UNIVERSIDADE - UFC...Feliz e o homem que tem um amigo. ais feliz é o que tem muitos amigos. R....
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ww d? cí^rsAS vA sAíínt
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁCENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
Dissertação apresentada ao Corpo Docente
do Curso de Mestrado em Enfermagem da
Universidade Federal do Ceará (UFC)
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em
Enfermagem
FORTALEZA - CEARÁ
1996
ii
FICHA CATALOGRÁFiCA
A 773 ti Arrais, Fátima Maria de Aragão.
Doação de filho: um gesto símbólico/Fátíma Maria de Aragão
Arrais. - Fortaleza, 1996.
122p.: íl.
Orientadora: ProF. Dra Loríta Marlena Freitag Paglíuca
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federai do Ceará.
Departamento de Enfermagem.
1. Doação de filho. 2. Gravidez indesejada. 3. Aborto. I.
Título.
CDD 155.6463
FÁTIMA MAFUA DE ARAGÃO ARRA^S
&
Prof, DrT LORITA MARLENA F. PAGLIUCA
PRESIDENTE/' 'i
z.b , / :
Prof, Dr;i. RAIMUNDA MAGALHÃES DA SILVA
2a Examinadora
Prof, Dra. MARTA MARIA COELHO DAMASCENO
3a Examinadora
DEDICATÓRIA
A Deus,
Supremo Orientador e Fortaleza, por guiar minha existência.
A Adaly, Patrícia, Lyssa e Fábio, minha família,
pelo carinho e apoio nesta trajetória, compreendendo meus
momentos...
Ao meu irmão José,
exemplo de luta e resignação frente às adversidades do
processo saúde-doença.
As pessoas entram e saem de nossas vidas. Mas elas não vão só... Sempre levam um pouco de nós e deixam um pouco de si.
Gislane
In memoriam
Ao meu pai e à minha irmã, ausências sempre presentes em minha
vida.
À professora Dra. Tereza Maria Frota Haguette, exemplo de mestra,
que partiu para cumprir outra experiência de vida, por sua significativa
contribuição nesta trajetória.
Nenhum homem é ume ilha. Para combater o Bom Combah, precisamos de ajuda.
Paulo Coelho
À ORIENTADORA,
Prof. Dra. LORITA MARLENA FREITAG PAGLIUCA,
um agradecimento especial, por me acolher no meio da
caminhada, acreditando no meu trabalho. Como profissional favoreceu
meu crescimento e aprendizado, questionando e promovendo reflexões
na busca de novas descobertas. Como amiga, grata pela interação,
palavras de apoio, compreensão e amizade.
vi
A G R A D E CIMENTOS
A gratidão é o coração da memória e um homem mostra-se ocasionalmenfe grato quando diz:OBRIGAÜO!
BENJAMIN DISRAELI
À minha mãe, por seu exemplo de ser humano e revestir minha
vida de amor, dedicação e compreensão.
Ao curso de Enfermagem da UFC, pela oportunidade
concedida ao meu desenvolvimento.
Ao Dr. Suenon Bastos Mota, Juiz da Infância e Juventude da
Comarca de Fortaleza, pela acolhida e presteza que permitiu o
desenvolvimento deste trabalho.
A Sandra M. Lira Fernandes e Fátima Duarte Mota,
funcionárias do Juizado da Inf. e Juventude, sempre dispostas a
colaborar, minha gratidão.
À minha família e meus amigos pela afeição e incentivo que
sempre me deram.
vii
Às colegas da disciplina enf. mat. infantil, Francisca Ana
Martins, Vera Lúcia Leitão, Socorro Sherlock e lanara Távora, pela
compreensão com que assumiram minhas atividades docentes.
Às enfermeiras, assistentes sociais e psicólogas da
Maternidade Escola Assis Chateubriand, pelo desvelo nos contatos com
as mães da amostragem.
Às colegas Raímunda Magalhães da Silva e Maria Salete B.
Jorge, pelos valiosos empréstimos literários.
A Francileide Paiva de Oliveira, que, com carinho e paciência,
decifrou o manuscrito na primeira versão digitada.
À Fundação Cearense de Amparo à Pesquisa, pelo apoio
financeiro para que eu concretizasse essa dissertação.
À bibliotecária Vânia Pinheiro de Souza, pela orientação
bibliográfica,
A Sílvia Regina Gomes Costa que produziu a digitação final e
apresentação.
As alunas Maria do Carmo S. Oliveira e Andreia Gomes Linard,
pelas transcrições dos discursos.
Last but not the least, meu especial agradecimento as amigas
e colegas:
vii i
Francilita Frota Loureiro e Dalva Santos Alves, pelas palavras
de força e de carinho nos momentos difíceis desta trajetória, dando-me
a certeza de que eu não estava sozinha.
Marta Maria Coelho Damasceno, pela solicitude e atenção ao
longo da caminhada, decifrando comigo o meu discurso e fazendo o
subjetivo acontecer em amizade, incentivo, compreensão, dedicação e
confiança,... È wiíhív bom saber Você é minha amiqa!
Feliz e o homem que tem um amigo.ais feliz é o que tem muitos amigos.
R. Clark
ix
RESUMO
Trabalho de abordagem qualitativa descritiva que teve como
objetivo desvelar o significado da doação do filho para a mãe,
compreendendo sua definição de situação face a decisão de doá-lo. Os
dados foram obtidos mediante observações livres, diário de campo e uma
entrevista semi-estruturado fundamentada em três itens básicos -
Identificação, gravidez e doação. A coleta se deu no período de março a
junho de 1995, tendo o estudo sido realizado com 19 mães. A análise
interpretativa das falas foi procedida à luz do interacionismo simbólico na
perspectiva de Herbert Blumer. Nelas ficou evidenciado que, ao gesto
simbólico da doação do filho, as mães atribuem os significados de amparo
financeiro, educacional e afetivo; liberdade social e do companheiro;
atenuação da culpa pela gravidez indesejada e tentativa de aborto. Esta
tentativa de descoberta do significado revelou também que a mãe, ao doar
o filho, direciona sua ação sob très perspectivas, a dela, a do filho e de
ambos, ficando evidenciado, também, ser este gesto uma decisão difícil
de ser tomada pela mãe, uma vez que ele contém elementos de incerteza,
esperanças e fraquezas.
X
SUMMARY
Work of descriptive qualitative boarding, had as objective to
watch the meaning of the son’s donation for lhe mother, understanding its
definition of situation face the decision of donating it. The data were
obtaíned by means of free observatíons, field newspaper and a semi-
structured ínterview based in three basic items - Identification, pregnancy
and donation. The data were collected in the period of March to June of
1995, having the study been accomplished with 19 mothers. The
interpretative analysis of the speeches was proceeded to the light of the
symbolic interactionism in Herbert Blumer's perspective, In those it was
evidenced that, to the symbolic gesture of the son’s donation, the mothers
attribute the meaníngs of financial, educational and affective help; social
freedom and of the companion; and attenuation of the blame for the
pregnancy undesirable and abortion attempt. This attempt of discovery of
the meaning also revealed that the mother, when donating the son,
addresses its action under three perspectives; hers, her son and both's,
being evidenced, also, to be this gesture a decision difficult of being taken
by the mother, once he contains uncertainty elements, hopes and
weaknesses.
SUMÁRIO
RESUMO x
1 DOAÇÃO - UM FENÔMENO SÓCIO-CULTURAL 1
2 A TRAJETÓRIA TEÓRICA 13
3 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA 29
4 O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO 38
5 REFLEXÕES FINAIS 91
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 97
7 ANEXO 108
DOAÇÃO ~ UM FENÔMENO SÓCIO-CU LTU RAL
DOAÇÃO - UM FENÔMENO SÓCIO-CULTURAL
1. DOAÇÃO - UM FENÔMENO SÓCIO-CULTURAL
Ao me propor a realizar o curso de mestrado, sabia,
desde o início, da necessidade de produção de um conhecimento
científico - a dissertação - como condição sine qua non para
obtenção do título; e desde já, comecei a refletir sobre qual tema
abordaria, uma vez que não gostaria de fazer algo apenas por
exigência de uma situação.
Queria, sim, realizar um trabalho que estivesse
diretamente relacionado com minha vivência pessoal e profissional;
que me fizesse sentir e ser útil, mas, acima de tudo, que fosse um
trabalho prazeroso de descobertas, conquistas e superações.
Dada a minha condição de docente, o conhecimento
científico passa a ser um modo contínuo de interação entre o ensino
e a aprendizagem. Entretanto, com o passar do tempo, algumas
pessoas, e eu me incluo neste meio, se descobrem mais exigentes de
si quanto à sua capacidade geradora de conhecimento, buscando
desafios e formas de superá-los. Neste esforço de ampliação,
aperfeiçoamento e busca do que pesquisar, emergí numa reflexão
sobre minhas inquietações como mulher, mãe e profissional.
Sabe-se que toda pesquisa tem por objetivo a produção
de um conhecimento científico sobre determinada realidade, e que
sua origem, segundo ALVES (1991), comporta tradicionalmente três
tipos de situações:
a) lacuna no conhecimento existente;
DOAÇÃO - UM FENÔMENO SÓCIO-CULTURAl 3
b) inconsistência entre deduções decorrentes de
teorias e resultados de pesquisas ou observações
feitas na prática cotidiana;
c) inconsistência entre resultados de pesquisas
diferentes ou entre este e o que é observado na
prática.
À medida que refletia na busca da definição de um tema
que me conduzisse a algo a ser conhecido e desnudado, retroagi no
tempo e no espaço às minhas experiências vividas, e urna cena
acontecida ainda quando estudante me veio a mente. Era uma mãe
jovem, na porta da maternidade, chorando profusamente, que
hesitava em entregar seu filho a terceiros, enquanto a família ao lado
a instigava a doar logo a criança, pois a “dor seria menor" e ela
"sofreria menos".
Perplexa diante de tal cena, fui tomada por sentimentos
ambíguos que iam do pesar à revolta, da crítica e condenação à
anuência, o enternecer. Senti-me impotente frente a situação, dada
talvez a minha inexperiência e imaturidade.
Passado o tempo, já como profissional, iniciei a carreira
de magistério, lecionando a disciplina enfermagem materno-infantil,
oportunidade em que me aproximei mais diretamente dessas mães
doadoras, de suas angústias e preocupações, já que desenvolví
minhas atividades em maternidade. Na ocorrência dessas doações,
chamam-me a atenção as reações de algumas mães face à decisão
de dar o filho: choro, revolta, conformismo e indiferença. Frente a
comportamentos tão distintos, surgiram algumas indagações: por que
essas mães doam seus filhos e outras não, quando a realidade
social, econômica, política e religiosa é comum à maioria delas? O
que esse filho tem em especial? Que impacto este ato tem sobre a
vida futura da mãe? Que amor é esse que dizem ter e tentam deles
se desfazer? Quem é esse filho para a mãe?
DOAÇÃO - UM FENÔMENO SÓCíO-CULTURAL 4
No decurso dessa reflexão, cheia de dúvidas,
questionamentos e conflitos, percebí que a doação de filho, apesar
de uma prática antiga que remonta à origem da história da
humanidade, quando Ana, mulher de Elcana - após ter sido
concebida com a graça de um filho - o doou ao Senhor por todos os
dias de sua vida (Samuel, livro 1. cap. 1 e 2), me inquieta desde a
simples menção das palavras, em razão do surgimento de
sentimentos e idéias contraditórias, cujo grau de abstração me
confunde e incomoda.
Não obstante viver numa das regiões mais pobres do
País, o Nordeste - onde graves fatores sócío-econômícos, culturais e
políticos tendem a acentuar-se pelo baixo nível de educação do povo
- muito me tem incomodado o fato de que o Ceará tem sido alvo
constante de notícias no que concerne ao problema de crianças
doadas/adotadas. Só na presente década, mais de 1600 crianças
cearenses foram adotadas por casais estrangeiros e em grande parte
de forma irregular (GURGEL, 1993).
Não são raras as denúncias de seqüestros e o
arrependimento de mães que tiveram filhos retirados de seu poder,
por coação. Acrescente-se ao problema o número cada vez maior de
crianças abandonadas em ruas e creches. Dadas as grandes
dificuldades por que passa o País, não é de se estranhar que fatos
antigos como a doação e o abandono de menores se tornem
frequentes.
Nos últimos anos, principalmente há apenas três
gerações, a mulher adquiriu uma liberdade até -então, jamais
experimentada, em que a liberdade sexual e social foi a
característica principal. Entretanto, circunstâncias sociais, culturais
e econômicas, como sua inserção no mercado de trabalho, o direito
ao estudo, os preconceitos de subordinação, por exemplo, passam a
lhe impor graves restrições, principalmente no que diz respeito à
maternidade (LANGER, 1986),
DOAÇÃO - UM FENÔMENO SÓCIO-CULTURAL 5
Considerado um dos principais períodos do ciclo vital da
mulher, em decorrência das transformações físicas, psíquicas,
econômicas e sociais que ela experimenta, a gravidez se torna
relevante, quando consideradas as altas taxas de morbimortalidade
materna, principalmente na Região Nordeste.
Analisada sobre o aspecto do desejo de engravidar, o
tema merece especial atenção, visto que, quando desejada,
planejada, a gravidez é objeto de realização da mulher ou do casal,
parecendo-me que, como mãe, a mulher encontra todas as respostas
à sua nova condição. Entretanto, estudos têm demonstrado que,
quando indesejada, frequentemente a mulher é induzida a tomar
decisões extremas, como o aborto e a doação do filho,
principalmente se incide sobre um período caracterizado por
ambivalências que marcam todo o desenvolvimento do indivíduo,
caracterizado pela imaturidade física e psicológica: a adolescência.
Considerada por séculos como uma tendência inata a toda
mulher, a maternidade passa, nos últimos anos, por questionamentos
quanto ao seu real objetivo, dada a grande tendência de se confundir
determinismo social com imperativo biológico.
Segundo BADINTER(1 985), ao se conceber a maternidade
ainda hoje como um tema sagrado, torna-se difícil questionar o amor
materno, uma vez que a mãe, identificada com Maria, símbolo
infalível do amor ablativo, permanece em nosso inconsciente
coletivo. Ao questionar o mito do amor materno, ela ressalta o fato
de que, muitas vezes, os valores determinantes de uma sociedade
têm peso incalculável sobre os nossos desejos e que, aos olhos
daqueles que defendem o amor materno, a maternidade e o amor
estariam inscritos desde toda a eternidade na natureza feminina.
Neste contexto, entende-se que
uma mulher é feita para ser mãe, e mais, uma boa mãe. Toda exceção à norma será necessariamente
DOAÇÃO - UM FENÔMENO SÓCIO-CULTURAL 6
analisada em termos de excegão patológica. A mãe indiferente é om desafio langado â natureza, a anormal por excelência (bandinter, 1985).
Numa ambiência social em que a maternidade define a
essência do feminino, algumas vezes esta própria sociedade conduz
à ambiguidade, quando tal fato não ocorre dentro de padrões pre
determinados, como é o caso das mães solteiras. Pressões e
limitações da vida social levam a mulher a tomar decisões muitas
vezes contraditórias e questionáveis.
Para GERMAIN(1 989), frequentemente, a gravidez
indesejada é entendida como uma questão política, moral e social,
que não leva em conta a angústia das mulheres, tornando mais fácil
culpá-las de sua situação difícil, uma vez que são omitidos os reais
fatores sociais que as induzem a esse estado.
De acordo com a OMS apud IONESCU (1988),
a gravidez desejada ou não, independentemente do meio cultural ou social que apareça, desempenha um importante papel na determinação das oportunidades futuras da jovem, em prejuízo de suas aspirações pessoais. Especialmente no caso das adolescentes solteiras, tem-se observado a precipitação de uma ampla série de acontecimentos que se combinam por desorganizar tanto a educação quanto sua vida familiar.
PINOTTE (1989), por sua vez, afirma que toda gravidez
indesejada representa uma falha da sociedade e não da mulher.
SAI apud GERMAIN (1989) vai mais além, ao dizer que
fatores sociais e culturais mais profundos e complexos, como a
DOAÇÃO • UM FENÔMENO SÓCIO-CULTURAL
crença e prática da subordinação da mulher ao homem na sociedade,
a discriminação, a sua exclusão da saúde, trabalho, educação,
política e das tomadas de decisões nacionais, fomentam as
condições que favorecem a gravidez indesejada.
Nestes termos, é importante observar que frente à
gravidez indesejada é comum, num primeiro momento, a mulher optar
pelo aborto, revertendo à doação do filho após algumas tentativas
mal sucedidas.
MASHALABA (1989) concorda com a observação anterior
e ressalta o fato de que tal opção independe do estado civil, status
social e idade da mulher.
A decisão de levar a gravidez indesejada a termo ou
abortar é um dilema doloroso para a mulher, pois nada pode ser
mais debilitante ou depressivo que engravidar em momento
inoportuno, e, ao optar pelo aborto, os conflitos continuam, já que,
frequentemente, ela não conta com apoio moral e solidário da
sociedade (KABIR, 1989).
MASHALABA (1989) corrobora essa posição de KABIR e
ressalta que, muitas vezes, o aborto ilegal é a única solução para as
mulheres com gravidez indesejada que vivem em países onde o
aborto seguro é legalmente restrito ou indisponível, enquanto DAVID
& WEISS (1992) declaram:
E trivial âfirmar que existe uma rnosifâ psicologicamente fácil de enfrentar o problema da concepção não planejada e a gravidez não desejada; nenhuma mulher deseja engravidar e logo abortar. A decisão de interromper a gravidez não é fácil nem está totalmente livre de arrependimentos e remorsos. Contudo, outras opções como contrair matrimônio forçado, ter um filho ilegítimo, dar o filho para
DOAÇÃO - UM FENÔMENO SÕCIO-CULTURAL
adoção ou ter um filho a mais em uma relação familiar já deteriorada, cria problemas psicológicos para a mulher, a família, a sociedade e o filho.
Em comentário a respeito da origem dos filhos,
GONZÁLEZ (1993) nos diz que devemos recordar serem esses
menores provenientes de uniões consensuais bem estruturadas,
assim como de outros tipos de união não tão estáveis, como a união
passageira. Também, segundo ele, muitas gestações resultam de
relações incestuosas em que pai, irmão, tio, primo, violentam
sexualmente a menor; em outros casos, o abuso é cometido por
visitantes do lugar, incluindo, em muitas ocasiões, o parceiro da
mãe.
O autor chama a atenção para as empregadas
domésticas, muitas delas imigrantes rurais, cuja gravidez termina em
aborto clandestino ou abandono do recém-nascido. A impossibilidade
de ficar com o filho deve-se ao fato de que as famílias
empregadores, pertencentes aos estratos alto e médio, definem
como incompatíveis o trabalho doméstico e a maternidade. Tais
dados foram explicitados por MOTA (1994), em entrevista realizada
por mim em 1 993,
O predomínio de uma organização social patriarcal, onde,
para a mulher, se destinam a criança e a educação dos filhos e se
privilegia o homem por não ter que enfrentar tais responsabilidades,
tem ensejado, cada vez mais, a formação de grupos familiares
compostos unicamente de mães e filhos. Tal fato acarreta uma
sobrecarga econômica, física e emocional destas mulheres que, em
muitos casos, se veem limitadas e impossibilitadas de cumprir com
estas responsabilidades e decidem entregar seu filhos a terceiros,
seja de maneira transitória, ou definitiva, pela via legal da adoção
(SANTAMARIA, 1993),
DOAÇÃO - LJM FENÔMENO SÓCiO-CULTURAL 9
Neste modelo de organização social e familiar pode-se
observar a reprodução de padrões sociais e culturais que ocultam ou
dissimulam realidades, tais como não evidenciar ser o homem quem
primeiro abandona os filhos.
Assim sendo, a doação de filhos como referido, passa por
uma dimensão mais ampla quando conhecidas algumas razões que
favorecem o ato, como fome, miséria, abandono do companheiro e da
família, os preconceitos etc. - e não se questiona a simbologia da
doação deste(s) filho(s) para a mãe. Esta simbologia muitas vezes
tem um significado diferente para ela e para os outros. Será este
filho a representação de uma agressão, de um incesto, de uma
relação amorosa frustrada? Ou é a tentativa de uma projeção de vida
melhor que a dela?
São questões como estas que tento descobrir, visto que,
na maioria dos casos, o que se observa é a preocupação das
pessoas quanto à origem da criança, o seu tipo físico, como
proceder à entrega etc., sem que, contudo, haja preocupação em
ouvir as mães doadoras sobre suas angústias e expectativas.
Vale salientar que não é objetivo de meu estudo buscar e
explicar as causas da doação de filhos. Todavia, considero
necessários para o delineamento da pesquisa a possessão e o uso
de uma visão prévia ou esquema do mundo empírico sob estudo,
visto ser esta visão a norteadora da pesquisa, conforme a concepção
metodológica apregoada por BLUMER (1969).
Por outro lado, pensar os paradoxos que se fundam na
relações humanas sociais leva-me a questionar o real significado do
termo DOAÇÃO, considerando que, ao se pensar em doação, de
imediato nos vem a mente uma imagem positiva de alguém ou de
algo se desfazendo gratuitamente de alguma coisa sua, em função
de outro; seja doação de sangue, órgãos, verbas etc. implica sempre
uma visão humanitária, de responsabilidade social.
DOAÇÃO - UM FENÔMENO SÕCIO-CULTURAl 10
Doação, segundo FERREIRA (1995), significa transmitir
gratuitamente (bens etc) a outrem. Dar, conceder, consagrar. LUFT
(1993), por sua vez, define como donativo, presente, concessão.
Nestes termos, a doação é compreendida como a
transmissão de um bem. Entretanto, as contradições que se
estabelecem no processo interpretativo usado pelas pessoas frente
às situações com que se defrontam, fazem-se enigmáticas e
ambivalentes.
No que diz respeito à doação de filhos, é interessante
observar que o significado da palavra doação nos dicionários difere,
na prática, do seu significado social, em que a doação do filho é
criticada e censurada, passando a mãe doadora a ser discriminada
até mesmo por mulheres que cometeram atos até bem mais graves e
mais condenáveis social, religiosa e juridicamente, como o aborto,
enquanto a adotante passa a ser vista como caritativa e bondosa.
À criança, para SANTAMARIA (1993), “cabe a
oportunidade de recuperar sua história ao ser recebida por uma
família que lhe garanta ambiente estável ao seu desenvolvimento e à
sua seguridade."
Os dados, portanto, me levam a inferir que o termo
doação apresenta diferentes interpretações e aplicações, de acordo
com a perspectiva utilizada pelos indivíduos.
Isto posto, creio que minhas inquietações quanto ao
problema da doação de filhos vêm bem antes da realização deste
estudo. Acho mesmo que de minha infância e adolescência, mas,
principalmente, no transcorrer de minha vida profissional, quando
assisto a adoções de crianças, tanto no âmbito familiar e social, ou
quando, dado o meu convívio em maternidade, sou solicitada a
conseguir uma criança para tal fim.
Parece aos olhos de muitos ser a doação do filho um ato
simples, sem dores e sem história. Simplesmente, um desejo de dar
e a vontade de alguém em receber.
DOAÇÃO - UM FENÔMENO SÓCIO-CULTURAL
A história da humanidade, desde sua origem, é a história
da perpetuação da família, cujo percurso nos leva a longínquos e
famosos processos de doação/adoção, sendo a doação do filho
ausente de significado, porquanto se privilegia a adoção. A literatura
e os estudos, embora numerosos, dirigem-se em sua totalidade a
fornecer informações acerca da adoção, consistindo a priori, na
análise ou interpretação de temas como direitos fundamentais da
criança, guarda, tutela, leis da adoção, garantias e competências,
procedimentos, recursos etc.
Os raríssimos textos encontrados na literatura, em jornais
e revistas, sobre doação de filhos, em sua essência, estão voltados
para uma realidade exterior ao sujeito e cujo fenômeno da doação é
explicado através das relações de causa e efeito, demonstrando um
vago e fragmentado conhecimento do todo.
Neste contexto, podemos dizer que a literatura e os
estudos fornecem informações acerca da adoção de filho como fato e
consequência que se explica e classifica, mas não analisa o real
significado do gesto precedente à doação do filho.
Feitas estas considerações a respeito do tema, é possível
afirmar que este estudo é fruto de minhas reflexões na qualidade de
pessoa que convive com o fato e busca descobrir o que está
encoberto no ato.
Pelo exposto, considero o estudo valioso na medida em
que me proponho, por meio de nova perspectiva, abordar o
fenômeno doação de filhos, descobrindo através da fala das mães os
significados por elas atribuídos a essa experiência e, deste modo,
contribuir com uma peça a mais para o preenchimento da lacuna
existente sobre tão relevante temática. Sei que não esgotarei o tema
e que outras indagações virão, mas acredito que os resultados
contribuirão, e muito, na construção do conhecimento para a
profissão, bem como na qualidade da assistência de enfermagem a
estas mães angustiadas e carentes de informações e atenção,
DOAÇÃO - UM FENÔMENO SÓCIO-CULTURAL 12
possibilitando a busca de caminhos opcionais de ajuda se encontrar
em tal desagradável situação.
Entretanto, considero indispensável a esta assistência e
busca a compreensão interpretativa de consciência da mãe acerca da
doação do filho. Mas, como fazê-lo, se não sei anteriormente o que a
doação significa para ela e de que modo ela vivência e caracteriza
essa situação?
Assim sendo, resolvi realizar este trabalho, que tem como
objetivo descobrir o significado da doação do filho para a mãe,
procurando compreender suas definições de situação em face da
decisão de doá-lo.
A TRAJETÓRIA TEÓRICA
A TRAJETÓRIA TEÓRICA
2. A TRAJETÓRIA TEÓRICA
A busca de uma direção que me conduzisse ao encontro
do significado da doação de filho levou-me a percorrer uma trilha
tortuosa e cheia de dúvidas que se iniciava pela própria dificuldade
de caracterizar a pesquisa qualitativa pois segundo ALVES (1991),
a dificuldade comega com a enorme Variedade de denominagões que compõem essa vertente: naturalista pós-positiva, antropológica, etnográfica, estudo de caso, humanista, fenomenológica, hermenêutica, idiográfica, ecológica, construtiva, entre outras.
Após algumas reflexões, optei pela realização de um
estudo na linha descritiva, considerando que, apesar das inúmeras
estratégias e tradições da linha qualitativa, existe um ponto comum a
todas elas, a VERSTEHEN (compreensão).
A opção por esta linha de pesquisa se pautou na
possibilidade de uma compreensão maior do significado atribuído
pela mãe à doação do filho, uma vez que minha preocupação se
localiza não na relação causa-efeito, mas na atividade “encoberta”
do ato, nas definições de situação da mãe face à sua decisão de
doar o filho, e por entender que ela me permite ouvir o que e como
as pessoas definem seu mundo e suas experiências, possibilitando a
superação das diferenças inseridas pelas ciências naturais
positivistas na relação homem-mundo, quando estas se voltam
apenas para a análise dos fatos.
15A TRAJETÓRIA TEÓRICA
| Precisava, agora, de uma fundamentação teórica que me
| levasse a compreender melhor a realidade do mundo social e sua
| complexa interpretação.
| Após a leitura de algumas teorias e de ver que muitas
* delas se adaptavam ao meu estudo, optei pelo INTERACIONISMO
i SIMBÓLICO na perspectiva de HERBERT BLUMER (1969). como5i,: abordagem norteadora, uma vez que versa sobre a conduta humana
J e a interação social. Tal teoria possibilita-me maior compreensão do
significado que as pessoas dão aos objetos, objetos aqui
compreendidos como tudo o que é possível de ser indicado ou
: referido por uma pessoa, bem como o entendimento da
f transformação deste significado através de uma interpretação.
Para LITTLEJOHN (1988), o interacionismo simbólico é
uma perspectiva teórica capaz de reunir várias teorias específicas,
como a teoria de persuação e mudança, a do significado e do
pensamento, a de signos etc., dada sua amplitude sobre o papel da
comunicação em sociedade, ilustrando o fato de
as teorias não poderem ser vistas como uma série de explicações independentes de algum fenômeno. As teorias interrelacionam-se, sobrepõem-se e inserem- se em padrões. E frequentemente difícil saber onde termina uma teoria e começa outra.
Considerada uma perspectiva ou orientação teórica da
psicologia social de William James, que se ampliou e solidificou no
campo da sociologia, ao final do século XIX, com John Dewey,
Charles Peírce, William Thomas, Charles H. Colley e George Herbert
Mead, foi somente com Herbert Blumer, em 1937, que o termo
interacionismo simbólico foi criado. A Mead (1863-1931), professor
de filosofia da Universidade de Chicago, cabe o título de arquiteto
do interacionismo, pois que foi ele o principal gerador da
[6A TRAJETÓRIA TEÓRICA
abordagem, influenciado em suas idéias pela filosofia do
pragmatismo, o trabalho de Charles Darwin e o behaviorismo.
Para o pragmatismo, a interação humana é que determina
o que é real, define os objetos e conhecimentos consoante suas
utilidades, e compreende os seres humanos de acordo com que eles
fazem no mundo; já a visão darwiniana, por sua vez, influenciou
Mead, ao apresentar o ser humano como parte da natureza, único, e
em constante modificação; o behaviorismo, por entender o ato social
como unidade básica de análise do comportamento humano, ato este
que, segundo Mead e a perspectiva interacíonista, tem sempre uma
ação dissimulada e oculta ao que nós fazemos em relação aos outros
e a nós mesmos (CHARON, 1989).
Na realidade, Mead não publicou uma obra completa e
sistemática sobre o interacionismo. Suas obras The Philosophy of
lhe present (1932), Movements of thought in the 19th century (1936),
Philosofhy of the act (1938), e a mais importante delas - Mind, self
and society (1934) foram organizadas a partir de esquemas de aulas,
palestras, manuscritos fragmentários etc. e publicados após sua
morte. Dada a falta de intencionalidade de publicação, estas
apresentam-se muitas vezes vagas, imperfeitas e desorganizadas.
Pode-se dizer que antes da edição de suas idéias sobre
comunicação, a perspectiva interacíonista foi propagada
principalmente através da transmissão oral, em especial durante
suas aulas.
KUHN apud LITTLEJOHN (1988) divide o interacionismo
simbólico em 2 fases: a primeira - da tradição oral - período em que
se desenvolveram as mais importantes idéias sobre a teoria e onde
MEAD e outros interacionistas, ao considerarem os seres humanos e
a sociedade como interdependentes e inseparáveis, afastam-se das
perspectivas sociológicas primitivas. Neste período, são enfatizados
a importância do desenvolvimento social, os fatores biológicos
inatos, o impacto da comunicação sobre os indivíduos e a sociedade,
e o papel do símbolo e dos significado compartilhado como ponto de
17A TRAJETÓRIA TEÓRICA
união na sociedade, A preocupação voltava-se, sobretudo, para o
estudo da relação dos seres humanos com a situação social, e a
defesa da impossibilidade do comportamento ser estudado fora do
contexto e da percepção da pessoa sobre seu meio ambiente.
O segundo período ou idade da indagação surge após a
publicação de Mind, se/f and society. Nesta fase, apesar das idéias
singulares de Mead, duas escolas divergem entre si quanto à
maneira de abordar os conceitos da teoria: a Escola de lowa, sob a
orientação de Manford Kuhn, e a Escola de Chicago, liderada por
Herbert Blummer. Estas escolas discordam em relação ao campo
metodológico; a natureza do comportamento humano no que se
refere a liberdade ou determinação; a concepção do se/f e da
sociedade como processo ou estrutura; e quanto aos níveis da
interação simbólica (HAGUETTE, 1992).
Vale ressaltar que, apesar das divergências, ambos
concordam com os princípios fundamentais do interacionismo
simbólico, ou seja, a tríade mente, eu e sociedade, em que
sociedade é vista como consistindo de pessoas em ação, capazes de
fazer indicações para si mesmas, dado possuírem um eu. O eu
representa um organismo que responde aos outros como a si e que
surge da interação social. Nestes termos, a sociedade precede a
existência do eu e representa o contexto no qual ele surge e se
desenvolve, sendo a mente, por conseguinte, o processo que se
manifesta sempre que o indivíduo interage consigo próprio usando
símbolos significantes.
Contendo um núcleo de premissas comuns sobre
comunicação e sociedade, a abordagem interacionista focaliza a
dinâmica das atividades sociais entre as pessoas, ou seja, a
natureza da interação, o que nos dá uma imagem mais ativa do ser
humano recusando a idéia de organismo passivo, determinado, que
simplesmente responde a ação do outro de forma mecanicista. Para
ela, o comportamento humano, cujo fundamento precípuo está no ato
social, é autodirigido e observável em 2 sentidos: o simbólico e o
18A TRAJETÓRIA TEÓRICA
interacional, o que possibilita ao indivíduo programar suas ações em
relação ao outro, dando significado aos objetos utilizados na
realização de seus planos (IVHNAYO, 1993),
O interacionismo simbólico vê o comportamento humano
como uma construção da pessoa no decorrer de sua ação, uma vez
que cada ator, ao perceber a intenção dos atos do outro, constrói
sua própria resposta. Os atos podem ser breves ou concebidos como
um plano de vida. De uma maneira elementar, pode-se dizer que o
ato social é uma relação tríade que se inicia com o gesto de um
indivíduo, uma resposta aberta ou encoberta a esse gesto por outro
indivíduo e uma resultante do ato - a ação - que é compreendida ou
imaginada por esses indivíduos em interação (LITTLEJOHN, 1988).
Esse processo envolve uma atividade mental que vai deste a
percepção à atribuição do significado, passando por uma repetição e
ponderação mental que termina com uma definição de situação, que
THOMAS apud HAGUETTE (1992) conceitua como estágio de exame
e deliberação preliminar a qualquer ato de comportamento
autodeterminado.
Mead estima que o comportamento humano é uma
resposta às intenções e não as atividades dos outros, e que essas
intenções são repassadas através de gestos passíveis de
interpretação, ou seja, gestos simbólicos. Tais gestos, ao assumirem
um sentido comum, ao adquirirem um elemento linguístico, são
qualificados como símbolos significantes. A sociedade humana é,
portanto, vista como uma série de interações cooperativas que se
estabelece na base do consenso, de sentido compartilhado sob a
forma de compreensão e expectativas comuns fHAGUETTE, 1992),
Símbolos são definidos como objetos sociais usados pelo
ator para comunicar ou representar alguma coisa, e são
estabelecidos através da interação do ator consigo e/ou com outros.
Eles envolvem uma compreensão mais do que uma simples resposta
à sua presença.
19A TRAJETÓRIA TEÓRICA
A linguagem é considerada um tipo especial de símbolo,
uma vez que é usada para referir ou representar uma parte da
realidade. Portanto, símbolos são vistos como significativos,
importantes, arbitrários e convencionais (CHARON, 1989).
Neste sentido, MEAD(1 994) vê o interacionismo simbólico
como a troca de mensagens pelo uso de símbolos, que adquirem
significados através da interação entre membros de um grupo social,
sendo a linguagem o mecanismo básico de desenvolvimento da
Mente e do Eu, bem como nosso sistema simbólico primordial.
As quatro idéias básicas do interacionismo, aceitas por
seus principais teóricos, tomam em consideração o fato de que:
sociedades são constituídas de indivíduos em interação; indivíduos
são compreendidos como agindo no presente, influenciados não pelo
que aconteceu, mas pelo que esta acontecendo agora; interação não
é somente o que acontece entre os indivíduos, mas também com o
indivíduo; os indivíduos direcionam suas ações baseados no que
percebem e avaliam do mundo que eles definem para agir.
Explicando a aliança entre sociedade e seres humanos,
SHIBUTANI apud CHARON(1 989), diz que:
Seres humanos id«ntificam-se com uma variedade do mundo sociais (grupos de referência, sociedade), aprendem através da comunicação (interação simbólica) de perspectivas (simbólica, sistema conceituai, cultura) desses mundo sociais, e usam essas perspectivas para definir ou interpretar as situações com as quais se depara.
Embora relevantes, percebe-se nos estudos clássicos
daqueles que representam a tradição intelectual interacionista a
ausência de um posicionamento metodológico que explique com
clareza o pensamento da abordagem, fato que levou HERBERT
20A TRAJETÓRIA TEÓRICA
BLUMMER (1969) ao compromisso de ampliar e aperfeiçoar tal idéia.
Fiel as idéias meadianas, ele se propõe a traçar um perfil da
natureza do ínteracionismo simbólico, identificar os princípios da
metodologia, no caso das ciências empíricas, e a tratar
especificamente com a postura metodológica do ínteracionismo
simbólico.
Em sua obra Symbolic Interactionism: perspective and
method, publicada em 1969, tem-se uma visão unificada de seu
pensamento. Apesar das formulações coerentes com as de MEAD,
ele ressalta
Ftii compelido a desenvolver a minha própria versão tratando explicitamente de muitas questões cruciais que estavam somente implícitas no pensamento de MEAD e outros, e cobrir tópicos críticos pelos quais eles não estavam interessado.
Ao dar continuidade à tradição humanista de MEAD, o
autor vê o homem como um ser inovador, criativo, de comportamento
imprevisível e indeterminado, livre para perceber a essência da
relação homem-sociedade; confere ao significado importância
fundamental no comportamento humano e inicia seu pensamento
sobre a natureza do ínteracionismo simbólico a partir de três
premissas básicas:
1)Os seres humanos agem em relação às coisas na base
do significado que as coisas têm para eles, coisas aqui
referidas como tudo aquilo que o ser humano percebe
em seu mundo, ou seja, objetos físicos, outros seres
humanos, categorias de seres humanos
(amigos/inimigos), instituições guias de idéias
(honestidade, independência), atividade dos outros e
21A TRAJETÓRIA TEÓRICA
outras situações que o indivíduo depara no seu dia-a~
dia.
2) Este significado é derivado ou surge da interação social
que o indivíduo estabelece com seus companheiros;
3) Este significado é manipulado e modificado através de
um processo interpretativo usado pela pessoa ao tratar
com as coisas que ela encontra.
Nestes termos, faz uma crítica à ciência sociai e à
psicologia pelo fato de esses saberes menosprezarem a importância
do significado no comportamento humano, uma vez que, nestas, o
significado é compreendido como inerente ao objeto ou como
resultado de certas orientações psicológicas da pessoa. Para estas
ciências, o comportamento humano é produto da ação de vários
fatores como estímulos, percepções, posição e papel social, culturas,
normas, valores etc. sobre os indivíduos. Para o ínteracionismo
simbólico, entretanto, o significado surge da interação entre as
pessoas, ou seja, ele se forma e deriva no contexto da interação
social. O significado das coisas para uma pessoa surge do modo
como outras pessoas agem em relação a estas coisas.
A utilização do significado, todavia, implica uma
interpretação que abrange dois momentos: primeiro a pessoa aponta
para si as coisas em direção das quais esta agindo, nomeando as
que têm significado. Ao realizar este ato, a pessoa interage consigo
de forma diferente daquela na qual interagem os elementos
psicológicos. Isto representa um processo social de ínternalização
no qual a pessoa se comunica consigo. Segundo, em decorrência, a
interpretação se torna um problema de manipulação do significado
através do qual a pessoa seleciona, confere, suspende, reagrupa e
transforma os significados, com base na situação em que se
encontra, e da direção de sua ação. A interpretação é, pois, um
processo formativo de guia e organização da ação.
22A TRAJETÓRIA TEÓRICA
Baseado nas premissas propostas por BLUMER (1969) ao
procurar apresentar a armação de seu pensamento, o interacionismo
simbólico necessariamente tende a desenvolver um esquema
analítico acerca de certas idéias básicas relacionadas com a
natureza da vida em grupo ou sociedade, objetos, ser humano como
ator, ação humana e interconexão das Unhas de ação que, juntas,
representam a visão da abordagem interacionista sobre a sociedade
e a conduta humana.
Sociedade ou vida humana em grupo consiste de
indivíduos engajados em ações, definidas como as múltiplas
atividades desenvolvidas pelos indivíduos em suas vidas quando
encontram uns com outros e como eles lidam com as sucessivas
situações com que se confrontam. Sociedades existem em ação e
são vistas em termos de ação; logo, sociedade ou vida humana em
grupo nasce de interações individuais cujas atividades de seus
membros consistem na resposta de um ao outro ou em relação ao
outro.
Os indivíduos podem agir individualmente, coletivamente,
em benefício de alguma coisa, como representante de algo, como
organizações ou grupos, e ao interagir uns com os outros, têm que
levar em conta o que o outro está fazendo ou prestes a fazer,
dirigindo sua conduta ou lidando com as situações em termos do que
levam em consideração. Em face das ações do outro pode-se
abandonar, revisar, cotejar ou suspender, intensificar ou substituir
uma intenção ou propósito.
Outro aspecto do pensamento de MEAD diz respeito à
necessidade de as partes interagentes assumirem o papel um do
outro (taking the role of other). Para apontar a outro o que ele está
fazendo, o indivíduo tem que fazer a indicação do ponto de vista
deste outro. Ele imagina a perspectiva do outro, comunica essa
perspectiva para si baseado no que ouviu e viu do outro. O role
taking é parte integrante de toda interação e comunicação efetiva de
símbolos, visto ser necessário para compreender o outro e ser
23A TRAJETÓRIA TEÓRICA
compreendido pelo outro. Ao fazer indicações a outro, o indivíduo o
faz indicando objetos significativos para ele e que fazem parte do
seu mundo.
O mundo das pessoas consiste de objetos. Objeto, no
sentido de seu significado, são as criações sociais formadas a partir
da definição e interpretação realizadas através da interação humana.
Tomando em consideração que objeto é qualquer coisa que pode ser
indicada ou referida, BLUMER(1969) o classifica em três categorias.
Os objetos são: físicos (coisas), sociais (pessoas) e abstratos
(idéias). A natureza dos objetos consiste do significado que estes
têm para a pessoa no qual é um objeto, tendo significados diferentes
para pessoas diferentes. Os objetos não tem status fixo, exceto
quando seu significado é mantido através das indicações e
definições feitas pelas pessoas. Desta maneira, a vida de um grupo
humano, na concepção interacionista, é divisada como um grande
sistema de formação, sustentação e transformação de objetos, que,
na medida em que alteram seu significado, modificam o mundo das
pessoas.
Dada a sua capacidade de interagir consigo, diz-se que o
ser humano tem um Eu (se/f), significando que ele pode agir em
relação a si, tal como pode agir em relação a outro. Deste modo, o
indivíduo pode ser objeto de sua ação e como auto-objeto emerge
também da interação social, em cuja realização as pessoas o
definem para si. Para ver-se (a si) o indivíduo deve colocar-se no
lugar do outro (role taking) ou no lugar de outros (generalized other),
vendo-se e agindo através desta posição. Percebemo-nos da mesma
forma que os outros nos vêem ou nos definem.
De acordo com BLUMER(1969), o ser humano é um
organismo que lida com o que observa e não apenas responde aos
fatores que sobre ele atuam. Seu comportamento em relação ao que
observa é uma ação que surge da interpretação feita através da
auto-indicação, ou seja, ele percebe, internaliza, interage, avalia e
então constrói sua linha de ação.
24A TRAJETÓRIA TEÓRICA
A ação humana consiste, pois, em levar em consideração
as várias coisas que se percebe e construir uma linha de conduta na
base de como foram interpretadas. As coisas levadas em
consideração incluem desejos e vontades, objetivos e meios
disponíveis para sua consecução, ações previstas de outros, a
própria imagem etc. Com efeito,
Dadas linhas de ação podem ser iniciadas, ou estacionadas, elas podem ser abandonadas ou adiadas, elas podem ser reduzidas a um simples planejamento, ou sonho de vida interior, ou se iniciada, elas podem ser transformada.
Em síntese, com relação à natureza da ação, ele diz:
... devemos reconhecer que as atividades dos seres humanos consistem no enfrentamento de uma sequência de situações nas quais eles devem agir, e que suas ações são construídas na base do que eles notam, de como eles avaliam e interpretam o que eles notam, e do tipo de linha de ação projetadas que eles planejam.
Esta óptica de ação humana aphca-se tanto para a ação
individual como para a ação conjunta ou coletiva (Joint action) que
consiste em indivíduos adaptarem, combinarem, suas linhas de ação
às de outros membros do grupo, sem perder tal comportamento
conjunto o caráter de ser construído através da interpretação no
encontro de situações nas quais a coletividade é chamada a agir. A
ação conjunta resulta na interação dos diversos processos
interpretativos feitos pelos indivíduos ao interagirem consigo e com
25A trajetória teórica___________________________________________________________
os outros. Este movimento conjunto é composto da atividade de
linhas diversas de ação dos indivíduos que têm a qualidade de
tornar a união das ações individuais distinta do somatório destas
ações; embora exiba aparentemente formas estáveis e repetitivas de
ação social, cada uma de suas etapas tem que ser formada
novamente, há de ser operada através de nova formação. Isto
permite aos indivíduos dividir significados comuns e
predeterminados sobre as expectativas de ação dos participantes,
sendo que cada participante tem condições de, à luz destes
significados, direcionar o próprio comportamento.
Em paralelo a esta análise, BLUMER (1969) formula três
observações básicas a respeito das interconexões que constituem a
ação conjunta. A primeira adverte-nos sobre a tendência das visões
dominantes na literatura das ciências sociais de achar as formas
repetitivas desta ação como a essência da vida humana em grupo,
acreditando que a sociedade humana existe na aderência a um
conjunto de regras, sanções, valores e normas, que especificam as
ações do indivíduo frente a determinadas situações.
As novas situações decorrem frequentemente de
problemas presentes, que exigem redefinições e ajustamentos, uma
vez que os significados que mantém esta ação têm vida própria. É o
processo social na vida em grupo que cria e sustenta as regras, não
as regras que criam e sustentam a vida em grupo.
A segunda consideração refere-se á ampla natureza das
interconexões, sendo que ~ e isto é importante - instituições ou
redes não funcionam automaticamente por causa de certas
dinâmicas ou sistemas de requerimento; funcionam porque as
pessoas, em diferentes momentos, fazem alguma coisa, e o que elas
fazem é resultado de como definem a situação na qual são chamadas
a agir.
A terceira nota diz respeito à importância do background
das pessoas para formar a ação conjunta. Uma nova ação nunca
ocorre separada do mundo de objetos, conjunto de significados e
A TRAJETÓRIA TEÓRICA
esquemas de interpretações que o indivíduo possui. A nova forma
de ação conjunta emerge e está sempre conectada ao contexto da
ação conjunta anterior, porquanto ela não pode ser compreendida à
parte deste contexto.
Um último aspecto a ser abordado por BLUMER(1 969)
refere-se à metodologia através da qual mostra a luta do
ínteracionismo simbólico pelo respeito à natureza do mundo empírico
e pela organização de procedimentos metodológicos que exprimam
este respeito, uma vez que sustenta estar a própria natureza do
ínteracionismo simbólico contida em seu método.
O autor lembra que está lidando com o ínteracionismo
simbólico dentro de uma perspectiva de ciência social e empírica
destinada a fornecer um conhecimento verificável da vida humana
em grupo e sobre a conduta humana, e não com uma doutrina
filosófica. Para ele, o básico para a ciência do comportamento deve
ser o mundo empírico, disponível para observação, estudo e análise,
ponto central de preocupação do pesquisador, fonte de partida e
locus de chegada da ciência empírica.
Nesse mundo empírico se encontra a realidade e somente
nele ela pode ser procurada e verificada. Coerente com as ideações
interacionistas é o postulado idealista de que o mundo da realidade
só existe através da experiência humana e que aparece somente sob
a forma de como os seres humanos veem este mundo. A ciência
empírica objetiva apreender imagens do mundo empírico sob estudo
e testá-las por meio do minucioso exame do próprio mundo empírico.
A metodologia compreende preceitos ocultos que
orientam o processo total do estudo de caráter persistente de um
dado mundo empírico, e não apenas de alguns aspectos
selecionados deste estudo. Os métodos de estudo são
subservientes a este mundo e por ele testados; a última e decisiva
resposta a este teste deve ser dada pelo mundo empírico e não por
alguns modelos de investigação científica.
■? 7A TRAJETÓRIA TEÓRICA
O método da ciência empírica envolve o aprofundamento
do ato científico, incluindo as premissas iniciais, bem como todos os
passos dos procedimentos incluídos naquele ato. Deste modo, a
investigação em sua forma ideal deve consistir de seis aspectos
indispensáveis à ciência empírica, quais sejam:
1) a possessão e o uso de uma visão prévia ou esquema
do mundo empírico sob estudo;
2) a elaboração de questões do mundo empírico e a
conversão das questões em prob/ema;
3) a determinação dos dados a serem co/etados e os
meios que serão utilizados para fazê-los;
4) a determinação das relações entre os dados;
5) a interpretação dos resultados; e
6) o uso de conceitos.
Após esse delineamento das bases teóricas das idéias
interacionistas, enfatizadas nas concepções de BLUMER(1 969), não
será demais acrescentar que essa é uma abordagem realística da
conduta humana, segundo a qual indivíduos em interação contínua
consigo e com os outros constroem o significado como fonte
orientadora de suas ações, subsídio valioso para meu estudo.
Ao finalizar este capítulo, é essencial que se tenha em
mente a visão interacionísta sobre vida em grupo e ação social,
sintetizada pelo autor em quatro conceitos principais:
1) as pessoas, individual ou coletivamente, estão
preparadas para agir à base dos significados
dos objetos que compreendem seu mundo;
2) a associação das pessoas se dá,
necessariamente, sob a forma do processo no
qual elas estão fazendo indicações uma à outra
e interpretando as indicações uma da outra;
A TRAJETÓRIA TEÓRICA
3) os atos sociais, não importa se individuais ou
coietivos, são construídos através de um
processo no qual os atores percebem,
interpretam e avaliam as situações com as quais
se deparam;
4) a interconexão complexa dos atos que
compreendem organizações, instituições, divisão
de trabalho e redes de interdependência, são
questões móveis e não-estáticas.
Assim sendo, inúmeros pontos obscuros do significado
podem ser compreendidos através das novas perspectivas abertas
pela maneira como o interacionismo simbólico nos ensina a pensar.
Por esta razão, esta teoria norteou minha trajetória na análise dos
dados para descoberta e entendimento cristalino do que significa
para a mãe o ato de doar o filho.
TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
3. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
A significação é vivência pessoal de um sujeito, pois é por eie experimentada, mas é ao mesmo tempo de valor universal, pois pode ser vivenciada por outros sujeitos.
CAPALBO
Decidido o tema, iniciava-se agora o longo caminho de
busca às respostas para as tantas questões que me afligiam, visto
ser a indagação, segundo BUSSINGUER (1990), parte que emerge,
não apenas em um ponto inicial da caminhada, mas que permanece,
mesmo à medida que se avança em amplitude e profundidade.
Esse trajeto começa quando me posiciono interrogativa
frente ao significado, para a mãe, da doação de filho e procuro na
literatura pertinente encontrar outros autores que dividam comigo as
mesmas inquietações. Após exaustiva pesquisa nos sistemas de
busca da Universidade (COMUT, LILACS, MEDELINE, ABSTRATS,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, PRODASEN...) descobri a enorme
lacuna existente no que concerne ao problema da doação de filhos.
Nesta fase exploratória, investigativa da doação, para
que tivesse uma visão geral do problema considerado, busquei
matérias em jornais e revistas, realizei entrevistas com juizes,
profissionais especialistas na área, antropólogos, sociólogos;
contatei enfermeiras, médicos e assistentes sociais que convivem
com situações de doação; recorrí a processos jurídicos relacionados
í?
31TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
3
1
l ao problema, visitei instituições como o S.O.S. Criança, Delegacia
da Mulher e Juizado da Infância e Juventude,
Nesta época, busquei contatar mães doadoras,
objetivando a construção do mundo empírico proposto por
BLUMER(1 969), bem como possíveis colaboradoras quando da
coleta de dados, Para isso, realizei um levantamento nos processos
de doação do Juizado da Infância e Juventude, registrados no
período de junho de 1994 a junho do ano seguinte, tendo
identificado 31 mães doadoras.
Reunidas, analisadas e organizadas todas as informações
em um dossiê, mais uma vez constatei que os raros dados
encontrados, em sua essência, estão relacionados à sua
contrapartida, a adoção, apreendendo o conhecimento do todo de
forma imprecisa e inacabada, como referido de antemão.
Entretanto, precisavamos de mais dados para subsidiar a
construção do mundo empírico vivido pela mãe doadora, fato que me
levou a optar pela revisão de literatura de três temas que, na minha
percepção, se relacionam com o estudo como causas e
consequência ~ gravidez indesejada, gravidez na adolescência e
adoção.
Agora, minhas preocupações se voltavam para a
necessidade de conseguir amostras de mães adolescentes, visto ser
do conhecimento comum serem estas as que mais doam, fato que me
ievou, em um primeiro momento, a fazê-las sujeito único de meu
estudo. Posteriormente, como não se comprovou na prática este a
priori, adotei como sujeitos do estudo mães que haviam doado filhos
em algum momento de suas vidas, ou estavam prestes a fazê-lo, uma
vez que algumas ainda se encontravam internadas na maternidade.
Após a alta hospitalar, voltava a manter contato com estas mães que
me confirmavam a doação, exceto uma, que reverteu a intenção de
doar após ter o aceite dos patrões para criar o filho, sendo, portanto,
excluída do estudo. É importante salientar que encontrei mães que
haviam doado seus filhos há longo tempo (20 anos), não vendo
TRAJETÓRIA metodológica
diferença relevante quanto às reações e significados no trato do
tema em relação às doadoras recentes.
Quanto à coleta de dados, a proposta inicial era de
realizá-la em três cenários distintos: o Hospital Geral de Fortaleza,
Juizado da Infância e Juventude, e Maternidade-Escola da
Universidade Federal do Ceará. O primeiro justificava-se por ter
sido cenário preliminar de meu estudo e pela possibilidade de rápida
locomoção até lá. Em relação ao Juizado da infância e Juventude, a
decisão decorreu por acreditar que, sendo o órgão especializado,
inclusive referido em entrevistas por profissionais locais, a
instituição apresentaria registro de razoável demanda.
Posteriormente, os dois foram descartados: O Hospital,
por se encontrar em reforma de instalação, com reduzido número de
leitos, atendendo apenas os casos de urgência, enquanto o Juizado
da infância e Juventude não referendou as informações das
entrevistas, tendo registrado, contrariamente, pequena demanda,
dado que a maioria dos casos era de crianças abandonadas em
residências de terceiros, ou em decurso de adoção.
Ainda assim, realizei a tentativa de contatar as 31 mães
identificadas no levantamento inicial, o que foi realizado apenas
duas, porquanto as outras haviam mudado de endereço, a instituição
que as abrigava fechara, as patroas não permitiram a entrevista ou o
endereço não conferia. No entanto, estas duas não fizeram parte do
trabalho porque se recusaram a conceder entrevista.
A Maternidade-Escola, por sua vez, fundamentava-se
pela média de mil(1000) partos mensais, absorção de 163 leitos de
maternidade (dos 300 existentes em Fortaleza destinados à
população carente), e o grande número de atendimento externo:
aproximadamente 28.000/mês.
Além destes dados, pesava o fato de ser a Maternidade-
Escola Assis Chateaubriand a instituição onde desenvolvo minhas
atividades de docente e, por conseguinte, ter maior facilidade de
acesso às informações e cooperação da equipe multiprofissional.
33trajetória metodológica
Num primeiro momento desta coleta, tomei contato com
os profissionais da Maternidade-Escola, explicando-lhes os objetivos
do estudo, oportunidade em que solicitava a cooperação deles no
sentido de se comunicarem comigo tão logo alguma mãe
expressasse o desejo de doar o filho. Para que esta comunicação
fosse realizada, afixei cartazes em todos os setores, indicando
telefone e local onde poderia ser encontrada, além de realizar
visitas diárias, nos dois turnos, a todos os setores da Instituição.
Em razão da receptividade e divulgação do trabalho, aos
poucos começaram a surgir os primeiros sujeitos do estudo. Após
me apresentar e convidá-las a participar da entrevista, explicava de
forma sucinta o objetivo do trabalho, demonstrando meu interesse
em escutar suas experiências e vivências, como mãe que doou ou
doaria o filho, numa expectativa de ajuda a outras mães que
porventura viessem a passar por semelhante situação.
Em seguida a essa abordagem era ressaltada à
informante meu respeito à sua autonomia e livre arbítrio na
aquiescência ou não á entrevista, garantindo, por conseguinte, o
sigilo e o anonimato das falas em deferência aos aspectos ético-
legais dos direitos humanos, bem como que não seriam submetidas a
julgamentos ou censuras.
Vale ressaltar que, a príori, não houve o estabelecimento
de um número fixo de participantes, dado ser a convergência das
falas indicando o desocultamenío do significado em questão,
características próprias da abordagem qualitativa, a condição básica
determinante da amostra.
Nestes termos, a inclusão na amostra foi se fazendo à
medida que eu ia identificando e contatando essas mães,
pessoalmente ou através de indicações feitas por enfermeiras,
auxiliares de enfermagem, assistentes sociais, médicos, outras mães
doadoras, alunos, amigos e líderes da comunidade. Este fato me
levou a ampliar o cenário para domicílios, centro comunitário e meu
próprio loca! de trabalho (Departamento de Enfermagem do Centro
34TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
de Ciências da Saúde da Universidade Federai do Ceará), já que
algumas mães assim preferiram.
Para captação das falas, fiz uso de gravador por entender
ser este o melhor meio de garantia de fidedignídade de reprodução
do pensamento e por me possibilitar maior atenção à entrevistada,
porquanto estaria livre de anotações durante o diálogo. Entretanto,
sabedora de sua limitação como agente inibidor, não fiz de seu uso
condição imprescindível ao meu trabalho. Caso não houvesse
concordância com o emprego desse equipamento, a entrevista, ainda
assim, se realizaria, sendo as falas registradas logo após o término
da conversa.
Para quebrar um pouco o gelo, deixando-as mais à
vontade e confiante frente ao gravador e a mim (uma vez que quase
todas aceitaram ser entrevistadas no mesmo dia do contato, já que
não gostariam de retomar o assunto posteriormente, em seus lares
ou empregos), fiz crer a elas que a entrevista seria na verdade uma
conversa sobre seu cotidiano, suas alegrias, angústias e
preocupações.
Como instrumento para coleta sistemática dos dados,
pratiquei observações livres, diário de campo e uma entrevista
semi-estruturada (anexo), fundamentada em três itens básicos -
identificação, gravidez e doação - no qual procurei explorar todas as
possibilidades exprimidas com relação ao tema em estudo,
considerando que o que se encontra na consciência da mãe só pode
ser captado a partir da análise e interpretação de sua fala, da sua
visão de mundo.
De acordo com KAHN e CARNNEL apud MINAYO (1993),
entrevista em pesquisa consiste de
conversa a dois, feita por iniciativa do entrevistador, designada a fornecer informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e entrada (pelo entrevistador)
35TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
em temas igualmente pertinentes com vistas a esse objetivo.
Nestes itens, busquei saber seu nível de escolaridade,
profissão, procedência; de que modo foi sua infância e adolescência,
como é seu dia-a-dia; de que maneira é composta sua família e de
que forma se relaciona com seus membros; com quantos meses
descobriu a gravidez; qual a reação do companheiro, família e ciclo
de amizade frente a esta gravidez; quando e como surgiu a idéia de
doar o filho; o que a doação significou para ela etc.
A preferência por este instrumento para obtenção das
descrições fundamentou-se em MARTINS a BICUDO (1989), que
afirmam:
Sempre que se desejar desocultar a visão que uma pessoa possui sobre uma determinada situação, é preciso que se lance mão de recursos que a entrevista fornece. Ela é a única possibilidade que se tem de obter dados relevantes sobre mundo-vida do respondente.
Durante a realização das entrevistas, procurei
constantemente atingir um clima de cooperação, colocando-me no
lugar do outro, não assumindo qualquer postura de distanciamento
ou dispersão do assunto que viesse a fragmentar ou cessar o
pensamento, a fala. Para isto, recorria, sempre que possível, a
ambientes que me garantissem liberdade, privacidade, conforto e
redução de sons externos.
Nesta etapa, uma dificuldade encontrada como
entrevistadora foi de conter minha ansiedade frente às situações de
36TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
choro, silêncio e questionamentos. Tinha que estar atenta aos
gestos, mutismo, posturas e expressões, símbolos não verbais da
linguagem, que apesar de não serem objeto de nosso estudo, muitas
vezes nos dizem mais que as palavras. Intervenções eram feitas,
quando necessárias, de forma a esclarecer a compreensão de certas
expressões e/ou colocações, sem, contudo, perder-se o respeito à
individualidade do entrevistado.
De acordo com CARVALHO (1987):
Compreender o pensamento do outro em uma entrevista é também entender o silêncio que se faz comunicação e que é discurso e estilo, presença e engajamento, e que faz germinar a reflexão profunda desde o interior e que se abre para o mundo. Esse silêncio não é cassação da palavra, mas imersão no ser. Não indica a incapacidade do discurso ou de discursar, mas a possibilidade de efetuar a fissura no tempo e reaprender a vida para se decidir de outras maneiras, recriar novas formas de existência, reaprender a visão do passado e trazê-la no presente de tal sorte que reelabore seu futuro com um desenho novo do passado.
Deste modo, tentei, na medida do possível, manter uma
atitude compatível com um investigador cientifico, dado que a
abordagem qualitativa me dá oportunidade de construir e refazer a
trajetória da descoberta do significado.
A coleta dos dados foi procedida no período de março a
junho de 1995, tendo sido o estudo realizado com 19 mães, uma vez
que a quantidade de depoentes na pesquisa qualitativa não se
reveste, inevitavelmente, de valor significativo.
37TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
Neste contato de uma com a outra, vaie destacar que as
decisões, quanto à condução da entrevista, foram sempre tomadas
de comum acordo: horário, local, tempo de duração, gravação etc.
conforme conveniência das mães.
Após o término das entrevistas, estas foram transcritas
na íntegra, omitindo-se apenas os nomes, em respeito ao meu
compromisso ético. Para esta tarefa, contei com a colaboração de
bolsistas, em razão da premència do tempo, o que não me impediu
de fazer as revisões posteriores.
Das 29 mães contatadas, 10 foram excluídas: por não
apresentarem condições físicas e mentais, duas; por se recusarem,
temendo um escândalo público em razão das frequentes notícias
veiculadas pelos meios de comunicação quanto ao tráfico de
crianças, quatro; por não quererem relembrar o fato, três; e por ter
revertido a idéia de doar, uma.
Ao findar esta caminhada na construção e absorção do
mundo empírico vivido pela mãe doadora, parti para a análise dos
dados. Minha capacidade de observador volta-se agora para a
sensibilidade de compreender o significado que se encontra de
forma aparente na doação de filho.
O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
4. O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
4.1 Revelando as Flores
.., ó poesia me ajude vou colher avenças lírios. rosas, dálias petos campos verdes que você batiza de jardim-do-céu mas pode ficar tranqüíta minha poesia pois nós voltaremos numa estreia guia num darão de iua quando serenar....
Paulo C. Pinheiro/João de Aquino
Compreender o significado dentro da abordagem
interacionista de EJLUMER(1 969) implica a necessidade de se
conhecer o contexto sócio-econômico e cultural vivido pela mãe
doadora, uma vez que, ao me colocar em sua posição (role taking),
tenho possibilidade de compartilhar suas perspectivas frente às
situações confrontadas no seu cotidiano de vida em grupo.
Nesta vivência de aprendizagem, descobri através dos
discursos, os significados dados pela mãe ao seu mundo de objeto,
porquanto esses significados permeiam suas interpretações e surgem
40O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
basicamente da maneira como eles lhe são definidos pelas pessoas
com quem interage.
Pensando assim, e para melhor compreensão do estudo, é
que decidi traçar de forma sucinta um perfil dessas mães doadoras,
seu mundo e suas experiências, conforme os dados colhidos nas
entrevistas e observações livres.
Usando do próprio referencial teórico que exalta a
simbología dos gestos e um respeito à ética, optei por identificar as
mães com nomes de flores, como símbolo de delicadeza do tema,
além de ser a mulher frequentemente associada à fragilidade e
ternura das flores.
Quem somos? Como vivemos?
Eu faço minha casinha tão degre e bonitinha para meu bem vir morar... üo !ado farei jardim cheio de lírio e jasmim para meu amor cheirar,
José Mauro Vasconcelos
Jasmim. jovem de 18 anos, nasceu em Fortaleza e vive
com a mãe, o padastro e dois irmãos mais novos. Estudou até o 2o
grau, abandonando os estudos por causa do filho que cria. No
momento, está desempregada e se preparando para prestar concurso
na Marinha. É atleta de volibol, gosta de sair e mantém há quatro
anos um relacionamento homossexual escondido da família e amigos.
Pressionada por estes que desconfiavam de sua preferência sexual,
arranjou um namorado mais velho, casado, que após duas relações
sexuais, a engravidou. O companheiro negou a paternidade,
41O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
desaparecendo após o parto. Um ano depois, para comprar uma
bicicleta para a parceira, trocou “favores” com um ex-patrão tendo
engravidado novamente. Com medo da reação da família e da
parceira, escondeu de todos a gravidez até o sétimo mês, quando
teve a criança. É revoltada com o pai por não tê-la assumido como
filha. Durante a entrevista, sua parceira apareceu na maternidade,
raivosa por ter sido enganada, ameaçando de abandoná-la, fato que
a deixou desesperada. Posteriormente, mantive contato com ela,
tendo sido informada de sua expulsão de casa e da doação do filho.
Hortênsia, de 20 anos, é procedente do interior. Teve
quatro gestações e três filhos de pais diferentes, tendo a filha mais
nova dois anos de idade e 0 filho mais velho três. Provocou um
aborto. Faz a 6a série do 1o grau e trabalha como empregada
doméstica há três anos. Foi criada pelos avós e tem uma relação de
cumplicidade com a mãe, visto ter descoberto ser fruto de um
relacionamento escondido da mãe com um cunhado casado, fato que
a revolta e a faz sentir-se diferente dos outros irmãos. Engravidou a
primeira vez aos 16 anos, após uma única relação, a segunda vez
para se vingar do pai do primeiro filho, que é também 0 pai do
terceiro, (mas que não sabe, pois ela escondeu dele, visto ele haver
se juntado a uma outra pessoa, grávida de mesmo tempo que ela). A
idéia de doar sempre esteve presente, desde o primeiro filho, mas só
decidiu pela doação no último, por quem diz não sentir nenhum
amor, nem acreditar que o teve. Os dois filhos são criados pelos pais
no interior. Doou após 0 parto.
Azaíéia, 21 anos, é natural do Maranhão, tem três filhos,
é balconista, mas está desempregada. Estudou até o 3° ano do 1°
grau. Foi criada pela irmã mais velha, que a maltratava. Sente
revolta dos pais por tê-la dado para a irmã. É filha bastarda da mãe,
mas gosta mais do padastro do que da própria mãe. Aos 13 anos foi
420 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
estuprada por um sobrinho mais velho (18 anos), a quem tinha visto
pela primeira vez. Acha que a cunhada desconfiou da agressão do
filho mas encobriu. Durante a entrevista, Azaléia revelou ser eu a
primeira e única pessoa a tomar conhecimento do fato. Casou aos 14
anos e enviuvou aos 17, após o assassinato do marido, ficando com
duas crianças pequenas, que são criadas pelos avós. Veio para
Fortaleza morar com tios há dois anos. Engravidou na ilusão de que,
o namorado ia aceitar o filho, com a esperança de que ele mudasse
de opinião, pois sempre rejeitou a idéia de ter um. Tentou o aborto,
mas desistiu, preferindo doar. Escondeu a gravidez da família por
medo de ser expulsa de casa, tendo se refugiado na casa de uma
prima. Doou o filho após o parto e continuou o namoro.
... E no jardim da vida ressecou, morreu, do pé que brotou Maria nem Margarida nasceu
Chico Buarque de Holanda
Margarida, 17 anos, primeiro filho, é de prendas do lar e
no momento faz o supletivo (6a série). Procedente do interior,
engravidou depois de um mês de relações instáveis, tendo ocultado
da família até após a doação. O pai da criança quis assumir, mas ela
rejeitou e fugiu em decorrência das violências físicas sofridas. Não
tinha planos com o namorado e atualmente vive um terceiro
relacionamento, tendo se juntado ao companheiro atual no sexto mês
de gestação. Mora com a família do parceiro. Doou o filho há 2 anos,
após o parto.
43O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Õ jardineira por que estais tão triste, mas o que foi que te acontedeu? Foi a Camélia que caiu do galho, Deu dois suspiros eDepois morreu ■
Camélia, tem 22 anos, é procedente do interior, e está
gravida de sete meses, do segundo filho. Estudou até a 2a série do
1o grau e é empregada doméstica. Refere ter tido uma infância e
adolescência sofrida, pois sentía-se rejeitada pela mãe, não sabendo
explicar o porquê. Aos 16 anos, o pai submeteu-a a exame médico
para confirmação de sua virgindade à vizinhança. Teve relações
sexuais para satisfazer o namorado, que dizia desconfiado de sua
preferência sexual, engravidando logo após os 17 anos. A mãe, ao
descobrir a gravidez, tentou fazê-la abortar. Não conseguindo, foi
mandada para Fortaleza a fim de esconder a gravidez e não
“desonrar" a família. Os filhos são do mesmo pai, que só vê nas
férias e desconhece as duas gravidezes. Sente vergonha por não
evitar a gravidez e ser mãe solteira, apesar de dizer que não quer
casar para “sofrer de marido", uma vez que seu pai agride
constantemente sua mãe, tendo feito abortá-la três vezes e agredido
um filho recém-nascido, que veio a falecer. Doou o primeiro para se
vingar dos pais e doará este, pois a patroa não a aceita com filho. A
família desconhece esta gravidez. Camélia soube de meu estudo e
procurou-me para ser entrevistada, trazendo-me posteriormente uma
amiga para o mesmo propósito. Doou após o parto.
44O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
<í Perfídia, mandaste, em trocaeu não esquecí, das rosas, as orquídeas, as violetas, que eu dava a ti...
Lamartine Babo/Alberto Dominguez
Orquídea, 22 anos, primeiro filho, balconista, estudou
até a 8a série. Saiu de casa aos 14 anos para morar só, por causa
do pai que a maltratava. Vivia em união consensual há um ano,
morava com os sogros e fazia uso de anticoncepcional. Ao aparecer
grávida, 0 companheiro negou a paternidade, abandonando-a. A
I sogra tentou fazê-la abortar mas recusou-se. Tem 16 irmãos e
escondeu a gravidez da família, tendo doado o filho uma semana
após 0 parto, quando este teve alta hospitalar.
■ I
Violeta tem 23 anos, primeiro filho, estudou até a 4a
| série. Abandonada pela mãe, passou, segundo ela, por diversas
mãos, até ser criada aos 3 anos de idade por uma família do interior. | Ao casar-se, os pais a registraram como adotiva, tendo os filhos
J legítimos se rebelado. Fez uso de anticoncepcionais escondida do
I parceiro, que, ao descobrir, proibiu 0 uso. Posteriormente, ao saber
da gravidez, negou a paternidade e a expulsou de casa. Rejeitada | pela segunda família e o parceiro, veio para Fortaleza atrás de| emprego para sobreviver. Trabalha como empregada doméstica e
■ |I voltou a estudar, mas a patroa já advertiu que não a quer com filho.| Doou 0 filho após o parto.
I
Vitória Régia tem 47 anos, é alfabetizada e de prendas
l domésticas. Teve nove filhos sendo quatro de pais diferentes.
45O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Nascida no interior, veio morar em Fortaleza após ser expulsa de
casa por ter engravidado, aos 18 anos, do pai do ex-noivo. Refere ter
tido uma infância e adolescência sofrida, visto seus pais serem
severos, não permitindo estudo, brincadeiras, festas e amizades. Ao
engravidar, foi espancada e trancada num quarto por vários meses e
alimentada uma vez ao dia, como castigo por ter desonrado a família.
Diz nunca ter dado nenhum filho e sim, "os outros que levavam” (com
seu consentimento). O primeiro deu com 13 dias e o segundo com 16
dias. Diz que deu este último porque o cunhado não a aceitava e em
contrapartida batia na irmã. O terceiro deu para os próprios país
criarem como castigo pelo que tinham feito a ela, no passado, já que
nunca os perdoou. Reencontrou o segundo filho após 20 anos. Hoje
vive uma união consensual há 16 anos, tendo 4 filhos deste
relacionamento.
Nada como ser rosa na vida Rosa mesmo as mesmo Rosa mdter todos querem muito bem à rosa Qm eu, todo «h tartón
Dorival Caymmi
Rosa tem 21 anos, é de prendas do lar e estudou até a
8a série quando engravidou. É de Fortaleza e mora com os pais e
duas irmãs mais velhas, tendo uma delas ao descobrir sua gestação,
a rejeitado, saindo de casa, pois se recusava a conviver com uma
“prostituta". A família escondeu a gravidez dos parentes e amigos,
mandando-a para a casa de conhecidos até depois do parto. Teve
apenas uma relação com o namorado, não tendo se prevenido por
não acreditar que iria engravidar. Só descobriu a gravidez no
terceiro mês. O namorado desconhece a gestação, pois viajou logo
460 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
após ter mantido a relação. Durante a entrevista, recusou-se a
segurar ou dar de mamar ao filho. Deu-o após o parto.
Bromélía nasceu em Fortaleza, tem 32 anos, 6 filhos,
estudou até a 8a série. Mora em uma favela com a mãe e o padrasto
alcoólatra. É adotiva e aos 13 anos foi estuprada por um amigo de
uma tia, tendo escondido o fato de todos, menos da mãe, por medo
do preconceito de não ser mais '‘moça". É. arrumadeira e vive de
emprego esporádicos, estando atualmente desempregada por causa
da gravidez. Separada do companheiro há vários meses, engravidou
após reencontrá-lo numa festa. Ao comunicar a gravidez a ele, este
negou a paternidade. Já havia doado um filho e estava doando
outro.
Perfume de Gardênia senti em tua boca perfume de gardênia, perfume de amor...
Gardênia, de 25 anos, tem 3 filhos de pais diferentes e
é empregada doméstica. Natural da Bahia, estudou até a 5a série.
Internada há 15 dias na MEAC* com infecção puerperal, após parto
com óbito fetal. Filha de país separados, tem pouco contato com o
pai. A mãe abandonou a família há quatro anos, não tendo mais
notícias deste então. Diz ter tido uma infância de violência, com
espancamentos, queimaduras e rejeição provocados por esta.
Começou a trabalhar aos 12 anos para sair de casa. Sente-se
complexada por causa de seu biótipo (negra, alta e gorda). Deu o
primeiro filho há seis anos com sete meses de idade, após o
padastro derrubá-lo da rede. O namorado sumiu após saber da
* Maternidade Escola Assis Chatcaubriand
47O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
gravidez. Vivia em união consensual há um ano, tendo acabado
recentemente por causa das violências sofridas do companheiro. Ao
sair da maternidade, não sabia para onde ir, pois a avó que a criou
não a queria mais com ela por temer vingança do seu ex-parceiro e
por ter tido outro filho.
Angélica, 19 anos, primeiro filho, é empregada
doméstica e estudou até a 6a série. Procedente do interior, mora há
vários anos em Fortaleza. Em razão de acidente na infância, é
deficiente visual de um olho, motivo de muito complexo. Tem
oportunidade de cura, mas diz ter medo da cirurgia. Fugiu de casa
aos 14 anos para vir morar com a madrinha e nunca mais voltou ou
teve notícias dos pais. Não gostava da mãe, pois lhe batia muito. Ao
engravidar com 18 anos, a madrinha não aceitou e tentou induzi-la
ao aborto. Não o fez por temer não dar certo e a criança nascer com
defeito. Na gestação, foi morar com amigas, não gostando de sair
porque sentia vergonha da barriga, O parceiro tentou montar casa
mas rejeitou, pois eram muito novos (ele tinha 15 anos) e ia se
“encher” de filhos. Doou o filho antes de 24 horas após o parto.
Magnólia, 24 anos, é procedente de Fortaleza, tem
quatro filhos e não trabalha. Parou de estudar na 6a série quando
engravidou. Filha de pais separados, foi criada pela avó, com quem
mora na favela com os filhos. É revoltada com o pai, que vive com
outra mulher de quem não gosta, pois a trata mal quando os visita. A
família não concorda com as gestações, uma vez que tem um
relacionamento violento com o companheiro que não trabalha, não
sustenta os filhos e é viciado em drogas. Doou a última filha com
quatro dias de nascida, há sete meses.
Perpétua, 40 anos, nasceu em Fortaleza, estudou até a
2a série e trabalha como garçonete de um prostíbulo. Teve 5 abortos
48O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
espontâneos e está grávida pela nona vez. Engravidou a primeira vez
com 14 anos para saber “a dor que urna mãe sente pelo filho” que
sua mãe tanto falava. Começou a trabalhar cedo tomando conta dos
11 irmãos. Posteriormente viveu nove anos em união consensual com
o pai de seus filhos, menos do último, que a deixou para casar-se
com outra. Nesta época, não trabalhava, pois o parceiro a
sustentava. Com a separação, teve que trabalhar, deixando os filhos
morando com a mãe, visitando-os semanalmente. Doou o filho com
nove meses de idade para sua patroa há quatro anos. Foi a única
entrevistada a doar legalmente.
... vou colher avenças, lírios, rosas, Mias pelos campos verdes...
Paulo C. Pinheiro/Joâo Aquíno
DáHa, 34 anos, procedente de Fortaleza, tem quatro
filhos, está grávida de oito meses e internada para observação com o
diagnóstico de amniorex prematura. Casou-se com 14 anos, sendo
mãe aos 15 anos. Separou-se do marido porque ele bebia e não
trabalhava. Com dois filhos, viveu em união consensual até descobrir
a gravidez, quando o parceiro foi embora, mandando-a “dar, vender”,
fazer qualquer coisa com a criança Mão trabalha e vive às custas
dos irmãos que a sustentam, razão por que se revoltaram quando
engravidou novamente, instigando-a à doação. Doou a filha cinco
dias após o parto.
Petúnía, de 25 anos, tem cinco filhos e parou de estudar
na 3a série para casar. Natural do interior, trabalha há seis anos
como empregada doméstica em Fortaleza. Pai alcoólatra a deu para
ser criada pela madrinha, que a tratava como servente, vindo morar
49O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
com os pais aos 11 anos. Casou-se aos 16 anos pensando em ter
mais liberdade; o marido a abandonou com quatro fiíhos, indo morar
no Rio de de Janeiro. A mãe cria seus filhos para que ela possa
trabalhar e sustentá-los. Fazia uso de anticoncepcional há quatro
anos, tendo parado quando engravidou. Pensou em abortar mas nem
a patroa, nem o parceiro deixaram. O parceiro pediu para ele o filho,
mas ela preferiu doar a estranhos, pois ele prometeu ajudá-la na
gravidez e não o fez. Doou a criança logo após o parto, há seis
meses, tendo escondido a gestação da família.
Tulipa, 24 anos, primeira gestação, é analfabeta e
procedente do interior, morando há cinco anos em Fortaleza, onde
trabalha como empregada doméstica. Perdeu os pais na
adolescência, tendo sido violentada aos 15 anos pelo filho da patroa.
Desde que veio morar na Capital, não teve mais notícias da família
(irmãos). Leva uma vida de relações promíscuas sendo os filhos
(gêmeos) resultado de uma relação forçada, da qual o parceiro negou
a paternidade. Rejeitou proposta de colocá-los em creches, temendo
eles se tornarem marginais. Tentou várias vezes abortar não
conseguindo. Doou-os após três dias de nascidos há seis meses. Diz
que sua maior dor é trabalhar em "casa de família onde é
maltratada".
50O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Fonte de md olhos de gueixa kabuqui, mascarachoque entre o azul e o cacho de acácia, luz das acácias você é mãe do sol...
Caetano Veioso
Acácia, 17 anos, procedente do interior, empregada
doméstica, estudou até a 3a série do 1o grau, primeiro filho, não teve
apoio da família quando apareceu grávida, tendo a mãe proibido de
outra filha criar, obrigando-a à doação. Tem uma relação de conflito
com os pais, referindo ser esta relação de interesse financeiro,
principalmente com a mãe, para quem envia, em meses alternados, o
salário. Namorava há aproximadamente dois anos, tendo sido
abandonada pelo companheiro ao descobrir a gravidez. Tem
preconceito de ser “mãe solteira". Doou a filha três dias após o
parto.
Gérbera, 37 anos, é natural de Fortaleza, teve sete
filhos tendo-os doado. É lavadeira e está desempregada. Estudou
até 3a série do 1o grau, foi criada pela irmã, que a expulsou de casa
quando engravidou a primeira vez. Não tem relacionamentos fixos,
sendo seus filhos de quatro pais diferentes. Diz ter sido abandonada
pelos companheiros, sempre que aparecia grávida. Doou o primeiro
filho há 12 anos e o segundo há quatro. Refere ter sido procurada
pela família adotiva do primeiro filho há quatro anos, quando
manifestaram desejo de devolvê-lo, no que recusou, dado que não
sente mais afinidades a ele após tantos anos sem contato.
51O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
4.2 Vislumbrando um Jardim
Vê, estão voltando as flores Vê, nesta manhã tão linda Vê, como é bonita a vida Vê, ha esperança ainda Vê, as nuvens vão passando Vê, um novo céu se abrindo Vê, um sol iluminando Por onde nós vamos indo
Chico Buarque
Nesta etapa do ensaio parti para a análise compreensiva
dos discursos, pois segundo BLUMER (1969),
é nesta fase final que o pesquisador extrapola o âmbito dos resultados empíricos propriamente ditos e se debruça sobre o referencial teórico ou sobre as concepções que transcendem o âmbito de um estudo.
Tendo sido assim, iniciei a leitura exaustiva das falas,
buscando, num primeiro instante, familiarizar~me com elas, obtendo
o sentido do todo. Na ocasião, me vinha à lembrança a ocorrência
de cada entrevista, suas personagens, seus gestos e expressões,
silêncios, choros e revolta,
Ainda no ensejo dessa leitura, percebí que para descobrir
o significado da doação do filho, faz-se necessária uma reflexão
maior sobre a situação econômica, política, afetiva e social da
52O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
mulher, e as pressões impostas à mãe doadora frente aos seus
encontros e desencontros, sonhos, perspectivas e conflitos
emergentes da interação social.
Na complexidade deste processo e num caminhar
permeado pela intuição, sensibilidade e percepção, comecei a
vislumbrar algo que até então se mostrava subjetivo e vago. Assim,
fui selecionando os trechos nos quais as falas convergiam,
identificando-os com um código e agrupando-os em tópicos.
Uma vez agrupados, prossegui a fase compreensiva,
extraindo os significados que as entrevistadas atribuíram à doação
do filho e dentro os quais se destacaram:
O AMPARO é compreendido como uma forma de ajuda,
abrigo, socorro encontrado pela mãe, de maneira a fornecer meios
de vida a &i e ao filho, firmando-se frente às dificuldades
vivenciadas no seu dia-a-dia. Configura-se como uma espécie de
reparação, ressarcimento; a LIBERDADE se caracteriza pela
rejeição da mãe às submissões, às obediências, aos preconceitos e
ao constrangimentos. Por outro lado, entendo PUNIÇÃO/VINGANÇA
como a repressão da mãe a alguém a quem considera culpado, por
algo que fez ou deixou de fazer, infringindo uma pena; e a
ATENUAÇÃO DA CULPA como um artifício encontrado pela mãe
530 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
para minimizar seu sentimento de culpa frente à gravidade das
infrações cometidas (engravidar, tentar e/ou realizar o aborto)
revertendo esta ação para a doação do filho.
A partir destes significados, procedí à interpretação das
falas, o que ocorreu à luz dos princípios do interacionismo simbólico,
preconizados por Herbert Blumer em sua obra Simbolic
interactionism - perspective and method, 1969.
4.3 Interpretando as Flores
Devemos reconhecer que as etiviWes dos seres humanos consistem no enfrentamento de uma sequência de situagões nas quais devem agir, e que suas agões são construídas ã base do que eles notam, de como ehs avaHam e interpretam o que notam, e do tipo de linhas de a§ão projetadas que eles mapeiam.
HERBERT BLUMER
Ao iniciar esta interpretação considero necessário
lembrar as premissas que fundamentam o estudo:
1) A mãe age em relação ao filho baseada no significado
que este filho tem para si;
2) O significado deste filho resulta ou emerge da
interação social estabelecida por ela com seus
semelhantes, em especial, a família, os amigos,
companheiro, patrões, ou seja, a sociedade;
3) Esse significado é manipulado e modificado através de
um processo interpretativo usado pela mãe frente à
54O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
situação com a qual se defronta, como também por
meio da direção de sua ação.
Considerando o fato de que, no contexto da interação
social, o comportamento humano envolve uma resposta às intenções
dos outros, na qual cada ator individualmente ao perceber estas
intenções, constrói a própria resposta, percebo que a doação do
filho surge como uma reação da mãe às dificuldades, pressões,
preconceitos e definições deste filho pela sociedade.
Por sua vez, a leitura atenta das falas das entrevistadas
mostrou no primeiro momento que a mãe, ao doar o filho, direciona
esta ação sob três perspectivas: pensando em si, pensando no filho
e/ou pensando em ambos,
O diagrama que se segue procura demonstrar
graficamente como estas perspectivas se interrelacionam entre si,
surgindo eles, ao final de cada significado, como resumo do
direcionamento da ação materna, segundo minha interpretação.
PENSANDOEM SI
PENSANDO EM AMBOS
PENSANDONO FILHO
550 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Amparo,
Nos discursos, ficou evidenciado que a mãe, ao avaiiar e
interpretar a situação que vivência, encontra na doação o amparo
necessário à garantia de sua vida futura. Manter o filho para ela
implica a divisão de uma renda já tão reduzida:
Aí se fosse criar eu ia ter pegar o dinheirogue eu ganho? P$50?00 e ter gue dar todo para comprar as coisas para ele.
Camélia
...o dinheiro gae eu ganho é pouco demaist só dá para mim.
Tulipa
A grande maioria das mães doadoras é empregada
doméstica, e como tal, recebe quantias inferiores a um salário
mínimo, quando elas não trocam seus serviços por moradia ou bens
de consumo.
Assim, sua condição financeira fica aquém da expectativa
de manutenção do filho. Além disso, as falas demonstram o receio
das mães frente às exigências e necessidades do filho que virá
futuramente, representando para a mãe um sentimento de angústia:
Primeiro óem ter, criar? dar coisa boa para ele, mas depois fico pensando: E mais tarde como é gae tfai ser) Ele óai gner coisa boa...e o dinheiro gue eu ganho não dá não. bo jeito gue esses meninos de hoje guerem roupa? sapato, colégio bom para estudar. Querem muitas coisas. Querem tudo!
Caméliâ
56O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Com ele não tfai dar e para nstm ficar ccm ele, tfai sofrer, tfai ter leite, alimentação e rjuundo crescer tem gue botar na escola. Al eu não tenho condiçoes de criar.
Rosa
Eu pensatfa em dar a minha família, em letfar para <? interior e criar, mas o negócio era condição, era dinheiro. Coisa assim eu não tenho não!
Angélica
Quando só e desamparada, sem um companheiro com
quem possa dividir o ônus e sem residência fixa, tais condições se
sobressaem, tornando a doação a resposta encontrada pela mãe ao
problema:
...eu não tenho casa, não tenho marido, l/ou dar porque do jeito tjue as coisas estão cara hoje em dia, meu dinheiro só dá para mim e mal.
Tulipa
eu grátfida tfou sofrer. 0 homem não está nem a$tti para assumir... tf ou deitar nascer e tf ou dar...
Dália
Com significado de amparo financeiro, a doação é vista
pela mãe como garantia de bem-estar físico do filho, uma vez que
eia se seme responsável pelos problemas que ele possa vir a ter,
como a fome, a miséria e principalmente os problemas de saúde, tão
comuns no seu cotidiano e no qual a doença é prenuncio de
sofrimento:
Eu chorei mas não podia criar ele. Ele ia passar fome. Aí fui mais dar à minha patroa que deitar ele com fome.
Perpétua
570 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
A Vantagem da doação é porque não Oal passar fome, sendo na minha companhia ela podia passar fome e eu não ia aguentar Ver ela chorando para tomar leite sempre.
IVIagnóHa
Eu Queria o bem para eles...comida a toda horaf merenda a toda hora...meus filhos pegando doença Vão morrer mais depressa...na mão de rico tudo é mais fácil... Eu não duero ver meus filhos sofrendo
não! Eles pegando uma doença como é r(ue eii correr pro hospital!...Acho gue na mão do rico não morre filho de rico. Já filho de pobre, morre mais.
Tulipa
Segundo MINAYO (1993), a saúde como preocupação do ser
humano é um problema compartilhado por todos os segmentos
sociais, sendo o modo pelo qual as classes e seus seguimentos
pensam, sentem e agem em relação a ela, determinado pelas
condições de vida e trabalho de um povo.
É pois, o estilo de vida e suas conexões com a
comunidade da qual faz parte, o meio ambiente em que vive, os
serviços assístenciais de saúde, o trabalho que executa, o salário
que percebe, e outros, o que define a saúde dos segmentos sociais.
Assim sendo, a saúde é componente essencial complexo,
pois é divisada como um bem material e não um direito do cidadão.
Assim o poder financeiro representa a solução dos problemas, de
sorte que a sociedade compreende o processo saúde-doença de
forma diferenciada. Tal realidade pode ser confirmada pelo trecho
do depoimento que se segue:
0 pessoal diz $ue riqueza não importa para pessoa, mas eu acho gue sim. Sei gue guando a gente
58O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
morre não le0a nada, mas ajuda mais a pessoa! A$ente fica mais allOiada.
Tulipa
Neste contexto, a mãe doa o filho para que o pior não se
concretize, abrindo a este a possibilidade de sobrevivência.
O conforto propocionado pelos bens materiais também
está implícito no significado da doação, como forma de proteção e
ressarcimento da mãe ao filho. Em virtude das privações por que
passa no seu cotidiano, ela busca na doação esse conforto em
detrimento do seu amor materno:
...eu nunca fui atrás de saber com o ele esta 0a não!...ora, ele esta melhor do ^ue eu. Tem Quarto para ele, tem ar condicionado no Quarto dele. Isso eu sei.
Camélia
Carinho eu sei rjue la ter multo para dar para ele, mas o principal eu não tenho rjue é o conforto.
Azaléia
Vai ser bom porque a pessoa rjue 0ai criar tem mais posse do $ue eu.
Rosa
...nas minhas mãos eles nunca tinham o r(ue eles tem nas mão de um rico: Quarto bonito, ter festa bonita, um aniOersárlo lindo.
Tulipa
Ao mesmo tempo, as falas revelam a verdade segundo a
qual, muitas vezes, a necessidade do amparo e proteção financeira
não é unilateral, ou seja, permeia o contexto nós (mãe e filho).
59o CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Eu dei esse menino porque estada sem condições de criá-lo sozinha. Se eu criasse, ou eu ou ele morria de fome.
Margarida
Se era para ficar desamparada, eu e ele, eu preferí amparar os dois de nodo. Eu dolto a trabalhar e dou ele para ^uem possa criar.
Violeta
Nesse procedimento interpretativo utilizado pelas mães, é
comum na doação o desejo de amparo afetivo ao filho, quando ao se
expressar, elas salientam não só suas carências afetivas como
também sua incapacidade de gerar sentimentos e perspectivas
melhores para com ele:
bar um filho é amor, é carinho due a mãe pobreduer due alguém dê aquele filho.,.
Vitória Régia
Ele não dai ter só mãe. Ele dai ter amor de mãe, Bromélia
bar o filho é guando a pessoa não tem condiçoes e doa a um casal ou pessoa para dar o ^ue ela não pode dar,
Azatéia
Considerando, segundo BLUMER (1969), que nós vemos
a nós mesmos do modo como os outros nos vêem ou nos definem
dado possuirmos um se/f, os discursos evidenciaram que, embora a
doação do filho tenha para a mãe um significado de proteção afetiva,
esta tem uma imagem negativa de si, fato que convalida a afirmativa
feita no Capítulo 1 (p.9-10), com relação às contradições
estabelecidas na interpretação do termo doação e sua prática social.
60O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Em suas faias, elas se censuram e se reconhecem como
mães irresponsáveis, más e imperfeitas, causadoras de danos e
infortúnios para o filho, imagem essa explicitada nos depoimentos
que se seguem:
Eu Queria iuis pais para esse nenèm tfue tenham responsabilidade, r(ue çostem dele, tfue fitfue mais tempo com ele de r(ue eu, porque eu sei tfue não posso.
Hortênsía
Prefiro $ue eu. Que dê
ele tenha uma amor, carinho,
mãe boa, melhor do 4ue estudo.
Camélia
Um filho é melhor dar do 4ue mão...se Oocê der eu acho melhor.
sofrer em sua ele tem Oida
Orquídea
Vista sob o prisma cultural, a doação trás em si o
significado de amparo educacional ao filho, quando a mãe, posta
numa situação sócio-econômica, afetiva e cultural desfavorável,
procura, através da doação, livrá-lo das carências sentidas na
própria pele.
Assim, a mãe, ao interagir consigo e com os outros, e
tomando em consideração as dificuldades determinadas pelo seu
baixo grau de instrução, descobre em sua ação um meio de abrigar o
filho, ensejando a este um futuro mais promissor:
Ele tfai ter educação melhor. Não õal sofrer.Orquídea
Uou arranjar uma mãe tfue tenha condições de criar de dar estudo. Que não seja iqua! a mim.
Camélia
61O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
- '
■| j
...ela pode criar, educar para guando crescer ter um future melhor $ue eu.
Rosa
Vou dar a uma pessoa de condições. Que soubesse criar ela, dar uma boa educação...
Acácia
Atentando para o nível educacional das mães
pesquisadas, compreendo que para elas a educação significa
garantia de maiores e melhores oportunidades, principalmente no
que concerne a emprego e salário, já que atribuem a sua má
qualidade de vida a uma educação que não tiveram oportunidade de
receber.
Sintetizando, podemos dizer que o significado de amparo
é expressado pela mãe no plano financeiro, afetivo e educacional. O
plano financeiro cobre os três ângulos das perspectivas maternas
(pensando em si, no filho e em ambos). O amparo afetivo e
educacional, por sua vez, tem como direção única da ação o filho
doado. Significa a busca de amor, carinho e educação para este
filho, o que, no momento e no futuro, a mãe não se percebe em
condições de oferecer, 0 gráfico a seguir sintetiza esta idéia.
Diagrama 1 - DIREÇÃO DA AÇÃO PARA O SJGNIFICAOO DE AMPARO
620 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Liberdade
Considerando que o significado dos objetos para uma
pessoa surge fundamentalmente do modo como esses objetos são
definidos pelas pessoas com quem ela interage (BLUMER, 1969),
pude observar que o filho, inicialmente firmado como objeto de
desejo e realização para a mãe, passa a representar, frente a
determinadas situações, razão de causa, reforço e continuidade de
sofrimento, transformando-se, não raro, em objeto de indiferença
e/ou aversão, por ser a origem da perda da liberdade, conforme
expressado nas falas:
A gente não podendo criar, dá para ama pessoa ãue possa. A gente esquece e pronto/ faz de conta que nunca tetfe.
Dáiia
Peguei e dei! Seja lá o que beus quiser!.Angélica
besse, já é um bem distante. Mesmo que não ter acontecido. Até agora não estou acreditando que titfe mesmo esse menino.
Hortênsia
bar um filho, Oocê fica assim sentida, ai... depois esquece, nê!
Dália
Embora amado anteriormente, o sentimento modifica-se
face às críticas, discriminações e humilhações, fazendo com que a
mãe, baseada em sua experiência, altere a direção em que caminha.
630 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Neste contexto, de acordo com BLUMER (1969), as ações
dos outros entram para estabelecer o que se planeja fazer, podendo-
se, através delas, abandonar, revisar, intensificar ou substituir uma
intenção, fato que se consolida na fala seguinte:
...ew era da ida par um filha. bepvis fui passar na cabeça ^ue nãa da tf a mesma para 'mim criar.., a $ente a^üenta muita humilhaçãv. Aí eu preferi ter dadv.
Angélica
A mãe, face aos obstáculos e constrangimentos causados
pela presença do filho, encontra na doação o meio de se tornar livre
dos laços morais e sociais que restringem ou tendem a restringir sua
vida.
Assim, o significado de liberdade, atribuído pela mãe à
doação, surge como uma anulação das pressões consideradas
anormais, ilegítimas e imorais.
Nos depoimentos obtidos, pude compreender que, ao
levar em conta as várias coisas que percebe em sua vida em grupo,
a mãe constrói uma linha de conduta na qual ela é objeto de sua
própria ação:
£ muita difícil uma patrea r(ue aceite empregada cem filha.
Gardênia
Minha patr&a nãa me aceita cem menina parque ela já tfai ter um.
Camélia
64O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
A gente para dar um filho todo canto aceita a gente... 4?í com filho é o maior sufoco para aceitar a gente.
Angélica
guando a mulher (patroa) soube gue eu estaOa gráoida^ me botou para fora.
Acácia
As falas denotam que a mesma mulher que exerce a
maternidade, uma vez estando na condição de patroa, é quem, direta
ou indiretamente, induz a mãe a doar o filho. É uma forma de definir
a maternidade como incompatível com o trabalho doméstico e de
limitar as oportunidades de crescimento, diversificação e melhoria da
ocupação feminina.
A análise dos conflitos ligados às questões do poder
entre patrões e empregados confirma que a sociedade é uma das
principais forças opressoras sobre o gênero feminino. As
contradições fazem-se reais, quando a sociedade concebe a
maternidade como um privilégio das mulheres, o qual a ciência não
consegue substituir por tecnologias avançadas. Ao mesmo tempo,
rejeita o filho, impondo à mãe barreiras quanto ao mercado de
trabalho.
Admitindo as dificuldades surgidas com a presença do
filho, a doação significa para a mãe livrar-se das circunstâncias
advindas desta presença:
A gente sem menino já letfa, aOalie com menino!) Aí eu peguei e dei.
Angélica
Eu com filho ter ia gue ficar na casa da minha mãe, guando em outro lugar ninguém me aceitaria com ele.
Gardênia
650 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Eu Via csniD era a dificuldade...é muito difícil ficar com duas crianças, e com três! Para mim ir trabalhar!? Eu não Queria, aí eu dei..
Magnólía
Uai atrapalhar os meus estudos, gue estou tentando terminar ao menos o 2° grau. Uai atrapalhar no meu trabalhe.
Hortênsia
Não obstante as objeções e limitações impostas ao
trabalho da mãe, foi possível notar que a liberdade permeia áreas
mais profundas, quando algumas mães expressam os ressentimentos
e as humilhações a que se submetem, dada a necessidade de
sobrevivência, principalmente quando carentes de moradia própria e
apoio do grupo social a que pertencem. Tais fatores são pontos
decisivos para definir a situação, optando a mãe pela doação:
...ê muito ruim a gente Viver assim de faVor na casa dos outros. Além de viver ainda ter um filho... a gente aguenta muita humilhação. Ai eu preferi dar. Uou ser muito xingada... eu não ia criar um filho para ^ualguer coisinha depois eu estar legando na cara. Eu prefiro dar.
Angélica
Mão Vou Viver dentro de uma casa sendo humilhada, aí eu peguei e dei.
Gardênia
... eu ir para casa tenho $ue levar tudo na cara... essas coisas por eu ter engravidado, ser solteira.
Acácia
660 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
A gente morando na casa dos outros é a píer coisa do mundo, é o pior sofrimento gue episte em cima da gente... a gente aguenta muita humilhação, até da própria família.
Gérbera
Essas humilhações ganham reforço, quando a mãe,
analisando~as sob a perspectiva dela e do filho, associa suas
dificuldades aos preconceitos. Vista pela abordagem iníeracionista,
quando THOMAS apud BLUMER (1969), diz: Se 08 homens definem
situajões como reais, elas são reais em suas consequências, este
dado se confirma nas falas expressas a seguir:
...a criança sofre muito assim junto com a mãe, principalmente ela sendo filha de mãe solteira. Sempre tem na frente o preconceito de alguém. Eu acharia que a doação é uma coisa boa.
Hortênsia
foi melhor para mim e para ela por causa se é das pessoas falar da gente, soltar piada na cara da gente... ser solteira pesa muito na d ida da gente.
Acácia
... eu me representada um Upo, que nem casada eu era... eu mãe solteira... sendo odiada...
Vitória Régia
... é muito ruim porque a gente fica falada... ter filho e não ter pai.
Camélia
O estigma da mãe solteira, embora em decadência nos
países de Terceiro Mundo, ainda apresenta consequências que vão
desde o medo à censura até o conceito genérico de alto risco
670 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
obstétrico. isto porque, segundo BETHEA (1982), as mães solteiras
recebem menos assistência anteparto, têm mais complicações na
gravidez e um índice mais acentuado de prematuridade com maior
risco de morte do que as casadas.
VITIELLO (1981), por sua vez, salienta que, em virtude
do modelo social vigente, a mãe e o filho ficam à margem da
produção e participação ativa e efetiva, afirmando que a gravidez
ocorrida fora do casamento expropria a mulher e sua cria do seio
familiar. Esta realidade é mostrada pelas entrevistadas quando
dizem:
Porgue M em casa ninguém M criar, Aí só para mim sustentar e ir arranjar emprego também não ia dar. Ai decidí dar.
Rosa
Em primeiro lugar ele (o pai) não ia assumir? em segundo eu não ía leóar para casa da minha mãe? porgue inclusive ela nem sabe da gravidez,
Petúnia
,,, minha mãe só me aceitava em casa se fosse sem menino.
Acácia
... minha mãe disse gue não me guería mais em casa? gue me desconhecia como filha e gue eu fosse embora,
Jasmím
... ela (a mãe) disse gue não me gueria lã com o filho.
Violeta
Ela me disse (a mãe): se Você for ter? Vai ter gue ir para outro canto? agui eu não lhe guero.
Camélia
68O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
É oportuno ressaltar o fato de que a mulher solteira, ao
engravidar, tende a passar pelos mesmos sentimentos e efeitos da
gravidez da mulher casada. Porém, seus ajustamentos e
responsabilidades poderão ser maiores, visto que, freqüentemente,
se encontra em dificuldade e não tem companheiro para partilhar.
Assim, ao tentar assumir as responsabilidades sozinha, a
mulher descobre que o papel duplo, de mãe e mantenedora, é
conflitante, com o desempenho de um prejudicando o outro,
principalmente se ela for adolescente, já que apresenta um duplo
problema: enfrentar a adolescência e a maternidade.
A inaceitação pelo seu grupo social e familiar leva a mãe
a sentir-se culpada, mudando sua decisão de criar o filho, ganhando
a doação o significado de ambos se libertarem dos preconceitos.
Segundo ZAVOLLONI (1968), liberdade não é algo que o
homem manifeste como prerrogativa natural, mas algo que deve ser
conquistado, e que, mesmo depois de conquistada, pode ainda ser
perdida.
Considerando o fato de que, no linguajar comum, vários
significados são imputados ao termo liberdade e, embora haja uma
determinada analogia entre eles, as diferenças são tantas que muitas
vezes se torna difícil a compreensão do vocábulo.
Assim, descobrimos na leitura dos discursos que a
doação do filho passa também pela independência do companheiro,
como forma da mãe se libertar de uma vida de submissão, violência
e limitações, na qual o filho representa o elo de direito do
companheiro sobre ela:
£w ia a^üewtar ficar com ele me batendodireto e sendo ciumento, Ai eu decidi tfitfet minha tf ida sozinha e dar meu filho.
Margarida
Ele era muito notfo e eu muito notfa também, Ele Queria criar o filho, disse $ue ia botar uma casa
69O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
e eu disse <t[ue não Queria. Bá certo Per tfue eu 7# sé me encher de filho! não!
não! VaiQá certo
Angélica
De acordo com BUSSINGUER (1990), no relacionamento
homem e mulher, o domínio masculino se tem permanecido ao longo
da história, quando as mulheres, confinadas ao ambiente familiar e
destinadas à procriação, introjetaram valores que as levaram a se
sentir inferiores e dependentes, aprendendo a renunciar à liberdade.
Embora seja nítida e considerável a evolução feminina,
não será demais lembrar que em toda sociedade, sejam quais
forem as condições em que vive sua população, ainda há uma
sobrecarga de trabalho para a mulher, que se acentua com a
maternidade. Assim, de acordo com MELO (1988), a capacidade
reprodutora da mulher, antes de libertá-la por seu poder de procriar
ou não, submete-a, expondo-a à opressão do homem.
Pensando em si e analisando a situação em que se
encontra, a mãe, ao doar o filho, demonstra uma consciência de
dominação que, apesar de permeada de incoerências e contradições,
significa o passo inicial em direção à liberdade:
Acho 4ue a única coisa $ue passou peta minha cabeça foi tfue eu ia me sentir liOre deteí do pai do menino.. .Se eu ficasse com esse filho eu tinha $ae éiéer com ele. Por isso eu achei melhor éiéer sozinha e dei.
Margarida
Mas, nem sempre, a doação envolve apenas a ação
individual da mãe doadora, Há casos em que a ação de outrem se
configura não só como ajuda mas também forma de expectativa
compartilhada:
700 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Eu sinceramente me sinto alltfiada com isso que a minha mãe está fazendo (doação) porque ela está me ajudando ,,,,Í$so (a doação) Oai tirar um peso grande de mim,
Jasmâm
Buscando libertar-se das humilhações, obstáculos e
preconceitos sociais, bem como do companheiro, a mãe, conforme se
observa no esboço, direciona o futuro sob dois ângulos: pensando
nela e pensando em ambos:
Puníção/Vingança
A doação do filho assume também um significado de
punição/vingança dc companhemo e de membros da família. Embora
seja nítida e considerável a evolução da mulher, nada há de errado
ou mau em dizer que a maternidade, apesar de enaltecida de glórias
e idéias de realização pessoal, representa, também, perdas
significativas e objetivas.
A decisão de ter ou não ter filhos numa relação estável
ou supostamente estável, mesmo quando não planejados, talvez
seja, hoje em dia, a questão emocional mais difícil a ser enfrentada
pela mulher.
710 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
É sabido que, muitas vezes, a chegada de um filho é o
começo do fim de um casamento, de uma relação afetiva, da
liberdade, independência e aspirações.
Segundo DESSER(1 993), SERAFIN et al(1991) e
MALD0NAD0(1989), frequentemente a gravidez transcorre cheia de
dúvidas, expectativas, tristezas e mágoas, dado que o companheiro,
após ser comunicado da gravidez, abandona a mãe ou recusa a
paternidade, omitindo-se de ver ou registrar o filho.
Quando analisado o papel imposto pela sociedade à
mulher, fica evidenciado que esta foi, por séculos, treinada para
agradar o homem de “sua vida", mesmo quando não cabe a elas a
opção de escolhê-los. Logo, não é difícil compreender por que os
vínculos destas mães com seus companheiros são frequentemente
cheios de sonhos e projeções:
Eu fazia de tudo para agradar a ele e ficar comele a d ida inteira... mas não foi como eu planejei,..
Violeta
Eu tinha planos de construir uma família, serfeliz, ter meus filhos... só isso.
Orquídea
Os planos gue eu tinha com ele era a gentedider numa boa... mas não deu certo mais.
Perpétua
Eu pensei gue guando aparecesse gráüida, gue aguilo gue ele falada de não gostar de criança não podia ser. Se ele gostada de mim é claro gue ia gostar do nosso filho,., mas me enganei.
Azaléia
... eu pensei gue ia me assumir com minha filha.
Acácia
72O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
£« achaOa que o Francisco tinha pensado melhor e Aí* dizer: “não, a Hortênsía é que é a mulher da minha Olda,
Hortênsía
De acordo com SHALVÍTZ(1986), enquanto as mulheres
buscam sentimentos como segurança (emocional e financeira),
compreensão, apoio, companheirismo, amor e respeito no
relacionamento, os homens se encontram mais preocupados com sua
liberdade individual e menor nível de exigências por parte da
companheira.
Quando frustradas em suas aspirações, em vista da
omissão, do abandono ou indiferença do companheiro, a mãe,
pensando em si, na interpretação destes gestos simbólicos, usa o
filho como instrumento de punição ao companheiro, significando a
doação o meio de concretização deste ato:
... ele não falou nada não. Sé fez acreditar que eu não tatfa grávida. Não recusou, nem disse que não era dele. porque teVe multo que quando eu dizia, dizia que não era dele.
Gérbera
... a gente não ficou mais junto. Quando ganhei neném ele sumiu. Passei a gravidez toda só.
Acácia
Um dia eu disse: olha se chegar 0 dia de eu ganhar essa menina e Você não tlVer comprado nada para ela, fique sabendo, eu Vou dar!
Petúnia
Embora as demais depoentes não tenham expressado de
forma clara e verbal tal significado, pude perceber em muitas delas,
através da linguagem dos gestos, nos silêncios e entrelinhas, que,
730 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
de maneira dissimulada, suas ações tinham, em parte, esses
propósitos.
Mesmo quando o parceiro reconhece o filho e propõe que
este seja criado por seus familiares, a ofensa por ter sido preterida é
tão marcante que leva a mãe a recusar a proposta e, como forma de
vingança, prefere doar o filho a pessoas estranhas:
Ele Queria tfue eu fosse deixar na casa dele para a mãe dele criar? aí eu disse: Oou não! fâão Oou de jeito nenhum, Eu prefiro dar para outra pessoa...
Petúnia
...Oocê não disse que não queria a criança! Que não qostaOa de criança ?. <. Üão interessa onde ela está. Eu não tfou dar o endereço. Aí não dei.
Azaléía
A vingança, algumas vezes, também é dirigida a membros
da família, em particular à própria mãe(avó), facultado ser ela, não
raramente, o objeto originário da rejeição ao neto:
... dei por Oin^ança. assim, beus me perdoe
Eu me Oinquei dela que è minha mãe...
Vitória Régia
Admitindo que todo comportamento implica uma
percepção seletiva da situação (BLUMER,1969), a mãe, mesmo
usando o filho como instrumento de sua ação, ao direcionar seu
pensamento para ele, o faz justificando sua conduta em termos de
proteção, ainda que de forma velada. Assim, a punição e vingança à
sua mãe (avó) e ao companheiro são o objeto precípuo de sua ação,
74O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
mas ela o justifica deixando entrever que pensa no filho, ao acreditar
estar oferecendo uma condição futura melhor para ele:
Prefírv assim (doarJ do gue ele õlõer com a minha mãe porgue ela não sabe criar nem os dela, guanto mais o dos outros.
Camélia
... Eu prefiro dar para outra pessoa gue tenha mais condições de criar de gue dar para sua casa (do pai) gue é cheio de criança de todo tamanho, gue Oitfem sofrendo.
Petúnia
Percebe-se, também, que este sentimento de vingança dá
lugar a mágoa e revolta, quando da falta de apoio da família e grupo
social.
Tá muito difícil para mim ir lá em casa, enfrentar minha mãe... eu não posso me controlar porgue ela não deixou minha irmã criar minha filha... a coisa gue eu mais gueria era a menina e ela não deixou criar.
Acácia
...eu guero muito bem a ela, mas mesmo assim, eu tenho essa mágoa dentro de mim.
Vitória Régia
...Foi uma reOolta muito grande gue eu tioe, aí Oou dar. Üou dar e pronto! Não guero nem saber guem é a mãe. Se é rica ou pobre não me interessa.
Camélia
Para BRIGGS apud SHALVITZ (1986), quando se
compartilha sentimentos pessoais, não se quer julgamentos, lógica,
75O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
razões ou conselhos. Ninguém quer que seus sentimentos sejam
ignorados, contrariados ou desprezados.
Na verdade, o que a maioria das pessoas quer é atenção
e segurança, de modo que se sintam compreendidas. Portanto, é
evidente nas faias o fato de que a atitude a ser tomada pela mãe, ao
definir a situação, depende de vários fatores, entre os quais o apoio
recebido da família e do companheiro.
A figura que se segue permite visualizar que a ação
materna para o significado de puníção/vingança à família e ao
companheiro está direcionada, principalmente, para si, pois a mãe
se sente magoada e preterida.
Diagrama 3 - DIREÇÃO DA AÇÃO PARA O SIGNIFICADO DE PUNÍÇÃO/VINGANÇA
Atenuação da culpa
A análise compreensiva dos depoimentos revela, ainda,
que algumas mães diante da gravidez são propensas a se julgar
culpadas, vívenciando a sensação de terem agido errado,
transgredindo princípios éticos, morais, religiosos e sociais. Isto
porque a sociedade, ao censurá-las, tende a induzí-las a buscar
76O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
soluções para seus atos, revertendo idéias e intenções como modo
de abrandar essa sensação.
Como referido, a gestação é, talvez, a experiência mais
comovente e dramática da vida de uma mulher. A reação a ela
dependerá, em grande parte, segundo BETHEA(1 982), de ser
planejada, imprevista ou indesejada.
Uma vez gestante, a mulher reage de forma integral à
gravidez, sendo afetada em todo seu ser: aparência física,
sentimentos, interações sociais, planos e outros.
Lidar com a gravidez indesejada, inesperada ou mesmo
planejada por uma das partes, parece-me ser o ponto nevrálgico da
doação do filho para a mãe, possivelmente porque isto implica
críticas e censuras e, consequentemente, sentimento de culpa.
A descoberta da gravidez frequentemente acarreta à
mulher, entre outros problemas, conflitos e dificuldades, que vão
desde o abandono do grupo social (família e parceiro) à
incredulidade com relação a estar grávida.
É horrível, rejeitada pela primeira e secunda família a$ora} pele marido! É muito triste.
Violeta
pensei: meu ôeus do Céu, com tanto remédio, tanto recurso tfue tem, eu tioe de en^ratfidar! Logo eid)
Camélia
... meu beus, eu grávida!? l/ou sofrer. 0 homem náo está nem a4ui para assumir.
DáHa
... criar uma pessoa assim, sozinha, sem ter pai.È chato.
Rosa
Ele disse ^ue o filho não era dele.Bromélia
770 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Minha mãe disse gue não me gueria mais emcasa e me desconhecia como filha.
Jasmim
Figuei desesperada, para criar.
Como é gue eu ia fazer
Margarida
Não obstante tais problemas, quando indagadas sobre
como se sentiram ao confirmar a gravidez, as mães manifestaram
sentimentos variados como vergonha, medo, tristeza, raiva,
desespero e sofrimento. De maneira veiada, esses sentimentos
refletem uma auto-crítica na qual a mãe, baseada em sua bagagem
de conhecimento, se censura, se condena, ocasionando uma
diminuição da auto-estima e consequente rejeição ao filho e a si:
... eu não saia, ficaéa sé dentre de casa... eu mesmo me afastei, não aparecia nem para es meus tios. Eu tinha Oergonha.
Rosa
... eu não títfe coragem de contar a ninguém da minha família. Sentí medo.
Margarida
Eu me senti horríéeL.. me sentí a pior pessoa do mundo. Figuei com raioa de mim... ficaéa com Oergonha. Tão noéa!
Hortênsia
Eu saí da casa do meu tio com medo gue ele descobrisse gue eu estiéesse gráéida. Eu não saia para ninguém me éer.
Azaléia
... me senti chateada, triste. Aí comecei a não gostar mais da criança gue estaOa dentro de mim. Eu mesmo fico me rejeitando.
Caméiia
780 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Me sentí mal porque ia ter um filhe gue eu não ia ter condições de criar.
Orquídea
Eu não sentí nada...Vitória Régia
Eu tfuase fico louca... ftrfuei desesperada.Petúnia
Eu sentí um aperto dentro de mim. Eu figuei com medo... principalmente guando Ví tfue eram dois.
Tulipa
Considerando que esses sentimentos emergem da
interação que a mãe estabelece consigo e com os outros, e que esta
interação permeia todo o comportamento humano, fica patenteado
nas falas que a mulher, ao engravidar, se percebe causando
decepções a si e a seu grupo social, uma vez que, em seu cotidiano,
está sujeita a opiniões e falatórios da família, amigos e vizinhos:
... na hora gue eu sabia gue estaõa gráõida eu sempre achaõa $ue era uma decepção $ue estaõa dando para ele (o paí/aõó).
Hortênsia
A gente se sente rejeitada pelos homens, porgue eles gaerem moça e já soa mulher com 2 filhos, ai eu fico dizendo; Ah! fulana não é mais de nada. Tetfe 2 filhos... fico dizendo essas coisas comigo mesmo... por isso eu me sinto rejeitada por mim mesma.
CaméHa
A mãe disse: Jasmim, Oocè me decepcionou. Ai Oeio minha tia: popa Jasmim! Me decepcionei com Oocê. Cair de noOo numa barbaridade dessa!
Jasmim
79O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Quando eu p&ssatfa as pessoas me encaraãam eu não respeitei a família, enOergonhei
eles trazendo um filho ao mundo porgue não tinha marido.
Vitória Régia
... o pessoa! fica com os olhão, aí eu não saio.Angélica
A mãe ficou triste, disse gue não esperaOa dar essa decepção para ela... meu pai esperaOa eu ter me perdido tão cedo... Oizínhos fizeram agueles comentários. Minha e minha irmã ficaram com raitfa.
eu não
os aOó
Margarida
Minha irmã brigou, reclamou comigo... os amigos disseram gue eu era louca por ter deixado acontecer isso.
Petúnia
Meu pai mal fala comigo... Minha irmã fica me chamando de ... daguelas mulher gue não é de nada... prostituta.
Rosa
Nesta situação, ela passa a conter seus medos, suas
preocupações e seu querer, negando ou ocultando muitas vezes a
gravidez, com receio de ser rejeitada por parte dos outros:
... pedi a beus para gue não fosse Oerdade.Azaléia
Minha tia dizia gue eu tatfa grávida, ai eu dízia: “fâão estou grávida não!” Tu é doidal
Camélia
Quando eu estaca grávida escondia era muito a minha barriga. ImprensaOa. ImprensaOa gue fazia era passar mal guando apertaOa.
Rosa
80O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Afora todas essas reações e temores em relação à
gravidez, um aspecto importante ficou patenteado em alguns
discursos: a violência contra a mulher. Concebendo que a interação
simbólica abrange todas as variedades de relações humanas, ou
seja, cooperação, consenso, conflito, discordância, exploração e
outros, evidencia-se nas falas uma relação de autoridade e domínio,
na qual a gravidez, vista como um crime, índuz a mãe a desistir de
si, buscando soluções extremas, como o suicídio:
Alew pai me amarrou dentro de um quarto 8 meses... Apanhei de primeiro ao último mês da gratfidez... Pegatfa de hera e meia de joelho.,. Meus irmãos ajudatfam meu pai a me trancar... eu achei que tinha feito um crime na minha tf ida... meu pai se armou de faca para me matar... já estatfa até pensando em suicídio.
Vitória Régia
... meu pai me bateu muito quando descobriu que eu esta tf a ^rátfida.
Caméiia
Entendendo que o comportamento humano se manifesta
em termos do que as situações simbolizam, a mulher investida de
uma situação de sofrimento, conflito e dificuldades, provenientes de
sua condição de gestante, vai, passo a passo, construindo sua ação
através de um processo de auto-índicações.
Indicar, na concepção interacionista, é retirar a coisa do
cenário, é mante-la à parte, é dar um significado, ou seja, é
transformar essa coisa, no caso a maternidade, em objeto.
Nesta visão, o comportamento humano é compreendido
como uma resposta às intenções dos outros, vale dizer, ao futuro e
intencional comportamento dos outros e não apenas às suas ações
presentes. Vale salientar que essas intenções são transmitidas
através de gestos simbólicos, isto é, sujeitos a interpretações.
81O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Assim, sendo o significado da gravidez atribuído pela
mãe, formada da interação social, ela se vê na obrigação de tomar
uma decisão, optando entre duas direções: assumir a maternidade
sozinha ou desistir do filho.
Ao julgar pela falta de apoio e discriminação originárias
da sociedade - que culpa, critica e condena essa maternidade - a
mãe decide-se por abdicar do filho, o que vem ao encontro da
perspectiva interacionista, segundo a qual, modificando-se os
significados dos objetos, altera-se o mundo das pessoas. Para
BLUMER(1969), a vida em grupo representa um vasto processo de
formação, sustentação e transformação de objetos.
Há casos em que o sentimento de culpa pela gravidez é
tão forte que a mãe, pensando em si, ao interpretar a situação que
vive, cogita ou experimenta abortar.
Togo que eu fiquei grátfida eu pensaãa assim, em abortar... guando eu estaóa no hiíeio de um mês, dois meses.
Gardênia
... eu tentei abortar... tomei muita injeção,,, mar^uei o dia de tirar, só <tjue não tit/e coragem... cheguei a ir na dinica mas me sentí mal e saí correndo,
Azaléia
Eu fiz um. Tomei aquele comprimido... C^totec.Hortênsía
Eu pensei em abortar, Se não fosse a minha patroa eu tinha feito.
Petúnia
Eu e a Camélia íamos atrás de remédio... saímos arrancando pé de tudo... eu tomei boa noite, cabadnha, cachaça com comida... era tanta mistura feia.
Tulipa
82O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
... tomei cabadnha} guina*í[uina f Cgtotec.,. o negócio é tfue eu tomei muito remédio e não abortei.
CaméHa
Eu ia tomar mas tinha tfue pegar raiz de não sei o $ue, era longe.., guando fui óer era tarde demais... Òa segunda Oez ia tomar injeção mas ele foi embromando, embromando, ai de noóo não deu.
Jasmim
O aborto, de acordo com DESSER(1993), pode ser
buscado por mulheres de todos os estratos, principalmente
adolescentes, na medida em que o parceiro se recusa a aceitar a
paternidade e a mulher não tem como assumir a maternidade
sozinha. Tal fato se justifica por ela entender ser esta um projeto de
vida a dois ou representar um ônus com o qual ela não pode ou não
quer arcar.
0 aborto como consequência da gestação, em especial
na adolescência, é referenciado pelos autores: MONTEIRO e
CUNHA (1994,1), ARASTEY et al (1988), BEZERRA et al (1984),
RETER e DE SANTIS (1990), KABIR (1989), MASHALABA (1989),
VEIL (1992), VITIELO (1981, 1988) e outros.
Quanto à gravidez indesejada, VEIL(1992) relata que, ao
pesquisar o grau de desejo de engravidar declarado por 2.485
gestantes entre o sexto e o sétimo mês, observou que 66,9% não a
haviam desejado. As razões expressas para isto foram: ser solteira,
conflitos familiares, situação econômica deficitária, desavença com o
companheiro e limitação quanto ao número de filhos. Após seis
meses, ao recontatar novamente essas mães, foram identificados
três casos de doação, correspondendo a 0,1% do total. Este dado
mostra que ainda que a gestação seja indesejada, a doação do filho
é de baixa incidência, pelo que posso inferir que, ao interpretar a
situação que vivência, nem sempre a doação é uma ação frequente.
830 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
KABIR(1989) traça um resumo do perfil das mulheres do
terceiro mundo que têm gravidez indesejada e buscam o aborto. São
elas mulheres jovens e solteiras forçadas a iniciar relação sexual
precocemente para provar sua fertilidade ou satisfazer o namorado;
vítimas de estupro ou incesto; casadas, com ou sem filhos; ricas ou
pobres, procedentes tanto da zona rural como urbana, que vivem
num meio ambiente de ampla variedade social, cultural, religiosa,
legal e política; que têm razões convincentes para interromper a
gravidez, mas que são criticadas e igualmente rejeitadas pela
família, amigos e sociedade.
De acordo com o ínteracíonismo, a mãe, ao agir, leva em
conta ações presentes e conjunturadas dos outros, a auto-imagem e
o possível efeito dessa ação. Isto ocorre em virtude de ela possuir
um se/f, no qual as definições feitas pelos outros servem de
referencial para que possa se ver.
Assim sendo, quando questionadas sobre o que achavam
de quem interrompia a gravidez, pude perceber ser o aborto, para
aquele grupo de mães que não o haviam tentado, um ato
condenável, permeado pelo juízo de crime e pecado:
... o pessoa! aborta é criminosa... eu hag me ^tíre^e. Deus me lidre! É um pecado danados
doídice... È só se preóinir...Angélica
Sou contra... já botaram remédio na minha mãe e eu ttão tomei.
Margarida
... tenho muita da pessoa gue faz aborto...é um pecado gue ela faz na Oida dela... Uma pecadora.
Dália
Eu acho uma criminosa gue detfe ser julgado.Vitória Régia
84O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Do mesmo modo, contraditóriamente, age aquele grupo
de mães que cogitou ou experienciou o aborto, condenando,
rejeitanto e descriminando:
Tenho Oontade de dar umas porradas nas gue fazem isto, são umas criminosas,..
Gardênia
£m fiz um,., mas sinceramente eu acho isso uma coisa triste,, o gue eu fiz é uma coisa muito séria, muito gratfe, né? Eu não concordo não!
Hortênsia
0 aborto para mim é uma coisa muito feia,,, já gue beus botou tem gue nascer. Isso a gente pensa depois. No início a gente pensa togo é em botar para fora... o gue eu fiz é feio... um crime.
Camélia
Eu sou contra as mães $ue abortam...estão fazendo um crime... eu não gosto de Oer o mal, eu gosto de Oer o bem... eu não Oou tomar mais nada para abortar.
Tulipa
... acho uma loucura... é um crime.Petúnía
Nestes termos, entendo que estas mães, ao se
cénsurãrém, buscam se eximir da imagem negativa que têm de si,
expressando sentimentos de arrependimento e culpa por haverem
feito ou tentado do aborto.
De acordo com DAVI D WEISS(1992), estudos da
literatura própria, proveniente dos países onde o aborto é legal, têm
indicado que, na maior parte das mulheres, os sentimentos de culpa,
pesar e tristeza, quando existem, são leves e transitórios e, em
85O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
gerai, são substituídos por sensação de grande alívio por parte
delas, uma vez que resolveram o problema.
Todavia, quando visto da perspectiva dos países onde o
ãbòrto é legalizado apenas em casos especiais - résultántê de
estupro ou risco de vida materna - como no Brasil, o sentimento de
culpa se torna mais acentuado, em decorrência das regras criadas e
mantidas pelo processo social de vida em grupo, na qual a mãe se
vê como transgressora de princípios éticos, morais, sociais e
religiosos.
Por outro lado, há momentos em que, ao interagir
consigo, a mãe tem seu pensamento direcionado para o filho,
repelindo o ato de abortá-lo , conforme expressam as falas a seguir:
Acho um crime tirar a Oída de um ser humano...è ser uma criminosa...
Orquídea
Sou contra matar uma Oida... por isso estou cheia de filho. J^ao tiiie coragem de fazer.
BroméHa
Eu acho errado. É melhor a criança Oir ao mundo... é um crime.
Rosa
Eu tentei... mas tirar a Oida de uma criança^Aoe Maria! É muito triste...
Azaléia
Por fim, ponderando sobre os dados aqui expostos, pude
compreender que a mãe, após a desistência ou o insucesso das
tentativas de aborto proveniente dos sentimentos de culpa pela
gravidez indesejada, retrocede em sua idéia inicial, originando nova
linha de ação, de acordo com o evidenciado nas falas:
86O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Eli preferia ter e dar do $ue abortar.Azaléía
È melhor ter do due aborto... se não pode criar, dá para tfiiem pode assumir.
Petúnia
Se en^ratfldar de notfo não abortar não... se não puder criar eu dou de noOo...
Tulipa
... duem tiOer um filho e Quiser abortar, eu acho melhor ter e dar.
BroméHa
... é melhor a pessoa ter o filho e dar do due praticar o aborto.
Gardênia
... tirar a Olda de um ser humano, é melhor deitar nascer e dar...
Orquídea
Eu pensei: duer saber, não Oou tomar não (Cgtotec)*,* fico tipo mendiga, mas não boto filho fora não. Arranjo uma mãe e dou due nem eu fiz com o primeiro.
Camélia
É melhor a criança Oir ao mundo e depois dar.Rosa
... eu preferí ter dado do que tomar remédio.Angélica
Neste contexto, ao reinterpretar a situação que está
vivendo, a mulher decide-se pela doação do filho, imprimindo a esta
ação o significado de atenuação da culpa. Assim agindo, ela pode
sãlvãguárdãr sua integridade física, psíquica, moral e social.
Eximindo-se de responsabilidades e julgamentos, ela tenta justificar
seu ato através do significado de amparo e proteção mencionado
870 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
páginas atrás, bem como nas faias a seguir, quando eia, pensando
em si, diz:
se eu tióesse ao menos um rfuarto só para mim, eu não teria dado...
Camélia
tíou dar porque minha irmã botou nu minha cabeça.
Dálía
A %ente dá no momento de desespero... beus estatfa oendo $ue eu não estaca com condiçóes de criar.
Gérbera
£u não tinha ninguém gue me apoiasse. Meu pai, minha mãe não me apoiou.
Acácia
Dó mesmo modo, ao voltar seu pensamento para o filho,
eia assim se expressa:
É bem melhor dar para $uem possa criar... eu estaOa era alegre porque ele ia ser bem criado.
Gardênia
Ele está sendo bem criado. Eu estou è feliz.Angélica
Todavia, quando a mãe pensa em ambos, percebo uma
certa atitude de passividade e até mesmo omissão frente às
pressões, como artifício de atenuação da cuipa, conforme a faia a
seguir:
88O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
fonam tirados... eu sabendo meusfilhos iam saindo... minha mãe dizia: tf o cê tem $ue dar! Ai eu ficatfa calada né, Queria muito bem (a mãe). Ai eu dizia: eu não dou ele aninguém. Se Quiser tirar a mandado de alguém,tire... mas da minha boca eu nunca ^Letfe”... isso eu caprichei até a última Minhas irmãs diziam: letfe esse, pegue tome esse, mas da minha boca não!
Vitória
disse hora.esse,
Régia
É neste movimento de cotidianidade que a mãe, ao
questionar e interpretar sua condição passada, presente e futura,
levando em consideração suas experiências e bagagem de
conhecimento advindas da interação, imprime à doação do filho o
significado de atenuação de culpa pela gravidez indesejada e
tentativa de abortar. Isto justifica-se nas palavras de LENER, MILKA
e HOMES apud DELA COLETA(1982) quando afirmam:
A pessoa não se julga somente com base no que conseguiu ou mereceu, mas baseia uma parte importante da sua auto-imagem como cidadão e pessoa boa, na percepção de si próprio como alguém que não causa mal aos outros e age para corrigir injustiças quando elas ocorrem.
Contudo, embora se percebam cheias das melhores
intenções, ainda assim, as mães, ao doarem seus filhos, provocam
os mais exacerbados julgamentos sociais internos e externos, mesmo
quando esta sociedade não lhes favorece o amparo legal e social.
Tal juízo fica claro nas censuras expressas a seguir:
89O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
0 pessoal fala: mãe due dá um filho não é mãe certa para o ida... por t(ue tu deu? Era para ter criado.
Margarida
Quando a gente dá es outros pensam $ue a gente não gosta da criança^ não sente nada* não sente amor... gue a gente não tem coração. /Is pessoas falam gue a gente gue dá filho é fria.
Azaíéia
0 poóo diz 4ue tfuem dá o filho é mãe cobra. Tem o filho^ bota no mundo só para judiar) não gue ter responsabilidade... não guer criar.
Gérbera
A interseção mostrada no desenho evidencia que a mãe
direciona sua ação para a gravidez indesejada e para o aborto, no
significado da atenuação da culpa.
Diagrama 4-DIREÇÃO DA AÇÃO PARA O SIGNIFICADO DE ATENUAÇÃO DA CULPA
Deste modo, fica evidenciado que a doação do filho é
uma decisão difícil de ser tomada, por ela conter elementos de
incerteza para a mãe, por não saber se deve desistir do filho; de
esperança, por acreditar num futuro promissor, e de fraqueza, por ter
de renunciar a ele.
90O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
O diagrama a seguir representa o conjunto dos
significados atribuídos pela mãe à doação do filho, que foram
emergindo no decorrer da análise e através do qual é possível
identificar sobre qual perspectiva a mãe direciona sua ação.
COMPANHEIRO
LIBERDADE SOCIAL AMPARO AFETIVOE EDUCACIONAL
PENSANDO IPENSANDO / EM PENSANDO NO 1EM SI AMBOS FILHO ’
AMFL«O FINANCEIÍIO iATENUAR'JÃO DA CULItA /
PUNIÇÃO AFAMÍLIA E AO \ / PUNIÇÃO A FAMÍLIA /
COMPANHEIRO
REFLEXÕES FIHAISmtWWMHCMft
REFLEXÕES FINAIS
5» REFLEXÕES
0 término deste estudo não implica o esgotamento da sua
continuidade. Pelo contrário, representa o início da caminhada de
uma proposta mais ampla de assistir as mães doadoras.
A riqueza do material obtido nas entrevistas possibilita,
num futuro próximo, uma sequência de análise, admitindo que
perspectivas são pontos de vista que guiam nossa percepção da
realidade. Segundo CHARON(1989), embora algumas perspectivas
possam estar mais próximas da realidade do que outras, todas elas
obtém, provalvelmente, parte desta realidade, não sendo nenhuma
capaz de captar o todo. Para ele, perspectivas não são nem
oniscientes nem conclusivas.
Nestes termos, com esta pesquisa tentei descobrir o
significado da doação do filho para a mãe, tal como este gesto se
apresenta na vivência experenciada por ela, e um esforço de
ampliação do debate sobre o tema.
Considerando que o significado é derivado ou surge da
interação da mãe com seus semelhantes (BLUMER, 1969), foi
possível identificar, através das falas, os seguintes significados
atribuídos por elas à doação do filho: amparo, liberdade,
punição/vingança e atenuação da culpa.
Nos discursos, fica patenteado ser a sociedade a principal
fonte de opressão à mulher, cuja gravidez ocorre de forma a ferir os
padrões convencionais.
Essa rejeição à gravidez considero ser apenas parte de
uma questão mais ampla, que é a subordinação sócio-econòrmca e
93REFLEXÕES FINAIS
política do gênero feminino, quando do seu condicionamento
histórico e cultural.
Assim é que, em face da situação de carência financeira,
afetiva e educacional vívenciada no seu cotidiano, ela encontra na
doação do filho uma esperança de vida melhor para ambos.
Entretanto, mesmo buscando melhorias, ainda assim, se percebe que
elas se condenam e se censuram por havê-la efetivado.
Como significado de liberdade, a doação do filho adquire
um caráter de repulsa aos elos de violência e prepotência por parte
do companheiro e da sociedade, principalmente quando esta
estigmatiza e incompatibiliza a maternidade para o trabalho.
Ao mesmo tempo, os significados mostrados neste estudo
apontam para a importância da relação mãe, família e companheiro,
quando, na busca de apoio por parte daqueles com quem convive,
ela se vê abandonada e preterida. Neste momento, então, como
artifício para feri-los e fazer sumir tais sentimentos, a mãe doa o
filho.
Todavia, ao considerar que toda ação é constituída
através da interpretação de uma dada situação (BLUMER, 1969), a
mãe, ao entender o comportamento dos outros frente à sua gravidez,
passa a percebê-la como indesejável e causadora de decepções.
Neste contexto, procura livrar-se dela tentando o aborto.
Posteriormente, ponderando sobre a situação, ela retrocede em sua
idéia e decide-se por doar o filho como modo de minimização da
culpa face às infrações cometidas (engravidado e tentado o aborto).
Não assevero, contudo, a descoberta total dos significados
da doação do filho para mãe, uma vez que os dados emergentes
podem ser submetidos a análises mais profundas e ampliadas,
conforme CAPALBO(1 984) esclarece:
94REFLEXÕES FINAIS
0 sentido de um fenômeno não se esgota nos sentidos a ele atribuído... A basca de plenitude de sentido é que nos impulsiona à procura do que nos falta e que relativiza todas as nossas descobertas. E essa busca incessante que nos faz ultrapassar a experiência finita de significados adquiridos em busca de outros novos.
Os significados foram desvelados à luz da abordagem
interacionista, o que me levou a refletir sobre a intencionalidade
das ações humanas na construção do comportamento, bem como
sobre a importância da interação social em nossas vidas.
É nesse pensar reflexivo que coloco algumas dificuldades
surgidas no desenvolvimento deste estudo, obstáculos estes
relacionadas principalmente:
1.1 - à carência de literatura específica sobre o tema, o que
dificultou a construção do mundo empírico proposto
por BLUMER(1969), visto que tive de recorrer à
revisão de literatura sobre temas supostamentes
relacionados à doação;
1.2 - à pouca experiência na conduta de uma pesquisa
qualitativa e à tendência de deixar~me guiar por idéias
preconcebidas;
1.3 - à escassez de estudos na área da enfermaqem que se
apoiaram na teoria interacionista, o que dificultou a
elucidação das dúvidas surgidas no transcorrer do
estudo;
1.4 - à sutileza do tema abordado, que contribuiu para que
muitas mães se recusassem ou apresentassem
resistência em participar da pesquisa, temendo
censuras, críticas, escândalos e identificação por
parte dos meios de comunicação;
95REFLEXÕES FINAIS
1.5 - aos contratempos alheios à minha vontade e que
muitas vezes me fizeram perder o fio condutor do
raciocínio.
Ainda, nesta tentativa de desnudar o significado da
doação, emergem aspectos que considero importante destacar:
2.1 ~ as mães desconhecem a lei que veta a doação dos
filhos até 30 dias após o nascimento;
2.2 - a maioria das doações ocorre logo após o parto, pois
é comum haver uma “negociação” prévia entre a mãe
doadora e a pessoa que intermedeia a doação;
2.3 - as pessoas que procuram adotar legalmente as
crianças doadas pelas próprias mães costumam,
perante o juiz, caracterizar esta doação como
“abandono”, contrariando a própria definição do
termo";
2.4 - os profissionais de saúde, como grupo social que
compartilha experiências relativas à doação, não se
aproximam dessas mães, ou seja, não se colocam no
lugar delas para compreender o que vivenciam;
2.5 - a mãe doadora, assim como alguns grupos profissio
nais, parecem desconhecer os caminhos legais,
opcionais, que podem ser percorridos até que a
doação seja decidida. Entre eles, estão a
permanência da criança em creches mantidas e
supervisionadas pelo Juizado da Infância e da
Juventude, e permissão para que a criança permaneça
sob a guarda de famílias autorizadas por este juizado.
Abandono se caracteriza pela omissão completa das obrigações. Quando a criança é exposta em portas ou vias pública. MOTA (1993)
96REFLEXÕES FINAIS
Minha intenção, com o presente estudo é, também, procurar
enriquecer o escasso referencial existente sobre a temática da
doação de filhos, tencionando, subsidiariamente, alertar os
profissionais de saúde para que repensem e se posicionem de forma
diferente com relação às formas ideais de assistência às mães
doadoras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ANEXOM*tAMWW
ANEXO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM
A - IDENTIFICAÇÃO
01. Qual seu nome?02. Qual sua idade?03. Onde você nasceu?04. Onde mora?05. Há quanto tempo?06. Por que veio morar aqui?07. Até que ano você estudou?08. Qual sua religião?09. Qual sua profissão?10. Há quanto tempo a exerce?11. Quantos filhos você tem?12. Qual a idade deles?13. Você estuda(ou)? Que ano faz(fez)?14. Com que idade teve o 1o filho?
8 - INFÂNCIA/ADOLESCÊNCIA
15. Fale um pouco sobre sua infância, sua adolescência. Como foi, como eram suas amizades, onde passou, etc...
16. Vamos falar sobre seu dia a dia. O que você faz? Como é ele?
17. Como é composta a sua família?18. Como é o relacionamento com seus pais?19. E com seus irmãos?20. Quanto aos amigos, como são?21. Quanto aos vizinhos, como é seu relacionamento com eles?
C - GRAVIDEZ
22. Com quanto tempo você descobriu que estava grávida?23. Como se sentiu ao descobrir?24. O que fez quando descobriu?25. E seu companheiro com reagiu?26. Como era o relacionamento de vocês?27. E agora, como está?
1Í0ANEXO
28. Essa gravidez foi desejada/planejada?29. Que planos você tínha/tem com seu companheiro?30. No que a gravidez mudou a sua vida? Com relação ao
trabalho, os estudos, o lazer, as amizades, etc.31. Na sua opinião quais as principais dificuldades que uma
mulher grávida enfrenta?32. Como sua mãe reagiu ao saber da sua gravidez?33. E seu pai?34. E seus irmãos?35. E agora, como está esse relacionamento?36. Você teve algum apoio da família?37. Quanto aos amigos, como eles reagiram ao saber da sua
gravidez?38. Como se sentiu?39. E agora como está o relacionamento de vocês?40. E os vizinhos, como reagiram?41. E agora como está o relacionamento com eles?
D - DOAÇÃO
42. Quando e como surgiu a idéia de doar seu filho?43. O que passou pela sua cabeça quando pensou em doar?44. O que levou a fazer isso?45. O que a doação significa para você?46. Antes de doar seu filho o que pensava das mães que o faziam?47. E agora?48. Quais os pontos positivos da doação?49. E os negativos?50. Anteriormente já havia pensado sobre doação de filhos?51. Você repetiría esse gesto?52. Que cuidados/preocupações você teve ao tomar a decisão?53. Com quantos dias após o parto ocorreu a doação?54. Como foi?55. Você sabia que a mãe só pode doar o filho após 30 dias do
parto?56. Você sabia que após adotado legalmente você perde seu
filho mesmo que se arrependa?57. Você ' conhece o funcionamento do processo de doação /
adoção?