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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE DIREITO AUREA LUISE ABREU ALVES Os reflexos da Partilha do FGTS nas dissoluções do Casamento e da União Estável NITERÓI 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE DIREITO

AUREA LUISE ABREU ALVES

Os reflexos da Partilha do FGTS nas dissoluções do Casamento e da União Estável

NITERÓI

2017

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AUREA LUISE ABREU ALVES

Os reflexos da Partilha do FGTS nas dissoluções do Casamento e União Estável

Trabalho de conclusão de curso apresentado à

Faculdade de Direito da Universidade Federal

Fluminense, como requisito parcial para

obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Prof. Drª. Fernanda Pontes Pimentel

NITERÓI

2017

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AUREA LUISE ABREU ALVES

Os reflexos da Partilha do FGTS nas dissoluções do Casamento e União Estável

Trabalho de conclusão de curso apresentado à

Faculdade de Direito da Universidade Federal

Fluminense, como requisito parcial para

obtenção do título de Bacharel em Direito.

DATA DE APROVAÇÃO: ____/ ____/ _____

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Prof.ª Drª Fernanda Pontes Pimentel

Orientadora

________________________________________________

Prof. Dr Sérvio Túlio Santos Vieira

________________________________________________

Prof Ms Alexander Seixas da Costa

Niterói

2017

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca da Faculdade de Direito

A474

Alves, Aurea Luise Abreu

Os reflexos da partilha do FGTS nas dissoluções do

casamento e da união estável/ Aurea Luise Abreu Alves –

Niterói, 2017.

51 f.

Orientador: Prof. Fernanda Pontes Pimentel

TCC (Curso de Graduação em Direito) – Universidade

Federal Fluminense, 2017.

1. Direito das famílias. 2. Casamento. 3. União estável. 4.

Partilha. 5. FGTS. I. Universidade Federal Fluminense.

Faculdade de Direito, Instituição responsável II. Título.

CDD 342.16

Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Elazimar Menezes – CRB7 – 3.912

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais e meus avós, pilares de minha força e

inspiração na minha vida.

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AGRADECIMENTOS

À minha família que as vezes perto, as vezes longe me apoiou nessa jornada de cinco anos de

faculdade. Passando por uma maratona que em um piscar de olhos termina com este belo trabalho.

Sempre fonte de inspiração e determinação para seguir, um agradecimento especial ao meu irmão Lucas

Augusto, que me auxiliou nas crises, que me repreendeu nos erros, que como todo irmão mais velho

protege e guia sua irmã mais nova da melhor forma que consegue.

Ao meu pai, exemplo de perseverança e de profissional como advogado que mesmo diante da

idade avançada fez-se presente e respaldou minha caminhada por toda a faculdade. À minha mãe

agradeço por ser meu modelo de mulher forte, trabalhadora, que sempre me ensinou o valor da mulher,

o valor do trabalho e o valor da independência da mulher diante da sociedade. À minha avó, a mulher

mais forte, mais aguerrida que eu conheço, agradeço por me ensinar o poder da fé, o poder do foco e do

esforço em alcançar nossos objetivos.

Aos meus queridos amigos, que considero-me a mais afortunada de todas por poder chama-los

assim. Primeiramente minha dupla de amigas que apesar do sangue negar, todo o resto em minha vida

afirma como sendo minhas genuínas irmãs: Elaine e Daniella. Além delas, minha querida Sonia Maria,

meu braço direito, esta que por destino trabalha há mais de 30 em minha casa mas mora no meu coração

como minha querida amiga e conselheira.

Por conseguinte, minhas melhores amigas, estas conquistadas no ensino médio, no qual só foi

possível perseverar no caos dessa fase e do pré vestibular com vocês na minha vida. E o mesmo vale até

hoje. Obrigada à todas por aturarem minhas ausências, meu distanciamento, minha tristeza e mau humor.

Obrigada também por sempre acreditarem em mim, por me apoiarem e por estarem presentes nesse

momento tão especial da minha vida.

Por fim e não menos importantes, agradeço aos meus queridos professores. Como filha de uma,

devo destacar mais uma vez a importância de vocês em minha vida. Da professora do jardim que

aguentou minhas traquinagens como abrir o portão e soltar as crianças antes do tempo, passando pelos

professores que auxiliaram de toda forma à alcançar esse objetivo, a faculdade. Aos dedicados

professores e professoras da faculdade, que me trouxeram até aqui e foram exemplos do profissional

que eu quero ser.

Mas especialmente, à minha querida orientadora Fernanda Pimentel que não só teve uma aluna

com reiteradas perguntas antes e depois da aula. Como se tornou sua orientadora de mesma que até o

fim deste trabalho lhe pregou um ou outro susto no processo criativo da monografia.

À todos muito obrigada, o meu sucesso de hoje tem um empurrãozinho de cada um de vocês

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EPÍGRAFE

MEUS OITO ANOS

Oh! que saudades que tenho

Da aurora da minha vida,

Da minha infância querida

Que os anos não trazem mais!

Que amor, que sonhos, que flores,

Naquelas tardes fagueiras

À sombra das bananeiras,

Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias

Do despontar da existência!

— Respira a alma inocência

Como perfumes a flor;

O mar é — lago sereno,

O céu — um manto azulado,

O mundo — um sonho dourado,

A vida — um hino d'amor!

Que aurora, que sol, que vida,

Que noites de melodia

Naquela doce alegria,

Naquele ingênuo folgar!

O céu bordado d'estrelas,

A terra de aromas cheia

As ondas beijando a areia

E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!

Oh! meu céu de primavera!

Que doce a vida não era

Nessa risonha manhã!

Em vez das mágoas de agora,

Eu tinha nessas delícias

De minha mãe as carícias

E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,

Eu ia bem satisfeito,

Da camisa aberta o peito,

— Pés descalços, braços nus

— Correndo pelas campinas

A roda das cachoeiras,

Atrás das asas ligeiras

Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos

Ia colher as pitangas,

Trepava a tirar as mangas,

Brincava à beira do mar;

Rezava às Ave-Marias,

Achava o céu sempre lindo.

Adormecia sorrindo

E despertava a cantar!

................................

Oh! que saudades que tenho

Da aurora da minha vida,

Da minha infância querida

Que os anos não trazem mais!

— Que amor, que sonhos, que flores,

Naquelas tardes fagueiras

A sombra das bananeiras

Debaixo dos laranjais!

Casimiro de Abreu

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RESUMO

ALVES, Aurea Luise Abreu. Os reflexos da Partilha do FGTS nas dissoluções do Casamento

e União Estável _fls. Artigo (Graduação em Direito) – Universidade Federal Fluminense,

Niterói, 2017.

O presente artigo visa analisar a ocorrência da comunicação da verba do FGTS nas partilhas

que ocorrem a partir do divórcio ou da dissolução da união estável. Para isso, após uma

introdução sobre o tema, analisar-se-á os aspectos gerais da verba trabalhista objeto de pleito

nas ações, o FGTS. Insere-se a mesma no panorama do direito de família por meio da análise

do casamento, união estável e seus regimes de bens. Por fim, serão apresentados as

jurisprudências atuais sobre o tema que estão emergindo nos tribunais brasileiros.

Palavras-Chave: FGTS. Partilha. Tribunais Brasileiros. Casamento. União Estável

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ABSTRACT

This article aims to analyze how is done the sharing of the fund called Time Deposit Fund -

"FGTS" during the split of a marriage or a stable union. For that, it is necessary to analyse first

the kind of assed, in the present case a money witch has it’s origins in labor, basic manpower.

Later further in the text the fund is inserted in the family law, in the context of the relationship

to go through the ways the assets are shared in a divorce or dissolution of a stable union. None

of the last, the jurisprudence about the topic of Brazilian Courts are examined to show how the

judging are dealing with this controversial theme in law.

Keywords:Time Deposit Fund "FGTS". Assets Split. Brazilian Courts. Marriage. Stable Union

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................11

1 DISPOSIÇÕES GERAIS ACERCA DO FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE

SERVIÇO

1.1 HISTÓRICO DE CRIAÇÃO DO FGTS .................................................................12

1.2 NATUREZA JURÍDICA DO FGTS ......................................................................15

2 REGIMES DE BENS INCIDENTES SOBRE O CASAMENTO E A UNIÃO ESTÁVEL:

EFEITOS

2.1 FAMÍLIA:DO ENLACE CONJUGAL AO DIVÓRCIO .......................................21

2.2 FUNÇÃO ECONÔMICA VS FUNÇÃO SOCIAL DO CASAMENTO ...............29

2.3 ALGUNS ASPECTOS DA VIDA PATRIMONIAL NAS CONJUGALIDADES

......................................................................................................................................30

3 DISSOLUÇÃO DOS VÍNCULOS DE CONJUGALIDADE E A PARTILHA DO FGTS:

UMA ANÁLISE DA PARTIR DE DECISÕES JUDICIAIS

3.1 DISSOLUÇÕES E PARTILHAS À LUZ DOS TRIBUNAIS ...............................35

3.2 ANÁLISE DAS DECISÕES PROFERIDAS PELOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA

DO ESTADO DE MINAS GERAIS E DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

......................................................................................................................................37

3.3 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ........................................................43

3.4 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF ...........................................................47

CONCLUSÃO .........................................................................................................................48

REFERÊNCIAS .......................................................................................................................49

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi desenvolvido para levantar consciência e questionamento sobre

a atual situação da repartição da verba trabalhista Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço

diante do pleito de meação em divórcios e dissoluções de uniões estáveis.

O presente tema foi escolhido com base na publicidade de um tema de extrema

importância para o direito de família e direito do trabalho. E porque, a princípio, foi entendido

a possibilidade ao direito à meação no que tange ao fundo de garantia, mesmo em um quando

de decisões sobre as mesmas nos tribunais competentes serem extremamente controvertidas.

Não apenas isso, conforme futura exposição demonstra, essas decisões são compostas de

votações acirradas e, muitas vezes, pouco profundas diante da magnitude do instituto do FGTS.

Logo, no Primeiro Capítulo do trabalho, são tratadas as nuances muito específicas

acerca a verba pleiteada, o FGTS. Para tanto são utilizadas não apenas os livros de doutrina

como norte, mas também suas leis regentes conforme período histórico: a Lei 3.470 de 28 de

Novembro de 1958, a Lei 5.107, 13 de Setembro de1966 e Lei 8.036, de 11 de Maio de 1990

e, por fim, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Em capítulo seguinte, vai analisar as camadas dos institutos do direito de família

pertinentes ao pleito: o divórcio e a união estável. O enfoque maior desse estude é dado a

aplicação da partilha, logo, a ênfase é nos regimes de bens que incidem em cada uma das

relações de conjugalidade relacionadas a esses institutos. Nesse sentido, a pauta da

comunicabilidade de bens é inserida no contexto do raciocínio e abarca a verba do FGTS na

elucidação.

Finalmente, no capítulo terceiro, são destacados os questionamentos levantados ao

longo da análise do corpo do trabalho e decisões de dois Tribunais de Justiça. Essa escolha de

tribunais foi realizada com base nas decisões que ascenderam aos tribunais superiores, logo os

com mais incidência de decisões sobre a temática, forma o Tribunal de Justiça de Minas Gerais

e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Além das decisões dos Tribunais de Justiça,

foram pesquisadas e analisadas as decisões das Cortes Federais Superiores, o Superior Tribunal

de Justiça e Supremo Tribunal Federal. Apesar da importância do assunto, as decisões desses

últimos são de número muito reduzido, porém de uma diversidade interessante.

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1 DISPOSIÇÕES GERAIS ACERCA DO FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE

SERVIÇO

1.1 Histórico de Criação do FGTS

A idealização do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço foi realizada para suprir a

insegurança do trabalhador no mercado de trabalho brasileiro. A ideia de seguridade por meio

de um regime de indenização por tempo de serviços prestados foi desenvolvida de forma

contemporânea a estabilidade empregatícia durante a formulação da legislação trabalhista da

década de 1930. A estabilidade era, até então, alcançada após dez anos ininterruptos do

trabalhador na empresa e o valor a ser recebido do fundo variava conforme seu tempo de serviço

e sua base de cálculo para a contribuição contínua.

De acordo com Mauricio Godinho o FGTS é formado de “recolhimentos pecuniários

mensais, efetivados pelo empregador em conta bancária vinculada em nome do trabalhador, em

conformidade com parâmetro de cálculo estipulado legalmente” (GODINHO, 2016, p.1411).

Nessa mesma temática o autor destaca característica adquirida recentemente pelo fundo, com a

última Constituição Federal, de imperatividade.

Ainda em sua fase embrionária, o fundo criado para proteger o empregado da morte do

empregador e de sua falência repentina foi previsto na Lei nº 3.470 de 1958. Nela já existia a

previsão da formação do fundo de indenização ao trabalhador em termos muito similares aos

atualmente utilizados de modo a salvaguardar o máximo possível o ente vulnerável na relação

desfavorável diante do empregador:

Art 46. Fica revogado o inciso II do artigo 6º da Lei nº 2.354, de 29 de

novembro de 1954, acrescentando-se ao artigo 37 do Regulamento do

Impôsto de Renda aprovado pelo Decreto nº 40.702, de 31 de dezembro

de 1956, os seguintes dispositivos: (Regulamento) Ver tópico (2

documentos)

h) as quantias destinadas à constituição de fundo de reserva para

indenizações previstas na legislação do trabalho, desde que aplicadas

em títulos da dívida pública de emissão especial, cujo resgate imediato

ficará assegurado para o pagamento efetivo das indenizações." "§ 5º As

importâncias mencionadas na alínea" h "dêste artigo não poderão

exceder, em cada exercício social, do limite de 7% (sete por cento) da

remuneração paga aos empregados durante o ano, correndo

obrigatòriamente por conta dêsse fundo os dispêndios realizados, no

decurso de cada exercício, a título de indenização." "§ 6º As quantias

correspondentes ao fundo de reserva de que trata a letra" h " dêste artigo

sòmente poderão ser utilizadas em sua finalidade específica.

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“§ 7º O limite máximo do saldo da reserva prevista na alínea" h "dêste

artigo não poderá ultrapassar o total das fôlhas de pagamento do último

ano.”

Parágrafo único. Fica o Poder Executivo autorizado a emitir os títulos

da Dívida Pública Federal a que se refere êste artigo até o montante

anual da respectiva previsão do orçamento geral da União. (Grifou-se)

Por um lado, essa forma de favorecimento ao empregado era considerada um meio de

incentivá-lo a alcançar a meta da estabilidade e, portanto, a plena efetivação. Por outro lado, foi

constatada uma prática de forma expressiva pelos empregadores de que, com a proximidade da

data de estabilização do empregado, os mesmos, sem maiores motivos dispensavam o aspirante

a estabilidade para que o vínculo por definitivo e estável não fosse concretizado.

Isso se devia em sua maior parte pelo fato da estabilidade ser excelente para o empregado

mas ser considerada paralisante para as tomadas de decisão do empregador tendo em vista a

ausência de previsão de dispensa daqueles, agora estáveis, por motivo econômico ou financeiro.

Nesse contexto de crescente desânimo quanto a segurança das oportunidades de trabalho e de

crescente receio de investimento em capacitação no empregado foram criadas as chamadas

indenizações rescisórias e indenizações por tempo de serviço.

Com o implementação da Constituição atual a estabilidade no setor privado ficou muito

escassa. Dessa forma, a figura como um todo da estabilidade tornou-se rarefeita tendo como

principais exemplos ainda existentes os empregados com contratos assinados anteriormente à

Constituição Federal regidos pela CLT, a dos servidores públicos que são regidos pela CLT e

ao tempo da implementação da constituição possuíam cinco anos no emprego e o caso do

servidor público celetista concursado regido pelo previsto no artigo 41 da Carta da República.

Faz-se mister destacar diante disso que estabilidade é definida por Mauricio Godinho como

sendo:

vantagem jurídica de caráter permanente deferida ao empregado em

virtude de circunstancia tipificada de caráter geral, de modo a assegurar

a manutenção indefinida no tempo do vínculo empregatício,

independentemente da vontade do empregador.

(Grifou-se)

Nesse contexto, o doutrinador Godinho entende que existia a insatisfação da classe

empresária e da classe empregada, presa em um ciclo de fuga e perseguição da tão sonhada

estabilidade que foi criado por meio da Lei nº 5.107 de 1966 (GODINHO, 2016, P.1379). Esta

lei que idealizou e regeu o FGTS como sistema alternativo aos sistemas indenizatório e

estabilitário até ser substituída pela Lei nº 8.036 de 1990.

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A formação desse fundo foi visto de forma muito favorável para o empregado porém,

mesmo diante dessa imagem positiva, foi dado a ele a possibilidade de não aderir a forma de

aplicação do FGTS, conforme art. 1º da Lei nº 5.107/66. Cabe destacar que mesmo diante da

não acepção de forma escrita ou retroativa, como eram previstas, pelo empregado do FGTS, o

empregador era obrigado por essa última lei a recolher o valor correspondente ao fundo, porém

este montante enquanto não fosse realizada a adesão por meio do empregado não era de sua

propriedade.

Apesar dessa faculdade, foi estabelecido no mesmo artigo o prazo de um ano para que fosse

manifestada tal vontade e era necessário que a mesma fosse realizada de forma expressa.

Importante destacar que apesar do disposto na norma legal, também foi facultado ao

trabalhador, a qualquer tempo, pleitear o ingresso nesse regime de contribuição desde que a

declaração fosse devidamente homologada pela Justiça do Trabalho (VÓLIA, 2015, P.1.180).

Nessa linha de raciocínio de Maurício Godinho, a criação do FGTS foi uma tentativa de

reverter o crescente quadro de insegurança ironicamente gerado pela estabilidade decenal mal

regulada (GODINHO, 2016, P.1.383). O FGTS foi enquadrado a época nas verbas rescisórias.

Atualmente consta no Capítulo em que as verbas estão inseridas na Consolidação das Leis do

Trabalho previsto nos arts. 477 ao 486 – Capítulo V, referente à rescisão contratual e nos arts.

492 à 500 da CLT – Capítulo VII referente à estabilidade.

O FGTS é uma contribuição atualmente de caráter compulsório (GODINHO, 2016, p.1.413)

porém, sem ofender o princípio da proteção do trabalhador este valor não é deduzido de sua

remuneração. O valor consiste em 8% calculado sobre o valor da remuneração atualmente paga

ao empregado beneficiado. Faz – se mister destacar que por meio do art. 18 da Lei nº 8036/90

e posterior majoração por meio do ADCT- Ato das Disposições Constitucionais Transitórias –

nº 10 o empregado em determinadas situações tem direito a indenização pela dispensa do

emprego, atualmente calculada como 40% do saldo da conta vinculada ao FGTS. Considera-se

que essa indenização tem a mesma natureza jurídica da antiga indenização por tempo de

serviço, ironicamente.

Esse fundo foi criado, mais precisamente imposto, durante a Ditadura Civil Militar que

ocorria no Brasil. Foi nesse contexto de exceção e marcada censura que nasceu o Fundo de

Garantia por Tempo de Serviço, sendo mais um baque para a relação já fragilizada do

empregado e empregador. Não suficiente todos os motivos elencados acima, a imposição e

ausência de diálogo com ambas as partes afetadas foi mais um fator de resistência à

implementação do FGTS, tendo em vista o mesmo não ser a época imperativo.

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Carreando para a atualidade, nem a estabilidade celetista e nem as indenizações por tempo

de serviço foram recepcionadas pela Constituição Federal de 1988. Estas últimas têm sua

finalidade abrangida no ordenamento atual pelo FGTS. Importante destacar que, com a

Constituição mais recente, a estabilidade empregatícia teve sua previsão legal redistribuída para

os arts. 19 do ADCT e 41 da Carta Magna que tratam da estabilidade dos servidores públicos,

logo estatutários.

A Lei Fundamental por meio da não recepção desses institutos enfatiza o valor do princípio

da continuidade da relação de emprego. Gradualmente foi instalado um processo de superação

do sistema celetista por tempo de serviço e do contrato. Almejou também com essas mudanças

o contingenciamento do exercício potestativo da vontade empresarial sobre a manutenção da

relação empregatícia.

Essa limitação é uma forma de regulação estatal sobre as diretrizes empresariais que

permeiam as atividades econômicas do país. De modo a não mais manter o empregado cativo

de uma relação sem a devida segurança jurídica a Constituição sabiamente vem restringir a

dispensa arbitrária e sem justa causa com base nos princípios basilares que abarcam os direitos

trabalhistas estabelecidos no art. 7º do Pacto da Nação: “São direitos dos trabalhadores urbanos

e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego

protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que

preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;” e no art. 10, II do ADCT.

A Lei maior tornou incompatível o FGTS e a estabilidade nos moldes antigos, tendo em

vista a diversidade de regras aplicados para os regimes celetistas e estatutários. Apenas os já

estáveis e que participaram do processo de transição do FGTS, até então, conseguiram conciliar

ambos.

1.2 Natureza Jurídica do FGTS

O FGTS foi centro por um longo período de tempo de discussões acerca de sua natureza

jurídica. A princípio ela era considerada como híbrida, variando na forma bipartida ou tripartite

no que tange às combinações das “naturezas” que a compunham – tributária, previdenciária, de

salário diferido, de indenização. Atualmente, após entendimento do Supremo Tribunal Federal

– STF no Agravo no Recurso Especial 709.212/DF com relatoria do Ministro Gilmar Mendes,

conclui-se que esta não é híbrida, tem natureza unitária. Controvérsias a parte, o ponto em

comum na discussão sobre o assunto que é percebido é a presença constante nessas

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classificações de sua característica imperativa – no regime atual - e o fato de ser sempre

personalíssimo.

Cabendo, nessa linha de pensamento relembrar que desde a lei matriz do FGTS era

proposta a criação de um modelo equivalente a uma conta poupança em nome do empregado.

Inicialmente essas contas poderiam ser abertas em agências bancárias de qualquer banco do

país. Entretanto, a partir da década de 1990, essas contas ficaram limitadas às agências da Caixa

Econômica Federal. Esta entidade passa a ser o agente centralizador e operador do FGTS e

também foco dos financiamentos para moradia própria.

Ainda no que tange à competência da CEF, esta gerencia o fundo não apenas para dispor

ao trabalhador de sua verba mas para diversas outras finalidades como é demonstrado na

previsão de suas funções como “agente operadora” no art. 7º da lei 8036/90. Dentre seus nove

incisos, interessante destacar a marcante função social do capital ingressado como FGTS e que

durante o período de permanência nesse Banco Federal, ganha destinação essencialmente social

conforme inciso IV da norma anteriormente citada: “IV- elaborar as análises jurídica e

econômico-financeira dos projetos de habitação popular, infraestrutura urbana e saneamento

básico a serem financiados com recursos do FGTS.

Entende-se que, tendo em vista o supracitado a contribuição de do FGTS é realizado de

forma regular e pessoal. Anteriormente, a pessoa empregada possuía uma conta em seu nome

e conforme havia a mudança de empregadores a conta permanecia a mesma, única, em nome

do empregado, Atualmente as contas mantém seu cunho personalíssimo no nome do

empregado, entretanto, para cada contrato de trabalho aberto é aberta nova conta de

contribuição de FGTS.

Este atributo da pessoalidade considera-se como presente tendo em vista para promover

a facilitação de seu pagamento e para salvaguardar o empregado de dificuldades em acessá-lo.

A relação empregatícia é via de regra regida pela pessoalidade do empregado. Esse princípio é

levado para os demais institutos do direito do trabalho como norte tendo em vista os interesses

do empregado, geralmente em posição mais vulnerável.

Além desse, o princípio da onerosidade mostra-se essencial também para a mesma

relação, sendo inclusive citado no art. 3º da CLT para configurar as características do

empregador. Logo, depreende-se que a onerosidade é força motriz para a manutenção da relação

de emprego pois a funcionalidade do dever proposto vai ser sempre dependente da

contraprestação obrigatória pendente a ser recebida pelo empregado – animus de recebimento

da contraprestação.

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Por muito tempo a controvérsia sobre o hibridismo da natureza do FGTS foi pauta de

discussão entre doutrinadores. Entretanto, em agravo de recurso extraordinário levado ao STF

em 2012 – ARE 709212/DF – ação em que era questionado o prazo de prescrição para requerer

a cobrança de seu pagamento ao empregador responsável e inadimplente com a obrigação em

questão. Essa decisão do Ministro Gilmar Mendes foi divisora de águas não apenas pelo seu

efeito erga omnes mas também por analisar e esclarecer de forma clara e completa a real

natureza jurídica do FGTS.

Nesta decisão foram elucidadas questões do FGTS ter apenas a natureza jurídica de

“direito social do empregado”, ou seja, natureza trabalhista e social. Vai além o Ministro do

Supremo ao explicitar que a contribuição não se encaixa na previsão do art. 7º, XXIX da

Constituição Federal, sendo sacramentada como direito social inserido no princípio

constitucional da proteção ao trabalhador constante no mesmo inciso da Carta Magna.

O que não é de conhecimento comum mas é de extrema importância sobre a temática

do FGTS é o fato do mesmo ser um fundo social. Isso se deve a ele consistir em um fundo

monetário diverso, moldado não apenas da contribuição mensal obrigatória do empregador mas

também de depósitos recursais trabalhistas por exemplo e outras diversas verbas previstas no

art. 2º da Lei nº 8.036/90.

Ainda neste mesmo sentido, faz-se mister destacar que os empregados urbanos e rurais têm

direito à contribuição ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço tendo sua definição no art.

2º do Decreto nº 99.684/90 e no art. 3º da CLT, conforme se transcreve:

“Art. 2° Para os efeitos deste regulamento considera-se:

I - empregador, a pessoa natural ou jurídica de direito público ou

privado, da Administração Pública direta, indireta ou fundacional de

qualquer dos Poderes, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios, que admitir trabalhadores a seu serviço, bem assim aquele

que, regido por legislação especial, encontrar-se nessa condição ou

figurar como fornecedor ou tomador de mão-de-obra

II - trabalhador, a pessoa natural que prestar serviços a empregador,

excluídos os eventuais, os autônomos e os servidores públicos civis e

militares sujeitos a regime jurídico próprio.”

(grifou-se)

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços

de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e

mediante salário.

Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego

e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e

manual.

(grifou-se)

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18

Foi constatado por meio de pesquisa da década de 1960 que os empresários, em sua maioria,

não se mostraram favoráveis ao sistema instituído para conceder estabilidade ao trabalhador.

Mesmo contra a previsão legal, a pesquisa da Universidade de Havard1 mostra que 46%

confirmou a existência em suas empresas de diretrizes objetivando limitar o número de

empregados que alcancem a estabilidade por meio da estabilidade decenal.

Em uma de suas primeiras versões, o fundo compulsava às pessoas jurídicas que

contribuíssem com o imposto de renda para realizar o recolhimento para tal fundo no valor de

3% a 7% da remuneração concedida ao empregado, conforme norma legal transcrita e análise

feita por Vólia Bonfim (VÓLIA, 2015, P.1.179) em sua introdução sobre o tema.

Até agora a análise sobre o FGTS foi visto pelo panorama do empregado e empregador.

Entretanto, resta um viés ainda não abordado de um ente afetado, e positivamente, por sua

criação, o Estado. Foi estabelecida uma relação simbiótica entre os projetos governamentais de

financiamento e desenvolvimento de moradias próprias, a contribuição para o fundo e o

empregado.

O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço é um fundo monetário com forte função social

tendo previsão em sua lei regente que a sua verba é destinada para a execução de programas de

habitação popular, saneamento básico e infraestrutura urbana. Isso está descrito nos arts. 6º e

9º da Lei nº 8.036/90 (GODINHO, 2016, P1.417). Conforme explicado, o arrecadado com as

contribuições do FGTS fornece o capital necessário ao Estado para proporcionar a concessão

dos financiamentos para a casa própria populares.

Existem também previsões de possibilidade do saque parcial ou total, a depender da

situação, do FGTS pelo próprio empregado. Os motivos são os mais diversos possíveis, eles

encontram-se nos arts. 18 e 20 da Lei que regulamenta o FGTS. As possibilidades variam de

financiamento da moradia própria, necessidade de prótese por deficiência física até como para

respaldar o mesmo em momentos de maiores necessidades ocasionados por desastres naturais.

No que tange ao saque, este, como já mencionado pode ser realizado de forma parcial ou de

forma total da conta do fundo. Cabe destacar que, ao contrário do comum senso, o saque não é

restrito à situações de extinção do contrato de trabalho, apesar de possuir um número relevante

de previsões nesse sentido. Causas menos conhecidas dessa estirpe são a idade igual ou superior

a setenta anos do trabalhador e problemas de saúde do trabalhador ou de membro da família.

1 VIANNA, LUIZ WERNECK. Liberalismo e Sindicato no Brasil.1999. P343-343. apud DELGADO, Mauricio

Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 2016. P.1.380

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Não obstante as demais situações previstas de rescisão contratual sejam deveras

importante para a temática do FGTS, diante da problemática que será analisada do direito do

trabalho juntamente com o direito de família, entende-se que essas hipóteses de cunho mais

social são mais relevantes para o debate que será levantado, Mais uma vez, reiterando o

discorrido ao longo do texto, ganha evidencia o forte papel social do direito do trabalho e o

quanto está impregnado na natureza jurídica do FGTS.

Ou seja, deduz-se desse rol de hipóteses permissivas de saques que o FGTS é um fundo

com alta relevância social, majoritariamente para proteger o empregado contribuinte, essas

situações de saque indicam risco de necessidade: doença, aposentadoria, de uma forma geral,

uma precaução protetiva quanto a fatos futuros e incertos. Nessa linha de raciocínio faz sentido

uma das clássicas exceções de empregado de contribuição facultativa, atualmente ter se tornado

de contribuição obrigatória que é o empregado doméstico.

O trabalhador doméstico costumava ser exceção e possui lei própria, a Lei Complementar

nº 150/15. A contribuição, agora obrigatória pelo simples doméstico, deve ser realizada

absolutamente enquanto perdurar o contrato de trabalho, dada as exceções previstas no art. 4º

da CLT juntamente com o art. 28 do mesmo Decreto.

Ainda persistem os casos em que não é necessária a contribuição do FGTS. Esses casos

são referentes às situações em que ocorre a suspensão do contrato, por exemplo. Basicamente

a ponderação sobre a exigibilidade da contribuição do FGTS nesses casos é realizada com base

no critério de disposição do empregado para a atividade e quanto ao recebimento da

remuneração.

Existem alguns casos paradigmas sobre o assunto. É muito interessante para a problemática

em questão tendo em vista a oscilação da contribuição ser afetada pelo fator gênero, via de

regra. Basicamente a linha de raciocínio traçada seria a de que havendo a suspensão do contrato

de trabalho não seria compulsória a contribuição do FGTS referente àquele período tendo em

vista a ausência de fator determinante à relação de trabalho que é a plena disponibilidade do

empregado durante determinado período de tempo. A temporariedade é fator adjunto na

previsão da remuneração e da contribuição, não é possível ocorrer esse tipo de eventualidade

na atividade.

Mesmo com essas diretrizes, há previsão com reconhecimento doutrinário sobre três

suspensões que enquadram-se nas exceções. Estes são casos de suspensão do contrato em que

mesmo assim é necessário por meio do empregador da contribuição do FGTS. São eles: o caso

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do auxílio doença acidentário, salário maternidade, prestação de serviço militar e encargo

público.

Posteriormente, com base no princípio da isonomia, a licença concedida à gestante foi

estendida aos adotantes por meio dos arts. 392-A e 392-C da Consolidação das Leis

Trabalhistas. Nesses casos de salário maternidade o empregador pagará salário maternidade.

Não realidade o pagamento em questão é salário, mas será realizado por meio das verbas

oriundas da previdência. O empregador operacionaliza o pagamento, mas o custeio é da

previdência, logo, pode-se deduzir que apesar de ser chamado de salário possui natureza de

benefício previdenciário.

Com base no mesmo princípio, foi previsto o pagamento do FGTS a figura paterna durante

licença paternidade. Por fim, de acordo com o art. 28 do Decreto nº 99.684/90 ainda há a

previsão de pagamento para as situações de interrupção com o contrato de trabalho de licença

para tratamento de saúde pelo período de até quinze dias. Cabe destacar que o auxílio doença

acidentário empregado não paga salário pois não está à disposição do empregador. Todavia,

tem que recolher 8 % todo mês ao FGTS do que estaria ganhando se estivesse trabalho.

Logo, já ingressando na problemática cerne, em que um casal encontra-se inserido em uma

relação de conjugalidade e que ambos trabalham pelo mesmo período de tempo com

remuneração iguais, entende-se que o FGTS seria igual. Isso foi alcançado com avanços do

ordenamento do trabalho como o supracitado, com a devida valorização da mulher no mercado

e a concessão das melhores condições possíveis para a sua permanência no trabalho como é o

caso da estabilidade pela gravidez e da continua contribuição do FGTS mesmo em suspensão

por licença maternidade.

Vai além a questão do FGTS, percebe-se que foram englobadas as mais pertinentes

situações feminina e masculina para que seus direitos fossem gozados de forma mais plena

possível, inclusive de equiparação do homem em algumas tipicamente femininas como na

adoção e na licença paternidade.

2 REGIMES DE BENS INCIDENTES SOBRE O CASAMENTO E A UNIÃO

ESTÁVEL: EFEITOS

A verba trabalhista analisada no capítulo anterior é o objeto de indagação desse trabalho.

Mais especificamente, como ela vai ser impactada com a ocorrência de um divórcio ou de uma

dissolução de união estável. Nesse sentido, é preciso fazer um apanhado mais abrangente dessa

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parte do ordenamento que vai incidir no FGTS, tendo em vista a incidência do regime

patrimonial de bens sobre o casamento e sobre a união estável. Entende-se, pertinente, portanto,

primeiramente trazer distinção preliminar entre os dois institutos.

2.1 Família: do Enlace Conjugal ao Divórcio

O casamento é negócio jurídico realizado com base expressamente na autonomia das

vontades dos nubentes. Esse instituto vai além, tem sua origem na afetividade mútua, no intuito

de constituir família por meio do convívio cotidiano. Com a realização do matrimônio é

constituída a chamada afecctio societatis entre os integrantes da relação.

Nesse mesmo sentido, constata de forma muito pertinente Clóvis Bevilaqua a dimensão dos

efeitos ocasionados pelo casamento (BEVILAQUA, 1976, p.20):

É um círculo dentro dentro do qual se agitam e se movem ações

e reações estimuladas por sentimentos e interesses especiais,

que lhes emprestam feição suficientemente caracterizada, para

exigirem classe à parte, na distribuição das matérias do direito

privado.

A regulamentação do casamento, seus efeitos pessoais e

econômicos, sua duração e dissolução, a determinação do

parentesco, do dever alimentar, do pátrio poder, da tutela e da

curatela, são os enfeixamentos de relações principais, que se

originam da família ...

Esse instituto gravita entre as órbitas privada e pública. É flexionado conforme

princípios da autonomia e da solidariedade social. O casamento e suas regras encontram-se em

constante mutação tendo em vista a crescente diversidade das relações afetivas e a necessidade

de sua regulamentação. Nesse ponto, cada vez mais destacam-se a influência e importância da

afetividade para sua composição. Nesse mesmo sentido, o de posterior regulação dessas

relações de modo a proteger da melhor forma possível seja os integrantes da união, seja os

terceiros de boa-fé.

A união estável foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 8.971/94

e a partir da Carta Constitucional vigente, sendo também estabelecida no Código Civil de 2002

em seus arts. 1.723 ao 1.727. Esta relação de conjugalidade tem sua existência reconhecida

basicamente a partir da convivência para com o objetivo de constituir família. A união estável

não precisa de qualquer manifestação ou declaração de vontade para que passe a produzir seus

efeitos jurídicos sobre os companheiros. Ela pode ser notoriamente reconhecida por meio de

um contrato de mesmo nome ou com a sociedade de fato apenas estabelecida pela habitualidade

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e demais fatores para enquadramento da relação como convivência pública e duradoura e

contínua.

Fato é que as relações que não maritais sempre existiram, entretanto nunca foram

devidamente regulamentadas e nem suas partes protegidas. Muito pelo contrário, a parte mais

frágil, geralmente a mulher era punida com o rótulo de concubina. Pior ainda, sem direito sequer

a pensão alimentícia ou por morte as mulheres que não casadas tinham de sujeitar-se à ações

“com nome de indenizações por serviços domésticos, talvez em compensação dos serviços de

cama e mesa por ela presados” (DIAS, 2016, p.339). Felizmente essa postura começa a ser

mudada com a regulamentação da união estável para melhor salvaguardar os interesses dos

integrantes da união assim como terceiros de boa-fé que possam ser afetados por qualquer

confusão patrimonial advinda desse tipo de relação.

Ainda no que tange a ascensão da união estável ao mesmo nível do casamento, faz-se

mister destacar a Lei nº 8.971 de 29 de Dezembro de 1994 que assegurou os devidos direitos

alimentícios e de sucessões para os companheiros. E também, a Lei nº 9.278 de 10 de Maio de

1996 que terminou com a anterior estipulação de prazo para convivência para ser reconhecida

a união estável, reconheceu o direito real de habitação. Reconheceu também que, assim como

nos regimes típicos do casamento, os bens adquiridos onerosamente pelos companheiros na

constância da união são bens comuns.

E é nessa linha de raciocínio que se compreende a criação dos regimes de bens da forma

mais plural possível. Dessa forma, é por meio da utilização do regime de bens no pacto

antenupcial, seja no casamento, seja na união estável, que almeja-se a proteção dos futuros

relacionamentos e situações jurídicas derivadas da nova união. Ambas as situações narradas

como zeladas pelo regime de bens decorrem do princípio da variedade de regimes e do princípio

da solidariedade social. Portanto, para alcançar de modo mais completo possível, o

ordenamento jurídico brasileiro estipulou em seu Código Civil quatro formas diferentes para

organizar os bens e para regular a relação jurídica entre os cônjuges.

Depreende-se do ordenamento jurídico em vigor que os regimes de bens são regidos

pelo princípios da liberdade de estipulação, da variedade de regime de bens, que podem ser

livremente escolhidos, com suas devidas exceções e da mutabilidade justificada, desde que

submetida ao crivo judicial. Como já destacado, o casamento e a união estável são acordados

sob o respaldo de diversos princípios constitucionais mas faz-se mister destacar o princípio da

autonomia privada como cerne de ambos.

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A liberalidade é propiciada por este último princípio, sendo característica marcante na

formação e manutenção das relações de conjugalidade. Apesar disso, há determinadas ocasiões

em que o Estado torna-se mais incisivo quanto às medidas a serem seguidas, sendo essa postura

denominada por Cristiano Chaves de “Intervenção Estatal Supletiva” (CHAVES, 2017, p. 306)

e a mesma é tratada no art. 1.513 do Código Civil.

Nessa linha de pensamento, entende-se que diante de lacunas, por exemplo, sobre

características maritais como o regime de bens, encontra-se a previsão de determinação

expressa pelo art. 1.640 do Código Civil de que o regime a ser adotado é o chamado regime

legal, atualmente o regime de comunhão parcial de bens. Isso vale tanto para o casamento como

para a relação de união estável.

Faz-se mister relembrar que antes da vigência do Código Reale de 2002 e da Lei do

divórcio – Lei nº 6.515 de 26 de Dezembro de 1977 - o regime suplementar legal já era previsto

para esse tipo de lacuna. Entretanto, o regime então adotado era o de comunhão total de bens.

Depreende-se dessa mudança legal que, com o silêncio ou ignorância dos nubentes quanto à

determinação de repartição de bens que houve uma necessária a valorização dos bens

individualizados. E no mesmo sentido, que faz-se obrigatória a manutenção do patrimônio

comum já existente do particular na constância da relação de conjugalidade. E mais, Cristiano

Chaves condensa perfeitamente essa proposta ao dizer (CHAVES, 2017, p.370):

Casar é ato de comunhão afetiva e solidária, promovendo uma

integração fisiopsíquica. Logo, deveria o sistema jurídico

disciplinar as famílias sem atribuir bens reciprocamente,

afastando as consequências econômicas. Dividir patrimônio e

permitir a comunhão patrimonial têm de decorrer,

exclusivamente, de ato de vontade dos interessados.

(Grifou-se)

Curioso que a conclusão anterior que por mais que trouxesse à destaque a evolução na

questão do regime legal ainda sim destaca a imposição estatal na formação de um patrimônio

comum. A ideia de formação de uma família, está podendo ser de nuclear a multiparental, não

deveria sofrer uma restrição no âmbito econômico do núcleo de forma tão engessada e

abrangente. Ora, atualmente, tudo que é produzido de origem do labor dos cônjuges e os frutos

civis, até mesmo dos bens absolutamente particulares de cada um, passam a integrar um

conglomerado econômico destinado para o novo ser despersonalizado, a família.

Portanto, para que os bens ou rendas laborais não sejam abarcados por esse tipo de

deliberação regulamentar da relação familiar, o ordenamento jurídico entende necessária, quiçá

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obrigatória, a adoção a priori de um regime de bens por meio de um pacto antenupcial. Para a

análise dos regimes de bens previstos no ordenamento brasileiro, entende-se ser mais pertinente

a exposição por meio de um escalonamento do que mais da ênfase aos bens comuns – regime

de separação total de bens - até o que dá menos destaque aos mesmos – regime de comunhão

total.

Existem dois regimes que são os mais extremos. Um radicalmente exclusivo e um

absolutamente inclusivo quando o assunto é a comunhão de bens no matrimônio ou na união

estável.

Primeiramente o regime de separação total dos bens. Essa espécie de regime de bens

está previsto nos arts. 1.687 e 1688 do Código Civil. Nesses artigos fica previsto a não

comunicação de bens entre os nubentes, a administração dos mesmos por cada um e, tendo em

vista a formação do núcleo familiar apesar disso, é reafirmado o dever mútuo de contribuição

das despesas em comum da família. Ainda no cenário da autonomia econômica do casal, nesse

regime não é necessária a vênia conjugal para alienar e onerar bens assim como nos casos de

fiança e aval pois não há, a princípio, interseção de patrimônio entre nubentes.

É interessante mencionar o convencionado no art. 1.641 do Código Civilista que elenca

os casos de regime de separação obrigatória. Isto ocorre quando as pessoas envolvidas no

casamento não observarem as causas suspensivas do mesmo; quando um ou mais dos nubentes

possuírem setenta anos ou mais e quando algum deles dependerem de suprimento judicial para

casar.

Destaca-se que, para a corrente majoritária, o regime de separação obrigatória não é

aplicável à união estável mesmo diante do fato de que à contrário senso com os demais regimes

de bens e seus desdobramentos os são. No tocante ao assunto, mesmo diante do posicionamento

doutrinário contrário, em julgado de Recurso Especial 646.259, de 2010, com relatoria do Min.

Luis Felipe Salomão o Superior Tribunal Justiça posicionou-se favorável a possibilidade da

aplicação do regime de separação obrigatória à relações oriundas de união estável.

É importante não só o destaque desse regime de bens por fazer distinção plena dos

patrimônios dos integrantes da relação antes, durante e depois da mesma. Além do destaque do

regime por seu valor à individualização dos bens, esses exemplos de obrigatoriedade do mesmo

vai de encontro com a ideia de liberalidade transmitida por esse regime. Para o autor Cristiano

Chaves estas hipóteses descritas são “verdadeiramente sancionatórias” e “pretende-se impedir

a mistura patrimonial em determinadas núpcias, com escopo de preservar os interesses

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individuais de cada cônjuge, em face do suposto interesse público, cogente” (CHAVES, 2017,

p.307).

O mesmo autor defende que a previsão dessa atitude para essas situações podem

extravasar a autonomia da vontade e da iniciativa privada. Chaves vai além, sustenta, inclusive,

que a situação dos maiores de setenta anos seria inconstitucional afetando o princípio da

dignidade da pessoa humana, constrangendo os agora idosos diante do relação de

conjugalidade, no que o autor denomina “interdição compulsória parcial” (CHAVES, 2017,

p.311).

Ora, não suficiente em impedir o sujeitos elencados nos casos do art. 1.641 do Código

Civil, o Supremo Federal desenvolve súmula, carinhosamente apelidada de “súmula dos

aquestos”, para determinar que os bens adquiridos durante o casamento desses casos são bens

comuns. Inacreditavelmente, cria-se uma brecha para uma obrigatoriedade de um dos regimes

de bens mais radicais.

E mais, essa determinação da súmula apesar de fazer referência ao regime de separação

total de bens, só será aplicado nos casos de separação obrigatória. A justificativa para tanto

seria a prevenção do enriquecimento ilícito com base na presunção do esforço comum do casal.

O conflito conceitual que se identifica é, nessa linha de pensamento, com base na

jurisprudência, a separação obrigatória se tornaria aquestos obrigatórios¿ Ou mais, por que

ainda diante desse acordão é reconhecido a autonomia da vontade plena das pessoas que

escolheram o regime de separação total de bens mas a todo o momento a autonomia da vontade

dos casos previstos no art. 1.641 é anulada sem relevantes motivos.

O próximo regime de bens a ser elucidado é o regime de participação final nos aquestos.

Este encontra-se descrito nos arts. 1.672 ao 1.686 do Código de Reale. Este regime é uma

espécie híbrida no ordenamento. Inspirada do direito germânico, lusitano, argentino e outros,

consiste numa mescla entre o regime de separação total e o de comunhão parcial de bens.

Primeiramente cabe esclarecer que aquesto é a denominação dada aos bens adquiridos de forma

onerosa na constância do casamento.

Por conseguinte, o regime consiste na estipulação de que os cônjuges durante toda a

relação possuirão patrimônio próprio. Entretanto com o cessar do relacionamento, serão

destacados os bens onerosamente adquiridos na constância do casamento para que ai sim seja

redistribuída a meação destinada a cada um dos nubentes.

Esta meação na qual o esposo tem direito na constância do casamento porém não possui

acesso à mesma, conforme previsão do art. 1.682 não admite renúncia, cessão assim como é

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impenhorável. Importante lembrar que os bens anteriores ao casamento não se comunicam e

nem as exceções que ocorrerem na constância do casamento como a herança e doação.

O regime seguinte a ser esmiuçado trata-se do regime de comunhão parcial de bens. Este

encontra-se elencado nos arts. 1.658 ao 1.657 do Código Civil. Além de seus dogmas

regimentais localizados nos artigos acima, este também é o regime legal atualmente vigente

suplementar tanto para casamento como para união estável, como já discutido anteriormente, e

portanto, devidamente determinado no art. 1.640 do mesmo ordenamento civilista. Estes

institutos, o casamento e a união estável propiciam a comunhão da vida em que deveres e

obrigações tornam-se recíprocos. Nesse contexto, ambos os nubentes tornam-se responsáveis

pela manutenção do novo lar e do núcleo familiar.

Esse regime de bens consiste na preservação do conglomerado de bens particulares,

estes formados anteriormente a relação. E na formação de um novo núcleo de bens, estes

últimos comunicáveis entre os nubentes, por meio de sua aquisição com o esforço comum ou

empenho de outras verbas. Logo, o onerosamente adquirido na constância do casamento seria

estipulado como bem comum. Nessa forma de pactuação é formada, com base no princípio da

comunicabilidade do patrimônio três núcleos de bens: núcleo de bens particulares de um

cônjuge, núcleo de bens particulares do segundo cônjuge e núcleo de bens comuns a ambos os

cônjuges.

Como de praxe no ordenamento jurídico brasileiro, esse regime incorre nas exceções

elencadas no art. 1.659 do Codex Civil, que é norteador também para basicamente todos os

demais regimes no que tange à não comunicação de bens. Neles, estão listados os casos de bens

anteriores ao casamento; os bens que durante o casamento foram doados ou de origem

sucessória, mesmo os sub-rogados em seu lugar; os bens adquiridos com valores

exclusivamente de um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; obrigações

anteriores ao casamento; obrigações provenientes de atos ilícitos salvo se o casal, como um

todo adquiriu proveito das mesmas; bens de uso pessoal, livros e instrumentos de profissão; os

proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; pensões, meio soldos, montepios e outras rendas

de origem similares.

No que tange à problemática cerne do trabalho, a autora Maria Berenice Dias possui

posicionamento muito coerente sobre a comunicabilidade do FGTS no casamento e na união

estável. Sendo este uma verba trabalhista constituída de credito de evolução continua, a autora

entende que o fator determinante para designar a comunicação é o uso da mesma para a

aquisição de bens na constância da união. Nessa linha de raciocínio, o bem teria sido adquirido

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de forma onerosa durante o casamento ou união estável. Para Berenice a verba do FGTS:

“Enquanto depositada, é incomunicável, sendo considerada fruto do trabalho.” (DIAS, 2016,

p.342) (grifou-se)

Por último, e mais abrangente de todos os regime no que se refere a comunicação

patrimonial, trata-se do regime de comunhão universal de bens. Este era o regime legal

suplementar até a Lei do Divórcio de 1977. Esse regime está previsto no Código Civil de 2002

nos arts. 1.667 à 1.671. Nessa forma de regulamentação da relação conjugal é formada uma

massa patrimonial do casal constituído. Logo, o patrimônio anterior e o adquirido durante o

casamento comunicam-se entre os cônjuges. Basicamente, economicamente, os nubentes

perdem sua individualidade. A partir do enlace créditos e dívidas e demais obrigações são

mutuamente aplacados para os dois.

Cabe ressaltar que apesar desta formulação um tanto abrangente no que diz respeito à

comunicabilidade dos bens entre os cônjuges, esse regime possui as exceções de bens

particulares previstos no art. 1.668 do Código de Reale. Mais uma vez percebe-se a intervenção

no que seria a estipulação feita pela autonomia da vontade. Apesar do progresso atingido com

a valorização do afeto e da isonomia dos integrantes da família, o resquício da tutela sobre a

vida privada é constante no ordenamento. Nota-se com especial destaque quando o direito com

risco de afetação ser o econômico.

As exceções são: o caso de bens advindos de doação ou herança desde que gravados

com a cláusula de incomunicabilidade; os bens gravados de fideicomisso; as dívidas assumidas

antes do casamento desde que não referentes ao mesmo; as doações feitas entre os cônjuges

com cláusula de não comunhão. E por fim, a exceção mais expressiva para a problemática

relacionada ao FGTS, constatada no inciso V do art. 1.668 do Código Civil, relativa aos

proventos do trabalho de cada um, as pensões, meio-soldos, montepios e outras rendas

semelhantes.

A estipulação expressa da não comunicabilidade das verbas trabalhistas durante a

relação de conjugalidade é de um significado muito importante. Em um ordenamento que os

valores e seus dogmas a serem seguidos são baseados no poder econômico do casal, essa cisão

de pensamento demonstra o quão sacro é o direito do trabalhador a sua remuneração e ao poder

de decisão sobre a mesma.

Apesar do posicionamento de valorização de certos bens e valores de caráter

personalíssimo até mesmo neste que é o regime de bens mais abrangente no que consta a

comunicação das propriedades, ironicamente, mais uma vez o ordenamento se contradiz. Em

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seu art. 1.669 do Código Civilista, estabelece-se que os dividendos dos bens particulares,

independente dos motivos de sua separação, entram no montante referente aos bens comuns.

Ora, os bens e valores são pessoais, particulares, incomunicáveis, não faz sentido que seus

frutos não possuam a mesma natureza.

Esse inciso do art. 1.668 e por remissão do art. 1.649 do Código Civil é na verdade um

esclarecimento de controvérsia advinda ainda do Código Bevilaqua. Neste, os proventos do

trabalho e os chamados frutos civis dos mesmos eram excluídos da comunicação no regime

comunhão total, entretanto no de comunhão parcial, este mesmo era comunicável. Diante desse

posicionamento paradoxal, o novo código excluiu sua comunicabilidade em todos os regimes,

permitindo, no entanto, a convenção de sua comunicação desde que em pacto antenupcial.

Nessa linha de pensamento ainda, Gustavo Tepedino em consonância com Paulo Lobo

em seu livro de Interpretação do Código Civil de 2002 elencam como proventos de trabalho

basicamente: “a) as remunerações de trabalho assalariado público ou privado; b) as

remunerações decorrentes do trabalho prestado na condição de empresário; c) as remunerações

de aposentadoria como trabalhador inativo; d) honorários do profissional liberal e e) o pro

labore do serviço prestado” (TEPEDINO, 2014, P.303).

Ressalva ainda o mesmo autor no sentido de que essas verbas incomunicáveis mantém

esse status enquanto conservarem suas características monetárias originais. Na hipótese das

verbas trabalhistas serem utilizadas para pagamento das despesas do seu titular e de sua família,

este não perde sua característica essencial. Porém, caso ingressem no mercado financeiro como

na aquisição de bens ou aplicação financeira, são consideradas bem adquirido na constância no

casamento, sendo, portanto comunicáveis.

Essa constatação é de extrema relevância para a discussão emergente no trabalho em

questão, tendo em vista o FGTS se traduzir em um fundo de contribuição continuada e que só

pode ser movimentado sob as justificativas elencadas em sua lei regulamentar ou na CLT. Vai

além o entendimento em questão. A doutrina, em consonância com entendimento de Maria

Berenice Dias (apud, TEPEDINO, 2014, 304), defende que a “tendência é reconhecer tais

verbas como personalíssimas pagas em benefício da pessoa do trabalhador, não integralizando

o conceito de aquestos e portanto, incomunicáveis (CC, art. 1.659, VI).” (Grifou-se)

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2.2 Função Econômica VS Função Social do Casamento

Entende-se que a função da família está diretamente relacionada ao seu modo de

interagir em sociedade. Nessa linha de raciocínio, o fator econômico dessa instituição é

determinante para os reflexos ecoados pela mesma em sociedade. A questão monetária sempre

foi força motriz nas relações individuais, entretanto, historicamente, tem uma influência de

maior escopo sobre os termos de propositura e convívio em vida matrimonial. Nesse sentido,

em consonância com o defendido por Ricardo Lima (LIMA, 2013, p.25) a família era vista

como unidade celular da sociedade, promovendo a unificação dos membros integrantes e tendo

como consequência a perda de sua individualidade projetada externamente ao núcleo familiar.

Com a implementação da Constituição Federal de 1988, os polos de prioridades foram

invertidos de modo que a função econômica da família foi sobrepujada por sua função social.

Com isso, a família deixou de isolar seus membros de modo que a prioridade fosse sempre do

núcleo familiar e não necessariamente do indivíduo que o compunha. Os direitos fundamentais

como o da dignidade da pessoa humana e demais direitos das personalidades foram impostos

sob um instituto consolidado numa base autoritária e patriarcal. A detenção por parte da figura

paterna da autoridade suprema é considerada causa e consequência de seu monopólio

econômico sobre os demais membros da família. Isso sempre ocasionou a submissão do grupo

ao pater e portanto sua perda de autonomia e individualidade.

A ideia sobre o conceito do instituto família é, segundo 2Engels um agrupamento de

indivíduos com base na sua consanguinidade, pelos seus ancestrais comuns à todos os

integrantes. Entretanto, tendo em vista sua presença nas mais diversas sociedades, entende-se

que esta é uma construção social que ganha novos desdobramentos e características conforme

às necessidades sociais, políticas, econômicas e ainda, o contexto histórico em que esta família

surge, sua realidade temporal.

Clóvis Bevilaqua3 (BEVILAQUA, 1976, p.137) defende que a constituição de um

núcleo familiar desencadeia múltiplas novas relações, direitos e deveres, esses que precisam ser

conhecidos e firmados perante a sociedade. Sob esse critério de adequação, percebe-se a

família, ocidental, capitalizada e patriarcal, que é a brasileira do século XXI. Tentando

desvencilhar-se de seu recente passado impositivo. Esta imposição foi muito forte com base nas

2 ENGELS, FRIEDRICH.A origem da Propriedade, da Família e do Estado. 2002. P.41 . – apud LIMA, Ricardo

Alves de. Função social da Família, CURITIBA: Jurua, 2013, P. 31.

3 BEVILAQUA, Clovis. Direito de Família, 1976, p. 137, apud LIMA, Ricardo Alves de. Função social da Família,

CURITIBA: Jurua, 2013, p. 31.

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doutrinas católicas com especial evidência para as características de submissão feminina ao

pátrio poder. O mais evidente da questão analisada decorrente desse contexto era a condenação

às práticas que levassem ao lucro e acúmulo de riqueza, especialmente de forma

individualizada.

2.3 Alguns Aspectos da Vida Patrimonial nas Conjugalidades

A família da Era Moderna foi moldada com características de quebra dos paradigmas

antes determinantes. Esta vem enfatizar e dar destaca à intimidade do recém formado núcleo

familiar. Até então essa característica era desqualificada diante do foco na manutenção do

patrimônio pelo primogênito legítimo e a irrelevâncias dos demais membros que não o detentor

do poder patriarcal e mantenedor. Ricardo Alves de Lima (LIMA, 2013, p.26) defende que as

relações de poder podem ser melhor identificadas e compreendidas através da divisão em duas

fontes do poder familiar. O primeiro consiste na família como mero canal de circulação de

poder estatal e o segundo é o supracitado pátrio poder, em que a família em si é detentora do

poder.

O autor sobredito4, não por coincidência, defende ainda que a família deve seguir um

princípio cerne do direito privado que é o da função social. Ainda nesta nuance, entende-se que

o direito à personalidade, individualidade e à propriedade se complementam. Sendo ambos

direitos constitucionais fundamentais percebe-se que, sempre no contexto familiar, ora são

menosprezados categoricamente, ora são protegidos ao ponto de tornarem-se engessado e

intransigente para seu titular.

O que justifica essa linha de pensamento é a constatação de uma demanda para que seja

efetivamente aplicada a função social da família enfatizando a funcionalidade desta para cada

um dos membros e não apenas para a família como um todo. Dessa forma, cada indivíduo

atuariam de forma complementar a um núcleo familiar mantendo sua autonomia e

individualidade mas integrando o todo.

A constância e a perpetuação dos grupos familiares demonstram que a formação da

família é um padrão de convivência e agrupamento social. Ela pode variar das consideradas

mais tradicionais com base na consanguinidade ou ancestralidade, e até mesmo aquelas que

possuem formações heterogênicas como as família mosaico enlaçada pela afetividade, tudo é

4 LIMA, Ricardo Alves de. Função social da Família, CURITIBA: Jurua, 2013, p. 31.

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família. Portanto, a concepção e formação familiar é alterada com base nas influências sociais,

políticas, culturais e econômica demonstrando a sua volatilidade como construção social.

Faz-se mister destacar que essa discussão sobre a disposição dos proventos de trabalho

diante da relação familiar sempre foi algo tratado de forma intermitente, entretanto mais

limitado ao papel da mulher no matrimônio e de sua autonomia de forma geral. Apesar do

cônjuge virago ser em sua grande maioria das vezes o prejudicado pela dupla jornada5, pelo

sacrifício da profissão e afazeres domésticos, objetiva-se neste trabalho tratar da incidência dos

regimes de bens sobre as verbas trabalhistas da forma mais abrangente possível. Entretanto, é

interessante a colocação da luta e desvantagem da mulher nesse mesmo cenário de forma

apartada da hipótese cerne do defendido, apenas de forma complementar.

Importante destacar que durante o período em vigor do Estatuto da Mulher Casada – Lei

nº 4.121 de 27 de Agosto de 1962 - houve valorização da individualidade da mulher como

pessoa plenamente capaz, integrante da unidade familiar para que não fosse vista como mais

um acessório dessa entidade tão só para procriação e tarefas domésticas, que com os frutos de

seu labor esta pudesse adquirir os bens reservados de que trata o art. 246 do Código Civil de

19196. A ideia foi perpetuada chegando ao pré-projeto do Código Civil de 2002, porém foi

retirado da redação final. Curiosamente foi considerado uma disparidade o fato de apenas o

cônjuge virago ter previsão expressa de produção de bens particulares na constância do

casamento.

No pensamento do legislador ao tratar essa questão na nova Lei Civil, ao invés de

elucida-la, ele simplesmente a retira do texto. Ora, no caso de insatisfação com a mulher, apenas

formando patrimônio particular durante a relação de conjugalidade, a previsão deveria ser

estendida ao cônjuge varão ou ao companheiro. Causa perplexidade o fato de ser limitada a

formação de patrimônio particular durante as relações conjugais, independentemente do

regime. Muitas vezes até mesmo a liberalidade da escolha do regime de bens é atropelada por

5https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/trabalho_mulher_respons

avel.pdf - acessado em 12 de Dezembro de 2017

“O estudo revelou que 50,6% delas não tinham cônjuge e moravam com seus filhos e constatou que a inserção do

grupo no mercado de trabalho através de atividades caracterizadas como informais (emprego sem carteira de

trabalho assinada e trabalho por conta própria) foi maior que a observada para o total de mulheres ocupadas

(29,8% e 29,1%, respectivamente). Destaca-se que 21,9% dessas mulheres eram trabalhadoras domésticas e que

a participação desta categoria ocupacional no total da população feminina ocupada foi 18,0%. A pesquisa

mostrou também que elas se submetiam a jornadas semanais mais longas (39,2 horas) que aquelas cumpridas

pelas mulheres ocupadas (38,7 horas) e a rendimentos que, apesar de maiores que os auferidos pela população

feminina ocupada, ainda eram precários. Com efeito, 78,6% das trabalhadoras que se encontravam na posição

de principais responsáveis nos seus domicílios recebiam menos de 3 salários mínimos.”

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motivos alheios ao casal como o regime de separação obrigatória ou o rol de bens

incomunicáveis.

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3 DISSOLUÇÃO DOS VÍNCULOS DE CONJUGALIDADE E A PARTILHA DO FGTS:

UMA ANÁLISE DA PARTIR DE DECISÕES JUDICIAIS

É pertinente lembrar que a verba trabalhista, cerne desta análise, tem sua formação de

modos diversos com os ajustes realizados nas mudanças de ordenamento. Na vigência da Lei

nº 5107 de 1966 a cada novo contrato era aberta uma conta específica, nominal do empregado,

pessoal, marcado temporalmente e distinto, portanto, quanto ao seu valor e lucros cessantes. No

novo ordenamento, trazido pela Lei nº 8036/90 e recepcionado pela Carta Magna e pela CLT,

cada empregado dispõe apenas de uma única conta em seu nome, no banco responsável, qual

seja a Caixa Econômica Federal – CEF. E, independente de quantos do contrato forem, de seu

valor, todos os depósitos são realizados nesta.

Apesar de se depreender da Lei nº 8036/90 que há um controle sobre depósitos, saques

e basicamente sobre toda a movimentação dessa conta, com uma ou mais relações jurídicas ao

longo da vida do trabalhador, pode-se entender que ocorreria uma confusão patrimonial. As

relações conjugais estão cada vez mais efêmeras e voláteis. Nesse sentido, imaginar um instituto

de contribuição e rendimento contínuo na vida de um trabalhador com a expectativa de vida

laboral ativa e, possivelmente, contribuindo por mais de quarenta anos, a chance de uma

confusão patrimonial e divisão equivocada dos valores entre cônjuges é enorme. Isto sem trazer

à discussão o claro fator social personalíssimo da verba que é deixado de lado com a sua divisão.

Nesse contexto, são selecionados dois dos Tribunais de Justiça do país, majoritariamente

com base na amostragem feita e demonstração de maiores números de pleitos concernentes à

essa temática. Os acórdãos são oriundos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,

tradicionalmente vanguardista nas decisões de direito de família e do Tribunal de Justiça de

Minas Gerais.

Além desses, foram pesquisadas decisões acerca do tema – a partilha do FGTS em

divórcios ou dissoluções de uniões estáveis – nos tribunais superiores. Procedeu-se à mesma

amostragem nos sites oficiais do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal,

com base na pesquisa pelas palavras chave: “FGTS e Partilha”.

Faz-se mister destacar - antes do desenvolver da análise dos julgados - que ao longo do

estudo doutrinário e, posteriormente foram suscitados questionamentos cernes da controvérsia

decisória sobre o assunto e outros que surgiram por indagações próprias. Estas não serão

respondidas no presente trabalho mas traz um panorama interessante sobre o quão controverso

e difícil é a questão do FGTS no direito de família.

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O primeiro fator destacado ao longo do trabalho é a escassa quantidade de julgados

acerca do tema, tendo em vista o tempo de existência de ambos os institutos, pilares do conflito:

FGTS e família. Acredita-se que isto se deve em parte por desconhecimento ao direito de pleito

sobre essa verba.

Ao longo da averiguação das decisões proferidas pelas instâncias superiores foram

constatadas as seguintes indagações: Por que estaria vedado ao cônjuge sob o regime da

comunhão parcial ou da comunhão universal de bens a formação de montante de bens

particulares com base na sub rogação do FGTS, sendo ele considerado uma verba

personalíssima? Não há um embasamento bem definido para esse entendimento, tendo em vista

as previsões elencadas no artigo 1.659 do Código Civil.

Além disso, questiona-se, o porque, em alguns momentos, o valor do FGTS que foi

contribuído na constância do casamento - mas que foi sacado integralmente ou parcialmente

após o fim da relação de conjugalidade - deve mesmo assim ser repartido. Ora, como verba

trabalhista - que somente chega às mãos do que seria o convívio familiar após sua dissolução -

a comunicação não faz sentido.

Na mesma direção da hesitação anterior foi, por mais de uma vez, suposto o fato de o

fundo perder sua natureza trabalhista e adquirir, pela constância do casamento ou do união

estável, a natureza alimentícia. Entretanto, para uma verba personalíssima, com base em decisão

do STF como sendo direito do trabalhador, com essencial função social, poderia esta perder sua

natureza tão ordinariamente?

Ainda no contexto de mudança de natureza, em casos de união estáveis em que o período

de convívio familiar é extremamente líquido e de difícil determinação, como demarcar

temporalmente o início de direito ao valor no caso da informalidade? O quadro se agrava

quando da regularização da união estável ou da em sua convolação em casamento. Como

demarcar temporalmente o início de direito ao valor ao FGTS, no caso da formalidade em que

não há previsão sobre o crédito anterior ou posterior ao contrato de união estável ou casamento?

Outra nuance muito questionável diz respeito à temporariedade do saque do FGTS. No

caso de saque integral para a aquisição de um bem após o término do casamento, o cônjuge

excluído da relação teria direito? Por quê? O FGTS não é investimento, não é algo disponível

ao bel prazer do trabalhador beneficiário. Ele tem uma estipulação de saque para ser cumprida

conforme necessidade social do empregado, conforme disposto no artigo 20 da lei 8.036 de

1990.

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Mais polêmico que o saque após o término da relação, apenas o saque na constância da

relação de conjugalidade no qual, conforme entendimentos futuramente elucidados, faz-se

necessário conjugar dois fatores: o período de contribuição ser contemporâneo ao da relação e

o saque também. Mesmo assim há controvérsia sobre a natureza personalíssima da verba

independente desses e de sua subrogação em bens, mesmo que o ato ocorra na constância da

relação, como qualquer outra verba incomunicável.

3.1 Dissoluções e Partilhas à Luz dos Tribunais

A criação da situação cerne do trabalho é realizado com a dissolução do casamento por

meio do divórcio ou da união estável e a consequente análise das verbas a serem repartidas.

Cabe ressaltar que antes da Emenda Constitucional nº 66 de 2010 era necessária a separação

judicial como etapa anterior ao divórcio para a concretização do fim do vínculo matrimonial.

A EC nº 66/2010 tem sua origem na Projeto de Emenda Constitucional - PEC 33/07 que

sofreu muita resistência para que fosse aprovada pela camada “tradicional” e religiosa do

legislativo, sob a alegação de que com a sua aprovação estaria sendo realizada a banalização do

divórcio e um incentivo aos casamentos inconsequentes. Com sua aprovação, foram retiradas

do art. 226 §6º da Constituição Federal de 1988 as condições para requerer o divórcio: prévia

separação judicial por mais de um ano ou a separação de fato comprovada por mais de dois

anos. Portanto, foi estipulada como única forma de dissolução do casamento civil o divórcio.

No que tange ao fato de a separação judicial estar ab-rogada existem divergências

ideológicas sobre o tema, mesmo diante de claro posicionamento do STJ. No acórdão do RESP

1247098-MS/2011/007/478706, a Ministra relatora Maria Isabel Gallotti posiciona-se de forma

cristalina acerca da sua posição de recepção da separação judicial no ordenamento jurídico

brasileiro, mesmo após promulgação da EC66/2010.

Diante dessa análise foram destacados a diferença entre a separação judicial e o divórcio

como sendo o primeiro sendo a extinção do casamento e a última, a extinção da sociedade

conjugal. Sendo portanto, institutos diversos gerando efeitos diversos. O primeiro, a

modificação do estado civil primordialmente e o segundo a suspensão dos direitos e deveres

matrimoniais.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. EMENDA

CONSTITUCIONAL Nº 66/10. DIVÓRCIO DIRETO. SEPARAÇÃO

6 Voto disponível em www.stj.jusbrasil.com.br , acesso em 12 de Dezembro de 2017

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JUDICIAL. SUBSISTÊNCIA. 1. A separação é modalidade de

extinção da sociedade conjugal, pondo fim aos deveres de coabitação e

fidelidade, bem como ao regime de bens, podendo, todavia, ser

revertida a qualquer momento pelos cônjuges (Código Civil, arts. 1571,

III e 1.577). O divórcio, por outro lado, é forma de dissolução do

vínculo conjugal e extingue o casamento, permitindo que os ex-

cônjuges celebrem novo matrimônio (Código Civil, arts. 1571, IV e

1.580). São institutos diversos, com conseqüências e regramentos

jurídicos distintos. 2. A Emenda Constitucional nº 66/2010 não revogou

os artigos do Código Civil que tratam da separação judicial. 3. Recurso

especial provido.

(STJ - REsp: 1247098 MS 2011/0074787-0, Relator: Ministra MARIA

ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 14/03/2017, T4 - QUARTA

TURMA, Data de Publicação: DJe 16/05/2017)

Foi destaque também do posicionamento desse Tribunal Superior a evidência de que a

Emenda Constitucional na realidade proporcionou a supressão do requisito temporal e do

sistema bifásico antes estabelecido como vitais para a realização do divórcio, e não do instituto

separação judicial em si. Destacou ainda que como consequência dessa supressão foi valorizada

a liberdade de escolha dos cônjuges, pois da mesma forma que o Estado não pode restringir a

liberdade de casar entre os indivíduos de pleno gozo de seus direitos, não deve quando for no

momento do divórcio, como era anteriormente.

A Ministra acrescentou ainda que o novo Código de Processo Civil manteve em diversos

dispositivos referências à separação judicial, a exemplo dos arts. 693 e 731, o que, em sua

opinião, demonstra a intenção da lei de preservar a figura da separação no ordenamento jurídico

nacional. Apesar deste distinto e recente posicionamento do STJ, parte da comunidade jurídica

de renome tem se manifestado diametralmente contraria à decisão colecionado como é o caso

da Maria Berenice Dias, em consonância com o IBDFAM7, e Rodrigo da Cunha.

Este último argumenta que em conformidade com as diretrizes do próprio Supremo

Tribunal Federal, a inconstitucionalidade, seja ela material, seja formal, deve ser averiguada

frente à Constituição em vigor no momento da elaboração e edição dessa norma jurídica. Seu

argumento finalístico é que a Constituição da República extirpou totalmente de seu corpo

normativo a única referência que fazia à separação judicial.

Nessa mesma linha de pensamento, o Presidente nacional do IBDFAM levanta um

questionamento sobre a decisão: “Qual seria o objetivo de se manter vigente a separação judicial

se ela não pode mais ser convertida em divórcio? Não há nenhuma razão prática e lógica para

7Disponível em www.ibdfam.org.br/noticias/5687/Emenda+Constitucional+66+completa+cinco+anos+ , acesso

em 12 de Dezembro de 2017

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sua manutenção. Se alguém insistir em se separar judicialmente, após a Emenda Constitucional

n. 66/2010, não poderá transformar tal separação em divórcio, se o quiser, terá de propor o

divórcio direto. Não podemos perder o contexto, a história e o fim social da anterior redação do

§ 6º do artigo 226: converter em divórcio a separação judicial. E, se não se pode mais convertê-

la em divórcio, ela perde sua razão lógica de existência.”

Ainda conforme este último, uma vez suprimido o instituto da separação judicial

da Constituição Federal, o texto do atual do Código Civil não mais seria recepcionado

estabelecendo, nessa linha de raciocínio, uma omissão vedativa. Ele acredita ser um retrocesso

o “novo” posicionamento do STJ sobre o assunto após quase sete anos de vigência da

Emenda Constitucional nº 66/10.

Retomando ao que tange aos regimes de bens que regulamentam o casamento e a união

estável. Estes foram elucidados e houve também o esclarecimento sobre a verba de origem

trabalhista a ser pleiteada sua partilha com o divórcio e dissolução da união estável, FGTS.

Resta, a focalizar a não problemática da comunicabilidade entre os nubentes. Tendo em vista

esse questionamento são propostas algumas indagações que tem respaldo em decisões e outras

que ainda não forma alcançadas pelo judiciário brasileiro.

Diante do fim da vida compartilhada é necessária a divisão de bens comuns aos

cônjuges. E é nesse contexto que surgem as divergências de pensamento sobre como dividir as

massa financeiras, especialmente quando da aquisição de bens móveis ou imóveis em que há a

confusão patrimonial, a medida em que a contribuição para a aquisição do bem pode originar-

se de verba incomunicável.

Bem, isso seria apenas uma das hipóteses de dissenso na realização da partilha de bens

do divórcio ou dissolução da união estável. Para a verba do FGTS ser partilhada, foco da análise

em questão, foram selecionadas algumas provocações sobre a temática central.

3.2 Análise das Decisões Proferidas pelos Tribunais de Justiça do Estado de Minas Gerais

e do Estado do Rio Grande do Sul

Considerando que nos julgados das instâncias superiores às Cortes de Justiça com mais

ocorrências do assunto foram as de Minas Gerais e, principalmente do Rio Grande do Sul,

procedeu-se à um apanhado de seus arestos acerca da temática. Com base nesses julgados,

foram analisadas as argumentações utilizadas à favor e contra a comunicabilidade do FGTS,

caso a caso.A metodologia de pesquisa consistiu na busca nos sites dos respectivos tribunais,

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tendo como palavras chaves, para recorte de julgados, os termos “FGTS e Partilha”. Por esse

motivo que não só a pesquisa foi feita e analisada de pronto - mas tendo em vista o segundo

vernáculo ser comum ao direito sucessório - foram excluídos casos dessa natureza.

No TJRS8 foram localizados diversos casos sobre o assunto. Todavia, foi realizada uma

amostragem com dez casos pertinentes ao tema. Para tanto foram utilizadas as palavras chaves

“partilha e FGTS”. Além disso, o site do sobredito Tribunal faz uma divisão por assuntos, no

qual foram selecionados os seguintes: “Veículo/ Fundo de garantia por tempo de serviço” e

“Crédito Trabalhista. Exclusão. Não Incidência. Partilha. Descabimento”.

Diante desse panorama de mais de 10 páginas online de julgados, foram destacados os

mais recentes. Dentre estes os mais pertinentes ao desenvolvimento do questionamento do

trabalho são mais analisados mais à frente.

Assim, foram os destacados do site: Agravo de Instrumento 70075534032 julgado em

13/10/2017, rel. Liselena Schifino Robles Ribeiro, Apelação Cível 70021874292 julgado em

25/05/2017, rel. Rui Portanova, Apelação Cível 70074267535 julgado em 14/09/2017, rel. Rui

Portanova, Apelação Cível nº 70068478734 julgado em 31/08/2017, rel. Alexandre Kreutz,

Apelação Cível 70073421745 julgado em 26/07/2017, rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos

Chaves, Apelação Cível 70071750483 julgado em 28/06/2017, rel. Sandra Brisolara, Apelação

Cível 70073304206 /julgado em 27/09/2017, rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves,

Apelação Cível 70073816969 julgado em 27/09/2017, rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos

Chaves, Apelação Cível 70074267535 julgado em 14/09/2017, rel. Rui Portanova.

De pronto, no primeiro caso, o de número 70021874292, ou seja uma Apelação,

encontra-se no voto do relator tudo aquilo que vem sendo discutido neste estudo, parecendo ser

mais pertinente:

No que tange às verbas rescisórias e o FGTS, nenhum reparo

há de ser feito na sentença, pois, efetivamente, é descabida a

pretensão de divisão dos valores recebidos pelo varão, a título

de indenização pela demissão de seu emprego na empresa

Ferramentas Gerais, ocorrida em fevereiro de 2007 (fl. 44). Isso

porque as verbas postuladas, além de percebidas bem depois da

separação, são decorrentes de fruto civil do trabalho, de

natureza eminentemente pessoal, à semelhança de um

verdadeiro pecúlio ao trabalhador, com conteúdo indenizatório.

(Grifou-se)

G

8 Votos disponíveis em www.tjrs.jus.br acesso em 12 de Dezembro de 2017

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Destaca-se ainda no mesmo acórdão que o entendimento faz-se pertinente seja com

fulcro no Código Civil de 1916, como fruto civil do trabalho, ou com base no Código Civil de

2002, como provento do trabalho pessoal, conforme disposto no art. 1.659.

Por conseguinte, o caso de número 70074267535, mais recente, de setembro de 2017,

trouxe uma bipolaridade no próprio teor do acórdão. Isso se deve ao fato de tratar não só da

temática foco, que é o FGTS, como sua diferença com a aplicação da partilha para as verbas

rescisórias. No voto do relator, ele concordava com o posicionamento da jurisprudência do STJ

REsp 848.998/RS de que as verbas remuneratórias eram comunicáveis.

Entretanto, quando do FGTS, foi trazido o fator para a comunicabilidade de

temporalidade à época do saque. Nesse sentido, sendo o fundo sacado em período posterior à

relação de conjugalidade não faria jus à comunicabilidade. Esse entendimento remete muito ao

defendido, no capítulo anterior, por Maria Berenice Dias.

Logo, os saldos de FGTS permaneceram depositados durante o

casamento. Não há prova de que foram sacados, sequer após

extinta a sociedade conjugal, e muito menos de que foram

investidos no casamento.

(Grifou-se)

No mesmo sentido, sobre o critério que seria adotado para determinação da

comunicação da verba do fundo ou não, vem o caso do processo 70068478734. Nele a decisão

sobre a entrada da partilha ou não da verba de origem trabalhista se deu com base do momento

de seu saque.

Não se discute que o bem fora quitado com os recursos do

FGTS do requerido. É o que se percebe do exame do documento

de fls. 221v.

Todavia, é pacífico o entendimento de que, mesmo sendo o

período de depósito anterior ao relacionamento (união estável

ou casamento), os bens adquiridos com tal quantia, no curso

destas relações, acabam por integrar o patrimônio comum.

Nesse aspecto, tendo sacado do valor do FGTS e deste tenha

resultado compra direta de algum bem ou investimento haverá

comunicação patrimonial, se o regime de bens o admitir.

(Grifou-se)

Ora, percebe-se nessa decisão não só a relativização por completo da característica

pessoal do FGTS, como a ignorância de um dos critérios usados, comumente, para a ponderação

de sua comunicação, o período de contribuição integrar ou não o período do relacionamento em

cessão. Não se identifica a constante disparidade na tomada de decisão do Poder Judiciário.

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No que se refere ao TJMG9, foram identificados e analisados as seguintes decisões sobre

o tema em estudo: Agravo de Instrumento 1.0024.12.205001-6/001 julgado em 31/08/2015, rel.

Edgard Penna Amorim; Apelação Cível 1.0400.10.000288-2/001 julgado em 03/07/2014, rel.

Teresa Cristina da Cunha Peixoto; Apelação Cível 1.0479.06.106197-0/001 julgado em

13/03/2013, rel. Vanessa Verdolim Hudson Andrade; Apelação Cível 1.0024.09.694296-6/001

julgado em 02/08/2011, rel. Bitencourt Marcondes; Agravo de Instrumento 1.0145.08.459050-

1/001 julgado em 30/10/2008, rel. Dorival Guimarães Pereira; Agravo de Instrumento

1.0024.09.640883-6/001 julgado em 17/11/2015, rel. Paulo Balbino e. Apelação Cível

1.0720.08.049208-8/001 18/07/2013 , rel. Ana Paula Caixeta.

O primeiro caso do TJMG a ser tratado é Apelação Cível de número 1.0024.09.694296-

6/001. Este é um exemplo de maior destaque tendo em vista tratar-se de uma dissolução de

união estável de casal homoafetivo. Por muito tempo os direitos desses casais não eram

reconhecidos no ordenamento jurídico, sendo levado ao pé da letra que os casamentos e uniões

estáveis eram, comumente, entre homens e mulheres, em uma interpretação rasa do art. 226,

§3º da Constituição Federal.

Felizmente esse posicionamento têm mudado de forma ampla nas nuances do direito de

família e sucessões. Dessa forma, a igualdade plena de direito entre casais heterossexuais e

homossexuais é cada vez mais próxima da realidade. Nesse contexto de equiparação, percebe-

se entre os poucos casos de questionamento da comunicabilidade do FGTS, o pleito de casais

homossexuais.

Retomando para o processo exemplo, trata-se de uma situação de reconhecimento e

dissolução de união estável em que um dos cônjuges requer parte de imóvel próprio adquirido

de forma onerosa na constância da relação. O imóvel foi adquirido com verba oriunda de ação

sucessória sem comprovação de participação do cônjuge em sua aquisição. O juiz de primeira

instância, reconheceu a previsão do art. 1.659 do Código Civil em que são estipulados os casos

de bens incomunicáveis. Em apelação, o cônjuge alega por meio de contrato de mútuo de

dinheiro para compra de material de construção, tendo utilizado o FGTS como garantia do

mesmo. Logo, o cônjuge que reivindica a partilha da casa, teria participado da sua construção,

apesar de o terreno ter sido comprado com verba exclusivamente sucessória.

No caso seguinte a situação é de separação judicial com antecipação de tutela com o

bloqueio do saldo das contas do FGTS e da previdência privada do cônjuge. O que se mostra

9 Votos disponíveis em:www5.tjmg.jus.br, acesso em 12 de Dezembro de 2017

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estranho de início no agravo de instrumento n° 1.0145.08.489050-1/001 é o fato de ter sido

requerida medida acautelatória mesmo sendo o direito do cônjuge a essa espécie de verba ser

extremamente controversa. A exemplo do suscitado na decisão:

...que arbitrou os alimentos provisionais e indeferiu os pedidos

formulados pela Autora no sentido de que seja efetivado

bloqueio do saldo de FGTS, bem como o valor da "Caixa

Previdenciária", junto à empregadora do Requerido,

objetivando ela sua parcial reforma, sustentando que os valores

constantes do FGTS e da aludida "Caixa Previdenciária"

devem ser resguardados, com o intuito de serem posteriormente

incluídos na partilha, tudo como posto nas argumentações

desenvolvidas na minuta de fls. 02/07-TJ.

(Grifou-se)

Cumpre destacar que o pedido da autora é de bloqueio de valores como FGTS, enquanto

ainda junto à empregadora do cônjuge. Não apenas o FGTS encontra-se em seu plano de

indisponibilidade, tendo em vista as hipóteses de saque prevista em seu artigo 20 da lei 8.036/90

como também a previdência privada encontra-se em mesmo plano. Nesse sentido é importante

relembrar que aos defensores da comunicabilidade que, ainda assim, seriam exigidos dois

fatores para enquadrar a verba como bem comum: a) esta ter sido contribuída durante o período

da relação; esta mais controversa, b) o saque do fundo ter ocorrido durante a relação e o fundo

ter sido utilizado para aquisição de bens ou investimentos.

Mesmo diante desse cenário, o agravo de instrumento foi concedido, como forma

acautelatória, não prejudicial ao destinatário das verbas, de modo a assegurar a possibilidade,

mais adiante, do pleito do cônjuge. Diferente e muito interessante a decisão:

Portanto, estando claro que a pretensão não causará prejuízos

ao Requerido e que, por outro lado, resguardará os objetos

alegados pela Requerente como sendo de seu direito, o

deferimento do pedido de efetivação de bloqueio se impõe, com

a devida "venia" do entendimento exarado na interlocutória

fustigada.

Com tais considerações, e com fundamento no dispositivo

processual alhures mencionado, dou provimento, de plano, ao

Agravo de Instrumento interposto para, em conseqüência,

reformar, parcialmente, a decisão agravada, no sentido de

deferir os pedidos de bloqueio do saldo referente a FGTS, bem

como os valores existentes na "Caixa Previdenciária" em nome

do Requerido.

(Grifou-se)

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Ressalta-se como uma decisão datada de 2008, como a acima analisada, pode refletir

tão bem o voto do Ministro Antonio Carlos Ferreira em 2013. Este último, em consonância com

a Ministra Relatora Maria Isabel Gallotti, demonstraram-se contrários à comunicabilidade do

FGTS, sendo este classificado como verba personalíssima. Foi além o douto Ministro ao

destacar a eminência de reverberação do posicionamento sobre o FGTS, nos casos de mesma

índole, porém tendo como verba a previdência privada. O caso anterior do Agravo de

Instrumento do TJMG sintetiza exatamente o posicionamento e esse receio.

Por fim, o último caso a ser destacado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais sobre a

temática é o pedido de alvará para levantamento de 30% dos valores do FGTS do cônjuge

obrigado ao pagamento de pensão alimentícia. Foi negado em primeira instância e também no

agravo de instrumento de nº 1.0024.09.640883-6/001 por motivos diversos. O conteúdo do

agravo não foi apropriadamente analisado tendo em vista deficiência da sua instrução com falta

de juntada de documentos essenciais para tanto.

Apesar disso, o relator não se eximiu de expor seu entendimento sobre a questão. Nesse

sentido, foi levantada a dúvida quanto à legitimidade da agravante para postular em nome

próprio a verba alimentícia que deveria ser pleiteada pelos filhos menores, a qual a mesma seria

destinada.

Desta maneira, seja porque deficiente a instrução do recurso,

seja porque a agravante não atendeu a diligência apta para

suprir o aludido vício, seja porque se revela duvidosa a

legitimidade da agravante para postular direito de titularidade

dos seus filhos, tais circunstâncias constituem fundamentos

aptos para obstar o processamento do presente recurso.

Indo além do ponderado pelo relator, destaca-se mais uma vez a não previsão de

saque do FGTS para tal destinação. Tal verba é indisponível sendo as hipóteses para seu saque

previstas no art. 20 da Lei nº 8.036 de 1990. Logo, apesar da concordância do empregado

beneficiário, é bastante controverso e interessante o pedido e a possibilidade de autorização de

saque dessa verba. Especialmente em vista da constatação do cônjuge interessado em afirmar

a situação de desemprego prolongado, inclusive anteriormente constatada sua situação de

fragilidade ao requerer a exoneração do dever de pagamento dos alimentos.

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3.3 Superior Tribunal de Justiça

No que consta sobre as decisões do Superior Tribunal de Justiça nota-se um padrão

singular mas condizente com o status da temática no ordenamento. Sobre o assunto, ou seja,

partilha do FGTS após o término do relacionamento conjugal, foram selecionadas oito decisões

pertinentes ao assunto que são extremamente recentes tendo em vista os dois institutos

norteadores da discussão: o casamento ou a união estável e o FGTS. Para uma verba que data

da década de 1960, esperava-se um número maior de decisões, de demandas e de doutrina que

embasasse o assunto.

Nesse sentido, foram estudadas as seguintes decisões: Agravo de Instrumento no Resp

164.7001/PR, julgado em 24/10/2017, Rel. Min Nancy Andrighi; Resp 139.9199/RS, julgado

em 09/03/2016, Rel. Min Maria Isabel Gallotti; AgRg 525.52315/SP, julgado em 14/10/2014,

Rel. Min Maria Isabel Gallotti; Resp 126.6527/RS, julgado em 03/092013, Rel. Min Raul

Araújo; Resp 848.660/RS julgado em 03/05/2011, Rel. Min Paulo Tasso Sanseverino; Resp

781.384/RS julgado em 16/09/2009, Rel Min Aldir Passarinho Junior; AgRg no Agravo

103.0007/ES, julgado em 22/08/2008, Rel. Sidnei Beneti; Resp 758.548/MG, julgado em

03/10/2006, Rel. Min Nancy Andrighi. Destacam- se os acórdãos: Resp 139.9199/RS, 2016,

Rel. Min Maria Isabel Gallotti; Resp 848.660/RS, 2011, Rel. Min Paulo Tasso Sanseverino e

Resp 758.548/MG, 2006, Rel. Min Nancy Andrighi10.

Em seu voto como Relatora do Resp 139.9199/RS11, a Ministra Maria Isabel Gallotti

mostra-se contra a comunicabilidade a todo custo do FGTS no regime de comunhão parcial de

bens, sob o fundamento de consistirem em proventos do trabalho pessoal do cônjuge. Destaca

que o caso paradigma é regido pelo Código Civil de 1916 que, após alteração da Lei nº 4.121/62,

Estatuto da Mulher Casada, foi assegurada a exclusividade sobre os bens adquiridos com base

na remuneração da cônjuge, os denominados bens reservados.

Nessa peregrinação em busca de uma decisão satisfatória, a Min. Maria Isabel Gallotti

conclui que se durante a vigência do casamento os rendimentos laborais de cada cônjuge

permanecem incomunicáveis desde que não se desvinculem de sua destinação própria do

salário, que é a manutenção das necessidades básicas da família como alimentação e vestuário,

logo, encargos familiares em geral. Nessa linha de raciocínio, os bens que se tornariam comum

10 Votos disponíveis em www.stj.jus.br, acesso em 12 de dezembro de 2017 11 Voto disponíveis em www.stj.jus.br, acesso em 12 de dezembro de 2017

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ao casal seriam os, móveis ou imóveis que foram adquiridos por meio de excedente de recursos

financeiros.

Detalhe interessante que merece destaque no voto vencido proferido do Resp

1.399.199/RS, vencido em votação por apenas um voto, é o entendimento de que as verbas

trabalhistas, logo, onde se enquadraria o FGTS. Dado entendimento é de que caso houvesse a

concessão à um dos cônjuges de verba trabalhista, após o término da relação de conjugalidade

referente aquele período de tempo, o outro cônjuge teria direito à meação do valor. Seu

argumento seria de que:

E isso porque, como essas parcelas não foram pagas na época

própria, não foram utilizadas no sustento e manutenção do lar

conjugal, circunstância que demonstra terem ambos os

cônjuges suportado as dificuldades da injusta redução de renda,

sendo certo, de outra parte, que esses recursos constituíram

reserva pecuniária, espécie de patrimônio que, portanto, integra

a comunhão e deve ser objeto da partilha decorrente da

separação do casal,...

(Grifou-se)

Tendo em vista essa justificativa para a comunicação e consequente partilha do FGTS é

corroborada a ideia de que o mesmo não o deveria ser. Primeiramente o FGTS não permanece

disponível como a Ministra demonstrou serem as verbas trabalhistas. O fundo só torna-se

disponível em situações bem específicas elencadas no art. 20 da Lei nº 8.036 de 1990 que rege

esse instituto. Indo além, a finalidade deste crédito trabalhista não é o de contribuir na

remuneração e portanto renda familiar, mas sim para suprir a falta do emprego e da situação de

estabilidade conforme melhor elucidado em capítulo anterior.

Apesar da anterior previsão análoga de não comunicação adquirida do Código Civil de

1916, no atual Código Civilistico pode se depreender o mesmo com base da previsão de não

comunicação de proventos do trabalho previsto no inciso VI, artigo 1.659. Mostrou-se destaque

em seu voto sobre a referida não comunicação o exemplo do caso de saque de FGTS no caso

de falecimento do titular. Nessa hipótese, os recursos devem ser distribuídos para seus

dependentes e na ausência destes, para os habilitados perante a Previdência Social.

O fato de o vernáculo “dependentes” e não herdeiros ser utilizado e o seu

redirecionamento para a Previdência Social no caso da ausência dos primeiros enfatiza o forte

papel social no qual está calcado o FGTS. Nesse sentido, a Ministra Maria Isabel Gallotti, em

voto proferido no RESP 1.399.199/RS enfatizou que:

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Entendo, portanto, que, permanecendo os depósitos de FGTS

indisponíveis na conta-vinculada do trabalhador, guardam

natureza personalíssima, não sendo passíveis de partilha

mesmo que ocorra a separação do casal. Com efeito, trata-se de

reserva personalíssima, derivada da relação de emprego,

compreendida na expressão legal "proventos do trabalho

pessoal de cada cônjuge" (CC, art. 1559, VI), valores que

guardam esta característica de incomunicabilidade enquanto

permanecerem afetados ao regramento e à finalidade social que

norteia o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

(Grifou-se)

Com essa linha de raciocínio o FGTS teria natureza personalíssima desde que na

condição passiva no fundo. Curioso a perda de tal natureza tão singular quando do entendimento

sobre o assunto, as verbas de origem particulares mesmo que sub-rogadas em outros bens não

perderiam tais características. A mesma Ministra que assume o posicionamento de declarar o

fundo personalíssimo tem incutida a ideia de que no caso de saque na constância da relação de

conjugalidade, este perde sua natureza pessoal, e tornando-se parte da massa comum, passível

de partilha.

Destaca-se que não suficiente o fator temporal de saque, considera necessário para

ponderação da comunicabilidade o fator temporal da aquisição de direito à contribuição do

FGTS. Antes da Lei nº 8036 de 1990 seria mais fácil tal calculo pois a cada contrato de trabalho

era aberta uma conta referente ao FGTS. Após a implementação da lei acima passou a ser uma

única conta para todos os contratos de trabalhos no qual pode gerar certa confusão patrimonial

no caso da partilha.

De acordo com a Ministra Maria Isabel, os dois critérios seriam o direito adquirido a

contribuição da verba ser durante a relação e o saque da verba do fundo de reserva ser durante

a relação. Esses fatores são necessariamente complementares para o direito de meação sobre a

verba do FGTS com o divórcio ou dissolução de União estável conforme entendimento desse

acórdão.

Ainda no que tange o Resp 139.9199/RS faz-se mister destacar o voto do Ministro

Antonio Carlos Ferreira tendo em vista o questionamento visionário do mesmo. Este foi de

acordo com o voto vencido da relatoria Ministra Maria Isabel Gallotti e ressalvou a

periculosidade de ser permissivo com a comunicabilidade do FGTS e com a argumentação

usada. Esta daria margem perigosa para extensiva argumentação para as hipóteses de

previdência privada e previdência complementar. Destacou que o FGTS não tem a finalidade

de manter o trabalhador e que as previdências citadas não deixam de se enquadrar no quesito

reserva ou poupança.

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Pode-se entender como segunda decisão basilar para a temática o acórdão do Ministro

Paulo de Tarso Sanseverino – Resp 848.660/RS. Esse está em dissonância com o da Ministra

Maria Isabel Gallotti no sentido de que o FGTS é em seu todo comunicável na partilha.

De início o Ministro explana as fundamentações do Tribunal de origem da decisão em

desconsiderar a sub-rogação dos valores do FGTS empenhados na compra do bem imóvel

pleiteado na partilha. O tribunal entendeu que, como indagado anteriormente em possível

contradição de pensamento no voto da Ministra Maria Isabel, mesmo sub- rogado em um bem,

a verba do FGTS não perde sua característica personalíssima. O tribunal demonstrou-se

vanguardista no assunto ao defender que até mesmo diante de depósito do valor do fundo em

poupança haveria a manutenção de sua característica intuito persona.

O Ministro Relator discorda do posicionamento original de forma generalizada.

Destacou de início que a relação é regida pelo Código Bevilaqua conforme arts. 269 a 275 do

mesmo. Defendeu que o FGTS, com lastro no art. 271 do mesmo código, seria fruto civil do

trabalho, e portanto, integraria o patrimônio comum. O entanto, termina por remeter-se à

exclusão da verba da comunicabilidade com base no mesmo código, entretanto, em seu art. 263.

Reconhecendo a já notória contradição do Código Civilistico, o Ministro se respalda

doutrina e jurisprudência escusas para embasar mais uma vez sua posição de comunicação da

verba do FGTS. Assim como a Ministra Maria Isabel, defende que a verba do fundo que

considera incomunicável seria a não tocada, ainda inerte em sua conta depósito. Ao mesmo

tempo que quando a mesma se encontra sacada ou empenhada na aquisição de um bem ele

acredita na sua comunicabilidade e posterior partilha.

É muito curioso uma frase utilizada pelo relator quando o mesmo diz: “Ocorre que tanto

a doutrina como a jurisprudência têm interpretado tais dispositivos legais de forma restritiva...”

(SANSEVERINO, 2011, p.5). A incomunicabilidade é utilizada de forma restritiva a medida

que a mesma, em tese seria com base na característica personalíssima na verba e no princípio

do in pro trabalhador. Não faz sentido a aplicação ser realizada dessa forma e não de modo

excepcional.

Outra passagem de interessante conteúdo é a seguinte (SANSEVERINO, 2011, p.6): “A

comunhão parcial de bens, como é cediço, funda-se na noção de construção de patrimônio

comum durante a vigência do casamento, com separação, grosso modo, apenas dos bens

adquiridos ou originados anteriormente.” Primeiramente é notória a insistência da

fundamentação da relação de conjugalidade sob o viés preponderantemente econômico. Não

deve haver a ingenuidade de ignorar-se os reflexos da união do casal para o mundo jurídico-

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econômico, porém, parece que assim como afetividade é relativizada e menosprezada como

pilar desses institutos, o caráter personalíssimo também o é quando confrontado com a situação

da partilha. Tudo, em prol de, o que parece, uma prioridade da economia.

3.4 Supremo Tribunal Federal

No que tange ao Supremo Tribunal Federal tem-se uma decisão não muito recente

porém marcante para o assunto com a relatoria do Ministro Gilmar Mendes. Na ARE

709212/DF em que era discutido o prazo de prescrição para pleitear os depósitos não realizados

do FGTS, foi discutido e considerado definida a natureza jurídica do FGTS.

O ministro defende que na verdade o fundo, ao contrário do antes defendido como

natureza híbrida, tem natureza de direito social do empregado. Antes disso, é direito dos

trabalhadores, sejam eles rurais ou urbanos, ao chamado por Gilmar Mendes de “péculio

permanente” (MENDES, 2014, p. 3). Logo, a natureza do FGTS é social e trabalhista nessa

linha de raciocínio.

Em consonância com o voto do relator, foi citado entendimento sacramentado em RE nº

100.249-2 que reafirma o fato do FGTS ser uma espécie de garantia de índole social. Foi

destacada a obrigação imperativa de, nesse contexto, o Poder Público e a Administração Pública

fiscalizar e tutelar os direitos garantidores dos empregados inseridos no sistema de contribuição

do FGTS.

Essa definição da natureza jurídica faz muito sentido dado ao enquadramento do conceito e

função do FGTS. O fundo é um crédito de origem trabalhista de contribuição contínua que foi

desenvolvido de forma a suplementar a finalidade da estabilidade não recepcionada pela

Constituição Federal Vigente. Logo, com base nessa finalidade e nas hipótese específica para

o respaldo social da vida do trabalhador do art. 20 da Lei nº 8.036 de 1990, entende-se que essa

é uma natureza muito pertinente.

No tocante dos questionamentos sobre a comunicação ou não do FGTS quando da partilha

do divórcio ou dissolução da união estável, o acórdão faz referência a Inocêncio Mártires

Coelho do voto é o primordial para o entendimento sobre o assunto e se enquadra muito bem

nesse cenário:

No Capítulo 4 da obra em referência, que trata das consequências da

diferença entre lei e Constituição, propicia-se uma releitura do

fenômeno da chamada mutação constitucional, asseverando-se que as

situações da vida são constitutivas do significado das regras de direito,

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posto que é somente no momento de sua aplicação aos casos ocorrentes

que se revelam o sentido e o alcance dos enunciados normativos. Com

base em Perez Luño e Reale, enfatiza-se que, em verdade, a norma

jurídica não é o pressuposto, mas o resultado do processo interpretativo

ou que a norma é a sua interpretação.

(Grifou-se)

Nessa linha de ideias, apesar da escassa doutrina e jurisprudência ainda se mostrar

contrária numa proporção basicamente três para um de que deve existir a comunicabilidade do

FGTS, entende-se pela atualidade e crescente corrente adotada pelos Tribunais de Justiça que

esse posicionamento pode ser revertido.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que a temática em questão não é recente, tendo em vista

a data de origem do FGTS ser da década de 1950. Porém a sua interdisciplinaridade com o

direito de família, mais especificamente nas situações de divórcio e dissolução de união estável

é novo e há com isso, uma dificuldade em conciliar os interesses do cônjuge com o do indivíduo

como trabalhador e detentor de direito pessoal.

Nessa linha de raciocínio, percebe-se que há controvérsias de solução do impasse em

vista da especificidade do tema. Uma verba trabalhista recepcionada para suprir os empregados

do fim da estabilidade decenal é uma temática complexa por si só em seu ramo do direito. No

contexto em que é inserido em ramo do direito alheio, torna-se um novo enigma a ser decifrado.

E, vão além os desdobramentos na complexidade da tratativa do assunto considerando

o estudo da verba objeto da partilha tratar-se de um ramo de Justiça Especializada como o é a

Justiça do Trabalho. Essa especificidade da Justiça competente originalmente pela coordenação

do FGTS é mais uma agravante para que tal tema tenha seu conteúdo difundido entre os demais

tribunais até mesmo superiores.

Logo, requerer de julgadores com menos contato e estudo sobre a matéria trabalhista a

mesma desenvoltura para decidir do que estes teriam com suas matérias habituais. É um pouco

mais complexo. Lidar com uma interseção em que a matéria alienígena, que vem de outro ramo

do direito e é extremamente controvertida até mesmo em seu campo de atuação original,

demanda maior tempo e dedicação dos Órgãos Julgadores encarregados da temática de família

para conseguir ajustar as especificidades de seus institutos com o do FGTS.

Dessa forma, apesar das divergências ante expostas pelos tribunais permanece a ideia

originária do trabalho de que, mesmo sendo a partilha do divórcio e dissolução de união estável

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imprescindível para a garantia ao direito à meação dos cônjuges, antes da relação de

conjugalidade existe o indivíduo. Este perante a sociedade, nasce, cresce, trabalha, constitui ou

não família, perece e morre.

Antes de proteger o detentor da meação, protege-se o trabalhador. Protege-se o

indivíduo que, de forma derradeira, assim como nasce só, termina sua vida só. E ficou claro,

principalmente diante do estudo do FGTS com suas hipóteses de uso e saque do mesmo que o

foco é o indivíduo trabalhador. E que, se este optar por estender esse direito personalíssimo à

sua família, pode, dentro das possibilidades ofertadas.

Por fim, conclui-se, apesar do posicionamento dos tribunais superiores e em

consonância com a corrente majoritária dos Tribunais de Justiça analisados, pela não

comunicabilidade do FGTS com os demais cônjuges. Ainda nesse ponto de vista, entende-se o

mais pertinente nem mesmo a abertura de exceções para seu uso como foi pleiteado em julgado

analisado para pagamento de pensão alimentícia.

Confirma-se sua natureza personalíssima, de direito do trabalhador e foi, dado ao seu

histórico, enfatizado sua função social de respaldo do trabalhador nos momentos de maiores

adversidades que este poderá enfrentar no decorrer de sua vida, o que em muitos casos inclui o

divórcio ou dissolução de união estável com significativa perda de bens e abalo emocional.

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do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)

BRASIL. Lei 7.839 de 12 de Outubro de 1989. Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo

de Serviço e dá outras providências.

BRASIL. Lei 5.107 de 13 de Setembro de 1966. Cria o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

e dá outras providências.

BRASIL, Estatuto da Mulher Casada - Lei nº Lei 4.121 de 27 de Agosto de 1962. Dispõe sobre

a situação jurídica da mulher casada.

BRASIL, Lei no 3.470, de 28 de novembro de 1958. Altera a legislação do Imposto de Renda

e dá outras providências.

BRASIL, Lei Complementar 150 de 1º de Junho de 2015. Dispõe sobre o contrato de trabalho

doméstico; altera as Leis no 8.212, de 24 de julho de 1991, no 8.213, de 24 de julho de 1991, e

no 11.196, de 21 de novembro de 2005; revoga o inciso I do art. 3o da Lei no 8.009, de 29 de

março de 1990, o art. 36 da Lei no8.213, de 24 de julho de 1991, a Lei no 5.859, de 11 de

dezembro de 1972, e o inciso VII do art. 12 da Lei no 9.250, de 26 de dezembro 1995; e dá

outras providências.

BRASIL. Lei 6.515 de 26 de Dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução da sociedade

conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras providências

BRASIL. Lei 3.470 de 28 de Novembro de 1958. Altera a legislação do Imposto de Renda e dá

outras providências.

BRASIL. Lei 8.971 de 29 de Dezembro de 1994. Regula o direito dos companheiros a alimentos

e à sucessão.

BRASIL. Lei 9.278 de 10 de Maio de 1996. Regula o § 3° do art. 226 da Constituição Federal.

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