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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ
CAMPUS DE CAICÓ – DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES
ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA
SEVERINO DOS RAMOS DA SILVA
REGISTRO DE CONTOS E CANTOS NAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS
DO SERIDÓ ORIENTAL DO RN
CAICÓ-RN
2016
1
SEVERINO DOS RAMOS DA SILVA
REGISTRO DE CONTOS E CANTOS NAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS
DO SERIDÓ ORIENTAL DO RN
DOCUMENTÁRIO
Trabalho de Conclusão de Curso, na
modalidade Relatório de Documentário,
apresentado ao Curso de Especialização em
História e Cultura Africana e Afro-Brasileira,
da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Centro de Ensino Superior do Seridó,
Campus de Caicó, Departamento de História,
como requisito para obtenção do grau de
Especialista, sob orientação do Prof. Dr.
Agostinho Lima.
CAICÓ-RN
2016
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SEVERINO DOS RAMOS DA SILVA
Trabalho de Conclusão de Curso, na
modalidade Relatório de Documentário,
apresentado ao Curso de Especialização em
História e Cultura Africana e Afro-Brasileira,
da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Centro de Ensino Superior do Seridó,
Campus de Caicó, Departamento de História,
como requisito para obtenção do grau de
Especialista.
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________
PROF. DR. AGOSTINHO JORGE DE LIMA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
(ORIENTADOR)
__________________________________________
PROF. DR. ALMIR BUENO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
(MEMBRO DA BANCA)
__________________________________________________
PROF. Esp. MARIA DAS DORES MEDEIROS ROCHA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
(MEMBRO DA BANCA)
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RESUMO
O trabalho Contos e Cantos nas Comunidades Quilombolas ressalta a importância da história
oral, revelando o que os moradores das comunidades quilombolas falam, pensam e cantam. O
objetivo da pesquisa foi produzir um minidocumentário que registrasse alguns contos e cantos
das comunidades quilombolas na região do Seridó Oriental, especificamente, Boa Vista dos
Negros, em Parelhas-RN, Negros do Riacho e Queimadas, em Currais Novos-RN, e
“Macambira” em Lagoa Nova-RN. Apresenta testemunhos da vida árdua, luta contra o
preconceito e de um tempo de dificuldades já superadas. O documentário tem 44min17s de
duração e foi produzido a partir de histórias contadas por moradores e moradoras das
comunidades supracitadas, identificando-se ainda diversos cantos que fizeram ou fazem parte
do cotidiano destas pessoas, com destaque para os cantos religiosos cantados em latim. Essa
transmissão oral de conhecimentos é importante para perpetuar as memórias e a cultura do
local, principalmente das gerações mais velhas para as mais jovens.
Palavras-chave: Contos. Cantos. Quilombola. Memória.
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ABSTRACT
The paper Tales and Songs in the Quilombo Communities highlights the importance of the
oral history, revealing what the residents of the quilombo communities speak, think and sing.
The objective of the research was to produce a mini documentary that reported some tales and
songs from the quilombo communities in the Northeast Seridó region, specifically, “Boa Vista
dos Negros”, in Parelhas-RN, “Negros do Riacho”, in Currais Novos-RN, and "Macambira",
in Lagoa Nova-RN. It presents testimonies of the hard life, the struggle against prejudice and
a time of hardships already overcome. The documentary is 44:17 minutes long and was
produced from stories told by villagers and residents of the communities mentioned above,
identifying several songs that were or yet are part of the everyday life of these people,
especially the religious chants sung in Latin. This oral transmission of knowledge is important
to perpetuate the memories and the local culture, especially from the older generation to the
younger.
Keywords: Tales. Songs. Quilombo. Memory.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 06
2 RELATÓRIO DE INVENTÁRIO - DOCUMENTÁRIO CONTOS E CANTOS ....... 09
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 13
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 14
APÊNDICES .......................................................................................................................... 16
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1 INTRODUÇÃO
A história do Brasil ficou marcada pela presença africana que aqui chegou através de
um doloroso processo de escravização e discriminação, enfim, a segregação em suas múltiplas
variáveis. Entretanto, os homens e mulheres sujeitos a tais situações foram traçando, ao longo
do tempo, táticas e estratégias de resistências, busca por liberdade, respeito e dignidade
humana.
O sonho de voltar à África – ao encontro com as práticas de sociabilidade perdida, as
celebrações religiosas, o espaço de muitas de suas antigas vivências –, ao âmbito onde seus
costumes fossem respeitados, e onde a sua gente voltasse a ser povo. Foi desse modo, que
surgiram as comunidades quilombolas.
De acordo com Munanga (1995, p. 58) “quilombo é uma palavra originária dos povos
de línguas bantu (kilombo, aportuguesado: quilombo). Sua presença e seu significado no
Brasil têm a ver com alguns ramos desses povos bantu cujos membros foram trazidos e
escravizados nesta terra”. Seu conteúdo enquanto instituição sociopolítica e militar é resultado
de uma longa história envolvendo regiões e povos, sendo, portanto, uma história de conflitos
pelo poder, de decisão dos grupos, de migrações em busca de novos territórios e de alianças
políticas entre grupos alheios.
A história dos povos quilombolas tem muito que ser descortinada, pois não poucas
vezes, foi vista de modo simplista, como se reduzisse a grupos de negros fugidos, vivendo
isolados de todos. Mas, graças a pesquisas recentes, sabe-se que quilombo é muito mais do
que um agrupamento de negros fugidos e sua configuração variou de acordo com a realidade
temporal e espacial, onde temos a presença de membros brancos, negros e indígenas vivendo
em quilombos. São visíveis também as relações vivenciadas com a cidade e, em alguns casos,
até com senhores de escravos, trocas de favores, onde o comércio entre outros eram práticas
comuns entre a sociedade escravista e o mundo que se formava em busca da liberdade.
Ocorre que existe uma distância muito grande entre as discussões mais recentes e
nossos livros didáticos. A maioria ainda adota um conceito limitado para quilombo e pouco se
discute sobre seu cotidiano. Nesse ensejo, é necessário pontuar que não há como uniformizá-
lo, mas sim, discutir sua dinâmica e as múltiplas realidades envolvidas. Um caminho para se
chegar a isso é um estudo dos descendentes dos antigos quilombolas, que tanto em sua
memória familiar como em seu dia a dia tem muito a nos dizer sobre essa história.
É nesse sentido que surge esse trabalho, para destacar a presença de comunidades de
remanescentes quilombolas no Seridó Ocidental do Rio Grande do Norte e suas vivências,
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usando para isso visitas de campo para entrevistar os seus moradores em busca de
informações preciosas, mas precisamente sobre os contos e cantos que tanto se contam a nós.
Quem canta tem a possibilidade de: rezar, divertir-se, enganar o cansaço, ritmar suas tarefas
cotidianas. O canto é a alma que movimenta o corpo, reativa os sentidos. Canto é vida. O
canto também tem suas funções dentro do grupo, pois diverte e proporciona entretenimento,
ensina valores morais. Contos e cantos têm, portanto, grande significado, pois dizem muito
do fazer e viver de um grupo.
O intuito da pesquisa foi produzir um mini-documentário que registrasse alguns contos
e cantos das comunidades quilombolas no Seridó Oriental situadas no município de
Parelhas/RN, identificada por “Boa Vista dos Negros”, em Currais Novos/RN que atende pelo
nome de “Negros do Riacho” e “Queimadas”, esta última próximo à comunidade Totoró, e
ainda em Lagoa Nova/RN, comunidade quilombola conhecida por “Macambira”. Com
característica de transmissão verbal, estes registros integram o cotidiano das comunidades de
modo a retratar a religiosidade, suas lutas e resistências, seus medos, suas verdades e o seu
modo de ver a vida. Para Passerine (1998, p. 23) “durante milênios, nas sociedades
tradicionais, conhecimentos foram transmitidos através de uma longa cadeia de tradução
oral”.
Os contos, assim como os cantos, acompanharam a vida nas senzalas, nos quilombos
e nas comunidades quilombolas do Brasil. Ao longo do tempo algumas dessas manifestações
foram desaparecendo, algumas comunidades já não mais repassam com riqueza de detalhes a
história de suas comunidades. Por outro lado, há comunidades que mantém viva a identidade
cultural, passada de geração em geração, mas é importante considerar que, como diz Cascudo
(1976) a oralidade modifica, determinando versões locais, adaptações psicológicas e
ambientais. Não são, portanto, cantos e cantos estáticos, mas, estão sujeitos a interpretações e
modificações, sem perder aquilo que lhe é essencial. A dinamicidade é, portanto, uma de suas
características mais fortes.
Sobre contos e cantos nas localidades pesquisadas não havia até agora um registro de
tais práticas culturais nem um incentivo para que essas comunidades preservem tais
referências tão cruciais para sua legitimação enquanto comunidade quilombola. Para Marisa
Silva (2008, p. 41) “A produção oral se desvela em nossa prática diária em um gigantesco
mundo de enunciados e gêneros textuais, que vão desde histórias contadas, cantadas ou lidas a
uma infinidade riquíssima de brincadeiras linguísticas”.
Sendo as comunidades quilombolas povoadas por remanescentes de escravos e,
atualmente, também assistidas pelo poder público, se faz necessário compreender como vivem
8
aquelas pessoas e o que sabem sobre seu passado, sua história e seu povo. Em meio à vida,
seja como escravo ou descendente de escravo, a história oral é latente nas comunidades
quilombolas, bem como os cantos que marcaram a vida cotidiana. Este documentário,
portanto, se fez necessário uma vez que o mesmo poderá contribuir como recurso pedagógico
para educadores.
Um trabalho dessa natureza tem valor significativo, pois poderá despertar a
comunidade sobre a importância de tais práticas. Além disso, permite a quem interessado
esteja a compreensão de alguns aspectos dos modus vivendi dessas comunidades. Desse
modo, tal documentário poderá servir de suporte para eventuais pesquisas, como também para
educadores que se proponham a utilizá-lo em sua prática pedagógica.
A pesquisa foi feita de forma oral utilizando microfone e câmera filmadora, onde as
entrevistas foram transformadas em um documentário, que por sua vez constou de narração
contextualizada de cada comunidade, bem como dos depoimentos orais de cada entrevistado.
Todos os entrevistados assinaram uma autorização pela qual concordaram em ceder suas
imagens e áudios sem fins lucrativos/financeiros, para serem utilizados como trabalho
acadêmico, bem como em salas de aula, seminários, etc. É um trabalho pautado na cultura
cotidiana dos moradores das comunidades pesquisadas o qual busca dar maior visibilidade ao
cotidiano tradicional do seio das comunidades quilombolas citadas.
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2 RELATÓRIO DE INVENTÁRIO - DOCUMENTÁRIO CANTOS E CANTOS
O presente relatório apresenta “contos e cantos” das comunidades quilombolas,
Negros do Riacho, e Queimadas, no município de Currais Novos, e ainda Boa Vista dos
Negros em Parelhas, e Macambira, município de Lagoa Nova.
A comunidade denominada “Negros do Riacho”, de Currais Novos-RN está localizada
a 12 quilômetros do centro da cidade, seus membros são descendentes de Trajano Lopes da
Silva (Trajano Passarinho), um ex-escravo vindo de Pernambuco que se acomodou sob a
sombra de um pé de favela e foi ficando, nas terras do Riacho, passando a viver ali mesmo
com sua família (SILVA, J. 2009). Distribuídos numa área de 3,6 hectares, atualmente vivem
na comunidade pouco mais de 200 pessoas, a maioria crianças e jovens, cuja atividade
econômica é centrada na pequena agricultura de subsistência, aposentados, beneficiários dos
programas sociais do governo e de uma pequena produção de louça.
O grupo apresenta uma divisão interna formada pelos caboclos e pelos negros. Com
pouca opção de lazer e sem estrutura para receber visitantes, há uma expectativa positiva pela
chegada de um ponto de cultura que, segundo José Oliveira, presidente da comunidade, está
sendo implantado, para que, por meio de relatos, imagens e peças de louças em miniatura,
possam passar uma realidade mais plausível sobre a comunidade,
A comunidade remanescente de quilombo denominada Boa Vista dos Negros, é uma
extensão de terra que foi doada pelo Cel. Gurjão a uma negra chamada Tereza, que teria sido
“adotada” pela família do mesmo. Segundo relatos, o coronel, que era fazendeiro, teve um
relacionamento com Tereza e cedeu uma parte das suas terras para ela e seu filho, Domingos, de modo
a acomodá-los e distanciá-los de seus familiares, dando início à comunidade de Boa Vista dos Negros,
com área de 445.267 hectares, reconhecida pela INCRA em 17 de fevereiro de 20111, a qual
está localizada a 10 km do centro da cidade de Parelhas-RN. A comunidade é composta por
37 famílias e aproximadamente 90 pessoas, sendo a maior parte adulta e idosa. Atualmente
boa parte da população trabalha em facções de roupas, que fica numa comunidade vizinha.
Outros são servidores públicos em Parelhas e cidades vizinhas como Currais Novos, Acari e
Carnaúba dos Dantas.
A comunidade quilombola Macambira, no município de Lagoa Nova-RN, tem área de
2,6 mil hectares e uma população de pouco mais de 600 pessoas e 263 famílias. Foi
reconhecida como comunidade quilombola pelo INCRA em 2015. Este reconhecimento foi
motivo de muita comemoração, visto que as terras da Macambira vinham sofrendo constantes
1 http://www.incra.gov.br/incra-reconhece-area-de-comunidade-quilombola-no-municipio-de-parelhas-rn
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tentativas de expulsão dos seus moradores, sendo que a Justiça chegou a usar de força policial
para expulsar os moradores da comunidade, tudo isso porque um cidadão alegou ser o
verdadeiro proprietário daquelas terras.
A comunidade Queimadas ainda não é reconhecida como quilombola. Está localizada
a 12 km do centro da cidade de Currais Novos-RN, e a 10 km da comunidade Negro do
Riacho, isso numa linha reta imaginária (QUEIROZ, 2002). Com aproximadamente 12
famílias e umas 65 pessoas, a terra que tinha algo em torno de 80 hectares só tem agora 8.
Conta-se por lá que em meados do século XX um determinado coronel teria provocado um
incêndio e, após o incêndio, demarcado a terra como sendo dele, sobrando apenas oito
hectares para os moradores da comunidade. “As Queimadas”, segundo Dona Francisca -
moradora da comunidade - passou a ter esse nome por causa de umas queimadas que
aconteceram há muitos anos. Devido a isso a SUCAM (Superintendência de Campanhas de
Saúde Pública) passou a se referir a ela em seus registros mais recentes como a comunidade
de queimadas. Os moradores vivem da agricultura familiar de subsistência, do programa
“bolsa-escola” do governo federal, da venda de carvão e do trabalho alugado em fazendas ou
sítios próximos.
O documentário aqui apresentado tem 44m17s de duração e foi produzido a partir de
histórias contadas por moradores e moradoras das comunidades em tela, identificando-se
ainda diversos cantos que fizeram ou fazem parte do cotidiano destas pessoas, com destaque
para os cantos religiosos, inclusive cantados em latim. Essa transmissão oral de
conhecimentos é importante para perpetuar as memórias e a cultura do local.
A história oral se ocupa em conhecer e aprofundar conhecimentos sobre
determinada realidade - os padrões culturais - estruturas sociais e processos
históricos, obtidos através de conversas com pessoas, relatos orais que, ao
focalizarem suas lembranças pessoais, constroem também uma visão mais
concreta da dinâmica de funcionamento e das várias etapas das trajetórias do
grupo social ao qual pertencem, ponderando esses fatos pela sua importância
em suas vidas (LATIF, 2007, s/p).
Os relatos orais das comunidades supracitadas revelam histórias que se passaram com
essa gente e com seus antepassados, vida difícil, pais de uma só palavra, ”a dele”, e a
obediência sem contraditório por parte dos filhos e esposas, famílias que tinham como cultura
a moral, a honra, a palavra propriamente dita sem tirar nem por, onde o mais importante era o
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cumprimento de uma ordem ainda que custasse um castigo, uma surra ou até mesmo perdas
materiais.
As pessoas que participaram da pesquisa são de origem simples, não sabem ao certo
de onde seus pais, avós e bisavós vieram, só sabem que nasceram e vivem ali, naquela
comunidade, em meio a vida difícil do campo. Na infância os castigos eram severos para
quem desobedecesse as ordens dos pais, não importa se eram crianças, adolescentes ou
jovens. A lei era uma só: obedecer, sem questionar.
Em meio à religião católica que predomina e a protestante que também está inserida
nas comunidades, é evidente o sincretismo religioso por meio de práticas e símbolos. Não
obstante, dali identificou-se a presença da religião matriz africana. Esta parece ter sido o porto
seguro de muitas gerações em momentos escuros e sem perspectivas de mudança. Aliás, a
religiosidade é um aspecto bastante presente no cotidiano dos moradores, uma das formas de
lazer locais, visto que após as novenas havia leilões, festa com sanfoneiro e algumas paqueras,
muito embora fossem discretas. Os pais eram rigorosos e não permitiam sequer que as filhas
pegassem na mão do pretendente. A moça que desobedecesse era punida, muitas vezes com
uma surra.
Os namoros só aconteciam com o consentimento do pai da moça. Ela podia se
interessar pelo rapaz, que por sua vez, também interessado, pedia permissão ao pai para
firmarem um compromisso de namoro, e neste namoro não havia abraço nem beijo, e
raramente pegava-se na mão um do outro. Com isso a maioria dos casamentos acontecia
precocemente, pouca idade e pouco tempo de namoro. Contudo, para as mulheres era como
uma luz que poderia ser a “liberdade” de uma vida muito controlada, e para os homens era
uma maneira de afirmar-se como “homem”.
Para Fátima Dionízio, moradora local, “o casamento era o sonho de todas as moças
daquela época (meados do século XX), pois além de se libertar das ordens dos pais também
tinham esperança de viver uma vida feliz ao lado do seu príncipe”. Para José, morador das
Queimadas, “os namoros de antes era muito diferente dos de hoje, pois antes não podia nem
pegar na mão, agora a moça senta no colo do namorado diante dos próprios pais”. Na
comunidade Negros do Riacho as relações se davam entre os membros da própria
comunidade, não que eles não quisessem namorar com outras pessoas, mas o preconceito
predominava. Francisco Barbosa, outro morador local, relata que uma das maiores tristezas
dele foi quando estava dançando com uma moça que não era da comunidade e o irmão da
mesma chegava e interrompia, falando que ela não podia dançar com ele, por ser negro.
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Em relação às atividades cotidianas, o trabalho era árduo, começava pela madrugada e
terminava de noite, trabalho pesado como arrancar tronco de árvore com chibanca, cortar
lenha com foice, cortar capim com facão, plantar e colher para os donos das fazendas. Luiz
Ludugero, filho de Ludugero I e pai de Gorete Dionízio, trabalhava durante o dia para os
“Galvão” e à noite, em noite de lua cheia, cuidava de um pequeno roçado e cortava lenha para
o fogão de lenha da própria casa. O trabalho braçal geralmente era feito pelos homens, e as
mulheres se ocupavam dos afazeres domésticos. Mas, quando necessário, as mulheres
também fazia o mesmo trabalho dos homens.
Sobre musicalidade, algumas entrevistadas se lembraram de cantiga de ninar, como
“Boi da cara preta”, “Dorme pavão” “Neném quer apanhar” dentre outras, além de algumas
cantigas de trabalho e músicas que tocavam no rádio nos anos de 1970, como “Canarinho
cantador”, do cantor Donizete. Atualmente eles cantam o que toca no rádio e na TV, mas
preferem forró pé-de-serra e músicas religiosas. Aliás, os cantos religiosos são bem presentes,
alguns são cantados em latim, como Ora pro nobis.
Há uma queima de rosas no último dia de maio de cada ano. Na comunidade
Macambira e nas Queimadas os vizinhos se reúnem e durante todos os dias de maio rezam o
terço em devoção a Maria. A queima de rosas é bem popular e vira uma festa na comunidade.
O presente trabalho documental foi realizado entre os meses de outubro, novembro e
dezembro de 2015, e fevereiro, março e abril de 2016, com visitas e conversas para convencer
os alvos da pesquisa a aceitarem falar diante de uma câmera, sendo que alguns acharam
interessante, pois nunca antes haviam aparecido em uma TV. Foram gravadas mais de 250
minutos, sendo editadas e filtradas as histórias que mais chamaram a atenção. Ao todo foram
feitas onze visitas, com trinta horas de edição, e em meio às gravações houve momentos de
ansiedade por parte dos entrevistados ao relembrar acontecimentos do passado, como se um
filme passasse em suas cabeças. Os depoimentos chegaram a emocionar até mesmo o
entrevistador.
Registrar esses relatos, apesar de ser prazeroso, foi também cansativo, pois dependia
de outras pessoas, guias, cinegrafistas, editores. Na metade do trabalho foi preciso cancelar
um editor de imagens e um cinegrafista, e por isso foi preciso refazer todo o caminho
novamente, com outros profissionais que apresentaram uma melhor disponibilidade e melhor
qualidade técnica. Não foi fácil, mas os resultados valeram a pena.
Durante a execução do projeto foi possível contar com a orientação do prof. Agostinho
Lima, com a coorientação da professora Dorinha Rocha, o apoio dos colegas professores Ana
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Paula, Dilza Medeiros, José Ferreira, Maxuel Ferreira, como também da professora Joelma
Tito.
Sou muito grato a Deus por esta oportunidade, e dedico este trabalho aos meus pais, e
aos meus filhos: Matheus Ramos, Bianca Ramos e Luna Ramos, que são minha força e minha
esperança.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O documentário Contos e Cantos das Comunidades Quilombolas do Seridó Oriental
do RN, destacando os Negros do Riacho, Queimadas, Boa Vista dos Negros, e Macambira foi
um trabalho interessante e, ao mesmo tempo gerador de um grande aprendizado cultural, no
que diz respeito ao uso da memória para perpetuar a transmissão oral de conhecimentos e
valores culturais entre gerações.
A conclusão do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-
Brasileira proporcionou novos conhecimentos, uma melhor metodologia para ministrar aulas,
além de conhecer melhor a linguagem técnica dos historiadores. Assim, aos poucos, foi
possível uma maior aproximação à essa linguagem historiográfica, onde os mestres e doutores
foram excelentes, os tutores foram acessíveis, nossos colegas foram um suporte. O orientador
foi bom ouvinte e motivador, destacando-se o professor Agostinho Lima, pela capacidade de
orientar de maneira certa, a contribuição da professora tutora Dorinha Rocha como co-
orientadora, em meio a duvidas e questionamentos.
A pesquisa de campo foi surpreendente, pois fez afluir histórias que fazem repensar
conceitos e ver as pessoas que moram nas comunidades quilombolas com um novo olhar. A
boa acolhida por parte dos moradores facilitou o trabalho de pesquisa, onde as resistências
iniciais cederam à abertura, flexibilidades e, ao final, muitos convites pra voltar e usufruir de
sua hospitalidade. A emoção foi inevitável diante de depoimentos cheios de sentimentos,
histórias que magoaram pessoas e que feriram o coração, mas que, por serem pessoas fortes,
superaram os obstáculos e hoje pensam em galgar sonhos maiores.
Espera-se que este trabalho possa contribuir para agregar conhecimentos às demais
pessoas da comunidade local, acadêmica e aos pesquisadores, seja como prática em sala de
aula, como subsídio para futuras pesquisas, ou pela exibição em meios eletrônicos, de forma a
tornar mais conhecida a forma como se vive nas comunidades quilombolas e preservar seu
acervo cultural imaterial.
Link de acesso: www.youtube.com/watch?v=s4xBWXMV5bE&feature=youtu.be
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REFERÊNCIAS
CASCUDO, Luiz da Câmara. Seleta: Coleção Brasil Moço. Literatura viva comentada. 2. ed.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1976.
PASSERINE, Sueli Pecci. O fio de Ariadne: Um caminho para a narração de história. São
Paulo: Editora Antroposófica, 1998.
KABENGELE, Munanga. Origem e histórico do quilombo na África. REVISTA USP. São
Paulo (28): 56-63, dezembro/fevereiro 95/96.
CASSAB, Latif. História oral: miúdas considerações para pesquisa em Serviço Social.
Serviço Social em Revista. Revista do Departamento de Serviço Social da Universidade
Estadual de Londrina. Paraná. v. 5, n. 2, sem paginação. Jan.-Jun. 2003. Disponível em
http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c_v5n2_lafit.htm. Acesso: em 5 de jul de 2014.
SILVA, Marisa. O que vamos aprender hoje? In: Linguagens artísticas da cultura popular..
Ministério da Educação. Brasília, Boletim 01, p. 24/31 mar.-abr. 2005. Disponível em:
http://cdnbi.tvescola.org.br/resources/VMSResources/contents/document/publicationsSeries/1
45140LinguagensACP.pdf. Acesso em: 18 nov. 2015.
OLIVEIRA, Brenda Jéssica Cirne de. Comunidade Negros do Riacho/RN: Condições
socioeconômicas e o avanço da anemia falciforme. 2012. 75 f. Monografia (Bacharelado em
Serviço Social) – Departamento de Serviço Social, Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Natal, 2012. Disponível em: http://monografias.ufrn.br:8080/jspui/handle/1/304.
Acesso em: 22 nov. 2015.
QUEIROZ, P. F. de. O Sertão: negros e brancos. Uma amostra do preconceito racial no
município de Currais Novos. 2002. 132 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-
Graduação em Sociologia Rural, Universidade Federal da Paraíba, Campina Grande, 2002.
SILVA, Joelma Tito. O Riacho e as Eras: Memórias, identidade e território em uma
comunidade rural negra no Seridó Potiguar. 2009. 209 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de
Pós-Graduação em História Social, Departamento de História, Universidade Federal do Ceará,
Fortaleza, 2009. Disponível em:
http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/2896/1/2009_Dis_JTSilva.pdf. Acesso em: 11
nov. 2015
SILVA, Maria José da. Comunidade Queimadas: revelando suas origens. 23. f. Artigo de
Pós-graduação. Não publicado. UFRN: Biblioteca do CERES, 2015.
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APENDICE A - Registro fotográfico das comunidades
Figura 1: Residência de Maria de Benedito (Queimadas)
Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2015
Figura 2: Professora Dilza em visita à Comunidade Queimadas
Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2015
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Figura 3: Professora Dilza com moradora das Queimadas
Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2015
Figura 4: Pesquisador Severino dos Ramos com Maria de Benedito e Família – Comunidade Queimadas
Arquivo pessoal do autor, 2015
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Figura 5: Residência de Maria de Benedito (área externa) – Comunidade Queimadas
Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2015
Figura 6: Residência de Maria de Benedito (área externa) – Comunidade Queimadas
Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2015
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Figura 7: Entrevista de contato com Fátima Silva – Comunidade Queimadas
Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2015
Figura 8: Sistema de captação de água - Comunidade Queimadas
Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2015
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Figura 9: Moradores da Macambira – Lagoa Nova/RN (Mosaico – Prof.ª Ana Paula)
Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2015
Figura 10: Residência na Comunidade Macambira - Lagoa Nova/RN
Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2015
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Figura 11: Entrevista em áudio com Gorete – Comunidade Macambira, Lagoa Nova/RN
Fonte: Arquivo pessoal do autor: Severino dos Ramos da Silva, 2015
Figura 12: Gravação de imagens com a moradora Gorete – Comunidade Macambira, Lagoa Nova/RN
Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2015
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Figura 13: Localidade de Cabeço Ferreiro – Mirante próximo à Comunidade Macambira
Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2015
Figura 14: Wendel Gama (cinegrafista) em Cabeço Ferreiro – Mirante próximo à Comunidade MacambiraFonte:
Arquivo pessoal do autor