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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS PESQUISA EM ARTES VISUAIS ELISAMA DE MORAIS SILVA UMA PRODUÇÃO ARTÍSTICA CONTEMPORÂNEA EM DIÁLOGO COM O CROCHÊ ARTESANAL Natal-RN 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

PESQUISA EM ARTES VISUAIS

ELISAMA DE MORAIS SILVA

UMA PRODUÇÃO ARTÍSTICA CONTEMPORÂNEA EM DIÁLOGO COM O CROCHÊ ARTESANAL

Natal-RN

2016

ELISAMA DE MORAIS SILVA

UMA PRODUÇÃO ARTÍSTICA CONTEMPORÂNEA EM DIÁLOGO COM O CROCHÊ ARTESANAL

Projeto de Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado na Universidade Federal do Rio Grande

do Norte como requisito para a obtenção do título de

Licenciatura em Artes Visuais.

Orientador: Prof. Dr. Vicente Vitoriano Marques

Carvalho

Natal-RN

2016

ELISAMA DE MORAIS SILVA

UMA PRODUÇÃO ARTÍSTICA CONTEMPORÂNEA EM DIÁLOGO COM O

CROCHÊ ARTESANAL

Aprovado em 05 de dezembro de 2016.

_________________________________________________

Prof. Dr. Vicente Vitoriano Marques Carvalho – UFRN (Orientador)

___________________________________________________

Profa. Dra. Laís Guaraldo – UFRN (Examinadora Interna)

____________________________________________________

Profa. Dra. Evanir de Oliveira Pinheiro – IFESP-SEC/RN (Examinadora Externa)

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus que realizou meu sonho de cursar Artes

Visuais nesta universidade e esteve comigo dando-me forças durante minhas

fraquezas e tristezas.

À minha preciosa família, filhos, nora e genro, pela paciência e

compreensão.

Ao meu querido esposo por me acompanhar nessa trajetória, pelo seu

amor, apoio e ajuda constante.

Às minhas queridas netas, que durante o curso se apaixonavam pela arte

cada vez que viam meus trabalhos artísticos e me alegravam quando diziam que

queriam fazer seus desenhos com a mesma técnica utilizada.

Aos meus colegas de curso por compartilharmos momentos de estudos

que ao longo desta jornada se transformaram em fieis amigos.

A todos os meus professores que no decorrer dos anos aqui vividos,

enriqueceram os meus conhecimentos através das aulas ministradas.

Ao meu orientador Vicente Vitoriano que me orientou com muita dedicação

tornando possível a conclusão desta pesquisa.

A todos vocês, meu muito obrigada.

"A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos,

em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa

personalidade para especial libertação."

Fernando Pessoa.

RESUMO

O presente documento apresenta o desenvolvimento de pesquisa elaborada para

o Trabalho de Conclusão de Curso em Licenciatura em Artes Visuais da UFRN,

iniciada no segundo semestre de 2015 e sendo finalizada no segundo semestre

de 2016. Nesta direção, a pesquisa teve como objetivo realizar e descrever a

produção de uma instalação artística, com obras que estabeleceram o diálogo do

artesanato de crochê com a arte contemporânea, em uma perspectiva regional.

Para isso, foi necessária a realização de visitas de campo a um grupo de

rendeiras que fazem varandas em crochê na Região do Seridó, para obter dados

sobre seus trabalhos, e assim, planejar e executar as obras em crochê com linhas

de algodão cru, tingidas artesanalmente. Na construção da obra foram usados

como referenciais, os artistas contemporâneos NeSpoon, Sheila Hicks, Crystal

Gregory e Ernesto Neto, os quais fazem uso de técnicas do tecer nas suas obras,

e em Vatenor de Oliveira o referencial temático. Os mesmos serviram como base

para a escolha do objeto de pesquisa com o fito de desenvolver um diálogo entre

o artesanato e a arte contemporânea. E os autores como Zamboni, Almeida,

Morais, Carvalho, Salles, entre outros, trouxeram importantes contributos para a

elaboração desta pesquisa. Este estudo teve como resultado final uma instalação

que carrega o título “Tramas ao vento”. E todo o processo da elaboração das

obras foram registrados em um diário de bordo que se materializou na forma de

uma instalação artística. Com a mesma se pretende apresentar uma obra

carregada de lembranças cognitivas da infância da artista para seu público que

emergirá no ambiente construído por esta. Como o artesanato é uma das mais

ricas expressões da cultura e criatividade de um povo, neste sentido, esta

produção artística propõe um diálogo entre o artesanato, especificamente a

técnica do crochê artesanal da região do Seridó potiguar, com a arte

contemporânea. Assim, a partir deste diálogo, encontramos a relevância deste

trabalho para o contexto sociocultural e histórico vigente.

Palavras–chave: Arte Contemporânea. Artesanato. Crochê. Diálogo. Instalação

Artística.

RESUMEN

En este trabajo se presenta el desarrollo de la investigación llevada a cabo para la

finalización de curso en Licenciatura de Artes Visuales, en la Universidad Federal

del Rio Grande do Norte (UFRN), iniciada en la segunda mitad del año de 2015 y

se completó en la segunda mitad del año de 2016. En este sentido, la

investigación tuvo como objetivo realizar y describir la producción de una

instalación artística, con obras que establezcan un diálogo con la artesanía de

croché con el arte contemporáneo desde una perspectiva regional. Para esto fue

necesario llevar a cabo visitas de campo a un grupo de mujeres que tejen croché

en la Región del Seridó, para obtener datos sobre su trabajo, y por lo tanto para

planear y ejecutar los trabajos en croché con hilos de algodón crudo teñidos a

mano. En la construcción de la obra se utilizaron como referencial los artistas

contemporáneos NeSpoon, Sheila Hicks, Crystal Gregory y Ernesto Neto, que

utilizan técnicas de tejer en sus obras, y Vatenor de Oliveira como artista

temático. Ellos sirven como base para la elección del tema de investigación con el

objetivo de desarrollar un diálogo entre la artesanía y el arte contemporáneo. Y

los autores como Zamboni, Almeida, Carvalho, Morais, Salles, entre otros,

trajeron importantes contribuciones al desarrollo de esta investigación. Este

estudio tuvo como resultado final una instalación que lleva el título "Tramas ao

Vento". Y todo el proceso de la preparación de las obras se registraron en el

cuaderno del artista que se materializó en forma de una instalación artística. La

misma tiene la intención de presentar una obra llena de recuerdos cognitivos de la

infancia del artista a su público que emergerá en el entorno construido para esta

obra. Como la artesanía es una de las más ricas expresiones de la cultura y la

creatividad de un pueblo, en este sentido, esta producción artística propone un

diálogo entre el arte, específicamente la técnica de croché de la región del Seridó

potiguar, con el arte contemporáneo. Por lo tanto, a partir de este diálogo, nos

encontramos con la relevancia de esta obra hacia el contexto sociocultural

histórico de la actualidad.

Palabras-clave: Arte Contemporáneo. Artesanía. Croché. Diálogo. Instalación

Artística.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Varanda de rede em crochê. Parelhas RN...................................................16

Figura 2 - Mulheres tecendo peças de crochê para as obras de NeSpoon, Fundão,

Portugal........................................................................................................16

Figura 3 - “Beauvai Vine” Obra de arte de Sheila Hicks apresentada na 30º Bienal

De São Paulo.............................................................................................20

Figura 4 - “Lianes de Beauvai”. Obra feita em linho, de Sheila Hicks apresentada na

30º Bienal de São Paulo..............................................................................20

Figura 5 - Obra de arte Foundation I, de Crystal Gregory...........................................21

Figura 6 – Obra de arte Foundation II, de Crystal Gregory.........................................21

Figura 7 – Obra de arte Foot Traffic, de Crystal Gregory............................................21

Figura 8 – Obra “Dengo” no Museu de Arte Moderna (MAM-SP)...............................22

Figura 9 – Obra “É o Bicho” na 49º Bienal de Veneza................................................22

Figura 10 – Intervenção Urbana. Obra de arte de NeSpoon......................................23

Figura 11 – Intervenção. Obra de arte de NeSpoon ..................................................23

Figura 12 – Obra “Vatenor, cajus para todos” de Vatenor de Oliveira .......................24

Figura 13 – Acrílico sobre tela. Obra de Vatenor de Oliveira. ....................................24

Figura 14 – Obra autoral “Meu Cajueiro””...................................................................26

Figura 15 – Parte de uma peça que compõe a obra “Meu Cajueiro”..........................26

Figura 16 – Tronco da obra “Meu Cajueiro”................................................................26

Figura 17 – Peças dos troncos tingidos “Meu Cajueiro”.............................................26

Figura 18 – Troncos tingidos da obra “Meu Cajueiro”.................................................27

Figura 19 - Troncos da obra “Meu Cajueiro” sendo costurados..................................27

Figura 20 - Primeiros cajus em crochê, obra “Meu Cajueiro”......................................27

Figura 21 - Experiência com salsa da obra “Meu Cajueiro”........................................29

Figura 22 - Circulo com barbante endurecido da obra “Meu Cajueiro”.......................30

Figura 23 - Cajus de barbante endurecido da obra “Meu Cajueiro”............................30

Figura 24 - Processo dos Cajus sendo tingidos e endurecido da obra “Meu

Cajueiro”....................................................................................................30

Figura 25 - Cajus tingidos e endurecido da obra “Meu Cajueiro”................................30

Figura 26 - Triângulos em crochê para a copa da obra “Meu Cajueiro”......................31

Figura 27 - Tingindo os triângulos em crochê da obra “Meu Cajueiro”.......................31

Figura 28 - Triângulos em crochê tingidos da obra “Meu Cajueiro”............................31

Figura 29 - Triângulos tingidos da obra “Meu Cajueiro”..............................................31

Figura 30 - Retângulos em crochê da obra “Cajus ao vento”......................................32

Figura 31 - Cajus em crochê da obra “Cajus ao vento”................................................32

Figura 32 - Cajus tingidos da obra “Cajus ao vento”....................................................33

Figura 33 - Distribuindo os cajus da obra “Cajus ao vento”.........................................33

Figura 34 - Estudo de montagem da moldura..............................................................34

Figura 35 - Montagem das molduras menores............................................................34

Figura 36 - Montando a obra “Tramas”.......................................................................35

Figura 37 - Moldura com Cajus da obra “Tramas”.......................................................35

Figura 38 - Cajus tingidos da obra “Tramas”...............................................................36

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 11

2 INSTALAÇÃO, ARTE CONTEMPORÂNEA E ARTESANATO ............................................................. 13

2.1 Breve nota sobre a origem do crochê e o artesanato brasileiro ..................................................... 13

2.1.1 Breve história do crochê.................................................................................................................. 14

3 O CROCHÊ E O CAJU COMO MOTE GERADOR DA PROPOSTA ARTISTICA ................................ 15

3.1 Proposta artística: diálogo entre a arte contemporânea e o crochê artesanal ............................. 17

3.2 Referenciais artísticos e temático ...................................................................................................... 18

4 Processo artístico .................................................................................................................................... 24

4.1 A escolha do material ........................................................................................................................... 24

4.2 Obra “Meu Cajueiro” ............................................................................................................................ 25

4.2.1 Experimento com ramas de salsas .................................................................................................. 28

4.2.2 Experimento com barbante e crochê endurecido .......................................................................... 29

4.3 Obra “Cajus ao Vento” ......................................................................................................................... 31

4.4 Obra “Tramas” ...................................................................................................................................... 34

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................................... 36

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 39

APÊNDICE A - FOTOS DAS VARANDAS DE REDE DE CROCHÊ, PARELHAS/RN ............................. 42

APÊNDICE B - FOTOS DA INSTALAÇÃO “TRAMAS AO VENTO” ......................................................... 42

APÊNDICE C - RELATO DA AÇÃO PEDAGÓGICA E FOTOS .................................................................. 45

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1 INTRODUÇÃO

O trabalho aqui apresentado, que tem por título “Uma produção artística

contemporânea em diálogo com o crochê artesanal”, foi materializado sob a

forma de uma instalação na Galeria de Artes do Departamento de Artes, localizada

no Campus Central da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(DEART/UFRN). O trabalho configura-se como uma produção artística que propõe

fazer um diálogo entre a técnica de crochê artesanal e a arte contemporânea.

Este documento pretende explicar e relatar o processo de produção artística

resultante do diálogo acima referido realizado no decorrer de toda a pesquisa. Para

esta produção, tem sido utilizada a técnica do crochê, que expressa conexões

estabelecidas entre o que estamos chamando de artesanato e arte contemporânea

em uma perspectiva regional.

A forma como isso seria alcançado foi um desafio ao longo do caminho,

durante um ano e meio. Este percurso iniciou-se em agosto de 2015 na disciplina de

Pesquisa em Artes Visuais ministrada pelo o professor Vicente Vitoriano. A pesquisa

seguiu durante o TCC I e o TCC II. Hoje, ao término da mesma, considero ter

alcançado a maioria dos objetivos propostos, alguns com mais dificuldades que

outros, dificuldades que foram encaradas como desafios a serem vencidos. À

medida que eram ultrapassados, sentia-me enriquecida com as experiências vividas,

e avançava em direção ao término do projeto.

Iniciei este projeto pesquisando sobre artistas que utilizavam a técnica do

crochê em suas obras, em seguida visitei um grupo de mulheres que fazem

varandas de rede em crochê, que eram comercializadas pela extinta Associação dos

Artesãos e Microempresários de Parelhas-RN (ASSOAMEP), na cidade de Parelhas,

Região do Seridó, Rio Grande do Norte, para obter dados sobre seus trabalhos. Em

nossa produção artística, as tramas de fios são baseadas nos pontos usados

tradicionalmente por estas mulheres rendeiras.

A princípio, a ideia era fazer uma releitura de algumas obras do artista

plástico potiguar, Vatenor de Oliveira, “o pintor dos cajus”, plasmada no crochê.

Porém, no desenvolver da pesquisa decidi fazer o trabalho sobre uma obra de minha

própria autoria. E surgiu então a proposta da instalação, à qual dei o título de

“Tramas ao Vento”. Composta por três obras tecidas em crochê, peças que foram

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executadas com barbante de algodão cru, as quais depois de prontas foram tingidas

artesanalmente com corantes de tecido.

Registrei todos os passos dados na elaboração da obra em meu diário de

bordo. Tais registros foram de grande valia para redigir o relato do processo de

criação, pois com base nos registros foi possível descrever as dificuldades,

mudanças ocorridas no decorrer da pesquisa, experimentos com êxitos e os que não

funcionaram e as preocupações que foram se dissipando ao se aproximar da etapa

final da pesquisa.

A relevância deste trabalho está ligada à importância da produção artística da

instalação intitulada “Tramas ao Vento” para o momento contemporâneo.

Deste modo, com esta instalação pretendo trazer para a academia o valor

desta produção, que está ligada à cultura de comunidades tradicionais que se

mantiveram vivas ao longo dos tempos como um elemento da criatividade popular,

em oposição a diversas técnicas industriais.

A produção artística possui um valor subjetivo, cognitivo e simbólico para o

artista e para o espectador, pois segundo Tolstoi (apud ALMEIDA, 2005, p. 82), “o

artista sente uma certa emoção e transmite essa emoção através da obra à

audiência, provocando nela o mesmo tipo de estado emocional. A expressão é vista

como uma forma de comunicação, permitindo sentir à audiência o mesmo que o

artista sentiu ao criar a obra”. Neste sentido, esta produção nasceu das lembranças

cognitivas da infância da autora, na qual os cajus e cajueiros faziam parte do cenário

da Cidade de Natal-RN. Estas memórias remontam a um tempo em que uma das

principais marcas de nossa região era o caju, que estava espalhado nos mais

diversos lugares da cidade. Sendo assim, a relevância da obra também está ligada à

comunicação deste estado cognitivo e afetivo ao espectador que, em contato com as

obras, compartilhará desta emoção que primeiro nasceu na artista.

Esta pesquisa tem o valor pedagógico de trazer para a audiência elementos

sensoriais que provocam emoções que estabelecem um elo entre artista e

espectador. É a provocação de um olhar para o artesanal que carrega valor

simbólico e cognitivo pessoal, mas que dialoga com o meio social e artístico

contemporâneo, através de técnicas que ressignificam a função e a finalidade do

crochê, trazendo esta produção para uma instalação artística que se comunica com

o velho e o novo, o tradicional e o contemporâneo, o popular e o acadêmico.

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O trabalho se caracteriza como uma pesquisa em arte, pois tem como produto

final uma criação artística, que segundo Zamboni (1998), a expressão pesquisa em

arte refere-se aos trabalhos de pesquisa relacionados à criação artística, realizados

por artistas pesquisadores que objetivam ter como produto final a obra de arte.

Desta forma todo o andamento da pesquisa e seu registro, configura a

fundamentação teórico-prática do processo de sua elaboração e culmina com a

exposição das obras.

2 INSTALAÇÃO, ARTE CONTEMPORÂNEA E ARTESANATO

Instalação é um fenômeno relativamente recente nas artes e vários artistas

contemporâneos têm expressado sua arte através de instalações, que é sem dúvida,

uma das marcas de um fazer artístico contextual e contemporâneo.

De acordo com Carvalho (2005, p. 266), “[...] as instalações artísticas e outras

obras operam com o contexto, como questão artística e poética, tanto quanto

estética, entre outros aspectos, problematizam as condutas convencionalizadas para

a figura do espectador”. Deste modo, podemos inferir que nossa produção artística

se torna relevante quando “problematiza as condutas convencionalizadas” que são

consensuais para o espectador. Logo, esta produção possibilita um outro olhar sobre

a realidade vigente, quando estabelece diálogo entre o artesanato e a arte

contemporânea.

Destacamos também a relevância de práticas artísticas com técnicas

artesanais. De acordo com o Programa de Artesanato Brasileiro (PAB) (2012, p. 5),

“o artesanato é uma das mais ricas formas de expressão da cultura e do poder

criativo de um povo”. Logo, quando se propõe a dialogar com a arte contemporânea,

esta produção artística está engajada num processo de valorização de uma

expressão cultural que carrega dentro de si elementos regionais e o valor criativo,

historicamente construído pelos grupos humanos.

2.1 Breve nota sobre a origem do crochê e o artesanato brasileiro

O artesanato no Brasil é rico de diversidade por ter tido influência de outros

povos que passaram por aqui. Sabendo disso, é muito importante incentivar a nossa

identidade cultural através do artesanato de cada região do Brasil para que a cultura

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brasileira e a arte popular não sejam esquecidas e sim valorizadas e disseminadas

através do artesanato.

No contexto nacional, o PAB dá apoio, incentivos, desenvolvimento das

comunidades de artesãos e valorização dos produtos artesanais. Com incentivos

aos pequenos empresários, que podem negociar e expor seus produtos em feiras e

eventos, destinados para este mercado. Estes mercados revelam peças artesanais

de valor cultural com propostas de composições diferenciadas e exclusivas de

determinada região.

Tratando-se do artesanato da região Nordeste há bastante variedade, indo

desde a utilização de produtos orgânicos até a utilização de fibras. Dentro dos

materiais sintético, estão os artesanatos em rendas, garrafas com imagens em areia

colorida, bordados com muitos detalhes, até as redes tecidas com varandas em

crochê. De acordo com o PAB (2012), o crochê é um tipo de artesanato com origem

de matéria-prima processada, no qual se desenvolvem tramas de fio usando,

inclusive, linhas sintéticas.

2.1.1 Breve história do crochê

Segundo Vegne (2011, p.22) a palavra "crochê" tem sua origem do francês

medieval croké, que significa um instrumento de ferro curvado, em forma de gancho,

para suspender ou segurar algum objeto. A expressão broder au crochet ("bordar

com o gancho"), passou a ser conhecida na França no século XIX.

Ninguém sabe ao certo quando ou onde o crochê começou. Alguns escritores

dizem que a técnica do crochê tem origem na Pré-história e que o crochê era tido

como um ofício e não como arte, como se conhece atualmente. Paludan (1976, apud

VEGNE, 2011, p.20) afirma que, após pesquisas para descobrir a origem do crochê,

existem três possíveis origens. Primeiro, chegou à Europa vindo da Arábia, entrando

pela Espanha aproximadamente no ano de 1700, através da rota do comércio pelo

Mediterrâneo. Segundo, há indícios de que algumas tribos da América do Sul

utilizavam a técnica do crochê nos adornos que usavam em rituais da puberdade.

Em terceiro, na China havia relatos de bonecas que foram tecidas com a mesma

técnica.

Ainda segundo Vegne (2011, p.22), o crochê passou a ser difundido em 1800,

quando a francesa Eleonor Riego de La Branchardiere desenhou padrões de crochê

15

e publicou em livros para que as pessoas pudessem copiar os desenhos. Neste

período, o crochê passou a ser o principal passatempo das damas nas cortes da

Itália, da Espanha e da França.

Mesmo que a técnica de crochetar faça parte da cultura popular desde muito

tempo, para muitos é uma atividade desvalorizada ou esquecida.

Em geral, o artesão utiliza o crochê como forma de descobrir as próprias

manifestações artísticas, como também, ao produzir as peças, o artesão pode

beneficiar-se de diversas maneiras como, por exemplo, o próprio bem-estar interior,

o convívio social, ao relacionar-se com pessoas que tenham interesse pela mesma

atividade, ou ainda transformar este passatempo em uma atividade lucrativa, ao

comercializar seus produtos.

3 O CROCHÊ E O CAJU COMO MOTE GERADOR DA PROPOSTA ARTISTICA

Segundo Zamboni (1998, p. 52), falando sobre a prática artística, “poderá

haver vários caminhos diferentes, mas existirá sempre um mais adequado para ser

trilhado”. Deste modo, o crochê artesanal foi o caminho mais adequado a ser

trilhado, o qual me levou a conhecer um grupo de mulheres potiguares que tecem as

varandas das redes em Parelhas, na Região do Seridó, do Rio Grande do Norte. O

grupo se reunia regularmente para fazer vários trabalhos manuais e algumas

mulheres se dedicavam especificamente em fazer varandas em crochê para redes

(Figura 1), um elemento de muito significado para a nossa cultura e que nos faz

lembrar o nosso rincão nordestino.

Estas mulheres me fizeram lembrar a artista polonesa NeSpoon (Figura 2)

que, em algumas de suas obras, usou como inspiração o crochê das mulheres da

cidade de Fundão, Portugal. Da mesma forma, à minha maneira, utilizo o crochê das

mulheres de Parelhas como referência no meu processo de criação.

16

O crochê está presente em minha vida há muito tempo. Desde a

adolescência, aos doze anos, aprendi a tecer com uma vizinha, que me ensinou os

pontos básicos, começando com os pontos correntinhas, o ponto alto e em seguida

o ponto baixo. Tendo aprendido os pontos básicos do crochê, pude finalmente tecer

minha primeira peça, uma toalhinha para bandeja, usando basicamente correntinhas

e pontos altos. Fiquei bastante orgulhosa com meu desempenho, o que me

encorajou a seguir tecendo várias outras peças. Começaram, então, a chegar as

primeiras encomendas, tais como bicos em pano de pratos, blusas, meias e

sapatinhos para bebês.

Porém, não demorei a perceber que não me identificava com aquele tipo de

produção. Então, passei a produzir peças decorativas, almofadas, colcha para cama,

trilho para mesa, tapetes e bolsas. Estas peças foram tecidas para uso familiar. Com

o tempo, fui experimentando vários materiais para tecer com o barbante e fios de

plástico, entre outros. No decorrer dos anos, minha relação com o crochê se tornou

mais estreita.

Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no Curso de

Licenciatura em Artes Visuais, na disciplina História da Arte, estudando os vários

movimentos artísticos, foram apresentados artistas que trabalhavam com a arte

contemporânea e utilizavam vários materiais em suas composições. Havia entre eles

a artista Toshiko Horiuchi MacAdam, apresentada pela professora Adriana Lopes,

Figura 2: Mulheres tecendo peças de crochê para

as obras de NeSpoon, Fundão, Portugal.

Fonte: Behance, 2015

Figura 1: Varanda de rede em crochê.

Parelhas - RN

Fonte: SILVA Elisama, 2015.

17

que usava a arte do tecer na elaboração de suas obras. Desta observação, foi

possível ver a arte do tecer por um ângulo diferente. Como diz Morais (2003, p. 92),

“a apropriação da criatividade popular como base para recriações ou reelaborações

eruditas, tem sido uma constante da arte brasileira desde muito tempo”. Com base

nesta apropriação da criatividade popular surge a necessidade de trilhar pelo

caminho do crochê, atrelando à figura do caju que aparece completando o mote

gerador de minha proposta.

O caju sempre me fascinou, na verdade tenho uma ligação afetiva com o

mesmo. E quando li sobre as obras do artista plástico Vatenor de Oliveira em uma

entrevista dada ao Blog do Programa Xeque Mate da TVU1 despertou-me mais

interesse. Na entrevista, o artista falava que tem no caju a maior inspiração para as

suas obras.

3.1 Proposta artística: diálogo entre a arte contemporânea e o crochê artesanal

Inicialmente, havia pensado em fazer uma releitura de algumas obras do

pintor naif Vatenor de Oliveira, conhecido como o “pintor dos cajus”.

A ideia era fazer algumas molduras em madeira e nela fazer uma trama com

barbante utilizando vários tons de verde, dando uma ideia de folhagens. Nessas

molduras, com a trama, seriam aplicados alguns cajus tecidos em crochê.

A escolha deu-se com a intenção de fazer uma representação simbólica das

minhas próprias lembranças referentes à minha infância, através do diálogo do tecer

artesanal com a arte contemporânea. Desta forma partiu-se para a seleção do tipo

de linha a ser utilizado. Depois de experimentar algumas, percebeu-se que seria

mais adequado usar o barbante de número seis, pois tinha a espessura exata para

deixar a textura que se desejava, um pouco mais maleável, além de dar rápido

crescimento ao tecer, que ajudava a ganhar tempo.

A próxima etapa foi escolher qual ponto de crochê seria utilizado, depois de

tecer várias miniaturas de cajus e folhas, experimentando diversos pontos, decidiu-

se por tecer basicamente com correntinhas e ponto alto para que as peças tivessem

uma mistura do rústico do barbante com a leveza do crochê artesanal.

1 Blog do Programa Xeque Mate da TVU. Disponível em: <http://programaxequemate.blogspot.com.br/2009/11/vatenor-de-oliveira-artista-plastico.html> . Acesso em: 20 de maio de 2015.

18

Todas as peças foram tecidas com barbante, também conhecido como linha

de algodão cru, e depois de prontas tingidas. Os cajus nas cores amarela, laranja e

vermelho e as folhas com vários tons de verde.

Durante a experiência de tecer os primeiros cajus, surgiu a ideia ou

possibilidade de fazer a pesquisa baseada numa produção própria e não mais a

releitura da obra do artista plástico Vatenor de Oliveira. Segundo Salles, Isto é

normal acontecer em uma obra em construção.

“As interações são muitas vezes responsáveis por essa proliferação de

novos caminhos: provocam uma espécie de pausa no fluxo da continuidade,

um olhar retroativo e avaliações, que geram uma rede de possibilidades de

desenvolvimento da obra. Essas possibilidades levam a seleções e ao

consequente estabelecimento de critérios.” (SALLES, 2008, p. 20).

Diálogos frequentes que mantive com meu orientador, o professor Vicente

Vitoriano, com minha filha Kellita Morais, que é arquiteta, e com Francisco Moura,

meu esposo, que também é artista plástico, ajudaram-me a gerar mudanças de

horizontes, possibilitando a produção de um novo projeto, a Instalação “Tramas ao

Vento”. E com a mudança, veio a necessidade de pesquisar os referenciais artísticos

que iriam nortear o tipo de instalação artística que se pretendia realizar,

possibilitando um diálogo da técnica de crochê com estilos contemporâneos, dando

as obras um valor extremamente relevante.

3.2 Referenciais artísticos e temático

Visando uma compreensão melhor sobre a utilização do crochê na arte

contemporânea, tornou-se necessário conhecer o trabalho de alguns artistas que

tecem com vários tipos de materiais, para expressar a sua arte, para que outros

possam apreciar e até mesmo interagir com suas obras que são expostas nas ruas

ou em galerias. Os artistas utilizam a sua arte com fios para expressar uma posição

crítica sobre determinados temas como políticas culturais e ambientais. Outros

simplesmente desejam dar um “colorido” delicado, em lugares especifico das

cidades. Este tipo de arte com fios já está presente em vários países. As

19

possibilidades do artista que deseja trilhar o caminho do tecer são várias. O exemplo

dos seguintes artistas aponta este caminho, e suas obras serviram-me como

referencial artístico.

Sheila Hicks, nasceu nos Estados Unidos em 1934 e, segundo Elbaz (2015,

p. 11), concluiu seus estudos na Universidade de Yale, lá recebeu uma bolsa para

pintar no Chile onde estudou a cultura Andina e suas técnicas artesanais a qual

adotou como referências para suas obras. Como realça Elbaz (2015, p.15) as obras

de Sheila Hicks são uma “desconstrução da estrutura dos meios artísticos

tradicionais” e “é inspirado pela era pré-colombiana de tecelagem”. Segundo Pacce

(2012), a artista tornou-se “uma força crítica na redefinição da arte contemporânea,

reimaginando a profunda relação do artista com o artesão”.

Além de ser conhecida por suas grandes obras, Sheila Hicks também elabora

obras em miniatura ou menores em linho ou barbante com a mesma técnica de

tecelagem. À obra intitulada “Beauvai Vine” (Figura 3), apresentada na 30º Bienal

de São Paulo, a artista faz referência ao Muro das lamentações em Jerusalém, que

para os judeus é um lugar sagrado para orações, e para a artista sua obra é o muro

representando a temporada de frutas maduras de mamões, melancias, laranjas,

mangas e uvas que generosamente caem do céu e pintam a obra com tons

alaranjados, vermelhos e amarelos. Já na obra “Lianes de Beauvai” (Figura 4) a

artista busca uma comunicação com seu espectador através de uma linguagem

universal, a trama de linhas, que faz parte da técnica de tecelagem pertencente ao

artesanato de muitas culturas.

20

Crystal Gregory é uma artista plástica norte-americana que usa o tecer nos

elementos cotidianos para suas intervenções urbanas com o objetivo de provocar e

transmitir sensações nos espectadores que passam nas ruas e percebem as

transformações no seu cotidiano.

As tramas de linhas e cores modificam a paisagem urbana e deixam as

cidades com aspecto de alegria. De acordo com Braun (2013, p.27) falando da obra

de Crystal, sua proposta é criar “objetos e instalações que estão relacionados ao

lugar, ao corpo e à arquitetura”.

Nas obras Foundation I (Figura 5) e Foundation II (Figura 6), a artista empilha

alguns tijolos; na primeira, parte dos tijolos são envoltos com crochê, e na segunda

obra, alguns tijolos são retirados e substituídos por crochê, e uma iluminação vinda

do interior dá um toque especial à obra. Em ambos trabalhos a artista constrói um

diálogo entre a leveza e a rigidez.

Instalações como a Foot Traffic de 2010 (Figura 7), foram inspiradas nos

sapatos que eram jogados na ponte Lincoln Road, em Miami-USA, formando um

“candelabro” de fios e cores. Gregory teceu em crochê losangos coloridos que,

unidos formaram uma grande tela que foi colocada na grade da ponte, mudando de

forma simples a visão do local.

Figura 3: “Beauvai Vine” Obra de arte de Sheila Hicks apresentada na 30º Bienal de São Paulo. Fonte: Bamboo, 2012.

Figura 4: “Lianes de Beauvai”. Obra feita em linho, de Sheila Hicks apresentada na 30º Bienal de São Paulo. Fonte: PACCE, 2012.

21

Ernesto Neto, é um dos mais conceituados artistas da arte contemporânea no

Brasil. Suas obras vão desde a escultura até instalações abstratas. Em suas obras

o artista busca representar formas orgânicas com que o espectador possa interagir.

O artista em suas grandes instalações abstratas, usa diversos materiais que vão das

linhas em algodão até redes de nylon em formas de gotas, com especiarias no seu

interior.

Segundo Wilson (2010, p.7 apud VILAÇA, 2011, p.9) esses “volumes

maleáveis e a incorporação de especiarias, Ernesto Neto salienta a importância do

processo perceptivo através do tato e olfato”, ou seja, o artista tem a intenção de

Figura 5: Obra de arte Foundation I, de Crystal Gregory. Fonte: Crochet Concupiscence, 2011

Figura 6: Obra de arte Foundation II, de Crystal Gregory. Fonte: Crochet Concupiscence, 2011

Figura 7: Obra de arte Foot Traffic, de Crystal Gregory. Fonte: Crochet Concupiscence, 2011

22

levar seus espectadores para interagir com suas obras de maneira a trazer

experiências sensoriais.

Ernesto Neto, em sua obra intitulada “Dengo” (Figura 8), faz uma trama de

corda utilizando a técnica artesanal do crochê e bolas de plástico no interior da peça

formando gotas. Ao longo da obra o espectador pode ter uma experiência sensorial

com as cores, formato e cheiros das especiarias que estão no interior das gotas.

Já na obra “É o Bicho” (Figura 9), o artista se utiliza do tule de poliamida para

representar a pele de animal, sendo este a “pele” que fecha a estrutura interna e, já

o uso das especiarias como o açafrão, cravo e pimenta, são os órgãos em que o

espectador irá interagir e ter diversas sensações.

NeSpoon espalha seu trabalho artístico pelas ruas de sua cidade, Varsóvia,

Polônia, ou em outros países da Europa. Deixa sua marca por meio de intervenções

artísticas, utilizando crochê, estêncil, cerâmica e outros materiais que têm como

base padrões de renda. O delicado trabalho embeleza os espaços públicos com

uma estética que remete a um artesanato urbano, usando as tintas de spray a artista

embeleza as ruas com suas rendas, que lembram o crochê, para causar impacto

nos espectadores que se apropriam daquele espaço.

Os crochês (Figuras 10 e 11) são distribuídos nos postes das cidades ou em

galhos encontrados na areia da praia, como se fossem a formação de teia das

Figura 8: Obra “Dengo” no Museu de Arte Moderna (MAM-SP). Fonte: Galeria Forte Vilaça, 2008

Figura 9: Obra “É o Bicho” na 49º Bienal de Veneza. Fonte: Galeria Forte Vilaça, 2008

23

aranhas. Com isso a artista pretende que o espectador tenha um novo olhar para

aquilo que pode ser considerado abandonado e esquecido.

O tema caju nas obras do pintor potiguar Vatenor de Oliveira despertou o meu

interesse em utilizá-lo como referencial temático e de fazê-lo parte do meu processo

de criação.

Vatenor na maioria de suas obras retrata o caju, uma fruta muito conhecida

no Nordeste do Brasil e que, segundo ele, em entrevista dada ao programa Xeque

Mate da Televisão Universitária:

“remonta ao passado de sua infância vivida felizmente entre as cores e o

aroma dos cajueiros no bairro de Igapó, na cidade de Natal, Rio Grande do

Norte. O caju é, desde o início da sua carreira, o tema central das telas de

Vatenor, um símbolo que para sempre marcará o artista que o tornou

conhecido como o ‘Pintor dos Cajus’ ” (Costa, 2015)

O objetivo do artista plástico é transmitir em suas obras (Figura 12 e 13), as

suas memórias, através de pinturas coloridas.

Figura 11: Intervenção. Obra de arte de NeSpoon Fonte: Indústria Criativa, 2013.

Figura 10: Intervenção Urbana. Obra de arte de NeSpoon. Fonte: Indústria Criativa, 2013

24

O caju também faz reviver a minha infância, quando eu brincava no sítio de

minha irmã. Lá havia muitos cajueiros nos quais eu subia com outras crianças para

brincar. Colhíamos cajus maduros de cores amarela, laranja e vermelha, que

pareciam saltar ao nosso encontro. A brisa e a sombra que o cajueiro nos

proporcionava ainda perduram em minha memória, e essas sensações pretendo

transmiti-las ao espectador com as minhas obras, com o intuito de estabelecer o

diálogo entre o tradicional e o contemporâneo

4 Processo artístico

O processo artístico da criação das obras foi registrado no diário de bordo, um

item importante na trajetória do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), pois teve

como objetivo registrar tudo, desde o início até ao final da pesquisa. As anotações

iniciais foram referentes ao crochê como técnica artesanal, experimentos e os

materiais a serem utilizados na instalação.

4.1 A escolha do material

Em busca da realização do novo projeto, iniciamos a pesquisa a fim de

descobrir a melhor maneira de utilizar o crochê no processo de criação das obras.

Veio a lembrança do crochê usado pelas mulheres de Parelhas para fazer as

varandas das redes, tecidas com pontos que davam a leveza que estávamos

procurando, como folhas movidas pelo vento. Optamos por tecer o crochê com

barbante cru por ser uma linha mais rústica e ter a facilidade de tingir em vários tons

Figura 12: Obra “Vatenor, cajus

para todos” de Vatenor de Oliveira.

Fonte: Tribuna do Norte, 2011.

Figura 13: Acrílico sobre tela. Obra

de Vatenor de Oliveira.

Fonte: No minuto, 2009.

25

Figura 15: Parte de uma peça que

compõe a obra “Meu Cajueiro”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

Figura 14: Obra autoral “Meu Cajueiro”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

de verde, marrom, vermelho e amarelo. O crochê foi tecido com agulha de número

2, utilizando os pontos básicos do crochê, o ponto alto e correntinhas, os mesmos

usados pelas mulheres da ASSOAMEP.

O próximo passo foi iniciar, tecendo as primeiras obras da Instalação, todavia,

enquanto tecia, pensava na obra como um todo, ou seja, tema e técnica, que vinham

à imaginação e tomavam formas variadas, que subjetivamente se pretendia

comunicar com o espectador através da instalação.

A seguir, passo a descrever o processo de criação das obras que compõem a

Instalação “Tramas ao Vento”.

4.2 Obra “Meu Cajueiro”

A obra intitulada “Meu Cajueiro” representa as memórias de minha infância,

um retorno ao passado.

Esta é a obra com maior dimensão e foi produzida em três etapas.

Primeira etapa

Iniciei tecendo em crochê oito faixas, cada uma delas com 58 carreiras

(Figura 14 e 15), que foram costuradas umas às outras usando agulha de costura

grossa e linha de crochê fina.

Para aumentar a largura da parte inferior desta peça, teci quatro triângulos, os

quais também foram costurados entre as faixas.

26

Figura 16: Tronco da obra “Meu Cajueiro”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

Figura 17: Peças dos troncos tingidos “Meu

Cajueiro”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

Antes de tingir as peças com vários tons de marrom, decidi que seria melhor

montar a parte inferior para ter uma ideia de como iria ficar, então fiz um ensaio,

uma junção de três faixas de crochê unindo uma a uma até quase a metade da peça

e emendei a peça triangular entre uma faixa e outra, mas o resultado não me

agradou, percebi que a base não ficou da largura que havia imaginado e tampouco

tinha o caimento que eu desejava. Então percebi que os triângulos deveriam ser

maiores, tanto em largura como em altura e comecei a tecer novos triângulos.

Também mudou a quantidade de troncos (Figura 16, 17, 18 e 19), que antes era

apenas um grande tronco redondo e agora são três troncos no formato triangular,

permitindo desta forma que o espectador interaja melhor com a obra ao caminhar

entre a mesma, tocar os cajus e olhar para o alto, comtemplando a copa do cajueiro

que se estende.

Porém ao analisar qual seria o local onde a obra seria instalada na exposição

mais adequadamente, e já com algumas peças prontas, percebi que toda instalação

não teria o impacto desejado para o espectador se a mesma estivesse dentro da

galeria do DEART. Decidi que deveria trazer a obra “Meu Cajueiro” para o hall de

entrada da galeria, por se tratar de um local com estrutura física mais adequada

para distribuição dessa peça, permitindo o espectador a interagir melhor com a obra.

Fiz a medição do local e constatei os seguintes dados: 3,75m de largura, 2,85m

de profundidade e 4,35m de altura. De acordo com estas medidas, era necessário

fazer 54 triângulos para a copa, 34 retângulos para cada tronco do cajueiro (3

troncos), 09 triângulos para a base dos troncos e 13 cajus.

27

Figura 20: Primeiros cajus em crochê,

obra “Meu Cajueiro”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

Figura 18: Troncos tingidos da

obra “Meu Cajueiro”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

Figura 19: Troncos da obra “Meu

Cajueiro” sendo costurados.

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

Segunda etapa

Para a segunda etapa da obra, teci cajus em vários tamanhos (Figura 20),

que seriam tingidos nas cores vermelha, laranja e amarelo, os quais ganhariam

volume ao serem cheios com manta acrílica e presos à copa do cajueiro. Para isso

já havia tecido todos os cajus, quando na apresentação do TCC I, as professoras

que compunham a banca, Lais Guaraldo e Regina Johas, sugeriram que pensasse

na possibilidade de mudar os cajus, para não parecer muito figurativo, segundo elas

não condiziam com a arte contemporânea presente em minha pesquisa. Então,

decidi tecer os cajus em formatos de bolas e endurecer com massa endurecedora.

Para testar, dei início a uma série de experimentos que passo a descrever a seguir.

28

4.2.1 Experimento com ramas de salsas

Fiz um experimento com ramas de salsa, uma planta do banhado que possui

ramas bastante compridas. Muitos artesãos utilizam as ramas de salsa para fazer

diversos trabalhos, como cestos, vasos, arranjos natalinos, presépios e guirlandas,

entre outros.

Fui à beira do Açude Boqueirão, localizado em Parelhas, para retirar ramas

de salsa. O processo foi retirar todas as folhas, enrolar as ramas em volta de um

balde várias vezes até ficar da espessura desejada e esperar secar por 24 horas

para retirar da forma. Após fazer os círculos com as ramas de salsa, utilizando forma

de objetos como balde pequeno, balde grande e pneus, pois gostaria de ter círculos

de vários tamanhos com o objetivo de escolher o tamanho mais adequado para o

projeto. Depois que retirei os círculos das formas verifiquei que estavam bem

endurecidos e reservei. Teci uma peça redonda em crochê e costurei no círculo feito

com as ramas, para representar o caju. Teci também uma castanha em crochê,

envolvi uma pedra com manta acrílica, pois queria que tivesse peso para puxar a

tela para baixo e costurei a castanha no caju.

Depois de ter feito todo este trabalho, o resultado não me agradou, pois, o

ponto que havia tecido o crochê estava muito junto e a peça parecia um pouco

pesada, sem caimento.

Então decidi fazer outra tela, com pontos mais abertos (Figura 21), desta vez

antes de costurar o crochê no suporte, tingi a peça. Utilizei corante para tingir tecido

da marca Tupy, na cor vermelha. Prendi o caju no suporte para ter uma ideia de

como ficaria.

A castanha foi tecida com linha já na cor cinza, pois achei que seria mais

prático visto que é uma peça menor, depois de pronto costurei a castanha na tela e

no suporte. O resultado desse segundo modelo me agradou bastante.

Após ter tomado a decisão por fazer os cajus de forma mais abstrata em

crochê e ramas de salsa, voltei ao açude Boqueirão para buscar mais ramas para

fazer outras peças, mas não encontrei nenhuma rama de salsa pois não estava na

época. E mais uma vez optei por fazer um outro experimento que havia ensinado na

minha Ação Pedagógica.

29

Figura 21: Experiência com salsa da obra “Meu

Cajueiro”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

4.2.2 Experimento com barbante e crochê endurecido

Pensei em vários materiais para substituir as ramas de salsa, arame, canudos

de jornais, ramas de batata doce e barbante. Como havia ministrado a oficina de

endurecimento de crochê na Ação Pedagógica, resolvi fazer mais um experimento

com barbante endurecido, o mesmo barbante que eu estou usando para fazer o

crochê. Utilizando a mesma técnica para fazer os círculos com as ramas de salsa,

juntei a cola ou o conhecido grude, que é a base para fazer a massa endurecedora.

Esta massa foi preparada da seguinte maneira: dilui em água o amido de milho e

cozi em fogo brando, após engrossar deixei ferver por alguns minutos, desliguei o

fogo e deixei esfriar, coloquei em um recipiente maior e misturei cola branca, álcool

e um pouco de água fria, misturei bem até ficar com uma textura cremosa. Depois da

massa pronta, retirei o barbante do novelo e fui soltando aos poucos dentro da

mistura, retirei a ponta do barbante e fui dando voltas no balde, aproximadamente 20

voltas, cortei o barbante e prendi a ponta, esperei secar 24 horas e retirei do balde

usado como forma (Figura 22). O resultado foi muito satisfatório.

Paralelo a este experimento decidi também endurecer os cajus de crochê

(Figura 23), coloquei o crochê na massa endurecedora retirando todo o excesso da

massa, coloquei-o sobre uma bacia abobadada fazendo a junção da mesma sobre

um balde. Após o tempo de secagem desenformei-o e o resultado foi surpreendente.

Comparando o resultado destes dois experimentos decidi usar os cajus

endurecidos, pois dispensava o uso dos arcos e seria mais prático.

30

Figura 22: Circulo com barbante

endurecido da obra “Meu Cajueiro”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

Figura 23: Cajus de barbante endurecido da

obra “Meu Cajueiro”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

Figura 24: Processo dos Cajus

sendo tingidos e endurecido da

obra “Meu Cajueiro”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

Figura 25: Cajus tingidos e endurecido da

obra “Meu Cajueiro”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

As peças em crochê são de vários tamanhos, a ideia é que sejam cajus de

comprimentos variados, que serão presos na parte superior da obra “Meu Cajueiro”

(Figura 24 e 25). Tendo resolvido os contratempos desta segunda etapa, passo a

descrever como foi o processo da etapa seguinte.

Terceira etapa

A terceira e última etapa da obra “Meu Cajueiro” foi tecer triângulos grandes

com barbante e tingi-los com corantes de vários tons de verde, o crochê foi

elaborado com ponto alto e correntinhas (Figura 26, 27, 28 e 29). Os triângulos

foram unidos um ao outro, os quais seriam presos no parapeito do piso superior do

31

Figura 26: Triângulos em crochê

para a copa da obra “Meu Cajueiro”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

Figura 27: Tingindo os triângulos

em crochê da obra “Meu Cajueiro”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

Figura 28: Triângulos em crochê

tingidos da obra “Meu Cajueiro”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

Figura 29: Triângulos tingidos da

obra “Meu Cajueiro”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

anexo do DEART, sustentados com barbante e cabo de aço de espessura fina e

suspensos de um lado a outro para suportar o peso da parte superior desta obra.

Para realizar esta etapa, devido ao prazo curto de execução das obras, entrei

em contato com mulheres que teciam crochê para auxiliar na execução das peças,

contratei quatro mulheres dispostas a me ajudar, mas no andamento da execução

das peças três delas não conseguiram continuar desenvolvendo o crochê, algumas

não sabiam acertar o ponto e outras deixaram por motivo de trabalho, apenas a

senhora Luzinete ficou fazendo crochê comigo até o final do projeto.

4.3 Obra “Cajus ao Vento”

Desde o desenrolar deste trabalho foram modificadas algumas ideias ao

longo da pesquisa. As ideias foram ficando mais claras e à medida que avançava a

pesquisa, foram feitas várias adaptações. A princípio foi pensado em fazer um puff,

figurando um lugar de repouso, onde o espectador poderia interagir com a obra ao

32

Figura 30: Retângulos em crochê da obra “Cajus ao vento” Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

Figura 31: Cajus em crochê da obra “Cajus ao vento” Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

se sentar e descansar um pouco. Sendo esta a segunda obra da instalação “Tramas

ao Vento”, queria que a mesma dialogasse diretamente com as demais peças, não

queria que fosse algo isolado, e o puff me pareceu uma obra à parte, não estava

cumprindo esse objetivo. A ideia era que a peça tivesse algum movimento, balanço

e delicadeza.

Quando penso em movimento nesta pesquisa, sempre me vem à mente as

varandas que são tecidas em crochê pelas mulheres de Parelhas, passei a pensar

nas varandas como sendo uma rede de conexão, com o conhecimento da técnica

utilizada, o tipo de linha, as varandas aplicadas nas redes e o uso das mesmas

pelas famílias locais no decorrer dos anos.

Desta forma surgiu a terceira peça da instalação, a obra “Cajus ao vento”

(Figura 30, 31, 32 e 33). Nela faço uma alusão ao movimento das varandas das

redes sendo movidas pelo vento, lembram-me também os galhos dos cajueiros

carregados de cajus movidos pelo vento, fazendo conexão com a delicadeza das

varandas de uma rede armada debaixo de um cajueiro.

E para transmitir mais leveza à peça, um ventilador estará soprando

suavemente ao lado da obra na ocasião da exposição, o que fará com que a peça se

movimente lembrando o balanço de uma rede.

33

Figura 32: Cajus tingidos da obra “Cajus ao vento” Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

Figura 33: Distribuindo os cajus da obra “Cajus ao vento” Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

Uma particularidade desta obra são os formatos diferente do caju. Esta peça

me agrada por sua beleza simples, o contraste do colorido dos cajus figurativos

sobre as faixas tecidas com barbante cru, fazendo um diálogo perfeito com o

contemporâneo. Quanto a isso, é interessante a colocação de Salles:

“Devemos pensar, portanto, a obra em criação como um sistema aberto que

troca informações com seu meio ambiente. Nesse sentido, as interações

envolvem também as relações entre espaço e tempo social e individual, em

outras palavras, envolvem as relações do artista com a cultura, na qual está

inserido e com aquelas que ele sai em busca. ” (SALLES, 2008 p. 25 e 26).

A ideia realmente é fazer uma menção às redes tecidas pelas mulheres de

Parelhas, as quais fizeram parte da minha pesquisa. A forma como esta obra foi

fixada, de uma extremidade a outra do canto da galeria, é para remeter à imagem de

uma rede estendida em seus armadores.

Esta obra tem diversas faixas tecidas em crochê, seguindo o mesmo padrão

de pontos da obra anterior, são variados na altura e foram emendadas

aleatoriamente uma à outra, porém não totalmente presas, cada faixa está unida

somente na parte superior dos retângulos para que tenham movimento. Outra

particularidade desta peça é que, diferentemente das outras, não foi tingida, ela ficou

34

na cor natural do barbante de algodão cru, com o propósito de transmitir mais

leveza.

Esta peça tem ainda alguns cajus tecido em crochê, tingidos na cor amarela,

laranja e vermelha, cheios com manta acrílica e aplicados em pontos estratégicos

das faixas.

4.4 Obra “Tramas”

A última etapa do projeto é a criação da obra “Tramas”. Esta obra tem uma

particularidade que a diferencia das demais obras, é o fato da mesma ser composta

por seis molduras (Figura 34, 35, 36 e 37) que formam um conjunto de tramas com

linhas e cajus endurecidos tecidos em crochê.

São seis molduras em madeira. Três molduras medindo 27cm X 40cm e três

medindo 27cm X 60cm feitas por um marceneiro. Ele cortou em uma máquina

apropriada e eu colei as peças de madeira com cola branca.

Figura 34: Estudo de montagem da moldura. Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

Figura 35: Montagem das molduras menores. Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

35

Figura 36: Montando a obra

“Tramas”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

Figura 37: Moldura com

Cajus da obra “Tramas”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

A obra foi produzida com barbante na cor verde, um pouco mais grosso do

que usei para tecer o crochê. Para fazer esta peça prendi a ponta do barbante por

baixo da madeira e dei algumas voltas, sempre esticando o barbante de um lado

para outro, formando a trama sem seguir nenhuma direção específica, simplesmente

fui preenchendo os espaços aleatoriamente e quando estava já bem espalhada as

linhas sobre a moldura cortei a ponta e prendi por baixo, de forma que não se

pudesse ver a ponta do barbante.

A próxima etapa foi tecer alguns cajus (Figura 38). Como para cada obra optei

por fazer cajus diferentes, para esta peça teci com barbante cru metade dos cajus,

que foram endurecidos com a massa endurecedora. Para realizar este processo,

passei os cajus já tingido com corante da marca Tupy pela massa endurecedora,

retirei cuidadosamente o excesso da massa e coloquei sobre umas forminhas, que

havia preparado com antecedência para servir de suporte que daria forma ao caju,

utilizei frascos de plásticos com o formato que eu desejava para fazer as formas,

esperei secar durante 24 horas, desenformei e retirei todo o excesso que fica da

massa já endurecida, impermeabilizei com cola branca diluída em um pouco de

água.

36

Figura 38: Cajus tingidos da obra “Tramas”

Fonte: SILVA, Elisama. 2016.

O passo seguinte foi prender com barbante os cajus sobre a trama que

lembram o emaranhado de galhos com folhas do cajueiro.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O foco desta pesquisa é descrever o processo de criação de uma instalação,

utilizando o crochê na elaboração das peças a serem expostas. Durante o processo

criativo foi possível registrar também os desafios que foram encontrados ao longo do

desenvolvimento das obras que levaram a modificar algumas peças, mas não

impediu de atingir o objetivo proposto.

Foi relatado um pouco da história da técnica do crochê, nossa vivência com a

referida técnica no decorrer dos anos e como o crochê tem sido utilizado por artistas

como Nespoon, Crystal Gregory, Sheila Hicks e muitos outros que utilizam em suas

obras a versatilidade desta técnica, observando como cada artista, com suas

características, transmite suas ideias, tecendo peças com fios coloridos em tons

vivos ou suaves.

Ao longo desta pesquisa foi possível destacar também outros pontos

importantes. Quanto à proposta artística, podemos destacar que, por se tratar de

uma instalação e, sendo ela uma das marcas da arte contextual e contemporânea,

esta produção artística procura problematizar as “condutas convencionais”, quando

possibilita ao espectador ter um olhar capaz de entender o diálogo existente do tecer

artesanal com o tecer na arte contemporânea.

37

Em nossa produção podemos ainda destacar que as tramas tecidas em

crochê têm como referência os pontos com que as mulheres rendeiras do Seridó-RN

tecem em crochê as varandas de redes para serem comercializadas. De igual modo,

estas obras procuram destacar o valor de produções culturalmente ligadas aos

costumes de uma comunidade que se opõe à diversidade da produção industrial.

O processo de criação foi registrado no diário de bordo conforme está descrito

nesta pesquisa de TCC, tudo o que foi realizado referente ao processo criativo no

semestre passado e no decorrer deste semestre. Tive o cuidado de registrar

detalhadamente como foram tingidas as peças de crochê, a elaboração da trama, o

endurecimento dos cajus e sua aplicação, nas molduras em madeira, da obra

“Tramas”, detalhes do processo criativo das faixas e dos cajus da obra “Cajus ao

Vento”, como foi tecida em crochê cada parte das peças que compõe a obra “Meu

Cajueiro”, a obra de maior dimensão. E finalmente a montagem dá instalação

“Tramas ao Vento”.

Por ironia do destino, devido a problemas de ordem estrutural, ocasionado por

fortes ventos, o teto do hall de entrada da escadaria foi afetado, causando

vazamentos de águas pluviais, precisamente onde seria instalada a obra “Meu

cajueiro”; por causa desta circunstância foi necessário transferir a obra para o

interior da galeria, onde já estava as demais obras que compõem a instalação.

E como parte da exigência do curso, realizei uma Ação Pedagógica, a qual

está relacionada ao trabalho de pesquisa, através de uma oficina com o tema:

“Crochê endurecido, como endurecer e criar peças com a técnica do crochê

endurecido”. Este trabalho foi realizado com aulas práticas mostrando os três pontos

básicos do crochê; tecendo pequenas peças em crochê, aplicação da massa

endurecida de crochê e como colocá-la sobre peças decorativas.

A Ação Pedagógica foi ministrada em agosto de 2016 e o relatório da mesma

segue em apêndice a este documento (Apêndice C).

Portanto, esta pesquisa de TCC vem tratando do crochê como técnica

utilizada no processo de criação das obras de arte que buscam associações

importantes entre o crochê artesanal com a arte contemporânea. Isto se dá por meio

de uma instalação composta por um conjunto de obras com fios tecidos em crochê,

carregados de valores estéticos e sentimentais, formas que saíram da abstração do

imaginário do artista para se materializar e se integrar num ambiente artístico

contemporâneo.

38

Esta pesquisa me fez entender um significado muito importante referente aos

valores atribuídos ao crochê artesanal para um pequeno grupo de mulheres que

insiste em manter as tradições do tecer varandas de rede em crochê, atividade

quase extinta na região, devido ao aumento do produto industrializado.

Produzir as obras, tendo como referência o trabalho dessas mulheres ajudou-

me, enquanto artista, a entender o quanto é importante para os grupos sociais

guardar as tradições, como também expressá-las através de criações artísticas.

Transmitir este fato através da instalação “Tramas ao Vento” também tem a

pretensão de provocar no público um olhar diferente para o diálogo que pode existir

entre o tecer artesanal e o tecer na arte contemporânea.

39

REFERÊNCIAS

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40

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ZAMBONI, Sílvio. A Pesquisa em Arte: Um Paralelo Entre Arte e Ciência. 2. Ed.

Campinas, SP: Editora Autores Associados, 1998.

42

APÊNDICE A - FOTOS DAS VARANDAS DE REDE DE CROCHÊ, PARELHAS/RN

Varanda de rede em crochê.

Parelhas – RN.

Fonte: SILVA, Elisama, 2015.

Detalhe dos pontos em crochê.

Parelhas – RN.

Fonte: SILVA, Elisama, 2015.

Varanda em crochê. Parelhas-RN.

Fonte: SILVA, Elisama, 2015.

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APÊNDICE B – FOTOS DA INSTALAÇÃO “TRAMAS AO VENTO”

Montando a instalação na galeria do DEART Fonte: MOURA, Francisco, 2016.

Obra “Cajus ao vento” Fonte: MOURA, Francisco, 2016.

Montando a instalação na galeria do DEART Fonte: MORAIS, Kellita, 2016.

Troncos do cajueiro Fonte: MOURA, Francisco, 2016.

Montando “Cajus ao Vento” na galeria do DEART Fonte: MORAIS, Kellita, 2016.

“Cajus ao Vento” na galeria do DEART Fonte: MORAIS, Kellita, 2016.

Troncos e copa do cajueiro Fonte: MOURA, Francisco, 2016.

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Elisama Morais e sua obra “Tramas” Fonte: MOURA, Francisco, 2016.

Instalação “Tramas ao Vento” Fonte: MOURA, Francisco, 2016.

Elisama Morais montando a sua obra “Tramas”

Fonte: MOURA, Francisco, 2016

Elisama Morais e sua obra “Meu cajueiro”

Fonte: MOURA, Francisco, 2016

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APÊNDICE C – RELATO DA AÇÃO PEDAGÓGICA

Ação Pedagógica

A escolha do tema teve o objetivo de enfatizar o valor do crochê artesanal,

mostrando sua utilização na arte contemporânea, o que procurei fazer de forma que

as senhoras relacionassem suas ideias com os saberes que estão associados às

emoções e com os acontecimentos de suas experiências de vidas.

Tendo em vista que a oficina seria ministrada para um grupo de senhoras de

meia e terceira idade, creio que as experiências adquiridas das participantes ao

longo dos anos, seriam elementos importantes e capazes de impulsionar a

criatividade das participantes.

PLANO DE AULA

TEMA: “Crochê endurecido, como endurecer e criar peças com a técnica do crochê

endurecido”

LOCAL: Igreja Presbiteriana de Parelhas, Rua Sete de Setembro, nº 215, Centro,

Parelhas, Rio Grande do Norte.

PÚBLICO ALVO: Senhoras do Grupo Vida Ativa, um grupo que oferece terapia

ocupacional a Senhoras de meia e terceira idade.

DURAÇÃO: 8 horas

MATERIAIS NECESSÁRIOS:

Imagens de peças de crochê endurecidos como referência (apresentado em

Notebook)

Linha de crochê

Agulha de crochê

Peças em crochê

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Recipientes de plásticos (redondos, quadrados, retangulares, etc.)

Ingredientes da massa endurecedora (amido de milho, água, cola branca e álcool)

Pincel chato

Verniz

Facas de mesa

OBJETIVOS

GERAL:

Desenvolver a capacidade de utilizar o crochê de forma criativa e inovadora.

ESPECÍFICOS:

- Abordar características do crochê artesanal e sua utilização na arte

contemporânea, apresentando produções artísticas referentes ao crochê.

- Fomentar um diálogo sobre o crochê, comentando a produção artística

desenvolvida no TCC e as possibilidades de uso do tecer.

- Incentivar o diálogo e a criatividade entre os participantes para a produção de

peças utilitárias a partir, da técnica do crochê endurecido.

- Instigar a relação entre os saberes regionais, principalmente no que diz respeito ao

crochê artesanal e sua relação com arte contemporânea.

- Promover a apreciação artística e o fazer artístico através das apresentações de

imagens de obras de artistas que utilizam o crochê em suas criações, tempo para

fornecer também informações sobre seu contexto histórico, suas principais

características e motivações.

Na etapa seguinte da aula, ocorrerá o processo prático, no qual o grupo

estará aberto para iniciar seu processo criativo, desenvolvendo uma postura mais

consciente em relação à sua produção artística.

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JUSTIFICATIVA:

A proposta para a ação pedagógica surgiu da necessidade de ter uma

experiência pedagógica que relacionasse algumas características do fazer artístico

com crochê, utilizando a técnica do crochê endurecido como meio para

representação de ideias advindas, do tecer de um grupo de mulheres, visto que

minha pesquisa de TCC surgiu também do olhar voltado para o crochê das varandas

das redes tecidas pelas mulheres de Parelhas e não só, creio também na

importância em se trabalhar no ensino de Artes Visuais, temas que relacionem a

teoria e o lado emocional com a expressão criativa, encontrei no grupo Vida Ativa,

tais elementos, que eram trabalhados com o objetivo de ajustar as emoções através

da criatividade, para tanto utilizei o contextualísmo de Paulo Freire, aproveitando as

possibilidades para a construção e troca de saberes. Considero de suma

importância, o fato de poder explorar todo o conhecimento obtido durante a

pesquisa, ou seja, acompanhar o processo de forma prática durante a ação

pedagógica

METODOLOGIA:

A oficina será ministrada em dois encontros, sendo desenvolvida da seguinte

maneira, uma breve exposição sobre o objetivo da ação pedagógica, apresentando

a técnica do endurecimento do crochê e algumas obras, dando ênfase ao diálogo

que pode existir entre o crochê artesanal e a arte contemporânea, apresentando

também algumas obras de artistas que usam o tecer em suas criações.

Como a oficina será ministrada a um grupo de senhoras de meia e terceira

idade e um baixo grau de conhecimento artístico, farei apresentação das imagens

feita através do notebook e impressões em folha A4, pois acredito que a

visualização facilitará na aprendizagem.

Em seguida, haverá a apresentação dos materiais a serem utilizados na

oficina, ressaltando as inúmeras possibilidades existente no processo de criação.

Após esse período inicial, a turma terá oportunidade de expor para as demais

integrantes do grupo seus materiais, discutirem o que desejam expressar, se

possuem conhecimentos da técnica do crochê e o que as inspiram.

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Neste período farei também uma demonstração da primeira etapa do

processo de endurecimento da peça de crochê (visto que a segunda parte só poderá

ser realizada após 24 horas, devido ao tempo de secagem), logo após a

demonstração darei um tempo para que elas possam dar evasão a suas ideias,

produzindo suas próprias peças.

Na aula seguinte se fará a impermeabilização das peças, utilizando verniz ou

cola branca, neste momento farei demonstração de como desenformar as peças,

como será feita a retirada do excesso do produto endurecido e como envernizar.

Tendo concluído as atividades práticas, haverá exposição dos trabalhos no

próprio local das oficinas, visto se tratar de um espaço frequentado por várias

pessoas, podendo também nesta ocasião trocar experiências sobre o processo

criativo, pois toda atividade artística favorece a comunicação, o relacionamento com

o meio, a capacidade expressiva e a construção do espírito crítico. Desta forma

compartilho o mesmo pensamento do pedagogo Paulo Freire (1996, p.47) quando

diz: “saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades

para a sua própria produção ou a sua construção”. De igual modo, acredito que o

professor não detém o conhecimento e que o aluno tem sempre algo a contribuir.

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Relatório da Oficina

A Oficina “Crochê endurecido, como endurecer e criar peças com a

técnica do crochê endurecido” ocorreu na Igreja Presbiteriana, localizada na Rua

07 de setembro, nº 215, Centro, na cidade de Parelhas, Rio Grande do Norte.

A igreja localiza-se em um prédio próprio e possui uma estrutura física,

considerada boa para a realidade da comunidade assistida, sendo o público,

pessoas de origem bastante heterogêneo, economicamente falando.

A igreja possui boa organização e procura dar uma boa assistência social a

comunidade, além da assistência espiritual.

As mulheres que participaram da Oficina tinham entre 50 e 65 anos de idade.

Para um melhor aproveitamento do conteúdo, resolvi dividir as aulas em dois

dias, com 4 horas de aula em cada dia, ministradas à tarde.

O primeiro dia de aula (30/08)

O direcionamento do primeiro dia da oficina teve como ponto de partida o

relato do desenvolvimento de meu TCC, com o propósito de inserir os participantes

no contexto da minha pesquisa, no que diz respeito ao possível diálogo do crochê na

arte contemporânea e o crochê artesanal em uma perspectiva regional, como

também, algumas informações técnicas para o exercício da prática do crochê

endurecido. Em seguida ensinei, a partir de imagens e do uso do notebook, como

fazer peças utilitárias e decorativas usando a técnica do endurecimento do crochê.

Após discutir brevemente sobre as muitas possibilidades dos trabalhos a

serem realizados, tratei de relacionar o que havia sido mostrado com o que fora

produzido no meu TCC, dando ênfase ao diálogo do crochê na arte contemporânea

e o crochê artesanal. Também mostrei algumas peças que teci em crochê e que

fazem parte do meu TCC.

As mulheres participaram bastante das atividades, algumas trouxeram

toalhinhas de crochê tecidas em casa, prontas para fazer o endurecimento, outras

trouxeram linhas e agulhas para tecer o crochê na oficina. E um fato bem

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interessante aconteceu, duas senhoras trouxeram linhas e agulhas e pediram para

ensiná-las a fazer crochê, o que não fazia parte da minha oficina, porém tive o maior

prazer em ensiná-las os dois pontos básicos (correntinhas e ponto auto) para elas.

Também pedi que continuassem a tecer em casa e trouxessem na próxima aula.

Terminada esta primeira experiência da oficina, passei a explicar como se

preparava a massa para o endurecimento do crochê. Para adiantar o procedimento,

trouxe a cola de amido de milho de casa (no interior é popularmente conhecida

como grude), coloquei em um recipiente de tamanho médio e aos poucos misturei a

cola branca, a água e o álcool; misturando cuidadosamente até formar um creme

homogêneo, e nesta mistura emergi uma toalhinha de crochê. E após ter certeza

que toda a peça estava molhada, retirei o excesso da massa endurecedora, sem

torcer envolvi a parte externa de um recipiente plástico, redondo ou quadrado, de

acordo com o formato do crochê que serviria de forma. Expliquei que o recipiente

deve estar emborcado sobre uma superfície e que ao terminar esta etapa deve-se

esperar 24 horas para desenformar com muito cuidado, usando uma faca sem ponta

ou o cabo de uma colher.

Desta forma, terminamos o primeiro dia de oficina com um bom

aproveitamento, e devido ao interesse das senhoras ultrapassamos o tempo de

termino da aula, o que ocorreu também no segundo dia de oficina, pois elas

insistiram em prolongar um pouco mais a oficina. A prorrogação foi aceita por todas,

o que para mim foi muito bom, pois deu tempo para fazer a primeira etapa do

processo de endurecimento do crochê de forma que todas pudessem participar,

deixando suas peças secando para a etapa seguinte.

Pude perceber também que, apesar da boa aceitação da oficina, algumas

senhoras demonstraram um pouco de desânimo por não saberem fazer crochê, mas

logo se animaram quando me dispus a ensinar as que quisessem aprender a tecer,

e expliquei que elas não tinham que necessariamente tecer o crochê, mas, poderiam

pedir a alguém para fazer as peças em crochê e elas fazerem apenas o processo de

endurecimento para criarem suas peças.

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O segundo dia de aula (06/09)

O propósito era primeiro recapitular a aula anterior, com o objetivo de ter

certeza que as senhoras tinham condições necessárias para continuarem a

desenvolver a técnica do endurecimento do crochê e, para saber se isto era

possível, realizei mais algumas demonstrações utilizando algumas toalhinhas que

tinha em casa, para logo passar para a etapa de desenformar as peças.

A parte de desenformar as peças foi realizada de forma que todas pudessem

participar. A ideia era que todas as integrantes do grupo observassem-me retirando

minha peça da forma, para em seguida repetirem a atividade em suas peças, que já

estavam secas. Expliquei que deveriam tomar cuidado ao descolarem as peças dos

recipientes plásticos, tal procedimento deveria ser feito cuidadosamente com auxílio

de uma faca sem ponta ou arredondada, em seguida deveriam tirar com ajuda da

mesma faca todo o excesso de cola seca e então chegariam a última etapa do

processo, que era envernizar a peça por dentro e por fora utilizando um pincel chato

e verniz.

O desenvolvimento desta atividade foi regado de surpresas, algumas

senhoras tinham dúvidas se o crochê ia ficar endurecido mesmo e com o formato

dos objetos utilizados como forma, e foi engraçado observar o olhar surpreendido

delas ao ver o resultado final. Este fato deixou as senhoras animadas e ansiosas

para pegar a faca e começar a limpeza das peças para em seguida envernizar. As

senhoras compraram um litro de verniz e levei um pouco de aguarrás para limpar os

pinceis, depois de usar o verniz.

O contentamento com o resultado final foi tanto que muitas não ficaram

satisfeitas com apenas duas tardes destinadas à oficina e me pediram para realizar

mais um encontro, pois queriam fazer mais peças. Este fato deixou-me bastante

satisfeita em saber que o meu objetivo havia sido alcançado, e como era o desejo de

todas, concordei em ter mais um encontro.

E ao fim da oficina as senhoras perceberam o diálogo que pode haver entre o

crochê artesanal e a arte contemporânea. A senhora Madalena, uma das

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participantes, fez um comentário que confirmou isto: “é, realmente se pode fazer

muitas coisas com o crochê”.

A sugestão da exposição dos trabalhos foi bem aceita, mas preferiram expor

no mês de novembro, ocasião em que os trabalhos feitos durante todo o ano seriam

expostos; visto que elas se reúnem quinzenalmente para fazerem trabalhos

manuais, de imediato fizeram a postagem de seus trabalhos nas redes sociais.

Percebi com essa experiência o quanto é importante produzir uma aula com

foco em alcançar a terceira idade, muitas vezes observei as senhoras trabalhando

animadamente e falando que estas atividades ajudavam a esquecer os problemas,

por este motivo procurei sempre levar as senhoras para a discussão sobre o que

elas estavam produzindo.

Além disso, já ter conhecimento do local e das senhoras para quem eu iria

ministrar a Ação Pedagógica, representou uma vantagem para o bom andamento da

oficina. Acredito que pelo fato de conhecê-las ajudou-me a saber o que seria

necessário preparar em casa com antecedência e o que não seria possível fazer no

local, como por exemplo, a cola de amido de milho que precisava ir ao fogo e, como

no local não havia fogão, levei pronto de casa, utilizei apenas recipientes que havia

na cozinha da igreja que serviram de formas para a produção das peças. No geral,

me ajudaram a cumprir todos os objetivos que foi proposto no planejamento. Fiquei

muito satisfeita com tudo o que produzimos e posso dizer que foi um aprendizado

mútuo, foi uma maravilhosa troca de saberes.

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Demonstração para as alunas

Preparando a massa para o endurecimento Imergindo o crochê na massa endurecedora

Emergindo e tirando o excesso da massa Colocando a peça na forma

Esperando secar

Produção das alunas

Aluna repetindo o procedimento Colocando a peça na forma

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Dando forma a peça Trabalhando na peça

Peça esperando secar Peças finalizadas

Ensinando a fazer crochê

Ensinando como iniciar o crochê Senhora aprendendo a fazer crochê