UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS PROGRAMA DE...

160
UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM GEOGRAFIA CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE PORTO NACIONAL MESSIAS VIEIRA BARBOSA REFORMA AGRÁRIA NO TOCANTINS: UMA ANÁLISE DA LUTA E CONQUISTA DA TERRA A PARTIR DO ASSENTAMENTO PAULO FREIRE I e II, RIO DOS BOIS - TOCANTINS PORTO NACIONAL/TO 2016

Transcript of UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS PROGRAMA DE...

0

UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA

PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO

MESTRADO EM GEOGRAFIA

CAMPUS UNIVERSITRIO DE PORTO NACIONAL

MESSIAS VIEIRA BARBOSA

REFORMA AGRRIA NO TOCANTINS: UMA ANLISE DA LUTA

E CONQUISTA DA TERRA A PARTIR DO ASSENTAMENTO PAULO FREIRE I e II,

RIO DOS BOIS - TOCANTINS

PORTO NACIONAL/TO

2016

1

MESSIAS VIEIRA BARBOSA

REFORMA AGRRIA NO TOCANTINS: UMA ANLISE DA LUTA

E CONQUISTA DA TERRA A PARTIR DO ASSENTAMENTO PAULO FREIRE I e

II, RIO DOS BOIS - TO

Dissertao de Mestrado apresentado ao Programa de Ps-

Graduao em Geografia da Universidade Federal do

Tocantins, como requisito parcial obteno do ttulo de

Mestre em Geografia, Universidade Federal do Tocantins.

Orientador: Prof. Dr. Elizeu Ribeiro Lira.

PORTO NACIONAL-TO

2016

2

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

Biblioteca da Universidade Federal do Tocantins

Campus Universitrio de Porto Nacional

Bibliotecria: Janira Iolanda Lopes da Rosa CRB-10/420 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS A reproduo total ou parcial, de qualquer forma ou

por qualquer meio deste documento autorizado desde que citada a fonte. A violao dos direitos

do autor (Lei n 9.610/98) crime estabelecido pelo artigo 184 do Cdigo Penal.

B238 Barbosa, Messias Vieira

Reforma agrria no Tocantins: uma anlise da luta e conquista

da terra a partir do assentamento Paulo Freire I e II, Rio dos Bois -

Tocantins. / Messias Vieira Barbosa. Porto Nacional, TO: UFT,

2016.

160 p.; il.

Orientador: Prof. Dr. Elizeu Ribeiro Lira.

Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Tocantins,

Programa de Ps-Graduao em Geografia.

1. Geografia. 2. Reforma agrria. 3. Tocantins. I. Ttulo.

CDD 333.31

3

4

DEDICATRIA

A todos os camponeses do Estado Tocantins,

que de forma direta ou indireta contriburam

para realizao deste trabalho.

iv

5

AGRADECIMENTOS

Agradeo a Universidade Federal do Tocantins e ao Curso de Geografia por proporcionar esta

oportunidade de estudo.

Agradeo a CAPES parceira do Programa de Ps-Graduao em Geografia da Universidade

Federal do Tocantins (PPGG/UFT), Mestrado acadmico pela bolsa DS, um recurso

indispensvel para desenvolvimento e concluso do curso.

Agradeo ao orientador prof. Dr. Elizeu Ribeiro Lira pelo apoio e incentivo quanto

superao dos desafios surgidos no decorrer dessa luta, acreditando na minha capacidade e ao

mesmo tempo apontando as minhas limitaes.

Agradeo ao NURBA- Ncleo de Estudos Urbanos e Agrrios da UFT pelo apoio e suporte

institucional.

Agradeo ao professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira pela contribuio dada relacionada a

idealizao e implantao deste Programa de Ps-graduao em Geografia da UFT-Campus

de Porto Nacional e tambm pela disciplina Agricultura, Capitalismo, Revolues e Reforma

Agrria.

Agradeo ao Projeto Casadinho, trabalho desenvolvido pela Ps-graduao em Geografia da

UFT-Campus de Porto Nacional e do IESA da Universidade Federal de Gois, pelas

contribuies dadas pelos docentes no decorrer da disciplina.

Agradeo ao professor Roberto de Souza Santos e a professora Gleys Ially Ramos dos Santos

por ter aceitado fazer parte da banca examinadora e pelas contribuies dadas para

estruturao do trabalho.

Agradeo a todos os assentados do assentamento Paulo Freire I e II pelo apoio e contribuio

dado durante realizao deste trabalho.

Agradeo ao MST no Estado do Tocantins pelo apoio e suporte institucional.

Agradeo ao departamento de Meio Ambiente e de Desenvolvimentos dos Assentamentos do

INCRA, SR-26 pelas informaes e fornecimento de documentos importantes para

organizao do trabalho.

Agradeo ao companheiro Miguel Paulo Arajo que sempre esteve disposio para auxiliar

nos trabalhos de campo.

Agradeo os meus pais e meus irmos que me deram apoio, bem como os demais familiares

que admiram a minha dedicao e luta. Por fim, agradeo a minha esposa Eliete Saraiva Brito

Barbosa e as nossas filhas: Messiele Saraiva Barbosa e Emili Saraiva Barbosa pela fora,

compreenso e apoio nesta empreitada.

v

6

EPGRAFE

A liberdade da terra no assunto de lavradores.

A liberdade da terra assunto de todos.

Quantos no se alimentam do fruto da terra.

Do que vive, sobrevive do salrio.

Do que impedido de ir escola.

Dos meninos e meninas de rua.

Das prostitutas. Dos ameaados pela clera.

Dos que amargam o desemprego.

Dos que recusam a morte do sonho.

A liberdade da terra e a Paz do campo tem um nome.

Hoje viemos cantar no corao a cidade

para que ela oua nossas canes

(Pedro Tierra).

vi

7

RESUMO

A pesquisa aborda como ttulo dessa Dissertao a reforma agrria no Tocantins: uma anlise

da luta e conquista da terra a partir do assentamento Paulo Freire I e II localizado no

municpio de Rio dos Bois-TO. Analisado aleatoriamente a partir de entrevista por meio de

questionrios semiestruturados e udio com sujeitos que vivenciaram o processo de formao

do assentamento. O assentamento fruto da luta das famlias do acampamento Paulo Freire

organizado pelo MST no Estado do Tocantins, montado s margens direita da Rodovia Belm

Braslia, BR-153 sentido Sul a Norte, entre a cidade de Rio dos Bois e Miranorte. A pesquisa

desenvolvida no assentamento Paulo Freire I e II baseia no referencial terico de autores que

trabalham com a quento agrria como Jos de Sousa Martins, Ariovaldo Umbelino de

Oliveira, Manoel Correia de Andrade e Caio Prado Junho entre outros. O texto debate alguns

fatores que contriburam para criao do assentamento. Dentre os quais destaco as aes,

ideolgicas e econmicas da agricultura capitalista, as aes sociais do Estado relacionado

politica de reforma agrria e as aes politicas organizativas dos movimentos sociais e

sindicais protagonizadas pelos camponeses na luta pela conquista e reconquista da terra. No

Tocantins essas aes e relaes se apresentam por meio dos grandes projetos que articulam

suas implantaes em pontos estratgicos de modo convergir e divergir com relaes

capitalista e no capitalista de produo, gerando assim inmeros conflitos no campo. Nesse

contexto, apresento a trajetria de luta dos camponeses do assentamento Paulo Freire I e II,

suas perspectivas e desafios. Esses camponeses, direta e indiretamente faz parte do histrico

processo de explorao e expropriao provocado pela agricultura capitalista. Entretanto estes

sujeitos tem se colocado em resistncia contra as formas de explorao imposta pelo

capitalismo e pelo Estado brasileiro. Uma estrutura politica e econmica que resiste e luta

contra mudanas que ameaam os seus interesses. Diante desse quadro poltico, econmico e

social, os camponeses sem terra percebem que alternativa a ser adotada se envolver e

participar de lutas contra essa estrutura opressora. Um processo que contribui para formao

da conscincia de classe, sentimento que desperta a partir do engajamento na luta vivenciando

situaes de conflitos e tenses nos diferentes territrios, espaos e momentos de lutas.

(Acampamentos, assentamentos e as manifestaes) surgem como forma de aproximao,

socializao, formao politica e integrao dos camponeses sem terra. Esta relao, de

acordo com o nvel de organizao e participao dos sujeitos no processo produtivo; das

aes do Estado, da conjuntura politica, econmica e social que possa garantir a reproduo

social da classe no territrio conquistado.

Palavras-chave: Estrutura fundiria, luta de classe, luta pela terra, camponeses e movimentos

sociais.

vii

8

ABSTRACT

The research addresses a work whose theme agrarian reform in Tocantins: an analysis of

struggle and conquest of the land from Paulo Freire I and II settlement in Rivers municipality

of Bois-TO, fruit of the struggle of camp families Paulo Freire the movement of the Landless

Rural Workers MST-mounted near the Highway Belem Brasilia BR-153 in Rio municipality

of Bois-tO, between the city of Rio dos Bois and Miranorte-tO. The research developed in the

settlement Paulo Freire I and II, it is based on a set of factors which eventually resulted in the

achievement of the peasants landless. Among the factors highlight the actions political,

ideological and economic of capitalist agriculture; social actions related state land reform

policy; and organizational policy actions of the movement spearheaded by the peasants in the

struggle for conquest and re-conquest of the land. In the state of Tocantins these actions and

relations are presented through the major projects that articulate their deployments at strategic

point in order to converge with capitalist relations and production of non-capitalist in the

field, thus generating numerous conflicts in the field. In this context, I present the history of

struggle of the settlement of peasants Paulo Freire I and II, its prospects and challenges. These

peasants who historically are victims of the capitalist system that exploits, expropriates and

excludes, demonstrated and demonstrate feeling resistance against the system under all when

they make social challenges, manifested through the struggles and against social and

economic policy structure that exploits, appropriates and expropriates the peasants. A

structure that resists and fights against any change that threatens their interests. Given this

political, social and economic framework, landless peasants realize that the alternative route is

the fight. Process that helps to develop the class consciousness, consciousness awakening

from conflicts caused by tensions and antagonism that demarcate the social identity of

individuals and groups. A process that starts with the struggles in different actions, areas and

territories (camps, settlements and demonstrations) emerge as an approximation, socialization,

training and political integration of landless peasants. It shows that the time of participation in

the struggles, the number of participants, the organicity levels of rooms and territories

contribute to the subject and the community have a critical view and political reality.

Keywords: land structure, class struggle, the struggle for land, peasants and social

movements.

viii

9

LISTA DE GRFICOS

Grfico 1- Migrao para o Estado do Tocantins ............................................................... 40

Grfica 2- Brasil- Estrutura Fundiria por regies - nmero de imveis rurais por ano

1998, 2003, 2010, 2011, 2012 e 2014 .................................................................................

46

Grficos 3- Evoluo estrutura fundiria por regies referente o nmero de imveis ....... 47

Grfico 4 - Estrutura fundiria brasileira por regies - reas dos imveis rurais em

hectares ................................................................................................................................

49

Grficos 5- Evoluo estrutura fundiria - Regio Norte hectares .................................... 50

Grficos 6- Brasil. Evoluo da estrutura fundiria por nmero de imveis e por reas

dos imveis rurais em hectares ...........................................................................................

52

Grficos 7- Evoluo da estrutura fundiria no Estado do Tocantins entre 1998 a 2014 ... 57

Grfico 8- Brasil. Nmero de assentamento rurais entre 1979 a 2014 ............................ 71

Grfico 9- Brasil. Nmero de famlias assentadas em assentamentos rurais entre os anos

de 1979 a 2014.....................................................................................................................

72

Grfico 10- Brasil. Assentamentos criados por regies entre 1979 a 2014 ........................ 73

Grfico 11- Brasil - Nmero de famlias assentadas por regies, entre 1979 a 2014 ......... 74

Grfico 12- Assentamentos implantados no Tocantins entre 1987 a 2015 ......................... 76

Grfico 13- Assentamentos criados no Estado do Tocantins entre 1987 a 2015................. 78

Grfico 14- Nmero de famlias assentadas no Estado do Tocantins entre 1987 a 2015 ... 79

Grfico 15 - Formas de obteno da terra para reforma agrria ......................................... 80

10

LISTAS DE QUADROS

Quadro 1- Estrutura fundiria do Estado do Tocantins entre 1998 a 2014 ........................ 56

Quadro 2- Assentamentos implantados no Tocantins entre 1987 a 2015 .......................... 76

Quadro 3- Famlias assentadas no Tocantins entre 1987 a 2015 ........................................ 77

Quadro 4- INCRA, Formas de obteno de terra ............................................................... 79

Quadro 5- Assentamentos implantados no Tocantins entre 1987 a 2015 .......................... 83

Quadro 6- Formas de obteno de terra ............................................................................. 83

Quadro 7- Formas de obteno de terra ............................................................................. 84

Quadro 8- Assentamentos do Crdito Fundirio do Tocantins entre 2001 a 2016 ............ 85

Quadro 9- Assentamentos criados pelo Governo Federal no Tocantins ............................ 86

Quadro 10- Assentamentos de reforma agrria no Tocantins classificados por regies .... 88

Quadro 11- Assentamentos localizados na regio Norte do Tocantins .............................. 91

Quadro 12- Assentamentos localizados na regio Centro-Oeste do Tocantins .................. 93

Quadro 13- Assentamentos localizados na regio Leste e Nordeste do Tocantins ............ 94

Quadro 14- Assentamentos localizados na regio Sul do Estado do Tocantins ................. 96

Quadro 15- Distncias e rodovias de acesso ao assentamento ........................................... 106

11

LISTA DE MAPAS

Mapa 1- Assentamentos de Reforma Agrria no Tocantins- Cartografia da Luta e

Conquista da Terra .............................................................................................................

89

Mapa 2- assentamentos localizados na regio Norte do Tocantins .................................... 90

Mapa 3- assentamentos localizados na regio Centro-Oeste do Tocantins........................ 92

Mapa 4- assentamentos localizados na regio Leste e Nordeste do Tocantins .................. 94

Mapa 5- assentamentos localizados na regio Sul do Tocantins ....................................... 95

Mapa 6- Localizao do assentamento Paulo Freire I e II ................................................. 105

12

LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Casa sede da fazenda Sobra da Mata ............................................................ 119

Figura 2- Vista espacial da antiga casa sede da fazendo Sombra da Mata ........................ 130

Figura 3- Vista espacial de parte do rio dos Bois ............................................................... 130

Figura 4- primeira Escola do assentamento, agrovila Paulo Freire I ................................. 131

Figura 5- Escola atual (2015-2016) do assentamento, agrovila Paulo Freire I ................. 132

Figuras 6- Vista dos barraces de reunies do assentamento, agrovila Paulo Freire I ...... 133

Figuras 7- Vista dos barraces de reunies do assentamento, agrovila Paulo Freire I ...... 133

Figura 8- Vista do poo artesiano e da caixa dagua da agrovila, Paulo Freire I ............... 135

Figura 9- Antena/torre telefnica da agrovila, Paulo Freire I ............................................ 136

Figura 10- Habitao do assentamento, agrovilas, Paulo Freire I e II ............................... 137

Figura 11- Habitao abandonadas nas agrovilas, Paulo Freire I e II ................................ 138

Figura 12- Plantao de abacaxi no assentamento Paulo Freire I e II ............................... 142

Figura 13- Criao de gado no assentamento Paulo Freire I e II ...................................... 143

Figura 14- Criao de galinha no assentamento Paulo Freire I e II.................................. 144

Figura 15- Linha do Trem da Ferrovia Norte Sul ............................................................... 144

13

LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Brasil. Estrutura fundiria 1998 e 2003 ............................................................. 42

Tabela 2- Brasil. Estrutura fundiria 2010 e 2011 ............................................................. 43

Tabela 3- Brasil. Estrutura fundiria 2012 e 2014 ............................................................. 44

Tabela 4- Brasil. Estrutura fundiria entre 1998 a 2003, por Classe de reas e por

nmero de imveis .............................................................................................................

53

Tabela 5- Brasil. Estrutura fundiria do pas entre 2010 a 2011, por Classe de reas e

por nmero de imveis .......................................................................................................

54

Tabela 6- Brasil. Estrutura fundiria do pas entre 2012 a 2014 por Classes de reas e

por nmero ..........................................................................................................................

55

Tabela 7- Brasil - Nmero de assentamentos e reassentamentos rurais 1979 a 2014

....................................................................................................................................

69

Tabela 8- Municpios que contribuio para formao do assentamento Paulo Freire I e

II .........................................................................................................................................

114

Tabela 9- Participao da luta nos acampamentos do MST-TO ........................................ 128

14

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APP reas de Preservao Permanente

CNBB Confederao Nacional dos Bispos do Brasil

CPT Comisso Pastoral da Terra

DATALUTA - Banco de Dados da Luta pela Terra

DIEESE Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos

FETAET Federao dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Tocantins

GETAT Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins

IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

MAB Movimento dos Atingidos Por Barragens

MATOPIBA Maranho, Tocantins, Par, Piau e Bahia

MDA Ministrio do Desenvolvimento Agrrio

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

NERA Ncleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrria

ONG Organizaes no Governamental

PA Projeto de Assentamento

PIN Projeto de Integrao Nacional

PND Plano Nacional de Desenvolvimento

PND Plano Nacional de Desenvolvimento.

PLO AMAZNICO Programa de Polos Agropecurios e Agrominerais da Amaznia

PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da agricultura Familiar

PROTERRA Programa de Redistribuio de Terras e Agroindstria do N e do NE.

PSDB Partido Socialista Democrtico Brasileiro

PT Partido dos Trabalhadores

SEPLAN Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente

SIPRA Sistema de Informaes de Terras e Projetos de Reforma Agrria

SNCR Sistema Nacional de Cadastro Rural

SR-26 Superintendncia Regional de nmero 26

STR Sindicato dos Trabalhadores Rurais

TDA Ttulo da Divida Agrria.

UFT Universidade Federal do Tocantins

15

SUMRIO

INTRODUO ................................................................................................................ 16

CAPITULO I

1. A QUESTO AGRRIA NO BRASIL ........................................................................ 24

1.1 Poltica de Estado.......................................................................................................... 24

1.2 Luta de classe no campo, uma abordagem necessria ................................................. 29

1.3 Agricultura camponesa verso agricultura familiar: diferenciando os conceitos........... 33

CAPITULO II

2. ESTRURA FUNDIRIA, LUTA PELA TERRA E REFORMA AGRRIA ............. 39

2.1 Tocantins, formao e estrutura fundiria .................................................................... 39

2.2 Estrutura fundiria brasileira por regies relacionadas ao nmero de imveis rurais

bem como as reas dos imveis por ano ............................................................................

45

2.3 Estrutura fundiria brasileira por classe de reas e nmero de imveis ....................... 53

2.4 Estrutura fundiria no Estado do Tocantins ................................................................. 56

2.5 Agricultura capitalista e expropriao camponesa no Tocantins ................................. 58

2.6 Lutas dos movimentos sociais no campo e a poltica de reforma agrria no Brasil .... 64

2.7 Geografia dos assentamentos de reforma agrria no Estado do Tocantins .................. 86

2.8 Uma anlise sob a espacializao da luta do MST na regio Central do Tocantins .... 100

CAPITULO III

3. ASSENTAMENTO PAULO FREIRE I e II: O PROCESSO DE LUTA PELA TERRA.......... 105

3.1 Localizao e caracterizao ....................................................................................... 105

3.2 Massificao e organizao do acampamento Paulo Freire margem da rodovia

Belm-Braslia 153 ...................................................................................................

109

3.3 Diviso parcelar e a propriedade da terra no assentamento Paulo Freire I e II ............ 121

3.4 Os espaos comunitrios e a produo camponesa no assentamento Paulo Freire I e

II casa sede e o crrego Rio dos Bois. .......................................................................

129

3.5 Projeto capitalistas e sua influencia negativa no assentamento Paulo Freire I e II ..... 144

CONSIDERAES ........................................................................................................... 147

REFERNCIAS BIBLIOGRAFICAS ............................................................................... 150

APNDICE ........................................................................................................................ 154

NEXO ................................................................................................................................. 157

16

INTRODUO

Este trabalho de Dissertao de Mestrado tem como objeto de pesquisa o

assentamento Paulo Freire I e II, um assentamento de Reforma Agrria, localizado no

municpio de Rio dos Bois-TO. Esse assentamento teve sua formao a partir da luta dos

camponeses do movimento sem terra no Estado Tocantins, que residiam no acampamento

Paulo Freire, montado a margem direita da Rodovia Belm Braslia BR-153, sentido Sul a

Norte, municpio de Rio dos Bois-TO, entre a cidade de Rio dos Bois e Miranorte-TO,

prximo ao antigo posto de gasolina Tupi, posto que na espoca (2001e 2002) j se encontrava

desativado. Uma etapa inicial do processo da luta em busca da conquista da terra,

estabelecendo assim um enfrentamento contra o latifndio e o Estado brasileiro.

O objetivo do estudo analisar que o processo que contribuiu para a formao do

assentamento Paulo Freire I e II resultado de uma luta poltica, econmica e social

incansvel, historicamente travada pelos camponeses ao longo do tempo com intuito de

conquistar e reconquistar a terra, numa disputa que envolve alm dos camponeses os

latifundirios e o Estado brasileiro que se posicionar contra os camponeses. O qual o Estado

brasileiro contribuiu para implantar medidas que resultaram na apropriao do territrio

atravs de concesses de sesmarias, ao poltica de distribuio terras por parte do Estado e

tambm explorao da fora de trabalho1. Um modelo proveniente de experincias

desenvolvidas pelos europeus a partir do sculo XVI em diversas localidades do continente

americano e africano. Essas aes constituram como um dos elementos para o surgimento da

questo agrria no Brasil. ANDRADE (1988).

Tudo isso financiado pelo capitalismo que veio carregado de influncias ideolgicas

permeadas pelo jogo poltico e econmico de interesses ditando e expandindo-se suas aes

em diversas localidades da terra onde era possvel explorar visando assim implantao uma

poltica de dominao territorial e econmica sobre os povos, colnias recm-invadidas e

naes apropriadas. Dessa forma o capitalismo desenvolvia-se suas atividades e quando

encontrava obstculo que poderia colocar em risco suas aes, adotavam-se medidas de

proteo, como forma de garantir sua reproduo. Neste sentido a libertao dos escravos

em 1888 entendida por pesquisadores da questo agrria como Ariovaldo Umbelino de

Oliveira e Jos de Sousa Martins como elemento para garantir a conservao e reproduo do

capitalismo.

1 Escravizao dos povos indgenas e a utilizao de escravos exportados da frica.

17

Para Karl Marx, (apud Catani, 1989), uma das regras do capitalismo se baseia na

existncia de trs elementos bsicos que so: propriedade privada dos meios de produo,

diviso social do trabalhado e a troca. No caso brasileiro, parte desses elementos ainda

faltava para se consolidar. Portanto, com vistas expanso do mercado consumidor, era

necessrio forar o Estado e os latifundirios (senhores feudais) a se adequarem s regras

impostas pelo capitalismo. Entretanto, mesmo oferecendo certo nvel de resistncias, ainda

pontuais e tardiamente, do ponto de vista do capitalismo, foram obrigados a cederem.

Diante desta situao o Estado brasileiro, apoiado em bases extremamente

conservadoras, criou-se meios para que os exploradores, contrrio s mudanas impostas pelo

capitalismo, no fossem prejudicados, contrariando em partes, os propsitos do capitalismo.

Entretanto o Estado brasileiro, pressionado pelo capitalismo adotou medidas que culminaram

na criao da Lei de terras de N. 601, em setembro de 1850 e posteriormente a Lei urea, em

13 de maio de 1888 libertao dos escravos. No geral, essas leis contriburam para

inviabilizar todas as possibilidades dos camponeses terem acesso terra por meios legais e ao

mesmo tempo participarem do processo de explorao menos agressivo. Diante dessa

situao, os conflitos resultados da luta pela terra, se tornaram inevitveis. Luta essa que at

hoje, incio do sculo XXI, permanecem com altos ndices de violncia e injustia social no

campo (BARBOSA, 2009 p, 14).

Para Martins (1981), os camponeses brasileiros, entre os sculos XVI e XXI,

protagonizaram diversas lutas como, por exemplo: Zumbi dos Palmares, Guerra de Canudos e

Guerra do Contestado, como fatos que apesar de terem sido relevantes para nossa histria,

grande parte da sociedade brasileira ainda desconhece. Para o autor, esta classe social, foi

nica classe social no Brasil, que conseguiu impor severas derrotas s foras oficiais

(militares-exrcito brasileiro) e que o desconhecimento sob as informaes e registros dessas

lutas por grande parte da sociedade brasileira, se constitui como elemento poltico e

ideolgico adotado pelo o Estado contra os camponeses. Neste sentido, os proprietrios de

terra-latifundirios sempre utilizou-se e utiliza-se, as estruturas do Estado para inviabilizar

algo que possa beneficiar a classe social inimiga/adversaria, nos aspectos que contraria os

seus interesses. Uma atitude e posicionamento que geralmente conhecido no campo das

categorias das lutas polticas, sociais e econmicas relacionadas s reivindicaes e

conquistas de benefcios, como luta de classe.

A anlise de estudos relacionados s questes econmicas e sociais, realizada por

Karl Marx e Friedrich Engels afirma que: a histria de todas as sociedades at agora tem sido

18

a histria da luta de classe, (MARX 1818 a 1883 p, 8 2008), entendida tambm como motor

que move a sociedade. Embora nessa poca estes autores tenham manifestado opinio mais

sob as lutas ocorridas entre proletrio e burgus, se percebe que esta mesma relao se

encontra tambm no campo brasileiro desde sculo XIX at os dias atuais, marcadas por

histricas lutas enrgicas entre proprietrios de terra-latifundirios e camponeses motivado

principalmente, pela a implantao e expanso da agricultura capitalista, provocando assim

explorao e expropriao dos camponeses do campo.

No Brasil, o processo de desenvolvimento da agricultura capitalista, no foi

homogenia em todas as regies do pas. Em algumas regies como Centro-Oeste e Norte esse

processo demorou um pouco mais. Na regio Centro-Oeste, comeou a partir das dcadas de

1960 a 1980 com a minerao a pecuria e a monocultura de gros. J na regio Norte, esse

processo iniciou a partir de 1930 com extrao da borracha, explorao agropecuria,

extrao minerao, extrao de madeira, construo de barragens para instalao de usinas

hidreltricas, instalao de redes de cabos para conduo de energia eltrica e a monocultura

de gros. Um processo de explorao desenvolvido em etapas, conforme a necessidade do

mercado de consumo externo (exportao) fator que orienta o desenvolvimento da atividade

produtiva exigida. Tudo isso determinado por uma lgica baseada na explorao, apropriao

e expropriao dos povos que vivem no/do campo. Um processo de explorao onde est

implcita e explcita a luta de classe manifestada pelos conflitos e representada pela questo

agrria.

Nesse sentido, se apresenta a questo agrria na regio Norte do pas, onde destaco o

Estado do Tocantins, um territrio que desde a dcada de 1970 do sculo XX, o campo

atravessando um intenso processo de explorao e extino dos recursos naturais, de

explorao e expropriao dos camponeses, provocado principalmente pelo avano da

fronteira agrcola que procura de todas as formas avanarem, sobre tudo e todos,

transformando o ambiente natural e social numa paisagem sem vida. Um fenmeno que

inicialmente passa-se uma falsa impresso de crescimento, desenvolvimento econmico dos

territrios (municpios e regio), um reflexo que ludibria autoridades polticas,

governamentais, empresa privada instituies de ensino e a sociedade civil. (BARBOSA,

2013).

No Tocantins, a exemplo do que acorreu e ocorre em outros Estados do pas, os

fatores provocados pela agricultura capitalista tm se constitudo um entrave para o avano da

reforma agrria. Esse modelo de agricultura, historicamente sempre se posicionou contra os

19

camponeses. As lutas e perspectiva de conquistas dos camponeses tm sofrido inmeras

frustraes, pois o Estado brasileiro, sob controle da agricultura capitalista sempre contribuiu

para limitar e inviabilizar polticas que possa beneficiar agricultura camponesa. Entretanto,

faz-se necessrio que os camponeses continuem lutando, num processo do qual, a cada

possibilidade de conquistas que se constroem, poucas so as que se materializa na prtica.

Fatores que inicialmente apresenta-se um cenrio de boas perspectivas. Porm, na grande

maioria das lutas, h um sentimento de esperana que no decorrer do processo de lutas so

frustradas. Os proprietrios de terra-latifundirios recorrem aos seus aliados estratgicos2

que sempre esto prontos, ocupando posio de destaque nas diversas esferas do poder

(executivo, judicirio, legislativo e instituies/rgos pblico de segurana) os quais, criam

meios para garantir os interesses dos latifundirios. Numa ao que, alm de inviabilizar a

luta e conquista da terra, criminalizando assim os movimentos sociais do campo e os sujeitos

camponeses.

Os camponeses, organizados pelos movimentos sociais de massa, pelos os

movimentos sindicais, pelos os movimentos de pastorais sociais (Igreja), pelos os

movimentos de organizao poltica social articulada por famlias ou por pessoas juntos aos

rgos oficiais e instituio econmica que recorre ao programa (crdito fundirio),

envolvendo famlias ou pessoas residentes no campo e na cidade com objetivo conquistar e

reconquistar um pedao de terra. So grupos e pessoas que lutam por direitos,

independentemente se tem ou no conscincia poltica de classe social. Entretanto, os

camponeses que no esto organizados em movimentos sociais de massa, em movimentos

sindicais e em movimentos de pastorais sociais, costumam encontrar mais dificuldades no

momento de articular meios de luta e conquista da terra.

Consciente dos seus direitos e conhecendo a realidade fundiria do pas, os

movimentos de luta pela terra, que h sculos travam intensas batalhas pela reforma agrria,

esto sempre lutando. Entretanto, os latifundirios e o Estado brasileiro, quando se sentem

ameaados ou pressionados, procuram de alguma maneira, reprimir de forma enrgica as

aes dos movimentos sociais. No entanto, grande parte dos movimentos sociais de luta pela

terra, entende que de acordo a correlao de foras e a conjuntura poltica, econmica e social

do momento, podem ocorrer derrotas e conquistas.

Baseado nestes fatores e aspectos, os movimentos sociais de luta pela terra no

campo, tm conseguido algumas conquistas e benefcios. Estas conquistas e benficos que

2 Chefe do poder executivo, poder legislativo, poder judicirio e instituies/rgos pblicos de segurana.

20

pode ser entendida como concesso por parte do Estado brasileiro e tambm como conquistas

dos camponeses. Para os movimentos sociais, embora o Estado classifique-o como concesso,

os movimentos sociais consideram como conquistas, pois se trata de alo que s foi possvel

ter acesso, atravs de lutas e lutas histricas.

Nesse contexto, se deu o processo de luta dos camponeses do Movimento Sem Terra

-MST do assentamento Paulo Freire I e II do municpio de Rio dos Bois-Tocantins, uma luta

que resultou na conquista do assentamento, um territrio entes controlado pelo latifndio que

a partir do ms de novembro do ano de 2002, passou a pertencer aos camponeses. Ressalta-se

ainda que o processo de luta dos referidos camponeses foi alm da luta pela posse da terra,

eles lutaram e lutam contra explorao imposta pelo sistema capitalista que consequentemente

contribui na perda de valores e de saberes camponeses. Dessa maneira, eles viram na luta no

s a possibilidade de retorno a terra, mais a conquista da liberdade, do resgate da sua

identidade, do cultivo de seus saberes e principalmente da reproduo social da classe e do

modo de vida.

Contudo, a luta dos camponeses do assentamento Paulo Freire I e II no foi apenas

pelo acesso terra, que se materializou na criao do assentamento e no desenvolvimento das

atividades produtivas, mas tambm pela luta contnua em busca de recursos que garanta sua

vivencia junto terra conquistada. Dessa forma, os camponeses esto buscando alternativas

atravs da organicidade na base com vistas autossubsistncia produtiva e econmica das

famlias. Assim, procuram discutir, planejar e elaborarem meios de resistncia contra

possveis formas de subordinao e explorao imposta pelo sistema capitalista.

Desse modo, os camponeses do assentamento Paulo Freire I e II, veem na

organizao poltica, na econmica e no aspecto social formas de manter sua permanncia no

campo. Para isso, desenvolvem-se aes voltadas para implantaes de infraestrutura

(construo estradas, abastecimento dgua e energia eltrica), atividades produtivas

(plantaes de cultura diversas, criao de animais e aves) bem como servios pblicos

(educao e a sade) essenciais para comunidade. Essas aes se materializam nas lutas

coletivas juntas aos rgos oficiais do Estado. Uma forma de lutas reivindicativas que

abrangem aspectos socioambientais e territoriais no assentamento. Lutas que procuram ir

alm de reivindicaes sindicais.

Nesta pesquisa abordo o assentamento Paulo Freire I e II que se encontra no

municpio de Rio dos Bois-Tocantins. O assentamento foi implantado numa rea de 4.622

hectares, conforme informao do INCRA, SR-26, e do Movimento Sem Terra. O processo de

21

assentamento das famlias na terra iniciou-se a partir do ms de novembro de 2002. Nessa

poca, foram assentadas 152 famlias em parcelas que variavam entre doze e vinte hectares

para cada, alm das reas destinadas para conservao e preservao ambiental que soma

mais de 35% da rea total do assentamento.

O trabalho faz uma abordagem a parti de um recorte temporal, espacial envolvendo

as lutas e conquistas dos movimentos sociais, dos movimentos sindicais, do movimento de

pastorais sociais e de movimento de associao diversa de luta pela terra no campo, bem

como a organizao regional dos territrios camponeses no Estado do Tocantins

compreendendo os anos de 2000 a 2015. Em relao o assentamento Paulo Freire I e II a

anlise est dividida em duas etapas a primeira refere-se ao ano 2000, perodo em que as

famlias camponesas residiram no acampamento margem da rodovia Belm Braslia, a

segunda etapa se refere ao ano de 2001, perodo em que as famlias camponesas

permaneceram acampadas na terra e na terceira etapa se refere ao no de 2002 a 2015 perodo

de ocupao das parcelas e desenvolvimento das atividades produtivas.

A Dissertao est organizada em trs captulos. No primeiro captulo abordo

aspectos polticos, econmicos e sociais relacionados reforma agrria em nosso pas, com

destaque para as polticas de reforma agrria desenvolvidas no Tocantins, bem como as aes

motivadas por influencias de natureza exgeno, implantando assim, sob a tica do

capitalismo, as bases de sua produo e reproduo no campo.

A regio do Norte pas, por ser uma regio cujo processo de explorao da

agricultura capitalista no campo iniciou-se a partir da metade sculo XX, encontrou um

grande nmero de camponeses que j havia vivenciado os reflexos desse processo de

explorao e expropriao na regio Nordeste entre o sculo XVIII e metade do sculo XX e

atualmente, incio do sculo XXI, esse processo infelizmente ainda continua.

No segundo captulo abordo aspectos polticos, econmicos e sociais da questo

agrria. Um problema que historicamente sempre fez parte das lutas camponesas no Brasil,

que teve seu incio na luta dos povos quilombolas durante a escravido, a revolta do

Contestado, a guerra de Canudos, nas lutas das ligas camponesas na dcada de 1950, nas

manifestaes dos Cangaceiros no Nordeste, no movimento de Trombas e Formoso do

Araguaia, bem como as lutas dos movimentos sociais, sindical, pastorais sociais e

movimentos associativos diversos que a partir da dcada de 1970 vem lutando contra a

explorao e expropriao dos camponeses.

22

Neste sentido h necessidade de ressaltar que vrios fatores contriburam para

intensificar a luta pela terra nos estados da regio Norte. Nesse contexto, consequentemente

envolve a poro Norte do Estado de Gois, atual Estado do Tocantins, territrio que

motivando pela implantao de grandes projetos na regio central do pas onde se destaca

primeiro a construo de Braslia-Capital Federal, golpe militar de 1964, segundo a

construo da rodovia Belm Braslia BR -153, terceiro incio da construo da rodovia

Transamaznica, BR-230, e quarto a implantao de projetos como: PIN-Projeto de

Integrao Nacional, quinto o PNDs-Plano Nacional de Desenvolvimento, sexto o

PROTERRA-Programa de Redistribuio de Terras e de Estmulo Agroindstria do Norte e

do Nordeste, stimo o PLOAMAZNICO-Programa de Plos Agropecurios e

Agrominerais da Amaznia se constituram como elementos que impulsionaram a ocupao

da Amaznia pelo grande capital, principalmente a agricultura capitalista responsvel pela

explorao e expropriao dos camponeses na regio (LIRA, 2011).

Essa contextualizao se faz necessria porque as lutas dos camponeses do

assentamento Paulo Freire I e II esto vinculadas ao processo de explorao provocado pela

agricultura capitalista no campo. Esses camponeses expropriados pelo o processo de

modernizao agrcola que transformaram um conjunto de relaes sociais existente no

campo. Assim os camponeses atingidos por essa modernizao eram arrendatrios, meeiros,

assalariados no campo, assalariados na cidade e posseiros que moravam em sua grande

maioria em diversos estados da regio Centro-Oeste, Norte e Nordeste do pas.

Os camponeses, desterritorializado e constrangido, so obrigados a migrarem para as

cidades aonde vo se tornaram proletariados ou partirem para a luta, em busca da terra

novamente. Para os que optam pela terra necessrio ingressar na luta dos movimentos sem

terra e fazerem enfrentamento direto com o Estado e com os latifundirios, alternativa adotada

por muitos camponeses que se encontram nesta situao, dentre eles, os camponeses do

assentamento Paulo Freire I e II.

No terceiro captulo fao uma abordagem sobre a trajetria da luta dos assentados do

assentamento Paulo Freire I e II demonstrando a importncia da organizao do movimento

durante o processo de luta no acampamento, bem como os desdobramentos, posteriormente

no assentamento. Essa luta, no foi apenas uma luta pela terra, mas tambm na terra num

enfrentamento contra foras adversas (subordinao, explorao e alienao influencias que

podem descaracterizar a organicidade do assentamento), lutas por benefcios sociais e por

meios que facilite o desenvolvimento dos sistemas produtivos.

23

A luta para conquistar e permanecer na terra fez com que os camponeses buscassem

alternativas para garantirem seu modo de vida. Dentre as alternativas utilizadas, encontram-se

as formas de organizao social de natureza poltica informal (grupos de famlias) e poltica

formal (associaes) ambas, na medida do possvel procuram desenvolver trabalhos

comunitrios.

Essas atividades no possuem uma norma especfica, mas se baseiam nas relaes

sociais e na solidariedade que envolve as famlias e a comunidade, qualidades motivadas e

vivenciadas durante o engajamento no processo de luta pela terra no perodo em que residia

no acampamento. Logo, no so atividades estranhas ao modo de vida camponesa. Pelo

contrrio so baseadas justamente nos modos de vida dos camponeses, onde a diviso social

do trabalho no vivenciada.

importante mencionar que as aes comunitrias no ocorrem apenas no aspecto

econmico, mas tambm no aspecto poltica. Atravs da organicidade que reflete na

realizao de atividades associativas, educativas, comemorativas, de lazer e religiosa, aonde

os assentados do assentamento Paulo Freire I e II vm procurando implementar um conjunto

de benefcios para a comunidade. Esses benefcios no so apenas materiais e imediatos, mas

se constituem como uma forma de resistncia contra a subordinao e explorao dos

camponeses imposta pelo Estado e o capital. Assim, a pesquisa no assentamento Paulo Freire

I e II, possibilita analisar como se deu a luta dos camponeses e como se encontra a situao

deles atualmente. Tenta-se observar tambm as estratgias de resistncia utilizadas pelos

camponeses diante da expanso do capitalismo no campo.

A pesquisa de campo realizada a partir de 2015 abordou alm de anlises materiais

trabalhou com diversas entrevistas envolvendo os camponeses(as), representante de rgos

oficiais e lideranas de movimentos sociais, trabalho fundamental para aquisio de

informaes empricas.

Assim, espera-se que as consideraes tratadas na presente pesquisa possam

contribuir para ampliar o leque de informaes sobre a reforma agrria no Tocantins, sobre o

assentamento Paulo Freire I e II e ao mesmo tempo, subsidiar atividades desenvolvidas em

prol do assentamento.

24

CAPTULO I

1. QUESTO AGRRIA NO BRASIL

1.1 Poltica de Estado

No Brasil a questo agrria problema que surgiu a partir de 1.500, e com a chegada

dos portugueses. Nessa poca tem incio a apropriao das terras e a explorao dos recursos

naturais atravs da extrao do pau Brasil, do ouro, do cultivo da Cana-de-acar e da

agricultura de subsistncia. Atividades desenvolvidas por meio da mo-de-obra escrava

proveniente da cultura indgena e da cultura Africana.

Aps a chegada dos portugueses, houve uma convivncia relativamente pacfica

entre os europeus e indgenas. Os nativos trabalhavam para o colonizador na extrao do pau

Brasil, na indicao dos locais onde se encontravam os minrios, bem como ajudava na

extrao dos mesmos, e em troca recebia objetos (canivete, pente para os cabelos, espelhos e

tecidos) de pouco valor. Mais ainda sem serem forados a essa atividade.

Quando os indgenas perceberam que a tentativa do colonizador era escraviz-los,

apossar de suas terras e destruir sua principal fonte de sobrevivncia. Nesse momento, os

indgenas comearam a reagir, iniciando assim, os primeiros conflitos pela a posse da terra no

Brasil, como afirma Brando, (2003).

Aps a invaso, inicia-se o processo de concentrao de terras, em 1534, quando o

rei de Portugal divide o Brasil em capitanias hereditrias distribuindo-as a amigos de

Portugal. A ao distributiva foi o inicio da concentrao de terra por particulares

atravs da compra legal e ilegal; da grilagem e da posse pela violncia para-militar,

ou das negociaes diretas com os poderes pblicos. Consequentemente o resultado

dessas aes se caracterizou pelo massacre de milhes de nativos, de negros e de

pequenos trabalhadores rurais e seus familiares, desencadeando manifestaes de

descontentamento e mobilizaes de indgenas de e de trabalhadores rurais em

vrias partes do Brasil (BRANDO, 2003, p. 23).

Observando estes aspectos, percebe-se que os portugueses no se apropriaram

somente dos recursos naturais, mas tambm da cultura dos povos que aqui residiam. Para

OLIVEIRA, (1997), antes dos portugueses chegarem ao Brasil, j encontrou em pleno

desenvolvimento um modelo de produo comunitria entre a populao indgena, um

modelo de produo tambm chamado de comunismo primitivo, uma forma de produo,

reproduo e relao baseada numa estrutura familiar e comunitria, que naturalmente

25

contribuiu de forma direta e indiretamente para a cultura e a origem do campons brasileiro,

que segundo Tavares dos Santos se dava da seguinte forma:

A reproduo da fora de trabalho familiar efetiva-se pela procriao e

complementao atravs do processo de socializao das crianas. Considerando o

ncleo familiar em um ncleo produtivo. Dessa forma, as crianas so encenadas

como personagens da diviso social do trabalho no interior da unidade produtiva do

campons. (OLIVEIRA, 1997, p. 60).

Basicamente, no Brasil, o campons surgiu, reproduziu e se reproduz a partir das

relaes sociocultural e socioeconmica entre senhores de engenho, trabalhadores livres,

escravos e indgenas que; atravs da agricultura de subsistncia, produzido para o consumo da

colnia e para o consumo prprio da comunidade e da famlia, estabelecia uma progressiva e

contraditria relao de resistncia-persistncia de modo a beneficiar os invasores.

Dessa forma, a poltica da diviso territorial brasileira implantou uma estrutura de

concentrao de terra e tambm de poder. Neste sentido, observamos que o problema que

afeta o campons est associado ao modelo de organizao fundiria criada exclusivamente

para expropri-lo. Segundo Oliveira (1997), no Brasil a distribuio de terras sempre foi

desigual, primeiro foram s capitnias hereditrias e seus donatrios, segundo as sesmarias e

terceiro a Lei de terras, n. 601, criada em setembro de 1850. Lei esta que foi definida 1842,

pelo o conselho3 de Estado da poca, onde entre outras normas, estabeleceu que: o direito de

possuir terra, s seria possvel por meio da compra e venda. Fato que beneficiou direto e

indiretamente os latifundirios, pois estes detinham o poder econmico e poltico. De acordo

com o exposto, observamos que oito (8) anos antes da criao da referida Lei de terras, os

governantes criaram mecanismos para proteger os latifundirios, situao que teoricamente

permaneceu at o dia 30 de novembro de 1964, quando foi aprovado o Estatuto da Terra, Lei

n 4.504.

Segundo o autor, estas leis serviram de instrumento para legalizar de fato a

expropriao do campons, ou seja, eliminar todas as possibilidades do campons continuar

no campo. Esse modelo de organizao fundiria refletiu e reflete diretamente no seio da

sociedade camponesa, criando assim um estado de insegurana, onde o campons brasileiro,

at hoje, continua tentando entrar na terra. Pois a ideologia capitalista que visa o lucro acima

de tudo, atua no campo em trs formas: primeira, modernizao da agricultura no campo;

segundo, a implantao de novas culturas e terceiro, a invaso do espao para reserva de

mercado. Atitude que causa a segregao social da classe camponesa e indgena.

3 Em julho de 1842, o Governo Imperial solicitou Seo dos Negcios do Imprio do Conselho de Estado que formulasse modificaes e critrios para obteno de terras no Brasil.

26

Um tipo de segregao que, acredita-se contribuiu para surgimento dos principais

problemas existente na Cidade e no Campo (favelas, desemprego, violncia, xodo rural e

conflitos agrrios) fatores, que se concretizou com a abolio da escravatura-Lei urea, a 13

de maio de 18884. Momento em que os escravos ficaram libertos, porm sem oferecer

nenhuma alternativa de trabalho, pois a Lei de terra, n 601 de 18505 inviabilizava as

possibilidades de ter acesso a uma gleba de terra. Para aqueles que no tinham recursos

financeiros, sejam eles indgenas, escravos ou trabalhadores livres o jeito foi engrossar a

fileira dos segregados, situao que infelizmente, at hoje permanece. Portanto, pode-se dizer

que tanto a Lei de Terras como a Lei urea, so consideradas como Leis que legalizaram a

criao dos Sem terras e dos Sem tetos em nosso Pas. A concentrao de terras vem da poca

colonial. A luta dos povos indgenas contra os invasores portugueses na poca da colonizao

est relacionada questo agrria, o que configura, portanto, em lutas camponesas. Segundo

Guimares, (2005, p.18), pode-se afirmar que a ocupao do continente americano se deu

atravs das correntes migratrias provenientes da frica e da sia, atravessando o estreito do

Alasca, tambm conhecido como estreito de Bering.

A conquista, a dominao e a apropriao da nova terra atravs das invases, das

intensas lutas e consequentemente o extermnio de muitos povos que aqui residiam, foram

extremamente violentas, aos poucos, esta forma de dominao resultou numa prtica contnua

que ao longo dos tempos vem cada vez mais se diversificando e aperfeioando.

No Brasil, o processo de conquista, de dominao e de apropriao se baseou na

colonizao e subcolonizao atravs da concesso de sesmarias6, relacionada monocultura

(cana-de-acar) e utilizao de trabalho escravo. Vale ressaltar que esta prtica que at hoje

incio do sculo XXI, vem sendo praticada pelos latifundirios brasileiros em diferentes

atividades e localidades do pas, dos quais se identifica polticos influentes no cenrio

Regional e Nacional dentre eles se destaca o Senador tocantinense Joo Ribeiro legislatura

(2003 a 2010), flagrado em operaes realizadas pelos os fiscais do Tribunal Regional do

Trabalho e pelos agentes da Polcia Federal.

Durante o processo de ocupao territorial, realizado por meio da implantao de

aes polticas com vistas garantia do domnio territorial, adotando medida de segurana

contra possveis invases empreendidas por outras naes que pretendiam, tambm, esta terra

4 Lei que Instituiu a Libertao dos Escravos, assinada pela Princesa Isabel, 13 de maio de 1888.

5 Lei que regulamentou as regras para aquisio de terra no Brasil entre 1850 at 1964.

6 Grandes extenses de terras que eram doadas ou apropriadas pelas pessoas ligadas ao poder poltico e

econmico.

27

ocupar, do que pela a implantao de um modelo de desenvolvimento coerente com a

realidade encontrada. Com receio de que isso ocorresse, os integrantes da coroa portuguesa

planejaram diversas aes estratgicas, como afirma Guimares:

Os portugueses que aqui chegaram e invadiram nosso territrio, em 1500, o fizeram

financiados pelo nascente capitalismo comercial europeu, e se apoderaram do

territrio por sua supremacia econmica e militar, impondo as leis e vontades

polticas da monarquia portuguesa. No processo da invaso, como a Histria

registra, adotaram duas tticas de dominao: cooptao e represso. E assim,

conseguiram dominar todo o territrio e submeter os povos que aqui viviam ao seu

modo de produo, s suas leis e sua cultura, (GUIMARES, 2005, p. 19).

De acordo com Guimares, (2005) estas aes perpassaram por vrios momentos que

veio desde 1500 (per) a 1988 (Constituio Federal). Um processo que apesar de lento, alguns

autores consideram importante porque legitima a luta pela terra no Brasil, conforme determina

o Artigo 2. do Estatuto da Terra, onde fala: assegurado a todos a oportunidade de acesso

propriedade da terra, condicionada pela sua funo social, na forma prevista nesta lei.

Segundo Portela e Fernandes, (1998) este avano que houve em 1964 (estatuto da terra) est

relacionado diretamente com as histricas aes de represses e massacres contra os

camponeses no Brasil. Sobre este aspecto afirmao a seguir:

Com o advento do regime militar em 1964 essas organizaes populares foram

intensamente reprimidas, e muitos lideres camponeses foram presos torturados ou

exilados. Como consequncia, a luta pela reforma declinou, embora a situao no

campo continuasse sendo alvo de intensos protestos, dessa vez internacional.

Equipes de estudiosos da ONU (Organizao das Naes Unidas) visitaram o Pas

no perodo e constataram que era necessrio melhorar a situao dos camponeses e

realizar a reformas urgentes no campo. Essa atitude pode ser bem resumida por uma

frase de John F. Kennedy, presidente dos EUA (1960-1963): Aqueles que

impossibilitam a reforma pacifica tornam a mudana violenta inevitvel. Ou seja,

suas palavras querem dizer que prefervel fazer uma mudana vinda de cima para

baixo, de forma controlada, a conservar uma situao to explosiva que originar

revolues vinda de baixo para cima populares e espontneas, que iriam contra os

interesses capitalistas. (PORTELA e FERNANDES, 1998, p. 12).

A Constituio de 1988, ainda vigente atualmente, estabelece como norma e

princpio o atendimento funo social da propriedade, conforme preconiza o:

Art. 5 - Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade

do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos

seguintes dos incisos: XXII - garantido o direito de propriedade; XXIII - a

propriedade atender a sua funo social.

A funo social da propriedade restringe-se ao direito de propriedade e

estabelece-se como um direito social e um dever individual do proprietrio. No que

diz respeito aos indgenas, a Constituio de 1988, chamada de Constituio Cidad,

28

refere, em seu artigo 20 que: Que as terras tradicionalmente ocupadas pelos indgenas so

bens da Unio.

J o artigo 184 da Constituio Federal diz: Art. 184 afirma que Compete Unio

desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrria, o imvel rural que no esteja

cumprindo sua funo social, mediante prvia e justa indenizao a ttulos da dvida agrria.

Latifndios, com baixo emprego e pouca ou nenhuma produo, no cumprem sua funo

social.

O Novo Cdigo Civil Brasileiro: Lei n 10.406, que entrou em vigor no dia 11 de

janeiro de 2003, a inovao do Cdigo Civil vigente est no 1 do art. 1.228, o qual

enfatiza as finalidades econmicas e sociais do direito de propriedade:

Art. 1.228. O proprietrio tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o

direito de reav-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

1 O direito de propriedade deve ser exercido em consonncia com as suas

finalidades econmicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade

com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilbrio

ecolgico e o patrimnio histrico e artstico, bem como evitada a poluio do ar e

das guas.

Mesmo diante dessas vantagens apontadas nas leis, reforma agrria a qual tanto

almejamos tem se tornado algo difcil de ser realizada, nesse aspecto convm destacar a

afirmao de Schilling (2005).

A Constituio Brasileira, no que se refere ao direito de propriedade,

eminentemente conservadora. O 16, do art. 141, que reza: garantido o direito de

propriedade, salvo o caso de desapropriao por necessidade ou utilidade pblica, ou

por interesse social, mediante e justa indenizao em dinheiro constitui-se num

obstculo intransponvel a qualquer reforma agrria efetiva.

A soma de recursos necessrios indenizao das terras utilizveis numa reforma

agrria, procedida em ritmo adequado s necessidades de nossas populaes rurais,

considerando pagamento vista e pelo o justo valor ultrapassar em muito a

capacidade de investimento no s do governo, como de todo povo brasileiro.

(PAULO R. SCHILLING, 2005, p. 239).

Relacionado a estes aspectos, Caio Prado Junior, (1979) observa que as leis que rege

sob a reforma agrria que foi editada, por se s, para inviabiliza a reforma agrria por que essa

forma de direcionamento da questo agrria para o mercado - compra e venda de terra, coloca

o prprio estado numa situao delicada, pois no dispe de recursos financeiros para

implementar uma poltica dessa dimenso. Neste sentido o autor tem razo, ou seja, essa lei j

foi pensada para no d certo.

A nica coisa que existe na matria a obrigao, prevista no mesmo dispositivo

constitucional citado, o da justa e previa indenizao em dinheiro. Essa

indenizao prvia praticamente irrealizvel no caso da reforma agrria. No

29

somente haveria recursos financeiros lquidos suficientes para a massa de

desapropriaes exigidas pela reforma, como tambm ainda que existissem, o

impacto produzido pelo brusco e avultado afluxo de poder aquisitivo para as mos

de uma categoria social relativamente insignificante que seriam os proprietrios

desapropriados, provocaria desequilbrios e desajustadamente financeiros

insuportveis para a economia nacional. (JUNIOR, 1979, p.115).

O autor entende que se condicionar a poltica de reforma agrria a essa lei, como

est, se torna realmente difcil. Portanto, diante do exposto, tudo indica que o caminho para

realizarmos a reforma agrria seria o da revoluo, porque luz das leis vigente as coisas se

tornam mais difceis. Essas leis so contraditria e extremamente conservadoras de modo a

beneficiar a classe latifundiria capitalista. Neste caso o mais coerente deveria instituir

mudanas nas leis e assim avanar no processo de reforma agrria. Como afirma Baran apud

Schilling (2005, p. 254). Onde formas tradicionais de pensamento e trabalho impedem a

introduo de novos mtodos, meios de produo, apenas uma reorganizao geral da

sociedade e uma mobilizao total de todas as suas potencialidades criadoras, podem tirar a

economia do ponto morto em que se encontra.

1.2 - Luta de classe no campo, uma abordagem necessria

A concepo ideolgica expressada de forma subjetiva e objetiva no seio da

sociedade materializa-se em aes de interesses diversos gerando assim inmeras

contradies, das quais se destacam a ocupao territorial, a implantao de sistema poltico,

econmico e social em escala nacional, continental e mundial conforme a forma de

explorao utilizada. A economia, a poltica e a comunicao so elementos que o sistema

poltico, econmico (capitalismo) impe contra as classes trabalhadoras, as que so realmente

produtora de bens e servios indispensveis sociedade e a economia. Neste sentido os

latifundirios capitalistas e os capitalistas que atuam em diversos ramos de produo seja na

cidade ou no campo vm se apropriando das terras e dos recursos naturais com vistas

expanso e a atuao, constituindo-se, cada vez mais, num sistema que tem obrigado a

sociedade viver e conviver com frequentes momentos e perodos (cclicos) de crises de ordem

poltica-administrativa e crises de ordem poltico-econmica, fenmenos que ocasiona

conflitos e guerras em diversas partes no mundo.

As contradies existentes num sistema poltico, econmico e social num dado

momento, perodo e localidade pode ser entendida como elementos, indicadores de que a

situao precisa ser modificada ou transformada. Entretanto, para o sistema capitalista, as

30

contradies e suas consequncias so tidas como oxignio que alimenta a capacidade de sua

recuperao e reproduo. Por isso, o capitalismo utiliza diversas formas atuao: apropriao

privada dos meios de produo, explorao desordenada dos recursos naturais, incentivo a

urbanizao, mecanizao da produo-industrializao, consumo intenso, xodo rural,

apropriao e explorao do trabalho.

Esse conjunto de aes serviram para consolidar o capitalismo e ao mesmo tempo

contribuir para alimentar o ciclo continuo que garanti a capacidade de sua existncia e que se

manteve e mantem s custas da explorao das classes sociais subalterna (povos e sociedades

menos favorecidas) sobretudo as recm libertadas do colonialismo e da escravido. As

classes sociais subalternas pelo processo de explorao se manifestam exigindo/propondo

mudanas estruturais na forma como atua o sistema poltico, econmico e social bem como a

organizao social da sociedade o qual afirma (TOMPSON, 2012) que:

A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experincias comuns

(herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si,

e contra outros homens cujos interesses diferem (geralmente se opem) dos seus. A

experincia de classe determinada, em grande medida, pelas relaes de produo

em que os homens nasceram ou entraram involuntariamente. A conscincia de

classe a forma como essas experincias so tratadas em termos culturais:

encarnadas em tradies, sistemas de valores, ideias e formas institucionais

(THOMPSON, Apud, BADAR 2012: p. 84-85).

As consequncias mais graves da explorao capitalista, reproduzida e difundido na

maioria dos pases europeus e tambm da Amrica, continuam aparecendo nos tempos atuais,

camuflado sob formas complexas e aparentemente aceitveis, uma prtica que na realidade

oculta as formas de exploraes que ameaa decompor as bases da sociedade em diversos

fatores e aspectos. Dessa forma, o indivduo consciente dos seus direitos reconhece que o

caminho a ser tomado a organizao e a luta contra a burguesia (classe social) que controla

o sistema poltico e econmico impondo diversas formas de explorao e dominao.

No plano terico, valorizar o indivduo significa valorizar todos os indivduos. J no

plano prtico a igualdade bsica do ser implica uma distribuio equitativa do ter entre os

indivduos e grupos como forma de tentar equilibrar a situao. Caso contrrio o ter de uns

significar o no-ter de outros, assim a apropriao por parte de alguns dos bens, recursos e

benefcios que seriam ou so de todos, resultar da expropriao dos outros, (MARX, apud

ALMEIDA, 1987-88).

Neste contexto observa-se que, com a chegada dos portugueses ao Brasil, em 1500,

tem incio o processo de apropriao e explorao dos recursos naturais, um processo de

apropriao que no era somente dos recursos naturais (minerais e vegetais) mas tambm da

31

terra e da cultura dos povos que aqui residiam. Para (OLIVEIRA, 1997), antes dos

portugueses chegarem ao Brasil, j encontrou em pleno desenvolvimento um modelo de

produo comunitria entre a populao indgena, um modelo de produo tambm chamado

de comunismo primitivo, uma forma de produo, reproduo e relao social baseada numa

estrutura familiar e comunitria, que naturalmente contribuiu de forma direta e indiretamente

para a cultura e para produo e reproduo social do campons brasileiro, conforme afirma:

A reproduo da fora de trabalho familiar efetiva-se pela procriao e

complementao atravs do processo de socializao das crianas. Considerando o

ncleo familiar em um ncleo produtivo. Dessa forma, as crianas so encenadas

como personagens da diviso social do trabalho no interior da unidade produtiva do

campons, (SANTOS apud, OLIVEIRA, 1997: 60).

Basicamente, no Brasil, o campons se reproduziu a partir da relao sociocultural e

socioeconmica entre senhores de engenho, trabalhadores livres, escravos e indgenas que;

atravs da agricultura de subsistncia, produzido para o consumo da colnia e para o consumo

prprio da comunidade, estabelecia uma progressiva e contraditria relao de resistncia de

modo a beneficiar os invasores exploradores.

Dessa forma, a poltica da diviso territorial brasileira imps uma estrutura de

concentrao de terra e tambm de poder. Neste sentido, observa-se que o problema que afeta

o campo est associado ao um modelo de organizao fundiria totalmente expropriativa. De

acordo com (OLIVEIRA, 1997), no Brasil a distribuio de terras sempre foi desigual,

primeiro foram s capitnias hereditrias e seus donatrios, segundo as sesmarias e terceiro a

Lei de terras, n. 601, criada em setembro de 1850. Lei definida ainda em 1842, pelo o

conselho de estado da poca, onde entre outras normas, estabelecia que: o direito de possuir

terra, s seria possvel mediante compra e venda. Fato que beneficiou direto e indiretamente

os latifundirios, pois estes detinham o poder econmico e poltico. De acordo com o exposto,

observamos que oito (8) anos antes da criao da referida Lei de terras, j havia criado

mecanismos para proteger os latifundirios, situao esta, que em tese, permaneceu at 1964,

com aprovao do Estatuto da Terra, Lei n. 4.504.

Para OLIVEIRA (1997)7, afirma que estas leis serviram de instrumento para legalizar

de fato a expropriao do campons, e ao mesmo tempo, contribuir para surgimento dos sem

terra, que se concretizou de fato, com a abolio da escravatura-Lei urea, a 13 de maio de

1888. Teoricamente os escravos ficaram libertos, porm sem alternativa que lhes

7 Ariovaldo Umbelino de Oliveira, um pesquisador que situa-se na terceira Corrente de Pensamento dos Estudos

Agrrios, da qual discorda da ideia de que no Brasil existiu feudalismo. Para ele, o campons continua se

reproduzindo dentro das relaes contraditria do capitalismo e que no vai desaparecer.

32

garantissem direitos em ter acesso aos meios de produo e trabalho, pois a Lei de terra, n.

601 de 1850 inviabilizou a possibilidade de acesso a terra. Em geral, pode-se afirmar que

tanto a Lei de terras como a Lei urea, considerada como instrumentos que legalizaram a

criao dos sem terra no Brasil, ou seja, dificultou todas as possibilidades do campons ter

acesso a terra.

Para GUIMARES8, (1981 p, 35). No geral, essas medidas, no deixam de serem

estratgias do capitalismo para penetrao e estruturao de suas bases na agricultura,

portanto no campo, onde o capitalismo ao penetrar na agricultura procura logo dominar a

terra, monopolizar a terra, monocultura l, ou seja, obter o domnio absoluto dos meios de

produo na agricultura, principalmente da terra. No entanto, a ao do capitalismo convergiu

com a essncia principal do modelo de organizao fundiria existente na Europa

monoplio colonial feudal, baseado nos grandes latifndios.

O desenvolvimento desse modelo poltico, econmico e social reflete diretamente no

seio da classe camponesa, criando assim um estado de insegurana, de lutas e de conflitos,

onde o campons brasileiro, at hoje, continua tentando entrar na terra MARTINS (1981).

Pois o sistema econmico e poltico ordenado por organismos internacionais e nacionais,

determinado pelo o capitalismo que desenvolve uma prtica de acumulao dos recursos

gerados meios de produo que ao longo dos sculos at os tempos atuais continuam

provocando segregao e expropriao. Entretanto, os camponeses indignados com mazelas

produzidas pelo o modelo de agricultura capitalista desenvolvido no campo, obrigando assim,

diversas categorias de trabalhadores a se manifestam, exigindo de forma direta e

indiretamente mudanas na estrutura fundiria em determinada localidade, regio e pas. Os

sujeitos que esto em luta por mudanas so:

Posseiros em luta pela terra de trabalho. So as naes indgenas demandando a

demarcao de seus territrios. So os membros dos trabalhadores rurais sem terra

acampados. So os bias-frias em greve por melhores salrios e condies de

trabalho. a colonizao assumida pelo o governo como vlvula de escape para

acalmar tenso. Em fim a Reforma Agrria na Nova Repblica propondo paz na

terra em p de guerra (OLIVEIRA, 1986: 52).

Diante desta situao, o Estado costuma se posicionar agindo da seguinte forma: no

primeiro momento defende os latifundirios e quando v que a situao extremamente

delicada no ponto vista poltico e social sob a tica da opinio pblica de modo que no tem

como ocultar elementos que possa favorecer seus interesses. Porm, neste caso, se utiliza de

8 Alberto Passos Guimares, pesquisador que situa-se na primeira Corrente de Pensamento dos Estudos Agrrios,

corrente da qual reconhece que no Brasil existiu Feudalismo o que a exemplo do que acorreu com o Feudalismo

o Campons tambm vai desaparecer.

33

mecanismo ligado ao poder judicirio para agilizar ao protelar aes que possa beneficiar os

capitalistas latifundirios. O Segundo momento ocorre quando o Estado percebe que a

correlao de foras por parte dos trabalhadores est forte. Nesta situao, ele entende que

obrigado a d uma resposta, atendendo, pelo menos em partes, as reivindicaes dos

camponeses.

1.3- Agricultura camponesa verso agricultura familiar: diferenciando os conceitos

A agricultura tem um significado histrico envolvendo a produo, a relao social e

em fim, as formas de relao com a natureza. Ao longo do tempo a atividade agrcola tem

incorporado influencias econmicas, influncias polticas e influncias ideolgicas que

consequentemente motiva interesses diversos. Basicamente a forma de lidar com os processos

produtivos, com os meios de produo se constituiu como sujeito e ator do/no de um processo

o campons o sujeito prprio de uma classe que detm no s controle dos meios de

produo, mas as formas de produzir como afirma ENGELS (1894).

Por pequeno campons entendemos aqui o proprietrio ou rendeiro nomeadamente,

o primeiro de um bocadinho de terra, no maior do que aquele que, em regra, ele

pode cultivar com a sua prpria famlia, e no mais pequeno do que aquele que

sustenta a famlia. Este pequeno campons, tal como o pequeno arteso, tambm

um operrio que se diferencia do proletrio moderno por estar ainda na posse do seu

meio de trabalho; [], portanto, uma sobrevivncia de um modo de produo

passado. Diferencia-se triplamente do seu antepassado, do campons servo, adscrito

ou muito excepcionalmente tambm livre, ms obrigado a renda e a corveia.

(ENGELS, 1894).

O resgate do conceito de campons e consequentemente o conceito de agricultura

camponesa uma forma legtima de associar o sujeito sua atividade, dando-lhe uma

identidade de classe social que motiva estabelecer uma organizao poltica em defesa de seus

interesses a partir de suas bases. Neste sentido o Movimento Sem Terra com auxlio de

pensadores vem procurando reconstruir/construir no Brasil um sentido histrico e real de

identidade de classe, de luta de classe, de disputa e conflito. Na realidade o Estado brasileiro

j tinha conhecimento das lutas e resistncias dos camponeses em diversas localidades da

Europa e, temendo que o mesmo acontecesse aqui no Brasil, tratou de criar meios e formas

para dificultar e at impedir conforme afirma Jos de Sousa Martins abaixo:

O campons europeu est relacionado realidade da idade mdia, apresentando

caractersticas de um forte enraizamento territorial e resistncia contra o capitalismo.

J a formao do campesinato brasileiro guarda as suas especificidades. Aqui, o

campesinato criado no seio de uma sociedade situada na periferia do capitalismo e

margem do latifndio escravista. At ento, o campons recebia denominaes

34

locais prprias conforme a sua histria e sua regio de origem como: caipira em So

Paulo, Minas Gerais e Gois; caiarano litoral paulista; colono ou caboclo no sul -

dependendo de sua origem, se imigrante ou no (MARTINS, 1981).

Essas denominaes acima apresentadas nos mostram que, esta uma ao que,

historicamente o Brasil fez e faz o possvel para modificar, camuflar e esconder, seja de forma

oficial ou popular-conservadora. Em relao ao aspecto oficial, se materializa quando

denomina e conceitua, agricultores familiares. Uma atitude e posicionamento adotado por

parte do Estado brasileiro como uma ao cujo objetivo dificultar a articulao e

organizao dos camponeses, ou seja, so formas e mecanismos que se criou e se cria para

no resolver problemas do/no campo relacionados aos camponeses.

O uso corrente da expresso agricultura camponesa por amplas parcelas das prprias

famlias camponesas no processo de construo da sua identidade social, pelos

movimentos e organizaes populares no campo, por organismos governamentais,

pela intelectualidade acadmica e por parcela dos meios de comunicao de massa

tem sido crescente nas ltimas dcadas. Isso decorre, por um lado, da aceitao da

concepo, no Brasil contemporneo, de que a agricultura camponesa expresso de

um modo de se fazer agricultura distinto do modo de produo capitalista

dominante, e, nesse sentido, o campesinato se apresenta na formao social

brasileira com uma especificidade, uma lgica que lhe prpria na maneira de

produzir e de viver, uma lgica distinta e contrria dominante. (CARVALHO;

COSTA, p. 30-31, 2012).

Podemos observar que partes dos problemas relacionados aos camponeses provem

de anlises abordadas por autores como, como Engels (1981) e Kautsky (1986), em suas

teorias, de acordo com a realidade vivenciada na poca sobre o avano da agricultura

capitalista que apontaram de forma teoricamente fundamentada desapropriao do

campesinato pela agricultura capitalista provocado pelos vnculos de mercado, pelas as

grandes empresas e pela as instituies nacionais que desestruturavam as bases sociais da

existncia camponesa, (ABRAMOVAY, 2007, p. 139).

Para ABRAMOVAY (2007), parte da existncia dos camponeses s poder resistir

metamorfoseando-se de agricultura camponesa para agricultura familiar um termo que surgiu

por convenincia ideolgica para se contrapor e fragmentar, por meio de aes poltica e

sociais do Estado brasileiro, seja no aspecto do modo de vida, seja no aspecto da luta de

classe, os camponeses. Uma classe social que, baseado em seu aspecto histrico e conceitual,

est assentado num conjunto amplo de relaes polticas, econmicas e sociais que envolvem

todas as atividades existentes no campo brasileiro, sobretudo as relaes no capitalistas de

produo que abarca alm da agricultura tambm a cultura conforme afirma (NEVES, 2012).

Nessa perspectiva, o termo deve ser entendido pelos critrios que distinguem o

produtor por seus respectivos direitos, nas condies asseguradas pela legislao

35

especfica (decreto n 1.946, de 28 de junho de 1996, lei n 11.326, de 24 de julho de

2006, especialmente artigo 3, e demais instrumentos que vo adequando os

desdobramentos alcanados e incorporados): agricultor familiar o que pratica

atividades no meio rural, mas se torna sujeito de direitos se detiver, a qualquer ttulo,

rea inferior a quatro mdulos fiscais; deve apoiar-se predominantemente em mo

de obra da prpria famlia e na gesto imediata das atividades econmicas do

estabelecimento, atividades essas que devem assegurar o maior volume de

rendimentos do grupo domstico. (NEVES, 2012, p.37).

Na realidade, essa concepo foi gestada pelo sistema capitalista que, como afirma

Octvio IANNI (1974), a Amrica Latina sempre houve um compromisso entre o Estado

brasileiro e o sistema econmico, principalmente no setor agrcola, onde essa relao se

constituiu e continua cada vez mais se reproduzindo. Isso se tornou mais evidente com a

criao de rgos governamentais e de incentivos para facilitar a alocao de recursos

pblicos como mencionado acima.

Para (NEVES p. 39, 2012), o conceito de agricultura familiar, em termos gerais ou

abstratos obteve reconhecimento acadmico, poltico e jurdico, consensualmente definido

como: modelo de organizao da produo agropecuria onde predominam a interao entre

gesto e trabalho, a direo do processo produtivo pelos proprietrios e o trabalho familiar,

podendo ser complementado tambm pelo trabalho assalariado. Neste sentido, academia

acaba contribuindo para construo e afirmao ideolgica de polticas econmicas e sociais

que consequentemente favorece a explorao e expropriao dos camponeses pela agricultura

capitalista, que facilmente consegue-se estruturar e desenvolve-se em larga escala.

Neste contexto, o que se quer aqui no so as relaes sociais imediatas entre estes

dois sujeitos de campos sociais distintos. Mas, busca-se a possibilidade de construir

reflexes tericas e metodolgicas sobre uma experincia social da classe

trabalhadora (THOMPSON, 1981), a partir do encontro e suas mediaes entre

movimento social popular e instituio universitria de ensino, pesquisa, e at

extenso a perna atrofiada deste trip, que supostamente seria o elo de ligao da

universidade com as questes das classes sociais subalternizadas (THOMPSON,

Apud, BADAR 2012).

Em termos prticos a compreenso do conceito Agricultura Familiar foi um meio

que o Estado brasileiro encontrou para dividir/fragmentar/separar poltico e

institucionalmente, por meio de Lei, as diversas formas de articulao e organizao dos

modos de produo, da classe e das categorias de trabalhadores existentes no campo, todas

conhecida historicamente como camponeses, a qual forma tambm a classe-camponesa

conforme descreve:

A conquista de tais definies e respectivos direitos importante para a diminuio

de certo insulamento poltico e cultural. E para o enfrentamento da atribuda e

imposta precariedade material dos camponeses, dos pequenos produtores, dos

arrendatrios, dos parceiros, dos colonos, dos meeiros, dos assentados rurais, dos

36

trabalhadores sem-terra designaes mais aproximativas da diversidade de

situaes socioeconmicas assim abarcadas. (NEVES p.37, 2012).

Para Martins (1987) as mltiplas denominaes atribudas aos camponeses

relacionadas s atividades e o modo de vida desenvolvido pelos sujeitos que vivem no campo

brasileiro, sempre foi uma ao que ocorreu com frequncia por parte do Estado brasileiro que

de forma direta e indiretamente contribuiu para criar, propagar e popularizar termos

considerado pejorativo e entendido tambm como preconceito. Termos que na realidade

serviram para dificultar a compreenso do sujeito campons sob a sua identidade de classe

social, o que consequentemente pode causar diviso interna entre os camponeses, fato que

inviabiliza a capacidade de articulao e organizao dos mesmos quanto aos seus direitos.

Portanto, os latifundirios e o Estado, entendendo que o termo campons refere-se

a uma conceito-classe social, que carrega consigo um histrico de luta e resistncia bastante

conhecida na Europa entre os sculos XVI e XIX, resolveram adotar a ttica de criar e apoiar

denominaes que desvirtuassem o verdadeiro sentido e a importncia desse termo. Pois

temiam que os camponeses brasileiros tivessem conscincia de classe social prximo ou

semelhante s dos camponeses europeus.

Neste sentido, o Estado em pleno governo neoliberalismo (1990 a 1996), pressionado

pelo a agricultura capitalista que pretendia expandir cada vez mais o processo de explorao,

apropriao e expropriao dos camponeses de suas terras, cumpriu seu papel, criando a lei n

11.326/2006, lei que conceitua agricultura familiar cujo objetivo integrar os modos e os

meios de produo dos camponeses agricultura capitalista e ao mesmo tempo enfraquecer e

desestruturar as lutas sociais no campo. Isso quer dizer que, sendo agricultura familiar,

envolve-se num conjunto de relaes entre o Estado, agricultura capitalista e o capital, de tal

maneira que dificulta formas de ao e relaes comunitrias de modo que inviabiliza a

capacidade de lutas sociais por interesses comuns, h tambm um forte incentivo na

competio com nfase para os interesses individuais.

Entretanto, h um conjunto de autores que no concordam com a leitura que defende

o desaparecimento ou metamorfose do campons, dentre eles destaco CHAIANOV (1981),

MARTINS (1981), OLIVEIRA (1986), NEVES (2012) e CARVALHO (2005). Em sua

identificao, CARVALHO (2005) afirma que no campesinato brasileiro se apresenta trs

tipos de paradigmas que tratam do futuro da propriedade camponesa: o paradigma do fim do

campesinato, o paradigma do fim do fim do campesinato e o paradigma da metamorfose do

campesinato.

37

O paradigma do fim do campesinato classifica o campesinato como resqucio em

vias de extino, j foi tratado neste ensaio quando se falou da questo agrria na Europa.

Segundo Carvalho (2005) este paradigma possui duas leituras, uma se baseia na diferenciao

gerada pela renda capitalizada da terra que destri o campesinato, transformando pequena

parte em capitalistas e grande parte em assalariados. E a outra leitura acredita simplesmente

na inviabilidade da agricultura camponesa perante a supremacia da agricultura capitalista.

O paradigma do fim do fim do campesinato apontado por Carvalho (2005) entende

que a destruio deste pela sua diferenciao no determina o seu fim. Concorda que o capital

ao se apropriar da riqueza produzida pelo trabalho da agricultura familiar camponesa, por

meio da renda capitalizada pela explorao da terra que gera diferenciao nas relaes

sociais do campesinato como afirma.

Igualmente, fato que ao capital interessa a continuao desse processo para

o seu prprio desenvolvimento. Em diferentes condies, a apropriao da

renda capitalizada da terra mais interessante ao capital do que o

assalariamento. Por essa razo, os proprietrios de terra e capitalistas

oferecem suas terras em arrendamento aos camponeses ou oferecem

condies para a produo nas propriedades camponesas. (CARVALHO,

2005, p. 24).

O autor aponta, ainda, quais seriam as trs formas de recriao do campesinato: o

arrendamento, a compra da terra e a ocupao da terra. E assim se desenvolve num constante

processo de territorializao e de desterritorializao da agricultura camponesa, ou de

destruio e recriao do campesinato (CARVALHO, 2005, p. 24).

O paradigma da metamorfose do campesinato. Este paradigma apontado por

CARVALHO (2005) o da metamorfose do campesinato em agricultura familiar, defendido

por ABRAMOVAY (2007), LAMARCHE (1993) entre outros. Surgiu na ltima dcada do

sculo XX.

Essa lgica dualista processual, pois o campons para ser moderno precisa

se metamorfosear em agricultor familiar. [...] Esse processo de

transformao do sujeito campons em sujeito agricultor familiar sugere

tambm uma mudana ideolgica. O campons metamorfoseado em

agricultor familiar perde a sua histria de resistncia e se torna um sujeito

conformado com o processo de diferenciao que passa a ser um processo

natural do capitalismo. (CARVALHO, 2005, p. 25).

Neste sentido as diferentes concepes tericas de compreenso do desenvolvimento

do capitalismo no campo podem ser divididas em dois paradigmas: o paradigma do

capitalismo agrrio e o paradigma da questo agrria.

38

O paradigma do capitalismo agrrio trata-se de um pensamento consensual, que

defende a expanso do capitalismo de maneira nica e homognea, uma ideia articulada por

um grupo de tericos ligados RIMISP - Centro Latinoamericano para el Desarrollo Rural

vinculado ao Banco Mundial (2005), entende que o futuro do campesinato est na