em ruínas. Mas essa angústia na própria arte não é apenas negativa
porque sugere uma questão: as construções de Hacke e de Wilson são “sub-
versões”, são “re-voltas” no sentido etimológico do termo – “retorno ao invisível,
38
recusa, deslocamento”. Portanto, essas instalações são revelações, sinais de
vida, “deslocamentos do desmoronamento” e por isso nos transtornam.
Kristeva questiona o porquê de os jovens artistas não criarem objetos de
arte, mas instalações. “Seriam elas sinais de uma incapacidade de produzir um
objeto nítido e intenso? De uma inaptidão a concentrar a energia metafísica e
estética numa moldura, num pedaço de madeira, de bronze, de mármore?”
(KRISTEVA, 2000, p. 28). Em uma instalação as pessoas são convidadas a
utilizar seus sentidos, a visão, o tato, a audição e o olfato, às vezes todos de
uma só vez. “Como se os artistas, no lugar de um ‘objeto’, procurassem nos
situar num espaço no limite do sagrado, e nos pedissem, não para contemplar
essas imagens, mas para comungar com seres” (Idem).
A autora indica que “a derradeira meta da arte é talvez o que se pôde
celebrar outrora com o termo encarnação. Com isso entendemos a vontade de
nos fazer sentir, por meio das abstrações, as formas, as cores, os volumes, as
sensações, uma experiência real”. Se as instalações de arte contemporânea
aspiram à encarnação, elas também se prestam à narração da história contida
em cada obra. “Uma instalação nos convida a contar nosso pequeno romance,
a participar, por meio dele e de nossas sensações, de uma comunhão com o
ser” (Idem, p. 29).
Podemos sugerir que, para Bauman, a encarnação de que fala Kristeva
estaria ligada ao crescimento humano, no que se refere à sua criatividade, o
que motivaria o interesse por metas distantes, a princípio inacessíveis:
La humanidad es el único proyecto conocido que trata de elevarse porencima de la mera existencia, transcediendo el reino deldeterminismo, sobordinando el es al debería. La cultura humana,lejos de ser el arte de la adaptación, es el intento más audaz deromper los grilletes de la adaptación en tanto que obstáculo paradesplegar plenamente la creatividad humana. La cultura, que essinónimo de existencia humana, específica, es un osado movimientopor la libertad, por liberarse de la necesidad y por liberarse para crear.Es un rotundo rechazo a la oferta de una vida animal segura.16
(BAUMAN, 2002, p. 335).
16 “A humanidade é o único projeto conhecido que procura se elevar acima da mera existência,transcendendo o reino do determinismo, subordinando o é ao deveria. A cultura humana, longede ser a arte da adaptação, é a tentativa mais audaz de romper as correntes da adaptaçãoenquanto obstáculo para realizar plenamente a criatividade humana. A cultura, que é sinônimode existência humana, específica, é um ousado movimento pela liberdade, por libertar-se danecessidade e por libertar-se para criar. É uma recusa categórica à oferta de uma vida animalsegura.” (Tradução nossa).
39
Apesar de sua natureza criativa e revolucionária, no sentido de ir além
do que é dado como real, a cultura em uma sociedade alienada pode não
passar de qualidade crítica intelectual e prática das realidades sociais
existentes. Contudo, Bauman acredita que a cultura é o inimigo natural da
alienação por questionar constantemente a sabedoria, a serenidade e a
autoridade atribuídas ao real. E coloca que a humanidade deveria assumir uma
postura cultural ou culturológica.
Assumir uma postura cultural ou culturológica significa não aceitar a
estreita atitude positivista que tem como único critério de validade do
conhecimento a realidade empírica obtida pela apropriação do passado. A
postura cultural de que fala Bauman engloba o futuro e, por isso, permite uma
multiplicidade de realidades. As formas da vida não estão presas ao passado,
não estão determinadas, elas estão em construção ao longo de toda a
existência humana. Ou, como colocou Kristeva, a não-aceitação dos fatos, a
desalienação dos sentidos é um processo de busca da nossa encarnação, a
transcendência dos sujeitos normalizados, da cultura estagnada.
Assim como Kristeva, Bauman acredita que
a través de la cultura, el hombre se encuentra en un estado derevuelta constante, una revuelta que es una acción y una experienciahumana, no una invención intelectual, y en la cual, tal como diríaAlbert Camus, el hombre satisface y crea sus propios valores.17
(BAUMAN, 2002, p. 343).
Morin, ao trabalhar com o conceito de dialógica cultural, dirá que ela “é,
simultaneamente, jogo e regra do jogo do desenvolvimento da autonomia do
espírito” (MORIN, 2002, p. 36), pois é o comércio, o conflito, o antagonismo, a
diversidade e a pluralidade de idéias que enriquecem as condições de
autonomia do espírito. Ao mesmo tempo, essa autonomia do espírito se
desenvolve com o fortalecimento da dialógica e produz as condições para seu
fortalecimento.
17 “através da cultura, o homem se encontra em um estado de revolta constante, uma revoltaque é uma ação e uma experiência humana, não uma invenção intelectual, e na qual, tal comodiria Albert Camus, o homem satisfaz e cria seus próprios valores.” (Tradução nossa).
40
1.3. A mudança de paradigma dos museus
Iniciaremos esta seção com uma breve apresentação do surgimento dos
museus, sem, contudo, nos apegarmos a uma exposição minuciosa da sua
criação. Não desejamos fazer um relato de pesquisa histórica da instituição,
mas apenas assinalar como se deu esse processo. O que pretendemos
destacar aqui é a mudança de paradigma dos museus, ou seja, quando passa
a haver uma movimentação intelectual em torno destes, e são feitas
reformulações nas maneiras de pensar e entender os museus. Eles deixam de
ser apenas santuários de objetos sagrados para serem concebidos como
instituições sociais, relevantes para o processo de educação e
desenvolvimento do sujeito na sociedade. Como disse Hugues de Varine:
...Em lugar de estar a serviço dos objetos, o museu deveria estar aserviço dos homens. Em vez do museu ‘de alguma coisa’, o museu‘para alguma coisa’: para a educação, a identificação, a confrontação,a conscientização, enfim, museu para uma comunidade, funçãodessa mesma comunidade. (Apud COELHO, 1999, p. 157).
A palavra ‘museu’ tem origem no termo grego mouseion. Na Grécia
antiga, mouseion denominava o templo das nove musas filhas de Zeus e
Mnemosine, deusa da memória. As musas estavam associadas a diferentes
ramos das artes e das ciências. Os mouseions não reuniam ou abrigavam
coleções, eles eram espaços dedicados aos estudos científicos, literários e
artísticos, bem como à sua contemplação. “A noção contemporânea de museu,
embora esteja associada à arte, ciência e memória, como na antiguidade,
adquiriu novos significados ao longo da história.” (JULIÃO, 2006, p. 20).
A origem dos museus está enraizada nas bases do colecionismo do
século XV. As coleções reais eram moda em toda a Europa e graças ao
Renascimento, à expansão marítima e ao espírito científico do momento, as
coleções passam a conter objetos e obras de arte da antiguidade, tesouros e
curiosidades vindas da Ásia e da América e produções dos artistas da época
financiados pelos nobres marchands.
Além das coleções principescas, símbolos de poderioeconômico e político, também proliferaram nesse período osGabinetes de Curiosidade e as coleções científicas, muitas chamadas
41
de museus. Formadas por estudiosos que buscavam simular anatureza em gabinetes, reuniam grande quantidade de espéciesvariadas, objetos e seres exóticos vindos de terras distantes, emarranjos quase sempre caóticos. Com o tempo, tais coleções seespecializaram. Passaram a ser organizadas a partir de critérios queobedeciam a uma ordem atribuída à natureza, acompanhando osprogressos das concepções científicas nos séculos XVII e XVIII.Abandonavam, assim, a função exclusiva de saciar a meracuriosidade, voltando-se para a pesquisa e a ciência pragmática eutilitária. (JULIÃO, 2006, p. 20).
Essas coleções não eram, entretanto, abertas ao público; eram de
domínio dos proprietários e pessoas próximas a eles. O museu só foi aberto ao
público no final do século XVIII, com a criação dos museus nacionais. Isso se
deu no contexto da Revolução Francesa através de decretos de aparato
jurídico que transferiam os bens do clero, da Coroa e dos emigrados para a
nação e, conseqüentemente, preservavam os bens ameaçados de destruição,
por motivos ideológicos oriundos da Revolução.
Em 1793, é criado o Museu do Louvre localizado no Palácio do Louvre,
antiga sede do governo monárquico francês. No século XIX haverá a
expansão, por toda a Europa, desse tipo de instituição: o Museu Real dos
Países Baixos, em 1808, o Museu de Madri, em 1819, entre muitos outros. O
Museu do Louvre serviu de modelo aos grandes museus europeus que
simbolizavam a cultura nacional de cada país e definiam a identidade cultural
de um povo a partir de uma história oficial. Esses museus eram importantes
para as grandes nações por mostrarem a um grande público suas conquistas,
sua história, sua identidade e sua cultura, enquanto status hierárquico.
Concebidos dentro do ‘espírito nacional’, esses museusnasciam imbuídos de uma ambição pedagógica – formar o cidadãoatravés do conhecimento do passado – participando de maneiradecisiva do processo de construção das nacionalidades. Conferiamum sentido de antiguidade à nação, legitimando simbolicamente osEstados nacionais emergentes. (JULIÃO, 2006, p. 21).
Dessa forma, os museus possuíam um caráter quase sagrado. Eram
lugares que impunham respeito, aos quais se deveria ir bem vestido, em
silêncio e com semblante fechado, como se algo inviolável fosse guardado ali.
Embora os museus tenham sido abertos ao público, não eram todos que os
freqüentavam: os museus eram destinados à classe rica, aos intelectuais e às
42
pessoas “cultas”. Ou, como disse Theodor W. Adorno, ao se referir ao artigo de
Paul Valéry, Le Problème des Musées:
Segundo ele [Valéry], reina entre as esculturas uma fria confusão, umtumulto de criaturas congeladas, das quais cada uma requer ainexistência das outras numa desordem estranhamente organizada.Em meio aos quadros oferecidos à contemplação, o visitante étomado por um sagrado horror, ironiza Valéry. Ainda se pode falarmais alto do que na igreja, mas o tom de voz é mais baixo do que onormal. O visitante não sabe por que foi ao museu: para se instruir,para se encantar ou para cumprir um dever, satisfazer a umaconvenção. Cansaço e barbárie se encontram ali. Nenhuma culturavoluptuosa ou razoável seria capaz de erigir uma casa de tão grandeincoerência. Nela – conclui – se guardam visões mortas. (ADORNO,2005, p. 173).
No Brasil, foi no século XIX que surgiram os primeiros museus: o Museu
Real do Rio de Janeiro, atual Museu Nacional, foi criado por Dom João VI em
1818, o Museu do Exército em 1864, o da Marinha em 1868, o Museu
Paraense Emílio Goëldi em 1871 – o qual se originou do gabinete da
“Sociedade Filomática do Pará”, já existente desde 1866 –, o Museu
Paranaense em 1976, o Museu Botânico do Amazonas em 1883, o Museu do
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e o Museu Paulista, atual Museu do
Ipiranga, em 1894.
Segundo Maria Margaret Lopes:
Os museus brasileiros tiveram suas origens associadas a doismomentos conjunturais apontados exaustivamente pela nossahistoriografia como marcos referenciais da cultura brasileira: atransição para o século XIX, caracterizada pela crise do AntigoSistema Colonial e a transferência da sede da monarquia portuguesapara o Brasil, com o conjunto de implementos nos terrenos social,político, econômico e cultural que daí resultaram; e os anosinaugurados pela década de 1870, sintetizados nas frases clássicasde Sílvio Romero e Fernando de Azevedo, respectivamente, comoperíodo de um ‘bando de idéias novas’ e de ‘ebulição intelectual’ dopaís. (LOPES, 1997, p. 11-12).
Nas últimas décadas do século XIX os museus brasileiros mantinham
“extensas redes de intercâmbios internacionais, particularmente com os
principais museus europeus e norte-americanos” (Idem, p. 223), mas também
com outros museus latino-americanos.
O modelo de museu que se difundiu em todo o mundo entre 1870 e
1930 foi o museu das Ciências Naturais. Assim, o Museu Nacional, o Museu
43
Paraense Emílio Goëldi e o Museu Paulista contribuíram enormemente para a
preservação das riquezas locais e nacionais e para a divulgação das teorias
raciais no século XIX.
Essa proliferação de museus e as reformas do MuseuNacional foram, por um lado, frutos da consolidação de diferenteselites locais e de iniciativas científicas regionais. Integraram oconjunto de medidas estabelecidas pelo ‘surto de desenvolvimentomaterial do país do final do século que incorporou a valorização daciência como prática concreta e como instituição social naremodelação da face do país’. Por outro, integraram o movimentointernacional de museus, que também se renovava em consonânciacom as mudanças de paradigmas pelas quais passavam as CiênciasNaturais nesse final de século. Nesses contextos, marcados pelaexpansão das diferentes áreas disciplinares e instituições científicas epelo incremento da especialização e profissionalização dos técnicos ecientistas, os museus brasileiros estiveram sobremodo atuantes.(LOPES, 1997, p. 153).
A partir de 1922, com a criação do Museu Histórico Nacional (MHN), a
nação ganhou evidência museológica no Brasil. Segundo alguns autores, a
abertura do MHN é um marco no movimento museológico brasileiro, pois
“rompeu com a tradição enciclopédica, inaugurando um modelo de museu
consagrado à história, à pátria, destinado a formular, através da cultura
material, uma representação da nacionalidade” (JULIÃO, 2006, p. 22). O MHN
serviu de modelo para outras instituições nacionais que já nasceram
comprometidos com “a idéia de uma memória nacional como fator de
integração e coesão social, incompatível, portanto, com os conflitos, as
contradições e as diferenças.” (Idem).
Em 1937 é criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(SPHAN), atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),
com atuação restrita ao universo simbólico das elites, calcado na idéia
hierárquica de cultura e no critério exclusivamente estético dos bens culturais.
A atuação do SPHAN deu privilégio à política de tombamento predial e ficou
distante do anteprojeto elaborado por Mário de Andrade, que incluía a
preservação de bens representativos da cultura popular e sua função educativa
(NOGUEIRA, 2005, p. 219). Contudo, sua criação foi de extrema importância,
pois concretizou o surgimento de políticas públicas destinadas ao patrimônio.
Segundo Antonio Gilberto Ramos Nogueira, o final da década de trinta é
um momento de extrema importância no que diz respeito ao início das
44
discussões que envolvem o patrimônio e que ainda estão presentes em
grandes debates dos dias atuais.
Apesar de várias iniciativas pioneiras para se pôr em prática umapolítica pública de preservação do patrimônio artístico e históriconacional, pode-se afirmar categoricamente que esse é o momentofundador dum discurso sobre o patrimônio, assim como dainstitucionalização de uma prática preservacionista em consonânciacom a política vigente. (Idem).
No que se refere às discussões que envolvem os museus e a sua
missão educativa, é no ano de 1945 que aparece uma das primeiras
referências nesse sentido, no Brasil. Segundo Wani Fernandes Pereira18,
Seu autor, José Valladares, [foi] diretor do Museu do Estado daBahia, e um dos primeiros museólogos do país. A partir daí, taisfunções se constituem em temáticas recorrentes. Em 1958, a funçãoeducativa dos museus é o tema de reflexão do "Seminário Regionalda UNESCO", realizado no Rio de Janeiro.19
No contexto mundial, as primeiras movimentações na museologia
surgiram no século XX, no final da Segunda Guerra Mundial. As novas
formulações referentes aos museus investiam na necessidade de estes
assumirem um caráter dinâmico, de centros de informação, lazer e educação
para o público. Em 1946, com objetivo de promover os interesses da
museologia e de outras disciplinas relacionadas com a gestão e as atividades
dos museus, foi criado o Conselho Internacional de Museus (ICOM).20 O ICOM
é uma organização não-governamental, relacionada à Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Em 1948, é
fundado no Brasil o Comitê Brasileiro do ICOM.
Em 1962, o ICOM promove uma conferência em Neufchâtel, na Suíça,
que, “em face do processo de descolonização da África, abordava o papel dos
museus nos países em desenvolvimento.” (JULIÃO, 2006, p. 27). É na década18 Atual professora do Departamento de Educação da UFRN, fez parte da equipe de docentesdo MCC até 2007.19 Memorial Descritivo “Memória e Patrimônio Cultural: Pelo Resgate de uma Linguagem MaisUniversalista”, 1996.20 Desde o ano de sua criação até o ano de 2001, o ICOM desenvolveu a definição de museu,modificando-a sete vezes: nos anos de 1946 (primeira definição), 1956, 1961, 1974, 1989,1995 e 2001. Atualmente o museu é definido como “uma instituição permanente, sem finslucrativos, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire,conserva, pesquisa, divulga e expõe, para fins de estudo, educação e lazer, testemunhosmateriais e imateriais, dos povos e seu ambiente” (ICOM).
45
de 60 que se intensificam a insatisfação política e os movimentos de
democratização da cultura, realidade que atingia diferentes países do mundo. É
nesse contexto que as críticas aos museus avançam e dão início ao processo
de reformulação de suas estruturas.
No Brasil, o Museu do Folclore, inaugurado em 1968, no Rio de Janeiro,
foi o primeiro museu a contemplar a cultura popular. O museu fazia parte do
movimento folclorista das décadas de 40 e 50 e estava inserido em uma
política de museus fundamentada em um modelo dicotômico da cultura
nacional. De um lado, estava a cultura erudita, do outro, a cultura popular.
Nos anos 1970 os debates na museologia foram ainda mais instigantes,
em todo o mundo. Em 1971, em sua IX Conferência realizada em Paris e
Grénoble, o ICOM discutiu o tema “O Museu a Serviço do Homem Presente e
Futuro”. Em 1972, convocada pela UNESCO, acontece a Mesa Redonda de
Santiago do Chile, evento de extrema importância para a museologia como um
todo, sobretudo para o setor na América Latina. Seus membros compreendiam
que os museus podiam e deveriam desempenhar um papel decisivo no
desenvolvimento social. Surge a “Nova Museologia”, que despreza o interesse
centrado no objeto, dando lugar a um novo conceito de museu, entendido como
um instrumento necessário ao desenvolvimento social.
Diante de problemas do meio rural, do meio urbano, do desenvolvimento
técnico-científico e da educação permanente, foi percebida a relevância dessas
questões para o futuro da América Latina. Parecia, portanto, necessário que as
comunidades tomassem consciência dos museus, da sua situação e das
formas de melhorá-la para que o museu fosse integrado à vida da sociedade.
Para tanto, era essencial que entendessem seus aspectos técnicos, sociais,
econômicos e políticos.
Naquele encontro foram decididos seis pontos, que, resumidamente,
são:
1. É necessário abrir o museu às disciplinas que não estão incluídas no seu
âmbito de competência tradicional, a fim de conscientizá-lo do
desenvolvimento antropológico, sócio-econômico e tecnológico das nações
da América Latina, através da participação de consultores para a orientação
geral dos museus;
46
2. Os museus devem intensificar seus esforços na recuperação do
patrimônio cultural, para fazê-lo desempenhar um papel social e evitar que
ele seja dispersado fora dos países latino-americanos;
3. Os museus devem tornar suas coleções o mais acessível possível aos
pesquisadores qualificados e também, na medida do possível, às
instituições públicas, religiosas e privadas;
4. As técnicas museográficas tradicionais devem ser modernizadas para
estabelecer uma melhor comunicação entre o objeto e o visitante; o museu
deve conservar seu caráter de instituição permanente, sem que isto
implique na utilização de técnicas e de materiais dispendiosos e
complicados, que poderiam conduzir o museu a um desperdício
incompatível com a situação dos países latino-americanos;
5. Os museus devem criar sistemas de avaliação que lhes permitam
determinar a eficácia de sua ação em relação à comunidade;
6. Levando em consideração os resultados da pesquisa sobre as
necessidades atuais dos museus e sua carência de pessoal, a ser realizada
sob os auspícios da UNESCO, os centros de formação de pessoal
existentes na América Latina devem ser aperfeiçoados e desenvolvidos
pelos próprios países. Essa rede de centros de formação deve ser
completada e sua influência deve se fazer sentir no plano regional. A
reciclagem de pessoal atual deve ser garantida em nível nacional e regional
e deve lhe ser dada a possibilidade de aperfeiçoamento no estrangeiro.21
Ainda foram decididos outros pontos com relação ao meio rural, ao meio
urbano, ao desenvolvimento técnico e científico e à educação. Não iremos
transcrevê-los aqui, mas é importante dizer que essas determinações apontam,
em sua maioria, para a relação entre sociedade e museu. No meio rural, surge
a necessidade de fazer mais exposições e possibilitar uma consciência dos
problemas rurais; no meio urbano, as colocações vão na direção de se discutir
as questões sociais das grandes cidades com relação às zonas periféricas, à
exclusão social, às disparidades culturais (no sentido de investimento no setor
da cultura) e sociais existentes entre as classes alta e baixa. Quanto à questão
21 In: PRIMO, Judite. Museologia e patrimônio: documentos fundamentais – organização eapresentação. CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA. Lisboa, nº 15, Págs.95-104, 1999.
47
do desenvolvimento técnico e científico, as decisões da mesa-redonda
apontam para a necessidade de se utilizar os museus como veículos difusores
das novas tecnologias e pesquisas científicas e como veículos de fomento ao
desenvolvimento científico, levando em consideração a situação das
comunidades em que se fazem presentes. Com relação à questão da
educação permanente, os museus são indicados como “agentes incomparáveis
da educação” e, portanto, deverão estar integrados à política nacional de
ensino e ser difundidos nas escolas e utilizados na educação formal graças a
um sistema de descentralização.
Em Santiago também foi criada a Associação Latino Americana de
Museologia. Um dos resultados mais importantes a que chegou a mesa-
redonda foi “a definição e a proposição de um novo conceito de ação dos
museus: o museu integral, destinado a proporcionar à comunidade uma visão
de conjunto de seu meio material e cultural.” (PRIMO, 1999, p. 95).
A mesa-redonda de Santiago do Chile é um marco para a “Nova
Museologia”. Foi nesse encontro que se percebeu o museu como uma
instituição multifuncional e essencial para o desenvolvimento das comunidades
sociais. No trabalho de Evandro Ferreira Passos22, o autor cita uma passagem
do editorial da revista Museum publicada pela UNESCO em 1973 e dedicada à
mesa-redonda de Santiago:
Uma ampla participação e a discussão interdisciplinarpropiciaram neste encontro uma tomada de consciência: os museusda América Latina não estão adaptados aos problemas decorrentesde seu desenvolvimento, eles devem se empenhar em cumprir suamissão social, que é de fazer o homem se identificar a seu meionatural e humano, considerado em todos os seus aspectos. O museunão é apenas o patrimônio, é também o desenvolvimento. (ApudPASSOS, 2003, p. 2).
Em 1984, em Quebéc, no Canadá, foi lançado o Movimento
Internacional da Nova Museologia (MINOM), que abarcou as reformulações da
área museológica. A adoção do conceito antropológico de cultura pela
museologia fez com que o museu fosse visto como um espaço da diversidade,
da pluralidade e, por isso, um espaço de reflexão e de debate condizente com
a realidade das comunidades.
22 Coordenador do Parque da Ciência da Universidade Federal de Viçosa – MG.
48
Foi nesse contexto que surgiu o conceito de ecomuseu. Os primeiros
ecomuseus apareceram na França e propunham a integração entre as relações
do homem e o meio-ambiente. A ideía central do ecomuseu era contemplar as
possibilidades da relação do homem com a natureza de forma plena, ou seja,
permitir que o espaço do museu estivesse aberto para os processos de
construção do sujeito, através do conhecimento, da valorização dos territórios
periféricos – fora dos grandes centros ou das principais vias de acesso –, da
possibilidade oferecida para a formação de uma consciência comunitária
crítica, da participação como forma de atingir o sentimento de pertencimento
social, da valorização das múltiplas memórias sociais em prol do
reconhecimento das identidades. Como disse Hugues de Varine, um de seus
idealizadores, o objetivo do ecomuseu é:
ser o instrumento privilegiado do desenvolvimento comunitário. Elenão visa apenas fazer conhecer e valorizar um patrimônio; ele não éum simples auxiliar de um sistema educativo ou informativo qualquer;ele não é só um meio de progresso cultural e de democratização doacesso às obras eternas do gênio humano. Neste sentido, ele nãopode se identificar ao museu tradicional e suas respectivas definiçõesnão podem concordar (...) O ecomuseu procura o desenvolvimento deuma consciência comunitária crítica. (Apud PASSOS, 2003, p. 5).
1.4. Políticas culturais no Brasil
Seguindo a tendência internacional, na década de oitenta o Brasil viveu
um período de intensa atividade no que se refere à criação de museus.
A ampliação da noção de patrimônio e o processo deglobalização, em escala mundial, e o movimento de redemocratizaçãodo país contribuem para que diferentes movimentos da sociedadepassassem a se ocupar da questão do patrimônio, identificado comocampo propício à afirmação de novas identidades coletivas. (JULIÃO,2006, p. 28-29).
Em 1984, o já então IPHAN, com o intuito de democratizar a concepção
e o acesso ao patrimônio cultural, dá início ao processo de reconhecimento da
diversidade cultural do Brasil. Essa fase teve como emblema o tombamento do
terreiro de Candomblé Casa Branca, em Salvador.
49
A partir dos anos oitenta, grupos étnicos e sociais – negros,indígenas, segmentos populares –, vistos até então em umaperspectiva folclorizante, passaram a ser incorporados pelo discursoe pela prática preservacionista, não apenas como objetos de estudo,mas como produtores de cultura e sujeitos da história. (...) Além dapreservação dos testemunhos da nação como um todo,consolidaram-se avanços inegáveis nesse campo: o reconhecimentode diferentes grupos sociais como sujeitos com direito à memória, aampliação da noção de patrimônio, a participação das comunidadesno processo de preservação e a diversificação tipológica dos benspreservados. (Idem, p. 26).
Em 1985 é criado o Ministério da Cultura. As mudanças fomentadas pelo
processo de redemocratização do país tiveram grandes repercussões na
Constituição de 1988, quando o acesso à cultura foi reconhecido como um
direto do cidadão e houve o fortalecimento das responsabilidades do Estado
para com a preservação do patrimônio cultural.
Na Constituição, no Título VIII “Da Ordem Social”, Capítulo III, Seção II
“Da Cultura”, dois artigos são incorporados: o Artigo 215, que coloca que “O
Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às
fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais” e o Artigo 216:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza materiale imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores dereferência à identidade, à ação, à memória dos diferentes gruposformadores da sociedade brasileira (...).23
Ao analisar aquele momento da elaboração da Constituição, Heloísa
Barbuy afirma que:
... no tocante à cultura e aos bens culturais, nunca antes um textoconstitucional brasileiro lhes dedicou tanto espaço. Pela primeira vezsurge a denominação patrimônio cultural e sua definição. Outranovidade é a distinção entre patrimônio cultural e natural, este últimosob a denominação de ambiental. (Apud SANTO e REGISTRO,2003).
Na década de noventa, a cultura como um todo passou por uma fase
devastadora. Durante o governo do presidente Fernando Collor de Melo, o
Ministério da Cultura foi transformado em Secretaria da Cultura, vinculada
diretamente à Presidência da República. Muitos órgãos da área da cultura
23 Constituição Federal do Brasil.
50
foram extintos e programas culturais, interrompidos. Para o antropólogo Márcio
Meira, o saldo positivo desse período foi:
a aprovação da Lei Rouanet, em 1991, e da Lei do Audiovisual, em1993, cuja ênfase foi organizar um sistema nacional de financiamentoà cultura, através do Programa Nacional de Incentivo à Cultura(Pronac), que inclui também o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e oFundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart). (MEIRA, 2004).
A partir de 1995, já no governo de Fernando Henrique Cardoso, o
Ministério da Cultura, embora tenha sido reorganizado, se exime do seu papel
enquanto Estado e a cultura fica à mercê das políticas de mecenato da Lei
Rouanet: grande parte das políticas culturais foram transferidas para o
mercado. Sobre essa fase do MinC, o ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, disse
que:
... chegamos a uma situação absurda: a política cultural passou a serpensada e executada não pelo Ministério da Cultura, mas porcomunicólogos e marketeiros voltados para atender aos interessesparticulares de suas empresas. Por esta lógica, a cultura e suascriações só adquiriam relevância caso pudessem vir a reforçar aimagem corporativa das empresas.24
Além disso, o Fundo Nacional de Cultura sofreu diversos cortes.
Segundo Meira,
Essas medidas causaram a diminuição da capacidade de ação dasvinculadas do ministério e levaram a uma concentração da aplicaçãodos recursos públicos, via renúncia fiscal, na Região Sudeste,principalmente no eixo Rio–SP. A criação das Secretarias do Livro eLeitura; do Patrimônio, Museus e Artes Plásticas; da Música e ArtesCênicas; e do Audiovisual passou a sombrear as ações daadministração direta com as vinculadas. Como a maioria dosequipamentos culturais do MinC estão na Região Sudeste, a conexãoarticulada da política cultural com estados e municípios ficouprejudicada. (MEIRA, 2004).
Nos dois governos anteriores a cultura no Brasil sofreu impactos
bastante negativos, seja pela ausência de políticas culturais efetivas por parte
do Governo, seja pela implementação de medidas que não favoreceram em
24 Discurso do então ministro da Cultura, Gilberto Gil, no Seminário Cultura XXI, em Fortaleza -CE, no dia 20 de março de 2003. Extraído de: “Cultura no Governo Lula: uma visão estratégicado MinC”, Disponível em: <http://www.revistamuseu.com.br/emfoco/emfoco.asp?id=1529>.Acesso em: 2008.
51
nada a área da cultura, mas, ao contrário, rebaixaram o Ministério a uma
Secretaria.
Como todos os setores do MinC, os museus sofreram as conseqüências
do descaso com a cultura enquanto campo político, fator econômico e
mecanismo de desenvolvimento social. Sem o investimento necessário, os
museus públicos foram sucateados. Naquele período tampouco existiam editais
de políticas públicas voltados especificamente para os museus.
No ano de 2003, no governo de Luis Inácio Lula da Silva, foi criada pelo
Ministério da Cultura a Política Nacional de Museus, considerada por muitos
como um verdadeiro marco na museologia brasileira. O documento oficial,
apresentado nas comemorações do Dia Internacional dos Museus (18 de
maio), foi o resultado do diálogo entre profissionais ligados aos museus da
esfera municipal, estadual, federal, universidades, entidades culturais e o MinC.
O objetivo da política, disposto no documento, é:
promover a valorização, a preservação e a fruição do patrimôniocultural brasileiro, considerado como um dos dispositivos de inclusãosocial e cidadania, por meio do desenvolvimento e da revitalizaçãodas instituições museológicas existentes e pelo fomento à criação denovos processos de produção e institucionalização de memóriasconstitutivas da diversidade social, étnica e cultural do país.25
Um dos primeiros desdobramentos da Política Nacional de Museus foi a
criação, no mesmo ano, do Departamento de Museus e Centros Culturais
(DEMU), no âmbito do IPHAN. Em 2004, foi criado o Sistema Brasileiro de
Museus (SBM), órgão responsável pela gestão da Política Nacional de Museus.
O SBM tem a finalidade de facilitar o diálogo entre museus e instituições afins,
objetivando a gestão integrada e o desenvolvimento dos museus, acervos e
áreas da museologia no país.
Dentro da Política Nacional de Museus, também foram lançados
diversos editais com o objetivo de modernizar os museus, por meio de oficinas
de capacitação realizadas em todo o Brasil, tentando-se, com isso, diminuir o
abismo existente entre as políticas culturais destinadas ao Sul e Sudeste e as
destinadas ao Norte/ Nordeste/ Centro-Oeste.
25 Extraído do site do MinC. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2007/11/27/politica-nacional-de-museus-4/>. Acesso em: 2008.
52
Desde 2003, o DEMU, o IPHAN e a Associação Brasileira de Museus
(ABM) promovem a Semana Nacional de Museus, que acontece no mês de
maio, em comemoração ao Dia Internacional de Museus. Em 2008, em sua
sexta edição, o tema da Semana Nacional de Museus foi “Museus como
agentes de mudança social e desenvolvimento”. No Brasil, aconteceram 1420
eventos em 447 museus de todas as regiões do país. Nesse ano, o tema
desenvolvido pelo DEMU também foi adotado por todos os países da Ibero-
América como lema orientador das comemorações de 2008, consignado por
esses mesmos países como o Ano Ibero-americano de Museus.
O museu está passando por um processo de democratização,de ressignificação e de apropriação cultural. Já não se trata apenasde democratizar o acesso aos museus instituídos, mas sim dedemocratizar o próprio museu compreendido como tecnologia eferramenta de trabalho adequada para uma relação nova, criativa eparticipativa com o passado, o presente e o futuro.26
No Rio Grande do Norte, é a Fundação José Augusto (FJA) o órgão
responsável por gerir a cultura do estado. Criada em 1963, a FJA tem como
funções a manutenção e administração de todos os museus, bibliotecas,
memoriais e teatros sob sua tutela. Situados em sua maioria na capital, são
eles: Museu de Cultura Popular, Museu Casa Café Filho, Museu de Arte Sacra,
Solar João Galvão de Medeiros, Cidade da Criança, Fortaleza dos Reis Magos,
Biblioteca Câmara Cascudo, Biblioteca Mirian Coeli, Memorial Câmara
Cascudo, Memorial Monsenhor Expedito, Centro Cultural Adjunto Dias (Caicó),
Teatro Lauro Monte Filho (Mossoró) e Teatro Alberto Maranhão.
Em 2008 houve mudança de gestão na direção da FJA; contudo, até
então, não há políticas museais efetivas que dêem conta do complexo campo
de atividades que envolvem a gestão e o funcionamento dos museus. O que
vem acontecendo nas cidades do interior do estado é a implementação do
projeto “Casas de Cultura Popular”. As casas de cultura popular estão
localizadas em sua maioria em prédios de importância histórica para a cidade e
têm como missão fomentar a produção cultural no interior do estado.
26 Extraído de: “O país comemora a 6ª Semana Nacional dos Museus”. Disponível em:<http://www.revistamuseu.com.br//emfoco/emfoco.asp?id=16462>. Acesso em: 2008.
53
Quanto ao incentivo cultural no Rio Grande do Norte, existe a Lei
Câmara Cascudo, que é operada a partir de um edital e é baseada em
desconto de 2% sobre o ICMS e com teto de 4 milhões de reais.
Em Natal, é a Fundação Capitania das Artes (FUNCARTE) a
responsável pela “cultura e arte” da cidade. Em agosto de 2008, foi inaugurado
o primeiro museu municipal, o Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão,
localizado na antiga rodoviária da cidade. A criação do museu fez parte do
projeto de revitalização do bairro da Ribeira, área antiga da cidade.
Em nível municipal, embora também haja uma lei de incentivo fiscal para
a área da cultura, Lei Djalma Maranhão, não há políticas específicas para os
museus, o que talvez seja elaborado futuramente, já que agora a cidade abriga
um museu equipado com alta tecnologia e que possui significativa quantidade
de coleções. A Lei Djalma Maranhão oferece descontos no IPTU e/ou ISS para
as empresas que investirem nos projetos aprovados.
É necessário apontarmos para a inexistência de políticas culturais
voltadas especificamente para os museus em nível municipal e estadual. O que
há são editais do MinC e, a partir do encaminhamento de projetos e a possível
seleção dos mesmos, os museus públicos ou privados podem ser
contemplados com o benefício oferecido pelo edital. Embora não tenhamos
aqui a intenção de discutir o tema políticas culturais mais profundamente,
achamos de extrema importância esboçar o contexto das políticas museais em
Natal, no Rio Grande do Norte e no Brasil. Cabe prestarmos atenção à Antonio
Gilberto Ramos Nogueira quando diz que
Toda política cultural é essencialmente uma política pública:conceituada como um conjunto articulado e fundamental de decisões,programas, metas, recursos, e princípios filosóficos, políticos edoutrinários que instrumentalizam a intervenção do Estado. Porconseguinte, política pública é, antes de tudo, uma opção pordeterminada ideologia cultural. (NOGUEIRA, 2005, p. 221).
É possível notar que, até este momento, o Museu Câmara Cascudo
ainda não apareceu no contexto apresentado. O MCC, como museu
universitário, vinculado diretamente à Reitoria e por isso de responsabilidade
da UFRN, não está articulado com as outras instituições da cidade e do estado.
Entretanto, como veremos mais adiante, já houve momentos em que o MCC
54
desenvolveu atividades em parceria com a Fundação José Augusto e
promoveu intercâmbios de ações entre diversas instituições sociais.
Apesar da área de abrangência dos museus ter sido ampliada no
contexto mundial – no que se refere às suas funções e à sua importância
enquanto instituição cultural/social – e das pesquisas científicas e atividades na
área da museologia terem se multiplicado nos debates dentro das
universidades, congressos, encontros e no próprio governo, é preciso
considerarmos que em alguns ou muitos lugares ainda não se percebeu a
importância dos museus como aparelho social, espaço da educação,
ambiência da cultura, encontro dos saberes científicos e humanos, entre outros
méritos.
Os museus ainda têm longos caminhos a percorrer para que sua missão
seja reconhecida como exercício fundamental e indispensável para a
educação, a cidadania e o desenvolvimento social. O museu, enquanto locus
da cultura, sofre pela mesma falta de seriedade que acompanha os
investimentos no setor cultural. O que defendemos, juntamente com outras
iniciativas, é que a cultura perpasse horizontalmente todos os outros setores: a
saúde, a educação, a economia, o meio-ambiente, etc. e atue em equilíbrio
com essas esferas, até porque todas elas estão inseridas na cultura e a cultura
está inserida em todas elas, pelo modo como são praticadas, pensadas,
analisadas, criticadas e desejadas.
1.5. Os primeiros anos do Museu Câmara Cascudo
Quando da criação do IA, em 1960, a idéia que norteava aquele
momento era “promover e divulgar estudos sobre o homem em seus diversos
aspectos físicos e culturais, além de realizar pesquisas relativas às jazidas pré-
históricas do território norte-rio-grandense.” A estrutura do IA englobava
pesquisas multidisciplinares, inaugurando na época a produção de uma ciência
mais aberta. Participaram da primeira reunião, em 19 de dezembro de 1961, os
idealizadores e primeiros pesquisadores do IA, José Nunes Cabral de
Carvalho, Luís da Câmara Cascudo, Monsenhor Nivaldo Monte e Veríssimo
Pinheiro de Melo, os quais contaram com o decisivo apoio do então Reitor da
UFRN, Onofre Lopes da Silva. Ali foram organizados os departamentos de
55
pesquisa do IA, seus respectivos chefes e linhas de pesquisa, que naquele
momento eram: 1. Departamento de Antropologia Física, diretor José Nunes
Cabral de Carvalho, linha de pesquisa “Estudos dos nossos sambaquis”; 2.
Departamento de Etnografia Geral, diretor Luís da Câmara Cascudo. Esse
departamento tinha uma seção de Cultura Popular chefiada por Veríssimo
Pinheiro de Melo, linha de pesquisa “Estudo sobre as áreas de cultura do RN”,
que teve como trabalho inicial uma pesquisa sobre a ecologia do pescador
norte-rio-grandense; 3. Departamento de Genética, Monsenhor Nivaldo Monte,
o qual, devido às atividades junto ao Clero, afastou-se do IA.
De 1960 a 1962, os pesquisadores do IA viajaram pelo estado, tanto
para o litoral quanto para a região do Seridó, realizando suas pesquisas e
colhendo material. Assim como os museus mais importantes do Brasil naquela
época – Museu Nacional do Rio de Janeiro e Museu Paraense Emílio Goeldi –
o IA se preocupou em realizar pesquisas em ciências naturais e em
antropologia, bem como firmar intercâmbios com pesquisadores e instituições
estrangeiras. Também compunham essa equipe dez universitários treinados
durante doze meses em trabalho voluntário, que participavam da coleta de
material trazido do campo e que posteriormente formaram a equipe do MCC.
Esse foi um importante passo para a criação de um local de exposição do
acervo resultante das pesquisas realizadas, acrescido de doações, compra e
permuta com outras instituições de pesquisa.
Segundo Aline Silva, em sua monografia “Instituto de Antropologia:
História e Memória de um Itinerário Científico-cultural na URN”, que engloba os
primeiros anos do IA,
as coleções estariam marcadas por dois princípios: o primeiro, detomar os objetos coletados como ‘artefatos’, documentos de umadeterminada cultura; o segundo, de compreender estes objetos comovinculados a uma ‘identidade nacional’ e, sobretudo ‘norte-riograndense’. Assim, através da prática de um colecionismosistemático, os membros do I.A. acreditariam que estavamdisseminando a ciência antropológica. (SILVA, 2008, p. 29).
De acordo com o texto publicado na seção “Noticiário”, no volume 1 dos
Arquivos do Instituto de Antropologia, em 1964, “Enriquecido com aquisições
resultantes de pesquisas de campo do seus respectivos diretores e alunos do
Instituto, o nosso Museu, recebeu, por outro lado, importantes doações de
56
colaboradores, visitantes e amigos da instituição.” E, logo abaixo, vem a
referência a todos esses colaboradores-amigos, um grande número de norte-
americanos.
Figura 7. Pesquisadores do I.A. em campo, s/d. Foto do arquivo do MCC.
Figura 8. Sala “Sítios Arqueológicos do RN”, 2008. Foto nossa.
57
Em 1962, o IA ocupava uma sede provisória na Avenida Hermes da
Fonseca, n° 961. Quando se inicia o seu funcionamento, naquele mesmo ano,
são adotadas mudanças em sua estrutura, sendo sua nova configuração a
seguinte: 1. Departamento de Antropologia Física, diretor professor José Nunes
Cabral de Carvalho; 2. Departamento de Antropologia Cultural, com a seção de
Cultura Popular, diretor professor Veríssimo Pinheiro de Melo, e a seção de
Etnografia Geral, diretor Luís da Câmara Cascudo; 3. Subseção de Lingüística
e Inglês, diretor professor Protásio Pinheiro de Melo; 4. Subseção de Geologia
e Paleontologia do Quartenário, diretor Antônio Campos e Silva. No mesmo
ano, é fundada a biblioteca especializada em Antropologia e ciências afins,
com um total de cento e cinqüenta volumes. Sua primeira bibliotecária, Zila
Mamede, que também exercia a mesma função na Biblioteca Central da UFRN,
foi posteriormente homenageada, tendo seu nome sido dado a essa Biblioteca
Central.
Como primeiro departamento de pesquisa da UFRN27, o IA reuniu em
sua estrutura diferentes áreas do conhecimento. Os departamentos de
Antropologia, Geologia e Genética da UFRN foram criados ali dentro. Em 1962,
teve início o primeiro curso para alunos matriculados na instituição. O Curso
“Introdução à Antropologia” era formado pelas seguintes cadeiras e respectivos
professores: Antropologia Física – José Nunes Cabral de Carvalho,
Antropologia Cultural Brasileira – Veríssimo Pinheiro de Melo, Lingüística –
Protásio Pinheiro de Melo e Geologia e Paleontologia do Quartenário – Antônio
Campos e Silva.
Em 1963, o professor Napoleão Figueiredo, da Universidade do Pará,
ministrou o curso de extensão “Arqueologia e Etnologia Brasileira”, e os
pesquisadores norte-americanos George e Mary F. Kline, da Academia de
Ciências Naturais da Filadélfia – EUA, chegaram ao IA para realizar pesquisas
juntamente com o pessoal do setor de Malacologia. Pela primeira vez, foram
coletados exemplares do Strombus Goliat e do Xancus Laevigatus.28
Ainda em 1963, foi criada a “Medalha Cultural Câmara Cascudo”. Essa
27 Segundo o “Plano de Desenvolvimento Institucional da UFRN – 1999-2008”, até meados dosanos 1970, “na pesquisa, pode-se apontar, talvez, uma única referência: o Instituto deAntropologia, denominado, posteriormente, de Museu Câmara Cascudo. Afora isso, tem-se aregistrar o esforço de pesquisadores individuais.”28 MELO, Veríssimo de. Síntese cronológica da UFRN, 1958-1988. Natal: UFRN – Ed.Universitária, 1991, p. 65-67.
58
medalha, entregue a personalidades que prestaram serviços, doaram bens
materiais ou trabalharam para o desenvolvimento da instituição, pode ser
interpretada como uma política institucional de oferta como troca. Ela não tinha
uma finalidade acadêmica, mas premiava pessoas que fizeram ou doaram algo
para o IA. De março de 1965 a setembro de 1987, doze personalidades
receberam a medalha29, que atualmente não é mais oferecida.
Figura 9. Sala “Macrofósseis”, 2008. Foto nossa.
Nos anos de 1963 e 1964, um grande número de conferências foi
realizado. Elas contemplavam temas variados, eram ministradas por
pesquisadores do IA, bem como por professores e pesquisadores convidados,
e destinadas aos estudantes universitários. Alguns dos títulos como “Costumes
e Tradições Japonesas” e “A Fixação do Judeu na África” demonstram a
multiplicidade dos assuntos abordados no IA e na UFRN. Seus respectivos
conferencistas pertenciam a diferentes instituições nacionais e internacionais.30
Ainda em 1964, o professor Egon Schaden, da Universidade de São
Paulo, ministrou o curso “Aculturação Indígena – Técnicas e Métodos de
Pesquisa”. Naquele ano, o Dr. Varela Santiago, presidente da “Sociedade de
Assistência aos Filhos de Lázaro”, doou ao Instituto de Antropologia o terreno29 Informações disponibilizadas nos anexos desta dissertação.30 Informações disponibilizadas nos anexos desta dissertação.
59
onde foi construída a sede própria e atual do MCC, também na Avenida
Hermes da Fonseca, mas no número 1398.
Foi lançado o primeiro volume dos Arquivos do Instituto de Antropologia
contendo dez artigos de diferentes intelectuais que fizeram parte da história do
IA, além da seção “Noticiário”, destinada a informar as atividades realizadas no
Instituto, e a seção “Visitas e Impressões”, com os relatos e declarações de
ilustres visitantes deixadas no livro de visitas. Eis algumas que nos chamaram
a atenção:
Há dois anos Veríssimo de Melo e Hélio Galvão conversaramcomigo aqui em Natal sobre Sociologia e Antropologia, porém jamaisimaginara eu encontrar agora o Instituto de Antropologia daUniversidade do Rio Grande do Norte tão bem lançado contando como entusiasmo contagiante do Prof. José Nunes Cabral de Carvalho, econstituindo-se numa esperança altamente promissora, com umaestrutura tão bem delineada para uma breve consolidação no país daCiência do Homem, no seu aspecto da pesquisa pura com tantaspossibilidades de aplicação aos planos de desenvolvimento global.Estão de parabéns os idealizadores do Instituto de Antropologia eseus realizadores, inclusive seus colaboradores e alunos. (ProfessorAntonio Rubbo Muller).31
Foto 10. Vista aérea do Museu, s/d. Foto do arquivo do MCC.
Ninguém pense em visitar o Instituto de Antropologia emquinze minutos. Quem não acreditar em milagre, entre nesta casa eveja como em tão poucas paredes se expõe tanta pesquisa e se
31 Arquivos do IA da URN. V.1, N° 1, Ano 1964.
60
arruma tanta riqueza. Quem olha para o Louvre sabe de antemão quemuitos dias não bastam ainda para observar as maravilhas artísticascontidas no seu interior. Quem olha para o Instituto de Antropologia,pensa de antemão que alguns minutos bastam para conhecer o que éque tem para admirar. Uma vez no seu interior a gente pede que orelógio do tempo pare; pare para que possamos ter contacto comtanta maravilha. Não podemos imaginar como em tão pouco tempo serealiza tanto. (Maestro Valdemar de Almeida).32
Figura 11. Capa dos Arquivos do Insituto de Antropologia, volume I. Foto nossa.
Em 1965, de acordo com a resolução n° 008/CONSUNI, o IA recebe a
denominação de Instituo de Antropologia Câmara Cascudo, em homenagem ao
primeiro diretor do IA e um dos seus fundadores, Luís da Câmara Cascudo,
historiador, folclorista, antropólogo, advogado e jornalista brasileiro.
Em março de 1966, foi lançado o volume dois dos Arquivos do Instituto
de Antropologia Câmara Cascudo, contendo vinte e um artigos de diferentes
autores e a seção “Noticiário”. Transcreveremos, a seguir, a apresentação
desse volume, pois a partir dela podemos perceber o desenvolvimento da
32 (Idem).
61
pesquisa científica no IA, bem como a vontade de seus pesquisadores de
elevar a instituição ao mesmo patamar dos principais museus da época.
Divulgamos agora, conjuntamente, dois números do 2° volumedos Arquivos do Instituto de Antropologia ‘Câmara Cascudo’ daUFRN. Em 1964, publicamos os dois primeiros números,correspondentes ao 1° volume. O atrazo33 com que lançamos opresente volume se justifica em face de motivos superiores à nossavontade, pelo que pedimos escusas aos amigos do IA, colaboradorese instituições congêneres com as quais mantemos intercâmbio.
Também aqui encerramos a primeira fase dos ‘Arquivos do IA’,com as atuais características. A experiência aconselha que adotemoso mesmo sistema usado pelo Museu Nacional e pelo Museu EmílioGoëldi, i. é., publicando-se, em separado, cada estudo ou ensaio,obedecendo-se, naturalmente, a uma seriação e classificação porassunto, na folha de rosto.
Agora, como no futuro, continuaremos enviando os ‘Arquivosdo IA’ a todas as instituições e amigos dentro e fora do país. Ele é onosso veículo. O que nos aproxima de estudiosos e entidades osmais distantes, trazendo o estímulo de que tanto carecemos e, aomesmo tempo, levando a mensagem de fraternidade e verdadeiroamor à Ciência de quantos trabalham para o Instituto de Antropologia‘Câmara Cascudo’.34
E no “Noticiário”, a seguinte nota:
Os arqueólogos norte-americanos Clifford Evans e BettyMeggers, de renome internacional, que visitaram a UniversidadeFederal do Rio Grande do Norte em fins de 1964, dirigiram aoMagnífico Reitor prof. Onofre Lopes a carta que abaixo divulgamos,na qual afirmam entre outras coisas, que o Instituto de Antropologia éum dos mais ativos do Brasil.35
Convém transcrevermos um pequeno trecho de tão prestigiada carta:
Tendo viajado largamente pelo Brasil e por várias partes daAmérica Latina, especialmente a América do Sul, gostaríamos deinformar ao sr. que o Instituto de Antropologia da UniversidadeFederal do Rio Grande do Norte (incluindo seus departamentos eseções de Antropologia Cultural, Física, Arqueologia, Lingüística eassuntos correlatos, como Geologia, Paleontologia e Malacologia) éum dos mais ativos em seu país. Na nossa opinião, o pessoal éexcelente e a qualidade, energia e atitude dos estudantes e jovensassistentes, superior àquelas que encontramos em algumas dasmaiores universidades do Brasil e algumas da América do Sul.36
33 Conforme o texto original.34 Arquivos do IA “Câmara Cascudo da UFRN. V.2, N° 1 e 2, Ano 1966.35 Arquivos do IA “Câmara Cascudo da UFRN. V.2, N° 1 e 2, Ano 1966, p. 413.36 Arquivos do IA “Câmara Cascudo da UFRN. V.2, N° 1 e 2, Ano 1966, p. 414.
62
Figura 12. Capa dos Arquivos do Instituto de Antropologia, volume II. Foto nossa.
Outros destaques do “Noticiário” que merecem ser apresentados aqui:
“Importantes Doações ao Museu do IA”; “Conselho Nacional de Pesquisa
concede auxílio ao Instituto de Antropologia”; “Visitas e Impressões”. De acordo
com Silva (2008), naquele momento, foram empregados esforços para que o IA
fosse reconhecido como unidade científica:
representou uma tentativa de definir a Antropologia como centro dosaber científico, organizando as demais disciplinas – geologia,arqueologia, paleontologia -, em torno dela na instituição. As origensda centralidade da antropologia como ciência do homem, articulandodiversos campos de conhecimentos pode ser tomada como umprojeto audacioso, consagrador de um momento áureo da disciplina.(SILVA, 2008, p. 25).
A partir de 1968, com a reforma universitária, a UFRN passou por um
processo de reorganização que marcou o fim das faculdades e a consolidação
da atual estrutura. Os diversos departamentos foram agrupados e organizados
63
em centros acadêmicos de acordo com a natureza dos cursos e disciplinas.
Nos anos 1970, se iniciou a construção do Campus Central.
Em 1973, dez anos após sua abertura ao público, através da Resolução
nº 81/73 – Conselho Universitário (CONSUNI) da UFRN, de 04 de outubro de
1973, foi criado o Museu Câmara Cascudo, o qual comprometia-se em manter
o acervo permanente do Instituto de Antropologia. Com a implementação da
nova estrutura organizacional e espacial da UFRN, os diversos cursos
abarcados pelo IA são redirecionados para os centros acadêmicos a partir das
suas especificidades.
Figura 13. Fachada atual do Museu Câmara Cascudo, 2008. Foto nossa.
De acordo com a 43ª ata da reunião da Congregação do MCC, no
primeiro livro de atas, verificamos a importância atribuída à mudança de status
do Instituto de Antropologia para Museu Câmara Cascudo. Havia uma
preocupação em colocar o MCC no mesmo nível que os dois principais museus
do Brasil ligados à pesquisa naquela época:
a reunião informou à casa ter o Magnífico Reitor conseguido junto àsautoridades do Ministério da Educação (MEC), a mudança do nomedo Instituto de Antropologia Câmara Cascudo para Museu (deAntropologia) Câmara Cascudo, medida essa que colocava o IA nasmesmas condições do Museu Paraense Emílio Goeldi e do Museu
64
Nacional do Rio de Janeiro, acrescentando o diretor ser essa medidade incalculável valor e importância, uma vez que o museu poderáabrigar, de agora em diante, todos os campos da pesquisa.
Em junho de 1974, mais uma mudança decorrente da reforma
universitária: o IA fundiu-se com o Instituto de Ciências Humanas, Letras e
Artes, o Serviço de Psicologia Aplicada (SEPA), a Escola de Música e o Núcleo
de Estudos Brasileiros para a formação do Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes (CCHLA) da UFRN. O MCC é, então, vinculado ao
Departamento de Geociências do Centro de Ciências Exatas e Naturais, tendo
organização própria e definida em regimento específico, sendo caracterizado
como órgão de ensino, pesquisa e extensão.37
Segundo ata da reunião da Congregação dos professores, realizada no
dia 30 de julho, daquele ano, em razão da nova estrutura universitária, foi
elaborado o “Anteprojeto do Estatuto e Regimento Geral”, a fim de se discutir e
solucionar a situação do MCC junto a UFRN. De acordo com o Anteprojeto, o
Museu passaria a ser um órgão suplementar e não teria mais participação junto
ao CONSUNI, pois já era representado no CONSEPE por um titular e um
suplente. Essa mudança não foi muito bem aceita. Naquela ocasião,
alguns dos presentes acharam que o MCC deveria pertencer a umórgão muito mais elevado uma vez que é uma Unidade de Ensino ePesquisa de nível Superior, sendo reconhecido internacionalmente, enão juntá-lo aos órgãos de serviços. Entre os demais professoresacharam que tem de haver o protesto não aceitando essa colocação,mas sim pleitear um órgão suplementar somente das unidades quetenham vínculos científicos e culturais de alto nível, quais sejam:Museu Câmara Cascudo, Museu Onofre Lopes, Centro RuralUniversitário de Treinamento e Ação Comunitária, e Núcleo deIndústria Química e Farmacêutica.
37 Essas informações provêm do histórico do MCC, disponibilizado em seu site. Contudo,constatamos algumas divergências nos históricos do Centro de Ciências Exatas e Naturais(CCEN) e do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), disponibilizados em seusrespectivos sites. De acordo com o primeiro, em 1977, “os professores e pesquisadores doInstituto de Antropologia e do Museu de Antropologia Câmara Cascudo formaram oDepartamento de Geologia, vinculado ao CCEN”. Portanto, segundo essa versão, não só oMCC estaria vinculado ao CCEN, mas também o IA. Já no histórico do CCHLA, não hánenhuma referência à vinculação do IA ao Centro no momento da sua criação, o que nos leva aconcluir que os departamentos do IA foram distibuídos pelos Centros Acadêmicos da UFRN, deacordo com suas particularidades e a formação inicial do Instituto deixou de existir. Quanto aoDepartamento de Antropologia da UFRN, esse foi criado em 2000. O que havia anteriormente,já na década de 70, era o Departamento de Estudos Sociais, dentro do CCHLA.
65
Foi sugerido que se criasse um órgão complementar que abarcasse as
demais “Unidades/Órgãos de Serviços”. Durante aquela reunião, uma conversa
telefônica entre o professor José Nunes Cabral de Carvalho, então diretor do
MCC, e o Pró-reitor de Assuntos de Planejamento e Administração, o professor
Domingos Gomes de Lima, resultou na afirmação do último de que já havia
proposto tal parecer. Dessa forma, foi indicado que se incluísse o Núcleo de
Estudos Brasileiros juntamente com os quatro órgãos acima citados, devido ao
seu alto valor de projeção cultural.
Assim, em 1977, o MCC, com grande diversificação nas áreas do
conhecimento e da pesquisa, abrangendo a Antropologia, Arqueologia,
Museologia, Estudos Ambientais, Botânica, Paleontologia e Genética, passou a
ser definido como órgão suplementar, vinculado diretamente à Reitoria, tendo
como funções básicas a pesquisa, o ensino e a extensão.38
É interessante notar que naquele ano o então Reitor, Domingos Gomes
de Lima, foi laureado por ter “transformado o Museu, por ato oficial, em órgão
suplementar da UFRN e por todas as ajudas prestadas no passado à
entidade”39. Anos depois, é justamente essa definição do MCC que será usada
como causa para a problemática envolvendo a crise do Museu.
Ainda em seus primeiros anos de funcionamento, havia um diálogo e
uma relação intensos entre o MCC e a UFRN. O apoio da reitoria ao MCC era
indiscutível e garantia o seu pleno funcionamento, já que a Universidade
realmente compreendia o Museu dentro das suas políticas institucionais
administrativas, que davam conta das atividades desenvolvidas no MCC.
Além dos cursos ministrados nas salas de aulas que compõem a
estrutura do prédio, o Museu realizava intercâmbios de peças para exposição
com outras instituições de caráter nacional e internacional.
O intercâmbio de profissionais como estagiários, professores e
pesquisadores também era constante, assim como a publicação de artigos
científicos. Nas décadas de 60 e 70 o MCC encontrava-se em estado de
38 De acordo com o Estatuto da UFRN, de 1977, também são órgãos suplementares o Núcleode Processamento de Dados, a Editora Universitária, a Biblioteca Central, o Núcleo Avançadode Caicó, o Hospital das Clínicas, a Maternidade-Escola Januário Cicco, o Núcleo de IndústriasQuímicas e Farmacêuticas e a TV Universitária.39 De acordo com a Ata da Reunião Extraordinária da Congregação de Professores do MCC,realizada no dia, 15 de maio de 1977.
66
ebulição. O Museu era um exemplo de instituição em plena atividade. De
acordo com Silva (2008),
Percebe-se que tanto durante o mandato de Cascudo como ode Cabral, existia uma comunicação com a Reitoria, queproporcionava uma viabilização de recursos necessários para asatividades. Nota-se que isto ocorria devido àqueles primeiros anos daprópria universidade, uma proximidade desta com seusdepartamentos e órgãos, já que não possuía tanta burocracia. O I.A.nos seus primeiros cinco anos de atividades, teve um significativodesenvolvimento aparecendo como uma instituição cultural bem-sucedida no seu estado e que contribuía bastante para a história daciência antropológica local. (SILVA, 2008, p. 41).
Qual a relação que se dá entre o museu, a cultura e a sociedade? E
aqui, mais especificamente, entre o Museu Câmara Cascudo, a cultura
enquanto artefato no MCC, e a sociedade de Natal?
O Museu Câmara Cascudo foi primeiramente o Instituto de Antropologia,
um departamento da Universidade do Rio Grande do Norte, uma instituição
acadêmica de pesquisa que em todos os momentos buscava desvendar,
entender, compreender, divulgar, os modos, os fazeres, as formas de pensar
do homem e da natureza norte-rio-grandense contemporânea ou de outra
época.
Para isso, promoverá no campo e no laboratório, estudos deAntropologia Física e Cultural e de disciplinas afins, realizandoinvestigações nas comunidades rurais e promovendo a exploraçãocientífica de sambaquis, montes artificiais, poços sepulcrais, jazigos,aterrados, inscrições rupestres, abrigos sob rochas, grutas e outrossítios de interesse antropológico.40
O IA, enquanto instituição científica, divulgava suas pesquisas através
de boletins, arquivos, artigos, separatas, ensaios, livros, etc. Isso demonstra
que, desde o começo, é uma instituição de cunho científico, mas também
social.
Quando o Instituto de Antropologia é transformado no Museu Câmara
Cascudo, a instituição assume o compromisso de “preservar os resultados das
pesquisas”, “estruturar as atividades de proteção, utilização e exposição das
peças”, consideradas então como “patrimônio” da UFRN. Isso dá uma nova
40 Texto do Regimento Interno do Instituto de Antropologia Câmara Cascudo, processo n°07/65.
67
dimensão à instituição, principalmente porque é na década de 70 que as
discussões na área da museologia se tornam mais intensas.
A partir da segunda metade dessa década, a UFRN abre caminho para
a pesquisa e a pós-graduação. “Contraditoriamente, a lei 5.540/68, que instituiu
a reforma universitária, oriunda do regime militar, exerceu um papel importante
nessa mudança porque estabeleceu a indissociabilidade entre o ensino, a
pesquisa e extensão”.41 Desse modo, entre as principais características da
Reforma Universitária estão: o ensino indissociável da pesquisa, a extensão
como instrumento para a melhoria das condições de vida da comunidade e a
participação no processo de desenvolvimento, a renovação periódica do
reconhecimento de universidades e estabelecimentos isolados de ensino
superior e a necessidade social como requisito para a autorização de
instituições e cursos superiores.
Há, portanto, ao longo da década de 70, um grande número de projetos
desenvolvidos pelo Museu, sobretudo de estudos das condições naturais e
sociais do estado. Os projetos eram desenvolvidos, em sua maioria, através
das pesquisas de campo, quando eram firmadas parcerias com prefeituras
municipais e havia um envolvimento da comunidade local. Além dos projetos
de pesquisa e extensão, a entrada dos professores na especialização/pós-
graduação era outra novidade: muitos saíram para fazer cursos em outros
estados e outros países.
Um projeto relevante que teve início no final da década de 70 foi a
“Bolsa Trabalho/Arte” (Convênio entre o MEC e a UFRN). Essa bolsa se inseria
na política de pesquisa, capacitação e extensão da UFRN e tinha como
objetivo capacitar bolsistas para realizar pesquisas referentes às atividades
culturais do estado. Segundo o relatório,
Levando-se ainda em consideração, principalmente a integração dasUniversidades com os demais membros da comunidade, através deuma atuação direta com o artesão ou artista popular, oportunidadeem que procura-se promover e divulgar as atividades artesanais efolclóricas a nível local e regional.42
41 Segundo o Plano de Desenvolvimento Institucional da UFRN – 1999-2008.42 Segundo Relatório de Atividades do Museu Câmara Cascudo, no ano de 1979.
68
Esse programa contou com a participação efetiva de quarenta e dois
bolsistas que atuaram nas atividades artístico-culturais, através da elaboração
e apresentação de vinte e oito projetos, os quais se distribuíam nos campos da
música, do folclore, das artes plásticas, do artesanato e da literatura, como, por
exemplo, os seguintes projetos: “Arquitetura Colonial”, “Festas Populares”,
“Aspectos Alimentares do Rio Grande do Norte”, “Fotografia – Sociedade
Rural”.
1.6. Os museus, a fábrica de ordem, a revolta e a criatividade
O que a “fábrica de ordem”, a “revolta” e a “criatividade” têm a ver com
os museus, e em especial com o Museu Câmara Cascudo?
Como foi dito anteriormente, partiremos da idéia de museus como
artefatos da cultura e, portanto, admitiremos as reflexões apresentadas acima.
Assim, da mesma maneira que entendemos a cultura em suas formas
mutáveis, criativas, espontâneas e descontínuas, ou seja, sem normas ou
ações previamente estabelecidas, mas renováveis e significativas na medida
em que seus símbolos são utilizados, inventados ou recriados, o museu
também é, para nós, um lugar que comporta dinamicidade, onde é possível
atribuir significado às coisas, na medida em que se consome aqueles objetos.
E consumir aqui evoca o sentido de utilizar criando uma relação, seja afetiva,
seja de pesquisa, seja de curiosidade. Enfim, é preciso haver uma
comunicação entre o sujeito e o museu. Assim como Segall (2001) sugere,
acreditamos que o maior desafio dos museus seja o diálogo entre objeto,
acervo e espectador.
A cultura é envolvida diariamente no processo de bricolage e os museus
são o bricoleur, pois não são definidos por um projeto fechado, mas são
espaços de experimentação, de contradição. E se por um lado apresentam
exposições contendo o acervo na “medida de um projeto de curadoria”, por
outro, servem-se dos meios coletados, dos resultados de pesquisas, de
atividade e de experiências vivenciadas na própria instituição. Os museus não
são apenas as exposições, mas a atmosfera que transpassa as visitas, as
questões suscitadas, as contradições levantadas, a criatividade aguçada. E os
museus devem se valer de todos esses elementos para terem vida.
69
Muitos pesquisadores e pensadores se dedicam ao estudo da relação
que se estabelece entre o público e os museus, no instante da visita e no
momento posterior a ela. Ao identificarmos nossas idéias com a de alguns
desses autores, conferimos importância fundamental ao processo de
sensibilização do indivíduo pelo museu, isto é, pela forma como o museu
apresenta suas histórias e se comunica com o público.
Os museus são essencialmente laboratórios de sensibilidade,paralelamente ao seu papel de laboratórios do conhecimento. Aeducação patrimonial é também uma educação sentimental naquiloem que pode capacitar os aprendizes a vivenciar situaçõesdiferenciadas, a compreender conflitos entre diferentes modos de vero mundo, a se colocar na pele de outros, cuja história até então elesignoravam. (HORTA, 2005, p. 232).
Evidentemente que as funções dos museus vão além da mera
exposição de seu acervo; elas devem estar em íntima conexão com sua
missão, que pode variar de museu para museu. O que nos parece essencial é
que cada instituição tenha em seu programa museológico a definição do seu
papel social – a relação que deverá ser estabelecida entre o museu e o público,
pois, como assinalou a museóloga Luciana Sepúlveda Koptcke, “O visitante
aparece desde o momento da criação de um museu, assim atestam o decreto e
o regimento que oficializam a sua existência pública.” (KOPTCKE, 2005, p.
188). Em sua análise sobre o processo de formação dos públicos nos museus,
Koptcke interroga: “Como os públicos se apropriam e representam sua relação
com estas instituições?”. Afirma que há uma permeabilidade nas fronteiras, nas
delimitações do público, portanto, há “fluxo, movimento, mudança de lado:
quem está fora entra, quem está dentro sai” (Idem, p. 186).
A visita é uma experiência resultante de contextos pessoal, social efísico, ancorada em regras e referências compartilhadas por visitantesoriundos de diferentes segmentos da sociedade, curadores,cientistas, etc. Visto desta perspectiva, cada tipo de público seria umconjunto homogêneo instável, circunstancialmente constituído, nãoum atributo cristalizado das pessoas que o compõem. (Idem, p. 187).
No MCC o público é majoritariamente composto por estudantes de
escolas públicas do estado.43 Portanto, torna-se essencial que haja atividades,
exposições e programações destinadas, sobretudo, a esse grupo. Essas43 De acordo com os livros de freqüência do MCC e relatos dos guias da instituição.
70
programações devem possibilitar o encontro das pessoas e a troca do
conhecimento tanto na esfera museu – público, quanto na esfera do sujeito –
público. Tal dinâmica dá vida ao museu e permite que os processos de
ressignificação sejam constantes, como também o de resguardo, pois os
objetos adquirem importância pelo sentido que lhes é atribuído. Em sua
reflexão, Koptcke afirma que
Pôr em pauta a análise dos públicos ou visitantes dos museus,nestes termos, remete à dimensão política desta instituição,convidando a observar as relações de força que se produzem em seuentorno e no seu interior, relativas à afirmação dos parâmetros queorientam tanto o processo de musealização na escolha das peçasque compõem o acervo, quanto a narrativa privilegiada para a suaexposição. Ademais, relações de força também estão presentes naimposição sutil de comportamentos exemplares ou desejáveis aosvisitantes, caracterizando o bom uso da instituição e demarcando osseus limites. (Idem, p. 186).
Essa discussão nos faz voltar aos conceitos trabalhados anteriormente.
O museu, enquanto instituição moderna, seria mais uma “fábrica de ordem” na
sociedade, um espaço da criatividade, da normalização, um ambiente de
revolta, no sentido utilizado por Kristeva, Morin e Bauman? O que é o museu?
O uso do termo “revolta”, nos sentidos de recusa e de deslocamento,
associado à postura culturológica da qual falou Bauman, permite que se
compreenda o que chamamos de museu vivo. Estamos falando do museu que
tem como missão a troca dos conhecimentos, o acesso ao saber, sem,
contudo, estar limitado a uma versão da realidade ou preso a determinado
tempo.
O termo museu vivo, que utilizamos neste trabalho, foi identificado em
diversos textos, artigos, trabalhos, etc. a que tivemos acesso e que tratam de
temas envolvendo o museu, o patrimônio e a área da museologia. A palavra
“vivo”, nesse contexto, está sempre se referindo à dinamicidade que deve
existir nos museus ou à interação imprescindível entre museu e público, como
encontramos no texto de Segall: “A reformulação da interação do indivíduo com
o objeto, com o ambiente preservado, por meio de atividade de grupo e do que
resta de comunidades, ou seja, pelo seu uso, ou seja, mantendo-os ‘vivos’”
(SEGALL, 2001, p. 71).
71
Ao criticarmos a concepção de museu enquanto instituição “sagrada” ou
templo da cultura, compreendemos que os museus são espaços sociais, que
devem conter em sua missão a possibilidade primordial de oferecer às
comunidades sociais um outro olhar diante das realizações humanas, da sua
história e de seus objetos. O museu deve estar “vivo”, da mesma forma que o
seu público e a cultura.
Se a postura culturológica segue caminho inverso ao da alienação
porque, a partir dela, é possível permitir outras possibilidades, outras
alternativas, outras compreensões que não estejam inseridas nas verdades
absolutas e inquestionáveis, assim, essa postura permite o movimento de
revolta próprio do ser humano, que abre seu campo de visão, contribuindo para
que ele não se contente apenas com a cultura-show ou com outro determinado
tipo de cultura, não aceitando a imobilidade, mas buscando mais dinamicidade
nos processos da vida. O museu vivo, ao assumir tal postura, possibilita a
dinamicidade.
Nesse sentido, devemos também levantar questões que permeiam a
problemática dos chamados museu dos objetos e museu das experiências. O
que seriam esses museus? O museu dos objetos pode ser apresentado a partir
do que falamos anteriormente sobre um espaço de exposição de objetos
isolados da realidade presente, que não se comunica com os seus visitantes,
onde o objeto por si só basta como justificativa para a existência do museu.
Dessa forma, o museu afirma uma realidade limitada, estática e pronta, no
sentido de acabada, através de objetos materiais que supostamente dizem
tudo sobre determinado tema. Sob esse ponto de vista, o museu é um espaço
de legitimação de um conhecimento fechado, que não permite, portanto, um
outro olhar, e que não assume para si a postura culturológica.
Em sentido diverso, o museu das experiências se presta ao
reconhecimento das memórias, através de exposições mais abertas que se
inserem em determinado contexto, mas que suscitam questões, que propõem a
elaboração da própria experiência individual que vai gerar o encontro das
questões pessoais e coletivas. Esse museu estimula a busca pelo
conhecimento, pelo saber, e a criatividade porque envolve o visitante através
de atividades ou de recursos que mexem com a sensibilidade, e, acima de
tudo, porque admite o caráter experimental e contraditório dos museus.
72
Suponho que se engana quem pensa que existe uma únicapossibilidade de memória e que essa possibilidade única implicaria arepetição do passado e do já produzido; suponho que se enganaquem pensa que há humanidade possível fora da tensão entre oesquecimento e a memória. É essa tensão, ao contrário do quepoderia aparecer, que garante a eclosão do novo e da criação. Ofuturo também nos olha e pisca lá de dentro do passado (se é que opassado tem um dentro). O esquecimento total é estéril, a memóriatotal é estéril. Repetindo: a possibilidade de criação humana mora naaceitação da tensão entre recordar e esquecer, entre o mesmo e anegação da mesmice. (CHAGAS, 2005, p. 24).
Podemos dizer que o museu dos objetos atende a um público não
participativo, já que seus objetos são apenas signos que possivelmente
carregam determinada informação. O museu das experiências liga o
conhecimento ao afeto, pois cria relações afetivas e se caracteriza por ser um
lugar de convivência.
A criatividade pode ser estimulada ou despertada através de atividades
que utilizem o conhecimento como fonte do saber inacabado, e não como
verdade pronta. A cultura não deve ser comparada a uma fábrica de ordem,
nos sentidos regulador e normativo.
Ao refletir sobre a ordem humana, Morin diz que esta comporta a
desordem e, por isso, os princípios da organização da vida são os princípios da
complexidade.
É este fenômeno da reorganização permanente que dá aos sistemasvivos flexibilidade e liberdade em relação às máquinas. Enquanto amáquina artificial deve ser perfeitamente determinada efuncionalizada, o sistema auto-organizador é tanto mais complexoquanto menos estritamente determinado (...) (MORIN, 1991, p. 13).
Assim, nosso sistema complexo de aprendizagem não funciona de
forma linear, mas admite indeterminações que se convertem em estímulos para
produções de afeto, de conhecimento, de saberes. Logo, os museus não
deveriam apresentar objetos que se resumam à própria imagem; é necessário
inseri-los em um contexto que desperte novos questionamentos, que
movimente a alavanca da criatividade, do conhecimento e da vida. Da mesma
forma, é preciso que o museu admita o processo de reorganização
permanente, pois assim ele será um espaço de construção, ao invés de ser um
espaço construído, pronto e acabado.
73
CAPÍTULO II – O Museu Câmara Cascudo: crise e resistências
Figura 14. Sala “Santeiros e Devoções do Rio Grande do Norte”, 2008. Foto nossa.
74
2.1. Primeiros sinais da crise
Como é do conhecimento de Vossa Magnificência, o Institutode Antropologia conta atualmente com apenas quatorze professoresque, em regime de dedicação exclusiva, vêm atendendo às atividadesde ensino e pesquisa que lhe são atribuídas, com acentuado prejuízopara o bom desempenho das suas tarefas, impossibilitado, ainda, derealizar o seu plano de expansão em virtude da insuficiência depessoal.
Para suprir deficiências, o Instituto vem mantendo diversosbolsistas que, ao lado dos cursos de especialização ministrados,colaboram de forma decisiva para a realização das atividades doInstituto.44
Embora tenhamos conhecimento do ofício expedido no dia 26 de
dezembro de 1972, pelo diretor do MCC, José Nunes Cabral de Carvalho, ao
Reitor da UFRN, Genário Alves Fonseca, no qual já se colocava a questão da
insuficiência do número de professores para o bom desempenho do IA
(naquela época), iremos aqui considerar o ano de 1984 como o marco para a
crise do MCC, pois foi nos documentos referentes àquele ano que constatamos
um número maior de evidências de que o Museu passava por um momento de
crise.
Em 1984, o jornal Dois Pontos,45 de 20 a 26 de abril, publicou uma
matéria sobre as condições do MCC. Essa matéria foi contestada pelo então
diretor, o professor Veríssimo Pinheiro de Melo. Eis um trecho da matéria-
resposta do jornal à carta de contestação do diretor:
Em momento algum a matéria (DOIS PONTOS, 6 a 12 deabril) depreciou o Museu como instituição, mas apenas trouxeinformações obtidas em visitas feitas em dois dias. O repórter visitoua casa acompanhado de um vigilante, pois não tinha guia, e váriasvezes ficou sozinho. Quando a matéria diz que o museu estáabandonado não é pelos visitantes, que o continuam procurando.Está abandonado é por falta de conservação e de cuidados com oseu acervo valioso. Compreendemos que a culpa seja da crisefinanceira, mas cabe à direção lutar, para manter o museu em bomestado, buscando os meios onde for possível.
Outros títulos de matérias de jornais da cidade sobre o MCC nos anos
1980 e 199046 evidenciam o estado de crise do Museu, como: “Apesar do
44 Texto extraído do ofício n° 139/72-IA.45 Jornal da cidade do Natal, que circulou até o início da década de 90.46 Algumas matérias estão sem referência à data ou ao nome do jornal, devido à dificuldade devisualização nas cópias dos originais a que tivemos acesso.
75
acervo poucos conhecem o museu”, com o subtítulo “Cupim ameaça prédio e
peças” (Jornal “O Poti”, domingo, 20 de março de 1988); “Museu Câmara
Cascudo abandonado: nosso único museu antropológico está sujo, mal
conservado e nem guia tem” (Jornal Dois Pontos); “Museu Câmara Cascudo
não tem verbas nem para xerox” (Jornal de Natal, segunda-feira, 9 de julho de
1990); “Museu Câmara Cascudo entra na crise dos 30” (Tribuna do Norte,
domingo, novembro de 1990); “Um Jurassic Park abandonado” (O Poti,
domingo, 11 de julho de 1993); “Cupins ameaçam trabalho no Museu Câmara
Cascudo”; “MUSEU: Crise espelha situação da UFRN, diz o reitor” (Diário de
Natal, quarta-feira, 17 de abril de 1996); “Museu Câmara Cascudo: omissão da
UFRN torna o futuro incerto” (O Poti, domingo, 14 de abril de 1996). Parece-
nos que, na década de 90, as críticas quanto ao estado de abandono do MCC
se intensificaram.
Algumas matérias se prestavam a divulgar a importância do MCC:
Uma viagem no tempo é o que se sente visitando o interior domuseu. São dezenas de salas e animais que fizeram parte da faunado Estado com materiais das áreas da antropologia, geologia,paleontologia, arqueologia, botânica, genética e estudos ambientais.Todo acervo é resultante do trabalho de pesquisas desenvolvidaspelo Museu, de doações de estudiosos e artesãos do Rio Grande doNorte e outros estados. São peças de épocas remotas como osfósseis do Eremotherium, ou preguiça-gigante que tem entre 5 a 10mil anos de existência ou então a réplica em gesso de pegadas dedinossauros encontradas em Souza-PB, que datam de cerca de 140milhões de anos.47
Ou ainda, “Museu intensifica programa de atendimento às escolas”
(Diário de Natal, 23 de outubro de 1993) e “Turismo Cultural: Um roteiro
diferente que as agências ignoram” (Tribuna do Norte, Segundo Caderno,
domingo, 21 de janeiro de 1996).
Na década de 80, os assuntos em pauta nas reuniões correspondiam
aos mais variados temas que iam desde a questão da falta de lotação para
docentes no MCC,48 passando pela falta de verba para a realização de
atividades, a falta de compromisso de alguns professores, ao projeto de
reestruturação/revitalização que já na década de oitenta se fazia urgente.
47 “Trintão, mas com uma memória” – Jornal Dois Pontos, 24 a 30 de novembro de 1990, anoVIII, n° 395.48 O MCC, enquanto órgão suplementar da UFRN, não poderia contratar docentes/funcionários.Seus profissionais eram provenientes do quadro de docentes/funcionários da Universidade.
76
Figura 15. Visita de escolas ao Museu, s/d. Foto do arquivo do MCC.
Em outubro de 1984, o projeto de reestruturação do Museu estava em
pauta na reunião da Congregação. Segundo o documento, havia se realizado
um levantamento das condições do Setor de Exposição e “foi constatada a
necessidade de medidas urgentes a serem tomadas para reorganizar e inovar
as salas onde são expostos os acervos do MCC”.49 Nessa mesma reunião fala-
se em crise. Embora sugestões de projetos tenham sido apresentadas no ano
seguinte, mais exatamente um ano depois da primeira reunião50 e do projeto ter
sido encaminhado para o MEC, ele nunca foi concretizado.
Sobre a falta de lotação para professores da UFRN no MCC, em
determinada reunião, foi sugerido que o Museu criasse um centro ou
departamento, para que pudesse assim lotar pessoal. Quanto a esse assunto
houve discordâncias dentro da própria equipe. De um lado, argumentava-se
que, ao transformarem o MCC em um centro ou departamento, estariam
assinando a extinção do mesmo. Portanto, o MCC deveria ser preservado e
cada um deveria “apelar para o poder de criatividade” e “ficar como está”. De
outro lado, pensava-se que, agindo de tal maneira, os professores teriam que
acatar as decisões de terceiros. Foi sugerido, então, que fosse constituída uma49 De acordo com a ata da reunião da Congregação dos Professores do MCC, realizada no dia01/10/1984.50 De acordo com a ata da reunião da Congregação dos Professores do MCC, realizada no dia20/11/1985.
77
comissão para, junto à Comissão Permanente de Pessoal Docente (CPPD),
obter informações sobre o assunto.51
Essa questão referente à lotação de professores e técnicos no MCC é
fundamental e recorrente, por ser um assunto sempre em pauta nas reuniões.
Podemos apontá-la como uma das causas que afetaram o desenvolvimento da
instituição, não somente pelo que ela significa como ausência da contratação
de novos professores e funcionários qualificados, mas, sobretudo, pela
incapacidade da administração da UFRN e do MCC de solucionar esse
impasse, que talvez pudesse ser resolvido a partir da criação de novas
estratégias de funcionamento e estruturação administrativas para o Museu.
Devemos levar em consideração que, desde que a UFRN passa pela
reforma universitária no final dos anos 1960, sua estrutura organizacional se
modifica. Dessa forma, a administração do MCC não poderia continuar
brigando por uma forma de lotar professores ou de conseguir recursos para
pesquisas que não condiziam mais com as políticas administrativas das
universidades. Por causa da reforma universitária, uma mudança na estrutura
do MCC também era necessária, principalmente no que consistia na
elaboração de políticas culturais destinadas aos museus universitários.
Segundo a antropóloga Regina Abreu, a partir da década de 60 do
século passado, há uma transferência das pesquisas dos museus e dos
institutos históricos para as universidades. Talvez esse seja um ponto
importante para compreendermos a decadência dos museus universitários
naquele momento. Além disso, os novos paradigmas na pesquisa
antropológica passam a priorizar os aspectos imateriais e simbólicos da cultura.
A partir desse período, a institucionalização das ciências sociais nasuniversidades teria deslocado para segundo plano o papel dosmuseus e do colecionamento no campo da antropologia, com umingresso reduzido de novas coleções etnográficas nos museus e umaestagnação nos estudos de cultura material. (ABREU, 2005, p. 110).
Como outra possibilidade para explicar essa crise, podemos levar em
consideração o depoimento do professor José Crispim,52 que sugere que o
51 De acordo com a ata da reunião da Congregação dos Professores do MCC, realizada no dia25/11/1985.52 Professor aposentado que integrou a primeira equipe do Departamento de Antropologia doMCC.
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MCC foi fundado com a preocupação de ficar “relativamente isolado da UFRN”.
Para o professor, essa situação “foi regularizada através da criação dos órgãos
suplementares”. Dessa maneira, “o Museu conseguiu manter o seu isolamento
da Universidade”. Com a reforma universitária não apenas se obteve o
isolamento físico, mas também houve o distanciamento administrativo entre as
duas instituições.
Voltando à reunião do dia 25 de novembro de 1985, constatamos que
professores protestavam contra a ausência do então diretor, o professor
Veríssimo Melo, por ele não participar das reuniões, bem como não trazer
respostas referentes às questões ali discutidas. Tal fato nos levou a questionar
também a gestão do Museu.
Nessa reunião é citado o convênio que estaria sendo firmado entre a
Petrobrás e o MCC, no qual a Petrobrás utilizaria um espaço do setor de
exposições do MCC para montar sua própria sala, sendo estabelecido no
contrato um determinado valor que a empresa deveria repassar para o Museu,
referente aos custos da manutenção da exposição. Com isso, o MCC “ganharia
visibilidade”, além de uma exposição com novos recursos que “chamariam a
atenção do público visitante”.53
É necessário considerarmos que, na segunda metade da década de 80,
o Brasil estava saindo do Regime Militar e caminhava em direção à
redemocratização, à abertura política e à Constituição de 1988. O país passava
por um momento de agitação, de movimentos indo às ruas, um momento
histórico de mudanças políticas, sociais e culturais. No MCC não foi diferente.
Embora o Museu passasse por uma crise nas suas estruturas, houve um
movimento de resistência, que consideraremos como a primeira forma de
resistir à crise, através de propostas de mudanças na administração, gestão e
funcionamento do MCC e que buscava maior diálogo entre a pesquisa, o
ensino e a extensão.
Se, como sugere Fritjof Capra (1982), “a crise apresenta-se como um
aspecto da transformação” e, portanto, as transformações são “etapas
essenciais ao desenvolvimento das civilizações” (CAPRA, 1982, p. 24), no
53 De acordo com as informações obtidas na página 199 do livro Síntese Cronológica da UFRN,1958-1988, de Veríssimo de Melo, a exposição permanente do petróleo, resultado do convênioentre a UFRN e a Petrobrás, foi inaugurada no dia 3 de setembro de 1983. O convênio com aPetrobrás durou quase vinte anos.
79
MCC, no momento em que discorremos sobre a crise também podemos falar
em mudança. Em 1987 aconteceu no Museu a primeira eleição direta para
transferência dos cargos de diretor e vice-diretor, quando ficou estabelecido
que cada candidato deveria apresentar uma proposta de trabalho para a sua
gestão. Os candidatos eleitos para diretor e vice-diretor, respectivamente,
foram os professores Jerônimo Rafael Medeiros54 e Claude Luiz de Aguilar
Santos55, da chapa “Muda Museu”, a qual propunha, dentre as suas metas,
“elaborar um novo regimento interno do MCC, adequando-o à nova realidade e
às aspirações de nossa comunidade, e estabelecer definitivamente a situação
do Museu Câmara Cascudo e de seus professores junto à UFRN.”56
Naquele mesmo ano, o estatuto da UFRN foi alterado mais uma vez e,
em conseqüência, o mandato de diretor e vice-diretor do MCC foi reduzido de
quatro para dois anos. Como em muitos outros momentos aconteceria, surgiu a
proposta de se resolver os problemas estruturais do Museu a partir da
possibilidade de formação de um centro acadêmico, associando-o à Biblioteca
Central da Universidade, mas tal intenção não foi adiante. Além dessa
proposta, foi montada uma comissão composta pelos professores do MCC
visando reformar o Regimento Interno do museu, para adaptá-lo ao novo
estatuto da UFRN.
A problemática que permeava essas ações era a falta de políticas
culturais destinadas ao MCC por parte da UFRN. Segundo a ata da reunião da
Congregação dos Professores do dia 25 de agosto de 1987, o MCC teria que
“partir com uma proposta definida no sentido de atender às necessidades do
Museu e para uma melhor definição da instituição junto à UFRN, dado às suas
atividades de pesquisa, ensino e extensão”. Quando se fala da indefinição do
MCC junto à UFRN, o que se quer dizer é que não havia políticas explícitas
que envolvessem o Museu, porque a sua definição como órgão suplementar da
Universidade estava clara. Porém, a inexistência de diretrizes museológicas e
de um plano museal era percebido a partir das carências que o Museu sofria,
fossem de recursos materiais, humanos ou financeiros.
54 Professor do Departamento de Genética do MCC desde 1977.55 Professor de Departamento de Paleontologia do MCC desde 1979.56 De acordo com a Proposta de Programa para Administração do MCC, de 1986.
80
Figura 16. Vista do primeiro andar do Museu, 2008. Foto nossa.
Até o final da década de 80, as questões apontadas acima se repetiram
nas reuniões: a insistente argumentação sobre a indefinição do MCC junto à
UFRN, o que interpretamos como a ausência de políticas culturais destinadas
ao Museu; a proposta de elevá-lo a nível de Centro Acadêmico; o projeto de
revitalização e a impossibilidade de lotação de pessoal – questão que é
insistentemente colocada como essencial por uma parte dos professores que
entrevistamos e que, para outros, deveria ser descartada já que vem de
encontro ao Estatuto da UFRN. Assim, para tal questão novas condições
deveriam ser pensadas e criadas.
Outro problema que cabe destacarmos, constantemente em pauta nas
reuniões, se refere ao desempenho e ao compromisso de alguns professores e
funcionários do Museu. Nesse contexto, havia professores que se encontravam
à disposição do MCC, mas que não realizavam atividade alguma pela
instituição, e funcionários que ocupavam cargos ociosos.57
Um fato curioso nos chamou a atenção: em 1989, a chapa vencedora da
eleição para diretor e vice-diretor, formada, mais uma vez pelos professores
Jerônimo Rafael Medeiros e Claude Luiz de Aguilar Santos, respectivamente,
chamava-se “Museu Vivo” e tinha como objetivo fazer do MCC um museu ativo57 De acordo com a ata da Reunião da Congregação de Professores, realizada em 18 desetembro de 1989.
81
e dinâmico nas três áreas: ensino, pesquisa e extensão. Naquele momento, o
MCC possuía setenta e nove eleitores, sendo vinte e um professores, trinta e
nove funcionários e dezenove estagiários.58
Naqueles tempos, um projeto de pesquisa fundamental para a
continuidade da vida do Museu foi o de Estudo e Documentação de Coleções:
“Religião e Cultura Afro-brasileiras”, realizado sob a coordenação do
pesquisador Raul Lody, da então Coordenação de Folclore e Cultura Popular –
FUNARTE/RJ, e da professora do MCC Wani Fernandes Pereira, que se
desdobrou em duas propostas complementares. A primeira realizou o estudo e
a documentação da coleção afro-brasileira do MCC, que até aquele momento
não havia recebido tratamento museológico adequado. A segunda proposta,
denominada “Religião Afro-brasileira no RN: um resgate etnográfico”, foi
desenvolvida junto aos terreiros da cidade do Natal, com o objetivo de
contextualizar o estudo da coleção. Esse projeto de pesquisa resultou na
publicação do primeiro catálogo de coleções do Museu Câmara Cascudo, em
1994.59
Como a UFRN não contemplava, em seu quadro de cargos e salários,
um museólogo, a partir de 1988 são formalizados convênios e parcerias com
instituições culturais para que essa dificuldade fosse amenizada. Foram
realizados convênios com a FJA e o então Sistema Nacional de Museus, que
resultou no primeiro treinamento dos servidores do MCC para atividades de
conservação e documentação do acervo. Como resultado, houve a
higienização profunda de todo o acervo em madeira, a restauração da coleção
de ex-votos, com aproximadamente 300 peças, e a revitalização da sala “Arte e
Cultura Afro-brasileiras”.
Daquele momento até meados de 1992 são estabelecidos convênios
interinstitucionais para pesquisadores ministrarem cursos no MCC. Uma
agenda de trabalho foi desenvolvida e, durante um ano, acontecia,
concomitantemente no Museu e na reitoria da UFRN, uma programação
mensal, composta por uma exposição temática relativa à data específica e
58 De acordo com o documento oficial referente às eleições para os cargos de diretor e vice-diretor do MCC para o ano de 1989.59 LODY, Raul e PEREIRA, Wani Fernandes. Umbanda e Mestria da Jurema na cidade deNatal. Natal, UFRN: 1994.
82
atrelada a um conjunto de conferências em interface com os museus da FJA,
sob coordenação do museógrafo e restaurador Helio Oliveira.
Portanto, houve no período entre 1987 e 1992, um intenso movimento
de “revolta” no MCC em consonância com o ensino, a pesquisa e a extensão
da universidade, que possibilitou a produção do conhecimento, o diálogo entre
UFRN-MCC-Sociedade, a circulação dos saberes e a salvaguarda do
patrimônio do MCC. Esse tipo de atividade-alavanca, que gera o movimento do
que está parado, adaptado a um modo, é positivo na medida em que des-
solidifica as estruturas e dá margem para a emergência de novas propostas,
novas formas de fazer. Fazer diferente significa estar vivo, em constante
experimentação, à procura de novas possibilidades. Afinal, os museus não são
campos de experimentação, assim como a própria vida?
Figura 17. Curso de reciclagem para professores do 1º e 2º graus, s/d.Foto do arquivo do MCC.
2.2. Intensificação da crise
No primeiro ano da década de 90, o Brasil deu um grande passo para a
redemocratização do país, que, desde a queda da Ditadura Militar, em 1985, ia
sendo colocada em prática através de pequenas conquistas sociais. No final de
1989 acontece a primeira eleição direta para presidente da República pós
83
Regime Militar e o candidato Fernando Collor de Melo se elege presidente do
Brasil.
Embora a sociedade tivesse alcançado êxito no tocante à política do
país, o primeiro governante eleito não correspondeu às expectativas da maioria
dos brasileiros. Na área da cultura, como assinalamos anteriormente, o período
do governo Collor foi devastador para as instituições culturais. O Ministério da
Cultura, transformado em Secretaria, definhou, sua estrutura se desfez,
perdendo a capacidade política, técnica e gerencial.
Alguns anos depois, no governo FHC, o MinC se isentou do seu papel
como regulador e gestor das políticas culturais e entregou essa função para o
mercado. Segundo Meira,
Além da subordinação ao mercado, durante os oito anos da gestãoFHC, o MinC não conseguiu sair do isolamento em relação aos outrosministérios, principalmente o MEC. Nesse sentido, houvepouquíssimas iniciativas práticas de ações culturais integradas comeducação e outras políticas públicas tais como o turismo, meio-ambiente, comunicações, entre outras. (MEIRA, 2004).
Dessa forma, a década de 90 trouxe conseqüências negativas para a
cultura como um todo: desacelerou o desenvolvimento das políticas públicas,
negando o acesso à cultura enquanto direito social, e defasou, sucateou e
arruinou muitas instituições culturais.
Além da área da cultura, a educação também foi muito prejudicada
durante o mesmo período. Logo, as universidades públicas sofreram com a
falta de investimento federal e muitas delas passaram pelo mesmo processo de
sucateamento e defasagem de recursos técnicos, humanos e materiais.
Portanto, é possível imaginarmos que o MCC, sendo museu universitário
federal, viveu uma década de crise ainda mais intensa que a anterior. Segundo
o diretor da casa em Assembléias Geral, no dia 7 de agosto de 1990, as
condições de limpeza nas dependências do MCC eram precárias, faltavam
recursos até mesmo para os pagamentos das contas de água, luz e telefone,
que estavam cinco meses atrasadas.60
Em meio à crise, algumas propostas de “resistência” merecem destaque.
O projeto de extensão “Museu e sua Ação Educativa” (1994-1995), resultado
60 De acordo com a ata da Assembléia Geral do dia 7 de agosto de 1990.
84
da ampliação do projeto “O Museu e o Ensino de Ciências” (1992-1993), tinha
como meta o redimensionamento da ação educativa do MCC através de
programas de educação científica, a partir da articulação entre o Museu, o
Departamento de Educação e outras instâncias da UFRN, vinculadas à
formação do profissional da educação. O projeto “Jovens Guias de Turismo”
(1995-1998) realizou um treinamento dos guias através da experiência das
visitas guiadas na instituição.
Em 1996, inicia-se uma movimentação para a elaboração do Plano
Diretor do MCC, o qual serviria de referência para a sua reestruturação. Devido
à situação emergencial do momento, foi colocada a necessidade de os
trabalhos iniciais realizarem-se por mutirões, com a participação de todos os
segmentos, integrados numa ação conjunta. Dessa forma, foi sugerido que se
convocasse a participação dos alunos dos diversos cursos da UFRN, no
momento da implantação do Plano Diretor.61
Figura 18. Sala “Ciclo da cana-de-açúcar”, 2008. Foto nossa.
Nos anos seguintes, do final da década de 90 até o início dos anos
2000, muitas propostas serão elaboradas, visando a reestruturação e
revitalização do Museu, mas a maioria não se concretizará. Apesar dos61 De acordo com a ata da reunião da Congregação de Professores, realizada no dia 10 demaio de 1996.
85
esforços, o Plano Diretor não saiu do papel. O que resultou daquele movimento
foi a elaboração de um “plano de ação”, em caráter de urgência, que incluía um
levantamento de providências emergenciais para exposição que poderiam ser
viabilizadas com recursos cotidianos.62 A elaboração de tal plano foi realizada
pela professora Ana Maria Gantois (MAE/UFBA), em consultoria ao MCC, mas
não ocorreu na prática. Aconteceu, ainda, o primeiro curso de atualização em
Museologia para toda a equipe técnica do Museu.
Houve a tentativa de firmar um convênio com a Fundação José Augusto,
para que o restaurador Hélio de Oliveira viesse coordenar a revitalização do
Setor de Exposição. Contudo, no mesmo ano, a FJA informou ao MCC a
impossibilidade de liberação do profissional e tal trabalho não se realizou.63
Em meio às discussões sobre a revitalização do Museu, também
constatamos, pela primeira vez, a referência à criação da Reserva Técnica do
MCC, para conservar o acervo que não estivesse exposto e, sobretudo, cuidar
adequadamente das peças do Museu64, e também à criação da Associação de
Amigos de MCC65, a fim de intermediar as negociações junto a empresas
visando a realização de parcerias como uma forma de conseguir recursos.
Em agosto de 1997, houve uma intensa movimentação por parte da
direção do MCC, representada pelo professor Claude Luiz, e da Congregação
de professores. O ofício número 063/97-MCC entregue ao então Reitor, José
Ivonildo do Rêgo, tinha como tema (mais uma vez!) a definição do MCC
enquanto instituição. O documento solicitava a criação de uma Unidade
Acadêmica Especializada66 para abarcar o MCC. Para tanto, foi encaminhada
uma proposta a qual deveria ser submetida à apreciação do CONSUNI.
A proposta continha todas as especificações necessárias à sua
efetivação: introdução, justificativa, dificuldades enfrentadas pelo MCC, o modo
como poderia ser realizada a formalização e otimização da proposta,
62 Segundo o relatório-documento do MCC.63 De acordo com a ata da reunião da Comissão de Elaboração do Plano Diretor do MCC,realizada no dia 25 de junho de 1996.64 De acordo com a ata da reunião da Comissão de Elaboração do Plano Diretor do MCC,realizada no dia 17 de maio de 1996.65 A Associação de Amigos do MCC foi criada em 2005, mas nunca efetivada. Em 2008, umnovo movimento foi iniciado para a realização de tal proposta.66 De acordo com o Estatuto da UFRN, de 1996, Título I “Da Instituição”, Capítulo III “DaConstituição Básica”, Art. 9º.: “As Unidades Acadêmicas Especializadas destinam-se a cumprir,isolada ou conjuntamente objetivos especiais de ensino, pesquisa e extensão que, por suacomplexidade, requeiram estrutura administrativa própria compatível com suas atividades.”
86
viabilização da proposta, histórico do MCC, organograma, atividades
desenvolvidas pelo MCC divididas em ensino, pesquisa e extensão, minuta do
plano diretor contendo missão, objetivos, prioridade de ação (revitalização do
MCC e formalização e ampliação de convênios), estratégias, gestão de plano,
relação de docentes, de servidores técnico-administrativos e de apoio e de
estagiários/bolsistas, recursos físicos disponíveis – contendo, inclusive, toda a
especificação do acervo, recursos financeiros, proposta de prazo para
funcionamento da Unidade Acadêmica Especializada, ata da reunião da
congregação de professores – onde a proposta foi previamente aprovada e, por
último, cartas de instituições renomadas do Brasil endereçadas ao Reitor, em
moção de apoio ao MCC.
Figura 19. “Proposta de criação de Unidade Acadêmica Especializada”, dos arquivos do MCC.Foto nossa.
Dentre as cartas, apenas uma, a do Fórum Permanente de Museus
Universitários, com data de outubro de 1997, falava diretamente da criação da
Unidade Acadêmica Especializada. Todas as outras cartas, como a da
Coordenação de Folclore e Cultura Popular da FUNARTE, do Museu de
Arqueologia e Etnologia do Paranaguá, do Centro de Cultura e Arte – Museu
Universitário da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, do Museu de
Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo – MAE/USP,
87
apontavam para uma possível perda de autonomia do MCC e intervinham pela
manutenção da “posição de origem” da instituição. Essas outras cartas
datavam de outubro de 1996.67
O contexto em que se inseria essa proposta era o seguinte: no ano
anterior a Comunidade Universitária havia aprovado, em Conselho, um novo
estatuto para a UFRN, em que a grande novidade e o avanço em termos de
estrutura organizacional foi a possibilidade de criação de Unidades Acadêmicas
Especializadas e Núcleos Interdisciplinares. E, naquele momento, a UFRN
discutia uma proposta de reformulação do Regimento Geral, no qual se
introduzia a criação de Unidades Acadêmicas Especializadas e Núcleos
Interdisciplinares.
Segundo carta do diretor do MCC ao então Reitor,
Oportunamente, não estando nítidos para nós os planos de utilizaçãodas potencialidades deste Museu Universitário e dos demais, porparte da Administração Central, convidamos o Magnífico Reitor e oEgrégio Conselho Universitário a reverem conosco o papel do MCC edos demais museus não só para a UFRN, mas também eprincipalmente para a sociedade, a fim de que juntos possamosestabelecer o merecido e necessário espaço na UFRN. Tendo emvista que esses museus podem e devem servir de veículos pelosquais a comunidade passe a enxergar melhor a nossa Universidade.68
De acordo com o documento, a missão do MCC, inscritro na categoria
“órgão/unidade suplementar”,69 não estava claramente definida no estatuto da
UFRN. Tal indefinição não condizia “com a filosofia e a história de uma
Instituição produtora de conhecimento e cultura, correndo o risco de perder a
sua identidade e autonomia, enquanto órgão de pesquisa, ensino e
extensão”.70 Na mesma situação, estavam a Escola de Música e o Colégio
Agrícola de Jundiaí.
67 Esse fato nos chamou atenção principalmente depois que um dos professores entrevistadosnos informou que a moção de apoio ao MCC era destinada a outra iniciativa. De qualquerforma, não pudemos confirmar tal afirmação; logo consideramos o documento oficial a quetivemos acesso, o da proposta de criação da Unidade Acadêmica Especializada.68 De acordo com o ofício n° 063/97 – MCC.69 De acordo com o Estatuto da UFRN, de 1996, Título I “Da Instituição”, Capítulo III “DaConstituição Básica”, Art. 10º.: “São Unidades Suplementares aquelas vinculadas à Reitoria ouàs Unidade Acadêmicas, que não tenham lotação própria de pessoal docente do MagistérioSuperior e sirvam de suporte ao ensino, à pesquisa e à extensão.”70 De acordo com a “Proposta de Criação de Unidade Acadêmica Especializada”, processo n°23077.016028/97.
88
O documento apontava para as maiores dificuldades enfrentadas pelo
MCC: a falta de quadro técnico museológico, o asfixiamento do quadro de
docentes (por não participar do Índice de Necessidade de Docente – INDD,
tornava-se impossível a renovação e reposição de professores) e a falta de
pessoal qualificado, tanto de docentes como de técnico-administrativos.
Figura 20. Antiga recepção do Museu com loja de artesanato, s/d. Foto do arquivo do MCC.
Contudo, o projeto não foi homologado. Segundo informações que
obtivemos em entrevista com o professor Jerônimo Rafael de Medeiros,
quando o museu pleiteou a criação da Unidade Acadêmica Especializada, os
diretores dos Centros da Universidade à época foram contra, pois o MCC
participaria da divisão do orçamento da UFRN. Como o museu não tinha
representação no CONSUNI, foi difícil participar das discussões. Consideramos
esse assunto controverso já que, por um lado, percebemos que não havia um
consenso entre os professores quanto à submissão da proposta à apreciação
do CONSUNI, pois sabiam que a mesma estava fora das condições exigidas
pelo Estatuto da UFRN para se criar uma Unidade Acadêmica Especializada;
por outro lado, segundo o documento, foi uma ação conjunta da direção e do
corpo docente. Acrescentamos que constatamos certa confusão nas cartas
acima citadas. E, ainda, a fala do professor Jerônimo aponta para um descaso
89
da UFRN para com o MCC. De modo que podemos dizer que alguma forma de
comunicação se encontrava conflitante, seja entre Universidade e Museu, seja
entre a própria equipe do Museu.
No ano seguinte, após o CONSEPE ter negado a proposta de criação da
Unidade Acadêmica Especializada e diante da preocupação do diretor do MCC
com o destino do Museu, o Conselho, através da portaria nº. 070/98-R, de
26/02/98, formou uma Comissão para apontar alternativas que viessem a
solucionar o problema apresentado, dentro de um prazo estabelecido.
A “Comissão designada para estudar e elaborar proposta acadêmico-
administrativa para o Museu Câmara Cascudo” foi integrada pelos seguintes
professores da UFRN: Sônia Maria de Oliveira Othon71 (presidente) e Anita
Maria de Queiroz Monteiro, ambas do Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes (CCHLA), João Batista Cortez, do Centro de Ciênicas Sociais Aplicadas
(CCSA), Narendra Kumar Srivastava, do Centro de Ciências Exatas e da Terra
(CCET), Juarez e Silva Chagas, do Centro de Biociências (CB), e Jerônimo
Rafael de Medeiros, diretor e representante do Museu Câmara Cascudo.
Segundo o relatório da Comissão
Nos dias atuais o MCC necessita de uma revitalização geralque inclui vários itens a serem especificados por partes. Tal mudançapossibilitará que idéias novas possam fazer parte do trabalho e doscaminhos que ainda serão percorridos a partir de uma nova forma deatuação no âmbito da UFRN.72
O relatório apontava para o papel dos museus universitários: tornar-se o
elo de ligação entre o pesquisador e o público. Dessa forma, “A pesquisa
transforma-se no elemento essencial para a preservação e manutenção do
Museu”73. E para que a reestruturação do MCC fosse realizada era necessário
que uma temática orientadora fosse definida. A Comissão sugeriu que esta
poderia ser “O Homem e seu ambiente”, preferencialmente o Homem do RN, já
que asseguraria o acervo já existente e possibilitaria a retomada e
diversificação dos estudos através das pesquisas.
71 Em 2007 a professora assumiu a direção do MCC.72 De acordo com o documento “Relatório da Comissão designada para estudar e elaborarproposta acadêmico-administrativa para o Museu Câmara Cascudo”. Natal, dezembro de 1998.73 Idem.
90
Uma das estratégias de ação do relatório indica a criação de um
departamento dentro do MCC para que formasse parcerias com a finalidade de
realizar as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Assim, o departamento
de maior abrangência da temática orientadora seria o Departamento de
Antropologia. “Além dos antropólogos, ele lotaria os docentes das áreas de
Arqueologia, Paleontologia dos vertebrados e Museologia”. 74
Nas recomendações finais o relatório aponta para a vinculação do MCC
ao CCHLA, pois este seria o Centro da UFRN que mais demonstrava
afinidades com o Museu, e poderia, logo de início, assumir três das áreas de
estudo do MCC: a Antropologia, a Arqueologia e o Meio-ambiente.
Segundo as fontes entrevistadas, houve um movimento dos docentes do
MCC contra as propostas da Comissão: eles argumentavam que, sendo o
Museu uma instituição multidisciplinar desde a sua criação, não poderia estar
vinculado a qualquer um dos Centros da Universidade, pois, mesmo que
tivesse afinidade com algumas de suas áreas, estas seriam privilegiadas e
outras seriam esquecidas. A Genética e a Botânica, por exemplo, seriam
desafavorecidas caso o MCC fizesse parte do CCHLA.
Embora a reconstrução desse período tenha sido um tanto ou quanto
ambígua, já que encontramos informações conflitantes, podemos afirmar que
houve tentativas de modificar a situação na qual o MCC se encontrava, mas
nenhuma delas foi adiante.
Em 1999, a partir das atas das reuniões, percebemos que a equipe do
Museu se encontrava em intensa movimentação. O número de reuniões foi
muito maior do que nos anos anteriores – a Congregação se reuniu
semanalmente, visando dinamizar o Museu – e diferentes assuntos entraram
em pauta, como a necessidade e a importância de se criar uma home page e
um banco de dados do MCC e a necessidade de reformulação do Regimento
Interno do Museu, entre muitos outros. Em algumas das reuniões, falava-se em
“o novo momento do MCC”, principalmente no segundo semestre do ano.
Constatamos, também, a ampliação da comunicação entre o Museu e a
Universidade a partir de um número significativo de projetos em consonância
74 Idem.
91
com os departamentos do MCC, a Pró-reitoria de Extensão e a Administração
Central.75
O projeto de construção da Reserva Técnica do MCC foi aprovado pela
Fundação Vitae,76 o que, em três anos, resultou na construção da Reserva
Técnica do Museu, uma das mais modernas da região nordeste, naquele
período. E a internet foi instalada no Museu.
Naquele ano, o Conselho de Curadoria, criado em 1998, foi modificado.
O Conselho assumia a competência de cuidar das coleções do MCC,
compreendendo o bem cultural em suas diferentes leituras: museológica,
museográfica, educacional e patrimonial.77 Formado inicialmente pelo
professores Wani Pereira (MCC), Claude Luiz (MCC), Maria de Fátima C. F.
dos Santos78 (MCC), Adalberto Antonio Varela Freire (UFRN), Ângela Maria
Almeida (UFRN) e Raul Lody (CNFCP/FUNARTE/RJ), foi, naquele momento,
ampliado com os nomes de Edgard Assis de Carvalho (PUC/SP e
CONDEPHAAT/SP), de Ana Maria Gantois (MAE/UFBA e presidente do
FPMU), de Maria Célia Teixeira Santos (UFBA), de Cristina Bruno (MAE/USP),
de Helio de Oliveira (FJA/RN) e de Jeanne Leite Fonseca Nesi (IPHAN/RN).79
2.3. Instabilidade e resistências
Com relação ao ano de 2000, encontramos, nas atas das reuniões, uma
grande quantidade de atividades e melhorias no Museu que foram idealizadas
e, muitas vezes, realizadas. Contudo, após termos contato com a quantidade
de projetos de extensão desenvolvidos, nos questionamos se houve uma
continuidade desses projetos dentro do MCC, ou seja, esses projetos serviram
para movimentar as estruturas expositivas do Setor de Exposição? Houve
alguma mudança significativa na expografia? Houve algum processo que
estreitasse os laços entre o Museu e a Sociedade?
75 É necessário acrescentarmos que, em 1999, houve mudança na reitoria da UFRN. Oprofessor Ótom Anselmo de Oliveira assume o mandato de Reitor e o professor WillingtonGermano assume a Pró-reitoria de Extensão e os projetos do MCC encontram ressonância nanova administração central da UFRN.76 Criada em 1985, a Fundação Vitae investiu maciçamente no patrimônio nacional ao financiarobras, aquisição de equipamento e formação de pessoal. A Fundação fechou em 2006.77 De acordo com a portaria nº 007/98-MCC, de 02 de outubro de 1998.78 Professora do Departamento de Paleontologia do MCC, ainda em atividade.79 De acordo com a portaria nº 016/99-MCC, de 22 de novembro de 1999.
92
Sobre essa questão, na entrevista realizada com o professor Claude
Luiz, também ex-diretor e ex-vice-diretor do MCC, foi apontado como um dos
principais problemas do MCC a falta de coesão entre os departamentos.
Segundo o professor, os projetos eram desenvolvidos de forma muito
independente e individualista, ou seja, as pesquisas eram realizadas, mas não
voltavam para o Museu, não havia um registro do que fora feito. Portanto, era
impossível o Setor de Exposição do MCC registrar novos trabalhos,
movimentar as exposições e produzir novos conhecimentos. Provavelmente, o
professor Claude Luiz não estava se referindo a todos os departamentos ou a
todas as pesquisas.
Na reunião posterior ao evento do Dia Internacional dos Museus,
ocorrido no mês de maio, percebeu-se que a resposta da comunidade não foi
das mais positivas, principalmente dos órgãos oficiais ligados à área. Naquele
momento, segundo a professora Wani Pereira, “a visibilidade externa do MCC
ainda é limitada, porém pouco a pouco o MCC está reconquistando a sua
importância”. Já para o professor Claude Luiz, apesar dos esforços para a
popularização do MCC, ainda persistem as dificuldades para tal intento, até
mesmo no âmbito da UFRN.80
Entre os anos de 2000 e 2005, diferentes projetos são concretizados e
novas comissões formadas. Em 2000, após a realização de um diagnóstico dos
museus da UFRN, é criada a “Comissão de Museus da UFRN”. O antigo
Conselho de Curadoria foi extinto. A Comissão elaborou sugestões para a
implantação de uma política que reestruturasse e revitalizasse os museus,
respeitando suas singularidades e restaurando suas potencialidades. Dessas
sugestões, destaca-se a recomendação, em caráter de urgência, da
implantação de uma Assessoria Técnica que direcionasse uma política
museológica para as instituições. Portanto, em agosto de 2001 é elaborado um
Plano de Ação e um Projeto de Assessoria à Comissão com duração de dois
anos (2001-2002). Compondo a equipe da Assessoria, estavam os museólogos
Ana Maria Gantois (MAE/UFBA) e Raul Lody (CNFCP/IPHAN e Fundação
Pierre Verger), cujas recomendações foram incorporadas ao Plano Diretor do
MCC.
80 De acordo com a ata da Reunião da Congregação dos professores do MCC, realizada no dia26 de maio de 2000.
93
A Comissão foi de grande importância para os museus da UFRN – que
naquele momento eram: Museu Câmara Cascudo, Museu do Mar Onofre
Lopes, Museu de Anatomia Comparada e Museu de Seridó, este último
localizado na cidade de Caicó –, pois conseguiu uni-los por um momento e
elaborar um plano de trabalho para os mesmos, articulado-os com a UFRN.
Em 2002, tentou-se realizar o II Encontro Nacional de Museus
Universitários (ENMU), que aconteceria no MCC, mas, por motivos financeiros,
ele só pôde ser concretizado no ano seguinte. Apesar do MCC tentar uma
parceria com o Estado, não houve condições para que o ENMU pudesse ser
realizado.
Figura 21. Biblioteca “Veríssimo de Melo”, 2008. Foto nossa.
A revitalização do Setor de Exposição é novamente apontada como
necessidade urgente, sendo citadas as salas da Arqueologia e da
Paleontologia – macro-fósseis – que eram praticamente as mesmas desde a
sua criação. Há uma urgente necessidade em reformar a estrutura metálica do
setor de exposição e o problema do cupim persiste: a descupinização da
coleção afro e da canoa de pesca é colocada em pauta.
É em 2000 que se dá início às obras de construção da Reserva Técnica,
que teve 40% do seu custo total financiado pela Fundação VITAE e os 60 %
94
restantes pela UFRN. A construção da Reserva Técnica é de grande
importância para o MCC.
Figura 22. Sala de higienização da Reserva Técnica, 2008. Foto nossa.
Naquele ano também foi iniciado o projeto de pesquisa “Santeiros e
Devoções do RN”, o qual, dois anos mais tarde, resultou na reorganização e
revitalização da sala homônima, a qual faz parte da ala de Antropologia
Cultural, que também foi toda reestruturada. A partir desse projeto, o MCC
inaugurou a aquisição de acervo sob a forma de comodato.81 No mesmo
período, aconteceu o primeiro módulo do curso “Conservação e
Acondicionamento de Acervos Museológicos”, com carga horária de 20 horas,
ministrado pelo museólogo e conservador José Roberto G. dos Santos, do
Museu Edison Carneiro - FUNARTE/RJ.
Em 2001, foi registrado outro choque de opiniões entre os professores.
De um lado, os que acreditavam que o Museu desempenhava um papel
relevante, já que realizava bons projetos em parceria com a Pró-reitoria de
Extensão. De outro lado, professores, inclusive o próprio diretor da casa,
professor Jerônimo Rafael Medeiros, que não viam muitas melhorias no Museu
e começavam a se desencantar da sua missão.
81 Forma de aquisição de acervo em que o colecionador não perde nem a posse nem apropriedade dos objetos, deixando-a sob guarda de uma instituição.
95
Para o professor Claude Luiz, naquele momento, “a situação dos
museus da UFRN é de extrema gravidade sem perspectivas sequer razoáveis
de solução, até o presente momento, seja individual ou coletivamente”.82 A
professora Wani Pereira discordava: não poderia falar em nome dos outros
museus, mas, no que dizia respeito ao MCC no período de 1988-2001, era
possível “enumerar projetos relevantes como o I Curso de Atualização em
Museologia, o Ciclo de Estudos ‘Museu, Educação e Patrimônio’, o projeto
‘Equipamento da reserva’ e outros em desenvolvimento na área de pesquisa e
extensão. Todos, salvo o da Reserva Técnica, com recursos da UFRN”.83
Para além das divergências de opiniões, alguns projetos de resistência
foram fundamentais naquele momento. O projeto de extensão “Museu,
Educação e Patrimônio”, sob a coordenação da professora Wani Pereira, teve
a duração de dois anos, de 2000 a 2002. Esse projeto propunha a divulgação
de uma nova visão do patrimônio em interface com a educação e se desdobrou
em outros projetos e atividades de caráter lúdico, artístico e cultural, como, por
exemplo, a peça teatral “Uma farsa no boi?!”, apresentada pela Trotamundos
Companhia de Arte, na qual dois personagens do auto popular do Boi de Reis
discutiam a questão do patrimônio imaterial.
Esse momento foi de grande relevância para a história do MCC. Na
mesma época em que o espetáculo “Uma farsa no boi?!” era criado, a partir de
um projeto dentro da base de pesquisa “Cultura, Política e Educação” da
UFRN, o Museu estava elaborando o projeto de extensão “Patrimônio na Rua”,
que já era fruto do projeto “Museu, Educação e Patrimônio”, e que buscava
agregar um grupo de pessoas em torno dele. Dessa forma, a Trotamundos Cia.
de Arte, que também surgiu naquele momento, foi convidada para conhecer o
projeto e fortalecer a parceria com a base de pesquisa.
O essencial dessa parceria é que a Trotamundos desenvolve suas
pesquisas e seus espetáculos sobre a cultura popular e busca, em suas
apresentações, tratar da temática do patrimônio imaterial. Isso resultou em um
“convênio” de cinco anos (2000-2005). A companhia de arte se instalou no
espaço que fica atrás do MCC e lá realizavam montagem de espetáculos,
82 Segundo ofício n° 03/01 do dia 21 de setembro de 2001.83 De acordo com o documento apresentado à Congregação de professores do MCC na reuniãodo dia 03 de outubro de 200, em resposta aos ofícios n° 067/2001-MCC, de 28/set/2001; n°03/01, de 21/set/2001 e n° 21/DA/MCC de 26/set/2001.
96
confecção de bonecos, ensaios e todas as suas atividades. A Trotamundos
criou mais dois espetáculos naquela fase, os dois inspirados nas questões do
patrimônio e da cultura popular. Um deles, o “Coivarins”, está em cartaz até
hoje. E o Museu ganhou uma atividade lúdico artística que atendia aos
visitantes de forma interativa e que, com base no teatro, levava sua mensagem
para o público. Para além do espaço do MCC, a Companhia também realizava
um trabalho educativo nas escolas e nas praças da cidade e para todos esses
lugares levava o nome do Museu.
Figura 23. Trotamundos Cia de Arte realizando espetáculo nos fundos do MCC, s/d.Foto de Teotônio Roque.
Segundo os coordenadores da Trotamundos, Ana Celina e Beto Vieira,
havia muita receptividade do público, inclusive pessoas que nunca haviam
visitado o MCC, após assistir ao espetáculo, voltavam para visitar as
exposições. “Foi um momento em que o Museu esteve muito vivo”.84 Para eles,
o projeto mudou o olhar do visitante para o MCC: ele deixou de ser um lugar de
coisas velhas para ser um museu vivo, que despertava o interesse das
pessoas.
84 Depoimento de Ana Celina em entrevista para esta dissertação.
97
O projeto da Companhia era construir o “Teatro da Mata”85 no espaço
onde ela foi instalada e continuar como atividade de pesquisa e extensão da
UFRN e do MCC. Contudo, em 2005, o espaço foi cedido para o Núcleo de
Educação para a Ciência – NEC/UFRN e lá foi construído o Parque da Ciência,
inaugurado em outubro de 2008.
Figura 24. Terreno nos fundos do MCC, 2008. Foto nossa.
Outro grupo que “ocupou” o MCC a partir do projeto “Picadeiro Potiguar”
(2002), inserido no projeto “Museu, Educação e Patrimônio”, foi o Circo Teatro
Cara Melada. A proposta incluía um espetáculo-aula para os alunos das
escolas da rede pública e privada, no qual os alunos conheciam a origem do
circo e sua trajetória até a aparição do elemento cômico, reforçando a
valorização desse patrimônio cultural. Além disso, foi oferecida uma oficina
permanente de arte circense, com duração de trinta e dois dias, aberta a todo o
público interessado.
Ainda em 2001, foram realizados os cursos “Organização de Reservas
Técnicas”, com carga horária de 20 horas, ministrado pelo museólogo João
Luiz Domingues Barbosa, do IPHAN/RJ, e “Conservação e Acondicionamento
de Acervos Museológicos – módulo II”, com carga horária de 20 horas,85 O nome refere-se às espécies de plantas originárias da Mata Atlântica que existem noterreno nos fundos do Museu.
98
ministrado por José Roberto G. dos Santos. No campus universitário,
aconteceu o II Encontro Nacional de Museus, uma realização do
MCC/PROEx/UFRN, em parceria com o Fórum Permanente de Museus
Universitários – FPMU/UFBA.
Devemos acrescentar que, naquele ano, constatamos que a última
reunião da Congregação aconteceu no dia 3 de outubro. A reunião seguinte só
se realizaria em 15 de março de 2002!86 Esse fato pode ter sido fruto da greve
universitária que ocorreu em 2001 e nos alerta para um outro problema dos
museus universitários do Brasil – a greve nas universidades.
Em 2002, o MCC passou a abrir nos fins de semana, mudança
autorizada pelo então Reitor, Ótom Anselmo de Oliveira. A entrada do MCC,
naquele momento, custava dois reais, valor que permanece até o momento
atual. Acrescentamos que projetos do MCC são inscritos na Lei Municipal de
Incentivo à Cultura e parcerias com a Companhia de Água e Esgotos do RN
(CAERN) e a Fundação Norte-rio-grandense de Pesquisa e Cultura (FUNPEC)
são firmadas, mas não obtivemos maiores informações sobre essas últimas
notícias nos documentos pesquisados.
As obras da Reserva Técnica são concluídas e é realizado o módulo III
do curso “Conservação preventiva, organização e acondicionamento de
acervos”. O novo folder do MCC ficou pronto, mas, para que o mesmo fosse
impresso, era preciso encontrar um patrocinador.
Em 2002, teve início o projeto de pesquisa e extensão “Dadi: a face
feminina do teatro de bonecos no RN” (2002 - 2004), que surgiu a partir da
pesquisa realizada no projeto “Santeiros e Devoções do RN”, quando foi
encontrada no estado a primeira mulher “calungueira”, isto é, que trabalha com
a arte de confeccionar bonecos de pano.87 No Rio Grande do Norte, a
genealogia dos “mamulengueiros” aponta esta tradição como masculina. A
partir desse projeto, muitas ações aconteceram na UFRN e no MCC, como, por
exemplo, a Oficina de Bonecos ministrada por Dona Dadi na VIII Feira de
Ciência, Tecnologia e Cultura – CIENTEC/UFRN. A oficina revelou um novo
artista, servidor da UFRN, lotado no MCC, que adotou o codinome de “Raul
dos Mamulengos”.86 De acordo com o registro das atas das Reuniões da Congregação de professores do MCC.87 Maria Iêda de Medeiros, conhecida por Dona Dadi, vive na cidade de Carnaúba dos Dantas –RN e até o momento da pesquisa não se conhecia nenhum registro biográfico sobre ela.
99
Figura 25. Placa de inauguração da Reserva Técnica, 2008. Foto nossa.
Naquele ano foram realizadas duas exposições. A primeira, “Itinerário e
Tributo a Cascudo”, sob coordenação da professora Wani Pereira, Raul Lody e
Hélio de Oliveira, foi dividida em dois módulos “Uma Câmara vê Cascudo” e
“Memória e História do Instituto de Antropologia e Museu Câmara Cascudo”.
Com o objetivo de apresentar o projeto “Revitalização e Intervenção do Museu
Câmara Cascudo”, a exposição percorreu um circuito itinerante: CIENTEC
(2002), MCC (2002), Memorial Câmara Cascudo (2003) e Biblioteca Central
Zila Mamede (2004). A outra, denominada “Cronobiologia: Ritmos da Vida”,
deu início à parceria entre o MCC e o Departamento de Fisiologia – Centro de
Ciências da Saúde/UFRN.
Em 2003, o MCC aproximou-se do departamento de História da UFRN,
visando desenvolver trabalhos em conjunto, através do encaminhamento dos
alunos de história para a realização das monografias de conclusão de curso,
dentro das linhas de pesquisa do Museu.88 Foi também pensada uma política e
88 Até 2008, três monografias do curso de graduação em História da UFRN tiveram comotemática o MCC e suas linhas de pesquisa: PEREIRA, Maria das Graças Cavalcanti. Arte esingularidade da calungueira Dadi: história, memória e tradição no teatro de bonecos. Natal,2005; VALE, Nelson Aderaldo Olsen Maia do. A construção do patrimônio potiguar e o museu:estudo de caso do Museu Câmara Cascudo. Natal, 2007; SILVA, Aline Gurgel. Instituto deAntropologia: história e memória de um itinerário científico-cultural na URN. Natal, 2008.
100
estágio para esses alunos, tanto pelo trabalho voluntário quanto pelo estágio
remunerado.
O MCC também estreitou laços com diversos departamentos da UFRN,
como o Centro de Biociências e o Departamento de Geologia, através de
disciplinas inseridas na grade curricular dos cursos e projetos de extensão. A
vinda do professor Nelson Marques, da USP, ampliou a perspectiva para a
contratação de outros professores visitantes.89 O professor visitante seria
cedido à UFRN e prestaria serviços ao MCC através do Grupo de Divulgação
Científica da UFRN.90
Segundo a professora Iracema Miranda da Silveira91, o MCC, naquele
momento, apesar dos problemas e dificuldades enfrentadas, se destacava e
era respeitado pela comunidade acadêmica pelas atividades nele
desenvolvidas.
A preocupação dos docentes do MCC era de não deixar suas atividades
pararem. Era preciso complementar a Reserva Técnica com os equipamentos
necessários para a realização da Oficina de Conservação e Restauro.
Constituía uma extrema preocupação salvar o acervo do Museu. Dessa forma,
houve a paralisação no MCC por duas semanas para que fosse realizada a
limpeza e recuperação do acervo exposto e de sua infra-estrutura. Com a parte
interna apresentável, ficava faltando a pintura externa, sobre o que foi sugerido
que usassem uma cor forte para “chamar a atenção” para o MCC.92
Em 2003, também houve o curso de extensão para treinamento de guias
que iriam estagiar no Museu e é instalada a home page do MCC.
Mais uma vez, a Congregação reivindica a mudança do estatuto do
Museu, através da proposta do Plano Diretor do MCC para a nova Reitoria.93 O
objetivo era que a Coordenação de Museus da UFRN – baseada no modelo da
USP, que possuía quatro museus universitários e uma Coordenação de
Museus – fosse vinculada à Reitoria (na USP a Coordenação era vinculada à
Pró-Reitoria de Extensão e Cultura), para que dependesse diretamente da
89 De acordo com a ata da reunião da Congregação realizada no dia 1 de abril de 2003.90 Desde 2003, chama-se Núcleo de Comunicação em Cultura, Ciência e Tecnologia (NUDICT)e faz parte da estrutura administrativa do MCC.91 Professora do Departamento de Estudos Ambientais do MCC, ainda em atividade.92 De acordo com a ata da Reunião da Congregação de Professores do MCC, realizada no dia1 de abril de 2003.93 Naquele ano, terminou o mandato de Reitor de Ótom Anselmo de Oliveira e começou outrode José Ivonildo do Rêgo.
101
política administrativa da UFRN e para que pudesse lotar docentes.94 Contudo,
naquele ano, devido às dificuldades de realização de suas propostas, a
Comissão se dissolveu.
Foram, então, levadas ao Reitor as seguintes reivindicações: a
contratação de um restaurador, a ampliação do número de bolsas auxílio-
estágio, a lotação de mão-de-obra, e a realização da obra de infra-estrutura da
tubulação da Reserva Técnica para instalação dos dispositivos anti-incêndio e
alarme contra intrusão e roubo. Segundo o diretor do MCC, o Reitor se mostrou
receptivo às solicitações, mas lembrou-lhe da escassez dos recursos
financeiros, o que dificultava o atendimento das solicitações. Em 2003, a UFRN
passava por um momento de crise financeira; era, portanto, necessária a
contenção de despesas, através do racionamento de material, água, energia e
telefone.95
Em 2004, o Centro de Pesquisas da Petrobrás (CENPES)/
PETROBRÁS patrocinou o projeto “Bacia Potiguar”, do Departamento de
Estudos Ambientais do MCC, que passou a receber um percentual de 0,6 do
montante do projeto, num total de R$ 12.000 (doze mil reais).96
Também naquele ano, a professora Maria de Fátima C. F. dos Santos
foi convidada para participar da Rede Nacional de Pesquisa Científica em
Paleontologia. A partir desse convite surgiu a possibilidade de instalação de
uma sala de vídeo-conferência, aparelhada com computador, televisão, etc.,
que seriam cedidos, por comodato, à instituição que participasse da rede, além
de bolsas-estágio. Caso fosse concretizada a parceria, seria de muito valor
para o Museu. Em 2006, o convênio foi aprovado e o MCC recebeu
equipamento para a sala de tele-conferência, três computadores, máquina
fotográfica, equipamento de escritório, mas, segundo tivemos conhecimento, a
sala nunca funcionou para as vídeo-conferências.
Ainda em 2005, o item “discussão e sugestões sobre a museografia do
Setor de Exposição”97 foi abordado nas reuniões da Congregação. Dessa vez,
ficou acertado entre os professores a elaboração de uma planilha para a
94 De acordo com a ata da reunião da Congregação, realizada no dia 1 de abril de 2003.95 De acordo com a ata da reunião da Congregação, realizada no dia 24 de junho de 2003.96 De acordo com a ata da reunião da Congregação, realizada no dia 30 de abril de 2004.97 De acordo com a ata da Reunião da Congregação de Professores do MCC, realizada no dia21 de setembro de 2005.
102
atualização museográfica, baseada nas sugestões apresentadas pelos
mesmos.
Foto 26. Antiga exposição de cerâmica portuguesa, s/d. Foto do arquivo do MCC.
Mais uma vez, constatamos que, da última reunião da Congregação em
2005 à primeira reunião em 2006, passaram-se praticamente seis meses de
intervalo. Contudo, não sabemos se esse fato foi fruto da greve nas
universidades federais, que ocorreu no final de 2005.
Cabe salientar que os professores que participavam das reuniões da
Congregação e encaminhavam propostas, projetos de extensão, ou seja,
aqueles que estavam buscando as mudanças e a própria sobrevivência do
MCC, eram sempre os mesmos – o grupo que acreditava no Museu.
O MCC sempre foi administrado e gerido de dentro. Ali, a Congregação
de professores decidia que medidas tomar, as medidas eram votadas e o
diretor acatava ou não. Entretanto, nunca houve um plano de gestão a ser
desenvolvido, um verdadeiro plano museológico que desse conta de todos os
aspectos do museu. Isto nos ficou claro durante a pesquisa. Essa dificuldade
nos parece proveniente na indefinição do MCC com relação à UFRN: como
conseqüência da Reforma Universitária, o fato de ele ter assumido, desde o
final da década de setenta, a posição de órgão suplementar dificultou muito o
103
seu funcionamento, visto que, com a criação dos departamentos dentro da
Universidade, houve um esvaziamento do quadro de docentes do Museu que
não foi substituído ao longo dos anos. A partir dessa nova estrutura
administrativa, a UFRN não elaborou políticas culturais para os seus museus e
o MCC continuou pleiteando por condições que não eram mais possíveis de
ser atendidas, de acordo com o novo estatuto da Universidade. Em outras
palavras, faltou um conjunto de medidas administrativas da UFRN para com o
MCC, mas, ao mesmo tempo, apesar das ações e momentos de resistência da
equipe do Museu para que ele continuasse vivo, talvez os argumentos
colocados – como, por exemplo, que o seu problema é a impossibilidade de
lotar professores – sejam um tanto ou quanto limitados.
Se ampliarmos nossa esfera para os museus universitários, de um modo
geral, veremos que todos eles sofrem de problemas parecidos. Como constata
Adriana Mortara Almeida,
Nas pesquisas sobre esses museus – brasileiros eestrangeiros – encontramos alguns pontos comuns, como asdificuldades financeiras, a falta de autonomia, a relação por vezesíntima ou por vezes distante com os departamentos afins (incluindo aíprofessores, alunos e funcionários), com a comunidade universitária ecom a comunidade regional, o abandono das coleções, a falta deespaço para armazenamento e para exposição, a falta deprofissionais especializados em atividades museológicas, entreoutros. (ALMEIDA, 2001, p. 4).
As falhas que encontramos no MCC refletem exatamente tudo o que a
autora cita como pontos comuns entre os museus universitários. Constatamos
muitas idéias boas, vindas de docentes, alunos, estagiários, funcionários, que
algumas vezes não eram levadas adiante, talvez por falta de recursos, talvez
por falta de parcerias, talvez por falta de uma gestão mais segura. Por vezes,
encontramos essas respostas nos documentos a que tivemos acesso; outras
vezes, vimos assuntos surgirem nas pautas de reuniões e de repente sumirem
das discussões. Além disso, se a falta de comprometimento de alguns
profissionais, que é fato real em qualquer área, em qualquer lugar, parece ser
mais difícil de lidar nos setores públicos, que dirá em um museu que tem seus
funcionários trazidos do quadro da UFRN!
Esses aspectos tornam-se extremamente complexos na prática
museológica e, sobretudo, nos museus universitários. Como vimos, o MCC não
104
é uma exceção no que se refere aos museus universitários do Brasil e do
mundo.98 Em sua grande maioria, esses museus estão amarrados à estrutura
das universidades e sofrem as conseqüências diretas da falta de investimento
do Ministério da Educação (MEC). Se pensarmos, então, que 61% dos museus
nacionais pertencem às universidades federais99, teremos a dimensão real
desse problema.
A partir das informações e fatos apresentados, podemos afirmar que o
MCC vive com muitas dificuldades. Contudo, essa condição não é
exclusividade sua, faz parte de uma realidade que se estende para além dos
seus domínios físicos, pois está inserida em um contexto mundial. Também foi
possível observarmos que nem só de fatos ruins é feita a história do MCC:
muitas ações de “resistência”, de mérito, foram realizadas e muitas continuam
sendo. Nessa esfera, o que nos compete é evidenciar essa realidade
enfrentada pelos museus universitários, e aqui, em especial, pelo Museu
Câmara Cascudo. Se nos preocupamos em destacar a importância desse
Museu, principalmente para a cidade do Natal e para a UFRN, é porque
acreditamos no potencial que ele revela enquanto instituição e na capacidade
que ele possui para desenvolver sua missão. O grande desafio a vencer é a
inexistência de políticas culturais efetivas que abranjam o MCC, que talvez só
possam existir através de parcerias entre as instâncias governamental,
universitária, social e privada.
2.4. O MCC hoje
Atualmente, o MCC luta por sua sobrevivência, nadando contra uma
crise quase permanente, já que se iniciou na década de 80. Apesar do quadro
negativo em que se encontra o Museu, ele atravessa um novo processo. Em
98 Segundo a tese de doutorado de Adriana Mortara Almeida, “Museus e coleçõesuniversitárias: por que museus de arte na Universidade de São Paulo”, São Paulo: USP, 2001,os museus universitários do Brasil e de outros países da Ásia, Europa, América do Norte eAustralásia sofrem problemas em comum.99 Informação obtida na palestra da professora Wani Fernandes Pereira, no eventocomemorativo à Semana Nacional de Museus 2008, realizado no MCC no dia 16 de maio de2008.
105
2007, houve mudança de direção e talvez isso signifique novo fôlego para
antigas questões, já que a direção anterior, estava no cargo há quase dez anos
(1998-2007).100 Claro que deficiências de décadas não serão resolvidas de uma
hora para outra, mas, de acordo com os funcionários do Museu entrevistados,
em um curto tempo, a nova direção já conseguiu ampliar o diálogo com a
UFRN, o que resultou em pequenas obras de melhoria no prédio, além da
contatação de um estagiário do curso de Comunicação da UFRN que é
encarregado de fazer a assessoria de imprensa do Museu.
Figura 27. Jardim atrás do Museu, onde estão as salas e laboratórios, 2008. Foto nossa.
Hoje, o organograma do MCC comporta três coordenações subdivididas
em setores. São elas: 1. a coordenação de Cultura e Museologia,101 que inclui o
setor da Reserva Técnica, o setor Pedagógico, a Biblioteca e o setor de Cultura
da Tradição; 2. a coordenação Técnico-científica, incluindo o setor de
Paleontologia, o setor de Arqueologia e Pré-história do RN e o setor de
100 Em 2007 a professora Sônia Maria de Oliveira Othon, do Departamento de Artes da UFRN,assumiu a direção do MCC no lugar do professor Jerônimo Rafael Medeiros, o qual esteve àfrente do Museu nos períodos de 1987 a 1991 e 1998 a 2007 e como vice-diretor em 1993-1998.101 Em 2003, de acordo com a ata da reunião da Congregação, realizada no dia 1 de abrildaquele ano, os departamentos de Antropologia e Museologia se fundiram e formaram oDepartamento de Cultura e Museologia.
106
Estudos Ambientais e Herbário e 3. a coordenação Administrativa, que abarca
o setor Administrativo.
Com verba anual correspondente a R$ 90.000 (noventa mil reais),
administrada pela Reitoria e liberada mediante a submissão de projetos
orçamentários, o MCC passa por dificuldades até para a manutenção que
garanta as necessidades básicas de funcionamento da instituição. Esse quadro
já era assunto em 1990, quando, em uma matéria do jornal Tribuna do Norte,
foi revelado que a verba destinada ao MCC correspondia a 0,6 do orçamento
da UFRN.102 Quanto aos projetos de pesquisa e extensão, assim como os
departamentos da UFRN, o MCC deve submetê-los à Pró-reitoria de Extensão
(PROEX) ou à Pró-reitoria de Pesquisa (PROPESQ).
São graves também as circunstâncias para aquisição de acervo, pois a
verba destinada para essa função é praticamente inexistente. No passado, as
principais formas de aquisição do acervo aconteciam através das pesquisas,
dos intercâmbios interinstitucionais e das doações. Atualmente, as pesquisas
não acontecem em ritmo tão intenso como antes, assim como os intercâmbios;
desse modo, a principal forma de aquisição de acervo se dá através de
doações ou comodato. As últimas aquisições foram resultado de doações feitas
por artistas potiguares a partir do projeto “Nossos Artistas” e dos projetos de
pesquisa “Santeiros e Devoções do RN” (2000-2002) e “Dadi, uma face
feminina no teatro de bonecos do RN” (2002).
A falta de contratação de novos funcionários é outro agravante. Os
professores e funcionários do MCC vêm do quadro de cargos da UFRN. A
conseqüência é que a grande maioria dos funcionários trabalha lá há pelo
menos 20 anos e outro grande número vem se aposentando. Em 1990, esse
fato já era uma realidade: naquele ano a marcenaria fechou, pois o funcionário
responsável se aposentou. No último concurso para funcionários da UFRN, em
2004, o MCC entrou com uma solicitação de dez funcionários, mas apenas
conseguiu garantir a entrada de um. Além da necessidade de um contingente
maior de funcionários, há também a carência de profissionais qualificados para
assumirem funções mais especializadas da museologia, pois, quando o Museu
foi criado, o conhecimento na área ainda engatinhava em seus primórdios.
Esse é outro ponto que sempre foi debatido intensamente nas reuniões, mas
102 Tribuna do Norte, domingo 25 de novembro de 1990.
107
nunca se conseguiu trazer um museólogo para o quadro permanente do MCC,
já que no quadro de docentes da UFRN não há esse cargo.
De acordo com documentos do arquivo do MCC, temos o seguinte: em
1989 havia vinte e um professores em seu quadro;103 em 1997, havia oito104.
Segundo o depoimento do professor Jerônimo Rafael Medeiros, até o final dos
anos 1980 os professores eram lotados no Museu, algo que ia contra o estatuto
da UFRN: “havia essas situações sui generes”. Embora os professores fossem
lotados no MCC, não era possível entrar com pedido de contratação de
docentes ou apresentar o “índice de necessidade de docentes” (INDD), como
fazem os departamentos.
Como o antigo IA foi criado apenas dois anos após a UFRN (naquele
momento, URN), os primeiros quadros de professores foram formados pela
equipe fundadora, inicialmente, e, depois, por alunos já graduados que
entravam como estagiários e após passarem pelo curso de Antropologia que o
IA oferecia faziam uma prova e eram habilitados como docentes. Já nos anos
1980, o MCC não podia admitir professores diretamente para sua estrutura
administrativa. Eles tinham que, primeiramente, ser do quadro de funcionários
da UFRN, para depois serem alocados para o Museu, algo que não era tão
simples de acontecer. O resultado disso é que muitos professores se
aposentaram, outros faleceram e, atualmente, apenas cinco professores fazem
parte do quadro do MCC.
Apesar de o MCC ter conseguido montar uma reserva técnica, ela não
tem capacidade para todo o seu acervo. A atual reserva técnica se destina a
ala da Antropologia Cultural. O ideal seria construir pelo menos uma outra
reserva que abarcasse os outros setores de exposição e pudesse cuidar do
acervo, bem como guardá-lo quando não fosse exposto. Na época em que a
Comissão de Museus da UFRN foi montada (2000), houve um projeto de
transformar os laboratórios dos departamentos em reservas técnicas que
funcionassem adequadamente para receber visitação, mas tal proposta não foi
adiante.
103 De acordo com o relatório da eleição para diretor e vice-diretor do MCC, no mandato 1989-1991.104 De acordo com a relação de docentes do MCC, datada de 30/09/1997.
108
Em uma visita ao MCC, é notório o estado de defasagem e carência em
que ele vive. As exposições permanentes são questão fundamental para
analisar e discutir, o que faremos na terceira parte desta dissertação.
A questão da expografia nos leva a um ponto relevante, inserido na
complexa problemática museal: a comunicação entre o MCC e o público ou, de
uma forma mais ampla, a relação entre museu e sociedade. O MCC expõe,
mas falta a informação destinada ao público visitante, falta a interação com o
visitante, falta todo o resto de uma exposição que não se resume apenas ao
objeto de contemplação. Essa lacuna é algo que desvincula o Museu da sua
missão educativa, da sua missão informativa, transformando a visitação em um
mero passeio descontextualizado – não nos referimos às visitas escolares
guiadas, que contam com o trabalho didático dos guias, mas às visitas que não
podem usufruir de um deles porque, simplesmente, não há guias suficientes no
Museu.
O MCC recebe atualmente a visitação diária de escolas, principalmente
públicas, vindas de vários municípios do estado do RN, como Parnamirim,
Caicó, Ceará-Mirin, entre outros. Segundo os funcionários do Setor de
Exposição e os cadernos de freqüência, podemos dizer que, de forma geral,
esse é o público mais freqüente do Museu. As escolas particulares da cidade já
não têm a mesma assiduidade.
A visitação “individual” (aquela que não é feita por um grupo específico,
como escolas, excursões, pesquisadores, etc.) é mais rara e mesmo a
visitação turística não acontece com tanta freqüência. Os funcionários nos
relataram que muitos visitantes já chegaram ao MCC pensando que
encontrariam o Museu Casa de Luis da Câmara Cascudo ou o Museu do
folclorista, e saem de lá decepcionados. Houve caso em que, depois de
terminada a visita, o visitante pediu explicações e o reembolso, ou seja, a
divulgação do Museu também é ineficiente. Atualmente, os guias explicam
antecipadamente do que se trata o MCC para que não haja maiores equívocos.
A inexistência de um turismo cultural na cidade é outro ponto deficiente
e foi assunto já nos anos 1990. Segundo matéria do jornal local Tribuna do
Norte,105 o turismo cultural interessaria aos visitantes de Natal, mas os roteiros
das agências não contemplavam os museus da cidade. Para o professor
105 Tribuna do Norte, Segundo Caderno, Natal-Rio Grande do Norte, 21 de janeiro de 1996.
109
Claude Luiz, diretor do Museu naquele momento, as visitas poderiam
aumentar, caso o MCC estivesse nos roteiros das agências, como um dia
chegou a constar. Um dos motivos que levou o Museu a ser retirado dos
roteiros, acreditava o diretor, era o pouco tempo que os pacotes turísticos
ofereciam, tempo insuficiente para a visitação de um museu como o Câmara
Cascudo. Atualmente, existe uma mobilização para que as instituições que
formam o aparelho cultural do RN sejam incluídas nos roteiros das agências de
turismo e mesmo na divulgação da Secretaria de Turismo do estado. O próprio
MCC se preocupa muito com essa questão, principalmente por não ter nenhum
funcionário bilíngüe em uma cidade que recebe grande número de turistas
internacionais. Por essa razão, em 2008 firmou parceria com o SENAC, que
disponibilizou duas bolsas de estudo em cursos de línguas estrangeiras para
funcionários do Museu.106
Diante das questões apresentadas, podemos dizer que falta algo na
relação entre o MCC e o público. Quando iniciamos a pesquisa, chegamos a
levantar a seguinte hipótese: não será o atual estado do Setor de Exposição do
MCC um reflexo de características anteriores, que vêm desde a época da
criação do Instituto de Antropologia? O MCC foi criado com o objetivo de aliar a
pesquisa à exposição, produzindo o conhecimento a ser transmitido ao público.
Entretanto, inicialmente, não havia um setor ou um profissional responsável
pelas funções de reorganizar as salas de exposição, dinamizando a disposição
do acervo a partir das novas perspectivas museológicas e também sociais, ou
de pensar na conexão recíproca que deve haver entre o material exposto, a
informação disponibilizada e o visitante.
Em seu trabalho, Silva reflete sobre os objetivos dos professores ao
formarem as coleções do IA:
... [os professores] buscavam criar um museu com salas de exposiçãopara ‘os resultados’ de todo um trabalho de pesquisa dentro docontexto de seus departamentos. Enfim, uma tentativa de
106 Em 2006, o turismo cultural no MCC foi tema da monografia do curso de graduação emturismo pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte do aluno Nelson Aderaldo OlsenMaia do Vale, com o título “Turismo Cultural e Museu: Estudo de Caso no Museu CâmaraCascudo em Natal”. Nesse trabalho, Nelson criou um CD-rom chamado “Passeio Virtual”, quecontém uma apresentação do MCC em mídia digital, destinada primeiramente à classeestudantil. Infelizmente, por falta de investimento, seu CD não chegou a ser disponibilizado. Noentanto, seria uma ótima forma de atingir as agências e o turismo de forma geral, talvezdisponibilizando o passeio virtual no próprio site do MCC.
110
estabelecerem uma conexão do museu com as pesquisas de campo,reunindo em um só trabalho dois tipos de atividades: a museológica ea científica. Isto fica claro, na medida em que as salas são nomeadastais como os seus departamentos. (SILVA, 2008, p. 39).
Segundo Silva, naquela época no IA, buscava-se conceituar o estudo
completo da região através de seus objetos atuais e arqueológicos. O IA era
uma instituição de extrema importância, pois gerou uma diversidade de
atividades tanto de cunho cientifico quanto social no estado do RN, mas as
exposições eram pensadas pelos próprios pesquisadores: não havia alguém
responsável pelo Setor de Exposição.
Voltando à década de 80, na mesma reunião em que se colocou, em
caráter de urgência, o projeto de reestruturação do MCC,107 o professor José
Crispim chamou a atenção para a prioridade dos cursos de extensão a serem
ministrados pelos docentes do MCC, argumentando que essa atividade, aliada
à pesquisa, constituía uma das diretrizes da instituição. Segundo a ata da
reunião, o estado do Museu naquele momento era de séria crise, a qual punha
em risco o acervo pertencente à instituição, além de provocar um descrédito de
seus docentes junto à comunidade universitária e à população de maneira
geral. Nessa reunião, a professora Wani Pereira fez um apelo para que os
professores visitassem principalmente o Setor de Exposição e confirmassem a
situação em que o Museu se encontrava.
Guiando-se pelas necessidades mais urgentes do MCC, o projeto de
reestruturação tinha como meta principal recuperar o Setor de Exposição,
tendo como base o levantamento das condições realizado pelos professores
Raimundo Teixeira da Rocha108, Maria do Socorro de Oliveira Evangelista109
(coordenadores do setor) e Wani Pereira. Para esse fim, fazia-se necessária a
atuação e colaboração de todos os departamentos, que deveriam elaborar
exposições alternadas sob a orientação da coordenação do Setor Museológico.
Estas ampliariam as opções de material a ser exposto, favorecendo a
dinamização do Museu, servindo como recurso didático e, conseqüentemente,
ampliando a procura de visitantes. As exposições alternadas seriam
107 Reunião da Congregação de Professores do MCC, realizada no dia 01 de outubro de 1984.108 Fez parte da primeira equipe de professores do antigo Instituto de Antropologia.109 Professora aposentada da UFRN, fez parte do Departamento de Antropologia do MCC.
111
acrescentadas às exposições permanentes.110 Como vimos antes, o projeto de
reestruturação foi constantemente e continuamente debatido desde 1984 até
os dias atuais, mas nunca realizado integralmente.
Figura 28. Baiana no Museu, s/d. Foto do arquivo do MCC.
Tomando como base os fatos apresentados, podemos notar que, desde
a década de 80, começa a haver uma intensa preocupação com o Setor de
Exposição. Sobre isso, concluímos que talvez essas ações de dinamizar o
Setor não tenham ocorrido na fase de inauguração do Museu. Com o passar
dos anos, dada a necessidade de manutenção, renovação e dinamização do
mesmo, essas preocupações vieram a existir como verdadeiras exigências
para a própria existência do MCC. Portanto, se elas não chegaram a acontecer
em alguns momentos, não podem ser consideradas apenas como reflexos da
estrutura inicial do MCC, mas, sobretudo, como resultado da inexistência de
políticas culturais provenientes da UFRN, após a reforma universitária em
1968. Se o MCC foi criado com o objetivo de aliar a pesquisa à exposição
através da sua missão institucional como órgão de pesquisa, ensino e extensão
e, nas últimas décadas, não vem realizando tais atividades, isso se deve à
ausência de políticas efetivas que envolvam o Museu.110 De acordo com a ata da reunião da Congregação de Professores do MCC, realizada no dia 1de outubro de 1984.
112
Chegamos à conclusão de que, desde os primeiros anos de seu
funcionamento, foram principalmente as áreas ligadas à Antropologia, como a
seção de Cultura Popular e a de Etnologia Geral, as responsáveis por grande
parte do conhecimento produzido pela instituição. Segundo Silva,
A denominação ‘Cultura Popular’ aparecia com muito destaque nadocumentação da instituição, demonstrando (...), a autonomia dasquestões ligadas à cultura como totalmente separada das ciênciasnaturais e vinculada às ciências sociais. Estas duas seções seriamresponsáveis por mais da metade da produção de conhecimento localproduzido pela instituição. Possibilitando assim, o reconhecimento doInstituto em âmbito nacional pelos seus trabalhos nas áreas citadas.(SILVA, 2008, p. 34).
Naqueles tempos, o IA já apresentava pesquisas sobre aquilo que, a
partir de 2000, passou a se chamar de “cultura imaterial”. Veríssimo Pinheiro
de Melo e Luis da Câmara Cascudo, com o objetivo de realizar um resgate da
cultura local, iniciaram um trabalho de registro de folguedos populares, através
de gravação. Esse trabalho de inventário das práticas culturais pode ser
reconhecido como de vanguarda para aquela época.
Voltando às exposições, podemos então nos questionar: se o MCC foi
criado principalmente com o objetivo de promover e divulgar estudos sobre o
homem através da pesquisa, produção de artigos científicos e exposição do
material coletado por sua equipe, porque as exposições não foram sendo
renovadas à medida que novas pesquisas e projetos iam sendo realizados?
Com exceção das salas que compõem a ala da Antropologia Cultural, nenhuma
outra sala expõe os resultados de pesquisas mais recentes, desenvolvidas por
professores do MCC.
Como colocamos anteriormente, atualmente apenas cinco professores
fazem parte do seu quadro de docentes. Para alguns, esse é o motivo pelo
qual o ritmo das pesquisas diminuiu, comprometendo a vida do Setor de
Exposição. Sem contar que esses profissionais estão no Museu há pelo menos
vinte anos e já mostram sinais de desânimo com relação à luta constante que a
instituição vivencia. Para outros, o problema das exposições não é decorrente
da falta de docentes, pois mesmo quando havia um número maior de
profissionais o Setor de Exposição já estava estagnado. Esse é apenas um dos
problemas decorrentes da inexistência de políticas culturais destinadas ao
113
Museu: ele não tem um Plano Museológico que defina todas as suas ações,
atividades e funções detalhadamente.
Segundo o professor Jerônimo Rafael, muitas soluções já foram
sugeridas. Ele mesmo fez um relatório quando saiu da direção do MCC em
2007, descrevendo a situação em que o Museu se encontrava e as possíveis
maneiras de transformá-la. O professor considera as sugestões possíveis de
serem postas em prática, mas em sua opinião falta, dentro da UFRN,
justamente uma política voltada para os museus. Em seu desabafo, ele nos
disse:
Ficamos no aguardo sempre que apareça alguém quereconheça o valor dessa instituição chamada museu. Eles aindapensam que é aquele monte de coisas velhas jogadas em prateleiras.Enquanto se tiver essa concepção fica difícil, dentro de umauniversidade... fica difícil avançar. E se não houver a presença deprofessores dentro do Museu, de universitários, de um museológo, ede outros que formem uma equipe mista, se houvesse concurso paraisso... sem um quadro permanente na instituição fica difícil. Osmuseus de nossa universidade não têm o pessoal qualificado, temmuita gente com boas intenções e boa vontade, mas só isso nãobasta. (...)
Eu temo que o Museu se transforme numa mera casa deexposição e um museu, principalmente um museu universitário, elesobrevive do resultado das suas pesquisas e também tem a interaçãocom o público, que seria a parte de extensão. E, se ele é detentor deconhecimento, ele deve socializar esse conhecimento através daextensão e do ensino. O principal de um museu deve ser a pesquisa,porque é ela que gera conhecimento. À medida que ela geraconhecimento vai havendo novidades para se mostrar ao público.Porque se não houver uma rotatividade, pelo menos de algunssetores de exposições, as pessoas não voltam. O museu precisa serdinâmico, constantemente renovado.
Letícia Julião111 também fala nesse sentido. Podemos fazer um paralelo
entre as funções dos museus universitários e sua afirmação de que os museus
atuam em três campos distintos e complementares: a preservação, a
comunicação e a investigação. A preservação permite que os bens culturais
vivam por mais tempo e que mais pessoas tenham acesso às informações
possibilitadas pelos objetos. A comunicação é a relação que se dá entre o
sujeito e o bem cultural. A investigação amplia o processo de comunicação,
pois está em constante produção de conhecimento, e deve dar subsídios a
uma visão crítica sobre os contextos e as realidades das quais o objeto faz
111 Historiadora, foi diretora do Museu Histórico Abílio Barreto (1995-1996 e 1999-2000).
114
parte. Para a historiadora, a pesquisa e a comunicação é que conferem sentido
e atribuem uso social aos objetos e, portanto, justificam sua preservação.
No entanto, como observa Julião,
a maioria das instituições museológicas tem relegado para segundoplano as atividades de pesquisa. Em decorrência disso, é possívelobservar um crescente empobrecimento dos processoscomunicativos dessas instituições, exemplificado em exposições que,embora possam até dispor de recursos de novas mídias e cenografiasmirabolantes, se apresentam profundamente conservadoras. Sem umtrabalho precedente de investigação e reflexão sobre o acervo, asexposições se transformam em eventos de mera transmissão deinformação, de valorização exclusiva dos atributos intrínsecos, dosobjetos, destituídos de sentido ou qualquer proposta conceitual.(JULIÃO, 2006, p. 94).
Atualmente, podemos destacar a Equipe Pedagógica do MCC como
movimento de resistência. A Equipe, que se formou em 2005 a partir da
iniciativa do diretor, surgiu após a dissolução da Comissão de Curadoria,
assumindo grande parte das suas funções. Quando formada, o objetivo inicial
da Equipe Pedagógica era desenvolver um trabalho voltado para as escolas,
direcionando suas visitas. Para alcançar tal propósito, a Equipe é responsável
por montar previamente o calendário de atividades para o ano seguinte. Para
tanto, a Equipe deve entrar em contato com escolas, tanto públicas quanto
privadas, da cidade do Natal e de outros municípios, comunicar-se com artistas
que venham a expor na sala de exposições temporárias e profissionais que irão
palestrar ou ministrar oficinas.
115
Figura 29. Capa do catálogo das obras de Etewaldo. Foto nossa.
Figura 30. Capa do catálogo das obras de Luzia e Ana Dantas. Foto nossa.
Na medida em que os trabalhos se desenvolveram, novas idéias
surgiram. Uma delas foi o projeto “Nossos Artistas”, um resgate dos artistas
populares do Rio Grande do Norte, como Luzia Dantas, Ana Dantas e
Etewaldo. A partir desse projeto foram realizadas exposições desses e de
116
outros artistas no MCC e peças foram doadas para o seu acervo. Além disso,
com muita dificuldade, foram publicados dois catálogos das exposições, dos
quais só existe um exemplar de cada, devido à falta de verba suficiente para o
lançamento de uma edição.
A questão da falta de verba é uma constante para a Equipe Pedagógica.
Eles trabalham basicamente com parcerias: as oficinas, palestras e exposições
oferecidas são realizadas em acordo com o artista ou profissional que oferece
o trabalho em troca de maior visibilidade. A compra de alguns materiais de
consumo e lanches que são oferecidos em atividades comemorativas provém,
muitas vezes, da Associação dos Funcionários da UFRN (AFURN). A
divulgação das atividades do MCC se dá pelo site do IPHAN e também por
jornais e rádios locais que dedicam um espaço às atividades culturais, assim
como pelos meios de comunicação da UFRN: a rádio Universitária 88,9 FM e a
TV Universitária – TVU.
117
CAPÍTULO III – Questões expográficas
Figura 31. Máscara em madeira de Luanda – Angola, exposta na Sala “Religião afro-brasileira”, 2008. Foto nossa.
118
3.1. Passado -> História -> Memória -> Tradição
Por um momento, podemos pensar os museus como espaços da
memória, protetores do patrimônio e das tradições e, como foram por muito
tempo, legitimadores da cultura. Ao percorrermos esse caminho, devemos
questionar: que traços, que aspectos os museus apresentam para que
possamos pensá-los assim? É através de seu acervo, da informação, das
mensagens, dos símbolos contidos em sua atmosfera que podemos verificar
essas funções. Portanto, devemos ter algumas questões em mente: o que está
implícito nas formas de apresentação do acervo? Como se configuram as
exposições de objetos? Em que contexto são apresentados determinados
aspectos de uma sociedade ou de um grupo específico? Através de que
objetos ou atividades são apresentadas tais culturas? Como são
disponibilizadas as informações e o conhecimento que se tem sobre
determinado acervo e/ou determinada realidade?
Quando falamos em memória, o que está em jogo é a própria noção de
passado e também de história. Portanto, percorreremos algumas idéias acerca
da relação entre passado/memória/história para apresentarmos algumas
questões que se aproximam do nosso tema central.
Em Arqueologia do Saber, Michel Foucault fala sobre a mudança na
forma de percepção da história: se antes ela era tida como linear, contínua e
ininterrupta, passou a ser analisada pelos momentos de ruptura e de
transformação do seu percurso no tempo. O que interessa ao autor, ao
desenvolver a questão em torno das abordagens das análises históricas, é
justamente a necessidade de se levar em conta os processos de interrupção,
corte e descontinuidade da história.
E assim, o grande problema que se vai colocar – que secoloca – a tais análises históricas não é mais saber por que caminhosas continuidades se puderam estabelecer; de que maneira um único emesmo projeto pôde-se manter e constituir, para tantos espíritosdiferentes e sucessivos, um horizonte único; que modo de ação e quesuporte implica o jogo das transmissões, das retomadas, dosesquecimentos e das repetições; como a origem pode estender seureinado bem além de si própria e atingir aquele desfecho que jamaisse deu – o problema não é mais a tradição e o rastro, mas o recorte eo limite; não é mais o fundamento que se perpetua, e sim astransformações que valem como fundação e renovação dosfundamentos. (FOUCAULT, 2007, p. 6).
119
Compreendemos que são esses modos de entender a realidade como
algo descontínuo que deve prevalecer quando se aborda qualquer tipo de
assunto, pois assim se asseguram os múltiplos pontos de vista de um tema,
seja ele qual for. É dessa forma que concebemos as exposições dos museus:
elas não devem apresentar uma realidade pronta ou contar uma história
inquestionável, ao contrário, devem suscitar novas questões por terem como
característica a possibilidade de confronto entre histórias, a partir da forma de
contar, da forma de interagir.
Sobre a permanência da verdade e da ordem do mundo, Balandier diz
que as escolas tradicionalistas do século XIX qualificavam o novo de erro e de
fator de desordem. O novo, o movimento, o transitório, o efêmero eram
considerados “os assassinos da tradição”.
Na concepção ocidental, a tradição tem duas figuras: uma,passiva, que manifesta sua função de conservação, de memorização;outra, ativa, que lhe permite ser o que já foi. A palavra, o símbolo, orito a mantêm sob este duplo enfoque. É por meio deles que atradição se insere em uma história onde o passado se prolonga nopresente, onde o presente chama o passado; história desconcertante,porque negadora de seu próprio movimento e refratária à novidade.Quer exprimir na permanência a verdade, a da ordem do mundodesde sua origem. (BALANDIER, 1997, p. 93).
Ao tratarmos dos museus, temos em mente que uma das questões a ser
analisada é como a história do acervo e das coleções, bem como a própria
história do prédio – quando se trata de construções históricas – é contada e
que memória é essa que está sendo resguardada. De que forma as histórias
dos objetos, dos acervos são apresentadas em uma exposição? As
descontinuidades presentes nas histórias dos pensamentos, das ciências e das
civilizações estão presentes na forma como se disponibiliza o conhecimento
em um museu? Como nos tornamos conscientes dos vácuos, recuos e desvios
da história das coisas? Como questionou Segall,
Mas o que se passa com os museus? Eles estão ali, porexemplo, para legitimar a cultura dominante, comunicando umahistória manipulada, uma ciência tecnológica, uma artemercadológica? Ou, por outro lado, devem estar junto à sociedade,satisfazendo as suas necessidades e apontando suas contradições?
Para as contradições existentes na sociedade, o museu devedespertar sensibilidades, sendo eclético, dinâmico, um museu decomunicação? Ou deve ser um museu passivo, inerte, que consolida
120
o bloqueio sensível causado pelos meios de comunicação de massa,por exemplo? (SEGALL, 2001, p. 57).
Para Jacques Le Goff, a memória coletiva nas sociedades com escrita é
uma forma de manipular a história, relembrando e comemorando fatos ditos
importantes e esquecendo os que não convém serem lembrados. Em sua
opinião, as sociedades sem escrita atribuem à memória mais liberdade e mais
possibilidades criativas. Ao tratar da memória, ele a admite como uma função
psíquica, já que é propriedade do homem conservar informações, mas
acrescenta:
Fenômeno individual e psicológico, a memória liga-se também
à vida social. Essa varia em função da presença ou da ausência da
escrita e é objeto da atenção do Estado que, para conservar os traços
de qualquer acontecimento do passado, produz diversos tipos de
documento/monumento, faz escrever a história, acumular objetos. A
apreensão da memória depende deste modo do ambiente social e
político: trata-se da aquisição de regras de retórica e também da
posse de imagens e textos que falam do passado, em suma, de um
certo modo de apropriação do tempo.
As direções atuais da memória estão, pois, profundamente
ligadas às novas técnicas de cálculo, de manipulação da informação,
do uso de máquinas e instrumentos, cada vez mais complexos. (LE
GOFF, 2003, p. 419).
Ao retomarmos Foucault, percebemos que, mesmo com a mudança na
percepção da história enquanto ciência, os problemas colocados são os
mesmos: “a crítica do documento”. Ao longo do século XX, a concepção acerca
do significado do documento ampliou-se e passou a ser muito mais do que um
testemunho escrito, englobando o “falar das coisas mudas”, como foi dito pelos
fundadores da revista Annnales d’Historie Économique et Sociale (1929),
citados por Le Goff como os pioneiros de uma história nova que insistiram em
ampliar a noção de documento:
A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida, quando estesexistem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos,quando não existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhepermite utilizar para fabricar o seu mel, na falta de flores habituais.Logo, com palavras. Signos. Paisagens e telhas. Com as formas do
121
campo e das ervas daninhas. Com os eclipses da lua e a atrelagemdos cavalos de tiro. Com os exames de pedras feitos pelos geólogose com as análises de metais feitas pelos químicos. Numa palavra,com tudo o que, pertencendo ao homem, depende do homem, serveo homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, osgostos e as maneiras de ser do homem. (Apud LE GOFF, 2003, p.530).
Sobre essa mudança, Foucault afirma que
(...) a história, em sua forma tradicional, se dispunha a ‘memorizar’ osmonumentos do passado, transformá-los em documentos e fazerfalarem estes rastros que, por si mesmos, raramente são verbais, ouque dizem em silêncio coisa diversa do que dizem; em nossos dias, ahistória é o que transforma os documentos em monumentos e quedesdobra, onde se decifravam rastros deixados pelos homens, ondese tentava reconhecer em profundidade o que tinham sido, umamassa de elementos que devem ser isolados, agrupados, tornadospertinentes, inter-relacionados, organizados em conjunto.(FOUCAULT, 2007, p. 8).
Le Goff sugere que a memória coletiva e a história aplicam-se a esses
dois tipos de materiais, os monumentos e os documentos, e os distingue. Os
monumentos são as heranças do passado, e os documentos, a escolha do
historiador. O autor diz que “O monumento tem como características o ligar-se
ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedades históricas
(é um legado à memória coletiva) e o reenviar a testemunhos que só numa
parcela mínima são testemunhos escritos.” (LE GOFF, 2003, p. 526). E
acrescenta:
O documento que, para a escola histórica positivista do fim do séculoXIX e do início do século XX, será o fundamento do fato histórico,ainda que resulte da escolha, de uma decisão do historiador, pareceapresentar-se por si mesmo como prova histórica. A sua objetividadeparece opor-se à intencionalidade do monumento. Além do mais,afirma-se essencialmente como um testemunho escrito. (Idem, p.526-527).
O que acaba de ser colocado nos reporta – mesmo que não por uma
relação estreita e direta, e sim pela conexão de idéias que se assemelham
pelos traços da figura maior – ao que chamamos anteriormente de museus dos
objetos e museus das experiências. Como isso faz sentido? O museu do
passado, que tinha como função preservar a memória e fortalecer a identidade
nacional, a instituição cristalizadora da história dos objetos e dos objetos em si,
122
impossibilitava a renovação do conhecimento, através das trocas e fluxos dos
saberes, instaurando uma verdade sobre a história, a memória, o passado e,
conseqüentemente, a cultura. Dessa forma, era como se aquela verdade fosse
perpétua, como se determinados aspectos fossem inerentes às formas de vida
humana, da ordem do “É”, do concreto, e não processos criativos, da ordem do
“Deveria”, do abstrato, como diria Bauman.
Os museus das experiências permitem o desenvolvimento da
criatividade, a produção do conhecimento e da própria cultura, pois seu público
não é mero apreciador de objetos, mas participante daquela realidade: ele
experimenta, ele vive, ele questiona, ele atribui significados. E, ainda mais
importante, os museus das experiências não excluem, não fazem seleção de
um público a partir de critérios excludentes, mas pretendem abranger todos,
sendo o mais aberto possível.
Se é possível enxergamos a história dos pensamentos e do saber
científico com base na mudança de paradigma das “chamadas histórias das
idéias, das ciências, da filosofia, do pensamento, da literatura” (FOUCAULT,
2007, p. 4), como algo não linear, mas descontínuo, que apresenta infinitas
possibilidades de desvios, de novas descobertas, como não enxergaríamos o
museu como um campo que faz parte dessas inúmeras verdades? Essa
mudança de paradigma se refere justamente ao momento em que o estudo da
história passa a procurar pelos fenômenos de interrupções, descontinuidades e
rupturas, ao contrário do que se buscava anteriormente nas unidades das
“épocas”, dos “séculos”, isto é, processos lineares, irreversíveis, regulares.
A nossa visão de museu o compreende “como metáfora da sociedade,
como espaço de sociabilidade, de mediação de diversos sistemas simbólicos,
ou seja, como espaço de poder e disputas ideológicas”. Segundo José do
Nascimento Júnior112, devemos pensar os museus como espaços da res
publica, assim como sugere Mário de Andrade. O museu
não é destinado aos príncipes e a suas coleções, aos curadores eespecialistas e suas ilustrações, aos detentores do poder econômicoou aos diretores de instituições; o museu res publica destina-se aoscidadãos e faz parte da sua função social o exercício do direito àmemória, à história e à educação. Sem dúvida, o campo museal écampo de tensão, e, por isso mesmo, nele há espaço para múltiplas e
112 Diretor do Departamento de Museus e Centros Culturais do IPHAN.
123
diferentes práticas, abordagens e enfoques. (Apud JUNIOR, 2005,s/p).
Os museus, por abrigarem objetos, histórias, memórias do passado e,
ao mesmo tempo, viverem no presente, mirando o futuro, são por natureza
própria espaços de contradições, contraposições, tensões e conflitos. Essa
singularidade tão destacada por alguns autores não pode ser negada.113 E é na
forma da experimentação que se pode dialogar com essas ambigüidades. O
museu é um lugar de coisas velhas, como muitos dizem por aí? Não, mas de
coisas antigas, certamente, porém não somente isto. Um lugar de “coisas
velhas” está associado ao que se encontra deteriorado, obsoleto, antiquado. Já
um lugar que abriga objetos “antigos” agrega valor ao que existe há muito
tempo, que se conserva desde muito tempo. Contudo, não podemos dizer que
o museu é apenas isso, porque é nesse lugar de objetos antigos, com
determinado valor, que se misturam as novas práticas da cultura, as novas
maneiras de fazer, as novas formas de olhar e de sentir. Como mostrar esse
outro lado que não prioriza nem a tradição e nem o novo, nem o estagnado e
nem o constantemente renovável? Como não negar e, ao mesmo tempo, não
se confundir com a ambivalência museal, com a simultaneidade entre memória
e esquecimento?
Como bem afirmou Mário Chagas, é comum nos referirmos aos museus
como espaços da memória, atribuindo ao esquecimento a propriedade de mal,
de “um vírus criminoso que devesse ser combatido, deletado, destruído.”
(CHAGAS, 2005, p. 19). E acrescenta que
os museus são lugares de memória e de esquecimento, assim comosão lugares de poder, de combate, de conflito, de litígio, de silêncio ede resistência; em certos casos, podem até mesmo ser não lugares.Toda a tentativa de reduzir os museus a um único aspecto corre orisco de não dar conta da complexidade do panorama museal nomundo contemporâneo. (Idem, p. 20).
O museu deve conter em si as diversas realidades, deve contar,
mostrar, exibir, de forma a suscitar novas possibilidades de entendimento,
novas formas de pensar, já que o conhecimento não é absoluto. Entretanto, é
ingênuo pensarmos que não haverá “uma forma” de se colocar isso. A partir do
113 Ver JUNIOR In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional n. 31/2005; CHAGAS,In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional n. 31/2005.
124
momento em que uma pessoa, no caso o museólogo ou o curador, tem a
chance de pensar uma exposição, as idéias estarão sendo colocadas sob o
ponto de vista dele. Nesse caso, devemos prestar atenção em como são
admitidos os documentos e os monumentos.
Se antes os monumentos eram transformados em documentos e
memorizados como fatos históricos oficiais, agora em cada documento se
busca por seu monumento, ou seja, se privilegia sua própria essência, seu
contexto, seu surgimento na sociedade. O monumento não é mais
transformado em um registro escrito e vai além dos fatos que se referem aos
grandes homens ou à história oficial. Ele revela a memória de todos os homens
e por isso deve estar aberto a novas descobertas, a novos valores que podem
ser agregados no momento das experiências. É nesse sentido que devemos
prestar atenção aos museus.
Dessa forma, as exposições revelam papel fundamental, pois são
formas de interação e comunicação voltadas para o público. Julião contempla,
em seu texto, algumas dessas questões:
Concebida como um texto argumentativo, a exposição se vale dacarga documental e referencial dos artefatos para enunciar questõesformuladas e desenvolvidas pelo pesquisador ou curador. Como umdiscurso em aberto, não dogmático, que permite diferentes leituras, aexposição adquire, de fato, seu sentido na interação com o público.Isso significa concebê-la como um projeto sempre em construção,destinado não a mostrar a História, mas a sugerir e permitir acompreensão, ainda que provisória e incompleta, de aspectos dopassado e das sociedades. (JULIÃO, 2006, p. 103).
Acrescenta, ainda, que
“o imobilismo a que estão sujeitos acervos de muitos museus, emdecorrência da inexistência de pesquisa, parece incompatível com aidéia de que as coleções se constituem como meios capazes deestender o olhar para além do que se vê.” (JULIÃO, 2006, p. 104).
Para ela, essa ampliação do olhar tem a ver com a aquisição do
conhecimento nos museus, que se coloca além da dimensão do mero olhar sob
o objeto. “Processo que não significa endossar necessariamente os valores
outorgados às coleções pelos seus criadores originais, uma vez que cabe ao
museu hoje possibilitar à sociedade reconstruir sempre e criticamente os
sentidos conferidos ao patrimônio cultural.” (Idem).
125
3.2. Os Enunciados do/no Museu
Acabamos de tratar da relação entre passado, tradição, memória e
história nos museus. Como sugeriu Myrian Sepúlveda dos Santos, ao tratar dos
pressupostos básicos na análise sobre a relação entre história e memória – o
qual podemos estender para a nossa dimensão –, estes são três:
o primeiro é que a relação entre passado e presente é uma via demão dupla, pois o passado tanto é construído pelo presente como oconstrói; o segundo é que a história é sempre resultado de relaçõesde poder; em terceiro lugar, é fundamental compreender que tantohistória como memória são múltiplas e complexas, porque resultadodo entrelaçamento de diferentes narrativas, as quais, emboraproduzidas em diferentes contextos históricos, coexistem no presente.(SANTOS, 2005, p. 37).
Tratamos de como os museus inicialmente se valiam de fatos históricos
para criar uma verdade absoluta da realidade e resguardar a memória de um
passado perpétuo, porque não se comunica, não produz relação com o
presente. Nesse momento, pensaremos o museu a partir de um outro conceito,
o de enunciado. Esse conceito, atribuído a Foucault, nos chamou a atenção por
conter em sua definição, função e descrição muitos pontos que dialogam com a
nossa compreensão sobre o museu.
Foucault diz que o enunciado não é uma estrutura, mas uma função de
existência que pertence exclusivamente aos signos. E acrescenta,
Não há razão para espanto por não se ter podido encontrar para oenunciado critérios estruturais de unidade; é que ele não é em simesmo uma unidade, mas sim uma função que cruza um domínio deestruturas e de unidades possíveis e que faz com que apareçam, comconteúdos concretos, no tempo e no espaço. (FOUCAULT, 2007, p.98).
A enunciação não se repete nunca, cada vez que alguém proferir algo,
haverá uma enunciação diferente, pois nela há uma “singularidade situada e
datada que não se pode reduzir.” (Idem, p. 114). Ao mesmo tempo, o
enunciado não é um acontecimento produzido em determinado tempo e lugar,
que possa ser lembrado como um ato de memória, tampouco uma forma que
possa ser constantemente atualizada em quaisquer condições.
126
O que seriam os enunciados do museu? Como acontecem essas
enunciações? Primeiramente, as exposições são os suportes de articulação
dos enunciados, é a partir daqueles signos que o visitante receberá a
enunciação. Esta, como disse Foucault, não se repete nunca. É como se para
cada visitante fossem proferidos diferentes enunciados, que são a maneira de
cada um fazer uso ou reutilizar aquilo que está sendo enunciado.
O que trazemos para o âmbito dos museus e de seus enunciados,
proferidos pela forma de composição dos seus objetos, é a materialidade do
enunciado que “não é apenas a substância ou o suporte da articulação, mas
um status, regras de transcrição, possibilidades de uso ou de reutilização.”
(Idem, p. 130).
Essa materialidade repetível que caracteriza a funçãoenunciativa faz aparecer o enunciado como um objeto específico eparadoxal, mas também como um objeto entre os que os homensproduzem, manipulam, utilizam, transformam, trocam, combinam,decompõem e recompõem, eventualmente destroem. Ao invés de seruma coisa dita de forma definitiva – e perdida no passado, como adecisão de uma batalha, uma catástrofe geológica ou a morte de umrei -, o enunciado, ao mesmo tempo que surge em sua materialidade,aparece como um status, entra em redes se coloca em campos deutilização, se oferece a transferências e a modificações possíveis, seintegra em operações e em estratégias onde sua identidade semantém ou se apaga. Assim, o enunciado circula, serve, se esquiva,permite ou impede a realização de um desejo, é dócil ou rebelde ainteresses, entra na ordem das contestações e das lutas, torna-setema de apropriação ou rivalidade. (Idem, p. 118-19).
Nos museus os enunciados também se transformam, pois não são
definitivos. As exposições procuram contar uma história, mas essa história não
deve estar petrificada no passado, deve conter em si subsídios que ofereçam
questionamentos capazes de promover outras enunciações.
Foucault diz que o arquivo é o sistema que administra o aparecimento
dos enunciados como acontecimentos únicos. Entretanto, o arquivo não
protege e conserva o enunciado para as memórias futuras, mas é o que define,
desde o início, o sistema de sua enunciabilidade. “O arquivo não é (...) o que
recolhe a poeira dos enunciados que novamente se tornaram inertes e permite
o milagre eventual de sua ressurreição; é o que define o modo de atualidade do
enunciado-coisa; é o sistema de seu funcionamento.” (Idem, p. 147).
127
Ao falar do limite tênue em que situa o arquivo entre a tradição e o
esquecimento, acrescenta que o arquivo “faz aparecerem as regras de uma
prática que permite aos enunciados subsistirem e, ao mesmo tempo, se
modificarem regularmente. É o sistema geral da formação e da transformação
dos enunciados.” (Idem, p. 147-48). Convém indagarmos: seria o museu um
arquivo, no sentido atribuído por Foucault? Levando em consideração as
características do arquivo, podemos afirmar que o museu vivo está muito
próximo de suas funções pois, assim como o arquivo, é
o que faz com que todas as coisas ditas não se acumulemindefinidamente em uma massa amorfa, não se inscrevam, tampouco,em uma linearidade sem ruptura e não desapareçam ao simplesacaso de acidentes externos, mas que se agrupem em figurasdistintas, se componham umas com as outras segundo relaçõesmúltiplas, se mantenham ou se esfumem segundo regularidadesespecificas... (Idem, p. 147).
Contudo, há aqui uma diferença. Foucault está tratando da palavra, dos
enunciados da língua e nós nos apropriamos de suas idéias para tratarmos dos
enunciados nos museus, da forma como eles são proferidos através das
exposições, das atividades interativas e dos artifícios museográficos. O que
vale para a nossa reflexão são as características essenciais do enunciado, seja
ele verbal ou não. Os enunciados estão em constante mutação, o que lhes
confere vida. E para nós esse é o ponto fundamental, pois, como disse Morin,
“radicalmente da ordem mecânica, a ordem ‘viva’ é a que renasce sem parar.”
(MORIN, 1991, p. 43).
3.3. O Museu Exótico
Durante muito tempo, os museus de antropologia foramconcebidos à imagem de outros estabelecimentos do mesmo tipo, istoé, como um conjunto de galerias em que se conservam objetos:coisas, documentos inertes e de algum modo fossilizados atrás desuas vitrinas, completamente destacados das sociedades que osproduziram, o único laço entra estas e aqueles, sendo constituído pormissões intermitentes enviadas ao campo para reunir coleções,testemunhas mudas de gênero de vida, ao mesmo tempo estranhasao visitante e para ele inacessíveis. (LÉVI-STRAUSS, apudKERSTEN e BONIN, 2007, p. 117).
O museu ocidental, originário do colecionismo, sempre teve dentre os
seus objetivos a apropriação, conservação e divulgação das diferentes
128
culturas, seja quando ainda era considerado “gabinete de curiosidades” ou
“câmara de maravilhas”, nos séculos XVI e XVII, em que reuniu o que era raro
e difícil de ser obtido das outras culturas – “os museus passaram a perseguir o
ideal de reconstruir a totalidade das culturas exóticas” (KERSTEN e BONIN,
2007, p. 118) –, seja quando evocou a “pureza” das “culturas da tradição”.
O fundamental aqui é pensarmos “como os museus antropológicos
apresentam as culturas não-ocidentais a partir de suas exposições?” Para essa
reflexão, nos apropriaremos das idéias de Alban Bensa (2006), em La Fin de
L’exotisme, quando o autor faz uma crítica aos museus que apresentam em
suas exposições o que ele denominou de “exotismo da cultura”, isto é, quando
as “culturas exóticas”, a cultura do “outro”, são trazidas aos museus sob uma
perspectiva que induz o olhar mítico sobre suas simbologias, sem que, muitas
vezes, haja uma preocupação em contextualizar as obras e os costumes
“exóticos” em um campo político, social e estético, ou seja, como se não
houvesse uma narrativa da qual fizessem parte aqueles objetos, criando um
grande abismo entre a representação dessas culturas e a sua realidade.
Sobre essa questão, lembremos que muitas instituições museológicas
se prestaram mais ao papel de colecionadores de objetos curiosos do que de
espaços do conhecimento e do saber, sendo esses objetos direcionados para a
construção da identidade de determinado povo, sem que houvesse a
preocupação com a contextualização dos mesmos ou a produção de um
conhecimento sobre eles.
Os museus etnográficos, antropológicos, arqueológicos e históricos
foram criados para apresentarem ao público aspectos de determinada cultura a
partir das pesquisas realizadas por seus pesquisadores. Dividimos as formas
de exposição desses museus sob dois aspectos que, em muitas ocasiões, se
complementam e coexistem. O primeiro diz respeito às exposições de culturas
distintas da cultura ocidental e que aparecem na forma de objetos “estranhos” e
“curiosos”, com informações que exploram a diferença como algo exótico em
um sentido pejorativo, que associa o outro ao primitivo e ao atrasado. Isso
acontece tanto quando se trata das chamadas culturas “primitivas” quanto da
própria cultura popular.
O outro refere-se à formação da identidade de determinada região ou
povo. Tais exposições teriam como finalidade abranger todos os seus
129
costumes e práticas sócio-culturais. Como se fosse possível dar conta de toda
a diversidade contida no modo de vida de um povo pela representação de uma
identidade única, através de objetos expostos em algumas salas. Isso nos
lembra muito os museus nacionais que tinham como objetivo fortalecer a
identidade nacional a partir de fatos e formas de conhecimento apresentados
como “oficiais”. Como se toda a cultura nacional estivesse depositada ali.
Bensa opõe a forma de apresentação das obras nos museus de arte à
forma de apresentação nos museus etnográficos, argumentando que nestes
últimos as obras ditas exóticas são, em sua maioria, agrupadas em função do
seu suposto pertencimento a um grupo, ao passo que nos museus de arte a
obra identifica o sujeito-autor. Dessa forma, nos museus etnográficos, pessoas,
indivíduos e subjetividades são desmanchadas em um agrupamento étnico,
que diz respeito a uma coletividade. Isso talvez pudesse ser justificado pela
inexistência de fontes escritas que impossibilitariam a atribuição de datas,
lugares e autores precisos.
O autor critica a história social e intelectual que se prestou a construir
identidades fixas que se inseriam em um contexto ideológico, recusando-se em
reconhecer o indivíduo subjetivo das chamadas culturas “primitivas”. Afirma,
portanto, que nesse contexto os efeitos teóricos e museológicos são hoje
facilmente mensuráveis.
Enquanto Bensa desenvolve o argumento de que a maioria dos
antropólogos relegou ao anonimato os sujeitos das narrativas, subestimando
seus nomes próprios, suas regiões específicas, datas e contextos em favor de
um conceito do “primitivo” que pode se referir tanto aos Aborígines, quanto aos
Pigmeus, a todos os índios do Brasil, tratando-os como um único povo, assim
como as tribos africanas, etc, nos ateremos às formas de exposição dessas
culturas nos museus, compartilhando, no entanto, da sua reflexão.
Segundo o autor, ao desindividualizar e descontextualizar as atividades
criadoras próprias às sociedades supostamente tradicionais, as exposições
museográficas apontam para uma construção fácil da realidade não-ocidental.
Dessa forma, “As famosas identidades culturais se encontram reforçadas sem
130
que nada dos processos efetivos, isto é, sociais, e artísticos da criação, seja
esclarecido.”114 (BENSA, 2006, p. 288).
Essa atitude generalizante em um museu pode estar associada ao
processo de alienação que diz respeito à relação do público com a exposição,
ou seja, com a informação e o conhecimento que será obtido e gerado a partir
da visita ao museu.
Nesse contexto apresentado, é importante trazermos para a reflexão a
contraposição das idéias que estão inseridas no atual conceito de museu e na
forma antiga de concebê-lo e/ou a diferença que se trava entre o museu das
coisas e o museu das experiências. Bensa também toca no ponto crucial dessa
discussão, bem como na essência do museu vivo. A problemática sobre o
objeto que não se encerra nele mesmo no momento em que o visitante o
observa, mas deve conter a sua forma de inscrição no campo social, político e
estético, do qual fala Bensa.
É também necessária uma reflexão sobre o entendimento do que é
cultura quando se aliena os objetos de determinado povo das suas marcas
individuais. A cultura, sob essa ótica, é algo que sempre esteve naquele grupo
e sempre estará, algo que comporta o mítico, ou seja, a cultura é vista como
impermeável, incapaz de estabelecer novas relações. Para Bensa, essa
generalização da cultura que objetiva mostrar uma verdade eterna surge do
preconceito de que a criação escaparia à qualquer determinação externa, isto
é, que a cultura é constantemente reinventada. Para Kersten e Bonin “A
produção de significado na classificação de um museu é mistificada como a
representação adequada, não como uma representação, dentre as inúmeras
possíveis.” (KERSTEN e BONIN, 2007, p. 118). E acrescentam:
Ao se selecionar o que será considerado de relevânciacultural, objetos-símbolos de diferentes tradições culturais serão‘reconstruídos’ narrativamente a partir de fragmentos. Além disso, alinguagem museográfica segue uma lógica de compreensão dotempo e do espaço que tenta recuperar um passado idealizado,coerente e harmônico. O processo histórico, um incontrolávelmovimento criador/destruidor, é apresentado em sua dimensãocoerente e contínua. (Idem).
114 Tradução livre de Bruna Hetzel, mestranda do Programa de Pós-graduação em CiênciasSociais da UFRN, em 2008.
131
Em um museu, isolamos as obras do seu contexto social, político e
estético e, assim, nos esquecemos de que tais obras existem dentro de um
sistema que podemos chamar relações sociais e que se perpetuam ali, estando
implicadas em um tempo que corresponde ao presente, ao passado e ao
futuro. Portanto, essas obras não foram fossilizadas em um momento, mas elas
fazem parte de uma dinâmica social, de uma ação, elas têm uma margem para
a intervenção do autor social.
Sobre isso, Bensa dirá que
Essa armadilha museográfica não deixará de se fechar sobre osobjetos enquanto não nos esforçamos para os compreender comotraços e meios de uma ação, como momentos de uma históriatomada em mãos por artistas de uma época dada. A obra não é aprojeção em uma matéria de uma representação atemporal, nem oponto de aplicação de uma força constante escondida. Ela revela, aoinverso, a parte visível de uma das opções possíveis tomada peloartista para controlar o tempo ao qual a história particular de suasociedade o confronta. Convém, portanto, considerar as obras, nãocomo estados, mas como projetos e se engajar assim sobre a via deuma reflexão que privilegia antes as ações que os comportamentos enão separa os meios dos fins.115 (BENSA, 2006, p. 290-291).
Acrescenta ainda que os objetos podem mudar de utilização e de
sentido de acordo com a forma como serão expostos, promovendo novas
significações que nem sempre corresponderão às originais, o que nos faz
retornar aos conceitos de enunciado (Foucault) e bricolage (Lévi-Strauss). Por
isso, convém refletirmos sobre os dispositivos museográficos. “A cada estação,
eles tomam significados e poderes particulares, seja por que acumulam
benefícios de suas experiências passadas, seja por que, ao inverso, eles se
livram, se vendo dotados de uma nova virgindade.”116 (BENSA, 2006, p. 291-
92).
3.4. Setor Expositivo e coleções do MCC
O que foi visto até agora nos possibilitou uma posição com relação às
discussões que envolvem os museus. O museu vivo, enquanto ambiência da
cultura, nega a sua assimilação a uma fábrica de ordem. Ao contrário, ele é
lugar de revolta, nos sentidos de liberdade, de criatividade, de satisfação115 (Idem).116 (Idem).
132
humana. Um lugar de memória e ao mesmo tempo um lugar de criatividade
implica um espaço dinâmico, no qual a tradição e o passado não são sinônimos
de “coisas velhas”, mas de “produção de sentidos”. Um campo para conhecer,
explorar e compreender os monumentos e os documentos como laboratórios
experimentais que possibilitam entendê-los através da multiplicidade dos
olhares e da inquietude da razão. Os enunciados nunca são os mesmos, nem
as comunicações, nem os diálogos, nem as experiências sensoriais. A
perturbação que nos invade quando nos damos conta do desmoronamento das
nossas certezas não nos cristaliza, mas nos permite a revolta no sentido de
retorno à nossa consciência. O transtorno do momento nos permite encarar o
problema, refletir; ele nos espanta e nos tira do estado de letargia, de
incapacidade, de alienação. “Por que tal coisa deve ser estudada e
preservada?” A mistificação das culturas exóticas em seu magnífico isolamento
com relação ao resto do mundo nos incomoda. Mas por quê? As peças, os
acervos, as coleções nem sempre foram apenas peças, acervos e coleções.
Qual a sua história? Porque os Pigmeus são apenas Pigmeus?117
É possível problematizarmos diversas questões para as exposições
museais. O que tentamos até agora foi provocar a reflexão sobre pontos com
que freqüentemente nos deparamos na instituição museu, principalmente se
admitimo-la como ambiência da cultura. Já tratamos das problemáticas
histórica, estrutural e administrativa do Museu Câmara Cascudo, bem como
suas causas e notórias conseqüências. Aqui, apresentaremos suas coleções,
sem, contudo, desmembrá-las em suas peças, pois esse documento é
demasiado extenso e não faz parte dos nossos objetivos fazer um inventário do
acervo do MCC, mas apenas apresentar suas principais características.
Como colocamos brevemente nas primeiras partes desta dissertação, o
acervo do MCC foi composto principalmente por doações, resultantes de
intercâmbios interinstitucionais, material coletado em pesquisa de campo,
doações pessoais e, posteriormente, por comodato. Outra forma de aquisição
do acervo, em menor escala, se deu através da compra dos objetos. Cabe
destacarmos a aquisição da Coleção Oswaldo de Souza, por ser a maior
compra de acervo que o MCC realizou. A coleção, totalizada em 750 peças,117 Bensa (2006) sugere que há, nos museus etnográficos, uma valorização das entidadescoletivas das chamadas “culturas primitivas” em detrimento da valorização do indivíduoenquanto sujeito criativo.
133
reúne arte popular, arte indígena, arte negra e arte sacra e foi adquirida por Cr$
650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil cruzeiros).
Segundo Silva, embora a data de entrada da Coleção Oswaldo de
Souza, nos termos de venda, informe que sua aquisição foi feita em torno da
década de 60, essa informação não é precisa.
Infelizmente não temos dados informando porque neste mesmoperíodo não ocorreu uma primeira documentação do material, já quesabemos apenas que todas as peças foram tombadas somente noano de 1978, incluindo as peças vendidas e doadas por Oswaldo.Aliás, neste ano de 1978 ocorreu o primeiro inventário das peçasmuseológicas no então já chamado Museu Câmara Cascudo, pelamuseológa Regina Furtado. (SILVA, 2008, p. 32).
Sem desmerecer as outras doações feitas ao Museu e as outras peças
adquiridas, gostaríamos de destacar – pelo fato de ser um exemplo de parceria
interinstitucional que ilustra o prestígio do MCC fora do Brasil nos seus
primeiros anos e porque essa doação deu início à coleção “Cultura Afro-
brasileira” – o intercâmbio de peças com a Companhia de Diamantes de
Angola (DIAMANG), em 1964. A DIAMANG remeteu, diretamente de Luanda,
Angola, máscaras de madeira confeccionadas por escultores nativos ligados ao
Museu do Dundo. Essas máscaras eram utilizadas por bailarinos nos rituais do
povo “Aquioco” de Luanda.
As coleções do MCC estão divididas da seguinte maneira:118
Arte Indígena
Arqueologia Indígena
Minerais
Anatomia Comparada
Arte Negra
Geologia
Arte Popular
Arte Sacra
Ciclo da Cana
Ciclo do Couro
118 De acordo com a listagem das coleções do MCC.
134
Renda
Arte Pesqueira
Figura 32. Máscara em madeira de Luanda – Angola, exposta na Sala “Religião afro-brasileira”, 2008. Foto nossa.
Como na grande maioria dos museus, nem todo o seu acervo se
encontra nas exposições: uma considerável parte é acondicionada na Reserva
Técnica, onde as peças são higienizadas e armazenadas adequadamente. No
MCC, além do acervo exposto, há ainda réplicas de ambientes, como um
sambaqui, uma caverna, entre outros que iremos citar adiante. Com exceção
da ala da Antropologia Cultural, da sala de exposições temporárias e da Sala
do Sal, as outras salas foram montadas na época da abertura do Museu às
visitações e de lá para cá sofreram apenas pequenas mudanças. As
exposições se encontram defasadas diante do avanço tecnológico que
vivenciamos como sociedade. Além da questão da falta de uma releitura
expográfica que condiga com o momento atual global, há ainda a falta de
informação nas exposições. Dessa forma há o desbotamento das pinturas das
135
réplicas, as placas de identificação são extremamente obsoletas, e outras
questões que, embora pareçam meramente estéticas, são fundamentais para a
leitura, assimilação e reflexão feita pelo público a partir da sua visita ao Museu.
Quanto à questão expográfica, vivemos atualmente a globalização e
utilizamos ferramentas de alta tecnologia na maior parte dos nossos hábitos e
práticas sociais, nas formas de diversão, de trabalho, de relacionamento. As
tecnologias computadorizadas e digitais que permitem novas maneiras de
interação, a utilização massiva de imagens visuais nas comunicações e
publicidades com o objetivo de obter um alcance maior das mensagens pelo
público, o avanço nas formas de informação e notícia, que podem ser
recebidas em momentos simultâneos em diferentes lugares do globo, são
alguns exemplos de como as formas de percebermos o mundo e seus signos
mudaram.
Não pretendemos aqui ampliar essa discussão, que pode ser melhor
compreendida por outros autores que se debruçaram sobre essas e outras
questões, fazendo uma análise e promovendo uma reflexão maior.119
Tampouco estamos defendendo o processo crescente de assimilação do novo
através das imagens, descaracterizadas expressamente, que dão lugar a
outros símbolos. O que queremos dizer é que a maneira como
compreendemos aspectos da sociedade acima citados vem mudando muito e
em um tempo curto.
Por isso, a discussão da defasagem expográfica do MCC é essencial. A
maioria das salas de exposição utilizam técnicas e estruturas de apresentação
que não condizem com o momento atual. Por exemplo, enquanto a maioria dos
museus utiliza a técnica da plotagem120 para escrever referências do acervo,
informações do artista ou textos complementares de uma exposição, o MCC
utiliza cartolinas velhas e desbotadas (na maioria das salas que não foram
revitalizadas). Essa é uma discussão que ultrapassa as questões puramente
estéticas sobre o que é “belo” e o que é “feio” e se refere à comunicação visual
que deve haver entre a exposição e o público.
119 Ver CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação, economia, sociedade ecultura; V. 1. São Paulo: Paz e Terra, 1997.120 Processo de desenho dos textos ou figuras comunicativas em material adesivo próprio paraparedes.
136
Figura 33. Depósito contendo o acervo do Museu, anterior a construção da Reserva Técnica,s/d. Foto do arquivo do MCC.
Figura 34. Armazenamento do acervo na Reserva Técnica, 2008. Foto nossa.
Para se ter uma idéia de como essa questão da exposição vem se
modificando, atualmente o tempo máximo de uma exposição permanente, sem
que haja uma reformulação de sua proposta, é de cinco anos. E isso vem se
137
dinamizando a tal ponto que as exposições permanentes nem se chamam mais
assim – agora são denominadas “exposições de longa duração”.
O que podemos constatar, hoje, na maioria das salas do MCC, com
exceção da ala da Antropologia Cultural, são exposições descuidadas, sem
vida, sem cor, sem informação e defasadas tecnologicamente.
Figure 35. Sala da Paleontologia, 2008. Foto nossa.
A fim de apresentarmos o Setor de Exposição do MCC, esboçaremos
um mapa do mesmo para que sua compreensão seja mais acessível. O MCC
possui dois andares, o térreo e o primeiro andar. Neles estão divididos mais de
vinte ambientes que incluem salas de exposição permanente, em sua maioria,
uma sala para exposições temporárias, um auditório, espaços de exposições
externos às salas e uma réplica de caverna. Além das sessões expositivas, há
o espaço da recepção e banheiros feminino e masculino nos dois andares. Os
espaços são circulares, de forma que é possível percorrer um depois do outro,
até chegar ao ponto inicial.
Ao entrar no MCC, pelo andar térreo, temos do lado direito a recepção,
onde estão os guias-recepcionistas e o guarda-volumes. No centro desse
espaço inicial está a escada que dá acesso ao primeiro andar. Do lado
esquerdo temos o auditório do Museu e em seguida o corredor de onde
138
podemos chegar às salas daquele lado. Começaremos pelo lado direito. Após
a recepção, temos a sala denominada “Rio Grande do Norte”. Nessa sala
encontramos um grande mapa do relevo topográfico do estado do Rio Grande
do Norte depositado em uma bancada, acima encontramos um mapa político
do estado e, do lado esquerdo, encontram-se três maquetes de áreas de
acidentes geográficos de grande importância para o estado, contendo somente
as seguintes descrições: Serra de Martins, Serra do Feiticeiro e Serra do João
do Vale. Convém atentarmos para o fato de que não há qualquer informação
nessa sala. Essas maquetes estão ali depositadas, sem conterem nada em si,
sem possibilitarem qualquer questão a respeito.
Figure 36. Sala “Rio Grande do Norte”, 2008. Foto nossa.
Em seguida, temos a sala denominada “História do Sal”. Essa sala é
fruto de um convênio com a Salina Diamante Branco que, ao se responsabilizar
pela exposição e sua manutenção, tem seu nome estampado nas paredes.
Essa sala se destaca das demais pela forma como se apresenta. Os materiais
utilizados na exposição, que conta o processo de obtenção do sal, são
modernos bem como a forma como as informações estão dispostas. A
exposição possibilita que o visitante conheça um pouco da história do sal, seu
139
processo de industrialização e algumas das formas de utilização do sal na
sociedade, através de fotos, maquetes e reprodução de objetos.
Depois temos a sala da Geologia, que contém uma réplica em miniatura
da Mina Brejuí, situada na cidade de Currais Novos, no RN. A réplica foi doada
há muitos anos pela Mineração Tomaz Salustino e deveria, se houvesse
manutenção, dar ao visitante a idéia de como se processa a exploração da
scheelita. Além disso, nesse espaço encontramos uma exposição de rochas
sedimentares e um mapa do estado com os pontos onde foram encontrados
minérios. Mas não há qualquer informação sobre nada. Todos os objetos, o
mapa, a maquete, todo esse acervo, além de estar em péssimo estado para
apresentação ao público, não contêm qualquer informação ou qualquer forma
de comunicação com o público. Reparamos em uma passagem que dá acesso
ao interior da Mina: a fiação elétrica, que se encontra à mostra, é precária, e na
moldura de uma vitrine encontramos sinais de pichação de caneta e corretivo
escolar.
Figura 37. Fiação à mostra na Sala da Mina Brejuí, 2008. Foto nossa.
Na última sala do lado direito encontramos uma réplica em miniatura do
Pico do Cabugi, um dos pontos mais altos do Rio Grande do Norte. O Pico do
Cabugi é apenas identificado com uma placa muito pequena, quase
140
imperceptível, contendo sua localização, altitude, idade, diâmetro, etc. A sala
se encontra em estado de abandono, com infiltrações e pintura desbotada. Há
também uma foto do verdadeiro Pico do Cabugi, que já se encontra amarelada
e sem qualquer referência.
Figura 38. Sala “Pico do Cabugi”, 2008. Foto nossa.
Chegamos ao lado esquerdo do museu, mas, ao contrário do caminho
feito na ida, dessa vez iremos da parte de trás em direção à entrada.
Encontramos uma réplica da caverna Olho D’água da Escada, localizada no
município de Baraúna, no RN.
A próxima sala abriga a Paleoecologia.121 Essa sala reproduz um
ecossistema do Rio Grande do Norte, provavelmente, já que não encontramos
informação alguma. Verificamos algumas réplicas da flora e da fauna em um
ambiente que algum dia deve ter sido bem agradável, com o chão de areia e a
reprodução da natureza. Entretanto, hoje a sala mostra-se decadente,
necessitando de maiores cuidados. Ainda podemos ver, nessa sala, uma
representação de depósitos conhecidos como “tanques”, onde são encontrados
fósseis.122
121 Parte da ecologia que estuda os ecossistemas e os modos de vida dos animais extintos.122 Informação obtida no folder do Museu, já que na sala nada encontramos.
141
Figura 39. Sala da Paleoecologia, 2008. Foto nossa.
Figura 40. Reprodução do ambiente pesqueiro, 2008. Foto nossa.
Em seguida vem o auditório, assim, voltamos ao nosso ponto de partida
inicial: a entrada do prédio. Ainda no andar térreo, no meio dos corredores que
levam às salas do lado direito e esquerdo, está a exposição da pesca no
142
estado. Esta representa parte do universo do homem pescador. Há uma casa
de taipa com alguns utensílios, uma rede de pesca, uma jangada, um lago
representando o oceano, areia de praia e uma canoa. Infelizmente, há mais de
dois anos, parte da cobertura do Museu – que cobria essa área central da
exposição – foi condenada e como não havia verba para refazê-la, a solução
encontrada para que o setor de exposição continuasse aberto ao público, foi
retirar a cobertura e deixar parte do MCC a céu aberto. Resultado: quando
chove, a exposição fica toda molhada. Além do que o escoamento da água
proveniente da chuva vai direto para os corredores do museu através de
pequenas valas, e, se chover muito, a água penetra nas outras salas.
Figura 41. Museu sem o teto, 2008. Foto nossa.
Saindo da cena pesqueira em direção à parte de trás, mais uma vez,
temos, na mesma posição que a exposição da pesca – área central dos
corredores –, uma réplica de sambaqui. Embora não haja sambaquis no Rio
Grande do Norte, a sua reprodução é de extrema importância para a
preservação da memória das práticas do homem pré-histórico. Infelizmente, o
sambaqui também está localizado na parte sem cobertura do museu e sofre
com a ação das chuvas. Cabe mais uma vez acrescentar que não há qualquer
placa, texto, informação, comunicação para o público.
143
Figura 42. Teto condenado, 2008. Foto nossa.
Figura 43. Sambaqui, 2008. Foto nossa.
Voltando à entrada do museu, alcançamos a escada que dá acesso ao
primeiro andar. Começando pelo lado direito, encontramos a sala da Zoologia
contendo fósseis variados, como o de elefante, baleia, homem, burro, cavalo,
144
cachorro, entre outros menores. A sala escura contém apenas pequenas
placas com os nomes científico e vulgar de cada animal ao qual se refere o
esqueleto, além de sinais de infiltração.
Figura 44. Sala da Zoologia, 2008. Foto nossa.
Em seguida, encontramos a sala da Malacologia, com grande acervo de
conchas de moluscos; contudo, as peças contidas em vitrines não oferecem
grandes atrativos aos visitantes. Depois a sala da Paleontologia, contendo
réplicas de pegadas de dinossauros e um painel ilustrativo dos animais em seu
ambiente. Assim como as outras salas já apresentadas, esta não dispõe de
muita informação sobre o que está sendo mostrado. A próxima sala, a dos
Paleomastos, encontrava-se fechada para melhorias, assim como a última sala
do lado direito.
Do lado esquerdo, da parte de trás para a frente do prédio, está uma
sala grande que abriga duas exposições conjuntas: a do ciclo da cana de
açúcar e a do ciclo do couro. Ali encontramos alguns banners com textos de
Luís da Câmara Cascudo, que ilustram as cenas cotidianas do trabalho com a
cana e o couro, mas sentimos como se os objetos tivessem sido largados ali.
Esse ambiente faz parte da ala de Antropologia Cultural, que compreende
todas as salas do lado esquerdo do primeiro andar. Embora ainda haja muito a
145
ser feito nas exposições permanentes do MCC, essa ala foi a única que sofreu
revitalização graças a projetos de pesquisa desenvolvidos pela professora
Wani Pereira, funcionários do museu e estagiários da UFRN.
Em seguida, temos a sala da cultura indígena, que contém alguns
objetos do dia-a-dia dos índios, como cestos, cocares, máscaras, bolsas, etc.,
porém sem informação alguma sobre a origem das peças. Depois, temos a
sala dos sítios arqueológicos do Rio Grande do Norte. Nela encontramos um
mapa do estado com demarcações das áreas onde foram encontrados objetos
arqueológicos. Temos também peças de cerâmica Tupi da fase Curimataú e
Papeba, como utensílios domésticos e urnas funerárias. Além disso, uma
coleção composta por material lítico de pedra lascada e polida, tais como pedra
de projétil, machados, pilões.123
Continuando, temos a sala “Santeiros e Devoções do Rio Grande do
Norte”, fruto do projeto de pesquisa homônimo. O texto informativo situa o
visitante no contexto das obras dos artistas que compõem a exposição: Xico
Santeiro, Ana Dantas, Luzia Dantas, Júlio Cassiano, José Nicácio e Ivan
Soares. Ali encontramos uma exposição de tamanho considerável de ex-votos
e modelos da arte sacra do século XIX e arte popular do RN.
Depois temos a sala “Mamulengos e João Redondo do Rio Grande do
Norte”, com uma grande quantidade de bonecos de pano, textos informativos e
um mapa do estado onde se localizam as cidades que desenvolvem essa
prática. A sala contém acervo de bonecos de Dona Dadi e de Raul dos
Mamulengos.
Em seguida, temos a sala que apresenta um pouco da cultura afro-
brasileira. Também revitalizada na mesma época das anteriores, contém um
Peji124 “que representa, pela iconografia, objetos rituais, cores e indumentária,
algumas das principais divindades ou orixás cultuados no Brasil”.125 Essa sala
foi projetada pelo professor Raimundo Teixeira, idealizador da concepção
museográfica da ala de Antropologia Cultural e coordenador do setor de
Museologia entre os anos de 1984 a 1986, quando houve o primeiro projeto de
revitalização da ala. As quatro máscaras doadas pela DIAMANG atualmente
estão expostas. Também encontramos uma vitrine com guias ou colares de123 Informações obtidas no folder do MCC, já que nada consta na sala de exposição.124 Altar armado e dedicado a um orixá nos candomblés.125 Texto oriundo do folder do MCC.
146
contas coloridas e o seu significado para a religião afro-brasileira, além de
alguns textos explicativos.
Por último, levando em consideração o caminho inverso que fizemos, de
trás para a frente, a sala de exposição temporária. Uma sala grande que tem
disponibilizado seu espaço para abrigar exposições realizadas a partir do
intercâmbio do MCC com escolas da cidade do Natal. Na ocasião em que
tiramos nossas fotos, a sala abrigava a exposição do Homem Sertanejo,
contendo diversos objetos pertencentes à realidade do povo do sertão como
vestimentas, utensílios de couro, esculturas em madeira, amostras da
alimentação, etc.
Figura 45. Sala “Mamulengos e João Redondo do RN”, 2008. Foto nossa.
Em frente à escada, entre os dois corredores que dão para as salas de
exposição, temos um espaço de mais ou menos dezesseis metros quadrados
que está, na maior parte do tempo, vazio. Um espaço que poderia conter uma
lojinha com souvenirs, ou um espaço para atividades lúdicas com crianças que
desenvolvessem os temas das exposições, ou um espaço que contivesse uma
exposição na qual o publico interagisse com o museu, enfim, muitas projetos
caberiam naquele espaço como propostas de ocupação do mesmo.
147
Figura 46. Sala “Cultura Afro-brasileira”, 2008. Foto nossa.
Figura 47. Hall do primeiro andar praticamente inutilizado, 2008. Foto nossa.
O Museu Câmara Cascudo é um espaço da memória, não só de seu
acervo, mas da própria instituição. Uma instituição de valor essencial para a
história da cidade do Natal e da UFRN, da qual fizeram parte grandes
intelectuais do estado – o museu que leva o nome do folclorista Luís da
148
Câmara Cascudo. Contudo, hoje é um museu que não revive essas memórias.
Segundo entrevista realizada com a funcionária do Departamento de
Museologia, Silena da Rocha e Silva, encarregada de guiar visitas e promover
a abordagem pedagógica, há muito tempo que se pensa em criar o “Cantinho
de Cascudo”, um espaço que contasse um pouco da história da criação do
Museu e a de seu patrono, mas o projeto se “perdeu no tempo”.
Esse projeto é antigo, era parte do projeto maior de revitalização do
MCC, elaborado pela comissão criada para instituir uma coordenação dos
museus universitários da UFRN, entre 2002 e 2003. Na prática, se criaria “um
Memorial da Instituição onde se confundem a história das duas instituições:
universidade, instituto, com a de seu paraninfo.” (PEREIRA, 2007, p. 260). O
projeto assumiu vida através da exposição “Itinerário e Tributo a Cascudo”.
Entretanto, não teve continuidade, e hoje muitos visitantes ainda ficam sem
saber qual a relação do Museu com Luís da Câmara Cascudo.
A falta de comunicação com o público e a falta de informação faz com
que os objetos do acervo, muitas vezes, pareçam abandonados no tempo.
Embora os relatos dos guias nos digam que grande parte das crianças que
visitam o Museu mostra-se instigada por causa da caverna, da entrada na
réplica da Mina Brejuí, dos esqueletos de elefante e baleia, a visitação só faz
sentido se for guiada ou se o visitante tiver em suas mãos o folder explicativo
do Museu; caso contrário, ele não encontrará informação ou referência sobre a
maioria das exposições. Na sala da Geologia, por exemplo, há diversos
minerais, mas ninguém sabe que tipos de minerais são, nem mesmo os
próprios guias.
No caso do MCC, não podemos dizer que as exposições reproduzem a
mitificação dos objetos, mas que há certa precariedade nas condições
expositivas. O que falta não é conteúdo, pois basta olharmos para uma
daquelas salas para percebermos que ali há muitas histórias para serem
contadas; o que não há são meios para que essas histórias ganhem vida e
capturem o olhar do visitante, provoquem a sua inteligência, estimulem a sua
visão crítica. Talvez as coleções de um acervo não dêem conta disso, mas o
museu vivo não são os objetos, pelo contrário, ele é muito mais do que isso. No
caso do MCC, museu universitário, ele não poderia deixar de utilizar outros
recursos complementares, que unissem a pesquisa, o ensino e a extensão. Ele
149
não poderia abrir mão de projetos tão enriquecedores, tão alheios à fábrica de
ordem – que também são as próprias universidades – como o projeto
“Patrimônio na Rua”, por exemplo.
Figura 48. Réplica da Mina Brejuí, 2008. Foto nossa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
150
Figura 49. Rendeiras no Museu, s/d. Foto do arquivo do MCC.
Como indicamos inicialmente, a história do Museu Câmara Cascudo se
confunde com a história da UFRN, sobretudo se tratarmos dos momentos
iniciais de ambas as instituições. O antigo IA foi uma instituição de vanguarda
151
para o estado do Rio Grande do Norte, graças ao espírito idealista de seus
fundadores, bem como as suas influências externas.
O auge do IA foi também o momento em que a UFRN estava em sua
fase de expansão e, portanto, era interessante para a mesma solidificar seus
diferentes institutos. Contudo, esse quadro muda com a unificação do Campus,
com a Reforma Universitária e com a mudança de governo.
Na década de 70, não se fala em crise ainda, contudo alguns
“problemas” já são mencionados, fossem eles conseqüências do Regime Militar
ou fossem, já naquela época, problemas administrativos. Como constatamos,
já em 1974 são apontadas dificuldades para a obtenção de diárias de viagens,
que deveriam ser solicitadas e autenticadas no DASP; as passagens aéreas
foram proibidas, “principalmente da Força Aérea Brasileira - FAB, conforme
entendimentos mantidos com o Magnífico Reitor, em virtude de Resoluções
emanadas do Poder Executivo”. Ao mesmo tempo, são apontadas disparidades
no consumo de água, luz e telefone, “sendo solicitado entre os professores e
demais servidores do Museu, para se fazer uma economia total, bem como as
ligações telefônicas que estão causando problemas seríssimos junto à nossa
Universidade”.126
Podemos dizer que diferentes fatores contribuíram para a condição de
crise do MCC e a combinação de outros para a sua manutenção. Devemos,
sobretudo, levar em consideração os apontamentos de Almeida quando se
refere à crise dos museus universitários.
Os museus universitários de diversos países, na últimadécada, vêm sofrendo as conseqüências das crises dasuniversidades que, públicas ou privadas, têm enfrentado grandesproblemas decorrentes da diminuição de suas verbas. Assim, a jápequena parcela dos museus dentro do orçamento geral dauniversidade está cada vez menor. Para manter seu funcionamento,os museus precisaram criar mecanismos para obtenção depatrocínios e financiamentos externos, da iniciativa pública e privada.Entretanto, muitas dessas instituições não estavam ou ainda nãoestão preparadas para competir nesse mercado, talvez por seremburocratizadas demais ou carecerem de profissionais para lidar comessa questão. (ALMEIDA, 2001, p. 4-5).
Além da questão econômica, Almeida acrescenta que há estudos
apontando para uma valorização da pesquisa em detrimento das atividades de
126 De acordo com a ata da Reunião Extraordinária, realizada no dia 3 de julho de 1974.
152
extensão nos museus universitários, como um dos principais problemas para o
seu funcionamento. Essa dificuldade é intensificada pela falta de profissionais
técnicos especializados para desenvolverem atividades de curadoria,
específicas para o setor de exposição dos museus, já que os professores
geralmente priorizam a pesquisa acadêmica, que, muitas vezes, não se volta
para o setor de exposição, como vimos no caso do MCC.
... as pessoas da sociedade universitária recebem mais crédito porsuas pesquisas do que pela mediação etc., o que é um problemadifícil para os servidores de museus. O problema é que o pessoal demuseu tem freqüentemente mais obrigações por causa dos museus.Como vocês provavelmente sabem por seu próprio país, ser aomesmo tempo um excelente professor universitário, pesquisador ecurador/educador de museu é um problema. E, normalmente, omuseu é o lado que perde. A carreira é mais beneficiada fazendopesquisa do que fazendo exposições. (LAURITZEN, apud ALMEIDA,2001, p. 17).
O MCC manteve, quase que em todos os momentos, uma relação de
dependência com a UFRN. Com exceção do financiamento externo que foi
buscado na Fundação Vitae, nem mesmo a Associação de Amigos foi adiante.
Não consideramos que seus problemas sejam fruto apenas da falta de verba
destinada a ele, mas também da falta de pessoal qualificado para assumir
funções específicas e a falta de autonomia em relação à Universidade.
Em muitos momentos o MCC tentou reverter essa situação – projetos de
reestruturação e de revitalização do Setor de Exposição são constantemente e
incansavelmente debatidos nas reuniões; contudo, constatamos que as ações
foram sempre isoladas da instituição como um todo, e por isso não houve uma
continuidade das mesmas. Talvez isso se deva ao fato de que nem todos os
professores e funcionários tivessem o mesmo interesse para com o Museu;
talvez nem todos eles tivessem conhecimento de como deveria funcionar um
museu e simplesmente se acomodaram com a situação presente. O fato é que,
ao longo dos anos, houve um desmembramento dos setores/departamentos do
MCC, e esses ficaram cada vez mais distantes uns dos outros. Embora os
departamentos funcionassem, realizando pesquisas, aulas e atividade de
extensão, o diálogo entre eles e o Setor de Exposição foi, na maioria das
vezes, ineficiente, causando um estancamento do movimento necessário à vida
de um museu.
153
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que os museus universitários
enfrentam sérias dificuldades ao longo de décadas, há um significativo
movimento em torno dos museus, que gerou mudanças profundas em sua
concepção inicial e que permanece em processo de formação. Como colocou
Lauro Cavalcanti,
Na cena cultural, os museus são um dos setores que sofrerammaiores transformações nos últimos tempos. Deixaram de sertemplos empoeirados do passado ao trazer para o seu interior oburburinho das cidades com a multiplicidade dos segmentos étnicos esociais que a compõem. Tornaram-se um fator de revitalização edesenvolvimento urbano e regional. Pontos afetivos do habitante, osmuseus passaram a desempenhar importante papel estratégico deinclusão social, criação de cidadania e perspectiva de melhora doambiente. Constituem-se em espécie de cruzamento de centros depesquisa, memória, saber, divertimento e centro de inovaçõesculturais e tecnológicas. Independente de sua escala e localização, omuseu gerido de modo dinâmico e contemporâneo se constitui emespécie de portal entre o passado e o futuro, palco de lembranças erepertório de possibilidades de constituição de um melhor porvir.(CAVALCANTI, 2005, p. 59).
Embora essa realidade não se encaixe em todos os museus do Brasil, é
possível percebermos tais transformações. Uma delas, e talvez a mais
importante de todas, é que atualmente os museus vêm apresentando
propostas e vêm sendo pensados como uma instituição social voltada para o
desenvolvimento da humanidade, com interface em diferentes áreas.
Em 2007, por exemplo, foi criado o evento Primavera dos Museus
(DEMU/IPHAN). Contemplando o tema “Meio Ambiente: Museu, Memória e
Vida”, em sua primeira edição, o evento realizou seminários, shows,
exposições, visitas guiadas, peças teatrais, palestras, plantio de árvores,
exibição de filmes e documentários, como forma de provocar e debater
questões relativas ao museu e à preservação do meio ambiente: “Qual deve
ser o papel do museu frente ao aquecimento global, ao desmatamento e à
poluição; e quais os limites e interfaces do campo museal com o meio
ambiente?”.127 Já a segunda edição da Primavera dos Museus, em 2008, teve
como tema “Museus e o diálogo intercultural”.
127 “Ministro Gil lança amanhã Primavera dos Museus”, Disponível em:<http://www.revistamuseu.com.br/noticias/not.asp?id=13995&MES=/9/2007&max_por=10&max_ing=5#not>. Acesso em: 2008.
154
Da mesma forma, a temática “museu enquanto instituição social” está
cada vez mais presente nos fóruns, seminários, congresso e encontros
acadêmicos. Em 2007, por exemplo, o XVI Congresso Nacional de Museus
trouxe o tema “Museus, Memória e Movimentos Sociais”, com o objetivo de
promover a aproximação entre movimentos sociais e práticas museológicas e
de possibilitar a troca de experiências entre profissionais e militantes,
democratizando a ferramenta museu.
Portanto, essa tendência, que vem se estendendo desde a década de
70, é primordial, pois se insere na própria concepção mais simples de museu:
uma instituição a serviço da sociedade. E, sendo o museu um locus da cultura,
ele abriga e agrega o conhecimento, seja ele oriundo do saber científico seja
dos saberes tradiconais.
Como sugere Morin (2002), há um tronco comum indistinto entre
conhecimento, cultura e sociedade, e os três estão em constante atividade de
produção e regeneração. A cultura age sobre as estruturas cognitivas do
indivíduo e, portanto, se caracteriza como co-produtora do conhecimento.
Assim, a cultura não é nem ‘superestrutura’ nem ‘infra-estrutura’,termos impróprios em uma organização recursiva onde o que éproduzido e gerado torna-se produtor e gerador daquilo que o produzou gera. Cultura e sociedade estão em relação geradora mútua;nessa relação, não podemos esquecer as interações entre indivíduos,eles próprios portadores / transmissores de cultura, que regeneram asociedade, a qual regenera a cultura. (MORIN, 2002, p. 19).
Ao observarmos o cenário atual, afirmamos que a direção para a qual
apontam as discussões da área da museologia e as mudanças referentes à
prática museológica e à concepção de museu incorporam a concepção de
museu vivo. É nesse sentido que o museu pode ser pensado como ambiência
da cultura, através de uma íntima relação com as questões culturais/sociais.
Por outro lado, a partir da tese de Almeida, percebemos que os museus
universitários possuem características comuns entre eles: foram criados a partir
de necessidades sócio-culturais contextuais de um dado tempo e sofreram
conseqüências das transformações históricas do conhecimento científico e
humano, perdendo, muitas vezes, o prestígio alcançado em seus primeiros
anos. Contudo, não são menos importantes atualmente que os museus “não
universitários”.
155
O museu universitário, estando mergulhado no meioacadêmico deveria tirar o máximo de vantagens desse fato, pois auniversidade como produtora de conhecimento, como espaço deexperiência e de formação é uma riquíssima fonte de recursos paraos museus universitários. (ALMEIDA, 2001, p. 5).
Assim como vem acontecendo com os museus em geral, para os
museus universitários devem ser pensadas diferentes formas de apresentá-los
à sociedade, novas utilizações que correspondam às atuais demandas sociais
e novos laços que estreitem os vínculos entre Museu e Sociedade. Os museus
universitários precisam estar inseridos nesse novo momento das políticas
culturais destinadas aos museus para realizar com eficiência projetos de
pesquisa, ensino e extensão que envolvam um público maior do que a
comunidade universitária. Ao mesmo tempo, como órgãos das universidades,
devem estar inseridos também nas políticas educacionais. Como sugere Maria
Célia T. Moura Santos, novas perspectivas de ação, que resultem na inserção
dessas instituições no contexto da universidade, devem ser buscadas.
Compreendo que a atuação de um museu universitário deveser parte de uma política universitária sistêmica e estruturante,resultado de um processo de planejamento estratégico, envolvendo ocoletivo dos museus. É certo que a construção dessa política só serápossível se a considerarmos como uma aventura coletiva,estendendo-a a mais pessoas, buscando torná-la mais profunda, maisabrangente, mais plural, a partir dos encontros e trocas, incorporadosao cotidiano dos nossos museu, dos nossos departamentos, dasnossas salas de aula, dos segmentos responsáveis pela gestãouniversitária e, sobretudo, da nossa disponibilidade em nos abrir paraoutros segmentos da sociedade, buscando novas alternativas a partirde outros olhares e saberes. (SANTOS, 2006, p. 2).
Acrescentamos que, diferentemente do que se pensava há algum
tempo, os museus universitários devem estar abertos e conter atividades
destinadas também à comunidade não-universitária. Como apontou Almeida,
de acordo com a lógica de alguns autores, os museus universitários estariam
abertos exclusivamente para a comunidade universitária e, excepcionalmente,
para o público geral. “Servir à comunidade não é a tarefa de um museu
universitário, mas as circunstâncias muitas vezes nos levam a extrapolar esta
lógica (...) serviço para o público geral às custas do trabalho efetivo com os
156
alunos [da universidade] seria errado.” (COLEMAN, apud ALMEIDA, 2001, p.
23).
Em nossa opinião, seria o mesmo que concordar em fechar as
universidades para toda a parte da sociedade que não está ali inserida; seria
concordar que as universidades não devem realizar atividades de extensão que
extrapolem as barreiras acadêmicas e que possibilitem o diálogo entre
Universidade e Sociedade; seria concordar que a Universidade é uma
instituição excludente.
Acreditamos que os museus universitários, apesar de apresentarem
singularidades e características comuns à sua categoria, oferecem um
potencial talvez até maior que os outros museus, pois unem a pesquisa, o
ensino e a extensão e, por isso, são locus da produção do conhecimento e do
saber. Há, portanto, uma necessidade urgente de políticas culturais destinadas
aos museus universitários.
REFERÊNCIAS
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157
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www.revistamuseu.com.br
www.mcc.ufrn.br
www.museu.gov.br
www.cultura.gov.br
www.iphan.gov.br
www.fja.rn.gov.br
www.ufrn.br
www.natal.rn.gov.br/funcarte
162
ANEXO 1
Diretores do MCC:
1961: Luís da Câmara Cascudo
1962 – 1979: José Nunes Cabral de Carvalho
1979 – 1983: Protásio Pinheiro de Melo
1983 – 1987: Veríssimo Pinheiro de Melo
1987 – 1991: Jerônimo Rafael Medeiros
1991 – 1993: Antonio Guedes Filho
1993 (Pro-tempore): Maria do Socorro Vilela Bezerra de Araújo
1993 – 1998: Claude Luiz de Aguilar Santos
1998 – 2007: Jerônimo Rafael Medeiros
2007 – atual: Sônia Maria de Oliveira Othon
Reitores da UFRN:
1959 – 1971: Onofre Lopes da Silva
1971 – 1975: Genário Alves da Fonseca
1975 – 1979: Domingos Gomes de Lima
1979 – 1983: Diógenes da Cunha Lima
1984 – 1987: Genibaldo Barros
1987 – 1991: Daladier Pessoa Cunha Lima
1991 – 1995: Geraldo dos Santos Queiroz
1995 – 1999: José Ivonildo do Rêgo
1999 – 2003: Ótom Anselmo de Oliveira
2003 – 2007: José Ivonildo do Rêgo
2007 – atual: José Ivonildo do Rêgo
ANEXO 2
A medalha Cultural Câmara Cascudo foi entregue às seguintes
personalidades:
Professor Onofre Lopes – Reitor da UFRN entre 1959-1971, fundou o
IA. A medalha foi entregue pelo professor Luis da Câmara Cascudo na
Assembléia Universitária, em 6 de março de 1965.
Dr. Varela Santiago – Doou o terreno para a sede do IA, atual MCC.
Professor Arthur Napoleão Figueiredo – Ministrou o primeiro curso de
extensão do IA, “Etnologia e Arqueologia do Brasil” e doou acervo
etnográfico da região Amazônica.
Professor Muniz Aragão – Reconheceu o IA como órgão de pesquisa
da UFRN.
Professor Alceu Maynarde de Araújo – Doou acervo bibliográfico e
realizou contatos institucionais.
George F. Kline – Pesquisador da Academia de Ciências da Filadélfia
– Estados Unidos, realizou pesquisas em Malacologia e doou acervo
bibliográfico.
Professor Egon Schaden – Catedrático de Antropologia da USP,
ministrou o curso de extensão “Aculturação Indígena”, em 1964, doou acervo
bibliográfico e promoveu contatos com instituições nacionais e internacionais.
Professor Protásio Pinheiro de Melo – Foi diretor do MCC no período
de 1980-1983, recebeu a medalha em 03 de julho de 1984.
Os reitores da UFRN Genário Alves Fonseca (1971-1975), Domingos
Gomes de Lima (1975-1979), Diógenes da Cunha Lima (1979-1983) e
Genibaldo Barros (1984-1987).1
Encontramos, no livro Síntese Cronológica da UFRN, 1958-1988, de
Veríssimo de Melo, informações que não coincidem totalmente com as
informações acima. Esse livro, apesar de não relatar nenhuma das
1 Informações obtidas em banner expositivo do MCC.
personalidades que foram agraciadas com a Medalha Cultural Câmara Cascudo
citadas, traz duas outras figuras que não constam no banner expositivo
confeccionado pela equipe do Setor de Museologia do MCC, a partir da
pesquisa realizada nos arquivos do Museu. São eles:
Professor Aldo Fernandes Raposo de Melo – resolução n°.
011/COSUNI, 28 de fevereiro de 1967 (MELO, 1991, p. 77).
Professor Antonio Moreira Couceiro – resolução n°. 037/CONSUNI,
13 de junho de 1970 (Idem, p. 90).
ANEXO 3
Os títulos das conferências realizadas no Instituto de Antropologia nos
anos de 1963 e 1964 e seus respectivos conferencistas foram2:
“A importância dos estudos de antropologia”, Reitor Onofre Lopes;
“Baixa prevalência da cárie dentária em Areia Branca e Grossos”, Dr.
Aldo da Fonseca Tinoco;
“Costumes e tradições japonesas”, Dr. Confúcio Barbalho;
“Índios Ticunas no Rio Jandiatuba, Amazonas”, Professor Raimundo
Teixeira da Rocha3;
“Cabo Verde, elo antropológico entre o Brasil e a África?”, Luis
Romano4;
“Antropologia moderna”, Professor Estevão Pinto5;
“Iugoslávia, México e Egito – Aspectos antropológicos”, Diplomata Dr.
Nestor dos Santos Lima Sobrinho;
“Folclore gaúcho”, Professor Carlos Galvão Krebs6;
“A fixação do Judeu na África”, Luis Romano;
“As secas do Nordeste”, Dr. Rômulo Argentiére7;
“Pesquisas de malacologia em Nova Caledônia e Ceilão”, Professor
George Kline8;
“Literatura negra nos Estados Unidos”, Professor Raymond S.
Sayers9;
“A crítica dos costumes na primeira metade do século XIX em
Pernambuco”, Professor Waldemar Valente10;
2 Não foi possível identificarmos todos os conferencistas. 3 Foi professor do Departamento de Antropologia do MCC. 4 Escritor cabo-verdiano. 5 Antropólogo brasileiro, sua obra é considerada pioneira dos estudos bibliográficos e de campo sobre os índios do Nordeste. 6 Professor e folclorista gaúcho. 7 Cientista brasileiro, escreveu livros e artigos que trataram de áreas diversas como a química, a teoria da relatividade e a astronomia. Entre suas obras destaca-se Viagem à Lua, de 1947. Faleceu em 1995. 8 Pesquisador da Academia de Ciências da Filadélfia. 9 Autor do livro O negro na Literatura Brasileira.
“Aspectos do sal na História e na Antropologia Cultural através dos
tempos”, Luis Romano;
“O impacto da América na Europa”, Vera Gelbert11;
“Visões da África Portuguesa”, Dr. Dioclécio Duarte;
“Problemas da arqueologia na América Latina”, Clifford Evans com a
colaboração de Betty Meggers12.
10 Intelectual pernambucano, foi, entre outros cargos, presidente da Comissão Pernambucana de Folclore, consultor científico para assuntos de pesquisa da Fundação Joaquim Nabuco e membro da Academia Pernambucana de Letras. Faleceu em 1992. 11 Escritora inglesa. 12 Arqueólogos norte-americanos.
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