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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM LUIZ PEDRO DA SILVA BARBOSA PROCESSOS DE FORMAÇÃO E VARIEDADE DE USO NO SUFIXO Ē ESTATIVO LATINO Niterói 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

LUIZ PEDRO DA SILVA BARBOSA

PROCESSOS DE FORMAÇÃO E VARIEDADE DE USO NO SUFIXO –Ē

ESTATIVO LATINO

Niterói

2016

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LUIZ PEDRO DA SILVA BARBOSA

PROCESSOS DE FORMAÇÃO E VARIEDADE DE USO NO SUFIXO –Ē

ESTATIVO LATINO

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-graduação em Estudos da Linguagem

como requisito para obtenção do título de

Mestre em Estudos da Linguagem.

Linha de Pesquisa: Teoria e análise

lingüística

Orientadora: Profª Drª Lívia Lindóia Paes

Barreto

Agência de fomento: CAPES

Niterói

2016

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B238 Barbosa, Luiz Pedro da Silva.

Processos de formação e variedade de uso no sufixo –ē estativo

latino / Luiz Pedro da Silva Barbosa. – 2016.

125 f.

Orientadora: Lívia Lindóia Paes Barreto.

Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem) – Universidade

Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2016.

Bibliografia: f. 82-85.

1. Morfossintaxe. 2. Transitividade. 3. Aspecto. 4. Vogal temática.

3. Funcionalismo. I. Barreto, Lívia Lindóia Paes. II. Universidade

Federal Fluminense, Instituto de Letras. III. Título.

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Data da defesa:

25 de Fevereiro de 2016

Banca Examinadora:

Profª Drª Lívia Lindóia Paes Barreto UFF (Orientadora)

Profª Drª Mariângela Rios de Oliveira UFF (Coorientadora)

Profª Drª Rívia Silveira Fonseca UFRRJ

Profª Drª Glória Braga Onelley UFF

Profª Drª Fernanda Messeder Moura UFRJ (Suplente)

Prof Dr Fábio Peifer Cairolli UFF (Suplente)

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Resumo:

Esta pesquisa foi desenvolvida durante o curso de Mestrado em Estudos da Linguagem,

no Instituto de Letras da UFF. O objeto enfocado é o morfema –ē, formador de verbos

com valor de estado – estativos – em Latim. O ponto de partida destes estudos é a

aparente interseção entre as categorias de sufixo derivacional e vogal temática em que

se encontra o referido morfema. Estudos de Morfologia Diacrônica do Latim mostram

que ele tem uma trajetória relativamente complexa como continuidade de um morfema

formador de temas aorísticos indoeuropeus. Como a permanência é inerente à mudança,

o Latim apresenta diversos traços desse antigo paradigma. Filiado a uma corrente

funcionalista centrada no uso, este trabalho utiliza a perspectiva construcional de

Traugott & Trousdale (2013). Para as análises, são utilizados também os parâmetros de

transitividade de Hopper e Thompson (1980). O corpus são as comédias de Plauto,

autor do período arcaico da Literatura Latina. A escolha do autor se deu pelo caráter

“popular” de sua obra e pelas numerosas marcas de oralidade de seus textos, o que leva

a crer que eram próximos do falar vernáculo da época. As análises, de modo geral,

mostraram que os usos dos verbos estativos se afastam, em muitos aspectos, das

características descritas pelas gramáticas diacrônicas, pois não possuem produtividade e

com provável neoanálise do radical verbal. Mostraram também, que o sufixo está

relacionado com a noção de aktionsart, ou modo de ser da ação verbal.

Palavras-chave: Morfossintaxe, transitividade, aspecto, vogal temática, funcionalismo.

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Abstract:

This research was developped during the Master Course on Language Studies, at

Instituto de Letras, in UFF. The objectve focused is the morpheme –ē, composer of

verbs with a state value – stative – in Latin. The starting point of these studies is the

apparent intersection between the categories of derivational suffix and thematic vowel

wich the referred morpheme is found in. Diacronic studies of latin morfology show that

this suffix has a relatively complex path as continuity of a morpheme composer of

indoeuropean aoristic themes. As the permanence is inherent to change, Latin shows

several features of such na ancient inflectional paradigm. Affiliated to a used based

functionalist theory, this work uses the constructional perspective by Traugott &

Trousdale (2013). For the analysis, we used transitivity paramaters by Hopper &

Thompson (1980). The corpus are comedies of Plautus, writer from archaic period of

Latin Litterature. The choice of this author is due to the popular feature of his work and

to the numerous orality marks nos his texts, wich lead us to believe that its language

was close to the vernacular spoken language of his age. In a general way, the analysis

shoed that stative verbs use are away, in many features, from those described by

diachronic grammars, because they have no productivity and with a probable

neoanalysus of the verb stem. They also showed that the suffix is related to the notion of

aktionsart, or a way of being of a verbal action.

Key-words: Morphossintax, transitivity, aspect, thematic vowel, functionalism.

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Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio

financeiro à minha pesquisa;

Aos meus pais, pelo carinho e dedicação;

Aos amigos, de todas as esferas, pelo apoio em momentos necessários à produção

acadêmica;

Aos mestres do presente, pela confiança no meu trabalho;

Aos mestres do passado, pelo legado imorredouro.

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In memoriam:

Ernesto Faria, mestre do passado, que dedicou sua vida, até os últimos instantes, a

defender o ensino de Latim no Brasil.

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Nedum sermonum stet honos, et gratia uiuax.

Multa renascentur quae iam cecidere, cadentque

Quae nunc sunt in honore uocabula, si uolet usus

Quem penes arbitrium est et ius et norma loquendi.

(HORÁCIO Ep. ad Pis, v. 69-72)

Que menos ainda permaneçam o prestígio e a graça vivaz das palavras

Muitas que já caíram renascerão, e cairão

Aquelas palavras que estão em prestígio, se desejar o uso

Nas mãos de quem está o arbítrio, e também o direito e a norma de falar.

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Índice

Lista de Tebelas, Quadros e Gráficos..........................................................................10

INTRODUÇÃO.............................................................................................................11

CAPÍTULO 1 – SITUANDO O OBJETO...................................................................15

1.1 – O Indoeuropeu, seu sistema verbal e o sufixo *–ē.....................................15

1.2 – O sistema verbal do Latim e o sufixo –ē....................................................22

1.3 – Dúvidas e questões relativas aos verbos estativos......................................28

1.4 – Resumo do capítulo....................................................................................29

CAPÍTULO 2 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS........................................................30

2.1– A visão saussureana da Linguagem e a Linguística Funcional...................30

2.2 – Linguística Centrada no Uso.......................................................................31

2.3 – Gramática de Construções..........................................................................32

2.4 – Verbos estativos em uma visão construcional............................................35

2.5 – Transitividade Oracional.............................................................................39

2.6 – Fechamento do panorama teórico e preparação para as análises................42

CAPÍTULO 3 – TEXTOS E CONTEXTOS...............................................................44

3.1– Roma: da fundação ao início da República.................................................44

3.2 – A Comédia em Roma..................................................................................45

3.3 – Sobre Plauto e sua comédia........................................................................47

3.4 – Sobre o corpus de pesquisa.........................................................................50

3.5 – Sobre as obras.............................................................................................51

CAPÍTULO 4 – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS......................................54

4.1 – Ocorrências de Verbos estativos.................................................................54

4.2 – Para uma análise qualitativa.......................................................................62

4.3 – Reflexões sobre as análises dos dados........................................................62

4.3.1 – Processos de Formação dos verbos estativos...........................................63

4.3.2 – Transitividade Oracional..........................................................................66

4.3.3 – Aspecto morfológico e Aspecto Lexical..................................................73

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4.4 – Compilando os resultados das análises dos dados......................................75

4.5 – Desdobramentos dos resultados..................................................................76

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................80

REFERÊNCIAS.............................................................................................................82

ANEXO 1 – LISTA DE OCORRÊNCIAS DE VERBOS ESTATIVOS NAS

PEÇAS AMPHITRYON, MOSTELLARIA E PERSA.............................................86

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LISTA DE TABELAS, QUADROS E GRÁFICOS

Tabela 1: Palavras comparáveis entre as línguas clássicas: Grego, Latim e Sânscrito

Tabela 2: Parâmetros da transitividade

Quadro 1: Dimensões das construções

Quadro 2: Hierarquia construcional

Quadro 3: Pareamentos de forma e função para verbos de estado

Gráfico 1: Aspecto do verbo

Gráfico 2: Número de argumentos

Gráfico 3: Construções impessoais frente às demais monoargumentais

Gráfico 4: Habeo e teneo frente às demais biargumentais

Gráfico 5: Ocorrências por peça

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INTRODUÇÃO

A motivação primeira de uma pesquisa como esta é o arranjo que as gramáticas

do Latim fazem do seu sistema verbal: em quatro conjugações. A Monitoria de língua

latina e língua grega, entre 2011 e 2013, suscitou o interesse pela pesquisa da

morfossintaxe latina, sobretudo como consequência do projeto ―A frase latina: descrição

e análise das relações morfossintáticas‖. A partir de então, foram abordados diversos

temas da gramática do Latim, com especial atenção para os fatores mais formais da

língua. Ao observar os diversos processos de derivação sufixal que resultavam no

referido arranjo, entendemos que essas quatro conjugações deveriam advir de uma série

de processos mais complexos de formação e que, ainda, tal série deveria manter traços

semânticos.

De fato, há uma série complexa de formação de temas verbais cujo resultado é a

divisão em quatro conjugações. Consideramos que, dentre os vários sufixos

derivacionais de verbos latinos, um estudo do sufixo de estado –ē seria oportuno, dada

sua origem remota, como formador de aoristos indoeuropeus e também suas marcas

semânticas e morfossintáticas características da frase latina.

Assim, o primeiro capítulo vem apresentar o objeto da pesquisa, sob o ponto de

vista histórico. Entende-se que é de fundamental importância situá-lo no tempo, e no

sistema linguístico antes que se proceda à análise, pois, apesar de este tema não vir mais

a ser focado durante o trabalho, frequentemente, ele terá relações com os capítulos

vindouros.

O capítulo se inicia por uma descrição do sistema verbal indoeuropeu, com

especial atenção para as variações temáticas e aspectuais dos seus verbos. O

comportamento morfossintático dos mesmos e os valores semânticos ligados a cada um

dos aspectos contribuem, conjuntamente, para o enfoque que aqui damos ao sufixo

estativo.

Passamos, em seguida, à observação específica sobre o sufixo –ē. Tentamos

entender o seu papel na flexão verbal indoeuropeia, papel importante para o estudo do

referido sufixo na língua latina.

Chegamos, a seguir, ao Latim e à descrição da flexão latina, com atenção para a

sua variação aspectual, em comparação com o estágio primitivo. Do mesmo modo,

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passamos ao estudo descritivo aprofundado sobre o sufixo (agora sim)1 estativo –ē e de

seu funcionamento no sistema verbal latino. Também é oportuno discorrer de modo

breve sobre o uso do sufixo no latim vulgar e nas línguas neolatinas. A descrição está

embasada na amostragem de alguns exemplos de uso, retirados do corpus,

acompanhados de descrição, com foco na transitividade das orações.

Finalmente, o capítulo se encerra com as dúvidas e questões que motivaram essa

pesquisa e que serão desenvolvidas no decorrer do trabalho. Tais motivações estão

relacionadas tanto com o sistema do verbo latino quanto com a categorização do sufixo

estativo enquanto vogal temática.

O segundo capítulo conta, inicialmente, com uma abordagem mais ampla dos

pressupostos teóricos, isto é, dos fundamentos que alicerçam a pesquisa e a

metalinguagem utilizada para o trabalho. Essa etapa se inicia com uma breve exposição

sobre a corrente de pensamento linguístico intitulada Funcionalismo, mais precisamente

Linguística Funcional Centrada no Uso, vertente norte-americana dos estudos

funcionais. Quando chegarmos aos pressupostos metodológicos, estes deverão estar em

harmonia com a corrente teórica na qual nos inserimos.

Entre os diversos princípios funcionalistas, muitos dos quais de extrema

utilidade para este texto, destacaremos a Gramática de Construções. Dentre as diversas

―gramáticas de construções‖, descreveremos os princípios daquela que utilizamos aqui:

Traugott & Trousdale (2013). A partir daí, um passo importante é o de mostrar como

conceber o objeto de estudo – os verbos estativos latinos – de acordo com essa vertente,

nos diferentes níveis de análise e de definição.

A contribuição seguinte, que incide sobre aspectos específicos deste estudo, é a

de Hopper & Thompson (1980), com seus parâmetros de transitividade verbal. Esses

parâmetros foram revisados por seus autores (in BYBEE & HOPPER, 2001) e,

posteriormente, discutidos por diversos outros, inclusive no Brasil (in ABRAÇADO &

KENNEDY, 2014). Tais fundamentos serão articulados de modo bastante oportuno com

os estudos de CORÔA (2015), sobretudo quando nos debruçarmos sobre os traços de

aspecto e pontualidade.

1 Esse morfema, no Indoeuropeu, ainda não possuía o valor estativo

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O terceiro capítulo tem o propósito de levar o leitor ao contexto em que os

textos, dos quais nos servimos nesta pesquisa, foram compostos; as características da

sociedade em que circulavam, a quem se dirigiam, em que situação eram utilizados.

Portanto, discorremos sobre a situação político-social da República Romana entre os

séculos III e II a.C., a chamada fase arcaica da Literatura Latina, e sobre as origens das

manifestações cômicas na Península Itálica, bem como sobre a comédia latina e sua

inspiração fundamental na comédia nova grega.

Igualmente importante é tratar do autor do nosso corpus, logo, um dos itens

deste capítulo se volta para um resumo de sua trajetória, suas características e sua

recepção, de acordo com as referências disponíveis.

Segue-se o item que trata da descrição das peças selecionadas para este trabalho.

Tendo Plauto composto vinte e uma peças preservadas até o século XXI, um estudo

aprofundado de cada uma delas demandaria outro tipo de trabalho, diferente do

proposto aqui. Foram selecionadas para servir como exemplificação à exposição, três

delas, que apresentam mais exemplos do objeto de pesquisa: Amphitryon, Persa e

Mostellaria, cujos argumentos serão apresentados, dada a importância do seu

conhecimento.

O capítulo é finalizado com apresentação da trajetória dos textos plautinos da

edição crítica que aqui utilizamos. A questão da transmissão textual é tão complexa

quanto necessária para qualquer estudo sobre uma língua antiga.

Finalmente, de posse dessas informações, esperamos que elas contribuam para a

compreensão dos textos analisados. Afinal, o contexto sócio-histórico, o gênero e o

direcionamento do texto são fatores imprescindíveis para um estudo linguístico,

principalmente, em uma perspectiva centrada no uso, e têm influência marcante sobre as

escolhas feitas pelos usuários da língua.

O quarto e último capítulo traz dados de leituras quantitativas das obras cômicas

que compõem o corpus desta pesquisa. Entretanto, esta etapa não é menos importante

que as demais, pois fornece informações imprescindíveis para qualquer reflexão

aprofundada sobre o tema de estudo.

O primeiro item contém dados quantitativos acerca das ocorrências de verbos

estativos nas obras. Apesar de se tratar de uma pesquisa qualitativa, consideramos

indispensável o trabalho, em algum momento, com as quantidades de ocorrências, pois

informações quantitativas também são de fundamental importância para quaisquer

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reflexões aprofundadas. O conjunto de dados é agrupado em categorias e as

categorizações se repetem, porém de acordo com deferentes parametrizações. Cada uma

destas gera um modo distinto de agrupar os dados.

À descrição quantitativa dos dados, seguem as análises qualitativas, etapa que

consideramos mais importante, pois inclui as principais reflexões e também as

conclusões mais marcantes para o estudo do sufixo estativo na morfologia latina. As

abordagens sobre esse fenômeno foram divididas em três itens: o primeiro, retomando a

história do objeto, discorre sobre aspectos morfológicos, mais formais; o segundo

contém os resultados das análises de transitividade, que partem dos parâmetros de

Hopper e Thompson (1980), e recebe o apoio de estudos posteriores (ABRAÇADO&

KENEDY, 2014; CAVALCANTE, 1997; CORÔA, 2005); os estudos de morfologia

histórica e de transitividade levam a um terceiro item, no qual mapeamos as noções

semânticas associadas aos diferentes morfemas nas construções com verbos de estado.

Finalmente, esperamos haver chegado a uma descrição coerente dos processos

de formação dos verbos estativos, bem como de seus usos. Observamos que os

resultados das análises qualitativas dialogam, potencial, porém intensamente, com

determinadas descrições de gramáticos antigos como, Donato e Dositeu. Esse diálogo é

um dos campos oportunos de pesquisa para estudos vindouros sobre a morfologia verbal

do Latim.

Esperamos que este trabalho sirva aos pesquisadores de morfologia e sintaxe

verbal latina e que também suscite novas discussões sobre um fenômeno que, apesar de

sua substância atômica, tem se mostrado de grande complexidade.

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CAPÍTULO 1 – SITUANDO O OBJETO

Dos itens a serem tratados nesta leitura inicial, considera-se que são bastante

importantes aqueles que versam sobre o sistema verbal latino e, principalmente, sobre a

relação sufixo-sistema. Tais informações serão retomadas diversas vezes ao longo da

pesquisa, o que as torna fundamentalmente importantes para a sua compreensão.

1.1 – O Indoeuropeu, seu sistema verbal e o sufixo *–ē

O interesse da humanidade pelas suas diversas línguas é milenar. Assim

também, é frequente o interesse pelo contato e pelas semelhanças e diferenças entre

elas, conforme os povos interagem. Na Antiguidade Clássica, primeiro na Grécia e

depois em Roma, diversos estudiosos se debruçaram sobre a língua que falavam, bem

como sobre as línguas dos povos com quem se relacionavam. Assim, a base da

taxionomia gramatical tem origem nas traduções que estudiosos latinos fizeram de

termos gregos. Um exemplo trivial desse fato é a terminologia para o caso genitivo (do

Latim genetiuus casus), que consiste em uma tradução do grego γενική πτῶσις (―geniké

ptósis‖). Outro exemplo é aquele de um gramático latino importante para este estudo,

Dositeu, que viveu no século IV d.C., e escreveu uma gramática para ensinar Latim a

falantes de Grego.

As línguas não cessaram de ser objeto de estudo e, no início do século XIV,

Dante Alighieri, em sua obre intitulada De Vulgari Eloquentia, já observa e compara

algumas línguas da Europa, em um aspecto bastante peculiar:

Na verdade, tudo o que resta destes na Europa teve um terceiro idioma,

convém agora ser visto como ‗tripartido‘. Pois alguns dizem ‗oc‘, alguns

dizem ‗oil‘, algum dizem ‗sì‘ quando afirmam, como por exemplo

Espanhóis, Franceses e Latinos. (ALIGHIERI, 1922, p. 20)2

Como podemos ver, ele as identifica segundo o termo que os falantes usam para ―sim‖,

fazendo referência, respectivamente, aos idiomas occitano (também chamado

languedoc), francês (oïl resultaria no atual ―oui‖) e italiano.

2 Totum uero quod in Europa restat ab istis, tertium tenuit ydioma, licet nunc tripharium uideatur. Nam

alii “oc”, alii “oïl”, alii “sì” affirmando locuntur, ut puta Yspani, Franci et Latini.

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No século XVI, atribui-se a São Francisco Xavier a levada de textos sânscritos

para a Europa, bem como atribui-se aos jesuítas, que haviam partido em missão para a

Índia, as primeiras observações de que o Sânscrito possuía inúmeras semelhanças com o

Grego e o Latim.

Palavras comparáveis entre as línguas clássicas (Grego o Latim) e o Sânscrito

Inglês Latim Grego Sânscrito

mother

father

brother

sister

son

daughter

dog

cow

sheep

pig

house

mater

pater

frater

sóror

filius

filia

canis

uacca

ouis

suinus

domus

metér

patér

phréter

éor

huiús

thugáter

kúon

boús

óïs

hûs

matár

pitár

bhrátar

svásar

sunú

duhitár

sván

gáu

ávi

sukará

dám

Tabela 1: Palavras comparáveis entre as línguas clássicas (Grego o Latim) e o Sânscrito

(MALLORY & ADAMS, 2006, p.5)

O século XVIII foi determinante nos estudos linguísticos comparativos. O fato

que mais marcou essa época foi o discurso de Sir William Jones, jurista e estudioso

britânico, em 1786 para a Sociedade Asiática em Calcutá:

A língua sânscrita, qualquer que seja sua antiguidade, é de uma estrutura

maravilhosa; mais perfeita que o Grego, mais rica que o Latim, e mais

preciosamente refinada que as duas, ainda mantendo com ambas uma

fortíssima unidade, tanto nas raízes dos verbos quanto nas formas da

gramática, de modo que poderia possivelmente ser produzida por acidente; é

tão forte, na verdade, que nenhum filólogo poderia examinar todas as três,

sem acreditar que se originaram de uma fonte comum, que, talvez, não exista

mais: há uma razão semelhante, apesar de não ser tão forte, para supor que

tanto o Gótico quanto o Celta, apesar de serem misturado com um idioma

muito diferente, tenham tido a mesma origem do Sânscrito; e o Persa Antigo

poderia ser adicionado à família, se houvesse espaço para discutir qualquer

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questão relativa às antiguidades persas (apud MALLORY & ADAMS, 2006,

p.5)3

As observações de Jones despertaram o interesse de muitos lingüistas por essa

―família linguística‖. No início do século XIX, Thomas Young foi o primeiro a propor o

nome ―Indoeuropeu‖ para esta família de línguas. Os estudos dos dinamarqueses

Rasmus Rask e Franz Bopp solidificaram a proposta de uma unidade linguística

primitiva e adicionaram diversas línguas ao conjunto. Ainda no século XX, outras

línguas indoeuropeias foram descobertas, notadamente o Tocário (no oeste da China) e

as línguas anatólias (na Turquia), cujo maior representante é o Hitita.

O que se convencionou chamar Indoeuropeu é uma unidade linguística

artificialmente reconstituída. A partir do século XVIII e ao longo do século XIX,

surgiram diversos estudos que mostravam como a maior parte das línguas da Europa,

bem como diversas línguas da Ásia Central e da Península Indostânica eram, de algum

modo, parentes. As diversas semelhanças entre elas levaram os lingüistas a concluir que

houve, outrora, na pré-história, uma única língua, ou mesmo uma unidade linguística,

que deu origem a todas as demais.

Após cerca de dois séculos de estudos diacrônicos, essa língua continua fora de

alcance, uma vez que não nos legou nenhum documento escrito. O que se sabe dela é

fruto de estudos comparativos entre as suas descendentes.

As línguas herdeiras do Indoeuropeu mantêm, com relativa proximidade,

características básicas primordiais de seu sistema verbal ancestral. Essa afirmação é

ratificada por diversos traços, tais como a flexão modo-temporal, a flexão número-

pessoal, a flexão de voz e a alternância temática aspectual (mesmo que em nível

meramente morfofonêmico).

Mesmo assim, ―o sistema do verbo indoeuropeu era extremamente complexo.

Todas as línguas simplificaram-no no decorrer de seu desenvolvimento particular, e

cada uma de sua maneira.‖ (MEILLET, 1949, p.173)4. Esse fato mostra a complexidade

de um idioma falado em épocas pré-históricas, que veio sendo falado por milênios

3The Sanskrit language, whatever be its antiquity, is of a wonderful structure; more perfect than the Greek, more copious

than the Latin, and more exquisitely refined than either, yet bearing to both of them a stronger unity, both in the roots of the

verbs and in the forms of grammar, than could possibly have been produced by accident; so strong indeed, that no philologer

could examine them all three, without believing them to have sprung from some common source, which, perhaps, no longer

exists: there is a similar reason, though not quite so forcible, for supposing that both the Gothic and the Celtic, though

blended with a very different idiom, had the same origin with Sanskrit; and the old Persian might be added to the same

family, if this were the place for discussing any question concerning the antiquities of Persia. 4 Le système du verbe indo-européen était extrêmement complexe. Toutes les langues l’ont simplifié au

cours de leur développement particulier, et chacune à sa manière.

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incontáveis e sujeito aos processos de variação, mudança e persistência inerentes às

línguas naturais (cf. MARTELOTTA, 2011, p.27; CUNHA, OLIVEIRA &

MARTELOTTA, 2003, p.73). Assim, em relação às línguas primitivas de um modo

geral, ―Os paleolinguistas não buscam mais descobrir uma quimérica ‗primeira língua‘,

mas sim tentam entender a complexidade da multidão de línguas que já existiram‖

(FISCHER, 2009, p.78).

Entretanto, como se faz necessário delimitar um foco neste item, a unidade

linguística indoeuropeia será considerada como uma língua, e as reflexões sobre seu

passado mais remoto não serão retomadas, apesar de serem interessantíssimas aos

estudos lingüísticos. Assim, passemos à descrição de seu sistema verbal.

O verbo indoeuropeu era baseado em um tema, que poderia ser primitivo ou

derivado, e já possuía diversos processos de composição de novos temas verbais. A esse

tema se acrescentavam desinências sufixais, que exprimiam noções de tempo (passado

ou presente, não havia futuro); modo (indicativo, subjuntivo, optativo e imperativo);

número (singular, dual e plural); pessoa (primeira, segunda e terceira) e voz (ativa ou

média, não havia passiva). Esse comportamento morfológico, de modo geral, não é tão

diferente daquele dos sistemas verbais de suas línguas herdeiras. A principal diferença

está, não nas desinências, mas nos temas verbais.

Cada tema possuía o valor principal do sistema verbal – o aspecto. Dubois et al.

(2006, p. 73) definem-no como ―uma categoria gramatical que exprime a representação

que o falante faz do processo expresso pelo verbo [...], i. e., a representação de sua

duração, do seu desenvolvimento ou do seu acabamento...‖ e Trask (2006, p. 40) define-

o como ―categoria gramática que representa distinções na estrutura temporal do evento‖.

Segundo Monteil (1974, p.264), o aspecto é uma referência ao próprio processo que

envolve a ação verbal. Voltando a Dubois et al. (op. cit.), o aspecto situa o processo em

relação à enunciação e o tempo o faz em relação ao enunciado. Desse modo, sob tal viés

semântico, tempo e aspecto podem coexistir em uma língua. No Indoeuropeu, os dois

coexistiam também morfologicamente: o aspecto era expresso pelos radicais (temas)

verbais e o tempo o era por meio de morfemas flexionais(chamados desinências ou

sufixos temporais).

Podemos exemplificar muito dessa característica no sistema verbal do Latim,

idioma objeto deste estudo. Tomando um verbo como cano, -is, -ere, cecini, cantum

(cantar), podemos ver que tanto a forma cano (presente) quanto a forma cecini (perfeito)

não possuem sufixo temporal, o que leva a concluir que a primeira é o presente do

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infectum e a segunda é o presente do perfectum (cf. p.21 para a descrição do sistema

verbal latino).

O aspecto é o mais importante traço verbal. A partir de cada tema, construíam-se

as flexões relativas às demais categorias verbais, já mencionadas. Esses temas possuíam

relativa independência entre si, isto é, cada aspecto possuía seus próprios processos de

composição de temas.

O Latim novamente fornece exemplos dessa flexão: a forma de presente (cano)

dá origem às formas de futuro imperfeito e pretérito imperfeito (canam e canebam) e a

forma de perfeito dá origem ao futuro perfeito e ao pretérito mais que perfeito (cecinero

e cecinaram).

Para explicar melhor essa característica, é oportuno olhar com atenção para cada

um dos aspectos indoeuropeus:

1º Um aspecto dinâmico e progressivo, correspondente ao tema chamado

‗presente‘, caracterizado no ativo por um vocalismo pleno radical de timbre ĕ, e

por desinências primárias; 2º um aspecto estático e atingido, correspondente ao

tema chamado ‗perfeito‘ caracterizado originalmente por um vocalismo radical

pleno de timbre ŏ e uma série específica de desinências. Um redobro não-

obrigatório se unia muito frequentemente a essas características; 3º enfim, um

aspecto ‗zero‘, nem dinâmico nem estático, nem progressivo nem alcançado,

correspondente a um tema chamado ‗aoristo, caracterizado pelo vocalismo

radical reduzido e completado por desinências secundárias. (MONTEL, op. cit.,

p. 267)5

Esses três aspectos indoeuropeus se mantiveram na língua grega. Observe-se, no verbo a

seguir, como o radical verbal varia de acordo com o aspecto, tal como explicado acima;

a vogal base do radical (vocalismo) varia da mesma forma, e cada um deles tem suas

próprias desinências (o presente tem desinências primárias6, o perfeito tem uma série de

desinências específicas e o aoristo tem desinências secundárias). O radical do verbo está

em negrito e o vocalismo está sublinhado. É importante lembrar também que, em

5 1º Um aspect dynamique et progressif, correspondant au thème dit “present”, caracterisé à l’actif par

un vocalisme plein radical de timbre ĕ, et des desinences primaires; 2º un aspect statique et achevé, correspondant au theme dit “parfait”, caracterisé anciènnement par un vocalisme plein radical de timbre ŏ, et une série specifique de désinences. Un redoublement, non-obligatoire, s’ajoutait très frequemment a ces charactéristiques;3º enfin, un aspect “zero”, ni dynamique ni statique, ni progressif ni achevé, correspondant au theme dit “aoriste”, caracterisé par le vocalisme radical réduit et affublé des desinences secondaires. 6 Os tempos primários são o presente e o perfeito. Eles recebem desinências primárias e dão origem aos

demais tempo, que são chamados secundários e que, portanto, recebem desinências secundárias.

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Grego, os tempos pretéritos secundários, isto é, aqueles formados a partir de outros

tempos primitivos recebem um aumento prefixal em ε(ĕ) – chamado ―aumento verbal‖.

Curiosamente, o aoristo, traduzido usualmente por um passado, também recebe esse

aumento, apesar de não figurar entre os tempos secundários. Vejamos o verbo:

πείθω (peitho) eu persuado (presente)

πέποιθα (pépoitha) eu persuadi (perfeito)

ἔπιθον (épithon) eu persuadi (aoristo)

O verbo grego tomado como exemplo mostra com clareza uma reminiscência do

padrão flexional básico de temas aspectuais indoeuropeus. E é básico porque existem

outros processos, quase todos operados por variações morfológicas, que servem para

formar temas de presente, de perfeito e de aoristo, entre os quais destacam-se uma

formação com a adição de um s (que se tornou a mais produtiva em Grego, de modo que

o próprio verbo tomado como exemplo possui um aoristo ἔπεισα– épeisa, é o chamado

aoristo sigmático), e também aquela sobre a qual este texto se debruça: com a adição de

um –ē, para formar aoristos passivos.

Quanto ao valor aspectual dessas variações, talvez seja fácil distinguir o presente

dos outros dois aspectos, o que não se aplicaria à distinção do perfeito e do aoristo.

Designando o perfeito uma ação concluída, estática, ele se diferencia do aoristo por este,

no modo indicativo, designar apenas um passado, sem a noção de acabamento.

Do mesmo modo, a questão do aspecto será abordada, especificamente no

Latim, em momento oportuno.

O item a ser abordado aqui é o sufixo *–ē. No nível mais concreto, esse

morfema é originado de um ditongo –eH1 indoeuropeu7 (cf. MONTEIL, 1974, p. 292),

que no seu vocalismo pleno8 se altera, na passagem ao latim, para um ē. A noção desse

processo mostra o quão antigo é esse sufixo nas línguas indoeuropeias. Em grego, a

evolução fonética também resultou em η (ē).

7 O fonema H1 faz parte de uma séria de sons, chamados ‘soantes laringais’ – H1, H2 e H3, segundo a

proposta aqui utilizada. Essas soantes não se conservaram em quase todas as línguas indoeuropeias (o grupo Anatólio é a única exceção). 8 O Indoeuropeu não possui ‘vogais’, mas sim um ‘vocalismo’, que consiste em um timbre alternante

ĕ/ŏ/ø. Esse vocalismo era a base das raízes indoeuropeias, que são, originalmente, monossilábicas, e também se manifestam nos diversos morfemas dessa língua. Assim, o referido ditongo podia se manifestar de três formas: eH1, oH1 e H1. Os fonemas referentes a I, U e A são de origem sonântica.

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O sufixo –ē era um dos processos de formação de temas de aoristo, ligando-se a

uma raiz verbal que, geralmente, aparecia com vocalismo radical reduzido. De acordo

com Chantraine (1984, p. 161), os aoristos formados por –ē eram aoristos intransitivos.

A associação de um valor estativo a um tema de aoristo se dava, provavelmente, para

designar uma ação verbal que ―atingiu determinado estado‖. Daí a ocorrência desse

sufixo nos temas de aoristo. É importante notar que ele não ocorria nos outros temas

aspectuais.

É válido recorrer novamente à língua grega, pois ela manteve o aoristo, e o

sufixo –ē que entrava na sua formação e se sistematizou como sufixo formador de

aoristos intransitivos. Daí, na formação da voz passiva9, ele ganhou certa produtividade

e se estendeu aos demais aspectos, sendo encontrado, portanto, no Grego Clássico, em

outros temas, especialmente no perfeito e no futuro (para um estudo mais aprofundado

da trajetória do sufixo –ē no Grego Antigo, ver CHANTRAINE, 1984).

Enfim, o aspecto aoristo suscita, ainda, uma série de reflexões. De acordo com

Benveniste (apud MONTEIL, op. cit. p. 265), morfologicamente, o aoristo teria tido

uma origem nominal, bem como uma incorporação tardia, em relação aos outros dois –

presente e perfeito. Esse pensamento pode explicar a relação entre os verbos estativos

latinos e determinados compostos substantivos e adjetivos.

Nossas observações a respeito do verbo indoeuropeu e do sufixo –ē estão longe

de explicar a complexidade do sistema. No entanto, devemos destacar que alguns

tópicos são de fundamental importância para o estudo do mesmo morfema na língua

latina, tais como: as alternâncias aspectuais e a importância do aspecto para a

conjugação indoeuropeia; a relação do sufixo com os temas de aoristo. Esse dois tópicos

ajudarão a compreender o estado latino do verbo.

O domínio da família indoeuropeia, na antiguidade clássica, se estende por quase

todas as regiões da Europa e por diversas áreas da Ásia. Divido, taxionomicamente, em

diversos ramos, aquele que nos diz respeito é o grupo itálico, usado por povos

habitantes da Península Itálica a partir do final do segundo milênio a.C.. Essa região, era

um mosaico de línguas, indoeuropeias ou não, das quais uma era o Latim, idioma falado

na região conhecida como Latium (Lácio).

9 A voz passiva, tanto em Grego quanto em Latim, era feita de um modo bastante peculiar: era uma voz

passiva desinencial, i. e., desinências número pessoais próprias de voz passiva se ligavam ao verbo. Assim, no Grego, o verbo πείθω tem sua voz passiva em πείθομαι (peithō/ peithomai - persuado/ sou persuadido ou obedeço); no Latim, um verbo capio tem sua voz passiva em capior (capturo/ sou capturado).

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Entre as diversas línguas próximas ao Latim, destam-se o Osco e o Umbro, com

uma quantidade considerável de textos epigráficos preservados. São essas as mais

próximas ao Latim.

1.2 O sistema verbal do Latim e o sufixo –ē

A principal mudança que o verbo latino mostra em relação ao seu antepassado é

a questão da oposição aspectual. A língua latina possui uma oposição fundamental entre

um presente e um perfeito (infectum e perfectum, respectivamente). Não há aoristo, ele

apenas deixou vestígios morfológicos em alguns temas de perfectum, chamados

perfeitos aorísticos (cf. ERNOUT, 2002, p. 197; FARIA, 1958, p. 235). Também no

Latim, a categoria de tempo ganha maior importância até à criação do tempo futuro.

Sobre tal categoria, é possível que o Latim se situe em um momento de transição da

categoria principal da flexão verbal, entre o aspecto e o tempo.

Na língua portuguesa, os temas verbais perdem seu caráter aspectual, deixando

vestígios morfológicos improdutivos de temas aspectuais (nos verbos ditos irregulares).

Ao observarmos o verbo português ―fazer‖, classificado por Bechara (2009, p. 187)

como irregular forte, por mudar o seu radical no pretérito perfeito, veremos que essa

alteração, no Latim, nada possuía de irregular: o verbo facio possuía um perfeito em feci

(formado por alternância vocálica, comum no Latim) que dava origem às formas dos

tempos perfeitos (fecero, feceram, fecerim, fecissem), repectivamente futuro perfeito e

mais-que-perfeito do indicativo, pretérito perfeito e mais-que-perfeito do subjuntivo.

Quanto à categorização dos verbos latinos, é importante lembrar que a nossa

língua portuguesa tem, tradicionalmente, seus verbos divididos em categorias chamadas

―conjugações‖ (primeira, segunda e terceira), de acordo com a vogal temática pré-

desinencial que se mostra clara nos infinitivos. No Latim, o critério de categorização

dos verbos pelas gramáticas é o mesmo, de modo que a conjugação dos verbos latinos

se apresenta dividida de acordo com o seguinte arranjo didático:

1ª conjugação, formada pela vogal temática –ā, como amo, –as, –āre, –āui, –ātum

2ª conjugação, formada pela vogal temática –ē, como habeo, –es, –ēre, –ui, –itum

3ª conjugação, formada pela vogal temática –ĕ, como facio, –is, –ĕre, feci, factum

4ª conjugação, formada pela vogal temática –ī, como seruio, –is, –īre, –īui, –ītum

(amar, ter, fazer e servir, respectivamente)

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Há ainda um grupo de verbos nos quais as desinências se ligam diretamente ao

radical, sem a presença de uma vogal temática, sendo assim chamados de atemáticos (e,

impropriamente, de irregulares). São colocados à parte do arranjo das quatro

conjugações. É um grupo reduzido, mas de verbos bastante importantes para a Língua

Latina:

sum, es, esse, fui, (ser)

fero, fers, ferre, tuli, latum (levar, trazer)

uolo, uis, uelle, uolui, (querer)

Note-se ainda, que cada verbo pode dar origem a diversos compostos, que se

flexionarão do mesmo modo. Assim, sum dá origem a possum (poder) e uolo dá origem

a nolo e malo (não querer, preferir)

É importante lembrar que a notação do verbo em Latim é diferente daquela feita

em Português. Os verbos latinos, segundo os dicionários utilizados nesta pesquisa, são

encabeçados pela forma de P1 do presente ativo do indicativo, seguida por P2 do

mesmo tempo, modo e voz. A terceira forma apresentada é aquela de infinitivo, que

mostra a vogal temática usada na separação dos grupos; a quarta forma é a do chamado

perfectum, que é o tema que será usado como base de todos os tempos perfeitos (em

oposição aos tempos imperfectivos). Essa forma levanta questões e merece estudos

próprios, uma vez que, quando existe, frequentemente não apresenta a mesma vogal

pré-desinencial do infectum (tema dos tempos imperfectivos).

A quinta forma apresentada é a do chamado supino, que dá origem ao particípio

perfeito dos verbos latinos.

Esses quatro grupos são resultados de uma complexa série de processos de

formação (talvez uma ―feliz coincidência‖) que fez com que aquelas quatro vogais

estivessem ligadas entre a raiz e as desinências.

As limitações desse arranjo já eram notadas por Ernesto Faria em 1958:

Resta-nos agora apenas tratar da divisão clássica dos verbos latinos em

quatro conjugações. Aliás, esta divisão é inteiramente falha, não só por

não se poder aplicar em geral às formas do perfectum, como também,

mesmo no que diz respeito ao infectum, por reunir verbos com

características diversas. (p.240)

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É compreensível que o arranjo em quatro conjugações seja favorável aos alunos

que começam a o aprendizado do Latim. No entanto, para estudos mais aprofundados, é

interessante levar em conta os processos de formação dos temas aspectuais. Assim

como essa necessidade já é de conhecimento dos gramáticos, muitos deles já se

debruçaram sobre esses processos (cf. ERNOUT 2002; ERNOUT & THOMAS, 2002;

MEILLET, 1948). Como o objeto desta pesquisa é um desses processos, eles serão

explanados, de forma resumida, a seguir, com base na descrição de Pierre Monteil

(1974).

Em primeiro lugar, deve-se lembrar que, os processos de formação dos temas

aspectuais indoeuropeus tinham certa independência uns dos outros (ver p. 8). Tal

independência de processos se mantém na maioria das formações latinas. Levando em

conta essa independência, é necessário distinguir os processos de formação de temas de

infectum e os de perfectum. Esses processos formam temas aspectuais, ou seja, as bases

morfológicas que serão utilizadas na flexão dos diversos tempos e modos verbais. É

importante, no entanto, assinalar o fato de que o Latim possui, também, diversos

processos sincrônicos de derivação sufixal, formadores de verbos.

Primeiramente, eis os processos de formação de temas de perfectum.

Começamos por ele, uma vez que o seguinte (infectum) terá uma continuidade na

descrição do sufixo de estado.

a) No Indoeuropeu, a principal e mais primitiva marca de aspecto era o

vocalismo do radical (ver p. 3). Essa marca continua no Latim, apesar de obscurecida

pelas mudanças fonéticas. Tais formações são chamadas ―formações radicais‖, que

comportam tanto verbos temáticos quanto verbos atemáticos10

. Entre os temas de

perfectum, figuram também aqueles de verbos com um ―redobro de perfectum‖ (que

consiste na repetição da primeira sílaba do radical), tais como tetigi, de tango (tocar) e

pupugi, de pungo (pungir).

b) Entre as formações sufixais, existem os chamados ―perfeitos sigmáticos‖ (da

letra grega sigma Σ correspondente ao S em Latim), que recebem um sufixo –s, tais

como lexi, de lego (ler). Figuram também nas formações sufixais, aqueles temas

formados por um sufixo –u, como amaui, de amo (amar); note-se que a formação em –u

10

Essa definição de vogal temática se refere a fatos mais antigos: na conjugação indoeuropeia, havia certos verbos que possuíam uma espécie de “vogal de ligação” entre o radical e as desinências. Essa vogal alternava seu timbre conforme o fonema seguinte. No Latim, são pouquíssimos (porém de uso bastante freqüente) os verbos que mantém esse tipo de flexão: sum (ser); uolo (querer); fero (portar)

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se sistematizou como formadora de perfeitos no Latim Vulgar e nas línguas neolatinas

(cf. VÄÄNÄNEN, 1967, p. 151).

c) É importante notar, ainda, que o perfectum latino absorveu a maior parte de

temas de aoristo indoeuropeu, e, em muitos casos, a forma aorística suplantou a forma

perfectiva. Alguns exemplos são cepi, de capio (capturar) e feci, de facio (fazer). É o

perfeito latino com alongamento.

Processos de formação de temas de infectum:

a) O grupo de formações radicais inclui alguns exemplos de verbos que também

levam um redobro verbal. Esse redobro, no caso, consiste na repetição da consoante

explosiva da raiz seguida do timbre vocalizado i. Alguns exemplos desses verbos são

sum (ser); uolo (querer); fero (portar), como exemplos de formações radicais sem

redobro; sido< *si-sd-o (sentar-se); sisto< *si-sta-o (parar, manter-se), como exemplo

de formação radical com redobro.

b) Existe um grupo de verbos formados por ―aumentos‖, que consistem em

elementos monolíteres, os quais adicionam traços semânticos sutis. Dentre eles,

destacam-se: a) um infixo nasal, que indica uma nuance determinada, isto é, um

processo orientado a uma realização total e precisa, como tango (tocar); b) aumentos

dentais, que apontam para uma relação com presentes de valor ―determinado‖, como

fendo (fender) e claudo (fechar); um aumento s, que possuía valor desiderativo, como

quaeso (buscar, por efeito de rotacismo, apresenta a forma alternante quaero).

c) Existem também infecta (plural de infectum) formados por sufixos, de valor

mais claro e contundente: a) um sufixo *–sk-e/o, de valor iterativo/incoativo, como

floresco (florescer); b) um sufixo *–eye/o, de valor factitivo, como moneo (fazer

pensar); um sufixo *–y-(e/o), chamado denominativo, que servia para formar temas

novos a partir de temas antigos, como curo (cuidar, feito a partir do substantivo

cura<*curayo). Finalmente, há também o sufixo de estado –ē.

Dentre os vários tipos de derivação sufixal formadora de verbos em Latim,

destacamos os verbos estativos, formados pelo sufixo –ē, pertencentes à segunda

conjugação. São verbos do tipo areo, caleo, frigeo (estar seco, estar quente, estar frio).

Esses verbos são prototipicamente intransitivos, aliás, o são desde o indoeuropeu

(cf. CHANTRAINE, 1984, p.161). Por essa razão, o morfema estativo parece estar

diretamente relacionado à intransitividade verbal. Contudo, o Latim apresenta alguns

usos transitivos desses verbos, especialmente com um restrito grupo de verbos, cujos

principais representantes são habeo e teneo (em sua origem, significam ‗estar contido‘),

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que não só perderam gradativamente seu uso estativo intransitivo original, como

também passaram por processos bastante peculiares de mudança, desde a formação do

Latim até as suas descendentes.

O sufixo estativo –ē aparece no Latim apenas nos temas de infectum, o que, por

um lado, morfologicamente, constitui uma grande inovação (cf. MONTEIL, 1974, p.

293), uma vez que esse morfema era usado para formar temas de aoristo. No entanto,

semanticamente, o seu uso nos tempos de infectum se configura como a permanência de

uma ideia de prolongamento do referido estado no tempo.

Tardiamente, a partir do Latim Vulgar, muitos verbos formados pelo sufixo –ē,

devido a alterações fonéticas, acabam por se confundir com verbos de outros

paradigmas (em geral –ĕre e īre). Por outro lado, a composição do sufixo estativo com o

sufixo incoativo –sc apresentou certa produtividade, como os pares floreo/floresco;

doleo/dolesco (estar florido/florescer; estar doendo/começar a doer) (cf. VÄÄNÄNEN,

1967, p. 144-5).

Passemos agora à observação de alguns exemplos de uso dos verbos estativos

nos textos arcaicos latinos, que compõem o corpus desta pesquisa:

(1)

- ...madeo metu. (Mostellaria, v. 395)

-... estou molhado de medo

(2)

-SOS. Haeret haec res, si quidem haec iam mulier facta est ex viro. (Amphitryon, v.

814)

- Essa coisa está fixada, se acaso esta mulher já foi feita a partir do homem

Os dois primeiros exemplos mostram usos que, com base apenas nas gramáticas

de Latim, podem ser considerados bastante prototípicos dos verbos de estado, de acordo

com o esquema que este trabalho estabelece como prototípico (que será explicado no

capítulo seguinte). Segundo análise já empreendida sobre essas amostras mais

prototípicas (BARBOSA, 2014), observou-se que tais sentenças apresentam baixíssima

transitividade (de acordo com os parâmetros de Hopper & Thompson, 1980).

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São orações com apenas um participante, não têm cinese nem pontualidade, seus

sujeitos não são agentes e não possuem intenção sobre o verbo, e o aspecto das orações

é imperfectivo. Todos esses fatores apontam para a intransitividade verbal.

(3)

- At te Iuppiter /Dique omnes perdant! <Fufae!>Oboluisti alium (Mostellaria, v.39)

- Mas que Júpiter e todos os deuses te destruam! <Ugh!>Fedeste a alho!

O exemplo 3 mostra um uso mais afastado do protótipo. Ela já apresenta dois

participantes: um sujeito e um complemento. Seria possível, talvez, inferir que, esse

complemento é dotado de uma ideia circunstancial de comparação, e que não se

configurasse como sofredor da transferência de ação. Formalmente, no entanto, é um

complemento do verbo, em acusativo. Outra diferença marcante é o fato de o verbo

estar no aspecto perfectivo, o que confere maior transitividade à oração, no entanto, essa

mudança aspectual não inclui o sufixo –ē na formação do perfeito (v. p. 18).

(4)

- nam muliones mulos clitellarios

habent, at ego habeo homines clitellarios. (Mostellaria, v. 781)

- Pois os arrieiros têm machos de carga,

mas eu tenho homens de carga

O quarto exemplo é bastante afastado do protótipo, pois não apenas tem um

objeto, mas também tem um sujeito intencional e agentivo, além de cinese e

pontualidade. Como já foi dito, os verbos habeo e teneo têm trajetórias bastante

peculiares. Os textos arcaicos mostram usos muito distantes do protótipo de verbo de

estado. Incluem amostras que se aproximam até mesmo dos usos como auxiliar:

(5)

- Satis iam dictum habeo. (Persa, v. 214)

- Já tenho dito o suficiente

A oração 5, por si só, suscitaria muitas questões. Formalmente, o verbo tem um

complemento, contudo o sintagma formado por esses dois elementos se assemelha

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bastante a uma locução verbal de tempo passado; essa possibilidade é reforçada pela

origem verbal do complemento – um particípio. No entanto, aqui, é mais adequado

observar apenas como essa construção se afasta do uso prototípico.

Esses foram alguns exemplos de verbos estativos em textos arcaicos.

Certamente, um levantamento das ocorrências e uma descrição mais apurada terão um

espaço próprio, nos capítulos seguintes, após a definição do aparato teórico e dos

procedimentos metodológicos das análises.

1.3 – Dúvidas e questões relativas aos verbos estativos

Após estas observações sobre o sufixo estativo –ē, a primeira dúvida que surge é

como classificar a mudança que ocorre entre o estado indoeuropeu e o estado latino? No

Indoeuropeu, tal morfema se configurava como um sufixo flexional, mas, em Latim, ao

que tudo indica, tornou-se um sufixo derivacional, isto é, formador de novos verbos.

Não seria apropriado tratar esses dois estados e possíveis categorizações de

forma binária e oposta. Mais interessante seria colocar o objeto em um continuum

derivação-flexão. No presente trabalho, esse continuum é ratificado pela independência

dos temas aspectuais indoeurpeus. Por essa característica, não há segurança para se

dizer que um único verbo possui diferentes aspectos11

. Assim, a questão passa a ser:

como localizar o objeto no continuum? Resposta: observar as marcas que o direcionam

para um lado ou para outro.

Talvez seja até mesmo impossível analisar uma mudança envolvendo o sufixo

estativo, mas, seguramente, há uma diferença entre esse morfema no Latim e nas

línguas neolatinas. Na língua portuguesa, por exemplo, se alguns verbos ainda mantêm

o valor de estado (como doer) este não se dá mais por causa de sua vogal temática, e

sim pelo tema verbal como um todo. A partir de um momento e durante um certo

tempo, os falantes do Latim (ou talvez já de suas herdeiras) foram deixando de analisar

esse morfema como um sufixo formador de verbos, e ele passou a figurar como mero

morfofonema utilizado para agrupar os verbos semelhantes.

11

O Latim manteve, em alguns verbos, essa clareza da independência dos temas. O melhor exemplo talvez seja o verbo sum, es, esse, fui (ser), cujos temas de infectum e perfectum (es- e fu-, respectivamente) tem origens totalmente distintas, como se fossem dois verbos diferentes, que se fundiram na passagem ao Latim. Outros exemplos dessa independência são os inúmeros verbos que não têm perfectum, como tumeo (estar inchado) e alguns outros que, em oposição, não possuem perfectum, como memini (lembrar-se).

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Essa reflexão nos leva à próxima questão: definir o lugar da categorização de

―vogal temática‖ na conjugação verbal latina. Existem duas categorias chamadas de

―vogal temática‖: uma que se aplica a fatos mais antigos (vocalismo pleno das

desinências número-pessoais) e outra que se aplica a fatos mais novos (vogal pré-

desinencial). No entanto, esta última parece ser pouco precisa, pois designa, na verdade

sufixos diversos, com seus valores semânticos claros e com influências morfossintáticas

em toda a sentença. Assim, é necessário que os estudos sobre a língua latina levem em

consideração a complexidade desses simples morfemas, quando da conjugação verbal.

Essas duas questões se desdobram nos objetivos, que terão, mais adiante, seu

espaço. Elas também serão amparadas pelo arcabouço teórico da Linguística Centrada

no Uso, que será descrito nos capítulos seguintes. Este trabalho não tem a pretensão de

responder a essas questões, mas contribuir para as reflexões vindouras acerca da língua

latina.

1.4 Resumo do capítulo

Este capítulo foi iniciado com uma reflexão sobre as origens mais remotas da

língua indoeuropeia, ponto de partida para as presentes observações. Em seguida, o

primeiro item descreveu o sistema verbal indoeuropeu, com especial atenção para as

variações aspectuais. Devemos lembrar que a importância do aspecto para esse sistema

é de grande valia para a compreensão neste estudo.

Em seguida, o segundo item fez uma descrição do sistema verbal do Latim, com

foco nos processos de formação dos temas aspectuais. Um desses processos é a

sufixação com o sufixo estativo –ē. O item versou sobre o funcionamento desse

morfema no sistema verbal latino e apresentou alguns exemplos, retirados do corpus. É

importante lembrar sua presença apenas nos temas de infectum e características das

sentenças construídas com os verbos estativos.

O terceiro item expôs as duas principais questões que motivaram esta

investigação. Tais questões, bem como diversos outros assuntos deste capítulo, serão

imprescindíveis para o desenvolvimento deste texto. Enfim, o próximo capítulo é uma

preparação para as análises.

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CAPÍTULO 2 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS:

A importância de uma descrição dos pressupostos teóricos vai muito além da

formalidade de um trabalho acadêmico. A teoria é como uma lente, através da qual o

estudioso enxerga seu objeto, ou, mais apropriadamente, é uma linguagem pela qual ele

se comunica. No entanto, o estudo da linguagem verbal humana tem uma propriedade

peculiar, a de conceber seu próprio objeto, já que a língua é o fim e o meio do processo

científico, isto é ―dir-se-ia que é o ponto de vista que cria o objeto‖ (SAUSSURE, 1955,

p. 23)12

Assim, apresentaremos aqui também as concepções que assumimos sobre os

fenômenos que estudamos.

2.1- A visão saussureana da Linguagem e a Linguística Funcional

Este estudo se insere na corrente teórica funcionalista. Para descrevê-la, é

oportuno voltar aos pressupostos básicos de Saussrue, pois eles fundaram o que hoje

concebemos como a ciência Linguística, integrada por uma série de correntes chamadas

formalistas, às quais as funcionalistas, muito frequentemente, sobretudo na origem,

procuraram se opor.

Em seu Curso de Linguística Geral, o professor genebrino logo busca a definição

fundamental do objeto de sua ciência. Assim, ele estabelece a primeira de suas clássicas

―Dicotomias Saussureanas‖: Língua e Fala. Em seguida, estabelece que o objeto da

Linguística é a língua, não a fala. Entre diversas razões, isso se dá também porque a fala

é um ato individual, relativo a cada falante, enquanto a língua é o sistema subjacente aos

processos comunicativos, comum a todos os falantes de um idioma.

Embora seis décadas separem Saussure da Linguística Funcional, do ponto de

vista teórico, suas concepções básicas se distinguem. Para a esta, o sistema da língua

pode ser diferenciado da materialidade de sua manifestação, porém eles não podem ser

estudados separadamente, como supunha Saussure (1955, p.31). O Funcionalismo

concebe seu objeto como a língua em uso, logo as propriedades formais não podem ser

isoladas daquelas contextuais. Assim é porque elas se relacionam intimamente e

12 On dirait que c’est le point de vue qui crée l’objet

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dependem uma da outra para que os falantes se comuniquem. Aliás, nessa perspectiva a

língua é vista como meio e resultado das interações sociais. Assim, cada indivíduo usa a

gramática da língua segundo motivações pragmáticas e de modo a satisfazer seus

propósitos comunicativos. Essa razão explica por que são indissociáveis os estudos da

gramática e os do discurso. Aliás, necessário se faz definir discurso e gramática,

segundo a nossa perspectiva:

Assim, o primeiro termo [discurso] passa a se referir às estratégias criativas dos

usuários na organização de sua produção linguística, aos modos individuais com

que cada membro da comunidade elabora suas formas de expressão verbal. Por

outro lado, o termo gramática é concebido como o conjunto das regularidades

linguísticas, como o modo ritualizado ou comunitáriodo uso; se ao discurso

cabe a liberdade e a autonomia de expressão, à gramática compete a

sistematização e a regularização.(OLIVEIRA & VOTRE in VOTRE, 2012,

p.158)

Em capítulos subsequentes, veremos diversos exemplos em se pode observar

com clareza como motivações externas ao sistema linguístico fazem o usuário moldar a

gramática de que dispõe.

2.2- Linguística Centrada no Uso

Nas últimas décadas de sua trajetória, a Linguística Funcional tem estabelecido

uma série de diálogos com outra corrente – a Linguística Cognitiva. Esta

...vê o comportamento linguístico como reflexo de capacidades cognitivas que

dizem respeito aos princípios de categorização, à organização conceptual, aos

aspectos ligados ao pensamento linguístico e, sobretudo, à experiência humana

no contexto de suas atividades individuais, sociointeracionais e culturais.

(FURTADO DA CUNHA, BISPO, SILVA in CEZARIO & FURTADO DA

CUNHA, 2013, p. 14)

Uma das principais razões para o êxito dos diálogos entre funcionalistas e

cognitivistas é o compartilhamento de vários pressupostos teórico-metodológicos.

Dentre eles, destacamos aqui a estreita relação entre a estrutura das línguas e o uso que

os falantes dela fazem nas situações de comunicação, fator que leva à concepção de que

os dados linguísticos são aqueles que ocorrem em situações reais de uso. Uma vez que a

gramática é vista como fruto das experiências dos indivíduos, ela pode ser moldada pelo

uso linguístico.

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O termo ―usage-based‖ (baseado no uso) foi introduzido pelo cognitivista

Ronald Langacker em 1987, apesar de ter havido muitos modelos baseados no uso (cf.

BARLOW & KEMMER, 2006, p.1). Esse termo foi utilizado para designar a corrente

funcionalista enriquecida do contato com o Cognitivismo, resultando assim na

Linguística Funcional Centrada no Uso.

É importante ter em mente que, segundo uma visão funcionalista da linguagem,

é sempre preferível que a pesquisa linguística tenha como objeto manifestações

concretas, em situações reais de uso. Com isso, o estudo de uma língua antiga poderia

ter um problema em relação à seleção de corpus, mas não tem. Assim ocorre porque o

Latim não deixou de ser falado, tendo se modificado e dado origem a diversas línguas

neolatinas, e também porque a língua antiga possui um acervo de textos da época

passada, capazes de transmitir importantes valores, pensamentos e características gerais

da sociedade da época. Portanto, o texto escrito constitui-se como corpus de pesquisa da

língua antiga, pois é, tanto quanto o texto falado, língua em uso.

2.3- Gramática de Construções

O termo ―construção‖ tem tido uma frequência bastante alta nos estudos

linguísticos. Na sua mais antiga (e talvez mais freqüente) acepção, designa meramente

um aglomerado sintático ou um sintagma oracional. Seria, portanto, um epifenômeno,

causado pela simples interação sintática.

Eis que, no entanto, observações de diversos estudiosos mostravam que um

padrão de organização sintática possuía implicações diretas sobre a semântica de uma

frase. Assim, as construções não seriam um mero epifenômeno, pois, frequentemente, a

semântica de uma construção não é apenas a soma de seus constituintes. Com essas

observações, chegou-se a uma definição cognitivista para ―construção‖:

C é uma construção se e somente se C é um par forma-sentido <F, S,> de modo

que algum aspecto de F, ou algum aspecto de S, não é rigidamente previsível

das partes que compõem C ou de outras construções previamente estabelecias.

(GOLDBERG, 1995, p.4)13

13 C is a construction iffdet, C is a form-meaning pair <F, S,> such that some aspect of F, or

some aspect of S, is not strictly predictable from C’s component parts or from other previously

established constructions.

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Desde então, várias ―gramáticas de construções‖ foram desenvolvidas. Viemos

aqui, neste capítulo, apresentar outra, aquela que será a principal para este estudo. Não

descreveremos com mais detalhes a visão de Goldberg sobre as construções. No

entanto, a principal diferença (entre inúmeras semelhanças) entre esta e a de Traugott e

Trousdale (2013) é que a primeira tem seu foco sobre construções complexas, como

sintagmas, orações e até períodos; já a segunda inclui em sua abrangência as

construções atômicas, que não podem ser decompostas em partes conteudísticas (cf. p.

33), que podem ser morfemas.

Uma vez que o objeto de estudo aqui é um sufixo, a visão de Traugott e

Trousdale, que utilizamos, se mostra mais adequada à pesquisa, mas isso, em hipótese

alguma, desqualifica as demais. É oportuno observar também que a presente definição

de construção tem uma ligeira diferença das demais, é mais simples. A construção é

definida simplesmente como pareamento convencionalizado de forma e função ―[[F] ↔

[M]]‖ (TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p.8).

De modo geral, as abordagens construcionais além da de Traugott & Trousdale

(2013) também concebem a construção como um pareamento convencional de forma e

sentido, e a construção é a unidade básica da língua. Numa abordagem centrada no uso,

as línguas são uma rede de nós e ligações entre esses nós. Outro ponto em comum é que

a estrutura da língua é moldada pelo uso e, portanto, a mudança é mudança em uso, pois

este instancia e convencionaliza as inovações que emergem na língua.

A assunção de uma relação de interdependência entre forma e sentido significa

uma relação entre propriedades da função – Semântica, Pragmática e Discurso – e

propriedades da forma – Fonologia, Morfologia, Sintaxe. Uma alteração em uma das

propriedades da forma ou da função pode causar mudanças apenas nas outras do mesmo

eixo, o que será chamado ―mudança construcional‖ ou em ambos, criando um novo

pareamento de forma e sentido, uma nova construção, o que será chamado

―construcionalização‖(cf. TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p.1).

O pareamento de forma e função pode ser concebido em diversas dimensões.

Traugott e Trousdale (2013) o concebem de acordo com três dimensões: tamanho,

especificidade fonológica e conceito. O tamanho varia entre atômico e complexo, de

modo que a construção atômica é a que não pode ser decomposta e a construção

complexa pode ser decomposta em elementos analisáveis; já a especificidade fonológica

varia entre substantiva e esquemática, de modo que a construção substantiva é composta

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em sua totalidade por itens fonologicamente salientes, enquanto que a construção

esquemática é uma abstração em um esquema; e o conceito varia entre conteudístico e

procedural, de modo que

Material ―conteudístico‖ pode ser usado referencialmente; na dimensão formal,

é associado com categorias esquemáticas, substantivo, verbo e adjetivo.

Material ―procedural‖ tem significado abstrato que sinliza relações linguísticas,

perspectivas se orientações dêiticas […]. (TRAUGOTT & TROUSDALE,

2013, p. 12)14

Tamanho Atômica Complexa Intermediária red, -s pull strings, on top of bonfire

Especificidade Substantiva Esquemática Intermediária dropout, -dom N, SAI V-ment

Conceito Conteudístico Procedural Intermediária red, N -s, SAI way-construction

QUADRO 1: Dimensões das construções

(TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p. 13)

Os autores discutem ainda três fatores relacionados às construções: a)

esquematicidade é a propriedade de abstração de uma construção em esquemas, ou seja,

em generalizações taxionômicas (por exemplo, S-V-O seria um esquema de oração

transitiva); b) produtividade é a possibilidade de novos construtos serem produzidos

com base em um mesmo esquema; c) composicionalidade é a nitidez da separação das

partes que compõem um todo.

As construções e seus esquemas possuem desdobramentos em um nível

hierárquico inferior. Um esquema pode abrigar diferentes subesquemas e uma

construção pode abrigar mesocontruções e microconstruções.

Quadro 2: Hierarquia construcional:

14 ‘Contentful’ material can be used referentially; on the formal dimension it is associated with

the schematic categories N, V, and ADJ. ‘Procedural’ material has abstract meaning that signals linguistic

relations, perspectives and deictic orientation

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Concretamente, a manifestação de cada construção em amostras reais de uso é

chamada de construto.

Entre os tópicos importantes para este trabalho, concernentes aos mecanismos de

mudança, destacamos a chamada neoanálise, termo cunhado por Andersen, 2001 (apud

TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p. 36). A neoanálise consiste em uma nova forma

de representação na mente do falante, precisamente a uma nova forma de o falante

analisar uma construção. Ela pode ocorrer tanto em níveis funcionais quanto em níveis

formais da linguagem. Para este trabalho, é válido conceber a neoanálise em um nível

morfológico, com a mudança da representação do esquema de verbo estativo para a

língua latina (cf. p. 39).

2.4- Verbos estativos em uma visão construcional

Para dar início a esta seção, voltemos à definição inicial de construção – um

pareamento convencional de forma e sentido. Esta definição amplia o conjunto de

possibilidades de objetos que podem nela se enquadrar.

Assim, quando se fala em construções com verbos estativos, o conceito de

construção pode se aplicar tanto ao morfema, quanto à oração. A rede formada pela

relação entre as diferentes construções possui uma organização hierárquica, de modo

que certas construções podem conter outras.

Construção

Mesoconstruções...

Microconstruções...

Esquema

Subesquemas

Subesquemas

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Partindo de um nível mais amplo, oracional, identificamos uma macroconstrução

bastante complexa e conteudística de verbos estativos que consiste na própria oração

monoargumental. Ela é composta de um sujeito e um verbo, como no exemplo em

destaque:

Construto:

(1) Post se derisum, dolet

Após ser zombado, [ele] sofre

Esquema: [S+Vē]

Com os estudos preliminares, em gramáticas de línguas antigas (sobretudo

CHANTRAINE, 1984 e MEILLET, 1948), que associam os verbos estativos a orações

monoargumentais, tais construções seriam, em teoria, as mais prototípicas com esse tipo

de verbo.

Frequentemente, essa macroconstrução é constituída por um sujeito oracional, de

modo que se produz uma mesoconstrução composta por sujeito oracional e verbo

estativo:

Construto:

(2) Prodigum te fuisse oportet olim in adulescentia.

Convém teres sido pródigo, outrora, na adolescência.

(3) Tuos sum,/ proinde ut commodumst et lubet quidque facias;

Sou teu,/ assim como for cômodo e agradável que faças o que quer que seja;

Subesquema: [Sor+Vē]

Os dois exemplos do subesquema mostram a mesoconstrução com sujeitos

oracionais. Sua freqüência (verbo impessoal + oração infinitiva) é tão grande que os

dicionários os notam apenas na terceira pessoa do singular, classificando-os como

impessoais.

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Os excertos diferem em relação ao modo do verbo da oração subjetiva que em 2

é infinitivo e em 3 é subjuntivo, sem conectivo. Não conseguimos concluir ainda se o

uso de cada um desses modos constitui uma microconstrução, um nível esquemático

inferior ao das construções com sujeitos oracionais. Podemos apenas observar que, no

Latim Arcaico, o uso de orações subordinadas substantivas justapostas (sem conectivo,

com verbo no infinitivo) é mais frequente que em outras fases (cf. FARIA, 1958, p. 404;

VASCONCELLOS, 2013, p. 43).

Em contrapartida, um grupo restrito de verbos estativos parece ter sido recrutado

para figurar em uma macroconstrução diferente da que consideramos mais prototípica.

Trata-se de uma construção biargumental, na qual o verbo incide sobre um objeto:

(2) -… at ego habeo homines clitellarios.

-… mas eu tenho homens de carga.

Esquema: [S+Vē+O]

A construção biargumental implica mudança em alguns atributos dos verbos estativos,

os quais estudaremos no capítulo 5. Além dos verbos habeo e teneo (ambos: ter), são

raros os usos de outros verbos nessas construções. Aliás, esses dois verbos têm

trajetórias bastante peculiares ao longo do Latim e de suas línguas descendentes.

Identificamos algumas ocorrências de um padrão construcional semelhante ao

subesquema das construções monoargumentais que tem seu sujeito oracional. Podemos

destacar um subesquema da construção biargumental que também tem uma oração

como um de seus argumentos, porém, dessa vez, trata-se do objeto. Os principais verbos

que figuram nessas construções são gaudeo (estar alegre) e soleo (estar acostumado).

(3)

TR. O Theopropides, ere, salve, saluom te aduenisse gaudeo. usquin ualuisti?

(Mostellaria, 446-9)

TR – Oh Teopropides, meu senhor, salve! Alegro-me de teres chegado salvo. Passaste

suficientemente bem?

Subesquema: [S+Vē+Oor]

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Vemos, no exemplo 3, o verbo gaudeo sendo complementado por uma oração reduzida

de infinitivo, que desempenha a função de objeto do verbo gaudeo. No entanto, o

mesmo verbo transita pelos dois padrões, o biargumental e o monoargumental:

(4)

TR- Quid tibi visum est mercimoni? TH - ** totus gaudeo. (Mostellaria, 904)

TR – Qual tua opinião sobre a transação? TH - ** Estou todo alegre!

Já o verbo soleo ocorre de modo mais convencionalizado com um complemento

oracional. Em verdade, a ligação do verbo soleo com seu complemento parece tão forte

que aponta para a formação de uma microconstrução com uma locução verbal, após

uma neoanálise da mesoconstrução.

(5)

AMPH. Quia salutare aduenientem me solebas antidhac, (Amphitryon, 711)

ANF – Porque, antes disso, constumavas me saudar quando eu chegava,

No entanto, o principal padrão que figura entre todas as cosntruções

biargumentais é aquele que expressa a posse, com verbos habeo e teneo. Originalmente

estativos (significando ―estar contido‖), esses verbos parecem ter sofrido uma drástica

mudança do ponto de vista do praticante da ação, o que os fez serem recrutados para

figurar em uma construção biargumental, a envolver um participante a mais.

Quando passamos a um nível morfológico, identificamos que o próprio morfema

estativo é um pareamento convencionalizado de forma e função. Ele é uma construção

atômica, procedural e substantiva.

É possível identificar ainda que a língua estudada neste trabalho, mesmo que em

seu período arcaico, já apresenta os verbos formados com o sufixo estativo no final de

um processo de mudança, que remonta ao Indoeuropeu, sobre o qual discorremos no

primeiro capítulo.

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Com base nos estudos de gramática histórica, observa-se que este sufixo tem

uma origem flexional, formador de temas de aoristo, donde passa a sufixo derivacional,

formador de verbos estativos. No entanto, não há dados desse tipo de uso, uma vez que

ele remonta à pré-história linguística, carente de registros escritos.

De acordo com esses estudos e a atual perspectiva teórica, a construção mais

prototípica (como madeo – estar molhado), que seria mais composicional, teria dado

origem à construção menos prototípica (como habeo – ter), menos composicional, isto

é, nesses verbos, em algum momento, o sufixo passa a ser analisado de modo diferente,

provocando uma neoanálise no verbo. Um esquema formado por raiz [verbal+sufixo] de

estado passa a apenas [raiz verbal], com aquele morfofonema que outrora era um sufixo

derivacional passando a integrar o radical do verbo:

[√+ē] madeo [mad+e]

[√] habeo [habe]

De fato, ao olharmos testemunhos da Antiguidade Tardia, podemos observar que

dois gramáticos do século IV d.C., Donato e Dositeu, não analisam verbos estativos

como compostos por derivação sufixal, mas como formas ―absolutas‖ ou ―perfeitas‖,

como designam os verbos sem afixos, usando o verbo horreo (estar amedrontado) como

exemplo.

Se os verbos estativos forem analisados como compostos por derivação sufixal,

seria esperado encontrar exemplos de verbos com a mesma raiz, mas sem o sufixo. As

reflexões baseadas na análise de dados figurarão mais adiante.

2.5- Transitividade Oracional

Esta subseção parte do artigo de Hopper e Thompson (1980), no qual os autores

propõem que a transitividade não é uma propriedade apenas do verbo, senão de toda a

oração. Propõem também que essa propriedade não pode ser auferida de modo binário –

transitivo/intransitivo, uma vez que é um continuum. Portanto, não se fala sobre

transitividade ou intransitividade, mas sobre maior ou menor transitividade da oração.

Essa visão de transitividade se aplica às macroconstruções – orações com verbos

estativos – que seriam tanto as mais prototípicas quanto as menos.

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Desse modo, os autores isolam 10 parâmetros que compõem a transitividade

oracional, que foram traduzidos e estudados por Furtado da Cunha e Souza (2007) na

seguinte tabela:

Parâmetros de

Transitividade

Transitividade Alta Transitividade Baixa

1- Participantes

2- Cinese 3- Aspecto 4- Pontualidade 5- Intencionalidade 6- Afirmação

7- Modo 8- Agentividade 9- Afetamento do objeto

10- Individuação do objeto

Dois ou mais

Ação Perfectivo Pontual Intencional Afirmativa

Modo realis Agentivo Afetado

Individuado

Um

Não-ação Não-perfectivo Não-pontual Não-intencional Negativa

Modo irrealis Não-agentivo Não-afetado

Não-individuado

Tabela 2: Parâmetros da transitividade

(FURTADO DA CUNHA & SOUZA, 2007, P.37)15

Compreendamos, portanto, como esses parâmetros se aplicariam às orações com verbos

estativos. Antes de analisarmos cada um dos parâmetros, é importante fazer algumas

considerações sobre esses traços.

Assim, comecemos pelos dois últimos parâmetros, aqueles que tratam mais

especificamente da relação do verbo e do objeto. Quanto à individuação do objeto, os

autores propõem que uma oração é mais transitiva com um objeto próprio, animado,

concreto, singular, contável, definido (cf. HOPPER & THOMPSON, 1980, p. 253).

Quanto ao afetamento do objeto, o pressuposto básico é de que quanto mais afetado um

objeto é pela ação verbal, mais transitiva será a oração. Esses dois parâmetros não

podem ser estudados nas orações prototípicas, pois estas são monoargumentais. Isso

leva também ao número de participantes dessas orações, que é de apenas um.

Morfologicamente, o Latim diferencia sujeitos e objetos por meio de casos gramaticais,

respectivamente nominativo e acusativo, portanto será raro encontrar uma ambigüidade

nessa categorização.

Sobre a afirmação, uma ação que ocorre é, certamente, mais transitiva que uma

ação que não ocorre. O que define se uma frase é negativa ou afirmativa é o desenrolar

15 cf. HOPPER & THOMPSON, 1980, p. 252.

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da narrativa. E ainda, do ponto de vista formal, os meios de efetuar essa mudança em

Latim são por meio de advérbios, que não costumam se unir ao termo que escopam

(uma exceção é o verbo nolo < ne uolo – não querer).

Quanto ao modo, uma oração em um modo real (como o indicativo) é mais

transitiva que uma em um modo irreal (como subjuntivo ou imperativo). Acreditamos

que esse parâmetro também está relacionado ao desenvolvimento da trama exposta

pelas peças que integram o corpus. O modo em Latim é sempre marcado

morfologicamente, sendo que apenas o imperativo é caracterizado pela ausência de

morfema.

Chegamos à intencionalidade e à agentividade. Quanto mais agentiva e mais

intencional for a ação, mais transitiva ela será. Ao observarmos esses parâmetros nos

verbos estativos, vemos que eles parecem estar bastante relacionados à semântica do

verbo, especialmente nas orações mais prototípicas.

Assim também a cinese. Quanto mais cinética é uma ação, mais transitiva. A

cinese também parece estar relacionada à semântica do verbo, afinal, verbos que

denotam estado teriam o mínimo possível de cinese.

A pontualidade trata do tempo levado para que a ação ocorra. Ser mais pontual é

ocorrer de forma mais abrupta, assim mais transitivamente.

Finalmente, quanto ao aspecto, uma ação concluída será mais transitiva que uma

ação não concluída. O Latim, como vimos, mantém a mudança de radical do verbo

como marca da flexão aspectual. No decorrer da pesquisa, observaremos como os dois

últimos – pontualidade e aspecto – foram os que mais ganharam destaque, ocasionando

importantes desdobramentos. Utiliza-se o conceito ―telicidade‖ para designar a

conclusão de uma ação verbal (cf DIB & SOUZA in ABRAÇADO & KENNEDY,

2014, p. 163). Assim, há uma correspondência entre uma ação télica e aspecto

perfectivo, bem como entre uma ação atélica e aspecto imperfectivo.

Estamos estudando um fenômeno em vários níveis (do mais atômico ao mais

complexo), portanto buscamos, nas análises de transitividade, as marcas das relações

entre os diferentes níveis da hierarquia construcional. Como todos os dez fatores agem

conjuntamente para maior ou menor transitividade da oração, observamos cada um

deles e concluímos que alguns se relacionam mais diretamente a fatores contextuais,

pragmáticos e discursivos, concernentes ao desenvolvimento da trama expressa pelos

textos; outros têm uma manifestação mais formal, isto é, morfossintática. Estes

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ganharam, no decorrer da pesquisa, especial atenção, pois são aqueles que melhor

atestam as relações entre os diferentes níveis de análise das construções.

Cada um desses 10 parâmetros foi estudado por um grupo de pesquisadores em

Abraçado & Kennedy (2014), de acordo com uma metodologia psicolinguística, por

meio de testes off-line16

, aplicados a falantes de língua portuguesa. Apesar de o contexto

desses testes estar distante da nossa pesquisa, por se tratar de línguas distantes no

espaço e no tempo, as reflexões teóricas que precediam cada teste foram de grande

valia.

Tais reflexões, sobretudo aquelas sobre aspecto e pontualidade, nos levaram a

outros estudos, mais aprofundados. Especialmente o de Corôa (2005) que, em seu

estudo sobre os tempos nos verbos do Português, discorre sobre diversas noções

associadas á categoria de tempo verbal, tais como modo e aspecto,, que concorrem para

construir o significado e o comportamento do verbo na frase.

Os trabalhos a que os estudos de transitividade nos levaram tratam de uma

categoria chamada aspecto lexical, ou aktionsart – modo de ser da ação. Essa categoria

se distinguiria do aspecto propriamente dito por incidir sobre o processo designado pelo

verbo. Já o aspecto incide sobre sua conclusão.

A língua latina, como continuidade da oposição aspectual indoeuropeia, mantém

uma distinção entre perfectum e infectum que incide, respectivamente, sobre a

conclusão ou não da ação verbal. Essa categoria flexional latina, que é a primordial em

seu sistema verbal, não se debruça inteiramente sobre o processo, apesar de lhe ser

solidária. Isso está claro, por exemplo, nos verbos estativos, cujo sufixo formador não

ocorre nos tempos perfectivos. Mas, quanto ao valor estativo, podemos concluir que se

trata de um modo de ser estativo, característica que traz à construção implicações

morfossintáticas e semânticas.

2.6- Fechamento do panorama teórico e preparação para as análises

Finalmente, faz-se necessário concluir o panorama teórico para que, a partir

daqui, a metalinguagem da qual optamos por dispor possa ser posta em prática, na

análise do corpus a ser descrito no capítulo seguinte. Procuraremos, com as leituras

16

Tipo de teste no qual os voluntários respondem um questionário após a exposição aos dados.

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descritas, construir um modo de pensar próprio desta pesquisa, que melhor se lhe

adeque.

Cumpre resumir, portanto, as definições essenciais. Concebemos, por exemplo,

que a língua é um instrumento de comunicação entre indivíduos situados em um tempo

e um espaço. A consequência mais importante dessa definição é que não é possível

estudar um fenômeno linguístico de modo isolado em relação ao seu contexto, o que

torna mais valiosos os dados espontâneos em situações reais de uso.

A visão construcional permite conceber e compreender tanto o fenômeno

linguístico quanto os processos de mudança de um ponto de vista mais amplo e mais

integrado. Uma vez que o foco deixa de ser o item e passa a ser a construção, esperamos

que os níveis de análise possam ser mais refinados e, assim, mais precisos. Com essa

visão, não estudaremos apenas o sufixo formador de verbos estativos, mas os diferentes

níveis que estabelecemos para essa construção.

A complexidade inerente à macroconstrução suscita as análises de transitividade,

uma articulação extremamente oportuna, pois demonstra que a compreensão do texto

não advém da simples soma de suas partes, mas é resultado de processos complexos

que, frequentemente, se afastam dos valores individuais de cada item. Veremos que, em

todos os níveis, a morfossintaxe não deixará de se articular com a semântica e a

pragmática.

Enfim, com esses pressupostos, a próxima etapa é a descrição dos dados e suas

análises, bem como os fatores contextuais que os envolvem.

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45

CAPÍTULO 3 – TEXTOS E CONTEXTOS

Esta é a etapa da apresentação dos fatores concretos que envolvem a pesquisa.

Uma vez que assumimos o pressuposto de que os textos – a língua em uso – são

construídos sobre propriedades formais e também sobre propriedades semântico-

discursivas, necessiitamos de um espaço para situar os dados que aqui são utilizados no

tempo e no espaço.

3.1- Roma: da fundação ao início da República

De início, pequena aldeia de pastores – o mito de Rômulo e Remo talvez seja o

mais conhecido de todos relativos a este início. Os gêmeos, filhos de Marte, deus da

guerra, e da vestal Reia Sílvia, foram abandonados em uma cesta deixada à deriva no

Rio Tibre. Após terem sido amamentados por uma loba, foram encontrados por um

pastor, que os adotou e lhes ensinou seu ofício. Estes seriam acontecimentos do século

VIII a.C..

Esse fato, com diversas referências já na Antiguidade, é importante para este

item, porque dá início a um período monárquico na Urbe, já que Rômulo, o fundador,

foi o primeiro rei de Roma. A ele, seguiram-se seis reis, que não ascendiam ao trono por

meio da linhagem, mas eram eleitos pelos cidadãos.

No entanto, no final do século VI a.C., o último desses sete reis, chamado

Tarquínio Soberbo, foi deposto por uma revolta popular (cf. MEILLET, 2004 [1977], p.

104-5). A partir daí, os romanos instalaram na Urbe um sistema de poder cujo cargo

executivo máximo era dividido por dois homens – cônsules – eleitos anualmente pelos

senadores. Esse sistema foi chamado República (do Latim res publica – a coisa

pública).

Roma manteve o regime republicano até o final do século I a.C., quando Otávio,

por meio de manobras políticas e acúmulo de poderio militar, tomou o poder sozinho,

dando origem ao Império.

Detenhamo-nos, contudo, no período republicano, época da qual datam os

primeiros documentos escritos em Latim (cf MEILLET, 2004 [1977], id), escritos sobre

pedras e vasos (inscrições epigráficas). Essa época marcou o expansionismo romano e a

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consolidação de seu poder nas circunvizinhanças de todo o Mar Mediterrâneo, chamado

pelos romanos Mare Nostrum (nosso mar).

Durante o período republicano, inclusive na época de Plauto, há alguns fatos

históricos especialmente importantes relativos à expansão dos domínios romanos.

O primeiro deles é do início do século III a.C., fixado pela maioria dos

estudiosos em 272 a.C. e se trata da conquista da cidade de Tarento, de população

grega, no sul da Península Itálica (cf. FARIA, 1957, p. 31). Com essa vitória, Roma não

apenas passou a dominar a península inteira como também passou a ter um contato

muito estreito com a Literatura Grega, detentora, à época, de uma longa tradição. Após

esse fato, atribui-se ao ano de 240 a.C. a data do primeiro texto literário escrito em

Latim: uma tradução da Odisseia, feita pelo liberto grego Lívio Andronico, originário

de Tarento (cf. GAILLARD, 1992, p.31-2). Esse autor teria escrito diversas obras de

outros gêneros, como comédias, tragédias e sátiras, das quais, no entanto, apenas um

reduzido número de fragmentos foi preservado até nós. A partir de então, os autores da

Literatura Latina escreviam segundo os modelos gregos.

Outro fato histórico marcante para a República Romana foram as Guerras

Púnicas, contra a cidade-estado de Cartago, no norte da África, onde hoje se localiza a

Tunísia. O conflito ocorreu em uma série de três guerras, entre os anos de 264 e 146

a.C.. Após mais de um século de litígio, a destruição de Cartago deu a Roma a

talassocracia do Mar Mediterrâneo ocidental, abrindo caminho para novas conquistas, a

caminho do oriente e da Península Ibérica. Assim, estava livre o caminho da cultura

romano-helenística pela Europa, Palestina e norte da África.

Desses dois acontecimentos históricos, o segundo teve maior influência sobre a

política da República Romana, ampliando e fortalecendo consideravelmente seus

domínios e não aparece de forma marcante nas obras escolhidas; a principal marca na

literatura que chegou até nós talvez seja a peça Poenulus (O Pequeno Cartaginês) que

trata de personagens de Cartago e contém, inclusive, um trecho em língua púnica, o

idioma lá falado.

Acima de tudo, os fatos históricos promovem, seja por via pacífica, seja por via

bélica, a mistura de diferentes culturas e, consequentemente, uma troca antropofágica de

traços culturais. Passemos então à história da comédia em Roma, gênero do nosso

corpus.

3.2- A Comédia em Roma

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Em se tratando tanto do riso quanto da representação cênica de uma realidade,

não é possível traçar uma origem formal dessas características, uma vez que remontam a

gestos primitivos da humanidade. Assim, tanto na Grécia quanto em Roma, atribuem-se

as origens do teatro a rituais religiosos. Um exemplo disso é a origem da comédia grega,

que remonta a rituais religiosos em honrado deus Dionísio, associados ao vinho, ao

escárnio e à zombaria.

Por outro lado, os antigos romanos realizavam procissões religiosas nas quais se

dançava se cantava [...] e entoavam, em ocasiões especiais (banquetes de

núpcias, comemorações sazonais, festas populares), cantos dramatizados, e

caráter licencioso e grosseiro, denominados fesceninos. (CARDOSO, 2011,

p.23-4)

Esses cantos teriam tido origem em Fescennium, cidade etrusca na Toscana. Aliás,

atribui-se também aos Etruscos uma grande influência nas manifestações cômicas

romanas. Segundo o historiador romano Tito Lívio (cf. CARDOSO, op. cit. p, 24),

dançarinos etruscos, a convite dos cônsules, visitaram Roma em 364 a.C., a fim de

realizarem danças em favor dos deuses para que estes cessassem uma epidemia que

acometia a Urbe. Atribui-se também a origem de algumas palavras típicas do léxico

teatral – histrio (histrião, ator) e persona (máscara) – da língua etrusca, emprestadas ao

Latim (cf. MEILLET, 2004 [1977], p, 84).

No entanto, a conquista do sul da Península Itálica foi um acontecimento

fundamental para a Literatura Latina. Atribui-se também a Lívio Andronico a primeira

tradução de um texto dramático para o Latim, texto esse que permanece desconhecido

(CARDOSO, op. cit. p. 25). Tal encenação teria ocorrido por ocasião do aniversário de

um ano do final da primeira Guerra Púnica, com vitória dos romanos. A peça teria

alcançado grande sucesso entre o público, o que teria feito com que Lívio Andronico

passasse a se dedicar a escrever peças, cômicas e, principalmente, trágicas.

Chegamos, ao período arcaico da Literatura Latina, quando os romanos

começam a produzir obras literárias, nos moldes gregos, sobretudo a partir da cultura da

Magna Grécia. Esse período, além de diversos outros gêneros literários, é marcado pela

comédia. De acordo com os textos que restaram até os dias atuais, é no período arcaico

que esse gênero tem seu apogeu em Roma, não possuindo autores importantes em

períodos posteriores.

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Destacam-se dois comediógrafos, por terem peças completas preservadas:

Terêncio, com seis peças e Plauto, com vinte e uma. Assim, é necessário discorrer sobre

o último, autor do corpus desta pesquisa.

3.3- Sobre Plauto e sua comédia

Titus Maccius Plautus tem uma trajetória incerta e mal documentada. As

referências apontam para o nascimento na cidade de Sársina, na Úmbria, entre os anos

de 254 e 250 a.C. (cf. GAILLARD, 1992, p.42). Ele teria dedicado sua vida ao teatro,

passando pelas funções de ator, diretor e, finalmente, autor. Alcançou grande sucesso

entre seu público, tendo uma quantidade considerável de obras passada à posteridade. A

data de sua morte é apontada para o ano de 184 a.C..

Primeiramente, cabe lembrar as bases para a comédia plautina, as inspirações

para sua criação. Em um momento de ―helenização de Roma‖, com a conquista de

Tarento, as comédias gregas são a base da comédia latina. A região da Magna Grécia,

sobretudo a Sicília, possuía, desde o século VI a.C., uma tradição literária para a

comédia, cujo principal autor era Epicarmo (cf. MEILLET, 2004 [1975], p. 223). Mas

não é Epicarmo a principal influência de Plauto, pois, durante os séculos que os

separam, a comédia grega sofreu mudanças.

Da primeira fase, a Comédia Antiga, há peças completas de apenas um autor,

Aristófanes, que viveu em Atenas nos séculos V e IV a.C.. Os temas da Comédia Antiga

costumavam ser fatos e personalidades públicas, da democracia ateniense. Após essa

fase, há uma Comédia Média, da qual restam apenas fragmentos, que versava sobre

temas mitológicos. No entanto, no final do século IV surgemas composições da

chamada Comédia Nova, precisamente a maior influência da comédia romana.

Dentre as diversas mudanças da fase antiga para a nova, aquela que está mais

presente na comédia romana é a mudança de temática. Enquanto a antiga tratava de

assuntos determinados da pólis, conhecidos dos espectadores, a comédia nova tratava de

temas da vida privada, fato relacionado ao próprio fim da democracia. Vêem-se, com

frequência, jovens nobres caindo de amores por cortesãs, ou escravos afanando dinheiro

de seus donos.

Da fase nova, há peças preservadas de apenas um autor: Menandro. É ele a

principal influência de Plauto, que frequentemente usa o processo da contaminatio, isto

é, une duas ou mais peças gregas em uma única. Havia uma intertextualidade quase

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explícita entre os comediógrafos gregos e os latinos, pois era comum que estes se

utilizassem do mesmo tema ou de uma mesma personagem, de modo a criar, por vezes,

versões latinas de obras gregas já consagradas.

A influência grega estava também nos nomes das personagens, que eram nomes

gregos; nas cidades onde as tramas se passavam, cidades gregas; e também na roupa que

os atores usavam, não a toga romana, mas o pallum grego, o que fez esse tipo de

comédia ser chamado de comoedia palliata.

Os pontos de contato entre a comédia grega e a latina acima mencionados são

comuns aos comediógrafos latinos com obras completas conhecidas – Plauto e

Terêncio. No entanto, as numerosas semelhanças param por aí, uma vez que há

diferenças marcantes no estilo da cada um deles, bem como diferenças motivadas por

fatores contextuais. Voltemos a Plauto.

Suas peças eram apresentadas em grandes festivais, que duravam vários dias,

contavam com diversas atrações e atraíam pessoas de várias cidades da Península

Itálica. A situação em que seus textos eram veiculados dá-lhes marcas bastante

importantes. Assim, suas peças eram voltadas para um público mais amplo, isto é, para

a grande massa popular.

Chegamos, portanto, a uma das características mais marcantes do texto plautino

– a linguagem popular. Para fazer-se compreender, o autor lançou mão de meios

peculiares, diferentes do que se veria mais tarde na história da Literatura Latina (cf.

MEILLET, 2004 [1977], p. 176). É notável, no texto de Plauto, a grande ocorrência de

aliterações, neologismos, gírias, trocadilhos, jogos de palavras e ofensas.

Quanto às aliterações, trata-se da repetição de fonemas (na maioria dos casos,

consonantais), o que consistiria em um recurso para a busca de uma expressividade

cômica. Observe como, por vezes, em poucos versos, diversos fonemas se repetem:

TOX. Quid hochic in collo tibi tumet?

SAG. Vomicast, pressareparce; (Persa, 312)

Tox. O que é isso aí que está inchado no teu pescoço?

Sag. É um abscesso, para de apertar!

Além de aliterações, a comédia plautina é, também, um espaço para inovações,

com fins de gerar efeitos cômicos. Seus textos são repletos de neologismos, criados com

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o uso de diferentes processos morfológicos. Exemplos como o seguinte são o de

composição de novas palavras:

Domi habet animum falsiloquom, falsificum, falsiiurium, (Miles, 191)

Domi dolos, domi delenifica facta, domi fallacias.

Em casa, ele tem o ânimo [falsiloquente], [falsifazente], [falsijulgante],

Em casa, ele tem planos, tem feitos [destruíficos], tem falácias.

Há também o uso de processos derivacionais, como o do sufixo frequentativo –ta para a

formação de verbos, com o mesmo propósito de buscar expressividade cômica. Verbos

formados por esse sufixo são especialmente usuais nas comédias de Plauto:

hercle quidquid est, mussitabo potius quam inteream male; (Miles, 311-2)

non ego possum quae ipsa sese venditat tutarier.

Por Hércules, o que quer que seja, vou me calar antes que me dê mal;

Eu não posso proteger a ela que negocia a si própria.

Os exemplos apresentados mostram uma breve marca dos recursos de

comicidade usados por Plauto. O contato com os textos denota a preocupaçãodo autor

com uma obra divertida parao seu público, seja em razão da diversidade de recursos,

como os que mostramos, seja em razão das situações engraçadas, como enganos,

ofensas e brigas.

Outro aspecto válido a ser estudado é a métrica de Plauto, uma vez que a

comédia antiga era também poesia. Os textos de comédia se compunham de partes

faladas (diuerbia) e partes cantadas (cantica), com acompanhamento instrumental.

Ambas utilizam, na maioria das vezes, uma versificação iambo-trocaica17

, de origem

grega. No entanto, Plauto dá-lhe grande liberdade, para se adaptar as necessidades de

uma linguagem que buscava uma aproximação do falar popular (cf. NOUGARET,

1949, p. 60). Vale lembrar que o autor se utiliza também de outros tipos de versificação,

com origem na épica e na lírica, mas a iambo-trocaica é a predominante.

17

Diz-se da versificação compostas de pés métricos chamados iambos e troqueus. Os primeiros consistem em uma sílaba breve e uma sílaba longa (ᴗ­), os segundos são o inverso (­ᴗ).

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Enfim, de acordo com a leitura das fontes e com os estudos utilizados como

referência, podemos concluir que a linguagem de Plauto era direcionada a um público

de grande número e pequeno prestígio em sua época; sua linguagem seria muito

próxima do falar vernáculo dessa camada social, fato atestado pelos frequentes traços de

oralidade; o texto de Plauto consiste, para nós, em um importante espaço para a

inovação, com gírias, neologismos e jogos de palavras.

Ainda, como texto popular e espaço de inovações, os textos de Plauto são

ambientes favoráveis à mudança. Diversos traços populares, que apenas seriam

encontrados em um período tardio da língua latina, são encontrados nas comédias

plautinas, que figuram no período arcaico. É importante ressaltar que esses fatores

inovadores convivem em harmonia com fatores arcaizantes, próprios da época de

veiculação dos textos.

As comédias de Plauto – ou do tipo plautino – são destinadas ao grande público,

e a língua na qual elas são escritas se apóia visivelmente no falar corrente de

Roma à época do autor. Esse falar era o único próximo, desde então, para a

Literatura. Em suas obras sérias, Ênio luta contra uma língua indigente e dura.

Plauto está à vontade e sua língua tem um sabor que não se devia mais

encontrar em Roma. (MEILLET, 2004 [1977], p. 176)18

Finalmente, podemos constatar a importância do conhecimento do gênero

literário a ser trabalhado, do público ao qual se direcionava e das estratégias que

empreendia para conseguir não apenas se comunicar, mas transmitir sua expressividade

cômica, alcançando seu sucesso.

Um estudo linguístico não poderia prescindir dessas informações, uma vez que,

consoante à corrente linguística funcionalista centrada no uso, à qual este trabalho se

filia, fatores contextuais estão diretamente ligados a fatores formais. Assim também, a

língua é definida como língua em uso, portanto podemos considerar os textos de Plauto

como um material extremamente importante para compreender um pouco melhor a

língua latina.

3.4- Sobre o corpus de pesquisa

18

Les comédies de Plaute – ou de type plautien – sont destinées au grand public, et la langue dans laquelle elles sont écrites repose visiblement au parler courant de Rome à l’époque de l’auteur. Ce parler courant était le seul prêt dès lors pour la litterature. Dans ses œuvers sérieuses, Ennius lutte contre una langue indigente et raide. Plaute est à l’aise, et sa langue a un saveur qui ne devait plus se retrouver à Rome. (Meillet, 1977, p. 176)

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Os textos literários originais da antiguidade clássica se perderam. Os exemplares

de que dispomos são cópias medievais. O texto antigo original, desde sua elaboração

passou por novas cópias, o que gerou inúmeras vicissitudes, ao longo dos séculos até a

Idade Média. Assim, é mais provável que alterações tenham sido feitas, o que atribui

aos filólogos o trabalho de mediar um processo de reconstituição de um texto o mais

próximo possível daquele que teria sido o original, de acordo com estudos históricos e

linguísticos precedentes ao trabalho de estabelecimento do texto.

O conhecimento da obra de Plauto baseia-se em duas famílias de manuscritos,

uma representada pelo palimpsesto ambrosiano, outra pelos codices palatini, além de

manuscritos menos completos.

O palimpsesto ambrosiano foi compilado em pergaminho, datado do século IV

ou V, e continha todas as vinte e uma peças plautinas, listadas pelo gramático antigo

Varrão. Eis que no século VIII, o documento foi apagado para que sobre o pergaminho

fossem escritos trechos do Antigo Testamento. Devido ao material do suporte e da

escrita, o texto primitivo tornou-se visível novamente, sobre o segundo. Documentos

que passam por esse processo são chamados palimpsestos. Este é chamado ambrosiano

por estar conservado na Veneranda Biblioteca Ambrosiana, em Milão.

Já a família dos codices palatini tem sua origem em um documento do século

VIII, que provavelmente foi copiado de um dos membros da família ambrosiana. Eles

são mais completos que os anteriores, são conhecidos desde o século XVI e recebem

seu nome, por seu primeiro representante estar conservado na Bibliotheca Palatina, em

Heidelberg.

A edição do texto que aqui utilizamos é a edição crítica da Societé d‘Études

―Les Belles Lettres‖, sob direção da Association Guillaume Budé. Por ela, as comédias

plautinas foram estabelecidas e traduzidas por Alfred Ernout. Já no anexo, utilizamos as

edições alemãs estabelecidas por Friedrich Leo e Johannes Ussing. Fazemos uso dessa

outra edição para os anexos porque ela está digitalizada.

3.5- Sobre as obras

As três peças que figuram nesta pesquisa são Amphitryon, ou Amphitruo em

algumas edições, (Anfitrião), Mostellaria (A Comédia do Fantasma) e Persa (O Persa).

Faz-se necessário ter em mente o argumento de cada uma delas.

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Amphitryon conta a história de Anfitrião, valoroso general da cidade grega de

Tebas. Ele parte para a guerra com seu escravo, deixando a esposa, Alcmena, sozinha

em casa. Eis que Júpiter, pai dos deuses, se interessa por ela e assume a forma de

Anfitrião para enganá-la e deitar-se com ela. Para aumentar a farsa, Júpiter chama seu

filho Mercúrio para assumir a forma do escravo de Anfitrião, que se chamava Sósia e

melhor compor o engano.

Amphitryon é uma das comédias mais famosas da antiguidade. Sua influência

está presente não apenas no léxico (donde, em Português, as palavras anfitrião e sósia),

mas também na criação literária, com diversas obras inspiradas na comédia plautina.

Esta peça, aliás, de acordo com o Prólogo da peça, não era considerada apenas uma

comédia, mas sim uma tragicomédia (tragicocomoedia), pois, segundo o próprio texto,

não se poderia falar de deuses de modo totalmente cômico. Assim a peça tem marcantes

diálogos e monólogos sérios, que muito se aproximam de diálogos trágicos, além dos

habituais recursos cômicos.

A Mostellaria apresenta as peripécias do jovem Filolaques, filho de

Teopropides, chefe de família19

, que, enquanto seu pai estava ausente em viagem de

negócios, se dedicou a dilapidar o dinheiro paterno organizando festas, bem como

comprando a liberdade da escrava Délfio, por quem estava apaixonado. No desenrolar

da trama, o escravo Tranião irrompe em meio à festa anunciando que o dono da casa

chegara ao porto antes do previsto e que, a qualquer momento, entraria em casa. Na

confusão, o escravo tranca todos dentro da casa e, quando Teopropides realmente chega,

Tranião lhe diz que a casa está assombrada e que todos fugiram de medo. Para piorar a

confusão, um agiota chega à cena, reclamando a Teopropides a devolução de um

empréstimo feito por Filolaques. Para ganhar tempo, Tranião conta mais uma mentira,

dizendo que ele usou o dinheiro para comprar a casa ao lado. No final, as tramóias do

escravo esperto vêm à tona e ele procura um altar para se proteger. Ele e Filolaques são

perdoados pelo senhor, Teopropides, e tudo se resolve, com um final feliz, característico

em Plauto.

Persa conta a história do escravo Tóxilo, apaixonado por uma meretriz, que está

prestes a ser vendida como escrava. Para comprar a liberdade de sua amada, ele pede

dinheiro emprestado a seu amigo Sagaristião. Para restituir a quantia a seu amigo,

Tóxilo trama uma ardilosa vigarice, fazendo com que o mesmo mercador de escravos de

19

Pater familias, figura importante na sociedade romana, frequentemente representada de modo ridículo pela comédia plautina.

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quem adquirira sua amada, compre uma falsa cativa persa, de um falso mercador persa,

que era, na verdade, o próprio Sagaristião disfarçado.

As duas últimas peças mostram um tópico importante para a comicidade de

Plauto, a figura do escravo esperto (seruus callidus), em contraste com o escravo

trapalhão (seruus currens – escravo que está correndo). São peças que tratam de

temáticas muito semelhantes e ambas não possuem prólogo. Já o Amphitryon conta com

um extenso prólogo, apresentado pelo deus Mercúrio que explica o argumento da peça e

também a mistura da tragédia com a comédia que os espectadores estão prestes a

assistir.

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55

CAPÍTULO 4 – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Este capítulo apresenta os resultados das análises desenvolvidas, em um

primeiro momento, quantitativamente e, em um segundo momento, qualitativamente.

Tais análises suscitam uma série de reflexões sobre o objeto desta pesquisa e também

sobre o sistema verbal latino.

4.1- Ocorrências de verbos estativos

Mostramos, neste item, os números referentes às ocorrências de verbos formados

pelo sufixo –ē nas três peças. Elas possuem pouco mais de 3180 versos. Ao todo,

encontramos 413 ocorrências de verbos estativos em todas elas. Procuramos, além

disso, analisar verbos derivados do mesmo modo que seus primitivos, como condecet,

composto de decet (de significado semelhante – ser conveniente), que apresenta as

mesmas características do que lhe deu origem.

Na primeira classificação dos dados, é importante lembrar-se da flexão verbal

latina. Nela, a categoria flexional mais importante é o aspecto, a partir da qual ocorrem

as demais flexões. Por essa razão, primeiramente, categorizamos as ocorrências pelo

aspecto do verbo. Do total de 413, foram encontrados 389 verbos de valor estativo no

infectum e apenas 24 no perfectum.

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56

Gráfico 1 - Aspecto do Verbo

É evidente a grande disparidade entre a quantidade de ocorrências dos temas aspectuais

nos verbos estativos. Tal diferença, de certo modo, é previsível, em face dos estudos

diacrônicos sobre o desenvolvimento do Latim, que apontam que a ideia de

prolongamento no tempo, própria desse tipo de verbo, se opõe a um aspecto concluído,

correspondente aos temas de perfectum.

Outra característica marcante das orações com verbos estativos é o número de

seus argumentos. Vimos, anteriormente, que o sufixo –ē servia, originalmente no

indoeuropeu, para formar aoristos intransitivos; assim também, o Latim inova ao usá-lo

no infectum, mas mantém sua intransitividade original. 255 orações com verbos

estativos são monoargumentais, enquanto que 158 são biargumentais.

Gráfico 2 - Número de argumentos

389

24

Infectum

Perfectum

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57

Apesar da diferença, não podemos considerá-la tão significativa, ao menos não tanto

quanto a diferença dos temas aspectuais, representada pelo gráfico 1.

Das ocorrências, notamos diversos subesquemas, tanto monoargumentais quanto

biargumentais, que se repetem com uma frequência marcante.

Notemos o primeiro deles, as construções impessoais com verbos estativos (cf.

p. 35). Trata-se de períodos construídos com um determinado grupo de verbos, como

oportet, decet, licet, libet, pudet (respectivamente: é preciso, é conveniente, é permitido,

é agradável, é vergonhoso), bem como seus compostos como condecet,que tem um

sujeito oracional. Observe-se, nos exemplos a seguir, um construto com vários

exemplos de uso de verbos estativos impessoais e sujeito oracional:

(1)

VIR. At, meo si liceat modo,

sapienter potius facias quam stulte.

SAT. Lubet. (Persa, 373-6)

VIR. Lubere per me tibi licere intellego;

uerum lubere hau lubeat, si liceat mihi.

Vir – Mas se for permitido para meu jeito,

Antes,que faças mais sabiamente, que estupidamente.

Sat – É bom!

255

158

Monoargumentais

Biargumentais

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58

Vir – Entendo que ser bom para mim é ser permitido para ti:

Na verdade, que jamais seja bom ser bom, se for permitido para mim.

Há ainda verbos como placeo (ser agradável), que podem figurar tanto em construções

pessoais quanto em construções impessoais, e que, no entanto, por aparecerem em

formas pessoais, não consideramos como verbo impessoal. Observemos o exemplo (2)

que contém um uso pessoal desse verbo, enquanto que (3) mostra um uso impessoal do

mesmo verbo:

(2)

PHILEM. Volo me placere Philolachi, meo ocello, meo patrono. (Mostellaria, 167)

Filem – Desejo que eu seja agradável a Filolaques, meu querido, meu patrono.

(3)

SOS. Apage, non placet me hoc noctis esse: cenaui modo; (Amphitryon, 310)

Sós – Para trás, não é agradável que eu coma a essa hora da noite: acabei de jantar.

Diante dessas duas possibilidades, é possível concluir que o verbo placeo se encontra

em um espaço intermediário, numa possível trajetória de mudança de construção com

sujeito nominal, para construção com sujeito oracional. Um estudo diacrônico poderia

revelar se esse verbo tornou-se impessoal como os demais mencionados, ou se

permanece nesse espaço intermediário.

De Todas as 255 construções monoargumentais, 137 são construções

impessoais, enquanto 118 são construções com sujeitos nominais, como podemos

observar abaixo (gráfico 3). Consideramos esse número importante, frente a todas as

ocorrências de construções estativas. Isso mostra como o padrão construcional [Sor+Vē]

estava convencionalizado no Latim Arcaico de Plauto.

Gráfico 3 - Construções impessoais frente às demais monoargumentais

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De modo geral, entre as construções que não possuem objeto, são notáveis também as

ocorrências dos verbos ualeo (estar bem de saúde), com 27 ocorrências e taceo (estar

calado), com 35 ocorrências. É possível observar que esses dois verbos são próprios de

diálogos da oralidade (sobretudo ualeo) e do gênero cômico (sobretudo taceo).

Observamos que o verbo ualeo é frequente em diálogos, nas situações de cumprimentos

e despedidas, o que servia para dar uma coerência ao fluxo da conversa entre os

personagens, bem como era mais um fator que aproximava o texto cômico do falar

cotidiano.

(4)

TR. O Theopropides, ere, salue, saluom te aduenisse gaudeo. usquin ualuisti?

(Mostellaria, 446-9)

Tr – Oh Teopropides, meu senhor, salve! Alegro-me de teres chegado salvo. Passaste

suficientemente bem?

Já taceo tem uma função mais propriamente cômica, servindo para que personagens

ordenem uns aos outros ―calarem a boca‖, utilizado, sobretudo em cenas que

manifestam o que Bergson (1900, p. 20) chama de cômico de gestos, nas quais esse tipo

118

137 Demais monoargumentais

Impessoais

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de discurso injuntivo cômico costuma ser acompanhado de cenas de xingamentos,

pancadaria e correria.

(5)

TOX. Tacen an non taces? numquam ego te tam esse matulam credidi. (Persa, 533)

Tox – Acaso te calas ou não te calas? Nunca cri que fosses tão imbecil.

Pelas funções a que servem, esses dois verbos aparecem frequentemente na forma de

imperativo uale! Tace!.

Passemos agora às construções biargumentais. Como vimos no gráfico 2, elas

são minoria entre os usos de verbos estativos, porém a diferença entre o número de

ocorrências dos dois tipos de construção não é tão acentuada, como foi a diferença

apontada pelo primeiro gráfico.

O Gráfico 4 mostra como, dentre um total de 158 ocorrências, a grande maioria

é construída com um número restrito de verbos. Trata-se dos verbos habeo e teneo

(ambos, ter), bem como seus compostos, como prohibeo, adhibeo e pertineo (proibir,

empregar, concernir). Esses verbos, de um modo geral, ao longo de toda a história da

língua latina são usados com complementos em acusativo, o que configura uma

construção biargumental. Nos itens seguintes, quando das análises de transitividade,

veremos as características que permanecem e as que se alteram entre ambas as

construções.

Gráfico 4 - Habeo e teneo frente às demais biargumentais

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61

Esses dois verbos, como já dissemos, possuem trajetórias bastante peculiares e

mereceriam estudos próprios. No entanto, um fato muito interessante se salienta na

análise desses verbos.

Um dos compostos de teneo, o verbo attineo (ter algo a ver, dizer respeito), com

nove ocorrências, se opõe fortemente a seu verbo de origem ao não se construir com

objeto em acusativo, o que o faz figurar no conjunto das construções monoargumentais.

Ele se constrói com a preposição ad (a). Sobre esse tipo de complementação, é

interessante observar que a preposição é também o prevérbio que dá origem ao verbo

attineo (<adtineo). Segundo Rubio (1969, p. 123), esse tipo de complemento não teria

nenhuma diferença de um objeto em acusativo como qualquer outro.

Consideramos que o verbo attineo também é um recurso para provocar

comicidade no texto. Ele serve a situações de pequenas brigas, geralmente entre

escravos, nas quais se diz ―não é da sua conta!‖.

(6)

PHAN. Heus senex, quid tu percontare ad te quae nihil attinent? (Mostellaria 940)

TH. Nihil ad me attinet?

Ph – Ei, velho! Por que tu perguntas coisas que em nada te dizem respeito?

Th – Em nada me dizem respeito?

29

129

Demais biargumentais

Habeo e Teneo

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É oportuno também notar o número de ocorrências de acordo com cada uma das

peças. O que vimos foi um número ligeiramente menor de ocorrências no Amphitryon.

Pelo que observamos, podemos atribuir esse fato à principal diferença dessa para as

outras duas obras. Entendemos que o fato de o Amphitryon ser uma tragicomédia,

intercalando diálogos trágicos e cômicos, diminui a quantidade de momentos de

comicidade de gestos, ambientes propícios para a ocorrência de verbos como ualeo e

taceo, bastante comuns nas peças de modo geral.

Nessa tragicomédia, o verbo ualeo, com diversas ocorrências, em apenas três

momentos (versos 499, 928 e 1037) aparece em situações de cumprimentos e

despedidas. Já o verbo taceo ocorre apenas cinco vezes, no total, em cenas que

favorecem bastante seu aparecimento, como o confuso encontro entre Sósia e Mercúrio,

que estão com aparência idêntica e o litígio de Anfitrião e Alcmena, devido ao adultério

provocado pelo deus.

Já em Persa e em Mostellaria, o autor lança mão de um número muito maior de

cenas de comicidade de gestos e situações de cumprimentos e despedidas, o que é

enfatizado pelo destaque que dão a escravos, personagens tipicamente envolvidos

nesses tipos de cena. Em Persa, inclusive, o senhores dos escravos em questão nem

mesmo aparecem em cena.

Gráfico 5 - Ocorrências por peça

0

20

40

60

80

100

120

140

160

Persa Mostellaria Amphytruo

Perfectum

Biargumentais

Monoargumentais

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63

4.2- Para uma análise qualitativa

No capítulo seguinte, abordaremos o tema da pesquisa de modo distinto. Para

além desta análise fria e quantitativa, há fenômenos que provocam dificuldade na

compreensão do comportamento dos verbos estativos latinos.

De modo geral, estas análises mostram dados interessantes para a pesquisa. Das

410 ocorrências, mais da metade são de subesquemas das duas macroconstruções (com

um argumento e com dois argumentos), respectivamente as mesoconstruções

impessoais (139) e as mesoconstruções com os verbos habeo e teneo (129), resultando

em 268. Isso afasta as ocorrências do tipo de esquema que havíamos estabelecido como

prototípico, baseando-nos em estudos de morfologia diacrônica do Latim, que previam

um sujeito determinado que está em certo estado, intransitivamente, isto é, sem

transferência do estado.

Mesmo entre as construções que se enquadram no esquema [S+Vē], uma

importante parcela, 62 ocorrências, se constrói com dois verbos – ualeo e taceo – cujo

uso é claramente motivado pelas situações pragmáticas em que seus enunciadores se

encontram e também pelo gênero literário das obras analisadas.

Por esses motivos, podemos concluir que o uso de verbos estativos não era um

fenômeno comum no falar corrente da República Romana, restringindo-se a algumas

microconstruções, como as que aqui frisamos. Assim também, quando observamos o

morfema, podemos concluir que ele é bem mais flexional que derivacional. Corrobora-o

o fato de que não encontrarmos inovações no corpus, o qual, já vimos, era um espaço

importante para a inovação e a experimentação com a língua.

Os fatos linguísticos, em muitos aspectos, se afastaram do que prevíramos. É

necessário, na próxima etapa, demorar-se sobre cada um desses aspectos, sob pontos de

vista diferentes, a fim de mostrar quais aspectos são mais mutáveis pelo uso e quais são

mais duros, permanecendo mesmo quando o valor estativo for débil.

4.3- Reflexões sobre as análises dos dados

Este item parte dos aspectos mais concretos em direção aos mais abstratos. Está

organizado desse modo, porque consideramos que a compreensão dos aspectos formais

do fenômeno é fundamental para as reflexões mais abstratas. Assim também, para esses

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aspectos, será necessário retomar a história do morfema, o que serve de base para esta

pesquisa como um todo.

4.3.1- Processos de formação dos verbos estativos

Relembremos a descrição do sistema verbal latino e de sua comparação com o

sistema verbal indoeuropeu. Vimos que a principal característica desse sistema é o

aspecto verbal. Cada verbo latino possui dois principais temas aspectuais, infectum e

perfectum, que servirão como base para as flexões de tempo e modo, número e pessoa e

voz para, respectivamente, tempos dinâmicos, progressivos e tempos estáticos,

concluídos (cf. p. 18). Podemos registrar também, em um estágio indoeuropeu, um

terceiro aspecto, nem dinâmico nem progressivo, chamado ―aoristo‖. O Latim não

mantém o tema de aoristo em seus verbos, mas apenas alguns vestígios.

Quando observamos, tanto na bibliografia prévia quanto no corpus, as

ocorrências de verbos estativos no perfectum, pudemos traçar um comportamento

morfológico desses verbos relativamente ao aspecto. Em uma observação quantitativa,

vimos que o uso de verbos de estado em tempos perfeitos é bastante incomum no

corpus analisado, fenômeno compreensível pelas noções semânticas distintas contidas

no tema de perfectum e no sufixo estativo.

Observamos, então, quais tipos de formação de perfectum podemos encontrar

com verbos estativos. As referências bibliográficas para morfologia histórica do Latim

prevêem os seguintes tipos:

a) formações sigmáticas, como em frigeo, frixi (estar frio). Essas formações são

continuidades do aoristo indoeuropeu, isto é, são temas de aoristos emprestados ao

perfeito. Por essa razão, são chamados perfeitos aorísticos. No verbo usado como

exemplo, a forma frixi pressupõe que o sufixo formador do tema aspectual, -s, foi

acrescido à raiz sem o intermédio do sufixo estativo. O grafema X representa um grupo

consonântico /ks/, que certamente tem origem no encontro GS, no qual o /g/ sofre uma

assimilação parcial ao /s/, incidindo sobre seu traço de sonoridade (cf. NIEDERMANN,

1991, p. 128; FARIA, 1957, p. 53). Portanto, o sufixo de estado não aparece nesses

tipos de perfectum. Dos verbos estativos com perfeito sigmático, não encontramos

nenhuma ocorrência em nosso corpus.

b) formações em redobro, como em pendeo, pependi (estar pendurado). Essas

formações, ao contrário das anteriores, são continuidades do próprio perfeito

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indoeuropeu. De modo geral, ela é a menos comum entre os verbos estativos. Quando

analisamos a forma de perfectum pependi, constatamos que as desinências se ligam a

um tema sem sufixo (-i é a desinência característica de pretérito perfeito tal como os

verbos latinos são notados nos dicionários, cf. p. 22). Nesses tipos de formação, não

ocorre o sufixo estativo. Também não encontramos ocorrências nas comédias

analisadas.

c) formações sonânticas, como em taceo, tacui (estar calado). Esse tipo de formação é

próprio do Latim, ausente mesmo nas línguas mais aparentadas ao Latim – Osco e

Umbro (cf. ERNOUT, 2002 [1953], p. 204; MONTEIL, 1974, p. 312). Consiste no

acréscimo de uma sonante –u à raiz. Portanto, é seguro afirmar que esse é o tipo mais

recente de formação de temas de perfectum. A produtividade, como já mencionado, fez

a formação sonântica se sistematizar como processo formador de perfeitos no Latim

Vulgar e nas línguas neolatinas (cf. VÄÄNÄNEN, 1967, p. 151). Todos os perfeitos de

verbos estativos encontrados no corpus são de formação sonântica. Notemos os

perfeitos dos verbos ualeo, ualui; habeo, habui; e teneo, tenui, os mais frequentes. Além

desses, também ocorre com o verbo oleo, olui (exalar odor). Nos verbos estativos, as

formações sonânticas também não possuem o sufixo –ē.

d) Verbos que não possuem perfectum, como tumeo (estar inchado), em virtude de sua

própria significação. Um dos vestígios da independência dos temas aspectuais

indoeuropeus no Latim é a ausência de um desses temas (cf. p. 24). Econtramos alguns

exemplos de verbos estativos sem perfectum, como tumeo (cf. p.18) e torpeo (estar

entorpecido).

Diante dos estudos de morfologia histórica e da observação dos dados, é seguro

afirmar que os verbos estativos, originalmente, não possuem perfectum, tendo tomado

emprestado de outras formações verbais com mesma raiz, mas sem o sufixo (como frixi,

certamente proveniente de frigo, e não frigeo). Não encontramos verbos estativos que

mantenham o sufixo –ē no tema de perfectum.

Outro fator importante sobre os temas aspectuais dos verbos estativos é sua

proveniência do aoristo indoeuropeu. Já vimos como o Latim inova ao usar o sufixo

estativo, formador de temas de aoristo, nos temas de presente. O aoristo correspondia a

um aspecto nem dinâmico, nem progressivo, sem a noção de telicidade, própria do

aspecto indoeuropeu que continua no Latim.

Podemos encontrar, no entanto, uma proximidade entre os verbos estativos e a

noção aorística de ausência de telicidade. Isso ocorre porque tais verbos designam

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estados que se prolongam no tempo, sem impor-lhes noção de acabamento (perfectiva)

ou dinamismo (imperfectiva). Quando, na língua latina, é necessário recorrer ao

perfectum desses verbos, o sufixo é inexistente, pois se afasta da telicidade de uma ação

concluída.

Assim como alguns temas de perfectum são chamados de ―perfeitos aorísticos‖

por algumas gramáticas, devido ao fato de serem uma continuidade do aoristo

indoeuropeu, poder-se-ia dizer, do mesmo modo, que os verbos estativos são presentes

aorísticos, porque, tanto do ponto de vista morfológico quanto do ponto de vista

semântico, são continuidades desse antigo tema. O aoristo não se enquadra com

exatidão em um paradigma flexional binário de telicidade – acabado ou inacabado, fato

respaldado morfologicamente pelas suas formações.

O aoristo teria tido uma formação posterior ao presente e ao perfeito, o que lhe

conferia características singulares, bem como desenvolvimentos distintos nas diversas

línguas indoeuropeias, sobretudo o tipo aoristo sigmático, como, há muito, já observado

(cf. MEILLET in SAUSSURE, 1908, p. 100-1).

A importância do aoristo para os verbos estativos é, do ponto de vista formal, a

marca morfológica da continuidade de uma flexão de aoristo e também, do ponto de

vista semântico, a manutenção de uma noção de ausência de telicidade. Esta é

diretamente operada pelo morfema – o sufixo estativo -ē.

Voltando ao tema de perfeito, vimos que os verbos estativos não possuem

perfeito em sua origem, tendo tomado emprestado a outras formas verbais. A princípio,

parece incoerente conciliar a noção de prolongamento de um estado no tempo com um

aspecto télico, finalizado. As poucas ocorrências de verbos estativos no perfectum, que

encontramos, mostram que não era impossível conciliar essas duas noções, fato

demonstrado, com melhor clareza, pelos usos do verbo ualeo:

(7)

TOX. O Sagaristio, di ament te. SAG. O Toxile, dabunt di quae exoptes.

utuales? TOX. Vt queo. SAG. Quid agitur? TOX. Viuitur.

[...] SAG. Satin tu usque ualuisti? TOX. Hau probe. (Persa, 16-25)

TOX – Oh Sagaristião, que os deuses te amem! SAG – Oh Tóxilo, os deuses darão o

que desejas.

Como estás passando? TOX – Como posso. SAG – Que se faz? TOX – Vive-se

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[...] SAG – Acaso passaste bem então? TOX – Não muito bem.

Os usos desse verbo no perfectum mostram estados que, ao mesmo tempo em que se

estendem no tempo, possuem uma conclusão. Esperamos esclarecer a questão dos

valores semânticos associados aos temas aspectuais nos itens seguintes.

4.3.2- Transitividade oracional

Após considerações sobre aspectos morfológicos das construções com verbos

estativos, versamos agora sobre aspectos sintáticos. Compreendemos, retomando

Hopper & Thompson (1980), que transitividade é uma propriedade da oração e não

apenas no verbo; assim também, ela se estende em um contínuo de maior ou menor

transitividade, e não apenas de modo binário – transitivo/intransitivo.

Os 10 parâmetros de transitividade oracional, bem como o modo com que cada

um afeta a transitividade da oração, foram descritos no capítulo sobre pressupostos

teóricos, mas é necessário apenas mencioná-los novamente:

1- Participantes

2- Cinese

3- Aspecto

4- Pontualidade

5- Intencionalidade

6- Afirmação

7- Modo

8- Agentividade

9- Afetamento do objeto

10- Individuação do objeto

Analisamos construtos com verbos estativos sob cada um desses parâmetros, com

auxílio das reflexões de Furtado da Cunha e Souza (2007) e, sobretudo, Abraçado &

Kennedy (2014).

Após as análises, observamos, não apenas o comportamento sintático das

construções, como também quais dos parâmetros se relacionam com fatores amplos e

funcionais, como as necessidades pragmáticas ou a carga semântica do próprio verbo, e

quais se relacionam a fatores formais, como o comportamento morfológico do verbo.

Tivemos especial atenção ao sufixo estativo –ē, objeto desta pesquisa. Na explanação,

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partiremos daqueles parâmetros que observamos ter menos relação com aspectos

formais e chegaremos àqueles que têm maior relação com esses aspectos, sobretudo

com o sufixo em questão.

O primeiro parâmetro – número de participantes – já foi abordado aqui

anteriormente (cf. p. 55), como vimos no gráfico 2. Observamos que há poucos casos

em que um verbo estativo aparece nas duas construções, com um ou com dois

argumentos. Com base nos gráficos, de todos os exemplos de construções com verbos

estativos 129 são de construções de posse (com habeo e teneo) e 137 são construções

impessoais, isto é, 266 de 412 são construções que se fixaram em relação ao número de

argumentos. Além dessas, mais numerosas, outras ocorrências importantes são fixas em

relação ao número de participantes, como as ocorrências com os já mencionados verbos

taceo e ualeo, sempre monoargumentais.

Entre os verbos que figuram nas construção com um ou com dois participantes,

destacam os verbos gaudeo (estar alegre), com alguns exemplos no segundo capítulo

(cf. p. 36) e o verbo oleo (exalar odor), e também seus compostos como oboleo (estar

fedendo) com algumas ocorrências.

(8)

MERC. Olet homo quidam malo suo. SOS. ei, numnam ego obolui? (Amphitryon, 321)

MERC – Certo homem cheira por causa de seu mal. SOS – EI, por acaso eu fedi?

Aliás, o verbo oleo e seu composto oboleo merecem certo destaque, pois

apresentam grande variedade de formas, aparecendo tanto com um ou com dois

argumentos, e também são boa parte das ocorrências dos verbos estativos no perfectum.

Do ponto de vista morfológico, esse verbo se apresenta com ou sem o sufixo

(oleo ou olo), algo já visto nos estudos teóricos, mas que ocorre apenas com este verbo

no corpus analisado. No entanto, apesar da diferença morfológica, não há diferença de

significado e o autor lança mão de um e de outro, segundo critérios ainda não

esclarecidos, mas que apontam para as necessidades métricas, uma vez que oleo e olo

tem flexões ligeiramente distintas no infectum, apesar de mesmo significado.

Sobre as motivações que incidem sobre o número de participantes das

construções com verbos estativos, compreendemos que elas advêm de duas fontes

principais. A carga semântica do verbo permite que seu estado seja transferido a mais

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um participante. As necessidades pragmáticas da frase latina, operadas pela criatividade

dos usuários e pelo caráter oralizante e inovador do gênero cômico são capazes de fazer

com que novos elementos figurem em esquemas onde não ocorriam antes.

Compreendemos também que existe pouquíssima relação do número de participantes

com o sufixo de estado, prevalecendo os fatores funcionais.

O número de participantes leva imediatamente aos dois últimos parâmetros na

lista – afetamento e individuação do objeto. Um objeto totalmente afetado, próprio e

individual aumenta a transitividade da oração. As motivações desses parâmetros

também atribuímos a fatores funcionais (semântica, pragmática, discurso), pois estão

relacionados as cargas semânticas dos argumentos e dos verbos, bem como ao

significado da oração como um todo e às motivações pragmáticas que incidem sobre

esses dois critérios. A eles também não conseguimos identificar uma relação estreita

com o sufixo em questão.

O próximo parâmetro analisado é a afirmatividade. Uma ação que ocorre é,

certamente, mais transitiva que uma ação que não ocorre. No entanto, o que define se

uma ação é mais afirmativa ou mais negativa são fatores contextuais e discursivo-

pragmáticos. No presente caso, isso é determinado pelas tramas das peças analisadas.

Sobre as ocorrências, notamos que a negação de verbos estativos tem uma forte

tendência a ocorrer nas construções impessoais.

(9)

ALC. Istuc facinus, quod tu insimulas, nostro generi non decet. (Amphitryon, 820)

ALC – É um crime isto que tu insinuas, não convém à nossa família.

Já em construções monoargumentais, a grande maioria de negativas é com o verbo

taceo, como no exemplo 5, o que atribuímos ao tipo de situação cômica em que ele

ocorre.

O próximo parâmetro estudado é o modo do verbo. Uma oração em um domínio

do real (indicativo) é mais transitiva do que uma oração em um domínio do irreal

(subjuntivo ou imperativo). Nas ocorrências encontradas, existe grande variedade na

relação das construções com os modos verbais, entretanto notamos algumas tendências.

Como já mencionamos, os verbos ualeo e, sobretudo, taceo têm maior tendência a

aparecerem no modo imperativo, comportamento esse devido às situações de uso em

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70

que ocorrem. De igual maneira, o modo subjuntivo e as formas nominais (infinitivos e

particípios) apresentam a mesma variedade. De modo geral, também compreendemos

que o modo do verbo, como vimos nos casos de ualeo e taceo, é diretamente

influenciado por fatores discursivo-pragmáticos.

Discorramos agora sobre a intencionalidade. A princípio, este parâmetro parecia

estar relacionado ao sufixo e às construções monoargumentais, pois a intencionalidade

de uma oração se opunha a ideia de um estado. No entanto, pudemos encontrar

intencionalidade em diversas amostras, tanto de construções com um argumento, quanto

de construções com dois:

(10)

- nam muliones mulos clitellarios

habent, at ego habeo homines clitellarios. (Mostellaria, v. 781)

- Pois os arrieiros têm machos de carga,

mas eu tenho homens de carga

O exemplo 10 ilustra como os principais verbos das orações transitivas (habeo e teneo)

costumam manifestar grande intencionalidade.

(11)

TR. St, tace, ausculta modo.

ait uenisse illum in somnis ad se mortuom. (Mostellaria, 489-96)

TH. Nempe ergo in somnis? TR. Ita. sed ausculta modo.

[…]

TH. Taceo.

TR – Sh, cala-te, apenas escuta!

Ele disse que o morto veio até ele nos sonhos.

TH – Mas então, nos sonhos?! TR – Sim. Mas apenas escuta.

[...]

TH – Estou calado

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71

O exemplo 11, por sua vez, mostra um dos principais verbos das orações intransitivas

com sujeito nominal, taceo, com diversas ocorrências. Podemos, em diversas passagens

com esse verbo entender que a intencionalidade do estado de ficar calado depende

bastante do sujeito que empreende esse estado, além de uma ordem, o que é frequente

nos textos estudados.

Assim, podemos também observar que a intencionalidade se baseia em fatores

funcionais, em especial na carga semântica de cada verbo, mas também nas

necessidades pragmáticas associadas a cada situação de uso. O exemplo 11 mostra uma

ordem e o cumprimento dessa ordem.

O parâmetro de intencionalidade muito se aproxima da agentividade da oração.

Quanto mais agentividade um sujeito possuir em relação à ação verbal, mais transitiva

será a oração. As observações feitas para este parâmetro são semelhantes àquelas feitas

para o anterior. Do mesmo modo, a agentividade de um sujeito está diretamente ligada à

semântica do verbo e ao contexto em que é usado.

Construções biargumentais, como no exemplo 10, costumam apresentar grande

agentividade do sujeito em relação ao verbo e ao complemento. No entanto,

compreendemos que há agentividade em exemplos como o 11, pois o estado de ficar

calado depende também de uma iniciativa do próprio sujeito, e não apenas da ordem de

um interlocutor.

Em contrapartida, tais características de agentividade e intencionalidade não

estão presentes em diversas construções com verbos estativos, como, por exemplo,

naquelas com o verbo ualeo e também naquelas com argumento oracional (exemplos 7

e 9). Apesar disso, observamos que a ausência desses parâmetros, bem como sua

presença, está ligada aos mesmos fatores funcionais – o significado do verbo e a sua

situação de uso.

Ainda sobre esses dois parâmetros, é oportuno notar que eles apenas podem

incidir sobre sujeitos nominais, isto é, a um sujeito oracional não cabe agentividade ou

intencionalidade sobre o verbo. Entendemos que sujeitos oracionais são sujeitos

estáticos, o que quer dizer que os estados designados pelos verbos estativos, nesses

casos, ocorrem sem iniciativa ou intenção dos sujeitos. Essa teria sido característica

marcante das construções com verbos estativos, como já vimos no primeiro capítulo (cf.

p. 23). É provável que a ocorrência de construções com esse tipo de sujeito estático

tenha permitido que uma oração pudesse figurar nessa posição de sujeito. Apenas um

estudo diacrônico poderia confirmar ou negar essa hipótese.

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Com base nos estudos teóricos e na análise dos dados, observamos que os sete

parâmetros estudados até aqui (Número de participantes; Intencionalidade; Afirmação

Modo; Agentividade; Afetamento do objeto; Individuação do objeto) são os que se

relacionam, de modo mais claro, com a frase como um todo, bem como com o contexto

de uso em que são empreendidos. Assim também, vimos como o gênero do corpus

influencia as construções, influência que incide, sobretudo, nesses sete parâmetros.

A proximidade entre esses traços já foi abordada por outros autores (LAROCA;

TEIXEIRA in ABRAÇADO & KENNEDY, 2014; CAVALCANTE, 1997), para os

quais esse conjunto de fatores pode afetar a relação entre o verbo e seus argumentos.

Vejamos como os três parâmetros restantes (Aspecto; Cinese; Pontualidade), de acordo

com nossas observações, estão relacionados a fatores formais, sobretudo ao

comportamento morfológico dos verbos.

Comecemos pela descrição do aspecto. Como já vimos, o aspecto é a categoria

verbal mais importante na flexão dos verbos em Latim. Ele se manifesta

morfologicamente, no radical de cada verbo, sobre o qual se constroem as demais

categorias flexionais. O aspecto latino se organiza segundo uma categorização binária –

infectum/perfectum – designando ações inacabadas ou acabadas.

Observamos que, de modo geral, o aspecto perfectivo para os verbos de estado

ocorre em construções impessoais e de posse, apesar de diversos exemplos com habui-

(perfeito de habeo) e apenas um com tenuisti (forma de pretérito perfeito de teneo).

Entre as demais ocorrências, encontram-se também alguns perfeitos de ualeo e também

de oleo (exalar odor).

Já discorremos sobre as formações dos temas aspectuais em Latim, e também

sobre como os verbos estativos são uma continuidade de um aspecto aoristo

indoeuropeu, carente de uma ideia de conclusão – telicidade. Resta-nos explicar como é

possível que exemplos de uso de verbos estativos no perfectum sejam capazes de

conciliar, em uma única forma verbal, como no exemplo 7, a noção de um estado que se

prolonga no tempo e um aspecto télico, isto é, concluído.

O que se observa no referido exemplo é, aliás, comum com o verbo ualeo, nas

situações de início de diálogo. Vê-se que a frase construída com a forma ualuisti

(passaste bem?) designa um estado que se estendeu no tempo e que teve fim. Se

observarmos outros exemplos de verbos estativos no perfectum, em ambas as

construções, veremos as mesmas características:

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(12)

SC. Vt speculum tenuisti, metuo ne olant argentum manus… (Mostellaria, 268)

SC – Como seguraste o espelho, temo que tuas mãos cheirem a prata...

Novamente, vê-se uma noção verbal, que, no caso das construções de posse, é tanto

ação quanto estado, se prolongar no tempo e chegar a um término.

Assim, podemos concluir que o valor de estado, originalmente proveniente do

sufixo –ē, incide sobre o decorrer da frase, não sobre seu término. Por incidirem sobre

momentos diferentes do estado/ação verbal, o valor de estado não é incompatível com o

aspecto perfectivo. Apesar de ser difícil conciliar essas duas noções, não é impossível.

A baixa frequência dessas ocorrências corrobora essa conclusão.

É interessante notar, também, que, morfologicamente, o valor de estado e o

aspecto têm correspondentes distintos. O primeiro é operado por um sufixo, adicionado

no tema de infectum e o segundo é operado pelo próprio tema (radical) em si.

Passemos ao próximo parâmetro, a cinese. Quanto mais movimento uma ação

verbal possuir, mais transitiva a oração será. Entre os verbos estativos, a cinese é a

mínima possível, mesmo nas construções biargumentais. Não conseguimos observar

qualquer ―movimento‖ nas amostras analisadas.

Consideramos que esse parâmetro não deve ter ligações consideráveis com

fatores contextuais, pois nenhum deles foi capaz de imprimir cinese às construções com

verbos estativos. Se há alguma propriedade funcional que incide sobre a cinese, essa

propriedade é a carga semântica da raiz verbal, pois ela não se altera com a flexão. Para

além da semântica, não encontramos a influência de fatores pragmáticos ou discursivos.

Assim chegamos ao último dos dez parâmetros de transitividade oracional – a

pontualidade. Ela diz respeito à duração da ação verbal. Uma ação abrupta torna a

oração mais transitiva.

Considerando que as construções com verbos estativos, de um modo geral, não

designam ações, mas estados, não há transição ou mudança de estado, mas ao contrário,

elas designam a permanência de estado. Portanto, a pontualidade é a mínima possível. E

essa característica se aplica indistintamente para construções com um ou com dois

argumentos.

Refletindo sobre o tempo de uma ação/estado verbal, podemos concluir que a

pontualidade incide no transcorrer dessa ação/estado e que o aspecto incide sobre seu

término.

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Assim, podemos encontrar uma estreita relação entre a pontualidade e o aspecto,

pois enquanto a primeira se voltaria à duração, o segundo se voltaria à conclusão. Isso

explica porque pudemos observar verbos que ao mesmo tempo são estativos e

perfectivos, pois se trata de duas categorias distintas.

Sobre a relação entre a pontualidade e a morfologia do verbo, compreendemos

que existe uma correspondência com o sufixo de estado –ē. Essa derivação sufixal retira

do verbo sua pontualidade e confere-lhe o valor de um estado, que se estende no tempo.

Quanto ao aspecto, manifesto na formação do radical do verbo, cabe-lhe atribuir ao

verbo conclusão ou progressividade (perfectum e infectum).

Compreendemos ainda que, do resultado da união dos processos morfológicos

que designam pontualidade e aspecto a uma raiz verbal, surge uma forma acinética,

estativa, cujo aspecto pode variar binariamente entre perfectivo e imperfectivo de

acordo com a mudança do tema do verbo.

Finalmente, após as análises de transitividade de acordo com os parâmetros de

Hopper e Thompson (1980), chegamos a um comportamento geral das construções com

verbos de estado. Concluímos que, dos dez parâmetros, sete (número de participantes;

intencionalidade; afirmação; modo; agentividade; afetamento do objeto; individuação

do objeto) se voltam a fatores mais amplos e contextuais envolvendo o corpus, como as

necessidades pragmáticas, o gênero textual – comédia – e o tipo de situação de uso em

que cada construção se inseria. Em contrapartida, os demais (cinese, aspecto e

pontualidade) se voltam para fatores mais duros e morfológicos.

Encontramos, nos verbos estativos, correspondências morfológicas para o

aspecto e para a pontualidade. Esses processos morfológicos, associados aos valores

semânticos que cada um imprime sobre o verbo, mostram porque um verbo pode ser

estativo e perfectivo ao mesmo tempo, como vimos nos exemplos 7, 8 e 12.

Os estudos de Laroca e Teixeira (in ABRAÇADO & KENNEDY, 2014) sobre

aspecto e pontualidade conduzem esta pesquisa aos de CORÔA (2005) que tratam de

uma categoria importante para este estudo e para a flexão dos verbos latinos como um

todo.

4.3.3- Aspecto morfológico e aspecto lexical

As conclusões relativas aos últimos três parâmetros explanados a que chegamos

nas análises de transitividade oracional estão diretamente associadas aos padrões

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construcionais identificados para o verbo estativo (cf. p. 37). De acordo com essa

associação, os dois elementos da construção ―verbo de estado‖ – o radical do verbo e o

sufixo – estão associados, respectivamente ao aspecto e à pontualidade. O resultado

dessa união implica em ausência de cinese.

Assim chegamos a duas categorias, respaldadas pela composição morfológica

do verbo. Uma delas, já sabemos, é o aspecto, que trata da telicidade da ação/estado

verbal, categoria esta consagrada e conhecida de todas as gramáticas de língua latina.

Quanto à outra categoria, que trata do transcorrer da ação, encontramo-la nos estudos de

Laroca (in ABRAÇADO & KENNEDY, 2014) e, sobretudo nos de CORÔA (2005).

Utiliza-se o termo aktionsart para fazer referência a um aspecto lexical do verbo,

ou um ―modo de ser da ação‖ verbal (cf. ABRAÇADO & KENNEDY, 2014, p. 81).

Para Klein (apud CORÔA, 2005) o aspecto é uma categoria gramatical, enquanto que o

modo de ser é uma categoria léxico-semântica. Assim, teríamos dois aspectos, um

gramatical e um léxico-semântico, ou aktionsart.

Esta última categoria esclarece a relação entre o sufixo estativo e o tema

aspectual do verbo latino. No entanto, observando os dois tipos de aspecto nos verbos

estativos encontrados, concluímos que as definições que apresentamos no parágrafo

anterior não se aplicam com exatidão aos dados do Latim.

O que vimos ao longo das análises, sobretudo quando as análises de

transitividade chegaram aos parâmetros de cinese, aspecto e pontualidade, é que ambos

– o aspecto propriamente dito e o aktionsart – são, ao mesmo tempo, gramaticais e

léxico-semânticos. Ambos têm implicações na semântica do tempo da ação/estado

verbal, incidindo o aspecto sobre a conclusão e o aktionsart sobre o transcorrer da ação;

ambas têm um correspondente formal, morfológico, que são o radical do verbo para o

aspecto e, como vimos, o sufixo –ē para o aktionsart.

Chegamos assim, às propriedades do sentido relativas à forma das construções

identificadas em um nível morfológico, exemplificado no quadro a seguir com um

construto do corpus. O construto do verbo oleo pode ser esquematizado da seguinte

maneira, o aspecto incidindo sobre a raiz e o modo de ser incidindo sobre o sufixo:

Quadro 3: Pareamentos de forma e função para verbos de estado:

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4.4 – Compilando os resultados das análises dos dados

A leitura dos textos da Comédia Arcaica aliada às leituras teóricas lingüísticas e

literárias forneceu informações sobre o comportamento dos verbos estativos na frase

latina, de um modo que, como vimos (cf. p.47) muito se aproxima do falar corrente dos

romanos dos séculos III e II a.C..

As ocorrências de verbos estativos mostram que as mesoconstruções com

sujeitos oracionais e as de posse se encontravam convencionalizadas no uso e compõem

a maioria das ocorrências desse tipo de verbo. Mesmo as que não figuram nessas

mesoconstruções, como aquelas com os verbos ualeo e taceo, têm sua frequência

aumentada pelo gênero e pelas situações em que eram utilizadas. É seguro afirmar que a

frequência dosconstrutos recebe maior influência de fatores contextuais e funcionais.

Quanto ao valor estativo, vimos como é difícil concebê-lo em consonância com

um aspecto perfectivo, de tal modo que o sufixo que o opera não ocorre no perfectum.

Sabemos previamente que se trata de um aspecto aorístico que saiu do sistema do

Latim, mas deixou, como vestígio morfológico, entre outros, o tema de infectum dos

verbos formados pelo sufixo de estado –ē, fazendo verdadeiros ―presentes aorísticos‖.

Quanto às origens do perfectum desses verbos, eles a devem a outros verbos com a

mesma raiz, mas sem o sufixo, formando pares, dos quais apenas encontramos no

corpusoleo/olo (exalar odor), cujo significado não se altera pela ausência do sufixo. É

seguro afirmar que o perfeito desse verbo (olui), assim como todos os perfeitos de

verbos estativos encontrados nas três peças analisadas não levaram em conta, na sua

formação, o sufixo de estado. A princípio, pode parecer incoerente conciliar o valor de

estado com o aspecto perfectivo, mas o item seguinte esclareceu essa questão.

Construto>

forma>

sentido>

ol

[raiz-]

infectum -não acabada

ē

[-ē]

modo de ser estativo

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As análises de transitividade contribuíram em muito com a compreensão do

fenômeno estudado. Vimos que apenas três de todos os parâmetros listados têm uma

ligação direta com aspectos formais do verbo de estado. Os dois principaissão o aspecto

e a pontualidade, cuja ausência se enquadra no chamado aktionsart, ou modo de ser da

ação têm, cada um, um morfema correspondente para si. Assim, vimos tratar-se de duas

categorias distintas: aspecto e aktionsart, que são semânticas e morfológicas ao mesmo

tempo. O aspecto incide sobre o radical do verbo e o aktionsart incide sobre o sufixo.

4.5- Desdobramentos dos resultados:

Quando ampliamos nosso campo de visão sobre os verbos latinos, podemos

observar uma série importante de outras formações sufixais (cf. MONTEIL, op. cit.,

p.286-300) que alteram o modo de ser da ação. Assim, o Latim possui diversos sufixos

associados a valores semânticos: um –ta frequentativo; um –turi inceptivo; um –n

determinativo; um –sc incoativo; um –s desiderativo; e mais outros, com conteúdo mais

ou menos procedural (cf. TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013). No entanto, vale

ressaltar que essas formações são próprias de infectum; o perfectum possui seus próprios

processos de formação, fato que demonstra um traço de permanência da independência

em relação aos temas aspectuais indoeuropeus.

É oportuno também procurar descrições de gramáticos da Antiguidade sobre a

morfologia verbal do Latim e, se possível, sobre o sufixo –ē, uma vez que muitos deles

estavam em uma posição privilegiada e inatingível a nós – eram falantes nativos de

Latim. É necessário, no entanto, ressaltar que os estudos gramáticos na Antiguidade

remontam muitos séculos antes dos textos da Comédia Arcaica. Havia, com frequência,

entre os filósofos gregos, um interesse pela reflexão sobre a língua que falavam, assim

como formulações de conceitos e categorias gramaticais.

Os romanos deram continuidade às tradições gregas de estudos filosóficos e

linguísticos. Portanto, a gramática antiga é um vastíssimo campo de estudos, o que torna

necessário um recorte para seu estudo.

Dos autores a que tivemos acesso no decorrer da pesquisa, destacamos as visões

dos gramáticos Donato e Dositeu, ambos do século IV d.C., época tardia da língua e da

literatura latina. Seus textos mantêm uma intertextualidade implícita, o que nos leva a

concluir que houve um diálogo entre eles.

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Ao listar e descrever as categorias flexionais que conhecemos do verbo latino

(aspecto, tempo, modo número, pessoa e voz), eles concebem uma a mais, que Donato,

em sua Ars Minor, chama de forma uerborum (forma dos verbos) e que Dositeu, em sua

Grammatica, chama de qualitas uerbi (qualidade do verbo). Essa categoria é,

morfologicamente, manifesta pelos diversos processos de derivação sufixal dentre

aqueles que citamos acima. Por exemplo, um verbo pode ter uma qualidade (ou forma)

freqüentativa, como lectitare (ler com frequência), com a adição do sufixo –ta; uma

qualidade inceptiva, como lecturire (estar prestes a ler), com a adição do sufixo –turi;

uma qualidade incoativa, como floresco (florescer), com a adição do sufixo –sc.

No entanto, eles não listam nessa categoria os verbos estativos, apesar de

citarem diversos processos de derivação sufixal semelhante. Donato considera que o

verbo horreo é o que chama de ―forma perfeita‖20

(cf. LINDEMANNUS, 1831, p. 159),

isto é, sem derivação sufixal, quando são classificados com o significado estativo de

―estar horrorizado‖ (cf. ERNOUT & MEILLET, 1959, p. 553).

Fica claro que alguns gramáticos antigos concebiam, como Donato, para a flexão

do verbo latino, uma categoria a mais. No entanto, como essa categoria não se aplica a

todos os verbos, e nem todos os sufixos são reconhecidos pelos antigos como a ela

pertencentes, concluímos que essa categoria não é tão flexional quanto as demais e, por

isso, não figura como parte da flexão latina, e sim como processo derivacional.

Assim, tais processos de sufixação não são mais reconhecidos pelos usuários do

Latim, o que aponta para a possibilidade de uma neoanálise do verbo latino que faz com

que o sufixo deixe de ser reconhecido como tal e passe a figurar no próprio radical do

verbo. A existência de mais uma categorial flexional verbal em Latim é uma promissora

oportunidade de estudos futuros para os latinistas.

É importante ponderar que alguns séculos separam Plauto de Donato e Dositeu.

É certo que a língua que falavam mudou nesse tempo, já que a variedade e a mudança

são caracteres inerentes às línguas naturais. Do mesmo modo, não observamos os dados

reais de uso da Antiguidade tardia, em que esses gramáticos se situam. Por essas razões,

consideramos que o diálogo com os gramáticos da antiguidade é um desdobramento

bastante oportuno para os estudos linguísticos sobre o Latim.

Apesar da inexistência de consistentes dados anteriores à época de Plauto, as

ocorrências de verbos estativos mostram que é mais provável que essa neoanálise já

20

Perfecta Forma

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tenha se concluído no período em questão, afastando a nitidez da composicionalidade

dos verbos estativos, alcançável por meio do estudo das respectivas etimologias.

Em certa medida, os usos desse tipo de verbo se afastam daquele previsto pelas

gramáticas usadas como base para situar o objeto desta pesquisa. Isso ocorre porque as

construções previstas como tipicamente construções de verbos de estado, compostas por

sujeito estático + verbo, não ocorrem em número suficientemente superior àquelas

formadas com argumento oracional, ou com os verbos habeo e teneo. Este fato sintático

provavelmente tem relação com o fato morofológico da neoanálise dos verbos estativos.

Eis outra oportunidade para estudos futuros.

Enfim, o testemunho dos gramáticos antigos é fundamental para a compreensão

dos fenômenos linguísticos como um todo. Dada a complexidade dos estudos

gramaticais já na Antiguidade, um diálogo mais frequente com os gramáticos da

Antiguidade é outra oportunidade de estudos.

O diálogo com os gramáticos antigos leva a um outro desdobramento,

igualmente importante. Em se tratando dessa categoria verbal adicional mencionada

pelos antigos, vê-se que ela não é tão flexional quanto às demais, situando-se numa

posição intermediária de um continuum derivação-flexão (cf. BYBEE, 2010, p. 2).

Observando que o sufixo –ē passa por processos de mudança, sendo

neoanalisado como parte do radical verbal, podemos concluir que ele se torna menos

derivacional. Essa conclusão é ratificada pela baixa produtividade do esquema [√+ē]

(cf. p. 39), cuja frequência é uma frequência token, e não type (cf. BYBEE & HOPPER,

2001, p.6), isto é, uma frequência do construto, mas não da construção. Esse fato

conflui-se com a carência de inovações no corpus lido, ambiente que seria propício para

tal.

Há, ainda, outro importante desdobramento, relacionado ao processo de

mudança envolvendo o sufixo de estado. Nos dados que analisamos, ele mantém um

importante papel na oração, mas, séculos mais tarde, ao menos nas descrições de

gramáticos, não é mais reconhecido como sufixo. Nesse processo, o objeto segue uma

trajetória de cada vez mais flexionalidade e menos derivacionalidade. No entanto, vimos

que a origem indoeuropeia desse sufixo é daquilo que seria também um sufixo mais

flexional do que derivacional.

Nesse cenário, portanto, a trajetória do sufixo –ē iria de encontro a pressupostos

funcionalistas importantes sobre mudança linguística, sobretudo ao princípio da

direcionalidade, que, nos primeiros estudos modernos sobre o fenômeno da

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gramaticalização, era ―unidirecionalidade‖ (cf. HOPPER & TRAOUGOTT, 1993, p. 94;

GONÇALVES; LIMA-HERNANDES; CASSEB-GALVÃO, 2007, p. 31). Isso seria

um problema porque o sufixo teria uma origem flexional, passaria a um estágio

derivacional, que faz parte do corpus que analisamos, e retornaria a um estágio

flexional, originando as vogais temáticas de uma série de verbos da segunda conjugação

latina.

No entanto, com base nos estudos históricos que compuseram o primeiro

capítulo, essa trajetória não se constitui um problema, devido a características próprias

do sistema verbal indoeuropeu. Vimos que uma das principais características desse

sistema é o foco no aspecto verbal, bem como a independência dos temas aspectuais.

Assim, podemos constatar que não se trata de uma flexão aspectual (como ocorre em

Latim), mas de uma derivação. Portanto, o papel do sufixo no indoeuropeu era muito

mais derivacional do que era em Latim. E, assim, sua trajetória seria de um polo mais

derivacional a um mais flexional.

Finalmente, consideramos que são dois os desdobramentos mais relevantes sobre

esta pesquisa. O primeiro é, com a possibilidade de diálogo com os gramáticos antigos,

a concepção de uma nova categoria flexional do verbo latino, não tão flexional quanto

as demais, porém com caracteres de flexionalidade. O segundo é a trajetória do sufixo,

nos outros momentos, antecedentes e precedentes ao Latim Arcaico do corpus deste

trabalho. Sobretudo, teorias linguísticas atuais têm muito a contribuir com os estudos

das Línguas Clássicas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acima de tudo, esta pesquisa mostra a complexidade do fenômeno da

linguagem, composto por fatores que vão desde a fonologia até o discurso e o contexto.

Mostra a complexidade envolvida em um morfema composto apenas por uma vogal,

complexidade que, como vimos, remonta ao sistema verbal indoeurpeu, do qual o Latim

é uma língua herdeira.

Conhecendo um pouco melhor os verbos estativos e o sistema verbal latino

como um todo, podemos retornar a uma das questões iniciais, a categoria de vogal

temática, cujos problemas haviam sido notados já por Ernesto Faria (1958, p. 240).

Vimos inicialmente que o objeto desta pesquisa, o sufixo de estado –ē, é enquadrado

tradicionalmente, segundo um recorte sincrônico e superficial, como vogal temática do

verbo, com função de meramente organizar o paradigma verbal nas quatro conjugações.

Essa classificação, no entanto, não dá conta da complexidade do fenômeno e mostra que

essa vogal temática possui um papel importante na construção da frase latina e guarda

marcas contundentes de seu passado indoeuropeu, como sufixo formador de temas de

aoristo. Essas marcas estão no significado, na transitividade e na flexão dos verbos com

valor de estado.

O sufixo estativo está diretamente associado a um tipo de aspecto diferente

daquele que tradicionalmente é aplicado aos verbos latinos, binário, que se divide em

infectum e perfectum. Esse outro aspecto tem sua correspondência no próprio sufixo

verbal do mesmo modo que o primeiro tem sua correspondência no radical do verbo.

Enquanto que o primeiro incide sobre o término do processo verbal, o segundo incide

sobre sua duração. Portanto, ambos são ao mesmo tempo gramaticais e léxico-

semânticos. À telicidade do verbo atribui-se o termo ―aspecto‖, já à segunda categoria

atribui-se o termo ―aktionsart‖, ou ―modo de ser da ação‖. O sufixo –ē, portanto,

confere ao verbo um ―modo de ser estativo‖.

Relativamente à transitividade verbal, vimos que propriedades formais dos

verbos estativos estão ligadas a três dos dez parâmetros utilizados. Dois deles tem uma

correspondência morfológica direta – o aspecto e a pontualidade, relacionada ao modo

de ser estativo, que designa um estado que se estende no tempo.

Sobre as análises das ocorrências dos verbos de estado em peças cômicas de

Plauto, é possível observar que a pouca inovação sobre esse fenômeno, em um espaço

que favorecia fortemente inovações, jogos de palavras e neologismos, aponta para a

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ausência de produtividade do sufixo estativo. Isso significa que, segundo o que os dados

apontam, os falantes do Latim não mais criavam novos verbos estativos, já no período

arcaico da sua literatura. Não foi possível traçar uma relação de causa e conseqüência,

mas a falta de produtividade está associada à neoanálise que esses verbos sofreram, que

pode ser vista no texto do gramático antigo Donato, cinco séculos posterior a Plauto,

que não vê mais o –ē como um sufixo, mas como parte do radical do verbo.

Finalmente, esperamos que esta pesquisa possa auxiliar os estudos sobre a

morfologia e a sintaxe verbal do Latim. Entendemos que, além dos estudos linguísticos

modernos serem de grande valia para a visão gramatical das línguas antigas, um diálogo

com os antigos se faz oportuno. Esperamos também dar continuidade a estudos como

este, sobre o verbo latino.

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Recensuit et emandauit Fridericus Leo: Berolini, 1896.

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ANEXO 1 – LISTA DE OCORRÊNCIAS DE VERBOS ESTATIVOS NAS

PEÇAS AMPHITRYO, MOSTELLARIA E PERSA

T. MACCI PLAVTI AMPHITRVO

ARGVMENTVM II

Amore captus Alcumenas Iuppiter

Mutavit sese in formam eius coniugis,

Pro patria Amphitruo dum decernit cum hostibus.

Habitu Mercurius ei subservit Sosiae.

Is advenientis servum ac dominum frustra habet.

Turbas uxori ciet Amphitruo, atque invicem

Raptant pro moechis. Blepharo captus arbiter

Vter sit non quit Amphitruo decernere.

Omnem rem noscunt. geminos Alcumena enititur.

nam iusta ab iustis iustus sum orator datus.

nam iniusta ab iustis impetrari non decet, 35

iusta autem ab iniustis petere insipientia est;

quippe illi iniqui ius ignorant neque tenent.

nunc iam huc animum omnes quae loquar advortite.

debetis velle quae velimus: meruimus

et ego et pater de vobis et re publica; 40

quasi nesciam vos velle, qui divos siem.

teneo quid animi vostri super hac re siet:

faciam ut commixta sit: <sit> tragicomoedia.

nam me perpetuo facere ut sit comoedia, 60

reges quo veniant et di, non par arbitror.

quid igitur? quoniam hic servos quoque partes habet,

faciam sit, proinde ut dixi, tragicomoedia.

virtute dixit vos victores vivere, 75

non ambitione neque perfidia: qui minus

eadem histrioni sit lex quae summo viro?

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virtute ambire oportet, non favitoribus.

sat habet favitorum semper qui recte facit,

si illis fides est quibus est ea res in manu. 80

hoc quoque etiam mihi <pater> in mandatis dedit,

ut conquaestores fierent histrionibus:

qui sibi mandasset delegati ut plauderent

quive quo placeret alter fecisset minus,

eius ornamenta et corium uti conciderent. 85

nunc de Alcumena ut rem teneatis rectius, 110

utrimque est gravida, et ex viro et ex summo Iove.

in Amphitruonis vertit sese imaginem

omnesque eum esse censent servi qui vident:

ita versipellem se facit quando lubet.

ego servi sumpsi Sosiae mi imaginem,

qui cum Amphitruone abiit hinc in exercitum, 125

ego has habebo usque in petaso pinnulas;

tum meo patri autem torulus inerit aureus

sub petaso: id signum Amphitruoni non erit. 145

quid faciam nunc, si tres viri me in carcerem compegerint? 155

inde cras quasi e promptaria cella depromar ad flagrum,

nec causam liceat dicere mihi, neque in ero quicquam auxili

nec quisquam sit quin me <malo> omnes esse dignum deputent.

ergo in servitute expetunt multa iniqua:

habendum et ferundum hoc onust cum labore. 175

quoniam bene quae in me fecerunt ingrata ea habui atque inrita.

MERC. Facit ille quod volgo haud solent, ut quid se sit dignum sciat. 185

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si dixero mendacium, solens meo more fecero.

nam cum pugnabant maxume, ego tum fugiebam maxume;

verum quasi adfuerim tamen simulabo atque audita eloquar. 200

sed quo modo et verbis quibus me deceat fabularier,

prius ipse mecum etiam volo hic meditari. sic hoc proloquar.

Principio ut illo advenimus, ubi primum terram tetigimus,

continuo Amphitruo delegit viros primorum principes;

eos legat, Telobois iubet sententiam ut dicant suam: 205

si sine vi et sine bello velint rapta et raptores tradere,

imperator utrimque, hinc et illinc, Iovi

vota suscipere, <utrimque> hortari exercitum. 230

<tum> pro se quisque id quod quisque potest et valet

edit, ferro ferit, tela frangunt, boat

caelum fremitu virum, ex spiritu atque anhelitu

nebula constat, cadunt volnerum vi viri.

animam omittunt prius quam loco demigrent: 240

quisque ut steterat iacet optinetque ordinem.

hoc ubi Amphitruo erus conspicatust,

ilico equites iubet dextera inducere.

et enim vero quoniam formam cepi huius in med et statum,

decet et facta moresque huius habere me similes item.

itaque me malum esse oportet, callidum, astutum admodum

atque hunc, telo suo sibi, malitia a foribus pellere.

sed quid illuc est? caelum aspectat. observabo quam rem agat. 270

SOS. Ibo ut erus quod imperavit Alcumenae nuntiem.

sed quis hic est homo, quem ante aedis video hoc noctis? non placet.

MERC. Nullust hoc metuculosus aeque. SOS. Mi in mentem venit,

illic homo hoc de umero volt pallium detexere.

MERC. Timet homo: deludam ego illum. SOS. Perii, dentes pruriunt; 295

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certe advenientem hic me hospitio pugneo accepturus est.

SOS. Apage, non placet me hoc noctis esse: cenavi modo; 310

proin tu istam cenam largire, si sapis, esurientibus.

. MERC. Pessumest,

facimus nequiter, ferire malam male discit manus; 315

alia forma esse oportet quem tu pugno legeris.

SOS. Illic homo me interpolabit meumque os finget denuo.

MERC. Exossatum os esse oportet quem probe percusseris.

SOS. Mirum ni hic me quasi murenam exossare cogitat.

ultro istunc qui exossat homines. perii, si me aspexerit. 320

MERC. Olet homo quidam malo suo. SOS. ei, numnam ego obolui?

MERC. Atque haud longe abesse oportet, verum longe hinc afuit.

SOS. Non equidem ullum habeo iumentum. M. Onerandus est pugnis probe.

SOS. Lassus sum hercle, navi ut vectus huc sum: etiam nunc nauseo;

vix incedo inanis, ne ire posse cum onere existimes. 330

SOS. Metuo, vocis ne vicem hodie hic vapulem, quae hunc verberat.

MERC. Optume eccum incedit ad me. SOS. Timeo, totus torpeo. 335

verum certum est confidenter hominem contra conloqui,

qui possim videri huic fortis, a me ut abstineat manum. 340

MERC. Vide sis quam mox vapulare vis, nisi actutum hinc abis. 360

SOS. Tun domo prohibere peregre me advenientem postulas?

SOS. Ita di faciant, ut tu potius sis atque ego te ut verberem. 380

M. Etiam muttis? S. Iam tacebo. M. Quis tibi erust? S. Quem tu voles.

SOS. Non loquar nisi pace facta, quando pugnis plus vales. 390

MERC. Dic si quid vis, non nocebo. SOS. Tuae fide credo? MERC. Meae.

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SOS. Quid si falles? MERC. Tum Mercurius Sosiae iratus siet.

SOS. Animum advorte. nunc licet mihi libere quidvis loqui.

Amphitruonis ego sum servos Sosia. MERC. Etiam denuo?

SOS. Pacem feci, foedus feci. vera dico. MERC. Vapula. 395

SOS. Vt libet quid tibi libet fac, quoniam pugnis plus vales;

itidem habet petasum ac vestitum: tam consimilest atque ego;

sura, pes, statura, tonsus, oculi, nasum vel labra,

malae, mentum, barba, collus: totus. quid verbis opust? 445

MERC. Quo agis te? S. Domum. M. Quadrigas si nunc inscendas Iovis 450

atque hinc fugias, ita vix poteris effugere infortunium.

SOS. Nonne erae meae nuntiare quod erus meus iussit licet?

MERC. Tuae si quid vis nuntiare: hanc nostram adire non sinam.

nam si me inritassis, hodie lumbifragium hinc auferes.

SOS. Abeo potius. di immortales, obsecro vostram fidem, 455

ubi ego perii? ubi immutatus sum? ubi ego formam perdidi?

an egomet me illic reliqui, si forte oblitus fui?

nam hic quidem omnem imaginem meam, quae antehac fuerat, possidet.

amovi a foribus maximam molestiam,

patri ut liceret tuto illam amplexarier. 465

I.iii

IVPPITER Bene vale, Alcumena, cura rem communem, quod facis;

atque inperce quaeso: menses iam tibi esse actos vides. 500

mihi necesse est ire hinc; verum quod erit natum tollito.

ALCVMENA Quid istuc est, mi vir, negoti, quod tu tam subito domo

abeas? IVPP. Edepol haud quod tui me neque domi distaedeat;

IVPP. Satin habes, si feminarum nulla est quam aeque diligam?

MERC. Edepol ne illa si istis rebus te sciat operam dare, 510

ego faxim ted Amphitruonem esse malis, quam Iovem.

ALC. Experiri istuc mavellem me quam mi memorarier.

prius abis quam lectus ubi cubuisti concaluit locus.

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heri venisti media nocte, nunc abis. hocin placet?

quoii ego iam hoc scipione—ALC. Ah noli. IVPP. Muttito modo. 520

MERC. Nequiter paene expedivit prima parasitatio.

IVPP. Verum quod tu dicis, mea uxor, non te mi irasci decet.

ALC. Lacrimantem ex abitu concinnas tu tuam uxorem. IVPP. Tace,

ne corrumpe oculos, redibo actutum. ALC. Id actutum diu est. 530

IVPP. Non ego te hic lubens relinquo neque abeo abs te. ALC. Sentio,

nam qua nocte ad me venisti, eadem abis. IVPP. Cur me tenes?

tempus <est>: exire ex urbe prius quam lucescat volo.

nunc tibi hanc pateram, quae dono mi illi ob virtutem data est,

Pterela rex qui potitavit, quem ego mea occidi manu, 535

Alcumena, tibi condono. ALC. Facis ut alias res soles.

MERC. Eamus, Amphitruo. lucescit hoc iam. IVPP. Abi prae, Sosia,

iam ego sequar. numquid vis? A. Etiam: ut actutum advenias. I. Licet,

prius tua opinione hic adero: bonum animum habe.— 545

nunc te, nox, quae me mansisti, mitto uti cedas die,

ut mortalis inlucescat luce clara et candida.

scelestam, scelus, linguam abscidam. SOS. Tuos sum,

proinde ut commodumst et lubet quidque facias;

tamen quin loquar haec uti facta sunt hic,

numquam ullo modo me potes deterrere. 560

apage te a me. SOS. Quid est negoti? 580

AMPH. Pestis te tenet. SOS. Nam quor istuc

dicis? equidem valeo et salvos

sum recte, Amphitruo. AMPH. At te ego faciam

hodie proinde ac meritus es,

ut minus valeas et miser sis, 584a

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AMPH. Quo id, malum, pacto potest nam—mecum argumentis puta —

fieri, nunc uti tu <et> hic sis et domi? id dici volo.

SOS. Sum profecto et hic et illic. hoc cuivis mirari licet,

neque tibi istuc mirum *** magis videtur quam mihi. 595

SOS. Tuos est servos. AMPH. Mihi quidem uno te plus etiam est quam volo, 610

neque postquam sum natus habui nisi te servom Sosiam.

qua ego sum. quid opust verbis? geminus Sosia hic factust tibi. 615

AMPH. Nimia memoras mira. sed vidistin uxorem meam?

S. Quin intro ire in aedis numquam licitum est. A. Quis te prohibuit?

SOS. Sosia ille, quem iam dudum dico, is qui me contudit.

AMPH. Quis istic Sosia est? SOS. Ego, inquam. quotiens dicendum est tibi?

AMPH. Sed quid ais? num obdormivisti dudum? SOS. Nusquam gentium. 620

AMPH. Ibi forte istum si vidisses quendam in somnis Sosiam—

SOS. Non soleo ego somniculose eri imperia persequi.

ALCVMENA Satin parva res est voluptatum in vita atque in aetate agunda

praequam quod molestum est? ita cuique comparatum est in aetate hominum;

ita divis est placitum, voluptatem ut maeror comes consequatur: 635

domum recipiat se; feram et perferam usque 645

abitum eius animo forti atque offirmato, id modo si mercedis

datur mi, ut meus victor vir belli clueat.

libertas salus vita res et parentes, patria et prognati 650

tutantur, servantur:

virtus omnia in sese habet, omnia adsunt

bona quem penest virtus.

valuistin usque? exspectatum advenio? SOS. Haud vidi magis.

exspectatum eum salutat magis haud quicquam quam canem. 680

AM. Et quom te ~gravidam et quom te pulchre plenam aspicio, gaudeo.

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ALC. Cur negas? AM. Quia vera didici dicere. AL. Haud aequom facit

qui quod didicit id dediscit. an periclitamini

quid animi habeam? sed quid huc vos revortimini tam cito?

an te auspicium commoratum est an tempestas continet 690

qui non abiisti ad legiones, ita uti dudum dixeras?

AL. Hic in aedibus ubi tu habitas. AM. Numquam factum est. S. Non taces? 700

quid si e portu navis huc nos dormientis detulit?

si obsequare, una resolvas plaga. AMPH. At pol qui certa res 705

hanc est obiurgare, quae me hodie advenientem domum

noluerit salutare. SOS. Inritabis crabrones. AMPH. Tace.

Alcumena, unum rogare te volo. ALC. Quid vis roga.

ALC. Qui istuc in mentemst tibi ex me, mi vir, percontarier? 710

AMPH. Quia salutare advenientem me solebas antidhac,

appellare, itidem ut pudicae suos viros quae sunt solent.

eo more expertem te factam adveniens offendi domi.

ALC. Ecastor equidem te certo heri advenientem ilico,

et salutavi et valuissesne usque exquisivi simul, 715

mi vir, et manum prehendi et osculum tetuli tibi.

ALC. Equidem sana sum et deos quaeso, ut salva pariam filium. 720

verum tu malum magnum habebis, si hic suom officium facit:

ob istuc omen, ominator, capies quod te condecet.

SOS. Enim vero praegnati oportet et malum et malum dari,

ut quod obrodat sit, animo si male esse occeperit.

sed, mulier, postquam experrecta es, te prodigiali Iovi

aut mola salsa hodie aut ture comprecatam oportuit. 740

ALC. Vae capiti tuo. SOS. Tua istuc refert—si curaveris.

ALC. Iterum iam hic in me inclementer dicit, atque id sine malo.

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AMPH. Tace tu. tu dic: egone abs te abii hinc hodie cum diluculo?

AM. Proferri volo.

ALC. Fiat. <heus> tu, Thessala, intus pateram proferto foras, 770

qua hodie meus vir donavit me. AMPH. Secede huc tu, Sosia,

enim vero illud praeter alia mira miror maxime,

si haec habet pateram illam. SOS. An etiam credis id, quae in hac cistellula

SOS. Aut pol haec praestigiatrix multo mulier maxima est

aut pateram hic inesse oportet. AMPH. Agedum, exsolve cistulam.

SOS. Quid ego istam exsolvam? obsignatast recte, res gesta est bene:

tu peperisti Amphitruonem, ego alium peperi Sosiam; 785

SOS. Iam illud non placet principium de osculo. AMPH. Perge exsequi.

ALC. Lavisti. AM. Quid postquam lavi? AL. Accubuisti. S. Euge optime.

nunc exquire. AMPH. Ne interpella. perge porro dicere.

ALC. Cena adposita est; cenavisti mecum, ego accubui simul.

AMPH. In eodem lecto? ALC. In eodem. SOS. Ei, non placet convivium. 805

SOS. Haeret haec res, si quidem haec iam mulier facta est ex viro.

ALC. Quid ego feci, qua istaec propter dicta dicantur mihi? 815

ALC. Istuc facinus, quod tu insimulas, nostro generi non decet. 820

tu si me inpudicitiai captas, capere non potes.

ALC. Vera dico, sed nequiquam, quoniam non vis credere. 835

AMPH. Mulier es, audacter iuras. ALC. Quae non deliquit, decet

audacem esse, confidenter pro se et proterve loqui.

IVPPITER Ego sum ille Amphitruo, cui est servos Sosia,

idem Mercurius qui fit, quando commodumst,

in superiore qui habito cenaculo,

qui interdum fio Iuppiter, quando lubet;

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huc autem quom extemplo adventum adporto, ilico 865

IVPP. Faciundum est mi illud, fieri quod illaec postulat,

si me illam amantem ad sese studeam recipere,

quando ego quod feci, id factum Amphitruoni offuit

atque illi dudum meus amor negotium

insonti exhibuit, nunc autem insonti mihi 895

IVPP. Nimis iracunda es. ALC. Potin ut abstineas manum?

nam certo, si sis sanus aut sapias satis,

quam tu impudicam esse arbitrere et praedices, 905

cum ea tu sermonem nec ioco nec serio

tibi habeas, nisi sis stultior stultissimo.

ALC. Ego istaec feci verba virtute irrita; 925

nunc, quando factis me impudicis abstini,

ab impudicis dictis avorti volo.

valeas, tibi habeas res tuas, reddas meas.

ALC. Primum cavisse oportuit ne diceres,

verum eadem si isdem purgas mi, patiunda sunt. 945

IVPP. Iube vero vasa pura adornari mihi,

ut quae apud legionem vota vovi, si domum

rediissem salvos, ea ego exsolvam omnia.

IVPP. <Sosia>, optume advenis. SOS. Iam pax est inter vos duos?

nam quia vos tranquillos video, gaudeo et volup est mihi.

atque ita servom par videtur frugi sese instituere:

proinde eri ut sint, ipse item sit; voltum e voltu comparet: 960

tristis sit, si eri sint tristes; hilarus sit, si gaudeant.

sed age responde: iam vos rediistis in concordiam?

IVPP. Habui expurigationem; facta pax est. SOS. Optume est. 965

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IVPP. Recte loquere et proinde diligentem ut uxorem decet.

iam hisce ambo, et servos et era, frustra sunt duo,

qui me Amphitruonem rentur esse: errant probe. 975

MERCVRIVS Concedite atque abscedite omnes, de via decedite,

nec quisquam tam audax fuat homo, qui obviam obsistat mihi. 985

nam mihi quidem hercle qui minus liceat deo minitarier

populo, ni decedat mihi, quam servolo in comoediis?

ille navem salvam nuntiat aut irati adventum senis:

quam ob rem mihi magis par est via decedere et concedere. 990

pater vocat me, eum sequor, eius dicto imperio sum audiens;

ut filium bonum patri esse oportet, itidem ego sum patri.

amanti subparasitor, hortor, adsto, admoneo, gaudeo.

si quid patri volup est, voluptas ea mi multo maxumast.

amat: sapit; recte facit, animo quando obsequitur suo, 995

quod omnis homines facere oportet, dum id modo fiat bono.

meo me aequomst morigerum patri, eius studio servire addecet.

sed eccum Amphitruonem, advenit; iam ille hic deludetur probe, 1005

siquidem vos voltis auscultando operam dare.

ibo intro, ornatum capiam qui potis decet;

dein susum ascendam in tectum, ut illum hinc prohibeam.

quem pol ego hodie ob istaec dicta faciam ferventem flagris. 1030

MERC. Prodigum te fuisse oportet olim in adulescentia.

Non. 453M

(IVPP.) Manifestum hunc optorto collo teneo furem flagiti. 1034q

Non. 331M

(AMPH.) Immo ego hunc, Thebani cives, qui domi uxorem meam 1034r

impudicitia impedivit, teneo, thensaurum stupri. 1034s

Non. 454M

(AMPH.) Nilne te pudet, sceleste, populi in conspectum ingredi? 1034t

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qui me Thebis alter vivit miserior? quid nunc agam,

quem omnes mortales ignorant et ludificant ut lubet.

certumst, intro rumpam in aedis: ubi quemque hominem aspexero,

si ancillam seu servom sive uxorem sive adulterum

seu patrem sive avom videbo, obtruncabo in aedibus. 1050

neque me Iuppiter neque di omnes id prohibebunt, si volent,

quin sic faciam ut constitui. pergam in aedis nunciam.

caput dolet, neque audio, nec oculis prospicio satis,

nec me miserior femina est neque ulla videatur magis. 1060

ibo et cognoscam, quisquis est. Amphitruo hic quidem <est> erus meus. 1075

Amphitruo. A. Perii. B. Surge. A. Interii. B. Cedo manum. A. Quis me tenet?

quid fit deinde? BROM. Dum haec aguntur, interea uxorem tuam

neque gementem neque plorantem nostrum quisquam audivimus;

ita profecto sine dolore peperit. AMPH. Iam istuc gaudeo, 1100

utut erga me merita est. BROM. Mitte ista atque haec quae dicam accipe.

postquam peperit, pueros lavere iussit nos. occepimus.

sed puer ille quem ego lavi, ut magnust et multum valet!

neque eum quisquam colligare quivit incunabulis.

alterum tuom esse dixit puerum. AMPH. Pol me haud paenitet,

si licet boni dimidium mihi dividere cum Iove. 1125

abi domum, iube vasa pura actutum adornari mihi,

ut Iovis supremi multis hostiis pacem expetam.

ego Teresiam coniectorem advocabo et consulam

quid faciundum censeat; simul hanc rem ut facta est eloquar.

sed quid hoc? quam valide tonuit. di, obsecro vostram fidem. 1130

______________________________________________________________________

T. MACCI PLAVTI MOSTELLARIA

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99

Inspectat illas. post se derisum dolet,

I.i

GRVMIO Exi e culina sis foras, mastigia,

qui mi inter patinas exhibes argutias.

egredere, erilis permities, ex aedibus.

ego pol te ruri, si vivam, ulciscar probe.

exi, inquam, nidor, e culina. quid lates? 5

nunc, dum tibi lubet licetque, pota, perde rem, 20

corrumpe erilem adulescentem optumum;

quo nemo adaeque iuventute ex omni Attica 30

antehac est habitus parcus nec magis continens,

is nunc in aliam partem palmam possidet.

lubet potare, amare, scorta ducere.

mei tergi facio haec, non tui fiducia.

GR. Quam confidenter loquitur. TR. At te Iuppiter

dique omnes perdant, fu, oboluisti alium.

germana inluvies, rusticus, hircus, hara suis, 40

caeno kopron commixte. GR. Quid vis fieri?

non omnes possunt olere unguenta exotica,

si tu oles, neque superiores accumbere

neque tam facetis quam tu vivis victibus. 44-45

tu tibi istos habeas turtures piscis avis, 46

sine me aliato fungi fortunas meas.

decet me amare et te bubulcitarier,

me victitare pulchre, te miseris modis.

GR. O carnuficium cribrum, quod credo fore, 55

ita te forabunt patibulatum per vias

stimulis <carnufices>, si huc reveniat senex.

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100

TR. Qui scis, an tibi istuc evenat prius quam mihi?

GR. Quia numquam merui, tu meruisti et nunc meres.

este, ecfercite vos, saginam caedite. 65

TR. Tace atque abi rus. ego ire in Piraeum volo,

in vesperum parare piscatum mihi.

PHILOLACHES Recordatus multum et diu cogitavi

argumentaque in pectus institui multa 85

ego, atque in meo corde, si est quod mihi cor,

eam rem volutavi et diu disputavi,

hominem cuius rei, quando natus esset,

similem esse arbitrarer simulacrumque habere:

cor dolet, cum scio ut nunc sum atque ut fui,

quo neque industrior de iuventute erat 150

<quisquam nec clarior >arte gymnastica:

SC. Eventus rebus omnibus, velut horno messis magna

fuit. PHILEM. Quid ea messis attinet ad meam lavationem? 160

SC. Nihilo plus quam lavatio tua ad messim. PHILOL. O Venus venusta,

haec illa est tempestas mea, mihi quae modestiam omnem

detexit, tectus qua fui; tum mihi Amor et Cupido

in pectus perpluit meum, neque iam umquam optigere possum:

madent iam in corde parietes, periere haec oppido aedis. 165

PHILEM. Contempla, amabo, mea Scapha, satin haec me vestis deceat.

volo me placere Philolachi, meo ocello, meo patrono.

SC. Quin tu te exornas moribus lepidis, quom lepida tute es?

non vestem amatores amant [mulieris], sed vestis fartim.

PHILOL. Ita me di ament, lepidast Scapha, sapit scelesta multum. 170

ut lepide omnes mores tenet sententiasque amantum.

PHILEM. Quid nunc? SC. Quid est? PHILEM. Quin me aspice et contempla,

ut haec me deceat.

SC. Virtute formae id evenit, te ut deceat quidquid habeas.

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PHILOL. Ergo ob istuc verbum te, Scapha, donabo ego hodie aliqui,

neque patiar te istanc gratiis laudasse, quae placet mi. 175

PHILEM. Solam ille me soli sibi suo <sumptu> liberavit:

illi me soli censeo esse oportere opsequentem. 205

PHILOL. Pro di immortales, mulierem lepidam et pudico ingenio.

bene hercle factum et gaudeo mihi nihil esse huius causa.

SC. Inscita ecastor tu quidem es. PHILEM. Quapropter? SC. Quae istuc <cures>,

ut te ille amet. PHILEM. Cur obsecro non curem? SC. Libera es iam.

tu iam quod quaerebas habes: ille te nisi amabit ultro, 210

id pro tuo capite quod dedit perdiderit tantum argenti.

PHILEM. Eundem animum oportet nunc mihi esse gratum, ut impetravi, 220

SC. Si tibi sat acceptum est fore tibi victum sempiternum

atque illum amatorem tibi proprium futurum in vita, 225

soli gerundum censeo morem et capiundas crines.

PHILEM. Vt fama est homini, exin solet pecuniam invenire.

SC. Iam ista quidem absumpta res erit: dies noctesque estur bibitur, 235

neque quisquam parsimoniam adhibet: sagina plane est.

PHILOL. In te hercle certumst principe ut sim parcus experiri,

nam neque edes quicquam neque bibes apud me his decem diebus.

PHILEM. Si quid tu in illum bene voles loqui, id loqui licebit:

SC. Video te nihili pendere prae Philolache omnis homines. 245

nunc, ne eius causa vapulem, tibi potius adsentabor.

[si acceptum sat habes, tibi fore illum amicum sempiternum.]

non istanc aetatem oportet pigmentum ullum attingere,

neque cerussam neque melinum, neque aliam ullam offuciam.

PHILEM. Cape igitur speculum. PHILOL. Ei mihi misero, savium speculo 265

dedit.

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SC. Vt speculum tenuisti, metuo ne olant argentum manus:

ne usquam argentum te accepisse suspicetur Philolaches.

PHILOL. Non videor vidisse lenam callidiorem ullam alteras. 270

ut lepide atque astute in mentem venit de speculo malae.

PHILEM. Etiamne unguentis unguendam censes? SC. Minime feceris.

PHILEM. Quapropter? SC. Quia ecastor mulier recte olet, ubi nihil olet.

ubi sese sudor cum unguentis consociavit, ilico

itidem olent, quasi cum una multa iura confudit cocus.

quid olant nescias, nisi id unum, ~ ni male olere intellegas.

PHILOL. Vt perdocte cuncta callet. nihil hac docta doctius.

verum illud esse maxima adeo pars vestrorum intellegit, 280

quibus anus domi sunt uxores, quae vos dote meruerunt.

PHILEM. Agedum contempla aurum et pallam, satin haec <me> deceat, Scapha.

SC. Non me istuc curare oportet. PHILEM. Quem obsecro igitur? SC. Eloquar:

Philolachem, is ne quid emat, nisi quod sibi placere censeat. 284-285

[poste nequiquam exornata est bene, si morata est male. 290

pulchrum ornatum turpes mores peius caeno conlinunt.]

nam si pulchra est, nimis ornata est. PHILOL. Nimis diu abstineo manum.

quid hic vos agitis? PHILEM. Tibi me exorno ut placeam. PHILOL. Ornata es

satis.

mea Philematium, potare tecum conlibitum est mihi. 295

PHILEM. Et edepol mihi tecum, nam quod tibi libet idem mihi libet,

tu me amas, ego te amo; merito id fieri uterque existimat. 305

haec qui gaudent, gaudeant perpetuo suo semper bono;

DEL. Si tibi cordi est facere, licet. CALL. Lepida es.

duc me amabo. DEL. Cave ne cadas, asta.

CALL. O — o — ocellus meus, tuos sum alumnus, mel meum. 325

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CALL. Iacentis tollet postea nos ambos aliquis. 330

DEL. Madet homo. CALL. Tun me ais mammamadere?

DEL. Cedo manum, nolo equidem te adfligi.

CALL. Em tene. DEL. Age, i simul. CALL. Quo ego eam? DEL. An <ne>scis?

qui hodie sese excruciari meam vicem possit pati? 355

ubi sunt isti plagipatidae, ferritribaces viri,

vel isti qui hosticas trium nummum causa subeunt sub falas,

ubi quinis aut denis hastis corpus transfigi solet?

DEL. Callidamates, Callidamates, vigila. CALL. Vigilo, cedo [ut] bibam.

DEL. Vigila. pater advenit peregre Philolachis. CALL. Valeat pater.

PHILOL. Valet ille quidem, atque <ego> disperii. CALL. Bis periisti? 375

qui potest?

PHILOL. Quid ego agam? pater iam hic me offendet miserum adveniens ebrium,

aedis plenas convivarum et mulierum. miserum est opus,

igitur demum fodere puteum, ubi sitis fauces tenet; 380

cedo soleas mihi, ut arma capiam. iam pol ego occidam patrem.

PHILOL. Perdis rem. DEL. Tace, amabo. TR. Abripite hunc intro 385

actutum inter manus.

CALL. Iam hercle ego vos pro matula habebo, nisi mihi matulam datis.

PHILOL. Perii. TR. Habe bonum animum: ego istum lepide medicabo metum.

PHILOL. Nullus sum. TR. Taceas: ego qui istaec sedem meditabor tibi.

satin habes, si ego advenientem ita patrem faciam tuom,

non modo ne intro eat, verum etiam ut fugiat longe ab aedibus? 390

nam intus potate hau tantillo hac quidem causa minus.

PHILOL. Ei mihi, quam istaec blanda dicta quo evenant madeo metu. 395

ne quid potiatur, quam ob rem pigeat vivere. 415

sicut ego efficiam, quae facta hic turbavimus,

profecto ut liqueant omnia et tranquilla sint

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neque quicquam nobis pariant ex se incommodi.

TR. Optime. 419a

praeceptis paruisti. PVER. Iussit maximo

opere orare, ut patrem aliquo absterreres modo,

ne intro iret ad se. TR. Quin etiam illi hoc dicito,

facturum <me>, ut ne etiam aspicere aedis audeat,

THEOPROPIDES Habeo, Neptune, gratiam magnam tibi,

quom med amisisti abs te vix vivom domum.

verum si posthac me pedem latum modo

scies imposisse in undam, hau causast, ilico

quod nunc voluisti facere quin facias mihi. 435

TH. Meus servos hic quidem est Tranio. TR. O Theopropides,

ere, salve, salvom te advenisse gaudeo.

usquin valuisti? TH. Vsque ut vides. TR. Factum optime.

TH. Quid vos? insanin estis? TR. Quidum? TH. Sic, quia 450

foris ambulatis, natus nemo in aedibus

servat, neque qui recludat neque ~ quis respondeat.

atque ille exclamat derepente maximum.

TH. Quis homo? an gnatus meus? TR. St, tace, ausculta modo.

ait venisse illum in somnis ad se mortuom. 490

nam me Acheruntem recipere Orcus noluit,

quia praemature vita careo. per fidem 500

deceptus sum: hospes [hic] me necavit isque me

defodit insepultum clam [ibidem] in hisce aedibus,

scelestus, auri causa. nunc tu hinc emigra.

TR. Quid, obsecro hercle, factum est? TH. Concrepuit foris.

TR. Hicin percussit! TH. Guttam haud habeo sanguinis,

vivom me accersunt Acheruntem mortui.

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105

TR. Perii, illisce hodie hanc conturbabunt fabulam. 510

INTVS. Heus, Tranio. TR. Non me appellabis, si sapis. 515

nihil ego commerui, neque istas percussi fores.

TH. Cur non fugis tu? TR. Pax mihi est cum mortuis.

TH. Scio. quid modo igitur? cur tanto opere extimueras? 525

metuo ne de hac re quippiam indaudiverit.

accedam atque adpellabo. ei quam timeo miser.

nihil est miserius quam animus hominis conscius,

sicut me ~ habet. verum utut res sese habet, 545

pergam turbare porro: ita haec res postulat.

iam illo praesente adibit. ne ego homo sum miser,

ita et hinc et illinc mi exhibent negotium. 565

non dat, non debet. DAN. Non debet? TR. Ne frit quidem 595

ferre hinc potes. an metuis ne quo abeat foras

urbe exulatum faenoris causa tui,

quoi sortem accipere iam licet? DAN. Quin non peto

sortem: illuc primum, faenus, reddundum est mihi. 599-600

TR. Molestus ne sis. nemo dat, age quid lubet. 601

tu solus, credo, faenore argentum datas.

TR. Absolve hunc quaeso, vomitu ne hic nos enecet. 652

TH. Adulescens, mecum rem habe. DAN. Nempe aps te petam?

TH. Petito cras. DAN. Abeo: sat habeo, si cras fero.—

quid nunc? non hercle quid nunc faciam reperio:

manufesto teneor. TH. Evocadum aliquem ocius,

roga circumducat. TR. Heus tu, at hic sunt mulieres: 680

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non mihi forte visum ilico fuit,

melius quom prandium quam solet dedit: 695

voluit in cubiculum abducere me anus.

SI. Quom magis cogito cum meo animo:

si quis dotatam uxorem atque anum habet,

neminem sollicitat sopor: ibi omnibus

ire dormitum odio est veluti nunc mihi 705

atque pol nescio, ut moribus sient

vostrae: haec sat scio quam me habeat male.

* * * 709a

nihil erit, quod deorum ullum accusites;

te ipse iure optimo merito incuses licet.

tempus nunc est senem hunc adloqui mihi.

hoc habet. repperi qui senem ducerem, 715

quo dolo a me dolorem procul pellerem.

SI. Salvos sis, Tranio. TR. Vt vales? SI. Non male.

quid agis? TR. Hominem optumum teneo. SI. Amice facis,

quom me laudas. TR. Decet. SI. Certe. quin m<utuomst>: 720

hercle ted hau bonum teneo servom <manu>.

[THEOPR. Heia, mastigia, ad me redi. TR. Iam isti ero.] 721a

SI. quid nunc? quam mox? TR. Quid est? SI. Quod solet fieri hic

intus. TR. Quid id est? SI. Scis iam quid loquar. sic decet.

SI. musice hercle agitis aetatem, ita ut vos decet,

vino et victu probo, piscatu electili 729-730

vitam colitis. ~ TR. Immo vita antehac erat: 731

SI. Quidum? TR. Ita oppido occidimus omnes, Simo.

SI. Non taces? prospere vobis cuncta usque adhuc

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processerunt. TR. Ita ut dicis facta hau nego. 735

TR. Nil quicquam. SI. Numquid increpavit filium? 750

TR. Tam liquidust quam liquida esse tempestas solet * * *

nunc te hoc orare iussit opere maximo,

ut sibi liceret inspicere hasce aedis tuas.

TR. Quid, Sarsinatis ecqua est, si Vmbram non habes? 770

SI. Molestus ne sis. haec sunt sicut praedico.

TR. At tamen inspicere volt. SI. Inspiciat, si lubet;

si quid erit quod illi placeat, de exemplo meo

ipse aedificato. TR. Eon, voco huc hominem? SI. I, voca.

novicium mihi quaestum institui non malum:

nam muliones mulos clitellarios 780

habent, at ego habeo homines clitellarios.

magni sunt oneris: quidquid imponas vehunt.

nunc hunc hau scio an conloquar. congrediar.

TR. Seni non erat otium, id sum opperitus.

TH. Antiquom optines hoc tuom, tardus ut sis.

TR. Heus tu, si voles verbum hoc cogitare, 790

ut istas remittat sibi. TH. Haud opinor.

sibi quisque ruri metit. si male emptae

forent, nobis istas redhibere haud liceret. 800

lucri quidquid est, id domum trahere oportet.

misericordias *** hominem oportet.

TR. Morare hercle *** facis. subsequere. TH. Fiat.

do tibi ego operam. TR. Senex illic est. em, tibi adduxi hominem.

SI. Salvom te advenisse peregre gaudeo, Theopropides. 805

TH. At enim mulieres — SI. Cave tu ullam flocci faxis mulierem.

qua libet perambula aedis oppido tamquam tuas.

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108

TH. Tamquam? TR. Ah, cave tu illi obiectes nunc in aegritudine, 810

TH. Intellego,

et bene monitum duco, atque esse existumo humani ingeni.

quid nunc? SI. Quin tu is intro, atque otiose perspecta ut lubet. 815

TH. Bene benigneque arbitror te facere. SI. Factum edepol volo.

[vin qui perductet? TH. Apage istum perductorem, non placet. 816a

eo pretio empti fuerant olim. TR. Audin 'fuerant' dicere?

vix videtur continere lacrimas. TH. Quanti hosce emeras?

TH. Dormiunt? TR. Illud quidem, ut conivent, volui dicere. 830

satin habes? TH. Vt quidquid magis contemplo, tanto magis placet.

quaeso huc ad me specta, cornicem ut conspicere possies. 835

iam vides? TH. Profecto nullam equidem illic cornicem intuor.

TR. At tu isto ad vos optuere, quoniam cornicem nequis

conspicari, si volturios forte possis contui.

TH. Omnino, ut te absolvam, nullam pictam conspicio hic avem.

TR. Age, iam mitto, ignosco: aetate non quis optuerier. 840

TH. Haec, quae possum, ea mihi profecto cuncta vehementer placent.

TR. Est! abi, canis. est! abin dierecta? abin hinc in malam crucem? 849-850

at etiam restas? est! abi istinc. SI. Nil pericli est, age <modo>.

tam placidast, quam feta. quam vis ire intro audacter licet.

eo ego hinc ad forum.— TH. Fecisti commode, bene ambula.

etsi non metuenda est. TR. Quin tu illam aspice ut placide accubat; 855

nisi molestum vis videri te atque ignavom. TH. Iam ut lubet.

PHANISCVS Servi qui, quom culpa carent, tamen malum metuont,

ei solent esse eris utibiles.

nam illi qui nil metuont postquam sunt malum meriti, 860

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stulta sibi expetunt consilia:

quam ut meum ***

ut adhuc fuit, mihi corium esse oportet,

sincerum atque ut votem verberari.

si huic imperabo, probe tectum habebo, 870

malum quom impluit ceteris, ne impluat mi.

nam ut servi volunt esse erum, ita solet ***

boni sunt: <bonust>; improbi sunt, malus fit.

nam nunc domi nostrae tot pessimi vivont,

peculi sui prodigi, plagigeruli. 875

PIN. Vide ut fastidit simia.

manesne ilico, impure parasite? PHAN. ***

qui parasitus sum? PIN. Ego enim dicam: cibo perduci potis es quovis.

PHAN. Mihi sum, libet esse. quid id curas?

PIN. Ferocem facis, quia te erus amat. PHAN. Vah, 890

oculi dolent. PIN. Cur? PHAN. Quia fumus molestust.

PIN. Tace sis, faber, qui cudere soles plumbeos nummos.

PHAN. Non potes tu cogere me, ut tibi male dicam.

novit erus me. PIN. Suam quidem pol culcitulam oportet. 894-895

PHAN. Si sobrius sis, male non dicas. PIN. Tibi obtemperem, cum tu 896

mihi nequeas?

PHAN. At tu mecum, pessime, ito adversus; quaeso hercle abstine

iam sermonem de istis rebus. PIN. Faciam, et pultabo fores.

heus, ecquis hic est, maximam qui his iniuriam

foribus defendat? ecquis has aperit foris? 900

nemo hinc quidem foras exit.

ut esse addecet nequam homines, ita sunt. sed eo magis cauto est opus, ne huc exeat

qui male me mulcet.

TRANIO Quid tibi visum est mercimoni? THEOPROPIDES *** totus gaudeo.

TR. Num nimio emptae tibi videntur? TH. Numquam edepol ego me scio 905

vidisse usquam abiectas aedes, nisi modo hasce. TR. Ecquid placent?

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TH. Ecquid placeant me rogas? immo hercle vero perplacent.

TH. Nunc abi rus, dic me advenisse filio. TR. Faciam, ut iubes.

TH. Curriculo iube in urbem veniat iam simul tecum. TR. Licet. 929-930

TH. Heus vos, pueri, quid istic agitis? quid istas aedis frangitis?

PHAN. Heus senex, quid tu percontare ad te quod nihil attinet? 940

TH. Nihil ad me attinet? PHAN. Nisi forte factu's praefectus novos,

qui res alienas procures, quaeras videas audias.

TH. Ita dico, ne ad alias aedis perperam deveneris.

PHAN. Scio qua me ire oportet et quo venerim novi locum.

Philolaches hic habitat, cuius est pater Theopropides. 970

TH. Vera cantas. PHAN. Vana vellem. patris amicu's videlicet. 980

TH. Eu edepol patrem eius miserum praedicas. PHAN. Nihil hoc quidem est,

triginta minae, prae quam alios dapsilis sumptus facit.

TH. Hic aedificare volui? SI. Sic dixit mihi.

TH. Ei mihi, disperii. vocis non habeo satis. 1030

vicine, perii, interii.

experiar, ut opinor. certum est. TR. <Immo> mihi hominem cedo. 1090

vel hominem iube aedis ~ mancipio poscere. TH. Immo hoc primum volo,

quaestioni accipere servos. TR. Faciundum edepol censeo.

TH. Quid si igitur ego accersam homines? TR. Factum iam esse oportuit.

TH. Iam iubebo ignem et sarmenta, carnifex, circumdari.

TR. Ne faxis, nam elixus esse quam assus soleo suavior. 1115

TH. Exempla edepol faciam ego in te. TR. Quia placeo, exemplum expetis?

iubeo te salvere et salvos cum advenis, Theopropides,

peregre, gaudeo. hic apud nos hodie cenes, sic face.

TH. Callidamates, dei te ament. de cena facio gratiam. 1130

CALL. Quin venis? TR. Promitte: ego ibo pro te, si tibi non libet.

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TH. Verbero, etiam inrides? TR. Quian me pro te ire ad cenam autumo?

TH. Non enim ibis. ego ferare faxo, ut meruisti, in crucem.

CALL. Age mitte ista ac te ad me ad cenam dic venturum. TR. Quid taces?

CALL. Sed tu, istuc quid confugisti in aram? TR. Inscitissimus 1135

adveniens perterruit me. loquere nunc quid fecerim:

nunc utrisque disceptator eccum adest, age disputa.

TH. Hercle mihi tecum cavendum est, nimis qui es orator catus.

CALL. Sine me dum istuc iudicare. surge, ego isti adsedero.

TH. Maxime, accipito hanc <tute> ad te litem. TR. Enim istic captio est.

fac ego ne metuam *** ut tu meam timeas vicem. 1145

TH. Iam minoris <omnia alia fa>cio, prae quam quibus modis

me ludificatust. TR. Bene hercle factum, et factum gaudeo:

sapere istac aetate oportet, qui sunt capite candido.

CALL. Tace parumper, sine vicissim me loqui, ausculta. TH. Licet.

CALL. Omnium primum sodalem me esse scis gnato tuo.

is adiit me, nam eum prodire pudet in conspectum tuom 1154-1155

propterea quia fecit quae te scire scit. nunc te obsecro, 1156

stultitiae adulescentiaeque eius ignoscas: tuost;

scis solere illanc aetatem tali ludo ludere.

immo me praesente amato bibito, facito quod lubet:

si hoc pudet, fecisse sumptum, supplici habeo satis. 1165

CALL. Dispudet. TR. <Post> istam veniam quid me fiet nunciam?

TH. Verberibus caedere multum pendens. TR. Tamen etsi pudet?

TR. Quid gravaris? quasi non cras iam commeream aliam noxiam:

ibi utrumque, et hoc et illud, poteris ulcisci probe.

CALL. Sine te exorem. TH. Age abi, abi impune. em huic habeto gratiam. 1180

spectatores, fabula haec est acta, vos plausum date.

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______________________________________________________________________

T. MACCI PLAVTI PERSA

TOXILVS Qui amans egens ingressus est princeps in Amoris vias,

superavit aerumnis suis aerumnas Herculi.

nam cum leone, cum excetra, cum cervo, cum apro Aetolico,

cum avibus Stymphalicis, cum Antaeo deluctari mavelim,

quam cum Amore: ita fio miser quaerendo argento mutuo, 5

SAGARISTIO Qui ero suo servire volt bene servos servitutem,

ne illum edepol multa in pectore suo conlocare oportet,

quae ero placere censeat praesenti atque apsenti suo.

ego neque lubenter servio neque satis sum ero ex sententia, 10

sed quasi lippo oculo me erus meus manum apstinere hau quit tamen,

quin mi imperet, quin me suis negotiis praefulciat.

TOX. O Sagaristio, di ament te. SAG. O Toxile, dabunt di quae exoptes.

ut vales? TOX. Vt queo. SAG. Quid agitur? TOX. Vivitur.

SAG. Satin ergo ex sententia? TOX. Si eveniunt quae exopto, satis.

SAG. Nimis stulte amicis utere. TOX. Quid iam? SAG. Imperare oportet.

TOX. Vetus iam istaec militiast tua. SAG. Satin tu usque valuisti? TOX.

Hau probe.

SAG. Ergo edepol palles. TOX. Saucius factus sum in Veneris proelio:

sagitta Cupido cor meum transfixit. SAG. Iam servi hic amant? 25

age fi benignus, subveni.

SAG. Qua confidentia rogare tu a med argentum tantum audes,

impudens? quin si egomet totus veneam, vix recipi potis est 40

quod tu me rogas; nam tu aquam a pumice nunc postulas,

TOX. Quaesivi, nusquam repperi. SAG. Quaeram equidem, si quis credat.

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TOX. Nempe habeo in mundo. SAG. Si id domi esset mihi, iam pollicerer: 45

SATVRIO Veterem atque antiquom quaestum maio<rum meum>

servo atque obtineo et magna cum cura colo.

nam numquam quisquam meorum maiorum fuit, 55

quin parasitando paverint ventres suos:

atque eis cognomentum erat duris Capitonibus. 60

unde ego hunc quaestum optineo et maiorum locum.

neque quadrupulari me volo, neque enim decet

sine meo periclo ire aliena ereptum bona,

neque illi qui faciunt mihi placent. planen loquor?

sed sumne ego stultus, qui rem curo publicam, 75

ubi sint magistratus, quos curare oporteat?

curate istic vos atque adproperate ocius, 85

ne mihi morae sit quicquam, ubi ego intro advenero.

commisce mulsum, struthea ~ coluthequam appara,

bene ut in scutris concaleat, et calamum inice.

SAT. Me dicit, euge. TOX. Lautum credo e balineis 90

iam hic adfuturum. SAT. Vt ordine omnem rem tenet.

TOX. Collyrae facite ut madeant et colyphia,

ne mihi incocta detis. SAT. Rem loquitur meram.

tum nisi cremore crassost ius collyricum, 95

nihilist, macrum illud epicrocum pellucidum:

quasi ~iuream esse ius decet collyricum.

terrestris, te coepulonus compellat tuos. 100

TOX. O Saturio, opportune advenisti mihi.

SAT. Mendacium edepol dicis, atque haud te decet:

nam essurio venio, non advenio saturio.

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TOX. At edes, nam iam intus ventris fumant focula.

sed quid cessamus proelium committere?

dum mane est, omnis esse mortalis decet.

TOX. Nimis paene manest. SAT. Mane quod tu occeperis

negotium agere, id totum procedit diem. 115

nihili parasitus est, cui argentum domi est: 120

lubido extemplo coeperest convivium,

tuburcinari de suo, si quid domi est.

cynicum esse egentem oportet parasitum probe:

ampullam, strigilem, scaphium, soccos, pallium,

marsuppium habeat, inibi paullum praesidi, 125

quid nunc? quid est? quin dicis quid facturus sis?

SAT. Quaeso hercle me quoque etiam vende, si lubet, 145

qui sibi parentes fuerint, unde surpta sit. 150

sed longe ab Athenis esse se gnatam autumet;

et ut adfleat, cum ea memoret. SAT. Etiam tu taces?

cape

tunicam atque zonam, et chlamydem adferto et causeam, 155

quam ille habeat qui hanc lenoni huic vendat. SAT. Eu, probe.

SAT. Sibi habeat, si non extemplo ab eo abduxero.—

TOX. Abi et istuc cura. interibi ego puerum volo 165

mittere ad amicam meam, ut habeat animum bonum,

me esse effecturum <hoc> hodie. nimis longum loquor.—

quom interim tu meum ingenium fans atque infans nondum etiam edidicisti.

potin ut taceas? potin ne moneas? 175

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115

TOXILVS Satin haec tibi sunt plana et certa? satin haec meministi et tenes?

PAEGNIVM Melius quam tu qui docuisti. TOX. Ain vero, verbereum caput?

P. Aio enim vero. T. Quid ergo dixi? P. Ego recte apud illam dixero. 185

TOX. Non edepol scis. PAEG. Da hercle pignus, ni omnia memini et scio,

et quidem si scis tute, quot hodie habeas digitos in manu.

TOX. Scelus tu pueri es, atque ob istanc rem ego aliqui te peculiabo.

PAEG. Scio fide hercle erili ut soleat impudicitia opprobrari

nec subigi queantur umquam, ut pro ea fide habeant iudicem.

T. Abi modo. P. Ego laudabis faxo. T. Sed has tabellas, Paegnium, 195

P. Eo ego. T. I sane. ego domum ibo. face rem hanc cum cura geras.

vola curriculo.— PAEG. Istuc marinus passer per circum solet.

illic hinc abiit intro huc. sed quis haec est quae med advorsum incedit? 200

S. Paegnium hic quidem est. P. Sophoclidisca haec peculiarest eius

quo ego sum missus. S. Nullus esse hodie hoc puero peior perhibetur.

PAEG. Compellabo. SOPH. Commorandust. PAEG. Standumst apud hanc obieci *

SOPH. Paegnium, deliciae pueri, salve. quid agis? ut vales?

PAEG. Sophoclidisca, di me amabunt. SOPH. Quid me? PAEG. Vtrum 205

hercle <di volent>;

sed si ut digna es faciant, odio hercle habeant et faciant male.

PAEG. Heia. SOPH. Beia. PAEG. Tuo ex ingenio mores alienos probas.

SOPH. Fateor ego profecto me esse ut decet lenonis familiae.

PAEG. Satis iam dictum habeo. SOPH. Sed quid tu? confitere ut te autumo?

PAEG. Fatear, si ita sim. SOPH. Iam abi, vicisti. PAEG. Abi nunciam ergo. 215

SOPH. Numquam ecastor hodie scibis prius quam ex te audivero.

PAEG. Itane est? SOPH. Itane est. PAEG. Mala es. SOPH. Scelestu's. 220

PAEG. Decet me. SOPH. Me quidem addecet.

nihili facio scire. valeas. SOPH. Asta. PAEG. At propero. SOPH. Et pol ego item.

PAEG. Ecquid habes? SOPH. Ecquid tu? PAEG. Nil equidem. SOPH. 225

Cedo manum ergo. PAEG. Estne haec manus?

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SO. Vbi illa altera est furtifica laeva? PA. Domi eccam. huc nullam attuli.

SOPH. Habes nescio quid. PAEG. Ne me attrecta, subigitatrix. SOPH. Sin

te amo?

PAEG. Male operam locas. SOPH. Qui? PAEG. Quia enim nihil amas, quom

ingratum amas.

SOPH. Temperi hanc vigilare oportet formulam atque aetatulam,

ne, ubi versicapillus fias, foede semper servias. 230

PAEG. Ad vos. SOPH. Et pol ego ad vos. PAEG. Quid eo? 235

SOPH. Quid id ad te attinet?

PA. Enim non ibis nunc, vicissim nisi scio. SO. Odiosu's. PA. Lubet.

fide data credamus. PAEG. Novi: omnes sunt lenae levifidae,

neque tippulae levius pondust, quam fides lenonia.

SO. Dic amabo. PA. Dic amabo. SO. Nolo ames. PA. Facile impetras. 245

SOPH. Tecum habeto. PAEG. Et tu hoc taceto. SOPH. Tacitum erit. PAEG.

Celabitur.

SAGARISTIO Iovi opulento, incluto,

Ope gnato, supremo, valido, viripotenti,

opes, spes bonas, copias commodanti

*** lubens vitulorque merito,

quia meo amico amiciter hanc commoditatis copiam 255

danunt, argenti mutui ut ei egenti opem adferam;

PAEGNIVM Pensum meum, quod datumst, confeci. nunc domum propero. SAG.

Mane, etsi properas.

Paegnium, ausculta. PA. Emere oportet, quem tibi oboedire velis. S. Asta.

PAEG. Exhibeas molestiam, ut opinor, si quid debeam,

qui nunc sic tamen es molestus. SAG. Scelerate, etiam respicis? 275

PAEG. Scio ego quid sim aetatis, eo istuc maledictum impune auferes.

SAG. Vbi Toxilus est tuus erus? PAEG. Vbi illi libet, neque te consulit.

SAG. Etiam

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SAG. Male dicis maiori. PAEG. Prior promeritus perpetiare. 280

servam operam, linguam liberam erus iussit med habere. 280a

SAG. Video ego te: iam incubitatus es. PAEG. Ita sum. quid id ad te [attinet]?

at non sum, ita ut tu, gratiis. SAG. Confidens. PAEG. Sum hercle vero. 285

SAG. Quid hoc? PAEG. Quid est? SAG. Etiam, scelus, male loquere? 290

PAEG. Tandem ut liceat,

quom servos sis, servom tibi male dicere. SAG. Itane? specta

quid dedero. PAEG. Nil, nam nil habes. SAG. Di deaeque me omnes perdant—

SAG. Vt istunc di deaeque perdant.

tamquam proserpens bestiast bilinguis et scelestus.

hercle illum abiisse gaudeo. foris aperit, eccere autem 300

quem convenire maxime cupiebam egreditur intus.

TOXILVS Paratum iam esse dicito, unde argentum sit futurum,

iubeto habere animum bonum, dic me illam amare multum;

ubi se adiuvat, ibi me adiuvat. quae dixi ut nuntiares,

satin ea tenes? SOPHOCLIDISCA Magis calleo quam aprugnum callum 305

callet.—

TOX. Sagaristio hic quidemst. quid agitur, Sagaristio? ut valetur?

ecquid, quod mandavi tibi, ~estne in te speculae? SAG. Adito. 310

videbitur. factum volo. venito. promoneto.

TOX. Quid hoc hic in collo tibi tumet? SAG. Vomicast, pressare parce;

nam ubi qui mala tangit manu, dolores cooriuntur.

SAG. Metuo, ne immaturam secem, ne exhibeat plus negoti. 315

TOX. Inspicere morbum tuom lubet. SAG. Ah ah, abi atque cave sis

a cornu.

SAG. Enim metuo, ut possim reicere in bubile, ne vagentur.

TOX. Ego reiciam. habe animum bonum. SAG. Credetur, commodabo. 320

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SATVRIO Quae res bene vortat mi et tibi et ventri meo

perennitatique adeo huic, perpetuo cibus 330

ut mihi supersit, suppetat, superstitet:

sequere hac, mea gnata, me, cum dis volentibus.

quoi rei opera detur scis, tenes, intellegis;

communicavi tecum consilia omnia.

SAT. Mirum quin regis Philippi causa aut Attali

te potius vendam quam mea, quae sis mea. 340

VIR. Vtrum tu pro ancilla me habes an pro filia?

SAT. Virgo atque mulier nulla erit quin sit mala, 365

quae praeter sapiet quam placet parentibus.

VIR. Virgo atque mulier nulla erit quin sit mala,

quae reticet, si quid fieri pervorse videt.

SAT. Malo cavere meliust te. VIR. At si non licet

cavere, quid agam? nam ego tibi cautum volo. 370

SA. Malusne ego sum? VI. Non es, neque me dignumst dicere,

verum ei rei operam do, ne alii dicant, quibus licet.

SAT. Dicat quod quisque volt; ego de hac sententia

non demovebor. VIR. At, meo si liceat modo,

sapienter potius facias quam stulte. SAT. Lubet. 375

VIR. Lubere per me tibi licere intellego;

verum lubere hau lubeat, si liceat mihi.

SAT. Futura es dicto oboediens an non patri?

VIR. Futura. SAT. Scis iam tibi quae praecepi? VIR. Omnia.

SAT. Et ut surrupta fueris? VIR. Docte calleo. 380

SAT. Et qui parentes fuerint? VIR. Habeo in memoria.

verum videto, me ubi voles nuptum dare,

ne haec fama faciat repudiosas nuptias.

SAT. Tace, stulta. non tu nunc hominum mores vides? 385

pol deum virtute dicam et maiorum meum, 390

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ne te indotatam dicas, quoi dos sit domi:

librorum eccillum habeo plenum soracum.

atque Attici omnes; nullum Siculum acceperis: 395

cum hac dote poteris vel mendico nubere.

VIR. Quin tu me ducis, si quo ducturu's, pater?

vel tu me vende vel face quid tibi lubet.

SAT. Bonum aequomque oras. sequere hac.— VIR. Dicto sum audiens.—

procax, rapax, trahax— trecentis versibus 410

tuas impuritias traloqui nemo potest—

accipin argentum? accipe sis argentum, impudens,

tene sis argentum, etiam tu argentum tenes?

argentum, inquam, cedo,

quin tu mi argentum reddis? nilne te pudet?

leno te argentum poscit, solida servitus, 425

pro liberanda amica, ut omnes audiant.

TOX. Tace, obsecro hercle. ne tua vox valide valet.

DOR. Referundae ego habeo linguam natam gratiae.

eodem mihi pretio sal praehibetur quo tibi.

DOR. Ita hercle vero.— TOX. Dum stas, reditum oportuit.

si quam rem accures sobrie aut frugaliter,

solet illa recte sub manus succedere. 450

SAGARISTIO Numquid moror? TOX. Euge, euge, exornatu's basilice;

tiara ornatum lepida condecorat schema.

tum hanc hospitam autem crepidula ut graphice decet.

sed satin estis meditati? SAG. Tragici et comici 465

numquam aeque sunt meditati. TOX. Lepide hercle adiuvas.

[age, illuc abscede procul e conspectu et tace.

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ubi cum lenone me videbis conloqui]

DOR. Bene dictis tuis bene facta aures meae auxilium exposcunt. 495

TOX. Tuom promeritumst, merito ut faciam. et ut me scias esse ita facturum,

tabellas tene has, pellege. DOR. Istae quid ad me? TOX. Immo ad te

attinent et tua refert.

DOR. Cedo sane [mihi]. TOX. At clare recitato. DOR. Tace, dum pellego. 500

TOX. Hau verbum faciam

DOR. Salutem dicit Toxilo Timarchides

et familiae omni. si valetis, gaudeo.

ego valeo recte et rem gero et facio lucrum,

neque istoc redire his octo possum mensibus,

itaque hic est quod me detinet negotium. 505

operam atque hospitium ego isti praehiberi volo, 510

qui tibi tabellas adfert. cura quae is volet,

nam is mihi honores suae domi habuit maxumos.

Quid id ad me aut ad meam rem refert, Persae quid rerum gerant

aut quid erus tuos? TOX. Tace, stultiloque; nescis quid te instet boni

neque quam tibi Fortuna faculam lucrifera adlucere volt

mancipio neque promittet neque quisquam dabit. 525

probum et numeratum argentum ut accipiat face.

haec cura, et hospes cura ut curetur. vale.

TOX. Tacen an non taces? numquam ego te tam esse matulam credidi.

quid metuis? DOR. Metuo hercle vero. sensi ego iam compluriens,

neque mi haud imperito eveniet, tali ut in luto haeream. 535

DOR. Gratiam habeo. sed te de aliis, quam alios de te suaviust 539-540

fieri doctos.

ubi ea aderunt, centumplex murus rebus servandis parumst. 560

TOX. Quid ais tu? DOR. Quid vis? TOX. Tu in illis es decem sodalibus:

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te in exilium ire hinc oportet. DOR. Quid iam? TOX. Quia periurus es.

D. Verba quidem haud indocte fecit. T. Ex tuo, inquam, usust: eme hanc.

D. Edepol qui cum hanc magis contemplo, magis placet. T. Si hanc emeris,

di immortales, nullus leno te alter erit opulentior. 565

evortes tuo arbitratu homines fundis, familiis;

cum optimis viris rem habebis, gratiam cupient tuam:

indica, minimo daturus qui sis, qui duci queat. 590

TOX. Tace, tace. nimis tu quidem hercle homo stultus es pueriliter.

vide sis, ego ille doctus leno paene in foveam decidi,

ni hic adesses. quantum est adhibere hominem amicum, ubi quid geras. 595

T. Nisi molestum est, percontari hanc paucis hic volt. S. Maxime,

suo arbitratu. TOX. Quid stas? adi sis tute atque ipse itidem roga, 600

ut tibi percontari liceat quae velis; etsi mihi

dixit dare potestatem eius; sed ego te malo tamen,

eumpse adire, ut ne contemnat te ille. DOR. Satis recte mones.

hospes, volo ego hanc percontari. SAG. A terra ad caelum, quid lubet.

DOR. Iube dum eam hoc accedat ad me. SAG. I sane ac morem illi gere. 605

percontare, exquire quid vis. TOX. Age, age nunc tu, in proelium

vide ut ingrediare auspicato. VIR. Liquidumst auspicium, tace.

curabo ut praedati pulchre ad castra convertamini.

TOX. Concede istuc, ego illam adducam. DOR. Age, ut rem esse in nostram

putas.

T. Ehodum huc, virgo. vide sis quid agas. V. Taceas, curabo ut voles. 610

VIR. Quor ego id mirer, mi homo? 620

servitus mea mi interdixit, ne quid mirer meum malum.

DOR. Noli flere. TOX. Ah, di istam perdant, ita catast et callida.

ut sapiens habet cor, quam dicit quod opust! DOR. Quid nomen tibist?

sed tamen, virgo, quae patriast tua, age mi actutum expedi. 640

quid taces? VIR. Dico equidem: quando hic servio, haec patriast mea.

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TOX. Iam de istoc rogare omitte (non vides nolle eloqui?)

ne suarum se miseriarum in memoriam inducas. DOR. Quid est?

captusne est pater? VIR. Non captus, sed quod habuit perdidit.

TOX. Haec erit bono genere nata: nil scit nisi verum loqui. 645

DOR. Quis fuit? dic nomen. VIR. Quid illum miserum memorem qui fuit?

nunc et illum miserum et me miseram aequom est nominarier.

DOR. Quoius modi is <suo> in populo habitust

TOX. Satin ut meminit libertatis? dabit haec tibi grandis bolos.

age si quid agis. ego ad hunc redeo. sequere. redduco hanc tibi.

DOR. Adulescens, vin vendere istanc? SAG. Magis libet quam perdere. 660

DOR. Tum tu pauca in verba confer: qui datur, tanti indica.

SAG. Faciam ita ut te velle video, ut emas. habe centum minis.

SAG. Tuo periclo sexaginta haec dabitur argenti minis. 665

DOR. Toxile, quid ago? TOX. Di deaeque te agitant irati, scelus,

qui hanc non properes destinare. D. Habeto. T. Eu, praedatu's probe.

non edepol minis trecentis carast. fecisti lucri.

DOR. Abscedent enim, non accedent. TOX. Tace sis, non tu illum vides 670

quaerere ansam, infectum ut faciat? abin atque argentum petis?

TOX. Edepol dedisti, virgo, operam adlaudabilem,

probam et sapientem et sobriam. VIR. Si quid bonis

boni fit, esse id et grave et gratum solet. 675

TOX. At ne cum argento protinam permittas domum, 680

moneo, te. SAG. Quod te dignumst, me dignum esse vis?

TOX. Tace, parce voci: praeda progreditur foras.

TOX. Sine quaeso. quando lenost, nil mirum facit.

DOR. Lucro faciundo ego auspicavi in hunc diem:

nil mihi tam parvist, quin me id pigeat perdere. 690

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age, accipe hoc sis. SAG. Hunc in collum, nisi piget,

impone. DOR. Vero fiat.

DOR. Quid est tibi nomen? TOX. *** quod ad te attinet. 700

DOR. Quid attinet non scire? SAG. Ausculta ergo, ut scias:

Vaniloquidorus Virginesvendonides

Nugiepiloquides Argentumexterebronides

[Tedigniloquides Nugides Palponides]

Quodsemelarripides Numquameripides. em tibi. 705

DOR. Eu hercle, nomen multimodis scriptumst tuom.

SAG. Ita sunt Persarum mores, longa nomina,

contortiplicata habemus. numquid ceterum

voltis? DOR. Vale. SAG. Et vos, nam animus iam in navist meus.

TOX. Cras ires potius, hodie hic cenares. SAG. Vale.— 710

TOX. Postquam illic <hinc> abiit, dicere hic quidvis licet.

ne hic tibi dies inluxit lucrificabilis.

nam non emisti hanc, verum fecisti lucri.

DOR. Ille quidem iam scit, quid negoti gesserit,

qui mihi furtivam meo periclo vendidit, 715

argentum accepit, abiit. qui ego nunc scio,

an iam adseratur haec manu? quo illum sequar?

in Persas? nugas. TOX. Credidi gratum fore

beneficium meum apud te. DOR. Immo equidem gratiam

tibi, Toxile, habeo; nam te sensi sedulo 720

mihi dare bonam operam.

TOX. Heus, Saturio, exi. nunc est illa occasio 725

inimicum ulcisci. SATVRIO Ecce me. numquid moror?

TOX. Age, illuc abscede procul e conspectu, tace;

ubi cum lenone me videbis conloqui,

tum turbam facito. SAG. Dictum sapienti sat est.

TOX. Tunc, quando abiero— SAG. Quin taces? scio quid velis. 730

TOX. Redis tu tandem? DOR. Redeo. TOX. Ne ego hodie tibi

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bona multa feci. DOR. Fateor, habeo gratiam.

TOX. Num quippiam aliud me vis? DOR. Vt bene sit tibi. 735

cum bene nos, Iuppiter, iuvisti, dique alii omnes caelipotentes, 755

eas vobis habeo grates atque ago, quia probe sum ultus meum inimicum.

nunc ob eam rem inter participes didam praedam et participabo.

ite foras: hic volo ante ostium et ianuam

meos participes bene accipere. 758a

statuite hic lectulos, ponite hic quae adsolent.

LEMN. Age, puere, ab summo septenis cyathis committe hos ludos.

TOX. Move manus, propera, Paegnium, tarde cyathos mihi das, cedo sane.

bene mihi, bene vobis, bene meae amicae, optatus hic mihi dies datus hodiest.

ab dis, quia te licet liberam med amplecti. LEMN. Tua factum opera.

TOX. Bene omnibus nobis. hoc mea manus tuae poclum donat, ut amantem 775

amanti decet. LEMN. Cedo. TOX. Accipe. TOX. Bene ei qui invidet mi et

ei qui hoc gaudet.

perii, interii. pessimus hic mi dies hodie inluxit corruptor, 779-780

ita me Toxilus perfabricavit itaque meam rem divexavit. 781

vehiclum argenti miser eieci [amisi], neque quam ob rem eieci, habeo.

qui illum Persam atque omnis Persas atque etiam omnis personas

male di omnes perdant, ita misero Toxilus haec mihi concivit.

quia ei fidem non habui argenti, eo mihi eas machinas molitust; 785

quem pol ego ut non in cruciatum atque in compedis cogam, si vivam,

TOX. Adi, si libet. SAG. Agite, adplaudamus. TOX. Dordale, homo 791

lepidissume, salve.

DOR. At, bona liberta, haec scivisti et me celavisti? LEMN. Stultitiast,

cui bene esse licet, eum praevorti litibus. posterius istaec te 799-800

magis par agerest. DOR. Vritur cor mi. TOX. Da illi cantharum, 801

extingue ignem, si

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TOX. Vin cinaedum novom tibi dari, Paegnium?

quin elude, ut soles, quando liber locust hic. 805

hui, babae, basilice te intulisti et facete.

PAEG. Decet me facetum esse, et hunc inridere

lenonem lubidost, quando dignus est.

TOX. Perge ut coeperas. PAEG. Hoc, leno, tibi.

DOR. Perii perculit me prope. PAEG. Em, serva rusum. 810

DOR. Delude, ut lubet, erus dum hinc abest.

DOR. Di faciant ut id bibatis quod vos numquam transeat.

SAG. Nequeo, leno, quin tibi saltem staticulum, olim quem Hegea

faciebat. vide vero, si tibi satis placet. TOX. Me quoque volo 825

reddere, Diodorus quem olim faciebat in Ionia.

iam ego tibi, si me inritassis, Persam adducam denuo.

D. [iam taceo hercle] Atque tu Persa es, qui me usque admutilavisti ad cutem.

T. Tace, stulte: hic eius geminust frater. D. Hicinest? T. Ac geminissumus. 830

LEMN. At tamen non— tamen— TOX. Cave ergo sis malo, et sequere me. 835

te mihi dicto audientem esse addecet, nam hercle absque me

foret et meo praesidio, hic faceret te prostibilem propediem.

PAEG. Licet: iam diu saepe sunt expunctae. DOR. Loquere tu etiam, frustum

pueri?

LEMN. Patrone mi, i intro, amabo, ad cenam.

DOR. Mea Ignavia, tu nunc me inrides? 850

TOX. Et post dabis sub furcis. 855

SAG. Abi intro— in crucem. DOR. An me hic parum exercitum hisce

habent? TOX. Convenisse te Toxilum me ***

spectatores, bene valete. leno periit. plaudite.