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UNIVERSIDADE LIVRE E COLABORATIVA: MEMÓRIA, CULTURA E PAISAGEM NAS ESCOLAS PÚBLICAS DE PERUS Os desafios enfrentados pelas escolas públicas na atualidade exigem professores implicados em refletir sobre sua prática, evitando tornarem-se meros executores das teorias elaboradas pela universidade. Nesse sentido, destaca-se a iniciativa da Universidade Livre e Colaborativa, que vem firmando parcerias com as escolas públicas de Perus. O presente trabalho tem como objetivo apresentar estudos realizados em parceria com duas escolas, tendo como objeto de estudo a memória, a cultura e a paisagem. O artigo ―Cultura: a escola e os movimentos sociais de Perus‖ relata o trabalho de pesquisa a respeito das lutas operárias que se travaram no bairro Perus e como a escola se relaciona com esta memória na constituição da subjetividade docente, identidade dos professores, estudantes e demais agentes, tornando-se importante polo de reflexão acerca das condições vivenciadas na atualidade e historicamente conquistadas pela comunidade e seu entorno, utilizando como referenciais teóricos Williams (1980), Bourdieu (1992) e Bezerra (2002). O artigo ―Parceria entre a Universidade Livre e Colaborativa e a escola no trabalho de TCA‖, relata uma experiência inovadora realizada na EMEF Profª Philó Gonçalves dos Santos, que surgiu a partir de uma demanda real da escola, aparecendo nas pesquisas realizadas pela ULC na unidade escolar, e teve como resultado modificações na organização da escola, no trabalho pedagógico e na postura dos alunos, utilizando-se dos estudos de Giovanni (2009); Marin (2014) e Le GOFF (1996).Finalmente, o artigo ―A Paisagem como Ferramenta de Conservação Ambiental na EMEF Profª Marili Dias‖ apresenta uma pesquisa realizada na unidade, utilizando-se como método para o estudo da paisagem, a cartografia social participativa, e tendo como objetivo verificar se o estudo da paisagem no âmbito da escola pública pode contribuir para a conservação ambiental. Palavras-Chave: Universidade, Escola, Parceria. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 12193 ISSN 2177-336X

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UNIVERSIDADE LIVRE E COLABORATIVA: MEMÓRIA, CULTURA E

PAISAGEM NAS ESCOLAS PÚBLICAS DE PERUS

Os desafios enfrentados pelas escolas públicas na atualidade exigem professores

implicados em refletir sobre sua prática, evitando tornarem-se meros executores das

teorias elaboradas pela universidade. Nesse sentido, destaca-se a iniciativa da

Universidade Livre e Colaborativa, que vem firmando parcerias com as escolas públicas

de Perus. O presente trabalho tem como objetivo apresentar estudos realizados em

parceria com duas escolas, tendo como objeto de estudo a memória, a cultura e a

paisagem. O artigo ―Cultura: a escola e os movimentos sociais de Perus‖ relata o

trabalho de pesquisa a respeito das lutas operárias que se travaram no bairro Perus e

como a escola se relaciona com esta memória na constituição da subjetividade docente,

identidade dos professores, estudantes e demais agentes, tornando-se importante polo de

reflexão acerca das condições vivenciadas na atualidade e historicamente conquistadas

pela comunidade e seu entorno, utilizando como referenciais teóricos Williams (1980),

Bourdieu (1992) e Bezerra (2002). O artigo ―Parceria entre a Universidade Livre e

Colaborativa e a escola no trabalho de TCA‖, relata uma experiência inovadora

realizada na EMEF Profª Philó Gonçalves dos Santos, que surgiu a partir de uma

demanda real da escola, aparecendo nas pesquisas realizadas pela ULC na unidade

escolar, e teve como resultado modificações na organização da escola, no trabalho

pedagógico e na postura dos alunos, utilizando-se dos estudos de Giovanni (2009);

Marin (2014) e Le GOFF (1996).Finalmente, o artigo ―A Paisagem como Ferramenta de

Conservação Ambiental na EMEF Profª Marili Dias‖ apresenta uma pesquisa realizada

na unidade, utilizando-se como método para o estudo da paisagem, a cartografia social

participativa, e tendo como objetivo verificar se o estudo da paisagem no âmbito da

escola pública pode contribuir para a conservação ambiental.

Palavras-Chave: Universidade, Escola, Parceria.

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PARCERIA ENTRE A UNIVERSIDADE LIVRE E COLABORATIVA E A

ESCOLA NO TRABALHO DE TCA

Íris Siqueira Bozolão – PMSP/ULC

Regina Célia Soares Bortoto – PMSP/ULC

Sirleine Brandão de Souza – PUC-SP/ULC

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma prática de colaboração entre a

Universidade Livre e Colaborativa - um programa de ―aprendizagem em ação‖, fruto da

partilha e da tensão promovida pelo trabalho conjunto de diferentes atores sociais – e

uma escola da Rede Pública Municipal de São Paulo – EMEF Profª Philó Gonçalves

dos Santos – situada no bairro de Perus, zona noroeste de São Paulo, destacando os

limites e as possibilidades de um trabalho conjunto no qual participaram diferentes

sujeitos – pesquisadores, professores, alunos e gestores - com o intuito de organizar

novas formas de se relacionar com o conhecimento transmitido pela escola, numa

perspectiva dialógica de construção e indagação contínua, proveniente do caráter

experimental, partilhado e processual do aprendizado como descoberta em uma

existência ativa e criativa, considerando inclusive as contradições e tensões decorrentes

desse estar junto. Pretende ainda, refletir, a partir de tal envolvimento, se a prática

pedagógica contribuiu para a produção das subjetividades relacionadas à história local,

tendo em vista a constituição de cidadãos críticos e atentos para questões que envolvem

a sua localidade e, portanto, para a construção de uma sociedade justa e fraterna. Para

tanto, foram realizados encontros com os professores e gestores da escola; discutidos

ponto referentes ao documento elaborado a partir do decreto nº 54.452/2013 que

regulamentou a Portaria 5930/13 instituiu o ―Programa Mais Educação – São Paulo, de

reorganização curricular da rede; construídas propostas de trabalho com os alunos -

Trabalho Colaborativo Autoral (TCA); desenvolvimento das propostas; apresentação e

avaliação dos resultados. Utilizou-se como fonte teórica, estudos situados na

confluência das questões acerca da memória, formação de professores, inovação,

desenvolvimento profissional e condições de trabalho. Os resultados demonstraram que

ocorreram modificações na organização da escola, no trabalho pedagógico e na postura

dos alunos.

Palavras-chave: Trabalho Colaborativo Autoral. Universidade Livre e Colaborativa.

Desenvolvimento Profissional.

INTRODUÇÃO

A partir dos anos de 1990, em Perus, bairro localizado na região noroeste da

cidade de São Paulo, coincidindo com propostas de uma educação mais

democrática para o país, o movimento pela criação de um Centro Cultural do

Trabalhador e toda ambiência vivida em relação à Fábrica de Cimento Portland

Perus e à Ferrovia Perus-Pirapora, passaram, de forma efetiva, a fazer parte do

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cotidiano de muitas escolas, considerando, então, os aspectos sociais vividos pelos

estudantes e não apenas os conteúdos curriculares propostos tradicionalmente pelo

sistema de ensino, tendo em vista a revitalização da memória popular e a

constituição de narrativas históricas a partir dos acontecimentos de Perus,

interligadas à história da constituição da cidade de São Paulo e do Brasil.

Desde a década de 1990 as escolas foram consideradas, por movimentos

sociais a favor da criação de um centro de cultura e de memória, essenciais para

desenvolver, entre os estudantes, assuntos relacionados à fábrica de cimento, à

constituição do bairro, às lutas dos movimentos organizados, contribuindo para a

construção da história e da memória, entendendo ser esta última carregada de mitos

e anacronismos, entretanto, como nos alerta Le Goff, a memória é ―essencialmente

mítica, deformada, anacrônica, mas constitui o vivido dessa relação nunca acabada

entre o passado e o presente‖. (LE GOFF, 1990, p. 29)

Hoje, não se tem dúvidas de que utilizar os acontecimentos e a cultura locais

como conteúdos escolares, produziu e continua produzindo grande envolvimento de

estudantes e professores das escolas de Perus. Entende-se que tais ações

pedagógicas em torno da história e memória contribui na constituição de uma

identidade entre os moradores do bairro, mesmo que muitos dos estudantes de

agora não tenham tido qualquer relação com as pessoas que viveram o auge de

funcionamento da fábrica.

Julga-se, entretanto, necessário refletir sobre os resultados em termos de

ensino e aprendizagem, principalmente em relação à produção das subjetividades,

ou seja, é necessário saber se a prática pedagógica com a história local contribui

para a constituição de cidadãos críticos e atentos para a construção de uma

sociedade justa e fraterna. Assim, a reflexão da ação pedagógica deve ser constante.

A Universidade Livre e Colaborativa (ULC), iniciou-se em 2011, a partir do

encontro do Núcleo de Estudos da Paisagem (NEP) do LABCIDADE (FAU/USP)

com lideranças sociais, artistas e professores no bairro de Perus, em especial a

Comunidade Cultural Quilombaque e o coletivo de educação Coruja, gerando uma

série de atividades experimentais didático-pedagógicas e de enfrentamento e busca

de soluções de questões urbanas e sociais na região. Tanto o NEP, quanto os grupos

parceiros em Perus são oriundos de experiências anteriores de articulação entre

universidade e comunidade, o que permitiu a criação de um programa de trabalho

novo, de uma abrangência maior.

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A experiência constitui-se como uma ação dialógica, não isenta de conflitos,

envolvendo protagonistas e interlocutores ligados à universidade, ao universo

técnico-profissional, à comunidade local, estudando e articulando, portanto, as

questões urbanas, culturais e ecológicas implicadas em suas diversas escalas.

A Universidade Livre e Colaborativa, desta forma, é um programa de

―aprendizagem em ação‖, fruto da partilha e da tensão promovida pelo trabalho

conjunto de diferentes atores sociais, sejam aqueles presentes no ambiente

acadêmico tradicional, sejam aqueles que detém saberes e conhecimentos oriundos

da prática e da vivência, frequentemente desprezados pela academia.

Assim, até o presente momento, a ULC se define como um trabalho

conjunto, construído coletivamente, procurando reconhecimento, enriquecimento e

transformação dos saberes e do aprendizado de todos, construindo o conhecimento

sem hierarquia entre os saberes decorrentes de titulações acadêmicas. Nesse

sentido, se faz necessário dizer que a ULC mantém uma lista de pautas prioritárias

adotadas no início da construção deste projeto, a partir da região Perus/Anhanguera,

e que acabam norteando suas ações1.

Deve-se observar ainda que tal pauta é complexa, dinâmica e não pode ser

alcançada toda ao mesmo tempo nem por um grupo apenas, ou seja, exige uma

duração longa, continuada do projeto e sua cooperação com outros coletivos e

organizações.

Os objetivos e processos da ULC estão em construção e indagação contínua,

proveniente do caráter experimental, partilhado e processual do aprendizado como

descoberta em uma existência ativa e criativa, considerando inclusive as

contradições e tensões decorrentes desse estar junto.

A ULC adota estratégias que se conjugam em várias frentes.

Direciona,também, em um programa de trabalho na região, a inclusão de

pesquisadores do NEP, de graduação, pós-graduação, bem como o oferecimento de

disciplinas colaborativas.

Por exemplo, entre 2012 e 2014, semestralmente, foram oferecidas disciplinas de

graduação e pós-graduação, com oficinas abertas à comunidade, ministradas em

Perus e organizadas conjuntamente de modo colaborativo e horizontal.

Vale ressaltar que a cada disciplina oferecida, por vezes envolvendo bem

mais de 40 integrantes entre moradores, pesquisadores de pós-graduação e alunos

de graduação, no que tange àquela disciplina, constitui-se um novo círculo de

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gestão, de modo que todas as decisões são tomadas coletivamente no processo de

realização da disciplina.

As três instâncias, ou seja, disciplina de graduação, de pós-graduação e oficina

ocorreram nos mesmos espaços, normalmente aos sábados, em diferentes locais da

Subprefeitura de Perus. Formalmente não havia — e assim se pretendia — qualquer

diferença no trato das três instâncias. Para isso, a cada caso se desenvolve processos de

trabalho em que se produza uma leitura coletiva da realidade e dos projetos e planos

previstos para a região: em alguns dos semestres, as equipes de trabalho eram mistas,

em outros, definiam-se produtos diferenciados para a graduação e a pós-graduação, mas

em todos os casos a experiência dialógica era comum entre a totalidade dos

participantes.

A diversidade promovida desde o início reflete justamente um dos desejos por

trás da construção desta experiência: a da constituição de uma cultura dialógica e plural

mais do que de um conteúdo (que também se apresenta) a ser transmitido aos

participantes. Os resultados dessas frentes contribuíram para subsidiar movimentos

sociais locais e desencadear outra frente de trabalho, ou seja, trabalhar com as escolas

públicas, além de intervenções que direcionaram vários aspectos regionais e mesmo

municipais da gestão urbana e da legislação urbanística, inclusive na criação de um

instrumento potencialmente inovador, denominado Territórios de Interesse da Cultura e

da Paisagem2.

Destaca-se entre as ações com escolas públicas, a desenvolvida na Escola

Municipal Professora Philó Gonçalves dos Santos, quando da retomada de trabalho

desenvolvido com uma professora dos primeiros anos do Ensino Fundamental com

ações de pesquisa sobre Perus com os estudantes de sua turma no ano de 2011. Depois,

em 2013, já por ocasião da presença de um grupo de participantes do Movimento pela

Reapropriação da Fábrica de Cimento convidados pela escola, os mesmos estudantes

puderam falar sobre os momentos que viveram quando ainda estavam no segundo ano e

o quanto consideravam importante a história de Perus, agora com outros entendimentos.

Atualmente, cabe enfatizar, as escolas da Rede Municipal de São Paulo passam

por reestruturação curricular3 e uma das grandes mudanças foi a de considerar que os

estudantes, durante o Ciclo Autoral, deveriam produzir pesquisas de seus interesses, ou

seja, intenta-se que os estudantes produzam conhecimento.

Neste sentido, a ULC, que não reconhece a hierarquia dos saberes e entende a

Educação como alargamento de horizontes, num contínuo processo colaborativo e

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participativo, contribuiu com o processo do Trabalho Colaborativo Autoral (TCA) na

EMEF Professora Philó Gonçalves dos Santos propondo uma abordagem para construir

conhecimento a partir dos problemas e das soluções locais.

O ENCONTRO COM A ESCOLA “PHILÓ” E O DESENVOLVIMENTO DO

TRABALHO DE PARCERIA

É corrente na literatura especializada sobre formação de professores o destaque

que se dá para a parceria entre a universidade e a escola, entre o pesquisador e o

professor, no entanto, muito pouco sobre essa parceria tem sido publicada e discutida

com vistas à ampliação da discussão referente a consolidação de conhecimentos gerados

por esta troca, tanto do ponto de vista do pesquisador quanto do professor em seu fazer

cotidiano na escola.

Nesse sentido, há uma ampla discussão que se refere ao distanciamento da

universidade - na figura do pesquisador - em relação à escola - na figura do professor -

e de sua prática gerando um discurso de distanciamento entre teoria e prática. Esse é um

discurso que faz parecer que o professor é um mero executor daquilo que o pesquisador

elabora, muitas vezes, distante da realidade.

Partindo do pressuposto de que o professor elabora conhecimento em seu fazer

cotidiano e que este conhecimento diz respeito, de alguma forma à teoria, não se pode

dicotomizar teoria e prática. E, portanto, esta é uma discussão que merece muito mais

reflexão do que simplesmente a naturalização de um fato considerado senso comum.

Nesta perspectiva, a prática que é desenvolvida pelo professor no seu fazer

cotidiano demonstra muito a teoria que a embasa e que este não é destituído de

conhecimento.

Muitas pesquisas abordam o ato reflexivo como se este fosse algo apartado do

dia a dia do professor, que na agitação da escola não consegue refletir sobre o que está

ensinando ou mesmo sobre sua prática. É verdade que como um conceito, deve ser

considerado de forma mais aprofundada, embora há que se pensar também nas

condições necessárias para que este ato de reflexão seja possível de ser realizado e isso

tem a ver com a própria organização e estruturação da escola.

De acordo com Marin (2014), falar de organização da escola é diferente de falar

em organização do trabalho pedagógico, e nesse sentido, pôde-se perceber com esta

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experiência que a mudança de uma rotina já estabelecida pelos atores que participam da

escola não é tarefa fácil, mesmo que a parceria entre a escola e a universidade sempre

fez parte das discussões desta escola, posto que seus atores entendem que esta relação

pode contribuir para que o conhecimento produzido na academia se aproxime da prática

cotidiana e que quanto mais consciência se tome a respeito, melhor a compreensão em

relação ao fazer pedagógico.

De acordo com Givanni (2009, p. 18):

Da mesma forma as discussões que vem sendo realizadas nos últimos

anos, sobre pesquisas realizadas com professores ou sobre pesquisas

realizadas no interior das escolas, também são acompanhadas de

referências sistemáticas à importância da concepção de professor

como produtor e sujeito de seu próprio conhecimento e ação, à

necessidade de reconhecimento do caráter reflexivo de que se reveste

o trabalho desse profissional e ao papel desempenhado pelas

universidades na elaboração e promoção de investigações, realizadas

em parceria com escolas dos diversos graus de ensino, que possam

reunir, ao mesmo tempo, tanto a intenção de pesquisar a realidade

escolar, quanto a intenção (e o compromisso) de intervir sobre essa

mesma realidade, modificando-a.

Dessa forma, em 2014 a Universidade Livre e Colaborativa, por intermédio da

Assistente de Direção e também integrante deste movimento, desenvolveu um trabalho

com alguns professores da escola, por entenderem que a escola tem um papel

fundamental na constituição da memória local.

Os encontros entre a ULC e a escola coincidiram com o momento em que a

Secretaria de Educação da Cidade de São Paulo apresentava a reorganização curricular

para todas as escolas da rede. Assim, ainda confusos em relação à nova organização dos

ciclos, a escola e a ULC firmaram parceria, objetivando estudar e pesquisar juntos

estratégias que pudessem auxiliar professores e alunos a entender e desenvolver o

TCA(Trabalho Colaborativo Autoral), proposta da Secretaria Municipal de Educação de

São Paulo, para o Ciclo Autoral, que compreende alunos de 7º, 8º e 9º ano.

Cabe ressaltar o fato de que alguns professores se dispuseram a participar desta

iniciativa, mesmo com todas as dificuldades encontradas por tal implementação e pelo

fato de que esta parceria não era novidade nesta escola. Pode-se apontar, por um lado e

de acordo com Giovanni, (2009, p. 30), que ―[...] a ideia de mudança para um padrão

colaborativo de trabalho, com novos hábitos profissionais [...] é sempre ameaçadora

para a maioria das pessoas‖. Embora não se tenha desenvolvido um trabalho

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colaborativo tal qual é conceituado por esta autora, vale a pena o destaque, visto que,

mudanças sempre causam certo estranhamento. E por outro, de acordo com Canário,

(2005, p.62 apud Marin 2014, p.64), que a escola, ao longo dos séculos, ―sofreu um

processo de naturalização, que lhe confere um caráter inelutável e o faz parecer como

natural‖. Torna, portanto, toda a questão organizacional da escola algo invisível e

natural, contribuindo para sua estabilidade e encobrimento de ―questões relativas ao

trabalho pedagógico envolvendo professores e alunos‖. (Marin, 2014, p. 64).

Entretanto, como já mencionado acima este encontro não se deu sem conflitos e

sem tensões. Surgem, então, os primeiros encontros entre a Universidade Livre e

Colaborativa e os professores envolvidos no projeto, que consistiu, basicamente, na

escuta das dúvidas, angústias e expectativas dos professores em relação ao TCA e à

própria parceria com a Universidade.

Nesse processo foi se construindo um tipo de relacionamento entre os

pesquisadores e desses com os saberes elaborados pelos professores participantes a

partir de sua própria experiência prática na relação estabelecida com os alunos, no

processo de elaboração do TCA, o que propiciou, além de momentos de reflexão

encorajando novas interações, gerando possibilidades dos professores assumirem novos

papéis e exibirem lideranças, também, a legitimação do conhecimento prático do

professor.

O grupo discutia formas de organização, tanto da escola quanto da ação

pedagógica para levar adiante a proposta de elaboração do TCA junto aos alunos, nesse

sentido, o que era proposto nessas reuniões era encaminhado pelos professores que

faziam parte e que estavam orientando os alunos. Dessa forma pensava-se em questões

diversas, por exemplo: como evitar que somente os estudantes que já possuem certas

habilidades escolares fossem ―valorizados‖? Como pesquisar por meio da internet?

Como estimular a pesquisa do assunto para além de uma única obra? Como a escola

trabalha a escrita do estudante? Como partilhar a escrita individual? Como juntar os

professores para pensar o TCA, o currículo escolar...? Como estimular os alunos para a

pesquisa? Como priorizar o que ensinar? Como organizar a exposição desses

resultados? Como dar continuidade a esse movimento dentro da escola? etc. Assim

como também foram organizados momentos de escuta dos alunos, que puderam falar

livremente sobre os conhecimentos que tinham sobre o TCA, o que pretendiam

pesquisar e como os assuntos de interesse deles estavam ligados à memória coletiva do

bairro e aos problemas que mais afligem a comunidade e a si próprios.

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Alguns grupos de estudantes escolheram pesquisar a história de Perus, o que

resultou em grande envolvimento na busca de informações de modo a compor uma

narrativa sobre o bairro e nesse sentido, os princípios adotados pela ULC, quais sejam:

uma ação poética e uma ação de resistência política, abarcando criatividade,

investigação, participação, compromisso social, alegria e afetividade puderam permitir

entender a educação muito além de conteúdos pré-estabelecidos e os objetivos

propostos para esta parceria apareceram nas produções realizadas pelos alunos, embora

muitos temas propostos pelos alunos já tivessem sido apontados por eles, antes mesmo

do início dessa experiência, o que pode, de certa forma, comprovar a força simbólica e

de constituição da subjetividade que a história do bairro de Perus tem sobre os atores

sociais.

Um trabalho dessa natureza se mostra importante no processo de formação do

professor na medida em que possibilita momentos de troca e atualização do potencial

didático presente nos momentos de elaboração das intervenções, da aplicação prática

daquilo que foi discutido no grupo, da devolutiva dos resultados alcançados, enfim, são

momentos muito ricos e eficazes que constituem possibilidades de mudanças daquilo

que parece estar cristalizado. Um trabalho que ―[...] se reveste das características

específicas do ato pedagógico, revelando em cada um dos seus momentos, sua intenção

de se tornar, um ato de busca de conhecimento [...]‖ (GIOVANNI, 2009, p.29).

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Cabe destacar, em primeiro lugar o olhar de uma professora que participou

ativamente do processo todo, segundo ela:

Estes encontros foram fundamentais para a compreensão de todo o

pensamento filosófico em que se pauta a nova organização proposta pela

SME e pudemos, apesar e por causa de todos os conflitos e tensões que

surgiram durante o processo, construir um plano de ação que norteou todo o

trabalho do ano de 2014 e 2015. (Profª Íris).

Ainda que as tensões tenham sido muitas e a adesão à parceria entre a ULC e a

escola não tenha sido unânime, houve um fortalecimento do grupo, que pôde orientar os

trabalhos de pesquisa dos alunos, com mais segurança e uma maior compreensão no seu

papel de mediador entre o conhecimento e o aluno.

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Para aqueles que se propõe a embarcar na ideia e participar como colaborador,

como sujeito ativo na elaboração do conhecimento e da prática, conta muito a sua

história vivida, sua experiência em outras parcerias, sua disponibilidade para ouvir o

outro, para aceitar, para refletir sobre sua prática e para modificá-la, foi assim que

aconteceu: aqueles que se sentiram à vontade nesta posição aderiram ao projeto, ao

passo que aqueles outros que possuíam uma prática mais individualizada não puderam

participar neste momento.

Em segundo lugar, tão importante quanto à adesão da equipe de professores é a

adesão da equipe gestora da escola que pode facilitar e possibilitar o ambiente e o clima

de interação necessários para incentivar a colaboração entre os diversos segmentos da

escola, elevando, dessa forma, o padrão de qualidade, de intervenções e de mudanças no

ambiente escolar. Nesta escola especificamente, mesmo com um número reduzido de

participantes o ambiente escolar se modificou drasticamente em relação a este trabalho.

Para cada participante [...] o ato de engajar-se numa investigação

colaborativa está quase sempre ligado ao desejo de aprender mais

sobre o próprio trabalho, seja construindo conceitos para orientar

ações, seja reaprendendo a estudar, seja aprendendo a ter paciência e

esperar o ―tempo do outro‖, a pôr em questão velhas certezas ou a

considerar o contexto de cada fato, situação ou dado em análise.

Trabalhar junto também é um aprendizado. Reconhecer falhas e

limitações individuais ou coletivas não é fácil. Procurar ajuda e

localizar fontes e recursos para melhoria da própria prática ou de

ações do grupo constituem movimentos que progressivamente se

acentuam. (GIOVANNI, 2009, p.33)

Em terceiro lugar, cabe destacar que o movimento de parceria entre a ULC e a

escola possibilitou uma experiência em que a escola passou a ser repensada em função

das novas necessidades de tempos e espaços, currículos, agrupamentos, ainda que não

de forma unânime, tudo isso fez com que formas novas e ousadas fossem testadas,

colocando em xeque a organização habitual da escola, embora, esta modificação não

signifique mudança estrutural, ainda assim, algumas vezes, prevalecem as formas de

―escapadas‖ da rotina burocratizante na qual todos nós, professores e alunos, estamos

submetidos.

Em quarto e último lugar ressalta-se o fato da mudança de atitude e postura dos

alunos, que passaram a ter preocupação com sua história de vida, com a história do

próprio bairro e suas relações com a cidade, com o país e com o mundo e das questões

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por eles consideradas relevantes, tais como: saúde, educação, ambiente, cultura,

patrimônio, etc.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GIOVANNI, Luciana Maria. O papel dos professores e dos pesquisadores: um desafio

no processo de pesquisa colaborativa. In: Marin, Alda Junqueira et al. (orgs.). Pesquisa

com professores no início da escolarização. Araraquara, SP: Junqueira &Marin; São

Paulo, SP: FAPESP, 2009.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Trad. Bernardo Leitão. et al.. Campinas, SP:

Unicamp. 1990.

MARIN, Alda Junqueira. Em busca da compreensão sobre a escola. In: BUENO, José

Geraldo Silveira et al. (orgs). A escola como objeto de estudo. Escola, desigualdades,

diversidades. 1ª ed. Araraquara, SP: Junqueira&Marin, 2014.

Prefeitura da Cidade de São Paulo. Diário Oficial da cidade de São Paulo,

30/06/2014, LEI 16.050/2014 - Seção II -Dos Territórios de Interesse da Cultura e

da Paisagem – TICP. 2014.

Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Decreto nº 54.452/2013 que

regulamentou a Portaria 5930/13 instituiu o ―Programa Mais Educação – São

Paulo. 2013.

______________________

1. 1) a proteção, restauração e uso público da Fábrica de Cimentos Portland; 2) elaboração de um

plano participativo de proteção ambiental integrado com equipamentos de educação, saúde, lazer

e procurando possibilidades de geração de renda; 3) estímulo e apoio ao desenvolvimento de

incubadoras locais nesses temas, sobretudo por jovens e no formato de gestão autônoma e

coletiva; 4) desenvolvimento de uma estratégia inovadora de gestão pública local baseada na

integração e na participação direta e na capacitação de moradores, administração pública e

demais órgãos descentralizados; 5) atenção a uma noção de desenvolvimento fundada em uma

perspectiva humanista que valorize as potencialidades de crescimento intelectual, sensível,

solidário, sobretudo a partir da educação e cultura, da saúde e do ambiente e da capacitação dos

diversos estratos da população para ações baseadas nessas perspectivas; 6) o desenvolvimento de

material de apoio didático e dinâmicas sobre a história de Perus e programas de curta duração de

formação na área de cultura, meio ambiente e cidade; 7) compreensão e interferência crítica e

construtiva nos processos de desenvolvimento e gestão urbana, na transformação das paisagens e

no desenvolvimento humano e cultural baseado na fruição cognitiva e sensível, solidária e

afetiva da cidade, visando a transformação de seus valores e prática 8) contribuição para ampliar

o acesso ao sentido e conteúdo de instituições culturais em outros locais da cidade em projetos

educativos visando ampliar estratégias para potencializar uma irradiação cultural e educativa em

Perus; 9) contribuição para a valorização da memória e da história vivida pela população, de seu

conhecimento e para a reflexão sobre o sentido dessas experiências na construção da cidade;

10) priorização a projetos de parceria com as escolas públicas no escopo e princípios assumidos

pela Universidade Livre e Colaborativa; 11) homologação da Terra Indígena do Jaraguá,

melhoria da qualidade de vida respeitando os valores e práticas guaranis decididos por processos

próprios da comunidade, reconhecimento de sua importância e valorização de seu potencial

cultural e educativo para a cidade; 12) colaboração na implantação do Território de Interesse da

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Cultura e da Paisagem Jaraguá Perus, aprovado no Plano Diretor em 2014, reconhecendo a

herança de lutas na região e seu patrimônio, em grande medida decorrente dos esforços da

Universidade Livre e Colaborativa na criação desse novo instrumento de gestão para o

planejamento urbano.

2. (Diário Oficial da cidade de São Paulo, 30/06/2014, LEI 16.050/2014 - Seção II -Dos Territórios

de Interesse da Cultura e da Paisagem – TICP - Art. 314. Fica instituído o Território de Interesse

da Cultura e da Paisagem, designação atribuída a áreas que concentram grande número de

espaços, atividades ou instituições culturais, assim como elementos urbanos materiais, imateriais

e de paisagem significativos para a memória e a identidade da cidade, formando pólos singulares

de atratividade social, cultural e turística de interesse para a cidadania cultural e o

desenvolvimento sustentável, cuja longevidade e vitalidade dependem de ações articuladas do

Poder Público) – inserir esta nota também.

3. O decreto nº 54.452/2013 que regulamentou a Portaria 5930/13 instituiu o ―Programa Mais

Educação – São Paulo‖, cujo conteúdo reorganizou a estrutura do Ensino Fundamental da Rede

Municipal de Ensino. Tal reestruturação constitui na criação de três ciclos para esta etapa de

ensino: Ciclo I – Alfabetização (1º, 2º e 3º anos); Ciclo II – Interdisciplinar (4º, 5º e 6º anos);

Ciclo III – Autoral 7º, 8º e 9º anos)

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A PAISAGEM COMO FERRAMENTA DE CONSERVAÇÃO AMBIENTAL NA

EMEF PROFª MARILI DIAS

Patrícia Ferreira e Lima [[email protected]]

Universidade de São Paulo (Mestranda do Programa de Ciência Ambiental – Procam-USP)

Avenida Professor Luciano Gualberto, 1289 - Cidade Universitária- CEP 05508-010 - Butantã -

São Paulo SP

Resumo

O novo modo de vida criado pela sociedade implica em modificações, tanto na questão

urbana, social e ambiental, descrito hoje como problemas ambientais contemporâneos.

Mas para que haja compreensão das mudanças ambientais, se faz necessário integrar as

diversas ciências, como as ciências naturais e sociais, possibilitando assim o equilíbrio

com o desenvolvimento econômico e ambiental. Partindo do pressuposto de que os

processos naturais não podem ser dissociados dos processos humanos e a importância

de incluir a população na paisagem, como atores principais e fundamentais para a

conservação ambiental e participação na gestão de seu território, pressupõem-se que o

estudo da paisagem pode servir como ferramenta de conservação ambiental. Já que

estudo da paisagem possibilita trabalhar com a sensibilidade, emoção, sentimentos e

energias as quais podem influenciar nas mudanças de comportamento. Mas para

conservar é preciso conhecer e compreender o real motivo da conservação ambiental,

mesmo com a intensificação das discussões em prol à conservação ambiental em

diferentes seguimentos como governamentais, sociedade civil, movimentos ecológicos e

programas ambientais, o caminho ainda mais legítimo e possível é pela educação, pois a

educação além de promover o desenvolvimento social, econômico e cultural apresenta

maior possiblidade de compreensão do mundo e a busca do direito à saúde e qualidade

de vida. Levando em consideração que o estudo da paisagem pode ser inserido na

educação ambiental como ferramenta conscientização ambiental, o artigo apresenta uma

pesquisa realizada na Escola Municipal de Ensino Fundamental Profª Marili Dias a qual

teve como objetivo verificar se o estudo da paisagem no âmbito da escola pública pode

contribuir para a conservação ambiental. A pesquisa utilizou como métodos para o

estudo da paisagem a cartografia social participativa; registro fotográfico; oficinas e

jogos didáticos.

Palavras-chave: conservação ambiental; percepção da paisagem; educação ambiental

Introdução

A problemática ambiental hoje é descrita como problemas ambientais

contemporâneos (Moran,2011), na qual a sociedade se apropria e explora os recursos

naturais, implicando em modificações em seu meio, provocando impacto ambiental e

alterações no meio físico e social (Giacomini Filho, 2008). Essa nova realidade

promove riscos, em especial os ambientais e tecnológicos de graves consequências, os

quais permitem entender as características, os limites e as transformações da nossa

modernidade (Jacobi, 2006), gerados por uma racionalidade econômica guiada pelo

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propósito de maximizar os lucros à curto prazo, numa ordem econômica marcada pela

desigualdade entre nações e classes sociais (Leff, 2006; Moran, 2011).

Os impactos das atividades humanas sobre os ecossistemas têm aumentado

rapidamente nos últimos decênios, provocando efeitos adversos e mudanças drásticas no

meio ambiente e no bem-estar humano (Millennium Ecosystem Assessment, 2003).

Mas para compreender os impactos causados ao meio ambiente, se faz necessário

compreender a questão social, segundo Boff 2006 ―não fomos criados para

posicionarmos sobre a natureza como dominadores, mas sim para estarmos ao seu lado

como quem convive como irmão e irmãs‖.

Compreender o ambiente e seus significados em conjunto com as relações

sociais, desenvolve a capacidade de pensar o desenvolvimento com liberdade, trazendo

à tona a sua plenitude, a importância do espaço e do território (Rodrigues, 2005). É

importante considerar que a ação humana pode ser positiva e fazer a diferença inclusive

no que diz respeito à participação popular e conservação ambiental.

Mas para conservar é preciso conhecer e compreender o motivo real da

conservação ambiental, isso nos leva a perceber que o tema conservação ambiental tem

se intensificado cada dia mais nas discussões dos governos e sociedade civil,

principalmente no momento em que se passa a maior crise hídrica dos últimos tempos,

sendo assim, um conjunto de práticas sociais voltadas para o meio ambiente se tem

instituído tanto no âmbito das legislações e dos programas de governo quanto nas

diversas iniciativas de grupos, de associações e de movimentos ecológicos. Mesmo

com diversas iniciativas em prol da conservação ambiental o caminho ainda mais

legítimo e possível é pela educação, pois a educação além de promover

desenvolvimento social, econômico e cultural apresenta maior possibilidade de

compreensão do mundo e a busca do direito à saúde e qualidade de vida.

Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Estabelece as diretrizes e bases da

educação nacional. “Art1º A educação abrange os processos formativos que se

desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas

instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da

sociedade civil e nas manifestações culturais”.

No âmbito da educação tem se intensificado a formação de um consenso sobre a

necessidade de problematizar a questão ambiental em todos os níveis de ensino, a partir

disso a educação ambiental (EA) vem sendo valorizada como uma ação educativa que

―deveria estar presente, de forma transversal e interdisciplinar, articulando um conjunto

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de saberes, formação de atitudes e sensibilidades ambientais‖ (Carvalho, 2008). A partir

de então foi aprovada a Política Nacional de Educação Ambiental em 1999 (Lei 9.795,

de 27 de abril de 1999), regulamentada pelo Decreto 4.281, de 25 de junho de 2002, em

que a EA é instituída como obrigatória em todos os níveis do ensino e considerada

como componente urgente e essencial da educação formal, desse modo, o ensino

fundamental tem sido objeto de políticas de capacitação do Ministério da Educação

(MEC), o qual estimulou a internalização da questão ambiental como um dos temas

transversais destacados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) tem buscado

disponibilizar materiais didáticos e capacitação de professores em educação ambiental.

A educação ambiental por ser uma ciência interdisciplinar possibilita a utilização

de diversas técnicas e métodos de conscientização e aprendizagem ambiental, esses

métodos são modificados dependendo da necessidade do momento, criando-se novas

formas de discutir determinados assuntos e de promover a aprendizagem, agregando

novas áreas de conhecimento. Sabendo que a interdisciplinaridade contribui fortemente

com a aprendizado, a presente pesquisa pressupõe que o estudo da paisagem pode

contribuir não somente para a melhor compreensão do seu território, mas também como

uma ferramenta de conservação ambiental, colocando o homem como parte integrante

da paisagem.

O estudo da paisagem possibilita trabalhar com a sensibilidade, emoção,

sentimentos e energias as quais podem influenciar nas mudanças de comportamento,

mesma concepção trabalhada na educação ambiental. Sendo assim, o estudo da

paisagem pode ser inserido na educação ambiental como uma ferramenta de

conscientização e conservação ambiental. Sabendo-se que o aprendizado inicia-se na

escola, a presente pesquisa teve como objetivo verificar se o estudo da paisagem no

âmbito da escola pública pode contribuir para a conservação ambiental.

A escolha do local de pesquisa foi baseada nas atividades realizadas e em

realização do Núcleo de Estudos da Paisagem (NEP) o qual é um dos dois núcleos que

estrutura o Laboratório do Espaço Público e do Direito à Cidade (LabCidades), do

Departamento de Projetos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo –

FAUUSP, além das atividades desenvolvidas durantes algumas disciplinas como

ICA5754- Potencialidades e Gestão da Paisagem, oferecidas pelo Programa de Pós-

graduação em Ciência Ambiental (PROCAM USP) realizada em Perus. O local de

pesquisa escolhido possui particularidades importantes para a realização do presente

estudo como: área de forte representação social e cultural, por levar como herança a

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história da Fabrica de Cimento Perus, as lutas dos queixadas e a estrada de Ferro Perus-

Pirapora; ações realizadas pela Universidade Livre e Colaborativa; Território de

interesse da cultura e paisagem; áreas de grande importância ambiental, pois interligam

o Parque Estadual da Cantareira, Parque Estadual do Jaraguá e Parque Anhanguera,

áreas de grande importância para a conservação da biodiversidade e de serviços

ecossistêmicos prestados para a qualidade de vida.

A chegada da Educação ambiental nas escolas

No final dos anos sessenta e inicio dos anos setenta deu-se inicio a diversas

discussões a respeito dos problemas ambientais, problemas esses que surgiram a partir

da implementação de modelos de desenvolvimento fortemente neoliberais, regidos pela

norma de maximizar os lucros no menor espaço de tempo, seguindo o pretexto da

industrialização acelerada, aproveitando exageradamente os recursos naturais

(MEDINA, 2008). O uso desequilibrado de substancias químicas utilizadas pelas

indústrias e os vazamentos de óleo dos petroleiros nos oceanos, são alguns dos

principais fatos que levaram os ambientalistas a ver a natureza como algo que, quando

afetado pode ter consequências desastrosas.

Esses acontecimentos entre outros receberam ampla publicidade, fazendo com

que países desenvolvidos temessem uma ampla contaminação a ponto de atingir o

homem, algumas descobertas que ajudaram a identificar os primeiros problemas

ambientais originaram-se a partir do conhecimento científico, que contribuiu para a

construção de uma ciência internacional consolidada na década de 1960 e 1970, sendo

parte importante da construção dos conhecimentos sobre os sistemas ambientais do

mundo. O avanço das ciências e o conhecimento da ecologia fez com que surgissem os

primeiros movimentos em defesa da natureza, a revolução social a partir dos

movimentos contra-culturais (hippies, feminismos etc.), que fazem crítica aos padrões

de consumo e propõem limites de crescimento, ocorreram em 1968, quando estudantes

foram às ruas protestar, no movimento denominado ―Dia da Terra‖.

Este movimento resultou na formação do Clube de Roma e na primeira grande

conferencia sobre o tema, o ―Clube de Roma é uma organização internacional cuja

missão e agir como catalisadora de mudanças globais, livre de quaisquer interesses

políticos, econômicos ou ideológicos, buscando analisar os problemas chave diante da

humanidade‖ (NEIMAN, 2007). A partir de então o conceito de ecologia foi ampliado à

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capacidade de suporte, tentando ampliar a visão da correlação entre o crescimento

populacional e a preservação dos recursos naturais, segundo o mesmo autor:

“O “ecologismo” contemporâneo insere-se na sociedade como um

fenômeno de contracultura, herdeiro das visões românticas de europeus que

alteram a compreensão iluminista de uma natureza transformada ela razão,

e do imaginário sobre a América como paraíso natural. Esse movimento é

fruto, também, da hostilidade da experiência urbana e usas inóspitas

condições ambientais, que impulsionaram o surgimento de um sentimento

estético e moral de valorização da natureza selvagem, e que se constituem

nas raízes histórico-culturais do ambientalismo contemporâneo”

No Brasil na década de 70 foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente

(SEMA), sendo responsável pelos projetos de Educação Ambiental e Ministério dos

Transportes, nessa época a educação ambiental foi importante somente como referência

histórica. A discussão do tema foi sendo ampliada no decorrer do tempo tendo como um

marco importantíssimo a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente

Humano, realizada em Estocolmo – Suécia, que visava alguns princípios os quais

ofereciam a humanidade um guia para preservar o meio ambiente e a sua relação com o

homem, nessa Conferencia surgiu a Declaração sobre o Ambiente Humano e as

diretrizes para o Plano de Ação Mundial, trazendo a questão ambiental para o público

em geral com o objetivo de preservar o meio ambiente tendo a Educação Ambiental

uma ferramenta para o combate da crise ambiental mundial.

“ E tendo o governo o dever de promover a proteção e o melhoramento do

meio ambiente humano, por o homem vem causado diversos danos a

natureza como poluição da água, do ar, da terra e dos seres vivos, além de

grandes transtornos de equilíbrio ecológico da biosfera, destruição e

esgotamento de recursos naturais, usados para fins individuais do homem,

sem pensar nas consequências do todo” (Declaração de Estocolmo, 1972).

Alguns importantes resultados surgiram a partir da Conferência de Estocolmo,

como a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) pela

Organização das Nações Unidas (ONU); Encontro Internacional em Educação

Ambiental promovido pela UNESCO em Belgrado (Iugoslávia), onde criou o Programa

Internacional de Educação Ambiental – PIEA que formulou os seguintes princípios

orientadores: a Educação Ambiental deve ser continuada, multidisciplinar, integrada às

diferentes regionais e voltada para os interesses nacionais ( Zanardi, 2010). Em 1975

ocorreu uma reunião de especialistas em educação, biologia, geografia e história, onde

se definiram os objetivos da educação ambiental, publicados na chamada Carta de

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Belgrado na Iugoslávia, propondo temas que falam da erradicação das causas básicas da

pobreza como a fome, o analfabetismo, a poluição entre outros.

Essa Carta ampliou o pensar no que se refere à necessidade de uma ética global

que promova mudanças de atitudes e comportamentos, onde a reforma dos sistemas

educacionais é a chave para o cumprimento desse objetivo, proporcionando uma nova

forma de pensar em educação produzindo um novo relacionamento intelectual entre os

professores e estudantes. Segundo a Carta a Educação ainda deverá contar com os

princípios básicos incluídos na Declaração das Nações Unidas sobre a Nova Ordem

Econômica Internacional, visando à melhora ambiental e qualidade de vida.

Cinco anos após a Conferência de Estocolmo, aconteceu em Tilibisi na Geórgia

em 1977 a Conferencia Intergovernamental sobre Educação Ambiental, cuja

organização ocorreu a parir de uma parceria entre a Unesco e o então recente Programa

de Meio Ambiente da ONU (Pnuma), onde foram apresentados os primeiros trabalhos

que estavam sendo desenvolvidos por diversos países, foi deste encontro firmado pelo

Brasil que saíram os objetivos, as principais estratégias para a Educação Ambiental

adotadas até o presente momento ( NEIMAN, 2007).

A partir da década de 80 o termo Educação Ambiental já começava a ficar

familiarizado, no ano de 1985 o parecer 819/85 do MEC, reforça mais ainda a

necessidade da inclusão de conteúdos ecológicos ao longo do processo de formação do

Ensino de 1º grau e 2º grau ( GUIMARÃES, 1995) por conta dos sérios problemas

ambientais que o país passava e pela realidade econômica a qual não permitia produzir

grandes transformações ambientais e sociais, a educação então é trazida como uma

ferramenta importantíssima para a melhora da qualidade de vida e equilíbrio ambiental

(Zanardi, 2010).

Somente a partir de 1983 a educação ambiental começou a surgir no Brasil em

consequência do que estava acontecendo em outros países, sendo realizado timidamente

por pequenos grupos, em escolas, parques, clubes e associação de bairros, em 1984

ocorreu em Sorocaba (SP) o primeiro encontro Paulista de Educação Ambiental, onde

reuniram-se pela primeira vez os poucos praticantes e pesquisadores em educação

ambiental no Brasil (REIGOTA, 1994).

Na década de 90 foram realizadas diversas ações as quais permitiram uma maior

reflexão sobre o tema e o maior envolvimento do Brasil, sendo considerada uma época

histórica da Educação Ambiental no Brasil, em 1992 aconteceu a Segunda Conferencia

das Nações Unidas (ONU) sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no estado do Rio

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de Janeiro (Rio 92), onde foi desenvolvido o tratado de Educação Ambiental para

Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, nesse tratado evidencia a

importância da educação como um processo dinâmico a qual precisa ser debatido de

forma reflexiva e modificado quando necessário, colocando-a como fonte central na

formação dos valores e na ação social, envolvendo as comunidades no objetivo de criar

uma nova sociedade sustentável. O Tratado tem grande relevância por ter sido

elaborado no âmbito da sociedade civil e por reconhecer a Educação Ambiental como

um processo político dinâmico (Zanardi, 2010).

Outro documento importantíssimo aprovado na Rio 92 foi a Agenda 21,

considerado um significativo plano de ação para ser adotado global, nacional e

localmente por organizações do sistema das Nações Unidas, governos e pela sociedade

civil, em todas as áreas em que a ação humana impacta o meio ambiente. Além da

Agenda 21 foi acordado também na Conferencia um dos mais importantes documentos

a Convenção da Diversidade Biológica–CDB, seu principal objetivo é salvaguardar a

vida em todas as suas manifestações (LINO et. al 2011).

No mesmo ano foi criado o Ministério do Meio Ambiente (MMA), e em julho

desse mesmo ano, o IBAMA instituiu os Núcleos de Educação Ambiental em todas as

suas superintendências estaduais, tendo como objetivo operacionalizar as ações

educativas no processo de gestão ambiental. Em 1993, além do trabalho desenvolvido

pelo IBAMA de acordo com a Política Nacional de Meio Ambiente, capacitando

recursos humanos e estendendo a temática ambiental às regiões Norte, Nordeste e

Centro-Oeste, começou a discussão, na esfera legislativa, de uma Política Nacional de

Educação Ambiental que interligaria os sistemas nacionais de meio ambiente e de

educação em um sistema único, por meio do Projeto de Lei nº 3.792/93 (Programa

Nacional de Educação Ambiental- ProNea, 2005), criou-se no mesmo ano os Centros de

Educação Ambiental do MEC, com a finalidade de difundir metodologias em Educação

Ambiental (MMA).

Ao mesmo tempo em que a educação ambiental estava presente nos acordos

nacionais e internacionais a pesquisa em educação ambiental ganhava corpo e espaço,

diversos pesquisadores já tratavam a educação ambiental como prática educativa

essencial para a promoção do equilíbrio ambiental, Segundo Carvalho 2001 a

preocupação ambiental foi incorporada na educação como objeto da teoria e prática

educativa por parecer mais como um movimento da sociedade para a educação,

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repercutindo no campo educativo parte dos efeitos conquistados pela legitimidade da

temática ambiental na sociedade.

No contexto fundacional a questão ambiental enquanto debate e ação organizada

emerge na esfera pública como tema de interesse e relevância para a sociedade, em sua

maior parte realizados por profissionais e/ou militantes, ativistas, cientistas ou técnicos

governamentais considerados como as primeiras referencias na ação direta e no debate

público sobre as questões ambientais (Carvalho, 2001). Segundo Reigota alguns nomes

podem ser apontados como os fundadores da discussão ambiental:

“O intenso debate político-cultural do final dos anos 70 e início dos anos 80,

foi de fundamental importância para a formação de muito profissionais da

educação de minha geração. É nessa época e nesse contexto que gostaria de

situar o surgimento do pensamento ecologista brasileiro contemporâneo,

cujos principais nomes, ma minha escalação, são: José Lutzermberger,

Fernando Gabeira, Augusto Ruschi, Aziz Ab´Saber, Paulo Nogueira Neto,

Cacilda Lanusa e Miguel Abella‖ ( Reigota 1998)

Essa abertura para a discussão ambiental surge a partir da necessidade de superar

as injustiças ambientais, desigualdade social, da apropriação capitalista e funcionalista

da natureza e da propriedade humana (Sorrentino et al., 2005), a educação ambiental

por tanto passa a ser mais que uma necessidade social mais sim a transformação em

política publica. “Vivemos processos de exclusão nos quais há uma ampla degradação

ambiental socializada com a maior parte submetida, indissociados de uma apropriação

privada dos benefícios materiais gerados” (Sorrentino et al., 2005). A educação

segundo o mesmo autor trata de uma mudança de paradigma que implica tanto uma

revolução científica quanto política.

As questões políticas para uma transformação socioambiental foram discutidas

nos compromissos internacionais assumidos na Conferência do Rio, sendo criado pela

Presidência da República o Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA)

sendo executado pela Coordenação de Educação Ambiental do MEC e pelos setores

correspondentes do MMA/ IBAMA, responsáveis pelas ações voltadas respectivamente

ao sistema de ensino e à gestão ambiental (Programa Nacional de Educação Ambiental-

ProNea, 2005). O PRONEA previu três componentes: 1º capacitação de gestores e

educadores, 2º desenvolvimento de ações educativas, e 3º desenvolvimento de

instrumentos e metodologias, tendo sete linhas de ação:

Educação ambiental por meio do ensino formal.

Educação no processo de gestão ambiental.

Campanhas de educação ambiental para usuário de recursos naturais.

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Cooperação com meios de comunicação e comunicadores sociais.

Articulação e integração comunitária.

Articulação e integração comunitária.

Articulação intra e interinstitucional.

Rede de centros especializados em educação ambiental em todos os estados.

Em 1997 foram aprovados os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), os

quais tem como objetivo subsidiar e apoiar a elaboração de projetos educativos,

inserindo procedimentos e valores no convívio escolar, bem como a necessidade de

tratar alguns temas transversais como meio ambiente entre outros. Após sua criação,

foram criados alguns cursos de capacitação em educação ambiental para os técnicos das

Secretarias de Educação e Delegacias Regionais do MEC com objetivo de orientar a

implantação dos Parâmetros Curriculares, a educação ambiental ganha força e

amplitude no país, garantindo assim a criação da Diretoria do Programa Nacional de

Educação Ambiental (ProNea), vinculada à Secretaria Executiva do Ministério do Meio

Ambiente, com a atribuição de implementar o Sistema Brasileiro de Informações sobre

EA, implementação de cursos de Educação Ambiental a distância, sensibilização à

questões ambientais e etc..

Esse período foi repleto de iniciativas e ações as quais fortaleceram a aprovação

da Lei nº 9.795/99 que dispõe sobre a Política Nacional de Educação Ambiental, em

2000 a educação ambiental integra pela segunda vez o Plano Plurianual (2000-2003),

institucionalmente vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, em junho de 2002 a Lei

9.795/99 foi regulamentada pelo Decreto nº 4.281, que define entre outras coisas a

composição e as competências do Órgão Gestor do Programa Nacional de Educação

Ambiental (ProNea, 2014).

A I Conferência Nacional do Meio Ambiente (CNMA) realizada em 2003

contribuiu para a formulação de um documento importantíssimo o qual contempla

deliberações para a Educação Ambiental, considerado um ponto de partida para as

futuras Conferências como as realizadas em 2005, 2008 e 2013, segundo o ProNea

2014, após a realização de uma pesquisa feita com os delegados da IICNMA colocou a

educação ambiental em primeiro lugar entre os programas mais eficientes do MMA,

seguida do Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia Legal. A educação

ambiental no MEC atuava em todos os níveis de ensino formal, mantendo ações de

formação continuada, constituindo uma visão sistêmica da EA e com o passar do tempo

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a educação ambiental foi sendo fortalecida no ensino público superior a partir de

pesquisas em parceria com a Rede Universitária de Programas de Educação Ambiental.

Após a divisão do Ibama em 2007 foi constituído o Instituto Chico Mendes de

Conservação da Biodiversidade (ICMBio), sendo extinta a Coordenação Geral de

Educação Ambiental (CGEAM/IBAMA), aos poucos o ICMBio estrutura a área de

educação ambiental no órgão ligada a gestão da biodiversidade e das Unidades de

Conservação. A partir de então a Educação Ambiental no país foi ampliada e fortalecida

com a criação e consolidação da comissões Interinstitucionais de Educação Ambiental

(CIEAs) nos estados da federação; a criação de Coletivos Educadores, Coletivos Jovens

de Meio Ambiente, fóruns locais da Agenda 21, inclusive no âmbito das escolas, com a

constituição das Comissões de Meio Ambiente e Qualidade de Vida- COMVIDA; a

criação de redes de educação ambiental nos estados, regiões e municípios do país; a

realização dos Fóruns Brasileiros de Educação Ambiental; as Conferências Nacionais de

Meio Ambiente; a instituições de Salas Verdes em espaços não formais de educação; a

expansão da educação ambiental nas instituições de ensino e o fomento de pesquisa e

extensão em diferentes níveis do ensino formal; praticas socioambientais em diferentes

organizações (ProNea, 2014).

Além deste grande avanço da EA percorrendo diversos níveis da sociedade civil

e movimentos sociais, foram realizadas outras diversas ações ligadas transversalmente

como a estruturação das políticas públicas e temáticas, como por exemplo, a Estratégia

Nacional de Educação Ambiental e Comunicação em Unidades de Conservação

(Encea); o Programa de Educação Ambiental e Mobilização Social em Saneamento-

PEAMSS; o Programa de Educação Ambiental e Agricultura Familiar – PEAAF; A

Estratégia e Educação Ambiental e Comunicação Social na Gestão de Resíduos Sólidos

entre outros. Essas ações estruturantes conduziram em 2012 na Rio+20 diversas

discussões relevantes no âmbito da conservação ambiental, mas infelizmente a EA não

foi regida como tema central, porém estava presente nas discussões em diversas

atividades paralelas, como na Cúpula dos Povos (II Jornada Internacional de Educação

Ambiental).

No mesmo ano de 2012 alguns instrumentos legais foram aprovados, com o

objetivo de garantir a maior integração da educação ambiental em diferentes áreas de

conhecimento, como por exemplo, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – Lei

12.608/12, que dispõem sobre o Sistema o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil

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e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil, autorizando a criação de sistema de

informações e monitoramento de desastres. Segundo o Art26 - §7º:

“Art.26 - § 7º Os currículos do ensino fundamental e médio devem incluir os

princípios da proteção e defesa civil e a educação ambiental de forma

integrada aos conteúdos obrigatórios”.

Nesse mesmo contexto foram aprovadas as ―Diretrizes Curriculares Nacionais

para a Educação Ambiental‖ pelo Conselho Nacional de Educação, além da aprovação

da Instrumentação Normativa nº 2, que trata a EA nos processos de licenciamento

ambiental federal, com o objetivo de monitorar, avaliar e implementar projetos e

programas de educação ambiental. Essas diversas ações as quais auxiliaram a

construção de instrumentos e tratados para a utilização responsável dos recursos

naturais bem como a promoção do bem estar humano foram criando ―corpo‖ e espaço

nas discussões nacionais e internacionais as quais até hoje estão presentes nos principais

temas debatidos.

A educação ambiental e a paisagem na EMEF Profª Marili Dias

A Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Marili Dias teve início

em 18 de fevereiro de 2008 com a denominação de EMEF Estrada de Pirapora, tendo 12

classes no período da manhã e 16 classes do período da tarde formadas por alunos

vindos das escolas municipais e estaduais da região do Morro Doce (Projeto Político

Pedagógico- EMEF Prof Marili Dias, 2015), nome dado ao bairro a partir do cultivo da

cana de açúcar e hortaliças nas chácaras no distrito de Anhanguera (Pinesso, 2006).

No ano de 2009 a escola recebeu o nome de Escola Municipal de Ensino

Fundamental Professora Marili Dias e atualmente é formada por 15 classes no período

da manhã e 16 classes no período da tarde, atendo alunos na faixa etária de 06 a 15

anos, na maioria oriundos de famílias de baixa renda e em situação de risco social.

A escola esta localizada no distrito de Anhanguera, situado na zona noroeste da

cidade de São Paulo, pertencente à subprefeitura de Perus, região que compreende o

Vale do Rio Juquery e a Serra da Cantareira. O distrito possui 33,3 km2 de superfície,

sendo que sua maior parte é ocupada por áreas verde, segundo o Censo de 2000 foi

registrado em seu total 33 973 habitantes, sendo que 18 497 estão em áreas rurais.

A EMEF apresenta grande capacidade no desenvolvimento do pensar, pois parte

do pressuposto que o ensino não pode ser visto enquanto aquisição de informação via

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relação passiva professor-aluno-livro sem a relação com a realidade e sem a

possibilidade de transferir essas informações para diferentes situações. O ―saber fazer‖ é

o grande diferencial na proposta pedagogia da escola, pois leva ao aluno a resolver

situações reais as quais eles se deparam no decorrer da vida com auxílio dos

conhecimentos adquiridos durante a vida escolar.

Segundo o Projeto Político Pedagógico da EMEF ―Não há nada no mundo físico,

social ou psíquico que, em princípio, não possa ser relacionado aos conteúdos da

educação básica, porque o próprio currículo é um recorte representativo da herança

cultural, científica e espiritual de uma nação, de um grupo, de uma comunidade. É quase

inesgotável a quantidade de contextos que podem ser utilizados para ajudar os alunos a

atribuir significado ao conhecimento‖.

O conhecimento passa por diversas modificações as quais necessitam de certas

competências como: relacionar os conteúdos das disciplinas e áreas com fatos,

fenômenos e movimentos da atualidade; articular no trabalho de sua disciplina as

contribuições de outras áreas do conhecimento; fazer uso de novas linguagens e

tecnologias; aplicar o princípio da contextualização dos conteúdos como estratégias de

aprendizagem; selecionar contextos, problemáticos e abordagens que sejam pertinentes

à aprendizagem de cada saber disciplinar e adequado à etapa de desenvolvimento do

aluno; utilizar diferentes e flexíveis modos de organização do tempo, do espaço e do

agrupamentos de alunos; manejar diferentes estratégias de aprendizagem; selecionar,

produzir e utilizar materiais e recursos didáticos diversificados; utilizar estratégias

diversificadas de avalição e a partir de resultados formular propostas de intervenção

didática; promover uma prática didática, interdisciplinar e contextualização são partes

intrínsecas de um mesmo complexo fenômeno: o ensino (PPP- Marili Dias, 2015).

Observando as atividades na EMEF Marili Dias pode-se notar que as

competências são bem distribuídas pelos principais responsáveis em levar a

transformação dos alunos, os professores. Os quais com grande amor e dedicação

desenvolvem diversos projetos unindo problemas reais e teóricos, são projetos

interdisciplinares os quais envolvem diferentes disciplinas e diferentes temais inter-

relacionados, os projetos desenvolvidos anualmente pela EMEF são: Nas Ondas do

Marili; Imprensa Jovem; Núcleo de Ciências; Cultura Digital; Teatro & Contadores de

Histórias; Música; Trabalho Colaborativo Autoral; Projeto Palmares Vive; Mostra

Cultural; Semana de Geografia da USP.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

12216ISSN 2177-336X

25

A escolha do local para a realização da pesquisa partiu das atividades realizadas

no Núcleo de Estudos da Paisagem (NEP) o qual é um dos dois núcleos que estrutura o

Laboratório do Espaço Público e do Direito à Cidade (LabCidades), do Departamento

de Projetos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo –FAUUSP, além

das atividades desenvolvidas durantes algumas disciplinas como ICA5754-

Potencialidades e Gestão da Paisagem, oferecidas pelo Programa de Pós-graduação em

Ciência Ambiental (PROCAM USP) realizada em Perus. A partir do envolvimento com

alguns professores da Rede Municipal de Ensino observou muitos comentarem sobre a

EMEF Marili Dias e sua localização de difícil acesso, nesse exato momento a

curiosidade em conhecer a escola foi crescendo e com ela a necessidade de colocar em

prova a hipótese que o estudo da paisagem pode ser dado como uma ferramenta de

conservação ambiental.

A partir de então a proposta de trabalho foi apresentada a direção e aos

professores da EMEF, tendo como maior finalidade desenvolver as atividades em

conjunto com os projetos em andamento, a inicio proposta ousada pois envolve muitas

atividades fora do horário de aula, porém os professores e a direção aceitaram com

muita alegria e expectativa. A escola por participar fortemente com projetos

interdisciplinares possui entre os seus muitos projetos o tema ambiental presente em

suas atividades, como o projeto de sustentabilidade o qual é desenvolvido pelos

professores de ciências.

A mudança para uma sociedade ambientalmente equilibrada exigirá mudanças

na forma como as pessoas percebem umas às outras, como avaliam suas necessidades e

prioridades e como se conduzem no meio ambiente, essa percepção vai além de uma

observação interna, mas sim uma percepção do seu território. O estudo da paisagem

propõem desenvolver essas habilidade a partir do momento que todos colocam-se como

parte integrante da paisagem, segundo Besse : ― A paisagem guarda em suas formas os

sinais e marcas das vidas daqueles que nela vivem, a paisagem é um testemunho

humano, sendo por tanto, o fruto das relações entre a sociedade, sua cultura e a

natureza‖.

A paisagem é trabalhada na EMEF sendo discutida na disciplina de geografia no

6º ano, com discussões conceituais e teorias de paisagem, espaço geográfico e espaço

natural, facilitando o maior envolvimento dos alunos. O método utilizado durante as

atividades foram: a de oficina, jogos e a cartografia social participativa. Segundo Rojas

et al., Oficina é um processo de construção coletiva de uma práxis (saberes e práticas),

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que se desenvolve através da reflexão tematizada em grupo que tem como pontos de

partida a experiência afetiva, cognitiva e de ação do grupo e o conhecimento já

sistematizados a respeito do tema (referencias teóricas). Utilizando técnicas vivenciais

e lúdicas e outros recursos didáticos convencionais ou não, na medida da sua

pertinência no ―aqui e agora‖ do processo de ensino/aprendizagem em andamento.

Os jogos possibilitam que os alunos espontaneamente apresentem os seus

conhecimentos cognitivos além de adquirir novos conhecimentos com a troca de

experiências e convívio com os demais alunos. A cartografia social participativa permite

agregar sugestões, indagações políticas, interesses e a posição do homem em seu

território; com auxílio de todos os alunos a cartografia é construída de acordo com as

experiências e a vivencia dos alunos em seu território.

As atividades foram desenvolvidas uma vez por semana após a aula regular, com

a participação inicialmente de 17 alunos do Ciclo Interdisciplinar (4º, 5º e 6º) apenas os

alunos do 6º ano e também os do Ciclo Autoral (7º, 8º e 9º) durante o período de cinco

meses (Fotos1;2;3).

Foto 1,2,3 e 4: Atividades desenvolvidas durante as oficinas

Foto: Patricia Ferreira e Lima

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

12218ISSN 2177-336X

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Reflexões Finais

Todo o ser humano é responsável de forma direta ou indiretamente por seu

impacto sobre a natureza, por isso é de suma importância a percepção das ações que nos

conduzem a modificar a nossa paisagem e de que fazemos parte dessa paisagem em

modificação. A escola é um dos principais ambientes para se trabalhar com percepção

da paisagem para a conservação ambiental, pois possibilita agregar novas práticas

educacionais durante as disciplinas curriculares e interagir com a interdisciplinaridade

em diferentes ciclos.

A evolução e o crescimento da educação ambiental nas escolas proporcionou

uma maior intimidade com o tema, já que os alunos estão bem familiarizados com as

questões e problemas ambientais, o tema paisagem dentro da educação ambiental ainda

não está muito difundido, porém pode ser facilmente trabalhado já que é um tema

discutido na disciplina de geografia.

A experiência na EMEF Marili Dias evidenciou que atividades expositivas e

participativas possibilitaram a maior participação dos alunos, juntamente com

atividades que colocam problemas reais em discussão. Os alunos se sentem

responsáveis em resolver problemas que envolvem sua escola, seu bairro enfim sua

paisagem. O tema paisagem dentro da perspectiva da educação ambiental é realmente

favorável para trabalhar no Ciclo interdisciplinar e autoral do ensino fundamental.

As atividades desenvolvidas proporcionaram a construção da cartografia social,

a qual garantiu a identificação dos pontos positivos e negativos do bairro e também

propostas e ações para melhorar o bairro e conservar o meio ambiente, tanto dentro

quanto fora da escola (Figura 2).

Figura 2: Cartografia Social construída pelos alunos da EMEF Profª Marili Dias

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12219ISSN 2177-336X

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Foto: Patricia Ferreira e Lima

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12221ISSN 2177-336X

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CULTURA: A ESCOLA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS DE PERUS

Marcio Antonio Melhado Bezerra PMSP/ULC

Maria Helena Bertolini Bezerra PMSP/ULC

Miriam Marcolino dos Santos PMSP/ULC

Resumo:

A constituição do bairro de Perus, município de São Paulo, é marcada por uma grande

greve dos operários da Fábrica de Cimento Portland Perus na década de 1970, além de

reivindicações visando conquistar um Centro de Cultura e Memória do trabalhador nas

instalações fábrica, hoje desativada e tombada pelo Patrimônio Histórico de São Paulo.

Em decorrência de tantas lutas e envidando fortalecer os movimentos sociais, foi criada

a Universidade Livre e Colaborativa que, em parceria com a Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo da USP, passaram a realizar disciplinas acadêmicas no bairro. Em um dos

estudos realizados na disciplina ―Potencialidades em Gestão Ambiental‖, em 2013,

apreendeu-se a escola como importante polo de reflexão, num diálogo com Movimentos

Sociais e a universidade. Já em 2014, uma nova disciplina tinha por objetivo saber sobre

a memória da população em relação ao movimento operário e seus desdobramentos.

Estabeleceu-se a escolha de uma das escolas do bairro para saber qual a memória dos

professores e de outros integrantes a respeito da constituição do bairro, da escola e da

profissão docente. A escola selecionada foi a EMEF Profª Philó Gonçalves dos Santos.

No estudo utilizou-se a metodologia focal, em que são realizados encontros entre os

integrantes do grupo interessado em atender os objetivos da pesquisa e os integrantes da

instituição selecionada. Entre as atividades desenvolvidas na escola foram realizadas

palestras, oficinas e elaboração de biografias. A base teórica utilizada foi a dos estudos

culturais, focalizando o conceito de Sistemas de Significações e Tradição de Raymond

Williams. Dentre os resultados da pesquisa foi confirmada a centralidade da escola

como constituidora das subjetividades docentes e evidenciada a relação entre a memória

da constituição do bairro operário e a identidade dos professores, estudantes e demais

agentes daquela unidade educacional.

Palavras chave: movimentos sociais; escola; cultura.

Introdução

Perus é um bairro localizado na região noroeste do município de São Paulo. Há

registros de sua constituição como distrito a partir do início do século passado. Pode-se

afirmar que seu adensamento populacional se deu inicialmente pela instalação de duas

ferrovias, a Estrada de Ferro Perus Pirapora e a Estrada de Ferro São Paulo Railway, a

segunda, ainda no século XIX. Mas foi a instalação de uma primeira fábrica de cimento

em 1926, a Companhia de Cimento Portland Perus em seu território, destinada à

produção de cimento em larga escala, que provocou a vinda para a localidade de

famílias de operários em busca de trabalho.

É importante informar que a partir dos anos de 1950, as relações entre

proprietários e operários tornaram-se bastante tensas – até este período a fábrica

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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pertencia a um grupo de empresários, sendo a maioria das ações da fábrica pertencentes

a empresários canadenses, o que não significava que as relações de trabalho fossem

mais justas. Porém na década de 1950, a fábrica foi vendida a um empresário brasileiro,

José João Abdalla, cuja administração da empresa piorou ainda mais as relações

trabalhistas, especialmente pelo alto grau de exploração do trabalho e atrasos nos

salários e impostos.

Ressalta-se a importância da organização dos operários da fábrica de cimento

dentro do panorama do movimento operário brasileiro, pois suas lutas – dentre elas uma

longa greve de sete anos a partir do final da década de 1960, com ganhos consideráveis

ao seu término -, serviram de exemplo para outras tantas organizações sindicais

brasileiras.

Em decorrência do fechamento da fábrica em meados da década de 1980 e da

continuidade das lutas dos operários, seus familiares e muitas outras pessoas

participantes de movimentos sociais do bairro, as instalações desativadas da fábrica

passaram a ser reivindicadas para a constituição de um Centro de Cultura e Memória do

Trabalhador. Como resultado das mobilizações, em 1992, a fábrica e todo seu entorno

foi tombada como patrimônio histórico pelo Departamento do Patrimônio Histórico de

São Paulo.

Se consideradas as lutas operárias da década de 1960/1970 e a reivindicação de

um centro cultural como marcos de mobilização de boa parte da população do bairro,

outras manifestações de caráter semelhante e mais atuais, principalmente algumas delas

em torno de produções culturais, podem ser localizadas como caudatárias das

mobilizações operárias.

Da perspectiva conceitual de cultura do autor inglês Raymond Williams,

depreende-se que as práticas dos movimentos sociais do bairro de Perus constituem um

sistema de significações marcado pela tradição e que se desdobra em outras

movimentações em busca da melhoria da qualidade de vida.

Entende-se, dessa maneira, que a escola se insere em um mesmo sistema de

significações, selecionando na tradição aquilo que é considerado digno de continuidade,

sem eliminar processos de contra hegemonia – hegemonia e contra hegemonia são

conceitos elaborados por Antonio Gramsci e com os quais Raymond Williams trabalha

para explicar eventuais mudanças nas tradições.

Bezerra (2002) apresenta inúmeros elementos sobre a presença de várias práticas

escolares que se relacionam a toda ambiência histórica e cultural do bairro de Perus

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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envolvendo a fábrica de cimento e a história de luta dos operários por melhores

condições de vida, assim como pela conquista de um centro de cultura dos

trabalhadores.

Além de muitas das escolas do bairro continuarem mantendo ações pedagógicas

em torno da constituição operária do bairro, há muitos grupos organizados denominados

por coletivos culturais que constantemente se referem à luta vivida pelos trabalhadores

da fábrica de cimento como exemplo de organização e mobilização.

De Agosto a Dezembro do ano de 2013, como desdobramento de um trabalho de

pesquisa realizado pela Universidade Livre e Colaborativa (A ULC surgiu em

decorrência da organização dos movimentos culturais e sociais de Perus em torno da

criação do Centro Cultural do Trabalhador), em parceria com a Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo, sob a coordenação do

Professor Euler Sandeville Junior e da Professora Sueli Furlan do Programa de Pós

Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM/IEE USP), foi ministrada em Perus uma

disciplina intitulada ―Potencialidades em Gestão Ambiental‖ que regularmente

acontecia no campus da Cidade Universitária da USP.

A realização da disciplina teve como um dos seus principais objetivos ser um

meio para a produção de conhecimentos que pudessem contribuir ainda mais com toda

mobilização de Perus em torno da transformação da fábrica em um Centro de Cultura e

Memória do trabalhador. É importante informar que as aulas aconteceram em vários

lugares do bairro: casas dos moradores, igrejas, sindicato etc. Participaram da disciplina

alunos da graduação e pós- graduação do curso de arquitetura da USP e moradores com

o grau de estudos que tivessem, ou mesmo aqueles interessados que não tivessem

passado pelos bancos escolares. Foram priorizadas atividades de integração dos diversos

saberes através de processos dialógicos de trabalho na construção de um conhecimento

mais profundo sobre o Bairro.

Uma das aulas da disciplina de 2013 foi realizada na EMEF Jardim da

Conquista, gerando ampla discussão e apreciação de mapas, propiciando análises de

processos de ocupação na região.

Naquele momento, e como resultados dos estudos, a escola como instituição foi

evidenciada como importante polo para a reflexão sobre as condições de moradia

vivenciadas na atualidade e historicamente conquistadas pela comunidade e seu entorno.

Nos levantamentos feitos por meio de pesquisa de campo com moradores de

Perus - parte da metodologia utilizada na disciplina para a compreensão das

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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potencialidades ambientais do bairro - apreendeu-se a centralidade da escola nas

relações sociais e culturais da população. Nas entrevistas com moradores foram feitas

muitas referências à escola e sua importância na vida coletiva: ela é considerada como o

lugar de ensinar e aprender, além de ser referida como espaço de lazer, de relações de

amizade, de conflitos etc.

Considera-se que o conceito de sistema de significações elaborado por Williams

(1980) ajuda na compreensão do porque ser a escola um lócus importante para

mudanças das condições de vida dos estudantes e de suas famílias. Na realização da

vida nos centros urbanos, especialmente nas localidades mais pobres, apesar de todos os

problemas enfrentados na e pela escola, existe por parte da população o entendimento

de que a escola é um dos elementos mais importantes para o enfrentamento das

condições desfavoráveis enfrentadas pela população. A escola é entendida, ainda, como

um meio para mudanças nas condições de vida.

Na mesma direção, entende-se que o conceito de tradição elaborado por

Williams (1980), pode ser utilizado para explicar a permanência das referências

constantes e atuais à luta operária e aos movimentos sociais do bairro. Segundo o autor,

é por meio da tradição - o instrumento mais poderoso na ―definição e identificação

social da cultura‖ p.118 - , que se transmitem seletivamente os significados culturais às

novas gerações.

Desse modo, com os dados coletados durante a pesquisa de campo no segundo

semestre e dando prosseguimento à parceria entre a Universidade Livre e Colaborativa e

a Universidade de São Paulo, no primeiro semestre de 2014, decidiu-se pela realização

de uma nova disciplina aos moldes da anterior, só que desta vez voltada para saber

sobre as memórias dos moradores quanto à constituição do bairro.

Os participantes da nova disciplina foram organizados em grupos e, pela

evidência apresentada na disciplina anterior quanto à centralidade da escola nas relações

sociais e culturais, decidiu-se que um dos grupos deveria trabalhar com o mesmo tema

em uma das escolas do bairro, com o objetivo de saber qual era a memória dos

professores acerca da constituição do bairro, assim como sobre os movimentos sociais.

É importante informar que várias escolas do bairro poderiam ser escolhidas para

a realização do estudo pretendido, já que em muitas delas se constatou a realização de

ações em torno da história do bairro, porém, pela proximidade de alguns integrantes do

grupo da ULC com professores da Escola Municipal de Ensino Fundamental Profª Philó

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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Gonçalves dos Santos, e pela realização de trabalhos sobre a história do bairro de Perus

por uma professora da unidade com seus alunos, após contatos com a gestão e demais

professores, ficou acertado que seria esta escola onde se realizariam os estudos

relacionados à memória do bairro.

Considerou-se nas escolhas metodológicas que trazer à tona a memória dos

professores a respeito da constituição do bairro, invariavelmente, produziria um efeito

importante de provocá-los para visitarem suas memórias quanto à constituição de sua

profissão, incluindo as memórias sobre o exercício da docência no bairro de Perus.

Salienta-se, desse modo, que demandas específicas dos movimentos sociais

adentram a escola numa concepção participativa, a fim de difundir princípios e formas

de ação na busca da transformação ambiental e social. Assim, em conjunto com os

movimentos sociais, estabeleceu-se o diálogo sobre as diferentes formas de construção e

socialização de seus conhecimentos.

Como metodologia de pesquisa decidiu-se pela realização de encontros entre

integrantes da ULC/USP, professores da escola e gestão para efetivar os objetivos

pensados. As ações do estudo se realizaram a partir dos princípios da pesquisa focal, em

que são formados grupos e seus integrantes realizam encontros para discussão de temas

relacionados ao objetivo do estudo.

Dentre as ações desenvolvidas nos encontros, foram realizadas palestras e

oficinas, assim como a elaboração de biografias pelos professores e outros participantes.

Destaca-se a oficina realizada na escola sob a coordenação da professora Sueli Furlan

do PROCAM/IEE USP (Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental), em que

foi sugerida aos professores a tarefa de trazerem por escrito as memórias sobre suas

experiências escolares.

Os participantes dos encontros entre a ULC/USP puderam discutir sobre a escola

como lugar de ensino e aprendizagem e as relações entre o lugar ocupado por ela quanto

à permanência de certos elementos constitutivos do sistema de significação do bairro de

Perus.

Além dos encontros com os professores foram organizadas oficinas lúdicas com

as crianças do quarto ano do ensino fundamental a respeito das memórias que tinham

sobre as aulas que tiveram no segundo ano, em que a professora da turma incluiu em

sua programação curricular o tema da história de Perus, as lutas dos operários, o

passado do bairro etc.

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As oficinas, relatos dos professores (gravados e transcritos) e os textos dos

professores foram objeto de uma classificação de temas que pudesse facilitar a análise

dos dados, o que se apresenta a seguir. Ao longo da apresentação das memórias dos

professores, procurar-se-á, concomitantemente, realizar as análises, de tal sorte a

possibilitar as conclusões resultantes do estudo.

1. Os significados construídos pelos professores sobre a escola e o bairro

As recordações dos participantes dos encontros sobre seus primeiros contatos

com a escola são considerados pesarosos por grande parte dos professores. O novo

lugar, as roupas exigidas, o medo de não conseguir realizar as tarefas entre outros

aspectos, se entrecruzam com os lugares onde moravam, assim como com as

características físicas do prédio escolar, muitas das vezes consideradas bastante

estranhas.

As falas das professoras ilustram suas percepções iniciais da escola:

A 1ª imagem que me vem é meu vestidinho de xadrez, estilo jardineira,

minha malinha e meu pai me levando todos os dias a escola. No primeiro dia

de aula já no caminho de volta eu disse ―Pai, hoje foi fácil... acho que o

difícil vai começar amanhã‖ (Ana)

Como foi doloroso pra mim a escola também. A escola era muito feia. Eu

estudei na Escola Estadual de 1º grau Jardim Irene, que era uma escola

improvisada no Bairro Industrial...então ela era feita de madeira, parecia

barraco, eu achava.. azul... e era muito feia. Muito diferente da minha casa,

então eu tive uma rejeição já imediatamente.(Joana)

Apesar da imagem inicial da escola ser, na maioria dos casos, muito negativa, as

professoras afirmaram ser um espaço muito valorizado pelos seus pais. A possibilidade

de a criança fazer parte de outro mundo significava possíveis melhoras nas condições de

vida. Para as famílias, ter um filho estudando era considerado motivo de muito orgulho.

Tomando de empréstimo a concepção de Willams (1980) sobre o poder da

tradição, pode-se afirmar que as vivências sociais fizeram com que a escola fosse

incorporada seletivamente como meio para aquisição de novos conhecimentos, portanto

―(...) poderosamente operativa no processo de definição social e cultural‖ p. 118.

Embora as experiências com o mundo escolar tenham sido muito diversas para

seus ingressantes, sua importância pode ser apreendida na narrativa desta professora:

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Na minha casa a escola era algo muito importante, aguardado.. seria difícil,

meus pais falavam sempre, ―mas tem que estudar‖... então nesse caminho de

volta para casa, na verdade eu relembrava tudo isso. Meu pai estava todo

orgulhoso , afinal a filha estava estudando... Pre- escola para ele era frescura,

o importante mesmo era a escola. (Ana)

O encontro das crianças com a nova experiência social pode ser visto como um

momento singular. As opiniões das professoras variam quanto ao sentirem-se bem,

alegres pelos relacionamentos com crianças até então desconhecidas (claro que muitas

crianças se conheciam de outros lugares, como nas vivências de vizinhança, por

exemplo), entretanto, o encontro em um ambiente criado para exercer uma função

específica no meio social, em última análise, promoveu a incorporação do que é

considerado significativo socialmente, e, dentro da mesma perspectiva de análise

utilizada neste estudo, é resultante de um processo seletivo de significação. É assim que

uma das professoras relata seu contato com os novos colegas: ―Eu era canhota.. eu sou

canhota. As crianças não gostavam disso, chegavam até falar que era do lado do mal,

porque era do lado esquerdo‖. (Luana)

Ao se considerar como prática social tudo o que se faz dentro da escola e

entendendo que ela própria compõe o sistema de significações (cultura), o que é feito

dentro do espaço escolar exige especializações. Dizendo de outro modo, há um fazer

escolar que lhe é próprio. Desse modo, tarefas, livros, horários marcados, merenda entre

tantos outros elementos e aspectos, evidenciam a especificidade escolar. É da seguinte

maneira que uma das professoras relata os desdobramentos especializados das práticas

escolares:

Do meu primeiro dia de aula lembro da mão do meu pai segurando a

minha, do friozinho na barriga, do material novinho em folha, da minha

lancheira plástica, do meu uniforme: saia cinza, camisa branca, cinto

vermelho, meias três quartos brancas e sapato colegial preto (...) (Sonia)

Deste ponto de vista, e ainda segundo os apontamentos de Williams (1980), são

as instituições, além da literatura, das obras de arte etc. que ativam um sistema de

signos, fornecendo aos seus participantes uma tecnologia cultural, garantindo uma

consciência prática para que possam viver em um determinado meio social.

A organização da escola como instituição se dá por uma hierarquização

consentida, e seus participantes, entre eles estudantes, professores e demais agentes,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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devem aprender a lidar com estes seus signos, identificando e compreendendo as

diferentes funções e como se comportar diante dessa ―arquitetura‖. A narrativa de uma

professora sobre alguns desses papéis, mostra a compreensão sobre como ela deveria se

portar na escola:

Eu me lembro que quando a diretora entrava na sala todos os alunos se

levantavam para cumprimentá-la. Lembro-me da vice diretora que era muito

brava. Tinha uma inspetora também que vivia atrás dos alunos com o livro

de advertência na mão. Uma situação que me marcou muito foi que na 5ª

série eu estava com dificuldade em expressões numéricas e a professora ia

tirar licença maternidade, porém, antes disto ela foi até minha carteira e me

explicou, eu entendi e nunca mais me esqueci. Lembro-me também de um

professor de matemática que dizia que nós tínhamos que estudar nem que

fosse da meia noite as cinco da manhã. Pra que perder tempo dormindo. Ele

era muito brincalhão. Tinha também uma professora que recebeu o apelido

de Ana Bobona, pois deixava todo mundo colar na hora da prova, porém os

bobões foram os alunos que hoje tem que correr atrás do prejuízo. Fazer o

que? (Lourdes)

A perspectiva teórica que permite pensar a escola do ponto de vista cultural,

permite também relacionar as práticas escolares desiguais com o modo de vida na

sociedade capitalista. Por meio do conceito de reprodução de Bourdieu (1992), pode-se

compreender a escola como meio segundo o qual se realizam reflexões renovadas sobre

a instituição, o que talvez possa ser classificado como um processo contra cultural, à

medida que a professora compara suas práticas atuais com as relações de desigualdades

que enfrentou como estudante. Disse ela:

Várias ações da escola que eu critico hoje e que mais tarde fui entender que

era um sistema excludente, no momento não me agrediam... Por exemplo,

nunca entrei na fila dos fortes, só dos regulares e dos fracos... Eu tinha uma

vontade de ser forte mas não era... aí no dia que a professora faltava eu

sentava na outra fila, no outro dia ela me colocava no ―meu lugar‖. Eu fiquei

muito chocada, para mim era um ambiente muito inóspito e nunca mais eu

consegui sair da escola (risos). Eu tenho 42 anos. (Ana)

Já no exercício da profissão, durante os encontros realizados na escola, as

professoras foram instigadas a dar opiniões sobre seus maiores desafios no exercício

docente. Mesmo que em um plano ideal, acabaram elencando aspectos do seu trabalho

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que, em última análise, corroboram para certa continuidade dos modos incorporados na

instituição e na vida social como um todo.

Um exemplo bastante forte do que se acaba de dizer foi dado por uma professora

que, ao pensar nos desafios do trabalho que realiza na escola, apresentou elementos

suficientes para comprovar que a incorporação da cultura acontece em meio a inúmeras

vivências escolares que se dão ao longo da vida. Para ela é importante desempenhar sua

profissão com carinho, mesmo diante dos estudantes indisciplinados; cuidar daquelas

crianças que sofrem por não serem acompanhadas pelos familiares; controlar-se para

não agir de modo a se arrepender depois; atuar para a diminuição das desigualdades

sociais, pois entende que a aquisição de conhecimentos é diferenciada dependendo do

poder econômico dos estudantes; e ficar atenta para não se desumanizar diante das

dificuldades.

Há, como se constata, a reiteração da constituição da figura do professor como

alguém que tem em suas mãos a difícil tarefa de olhar e zelar por aqueles que não

tiveram as mesmas oportunidades de participar socialmente em pé de igualdade,

especialmente em relação ao conhecimento. Ao chamar atenção para o controle das

suas ações, mesmo nos momentos de maiores dificuldades, a professora manifesta

entendimentos de que seu papel social é o de manutenção dos traços culturais de sua

profissão, uma decorrência do sistema de significação.

Estar em uma escola e participar do seu cotidiano, produz entre os professores a

noção de pertencimento e identidade. A chegada e permanência na escola de Perus,

para alguns dos professores, é motivo de realização de anseios antigos.

No caso desta escola, a construção do prédio resultou de mobilização dos

professores e comunidade escolar, que antes ocupavam um prédio provisório e anexo de

outra escola. A eminência de permanecerem no mesmo local, enquanto um prédio novo

estava sendo construído, mobilizou os ocupantes do anexo para que fossem alocados no

novo prédio, o que de fato aconteceu. Assim, a constituição da escola se deu como

resultado de reivindicações e mobilizações, contribuindo para que seus professores se

identificassem em grande medida com nova escola. É da seguinte maneira que uma

professora narra sua chegada à escola e a construção de uma nova identidade a partir

deste lugar:

(...) Lembro-me do primeiro dia que coloquei os pés nesta escola e fui tão

bem recebida que tive a sensação de que tinha vindo para ficar. Aqui fiz

grandes amigos, cresci como profissional e como ser humano e devo isso às

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pessoas que, com sua ética, seu caráter e sua sinceridade me mostraram o

que era certo quando eu não conseguia distinguir o que era real e verdadeiro.

Foi aqui e não na faculdade, que tive meus melhores professores. Aqui,

descobri que com pequenas ações se consegue grandes mudanças e que

educar não é um sacerdócio, mas um ato de amor (...)

Toda ambiência escolar é constituinte de identidades culturais, assim como

constituidora de materialidades e entendimentos. A narrativa da professora sobre sua

chegada à escola e a exposição de seus sentimentos mais profundos comprovam a

escola como um referente importante no bairro, conforme atesta o estudo da disciplina

―Potencialidades em Gestão Ambiental‖.

2. As práticas escolares e memória.

As oficinas e palestras realizadas na EMEF Philó Gonçalves dos Santos, como

já dito, também focalizaram a memória da constituição da profissão docente e a

realização da docência nesta escola de Perus atualmente. Deve-se levar em conta que

este estudo está articulado a um contexto mais amplo que é toda ambiência cultural de

Perus, envolvendo a sua história e a memória.

Em muitos dos encontros na escola, quando havia alguma menção ao passado do

bairro, muitas das professoras mostravam conhecimento sobre a fábrica (especialmente

as professoras cujas famílias moram no bairro há tempos), sobre o período de greve dos

operários, sobre a poluição que a fábrica provocava etc. O passado narrado nos

encontros se misturou com o presente do bairro e da escola, principalmente nas

referências idealizadas sobre Perus ter sido um lugar mais tranquilo para se viver.

Também foi realizada uma oficina lúdica com uma turma de estudantes do

ensino fundamental do quarto ano. Esta turma, como já dito, quando estava no segundo

ano, passou por um processo de estudos sobre o bairro por opção de sua professora que

incluiu o tema em seu planejamento.

Por sorte, a mesma turma permaneceu sem mudanças significativas quanto aos

estudantes que frequentava o segundo ano, apenas com mudanças de professores. Na

oficina, por meio de um jogo, desenhos e conversas, procurou-se saber qual era a

memória dos estudantes sobre o que havia sido estudado quanto à história do bairro.

Notou-se haver identificação imediata dos estudantes quanto à presença de uma

das pessoas ligadas à ULC e que à época foi na escola para participar de uma aula e

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contar sobre a história do bairro. Os estudantes contaram de memória o que haviam

estudado anteriormente sobre a fábrica e o bairro.

Durante um jogo em que os estudantes deveriam colocar nomes relacionados ao

bairro, nomes de ruas, escolas, lugar de lazer, objeto ou lugar de história etc.

(brincadeira do Stop), de 23 estudantes participantes, 20 citaram a fábrica de cimento

como um referente da história do bairro. Foram também solicitados desenhos e muitos

deles desenharam a fábrica de cimento como elemento central.

O exemplo da ação didática realizada com esta turma de estudantes da EMEF

Philó é representativo de um contexto mais amplo que atua na constituição da

identidade de professores, estudantes e a população do bairro como um todo. Da

perspectiva da história cultural defendida por Williams (2003), não se deve pensar na

soma de histórias particulares, mas nas relações entre elas, já que é por seu intermédio

que as histórias particulares são afetadas. Ao considerarmos a perspectiva cultural

(sistema de significações), o estudo realizado na escola abordando as memórias das

pessoas, só faz sentido se estiver associado à tentativa de compreender a complexidade

social de forma relacional.

3. Considerações finais

A decisão tomada na disciplina sobre considerar a memória dos professores

quanto a constituição do bairro, conduziu o estudo para caminhos mais amplos. Quando

se pensava apenas entender quais as referências tinham sobre a história do bairro em

suas memórias, o próprio grupo organizador do estudo entendeu que era preciso ampliar

o levantamento envolvendo saber quais eram as suas memórias a respeito da

constituição da própria profissão docente, o que para o grupo fazia sentido, na medida

em que se considerou ser este um ponto de conexão entre o trabalho realizado na escola

atualmente.

A chegada dos integrantes da ULC na escola com a tarefa de trabalhar com a

memória dos professores e demais agentes educacionais e a escolha da abordagem

cultural de Williams (2003) possibilitou identificar padrões culturais (natureza das

organizações - neste caso a escola - e os relacionamentos com os movimentos sociais e

a história de lutas dos operários), o que se procurou fazer por meio da memória.

Constatou-se, desse modo, a grande importância da escola o um dos elementos mais

importantes de organizar a vida no tempo presente.

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Referências bibliográficas:

Bezerra, M.H.B. História ou Memória: a prática pedagógica voltada para história local.

A Cia. De Cimento Portland Perus e o bairro no universo escolar. Pontifícia

Universidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado, 2002.

Bourdieu, Pierre. Passeron, Jean Claude. A Reprodução. Elementos para Uma Teoria do

Sistema de Ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1970.

Williams, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.

______________.Cultura. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

______________. La Larga Revolución. Buenos Aires: Nova Vision, 2003.

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